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Sexta-feira, 4 de Fevereiro de 1994 I Série - Número 35

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE FEVEREIRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Lemos Damão (PSD) referiu-se a uma reunião, realizada em Braga, para comemorar o Dia do Professor, tendo respondido, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Maria Julieta Sampaio e António Martinho (PS).
O Sr. Deputado João Proença (PS) criticou a política salarial do Governo e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Paulo Trindade (PCP) e José Puig (PSD).
O Sr. Deputado Álvaro Viegas (PSD) abordou diversas questões relacionadas com o Algarve. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Fialho Anastácio (PS).
O Sr. Deputado António Filipe (PCP) considerou fundamental a rápida aprovação de uma lei sobre as declarações de rendimentos e de património a apresentar pelos titulares de cargos políticos.

Ordem do dia: - Procedeu-se ao debate do projecto de resolução n.º 72/VI - Livro branco sobre o sistema fiscal (PS), sobre o qual intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Ferro Rodrigues (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP), Rui Carp e Vieira de Castro (PSD), Helena Torres Marques (PS), Mário Tomé (Indep.) e Domingues Azevedo (PS) e que foi depois rejeitado.
O projecto de lei n.º 368/VI - Altera a Lei n.º 15/90, de 30 de Junho (Atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social) (PSD) foi aprovado, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Miguel Macedo (PSD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Arons de Carvalho (PS), Rui Gomes da Silva (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), António Filipe (PCP) e Mário Tomé (Indep.)
Procedeu-se à apreciação da proposta de resolução n.º 30/VI-Aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo de Malta, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Martins Jerónimo), os Srs. Deputados Luís Geraldes (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Leonor Coutinho (PS).
Por último, foi apreciada a proposta de resolução n.º 31/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção de Revisão da Convenção que cria um Instituto Universitário Europeu. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros, os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Paulo Rodrigues (PCP), Rui Gomes da Silva (PSD) e António Lobo Xavier (CDS-PP).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arlindo Gomes de Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.

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Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raul d1 Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral,
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
António Monteiro de Castro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas últimas reuniões plenárias foram apresentados os seguintes requerimentos: aos Ministérios das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio; ao Governo e à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Melchior Moreira; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Rodrigues e António Braga.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Macário Correia, na sessão de 12 de Junho de 1993; Filipe Abreu, na sessão de 2 de Junho de 1993; Fialho Anastácio, nas sessões de 3 de Junho e de 4 de Novembro de 1993 e Laurentino Dias, na sessão de 17 de Janeiro do corrente ano.
Gostaria também de informar a Câmara de que a Comissão de Petições irá reunir a partir das 15 horas e 30 minutos; a Comissão de Assuntos Europeus a partir das 16 horas; a Subcomissão de Desporto começou a sua reunião às 14 horas; por último, a Subcomissão do Ensino Particular e Cooperativo às 15 horas.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, para o tratamento de assuntos de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 2 de Fevereiro, em Braga, para comemorar o Dia do Professor, reuniram mais

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de 5000 educadores e professores de todos os níveis e graus de ensino.
Apesar de este dia não ter sido ainda consagrado institucionalmente por força de lei, é bem visível quanto é uma realidade criada, desejada e participada pela lei do espírito e da razão. Os educadores e professores precisam deste dia para chamar a atenção da sociedade em geral da sua importância, do seu querer, da sua determinação e dignidade; os educadores e professores precisam deste dia para reafirmar a sua convicção. Convicção do seu peso na formulação das políticas pedagógicas e administrativas, convicção na sua obrigação de reflectir princípios e conceitos que conduzam a uma maior e melhor postura ético/profissional, convicção na elaboração de propostas definidoras de uma correcta política educativa que sirva o País, motive os alunos e dê satisfação e realização aos professores, convicção no trabalho que cada um tem de realizar como participante num sistema que o assuma como co-autor e não como mero executor, convicção de que são eles as autênticas autoridades pedagógicas do País. Porque a educação o exige e o País o reclama, querem-se professores de convicções e não de/e para ocasiões.
Querem-se professores que sejam exemplares cidadãos e que, com o seu querer e saber, contribuam para a preservação da identidade nacional, numa perspectiva de integração europeia como via adequada de modernização da sociedade e da economia portuguesa.
Foi este o motivo que os levou a escolher para debate «A Dimensão Europeia da Educação», socorrendo-se de qualificados e prestigiados nomes da cena político-educativa.
Ficaram mais esclarecidos e motivados para participar na construção da Europa, na estabilidade e segurança internacionais, motor de desenvolvimento e de cooperação, garantia de respeito pelos direitos humanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No mundo em que pontificam instabilidades sociais, violências sem paralelo, preocupações constantes e angústias tão profundas, só espíritos esclarecidos e cidadãos preparados científica, técnica, cultural e moralmente terão oportunidades de resistir e vencer.
À escola cabe, pois, esta tarefa.
Quem se atreve, por isso, a subestimar ou a minorar a importância de uma tão grande e nobre instituição? Resposta pronta: ninguém!...
Então dê-se à escola o que lhe pertence, ou seja, tipologias de edifícios que não firam a identidade de cada região, recheadas de equipamentos e meios que permitam desenvolver técnicas inovadoras e dar resposta a uma sociedade cada vez mais selectiva e exigente e professores que vivam de e para a função a corpo inteiro, com formação específica para o desempenho.
O País necessita de saber que nas escolas, a ensinar, só estará quem for professor.
Reclama-se mais exigência no recrutamento dos docentes para que a qualidade do ensino não se fique pela prestação de serviços de um qualquer cidadão, mesmo que ilustre e qualificado para tudo, menos para a docência.
De uma vez por todas, temos de evitar que se diga que quem não sabe fazer mais nada vai ensinar.
Sendo assim, o Estatuto da Função Docente começa aqui. Começa e acaba no prestígio que cada docente conquiste para o seu estatuto pessoal e no prestígio que cada um alcance no domínio profissional com dedicação e competência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesse pressuposto, cabe aos professores participar na gestão dos recursos - que nunca são demais! - destinados ao Ministério da Educação, pelo que, de uma forma consciente e responsável, afirmam que não podem aceitar que indiferenciados recebam o mesmo que especialistas.
Não aceitam que uns sejam vítimas de outros que tiram partido de umas horas que debitam, de um recado que vão dar ou de uma prestação de serviços à hora e nada mais do que isso.
É hora de definir, de uma vez por todas, quem é professor.
São professores os que põem os interesses do País acima de tudo, porque se dedicam, mesmo que abandonados, entregues a si próprios, sem estímulos, mesmo que de palavras.
Assiste-se, hoje, à fuga de profissionais que fizeram desta função um projecto de vida, só porque não têm auto-estima, só porque os responsáveis os ignoram. É, de facto, difícil resistir a tanta incompreensão, a tanta indiferença!...
Assistiu-se, nos últimos tempos, a uma declarada investida contra a escola formal e, fundamentalmente, contra os educadores e professores. Para quem esteve minimamente atento, verificou-se que, depois de passar pela contestação dos médicos, da família e da Igreja, etc., o alvo a atingir era o da escola e dos professores. A escola deixou de ser respeitada e os professores passaram a ser vítimas, porque neles residem ainda os poucos valores que durante décadas desenvolveram e fomentaram. Hoje, os professores não são respeitados pelos pais, porque isso é reconhecer-lhes direitos que perderam; não são respeitados pelos alunos, porque deixou de haver escola de pais; não são respeitados pelos dirigentes, porque se aceita que para professor serve todo o «bicho careta».
Estes «coitados», ensanduichados entre pais, alunos e dirigentes, assistem atónitos e amedrontados, de uma forma passiva, aos acontecimentos.
Como se isso não bastasse, nos últimos tempos a escola paralela conquistou para o seu lado, contra a escola formal, o poderoso meio de comunicação que é a televisão. Sem qualquer preocupação educativa/formativa, mostra-se ao País o exemplo menos feliz de alguém que tendo perdido a paciência rompeu com os conceitos pedagógico-educativos, pondo em causa o prestígio, o brio, a dedicação e a competência de dezenas de milhar de profissionais e uma instituição por onde todos passaram- a escola. Promove-se a excepção, denegrindo tudo e todos.
Não há uma palavra e já não impera o bom senso. Mesmo assim, questiono-me: onde vamos parar? Quem quer matar a escola dos valor? Quem defende os professores?
Começam a nascer, como os cogumelos, atitudes de alunos e pais que ofendem e agridem educadores e professores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num Estado de direito, ninguém deve ser julgado sem culpa formada. Na escola os professores são condenados sem sequer se poderem defender.
Os professores, perante tantos ataques, querem saber onde está o poder. Não estão dispostos a ser«pau-mandado» de toda a gente, não querendo alimentar uma profissão de alto risco.
São muitas as entidades que interferem na escola e com os professores: os pais, os encarregados de edu-

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cação, as autarquias, os delegados escolares, os coordenadores da área educativa, os presidentes dos conselhos de turma e de disciplina, os conselhos directivos, os directos regionais, os directores de departamentos, os serviços de inspecção, etc. Tanta gente a tutelar e ninguém a defender aqueles que outra preocupação não têm a não ser a de servir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendo traçar apenas um quadro negro, nem quero deixar avassalar qualquer espírito por um pessimismo contagiante. Entendo que é possível dar um novo rumo à educação se os principais interventores dialogarem, derem as mãos no mesmo sentido: colocar a escola equidistante de tudo e de todos os que tentam manipular, bloquear ou dominar.
Nesse pressuposto, permito-me avançar com algumas pistas.
Primeira, que se reconheça que o Ministério da Educação não pode ser alvo de contestação sistemática na mira de que, alimentando a conjuntura, se pode tirar dividendos partidários ou de classe;
Segunda, que se reconheça que uma política estrutural só pode ser implementada com serenidade e estabilidade (nesse sentido, questiono-me se não será de se pensar dividir o actual Ministério em dois: Ministério da Educação, Ensino e Desporto Escolar e Ministério da Cultura, Investigação e Universidade);
Terceira, que se altere a Lei de Bases do Sistema Educativo;
Quarta, que a escolaridade seja precedida de dois anos educativos para crianças com cinco e seis anos de idade;
Quinta, que os actuais três ciclos básicos dêem lugar a um apenas, que compreenda toda a escolaridade obrigatória, e a esta se siga um ciclo complementar com duas derivantes: preparação para prosseguimento de estudos e formação para a vida activa neste caso, seguida de especializações sucessivas;
Sexta, que as universidades readquiram o prestígio que já tiveram e sejam entendidas como uma obrigações moral e cívica.
Para mim, é claro que o futuro dos portugueses passa por elas, repudiando aqueles que na sociedade portuguesa afirmam que há doutores a mais e não prestam. É preciso entender-se que os doutores de hoje nada têm a ver com os do passado, porque também os empregos de hoje já não são o que foram. É preciso preparar as universidades, que hoje acolhem um pouco mais de 200 000 alunos, para a realidade de terem, dentro de uma década, mais de 300000. É preciso confiar nelas, dando-lhes os meios de que necessitam para tirar Portugal da cauda da Europa, transformando os seus 5,3 % de licenciados entre a população activa em números e percentagens europeias. É preciso que as universidades sejam um autêntico e dinâmico motor de desenvolvimento regional e nacional, em íntima ligação com o mundo empresarial e com as mais prementes necessidades do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho andado à busca de um modelo que julgo ser consensualmente aceite. Será talvez ousadia afirmar que numa época de incertezas é demasiado pretensioso apresentar receitas. Porém, o contacto diário com os educadores/professores, pais, alunos, agentes económicos e outros levam-me a pedir que se coloque ordem em toda uma desordem que interessa a uns quantos que só se entendem na agitação e na confusão.
Porque conheço o pragmatismo da Sr.ª Ministra da Educação e a sua subtil inteligência e porque não ignoro a sua intuição feminina, permito-me sugerir:

Que o Ministério da Educação tutele toda a educação pré-escolar; que se faça uma revisão radical da rede escolar; que se acabe com a monodocência e substitua por um professor nuclear, com uma equipa interdisciplinar; que se implemente um ciclo básico globalizante, seguido de especializações sucessivas que prepare a qualificação de operários no seu saber/fazer até à especialização; que as escolas a caminho da desertificação dêem lugar às aldeias pedagógicas ou a escolas integradas pluridimensionais; que o sistema de colocações seja feito numa perspectiva de desenvolvimento do poder autóctone; que o calendário escolar seja equilibrado para que professores e alunos readquiram o equilíbrio emocional e psíquico que a escola provoca; que o sistema de avaliação seja criterioso e rigoroso, sem desconfiança de ninguém.
Não quero também cair na tentação de culpar qualquer passado. Diz o povo que a culpa ninguém a quis e, por isso, morreu solteira. Culpados foram todos os que não concordaram com muita coisa, não denunciaram, limitando-se à crítica fácil sem consistência.
Não quero que de tal me acusem um dia quando o que prevejo de mal se transforme em factos.
É preciso construir uma escola com regras, não permissiva, moderna, motivadora, onde a felicidade se cultive e o amor e a solidariedade imperem.
São esses valores que me levam a pedir justiça para muitos professores que foram enganados com a promessa de um prémio para uma aposentação antecipada, que se transformou num rude castigo.
Para esses professores que deram, com todo o coração, tanta dedicação e que, com a sua capacidade, ajudaram a despontar tantas e importantes personalidades, peço que se lhes reabra a possibilidade de reparar tamanha injustiça.
Comecei por falar ao de leve no estatuto dos professores e também aqui não sei se não seria de considerar a sua supressão. Parece-me ofensivo oferecer ao País professores a quem se enumeram deveres que são imputáveis à função que desempenham.
Os professores precisam de um código ético/deontológico que não permita desvios e que coloque numa «Ordem de Professores» o reflexo da sua função.
É altura de se pôr termo ao convite que se faz à incompetência, ao incumprimento, à agitação e à conflitualidade para que se dê lugar ao desenvolvimento do País que, em fraternidade e solidariedade, desejamos ajudar a construir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou, finalmente, terminar e peço perdão se me alonguei demasiado.
Os problemas educativos são tantos e tão complexos que só com a paciência de todos será possível resolvê-los.
Apelo, pois, à paciência de V. Ex.ª, Sr. Presidente, para chamar a atenção de mais duas grandes questões.
Primeira, que o Ministério da Educação seja dos alunos, dos professores e dos pais, mas fundamentalmente da educação.
Segunda, que o Ministério da Educação não se confunda com o «Ministério do cifrão».

Aplausos do PS.

É que, Sr. Presidente, assiste-se com indignação à corrida aos tostões e milhões por instituições e organi-

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zações que descobriram no ensino um campo fértil de negócios. São alguns ditos empresários do ensino particular, são algumas organizações de classe e de escolas, são alguns mercenários que o sistema está a alimentar!...

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - Que fique bem claro que não classifico o ensino em bom ou mau conforme se trate do público ou do privado; pelo contrário, entendo que aos dois se devem dar condições de igualdade. Sou, sim, frontalmente contra instituições e pessoas que desvirtuam a escola, que se servem dela e a exploram. O nosso entendimento de escola é o de que ela existe para formar e não para explorar!
Não compreendemos que se perca a oportunidade de oferecer aos professores formação contínua de qualidade, que constitua um valor acrescentado de formação pessoal, social e profissional para os professores, mas que seja escolhida por eles próprios; não compreendemos que se perca a oportunidade de reconverter professores de grupos excedentários, dando-lhes formação que percorra o círculo da iniciação, do aprofundamento e da especialização, como também o País não compreenderá que cada um não assuma a responsabilidade de contribuir para a defesa da identidade nacional que nos valores se reforça e se cimenta.
De nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o País espera que estejamos atentos na defesa da escola portuguesa, exigindo-nos uma reflexão profunda.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Maria Julieta Sampaio e António Martinho.
Assim sendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lemos Damião, quero, antes de mais, felicitá-lo pela sua intervenção. Até que enfim que alguém da bancada do PSD teve a coragem de subir à tribuna e fazer uma análise correcta e real do sistema educativo! Aliás, não me admira a defesa que o Sr. Deputado tomou dos professores, porque sei que conhece as dificuldades com que eles se enfrentam hoje, quer nas escolas quer na sociedade portuguesa. Basta ver o que se passa com os professores do 8.º escalão, que há mais de dois anos estão à espera de uma solução por parte do Ministério da Educação, solução essa que tarda e nunca mais vem!... Muitos deles não sabem mesmo o que fazer, se hão-de ficar ou se hão-de ir para a reforma.
Tudo isto traduz um grave prejuízo para quem, ao longo de todos os anos, deu muito de si na formação dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, não acha que a visão que o Ministério da Educação tem tido ao longo destes dois mandatos do PSD no Governo é substancialmente diferente da sua? É-o com certeza, e V. Ex.ª tem disso um real conhecimento!
Neste sentido, faço-lhe o seguinte desafio: para a semana, a Sr.ª Ministra da Educação vem à Comissão de Educação. Desafio-o, Sr. Deputado, a colocar-lhe aí esses problemas.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no final?

O Sr. Lemos Damião (PSD): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lemos Damião trouxe hoje a esta Câmara uma saudação pelo facto de ontem se ter comemorado o Dia do Professor. Creio que a Assembleia da República deve associar-se a esta saudação, cumprimentando todos os professores que exercem a sua profissão, por vezes em condições muito deficientes, e que ultrapassam as dificuldades que a Administração impõe, não lhes dando os meios necessários para que a educação seja uma prioridade neste país. Aliás, este facto decorre do próprio Orçamento do Estado para 1994, aprovado pela maioria, em Dezembro último, na Assembleia da República.
Na sua intervenção, o Sr. Deputado referindo-se, a certa altura, à escola de valores, perguntou «Quem quer matar a escola de valores?». Sr. Deputado, também faço a seguinte pergunta a mim próprio: quem é que não quer que a escola seja um espaço de aprendizagem da cidadania? Quem é que não quer que a escola seja um espaço de educação para a dimensão europeia da educação?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem é que não quer que a escola seja um espaço de educação para o desenvolvimento de capacidades, não dando prioridade a uma. demasiada especialização logo no início da aprendizagem?
Neste dia de saudação aos professores, como agentes importantes da educação, estas perguntas devem merecer a nossa atenção.
Sr. Deputado, o nosso país apresenta, hoje, uma realidade, que é a da desertificação de muitas regiões do interior, de muitas pequenas aldeias. Queremos saber se o PSD e o Governo vão apostar definitivamente no apoio a essas escolas, na manutenção das escolas viáveis do interior, das escolas isoladas, apoiando os professores para que estes possam exercer a sua profissão.
É uma resposta que urge e em relação à qual o Ministério ainda não foi capaz de dar, mas que se impõe que o seja.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer as felicitações endereçadas pelos Srs. Deputados Maria Julieta Sampaio e António Martinho. Aliás, outra coisa não esperava porque,

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sendo professores, VV. Ex.ªs, felizmente, apesar de estarem nesta Casa, não se esquecem da vossa origem, que é efectivamente a de docentes, pelo que têm de identificar-se com os problemas que se lhes deparam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, não posso também deixar de ficar triste porque as perguntas vieram na sequência das minhas lamentações. É que, em meu entender, hoje, a sociedade portuguesa caiu numa situação que poderei considerar um síndrome nacional. E digo isto porquê? Porque tanto a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio como o Sr. Deputado António Martinho não resistiram à tentação de cair no cifrão.

Protestos do PS.

De facto, o povo diz - e muito bem! - que «sem ovos não se fazem omeletas». Eu acrescentaria que «sem dinheiro não se resolvem muitos problemas».
Todavia, também sabemos que a escola é essencialmente constituída por pessoas e, como a coisa mais importante que há à superfície da Terra são as pessoas, é nelas que apostamos e é com elas que queremos fazer uma escola diferente, a fim de fazermos um país melhor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio, V. Ex.ª falou-me no problema do 8.º escalão mas, se no fim do mês déssemos aos professores mais 200 ou 500 contos, o seu comportamento não se alteraria absolutamente nada porque o que é preciso é encher-lhes a alma, dado que é de auto-estima que eles carecem, é prepará-los para que tenham um desempenho bem diferente do que têm tido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso fui à tribuna para, em nome dos professores, dizer que eles reclamam a atenção, não do Governo mas do País e da sociedade em geral.

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Esse é um discurso para aumentar os Deputados!

O Orador: - Sr. Deputado Mário Tomé, só V. Ex.ª é que está preocupado com o aumento dos Deputados, pois na minha bancada ninguém falou nisso.
Sr. Deputado António Martinho, trazer à liça o problema do Orçamento do Estado é uma falsa questão, tanto mais que V. Ex.ª sabe que o País está a gastar na educação aquilo que pode e devo dizer que já atingimos valores nunca conseguidos por outros governos. Nós hoje, em termos de PIB, estamos a gastar aquilo que os países mais ricos gastam.

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador;- É verdade. Ultrapassámos os 6 % do PIB.
Porém, enquanto andarmos à volta do cifrão, não resolvemos os problemas de infra-estrutura, que é preciso resolver. Por isso mesmo, quando V. Ex.ª me fala no Orçamento do Estado, pergunto: onde é que se vai buscar o dinheiro? É que, tal como uma manta, se puxarmos para cima, ficamos com os pés de fora! Se puxarmos mais dinheiro para a educação- e era necessário que o fizéssemos- a saúde e outros sectores da vida pública não reclamarão também?
Sr. Deputado, o problema não está aí mas na gestão dos recursos humanos E, como o mais importante que temos em Portugal são os portugueses, é neles que temos de apostar e, dentro dos portugueses, permita-me que distinga uma classe em especial- a dos professores -, pois quero chamar para eles a responsabilidade, mas dar-lhes em troca o reconhecimento do que possam fazer por bem de Portugal e dos portugueses.
Todos estamos de acordo no campo dos princípios - a escola deve ser isto, aquilo e aquele outro, e isso é óptimo pois aí existe um espaço de profundo consenso. Mas V. Ex.ª acrescenta: e o problema da desertificação? Essa, Sr. Deputado António Martinho, é uma questão do país real e por isso também a enfrentamos. Aliás, na minha intervenção dei a sugestão e creio que a pista própria. Isto é, se, em vez de estarmos a desperdiçar dinheiro com escolas que não são sequer dimensionadas, procurarmos fazer as tais aldeias pedagógicas, que apontei na intervenção e que, de uma forma rotativa, manterão a identidade cultural de cada freguesia, certamente poderemos fazer a gestão dos recursos e, ao mesmo tempo, continuarmos a manter esse valor inestimável, que é a cultura de cada terra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado António Martinho, V. Ex.ª sabe que também sou rural e do interior, em desertificação, e que estou preocupado com essa desertificação. Por isso, apresentei uma sugestão e não uma receita.
Efectivamente - e aqui respondo à Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio -, podemos debater esta ideia na Comissão de Educação. Que pena tenho de que estas questões não sejam afloradas lá para que nós todos, em uníssono, possamos dotar o País de uma política educativa correcta, de uma política educativa que satisfaça Portugal e os portugueses!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores da Administração Pública são hoje confrontados com uma política de congelamento de salários que nada justifica. O Governo não pode argumentar com dificuldades orçamentais, quando há ainda pouco tempo propunha aumentos de 4 %. Pelo contrário, o Governo dizia também pretender reduzir o IRS em 1 %, o que não cumpriu, implicando em consequência maiores receitas fiscais e maiores disponibilidades orçamentais.
Os objectivos do Governo parecem claros: apertos de cinto em anos sem eleições legislativas para, nestes anos, poder promover aumentos significativos, numa autêntica caça ao voto.
Basta analisar os dados: em 1987, os salários médios portugueses cresceram acima da inflação 4,6 %, valor que por arrasto se manteve em 1988, mas que logo diminuiu em 1989 e 1990 para 0,2 e 2, %, respecti-

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vãmente; em 1991, novo ano de eleições legislativas, os salários médios subiram 6,6 %, valor que logo diminuiu em 1992 para 5,1 % e em 1993 para um valor próximo de zero; em 1994, pretende-se uma diminuição inaceitável do poder de compra na ordem dos 3 a 4 %.
E na Administração Pública os aumentos gerais dos salários reais são ainda mais significativos. Em 1987, ano de eleições, em termos reais, o aumento foi de 1,9%; em 1988, 1989 e 1990 o salário decresceu. Em 1991, novamente ano de eleições, cresceu novamente 1,9%, em 1992 manteve-se praticamente inalterável e em 1993 diminuiu.
O Governo repete claramente um modelo de ciclo eleitoral, de política do «sobe e desce», com custos elevados para o País e para as famílias.
O Governo unilateralmente encerrou na passada segunda-feira as pseudo-negociações da Administração Pública. Os aumentos finais que o Governo quer impor são claramente aberrantes.
Ora vejamos: aumento líquido inferior a 0,4 % para os trabalhadores de mais baixo salário; aumento líquido de 0,9 % para trabalhadores com salários superiores a 128 100$; aumento de 2,5 % para os reformados. Numa altura em que a inflação ronda os 6,5 % e em que a maior parte dos especialistas aponta como provável para 1994 uma inflação de 6 a 7 %, estes aumentos traduzem uma perda brutal do poder de compra.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Um autêntico roubo!

