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Quinta-feira, 10 de Fevereiro de 1994 I Série - Número 37
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE FEVEREIRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida
Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José de Almeida Cesário
José Mário Lemos Damião
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.ºs 88 e 89/VI, da proposta de resolução n.º 56/VI e de diversos requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS-PP) teceu considerações sobre a visita de alguns parlamentares ao Vale do Ave, tendo, em seguida, o Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) pedido esclarecimentos e dado explicações ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues (PS) que defendeu a consideração da bancada.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Luís Sá (PCP) abordou diversas questões relacionadas com o Plano de Desenvolvimento Regional.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) protestou contra o aumento do racismo e da xenofobia e respondeu depois a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Tomé (Indep.).
O Sr. Deputado Nuno Delerue (PSD) referiu-se à aplicação do 1.º Quadro Comunitário de Apoio, nomeadamente à avaliação do PEDIP e deu explicações aos Srs. Deputadas Almeida Santos e António Braga (PS).
Ordem do dia.- A Câmara reapreciou os Decretos n.ºs 126/I - Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira. 129/VI - Lei do Segredo de Estado, 130/VI - Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas) e 120/VI - Alteração da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro (Estatuto dos Magistrados Judiciais), tendo merecido aprovação as propostas, apresentadas pelo PSD, de expurgo das normas declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Guilherme Silva (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), Alberto Costa (PS), Odete Santos (PCP), Costa Andrade (PSD), António Filipe (PCP), Alberto Martins (PS), Lino de Carvalho (PCP), José Magalhães (PS), António Lobo Xavier (CDS), Cipriano Martins (PSD), Guilherme d'Oliveira Martins e José Vera Jardim (PS), Fernando Condesso (PSD) e João Amaral (PCP).
Procedeu-se à eleição do representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP para o Conselho de Administração da Assembleia da República.
A Assembleia aprovou dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados a deporem, por escrito, em tribunal.
Foram aprovadas, em votação global, as propostas de resolução n.º 30/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo de Malta, 31/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção de Revisão da Convenção que cria um Instituto Universitário Europeu e 41/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a Irlanda para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, bem como o respectivo Protocolo.
Os projectos de resolução n.ºs 85/VI (PCP) e 86/VI (PS) - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 333193, de 29 de Setembro [ratificações n.ºs 98/VI (PCP) e 99/VI (PS)] foram rejeitados.
Foram ainda aprovados os textos de substituição elaborados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alternativos às propostas de lei n.ºs 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral) e 87/VI - Altera a lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
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Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
António Monteiro de Castro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 88/VI - Lei de Bases da Justiça Militar e da disciplina das Forças Armadas e 89/VI - Estabelece o regime de queixas ao Provedor de Justiça em matéria de Defesa Nacional e Forças Armadas, tendo ambas baixado às 1.ª e 4.ª Comissões; proposta de resolução n.º 56/VI - Aprova o acordo relativo à modificação do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1984, respeitante à utilização pela República Francesa de certas facilidades na Região Autónoma dos Açores, que baixou às 3.ª e 4.ª Comissões; e projecto de lei n.º 376/VI - Alteração da designação da freguesia de Sobral de Papízios, que baixou à 5.ª Comissão.
Entretanto, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado António Guterres; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelos Srs. Deputados Alberto Cardoso e Ana Maria Bettencourt; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa; ao Ministério das Finanças, da Indústria e da Energia, do Emprego e da Segurança Social e da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Azevedo; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado José Costa Leite.
Srs. Deputados, informo, ainda, que irão reunir as seguintes Comissões: Comissão de Petições, de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, de Economia, Finanças e Plano, de Trabalho, Segurança Social e Família, Subcomissão Eventual da História do Parlamento e a Subcomissão Permanente da Segurança Social.
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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, gostaria de vos lembrar que a partir das 16 horas, na Sala D. Maria, realizar-se-á a eleição de um representante do CDS-PP para o Conselho de Administração, pelo que solicito aos serviços que preparem as condições para a votação e aos vice-secretários da Mesa o favor de servirem de escrutinadores, como é habitual.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento que o País e a opinião pública se dividem sobre a utilidade das visitas dos Deputados, no caso concreto ao Vale do Ave - qualquer que seja a cor de que elas se revestiram -, conviria recentrar o debate sobre o tema no Parlamento.
Estou convencido de que nenhum dos actores parlamentares, nenhum dos participantes nessas visitas, está disposto a contribuir para que se instale a ideia perigosa de que o Plenário e as Comissões podem ser substituídos com vantagem por trabalhos de campo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Também não acredito que alguns de nós possamos pensar que o problema da aplicação dos fundos comunitários em Portugal é um problema partidário que só suporta duas visões antagónicas: a visão dos que sublinham os defeitos e a dos que sublinham as virtudes.
Suponho, ainda, que o que nos divide sobre estas visitas são, sobretudo, as questões de forma - questões importantes, pontos de vista diferentes, mas, uma vez mais, questões de forma. No fundo, questões institucionais sobre a actuação do Parlamento, sobre o modo de avaliar as políticas do Governo, sobre o equilíbrio concreto entre o crescimento, a recuperação, a estratégia industrial e os problemas sociais.
Do ponto de vista do CDS-PP é preciso ter a frontalidade de avaliar, com clareza, uma operação integrada de desenvolvimento- no concreto, a Operação Integrada do Vale do Ave - e os partidos da oposição que têm, em muitos casos legitimamente, desconfiado da eficácia da utilização dos fundos comunitários, têm a obrigação mínima de colaborar e de mostrar o seu ponto de vista sobre as áreas concretas de aplicação desses fundos. Isto para que se perceba, na discussão política e na discussão mais vasta sobre o futuro do País, que nenhuma das áreas de intervenção destes fundos pode ser vista isoladamente, que é fundamental avaliarmos os recursos que são empregues nas diferentes áreas de intervenção escolhidas pelo Governo e que não é possível, de uma vez por todas, no discurso político, dizer «gaste-se mais aqui e ali», sem apontar exactamente porquê e sem explicar onde é que se vão buscar os recursos suplementares.
É conhecida a posição do CDS-PP sobre estas visitas parlamentares: assumimos o compromisso de, apesar de termos variadas dúvidas e reticências sobre alguns aspectos da forma e do colorido, pela nossa parte, entrar num processo sério de avaliação da aplicação dos fundos, desde que nos fossem satisfeitas as condições mínimas para que esse processo tivesse credibilidade.
Estas condições foram satisfeitas: primeira, a de que nenhuma das visitas e nenhum processo de avaliação se passasse durante o período eleitoral; segunda, de que ao CDS-PP fossem facultados - e é bom que se diga! - todos os elementos que o CDS-PP entendeu úteis e todos os documentos que considerou necessários para fazer a sua avaliação; terceira, de que o CDS-PP participasse na organização das visitas e que só participará em mais avaliações se puder continuar a participar na organização das mesmas.
É, pois, preciso avaliar o caso concreto de uma operação integrada de desenvolvimento, porque - faça-se a justiça de admitir - é o CDS-PP o partido que precisa de se libertar de mais complexos para poder ter uma posição justa e equilibrada nesta matéria, porque o que se passa é que. a Operação Integrada de Desenvolvimento do Vale do Ave ocorre no ocaso do socialismo real e num quadro que significa um processo profundo de intervenção do Estado para salvar - pasme-se! - o ex libris do mercado português, da economia português, ou seja, a indústria têxtil e de vestuário.
Portanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, somos nós aqueles que mais facilmente podemos dar o tom e fazer a crítica despida de preconceitos, apresentando os nossos pontos de vista diferentes, pois, porventura, será connosco que mais facilmente se fará a diferença nesta matéria.
Mas se é preciso avaliar descomprometidamente essa operação integrada de desenvolvimento é mister que se diga, em primeiro lugar, e contra o miserabilismo, que essa operação integrada de desenvolvimento, nos seus poucos anos de execução, merece, da nossa parte, desde já, alguns comentários positivos.
Apesar de ser curto o tempo de que disponho para produzir esta intervenção, gostaria de dizer que, abandonando os complexos, a verdade é que o esquema utilizado para integrar uma política de recuperação de uma bolsa industrial em declínio tem alguns casos positivos, que são os resultados obtidos em matéria de diversificação e de promoção do emprego nas áreas de diversificação da economia, os resultados obtidos na formação, nomeadamente na criação de escolas de formação, as escolas C+S, e o desenvolvimento atingido em matéria de redes viárias.
Reconhecendo os aspectos positivos - aliás, são abundantes os números, e é importante que se diga que estão disponíveis nos lugares públicos os números que nos permitem fazer essa avaliação -, é importante mostrar a diferença e a crítica que o CDS-PP faz em relação às opções de fundo.
A primeira crítica é sobre os recursos mobilizados, em que se põe em relevo a proporção existente, neste momento, no País entre os recursos mobilizados para a reestruturação do sector público e os mobilizados para a reestruturação do sector privado.
É que se para o próprio Governo o têxtil é um sector, em que reconhecidamente temos vantagem e no qual devemos apostar, por que não assumir essa importância estratégica e aplicar os recursos públicos necessários para sublinhar essa mesma importância? Quais são os objectivos estratégicos em matéria de indústria do País? E a Siderurgia? É a Petrogal? É a Petroquímica? É a construção naval? Ou é, entre outros sectores privilegiados, o sector têxtil, que é o responsável por 30 % das exportações?
Mas esta nossa crítica não é puramente política, é porque há que fazer uma crítica profunda em matéria de recursos, é necessário que se diga que o Governo mobilizou para o sector privado os recursos que teve, depois de uma longa espera, oriundos dos fundos co-
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munitários, enquanto que para o sector público, constante e ilimitadamente, há recursos do Orçamento do Estado. Então, porque é que o Governo não usou mais cedo, antes dos fundos comunitários, os recursos do Estado para esta opção estratégica? Por que é que estivemos limitados no timing e nas oportunidades em matéria de apoio a esta opção estratégica hoje reconhecida por todo o País?
Em segundo lugar, mesmo os recursos mobilizados, com algum êxito, para o apoio ao sector privado da indústria têxtil e do vestuário são escassos. Na verdade, são escassos para as grandes empresas, para as empresas com capacidades técnicas de transformação, de restruturação e de futuro, que têm recebido apoios de algum vulto, que são insuficientes, continuando, por isso, a haver um grande nível de endividamento no sector têxtil e de vestuário, mesmo no que respeita as empresas viáveis.
Quanto às pequenas empresas, o investimento financiado pelo Estado não chega, pois essas empresas não têm capacidades técnicas e de gestão para aceder aos fundos, pelo que só há um modo de lhes valer, que é o de promover a criação de uma assessoria técnica, de uma consultadoria, de um tipo de associativismo útil e melhorar as infra-estruturas viárias.
De facto, quem visitar o Vale do Ave repara que há grandes vias estruturantes, embora haja ainda muitas faltas neste domínio e o plano esteja atrasado, mas também vê que se circula constantemente por estradas praticamente intransitáveis que afugentam qualquer investidor com o mínimo de nacionalidade que visite a área. Constitui este o maior factor de penalização das pequenas empresas.
Em terceiro lugar, no que diz respeito às formas de actuação e ao problema de saber se há alternativas possíveis, verificámos existir uma ligeira mudança em matéria de prioridades no que diz respeito às infra-estruturas viárias. Algumas das variantes estão atrasadas, sucedendo o mesmo à via intermunicipal e não há sequer estudos definidos quanto ao que estava programado para muitos domínios dessas áreas de infra-estruturas.
Verificam-se ainda atrasos em matéria de ambiente e de gestão de águas e saneamento, não havendo sequer certezas sobre se a referida gestão das águas será feita em conjunto com o saneamento, sem o que não poderá falar-se de eficácia.
Por outro lado, os projectos de apoio em matéria de agricultura foram completamente ignorados, razão pela qual não se verificou uma única actuação nesse âmbito. Com esta atitude, está a esquecer-se o maior tampão de pobreza da zona do Vale do Ave e a ignorar-se a tradição sociológica de compensação dos ciclos económicos, característica dessa região.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Outra questão que importa referir, de acordo com a avaliação feita pelo CDS-PP, diz respeito ao estilo de actuação em matéria de indústria, que está sobretudo ligado à utilização de empresas de capital de risco.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nesse ponto, estamos inteiramente de acordo.
O Orador: - Essas empresas de capital de risco são verdadeiras empresas de capital público e é bom que tenhamos a noção de que o apoio à indústria têxtil no Vale do Ave está, hoje, na mão de autênticos novos IPE e que essas empresas só são de capital de risco no nome, porque não esperam obter rentabilidade das participações que detêm nem terão, porventura, em tempo útil, oportunidade de vendê-las, como é normal em matéria de empresas de capital de risco.
É provável que 50 % das participações dessas empresas desapareçam, pelo que importa assumi-lo e perceber que boa parte do capital da indústria têxtil e do vestuário é, neste momento, directa ou indirectamente, capital público e que não há, no médio prazo, esperança de haver uma profunda modificação nesta matéria. Mas é bom que se diga também que tal atitude representa uma opção porventura correcta nos seus desígnios fundamentais e que, em matéria de apoio a essa indústria, por esta via, não temos qualquer crítica a fazer.
É preciso perceber que só é possível libertar esse sector público indirecto se pudermos rotinar sobretudo o investimento estrangeiro nessa área e a diversificação e que não será possível fazê-lo sem um melhoramento muito para lá do que já se fez em matéria de redes viárias.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - Sr. Presidente, concluo imediatamente, mas aguardo uma melhor oportunidade para completar esta intervenção. Apenas quero referir que essa estrutura de gestão pública de intervenção do Estado no sector têxtil e do vestuário, levado a cabo por gestores públicos - e que, portanto, merece tradicionalmente a nossa desconfiança -, pior fica se houver intervenção política no funcionamento dessas sociedades de capital de risco. Aliás, os empresários têm-se queixado frequentemente de que essas intervenções têm, por vezes, uma carga política exagerada.
É preciso melhorar a fiscalização e transformar a forma de avaliação; é mesmo fundamental acabar com o moralismo sobre os empresários.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Ou se diz que os empresários não cumprem a lei e, então, é preciso puni-los, ou não se dão conselhos sobre a utilização dos recursos das empresas, ou eles distribuem correctamente as suas mais-valias e pagam os impostos devidos, sendo livres de os aplicarem da forma que entenderem, ou não há motivo para fazermos intervenções moralistas nem para criticarmos os gastos ou as utilizações de capital. É preciso estimulá-los para a internacionalização, para a diversificação e para a qualidade. Quanto ao resto, fica em benefício de iniciativa que se conhece de debater mais aprofundadamente este tema dentro de bem pouco tempo.
Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, informo-o de que, como o CDS-PP esgotou por completo o tempo de que dispunha, não vou dar a palavra ao Sr. Deputado António Lobo Xavier para responder.
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O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, se a Mesa estiver de acordo, concedo ao CDS-PP dois minutos do tempo atribuído ao meu partido, para que o Sr. Deputado António Lobo Xavier tenha a oportunidade de responder ao meu pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Duarte Lima. a Mesa apenas colocou esta questão porque dois Deputados do PS também se inscreveram para pedir esclarecimentos. Ora, fui informado pelos restantes membros da Mesa de que não tem sido dada autorização para transferência de tempos no período de antes da ordem do dia e, pela minha parte, tal não vai suceder agora.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, ainda que, lamentavelmente, o Sr. Deputado António Lobo Xavier não possa usar da palavra para responder, pretendo pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, não quero deixar de fazer um comentário à sua intervenção bem como à participação que, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, leve nesta deslocação ao Vale do Ave.
Muitas vezes, somos criticados por criticar a oposição mas quero distinguir, como já diversas vezes fiz relativamente à bancada do CDS-PP, uma atitude que considero ser de responsabilidade política e até, de certa forma, uma lição sobre a forma de fazer oposição.
O CDS-PP aceitou o repto aqui lançado no sentido de participar na definição de um programa, de um guião, como lhe chamou o Sr. Deputado António Lobo Xavier, de forma a não ser apenas elaborado por mera imposição da maioria.
O Sr. Deputado António Lobo Xavier acompanhou a deslocação dos Deputados do PSD ao Vale do Ave e teve liberdade para colocar todas as questões que entendeu, algumas das quais bastante difíceis e absolutamente pertinentes, a que eu próprio tenho dificuldade em responder mas, como Deputado do PSD, não posso deixar de dar-lhe razão. Diz o Sr. Deputado António Lobo Xavier compreender dificilmente que haja uma alocação tão grande de recursos - obviamente deslocados do sector produtivo- para a modernização de empresas públicas e, apesar de dar-lhe razão, não posso deixar de ter dificuldade em responder-lhe.
Compreendo que, ao nível de alguns ministérios, seja difícil tomar decisões políticas, pois há situações muito complicadas herdadas do passado relativas à reestruturação de sectores problemáticos, como é o caso da Siderurgia Nacional, mas não deixo de reconhecer a pertinência desta crítica. Certamente que muitos portugueses se interrogam sobre o que aconteceria se muitas dessas dezenas, senão centenas, de milhões de contos, afectados às empresas públicas que pretendem reestruturar-se, o que é discutível, fossem deslocados para o sector produtivo. Não seria o seu efeito multiplicador, em termos de criação de riqueza nacional, mais racional em termos económicos?
Por outro lado, importa referir que esta deslocação protagonizada por vários Deputados foi importante. Todos nós somos muitas vezes acusados de fazer um discurso desligado da realidade económica e o facto de os Deputados de todos os grupos parlamentares saírem dos muros de São Bento, deixando de discursar com base apenas em documentos, e discutirem com empresários, trabalhadores, autarcas e sindicalistas no terreno é muito importante. Só por essa razão, esta deslocação já valeu a pena.
Mas também tenho de cumprimentar o Partido Socialista e não apenas o CDS-PP. pois os Deputados do PS, que começaram por criticar estas deslocações e, mesmo, por recusá-las qualificando-as como «excursão», acabaram por entrar para um autocarro com o intuito de visitar, em primeiro lugar, a cidade de Lisboa e, depois, de fazer uma peregrinação ao Vale do Ave. Por essa razão, não vamos criticar o PS. pois tratou-se de uma atitude muito positiva.
Nesta deslocação aprendemos muito e creio que o mesmo se passou com os senhores. Aliás, suponho que puderam registar que o discurso que, tradicionalmente, alguns dos senhores têm feito sobre o Vale do Ave não é adequado e que a crise ainda existente nessa zona, e que é necessário ultrapassar, não se transpõe com um discurso miserabilista sobre a realidade. O problema essencial, a crise económica e o desemprego, ultrapassa-se mediante a criação de empresas e de riqueza e não através de uma mentalidade meramente existencial por parte do Estado. Só que, Srs. Deputados, não se criam empregos nem se instalam empresas em .locais que são reputados de negros e sem qualquer viabilidade para o futuro pelos seus principais responsáveis.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Creio que os senhores também aprenderam esta lição.
Gostava ainda de dizer que mantemos o convite feito aos grupos parlamentares para que nos acompanhem e ajudem na definição de programas futuros.
Quanto ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, secundá-lo-ei sempre que peça informações detalhadas ao Governo, porque entendo que é obrigação do Executivo, sobretudo em matérias desta natureza, relacionadas com a aplicação dos fundos estruturais, fornecer informações exaustivas à Assembleia da República.
Também o secundo na identificação do problema das vias de comunicação do Vale do Ave, que urge resolver. Todos os autarcas socialistas, membros da Associação de Municípios do Vale do Ave, nos falaram serem necessárias mais estradas, ao que respondemos que convinha lembrá-lo ao PS porque, segundo o seu discurso, já há muitas estradas e pontes em Portugal. Afinal, foram os próprios autarcas do PS que nos vieram dizer - e como os compreendemos bem! - que é necessário continuar a investir nas vias de comunicação porque sem as vias estruturantes do desenvolvimento não há progresso económico e social.
Aplausos do PSD.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, gostava de dizer que não vejo qualquer necessi-
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dade ou justificação para distinguir entre o período de antes da ordem do dia e o período da ordem do dia no que diz respeito às transferências de tempos. Gentilmente, o PSD dispôs-se a dar-nos tempo e também ao CDS-PP...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, não!
O Orador:- Peço desculpa, foi-me dada esta informação mas, então, se não é verdade retiro o agradecimento e registo a ingratidão...
De qualquer modo, creio que a Mesa deve rever os critérios adoptados nesta matéria, pois não vejo razão para não haver transferência de tempos no período de antes da ordem do dia.
Por outro lado, o nosso silêncio sobre a intervenção do Sr. Deputado António Lobo Xavier não significa menos apreço, explicando-se da seguinte forma: em primeiro lugar, ainda não consegui ter a desenvoltura do Sr. Deputado, meu querido amigo, Duarte Lima,...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Desenvoltura é o que não lhe falta!
O Orador: - ... para pedir explicações dando-as; em segundo, também não temos razões especiais para formular agradecimentos ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, pois nada temos a agradecer-lhe e, em terceiro, hoje, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, propus a realização de um debate de urgência sobre a problemática do Vale do Ave, porque entendo que, na sequência das deslocações feitas, devemos fazer um debate construtivo, sério, para cruzarmos informações e experiências e somarmos, se possível, iniciativas.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, pela minha parte, ainda não sei em que dia será agendado esse debate.
Relativamente à transferência de tempos, independentemente da minha opinião, pois também a tenho e, em princípio, até poderia ser concordante com a sua, compreenderá que o que vale é a decisão colectiva da Mesa e essa questão deverá ser decidida em sede de Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS):- Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, é para defesa da consideração da minha bancada, pois o Sr. Deputado Duarte Lima acusou-nos de miserabilismo.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, já foi dito pelo líder do meu grupo parlamentar que tomámos a iniciativa de propor um debate de urgência, em sede de Plenário, sobre a situação do Vale do Ave, nas suas diversas vertentes, pois consideramos que é um problema muito sério e não podemos ficar impávidos e serenos a ouvir V. Ex.ª acusar-nos de miserabilismo por causa da análise que fazemos da referida situação.
Com efeito, a deslocação que fizemos, nestes dois últimos dias, veio confirmar todas as teses que aqui defendemos sobre a situação no Vale do Ave. Trata-se, na verdade, de uma região de grandes potencialidades industriais e de grande tradição industrial, que, nos últimos anos, teve uma grande oportunidade, infelizmente, em boa parte, desperdiçada por má aplicação dos fundos estruturais do ponto de vista da região, pois não se notam diferenças substanciais em matéria de qualificação do emprego, pelo que somos levados a concluir que os fundos para formação profissional não terão sido bem utilizados.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exemplifique!
O Orador: - Em relação aos apoios à indústria - e diferencio os apoios à indústria do PEDIP, porque, como o Sr. Deputado sabe, apoios à indústria foram dados por via do PEDIP e do SIBR, num contexto de políticas económicas bastante diversificadas nos últimos anos -, entendemos que foram insuficientes para permitir a modernização dos sectores exportadores tradicionais.
Também confirmámos que há uma enorme desconfiança dos empresários em relação à política e às opções do Governo em matéria de subsídios, pois questionam por que é que foram concedidos a uns e não a outros e que critérios é que se seguiram. Há ainda uma outra desconfiança - que tem muita lógica - em relação ao facto de, por exemplo, uma parte do IVA, que devia ser restituído às empresas exportadoras, não ser restituído a tempo e horas.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - É mentira!
O Orador: - É verdade, Sr. Deputado! O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Prove!
O Orador: - Por outro lado, também constatámos que a região do Vale do Ave vive, desde há cerca de dois ou três anos, uma situação de crise ao nível produtivo, quer por diminuição da produção industrial, visto que as áreas-têxteis mais tradicionais estão, como tiveram certamente ocasião de ver, em crise, nomeadamente ao nível dos sectores intermédios da fileira têxtil, sem que tenha havido diversificação suficiente, reestruturação e modernização no sector têxtil para permitir ultrapassar a produção industrial perdida nessas áreas, quer em termos de investimento, uma vez que é também uma região deprimida, designadamente na área de investimento produtivo de equipamentos nas empresas.
A crise social tem vindo a ser sustida por meios que, em boa parte, como os Srs. Deputados sabem, não poderão prosseguir indefinidamente. De facto, nem os subsídios de desemprego, nem algumas baixas por doença, nem um tipo de modo de produção em que há uma participação forte nos rendimentos familiares de rendimentos de pensões ou de rendimentos da agricultura, que não é a de mercado, são meios que se possam manter.
Portanto, o que pedimos é que; antes de nos atacar e de chamar miserabilistas, o Sr. Deputado diga aqui, claramente, que está disponível para agendar, rapidamente, um debate de urgência sobre a situação no Vale
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do Ave. para que, tendo em conta o próximo Quadro Comunitário de Apoio e os 180 milhões de contos que, consensualmente, são considerados como necessários para desenvolver aquela região de uma forma integrada, possamos ver como é que é possível com apenas 18 milhões de contos, que é a quantia que, neste momento, se pretende disponibilizar para aquela região, impedir o aparecimento, a curto prazo, de uma possível grave crise social e fazer frente à crise económica, que já existe, evitando-se que ela venha a agravar-se.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, meu caro amigo, V. Ex.ª foi sempre um homem justo, mas está a perder os critérios de justiça ao defender a consideração da sua bancada, quando não tinha razão para o fazer, pois não a ofendi, até pelo contrário, elogiei-a, como bem se lembra, por se terem deslocado ao Vale do Ave.
Por outro lado, também não lhe chamei miserabilista. Disse apenas que era incorrecto o discurso miserabilista que se fazia sobre o Vale do Ave. E continuo a dizer que uma parte desse discurso foi assumido quer pelas autarquias locais, que são socialistas, quer pelos senhores, há cerca de duas semanas, antes de se deslocarem ao Vale do Ave e durante a própria visita, que o Sr. Deputado Almeida Santos também integrou, e bem, começando até por dizer: «vamos ver o bom e o mau». E depois, já durante a visita, disse: «afinal, a crise do Vale do Ave não é como se dizia». Isto é radicalmente aquilo que diziam uma, duas, quatro semanas antes, como sabe.
O Sr. Deputado Ferro Rodrigues até pode dizer genericamente que há investimentos mal aplicados, mas não o demonstra. No entanto, posso demonstrar-lhe que existem alguns, por exemplo, por parte dos municípios, conforme nos foi dito pela própria Associação de Municípios, quando reunimos com ela. A Associação de Municípios gastou cerca de três milhões de contos numa estação de tratamento de resíduos sólidos, que está praticamente pronta, e agora diz: «não sabemos como é que ela vai funcionar, pois o funcionamento custa 500 000 contos por ano e ainda não nos conseguimos entender». Quando lhes perguntei: por que é que não estabelecem um modelo de gestão com as empresas privadas, como se faz por essa Europa fora? Responderam-me: «Já fizemos, só que agora é necessário estabelecer a taxa de cobrança aos munícipes pela recolha do lixo em melhores condições». Mas isto, Sr. Deputado, eles não querem fazer, porque querem que seja o Governo a fazê-lo politicamente. Claro! O que é difícil! Normalmente, os autarcas querem que seja o Governo a fazê-lo, pois não querem assumir essa responsabilidade!
