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Sexta-feira, 28 de Janeiro de 1994
1 Série - Número 32
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
3ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE JANEIRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exm.ºs Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
S U M Á R 10
0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
A Câmara aprovou três pareceres, um autorizando um Deputado a prestar depoimento por escrito e dou não autorizando a suspensão de mandato de dois Deputados para serem presentes em tribunal.
Na abertura do debate da interpelação n.º 15/VI - Debate sobre política agrícola e situação da agricultura portuguesa (PS), intervieram o Sr. Deputado António Campos (PS) e o Sr. Ministro da Agricultura (Arlindo Cunha) e em seguida, a diverso título, além destes oradores, os Sr. Deputados António Murteira e Lino de Carvalho (PCP), Alberto Avelino, (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP), Luís Fazenda (Indep.), António Martinho (PS), André Martins (Os Verdes), Luís Capoulas Santos (PS), Carlos Duarte (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), Costa e Oliveira (PSD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Antunes da Silva (PSD), Fialho Anastácio (PS) e Francisco Bernardino Silva (PSD)
Encerraram o debate o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos (PS) e o Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro).
Entretanto, a Câmara aprovou o projecto de resolução n.º 84/VI - Apoio à
Proposta de atribuir ao Bispo D. Ximenes0 Belo o Prémio Nobel da Paz para 1994.
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos. Adriano da Silva Pinto. Alberto Cerqueira de Oliveira. Alberto Monteiro de Araújo. Alípio Barrosa Pereira Dias. Álvaro José Martins Viegas. Américo de Sequeira. Anabela Honório Matias. António Augusto Fidalgo. António Costa de Albuquerque de Sousa Lara. António da Silva Bacelar. António de Carvalho Martins. António do Carmo Branco Malveiro. António Esteves Morgado. António Fernando Couto dos Santos. António Germano Fernandes de Sá e Abreu. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Barradas Leitão. António José Caeiro da Motta Veiga. António Manuel Fernandes Alves. António Maria Pereira. António Moreira Barbosa de Melo. António Paulo Martins Pereira Coelho. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Arménio dos Santos. Belarmino Henriques Correia. Carlos Alberto Lopes Pereira. Carlos de Almeida Figueiredo. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves. Carlos Manuel de Oliveira da Silva. Carlos Manuel Duarte de Oliveira. Carlos Manuel Marta Gonçalves. Carlos Miguei de Valleré Pinheiro de Oliveira. Cecília Pita Catarino. Cipriano Rodrigues Martins. Delmar Ramiro Palas. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva. Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista. Fernando dos Reis Condesso. Fernando José Russo Roque Correia Afonso. Fernando Santos Pereira. Filipe Manuel da Silva Abreu. Francisco Antunes da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva. Hilário Torres Azevedo Marques. Jaime Gomes Milhomens. João Alberto Granja dos Santos Silva. João do Lago de Vasconcelos Mota. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. João José da Silva Maçãs. João Maria Leitão de Oliveira Martins. Joaquim Cardoso Martins. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Vilela de Araújo. Jorge Avelino Braga de Macedo. Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha. José Alberto Puig dos Santos Costa. José Albino da Silva Peneda. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Ângelo Ferreira Correia. José Augusto Santos da Silva Marques. José de Almeida Cesário. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Júlio Carvalho Ribeiro. José Leite Machado. José Luís Campos Vieira de Castro. José Manuel Álvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Manuel Nunes Liberato. José Mário de Lemos Damião. José Pereira Lopes. Luís António Carrilho da Cunha. Luís António Martins. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Acácio Martins Roque. Manuel Albino Casimiro de Almeida. Manuel. Antero da Cunha Pinto. Manuel da Costa Andrade. Manuel de Lima Amorim. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Manuel Maria Moreira. Maria da Conceição Figueira Rodrigues. Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira. Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa. Maria Helena Falcão Ramos Ferreira. Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos. Olinto Henrique da Cruz Ravara. Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Carlos Alvarez Carp. Rui Fernando da Silva Rio. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Simão José Ricon Peres. Telmo José Moreno. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Ana Maria Dias Bettencourt. António Alves Marques Júnior.
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António Alves Martinho. António Carlos Ribeiro Campos. António de Almeida Santos. António Domingues de Azevedo. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Luís Santos da Costa. António Manuel de Oliveira Guterres. António Poppe Lopes Cardoso. Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Eduardo Ribeiro Pereira. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques. Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Helena de Melo Torres Marques. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Manuel Santos de Magalhães. José Rodrigues Pereira dos Penedos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira. José Fernando Araújo Calçada. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira. António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. António Monteiro de Castro. Manuel José Flores Ferreira dos Ramos. Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.
João Cerveira Corregedor da Fonseca,
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 372/VI - Cria o observatório do mundo rural (PCP), que baixou à 10.ª Comissão; proposta de resolução n.º 54/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo sobre Transportes Rodoviários Internacionais entre a República Portuguesa e o Reino da Noruega, que baixou à 5.ª Comissão; e inquérito parlamentar n.º 18/VI - Apreciação do Processo de Privatização do Banco Totta & Açores (PCP).
Informa-se os Srs. Deputados de que já se encontra reunida, desde as 15 horas, na Sala do Senado, a Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste; pelas 16 horas, reúnem a Comissão de Petições e, pelas 17 horas, a Comissão de Saúde e a Subcomissão Permanente da Toxicodependência, respectivamente.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 4.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Adriano Moreira (CDS-PP) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo do Tribunal de Polícia de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do
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Sr. Deputado Armando Vara (PS), para efeito de ser submetido a julgamento no âmbito do processo que corre termos pela 3.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal de Polícia de Lisboa.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 5.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do Sr. Deputado Macário Correia (PSD), para efeito de ser submetido a julgamento no âmbito do processo que corre termos pela 2.ª Secção do 5.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos iniciar a interpelação n.º 15/VI Debate sobre política agrícola e situação da agricultura portuguesa (PS).
Para a abertura do debate, nos termos regimentais, tem a palavra o representante do PS, Sr. Deputado António Campos.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Portugal foi o primeiro país a negociar um acordo de adesão que previa um amplo período de transição e uma especificidade própria para a agricultura, aquando da integração na Comunidade.
Esse período de transição garantia cerca de 10 anos de fortes apoios financeiros comunitários com algum controlo interno da política de preços. 0 reconhecimento da especificidade própria permitia uma negociação permanente de orientação interna, de modo a adaptar o sector ao Mercado único.
Durante todos estes anos, denunciei, nesta Casa, com a veemência de que fui capaz, que os apoios financeiros não estavam a ser canalizados para a adaptação do sector mas, sim, para o controlo político de associações e de alguns agricultores. Nesta Casa, denunciei também com profunda indignação a falta de políticas e a incompetência das negociações na Comunidade, as quais levariam ao descalabro da agricultura.
A maioria e o Governo consideravam, então, essas denúncias e essa indignação demagógicas e infundadas. E confesso-vos hoje aqui, com toda a sinceridade, que todo esse estado de revolta que vos transmitia não pressupunha, no meu imaginário, a rapidez e a dimensão da destruição que atingiu o sector agrícola nacional.
Os agricultores perderam 45,6 % do seu rendimento nos últimos três anos: 15 % em 1991, 13,6 % em 1992 e estima-se que atinja 17 % em 1993. São indicadores impressionantes da crise! Se acrescentarmos que, para um valor bruto da produção agrícola anual de 550 milhões de contos, há um endividamento do sector que ronda os 450 milhões de contos, dos quais cerca de 100 milhões de contos são já de crédito malparado, compreenderão a angustiante dimensão do problema.
0 endividamento ronda os 80 % do valor da produção bruta do sector, o que o coloca à beira do colapso total. Se ainda vos informar que o principal valor patrimonial, que é a terra, desvalorizou cerca de 50 % nos dois últimos anos, poderão analisar o que espera os agricultores e as instituições que os financiaram.
Dos cerca de 100 milhões de contos de crédito malparado, aproximadamente 70 milhões estão nas mãos das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo. Estas terão de se preparar para se transformarem nos maiores agentes de transacções imobiliárias, ficando muitas delas pelo caminho.
São indicadores arrasadores que inviabilizam o sector e todos compreenderão que nos aproximamos rapidamente de uma grande catástrofe nacional.
Portugal é um pequeno país que tem cerca de 80 % do seu espaço territorial integrado no mundo rural, o qual só terá vida e ocupação se a agricultura for uma actividade económica viável. É aí, nesse espaço, que cerca de 14 % da população activa ainda granjeia a sua subsistência; é nesse mundo que Portugal encontra boa parte da sua identidade nacional e é com essa actividade produtiva que, em situação de grave crise internacional hoje bem mais admissível do que ontem, o país garante a sua própria sobrevivência alimentar.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Qual dos Srs. Deputados aceitaria o abandono desse espaço, a perda dessa identidade ou a destruição desse sector estratégico? Todos responderiam que não aceitariam. Então, por que permitem, com este silêncio cúmplice, que um Governo incompetente tudo faça para que isso aconteça?
A propaganda do Governo é a dos milhões que, em nome da Comunidade, despeja no sector fazendo crer que não há solução para a agricultura.
À maior injecção financeira de sempre, corresponde a maior e mais profunda crise de todos os tempos. Todos perguntarão como é possível este paradoxo! Se acrescentar, para vossa informação, que a perda de rendimento médio na Europa é insignificante (e que, por exemplo, em Espanha até aumentou 21 % em 1993), maior será a vossa perplexidade.
Tudo isto acontece em Portugal não só porque o Governo recusou sempre a definição de uma política de transição, preferindo fazer política partidária, como as negociações na Comunidade e as alterações da PAC não tiveram em conta os interesses nacionais. Ainda hoje, oito anos após a integração, o que se discute em Portugal é se os milhões são muitos ou poucos e não as políticas para onde deveriam ser canalizados.
0 Governo e a brutal rede de comissários políticos, deliberadamente financiados em nome dos agricultores, escondem a crise e evitam a discussão pública. Mais de 1000 milhões de contos foram já devorados.
De 1 de Janeiro de 1986 a 31 de Dezembro de 1992, foram gastos no sector 970 milhões de contos, segundo dados oficiais fornecidos pelo actual Ministro à Comissão de Agricultura e Mar em Março de 1993. Esses dados são oficiais mas, como o Sr. Ministro e alguns dos seus comissários, conforme lhes convém, são useiros e vezeiros
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em desmenti-los, passo à sua discriminação: 300 milhões de contos para investimento, 78 milhões de contos para indemnizações, 479 milhões de contos para prémios e ajudas ao rendimento e 112 milhões de contos saídos dos bolsos dos agricultores, correspondentes a 37,5 % da comparticipação destes nos investimentos.
É urgente que a consciência nacional se erga e a viabilização da agricultura portuguesa se discuta como um dos maiores problemas nacionais com que nos defrontamos. Depois do estrondoso falhanço que está à vista, tem de ser exigido por todos a definição rigorosa de uma política, a transparência na utilização dos meios e a competência de quem a executa.
Há muito que nós vimos clamando e exigindo nesta Assembleia que, para viabilizar o sector, tem de haver uma actuação concertada em seis frentes: optimização dos recursos naturais; definição de políticas rigorosas para as produções com vantagens comparativas no quadro europeu; organização comercial do sector; valorização e organização das riquezas regionais específicas; política florestal ordenada e actuação macro-económica compatível com a Europa.
É pela actuação negocial no quadro comunitário e pelo rigor da aplicação dos meios nestas seis áreas que viabilizar-se-á em parte o mundo rural e a agricultura portuguesa. Dos 970 milhões que foram dispendidos de 1986 a 1992, poucos chegaram a estas áreas, porque o objectivo fundamental não foi viabilizar o sector, mas tentar comprar para segurar o poder.
Aplausos do PS.
Vamos referenciar com brevidade o essencial a realizar concertadamente nessas seis áreas.
A primeira grande operação de optimização dos nossos recursos naturais passa pela definição de um Plano Nacional de Aproveitamento Hídrico que dê prioridade à irrigação dos solos de alta capacidade produtiva, para não se cometerem os mesmos erros do tempo de Salazar. É ver como a Espanha aproveitou e continua a aproveitar esses recursos estratégicos.
0 clima é uma das maiores dádivas, o que nos diferencia do resto do continente europeu. Esse clima favorece-nos na antecipação, na variedade e na qualidade de inúmeras produções, mas penaliza-nos em seis meses de seca, o que nos obrigaria a cuidar capazmente da irrigação dos nossos solos.
Somos dos países mediterrânicos que de mais recursos hídricos dispõe e aquele que menos os aproveita. Os planos de rega do vale do Vouga, da Cova da Beira, do Algarve, de Trás-os-Montes, da Beira Interior ou do Alentejo estão parados ou só andam na boca dos políticos da maioria. Com os 970 milhões de contos, nem um único plano de rega colectivo arrancou, mas fala-se agora do Alqueva a 30 anos de vista.
Com o clima que temos, dispomos de vantagens comparativas nos sectores da horticultura, fruticultura, floricultura e vinhos. São quatro produções sem qualquer política e sem qualquer ajuda, as únicas expostas à concorrência mundial sem qualquer protecção. Aliás, uma das razões da brutal perda de rendimento dos agricultores portugueses é a de estes sectores não terem qualquer protecção comunitária. E, pasme-se, Srs. Deputados, nestas produções, temos condições para nos transformarmos em exportadores mas, incompreensivelmente, foi onde mais cresceram as nossas importações, excepção feita ao vinho.
Nenhum país da Europa tem melhores condições naturais do que nós, mas a incompetência é tanta que até as produções ligadas às nossas vantagens comparativas naturais estão a ser destruídas.
0 avanço dos planos de rega tem a ver com a dinamização da horticultura, fruticultura e floricultura e com a manutenção de um sector pecuário e de uma produção de leite que teve um crescimento explosivo desde os finais dos anos 70 até 1991.
A média de crescimento anual da última década rondou os 15 %. Em 1992, anulámos esse crescimento anual e a queda da produção atingiu os 3 %; em 1993, rondará os 7 % e, dentro de dois anos, ultrapassará os 15 %.
A organização comercial do sector agrícola é um verdadeiro escândalo de incompetência. Desde 1986 a 1992, foram gastos 103 milhões de contos de fundos comunitários e de comparticipações orçamentais nacionais nesta actividade.
Todos sabemos que precisávamos urgentemente de ter construído, logo após a adesão, 15 a 20 grandes zonas de concentração da produção, onde os produtos fossem embalados, a qualidade garantida, o marketing promovido e muitas vezes o produto ou produtos conservados e armazenados. Essas grandes zonas de concentração, uma cópia alargada dos mercados de origem europeus, seriam os grandes fornecedores de uma rede de mercados abastecedores, das grandes superfícies comerciais e da indústria agro-alimentar. Os produtos com qualidade e apresentação iriam para o consumo e os que só têm qualidade seguiriam para a indústria alimentar.
As 15 ou 20 zonas de concentração teriam custado cerca de 20 milhões, os cinco ou seis mercados abastecedores 30 milhões e ainda tinham sobrado 53 milhões para os disparates do Ministro. Nada disto foi feito!
Aplausos do PS.
Assim, gastaram-se, em nome dos agricultores, 103 milhões de contos em pequenos armazéns ou estações fictícias que são hoje, na sua maioria, estruturas de recepção das importações em que Portugal está a especializar-se. Não há nem um único mercado abastecedor ou uma única grande zona de concentração e nem o apoio à indústria alimentar foi prosseguido.
Portugal tem riquezas agrícolas específicas de alta qualidade que não têm concorrência, que urge organizar internamente e procurar lançar nos mercados externos. Refiro-me a alguns queijos, produtos de alta qualidade em qualquer parte do mundo, a frutos nacionais como, por exemplo, a pêra Rocha ou a maçã Bravo de Esmolfe, a carnes ligadas a raças autóctones como a mirandesa, a vinhos como, por exemplo, o Vinho do Porto, etc..
Qualquer governo minimamente atento aos interesses nacionais, num quadro de abertura de fronteiras, saberia que era prioritário um programa de apoio e de dinamização destas riquezas. Infelizmente, este não sabia!
A floresta é uma grande riqueza nacional que tem estado a ser devorada pelos incêndios e pelas celuloses. Hoje, as celuloses estão falidas e o eucalipto desvalorizado, razão por que os incêndios têm diminuído nos dois últimos anos.
Para esta produção, entre 1986 e 1992, foi canalizada a verba irrisória de 27 milhões de contos e precisamos de aumentar a área florestal de 3,2 milhões de hectares para mais de cinco milhões.
É urgente relançar a floresta nacional, mas baseada em espécies de uso múltiplo. 0 eucalipto foi a única espécie que aumentou de área, não por interesses nacionais, dado
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que não temos vantagens comparativas de competição com os outros continentes, mas por interesses privados de amigos e os resultados desastrosos nesta área estão à vista.
A política macro-económica fez da agricultura uma das suas principais vítimas: vendeu três anos do período de transição por 106 milhões de contos; fez de Portugal o caixote de lixo alimentar europeu, abrindo as fronteiras sem um esforço capaz do controlo da qualidade, com o único objectivo de baixar os preços e controlar a inflação; manteve um escudo caro, principalmente em relação à peseta, o que garantiu a fácil invasão da produção externa, sobretudo da espanhola e manteve taxas de juro insuportáveis que, só no ano passado, custaram cerca de 75 milhões de contos aos agricultores. Por outro lado, há altíssimos custos de factores de produção como a electricidade, o gasóleo, os adubos, etc., que são incompatíveis com a concorrência externa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estas seis acções concertadas, juntamente com os mais de mil milhões de contos, teriam viabilizado uma boa parte do sector. Mas os cereais, as máquinas, o compadrio e a corrupção foram os grandes contemplados corri os milhões!
Aplausos do PS.
Os cereais, principalmente os de sequeiro, têm os seus dias muito dificultados a partir de 1997. Hoje, 1 Kg de trigo recebe 60 % do seu valor em ajudas, mas 1 Kg de batatas, de pêras, de maçãs, ou um litro de vinho, de leite não recebem um tostão. É o funeral mais caro de uma produção agrícola da história portuguesa!
As máquinas, grande parte desactualizadas para o tipo de agricultura que vai sobreviver, vão, em percentagem elevada, ficar paradas a prazo muito limitado. 0 compadrio e a corrupção foram neste sector as actividades de êxito.
0 período de transição negociado não foi aproveitado para definir uma política rigorosa de apoio às produções com possibilidades concorrenciais no quadro europeu, que foram mesmo as mais abandonadas.
Os Ministros da Agricultura, depois da integração, portaram-se sempre como obedientes Directores-Gerais da Comunidade, esquecendo-se que eram Ministros de Portugal. As negociações de alteração da Política Agrícola Comum foram um crime nacional. Os dois patronos, Arlindo Cunha e Mac Sharry, vão ficar na história por terem conseguido a reforma mais conservadora, mais discricionária, mais antimodernização e mais antiportuguesa que alguma vez a Comunidade produziu!
Aplausos do PS.
Mais conservadora, porque subsidia a posse da terra e não quem a utiliza para produzir.
Mais discricionária, porque apoia os proprietários de terras cerealíferas, a grande maioria localizadas no Norte da Europa, e não apoia os proprietários das produções do Sul.
Antimodernização, porque paga para não produzir.
Antiportuguesa, porque as produções para que temos aptidão ficaram sem apoios à produção e sem apoios ao rendimento, como sejam a vinha, os pomares, os produtos hortícolas, etc.
Li nos jornais que o Ministro Arlindo Cunha vai ser candidato a Deputado ao Parlamento Europeu. Espero que, de acordo com a nova legislação comunitária, seja eleito pelos alemães, porque esses bem lhe devem o voto pelos altos serviços prestados!
Aplausos do PS.
Os portugueses, quando conhecerem em profundidade a acção governativa deste Ministro, vão ter vergonha de algum voto que lhe confiaram.
Todos sabíamos que a Política Agrícola Comum precisava de ser reformada. Infelizmente, a Europa não tem condições naturais para manter a agricultura em concorrência livre com outros continentes, pois precisou - e continua a precisar - de uma política comum de protecção, única forma de manter esse sector altamente estratégico. Foi esse sentido estratégico que motivou o núcleo inicial da Comunidade a lançar, pela primeira vez, uma política concertada entre os Estados-Membros. Essa política obteve um êxito total, transformando esses países deficitários em matéria alimentar nos segundos exportadores mundiais.
Impunha-se, pois, o abrandamento significativo na protecção dessas produções excedentárias que estavam a distorcer os mercados mundiais e a integrar na mesma política de protecção as produções significativas dos Estados que, entretanto, aderiram à Comunidade.
Protestamos energicamente contra esta reforma da PAC e com mais violência contra quem a negociou e, ainda por cima, a festejou. Numa altura em que a Comunidade lança várias políticas comuns não faz sentido Portugal ter sido o motor da negociação de duas políticas agrícolas: uma, de protecção ao Norte e, outra, de abandono ao Sul da Europa.
Este Ministro e o Comissário Mac Sharry sabiam que não estavam a negociar nenhuma reforma da política agrícola mas, sim, a entenderem-se com os americanos para assinarem os acordos do GATT, agravando ainda mais a posição de Portugal em matéria de dependência alimentar e desvalorizando de forma significativa as nossas vantagens comparativas no quadro europeu.
Os acordos do GATT impõem a baixa das tarifas alfandegárias em 36 % e algumas em 20 % nos próximos seis anos, as ajudas directas à produção caem 20 %, ficando, assim, de fora as ajudas ao rendimento por ha entretanto criadas pela reforma da PAC.
Ora, como as produções em que temos vantagens comparativas não têm ajudas à produção nem ao rendimento por ha ficaram completamente desprotegidas no quadro europeu e no dos Acordos do GATT, ao contrário do que aconteceu com as produções do Norte. 0 Ministro, depois de assinar e promover a reforma para poder concluir os acordos do GATT, vem agora dizer que essas protecções virão. Quando? Como? Deveriam ter vindo antes das assinaturas da reforma e dos Acordos do GATT, como aconteceu para as produções do Norte da Europa.
Agora, onde estão os mecanismos e a força política para consegui-los? Só existem na demagogia política do Ministro que não lutou na altura própria, restando-lhe agora a promessa para inglês ver.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Hoje só queremos discutir com o Sr. Ministro e com os Srs. Deputados a política agrícola. Para isso, no quadro regimental, o PS agendou esta interpelação.
Sei que o Sr. Ministro foge dessa discussão como o diabo da cruz. A democracia incomoda-o e tudo faz para que a derrocada da agricultura se dê no silêncio dos deuses. Mas, hoje, o Sr. Ministro tem de justificar aqui os seus actos e explicar a sua incompetência ao destruir o sector e desafio-o a esclarecer, perante esta Câmara, como foi possível, com a injecção de mais de 1000 milhões de contos nos últimos oito anos, os agricultores, em 1991, 1992 e 1993, terem perdido 45,6 % dos seus rendimentos? Pergunto-lhe, Sr. Ministro: o que faria a um gestor que, com tantos meios, obtivesse como resultado a ruína da empresa que dirige?
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Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Informe-nos como vai segurar o valor da terra que só nos últimos dois anos caiu em 50 %, dado que é a principal garantia de financiamento bancário dos agricultores.
Explique-nos: como vai evitar a falência de um sector que deve 450 milhões de contos, quando o valor da sua produção anual ronda os 550 milhões e mesmo se lhe juntar os cerca de 85 milhões de ajudas obtém uma receita bruta de 635 milhões?
Gostaríamos de saber o que vai acontecer a algumas das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, que já hoje suportam a grande maioria dos 100 milhões de contos de crédito mal parado que rapidamente duplicará, pois as recentes medidas de bonificação de alguns empréstimos são irrelevantes.
Portugal é, cada vez mais, um país dependente do exterior, em matéria alimentar, pondo em risco a nossa própria independência nacional. 0 mundo rural é, hoje um espaço em abandono e em desespero, onde a fome e a miséria estão a emergir a grande velocidade. As aldeias portuguesas são, cada vez mais, lares da terceira idade, onde cada idoso, como complemento à sua magra reforma social, se transforma em agricultor para não morrer de fome.