O Orador: - E os argumentos utilizados pelo Governo para os justificar são claramente falaciosos.
Em primeiro lugar, dizendo que os aumentos envolvem numa verba de 76 milhões de contos, que corresponde a menos de um décimo do défice previsto para o Orçamento do Estado. Ora, tal não é minimamente verdade. Mesmo que a verba global esteja correcta e são as contas do Governo -, a mesma pouco tem a ver com o aumento dos salários.
Com efeito, 36 milhões de contos vão directamente para a Caixa Geral de Aposentações; 23 milhões de contos servirão para pagar dívidas aos professores e aos médicos, decorrentes de congelamento de carreiras; 10 milhões de contos ficam guardados pelo Governo para eventuais promoções que queira vir a fazer. Sobram, pois, e apenas 7 milhões de contos para suportar os míseros aumentos dos mais de 500000 trabalhadores da Administração Pública e mais de 150000 pensionistas e ainda para a ADSE e ajudas de custo. O Governo faz aqui e claramente, uma manipulação de números. Apenas 7 milhões de contos são para aumentos e não os 76 milhões de que vem falando.
O segundo argumento do Governo é o de que estes trabalhadores tiveram, nos últimos anos, um aumento muito superior aos do sector privado. Argumento claramente errado que apenas poderá ser utilizado por quem ignora a realidade da Administração. Os quadros, em 1989 e anos seguintes, tiveram, efectivamente, um aumento superior, visando aproximar as suas condições de trabalho às dos quadros do sector privado, mas a grande maioria dos trabalhadores, mais de 80 % dos do regime geral, perdeu significativamente poder de compra. Todos os trabalhadores de mais baixo salário viram degradar as suas condições de vida, como bem o demonstra o facto de o salário mínimo da Administração, que era em 1985 muito superior ao salário mínimo nacional, ser hoje muito inferior a esse valor.
O Governo está deliberadamente a destruir todos os efeitos positivos do novo sistema retributivo. Está, do mesmo modo, a fazer cair na miséria as famílias dos trabalhadores de mais baixas qualificações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O terceiro pseudo-argumento do Governo diz respeito às comparações internacionais. Num seu documento afirma que «para a função pública em 1994, em França, Espanha e Inglaterra três dos nossos principais parceiros comerciais, se aponta para aumentos de 0 % a 1 %». Também estas referências, mesmo que se venham a verificar verdadeiras, são claramente artificiosas. Não só os salários reais dos trabalhadores nesses países são muito superiores aos portugueses como ainda o nível de inflação é muito inferior ao nosso, ou seja, será em Portugal que se verificará muito maior perda do poder de compra. Temos hoje em Portugal os salários mais baixos de todos os países da Comunidade, incluindo a Grécia e o afastamento é cada vez maior, ao contrário de todas as promessas do Governo e do Primeiro-Ministro.
A política salarial do Governo para a Administração Pública traduz também a sua clara desorientação. Em 1993, os salários aumentaram abaixo da inflação e por isso o Governo, dizendo querer penalizar menos os trabalhadores de mais baixos salários, aumentou-os numa percentagem ligeiramente superior - 5,5 % para os de mais baixo salário e 5 % para os restantes. Em 1994, ano em que a perda seria brutalmente superior, o Governo faz tudo ao contrário e propõe aumentos superiores para os trabalhadores de mais altos salários. Onde está a coerência da política governamental?
Mas também em 1994 se querem aumentar em 2 % os descontos para a Caixa Geral de Aposentações. Com isto, diz-se que se pretende uniformizar com o sector privado. Clara inconsistência e por duas razões: porque os trabalhadores descontam hoje, proporcionalmente, muito mais que o empregador Estado, quando comparado com qualquer outro empregador do sector privado; porque os dois sistemas não garantem os mesmos direitos, por exemplo no serviço público não existe subsídio de desemprego e para ele vai uma verba significativa no sector privado.
Mas, a acrescentar a mais esta incoerência, surge uma dúvida de fundo. O Governo propôs, em sede de Conselho Permanente de Concertação Social, um aumento de 4 % e, nessa base, elaborou o Orçamento do Estado. Nunca falou em qualquer aumento dos descontos, nem em sede de Concertação Social, nem nesta Assembleia da República aquando da discussão do Orçamento de Estado. Então, de duas uma: ou o Governo já pretendia obrigar a este desconto e, então, usou argumentos enganadores em sede de Concertação Social ou, então, já existem, no orçamento da Caixa Geral de Aposentações, os 36 milhões de contos que o Governo agora pretende retirar aos trabalhadores.
Também aqui, e mais uma vez, se verifica o desrespeito do Governo por esta Assembleia da República. Apesar do montante da verba envolvida - 36 milhões de contos-, não aparece qualquer referência na proposta do Orçamento do Estado e esta matéria não foi introduzida durante o debate, nem pelo Governo nem pelo PSD. Este desrespeito vem, aliás, no seguimento, para pior, do que se verificou no debate sobre o Orçamento

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do Estado em 1993. Aqui, à última hora, no debate na especialidade, o Grupo Parlamentar do PSD introduziu uma autorização legislativa para diminuir o valor das pensões de aposentação para os trabalhadores mais recentes da Administração. Fugindo ao necessário debate público, que deveria ter sido promovido por esta Assembleia da República, o PSD substituiu-se ao Governo e apresentou mais uma proposta lesiva dos direitos dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política salarial deste Governo é incoerente, absurda e vai conduzir a uma perda brutal do poder de compra e ao aumento do desemprego. A mesma só pode ser justificada com base numa estratégia puramente eleitoral de apertar o cinto em 1994 para criar uma falsa bolha de prosperidade em 1995, ano das eleições legislativas, e está a conduzir ao agravamento da conflitualidade social e à desmotivação dos trabalhadores em geral e em particular dos trabalhadores da Administração Pública. Em vez de melhorar o funcionamento da Administração, paralisa-a, mesmo em áreas fundamentais como a administração fiscal. Se o Governo se preocupasse mais no combate à fraude e à fuga aos impostos, encontraria aí recursos muito superiores aos necessários para um aumento justo que garantisse, pelo menos, que não haveria perda do poder de compra em 1994, ou seja, um aumento de 6 %.
Tal poderia assim ser feito sem agravamento do défice do Orçamento do Estado. Também esta política não vai beneficiar a competitividade das empresas privadas. Só uma visão do passado pode apostar em manter essa competitividade à custa dos baixos salários, esperando fazer de Portugal a Singapura da Europa.
No entanto, há um modelo social europeu a preservar. E, por isso, no Conselho Europeu de Bruxelas de 10 e 11 de Dezembro passado concluiu-se, com a participação do Primeiro-Ministro português: «Os ajustamentos necessários não devem pôr em causa o nosso modelo de sociedade, assente no progresso económico e social, num nível elevado de protecção social e na melhoria constante da qualidade de vida. A solidariedade deve manifestar-se, em primeiro lugar, entre os que têm trabalho e os que não têm; uma forma de manifestar esta solidariedade consiste em afectar prioritariamente uma parte dos ganhos de produtividade ao investimento e à criação de postos de trabalho, nomeadamente através de uma política de moderação salarial». Veja-se bem: moderação salarial entendida como repartição dos ganhos de produtividade, garantindo assim a não perda do poder de compra, com crescimentos salariais acima da inflação.
Do mesmo modo no Livro Branco Sobre o Crescimento, Competitividade e Emprego e que não pode ser acusado de muito progressista, aprovado por Portugal no mesmo Conselho Europeu, se afirma expressamente: «Nem a redução drástica dos salários nem cortes dramáticos na protecção social para nos alinharmos com os nossos concorrentes dos países em vias de desenvolvimento: socialmente inaceitável, politicamente indefensável, esta solução apenas iria agravar a crise diminuindo a procura interna a qual é, por si só, um factor de crescimento e de manutenção dos postos de trabalho».
Nos custos das nossas empresas pesam mais os encargos financeiros do que os salários. É necessária uma política monetária e cambial que conduza ao abaixamento desses encargos por via da diminuição das taxas de juro. É necessária uma política de crescimento moderado dos salários reais que promova aumentos de produtividade e um crescimento moderado no consumo de modo a permitir o investimento e a promover o crescimento do emprego.
O desafio com que o País está confrontado hoje não é o do miserabilismo do Terceiro Mundo mas o de uma aproximação gradual às condições de vida dos restantes países da União Europeia. Neste quadro é fundamental o papel dos trabalhadores da Administração Pública. A dignificação da sua função, incluindo por via salarial, é uma componente fundamental da modernização da Administração que o País exige. O Governo deve fazer das negociações no sector público um referencial positivo para uma política de rendimentos e de emprego. O Governo tem obrigação de reabrir as negociações salariais na Administração Pública no respeito pela lei e pela Convenção n.º 151 da OIT.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputado Paulo Trindade e José Puig.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, ouvi, com muita atenção, a sua dissertação e a forma como abordou a problemática das negociações para os trabalhadores da Administração Pública, as quais, de facto, são um escândalo, porque o que está em causa, fundamentalmente, para além do problema dos valores, é a negação do direito à negociação num sector que abrange mais de 500000 trabalhadores. Parece que voltámos ao tempo anterior ao 25 de Abril, em que existiam os servidores do Estado, qualificação que os trabalhadores da Administração Pública rejeitam, muito categoricamente, pois esses tempos já passaram. Para o PSD e para o seu Governo parece que ainda não.
De qualquer modo, um dos argumentos falaciosos do Governo, ao apresentar esta chamada «opção zero» para a Administração Pública, é o da estabilidade do emprego. O Governo diz que esta opção é tomada como uma contrapartida à estabilidade de emprego.
Ora, nós sabemos o que se passa por essa Administração Pública fora quanto às listas dos disponíveis, por exemplo. Basta dizer que o reactor do LNETI, o único reactor português de investigação, está assegurado apenas por três operadores, que vão ser colocados em listas de disponíveis e irão, eventualmente, para o QEI, não se sabendo se os investigadores que trabalham nesta área terão de procurar emprego no estrangeiro.
Por outro lado, sabemos que, por toda a Administração Pública, proliferam os recibos verdes e, inclusive, no próprio Ministério da Justiça, recorre-se ao expediente de contratar pessoas, como se se tratasse de pessoal de limpeza, por 277$ à hora, para o exercício de funções administrativas permanentes na Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e no Instituto de Reinserção Social.
Será que um quadro destes, em termos de política de emprego, traduz alguma estabilidade de emprego na Administração Pública? Este é o exemplo dado pelo Governo aos outros patrões?

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O Sr. Silva Marques (PSD): - As próprias centrais sindicais contratam a prazo!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado do Orçamento, segundo o que foi tornado público, referiu que esta proposta não podia ir mais além, porquanto a Comunidade Europeia define anualmente as taxas do produto interno bruto para os países comunitários e, como o Governo português ultrapassou essa taxa em 15 %, teve de pagar à Comunidade mais 30 milhões de contos além do previsto.
Se isto é assim, Sr. Deputado João Proença, gostaria de saber se não considera esta situação um escândalo, porquanto o Governo teria a obrigação de saber disto quando apresentou o Orçamento do Estado a esta Assembleia e, no entanto, escamoteou esses dados.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, o senhor brindou-nos com uma intervenção em que determinados factores relevantes, penso eu, e nisso estaremos todos de acordo, foram pura e simplesmente escamoteados, pelo que vou pedir-lhe um comentário sobre eles.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado referiu-se à questão da moderação salarial como um equívoco ou uma falsa questão e, por isso mesmo, pergunto-lhe por que é que não fomos nós, nenhum Deputado e nenhum governante português, que a inventámos?
Por que é que o último Conselho de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade Europeia recomendou a moderação salarial a todos os países, fazendo, aliás, a referência de que tal era necessário nos países mais desenvolvidos mas também nos menos desenvolvidos, porque nesses é necessário um ganho acrescido em termos de competitividade externa?
O Sr. Deputado considera que estes factores não devem ser tidos, de forma alguma, em consideração, mesmo atendendo aos aumentos de 0% em países mais desenvolvidos, relativamente aos quais precisamos de um ganho e de um esforço acrescido de competitividade externa e sabendo-se, qualquer economista o sabe, que a massa salarial tem algum efeito no controlo da inflação?
Pergunto-lhe por que é que existem tantos especialistas internacionais e comunitários, se o Sr. Deputado chega aqui e, de uma «estocada» só, acaba com todas as teorias e com todos os estudos que são feitos em toda a Europa?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Nesse caso, vamo-nos todos embora! O que é que estamos aqui a fazer?!

O Orador: - De qualquer modo, em relação a esta matéria, coloca-se outra questão.
O Sr. Deputado João Proença ainda se lembrará, nós lembramo-nos bem, do esforço que foi feito e das horas que foram passadas no âmbito da concertação social. E lembrar-se-á bem dos números que estiveram na Mesa, que foram de 4,5 %, bem como do acréscimo de l %, em termos de actualização dos escalões fiscais. É que isso também não foi abordado na sua intervenção.
Assim, gostava de lhe perguntar se, hoje, estão ou não convictos de que a vossa posição foi a mais certa? Fizeram bem? Estão ainda hoje convencidos a ceder a
todas as pressões, que, como todos sabem, foram efectuadas com intuitos políticos, os mais inconfessáveis, uns de fontes partidárias, outros nem por isso? É que os senhores cederam a elas de todas as formas e com toda a força, nomeadamente na central sindical a que pertence. Está convencido de que foi o melhor serviço que prestaram aos trabalhadores que representam? Se calhar, hoje, já não pensam assim.
Sr. Deputado, perante a ausência de concertação social, é óbvio e evidente que a administração central, o Governo, tem de dar um sinal de moderação salarial a todo o tecido económico e tem de começar nas negociações da função pública.
De qualquer modo, a situação e tudo o que envolve a concertação social teria sido completamente diferente se tivessem ido por esse caminho, porque não havia os riscos de conflitualidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Puig, queira fazer o favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Assim, não valem os argumentos de falta de diálogo, de poucas horas, valem outros, valem os argumentos de que, se calhar, quem abandonou a concertação, abandonou-a por interesses que têm pouco a ver com os trabalhadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero apenas colocar-lhe mais duas questões.
Recentemente, no âmbito da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, tivemos uma iniciativa, que durou um dia inteiro, sobre a solidariedade relativamente aos idosos. E o ponto principal da solidariedade que foi defendido lá, por diversos Deputados do Partido Socialista, foi o da solidariedade dos que trabalham para com aqueles que já não trabalham.
No entanto, na prática, quando, aparece algum exemplo dessa solidariedade, que é necessária, porque, se não houver alguma sensatez, há riscos, e o senhor bem sabe, de se entrar num caminho de ruptura financeira do sistema da Caixa Geral de Aposentações, aparecem as maiores críticas. Afinal, onde está o vosso sinal da solidariedade, o vosso exemplo, a vossa prática?
Sobre os salários reais, Sr. Deputado, parece-me que nem vale a pena falarmos. Há 20 anos que vivemos em democracia e, desde 25 de Abril de 1974, os salários reais só cresceram, só aumentaram, em tempos de governos sociais-democratas, em tempos de governos liderados pelo PSD. Se calhar, o Sr. Deputado entende que foi coincidência, se calhar, não, mas a verdade é essa, esses são os factos, interprete-os como quiser.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, já agora, vou começar pela solidariedade com os idosos.

O Sr. José Puig (PSD): - O Sr. Paulo Trindade está primeiro.

O Orador: - Eu escolho a ordem das respostas às perguntas que me são dirigidas.

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A questão da solidariedade com os idosos dá vontade de rir, num ano em que o Governo aumenta as reformas dos idosos 2,5 %, como foi proposto para os aposentados da Administração Pública.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Em termos reais!

O Orador:- Os aposentados da Administração Pública vão perder este ano cerca de 4 % do poder de compra. É a solidariedade do PSD!
Quero dizer-lhe que ouvi com atenção a sua intervenção, mas, infelizmente, diria que o Sr. Deputado não me ouviu. É que eu citei expressamente o Conselho Europeu de Bruxelas, as suas conclusões e o que entende quanto à moderação salarial.
Moderação salarial é discutir os ganhos de produtividade e fazer com que parte deles reverta para investimento e emprego. Moderação salarial é o crescimento real dos salários reais e, quando dizemos que os salários devem crescer ao ritmo da inflação mais a produtividade, é discutir a produtividade.
A grande mistificação do Governo do PSD nos últimos tempos é confundir moderação salarial com crescimento abaixo da inflação e com perda do poder de compra. Mas isso nada tem a ver com moderação salarial.
Eu citei as conclusões da Cimeira de Bruxelas, porque elas são muito claras quanto ao que se entende por moderação salarial.
Relativamente à concertação social, gostava de não fugir à questão que me colocou.
A esse respeito, o Sr. Deputado apresentou dados errados, como, por exemplo, o de que o Governo tinha proposto 4,5 %. É que eu estive lá sempre e nunca ouvi essa proposta, ouvi, sim, a proposta de 4 %. Mas o senhor lá saberá.
O Sr. Deputado perguntou-me ainda qual era a nossa posição relativamente à concertação social e devo dizer-lhe que a posição do Partido Socialista é clara: hoje, em Portugal, não há condições para se verificar uma perda dos salários reais e, no mínimo, deve manter-se o poder de compra. As negociações entre patronato, trabalhadores e Governo, com independência total do patronato e dos trabalhadores, como é evidente, devem ter em conta essa orientação.
Em relação à questão que me colocou directamente, enquanto agente sindical, no sentido de saber se eu estava arrependido de ter assinado, cito-lhe uma declaração de uma conhecida dirigente social-democrata: «Hoje, estaria claramente contra a assinatura do acordo, porque aquilo dos 2 %, que agora aparece em descontos para a Caixa Geral de Aposentações, cheira muito, muito mal, porque ou os 2 % já existiam quando o Governo propunha 4 % e, então, não estava a propor 4 %, estava a propor 2 %, e o Governo devia tê-lo dito, ou não existiam e, então, o Orçamento do Estado está todo errado e esta discussão em termos dos salários da Administração Pública é uma pura mistificação».

Aplausos do Deputado do PS Joaquim da Silva Pinto.

Portanto, sejamos claros.
Era bom que o Sr. Deputado ouvisse os sindicalistas do seu partido, quando entendem que hoje, em Portugal, há condições para se verificar uma perda do poder de compra. E gostava de citar, por exemplo, as posições de sindicalistas do seu partido ou de sindicalistas da FTDC, relativamente ao aumento do salário mínimo nacional.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A página 18 do Avante refere exactamente o contrário do que o Sr. Deputado está a dizer!

O Sr. Paulo Trindade (PSD): - O senhor não sabe ler isso!

O Orador: - Portanto, digo-lhe, claramente, o seguinte: moderação salarial em Portugal, hoje, sim, crescimento dos salários reais e discussão da produtividade para investimento e emprego, sim, mas nunca discussão da produtividade para aumento do lucro dos empresários e sim para aumento do lucro reinvestido das empresas.

O Sr. Deputado Paulo Trindade fez uma intervenção que agradeço e digo-lhe que estou completamente de acordo com as suas preocupações.
Em primeiro lugar, quanto ao direito à negociação, num ano em que se comemora o 75.º aniversário da OIT, é lamentável que Portugal, mais uma vez, não respeite, na íntegra, aquilo que foi uma dura conquista dos trabalhadores deste país, a ratificação da Convenção n.º 151. Portugal ratificou a Convenção n.º 151, sobre o direito à negociação na Administração Pública, mas este ano não houve negociação, houve, sim, uma pseudo-negociação.
Em relação às preocupações quanto à estabilidade de emprego, o Governo costumava dizer que, em Portugal, os trabalhadores da Administração Pública têm uma grande estabilidade de emprego e, por isso, justificam-se mais baixos salários.
Ora, nos últimos tempos, temos vindo a dar conta de que os mais baixos salários são uma realidade mas, quanto à estabilidade, cada vez há mais instabilidade. Tal é o caso dos disponíveis, relativamente ao qual até vemos ministros deste Governo reclamar contra, o que consideramos interessante, mas o Governo continua a não fazer nada em relação à manutenção dessa situação aberrante, que põe em causa o funcionamento da Administração e que se traduz em manter a ameaça dos disponíveis sobre todos os trabalhadores. Tal é o caso do despedimento de contratados a prazo, e sem subsídio de desemprego, diga-se de passagem.
Enfim, trata-se de situações que, realmente, negam a estabilidade de emprego senão mesmo o direito ao emprego.
Quanto ao problema de o Governo entender que são os funcionários públicos que devem pagar o aumento da transferência para o orçamento comunitário, por acréscimo do PIB, quero apenas dizer-lhe o seguinte: a Comunidade ficou muito satisfeita por receber mais dinheiro, o Governo ficou muito satisfeito por pagar mais à Comunidade, porque pode dizer que o PIB português cresceu mais - de um dia para o outro cresceu 15 % - e, portanto, isso foi um feito espectacular. Mesmo que essa situação se traduza no envio de trinta e tal milhões de contos para a Comunidade, isso não importa. O que importa é o grande feito deste Governo de, pela primeira vez, ser introduzida nas contas nacionais esta realidade: que a economia clandestina cada vez é maior. E o que é que significa a economia clandestina? Significa trabalho negro, trabalhadores sem quaisquer condições

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de protecção no emprego ou no desemprego, sem qualquer protecção social ou qualquer garantia quanto ao futuro.
O que seria fundamental, Sr. Deputado, é que esses 15 % de reconhecimento da economia clandestina no PIB se traduzissem em acções efectivas do Governo no combate ao trabalho ilegal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Álvaro Viegas, o Sr. Secretário vai dar conta das escolas cujos alunos e professores encontram a assistir à sessão plenária.

