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Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 1994 I Série - Número 41

DIÁRIO Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1393-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE FEVEREIRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
Belarmino Henriques Correia
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutas.

Antes da ordem do da.- Deu-se canta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 382/VI, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Lino de Carvalho (PCP) referiu-se à crise social do País, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel dos Santos (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP) e Rui Rio (PSD) e dado explicações ao Sr. Deputado Nuno Delerue (PSD), que defendeu a consideração da bancada.
O Sr. Deputado José Sócrates (PS) criticou o Governo por ter levantado a proibição de construir na Área de Paisagem Protegida Sintra-Cascais e respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados André Martins (Os Verdes). Luís Sá (PCP) e João Oliveira Martins (PSD).

Ordem do dia.- Foram aprovados os n.ºs 28 a 32 do Diário.
Foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global a proposta de lei n.º 75/VI - Autoriza o Governo a alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida de acordo com as resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e com as directivas comunitárias. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Indústria (Alves Monteiro), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Joel Hasse Ferreira (PS), Carlos Oliveira (PSD) e Narana Coissoró (CDS).
Procedeu-se ao debate conjunto, na generalidade, da proposta de lei n. º 83/VI - Estabelece o sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições do ensino superior e do projecto de lei n.º 170/VI - Avaliação e acompanhamento do ensino superior (PCP), que foram aprovados. Produziram intervenções, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Educação (Manuela Leite), os Srs. Deputados Ana Maria Bettencourt (PS), Paulo Rodrigues (PCP), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), António Filipe (PCP). António Braga (PS). Paulo Rodrigues (PCP), Carlos Léus (PSD), Adriano Moreira (CDS-PP), Fernando de Sousa (PS) e Vítor Crespo (PSD).
Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados a serem ouvidos como testemunhas em tribunal.
A Câmara aprovou, em votação final global, os Decretos n.º 120/VI - Alteração da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro (Estatuto dos Magistrados Judiciais), 126/VI - Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, 129/VI - Lei do Segredo de Estado e 130/VI - Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas).
Após apresentação pelo Sr. Deputado António Filipe (PCP) da síntese do relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.º 85/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação, usaram da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça (Maria Eduardo Azevedo), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), André Martins (Os Verdes), Mário Tomé (Indep.), Acácio Barreiros, José Lello e Alberto Costa (PS), Guilherme Silva (PSD), Odete Santos (PCP), Cipriano Martins (PSD) e José Magalhães (PS).
Entretanto, foi eleito um vogal do Conselho Directivo do Grupo Português da União Interparlamentar.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antera da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.

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Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Monteiro de Castro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário João Salgado vai dar conta do diploma, de requerimentos e de respostas a requerimentos entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 382/VI- Condições especiais de reforma dos artistas de bailado (PS), que baixou à 9.ª Comissão.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Bastonário da Ordem dos Médicos, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha; aos Ministérios do Emprego e da Segurança Social e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto; aos Ministérios do Planeamento e Administração do Território, do Ambiente e Recursos Naturais e às Secretarias de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional e da Modernização Administrativa, formulados pelo Sr. Deputado André Martins; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Caio Roque e Alberto Costa; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Jorge Paulo Cunha, no dia 15 de Abril; José Paulo Casaca, na sessão de 23 de Abril; Guilherme d'Oliveira Martins, nas sessões de 3 de Junho e 26 de Novembro e no dia 16 de Setembro; Arménio Carlos, na sessão de 16 de Junho; José Manuel Maia, no dia 7 de Julho; Lino de Carvalho, nas sessões de 15 de Julho, 11 de Novembro e 15 de Dezembro, respectivamente; Isabel Castro, na sessão de 21 de Outubro; António José Seguro, na sessão de 22 de Outubro; Álvaro Viegas, na sessão de 3 de Novembro; André Martins, nas sessões de 30 de

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Novembro, 18 de Janeiro e no dia 24 de Novembro; José Calçada, na sessão de 16 de Novembro; Luís Peixoto, nas sessões de 18 e 30 de Novembro; Melchior Moreira, nas sessões de 26 e 30 de Novembro; António Murteira, no dia 22 de Novembro e José Magalhães, na sessão de 5 de Janeiro.
Gostaria também de informar os Srs. Deputados que reúnem hoje as Comissões de Saúde e de Assuntos Europeus bem como as Subcomissões da Toxicodependência, da Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Ensino Especial e do Ensino Secundário e Extensão Educativa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia consta de declarações políticas.
Assim, para fazer uma declaração política por parte do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constitui hoje um facto insofismável o alastramento e agravamento da crise social no nosso País.
320000 novos desempregados nos últimos 12 meses, inscritos nos Centros de Emprego. 31 000, só em Janeiro quando, entretanto, naquele período, só cerca de 29 000 - menos de um terço - conseguiram obter emprego através desses mesmos centros. Isto quer dizer que, por cada trabalhador que consegue emprego, há 11 que caem no desemprego.
As Jornadas Parlamentares que realizámos em Braga, em conjunto com os Deputados comunistas ao Parlamento Europeu, comprovaram, na reflexão feita e nas visitas e audições organizadas, esta grave crise social que a vossa política, Srs. Deputados do PSD, está a provocar.
Mais de 200 empresas encerradas na região, só no sector têxtil (a que se segue, em muitos casos, a sua reabertura com nova designação, empregando apenas alguns dos anteriores trabalhadores agora amputados de regalias e protecção sociais); mais de 10000 trabalhadores com salários em atraso; cerca de outros 20000 em risco de desemprego por as respectivas empresas estarem com processos de recuperação em tribunal; manutenção e agravamento do trabalho infantil, agora sob a nova forma de trabalho domiciliário, abrangendo, seguramente, mais de 100 000 crianças; repressão e intimidação sobre os dirigentes sindicais e representantes dos trabalhadores. Estas são, na região- como também no País-, expressões evidentes da crise existente.
Crise de que o Grupo Parlamentar do PSD, que tem andado «com uma lupa» à procura dos dinheiros comunitários, tem fugido a sete pés.
Dir-me-ão, Srs. Deputados, que a crise existente não é exclusivo de Portugal mas recobre toda a União Europeia. É verdade!
E é verdade porque, lá como cá, seja na França do Sr. Balladur, na Espanha do Sr. Gonzalez ou no Portugal de Cavaco Silva, imperam políticas de defesa das estratégias e orientações do Tratado da União Europeia, assentes nos valores supremos de neoliberalismo e do fundamentalismo monetário, à custa da dimensão social do desenvolvimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso, como se afirma nas conclusões das Jornadas Parlamentares do PCP, que se assiste por toda a Europa e também em Portugal, a propostas que, não questionando as causas estruturais do desemprego crescente, se mostram incapazes de o combater de forma duradoura, optando pelas teorias ditas de partilha do trabalho (que melhor deveriam ser chamadas de partilha do desemprego) e de reequacionamento do chamado «Estado-providência», que mais não são que a cobertura para a enorme ofensiva em curso contra os direitos dos trabalhadores e os sistemas de protecção social conquistados duramente ao longo do presente século.
Apela-se à moderação salarial e a aumentos inferiores ao crescimento da produtividade, mas omite-se qualquer proposta de moderação dos rendimentos do capital, bem como se dispensa de sublinhar a necessidade de os ganhos de produtividade apropriados pelo capital deverem ser prioritariamente dirigidos para o aumento dos rendimentos do trabalho e para a criação de emprego, no âmbito do investimento produtivo.
O PSD assume em Portugal as receitas da União Europeia inscritas no Livro Branco sobre o Emprego. Mas também o PS, nesta questão estratégica, reproduz, infelizmente, idênticas teorias no âmbito do Relatório Larsson, aceitando, por exemplo, o desemprego estrutural como um dado adquirido e a redução salarial como uma solução.
Pelo contrário, o PCP entende que a resolução dos problemas do crescimento económico, por via de uma competitividade a todo o preço e à custa de sacrifícios sociais, é insuportável e está condenada ao fracasso.
O quadro descrito é, por maioria de razão, intolerável num país como Portugal, em que o Governo do PSD teve à sua disposição, durante o primeiro Quadro Comunitário de Apoio, mais de 1000 milhões de contos por ano, consumidos sem que se tivessem registado as alterações estruturais que conduzissem a melhores e mais sólidas condições de vida.
Como intolerável é que as verbas a mobilizar entre 1994 e 1999, no âmbito do segundo Quadro Comunitário de Apoio, se traduzam numa expectativa de criação de somente 100 000 empregos - segundo os próprios dados oficiais-, isto é, pouco mais que o anterior (que só dispôs de metade das verbas) e correspondente a menos de um terço do número de novos desempregados que a política do PSD gerou nos últimos 12 meses.
Assim é, na medida em que as estratégias definidas pelo PSD para o segundo Plano de Desenvolvimento Regional assentam, não no reforço do aparelho produtivo nacional, mas numa dinâmica virada sobretudo para transformar Portugal numa plataforma giratória das grandes transnacionais e orientada para vender a localização e outros recursos do País, sem um investimento produtivo significativo, gerador de emprego estável. Como concluímos nas jornadas parlamentares, é um real modelo de dependência que está a ser construído.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As viagens do Ministro Valente de Oliveira pelo País, a vender o seu Plano de Desenvolvimento Regional, não conseguem esconder esta insofismável verdade. Não é, pois, por acaso que uma perspectiva governamentalizadora atravessa iodo o processo do Plano de Desenvolvimento Regional, desde a sua elaboração até ao quadro institucional que não assegura uma gestão participada do segundo Quadro Comunitário de Apoio.

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Nem é ainda por acaso que o Governo só tenha transferido para gestão directa pelas autarquias, no âmbito dos programas operacionais, menos de 12 % de todo o Quadro Comunitário de Apoio.
O PSD, para além do show-off das reuniões do Ministro Valente de Oliveira, não quer qualquer intervenção real das estruturas representativas da vida económica, social e cultural e das autarquias locais. Isso impediria uma estratégia assente num modelo que não corresponde aos interesses do País e que aquelas estruturas não permitiriam. Como também seria um entrave à gestão clientelar, eleitoralista e partidária das significativas verbas do Quadro Comunitário de Apoio.
Com uma elaboração e gestão participadas do Plano de Desenvolvimento Regional e do Quadro Comunitário de Apoio, o PSD teria, por exemplo, seguramente mais dificuldades em utilizar as verbas do Fundo Social Europeu para financiar as suas próprias organizações partidárias.

O Sr. António Filipe (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Os 677 000 contos atribuídos ao Instituto Progresso e Social Democracia para financiar a formação partidária de quadros do PSD são intoleráveis, são um exemplo da forma como têm sido desbaratados os fundos comunitários e ferem os objectivos do Fundo Social Europeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD e o seu Presidente reagiram nervosos à notícia que saiu das nossas jornadas parlamentares através da intervenção do Secretário-Geral do meu partido. Começaram por negar, depois, disseram que não era exactamente aquela verba e, finalmente, lemos que o Primeiro-Ministro afirmou, sem corar nem ter medo do ridículo, que não conhece bem a actividade do seu próprio instituto. A forma comprometida como o PSD reagiu foi tão grande que o Governo ordenou de imediato ao Instituto de Emprego e Formação Profissional a publicação de um comunicado que, afinal, só veio confirmar o que afirmámos. É o que se pode chamar um verdadeiro «tiro no pé», que exige um completo esclarecimento. O País tem o direito de saber como e com que objectivos são consumidos os meios financeiros postos à sua disposição para promover o desenvolvimento e o progresso social e não para financiar o próprio PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nós reclamamos esse esclarecimento. A Assembleia da República não pode alhear-se desta questão e, portanto, reclamamos para já uma resposta ao requerimento que entregámos na Mesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A grave situação social do País e da região onde realizámos as jornadas parlamentares não apresenta qualquer perspectiva de saída, a manter-se a política do Governo. Bem pelo contrário, as exigências decorrentes de um processo de integração de mercados e de concorrência cada vez mais profundo e agressivo, sem que as políticas económicas nacionais se tivessem traduzido na reestruturação e modernização do nosso aparelho produtivo, vão agravar a situação a curto e médio prazos. É assim na agricultura como também na indústria.
Os acordos do GATT não auguram nada de bom, designadamente para áreas tão estratégicas e sensíveis como a têxtil ou a agricultura.
O desmantelamento progressivo do acordo multifibras irá acelerar as dificuldades do sector e a erosão do emprego, tanto mais quanto nos acordos não foram incluídas quaisquer cláusulas sociais que, tornando menos desumanas as condições de exploração dos trabalhadores de países concorrentes que não preenchem sequer as cláusulas sociais mínimas inscritas nas convenções da Organização Internacional do Trabalho, evitassem as práticas de dumping social.
Para regiões que assentam a sua vida na mono-indústria têxtil, como no Vale do Ave, a situação é, por maioria de razão, muito mais preocupante, tanto mais que não existe um plano global de modernização e reorganização tecnológicas do sector, que propomos, e que promova e ligue as várias e insuficientes medidas avulsas existentes.
O mesmo sucede na agricultura onde, aos apelos para o investimento e aumento da produção, se sucedem, de sopetão, políticas visando o abandono da actividade agrícola e do mundo rural, que os acordos do GATT, agravando a tendência para o desequilíbrio dos mercados e para o condicionamento de algumas das produções que nos restam (como o vinho e a fruticultura), virão piorar.
A resposta do Governo a toda esta situação orienta-se segundo uma única direcção: diminuição dos custos do trabalho, o que se traduz em menos emprego, menos salários, menos regalias, menos protecção social. Levada ao limite, a economia portuguesa, para o Governo e para o PSD, só seria de novo competitiva se os trabalhadores portugueses passassem a aceitar os salários do Sri-Lanka ou de Singapura. Aí sim, seria um verdadeiro oásis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Opusémo-nos e opomo-nos a políticas em que o nível e a qualidade de vida dos trabalhadores e das populações estejam arrumadas no último degrau das preocupações, como acontece com os estrategas e teóricos do livre cambismo.
Para nós, é a economia que tem de estar ao serviço das pessoas e não estas que têm de estar subordinadas à lógica do dinheiro e da rentabilidade imediatista do capital.
Às políticas de desemprego e exclusão social ditadas por Maastricht, nós opomos uma política orientada para o desenvolvimento, a valorização dos recursos, a justiça social, a melhoria das condições e da qualidade de vida dos cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- Por isso, aprovámos nas jornadas parlamentares um conjunto de iniciativas legislativas na área social.
Por isso, continuaremos aqui a bater-nos por uma política em que o primado das pessoas se sobreponha ao primado do dinheiro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel dos Santos, António Lobo Xavier e Rui Rio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª fez uma declara-

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cão política com a qual estamos de acordo genericamente, mas não se coibiu de, mais uma vez - aliás, como é habitual por parte da sua bancada-, confundir o que são as posições do Partido Socialista relativamente à União Europeia. Assim, recordo que há uma parte da sua intervenção em que, a propósito do Relatório Larsson, tenta imputar ao Partido Socialista uma aceitação clara e não devidamente racionalizada do que podia ser um modelo de intervenção, tendo em conta a competitividade das economias, assente, sobretudo, na redução salarial.
Ora, julgo que, para além das minhas próprias, também por parte de dirigentes do Partido Socialista, quer ao nível do Secretário-Geral quer ao dos responsáveis pelas políticas, existem suficientes declarações que podem invalidar claramente esse seu tipo de raciocínio.
Na verdade, nós pensamos - e temo-lo afirmado claramente- que os problemas da competitividade da economia portuguesa não passam pelos níveis salariais mas passam, essencialmente, pelos custos do capital, pelas ineficiências produtivas que existem em muitos sectores, pelo que, obviamente, não podem ser atribuídos aos custos salariais.
De resto, o Secretário-Geral do Partido Socialista já afirmou várias vezes que entende que a norma salarial deveria ter em conta não só a inflação esperada para o ano a que fosse aplicada como também os ganhos de produtividade.
Portanto, parece-me que não existe muita correcção da sua parte quando procura atribuir ao Partido Socialista propósitos de defesa de políticas de redução salarial que têm sido invalidadas por nós em várias ocasiões.
Já quanto à análise que fez da situação da economia portuguesa e, sobretudo, quanto à que faz acerca das conclusões e aplicações práticas que o partido da maioria extrai das receitas que a União Europeia permite que sejam transferidas para Portugal, nós, PS, temos algum campo de consenso em relação a V. Ex.ª.
É que é realmente um escândalo que as verbas para a formação profissional possam ser mobilizadas para objectivos partidários. Isto e outras coisas é que, actualmente, colocam na ordem do dia do debate europeu a discussão da problemática do financiamento da própria Comunidade Europeia e a dos recursos próprios que a Comunidade deve ter no curto prazo.
Na verdade, situações dessa natureza é que são fundamentais, é que devem ser discutidas na sociedade portuguesa e é que estabelecem a diferença essencial existente entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata.
Nós não somos contra a União Europeia, não somos contra o Tratado de Maastricht, mas- e isto de uma forma muito clara, tendo já feito propostas concretas no sentido de alterar a situação- somos é contra as conclusões práticas que o Governo e o partido maioritário extraem relativamente a essa matéria.
Portanto, neste domínio, V. Ex.ª pode contar com o nosso apoio pois, à semelhança do Partido Comunista Português e de V. Ex.ª, também nós estamos completamente contra a aplicação daquelas verbas, sobretudo, quando são essencialmente aplicadas com objectivos estritamente partidários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a sua intervenção foi muito variada, abordou vários temas e, por isso, é muito difícil colocar questões ou comentar. Assim, podia limitar-me às questões sociais e perguntar-lhe quais as suas alternativas no quadro actual, na conjuntura económica e financeira pública do Pais, ou, então, questionar o Partido Comunista sobre o que, é que pensa, de facto, sobre a União Europeia, para tornar as coisas mais claras.
Mas o que ressaltou nas Jornadas Parlamentares do Partido Comunista e na sua intervenção foi a acusação feita ao Partido Social Democrata- uma acusação velada- de que havia uma atribuição de verbas para formação profissional que, caso se tenha passado nos termos em que o Sr. Deputado Lino de Carvalho aqui referiu, dá lugar a uma situação escandalosa. Tão escandalosa que não compreendo como é que o Partido Comunista, que é tão lesto e tão empenhado a pedir inquéritos sobre casos praticamente esclarecidos- é o caso do Banco Totta & Açores e do Ministério da Saúde-, não pede um inquérito parlamentar, imediato sobre essa questão?!
Entendo que, sobre a matéria que está em causa, não há duas posições possíveis. Se, de facto, há provas de que se tratou de uma acção de formação partidária financiada daquele modo, então é preciso esclarecer isso urgentemente. Porque não?! Se eu tivesse essas provas, pedia um inquérito parlamentar imediato. Ou então, se não há provas, essa acusação é absolutamente inaceitável!
O que não podemos é deixar-nos ficar aqui no meio. É preciso saber que conclusões e consequências quer o Partido Comunista tirar daquilo que sabe a mais do que nós, porque, se as coisas são como diz que são, é preciso, urgentemente, averiguar e exigir responsabilidades. Não compreendo, pois, que essa questão possa ser tratada apenas assim, isto é, que possa ser divulgada, referida e depois abandonada sem qualquer consequência prática.
Ou seja, por um lado, excedemo-nos em inquéritos sobre questões conhecidas ou mais ou menos tratadas e, por outro lado, não abrimos inquéritos sobre questões de uma gravidade espantosa, objectiva e imediata. Era preciso saber isso e seria bom que o PSD também desse uma palavra de esclarecimento sobre tal tema.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o fundamental da sua intervenção centrou-se em torno daquilo que V. Ex.ª chama a crise económica.
Gostaria aqui de relembrar que as soluções que o Partido Comunista Português apontou, ao longo dos debates que aqui se têm travado em matéria de política económica, eram basicamente três: mais défice público, mais aumentos salariais e desvalorização do escudo.
Sr. Deputado, é precisamente por não lermos cedido a essa política fácil que o Partido Comunista, e não só, vem apontando que Portugal, neste momento, está em situação de poder acompanhar a Europa na fase de recuperação que agora vamos atravessar. Este é o primeiro aspecto.

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O segundo aspecto, que constituiu um dos pontos fundamentais da sua intervenção, diz respeito ao desemprego. O Partido Comunista Português não tem vindo connosco às deslocações que temos feito por esse País fora e, se o tivesse feito, tinha percebido uma coisa fundamental: que às vezes, em matéria industrial, o próprio investimento e a reconversão industrial podem implicar desemprego. Repito, investimento pode implicar desemprego, Sr. Deputado!
E é natural que o desenvolvimento do País se faça através de uma redução do emprego na agricultura e na indústria e de um aumento do emprego nos serviços. São os serviços que vão ter de aumentar o emprego e o desemprego deve ser combatido, precisamente, nessa área. A este propósito, gostaria de relembrar a V. Ex.ª que a taxa de desemprego mais baixa da União Europeia é a portuguesa.
Por fim, a questão muito concreta que lhe coloco é a seguinte: afinal, qual é a medida concreta que o Partido Comunista defende para resolver o problema do desemprego? Será que a medida concreta é o aumento dos salários reais, tal como V. Ex.ª acabou de dizer? E, se assim é, coloco ainda uma outra questão ao Partido Comunista: onde é que há solidariedade entre empregados e desempregados, quando V. Ex.ª exige que os salários dos empregados aumentem de tal maneira que põem em causa a absorção do emprego por parte daqueles que, neste momento, estão desempregados?!

Aplausos do PSD.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, deveria ter-se inscrito antes de ter dado a palavra a qualquer dos perguntantes. Em todo o caso, tem a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, fiquei perplexo ao ouvir a intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho, mas fiquei muito mais perplexo, e tenho de fazer aqui o meu veemente protesto, porque se fizeram acusações directas ao PSD sobre a utilização de fundos e o PSD não disse nem esclareceu- uma vírgula sequer! - esta Câmara sobre a situação dos mais de 600000 contos.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, o senhor tem de obrigar o PSD, hoje e aqui, a explicar essa história! Este é, no fim de contas, o pedido que lhe faço, uma vez que o Sr. Deputado do PSD levantou-se para intervir e não disse uma única palavra sobre os mais de 600000 contos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, suponho que é meu dever informar a Câmara de que há um pedido de defesa da consideração por parte da bancada do PSD.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado fala sempre demais e antes de tempo!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, esperemos que seja nessa defesa da consideração que, finalmente, o PSD vá esclarecer a Assembleia da República e o País sobre esta matéria!
Sr. Deputado Manuel dos Santos, quero dizer-lhe que é evidente que não confundimos as posições do PS com as do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nono Delerue (PSD): - Que são parecidas, são!

O Orador:- São muito parecidas em muitas coisas!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - São completamente diferentes!

O Orador: - Mas a verdade, Sr. Deputado, é que em relação a questões estratégicas para o futuro do País, como sabe, essas posições, muitas vezes, confundem-se. Tanto mais isso é verdade que- segundo as notícias vindas a público- uma das vossas preocupações, na estratégia que estão a delinear para as eleições do Parlamento Europeu, é procurar acentuar as diferenças, que para a opinião pública, pelos vistos, não são muito visíveis.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É apenas uma questão técnica!

O Orador: - Em relação à questão concreta que referi, Sr. Deputado, limitei-me a reproduzir o que li no Relatório Larsson, que refere «a defesa da redução geral do tempo de trabalho como alternativa ao aumento dos salários reais», bem como que uma das soluções para o desemprego é a de que os custos da mão-de-obra não devem aumentar. É o que está escrito no relatório e, no fundamental, as soluções aí previstas apontam para a resolução dos problemas da competitividade à custa dos custos salariais, do poder de compra dos trabalhadores,...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não é um problema de competitividade, é um problema de emprego!

O Orador: - ... do próprio emprego e dos salários! E por isso, Sr. Deputado, essas são soluções que, evidentemente, o PCP não partilha.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- Mais à frente abordarei a questão do financiamento partidário, uma vez que ela também foi levantada pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier.
Os Srs. Deputados António Lobo Xavier e Rui Rio colocaram, no fundo, duas questões idênticas: quais as soluções que apresentamos para o problema do desemprego e para o problema do crescimento económico.
Em síntese, e telegraficamente, repito aquilo que, de algum modo, já disse na minha intervenção. Em primeiro lugar, não aceitamos nem propomos, antes pelo contrário, uma política igual à que tem vindo a ser seguida, destruindo, progressivamente, o aparelho produtivo nacional.
O Sr. Deputado Rui Rio disse que há desemprego mas que se vai gerando emprego através dos serviços. Isso

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não é verdade, Sr. Deputado! Se fosse verdade, o desemprego não crescia da forma como tem crescido, pelo contrário. Aliás, o Sr. Deputado, que andou na região de Braga tal como nós, deve saber que nos últimos anos encerraram, pelo menos, mais de 200 empresas sem que, paralelamente, se tivessem criado novas indústrias como alternativa aos postos de trabalho que foram destruídos. Pelo contrário, muitas vezes houve empresas encerradas e, logo ao lado, criaram-se novas com o mesmo equipamento, com a mesma entidade patronal, sem fiscalização, sequer, da Inspecção-Geral do Trabalho e do Governo, com menos trabalhadores e com menos regalias sociais.
Portanto, a situação não é aquela que o Sr. Deputado Rui Rio aqui trouxe mas, sim, a de um progressivo crescimento do desemprego; desemprego esse que já é estrutural e para o qual VV. Ex.ªs já não têm política.
Deste modo, e respondendo à questão que me foi colocada, não adoptaríamos uma solução de destruição do aparelho produtivo, como VV. Ex.ªs têm feito; abandonaríamos os critérios da convergência nominal que estão consagrados no Tratado da União Europeia e que constituem um dos constrangimentos que a economia portuguesa real tem enfrentado para promover uma real competitividade, que não deve ser obtida à custa dos sacrifícios sociais mas, sim, pela via do reforço, da modernização e da alteração do nosso aparelho produtivo.
Tal implica investimento, designadamente investimento público, e os critérios de constrangimento previstos no Tratado da União Europeia impedem, obviamente, essas soluções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por fim, gostaria de dizer que colocamos sempre as políticas sociais, os trabalhadores e as pessoas como um objectivo das nossas políticas macro-económicas. De facto, não tratamos os trabalhadores e as pessoas como um instrumento para a rentabilização imediata do capital, porque, em nossa opinião, a rentabilização do capital é que tem de estar ao serviço da melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Ora, o que tem acontecido no nosso país é exactamente o inverso, Srs. Deputados!
Quanto à questão do financiamento partidário, fico a aguardar o exercício do direito de defesa da honra e consideração por parte da bancada do PSD, pois penso que ela versará sobre essa matéria. Nessa altura, sim, comentarei essa questão com os documentos e a informação de que disponho, neste momento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, na sua intervenção, V. Ex.ª fez acusações ao PSD, que são conhecidas e pensávamos estarem completamente esclarecidas.
Se o PCP e V. Ex.ª quiserem ultrapassar o plano da chicana política e justificar cabalmente as acusações feitas, posso dizer-lhe muito claramente, Sr. Deputado, que a disponibilidade do PSD para viabilizar um inquérito parlamentar sobre a situação que referiu, bem como sobre todas as situações similares de instituições ou fundações de carácter político que se tenham candidatado a acções de formação profissional financiadas pelo Fundo Social Europeu, é total.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Tenha V. Ex.ª a capacidade e a coragem de assumir esse protagonismo e obterá por parte da bancada do PSD um inequívoco e imediato «sim».