Ora, aqui está um exemplo de um investimento, como o da via intermunicipal, que avançou sem as garantias prévias de que havia condições para financiamento comunitário. Trata-se de uma via cujo custo previsto era de cerca de dois milhões de contos e custou muito mais do que isso. As autarquias avançaram com ela, naturalmente bem, pois é uma via que é necessária, mas não tiveram o cuidado, à semelhança do que aconteceu com outros investimentos, de garantir previamente o financiamento comunitário. Ora isto, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, é que se pode chamar de uma má gestão concreta de investimentos que, se não são mal aplicados - porque a via faz lá falta, aliás, como faz também a estação de tratamento de resíduos sólidos - são, pelo menos, mal concebidos no tempo. E tudo isto. Sr. Deputado, liga-se a uma gestão municipal socialista e não do Governo.
Mas o problema de fundo que se coloca relativamente ao Vale do Ave é tão só este: há uma operação integrada que esteve em funcionamento até há pouco tempo e vão ter lugar novas acções. Se o Sr. Deputado Ferro Rodrigues me diz que é pouco, eu também sou capaz de dizer que sim, tal como são poucas as acções que estão a ser adoptadas em Trás-os-Montes. Era preciso mais, tal como na península de Setúbal. Não me importo de reconhecê-lo!
De qualquer modo, quanto aos efeitos daquela acção, tenho de dizer que são correctos do ponto de vista dos números. Se o Sr. Deputado tivesse participado na visita e tomasse contacto com os números que foram fornecidos, como referiu o Sr. Deputado António Lobo Xavier, teria verificado que os resultados, em termos de formação profissional, atingem os 80% de aproveitamento das pessoas que frequentaram os cursos.
Ora, perante isto, o senhor não pode dizer que houve mau aproveitamento dos apoios, mesmo no que se refere aos apoios sociais.
Na verdade, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues tem de reconhecer que o Governo admite que há uma crise no Vale do Ave, tendo, por isso, estabelecido um abono de família que corresponde ao triplo do que é pago em Trás-os-Montes ou em Lisboa. Como sabe, estabeleceu também um subsídio de desemprego cujo período de duração é mais longo do que o que existe para outras regiões do País, originando até efeitos perniciosos, pois existem algumas empresas que acabam por fazer uma exploração subterrânea das pessoas, não facilitando a sua colocação activa em novos postos de trabalho.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Duarte Lima, queira concluir!
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente!
É importante que os políticos, os sindicalistas e os autarcas tenham a coragem de denunciar essas empresas. Nós fizemos isso no Vale do Ave, o Sr. Deputado António Lobo Xavier também, mas os senhores não. Foram lá mas esta parte da realidade, se a detectaram - e acredito que sim, porque o Sr. Deputado Ferro Rodrigues é um homem competente, que sabe analisar os números que lhe chegam às mãos -, não a denunciaram publicamente.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Se o Sr. Presidente me permite, deixo-o interromper-me.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Duarte Lima, já ultrapassou o tempo de que dispunha para intervir e, neste momento, ao permitir a interrupção do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, está já a utilizar tempo que não lhe pertence.
O Orador: - O Sr. Deputado Ferro Rodrigues vai, certamente, ser rápido.
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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Os meus agradecimentos, Sr. Presidente, vou ser muito rápido.
Sr. Deputado Duarte Lima, gostaria só de lhe perguntar se, perante os meios que havia disponíveis em termos de apoios europeus para o Vale do Ave, sentiu ou não, tal como nós, que havia uma queixa generalizada, por parte dos empresários, em relação à política de altas taxas de juro e de escudo caro, seguida nos últimos anos e que levou a que boa parte desse dinheiro acabasse por ser transferida para a Banca.
O Orador: - O Sr. Deputado Ferro Rodrigues sabe perfeitamente que o dinheiro dos fundos europeus não tinha por objectivo fazer baixar as taxas de juro. Elas baixam na base de outras razões e o Governo não pode baixá-las artificialmente nem por decreto. Há uma entidade que conduz a política monetária, que é o Banco de Portugal. O senhor conhece esse dado melhor do que eu e está a desviar a questão para outra discussão!
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, não vou desvirtuar a figura da interpelação, pois pretendo, simplesmente, referir que esta é uma matéria em relação à qual existem posições muito diferentes, não em termos de avaliação, como se verá, porventura, mas, sobretudo, em termos de futuro. E pela parte do CDS-PP queríamos dizer que encaramos como de grande utilidade esse debate e faremos os possíveis para que possa ser discutido aqui, em sede de Plenário, o mais brevemente possível.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, ontem, foi anunciada a aprovação do Plano de Desenvolvimento Regional. É de esperar que o Governo cante vitória e que se revista de pompa e circunstância o acto de assinatura formal do Plano de Desenvolvimento Regional, em Portugal.
Sem negar a importância dos fundos que virão para Portugal, importa, entretanto, dizer que o Pacote Delors II, no que toca aos financiamentos previsíveis, foi atrasado e amputado, que permanece inquietação quanto ao futuro do País depois dos fundos comunitários, que o princípio da coesão económica e social tem uma realização mais do que insuficiente, que continua a destruição do aparelho produtivo, que as assimetrias regionais permanecem e que as verbas comunitárias são, por vezes, delapidadas.
Mas há outro facto indesmentível. É que o Plano de Desenvolvimento Regional sofreu do indesmentível défice democrático na sua elaboração e vai sofrer igualmente na gestão, já que não há regiões administrativas democraticamente eleitas. Somos, como é sabido, um dos poucos países da Comunidade Europeia em que tal acontece. Este facto tem também consequências ao nível do equilíbrio e democraticidade da Administração Pública e da repartição vertical de poderes; tem consequências negativas no desenvolvimento regional e, em parte, está na origem do facto de, ainda há pouco, termos vivido a situação caricata da nomeação dos representantes de Portugal no Comité das Regiões.
Dezoito anos depois da entrada em vigor da Constituição da República permanece uma inconstitucionalidade por omissão. Em 1991, na véspera das eleições, o PSD mostrou disponibilidade para aprovar a lei de bases da regionalização e incluiu a instituição das regiões administrativas no seu programa e no seu manifesto eleitoral, na presente legislatura, mas entretanto inviabilizou os projectos de lei e a proposta de calendário que visavam permitir realizar eleições regionais simultaneamente com as eleições autárquicas.
Hoje, depois de estes projectos terem sido inviabilizados, é preciso romper a cortina de silêncio e de cumplicidades no incumprimento da Constituição da República nesta matéria. O desafio fica lançado, estamos abertos ao debate, seguros das nossas convicções. Ninguém tem o direito de escolher as normas da Constituição da República de que gosta e cumprir apenas essas, deixando de lado e não cumprindo aquelas de que não gosta.
Por isso, entregámos na Mesa projectos de lei sobre finanças regionais, sobre a transferência de competências e serviços da Administração Central e, particularmente, da Administração periférica para as regiões. Igualmente um projecto de lei sobre áreas de partida e ainda um projecto de resolução que estabelece o calendário com vista à instituição das regiões administrativas até 1995.
Trata-se, no fundo - e sublinho bem -, de colocar a questão de o PSD cumprir o seu próprio programa eleitoral e a Constituição da República.
Na verdade, o que se tem vindo a passar é uma verdadeira contra-regionalização clandestina. Toda a administração periférica do Estado está a ser estruturada em função da divisão do País, do continente, concretamente, em cinco áreas. De forma quase clandestina, sublinho, à margem da Assembleia da República, dos municípios e das populações, tem-se vindo a concentrar os serviços públicos periféricos em cinco centros urbanos, sem qualquer debate ou exame democrático.
Aos que dizem que as regiões significam novas burocracias, fica claro que aqui estão elas, para demonstrar que é a falta das regiões que permite novas burocracias, só que sem transparência, participação e legitimação democrática.
Aos que dizem que as regiões significam esvaziamento dos municípios, há que dizer que não só a Constituição da República não permite esse esvaziamento, isto é, não permite que as regiões tenham atribuições que cabem aos municípios, como também as Comissões de Coordenação Regional e esta nova burocracia estão a tentar, por outros meios, expropriar poderes dos municípios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabaram as eleições autárquicas mas continua a ser necessário atender às necessidades do poder local. Há um conjunto de projectos de lei que continuam pendentes de apreciação. Refiro, a título de exemplo, o regime de permanência dos membros das juntas de freguesia, a redefinição das suas competências, o reforço dos meios das freguesias que acabam de ser criadas, a revisão do regime de tutela, a alteração da lei-quadro da criação de municípios, o reforço da colegialidade dos executivos e a dignificação dos órgãos deliberativos das autarquias.
Anuncio-vos, hoje, a apresentação de mais dois projectos de lei.
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Um alarga o número de vereadores a tempo inteiro nas câmaras municipais. Constitui uma opinião generalizada que, em particular nos grandes municípios, actualmente, é insuficiente o número de vereadores a tempo inteiro, pelo que tem vindo a ser usado o expediente de recorrer à nomeação de vereadores, para além do limite legal, para o conselho de administração dos serviços municipalizados. É uma forma enviezada de contornar o problema. Propomos que, de um modo expedito, a Assembleia da República faça face a esta situação e crie melhores condições de trabalho para as câmaras municipais.
Outro, diz respeito ao regime especial para as câmaras municipais de Lisboa e Porto, no sentido de o alargar aos municípios com mais de 100 000 eleitores. Recordo que as normas que estabelecem este regime especial são do Código Administrativo de 1936-40 e, hoje em dia, os 12 municípios que têm mais de 100 000 eleitores têm uma situação, em matéria de complexidade de problemas e até de número de eleitores, equivalente, por exemplo, à do município do Porto. Mais, o município de Loures, por exemplo, já tem mais eleitores do que o do Porto.
Ora, não faz sentido que exista, por exemplo, em Lisboa e Porto, a possibilidade de o presidente da câmara delegar competências nos directores de serviço e não exista, igualmente, em outros municípios que têm problemas semelhantes. Portanto, propomos que também nesta matéria se rompa com o Código Administrativo de 1936-40 e se crie um regime administrativo actualizado e de acordo com a presente situação.
Gostaria de exprimir a nossa preocupação com a situação financeira dos municípios. Esta preocupação é não apenas do meu partido mas também da generalidade dos eleitos autárquicos. Como é sabido, o Fundo de Equilíbrio Financeiro sofreu aquilo a que eufemisticamente se chamou o «crescimento zero», o que quer dizer, em termos reais, que teve um corte muito significativo. Aí estão as consequências negativas, traduzidas em inquietações muito generalizadas com a situação financeira das autarquias.
Quero igualmente manifestar o interesse e a disponibilidade do Grupo Parlamentar do PCP em reconsiderar o estatuto das áreas metropolitanas, em particular no plano das atribuições e do financiamento, tendo em conta a experiência que decorreu de 1991 para cá.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Colocamos uma questão muito clara, também neste domínio do poder local. A maioria parlamentar não tem feito e tem impedido que se faça, porque não legisla por iniciativa própria nem viabiliza projectos de partidos da oposição, mesmo quando dizem respeito a questões que correspondem a necessidades e aspirações reconhecidas pelos próprios eleitos do PSD.
Desafiamos a que se ponha termo a uma situação em que a Assembleia da República raramente legisla por iniciativa própria. Continuaremos a lutar, dentro e fora da Assembleia, pela criação e instituição das regiões administrativas e por um poder local autónomo, forte, democrático e dignificado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Diz a sabedoria popular que «mais vale prevenir do que remediar». Foi com esta consideração, tão cara aos ecologistas, que concluímos aqui, há cerca de um ano, pela necessidade de se fazer um amplo debate sobre o racismo e a xenofobia.
O ano tinha findado. E, com ele, a maior vaga de protesto contra o racismo e a xenofobia que a Europa tinha conhecido nos últimos anos. Manifestações gigantescas, um pouco por todo o lado, de repúdio contra o horror, a bestialidade, o ódio e o autoritarismo, que o racismo e a xenofobia representam; protestos contra símbolos de uma era que tinha representado sofrimento para a Humanidade e cujos sinais muitos tardaram em interpretar, agindo, teimando acreditar fazerem parte de um passado já morto e enterrado.
O racismo e a xenofobia não eram ficção, pese embora algumas teses que ousam mesmo negar o Holocausto. Eles vivem; alastram; manifestam-se, não já de modo submerso mas marcando violentamente o quotidiano; sem fronteiras; através da intolerância, da marginalização, da violência, da agressão e da morte; profanando túmulos; perseguindo imigrantes; espancando refugiados, africanos, judeus, ciganos, árabes, estrangeiros, marcados pelo estigma único da diferença. A diferença da cor, da raça, da religião, da cultura, do país. Um estigma que obriga a viver acossado pelo medo da violência.
É uma violência que ganha raízes na crise profunda que abala o planeta, se alimenta dos desequilíbrios regionais e sociais, da ruptura ecológica, responsável pelo êxodo de povos, que, condenados à desertificação, à fome e à opressão, buscaram e buscam noutras latitudes a sobrevivência, o abrigo e, não raro, a própria liberdade, que, hoje, hipócrita e desumanamente, se lhes nega. É uma violência que faz bandeira da insegurança, do desemprego e da incerteza quanto ao futuro, não para a bramir contra as causas da crise, que ignora, mas para a agitar primariamente contra os mais indefesos, os que, porque minoritários, diferentes e indefesos, se tornam presa fácil e bode expiatório para todos os males.
O racismo e a xenofobia atingem, assim, inquietamente, uma nova dimensão, não só no agravamento e multiplicação das suas acções agressivas mas também na sua própria capacidade de organização política e expressão eleitoral, como aliás recentemente as eleições em Itália o demonstraram.
É perante tudo isto, Srs. Deputados, que importa uma vez mais que nos questionemos sobre Portugal.
Tem sido lugar-comum, porventura para alívio de algumas consciências, e com esta mania de tudo facilitar, dizer que somos um país de brandos costumes, aberto e tolerante, onde o racismo não tem expressão significativa, e uma sociedade aberta e multirracial. Tem-se aludido até à nossa fácil relação com outros povos como hipotético resultado de um qualquer «colonialismo exemplar».
Nada de mais enganador. É um mito que importa desmistificar. Não tanto para julgar, hoje, aqui e agora, o passado e avaliar a real dimensão do chamado «encontro de culturas» que o assinalaram, feito de esmagamento cultural, humilhação, dor e, não raro, violência brutal, ou para lembrar, pura e simplesmente, uma guerra colonial que muitos querem apagar da memória, mas antes para permitir ver para além das fachadas, se sobre ela queremos efectivamente agir.
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O racismo existe. Presente nos ditos, nas anedotas, de forma subtil. Mas presente também nos factos: espancamentos, agressões, mutilações, mortes até. Homossexuais, militantes de esquerda, mas africanos, sobretudo, são o alvo preferencial. A lista é longa. A impunidade total. A prová-lo, o facto de serem muitas vezes os próprios agentes de autoridade, supostos defensores da lei, a protagonizá-la.
A lei é clara. Garante a igualdade a todos, impedindo que alguém possa ser prejudicado ou privado de qualquer direito em razão da raça, da língua, do território de origem, da religião ou das convicções políticas.
A lei proíbe actividades de organizações ou associações que perfilhem a ideologia fascista, se bem que importa afirmá-lo, hoje, sem equívocos, particularmente quando, com perplexidade, nos deparamos com dúvidas de quem questiona a constitucionalidade de tal proibição, como o demonstrou o recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Movimento de Acção Nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1992, um guineense, conduzido para identificação a uma esquadra em Vila Nova de Gaia, foi aí barbaramente espancado, ficando cego. O caso abalou a opinião pública. Foram imagens que, pela brutalidade limite, chocaram, geraram repulsa, condenação e consensos relativamente fáceis. Mas a impunidade dos seus autores mantém-se, os julgamentos vão sendo adiados, os casos multiplicam-se e este é, infelizmente e tão só, um caso entre muitos.
Um relatório recentemente elaborado conclui que, em Portugal, só em 4 anos, 58 actos racistas foram cometidos, dos quais resultaram 4 mortos e mais de 40 feridos, sendo 12 em estado grave.
Não estamos, pois, perante uma questão nova mas, seguramente, perante uma questão que tem sido iludida e atinge hoje novos e inquietantes contornos e dimensão.
O racismo é uma realidade vivida. Em Aveiro ou Faro, Camarate ou Sintra, Alhos Vedros ou Famalicão, Porto ou Lisboa.
É a expulsão de estudantes de residências universitárias, por serem africanos; é a recusa em alugar quartos, por se não ser branco; é a segregação em turmas diferenciadas de crianças ciganas ou africanas; são os espancamentos de homens, por serem africanos; são os despedimentos de pessoas, por serem negras; são os desalojados que ninguém quer acolher; os imigrantes que, insinua-se, vêm «roubar» empregos; são os jovens marginalizados, tratados como marginais; é o sentimento de revolta a invadir os meninos de rua; é o ódio que se instiga, semeando a mentira; são as 80 famílias de ciganos, no Minho, escorraçadas como peste.
Estamos, pois, Srs. Deputados, perante a ameaça potencial de um conflito, que urge interpretar nos seus sinais, compreender nos mecanismos que o sustém. Estamos perante uma doença que importa tratar globalmente.
Tratar, recusando a marginalização dos imigrantes e das minorias étnicas, que em bairros de lata onde vivem se escondem. Sem saneamento básico, sem electricidade, em habitações degradadas, nas periferias mais pobres da cidade, a favorecer a «guetização», o isolamento, a marginalização e a marginalidade.
Tratar, recusando a exclusão dos meninos sem condição, crianças que a escola dificilmente está em condições de apoiar, condenadas ao insucesso escolar e a ficar à margem da sociedade, gerando, a prazo, fenómenos de exclusão porventura mais violentos.
Tratar, recusando que, entre nós. seres humanos vivam sem quaisquer condições de segurança, com salários de escravatura, na total clandestinidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate ao racismo é de hoje e não pode ser adiado. Exige uma estratégia para a igualdade, para a inserção social, respeitadora da identidade e diversidade cultural de cada comunidade. Exige mudanças sociais e também uma nova mentalidade e atitude cultural.
O anti-racismo não é um estado de espírito. Reclama uma estratégia globalmente pensada, que passa pela escolarização dos filhos dos imigrantes: por uma política de imigração que ponha fim ao caos urbanístico, à degradação ambiental e que não admita exclusões: pelo conhecimento e valorização da diversidade cultural: pela veiculação, através da educação, de novos valores, em particular, da tolerância e da não violência; pelo fim da banalização da violência nos meios de comunicação social; por um apoio efectivo às associações não governamentais de imigrantes, reconhecendo o seu estatuto de parceiros sociais; pela inequívoca condenação do racismo como um crime que não pode ser tolerado.
Fazê-lo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, exige cada vez mais que se passe do patamar das vagas declarações de princípio. É uma responsabilidade de todos: das igrejas; das associações e movimentos de solidariedade; dos sindicatos; das autarquias; de todos e de cada um aqui dentro. Mas é uma luta que não pode ser feita de abstracções nem de meras boas vontades, que obriga a uma acção determinada do poder e do Governo.
O racismo é uma realidade. A lembrá-lo, ontem mesmo, no Telejornal, ele deu a cara, mostrando que se move. Imprime documentos, divulga materiais de propaganda nazi, incita à violência, em particular contra imigrantes, em boletins que se editam em língua portuguesa, porque, ao que se diz, os interessados são muitos e o seu número é crescente.
Da parte do Grupo Parlamentar de Os Verdes, tudo faremos para que a alteração se faça e para que as sementes do ódio não germinem e os valores de solidariedade, em que convictamente acreditamos c. julgamos, outros partilham, possam frutificar.
Não tolerar a segregação de milhares de imigrantes que, falando a nossa língua, no nosso país, vivem e connosco comungam da mesma herança cultural e histórica é, para nós e em nosso entendimento, parte integrante dessa acção.
Por isso, o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresenta, hoje mesmo, na Mesa da Assembleia da República, um projecto de lei para que o novo processo de regularização dos imigrantes em situação irregular possa ser aprovado.
Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Mário Tomé, tem a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, começo por a saudar pela sua intervenção.
A questão que lhe queria colocar foi respondida na última frase da sua intervenção, quando disse que tinha apresentado um projecto de lei para a legalização dos imigrantes.
No entanto, não deixo de lhe perguntar se não acha que, para esta situação, o Governo do PSD tem contri-
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buído de modo objectivo, nomeadamente - era essa a minha referência -, em relação à forma como abordou a legalização dos emigrantes, colocando à partida um grande número de imigrantes, que, já se sabia, não iam ser legalizados e iam ficar marginalizados, sendo considerados como expulsáveis deste país, contribuindo, certamente, para a sua marginalização.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr.ª Deputada Isabel Castro, para responder, se assim o desejar, tem a palavra.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, a sua pergunta é pertinente.
Efectivamente, em nosso entendimento - e penso que esse foi o entendimento consensual dos partidos da oposição-, o processo anterior não criou as pré-condições que favorecessem o êxito do processo extraordinário de legalização de imigrantes. Aliás, recordo que essas críticas e essa preocupação foram partilhadas pelas associações de imigrantes, pelos sindicatos, pelas autarquias e, muito particularmente, é uma questão que tem sido enfatizada pelas comunidades religiosas e por altos dignitários da Igreja.
O processo não correu bem, o prazo foi muito curto e nós próprios, antes de este terminar, tivemos oportunidade de apresentar um projecto no sentido da respectiva prorrogação e que não foi aprovado nesta sede.
Ora, julgo é que perante a realidade concreta do insucesso do processo anterior, coloca-se a questão de - e o dilema é claro - ou o Governo assume politicamente a expulsão em massa de milhares e milhares de pessoas, que vivem connosco, que têm contribuído para o desenvolvimento do País, ou abre um novo processo, criando condições - e ouvindo para tal as associações de imigrantes e respectivas propostas - para que este se realize e o seu êxito possa ser assegurado.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, antes de continuarmos, informo-vos que se encontram nas galerias a assistir à sessão e acompanhados pelos respectivos professores um grupo de 50 alunos da Escola Secundária Gama Barros, do Cacem, e um grupo de 50 alunos do Colégio da Rainha Santa Isabel, de Coimbra.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, em Novembro do ano transacto, o PSD convidou os outros grupos parlamentares representados nesta Câmara para analisarmos, em conjunto, com abertura de espírito e sem ideias pré-concebidas ou conclusões previamente elaboradas, os resultados da aplicação do 1.º Quadro Comunitário de Apoio (QCA), sabia o que propunha e porque o fazia.
Num país em movimento as controvérsias permanentes são inimigas da paz indispensável ao abrir de novos capítulos e ninguém recomeça bem sem avaliar o que fez e deixou por fazer, como fez e poderia ter feito.
O Presidente do meu Grupo Parlamentar foi particularmente tolerante nessa missiva: falava-se aí dos malefícios do unilaterismo em matéria de construção europeia, da inconveniência de bandeiras partidárias únicas neste domínio, no avaliar dos êxitos e inêxitos, no consenso possível em relação ao futuro. Dizia-se, no fundo, que é paradoxal e estranho que o aproveitamento dos fundos comunitários - dos passados bem como dos futuros - acabe por gerar mais controvérsia em Portugal, o país que deles beneficia, do que nas instâncias comunitárias que os concedem.
Reconheça-se que o esforço de diálogo teve tanto de sério como de inconsequente. O PCP respondeu militantemente não, o PSN acarinhou a ideia, o CDS-PP não se pôs de fora mas o PS - e centremo-nos aqui - reagiu, dizendo sim, não, mas, talvez. «Sim», porque subir ao país real é sempre inquestionável em termos de discurso, «não», porque as «excursões» se realizavam por parlamentares contra a instituição Parlamento, «mas», porque o momento era inadequado, já que o PSD pretendia levar, no entender do PS, a sua força diminuída e os seus ministros desprestigiados a franjas do País comandadas por autarcas socialistas para lhes ganhar as Câmaras; finalmente, respondeu «talvez» porque é feio nestas coisas dizer «não» definitivamente.
Pacientemente, guardamos silêncio e esperamos. O País votou e voltamos à carga, renovando o convite mas mantendo a disponibilidade para discutir datas, trajectos, temas. Enfim, para discutir tudo. Infrutífero - a ilação é óbvia: o PS não queria que fossemos sozinhos porque era a única forma de também o estar.
Depois de tanta insistência vale o aforismo: «mais vale sozinhos que mal acompanhados». E fomos.
Começamos pela avaliação do PEDIP. De norte para sul, conhecendo empresas apoiadas, questionando sobre a lisura de processos, aferindo o que tinha mudado nas realidades empresariais visitadas e constatando que o PEDIP contribuiu para criar no País uma malha industrial mais rica, mais sólida e com mais futuro.
Não passámos a conhecer, nem tal era possível, os cerca de 11 000 projectos candidatos nem sequer os mais de 7000 homologados, mas a amostragem permite-nos afirmar que os elogios que a oposição fez neste Hemiciclo, em data recente, à execução deste programa específico são justos.
O PEDIP foi, de facto, e pela primeira vez, um programa integrado de apoio à indústria, na história da política industrial portuguesa. Permitiu que Portugal ficasse dotado de uma rede de infra-estruturas tecnológicas e associativas com um nível semelhante ao dos outros países comunitários e que se assistisse a uma progressiva orientação das estratégias empresariais para os factores dinâmicos da competitividade, particularmente para os aspectos da inovação, qualidade, produtividade e ambiente.
O PEDJP foi um êxito de execução - 100% durante os cinco anos da sua duração - e um sossego na sua aplicação. Ninguém tem hoje no País coragem para afirmar que sem PEDIP estaríamos piores ou iguais. Estamos melhores.
Do PEDIP para as infra-estruturas na Área Metropolitana de Lisboa. Para mostrar o que está feito e o que está em marcha. E, neste domínio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se trata duma evolução, trata-se duma revolução. Impacientes com décadas de omissão, tudo mexe de forma racional e integrada. Importa menos os 1 000 milhões de contos de investimento, importa mais o que estes meios alterarão, a curto prazo, na qualidade de vida da grande metrópole.
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Se não é verdade que só existem problemas onde vivem muitas pessoas, porque também os há nos locais donde elas saem, não deixa de ser inquestionável que um dos grandes problemas políticos do presente e do futuro seja o da qualidade de vida nas grandes cidades e suas periferias.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O tempo é um bem imito e escasso e hoje não é mais razoável gastar quatro horas para trabalhar oito ou demorar mais a chegar à entrada da auto-estrada do que a sair dela.
Da CRIL à CREL, da nova ponte à travessia ferroviária da existente, da expansão do metropolitano aos novos transportes fluviais, o que, neste domínio, está em andamento acelerado não só responde aos estrangulamentos constatáveis como forma o desenvolvimento futuro. Dentro de poucos anos, todos verão que assim é.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fiéis à promessa feita, não quisemos complementar esta primeira ronda sem também irmos ao Vale do Ave, até porque sabemos que, quando falamos de betão, nos respondem com solidariedade e que, quando falamos de solidariedade, nos interrogam com a falta que o betão provoca.
