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Sábado, 29 de Janeiro de 1994 - I Série - Número 33

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE JANEIRO DE 1994

Presidente: Exmo.. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos.. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
Belarmino Henriques Correia
Maria da Conceição Figueira Rodrigues

SUMÁRI0

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Em sessão de perguntas ao Governo, usaram da palavra, além dos Srs. Secretários de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes), do Ambiente e do Consumidor (Joaquim Poças Martins) e do Subsecretário de Estado da Cultura (Manuel Frexes), os Srs. Deputados João Rui de Almeida (PS). Isabel Castro (Os Verdes), João Poças Santos (PSD), Rui Vieira (PS). Narana Coissoró (CDS-PP), José Calçada (PCP), Raúl Rêgo (PS), Fernando Pereira Marques (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.).
Entretanto, a Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a França, de 2 a 6 de Fevereiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio B airosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Gomes de Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça
Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de
Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

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Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardas Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Lufe Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para dar informações, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é apenas para informar que está reunida, desde as 10 horas, a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem do dia consta uma sessão de perguntas ao Governo.
A primeira pergunta dirigida ao Ministério da Defesa Nacional, sobre meios de salvamento a náufragos, é formulada pelo Grupo Parlamentar do PS.
Para a apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, nos últimos três anos - e, certamente, vou fornecer alguns dados de que o Sr. Secretário de Estado tem conhecimento -, perderam-se mais de 100 vidas humanas em acidentes marítimos na nossa costa. Vidas humanas - e queria realçar esta afirmação - que se perderam por falta de meios. Portugal tem alguns meios para socorrer a estas situações e na pergunta que vou fazer-lhe referir-me-ei apenas à questão do salvamento de vidas humanas em acidentes marítimos porque, relativamente a socorros a náufragos, existem outras intervenções nas praias.
A este propósito e dado o facto de, em Portugal, perderem-se vidas humanas por falta de meios, não quero deixar de homenagear os bravos do Instituto de Socorros a Náufragos que, apesar dessa insuficiência, têm prestado todo o auxílio que lhes é possível.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Certamente o Sr. Secretário de Estado tem noção da angústia dos homens do mar, de que continua a falar-se insistentemente. E há três ou quatro situações que, num país como o nosso, dotado de uma costa de quilómetros e quilómetros e com tradições marítimas tão acentuadas na nossa história, consideramos bastante incompreensíveis.
A primeira tem a ver com o facto de Portugal dispor de um único helicóptero, sediado no Montijo, para intervir em operações de salvamento a náufragos em toda a costa.
Mas ainda é mais grave que Portugal não tenha, neste momento, nenhum helicóptero que possa intervir em operações de salvamento a náufragos durante a noite. Porque consideramos incompreensível, já tivemos a oportunidade, há cerca de quatro anos, de chamar a atenção da opinião pública - não apenas os partidos políticos mas todas as instituições ligadas a esta situação - para este problema.
A outra questão que quero colocar a V. Ex.ª diz respeito ao facto de os salva-vidas de que, neste momento, Portugal dispõe para toda a costa Oeste - a costa atlântica tem características marítimas rígidas bastante acentuadas e de permanente agressão às- vidas humanas - não estarem capacitados para actuar na zona, pois são de pequeno porte, estão submotorizados...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para concluir. O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Orador: - Alguns salva-vidas têm mais de 40 anos, são de pequenas dimensões e estão submotorizados. Outra questão...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda poderá formular pedidos de esclarecimento adicionais.
Para responder, em tempo não superior a três minutos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional

(Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, começo por agradecer-lhe esta oportunidade pois o tema que submete à nossa apreciação merece a maior atenção e o maior cuidado na resposta. Trata-se, com efeito, de discutir as condições existentes e aquelas que ainda, provavelmente, teremos de melhorar para salvar vidas humanas em risco no mar, logo, em situações de extrema gravidade.
Exactamente por essa razão, o Governo aprovou e fez publicar, recentemente, um diploma que estabelece a estrutura, a organização e a definição das condições a que deve obedecer o sistema de busca e salvamento e de apoio à navegação e, sobretudo, de socorro a náufragos. De acordo com esse sistema, passa a existir uma estrutura ligada directamente aos órgãos da Marinha na qual se dispõe, em relação a Lisboa e a Ponta Delgada, dois grandes centros de coordenação e, no Funchal, um subcentro de coordenação também ligado à zona marítima. Em cada um destes centros, existem navios de porte oceânico (fragatas ou corvetas); na área do continente, junto de cada comando de zona marítima do Norte, do Centro e do Sul, estão colocados navios patrulha e lanchas rápidas de fiscalização prontas a actuar na busca e salvamento de vidas humanas.
Mas o problema que o Sr. Deputado coloca diz mais directamente respeito a uma questão que oferece maior perigosidade, sobretudo em relação aos homens que trabalham no mar, aos pescadores, que é a defesa do litoral, dos portos e das águas interiores. Para esse efeito, existe também uma estrutura ligada directamente ao sistema de autoridade marítima, encontrando-se atribuídos aos capitães dos portos, ao longo de toda a costa, um conjunto de meios e de salva-vidas que permitirão operar sempre que necessário. Trata-se de meios disponíveis 24 horas por dia e que actuam sempre que necessário.
De acordo com o modelo aprovado, estes meios navais - refiro-me aos salva-vidas - são apoiados por meios aéreos que se encontram...

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, peco-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo imediatamente, Sr. Presidente, Sr. Deputado, termino dizendo-lhe que, sob o ponto de vista do controlo destas operações, está montado um esquema orgânico com meios atribuídos e condições de operacionalidade que permitem actuar sempre que necessário.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, em tempo não superior a dois minutos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, de facto, este sistema de perguntas ao Governo não permite perder muito tempo, mas gostava que o Sr. Secretário de Estado se debruçasse sobre a questão de não existirem helicópteros.
Portugal não tem, neste momento, um helicóptero que seja para actuar durante o período nocturno. É uma situação que se mantém há anos e para a qual tem sido chamada, sem êxito, a atenção do Governo, que ainda a não resolveu.
Em segundo lugar, referenciei que os salva-vidas existentes na costa Oeste - costa atlântica -, que se destinam a enfrentar um mar com características de grande agressividade, são de pequena dimensão e estão submotorizados e, portanto, não temos salva-vidas de grande porte.
A outra questão que há pouco não tive tempo de colocar tem a ver com o facto de Portugal, infelizmente, não dispor dos chamados rebocadores de alto mar, precisando, por vezes, de se socorrer de entidades privadas, nomeadamente de Espanha. Esta situação é ainda mais grave se recordarmos o acidente ocorrido, recentemente, perto de Lisboa, na sequência do qual se detectou que o rebocador enviado para tentar resolver a situação não tinha um sistema de lançamento de cabos. Ora, isto é caricato, inadmissível mesmo, uma vez que este sistema de lançamento de cabos, que se designa por pistola de lança cabos, é exigido para as embarcações de pesca e o rebocador em causa, que ia em missão de salvamento, não tinha este elemento fundamental.
Finalmente, gostaria que o Sr. Secretário de Estado se pronunciasse sobre uma situação que acontece frequentemente em caso de acidente quando é lançado o pedido de socorro. De facto, a partir do momento em que o primeiro pedido de socorro é ouvido, se estabelece, portanto, contacto positivo, se desencadeia o processo de salvamento até que chegam ao local os meios necessários, passam horas infindas, o que me leva a concluir ser a resposta ao pedido muito tardia.
Neste sentido, gostaria que o Sr. Secretário de Estado se pronunciasse sobre esta situação.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, em primeiro lugar, respondendo directamente à questão sobre os helicópteros, posso dizer-lhe que existem helicópteros Puma, no Montijo, em Porto Santo e nas Lajes, prontos para responder permanentemente e, que eu saiba, não há memória que tenha sido accionado esse meio aéreo e que ele não tenha respondido.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - À noite não responde!

O Orador: - Evidentemente que à noite existem algumas dificuldades que os impedem de responder, mas, em casos de extrema gravidade, já se têm realizado operações de helicóptero noctumas. Reconheço, no entanto, que é necessário introduzir ainda alguns aperfeiçoamentos de carácter técnico, que permitam essa actuação noctuma. É uma operação extremamente melindrosa e o Sr. Deputado não pode ignorar que, por vezes, é realizada em condições de mar, de ventos e de tempo extremamente perigosas, sendo, por isso mesmo, muito difícil arriscarmo-nos a salvar umas vidas, pondo em perigo grave e imediato outras. Temos, de facto, de contar com a capacidade dos homens, com o seu treino e preparação, mas temos de saber assumir os riscos.
Respondendo agora, muito concretamente, à questão colocada sobre o acidente recentemente ocorrido, gostaria de esclarecer que o período de tempo que decorreu entre o momento em que se verificou o pedido de socorro e o momento em que o helicóptero iniciou a operação de salvamento foi inferior a uma hora. Tive o cuidado de pedir o registo do tempo, até porque também nos preocupa a capacidade e a eficiência dos meios e gostamos de saber como funciona o sistema em casos concretos como o que, recentemente, aconteceu.
Em relação aos meios, creio que o Sr. Deputado tem conhecimento, pois foi uma matéria que, provavelmente, terá sido analisada aquando da aprovação do PIDDAC, nesta Assembleia, que o Governo se propõe investir, nos próximos seis anos, 900000 contos para a modernização dos salva-vidas. Já foi iniciado um projecto de renovação e de modernização desses meios, através da aquisição de um primeiro grupo de sete salva-vidas de porte médio, que foram introduzidos no circuito, e está, neste momento, já em fase de publicação, no Boletim Oficial da Comunidade Europeia, o concurso internacional para a construção de salva-vidas de maior porte, que permitam actuar em melhores condições nas circunstâncias ocorridas no mar e na área que está sob a nossa responsabilidade.
Quanto à questão dos rebocadores, é preciso dar a conhecer que a matéria respeitante ao reboque de navios não tem a ver com a obrigação do Estado em salvar a vida humana. Temos de distinguir estas duas questões, até porque, certamente, o Sr. Deputado não ignora que, em relação ao reboque de navios e à sua recuperação, existe um verdadeiro negócio, mesmo um comércio, e valores muito importantes, pelo que não compete ao Estado mas, sim, às companhias de seguro e aos armadores resolverem esse problema. Ao Estado compete ter condições para, no momento necessário, desenvolver todas as operações no sentido de salvar a vida humana e, uma vez salva, compete ao armador e às companhias de seguro resolver o problema relativo ao reboque dos navios.
O Sr. Deputado referiu-se também aos meios e nesse sentido é bom lembrar que podemos contar com outros meios aéreos e com as patrulhas rápidas da Marinha. Portanto, não existem apenas os salva-vidas mas também as fragatas, as corvetas, as patrulhas e as lanchas rápidas, que estão em cada zona marítima e que podem, em caso de necessidade, acorrer à satisfação das solicitações de recursos e servir de apoio ao salvamento dos náufragos. Penso que, nesta matéria, estará tudo dito!
Reconheço, no entanto, que há ainda muito a fazer, embora deva salientar que estamos perfeitamente coordenados e organizados para prosseguir na modernização dos meios e no aperfeiçoamento da organização do sistema. A publicação, na semana passada, do decreto-lei que estabelece e organiza o sistema nacional relativo à busca e salvamento marítimo, fazendo a aplicação, a nível de ordenamento jurídico interno, da convenção internacional que preside e estabelece as orientações nesta matéria, vai permitir-nos aperfeiçoar o sistema, melhorar a eficácia e responder, certamente, com maior prontidão, às necessidades.
Em todo o caso, é uma grande injustiça confundir os interesses dos armadores no salvamento das vidas humanas e a responsabilidade das diversas partes intervenientes. Pela pane que nos diz respeito, temos consciência de que estamos a aperfeiçoar o sistema, actuando sempre com a maior prontidão, profissionalismo, capacidade e eficácia.
A este propósito e tendo em atenção a referência feita pelo Sr. Deputado às vidas que se perderam, ignorando as que se têm salvo, não posso deixar de citar alguns resultados das últimas acções de intervenção no oceano, durante as quais em 60 acções realizadas no continente, 46 nos Açores e 15 na Madeira foram salvas 121 pessoas. Portanto, o saldo é, de facto, positivo, as acções têm tido eficácia e quando há vidas perdidas é porque já não há qualquer condição humana para as salvar.
Na verdade, Sr. Deputado, o esforço desenvolvido tem sido grande, eficaz e com os bons resultados que estão à vista.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta dirigida ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, sobre o empenhamento do Governo português na aplicação da Convenção sobre Alterações Climáticas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, a Convenção sobre Alterações Climáticas foi ratificada pelo Governo português em Dezembro passado, ou seja, um ano e meio depois da sua assinatura no Rio de Janeiro. No entanto, a própria Convenção não vem introduzir um carácter preventivo, antes, vem corrigir e vem ao encontro de uma situação extremamente grave. Ou seja, por razões que se conhecem - a desertificação, a utilização irracional dos recursos, o aumento incontrolado das emissões -, há alterações extremamente profundas e graves para a vida do Planeta, há uma situação de ruptura, nomeadamente devido às alterações da camada do ozono, ao sobre aquecimento, ao efeito de estufa. Estamos perante uma situação que não se pode considerar catastrófica, mas que é, no entanto, de grande preocupação e que é tida em consideração já com grande atraso relativamente aos alertas dados durante anos e anos.
Pretendo com isto dizer que esta situação exige medidas urgentes, independentemente de a ratificação ter ou não sido feita em Dezembro. De facto, havia medidas a tomar de imediato, que deveriam ter ido ao encontro das