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Afinal, Sr. Deputado António Campos, ainda não foi desta vez que esclareceram alguma coisa!
Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, a acusação que fizemos nas nossas jornadas parlamentares, de que o PSD se autofinanciava através do Fundo Social Europeu para apoiar e financiar as suas organizações, está mais do que comprovada. Começou por estar comprovada numa notícia, não desmentida, numa reprodução de um quadro não desmentido, que surgiu num suplemento de um jornal diário, onde, a partir, transcrevendo e fotocopiando o relatório do Instituto do Emprego e Formação Profissional, se pode ler «Instituto Progresso e Social Democracia Francisco Sá Carneiro: (...)» - e o Sr. Deputado não diga que isto não tem nada a ver com o PSD, como o fez o seu presidente, porque parece que tem - «(...) 677 000 contos - sede: Lisboa - sector: formação partidária».
Depois, VV. Ex.ªs e os responsáveis do PSD vieram dizer que, afinal, não era essa a verba, mas apenas cerca de 400000 contos. Dei-me ao trabalho de ir consultar o Diário da República e cá está: «Instituto Progresso Social Democracia Francisco Sá Carneiro- 677 786 912$». Em resumo, porque a fotocópia não está nítida, 677000 contos. Ora, é público que o Instituto Progresso Social Democracia Francisco Sá Carneiro é um instituto do PSD para apoiar a formação dos seus quadros. E é evidente que o financiamento do Instituto, através das verbas do Fundo Social Europeu, é um escândalo, é intolerável e fere os princípios objectivos da formação profissional, que, aliás, tão maltratada tem andado neste país!

Vozes do PS: - É um escândalo!

O Orador: - Registei, Sr. Deputado, a disponibilidade do PSD para a realização de um inquérito parlamentar. Provavelmente, V. Ex.ª está já a pensar que as conclusões desse inquérito serão idênticas às que resultaram da outra comissão de inquérito ao Fundo Social Europeu, cujo relatório acabou por branquear as ilegalidades existentes no inquérito, só votado favoravelmente por VV. Ex.ªs.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - É o âmbito!

O Orador: - Sr. Deputado, registamos a vossa disponibilidade e, nesses termos, devo dizer que, para já e desde já, esperamos a resposta ao requerimento que formulámos. Depois de recebermos esta resposta, desencadearemos as iniciativas que considerarmos adequadas face à gravidade do problema que denunciámos, que VV. Ex.ªs não desmentiram e que comprovei aqui.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados de que está a decorrer, na Sala D. Maria, a eleição de um representante da Assembleia para a União Interparlamentar, a que é candidato o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
Srs. Deputados, o Secretário vai dar conta das escolas que assistem a esta sessão plenária.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, assistem à sessão plenária grupos de alunos das Escolas Secundárias do Alto do Seixalinho, Alberto Sampaio de Braga, de Oliveira de Azeméis, de Macedo de Cavaleiros e de Lagos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para eles, peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há muito que se sabe que a empresa Raso pretende construir uma urbanização turística nos terrenos que possui na Quinta da Marinha, numa zona inteiramente situada dentro da Área de Paisagem Protegida Sintra-Cascais.
Acontece que essa zona, como outras para onde também há intenções de urbanização, foi vítima de vários incêndios em 1992, caindo direitinha no âmbito do decreto-lei que proíbe a urbanização em terrenos ardidos, nos 10 anos posteriores à data dos fogos.
Ora o Governo, num despacho que quase nos passava despercebido, levantou a proibição de construção. Assinaram-no três Ministros: o do Planeamento e da Administração do Território, o da Agricultura e também, é verdade, a do Ambiente e Recursos Naturais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este acto do Governo é muito grave.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Grave, em primeiro lugar, pelas consequências directas que terá e grave também pelo seu significado político.
A consequência directa é que, com este precedente, o Governo desacredita completamente a sua própria legislação e a sua própria política no que se refere à prevenção de fogos florestais. O decreto-lei, que deveria servir para eliminar motivações de especulação urbanística nos fogos florestais, fica, deste modo, completamente esvaziado e desvalorizado.
Atentemos, Srs. Deputados, na justificação do despacho. Diz o Governo: «A sociedade promotora apresentou provas suficientes de que é alheia às causa da deflagração do incêndio».
Triste e confrangedor argumento! É que se isto basta para se levantar a interdição, então a proibição ficará apenas circunscrita e reservada aos que foram declarados culpados e a esses, naturalmente, espera-os a prisão.
Com efeito, a partir de agora, que legitimidade tem o Governo para não levantar a proibição aos restantes proprietários, cuja prova de que são alheios à deflagração de incêndios nas suas proriedades consiste, pura e simplesmente, em não terem sido condenados por qualquer tribunal?
E, como não me recordo de nenhum proprietário nestas circunstâncias, o resultado deste despacho será, se o Governo não quiser ser acusado de favoritismo e de discricionariedade, acabar com todas as proibições e mandar para o caixote do lixo um decreto-lei, que tinha sido bastante saudado por todos como uma forma eficaz de prevenção dos fogos florestais criminosos.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Mas este acto do Governo, Srs. Deputados, é igualmente grave pelo seu significado político.
É que trata-se de uma área de 300 ha, toda ela situada dentro da Área de Paisagem Protegida Sintra-Cascais e onde o promotor pretende construir um empreendimento turístico com 569 fogos. Como alguém já observou, trata-se de construir uma pequena Malveira da Serra dentro da área protegida.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Mas há mais, Srs. Deputados! Nas zonas próximas, há mais urbanizações à espera, já com projectos e já com pedidos. A Urbanização do Abano pede 550 fogos, para a Autodril, são 14 aparthotéis e a Euronova quer 70 fogos. Se somarmos tudo isto aos 2071 fogos, já concedidos aos japoneses da Aoki Corporation, então, os Srs. Deputados compreenderão a dimensão da pressão urbana sobre aquela área! Serão várias pequenas Malveiras da Serra, todas elas muito turísticas, todas elas muito finas, todas elas muito verdes, mas nenhuma delas capaz de disfarçar que o que se pretende é aproveitar em benefício próprio o capital natural e paisagístico daquela área.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este gesto do Governo não pode ser politicamente interpretado de outra forma que não seja a de que se trata de um sinal claro de abertura e de concessão às pretensões urbanísticas naquela zona da área protegida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Custa a ouvir, Srs. Deputados, mas não posso deixar de vos dizer que vejo neste gesto do Governo uma cedência aos interesses da especulação imobiliária e turística, sacrificando o nosso património natural, cuja valorização deveria ser o principal objectivo de qualquer área protegida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Aliás, em 1981, quando se constituiu a Área de Paisagem Protegida Sintra-Cascais, dizia-se no preâmbulo do diploma que era necessário proteger da «intensa pressão urbana e degradação», uma área de «grande sensibilidade pelas suas características morfológicas, florísticas e paisagísticas».
Passados 13 anos, o Governo não só não evitou a degradação da área protegida como dá, agora, o primeiro passo para ceder às pressões urbanísticas.

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Srs. Deputados, não sou ingénuo e sei o que isto significa: este acto do Governo é o primeiro andamento de uma sinfonia já conhecida e que vai, se ninguém se levantar contra isto, transformar uma área protegida numa área turística.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última palavra para vos dizer o quanto me choca que um despacho destes tenha sido também assinado pela Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.
Já sabíamos do construtivismo do Ministro Valente de Oliveira e já era conhecida a incúria florestal do Sr. Ministro da Agricultura. O que me espanta é que este acto tenha a assinatura da Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, a quem cabe, em primeiro lugar, a responsabilidade de zelar pela defesa e valorização do património natural do País.
O anterior Ministro do Ambiente e Recursos Naturais ficou conhecido pelas autorizações de campos de golfe. A actual Ministra corre o risco de ficar conhecida por ter aberto a porta a urbanizações turísticas nos locais mais cobiçados das áreas protegidas.
Srs. Deputados, de todos os responsáveis do ambiente - e já tivemos quatro nos últimos seis anos -, nada consigo lembrar, que tivesse sido dito ou feito, que valha a pena recordar.
Esta é, infelizmente, a sina da nossa política de ambiente. Os seus responsáveis ficam conhecidos por atitudes contra o ambiente, em vez de ficarem conhecidos por atitudes em sua defesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados André Martins, Luís Sá e João Oliveira Martins.
Para este efeito, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, depois de mais esta denúncia feita por V. Ex.ª da política do Governo PSD, relativamente àquilo que contradiz a propaganda e as promessas que diariamente surgem na comunicação social e que directamente são feitas pelos membros do Governo sobre as suas preocupações em relação ao ordenamento do território, à preservação do ambiente e ao desenvolvimento sustentável, fica-nos, de facto, a imagem de um sorriso bastante triste que os portugueses, ontem, certamente esboçaram, ao ouvirem o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território e a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais dizer que o Algarve, agora, vai tornar-se num oásis - é a nova versão do «oásis»!
Estamos em época de parlamentos abertos, promovidos pelo PSD e a área do ambiente não escapa a todo este «folclore». De facto, Sr. Deputado, este é apenas mais um exemplo. Já várias vezes a comunicação social e, em particular, os autarcas da CDU- tenho aqui vários notas feitas à comunicação social- denunciaram os atentados que estão a ser perpetrados na Área de Paisagem Protegida Sintra-Cascais e que o Governo, também num outro acto de propaganda, entendeu promover a parque natural.
Os parques naturais e as áreas de paisagem protegida para o Governo são a mesma coisa. Porém, há definições, Srs. Deputados, em termos internacionais, que nos dizem da importância do nível de preservação e do que deve ser entendido por um parque nacional. Porém, em Portugal, o que verificamos é que a proposta do plano de ordenamento, que serviu para a área de paisagem protegida, é a mesma que o Governo agora aprova para o novo parque natural. É este o entendimento! A diferença não existe, porque do que se trata aqui é de deixar em aberto a possibilidade de, quem tem poder, quem pode fazer pressão e lobby junto do PSD, poder construir estes empreendimentos.
Sr. Deputado, a questão que quero colocar tem a ver com o seguinte: até há bem pouco tempo, a presidência das Câmaras Municipais de Cascais e de Sintra pertencia ao PSD e as críticas têm sido todas dirigidas ao PSD, através do Governo e através das autarquias. Ora, neste momento, as autarquias ainda têm um poder de intervenção naquela área, através dos planos directores municipais. Uma das acusações feitas é a de que os planos directores municipais foram elaborados aquando da presidência do PSD e a influência do mesmo PSD nos gabinetes de elaboração dos PDM.
O que perguntamos, Sr. Deputado, é se o PS, que, agora, detém a presidência das Câmaras Municipais de Cascais e de Sintra, está disposto a rever as propostas dos PDM, que prevêem precisamente a implantação de grandes empreendimentos urbanísticos numa área que é de paisagem protegida, do litoral português e da reserva ecológica nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça o favor de concluir.

O Orador: - Concluo, de imediato, Sr. Presidente.
Era isto, Sr. Deputado, que queríamos hoje ver aqui reafirmado por parte do PS, para que, mais uma vez, fique claro que o PSD não está a contribuir para o desenvolvimento deste país, mas para que cada vez mais grandes grupos económicos, grandes lobbies económicos e de pressão, se instalem em áreas, que são de interesse nacional e de interesse da humanidade.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, a questão que colocou é pertinente e preocupa-nos. Creio, entretanto, que o construtivismo do Ministério do Planeamento e da Administração do Território referido por V. Ex.ª foi também muito frequentemente característico da gestão do PS em autarquias locais, ou, inclusive, da participação do PS em autarquias - foi o caso de Sintra, referido pelo Sr. Deputado André Martins.
Porém, devo dizer que, ao longo dos anos - e, de resto, tivemos oportunidade de publicar um livro negro da Administração urbanística em Sintra que o demonstra - já referimos os muitos atentados urbanísticos que foram aprovados pelo PSD e pelo PS conjuntamente.
Portanto, espero - e julgo que isso seria imprescindível - que as preocupações que o Sr. Deputado José Sócrates aqui manifestou, se transmitam ao PS tomado no seu conjunto e que, designadamente, as questões aqui colocadas sobre a futura gestão dos municípios de Sintra e Cascais fossem relevantes para esses municípios, por forma a empenharem-se na defesa do equilíbrio ecológico.

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Entretanto, há uma outra questão que este problema coloca, que eu não gostaria deixar de levantar, e que é a seguinte: têm vindo a ser multiplicadas no País as áreas de paisagem protegida, parques e reservas naturais, em geral com gestão extremamente centralizada, afastando as autarquias locais dessa gestão, o que, muitas vezes, significa, pura e simplesmente, problemas para as populações, dificuldades para quem quer construir, que não percebe em nome de que projecto é que estas dificuldades são criadas.
Há, portanto, uma gestão descuidada, descentralizada, com o poder local e com as populações afastadas. Assim, a questão que pretendo colocar-lhe é esta: em que medida é que o PS tem disponibilidade para se empenhar em procurar um modelo de gestão das áreas de paisagem protegida e dos parques e reservas naturais que, em nome do equilíbrio ecológico, não conduza, por um lado ao centraismo e, por outro, a atentados do tipo dos que estão agora a ser praticados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira Martins.

O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Deputado José Sócrates, gostaria de colocar-lhe duas questões, uma delas relativa à política de ambiente em geral e outra ao caso concreto de Cascais.
Quanto à política de ambiente, partindo do princípio de que todos nós estamos de acordo em que é necessário tomar medidas eficazes para evitar a degradação do meio ambiente, gostaria de dizer-lhe que noto no seu discurso - e esta não foi a primeira vez que o ouvi falar deste assunto- algumas lacunas e ausências sobre certos problemas (e não sei se faz como a avestruz...) que têm de ser enfrentados na sociedade portuguesa.
A primeira lacuna é que quando se fala em reflorestar deve saber-se que o começo da reflorestação é pelos terrenos aos quais não pode ser dado um uso mais rentável do que esse. Ora, na verdade, os senhores falam frequentemente de reflorestação indiferenciadamente em todo o País.
A segunda é que as zonas do litoral, num país com as características do nosso, têm de ser aptas a acolher as populações que, num direito muito próprio delas, vivem no interior e querem usufruir de zonas de lazer à beira-mar, e estou a falar da beira-mar desde Caminha a Vila Real de Santo António. De facto, os senhores também ocultam este problema e esta necessidade quando falam do ambiente.
Em nome de quê, de que direito, podemos impedir quem é proprietário de uma terra que lhe dê o uso mais rentável e económico possível?

Risos do PS.

Sabemos que o direito de propriedade tem uma função social, e não esquecemos isso, mas o que, por vezes, notamos em certas intervenções é que este direito parece que desaparece e não é visto nem achado quando certos fundamentalismos vêm ao de cima.
Também não podemos esquecer que a lei nos diz que todos devemos ser tratados por igual. Para além disso, também observo, quando se fala em ambiente, um certo nervosismo, quando estão em causa nomes sonantes...
Finalmente, gostaria de dizer que todos nós sabemos que o crescimento económico é uma necessidade para nos tirar da situação em que vivemos e por vezes ouço falar em política do ambiente, ignorando-se totalmente a necessidade do crescimento económico.
Assim, a pergunta que, mais uma vez, lhe faço é esta: é o Sr. Deputado José Sócrates daqueles para quem proteger o ambiente é bloquear, é paralisar, é ignorar os direitos constitucionalmente garantidos?
A segunda questão que quero colocar-lhe respeita ao caso concreto de Cascais. Nada, mas absolutamente nada, do que veio a público o autoriza a fazer, desculpe-me que lhe diga, a interpretação e as divagações que fez no seu texto.
Houve um incêndio em Cascais. O governo de então actuou em conformidade com a lei, que ele próprio publicou, e declarou a impossibilidade de construção na zona incendiada. Porém, essa mesma lei diz que os que são directamente interessados por este facto, e que sofrem prejuízos, podem, se provarem que nada tiveram a ver com os fogos, nem directa nem indirectamente, requerer o levantamento deste impedimento por razão do fogo, e não por qualquer outra razão.
Ora, isto foi o que os interessados fizeram e o que os três Ministros esclarecem perfeitamente no despacho que deram retirando tal impedimento. Não autorizaram nada, Sr. Deputado José Sócrates! O despacho não autoriza nada! Retira o impedimento em razão do fogo que lá houve!...

O Sr. José Sócrates (PS): - Que ingénuo!...

O Orador: - Continuando com o caso de Cascais, o senhor não reconhece que deve ser o PDM, tendo em conta o plano de ordenamento do parque, a determinar o que se pode ou não construir? Ou entende o Sr. Deputado José Sócrates, como nós, PSD, nos batemos em Cascais, que as Câmaras Municipais de Sintra e de Cascais devem interferir na gestão do parque municipal?
E não é, Sr. Deputado, por elas terem mudado de sinal político que nós invertemos a nossa posição, pois as câmaras municipais devem participar na gestão dos parques naturais. Será que o Sr. Deputado se esqueceu disto? Ou será, e desculpe agora esta minha interpretação, que o Sr. Deputado e o partido a que pertence têm receios de que a frente socialista que agora governa Cascais não decida de acordo com as ideias que V. Ex.ª tem?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Os Srs. Deputados André Martins e Luís Sá colocaram-me, fundamentalmente, duas questões sobre a posição das Câmaras socialistas de Sintra e de Cascais. Bom, essas posições são públicas, foram afirmadas na campanha eleitoral e foram recentemente reafirmadas.
As Câmaras de Sintra e de Cascais são contra a ocupação excessiva de urbanizações turísticas e de promoções imobiliárias naquela zona que ponham em causa os objectivos mais importantes da conservação da natureza e de um património natural e paisagístico, que é a jóia da coroa destes dois concelhos e que os seus autarcas consideram muito mais importante do que

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satisfazer as pretensões de especulação turística dos promotores imobiliários.
Esta posição é pública e foi recentemente expressa em alguns jornais, pelo que não tem qualquer tipo de ambiguidade.
Quanto às áreas protegidas, quero relembrar ao Sr. Deputado Luís Sá o seguinte: a maior parte das áreas protegidas no nosso país não têm planos de ordenamento de gestão, acontecendo a mesma coisa com a Área de Paisagem Protegida de Sintra- Cascais que há 11 anos não tem plano de ordenamento e gestão, e aí a culpa tem de ir inteirinha para o Governo, porque não foi capaz de fazê-lo neste tempo todo.
Respondendo agora ao Sr. Deputado João Oliveira Martins, gostaria de dizer-lhe e esclarecê-lo quanto à minha posição no que respeita às temáticas ambientais.
De facto, também acho que no discurso ambiental vai aí muita poluição, muita facilidade e muita demagogia. Pela minha parte, esclareço que não sou dos ecologistas profundos e entendo a batalha ambiental com um único objectivo: aumentar a qualidade de vida do Homem.
E é a pensar no Homem que eu penso na Natureza e, se me permite, a geração anterior deveria ter pensado melhor nisto. Portanto, estamos em altura de considerar a defesa dos valores ambientais como fundamentais a qualquer processo de desenvolvimento.
Dito isto, o senhor certamente percebe as críticas que permanentemente faço ao Governo, justamente pelo facto de, no processo de desenvolvimento que se seguiu à adesão de Portugal à CEE, não ter considerado a problemática ambiental na sua estratégia de desenvolvimento. Na maior parte das vezes, na decisão política, a questão ambiental foi sempre subvalorizada e desconsiderada, quando se tratou de tomar posições políticas de fundo, como, aliás, acontece na Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais.
Assim, perdoe-me que lhe diga, mas o senhor não é ingénuo, tal como eu não sou! Esta questão da urbanização turística e da promoção imobiliária na Área de Paisagem Protegida de Sintra-Cascais, principalmente no que respeita à parte dessa área inserida no concelho de Cascais, é uma coisa que vem de há muito tempo.
Estes interesses existem há muitos anos e só agora o Governo dá este sinal, que é um sinal claro, que, em primeiro lugar, transforma uma excepção numa regra, porque a partir de agora esta legislação deixa de ter credibilidade. Mesmo que haja uma motivação criminosa num fogo florestal, se depois não for provado que o proprietário teve alguma coisa a ver com isso, este pode requerer aos Srs. Ministros o levantamento do impedimento e, certamente, eles, utilizando os mesmos critérios que agora utilizaram para a Quinta do Raso, irão levantar essa proibição. Portanto, assim, perde credibilidade esse instrumento de política de prevenção de fogos florestais.
Em segundo lugar, é um sinal claro - e o Sr. Deputado, por favor aceite isto, que é uma interpretação politicamente correcta- que o Governo, ao tomar esta atitude, abre a porta e dá o sinal de que veria com bons olhos as urbanizações turísticas que estão previstas para aquela zona.
Gostaria ainda de lhe dizer que não são se trata de umas quaisquer pretensões imobiliárias: a RASO pede 569 fogos; a Urbanização do Abano pede 550 fogos, a Autodril pede 14 aparthotéis; e a Euronova pede 70 fogos! Se o Sr. Deputado está interessado em defender o património natural dessa área protegida é esse o objectivo pretendido quando uma área tem esse estatuto, certamente se indignará como eu e perceberá nesta posição do Governo um sinal muito perigoso.
Finalmente, Sr. Deputado, o que a gestão camarária do PSD, nos últimos oito anos, fez de Cascais foi transformar aquela que era uma vila de grande categoria num subúrbio de Lisboa. Essa situação, repito, deve-se à gestão camarária do PSD, que cedeu a toda uma mera especulação imobiliária que transformou e descaracterizou Cascais, violentando a sua memória e a sua identidade e transformando-a, em grande parte, num horrível subúrbio da Área Metropolitana de Lisboa.
Foi por isso, obviamente, que perdeu as eleições!

Aplausos do PS.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Foi o PS quem recuperou a Helena Roseta!

O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, as grandes decisões da Câmara Municipal de Cascais e quem o negue que o prove foram todas tomadas com o voto do PS!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira Martins, uma acusação política não fere a honra de ninguém. Aliás, não é a primeira vez que lhe dizemos que o balanço da gestão social democrata na Câmara de Cascais é conhecido e foi denunciado tanto na pré-campanha como na campanha eleitoral.
Diz-me o Sr. Deputado que o PS também não votou contra. Não estou em condições de lhe dizer se sim ou não porque não conheço essa «história», mas não menorize nem menospreze a vossa responsabilidade. O PSD presidiu e conduziu a Câmara de Cascais durante oito anos e transformou grande parte daquela que era uma vila bastante atraente, com um capital de venda turística de grande qualidade, num horrível subúrbio da Área Metropolitana de Lisboa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Monteiro (PS): - Por que é que acham que perderam a Câmara?

O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Esse é outro problema!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.08 28 a 32 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 19 a 28 de Janeiro.

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Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 75/VI - Autoriza o Governo a alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida de acordo com as resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e com as directivas comunitárias.
Entretanto, lembro uma vez mais aos Srs. Deputados que está a decorrer a eleição do representante da Assembleia da República na União Interparlamentar (UIP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Indústria.

O Sr. Secretário de Estado da Indústria (Alves Monteiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dado considerar que a exposição de motivos desta proposta de lei é suficientemente explícita, apresentando as razões fundamentais para as quais solicito o acordo de V. Ex.ª, restar-me-á fazer, nesta ocasião, considerações muito breves.
Para tranquilidade geral, desde logo gostaria de deixar claro que o sistema de unidades de medida actualmente vigente no nosso país é e continuará a ser o Sistema Internacional de Unidades, tal como é designado pela Conferência Geral de Pesos e Medidas.
Significa isto que a alteração procurada pela presente proposta de lei de autorização legislativa é limitada a aspectos específicos do ordenamento legal vigente, consubstanciando a admissão no mesmo de mais algumas unidades de medida, tendo-se considerado conveniente fazê-lo num único diploma que condense todas as disposições pelas quais esta matéria se rege.
É, designadamente, o caso de algumas unidades de medida que, por economia e para não maçar excessivamente os Srs. Deputados, não iria aqui citar, que, para além de virem a integrar a obrigação da transposição de algumas directivas comunitárias que se lhes referem, devemos acolher no nosso sistema legal, já que elas representam uma situação de facto na nossa sociedade que, quer como consumidores, como comerciantes ou como industriais, a vida económica nos habituou já a dar o sentido preciso das coisas úteis.
Uma outra alteração proposta à lei vigente- esta de carácter marcadamente institucional tem a ver com o facto de se pretender que venha a ser o Instituto Português da Qualidade a aprovar a realização física das unidades de medida legal, matéria que, pela tecnicidade de que se reveste e pela sujeição ao constante progresso tecnológico e científico, torna impraticável manter a solução actual que atribui ao Governo tal missão.
Não será demais esclarecer que o poder de aprovação que se pretende atribuir ao IPQ nesta matéria está sujeito à observação detalhada de procedimentos já regulamentados, que o caracterizam como um verdadeiro poder de exercício vinculado.
Eis o que, sucintamente, me parece pertinente referenciar nesta sujeição a debate da presente proposta de autorização legislativa. No entanto, estarei à disposição dos Srs. Deputados para quaisquer esclarecimentos adicionais e para responder às questões que entendam formular-me.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a propósito deste pedido de autorização legislativa bem se podia dizer, de forma apropriada, que o Governo muitas vezes tem «dois pesos e duas medidas». Por vezes, apresenta-nos pedidos de autorização legislativa circunstanciados e outras apresenta-os completamente «em branco»! É, de facto, uma política de dois pesos e duas medidas, Sr. Secretário de Estado.
No fundo, a minha questão é simplesmente esta: por que é que, numa questão que não tem polémica e que é com certeza consensual, V. Ex.ª fazem um pedido de autorização legislativa «em branco», não cumprindo as normas constitucionais e regimentais relativas a esta matéria, ou seja, definindo qual o sentido, a extensão e o objectivo com que querem legislar, que é o mínimo que se pede para que sejam cumpridos os dispositivos regimentais e constitucionais. De outro modo, obrigam a Assembleia da República a conceder-vos autorização para legislar «em branco» e o Sr. Secretário de Estado deve saber que esta proposta não está conforme o Regimento e a Constituição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - São eles que fixam o peso e a medida!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Indústria.

O Sr. Secretário de Estado da Indústria: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, compreendo a sua posição, mas, obviamente, não posso estar de acordo com aquilo que refere. Consideramos que a autorização legislativa, tal como está, é suficiente. O âmbito está definido, a extensão também e recordo-lhe que, no artigo 1.º- para não citar o preâmbulo, que não é, obviamente, matéria que nos preocupe excessivamente, mas apenas a fundamentação -, se refere claramente que esta alteração legislativa respeitará as resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e as directivas comunitárias. Creio que essas directivas são do conhecimento do Sr. Deputado - de qualquer modo, estão aqui citadas - e não são mais do que uma adequação daquela que é, hoje em dia, a prática de utilização dessas medidas no comércio.
De qualquer forma, encontro-me aqui para dar as explicações que forem necessárias e, só para que o Sr. Deputado não pense que usamos «dois pesos e duas medidas» - de facto, o Governo não actua como o Sr. Deputado refere -, dir-lhe-ei que este diploma visa adoptar uma prática que hoje já é corrente, como é, por exemplo, o caso das dioptrias, que é uma unidade de medida...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Secretário de Estado não está a ver bem!

O Orador: - Eu vejo bem!
O Sr. Deputado é que está a ver mal!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tem mais dioptrias do que eu!