O Sr. Secretário (Caio Roque): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão quatro grupos de alunos das Escolas Secundárias de António Inácio da Cruz de Grândola, de Vendas Novas, de Rio de Mouro e Manuel T. Gomes de Portimão.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, peco-vos a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Viegas.

O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção política dos representantes do povo português faz-se a vários níveis. A Assembleia da República é o órgão que legitimamente fiscaliza o Governo, sendo os Deputados os seus agentes que, além da nobre função fiscalizadora, podem e devem apresentar medidas legislativas que vão Ao Encontro dos Portugueses.
Foi exactamente este o título do livro que o Grupo Parlamentar do PSD escolheu para celebrar um contrato com a população. Esta medida arrojada só foi possível dado entendermos a função de representante do povo português como um trabalho diário de auscultação das necessidades mais prementes das populações. A nossa responsabilidade é redobrada como Deputados eleitos pelo partido que suporta o Governo. Cabe-nos incentivar o Governo a executar as obras que são necessárias. Pelo facto de sermos Deputados da maioria, temos a obrigação de alertar também esta Câmara e os responsáveis governamentais para as carências que ainda persistem na nossa região e no nosso país. Ao Encontro dos Portugueses foi, e é, um documento importante, pois é um compromisso com a população portuguesa.
Em 1995, seremos julgados por aquilo que construímos ou por aquilo que adiámos. Esta aproximação entre eleitores e eleitos é uma opção nossa. Encontramo-nos na segunda metade do mandato para que fomos eleitos e creio ser o momento para se fazer um primeiro balanço ao compromisso inscrito no nosso livro: a conclusão da primeira fase da Via do Infante até ao nó da Guia é, hoje, uma realidade. Quem não está lembrado das «guerras» movidas pelos autarcas do PS, e outros, que, a todo o custo, tentaram atrasar esta grandiosa obra? Que dizer destes senhores que, antes, queriam a estrada o mais a norte possível e que, agora, se queixam que a Via do Infante passa muito distante da sua sede de concelho? Para obviar esta e outras situações caricatas, resta ao Governo terminar a segunda fase o mais rapidamente possível até Lagos, para que todos os algarvios, sem excepção, possam usufruir desta obra que há muito o Algarve ansiava.
Complementarmente, há necessidade absoluta de, rapidamente, se melhorar a EN n.º 270- entre Tavira, S. Brás de Alportel, Loulé e Boliqueime -, assim como se deve pensar muito seriamente em iniciar a auto-estrada Grândola/Algarve.
Outro investimento a louvar é a repavimentação de várias estradas nacionais, dentro do programa PRO-DAC, que possibilitou que algumas centenas de quilómetros de estradas nacionais passassem para a administração municipal, sem quaisquer encargos camarários. Foram muitos milhões de contos postos à disposição das câmaras municipais, as quais não tiveram uma postura moral condizente, pelo facto de reconhecerem, junto das populações, o mérito deste esforço financeiro disponibilizado pelo poder central e acabaram por se vangloriar com obra alheia, mas com ganhos eleitorais nas últimas autárquicas, a que, legitimamente, não tinham direito.
A educação tem tido um forte apoio deste Governo. Senão vejamos: de 1993 até 1996, prevê-se um investimento, no Algarve, de cerca de 6,5 milhões de contos. No nosso livro, apontámos como prioritárias a construção de oito escolas básicas e estão concluídas ou em fase de execução cinco destas escolas; previmos a construção de seis escolas C+S e todas estão concluídas ou em fase de conclusão; das três escolas secundárias previstas, a Escola Secundária da Penha, em Faro, está quase concluída, a de Loulé vai iniciar-se no presente trimestre e o colégio privado de São Brás de Alportel vai sofrer obras que o irão transformar em mais uma escola secundária; e o investimento na Universidade do Algarve irá ultrapassar, este ano, l milhão de contos.
Uma aspiração legítima dos louletanos é a criação de um pólo universitário vocacionado para a área desportiva. A cidade de Loulé possui infra-estruturas desportivas invejáveis que vão desde três campos de futebol - dois deles relvados -, complexo de piscinas cobertas, pista de atletismo, pista de ciclismo e, ainda, um parque municipal, que fazem deste concelho um dos melhores do País em equipamento desportivo. Para todos aqueles, e em particular o PS, que anunciaram aos «sete ventos» que o investimento na área educativa iria baixar em 1994, fica aqui a prova evidente da falsidade dos seus argumentos.
No âmbito da segurança social, no apoio à construção de lares e centros de dia, o investimento foi além das previsões: dos quatro lares e centros de dia previstos no nosso livro, em Olhão, Faro, Lagoa e Loulé, todos estão concluídos ou em fase de construção. Além destes, salientamos a construção dos centros de dia de S. Bartolomeu de Messines, Lagos, Alte, Silves e Portimão.
É de salientar também a construção de novos centros de saúde, como os de Loulé, Tavira, Albufeira, Lagos, Azinhal, Estombar e Silves, como resposta a um dos problemas que mais preocupa os algarvios e os muitos milhões de turistas que nos visitam.
Também na cultura não posso deixar de, nesta Câmara, demonstrar toda a minha indignação em relação às obras efectuadas na Fortaleza de Sagres. Já tive oportunidade, através da figura regimental do requeri-

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mento, de protestar junto da Secretaria de Estado da Cultura sobre esta questão. Este sentimento é partilhado por toda uma população que assiste atónita a estas obras que desvirtuaram um local com a sua dimensão histórica.
Também na justiça se deram passos importantes para a modernização das infra-estruturas judiciais, assim como a construção de novos tribunais e o lançamento de concurso público para outros, como é o exemplo de Loulé e Portimão.
Por último, parece-me importante que, de uma vez por todas, se arranque com a construção do porto de abrigo de Quarteira, dado ter havido um compromisso para com a população e ser urgente e necessário para todos os cidadãos que se dedicam à actividade piscatória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela leitura atenta do livro Ao Encontro dos Portugueses, é possível concluir que mais de 60 % das obras prometidas estão já executadas ou em fase de conclusão. Creio que temos razões para estarmos satisfeitos com a taxa de execução do nosso plano, inscrito no livro Ao Encontro dos Portugueses.
Estão, pois, o Grupo Parlamentar e o PSD, no seu todo, de parabéns, mas, sobretudo, o povo português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Viegas, meu patrício e amigo, quero dizer-lhe, com a máxima sinceridade e dentro do espírito que é comum entre nós algarvios, que o seu discurso me deixou bastante apreensivo, porquanto me pareceu ter ficado V. Ex.ª pela árvore e não ter visto a floresta. Pareceu-me ter-se esquecido das graves crises que os algarvios estão a sofrer, independentemente da referência que fez- não podia ser de outra forma - a alguns investimentos que se estão a realizar no Algarve, muitos deles incorrectamente. E se não foram cometidos maiores crimes de lesa-pátria, tem de dizer-se que foi porque o povo do Algarve reagiu contra eles e as autarquias sustentaram esse realismo da população algarvia.
Isto para lhe dizer - novamente vem à colação a questão da Via do Infante que se há processo em que me envolvi profundamente foi exactamente este. E se ele não foi um maior atentado, tem de dizer-se que tal aconteceu por mérito da população do Algarve e de muitos dos autarcas daquela província. Caso contrário, a esta hora, o arrependimento seria muito maior.
Falando de outras iniciativas e de outras obras que lá estão a acontecer, V. Ex.ª esqueceu-se de dizer, relativamente ao caso das escolas e dos centros de saúde, que os investimentos que estão a ser feitos são partilhados pelas autarquias algarvias. Se fizermos as contas à comparticipação financeira das autarquias, aos terrenos que elas doam e às infra-estruturas que realizam, verificamos que essa participação é superior a 50% do custo final dessas mesmas obras- e demonstro-o quando quiser -, designadamente no que tem a ver com os centros de saúde e com as escolas. É pena que, quando fala na saúde, não invoque a situação que se vive no Hospital de Faro e no Hospital de Portimão. Era bom que passasse por lá para ver a situação das urgências, a situação daqueles que precisam de ser tratados e a forma como com eles procedem, pois gostaria de o ter ouvido naquela postura que o Sr. Deputado tem por timbre em muitas ocasiões.
Dou como nota positiva a sua referência ao atentado que está a ser realizado na Fortaleza de Sagres, o que é evidente. Quem não o quiser ver, não é porque seja cego mas porque não quer mesmo ver! Tenho pena que essas situações sejam um reflexo, que tenham de ser denunciadas nesta Casa têm-no sido por muitos de nós- e que, infelizmente, não nos oiçam, nem queiram aceitar da nossa parte um contributo útil para estes casos.
A questão que lhe coloco é a seguinte: acontecendo todo este investimento e não estando tal previsto no Quadro Comunitário de Apoio até ao final do século, porque não adoptamos uma postura firme no sentido de que a auto-estrada para o Algarve vá mesmo até ao Algarve e não fique somente em Grândola?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Viegas.

O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fialho Anastácio, caro amigo, quero agradecer-lhe as questões que me colocou e começaria por responder às que me parecem mais importantes.
V. Ex.ª referiu que o meu discurso o deixou apreensivo, mas entendo que não terá razões para tal porque, quando ganhou as eleições em 1991, o PSD teve oportunidade de celebrar um compromisso com a população algarvia, tendo estabelecido uma meta para quatro anos. Isto é, dissemos à população algarvia que havia muitas obras que era necessário executar e que teríamos quatro anos para fazê-las. Ora, estamos a um pouco mais de metade do mandato e creio que podemos congratular-nos por já estarem executadas mais de 60 % do que foi inscrito nesse livro como sendo promessas do PSD para com os algarvios. Assim, penso que não há razão para quer o Sr. Deputado quer a população algarvia estarem apreensivos com o Governo do PSD.
Quanto à crise, Sr. Deputado, respondo-lhe que, desde que há eleições autárquicas, a larga maioria das câmaras municipais do Algarve são de presidência socialista. Ora, o Sr. Deputado, que já foi presidente de uma câmara socialista, sabe muito bem que muito do que hoje existe de mau no Algarve também se deve aos autarcas socialistas porque, durante muitos anos, foram quem definiu a estratégia para o Algarve em termos de ocupação turística, hoteleira e de habitação. Daí que uma grande fatia de responsabilidade pelo que hoje se apelida de «caos urbanístico do Algarve» caiba aos senhores que lá estiveram à frente das câmaras e ainda hoje continuam, visto que de 16 câmaras municipais ainda detêm 10 ou 11.
Penso que é esta a grande responsabilidade do Partido Socialista...

O Sr. Fialho Anastácio (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Sr. Deputado, a Via do Infante foi muito discutida nesta sede, e é bom lembrar que também se verificou um grande boicote a esta via por parte de muitos autarcas do Partido Socialista: tudo fizeram para que a construção se atrasasse e não fosse o que hoje é uma realidade. E dou-lhe um exemplo de um autarca

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socialista que teve esta atitude: o actual Presidente da Câmara de Loulé queria que esta estrada passasse muitos quilómetros a norte da sede do concelho. Hoje, porque ela passa a sul, queixa-se de que a estrada está muito distante da sede do concelho. Por aqui pode ver o que é uma contradição em termos de posições.
Relativamente à comparticipação, é óbvio, Sr. Deputado, que o Governo cumpre com o que promete às populações. De facto, prometeu a construção de novas escolas, de centros de saúde, etc. No entanto, hoje em dia temos alguns problemas ao nível da saúde no Algarve. É bom lembrar que o Algarve tem uma população permanente de 300000 habitantes que, no Verão, atinge milhões. Penso que esta é uma situação muito característica do Algarve e é por isso mesmo que o PSD quer construir muito rapidamente o hospital distrital do Barlavento, que ainda não existe porque o Presidente da Câmara de Portimão tem feito boicote nos últimos anos.

O Sr. Miguel Relvas (PSD): - Só quer é prédios!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Termino, dizendo que a auto-estrada Lisboa-Algarve é realmente uma necessidade cuja ideia não é exclusiva do Partido Socialista mas também dos Deputados do PSD eleitos pelos círculos do Algarve. Aliás, o PSD inscreveu esta obra no seu livro «Ao Encontro dos Portugueses». Trata-se, portanto, de uma promessa nossa que estamos a estudar e que não só é uma aspiração dos algarvios mas também - e sobretudo - do resto do País, que vai servir-se dela.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Em Junho do ano passado, a Assembleia da República aprovou, na generalidade, um pacote de iniciativas legislativas de diversos partidos sobre várias matérias relacionadas com a necessidade de garantir a transparência da vida pública. Baixaram então à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para debate e aprovação na especialidade, projectos de lei sobre as declarações de rendimentos e de património dos titulares de cargos políticos, sendo objectivo por todos proclamado assegurar o acesso dos cidadãos ao conteúdo das declarações de rendimentos apresentadas e a apresentar.
Passaram largos meses sobre a aprovação na generalidade dessas iniciativas legislativas, mas continua por aprovar uma lei que garanta o controlo público dos rendimentos e do património dos titulares de cargos políticos. Assim, continua vedado o acesso às declarações que são entregues no Tribunal Constitucional, não passando essa entrega de uma mera formalidade sem consequências.
Esta situação tem de ser urgentemente ultrapassada.
O Grupo Parlamentar do PCP considera fundamental que seja rapidamente aprovada uma lei sobre as declarações de rendimentos e de património, a apresentar pelos titulares de cargos políticos, que assegure dois aspectos fundamentais.
Primeiro, que seja garantido o livre acesso de qualquer cidadão às declarações apresentadas, sem ter de invocar qualquer interesse específico e que, consequentemente, possam ser tornados públicos quaisquer elementos constantes dessas declarações.
Não vemos qualquer razão para que não exista em relação às declarações de rendimentos e património dos políticos um regime de total transparência, traduzido na liberdade de acesso e na liberdade de publicitação do respectivo conteúdo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo, que seja aprovada uma disposição que encarregue expressamente a Procuradoria-Geral da República de proceder à fiscalização concreta do conteúdo das declarações.
A real transparência da vida pública implica forçosamente que, a par do livre acesso às declarações de rendimentos, seja consagrada uma fiscalização que não seja meramente formal e inócua. Importa que as declarações sejam analisadas e que sejam retiradas as consequências legais da verificação de quaisquer elementos que indiciem comportamentos ilícitos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As propostas que o PSD apresentou em comissão sobre esta mesma matéria são preocupantes e merecem ser publicamente denunciadas.
O PSD pretende aprovar uma lei que, em vez de assegurar a transparência dos rendimentos e do património dos titulares de cargos políticos, assegure o contrário: a sua inacessibilidade e a proibição prática da sua divulgação.
As propostas do PSD configuram uma verdadeira lei do segredo dos rendimentos e do património dos políticos.
O PSD propõe, em resumo, cinco coisas.
Primeira, que o acesso às declarações de rendimentos e de património, a apresentar no Tribunal Constitucional pelos titulares de cargos políticos, só seja livre por um período de 30 dias após o termo do período estabelecido para a sua entrega.
Segunda, que em nenhum caso seja permitida a reprodução dessas declarações.
Terceira, que a divulgação pública do conteúdo das declarações só seja possível com o consentimento do respectivo titular e sempre na íntegra.
Quarta, que a divulgação não autorizada do conteúdo das declarações faça incorrer o infractor em pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, agravada para o dobro em caso de reincidência, sem prejuízo de indemnização ao «lesado».
Quinta, que se o «infractor» for um órgão de comunicação social, a pena seja de prisão de um a quatro anos.
Estas propostas do PSD constituem um verdadeiro crime contra a liberdade de imprensa e contra a transparência no exercício de funções políticas. O Grupo Parlamentar do PCP opõe-se firmemente à sua aprovação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este quadro será ainda agravado se o PSD insistir em recusar a proposta do PCP de incumbir a Procuradoria-Geral da República de proceder à fiscalização das declarações de rendimentos e se insistir em alargar o dever de apresentar declarações de rendimentos e património a outras categorias de cargos públicos

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(designadamente juizes), visando desfocar o âmbito de aplicação da lei daquele que deve ser o seu objecto essencial: assegurar o controlo público dos rendimentos e do património dos titulares de cargos políticos.
O Grupo Parlamentar do PCP tudo fará para que a Assembleia da República aprove prontamente uma lei que garanta a todos os cidadãos, e a todo o tempo, o conhecimento do conteúdo das declarações de rendimentos e do património apresentadas pelos titulares de cargos políticos. Porque quem não deve não teme e porque a transparência no exercício de funções políticas, que é fundamental em democracia, assim o exige.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia com a apreciação do projecto de resolução n.º 72/VI- Livro branco sobre o sistema fiscal, do PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sistema fiscal português contínua a caracterizar-se pela injustiça, irracionalidade e ineficácia. É um sistema injusto, porque, mesmo não entrando em linha de conta com o peso dos impostos indirectos, por natureza não incentivadores da equidade, tem na sua base o IRS que, só aparente e formalmente, é um imposto progressivo. Na realidade, trata-se de um imposto globalmente regressivo, com efectiva progressividade apenas para os trabalhadores por conta de outrém que não beneficiem de benefícios em bens ou serviços isentos de imposição tributária. Não existe em Portugal um verdadeiro imposto único sobre o rendimento. Existe apenas um imposto único sobre os rendimentos do trabalho.
Quando houve um momento de transparência do aparelho fiscal soube-se, para escândalo generalizado, que, em 1989, apenas 700 famílias haviam declarado rendimentos anuais superiores a 10000 contos. Desde então, a informação tem sido sonegada no que se refere à distribuição totalmente falsificada entre fluxos de pagamentos de impostos e pseudo-fluxos de obtenção de rendimentos. Na verdade, política e socialmente, trata-se de uma questão gravíssima, até agora sem qualquer resposta minimamente satisfatória.
Como aqui afirmou há uns meses o Secretário-Geral do PS, Deputado António Guterres, «é já hoje muito pesada a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e as famílias da classe média. Ao mesmo tempo, vemos com frequência que os que mais evidenciam sinais exteriores de riqueza são os que menos impostos pagam».
Também no que diz respeito ao IRC, a levar a sério as declarações das sociedades, chegar-se-ia à conclusão de que a economia portuguesa estaria em ruínas - muito pior do está, apesar da crise em que as empresas, sectores e regiões estão mergulhadas. Na verdade, quando se constata, em anos não excepcionalmente negativos da conjuntura económica, que metade das sociedades apenas existiriam para gerir perdas, prejuízos, resultados negativos, então, é a credibilidade de todo o sistema fiscal que está atingida.
O imposto sucessório é outra peça decadente do sistema. É público e notório que aqui a discriminação social ultrapassa todos os limites- os bens sujeitos a registo, independentemente dos patrimónios e rendimentos dos que a eles têm direito, são tratados sem dó nem piedade. Quanto aos depósitos ou títulos, os esquemas são fáceis e são os menos informados que acabam por ser atingidos. E assim grandes fortunas transmitem-se sem pagamentos de impostos, enquanto os pequenos patrimónios imobiliários são quase expropriados.
O sistema fiscal português é irracional porque não promove nem estimula o investimento produtivo, o risco, a igualdade de oportunidades entre agentes económicos. Pelo contrário, agudiza a tendência para o oportunismo, para a especulação, para a esperteza no curto prazo, infelizmente, em Portugal, cada vez mais substituta da inteligência estratégica. O que se passou no nosso país com o IVA, em 1993, quando as regras do jogo mudaram e essa mudança gerou perdas enormes de receitas, mostrou que a racionalidade fiscal dependia das fronteiras. Que, quando caem fronteiras para as mercadorias, a lógica do «vale tudo», totalmente contrária à racionalidade económica, totalmente oposta ao prémio aos melhores e ao risco, passa a imperar. Ao conciliar a injustiça, ao pactuar com a irracionalidade, falseia-se a concorrência, premeia-se quem prevarica, ataca-se quem cumpre ingenuamente o dever fiscal, entendendo-o como obrigação social de cidadania.
O sistema fiscal é ineficaz. Dificilmente poderia deixar de o ser, a partir da certeza da sua injustiça e irracionalidade. O buraco orçamental de 1993 que, mesmo oficialmente, só em parte foi assumido em relação directa com a recessão, aí está para o provar. A máquina fiscal gripou, em parte por incompetência política do Governo, em parte porque o sistema que gere fomenta a incapacidade.
A atitude do Estado perante a grave situação descrita é injustificável. O Estado responde à injustiça fiscal com o conformismo, à irracionalidade com o incentivo a essa mesma irracionalidade, à ineficácia com a irresponsabilidade. A atitude do Estado em face do pântano fiscal fomenta uma cultura de amoralidade na cidadania, estimula a evasão e a fraude, penaliza empresas e cidadãos preocupados com o cumprimento das leis portuguesas. O caso das facturas falsas é a todos os títulos paradigmático.
E, neste contexto, em desespero de causa, quando o descontrolo se instala, o Estado actua de fornia também claramente injusta e irracional, donde só resulta ineficácia a mais ou menos médio prazo. Aí estão os avanços e recuos em certos benefícios fiscais fomentadores da poupança para o exprimir. Aí está o incrível aumento do preço da gasolina sem chumbo para o demonstrar. Aí está a inconcebível atitude de desprezo pelo direito à manutenção do poder de compra dos trabalhadores da Administração Pública para o provar. Aí está a cumplicidade em relação à campanha a favor da agudização da crise para favorecer o desmantelamento do sistema de segurança social público para o explicitar.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É altura de, em Portugal, fora do quadro do debate orçamental,