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causas que originam as alterações que referi e que também têm tradução ao nível do nosso país, pois também em Portugal há factores preocupantes que influenciam negativamente as alterações climáticas.
Tanto a seguir à Conferência do Rio como aquando da sua preparação, o Governo português dizia ter um conjunto de medidas a implementar de imediato, tendo sido, aliás, muito crítico em relação aos que com grande lentidão tinham aderido à Convenção.
Por isso, perguntamos: o que está, efectivamente, feito, em termos da política agrícola, energética e de transportes, de uma estratégia que efectivamente contribua para o que se dizia ser a alteração de modos de produzir, controlando, alterando, modificando as indústrias portuguesas? A que outras alterações se procedeu, ao nível do ordenamento do território? Entendemos que estas são inexistentes, porquanto toda a tendência e toda a política que tem vindo a ser seguida é exclusivamente de crescimento e não de desenvolvimento ou de obrigação da concentração nas grandes zonas urbanas.
Concretamente, queremos saber como é que a Agenda 21 para Portugal, tão divulgada e propagandeada pelo Governo, se aplica, se concretiza, porque não vemos, quase dois anos passados e depois de um cenário que no essencial já vinha sendo identificado, tratado e diagnosticado, quaisquer medidas tomadas. Queremos, pois, saber o que o Governo fez, efectivamente, de diferente sobre esta matéria, porque, em nosso entendimento, nada fez.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, dispondo, para o efeito, de três minutos.
O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (Joaquim Poças Martins): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, relativamente a este assunto da aplicação a Portugal das consequências da Convenção sobre Alterações Climáticas, começo por lhe dizer que Portugal atribui a máxima importância ao assunto. Esta Convenção entrará em vigor apenas em 21 de Março, após a ratificação do 50.º Membro, que foi, curiosamente, Portugal, e após essa entrada em vigor haverá um prazo de seis meses para institucionalização do funcionamento dos vários órgãos que asseguram a eficácia da Convenção.
De entre os países signatários, Portugal pertence ao conjunto dos que assinou a Convenção de forma global, isto é, a forma mais lata da Convenção. Fê-lo, apesar de reconhecidamente ser um país cuja produção de gases que contribuem para o efeito de estufa é reduzida, sendo várias vezes inferior à produção per capita na União Europeia. Por exemplo, em Portugal, não produzimos CFC e, apesar disso, estivemos na linha da frente na ratificação da Convenção e participaremos activamente em tudo o que daí advier.
Sem prejuízo dessa participação no âmbito da Convenção, já estão algumas medidas em curso, que, penso, são muito significativas e demonstram a forma empenhada como encaramos o problema.
A Sr.ª Deputada referiu alguns aspectos, que gostosamente vou citar.
Em relação ao Ministério da Indústria e Energia, estão em curso vários programas de utilização racional da energia, de desenvolvimento de energias renováveis, um vasto programa de diversificação energética, do qual saliento a introdução do gás natural, menos poluente, nomeadamente no que diz respeito à produção do efeito de estufa, e existem também projectos de investigação significativos, no âmbito do SIURE, para a conservação da energia.
No que diz respeito ao Ministério da Agricultura, ele tem um papel importante no desenvolvimento dos chamados sumidouros dos gases produtores do efeito de estufa, nomeadamente a florestação, estando previsto, no âmbito do PDR, 52 milhões de contos para melhorar as nossas florestas.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, queira terminar. Lembro-lhe que dispõe ainda de 10 minutos, que pode usar mais tarde.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Quanto ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, está a ser feito um conjunto muito significativo de investimentos, que vai descongestionar o tráfego nas grandes metrópoles, nomeadamente Porto e Lisboa, que certamente também contribuem para o efeito de estufa
O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, para além de todo o empenhamento na produção de legislação sobre...

O Sr. Presidente: Sr. Secretário de Estado, peco-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente, como eu estava a dizer, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, para além de todo o empenhamento na produção de legislação sobre produção de poluição gasosa, está também empenhado na florestação de áreas protegidas.
Em conclusão, penso que, apesar de a Convenção só entrar em vigor em 21 de Março, já realizámos um conjunto de acções significativas nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Para formular uma pergunta complementar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, dispondo, para o efeito, de dois minutos.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, penso que o Governo continua a responder com projectos e, de facto, eles são muito interessantes quando levados à prática. O Livro Branco do Ambiente, se se recorda, dizia, partindo de uma ideia que o Sr. Secretário de Estado aborda, que tínhamos uma situação mais favorável quando comparada com a dos outros países europeus.
Lembro-lhe, por exemplo, que em relação ao dióxido de enxofre tínhamos, em 1980, uma situação equiparada à da Holanda, esse país tomou medidas no sentido da redução das suas emissões de dióxido de enxofre e, em 1990, tinha já emissões que se equiparavam às portuguesas. Hoje, Portugal ultrapassou a Holanda e a projecção é que, daqui a seis anos, no ano 2000, Portugal, que tinha em 1980 o equivalente a um terço das emissões de dióxido de enxofre da Holanda, passe a ter o triplo. Ou seja, as coisas continuam a estar vagas, continuam a não ser concretizadas.
Em relação à energia, pergunto-lhe se existe algum recenseamento efectivo de todas as indústrias, do que elas poluem, já que a maior parte dos poluentes não são caracterizados, a rede está caduca, as medições são feitas ad hoc.
Quanto aos transportes, coloco-lhe ainda a seguinte questão: se é tão importante - como V. Ex.ª diz e, pessoalmente, julgo que é - a política dos transportes, por que razão, passado todo este tempo, não há investimentos estruturais a esse nível?

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Se o empenhamento do Governo é tão grande, gostava que explicasse por que razão em Portugal, havendo ainda um consumo tão baixo de gasolina verde, que existe nos mercados por razões que são importantes e conhecidas, havendo uma situação tão desigual em relação aos outros países da Comunidade - recordo que, no mercado português, a gasolina verde representa 13 % do total das vendas, na Alemanha 86 %, nos Estados Unidos cerca de 99 % e, no Japão, corresponde a 100%-, se fazem alterações nos carros para passarem a ter catalisadores e por que razão se determinam inspecções aos veículos, conhecida que é a situação que ultrapassa todos os limites e todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde quanto aos parâmetros de garantia da saúde pública.
Tendo em atenção o que acabei de dizer, num país que não tem educação ambiental, onde ainda são tão frágeis e tão débeis os apoios a alterações de comportamento, como é que se explica que um incentivo fiscal desta natureza tenha sido objecto da recente decisão do Governo no sentido de equiparar o preço da gasolina verde ao dos outros combustíveis?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, que dispõe de 10 minutos.
O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, quanto a esta matéria, creio que, na primeira parte, procurei transmitir o respectivo enquadramento geral, bem como a sua importância relativa.
Quero salientar que estamos preocupados com este problema e que, a nível internacional, estamos realmente empenhados em contribuir para a melhoria do ambiente, porventura acima da medida em que contribuímos para a degradação.
A Sr.ª Deputada referiu alguns aspectos concretos, nomeadamente quanto ao inventário. Ora, penso que o inventário de que dispomos dá uma indicação qualitativa sobre o estado geral do problema. Concordo quando diz que não existe e que podemos melhorá-lo no sentido de obtermos um inventário muito mais exaustivo. Tê-lo-emos, Sr.ª Deputada- e recordo que, não só para este efeito como também para efeitos de poluição hídrica, o inventário será feito progressivamente, documentando cada vez mais efluentes, cada vez mais detalhadamente.
No entanto, sabemos, de forma global, onde está a poluição que produz o efeito de estufa e, nesta fase, não é por falta de diagnóstico que deixa de tomar-se qualquer acção.
Relativamente aos transportes, o grande investimento que está a ser feito vai reduzir a poluição atmosférica no que diz respeito ao efeito de estufa.
Quanto à gasolina verde, penso que o problema terá de ser interiorizado pelas pessoas. Isto é, houve uma fase inicial em que foi considerado necessário dar algum incentivo especial o qual produziu efeitos e, agora, estamos numa fase em que a própria renovação da frota automóvel e a consciencialização crescente dos cidadãos é que julgamos que deverão constituir a resolução do problema. Houve uma fase propícia aos incentivos fiscais, mas acredito fortemente na consciencialização da população portuguesa no sentido de resolver este problema.
A este propósito, recordo que, em determinada altura, foi introduzida a gasolina super para substituir a gasolina normal e, hoje em dia, esta última já quase não existe nem é consumida, tendo sido necessário algum tempo de ajuste.
Assim, face à qualidade dos combustíveis como também à consciencialização dos portugueses para esta matéria, mesmo que a gasolina verde fosse mais cara, tenho a certeza de que a pagariam por contribuir para melhorar o ambiente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos, dou a palavra ao Sr. Vice Secretário da Mesa, Deputado Belarmino Correia, para anunciar as escolas que estão de visita ao Palácio e cujos alunos se encontram nas galerias a assistir à sessão.