Fomos e vimos uma região do País que trabalha, que mexe, que se agita, que tem potencialidades e esperança, mas que também tem dificuldades. Há quem queira ver o Vale do Ave enfermo de doença aguda evolutiva que o vai definhando até à morte ou quem, sobretudo lá - repito «sobretudo lá» -, não entenda as dificuldades como fatalismos, antes como desafio.
O discurso da crise tem largo passado na nossa cultura política como forma para conseguir meios acrescidos e medidas de excepção: o problema é a ressaca. Tudo visto e ponderado, esse discurso persistente afasta mais do que dá, cria mais dissabores do que alegrias.
Paralelamente às dificuldades, o Vale do Ave tem hoje, também por via do que já foi feito, um enorme potencial de crescimento. De facto e, por exemplo, no âmbito do PEDIP, a 9 % do produto industrial corresponderam 10% dos projectos aprovados, 13% dos investimentos e 16% dos incentivos. Foram feitos ou estão em curso investimentos totais de 146 milhões de contos, a que correspondem incentivos de 63 milhões de contos. Mas o Vale do Ave não se compadece com o estatuto de .laboratório onde, concentradamente, se testam as experiências de engenharia abstracta ou onde se pretende assumir como novo o que já está em curso e decidido.
Não é disto que o Vale do Ave precisa. Do que o Vale do Ave precisa é de mais ajuda. Ajuda que melhore as acessibilidades a uma malha urbana que cresceu sem controlo, formação que liberte para o mercado de trabalho recursos humanos qualificados e com empregabilidade garantida no futuro, investimento que altere a paisagem de degradação da qualidade de vida daqueles portugueses que têm direito ao mesmo ambiente de todos os outros e apoios que continuem a facilitar a diversificação industrial, por forma a que o Vale do Ave não apanhe uma «pneumonia» sempre que, por razões de conjuntura, o sector têxtil e do vestuário «espirre».
Mas o Vale do Ave precisa também de uma nova postura, de uma mentalidade diferente e de mais rigor no discurso e no percurso de alguns dos seus agentes.
Desde logo, sendo implacável com a falta de qualidade, intolerante com a passividade, exigente com o crescimento todo e de todos.
Convenhamos, a este propósito, que a visita do Grupo Parlamentar do PS não ajudou a este estado de espírito indispensável.
O PSD foi ao Vale do Ave e o PS foi a seguir. A nossa ida tirou o PS do ar condicionado e das poltronas e pô-lo a trabalhar. Já é positivo.
O drama não foi a visita: o drama foi o atabalhoamento na sua preparação e a falta de rigor na sua execução.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O drama foi o vazio de ideias e os slogans fáceis. Sem estudos sérios, interessa pouco o que se diz. Mais do que o conteúdo vale o movimento, vale a agitação, vale a encenação.
O PS recusou acompanhar-nos, o PS recusou ser acompanhado pelo Ministro da Indústria e Energia que se disponibilizou para tal e, pior do que isso, nem a companhia do «ministro-Sol» nem o conforto do «ministro-sombra». Este, por certo com os elogios à execução do PEDIP, não é o melhor cicerone para visitas deste tipo.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A visita do PS foi um chorrilho de lugares-comuns e questões falsas.
A primeira delas são as alegadas pressões que empresários anónimos terão sofrido para não receberem os Deputados do Partido Socialista.
Trata-se, Srs. Deputados, de uma acusação grave e que não pode passar em branco. Por isso aqui fica o repto para que passem das suspeições larvares para o discurso directo e incisivo. O PS que diga quem exerceu as pressões e sobre que empresas elas foram exercidas...
O Sr. Vera Jardim (PS): - Claro, claro! Já sabemos!
O Orador: - ... Se o provar, actuaremos politicamente sem reservas, se o não provar, cobrir-se-á de vergonha e de ridículo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador:- Mais grave ainda é, contudo, a acusação do Deputado António Guterres sobre o «optimismo dos imbecis» - repito: o «optimismo dos imbecis». Estamos fartos desta linguagem achincalhante e pouco digna. O Secretário-Geral do PS não é brilhante a falar a sério mas é degradante ouvir-lhe estes termos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:- Retirados os excessos de linguagem e as banalidades, o drama é, por fim, ser sempre fácil, em cada momento, saber onde estão os dirigentes do Partido Socialista.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Se o discurso é contra o litoral estão em Bragança; se é contra o interior estão algures na Área Metropolitana de Lisboa; se é contra o Terreiro do Paço estão no Porto; se é contra o Continente, estão nas Ilhas; se é contra Setúbal estão no Vale do Ave...!
É uma versão actualizada e revista do «Diz-me o que dizes, e dir-te-ei onde estás».
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Mas compreende-se: para além da ausência de uma visão global, cada um valoriza o que o faz crescer. O PSD mostra o bom, o razoável com hipóteses, sem esconder o condenado.
O PS mostra sobretudo o irrecuperável, o mau e o sofrível com algumas chances.
Tem razão de ser assim.
O PSD sempre cresceu com o desenvolvimento, com a criação de riqueza, com o andar para a frente. Ao contrário, o PS vive da crise, alimenta-se da crise e vive, sem conflito, com ela. A proibição da palavra «crise», deixaria o discurso socialista cheio de buracos.
Na realidade actual do Vale do Ave conhecemos todas as cores: do branco ao preto, passando pelo vermelho desbotado actualmente chamado rosa. O PS só conhece duas: o «preto-claro» e o «preto-eseuro».
Será uma coincidência infeliz, mas esta região, que concentradamente mais dificuldades vive, é gerida exclusivamente por autarcas do PS. Alguns desses autarcas - que não todos, reconheça-se - são os mesmos que, hoje, criticam o Governo pelo miserabilismo das suas terras e que, há dois meses, em campanha autárquica, elogiaram as virtualidades e os sucessos das mesmas!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma palavra final sobre o futuro.
O País já percebeu que o II Quadro Comunitário de Apoio é um penalty no desafio do desenvolvimento e que não é pelo facto de o jogo ter começado há escassos minutos que vamos desperdiçar o ensejo de nos colocarmos, desde já, na posição de vencedores.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Os socialistas não querem jogar!
O Orador: - Satisfaz-nos a ideia de sabermos que a grande maioria dos portugueses que, com sacrifício, disponibilidade e trabalho, não entendem as dificuldades e adversidades inerentes a um processo de desenvolvimento como fatalidades.
Na visualização deste esforço colectivo e neste Hemiciclo acompanhe-nos quem quiser.
Pelo nosso lado, continuaremos!
Aplausos do PSD.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, lamento muito que a crise do Vale do Ave não se resolva batendo no PS. Se se resolvesse batendo no PS, não haveria, crise no Vale do Ave, pela razão simples de que os senhores ainda não deixaram de bater em nós e não encontram mesmo outra resposta para as críticas que vos fazemos.
Pergunto ao Sr. Deputado se foi ao Vale do Ave. É porque veio de lá a dizer que o PEDIP foi um êxito e que, afinal de contas, parece que está tudo bem* que o pessimismo é um privilégio do PS, que só vê o quê é mau e não o que é bom, apesar de, ainda há pouco, o líder do seu partido ter destacado a moderarão das minhas afirmações tal como a própria imprensa e de o próprio Secretário-Geral do Partido Socialista ter declarado que nem o «optimismo imbecil», não «dos imbecis»... Se o Sr. Deputado queria pessoalizar essa afirmação, tinha de concluir que o Secretário-Geral classificou o seu optimismo e não o Sr. Deputado: há uma grande diferença!
O Sr. Deputado diz que a nossa visita não ajudou. Ora, se esclarecer a verdade, se moderar o optimismo injustificado, se revelar o lado mau das coisas para temperar o excesso de optimismo de quem só vê o lado bom delas não ajuda, então, não sei o que é que ajuda.
O que vimos no Vale do Ave foi potencialidade - já aqui. foi dito -, foi uma reunião de iniciativas empresariais que qualificam aquela região como única no País, o que destaca a capacidade pessoal dos empresários do Vale do Ave. Mas também vimos uma crise que é grave, com tendência para se tornar gravíssima se não forem tomadas as medidas que já deviam ter sido tomadas há muito...
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... porque a crise do Vale do Ave é consequência da passividade do Governo, da neutralidade do Governo, do demissionismo do Governo, durante quatro ou cinco anos a receber fundos estruturais substancialíssimos sem ter pensado no Vale do Ave.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!
Q Orador: - E quem anunciou, em primeiro lugar, a ida ao Vale do Ave foi o meu partido! Os senhores anteciparam-se em esgotar a saída - felicito-vos por isso! -...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... e acho que foram úteis as três visitas - digo três porque o CDS-PP também lá foi.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Agora diz isso!
O Orador:- Do choque das nossas informações e das nossas sensibilidades é que há-de resultar o que é preciso para o .Vale do Ave. Por isso propusemos um debate parlamentar com carácter de urgência e espero que o tenhamos, pois estou convencido de que vão concordar com a sua realização.
Desse debate vamos concluir, com certeza, que os 14 milhões de contos do I Quadro Comunitário de Apoio foram uma gota de água para a crise do Vale do Ave, que os 18 milhões do II Quadro Comunitário de Apoio são apenas 10% do que o Vale do Ave necessita...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado, não conhece os números!
O Orador: - Vamos concluir que não há vontade política de enfrentar a crise do Vale do Ave, que é uma crise de mono-indústria, que é uma crise de impreparação de quadros, que é uma crise de trabalho intensivo, que é uma crise de precária qualificação cultural e profissional dos trabalhadores, que é uma crise resultante, inclusivamente, de não se saber qual é o futuro do têxtil, que é uma crise em que vos foi dito várias vezes que que-
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ríamos saber qual foi o critério que presidiu à distribuição dos fundos comunitários- porquê aquele e não àquele? Porquê a este e não aqueloutro? E aquele recebeu e está falido e aqueloutro não recebeu e está a resistir! Esta análise é que tem de ser feita e nós vamos todos - espero que todos! -, construtivamente, debater estes problemas.
Mas não se sirvam da antecipação da vossa visita e de uma ou outra afirmação de um Deputado de um lado ou de outro para transformarem isto numa guerrilha política, acabando o Vale do Ave por ficar na segunda linha das preocupações.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!
O Orador: - Vamos ao Vale do Ave, vamos à crise do Vale do Ave! Comecemos por não a negar, sob pena de não podermos enfrentá-la e tenho a certeza de que, assim, cumpriremos a nossa obrigação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Nuno Delerue, tem a palavra para dar explicações se assim o desejar.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, telegraficamente, vou dizer-lhe três ou quatro coisas simples.
A primeira é que não vale a pena termos aqui uma conversa de surdos...
O Sr. José Magalhães (PS): - De facto!
O Orador: - Todos os números que V. Ex.ª refere não são verdadeiros. Não é verdade que tenha havido 18 milhões de contos de ajudas comunitárias no âmbito do I Quadro Comunitário de Apoio. Não é verdade - repito -, pois foram 63 milhões de contos...
O Sr. António Braga (PS): - Mas são necessários 180 milhões!
O Orador: - ... e o PSD está disponível para comprová-lo de forma inquestionável.
Portanto, Sr. Deputado Almeida Santos, não vale a pena discutirmos sobre isso porque sabe...
O Sr. António Braga (PS): - Repito que são necessários 180 milhões de contos! Conhece o plano estratégico?
O Orador: - Conheço o plano estratégico, conheço todos os documentos, sabemos perfeitamente o que está em causa.
Sr. Deputado António Braga, percebo a sua dificuldade em ter aldrabado os seus colegas de bancada, mostrando-lhes uma realidade que não existe e esse é que é o seu problema!
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado Almeida Santos, a questão é simples e coloca-se nos termos seguintes: V. Ex.ª referiu-se ao PEDIP. O PEDIP é um êxito de aplicação e o próprio ministro-sombra do Partido Socialista referiu-o de uma forma clara. O Sr. Deputado Almeida Santos pode estar em desacordo com o seu ministro-sombra mas é um problema seu. Nós, no PSD, já estamos habituados a isso!
Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, devo dizer-lhe que é muito triste ver Deputados do Partido Socialista, sem conhecerem as realidades do que foram visitar, embarcarem em situações que têm muito de obscuro.
Assim, pergunto-lhe: relativamente a qualquer uma das empresas que visitou e que foi candidata a programas comunitários, havia ou não razão para o respectivo projecto não ser elegível?
Pergunto-lhe se alguma das empresas que visitou recorreu - e era-lhe permitido por lei - do indeferimento do respectivo projecto.
Pergunto-lhe se as empresas que os senhores visitaram e que são credoras de IVA não têm dívidas ao IVA. É que, como sabe, por lei, essa pode ser uma razão para não receberem o que lhes é devido.
Mas não é isso que é grave, Sr. Deputado Almeida Santos. O que é grave é que o Secretário-Geral do Partido Socialista, hoje aqui desmentido por si próprio, falou ontem no «optimismo dos imbecis», tal como pode ler-se no jornal «Público» que aqui tenho...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Desculpe. O Sr. Deputado Almeida Santos já aqui desmentiu hoje o Sr. Deputado António Guterres. Pela minha parte, estou esclarecido, faltam é outros esclarecimentos!
Gostaria que me dissesse se entende que o Governo português é um governo de gangsters e se esta é uma linguagem digna de um País e de um Secretário-Geral do Partido Socialista. Ou não estaremos a caminhar rapidamente para situações que são mais próprias de líderes partidários de outros países da Comunidade que não do Secretário-Geral do Partido Socialista?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nuno Delerue, é só para lhe dizer, sob minha palavra de honra, que ouvi o que o Secretário-Geral do PS disse e que foi o «optimismo imbecil» e não o «optimismo dos imbecis».
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, tem de corrigir!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Porventura vai corrigir se entender que deve.
Repito que lhe dou a minha palavra de honra de que o que ele disse foi «optimismo imbecil» e não «optimismo dos imbecis»...
O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Deputado acredite em quem quiser: em mim ou na imprensa. É consigo. Tem essa liberdade...
O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não podemos desmentir tudo aquilo que os jornais nos atribuem. Assim, repito: dou-lhe a minha palavra de honra de que o que ele disse foi «optimismo imbecil» e não «optimismo dos imbecis».
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O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, acredito na sua palavra, mas a suspeição de que os jornalistas estão ao serviço de causas menos nobres fica consigo e não comigo.
Aplausos do PSD.
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno Delerue acusou-me de ter aldrabado o meu grupo parlamentar na organização da visita que o PS fez ao Vale do Ave.
O Sr. Deputado Nuno Delerue deve estar confundido ao dirigir-se a mim e ao PS nesses termos. Quem deve ter enganado o Grupo Parlamentar do PSD não foi o senhor mas, provavelmente, o optimismo que levaram para a região e que vou demonstrar-lhe não ter razão de ser.
Também não demonstrámos- nem queríamos fazê-lo - que a região é uma zona sem solução. Pelo, contrário, é uma região com potencialidades, com 40 % da população activa num escalão etário muito jovem e, acima de tudo, com quadros qualificados e empresários dinâmicos - sempre afirmámos isso!
O que dizemos é que aquela região tem expectativas criadas pelo Governo - e posso citar-lhe o caso do Governador Civil de Braga, que, em 1991, escreveu um livrinho...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado António Braga, vai desculpar-me, mas, assim, acabamos por andar sempre às voltas sem terminarmos. É que V. Ex.ª pediu a palavra para reagir a uma ofensa pessoal que lhe foi feita, mas já está a falar em «nós, PS». Era, sim, importante referir-se à ofensa pessoal.
O Orador: - Estava a fundamentar o facto de a nossa visita ter sido realizada nos termos em que o foi, porque o Sr. Deputado Nuno Delerue disse que o nosso grupo parlamentar «tinha ido ao engano». Eu. pretendia fundamentar isso, se o Sr. Presidente mo permite, exactamente para demonstrar o contrário da afirmação feita pelo Sr. Deputado Nuno Delerue.
Estava a mostrar ao Sr. Deputado Nuno Delerue um livrinho, que o senhor recebeu em 1991, em que se afirma que a operação integrada do Vale do Ave é uma operação grandiosa, que implica, para já, ou seja, em 1991, um investimento de 43,5 milhões de contos. Só que nós, hoje, sabemos que é muito menos, porque não passou dos 14 milhões de contos!
Risos do PSD.
Ora, a questão é essa! A operação integrada do Vale do Ave é isso! E as dificuldades sentidas pelos empresários da região são todas imputadas ao poder central. Foi exactamente isso o que fomos demonstrar. Mas não levantámos o fantasma da miséria nem do miserabilismo no distrito, ou, em particular, na região do Vale do Ave, e muito menos nas empresas.
Agora, quando organizámos a visita, de facto, fizemo-lo com muitas dificuldades. É que está instalado, hoje, no meio empresarial e, nomeadamente, naquela região algum receio de não se obter contrapartidas...
Vozes do PSD: - Prove!
O Orador: - Sim, senhor, está instalado! Protestos do PSD.
Os receios dos empresários são indesmentíveis!
Admito que o PSD não tenha feito qualquer pressão, mas a forma clientelar como se atribuem os subsídios, sem critérios, sem rigor, sem transparência, sem a divulgação da entidade a quem são atribuídos, etc., implica que tudo isso se passe num secretismo que leva as empresas a terem esses temores - e muito legitimamente -, p que, do ponto de vista democrático, é muito grave. Mas nós percebemos que estão em causa interesses das empresas.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Quais empresas?
O Orador: - Ora, foi a essa dificuldade que o Sr. Deputado se referiu. Quando fizemos a visita ao Vale do Ave, apesar de tudo, houve muitos empresários que nos receberam. Demonstraram-nos a viabilidade dessas empresas, muitas sem o auxílio do poder central, que, por isso, estão em dificuldades, e outras gravemente prejudicadas, porque o poder central, nomeadamente, na retribuição do IVA, impede-as praticamente de serem solventes. Essa é a questão fundamental!
Agora, Sr. Deputado, dizer que a nossa visita foi «feita ao engano» só demonstra que V. Ex.ª, com certeza, não foi ao Vale do Ave, mas a outro sítio qualquer!
(O Orador reviu.)
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, não vale a pena termos outra discussão sobre os números, porque posso fornecer-lhos todos, já que tive a oportunidade de fazer o «trabalho de casa» e de estudar esta matéria.
Porém, esta intervenção do Sr. Deputado António Braga teve, pelo menos, uma vantagem muito grande: é que o Sr. Deputado Almeida Santos, hoje, esclareceu aqui um pouco melhor aquilo que terá sido a intervenção do Sr. Deputado António Guterres, ontem, no Vale do Ave, e o Sr. Deputado António Braga esclareceu, hoje, a sua intervenção do passado sábado, cujo discurso era de uma contundência total. Portanto, a sua intervenção teve, pelo menos, essa vantagem. Sempre que os senhores vão para o terreno, vêm mais moderados, o que registamos com apreço. É sinal de que o País é bastante melhor do que aquilo que os senhores gostariam eventualmente que fosse.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de continuar a decorrer na Sala D. Maria a votação para a elei-
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cão de um membro para o Conselho de Administração da Assembleia, pelo que solicito aos Srs. Deputados que ainda não exerceram o direito de voto o favor de o fazerem.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 55 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos iniciar a nova apreciação de vários diplomas, nos termos dos artigos 171.º e 169.º do Regimento. Esses diplomas são os Decretos n.ºs 120/VI- Altera o Estatuto dos Magistrados Judiciais, 126/VI - Estabelece medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, 129/VI - Lei do Segredo de Estado e 130/VI - Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro - Reforma do Tribunal de Contas.
Como sabem, é permitida a transferência dos tempos atribuídos a cada um dos partidos para o debate de cada um dos decretos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de a ordem do dia desta sessão plenária ser integralmente preenchida com a nova apreciação de quatro decretos originados em propostas do Governo e aprovados pelo PSD, que, em diversas das suas normas, foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal competente, releva de enorme significado político, insusceptível de ser iludido ou mesmo minimizado.
Desde logo, porque a declaração de inconstitucionalidade destes decretos significa uma inegável derrota política do Governo que os propôs e do Grupo Parlamentar do PSD que, isoladamente, os aprovou,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... e tanto mais quanto estão em causa- diplomas pelos quais o Grupo Parlamentar do PSD e o Governo fortemente se bateram na anterior sessão legislativa.
Mas ainda porque as declarações de inconstitucionalidade, que sobre esses diplomas recaíram, vieram confirmar a razão do PCP e dos restantes partidos da oposição que se lhe opuseram e a justeza da posição assumida pelo Presidente da República ao requerer a apreciação preventiva da respectiva conformidade com a Constituição e reafirmaram a necessidade da permanente acção fiscalizadora dos restantes órgãos de soberania sobre a actividade do Governo.
Mas esse significado político é tanto mais relevante e profundo quanto é certo que esses decretos e inconstitucionalidades têm a ver com direitos e garantias fundamentais num Estado de direito, que o Governo persiste em distorcer .e anular.
Importa, aliás, recordar que as declarações de inconstitucionalidade pelo Tribunal assentaram, designadamente: na violação do princípio da representação proporcional dos juizes; na violação dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade a que devem obedecer as restrições de direitos, liberdades e garantias, no caso concreto dos direitos dos juizes; no desrespeito, em matéria de prevenção de crimes, dos mesmos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade a que devem obedecer as restrições de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos: na violação do princípio da unidade política do Estado e da obrigação de ser o Estado a garantir a independência nacional e a assegurar a defesa nacional; na incompatibilidade com ó sistema de Governo acolhido na Constituição; na violação do princípio constitucional da independência dos tribunais; na violação do princípio da reserva da lei, material e formal, e, ainda, na senda da sanha persecutória do Governo contra o Presidente do Tribunal de Contas, na violação do direito dos juizes, constitucionalmente consagrado, ao exercício de funções docentes e de investigação científica de natureza jurídica, não remunerado.
Isto é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as inconstitucionalidades que obrigam à reapreciação dos decretos que, hoje, nos ocupam incidem sobre concepções do Governo e do PSD declaradamente contrárias à Constituição da República, nomeadamente quanto à separação e interdependência de poderes dos órgãos de soberania, mais concretamente ao reforço dos poderes do Executivo à custa da redução do poder judicial e do atropelo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, quanto à fiscalização e transparência da actividade governamental, quanto à crescente policialização da vida social ou quanto à sujeição da sociedade ao secretismo da acção governativa, com prejuízo dos direitos dos cidadãos e, em particular, do seu direito à informação e do direito de informar por parte da comunicação social.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador:- Em suma, o conjunto das declarações de inconstitucionalidade proferidas pelo Tribunal Constitucional, no Verão passado, consubstanciam, de facto, uma verdadeira declaração de inconstitucionalidade das concepções do Governo e do PSD que visam um Estado de natureza secretista, repressiva e autoritária, incompatível com o Estado de direito democrático constitucionalmente consagrado.
Aplausos do PCP.
O que fundamentalmente está em causa são essas concepções do Governo, que contendem com o Estado de Direito democrático e sustentam um preocupante processo de acentuada degradação da democracia, de falta de transparência da vida política e de crescente desprotecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Por isso, o PCP entende que as alterações a introduzir nos decretos em reapreciação não se devem circunscrever ao expurgo das normas declaradas inconstitucionais, antes devem atingir a dimensão necessária e suficiente para os conformar com um efectivo Estado de direito democrático.
Essa a razão e objectivo das propostas de alteração que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará durante o debate.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira questão que quero explicitar aqui é que estes diplomas sobem de novo a Plenário
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por iniciativa do PSD, pelo que reassumimos este processo legislativo. Foi o PSD, embora com a posterior concordância dos demais grupos parlamentares, que, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, colocou a questão de reassumirmos este processo legislativo, a fim de expurgarmos as inconstitucionalidades a estes diplomas. E fizemo-lo por três ordens de razão: em primeiro lugar, porque estamos conscientes de que as soluções que estes diplomas pretendem consagrar são necessárias e urgentes para os sectores e para as áreas a que se destinam- e permitam-me realçar, em particular, o diploma relativo ao combate à corrupção, na medida em que é urgente apetrechar a Polícia Judiciária e o apoio aos tribunais de um corpo técnico na área contabilística e financeira que permita investigar e instruir de forma eficiente os processos nesta área, apoio que tem vindo a ser reclamado designadamente pelo Sr. Procurador-Geral da República.
Em segundo lugar, ao reassumirmos estas iniciativas, quisemos com isso também significar que as questões que esbarraram com o juízo do Tribunal Constitucional ou são questões menores relativamente ao demais de que esses projectos e propostas são portadores ou são questões facilmente ultrapassáveis nesta sede.
Por último, ao assumir a iniciativa de trazer de novo ao Plenário estes diplomas, o PSD quis também significar que tem inteiro respeito pelo Tribunal Constitucional e que não tem qualquer pejo, nem se sente minimamente diminuído por ele próprio, PSD, trazer ao Plenário estes diplomas para se dar acatamento e execução aos acórdãos do Tribunal Constitucional. É normal e saudável em democracia que as instituições funcionem e as instituições, neste caso, a Assembleia da República e o Tribunal Constitucional, estão a cumprir cabalmente o seu papel. Não era devido a qualquer fuga por parte do PSD que estes sectores iam deixar de ter as soluções que estas leis pretendem adoptar, nem era pela mão do PSD que se ia deixar de dar acatamento às decisões do Tribunal Constitucional.
Uma questão diferente é a de saber se concordarmos ou não, tecnicamente, com algumas das soluções do Tribunal Constitucional. Quando discordámos de algumas dessas soluções, tivemos a companhia de magistrados e conselheiros do Tribunal Constitucional tão ilustres como aqueles que votaram vencido, designadamente o seu Presidente, nalguns casos. Portanto, estamos tão bem acompanhados quanto aqueles cuja opinião fez vencimento e, consequentemente, não nos sentimos diminuídos. Estamos, sim, no terreno da polémica e da divergência de opiniões, mas também no do respeito pelas instituições. É esta a postura do PSD, partido que sabe bem o que é a democracia e tem um profundo sentido de Estado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz a bancada do PSD que, em nome da democracia e não por ser obrigada a tal, traz novamente a Plenário, como um grande favor, os decretos que foram rejeitados pelo Tribunal Constitucional por ter encontrado neles algumas inconstitucionalidades de vulto.
Não eram novidade para nós estas declarações de inconstitucionalidade. Tínhamo-nos batido aqui por elas, apontámo-las, chamámos a atenção do partido maioritário no sentido de eliminá-las e apresentámos os argumentos não com aquela proficiência e aquele enciclopedismo jurídico com que os juizes do Tribunal Constitucional recheiam - e bem - os seus acórdãos, mas nos pontos principais dissemos o que nos separava da maioria.
Por isso mesmo, não constituiu novidade para nós o facto de o Tribunal Constitucional, relativamente a cada um destes diplomas, hoje aqui em reapreciação, ter chamado a atenção para a inconstitucionalidade e declarado inconstitucionais algumas das suas normas.