A agricultura como sector económico estratégico entrou em destruição e os agricultores em falência, sendo o Sr. Ministro um dos principais responsáveis por esta situação.
É já tarde para lhe pedir que defina uma política agrícola, que abra o seu Ministério à transparência, que deixe de suportar a legião de comissários ou que desembainhe a espada contra a corrupção. 0 falhanço da política agrícola é tão estrondoso que todos os que estão de boa fé, há muito compreenderam que este Ministro não tem qualquer engenho e arte para governar.
Há anos que vivemos a maior e mais emocionante viragem histórica nacional dos últimos séculos. É uma angústia essa viragem histórica estar nas mãos de um Governo com muitos governantes mas sem nenhum estadista e, por isso, estão a ser feridos de morte interesses vitais de Portugal.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
0 Sr. Ministro da Agricultura (Arlindo Cunha): Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Governo apresenta-se neste debate parlamentar com a atitude política que sempre o moveu: o confronto de opções e de orientações, equacionando, com transparência, a situação agrícola e dando conta aos portugueses das grandes realidades do sector, nunca escamoteando as dificuldades, mas assumindo que a agricultura portuguesa é estrategicamente importante, porque social e economicamente decisiva pra um desenvolvimento global e equilibrado do País. E a plena consciência das dificuldades e das debilidades estruturais do sector que fundamentam as opções e as batalhas políticas que temos travado. A economia agrícola é hoje, em todo o mundo, e em particular na União Europeia, uma economia apoiada e assim terá de continuar a ser.
Ora, uma das questões de fundo, que muito gostaria de ver mais debatida com profundidade entre nós, é a de saber como compatibilizar os sistemas de apoio à agricultura com a necessidade de gerar eficiência económica, através da modernização das estruturas agrárias, incluindo a produção, a comercialização e a transformação.
Esta matéria é tanto mais sensível porquanto vivemos, hoje, por vocação, opção e inevitabilidade histórica, num quadro globalizante de economias fortemente concorrenciais, porque fortemente excedentárias, e parcialmente desajustadas das realidades do mercado.
Por outro lado, em todos os grandes espaços económicos, verificamos que o sector agrícola está em fase de intenso ajustamento a novas realidades e enquadramentos, situação inevitável, que não é lícito omitir. Esquecer isto ou não o ter em devida conta é o ponto de partida para a rejeição das transformações que a Europa assumiu no quadro da reforma da PAC e das negociações do GAIT.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi positiva a escolha desta data para este debate, é o momento em que, finalmente, estão estabilizadas as grandes regras do jogo que vão enquadrar, de futuro, a agricultura a nível europeu e mundial.
A nível interno, as orientações são claras, a nova filosofia de apoio aos rendimentos e à gestão dos mercados começou a ser aplicada, introduzindo claras melhorias na sua distribuição e, brevemente, vão ter início os programas de aplicação das medidas de acompanhamento da reforma da PAC, sendo certo que teremos de vencer algumas barreiras culturais e sociológicas, que caracterizam uma fatia ainda substancial da nossa população agrícola, em particular, no que respeita à cessação antecipada de actividade, que constitui também um importante contributo para a melhoria da eficácia da nossa agricultura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Por outro lado, desenhámos um programa de desenvolvimento regional, de 1994 a 1999, consubstanciando as grandes orientações que, do nosso ponto de vista, marcarão o futuro e, sem nunca perdermos de vista a dimensão da renovação estrutural do sector e dos sistemas agro-culturais do País, entendemos a actividade agrícola integrada no conceito global do mundo rural, que o desenvolvimento e o crescimento económico potenciam noutras vertentes.
Hoje, em que se assiste a uma redefinição de funções produtivas e se fala já no sector quaternário da economia, não faz sentido continuarmos a fazer coincidir, redutoramente, a agricultura com o espaço rural.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - 0 conceito da multifuncionalidade da actividade agrícola ganha força no mundo desenvolvido, em que nos integramos progressivamente, e pode constituir - aliás, como alguns programas que lançámos já o atestam - um factor de equilíbrio no desenvolvimento do nosso mundo rural. A função produtiva do mundo rural não tem, hoje, a exclusividade agrícola que deteve no passado e, nas nossas actuais condicionantes em matéria de solos, de clima, de proteccionismo histórico dos mercados, de estrutura etária avançada da população rural, não podemos colocar-nos na atitude quase medieval dos velhos tempos, em que mais de um milhão de portugueses vivia, modestamente, do que a terra dava. A distribuição do potencial de riqueza, que a agricultura portuguesa pode gerar, não dá para tanto. Há que assumir isto com coragem política!
0 projecto de futuro próximo, conforme referi, consubstanciado no novo PDR, apresenta as grandes prioridades e instrumentos que consideramos decisivos para continuar
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mos o processo de modernização e esbater as nossas debilidades.
Desde logo, como factor fundamental, é a aposta na água que, progressivamente, poderá alterar as condições culturais agrícolas e permitir mais e melhores soluções para os agricultores. E sem incluir o Alqueva, que constitui, em si mesmo, um grande projecto de fins múltiplos, propomo-nos beneficiar, neste período, cerca de 85 000 ha.
Outra vertente decisiva das orientações de política agrícola tem a ver com o mercado, na linha de um conjunto de iniciativas que o Ministério tem vindo a desenvolver, com base na ideia central de que «não basta produzir, há sim
que produzir para o mercado». A afirmação da produção para o mercado só pode ser gerada pelo fomento da capacidade organizativa dos produtores e pela constituição de agrupamentos fortes, do apoio à comercialização dos
produtos agrícolas nacionais e da permanente preocupação de qualidade da nossa produção. E, a este respeito, importará referir que dispomos, já hoje, de 47 agrupamentos de produtores para a comercialização de produtores agrícolas, quando, há dois anos, tínhamos apenas quatro, e propomo-nos reforçar ainda mais o seu número.
Nesta mesma linha e, em particular, no que respeita ao fomento da qualidade, vamos pôr a funcionar as denominações de origem de um vasto conjunto de produtos regionais de qualidade, apresentámos já para aprovação da Comissão Europeia 63 dossiers respeitantes a outros tantos produtos de qualidade, e refiro ainda a aprovação de candidaturas à promoção comercial dos produtos agrícolas, que
correspondem já a um apoio concedido de 350 000 contos, visando facilitar o seu escoamento no mercado.
Temos a ideia de que não é, nem pode ser o Estado, o agente directo do desenvolvimento agrícola. São e terão de ser os agricultores organizados. Daí o nosso entendimento de que se torna necessário uma forte aposta no homem e nas suas organizações profissionais.
Se reconhecermos a fraca formação técnica e profissional de uma fatia importante da população agrícola, a estrutura etária elevada do sector e o que isso representa na ambição empresarial e na modernização, não podemos
deixar de apontar as baterias para a formação profissional, para o reforço da capacidade técnica e de gestão das organizações de agricultores e para a melhoria sistemática da informação agrária. A este respeito, contamos apoiar 130
organizações de agricultores; criar 20 serviços de vulgarização, de assistência técnica, além de, anualmente, preparar cerca de um milhar de técnicos formadores e mais de 8000 agricultores.
Um quarto vector central das nossas opções, definidas no novo PDR, diz respeito à questão florestal. Nas medidas de acompanhamento da reforma da PAC, queremos dar corpo ao entendimento, consensual e já de longa data, de que há, em Portugal, uma vasta área que, apresentando fraca aptidão agrícola, pode e deve ser aproveitada para a floresta.
Pensamos que, para além do regadio e da extensificação cultural, associada à produção de qualidade, a floresta representa hoje, sem dúvida, uma alternativa
técnica, ambientalmente adequada e ainda atractiva do ponto de vista do rendimento dos agricultores. No PDR, a floresta continua também a ser um eixo fundamental, tendo em vista a sua protecção, beneficiação e expansão, naquela que é, de há muito, a sua área tradicional de implementação. E, porque assim pensamos, propomo-nos atingir cerca de 400 000 ha de floresta, entre
beneficiação e nova arborização, considerando o conjunto dos financiamentos oriundos do PDR e das medidas de acompanhamento da nova PAC.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, um erro sistemático de alguns sectores da oposição é a constante confusão entre a avaliação da evolução estrutural do sector e a situação de conjuntura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Vejamos, com seriedade, os aspectos mais importantes que caracterizam estes dois quadros de análise, em que podem, como sempre temos afirmado, ser detectados elementos positivos e negativos.
Primeiro aspecto: quem pode negar aqui, nesta Câmara, a clara evolução estrutural positiva do índice de modernização tecnológica da nossa agricultura?
Aplausos do PSD.
Deixo apenas alguns exemplos: primeiro, a duplicação do parque de máquinas durante os últimos 10 anos.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Claro!
0 Orador: - Segundo, a modernização directa de mais de 35 000 explorações agrícolas, que apresentaram projectos de investimento, e as mais de 250 000 explorações agrícolas que foram abrangidas pelos vários programas do PEDAP.
Terceiro, a criação ou a modernização de mais de 700 empresas agro-industriais e agro-comerciais, com especial incidência nos sectores dos horto-frutícolas, do vinho, do azeite, da carne e dos lacticínios.
Quarto, os 125 000 ha de regadio beneficiado ou criado de novo.
Risos do PS.
Quinto, a reestruturação e plantação de mais de 30 000 ha de vinha, pomares e olival.
São apenas alguns exemplos, já conhecidos dos Srs. Deputados, que tiveram por corolário lógico o aumento das produções, da produtividades e uma clara melhoria global da qualidade dos nossos produtos. Tudo isto imbuído de uma lógica que privilegiou os agentes económicos do sector na clara assunção da mudança.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Os resultados estão à vista!
0 Orador: - A preocupação constante da diminuição progressiva do peso do Estado espelha-se em questões tão evidentes como a reprivatização da agricultura alentejana e ribatejana, a aplicação do PROAGRI, com mais de 200 técnicos já contratados pelas organizações agrícolas, o peso actual dos agrupamentos de defesa sanitária na cobertura do País, que abrangem já 90 % dos efectivos de pequenos e grandes ruminantes, e a formação profissional, entre inúmeras outras funções transferidas do Estado para o mundo agrícola, aproximando-as, assim, daqueles que são os verdadeiros interessados.
Porque é, hoje, claro que a presença permanente do Estado - de que, aliás foram arautos no passado o PS e o PCP - foi uma das principais causas do atraso da nossa agricultura, a transferência progressiva de funções do Estado para os agricultores e suas organizações continuará a ser uma das prioridades básicas da nossa política agrícola.
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Mas isto não significa que defendamos uma visão estritamente liberal da política agrícola, mas tão só a clara demarcação da real vocação dos poderes públicos. A agricultura deve ser apoiada, agora e no futuro, aqui como em qualquer parte do mundo, mas o Estado não pode nem deve substituir-se à iniciativa e vontade próprias dos agentes económicos.
Aplausos do PSD.
Segundo aspecto: sendo claro que o quadro da evolução estrutural é francamente animador e potencia esperanças de futuro, é igualmente verdade que não nos podemos sentir tranquilos, porquanto há factores de conjuntura que carregam negativamente os últimos dois anos de algum pessimismo.
0 sinal visível é, sem dúvida, a baixa sensível do rendimento, mas dizer apenas isto é muito pouco. Todos sabemos que esse facto tem a sua razão de ser na acção conjugada de quatro grandes factores: a inevitável harmonização dos preços nacionais aos comunitários - e quem negociou a adesão, em 1985, já sabia bem disso, é bom que não se esqueça, pois a memória, por vezes, é curta -; o aumento da concorrência gerada pela abertura dos mercados; os encargos da dívida, desde 1986, resultantes da explosão do investimento e do nível elevado das taxas de juro; e, por fim, há que referir - e faço-o sem qualquer ponta de alegria- o peso decisivo da baixa de rendimento destes dois últimos anos, considerados como maus anos agrícolas, devido a factores climáticos, tendo-se verificado quebras de produção substanciais ao nível dos cereais e das forragens, em 1992, e do vinho, da batata, do azeite, da fruta e do arroz, em 1993.
Reconhecemos os dados macroeconómicos que têm condicionado, fortemente, a conjuntura, mas teremos de nos interrogar sobre o que seria da agricultura portuguesa, cuja morte vem sendo anunciada, desde há muito, por algumas forças da oposição, sem o efeito compensador da política agrícola que seguimos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Quando estamos a subsidiar o gasóleo, 13 milhões de contos por ano, a criar linhas bonificadas de desendividamento para apoiar renegociações de dívidas à banca, linhas de relançamento de actividade e moratórias, que ascenderam a 58 milhões de contos de operações contratadas, em 1992, e a 80 milhões previstos para 1993, estamos ou não, Srs. Deputados, a intervir em elementos essenciais dos custos dos factores de produção?
E não ficaremos por aqui, porque posso anunciar, hoje nesta Câmara, que o Governo decidiu tomar mais duas importantes medidas.
0 Sr. António Campos (PS): - Mais um pacote para destruir a agricultura!
0 Orador: - A primeira tem a ver com a bonificação do custo da energia eléctrica utilizada para fins produtivos na agricultura, que corresponderá a uma redução do seu preço em cerca de 20 %.
0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Só faltava aumentar!
0 Orador: - A segunda liga-se com a criação de um sistema regular de crédito de campanha, que terá uma bonificação média da taxa de juro de cerca de cinco pontos percentuais.
Aplausos do PSD.
Trata-se de aspirações antigas dos nossos agricultores que, finalmente, foi possível tomar realidades e que terão um grande impacto na redução dos seus custos de produção.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em síntese, e porque gosto de ser muito concreto, devo dizer que a política agrícola prevista para o futuro próximo passará pelas seguintes prioridades: a modernização estrutural da produção e dos mercados, combinando os instrumentos do PDR com as medidas de acompanhamento da reforma da PAC, que têm vocação e natureza estruturantes; a articulação das medidas estruturais sectoriais com outras medidas complementares, num quadro integrado de desenvolvimento rural, o que será feito combinando os programas do PDR com o programa LEADER II ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: -... a aplicação eficaz das medidas de apoio ao rendimento constantes da reforma da PAC, reforçadas com uma aplicação alargada e socialmente mais vantajosa das indemnizações compensatórias aos agricultores das regiões desfavorecidas; continuação da desestatização do sector, com o reforço da transferência de funções do Estado para as organizações agrícolas (reversão de terras ainda na posse do Estado, sanidade animal, formação profissional, vulgarização agrícola, informação e assistência técnica); implementação de medidas aceleradoras da baixa dos custos dos factores de produção, designadamente no custo do dinheiro e da energia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho dúvidas de que não foi apenas o clima meteorológico que nos levou a alguns estados de alma mais negativos, já que o mau clima que algumas forças políticas se têm esforçado por criar - o discurso sistematicamente miserabilista, o martelar na ideia de que o dinheiro gasto com a agricultura não serviu para nada, a suspeição constantemente lançada sobre cada agricultor que recebeu subsídios -...
Vozes do PS: - Não é isso!
0 Orador: - ... só serve para desencorajar os agentes económicos do sector e manchar a sua validade social.
Aplausos do PSD.
Quem assim se comporta está a prestar um mau serviço à agricultura portuguesa e ao País. Os efeitos psicológicos da campanha política gratuita fazem, com certeza, mais estragos do que muitas secas ou enxurradas, a que infelizmente já assistimos.
Aplausos do PSD.
Srs. Deputados, convido-vos a uma discussão séria, serena, sobre o futuro, com os pés bem assentes na nossa terra nas suas dificuldades e também nas suas potencialidades e anseios.
Aplausos do PSD, de pé.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Campos, está inscrito o Sr. Deputado António Murteira.
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Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Agricultura, estão inscritos os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Luís Capoulas Santos, António Lobo Xavier, António Campos, Luís Fazenda, António Martinho, André Martins, Alberto Avelino,
Carlos Duarte, Narana Coissoró e Costa e Oliveira.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, lamento ter de dizê-lo mas assistimos aqui a um discurso quase patético, em que, mais uma vez, o Sr. Ministro da Agricultura ensaia a fuga. Fuga para a frente ....
Vozes do PSD: - Falso!
0 Orador: - ... fuga para o futuro, fuga às realidades, fuga ao miserabilismo que o Governo criou na agricultura portuguesa. Contudo, o Governo não pode fugir às realidades, porque elas são demasiado evidentes e cruéis.
Os agricultores portugueses são obrigados a pagar as taxas de juro e os factores de produção mais caros da Comunidade. Essa é a realidade que temos de discutir com seriedade!
A agricultura portuguesa está à beira da falência, com uma dívida de 350 milhões de contos. Essa é a realidade que temos de discutir com seriedade!
0 País está quase totalmente dependente dos alimentos do estrangeiro, com um défice agro-alimentar de 70 %. Essa é a realidade que temos de discutir com seriedade!
Os agricultores portugueses estão mais pobres e, alguns, mais falidos. Essa é a realidade que temos de discutir com seriedade!
Face a esta situação, gostaria de ouvir o Sr. Deputado António Campos sobre o seguinte: como encara o facto de, numa situação destas, o nosso país não ter ainda uma lei de bases de política agrária que permita enquadrar os investimentos e definir objectivos claros a fim de que, até ao fim do século, a nossa agricultura vença a batalha, que temos de vencer, quer o Governo queira quer não?
Como é que o Sr. Deputado António Campos e o Partido Socialista encaram os impactos, previsivelmente mais agressivos, da nova reforma da PAC, dos novos acordos do GATT e das reformas dos produtos mediterrânicos na nossa agricultura?
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, coloquei nesta Câmara, hoje, a situação real do sector agrícola. Denunciei aqui o estado de pré-falência, por incapacidade política do Sr. Ministro e da maioria que o apoia, que estão a liquidar um sector estratégico e decisivo para Portugal. Trouxe, pela primeira vez, para a Câmara dados de discussão, mas sei que esta maioria e este Ministro não a querem. Há um ano que o Ministro não vinha ao Parlamento e a maioria não aceita a discussão.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Para eles, o silêncio significa continuar a devorar os milhões de contos, sem uma discussão clara e frontal sobre um problema fundamental para Portugal.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Sei que esses problemas de Portugal são secundários para o Sr. Ministro e para a maioria. Sei que os vossos interesses partidários, de compadrio e de amigos, são bem superiores aos interesses de Portugal. Só assim, depois da intervenção que fiz na tribuna, posso aceitar o vosso silêncio assim como o silêncio, nas respostas, do Sr. Ministro da Agricultura.
Como é óbvio, Sr. Deputado, todas as negociações feitas por este Ministro e festejadas por esta maioria nada têm a ver com os objectivos iniciais que nos levaram à integração na Comunidade. A possibilidade negocial do período de transição, a reforma da política agrícola comum, de facto, nada têm a ver com os interesses portugueses, sendo apenas importante para um determinado grupo de agricultores portugueses.
Denunciei que mais de 70 % da produção nacional, que representam a grande capacidade produtiva de Portugal, não têm, por parte do Sr. Ministro, qualquer ajuda comunitária ou qualquer negociação capaz tendo como objectivo a sua protecção.
Sabemos que essa negociação, como eu disse na intervenção, é um crime nacional, porque este Ministro fez a «jogatina» pura dos países do Norte da Europa ao proteger os produtores de cereais e ao garantir algumas protecções para os produtores de carne, que são as grandes produções desses países. Não há uma única produção nacional específica de um país mediterrânico que este Ministro possa garantir, hoje, ter beneficiado nas suas negociações! E isto porque ele tem sido um «director-geral», tem sido um homem ao serviço da Comunidade...
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.
0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
... e não tem sido um defensor dos interesses de Portugal junto da Comunidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Percebo que tenham de fazer silêncio perante tudo isto. É óbvio que o Sr. Ministro sabia que, quando estava a negociar as alterações da Política Agrícola Comum, não estava a negociar essas alterações mas os acordos do GATT.
Contudo, o Sr. Ministro tinha uma dupla responsabilidade nessa negociação: se defendesse os interesses nacionais quanto às alterações da Política Agrícola Comum, estaria também a defender a assinatura dos acordos do GATT.
Porém, isso não foi feito e o Governo veio festejar para a rua meia dúzia de tostões que arranjou para os têxteis, mas esqueceu-se de anunciar ao País que tinha dado mais uma «facada de morte» na agricultura portuguesa!
Srs. Deputados, apresentei aqui um quadro negro e desafio o Sr. Ministro e a maioria a desmentirem os elementos que vos trouxe. Qualquer português consciente deitaria as mãos à cabeça, angustiado pela situação a que levaram o sector da agricultura. Sei que preferem o silêncio, porque é nesse silêncio que vão destruindo um sector primordial e decisivo para Portugal!
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Passamos, agora, aos pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Agricultura.
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Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, em grande parte do seu discurso V. Ex.ª teve uma atitude típica do PSD e do Governo nos últimos tempos: fugiu a fazer o balanço da sua política agrícola, fez, como foi dito, uma fuga para a frente, acenou-nos com os «amanhãs» que cantam para procurar «passar uma esponja» pelo passado. No entanto, como alguém disse, se o futuro é o amanhã do passado, não se pode analisar as políticas para o futuro sem se fazer o balanço desse passado e da política agrícola que o Governo e o Sr. Ministro têm protagonizado.
Esse passado diz-nos que, ao longo destes anos, desde que nos integrámos na Comunidade e que temos o consulado do PSD no Ministério da agricultura, foram transferidos para o sector, em média, 500 000 contos/dia.
Ora, uma política mede-se não só pela forma como responde aos interesses nacionais e como resolve os problemas sociais mas também pela sua própria eficácia. Os resultados estão bem à vista: são desastrosos e dizem-nos que, apesar desta volumosa transferência de meios, os agricultores perderam, desde que entrámos para a Comunidade Europeia, um rendimento real - que já inclui os subsídios, pelo que não é só um problema de actualização de preços mas também a comprovação da tese de que os subsídios não diminuem e não encobrem a quebra de rendimentos de cerca de 50 %, a nossa dependência agro-alimentar atingiu níveis preocupantes em termos de segurança alimentar e o mundo rural viu-se despovoado de cerca de 600 000 portugueses durante a última década.
0 Sr. Ministro fala muito na defesa do mundo rural, mas, nas condições concretas do nosso país, não se pode falar do mundo rural se não se falar de agricultura, nem desta sem se falar de agricultores. Na medida em que o Governo destrói o tecido produtivo agrícola, ele está, obviamente, a destruir o mundo rural!
V. Ex.ª oferece-nos o amanhã. Mas o que temos no amanhã? Temos uma reforma dos produtos mediterrânicos em curso, de que a reforma para o sector vitivinícola já aí está, a qual, em vez de promover, apoiar e estimular produções onde poderíamos ser competitivos, encara para o sector uma filosofia idêntica à da reforma da PAC, isto é, de destruição das produções onde poderíamos ter algumas vantagens comparativas.
Fala-nos na reforma antecipada para os agricultores, que, de acordo com os próprios cálculos do Ministério da Agricultura, não chega a atingir 5 % do universo dos agricultores e que, sem medidas alternativas, vai contribuir para a desertificação progressiva do mundo rural.
Fala-nos em medidas agro-ambientais, as quais, aplicadas de acordo com os vossos próprios estudos, vão contribuir ainda para a perda de rendimento nos vários sectores onde elas se aplicarem.
15to é, V. Ex.ª a anuncia-nos para amanhã a continuação da política do passado, ou seja, a destruição de um sector estratégico nacional, como o Sr. Ministro disse, e bem, mas que, na prática, tem destruído.
Face a isto, como tem o Governo resolvido o problema? Sobretudo, através de uma política «clientelar». 15to é, o Governo apostou, sobretudo, em negociar subsídios fungíveis, os quais distribuiu através de uma rede «clientelar» que criou, pondo como pivot dessa distribuição uma confederação - a CAP -, para, a partir daí, atenuar o descontentamento dos agricultores. É intolerável que, com a marginalização das outras organizações, o Ministério da Agricultura tenha transferido para a CAP, desde que Portugal entrou para a Comunidade, cerca de oito milhões de contos de fundos comunitários.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.