O Sr. Vice Secretário (Belarmino Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, encontram-se nas galerias a assistir à sessão plenária 31 alunos do Externato Ecubal de Lagoa, 50 alunos da Escola Secundária Avelar Brotero de Coimbra e, ainda, um grupo de 50 alunos da Escola Secundária Diogo de Gouveia de Beja.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos, para, em representação do PSD, formular uma pergunta sobre problemas ambientais do distrito de Leiria, nomeadamente a despoluição das bacias hidrográficas dos rios Lis e Lena e da Lagoa de Óbidos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, decididamente, as questões ambientais estão na ordem do dia e esta sessão de perguntas ao Governo prova-o claramente.
Estão na ordem do dia não apenas grandes questões como as que foram levantadas pela Sr.ª Deputada que me antecedeu como também as que, por terem âmbito regional, não deixam de ser muito importantes por afectarem directamente as populações abrangidas. É o caso do distrito de Leiria.
De entre os vários problemas ambientais que afectam o distrito pelo qual fui eleito, relevam dois que, neste momento, têm uma acuidade muito particular. Refiro-me à despoluição das bacias hidrográficas, por um lado, do rio Lis e também da ribeira de Seiça e, por outro, da Lagoa de Óbidos.
Comecemos pela primeira.
Desde há vários anos, aqueles cursos de água, complexos como são, têm vindo a ser alvo de descargas poluidoras que, nalguns casos, têm provocado verdadeiros desastres ambientais. O caso do rio Lis é conhecido: as mortes periódicas de milhares de peixes, as descargas vindas de esgotos industriais, domésticos, de suiniculturas, etc.

e é verdade que, felizmente, este Inverno tem chovido bastante, tendo evitado alguns problemas mais agudos, certo é que as soluções tardam e as decisões arrastam-se ao longo dos anos. Pelo menos desde 1990, a Associação de Municípios da Alta Estremadura, que engloba cinco concelhos - Leiria, Porto de Mós, Batalha, Marinha Grande e Ourem -, tem vindo a alertar o Governo, num esforço integrado, para a necessidade de se estabelecer, de uma vez por todas, um acordo entre as administrações central e local para resolver os problemas mais graves de poluição.
Nesse sentido, tem sido preconizada a celebração de um protocolo entre o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e a Associação de Municípios da Alta Estremadura destinado a promover o financiamento e a execução das obras referentes à despoluição daquelas duas bacias hidrográficas.
Começou por surgir uma primeira versão do Plano de Desenvolvimento Regional para a Região Centro, enviada

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às diversas câmaras municipais para ser emitido parecer, na qual se previa a inclusão naquele Plano das referidas medidas de despoluição.
Ora, foi com certa surpresa que os autarcas e as populações envolvidas verificaram que a versão definitiva do referido PDR não veio a acolher aquele objectivo. No entanto, o Sr. Primeiro-Ministro visitou alguns dos principais focos de poluição em meados do ano passado e, em Setembro último, a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais recebeu os autarcas, tendo-se deslocado à região em Dezembro para assegurar que aquele processo vai avançar, independentemente da forma concreta de que se revestir o respectivo financiamento.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, é esta a minha primeira questão, já que abordarei a segunda na pergunta complementar.
Em que estado estamos relativamente ao processo de assinatura do protocolo e do faseamento da obra, nomeadamente em termos financeiros e de obras a realizar, neste grande objectivo que é certamente do Governo e também das autarquias e das populações envolvidas?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, que dispõe de três minutos.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Poças Santos, a despoluição do rio Lis foi considerado um assunto prioritário e posso, desde já, confirmar que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais está empenhado na sua resolução, em conjunto com as autarquias envolvidas e com outras entidades responsáveis por essa poluição.
A situação, neste momento, é a seguinte: com efeito, a Associação de Municípios da Alta Estremadura tomou a iniciativa de desenvolver um estudo que lançasse pistas para a solução do problema. Estamos a falar de um conjunto de bacias hidrográficas com uma população de cerca de 200 000 pessoas e com poluição industrial muito significativa. O valor que possuo, no que respeita apenas a suiniculturas, é da ordem dos 300 000 porcos. Ora, se cada porco fizer uma poluição correspondente a duas ou três pessoas, estamos a falar de uma poluição equivalente a cerca de um milhão de pessoas.
O problema está, como disse, em vias de ser resolvido. Porém, a «bola está no campo das autarquias», no que respeita à definição de uma solução técnica, pelo que está marcada para hoje, às 12 horas, uma reunião no Ministério do Ambiente e Recursos Naturais com a Sr." Ministra, em que as autarquias vão apresentar o estudo na fase em que o têm. Essa solução técnica e, eventualmente, institucional continuará a ser analisada e, em termos do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, mantemos a disponibilidade para participar no financiamento da solução que daqui advenha, sendo, no entanto, claro que essa comparticipação não só financeira mas também institucional deverá ter o envolvimento das autarquias e das indústrias. Realmente, estamos aqui a falar de uma poluição industrial, nomeadamente de suiniculturas, muito significativa, que terá de ser analisada e levada à prática em toda a sua extensão.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, como tinha dito, a minha segunda questão diz respeito à Lagoa de Óbidos.
É sabido que o problema da Lagoa de Óbidos, da sua progressiva diminuição, não é de hoje, ele tem vindo a agravar-se ao longo dos anos. E chegámos a uma situação em que urge tomar medidas!
A Lagoa de Óbidos, como é sabido, tem vindo a sofrer de assoreamento, motivado pelo caudal sólido, transportado pelos rios e pelo mar, de poluição de origem térmica, originada pela diminuição do volume de água, esta, por sua vez, consequência do assoreamento. Por outro lado, também a poluição das linhas de água, afluentes à Lagoa, têm tido uma influência muito negativa.
Depois de vários estudos efectuados ao longo da última década, dos últimos 12 ou 13 anos foi possível seleccionar algumas medidas que deveriam ser tomadas, nomeadamente a remoção dos sedimentos em excesso, a dragagem do canal de ligação do mar à aberta, a estabilização da aberta através de uma obra de engenharia costeira e a obra de ligação da Lagoa ao mar, que deveria permitir trocas de água de uma certa grandeza entre a Lagoa e o mar.
Na realidade, já estão definidas as necessidades e o que tem de fazer-se para supri-las. Falta - e isso é importantíssimo, Sr. Secretário de Estado - efectivar o estudo de impacte ambiental, estudo esse cujo contrato foi assinado pela Sr.ª Ministra, em Dezembro do ano passado.
Gostaríamos de saber, Sr. Secretário de Estado, em que estádio se encontra este estudo e quando se prevê a sua finalização e concretização.
Por último, quero também referir que, nas últimas semanas, tem-se assistido a um processo gravíssimo, em que a própria praia da Foz do Arelho, na sua parte em contacto com o mar, tem vindo a ser destruída progressivamente. Se não forem tomadas medidas a brevíssimo prazo no decorrer das próximas semanas ou meses, será muito provável que, no próximo Verão, a parte da praia da Foz do Arelho virada ao mar venha a desaparecer ou a ficar com a sua área extremamente reduzida. Neste momento, já se verifica que os próprios acessos à praia estão a ser atacados pelas ondas, encontrando-se muito gravemente danificados.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira, que dispõe de l minuto.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, não posso deixar de referir o seguinte: como já foi aqui dito, o Sr. Primeiro-Ministro criou uma grande expectativa e, inclusivamente, assumiu o compromisso de incluir esta grande obra de despoluição da Bacia Hidrográfica dos rios Lis e Lena no PDR. Porém, houve um completo desrespeito relativamente à promessa feita às pessoas da região. Ora, é exactamente por esse compromisso não ter sido respeitado que agora se está a tentar remediar uma situação, que, de facto, é grave.
Como não disponho de muito tempo para intervir, gostaria que me dissesse, se é que tem elementos para isso, que tipo de intervenção tencionam fazer ali - e admira-me muito que, por exemplo, a ARS e a própria Câmara Municipal de Leiria não tenham «mexido uma palha» para resolver o problema das suiniculturas ilegais, qual o prazo dessa intervenção e que meios financeiros nela vão ser envolvidos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos adicionais, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que dispõe de l minuto.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a poluição do rio Lis - como, ali-