O Orador: - Engana-se!
Como estava a dizer, a dioptria é uma unidade de medida que já hoje é utilizada mas que não está aprovada pela legislação vigente. Este é um exemplo, mas trata-se, de facto, da possibilidade de serem feitos pe-

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quenos ajustamentos, para a qual, obviamente, temos uma obrigação constitucional de sujeição à aprovação desta Assembleia. É, de facto, esta a nossa postura.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Julgo que esta proposta de lei merece um tratamento análogo ao de qualquer outra proposta, apesar do tema em causa poder parecer- e será-, na sua generalidade, consensual.
Efectivamente, o assunto que hoje abordamos refere-se à necessidade de um aperfeiçoamento actualizado da legislação que, desde o século XVI até hoje, tem regulado o alinhamento de Portugal por sistemas de medidas que foram sendo internacionalmente estabelecidos. Da adopção legal do Sistema Métrico, no século passado, à ulterior adesão à Convenção do Metro e à regulamentação estabelecida pela Conferência Geral de Pesos e Medidas, alguns passos lentos mas seguros foram sendo dados, no sentido da convergência legal no domínio dos sistemas de unidades utilizados.
Durante a década de 80, concretamente em 1983, procedeu-se à aprovação do Sistema Internacional de Unidades e, já no quadro da integração comunitária, foi adoptada legislação complementar. Entretanto, novas resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas, tomadas em 1991, e, nomeadamente, a própria existência das Directivas Comunitárias, de 1979, de 1984 e de 1989 neste domínio, obrigam necessariamente a que o nosso país se insira, de forma integral, respeitando e aderindo a diversas Convenções e adaptando à legislação interna as directivas comunitárias, neste processo global no âmbito da Metrologia.
O desenvolvimento económico actual não é possível sem a normalização. A obtenção das necessárias performances por parte dos sistemas tecnológicos modernos implica um rigoroso, cronometrado e articulado funcionamento de um conjunto de subsistemas, que se podem reger por leis e regras científicas diversas, mas integradas numa concepção homogeneizante do ponto de vista da coerência dos modelos e das metodologias utilizadas.
Felizmente, Portugal possui hoje em dia, na continuidade de uma boa tradição de competência científica e know-how tecnológico nacional, os laboratórios e serviços com qualificações necessárias para intervirem, com rigor e saber, nestes domínios.
E se, noutras áreas, poderemos desconfiar de que alguém possa querer, por vezes, usar «dois pesos, duas medidas», neste domínio estamos conscientes de que a capacidade e sabedoria dos nossos técnicos e cientistas será também uma das garantias da adequada utilização do sistema de unidades que foi substituindo, de forma evolutiva, o sistema métrico.
Se, na linguagem de uma juventude com formação científica e tecnológica, o kelvin, o joule ou o becquerel se vão tornando quase tão frequentes como outrora o metro ou o segundo, isto significará que, no âmbito da integração europeia e do progresso científico mundial, a juventude portuguesa estará melhor preparada para se bater, no domínio da difusão do saber e da globalização das economias, com um capital, que é afinal, o mais importante: a sua capacidade pessoal, os seus conhecimentos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Como se diz já na Directiva do Conselho.
Europeu de 20 Dezembro de 1979, relativa «à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes às unidades de medida», «estas são indispensáveis para qualquer instrumento de medição». Mais se considera nessa Directiva que «as unidades de medida são indispensáveis, não só para qualquer instrumento de medição, como para a expressão de qualquer medição efectuada e para a expressão de qualquer indicação de grandeza»; que «as unidades de medida são utilizadas na maior parte dos domínios da actividade humana»; que «é necessário assegurar a maior clareza possível na sua utilização»; e que «é, pois, necessário regulamentar o seu uso na Comunidade, no circuito económico, nos domínios da saúde e da segurança públicas, bem como nas operações de natureza administrativas».
É óbvio que precauções foram sendo tomadas- e a elas damos o nosso acordo- para não afectar o fabrico contínuo de produtos já colocados no mercado e que, por outro lado, se mantém nas directivas comunitárias uma saudável tolerância, nomeadamente face a determinadas unidades britânicas. Como seria triste beber-se cerveja em Inglaterra ou na Escócia sem usar, por exemplo, as unidades tradicionais!
Este respeito pela presença simultânea de algumas unidades que escapam à lógica dos múltiplos e dos submúltiplos ou que disponham de outro relacionamento com o metro - definido já não a partir do metro padrão, mas a partir de comprimentos de onda no vazio da radiação correspondente a uma transição entre determinados níveis do átomo de cripton 86 - é também um acto cultural. Homogeneizar e normalizar para ajudar a assegurar o desenvolvimento tecnológico e científico, sim, mas com a consideração por algumas respeitáveis tradições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste domínio, o Grupo Parlamentar do PS confia no Governo. Estamos conscientes de que, devidamente apoiado pelos serviços e instituições dependentes do Ministério da Indústria e Energia, o Governo terá capacidade para alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida, de acordo, como se diz aliás no texto da proposta de lei, com as resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e as adequadas Directivas europeias.
É necessário, entretanto, sabermos - e por isso o perguntamos ao Governo - se existe algum estudo efectuado no âmbito das actividades das entidades e serviços por si tutelados que recomende ou aconselhe a eventual salvaguarda de quaisquer unidades fora do sistema de unidades de medida ou qualquer outra particularidade que importe referir aqui neste debate. Aguardamos resposta sobre este assunto.
E é tanto mais necessária esta discussão quanto o Decreto-Lei nº 427/83, assinado por Mário Soares, Mota Pinto e Veiga Simão, fixava «um período transitório de 10 anos, com dois regimes progressivos de adaptação, após o qual a utilização de unidades do sistema internacional será universal em todo o território nacional, no ensino, nas actividades económicas, na saúde, nos documentos oficiais e legais, etc». Aí se estabelece já que o sistema de unidades de medida legal é o «Sistema Internacional de Unidades» e é, então, oportuno interrogarmos o Governo sobre as razões pelas quais, neste contexto, apenas recentemente enviou para a Assembleia da República a proposta de lei aqui em apreço.
Terão existido algumas dificuldades significativas na aplicação das medidas legisladas nos prazos estabelecidos? Não cabendo, no entanto, à Assembleia da Repú-

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blica, logicamente, a discussão pormenorizada do assunto em causa, produzidas as considerações que aduzimos e formuladas as questões já postas, julgamos adequada a aprovação da proposta de lei nº 75/VI que «Autoriza o Governo a alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida de acordo com as resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e com as Directivas Comunitárias».

Votemos, pois, a favor desta proposta de lei!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Oliveira.

O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Somos hoje chamados a intervir com base na proposta de lei n.º 757 VI, da iniciativa do Governo, que visa obter a competente autorização para alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida.
Está em causa a actualização do sistema legal de medidas em Portugal, o indispensável acompanhamento dos progressos tecnológicos na metrologia e a conveniência de introduzir na ordem jurídica interna as decisões da Conferência Geral de Pesos e Medidas e de adoptar as disposições contidas em Directivas Comunitárias.
Em conformidade, o Governo, já em 1983 e ao abrigo de autorização legislativa que para o efeito lhe foi concedida por esta Assembleia, fez publicar o Decreto Lei n.º 427, de 7 de Dezembro, que, no essencial, determina: o sistema de unidades de medida em Portugal é o designado pela Conferência Geral por Sistema Internacional de Unidades; as definições e simbologia adoptadas são também as aprovadas pela Conferência Geral; a possibilidade daquelas definições poderem eventualmente ser alteradas pelo Governo, após prévia decisão da Conferência e desde que se entendam recomendáveis na ordem interna; a fixação de um período transitório para a nossa adaptação do Sistema Internacional; a possibilidade de o Governo poder autorizar o uso de outras unidades fora do Sistema Internacional, carecendo, contudo, de justificação adequada e, apenas em domínios de utilização específica.
Neste enquadramento, existem actualmente dois casos em que foi entendido pelo Governo adoptar o uso de outras unidades: no domínio da segurança dos pneus e por razões de normalização dos instrumentos usados, através do Decreto-Lei n.º 222/88, de 28 de Junho, e no domínio da saúde, pelas mesmas razões, para efeitos de medida da pressão arterial, através do Decreto-Lei n.º 223/88, da mesma data.
Assim, resulta da nossa ordem jurídica interna que o sistema legal de medidas é o Sistema Internacional com duas excepções e nos domínios que referi. Entretanto, impõe-se a sua adaptação às Directivas Comunitárias e ao estabelecido nas posteriores resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas. Por outro lado, é desejável que estas matérias se apresentem circunscritas a um único diploma, pelo que se louva o propósito manifestado nesta iniciativa que nos é apresentada.
É evidente que a adopção de um sistema de simbologia e definições unificado, provoca vantagens, não só para aqueles que com as mesmas lidam no quotidiano mas também para os que com o mesmo são confrontados esporadicamente.
Neste sentido, a legislação comunitária vem evoluindo desde 1979, transparecendo essa necessidade e procurando aproximar as diversas legislações internas de cada um dos Estados membros da União Europeia. Mas estamos em domínios complexos e, porventura, tal desiderato terá, necessariamente, de ser gradual e evolutivo, pelo que a última Directiva Comunitária sobre a matéria, que é de 1989, determina o alargamento dos períodos transitórios em que é autorizado o uso de unidades fora do Sistema Internacional, embora devidamente referenciadas e diferenciadas. Naturalmente que também aqui, importa adaptar a nossa legislação àquela Directiva.
Finalmente, somos de entender que a presente proposta de lei de autorização legislativa satisfaz os requisitos constitucionais exigidos, pelo que o Grupo Parlamentar do PSD votará no sentido de habilitar o Governo a alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida, no respeito pelas Resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e de acordo com as respectivas Directivas Comunitárias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pedi a palavra apenas para que, na Acta da Assembleia da República, a voz do CDS-PP não seja omissa, quanto à aprovação da proposta de lei n.º 75/VI...

O Sr. Presidente: - Espero que com conta, peso e medida!

Risos.

O Orador: - Gostaria de dizer que este diploma trata fundamentalmente de transformar na ordem jurídica interna aquilo que já estava convencionado em tratado ou convenção internacional. Não podemos deixar de fazer isso não só pela nossa participação na Comunidade mas também porque não haveria outro modo de proceder. Não podemos deixar uma legislação excepcional em relação a todos os países membros e depois ratificar a convenção, pelo que a nossa posição é, obviamente, a de aprovar esta autorização legislativa. A única coisa que espero é que o Governo não considere esta autorização legislativa e esta medida como mais uma reforma estrutural para a modernização do País.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate da proposta de lei n.º 75/VI.
Vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 83/VI - Estabelece o sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições do ensino superior e do projecto de lei n.º 170/VI - Avaliação e acompanhamento do ensino superior (PCP).
Para fazer a apresentação da proposta de lei, tem a palavra a Sr." Ministra da Educação.

A Sr.ª Ministra da Educação (Manuela Leite): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar a esta

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Assembleia a proposta de lei sobre avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições de ensino superior, o Governo pretende vir a dispor de um enquadramento jurídico de maior relevo para a organização do respectivo sistema. É um instrumento decisivo na luta pela qualidade do ensino, cuja importância é reconhecida de forma generalizada em toda a Europa.
Desde os princípios dos anos 80 que a qualidade se apresenta como um conceito e uma preocupação central no âmbito do ensino superior. São vários os factores que podem explicar esta crescente atenção.
Em primeiro lugar, o rápido aumento do universo dos alunos e das matérias a ensinar e o aparecimento de novas instituições suscitam problemas sobre o montante e distribuição das despesas públicas no ensino superior. A limitação de recursos põe cada vez mais interrogações sobre a qualidade relativa das actividades financiadas pelos dinheiros públicos.
Por outro lado, o processo de transição para economias em crescente desenvolvimento tecnológico implica a adopção de políticas que orientem os alunos a procurar novos campos de conhecimento essenciais ao desenvolvimento futuro, tendo em conta as exigências do mercado de trabalho.
Finalmente, a crescente mobilidade internacional dos estudantes, professores e investigadores e a internacionalização do mercado de trabalho conduzem à necessidade de se proceder a equivalências de habilitações, que sem avaliação de qualidade é utópico pretender concretizar.
Foram estes os valores extrínsecos às instituições do ensino superior que conduziram os governos europeus para políticas de avaliação de qualidade, já que os custos crescentes terão sempre de ser legitimados por benefícios sociais claramente identificáveis. As instituições do ensino superior são, assim, cada vez mais confrontadas com a necessidade de demonstrar, interna e externamente, o que fazem e como fazem.
Por tudo isto, os mecanismos e os processos de avaliação de qualidade foram surgindo e sendo fortalecidos, apresentando-se actualmente como imprescindíveis à sobrevivência de qualquer sistema de ensino superior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje estamos a discutir insere-se no contexto geral que acabamos de definir. Nela se prevê um sistema assente numa auto-avaliação, complementada por avaliação externa. Estabelece também que a não aplicação das recomendações de comissões de avaliação implica a redução ou suspensão do financiamento público.
Perante a autonomia das instituições de ensino superior, cabe ao Estado o exercício de um poder regulador que garanta a qualidade pedagógica e científica e que assegure o pluralismo educativo, que é condição de sucesso na educação.
A qualidade do ensino, particularmente a do ensino superior, não depende e não pode depender da vontade exclusiva do Governo.
Depende, antes, de um compromisso entre o poder político e sociedade civil, de um diálogo entre a Administração e as instituições, do empenho dos professores e da confiança dos alunos.

Governo deve reservar para si o papel de incentivador do sistema de avaliação de qualidade, de orientador dos seus métodos, de certificador dos seus resultados.
Incentivador do sistema, porque este deve partir da auto-avaliação de cada universidade e de cada instituto politécnico, como expoente da confiança nas instituições.
Orientador dos métodos, porque o sistema de avaliação postula a comparabilidade dos indicadores e a utilização de elementos comuns ao ensino público e ao ensino não público.
Certificador dos resultados, porque o sistema de avaliação exige intervenção externa para acreditação dos resultados e, a partir daí, para extrair as consequências que deles decorrem.
Neste sentido, o papel que o Ministério da Educação reserva para si, neste sistema, é voluntariamente supletivo. Destina-se a exercer uma função arbitrai na moderação dos interesses, direitos e expectativas de cada uma das instituições de ensino superior.
Por isso, esta lei e apenas um enquadramento genérico do que será o modelo de avaliação.
A difícil conciliação entre a intervenção do Estado e a liberdade das instituições, públicas e privadas, encontra aqui concretização: o desenvolvimento do sistema é tarefa mas também imperativo de cada uma e do conjunto das escolas. Desenvolver e regulamentar mais seria enfraquecer esses direitos e essas liberdades de orientação científica e pedagógica.
Por isso, o sistema de avaliação e acompanhamento que agora se propõe tem para nós um valor simbólico: o de que a reforma do ensino superior deve articular dialéticamente a orientação do Estado e a auto-reforma das instituições. Orientação do Estado que ao longo dos últimos anos tem vindo a ser prosseguida através de um investimento sempre crescente e constante, tantas vezes omitido na retórica política que tem acompanhado o debate das questões educativas. A auto-reforma das instituições não é mais que o apelo à responsabilidade actual e histórica de cada uma das instituições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pode haver liberdade sem responsabilidade. Responsabilidade das instituições públicas perante o Estado, quanto aos meios financeiros que lhe são postos à disposição, mas também perante a comunidade, em função do interesse público e da confiança social posta nos graduados por estabelecimentos de ensino superior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora:- Por isso, o reconhecimento social do valor dos graus conferidos, da organização do ensino e da aprendizagem só é possível mediante um conhecimento rigoroso e comparado da mais valia do ensino ministrado em cada escola. Esta mesma ideia autoriza e justifica que o sistema de avaliação e acompanhamento seja comum e aplicável aos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo.
Cria-se uma dinâmica, através de um sistema de competição, assente na avaliação dos resultados, na descentralização da autoridade e nas consequências perante o sucesso e o fracasso. Trata-se, portanto, de estimular a melhoria da qualidade.
Nesta acção vai implícito um apelo e um elogio à diversidade de projectos científicos, técnicos e culturais, como modo de realização de uma autonomia responsável e responsabilizadora. As instituições de ensino superior não podem encarar o futuro apenas numa lógica de crescimento sistemático de oferta do número de cursos e de opções para os seus alunos. A prazo, este crescimento traria custos incomportáveis e o risco do descrédito público de todo o sistema.

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Devem, antes, encarar responsavelmente as suas escolhas, examiná-las, compará-las, corrigir os aspectos negativos e melhorar os positivos. Não pode haver auto-governo sem responsabilidade pública e social. Responsabilidade pública perante o Estado, quando seja esta a origem do financiamento, e responsabilidade social porque todo o esforço do ensino e da investigação das universidades e politécnicos se dirige à sociedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei é o resultado de um longo e frutuoso diálogo com os agentes e a comunidade educativa, iniciado ainda no ano de 1990 e que recebeu os contributos do Conselho Nacional de Educação, do Conselho de Reitores, do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, do Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo, contributos de grande relevância e que muito enriqueceram a proposta do Governo.
Estamos conscientes, no entanto, de que se trata de matéria muito sensível. É que, quando se fala em qualidade e na sua avaliação, estão implícitos tanto os aspectos positivos como os negativos.
É assunto que, não só pela inovação que representa como pela delicadeza que encerra, deve ser objecto de consenso entre o Governo e as instituições de ensino superior.
Esperamos que, com a colaboração desta Assembleia, seja possível melhorar e aprofundar a presente proposta de lei, que pretende ser, acima de tudo, um estímulo à melhoria da qualidade de ensino e da actividade de cada instituição.
É um objectivo fulcral que - estou certa - defenderemos unanimemente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ana Maria Bettencourt, Guilherme d'Oliveira Martins e António Braga.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, como V. Ex.a, também eu penso que a avaliação das instituições de ensino superior pode ser um processo extremamente rico. No entanto, a proposta de lei que hoje estamos a analisar é, em minha opinião, extremamente frustrante e espero, como a Sr." Ministra, que possa vir a ser substancialmente melhorada.
É muito importante instituir um sistema de avaliação, porque as escolas que não funcionam bem, que não promovem a aprendizagem dos alunos, têm de mudar. Tem de perceber-se por que existem professores que reprovam 90% a 100% dos alunos: é por não saberem ensinar, é por os currículo estarem mal feitos ou por não saberem fazer exames. Logo, esta situação tem de mudar. As escolas que não respeitam na sua pedagogia, na sua organização, os alunos, têm de mudar.
Temos, em minha opinião, instituições que não evoluem pedagogicamente há décadas, o que é preciso alterar, e a avaliação é um instrumento muito importante para isso. Por outro lado, há instituições óptimas, há professores que se esforçam imenso mas não há processos de reconhecimento público do mérito, o que é muito importante para a dignificação do ensino.
No entanto, este é um processo complicadíssimo. E é complicadíssimo porquê? Porque, em Portugal, não há tradição de avaliação das instituições. E penso que o Estado Novo teve influência nesse tabu, na forma como olhamos para as nossas instituições. Portanto, tudo isto é um processo muito complicado e difícil de construir.
Por outro lado, penso que esta proposta mistura coisas e se lermos especialistas internacionais - e eu já li alguns verificamos que é necessário dissociar dois aspectos, que estão aqui misturados. Um desses aspectos é o facto de ser perfeitamente legítimo e mais fácil exigir-se aquilo que se chama reporting, ou seja, a produção de relatórios que têm a ver com o número de professores, a formação, a composição do corpo docente, os currículo, enfim, com coisas mais objectivas. O outro aspecto tem um domínio muito complicado, Sr.ª Ministra, pois tem a ver com mudanças culturais, pedagógicas, com o relacionamento das pessoas, dos departamentos. Uma avaliação nesta área é complicadíssima e, Srs. Deputados, imaginemos só o que seria fazer uma avaliação institucional nas faculdades de Direito. Demoraria anos e não poderia ser misturada com aspectos de financiamento, Sr.ª Ministra. E é aqui que esta proposta de lei não tem viabilidade e é ingénua.
Ninguém acredita, nenhum cientista acredita que alguém vá responder honestamente, ou, digamos, «abrir o jogo», nos domínios institucionais, pedagógicos e culturais, se tiver no horizonte a penalização financeira. Isto é grosseiro e tem sido extremamente criticado. Neste ponto, Sr.ª Ministra, não houve, até agora, diálogo e seria muito importante que houvesse. Está a cometer-se um erro grosseiro.
Por outro lado, atendendo a que um processo destes exige uma negociação de anos, competência técnica, formação de formadores, pergunto: como irá ser este processo, Sr." Ministra? Estarão no horizonte a contratualização, mas ao fim de anos, e a negociação dos aspectos financeiros? Portanto, pergunto: como irá fazer esta negociação? Como irá cumprir as exigências, que são de rigor científico, nesta matéria?
Finalmente, esta é uma proposta extremamente vaga, o que num pedido de autorização legislativa até parece mal, na medida em que deixa a porta aberta à governamentalização, no que diz respeito ao enquadramento orgânico e ao processo de designação dos avaliadores. Assim, gostaria de saber como irá ser o enquadramento orgânico e a designação dos avaliadores.
Diria que, com esta proposta, o Governo arrisca-se a querer meter um elefante numa loja de porcelanas. É de facto muito arriscado!

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que os Srs. Deputados Paulo Rodrigues e António Filipe também se inscreveram para pedir esclarecimentos.
De acordo com o princípio regimental de alternância, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr." Ministra, gostaria que me explicasse, se possível, duas ou três questões, muito breves, relativamente à proposta de lei que acabou de ser apresentada.
Em primeiro lugar, considera aceitável que uma proposta de lei digna desse nome deixe, como acontece no artigo 12.º, à responsabilidade do Governo, através de decreto-lei, o estabelecimento de «regras necessárias à concretização do sistema de avaliação das instituições de ensino superior», no qual, como a Sr.ª Ministra muito bem conhece, estão nada mais nada menos do que

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oito artigos da maior relevância para o conteúdo do próprio sistema de avaliação que está aqui em discussão?
Em segundo lugar, considera ou não que é da maior relevância que a entidade avaliadora seja independente e isenta relativamente ao sistema em causa e, em caso afirmativo, pensa que essa entidade deve ter essas características? Gostaria que me dissesse onde é que, na proposta do Governo, há garantias de que tal aconteça.
Por último, a Sr.ª Ministra, na sua intervenção, deu especial relevância a diálogos que levou a cabo, no sentido de ouvir instituições que têm uma opinião importante sobre esta matéria.
Na proposta do Governo faz-se uma associação, a nosso ver, imprudente e indesejável entre avaliação e financiamento, entre outros aspectos sancionatórios que estão aqui previstos. Gostaria, pois, que nos informasse quais foram as instituições que, através do diálogo que travou, se pronunciaram a favor de uma tal perspectiva.
Finalmente, gostaria de lhe perguntar se é de opinião que, tal como está, esta proposta aponta no sentido de uma avaliação com uma vertente pedagógica importante ou se, pelo contrário, é uma avaliação que se prefigura como um instrumento de intervenção do Governo nas instituições do ensino superior, nomeadamente intervindo na avaliação e noutros aspectos. Ou seja, qual dos aspectos da avaliação são mais caros à Sr.ª Ministra: o aspecto da vertente pedagógica, que me parece estar alheado desta proposta, ou, pelo contrário, uma vertente de intervenção e de governamentalização?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, a minha pergunta é extremamente simples: quem vai fazer a avaliação e como, já que a proposta de lei que aqui foi apresentada formula os princípios, que já conhecemos, até porque resultam da Lei de Bases do Sistema Educativo, da Lei de Autonomia Universitária e do Estatuto de Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico.
Outra questão tem a ver com a sua afirmação quando disse que gostaria de contar com a colaboração desta Assembleia. A Sr.ª Ministra tem certamente consciência de que esta matéria é da reserva absoluta de competência legislativa do Parlamento, que está prevista no artigo 167.º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
Nessa medida, é, por exemplo, estranho que, em declarações de responsáveis do Ministério da Educação, se tenha dito que havia reuniões absolutamente decisivas no Ministério, designadamente com os reitores, que iriam, de uma vez por todas, clarificar o tema e a solução relativamente a esta questão. Ao governo o que é do governo, à Assembleia da República o que é da Assembleia da República!

O Sr. Presidente: - Estou informado que a Sr.ª Ministra pretende responder já a estes três pedidos de esclarecimento.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Educação.

A Sr.ª Ministra da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, vou tentar responder à Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt, que divagou bastante e, como tal, apenas consigo extrair uma pergunta.
Mas, dentro dessa divagação, não posso deixar de dizer que discordo completamente de que toda esta matéria exige uma negociação de anos. Porém, é evidente que exige uma negociação.
Como já aqui foi dito, esta é uma matéria que está a ser analisada desde 1990; portanto, não é uma matéria nova que tenha surgido neste momento, é, aliás, um tema já muito antigo, que, repito, começou a ser discutido entre nós a partir de 1990, altura em que começaram várias entidades a pronunciarem-se. Assim, já há alguns anos que se começou esta preparação e seria impensável que esperassem mais anos para o início do processo, até porque, como sabe, em termos de experiência, isto é alguma coisa que está já a ser feita por um grupo, que está a começar a testar este ponto, não existindo sequer qualquer experiência piloto nesta matéria.
Basicamente, a Sr.ª Deputada levantou o problema do financiamento, que também foi questionado pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues. É evidente que não desconheço que este é talvez um dos pontos fulcrais desta proposta de lei, que tem a ver com a forma como a avaliação se liga ou não ao financiamento.
Porém, não deixo de admitir que talvez a redacção desta proposta de lei não corresponda, na totalidade, à ideia concreta da parte do Governo, que é susceptível de ser aperfeiçoada. Admito que uma ligação directa e inequívoca entre financiamento e avaliação tem seguramente muitos perigos, da mesma forma que o inverso, um total desligar dos dois assuntos, se não tem perigos tem, pelo menos, alguma dose de hipocrisia, como bem percebe.
Como tal, haverá que ajustar a redacção no sentido de essa ligação não ficar tão directa nem ficar no esquecimento absoluto, já que isso não tem qualquer espécie de adesão à realidade.
O Sr. Deputado Paulo Rodrigues, basicamente - e já respondi, de alguma forma, à sua questão do financiamento, perguntou-me onde estão as garantias sobre a isenção da avaliação externa. Provavelmente, de momento, essas garantias estão apenas na intenção do Governo. Aliás, admito que elas precisem de ser, de alguma forma, explicitadas na lei, mas está fora de causa que essas garantias de independência não existam.
O Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins perguntou-me quem vai fazer a avaliação. Penso que, nesse aspecto, há alguma coisa que precisa de ficar mais explicitada na proposta de lei.
Quanto ao problema das reuniões decisivas no Ministério, como bem deve compreender e saber, não fui seguramente eu que o disse.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação, estamos hoje a debater uma matéria que consideramos ser de grande importância. Aliás, nesta Assembleia, fomos os primeiros a reconhecê-lo, na medida em que, como é do conhecimento geral, o projecto de lei do PCP, que hoje também debatemos e que o meu camarada Paulo Rodrigues terá oportunidade de apresentar naquela tribuna, foi a primeira iniciativa legislativa sobre esta matéria de avaliação e acompanhamento do ensino superior. Daí que,

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pela importância que lhe atribuímos, tenhamos aguardado que o Governo, tal como há muito vinha a prometer, apresentasse uma proposta de lei, o que finalmente aconteceu.
Aguardámos também com alguma expectativa este debate, na medida em que, como também é do conhecimento geral, a proposta de lei apresentada pelo Governo foi também apresentada pela anterior equipa ministerial. Portanto, gostaríamos de saber se a actual equipa mantém as concepções constantes da proposta de lei ou se, pelo contrário, tem outras ideias sobre esta matéria. Daí, a importância acrescida deste debate.
Assim, Sr.ª Ministra, que importância atribui ao debate na especialidade sobre esta matéria e que disponibilidade existe por parte do Governo para considerar, nessa sede, a regulação de algumas matérias que são importantes para a definição dos aspectos essenciais dos mecanismos de avaliação e acompanhamento que sejam adoptados e que, na proposta de lei apresentada pelo Governo, são deixadas para regulação posterior?
Não se trata de deixar para regulamentação posterior, na medida em que não se trata de aspectos regulamentares; trata-se, sim, de desenvolvimentos legislativos que são essenciais para a definição daquilo que é fundamental no sistema de avaliação. Isto é, daquilo que consta no já referido artigo 12.º «Desenvolvimento normativo», não havendo uma ideia clara sobre as opções fundamentais relativamente a essas matérias, fica-se com uma ideia demasiado vaga sobre o que é que se pretende, afinal, quanto ao sistema de avaliação e acompanhamento do ensino superior.
Portanto, uma vez que existe uma iniciativa legislativa, apresentada pelo PCP, nesta Assembleia, que está também em debate e que propõe definições mais precisas relativamente a algumas dessas áreas, pergunto qual é a disponibilidade do Governo para, em sede de especialidade, poder discutir amplamente esta matéria, não a restringindo apenas aos membros desta Assembleia mas ouvindo também, designadamente, a comunidade universitária, o Conselho Nacional de Educação, ou seja, entidades que têm uma profunda e riquíssima reflexão sobre esta matéria.
Poder-se-ia, deste modo, aproveitar esta oportunidade para aprovar uma lei que resultasse de uma ampla auscultação e que pudesse responder a expectativas que estão criadas na comunidade universitária, nomeadamente um diploma legislativo que considerasse efectivamente a matéria e que não ficasse aquém das expectativas que se criaram. E mais, que não fique aquém de uma reflexão muito profunda, que tem sido levada a cabo pelas instituições do ensino superior sobre esta matéria.
Em resumo, quais as disponibilidades do Governo para equacionar todas estas questões?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr.» Ministra, uma questão essencial e insubstituível que nos preocupa é a salvaguarda da «autonomia e imparcialidade da entidade avaliadora». Aliás, o artigo 6.º trata dessa matéria, quando define princípios gerais de avaliação, e isso é, sem dúvida, uma questão essencial para acreditar qualquer avaliação.
Depois, mais à frente, no artigo 12.º, «Desenvolvimento normativo», o Governo compromete-se a estabelecer, por decreto-lei, «as regras necessárias à concretização do sistema de avaliação das instituições do ensino superior» e, entre outras normas, define especialmente o processo de recolha, a metodologia e a natureza dos elementos a obter das instituições.
Ora, com a ausência da explicitação de um modelo claro na proposta que foi apresentada, gostaria de perguntar à Sr.ª Ministra como é que se propõe harmonizar a afirmação do princípio de querer garantir a «Autonomia e imparcialidade da entidade avaliadora» com estas normas que, a meu ver, potenciam condicionamentos na forma e no método de trabalho dessa mesma entidade avaliadora.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Educação.

