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18 DE MARÇO DE 1994 1685

Recenseamento Eleitoral) e 87/VI - Altera a Lei n º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu)».
Na pág. 1247, 2.ª cl., Is. 26 a 30, onde se lê «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias, alternativo à proposta de lei n.º 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral)», deve ler-se «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 86/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral)»,
Na mesma pág. e mesma coluna, Is. 36 a 40, onde se lê «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alternativo à proposta de lei n.º 87/VI - Altera a Lei n.º 14/87. de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu)», deve ler-se «Srs. Deputados, vamos proceder à votação do texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos. Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 87/VI - Altera a Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu)».
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD).

António Augusto Fidalgo.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos
Carlos de Almeida Figueiredo.
Cipriano Rodrigues Martins.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Albino da Silva Peneda.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Pereira Lopes.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
João António Gomes Proença.
Joaquim Dias da Silva Pinto
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Carlos Alberto Pinto
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva

Partido Socialista (PS)

Alberto de Sousa Martins.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Luís Santos da Costa.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP).

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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1688 I SÉRIE - NÚMERO 51

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.

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António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luis.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Ruí António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 389/VI - Elevação à categoria de vila da povoação de Lagares da Beira, no concelho de Oliveira do Hospital (PSD), que baixou à 5.ª Comissão; ratificação n.º 118/VI - Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de Março, que igualiza a situação contributiva dos funcionários da administração pública com os demais trabalhadores por conta de outrem, em matéria de segurança social (PCP).
Quero ainda anunciar que se encontram reunidas ou vão reunir as Comissões parlamentares de Economia, Finanças e Plano; Trabalho, Segurança Social e Família; Assuntos Europeus e a Subcomissão Permanente da Qualidade de Vida.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, o processo que conduziu à privatização da morgue do Hospital de Beja, com a consequente comercialização da morte, criou um tal mal-estar nos portugueses que, penso, seria urgente que o Sr. Ministro da Saúde pudesse vir aqui dar os esclarecimentos necessários. Nesse sentido solicito a V. Ex.ª que promova a sua vinda.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, farei seguir esse pedido para o Governo.

O Sr. António Murteira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem o mesmo fundamento que a apresentada pelo Sr. Deputado do Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este caso chocante da existência de um negócio com a morte das pessoas teve certamente origem na filosofia do PSD «Menor Estado, melhor Estado!»
No Grupo Parlamentar do PCP recebemos um conjunto de documentos assinados por 23 agências funerárias da região e, por isso, pedimos à Mesa que tome medidas para que sejam esclarecidas as seguintes questões levantadas

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nestes documentos: responsabilidade política do Governo e da administração do Hospital Distrital de Beja na concessão da exploração da casa mortuária em que parece ter havido irregularidades e ilegalidades; apuramento de irregularidades e ilegalidades na forma como a empresa que tomou conta da casa mortuária fez a respectiva exploração; averiguação da veracidade ou não das acusações que o empresário fez em relação a um deputado do PSD por Beja e ao director do hospital e em que disse ter entregue uma quantia no sentido de os subornar com o objectivo de conseguir a exploração da respectiva casa mortuária.
Assim, requeremos à Mesa que tome medidas para apuramento destas situações.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, depois do que aqui foi afirmado e do que tem vindo a público, quero pedir a V. Ex.ª que rapidamente seja estabelecida uma comissão de inquérito parlamentar para apuramento dos actos relacionados com a morgue do Hospital de Beja e com a minha actividade como político eventualmente implicado nessa situação. Se for necessário, suspenderei o meu mandato até que essa comissão parlamentar possa chegar a conclusões definitivas e rápidas sobre o assunto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Câmara e a Mesa tomaram nota das declarações proferidas a este respeito.
Vamos iniciar a interpelação ao Governo n.º 16/VI - Sobre a política de ambiente e de ordenamento do território do Governo e a qualidade de vida dos portugueses, da iniciativa de Os Verdes.
Para uma intervenção, em nome do Partido interpelante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado - a Sr.ª Ministra mais uma vez primou pela ausência -, Sr.ªs e Srs. Deputados: Há mais de 20 anos entrou definitivamente no quotidiano. Era ainda uma questão muito localizada, uma preocupação nascida nos chamados países desenvolvidos. Aqueles cujo processo de crescimento tinha mais cedo provocado a deterioração do meio ambiente e efeitos cujos sinais passaram a constituir problema, a afectar a vida das pessoas e o seu bem-estar. A sua segurança. A sua saúde.
O perigo do nuclear. As marés negras. A crise energética. A poluição.
Foi em 1972, em Estocolmo, no tempo da 1.ª Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, a tomada de consciência de que há só uma Terra. A adopção de medidas para controlar a herança do que se julgava ser o progresso. A compreensão do carácter finito dos recursos face ao seu esgotamento, dos limites do próprio crescimento e a definição dos contornos de um desenvolvimento harmonioso futuro.
Mas foi igualmente o equacionar o meio ambiente centrado em torno dos seres humanos como parte integrante dele e a definição de uma nova geração de direitos face à sua degradação. O direito à água potável. Ao silêncio. Ao ar puro. À segurança. À saúde. O direito, afinal, a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado.
De 1972 ficavam, portanto e no essencial, acordos de cooperação internacional. E um pouco por todo o lado mecanismos institucionais e jurídicos para gerir consequências. Novos instrumentos para definir o desenvolvimento, controlar a poluição. Gerir os recursos.
Instrumentos e mecanismos que, aliás, Portugal, nessa mesma perspectiva, introduziu no seu ordenamento jurídico. Na Constituição da República, considerando, desde 1976, o direito ao ambiente como um direito fundamental da pessoa humana. Na Lei de Bases, desde 1987, ao admitir não só ser o ambiente um direito de todos os cidadãos, mas ter a sua política por fim optimizar e garantir a continuidade da utilização qualitativa e quantitativa dos recursos, como pressuposto de um desenvolvimento auto-sustentado.
Mais, uma lei que consubstanciava nos seus princípios específicos, da prevenção à responsabilização, tudo o que correcta e formalmente uma lei deveria conter, tudo ou quase tudo o que a prática destes anos teimou negar.
Uma prática que na água (ela é um elemento essencial à vida da qual depende a saúde humana) tem permitido que não sejam observadas normas de qualidade embora estabelecidas.
Que a fiscalização seja feita por um quadro de inspectores que não chega a meia dúzia;
Que persista um sistema de análise para controlo da qualidade manifestamente insuficiente e feito por laboratórios que na maior parte das casos nem creditados estão;
Que existam projectos de despoluição velhos de anos, assumidos e conduzidos pelo Governo que nunca chegaram a concluir-se, como o da Costa do Sol;
Que sejam licenciadas indústrias que iniciaram a sua laboração sem, como a lei obriga, estarem dotadas de equipamento de despoluição;
Que 46 % das indústrias permaneçam clandestinas e 98 % das legais não tenham licença de descarga;
Que reine a barafunda nas competências para gerir e administrar e o absurdo se instale em rios geridos aos pedaços;
Que sistemas institucionais de gestão de recursos hídricos se revoguem sem sequer terem sido experimentados;
Que a Bacia Hidrográfica não seja unidade de gestão e planeamento;
Que os recursos hídricos, embora fundamentais ao desenvolvimento, continuem a ser geridos casuisticamente, como aliás evidencia a irresponsável posição de Portugal face ao Plano Hidrológico Espanhol;
Uma prática que para o ar, cuja poluição tem óbvios e directos efeitos na saúde, nomeadamente responsável pelas asmas, doenças respiratórias e cancro, tolerou:
Que se criasse uma lei que estabelece a qualidade, mas ficasse por regulamentar, ou seja, que não servisse para nada;
Que se licenciassem empresas violando a lei e sem nelas estarem instalados equipamentos de despoluição;
Que elas funcionassem sem obedecer a parâmetros;
Que não houvesse fiscalização;
Que a rede de medições fosse mal localizada. Obsoleta. Funcionasse em part time.
Uma prática que admitiu, sendo o ruído uma das maiores causas de perturbação da saúde física e mental, que não fosse fiscalizado e se degrade ao consentir:
Que o controlo sobre si efectuado não funcione por dispersão e sobreposição de competências;
Que não haja normas de licenciamentos específicos nem para as indústrias nem para os serviços;
Uma prática que, das escassas 21 áreas protegidas criadas permite que só três tenham planos de ordenamento;
Que as decretou no papel, mas não as dotou de meios técnicos e humanos para as conservar e fazer viver;
Que ora as entende com a rigidez estática de museus envelhecidos e desertificados onde tudo é proibido e onde

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António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Enrico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Ruí António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luíe Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular. (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 389/VI - Elevação à categoria de vila da povoação de Lagares da Beira, no concelho de Oliveira do Hospital (PSD), que baixou à 5.ª Comissão; ratificação n.º 118/VI - Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de Março, que igualiza a situação contributiva dos funcionários da administração pública com os demais trabalhadores por conta de outrem, em matéria de segurança social (PCP).
Quero ainda anunciar que se encontram reunidas ou vão reunir as Comissões parlamentares de Economia, Finanças e Plano; Trabalho, Segurança Social e Família; Assuntos Europeus e a Subcomissão Permanente da Qualidade de Vida.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, o processo que conduziu à privatização da morgue do Hospital de Beja, com a consequente comercialização da morte, criou um tal mal-estar nos portugueses que, penso, seria urgente que o Sr. Ministro da Saúde pudesse vir aqui dar os esclarecimentos necessários. Nesse sentido solicito a V. Ex.ª que promova a sua vinda.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, farei seguir esse pedido para o Governo.

O Sr. António Murteira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem o mesmo fundamento que a apresentada pelo Sr. Deputado do Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este caso chocante da existência de um negócio com a morte das pessoas teve certamente origem na filosofia do PSD «Menor Estado, melhor Estado!»
No Grupo Parlamentar do PCP recebemos um conjunto de documentos assinados por 23 agências funerárias da região e, por isso, pedimos à Mesa que tome medidas para que sejam esclarecidas as seguintes questões levantadas

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que as Convenções aprovadas e em rigor definem, Guias de acção que a Agenda 21 estabelece. Uns e outros no nosso caso articulados com o V Programa Comunitário de Ambiente.
O que resta hoje saber e sendo particularmente visível em Portugal a desertificação e a seca que assolam o Alentejo e o Algarve e visíveis também as alterações climáticas nas variações de precipitação, face às Convenções em vigor, é como é que os vários elementos estratégicos que intervêm nessa mudança se vão traduzir.
Como? Quando? Com que meios? Na indústria, nos transportes, na energia, na agricultura.
No fundo, saber, face à passividade perante a multiplicação de emissões de gases nas indústrias e nos transportes, como é que elas se vão reduzir.

omo? Quando? Com que meios? A fiscalização. A instalação de equipamentos. A reconversão tecnológica.
O que importa saber, perante a redução de oferta do transporte público e conhecida a forma caótica como o número de veículos nas cidades têm aumentado e contribuindo, particularmente no Porto e Lisboa, para brutais aumentos da poluição e face à passividade do Governo, é:
Como, quando e com que meios é que se vai investir numa política de transportes de qualidade que permita reduzir o recurso ao transporte privado e dessa forma reduzir as emissões que contribuem para o efeito de estufa? Uma política diversificada de transportes que contemple soluções múltiplas e menos poluentes.
O que importa saber é, face ao desperdício energético que ronda os 20 %, sem que o Governo tome medidas e perante a paralisação do Plano Energético Nacional, é:
Como? Quando? E com que meios? Uma política energética que incentive a eficácia nos consumos domésticos, na indústria, nos transportes e nos serviços;
Que favoreça a conservação e a nacionalidade energéticas;
Que apoie as energias alternativas;
Que favoreça técnicas de construção energética e ambientalmente correctas;
Que promova a arquitectura bioclimática;
Que incentive a melhoria da qualidade dos combustíveis e do seu consumo, em vez de o contrariar, como o fez com o aumento da gasolina verde.
Face a uma PAC que impõe a redução da actividade agrícola e projectos de pseudo-desenvolvimento feitos de campos de golfe e coutadas que em muitos concelhos tapam mais de 60 % do território com arame farpado, saber:
Como? Quando? Com que meios? A criação de condições de desenvolvimento e fixação das populações nas zonas rurais, com criação de empregos e projectos ecologicamente sustentáveis que garantam a biodiversidade.
Face a uma agricultura ambientalmente agressora, feita de monocultura e químicos que o Governo durante anos promoveu como exemplares, nomeadamente no Brejão, e quando se prepara o financiamento de mais eucalipto, saber:
Como? Quando? Com que meios? Favorecer práticas agrícolas que garantam a segurança alimentar, a diversidade e qualidade ambiental e que garantam a preservação da floresta mediterrânica e estanquem o êxodo para o litoral.
Face à agressão de espécies protegidas e destruição de importantes ecossistemas que o regime cinegético em vigor tem fomentado, saber:
Como? Quando? Com que meios? Preservar a diversidade genética, pôr fim ao extermínio e salvaguardar os biótopos, protegendo as áreas protegidas e o seu desenvolvimento sustentado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: É pois uma mudança que tem implícita uma estratégia para modificação de modelos de consumo e promoção de novas formas de produzir, de consumir, de viver.
Que exige informação partilhada, educação para transformar conceitos, padrões culturais e de consumo.
Uma mudança que propicie a redução de desperdício, a sua valorização, reutilizando, recuperando, reciclando e utilizando para tal eficazes instrumentos económicos e incentivos fiscais.
Uma mudança que favoreça na indústria processos ambientalmente correctos, que promova e nela faça convergir e aproximar Governo, industriais e universidades até hoje tão lamentavelmente separados.
Um processo que dê voz à comunidade científica para sustentar as transformações e as modificações em vez de a segregar e recear, como tem feito.
Um processo que se abra à sociedade civil e às Organizações Não Governamentais e as envolva e as oiça em vez de as menorizar ou tentar manipular, como a extinção do INAMB comprova. Organizações de mulheres, profissionais, científicas, patronais, sindicais, de consumidores, de desenvolvimento, ambientalistas, autarquias, todos aqueles em função dos quais as mudanças são necessárias e possíveis se por elas participadas e construídas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A acusação que hoje fazemos ao Governo e objecto da nossa interpelação, não é irrealista, mas sustentada na realidade dos números e na realidade vivida pelos portugueses. Tão pouco irrealista o foram ao longo dos anos as propostas de que os partidos verdes foram portadores. E se bem que durante anos fôssemos sendo olhados ora com ar jocoso, ora com paternalismo, ora com interesse utilitário de quem se quis e só apropriar de conceitos, o facto é que o tempo deu razão aos nossos alertas e às nossas propostas.
Trata-se pois hoje, como sempre o fizemos, de questionar o desenvolvimento. Não porque o neguemos. Não porque recusemos o progresso. Não porque defendamos um hipotético retorno ao passado ou o congelamento da História.
Mas porque queremos discutir o desenvolvimento em si mesmo. O seu conteúdo. E a forma empobrecedora como ele tem sido caracterizado. Questioná-lo é recusar torná-lo exclusivo sinónimo de elevação de indicadores económicos. É dar-lhe uma nova dimensão social, cultural, ecológica. Mais humana. Que sirva para hoje mas não esgote o amanhã. Que apoiada no conhecimento técnico e científico garanta o futuro e seja democraticamente partilhada.
Fazê-lo significa no fundo e tão só, compreender o velho ditado índio: «Não herdámos a terra dos nossos avós, pedimo-la emprestada aos nossos filhos».