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ás, o Sr. Deputado do PSD referiu - não é uma questão nova mas, sim, velha de anos, porque, embora aparentemente se possa dizer que o Governo só terá despertado para ela aquando da visita do Sr. Primeiro-Ministro, ela era mais antiga. Esta questão tem duas vertentes: uma, a poluição dos efluentes domésticos, que é da responsabilidade das câmaras e para isso, aparentemente, pelo menos, existe um projecto de co-financiamento para que o problema possa ser resolvido ao nível da associação de municípios, e, outra, a poluição industrial, que, presumo, o Sr. Secretário de Estado, pela intervenção que fez, conhece bem. De facto, conhece o problema das suiniculturas, tem o recenseamento das legais e das ilegais e sabe que as descargas ilegais são cíclicas, arrastando-se desde há muitos anos - aliás, esta questão foi aqui várias vezes abordada pelo Grupo Parlamentar Ecologista Os Verdes.
Assim sendo, gostaria de saber o seguinte: havendo legislação que regulamenta e disciplina as descargas, como explica que o Governo, conhecendo a situação desde há tantos anos, permita que a ilegalidade continue e que as descargas se façam sem que a fiscalização actue, sem que medidas preventivas sejam tomadas e sem que haja uma atitude activa e não meramente passiva, como tem sido a sua nesta matéria?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, tendo, para o efeito, o tempo de 10 minutos.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, antes de responder ao Sr. Deputado João Poças Santos sobre a questão relativa à Lagoa de Óbidos, gostava ainda de referir dois aspectos que se referem ao rio Lis.
Quanto à inclusão dessas obras no PDR, creio ter referido claramente que contamos co-financiálas com o Fundo de Coesão, pelo que a resposta é a de que o processo está a avançar.
Quanto ao prazo de intervenção, quero dizer, muito claramente, que, em Portugal, a competência no domínio do saneamento básico é das autarquias. O Governo deve ter apenas uma acção complementar, supletiva, que leva a cabo em nome do interesse nacional.
Consideramos que determinadas situações, como as que se vivem no rio Lis, carecem de uma intervenção que, porventura, estará fora do alcance de uma autarquia ou mesmo de um conjunto de autarquias, face a um acumular de erros de muitos anos e de concepções diferentes.
O que é certo é que a situação existe, mas não estamos orgulhosos e contentes com ela e, por isso, queremos e vamos resolvê-la, o que terá de ser feito em articulação com as entidades responsáveis que são, neste caso, as autarquias e os industriais.
Neste momento, está em andamento um processo de negociação nesse sentido, que envolve a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e os industriais, tendo nós reservado verbas comunitárias para o efeito. Portanto, estamos disponíveis para dar o nosso contributo e a nossa colaboração para a resolução do problema.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro refere - e muito bem! - que não se trata de uma situação nova, mas, sim, de uma situação velha, de muitos anos, que o problema é doméstico e industrial, nomeadamente de suiniculturas, e a necessidade de, rapidamente, se acabar com este estado de coisas. Não posso deixar de estar de acordo consigo, no entanto creio que todos nós devemos tomar opções e a nossa é, essencialmente, tanto no que diz respeito às suiniculturas como à parte doméstica, contribuir para que as situações se resolvam. Não acreditamos que seja apenas com fiscalização e multas que os problemas se resolvem, pois há problemas de longa data, nomeadamente na parte industrial, que só serão resolvidos quando o tratamento e a depuração fizerem parte do ciclo produtivo.
Também neste caso, o Ministério da Agricultura está aberto a contribuir para a solução do problema, que, no entanto, não se consegue resolver em poucos dias, como disse. E não estamos a falar de projectos, pois temos dinheiro reservado para o efeito e estamos dispostos, em conjunto com as autarquias e com os industriais, a levar à prática as soluções adequadas.
Existem processos de negociação em curso que, obviamente, levam algum tempo e o Governo não pode, nem quer, sobrepor-se às partes que, no terreno, têm responsabilidades sobre a situação, mas estamos abertos, como já demonstrámos, para financiar essas mesmas infra-estruturas de tratamento, que vão resolver no terreno uma situação de poluição concentrada, de que, como portugueses, não nos orgulhamos e queremos ver acabada.
Quanto à Lagoa de Óbidos a situação é, neste momento, a seguinte: a Lagoa de Óbidos inclui um ecossistema sensível com grande utilização humana, no qual vão desaguar alguns ribeiros que, para ela, transportam uma quantidade de poluição significativa. Também aqui estamos a falar de um problema velho, de muitos anos, como outros que, infelizmente, existem neste país.
Mexer na Lagoa de Óbidos envolve mexer num ecossistema que não se compadece com soluções imediatistas e, por isso, foi adjudicado um estudo de impacte ambiental dessa intervenção. Pensamos que é importante intervir, mas com cuidado.
Esse estudo foi adjudicado em Janeiro a um consórcio formado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, pelo Instituto Português de Investigação Marítima, pelo Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências, pela Direcção Geral de Portos e também pelo Danish Hydraulic Institute. Trata-se, portanto, de um consórcio que reputamos de credível para executar um trabalho desta responsabilidade e desta envergadura.
Foi dado um prazo de oito meses para a conclusão desse estudo, tendo o mesmo sido pedido com carácter de urgência. E será, com certeza, com base nos resultados desse estudo que estaremos em condições de desenvolver uma acção de longo prazo, no que diz respeito à Lagoa de Óbidos e, em particular, à sua ligação com o mar.
Também este caso foi considerado de importância nacional e, por isso, está assegurada, por parte do Governo, uma comparticipação financeira para a solução ambientalmente adequada que for encontrada.
Não quero, no entanto, deixar de referir que uma parte da solução que muitas vezes, de forma imediatista, segundo penso, se advoga, que é a abertura imediata, e sem ser estudada, da lagoa ao mar, é devida, essencialmente, a que há ainda situações de poluição não totalmente controladas.
A meu ver, primeiro temos de resolver o problema das causas e estamos perfeitamente abertos para, em conjunto com as autarquias, se chegar a essa solução.
Para lhe dar uma resposta mais concreta, devo dizer-lhe que, por um lado, aguardamos o estudo do impacte ambiental e, por outro, temos esta iniciativa como prioritá-

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ria em termos de financiamento, ou seja, venha a boa solução que nós contribuiremos para o seu financiamento com a importância nacional que lhe atribuímos. No entanto, toda a parte de despoluição e de ordenamento de margens, etc., terá de ser desenvolvida em primeira mão pelas câmaras.
Quero também referir que, no que se refere ao ordenamento, há já um decreto regulamentar orientado para aquela faixa marítima que certamente ajudará mas, neste caso concreto, temos o estudo de impacte ambiental que, penso, é a resposta mais incisiva à pergunta que me fez.
A segunda parte da sua pergunta diz respeito à actuação sobre o litoral. Com efeito, temos assistido a um avanço significativo do mar sobre a costa, em particular este ano, porque tem havido tempestades e nesta altura do ano, com as marés vivas, isso verifica-se com mais incidência.
O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais recebeu, há não muito tempo, competências nesta área e, imediatamente após ter recebido essas competências, mandou cobrir o País com os chamados Planos de Ordenamento da Orla Costeira, que nos darão indicações sobre a forma global de actuação sobre o litoral, porque algumas das consequências a que hoje estamos a assistir no litoral decorrem não só de intervenções de defesa, feitas segundo uma óptica de há umas décadas, cujas consequências não eram previsíveis à data, que certamente não são as de hoje. O Ministério privilegia, hoje, acções suaves de intervenção no litoral e já não defendemos, de maneira alguma, acções de fortificação ou de betonar o litoral. Hoje, qualquer actuação no litoral tem de ser muito cuidadosa, por isso não podemos, também aqui, com acções imediatistas, repetir erros do passado.
É certo que há acções que podem ser feitas num prazo de alguns meses mas, reconheçamos, não são muitas!
Com efeito, estas intervenções de emergência no litoral são sempre muito caras - é óbvio que nunca poderão estar em causa vidas humanas. Teremos, pois, de repensar, em conjunto com as câmaras, a ocupação imediata da faixa litoral, uma vez que não pode adoptar uma solução generalizada no sentido de deixar estar o que está fortificando-a a qualquer preço.
Em muitas situações, tais soluções envolveriam fortificações ambientalmente inaceitáveis, cujos custos superariam os bens que estaríamos a proteger. Essa é uma situação difícil e creio que nem os melhores técnicos portugueses chegaram a total acordo quanto à forma de actuação global no litoral. Aliás, procurámos incluir os melhores técnicos na elaboração dos planos de ordenamento da orla costeira.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe para concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Este ano, também já disponibilizamos verbas e acções imediatas para intervenções de emergência.
A situação que o Sr. Deputado referiu foi visitada, muito recentemente, pelos nossos técnicos e a sua solução está a ser encarada. Porém, repito, não tenhamos ilusões porque as acções de emergência são sempre muito caras. Assim, iremos fazê-las quando necessário mas, fundamentalmente, temos de pensar em acções duradouras, que envolvam reordenamento e um grande respeito ambiental pela orla costeira.
Essa, sim, constituirá uma solução duradoura, que é o tipo de solução que defendemos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar a uma outra pergunta, que tem igualmente a ver com medidas tomadas ou em curso quanto ao estudo de impacte ambiental da ligação da Lagoa de Óbidos ao mar e da protecção do ambiente quanto à preservação da qualidade nas duas encostas (concelhos de Caldas da Rainha e Óbidos), pergunta esta que é apresentada pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP. Para proceder à sua formulação, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor já respondeu à quase totalidade da minha pergunta, através dos esclarecimentos prestados ao meu colega João Poças Santos.
De facto, congratulo-me que, efectivamente, depois de o Governo ter dito, tantas vezes, que os estudos de impacte ambiental estavam em curso, que faltava pouco e que até havia verbas, no valor de 108 000 contos, surja, pela primeira vez, a verdade. E a verdade é que- isto deve ficar bem claro para registo de todos nós este estudo de impacte ambiental só foi adjudicado, como V. Ex.ª disse, este Janeiro, ou seja, no corrente mês.
Para fazer esse estudo existe um consórcio, cuja importância merece todo o nosso crédito, embora não sejamos especialistas. Sobre essa obra, gostávamos de saber qual é a participação financeira e quem é que a vai pagar, bem como a data em que começa a execução desse trabalho.
Isto é, não basta apenas a realização desse trabalho porque, naturalmente, depois dele haverá um debate - e gostaríamos que esse estudo fosse debatido, pelo menos, ao nível dos dois concelhos envolvidos, Caldas da Rainha e Óbidos-, principalmente, quando está em causa, como V. Ex." disse e bem, um problema nacional.
Com efeito, os seus antecessores diziam que este não era um problema nacional mas V. Ex.ª assumiu hoje, e congratulo-me com isso, que a Lagoa de Óbidos é um problema nacional.
Gostaríamos, pois, de saber se, mais tarde, o Governo abrirá também um largo debate nacional sobre a preservação da Lagoa de Óbidos. Além de que, queria saber quando é que, com ou sem este debate - somos a favor do debate -, se iniciarão as obras, isto é, se têm programada qualquer data.
O segundo problema diz respeito ao assoreamento ou desassoreamento, como se queira. Não basta apenas resolver o problema da ligação, pois ele está intimamente ligado com o assoreamento. Aliás, V. Ex.ª já disse que aquele é um ecossistema especial e, portanto, não podem ser feitas acções imediatistas, como tem acontecido nos últimos anos - em que cada um tirava areia como queria, fazia uso dela e vendia-a como queria, etc. Como referiu, este tipo de acções têm de acabar.
Por isso, enquanto a Lagoa de Óbidos não está ligada ao mar- muitas vezes tal não acontece por percalços da natureza -, é preciso tirar as areias para a ligar. Ora, tal tem servido, ultimamente, para a junta de freguesia- a anterior e não a actual - fazer dinheiro; aliás, essas contas ainda estão por apresentar.
No entanto, ouvi dizer que o Estado chamaria, directamente a si, o encargo de tirar essas areias para que não houvesse dúvidas sobre a legitimidade de quem as tira e de quem utiliza as verbas, uma vez que se está dentro do domínio público marítimo e as areias não são da freguesia nem do concelho. Portanto, no caso de extracção de areias, é importante saber quem é que as vai tirar.
Para terminar, gostaria de falar sobre o ordenamento do território. V. Ex.ª sabe que estas duas encostas são as mais