Vamos, hoje, portanto, proceder a uma nova apreciação. Porém, não quero deixar de dizer que este hábito de louvar o Tribunal Constitucional pela maioria quando é a nosso favor e invocar os juizes minoritários vencidos quando sublinham as nossas opiniões dizendo que estão acompanhados pelos juizes vencidos realmente não é a melhor forma de servir os tribunais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É que dá a impressão - e é assim que se estabelece o conflito - de que a maioria serve a oposição e os juizes vencidos estiveram com a maioria. É uma impressão que deve ser totalmente rejeitada, porque qualquer juiz declara-se vencido, independentemente de dar razão a este ou àquele partido. Por isso mesmo, lamento que o porta-voz do partido maioritário tenha vindo aqui dizer que o seu partido nem tinha feito assim tão mal porque até houve juizes que, embora minoritários, lhe deram razão, tendo chegado ao ponto de referir que o próprio Presidente do Tribunal Constitucional tinha votado vencido.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É verdade!
O Orador:- É verdade, mas o que é que isso quer dizer? Somente que votou vencido! Isto é mau! Assim é que se partidariza o Tribunal Constitucional! Assim é que se partidarizam os magistrados! Ao dizer-se que os que votaram vencido estão convosco e os que votaram em maioria estão com a oposição! Isto é que o Sr. Primeiro-Ministro devia ouvir, porque quem partidariza o Tribunal Constitucional são os senhores,...
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador: - ... quando dizem que os juizes do Tribunal Constitucional que votaram vencidos estão convosco e os que votaram pela inconstitucionalidade estão com a oposição e fazem parte das forças de bloqueio.
A intervenção do Sr. Deputado foi totalmente infeliz e, por isso, não deve ser repetida.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso trabalho de hoje é simples. Trata-se, por um lado, de expurgar as inconstitucionalidades dos diplomas que foram remetidos à Assembleia para serem reapreciados e, por outro, se o partido maioritário entender, de modificar ou alterar as normas do diploma, as quais estamos dispostos a discutir.
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Narana Coissoró. lamento, mas V. Ex.ª foi longe demais no ajuizamento da minha intervenção.
Esta defesa da honra é, simultaneamente, uma defesa do direito de liberdade de expressão, particularmente como Deputado, pois V. Ex.ª entende que fui infeliz na minha intervenção por ter dito que acatamos as decisões do Tribunal Constitucional, pese embora a circunstância - e temos de dizê-lo aqui - de estas questões, como questões de Direito Jurídico-constitucional, serem tão controvertidas que alguns dos juizes, em alguns casos, votaram vencidos, entre os quais o Sr. Dr. Juiz Conselheiro Cardoso da Costa, Presidente do Tribunal Constitucional, e que nos dava algum conforto verificar que, do ponto de vista jurídico, não estávamos tão desacompanhados nas nossas teses sobre esta matéria, como também, naturalmente, confortava aqueles cuja opinião tinha feito vencimento.
Parece-me que, na minha intervenção, não há absolutamente nada de irregular e. por isso, V. Ex.ª ofendeu a minha honra e consideração quando a vem rotular de infeliz.
O Sr. José Magalhães (PS): - Infelicíssima!
O Orador: - Citarei quem entender, sempre que entender e da forma que entender e lamento que, neste Hemiciclo, haja cerceamento ou tentativas de cerceamento da liberdade de expressão de Deputados.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, V. Ex.ª, como ofendido, entendeu que a sua intervenção tinha sido deslizante, mas julgo que foi uma derrapagem grave.
Também eu tenho a liberdade de dizer, em relação a qualquer Deputado, quais são as intervenções que, em meu entender, são deslisantes, derrapantes ou infelizes.
Por outro lado, quero dizer que, por exemplo, no que se refere à inconstitucionalidade da Reforma do Tribunal de Contas, V. Ex.ª calou por completo que houve unanimidade dos juizes. Não houve qualquer voto de vencido que V. Ex.ª pudesse trazer na sua lapela.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, eu disse em alguns casos!
O Orador: - Portanto, V. Ex.ª não pode trazer na labita nem o Presidente do Tribunal de Contas nem qualquer outro juiz porque foi entendido, por unanimidade, que aquele preceito que introduziram era ad hominem e que, por isso, não honra ninguém.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, por acordo entre os grupos parlamentares, a apreciação do decreto n.º 120/VI - Altera o Estatuto dos Magistrados, passa para último lugar, pelo que entramos na apreciação do decreto n.º 126/VI- Estabelece medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira.
Lembro, mais uma vez, os Srs. Deputados de que, na Sala de D. Maria, continua a decorrer a votação para eleição de um membro do CDS para o Conselho de Administração.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto político desta tarde é a ausência do Governo neste debate e, em particular, do Sr. Ministro da Justiça.
Não é todos os dias que o Parlamento reaprecia não um, não dois, não três, mas quatro diplomas vetados por inconstitucionalidade, uns da iniciativa do Governo e outros com o seu apoio.
Também não é todos os dias que se apreciam aqui os resultados de múltiplas violações de normas constitucionais, no domínio, além do mais, da garantia da independência dos tribunais, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, do governo da Magistratura e da própria protecção de direitos fundamentais.
Cabia ao Sr. Ministro da Justiça vir aqui explicar por que é que, no seu sector, se puderam instalar sinais tão persistentes de uma alarmante incultura inconstitucional, se não já de uma não menos alarmante cultura legislativa inconstitucional.
Cabia ao Sr. Ministro da Justiça vir aqui explicar não só os chumbos constitucionais, os fracassos e as delongas dos seus propósitos legislativos, como também o silêncio e a omissão incompreensíveis a que se remeteu neste domínio, de Agosto para cá.
O Sr. Ministro da Justiça e o Governo seguem hoje o conselho daquele técnico de imagem que recomenda: «comparece onde possas associar-te a êxito, afasta-te dos locais que lembram o insucesso». Só que hoje, qualquer que seja a sua táctica de imagem, esta é a tarde do fracasso constitucional do Governo e, em particular, do Ministro da Justiça. A sua ausência não chega para o fazer esquecer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, há perto de um ano, se iniciou aqui o debate sobre o combate à corrupção, então com a participação do Primeiro-Ministro, ficou claro que existiam duas diferentes compreensões, duas diferentes escalas de prioridades e dois diferentes programas legislativos para prevenir e enfrentar o fenómeno da corrupção.
De um lado, o Primeiro-Ministro reduzia então o que havia a fazer, no plano legislativo, à proposta que está na origem deste decreto; de outro,, o PS defendia que era, e é, indispensável e urgente uma acção mais vasta, a desenvolver à escala das instituições, que reduzisse as ocasiões de corrupção, levando as instituições, aos decisores e às decisões públicas mais visibilidade, mais controlo e mais responsabilidade.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que é que propõem nesse sentido?!
O Orador: - Perante um Primeiro-Ministro, um Governo e uma maioria então silenciosos e sem iniciativas
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neste domínio, o PS colocava na ordem do dia um conjunto de exigências: transparência e controlo eficaz do financiamento da actividade política; acesso livre do público às declarações de rendimentos, patrimónios e interesses dos titulares de cargos políticos e ao conteúdo das suas declarações do IRS; publicidade de todas as decisões de entidades públicas que atribuam benefícios a particulares, incluindo as que envolveram fundos nacionais e europeus desde a adesão de Portugal às Comunidades; e auditorias, a cargo de entidades independentes, à aplicação dos fundos atribuídos.
Como, então, salientámos, a corrupção desenvolve-se com a opacidade, com o segredo, com a discricionaridade e com a ausência de controlos idóneos e eficazes.
Reduzir o combate à corrupção e a prevenção da corrupção a uma perspectiva policial ou judicial é - para utilizar a linguagem de um especialista - trocar a escala da realidade por uma que pode aproximar-se da escala da miniatura.
Desafiámos, então, o PSD a acompanhar-nos nesta mudança de escala. Um ano depois, se nas palavras e no domínio de alguns interesses legislativos declarados o PSD parece ter evoluído, na prática não se concretizaram os progressos indispensáveis na direcção certa.
Na disciplina do financiamento da actividade política, a maioria parlamentar recusou a solução de fiscalização mais eficaz e ainda hoje não foram proporcionados ao preferido Tribunal Constitucional os meios necessários para se desincumbir das novas funções que, nesse domínio, lhe foram atribuídas. Fiscalização eficaz aqui, por enquanto, ainda não!
No controlo público da riqueza dos titulares de cargos públicos, a maioria não só tem atrasado o processo legislativo como pretende ainda limitar drasticamente o acesso dos cidadãos e ameaça com penas de um a quatro anos de prisão quem, sem consentimento prévio, publicar declarações, ainda que exactas, na comunicação social.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já está aprovado?!
O Orador: - Publicidade aqui, até ao momento, nada!
Quanto à publicidade sistemática das decisões atribuindo vantagens a particulares e às auditorias independentes, a vontade profunda da maioria ditou a sorte das nossas iniciativas, que, para lá de outros domínios, teriam tido uma projecção especial no terreno agrícola. De mais publicidade e mais meios de controle, também aqui, até ao momento, nada!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem está a ganhar neste domínio não é o PSD ou o Primeiro-Ministro, que aqui veio proclamar enfaticamente que não éramos um país de corruptos. Quem está a perder neste domínio não é o PS.
Quem está a ganhar, por culpa do PSD, é a corrupção; quem está a perder, por culpa do PSD, são as instituições. E o que está a perder-se, por culpa do PSD, em cada dia que passa, é esse recurso precioso que é a confiança dos cidadãos nas instituições.
O que se passa com a iniciativa legislativa que hoje aqui regressa deve ser compreendido neste quadro. O Governo propôs-nos, há um ano, algumas soluções deficientes, algumas soluções perigosas, algumas soluções más.
Propôs a consagração legal de um verdadeiro pré-inquérito policial para certas categorias de crimes, à cabeça dos quais está a corrupção, visando tratar sus-
peitas através de processos de recolha e armazenamento de informações, conduzidos longe das magistraturas e à revelia de qualquer dialéctica processual.
Pretendeu legitimar o levantamento do segredo profissional em termos excessivamente genéricos, susceptíveis de permitir uma ponderação menos exigente dos valores contraditórios em presença a reclamar protecção.
Consagrou soluções de excepção e de segredo. As figuras do informador e do colaborador secretos e disposições processuais penais específicas para um determinado tipo de crime regressaram, em diploma avulso, deixando dúvidas sobre a consistência da aposta na revisão do Código de Processo Penal e até do Código Penal, tal a revelia não só ao espírito do sistema como também ao próprio espírito de sistema.
Abstendo-se, então, na generalidade, o PS significou uma vontade construtiva de contribuir para o aperfeiçoamento de soluções que pudessem trazer alguns ganhos de eficácia no combate à corrupção e à criminalidade económica, sem restrições ou riscos desproporcionados para os direitos dos cidadãos.
Este espírito não foi correspondido. Mesmo quando nada se objectou no plano técnico contra as nossas propostas de alteração, mesmo quando se admitiram deficiências de formulação, nada de significativo se aceitou mudar.
O Primeiro-Ministro quis entender as críticas generalizadas à proposta como expressão de uma campanha que alguém urdira e a maioria formou, em quadrado, em torno de uma peça cuja concepção e redacção a ninguém honra.
Mesmo quando solenemente advertido para a inconstitucionalidade da solução central, insistiu, indiferente aos avisos à sua imprudente navegação.
Deteve-a, há mais de meio ano, o Tribunal Constitucional, numa decisão que, alinhando com preocupações de fundo emergentes na civilização jurídica europeia, fica a constituir um marco de referência, no domínio da protecção constitucional do direito à privacidade.
Pode aquilatá-lo quem entre nós tem realçado o significado de evoluções recentes, neste domínio, da doutrina e jurisprudência, nomeadamente constitucional, como, por exemplo, a decisão, de 14 de Maio de 1991, do Tribunal Federal Alemão (BGH), que declarou «a ilegitimidade de princípio da prática policial de acompanhamento e observação duradoira de um suspeito».
Estava, e está, em causa, sob a denominação enganadora de «acção preventiva», a institucionalização de uma fase policial, anterior à abertura de inquérito, onde o que se perspectiva são já suspeitas. Suspeitas em vista das quais se recolhem e armazenam informações sem que esteja assegurado um conhecimento e um controle, imediato e suficiente, por um magistrado.
Num quadro legislativo em que previamente se subtraiu ao Ministério Público a coordenação das acções policiais de prevenção e se restringiu à actividade processual a fiscalização da polícia por aquela magistratura, a inovação pretendida pelo Governo vinha, e vem, institucionalizar uma fase pré-processual, onde valem regras particulares de segredo, e que pode ser duradouramente subtraída a uma fiscalização autónoma ou independente.
É, aliás, significativo que, denegado o conhecimento imediato e a possibilidade de fiscalização em relação a estas impropriamente chamadas acções preventivas, se tivesse passado a falar de análise e de acompanhamento, como se tais conceitos, sem tradição processual e
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sem rigor, fossem adequados e suficientes para proteger direitos fundamentais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo e a maioria, detidos pelo juízo de inconstitucionalidade, durante meio ano, parecem ter hesitado sobre o caminho a seguir.
Interpelado em Novembro e em Dezembro nesta Assembleia, o Sr. Ministro da Justiça, que hoje aqui não está, informou que procurava ainda uma saída, que confessava ter dificuldade em encontrar.
Ficámos hoje a conhecer o resultado de mais de um semestre de alegada reflexão. Para tão longa hesitação, foi curto e decepcionante o resultado. A maioria não aprendeu e, com retoques de redacção, mantém o essencial: procedimentos administrativos de tratamento de notícias, através de recolha de informações para fundamentação de suspeitas, tudo isto a cargo de entidade policial dependente do Governo, e subtraída nesta actividade a uma verdadeira e efectiva fiscalização por parte de uma magistratura.
É paradoxal que tudo isto se passe a propósito da dita prevenção policial da corrupção e da criminalidade económica, num contexto de inércia ou de oposição da maioria em relação a iniciativas susceptíveis de prevenir e de reduzir a uma escala bem mais vasta as ocasiões de corrupção.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Pela nossa parte, a garantia de direitos fundamentais e as reformas conducentes à redução dos contextos propiciadores de corrupção devem ir a par.
Srs. Deputados da maioria, contem connosco para as reformas que urgem, que propomos e em que insistimos, para haver mais visibilidade, mais controlo e mais responsabilidade, mas não contem connosco para soluções de compressão e risco para direitos fundamentais, sem garantias suficientes de respeito do princípio da proporcionalidade e de fiscalização pela magistratura.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assalta-me a dúvida sobre os motivos da ausência do Ministro da Justiça. Não sei se, efectivamente, será por uma questão de decoro e de não se sentir à vontade, dado os chumbos dos vários diplomas no Tribunal Constitucional ou se será por uma questão de decoro por causa das propostas de alteração que foram apresentadas em relação ao decreto, que, como direi adiante, na minha opinião, é «gato escondido com o rabo de fora» e não alteram os dados do problema.
O Sr. José Magalhães (PS): - E com um rabo gigantesco!
A Oradora: - Gostava de começar por dizer - pegando numa expressão que ouvi no programa «Parlamento», em que se falava em imunidade política- que parece querer criar-se, ou já está criada, na nossa sociedade uma espécie de imunidade, que já não. é parlamentar mas política, isto é, quem pertencer à maioria tem umas certas garantias de que os seus actos não vão ser analisados.
A proposta de lei que deu origem ao decreto que está hoje em apreciação conduzia, como dissemos na altura, a uma policialização de actos de verdadeira instrução criminal, num caminho extremamente perigoso para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Já não estivemos de acordo com o Código de Processo Penal e com as alterações que foram feitas em relação à investigação criminal, uma vez que sempre defendemos que era o juiz de instrução que devia conduzir o processo, e muito menos estivemos de acordo com esta caminhada, a passos largos, no sentido da policialização.
Não podemos alhear-nos de outros sinais verdadeiramente assustadores num diploma que, há pouco tempo, a Assembleia da República aprovou que militarizava a instituição Polícia Judiciária através de um regulamento disciplinar, em que os agentes da Polícia Judiciária não podiam discordar nos mesmos termos em que o fazem os funcionários públicos - e não podem segundo aquele regulamento -, sendo obrigados a obedecer cegamente.
Isto entronca-se no tema da dependência funcional da Polícia Judiciária que deve estar dependente do Ministério Público e não, em caso algum, do Governo, através do Ministro da Justiça, porque toda a actuação da Polícia Judiciária nesse caso toda a actuação da Polícia se pautará por critérios de oportunidade política do Governo. Perante um diploma como este, é fácil que a Polícia Judiciária receba ordens- que, contrafeita, tenha de cumprir - no seguinte sentido: «Agora, meus meninos, não é tempo de enviar para o Tribunal esse processo para investigação de eventual corrupção porque estamos em pré-campanha eleitoral e pode ser desastroso para os nossos propósitos»! O decreto tornava possível dilatar no tempo, quiçá de apagar, alguns vestígios que colocassem em cheque quem está no poder e todos os perigos decorrentes deste decreto estão bem apontados no acórdão do Tribunal Constitucional!
Resta agora saber se as propostas apresentadas pelo PSD resolvem os problemas de inconstitucionalidade. Relativamente à alínea a) do n.º 3, o PCP apresentou uma proposta que refere que a única forma de evitar a inconstitucionalidade é, pura e simplesmente, eliminá-la, pois o que, quanto a isto, o PSD propõe tem as mesmas consequências e conduz às mesmas violações dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos: para mascarar os propósitos de retirar ao Ministério Público os actos de investigação que lhe pertencem, o PSD substitui uma expressão, a fim de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime. Ora, isto não esconde devidamente os seus objectivos, porque, tratando-se de uma área como a da corrupção - uma área em que se torna necessário decidir sobre o que são actos preparatórios ou actos de um crime na forma tentada -, essa decisão fica ao arbítrio da Polícia Judiciária, que, porque decidiu serem actos preparatórios os que o não são, pode fazer recolha de informação em relação a crimes na forma tentada! E isto tanto mais quanto é certo que a jurisprudência tem decidido que, nos crimes de corrupção passiva, não é necessária a precedência da promessa ou da entrega de dinheiro para haver um crime de corrupção - tem de existir, mas pode até acontecer posteriormente. Assim sendo, esta medida atribui à Polícia Judiciária, em primeiro lugar, a possibilidade de decidir se está perante actos preparatórios direccionados em relação a um sujeito e não a uma generalidade de sujeitos ou se está perante uma investigação criminal, caso em que fará o que os seus superiores decidi-
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rem! Ou seja: o que o Sr. Ministro da Justiça decidir! O Sr. Ministro da Justiça poderá, então, dizer: «Esses são actos preparatórios, vocês podem intervir, pois, organicamente, estão dependentes do Sr. Ministro da Justiça e é a mim que têm de obedecer»!
Esta proposta continua, portanto, a contender com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e continua u ser inconstitucional.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - As várias alíneas que o Tribunal Constitucional elencou quanto ao n.º 2 do decreto tornam a questionar esta proposta, pois, com base nele, pode fazer-se recolha de imagens e, como o Tribunal Constitucional aqui referiu, podem pôr-se em causa os direitos dos cidadãos perante o Estado, para além de que, com base neste diploma, muitos cidadãos possam vir a ser vigiados, sem controlo da respectiva legalidade e sem nada terem a ver com casos de corrupção.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Relativamente ao artigo 2.º, o acrescento proposto, Srs. Deputados, não era cá preciso, porque já se sabe que o artigo 272.º da Constituição diz o que aqui está: não podem ser ofendidos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos! Por consequência, esse acrescento é mais uma máscara, talvez por estarmos em época próxima do Carnaval!
Por fim, o artigo 3.º deve também ser eliminado porque sofre de inconstitucionalidades. Este artigo, torna possível que se arrastem na Polícia Judiciária as chamadas «averiguações sumárias», com centenas e centenas de páginas, sem qualquer controlo do Ministério Público, pondo igualmente em causa os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, propomos a eliminação do artigo 7.º - na devida altura, chamei a atenção para a monstruosidade deste artigo que fixava o dever de sigilo absoluto dos agentes da Polícia Judiciária, o que queria dizer que, sempre que estivesse em causa no tribunal uma investigação em relação à qual a Polícia Judiciária poderia ser chamada a prestar informações relevante, a mesma Polícia Judiciária poderia recusar-se a fazê-lo alegando o sigilo absoluto. Para quê este artigo?! Dando hipóteses de «apagar» outros crimes e de impedir o procedimento criminal noutros crimes contra determinadas pessoas! Não chega o determinado na Lei Orgânica da Polícia Judiciária sobre o segredo profissional dos agentes?! É óbvio que chega e sobra e que este artigo existe para obstruir a acção do Ministério Público!
Como tal, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PCP votará contra estas propostas de alteração. Nós queremos um efectivo combate à corrupção! Para isso, dêem aos tribunais, que bem têm demonstrado saber agir e. condenar nos casos em que efectivamente existe corrupção, os meios técnicos e humanos para, em processos tão complexos, possuírem meios auxiliares para poderem desempenhar a sua função! Isso será suficiente para que o Estado combata a corrupção e para que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos estejam devidamente protegidos!
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relembro a VV. Ex.ªs que está a decorrer a eleição de um representante do CDS-PP para o Conselho de Administração da Assembleia e que é de toda a conveniência que VV. Ex.ªs votem até às 18 horas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congrega-nos aqui o acórdão do Tribunal Constitucional, de 12 de Agosto de 1993, que declarou inconstitucionais alguns segmentos de normas do Decreto n.º 126/VI sobre a rubrica «Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira». Trata-se, no essencial - e é a partir da inconstitucionalidade deste inciso legal que irradiam outras normas consideradas inconstitucionais -, da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º, que atribuiu à Polícia Judiciária a competência para, no âmbito das suas acções de prevenção, recolher informações sobre notícias susceptíveis de fundamentar a suspeita do perigo de cometimento de crimes.
No plano institucional, é óbvio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que acatamos ab imo a decisão do Tribunal Constitucional e que retiraremos todas as consequências institucionais daí decorrentes. Isto é: assumiremos a obrigação que a Constituição nos impõe de expurgarmos o diploma dos preceitos considerados inconstitucionais.
De todo o modo, no plano intelectual, não esconderemos alguma discordância quanto ao mesmo acórdão do Tribunal Constitucional, um acórdão que, pessoalmente, me deixa alguma perplexidade e mesmo algum desencanto ou a sensação de qualquer debilidade do ponto de vista técnico-jurídico. Não deixa de ser estranho que o Sr. Presidente da República tenha suscitado a questão da constitucionalidade por razões que se prendem sobretudo com a circunstância de, por esta via, a Polícia Judiciária invadir aquela que seria a competência do Ministério Público. Trata-se de uma inconstitucionalidade na área da intersubjectividade das instâncias formais de controlo, ou seja, a evocação fundamental do artigo 32.º da Constituição, com erros de fundamentação aqui e além - como acontece, por exemplo, quando, num texto em que se propõe a acção do Tribunal Constitucional, se diz que haveria o perigo de verdadeiros actos instrutórios, o que é um crime impossível! O legislador, quando formulou este Decreto n.º 126/VI, estava impedido de atribuir à Polícia Judiciária a possibilidade de actos instrutórios, uma vez que esses actos, no quadro das instituições vigentes - goste-se ou não! -, apenas podem decorrer perante um juiz de instrução!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ora, nada do que se passa relativamente a este decreto tem a ver com a instrução criminal; daí que talvez não ficasse mal mais rigor e algum cuidado! Também não deixa de ser estranha, e há que afrontá-la com toda a abertura, a circunstância de a decisão de inconstitucionalidade desta norma ter partido ao meio o Tribunal Constitucional. Se uma maioria numérica, de quatro contra três, votou pela inconstitucionalidade, não deixa de ser estranha a natureza e a extracção sociológica dos grupos que se apartaram para um e outro lado...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É espantoso!
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O Orador: - ... a sugerir que, afinal, mais do que uma decisão no âmbito da compreensão de consensos fundamentais relativamente à Constituição, se refrataram no Tribunal Constitucional os conflitos próprios da gestão quotidiana da legislação, que é sempre uma legislação politicamente empenhada e, portanto, aberta à conflitualidade! Foi esta conflitualidade que o Tribunal Constitucional não logrou, de todo em todo, superar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E mais: resulta claro do acórdão que o Tribunal Constitucional não representou correctamente o quadro de soluções que estão agora em vigor. Quando argumenta que o facto de a Polícia Judiciária, para análise e acompanhamento, dever dar notícia ao Ministério Público de actos que correm no âmbito da própria Polícia, o Tribunal Constitucional diz esta coisa: isso não tem qualquer consistência porque o Ministério Público não tem agora a possibilidade de fiscalizar a Polícia Judiciária e só o pode fazer no âmbito da actividade processual.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E diz bem!
O Orador: - É óbvio! E, exactamente porque assim é, comunicar ao Ministério Público esta matéria cairia fora do seu âmbito de competências. E importa dizer com toda a clareza que, no quadro das instituições que temos, boas ou más - são, de resto, idênticas às da quase totalidade dos países da Europa ocidental e do Conselho da Europa -, as polícias, mesmo as criminais, dependem organicamente do Governo e funcionalmente do Ministério Público. Foi, de resto, este o quadro que o Código de Processo Penal institucionalizou. Ora, neste quadro, que o Tribunal Constitucional parece não ter representado correctamente, a obrigação de o Director-Geral da Polícia Judiciária levar ao conhecimento do Ministério Público acções que, de outra forma, ficariam fora da alçada do mesmo Ministério, é um reforço da competência do Ministério Público!
No entanto, esta decisão de inconstitucionalidade deixa-nos ainda mais surpreendidos! Depois de largas e largas páginas, confronta-se o Tribunal Constitucional com esta questão: o que está aqui em causa é uma questão de ponderação de interesses e a violação do princípio da proporcionalidade. E há violação do princípio da proporcionalidade porque, no entendimento do Tribunal Constitucional, no âmbito da criminalidade, da corrupção, da administração danosa da unidade económica do sector público, da fraude na obtenção ou desvio de subsídios, das infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, das infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional, as informações colhidas pela Polícia Judiciária colidem com a intimsphare das pessoas.
É o próprio Tribunal Constitucional que recorre à expressão alemã que poderemos traduzir, com alguma aproximação, por esfera da intimidade; digo com alguma aproximação porque, na doutrina e jurisprudência alemãs, tal expressão tem um sentido preciso no âmbito da teoria das três esferas. Segundo esta teoria, a área da privacidade da pessoa estrutura-se em três esferas, pertencendo a intimsphare ao chamado núcleo inviolável da personalidade, ou seja, à área mais restrita, mais pessoal e mais inviolável e, portanto, retirada de qualquer intervenção do Estado e dos particulares.
O Tribunal Constitucional invocou esta protecção de intimsphare - protecção da esfera mais íntima - para as informações no acto de obtenção de subsídios e criminalidade económica.
Honestamente, não compreendo bem essa posição, sobretudo- e o Tribunal Constitucional tem de ter em atenção uma jurisprudência integrada -, onde é que nos levará esta compreensão da intimsphare! Que tipo de sociedade vamos criar se estendermos a protecção própria da esfera íntima - íntima com este sentido extremado - a actividades do foro da corrupção, da obtenção de subsídios, etc?!