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para a intervenção inicial, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (Joaquim Poças Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvindo o discurso da Sr.ª Deputada do Partido Ecologista Os Verdes creio que não reconhecemos o país de que a Sr.ª Deputada falou. V. Ex.ª fez um diagnóstico pessimista em que identificou, com óbvio exagero, coisas que falta fazer, omitindo o que está feito. Foi o discurso de quem não tem de fazer opções, de quem não tem de gerir recursos escassos. Nós reconhecemos que nem tudo está feito mas sabemos que hoje a situação está melhor do que ontem e que amanhã vai estar melhor

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se nega compensações que permitam às comunidades nelas permanecer com apoios a projectos alternativos de desenvolvimento local. Ora as oferece escandalosamente à especulação imobiliária, como na Área de Paisagem Protegida Sintra-Cascais, simultaneamente tornada Parque a pretexto de melhor protecção e entregue à especulação como nos projectos do Raso e do Abano.
Uma prática que obriga a duvidar do próprio crédito dos estudos de impacte ambiental, por directiva comunitária tornados obrigatórios, quando eles têm sido na maior parte dos casos feitos por encomenda para justificar obras já aprovadas;
Quando não estabelecem regras claras para o seu conteúdo, prazo e condições de consulta e discussão pública;
Quando são mais alvo de excepções do que de regra, como o prova o traçado das estradas principais e todo o Plano Rodoviário Nacional feito à sua revelia.
E que não são vinculativos. E agora, ao que parece, vão ser dispensados no traçado do gasoduto.
Uma prática que leva a interrogar afinal que desenvolvimento harmonioso se promoveu nestes quase 10 anos de Comunidade, nestes quase 10 anos de PSD/poder.
Que controlo da poluição?
Que gestão de recursos?
Que segurança? Que saúde?
Mas, vejamos os números da década do dito desenvolvimento:
12 % das populações raianas foram empurradas para o litoral;
1/4 dos Portugueses foram expulsos dos campos para a cidade;
No litoral, só entre a faixa compreendida entre a Grande Lisboa e o Grande Porto, concentram-se cerca de sete milhões de portugueses;
As pressões urbanísticas aumentaram como nunca e 90 % da actividade turística concentra-se junto à costa;
As cidades cresceram incontroladamente. O ambiente urbano degradou-se. Com mais ruído. Mais poluição. Mais stress. Menos saúde.
A poluição marítima só com os acidentes do porto de Sines, da Madeira e Porto Santo somou num ano 36 000 toneladas de crude derramadas, fora as descargas constantes sem qualquer vigilância.
As águas balneares, particularmente junto às cidades do Porto e Lisboa, oferecem risco para a saúde pública;
Só 21 % dos portugueses são servidos por ETAR;
48 % por rede de esgotos;
77 % por abastecimento de água.
A produção de resíduos sólidos urbanos aumentou 40 %, embora só menos de 1/4 tenha tratamento adequado, ou seja, 1 755 000 toneladas/ano não o têm;
Das 1 300 000 toneladas/ano de resíduos tóxico-perigosos, 75 % são depositadas no solo sem qualquer tratamento e dispersas, segundo dados da Comissão Comunitária, em 1800 pontos negros no país;
Das 50.000 toneladas dos resíduos hospitalares, metade das quais contaminadas, apenas menos de metade é incinerado.
As emissões de poluentes aumentaram, tendo só o dióxido de enxofre - responsável directo pela asma e bronquite - triplicado em 10 anos.
25 % dos nos portugueses estão contaminados, na sua grande parte devido às indústrias.
Cerca de 136 000 hectares de floresta foram destruídos pelo fogo, grande parte dos quais logo ocupados por eucaliptos que representam hoje 13 % do total floresta em Portugal.
Os fogos aumentaram 51 % em relação à década anterior.
A desertificação aumentou, bem como a erosão dos solos que hoje atinge 30 % do território.
Cerca de 170 espécies animais, particularmente aves, estão em vias de extinção e o mesmo se passa com 100 espécies vegetais.
A doença aumentou. 2/3 dos doentes de oncologia do Porto são provenientes de Estarreja e a taxa de mortalidade média por cancro, nos homens, é aí fortemente superior à média nacional.
Este é, pois, o retrato da década dita de desenvolvimento. A década do extermínio silencioso da natureza e dos homens. De Portugal como caixote de lixo da Europa com a eucaliptização e a instalação das celuloses.
Mas esta é também a década, e deixemo-nos de hipocrisias, que tem responsáveis. E responsáveis com nome.
O PSD há quase 10 anos instalado no poder. Sem interrupções;
Responsável porque deliberadamente manteve vazios legislativos;
Responsável porque deliberadamente não criou condições para o cumprimento da legislação;
Responsável porque deliberadamente manteve estruturas de gestão ineficazes e desajustadas;
Responsável porque deliberadamente cúmplice da violação da lei;
Responsável porque protagonizador, ele próprio, da agressão;
Responsável porque incapaz de gerir os fundos financeiros de que dispôs;
Responsável porque incapaz de agir minimizando os custos ambientais de algumas opções inerentes ao processos de adesão;
Responsável porque incapaz de definir uma estratégia. De hierarquizar prioridades. De implementar decisões para a resolução dos graves problemas ambientais.
Uma responsabilidade que hoje nem mesmo a doce sedução de quem inocente parece ter acabado de chegar ao poder permite escamotear;
A responsabilidade de quem sendo poder fala em tom crítico e distante, brincando às oposições;
A responsabilidade de quem, pela milionésima vez, abre e retira encantado da gaveta mais um dos amarelecidos projectos que aí jazem para entreter grupos de trabalho a cujas conclusões ninguém ligará, mas servirão e tão-só para gerir ciclos eleitorais e servir operações de propaganda com anúncios diversificados.
Projectos ora em vias de estudo;
Ora em vias de projecto;
Ora em elaboração;
Ora em discussão;
Ora concluídos e enviados para o lixo a que tão-só se destinam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, pois, perante uma situação que não se compadece com mais irresponsabilidade. Que não consente mais desperdício de recursos, sobretudo o do tempo.
De facto, o que hoje interessa aos portugueses não é tanto o que, como hipótese, se anda a pensar vagamente poder, eventualmente e no âmbito de qualquer coisa, vir a fazer sem se saber quando nem como. Mas sim o que objectivamente se faça. Com metas, meios e data marcada.
A Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento - Eco/92 - demonstrou cientificamente que estamos perante a globalização e agravamento de uma crise ecológica sem paralelo, que coloca em risco a própria Humanidade. A nossa sobrevivência. O nosso futuro comum.
Mas demonstrou igualmente que existem soluções e alternativas se em tempo útil adoptadas. Códigos de conduta

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municipais previstas no diploma respectivo e o apoio às autarquias locais que pretendam lançar concursos públicos de concessão dos seus serviços de saneamento básico.
A empresarialização vai permitir que, mais cedo, os portugueses tenham acesso aos serviços de qualidade de que precisam e que não são suficientemente preenchidos com as verbas orçamentais, quer do Governo, quer das autarquias, quer dos próprios fundos comunitários.
Em segundo lugar, no que diz respeito à gestão dos recursos hídricos, realçaria a criação das unidades de planeamento que irão coordenar a elaboração do Plano Nacional da Água e dos Planos de Bacia, assim como os Conselhos de Bacia Hidrográfica, previstos no diploma de planeamento, constituídos por representantes dos utilizadores de cada bacia e dos quais já se registaram duas primeiras reuniões: a do Conselho do Douro e a do Conselho do Leça; e, já na próxima sexta-feira, irá realizar-se a primeira reunião do Conselho de Bacia do Liz, seguindo-se outras, muito brevemente.
Não posso deixar de salientar aqui a importância que atribuímos ao processo de planeamento integrado e participado das bacias hidrográficas: trata-se, em nossa opinião, de um instrumento indispensável para conferir coerência ao conjunto de actuações dos vários agentes presentes numa bacia, e optimizar os esforços, nomeadamente de investimentos, que haverá que realizar. Devendo estar terminados num prazo de tempo de dois a três anos, estes planos virão a consolidar e racionalizar os investimentos e actuações previstos para a segunda fase do presente Quadro Comunitário de Apoio.
Ainda neste domínio da gestão dos recursos hídricos, e continuando a falar de coisas concretas que estão a ser feitas já, gostaria de realçar que o presente ano será aquilo a que chamamos, no domínio do licenciamento, o ano do cadastro.
A aplicação dos novos regimes de licenciamento e de taxas, sem mencionar o próprio processo do planeamento das bacias hidrográficas, exige um conhecimento actualizado do universo dos utilizadores e das utilizações dos recursos hídricos. Adoptou-se um modelo de declaração voluntária, com incentivo directo ao licenciamento através de um regime de taxas de utilização do domínio hídrico progressivas, com grandes reduções nos primeiros anos para quem cumprir atempadamente o dever da declaração.
Para além destas áreas novas, no sector da água, continuam os esforços no sentido da monitorização e da fiscalização, bem como as acções de resolução dos problemas mais graves, quer no domínio do abastecimento de água e regularização fluvial, quer com a construção de reservas estratégicas de água, nomeadamente barragens de fins múltiplos (e, desses sistemas de abastecimento de água, são exemplo os sistemas do Cávado, do Sotavento e Barlavento algarvios), quer ainda, como referi há pouco, no domínio da despoluição, de casos difíceis, de décadas, como sejam os casos do Leça, do Alviela, do Trancão e do Liz.
No domínio da preservação dos espaços naturais, espaços mais sensíveis do território, gostaria de mencionar duas áreas às quais demos particular atenção: ao litoral e às áreas protegidas.
No caso do litoral, desenvolvemos dois tipos de acções: umas de curto prazo, que visam corrigir as situações consideradas mais críticas nesta área. Por um lado, já no corrente ano, um dos anos em que houve maior actuação do mar sobre a costa, há problemas concretos de avanço do mar. Com efeito, este é o pior dos últimos 15 anos neste domínio e temos de actuar no concreto com acções de emergência, no sentido de proteger pessoas e bens, nomeadamente no litoral norte e no litoral centro.
No que diz respeito à qualificação das praias, já foi realizado um levantamento exaustivo de todas as ocupações fixas e sazonais das praias, avaliada a situação dessas ocupações - e, este ano, já estão notificados os ocupantes destas instalações -, devendo, de acordo com critérios claros, ser cumpridos genericamente alguns objectivos de resolução dos problemas mais urgentes já nesta época balnear.
Em segundo lugar, numa perspectiva de curto e médio prazo, é necessário proceder aos Planos de Ordenamento da Orla Costeira, de que disporemos já em 1994. Trata-se de planos para duas áreas muito relevantes - o sudoeste alentejano, costa vicentina, e o barlavento algarvio - às quais, por motivos óbvios, quer de ocupação, quer de sensibilidade, foi dada prioridade especial. No final de 1995, esperamos ter concluídos todos os Planos de Ordenamento da Orla Costeira.
No que diz respeito às áreas protegidas, temos neste momento um quadro financeiro substancialmente acrescido - recordo que este ano duplicámos o orçamento do Instituto de Conservação da Natureza e prevemos manter este nível de orçamento duplo relativamente ao ano anterior de forma sustentável até ao fim da década.
Nas áreas protegidas vamos privilegiar claramente quatro tipos de intervenção: acções de conservação da natureza; acções de formação e informação ambiental; apoio ao desenvolvimento local; e recreio e lazer.
Finalmente, gostaria de fazer uma referência muito especial à educação e à formação ambiental. No domínio da educação ambiental, privilegiamos a inserção da componente ambiental nas disciplinas do ensino formal e a vivência directa nas áreas protegidas, bem como o desenvolvimento de projectos conjuntos com organizações não governamentais - por exemplo, ontem, tive o prazer de inaugurar uma iniciativa em conjunto com a Quercus em Palmela.
Brevemente, no que diz respeito à formação no domínio do ambiente, disporemos de um estudo que nos faltava sobre as necessidades de formação ambiental e que constituirá a base para um novo programa-quadro que não existia antes, para implementar durante os próximos seis anos, abrangendo perfis profissionais tão distintos como professores, bombeiros, gestores, etc., que beneficiarão de formação na área ambiental.
Neste momento não gostaria de me alongar mais na descrição dos numerosos projectos e acções em curso no Ministério, reservando para a fase seguinte, de debate, os esclarecimentos necessários em respostas às perguntas que, certamente, surgirão.
Quero terminar dizendo o seguinte: muito foi feito mas reconhecemos que ainda falta fazer muito.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Essa é uma frase velha!

O Orador: - Algumas iniciativas têm de se concretizar em dias, dado o seu carácter de emergência. Por exemplo, as reparações do litoral.
Outras demoram meses. É o caso dos estudos e directrizes de licenciamento que terão de ocorrer durante o período de realização dos planos que, há pouco, referi.
Há outras iniciativas que demoram anos, nomeadamente os planos e as acções de despoluição de rios e também os sistemas de abastecimento de água.
Há outras ainda que demoram décadas, como sejam as mudanças de comportamento dos cidadãos.