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lindas do País, sob o ponto de vista da natureza. É, pois, preciso tratar o problema da sua urbanização, para que elas não se «algarvizem» nem sejam construídos «mamarrachos», etc...
E, se há qualquer legislação, como a Sr.ª Ministra prometeu, quando esteve lá há dois meses, sobre a forma de racionalizar a urbanização, através de loteamentos ou da fixação da densidade populacional, ela deve preservar a beleza que aquela zona merece e combater a especulação.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, relativamente à participação financeira, o estudo de impacte ambiental, cujo valor será da ordem dos 50000 contos, será integralmente pago pelo Ministério do Ambiente. Quanto às obras, o próprio estudo é que determinará qual o tipo de obra a ser escolhida.
Neste momento, temos três alternativas. A primeira é académica. Considera-se sempre uma situação destas, que é a de não fazer nada, ou seja, dizer que a natureza é que tem razão, se a natureza quiser assorear... Portanto, será uma solução básica, que, em qualquer estudo de impacte ambiental, serve de referência. Isto é, qualquer solução tem de ser sempre comparada com a de referência.
A segunda solução contempla actuações chamadas soft, que envolvem aberturas periódicas, quando necessário, para o mar.
A terceira solução será a de uma eventual fixação de uma saída permanente para o mar.
São estas três alternativas que estão a ser analisadas no estudo de impacte ambiental. Claro que qualquer das duas últimas terão custos e escalonamentos diferentes no tempo. A segunda será certamente uma solução mais cara em termos de primeiro investimento, mas, provavelmente, mais económica em termos de longa duração. A primeira, a manutenção com base em movimentos de areias, será certamente mais económica numa primeira fase, mas incorrerá em custos de funcionamento maiores.
No entanto, creio que é prematuro estarmos a referir esse aspecto, porque se não precisássemos do estudo não o teríamos feito.
Estamos, pois, empenhados em contribuir para a solução final que venha a ser considerada como ambientalmente adequada.
É óbvio que o debate será feito nos moldes possíveis e mais adequados à situação local. O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais privilegia o diálogo, não faz as coisas para si próprio, fá-las para as populações, portanto também nada se fará contra as populações, respeitando, acima de tudo e em primeiro lugar, os interesses superiores do ambiente.
Quanto ao assoreamento ou desassoreamento, a menos que haja situações muito especiais que determinem alguma necessidade de emergência - há um plano de contingência que, apesar de tudo, gostaríamos de evitar; a solução de ir lá com uma máquina e abrir uma saída não é a mais adequada, mas não poderá deixar de ser encarada de uma forma excepcional -, preferíamos resolver o problema de uma vez e de uma forma ambientalmente mais adequada.
Relativamente às areias é óbvio que a responsabilidade é das entidades que têm a jurisdição no domínio público marítimo.
No que toca ao ordenamento do território daquela zona, são as câmaras municipais que têm um papel preponderante. Temos vários dispositivos de planeamento em vigor, mas quero também referir o decreto regulamentar n.º 32/93, que concretiza e aplica os princípios do decreto n.º 302/90 que disciplina a ocupação de uso e transformação da faixa costeira, precisamente, para a zona que abrange os municípios de Óbidos, Caldas da Rainha e Alcobaça.
No entanto, para além das intervenções de planeamento e das entidades da administração central, as câmaras municipais têm aqui um papel determinante na qualidade do aspecto urbanístico que ali vier a ser desenvolvido.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, nesta segunda fase, gostaria de saber se o Governo estaria na disposição de emitir qualquer legislação de modo a proteger este ecossistema especial, como V. Ex.ª disse, transformando aquela zona análoga a qualquer reserva ecológica nacional.
Em segundo lugar, gostaria de saber se o Ministério do Ambiente tem feito alguma coisa - e eu tenho a certeza que tem conhecimento disso - quanto à ETAR da Foz do Are-lho. Esta ETAR está em más condições de funcionamento, o que prejudica a lagoa, porque vão lá parar vários esgotos, principalmente os de uma pensão, a que chamam hotel, e os de algumas suiniculturas da zona.
Portanto, há muita coisa a fazer para além do trabalho de ligação ao mar. O Ministério do Ambiente tem muita responsabilidade e muito trabalho, tem que combater a poluição para preservar a qualidade de vida e para manter o bom ambiente daquela zona.
Era, pois, sobre este aspecto que gostaria de saber se o Ministério do Ambiente e como o Governo é um só e não é uma confederação dos ministérios- tem a intenção de, juntamente com a Comissão de Coordenação do Vale do Tejo e do Oeste, principalmente do Oeste, que supervisiona os loteamentos e tem que dar parecer enquanto não existir o Plano Director Municipal, impedir que aquela zona seja devastada por uma urbanização caótica, com meios anti-higiénicos, e que a florestação seja razoavelmente preservada, de modo a manter a limpeza e a beleza do cenário.
Era esta a pergunta a que ainda não obtive resposta.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, volto a intervir aproveitando este verdadeiro debate sobre a Lagoa de Óbidos, que mostra bem a importância do tema e que preocupa todas as forças políticas, para referir um aspecto.
O Sr. Secretário de Estado referiu e parece-me que correctamente - que se deve ir às causas do problema da poluição da Lagoa de Óbidos. E uma das principais causas é devida aos cursos de água afluentes da Lagoa, nomeadamente os nos Real e Arnóia e o chamado rio Sujo. Portanto, é também aí que tem de se intervir para pelo menos prevenir os focos mais importantes de poluição.
Gostaria, pois, que o Sr. Secretário de Estado nos desse mais informações nesse domínio para, também aí e desde

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já, independentemente do estudo de impacte ambiental, se poder actuar em devido tempo, nomeadamente em relação ao rio Real, no concelho de Bombarral, que é de onde vêm importantes descargas de poluição.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, dado o tempo ser muito curto, gostava que, sinteticamente, me dissesse - assunto já referido, aliás, pelos Srs. Deputados Narana Coissoró e João Poças Santos -, por um lado, quais são as obras que se encontram planeadas para resolver o problema da poluição e, por outro, qual o conjunto de obras que o Governo pensa executar para resolver o problema mais grave da Lagoa, que é de facto o do assoreamento. Já agora pergunto-lhe: qual o ritmo das dragagens efectuadas ultimamente? Isto é, gostaria de saber, em particular, se o Sr. Secretário de Estado se inclina mais para a fixação da aberta ou para deixar a aberta móvel na Lagoa. Gostaria de saber qual a sua ideia, se a tem, relativamente a essa questão fundamental.
Finalmente, retomando a preocupação aqui expressa pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, pergunto-lhe: existe algum estudo ou alguma ideia relativamente à preservação do ecossistema, não só de todo o envolvente da Lagoa mas também do ecossistema que a própria Lagoa constitui? Como sabe, há ali uma reserva importantíssima da fauna piscícola que, enfim, alimenta de uma forma, não digo exclusiva, mas muito grande, toda a costa daquela zona.
Fica aqui esta uma nota, Sr. Secretário de Estado, porque penso que os estudos estão feitos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Diziam que estavam feitos!

O Orador: - Os estudos estão feitos e é por isso, Sr. Secretário de Estado, que não compreendo que venha dizer, mais uma vez...

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Não há estudos!

O Orador: - Há muitos estudos feitos e alguns de uma valia considerável!
Mas, Sr. Secretário de Estado, só queria deixar uma prevenção: não vamos gastar mais uns anos em estudos, para, depois, se adoptar a alternativa que V. Ex.ª aqui anunciou, a de deixar ficar tudo como tem estado até aqui.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Essa é a alternativa académica!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, quanto a saber se pretendemos instituir ali uma reserva ecológica, a resposta é a de que não está nos nossos planos tomar essa iniciativa, mas estaremos, obviamente, abertos a considerá-la no âmbito da lei quadro das áreas protegidas. Há várias entidades que poderão tomar essa iniciativa, mas não excluímos a possibilidade de mais tarde, noutro quadro de prioridades, virmos a faze-la. O que posso dizer é que, nesta fase, relativamente a esta matéria, estamos abertos a iniciativas.
Quanto ao facto de, eventualmente, a estação de tratamento de águas residuais da Foz do Arelho não estar a funcionar nas melhores condições, confesso que não tenho conhecimento directo desta estação de tratamento específica, mas não me custa acreditar que seja essa a situação. Trata-se de uma estação de tratamento de competência autárquica, que obviamente deveria estar dimensionada e a funcionar em boas condições, mas é certamente por omissão de um conjunto de poluidores que a Lagoa de Óbidos tem a carga de poluição que tem. É realmente necessário fazer algumas intervenções nas margens dos rios Real e Arnóia e na ribeira da Cal por forma a resolver, globalmente, o problema da poluição, pois não é com aberturas para o mar, a fim de se deixar passar a poluição que, indevidamente, se lá deixou, que o problema se resolve.
No que toca à disponibilidade do Ministério do Ambiente em colaborar com as várias entidades, é óbvio que o Ministério tem estado sempre em diálogo com as autarquias e com o Ministério do Planeamento, nomeadamente com a respectiva comissão de coordenação, no sentido de se resolver o problema. Mas há neste caso, como é óbvio, responsabilidades espartilhadas, em particular na ocupação do território, onde as câmaras municipais têm uma responsabilidade primeira e acrescida.
Sr. Deputado Rui Vieira, penso ter já respondido, de forma global, às questões que colocou.
Relativamente aos estudos de impacte ambiental, os nossos serviços dizem-nos que não havia estudos suficientes ou que não eram de qualidade os que existia. De outra forma não fazia qualquer sentido estar a elaborar outros.
Sr. Deputado, é óbvio que os estudos não se fazem para substituir obras mas para realizá-las da forma mais adequada. Especialmente para uma zona sensível como esta, precisamos, com o nível de conhecimento que temos hoje, 1993, de um estudo de impacte ambiental que não havia. Creio que ninguém nos perdoaria se viéssemos anunciar que iríamos fazer uma obra naquele sítio sem ter o referido estudo de impacte ambiental. Logo, estamos, em minha opinião, a fazer aquilo que é devido.
Quanto às dragagens, assoreamentos, etc., penso, pois, que o próprio estudo nos irá dizer até que ponto podemos ir, pelo que será prematuro referir algum aspecto adicional nesta fase. Obviamente, a solução que apontei foi como hipótese académica. Um estudo de impacte ambiental tem de ter sempre como hipótese académica a situação actual, relativamente à qual se vão referir as obras a fazer. Ninguém admite que aquilo possa ficar como está, porque se estivesse bem não se mexeria. Ora, como efectivamente não está bem, temos de mexer.
O Sr. Deputado pede-me opinião quanto à alternativa a adoptar, se a segunda ou a terceira que apontei. Devo dizer que não tenho, pois precisaria de ver os resultados dos estudos, já que são eles que nos vão dizer se são ambas possíveis ou se uma delas não é adequada. Portanto, aquela que for menos adequada não será adoptada, mesmo que eventualmente seja a mais barata. Sendo assim, seria prematuro pronunciar-me sobre o assunto. Se tivesse a certeza sobre qual adoptar, o estudo não seria, eventualmente, feito.
No que toca à poluição dos cursos de água, há, neste caso, várias situações a ter em conta. Há, por exemplo, uma estação de tratamento de águas residuais nas Caldas da Rainha que ainda não está a funcionar a 100 %. Temos identificados os focos poluidores, que são uma indústria cera-