0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Quero saber por que razão, Sr. Ministro!
Esta política «clientelar» tem criado, de facto, uma enorme rede de corrupção, que tem atravessado e tem assentado arraiais no Ministério da Agricultura. São as fraudes nos cereais e nos negócios de rações; são as fraudes nos leites; são as fraudes no crédito agrícola; são as fraudes na formação profissional; são as fraudes na atribuição do subsídio de gasóleo; são as fraudes relativamente aos fundos destinados às florestas - e o último episódio com a ARBOPOR, em Trás-os-Montes, prova-o; são as fraudes e o tráfico de influências em matéria de caça; são as irregularidades nos processos ligados à sanidade animal; são, inclusivamente, Sr. Ministro, como aqui quero denunciar, a perseguição e os processos disciplinares a funcionários do Ministério da Agricultura, que têm a coragem de denunciar as irregularidades verificadas na atribuição dos fundos comunitários.
0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
0 Orador: - Concluo, de imediato, Sr. Presidente.
No fundo, é esta a política que V. Ex.ª nos oferece, Sr. Ministro.
Por isso, a minha pergunta é a seguinte: com este passado, que esperança e confiança podemos ter nesta política?!
Aplausos do PCP.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Tem a ver com a orientação dos trabalhos ou com as decisões tomadas pela Mesa, Sr. Deputado?
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Na minha óptica, tem, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Espero que sim. Em todo o caso, lembro-lhe o teor do n.º 3 do artigo 88.º do Regimento: «Não há justificação nem discussão das perguntas dirigidas à Mesa».
Assim sendo, V. Ex.ª faz a pergunta dirigida à Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, para efeitos de registo em acta e porque tem a ver com condução dos trabalhos, parece que causou alguma surpresa o facto de nenhum Deputado da minha bancada ter colocado questões ao Sr. Deputado António Campos.
0 Sr. Presidente: - 15so não é uma decisão da Mesa, Sr. Deputado.
0 Orador: - Assim, para efeitos de registo em acta, gostaria de esclarecer que o Sr. Deputado António Campos ainda não revelou hoje uma tranquilidade e um equilíbrio emocional que nos assegurem uma discussão séria, fria e sensata destas questões. Por isso, não lhe colocámos qualquer questão.
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Aplausos do PSD.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, por meio minuto, Sr. Deputado.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, reconheço a grande dificuldade do PSD em tomar parte nesta discussão.
0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que se cinja à típica interpelação à Mesa, ou seja, que se limite a discutir o modo como a Mesa está a orientar os trabalhos.
0 Orador: - Assim como reconheço ao PSD, perante o total falhanço político, a grande dificuldade em discutir esta questão agrícola. Portanto, também compreendo que o silêncio dos Srs. Deputados é um silêncio conivente com essa destruição, porque...
0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado. Volto a lembrar-lhe que não está propriamente a criticar algo que a Mesa tenha feito e é para isso que serve a interpelação à Mesa.
0 Orador: - Espero que o debate surja, porque estamos a discutir um dos problemas mais importantes de Portugal e não é com pequenas fugas políticas que podemos sair do cerne da questão.
Hoje, a maioria e o Sr. Ministro têm de discutir aqui os cernes de um problema grave para Portugal.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Agricultura responderá de três em três pedidos de esclarecimento.
Peço-lhes, Srs. Deputados, que se circunscrevam ao tempo concedido para os pedidos de esclarecimento, que é de três minutos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.
0 Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, parece-me que o discurso do Sr. Ministro está exaurido; o Sr. Ministro está exaurido e a sua política também.
0 Sr. Deputado Luís Capoulas - hoje, Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar -, há cerca de cinco anos, creio, dizia, a propósito de uma exposição minha, que eu estava a ser demasiado radical e miserabilista. 15to, quando eu fazia o retrato dos tempos vindouros. Pergunto-lhe se eu tinha, ou não, razão, quando, decorrido esse tempo, a produção e o rendimento baixam em cerca de 46 a 50
Quem é que tinha razão, na altura?
0 Sr. Ministro disse que a agricultura estrategicamente era importante, mas não referiu de que maneira o era. Contudo, afirmou - imagine-se! - que socialmente era decisiva. Sr. Ministro, socialmente é estar sentado no rebate de uma porta à espera do sol-posto da vida?
Disse também ter havido uma modernização das máquinas. Ora, a grande maioria das máquinas são verdadeiros estaleiros de ferro-velho e, quando acabar a política de subsídios aos cereais, mais não serão do que ferro-velho autêntico, deixado nos próprios campos, porque nem sequer haverá dinheiro para levá-los para os estaleiros de ferro-velho.
As orientações são claras, adiantou V. Ex.ª. Mas onde está a clareza, Sr. Ministro? Nos matadouros regionais? Nas PEC, que são um desastre económico de milhões de contos? Nos mercados de origem? Nas empresas de sucesso, como a Europroteínas? Nas empresas do Sr. Thierry Roussel, que arrebatou ao Governo português milhões de contos? Dizia, há pouco tempo, o Mestre David Ribeiro Telles que, como agricultor, recusava-se a dar entrevistas, porque já não era agricultor mas, sim, um mero recebedor de subsídios. Não se lhe arrepela a alma, Sr. Ministro, ao ouvir isto?
V. Ex.ª disse também que um milhão de portugueses viviam, pobre e mal, do que a terra lhes dava. Direi que, agora, eles vivem miseravelmente daquilo que a terra não lhes dá! Na altura, viviam explorando a terra e produzindo alguma coisa; agora, vivem de alguma pastorícia e, alguns, da caça. 15to é, de facto, voltar aos tempos medievais.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já passaram três minutos.
0 Orador: - Estou quase a terminar, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, dessas muitas empresas agrícolas, gostaria que citasse o nome de algumas com um mínimo de sucesso no sector agrícola.
E disse que é um erro sistemático da oposição... Será um erro sistemático mostrar-lhe o mundo real, a realidade, ou o senhor limita-se a caminhar para o campo em busca de javalis com o seu séquito de secretários de Estado?
0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
0 Orador: - Por outro lado, afirmou não ter uma visão estritamente liberal da agricultura. É claro que não, porque nem sequer isso tem. 0 que tem é uma visão de libertinagem de actuação e de circunstância; é um «andar ao Deus dará», porque, como eu disse, não há qualquer política, ela está exaurida.
Desista de ser político, Sr. Ministro! Demita-se!
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quero fazer-lhe uma pergunta, mas, em primeiro lugar, como não fizemos perguntas ao Sr. Deputado António Campos, porque as dúvidas que tinhamos referiam-se à posição do Governo e não à do PS, começaria por esclarecer que o silêncio da bancada do CDS-PP em relação à intervenção do Sr. Deputado António Campos está completamente nos antípodas da declaração que o Sr. Deputado Antunes da Silva acabou de fazer.
Posto isto, o que queremos, hoje, dizer ao Sr. Ministro e saber nesta interpelação do PS, é o seguinte: também já trouxemos aqui este tema, numa tarde não memorável, sendo as nossas diferenças, em termos de políticas globais, conhecidas. Temos muitas reservas sobre os aspectos positivos do que foi feito em matéria de abastecimento, de distribuição e de insuficiência dos fundos públicos necessários para acompanhar a agricultura portuguesa, insuficiência clara e alarmante perante o permitido pelas regras comunitárias. E temos a ideia de que o Governo português trata a agricultura tendo em conta o peso relativo da
agricultura portuguesa na agricultura europeia e não o peso
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relativo da agricultura portuguesa no conjunto do nosso
país, em termos económicos e, sobretudo, sociológicos.
A medida desse desequilíbrio de tratamento, Sr. Minis
tro, está na comparação entre os fundos do Orçamento do
Estado que se destinam, por exemplo, às empresas públi
cas - à TAP, por exemplo - e os fundos públicos do Or
çamento do Estado que se destinam, em geral, à agricultu
ra portuguesa. De facto, o critério do Governo está nessa
desproporção evidente.
Porém, hoje, é talvez chegado o momento de retomar
mos algumas perguntas de pormenor, que não tivemos
ocasião de fazer, na altura. E a primeira diz respeito ao Risos do PCP.
funcionamento do programa operacional seca 1992193. Vi-
mos esse programa com alguma expectativa, porque dele
esperava-se a solução, pelo menos parcial, de um dos pro
blemas fundamentais da agricultura, que é o excessivo
endividamento dos agricultores. Esse programa previa a
renegociação das dívidas dos agricultores, o aumento do
prazo para pagamento das mesmas e a bonificação dos ju
ros, tendo o IFADAP emitido várias circulares contraditó
rias explicativas sobre o funcionamento e o acesso a esse
programa. Contudo, as nossas informações revelam que
mais de um terço das candidaturas a esse programa foram
excluídas pelo IFADAP com a alegação de um «juridismo»
curioso e ridículo: é que essas circulares referem que o
programa abrange a renegociação das dívidas ou dos mon
tantes que se encontram em dívida, até 15 de Outubro de
1993, mas o IFADAP lê esta circular como se se tratasse
de dívidas ainda não vencidas, tendo, portanto, recusado
as candidaturas relativas às dívidas vencidas, ou seja, as
correspondentes aos problemas mais instantes e dramáticos
do endividamento dos agricultores portugueses. Trata-se de
dívidas de curto prazo, relacionadas com a campanha. Es-
tas medidas foram anunciadas em Agosto e os agricultores,
naturalmente, esperavam a renegociação dessas dívidas -
muitos deles não cumpriram, porque não puderam ou por
que esperavam a renegociação -, mas o IFADAP faz esta
leitura curiosa, que afasta da candidatura a esse programa
as dívidas que ainda não venceram, como se as que já se
venceram não continuassem ainda a ser dívidas.
0 Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino, já, Sr. Presidente.
a segunda questão é a seguinte: o que pensa o
Sr. Ministro dos atrasos constantes do INGA, em violação
das regras comunitárias, na atribuição das ajudas? Já apre-
sentámos uma proposta no sentido de a burocracia do Es
tado, que prejudica os agricultores, pagar juros, como acon-
tece quando os contribuintes se atrasam no pagamento dos
impostos. 0 que é que o Sr. Ministro pensa de uma solu-
ção desse tipo e por que é que não se modifica o timing
da atribuição de subsídios por parte do INGA?
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o
Sr. Ministro da Agricultura.
0 Sr. Ministro da Agricultura: - Sr. Presidente, come-
ço por responder às questões que me foram colocadas pelo
Sr. Deputado Lino de Carvalho. A primeira delas relacio
na-se com uma referência feita ao meu discurso, ao dizer
que fiz uma fuga para a frente, falando sobre o futuro. É
curioso, Sr. Deputado Lino de Carvalho, porque, se eu ti
vesse falado do passado, o senhor criticava-me por não falar
do futuro. Ora, como falei do futuro, o senhor criticou-me
por não ter falado do passado.
Sr. Deputado, vim aqui para falar de política agrícola, do que acerca dessa matéria está a ser perspectivado e trabalhado pelo Governo e pelo Ministério, e o senhor critica-me exactamente por isso. Sou «preso por ter cão e preso por não ter»! Atente no bom senso da sua observação, Sr. Deputado, que, em minha opinião, é nenhum!
0 Sr. Deputado Lino de Carvalho fez outra observação sobre a reforma antecipada, voluntária, dos agricultores que queiram aceder ao sistema. Sr. Deputado, como sabe, segundo a nossa filosofia política, esse sistema é voluntário e não, como na antiga União Soviética, obrigatório.
Ora, sendo este sistema voluntário, não podemos adivinhar exactamente quem vem candidatar-se a ele. Daí não podermos dizer-lhe se a nossa previsão é de 70 000 ou de mais 11000 trabalhadores. Mas se esse número representar 5 % da população activa agrícola, já o considero como uma belíssima meta a atingir.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - São 6500!
0 Orador: - Está mal informado, Sr. Deputado!
0 Sr. Deputado falou aqui ainda sobre subsídios dados à CAP e, sobretudo, numa rede de compadrios. Ora, os subsídios dados à CAP e a outras organizações são transparentes e conhecidos. Sabe-se que a CAP recebeu um apoio para a sua sede como centenas de outras cooperativas também o receberam. Porém, o senhor falou ainda de compadrios. Sr. Deputado, em matéria de compadrios, só não me sinto ofendido pelas suas palavras por considerar que elas fazem parte da sua linguagem parlamentar...
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Fazem parte da verdade!
0 Orador: - ... e talvez de um certo papel da oposição com alguma verborreia política e politiqueira.
Em matéria de seriedade, de transparência e de rigor, não admito que o Sr. Deputado faça qualquer insinuação ou que me dê lições! E, se tem alguma coisa a apontar-me, vá para o tribunal!
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado Alberto Avelino, no seu pedido de esclarecimento, começou por fazer uma referência ao parque de máquinas, dizendo que era só ferrugem e ferro velho. É verdade, por isso é que foi duplicado, o que quer dizer que há tantas máquinas novas como, antes, havia de velhas. Portanto, julgo que se trata de uma conclusão muito lógica que, com certeza, V. Ex.ª também já teria tirado.
Naturalmente que não estará contra a mecanização, porque, como sabe, é um índice de progresso da agricultura e da sua modernização!
Depois, falou muito contra os subsídios, dizendo que há agricultores que se queixam porque, agora, só recebem subsídios. São as regras do jogo, Sr. Deputado, mas ninguém é obrigado a recebê-los, pois, quem não quiser, não os recebe!
Mas, se o Sr. Deputado é contra os subsídios, então, assumam aqui, o senhor e o seu partido, que são contra os subsídios aos agricultores.
Nós entendemos que o subsídio não é por comiseração, mas, sim, por uma função que o agricultor europeu desempenha na Europa, porque precisamos da agricultura para
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o equilíbrio do mundo rural. Se o Sr. Deputado é contra esses subsídios, então, o seu partido que assuma que é contra e diga-o.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado Alberto Avelino, em relação ao seu conselho para que me demita, quero apenas fazer o seguinte comentário: deixo essa questão para o Sr. Primeiro-Ministro e para o povo português.
0 Sr. Alberto Avelino (PS): - Por aí perde-se, Sr. Ministro!
0 Orador: - 0 povo já há oito anos que não segue o seu conselho, Sr. Deputado, e tenho a certeza de que também agora o não seguirá!
Sr. Deputado António Lobo Xavier, gostaria de responder, com alguma objectividade, a duas observações que fez.
A primeira é sobre aspectos técnicos que têm a ver com o IFADAP e com as suas interpretações das circulares relativas às linhas de desendividamento. Essa questão está ultrapassada e, aliás, o próprio IFADAP já esclareceu isso. De facto, eu próprio ouvi agricultores, que vieram ter comigo, a contar essa história. Se houve essa dúvida, ela, hoje em dia, está dissipada e esclarecida.
0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - E os projectos recusados podem voltar a ser apresentados?!
0 Orador: - Sr. Deputado, como sabe, estamos a falar sobre dívidas por investimento e cabe ao IFADAP, como é óbvio, a interpretação da legitimidade e do enquadramento dessas dívidas. Naturalmente, cabe à banca um papel importante de enquadramento e ao IFADAP a opção de dizer «sim» ou «não», consoante avalie com rigor essa candidatura. Obviamente, o IFADAP não vai dizer «sim» a tudo, o que é normal, porque, se o dissesse, isso significaria que estava tudo bem, o que não acontece normalmente.
De qualquer forma, quero dizer-lhe que, no que respeita ao desendividamento, negociámos com a Comissão Europeia, no quadro do próximo PDR, continuar com esta linha de acção, ou seja, se for necessário reforçar esta dimensão da política agrícola, já assegurámos que o regulamento do FEOGA deixa margem de manobra para isso.
Em relação à questão dos atrasos do INGA, devo dizer que, de facto, houve atrasos em relação a um tipo de pagamentos, ou seja, em relação a algumas ajudas às culturas arvenses, principalmente cereais, em que houve um atraso de algumas semanas. Atenção, é preciso não generalizar!
A este respeito, gostaria de dizer, com objectividade, o que aconteceu.
Em primeiro lugar, o INGA recebeu 300 000 candidaturas, isto apenas para lhe dar uma ideia da dimensão dos processos que ele tem de analisar. Por isso, se toda aquela gente que diz que os apoios à agricultura são para os compadres tem aqui uma ideia do número de agricultores que se candidatam aos apoios. Foram 300 000 candidaturas aos apoios do INGA!
Em segundo lugar, devo dizer que algum desse atraso ficou a dever-se a uma razão muito especial. É que, como foi o primeiro ano da aplicação da reforma da PAC, fomos flexíveis no prazo das candidaturas, ou seja, prolongámos mais um mês, e, em alguns casos, até mais, o limite máximo para os agricultores apresentarem as candidaturas. E fizémo-lo porque era o primeiro ano e muitos agricultores não estavam bem informados.
Simplesmente, se alargamos o prazo das candidaturas, o período para análise desse dossier fica mais curto e a decisão, obviamente, também tem de, como reverso da medalha, ser um pouco protelada. «Não se pode meter o Rossio na Rua da Betesga»! Portanto, se alarguei o prazo de inscrição, também tenho de alargar o prazo de decisão, porque os processos são muitos.
Em terceiro lugar, algum deste atraso também se ficou a dever ao facto de o INGA, ao mesmo tempo que analisa os dossiers e paga as ajudas, não abdicar de pôr em prática o seu sistema de controlo.
Aliás, aqui há algumas pessoas que pensam 8 e outras que pensam 80, pois uns dizem que não se devia fazer controlo e outros dizem que se devia fazer um controlo quase pidesco. Ora, nós fazemos um controlo de acordo com as normas do FEOGA, nem mais nem menos, mas não abdicamos desses controles. Esta é uma razão pela qual alguns processos também demoram mais tempo.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, quero confessar-lhe que fiquei decepcionado com o seu discurso.
Eu próprio, por uma questão de frontalidade, procurei dar a conhecer, de manhã, aos meios de comunicação social, todos os dados de que me servi para fazer o diagnóstico da crise da agricultura portuguesa. Fi-lo para que o Sr. Ministro da Agricultura nos pudesse confirmar aqui o diagnóstico, nos dissesse se ele era verdadeiro ou não e quais as medidas propostas.
Sobre a quebra de rendimentos, sobre o endividamento do sector, sobre como é que vai solucionar o problema da terra, que é a única garantia, o Sr. Ministro nada respondeu, apesar de eu ter tido o cuidado de denunciar isso na imprensa, com 24 horas de antecedência, para que V. Ex.ª viesse preparado. Pelo contrário, V. Ex.ª traz para aqui um discurso que não tem qualquer significado em relação ao momento actual da agricultura portuguesa.
0 Sr. Ministro disse que nós fazemos um discurso miserabilista, mas quem é o coveiro da agricultura portuguesa é V. Ex.ª. Que autoridade moral tem o Sr. Ministro para falar nestes termos, quando está a enterrar e a destruir completamente a agricultura portuguesa? No sector, nunca houve tantos meios, mas também nunca houve tanta incompetência e tanta falta de política. E o senhor sabe que isso é que está a destruir a agricultura!
Acusa-me de denunciar aqui agricultores por corrupção e por compadrio. Devo dizer-lhe que nunca denunciei qualquer agricultor. 0 que, nesta Casa, tenho denunciado são os seus compadres de corrupção - dirigentes cooperativos e dirigentes de associações - que, em nome dos agricultores, ficam com o dinheiro e, muitas vezes, com a conivência do Sr. Ministro, porque não actua capazmente sobre eles. Repito: o Sr. nunca me ouviu aqui denunciar agricultores.
Sei que o Sr. Ministro fica perturbado quando lhe denuncio um dos tais amigos que V. Ex.ª protege! Mas o senhor não pode dizer, porque tal não é verdadeiro e honesto, que faço campanha contra os agricultores. Eu faço campanha, sim, mas contra os seus compadres, que o senhor protege e que se governam em nome dos agricultores.
Vozes do PS: - Muito bem!
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0 Orador: - 0 Sr. Ministro disse que eu anuncio que o dinheiro não beneficiou a agricultura. Ó Sr. Ministro, o que lhe digo é outra coisa, é que o dinheiro que o senhor trouxe - mais de mil milhões de contos -, que foram distribuídos pelo sector, não têm qualquer interesse para a agricultura de hoje, nem para o futuro da agricultura portuguesa, porque, em relação a tudo o que podemos produzir, o senhor não tem uma única medida política definida. Não tem uma única medida para a fruticultura, para a vitivinicultura, para a horticultura, para a floricultura e para as nossas outras potencialidades.
0 Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro sabe que destruiu o sector da agricultura e vem para aqui, de má consciência, fazer ataques, quando não tem autoridade moral para os fazer.
Gostaria ainda de chamar a atenção para mais dois pequenos pormenores.
Falou-nos do PDR. Mas que nos interessam os seus PDR ou os seus pacotes? Eles não têm significado na actual crise do sector agrícola, que precisa é de medidas políticas, Sr. Ministro!
Para fazer frente aos jornalistas, o Sr. Ministro não pode vir aqui dizer: «vou dar 5 % ao crédito de campanha» ou «vou beneficiar a electricidade em 20 %». 0 senhor, que é Ministro de Portugal, tem de anunciar medidas de fundo, porque a agricultura está a afundar-se e o senhor é um dos principais responsáveis pela crise em que ela se encontra.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
0 Sr. Luís Fazenda (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, muitos agricultores queixam-se de insuficiência de participação e de limitações na auscultação das suas ideias e opiniões e, a nosso ver, há uma falta de democratização no sector da agricultura. E facto típico ou facto expoente desta situação parece-nos ser a continuada marginalização da Confederação Nacional da Agricultura e o adiamento continuado do seu reconhecimento como parceiro social.
Portanto, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro da Agricultura se está definitivamente posto em letra de lei a unicidade confederativa, porque parece ser essa a política que tem preponderado, e se não será um índice de compadrio o facto de uma confederação de agricultores estar a ser excluída, sem qualquer razão, daquilo que é a concertação social e a discussão do futuro da política agrícola, e até da política económica mais geral, em Portugal.
Em segundo lugar, Sr. Ministro da Agricultura, gostaria também de dizer que V. Ex.ª brindou-nos aqui com um discurso acerca daquilo que é uma filosofia liberal, de intervenção reduzida no mercado, e, inclusivamente, até proeurou situar os limites dessa intervenção. Gostaria de dizer, no entanto, e sem acinte, que a sua argumentação me pareceu falaciosa, porque tira da cartola duas medidas, tardias e insuficientes, que não são mais do que uma intervenção no mercado.
Falando com muitos agricultores, foi-me dito que, de todos os factores que têm vindo a ditar a sua quebra de rendimentos, um dos principais é a ausência de um papel preponderante do Estado no escoamento, na distribuição e na comercialização dos produtos agrícolas e, inclusivamente, que essa intervenção estatal seria absolutamente necessária para, neste período transitório, em que a concorrência e a competição se acentuaram extraordinariamente, poderem sobreviver, associar-se e vencer esta batalha da modernização.
Por isso, pergunto-lhe se não é necessário rever essa política e passar a uma situação em que o Estado tenha um papel preponderante na comercialização e no escoamento dos produtos agrícolas. Essa filosofia liberal parece-me ser, afinal de contas, uma máscara para uma situação que não é mais do que o afastamento do mercado de muitos milhares de produtores, que acabam por não poder competir.
Esse, sim, será o verdadeiro saldo dessa falácia liberal. Será assim ou não, Sr. Ministro?
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.
0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, V. Ex.ª, a certa altura da sua intervenção, falou na multifuncionalidade da agricultura e na função produtiva do mundo rural, que não está exclusivamente na agricultura.
Mas, Sr. Ministro, o mundo rural não existe se não tiver agricultura ou, então, pode transformar-se num museu a viver de subsídios, o que, convenhamos, em nada é dignificante para este mundo rural de que o Sr. Ministro começou a falar e que esquece quando reflecte e delineia as políticas de agricultura. Políticas essas que não existem, pois não conseguimos ver que haja uma política integrada, transversal, na concepção e na concretização, que dê resposta às exigências, necessidades e a uma qualidade de vida e de bem-estar de todos os que constituem esse mundo rural.