Manifestamente, não logrei entender. E é da contraposição entre esta intimsphare e os interesses servidos pela prevenção criminal que o Tribunal Constitucional logra descortinar uma desproporcionalidade não demonstrada, uma vez que isso implicava dizer o que é proporcional e o que é desproporcional, ou seja, exigia um trabalho mais aturado e mais exigente, no sentido de uma demonstração que não se pode presumir mas que tem de se fazer.
São estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que me atrevo a assumir, mais com carácter pessoal do que vinculando o meu partido- penso, no entanto, não ser arriscado acreditar que o meu partido me acompanha nestas considerações de carácter intelectual.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Como dizia, é com base nestas considerações que manifestamos o nosso desencanto e perplexidade perante o acórdão do Tribunal Constitucional.
De todo o modo, Roma locuta causa infinita. Mas vamos dá-la por finita e, portanto, dar implemento às obrigações decorrentes do acórdão do Tribunal Constitucional.
Para isso, Sr. Presidente, apresentámos um conjunto de propostas, de que nos permitimos destacar a referente ao artigo 2.º, onde acrescentamos este inciso:«(...) e não podem ofender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.»
Diz a Sr.ª Deputada Odete Santos, e muito bem, que em rigor esta norma não era precisa porque já está na Constituição. Também entendíamos assim! Quando propusemos os preceitos pertinentes lemo-los como se aquela norma estivesse sempre presente, ou seja, seguimos a teoria geral do direito que nos ensina que as normas e os princípios que valem com carácter geral e abstracto não têm de estar sempre a ser reproduzidos.
Mas, se os querem em concreto, aí os têm!
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O facto de afirmarem que não ofendem não quer dizer que não ofendam!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, criou-me alguma perplexidade a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, uma vez que não é do foro desta Assembleia, a propósito do expurgo da inconstitucionalidade, desenvolver uma crítica aos argumentos do Tribunal Constitucional.
E não o é, por uma razão muitíssimo simples: se esta crítica pudesse ser votada e levada a efeito no sentido de afirmar que, afinal, a Assembleia da República e o partido maioritário têm razão contra o Tribunal Consti-
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tucional, estava muitíssimo bem! Contudo, a única coisa que fazemos é gastar tempo porque Roma locuta está aqui, tal como a causa finita! Ou seja, o Tribunal Constitucional já tomou uma decisão, competindo agora a esta Assembleia ou manter as normas em causa, caso entenda que tem razão, apesar do acórdão do Tribunal Constitucional, através de votação e aprovação das mesmas, por uma maioria de 2/3 - ficando a questão encerrada, uma vez que seria sanada a inconstitucionalidade - ou então, se a Assembleia da República não quer impor a sua vontade ao Tribunal Constitucional, a discussão dos argumentos deste traduz-se em meros exercícios académicos, que não deixarão de ser muito bem vindos para constarem das actas da Assembleia da República.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ora, a questão que ponho, mesmo tomando cientificamente os argumentos usados pelo Sr. Deputado Costa Andrade, é se foram rebatidos todos os argumentos que vêm no acórdão do Tribunal Constitucional.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Todos e mais algum!
O Orador: - Não foram e vou dizer porquê, Sr. Deputado. Em primeiro lugar, porque o acórdão considera que esta matéria do pré-inquérito ou da averiguação pré-processual é administrativa e não judicial. E, sendo uma matéria administrativa que está sujeita a critérios de discricionariedade, de oportunidade e de temporalidade incontrolável, nunca se sabe quando é que acaba o mês para comunicar ao Ministério Público que estão em curso averiguações.
Por outro lado, continua por saber qual a forma como serão arquivadas estas averiguações, uma vez que se põe em causa a própria expressão «por documento». Pergunto: que espécie de documento? Qual o documento e como é feito? Quando é entregue ao Ministério Público?
Portanto, existe um núcleo de argumentos que não foi aqui trazido à discussão, que mexe com a vida do cidadão, com a esfera da sua intimidade e que corre por vias administrativas.
Ora bem, o núcleo central deste debate é, exactamente, saber se as averiguações que a Polícia Judiciária faz se integram no sistema do processo judicial ou no administrativo. Se não houver garantias de que esta actividade não se esgota no processo administrativo, começando com a Polícia Judiciária e terminando com o Ministro da Justiça, sem qualquer participação do Ministério Público, levanta-se então um problema de grave atentado a direitos, liberdades e garantias e à esfera íntima do cidadão.
O problema fundamental levantado no acórdão consiste em saber se esta actividade desenvolvida é jurídica e, portanto, está sob a direcção do Ministério Público e controlo jurídico do magistrado judicial, ou se pode escapar totalmente a ele, traduzindo-se numa mera averiguação administrativa, que fica arquivada sem qualquer controlo, ou seja, à disposição da própria Polícia Judiciária, que poderá mandar ou não esses elementos ao Ministério Público ou ao Ministro da Justiça, conforme entender.
Sendo assim, se este é o núcleo fundamental da argumentação do Tribunal Constitucional - que se pronunciou pela inconstitucionalidade -, a proposta feita peio PSD não cobre este argumento, isto é, apesar da mudança semântica do preceito, a actividade continua a ser administrativa, a não ter o controlo do Ministério Público e a estar à livre disposição da Polícia Judiciária, não se sabendo como vai documentá-la, quando vai mostrá-la ao Ministério Público e como arquivará as imagens, as informações ou toda a espécie de material que vai recolhendo para esta finalidade.
Portanto, o mero facto de substituir o procedimento criminal por crime - que pode ser, cientificamente, uma boa saída- ou fundamentar a suspeita de crime em vez de proceder à instauração do procedimento criminal e, depois, acrescentar que tal se deve processar sem violação de direitos, liberdades e garantias, salvo o devido respeito, não rebate o núcleo essencial das críticas do Tribunal Constitucional, no sentido de que esta actividade não pode ser administrativa mas, sim, judicial.
O problema continua exactamente na mesma apesar da proposta apresentada pelo PSD: esta modificação não introduz qualquer benefício para os cidadãos nem qualquer garantia de direcção do Ministério Público nesta investigação e, muito menos, em termos de controlo judicial sobre esta averiguação.
Entendemos que o que está aqui em causa é apenas um jogo de palavras que deixa o problema substantivo e fundamental, ou seja, não transformar esta averiguação numa actividade meramente administrativa mas torná-la judicial, completamente em branco.
Com efeito, a proposta do PSD passa ao largo deste problema, pese embora toda a argumentação académica brilhante do Sr. Deputado Costa Andrade. Simplesmente, como não responde ao problema da actividade administrativa e da actividade judicial - e é aqui que está o nosso problema-, não a poderemos votar favoravelmente.
(O Orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições para a discussão, na especialidade, do Decreto n.º 126/VI, vamos agora iniciar a apreciação do Decreto n.º 129/VI - Lei do Segredo de Estado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Irei referir-me ao expurgo do decreto relativo ao segredo de Estado, para dizer, essencialmente, que, pára além das matérias que foram declaradas inconstitucionais, e bem, em nosso entender, pelo Tribunal Constitucional, o projecto de lei do PSD consagrava ainda disposições com as quais discordámos - e continuamos a discordar - profundamente.
Em primeiro lugar, convém referir que o que foi aqui aprovado e que é agora retomado, expurgado de alguns aspectos inconstitucionais, não corresponde à regulação do segredo do Estado, nos termos em que entendemos que esta figura se encontra constitucionalmente concebida.
Se existe, de facto, a necessidade constitucional de definir, na lei, a estrita excepcionalidade do recurso ao segredo de Estado, para defesa última da independência nacional, da segurança do Estado e da ordem constitucional democrática, consagrando plenamente a regra da transparência da vida democrática e regulando os termos apertados em que essa excepção pode ser aber-
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ta, não é a essa necessidade que o PSD procura corresponder.
Pelo contrário, o PSD pretende consagrar o recurso à classificação de matérias - como segredo de Estado, como regra de procedimento normal da sua governação, pretende consagrar não propriamente um regime de segredo de Estado mas. sobretudo, um regime de segredo de Governo e não pretende assegurar a normal e desejável transparência da vida pública mas, antes, impor um muro de silêncio sobre a sua governação, pondo-a a coberto da revelação pública de escândalos em que o PSD, os seus governantes e as suas clientelas se vão atolando e desacreditando perante o País.
Apesar de recorrer ao pretexto da falta de legislação sobre segredo de Estado e da permissividade assim consentida, o PSD não pretende pôr cobro a essa permissividade, pretende alargá-la e legitimá-la, dando cobertura à sua forma de governar.
Consagrou a excepcionalidade do segredo de Estado nos princípios - ao que não podia fugir -, mas nega-a no regime concreto que pretende adoptar, consagrando a banalização do recurso ao segredo de Estado, a utilizar como arma de arremesso contra os jornalistas, contra o normal, exercício de competências dos órgãos de soberania que não controla em absoluto e contra os cidadãos em geral.
Mas vejamos mais concretamente. O artigo que se refere ao âmbito do segredo de Estado está redigido em termos tais, que, na prática, qualquer matéria minimamente relevante pode ser considerada segredo de Estado, se algum ministro assim o entender. Considera-se que podem ser abrangidos os documentos e informações cujo conhecimento, por pessoas não autorizadas, seja susceptível de pôr em risco ou de causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e à sua segurança interna e externa, mas não se considera necessário que o dano a causar pelo conhecimento não autorizado dessas matérias seja um dano grave - suficientemente grave para justificar esse recurso-, nem sequer se exige que exista a susceptibilidade de dano. basta a susceptibilidade de pôr em risco os valores supostamente protegidos pelo segredo.
Acresce que, com a chamada técnica dos exemplos-padrão, exemplificando um conjunto de matérias que podem ser classificadas como segredo de Estado, o PSD revela um entendimento tão lato, quanto à sua aplicação, que torna banal uma coisa que deveria ser absolutamente excepcional. Esta disposição tão ampla revela bem o objectivo do PSD com este diploma: o de permitir que tudo o que o Governo entenda que não deve ser tornado público possa ser classificado como segredo de Estado.
O PSD pretende utilizar o segredo de Estado como arma secreta da sua governação e, portanto, relativamente a esta matéria, o PCP apresenta uma proposta de alteração.
Por outro lado, a formulação aprovada para a disposição que define as entidades com competência para classificar, em definitivo, matérias como sendo segredo de Estado, é uma das que foi considerada inconstitucional, dado que ia ao absurdo de permitir que os presidentes dos governos regionais pudessem classificar, em definitivo, matérias como sendo segredo de Estado.
Efectivamente, essa norma foi declarada inconstitucional, pelo que o PSD se viu obrigado a abrir mão dessa sua proposta.
No entanto, parece-nos que, ainda assim, essa disposição continua demasiado ampla, dado o carácter excepcional de que deve ser revestida a classificação das matérias como sendo segredo de Estado.
Entendemos que apenas o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro deveriam ter competência para classificar, em definitivo, matérias como segredo de Estado e. neste aspecto, divergimos quer do PSD, quer do PS, pois este também permite que cada ministro possa classificar, em definitivo, matérias como segredo de Estado. Por isso mesmo, também relativamente a esta norma, que nos parece essencial, apresentamos uma proposta de alteração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou referir-me ainda a uma outra norma declarada inconstitucional, que é a da famigerada comissão para a fiscalização do segredo de Estado, na qual o PSD pretendia incluir, compulsivamente, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e, numa provocação aos direitos da oposição, pretendia consagrar o princípio de que ela seria integrada por dois Deputados, um da maioria e um da oposição, sendo que o PSD, ele próprio, teria a possibilidade de escolher o Deputado da oposição.
Em relação à formulação da proposta que o PSD agora se propõe para expurgar a norma, entendemos que ela não consagra, substancialmente, uma real fiscalização do regime do segredo de Estado por parte da Assembleia da República. O PSD avança com a proposta de criação de uma comissão que constituiria uma espécie de bloco central para a fiscalização do segredo de Estado e que incluiria um Deputado do PSD e um Deputado do Partido Socialista, na configuração actual da Assembleia da República - em termos gerais, seria um Deputado do maior partido de apoio ao Governo e um do maior partido da oposição -, o que significaria o afastamento de um número muito grande de Deputados de qualquer possibilidade de usar as suas competências constitucionais para fiscalizar o regime do segredo de Estado.
Por esta via, continuam a pôr-se em causa as competências constitucionalmente atribuídas à Assembleia da República e, por isso, também aqui, no que se refere a esta disposição, apresentamos uma proposta no sentido de que o regime do segredo de Estado não possa prejudicar as competências constitucionalmente atribuídas a este órgão de soberania.
Para finalizar, Sr. Presidente, a lei do segredo de Estado, como o PSD a quer fazer aprovar ainda hoje, constitui uma peça importante da sua estratégia, que aponta para a degradação de aspectos essenciais da democracia política. O seu objectivo não é a defesa da independência nacional e da segurança do Estado mas, sim,, ocultar aos cidadãos a real face da sua política, pondo em causa a liberdade de imprensa e a transparência da vida pública, que. são direitos fundamentais e elementos essenciais do regime democrático, cuja defesa é, para nós, fundamental.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto- Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei do segredo de Estado que agora estamos a debater, com as propostas de alteração do PSD, é efectivamente uma má lei.
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Mais uma vez, o PSD perdeu a oportunidade de trazer a este debate um conjunto de soluções alternativas que desse uma fórmula final que servisse o regime democrático. Era, à partida, um mau decreto da Assembleia da República e continua a ser má a solução previsível a que o PSD quer dar a sua chancela.
Devo dizer, neste plano, seguindo um dito muito conhecido do nosso povo, que «o segredo é a alma do negócio». Neste caso, a atermo-nos. a esta lei, podemos dizer que «o segredo é a alma do PSD».
Esta lei é, efectivamente, uma força de bloqueio, funciona como tal e não resolve os dois problemas básicos que uma lei do segredo de Estado devia resolver: a defesa dó Estado e os limites precisos do exercício do direito à informação. Nenhum destes objectivos, é conseguido.
Não obstante, por força do Tribunal Constitucional e ao arrepio das intenções inicialmente manifestadas pelo PSD, algumas alterações vão sendo feitas: o Dr. Alberto João Jardim vê-se desgraduado para o lugar que realmente lhe compete, pois não é, de facto, um órgão de soberania e o segredo de Estado das regiões autónomas é um segredo das regiões e não do Estado.
Neste sentido, a intervenção correctora do Tribunal Constitucional reconduziu o PSD aos limites verdadeiros, rigorosos e adequados do entendimento do que é o segredo de Estado: o segredo é do Estado, é da soberania, garante a unidade e o interesse do Estado e não mais do que isso!
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!
O Orador: - Quanto à questão respeitante a quem se aplica a matéria classificada como segredo de Estado, o PSD vem agora dizer que essa matéria, cujo conhecimento não é possível, não é aplicável ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro. Há aqui uma dificuldade óbvia, não obstante o acórdão constitucional não a explicitar: o PSD não quis, na sua proposta, expressar o papel reservado ao Presidente da Assembleia da República e aos Deputados.
Muito embora o próprio acórdão diga que a disciplina do artigo 9.º não pode aplicar-se aos Deputados da mesma forma que se aplica ao comum dos cidadãos e, por maioria, ao Presidente da Assembleia da República, o que fez com que, numa declaração de voto, houvesse uma referência explícita ao Presidente da Assembleia da República, o PSD preferiu uma solução mais governamentalizada e não regulou esta matéria.
Por outro lado, o PSD continua a desaproveitar a possibilidade de definir qual o âmbito do segredo de Estado aplicável à Assembleia da República, diferindo esta matéria para o regimento próprio, sem a explicitar, quando podia aproveitar esta oportunidade soberana para o fazer, sem delongas e, certamente, com o apoio da oposição, tentando uma lei que fosse adequada e não este «remendo» dos «remendos», que é o que temos neste momento.
A comissão de fiscalização é uma comissão de fiscalização de quase coisa nenhuma, uma vez que tem uma natureza profundamente consultiva.
Foram reguladas ás duas questões que haveria aqui que regular, no plano puramente positivo, designadamente a presidência da comissão e a designação dos Deputados, mas o PSD não procurou, sequer, de ir buscar soluções para situações idênticas que figuram em diplomas que já aqui votou, como é o caso da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, que tem elementos com esta origem e que não têm este tipo de dificuldades. O PSD procurou, isso sim, uma solução arrevesada que nem sequer é muito límpida, em termos de legitimidade electiva e representativa, quanto à composição e a quem preside a esta comissão.
Por último, podemos dizer que se perdeu uma oportunidade magna de fazer aquilo que esta lei não faz: não é uma lei rigorosa do segredo de Estado, em termos de definir o seu âmbito, não é uma lei rigorosa, em termos de definir o que é controlo político, o que é controlo jurídico-administrativo, ò que é controlo fiscalizador e consultivo.
Nesta medida, esta lei é um nada, o segredo de Estado que aqui se comina é um segredo com pouca transparência e está mais próximo do segredo dos negócios do Estado do que de um verdadeiro segredo de Estado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de lido o acórdão e de analisadas as propostas, nada temos a opor às propostas apresentadas pelo PSD, na medida em que elas acatam as recomendações, digamos assim, implícitas no acórdão e estão expurgadas as inconstitucionalidades.
Naturalmente, podia existir uma melhor lei do segredo de Estado, mas, neste momento, não é isso que está em causa, pois a lei já foi largamente debatida, neste momento, aplicam-se apenas os correctivos que o Tribunal Constitucional entendeu mandar fazer.
Assim, pela nossa parte, votaremos a favor destas propostas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção é, exclusivamente, para vos dar conta das soluções que apresentámos com o objectivo de ultrapassar as questões de inconstitucionalidade levantadas pelo Tribunal Constitucional, mas não sem fazer uma referência à intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins e dizer-lhe que não posso responder, a par e passo, às questões por ele colocadas.
Vozes do PS: - Pode! Pode!
O Orador: - V. Ex.ª diz que «o segredo é a alma do PSD». Ora, tenho dificuldade em encontrar a alma do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - Procure-a!
O Orador: - Esta é uma das dificuldades na resposta a par e passo.
Vozes do PS: - Em qual delas?!
O Orador: - Srs. Deputados, no que toca à questão que aqui se levanta e que foi referida pelo Sr. Deputado Alberto Martins, relativa ao poder de classificação como segredo de Estado, atribuído inicialmente aos pré-
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sidentes dos governos regionais, quero dizer que esta solução foi defendida em comissão por ilustres membros da sua bancada,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Quem?!
O Orador:- ... justificando que, efectivamente, no seu relacionamento e no acesso a determinadas matérias, que não têm a ver com a administração regional - e sabemos que eles têm intervenção noutras áreas-, poderiam, eventualmente, ter acesso a matérias que pontualmente teriam de classificar como segredo de Estado.
O projecto do CDS-PP, que não é feito com os pés mas pensado, pois tem até, segundo presumo, a intervenção dó Sr. Deputado Adriano Moreira - e, como se sabe, o Sr. Deputado Adriano Moreira até tem coisas escritas, com profundidade, sobre o segredo de Estado -, propunha, desde logo, a atribuição desse poder aos presidentes dos governos regionais.
Não era, pois, uma posição isolada do PSD e, para que fique claro, esse isolamento que V. Ex.ª nos quis atribuir não existe nem existia nesta matéria. Mas vamos cumprir o acórdão do Tribunal Constitucional e retirar a parte que atribuía aos presidentes dos governos regionais tal competência.
No que diz respeito à composição da comissão de fiscalização, também ultrapassamos as duas questões, atribuindo ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais a indicação de um juiz de jurisdição administrativa para presidir a essa comissão, e deixámos claro que será um Deputado do maior partido da oposição, embora, neste momento, não mereça, mas a constitucionalização do preceito a isso nos obrigou e a pressão que o PCP fez no sentido da inconstitucionalidade veio cair em seu desfavor, porque perdeu a oportunidade de, eventualmente, ter a possibilidade de indicar um elemento para esta comissão.
São estas as soluções que vamos apresentar e não iremos, obviamente, rediscutir a Lei do Segredo de Estado, porque não é regimentalmente adequado. No entanto, pensamos que é uma lei que irá dar a resposta, articulada com a lei do arquivo aberto, que, como regra, irá regular, como excepção, a excepção que é o segredo de Estado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, a minha pergunta tem a ver com os governos regionais, sendo verdade que o nosso projecto previa isso, mas, realmente, hoje, já não podemos avançar para tal solução.
A única coisa que gostaria de saber era se, no que toca à afirmação feita publicamente pelo Governo Regional da Madeira, de que com ou sem a Lei de Segredo de Estado tudo aquilo que quiser «guardar» como segredo ninguém lho tirará da gaveta, esse é também o seu entendimento, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, não sou, obviamente, o Governo Regional da Madeira mas, tão só, um Deputado do PSD eleito pelo círculo eleitoral da Madeira.
Penso que o Presidente do Governo Regional da Madeira terá todo o direito em guardar, como muito bem entender, os segredos e as intimidades, independentemente da classificação que lhes possa ser atribuída.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Risos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate do Decreto-Lei n.º 129/VI- Lei do Segredo de Estado.
Vamos, então, dar início ao debate do Decreto n.º 130/VI - Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro - Reforma do Tribunal de Contas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A norma das alterações à reforma do Tribunal de Contas, considerada inconstitucional, constituía o núcleo essencial estratégico, o miolo, em que se baseava o projecto de lei do PSD.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso não é correcto!
O Orador: - É verdade que não se resumia a isto, mas esta foi a questão que justificou, por parte do PSD, a apresentação do respectivo projecto.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):- Não constitui, porque se constituísse não assumiríamos o projecto!
O Orador: - Isto é, tratava-se de uma norma que tinha um destinatário concreto; era uma norma ad hominem, que procurava criar ao juiz presidente do Tribunal de Contas, que se tinha tornado, manifestamente, uma força de bloqueio para o PSD, uma situação em que ou ele não exercia as funções de natureza docente ou de investigação que a Constituição lhe permitia ou, então, teria de se demitir do cargo.
Era uma norma claramente direccionada, que punha em causa, aliás, a dignidade e a autonomia do Tribunal de Contas e que pretendia ferir quem se tinha tornado suficientemente incómodo para o PSD. Foi uma questão largamente discutida e foi desde sempre afirmado que, entre outras questões, era claramente inconstitucional.
Os Srs. Deputados Guilherme Silva e Cipriano Martins afirmaram que não. Afinal, nesta matéria, sofreram uma derrota em toda a linha e nem sequer podem trazer aqui à discussão o perfil sociológico dos diferentes juizes do Tribunal Constitucional, que há pouco o Sr. Deputado do PSD trouxe, para procurar justificar as diferentes votações havidas em sede do Tribunal Constitucional.
Esta norma deve, pois, ser expurgada. O facto de ter sido declarada inconstitucional deu completamente razão à oposição e aos argumentos que ela aqui trouxe. Aliás, estamos curiosos em saber qual irá ser agora a argumentação do PSD, uma vez que não o pode fazer com base nas diferentes opiniões do Tribunal Constitucional, já que este foi unânime na derrota desta norma.
Ela deve ser expurgada e substituída. Sobre isto gostaríamos que o Sr. Deputado do PSD que for intervir nos
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esclarecesse o porquê de, na proposta que apresentam, remeterem o regime aplicado aos juizes do Tribunal de Contas para o regime dos juizes dos tribunais administrativos e fiscais, o qual, por sua vez, remete para o Estatuto dos Magistrados Judiciais, propondo que se faça uma remissão directa para o Estatuto dos Magistrados Judiciais? Não sendo o Tribunal de Contas comparável aos tribunais administrativos e fiscais, mais nos parecia tecnicamente correcto e escorreito que a remissão das incompatibilidades em relação ao juizes do Tribunal de Contas fosse feita directamente para o que está previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais. Aliás, foi com esse objectivo que apresentámos uma proposta de alteração, ou seja, para que se remeta directamente para o regime de incompatibilidades previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais, uma vez que e para aí que remete depois o estatuto dos juizes dos tribunais administrativos e fiscais, já que não nos parece ser tecnicamente correcto fazer o que propõem, a menos que haja outros objectivos, que naturalmente o PSD explicará.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos aqui a discutir esta questão da reforma do Tribunal de Contas, mas haveria outras para discutir, uma vez que as alterações não se limitaram a esta norma, apesar de esta ser - repetimos - uma das questões essenciais que levou o PSD a apresentar o seu projecto de lei.
O PSD foi derrotado em toda a linha, pelo que esperamos que isto sirva, pelo menos, de alguma lição para quando no futuro tiver de legislar em matéria desta natureza.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: -r- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reapreciação deste veto é, seguramente, uma vitória institucional daqueles que, desde o primeiro momento, disseram que a maioria queria perpetrar uma inconstitucionalidade, mas é uma vitória que sabe a amargo, e eu gostaria de explicitar porquê.
Por um lado, foi aberto um precedente perigoso e, de resto, não levado até ao fim no que diz respeito à aprovação de leis individuais com destinatário inequívoco, depois de um processo razoavelmente vergonhoso,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Vergonhoso?!
O Orador: - ... em que o PSD anunciou que recuaria, para, depois, in extrema, ter insistido numa solução que foi, com advertências sucessivas, qualificada como inconstitucional. Era inconstitucional, mas não apenas isso, pois também era, do ponto de vista político, de uma extrema gravidade.
O Tribunal Constitucional disse-o, de forma inequívoca, mas não apreciou todos os fundamentos, com os quais o Sr. Presidente da República suscitou a questão da fiscalização preventiva, não chegando, designadamente, a apreciar a questão da inconstitucionalidade de uma lei individual como esta, que, inequivocamente, o era. Bastou considerar a violação, clara, às normas constitucionais que proíbem aquilo que o PSD desejava: a interdição do exercício de funções docentes e de actividade científica por parte dos juizes do Tribunal Contas, em particular do seu presidente.
Esta é a parte em que podemos dizer que o Sr. Presidente da República exerceu, em condições extremamente positivas, os seus poderes constitucionais e o Tribunal Constitucional emitiu um aresto, de resto, unanimemente aprovado, que tem uma alta importância. A amargura vem a seguir.
A amargura, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que receio, francamente, que o PSD ao dizer, publicamente, «expurgámos», ou melhor, «aceitámos expurgar» pretenda claramente iludir o alcance e a gravidade do diploma que aqui vai ser aprovado.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador: - Essa gravidade decorre de dois factores.
Por um lado, o PSD apresenta um norma obscura e estranha, que remete para o estatuto dos magistrados do contencioso administrativo e fiscal a definição do regime das incompatibilidades. Quem ler o artigo 77.º desse estatuto verá que ele se limita a remeter para a Constituição e para o Estatuto dos Magistrados Judiciais. Porquê esta remissão em duas estações?
Esta remissão só pode ter duas causas: ou o PSD ignora o conteúdo da norma do Estatuto dos Magistrados do Contencioso Administrativo e Fiscal e remete mal; ou o PSD quer remeter para esse Estatuto com a ideia de legislar em duas etapas, para amanhã, depois de alterar esse Estatuto, vir a criar dois regimes de incompatibilidades- um reforçado, aplicável a este contencioso, e outro aligeirado, aplicado à magistratura judicial. Quer seja assim, quer seja de outra forma, a suspeição é legítima, a falta de clareza é total e temos todas as razões para censurar este comportamento político do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A segunda razão para a amargura vem do facto de este diploma «expurgado» continuar a precisar de uma enorme purga, porque está cheio de pecados, desde logo por acção.