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onde fatalmente são as perspectivas e políticas macro-económicas as rainhas, se proceder a uma discussão séria sobre a situação e as perspectivas do sistema fiscal português. A OCDE parece também estar preocupada com as tendências prevalecentes nos últimos anos de concorrência entre os países através do desagravamento fiscal competitivo sobre o capital. As ideias contidas num recente relatório podem indicar o retorno a preocupações de equilíbrio entre equidade e eficiência. Em Portugal, é urgente o esclarecimento público das perspectivas existentes em relação ao futuro dos impostos sobre o rendimento, ao papel das diferenciações de património, à proporção dos impostos indirectos, às necessárias alterações de financiamento da segurança social pública, condição indispensável à sua manutenção como base essencial de solidariedade e progresso social.
A Assembleia da República deve estar «no pelotão da frente» destes debates. A Assembleia da República pode e deve fomentar alternativas e reformas da fiscalidade. Mas a Assembleia da República tem que reivindicar para isso os meios e as condições básicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste projecto de resolução há um mandato que é fornecido à Comissão de Economia, Finanças e Plano e há uma obrigação a que o Governo fica desde já sujeito: a de responder posteriormente a esta Comissão, fornecendo elementos de base que permitam desenvolver um estudo sobre os impostos em Portugal. A discriminação actualizada dos impostos pelas classes de rendimento e património de quem os paga- objectiva, no caso dos impostos directos, por estimativa, no caso dos indirectos, constituirá elemento fundamental. Também a informação existente sobre a fuga e a evasão fiscal (em que impostos se verifica, em que dimensões, por que razões, beneficiando que tipo de contribuintes) pode e deve ser feita, com absoluto respeito pelo segredo judicial e estatístico.
Na posse destes dados de base, a Comissão de Economia, Finanças e Plano pode, de forma consensual, construtiva e participada, funcionar com um fim nobre, definindo um conjunto de questões a estudar aprofundadamente por entidade independente a escolher por concurso público, como mandam as regras da transparência.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Saber quais as principais disfunções do actual sistema fiscal, de forma quantificada e séria constitui uma óbvia necessidade nacional.
O Governo já mostrou, por intermédio do novo Ministro das Finanças, a sua insatisfação, a sua preocupação, algum descontentamento e dúvida sobre o funcionamento do sistema fiscal português. Mas é esta Assembleia que tem, constitucionalmente, o direito e o dever de debate e aprovação dos Orçamentos do Estado e das alterações consequentes ao sistema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Batemo-nos, pois, para que a democracia funcione e para que sejam fornecidas aos Deputados as condições para poderem conscientemente cumprir o seu dever.
Isso depende, em primeira e última análise, de esta Assembleia querer assumir os poderes que lhe são não só outorgados mas exigidos.
Srs. Deputados, se aprovarmos este projecto de resolução, estaremos a demonstrar ao País o inconformismo e a determinação indispensáveis para responder àquilo que os portugueses querem: um sistema fiscal que sirva o desenvolvimento económico, a igualdade de oportunidades e a justiça social. Um sistema fiscal que, embora não mitificando o papel do Estado, permita que este cumpra a sua parte no progresso e na coesão de Portugal.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Rui Carp e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, do ponto de vista global, o CDS-PP encara de forma positiva a iniciativa do Partido Socialista. Aliás, o sentido mais vasto desta iniciativa ainda poderia ter outras justificações para além daquelas que o Sr. Deputado referiu.
Estão passados cinco anos sobre a reforma da tributação directa e, tal como o Sr. Deputado disse, há indícios negativos sobre a aplicação desses novos impostos. Mas, mais do que isso, há indícios muito seguros de que a Comunidade vai, enfim, avançar em matéria de harmonização da tributação directa. De facto, os respectivos estudos estão a avançar e, quanto à parte em que pude participar nos mesmos, tudo aponta para que, se aquela harmonização avançar, as leis portuguesas terão de ser modificadas em muitos aspectos, nomeadamente nalguns dos pontos sensíveis que focou, mas, sobretudo, no domínio do IRC. E é tudo mudanças para melhor, do meu ponto de vista.
Assim, justifica-se que se faça um balanço da reforma fiscal.
Concordo com o Sr. Deputado no que diz respeito, em primeiro lugar, aos dados que faltam à Assembleia da República.
A Assembleia da República tem reserva de competência em matéria fiscal. Bem se sabe que, tradicionalmente, os governos têm «expropriado», em nome da técnica, essa reserva de competência mas não há justificação para que o Parlamento não possua os dados de base sobre o funcionamento do sistema.
Aliás, ao que o Sr. Deputado referiu, eu próprio acrescentaria a necessidade de conhecermos os rendimentos que correspondem a cada categoria de IRS, a percentagem do imposto total imputável a cada categoria, o cruzamento das classes de rendimento com a percentagem de imposto que lhes corresponde, o apuramento da taxa média de IRS em relação a cada categoria- este último já seria uma decorrência dos outros. Penso que se dispuséssemos de todos estes dados teríamos algumas surpresas. E ainda acrescento a necessidade de um último dado - aliás, o Sr. Deputado já o refere na sua intervenção que é o dos quadros da repartição do rendimento e sua evolução desde 1986.
Repito que se dispuséssemos de todos estes dados, veríamos que os efeitos do sistema fiscal sobre a distribuição do rendimento, hoje, são exactamente os mesmos, se não piores, que os verificados no momento em que se decidiu fazer a reforma.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

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O Orador: - Sr. Presidente, peco-lhe uma tolerância quanto ao tempo de que disponho para formular o pedido de esclarecimento, dado que vou prescindir da minha intervenção.
Mas, de facto, não estamos de acordo, e pedimos ao PS que repense a forma que escolheu.
Em primeiro lugar, já o dissemos aqui, não podemos aceitar que por «informação relativa à fuga e evasão fiscal» se possam entender os processos individuais. Creio que a referência feita pelo Sr. Deputado à necessidade de manter o segredo judicial indicia que entre esses dados que pretende que a Assembleia conheça estão os processos individuais.
Ora, entendo que isso é, de todo em todo, inaceitável. No entanto, aceito informações abstractas sobre o número de processos iniciados e concluídos, a evolução dos níveis de conflitualidade desde que a reforma foi estabelecida, em particular no último ano e neste de 1994, que também trarão dados alarmantes.
Em segundo lugar, não concordo com a ideia de uma entidade independente. O que é uma entidade independente, para fazer este estudo ligado ao Parlamento? Está o Partido Socialista a pensar numa grande auditora internacional? Tal é inaceitável porque isso traria uma enorme distorção da concorrência e não teria significado irmos buscar uma entidade que está no mercado e presta serviços para conhecer todo este material. O que pode ser, pois, uma entidade independente? Uma universidade? Será difícil encontrar uma única universidade que se possa encarregar de um trabalho deste tipo. A única coisa que podemos fazer, julgo, é pedir a criação de uma comissão, semelhante à comissão da reforma fiscal, com universitários, técnicos e funcionários. Só uma comissão com uma composição desse tipo pode fazer um trabalho útil.
Pergunto, pois, ao Partido Socialista se, de facto, este caminho não seria melhor e se não poderemos salvar os objectivos com uma forma relativamente modificada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira para, nos mesmos termos em que o fez o Sr. Deputado António Lobo Xavier, pedir esclarecimentos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, inicio este pedido de esclarecimento afirmando que concordamos com o projecto de resolução hoje em discussão e que o apreciamos positivamente. Creio ser necessário, de facto - já tarda, aliás-, um conhecimento profundo da real situação do sistema fiscal em Portugal. É preciso esse conhecimento, para além dos conhecimentos particulares que cada um vai tentando adquirir, alguns melhor, outros pior. Lembro-me, por exemplo, das análises que têm vindo a ser feitas neste campo pelo Dr. Medina Carreira.
Para além desse esforço individual não nos esqueçamos que também as pessoas que procuram fazer estas coisas se debatem com dificuldades de acesso às fontes de informação-, é necessário que se conheça com a maior profundidade, com a profundidade possível, a real situação do sistema fiscal em Portugal.
Por conseguinte, parece-nos útil e necessário que se avance com medidas deste género. As questões de especialidade, como a levantada há pouco pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier sobre a entidade independente, poderão ser «afinadas» na própria Comissão de Economia, Finanças e Plano, se o Plenário aprovar este projecto de resolução, o que, espero, aconteça, pois o interesse que suscita a necessidade dessa aprovação é global, do País.
Ultrapassando essas questões, que podem ser de relativo pormenor, parece-me essencial que se aprofunde esta matéria e se obtenham os elementos.
O Sr. Deputado Ferro Rodrigues teve oportunidade de referir os anacronismos que ainda continuam a existir no nosso sistema fiscal. Referiu, por exemplo, o imposto sobre sucessões e doações, cuja existência considero ser, neste momento, apenas na perspectiva de tentar fazer crer que existe em Portugal um imposto sobre o património ou a riqueza que não existe. O imposto sobre sucessões e doações, de facto, é o que V. Ex.ª referiu, e pouco é.
Da nossa parte, não há qualquer problema em acabar com o imposto sobre sucessões e doações, precisamente porque, com ele, pretende-se fazer crer que existe um imposto sobre o património e sobre a riqueza que não existe. Propomos não só fazê-lo desaparecer mas também criar um imposto, que exista, que seja real e efectivo, sobre o património ou a riqueza, como existe, aliás, em outros países da própria Europa comunitária.
A existência do imposto de selo é também um anacronismo total. É evidente que o imposto de selo não pode, pura e simplesmente, acabar. Isto implica e exige - e vai ao encontro, se bem percebi a intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, da problemática colocada pelo Partido Socialista no seu projecto de resolução- uma reformulação (para não lhe chamar reforma, porque alguns dos Srs. Deputados podem ficar assustados com essa designação) do sistema fiscal português. A verdade é que não se pode acabar, por exemplo, com o imposto de selo, pura e simplesmente, e deixar de obter toda aquela receita. Mas obter a receita do imposto de selo tal como acontece neste momento é um anacronismo total, é mais uma injustiça que existe no nosso sistema fiscal.
Qualquer pessoa é incapaz de negar que o próprio imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que apareceu como sendo um imposto único sobre o rendimento, é apenas um imposto sobre os rendimentos do trabalho, ou melhor, sobre os rendimentos do trabalho dependente, e nada mais. Imposto único sobre o rendimento das pessoas singulares, neste momento, em Portugal, não existe. Aliás, o próprio IRS está a ser transformado numa «manta de retalhos», que foi um dos objectivos que se pretendeu impor com o imposto único.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, pergunto-lhe se não se pode integrar neste projecto de resolução - e admito que possa já estar incluído no parágrafo que respeita à definição de «(...) um conjunto de questões a abranger por intermédio de um estudo aprofundado a realizar por uma entidade independente» a análise da própria organização da administração fiscal em Portugal, relacionando isto com o problema da evasão e da fraude fiscais.
Como é sabido, uma das causas do enorme crescimento da fraude e evasão fiscais deve-se ao que os governos, recentemente, têm feito à administração fis-

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cal: transformaram-na num verdadeiro caos, que nada fiscaliza, não por culpa dos trabalhadores mas, sim, da desorganização introduzida na administração fiscal por medidas do Governo completamente erradas e ao arrepio de qualquer tendência ou intenção de melhorar a fiscalização, no âmbito da política e da justiça fiscais.
Aliás, há um aspecto importante que gostaria de realçar: o que se relaciona com os elementos a requerer ao Ministério das Finanças. Em 6 de Maio de 1993 - há quase um ano-, na qualidade de Deputado, formulei um requerimento ao Ministério das Finanças a solicitar esses elementos. Até hoje, estou à espera. Já voltei a colocar a questão à anterior Secretária de Estado-Adjunta e do Orçamento (agora, Ministra da Educação), aquando do recente debate do Orçamento do Estado, e o Governo continua a recusar-se a fornecer esses elementos.
Esta é mais uma característica da posição que o Governo tem em relação a essas matérias: julga que são propriedade do Governo! Ora, eu nem sequer pedia- e isso também não acontece no projecto de resolução apresentado pelo Partido Socialista- elementos que pudessem ser considerados secretos. Quando fiz a elencagem dos elementos que pretendia que o Governo me enviasse utilizei a Revista de Ciência e Técnica Fiscal, onde apareceu, há uns anos atrás, um artigo de um jurista que trabalha no Gabinete de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças. Esse jurista colocou nesse artigo todos os elementos para 1989, quer do IRS, quer do IRC. Portanto, são elementos que podem ser tornados públicos. Os elementos relativos a 1989 foram tornados públicos através desse artigo, mas à Assembleia da República e aos Deputados o Governo recusa-os. Isto é inadmissível.
Em síntese, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, gostaria que me respondesse à questão sobre a integração, neste projecto de resolução, de toda a problemática da organização do sistema da administração fiscal, em termos da fiscalização.
Termino reiterando o apoio do meu grupo parlamentar e o nosso voto favorável a este projecto de resolução apresentado pelo Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, este projecto de resolução faz-me lembrar aquelas pessoas que têm de oferecer um presente e, como não têm que dar, fazem um embrulho muito bonito, com um papel lindíssimo, com uma fita e um belo laço, mas dentro do embrulho nada há.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É uma boa imagem!

O Orador: - É precisamente isso que W. Ex.ª têm: o «embrulho» é muito bonito porque tem vários parágrafos, critica o sistema fiscal - não há coisa mais popular em qualquer país do que criticar o sistema fiscal, ninguém gosta de pagar impostos e desde que se diga mal dos impostos já se colhe popularidade -,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Só que há os que não pagam e os que não podem deixar de pagar!

O Orador: - ... depois, mostram «o embrulho e o laçarote» bonitos ao dizerem que vão avançar com um «livro branco sobre o sistema fiscal». O vosso objectivo é talvez o de enegrecer o sistema fiscal, portanto seria antes a existência de um «livro negro» que VV. Ex.ªs propõem. É isso que querem.

Vozes do PS: - Boa ideia!

O Orador: - Os Srs. Deputados querem dizer o seguinte: «isto está mau, por isso vamos fazer uma coisa branca, pura, casta».
Na verdade, o Partido Socialista não tem muita perdoem-me a expressão- moral para falar num sistema fiscal perfeito, porque não é preciso ter uma memória excepcional nem ser um fiscalista conceituado, profissional, para se saber o que era o sistema fiscal até 1986, até à entrada em vigor do IVA, do imposto sobre o rendimento, até à alteração das outras taxas, designadamente as que beneficiavam os fundos de serviços autónomos.
Se este sistema fiscal merece aperfeiçoamentos - é natural e é para isso que aqui estamos todos os anos a discutir o Orçamento do Estado -, tal não significa que o sistema que existia era melhor. Não há qualquer dúvida de que se hoje temos um sistema fiscal onde as pessoas, relativamente, pagam menos do que pagavam há 10 anos, é porque o sistema fiscal, hoje, é bem melhor do que o que herdámos do regime de sistema fiscal socialista. Mesmo quando os senhores falam da segurança social, basta que nos lembremos da «selva» que eram as contribuições para a Previdência, para o Fundo de Desemprego, as outras taxas, a taxa de fundo de socorro social, e te., para sabermos o que era a fuga fiscal.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Com efeito, VV. Ex.ªs, na parte susbtancial do projecto de resolução, limitam-se a mandatar a Comissão de Economia, Finanças e Plano a requerer elementos, como se ela não tivesse já essa faculdade e como se o Governo não tivesse apresentado uma vasta documentação e informação sobre o sistema fiscal como, aliás, a oposição o reconheceu, ainda durante o último debate orçamental -, nem tivesse reconhecido, em 1993, que algo correu mal em matéria de cobrança fiscal, nem manifestasse já a preocupação de, em matéria fiscal, procurar a harmonização com as normas vigentes na Comunidade Europeia, como ainda há pouco muito bem disse o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
Gostaria, por último, de referir um aspecto perigosíssimo que está subjacente ao vosso projecto. VV. Ex.ªs querem - como muito bem alertou o Sr. Deputado António Lobo Xavier - colocar entidades privadas, que designam de independentes, a fazer a pesquisa, a investigação e, porventura, até a divulgação, em termos de distorção de concorrência, dos elementos dos contribuintes que existem na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, não considerando aspectos como o segredo e o respeito pela confidencialidade consignados no sistema fiscal português. Isso é gravíssimo! VV. Ex.ªs, no fundo, subjacentemente a este projecto, pretenderiam aplicar normas que colocariam em crise grave o princípio do sigilo que qualquer sistema fiscal deve considerar em tudo o que respeite aos seus contribuintes.
Portanto, alertamos: este projecto de resolução, com um belo «embrulho», vai ser rotundamente recusado por

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nós, porque temos respeito pelos cidadãos e pelos contribuintes, coisa que os senhores não têm, como bem se provou quando foram Governo, pois muito prometeram e nada fizeram em matéria de equidade e de justiça fiscal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer aos três ilustres Deputados que me colocaram questões. Começaria por responder ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, agradecendo-lhe a introdução e, sobretudo, o levantamento do tema relativo ao novo processo de harmonização fiscal, agora em articulação com a tributação directa vigente na Comunidade Europeia. Agradeço-lhe ainda por ter reconhecido o aspecto mais saliente deste debate: a falta de dados por parte desta Assembleia, que se deve exclusivamente à vontade política do Governo de os sonegar, o que, aliás, é sentido por todos os Deputados de todos os partidos que como nós têm como missão um dever que não tem nada a ver com o de dar apoios em branco ao Governo.
Quanto às suas sugestões sobre as questões que também deveriam estar consideradas no âmbito deste processo, são todas muito correctas e positivas, mas estão abrangidas na metodologia que é proposta pois, como terá reparado, a metodologia proposta faz, exactamente, da Comissão de Economia, Finanças e Plano o lugar de identificação de todas as questões, tendo-se, propositadamente, criado essa liberdade de manobra e de participação de todos os Deputados e de todos os grupos parlamentares sensíveis a este problema.
Também não posso estar mais de acordo com V. Ex.ª quando refere a necessidade de análise da evolução da repartição do rendimento. Efectivamente, poderíamos tirar conclusões interessantes como por exemplo a de que, nestes anos de governação PSD e depois da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, a parte do trabalho no rendimento nacional decresceu. Uma outra conclusão interessante tem a ver com o rendimento disponível das famílias. De facto, depois de pagas as contribuições para a segurança social e os impostos sobre o trabalho por conta de outrem, os salários representam uma parte altamente minoritária do que fica disponível para optar entre o investimento e a poupança.
Assim, Sr. Deputado, tendo em atenção a questão que coloca como entrave a uma possível aprovação do projecto por parte do CDS, posso dizer-lhe que sou sensível à sua argumentação e julgo que é perfeitamente possível pensarmos numa hipótese de uma comissão pluridisciplinar que tenha as funções deste tipo de organização a quem se iria encomendar este processo. No entanto, gostaria de salientar que não estou de acordo com os problemas eventuais de segredo estatístico ou jurídico, porque entendo que não têm nada a ver com esta problemática, até porque não estão considerados no texto do projecto. Só quem não leu o projecto, provavelmente como o Sr. Deputado Rui Carp, ou quem fez uma interpretação pouco correcta das palavras que leu, é que pode trazer esse fantasma à colação.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, também lhe agradeço a sua apreciação positiva. Efectivamente, a análise da organização da administração fiscal é um aspecto importante para que este pacote fique completo e para que, além de se saber quem paga o quê, se possa saber como é controlado quem paga o quê. Obviamente que não há da nossa parte o menor impedimento a que conste também dessa encomenda global o aspecto da inventariação e a análise do funcionamento da administração fiscal.
Devo dizer que realmente é um escândalo que o Ministério das Finanças não tenha dado resposta ao Sr. Deputado Octávio Teixeira como, aliás, também nunca deu aos Deputados do PS que, ao longo dos anos, têm vindo a colocar questões sobre estas matérias essenciais para a assunção do papel de Deputado. O desprezo por esta Assembleia da República de que o Governo dá mostras, cada vez que não responde a uma questão tão fundamental como a da articulação entre a distribuição dos rendimentos e a distribuição dos impostos pagos, é uma demonstração da forma como encara a democracia e esta Assembleia da República.
Sr. Deputado Rui Carp, obviamente, não há nada que viole o sigilo nem judicial nem estatístico. Só uma pura desonestidade intelectual ou política é que pode levar a recorrer a argumentos deste género. É evidente que neste debate verificou-se bem quem é que fez o papel de «embrulho» e não posso deixar de dizer que, de facto, não é fácil enegrecer o sistema fiscal, porque ele já está bastante negro. E se o Sr. Deputado, para defender a sua bancada, teve de se socorrer de questões já tratadas há 10 ou 12 anos atrás, é sinal que o PSD «perdeu» o debate!

Aplausos do PS.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de exercer o direito de defesa da honra, dado que foram feitas aqui afirmações que me acusam de desonestidade e de que não li o projecto de resolução que estamos a debater.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dar-lhe-ei a palavra para esse efeito no fim do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É esta a primeira vez que uso da palavra após ter reassumido o mandato de Deputado. Consinta-me assim, Sr. Presidente, que lhe apresente as minhas cordiais saudações, obviamente extensíveis a todos os Srs. Deputados.
Começarei por afirmar, sem qualquer receio de ser desmentido, que a substituição do imposto de transações pelo imposto sobre o valor acrescentado e a reforma fiscal de 1989 constituem uma reforma estrutural muito importante, por ser muito complexa e corajosa.
A intervenção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, para além de estar desfocada da realidade, pecou por omissão, pois faltou ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues defender, desta tribuna, a injustiça fiscal da reforma dos anos 50. Com efeito, em 1988, já não era a reforma fiscal do Professor Teixeira Ribeiro.

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O projecto de resolução do Partido Socialista tem, a meu ver, conexão com a quebra da receita fiscal ocorrida em 1993. A esse propósito, já se realizou no Parlamento, ao tempo da discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1994, um aprofundado debate, mas alguns dos Srs. Deputados seguramente já esqueceram aspectos essenciais do mesmo. É claro que a quebra da receita fiscal ocorrida em 1993 foi preocupante mas não podemos transformá-la num drama nem fazer entender que, porventura, o sistema fiscal não está sob controlo.
Os Srs. Deputados sabem que os países mais desenvolvidos da União Europeia viveram, em 1993, a maior recessão desde os anos 30; que Portugal é uma pequena economia aberta e que, em 1993, por força da entrada em vigor do Mercado Único, ocorreu também a abolição do controlo alfandegário das mercadorias provenientes dos países comunitários, potenciando-se assim as condições para o não pagamento do IVA. E todos sabemos que, no âmbito da União Europeia, houve um atraso no arranque do Programa VIÉS, que visa exactamente o controlo das transacções intracomunitárias. É claro que, no plano interno, se verificou uma legítima maior utilização dos benefícios fiscais em paralelo com um aproveitamento indevido dos benefícios fiscais, cujas condições de controlo eram insuficientes. Foram estas as causas da quebra da receita fiscal em 1993.
Perante a ocorrência, o Governo não teve uma atitude passiva e também os Srs. Deputados dos partidos da oposição conhecem as medidas que o Governo adoptou no sentido de corrigir esta situação e obviar a que ela pudesse, eventualmente, repetir-se. Assim, foram intensificadas as acções de fiscalização e só no ano de 1993 foram desencadeadas mais de 100000. Por outro lado, está a ser feito o acompanhamento sistemático das empresas que mais contribuem para a receita, e o fisco arrecadou cerca de quatro milhões de contos em resultado da aferição das declarações dos 360 contribuintes com maiores rendimentos. Está também a ser feito o cruzamento de informações entre as declarações de rendimentos que as empresas pagam aos seus trabalhadores com o que os próprios trabalhadores declaram.
Os Srs. Deputados não desconhecem também que foram limitados alguns benefícios fiscais, cujo acesso era de mais difícil controlo. Mas, porque estão decorridos cinco anos sobre a reforma fiscal, que todos nós pretendemos atinja o objectivo essencial da justiça fiscal, o Ministério das Finanças criou uma comissão que está encarregada de elaborar, em prazo muito curto, estudos profundos do sistema fiscal português, por exemplo, na área das deduções e abatimentos para efeitos de IRS, na aplicação dos métodos indiciários e na fiscalização tributária, tendo em vista também a comparação do sistema fiscal português com os demais sistemas fiscais dos países da OCDE.
Por esta razão, parece-nos que falta oportunidade e utilidade àquilo que está preconizado no projecto de resolução do PS.
O Grupo Parlamentar do PSD conhece a atenção que o Governo está a dispensar ao comportamento do sistema fiscal e sabemos que maior justiça fiscal é um grande objectivo do actual Governo, porquanto, todos os Srs. Deputados o sabem, o Governo persegue um objectivo bem mais amplo, onde se integra também a justiça fiscal, que é o da justiça social para todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Helena Torres Marques e Octávio Teixeira.
Vou dar a palavra aos Srs. Deputados por esta ordem, não sem antes lembrar um velho princípio do Código do Visconde de Seabra, por ele formulado do seguinte modo: «Os contratos legalmente celebrados devem ser pontualmente cumpridos».