Falou aqui do PDR e, afinal, verificamos que esse PDR traz uma parte de política agrícola e outra parte de política do mundo rural. Há uma descoordenação absoluta e total e, por isso, a minha primeira pergunta: está o Governo disposto a corrigir essa estratégia? Está o Ministro da Agricultura resolvido a empenhar-se em solucionar esse problema? Não foi visível, de modo nenhum, na sua intervenção, uma resposta plausível a estas minhas questões.
Em segundo lugar, um número considerável das empresas agrícolas e dos pequenos agricultores encontra-se em situação financeira desastrosa - estão neste caso muitas cooperativas vinícolas. 0 Sr. Ministro veio aqui fazer foguetório, anunciar medidas esporádicas que, no fundo, não resolvem os problemas destas empresas ou destas cooperativas, pelo que pergunto: que medidas concretas preconiza para ultrapassar esta situação das cooperativas ou das empresas agrícolas em situação financeira desastrosa? Por exemplo, está o Ministério da Agricultura disposto a incluir os pedidos das adegas cooperativas na linha de crédito de desendividamento?
Uma terceira questão, Sr. Ministro: a viabilidade do mundo rural passa em grande parte pela produção de produtos de reconhecida qualidade que possam merecer denominação e certificação de origem, estando neste caso a carne de bovino, de ovino, fumeiro, azeite, vinho, batata de semente, frutos secos. Que medidas - medidas concretas, não intenções ou anúncios de envio de dossiers para a Comissão Europeia - pensa tomar a este nível?
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
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0 Sr. Ministro da Agricultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando por responder às questões levantadas pelo Sr. Deputado António Campos, faço dois únicos comentários.
Em primeiro lugar, o senhor fez esta interpelação não agora neste Hemiciclo e sim, esta manhã, nos jornais e na rádio. E, ainda por cima, faz honra disso. Pessoalmente considero tal um desrespeito por esta Assembleia da República.
Aplausos do PSD.
0 senhor fez lá fora o debate que devia fazer aqui, por isso sou levado a concluir...
0 Sr. António Campos (PS): - Foi para V. Ex.ª vir preparado, mas nem assim!
Protestos do PSD.
Sou levado a concluir, Sr. Deputado, que a interpelação que o Partido Socialista agendou não se destina a debater questões sérias da agricultura mas para o senhor fazer show off. É a única conclusão que posso tirar.
Aplausos do PSD.
Tomei nota de algumas expressões que o Sr. Deputado António Campos utilizou no seu discurso: jogatina, compadrio, coveiro, catástrofe, abismo, etc., etc...
Vozes do PS: - São verdadeiras!
0 Orador: - 0 Sr. Deputado passa a vida a falar na catástrofe e no abismo parecendo mais o D. Fuas Roupinho, que está sempre à beira do abismo e nunca cai. 0 senhor nunca cai, e oxalá assim continue...
Risos do PSD
Mas, Sr. Deputado, relativamente ao compadrio, se se der ao trabalho de verificar os dossiers que, aliás, são públicos, do Ministério em matéria de apoio a agricultores, concluirá que entre apoios do PEDAP, do Regulamento 797, do FEOGA-Garantia, do Orçamento do Estado, nos últimos anos, já foram beneficiados qualquer coisa muito próxima dos 500 mil agricultores, entre os quais está o seu nome como agricultor que é. E pergunto-lhe se estes 500 mil são todos compadres.
Aplausos do PSD.
Passo, de seguida, às questões levantadas pelo Sr. Deputado Luís Fazenda.
Sr. Deputado, não tenho nada contra a Confederação Nacional de Agricultores. Aquilo que sempre disse e mantenho é que faço uma distinção de acordo com a lei nacional em matéria de parceiros sociais. Ou seja, do ponto de vista técnico não há discriminação nenhuma pois a CNA tem associações que, elas próprias, têm assento em conselhos regionais agrários,...
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não funcionam!
0 Orador: - ... têm dossiers de formação profissional e apoio técnico diverso aprovados. Aqui não há nenhuma discriminação.
Todavia, outra questão distinta é a dos parceiros sociais, que é uma questão institucional, e, como sabe, essa definição é algo que me antecedeu bem como aos governos do PSD pois existe desde 1985. Foi fixada em governos anteriores aos do PSD, Sr. Deputado. É isto que tenho a dizer. Ora bem, se os parceiros sociais estão definidos há tanto tempo e não está a CNA, não sou obrigado a discutir politicamente com a CNA, como discuto com os restantes parceiros sociais e estabelecidos por lei.
Sr. Deputado, questionou-me ainda sobre o papel do Estado na comercialização. A nossa visão política nesta matéria é a de que o Estado não se deve substituir aos agentes económicos do sector, sejam cooperativas ou indivíduos. E é por isso que assumimos, naturalmente, as nossas diferenças de pensamento. 0 Estado não vai, ele próprio, servir de comerciante! A nossa opção é a de que o Estado apoie as iniciativas que surjam no mercado, sejam de indivíduos, empresários ou cooperativas. Nessa medida, temos instrumentos e esquemas de apoio para essas iniciativas. É a isto que se chama respeitar a sociedade civil.
0 Sr. Deputado António Martinho usou uma expressão que considero um pouco infeliz, se me permite a expressão. Disse que eu fiz foguetório com o anúncio aqui hoje de duas medidas que considero importantes para a agricultura.
0 Sr. António Campos (PS): - Não têm significado nenhum!
0 Orador: - Se o Sr. Deputado ou a sua bancada consideram que criar um regime de crédito bonificado de campanha com cinco pontos percentuais de bonificação e subsidiar a energia eléctrica na agricultura na ordem dos 20 % em média é foguetório, se VV. Ex.ªs consideram que isto é foguetório, então digam-no e expliquem-no aos agricultores, porque é isso que eles, desde há muito, querem que o Governo crie!
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - É muito pouco!
0 Orador: - Sr. Deputado, a seguir falou sobre a questão da estratégia agrícola e, em particular, da ligação da agricultura à problemática do desenvolvimento integrado do mundo rural. 0 Sr. Deputado sabe que esta é uma das matérias que nos é muito cara, e por isso é que Portugal foi dos países que mais força fez para que os projectos LEADER I e LEADER II fossem aprovados, o que está em boa marcha, quero dizer-lhe.
Além disso criámos neste PDR um eixo de desenvolvimento local e rural que irá ser, precisamente, um programa de trabalho que irá financiar iniciativas, que não sendo estritamente agrícolas, são complementares à agricultura e dão, digamos, uma majoração do rendimento agregado das pessoas que vivem no meio rural, a maior parte das quais, como sabe, são agricultores. Damos a isso um grande carinho e queremos que este eixo de desenvolvimento rural seja reforçado, quer com este programa dentro do PDR, quer com o LEADER II que será também uma realidade e terá efeitos muito importantes no meio rural.
Falou das cooperativas e das medidas para as apoiar. Sr. Deputado, neste aspecto a nossa filosofia é a de que o Governo não tem uma política de tapar buracos. Tivemos até há alguns anos atrás um esquema de saneamento financeiro em que gastámos mais de sete milhões de contos para as cooperativas. Considerámos, nessa altura, regularizadas todas as situações.
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0 Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Ministro.
0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Infelizmente, algumas não têm à sua frente gestores profissionais, regem-se por um grande amadorismo e o Estado não pode andar permanentemente na posição de «pôr a mão por baixo» e de «tapar», às vezes, muitas incompetências de gestão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - E foi por isso que fomos por um caminho diferente, que foi criar o PROAGRI, que financia a contratação de gestores profissionais para essas cooperativas. É a isto que se chama ensinar a pescar em vez de dar peixe todos os dias!
0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
0 Orador: - Além disso, como sabe, incluímos as cooperativas nos esquemas de desendividamento - 14 milhões de contos este ano e o transacto.
Perguntou-me ainda o que pretendemos fazer quanto aos produtos regionais. Como sabe, é uma das áreas fundamentais da nossa prioridade na política agrícola. Mandámos recentemente 63 dossiers para a Comissão, relativos a produtos de qualidade para os quais pedimos a denominação de origem ou a indicação geográfica de proveniência. 0 que agora se fez nesta fase foi seleccionar os produtos, avaliá-los do ponto de vista das suas características específicas, fazer um dossier para cada um e constituir o respectivo agrupamento de produtores e o organismo certificador. A partir do momento em que sejam aprovados, digamos, estes produtos e esta estrutura de certificação, obviamente que ficam habilitados para começar a valorizar o mercado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr a, e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura, o discurso que V. Ex.ª fez hoje aqui é, em meu entender, um discurso já várias vezes repetido, porque fala sempre do grande empenhamento que o Governo tem e está a ter na agricultura. Pelo que temos verificado, pelas intervenções que aqui têm sido feitas, pelos movimentos dos agricultores e, designadamente, também pelas estatísticas do EUROSTAT que acabaram de ser divulgadas - e que são naturalmente indesmentíveis - temos de aceitar que o estado da agricultura portuguesa, de facto, está num beco sem saída. É esta a avaliação que fazemos da situação da agricultura em Portugal.
0 Sr. Ministro diz que a agricultura é um sector estratégico nacional e nós estamos preocupados que esse sector estratégico de desenvolvimento esteja numa situação de descrédito por parte dos animadores do próprio sector e de quem tem responsabilidades directas na sua implementação.
Pensamos ter havido dois momentos e duas opções políticas que o Governo do PSD tomou que contribuíram, em grande parte, para a situação em que se encontra a agricultura portuguesa e as dificuldades em que se encontra o desenvolvimento regional do nosso país. A primeira foi a eucaliptização indiscriminada e de uma forma massiva, que substitui as culturas tradicionais mediterrânicas e que foi feita com incentivos que deveriam, em nosso entender, ter sido dirigidos na sua maioria para as espécies de médio e lento crescimento, que levariam à manutenção de uma agricultura em regime de uso múltiplo, o que teria evitado dois factores que determinam o estado da agricultura em Portugal: a desertificação biofísica do território e o despovoamento que tem acontecido e que as estatísticas oficiais confirmam. 0 Sr. Ministro informou-nos hoje, no seu discurso, que uma das medidas que vai ser tomada será novamente a do incentivo à florestação. E a primeira pergunta que quero colocar-lhe é no sentido de saber se, de facto, as orientações e as opções do Governo neste novo incentivo à florestação do país vão no mesmo sentido das do PAF I.
0 outro momento que, em nosso entender, caracteriza bem a opção política do Governo e que tem, naturalmente, a ver com a situação da agricultura neste momento em Portugal é, de facto, a forma como o Governo negociou a reforma da PAC. Em nosso entender, o Governo - e, em particular o Sr. Ministro - não teve em conta a especificidade da agricultura portuguesa e os problemas da agricultura mediterrânica, que estão relacionados com o que atrás referi, e aceitou esta reforma da PAC. 0 que se verifica é que o Governo optou - e é aqui que o seu discurso não tem novidade nenhuma - por tomar medidas que revelam e acentuam a importância das medidas de acompanhamento para minimizar os efeitos da aplicação da PAC em Portugal. No fundamental, estas medidas traduzem-se no incentivo ao abandono das explorações pelos agricultores e, por outro lado, na distribuição, à vara larga, de subsídios. Esta é também uma característica da forma como o Governo trata os agricultores em Portugal e entende a forma de manter esta situação na agricultura. Em nosso entender, Sr. Ministro, esta é uma forma de evitar o sucumbir imediato da situação da agricultura em Portugal.
Face a esta caracterização que aqui muito rapidamente fazemos da forma como entendemos que este Governo tem tratado os problemas da agricultura portuguesa, a questão que colocamos é a seguinte: que futuro podemos esperar para a agricultura e para o desenvolvimento do país? Para o desenvolvimento equilibrado que está expresso como objectivo do programa do Governo do PSD?
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
0 Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, Srs. Deputados: Compreendo as dificuldades com que o Sr. Ministro da Agricultura hoje se confronta na sua vinda ao Parlamento, mas confesso que nunca imaginei que a sua intervenção e o tom que lhe imprimiu traduzissem um semblante de derrota tão acentuado - que, aliás, a deserção na sua bancada e a falta de apoio manifesto que esta lhe tem concedido demonstram inequivocamente.
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
0 Orador: - 0 Sr. Ministro não disse nada. Refugiou-se num conjunto de propostas que são sobejamente conhecidas e que repetem os erros dos anos anteriores de governação e veio trazer aqui, de novo e apenas, a opção pela florestação com fins industriais, a opção pela reposição, a cópia, de duas propostas que o PS, há dois
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anos e meio, tinha preconizado no seu programa de governo, o que lhe retira qualquer credibilidade para, no futuro, criticar qualquer proposta oriunda da bancada do PS.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Aquilo que o Sr. Ministro aqui veio trazer não foi o anúncio de nenhuma proposta! Aquilo que o Sr. Ministro acabou de fazer foi, pura e simplesmente, um acto de rendição!
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Aliás, na questão fundamental para o desenvolvimento da nossa agricultura, que são as nossas vantagens comparativas, designadamente num dos pontos mais vulneráveis da política do Governo nos últimos anos, que tem sido o deficiente aproveitamento dos recursos hídricos, o Sr. Ministro da Agricultura veio anunciar agora, com pompa e circunstância, que, nos próximos seis anos, o PDR beneficiará uma área, que, ao fim e ao cabo, mais não é do que a recuperação do mau uso que tem sido dado aos perímetros de rega feitos no tempo do Dr. Oliveira Salazar!
Aliás, terei a oportunidade, na intervenção que proferirei, de demonstrar com toda a clareza que as propostas que o Sr. Ministro anunciou repetem os erros do passado e demonstram claramente que o PSD, neste momento, está em plena situação de desnorte e terei a oportunidade de apresentar propostas concretas alternativas que configuram as opções que PS preconiza, sem as quais a agricultura portuguesa não sairá do estado lastimável em que V. Ex.ª a colocou.
Queria, por isso, perguntar-lhe por que razão só agora, tardiamente, dois anos e meio após o anúncio do PS, são aplicadas as medidas que V. Ex.ª hoje aqui anunciou. Porquê neste momento? Num momento em que são manifestamente insuficientes e ficam aquém das expectativas já criadas nos agricultores? Gostava de relembrar-lhe, Sr. Ministro da Agricultura, que quando, há dois anos e meio, anunciámos essas mesmas medidas, VV. Ex.ªs consideraram-nas irresponsáveis e megalómanas pelo volume dos meios financeiros que, nessa altura, VV. Ex.ªs entendiam alegadamente necessários para as satisfazer.
Vozes do PS: - Uma vergonha!
0 Orador: - A outra questão que queria colocar-lhe, Sr. Ministro - e com isto vou terminar - é a seguinte: temos vindo a ser sucessivamente confrontados com o anúncio do total desregramento de funcionamento da Administração no que se refere ao controlo dos subsídios e às fraudes, de volume neste momento inquantificável, que tal pode propiciar; o jornal Expresso publicou, há poucos dias, uma notícia onde era transcrito um relatório da Comunidade Europeia, segundo o qual seria manifesto o incumprimento de várias normas do Sistema Integrado de Gestão e Controlo de Ajudas à Produção Animal, onde poderiam estar em causa 16 milhões de contos. Penso que isto traduz um descrédito da Administração portuguesa nas estâncias comunitárias e relembro-lhe, Sr. Ministro da Agricultura, que, com muito grato prazer meu, porque presidi aqui a uma Comissão que encerrou os seus trabalhos há poucos dias, foi possível, pela primeira vez na história do Parlamento, aprovar conclusões que apontam precisamente para a ineficácia. da Administração e para a permissividade do Governo na adopção de controlos de fiscalização dessas mesmas ajudas comunitárias.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Ministro da Agricultura, perante este quadro, o que pensa V. Ex.ª fazer?
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
0 Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, antes de entrar nas perguntas que gostaria de fazer-lhe, não quero deixar de esclarecer que as últimas afirmações do Sr. Deputado Luís Capoulas Santos não correspondem às conclusões da comissão de inquérito à Cooperativa de Torres Vedras. E lamento que o Presidente dessa comissão de inquérito deturpe desta forma as conclusões tiradas.
Relativamente a este debate sobre um sector que, para nós, sociais-democratas, é estratégico e que mereceu sempre da nossa parte a máxima atenção e empenho, gostaria de colocar algumas questões ao Sr. Ministro, dado que o partido interpelante, mais uma vez, não apresentou nenhuma proposta alternativa nem nenhuma iniciativa. É lamentável que um partido da oposição como o PS desde há seis anos não apresente nenhuma iniciativa e continue, sempre, numa campanha desenfreada contra a agricultura portuguesa, quase apelidando os agricultores de parasitas de subsídios.
No entanto, o Sr. Ministro da Agricultura anunciou aqui medidas novas, que vêm ao encontro de algumas preocupações dos agricultores, que o PSD acompanhava e sentia, uma das quais é a necessidade da redução dos custos dos factores de produção. As duas medidas referidas - no aspecto energético, a bonificação em 20 % do custo da energia e o crédito de campanha - são medidas importantíssimas que podem reduzir o custo dos factores de produção e aumentar o rendimento dos agricultores. Relativamente ao rendimento dos agricultores, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se os subsídios ao rendimento, oriundos da reforma da PAC, que estão a ser processados durante este mês a todos os agricultores portugueses, foram contabilizados nas estatísticas do INE em relação àqueles números do rendimento de 1993 que vieram a público ultimamente.
Por outro lado, gostaria também de saber, relativamente a um benefício que Portugal teve e que tem sido conseguido para a agricultura portuguesa nas negociações do painel das oleaginosas no âmbito do GATT - são 500 000 toneladas de milho que vêm para Portugal e que serão introduzidas no sector a preços de intervenção -, se se mantém ao longo dos anos ou se se trata apenas de um benefício que foi conseguido para este ano.
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
0 Sr. Ministro da Agricultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, V. Ex.ª, no fundo, fez uma intervenção legítima sobre o seu pensamento em matéria de uma certa política agrícola, e gostaria apenas de retomar aquelas que me pareceram ser as principais questões que colocou.
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Em relação ao velho fantasma da eucaliptização, sabe o Sr. Deputado que temos vindo, ao longo dos tempos, a criar um conjunto de normativos para ordenar a cultura do eucalipto. Não somos fanáticos contra a cultura do eucalipto, pois essa é uma cultura boa se estiver no sítio certo. Dá dinheiro aos agricultores e aos proprietários e o importante é que não tenha efeitos nefastos sobre outros bens. Por isso, a nossa política aqui é a mesma, ou seja, consideramos que as espécies devem ser autorizadas para plantação nos locais adequados, e para isso existem os normativos. É evidente que, porque o eucalipto é uma espécie florestal mais rentável e de ciclo curto, temos criado, como sabe, dentro da política agro-florestal, um conjunto de medidas para privilegiar as espécies de crescimento lento. Daí que a todas as espécies de crescimento lento, desde o pinheiro ao azinho e ao sobro, sejam atribuídas ajudas muito mais elevadas para as respectivas plantações e limpezas do que a outras e que, por outro lado, tenhamos criado um subsídio por hectare para estas espécies, de modo a que os agricultores tenham atractivos para manter os montados limpos. Assim, julgo que o Sr. Deputado encontrará na nossa política agro-florestal elementos que privilegiam, de facto, estas espécies de crescimento lento.
Em relação à desertificação biofísica do território, como sabe, temos um conjunto de medidas que fazem já parte das medidas de acompanhamento da reforma da PAC e um desses conjuntos é constituído pelas medidas agro-ambientais que procuram incentivar os agricultores a manterem os sistemas tradicionais de cultivo, ou seja, a não serem tentados, para ganhar mais dinheiro, a intensificar a terra para níveis que esta não comporta do ponto de vista ecológico. Julgo que o Sr. Deputado não estará com certeza em desacordo com isso.
0 Sr. Deputado poderá não estar muito bem informado porque referiu que já estaríamos a dar dinheiro «à vara larga» para estes subsídios agro-ambientais, quando, afinal, como sabe, isso não está nem em aplicação, nem sequer aprovado por Bruxelas - está em Bruxelas desde Julho de 1993 e a Comunidade tem denotado algum atraso na aplicação destas medidas.
Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, não sei como hei-de responder à sua intervenção, sobretudo ao estilo que proeurou imprimir à parte inicial.
0 Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Que pena!...
0 Orador: - Dizia o Sr. Deputado que compreendia as minhas dificuldades em estar nesta Assembleia, em dizer coisas já gastas, já vistas. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que sou um homem simples, um homem do campo, e sei que tenho muitas dificuldades, assumo-as. Sou uma pessoa com muitas dificuldades e muitas limitações, mas também tenho de compreender as suas dificuldades em estar a fazer o discurso que está a fazer e em estar ao pé do seu colega de bancada Deputado António Campos, de ter de ouvir o que ele disse e de, ao mesmo tempo, articular isso com o que o senhor disse na passada quinta-feira num seminário organizado pela CAP.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Não é fácil colocar tudo dentro do mesmo saco! Portanto, também tenho de compreender as suas dificuldades em estar, hoje e aqui, a fazer esse discurso.
Aplausos do PSD.
Quanto às propostas, se houver propostas concretas, elas serão bem-vindas, como sabe. Estamos de braços abertos para as receber e, naquilo que competir ao Governo ou à maioria que o apoia, obviamente irão ser debatidas.
No entanto, Sr. Deputado, permita-me só um último comentário: o senhor falou do sistema integrado de gestão e controlo, que é, como sabe, um sistema novo, que está no primeiro ano de aplicação, no passado era um sistema diferente. Qualquer Deputado da bancada do partido que apoia o Governo ou da oposição pode pedir as informações que quiser...
0 Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Já foram pedidas!
0 Orador: - ... ao Governo sobre controlos, que ser-lhes-ão dadas. Nunca deixo por responder a perguntas feitas pela Assembleia, mas - peço o favor - não andem, na Comunidade, a criar a ideia de que os portugueses são todos uns vigaristas.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - 15so é demagogia!
0 Orador: - Srs. Deputados, deu-nos tanto trabalho criar uma imagem de verdade, de seriedade e de trabalho dos portugueses! Não andem, pois, na praça pública, a dar cabo do trabalho que tivemos.
Aplausos do PSD.
Na minha opinião, é dramático ver certos políticos a dizerem mal de nós próprios, para se afirmarem como políticos lá fora. 15so é lastimável, diria mesmo, dramático, trágico, e é mau para todos nós!
Vozes do PSD: - É uma vergonha!
0 Orador: - Sr. Deputado Carlos Duarte, muito rapidamente, eu disse que havia, em média, três a quatro semanas de atraso nos pagamentos do INGA para as culturas arvenses, pelo que, obviamente, sendo assim, não estão contabilizadas nos rendimentos de 1993. Aliás, os rendimentos de 1993, publicados pelo INE, são altamente provisórios, mas serão, a seu tempo, acertados pelo próprio INE.
0 Sr. António Campos (PS): - Já deviam estar!
0 Orador: - Não quer dizer que se passará de um nível negativo para um positivo, porque, como sabe, só no vinho a baixa de produção foi de 57 %, mas o azeite foi uma nova contra-safra, coisa que acontece uma vez no século, ou seja, a uma baixa campanha segue-se outra baixa campanha. Mas são questões que o INE, a seu tempo, corrigirá, sobretudo na óptica de incorporar os subsídios e as indemnizações compensatórias, que não incorporou no seu cálculo.
0 Sr. António Campos (PS): - Em Espanha já foram publicados os dados oficiais de 1993!
0 Orador: - 0 próprio INE se irá encarregar disso, com o rigor técnico que o caracteriza.
Quanto às 500 000 t de milho americano, a nossa preocupação foi no sentido de assegurar a importação de, pelo menos, um conjunto, uma parte substancial dessa quantidade, desse contingente, a um preço não especulativo. Já sabíamos que havia alguns entendimentos no meio de
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operadores de importação, para uma certa cartelização, por forma a colocá-lo no mercado a preços que não seriam, no fundo, inferiores aos já praticados. Nesse sentido, foi para nós importante conseguirmos que Bruxelas aceitasse a proposta de a importação desse milho pelo INGA ser até ao montante de 350 000 t, para ser vendido cá ao preço de intervenção.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, começo por fazer uma pequena nota.