Primeiro pecado: este decreto, não o esqueçamos, interdita o presidente do Tribunal de Contas de relatar - e isso também é uma lei individual, também é uma norma ad hominem, isso também é, do ponto de vista político e ético, uma norma maculada.
Segundo pecado: tem limites à publicidade dos próprios arestos do Tribunal Constitucional e das suas decisões.
Terceiro pecado: mantém os limites à excepção do Tribunal de Contas, designadamente no que respeita à fiscalização da actividade financeira de numerosas entidades públicas.
Quarto pecado: mantém afogado o Tribunal de Contas em processos de importância menor, secundária ou terciária, designadamente, relacionados com a administração local.
Estes são pecados por acção, mas há, depois, os pecados por omissão.
Por um lado, a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro - e este é um dos escândalos, seguramente, do ponto de vista da situação de Estado de direito democrático, pois coloca-se a si próprio fora da lei ao não regulamentar leis essenciais -, continua por aplicar em domínios essenciais: primeiro, por asfixia de pessoal; segundo, por asfixia logística; e, terceiro, por défice de regulamentação, uma vez que a lei do processo não está aprovada, embora isso estivesse previsto desde 1989.
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Além disso, a lei relacionada com as custas não está aprovada, e estava previsto que já estivesse; a legislação sobre o quadro de pessoal não está aprovada; a legislação sobre as secções regionais do Tribunal de Contas, que continuam em regime de instalação e sem enquadramento definitivo, também não está aprovada.
Tudo isto acontece apesar de, aquando da reforma, em 1989, o Ministro Cadilhe ter anunciado que era uma reforma pluri-etápica - a expressão não é minha, é dele. A reforma pluri-etápica transformou-se em reforma mono-etápica e esta é uma reforma mono-etápica incompleta, uma vez que todas estas coisas que referi estão por aprovar.
O resultado global, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é, para todos nós- e digo isto de forma veemente - amargo, porquanto, deste forma, o Estado português é dual tem uma parte fiscalizada pelo Tribunal de Contas e uma outra que, defluindo em entidade pública, ou semi-pública, ou até privada, está subtraída ao controle do Tribunal. Isso aconteceu com o arqui-conhecido caso da EXPO 98, aconteceu com o ainda mais conhecido caso do Centro Cultural de Belém, mas está também a acontecer com alguns fenómenos de privatização, sem controlo, que subtraem à apreciação do Tribunal esferas de actividade em que estão investidos dinheiro públicos.
O PSD, ao aprovar a lei do financiamento dos partidos, teve o cuidado de desviar do controlo do Tribunal de Contas o controlo de dinheiros públicos que deviam, por ele, ser acompanhados, e essa entorse é séria e grave.
A lei sobre o controlo dos rendimentos dos políticos continua por aprovar nesta Casa, portanto, os factores dos quais depende a transparência saudável, para que não pese nenhuma suspeita sobre pessoas impolutas e outras que não o são tanto, continuam a faltar. Falta também a lei das auditorias, falta também a lei do controlo dos subsídios, etc.
Concluo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com aquilo que é uma reflexão e, simultaneamente, uma advertência: manter este estado de coisas, manter áreas subtraídas ao controlo do Tribunal de Contas e de outras instâncias, significa manter focos infecciosos não apenas em termos de transparência mas em termos de ilegalidade na realização de gastos públicos. É uma situação perigosa, como muitos factos publicamente indiciam, porque abre caminho a disfunções, entre as quais: fugas de informação, denúncias pidescas e aleivosas junto de órgãos de comunicação social, tentativas de comprometimento de personalidades dos partidos A, B e C, em alguns casos sem prova mas com resultados de julgamento popular feitos nas colunas dos jornais ou no vídeo, o que cria uma situação extraordinariamente perigosa.
Compreendo que alguém que acha que todos se devem afundar e tudo se deve afundar numa mesma dúvida, indefinição, suspeição, fumo sem comprovação, queira manter essa situação. Mas espero que haja no PSD a lucidez bastante para não impor a manutenção desta situação, num quadro em que o seu prolongamento pode não só conduzir a acções de révanche política do mais baixo nível como também a situações de deslizamento para um quadro em que, tal como aconteceu em Itália, só a intervenção de outros que não o poder judicial, só a intervenção da magistratura e da polícia poderá repor a «limpeza» que o Estado de direito democrático sem dúvida exige.
O Sr. Silva Marques (PSD): - A que propósito vem essa da Itália?...
O Orador: - A reflexão, Sr. Deputado Silva Marques, é esta: quem não quiser «operações mãos limpas» feitas pela magistratura judicial deve aprovar legislação que «limpe» e deveria, desde logo, aprovar uma lei do Tribunal de Contas que lhe desse verdadeiros poderes de fiscalização.
Expurgado o diploma deste aleijão que contém e desta inconstitucionalidade, nem por isso a lei que daqui vai sair é uma lei exemplar, uma lei capaz de dar resposta à gravíssima situação que se vive. Espero que o PSD não seja, amanhã, o primeiríssimo a arrepender-se de ter cometido este erro.
Vozes do PS: - Muito bem!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, queria propor à Câmara o seguinte: chegou a hora regimental de procedermos a votações, mas, se ninguém se opuser, faríamos a votação deste conjunto de diplomas no fim da discussão.
Dado que ninguém se opõe, assim se fará.
Para fazer uma intervenção, tem a palavra, Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, infelizmente não podemos deixar de recordar uma tarde de má memória para este Plenário, uma tarde em que a oposição, recorrendo a todas as figuras regimentais, a todos os expedientes que tinha em seu apoio, recorrendo ao seu maior empenho e a todos os argumentos de que dispunha - argumentos esses que, de resto, acabaram por ser usados pelo próprio Tribunal Constitucional - tentou convencer o PSD de que a proposta de iniciativa, que aqui apresentou e acabou por fazer aprovar, era inaceitável do ponto de vista de um juízo de conformidade com a Constituição. Foi uma longa insistência, de que todos se lembram, uma penosa insistência, sobretudo porque, ainda que em defesa da Constituição e da correcta técnica legislativa, constantemente esteve aqui presente uma figura com prestígio, respeitável e respeitada, e foi preciso sempre invocá-la justamente porque a proposta do PSD a visava directamente. Para quem tem o conceito do presidente do Tribunal de Contas que eu tenho, foi uma tarde também embaraçante a esse nível.
O Sr. Deputado José Magalhães já disse quase tudo o que gostaríamos de dizer.
Em primeiro lugar, referiu-se ao facto de o acórdão ser incompleto, o que, de facto, é verdade. A maior insistência que, sobretudo aqui, na bancada do CDS-PP, foi feita, centrou-se na questão de a lei ser uma lei individual, restritiva, encapotada - ou nem sequer encapotada. O acórdão do Tribunal Constitucional acaba por não se pronunciar sobre essa matéria, que é uma matéria delicada e sobre a qual valeria a pena que houvesse um juízo.
Mas o Sr. Deputado também se referiu - e essa era, sobretudo, a minha intenção neste momento - ao facto de não poder deixar de se sublinhar o resultado chocante que decorre, na mesma intervenção legislativa em que se recusava dar mais alguns passos em matéria de fiscalização, em que se recusava dar mais alguns passos em matéria de apetrechamento e em matéria de funcionamento do Tribunal de Contas, com o empenho que
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aqui demonstrou o PSD, de se atacar directamente o presidente do Tribunal de Contas daquela forma. A perseguição é sempre perseguição, mas perseguição com leis é. porventura, a pior forma de perseguição dos inimigos políticos que se conhece, e é o pior serviço a que se pode prestar o Parlamento.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, diria que é preciso compreendermos, porque estamos aqui a tentar sanar um vício, a opção do PSD. É, de facto, preciso perceber porque é que se reclama a aplicação do estatuto dos tribunais administrativos e fiscais e não o estatuto dos magistrados em geral. Não percebemos esta pequena subtileza e gostávamos de ser informados sobre ela para termos uma posição.
Mas a palavra definitiva, neste momento, é a de sublinhar o modo negativo com que lemos todo este trabalho que aqui estamos a fazer hoje, que teria sido um trabalho dispensável, dado que sobre ele houve alertas e houve discussão pública em quantidade mais do que suficiente.
Vozes do PS e do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, eis-nos, aqui, de novo, para discutir e votar a norma constante do Artigo Único do Decreto n.º 130/VI, da Assembleia da República, expurgada agora da inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional, na parte em que dá nova redacção ao artigo 43.º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, relativo à Reforma do Tribunal de Contas. É que, contra a nossa expectativa, o Tribunal Constitucional veio a declarar, ao abrigo do poder de fiscalização preventiva conferido ao Sr. Presidente da República, e que este exerceu, a inconstitucionalidade do artigo Único do referido Decreto n.º 130/VI, aprovado por esta Câmara, por entender que o mesmo violava o artigo 218.º, n.º 3, da Constituição da República.
Sobre o pedido de fiscalização preventiva formulado pela Presidência da República e seus fundamentos, não valerá muito a pena pronunciarmo-nos, sendo certo que o Tribunal acabou por acolher, considerando procedentes, os pontos de vista jurídico-constitucionais nele contidos. Na verdade, entendeu o Tribunal, no seu alto critério, perfilhar, de entre todas, a motivação constante da impugnação presidencial que considera a norma impugnada como contenedora «de uma restrição desproporcionada a ponto de atingir o conteúdo essencial da norma constitucional que visa concretizar». Assim, na esteira de tal raciocínio, a consequência jurídica a extrair pelo Tribunal não poderia ser outra senão a de declarar tal preceito em desconformidade com a Lei Fundamental, o que fez pelo Acórdão n.º 459/93, de 16 de Agosto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A este propósito, lembrar-se-á, por certo, a Câmara, bem como os Srs. Deputados, não ser esse o entendimento que tinha-mos da matéria em questão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não? Então?
O Orador: - Não! Vou explicitar.
Com efeito, aquando da apresentação e discussão, em Plenário, do projecto de lei que deu lugar ao decreto sindicado e ora em debate, defendemos a actualidade, pertinência e bondade do normativo sub judice por ponderosas razões de prestígio, dignidade e transparência do Tribunal de Contas e dos seus magistrados.
Aplausos do PSD.
Expressamos, então, de uma forma convicta e cristalina...
O Sr. José Magalhães (PS): - E hipócrita!
O Orador: - ..., a razão suprema que nos levou a editar a norma em análise e que em nada se identifica com as descabidas motivações, aqui aduzidas pelas oposições.
O Sr. José Magalhães (PS): - E pelo Tribunal Constitucional, não se esqueça!
O Orador: - Explicitando melhor, continua a ser para nós pacífico que, se as garantias asseguram aos juizes independência no exercício da judicatura, a qual é condição essencial desta, as incompatibilidades garantem-lhes a total insuspeição. Precisamente por isso, então como agora, e dada a particular natureza das suas funções, continuamos a pensar que se tratava de uma norma de inegável alcance moral e prático, porque impediria que o juiz tivesse qualquer remoto interesse na solução do conflito, tornando-o, pois, absolutamente insuspeito para decidi-lo, como também asseguraria plena liberdade de acção, a fim de julgar como lhe parecesse mais certo, sem receio de desagradar a quem quer que fosse.
De qualquer modo, assim não o entendeu o Tribunal Constitucional, razão pela qual, agora e aqui, mais uma vez nos encontramos para uma reapreciação, que se espera final, da referida norma, expurgada já do vício de inconstitucionalidade apontado no acórdão judicial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste, como em muitos outros casos, segue-se o brocardo popular do «manda quem pode, obedece quem deve». Ocorre, porém, nesta sede, sublinhar que obediência legal e funcional não pode nem deve confundir-se com obediência intelectual. E ainda bem que assim é. Limitamo-nos, isso sim, a constatar que os princípios fundamentais do Estado de direito e democrático que somos funcionaram normalmente: actuou, In casu, a regra da divisão de poderes, ou seja o princípio da repartição de funções pelos diferentes órgãos de soberania que a Constituição portuguesa encampa no seu artigo 114.º.
Por outras palavras, bem se poderá afirmar que, no processo legislativo em apreço, cada um dos órgãos do Estado exerceu o seu papel legal e constitucional: esta Câmara legislou, a Presidência impugnou e o judiciário julgou, obrigando, desse modo, à reapreciação que, neste momento, está a ter lugar. Tudo, portanto, muito simples, legal e claro como água!
Todavia, não obstante ser óbvia e elementar a conclusão a tirar do procedimento atrás exposto, estamos seguros que os demais grupos parlamentares com assento nesta Casa não se quedarão por aqui: irão, por certo, redizer o que já, ad nauseam, disseram neste Hemiciclo por ocasião do debate na generalidade e,
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depois, na votação na especialidade, do projecto de lei que deu causa ao decreto em tela.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o. Sr. Deputado José Magalhães não nos iludiu - assim foi. De novo, ouviremos as oposições, em uníssono...
O Sr. José Corregedor da Fonseca (Indep): - Ah, admite que foi em uníssono!
O Orador: - ... especular e fazer juízos de intenção rotulando o artigo único do decreto em foco como sendo um imperativo com rosto e sem as características de uma lei geral e abstracta, considerando-a, ao contrário, uma lei concreta, com destinatário individualizado. De novo, o PCP aproveitará o ensejo para voltar a acusar,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já o fizemos!
O Orador: - ... sem receio de ser fastidioso, a maioria e o Governo de querer um Tribunal de Contas dócil e caseiro, recusando-lhe os meios técnicos, materiais e humanos, impedindo-o desse modo, de exercer plenamente a sua alta função de fiscalizar e julgar a legalidade da despesa pública.
O Sr. José Magalhães (PS): - E é verdade!
O Orador: - Esquece-se o PCP, sem dúvida deliberadamente, que, neste âmbito da reforma do Tribunal de Contas, foram os Governos do PSD, presididos pelo Prof. Cavaco Silva, que nele procederam a alterações vastíssimas de índole estrutural e orgânica, até então nunca vistas nem experimentadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vem a talhe de foice recordar que, antes da aludida reforma, os seus juizes eram livremente nomeados pelo titular da pasta das Finanças; após a reforma encetada, passaram a ser nomeados, precedido de concurso, pelo próprio Presidente do Tribunal de Contas. A Direcção-Geral do Tribunal de Contas só o era no nome já que, na realidade, dependia do Ministério das Finanças: só após a reforma de há pouco mais de quatro anos atrás, é que aquela Direcção-Geral passou, aí sim, à total dependência do Tribunal.
Por outro lado, o número de juizes do Tribunal era de 10 e nem todos os lugares tinham titular, sendo certo que, hoje, volvidos poucos anos, a instituição conta com 19 magistrados e, em sede de quadros de pessoal, realça-se que o Tribunal apenas dispunha de sete técnicos...
O Sr. José Magalhães (PCP): - E agora?
O Orador: - Agora, após as referidas medidas implementadas pelo Executivo que apoiamos, conta com quase uma centena, ao mesmo tempo que se viabilizou a modernização e a informatização dos respectivos serviços.
Acresce que as suas instalações, então sitas junta ao Ministério das Finanças, além de pequeníssimas, eram antiquadas, desconfortáveis e bolorentas. Agora, as actualmente existentes, são autónomas, modernas, dignas e funcionais.
Ora, uma maioria e um Governo que, para muito melhor, procederam a modificações estruturais tão amplas, não podem, sem leviandade ser acusadas de
ter medo do Tribunal de Contas e do exercício da sua função, que, aliás, sempre estimulamos e respeitamos. Sr. Presidente. Srs. Deputados: Como daqui, desta mesma tribuna disse, a este propósito e com inteira oportunidade, o meu colega de bancada. Dr. Guilherme Silva, esta reforma só veio a ter lugar ao fim de IS anos de regime democrático.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quer dizer, foi necessário o povo português, em eleições livres, dar ao PSD e ao seu líder, a maioria absoluta para, decorridos 15 longos anos de vivência democrática, ser este, e só este, a proceder às múltiplas reformas estruturais por que todo o País ansiava, inclusive o Tribunal de Conta.
Aplausos do PSD.
Ora, sendo estes factos claramente objectivos e, consequentemente, irrespondíveis, chega a ser paradoxal dizer-se, como faz o Partido Comunista Português, que o Governo e a sua maioria parlamentar não querem dotar o Tribunal dos meios orgânicos, financeiros e humanos que lhe permitam sindicar, apreciar e julgar a legalidade das despesas públicas.
Vozes do PS: - Não apoiado!
O Orador:- Tais imputações, para além do aleive que revestem, são desprimorosas e mesquinhas mas sobretudo contrárias à verdade dos factos. Neste como em muitos outros terrenos, somos tentados a afirmar que ponderosos valores, como os da independência, da autonomia, da eficácia e da dignidade do Tribunal de Contas e de todos os que nele trabalham, só são defendidos pelos demais grupos parlamentares quando estão na oposição. Isto porque quando foram poder pontificou, da sua banda, nesta matéria, o ostracismo, a enércia e a omissão pura e simples em relação a este importante órgão do poder judiciário.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado Cipriano Martins, que já carregava sobre si o ónus da difícil tarefa de ter sido o Deputado do PSD destacado para defender o decreto, o único decreto unanimemente chumbado pelo Tribunal Constitucional, vem agora, quando tinha oportunidade de vir aqui fazer um discurso autocrítico de mea culpa, «assobiar para o ar» e procurar falar, desviando, nas reformas estruturais do Professor Cavaco Silva.
Sr. Deputado, são tantas e tão grandes, mesmo em relação ao Tribunal de Contas, que há cinco ou seis anos que se espera pela lei orgânica dos serviços de apoio, sem a qual o Tribunal de Contas tem dificuldade em cumprir os seus objectivos. São tantas e tão grandes que VV. Ex.ªs não só não levam para a frente a lei orgânica dos serviços de apoio como, com este diploma, procuram reduzir a independência, a autonomia e a capacidade de acção do Tribunal.
Mas a questão central, que, aliás, foi colocada pelos três partidos da oposição e a que o Sr. Deputado não
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respondeu, consiste em saber por que é que VV. Ex.ªs, em vez de remeterem o regime de incompatibilidade dos juizes directamente para o Estatuto dos Magistrados Judiciais, que é onde vai desembocar o estatuto dos juizes dos tribunais administrativos e fiscais, preferem fazer o circuito por este último?
Se o vosso objectivo é equiparar o regime de incompatibilidades dos juizes ao regime de incompatibilidades previsto no Estatuto dos. Magistrados Judiciais, certamente que não terão dificuldade em votar a proposta que apresentámos.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero esclarecê-lo, em primeiro lugar, de que não há ónus nesta bancada. Quando somos convocados para a primeira linha da bancada é para nós um prazer e uma honra vir defender aqui as ideias que defendemos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, a redacção que demos ao artigo 43.º, visando expurgar a inconstitucionalidade, «Aos juizes do Tribunal de Contas é aplicado o regime previsto na lei para os juizes dos tribunais administrativos e fiscais», tem uma razão muito simples.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É cristalino!
O Orador: - Eu explico. Realmente, o Tribunal de Contas está muito mais próximo dos juizes dos tribunais administrativos e fiscais do que dos tribunais comuns.
Como sabe, aliás, a lei é clara nesse aspecto, em relação aos juizes conselheiros do Tribunal de Contas e nem sei se a maioria serão juristas, pois podem não ser. Como diz o próprio artigo, podem ser gestores, licenciados em organização, em finanças, em economia, podendo haver um vastíssimo leque de licenciaturas no Tribunal de Contas.
Como sabe, a permissão estabelecida na Constituição tem em vista a docência ou a investigação científica de natureza jurídica. Ora, se V. Ex.ª tem-no Tribunal de Contas outras pessoas que não têm a formação jurídica, estaríamos aqui a discriminar.
Amanhã, a lei ordinária pode alterar o estatuto nesta matéria, mas não há aqui o desejo de discriminar ninguém. É a própria lei, aliás, que distingue a formação para uns e para outros órgãos. É que a aplicação, como deve calcular, do artigo 218.º da Constituição, prima facia, conduz a uma discriminação, a uma segregação. É isso que não queremos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS):- Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Uma vez que a Mesa não dispõe de mais inscrições, tem a palavra, para defesa da honra da bancada, o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cipriano Martins, na sua intervenção, imputou à oposição, em particular ao meu partido, intenções insondáveis relativamente ao Tribunal de Contas e aos seus juizes.
É espantoso, Sr. Deputado, porque, no fundo, o que o senhor veio procurar fazer foi justamente «atirar a bola» para fora, para, dessa forma, procurar distrair as pessoas relativamente ao que aqui está em causa,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... ou seja, uma malfeitoria não só para o Tribunal de Contas Tribunal de Contas mas também, por exemplo, para o poder local, uma vez que ao afogar-se, como agora se pretende, o Tribunal com os processos, com as minudências relativamente ao poder local estamos, no fundo, também a prejudicar gravemente a eficácia financeira no que toca ao poder local.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, essas intenções insondáveis que atribui à oposição e que, no fundo, não são mais do que uma procura de defesa e salvaguarda da dignidade do Tribunal, como ficou claro nas várias intervenções, fizeram com que. perante a sua afirmação, sentíssemos posta em causa a nossa dignidade;
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, estive à espera que clarificasse a defesa da honra da sua bancada, mas, realmente, não a descortinei. No entanto, entendi a sua ideia e o seu pensamento e quero dizer-lhe que a «bola» estava lá, só que V. Ex.ª não a viu ou não a quis segurar.
De facto, eu disse da tribuna que só ao PSD se deve esta reforma, porque, afinal, o seu partido já foi governo, algumas vezes...
Vozes do PSD: - Para nosso mal!
O Orador: - Porventura, para mal do povo português!
Protestos do PS.
Sr. Deputado, nós ainda fizemos a reforma vastíssima, como eu disse, em 1989. Mas pergunto-lhe: durante os 15 anos que lá estiveram, inclusive o meu.- partido mas com a vossa liderança, o que é que foi feito em proveito da dignidade, da honra, da independência da autonomia do Tribunal de Contas? Nada! Nada!...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - É preciso ter lata!
O Orador: - Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, V. Ex.ª concordará comigo quando digo que fazer reformas estruturais não é fácil.. É preciso assumir o bom e o mau de uma reforma de plano e o certo, é que o Partido Socialista, quando chegava a altura de ir ao encontro das aspirações do povo português para fazer reformas estruturais de plano, nunca teve a coragem de as fazer.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tivemos de vir nós fazê-las e, ainda por cima, somos criticados. «É preso por ter cão e preso por não ter»!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Deputado Cipriano Martins me colocou uma pergunta, através da figura regimental de interpelação à Mesa, gostaria de responder ao Sr. Presidente...
O Sr. Presidente:- Mas não foi o Presidente que o interpelou, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, mas é a única figura regimental que posso pedir para, muito, rapidamente, poder, responder ao Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra para responder numa frase só.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, quero apenas recordar que o Tribunal era uma instância meramente administrativa e foi graças...
O Sr. Presidente: - Já vai na segunda frase, Sr. Deputado. .....
O Orador: - ... à Assembleia Constituinte e ao empenhamento, designadamente do PS mas também do PSD, que o Tribunal se tomou um autêntico e verdadeiro Tribunal.. Esse foi o primeiro passo para a dignificação do Tribunal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa nada tem a responder.
Srs. Deputados, vamos, passar à apreciação do Decreto n.º 120/VI - Alteração da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro (Estatuto dos Magistrados Judiciais).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, o Tribunal Constitucional veio dar totalmente razão àqueles que diziam que o que o Governo pretendia fazer quanto à forma de eleição do Conselho Superior da Magistratura era, afinal de contas, atentar contra a unidade da magistratura judicial e deitar para o caixote do lixo o critério da representação proporcional, como muito bem, obviamente por outras palavras, o Tribunal Constitucional indicou.
Constantemente, quando vem à Assembleia, o Sr. Ministro da Justiça diz sempre que vem aqui para tratar de questões de Estado...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... e. para tentar pôr as pessoas à distância e dizer que o Estado está do lado dele, ou seja, que l'État c'est mói et la lei c'est ma volonté. É isto, afinal, o que o Sr. Ministro da Justiça quer e também o que ficou demonstrado no debate em torno da proposta de lei sobre corrupção, na teimosia de manterem a lei como querem e nos ataques que, durante esta tarde, foram dirigidos ao Tribunal Constitucional.
A questão do Estatuto dos Magistrados Judiciais, como aliás todas as questões de justiça, é tratada pelo Sr. Ministro da Justiça não como uma questão de Estado mas como uma questão de Governo. O Governo quer dividir os magistrados judiciais e pretende que o Conselho Superior da Magistratura não defenda os interesses da justiça e seja, afinal, um depositário de pretensas lutas, dentro da magistratura, de castas contra castas.
Como, então, é uma questão de Governo - o que, aliás, serve os interesses do Sr. Ministro da Justiça, a quem muito preocupa a questão da independência dos tribunais judiciais e quer saber como a poderá limitar de qualquer maneira (segundo consta, até pediu um estudo sobre os limites dessa independência)- e como o preocupa o Conselho Superior da Magistratura na sua acção em defesa da administração da justiça, o que tem provado em relação às críticas feitas à recente reforma ou reordenamento judiciário, que tantas convulsões está a provocar na máquina da justiça; o Sr. Ministro da Justiça quis, de facto, atentar contra a independência da magistratura através de um ataque ao seu órgão representativo, que não é um órgão de autogoverno, porque tem na sua constituição outras pessoas, que não pessoas oriundas da magistratura. Veio, assim, com uma lei que é inconstitucional, como seguramente, apesar de os senhores não gostarem dessa decisão, hoje todos reconhecerão.
Apresentámos propostas de alteração, que se cifram, afinal; em repescar o que no Estatuto- dos Magistrados Judiciais tinha sido alterado - e mal! - pela proposta de lei,- e temos perante nós propostas de alteração e de eliminação da iniciativa do PSD.
Uma vez que sobre esta matéria já tudo foi dito, termino a intervenção com um pedido de esclarecimento ao PSD, porque as propostas por este apresentadas me suscitaram dúvidas.
As propostas que tenho à minha frente reproduzem o cabeçalho do Decreto e dizem que os artigos «tais» e «tais» passam a ter a seguinte redacção. Pergunto se essas propostas, na parte dos articulados que têm «pontinhos», se destinam a repescar a redacção da Lei do Estatuto dos Magistrados Judiciais ou, pelo contrário, se referem ao Decreto. Esta técnica de redacção das propostas suscitou-me algumas dúvidas, porque nalguns artigos se limitam a reproduzir o que já constava do Decreto e noutros nada reproduzem-se apenas põem «pontinhos».
Pergunto-vos, pois, se estas vossas propostas têm por referência a Lei n.º 21/85 ou o Decreto em apreciação.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É o Decreto. Estamos a alterar o Decreto!
A Oradora: - Então, se estão a alterar o Decreto, tenho de concluir que, em relação ao artigo 13.º, onde põem «pontinhos», deixam intocado o que está no Decreto, sendo certo que o artigo 13.º contém um normativo declarado inconstitucional. Estão os Srs. Deputados a perceber a minha pergunta?