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, não esperava que V. Ex.ª fizesse uma confusão entre figuras regimentais. Referi que prescindia da intervenção, mas não de um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Lembro-lhe, Sr. Deputado, que o limite, agora, é o da lei, ou seja, 1 minuto e 12 segundos.

Risos.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, aceito que seja necessário entendermo-nos sobre as bases de que partimos pelo que, se isso o conforta, considero que a reforma fiscal é a reforma estrutural mais importante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas é preciso termos a noção das medidas!
Sr. Deputado, desculpe que lhe diga, até pela consideração que tenho por si, mas recuperar o discurso fiscal de antes da remodelação governamental é, porventura, o acto mais contra o seu partido alguma vez praticado. O Sr. Deputado Vieira de Castro, ao recuperar esse discurso, arrisca-se a, depois, numa reunião do seu grupo parlamentar, ser altamente censurado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Arrisca-se a voltar ao Governo!

O Orador: - É que esse discurso, a bem da tranquilidade do debate, não pode ser recuperado. Tudo isso é para esquecer, Sr. Deputado! Até porque é necessário ter a noção da medida!
Assim sendo, faço-lhe a seguinte pergunta: o Sr. Deputado sabe que os atrasos voluntários nos reembolsos do IVA, decididos pelo ministro das Finanças de então, e que estão a ser pagos, agora, em Janeiro e em Fevereiro, só de juros significam três milhões de contos, ou seja, mais do que o valor das propinas que os senhores defendem com tanto denodo? Ora, o que temos de compreender é exactamente isto: como é que se utilizam os recursos e o que é que está a fazer-se ao sistema fiscal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vieira de Castro, há outros oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, terei de ser muito rápida, devido à falta de tempo, a não ser que o PSD, depois, nos conceda mais algum.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Vieira de Castro, gostaria de expressar-lhe o nosso agrado pelo seu retorno a estas lides. Lamentamos, porém, que não tenho tido uma atitude mais construtiva. É que a reforma fiscal devia ser a reforma estrutural mais importante - pena é que não o tenha sido.
Posto isto, pergunto-lhe o seguinte: o senhor sabe o que é que se passa com as receitas fiscais desde 1989, ou seja, desde a reforma? É que, como sabe, as últimas estatísticas fiscais datam de 1988! A partir dessa altura, não voltaram a ser publicadas estatísticas fiscais! Portanto, todos os dados que, nós como Deputados, precisamos absolutamente de conhecer para trabalhar sobre esta matéria, que é decisiva- porque essa é uma das funções fundamentais que cabe a um parlamento -, não existem.
O Sr. Deputado sabe, por classes de rendimento - o que é essencial para a justiça fiscal -, o que está a passar-se com a actual reforma fiscal? Não tem dados? Não quer saber?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não quer, não!

A Oradora: - O Sr. Deputado é de opinião que o sistema fiscal é justo. Mas como pode dizê-lo? Tem dados para responder? Não quer saber?
Vamos, então, de uma forma construtiva, encontrar uma solução para resolver este problema: com um livro branco, que seja aceite por todos, a partir das propostas que queremos fazer. Agora, não vamos desistir de ganhar uma aposta fundamental para o Parlamento, porque os senhores não querem saber!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, por 2 minutos e 54 segundos, o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, serei pontual.

Sr. Deputado Vieira de Castro, V. Ex.ª, enquanto Deputado, parece querer seguir uma via idêntica àquela que seguiu enquanto secretário de Estado. De facto, enquanto secretário de Estado, prometia alguns elementos informativos que, depois, não dava e, agora, como Deputado, não quer que se peçam elementos informativos ao Governo. Pelo menos, há aí coerência.
Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe que estou de acordo consigo quando afirmou, há pouco, que o sistema fiscal está sob controlo. Admito que o sistema fiscal esteja sob controlo, mas a cobrança fiscal, essa, é que está fora de todo e qualquer controlo- e esse é um problema muito grave!
Além do mais, o facto de o sistema fiscal estar sob controlo não quer dizer que ele seja bom ou adequado. Está sob controlo aquele que existe! Por isso, a questão central não me parece ser essa, Sr. Deputado Vieira de Castro.
Relativamente ao problema das receitas fiscais e do Orçamento Suplementar para 1993, o Sr. Deputado está realmente convencido de que ele foi meramente conjuntural? É que se está, não esteja! Inclusivamente, o actual Ministro das Finanças já fez afirmações muito claras sobre várias destas matérias, designadamente em relação à máquina da administração fiscal, ao problema dos programas informáticos, etc., que, pura e simplesmente, não existiam. Por isso, não se trata de um problema meramente conjuntural.
Por outro lado, Sr. Deputado, há muitos outros elementos que mostram que a injustiça, a fuga e a fraude fiscal vão para além da conjuntura. Tenho aqui uma ordem de serviço de um banco - e podia arranjar-lhe as de meia ou de uma dúzia de bancos -, cujo teor é elucidativo- aliás, o Governo conhece isto muito melhor do que eu - sobre o modo como se consegue fugir ao fisco: utilizando a abertura de contas, de um ponto de vista meramente formal, no off shore da Madeira, deixa de pagar-se impostos e continua a ter-se os mesmos benefícios. O Governo desconhece isto? Não!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Querem acabar com o off shore!

O Orador: - Este é um mero exemplo, Sr. Deputado, para demonstrar a necessidade de se fazer um estudo aprofundado e de se alterar radicalmente muitas das situações actualmente existentes no sistema fiscal.
Julgo que fui pontual, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É verdade, Sr. Deputado. Aliás, ainda restaram 30 segundos.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, não lhe escondo que me deu satisfação vê-lo reconhecer aquilo que é óbvio, ou seja, que a reforma fiscal foi uma grande reforma estrutural.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Já não tinha dúvidas sobre isso, mas a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques veio confirmá-lo. É que, como o PS diz sempre mal de tudo, quando disse mal da reforma fiscal, pensei para comigo «boa reforma esta que o Governo levou a cabo!»

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Fie-se nessa!

O Orador: - Sr. Deputado António Lobo Xavier, não fui recuperar discurso algum, nem tinha complexos se o tivesse feito. Muito do que referi foi extraído do relatório que acompanhou a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1994, que é, recordo, não uma proposta do Ministério das Finanças, mas obviamente uma proposta do Governo ao Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, tenho boa memória e lembro-me perfeitamente de que participámos ambos na discussão da reforma fiscal. V. Ex.ª talvez tenha mudado mais do que eu. Sei muito

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bem que o PS, ao tempo, teve pruridos em votar a reforma fiscal- porventura, com algum peso na consciência -, mas recordo-me de que aquilo que nos separava era muito pouco. O que quer dizer que a reforma fiscal esteve quase a obter um enorme consenso entre todos os grupos parlamentares.
Quanto às estatísticas ficais, vou dar-lhe uma boa novidade, Sr.ª Deputada. A Comissão de Economia, Finanças e Plano vai receber, daqui a alguns dias, em resposta a um pedido do PS, abundantes estatísticas sobre os impostos, com discriminações por classes de rendimento...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Como é que sabe isso? É membro do Governo?

O Orador: - Por uma razão muito simples: é que li, há dias, num órgão de comunicação social...

Protestos do PS e do PCP.

Srs. Deputados, tenho exactamente o mesmo direito à informação que VV. Ex.ªs!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - De futuro, entregamos os requerimentos ao Deputado Vieira de Castro!

O Orador: - Porventura, solicito mais informação, porque gosto de estar informado!

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - É que aos senhores, quando querem dizer mal, não convém terem a informação completa. Assim, permitam que vos diga que VV. Ex.ªs querem a informação, mas não querem, porque isso pode ir contra o vosso objectivo!
No entanto, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, vou desvendar o mistério, que não é mistério algum: li num órgão de comunicação social que o Ministério das Finanças vai publicar as estatísticas dos impostos de 1993. Ora, VV. Ex.ªs também podiam ter lido!
Voltando à questão da informação, devo dizer-vos que com as propostas de lei do Orçamento do Estado vinha informação tão abundante que quase posso garantir que nem todos os Srs. Deputados tinham tempo e disponibilidade para analisá-la profundamente.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não diga isso! O que há é falta de informação!

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o Grupo Parlamentar do PSD, o Governo e todos os cidadãos portugueses querem um sistema fiscal o mais justo possível. Ora, como V. Ex.ª sabe, não pode inventar-se, por passo de mágica, um sistema fiscal que seja absolutamente justo. Ele tem de ser implementado, corrigido e aperfeiçoado - e é isso o que o Governo tem vindo a fazer.
Somos contra a fraude e a evasão fiscal, porque, para além do mais, a fraude e a evasão criam situações de injustiça e desvirtuam os mecanismos da concorrência entre os que pagam e os que não pagam impostos. E defendemos que aqueles que praticam a evasão e a fraude fiscais devem ser exemplarmente punidos, porque lesam a comunidade e, convenhamos, uma sanção pesada desmotiva outras eventuais tentações.
Assim - o Sr. Deputado sabe-o -, o Governo tem vindo a acompanhar - como, aliás, é de sua obrigação - o comportamento do sistema fiscal. Ainda é necessário aperfeiçoar mais, melhorar, para termos mais justiça e para que o sistema fiscal seja quase inviolável. Nesse aspecto, estamos inteiramente de acordo com o Sr. Deputado. Não podia deixar de ser de outro modo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vieira de Castro, que acaba de terminar a sua primeira prestação no exercício do mandato de parlamentar nesta legislatura, teve a gentileza de dirigir os seus cumprimentos à Mesa e à Câmara. Em nome da Mesa e da Câmara agradeço-lhe a referência e desejo-lhe um bom trabalho no exercício deste mandato.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A evasão e a fraude fiscais, que a discussão do Orçamento Suplementar para 1993 permitiu entreabrir uma nesga, aprofundam a corrupção que ameaça a vida económica do País, onde se instala, cada vez mais à-vontade, como pilar fundamental dos grandes negócios, com incidências políticas evidentes.
O Governo, para além de não permitir um controlo eficaz pela Assembleia da República, sonegando-lhe dados de base essenciais, revelou também não ser capaz de controlar a sua própria máquina fiscal.
Nesta situação, só os trabalhadores por conta de outrém não têm o privilégio de poderem fugir ao fisco e pagam três vezes os bens e os serviços: nos impostos, no aumento do custo de vida e nas prestações sociais, que deveriam estar garantidas numa sociedade solidária.
Não há dinheiro para os salários, para a educação, para a saúde e para a segurança social, no entanto, crescem as grandes Fortunas, como se nada tivessem a ver com a sociedade onde são criadas. E a situação é cada vez mais insustentável, quando essas grandes fortunas não são minimamente beliscadas!
A situação caótica de que se aproxima a segurança social pública, cuja solidez é uma exigência de novo colocada em toda a Europa, pondo na prateleira as teorias neo-liberais, que deram na selvajaria patente, sublinha a necessidade de que é preciso pôr os ricos a pagar impostos.
Tal passa, com certeza, embora complementarmente, por uma clarificação do sistema, pelo conhecimento real da situação e pela sua transparência garantida pelo acesso aos dados de base.
Nesta perspectiva, quero terminar apoiando a iniciativa do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois das intervenções do PSD, em especial do Sr. Deputado Rui Carp, como Deputado embrulhador, e do Sr. Deputado Vieira de Castro, que me pareceu estar mais no país da Alice do que propriamente em Portugal, o Partido Socialista não desiste de fazer a denúncia séria da situação actual, no que concerne ao sistema fiscal português.

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A quebra de receitas fiscais no ano de 1993 veio despeitar a consciência pública de que algo vai muito mal no reino da administração fiscal.
Os problemas de funcionamento não são, com efeito, novos, mas nunca os mesmos tiveram tanta incidência no domínio da cobrança dos impostos como aquela que se verifica actualmente.
A deficiente dotação de despesas de funcionamento da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, aliada a uma alteração radical nas formas de funcionamento e gestão dos diversos actos tributários, nomeadamente na falta de elaboração de regras criteriosas de selecção das acções de fiscalização e prevenção tributárias, levou a que, socialmente, se criasse uma imagem de inoperacionalidade destes serviços, criando-se, consequentemente, as condições propícias ao desenvolvimento de ideias e factos de grande evasão e fraude fiscais. É esta realidade que o Grupo Parlamentar do PSD não tem vontade de assumir.
Por outro lado, cortes drásticos nas despesas correntes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos levaram a que fossem remetidos para o interior dos gabinetes das Direcções Distritais quadros altamente especializados em acções de fiscalização e prevenção tributárias, com o consequente efeito negativo na cobrança dos impostos.
Os responsáveis pelas finanças em Portugal ainda não entenderam que, dada a especificidade da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e a incidência do seu funcionamento nas receitas públicas, o que nela se gastar, sendo bem orientado, nunca é mera despesa, mas antes um investimento altamente rentável para o País.
A incompreensão deste facto, aliada à necessidade constante de recolha de receitas, conduz ao aparecimento de ideias e tendências de considerar todos os contribuintes como evasores e fraudulentos, assistindo-se já a inúmeros actos de prepotência, por parte da administração fiscal, sem fundamento para a sua justificação, apenas com o objectivo de cobrança de impostos de qualquer maneira e a qualquer preço.
Assiste-se, assim, a uma resistência dos poderes instituídos em reconhecer os seus próprios erros, lançando sobre os contribuintes os efeitos nefastos das suas próprias deficiências e concepções.
A manutenção desta situação é altamente lesiva de um estado de mútua credibilidade e confiança que deve existir entre uma administração fiscal, que se movimenta num quadro de legalidade, e a boa vontade dos contribuintes para o cumprimento das suas obrigações fiscais.
A concepção da gestão tributária centralizada, implantada com a aprovação do Código do Imposto- sobre o Valor Acrescentado e, depois, consagrada na gestão dos impostos sobre o rendimento não é de molde a desenvolver uma relação sã e de mútua confiança entre a administração fiscal e os contribuintes.
Desde logo, pelo facto de estes serviços não terem sido suficientemente preparados, quer no factor humano, quer no factor técnico, para darem respostas com qualidade às funções para que foram vocacionados.
Não havendo essa qualidade, com os inerentes prejuízos para os contribuintes, e tendo-se centralizado todos os processos inerentes ao acto tributário, assiste-se hoje a uma acelerada desvalorização do acto nobre, que é a comparticipação do cidadão nas despesas públicas da sociedade, começando, neste momento, a desenvolver-se já fortes ideias de resistência ao cumprimento das obrigações fiscais por parte dos contribuintes.
Nada impede, em nosso entender, que se continue a fazer uma gestão financeira dos impostos centralizada, mas os actos inerentes à liquidação e cobrança devem processar-se ao nível das repartições de finanças, dando poderes e responsabilidades aos seus chefes para o efeito, para que estes, desde que provados, possam, em contacto directo com os contribuintes, solucionar de imediato as questões que se comprovem irregulares.
Implantada que se encontra, ao nível dos responsáveis pelas finanças, a ideia cega de cortar nas despesas correntes, desenvolvem-se facilmente ideias de aproveitar ao máximo o mecanismo da retenção na fonte, porque líquido para o Estado, com as consequentes injustiças para os contribuintes por conta de outrem, que, dados os mecanismos existentes de interposição de uma terceira pessoa, responsável perante o Estado, não têm quaisquer possibilidades de fraude ou evasão.
É neste domínio também, no domínio da organização e funcionamento da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, que o Partido Socialista entende esta iniciativa, no sentido de lhe introduzir alterações profundas que dêem um sentido prático às alterações de ordem jurídica e legal, que se pretendem introduzir no sistema fiscal.
Por outro lado, quanto à isenção desta comissão a criar para o estudo e desenvolvimento destas ideias, entendemos que a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e os técnicos actualmente na Administração Pública não têm condições para serem isentos na elaboração deste trabalho, nem vontade própria para o executar. Daí a nossa proposta para a entidade isenta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defesa da sua honra, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª, há pouco, acusou-me de não ter lido o projecto de resolução que estamos a debater.
Li-o até muito bem e, no que respeita à utilização de entidades ditas independentes, no contexto em que o projecto de resolução está escrito- aliás, admito que não seja escrito por pessoas que saibam de fiscalidade, não é por acaso que o primeiro subscritor é o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, ilustríssimo Vice-Presidente desta Assembleia da República, mas que não reconheço como fiscalista, o segundo é o Sr. Deputado António Guterres e o Sr. Deputado Domingues de Azevedo nem sequer é subscritor -, diz-se muito claramente, que «a Assembleia da República mandata a Comissão de Economia, Finanças e Plano para: requerer ao Ministério das Finanças toda a informação existente sobre fuga e evasão fiscal; definir um conjunto de questões a abranger por intermédio de um estudo aprofundado a realizar por uma entidade independente; abrir um concurso público para a adjudicação da elaboração de um livro branco sobre os níveis de incidência de fraude e evasão fiscais em Portugal...»
Ora, isto não quer dizer mais do que colocar uma entidade privada, sem os deveres que os serviços públicos têm, a devassar elementos sobre fiscalidade que existem na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, leio muito bem as questões... e até leio tudo! Ainda hoje se pode ler, na página 18 do Avante,...

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - O PSD já lê o Avante!?

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O Orador: - ... um artigo publicado por um alto responsável da Comissão Política do Partido Comunista Português - por vezes até têm razão -, que se aplica perfeitamente a estas discussões sobre o sistema e política fiscais. O referido artigo diz o seguinte: «Os partidos socialistas sofrem de uma doença de natureza crónica,...»

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - «... que lhes provoca uma disfunção...»

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exatíssimo!

O Orador: - «... entre as promessas eleitorais e a acção governativa, entre a teoria e a prática.»

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não podia ser mais verdade!

O Orador: - E, em matéria de ética, escreve o mesmo responsável: «A quem é que se dirigiam os conselhos sobre os valores éticos, sabendo-se que na reunião, de Lisboa, da Internacional Socialista se encontravam partidos e dirigentes atascados nos pântanos da corrupção, que têm assolado a Espanha, a Grécia, a Itália, a França, a Bélgica, etc.»
Sr. Presidente e Srs. Deputados, sei muito bem o que leio e também sei interpretar muito bem o que os partidos da oposição escrevem!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, com a sua resposta, confirmei que não leu o nosso projecto de resolução,...

Vozes do PSD: - Leu, leu!

O Orador: - ... porque ele diz, antes de falar do concurso público para adjudicação da elaboração de um livro branco, o seguinte: «requerer ao Ministério das Finanças toda a informação existente sobre a fuga e evasão fiscal, respeitando embora os segredos judicial e estatístico».
Portanto, todos os dados destinados ao trabalho seriam dados que já não tinham qualquer problema em matéria de segredo judicial e estatístico!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Então, não têm interesse!

O Orador: - O Sr. Deputado Rui Carp nem parece um homem que estudou economia! Sabe perfeitamente que, para analisar um milhão de casos, não precisa de ter um milhão de fichas individuais, pode ser-lhe dada, por classe de rendimento, a desagregação desses casos.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso é o Governo que tem de dar!

O Orador:- Portanto, esse argumento é totalmente absurdo, sem qualquer carácter científico e politicamente irrelevante.
Agora percebi, obviamente, porque é que o Sr. Deputado Rui Carp não leu os nossos projectos de resolução, é que anda a ler muito o Avante! Faça-lhe bom proveito!

Risos e aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra., dou por encerrado o debate do projecto de resolução n.º 72/VI.
Passamos agora à discussão do projecto de lei n.º 368/V - Altera a Lei n.º 15/90, de 30 de Junho (Atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social), apresentado pelo PSD.
Para apresentar o projecto e as conclusões do relatório, tem a palavra, por 10 minutos, o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 368/VI tem em vista colmatar uma evidente lacuna existente na Lei n.º 157 90, de 30 de Junho, que, na sequência da aprovação, na última revisão constitucional, do artigo 39.º da Constituição da República Portuguesa, define as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Assim, a discussão deste projecto de lei tem exclusivamente em vista debater e pronunciarmo-nos sobre a seguinte questão: o artigo 23.º da Lei n.º 15/90, de 30 de Junho, obriga os órgãos de comunicação social a publicar as deliberações da Alta Autoridade para a Comunicação Social que lhes digam directamente respeito, mas não consagra, actualmente, qualquer mecanismo sancionatório para o incumprimento deste normativo.
Pois bem, confrontado com esta situação, o Partido Social Democrata apresentou o projecto de lei n.º 368/VI, que hoje estamos aqui a discutir. E fê-lo na convicção de que esta matéria tem exactamente a mesma relevância, em termos de direito, que qualquer outra. Ou seja: não pode, por via da lei, uma norma fixada nessa mesma lei ser ineficaz perante terceiros e perante a ordem jurídica em caso de incumprimento.
Quero aqui salientar mais um facto que me parece relevante. É que o conteúdo do projecto de lei que estamos a debater, ou seja, o aditamento ao artigo 23.º da Lei n.º 15/90, de 30 de Junho, reproduz uma outra disposição já constante dessa mesma Lei, o artigo 7.º, que prevê a sanção, que agora fica reproduzida para efeitos do artigo 23.º, no caso dos órgãos de comunicação social se recusarem a entregar a documentação necessária solicitada pela Alta Autoridade para a Comunicação Social para decidir, em sede de recurso, sobre o direito de resposta.
Esta lacuna é, portanto, evidente. Ontem mesmo- e quero também salientar esta questão -, na discussão havida na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, todos ficámos convencidos não só da existência dessa lacuna como, julgo e espero, da necessidade de a suprir.
Em sede da Lei n.º 15/90, de 30 de Junho, não se faz mais do que afirmar aquilo que para nós é evidente e de bom senso.
Recordo que essa mesma Lei prevê que a natureza das deliberações que devem ser publicadas e publicitadas - porque é sobre isto que estamos a falar - nos ór-

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gãos de comunicação social a que digam respeito, é idêntica, conforme vem expresso na Lei, à das notas oficiosas.
Ora, a natureza das notas oficiosas está regulada, desde 1975, na Lei de Imprensa, com todas as consequências que aí se previam, salientando, designadamente, uma sanção para o caso de incumprimento da obrigação, que já aí impendia, de publicação das notas oficiosas.
Estamos, portanto, neste caso concreto, em absoluta consonância quer com a tradição legal em relação a esta matéria, quer com o colmatar de uma lacuna evidente, que foi objecto deste projecto de lei, que agora é chamado à nossa apreciação.
Entendemos que este projecto de lei é de aprovar e que temos aqui uma boa oportunidade de aperfeiçoar uma Lei aprovada nesta mesma Assembleia da República, preenchendo esta lacuna que, a todos títulos, deve ser preenchida.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Arons de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, ouvi atentamente a sua intervenção. Perante o que disse, parece-me que o PSD está mais interessado com a vertente punitiva do que em melhorar o diploma que estabelece as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Quando, em 1990, debatemos a problemática da Alta Autoridade para a Comunicação Social, subscrevi propostas de alteração desde logo pela composição deste órgão. Com o projecto que apresentaram, não vejo o PSD preocupado com as atribuições, competências ou o próprio âmbito da Alta Autoridade para a Comunicação Social, por exemplo, no que diz respeito à fiscalização de alvarás de rádios, que não deve ser feita pelo Governo e que deveria ser da sua competência.
O que se deve é rever a lei que criou a Alta Autoridade para a Comunicação Social, servindo-nos da sua própria experiência e a do Conselho de Comunicação Social, que o PSD teve pressa em extinguir e da do Conselho de Imprensa, que os senhores destruíram por serem órgãos isentos. Apesar de o Conselho de Imprensa ter sido extremamente importante, com a vossa atitude, criaram um vazio na fiscalização deontológica dos órgãos de comunicação social em Portugal.
Não quero usar processos de intenções, Sr. Deputado Miguel Macedo, mas quer-me parecer que este projecto de lei tem um determinado objectivo, ou seja, um endereço próprio. É grave se, em democracia, servimos apenas os nossos próprios interesses. Quero com isto dizer que há órgãos de comunicação social a quem os senhores pretendem atingir directamente com esta vossa iniciativa.
Mas, se optam por uma lei repressora, porque razão não a completam e não prevêem que os órgãos de comunicação social a transmitirem ou publicarem as deliberações da Alta Autoridade num espaço próprio? Às vezes, as suas deliberações são transmitidas na televisão depois da meia-noite, outras são publicadas nos jornais na secção do correio dos leitores...
Parece-me, pois, que os senhores não se preocupam em valorizar a Alta Autoridade, pois apenas pretendem castigar determinados jornais, jornalistas e outros órgãos de comunicação social.
Sr. Deputado, não fujo a um debate relacionado com a Alta Autoridade para a Comunicação Social, tema que é sério, mas não desta maneira, pelo que eu irei aproveitar esta oportunidade para apresentar, imediatamente, um projecto de lei.
Creio que será conveniente preocuparmo-nos mais com o respeito de determinados valores democráticos. Felizmente, em democracia, há liberdade de Imprensa e jornalistas responsáveis; poderá haver abusos, mas dispomos de instrumentos jurídicos para resolver os problemas que surgem. Porém, VV. Ex.ªs optam pela tal vertente punitiva, o que me parece desnecessário.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, disponho de pouco tempo para pedir esclarecimentos, pelo que vou ser, tanto quanto possível, claro, esperando o mesmo da sua parte.
No fim de contas, o PSD zangou-se com um jornal! Falemos claríssimo, zangou-se com o jornal Público, teve uma birra a que chamou aqui, pela sua voz, «evidente lacuna».
Na sua intervenção, o Sr. Deputado quis limitar o debate desta questão àquilo que considerou ser uma evidente lacuna. Pergunto-lhe: não será a altura de tentarmos perceber por que é que a generalidade da opinião pública já não acredita nas potencialidades de um organismo como a Alta Autoridade para a Comunicação Social e de discutir as suas competências o que passa ao lado da escandalosa forma como a RTP tem feito concorrência aos operadores privados de televisão- sem esquecer a sua composição governamentalizada ao extremo?