Não é por coincidência que nesta segunda tentativa de interpelação ao Governo, na Assembleia, sobre a agricultura, o PSD pretende desvalorizá-la e quase, diria eu, remetê-la ao silêncio.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Em Julho, aquando da nossa interpelação, o que se passou foi, exactamente, o seguinte: logo a seguir à intervenção do Ministro da Agricultura, o PSD pediu uma longa interrupção, para dar uma conferência de imprensa sobre um tema partidário, «puxando», deste modo, a comunicação social, o que levou o CDS-PP, como devem estar lembrados - tenho aqui o Diário da Assembleia da República dessa reunião -, a desistir da interpelação. Já não valia a pena, depois da interrupção pedida pelo PSD, que deveria ser de 20 minutos, mas que nunca é menos de uma hora, pois queria dar mais relevo a um pequeno assunto partidário do que à interpelação ao Governo sobre a agricultura feita pelo CDS-PP. Hoje, com o silêncio feito depois da intervenção do Sr. Deputado António Campos, houve mais uma tentativa para não discutir, a sério, problemas da agricultura,...
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - ... porque a bancada do PSD não tem capacidade para os discutir aqui, a céu aberto, no Plenário. É a segunda vez que, e não é coincidência, o PSD lança mão desta técnica obstrucionista.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Ainda uma outra coisa, Sr. Ministro, não lhe faria a injúria de, através de si, responder ao Sr. Primeiro-Ministro, porque, no outro dia, quando um Deputado da minha bancada fez uma pergunta, o Sr. Primeiro-Ministro disse: «Vou responder ao seu líder». Hoje, vem V. Ex.ª responder ao meu líder.
Na chamada Campanha da Terra, Manuel Monteiro, pedia, há mais de um ano, todas estas medidas anunciadas hoje por V. Ex.ª como se fossem novas. Entenderam, então, VV. Ex.ªs, como há pouco tempo entendeu o Sr. Primeiro-Ministro, que essas eram medidas demagógicas e que, por isso mesmo, não podiam ser satisfeitas. Ainda bem que V. Ex.ª vem hoje anunciar com pompa exactamente as medidas sobre o juro, a energia, as bonificações, etc., reivindicadas por Manuel Monteiro, dando voz aos agricultores. 15to mostra que o tempo acaba por realmente dar razão àqueles que a têm, não sendo preciso chamar a ninguém ignorante, demagógico, e, principalmente aos membros da oposição, para, passados tempos, vir dar-lhes razão.
Portanto, fica o Sr. Primeiro-Ministro, agora, com a resposta, através do Sr. Ministro, de que a Campanha da Terra não era demagogia e de que aquilo que se pediu eram medidas necessárias que VV. Ex.ªs, o Governo, acabam hoje por anunciar em tom triunfalista.
Disse ainda V. Ex.ª que um dos pontos da modificação estrutural que se está a proceder, quanto à agricultura, era a privatização da terra, tanto no Ribatejo como no Alentejo. Pergunto: Sr. Ministro da Agricultura, já se encontram pagas todas as indemnizações devidas aos proprietários do Alentejo que foram expropriados durante a reforma agrária gonçalvista, na qual também pôs a assinatura um então militante ilustre do PSD, Ministro desse Governo provisório, o Dr. Magalhães Mota!
Repito: já foram pagas todas as indemnizações devidas aos proprietários esbulhados com a reforma agrária? Pensa V. Ex.ª pagá-las ou também será, como dizia o outro ministro das Finanças, um custo da revolução que o Governo não pode tomar sobre si?!
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.
0 Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, confesso que não estava à espera de que fosse o Sr. Deputado António Campos a abrir este debate. Pelo que conheço do sector, pelo meu dia-a-dia, por aquilo que converso com as pessoas, tenho constatado não ser muito grande a aceitação do Sr. Deputado no mundo rural e, em particular, no mundo agrícola.
Aplausos do PSD.
Protestos do Deputado do PS António Campos.
Ao longo de algum tempo, tem o Sr. Deputado António Campos enxovalhado, denegrido tudo o que é agricultor, tudo o que é trabalhador, tudo o que é funcionário da agricultura deste país.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - E a minha surpresa Srs. Deputados, aumentou com o conteúdo do discurso do Sr. Deputado António Campos. Ouvi-o com a máxima das atenções e ao fim da 14.ª imprecisão política e técnica, inserida no seu discurso, confesso, deixei de tomar apontamentos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - 0 Sr. Deputado António Campos apela constantemente ao diálogo e à discussão, mas - permita-me que lho diga - noto no seu discurso um total bloqueio a essa mesma discussão; noto uma total falta de abertura para aceitar e compreender aquilo que, de positivo, agricultores, trabalhadores e funcionários têm conseguido fazer nestes anos na agricultura portuguesa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - É por notar esse bloqueio, Sr. Deputado, que tenho dificuldades em o interpelar. Eu não poderia vir, aqui, dizer-lhe que os ditos 1000 milhões de contos não foram devorados, Sr. Deputado...
Protestos do Deputado do PS António Campos.
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Os ditos 1000 milhões de contos não foram devorados! Assim como isto não é uma catástrofe, assim como muitas das coisas que o senhor disse, são verdadeiras imprecisões, e nessas imprecisões duas das 14 que apontei, pelo que conheço do mundo rural, foram particularmente infelizes, Sr. Deputado.
0 Sr. António Campos (PS): - Diga! Diga!
0 Orador: - E são estas as questões que ao dirijo ao Sr. Ministro da Agricultura.
0 Sr. António Campos (PS): - Diga quais são!
0 Orador. - Quanto à irrigação, o senhor fez um conjunto de considerações que não correspondem de forma alguma ao actual estado de situação verificada na agricultura portuguesa.
E bem assim na comercialização, o senhor apelou a um conjunto de medidas, que, a serem tomadas, nomeadamente nas estruturas físicas, seriam gravosas para a agricultura portuguesa, porque, em termos desta óptica da comercialização, tanto quanto observo e falo com as pessoas, muito, e até suficiente, tem sido feito na agricultura portuguesa.
Neste sentido, Sr. Ministro, pedia-lhe, sobre estes dois temas, irrigação e comercialização, que adiantasse alguma coisa sobre o que tem sido feito nos últimos anos na agricultura portuguesa.
Aplausos do PSD.
0 Sr. António Campos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Campos, se é para exercer o direito de defesa da honra, a Mesa já o inscreveu.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra, nos estritos termos do Regimento, para perguntar sobre a orientação dos trabalhos, senão, se se desviar deste objectivo, retirar-lha-ei.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, como é óbvio, a interpelação do Sr. Deputado Costa e Oliveira não era para o Sr. Ministro.
Vozes do PSD: - 15so é um pedido de esclarecimento!
0 Orador: - Dá-me licença, Sr. Presidente?
0 Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Deputado.
0 Orador: - 0 PSD, quando eu falei, proeurou, e quero ter o direito de resposta, na medida em que fui interpelado por ele directamente.
Portanto, como o Sr. Presidente compreende,...
0 Sr. Presidente: - Não foi a Mesa quem o interpelou, Sr. Deputado. V. Ex.ª tem de fazer perguntas à Mesa, sobre a condução dos trabalhos.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, tenho o direito de responder, pois fui interpelado!
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a figura regimental a utilizar, para dar a resposta é diferente, por isso está inscrito para..
0 Sr. António Campos (PS): - Mas eu não quero fazer a defesa da honra. Fui interpelado e tenho o direito de responder.
0 Sr. Presidente: - Então, responderá no fim.
0 Sr. António Campos (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): Sr. Ministro da Agricultura, não me foi possível ouvir a sua intervenção por ter participado numa reunião importante com o Sr. Deputado Adriano Moreira e outros Deputados nas instalações do Palácio. Tive, no entanto, oportunidade de ouvir algumas das respostas de V. Ex.ª, bem como de ler embora rapidamente o texto da sua intervenção onde o Sr. Ministro se mostra disposto ao «confronto de opções e de orientações». É para isso mesmo que aqui estamos.
Ora, tal como referi durante o debate do Orçamento do Estado, durante uma Conferência sobre problemas económicos promovida pela APEC (Associação Portuguesa de Economia) a que assistiu o Sr. Primeiro-Ministro, foi declarado por vários intervenientes, nomeadamente pelo Dr. Silva Lopes, o Dr. João Salgueiro e o Dr. Franciso Avillez, que a nossa agricultura «está de rastos». Existe uma crise grave na agricultura e, certamente, todos estamos de acordo com essa realidade.
A troco do recebimento de fundos comunitários cedeu-se muito quanto à especificidade da nossa agricultura. Na nossa opinião, o problema não reside apenas na distribuição de fundos - como todos sabemos, tantas vezes mal aplicados -, pois o que é necessário é adoptar medidas concretas, é enveredarmos por vias estruturais positivas de forma a conseguirmos; conduzir a nossa agricultura para uma situação de desenvolvimento diferente e mais produtiva.
Dado o reduzido tempo de intervenção de que disponho, apenas lhe farei uma pergunta que diz respeito ao problema do GATT. Se V. Ex.ª já tiver dado resposta a este assunto remeta-me para a acta.
A propósito do GATT realizou-se um debate nesta Assembleia em que participaram os Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Comércio e Turismo e no qual pouco ou nada se disse sobre a agricultura. Assim, Sr. Ministro, qual o impacto para a agricultura portuguesa da assinatura do GATT por parte de Portugal?
Recordo ao Sr. Ministro que a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) se mostra francamente pessimista, enquanto a CAP considera que vai haver um acréscimo de oferta de produtos comunitários, o que acabará por aumentar a pressão sobre os nossos próprios produtos.
É que, em relação ao GATT, apenas foram dadas poucas informações acerca de um mês e nada mais transpirou, nada se sabe. Assim, repito, pretendo ouvir do Sr. Ministro mais informações sobre o impacto do GATT na nossa agricultura.
(0 Orador reviu.)
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
0 Sr. Ministro da Agricultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, congratulo-me pelo apoio
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do CDS-PP a estas medidas hoje aqui anunciadas e que têm um forte impacto na redução dos custos dos factores de produção.
Sr. Deputado, é óbvio que todos gostariam de ter tomado estas medidas já há muito tempo, ...
0 Sr. Narana Coissoró (CI)S-PP): - Faltou-lhes a coragem!
0 Orador: - ... mas, como sabe, nem o CDS-PP, nem o Sr. Deputado, nem o Governo «descobriram a pólvora». A diferença está em que tudo isto custa muito dinheiro e o Governo tem de arranjá-lo, enquanto à oposição basta pedi-lo!
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Em segundo lugar, respondo ao Sr. Deputado Costa e Oliveira, com quem tive muito gosto em trabalhar até há pouco tempo, dando-lhe informações sobre as questões que colocou...
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então e sobre a reforma agrária?
0 Orador: - Quanto à irrigação, tema que constitui um velho discurso de vários Srs. Deputados, entre os quais o Sr. Deputado António Campos, é preciso ler os relatórios de execução do PEDAP e as estatísticas do Ministério da Agricultura em que está escrito que, ...
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Ministro, diga qual é o plano!
0 Orador: - ... em termos de áreas beneficiadas ou irrigadas de novo, temos cerca de 120 000 ha., contando com os programas de regadios tradicionais, individuais e colectivos...
Quanto à questão da comercialização,...
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Ministro, diga lá qual foi o plano que arrancou?
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro tem direito a usar da palavra sem interrupções.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.
0 Orador: - Como dizia, Sr. Deputado Costa e Oliveira, quanto à comercialização, temos os esquemas de apoio aos projectos agro-industriais e agro-comerciais, dos quais, tal como referi há pouco na minha intervenção, financiámos cerca de 700. Criámos também as denominações de origem para 63 produtos. Implementámos 47 agrupamentos de produtores, tendo começado por quatro há dois anos apenas e, agora, há uma dimensão nova que é um sistema de apoio à promoção comercial.
Aproveito para informar, já que não tive ocasião de fazê-lo anteriormente, que, em relação àquela verba de 350 000 contos, já aprovámos 17 candidaturas para a promoção comercial de produtos agrícolas nacionais.
Iremos continuar corri um conjunto de outras medidas tomadas recentemente, como é o caso do crédito à comercialização, isto é, um crédito especial aos agrupamentos de produtores ou cooperativas que queiram vender os seus produtos a um grossista ou a uma grande superfície, tendo sido concedido crédito no valor de 20 milhões de contos no ano passado.
Por outro lado, estamos já em fase de plena aplicação do programa nacional de normalização horto-frutícola que, agora, já conta com 12 supervisores e 59 controladores de qualidade.
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, tenho muito gosto em responder-lhe mas de forma sintética, pois é muito curto o tempo de que disponho.
Ora, recentemente, estive presente numa reunião da Comissão Parlamentar de Agricultura em que tivemos uma discussão alargada sobre o GATT. Assim, mais tarde, o Sr. Deputado poderá ler as actas dessa reunião para melhor se informar.
De qualquer modo, respondo-lhe que é óbvio que a assinatura do GATT por Portugal teve impacto e que, no caso dos produtos mediterrânicos, verifica-se uma redução menor nos apoios, quer internos quer externos, precisamente porque aqueles não tinham beneficiado de ajudas directas na reforma da PAC. Para além disto, obtivemos o compromisso por parte do Conselho e da Comissão de que serão revistas as organizações comuns de mercado para aqueles produtos e, se necessário, serão criadas ajudas no mesmo sentido.
Por outro lado, também tem a ver com o GATT esta negociação da importação de 500 000 t de milho americano, que, de facto, vêm embaratecer os alimentos compostos para animais no sector da pecuária, especialmente a intensiva. Trata-se, assim, de uma outra contrapartida que obtivemos no âmbito do GATT.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a última coisa que esperava era que me acusasse de falta de verdade e de rigor quando formulei a minha pergunta e, em particular, quando trouxe à colação os múltiplos casos de tráfico de influências que têm gerado no Ministério da Agricultura um largo conjunto de casos de corrupção que têm vindo a público.
A melhor prova de que tinha razão é a de que o Sr. Ministro não desmentiu nenhuma das situações concretas que apontei e, pelo contrário, confirmou e comprovou que para uma única organização de confederação agrícola foram transferidos cerca de 8 milhões de contos, como forma de exercer um melhor controlo sobre os agricultores.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro também não desmentiu o que afirmei quanto aos números. É que na ausência de uma estratégia nacional de desenvolvimento agrícola, na ausência de uma lei de bases de política agrária, que, até agora, o Sr. Ministro não foi capaz de apresentar ao País, apesar de tê-la prometido várias vezes, o Sr. Ministro sabe muito bem que, por isso mesmo, os apoios têm sido dispersos sob a forma de medidas avulsas e frequentemente contraditórias.
0 Sr. Ministro sabe tão bem como eu próprio que 67 % dos apoios concedidos ao abrigo do Regulamento 797 (CEE) foram parar a investimentos não directamente produtivos.
0 Sr. Ministro sabe tão bem quanto eu próprio que cerca de 50 % do total das ajudas foram concentradas nas grandes explorações do Alentejo e do Ribatejo.
0 Sr. Ministro sabe tão bem quanto eu próprio que as explorações com menos de cinco lia, que correspondem a cerca de 89 % das explorações agrícolas do País, viram menos de 1 % do total da área que ocupam beneficiada com apoios agrícolas.
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Ou seja, a falta de uma estratégia nacional, de um qua
dro orientador aplicado à especificidade da nossa agricul
tura tem é conduzido à reprodução do modelo anterior da
agricultura portuguesa, o da desertificação do interior, de
liquidação da agricultura e de liquidação das explorações
agrícolas de menor dimensão.
Ao longo destes anos, Sr. Ministro, o Governo não tem
fomentado a mentalidade de «a produção para a qualida
de», de «a produção para o mercado». A verdade é que
o Sr. Ministro instituiu a mentalidade de «a produção para
o subsídio» e é por isso que, hoje em dia, os agricultores
chamam ao girassol «girasídio». Portanto, instituiu-se uma
mentalidade distorçora do que deve ser a ligação do ho
mem à terra e que é a produção de bens alimentares para
consumo humano e para o mercado.
0 Sr. Ministro veio aqui falar numa política florestal.
Mas que política florestal, Sr. Ministro, se, até este
momento, o Governo também não foi capaz de apre
sentar uma lei de bases do desenvolvimento florestal?
E o que tem acontecido é que as medidas de apoio flo
restal também reproduzem, no essencial, o modelo
distorcido de desenvolvimento que tem caracterizado a
floresta portuguesa: é uma floresta de monocultura no
centro do País, baseada nas espécies de crescimento
rápido.
Portanto, não há nenhum modelo de desenvolvimento
para o futuro da agricultura portuguesa. De tal modo assim
é que o Sr. Ministro não nos disse quais as políticas que
tem no que diz respeito ao emparcelamento e à reorgani-
zação do tecido fundiário das explorações com menos de Risos do PSD.
cinco ha.
Que medidas tomou o Sr. Ministro relativamente à políti
ca dos recursos hídricos e das culturas regadas?
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dei-lhe a palavra para
defesa da consideração e não para fazer perguntas ao
Sr. Ministro. Peço-lhe que termine pois já ultrapassou lar
gamente os três minutos regimentais.
0 Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Em relação à energia eléctrica, o Sr. Ministro sabe tão
bem quanto eu próprio que vai haver um pequeno grupo
de explorações que beneficiarão desta medida
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vou consentir que
continue. Não gosto de desconsiderar um Deputado cortan
do-lhe a palavra mas é o que terei de fazer se não conclui!
o orador. - ... Quanto ao crédito bonificado, Sr. Ministro, já havia crédito bonificado de campanha e estes cinco pontos...
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa considera que concluiu.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura que dispõe de três minutos.
0 Sr. Ministro da Agricultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, fiquei algo confundido porque, de facto, não vejo em que é que ofendi a sua honra. Aliás, se alguém mereceria estar ofendido seria eu próprio que, no entanto, disse que não me sentiria ofendido com a linguagem parlamentar habitualmente utilizada pelo Sr. Deputado.
Portanto, repito, Sr. Deputado, que não entendo a sua defesa da honra já que não o ofendi. Certamente terá sido um pretexto para fazer mais perguntas, pelo que respondo-lhe que se deseja mais esclarecimentos, então, apresente uma outra interpelação ao Governo e viremos novamente ao Plenário debater essas questões.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Campos, tem a palavra para defesa da consideração perante a intervenção do Sr. Ministro da Agricultura.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber de quanto tempo disponho.
0 Sr. Presidente: - De apenas três minutos.
0 Orador: - Duas vezes?
0 Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Depois, dar-lhe novamente a palavra para defender a sua consideração perante o Sr. Deputado Costa e Oliveira, por outros três minutos.
0 Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro, venho exclusivamente protestar e defender-me contra a afirmação do Sr. Ministro de que andei a distribuir o texto da minha intervenção junto da comunicação social.
Ora, Sr. Ministro, o que estive a fazer foi a fornecer-lhe elementos para o senhor vir a esta sede preparado para discutir comigo a questão de fundo...
Sr. Ministro, fiz-lhe perguntas sérias, pedi-lhe explicações e, na minha qualidade de Deputado e de português, exijo-lhe que explique como é possível que, com tantos milhões, os agricultores tenham perdido 45,6 % de rendimento.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - 0 Sr. Ministro tem de explicar-me isto e também como é possível um sector que produz 550 milhões de contos estar hoje em dia hipotecado à banca em 450 milhões de contos, dos quais 100 milhões correspondem a crédito mal parado.
Como é que o Sr. Ministro é capaz de falar sobre a viabilidade de um sector, tendo-o conduzido à total destruição?
Como é possível, Sr. Ministro, continuar a fazer empréstimos aos agricultores à velocidade a que a terra está a desvalorizar-se?
Qual é o seu plano para viabilizar a agricultura?
Não me diga que, perante esta catástrofe, o seu plano é o de conceder 5 % de bonificação para o crédito de campanha, o que sempre existiu na agricultura portuguesa. Os senhores é que o eliminaram quando chegaram ao Governo. Portanto, esta não é nenhuma medida inovadora já que sempre houve crédito de campanha. Os senhores é que o eliminaram e, agora, estão a repor algo que tinham tirado e que fazia parte da história do sector agrícola.
Por outro lado, que significado tem para os custos de produção a diminuição de 20 % no preço da electricidade?
Desafio-o a falar sobre os 75 milhões de contos de juros que os agricultores pagam.
Desafio-o a explicar-nos como é que vai viabilizar o sector agrícola.
É que, Sr. Ministro, há pouco, desafiou-me a ir consigo a qualquer parte do País a fim de termos uma discussão
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cara a cara, olhos nos olhos, para me demonstrar que eu próprio sou o «coveiro» da agricultura portuguesa, pois afirmou - não tinha condições para discutir aqui. 0 que não lhe admito é que venha aqui e fuja à discussão essencial do problema essencial. 0 que não lhe admito é que ande com «coisinhas» laterais para se «raspar» da interpelação.
Aplausos.
0 que não aceito é que o seu grupo parlamentar ande, junto dos outros, a dizer: «calem-se, para o António Campos não poder "chatear" o Ministro»! 15so é que não aceito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - 0 Sr. Ministro tem de explicar aqui, porque isto é uma democracia, e, por mais que fuja, tem de ser responsável pelas suas atitudes e tem de nos dizer como vai resolver o problema. É um sector prioritário nacional, é um sector decisivo nacional e o Sr. Ministro não pode andar aqui a arranjar «coisinhas». Tem de nos explicar como é que vai solucionar a questão.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
0 Sr. Ministro da Agricultura: - Sr. Deputado António Campos, responderei rapidamente e com muita serenidade.
Se o Sr. Presidente me permite este comentário, penso que devia ser toda a Assembleia e todos os Srs. Deputados a pedirem a defesa da honra, e até os seus próprios colegas de bancada, perante aquilo que o senhor fez...
0 Sr. António Campos (PS): - Não saia da questão essencial, que é a agricultura!
Uma voz do PSD: - Cale-se! 0 senhor é um arruaceiro!
Protestos do Deputado do PS António Campos.
0 Orador: - Tenha calma, Sr. Deputado. É preciso ter calma, olhe que ainda lhe pode dar um ataque cardíaco! E nós não queremos que tenha um ataque cardíaco.
Protestos do PS.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, todos aqueles que estão no uso da palavra têm direito a ser ouvidos. E todos os que estão na Sala têm direito a ouvir quem está no uso da palavra.
0 Orador: - Sr. Deputado, o que se passa é que, por mais respeito que tenhamos pela imprensa - e é muito grande esse respeito - as relações entre órgãos de soberania não se estabelecem pela imprensa, mas nos fora próprios. Ora bem, aqui estamos nós para debater esses problemas, Sr. Deputado. Fiz aqui a minha intervenção, respondi a todas as questões que me colocaram, vim aqui anunciar com detalhe as grandes prioridades da política agrícola para o futuro, não fiz um discurso de generalidades, não fiz um discurso de chicanas, não ataquei ninguém nem andei a falar lá fora antes de vir aqui precisamente debater estes assuntos porque respeito esta Assembleia.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para responder à intervenção do Sr. Deputado Costa e Oliveira, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Costa e Oliveira, eu compreendi a sua intervenção, dado que o «puseram na rua» lá do Ministério...
Risos do PS
Compreendi a sua intervenção como um forma de «fazer as pazes» com o seu amigo Amaro, o Sr. Secretário de Estado.
Risos do PS.
0 senhor não é capaz de me dizer qual é plano de rega colectivo (que é o que eu digo no meu texto) que arrancou nestes oito anos. Se for capaz... Mas nem sequer é capaz, hoje, de falar em Alqueva. E isto por uma razão muito simples: porque o Sr. Ministro andou a negociar uma política agrícola comum que permite agora, por exemplo, ao lobby francês chegar às negociações e dizer: «mas este Ministro não tem juízo!? Então, agora vem pedir a irrigação quando foi ele que andou a negociar uma lei para não produzir? A irrigação é aumento de produção. A lei que ele assinou é o contrário daquilo que ele está aqui a pedir.» É com isto que ele está confrontado agora em relação ao Alqueva. E o senhor não é capaz de me responder!