Quero conhecer o que realmente pretendem para saber como me nortearei no meio de tudo isto. Se a referência é ao Decreto, como eu pensava que deveria
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ser, não há, então, que pôr «pontinhos» em sede de artigo 13.º. No artigo 13.º, transcreveriam o n.º 1 ou proporiam a eliminação do n.º 2.
O que acabo de fazer é, no fundo, um autêntico pedido de esclarecimento, porque me parece haver alguma confusão na forma como apresentaram as vossas propostas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Suponho que será útil pare o desenvolvimento dos trabalhos que a pergunta da Sr.ª Deputada Odete Santos obtenha uma resposta de imediato.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que a Sr.ª Deputada Odete Santos tem razão, mas, como naturalmente haverá ainda outras inscrições para uso da palavra, irei entretanto rever o texto das propostas e darei conhecimento à Mesa da solução definitiva.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, a Mesa aguardará pelo esclarecimento do Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: A discussão a propósito da reapreciação das alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais não pode, como aliás sucede com os outros normativos, mas sobretudo no que diz respeito a este, ser desligada do quadro gemi em que a sua discussão inicial, as suas iniciativas - do Governo ou do PSD - e os resultados finais se colocam.
É bom lembrar que, quando o Governo e a maioria desenterraram o machado de guerra contra as chamadas forças de bloqueio, não era difícil descortinar, logo na altura, que entre elas estaria certamente como alvo privilegiado todo o aparelho da administração da justiça.
De facto, quer, inicialmente, o Sr. Procurador-Geral da República e a estrutura do Ministério Público quer, depois, os tribunais foram e continuam a ser, no dizer de vários próceres do partido da maioria, alvos de estratégia que de certo modo possa abalar a independência e autonomia destes órgãos da estrutura constitucional.
No que respeita ao Ministério Público, a história está feita e esperamos que tenha terminado de uma vez por todas.
No que toca aos tribunais, foi encarregado de toda esta operação- e não só como primeiro das tropas de choque em matéria de avanço contra as «forcas de bloqueio igual a magistratura especial do Ministério Público» - o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador:- Deve, além do mais, chamar-se mais uma vez a atenção para a grande ausência que significa o facto de hoje não estar aqui presente o autor moral e material de muitas das inconstitucionalidades que vieram a ser decretadas pelo Tribunal Constitucional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Está em recuo!
O Orador: - Efectivamente, teve de ser o PSD a tomar sobre os seus ombros esta carga pesada, que é a de vir tentar aqui apagar, com argumentos fúteis e baralhados, a propósito, designadamente, de alguns votos de vencido e de pretensas reestruturações do Tribunal de Contas, tudo o que foram, ao fim e ao cabo, «três tiros no porta-aviões» ou «porta-aviões igual a PSD», neste caso «PSD igual a Ministério da Justiça e Dr. Laborinho Lúcio».
No que diz respeito, em especial, ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, levantámos várias vezes e, insistentemente, a questão da inconstitucionalidade, que nos parecia manifesta, de querer construir três universos eleitorais quando a Constituição da República afirma a unidade do corpo judicial como uma das traves-mestras da estrutura dos tribunais portugueses.
E nem se diga, como alguns referem, que essa afirmação de princípio foi apenas uma resposta à existência de tribunais especiais do antigo regime, porque ela é, para além disso, a afirmação de que o quadro hierárquico da magistratura não afecta o Estatuto, apesar de tudo idêntico e unitário, de todos os magistrados judiciais portugueses.
O Sr. Ministro da Justiça, perguntado sobre o que, a seu ver, justificava a alteração do sistema proporcional existente de uma única lista proposta para os três tipos de tribunais- Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal da Relação e Tribunais de 1.º Instância- refugiou-se, como em várias outras questões, naquilo a que ele chama os «princípios originários», não sendo capaz de fornecer à Câmara explicações razoáveis e fundamentadas, porque é assim que se fundamentam os actos políticos e também os legislativos, na necessidade de melhor funcionamento, mais operacionalidade, mais justiça intrínseca das soluções que veio propor a este Parlamento.
Afinal de contas, tínhamos razão: nem o modo de funcionamento do Conselho Superior da Magistratura, até ao momento, justificava estas alterações, bem pelo contrário, nem elas cabiam no quadro constitucional, quer pelo princípio, já indicado, da unidade da magistratura portuguesa (naturalmente, dos tribunais comuns) quer também por vir afectar manifestamente o princípio da proporcionalidade, afirmado no artigo 220.º da Constituição da República Portuguesa.
Todavia, o Sr. Ministro e o PSD não se convenceram, insistiram, teimaram e os resultados aí estão! Afinal, tínhamos razão, na altura. Não se teria justificado este ataque manifesto à independência dos tribunais e da magistratura judicial, não se teria justificado que o Sr. Ministro tivesse dado o que, em nosso entender, foi um verdadeiro «tiro no pé».
O Sr. Silva Marques (PSD): - Uma rajada!
O Orador: - Havia ainda uma outra inconstitucionalidade no Decreto em causa que dizia respeito ao artigo 13.º em relação ao qual a Sr.ª Deputada Odete Santos teve ocasião de levantar o problema. É que não se vê, na redacção proposta pelo PSD, que esse artigo esteja expurgado da inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional. Trata-se, pensamos, de lapso por parte do PSD e que poderá ser corrigido a todo o tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A independência dos tribunais, apenas sujeitos à lei, é um dos alicerces do Estado de direito democrático. A estrutura prevista na Constituição para a organização dos tribunais assenta num governo da magistratura, não de um auto-governo mas numa espécie de auto-governo mitigado, natural-
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mente, por uma intervenção importantíssima da Assembleia e do Presidente da República.
Até ao momento, esta estrutura tem servido e é exemplar e paradigma para outros países europeus. Contudo, o PSD e o seu Ministro da Justiça continuam a defender, certamente para aquilo que na sua visão pretende ser uma revisão constitucional nesta matéria, um chamado «conselho superior de justiça» numa manifesta estratégia para agora, não de forma frontal, como o fizeram em relação ao Conselho Superior da Magistratura, darem uma volta e, no fim, atingirem os mesmos objectivos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador.- Pela nossa parte, continuaremos a defender os princípios constitucionais nesta matéria e certamente que o Tribunal Constitucional continuará a dar-nos razão em tudo aquilo que afecte a independência, a autonomia e o governo das magistraturas conforme a estrutura constitucional.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos muito pouco a dizer e apenas lamentamos que mais de duas dezenas de alterações ao Estatuto da Magistratura Judicial nos tenham sido entregues hoje à tarde para votação neste momento. Efectivamente, é impossível ter o tempo necessário para verificar a bondade destas soluções. Não há tempo para fazer qualquer crítica sobre a sua redacção, mesmo ao correr da pena, porque é manifestamente impossível comparar o texto antigo com o novo e ver que espécie de modificações o PSD quer introduzir e qual a razão por que as quer introduzir.
Aliás, não se trata apenas de expurgar a lei das inconstitucionalidades declaradas pelo Tribunal Constitucional, mas há verdadeiras alterações de ordem material e verifica-se, pelo menos lendo «em diagonal» o caderno que nos foi submetido, que há muitas normas que são soluções novas para os velhos problemas. Por isso e para que conste da acta, devo dizer que não estou preparado para, num período de três horas em que tenho que intervir na restante discussão agendada para hoje, com a atenção que é preciso dar ao debate que ocorre neste hemiciclo, ler todas as alterações e sobre elas tomar posição consciente e votar pelo meu partido.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Muito bem!
O Orador: - Pretendo afirmar esta posição para que este modo de proceder numa matéria tão delicada e tão importante não se repita e por isso peço ao Grupo Parlamentar do PSD que, no futuro, nos entregue as modificações na véspera ou pelo menos na manhã do próprio dia da votação para que possamos, ao menos, passar sobre elas uma vista de olhos mais atenta. É que não podemos chancelar ou carimbar tudo o que vem julgando que é bom nem queremos fazer críticas tolas.
Por isso mesmo, se não houver concordância para adiar a votação sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais para o próximo dia, não teremos possibilidade de,
conscientemente, tomar posição, artigo a artigo, sobre as disposições que nos foram dadas, e não nos foi dado tempo sequer para as ler com um mínimo de cuidado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, duas pequenas questões em relação à organização dos trabalhos e que, em parte, têm a ver com a questão agora levantada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
A primeira para esclarecer que houve um lapso de dactilografia em relação ao artigo 13.º da proposta apresentada pelo PSD, que terá que ficar do seguinte modo:
«1 ...
2...
3 (Eliminado)».
Assim, só o n.º 3 do artigo 13.º é que é eliminado e abrangido pela referência do Acórdão do Tribunal Constitucional.
Sr. Deputado Narana Coissoró, resulta directamente do Regimento que estas propostas são apresentadas e debatidas no Plenário e imediatamente votadas.
De qualquer modo, tendo um pouco em atenção esta situação, o Sr. Presidente da Assembleia da República teve a amabilidade de emitir um despacho pedindo que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias preparasse esta matéria. Ora, dando andamento a esse despacho, procurei que reuníssemos ontem para este efeito mas, como o Grupo Parlamentar do PS estava em visita ao Vale do Ave, acedemos ao seu pedido de adiamento da reunião para hoje. No entanto, houve um esforço no sentido de habilitar todos os grupos parlamentares com as propostas que o PSD aqui apresentou, embora o mesmo não tenha acontecido com as propostas dos outros grupos parlamentares.
Em relação às propostas do PSD, quero esclarecer que se trata de meras alterações, a maior parte de ordem formal, e as substantivas são as que têm a ver com a ultrapassagem das questões da inconstitucionalidade, e pouco mais. Aliás, só aparentemente as propostas são de uma vastidão e de uma amplitude maiores do que na realidade acontece.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois da intervenção do meu colega Guilherme Silva sobre o sentido da maior parte das alterações propostas, tudo estaria dito, dado que o grande conjunto de alterações são de redacção ou alterações pacíficas e normalmente solicitadas pelas estruturas representativas da magistratura.
No entanto, no que diz respeito às questões fundamentais do debate, acolhemos as considerações do Acórdão do Tribunal Constitucional e por isso alterámos o artigo 137.º e os que, ao fim e ao cabo, têm a ver com a matéria das eleições para o Conselho Superior da Magistratura - 140.º, 141.º, 142.º e 152.º - e retirámos o círculo único para a eleição de um membro oriundo • do Supremo Tribunal Administrativo, repondo o enquadramento anterior desta matéria.
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Independentemente das considerações de ordem técnica, ou seja. saber se a representatividade deve ser ponderada em relação ao colégio eleitoral global - é óbvio que,. com um colégio tão exíguo como o dos membros do Supremo Tribunal de Justiça, não seria possível aí fazer eleger mais do que um membro -, atendemos essas considerações do Tribunal Constitucional e também, no que diz respeito às incompatibilidades, esclarecido o erro que havia em relação ao n.º 3 do artigo 13.º, eliminámos a proposta que estava feita e que também tinha origem num pedido do Conselho Superior da Magistratura.
Sendo assim, poderia dizer que, em geral, se mantém a orientação inicial da proposta de lei. São alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais que visam dignificar a respectiva função, enquanto titulares de órgãos de soberania, há reformulação de direitos e criação de mecanismos que lhes permitam participar em congressos, simpósios, cursos ou seminários.
No que diz respeito ao movimento ordinário, é restringido a uma única época, a Julho, havendo embora a hipótese de movimentos extraordinários.
Depois, há aqui também a harmonização de direitos e deveres, tendo presentes as novas exigências da legislação penal actual e, no que diz respeito ao processo disciplinar, há também aqui algumas adaptações, desde logo clarificando - o que nem seria necessário, porque já resulta de outra legislação, designadamente da lei publicada em 30 de Agosto último no que respeita ao acesso a documentos administrativos importantes - a natureza confidencial dos processos disciplinares até decisão final.
Aproveita-se para retirar daqui, como ao fim e ao cabo não poderia deixar de se fazer, toda a matéria referente à competência atribuída hoje ao Conselho dos Oficiais de Justiça, ajustando-se esta. legislação ao Estatuto e à matéria que agora lhe pertence.
Quanto à última norma, verifica-se um tratamento da matéria respeitante a tempos de prestação de serviço em termos de compensação pelo tempo gasto, na medida em que não há propriamente aqui um regime de função pública, como sucede com o Presidente da República, os Membros do Governo e os Deputados, enquanto titulares de órgãos de soberania. Há, portanto aqui alguma filosofia diferente neste tema.
Para concluir, diria que, em relação à grande maioria das propostas, até poderiam ser objecto de um pequeno debate em sede de redacção, porque são realmente, em grande parte, questões de clarificação do texto, sem alterações de fundo e, por isso, penso que não merecerão reservas.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa e se o Sr. Deputado Fernando Condesso prestar atenção para o interpelar, através desta figura regimental.
Há pouco, o Sr. Deputado Narana Coissoró fez uma intervenção com a qual nos identificamos inteiramente.
Por mais explicações que os Deputados do PSD dêem quanto às minudências que são objecto das várias propostas que fazem, a verdade é que temos, ao fim e ao cabo, de fazer fé naquilo que nos dizem, já que não temos qualquer indicação, justificação, estudo ou discussão.
Nesse sentido, Sr. Presidente, requeremos a baixa à Comissão para discussão, na especialidade, deste articulado, de modo a que nos seja dada a possibilidade de sermos confrontados com as razões de fundo que justificam muitas destas disposições.
Se é certo que, em algumas delas, é visível que se trata de meras alterações de redacção, que nada têm a ver com o fundo da questão, já no que diz respeito a outras, por exemplo, às condições para a promoção e outras que aqui vêm, não é o caso.
Tendo em conta o que acabei de dizer, seria para nós útil, necessário e dignificante para este trabalho- trata-se, apesar de tudo, do Estatuto dos Magistrados Judiciais- que pudéssemos discutir em comissão, na especialidade, estes vários dispositivos legais.
O Sr. Presidente: - A Mesa tomou nota do requerimento que fez, Deputado José Vera Jardim. Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, do ponto de vista regimental, esta matéria não pode baixar à Comissão para ali ser votada na especialidade e voltar a subir ao Plenário para uma votação na generalidade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas pode preparar!
O Orador: - Isto porque o que é votado em Plenário são as propostas de alteração e já não o Decreto.
A única hipótese que regimentalmente se desenha é a de que as propostas baixem à Comissão para fixação do texto final. Para esse efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 171.º da Constituição, da minha parte e da do meu Grupo Parlamentar, não há oposição. Contudo, as votações das propostas de alteração têm de ser feitas em Plenário.
O Sr. Presidente: - Nesse entendimento, o diploma, depois de votado, baixará à Comissão para esse efeito.
Srs. Deputados, uma vez que não há inscrições, dou por concluído o debate do Decreto n.º 120/VI.
Antes de passarmos às votações, o Sr. Secretário vai proceder à leitura da acta respeitante à eleição, que hoje se realizou, do representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP para o Conselho de Administração da Assembleia da República.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor:
Acta
Aos nove dias do mês de Fevereiro de mil novecentos e noventa e quatro, procedeu-se à eleição do representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP para o Conselho de Administração da Assembleia da República.
O resultado obtido, nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 77/88, de 1 de Julho, foi o seguinte:
Votantes - 132
Votos sim - 87
Votos brancos - 29
Votos nulos - 16
Face ao resultado obtido, declara-se eleito o candidato proposto, Narana Sinai Coissoró.
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Para constar se lavrou a presente Acta, que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados Escrutinadores, Maria da Conceição Rodrigues, Alberto Araújo, Belarmino Correia e José Reis.
O Sr. Presidente: - Face a esta votação, é eleito o Sr. Deputado Narana Sinai Coissoró, como representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP, para o Conselho de Administração da Assembleia da República.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Alberto Costa (PS) a ser inquirido, por escrito, na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um outro parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da República, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Macário Correia (PSD) a ser inquirido, por escrito, na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 30/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República de Malta.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Vamos votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 31/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção de Revisão da Convenção que cria um Instituto Universitário Europeu.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos votar, também em votação global, a proposta de resolução n.º 41/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a Irlanda para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, bem como o respectivo Protocolo.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos proceder agora à votação do projecto de resolução n.º 85/VI (PCP) - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 333/93, de 29 de Setembro [Ratificação n.º 98/VI (PCP)].
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 86/VI (PS) - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 333/93, de 29 de Setembro [Ratificação n.º 99/VI (PS)].
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alternativo à proposta de lei n.º 86/VI - Altera a Lei n.º 697 78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos também votar o texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alternativo à proposta de lei n.º 87/VI - Altera a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, terminámos todas as votações pendentes, pelo que vamos agora votar os diplomas que esta tarde foram objecto de discussão, quer na generalidade quer na especialidade.
Vamos, em primeiro lugar, passar ao Decreto n.º 120/VI - Alteração da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro (Estatuto dos Magistrados Judiciais), em relação ao qual há várias propostas de alteração e de eliminação.
Vamos começar pelo artigo 1.º.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, creio que a ideia não é a de votar o artigo 1.º na sua globalidade mas, sim, as várias disposições objecto de propostas de alteração ao Decreto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a última votação será, então, a que respeita ao artigo 1.º?
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O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.
Portanto, o primeiro artigo em relação ao qual existe uma proposta de alteração apresentada pelo PSD é o 9.º.
Para proceder à sua leitura, tem a palavra o Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o artigo 9.º da proposta de alteração do PSD é do seguinte teor:
1 - Os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição judicial quando em exercício de funções, no gozo de licença, nas férias judiciais e em sábados, domingos e feriados.
2 - A ausência nas férias, sábados, domingos e feriados não pode prejudicar a realização de serviço urgente, podendo ser organizados turnos para o efeito.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, para imprimirmos regularidade e um certo ritmo aos trabalhos, penso que nesta votação podemos e devemos, por um lado, prescindir da leitura do texto de todos os artigos, uma vez que o texto vai baixar à Comissão, e, por outro, eventualmente, votar blocos de alguns artigos - se houver consenso das várias bancadas para isso -, visto que a maior parte respeita a alterações de pormenor e de redacção que possivelmente não justificam que estejamos a fazer uma votação artigo a artigo.
Se V. Ex.ª nos desse uns minutos, creio que, numa rápida reunião, cada bancada poderia explicitar quais os artigos que pretende ver votados um a um e, assim, facilitaríamos todo o trabalho de votação. Caso contrário, teremos de votar uma dezena de artigos um a um.
O Sr. Presidente:- É uma boa sugestão, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos, então, fazer uma pequena pausa.
Pausa.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):- Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de informar a Mesa que, por consenso dos vários grupos parlamentares, é possível votar em bloco as duas propostas relativas ao Estatuto dos Magistrados apresentadas pelo PSD, com exclusão dos artigos 36.º, 38.º, 48.º e 141.º, que serão votados isoladamente.
O Sr. Presidente: - Portanto, isso respeita a todas as propostas do PSD?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, pois, proceder à votação de todas as propostas de alteração, de eliminação e de aditamento apresentadas pelo PSD, excepto as respeitantes aos artigos 36.º, 38.º, 48.º e 141.º.
Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé. .
São as seguintes:
Artigo 1.º
Os artigos 8.º, 9.º, 10.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 21.º, 26.º, 28.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 43.º. 45.º, 47.º, 48.º, 51.º, 54.º, 56.º, 57.º, 61.º, 67.º, 71.º, 74.º, 110.º, 113.º, 118.º, 135.º, 136.º, 137.º, 138.º, 139.º, 140.º, 141.º, 142.º, 147.º, 149.º, 150.º, 151.º, 153.º, 156.º, 158.º, 160.º, 161.º, 162.º, 167.º, 168.º, 170.º e 172.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, alterada pela Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro, passam a ter a seguinte redacção:
Artigo 8.º
Artigo 9.º (...)
l - Os magistrados judiciais podem ausentar-se da circunscrição judicial quando em exercício de funções, no gozo de licença, nas férias judiciais e em sábados, domingos e feriados.
2- A ausência nas férias, sábados, domingos e feriados não pode prejudicar a realização de serviço urgente, podendo ser organizados turnos para o efeito.
Artigo 10.º
l -.. 2-.-3 - (Eliminado)
Artigo 13.e
Artigo 14.º
Artigo 15.º
Artigo 16.º
4 - Havendo necessidade de busca na residência de qualquer magistrado judicial é a mesma, sob pena de nulidade, presidida pelo juiz competente, o qual avisa previamente o Conselho Superior de Magistratura, para que um membro delegado por este Conselho possa estar presente.
Artigo 17.º
Artigo 18.º
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Artigo 21.º
Artigo 57.º
2 - Os juizes de direito têm direito à distribuição gratuita do «Boletim do Ministério da Justiça» e, a sua solicitação, as restantes publicações referidas no número anterior.
Artigo 26.º
Artigo 28.º
Artigo 61.º
Artigo 71.º
(...)
...a) No dia em que forem notificados do despacho de pronúncia ou do despacho que designa dia para julgamento por crime doloso?) ...c) ...
Artigo 74.º
Artigo 39.º
1 - ...
2 - ...
3 - São considerados em cada movimento os requerimentos entrados até ao dia 15 de Junho, ou até vinte dias antes da reunião do Conselho, conforme se trate do movimento referido no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 38.º
4 - ...
Artigo 43.º (...)
1 - Os juizes de direito podem ser transferidos a seu pedido quando decorridos dois anos ou um ano sobre a data da deliberação que os tenha nomeado para o cargo anterior, consoante a precedente colocação tenha ou não sido pedida.
2-...
3-.. 4 - ...
6-.
Artigo 45.º
Artigo 47.º (...)
1 - São concorrentes os cinquenta juizes de direito mais antigos dos classificados com Muito Bom ou Bom com distinção e que não declarem renunciar à promoção.
2-
3-.-
Artigo 51.º
Artigo 54.º
Artigo 56.º
Artigo 110.º
Artigo 113.º (...)
1 - O processo disciplinar é de natureza confidencial até decisão final, devendo ficar arquivado no Conselho Superior da Magistratura.
2-.
Artigo 118.º (...)
1 - É entregue ao arguido ou remetida pelo correio, sob registo com aviso de recepção, cópia da acusação, fixando-se um prazo entre 10 e 30 dias para apresentação da defesa.
2-.
Artigo 135.º
Artigo 137.º
Artigo 138.º
Artigo 139.º
Artigo 140.º
1-
2-_
3 - O colégio eleitoral relativo à categoria de vogais prevista na alínea c) n.º l do artigo 137.º é formado pelos magistrados judiciais em efectividade de serviço judicial.
4-
Artigo 142.º (...)
1 - A distribuição de lugares é feita segundo a ordem de conversão dos votos em mandatos pela seguinte forma:
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Primeiro mandato - Juiz do Supremo Tribunal de Justiça:
Segundo mandato - Juiz da Relação;
Terceiro mandato - Juiz da Relação;
Quarto mandato - Juiz de direito proposto pelo distrito judicial de Lisboa;
Quinto mandato - Juiz de direito proposto pelo distrito judicial do Porto:
Sexto mandato - Juiz de direito proposto pelo distrito judicial de Coimbra;
Sétimo mandato - Juiz de direito proposto pelo distrito judicial de Évora.
Artigo 147.º
Artigo 149.º
Artigo 150.º
Artigo 151.º (...)
...a) ...b) ...c) Deliberar sobre as matérias referidas nas alíneas b), c), f) e g) do artigo 149.º; d) ...
Artigo 153.º
Artigo 156.º
l -...
2-...
3-... 4_
5 - O Conselho Superior da Magistratura pode convocar para participar nas reuniões, com voto consultivo, os presidentes das Relações que não façam parte do Conselho, e devendo sempre convocá-los quando se trate da graduação para acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que não estejam impedidos.
Artigo 157.º
Artigo 158.º
Artigo 160.º
Artigo 161.º
Artigo 162.º
Artigo 167.º
2 - O prazo para a decisão da reclamação é de três meses, não se suspendendo durante as férias judiciais.
Artigo 168.º
1 - ...
2 - Para efeitos de apreciação do recurso referido no número anterior o Supremo Tribunal de Justiça funciona através de uma secção constituída pelo seu Vice-Presidente e por quatro juizes, um de cada uma das secções, anual e sucessivamente designados, tendo em conta a respectiva antiguidade, cabendo ao Vice-Presidente voto de qualidade.
4 - ... 5- ...
Artigo 170.
Artigo 172.º
Artigo 2.º
São aditados os artigos 10.º-A e 230-A à Lei n.º 217 85, de 30 de Julho:
Artigo 10.º-A
Dispensa de serviço
1. Não havendo inconveniente para o serviço, aos Magistrados Judiciais podem ser concedidas pelo Conselho Superior da Magistratura dispensas de serviço para participação em congressos, simpósios, cursos, seminários ou outras realizações, que tenham lugar no país ou no estrangeiro, conexas com a sua actividade profissional.
2. ...
3. ...
Artigo 23.º-A
Compensação por serviço de turno
1. A compensação devida pelo serviço urgente como tal previsto no Código de Processo Penal e Organização Tutelar de Menores efectuada aos sábados, domingos e feriados é fixada em diploma próprio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de alteração do artigo 36.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
Artigo 36.º (...)
1 - Os juizes de direito são classificados em inspecção ordinária, a primeira vez durante a sua permanência em comarca de ingresso, uma segunda vez na co-
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marca de primeiro acesso, e, posteriormente, em comarcas de acesso final com uma periodicidade, em regra, não inferior a três anos.
2-...
3-... 4-
5-...
O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta de alteração do artigo 38.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS. do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
Artigo 38.º (...)
1 - O movimento judicial é efectuado no mês de Julho, sendo publicitadas as vagas previsíveis.
2- Para além do mencionado no número anterior, apenas podem fazer-se movimentos quando o exijam razões de disciplina ou de necessidade no preenchimento de vagas, sendo os movimentos anunciados com antecedência não inferior a trinta dias, e publicitadas as vagas previsíveis.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação da proposta de alteração do artigo 48.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
Artigo 48.º
1 - As vagas são preenchidas, na proporção de 2 para 1, por concorrentes classificados respectivamente com Muito, Bom ou Bom com distinção.
2 - No provimento das vagas procede-se, sucessivamente, pela seguinte forma: a) As duas primeiras vagas são preenchidas pelos juizes de direito mais antigos classificados com Muito Bom) A terceira vaga é preenchida pelo juiz de direito mais antigo classificado com Bom com distinção.
3 - Não havendo, em número suficiente, concorrentes classificados com Muito Bom as respectivas vagas são preenchidas por magistrados classificados com Bom com distinção e vice-versa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração do artigo 141.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS-PP.
É a seguinte:
Artigo 141.º (...)
1 - A eleição dos vogais a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 137.º efectua-se mediante listas elaboradas por um mínimo de vinte eleitores.
2 - As listas incluem um suplente em relação a cada candidato efectivo, havendo em cada lista um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, dois juizes da Relação e um juiz de direito de cada distrito judicial.
3-.
4-...