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Temos de distinguir bem as situações e, essencialmente, ter um percurso claro a seguir, com passos bem definidos, e prossegui-los com segurança e determinação. É isso que estamos a tentar, conscientes, no entanto, de que não podemos nem queremos fazê-lo sozinhos.
A política de ambiente é uma política de todos - do Governo, das autarquias, dos restantes órgãos de soberania, das empresas e dos próprios cidadãos em geral.
Estamos confiantes na maioridade que já atingimos em Portugal nesta matéria, que nos impede de voltar para trás e de comprometer aquilo de que depende o futuro do nosso país: um desenvolvimento sustentado, assente no que consideramos uma vantagem comparativa para Portugal - a qualidade do ambiente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Isabel Castro inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Sá, Mérioo Maciel, José Silva Costa, Duarte Pacheco, Nuno Ribeiro da Silva e João Matos e ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor os Srs. Deputados André Martins, Luís Sá, Narana Coissoró, José Sócrates, Isabel Castro, Crisóstomo Teixeira, José Silva Costa, João Rui de Almeida, José Manuel Maia, António Martinho, Ferreira Ramos, Luís Peixoto, Carlos Luís, António Murteira, Mário Tomé e Manuel Sérgio.
Assim sendo, para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Isabel Castro tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, em primeiro lugar gostaria de cumprimentar o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes pela oportunidade desta interpelação.
Na verdade, trata-se de um problema nacional, internacional, local e comunitário da maior importância, pelo que é sempre oportuno que este órgão de soberania tenha a possibilidade de debater esta tão importante questão.
Creio que a sua intervenção demonstrou claramente os problemas muito graves que continuam a existir no País relativamente a esta matéria.
Pelo contrário, a intervenção do Governo mostrou que continua a haver dispersão e inconsistência na prática de uma política ambiental que é pouco eficaz e clara. Para o Governo o ambiente não é uma verdadeira convicção mas, antes, um enfeite, em que a diferença entre as palavras e os actos é efectivamente muito profunda. De resto, o ambiente não surge como estando presente na política de todos os outros ministérios, integrado em todas as outras políticas mas, sim, remetido a um Ministério que é uma espécie de «parente pobre» que o Governo tem de tolerar porque o ambiente está na moda.
A verdade é que ainda não surgiu uma clara concepção de desenvolvimento, em que o ambiente seja não apenas uma componente mas a própria condição para que ele exista.
Sr.ª Deputada, quero colocar-lhe duas questões.
Em primeiro lugar, na altura em que se realizou a ECO 92 no Rio de Janeiro o Governo português ocupava a presidência da Comunidade Europeia, aliás com uma postura de grande arrogância. É sabido que essa Conferência ficou claramente aquém das expectativas que era legítimo alimentar em relação a ela. Desde aí já se percorreu um longo caminho, pelo que lhe pergunto como avalia este período posterior à ECO 92?
A segunda questão é esta: face à legítima preocupação com a biodiversidade, como avalia V. Ex.ª o regime cinegético que está em vigor em Portugal?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, em primeiro lugar gostaria de agradecer as questões que colocou.
Em relação à ECO 92, julgo que é interessante situar-mo-nos, até porque a memória de alguns é curta. Face àquilo que foi hoje o discurso do Sr. Secretário de Estado, em que falou de participação, de discussão e de envolvimento, é bom que nos lembremos do que foi a prática da preparação dessa mesma Conferência - e, como se recordam, nós já debatemos esta questão na Assembleia da República.
A preparação da participação portuguesa foi extremamente pobre; as organizações portuguesas, embora tivessem vontade de participar activamente, foram segregadas de todo este processo - aliás, o relatório elaborado por Portugal não traduzia minimamente aquilo que eram os nossos problemas nem correspondia à participação e discussão públicas que as organizações queriam fazer. Portanto, é bom recuar e lembrarmo-nos desta questão.
Colocar aqui este problema tem, pois, toda a pertinência porque, como também se recordam, o então Ministro do Ambiente português, que simultaneamente tinha a presidência portuguesa no Conselho Europeu do Ambiente, quando veio aqui discutir a questão da Conferência do Rio, falou sempre com uma grande jactância em relação às próprias decisões do Rio, criticando o seu carácter menos preciso já que não estabeleciam datas, prazos e mecanismos financeiros que permitissem que a Agenda 21 e as convenções aprovadas tivessem um conteúdo e uma implementação rápidas. Não só fez críticas a essa constatação, a esse facto, que teoricamente eram muito legítimas, como, numa reunião da Globo em Lisboa, se permitiu fazer um discurso extremamente áspero, em que criticou a hipocrisia daqueles governos que têm grandes discursos ambientalistas mas que não são capazes de levar à prática as decisões do Rio. Supostamente fez esta crítica como se o Governo português fosse operar uma grande mudança, uma grande revolução e levar de imediato à prática - como, aliás, nessa altura afirmava - as decisões dessa Conferência.
De facto, dois anos passaram sobre essa data! O Sr. Secretário de Estado esteve há pouco tempo no Parlamento a responder-me a esta questão e disse-nos aqui, com toda a ligeireza, o que é que efectivamente em relação à aplicação da Agenda 21 se tinha alterado, que o desenvolvimento sustentado (que não é uma coisa abstracta) significa diferentes modos de viver, de produzir, de consumir, isto é, alterar radicalmente a informação, fazer participar todos os agentes, os industriais e investir na modernização tecnológica. Enfim, referiu-se com todo o desplante à Convenção, dizendo que ela só entraria em vigor em Março.
Se durante todo este tempo nada se fez - e é disso que se trata! - não havia grande problema. Para o Governo era só esta questão que se colocava. Sobre isto estamos entendidos!
O regime cinegético em vigor é efectivamente um regime que viola, contraria totalmente aquilo que é definido na Convenção da Biodiversidade sobre Protecção da Fauna e da Flora. É bom que nos lembremos que curiosamente esse regime cinegético funciona em áreas, sobretudo no Alentejo, que têm mais de 60 % do seu território ocupado por arame farpado e onde as coutadas são, de facto, um factor de extermínio das espécies.

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Como sabe, as coisas não têm só uma cor nem uma só solução e, como há várias soluções possíveis, tem de ser ponderado se a melhor é a de Sines, a de Estarreja ou a de não sei onde, em Castelo Branco. Há que ponderar as várias soluções, considerando não só os factores de risco ambiental mas também um conjunto de outros factores que, ao que parece, o Governo desconhece, já que não tem imprimido à discussão o acesso a informações que permitam, em rigor, saber qual é a solução menos agressiva para o meio ambiente.
E se me pergunta se somos partidários das incineradoras, se tem curiosidade em relação a isso, devo dizer-lhe que somos contrários a incineradoras como resolução de problemas de resíduos sólidos urbanos. Aliás, esse é um princípio que contraria tudo o que, hoje, se provou não ser tecnologicamente adequado e contraria, aliás, o princípio da prevenção da redução na origem da reutilização da valorização do desperdício e da reciclagem, porque ou se defende uma coisa ou se defende a outra.
Portanto, em relação aos resíduos sólidos urbanos, é evidente que não somos partidários dessa solução, somos contra ela. Pensamos que tem de intervir-se na origem, sendo que isto significa uma grande educação ambiental e não uns "projetezecos" de faz de conta, a distribuição de uns "panfletezinhos" onde se diz umas coisas vagamente e nomeadamente até se diz às pessoas, normalmente em papel reciclado, que devem alterar modos de comportamento, que devem reciclar, mas até nesta Assembleia, onde há uma deliberação nesse sentido, não se implementa o uso do papel reciclado. Portanto, não é disso que se trata, mas sim de uma abordagem séria e frontal dos problemas.
Concretamente em relação aos resíduos tóxico-perigosos, é evidente que ele tem de ser solucionado e, se calhar, a solução passa por uma incineradora. Agora por onde passa seguramente é por uma discussão, pela adopção das soluções tecnológicas mais avançadas, que se pagam mas que existem, e passa também por estudos de impacte ambiental e pela discussão frontal e aberta com toda a população, com todos os agentes envolvidos, para que a solução seja mais correcta.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro: A sua intervenção não trouxe nada de novo, foi o discurso oficial do vosso partido: tudo vai mal, nada se faz neste país, os governantes são incompetentes.
Quanto à questão da competência, é ao eleitorado que cabe ajuizá-la e ele tem mostrado, firmemente, em quem confia e quem é competente para gerir este país. E fá-lo desde antes de 1990.
Sr.ª Deputada, reconhecemos que nem tudo está feito, mas para ser sério, para fazer uma intervenção séria, também é importante dizer aquilo que tem sido feito, as obras que têm surgido.
Para dar-lhe um exemplo dos muitos que poderia aqui dar, recordo-lhe o Parque Natural da Quinta do Marim, algo que surgiu antes de 1990, porque muito tem vindo a ser feito nesta área desde que o PSD está no Governo e que existe a Secretaria de Estado do Ambiente.
Deixe que lhe diga que era bom e sério que fizesse aqui uma referência ao Secretário de Estado do Ambiente - e ao Ministério do Ambiente, como é óbvio -, deixe que lhe diga que era importante que reconhecesse os investimentos já feitos e muitos dos que vêm aí e que contribuirão, sem dúvida alguma, para que o nosso país tenha uma questão de ambiente muito mais séria e, consequentemente, um melhor ambiente e uma melhor qualidade de vida.
Deixe ainda que lhe coloque uma questão concreta, que tem a ver com o ordenamento do território. Nós falamos de ambiente, e quando dele se fala pensamos no clima, na água, nos rios, mas também é importante a questão do ordenamento do território. E, nesta questão, todos os organismos do Estado têm um papel. Tem-no o Governo, mas tem-no também a administração local, as autarquias locais.
Ora, a Sr.ª Deputada não fez qualquer referência a esta área. Isenta-as de responsabilidades.
Sr.ª Deputada, acha que tudo tem vindo a ser feito? Acha que na questão do ordenamento as autarquias locais nada têm a ver, na área urbana, com a construção ou com a simples concessão de licenças, por exemplo, para a instalação de pecuárias?
Esta é a questão concreta que quero colocar-lhe, porque a responsabilidade é de todos aqueles que estão nos órgãos da administração pública deste país - nossa também, como é óbvio.

O Sr. António Martinho (PS): - Ainda bem que o reconhece!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco: Tenho dificuldade em responder à sua pergunta, porque falou de generalidades. Quer dizer, esta história de que se fazem obras, esta história de que vêm aí dinheiros, esta história de que pode sempre melhorar-se, esta história de que a transformação é sempre possível, enfim, todas estas generalidades, que qualquer pessoa pode subscrever, não têm sentido para a discussão que estamos a fazer, tal como não faz também sentido fazermos batota, colocando as coisas em dois planos.
Na verdade, porque, efectivamente, a interdependência é cada vez maior, não faz sentido dizer, por um lado, que os problemas são tão globais, tão planetários que nos passam acima e, por outro lado, que são tão regionais, tão locais, que nos passam abaixo.
Disto resulta esta situação curiosa: quem é interpelante - e neste momento o interpelado é o Governo - fica à margem.
Efectivamente há erros ao nível do planeamento local, até porque, como sabe, a regionalização não está feita por culpa do PSD e isso não favorece que hajam outros instrumentos de ordenamento do território.
Mas se quer falar do ordenamento do território e está preocupado com ele - e falando do Governo -, pergunto-lhe por que é que tanto a Reserva Ecológica Nacional como a Reserva Agrícola Nacional estão há tanto tempo por implementar. Se está preocupado com o ordenamento do território e com os desequilíbrios demográficos, porquê e como - e presumo que defende - a execução de uma política que tem favorecido a expulsão das populações do interior para o litoral. Se está preocupado com esta questão, gostava de saber como é que pode subscrevê-la.
Enfim, todas as condições têm sido criadas para a desertificação e eu julgo que está mais do que respondida a questão que me colocou.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, o problema da sua interven-

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resíduos tóxico-perigosos espalhados, sem qualquer tratamento pelo solo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Remetia-o igualmente para a questão, que julgo interessante, das directivas transpostas. E obrigação de Portugal como Estado membro da União Europeia fazer a transposição dessas directivas - e mal fora que o não fossem! - mas, infelizmente, isso nem sempre acontece.
Lembro-lhe, por exemplo, que a directiva de acesso aos dados sobre ambiente e informação continua por transpor. Na maior parte dos casos as directivas têm sido, pura e simplesmente, traduzidas e mecanicamente transpostas sem terem nada a ver com a realidade, sendo, pois, perfeitamente ineficazes. Referi na minha intervenção uma das directivas mais interessantes transposta para o ordenamento jurídico português por obrigação comunitária - a directiva sobre estudos de impacte ambiental.
Em relação a esses estudos, o Sr. Deputado, que é responsável no PSD pelo sector do ambiente, tem obrigação de saber como é que eles funcionam. Já referimos esse aspecto em relação a múltiplas situações, mas posso repeti-las aqui.
O traçado de todo o plano rodoviário nacional tem sido feito à revelia dos estudos de impacte ambiental. A serra d'Aires e Candeeiros, uma área protegida, está nessas circunstâncias. Os estudos têm sido adaptados a soluções de facto. Lembro a Via do Infante e a oposição que lhe foi feita pelas populações e lembro também a ponte sobre o Tejo. Há muitos outros exemplos, que podíamos multiplicar, a provar que os estudos de impacte ambiental, que em Portugal nem tão pouco são vinculativos, têm servido para justificar formas e projectos de desenvolvimento ecologicamente equilibrados.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa.

O Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro: A sua intervenção foi, de facto, tão extensa, tocou tantos assuntos, tocou tantos temas, que, transpondo-a para a música, tive quase a sensação de estar perante uma rapsódia de problemas ambientais. Tocados de forma superficial, é certo, mas para tocar tantos não podia ser de outro modo.
Cingir-me-ei a um, que me é muito caro e que já foi referido várias vezes nesta Câmara: os resíduos tóxicos.
A Sr.ª Deputada referiu que são depositados 75 % de resíduos sólidos sem qualquer tratamento. A situação é grave e preocupante. Contudo, desde há alguns anos a esta parte - se não me falha a memória, pelo menos desde o ano de 1990, era então eu vereador da Câmara Municipal de Santiago do Cacém - que o problema vem sendo tratado pela Secretaria de Estado do Ambiente e que o Governo vem tentando implementar um sistema nacional de tratamento de resíduos tóxicos.
É verdade que o Governo tem sido acusado várias vezes nesta Câmara, nos órgãos de comunicação social, por algumas organizações ambientais e até mesmo por alguns partidos, lá fora também, de não ter conduzido de forma conveniente o processo, nomeadamente no aspecto da informação.
Admitindo que, inicialmente, o processo de informação junto das populações poderá não ter sido o mais eficiente, quero relembrar que, apesar de tudo, algumas acções foram feitas, inclusive com a minha participação, nomeadamente em Sines e em Santiagoo do Cacém. Mas posso citar a várias que foram feitas em Grândola, já que se previa a implementação de uma incineradora em Sines e de um aterro sanitário em Grândola, para além da excelente estação de transferência no norte do País e se hoje esse sistema não está implementado isso deve-se, em grande parte, a algumas forças políticas que souberam agitar as populações locais no sentido de impedirem a sua concretização.
Sr.ª Deputada, porque nunca entendi muito bem qual é a posição do Partido Ecologista Os Verdes sobre esta matéria, gostava que me elucidasse, independentemente - e todos, naturalmente, estaremos de acordo - de acharmos que é preferível apostar nas tecnologias novas, nas tecnologias limpas, mas chamadas ecoindústrias. Aliás, ainda recentemente foi assinado um protocolo entre os ministérios da Indústria e Energia e do Ambiente e Recursos Naturais sobre essa matéria, mas a verdade é que, enquanto essas tecnologias limpas são implementadas - e demora anos, com certeza, a produzir os seus resultados -, a incineração parece, ainda assim, um mal menor.
Gostava, Sr.ª Deputada, que me elucidasse qual é a posição do seu partido sobre esta matéria e me dissesse também que acções desenvolveu, enquanto partido ecologista, junto da população, no sentido de elucidar e de transmitir os conhecimentos adequados para que aceite uma solução de tratamento destes resíduos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silva Costa: Penso que foi interessante ter relembrado que o anúncio da resolução do problema dos resíduos tóxico-perigosos foi anunciada desde 1986, porque isso, como há pouco disse, contraria um pouco a ideia de que o ambiente, enquanto ministério, só existe desde 1990 e para trás teríamos qualquer coisa em branco de que, hipoteticamente, o PSD até nem tinha responsabilidade.
Em relação à pergunta que me colocou sobre os resíduos tóxicos, penso que é uma questão extremamente importante, que se coloca não só em relação aos resíduos tóxico-perigosos como também em relação aos resíduos hospitalares, o que, aliás, referi na minha intervenção.
Também segundo o precioso relatório da OCDE, são 50 000 toneladas, metade das quais, estima-se, é de lixos contaminados e nem metade são hoje queimados nos incineradores. Aliás, visitando os hospitais e vendo como eles funcionam, fácil é verificar que têm condições técnicas extremamente deficientes. Julgo que isto é um factor de risco, não só ambiental como da saúde pública e é bom que as pessoas, quando falam, saibam do que estão a falar.
Em relação aos resíduos tóxico-perigosos e, portanto, ao tal projecto que vai "dançando para trás e para diante" sem nunca ter resolução, e à sua pergunta por que é que Os Verdes não foram ao sítio convencer as pessoas da solução, lembro-lhe que Os Verdes não têm de substituir o Governo. O Governo, que detém o poder, é que tem de pôr as cartas na mesa e dizer o que é que tem para resolver. Aquilo que tem de ser feito por quem está no poder - e quem lá está é o PSD e é disso que falamos - é discutir com as pessoas, tantas vezes quantas as necessárias, os problemas que existem e tornar transparentes os processos de tomada de decisão. E é disso que se trata, é disso que se fala e é isso que não tem sido feito, como sabe.
Portanto, nós não temos de ir convencer ninguém. Cabe ao Governo provar e dizer que tem o problema, apresentando as várias alternativas para a sua resolução.