0 seu Governo diz que irrigou 120 mil lia de poços, de charcas, de furos, lá na sua terra do Algarve, com 100 ou 200 metros de profundidade, e aquilo que digo no texto é que nós precisamos de planos de aproveitamento das bacias hidrográficas nacionais esses é que são os grandes planos. E eu desafio-o a dizer aqui qual foi o plano lançado e qual é o estado de andamento nessa matéria.
A segunda questão a que o senhor se refere é a da comercialização: o Governo português gastou 103 milhões de contos e desafio-o a dizer qual foi o mercado abastecedor que foi feito em Portugal com esse dinheiro. Restaurado o do Porto? Mas esse já existe há muitos anos. Não há nenhum mercado abastecedor. E o senhor sabe que não há nenhuma zona de grande concentração. Foi feito o Mercado de Origem de Alcobaça, que não é uma zona de grande concentração.
E hoje é de tal maneira ridículo que o Ministro pega em dez funcionários e põe-nos junto das grandes superfícies e diz: «resolvi o problema comercial». Dos dois, ou três ou cinco mil funcionários que lá tem, pegou em dez, chegou ali, fez uma coisa pública e diz: «está resolvida a ligação entre as grandes superfícies e a agricultura». 0 senhor sabe que isto é demagogia pura! Que os 103 milhões de contos, hoje, na maioria, estão utilizados para a recepção de importações e aquilo que era fundamental - as grandes zonas de concentração, com centros de embalagem, com centros de calibragem, com centros para a formação de marketing sobre os produtos existentes
não foi feito.
Das tais irregularidades a que se referiu, o senhor não é capaz de apontar uma única. Acuso o Sr. Ministro de ter feito uma política anti-portuguesa e ele não foi capaz de dizer aqui uma única palavra. Acuso-o de ter colocado o sector na derrocada, dou os elementos, e ele cala-se e foge à discussão. Ele é tão incapaz de se defender como é incapaz na governação. E o Sr. Deputado, se quiser «fazer as pazes» com o seu amigo Amaro, vai pegar no texto e dizer-me, concretamente: «foi isto e isto que nós fizemos»
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já que o Sr. Ministro não é capaz! Mas o senhor também não é, porque não o fizeram!
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.
0 Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Penso que a intervenção que o Sr. Deputado António Campos dirigiu à minha pessoa veio na mesma linha de infelicidade das suas intervenções anteriores aqui, esta tarde. Muito em particular, ter dito que fui «posto na rua» do Governo, quando vim para o Parlamento, considero particularmente infeliz da sua parte. Eu vim para uma casa digna, trabalhar com toda a dignidade...
0 Sr. António Campos (PS): - Então, o Governo não é digno?!
Risos do PS.
0 Orador: - E não vim para a rua, Sr. Deputado...
Aplausos do PSD.
Devo até dizer-lhe que, apesar do muito que gostei de estar no Governo, estou a gostar particularmente de estar aqui, na Assembleia da República. Estou longe, portanto, da situação de ser «posto no olho da rua»! E quanto «às pazes com o meu amigo Amaro», como o senhor refere, não sei o que é lhe contam nem que conjecturas o senhor fez para eu ter de «fazer as pazes» com um amigo e governante que é o Sr. Secretário de Estado da Agricultura. Mas isso são questões de pormenor.
E volto, se o Sr. Presidente me permite, às questões de ordem técnica. Sr. Deputado, mais uma vez, aí, cometeu um conjunto de imprecisões. Não sei se o Sr. Presidente me dará mais tempo para falar, senão, não vou ter possibilidades de, com exaustão e pormenor, explicar ao Sr. Deputado António Campos as questões que referiu.
0 Sr. Presidente: - Tem o que resta para concluir os três minutos, Sr. Deputado.
0 Orador. - Como vê, é completamente impossível responder tecnicamente às questões. Mas vou pegar numa, Sr. Deputado. 0 senhor referiu as estruturas de comercialização, saiba que a esmagadora maioria das estruturas de comercialização, que estão instaladas neste país, estão aproveitadas praticamente a 100 %, o que leva a dizer que a criação de mais estruturas, de comercialização vai criar uma situação em que aquelas existentes deixam de ter o material suficiente para trabalhar. 15to constata-se perfeitamente: Sr. Deputado, contacte os respectivos responsáveis, contacte os directores e avaliará da dificuldade que eles têm em conseguir, desde já, rentabilizar-se a 100 %. E mesmo quanto às grandes superfícies, que o Sr. Deputado refere, é notório o esforço que tem sido desenvolvido e é notório, se o senhor visitar as grandes superfícies nos arredores de Lisboa, nota todo o esforço que está a ser feito em termos da comercialização e da preferência dada ao produto português. Está lá bem claro e bem preciso! Basta lá ir perguntar e constatar que as coisas, na realidade, são assim.
0 senhor clama por um plano de rega e eu devo adiantar-lhe que, neste país, para o aproveitamento do recurso de água, existem sete possibilidades diferentes.
0 Sr. António Campos (PS): - Mas diga uma. Uma!
0 Orador: - 0 nosso ilustre Presidente não me dá tempo para eu vos dizer quais são essas sete possibilidade para o aproveitamento do recurso de água.
0 Sr. Presidente: - Não dou, não, Sr. Deputado!
0 Orador: - Deixe-me dizer-lhe mais, Sr. Deputado: quando os senhores falam em culturas mediterrânicas e se põem a falar em planos de irrigação, mais uma vez, cometem imprecisões de ordem técnica que são particularmente graves.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao longo da presente legislatura, o sector agrícola tem sido um dos temas que mais tem absorvido esta Câmara, transformando-se em objecto privilegiado para inúmeras intervenções.
Com efeito, ao nível do Parlamento, sucederam-se debates, interpelações, algumas iniciativas legislativas, inquéritos e audições parlamentares e até alguns incidentes que colocaram as questões da agricultura na primeira linha dos noticiários escritos, falados e televisivos.
A par deste labor parlamentar, outras acções tiveram lugar por iniciativa das forças partidárias que aqui têm assento. Nuns e noutros momentos, tomou-se, muitas vezes, visível não existir da parte dos seus agentes um genuíno interesse e preocupação relativos aos problemas que afectam a agricultura, em particular, e o mundo rural em geral.
De facto, não raramente, foi possível descortinar que, subjacentes a essas acções, existiram motivações de natureza pessoal ou partidária, que são incompatíveis com uma análise realista e objectiva desses problemas. Podemos, deste modo, falar em aproveitamentos políticos, indevidos e, como tal, condenáveis, da situação difícil que a agricultura portuguesa desde há muito vive.
Seja como for, se a problemática agrícola se apresenta como um campo de acção preferido dos partidos; se determina, com frequência, intervenções ao mais alto nível da magistratura da Nação; se preenche de forma tão intensa as agendas parlamentares; se absorve, em tão elevada escala, os espaços noticiosos, não podemos deixar de concluir que os problemas que dizem respeito ao mundo rural e à agricultura, independentemente da forma e da intenção com que são suscitados, não podem considerar-se questões menores, banalizáveis, como por vezes parece entender-se.
Porque valorizamos estas questões, recusamo-nos a fazer dos problemas dos agricultores e de quantos têm o espaço rural como o seu mundo de acção, motivo de meras discussões partidárias, positivamente inconsequentes e sem sentido. Pela mesma razão, desejamos sempre que quando, aqui ou em qualquer outro fórum, esses problemas são abordados o sejam de uma forma serena e objectiva, numa busca sempre continuada de soluções adequadas à sua resolução e de acordo com as nossas realidades.
A presente interpelação representa a segunda iniciativa do género sobre este assunto, no decurso desta legislatura, por parte do PS, e daí que seja um exercício interessante analisar até que ponto ela pode elucidar-nos acerca da posição do partido interpelante nestas matérias. Por isso e para isso, parece-nos oportuno lembrar a intervenção do
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Sr. Deputado António Guterres ao abrir a interpelação que aqui teve lugar, em Abril de 1992.
Dizia, então, o Sr. Deputado, e passo a citar: «A agricultura portuguesa é, hoje, o sector em mais grave crise na economia portuguesa, crise que afecta, em muitos casos, dramaticamente, uma parte significativa da nossa população. Faz, por isso, todo o sentido que o Grupo Parlamentar do PS tenha decidido encarregar-me de abrir esta interpelação». Como tivemos oportunidade de verificar coube a outro Sr. Deputado do PS fazer a intervenção de' abertura nesta interpelação, intervenção, aliás, que não trouxe novidades e não suscitou, nem da sua bancada, muitos aplausos.
Este facto conduz-nos a uma de duas conclusões: ou o PS entende que a agricultura portuguesa já não está numa situação de grave crise e, portanto, já não faz sentido que seja o seu Secretário Geral a abrir a interpelação; ou, então, definitivamente, o Sr. Deputado António Campos é consagrado porta-voz do PS para as questões agrícolas, o que, atendendo à orgânica do seu partido, pode considerar-se como a consagração de um «ministro sombra» para a área agrícola. Dada a forma como o Sr. Deputado António Campos tem encarado a problemática agrícola e a aceitação de que desfruta no meio rural, como foi aqui lembrado, este é um facto a não esquecer.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, como já tivemos oportunidade de salientar, a nível do Parlamento e fora dele, as questões agrícolas têm sido um assunto em quase permanente discussão, sendo, portanto, compreensível e até natural, que ocorram algumas repetições a que também nós não escaparemos, o que não acarreta consigo nenhum mal se elas forem a tradução da firmeza de pensamento de cada um relativamente às questões em debate.
A análise da política agrícola pode hoje ser desenvolvida num quadro mais definido, isto é, depois de aprovada a Reforma da Política Agrícola Comum, foram finalmente concluídas as negociações que conduziram aos acordos do GATT, nas quais o dossier agrícola assumiu sempre um interesse e uma acuidade especiais (o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca já não está interessado nas questões do GATT, pelos vistos).
0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - V. Ex.ª sabe mais do que nós. Tem acesso directo às informações.
0 Orador: - Depois da Reforma da PAC, em Junho de 1992, impunha-se aos responsáveis comunitários do sector, tentar compatibilizar as prerrogativas que, através daquela reforma, haviam sido consagradas para os agricultores, com as exigências decorrentes de um acordo de livre comércio, por forma a consolidar essas prerrogativas e a própria Política Agrícola Comum no plano internacional.
Atendendo à importância de que se revestem os acordos do GATF e às repercussões que os mesmos podem ter no nosso sector agrícola valerá a pena, antes de outras considerações, fazer uma incursão, embora breve, ao teor do acordo agrícola, mesmo sabendo que para alguns dos Srs. Deputados não passará de uma repetição de dados já conhecidos.
0 acordo do GATT, na parte que a esta discussão importa, traduziu-se na redução de garantias e apoios à agricultura nos seguintes domínios: acesso aos mercados, apoios internos e subvenções à exportação.
Quanto ao acesso aos mercados, os principais compromissos são: redução dos direitos numa média de 36 % em relação aos valores médios praticados no período de 19861 88, que será feita com base na uniformização do conjunto de medidas de protecção que serão para esse efeito, convertidas em tarifas; garantia de níveis mínimos de abertura dos mercados equivalente a 5 % dos consumos internos e manutenção das oportunidades de acesso, resultantes de acordos bilaterais ou multilaterais.
No que respeita à União Europeia, a regra geral é a dos 36%, mas foi consagrado um vasto conjunto de excepções, onde se destacam as frutas, o azeite e o vinho.
Quanto aos apoios internos, foi estipulada a redução de 20 % do apoio à agricultura ao longo de seis anos, tomando como base a média dos apoios prestados no período de 1986188, nos quais se incluem as ajudas directas e indirectas concedidas à agricultura, salvo as medidas de apoio, cujos efeitos de distorção do comércio sejam nulos ou mínimos.
Ficaram excluídos do compromisso de redução (sublinho) os pagamentos directos aos produtores, as ajudas em caso de catástrofe natural, bem como a maior parte dos apoios de natureza estrutural.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - 0 valor global dos apoios que foi fixado confere à União Europeia alguma flexibilidade, porquanto o actual valor global desses apoios é ainda inferior àquele que, por força do acordo, deverá ser atingido no ano 2000, havendo, todavia, que respeitar os níveis dos apoios sectoriais concedidos em 1992.
Finalmente, no que respeita às subvenções à exportação, os compromissos firmados são no sentido da sua redução orçamental e quantitativa.
As reduções acordadas são de 36 % para as despesas orçamentais e de 21 % para as quantidades exportadas, tomando-se como base os valores e os volumes médios no período de 1986/90.
Essas reduções podem ser implementadas ao longo de seis anos, admitindo-se a sua realização em parcelas desiguais, podendo, ainda, optar-se por outra base temporal de cálculo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em jeito de balanço, cremos poder afirmar que para a União Europeia o acordo agrícola, no âmbito do GATT, é razoável, muito embora os compromissos assumidos sejam de molde a provocar ajustamentos no sector.
Tais ajustamentos, e no que a nós respeita, carecem de profunda ponderação, tanto mais que, na sua maioria, incidirão sobre áreas em que somos particularmente interessados, concretamente os chamados produtos mediterrânicos.
Por esta razão, é de saudar o compromisso interno comunitário, assumido a nível do Conselho, em cujas conclusões pode ler-se: «Para os sectores, cujas organizações comuns de mercado não foram ainda modificadas, o Conselho e a Comissão comprometem-se a adoptar os dispositivos necessários para assegurar os rendimentos agrícolas e a preferência comunitária. Nestes sectores serão tidos em conta as condições e os princípios agrícolas e financeiros que foram aplicados para o conjunto do sector agrícola. Será também tido em conta o contexto do Uruguay Round.»
Para o nosso país é grande a importância de um compromisso desta natureza, uma vez que estão na «ordem do dia» as revisões das Organizações Comuns de Mercado daqueles produtos.
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Em conclusão, Portugal, na medida do possível, viu acautelados importantes interesses da sua agricultura, quer aqueles que se prendem com as ajudas directas da reforma da PAC e respectivas medidas de acompanhamento, quer aqueles que dizem respeito a sectores não abrangidos pela Política Agrícola Comum.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Qualquer tentativa de definição de uma política agrícola para o nosso país está, desde logo, sujeita a um balizamento, que é a consequência directa e imediata do seu enquadramento comunitário.
No entanto, e em nossa opinião, a definição e caracterização da nossa política agrícola não deve esgotar-se nas opções e linhas de acção que resultam desse enquadramento.
Respeitando, certamente, essa moldura, terão de se ter em conta outros princípios, designadamente, o que a agricultura representa como componente do espaço rural, as suas limitações e os aspectos económicos, sociais, culturais e até políticos que ela comporta.
A agricultura, não obstante as suas limitações no caso português, é reconhecidamente uma importante componente do espaço rural, se não mesmo a mais importante, e, por isso, sem o seu progresso não haverá um desenvolvimento equilibrado, sustentado e harmonioso desse espaço.
Daí que, quaisquer medidas que a ela se destinem, não devam ser desligadas de um objectivo mais global - o desenvolvimento integrado do espaço em que se insere.
Por essa via será possível a valorização e a dignificação do mundo rural e com elas a sua estabilização.
Para nós é muito claro (sublinho) que só um mundo rural estabilizado pode proporcionar estabilidade à sociedade em que se integra. 0 mesmo é dizer que sem resolver os problemas desse espaço, criando ali condições de fixação das suas gentes, jamais, repito, jamais se resolverão os muitos e graves problemas urbanos do nosso tempo.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É uma crítica à política do Governo!
0 Orador: - É uma filosofia própria, Sr. Deputado.
De quanto fica dito, é fácil concluir que estão em causa valores que, não sendo apenas de natureza económica, requerem de todos nós uma muito clara percepção.
Desde logo, é necessário conferir à agricultura a dignidade que é dispensada a qualquer outro sector de actividade e, ao mesmo tempo, reconhecer-lhe a função decisiva que ela desempenha numa perspectiva mais global dos interesses da sociedade.
Por isso, os valores que a agricultura encerra nem sempre se coadunam com puros pragmatismos económicos. 0 mercado não é a solução para todos os seus problemas, porque as regras que lhe são próprias são particularmente difíceis de se cumprir em qualquer sector agrícola e, por maioria de razão, no caso português.
Aplausos do PSD.
Começa a ser, generalizadamente, aceite o conceito de multifuncionalidade atribuído à agricultura, o que lhe confere uma natureza marcadamente social que não deve ser negligenciada na formulação das opções que enformam a política agrícola.
Em várias ocasiões (sublinho) os mais altos responsáveis do sector têm dado claros sinais de que partilham este entendimento com o que, sinceramente, nos congratulamos.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A presente interpelação comporta também a apreciação da situação da agricultura portuguesa, a qual, para ser melhor compreendida, obriga-nos a recuar no tempo alguns anos, isto é, ao momento que antecedeu a adesão do nosso país à Comunidade.
A época, a agricultura portuguesa caracterizava-se da seguinte forma: pela estagnação do valor real do Produto Agrícola Bruto; pela existência de graves debilidades estruturais; pela existência de um mercado excessivamente regulamentado e protegido por controlos de natureza administrativa; por preços agrícolas, na sua maioria, superiores aos praticados na Comunidade.
Reconhecidas estas debilidades da agricultura portuguesa e para evitar o seu agravamento, quando confrontada com agriculturas muito mais evoluídas e competitivas, no acordo de adesão à Comunidade Económica Europeia, estabeleceu-se um processo de transição, por etapas, para implementação dos mecanismos da Política Agrícola Comum.
Não obstante esta adaptação gradual aos padrões europeus e à concorrência comunitária, algumas consequências se fizeram sentir.
Aliás, essas consequências eram previsíveis, mas a nossa vocação de integração europeia exigia que elas fossem, como o foram, assumidas de forma responsável, serena e realista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Com a antecipação do Mercado único para os produtos agrícolas terminou esse processo de transição sem que, entretanto, tivessem sido debeladas todas as insuficiências do nosso sector agrícola.
No entanto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, há que reconhecê-lo que, através desse processo e ao longo da sua aplicação, foram introduzidas profundas alterações no sector agrícola nacional, que poderão constituir a base para uma agricultura mais moderna, mais competitiva e mais dinâmica.
Os agricultores portugueses, mesmo em condições muito adversas, desenvolveram ao longo dos últimos anos um esforço de modernização, conseguindo aumentos de produção e de produtividade que representam um corte radical com o passado e um marco de separação entre esse passado e a actual fase da agricultura portuguesa.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É a teoria do oásis!
0 Orador: - Verá que não, Sr. Deputado!
Todavia, esse aumento de produção e esse ganho de produtividade, conseguidos no período de pós-adesão, nem sempre tiveram correspondência nos rendimentos dos agricultores.
Embora possa admitir-se erros de cálculo na sua determinação, ter-se-á registado, a esse nível, um decréscimo, sobretudo no período de 1990193, devido, fundamentalmente, à evolução negativa dos preços agrícolas, que cresceram significativamente menos do que os preços dos factores intermédios e primários de produção.
A harmonização do sistema de preços, decorrente da integração europeia, e as deficiências e estrangulamentos
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na área da comercialização são factores que explicam a evolução desfavorável dos preços agrícolas.
Estas e outras anomalias que determinam dificuldades acrescidas para os agricultores têm merecido a atenção do Governo, a demonstrar que este não é alheio aos problemas que os afectam.
Com realismo, o Governo tem reconhecido a existência dessas dificuldades no sector e o muito que ainda há para fazer. Até por estas razões, as acusações de falta de atenção e interesse para com os agricultores, dirigidas ao Governo, são, pois, pouco sérias e até injustas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A primeira condição para solucionar os problemas é o seu reconhecimento.
Que as dificuldades existem ninguém duvida, mas elas não podem constituir um factor de desmobilização nem de menor confiança no futuro. Embora limitados, há meios, há capacidade e há vontade política para as enfrentar.
Com a conjugação de esforços entre a Administração, os agricultores e as suas organizações representativas, serão vencidos os desafios que à agricultura portuguesa se colocam.
0 Governo, aliado à sua vontade política, dispõe de instrumentos que, racionalmente utilizados, permitirão dar um importante e indispensável contributo nas acções que visam continuar a modernização da agricultura, o apoio às explorações agrícolas, à investigação e à formação profissional, o apoio à transformação e comercialização dos produtos agrícolas, pecuários e silvícolas e a melhoria e valorização da floresta.
A par de um conjunto de programas, tendentes a corrigir a situação dos agricultores portugueses, que o Governo vem implementando e que demonstram o esforço que está a ser feito nesse sentido, dispor-se-á de um outro instrumento que, pelo seu alcance e objectivos, merece ser aqui referenciado. Falamos do Plano de Desenvolvimento Regional, para o período de 1994/99, em vias de aprovação.
Elaborado numa óptica de desenvolvimento rural e dotado de um quadro financeiro considerável, consagra um conjunto de medidas em domínios importantíssimos e, por isso, constituirá uma nova oportunidade e um meio para tentar eliminar ou, pelo menos, atenuar fortemente algumas das fragilidades que caracterizam o mundo rural e o sector agrícola nacional.
Todos estes meios exigem do Estado uma forte intervenção, mas, ao mesmo tempo, são um desafio à capacidade dos agricultores e às organizações que os representam.
As oportunidades que se nos oferecem não podem ser desperdiçadas. Os nossos vindouros não nos perdoariam se isso viesse a acontecer.
Os agricultores portugueses já demonstraram que são capazes e que merecem, por isso, o nosso apoio, compreensão para os seus problemas e condições de tranquilidade e confiança para prosseguirem a sua nobre missão.
Com eles, venceremos os desafios!
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antunes da Silva, ouvi com atenção a sua intervenção.
Eu trouxe a esta Casa um conjunto forte de questões em matéria agrícola: a perda de rendimentos; o endividamento dos agricultores; o problema da desvalorização da terra e a impossibilidade de crédito aos agricultores por não terem garantia.
Portanto, neste momento, pelos dados existentes, estamos perante uma catástrofe do sector agrícola.
0 Sr. Ministro nunca foi capaz de me responder aos problemas graves que lhe coloquei, parecendo uma enguia, fugia .... inventava ... mas eu sabia, antecipadamente, que o Ministro não era capaz de responder ao conjunto forte de grandes problemas que hoje atormentam o sector.
Ouvi com atenção o Sr. Deputado falar para as nuvens. Esteve a falar de acordos que nada têm a ver com a realidade nacional ou quando têm ainda complicam mais essa realidade. É o caso, por exemplo, dos acordos do GATT, onde pode verificar que a maioria das produções estão completamente a descoberto relativamente aos agricultores do norte da Europa, porque não há qualquer protecção ao vinho, às frutas, isto é, aos produtos hortícolas e frutícolas. Há apenas protecção aos produtos em que o norte da Europa comanda, e o senhor faz disso uma prece e acha que o acordo é «razoável» (foi a palavra que utilizou).
Sr. Deputado, perante o quadro em quê os agricultores estão a perder quase 50 % do seu rendimento em três anos; perante o quadro da desvalorização da terra e o do endividamento de 450 milhões de contos para 550 milhões de contos dos que produzem, pergunto-lhe - e dado que o Sr. Ministro não tem resposta - se a bancada do PSD é capaz de dar resposta à situação actual e qual é a alternativa para viabilizar o sector. E não me diga que a resposta é os 5 % de crédito de campanha, que foi um crédito que existiu sempre e que foi uma blague para passar qualquer coisa para a informação. E mais, qual é o custo que tem a energia na maior parte da produção?
0 senhor, desta vez, não vai utilizar a mesma estratégia do Sr. Ministro, mas vai dizer-me que vamos recuperar o rendimento dos agricultores, porque, se não, destruiremos um sector fundamental para Portugal, um sector que tem a ver com a identidade, com a independência, com a ocupação do mundo rural, porque não é a nova terminologia que os senhores querem aqui lançar que ocupa o mundo rural. A questão fundamental é, de facto, a viabilização do sector agrícola.