A Sr.ª Ministra da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Governo nunca deixa de atribuir importância aos debates na Assembleia da República, quer na generalidade quer na especialidade. Por isso, é evidente que a importância que atribuímos ao debate na especialidade desta matéria é aquela que atribuímos a qualquer debate na especialidade.
Procedemos já, a respeito desta matéria, a uma grande auscultação às entidades que julgamos que deveriam pronunciar-se sobre ela, mas, evidentemente, a Assembleia é livre de o fazer a quem mais o desejar. Do nosso ponto de vista, a auscultação está feita e o debate na especialidade mostrará que existe certamente toda a disponibilidade para se fazer os acertos que se considerarem convenientes para o aperfeiçoamento da lei, desde que não se ponha em causa a sua exequibilidade.
Não me parece que seja útil levar a discussão a um ponto em que se monte, como acontece no projecto do Partido Comunista, um esquema de avaliação externa que, do nosso ponto de vista, não funciona na prática. Desde que não entremos em esquemas que, na prática, funcionam mais para paralisar do que para avançar, estaremos com certeza na disposição de fazer na especialidade os ajustamentos que se considerem necessários.
Pergunta o Sr. Deputado António Braga, no que toca à entidade avaliadora, como é que compatibilizamos essa matéria com o artigo 12.º, no qual pensa haver provavelmente um excesso de regulamentação por parte do Governo. Admito que a definição da entidade avaliadora não esteja totalmente clara e explícita na proposta de lei. Como já disse, tratar-se-á talvez de um problema de técnica legislativa, que não de intenção. Assim sendo, é possível aclarar-se na especialidade como se fará essa avaliação externa.

O Sr. Presidente: - Para proceder à apresentação do projecto de lei n.º 170/VI, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A matéria que hoje discutimos- criação de um sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições do ensino superior - justifica que, com o objectivo de situar os documentos em apreciação, recordemos alguns traços da situação do ensino em Portugal.
É lícito afirmar que está generalizada a opinião de que o ensino superior em Portugal atravessa uma gra-

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vê crise. O aumento da população escolar, acompanhado do excepcional crescimento da rede de ensino superior privado e cooperativo (tantas vezes sem estarem reunidas condições mínimas de qualidade), o estrangulamento financeiro do ensino superior público* o dirigis-mo governamental, com a correspondente falta de condições para o exercício da autonomia, a escassez de meios para a investigação e o numeras clausus no ensino superior público são, entre outros, traços que caracterizam uma política que vem sendo seguida há longos anos e que se tem traduzido em tensões, conflitualidade, quebra de qualidade e prestígio das instituições, com comprometimento do próprio desenvolvimento do País.
Este conjunto de problemas não pode ser esquecido no momento em que debatemos a problemática da avaliação e acompanhamento das instituições de ensino superior.
É que, além dos factores que a partir dos anos setenta justificaram a criação em numerosos países europeus de sistemas de avaliação idênticos, há que considerar aqueles que decorrem da situação específica portuguesa e que aconselham a que, com urgência, se criem instrumentos que contribuam para melhorar a actividade das instituições de ensino superior. E é, como se sabe, sobre a Assembleia da República que recaem especiais responsabilidades nesta matéria.
O PCP entende que a adopção de um sistema de avaliação e acompanhamento das instituições de ensino superior, previsto aliás na Lei de Bases do Sistema Educativo, na Lei de Autonomia Universitária e no Estatuto de Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico, pode constituir um instrumento muito positivo não só para a gestão corrente, mas também para a gestão estratégica do sistema de ensino superior e para a significativa elevação da sua qualidade.
O projecto do PCP que hoje se encontra em discussão obedece às seguintes orientações gerais, que, aliás, já defendemos publicamente, nomeadamente no nosso documento «Programa de Desenvolvimento do Ensino Superior»: os objectivos gerais do sistema devem centrar-se na promoção da qualidade do ensino superior e no seu ajustamento às necessidades de desenvolvimento do País; a avaliação deve assentar numa concepção integrada do ensino superior; o sistema de avaliação deve ser universal; o sistema de avaliação e acompanhamento deve reunir condições que garantam a objectividade, o rigor e a isenção das suas apreciações, devendo ser independente e não sujeito quer a pressões governamentais quer à influência de grupos de interesses particulares; os métodos e indicadores a utilizar no processo de avaliação devem ser prévia e explicitamente definidos; a estrutura responsável pela avaliação e acompanhamento deve funcionar em diálogo permanente com as instituições a avaliar e ter nos seus órgãos um número adequado de representantes das instituições do ensino superior público, privado e cooperativo, das associações profissionais de docentes, investigadores e não docentes, das associações de estudantes e de outros agentes sociais directamente interessados no processo educativo; a estrutura de avaliação e acompanhamento deve ser funcionalmente independente das entidades financiadoras do ensino superior. Tais são os objectivos que norteiam o projecto que hoje apresentamos.
Entretanto, sublinhamos alguns dos pressupostos em que assenta o nosso projecto.
Entendemos que o sistema deverá ser universal, pelo que todas as instituições de ensino superior do País deverão ser abrangidas, o que se adequa à realidade actual da rede de ensino superior em Portugal.
Uma vez que as funções do ensino superior não se esgotam no ensino, rejeitamos quaisquer concepções redutoras que centrem a avaliação no número e qualidade dos diplomados. Vertentes como a investigação, a actividade cultural e a prestação de serviços não devem ser excluídas nem subvalorizadas numa avaliação que se deseja globalizante.
Entendemos que certos critérios, como sejam a procura de cursos e a inserção na vida profissional, devendo evidentemente ser considerados, não devem ser sobrevalorizados, na medida em que, por vezes, as orientações estratégicas de desenvolvimento do ensino podem justificar opções que não obedeçam exclusivamente a tais lógicas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma questão de maior importância que permitirá aferir da filosofia do sistema de avaliação e acompanhamento é a da designação e composição da entidade avaliadora.
No nosso projecto, procuramos assegurar a independência e isenção dessa entidade, garantindo igualmente a participação das outras entidades envolvidas no processo. Assim, propomos a criação de uma comissão nacional de acompanhamento do ensino superior em moldes que, segundo julgamos, consagram uma larga representatividade, a par da indispensável operacionalidade.
Como se compreenderá, supomos que o sistema consubstanciado no nosso projecto responde de forma satisfatória às exigências colocadas pela implementação desse sistema. Entendemos, no entanto, que este processo, para o qual a eventual aprovação do nosso projecto pela Assembleia da República constitui um passo importante, deverá rodear-se da máxima prudência. De facto, a complexidade desta matéria, o seu carácter inovador e a ausência de tradição no nosso País de práticas de avaliação e auto-avaliação, bem como a situação delicada que o nosso ensino superior atravessa, desaconselham a associação dos resultados da avaliação com qualquer sistema sancionatório, nomeadamente reduções de financiamento.
A associação da avaliação a eventuais cortes de orçamentos não só não conduziria a melhorias na qualidade da actividade das instituições avaliadas, como comprometeria o sucesso do sistema de avaliação. Entendemos que, enquanto o sistema a implementar não estiver cabalmente testado e reconhecido, não deverá haver lugar a qualquer situação sancionatória decorrente da avaliação. Estamos, aliás, convencidos de que as virtualidades deste sistema decorrerão não da aplicação de regimes sancionatórios, mas da capacidade de gerar dinâmicas de autosuperação das instituições, melhorando o seu autoconhecimento, elevando a qualidade de ensino e produzindo ajustamentos de estratégias.
Como é conhecido, tem vindo a desenvolver-se uma experiência de auto-avaliação de instituições do ensino superior, por iniciativa não governamental, que não pode deixar de ser tida em conta. É que, a nosso ver, o sistema que importa implementar deverá articular, de forma harmoniosa, a complementaridade da auto-avaliação e da avaliação externa dos estabelecimentos de ensino, com vista ao aproveitamento pleno das suas potencialidades, em processos que deverão ser intensamente participados.
Pena é que, mais uma vez, o agendamento desta matéria tenha sido feito em moldes que não possibilita-

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ram a realização de audições prévias pela Assembleia da República, que permitiriam uma maior participação.
É que, como sabemos, alterações desta natureza não se produzem por mera decisão legislativa. É indispensável que a legislação que vier a ser aprovada preconize um sistema de avaliação e acompanhamento no qual as instituições se revejam, identificando-se com os objectivos, reconhecendo-se nas metodologias e critérios e constatando positivamente os resultados.
O sistema de avaliação não é nem pode ser um corpo estranho e um elemento de perturbação na vida das instituições; antes deverá constituir um instrumento de reconhecida utilidade que as ajude a elevar a qualidade da actividade que desenvolvem.
O projecto de lei que o PCP hoje coloca à consideração da Assembleia da República não constitui uma iniciativa conjuntural, antes traduz o resultado de um trabalho cuidadoso que, antes de qualquer outro partido, levámos a cabo. Ouviram-se muitas opiniões, incluindo de personalidades não filiadas no PCP, e contámos, como é natural, com a participação empenhada da organização do ensino superior do nosso partido, que, atenta à realidade, decidiu intervir nesta matéria.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, finalmente, apresentou uma proposta de lei que visa a criação de um sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições de ensino superior.
Muito depois de a iniciativa do PCP ter sido apresentada, sob a forma de projecto de lei, e após um longo período em que o Governo afirmou que tal legislação é necessária, a Assembleia da República e o País podem conhecer agora as orientações e o alcance das propostas do Governo. E, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, o resultado é decepcionante. A proposta do Governo constitui um documento pobre que não tem em conta a realidade do ensino superior em Portugal nem concretiza as soluções que defende para o sistema. É, em suma, um trabalho incompleto e insuficiente.
Afirmamo-lo porque, desde logo, o Governo não concretiza os aspectos essenciais do sistema, como sejam, por exemplo, o processo de designação das entidades avaliadoras e o estatuto funcional.
Deste modo, o Governo subalterniza a Assembleia da República, na medida em que lhe propõe que avalize um autêntico cheque em branco. É sintomático que no n.º l do artigo 12.º se leia que «o Governo estabelece, por decreto-lei, as regras necessárias à concretização do sistema de avaliação das instituições de ensino superior», seguindo-se no n.º 2, nem mais nem menos, oito importantes regras que o Governo definirá posteriormente. De entre essas regras, apontamos questões como sejam as do enquadramento orgânico da actividade de avaliação, da metodologia, formas e fases de avaliação e do processo de designação dos avaliadores e respectivo estatuto funcional. Trata-se, naturalmente, de uma situação inaceitável.
Por assim ser, não sabemos bem como designar o documento do Governo. Não é seguramente uma proposta, mas também não lhe podemos chamar pedido de autorização legislativa (aliás encapotado), na medida em que nem sequer define suficientemente o sentido e o alcance das normas que pretende aprovar.
Fazemos notar, em segundo lugar, que os princípios enunciados na proposta de lei são consensuais, mas o seu articulado está longe de os concretizar.
Assim, defende «o carácter independente e imparcial da instituição avaliadora», mas propõe vagamente que a avaliação «será realizada por especialistas de reconhecido mérito, titulares do grau de doutor». Sublinhe-se, aliás, o carácter redutor e fechado desta proposta, que, obviamente, não nos tranquiliza quanto aos perigos de governamentalização deste sistema.
Afirma que o sistema de avaliação «deverá contribuir para estimular a melhoria da qualidade das actividades prestadas» pelas instituições avaliadas, mas enfatiza as medidas penalizadoras, como sejam, entre outras, cortes nos orçamentos e suspensão do registo de cursos.
Preconiza a colaboração das entidades avaliadoras, mas refere a auto-avaliação em termos que fazem supor ser esta vertente pouco mais do que tolerada.
Alude ao carácter participativo do sistema de avaliação, mas escusa-se a concretizá-lo, a não ser que consideremos como forma de participação o financiamento da avaliação pelas instituições avaliadas que o Governo preconiza.
Refere a colaboração de docentes e discentes, mas propõe, como já vimos, que a entidade avaliadora seja constituída apenas por docentes doutores.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão que hoje debatemos justifica, em nosso entender, que a Assembleia da República procure reunir as melhores condições para que a legislação a aprovar se adeqúe à realidade e lhe dê a resposta mais correcta.
Nesse sentido, pensamos que a Assembleia da República não pode prescindir dos valiosos contributos, opiniões e reflexões que em particular a comunidade universitária tem vindo a produzir. Entendemos, assim, que entidades como sejam o Conselho de Reitores das Universidades Portugueses e o Conselho Nacional de Educação não podem deixar de ser consultadas, já que a reflexão que estas instituições têm vindo a produzir não pode deixar de pesar na solução final.
Pensamos ainda que é de apoiar a realização de um conjunto de audições que incluam, para além de instituições, personalidades de reconhecida competência.
Nós, PCP, estamos certos de que a realização e a publicitação dos trabalhos de audição que propomos constituiriam um debate enriquecedor deste processo legislativo e poderiam contribuir para o acerto das soluções a adoptar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como recordámos inicialmente, a discussão e eventual aprovação de um sistema de avaliação e acompanhamento da qualidade pedagógica das instituições do ensino superior tem lugar num momento grave para o ensino em Portugal, em particular para o ensino superior.
A Assembleia da República e os Deputados, qualquer que seja a sua bancada, não podem alhear-se das vozes que, vindas dos mais diversos quadrantes, alertam para a crise, apresentam propostas e reclamam mudanças profundas na política educativa. As decisões que tomarmos sobre uma matéria de tão grande importância, como a que está subjacente à legislação que iremos adoptar, poderão prosseguir o caminho de governamentalização, que desmotiva docentes e discentes, adia soluções e agrava a crise, ou, pelo contrário, poderão criar um instrumento válido que, contribuindo para a valorização do ensino em Portugal, aprofunde a autonomia e ajude a criar condições para a ultrapassagem da situação que actualmente vive o nosso ensino superior.

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Nós, Grupo Parlamentar do PCP, não desperdiçaremos esta oportunidade e tudo faremos para que deste processo legislativo resulte uma lei que responda às expectativas criadas na sociedade e no País e dignifique esta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rodrigues, reconheço que o PCP, nesta matéria, não pecou por omissão: apresentou um projecto e uma «máquina», embora pesada.
Pergunto-lhe: com 60 membros, o conselho de avaliação proposto não pecará por excesso?
É esta, por enquanto, até à discussão na especialidade, a questão que me cabe colocar-lhe.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, como consta do nosso projecto, a posição do PCP em relação a esta matéria e às propostas que sobre ela apresenta é uma posição aberta. Estamos, pois, disponíveis para discutir, nomeadamente na especialidade, se esse for o entendimento designadamente dos Deputados do PSD, aspectos como o que acabou de referir.
Como compreenderá, procurámos assegurar uma larga participação nos órgãos que propomos por considerarmos, como acabámos de afirmar e, porventura, será consensual nesta Assembleia, que é absolutamente essencial para o sucesso de um sistema de avaliação a maior participação de varíadíssimas entidades. Em todo o caso, estamos dispostos a considerar, relativamente a esta questão, eventuais alterações que tornem mais operacional a solução que vier a ser preconizada.

O Sr. Presidente: - Segui, nesta discussão, a ordem estabelecida no Regimento e não, por distracção minha, o hábito que tenho vindo a aplicar de conceder a palavra em primeiro lugar ao relator dos diplomas em debate.
Para apresentar o relatório e parecer sobre ambos os diplomas que têm estado a ser discutidos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer elaborado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura, de que fui relator, foi aprovado por unanimidade e reporta-se quer à proposta de lei que estabelece o sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições de ensino superior, quer ao projecto de lei n.º 170/VI, apresentado pelo PCP, sobre avaliação e acompanhamento do ensino superior.
Trata-se, como já tive ocasião de referir, de matéria que cabe na reserva absoluta de competência da Assembleia da República, prevista no artigo 167.º, alínea/), da Constituição.
O projecto de lei n.º 170/VI cria, entre outros aspectos, um conselho nacional de avaliação e acompanhamento do ensino superior, afirmando os autores do projecto, em vários momentos, o carácter aberto do mesmo e o facto de haver utilidade em introduzir aperfeiçoamentos na discussão na especialidade.
No que toca à proposta de lei n.º 83/VI, faz-se a enumeração dos princípios fundamentais que decorrem tanto da Lei de Bases do Ensino, como da Lei de Autonomia Universitária e do Estatuto de Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico.
As conclusões do parecer são as que passo a referir brevemente.
Relativamente ao projecto de lei, constitui ele uma base importante de trabalho que pode ser considerada.
No que respeita à proposta de lei, cabe fazer as seguintes considerações: formulam-se os princípios fundamentais que deverão ser respeitados pelo sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições de ensino superior; consagram-se aspectos globais a ter em consideração na aplicação do sistema; à primeira vista, a orientação adoptada visa criar estímulos em resultado da avaliação e acompanhamento do ensino superior, mas também há consequências sancionatórias; torna-se necessário conhecer com maior rigor as consequências eventualmente penalizadoras da avaliação em concreto; a lei não refere expressamente que entidade ou entidades, e qual a respectiva natureza jurídica, deverão encarregar-se, na prática, das tarefas de avaliação, pelo que haverá necessidade de obter não só informações adicionais do Governo sobre o modo de aplicação do sistema, como também a concretização das mesmas.
Aliás, já tivemos oportunidade de ouvir, da boca da Sr.ª Ministra da Educação, a disponibilidade para a clarificação deste ponto. Não se tratará da questão da intenção mas da concretização, acabou de nos dizer a Sr.ª Ministra ainda há pouco.
Tratando-se de matéria que se integra no âmbito da reserva absoluta de competência da Assembleia da República, aconselhável se revela, mas essa abertura já está dada, que esta iniciativa baixe à comissão respectiva para discussão na especialidade.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no debate que se segue à apresentação dos diplomas, quero anunciar à Câmara que, por dificuldades no processo de votação para a eleição do representante da Assembleia da República na União Interparlamentar, decidi, e assim farei, se ninguém se opuser, alargar o período de votação até às 19 horas.

Pausa.

Como ninguém se opõe, a votação decorrerá até às 19 horas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Educação: Trata-se de um diploma importante esta proposta que define o regime de avaliação e acompanhamento do ensino superior e que parece ter conseguido, finalmente, o consenso alargado dos principais destinatários, desde o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) até ao Ministério da Educação, que subscreve a proposta.
Vamos ter certamente ocasião de, no debate na especialidade, considerar alguns aperfeiçoamentos e tam-

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bem, numa área onde a convergência das perspectivas é mais que desejável, será útil que o projecto alternativo do PCP possa baixar à comissão parlamentar.
Admitindo assim que a definição dos procedimentos e objectivos da avaliação estão razoavelmente definidos e que a questão da relação entre avaliação e financiamento passou da fórmula da suspensão para a maleabilidade do ajustamento, também é aceitável que conviria prestar alguma atenção à identificação do universo que vai ser avaliado.
Temos, repetidas vezes, insistido em que o aparelho do ensino superior deve ser considerado globalmente pelo Estado, não apenas porque o objectivo da investigação, formação e serviço à comunidade é de interesse geral e não é cindível, mas também porque a diferença entre sistema público e sistema privado se desenvolveu viciosamente com severas responsabilidades por acção e omissão do Estado. Não é necessário alongar as considerações, mas é indispensável recordar que o vicioso sistema do números clausus, baseado na capacidade física de recepção nos estabelecimentos oficiais, rejeita anualmente grande parte da excelência reconhecida aos candidatos, assim enviados para o ensino privado se tiverem recursos e sem qualquer apoio dos impostos que também pagaram.
Neste fim de século, quando a questão das propinas parece ocupar todo o espaço das inquietações públicas sobre o ensino oficial, isso não contribui para que o Estado assuma a responsabilidade pelas incoerências da articulação entre o público e o privado. Foi responsabilidade do Estado, incapaz de responder simultaneamente à reforma das suas próprias estruturas e à explosão da demanda, o facto de que o direito e a liberdade de ensinar em função das concepções de vida, se tenha transformado substancialmente na oportunidade de intervir no mercado, criando-se uma rede de ensino privado que faz algumas vezes mal aquilo que o Estado simplesmente não faz.
E lastimável que um problema de taxas, envolvido pelo próprio Estado numa mal construída doutrinação de justiça, referida esta, com infelicidade governativa, a uma relação entre ricos e pobres, que parece ser o inverso daquilo que administrativamente se proclama, esteja a contribuir, neste fim de século, para que o ensino público absorva de tal modo as atenções dos órgãos competentes que a questão das propinas faz esquecer a urgência de assumir a unidade do sistema.
E todavia tudo parece exigir que tal globalismo seja assumido, quer pelo avanço dos métodos e necessidades da interdisciplina, quer pela exiguidade dos recursos humanos e materiais, quer pelo desafio comunitário europeu que está a introduzir uma nova velocidade de tal exigência, que a racionalização da totalidade do sistema não pode ser adiada. Neste globalismo, que antes resultava de algumas das cadeiras indispensáveis à preparação castrense serem frequentadas pelos candidatos nas universidades, parece oportuno racionalizar aquilo que os factos foram impondo: professores civis a reger nos institutos militares, professores militares chamados a reger nas universidades, os títulos das escolas militares equiparados aos das universidades, organismos de investigação onde é acolhida a cooperação dos especialistas vindos de ambas as áreas. Ao menos a avaliação, que também vai dinamizar as formas de cooperação inter institucional e interdisciplinar, pode ser um primeiro e importante passo para a consideração global do aparelho do ensino e da investigação.
Não apenas o Instituto de Defesa Nacional, especialmente referido na resolução que aprovou o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, mas os Institutos Superior Naval de Guerra, de Altos Estudos Militares e da Força Aérea, assim como as várias Academias, devem ser considerados nessa avaliação globaliza dos nossos escassos recursos. Não é inútil lembrar que devem ser incluídos não apenas os chamados ensino público e privado, mas também o ensino entregue às academias e altos institutos militares.
Chamava a atenção para a Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/94, de 13 de Janeiro, que aprova o Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Um documento que não precisa da legislação do segredo de Estado para ser ignorado, tão escassa a atenção que lhe foi dispensada. Todavia, em vários parágrafos, emite estes critérios: «reforçar a base científica e tecnológica nacional por via do alargamento da comunidade científica, do robustecimento das unidades de investigação e do estímulo da participação das empresas»; na área da educação e cultura, tendo em conta os valores a defender decide, «privilegiar a intervenção do Instituto de Defesa Nacional, que prepara programas de acção para aquela finalidade».
Perdida a tradição que entregava algumas importantes cátedras universitárias a oficiais das Forças Armadas que deixaram renome, e consagrada a evolução dos conceitos de defesa e segurança, hoje não apenas com reconhecimento legal, mas com aceitação entre os conceitos operacionais que orientam todas as áreas da ciência política, das relações internacionais e da estratégia, é de admitir que é tempo de restabelecer uma relação útil entre todas as vertentes do ensino e da investigação.
Nestes anos de espera, foram desenvolvidos critérios de auto-avaliação das próprias instituições, e temos notícias não oficiais, sobre o modelo fundamental, de inspiração holandesa, que o Conselho de Reitores impulsionou, com a colaboração do Professor Doutor Veiga Simão. É extremamente bem-vinda a iniciativa dentro da autonomia que se deseja fortalecida, e a auto-avaliação entende-se perfeitamente que deve respeitar as especificidades institucionais, e as características de cada um dos sectores da investigação e do ensino. Os outros ramos de ensino terão vantagem em seguir o exemplo, com o que também se tornará mais claro e de fronteiras mais nítidas o conceito da avaliação global e dos seus instrumentos que a proposta governamental não institucionaliza. O projecto do PCP ocupa-se fundamentalmente deste ponto, mas talvez deva admitir-se que o tempo já trouxe erosão à proposta e que critérios organizacionais aconselham maior simplicidade. Os órgãos universitários, os Senados e os Conselhos, desempenham grande parte da crítica construtiva e participativa que essa proposta pretende assegurar. Mas a eficácia recomenda que se adopte um modelo onde a competência científica e técnica dos avaliadores seja assegurada, com a certeza de que Senados e Conselhos assumam a crítica institucional em termos rigorosos.
A globalidade e eficácia parecem os melhores critérios de orientação para montar um sistema que, considerando o geral, deixe desenvolver e fortalecer as autonomias institucionais, deixando para a auto-avaliação e correcção tudo quanto permite assegurar o respeito pelo princípio de que intervém melhor o governo que