O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, quero reafirmar aquilo que disse na minha intervenção em relação a esta matéria: estamos a suprir uma lacuna da lei e julgo que, não tendo as suas considerações propriamente a ver com a discussão travada hoje, no Plenário, sobre o projecto de lei n.º 368/VI, poderiam fazer sentido se o Sr. Deputado tivesse afirmado, no seu pedido de esclarecimento, existir uma lacuna da lei no que diz respeito ao objecto do diploma ora em apreço. Mas não o fez! Falou de tudo e de mais alguma coisa...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - A lacuna começa na composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social!

O Orador: - ... e pôs de lado uma evidência que se nos impõe a todos nós: que a lei é imperfeita neste domínio, uma vez que não sanciona com um mecanismo- exactamente idêntico e que, aliás, ela própria prevê noutra sede e para outro efeito- uma situação em que se verifica uma evidente lacuna.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Deputado Miguel Macedo, uma lei não pode estar à mercê de conjunturas nem de conveniências políticas, realidade que me parece estar conexa com a vossa iniciativa.

O Orador: - Sr. Deputado, uma lei não pode estar ao sabor de conjunturas nem de conveniências, mas também não pode ficar eternamente imperfeita sobretudo quando o legislador, como é o nosso caso, detecta essa imperfeição.
V. Ex.ª não pode dizer que não existe esta lacuna e que esta lei não está imperfeita neste domínio. Essa- e não outra- é a questão que estamos hoje a debater e todas as outras matérias, sendo pertinentes, deverão ser apreciadas e ponderadas.
Quando o Sr. Deputado, à semelhança de qualquer outro membro desta Casa, apresentar um projecto de lei versando esta ou outra matéria, proceder-se-á à sua discussão e votação de acordo com as nossas próprias opiniões. Agora, não é legítimo fazer juízos de intenção sobre as motivações do projecto de lei apresentado pelo PSD, que deu entrada na Mesa da Assembleia em Janeiro deste ano e que tem a ver com uma lacuna evidente para todos.
Sr. Deputado Arons de Carvalho, com todo o respeito e amizade que lhe tenho, quero dizer-lhe que o pedido de esclarecimento formulado tem um pouco a natureza de penitência de quem apresentou anteontem um projecto de lei que contempla outras matérias sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social...

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Não foi anteontem!

O Orador: - De acordo com um documento que nos foi distribuído, esse projecto de lei deu entrada na Mesa da Assembleia no dia l de Fevereiro de 1994.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Mesmo assim podemos discutir a matéria. Não fuja à questão!

O Orador: - Não fujo! Como estava a dizer, trata-se, do meu ponto de vista, de uma questão de penitência que, aliás, não lhe fica mal neste debate.
Mas aquilo que queria que o Sr. Deputado aqui dissesse é se está ou não de acordo quanto à necessidade de integrar uma lacuna que é patente, pois essa é a única questão do projecto de lei em análise que hoje temos de discutir. Nada mais importa debater a não ser que os senhores, à semelhança do que já fizeram, suscitem outras questões em relação à matéria que, pelos vistos, pretendem discutir, que é a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Não promovemos o debate deste projecto de lei motivados pelo que quer que seja, a não ser pela constatação da existência de uma lacuna. Mais, quero dizer-lhe que ontem, numa reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ficou claro, a propósito de uma questão levantada até por um Deputado da minha própria bancada, que estamos dispostos a analisar outra situação, a da continuada e reiterada recusa de cumprimento das disposições legais que sobre esta matéria constam da Lei n.º 15/90, de 30 de Junho. Repito: ontem, foi aceite por todas as bancadas presentes numa reunião dessa Comissão que, em sede de especialidade, poderíamos - alguns disseram mesmo que deveríamos- analisar outro tipo de situações. Portanto, estamos abertos para, no momento oportuno, após o agendamento de outros diplomas, manifestar a nossa própria opinião a seu respeito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As recentes alterações na programação da RTP provam que a lógica que preside à sua organização genérica é estritamente comercial. Não me refiro apenas às modificações realizadas nos últimos dias com a integração da fase final de uma telenovela antes transmitida .no horário nobre de fim-de-semana, de forma a coincidir com o lançamento de uma nova telenovela de um canal privado.
Há outros exemplos possíveis: a redução em cerca de 10 minutos do tempo habitual do Telejornal para lançar mais cedo a nova telenovela ou, em contrapartida, o deliberado atraso no início desta para fazer baixar os índices de audiência do programa mais popular da concorrência; a frequência com que são transmitidos jogos de futebol ou outros programas desportivos em horário que o contrato de concessão do serviço público de televisão destinou aos programas de carácter educativo nos domínios da literatura, da ciência, da música, do teatro, da ópera, do bailado e das artes plásticas; as mudanças inesperadas na programação e sobretudo a crescente e clara mediocratização do produto televisivo oferecido aos portugueses no horário nobre do chamado serviço público de televisão.
Ninguém duvida hoje de que os responsáveis da RTP dominam todas as técnicas da programação e da contra programação.
Não é contestável que a RTP queira manter e aumentar as suas audiências, embora não seja essa a razão de ser de um serviço público de televisão. O que é indesculpável é que a RTP caia numa pura lógica de concorrência e chegue ao ponto de privilegiar a quebra das audiências dos outros canais.
A ninguém passou certamente despercebido que a colocação há algumas semanas das entrevistas da jornalista Maria Elisa entre o Telejornal e a telenovela não se deveu a qualquer prioridade dada a um bom programa de entrevistas, o objectivo era o de empurrar a novela para um horário sobreposto ao maior sucesso de programação da SIC, com o óbvio prejuízo dos espectadores de televisão.
Dificilmente alguém notará na RTP uma programação típica de um serviço público de televisão. Pouco distingue, hoje em dia, a RTP de uma pura televisão comercial. Ontem, por exemplo, o Canal l transmitiu episódios de duas telenovelas entre as 20 horas e 30 minutos e as 22 horas e 30 minutos e a TV2, à mesma hora, duas horas de futebol mais uma hora de telenovela.

O Sr. António Braga (PS): - Uma vergonha!

O Orador: - Esta apreciação não sai fora do âmbito do tema que aqui debatemos. Pelo contrário, em qual-

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quer país europeu este tipo de actuação de um operador de televisão, financiado com dinheiros públicos e obrigado à prestação de um serviço público, já teria sido fortemente condenado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, por organismos de regulação que existem na generalidade da Europa Comunitária e até, Srs. Deputados do PSD, nos liberais Estados Unidos da América. É disso sobretudo que se trata de discutir neste debate: a Alta Autoridade para a Comunicação Social tem passado ao lado dos principais temas que envolvem a televisão, o papel do serviço público e as regras a que estão sujeitos os dois canais da RTP e os próprios operadores privados.
Mau grado o esforço e a dedicação dos seus membros e algumas iniciativas corajosas e interessantes, a Alta Autoridade é hoje um organismo sem influência nem prestígio, não é respeitado pela comunicação social nem ouvido pela opinião pública.
Pretendeu-se que garantisse a independência da comunicação social perante o poder político, mas ela própria é considerada como uma lamentável e cabal expressão do poder político.
Pretendeu-se que assegurasse o direito à informação, mas a lei não lhe confere qualquer competência para fiscalizar a forma como o serviço público de televisão é cumprido nem para garantir de forma eficaz o pluralismo da informação ou para participar na definição de uma política para o audiovisual.
Entre profissionais da comunicação social ela foi baptizada como «Alta Autoridade contra a Comunicação Social». A anedota fez o seu caminho: há tempos, um documento oficial do gabinete do próprio Doutor Marques Mendes, publicado no Diário da República, assumia essa nova designação.

Risos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD costuma dizer que a Alta Autoridade para a Comunicação Social é uma invenção do PS. Importa referir que foi o PSD o responsável pela sua composição governamentalizada, pelas suas competências insuficientes, pelas omissões que agora reclama e também pela lamentável extinção do Conselho de Imprensa ou pela drástica diminuição das competências dos conselhos de redacção.
Só o PSD votou favoravelmente a lei da Alta Autoridade, apesar de parecer manifestamente contra um organismo deste tipo. O PSD ignora a responsabilidade social dos media, convive dificilmente com a ideia de serviço público de televisão, não acredita- nem quer - que ele possa ser independente do Governo e nunca percebeu por que não deverá ser o Governo a seleccionar sozinho os operadores privados de televisão e rádio.
As instâncias de regulação do audiovisual, como as que existem em todos os países da União Europeia, menos na Espanha, e ainda em países como a Áustria, a Suíça e os Estados Unidos da América, resultam da necessidade de encontrar formas inovadoras que garantam a independência face aos governos dos operadores que prestam os serviços públicos de televisão e rádio, a isenção no processo de atribuição de licenças a operadores privados, a eficácia e a rapidez no direito de resposta, o adequado cumprimento das obrigações do serviço público.
O PS reclama-se desta tradição e continua a considerar como imprescindível a existência de um organismo deste tipo,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... com esta ou outra designação, mas seguramente com outra composição, outras atribuições e competências e, necessariamente, com maior prestígio e influência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei que o PSD hoje apresenta é, pois, inaceitável. Resulta de uma pura birra contra um jornal e não de uma apreciação ou balanço consistente sobre a forma como poderá melhorar o prestígio e a intervenção da Alta Autoridade.
É uma pura medida repressiva ad hominem, que nada abona a favor do PSD, e está na lógica sequencial das revisões discretas da Lei de Imprensa, das restrições aos jornalistas nesta Assembleia e da recente tentativa de limitar a liberdade de imprensa através de alterações ao Código Penal, com aplicação de penas de prisão aos jornalistas que divulguem, fora de um prazo curto, dados sobre o património dos políticos.
Tal atitude não terá, naturalmente, o apoio do PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva.

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Arons de Carvalho, a verdade é que estamos aqui a falar de alhos e o Sr. Deputado fala de bugalhos! Queremos discutir uma lacuna da lei e o Sr. Deputado vem argumentar a favor de um conjunto de maior prestígio e competência para um determinado órgão.
O problema é que os senhores dormem preocupados porque têm esse fantasma da visão propagandística da RTP.
Gostaria de saber se não entende que, para além de ser um serviço público, a RTP também assume uma determinada postura de concorrência. O discurso que o Sr. Deputado aqui veio fazer é tão lamentável quanto seria vir aqui dizer que a Caixa Geral de Depósitos não pode concorrer com os outros bancos porque está a prejudicar a existência deles, etc!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Gostava de saber... Protestos do PS.

... se entende que há uma lacuna, bem como se o prestígio e a competência que os senhores gostariam de ver na Alta Autoridade quer dizer concordar inteiramente com as posições do Partido Socialista Isso é que é lamentável!
Os senhores só querem mais prestígio, mais competência ou qualidade se as decisões concordarem com as vossas posições. Não querem, rigorosamente, nenhum órgão independente que assuma determinadas posturas! Querem o tal prestígio e competência em favor de determinadas questões.
Portanto, ser concorrente não é nenhum crime - nem é crime de lesa Pátria! A vossa visão propagandística

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exacerbada é que é! A única razão que vos leva a falar desse assunto é não saberem o que dizer e, em relação a uma questão concreta, quererem levar este tema para uma discussão global.
Digam-nos se estão ou não de acordo - e o que está em discussão nada tem a ver com a questão relativa a um jornal concreto - que existe uma lacuna na Lei n.º 15/90! O que o PSD propõe aqui, numa postura perfeitamente de integração de lacunas, é a própria alteração da referida lei. Mais nada, Sr. Deputado!
Assim, repito, a única questão que se põe é se o Partido Socialista concorda ou não que há uma lacuna na Lei n.º 15/90. E, se concorda, qual a maneira alternativa para a resolver.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais um orador inscrito para pedir de esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Arons de Carvalho, fiquei sinceramente surpreendido com a conclusão final que hoje tirou, isto é, com o voto negativo do PS relativamente ao projecto de lei apresentado pelo PSD.
De facto, no debate realizado ontem, em sede de comissão, todos ficámos absolutamente convencidos- se não o disse expressamente, pelo menos ficou na mente e nos ouvidos de todos - de que a disposição do PS era a de votar favoravelmente, na generalidade, este projecto de lei, que depois seria burilado e trabalhado na especialidade, para tornar mais exigentes...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É verdade!

O Orador: - Isto foi dito pela boca do PS, Sr. Deputado!
Isto é, além da coima, deveria obrigar-se à publicação! Ontem mesmo, falámos da Lei de Imprensa, do Código Penal e das suas aplicações. O que teria havido, em 24 horas, para que o PS mudasse, da noite para o dia, a sua posição?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, é absolutamente natural que cada partido reveja a sua posição de ontem para hoje! Gostava era de saber o que é que V. Ex.ª viu de novo, entre ontem e hoje, que o levou a mudar o sentido de voto, pois gostaria de ser esclarecido para formular o meu próprio juízo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho, por dois minutos.

O Sr. Arons de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, começo por lhe dizer o seguinte: não estive presente na reunião de ontem mas a informação que tenho sobre essa reunião é a de que os meus camaradas de partido não tomaram a posição que o Sr. Deputado acaba de referir.
Mas isso não me parece importante.
O que me parece importante é debater o fundamental desta questão e explicar, sobretudo aos Srs. Deputados do PSD, que foi o PSD que aprovou, sozinho, a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social; que o PSD é o responsável pela lacuna que diz existir e, por isso, não pode querer a cumplicidade de outros partidos para completar uma lei que está claramente desprestigiada e para tentar dar mais ênfase a um órgão que é, de todo, dependente do poder político e que não tem competências essenciais.
Se os Srs. Deputados do PSD quiserem rever, de alto a baixo, a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social, então estaremos dispostos a considerar essas questões e tentar pensar qual será a melhor forma de o tornar um organismo eficaz.
Neste contexto, não seremos cúmplices do PSD para mais esta medida contra a comunicação social.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que hoje debatemos limita-se a conter uma norma que o PSD pretende introduzir avulsamente na lei que regula as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
É uma norma avulsa, com causas concretas bem determinadas e recentes e com destinatários claramente identificados, num quadro em que o cumprimento do dever de publicação das deliberações cia Alta Autoridade, por parte dos órgãos de comunicação social a que respeitam, constitui a regra e o seu incumprimento a excepção.
Temos como incontestável que os órgãos de comunicação social devam publicar as deliberações que lhes digam directamente respeito e que sejam emanadas de um órgão que tenha por atribuições constitucionais assegurar o exercício do direito à informação e a liberdade de imprensa.
Entendemos que esse dever resulta, antes de qualquer vinculação legal, de imperativos éticos que devem ser inerentes ao exercício da actividade de comunicação social. É intocável o direito de qualquer órgão de comunicação social contestar livremente, e criticar com a contundência que entender, qualquer deliberação que lhe diga respeito, venha de onde vier. Mas, em nosso entender, também deve ser intocável o dever de assumir voluntariamente a não ocultação dessa deliberação, quer por imperativo ético, quer como salvaguarda de direitos legítimos de terceiros a quem a deliberação também diga directamente respeito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão de fundo que tem de ser debanda, e que não se compadece com medidas avulsas, é a das condições concretas em que se processa, entre nós, a garantia do exercício do direito à informação, da liberdade de im-

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prensa e da independência dos órgãos de comunicação social perante os poderes político e económico, bem como a salvaguarda da possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, através dos meios de informação públicos e privados.
A criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social na revisão constitucional de 1989, por acordo entre o PSD e o PS, com a natureza e composição que então lhe foi determinada, escancarou decisivamente as portas para a governamentalização dos mecanismos de fiscalização democrática da actividade dos órgãos de comunicação social, determinou a extinção do Conselho de Comunicação Social e criou condições óptimas para que o PSD viesse a extinguir o próprio Conselho de Imprensa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É verdade!

O Orador: - Durante a discussão da lei sobre a Alta Autoridade aqui realizada, o PCP combateu frontalmente a extinção do Conselho de Imprensa e a redução dos poderes dos Conselhos de Redacção e defendeu que os membros da Alta Autoridade representativos da opinião pública, da comunicação social e da cultura não fossem cooptados, mas directamente designados pelo Sindicato dos Jornalistas, por outros sindicatos ligados à comunicação social e pela Sociedade Portuguesa de Autores. Com a consciência, no entanto, de que, fosse qual fosse a lei então aprovada, não seria possível corrigir as opções profundamente erradas tomadas na revisão constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi aí que se determinou a composição governamentalizada da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É bom lembrar isso!

O Orador: - Pela nossa parte, sempre combatemos essa solução. Mas houve quem só tardiamente tenha chegado a essa conclusão. Recordo mesmo a intervenção aqui proferida pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, em 27 de Abril, em defesa do acordo de revisão constitucional, entre o PSD e o PS, afirmando textualmente: «A composição desta Alta Autoridade é a mais aberta, a mais pluralista de todas as composições de órgãos similares em todos os países de democracia como o nosso».
A vida veio demonstrar que era o PCP quem tinha razão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O facto de não haver actualmente uma entidade, como o Conselho de Imprensa, que se pronuncie sobre matérias do foro deontológico da actividade jornalística, dirimindo incidentes motivados por queixas envolvendo órgãos de comunicação social, resulta, evidentemente, da solução consagrada na revisão constitucional, que permitiu ao PSD manter o controlo do sector público da comunicação social e promover a desregulação do sector privado, cada vez mais sujeito ao controlo estrito dos detentores do poder económico.
Pela nossa parte, estamos conscientes das consequências nefastas da concentração dos órgãos de comunicação social nas mãos de alguns grupos económicos.
A concorrência desenfreada entre grupos que dominam a comunicação mediática, através de participações múltiplas e cruzadas nos mais importantes órgãos de informação, põe seriamente em causa o pluralismo e a pluralidade da comunicação social, contribuindo para uma degradação preocupante dos padrões éticos que norteiam a actividade jornalística.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Tem sido, aliás, o próprio Sindicato dos Jornalistas a alertar para os perigos desta realidade, para o seu constante agravamento, e a exigir medidas que lhe ponham cobro.
A inexistência de quem se pronuncie sobre questões deontológicas relativas à actividade jornalística e a existência de um órgão como a Alta Autoridade, com uma composição que não garante a sua isenção e sem meios legais e logísticos adequados para assegurar, efectivamente, a liberdade de imprensa, a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e económico e a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, são, efectivamente, responsáveis pela ausência de condições para a efectivação desses direitos, designadamente perante as televisões - pública e privadas - onde se manifesta uma patente ausência de pluralismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os órgãos de informação distinguem-se de supermercados ou fábricas de sabões porque desempenham um papel social fundamental na formação da opinião pública e das próprias mentalidades.
Esta dimensão essencial da comunicação social implica a existência de mecanismos democráticos que regulem o seu funcionamento e que passem, em primeiro lugar, pelos próprios profissionais da informação.
Nesse sentido, se este projecto de lei for aprovado na generalidade, o Grupo Parlamentar do PCP vai propor, no debate na especialidade, que seja devolvido aos Conselhos de Redacção o poder de intervir na designação dos directores, directores-adjuntos ou subdirectores pelas empresas proprietárias dos órgãos de comunicação social, bem como na nomeação dos chefes de redacção por parte dos directores.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Este poder dos jornalistas, conferido pela Lei de Imprensa, foi retirado pelo PSD, aquando da aprovação da lei que criou a Alta Autoridade para a Comunicação Social, sem qualquer justificação mas com o objectivo claro de reduzir os órgãos de comunicação social à condição de simples empresas fornecedoras de quaisquer bens de consumo.
É essa a concepção que recusamos e, por isso, neste processo legislativo vamos propor que seja devolvido aos jornalistas esse poder que, injustificadamente, lhes foi retirado.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