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Como sabe, as coisas não têm só uma cor nem uma só solução e, como há várias soluções possíveis, tem de ser ponderado se a melhor é a de Sines, a de Estarreja ou a de não sei onde, em Castelo Branco. Há que ponderar as várias soluções, considerando não só os factores de risco ambiental mas também um conjunto de outros factores que, ao que parece, o Governo desconhece, já que não tem imprimido à discussão o acesso a informações que permitam, em rigor, saber qual é a solução menos agressiva para o meio ambiente.
E se me pergunta se somos partidários das incinerado-ras, se tem curiosidade em relação a isso, devo dizer-lhe que somos contrários a incineradoras como resolução de problemas de resíduos sólidos urbanos. Aliás, esse é um princípio que contraria tudo o que, hoje, se provou não ser tecnologicamente adequado e contraria, aliás, o princípio da prevenção da redução na origem da reutilização da valorização do desperdício e da reciclagem, porque ou se defende uma coisa ou se defende a outra.
Portanto, em relação aos resíduos sólidos urbanos, é evidente que não somos partidários dessa solução, somos contra ela. Pensamos que tem de intervir-se na origem, sendo que isto significa uma grande educação ambiental e não uns «projetezecos» de faz de conta, a distribuição de uns «panfletezinhos» onde se diz umas coisas vagamente e nomeadamente até se diz às pessoas, normalmente em papel reciclado, que devem alterar modos de comportamento, que devem reciclar, mas até nesta Assembleia, onde há uma deliberação nesse sentido, não se implementa o uso do papel reciclado. Portanto, não é disso que se trata, mas sim de uma abordagem séria e frontal dos problemas.
Concretamente em relação aos resíduos tóxico-perigo-sos, é evidente que ele tem de ser solucionado e, se calhar, a solução passa por uma incineradora. Agora por onde passa seguramente é por uma discussão, pela adopção das soluções tecnológicas mais avançadas, que se pagam mas que existem, e passa também por estudos de impacte ambiental e pela discussão frontal e aberta com toda a população, com todos os agentes envolvidos, para que a solução seja mais correcta.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro: A sua intervenção não trouxe nada de novo, foi o discurso oficial do vosso partido: tudo vai mal, nada se faz neste país, os governantes são incompetentes.
Quanto à questão da competência, é ao eleitorado que cabe ajuizá-la e ele tem mostrado, firmemente, em quem confia e quem é competente para gerir este país. E fá-lo desde antes de 1990.
Sr.ª Deputada, reconhecemos que nem tudo está feito, mas para ser sério, para fazer uma intervenção séria, também é importante dizer aquilo que tem sido feito, as obras que têm surgido.
Para dar-lhe um exemplo dos muitos que poderia aqui dar, recordo-lhe o Parque Natural da Quinta do Marim, algo que surgiu antes de 1990, porque muito tem vindo a ser feito nesta área desde que o PSD está no Governo e que existe a Secretaria de Estado do Ambiente.
Deixe que lhe diga que era bom e sério que fizesse aqui uma referência ao Secretário de Estado do Ambiente — e ao Ministério do Ambiente, como é óbvio —, deixe que lhe diga que era importante que reconhecesse os investimentos já feitos e muitos dos que vêm aí e que contribui-
rão, sem dúvida alguma, para que o nosso país tenha uma questão de ambiente muito mais séria e, consequentemen-te, um melhor ambiente e uma melhor qualidade de vida.
Deixe ainda que lhe coloque uma questão concreta, que tem a ver com o ordenamento do território. Nós falamos de ambiente, e quando dele se fala pensamos no clima, na água, nos rios, mas também é importante a questão do ordenamento do território. E, nesta questão, todos os organismos do Estado têm um papel. Tem-no o Governo, mas tem-no também a administração local, as autarquias locais.

Ora, a Sr.ª Deputada não fez qualquer referência a esta área. Isenta-as de responsabilidades.
Sr.ª Deputada, acha que tudo tem vindo a ser feito? Acha que na questão do ordenamento as autarquias locais nada têm a ver, na área urbana, com a construção ou com a simples concessão de licenças, por exemplo, para a instalação de pecuárias?
Esta é a questão concreta que quero colocar-lhe, porque a responsabilidade é de todos aqueles que estão nos órgãos da administração pública deste país — nossa também, como é óbvio.

O Sr. António Martinho (PS): — Ainda bem que o reconhece!

O Sr. Presidente: — Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.J Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco: Tenho dificuldade em responder à sua pergunta, porque falou de generalidades. Quer dizer, esta história de que se fazem obras, esta história de que vêm aí dinheiros, esta história de que pode sempre melhorar-se, esta história de que a transformação é sempre possível, enfim, todas estas generalidades, que qualquer pessoa pode subscrever, não têm sentido para a discussão que estamos a fazer, tal como não faz também sentido fazermos batota, colocando as coisas em dois planos.
Na verdade, porque, efectivamente, a interdependência é cada vez maior, não faz sentido dizer, por um lado, que os problemas são tão globais, tão planetários que nos passam acima e, por outro lado, que são tão regionais, tão locais, que nos passam abaixo.
Disto resulta esta situação curiosa: quem é interpelante — e neste momento o interpelado é o Governo — fica à margem.
Efectivamente há erros ao nível do planeamento local, até porque, como sabe, a regionalização não está feita por culpa do PSD e isso não favorece que hajam outros instrumentos de ordenamento do território.
Mas se quer falar do ordenamento do território e está preocupado com ele — e falando do Governo —, pergunto-lhe por que é que tanto a Reserva Ecológica Nacional como a Reserva Agrícola Nacional estão há tanto tempo por implementar. Se está preocupado com o ordenamento do território e com os desequilíbrios demográficos, porquê e como — e presumo que defende — a execução de uma política que tem favorecido a expulsão das populações do interior para o litoral. Se está preocupado com esta questão, gostava de saber como é que pode subscrevê-la.
Enfim, todas as condições têm sido criadas para a deser-tificação e eu julgo que está mais do que respondida a questão que me colocou.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, o problema da sua interven-

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ção é que, sob a capa de um discurso simpático e impressivo, acaba por perder em credibilidade, pelo generalismo, pela pouca profundidade, num afã de ataque, em todos os azimutes, ao Governo.
Nesse sentido, é difícil rebater as suas palavras e entabular um diálogo sério sobre a avaliação efectiva da política de ambiente que tem vindo a ser desenvolvida, mas, pegando apenas em alguns dos aspectos que a Sr.ª Deputada referiu, ao longo da sua intervenção, é fácil perguntar-lhe, em réplica, por exemplo, se as "escassas 21 áreas de paisagem protegida criadas no País" não correspondem aos maiores ratio de paisagem protegida total do território dos países europeus.
Quando fala, por exemplo, na questão das energias alternativas, o que é que me diz se lhe afirmar que Portugal tem o maior peso de energias alternativas no balanço energético?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Ah!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Sá ficou surpreendido, mas confirmo aquilo que disse.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Surpreendido com as suas declarações !

O Orador: - Quando a Sr.ª Deputada Isabel Castro fala nas preocupações, em termos de arquitectura, nas políticas energéticas, o que é que me diz se lhe der conhecimento de que, nos últimos três anos, entraram em vigor dois regulamentos fundamentais, um para as chamadas condições pacíficas de comportamento térmico dos edifícios e outro para as condições activas?
Quando fala em gases de escape, o que é que me diz relativamente às experiências com a utilização de gás, gasolina sem chumbo, álcoois, etc., nos veículos? O que é que me diz de um investimento de 100 milhões de contos para substituir a refinaria de Cabo Ruivo, que se situava no meio de Lisboa? E isto, apesar de tudo!
É este tipo de contraponto que a Sr.ª Deputada tem de fazer para poder formular críticas - e certamente aceitamos algumas delas e partilhamos esforços no sentido de se ir mais além -, em vez de lançar um anátema sobre a política.
O que lhe sugiro, Sr.ª Deputada, é que, no esclarecimento que me dê ou, eventualmente, no discurso de encerramento, faça um contraponto entre os números que invocou, para o que chamou, e muito bem, a década do desenvolvimento, e aquilo a que eu chamaria a década anterior, a década do Portugal em vias de desenvolvimento, dizendo-me, sobre essa década, quais eram os números, em termos de água potável, de rede de saneamento, de tratamento de águas sujas, de tratamento de resíduos sólidos, etc. Então, nessa medida, teremos uma base séria para avaliar se os esforços que foram feitos na década do desenvolvimento poderiam ter ido mais além.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, agradeço-lhe muito os esclarecimentos que me pediu, pois eles permitem-me um comentário interessante: em relação a esta matéria, remeto-o para uma entrevista que deu, onde disse que a política energética ambiental do GGoverno é muito débil. Parece-me que isto é suficientemente esclarecedor para que nos situemos no que estamos a falar.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não era ele, era outra pessoa!

A Oradora: - Quero salientar dois aspectos e fazer dois comentários relativamente às áreas de paisagem protegida.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado considera que o seu número não é baixo, pelo que gostava de lembrar-lhe que as coisas têm sempre dados comparativos. E se o Sr. Deputado tiver em atenção que os biótipos classificados, de acordo com o Projecto CORINE, são 286, seguramente, considerará que não temos tantas áreas protegidas como isso.
No entanto, mais do que termos as tais 21 áreas protegidas ou mais - e nós não somos contrários ao seu aumento -, a questão que se coloca é a de saber como é que elas, no fundo, são protegidas. Vou lembrar-lhe algumas situações que se verificam nas várias áreas protegidas: na serra da Estrela temos lixeiras e construção; na Arrábida temos pedreiras; nas serras de Aires e Candeeiros tivemos o traçado das vias rápidas; o Gerês esteve em vias de ser desclassificado internacionalmente, pela situação de degradação que atingiu; na serra de Montezinho temos uma zona de caça e extermínio do lobo ibérico, que é uma espécie protegida em Portugal; na Ria Formosa temos esgotos e extracção de areias; e, finalmente, para lembrar o último escândalo, a área de paisagem protegida Sintra-Cascais, ao mesmo tempo que passava a parque, a pretexto de que importava criar maiores mecanismos de protecção, era oferecida à especulação imobiliária com os projectos do Raso e do Abano, os quais, a irem para a frente, dariam cabo daquela área protegida.
Portanto, é bom que quando falamos de áreas protegidas não falemos à toa mas em função daquilo que elas são e do valor que se lhes atribui, efectivamente, em Portugal.
Em relação às questões que o Sr. Deputado suscitou sobre a saída das petroquímicas do local onde se situam, quero dizer-lhe, e o Sr. Deputado sabe, que essas alterações decorrem de um processo um pouco exterior, ou seja, não têm a ver com uma estratégia energética para Portugal, nem, tão-pouco, têm a ver com a forma como o Governo português entende a segurança, porque, de facto, não passa pela cabeça de ninguém que, dentro de uma cidade, existam aqueles depósitos, como não passa pela cabeça de ninguém que, dentro da cidade, exista um aeroporto. Enfim, trata-se de questões que acontecem, um pouco, à revelia do que é hoje razoável.
Em relação ao peso que o Sr. Deputado atribui às energias alternativas, quero dizer-lhe que esse peso está muito aquém das nossas possibilidades energéticas a esse nível, porque, de facto, como sabe, com certeza, temos condições climáticas e atmosféricas que nos permitem potenciar essas energias a outros níveis.

ssim, se comparativamente existe mais desenvolvimento em relação a algumas coisas, é evidente que temos de o ter em relação aos países do Norte da Europa, até pelo clima que do nosso País.
No entanto, como disse e reafirmo, isto nada tem a ver com racionalidade energética, com poupança energética e com introdução da energia com alguma preocupação, designadamente em termos de arquitectura.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

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O Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, de certa forma, o meu pedido de esclarecimentos já estava prejudicado pelas intervenções dos meus colegas de bancada.
Em todo o caso, não resisto a fazer-lhe um desafio, porque até agora, e depois da intervenção da Sr.ª Deputada, que foi, praticamente, um inventário da problemática do ambiente, as únicas coisas que consegui reter foram um código de conduta, uma redução de desperdícios e um processo ambiental correctos.
Assim, o desafio que lhe faço, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, é no sentido de que me diga quais as iniciativas que o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes tem apresentado na Assembleia da República para resolver este problema. E, mais: quais as iniciativas que apresentou recentemente e estão pendentes para análise?
Era isto que queria que a Sr.ª Deputada, hoje e aqui, dissesse aos portugueses, de uma forma muito clara, deixando, de uma vez por todas, a ambiguidade e a falta de coerência em relação a esta problemática? Quais as propostas concretas do Partido Ecologista os Verdes?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Matos, parece-me que aquilo de que o Sr. Deputado tem pena é de, há muito tempo, não chumbar um projecto nosso. Só essas saudades podem justificar uma intervenção como a que fez.

O Sr. João Matos (PSD): - Também o fazemos, de vez em quando, com muito gosto, porque são muito maus!

A Oradora: - De facto, não faz sentido colocar a questão dos projectos, quando, como sabe, perfeitamente, todos os projectos que o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresentou, nesta legislatura, foram chumbados.

O Sr. João Matos (PSD): - Falta de qualidade!

A Oradora: - E isto, a menos que queira fazer agora uma autocrítica em relação a esse aspecto. Portanto, sobre os projectos estamos conversados.
Relativamente às medidas e às alternativas, proponho-me entregar-lhe uma cópia da minha intervenção, pois pode ser que o ajude a clarificar algumas questões.
Em relação ao que se propõe, neste momento, não é preciso inventar mais do que o que já está definido. A Conferência do Rio, os seus documentos, aquilo que são os guias de acção têm todas as soluções minuciosamente enunciadas. Basta que o Governo as leia e as leve à prática em data marcada. É disso que se trata.

O Sr. João Matos (PSD): - Mas quais são as vossas soluções? São as da Conferência?

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que querem pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, peço ao Sr. Secretário que indique as escolas que vieram hoje visitar a Assembleia da República e que se encontram a assistir à reunião plenária.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, visitaram-nos hoje e estão a assistir a esta reunião plenária 35 alunos do Externato Fernando Pessoa, de Lisboa, 35 alunos da Escola C+S Dr. Daniel de Matos, de Vila Nova de Poiares, 9 alunos do Curso Técnico Administrativo da Câmara de Alcochete, 30 alunos da Escola Secundária D. Maria II, de Braga, 100 alunos da Escola Secundária Matias Aires, do Cacém, 52 alunos da Escola Princesa Isabel, de Oeiras, 150 alunos da Escola Secundária de Estarreja e 25 alunos da Escola Secundária de Lousada.
Permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que informe que os alunos vêm acompanhados dos respectivos professores.

O Sr. Presidente: - A todos apresentamos os nossos cumprimentos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, ao longo das interpelações que o Partido Ecologista Os Verdes tem feito ao Governo e também das sucessivas perguntas sobre a degradação do estado do ambiente em Portugal, tem surgido sempre, em conjunto com algumas explicações mais ou menos razoáveis, a lamúria de que existem dificuldades financeiras.
Neste momento, Sr. Secretário de Estado, há uma grande preocupação da nossa parte: o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem disponíveis cerca de 300 milhões de contos para investir no ambiente, nos próximos cinco anos, e a questão que se coloca é a de saber que critérios, que estratégia, de que forma vão investir-se estes milhões de contos no ambiente.
Esperamos que esse investimento não se faça através de medidas avulsas, como a Sr.ª Ministra tem anunciado, nos últimos dias, pelo País, dizendo que temos 14 milhões de contos para despoluir o Leça, que vamos gastar 14 milhões de contos para despoluir o Trancão e que vamos criar mais áreas protegidas, pois temos mais não sei quantos milhões de contos. Sr. Secretário de Estado, esta é, certamente, uma grande preocupação que temos, porque estão em causa critérios avulsos.
Assim, o que queremos saber é se o Governo está agora disposto, embora tarde e não levando em conta as reivindicações, as críticas e as preocupações que anteriormente manifestámos, a ter em consideração o que expressa a Lei de Bases do Ambiente, designadamente no que se refere ao plano nacional de política de ambiente e ordenamento do território, como instrumento fundamental de intervenção global, a fim de que o estado do ambiente deixe de se degradar crescentemente, como vem acontecendo.
Já agora, falando no cumprimento da Lei de Bases do Ambiente, e porque ela própria o afirma, quando é que teremos a estratégia nacional de conservação da natureza, que deveria ter sido publicada pelo Governo em 1988 e até hoje não apareceu à luz do dia? Trata-se de um documento extremamente importante para que a intervenção que o Sr. Secretário de Estado diz que vai ser realizada pelo Governo, no âmbito da conservação da natureza, possa ter por base alguns critérios e uma concepção global de intervenção, no sentido da melhoria efectiva do estado do ambiente e da qualidade de vida dos portugueses.
Sr. Secretário de Estado, vou colocar-lhe mais duas questões, a primeira das quais tem a ver com o sistema nacional de tratamento de resíduos tóxicos, que já foi aqui referido.