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intervier menos. Há muito quem o reclame na área da economia, em nome da teologia do mercado, mas parece mais apropriado exigi-lo na área da investigação e da formação, em nome da dúvida e da liberdade de a enfrentar.
É certamente isso o que pretende dizer o Conceito Estratégico Oficial quando proclama o seguinte: «O fortalecimento da coesão da população portuguesa em torno do sistema de valores que historicamente enformam a Nação e lhe determinam a individualidade e a independência, tendo em vista o reforço da vontade colectiva de defesa; a coordenação das políticas sectoriais, de educação e cultura, de ordenamento do território e ambiente, de transportes e comunicações, de economia e finanças, de indústria e energia e de informação, por forma a contribuir para o aumento das capacidades da Nação no domínio da defesa».
Todavia, tal conceito é para uma incerta percepção da realidade que nos desafia, e que não pode dispensar a coordenação global que torna possível, que dinamiza, que apoia, que provoca a criatividade das instituições e dos excessivamente raros talentos que merecem apoio suficiente para a devoção com que se entregam a uma carreira de mais sacrifícios do que recompensas.
Votaremos a favor da proposta de lei.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O extraordinário desenvolvimento que o ensino superior conheceu em Portugal, nos últimos anos, só terá significado «se se pautar por normas de qualidade e por soluções de equilíbrio no que respeita a áreas temáticas e a níveis de graduação e certificação».
Ora, a introdução das normas de qualidade e soluções de equilíbrio referidas exigem uma avaliação adequada do sistema, processo que agora se inicia com esta proposta de lei do Governo. Não era sem tempo! O estabelecimento de um sistema de avaliação revelava-se inevitável, desde a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, da Lei da Autonomia Universitária, do Decreto-Lei n.º 271/89, que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, e da Lei que aprova o Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos do Ensino Superior Politécnico, uma vez que todos os diplomas consagram a avaliação da qualidade científica, cultural e pedagógica por parte do Estado e a exigência de o Governo apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei sobre tal matéria.
Em última análise, trata-se da criação de uma nova figura, a da avaliação «nascida da necessidade de uma prestação de contas» dos estabelecimentos do ensino superior perante a sociedade «a qual veio, de forma insistente, pedir uma demonstração da boa utilização dos orçamentos crescentes a serem despendidos pelo ensino superior, numa fase em que outros sectores, como a Saúde e a Segurança Social, apresentam, também, claros sinais de rotura face às necessidades de financiamento em aumento permanente».
Saudamos, pois, esta iniciativa do Governo o qual tinha feito já algumas promessas nesse sentido, até ao momento não concretizadas, uma vez que se torna
necessário e urgente, como escreveu Mariano Gago, «criar um sistema nacional de avaliação do ensino superior público e privado, independente e com participação internacional». Uma iniciativa que tem a ver apenas com as bases do sistema de avaliação e acompanhamento das instituições de ensino superior, deixando para futuro decreto-lei as regras necessárias à concretização do referido sistema.
Ora, sob este aspecto, não podemos deixar de manifestar a nossa profunda perplexidade quanto à metodologia adoptada pelo Governo. Com efeito, o Governo, com esta proposta de lei, não nada nos diz, revela-se totalmente omisso quanto ao essencial da questão e deixa o fundamental para o futuro decreto-lei.
Esta iniciativa legislativa do Governo não é uma proposta de lei, é, sim, um pedido disfarçado de autorização legislativa. O substancial da discussão fica assim prejudicado, esperando-se, pois, pelo momento oportuno para um debate mais alargado e aprofundado sobre esta complexa problemática.
De qualquer modo, e salvaguardando os factos referidos, vamos colocar algumas questões que esta proposta de lei nos levanta.
Primeira: foram ouvidas as universidades e os restantes estabelecimentos do ensino superior sobre esta matéria? A Sr.ª Ministra acabou de nos garantir que sim, mas gostaríamos de saber se o Governo teve em consideração, na elaboração desta proposta de lei, as posições assumidas por essas instituições.
Segunda: na exposição de motivos, refere-se que «a inserção das instituições particulares e cooperativas na rede de escolas de ensino superior» «aconselha a aprovação de um sistema unitário, assente num paralelismo metodológico e institucional entre o ensino público e o ensino privado». O que é que o Governo pretende dizer com esta formulação? Será que vamos ter várias avaliações que eventualmente irão funcionar como auto-avaliações sectoriais? Uma para o ensino universitário e outra para o politécnico? Ou uma para o ensino superior público e outra para o ensino superior privado? O sistema de avaliação do ensino superior, mau grado as modalidades que venha a adoptar, não deverá ser garantido por um só organismo? Não é isso que a sociedade espera de um sistema de avaliação?
Terceira: no artigo 5.º, refere-se que os resultados da avaliação das instituições do ensino superior podem levar à sua penalização, redução do financiamento, suspensão do registo de cursos, revogação da autorização de cursos, revogação da autorização de funcionamento de cursos, etc. Este artigo não contraria o princípio estabelecido e consensual de que a finalidade essencial da avaliação consiste na melhoria da qualidade do sistema?
Quarta: os estabelecimentos do ensino superior devem ser os primeiros responsáveis interessados na qualidade do ensino e da investigação. E, nesse sentido, não são tais estabelecimentos os primeiros interessados na sua própria auto-avaliação? Que condições, no entendimento do Governo, devem ser criadas para que os estabelecimentos do ensino superior efectuem com regularidade a sua auto-avaliação sem colidir, evidentemente, com os outros sistemas de avaliação, que não devem ser da mesma natureza?
Quinta e última: que sistema ou sistemas de avaliação? Que modelo ou modelos pensa o Governo introduzir em Portugal? Qual a entidade que vai ser respon-

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sável pela avaliação? Como assegurar a independência e a isenção da avaliação?
Nada sabemos sobre estas questões fundamentais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A avaliação dos estabelecimentos do ensino superior deve obedecer a alguns princípios que convém lembrar e que, esperamos, venham a ser contemplados pela legislação agora em análise e pelo decreto-lei que irá estabelecer as regras necessárias à concretização do sistema de avaliação.
Primeiro princípio: o sistema de avaliação deve ter em conta a realidade nacional e contemplar, obrigatoriamente, os pareceres e as posições assumidas pelas instituições em causa.
Segundo princípio: a avaliação deve ter «objectivos concretos» e não atentar contra a autonomia das instituições do ensino superior.
Terceiro princípio: a finalidade essencial da avaliação é a melhoria da qualidade do sistema.
Quarto e último princípio: os primeiros responsáveis pela qualidade do ensino e da investigação são, antes de tudo, os estabelecimentos de ensino superior.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, esperamos que estes princípios venham a ser discutidos em sede de comissão e devidamente contemplados na legislação que vier a ser aprovada sobre este tema.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Caries Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, sobre esta matéria da avaliação das universidades, ouvimos aqui várias vozes da bancada do PS. Porém, é facto conhecido, embora não muito notório por todas essas intervenções, que o PS não apresentou um único projecto alternativo que pudesse baixar à comissão para apreciação na especialidade, ao contrário do PCP que apresentou um, que será um elemento a juntar as nossas considerações e esforços de encontrar um documento tanto quanto possível perfeitamente elaborado.
Pergunto: para o PS, este assunto está ainda em fase de reflexão global, de elaboração pontual? Nesta importante matéria, basta ao PS o inciso, o aditamento, a substituição ou a sempre eventual eliminação que a especialidade sempre lhe oferecerá? Relativamente a esta matéria da avaliação das universidades, em que o PS tanto entusiasmo tem mostrado, toda a política do PS cabe nesta pontuação, embora muito regimental?
São estas as minhas perguntas, uma vez que temos necessidade de saber, ainda antes dos trabalhos na especialidade, a posição do PS, pois, muito embora tenhamos o parecer, aliás correcto, do Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, ela é bastante insuficiente e não responde a todas as nossas e vossas dúvidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, agradeço a questão que me apresentou.
Já agora, também lhe faço uma pergunta: será que cabe, nesta iniciativa legislativa, toda a ciência que o Governo tem relativamente à autonomia e à avaliação universitária?

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Não meta o Rossio na Rua da Betesga!

O Orador: - É que se cabe é, de facto, muito reduzida e pensamos que efectivamente assim não é.
Quanto à posição do PS, Sr. Deputado Carlos Lélis, devo dizer-lhe que temos ideias concretas e claras sobre o assunto que está em causa e, quando, em sede de comissão, o discutirmos, terá oportunidade de constatar que efectivamente assim é.
Não nos compete, a nós, ter iniciativas desta natureza, porque essas tem-nas quem está no Governo e quem tem a responsabilidade de as apresentar.

Vozes do PSD: - Ora, ora!

Vozes do PS: - Evidentemente!

Vozes do PSD: - A oposição não tem ideias!

O Orador: - Na discussão na especialidade, irá ver como temos ideias sobre isso!

Protestos do Deputado do PSD Carlos Lélis.

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Lélis, muito obrigado por não ter posto em causa nada daquilo que afirmei!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Assembleia da República aprecia hoje, na generalidade, uma matéria de extrema importância, a que diz respeito ao estabelecimento de uma cultura de avaliação do ensino superior que tem inevitáveis incidências noutras áreas. Desde logo, nos ensinos básico e secundário, estendendo-se ainda a muitos outros aspectos da vida económica e social.
Numa cultura de avaliação é inerente a questão da qualidade intimamente ligada aos problemas levantados pela melhoria das capacidades de inovação e competitividade, palavras-chave nos tempos que correm.
Não se trata de uma problemática nova. Desde o início da década de 70, tem sido objecto de análise, discussão e debate, que ainda prossegue, na busca de melhores soluções e na adaptação à evolução do sistema educativo e de formação profissional. Exigem-se respostas que não são fáceis de encontrar por terem subjacente alterações de mentalidades, de maneiras de encarar a vida e dos objectivos do desenvolvimento económico e social.
Somos por natureza um tanto avessos à obediência aos ditames da avaliação tal como esta deve ser entendida. Apesar disso é, também entre nós, um dado adquirido para o sistema educativo.
Foi introduzida na Lei de Bases que expressamente determina que este «deve ser objecto de avaliação continuada, que deve ter em conta os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e ainda os de natureza político-administrativa e cultural».

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Por seu lado, as leis de autonomia dos estabelecimentos de ensino superior estabelecem que «o Governo deve apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei sobre o regime de avaliação e acompanhamento» das universidades e dos estabelecimentos do ensino superior politécnico.
As universidades deram início a um primeiro processo de auto-avaliação.
Estão em curso directivas sobre a avaliação dos estabelecimentos dos ensinos básico e secundário, embora ainda em fase experimental.
Dispomos de alguns estudos e trabalhos sobre esta temática.
Impõe-se, assim, o estabelecimento, tão rapidamente quanto possível, de um quadro legal do sistema de avaliação dos estabelecimentos do ensino superior. Logo que exista, não se correrá o risco de se delapidarem, desnecessariamente, esforços ou se gerarem desinteresses ou relutâncias face a indefinições não dissipadas.
Foram submetidos à Assembleia da República, no termo da sessão legislativa passada e no início desta, respectivamente, um projecto de lei do Partido Comunista Português e uma proposta de lei do Governo que hoje sobem a Plenário, após apreciação na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Surpreende-nos o facto de o Partido Socialista não ter apresentado o seu projecto sobre questão tão candente...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... o que indica a falta de uma decisão amadurecida. É lacuna que não deixa de ter evidente significado político e educativo. Os objectivos fundamentais, declarados, nos dois diplomas são semelhantes, o que não surpreende por decorrerem das leis existentes.
No entanto, se nos debruçarmos sobre o articulado do projecto de lei do PCP, logo encontramos soluções que, em nosso entender, contrariam e prejudicam insanavelmente um correcto processo de avaliação.
Ao seu jeito, propõe o PCP a criação de um «Conselho Nacional de Avaliação e Acompanhamento do Ensino Superior» com mais de 60 membros que seria totalmente inoperativo e falho de eficácia, não conduziria a lado nenhum. Pior do que isso, acabaria por bloquear o próprio sistema de avaliação conduzindo, na prática, à sua inexistência funcional.
O projecto de diploma é, além disso, limitador da autonomia dos estabelecimentos de ensino superior. Inclui matérias que extravasam os objectivos da avaliação. Tem ainda outros aspectos não pertinentes, que me escuso de elaborar, por limitações de tempo.
Não merece, por isso, o apoio do Grupo Parlamentar do PSD a forma escolhida pelo PCP para a institucionalização do sistema de avaliação dos estabelecimentos do ensino superior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei n. º 83/VI estabelece, de forma correcta, os objectivos, finalidades e princípios da avaliação. Não é obstáculo a uma sã autonomia das universidades e politécnicos; pelo contrário.
E como as instituições de ensino superior, pelo menos algumas, se deparam, presentemente, com dificuldades no seu governo, poderá esperar-se que a institucionalização do sistema de avaliação leve à adaptação dos seus estatutos, tornando o exercício da autonomia mais eficaz e mais consentânea com a realização da missão da Universidade. Revisão que bem pode aproveitar da experiência entretanto colhida.
A qualidade das instituições de ensino superior- isto é, do seu ensino, investigação e serviços à comunidade para mais caucionada por uma avaliação qualificada, independente e credível, tem necessariamente implicações no que respeita aos financiamentos.
Reflectir-se-á não só nas dotações a inscrever no Orçamento do Estado como nas contribuições de entidades públicas e, bem assim, nos contratos a realizar com os meios empresarias. Além disso, importa não esquecer as vantagens que se ganham em colaborações e projectos com outras universidades e centros de investigação estrangeiros ou na realização de programas interdepartamentais. Equação com muitos parâmetros.
É por isso que se considera como regra salutar não incluir os aspectos de financiamento nos processos de avaliação. Esta ganha, assim, uma dimensão de maior independência e de autonomia de decisão.
Toma mais fácil a sua apreciação por peritos nacionais ou estrangeiros e ganha uma força acrescida nas comparações internacionais, imprescindíveis à livre circulação dos diplomados pelo ensino superior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As incidências financeiras aparecem, de preferência, nas leis de financiamento, também elas previstas nas leis de autonomia. Este um dos aspectos em que facilmente se poderá obter, em comissão, uma alternativa adequada.
Num sistema de avaliação adequado, há duas regras de ouro que merecem ser consideradas: deve respeitar-se a cultura e as condições específicas do sistema educativo e de cada uma das suas instituições e, dentro delas, as características das várias faculdades ou unidades de ensino. Basta recordar que nalgumas existe uma componente laboratorial que não existe noutras.
Deve merecer o empenhamento de quantos estão envolvidos no sistema. O mesmo é dizer do Ministério da Educação, das instituições, dos docentes e dos discentes. E ser bem acolhida e tomada em consideração pelos que vão usufruir da preparação dos alunos ou desfrutar do trabalho de investigação da escola.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acontece que no ensino superior temos universidades e escolas de diferentes gerações: umas centenárias, outras acabam de perfazer as duas dezenas de anos, algumas são ainda mais recentes, permanecendo uma delas em regime de instalação. E mesmo nas universidades mais antigas há faculdades muito diversas, tanto na data de criação como nos meios necessários para ministrar o ensino.
Daqui se conclui que é necessário criar um normativo que estabeleça a ossatura genérica do sistema de avaliação - chamemos-lhe modelo - que contenha o núcleo básico dinamizador e a missão que lhe é conferida, assim como os parâmetros fundamentais a ter em conta. Modelo que não pode ser mera importação de um qualquer existente, mas ganha em ser uma adaptação de métodos experimentados.

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O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Isto feito, importa deixar para fórmulas mais flexíveis a consideração das particularidades de cada instituição.
Deste modo, consegue-se ainda introduzir de forma progressiva as modificações que resultam inevitavelmente do desenvolvimento do processo de avaliação. Não coloca avaliadores e avaliados perante situações eventualmente difíceis de ultrapassar pela rigidez normativa ou pela sua inaplicabilidade às diversas culturas institucionais.
Iniciei as minhas palavras afirmando que estava em apreciação uma matéria da maior importância e em torno da qual se impõe que se gerem as adesões suficientes para que o sistema de avaliação dê bons resultados.
Desse modo, se estabelecem as condições necessárias para promover uma melhoria da qualidade de ensino, por todos reclamada, entre nós e nos mais diversos países.
Sabemos que nem todos têm da qualidade de ensino a mesma visão, em parte pelas ambiguidades semânticas que hoje têm muitos dos vocábulos ou expressões.
Mas não deixa de ser evidente que, em resultado da enorme expansão que teve nestes últimos anos o ensino superior português e da evolução das suas próprias estruturas, do lançamento e desenvolvimento do ensino politécnico, da dimensão e diversidade que atingiu o ensino superior particular e cooperativo, estamos perante um panorama muito diferente do que se passava apenas alguns anos atrás.
Debatemo-nos com um problema real da relevância dos cursos, dos currículo e das necessidades de fornecer os recursos humanos necessários para sustentar o desenvolvimento e fomentar as capacidades de inovação que nos permitam ombrear com os demais países desenvolvidos, designadamente os nossos parceiros na União Europeia.
A avaliação do ensino é para tudo isso um instrumento imprescindível.
A proposta de lei n.º 83/VI, sem embargo de merecer algumas alterações em sede de especialidade, é um documento que merece o voto de aprovação do Grupo Parlamentar do PSD na votação que se seguirá a este debate.
É, além disso, um documento que, aperfeiçoado com as contribuições do Governo e aqui louvo-me no discurso e nas palavras da Sr.ª Ministra da Educação, que há pouco tive o prazer de ouvir, dos Deputados e das instâncias do ensino superior, permite ter à nossa disposição uma lei de avaliação adequada e em tempo útil, isto é, em condições de ser praticada no próximo ano lectivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins e Paulo Rodrigues.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vítor Crespo, ouvimos com muita atenção a sua intervenção e devo dizer o que é pena que, em determinado passo, houve uma pequena contradição. É que o Sr. Deputado teve o cuidado de citar o artigo 32.º da Lei da Autonomia Universitária, onde comete claramente ao Governo o dever de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei, e, depois, lançou o remoque à minha bancada pelo facto de não termos apresentado uma iniciativa autónoma. Sr. Deputado, a verdade é que entendemos que, baixando esta iniciativa à comissão para discussão na especialidade, é mais do que suficiente para a apresentação, em tempo útil, das propostas de melhoramento desta iniciativa legislativa.
Três questões gostaria de lhe colocar, muito brevemente.
Primeira: após uma reflexão profunda e rigorosa sobre o tema do ensino superior em Portugal, gostaríamos de ouvir algo mais sobre que tipo de entidade, e como, poderá assegurar a avaliação e o acompanhamento do ensino superior.
Segunda: na exposição de motivos da iniciativa do Governo, fala-se em paralelismo metodológico e institucional entre os vários ramos do ensino superior. Trata-se de uma fórmula que não é inteiramente clara, pelo que gostaríamos de ouvir da parte do Sr. Deputado o entendimento sobre isto. Não haverá, porventura, uma contradição entre o sistema universal e o paralelismo metodológico e institucional? É uma fórmula que não entendemos rigorosamente.
A terceira tem a ver com as consequências penalizadoras. Num sistema como o português, tudo aconselha a que a avaliação seja basicamente incentivadora da qualidade. Naturalmente que todos aceitamos que haja consequências da avaliação, mas é necessário ter alguma cautela nas consequências negativas, sobretudo quando estamos a lançar um modelo novo.
Sobre estas três questões, gostaria de ouvir o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vítor Crespo, está inscrito mais um orador para lhe pedir esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vítor Crespo, V. Ex.ª mostrou-se preocupado e bastante crítico relativamente à proposta que fizemos no que se refere ao conselho geral, sobre a qual já me pronunciei, tendo deixado claro que existe, por parte do Grupo Parlamentar do PCP, a maior abertura para a aperfeiçoar.
Em todo o caso, permita-me que lhe coloque duas ou três questões.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Vítor Crespo surpreende-se com a composição deste conselho geral. Será porque não se surpreende com o carácter vago da proposta do Governo, em que, como já foi referido várias vezes durante este debate, este se limita a dizer que serão «especialistas de reconhecido mérito, titulares do grau de doutor»? Será que o Sr. Deputado Vítor Crespo tem sensibilidades diferentes para um projecto e para uma proposta de lei?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Vítor Crespo talvez concorde comigo que as modificações e as reformas a introduzir no nosso sistema educativo não se fazem, seguramente, apenas e fundamentalmente por decretos-leis e também embora pense que aqui talvez

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seja um pouco mais difícil - que a orientação governativa, na área da educação, ilustra, abundantemente, erros nesta matéria.
Assim sendo, pergunto-lhe: V. Ex.ª está também preocupado e crítico, como se manifestou, relativamente ao projecto de lei do PCP, quanto à associação, avaliação, sanções e, nomeadamente, cortes orçamentais? O Sr. Deputado Vítor Crespo, na observação que faz sobre esta questão, tem presente que, neste momento, estamos a debater um sistema em que não possuímos experiência, que não está testado, como afirmei na minha intervenção, e que, naturalmente, será rodeado de dificuldades, na medida até em que não temos muita tradição em termos de avaliação e auto-avaliação?
Nesse sentido, pergunto-lhe se não entende que esta associação, precisamente neste momento inicial de implementação do sistema, poderá comprometer o sucesso do modelo de avaliação.
Finalmente, num comentário muito rápido, quero reafirmar o nosso interesse e disponibilidade para que, na discussão na especialidade, todos consigamos transformar as bases de trabalho de que dispomos num diploma em que se reconheçam, de facto, as instituições interessadas neste problema.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o

Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, devo dizer-lhe que chamei a atenção para o facto de o Partido Socialista, com as características que tem e por ser oposição, não ter apresentado um projecto de lei sobre esta matéria.
É regra desta Casa que as propostas de lei sejam acompanhadas de projectos de lei dos diferentes grupos parlamentares e, neste caso, só o Partido Comunista o apresentou.
De resto, a menos que fosse da exclusiva responsabilidade do Governo apresentar uma proposta de lei - e não sei onde é que isso está escrito -, nada impedia que os grupos parlamentares apresentassem projectos de lei.

O Sr. António Braga (PS): - Mas também nada obriga!

O Orador: - Portanto, não deixei de referir esse ponto, porque me parece significativo, pois não basta o Partido Socialista levar as suas contribuições apenas para a discussão na especialidade. Gostávamos também de as ver expressas aqui, no Plenário, através de um documento de trabalho.

O Sr. Deputado pergunta-me que tipo de entidades poderei avançar para a avaliação do ensino superior. Devo dizer-lhe que julgo conhecer 15 modelos de avaliação - entre nós, inclusivamente, já se iniciou um processo de auto-avaliação - e em todos eles se utiliza praticamente o mesmo sistema, aquilo que referi, em determinada altura, como sendo um núcleo dinamizador que está balizada e que se encarregará de colher a opinião de peritos nacionais e estrangeiros para as diferentes faculdades e escolas, tendo chamado a atenção de que existem diferentes culturas.
É óbvio que esses peritos não podem ser apenas estrangeiros, porque não conhecem a nossa cultura, nem apenas nacionais, até porque nos interessa uma credibilização transnacional do nosso sistema educativo, por causa da integração na Comunidade Europeia.
Portanto, para que as universidades possam contribuir para o processo de auto-avaliação, é evidente que deverá existir e respondo, desde já, também ao Partido Comunista, que não é favorável a grandes assembleias para decidirem e dinamizarem processos tão delicados e significativos como este - um grupo de especialistas qualificados e independentes, que não faz avaliações, mas promove as iniciativas, de acordo com os parâmetros estabelecidos, para que possa haver uma avaliação adequada.
Quanto ao paralelismo metodológico e institucional entre as diversas instituições do ensino superior, devo dizer que eu próprio referi que a cultura das instituições é muito diferente. O paralelismo metodológico e institucional só se entende se tivermos uma ossatura geral do sistema de avaliação, que não pode ser excessivamente explícita, para fazermos, ao longo do tempo, as comparações.
Aliás, a este respeito, chamei a atenção de que há faculdades laboratoriais e não laboratoriais, portanto essa ossatura não pode envolver todos os pormenores, mas tem de ter uma ideia mestra dos princípios para poder ser comparada quer internamente quer externamente.
No que se refere às consequências penalizadoras, o Sr. Deputado, porventura, não ouviu o que eu disse.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Ouvi, ouvi!

O Orador: - Eu desliguei o sistema de financiamento do sistema de avaliação, remetendo para a lei do financiamento todas as condições, embora reconheça que a avaliação - e disse-o - tem inevitáveis consequências financeiras.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Mas há um artigo na lei que envolve os dois problemas!

O Orador: - Sr. Deputado, eu disse que na comissão especializada podíamos encontrar uma solução satisfatória. Isso está no meu texto.
Quanto às críticas ao conselho geral, já expliquei o porquê desta posição.
Que são «especialistas de reconhecido mérito»? Em certa medida, já respondi também a esta questão, Sr. Deputado Paulo Rodrigues. Aliás, como disse, no próprio sistema que, neste momento, está em experimentação pelas universidades, criou-se um núcleo dinamizador que vai escolher - creio bem - sensatamente os peritos, assim como creio que o grupo dinamizador que possa ser estabelecido vai escolher sensatamente os peritos adequados às diferentes situações em cada uma das universidades.
Não me manifestei a favor de quaisquer sanções ao sistema educativo em resultado da avaliação. No momento imediato, é evidente que sim, e não serei o único a dizê-lo. Se depois da avaliação, das recomendações dessa avaliação, de se verificar que existe uma dinâmica de melhoria e de lhe serem oferecidas condições para essa melhoria, a instituição- universidade, escola politécnica ou seja o que for- continua a tomar uma atitude passiva, desinteressada e não empenhada na melhoria da qualidade do ensino, obviamente que tem de haver sanções, porque o que está em causa é não só os dinheiros públicos e os dinheiros que as empresas ou quaisquer entidades públicas ou privadas que possam ter investido nessas organizações, mas também os interesses dos alunos, da comunidade e de todos nós.

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Estamos, obviamente, abertos à introdução de melhorias aquando da discussão na especialidade.
De resto, o Sr. Deputado deve ter compreendido a maneira como me referi ao projecto de lei do Partido Comunista Português, porque disse claramente que não concordava com o grande conselho, mas não me pronunciei sobre o voto que, daqui a pouco vamos dar, que não é negativo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrada a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 83/VI e do projecto de lei n.º 170/VI.
Informo os Srs. Deputados que, até às 19 horas, se encontram abertas as umas para a eleição do representante da Assembleia da República na União Interparlamentar.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de dois pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) a prestar depoimento, como testemunha, aos quesitos formulados pelo tribunal em causa, num processo que aí se encontra pendente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Montijo, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos (PS) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do Decreto n.º 12Q/VI- Alteração da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro (Estatuto dos Magistrados Judiciais).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Passamos à votação final global do Decreto n.º 1267 VI- Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, passamos à votação final global do Decreto n.º 129/VI- Lei do Segredo de Estado.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos votar, ainda em votação global final, o Decreto n.º 130/VI- Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Passamos agora à votação na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei n.º 75/VI - Autoriza o Governo a alterar a legislação relativa ao sistema de unidades de medida de acordo com as resoluções da Conferência Geral de Pesos e Medidas e com as directivas comunitárias.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.

Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 83/VI- Estabelece o sistema de avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições do ensino superior.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Passamos à votação, também na generalidade, do projecto de lei n.º 170/VI- Avaliação e acompanhamento do ensino superior (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PSD, do PS e do CDS-PP.