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mica e os esgotos urbanos dos vários concelhos. Apesar de termos um conjunto de infra-estruturas de tratamento de águas, do qual algumas funcionam melhor do que outras, há certamente uma carência nessa matéria. Logo, é essencial que as autarquias interessadas desenvolvam as suas competências no sentido de se encontrar uma solução global do problema. Não caiamos nunca na situação de querer atirar para o Governo, concretamente para o Ministério do Ambiente, a responsabilidade da resolução dos problemas de ambiente deste país, nomeadamente os da despoluição.
Ó saneamento básico deste país, a despoluição, é da competência autárquica. A responsabilidade do Ministério do Ambiente é supletiva, é excepcional, e tem de ser feita de acordo com regras próprias. Os problemas deste país não se resolvem considerando-os de âmbito nacional. Infelizmente, nem o próprio Ministério do Ambiente tem essa vocação nem esse orçamento. É, pois, no âmbito das autarquias envolvidas que a solução do problema tem, fundamentalmente, de nascer.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, terminámos o debate desta pergunta ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais.
Antes de passarmos à última pergunta, apresentada pelo PCP, informo a Câmara de uma comunicação de Sua Ex.ª o Sr. Presidente da República, que é do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação a França entre os dias 2 e 6 do próximo mês de Fevereiro, para, nomeadamente, presidir à inauguração da 12.ª edição do Salão Expolangues, dedicado este ano à língua portuguesa, venho requerer, nos termos do n.º l do artigo 132.º e da alínea b) do artigo 166.º da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República».
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do parecer e proposta de resolução que a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação produziu em função desta comunicação.

O Sr. Secretário (João Salgado): - São do seguinte teor o parecer e proposta de resolução que a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação: «A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de Sua Ex.ª o Presidente da República em que é solicitado o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial a França, entre os dias 2 e 6 do próximo mês de Fevereiro, apresenta a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá assentimento à viagem de carácter oficial de Sua Ex.ª o Presidente da República a França, entre os dias 2 e 6 do próximo mês de Fevereiro».

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputado, vamos votar o parecer e proposta de resolução.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Luís Fazenda.
Srs. Deputados, passamos à quinta e última pergunta, da iniciativa do PCP, que tem a ver com o acesso aos chamados «arquivo Salazar» e «arquivo PIDE/DGS» e quais as medidas e ponto da situação relativamente ao próximo decurso dos prazos de abertura.
Para formular a pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Subsecretário de Estado: Este Governo, decididamente, tem a mania do segredo! Digamos que é uma mania que ele próprio não consegue impedir-se de possuir, é superior às suas próprias forças, o que, assim sendo, e dizendo de outro modo a mesma coisa, não serve senão de «biombo» às suas grandes fragilidades. E é uma mania que tem vindo a manifestar-se nas mais diversas áreas da sua actuação na vida nacional. Todos nos recordamos da penosa tramitação dos normativos relativos ao segredo de Estado, que conduziam a implementar um Estado de segredo, e todos nos recordamos do congelamento da publicitação dos números sobre o desemprego...
Aliás, não é de admirar que o Governo, tendo do País uma perspectiva empresarial, entenda, coerentemente, que o segredo é a alma do negócio e que, assim, se dê ao luxo de colocar, nas mais diversas instituições, funcionários zelosos que, como sempre acontece nestas coisas, acabam por demonstrar serem ainda «mais papistas que o Papa».
É exactamente o que neste momento, e de forma completamente inadmissível, ocorre com os Arquivos Nacionais da Torre do Tombo e com o seu Director Borges de Macedo, no que se refere ao acesso dos investigadores e historiadores ao chamado «arquivo Salazar».
De acordo com o Decreto-Lei n.º 279/91, o acesso do público ao arquivo torna-se livre a partir do presente ano de 1994, sendo certo que já estava aberto aos investigadores devidamente credenciados. Só que os obstáculos criados, mais ou menos artificialmente, pelo seu director conduziram a que, na prática, o arquivo se tenha tomado inacessível. Mais: de acordo com notícias vindas recentemente a público nos órgãos de comunicação social, o «arquivo Salazar» estaria a ser fotocopiado, em proveito próprio, pelo director, ao mesmo tempo que veda, terminantemente, idêntica possibilidade aos investigadores interessados. Mas, afinal, o que é que se passa com os Arquivos Nacionais da Torre do Tombo? Que comportamentos está a assumir o Director Borges de Macedo? Em que País estamos, afinal, todos nós?...
Já no que se refere ao chamado «arquivo PIDE/DGS», que engloba documentação relativa não apenas a essa polícia política do fascismo, mas também à União Nacional, à Mocidade Portuguesa e à Legião Portuguesa, depositado à guarda dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, por força da Lei n.º 4/91, de 17 de Janeiro, continua, no entanto - e é bom que isto aqui se diga e se lembre -, por força da mesma lei, sob a tutela da Assembleia da República, mais precisamente, da Presidência da Assembleia. E a situação, aqui, ainda é mais grave!
Na verdade, sobrepondo-se à Assembleia da República e à lei, a direcção do Arquivo Nacional da Torre do Tombo apoderou-se, na prática, de há três anos a esta parte, do «arquivo PIDE/DGS» e condicionou de tal modo o seu acesso que o próprio conceito de acesso se transformou numa caricatura! O director dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo é o supremo juiz destas coisas?! O director dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo pode violar a lei e sobrepor-se às competências desta Assembleia?! Dá-lhe o Governo cobertura neste tipo de comportamento?!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Subsecretário de Estado, que do presente o Governo nos pretenda dar uma visão cor-de-rosa ainda se compreende; que do passado o

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Governo pretenda rescrever a História, mediante o controlo político da documentação disponível, eis o que de todo em todo não aceitamos! O segredo aqui não é a alma do negócio, pela simples razão de que a História não é e não pode transformar-se num negócio.

Aplausos do PCP e Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.
O Sr. Subsecretário de Estado da Cultura (Manuel Frexes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos o Sr. Deputado José Calçada que, muito animadamente...

O Sr. José Calçada (PCP): - Indignadamente!

O Orador: - ... e indignadamente, se referiu à gestão dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo.
Sr. Deputado, a essa sua pergunta, responder-lhe-ei exactamente com a lei. E ainda bem que me coloca a pergunta porque não me cansarei nunca de deslindar esta confusão. Como sabe, Sr. Deputado, os Arquivos PIDE/DGS e Legião Portuguesa estarão abertos a partir do dia 25 de Abril de 1994, ou seja, decorridos 20 anos após o prazo que a própria lei estipulou.

O Sr. João Amaral (PCP): - Se o Borges de Macedo deixar!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, deixe-me terminar e depois responder-lhe-ei.
Mas, como estava a dizer, o que acontece é que os Srs. Deputados confundem o acesso ao arquivo com um outro princípio, o da comunicabilidade do arquivo. E se o Sr. Deputado, efectivamente, conhece a lei - uma lei, inclusivamente, ratificada nesta Casa-, verificará que aí se diz que a comunicabilidade dos documentos, ainda que a estes haja livre acesso, só é permitida 50 anos após a morte dos titulares que constam dos documentos ou 75 anos após a data dos mesmos documentos. Isto é o que está na lei; agora, se o Sr. Deputado não quer respeitar a lei, apresente aqui uma nova lei!

Protestos do PCP.

Enquanto for esta a lei, é para ser respeitada!
Aliás, dir-lhe-ei mais: com que direito é que os Srs. Deputados põem em causa a reputação de um investigador, de um homem de reconhecida competência, não só em Portugal como fora do nosso país, como é o caso do Professor Borges de Macedo?!

O Sr. João Amaral (PCP): - Leia o que dizem todos os investigadores!

O Orador: - Sr. Deputado, aconselho-o a ler o discurso do Sr. Presidente da República que se referia ao Professor Borges de Macedo, há dois anos atrás, quando ele foi jubilado pela Universidade. Quem sou eu para defender o Professor Borges de Macedo?! Eu até sou uma pessoa muito simples e muito humilde... Mas é o Sr. Presidente da República que lhe faz um elogio! Por amor de Deus!...

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Estamos a falar de cumprir a lei!

O Orador: - Exactamente! Estamos a falar de cumprir a lei e o que faz a direcção da Torre do Tombo não é mais do que cumpri-la, é isso o que ele faz. Aliás, devo dizer ao Sr. Deputado e a todos os que aqui estão que, se, efectivamente, têm tantas dúvidas, tenho muito gosto em que vão visitar os arquivos nacionais da Torre do Tombo. Vão lá, vão ver!

José Calçada (PCP): - Se deixarem!

O Orador: - Por amor de Deus! Se eu até estou a dizer que podem lá ir e que tenho muito gosto em que façam a visita para verem o enorme trabalho que tem sido feito... Gostava que fossem lá ver e verificar!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Vou ser muito rápido, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Subsecretário de Estado, embora eu devesse voltar a ler tudo o que li anteriormente, porque, em bom rigor, o Sr. Subsecretário de Estado não respondeu a nada daquilo que eu perguntei.
Coloquei questões muito concretas, começando por perguntar se era verdade ou não que, arrogando-se poderes que, de todo em todo, não tem e que, de modo nenhum, delega noutros, o Sr. Director da Torre do Tombo está ou não (a pergunta era esta, simplesmente, e a resposta era «está» ou «não está», tão simples quanto isto) a fotocopiar documentação, fazendo assim um acto que nega a outros. Isto é denunciado publicamente, por um grupo de investigadores, por exemplo, pelo Professor Fernando Rosas, investigador da Universidade Nova, em recente artigo num jornal de que não vou dizer o nome mas toda a gente conhece. Esse é que é o grande problema!
Julgo que há ainda aqui um segundo problema: o Sr. Subsecretário de Estado acusa, não apenas a mim mas a toda a Assembleia, de estabelecer confusões. Porém, a confusão reside, antes de tudo, na cabeça do Sr. Secretário de Estado e na do Director da Torre do Tombo, na medida em que confundem ter documentos à guarda com ter documentos sob tutela jurídica. Eles estão fisicamente à guarda dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo mas é bom deixar claro que a sua consulta e a autorização para a sua consulta passam - e só por aí podem passar e por nenhum outro lado - por esta Casa, mais particularmente, pela sua Presidência. Quando, ultrapassando isso e sobrepondo-se à lei, sobrepondo-se à Assembleia da República, o Sr. Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo se arroga poderes que não possui, é evidente que está a violar a lei, é evidente que está a cometer um excesso que aqui não pode passar em claro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, como é possível que o Governo cubra um arbítrio puro e simples do Director do Arquivo da Torre do Tombo?!