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Nesta matéria, aquilo que lhe pergunto é o seguinte: quanto é que o Governo vai pagar ao consórcio a quem adjudicou a construção e a exploração do sistema nacional de resíduos tóxico-perigosos, quando o próprio Governo não cumpriu o contrato que estabeleceu? E quanto é que os portugueses vão pagar pelos erros que o Governo cometeu?
Para terminar, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, gostava de saber qual é o resultado das análises sobre a contaminação dos solos de um dos principais aquíferos da Península Ibérica, por força dos produtos contaminantes das 30 000 toneladas instaladas junto à cidade de Setúbal, há mais de três anos, e relativamente às quais o Governo apenas se tem preocupado em fazer campanhas de propaganda pública, dizendo que está preocupado com a situação e que está a fazer todos os esforços para que os resíduos voltem à origem. E isto, naturalmente, sem se preocupar com a saúde das pessoas e com a vida dos cidadãos naquela região do nosso país.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvi com muita atenção a sua intervenção e, em particular, a referência ao 5.º Programa Ambiental da Comunidade Europeia, que levanta um problema interessante quanto à política e actuação do Governo. De vez em quando, o Executivo resolve apresentar como uma grande descoberta o que mais não é do que a mera transposição para Portugal, sem tradução - porque o jornal oficial das Comunidades é traduzido em português -, de directivas que, aliás, são muito pormenorizadas.
Na realidade, o Governo não tem trabalho, mas faz grandes operações de marketing em torno de questões deste tipo. Refiro-me, por exemplo, ao rótulo ecológico ou ao protocolo entre os Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Indústria e Energia - em relação ao qual não se conhecem consequências práticas - que corresponde a uma orientação fundamental do 5.º Programa, qual seja a de garantir a "internalização" das preocupações ecológicas de forma a estarem presentes na gestão das empresas desde a aquisição das matérias-primas a todos os outros aspectos com ela relacionados.
O Governo aproveita estas questões para lançar "foguetes" e melhorar a sua imagem mas, uma vez que foi colocado um problema concreto, gostava que o Sr. Secretário de Estado o esclarecesse.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro já falou do incumprimento da directiva sobre o acesso à informação em matéria ambiental, mas importa referir outros casos de directivas que, por vezes, não são transcritas, ou que, na prática, não são verdadeiramente cumpridas: poluição atmosférica de instalações industriais, limitação de emissões provocadas por grandes instalações de combustão, resíduos perigosos, várias directivas em matéria de consumidores, regulamentos comunitários em matéria de produção agrícola no sentido de garantir, em particular, a sua compatibilidade com a protecção do ambiente e a preservação do espaço natural.
De resto, gostava que, relativamente a todas essas questões, o Governo prestasse esclarecimentos a esta Câmara e fizesse um balanço do cumprimento da legislação comunitária. E não estou a pensar nos Diários da República em que as directivas são transcritas, mas no seu cumprimento efectivo porque, a este respeito, creio existirem grandes diferenças.
Por outro lado, seria positivo prestar contas sobre programas comunitários de financiamento do ambiente, em particular, sobre o ALTENER, relacionado com a promoção de energias renováveis, ou sobre o programa LIFE.
Quanto à questão da água, o Sr. Secretário de Estado referiu a bacia hidrográfica mas, na verdade, a Associação Portuguesa de Recursos Hídricos criticou - e bem - o facto de a bacia hidrográfica não ser, dentro da reestruturação do Ministério, verdadeiramente uma unidade de gestão de recursos hídricos, mas uma mera unidade de planeamento. O Governo preferiu a uniformização de serviços periféricos pelas áreas das Comissões de Coordenação Regional e não respeitou a bacia hidrográfica como unidade de gestão.
Neste momento, os recursos hídricos constituem um problema, designadamente, no que diz respeito ao programa hidrológico espanhol e ao relacionamento com a Espanha. Considero que ainda é mais importante a gestão da bacia tomada no seu conjunto, mas não há novidades nesta matéria.
Quanto às taxas de utilização da água e estou a pensar, designadamente, no problema dos pequenos agricultores neste contexto, vive-se, neste momento, como o Sr. Secretário de Estado certamente tem conhecimento, um clima de grande inquietação e não consta que a questão tenha sido relativamente tratada.
Quanto ao problema da qualidade da água, foi publicado há mais de quatro anos o Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março, e ainda não foram elaboradas as normas de qualidade das águas doces superficiais, que o Governo tem obrigação de fornecer no caso de abastecimento humano. Com este atraso, como poderão os municípios providenciar fontes alternativas de abastecimento caso se verifique que as águas doces superficiais não têm suficiente capacidade?
Por outro lado, há normas sobre a qualidade da água que não estão a ser cumpridas quando a legislação sobre esta matéria data de 1990. Como o Governo sabe que não há capacidade laboratorial instalada no país para o efeito, que medidas tomou, desde 1990 até hoje, para colmatar este grande problema que existe - e continuará a existir - com a política que o Governo tem executado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, já uma vez referi que, habitualmente, o discurso do grupo parlamentar interpelante e o do Governo estão tão separados um do outro que mais parecem dois monólogos. Suponho mesmo que esta tese mereceu o acolhimento da Mesa, na medida em que, hoje, o Sr. Presidente deu a palavra ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor para "abrir o debate por parte do Governo". Ora, quer isto dizer que a interpelação é aberta duas vezes: uma, pelo partido interpelante e outra pelo Governo, que é completamente diferente da primeira.
Como já estamos habituados a essa prática, talvez deva propor-se o envio, no âmbito do novo Regimento, com pelo menos 24 horas de antecedência, de cópia da intervenção do grupo parlamentar interpelante ao membro do Governo respectivo para permitir que o seu discurso responda ao do interpelante em vez de voltar-lhe as costas como é usual. De qualquer modo, vou intervir no debate que V. Ex.ª abriu, deixando de lado a interpelação do Grupo Parlamentar Os Verdes.
Fala-se muito em reserva agrícola, reserva ecológica e áreas protegidas; porém, sucede que quase 90 % dos PDM ainda estão por aprovar e é em relação a eles que cada

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câmara, cada concelho, irá definir a reserva agrícola, a reserva ecológica e a área protegida.
Sucede que, neste momento, ninguém sabe quais são as áreas que, em cada concelho, formarão juntamente com as de outras câmaras limítrofes, ou não, as grandes áreas protegidas, as grandes áreas ecológicas, as grandes reservas agrícolas. Ou vão ser criadas pequenas "ilhas" por cada câmara, por cada concelho, ao fixarem a sua reserva ecológica, a sua reserva agrícola, a sua área protegida sem uma concatenação conjunta de esforços que permita elaborar um mapa do país em que estejam representadas as grandes manchas da reserva ecológica, da reserva agrícola e das áreas protegidas?
Por outro lado, V. Ex.ª falou do litoral e dos problemas marítimos que, este ano, surgiram por causa do Inverno rigoroso. Contudo, verificamos que a orla costeira, do litoral, está completamente abandonada, porque não há qualquer coordenação entre o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e as CCR. Por exemplo, quando não está definido o plano director - e 90 % das câmaras municipais, como disse, ainda não aprovaram o seu PDM -, sucede que são as Comissões de Coordenação Regional que têm de aprovar, em última instância, os planos de urbanização. Muitas vezes, aprovam urbanizações que são verdadeiros atentados ao ambiente pois transformam em "Quarteiras" e em "Reboleiras" as verdadeiras zonas que da área protegida ou de beleza natural deviam ser feitas. Por exemplo, no caso da Lagoa de Óbidos, as duas margens de Óbidos e de Caldas da Rainha estão a transformar-se em "Reboleiras" porque a Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo vai concedendo licenças sem verificar se se adaptam ou não ao terreno.
Finalmente, gostava de perguntar a V. Ex.ª se se justifica a existência do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. O meu colega, Deputado Nogueira de Brito, em 9 de Dezembro do ano passado, até defendeu a tese de que, como o ambiente diz respeito a todos os ministérios, não devia estar acantonado num único departamento governamental que, sem qualquer desprimor, vive à sombra dos demais. Na verdade, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais não é um dos mais importantes, tendo sido mesmo institucionalizado em momento muito posterior, o que faz pensar que fica com os "restos", apesar da categoria evidenciada pela Sr.ª Ministra e pelo Sr. Secretário de Estado, aqui presente, que podiam ser responsáveis por qualquer outra pasta com grande gáudio nosso e para proveito do país.
Este ministério está isolado, toma medidas que os outros ministérios desconhecem quando a política de ambiente devia dizer respeito a todos eles. Não será este o pecado original da má política de ambiente que reina neste país?
(O Orador reviu.)

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado, gostava, em virtude de um comentário feito pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, de ler textualmente o n.º 1 do artigo 244.º do Regimento, que é do seguinte teor: "O debate é aberto com as intervenções de um Deputado do grupo parlamentar interpelante e de um membro do Governo".
Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, começo por agradecer o pedido de esclarecimento formulado sobre os critérios de utilização dos fundos comunitários. O Sr. Deputado começou por afirmar que as explicações que temos dado são razoáveis - comentário que também agradeço -, embora, de seguida, tenha questionado os critérios que vamos seguir para utilizar os 300 milhões de contos de que dispomos.
É bom e mau sinal o facto de podermos dizer que esses 300 milhões de contos são insuficientes: é mau sinal, porque gostaríamos de dispor de mais e é bom sinal, porque sabemos exactamente o que vamos fazer com eles.
Dispomos de um fluxo contínuo de fundos comunitários: o Fundo de Coesão, o Plano Operacional do Ambiente e os Planos Operacionais Regionais. Para além deles, devem ser tidos em conta os orçamentos das várias autarquias bem como - aspecto que consideramos importante para irmos buscar o dinheiro que nos faz falta - o acesso a fundos privados, pois não é só através dos fundos públicos que conseguiremos chegar às médias comunitárias de atendimento até ao fim da década como pretendemos.
A nossa lógica é que no Fundo de Coesão se incluem investimentos muito grandes, nomeadamente, os abastecimentos de água, os esgotos, o problema do lixo de grandes áreas urbanas, além de que 80 % da população portuguesa vive com grandes carências em 20 % da área na qual as autarquias não conseguem, de forma isolada, conceber os seus sistemas. Como no passado tentativas deste género não foram totalmente bem sucedidas, desenvolvemos, em conjunto com as autarquias, soluções para o abastecimento da água - do género da existente em Lisboa - do Grande Porto, do Algarve e em complemento da Grande Lisboa. Com essa medida, vamos abastecer de água de qualidade, de acordo com todas as normas vigentes, mais de metade da população portuguesa. Eis uma boa aplicação deste Fundo de Coesão, Sr. Deputado!
Mais, ao termos esta iniciativa, estamos a criar igualmente um problema em virtude do ciclo da água, que vai transformar-se em esgoto, pelo que, para esta área, estamos a desenvolver, em conjunto com as câmaras, soluções para o tratamento e destino final desses esgotos. Eis outra boa solução do Fundo de Coesão, Sr. Deputado!
Existem também verbas do Fundo de Coesão destinadas aos resíduos urbanos do Porto, de Lisboa e do Algarve, bem como para despoluição, nomeadamente, do Trancão, do Leça, da ria de Aveiro e de outras situações. Portanto, o Fundo de Coesão destina-se a grandes sistemas que carecem de resolução há décadas.
Infelizmente, não conseguimos cobrir com o Fundo de Coesão a totalidade destes grandes sistemas e o Plano Operacional do Ambiente envolve algumas acções integradas em áreas protegidas. Estou a pensar na faixa costeira, na regularização e ordenamento de linhas de água, na qualificação ambiental em concentrações urbanas e num sistema de apoio à despoluição correspondente à actividade produtiva, matéria que entronca numa questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá.
Num terceiro nível de fundos comunitários, devem ser considerados os Planos Operacionais Regionais, o FEDER-B e o FEDER-A, destinando-se o primeiro a projectos de média dimensão, intermunicipais, enquanto o segundo está vocacionado para projectos municipais. Para além disso, se queremos ter níveis de atendimento adequados a um próximo, o que é óbvio, abrimos a possibilidade de o sector privado participar na gestão e no financiamento do saneamento básico, quando as autarquias assim o desejarem, em regime de concessão e através de concurso público.

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Fizeram-me uma pergunta - diria que já um pouco "estafada" - sobre estratégia de conservação da natureza...

O Sr. André Martins (Os Verdes): - É uma questão de o Governo cumprir a lei que faz!

O Orador: - É o que faremos, Sr. Deputado! No entanto, há prioridades!
A Lei de Bases do Ambiente foi feita quando foi, portanto, sem prejuízo de elaborarmos o tal livro sobre a estratégia de conservação da natureza e posso desde já adiantar-lhe que no PDR está definido o que vai fazer-se nesta área até ao fim da década. Para além disto, no planeamento global do Instituto de Conservação da Natureza, estabelecemos as necessidades de investimento em 70 milhões de contos e, elencando as prioridades, passámos para 40 milhões de contos, o que significa que há um processo de planeamento de que resultou um orçamento que foi duplicado nesta área. Assim, à forma sobrepõe-se o conteúdo. Portanto, se o aspecto formal constituísse a nossa preocupação preponderante, provavelmente, bastar-nos-ia um documento com três páginas para expormos uma estratégia de conservação da natureza, a exemplo de outros países, mas por darmos prioridade ao conteúdo, consideramos que, neste momento, um tal documento não é limitativo da nossa acção.
Quanto à questão dos resíduos tóxicos, perguntaram-me quanto é que o Governo vai pagar e como está a situação e recordo-vos que ainda há pouco tempo vim a esta sede falar sobre esta matéria. De qualquer maneira, não quero deixar de dizer-vos que este é um assunto muito complicado. Nesta matéria, o problema é realmente constituído pelos tais 1 800 pontos de descarga há pouco referidos pela Sr.ª Deputada. Ora, temos uma função técnica e reservámos verbas para atender a esse problema. Aceitamos que, na verdade, se trata de um problema difícil de comunicação e de participação pública que entendemos dever reformular - e fizemo-lo! -, pelo que elaborámos um calendário de actividades: no mês de Abril, efectuar-se-ão estudos de actualização e caracterização dos resíduos bem como uma listagem lata de pontos de localização de descargas; em Maio, efectuaremos acções de divulgação e elaboraremos uma short list dos locais; em Julho e Agosto, serão feitos estudos de impacte ambiental; de Setembro a Novembro, decorrerá o processo de avaliação do impacte ambiental e, no fim de 1994, será tomada a decisão final.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Quanto é que o Governo vai pagar por ter retirado a adjudicação do contrato de construção da central de tratamento de resíduos na Maia depois de o ter adjudicado?