Srs. Deputados, terminadas as votações previstas para hoje, lembro, mais uma vez, que até às 19 horas e S minutos estão abertas as umas para a eleição do representante da Assembleia da República na União Interparlamentar.
Passamos agora à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 85/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação.
Tem a palavra o Sr. Deputado relator António Filipe, para apresentar a síntese do respectivo relatório.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Fui encarregado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de elaborar o relatório de apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 8S/VI que hoje debatemos e que tem como objecto essencial a criação de um procedimento de identificação, visando conferir às forças e serviços de segurança o poder de exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial. Tal procedimento de identificação,

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em caso de recusa ou impossibilidade de se efectuar no local, pode consistir, designadamente, na retenção' do cidadão em causa no posto policial mais próximo pelo período máximo de seis horas.
Em síntese, é este o objecto fundamental da iniciativa legislativa em apreciação.
Nas conclusões do relatório que tive oportunidade de* elaborar, suscitam-se dificuldades quanto à compatibilidade deste procedimento de identificação com diversas disposições constitucionais.
Chama-se a atenção, designadamente, para o facto de esta medida de identificação, que pretende concretizar o procedimento de identificação previsto na Lei da Segurança Interna, ter já uma concretização no nosso ordenamento jurídico, ou seja, no Código de Processo Penal.
O âmbito de aplicação desta iniciativa legislativa apenas difere da que consta do Código de Processo Penal quanto à existência de suspeição. Isto é, o Código de Processo Pena] prevê a existência de um procedimento de identificação com características semelhantes ao que agora é proposto, mas apenas aplicável nos casos em que os cidadãos sejam suspeitos da prática de algum acto criminoso ou nos casos em que, por frequentarem locais abertos ao público e habitualmente frequentados por delinquentes, possam arrastar sobre si uma suspeição objectiva, dada a frequência desses locais. Só nesses casos, só existindo um elemento de suspeição é que esses cidadãos podem ser sujeitos pelas forças policiais a um procedimento de identificação que inclui, precisamente, a retenção em posto policial por um período máximo de seis horas.
O que a proposta de lei em análise preconiza é que não apenas os cidadãos suspeitos mas todos os cidadãos, independentemente de qualquer suspeita, possam ser sujeitos a este procedimento e retidos compulsivamente num posto policial e até mesmo sujeitos, se necessário, à possibilidade de realização de provas fotográficas ou dactiloscópicas para identificação. É isto que nos parece exceder em muito o que a Constituição permite no seu artigo 272.º, quando fixa o princípio da proibição do excesso das medidas de polícia. Isto é, os direitos e liberdades dos cidadãos que sejam postos em causa por razões de segurança interna não podem exceder aquilo que é absolutamente necessário como medida de polícia. Impor aos cidadãos, sobre os quais não existe qualquer suspeita, que se sujeitem a ser retidos compulsivamente em posto policial não me parece que respeite este princípio da necessidade, da exigibilidade e da proporcionalidade em que consiste o princípio da proibição do excesso das medidas de polícia.
Por outro lado, há quem refira - e eminentes juristas fazem-no- que este procedimento entra em conflito, inclusivamente, com o artigo 27.º da Constituição, que refere, de forma taxativa, as formas possíveis de privação da liberdade a que os cidadãos podem ser submetidos. Ora, nessas medidas não consta um procedimento tal como é concebido nesta proposta de lei.
Finalizarei, Sr. Presidente, dizendo que há ainda um outro problema de compatibilidade com o texto constitucional - voltando ao artigo 272.º da Constituição -, que tem que ver com a tipicidade legal das medidas de polícia. É nosso entendimento que esta tipicidade legal implica, forçosamente, uma suficiência da definição do conteúdo da lei e não creio que a simples invocação de razões de segurança interna por um agente de uma força policial tenha uma determinabilidade legal suficiente que permita a imposição a um cidadão de um procedimento de identificação como o que é configurado na proposta de lei. Portanto, também aí podem colocar-se problemas quanto a compatibilidade com o n.º 2 do artigo 272.º da Constituição.
O relatório que elaborei conclui com a referência a um assunto que, a propósito deste diploma, foi discutido numa reunião que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias teve oportunidade de realizar com a presença do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna e da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, aqui presentes, e que tem que ver com as dificuldades práticas que poderiam resultar da aplicação deste diploma na ausência de garantias eficazes aos cidadãos, e em tempo útil, contra eventuais abusos de autoridade por parte de alguns agentes policiais.
Portanto, na situação em que nos encontramos a esse nível, as garantias de defesa dos cidadãos e, repito, em tempo útil e de forma eficaz- poderiam ser postas em causa com a consagração de um mecanismo com contornos de discricionaridade, como é o caso deste agora proposto.
Sr. Presidente, relativamente a esta matéria, na qualidade de relator, tive oportunidade de solicitar a diversas entidades que se pronunciassem sobre ela e fizessem chegar à Comissão algumas opiniões. Regista-se que a Ordem dos Advogados e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público apresentaram pareceres escritos, que foram anexados ao relatório apresentado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e a este Plenário.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, destinada à apresentação da iniciativa legislativa que está em debate, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça.

A Sr.ª Secretária de Estado da Justiça (Maria Eduarda Azevedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No exercício da competência política conferida pela Constituição, o Governo apresenta hoje à Assembleia da República uma proposta de lei que visa estabelecer, em certas condições, a obrigatoriedade do porte de documentação de identificação.
Nos termos da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho - Lei de Segurança Interna -, os agentes das forças e serviços de segurança podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial, quando existirem razões de segurança interna que o justifiquem. Trata-se de uma medida de polícia, accionável apenas dentro do contexto e na observância dos condicionalismos previstos na referida lei de segurança interna, mas em relação à qual importava regular os termos concretos de efectivação e criar os procedimentos a adoptar em casos de falta, insuficiência ou recusa de identificação.
Por outras palavras, havia que criar os meios instrumentais para obter a identificação, tornando, neste particular, plenamente operacional a lei de segurança interna, não só à luz das motivações que a geraram - garantir o normal funcionamento das instituições democráticas e o regular exercício dos direitos e liberdades

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fundamentais, assegurar a ordem e a tranquilidade pública, prevenir e viabilizar a repressão da criminalidade-, mas também tendo em consideração as condicionantes específicas emergentes da abolição das fronteiras no espaço europeu integrado e as modernas tendências da própria criminalidade organizada.
Daí que, tanto no que concerne aos pressupostos de aplicação da medida de polícia em causa como no tocante às entidades com legitimidade para procederem à sua aplicação, a presente proposta de lei não inove - nem tinha que inovar relativamente à lei aprovada por este Parlamento em 1987.
Inovatório é, sim, o procedimento de identificação. Neste domínio, verifica-se o seguinte: estabelece-se a obrigatoriedade de porte de documento de identificação para os maiores de 16 anos, idade de imputabilidade para efeitos penais; confere-se uma larga amplitude ao conceito de documento de identificação, abrangendo não apenas o bilhete de identidade, como sua modalidade, por excelência, o passaporte, os documentos que legalmente o substituem e o título de residência, mas ainda qualquer documento autêntico com o nome, a assinatura e a fotografia do titular, emitido, naturalmente, por entidade pública ou privada fidedigna e garante, por isso mesmo, da respectiva fiabilidade para efeitos de identificação; definem-se procedimentos de identificação, seguindo de perto, num total paralelismo, o disposto no Código de Processo Penal, designadamente o encaminhamento ao posto policial mais próximo para, em caso de insuficiência ou recusa de identificação e pelo tempo estritamente necessário mas nunca superior a seis horas, se proceder à identificação completa do cidadão, a comunicação do procedimento de identificação a pessoa da confiança do identificando, a solicitação deste, em caso de recusa de identificação, a realização de provas dactiloscópias ou fotográficas e, sempre que a identificação for insuficiente ou negada, a exigência da indicação de residência ou local onde o identificando possa ser encontrado e receber comunicações.
Paralelamente, prevê-se também um procedimento que se pretende célere, seguro e isento de particulares incómodos: na impossibilidade ou insuficiência de identificação, a abonação por terceiro devidamente identificado, até no próprio local em que a identificação for exigida.
A exigência de identificação deste modo viabilizada, permite, designadamente, não só um mais eficaz controlo de cidadãos sobre os quais impendam mandatos de captura ou que, por outro meio, sejam procurados pelas entidades judiciais ou policiais, como também de estrangeiros sem título válido de entrada e permanência no País. Além disso, potência ainda a despistarem de documentos falsificados, contribuindo assim, simultaneamente, para a afirmação da responsabilidade do Estado quanto aos documentos que emite e para a segurança dos cidadãos quanto à credibilidade dos documentos de que sejam titulares.
No tocante à não diminuição das garantias individuais dos cidadãos, além das já apontadas balizas em matéria de pressupostos e de agentes com legitimidade para exigirem a identificação, da largueza nacional atribuída ao documento de identificação, do paralelismo, em sede de modus operandi, com o preceituado no Código de Processo Penal e da identificação por abonação de terceiro, cumpre ainda referir que o procedimento de identificação será obrigatoriamente reduzido a auto, para garantia da legalidade, protecção do cidadão face a eventuais comportamentos abusivos das forças e serviços de segurança e fornecimento de meios probatórios eficazes na hipótese de recurso às vias judiciais. Reconhecendo que o Estado de direito impõe a actividade de segurança interna, desenvolvida de modo permanente, no escrupuloso respeito pela Constituição pelas leis, a presente proposta de lei realiza, assim, um justo equilíbrio entre a tutela do interesse público, que pode requerer, entre outras medidas, o recurso à identificação dos cidadãos, e a tutela constitucional e legal dos direitos, liberdades e garantias e, bem assim, entre os princípios da necessidade e da proporcionalidade, imperantes no domínio das restrições aos direitos individuais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Então? Batam palmas!...

Aplausos do PSD. Risos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Estavam distraídos!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, já viu o entusiasmo e o aplauso que a sua intervenção mereceu, por pane do grupo parlamentar que a apoia?! Foi preciso lembrar-lhes que a Sr.ª Secretária de Estado já tinha terminado a sua intervenção. Estavam tão absortos com a matéria que, realmente, nem sequer precisavam da sua voz...
Sr.ª Secretária de Estado, aquilo que quero perguntar-lhe tem a ver com uma questão que me foi colocada esta manhã por uma cidadã normal, que me disse o seguinte: «Ó Sr. Deputado, quando eu estiver na praia, prestes a tomar banho, posso ser atacada por um polícia que me peça o bilhete de identidade?». Eu lembrei-lhe: «Ouça, eu ainda nem tinha pensado nas praias de nudismo!».

Risos.

O Orador: - Realmente, o que é que eu havia de responder àquela mulher? Uma pessoa está prestes a ir para o banho, independentemente de usar biquini ou monoquini, um guarda bate-lhe no ombro e diz-lhe: «Bilhete de identidade?». A pessoa responde: «Espere aí, vou tomar banho e já volto! Ou quer que vá já para a esquadra?!».
Sr.ª Secretária de Estado, é preciso ter em atenção que, de acordo com a nossa cultura dominante, o facto de aparecer um polícia na praia, quando eu, por exemplo, estou prestes a tomar banho, e eu olhar para o lado e dizer a um amigo «Olha, por favor, vê lá se me abonas, enquanto vou tomar banho» é suspeito. As pessoas têm tendência a perguntar: «Por que é que a polícia veio cá buscar este senhor? Não querem saber se é uma actividade normal de segurança interna! Então, o que é que ele terá feito? Passou cheques sem cobertura? Andou por aí a roubar alguém ou até uns electrodomésticos? Por que é que este senhor que estava tão bem na praia, a tomar banho, foi abordado pela polícia?».

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Sr.ª Secretária de Estado, a nossa cultura dominante, que não conhece esta questão da segurança interna nem as falsificações de documentos, enfim, tudo aquilo que a Sr.ª Secretária de Estado apresentou como argumentos, aquilo que vê é que um senhor foi abordado pela polícia e teve de ir à esquadra para se identificar, sem se saber porquê. Aliás, nem a própria pessoa sabe porquê, pois a polícia, segundo esta proposta de lei, não é obrigada a dizer-lhe por que é que o está a identificar.
As pessoas até podem gritar «Olhem, ele está a levar-me, sem me dizer de que sou suspeito», porque, segundo esta lei, a polícia, a guarda ou a autoridade nem sequer são obrigadas a dizer ao cidadão por que é que querem que ele se identifique. Veja lá onde é que nós chegámos!
Por outro lado, seis horas é muito pouco tempo para o Dr. José Vera Jardim pedir o habeas corpus e eu, por exemplo, sair em liberdade. De modo que por este caminho também não posso ir.
Por último, dizer que se adopta este procedimento, por razões de segurança interna, é muito pouco. Qual segurança interna, qual quê? O que é que o guarda me vai dizer? Já basta que ele diga que, segundo a lei de segurança interna, tenho de lhe apresentar o documento.
Sr.ª Secretária de Estado, aquilo que, no Código de Processo Penal, era um procedimento cautelar para os delinquentes ou suspeitos de crimes, tornou-se, com esta proposta de lei, uma regra geral, pois ela não é mais do que a transposição dos artigos 250.º e outros daquele Código.
Por isso, para que. amanhã, possa dizer aos meus eleitores que podem ir, tranquilamente, comprar a garrafa de leite para o filho ou o jornal, que podem ir conversar com alguém ou até tomar banho na praia, calmamente, gostava que a Sr.ª Secretária de Estado desse uma explicação relativamente às dúvidas que suscitei.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, o Grupo Parlamentar de Os Verdes considera que esta proposta de lei, que o Governo apresenta hoje à Assembleia, fomenta a instabilidade e a insegurança dos cidadãos, promove a suspeita generalizada entre os cidadãos e restringe o direito à liberdade e à segurança consignado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.
Entendemos que, enquanto a lei de segurança interna - Lei n.º 20/87, de 12 de Junho - abriu as «portas», a proposta de lei, que o Governo agora apresenta, alarga os «corredores» escurecidos para que se estabeleça na sociedade portuguesa um Estado de excepção, um Estado policial. Esta é a consideração que tecemos relativamente a esta proposta.
O que queremos saber, Sr.ª Secretária de Estado, é o que é que os portugueses têm feito, de tão grave, desde 1986 até esta data, que justifique as alterações tão significativas que se verificam nesta proposta de lei relativamente ao Código de Processo Penal? É que, na altura, o Governo considerava que apenas os órgãos de polícia criminal podiam fazer a identificação dos cidadãos em locais de excepção, isto é, em locais ou lugares habitualmente frequentados por delinquentes, e só em situação de considerados suspeitos. E considerados suspeitos, como define o Código, são os cidadãos relativamente aos quais se entenda que pertencem a associações criminosas e que tenham participado em crimes ou estejam em vias disso.
Por outro lado, a possibilidade de a polícia criminal actuar, procedendo à detenção dos cidadãos para identificação, no caso de não possuírem identificação no momento em que são abordados, também foi definida muito claramente.
Desta vez, o Governo apresenta uma proposta de lei que diz que qualquer cidadão, em qualquer local público, pode ser detido para identificação. E a questão que se coloca, Sr.ª Secretária de Estado, é a seguinte: o que é que os cidadãos portugueses fizeram de tão grave? Que comportamento é que o Governo atribui aos portugueses, ao longo destes últimos seis anos, para lhe dar esta condenação? É que nós consideramos esta proposta de lei uma condenação e, naturalmente, repudiamo-la.
Pelo menos ao longo destes seis anos, o Governo foi responsável pela condução de uma política pautada pelos objectivos estabelecidos na Constituição, de democratização e aprofundamento da democracia e do regime democrático. Ora, verificamos que o sentido desta proposta de lei é totalmente contrário ao objectivo que a Constituição da República Portuguesa preconiza.
São estas as explicações que peço e que, certamente, a generalidade dos portugueses também gostaria de ver dadas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep): - Sr.ª Secretária de Estado, uma proposta destas tem de vir de um governo que está longe dos cidadãos, que não sente aquilo que eles sentem e que constitui as características da nossa sociedade. Talvez de um governo que passa muito tempo a ver televisão, os filmes norte-americanos, a série Hill Street Bluesl Por isso, inventou super-esquadras, contra aquilo que era normal na nossa sociedade, que era haver esquadras junto da população, numa relação que não seria das melhores, evidentemente, mas que tinha outras potencialidades e outras características. Tem de vir de um governo que, a passo e passo, vai instalando a suspeita geral sobre a sociedade e vai provocando uma situação que é a de cidadãos «rigorosamente vigiados».
É inaceitável para qualquer cidadão, pelo menos na nossa sociedade, ser tratado como um delinquente, como alguém que é suspeito, como alguém que tem de ir à esquadra. Ir à esquadra é para participar um roubo, ou uma agressão. Ninguém vai a uma esquadra de boa vontade! E sempre uma violência, uma violentarão do cidadão impor-lhe a ida a uma esquadra, nem que seja a mais próxima. Esperemos que não seja a super esquadra, no outro lado da cidade! É sempre uma violência, ainda mais quando essa violência pode prolongar-se por seis horas, e ainda mais quando o cidadão pode estar sujeito, eventualmente (e digo isto com todos os cuidados), a comportamentos que têm sido várias vezes- muitas vezes! - denunciados, de violências e de falta de consideração pelos cidadãos.
É evidente que nós, Deputados, temos de ficar preocupados com uma proposta destas. Pela minha parte,

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estou totalmente contra esta proposta e contra aquilo que ela pressupõe, e não aceito a intencionalidade persecutória de suspeição que está por trás desta proposta de lei.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr.ª Secretária de Estado, tal como V. Ex.ª disse, existe já legislação nesta matéria, pelo que penso que o Governo devia justificar, de fornia aprofundada, em termos de exigência de segurança interna, alterações ao que já existe e já está legislado. A única justificação que a Sr.ª Secretária de Estado apresentou foi a de tornar mais operacional a lei de segurança interna. Mas não conheço nenhum relatório de forças policiais nem nenhuma declaração de responsáveis de forças policiais que digam que as dificuldades, em termos de segurança interna, neste momento, neste país, decorrem de dificuldades na identificação de cidadãos.
Decorrem, sim, de outros factores, dos quais o Governo não fala: da inoperacionalidade das super-esquadras que o Governo criou e de que não apresenta aqui nenhuns resultados; do facto de existirem, por exemplo, na área metropolitana de Lisboa, 60, 70 ou 80 mil habitantes para os quais só existe um posto da GNR com seis ou sete elementos, que muitas vezes nem sequer têm dinheiro para o gasóleo para fazer sair o jeep!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é verdade!

O Orador: - O cidadão queixa-se ao posto da GNR, chama a GNR e, ou vai lá buscar os agentes de carro, ou paga o táxi, ou a GNR não tem condições para ir ao local da queixa!
Ora, sobre isto, o Governo não nos apresenta nada! Pêlos vistos, a única dificuldade reside nos problemas de identificação, pelo que após a aprovação destas medidas, segundo o Governo, passará a haver tranquilidade para os cidadãos. Não sei, por este caminho, onde é que o Governo vai parar!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - À esquadra!

O Orador: - Não tarda muito a descobrir que o bilhete de identidade não é suficientemente identificativo em termos policiais: além da fotografia de frente, passará a exigir-se fotografia de perfil; além da altura, passará a exigir-se a cor dos olhos, o nome do cônjuge, o local de trabalho tudo isso para tornar o documento mais identificativo! Esse caminho não tem regresso e representa não uma necessidade de segurança interna mas, no meu entender, uma necessidade de o Governo iludir o facto de que as medidas que tem tomado, em matéria de segurança dos cidadãos, são um verdadeiro falhanço. Por esse caminho, se calhar, acabaremos por chegar a operações stop a peões, no Rossio ou na Avenida dos Aliados, para identificação de cidadãos!
Enfrentem, de facto, as questões de segurança em termos reais, isto é, respondam e equipem as forças de segurança com meios eficazes para combaterem a efectiva criminalidade, e não aborreçam em demasiado os cidadãos!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr.ª Secretária de Estado, perdoar-me-á o tom da pergunta, porque não tem a sustância da questão aqui em apreço. Sobre essa matéria, outros meus camaradas de partido se pronunciarão, necessariamente com melhor conhecimento de causa. Esta é uma pergunta que se poderá considerar como de intendência, porque se prende com questões de eficácia, entre outras.
Perante esta preocupação que evidenciam, de que cada cidadão seja portador do bilhete de identidade, e não indo tão longe, como foi o nosso colega Narana Coissoró, no ridicularizar de algumas situações, pergunto se não têm em vista a substituição deste painel imenso (que dava para out door, porventura para um abanador em tempo de calor estival), tal como acontece noutros países, onde há preocupação em relação à racionalização da utilização destes documentos (e falo deste, mas também da carta de condução e outros), por cartões que possam ser transportáveis. Porque isto é algo que informa pouco, é pouco portável e já não se vê em parte nenhuma, a não ser em Tombuctu ou numa dessas repúblicas estranhas!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça.

A Sr.ª Secretária de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, não posso deixar de agradecer ao Sr. Deputado Narana Coissoró o aplauso espontâneo da sua parte e que calou profundamente não direi no meu coração mas, pelo menos, no meu ego...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Lá chegarei!

A Oradora: - Além de cavalheiro, entendamos também que há alguma sintonia intelectual. Não direi ideológica porque isso poderia melindrá-lo e não é essa a minha intenção! Iremos depois ao picaresco de um encontro das forças policiais e dos eventuais prevaricadores numa praia de nudistas, que foi o cenário que nos deu...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Prevaricadores, não! Isto é uma medida de segurança interna...

A Oradora: - Sim, mas lá iremos, Sr. Deputado.
Gostaria de começar do fim para o princípio, precisamente devido à intervenção do Sr. Deputado José Lello, por motivo que depois explicarei, mas não resisto à tentação de dizer que, então, chegamos à conclusão de que o paraíso, o Éden dos potenciais delinquentes, ou dos efectivos delinquentes, serão as praias de nudistas! Só falta fazer já aí um reclame turístico e aconselhá-los a caminharem para lá porque aí não há força policial alguma que os vá identificar!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Há o Código de Processo Penal!

A Oradora:- Mas isso era o picaresco da questão!
Como disse, começaria pela intervenção do Sr. Deputado José Lello (desculpar-me-ão por inverter a ordem) por uma razão muito simples: é que, fazendo graça fácil, em meu entender, desculpar-me-á, e graça

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pesada do bilhete de identidade, como um documento, de identificação por excelência, pôs em causa algo que é absolutamente essencial para a segurança, não só do Estado mas também dos cidadãos! Logo, é essencial também para garantir a efectivação do direito fundamental de liberdade, relativamente ao qual o Sr. Deputado está tão preocupado como o Governo. Não tenha disso a mais pequena dúvida. É que há uma coisa a que se chama valor dos documentos! Ora bem, o Sr. Deputado José Lello, designadamente, colocou a questão em termos extremamente reducionistas quando falou no bilhete de identidade. Se reparar, se se der ao trabalho de ler com algum cuidado e atenção a proposta de lei que aqui é apresentada, poderá verificar que, primeiro, se estabelece um espectro bastante alargado de documentos de identificação precisamente para não criar situações de incómodo ao cidadão.
Há um outro aspecto também muito notável e que penso ser importante sublinhar: a questão da dimensão do bilhete de identidade. Sr. Deputado, bem vistas as coisas, se formos pelos países da União Europeia que, obviamente, são um referencial para nós, encontramos dimensões várias e até menções díspares consoante o país que estivermos a considerar. Não existe um modelo único! Uma coisa posso garantir: Portugal está perfeitamente na senda de todos os outros países e dos esforços realizados e, agora, extravasando a União Europeia, ao nível do próprio Conselho da Europa no sentido de securização extrema do bilhete de identidade. Penso que essa é uma preocupação que teria, e eu tenho-a também. Se observar (não sei qual é a data de emissão do seu bilhete de identidade), verificará que, hoje em dia, a fotografia é barrada e antigamente não era. Mas isso são pormenores técnicos e não entrarei por aí, senão não conseguirei responder a todas as questões.
Contudo, há mais um aspecto que não resisto a trazer à colação, que é este: precisamente porque se dá muita importância ao bilhete de identidade é que o Governo está a desenvolver uma rede nacional de emissão descentralizada do bilhete de identidade, para que a emissão seja célere. Ainda ontem tive o grato prazer, em Ponta Delgada, e anteontem em Angra do Heroísmo, de assistir ao fim da primeira fase dessa emissão. Se era do desconhecimento do Sr. Deputado, tenho imensa pena, mas diz a lei que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém! Que não lhe aproveite a si, enfim, tenho pena, mas que aproveite ao menos aos cidadãos em geral.
Volto à ordem por que os Srs. Deputados colocaram as questões.
Sr. Deputado Narana Coissoró, a necessidade de identificação é um dever público e, nesta proposta de lei, estão em confronto duas necessidades absolutamente imperiosas num Estado de Direito Democrático: por um lado, garantir a segurança interna e, por outro, os direitos fundamentais, designadamente, o direito à liberdade.
Porém, não podemos abslutizar nenhum destes dois direitos. Mais, acho que esta matéria foi sobejamente enfatizada não nesta, mas noutra discussão, porque os pressupostos da presente proposta de lei são os da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, que, como tive a oportunidade de referir, este Parlamento aprovou designadamente com o voto favorável do partido a que V. Ex.ª pertence. Se o grupo parlamentar que, há data, representava o seu partido se deu por satisfeito com o conteúdo da definição de segurança interna e com a
contemplação na alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º desta exigência de identificação, certamente que não estavam à espera de uma lei vazia.
A partir do momento em que admitimos que, com base em razões de segurança interna, entidades identificadas neste diploma- e reporto-me à lei de segurança interna exijam identificação a qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial - o legislador quis que estes pressupostos se distinguissem dos do Código de Processo Penal porque as necessidades de segurança interna têm um alcance maior do que o conteúdo desse Código-, então, temos de querer um modus operandi eficaz, uma actuação que permita que esta medida tenha conteúdo.
Para além deste aspecto, não cheguei a perceber se seis horas eram, no entender do Sr. Deputado, muito ou pouco tempo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito!

A Oradora: - Sr. Deputado, seis horas é o limite máximo e ninguém diz que, necessariamente, o processo de identificação deve demorar seis horas.
Naturalmente que estamos entre pessoas de bem: se eu própria for interpelada na rua para me identificar e tiver comigo um qualquer documento de identificação - reporto-me ao leque alargado de documentos de identificação que se encontram consagrados no diploma em apreço-, acto contínuo, opera-se essa identificação. Se, por acaso, não tiver qualquer documento de identificação e o agente de segurança me encaminhe para o posto, pressuponho- ainda por cima, com a formação que, hoje em dia, é ministrada aos agentes de segurança - que ele começará por dizer: «Se faz favor,...». Esta demonstração de civilidade cai bem e certamente que não deixará de ter essa atitude.
Ora, não se trata de um comando, como alguém aqui disse, mas de um pedido. Também não pode falar-se em detenção, e aproveito para responder a outras observações feitas.
Srs. Deputados, não devemos usar as palavras fora do contexto e desligadas dos seus conceitos técnicos por uma razão muito simples: é que nós, Governo, e vós, Deputados eleitos pelo povo português, temos um dever a cumprir acima de tudo, que é o de esclarecer e não confundir a população.

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Aqui diz-se ordenar!

A Oradora: - Neste espírito, o emprego de palavras como detenção, condenação, ordem destina-se nitidamente a tirar dividendos que - penso - são perfeitamente ilegítimos e sem cabimento pois só com má-fé podemos fazer as leituras que quisermos. Diz o povo, e é bem verdade, «cego não é quem não vê mas quem não quer ver» e penso que muitas das intervenções aqui feitas se enquadram nesse dito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É claramente a sua posição!