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O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, em primeiro lugar quero saudar o Sr. Deputado António Filipe pela sua intervenção, que subscrevo completamente e que tive, nomeadamente, o prazer de aplaudir, principalmente quando se referiu à questão dos Conselhos de Redacção.
A questão que lhe quero colocar prende-se com o seguinte: neste contexto todo, com uma Alta Autoridade governamentalizada e, portanto, sem qualquer garantia de isenção e de independência - não podendo, por isso, apreciar da independência em relação ao poder político nem defender, realmente, o pluralismo e a liberdade de informação -, pergunto se aqui não há, de facto, não uma lacuna, como dizem os Srs. Deputados do PSD, mas duas grandes lacunas: o Conselho de Imprensa e a própria Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Pela forma como se tem comportado até agora, este organismo nem sequer aprecia as grandes questões que se colocam à opinião pública e à comunicação social, nomeadamente as implicações das alterações ao Código Penal, do segredo de justiça e das limitações que o PSD impôs aos jornalistas na Assembleia da República.
Aliás, seria curioso saber qual a opinião da Alta Autoridade para a Comunicação Social em relação ao diferendo que opôs o Supremo Tribunal Militar ao Jornal O Público, em virtude das pensões atribuídas a ex-PIDE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer ao Sr. Deputado Mário Tomé a pergunta formulada, à qual responderei da seguinte forma: uma vez, tomada a opção, errada a nosso ver, na revisão constitucional, de extinguir o Conselho de Comunicação Social, criando a Alta Autoridade para a Comunicação Social, com a composição e natureza que o Sr. Deputado acaba de referir - abrindo também as portas para que o PSD viesse a extinguir o Conselho de Imprensa, que tinha, de facto, uma intervenção relevante e meritória na fiscalização da actividade jornalística, do ponto de vista deontológico, o que lhe dava credibilidade junto do sector da comunicação social -, pôs-se em causa, efectivamente, as condições para uma fiscalização democrática da actividade da comunicação social, em termos de pluralismo, de liberdade de imprensa e de acesso das várias correntes de opinião aos meios de comunicação social.
Parece-nos, Sr. Deputado, ser essencial que esses mecanismos sejam, de facto, criados e, nesse sentido, anunciámos que vamos propor o reforço dos poderes para os Conselhos de Redacção, poderes esses que foram injustificamente revogados aquando da aprovação da Lei n.º 15/90, que criou a Alta Autoridade para a Comunicação Social e definiu o seu modo de funcionamento, para, dessa forma, devolver aos jornalistas esse poder, de que haviam sido injustificadamente esbulhados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha intervenção vai ser curta, até porque me é penoso falar da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Naturalmente que ela nasceu mal, nasceu de um acordo PS/PSD, figura na Constituição e, apesar de todas as benesses de que goza, por parte do partido da maioria e do maior partido da oposição, porque já lhe fizeram vários louvores no princípio, o que é certo é que não conseguiu afirmar-se como uma magistratura de prestígio e de influência junto da comunicação social e da opinião pública.
Geralmente, é tratada mal por toda a gente, as suas deliberações não têm tido peso e é muito triste- aliás, é como na letra do fado «tudo isto é triste, mas tudo isto existe!» E porque existe temos de tratar dela até que morra de morte matada, porque o Dr. Pacheco Pereira, ilustre Deputado do PSD, já disse claramente que na próxima revisão constitucional vai propor a extinção da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Assim, não creio que o PS a queira ressuscitar ou mesmo manter e que, efectivamente, esteamos agora quase no termo para a deixar preparar-se para a morte lentamente sem falar muito dela e sem constantemente falar das suas deliberações. É preciso ir pensando se realmente vale ou não a pena no futuro, na próxima revisão constitucional, criar algum órgão deste género. Entendemos que não, como, aliás, já entendíamos anteriormente.
De facto, a comunicação social numa sociedade adulta, como a nossa, não precisa de qualquer órgão de tutela. A própria Lei Penal já é suficiente para os crimes de abuso de liberdade de imprensa. E a haver qualquer órgão ele deverá ser um órgão prestigiado vindo dos próprios meios de comunicação social e das instituições que mereçam credibilidade, como era o caso do Conselho de Imprensa, e terá de tomar outra vez vida na nova configuração que vier a ser assumida para efeitos deontológicos e quaisquer outros relacionados com a existência do órgão para supervisionar alguns aspectos da comunicação social.
Mas o que sucede neste momento é que existe uma lei, um normativo, a que não corresponde qualquer sanção, isto é, um preceito importante da lei que diz que as deliberações da Alta Autoridade para a Comunicação Social devem ser obrigatoriamente publicadas ou publicitadas, se não o forem não há qualquer sanção. Portanto, não é uma norma jurídica mas, sim, uma mera recomendação e um mero convite que a comunicação social desconhece quando é do seu interesse fazê-lo.
Ora, das duas uma: ou tiramos esta norma do contexto da lei e tudo acaba bem ou, então, vamos mante-la e se o fizermos temos de fazer corresponder-lhe uma sanção. Entendemos que a norma tem uma tradição, a norma existe e não foi inventada de novo, vem já de outras leis e que em todo o lado em que haja organismos e normas desta natureza a elas corresponde uma sanção. Entendemos até que esta coima que agora é fixada fica aquém daquilo que é proposto na Lei de Imprensa e no Código Penal. Porque hoje, da maneira como está redigido este projecto de lei, pode-se dar o caso de um órgão de comunicação social ser condenado, digamos entres aspas, pela deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social para publicar uma determinada deliberação e o órgão de comunicação social não publicar e preferir pagar a coima. Isto é, o PSD quer que se pague a coima entre 100 e 1000 contos e um órgão de comunicação social pode dizer «sim senhor, pago 100 contos, mas continuo a não

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publicar a deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social!»

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Portanto, a lei ainda está incompleta, para nós, e tem de ser revista na especialidade para não haver este aspecto de um órgão de comunicação social ficar satisfeito ou satisfazer aparentemente a letra da lei, pagando a coima, mas furando, digamos assim, o seu espírito, isto é, não publicando a deliberação.
Assim, temos de ver os montantes, temos de ver as várias maneiras de fazer cumprir a lei enquanto ela existir, mas também com a certeza de que não foi o CDS-PP que trouxe a Alta Autoridade para a Comunicação Social para a vida nacional, está contra ela e na próxima revisão constitucional bater-se-á pela sua extinção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate sobre o projecto de lei n.º 368/VI (PSD).
Srs. Deputados, nos termos regimentais, vamos proceder, de imediato, à votação do projecto de resolução n.º 72/VI - Livro Branco sobre o Sistema Fiscal (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. António Lobo Xavier (CDD-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para informar que o meu partido fará chegar à Mesa uma declaração de voto que explique o sentido do nosso voto e que sublinhe que as nossas sugestões foram acolhidas.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 368/VI- Altera a Lei n.º 15/90, de 30 de Junho (Atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social), apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, apenas para informar que vou fazer seguir para a Mesa uma declaração de voto sobre esta votação.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, que é a apreciação da proposta de resolução n.º 30/VI, que aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República de Malta.
Para uma intervenção, como relator, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 30/VI, que aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República de Malta. Com o fim de estabelecer serviços aéreos entre os respectivos territórios, Portugal e a República de Malta assinaram em Lisboa, a 22 de Janeiro de 1993, um acordo de transportes aéreos. Penso que neste momento deve ser realçado que ambos os Estados são parte da convenção sobre aviação civil internacional, que foi aberta a assinatura em Chicago a 7 de Dezembro de 1944.
O acordo em apreço versa as áreas fundamentais e usualmente contempladas em acordos desta natureza, sobretudo em áreas relacionadas com o direito de exploração, revogação, suspensão e limitação de direitos, certificados de navegabilidade e segurança, entre outras. É de salientar também que o acordo estipula que qualquer emenda ao mesmo será registada junto da organização da aviação civil internacional.
De acordo com o artigo 2.º do Acordo de Transportes Aéreos, cada parte contratante nomeará uma empresa que, obviamente, é designada para dar seguimento àquilo que foi acordado em cada rota específica. Gostaria de referir duas ou três áreas. Uma delas tem a ver com o sobrevoar sem aterrar no território da outra parte contratante, aterrar no referido território para fins não comerciais e, aterrar, também no referido território, com o fim de desembarcar e embarcar passageiros, correio e carga provenientes ou com destino a pontos nas rotas especificadas, sob reserva das disposições deste acordo e do seu respectivo anexo. O documento foi apreciado na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e a mesma decidiu aprová-lo por unanimidade a fim de ser discutido em Plenário.
Em relação a esta matéria, Sr. Presidente, gostaria ainda, se me permite, de fazer alguns comentários da importância e da relevância de acordos desta natureza. Penso que em primeiro lugar, e atendendo ao País em apreço...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está a fazer uma intervenção? Dei-lhe a palavra para apresentar a síntese do relatório!

O Orador: - Sr. Presidente, faço as duas coisas em simultâneo, se mo permite.

O Sr. Presidente: - Não havendo objecções, faça favor de continuar.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, gostaria de realçar a posição estratégica da República de Malta no âmbito do Mediterrâneo. Penso que desempenha um papel importante nesta área.
Em segundo lugar, gostaria de referir que o estabelecimento de meios de comunicação representam, na-

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turalmente, um passo importante para um melhor relacionamento entre povos e esta tem sido uma tónica da parte da União Europeia e também de Portugal.
Outro aspecto importante, que será mais um vector histórico, é o facto de realçar a importância da Ordem de Malta e dos vários grão-mestres portugueses, citando, entre outros, os grão-mestres Pinto da Fonseca e Manuel de Vilhena, que foram figuras extremamente importantes, no passado, sobretudo no capítulo da arquitectura, que ainda hoje é manifestamente visível e positiva na República de Malta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de referir ainda que um acordo de transporte aéreo implica novas oportunidades na área do turismo, nas trocas comerciais e no relacionamento entre os povos, bem como no comércio e movimento de pessoas que pode ser desenvolvido através da autorização que confere a possibilidade de aterrar nestes países para o manuseamento de cargas e o transporte de pessoas provenientes ou com destino a outros pontos do globo.
Daí a razão de pensarmos ser extremamente oportuno e positivo para o nosso País e para mais uma via de comunicação, que abre, no contexto europeu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, como autor da iniciativa legislativa, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Martins Jerónimo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Acordo de Transporte Aéreo entre Portugal e Malta foi assinado em Lisboa, como é sabido, no dia 22 de Janeiro de 1993, durante a visita a Portugal do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Malta.
Como é igualmente sabido, Portugal e Malta são partes da Convenção sobre Aviação Civil Internacional e concluíram o presente Acordo com o fim de estabelecer serviços aéreos entre os respectivos países.
O Acordo tem, assim, como objectivo a concessão de direitos para o estabelecimento e exploração de serviços aéreos internacionais regulares pelas respectivas companhias aéreas, constituindo deste modo um instrumento de aproximação entre os dois países. A sua assinatura insere-se no objectivo global de internacionalização da economia portuguesa.
Importa sublinhar que este acordo assenta no princípio da uma designação, que prevê que cada uma das partes contratantes indique apenas uma empresa transportadora aérea para explorar as rotas constantes do anexo ao Acordo.
Do seu conteúdo, permito-me destacar os seguintes aspectos: a partilha de capacidades e a correspondente fixação de critérios; a definição de critérios sobre a fixação de tarifas; o quadro das rotas a explorar. E permito-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, concluir que o estabelecimento de ligações aéreas regulares com Malta permitirá potenciar voos provenientes e dirigidos para países terceiros, intensificando, nomeadamente, como já foi referido, entre outros, os fluxos turísticos, as trocas comerciais e, em geral, a circulação de pessoas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros, é nosso entendimento que este acordo de transporte aéreo entre Portugal e Malta, na medida em que abre novas rotas para a transportadora aérea nacional, pode ser positivo e contribuir para dar resposta, em certa medida e de forma limitada, mas dá alguma resposta, à situação de crise que vive o sector. Contudo, para que este desiderato tenha plenos efeitos, importa esclarecer algumas questões.
A primeira questão tem a ver com a compatibilização entre este Acordo bilateral e o terceiro pacote de liberalização dos transportes aéreos da Comunidade Europeia. Como o Sr. Subsecretário de Estado sabe, a Comunidade Europeia prevê nesse pacote., em matéria de acordos bilaterais, a reserva para si de intervir na gestão desses acordos, o que eventualmente significa intervir na exploração dessas rotas.
Pergunto: como se compatibiliza este Acordo bilateral com o terceiro pacote de liberalização dos transportes aéreos? Gostaria ainda de saber se o Governo prevê partilhar com a Comunidade Europeia partes desta rota, deste Acordo, ou se reserva, em condições exclusivas, para Portugal e para a empresa transportadora que for designada a exploração exclusiva da rota agora aberta.
A segunda questão tem a ver com a empresa transportadora que o Acordo prevê vir a ser designada pelo Governo. Como é que o Governo pensa resolver esta questão? Pensa entregar, como entendemos que deve ser feito, a exploração da rota à transportadora aérea nacional, a nossa companhia de bandeira, ou vai abrir concurso público, entregando-a, porventura, a outras entidades privadas?
Ora, como é óbvio, entendemos que a exploração dessa rota deve ser entregue à transportadora aérea nacional, pois esta tem experiência, meios humanos e técnicos para o fazer, e não a qualquer outra empresa, mesmo que seja por concurso público. No entanto, gostaria de ouvir a resposta do Governo.
A terceira questão liga-se de algum modo com esta.
A SATA tem, penso eu, um acordo pontual com o Governo de Malta, razão por que se encontra lá um avião estacionado. Pergunto: como se inscreve esta relação da SATÃ com Malta neste Acordo? Significa isso, na linha daquilo que perguntei há pouco, que o Governo prevê entregar a exploração desta rota directamente à SATÃ, ou que prevê partilhá-la com as várias companhias?
Ficamos por aqui, dizendo que, em nossa opinião, o acordo é potencialmente positivo, mas fica pendente das respostas que o Governo vier a dar às questões que acabamos de colocar.

O Sr. Presidente: - Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros, há ainda um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

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A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvi com atenção a sua exposição e, no que diz respeito a uma política de negócios estrangeiros, compreendo perfeitamente, e secundo, a vantagem da melhoria do estreitamento das relações entre Portugal e Malta. No entanto, naquilo que se refere à política de transportes, para além da questão sobre o terceiro pacote de liberalização do transporte aéreo, que corresponde a um compromisso de Portugal, questão já colocada pelo Sr. Deputado que me antecedeu, gostaria de fazer-lhe uma pergunta.
A questão tem a ver com a intenção, ou não, da transportadora aérea portuguesa, ou de qualquer empresa de transporte aéreo português, explorar esta rota, na medida em que o Acordo estipula que cada parte contratante poderá não aceitar a designação de uma empresa sempre que tenha razões para crer que uma parte substancial da propriedade e o controlo efectivo dessa empresa não pertencem ao país que a designou ou a nacionais seus. Portanto, gostaria de perguntar-lhe se há alguma empresa portuguesa, em particular a TAP, com a intenção de explorar de facto esta rota estabelecida por este Acordo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em primeiro lugar, gostaria de referir que o Governo não vê qualquer incompatibilidade, ou possibilidade de incompatibilização, entre este Acordo bilateral, sobre o qual a Câmara agora se pronuncia, e o pacote a que fez referência. O Acordo em causa é celebrado entre os dois Estados e nos termos do mesmo nada pode levar a que se venha a verificar, ou se verifique no momento, qualquer incompatibilidade, como foi apontado pelo Sr. Deputado.
Quanto à segunda questão...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Subsecretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Subsecretário de Estado, a questão tinha uma outra componente, que, embora não seja polémica, gostaria de ver esclarecida.
O problema é que o terceiro pacote de liberalização prevê que, em sede de acordos bilaterais, a União Europeia possa intervir na gestão desses arranjos. Como é que isto será feito neste caso concreto?

O Orador: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, de uma forma muito simples: nada está regulamentado sobre essa matéria. E, volto a insistir, este é um acordo bilateral sem qualquer interferência, pelo menos não tem aquela que o Sr. Deputado pretende que tenha, no tocante ao pacote que acabou de referir. Insisto neste ponto: não há qualquer incompatibilidade entre o Acordo agora sujeito a debate nesta Câmara e o pacote que referiu.
Quanto à segunda questão, parece evidente que a transportadora aérea nacional seja a empresa que, como empresa de bandeira que é, venha a assumir efectivamente esta rota, ou as rotas constantes do Acordo. É o que lhe posso referir em concreto.
No presente Acordo, não há qualquer dado que leve à indiciação - nem poderia haver, tendo em conta os termos em que o mesmo se encontra elaborado - de que o Governo não tenha, obviamente, a preocupação de defender os legítimos interesses e expectativas da transportadora aérea nacional.
Quanto à terceira questão, relativa ao acordo existente com a SATÃ, também não vejo, Sr. Deputado, nem eu nem o Governo, qualquer relação entre o presente Acordo celebrado entre o Governo português e o Governo de Malta que venha a colidir com a situação por si descrita.
É tudo quanto posso responder-lhe, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas ainda não respondi à Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Subsecretário de Estado.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Peço desculpa, mas não foi por menor consideração, nem tão-pouco por esquecimento, que não referi a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho. É que penso ter já respondido às dúvidas suscitadas pela Sr.ª Deputada quando respondi ao Sr. Deputado Lino de Carvalho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Não! Não respondeu!

O Orador: - De facto, não há no Acordo qualquer dado que leve a considerar-se em perigo a concessão, ou a atribuição, ou a exploração das rotas nele previstas por parte da transportadora aérea nacional.
É tudo quanto posso responder, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em todo o caso, tenho pena que não esteja presente o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações para nos poder, mais directamente, responder sobre o estabelecimento ou não da rota Lisboa/Malta prevista neste Acordo, porque, de facto, não ficamos esclarecidos quanto a estar ou não nos planos do Governo português vir realizá-lo.
O Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República de Portugal e o Governo de Malta, que somos hoje aqui chamados a ratificar, destina-se a estabelecer serviços aéreos entre Portugal e Malta. Não são fixados prazos para o efeito, pelo que tal estabelecimento pode ou não ocorrer a curto ou a médio prazos. É, no entanto, definido que os serviços aéreos entre os dois territórios só possam ser realizados por uma companhia aérea a designar pelas autoridades aeronáu-

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ticas de cada um dos países contratantes. No caso de Malta, já foi comunicado a Portugal que seria a companhia Air Malta designada para o efeito. No caso de Portugal, tal designação ainda não terá sido formalizada.
O Acordo estipula, no entanto, que cada parte contratante poderá não aceitar a designação de uma empresa de que parte substancial da propriedade e controle efectivo não pertença ao pais que a designou ou a nacionais seus, portanto, não pode delegar na União Europeia. O Acordo especifica, em anexo, os serviços aéreos internacionais que são concedidos e respectivas rotas, e confere os direitos de sobrevoar e aterrar nos respectivos territórios. Não é, no entanto, conferido qualquer direito à empresa de uma parte contratante para embarcar passageiros, carga ou correio no território da outra parte contratante destinados a outro ponto do mesmo território.
Aplicar-se-ão, sem distinção de nacionalidade, as leis e regulamentos de entrada e saída de aeronaves, assim como os relativos à sua exploração e navegação. São concedidas, por qualquer dos países, isenções recíprocas de direitos aduaneiros às aeronaves, combustíveis, peças sobressalentes e provisões de bordo, assim como o direito da transferência dos resultados económicos da exploração. São fixados compromissos mútuos de segurança da aviação civil.
As empresas designadas por ambas as partes contratantes terão justa e igual oportunidade de exploração dos serviços acordados nas rotas especificadas entre os respectivos territórios. As frequências e capacidade assim como os programas dos serviços acordados e condições de exploração serão submetidas à aprovação das entidades aeronáuticas de ambos os países.
As tarifas a aplicar por cada uma das empresas serão fixadas por acordo entre elas e devem ser, na medida do possível, utilizados os procedimentos da Associação de Transportes Aéreos Internacionais para a elaboração de tarifas. As tarifas assim acordadas serão submetidas às autoridades aeronáuticas de ambos os países. Portanto, não há qualquer liberalização.
As rotas a explorar pelas empresas designadas por Portuga] e Malta incluem a exploração nos dois sentidos de serviços entre Lisboa e Malta com um eventual ponto intermédio entre estas duas cidades assim como um ponto além. Para a empresa designada por Portugal, este ponto será para além de Malta e, para a empresa designada por parte de Malta, o ponto suplementar será para além de Lisboa. No entanto, carecerá de acordo a estabelecer entre as empresas designadas e a aprovar pelas autoridades aeronáuticas o tráfego de passageiros entre o território da outra parte e os pontos intermédios ou além.
Este Acordo foi assinado pelos representantes dos governos de Malta e Portugal a 22 de Janeiro de 1993 (como já aqui foi referido), tendo sido aprovado em Conselho de Ministros em 3 de Junho do mesmo ano. A sua ratificação por esta Assembleia permitirá a sua entrada em vigor e a designação eventual por Portugal da empresa aérea portuguesa autorizada a realizar os respectivos serviços. Desconhecemos se tais rotas fazem parte dos planos da reestruturação da TAP! Desconhecemos se há intenção de explorar estas rotas por parte de qualquer empresa aérea portuguesa! Entendemos que os compromissos assumidos por Portugal, no quadro da União Europeia e no âmbito da política aérea, não serão inteiramente compatíveis com a aplicação do presente Acordo.
A aprovação deste Acordo, no entanto, corresponde à abertura de uma rota europeia extra-comunitária situada num eixo de destinos turísticos que poderá ser útil a Portugal, pelo que o PS não se oporá à sua ratificação.

Vozes do PS: - Muito bem! Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Dado que não há mais inscrições, declaro encerrado o debate sobre a Proposta de Resolução n.º 30/VI, que respeita à ratificação do Acordo de Transporte Aéreo entre a República Portuguesa e a República de Malta.
Passamos agora à proposta de resolução n.º 31/VI, que aprova para ratificação, a Convenção de Revisão da Convenção que Cria o Instituto Universitário Europeu.
Vou dar a palavra ao Sr. Deputado relator...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, não há relatório sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, não havendo relatório, também não há deputado relator.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, não há relatório porque só ontem isto foi entregue na Comissão de Negócios Estrangeiros. De qualquer maneira, penso que não há obstáculos a que seja discutido.