O Orador: - No orçamento estão previstos 12 milhões de contos para este programa, verba que será reavaliada se e quando for necessário.
Inquiriram-me acerca do V Programa Comunitário e foi dito que não estaríamos a cumprir as respectivas directrizes relativamente à indústria. Ora, penso que o protocolo que foi celebrado com a indústria é um óptimo exemplo da nossa acção neste domínio.
O Ministério do Ambiente fez incluir no PEDIP uma verba muito significativa destinada à minimização do impacte ambiental da actividade produtiva. O industrial disporá de um único guichet de acesso aos incentivos, quer provenientes do Ministério do Ambiente, que dizem respeito, essencialmente, a tecnologias de fim de linha, quer do Ministério da Indústria, respeitantes a tecnologias de alteração do processo. O Ministério do Ambiente participa activamente no processo de avaliação das candidaturas a estes incentivos, mesmo das que não lhe dizem respeito directamente. A ideia é a de que nenhuma indústria tenha acesso a incentivos se não cumprir o normativo, nomeadamente ambiental. Portanto, penso que isto constitui um bom exemplo de inserção do ambiente numa política sectorial importante que é um dos sectores-alvo do V Programa Comunitário.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o primeiro comentário que tenho a fazer é justamente sobre o seu discurso. Na verdade, os seus discursos descritivos são capazes de "atirar ao chão" qualquer Deputado ou, pelo menos, fá-lo-ão cair de sono! É que, desta vez, o seu discurso rivalizou com o de Os Verdes e - peço desculpa por dizê-lo - o Governo ficou a perder com a comparação! Não há justiça se não reconhecermos que o discurso de Os Verdes foi bem mais interessante do que o seu próprio. Além disso, o Sr. Secretário de Estado tem de habituar-se a dar respostas de índole política; caso contrário, nunca chegará ao fim como, aliás, se viu.
O que contribui para a sonolência do debate é também o seu discurso futurista, que é um dos males do discurso ambiental em Portugal. Isto é, em Portugal, o discurso sobre o ambiente nunca versa sobre a realidade mas sobre o futuro, nunca é sobre a obra feita mas sobre a futura. O Sr. Secretário de Estado nunca é capaz de dizer "fizemos isto!" mas diz sempre que "vamos fazer isto". Portanto, o seu discurso não é sobre "fazer" mas sim sobre "prometer".
Assim, Sr. Secretário de Estado, a primeira pergunta que lhe coloco é a seguinte: que credibilidade tem um discurso desse tipo, vindo de um Governo que, há oito anos, tem a responsabilidade pela pasta do ambiente?
Uma interpelação ao Governo é uma avaliação. Portanto, o Sr. Secretário de Estado tem de defender-se, tem de "mostrar obra", tem de mostrar o que fizeram ao longo destes oito anos. E que fizeram? Têm obra para mostrar no que respeita ao combate à poluição? E quanto à reconversão ambiental da nossa indústria? Ou será na floresta? Ou será na protecção do nosso litoral?
Sr. Secretário de Estado, por mais que me esforce, não sou capaz de encontrar uma obra...

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Esforça-se pouco!

O Orador: - ... que possam apresentar ao País como tendo sido uma obra ambiental levada a cabo por este Governo.
Se me esforço pouco, como estão a dizer-me da bancada do PSD, então, desafio o Sr. Secretário de Estado a dizer à Câmara qual é a obra que o Governo tem para mostrar, porque nem nos foi mostrada por ocasião da "excursão ambiental" dos seus colegas do PSD.
É que os Deputados do PSD foram obrigados a visitar o País e, em princípio, todos pensámos que iriam mostrar a excelência da obra ambiental e, afinal, verificou-se que apenas visitaram poluição! Não se viu um único investimento ambiental concluído sobre o qual possa dizer-se que "ao fim de oito anos, aqui está a obra ambiental do Governo!".

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Não foi a Sines! Se lá tivesse ido, teria visto!

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O Orador: - Da bancada do PSD, chamam-me a atenção para a visita que efectuaram a Sines. Ora, se essa é a obra ambiental deste Governo, se, em oito anos, a única coisa que fizeram foi construir um mini sistema de combate à poluição marítima, então, deveriam ter sido corridos do Governo já há muito tempo!

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): Sines é uma das obras!

O Orador: - Reparem: de vez em quando, o Sr. Secretário de Estado trai-se! É que, há pouco, na sua intervenção, dizia que 1994 é o ciclo da implementação. Então, pergunto-lhe o que andaram a fazer estes anos todos! O que andaram a fazer desde 1985 até 1994? O Sr. Secretário de Estado responde que andaram a estudar, a legislar, a criar uma Administração. Ora, isso é função para um grupo de trabalho não para um governante; caso contrário, fomos enganados e, então, durante todos estes anos, o País não teve Ministério do Ambiente mas apenas um grupo de conselheiros que foi fazendo e propondo umas leis. Ainda por cima, como sabe, a legislação é má, foi feita para cumprir programa, para transpor para a legislação portuguesa as directivas ambientais europeias por pressão da Comunidade e não se cumpre mais do que isto. Como sabe, temos dois países: um "país real" e um "país legal".
Portanto, repito que lhe coloco um desafio. O Sr. Secretário de Estado está perante uma interpelação ao Governo: faça favor de dizer aos Srs. Deputados que obra tem este Governo em qualquer destes domínios que apontei. E não venha com discursos gerais sobre co-responsabilidade, diálogo, etc., pois tudo isso é conversa que não interessa para esta matéria e a política avalia-se pelos resultados. Faça favor de dizer que resultados tem para mostrar-nos ao fim de oito anos de Governo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, começo por fazer um breve comentário à sua intervenção.
O senhor falou com a candura de quem parece ter acabado de chegar ao Governo. E se, efectivamente - e lamentavelmente para si e para o PSD -, chegou há pouco tempo, o senhor é tão-só o quarto ou o quinto membro do Governo a tutelar esta pasta. Penso que esta é uma questão que não pode ser esquecida.
Repito que convém lembrar esta questão porque o Sr. Secretário de Estado fala muito de projectos, de "fundos e mundos" que hão-de vir. Ora, mesmo relativamente à legislação que anuncia, gostaria de saber porque não cumpriu ao menos a existente. É que os "mundos e os fundos" são cada vez menos pois, como sabe, reparar uma situação ao fim de um ano custa x e, ao fim de quatro, cinco ou 10 anos, custa muitíssimo mais. A este propósito, basta ver o projecto de saneamento básico da Costa do Sol, que estava orçamentado em 4 milhões de contos e que, hoje, já vai em mais 30 milhões.
Perante isto e sendo o PSD Governo há tanto tempo, pergunto-lhe o que é que vai fazer hipoteticamente, não se sabe bem como, num risonho futuro que ninguém está a ver.
Em segundo lugar, tenho uma outra questão para colocar-lhe relativa à legislação. Porque foram licenciadas empresas, contrariando e violando a lei, quando não estão dotadas de equipamentos de despoluição? Concretamente, refiro-me não só às emissões de resíduos para o ar como também às descargas de efluentes. Esta é uma questão tanto mais grave quanto, em Estarreja - e, agora, o Sr. Secretário de Estado precisa de orçamentar uma verba para a ria de Aveiro -, despejam-se para a água, com toda a facilidade, substâncias tão agressivas como, por exemplo, cobalto e chumbo, o que significa uma taxa de incidência de cancro na zona muito superior à média nacional. Portanto, gostaria de saber como é que justifica que, durante todos estes anos, devido à sua permissividade, o Governo tenha sido cúmplice e tenha dado cobertura a estas situações.
Tenho uma outra questão a colocar-lhe relativamente a situações de alto risco, que classifico desta forma porque põem em risco a vida dos portugueses, partindo da concepção que Os Verdes têm da segurança e do ambiente. Refiro-me às indústrias ditas de "alto risco", ou seja, às que, devido ao tipo de matérias químicas que manuseiam, são obrigadas, por lei, a obedecer a normas precisas. Estas normas referem-se às substâncias que são manuseadas, aos projectos e aos esquemas de segurança a implementar e aos planos de emergência. Como sabe, todas estas normas estão regulamentadas pela ATRIG (Autoridade Técnica de Riscos Industriais). Perante isto, pergunto-lhe: até hoje, para além das duas únicas notificações de que temos conhecimento, quantas mais é que o Sr. Secretário de Estado pode dizer-nos que foram feitas a empresas em laboração?
Para concluir, devo dizer-lhe que o Sr. Secretário de Estado falou de muitos projectos, de muitas ideias, mas não fala de coisíssima nenhuma com precisão, com rigor, com datas, com números, com calendários pré-definidos. Assim, pela nossa parte, concluímos que o Sr. Secretário de Estado tem muitas listas ou, como referiu, tem muitas lists mas são demasiado short.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, escutei com atenção o seu discurso, naturalmente comedido e sério, o que compreendo, uma vez que o Ministério em que se integra tem a fama de dizer graças de natureza fatal.
Seja como for, quero confrontá-lo com a problemática da EXPO 98, acontecimento que permite testar a pronta existência de uma política ambiental em Portugal. Embora o assunto possa ter muitas vertentes, restringir-me-ei a uma única, a dos resíduos sólidos urbanos.
De acordo com o despacho de 17 Novembro de 1993, da Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, foi efectuado um relatório que apresenta uma solução global e integrada para a disposição final dos resíduos sólidos dos municípios de Amadora, Lisboa, Loures e Vila Franca de Xira. Trata-se de um conjunto de municípios que integra cerca de 1,3 milhões de habitantes, que, neste momento, gera 477 000 t de resíduos sólidos urbanos e que, a prazo de 15 anos, tem uma perspectiva de atingir 790 000 t, sem incluir resíduos sólidos especiais nem resíduos industriais.
Penso que, após a manifestação de ontem, promovida pela associação QUERCUS, esta matéria tem uma actualidade especial, na medida em que está em causa a problema-

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tica da incineração dos resíduos sólidos urbanos. A este propósito, abro aqui um parêntesis para registar a intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Castro e o seu compromisso anti-incineração de resíduos sólidos urbanos e para dizer que gostaria de ver como é que o seu partido vai gerir os respectivos, compromissos pré e pós-eleitorais nas diversas coligações que integra.
Ora bem, o problema básico é que este documento apresenta, como solução integrada, uma referência de quatro linhas a medidas preventivas, sem apresentar qualquer proposta concreta; duas páginas sobre reciclagem, onde os factos fundamentais são o reconhecimento da ineficácia dos esquemas dos sistemas de recolha, a montante, para reciclagem e o impacto da importação de resíduos do estrangeiro, que está, neste momento, a "matar" os nossos esquemas internos de reciclagem, tendo como única proposta a extensão do circuito de recolha aos plásticos e aos metais. Finalmente, centra a sua proposta na construção de uma grande central incineradora, com capacidade para 1980 t diárias de resíduos sólidos urbanos, acompanhada de um aterro sanitário com uma área - e chamo atenção para este valor - de 25 ha. Acresce ainda que as previsões de localização, forçadas, neste momento, pelo grupo de trabalho, apontam para a plataforma ribeirinha da Bobadela/S. João da Telha que, como sabe, dado o seu carácter de zona ribeirinha, integra a reserva ecológica.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Gostaria de perguntar ao Governo se vai deixar passar esta oportunidade, no sentido de permitir a implementação de uma solução, que é no fundo industrialista, de produção de energia eléctrica à custa de resíduos sólidos urbanos e ter uma política integrada de limitação, reutilização, reciclagem e processos de exposição, que não rejeito, como rejeito a componente incineração para os resíduos sólidos urbanos de uma área tão grande como é a Área Metropolitana de Lisboa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, como há pouco o Sr. Deputado José Sócrates - que não está agora presente - falou em problemas de sono, dou-lhe uma cópia do meu discurso, onde encontrará, certamente, as obras que referi.
O Grupo Parlamentar do PSD visitou, realmente, as estações de tratamento da Maia e de Ovar e há um sistema de despoluição, em Alcanena, cuja primeira fase já vai funcionar este ano.
Quanto ao problema da despoluição do rios Leça, Trancão, Alviela e Lis, só agora é que estão disponíveis os meios financeiros que vão possibilitar a sua resolução total e integrada, meios esses que vieram na altura em que poderam vir!
Em matéria de processos de licenciamento industrial, reconhecemos que há ainda um nível elevado de unidades poluentes que não estão adequadamente licenciadas. Se dermos continuidade aos actuais processos, far-se-á o cadastro total das unidades poluentes no corrente ano. Aliás, como já referi, quem o fizer de forma voluntária terá uma redução de 80 % nas taxas que serão devidas a esse mesmo licenciamento.
A questão de Estarreja é, realmente, importante mas, tal como nos outros casos já referidos, os problemas de poluição doméstica são da competência das autarquias e os industriais da competência das próprias indústrias.
O caso da ria de Aveiro foi incluído no Fundo de Coesão, estando agora a "bola" na mão da Associação Nacional de Municípios Portugueses, que nos deverá entregar um projecto que, caso seja adequado, será financiado pelo referido Fundo de Coesão.
O problema dos resíduos sólidos urbanos autarquias de Amadora, Lisboa, Loures e Vila Franca é, essencialmente, dessas quatro autarquias, devendo ser resolvido por elas. No entanto, como se trata de um problema com uma dimensão muito grande, foi também decidido que essa seria uma obra comparticipada pelo Fundo de Coesão. Neste momento, as próprias câmaras estão, em conjunto com empresas da especialidade, a definir uma solução técnica e de gestão adequada, que inclui aspectos como o da localização do aterro sanitário de apoio.
Mas aqui, repito, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem uma função supletiva e vai comparticipar financeiramente essa obra porque a considera importante. Para tanto, terá de licenciar a instalação final e, portanto...

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - E este relatório, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Daqui não vejo, Sr. Deputado.

Neste momento, o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira dirige-se ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, entregando-lhe o relatório a que fez referência.

O Orador: - Sr. Deputado, conheço o relatório. De facto, a solução do tratamento dos lixos não estava encontrada antes. Está a ser estudada agora e, portanto, a única coisa que posso repetir é que as câmaras estão envolvidas, estando o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais a acompanhar o processo, bem como empresas da especialidade. Portanto, logo que a solução esteja encontrada, certamente será financiada no âmbito do actual Quadro Comunitário de Apoio.
É tudo o que lhe posso adiantar, Sr. Deputado.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Seja ela qual for, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Presidente (Ferraz se Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa.

O Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o Sr. Deputado José Sócrates acusou o Governo de ter adoptado um discurso futurista, em matéria de ambiente, nas diversas vezes que veio a esta Câmara. Assim sendo, gostaria de pedir alguns esclarecimentos sobre aspectos concretos presentes na acção governativa.
É sabido que o Governo elegeu a água como uma das suas principais matérias de intervenção no domínio do ambiente. Gostaria, pois, que nos elucidasse sobre os sistemas multimunicipais de captação e distribuição de água recentemente criados, que nos falasse da qualidade da água dos rios e das praias, bem como do ordenamento do litoral, nomeadamente no que se refere à questão do apoio às praias.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Isso não ajuda nada!

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O Orador: - E, uma vez que já foi aqui abordada a questão dos conselhos de bacia e referidos alguns já criados, também gostaria que nos falasse sobre o seu funcionamento e composição.
Depois, e porque é um tema de toda a actualidade, queria que nos dissesse qual é o ponto da situação e quais os consensos conseguidos pelo Governo português nas negociações tidas com o Governo espanhol quanto ao plano hidrológico espanhol.
Finalmente, porque está a decorrer...

O Sr. José Sócrates (PS): - Não enterre mais o Governo!