0 Sr. Deputado vai responder-me como resolve isso e dizer quais são as medidas de crédito para compensar os 450 milhões de contos de dívidas dos agricultores que irá tomar imediatamente. Se não, os senhores, na presente interpelação, estarão a demitir-se totalmente de discutir o problema e a arranjar variantes para fugir ao fundo das questões. Foi o que fez o Sr. Ministro. Gostaria de saber se o Sr. Deputado irá fazer o mesmo e ter o mesmo comportamento que o Sr. Ministro assumiu nesta Casa.
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, tenho pena de que, havendo alguns conceitos com os quais até poderíamos estar em simultâneo acordo, o Sr. Deputado acabe depois por baralhar as coisas e não ouvir o que os outros dizem. Disse que ouviu com atenção, mas provavelmente não ouviu, porque nem sequer estava aqui, embora deva dizer que não é obrigado a ouvir-me.
Cumpre-me desde já dizer-lhe que não concordo consigo com a afirmação de que o Sr. Ministro não deu respostas, porque o Sr. Ministro deu as respostas a todas as questões que o Sr. Deputado suscitou. Pode ter a certeza
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de que não irei alimentar essa sua chicana. Se eu reconhecesse que o Sr. Ministro não tinha sido cabal nas suas respostas, procuraria dizer-lhe algo mais. Não alinharei, contudo, nessa sua chicana. V. Ex.ª disse - foi assim que iniciou o seu pedido de esclarecimento - que trouxe aqui um conjunto de elementos. Desculpar-me-á que lhe diga, mas não trouxe nada de novo. Foram repetições de coisas e tenho pena de que não acredite nisso. 0 Sr. Deputado não trouxe nada de novo, ao contrário do que diz do Governo, que efectivamente aqui trouxe novidades. 0 Sr. Deputado pode não estar de acordo com elas, mas são opções do Governo que a nossa bancada respeita. Pode não estar de acordo com elas, mas não pode acusar o Governo de não ter trazido nada de novo. Quem não trouxe nada de novo foi, de facto, o Sr. Deputado António Campos.
Pergunto-lhe, por outro lado, se permanece na ideia de que eu nada trouxe ao debate que tivesse a ver com os nossos problemas específicos. Então o GATT nada tem a ver com os nossos problemas específicos?! A protecção do vinho nada tem a ver com os nossos problemas?! A protecção dos produtos frutícolas nada tem a ver com os nossos problemas?!
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Protecção a quê?
0 Orador: - Abordei todos esses problemas e tive o cuidado de dizer que me regozijava com o facto de o Governo demonstrar que está com atenção a essas questões, particularmente em relação às áreas que o Sr. Deputado acabou de referir.
0 Sr. Presidente: - Antes de prosseguirmos o debate, iremos proceder à votação de um projecto de resolução subscrito por todos os grupos parlamentares, que concordaram, por unanimidade, votá-lo na sessão de hoje.
Tratando-se de um tema que nos é particularmente sensível, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do referido projecto.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor o mencionado projecto de resolução:
Projecto de resolução n.º 84/VI
Apoio à proposta de atribuir ao Bispo D. Ximenes Belo
o Prémio Nobel da Paz para 1994
Considerando o sacrifício do povo de Timor-Leste em defesa da sua identidade, dignidade e direito à autodeterminação, pelo que tem sido objecto de uma repressão correspondente ao crime de genocídio, cometido pela Indonésia;
Considerando que a Indonésia invadiu, conquistou e proclamou unilateralmente a integração de Timor-Leste no seu território, com violação do direito internacional e da Carta da ONU;
Considerando que o Bispo de Timor, D. Ximenes Belo, se tem mantido intransigentemente à frente da sua comunidade de cristãos, em defesa dos direitos do Homem, sem distinção de crenças;
Considerando que deste modo se elevou ao nível dos líderes espirituais que, neste século, têm contribuído para que finalmente desapareça a categoria de povos tratados como dispensáveis pelos poderes internacionais, não cuidando dos riscos pessoais assumidos;
Considerando que assim contribuiu de maneira valiosa para a instauração da paz pelo Direito;
A Assembleia da República resolve apoiar a proposta de atribuir ao Bispo D. Ximenes Belo o Prémio Nobel da Paz para 1994.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos de imediato proceder à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade dos parlamentares presentes, incluindo os membros da Mesa.
A Câmara aplaudiu, de pé.
0 teor da resolução que acaba de ser aprovada será transmitido ao parlamento norueguês (a data-limite para a apresentação de apoios às candidaturas é 31 de Janeiro) e ainda hoje expedido pelo meu gabinete para o nosso embaixador junto do Estado da Noruega, para ser entregue no parlamento até à data-limite para o apoio às candidaturas apresentadas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputados: Também somos da opinião de que é necessário discutir com seriedade, na Assembleia da República, as questões da agricultura portuguesa. Mas isso só é possível se o Governo e a bancada da maioria aceitarem também uma metodologia correcta. Ou seja: no momento em que vamos encetar um novo PDR, com mais 700 milhões de contos, e vamos ser confrontados em cheio com as reformas, da PAC e o impacto dos acordos do GATT, não será possível traçar linhas e políticas correctas e credíveis, até ao fim da década, se não houver a coragem de fazermos uma análise, serena e profunda, do que foram estes 10 anos de política em que acabou um PDR.
Aqui é que o PSD e o Governo fogem à questão. Não querem discutir, com seriedade, quais são os resultados da sua política e falam, como aliás já aqui ouvimos outros ministros dizer, como o anterior Ministro das Finanças, de um mundo que é irreal, quando a verdade é que não é esse o mundo real da agricultura. Muitos de nós vivemos no campo, na agricultura, somos agricultores e sabemos que o quadro que aqui está a ser traçado pelo Governo e pela bancada da maioria não corresponde à realidade da nossa agricultura.
Partindo, por isso, do princípio de que a primeira condição para resolver os problemas - socorro-me até de palavras do Sr. Deputado Antunes da Silva - é reconhecê-los, passo a manifestar os pontos de vista do Partido Comunista Português sobre os resultados desta política. Apontaremos depois algumas grandes linhas que pensamos que deveriam ser seguidas como metodologia para podermos encontrar um caminho novo e mais eficaz para a nossa agricultura.
0 Partido Comunista considera estranha e desprovida de seriedade - que isto não ofenda ninguém - uma política que, por um lado, diz aos agricultores portugueses á hoje aqui o ouvimos) que têm de competir com os agricultores da Comunidade Europeia e agora também com os dos Estados Unidos da América e de mais 110 países que assinaram o acordo do GATT, mas, por outro, lhes nega o tempo, as condições e os meios para se prepararem e saírem bem dessa competição. Toda a gente sabe que os agricul-
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tores portugueses tiveram apenas cerca de oito anos para se preparar e partiram com um atraso de anos-luz em relação às agriculturas do centro e do norte da Europa.
Mesmo assim, já hoje aqui foi dito que foi vendido por 100 milhões de contos o resto do período de integração. A verba de 100 milhões de contos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, dá para pagar os encargos da dívida que neste momento recai sobre os agricultores, o que nada significa em termos de agricultura como sector produtivo. As outras agriculturas comunitárias tiveram cerca de 30 anos para preparar a sua integração.
Ninguém faz milagres, muito menos os agricultores portugueses! Os agricultores portugueses - já aqui foi dito pagam taxas de juro duas a três vezes superiores à média das europeias, pagam os factores de produção mais caros da Europa e viram reduzidos os preços dos seus produtos em 50 %.
Ora, enquanto se mantiver o alargamento deste diferencial, a nossa agricultura não terá viabilidade. Gostaríamos de saber se o Governo tem esta opinião ou se pensa que, mantendo este fosso, é possível viabilizar a nossa agricultura.
Não são, de facto, as duas medidas que o Sr. Ministro aqui apresentou que irão resolver os problemas. Na nossa opinião, como já aqui foi dito, elas são limitadas e tardias.
A energia eléctrica beneficiará - toda a gente vê isso com facilidade - apenas um pequeno grupo de expropriações de capital intensivo.
A bonificação de 5 % ao crédito de campanha é uma reposição de uma medida que tinham retirado, sendo inclusivamente inferior ao que as empresas agro-alimentares beneficiam pelo «pacote» que o Governo fez sair, creio que em Março.
Em suma, não são as duas medidas pontuais que aqui hoje foram apontadas que resolverão os problemas que acabámos de referir. Gostaríamos de ouvir a bancada do PSD, o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado sobre esta matéria.
0 PCP constata ainda a quebra do produto bruto agrícola e a crescente e perigosa dependência alimentar do País. É um dado objectivo - e não crítica pela crítica nem maledicência - que o produto agrícola bruto sofreu uma quebra superior a 25 % nos últimos três anos. É também um dado objectivo que o défice agro-alimentar deve atingir os 70 %.
Perguntamos: nestas condições, como é que a bancada do PSD, o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado explicam a racionalidade de uma política que utiliza os volumosos meios comunitários que foram postos à disposição do País para desactivar a agricultura, em vez de encontrar políticas agrícolas de incentivo à produção nas áreas em que devamos fazê-lo?
0 PCP constata também que, ao mesmo tempo que são desmanteladas e privatizadas estruturas de apoio à agricultura, transformação e, particularmente, comercialização dos produtos agrícolas, crescem as- dificuldades para os agricultores colocarem os seus produtos, cresce o clientelismo, crescem as discriminações, crescem as irregularidades e cresce mesmo a corrupção.
Passamos a indicar alguns exemplos: na comercialização dos cereais, onde tivemos o caso da Cooperativa Agrícola de Torres Vedras, com as ligações que tem, e onde muitos outros poderiam ser citados; no encerramento de matadouros e na criação e privatização das PEC, sobre a qual irá ter lugar na próxima semana uma audição parlamentar, proposta pelo PCP, porque tudo isto está embrulhado numa
nuvem que é preciso clarificar; no encerramento de postos de recolha de leite em zonas difíceis; nas áreas da floresta, da caça, da sanidade animal ou da fiscalização dos vinhos importados; na formação profissional; no IFADAP, em relação ao qual com certeza conhecerão o relatório que agora foi aprovado no Parlamento Europeu sobre esta matéria; na incapacidade ou falta de interesse para porem de pé estruturas eficazes de transformação e comercialização agro-alimentar; na discriminação e - volto a sublinhar, como já aqui foi dito pelo Sr. Deputado Mário Tomé - marginalização da CNA, facto que constitui uma vergonha, sobre o qual a justificação dada pelo Sr. Ministro «não tem pés nem cabeça».
Quando as coisas estão erradas, têm de ser emendadas. Se o Sr. Ministro aqui implicitamente reconheceu, segundo me pareceu, que estava a ser cometida uma injustiça, tenha então a coragem de hoje dizer aqui que irá remediar essa injustiça. Não faz sentido que a CNA seja discriminada e a CAP seja o principal parceiro do Governo. A CAP, que já recebeu cerca de oito milhões de contos, é exactamente uma organização sobre a qual «continuam a vir a público fortes suspeitas de fraude e desvios de fundos envolvendo dirigentes e associados» seus. É exactamente essa organização que o Governo vai escolher para principal parceiro. 15to tem alguma credibilidade, inspira confiança cá dentro e prestigia o nosso país lá fora? Temos ideia de que não, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo.
No respeitante à estrutura fundiária, verificamos, face a um recente trabalho feito pelo INE, que desapareceram 224 000 explorações agrícolas. Também nesta matéria temos uma dúvida, que consiste em saber se essas explorações desapareceram ou se alguém e quem deu ordem para elas serem pura e simplesmente riscadas das estatísticas, ou seja, se o Governo tomou a iniciativa de matar administrativamente dezenas de milhar de explorações e, em caso afirmativo, com que critérios e objectivos fez isso. Gostaríamos que esclarecessem a Assembleia e o País sobre esta matéria.
Além disso, o PCP constata que o desequilíbrio da estrutura fundiária do nosso país, que existia e tentou ser corrigida, continua a persistir: a norte o minifúndio, com uma média de cinco a seis blocos, agora talvez cinco, já que eram seis blocos, e a sul a grande propriedade, nas condições que ainda hoje existem. Também sobre esta matéria perguntamos por que não tem o Governo capacidade para resolver este problema, quando neste momento tem os instrumentos fundamentais a uma política que poderia perfeitamente resolver o problema da estrutura fundiária em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Falemos agora - porque praticamente ainda não falámos aqui deste assunto - das vítimas desta política. Não estamos a tratar sobretudo de números, mas da vida de dezenas de milhar de famílias desde país. Essas vítimas são os agricultores, são as suas famílias, é o mundo rural, é o nosso país.
Com o PSD no poder há uma década, os agricultores portugueses estão mais pobres, o que é incontestável. Há, no entanto, alguns que estão mais ricos e também sabemos quem eles são. Na minha zona há muitos que hoje estão mais ricos e também os conheço pessoalmente. Mas, em geral, os agricultores estão mesmo muito pobres e endividados, muitos à beira da ruína, outros já falidos. É um dado objectivo que entre 1986 e 1993 o rendimento real dos agricultores portugueses sofre uma quebra de 45 %. Se não é assim, o Sr. Ministro que desminta o que estamos a dizer.
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Se o provar, aceitaremos o desmentido. Se não o fizer, tal facto tem de ficar como um dado adquirido e como um fracasso da política do Governo.
É também um dado objectivo que o endividamento da agricultura portuguesa se situa nos 350 milhões de contos.
Com a destruição da agricultura, é o mundo rural que morre também, perante a insensibilidade do PSD e do Governo para com o drama humano do êxodo nos campos de Portugal. Na última década, 600 000 pessoas foram obrigadas a abandonar as zonas rurais. São milhares de famílias expulsas das suas terras, do seu meio ambiente, atiradas para os subúrbios das grandes cidades do País e do estrangeiro, muitas vezes sem emprego e sem perspectivas de futuro. E não estou a dar pinceladas de negro, pois quem é de uma aldeia, quem viu partir de lá muita gente e sabe o destino que essas pessoas tiveram, sabe que isto é verdade e que é um drama, não tendo o Governo o direito de fechar os olhos mas, sim, de procurar resolver esta situação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro e Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 País, sem um sector agrícola produtivo dinâmico, dependente do exterior em bens alimentares, com as populações rurais empobrecidas e no desemprego, com o seu mundo rural em decadência, não prestigiará, ao contrário do que o Sr. Primeiro-Ministro já aqui tem dito, nem tomará mais forte a nossa posição na Europa e no Mundo, antes a enfraquecerá e tornará mais débil a nossa soberania nacional.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - 0 poder tem que ter um visão mais larga, humanista e honesta. Deve ser capaz de perceber que, no mundo contemporâneo, navegamos num barco simultaneamente poderoso e frágil, deve ser capaz de perceber que os recursos hídricos, a produção de bens alimentares e particularmente a sua comercialização, constituem objectivos estratégicos. E não é isso que se está a ver na vossa política.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - 0 Partido Comunista Português considera indispensável e urgente uma nova política agrícola, que corresponda às reivindicações e necessidades dos agricultores, das populações rurais e do País. E, nesse sentido, propõe a elaboração e ampla discussão de uma lei de bases da política agrária - é incrível que ainda não exista essa lei, acerca da qual já apresentámos uma proposta que foi rejeitada pelos Srs. Deputados do PSD - que defina com clareza objectivos até ao final da década como, aliás, o PDR; que crie um quadro potenciador e moralizador dos investimentos e apoios nacionais e comunitários; que potencie as áreas em que temos vantagens comparativas; que assuma os objectivos estratégicos do correcto aproveitamento dos recursos hídricos (vamos a reboque do Plano Hidrológico Espanhol e ninguém sabe que volume de água vai ser desviado dos nossos rios) e da produção de bens alimentares bem como da sua comercialização; que assuma a necessidade de a agricultura portuguesa ter acesso a créditos e a factores da produção a preços equivalentes aos da Comunidade Europeia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Para apoio ao mundo rural, o PCP apresentou um projecto de lei que cria o observatório do mundo rural, estrutura independente, que permitirá formular relatórios e propostas de apoio às políticas de desenvolvimento rural. Com uma nova política agrícola, a agricultura e o mundo rural português podem ter um futuro melhor e nós estamos dispostos a trabalhar nesse sentido, desde que se trabalhe com seriedade e com linhas correctas.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.
0 Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muitos são os sectores económicos, sociais e culturais onde as políticas do Governo de Cavaco Silva produziram danos irreparáveis. Não haverá, contudo; sector onde essa política tenha sido mais gravosa do que o da agricultura. 0 diagnóstico da agricultura portuguesa está feito. 0 seu fim trágico está traçado, a não ser que se mude de política ou, melhor ainda, que se mude de responsáveis políticos e de política.
As múltiplas manifestações a que temos assistido por parte dos agricultores e as análises realizadas por políticos e técnicos idóneos desse sector, de competência e imparcialidade reconhecidas, chegam todas à mesma conclusão: a agricultura portuguesa encontra-se na sua maior crise de sempre. E, pior ainda, sem políticas sectoriais que permitam aos agricultores vislumbrarem a recuperação imprescindível de tão degradante situação.
A política perfilhada por V. Ex.ª, Sr. Ministro da Agricultura, e avalizada pelo Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva, tem transformado os nossos agricultores em pessoas dependentes quase exclusivamente do subsídio discriminatório que o Governo lhes concede. Atente-se no caso paradigmático da cultura do girassol, que é cultivado exclusivamente para se receber o subsídio que lhe é atribuído em função da área semeada.
Por este caminho e a breve trecho, em vez de termos agricultores, temos somente subsidiários. E não responsabilizem os agricultores por tal situação, pois as responsabilidades são pertença exclusiva de quem tão mal nos tem governado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Continuamente se fala de macroeconomia, esquecendo-se que sem a microeconomia e, sobretudo, sem políticas económicas para os sectores produtivos, os equilíbrios da primeira não são possíveis sem a sustentação e solidez da segunda. A história passada e recente confirma-nos que, sem uma política de rigor, quer na definição quer no cumprimento, escrupulosamente alicerçada em meios financeiros necessários, as diferenças de desenvolvimento se acentuarão, num acumular de desequilíbrios derivados da concentração dos factores de produção em determinadas áreas ou regiões em detrimento de outras com excelentes potenciais.
Temos zonas neste País em que as potencialidades naturais são excelentes para produzirem frutas, legumes e flores. Somente, não são aproveitadas, não por culpa dos agricultores mas, sim, pela política incorrecta e irresponsável que este Governo prossegue. Os produtores agrícolas não são incompetentes. Os que trabalham na agricultura não receiam confrontos com os seus parceiros europeus ou de outras paragens, tanto em capacidade de trabalho como em espírito de iniciativa e de sacrifício.
Assim, urge proporcionar-lhes factores de produção, como o crédito e juros, os fertilizantes e sementes, o gasó-
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leo e os pesticidas, a energia eléctrica e as rações, que se nivelem pelos valores europeus, de forma a permitir-lhes a competitividade desejada.
Como se pode aceitar, ao pretender-se reconverter a citricultura nacional, em que o Algarve representa 80 % a 90 % da produção nacional, que o Programa NOVAGRI, num cenário de compromissos financeiros para a fruticultura de 20,6 milhões de contos, somente contemple o Algarve com pouco mais de 700 mil contos?
As expectativas criadas aos agricultores com este programa foram defraudadas, provocando sentidas e justas revoltas. Estimulou-se a reconversão de pomares.
Estimularam-se os agricultores a recorrerem ao crédito bancário enquanto não beneficiavam do financiamento dos projectos propostos e, contrariando todas as expectativas criadas e os objectivos de um programa deste tipo, os agricultores ficaram com encargos financeiros impossíveis de satisfazer, encaminhados para o desespero.
Mas o drama dos nossos agricultores não termina aqui. Infelizmente, pela má política de créditos à agricultura, os tormentos são contínuos. Os agricultores que conseguem aprovação dos projectos de reconversão agrícola, regra geral, estabelecem com as instituições bancárias os seus contratos de financiamento. No entanto, para além dos juros mais elevados da Europa, os mesmos começam a ser cobrados à implantação dos pomares, portanto, antes de estarem a produzir ou a originar quaisquer receitas.
A política financeira deste sector terá de ser, obviamente, diferente. Não pode ser estabelecida como se de uma fábrica se trate, pois esta, logo que implantada, começa a produzir e gerar receitas, o que não sucede com a fruticultura pomareira, que leva alguns anos para tal acontecer. Acresce ainda que na maioria dos contratos financeiros estabelecidos, os subsídios que os agricultores têm direito a receber são entregues «tarde e a más horas», originando o desvio destes para o pagamento de juros, que não param de crescer, em vez de se dirigirem para o investimento.
Esta política, tão desastrosa para a agricultura, impossibilita os agricultores de gerirem com eficácia o seu património, correndo sérios riscos, por incapacidade de satisfazerem os compromissos financeiros contraídos, de os seus bens serem adquiridos como pagamento de dívidas pelas instituições bancárias. E estas, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, incapazes de administrar as terras, abandonam-nas e assim se transformam terras de elevada capacidade produtiva em solos de nulo proveito para o País.
Este é mais um dos aspectos da realidade política nacional e das políticas sectoriais que, cada vez mais, encaminham os nossos agricultores para a pobreza. É, de facto, uma situação insustentável, evidenciada com a permissão de importação de fruta citrícula de qualidade residual ou de fraca qualidade fito-sanitária sem qualquer tipo de controlo, possibilitando-se o transporte a granel e o acondicionamento no nosso país como se a este pertencesse.
Que medidas cautelares têm sido tomadas de forma a evitar-se tão prejudicial comportamento? Poucas ou nenhumas! É a incapacidade total na defesa dos nossos produtos.
Não é verdade que nos pomares da nossa vizinha Espanha, de Marrocos, África do Sul, Brasil, Argentina ou Uruguai existe uma doença designada por «tristeza» que tem dizimado, nesses países, pomares inteiros de citrinos e que, como virose que é, poderá contagiar os nossos pomares e, consequentemente, destruir a já depauperada economia deste sector?
Não podemos nós, utilizando as normas e os processos de que se serviu a Comissão Europeia para proibir a comercialização de carne de porco aquando da detecção de um foco de peste suína no nosso país, tomar medidas similares? Onde está a nossa competência, ousadia e perspicácia para defendermos os nossos interesses? Ou será que outras razões inconfessáveis não nos permitem assumir tais posições?
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É um dado adquirido que é imprescindível, para o progresso e desenvolvimento da agricultura, que se aposte prioritariamente na investigação e experimentação, tendo em vista a obtenção de quantidade e qualidade dos produtos, dentro do rigor que as conveniências comerciais aconselham. Para reconverter as propriedades agrícolas ou criar uma empresa agrícola que possa produzir em competição com os nossos parceiros da concorrência, é necessária a existência de qualidade e quantidade. Para esse efeito, há necessidade de material vegetativo com pureza varietal e sanitária. 15to pressupõe, desde já, que tenhamos investigação e experimentação avançada, de forma a fornecer aos nossos agricultores as espécies adequadas, certificadas com garantia de qualidade e de propagação das espécies.
Para este efeito, o que temos na área da citricultura? Existe um Centro de Citricultura, na Direcção Regional de Agricultura do Algarve, insuficientíssimo de meios e em que a investigação é insípida, inodora e incolor e a experimentação adormecida não consegue fornecer material varietal em qualidade e quantidade aos agricultores.
Noutro sector, como seja a horto-fruticultura, o cenário não é diferente. Existiu, em tempos, um projecto de cooperação luso-alemão, que deu os seus frutos mas extinguisse, encerrou as suas portas e nada se criou para lhe dar continuidade nesta área. Para que serviram os conhecimentos adquiridos se não são postos à disposição dos agricultores, através de um sistema continuado de aconselhamento objectivo? Ou pretende este Governo que nos transformemos em serviçais dos outros, colonizados, por incapacidade daqueles que têm por função gerir o País e estimular o desenvolvimento?