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Subsecretário de Estado, não percebi bem esta distinção que faz entre a consulta e a comunicabilidade.

O Sr. José Calçada (PCP): - Nós é que não percebemos nada!

O Orador: - Porque, se um investigador - e todos os professores são investigadores, em maior ou menor grau - lê um documento e, depois, tem de citar o documento, isto é, se eu quero fazer um trabalho sobre o Estado Novo, sobre o Dr. Salazar e sobre o Dr. Marcelo Caetano, e se não posso, em nota de pé de página ou no texto, citar a fonte que usei, corro o risco de que pensem que estou a inventar factos ou a esconder as minhas fontes, impedindo quem leia esse trabalho de saber que ele tem solidez académica, de saber que o autor não está a inventar factos e, pelo contrário, está a fazer afirmações fundamentadas.
Em segundo lugar, há determinados factos que estão aqui «fechados a sete chaves» mas que são abertos noutros arquivos. Por exemplo, o investigador Freire Antunes publicou correspondência e factos sobre Salazar e Caetano, e até correspondência entre Caetano e Salazar, Salazar com presidentes americanos e Marcelo com presidentes americanos, etc., e citou as caixas e os documentos, mas os nossos investigadores não podem fazer o mesmo. Então agora temos de ir para os Estados Unidos da América para ler uma carta do Dr. Salazar a Kennedy, ou um encontro entre o Dr. Marcelo Caetano nos Açores com o Presidente dos Estados Unidos da América? E não podemos fazer isso aqui? Isto não cabe na cabeça de ninguém!
Talvez V. Ex.ª faça confusão - desculpe se estou enganado - entre o que é cair um documento no domínio público e ser comunicável. Quer dizer, a obra de um escritor qualquer cai no domínio público passados 50 anos - ninguém pode guardar, para além disso, a reserva sobre essa obra ou sobre os direitos de autor. Julgo que, por aí, talvez V. Ex.ª esteja a fazer alguma confusão: é melhor rever estes três conceitos - a acessibilidade, a comunicabilidade dos investigadores e o domínio público.
Pelo grande respeito e admiração que tenho pelo actual Director da Torre do Tombo, queria que, de uma vez por todas, V. Ex.ª desmentisse aqui, nesta Assembleia, esta atoarda que, contra ele, circula de estar a fotocopiar para uso privado os documentos vedados aos outros. Eu não admito, como conhecedor que sou da pessoa que está em causa, que ele faça isso! Mas V. Ex.ª tem a obrigação de fazer o desmentido.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, antes de iniciar a minha intervenção, queria fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - Queria perguntar se o Sr. Presidente tem elementos que nos permitam esclarecer se o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n. º 4/91 tem sido cumprido, no que se refere ao poder deliberativo da Presidência da Assembleia da República ou dos Vice-Presidentes na concessão de autorizações de consulta, a título excepcional, dos arquivos da ex-PIDE/DGS e da Legião Portuguesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, neste momento não tenho condições para lhe responder, mas imediatamente transmitirei ao Sr. Presidente da Assembleia da República essa sua solicitação, de modo a que lhe seja dada a devida resposta.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, tendo em atenção que a lei citada determina que o poder de autorizar a consulta é exercido conjuntamente pelo Presidente e Vice-Presidentes da Assembleia da República e não pode ser exercido individualmente - essa é a aplicação do regime constitucional, tal como estava definido -, pergunto a V. Ex.a, que é Vice-Presidente da Assembleia da República, se, desde 91, desde essa altura teve conhecimento directo de algum pedido de acesso a documentos. Se não teve, concluo que não houve nenhum.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Não tive, Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Portanto, podemos concluir que não houve nenhum pedido de acesso a qualquer documento que tenha chegado à Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Não, Sr. Deputado, não pode concluir assim, mas apenas aquilo que disse, ou seja, que não tive qualquer solicitação para acesso a qualquer processo.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: V. Ex.ª, da última vez que esteve neste Plenário, falou-nos da Somália e espero que hoje não nos fale do Burundi ou de qualquer outra referência cultural sua! No entanto, como disponho de pouco tempo, não posso alongar-me e passo às questões que lhe quero colocar.
Não podemos aceitar a falácia da sua resposta ao fazer referência ao artigo 17.º da actual lei que estabelece o regime geral dos arquivos, que se refere, como sabe, aos documentos que não são comunicáveis por conterem dados pessoais de carácter judicial, policial ou clínico, o que, obviamente, não é o caso. É que se V. Ex.ª pensa assim só confirma um desconhecimento, que, aliás, pareceu evidenciar, daquilo que são realmente os arquivos de que estamos a falar.
Na minha opinião, estamos a falar de uma questão de política arquivística e, nesse aspecto, confirmam-se os nossos piores receios, que nos foram manifestados por personalidades como o Professor José Matoso e outras, aquando da extinção do JPA e daquela acumulação de atribuições na Torre do Tombo. Essa questão de política arquivista, obviamente, não a posso desenvolver aqui mas a outra, que é de relacionamento entre um organismo como a Torre do Tombo e os investigadores, posso e vou fazê-lo.

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A função de um organismo como a Torre do Tombo é - ou devia ser - facilitar e incentivar a investigação e o conhecimento e permitir que a História, nomeadamente a dos 50 anos que precederam o 25 de Abril, seja feita e se torne mais clara para os portugueses.
Ora, como não é isso que se passa, dá a sensação que o Sr. Director da Torre do Tombo pretende, retrospectivamente, implantar uma lei, muito dele, de segredo de Estado. E é isso que se torna insuportável, Sr. Subsecretário de Estado.
Para terminar, faço-lhe as perguntas que, aliás, já fiz em recente requerimento.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, tem que terminar, pois já utilizou o dobro do tempo que regimentalmente lhe competia.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Sr. Subsecretário de Estado, para quando é nomeado o conselho consultivo da Torre do Tombo, previsto na lei orgânica do ANTT?
No que diz respeito aos arquivos de Oliveira Salazar, é verdade ou não - a questão já foi aqui levantada - que o director da Torre do Tombo usufrui de um poder atribiliário de fotocopiar os documentos desses mesmos arquivos?
Estão concluídas as tarefas de inventariação, ordenação e descrição dos Arquivos da Ex-PIDE/DGS, da Legião e Mocidade Portuguesas e da União Nacional de forma a que esses arquivos possam ser abertos à consulta pública no dia 25 de Abril deste ano? E se esse trabalho de inventariação, ordenação e descrição não está feito, em que fase está?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, o seu tempo terminou.
Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado: É patente que há descontentamentos no seio cultural, de estudantes, professores, historiadores ou investigadores que têm lutado com obstáculos variadíssimos no acesso à consulta de documentos necessários para o conveniente desenvolvimento dos seus trabalhos, documentos esses existentes na Torre do Tombo, que não pode ser considerada um feudo seja de quem for.
Todavia, V. Ex.ª apresenta-se aqui de forma nervosa, pouco calma. Este problema é grave, não se compadece com nervosismos mas, sim, com esclarecimentos concretos. E, quando V. Ex.ª diz que tem gosto em ver-nos na Torre do Tombo, pergunto-lhe se não seria preferível o Sr. Subsecretário de Estado preparar-se convenientemente para este tipo de pedidos de esclarecimento parlamentares através de uma inquirição feita pelos seus serviços àquilo que se passa na Torre do Tombo? Certamente verificaria as dificuldades levantadas aos utilizadores aos serviços da Torre do Tombo, nomeadamente o tempo que se demora para obter autorizações de consulta de certos documentos, os quais, segundo consta- e já aqui foi referido -, são facilitados para serem feitas fotocópias utilizadas por outras personalidades.
Não sei se V. Ex." alguma vez consultou documentação na Torre do Tombo e, por isso, convido-o a deslocar-se lá ou mandar alguém dos seus serviços averiguar se aquilo que estamos a dizer corresponde ou não à verdade. E não vale a pena, repito, apresentar-se de forma tão nervosa e tão dura para com os deputados que lhe estão a levantar - de todas as bancadas, em vários tons e com argumentação diversa - problemas muito sérios que têm a ver com a investigação cultural neste país.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura.

O Sr. Subsecretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos por partes para ver se conseguimos deslindar esta questão definitivamente. Já que dizem que estou a fazer confusão, vou explicar todos os passos que o texto legal estabelece.
Há um período determinado, no caso do arquivo da PIDE/DGS e nos arquivos de Salazar, de 20 e 25 anos respectivamente, em que o arquivo não tem livre acesso. Só podem ter acesso a esse arquivo investigadores ou pessoas com direito legítimo, mediante requerimento ao director da Torre do Tombo, o qual dá parecer e depois envia para os Vice-Presidentes da Assembleia da República ou para o seu Presidente, que autorizarão. Este é o primeiro regime.
A partir daí, findo esse prazo, que vai ocorrer no dia 25 de Abril de 1994 relativamente aos arquivos da PIDE/DGS, o que é que acontece? Acontece que começa a vigorar o regime da comunicabilidade dos documentos, que não está relacionado com o domínio público, Sr. Deputado. Não é a mesma coisa! O domínio público tem a ver como Código dos Direitos de Autor e utilização destes, ou seja, com a liberdade de publicar e fazer uso livre de matérias sobre as quais havia uma taxa que tinha de se pagar aos seus autores.
Portanto, o que vigora nos arquivos e na política arquivística é um princípio diferente, o da comunicação dos documentos. Ou seja, o facto de haver acesso público ao arquivo não significa que desse arquivo e dos dados nele contidos se possa fazer uso indiscriminado. Não, há regras que estão na lei, nomeadamente no artigo 17.º...

O Sr. José Calçada (PCP): - Ninguém exige o seu uso indiscriminado!

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, estou a explicar.
O que diz o artigo 17.º da lei - aliás, há-de ter reparado que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques nem o leu todo, só o seu princípio, por isso mesmo é que as referências nunca são completas -...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Se me der dez minutos, leio-o todo!

O Orador: - ... é que não são comunicáveis documentos que contenham dados pessoais de carácter judicial, policial ou clínico, bem como os que contenham dados pessoais que não sejam públicos, ou de qualquer índole que possa afectar a segurança das pessoas, a sua honra, a sua intimidade, a não ser que haja o consentimento dessas pessoas.
Assim sendo, o que é que acontece? Se houver um documento onde figuram pessoas que estão vivas, essas pessoas têm que dar o seu consentimento expresso. Se a pessoa não for viva tem de ser a família. Só ao fim de 50 anos, ou seja, 50 anos depois da data da incorporação do arquivo, é que é livre a comunicabilidade de qualquer doeu-

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mento. É este o regime fixado pela lei, Sr. Deputado, isto é o que diz a lei.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Mas os arquivos não falam só de pessoas.