O Sr. Presidente: - Suponho que a proposta de eliminação, apresentada pelo PCP, do n.º 3 do artigo 13.º está prejudicada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar a proposta de alteração do artigo 137.º, apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS-PP.
Era a seguinte:
Artigo 137.º
1 - O Conselho Superior de Magistratura é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e composto ainda pelos seguintes vogais:a) Dois designados pelo Presidente da República, sendo um deles Magistrado Judicial;b) Sete eleitos pela Assembleia da República;c) Sete eleitos de entre e por Magistrados Judiciais.
2 - O cargo de vogal do Conselho Superior da Magistratura não pode ser recusado por Magistrados Judiciais.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, de facto, teria sido melhor fazer como o Sr. Deputado Narana Coissoró e os Srs. Deputados do PS reafirmaram.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Claro!
A Oradora: - Chamo a atenção do PSD para o facto de VV. Ex.ªs, ao não alterarem a redacção do artigo 137.º do Decreto n.º 120/VI, manterem a inconstitucionalidade, porque a alínea a) do n.º 2 deste artigo diz que é eleito: «Um juiz do Supremo Tribunal de Justiça de entre e pelos juizes do Supremo Tribunal de Justiça» e a alínea b) diz que são eleitos «Dois juizes da relação de entre e pelos juizes da relação», etc.
Ora, isto é inconstitucional, se se mantiver!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, no nosso entender, não é necessário fazer a alteração que a Sr.ª Deputada referiu porque a solução proposta está conforme a solução constitucional.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não está, não senhor!
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1252 I SÉRIE - NÚMERO 37
Na alínea a) do n.º 2 do artigo 137.º, diz-se que o juiz do Supremo Tribunal de Justiça é eleito de entre e pelos juizes do Supremo Tribunal de Justiça, o que é manifestamente inconstitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o n.º 2 do artigo 137.º do Decreto n.º 120/VI foi declarado inconstitucional...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ora, se não se modifica este número, continuamos a manter a inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: - ... e o PSD não apresentou qualquer proposta de alteração relativamente a este número, pelo que não há expurgo da inconstitucionalidade.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Odete Santos tem razão. De facto, há aqui um lapso...
Vozes do PS e do PCP: - Ah!...
O Orador:- ... de dactilografia.
Vozes do PS e do PCP: - Ah!...
O Orador:- Assim, o n.º 1 do artigo 137.º manter-se-á e o n.º 2 ficará com a seguinte redacção: «O cargo de vogal do Conselho Superior da Magistratura não pode ser recusado por magistrados judiciais.» Esta rectificação, tal qual estou a fazer, elimina a inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: - Então, o n.º 3 do artigo 137.º do Decreto passa a n.º 2, eliminando-se o actual n.º 2.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, se bem percebi, a proposta agora apresentada pelo PSD, que recusou a proposta do PCP no sentido de eliminar o n.º 2 do artigo 137.º do Decreto n.º 120/VI.
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - É que, Sr. Presidente, estas coisas têm de ser bem pensadas e não é assim à pressa. Aliás, só depois de ter votado as propostas de alteração do PSD é que me apercebi que acabava por se manter a inconstitucionalidade do artigo 137.º.
Talvez fosse preferível os Srs. Deputados do PSD redigirem rapidamente essa proposta de alteração para termos oportunidade de a analisar e assim prosseguirmos as votações.
O Sr. Presidente: - Mas, Sr.ª Deputada, não há qualquer problema quanto à redacção dessa proposta de alteração: o n.º 2 do artigo 137.º do Decreto n.º 120/VI foi eliminado, passando o actual n.º 3 a n.º 2.
Pausa.
Srs. Deputados, este Decreto foi discutido na generalidade e na especialidade e não será agora, em período de votações, que essa discussão se vai realizar de novo.
Pergunto-me para que terá servido a discussão na especialidade...
O Sr. João Amaral (PCP): - Não houve!
O Sr. Presidente: - VV. Ex.ªs já usaram da palavra, competindo-me agora a mim colocar as propostas de alteração apresentadas à votação.
Srs. Deputados, uma vez que esta questão foi esclarecida, vamos proceder à votação da proposta de alteração relativa ao artigo 137.º do Decreto n.º 120/VI, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
1 -...
2- O cargo de vogal do Conselho Superior da Magistratura não pode ser recusado por magistrados judiciais.
Srs. Deputados, a proposta de alteração do n.º 3 do artigo 140.º, apresentada pelo PCP, encontra-se assim prejudicada.
Segue-se o artigo 138.º, para o qual existe uma proposta de alteração apresentada pelo PCP, que não está prejudicada.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o n.º 3 do artigo 140.º proposto pelo PCP acabou por ser votado na proposta do PSD para o artigo 137.º. Penso, no entanto, que deixa de ter sentido a remissão feita na proposta apresentada pelo PSD relativa ao artigo 140.º para a alínea c) do n.º 1 do artigo 137.º, mas talvez não tenha grande importância
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, a remissão que a proposta do PCP relativa ao artigo 138.º faz para o n.º 2 do artigo 141,.º não faz sentido. Na verdade, não faz sentido remeter para um artigo que não existe, cuja doutrina não está fixada, pelo que esta proposta se deve considerar prejudicada.
E quanto ao artigo 139.º, Sr.ª Deputada Odete Santos?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, a nossa proposta encontra-se igualmente prejudicada.
O Sr. Presidente: - E quanto à proposta do PCP relativa ao artigo 141.º, n.º 1, Sr.ª Deputada Odete Santos?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, podemos votá-la, embora disponha em sentido contrário ao da proposta do PSD, que foi votada há pouco e aprovada. Mas neste Plenário surrealista talvez seja bom votar...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de alteração relativa ao n.º 1 do artigo 141.º, apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS-PP.
Era a seguinte:
1 - A eleição dos vogais do Conselho Superior da Magistratura, eleitos pelos Magistrados Judiciais, efectiva-se mediante listas elaboradas por organizações sindicais de Magistrados Judiciais ou por um mínimo de 20 eleitores.
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, informo a Mesa de que as restantes propostas de alteração apresentadas pelo PCP relativas ao Decreto n.º 120/VI estão prejudicadas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, falta votar ainda a proposta de alteração relativa ao artigo 1.º, apresentada pelo PSD.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a referência que se faz no artigo 140.º à alínea c) do n.º 1 do artigo 137.º está correcta, porque se reporta à disposição que consta da lei actualmente vigente. Portanto, as observações da Sr.ª Deputada Odete Santos têm sido muito úteis, mas neste caso não tem, efectivamente, razão.
Ainda em relação ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, é necessário que se torne claro se já foi sujeita a votação a proposta de alteração ao artigo 2.º do Decreto, isto é, se se considera ou não que este artigo está incluído no bloco inicial, para evitar que haja qualquer confusão relativamente a esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, o artigo 2.º do Decreto não está aqui em causa. Já foi votado, já faz parte do decreto da Assembleia que foi para promulgação. Não estamos a votar um projecto de lei, mas as alterações a um decreto da Assembleia. Assim, o que está votado, está votado!
O Orador: - Sr. Presidente, a razão de ser da minha pergunta reside no facto de as alterações relativas ao artigo 1.º do Decreto, com referência às várias disposições da Lei n.º 21/85, que estamos a alterar, estarem numa proposta à parte. Às alterações ao artigo 2.º do Decreto, com a referência ao aditamento de duas novas disposições à Lei n.º 21/85 constavam de uma proposta autónoma. E embora eu tenha falado numa votação em bloco, com exclusão apenas dos artigos n.ºs 36.º, 38.º, 48.º e 141.º, queria que ficasse claro se se considera votada a proposta de alteração ao artigo 2.º do Decreto, em que se faz referência ao aditamento dos artigo 10.º-A e 23.º-A, ou se há que fazer uma votação autónoma. Gostaria que tal Measse claro para que não se levante qualquer problema quanto à regularidade das votações.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, já está claro! A Mesa tem aqui a proposta e posso dizer que não foi mencionada. Só se referiu o artigo l.º e vamos, portanto, proceder à votação dessa proposta.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, em relação ao artigo 2.º é nosso entendimento, e suponho que, genericamente, foi o das diversas bancadas, - que as propostas de aditamento de artigos novos - 10.º-A e 23.º-A- são, no fundo, o conteúdo útil do artigo 2.º e fazem parte do bloco que foi votado, pelo que estão votados.
V. Ex.ª vem agora pôr à votação o artigo 1.º. Ora, este artigo limita-se a indicar todos os outros, os quais já votámos um a um, embora não tenhamos votado um a um propriamente, porque votámos um bloco e depois alguns individualmente.
Dado que foi objecto de deliberação que, em sede de comissão, se fizesse uma discussão sobre a redacção final desta lei, e uma vez que não é possível deixar de fazer hoje a votação artigo a artigo, penso não haver razão para estarmos agora a votar um artigo que é, pura e simplesmente, remissivo e cujo conteúdo está esgotado, visto já termos votado todos os outros artigos para que ele remete.
Coloco, pois, à consideração da Assembleia este problema do método de votação.
O Sr. Presidente: - Se ninguém se opõe a este entendimento, assim faremos. Poderíamos considerar que este artigo tem uma função apenas indicativa e não normativa.
Se ninguém se opõe a considerar que na votação inicial estavam incluídos os aditamentos que consubstanciam a proposta do PSD sobre o artigo 2.º e que foi esse o espírito com que se procedeu à votação, considera-se concluída a votação deste Decreto, pelo que o texto vai ser enviado à comissão de redacção para ordenação segundo a melhor técnica possível.
Pausa.
Srs. Deputados, passamos à votação das alterações relativas ao Decreto n.º 126/VI - Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos começar por votar a proposta de alteração à alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
3 - As acções de prevenção previstas no n.º 1 compreendem, designadamente: ) A recolha de informação relativamente a notícias de factos susceptíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime;
Passamos à votação da proposta de alteração do n.º 1 do artigo 2.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e as abstenções do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
1. Os procedimentos a adoptar pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária no âmbito das competências a que se refere o artigo anterior são sempre documentados è não podem ofender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Srs. Deputados, vamos agora votar uma proposta de alteração dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º, apresentada pelo PSD.
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1254 I SÉRIE-NÚMERO 37
Entretanto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que ainda estamos em debate da especialidade. E que ainda dispomos de 4 minutos...
O Sr. Presidente: - Estamos em votações, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Sr. Presidente, nesse caso, terá de pôr u votação a proposta de eliminação deste artigo 3.º, apresentada pelo PCP, visto que, dada a sua natureza, tem prioridade sobre uma proposta de alteração...
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr.ª Deputada...
A Oradora: - Só assim é que se justificará depois a posição de voto que vamos assumir em relação ao artigo 3.º...
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr.ª Deputada. Peço desculpa pela...
A Oradora: - De resto, Sr. Presidente, não foi feito o debate na especialidade das propostas apresentadas pelos vários partidos, tendo-se anunciado logo que se ia proceder à votação. Portanto, não foi feito o debate na especialidade e apenas foram proferidas intervenções no debate na generalidade. Ora, o debate na especialidade deve ocorrer precisamente nesta altura quando vai proceder-se à apreciação artigo a artigo, o que não foi posto à consideração do Plenário anteriormente, apenas se tendo feito o debate na generalidade.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, eu não estava na Mesa no princípio da sessão, mas quando assumi a presidência o meu substituto informou-me que tinha havido um debate na generalidade e que estava a fazer-se o debate na especialidade do Decreto n.º 126/VI, após o que passámos ao n.º 129/VI, em seguida ao n.º 130/VI e, por último, ao n.º 120/VI. Foi este o procedimento que segui porque o Presidente em exercício assim me indicou como tendo sido combinado por todos. Portanto, fizemos um debate na especialidade sobre todos estes diplomas.
Se os Srs. Deputados não aludiram a todas as disposições...
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é para explicar algo que é evidente.
O Sr. Presidente não esteve na Mesa desde o início dos trabalhos, mas o que se passou, com a concordância de quem estava a presidir, foi que houve um debate na generalidade sobre cada um dos decretos.
O debate na especialidade não podia deixar de ser feito de acordo com o único modelo que existe, que é o seguinte: «é posto à apreciação o artigo «tal», relativamente ao qual foram apresentadas as propostas de alteração «tais»...
O Sr. José Magalhães (PS): - E vota-se!
O Orador: - Concluída essa parte, podia considerar-se, eventualmente, que não se votava de imediato e que tal só teria lugar na hora das votações, mas tal nunca sucedeu. Isto é, não foi posto à discussão qualquer dos artigos, um a um, o que deveria ter ocorrido após os debates na generalidade, na altura da discussão na especialidade. E os tempos que ainda estão disponíveis permitem que se faça essa discussão.
O que está acontecer é que se passou directamente de uma discussão na generalidade para uma votação na especialidade.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, é para confirmar o que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado João Amaral.
É que, em processo legislativo, não me parece poder haver um debate na generalidade incidindo sobre quatro diplomas. O que há é um debate na generalidade de cada diploma a que deveria ter-se seguido um debate na especialidade das várias disposições, artigo a artigo, dos vários diplomas...
O Sr. Silva Marques (PSD):- Mas foi consensual!
O Orador: - Salvo o devido respeito, não se pode qualificar, como V. Ex.ª o fez, um debate na generalidade de quatro diplomas e, depois, um debate na especialidade de cada diploma, porque, salvo melhor opinião, essa é uma figura que não existe sob o ponto de vista regimental em processo legislativo. O que existe é: debate na generalidade de cada diploma e, depois, debate na especialidade das várias disposições de cada diploma.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Foi consensual! O Orador:- Infelizmente, tal não aconteceu... O Sr. Silva Marques (PSD):- Foi consensual!
O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques está hoje muito nervoso.
Não me parece que haja matéria para estar tão nervoso!...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas foi consensual!
O Orador: - Como dizia, Sr. Presidente, o que se passou foi que o PS dispunha de 9 minutos e, manifestamente, não houve tempo para entrarmos no debate da especialidade. Mas parece-me irrecusável que não houve debate na especialidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares estabeleceram-se as normas aplicáveis a este debate, acordou-se em vários aspectos e, tal como disse há dias e repito, já no Código do Visconde de Seabra se dizia que «os contratos legalmente celebrados devem ser pontualmente cumpridos».
VV. Ex.ªs dizem que, como ainda dispõem de tempo, se pode proceder à discussão na especialidade. Porém, está tudo
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de acordo com o que foi deliberado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e, segundo sei, com o que se processou até eu assumir a presidência.
Vou passar a ler o que o Regimento dispõe nesta matéria, designadamente nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 169.º, aqui aplicável por força do artigo 171.º. Assim, diz-se, no n.º 2, que «Na discussão na generalidade apenas intervêm, e uma só vez. um dos autores do projecto ou da proposta e um Deputado por cada grupo parlamentar»: no n.º 3 que «A votação na generalidade versa sobre a confirmação do decreto da Assembleia da República» - neste caso, há uma norma própria aplicável, que é o n.º 2 do artigo 171.º- e, finalmente, no n.º 4, que «Só há discussão na especialidade se até ao termo do debate na generalidade forem apresentadas propostas de alteração, incidindo a votação apenas sobre os artigos objecto das propostas».
O tempo global atribuído a todo este processo foi distribuído pelos vários grupos parlamentares e tem vindo a cumprir-se o estabelecido.
Nesta base, podemos mudar tudo, mas temos de sair daqui hoje com todas as votações feitas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª acabou de fazer a síntese correcta quer daquilo que linha sido decidido em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, quer daquilo que se passou, quer daquilo que diz o Regimento.
Acrescentaria apenas que houve, realmente, uma fixação de tempo global comunicável de proposta para proposta, tendo cada partido administrado esse tempo da forma que entendeu. E o que aconteceu foi isto: o meu partido fez o debate na especialidade; cada um dos Srs. Deputados fez a apresentação das alterações relativamente a cada um dos diplomas, designadamente o Sr. Deputado Fernando Condesso em relação ao Estatuto dos Magistrados Judiciais; e VV. Ex.ªs desvirtuaram - mas isso é a gestão que cada grupo parlamentar faz, que respeito... Agora, não podem é querer «sol na eira e chuva no nabal»! É que VV. Ex.ªs passaram o tempo a discutir as questões de fundo colocadas por estas propostas, como por exemplo aconteceu com a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins a propósito da Lei do Segredo de Estado, que se centrou quase na totalidade em questões passadas.
Porém, estamos a proceder a um debate diferente. E se VV. Ex.ªs foram vítimas de uma má administração do vosso tempo e de uma má orientação dos vossos trabalhos neste debate, sibi imputat, porque temos de estar a reparar os vossos erros?
Nós discutimos na especialidade e apresentámos as propostas. Com efeito, estranhei o facto de VV. Ex.ªs não terem apresentado propostas e de estarem a discutir novamente as questões acerca do segredo de Estado, do Tribunal de Contas, etc., que nada tinham a ver com este debate. Mas, enfim, foi a vossa gestão e a vossa opção. Respeitámo-la! Agora respeitem também VV. Ex.ªs o Regimento e a orientação normal dos trabalhos da Assembleia!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de começar por confirmar tudo aquilo que V. Ex.ª disse acerca dos acordos havidos na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, da distribuição de tempos e da leitura que fez do Regimento sobre a forma como deve processar-se a discussão. Apenas discordo da sua conclusão, quando diz que, então, o debate na especialidade está feito. Não está feito, porque, como o Sr. Presidente leu, depois do debate e da votação na generalidade, entra-se no debate e na votação na especialidade sobre todas as propostas que tenham dado entrada na Mesa até ao fim do debate na generalidade. Ora, esse debate, na especialidade, sobre as propostas que deram entrada na Mesa é que não tem estado a ser feito.
Sr. Presidente, julgo que isso deve ter lugar sempre que necessário, principalmente para esclarecer algumas situações.
Já agora, Sr. Presidente, permito-me fazer um pequeno parêntesis nesta interpelação à Mesa para dizer o seguinte ao Sr. Deputado Guilherme Silva: em primeiro lugar, cada grupo parlamentar encaminha o debate da forma que entender, desde que não viole o Regimento, e, por conseguinte, nada de acusações, porque estamos a cumpri-lo; em segundo lugar, pedia-lhe para estar mais atento a fim de não ser chamado à atenção tanta vez por continuar a deixar inconstitucionalidades nos diplomas.
Voltando ao assunto da interpelação, entendo que, no caso de qualquer grupo parlamentar necessitar de debater as suas propostas de alteração antes da votação na especialidade, o Sr. Presidente deve dar-lhe a palavra para o efeito, dentro dos limites de tempo que foram estabelecidos na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. E aqui, sim, diria que, como o Sr. Presidente já repetiu várias vezes, poderemos, então, cumprir os contratos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em todo o caso, quando anunciei a passagem à fase seguinte deviam ter denunciado a situação. Se queriam outra coisa, deviam ter dito logo.
Mas, como há tempo - e, se não houvesse, tinha a faculdade regimental de o atribuir - e se entendem que, dentro dos tempos disponíveis, devem intervir na especialidade, abro o debate, na especialidade, das propostas que ainda não foram apresentadas.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PCP propôs a eliminação do artigo 3.º do Decreto n.º 126/VI.
Na verdade, este artigo 3.º foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, na medida em que, também através deste artigo, a Polícia Judiciária continuava a ter competência para a investigação criminal.
De resto, o PCP, em relação a este artigo, chama também à atenção o acórdão do Tribunal Constitucional, quando diz que fica à mercê da Polícia Judiciária, dependente organicamente do Governo, de ter na sua mão ad eternum os elementos que recolha. Portanto, pensamos que se justifica- até porque é inconstitucional - a eliminação deste artigo.
Verificamos, no entanto, que o PSD apresentou uma proposta de alteração que, tal como tive oportunidade de dizer na discussão na generalidade, não altera os
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dados do problema, pois continua a ser inconstitucional, não lhe bastando as alterações que fizeram aqui, isto é, em vez de dizerem «sejam recolhidos», dizem «surjam elementos». Quer dizer, o elemento, o facto, surge assim aos tropeções na frente do agente da Polícia Judiciária! Surgiu-lhe, coitadinho!... E, depois, ela comunica logo.
Efectivamente, esta é uma forma eufemística de tratar a questão da recolha de informações, por isso iremos votar contra a proposta de alteração do PSD, porque continuamos a considerar que é inconstitucional, por estar relacionada com o n.º 3, alínea a), do artigo 1.º, cuja redacção continua a ser inconstitucional.
Esta é a razão do nosso voto em relação à proposta de alteração do PSD para o artigo 3.º.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que o Grupo Parlamentar do PSD se louva da apresentação das propostas na generalidade e na especialidade, que, a seu tempo, pela minha voz, foi feita.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 3.º do Decreto n. º 126/VI, do PCP, que acaba de ser apresentada.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Vamos agora proceder à votação da .proposta de alteração do artigo 3.º do Decreto n.º 126/VI, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e abstenções do PS e do CDS-PP.
É a seguinte:
1. Logo que, no decurso das acções descritas no artigo 1.º, surjam elementos que indiciem a prática de um crime, é instaurado o respectivo procedimento criminal.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, logo que a Polícia Judiciária recolha elementos que confirmem a suspeita de crime, é obrigatória a comunicação e denúncia ao Ministério Público.
Srs. Deputados, está prejudicada a proposta de eliminação da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto n.º 126/VI, apresentada pelo PCP.
Passamos à discussão e votação da proposta de eliminação do artigo 7.º, apresentada pelo PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, serei muito breve, pois, aquando da minha intervenção no debate na generalidade, referi-me já ao sentido da eliminação deste artigo 7.º, através de uma crítica que fiz à sua manutenção.
Este artigo consagra um dever de absoluto sigilo relativamente a factos de que a Polícia Judiciária tenha tido conhecimento durante as suas acções de prevenção e relativamente às fontes de informação. Ora, o absoluto sigilo nunca pode ser quebrado - é igual ao absoluto sigilo das fontes de informação dos jornalistas - e é de todo desproporcionado, na medida em que pode ser absolutamente necessário para um processo em curso no tribunal em que tenha sido instaurado procedimento criminal por factos conexos com outros de que a Polícia Judiciária tenha conhecimento. Podendo tal ser necessário, a consagração do dever de absoluto sigilo vai inviabilizar que esses factos sejam canalizados para o procedimento criminal instaurado no tribunal e representa uma verdadeira obstrução à acção da justiça. Na lei orgânica da Polícia Judiciária, os Srs. Deputados encontram consagrado o segredo profissional dos agentes da Polícia Judiciária, que é mais do que suficiente - é igual ao segredo de justiça - e não se vê quaisquer razões para manter este artigo 7.º, a não ser, como é óbvio, que queiram esconder factos altamente ligados à corrupção ou mesmo de corrupção.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, serei também muito breve e direi que não se pode querer «ter o bolo e comê-lo» ao mesmo tempo! Não se pode, no mesmo dia, criticar uma lei em nome da reserva da intimidade e da vida privada, com a força que se tem usado aqui, e, ao mesmo tempo, criticar um dever de sigilo exclusivamente pré-ordenado a garantir essa reserva. A lei é extremamente clara e correcta, na medida em que, a partir do momento em que se abra um processo criminal, cesse esse dever de sigilo. Se a privacidade releva tanto, ela deverá ser mantida e preservada relativamente a informações de factos que não tenham a ver com o processo em causa. É preciso saber ponderar e, quando se ataca um preceito, não se pode querer «abrir toda a porta» num certo sentido», para, quando se pensa no contrário, «arrombar a porta» em sentido contrário! É preciso haver algum equilíbrio, e esta proposta aponta para ele!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de eliminação do artigo 7.º, apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, uma vez concluída a votação, na especialidade, do Decreto n.º 126/VI, vamos passar ao Decreto n.º 129/VI - Lei do Segredo de Estado -, em relação ao qual deram entrada várias propostas de alteração.
Começamos por votar a proposta de substituição do artigo 2.º, apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Era a seguinte:
Artigo 2.º
(Âmbito do Segredo)
Só podem constituir matéria de segredo de Estado as informações, documentos e objectos cujo conhecimento e
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cuja divulgação sejam susceptíveis de causar grave dano à ordem jurídica constitucional, à independência e à segurança externa e interna do Estado democrático.
Srs. Deputados, vamos de seguida votar a proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 3.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
1. A classificação como segredo de Estado nos termos do artigo anterior é da competência do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, dos Ministros e do Governador de Macau.
A proposta de substituição do artigo 3.º apresentada pelo PCP está prejudicada, pelo que passamos à votação da proposta de aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 9.º apresentada pelo PSD, passando o actual n.º 3 a n.º 4.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro, cujo acesso a documentos classificados não fica sujeito a qualquer restrição.
Srs. Deputados, segue-se a votação da proposta de alteração do n.º 3 do artigo 13.º, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
3. A Comissão é composta por um juiz da jurisdição administrativa designado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que preside, e por dois deputados eleitos pela Assembleia da República, sendo um sob proposta do Grupo Parlamentar do maior partido que apoia o Governo e outro sob proposta do Grupo Parlamentar do maior partido da oposição.
Srs. Deputados, a proposta de substituição dos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º apresentada pelo PCP está prejudicada.
Terminada a votação, na especialidade, das propostas de alteração do Decreto n.º 129/VI, vamos passar ao Decreto n.º 130/VI - Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro - Reforma do Tribunal de Contas.
Começamos por votar a proposta de alteração, apresentada pelo PSD, relativa ao artigo único do Decreto na parte respeitante ao artigo 43.º da Lei n.º 86789.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
Artigo 43.º
Aos juizes do Tribunal de Contas é aplicável o regime de incompatibilidades previsto na lei para os juizes dos tribunais administrativos e fiscais.
Ainda em relação a este mesmo artigo da Lei n.º 86789, existem mais duas propostas de alteração, apresentadas pelo PS e pelo PCP, que se encontram prejudicadas dada a votação a que acabámos de proceder.
Terminada a votação do Decreto n.º 130/VI, agora expurgado de inconstitucionalidades, está. pois, esgotada a nossa ordem de trabalhos de hoje.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às IS horas, terá um período de antes da ordem do dia para tratamento de assuntos de interesse político relevante e o período da ordem do dia destina-se à apreciação do inquérito parlamentar n.º 18/VI - Apreciação do processo de privatização do Banco Totta & Açores (PCP), do projecto de lei n.º 338/VI - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes (PCP) e das propostas de resolução n.ºs 44/VI- Aprova, para ratificação, as alterações ao Acordo de 27 de Abril de 1966, relativo à Sociedade Financeira Internacional , 45/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados Membros, por um lado, e a Roménia, por outro, e respectivos protocolos, anexos, acta final e declarações, e 48/VI- Aprova, para ratificação, a Convenção para a Supressão de Actos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima e o Protocolo Adicional para a Supressão de Actos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas Localizadas na Plataforma Continental.
Procederemos ainda à eleição de um vogal para o Conselho Directivo do grupo português da União Inter-parlamentar.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Gomes de Carvalho.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
Manuel Maria Moreira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Simão José Ricon Peres.
Partido Socialista (PS):
António Alves Marques Júnior.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Jaime José Matos da Gama.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Telmo José Moreno.
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa.
Elisa Maria Ramos Damião.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
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