O Orador: - Sr. Deputado, sei que esta é uma matéria muito extensa mas estou a falar de aspectos concretos e com toda actualidade!
Finalmente, dizia, porque está a decorrer em Genebra uma reunião com os países da OCDE que assinaram a Convenção de Basileia, para discutir uma proposta da Dinamarca que visa proibir a exportação de resíduos tóxicos para fora dos países da OCDE, gostaria que nos esclarecesse qual é a posição do Governo sobre esta matéria.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, sem entrar em questões muito genéricas, gostaria de colocar três ou quatro questões concretas.
A primeira questão - que, aliás, já foi abordada mas, como não tive oportunidade de ouvir a resposta do Sr. Secretário de Estado, vou repetir - tem a ver com os resíduos sólidos industriais. Pergunto: o que fazer e como para resolver a questão concreta, que já vem desde 1987, da METALIMEX?
Também gostaria de lembrar que, hoje em dia, na zona do estuário do Sado, existem unidades industriais desactivadas, com toneladas de resíduos, nomeadamente de tungsténio, acumuladas a céu aberto desde há vários anos, situação que, como saberá certamente, envolve alguma perigosidade. Mas este é apenas um exemplo.
A segunda questão prende-se com o Decreto-Lei n.º 54/90, que aprova as normas da qualidade da água. O Sr. Secretário de Estado, certamente, comungará da opinião de que este diploma atribui responsabilidades genéricas a várias entidades, algumas da Administração Central e outras das autarquias, o que tem causado a maior das confusões. Aliás, veja-se o caso do hospital de Évora: todos atribuem responsabilidades uns aos outros.
Hoje em dia há, de facto, necessidade de esclarecer esta situação e, por isso, gostava de conhecer qual é a opinião actual do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, designadamente do Sr. Secretário de Estado, sobre a necessidade ou não de fazer uma revisão a esta lei, de forma a dar-lhe um cunho mais concreto, com responsabilidades mais concretas.
Quanto aos resíduos hospitalares - aspecto já aqui falado mas que também não mereceu resposta -, qual é a análise que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais faz do ponto da situação e o que é que tenciona fazer?
Por último, constata-se que, nalguns locais, é o próprio Estado, o próprio Governo, o responsável pela poluição. Por exemplo, há poucos dias constatei, na chamada Lagoa de Mira, que é uma unidade pertencente ao Ministério da Agricultura que a polui. Gostaria, pois, que me dissesse, concretamente, como é que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais nos vai ajudar a resolver as situações em que é o próprio Estado, neste caso o Ministério da Agricultura, que polui, de forma a encontrarmos uma solução que afaste exemplos tão negativos como este.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, gostaria de lhe colocar apenas seis questões concretas, demonstrativas de que a situação de hoje não é melhor do que a de ontem.
A primeira questão diz respeito ao litoral de Esposende. Como sabe, pelo Decreto-Lei n.º 357/87 foi criada a área de paisagem protegida, com a finalidade de "proteger e conservar o litoral do conselho de Esposende e os seus elementos naturais, suster e corrigir processos de degradação, promover o uso ordenado do território".
A área de paisagem protegida tem órgãos, e órgãos com competências, mas a verdade é que a situação de degradação mantém-se e, de alguma forma, acelera-se, como pudemos constatar aquando da realização - nos dias 21 e 22 de Fevereiro - das jornadas parlamentares do meu grupo parlamentar, no distrito de Braga.
Em relação a esse estado de degradação, apenas me permitia dar três exemplos que demonstram bem a situação. O primeiro exemplo é o de Cepães, onde foi construído um balneário com dinheiros do ENVIREG e, ao lado, um equipamento hoteleiro, com café, restaurante, etc. Mas estas construções, todas elas, foram feitas em cima das dunas primárias - isto já depois da existência da área de paisagem protegida!
Segundo exemplo: na praia da Bonança foram, e estão a ser, construídas casas de habitação e de veraneio. Acontece que os lacticínios de Marinhas, na freguesia do mesmo nome, continuam a descarregar o esgoto a céu aberto na Ribeira do Peralto, com um impacto extraordinariamente negativo na área de paisagem protegida.
Também o pinhal de Ofir, embora fora da área de paisagem protegida - o que não se compreende lá muito bem! -, está a ser destruído a uma velocidade catastrófica, dando lugar a urbanizações de luxo.
Como é que se compreende isto, Sr. Secretário de Estado? Que política é a do Ministério? Será que vale a pena haver Ministério do Ambiente para se continuar com esta situação?
Segunda questão: quanto à fundição de Mouquim, em Famalicão, fomos alertados para esta realidade por ocasião da visita ao distrito de Braga, a convite da União dos Sindicatos, realizada no passado dia 14 de Março, com Deputados de outros grupos parlamentares: é uma fundição de baterias de automóveis, com vários trabalhadores intoxicados por vapores de chumbo, aos quais foi diagnosticado saturnismo; à beira da estrada, próximo da fundição, estão enterradas grandes quantidades de baterias e no monte, também próximo da fundição, junto com lama, encontram-se também baterias. Além disso, junto da fundição, existe um infantário.
A questão que lhe coloco é esta: o que é que o ministério vai fazer, do ponto de vista do impacte ambiental, a uma situação destas, que também coloca problemas a nível da saúde pública, e por que é que ainda não actuou relativamente a este caso concreto?
Terceira questão: a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais afirmou, com pompa e circunstância, que a área do Tejo internacional passaria a parque natural. Muito bem!

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Mas gostaria de saber quando é que entra em funcionamento e quais as medidas e acções concretas para darem continuidade ao trabalho realizado pela QUERCUS.
Quarta questão: o que é que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais pode dizer-nos sobre o projecto da CIMPOR para a instalação no porto de Portimão, a 1 Km da Praia da Rocha, de um grande depósito de cimento com três silos?
A quinta questão diz respeito à vala da Costa da Caparica e é a repetição de uma pergunta já aqui feita aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1994. Quais as responsabilidade dos serviços hidráulicos e, por isso, da Administração Central nesta questão? Esta é uma situação gravíssima do ponto de vista ambiental, até porque, nesse local, há, por ano, oito milhões de veraneantes, mais os milhares de habitantes da freguesia. A Câmara Municipal de Almada, desde há muito, luta pela realização de um acordo com o ministério para resolver este problema. Gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, quando haverá uma solução para esta situação.
A última questão refere-se à fábrica de óleos de soja, COPRÓLEO, na Trafaria. A Companhia Portuguesa de Óleos está a informar as autarquias de que vai iniciar a construção da fábrica muito rapidamente e, por isso, pergunto-lhe se o ministério vai autorizar a instalação desta unidade industrial poluente contra a opinião das autarquias e das populações.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silva Costa, V. Ex.ª colocou uma questão sobre os sistemas multimunicipais, à qual vou dar uma resposta adequada igualmente a uma outra pergunta relativa a coisas mais concretas, referida anteriormente. A definição destes sistemas multimunicipais vai permitir claramente, no terreno e não apenas no papel, dar água a mais de metade da população portuguesa, desde Vila Real de Santo António até Barcelos, a municípios, que, em termos de tamanho, vão desde Arouca até Lisboa. Municípios de um leque muito vasto, que foi possível agregar, em termos de solução financeira e institucional, graças ao enquadramento do Governo, por um lado, e à disponibilização de fundos adequados, por outro.
As poluições dos rios, das ribeiras e das praias, que, em princípio, decorrem, muitas vezes, do lançamento de esgotos domésticos e industriais e cuja limpeza é da competência das câmaras, vão, nalguns casos concretos - como os casos, já referidos, dos rios Leça, Trancão, Lis e Alviela -, ser resolvidas no âmbito de soluções integradas, elas também tornadas possíveis mediante um esforço de articulação entre as autarquias e o Governo e um acesso a fundos adequados.
Quanto aos conselhos de bacia hidrográfica, previstos no diploma de planeamento, aprovado em 22 de Fevereiro, posso dizer que, desde essa altura, já foram realizadas reuniões do Conselho de Bacia do Douro, do Leça e, na sexta-feira, vai ter lugar a do Lis. Como vêem, não escolhemos casos fáceis; antes pelo contrário, começámos pelos difíceis, juntando as pessoas no sentido de resolver um problema que é de todos.
O Plano Nacional Hidrológico Espanhol foi discutido precisamente nessa reunião do Conselho de Bacia do Douro, onde foi apresentada a última documentação sobre o assunto. Trata-se de um problema de interesse nacional, do âmbito das relações entre o Estado português e o Estado espanhol, que terá de ser resolvido de forma adequada no âmbito de um convénio, havendo, no entanto, actualmente, diálogo ao mais alto nível, ao nível do Governo, entre os dois países, tendo essa informação sido dada e o problema discutido no Conselho de Bacia do Douro. Proximamente, haverá na Assembleia da República um debate a este propósito, porque não é um assunto susceptível de ser tratado em minutos. No entanto, penso ter feito o ponto da situação.
Quanto aos resíduos sólidos industriais, o seu tratamento cabe essencialmente às indústrias que os produzem. Existem, neste momento, 1800 pontos de descarga sem solução adequada, pelo que o Governo tem tentado encontrar uma solução para este problema e para o seu financiamento. Tanto assim é que está em curso o processo de uma escolha adequada de locais, de acordo, agora, com todas as normas de consulta pública. Trata-se também aqui de um problema nacional, os 1800 pontos de descarga, que não está resolvido e esperamos que passe a estar.
Quanto à METALIMEX, neste caso, há 30 000 t de resíduos que o Governo português entende deverem ser devolvidos à procedência. Neste momento, em termos da poluição imediata, estão cobertos e serão ensacados, assim que uma decisão judicial o permita, porque estamos num Estado de direito. Estão, pois, em curso duas acções sobre este assunto. Hoje mesmo, a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais está a tentar encontrar, com a homóloga suíça, uma solução política para o problema, no sentido de acelerá-lo. É isto o que posso dizer sobre o assunto.
Quanto aos resíduos hospitalares, sabemos que pelo menos uma parte deles é obrigatoriamente incinerada. No Porto, também com verbas comunitárias disponibilizadas pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, foi lançado um concurso para um incinerador de resíduos hospitalares. Há outros hospitais que já têm as suas pequenas incineradoras, mas, como não são suficientes, abrir-se-ão outros concursos brevemente.
Agora, há uma série de questões muito pontuais, diria até de carácter administrativo, às quais terei todo o gosto em responder, mas, primeiro, terei de saber o que se passa - como, por exemplo, a da Fundição de Mouquim, em Famalicão -, porque tenho alguma dificuldade em reconhecer todas as centenas de milhar de indústrias que existem neste país. Isto, porque uma coisa é política e outra administração e este é um problema de administração. Portanto, relativamente a estes casos concretos, Sr. Deputado, tentarei, junto dos meus serviços, obter a necessária informação e fazer-lha chegar. Concretamente, pelo facto de uma dessas indústrias se encontrar no litoral de Esposende, numa área protegida, por maioria de razão, temos a obrigação - e temos dado o exemplo - de aí tratar o ambiente com um carinho muito especial. Portanto, relativamente a estes casos concretos, Sr. Deputado, ser-lhe-á fornecida, muito brevemente, a informação pretendida.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira concluir, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Concluo, já, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado referiu dois casos de maior dimensão, cujos processos de licenciamento e estudos de impacte ambiental estão, neste momento, segundo sei, a decorrer. Assim, também em relação a estes casos, terei todo o gosto em informá-lo sobre a situação em que se encontram esses processos de licenciamento e estudos de impacte ambiental.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, V. Ex.ª disse na sua intervenção que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem em curso uma série de processos a vários níveis e, por outro lado, referiu, agora, que estão a ter lugar negociações com o governo espanhol.
Sr. Secretário de Estado, aproveito para lembrar-lhe que o governo espanhol, há muitos anos, "ameaça" construir uma lixeira nuclear, junto à fronteira portuguesa, na região de Trás-os-Montes. Por isso, seria bom que nessas negociações este Governo não se esquecesse do perigo e da agressão que podem advir para os portugueses por parte dos vizinhos do outro lado do rio.
Sobre a preservação do ambiente, e ainda no âmbito do relacionamento luso-espanhol, outro problema que existe a nível de região fronteiriça é a delapidação da nossa floresta, o corte de árvores "a torto e a direito" e o transporte dessa madeira para Espanha para dar laboração às fábricas espanholas. Entretanto, as fábricas de transformação de madeira de Amarante ou de Vila Pouca de Aguiar encerraram e nunca mais abriram!
Quanto à partilha de responsabilidade na política ambiental entre o Governo, a administração central e a administração local, deixe-me lembrar-lhe, Sr. Secretário de Estado, que, também nesta área, muito é pedido às autarquias, mas poucos meios lhes são postos à disposição. Por exemplo, fala-se em centrais de incineração de lixos, no Porto e em Lisboa, mas já há candidaturas de autarquias, com o processo muito avançado, como, por exemplo, a da Associação de Municípios do Vale do Douro Norte com alguns municípios do sul, cujos representantes se deslocaram a Lisboa - mas uma vez, o interior veio a Lisboa! - e "levaram com a porta na cara"! Isto é o que consta dos jornais regionais da semana passada.
Sr. Secretário de Estado, sobre esta problemática da partilha de responsabilidades na política ambiental entre as autarquias e a administração central, gostaria de focar, além desta questão da candidatura da Associação de Municípios do Vale do Douro Norte para a criação de uma central de tratamento de lixos, dois outros problemas. A saber: a despoluição do rio Corgo e a regularização do rio Tâmega, junto à fronteira. Que acolhimento encontram estes problemas junto do Governo, no sentido de, com as autarquias, procurar resolvê-los, já que o orçamento desses municípios, nem de perto nem de longe, permite solucioná-los.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, a pergunta que vou colocar-lhe prende-se fundamentalmente com a localização do sistema de resíduos tóxicos e perigosos, relativamente ao qual V. Ex.ª apresentou, há pouco, um calendário.
Sr. Secretário de Estado, sendo certo que a Sr.ª Ministra, ainda recentemente, assumiu que as iniciativas anteriores teriam falhado devido a falta de informação, então, vou tentar, agora, obter alguma informação de V. Ex.ª.
Sempre que há uma remodelação ministerial, VV. Ex.ªs dizem que muda o ministro e os secretários de Estado, mas mantém-se a política. Ora, se bem me recordo, o entendimento do seu antecessor, em relação ao factor principal de localização, era o da percentagem de criação destes resíduos tóxicos e perigosos, ou seja, a localização deveria ter sempre em atenção esta percentagem - esse seria um ponto fundamental. Sr. Secretário de Estado, o CDS-PP concorda com a relevância desse factor e, por isso, pergunto-lhe se a sua opinião se mantém em relação à dos seus antecessores.
Por outro lado, a razão de ser desta questão prende-se com algumas movimentações recentes no distrito de Aveiro, particularmente nos concelhos de Oliveira do Bairro e de Vagos, que motivaram alguma preocupação por parte das populações, mais uma vez, devido a essa falta de informação. Assim, agradecia que o Sr. Secretário de Estado confirmasse que a localização do sistema referido, no distrito de Aveiro, nomeadamente entre Oliveira do Bairro e Vagos, está definitivamente afastada.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, quero colocar-lhe três questões muito concretas.
A primeira diz respeito ao rio Lis. V. Ex.ª já referiu a proximidade da assinatura de um programa de despoluição das bacias dos rios Lis e Lena. Isto passando ao lado da promessa feita pelo Sr. Primeiro-Ministro, em Abril do ano passado, que previa a inscrição deste projecto no PDR. Como o Sr. Secretário de Estado sabe, essa promessa foi feita publicamente, mas não se concretizou e agora este programa que vai ser assinado, vai, naturalmente, envolver um maior esforço financeiro dos municípios pertencentes à Associação de Municípios da Alta Estremadura.
Porém, não é propriamente sobre esta questão que quero interrogá-lo mas acerca daquilo que o Ministério, a que V. Ex.ª pertence, anda a fazer e da sua total inépcia relativamente à fiscalização dos crimes ambientais que se verificam justamente no rio Lis.
Em 18 de Fevereiro do corrente ano - e os jornais nacionais noticiaram isso com larga profusão -, apareceram milhares de peixes mortos junto à foz do rio Lis e, no dia 12 de Março, voltou a acontecer o mesmo. Há uma associação ambiental que aponta clara e publicamente os responsáveis pelas descargas, porém os serviços dependentes do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais não "mexem uma palha", não actuam. É um escândalo! E a população anda verdadeiramente alarmada com esta situação, porque está a instalar-se a ideia de que não há "rei nem roque", de que ninguém manda e de que o princípio do poluidor-pagador foi uma bela figura de retórica, mas sem qualquer aplicação prática.
A segunda questão tem a ver com uma situação que mereceria uma intervenção idêntica àquela que o seu Ministério prepara para os rios Lis e Lena. Estou a referir-me exactamente ao rio Tornada. Não sei se V. Ex.ª já ouviu falar nele!