A Oradora:- A proposta de lei consagra o limite máximo de seis horas, porque estabelecemos - como foi

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sublinhado - um paralelismo com o Código de Processo Penal.
Paralelamente, ainda há instantes, sugeria o Sr. Deputado André Martins a problemática da restrição de liberdade. Mas não há qualquer restrição de liberdade neste caso porque, se é importante sublinhar o artigo 27.º da Constituição, não deve esquecer-se o que diz o n.º 2 do artigo 16.º da Lei Fundamental, que fala na possibilidade, não inconstitucional, antes pelo contrário, de limitações aos direitos fundamentais que «devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem» e cujo n.º 2 do artigo 29.º refere a possibilidade de se verificarem essas limitações se valores mais altos se levantarem. Diz-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem que os direitos nela referidos poderão ser limitados pela lei «com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdade dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática».
Neste contexto, volto a sublinhar que as limitações aos direitos fundamentais, quando estão em causa deveres públicos como no caso do dever de identificação, que é essencial para o respeito do direito à segurança pessoa] dos cidadãos e para assegurar a ordem na sociedade, não são uma restrição à liberdade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - É como o artigo 8.º da Constituição de 1933.

A Oradora: - Por outro lado, o Sr. Deputado André Martins disse algo que me deixou perfeitamente perplexa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Secretária de Estado, peco-lhe para concluir.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, o Sr. Deputado disse que a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, abriu portas, mas não compreendo o que vem esta fechar. Pelo contrário, esta proposta de lei vem, tão-somente, justificar a abertura das portas que a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, operou.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Veio alargar os corredores corrosivos do Estado-polícia!

A Oradora: - Não podemos querer segurança interna sem aceitarmos os ónus inerentes. Não quero, uma vez mais, citar a sabedoria popular no sentido de que «quem não deve não teme», mas há algo que devo sublinhar. O cidadão é conduzido ao posto policial apenas em caso de recusa- figura que está próxima da desobediência- ou de não ter suficiente documentação. Mas reafirmo que as provas dactiloscópicas e fotográficas só são feitas em caso de recusa e, havendo recusa, é perfeitamente legítima a existência de suspeição, devendo aplicar-se as normas correspondentes do Código de Processo Penal.

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, trata-se da aplicação elementar da lei! Sublinho, designadamente, que o artigo 1.º do Código de Processo Penal se aplica a todos, haja ou não excepções de suspeição, a qual é integrada depois no n.º 2 do mesmo artigo. É uma questão de interpretação correcta do Código de Processo Penal!
Portanto, apenas nessas situações, é o cidadão conduzido à esquadra no prazo - com um limite máximo de seis horas necessário para a identificação.
Gostava de responder a mais algumas das questões que me colocaram, mas suponho que geri mal o meu tempo.
Contudo, uma vez mais me revolto contra os que falam em intencionalidades persecutórias que não existem e que só são referidas com a intenção de desenformar, de desinquietar e de criar insegurança ao povo português. Essa não é a voz do Governo, mas a de quem pronuncia essas mesmas expressões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura da acta relativa à eleição que ocorreu esta tarde.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a acta é do seguinte teor: Aos vinte e quatro dias do mês de Fevereiro de mil novecentos e noventa e quatro, na Sala D. Maria do Palácio de S. Bento, procedeu-se à eleição de um vogal do Conselho Directivo do Grupo Português da União Interparlamentar. Os resultados obtidos foram os seguintes: Lista A - votantes, 120; votos sim, 96; votos brancos, 14; votos nulos, 10.
Face ao resultado obtido, foi eleito vogal do Conselho Directivo do Grupo Português da União Interparlamentar o Sr. Deputado Luís Filipe Nascimento Madeira. Para constar se lavrou a presente Acta que vai ser devidamente assinada.
Os Deputados escrutinadores, Belarmino Correia, Alberto Araújo e José Eduardo Reis.

O Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, declaro o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira vogal do Conselho Directivo do Grupo Português da União Interparlamentar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A segurança é uma preocupação acrescida dos cidadãos no mundo contemporâneo; é também uma preocupação legítima e justificada dos portugueses.
Iniciativas tendentes a garantir mais segurança aos cidadãos, que lhes possam trazer melhores condições para conduzir autónoma e responsavelmente as suas vidas, exercendo os seus direitos, têm de merecer o apoio de todos os que defendem uma sociedade democrática aberta.
Ponto é - e aí começam as distinções - que, da preocupação com a segurança, não prevaleça uma concepção redutora e perversa que ampute uma das exigências fundamentais que ela própria dirige ao legislador num Estado de direito democrático e que é a preocupação com a segurança jurídica, pois numa sociedade democrática aberta não há caminho para a segurança que passe pelo aumento da insegurança jurídica.
Quem hoje se proponha legislar responsavelmente neste domínio não pode deixar de ater-se rigorosamen-

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te aos padrões constitucionais de protecção das liberdades individuais e aos princípios jurídicos que a moderna teoria da legislação tem por inerentes ao Estado de direito democrático.
A presente proposta governamental move-se num sentido que compreendemos e a que aderimos, qual seja o do alargamento da exigência de porte de documento de identificação. Mas é preciso dizer com frontalidade que a sua análise revela que as inovações mais significativas que avança em relação ao actual quadro legislativo não observam parâmetros fundamentais de constitucionalidade e princípios jurídicos de legislação decorrentes da ideia de Estado de direito democrático.
É grave por nos encontrarmos em área que bate à porta do direito à liberdade. É grave por mais esta proposta provir de um Governo, de uma maioria e também de um Ministro da Justiça hoje lamentavelmente ausente que sofreram sucessivas reprovações de constitucionalidade em matérias tão decisivas como o segredo de Estado, a lei anti-corrupção, o Estatuto dos Magistrados Judiciais, o Tribunal de Contas; o mesmo Governo e o mesmo Ministro da Justiça que já sofreram reprovação constitucional em matéria de respeito do direito de reserva da intimidade da vida privada.
As lições sobre constitucionalidade aqui doutamente proferidas pela Sr.ª
Secretária de Estado da Justiça devem ser avaliadas à luz das notas dadas pelo Tribunal Constitucional ao Governo em matéria de respeito pela Constituição.
Quando o teste deve passar a fazer-se em função do próprio direito à liberdade, é responsável por parte do PS dizer que estamos abertos a plataformas de compatibilização entre o exercício dos direitos fundamentais e o valor, também constitucionalmente protegido e igualmente valioso, da segurança.
Mas cabe dizer-nos, com clareza igual, que não só nos constituiremos intransigentes defensores do estatuto constitucional da liberdade dos cidadãos e das suas restrições, como nos sentimos no dever de aleitar também para a gravidade de um percurso que, iniciativa a iniciativa, nos conduz da suspeição de incultura constitucional à suspeição de uma cultura legislativa inconstitucional. Que não haja pois equívocos!
Compreendendo e aderindo a uma reformulação criteriosa e constitucionalmente adequada da exigência de porte de documento de identificação, o PS terá de votar contra esta proposta se nela se mantiverem as soluções afrontosas da Constituição e do princípio da proporcionalidade a que ela confina as medidas de polícia.
Num Estado de direito democrático, sob pena de perversa violação do próprio princípio de segurança, as leis devem conter disciplinas suficientemente concretas para que possam fundamentar posições juridicamente protegidas dos cidadãos, viabilizar a defesa eficaz dos direitos e interesses dos cidadãos e a fiscalização da legalidade e funcionar como uma norma de actuação suficientemente densa para a própria Administração, neste caso para as forças e serviços de segurança. Isto é especialmente importante se está em jogo a restrição de liberdades individuais.
Na proposta governamental, a inovação mais gravosa, do ponto de vista de liberdade, é a legalização da possibilidade de retenção em posto policial, até seis horas, de um cidadão, não suspeito de prática de crime, «quando existam razões de segurança interna que o justifiquem». Com base nestas mesmas razões assim definidas, ou melhor assim indefinidas, passa a ser restritamente exigível a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em qualquer lugar público ou sujeito a vigilância policial.
É preciso dizer que esta cláusula caldeirão - quando existam razões de segurança interna que o justifiquem» é a negação, em letra de forma, e esperamos que não chegue a ser em letra de lei, da exigência de determinabilidade decorrente do princípio do Estado de direito democrático.
Os termos constitucionais em que o problema se deve colocar em nada se alteram com a inovadora interpretação que a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça aqui fez da lei de segurança interna. Interpretação desconforme à Constituição e que está longe de ser imposta pela sua letra, porque ela própria envolve uma remissão para a lei processual penal. Ora, é sabido e V. Ex.a, Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, não desconhece que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a norma do Código do Processo Penal, o artigo 250.º, que prevê a identificação de pessoas suspeitas e admitiu a sua constitucionalidade em termos tais que implicariam inevitavelmente um juízo de inconstitucionalidade sobre a norma constante da lei de segurança interna, se ela tivesse de ser, como não tem de ser, interpretada como V. Ex.ª aqui a interpretou.
Na base de uma cláusula assim, e assim criticável, não podem os cidadãos alcançar qualquer forma de controlo eficaz da veracidade e suficiência das razões de segurança interna que no caso fossem invocadas.
Como seria possível reagir a abusos, a invocações em vão da santa cláusula? E sabe-se como esta matéria dos abusos constitui, ela própria, legítima preocupação dos cidadãos.
Uma cláusula com a abertura que é proposta envolve uma dose de insegurança jurídica inaceitável à luz do nosso ordenamento constitucional. Viria, sem dúvida, precarizar excessivamente a posição dos cidadãos - insisto, cidadãos não suspeitos da prática de qualquer crime frente aos que passassem a poder invocá-la, da forma incontrolada que é prevista. Daí que noutros países, com exigências constitucionais menores do que as nossas, se encontrem fórmulas mais restritivas e densas. Era bom que elas tivessem sido ponderadas pelo Governo. Será bom que possam ser ainda!
Nos casos em que isso se revele justificado, é preciso obviar à alegada precarização da posição das forças de segurança. Mas é indispensável que isso se não alcance através da precarização da posição dos cidadãos. Este é o Rodes e aqui é preciso saltar quando se quer segurança numa sociedade aberta.
Contudo, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, há mais. Relativamente à retenção de cidadãos não suspeitos em posto policial até seis horas, ouvimos agora mais uma interpretação inovadora no sentido de que a partir do momento em que o cidadão fosse conduzido ao posto policial se reentraria no campo do Código do Processo Penal. Isto se bem entendi as explicações da Sr." Secretária de Estado da Justiça, que pelo menos admitiu essa hipótese, introduzindo, portanto, uma nota de dúvida na segurança do Governo em toda esta argumentação. Aliás, diria até que é de insegurança, pois interpreto nesse sentido a aposta do Governo em eximir o seu Ministro da Justiça a mais uma presença, neste Hemiciclo, que fosse seguida de uma nova reprovação em matéria de inconstitucionalidade.

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Mas a retenção de cidadãos não suspeitos em posto policial até seis horas configura - à luz da nossa jurisprudência constitucional, que V. Ex.a, Sr.ª Secretária de Estado, não desconhece, pelo que escuso de invocar aqui a opinião de constitucionalistas, bastando-me invocar o próprio Tribunal Constitucional - uma situação de privação de liberdade que não tem base em qualquer das hipóteses previstas no artigo 27.º da Constituição.
As razões que em relação a suspeitos podem servir para reconciliar esse procedimento com as disposições constitucionais, não podem ser invocadas aqui. Ou seja, conforme a argumentação do Tribunal Constitucional, o carácter necessário e adequado de tal procedimento para conduzir à prisão de pessoas com penas de prisão ou medidas de segurança privativas de liberdade a cumprir, ou a detenção de pessoas sujeitas a privação de liberdade por prisão ou detenção.
Se, em vez de suspeitos, passamos a lidar com todo e qualquer cidadão que se encontre em todo e qualquer lugar público- vem-me à cabeça, neste momento, a legislação alemã nesta matéria, que contém uma disciplina consideravelmente diversa e mais densa- não há necessidade nem adequação a tal fim, e por isso cai-se numa solução inconciliável com a Constituição.
Estamos, inapelavelmente, perante uma situação de privação de liberdade sem credencial constitucional, uma restrição, fora dos casos e termos previstos na nossa carta fundamental, ao direito à liberdade- que é afinal o direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, o direito a não ser fisicamente confinado a um determinado lugar ou impedido de se movimentar.
É uma solução que o Governo e a maioria vão ter de repensar e reformular, sob pena de aos recentes quatro chumbos de constitucionalidade se acrescentar um inapelável quinto chumbo. Se não o fizer, não contará com o nosso voto, porque a nossa primeira lealdade, também em matéria de segurança e liberdade, é dirigida, e tem de ser dirigida, à pátria constitucional.
Não há mais segurança para os cidadãos, como é desejável, com mais insegurança jurídica para os cidadãos. E não há mais segurança jurídica com mais insegurança constitucional, com mais incultura constitucional e com mais soluções inconstitucionais em matéria de direitos fundamentais.
Cabe ao Governo e à maioria a decisão: ou regressar connosco ao território da Constituição de que se ausentaram, sem autorização, ou prosseguirem sozinhos na sua viagem para fora dela.
Fica o aviso para que não optem pelo caminho mais fácil e ilusório para a segurança interna que é o da promoção legislativa da insegurança jurídica.
O nosso voto, nesta fase da discussão, reflectirá estas preocupações e a Expectativa, que esperamos não venha a ser defraudada, de que o Governo e a maioria optem ainda por melhor caminho e melhores soluções.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, vamos a ver se nos entendemos de uma vez por todas, de forma a que possamos salvaguardar os valores fundamentais do Estado - e um deles, obviamente, é o da segurança- fazendo de forma a que a Constituição seja observada.
V. Ex.a, Sr. Deputado Alberto Costa, acusou a Sr.ª Secretária de Estado de fazer uma leitura inconstitucional da lei de segurança interna, mas, em meu entender, V. Ex.ª é que fez uma leitura inconstitucional da proposta de lei.
Ou seja, é a sua leitura que forçadamente conduz, no seu juízo a algumas normas, à inconstitucionalidade. Com efeito, se V. Ex.ª tivesse o cuidado de, em relação à proposta de lei em apreço, tomar para si o aviso que fez à Sr.ª Secretária de Estado, em relação à lei de segurança interna, estou convicto de que não encontraria esse mar de inconstitucionalidades que enunciou.
Quero dizer-lhe também que, relativamente às inconstitucionalidades dos diplomas que foram apreciados pelo Tribunal Constitucional, se V. Ex.ª quiser fazer a contabilidade das normas que o seu partido acusou de serem inconstitucionais, das que foram sujeitas à apreciação do Tribunal Constitucional e das que, efectivamente, foram consideradas inconstitucionais, verificará que foi do lado do Governo e do Grupo Parlamentar do PSD que ficou a vitória e não a derrota, porque foram mais as normas que o Tribunal considerou como não enfermando de inconstitucionalidade do que as que, apesar da vossa denúncia, foram consideradas inconstitucionais. Não me parece que se deva fazer essa contabilidade, mas como V. Ex.ª nos encaminhou nesse sentido, tem aqui a minha observação.
Mas pergunto, Sr. Deputado, para quê os cidadãos terem bilhete de identidade?! Naturalmente para o encaixilhar em casa! Para quê V. Ex.ª bradarem aqui em relação às questões da segurança e acusarem o Governo de ser menos cuidadoso com essas medidas, de aumentar a criminalidade, de não tomar medidas para pôr cobro e prevenir essa mesma criminalidade?! Porque razão é que V. Ex.ª, sempre que se discutem relatórios da segurança interna, fazem essa acusação e, por outro lado, transformam constantemente a Constituição num instrumento limitador de medidas que, em meu entender, não ofendem a Constituição, mas que podem sacrificar, no estritamente necessário, aqueles princípios que todos temos como indiscutíveis, mas que a própria Constituição como a Sr.ª Secretária de Estado referiu- também permite, de forma proporcionalmente adequada, que seja excepcionalmente preterido em favor de valores fundamentais para o Estado e para a segurança de todos nós.
É preciso que nos entendamos, pois as preocupações do Sr. Deputado e as do seu partido não podem situar-se apenas no espantalho da Constituição, mas também na forma de conciliarmos os seus princípios com esta segurança efectiva de todos nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, agradeço as questões que me colocou V. Ex.ª referiu que eu tinha acusado a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça de uma leitura inconstitucional da lei de segurança interna e faltou-me compreender se V. Ex.ª também partilhava ou não dessa acusação, uma vez que partiu dela para estabelecer um paralelismo. Ora, é suposto que o ênfase que podia pôr no segundo pólo do paralelismo ficaria bastante afectado se V. Ex.a, afinal,

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não estivesse convencido da veracidade da acusação, visto que o seu entusiasmo na acusação que me dirigiu ficaria também consideravelmente diminuído.
Mas não é verdade, Sr. Deputado, que tenha feito uma leitura inconstitucional da proposta de lei em apreço, visto que creio ter sido esse o aspecto que queria sublinhar. Não o fiz, limitei-me, aliás, a parâmetros de avaliação de constitucionalidade adquiridos na orientação do Tribunal Constitucional e constato, com alguma lástima, que V. Ex.ª não me deu um único argumento para alterar este tipo de leitura da proposta governamental, que, a meu ver, quis indevidamente crismar de inconstitucional. Salvo desatenção da minha parte, V. Ex.ª não contribuiu com qualquer ideia para pôr em marcha uma releitura da proposta de lei apresentada pelo Governo.
É claro que o que é necessário não é, a nosso ver, apenas pôr em marcha uma releitura da proposta constitucional, mas alterar significativamente a proposta governamental. O que esperava da sua parte, Sr. Deputado Guilherme Silva, era que viesse aqui dizer que o seu partido está disponível para repensar as soluções deste diploma que são fundadamente classificáveis de inconstitucionais por conterem soluções que ofendem o princípio do Estado de direito democrático e por contrariarem a tal orientação, que já referi, do Tribunal Constitucional.
V. Ex.ª quis também trazer para aqui uma desagradável concepção contabilística das inconstitucionalidades. Digo desagradável, porque o que é grave é que desta Assembleia, por força de uma maioria, não obstante insistentemente advertida, saiam leis inconstitucionais - e isso já se demonstrou - e não que partidos da oposição subscrevam leituras diferentes da Constituição. E isso que está em causa!

as grave, grave, Sr. Deputado Guilherme Silva, é que V. Ex.ª tenha trazido para aqui uma ideia de Constituição a que não se inibiu de rotular de espantalho.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É a vossa leitura!

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, essa pode ser uma classificação concebível numa mundovisão madeirense e «jardiniana» da Constituição. Não é essa, seguramente, a forma como encaramos a Constituição e estamos certos de que o PSD não encarará também dessa forma a nossa Lei Fundamental.

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, penso que a Constituição não tem, rigorosamente, uma leitura regional mas, sim, nacional. Eu faço a leitura nacional da Constituição!

O Sr. José Magalhães (PS): - É um «espantalho» nacional!

O Orador:- O que referi é que VV. Ex.ªs agitam o «espantalho» de uma determinada leitura da Constituição, pois pretendem que todas as iniciativas, mesmo as que, como esta, no meu entendimento, se inserem integralmente no quadro constitucional, estão eivadas de inconstitucionalidades. Dessa forma, impedem soluções que sabem serem essenciais à nossa segurança e a uma abertura de fronteiras a que estamos obrigados, em função do quadro comunitário em que nos, integramos, o qual não pode deixar de levar à implementação de normas previstas numa lei aprovada por VV.Ex.ªs, e em que se reproduz o que foi votado, com esta mesma Constituição, pelos Srs. Deputados.
VV. Ex.ªs têm «dois pesos e duas medidas», que não são rigorosamente...

O Sr. José Magalhães (PS): - Dois pesos?!

O Orador: - ... os da avaliação da Constituição mas, sim, os da avaliação oportunista de uma luta político-partidária, a qual nada tem a ver com os interesses do País e dos cidadãos, que todos, mesmo os Deputados da oposição, devem aqui defender.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não tem razão!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa, a quem solicito brevidade.

O Sr. Alberto Costa (PSD): - Sr. Presidente, serei muito breve.

O Sr. Deputado Guilherme Silva, em relação à última parte da sua intervenção, recorre a uma interpretação inconstitucional e, como sustentei, não sugerida nem imposta sequer pela letra da lei de segurança interna.
Esta lei contém uma remissão expressa para a lei processual penal e, através dessa remissão, no ponto aqui em apreço, não justifica um juízo de inconstitucionalidade. Não existem aqui «dois pesos e duas medidas», a menos que tivéssemos de partilhar uma interpretação incorrecta da lei de segurança interna.
Voltando ao ponto inicial, V. Ex.ª suscitou a defesa da sua honra. Sr. Deputado Guilherme Silva, sabe bem que não quis ofender a sua honra nem a sua consideração. Sei bem que V. Ex.ª não é um representante típico do que me permiti classificar- e continuarei a fazê-lo - como uma «concepção madeirense» da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, dispondo de pouco mais de 3 minutos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr.. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero louvar o fair play da Sr.ª Secretária de Estado da Justiça na resposta que deu às minhas hipóteses, a que chamou picarescas. No entanto, eu tinha de as colocar, porque, como diziam os romanos, ridendo castigai mores.
A lei de segurança interna, que V. Ex.ª lança sobre a minha bancada, dizendo que a votei (o que representa uma espécie de arremesso, em jeito de resposta), diz,

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no n.º l do seu artigo 2.º, o seguinte (e por isso a votei): «A actividade de segurança interna pautar-se-á pela observância das regras gerais de polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias e pelos demais princípios do Estado de direito democrático».
No n.º 2 do mesmo artigo, a lei de segurança interna, que a minha bancada votou, e com muita honra, diz também o seguinte: «As medidas de polícia são as previstas nas leis, não devendo ser utilizadas para além do estritamente, necessário».
A lei de segurança interna que votei diz, no n.º 3 desse artigo: «A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com a observância de regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias do cidadão».
É esta a lei de segurança interna que votei e não a vejo reflectida na proposta de lei que V. Ex.ª hoje protagonizou, como se costuma dizer, nesta Assembleia.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador:- Quais são as minhas dúvidas, Sr.º Secretária de Estado? São simples. V. Ex.ª não consegue libertar-se do «fantasma» do Código do Processo Penal e dos criminosos. Repare, por exemplo, na resposta que me deu quando coloquei a hipótese da praia de nudistas. V. Ex.ª disse que uma praia de nudismo seria o Éden dos... prevaricadores. Falou em prevaricadores e não em cidadãos. Mas esta proposta de lei, que V. Ex.ª traz perante a Câmara, não é para os prevaricadores,...

O Sr. José Magalhães (PS): - É para todos!

O Orador:- ... é para todos os cidadãos! Esse é o problema! A Sr.ª Secretária de Estado, em consciência, sabe perfeitamente que a cultura jurídica, política e social do nosso país, ao ver uma medida destas, liga necessariamente esta actividade de identificação aos prevaricadores. V. Ex.ª sabe-o.
Imagine que a Sr.ª Secretária de Estado está no mercado ou no centro comercial, calmamente a comprar qualquer coisa ou a ver uma montra. Se lhe aparecer um agente da autoridade a pedir o bilhete de identidade, mostra-o. Todos os que estão em volta não sabem que o agente da autoridade está a actuar de modo legítimo, o mais inocentemente possível, e dizem: aquela senhora já fez alguma coisa, a polícia anda atrás dela. Deste juízo, desta nódoa, ninguém se consegue libertar.
Por isso mesmo, as leis têm de ser feitas para cultura nacional. Por exemplo, uma lei como esta pode ser boa para certos países, onde qualquer um pode ser incomodado.
Sr.ª Secretária de Estado, não sou contra a lei de identificação. Eu diria, como Gil Vicente: também quero ir à índia, gosto imenso, mas nesta nau, não!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pretendo, isso sim, Sr.ª Secretária de Estado, que tenha em consideração três pontos: em primeiro lugar, VV. Ex.ªs pretendem identificar até os menores. Querem separar o processo penal, a imputabilidade e a prevaricação do acto normal, que apenas é considerado como tal a partir dos 18 anos, que é a idade da eleição, da maioridade. No entanto, V. Ex.ª quer exigir a identificação aos imputáveis penais de 16 anos!
Porquê? Lá está outra vez o espectro do Código do Processo Penal e da prevaricação.
Em segundo lugar, porque é que não consta da proposta de lei que o agente da autorização deve informar o cidadão das razões de segurança interna que fundamentam a sua actuação? Quer dizer, segundo a proposta de lei que nos apresenta, o agente de segurança não tem de dar uma explicação ao cidadão. Mas este merece uma explicação. Isto é, as coisa não podem ser assim tão ad libitum que um agente da autoridade, que «me tome de ponta», ou por brincadeira, por ridículo ou porque me quer colocar numa situação embaraçosa perante as pessoas, me possa pedir o bilhete de identidade. Ele tem de me dar uma razão. Pode dizer-me: suspeito de que o senhor pode fazer perigar a segurança interna, faz parte de uma associação de malfeitores. Pode até dizer-me isso ao ouvido, mas tem de dizer-mo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

É isso que acho intolerável.
Em terceiro lugar, V. Ex.ª foi ao Código de Processo Penal buscar a retenção na esquadra, que é uma medida cautelar e que apenas é permitida, como diz o acórdão do Tribunal Constitucional, como medida instrumental da detenção. Ora, nesta proposta de lei isso não acontece. Aqui, a retenção - não lhe chamo detenção - na esquadra, ou o convite para se sentar na cadeira da esquadra, é privação de liberdade. Agora, diga: é de má fé que o Deputado da oposição, Narana Coissoró, lhe chama detenção ou retenção? É ou não privação de liberdade?

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - É, sim! Se for para a esquadra, não posso sair de lá. E se me quiserem chatear- desculpem a expressão- durante seis horas, chateiam. V. Ex.ª sabe que há também o «feitiozinho» da nossa polícia, quando quer.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Finalmente, a Sr.ª Secretária de Estado citou o artigo 16.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, para justificar as limitações que esta proposta de lei impõe. Se eu fosse mau e estivesse de má fé, diria, sem o propósito de a ofender: fez-me lembrar o artigo 8.º da Constituição de 1933, que também limitava os direitos, liberdades e garantias do cidadão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio ter sido evidente, na intervenção da Sr.ª Secretária de Estado, a tentativa desesperada para aproximar as medidas desta proposta de lei das do Código do Processo Penal. Na verdade, entre ambas, embora corram paralelamente, há diferenças significativas.