Veja-se o que se passa na comercialização dos produtos agrícolas. Criaram-se infra-estruturas para a comercialização, pólos de recolha, preparação e comercialização de produtos, alguns megalómanos, autênticos elefantes brancos. No entanto, neste circuito comercial mantêm-se os mesmos malefícios, existentes no passado, dado que os compradores grossistas são os mesmos, somente deixaram de adquirir directamente aos produtores e agora vão comprar aos pólos de recolha.
15to é, o circuito de comercialização mantém-se nas mãos dos que já anteriormente eram os seus detentores, pelo que os padecimentos se agudizaram, acrescidos, ainda, com o aparecimento das superfícies comerciais, que continuam a desrespeitar as normas estabelecidas recentemente, por incapacidade do Governo as fazer cumprir. Daqui resulta, que os preços ao agricultor nacional são cada vez mais baixos e, contrariamente, o preço ao consumidor final não pára de subir.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É dado adquirido que temos de ter uma
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política que aposte na valorização do produto. Esta valorização passa pelo que atrás se afirmou, mas também pela reforma estrutural fundiária da agricultura, como seja o emparcelamento em que pouco ou nada se tem concretizado, e, igualmente, pelo aproveitamento de todos os meios financeiros que a própria União Europeia colocou à nossa disposição.
Como se justifica, no caso dos frutos secos, como a amêndoa, que a Espanha tenha 90 % do seu amendoal a beneficiar de fundos comunitários para reconverter os seus pomares e o nosso país, por incapacidade governamental, não tenha estimulado a criação de agrupamentos de produtores para se obter igual contrapartida?
Foram dezenas de milhares de contos que não se aproveitaram, e, com esta política do Ministério da Agricultura, o amendoal irá desaparecendo e, em futuro próximo, se não quisermos que se extinga completamente, temos de considerar as amendoeiras como património nacional.
E dos montados de sobreiro, que dizer? Que valorização da cortiça se tem feito? Sendo o nosso país o maior produtor mundial, os nossos sobreiros, atingidos por pragas e doenças e deficientes amanhos culturais, estão a sucumbir. Não será motivo para merecer atenção do Governo?
Certamente que aqueles que não vivem no País real, que desejamos renovado, me dirão que as cores aqui pintadas são negras ou miserabilistas. Não, elas são somente a realidade nua e crua, que é necessário alterar para bem da agricultura nacional. Não nos convidem a omitir tais factos! A nossa agricultura está a sofrer de uma doença incurável, devido à terapêutica aplicada.
0 Sr. Manuel dos Santos: - Muito bem!
0 Orador: - Os nossos agricultores estão arruinados ou próximo de tal acontecer! 0 nosso País está a empobrecer!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A política cavaquista prosseguida está em vias de destruir um sector vital da economia nacional, o que, por si só, constitui um factor extremamente negativo, em termos de política e de estratégia. A gravidade do feroz ataque à agricultura já hoje é completamente perceptível. Por este motivo, este Governo não tem desculpa, não tem perdão. Há que mudar de políticos e de política. Há que mudar de Governo.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva.
0 Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fialho Anastácio: Quero, em primeiro lugar, cumprimentar V. Ex.ª pela intervenção que fez. Penso que, contrariamente ao que é tradicional na sua bancada, V. Ex.ª proferiu aqui uma intervenção que aborda questões concretas e reais da agricultura portuguesa e em particular da agricultura de uma região a que estou ligado. E como originário dessa região, não quero deixar passar esta oportunidade sem o questionar.
No início da sua intervenção, referiu a questão dos subsídios, da reforma da PAC, mas parece-me que temos que clarificar definitivamente uma contradição que existe nesta Casa e que é a seguinte: 0 Partido Socialista, através dos seus Deputados no Parlamento Europeu, aprovou a reforma da PAC; os Governos socialistas de Espanha e de França também a aprovaram; o Partido Socialista, em Portugal, num debate em que participou o seu líder, admitiu - respondendo a uma pergunta que lhe formulei - que havia aspectos positivos nessa reforma, estando, de certo modo, de acordo com o Governo. Assim, V. Ex.ª não acha que há uma certa contradição no posicionamento do Partido Socialista? Por um lado, invoca que pertence à maior família política da Europa, em que os governos socialistas aprovaram a reforma da PAC, em que os Deputados socialistas portugueses no Parlamento Europeu aprovaram a reforma da Política Agrícola Comum e, por outro, alguns Deputados do Partido Socialista, não sei se todos e não sei se é o caso de V. Ex.ª, em Portugal, combatem, da forma que o fazem, a reforma da PAC.
Não acha que há uma certa contradição nestas posições de VV. Ex.ªs? Este é um assunto que me parece importante clarificar porque o Partido Socialista surge à luz da opinião pública como uma potencial alternativa ao Governo, ainda que dificilmente se possa consumar em relação ao actual.
Não acha que é importante clarificar esta contradição, na medida em que se vem provar, como tivemos oportunidade de verificar recentemente na Comissão de Agricultura, que esta reforma da PAC não está em contradição com a evolução da agricultura europeia e nacional?
Sr. Deputado Fialho Anastácio, penso que seria importante que V. Ex.ª, que fez aqui, hoje, uma intervenção que considero completamente diferente daquelas que são tradicionais nos Deputados da sua bancada em matéria de agricultura, fizesse um esforço no sentido de clarificar tudo para que não se diga que o Partido Socialista tem um discurso na Assembleia da República e outro, muito diferente e contraditório, no sítio onde se aprova ou, pelo menos, se dá parecer sobre a reforma da PAC.
Era este esclarecimento que desejava que fizesse.
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.
0 Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva: Muito obrigado pela questão que me colocou, que é, aliás, uma questão que, periodicamente, persiste no espírito de V. Ex.ª e da sua bancada.
No Partido Socialista não há contradições absolutamente nenhumas, até porque e acima de tudo, o Partido Socialista defende os interesses do seu país, defende os interesses dos agricultores, quer seja aqui, na Assembleia da República, quer seja noutro sítio qualquer.
É evidente que o Partido Socialista está sujeito às regras da Europa, mas também é verdade que, se essas regras tivessem sido negociadas por ele, os interesses nacionais teriam sido muito melhor defendidos do que da forma que o foram.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Portanto, não existe, em absoluto, qualquer contradição nem temos quaisquer dúvidas sobre o assunto! Espero que, de uma vez por todas, esse espírito que o Sr. Deputado insiste em manter tenha, desta vez, ficado perfeitamente clarificado.
0 Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Não ficou clarificada a contradição!
0 Orador: - A contradição existe somente nos senhores!
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições para o debate, entramos na fase do encerramento.
Para proceder ao encerramento do debate, por parte do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
0 Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate veio, demonstrar, tal como era nosso propósito, aquilo que todo o País já percebeu, que os agricultores, desde há muito, sentem na pele e que as estatísticas confirmam.
A situação que se vive na agricultura portuguesa e a que conduziram quase 14 anos de responsabilidades directas do PSD à frente do sector, é uma situação de pré-catástrofe que urge inverter por todas as formas, sob pena de se tornar irreversível a curto prazo.
Alguns especialistas classificaram já o sector agrícola português em situação de «falência técnica» e os números impressionantes hoje aqui citados - e a que a Comunicação Social tem feito referência nos tempos mais recentes
confirmam, infelizmente, essa triste realidade.
Chegámos a um momento em que já não é possível invocar quaisquer alibis para justificar os resultados desta governação. 0 PSD e os seus governos tiveram todas as condições para definir e executar as políticas que, no caso da agricultura, pudessem contribuir para a recuperação do atraso e para a aproximação aos parâmetros europeus.
A nós, socialistas, até há pouco tão insistentemente comparados, em termos de acção governativa com os sucessos do PSD, coube-nos encontrar respostas, em 1976, num período marcado por forte instabilidade política e penúria financeira, uma agricultura estruturalmente atrasada num processo revolucionário em marcha, marcado por forte agitação social e traduzido na ocupação de cerca de 1/3 do território nacional. Em pouco mais de três anos não contínuos no poder, em governos minoritários ou de coligação, foi possível restabelecer a paz social sem confrontações graves, delinear os contornos legais que permitiram encerrar a querela em termos do uso e posse da terra e promover a reforma das reformas estruturais, ou seja, a integração de Portugal na CEE, garantindo ao sector agrícola mecanismos de protecção e meios financeiros adicionais para o período transitório acordado.
Ao PSD foi, pois, oferecido em bandeja de prata este conjunto de condições para, a partir dele e com o conforto acrescido do saneamento financeiro do País, da abertura das portas dos fundos estruturais e da estabilidade política concedida pelos eleitores, delinear as estratégias, formular as políticas e executar as medidas que as circunstâncias impunham.
Volvidos oito anos sobre a integração europeia de Portugal e do controlo exclusivo do poder pelo PSD, os resultados estão à vista.
Vejamos: o PSD falhou clamorosamente no plano interno e foi incapaz de defender eficazmente os interesses nacionais no plano comunitário. Fracassou no plano interno porque é hoje inquestionável que os fundos comunitários e nacionais injectados no sector não tiveram o impacto proporcional ao seu volume. 0 rendimento dos agricultores cresceu menos do que a remuneração média dos factores, tendo o seu poder de compra sofrido uma quebra aproximada de 45 % nos últimos três anos; os preços dos produtos agrícolas sofreram decréscimos reais que atingiram variações médias negativas na ordem dos 50 %; cerca de 55 % dos agricultores têm rendimentos abaixo do salário mínimo nacional, atingindo, o seu endividamento, as cifras a que hoje já se fez aqui referência.
Também os problemas a jusante da produção, contrariamente ao que foi aqui afirmado por alguns membros do Governo e pelo Deputado do PSD, permaneceram inalterados; as culturas e os sistemas culturais alternativos não surgiram; o aproveitamento dos recursos hídricos e doutras vantagens comparativas não ocorreu; o défice da balança comercial aumentou; o produto agrícola bruto estagnou a níveis de 1985; o movimento associativo dos agricultores mantém as mesmas debilidades; a investigação agrária não correspondeu aos desafios que se lhe colocaram; a indefinição do papel do Estado na agricultura prevalece; os mecanismos de controlo e fiscalização das ajudas comunitárias revelaram-se ineficazes, como, pela primeira vez na história deste Parlamento, uma comissão parlamentar de inquérito confirmou;...
Aplausos do PS.
... a agricultura portuguesa afastou-se dos padrões comunitários de que deveria ter-se aproximado.
Em suma, os Governos do PSD foram totalmente incapazes de corresponder à confiança neles depositada pelos portugueses e aos desafios de modernização da agricultura e do enfrentamento, com êxito, da adesão europeia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Governo falhou também no plano comunitário porque não só foi incapaz de evitar a consumação de uma reforma da PAC lesiva dos interesses nacionais como, aparentemente, a estimulou, sem obtenção de garantias de defesa das nossas principais produções agrícolas.
Com a reforma da PAC, permitiu a criação de condições para o estabelecimento dos Acordos do GATT, igualmente lesivos dos interesses da agricultura nacional, também sem quaisquer contrapartidas, e contribuiu, através da ineficácia demonstrada na aplicação dos normativos comunitários, para o descrédito da imagem de administração portuguesa e de Portugal.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Pelo que se constata, as políticas agrícolas do PSD, ou melhor, a ausência delas, já estão condenadas pelos resultados a que conduziram e evidenciam, com clareza, o esgotamento de um modelo sem qualquer perspectiva de futuro e incapaz de reganhar a confiança dos agricultores portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - É hoje indisfarçável a desorientação estratégica do Ministério da Agricultura, a sua falta de credibilidade, a ausência de convicção do discurso político e a falta de soluções para enfrentar com êxito os problemas existentes.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - 0 PS considera imperioso e urgente actuar, decidida e eficazmente, nos planos interno e externo, simultânea e articuladamente, numa perspectiva de curto, médio e longo prazos. Será esta a única forma de suster a crise e de reencontrar os caminhos da recuperação.
Impõe-se por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, precisar um pouco mais os contornos das políticas alternativas, cujos eixos fundamentais já foram delineados na intervenção de abertura deste debate.
No plano interno e numa perspectiva imediata, impõe-se uma actuação rápida e eficaz no sentido do desendivida-
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mento dos agricultores, que constituem o sector empresarial mais dinâmico que é necessário e essencial preservar.
É também necessário actuar, concreta e eficazmente, no sentido de fazer descer o custo de alguns factores de produção. E a este propósito, como disse há pouco, congratulamo-nos corri o facto de, com o atraso de dois anos e meio e de forma e com impacto reduzido, o Governo ter, finalmente, acedido a copiar algumas propostas do Partido Socialista. Espero que, a partir de hoje, fiquem em condições de copiar mais algumas e, dessa forma, preparar melhor a alternativa de poder que prevemos para 1995.
Aplausos do PS.
Também é possível desburocratizar, introduzir maior vigor e transparência na atribuição e fiscalização dos fundos comunitários, bem como redefinir o papel do Estado e do movimento associativo dos agricultores.
É ainda necessário, a curto prazo, definir opções estratégicas e prioridades sectoriais e regionais, em termos que conduzam ao real aproveitamento das nossas vantagens comparativas e à canalização selectiva dos meios financeiros em função dessas opções.
E imperioso recuperar o tempo perdido e pôr, finalmente, em execução verdadeiras políticas de aproveitamento dos recursos hídricos que, tal como hoje ficou aqui demonstrado, não existem, constituindo um dos erros históricos do PSD neste período da pós-adesão.
No plano comunitário, impõe-se a colocação na ordem do dia da «reforma da reforma» da PAC, o que assumimos corri toda a clareza.
Aplausos do PS.
Para nós, socialistas, esta é uma questão essencial porque a actual PAC é injusta e parcial. Injusta porque beneficia os maiores agricultores e exclui os que dela mais necessitam; parcial porque trata diferentemente as diferentes produções, com desvantagens claras para os países mediterrânicos.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - 0 PS defende, num futuro tão próximo quanto possível, entre outras, as seguintes alterações à reforma da PAC, alterações não são, de forma alguma, incompatíveis com o sentido mais amplo dos Acordos do GATT: a redefinição do actual sistema de ajudas ao rendimento, por forma a neles abranger outras produções e outros estratos sociais da população activa agrícola; a criação daquilo que temos vindo a designar por rendimento social mínimo garantido, desligado da produção, destinado a garantir a fixação no mundo rural dos agricultores, que não terão quaisquer hipóteses de sobrevivência de outra forma e, muito menos, com a aplicação das medidas exclusivas do PDR e de acompanhamento hoje anunciadas pelo Sr. Ministro da Agricultura;...
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: -... introdução do princípio da subsidariedade na execução da PAC, concedendo às regiões capacidade para traduzir em objectivos regionais adaptáveis à sua realidade os objectivos comunitários concernentes à limitação da produção.
0 PS tem perfeita consciência da gravidade da situação que atravessamos e das dificuldades para a sua ultrapassagem, mas tem, sobretudo, ideias, convicção e um modelo conceptual alternativo. Temos esperança de, com a confiança dos portugueses, poder brevemente pô-lo em execução.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, por parte do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
0 Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo profundo respeito que nos merece o partido interpelante, bem como todos os restantes partidos da oposição, quisemos aproveitar estes últimos minutos de encerramento do debate para tentar fazer, no fundo, um resumo muito breve, de acordo com a nossa perspectiva, não apenas deste debate de hoje que tem, de facto, contornos diferentes - mas também dos anteriores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde 1992 esta equipa do Ministério da Agricultura veio ao Plenário cinco vezes e trabalhou nas comissões parlamentares 25 vezes. Temo-lo feito, como continuaremos a fazer, a nosso pedido e a pedido dos partidos da oposição, porque sempre entendemos que a questão da agricultura portuguesa nunca se deve circunscrever a qualquer iluminado, esteja ele onde estiver, face ao problema que ela, de facto, levanta hoje em Portugal.
0 Sr. António Murteira (PCP): - Já merecem a reforma!
0 Orador: - Por isso, sempre quisemos promover o debate e a reflexão, nunca entendemos que debater e reflectir nos levasse a impedir a tomada de qualquer decisão.
0 que temos feito ao longo deste tempo é perceber que a realidade portuguesa é difícil - aliás, sempre reconhecemos essas dificuldades! Contudo, sempre nos recusámos a alimentar, no País e nos contextos europeus, que a agricultura portuguesa, na linguagem da oposição, viveu apenas de influências e de compadrios, como se não estivéssemos num Estado de direito e não existissem regras, transparência e objectividade.
Protestos do PS.
No debate de hoje, estas palavras começaram a ser, relativamente, retiradas do discurso político porque a oposição reconheceu a gravidade do seu uso e o que têm causado aos agricultores portugueses e às suas organizações, no contexto com os seus congéneres europeus.
0 Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - 15so é verdade!
0 Orador: - Mas hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, assistimos a algo diferente, à referência à catástrofe, à falência, à miséria! Pela nossa parte, preferimos continuar a dizer que, reconhecendo as dificuldades, queremos pensar em soluções concretas para os problemas concretos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Chegámos aqui e dissemos ter um conjunto de medidas a aplicar a médio e longo prazos, os instrumentos do Plano de Desenvolvimento Regional.
Vemos agora o Partido Socialista - que, afinal, tarde pensa, mas pensa! - a dizer-nos quais são as suas soluções e
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os eixos estratégicos, em termos de longo prazo, para a agricultura. E eles são, nem mais nem menos, aqueles que, há um ano atrás, anunciámos fio nosso Programa de Desenvolvimento Regional!
Risos do Deputado do PS António Campos.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando falamos no médio e longo prazos falamos também nos instrumentos destinados a minimizar os efeitos decorrentes da problemática em que hoje vive a agricultura portuguesa: os instrumentos de curto prazo. E o Ministro da Agricultura disse-o e repetiu-o aqui, hoje, quer em termos de desendividamento, quer em termos de baixa do custo dos factores de produção.
É certo que todos, mas todos, os partidos da oposição, e muito bem - folgo com isso -, não deixam de dizer que são medidas importantes. 0 problema, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que nós temos de decidir sobre essas medidas, porque elas envolvem uma despesa do Estado. E como essa despesa é prioritária, entendemos que vale a pena afectá-la, nesta altura conjunturalmente difícil, à agricultura portuguesa e, por isso, não hesitámos em fazê-lo, quer abrindo essas linhas de desendividamento, quer anunciando, novamente, que estamos disponíveis para o continuar a fazer agora, em relação à energia eléctrica e ao crédito de campanha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando o Partido Socialista se remete para a sua análise dos efeitos económicos da política agrícola deste Governo, atrevo-me a pedir-lhe o seguinte: «Então, façamos um estudo sobre o impacto qualitativo na agricultura portuguesa». É que não basta olharmos apenas um factor, um índice de medida da agricultura portuguesa!
Por outro lado, nunca dissemos que o rendimento dos agricultores não tinha decrescido.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não é verdade!
0 Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Ah, bom!...
0 Orador: - 15so foi reconhecido e foram apontadas as razões. 0 que dissemos, e repetimos aqui, foi que nos recusamos a aceitar o discurso catastrofista,...
0 Sr. António Campos (PS): - É a realidade!
0 Orador: - ... porque acreditamos nos agricultores e nas suas organizações. A catástrofe e a falência apenas movem a oposição; a nós, o que nos move, por análise qualitativa, por outros indicadores, é o seguinte: no futuro, com as medidas, com os instrumentos e com aquilo que perspectivarmos, é possível vencer as dificuldades.
0 Sr. António Campos (PS): - Nos cereais?!... No gado?!...
0 Orador: - Senão, vejamos: os Srs. Deputados sabem perfeitamente que 1993 foi o primeiro ano, a primeira vez, em que o nível das ajudas ao rendimento, negociadas na reforma da PAC - a tal reforma relativamente à qual os senhores ainda teimam em não querer vislumbrar os efeitos positivos no rendimento dos agricultores -, foi superior aos juros pagos pelos agricultores. Os senhores podem consultar isto em termos de números!
Ora, se isto é incontestavelmente verdade, tal como o é a baixa do rendimento, então, Srs. Deputados, se há um rendimento, ao nível de ajudas, superior aos juros e se há um juro relativamente elevado pago pelos agricultores, existe ou não uma prova inequívoca de que os empresários agrícolas continuam a apostar na modernização desse sector produtivo?
0 Sr. Fialho Anastácio (PS): - Que grande confusão vai para aí!
0 Orador: - Por essa razão, continuamos a acreditar que, através dos instrumentos, sejam de curto, médio ou longo prazos, esta situação é perfeitamente recuperável. E isto até porque, como todos sabemos, não há mais harmonização de preços. Os preços estão harmonizados, há um nível de ajudas ao rendimento superior aos juros, há instrumentos de curto prazo - aliás, foram referidos e eu voltei a sublinhá-los - e há uma estratégia a longo prazo.
0 Sr. António Campos (PS): - Para a queda?!
0 Orador: - Tive oportunidade de dizer, outro dia, ao Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, num recente congresso onde ambos estivemos, que me congratulava - ele sabe-o bem, eu disse-o na sua presença e, aliás, ele ouviu-o também da parte dos agricultores - com o facto de, pela primeira vez, se ouvirem medidas concretas e felicito-me por isso.
Agora, Sr. Deputado, em relação ao seu discurso de encerramento, gostava de lhe dizer que queremos continuar a dar apoios financeiros à agricultura portuguesa e os senhores teimam, em todas as interpelações, em ir contra os subsídios aos agricultores portugueses. Pela nossa parte, não somos contra esses apoios, pois, a par do rendimento do mercado, eles são uma boa forma de os agricultores portugueses continuarem a ser empresários agrícolas.
De qualquer modo, se os senhores são contra os subsídios, como se pode compreender que uma das medidas que o Sr. Deputado aqui apresentou seja é a do rendimento social mínimo garantido?! 0 que é isso senão um subsídio em matéria de segurança social?
Não queremos que os agricultores beneficiem de segurança social mas, sim, das ajudas ao rendimento a que têm direito...
0 Sr. António Campos (PS): - Quais?
0 Orador: - ... e do rendimento que advém do mercado, porque continuamos a acreditar neste tecido empresarial, ajudado e protegido, naquilo que é possível proteger.
Não queremos andar aqui a tentar denegrir a imagem daqueles que, afinal, pagando juros, têm problemas, em vez de encontrarmos as soluções que temos encontrado no presente e que queremos continuar a encontrar no futuro, de modo a que, quer em Portugal, quer no contexto com os seus parceiros comunitários, eles não sejam vistos apenas como «papões» dos subsídios, quando os seus parceiros comunitários recebem bem mais do que cada um deles.
0 Sr. António Campos (PS): - Quase todos!
0 Orador: - Para defender os agricultores portugueses e a agricultura portuguesa, continuaremos a trilhar este caminho, de modo que a opção seja feita, depois, por cada um deles.
Aplausos do PSD.
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Rectificações
Ao n.º 26, de 14 de Janeiro
- Na pág. 897, 2.ª col., não deve constar o nome do Deputado João António Gonçalves do Amaral como tendo faltado à sessão, devendo sim ser incluído nos Deputados presentes à sessão, na pág. 869, 1.ª col.
Ao n.º 27, de 15 de Janeiro
- Na pág. 924, 2.ª col., não deve constar o nome do Deputado João António Gonçalves do Amaral como tendo faltado à sessão, devendo sim ser incluído nos Deputados presentes à sessão, na pág. 901, 2.ª col.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Arlindo Gomes de Carvalho. Domingos Duarte Lima. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. João Granja Rodrigues da Fonseca. José Macário Custódio Correia. Luís Carlos David Nobre. Manuel da Silva Azevedo. Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva. Pedro Augusto Cunha Pinto. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues. Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando Monteiro do Amaral. João Álvaro Poças Santos. João José Pedreira de Matos. Joaquim Maria Fernandes Marques. José Agostinho Ribau Esteves. José Guilherme Reis Leite. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira. Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. Elisa Maria Ramos Damião. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. Manuel Alegre de Melo Duarte. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito. Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Gonçalves do Amaral. Miguel Urbano Tavares Rodrigues. Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
15abel Maria de Almeida e Castro.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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