O Sr. Presidente: - É evidente que não há qualquer obstáculo.
Para uma intervenção, na qualidade de autor da iniciativa, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção de Revisão da Convenção que Cria o Instituto Universitário Europeu, assinada em Florença em 18 de Junho e 17 de Setembro de 1992, altera a Convenção Relativa à Criação do Instituto Universitário Europeu e foi aprovada, para adesão, pela resolução da Assembleia da República n.º 22/89, de 19 de Maio.
Como é sabido, o Instituto Universitário Europeu é, na sua génese, uma instituição universitária de âmbito comunitário que atribui graus de mestrado e certificados de frequência de cursos de pós-graduação, tendo Portugal ao mesmo aderido em 1989. Este Instituto foi criado como fórum de reflexão e de contribuição para a actividade intelectual da Europa, sendo de realçar a sua missão de contribuir, particularmente, para o desenvolvimento do património académico e cultural europeu, na sua unidade e diversidade. Nos últimos tempos, tem-se assistido à abertura do Instituto aos países da Europa Central, Oriental e nórdicos, em particular.
O processo de revisão da Convenção Relativa à Criação do Instituto Universitário Europeu foi iniciado em 1991. Trata-se, assim, de uma revisão da convenção de 1972, no que respeita ao funcionamento interno do Instituto, nomeadamente quanto aos órgãos académicos e processos de decisão interna.
As alterações aos artigos 2.º, 6.º, 7.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º e 23.º visam tornar mais actuante a missão do Instituto, fundamentalmente, por duas vias, que

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me permito sublinhar: a primeira, através de um alargamento dos domínios relativos à investigação e estudos e, a segunda, através da reforma da sua estrutura organizativa por via da institucionalização do conselho de investigação, que a tornará, naturalmente, mais participativa e actuante.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, queria começar por referir, acerca da inexistência de relatório, que o relatório foi distribuído ao PSD na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, mas que, por qualquer circunstância, a Sr.ª Deputada que tinha de fazê-lo não o fez.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Subsecretário de Estado Adjunto: Jean Monet não disse o que alguns lhe atribuem, que, se tivesse de recomeçar a construção das Comunidades Europeias, teria pegado em primeiro lugar na cultura. No entanto, o método gradualista da construção da União Europeia teve sempre para os «pais fundadores» uma forte componente educativa e cultural. Não será a grande riqueza da Europa aquela que decorre das diferenças e das complementaridades, da encruzilhada criadora das identidades e do pluralismo?
Nesse sentido, foi fundado em Florença em 1976, tendo como sede a extraordinária Badia Fiesolana de Cosme de Medícis, o Instituto Universitário Europeu, que radica a sua existência na tradição universitária de vários séculos da Europa, procurando, ainda que modestamente, reproduzir a estrutura autónoma e a concepção plurinacional, na linha da concepção original da Universidade europeia, constituída como universitas e composta por várias nações. Pretendeu-se, assim que o Instituto pudesse ser uma comunidade científica de estudantes, de investigadores, de professores, numa composição a um tempo interdisciplinar e plurinacional. Recordamos, afinal, as velhas universidades, como a nossa, portuguesa ou de Coimbra, sete vezes secular, e a influência da mobilidade medieval na difusão da ciência e na criação dos modernos quadros institucionais políticos e jurídicos. João das Regras, regressado de Bolonha ao lado do Mestre de Aviz, constitui exemplo que não pode deixar de vir à memória.
Tem havido, porém, dificuldades e hesitações no caso concreto do Instituto de Florença. Quando Walter Hallstein e Étienne Hirsch propuseram uma «universidade europeia», várias vozes se levantaram contra a ideia. No entanto, graças ao esforço dos primeiros presidentes do Instituto, Max Kohnstamm e Werner Maihofer, foi possível contornar essas naturais dificuldades e lançar o que actualmente existe: uma instituição centrada nos ciclos universitários terminais, dedicada à investigação europeia. Émile Noel, antigo Secretário-Geral da Comissão das Comunidades, prosseguiu e aprofundou, nesse sentido, tal vocação e tais tarefas.
Hoje estamos a debater, concretamente, a Convenção de Revisão da Convenção que Cria o Instituto Universitário Europeu. Não se trata, porém, de alterações de fundo mas, sim, de alguns ajustamentos tornados mais necessários e urgentes. Trata-se de reforçar o «pluralismo cultural e linguístico da Europa e as relações com as culturas diversas da Europa» - elemento essencial para reforçar a ideia aberta de construção europeia, compatibilizando-a com a evolução do mundo actual, onde a mobilidade e o diálogo de culturas são realidades incontornáveis, já que, ao falarmos de cultura da Europa, é, por excelência, de uma realidade aberta. E aberta não só às outras civilizações mas também à «Europa fora da Europa», extensão natural do velho continente, que estamos a referir.
Por outro lado, realçam-se os programas de investigação de carácter interdisciplinar respeitantes às principais questões com que se depara a sociedade europeia contemporânea, nomeadamente as relacionadas com a construção da União Europeia. Reforça-se a componente da investigação, cria-se um Conselho de Investigação ao lado do Conselho Superior, do Presidente do Instituto e do Conselho Académico, prevêem-se os centros interdisciplinares - e aqui trata-se de uma das inovações a criar pelo Conselho Superior após consulta do Conselho Académico e do Conselho de Investigação -, passando o presidente do Instituto a ser nomeado por cinco anos, em lugar dos actuais três, pelo Conselho Superior, após consulta do Conselho Académico. O Conselho Superior pode ainda deliberar, sob parecer do mesmo Conselho Académico e por unanimidade, prolongar o mandato do presidente por um período máximo de três anos.
Cria-se ainda um Comité Executivo, que procura ser operacional e expedito, que exercerá as funções específicas que lhe são confiadas pelo Conselho Académico.
Por fim, o Instituto passa a ter a possibilidade de atribuir um título, de nível inferior ao doutoramento, aos investigadores que tiverem completado pelo menos durante um ano de estudos e satisfaçam os requisitos específicos para a obtenção desse título.
Pretende-se, pois, neste conjunto de alterações, conceder maior operacionalidade no funcionamento do Instituto Universitário Europeu, reforçar a vertente interdisciplinar e favorecer a mobilidade e a ligação entre o Instituto e a formação dada pelas Universidades europeias.
Permita-se-me, porém, que vos diga que ainda estamos muito aquém do necessário, como tem sido reconhecido, não só pelos dirigentes do Instituto mas também pelos universitários europeus.
Concordamos com a Convenção que hoje estamos a discutir e votaremos favoravelmente, mas entendemos que o modelo actual carece de aperfeiçoamentos, porque não funciona como todos desejaríamos.
Há que definir claramente se se pretende que o Instituto Universitário Europeu de Florença seja o primeiro pólo de uma rede de institutos e universidades na Europa, numa lógica comunitária, à luz de um projecto pan-europeu, ou se se pretende ligar o Instituto às universidades existentes, em termos de complementaridade, num sistema de pós-graduações, de mestrados e doutoramentos, que sigam e continuem naturalmente os graus atribuídos pelas universidades europeias.
Há ainda que favorecer e incentivar a mobilidade de estudantes e professores, através de estadias de curta duração no Instituto, que permitam um maior intercâmbio de experiências, de conhecimentos e um autêntico diálogo entre culturas, identidades e comunidades científicas.
Por outro lado, será aconselhável a criação de um sistema de assessoria, a prestar pelo Instituto Universitário Europeu às universidades nacionais no tocante ao estudo, investigação e intercâmbio relacionados com a construção europeia, considerando até o riquíssimo património documental do Instituto Universitário Europeu,

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absolutamente único no que se refere à história da União Europeia.
Deixo-vos estas reflexões, que entendo oportunas neste momento, até para que, no futuro, possamos dar passos mais audaciosos do que aqueles que aqui vamos aprovar para ratificação.
Todos desejamos, afinal, que o Instituto se torne um pólo de excelência para algumas grandes questões da investigação universitária e que «constitua a referência necessária para enriquecer a reflexão dos homens de acção, que lhes permita ter a distância indispensável» relativamente às questões que têm para resolver, como afirmou o Presidente Jacques Delors na nona Conferência Jean Monnet promovida pelo Instituto.
O Instituto Universitário Europeu necessita, assim, do empenhamento dos países subscritores da Convenção no sentido de o transformar numa pedra essencial para a construção europeia. Não nos podemos pôr de lado nessa tarefa!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Subsecretário de Estado: A primeira observação que nos suscita a proposta de resolução n.º 31/VI, que visa aprovar, para ratificação, a Convenção de Revisão da Convenção que Cria um Instituto Universitário Europeu, é que ela se apresenta sem qualquer fundamentação que justifique as alterações propostas - e que as palavras que o Sr. Subsecretário de Estado proferiu há momentos não são suficientes para esclarecer.
É verdade que alguns dos artigos da proposta parecem querer introduzir alterações cuja validade parece evidente, como é o caso da proposta de alteração do n.º 1 do artigo 2.º, em que se formula, de forma mais completa que anteriormente, o âmbito de actividade de investigação do Instituto.
Também parece pertinente a alteração proposta para o artigo 9.º, em que se prevê o alargamento do Conselho Académico em termos que aumentaria a sua representatividade.
Entretanto, outras propostas, pelo menos, sem uma justificação que as suporte, não serão de tão fácil aceitação. É o que se passa com o artigo 4.º. Na Convenção aprovada em 1989 o Presidente do Instituto é escolhido pelo Conselho Académico. Na proposta hoje em debate, o Conselho Académico deixa de propor quaisquer nomes, passando apenas a ter direito a uma consulta que o Conselho Superior efectuará antes de escolher o presidente. Trata-se, portanto, de uma diminuição das competências do Conselho Académico que nos merece reservas.
Outro exemplo é o do mandato do Presidente do Instituto, cuja duração era de três anos e é aumentado para cinco. Trata-se de uma intenção que poderá justificar-se plenamente na experiência colhido pelo Instituto, mas tal hipótese carece de fundamentação.
Em suma, o Governo não nos faculta elementos para analisar convenientemente as propostas e que permitam concluir pela sua eventual vantagem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: As dúvidas que se nos colocam quanto à proposta de resolução n.º 31/VI não se esgotam contudo em aspectos estatutários ou de regulamentação do Instituto. Em nosso entender, esta oportunidade justifica que coloquemos outras questões.
Como é conhecida, a adesão, aliás tardia, de Portugal ao Instituto Universitário Europeu, mereceu o consenso desta Assembleia. E compreende-se que assim tenha sido na medida em que a adesão ao Instituto de Florença representou a abertura de perspectivas novas de intervenção de Portugal na Europa nas áreas da cultura e da investigação. Parece-nos, no entanto, que o papel do Parlamento não pode esgotar-se na aprovação da Convenção ou de alterações à mesma.
Em nosso entender, o Governo deveria manter a Assembleia da República devidamente informada, com dados concretos sobre o modo como decorrem as actividades do Instituto, sobre os projectos em curso, sobre o conteúdo das propostas que Portugal aí defende, o modo como tem exercido o seu direito de voto, o número de portugueses que desenvolvem actividades no Instituto, os graus académicos obtidos por investigadores portugueses nos projectos do Instituto, etc.
São questões da maior importância, mas sobre as quais o Governo pouco ou nada esclarece, tal como não nos esclarece sobre a evolução da participação de Portugal nas actividades científica e cultural europeias, tal como não nos esclarece sobre o ponto em que se encontra a língua portuguesa do ponto de vista do seu desenvolvimento e divulgação.
O Governo não nos esclarece nesta matéria porque não quer que lhe lembremos que, em sede de discussão do Orçamento do Estado para 1994, nas áreas da educação, da cultura e da investigação, revelou a mais completa falta de coordenação entre a Secretaria de Estado da Cultura, o Ministério da Educação, o dos Negócios Estrangeiros e o do Planeamento e Administração do Território. O Governo não quer que lhe lembremos que a língua e a cultura portuguesa são cada vez menos difundidas nos países africanos de língua oficial portuguesa, enquanto se verifica o crescente empenhamento de outros países na difusão das suas língua e cultura, como acontece com a França, a Itália ou com o Brasil. O Governo não quer que lhe lembremos que muitos dos nossos investigadores têm de procurar no estrangeiro as condições que no seu País não encontram para poderem desenvolver cabalmente a sua actividade.
A verdade que o Governo procura ocultar é que não possui nem estratégia nem capacidade para levar a cabo uma política de desenvolvimento e divulgação da cultura, nem para promover a investigação.
Estas são realidades que a nossa participação no Instituto Universitário Europeu, por mais positiva que seja, não consegue disfarçar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ter ouvido as intervenções do Deputado Guilherme d'Oliveira Martins e do Sr. Subsecretário de Estado, serei muito breve.
De alguma maneira, o PSD gostaria de realçar a inclusão do pluralismo cultural e linguístico da Europa

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nesta nova versão da Convenção que cria um Instituto Universitário Europeu e a ênfase dada às relações com outras culturas e à construção europeia.
Para além disso, quero realçar também a criação de um Conselho de Investigação e a alteração do mandato do Presidente para cinco anos, o qual poderá ser prorrogado por mais três anos.
Importa ainda salientar a alteração, feita em sede da presente proposta de resolução, da composição e da competência do Conselho Académico, bem como a possibilidade aí referida de atribuição de níveis inferiores ao mestrado pelo Instituto.
A última norma tem a ver com a forma de entrada em vigor do diploma, ou seja, no primeiro dia do mês seguinte ao da data da última ratificação, aceitação ou aprovação de acordo com o Direito Constitucional dos Estados contratantes.
A derradeira observação que gostaria de fazer tem a ver com a referência feita pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins no início da sua intervenção. Não se trata de menor cuidado de colegas do PSD, mas tão-só de se entender que esta matéria, como muitas outras que tinham sido referidas, diria respeito à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e não à Comissão de Educação, Ciência e Cultura. Foi apenas essa a razão por que foi atribuída a um membro da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, no caso eu próprio, e não a um membro da Comissão de Educação, Ciência e Cultura a competência para falar, em Plenário, da matéria.
Impunha-se este esclarecimento face à intervenção do Sr. Deputado.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, aceitamos, naturalmente, as suas explicações, que não nos foram dadas atempadamente na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Quero apenas, a título de pedido de esclarecimento, solicitar-lhe que nos diga alguma coisa mais sobre as informações, que certamente todos nós, parlamentares, desejamos, relativamente à participação portuguesa no Instituto Universitário Europeu, designadamente em relação ao funcionamento de uma cátedra especialmente vocacionada para a divulgação e investigação da língua portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, entendo que a sua pergunta tem algum interesse.
De qualquer forma, penso que já na intervenção do Sr. Subsecretário de Estado terá sido aflorado algum desses problemas e que ninguém melhor do que o Governo poderá responder a essa questão. Poderia dar-lhe conta de algumas posições que vou ouvindo sobre dadas questões, mas penso que o Governo poderá neste caso, se o entender, assumir melhor essa posição e contribuir para o esclarecimento de uma matéria que, segundo julgo, estará, de alguma maneira, coberta pelos seus conhecimentos.
Penso, assim, que a sua pergunta não passa de uma questão retórica, ou seja, quase uma pergunta para lhe responder aquilo que o Sr. Deputado tem a certeza já de saber. Sem curar, pois, do tempo que já passou, talvez seja melhor ou deixar a resposta para o Governo ou deixá-lo com as suas próprias convicções e os seus próprios conhecimentos nesta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É difícil dizer muito mais do que foi dito pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, mas seria estranho que o CDS-PP não emprestasse a sua palavra para manifestar o gosto com que participa na organização destas manifestações da Europa da cultura, da Europa que une e põe em segundo plano as outras realidades mais materiais e menos consensuais.
Há ainda uma segunda nota que não queria deixar de explicitar, que é a nota da experiência pessoal e sobretudo da Faculdade a que pertenço, que tem já uma longa e estreita ligação com o Instituto. Vários membros da minha Faculdade passaram nesse Instituto: uns especializaram-se em matérias comunitárias e são hoje alguns dos maiores especialistas nessa matéria- alguns deles, mesmo já desaparecidos, frequentaram com muito brilho o Instituto, facto que eu não gostaria que ficasse aqui esquecido.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, ao fim e ao cabo, manifestar a expressa discordância do Governo- embora com todo o respeito que nos merece a intervenção do Sr. Deputado Paulo Rodrigues - relativamente à afirmação por este produzida no sentido da falta de articulação no domínio da divulgação da língua e da cultura portuguesas, em especial, como expressamente referiu, da falta de articulação entre três departamentos governamentais, como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Secretaria de Estado da Cultura e o Ministério da Educação.
Cumpre-me lembrar ao Sr. Deputado Paulo Rodrigues fundamentalmente o seguinte: como é sabido - e disso terá, obviamente, conhecimento -, o Governo tem feito um esforço particularmente relevante no domínio da difusão da língua e da cultura portuguesas, tendo corporizado tal esforço na criação do Instituto Camões, instituto esse que congrega em si, ao fim e ao cabo, todos os instrumentos necessários à referida difusão da língua e da cultura.

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Não queria deixar de lembrar ao Sr. Deputado que o decreto-lei que prevê e consagra o Instituto Camões refere, expressamente - e a isso foi dado corpo -, uma perfeita articulação, do ponto de vista institucional, entre os três departamentos governamentais. Não é por acaso que um dos vice-presidentes do Instituto Camões é um representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros e também não é por acaso, Sr. Deputado, que um dos elementos integrantes da Assembleia Geral do Instituto foi indicado pelo Secretário de Estado da Cultura.
Não posso também deixar de referir, neste momento, que esse esforço se torna mais evidente com a recente reestruturação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em que numa perspectiva, mais uma vez, de perfeita articulação e interligação entre os vários departamentos do Governo - áreas da Cultura, da Educação, e do Ministério dos Negócios Estrangeiros -, se adoptou o Instituto Camões como instrumento privilegiado de política externa do nosso país, exactamente para a difusão da nossa língua e da nossa cultura.
Lembro também ao Sr. Deputado que em 1993, ainda na dependência directa do Sr. Ministro da Educação, o Instituto Camões não deixou, em perfeita articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Educação e o Governo de Macau, de abrir - ou de reabrir, se quiser- os centros culturais da região do Índico e Pacífico, concretamente em Pequim, Tóquio, Nova Deli, Seul e Bangcoque, num claro exemplo de esforço colectivo entre, no caso concreto que acabo de referir, o Governo de Macau e o Governo da República.
Não podia por isso, Sr. Deputado, deixar passar em claro a referência que fez à falta de articulação e à falta de esforço do Governo - este tem vindo a fazê-lo, como acabei de referir - no sentido da difusão da cultura e da língua portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate da proposta de resolução n.º 31/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção de Revisão da Convenção que cria um Instituto Universitário Europeu.
As duas últimas iniciativas que hoje debatemos, ou seja, as propostas de resolução n.ºs 30/VI e 31/VI serão votadas, ao abrigo das disposições regimentais, na próxima quarta-feira.
Lembro aos Srs. Deputados que amanhã o Plenário funcionará às 10 horas. Em debate estarão os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 41/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a Irlanda para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre o Rendimento, bem como o respectivo protocolo; ratificação n.º 95/VI (PCP) - Decreto-Lei n.º 237/93, de 3 de Julho, que prevê a celebração de convenções de arbitragem com os doentes infectados com o vírus da imunodeficiência humana (VIH); e ratificações n.ºs 987 VI (PCP) e 99/VI (PS)- Decreto-Lei n.º 333/93, de 29 de Setembro, que aprova a Lei Orgânica do Instituto Português da Juventude, que terão discussão conjunta.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 hora e 40 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do
projecto de lei n.º 368/VI - Altera a Lei n.º 15/90, de 30 de Junho (Atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social) (PSD).
A problemática da Comunicação Social merece, sem qualquer dúvida, uma atenção especial. O seu papel na sociedade é fundamental para a consolidação do regime democrático, para o esclarecimento e formação do público, devendo, para isso, na minha opinião, manter altos padrões de independência, de rigor e de objectividade. E os jornalistas não podem, não devem, considerar-se como uma classe à parte, acima de todos os outros cidadãos.
Jornalismo é um só. Os critérios é que variam, uns mais profundos e mais especializados; outros - infelizmente poucos - mais preocupados com reportagens credíveis de carácter social; outros, mais ou menos noticiosos e ainda há critérios sensacionalistas discutíveis. Em Portugal, há boa e má Imprensa, há bons e maus jornalistas, como acontece em todos os sectores da sociedade.
Mas uma verdade não pode ser escamoteada: temos liberdade de Imprensa e todas as tentativas para a limitar constitui um verdadeiro atentado à Constituição, à Democracia.
Se algum órgão de Comunicação Social, se algum jornalista viola regras deontológicas, éticas ou legais, instrumentos existem capazes de actuarem no sentido de repor a verdade dos factos. Tentar impor, apenas, medidas punitivas não nos parece ser o método mais adequado.
Em Portugal, houve algumas boas experiências, nomeadamente através do Conselho de Imprensa e do Conselho de Comunicação Social. Eram órgãos sérios, com uma actuação muito positiva e independente e, exactamente por isso, o PSD, os governos de Cavaco Silva tiveram pressa em extingui-los com o lamentável apoio e ajuda do Partido Socialista no tocante ao Conselho de Comunicação Social.
Em seu lugar surgiu a Alta Autoridade para a Comunicação Social cujas atribuições e competências, bem como a sua própria composição, não suprem a eficácia e a independência dos Conselhos extintos, principalmente o Conselho de Imprensa cuja acção mereceu o respeito da classe jornalística e do público.
A Alta Autoridade para a Comunicação Social foi, desde o seu início, objecto de crítica. Devido à sua composição, trata-se de um organismo facilmente governamentalizado, tendo sido afastados do seu elenco, por exemplo, representantes dos sindicatos do sector, das associações de imprensa diária e não diária, representantes da Associação de Defesa dos Consumidores ou da Sociedade Portuguesa de Autores.
Existe um predomínio tendencial acentuado das maiorias parlamentares e dos governos, como muito bem foi referido pelo Sr. Presidente da República quando devolveu o diploma à Assembleia da República em 1990 por, entre outra argumentação, «se tratar de matéria suficientemente importante e de evidente melindre para a via democrática».
Acresce ainda que a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social mereceu por parte dos profisiso-

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nais da Comunicação Social uma forte contestação. Tem de ser melhorada, aproveitar-se o exemplo dos dois anteriores Conselhos e da própria Alta Autoridade e, então, dotar-se este órgão de competências mais alargadas e garantir, através de uma composição mais adequada, uma acção por certo mais independente e mais inovadora.
Não entende assim o PSD. Ao vazio criado na fiscalização, do rigor, da independência e do pluralismo nos Órgãos de Comunicação Social, o PSD não pretende introduzir melhorias na eficácia da Alta Autoridade, envereda pela vertente punitiva com um projecto de lei com endereço: um ou dois Órgãos de Comunicação Social que não contemplaram, possivelmente, as suas exigências e trata de os castigar. Mal vai a Democracia se os partidos maioritários impõem leis que apenas a si próprios interessa.
A Lei não pode estar à mercê de conjunturas e de conveniências políticas.
A Intervenção Democrática e eu próprio entendemos que se deve proceder à revisão global da Lei que criou a Alta Autoridade. Colher experiências válidas, como já referi, e, finalmente, dotar-se o País de um conveniente órgão fiscalizador e pedagógico no sector da Comunicação Social.
Iniciativas como esta do PSD em nada concorrem para a valorização da Alta Autoridade. Não pode, por isso, merecer o meu voto favorável.

O Deputado independente, João Corregedor da Fonseca. Rectificação ao n.º 25, de 13 de Janeiro de 1994

Nas págs. 853 e 854, 2.M cols., onde se lê « O Sr. Secretário de Estado da Justiça» deve ler-se «O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça».
Na pág. 853, 2.ª col., o penúltimo parágrafo, que começa em «Julgo que o que estamos a discutir» e termina em «é tomar a nuvem por Juno», é substituído pelo texto «Julgo que o que estamos a discutir é um pedido de autorização legislativa singelo, que vem instruído com o projecto de decreto-lei respectivo, o que o Governo não tinha obrigação de fazer. Agora, partir-se deste pequeno diploma, sem dúvida importante, para um debate sobre política de segurança, ou política de justiça, «é tomar a nuvem por Juno».
Na pág. 854, 1.ª col., 1. 7, onde se lê «a reinserção do delinquente é uma filosofia altamente humanizado-ra» deve ler-se «a reinserção do delinquente. É uma filosofia altamente humanizadora».

Entraram, durante a sessão, os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António da Silva Bacelar.
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Delmar Ramiro Palas.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Agostinho Ribau Esteves.
Luís António Carrilho da Cunha.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barrosa Pereira Dias.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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