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Esta tentativa da Sr.ª Secretária de Estado bem se compreende: desta forma procura salvar, com o acórdão do Tribunal Constitucional, de 1987, a presente proposta de lei. Mas creio não o ter conseguido e usou daquilo de que acusou os Deputados da oposição: quis confundir e, de facto, não logrou os seus objectivos.
A proposta de lei hoje em debate, para nós, assume-se como uma peça no edifício de um Estado policial e autoritário, que o Governo, como é óbvio, quer edificar.
É uma proposta brutal! É este mesmo o adjectivo com que posso qualificar a ofensiva desencadeada contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que começou há muito.
E começou paulatinamente: primeiro, de uma forma velada e em áreas em que a tecnicidade do debate tornava pouco visível a nudez crua da verdade, mas, no percurso sinuoso da ofensiva contra o Estado de Direito democrático, os objectivos do Governo foram ficando mais claros. E hoje estão claros.
Ficou demonstrado, em recentes insucessos legislativos, que o Governo e o PSD pretendiam ignorar a Constituição e punham em perigo o conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Esta proposta de lei parece ser o remate, em nó górdio, de um laço com que se pretende restringir a liberdade e a segurança dos cidadãos.
O que pretende, realmente, o Governo com esta proposta de lei?
A partir dela, qualquer agente das forças ou serviços de segurança (por exemplo, os agentes do Serviço de Informações de Segurança, que costumam aparecer nas manifestações dos trabalhadores, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, da PSP, da GNR, da Polícia Judiciária) pode, em nome da segurança interna, que só eles definem, obrigar um pacato cidadão que calmamente transita numa via pública a identificar-se.
Pode tratar-se de um jovem de 16 anos, dirigente estudantil, por hipótese. Ou de um dirigente sindical que se apresta a distribuir propaganda de uma greve por melhores salários. Ou mesmo de alguém que, regressado a casa depois de uma incessante e infrutífera procura de emprego, desabafa em via pública o desânimo da sua vida difícil.
Qualquer destas pessoas transporta, para o Governo, o carimbo da suspeição. Qualquer destes cidadãos pode ser obrigado a identificar-se em nome da «segurança interna», conceito que na economia da proposta de lei se apresenta maleável e indeterminado, tornando possível todas as arbitrariedades.
E se qualquer daqueles cidadãos, consciente dos seus direitos, se recusar a identificar-se, será conduzido ao posto policial, onde durante seis horas ficará à disposição dos agentes das forças de segurança para provas dactiloscópicas, fotográficas e outras.
É certo que, de tudo isto, será lavrado um auto, diz a proposta. Auto que enriquecerá- é essa apenas a sua finalidade - os arquivos das forças de segurança, juntamente com os ficheiros fotográficos e dactiloscópicos do cidadão, assim obtidos, mas que não ultrapassará a zona de semiclandestinidade, pois não haverá qualquer controlo judiciário ou jurisdicional das medidas.
Como é óbvio, com a presente proposta de lei, o Governo pretende, afinal, introduzir um entorse no actual Código do Processo Penal. Dirigindo os normativos da mesma a todos os cidadãos maiores de 16 anos (idade da imputabilidade penal), o Governo demonstra (ainda que não o confesse) que desta forma, afinal, vem pretender alterar o Código do Processo Penal, que não lhe serve e não é suficiente para os seus objectivos.
Com efeito, muito embora o actual Código preveja já a possibilidade de ser exigida a um cidadão a sua identificação, a verdade é que tal só pode ser feito relativamente ao que se encontrar em local habitualmente frequentado por delinquentes.
Se este diploma viesse a conhecer as páginas do Diário da República- e não acontecerá assim, pois padece, manifestamente, de inconstitucionalidade-, mesmo na rua do nosso bairro, em plena luz do dia, nos poderia ser exigida a identificação. E porquê? «Porque sim», diria o agente de segurança.

Pelo actual Código de Processo Penal só podem realizar-se provas dactiloscópicas e fotográficas relativamente a um cidadão suspeito. E só havendo motivos para suspeita, no caso de identificação ou de recusa da mesma, é que o cidadão pode ser conduzido ao posto policial onde pode permanecer até seis horas.
Nos termos da proposta em debate, ainda que não haja suspeita alguma, o cidadão será submetido àquelas provas e será retido - mas eu direi «será detido», porque é isso mesmo que o cidadão será- por período que poderá ir até seis horas, no posto policial.
No regime do actual Código, será lavrado um auto dos actos de identificação e será enviado ao Ministério Público um relatório das diligências efectuadas. O relatório é peça despicienda para os pais desta proposta de lei.
Conviria relembrar, tal como já aqui foi feito mas que repito, que foi muito cuidadosamente que o Tribunal Constitucional, em 1987, encarou as medidas cautelares e de polícia previstas no artigo 250.º do Código de Processo Penal.
De facto, aquelas medidas, como o Tribunal reconheceu, não cabem na letra do artigo 27.º da Constituição da República. E só se salvaram da inconstitucionalidade porque o Tribunal considerou que eram actos instrumentais e necessários para conseguir a prisão ou detenção, tornadas possíveis pelo referido artigo 27.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - Convém relembrar!

A Oradora: - Ora, as medidas propostas não se apresentam como necessárias para conseguir aqueles objectivos. São, assim, manifestamente inconstitucionais, pois colidem, de facto, com o artigo 27.º da Constituição da República.
E se fossem medidas cautelares e de polícia também colidiriam com o artigo 272.º da Constituição como, minuciosamente, se encontra analisado no relatório apresentado pelo meu camarada António Filipe.
A colisão existe porque se trata de medidas desnecessárias, inexigíveis e desproporcionadas. E não se trata, afinal, de medidas cautelares e de polícia.
A indeterminabilidade do conceito de segurança interna, a forma arbitrária como, com base no mesmo, se põem em causa direitos fundamentais, o facto de qualquer cidadão, mesmo que não suspeito, poder ser «fichado» no posto policial retira às medidas propostas o carácter de medidas cautelares e de polícia.
Com efeito, tal como se disse num acórdão muito recente do Tribunal Constitucional, de Setembro de 1993, e que chumbou uma proposta de lei do Governo, aos órgãos de polícia criminal compete proceder às medidas cautelares e de polícia justificadas por evidentes razões de urgência ou da natureza perecível de

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certos meios de prova. Isto é, mais uma vez, o Tribunal Constitucional afirmou o que esquece a Sr.ª Secretária de Estado e que é que em matérias como esta, em que existe colisão com direitos fundamentais, é necessário fazer-se a ponderação meio/fim.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E esta ponderação não existe na proposta de lei, que, descaradamente, permite detenções durante seis horas no posto policial! E não vamos estar a «adocicar» a questão! É evidente que, como sabemos - e irei referir-me a isso -, serão mesmo seis horas, se não forem seis horas e um quarto, até porque o relógio pode «atrasar-se» subitamente!... Aliás, sem qualquer comunicação a pessoa da confiança do detido.
De facto, também neste aspecto o legislador adornou o que se encontrava previsto no Código de Processo Penal. Agora, é o detido que tem de tomar a iniciativa de solicitar a comunicação a pessoa da sua confiança!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mesmo que seja menor!

A Oradora: - Exacto! Mesmo que seja menor e que de nada saiba!

Cremos que o sistema proposto nunca entrará em vigor, mas podemos antever o que sucederia, as queixas que se amontoariam contra os agentes de segurança.
Estando por fazer a democratização das forças policiais, apesar da resistência e luta das associações sócio-profissionais, vimos assistindo a conflitualidades, algumas de manifesta gravidade, entre cidadãos e agentes de órgãos de polícia criminal.
Desde o vulgar cidadão que passou pela esquadra e se queixou de sevícias, à juíza que foi alvo de torpes insultos - e ela não devia nem temia, Sr.ª Secretária de Estado, no entanto, foi alvo de torpes insultos! -, ao funcionário de uma embaixada de um país-irmão, insultado e agredido, são múltiplas as queixas denunciando arbitrariedades e maus tratos.
Com a presente proposta de lei, e usando ainda a terminologia do acórdão do Tribunal Constitucional, de Setembro de 1993, «pode hipotizar-se o reforço da dimensão discricionária, distanciando-se tendencial e porventura progressivamente do Governo da lei, dos esquemas e princípios do Estado de direito.»
E não é desta forma- Sr.ª Secretária de Estado, não confunda! - que se combate a criminalidade! Ela combate-se através de medidas na área social, erradicando os factores de exclusão social; combate-se, no sistema prisional, com uma verdadeira política de reinserção social; combate-se, garantindo o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e não agindo contra estes direitos!
Com esta proposta de lei, à insegurança causada pela criminalidade, somar-se-ia um sentimento insuportável de insegurança perante os poderes públicos. Aquela insegurança que o casal protagonista da «Invenção do Amor», de Daniel Filipe, sentiu quando, «numa tarde de chuva, entre zunidos de conversa», questionou «a verdade incontroversa das declarações políticas».
Hoje, é, de facto, o direito à liberdade e à segurança, garantido pelo artigo 27.º da Constituição, que o Governo quer pôr em causa, de uma forma arrogante e sem decoro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.

O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Plenário, a suscitar a nossa atenção em debate, temos a proposta de lei n.º 85/VI, que estabelece a obrigatoriedade de porte de documento de identificação para todas as pessoas maiores de 16 anos.
A proposta em apreço dá a conhecer, no conjunto do seu articulado, o regime jurídico que o Executivo, para a prossecução desse fim, gizou e que gostaria de, aqui, após discussão, ver aprovado pela Câmara.
Trata-se, no fundo, de enunciar e regular os requisitos que devem ser observados pelas forças de segurança na efectivação prática de tal medida e os procedimentos e cuidados que devem respeitar nos casos de insuficiência ou falta de documento ou mesmo de recusa de identificação.
De notar que a proposta ora em análise não aparece, nesta Casa, de uma forma abrupta, sem causa visível e desgarrada de antecedentes legislativos que a motivem e justifiquem. Ela surge, vai haurir a sua génese e razão de ser na própria Lei (Programa) n.º 20/87, que estabelece as bases de segurança interna. Aproveita-se, de resto, para recordar os Srs. Deputados que esta lei-quadro de segurança interna foi naquele ano de 1987 objecto de uma profunda e exaustiva análise e discussão neste mesmo Hemiciclo, por parte de todos os grupos parlamentares, que, afinal, de uma forma assaz expressiva, a sufragaram e coonestaram com o peso reforçado do seu voto.
A partir daí, com a sua aprovação e vigência, o Estado português, que não apenas o seu Governo, passou a contar e a estar municiado com mais este novo e relevantíssimo instrumento jurídico.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador:- De então para cá, os poderes públicos passaram a poder dar uma resposta mais eficaz a situações que pudessem pôr em perigo a segurança e tranquilidade públicas, permitindo o reforço da protecção devida aos cidadãos e viabilizando a prevenção e combate da prática de crimes violentos e organizados, cá dentro ou lá fora, assegurando que os seus agentes não fiquem impunes, fazendo-os responder e pagar pelos seus actos, até porque, todos o sabem, a nova refinada criminalidade internacional dispõe, hoje, graças ao prodigioso salto da tecnologia e da informática, de meios de concepção e de acção altamente eficazes e sofisticados.

O Sr. José Magalhães (PS): - O bilhete de identidade, desde logo! Que é a arma suprema do crime!...

O Orador: - Já lá vamos, Sr. Deputado!

Prevaleceu, por isso, nesse tempo, a necessidade premente, colectiva e individualmente sentida e experimentada, de dotar, defender e armar o Estado e a comunidade nacional dos meios legais absolutamente indispensáveis à prevenção e combate daquele tipo de marginalidade grave e organizada, não raro brutal, como os actos de sabotagem, terrorismo e de espionagem.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Pois é..., criminalidade, marginalidade, terrorismo...

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O Sr. José Magalhães (PS): - Começámos no bilhete de identidade e acabámos na bomba!

O Orador:- Foram, é bem de ver, a magnitude e relevância dos valores em jogo, como o reforço da ordem jurídica interna, a defesa da democracia, da liberdade e do Estado de direito que conduziram à obtenção de um largo consenso dos partidos democráticos, então aqui representados, na votação e aprovação da lei-quadro em referência.
Verdadeira lei de Estado, assim foi, no ensejo, qualificada, face à dimensão e importância dos objectivos nacionais que visava e visa prosseguir e tutelar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à proposta: feita, por razões óbvias, uma brevíssima excursão à Lei (catálogo) da Segurança Interna (Lei n.º 20/87), é já tempo de passarmos à análise especificada da proposta em exame e que daquela directa a imediatamente procede.
E, antes de mais, impõe-se uma recordatória, pois não podemos olvidar que uma e outra, isto é, quer a Lei n.º 20/87 quer a iniciativa legislativa que agora nos ocupa têm uma origem comum que é, como se sabe, a Constituição da República, a grande, rica e fecunda fonte por execelência do Direito legislado e a legislar.
Para vermos que assim é, bastará termos presente a previsão do artigo 272.º do nosso estatuto básico e logo concluiremos que a segurança interna é, como ali se diz, uma função de polícia, tal como o é a defesa da legalidade democrática e dos direitos dos cidadãos.
Assim, na esteira do aludido inciso constitucional e na lógica da hierarquia das normas, foi precisamente nele- artigo 272.º- que a Lei Quadro da Segurança Interna se inspirou e louvou para traçar o esboço legal constante dos artigos 16.º e seguintes, que integram o seu Capítulo IV e que, de uma forma expressa, tipifica, entre outras, as diversas medidas de polícia, classificando umas de carácter geral, como as tombadas nos n.ºs l e 2, e outras de natureza especial, que constam dos n.ºs 3 e 4 do mesmo imperativo legal.
Ora, na senda do exposto e examinado texto da proposta em questão, constatamos que a mesma se propõe disciplinar e efectivar, na prática, a concreta medida preventiva de polícia vazada na alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 20/87, que reza assim: «Exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito» - sublinho que é «ou»' e não «e» sujeito! - «a vigilância policial».

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é que é mau!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente, isso é que é mau!

O Orador: - Está na lei que V. Ex.ª, Sr. Deputado Narana Coissoró aqui aprovou, nesta Casa! Esta é a transcrição da lei que foi votada.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas falta ler o inciso!

O Sr. José Magalhães (PS):- Pois é! Leia a parte final! O Orador: - Já lá vamos, Srs. Deputados!

Aqui chegados, ocorre-nos igualmente... Aliás, Sr. Deputado José Magalhães deixe-me lembrar-lhe que V. Ex.ª nessa altura, em 1987, quando não estava nessa bancada mas na do PCP- V. Ex.ª deu um salto de qualidade enormísimo, dali para aí- foi um crítico assaz desta lei. Mas ali, não aí!

O Sr. José Magalhães (PS):- Mas votei a favor da correcção da norma!

O Orador: - Mas, como dizia, aqui chegados, ocorre-nos igualmente, deixar uma outra recordatória, que é a seguinte: a Lei n.º 20/87 não é, por si só, inteiramente auto-executável. Quer isto significar que muitos dos seus dispositivos precisam de outras leis que os regulamentem, permitindo-lhes a sua plena execução. É precisamente o caso do texto subjudice.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já aquando da discussão da Lei n.º 20/87 que é, repete-se, a fonte geradora imediata da actual proposta, se reconheceu, numa óptica constitucional, o melindre da questão face aos termos da redacção então dada à citada alínea b) do n.º 2 do seu artigo 16.º, que tipificou tal medida.
Aliás, da leitura atenta dos Diários que registaram, neste domínio da identificação, as posições de cada grupo parlamentar- o CDS-PP já está um pouco esquecido disso!-, pudemo-nos parificar e documentar sobre os pontos mais polémicos e controvertidos que, nessa ocasião, animaram o debate e em relação aos quais os Srs. Deputados externaram as suas reservas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - «Externaram»?!...

O Orador: - Externaram, sim, Sr. Deputado!

Sr. Deputado, além de lhe ter avivado a memória, que no seu caso é curta, não me obrigue a dizer-lhe para ir ao dicionário!

O Sr. José Magalhães (PS): - Pode ir à vontade que não encontra essa expressão!

O Orador:- Essas preocupações, se a memória nos não trai, giravam, todas elas, em torno de dois fundamentais valores, ambos com dignidade constitucional, a saber: o direito à liberdade e o direito à segurança.
Efectivamente, então como agora, não se tratava nem trata de questões utópicas ou meramente académicas. Quer o Governo quer os grupos parlamentares que intervieram nesse debate expressaram o desejo claro de que a norma a editar no futuro devesse prever comportamentos típicos que servissem de símile a atitudes reais e não ideais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ah! Isso agora é que V. Ex.ª tem de explicar!

O Orador:- Ponto é saber se o quadro estruturado na proposta do executivo realiza, com êxito, a espinhosa e delicada tarefa de servir os interesses da ordem pública e do Estado e, ao mesmo tempo, respeitar os direitos e garantias dos cidadãos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP):- Isso é uma opinião!

O Orador:- Por nós vistos à lupa e de uma forma reflectida os quatro perceitos que corporizam e esgo-

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tam a proposta, consideramos que a mesma é avisada e comedida, não maximalizando os objectivos nacionais da segurança interna em prejuízo de direitos fundamentais, como o da liberdade e o da segurança das pessoas.
Entendemos que, tal como está elaborada, ela vem dar uma resposta satisfatória às apreensões maiores explicitadas pelas diversas bancadas quando, nesse ano de 1987, esta mesma matéria, sem dúvida melindrosa, suscitou a sua reflexão jurídica e o seu posicionamento político.
Tomamos, pois, a liberdade de, valendo-nos deste ensejo, lembrar a Câmara e os Srs. Deputados das três principais e certeiras críticas arremessadas contra a medida de identificação, considerando o modo como, ao seu tempo, a então proposta de lei n.º 26/VI a formulou e redigiu:
A) A necessidade de assinar um prazo máximo, esgotado o qual a pessoa a identificar deve poder sair livremente e sem mais da esquadra de polícia;

Risos.

B) Objectivando prevenir o uso indevido da medida para fins alheios aos vertidos na lei, garantir um mecanismo de reacção documentado do qual a pessoa, porventura abusivamente detida, possa, caso queira, dele socorrer-se ou lançar mão;
C) Tratar e rodear o instituto da recusa ou insuficiência de identificação de molde a evitar criar uma figura próxima da garde à vue, claramente inconstitucional - a garde à vue, a chamada detenção sob custódia;
Ora, salvo sempre melhor opinião em contrário, estas três objecções que, já atrás adjectivámos de pertinentes e certeiras, surgem supridas e inteiramente salvaguardadas no articulado da proposta.
Com efeito, o seu artigo 3.º, in fine, dá satisfação e vem ao encontro daqueles parlamentares- e foram vários- que, em representação do seu grupo, reclamavam a fixação de um limite temporal de permanência na esquadra para fins de identificação.
Na economia da proposta optou-se por consignar um tempo não superior a seis horas, e que é o mesmo prazo preclusivo estatuído no artigo 250.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Ao assim se preceituar, julgamos terem sido eliminados os receios, na altura exteriorizados pelo PS (Deputado Jorge Lacão), pelo CDS (Deputado Andrade Pereira) e pelo PRD (Deputado Magalhães Mota) de a detenção poder ocorrer a uma sexta-feira e a pessoa a identificar ter de aguardar, detida, até à reabertura dos serviços de identificação na segunda-feira seguinte para apurar, concludentemente, a sua identidade e eventuais suspeitas pendentes.
Relativamente à segunda grande objecção, então agitada, também nos parece suficientemente coberta e acautelada na proposta, muito designadamente no n.º 6 do artigo 3.º, ao prescrever como obrigatória a redução a auto do procedimento de identificação efectuado na esquadra, nos termos desse mesmo artigo. E compreende-se que assim seja: é que desta forma a pessoa identificada fica municiada de um documento idóneo que a habilita, se for caso disso, a poder pedir responsabilidades ao agente e à corporação responsável pela detenção, eventualmente indevida. Funcionará, no caso, o auto como uma dupla garantia: para o cidadão que dele poderá lançar mão para fazer valer os seus direitos (conforme o artigo 27.º, n.º 5, da Constituição) e para defesa do prestígio e bom nome do agente e da própria corporação interveniente no acto.
Por fim, no que concerne à última objecção colocada em Plenário, ou seja, a de assegurar que o cumprimento desta medida não se transforme, em caso nenhum, não numa identificação mas numa prisão oculta, camuflada, julgamos que, também aqui, a proposta, sopesada a regulamentação cuidada e exaustiva que contém, aliada às formalidades e cautelas de que o seu articulado se cercou, terá exconjurado tal perigo (conforme artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.ºs 3, 4 e 6).
Acresce que, neste domínio das garantias individuais, não é despiciendo o facto de o próprio regime das medidas de polícia só poder ser editado por uma via solene, que é a legislativa, e não por qualquer outro instrumento normativo de hierarquia inferior. Opera, nestas situações, o princípio de reserva de lei que impõe que seja uma lei da Assembleia da República ou um decreto-lei autorizado, a disciplinar tais medidas de polícia, garantindo, desse modo, ao cidadão e ao acto legislado maior participação e publicidade.
Reconhecemos, no entanto, que não há soluções fáceis e muito menos nesta sede. Pensamos, todavia, que o regime jurídico por ela proposto, para assegurar a identificação pretendida, respeita, tal como está esquiçada, os princípios da necessidade, da exigibilidade e da proporcionalidade, até porque, é bom não esquecer, os fins primeiros a realizar pela Lei n.º 20/87 estão elencados e hierarquizados no n.º l do seu inciso 1.º. Ora, o normativo em debate vem regular uma medida cautelar, um meio de acção policial, que é, por natureza, instrumental em relação à defesa daquele núcleo de valores citado no preceito atrás referido. Consequentemente, objectivando a proposta em tela, nos seus termos, assegurar que a obrigatoriedade de identificação se cumpra, trata-se, sem dúvida, de medida de prevenção geral consequencial, em relação à efectivação daqueles interesses e valores aos quais esta Assembleia já conferiu, em 1987, a dignidade de lei.
Assim, considerando o exposto, julgamos que o quadro legal da proposta é não só razoável mas procedente e legítimo, por se entender como um meio necessário e apto à prossecução daqueles fins de segurança interna.
Por tudo isto, terá a proposta em causa a nossa aquiescência e aprovação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração, tem a palavra, por três minutos, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não teria pedido a palavra não fora o facto de o Sr. Deputado Cipriano Martins, no fim da sua intervenção, ter «externado» uma observação, à qual não posso ficar indiferente. E devo dizer que «externou» particularmente mal! Não porque não seja livre de «externar» o que lhe vai na alma e em qualquer outra parte relevante mas porque, na verdade, neste caso concreto, foi especialmente infeliz. E especifico porquê, nos termos regimentais: é que o processo de debate da Lei de Segurança Interna foi um daqueles que pôs à prova mais seguramente as capacidades da instituição parlamentar para travar um debate sobre uma matéria polémica em condições democráticas e capazes de conduzir a melhorias. E a verdade é que esse debate foi de uma extraordinária importância. Aliás, devo dizer que

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tive ocasião de me bater e de votar um largo volume das correcções que, afinal, vieram a ser incorporadas no texto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ele não sabe! Não tem memória para isso!

O Orador:- Mais ainda: em primeiro lugar, expurgou-se da Lei de Segurança Interna todo o conjunto de normas que regulavam a identificação dos cidadãos, todas as que especificamente regulavam essa matéria. Em segundo lugar, transferiu-se para o Código de Processo Penal, para o artigo 250.º, todas as normas aplicáveis em relação à identificação de suspeitos- e tive o cuidado de presidir à subcomissão que, com o Conselho Superior da Magistratura, a Ordem dos Advogados e outras entidades responsáveis nesta área, estudou e discutiu, ao milímetro, cada um daqueles clausulados e incluímos na autorização legislativa a referência às seis horas, que não constava do texto originário do Governo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ele tem memória curta!

O Orador: - E é preciso que esta memória não seja esquecida! Não a esqueço! Mais ainda: julgo lamentável que o Sr. Deputado não retire desse processo de debate a conclusão que seria normal e democrático tirar e que não me ofende, ressaltadas todas as questões colocadas e rupturas feitas politicamente.
O que se passa é o seguinte: houve aí a coragem de reconhecer que o texto original precisava de emendas! Se aqui tivesse havido gente que tivesse tomado a posição que V. Ex.ª ali tomou, na tribuna, o texto teria saído daqui como tinha entrado! Ora, isso teria sido mau, porque seria inconstitucional! E, assim, não foi! O Tribunal Constitucional não declarou a lei inconstitucional, nem qualquer partido a pediu- ninguém a pediu! -, o que é muito importante em termos de consenso democrático. E eu orgulho-me desse consenso democrático e desse esforço, que julgo importante. Ao dizer que não ofendeu a minha honra, gostaria que V. Ex.ª me respondesse, revelando disponibilidade para reproduzir aqui, em relação a esta proposta de lei sobre a identificação, a metodologia democrática que permitiu que ali e nessa altura histórica se evitasse um diploma que pudesse ser censurado pelo Tribunal Constitucional.
É isso que queremos, que é positivo, que é necessário e que é preciso para o País, pois o País precisa de regras de segurança e de estabilidade em matéria de identificação. Mas não se deve ser demagogo nessa matéria!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas para isso não é preciso dar um pontapé à Constituição!

Estamos disponíveis, Sr. Deputado Cipriano Martins, para encontrar, como disse o Sr. Deputado Alberto Costa, as soluções concretas que, respeitando a Constituição, dêem garantias de segurança.

Espero a sua resposta e não uma qualquer aleivosia que V. Ex.ª decida «externar».

O Sr. Presidente:- Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.

O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, li os Diários da Assembleia da República sobre a discussão desta matéria há alguns anos atrás e vi as posições do PCP, partido no qual V. Ex.ª se integrava aliás, espero que a ofensa não tenha sido por causa disso...

O Sr. José Magalhães (PS): - A ofensa foi por causa da insinuação!

O Orador: - Eu relatei um facto notório, conhecido e que, aliás, as listas dos deputados registam. Portanto, nesse aspecto o senhor não precisa de ser identificado!...

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!

O Orador: - Mas quero dizer-lhe mais, Sr. Deputado: o senhor deu também um contributo a nível pessoal, com o saber que tem nesta matéria, e muito bem, mas não esqueçamos que, na altura, VV. Ex.ªs votaram contra e foram, designadamente, o PS, o PRD e o CDS que mostraram na discussão desta lei ter uma posição de Estado, porque, na verdade, a lei não era do Governo mas, sim, para o Estado em benefício do Estado e dos cidadãos.
De facto, V. Ex.ª deu um contributo, mas quem ler as intervenções do seu partido nessa altura... Se vocês pudessem rasgar o texto, rasgavam!....

O Sr. José Magalhães (PS): - Concretamente, o quê?

O Orador: - E mais: tenho pena de dizer que, nessa altura, V. Ex.ª deu um contributo, em nome do seu partido, mas quando chegou a altura da votação todos os partidos democráticos representados nesta Casa votaram a lei, porque entenderam que era uma lei de Estado e de segurança interna, enquanto que o PCP, a que V. Ex.ª pertencia - no seu legítimo direito, aliás -, não votou na especialidade essa lei.
Na verdade, as leis de segurança interna só são necessárias em Estados de concepção democrática, livres, abertos e pluralistas, pois em outras sociedades em que não vigora este tipo de regime e em que haja ditaduras de esquerda ou de direita não é necessário haver leis de segurança interna, pois elas estão permanentemente em vigor- aliás, isso, na altura, foi lembrado ao PCP, mas aproveito para recordá-lo disso.
Finalmente, gostaria de dizer-lhe que aquilo que eu disse da Tribuna «externei» bem, só que V. Ex.ª não gostou do que ouviu, o que é diferente!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então faça favor de «externar», mas mude a proposta de lei!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de lei n.º 85/VI, que visa estabelecer a obrigatoriedade de porte de documento de identificação e com ele os nossos trabalhos de hoje.
Reuniremos amanhã para apreciar as ratificações n.ºs 104/VI - Decreto-Lei n.º 372/93, de 29 de Outubro, que altera a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação de Sectores); 108/VI - Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, que altera o Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (Aprova o Regime Jurídico das Infrac-

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ções Fiscais não Aduaneiras), 111/VI- Decreto-Lei n.º 408/93, de 14 de Dezembro, que aprova a Lei Orgânica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos; e ainda a proposta de resolução n.º 47/VI- Aprova, para ratificação, a Convenção para a Vigilância de Pessoas Condenadas ou Libertadas Condicionalmente. Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António de Carvalho Martins.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco José Fernandes Martins.
João José da Silva Maças.
João José Pedreira de Matos.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Angelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Luís Carlos David Nobre.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Augusto Fidalgo.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

Partido Socialista (PS):

Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jorge Lacão Costa.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

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