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me terminar! Quanto ao Professor Borges de Macedo...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Está a generalizar!

O Orador: - Não estou a generalizar...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - O que é o arquivo da Mocidade Portuguesa tem a ver com as pessoas?!

O Orador: - Sr. Deputado, o senhor, porventura, conhece o arquivo da ex-PIDE/DGS?

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Conheço, porque eu até estive preso. Quer dizer, tenho ideia do que é que lá está!

O Orador: - Mas conhece o arquivo? Estamos a falar de arquivos!
O arquivo tem quatro quilómetros de prateleiras, tem milhares de documentos e devo dizer-lhe, ao contrário do que se diz aqui, que é um dos arquivos sobre o qual é feito mais trabalho diariamente, porque todos os dias a Torre do Tombo passa certidões sobre documentos que integram esse arquivo, para efeitos judiciais, sociais, probatórios e de outra natureza. Todos os dias isso acontece, desde que sejam pedidos pelo próprio interessado.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Não misture tudo agora! Vamos por ordem!

O Orador: - Os Srs. Deputados, que vão muito atrás do que se diz, como é que têm a coragem, sem se terem indagado efectivamente as coisas, de dizer que o Professor Borges de Macedo anda a fotocopiar...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Nós perguntámos!

O Orador: - Deixe-me acabar, Sr. Deputado!
Como se isso fosse possível... O Sr. Professor Borges de Macedo já accionou os meios judiciais e intentou processos crime contra as pessoas que divulgaram essa notícia, ou que a fizeram passar. Isto é uma informação que lhe dou, porque, efectivamente, é intolerável o ponto a que se chegou, aquilo que se escreve, enfim, é intolerável certo tipo de coisas...
Mas não sou eu que faço aqui a defesa do Professor Borges de Macedo. Na minha função e enquanto membro do Governo, estou numa situação de perfeita tranquilidade. Digam-me, com franqueza, qual é o interesse disso... O Governo, nesta questão, tem uma posição de perfeita tranquilidade porque não tem o mínimo interesse em alargar ou em diminuir o acesso das pessoas aos arquivos.

O Sr. José Calçada (PCP): - Se não tem, parece!

O Orador: - Pura e simplesmente, manda aplicar a lei e deixa as instituições funcionar. Não faz absolutamente mais nada. Este deve ser o papel do Estado e do Governo nesta matéria. Não temos interesse absolutamente nenhum nesta questão e é esta a posição do Governo.
Relativamente às costumadamente alegadas dificuldades de acesso à documentação, acontece - estou farto de dizer isto, que corresponde a uma verdade- que, desde logo, os arquivos, nomeadamente os da Torre do Tombo, estão, todos eles, no novo edifício, a ser trabalhados, havendo um conjunto de situações que prevê a sua inventariação e organização em moldes mais modernos.
Por outro lado, sucede - temos de ter consciência disto - que houve atentados gravíssimos ao nosso património arquivístico e desapareceram bens únicos.
Como o Sr. Deputado sabe, o arquivo é a memória de um povo e se ela não é preservada, pura e simplesmente, perde-se para sempre, não restando absolutamente mais nada. Ora, o que acontece na Torre do Tombo é a concretização de um conjunto de regras organizacionais no sentido de moderar e disciplinar o acesso a documentos únicos.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Responda objectivamente às questões, Sr. Subsecretário de Estado, porque não está a responder! Fiz-lhe perguntas concretas, designadamente sobre a situação do arquivo da ex-PIDE/DGS!

Protestos do PSD.

O Orador: - Provavelmente, o Sr. Deputado não quer ouvir-me, porque passa a vida a interromper-me.
Já aqui disse ao Sr. Deputado que a partir do dia 25 de Abril de 1994 haverá acesso público aos arquivos da ex-PIDE/DGS, nos termos da lei.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Não tinha dito ainda!

Protestos do PSD.

O Orador: - Desculpar-me-á, Sr. Deputado, mas foi a primeira coisa que disse, mal comecei a minha intervenção. Os senhores não me escutam e depois dizem que eu não disse!
Por que não vai o Sr. Deputado visitar a Torre do Tombo, no dia 26 de Abril? Terá com certeza à sua disposição um manual onde estarão inventariados e identificados todos os documentos do arquivo.
Porém, não se pense - esta pequena distinção é fundamental para perceber a questão - que, pelo facto de haver acesso público ao arquivo, todos os documentos desse arquivo podem vir para a praça pública! Não é isso, Sr. Deputado...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Isso é evidente!

O Orador: - ... e é neste aspecto que, muitas vezes, as pessoas fazem confusão.
Sr. Deputado, não é pelo facto de ter um manual e dizer «agora quero ir ver os documentos x, y e z», se lhe disserem que eles estão nas condições previstas no artigo 17.º da lei, ou seja, que ainda estão em reserva de comunicabilidade, que pode, pura e simplesmente, ver esses documentos. Nesse caso, não os pode consultar e ou o Sr. Deputado obtém a autorização dos interessados, dos que são legitimamente focados nos documentos, ou, então, não poderá ter acesso a eles.

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1114 - I SÉRIE-NÚMERO 33

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Isso é evidente!

O Orador: - Está a ver, Sr. Deputado, como agora a questão é perceptível para toda a gente...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Subsecretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, mas depois deixe-me terminar a intervenção sem ser interrompido.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Na última vez em que o Sr. Subsecretário de Estado aqui esteve, deu-nos uma resposta que não corresponde à realidade, concretamente no que diz respeito ao subsidio que teria sido pago, mas não foi, à Orquestra Sinfónica Juvenil.

Protestos do PSD.

Permita-nos é que registemos que V. Ex.ª afirmou aqui que a partir de 25 de Abril do corrente ano a consulta pública dos arquivos da ex-PIDE/DGS-Legião Portuguesa irá ser possível, nos moldes da lei. Fica aqui registado!

O Orador: - Fica registado, Sr. Deputado, e para a posteridade!
Registe, já agora, outra coisa: se o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques se lembra de que estive cá foi porque, efectivamente, a minha presença terá sido útil por algum motivo.
Em todo caso, devo sublinhar que não disse aqui nenhuma coisa incorrecta, falsa ou que não se tenha verificado.
No que respeita à questão do subsídio à Orquestra Sinfónica Juvenil, agora suscitada pelo Sr. Deputado, eu disse que o subsídio já tinha sido atribuído e não disse que ele tinha sido pago.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Mas a questão era a de saber se tinha sido pago. Isso é um subtileza!

Protestos do PSD.

O Orador: - O que posso garantir - e digo-lhe que a Torre do Tombo tem estado a fazer um enorme esforço para o conseguir - é a abertura do arquivo no próximo dia 26 de Abril. O arquivo é enorme, vastíssimo, contém milhões de documentos, mas, efectivamente, tem estado a ser empreendido um grande esforço nesse sentido e as informações que tenho da direcção da Torre do Tombo são no sentido de que a partir do dia 26 de Abril de 1994 as pessoas terão acesso livre, público, ao arquivo, dentro dos condicionalismos da lei. Isso é o que - assim o penso - se irá verificar. Estou a testemunhar e a acompanhar o esforço e o trabalho feito para que, no dia 26 de Abril, o arquivo esteja aberto ao público.
Já estou, aliás, habituado- isso acontece com muita frequência na área em que trabalho- a que estabeleçamos prazos e depois nos digam: «Os senhores dizem isso, mas hão-de ver que quando terminar esse prazo nada estará feito». Porém, até hoje, tudo se tem cumprido!

O Sr. Paulo Trindade (PCP): O acordo com os guardas de museu não!

O Orador: - Também lhe responderei a isso, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Desculpar-me-á que o interrompa, Sr. Subsecretário de Estado, mas já esgotou o tempo de que dispunha e terá de terminar rapidamente.

O Orador: - Assim farei, Sr. Presidente.
Relativamente ao conselho consultivo, é matéria que está a ser tratada. A seu tempo será nomeado.
Sobre a questão agora colocada, quanto aos acordos com os guardas de museu, responderei de seguida. Como podem verificar, estou tão à vontade que falo sobre todas as questões que dizem respeito ao meu departamento sem qualquer problema.
Quanto aos guardas de museu, o que posso dizer é que cumpri a parte do acordo que me competia provavelmente o Sr. Deputado saberá isso - e enviei o texto aos departamentos governamentais respectivos, nomeadamente o Ministério das Finanças, cujo acordo, como certamente saberá, tem de ser obtido. O Ministério das Finanças respondeu-me passados alguns meses, introduzindo algumas pequenas alterações. Em função disso, já refiz o texto legal e enviei-o novamente aos departamentos competentes.
Sabe o Sr. Deputado quanto tempo esteve no meu gabinete a informação vinda do Ministério das Finanças? Um dia! Passado um dia, já tinha feito as modificações e remetido novamente o texto!

Risos do PCP.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Subsecretário de Estado, é preciso muito cuidado também, porque depressa e bem há pouco quem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Subsecretário de Estado, suponho que terminou.

O Orador: - O Sr. Deputado José Calçada confunde pressa com eficiência, que são coisas diferentes, e não está habituado a ver eficiência e eficácia no Estado. Felizmente, ela existe!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Subsecretário de Estado, agradeço a sua resposta.
Permito-me informar e chamar a atenção dos Srs. Deputados para a visita de S. Exmo.. Sr. Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Deputado Miguel Angel Martinez, que estará em Portugal nos dias 31 de Janeiro e l de Fevereiro.
Vai realizar-se também, na Assembleia da República, no dia 31 de Janeiro, às 11 horas e 30 minutos, a cerimónia de condecoração do Deputado Manuel Alegre, para a qual os Srs. Deputados estão, desde já, convidados.
A próxima reunião plenária terá lugar no dia 2 de Fevereiro, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia; no período da ordem do dia procederemos à discussão conjunta das propostas de lei n.08 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral) e 87/VI- Altera a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu) e da proposta de resolução n.º 35/VI - Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho das Comunidades de l de Fevereiro de 1993, que altera o Acto Relativo à Eleição dos Representantes ao Parlamento Europeu. Haverá também lugar à realização de votações.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 25 minutos.

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1115 - 29 DE JANEIRO DE 1994

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Delmar Ramiro Palas.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Agostinho Ribau Esteves.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Telmo José Moreno.

Partido Socialista (PS): Alberto de Sousa Martins.

António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido popular (CDS-PP):

António Monteiro de Castro.

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