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Não! Não conheço!

O Orador: - Pode parecer ridículo que venha aqui falar nele, mas, se lhe explicar do que se trata, deixará de o ser!
O rio Tornada é um rio que desagua na "concha" de S. Martinho do Porto e que sofre uma enorme pressão de

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suiniculturas da zona - aliás, os concelhos de Leiria e Alcobaça registam uma grande pressão de suiniculturas.
Este rio atravessa um paul, que tem um ecossistema com uma importância ambiental reconhecida pelas associações ambientais. Além disso, aqui também está em causa a situação da "concha" de S. Martinho do Porto, dado que este rio acaba por transportar para aí grande quantidade de agentes poluidores.
A este respeito, pergunto-lhe: que tipo de intervenção o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais prevê para o local, dado que já foram aventadas algumas soluções, nomeadamente a de, através de uma intervenção de engenharia, que é complicada, fazer um túnel para levar o rio Tornado, a desaguar directamente no oceano?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
A terceira questão tem a ver com o velho problema das celuloses. Talvez seja por elas estarem a atravessar um mau momento que as populações de toda aquela vasta zona estão a sofrer cada vez mais com as descargas que elas fazem impunemente, quer para o mar, quer para a atmosfera. Penso que esta situação é do conhecimento público, pois todas as pessoas que se deslocam na auto-estrada a conhecem.
A população e os pescadores da Nazaré e de Pedrógão têm apresentado, com regularidade, o seu protesto e a verdade é que, há algum tempo atrás, uma dessas celuloses foi multada. Tratou-se de uma acção exemplar que, no entanto, não teve qualquer resultado, porque estamos a constatar que o número de descargas é cada vez maior. Portanto, pedia-lhe também que me referisse se tem conhecimento dessa situação.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, na realidade, tal como foi aqui classificada, a sua intervenção é futurista, no sentido de que aponta para um dia posterior todas as acções do Ministério.
V. Ex.ª disse que uma das prioridades do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais era a recuperação dos recursos hídricos. Será nesse campo que irei centrar as minhas questões, mais concretamente no norte do distrito de Santarém, onde, como V. Ex.ª sabe, continuam a existir gravíssimos problemas, apesar das medidas tomadas, que, como calcula, são insuficientes. Talvez, no futuro, V. Ex.ª venha também preconizar novas medidas!
Estou a falar, por exemplo, do rio Almonda, onde o problema, hoje, já não é tão grave; do rio Alviela, cuja estação de tratamento já não dá cobertura a todas as indústrias, que se continua a deixar instalar na zona; e dos afluentes do rio Zêzere, onde, constantemente, são feitas descargas poluentes e aparecem milhares de peixes mortos, sem que o seu Ministério consiga fazer com que os industriais, no mínimo, tenham medo de proceder às descargas dos poluentes tóxicos que mantêm armazenados ao longo do ano.
Ao fim e ao cabo, estes peixes e estes rios são vítimas da concentração industrial e da ausência de regras, que é o que se tem verificado, enquanto os poluidores vão vivendo descansados.
Uma outra questão, que também tem a ver com os resíduos tóxicos e com a poluição dos rios, nomeadamente do rio Tejo, e que já é escandalosa, é a da lixeira do concelho de Abrantes, que se encontra plantada numa margem do rio Tejo e que nele vai descarregando diariamente dezenas de litros de excrescências, que, depois, vão poluindo todas as retomas de água que existem, das quais muita gente bebe.
Com certeza que isso também será uma preocupação do seu Governo, uma vez que a verba necessária para a mudança de localização desta lixeira ultrapassa, neste momento, a capacidade de qualquer município português, que VV. Ex.ªs também têm feito o "favor" de descapitalizar, roubando-lhes as verbas, ano após ano.
O Sr. Secretário de Estado disse que estavam a fazer..., que estavam a pensar..., que estavam a mudar... e, depois, dando um exemplo concreto, disse que tinham concluído a reestruturação orgânica do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. É óbvio que não concluíram o que quer que seja, porque essa reestruturação orgânica não passa do papel!
As questões que lhe quero deixar são as seguintes: será que as soluções que me vai apontar também elas são de papel e para funcionarem um dia mais tarde? Quem sabe numa outra geração, quando já cá não estivermos!
Portanto, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, muito concretamente, o que é que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais pensa fazer para evitar as descargas constantes de poluentes no rio Zêzere e nos seus afluentes? Quando vai ser feita a limpeza definitiva do rio Alviela? E qual a solução para a lixeira de Abrantes?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder a este grupo de questões, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, realmente, este grupo de questões têm uma linha comum a que, segundo penso, posso responder de uma só vez.
Estamos aqui a falar de peixes que morrem nos rios. Os peixes morrem porque há esgotos de câmaras e de indústrias que são lançados nos rios. Ora, é esse problema que tem de ser resolvido! No entanto, os esgotos das câmaras são problema das autarquias e os das indústrias são problema das próprias indústrias!

Risos do PS e do PCP.

O Sr. José Sócrates (PS): - Magnífico!... Está desempregado!

O Orador: - Em alguns casos, para ajudar a resolver estes problemas de forma definitiva, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais dá a sua contribuição em termos de soluções técnicas e de financiamento, porque nestas coisas não queremos ser demagógicos.
Há pouco, disse-se aqui que os peixes estão a morrer. A esse respeito, devo dizer que não é com multas que ressuscitamos os peixes! Nós evitamos que eles morram acabando com a poluição. No entanto, em muitos casos, face a situações de desordenamento passadas, a erros de décadas, não é possível, de um dia para o outro, acabar com a poluição e resolver o problema. Não queremos os peixes mortos, mas temos de reflectir também se queremos fábricas fechadas de um dia para o outro.

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É fácil dizer que as coisas estão mal, mas, na nossa óptica, resolver o problema é contribuir para soluções duradouras. É isso que estamos a fazer concretamente no rio Lis. Devo dizer que, na próxima sexta-feira, vou presidir à 1.ª reunião do Conselho de Bacia do Rio Lis, onde vão ter assento os poluidores e todas as entidades que têm influência no processo de licenciamento, para, em conjunto, discutirmos uma solução. Apareça essa solução e financiá-la-emos em conjunto! É essa a nossa promessa solene.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Com 10 anos de atraso!

O Orador: - Quanto ao processo de licenciamento, já referi que há intenção de licenciar todas as indústrias, dando, no entanto, um prazo para a resolução desses problemas, pois não há soluções de um dia para o outro.
O que hoje podemos fazer é, muito simplesmente, fechar a indústria ou aplicar uma grande multa, só que as multas não ressuscitam os peixes! Não é assim que se resolvem os problemas,...

O Sr. José Sócrates (PS): - E as multas!

O Orador: - ... embora não haja qualquer hesitação na aplicação da lei. Mas, para além do cumprimento da lei e da fiscalização, estamos a ajudar as indústrias e as autarquias a resolver os problemas.
Quanto aos resíduos sólidos do Vale do Douro Norte, não sei se a sua associação de municípios foi recebida para tratar desse assunto; no entanto, foi-lhe dada a conhecer a política do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais neste domínio.
Na realidade, o Ministério, para uma dimensão como aquela de que estamos a falar, não recomenda uma incineradora - e essa era a pretensão da Associação de Municípios do Vale do Douro Norte -, mas estamos dispostos a analisar a situação em conjunto com a referida associação, por forma a encontrar uma solução adequada, em termos técnicos e financeiros, para a resolução do problema.
Quanto à solução dos recursos hídricos dos rios Almonda, Alviela e Zêzere, devo dizer que também aqui estamos a falar de problemas de concentração de poluição. A nossa resposta é essencialmente a constituição de conselhos de bacia para juntar todos os utilizadores e intervenientes no processo, no sentido de se chegar a soluções que sejam técnica e economicamente viáveis. Disponibilizamo-nos para dinamizar esses processos.
Os problemas de uma determinada lixeira de um determinado município são essencialmente desse município. O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais não é o bombeiro que vai resolver todos os problemas deste género! Esta competência está perfeitamente alceada, sabe-se de quem é.
O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais vai até onde pode, de acordo com prioridades claramente definidas e com disponibilidades financeiras limitadas, mas são essencialmente as autarquias que terão de utilizar os meios importantes colocados à sua disposição, nomeadamente os do actual Quadro Comunitário de Apoio, no sentido de encontrarem soluções adequadas.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, peço-lhe que conclua.

O Orador: - Quanto à localização dos resíduos tóxicos e perigosos, a solução não é política mas, sim, técnica.
Portanto, não se peça ao Secretário do Estado do Ambiente e do Consumidor que venha a esta Assembleia, ou a outro sítio qualquer, definir aquilo que tem de resultar de um processo técnico e de participação pública. É esse processo que está em curso e a solução que daí advier será discutida com quem de direito. Não posso, por isso, responder.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, era para sublinhar, nesta Assembleia, o facto de o distinto membro do Governo Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor ter deixado esta estrondosa frase, que a todos nos eleva: "As multas não ressuscitam os peixes".
Pois bem, desde o sermão do Padre António Vieira aos ditos que, certamente, não ouvíamos frase tão elevada nesta Assembleia a propósito de peixes!

Vozes do PSD: - Então e a interpelação à Mesa?!

O Orador: - É esta que estou a fazer.
Sr. Presidente, quero também sublinhar a estranheza que a minha bancada quer exprimir por poder haver um membro do Governo que declara, alto e bom som, que as multas previstas na lei não são para aplicar pela simples razão de que não ressuscitam os peixes.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente: - Ninguém disse isso!

O Orador: - É a minha interpretação.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Vera Jardim, solicito-lhe que termine porque não está exactamente a fazer uma interpelação à Mesa.

O Orador: - É que há vários Deputados a fazerem interpelações ao mesmo tempo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, queria que ficasse sublinhado que há um membro do Governo que declara calmamente que o que está previsto na lei não é para se cumprir.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvi com atenção a sua intervenção e verifiquei que uma das prioridades da sua Secretaria de Estado é o aproveitamento hídrico. Ora, penso que existe nas suas afirmações uma grande contradição e, para o provar, recolhi meia dúzia de fotocópias de diversas declarações de membros do Governo que têm visitado a minha região, a Cova da Beira, e que se têm pronunciado, precisamente, sobre o aproveitamento hídrico. Refiro-me, concretamen-

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te, ao aproveitamento hídrico do rio Côa e à construção da albufeira Côa-Sabugal para potenciar o regadio da Cova da Beira. Sem a construção dessa albufeira, o regadio da Cova da Beira não é possível e vemos truncado este projecto, sendo esta uma região com enormes apetências agrícolas. Basta folhear a meia dúzia de fotocópias que aqui trouxe para verificarmos que ora o Sr. Ministro Valente de Oliveira afirma e anuncia a realização da albufeira do Côa, ora o Sr. Secretário de Estado visita a mesma região e nega as afirmações do Sr. Ministro Valente de Oliveira.
O meu camarada de bancada José Sócrates, aquando da discussão do Orçamento do Estado, interpelou, nesta Câmara, a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, perguntando-lhe, muito concretamente, se essa albufeira ia ser construída ou não, mas o facto é que a Sr.ª Ministra desconhecia a matéria e não tinha certezas sobre ela.
Ora, é precisamente sobre esta matéria que quero interpelá-lo, pedindo-lhe quê me responda concretamente, já que, através da figura regimental de requerimentos, que dirigi a V. Ex.ª, não obtive resposta.
Assim, gostaria de saber se o Governo tem ou não vontade política para o aproveitamento hídrico do rio Côa e para a construção da barragem Côa-Sabugal, a fim de potenciar o regadio da Cova da Beira, e, em caso afirmativo, gostaria de saber para quando e que meios tem disponíveis o Governo para levar a cabo essa obra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, quero deixar aqui uma nota de justiça e dizer que, de facto, se formos rigorosos, verificamos que a poluição industrial se tem reduzido no nosso país. Só que isso acontece por uma razão muito prosaica: de facto, a indústria do nosso país está a desaparecer! De resto, considero que as vantagens comparativas que o Sr. Secretário de Estado disse possuirmos estão a ser destruídas exactamente por aqueles que as querem explorar, quer do ponto de vista do litoral quer do interior. E essas vantagens comparativas deixam de o ser, porque há uma impunidade total no respectivo tratamento e na forma como o litoral é ocupado, selvática e barbaramente.
Sr. Secretário de Estado, uma vez que, no próximo domingo, vou encerrar um encontro promovido pela UDP do litoral alentejano e porque há muito tempo que várias questões são levantadas, gostaria de saber o que poderei dizer, por exemplo, em relação à central incineradora de resíduos sólidos em Sines, projecto que provocou protestos por parte da população, que não a quer lá, nomeadamente porque considera que a tecnologia apontada para essa central é obsoleta e que apenas se insiste na realização desse projecto por haver um grupo francês interessado nele e perante o qual o Governo está comprometido. Gostaria de ouvir alguma explicação sobre esta questão, independentemente da bondade ou não da central incineradora de resíduos sólidos.
Uma outra questão que queria colocar-lhe, Sr. Secretário de Estado, é relativa à hipótese de fazer das antigas minas do Canal Caveira e de Lousal um depósito de resíduos tóxicos. Gostaria de saber como é que o Governo encara esta questão, tendo em conta, principalmente, o município de Grândola, que é um município que, infelizmente para ele, nem sequer tem indústria. Pois é aí que vão cair os resíduos tóxicos!
Finalmente, já aqui foi tratada várias vezes a questão da Metalinex, que é, na minha opinião, reveladora da total inoperância e incapacidade deste Governo - e não falo só da sua inoperância, Sr. Secretário de Estado, mas da inoperância deste Governo, pois há três ou quatro anos que este problema está colocado, o Governo começou por dizer que não havia qualquer problema, depois teve de o reconhecer e mostrou uma total incapacidade para o resolver. Ora, seria necessário que o resolvesse urgentemente para não passarmos a ter um ministério que, em vez de ser conhecido por Ministério do Ambiente, passe a ser conhecido por "ministério das dioxinas".

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, li num vespertino que a taxa de desemprego sofreu um brutal aumento no início do ano, que aponta para 306 500 pessoas sem emprego, ou seja, 6,8 % da população activa. Socraticamente, pergunto se isto também não é um desastre ecológico.
Mas circunscrevendo-me às questões do ambiente, gostaria de saber, Sr. Secretário de Estado, que coordenação efectiva existe entre os Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Saúde e, existindo alguma coordenação, gostaria de saber se ela é apenas pontual ou é estratégica e estrutural. O caso do excesso de alumínio na água de Évora afigura-se-nos um exemplo sugestivo da necessidade desta coordenação.
E com o Ministério do Mar, cuja actuação não se pode cingir a alterar os horários de funcionamento das lotas? Que tem sido feito no âmbito de uma urgente e vital preservação da nossa costa, das nossas águas territoriais, bem como no capítulo da catalogação, estudo e preservação das espécies marinhas?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Quem manda nas nossas águas é Bruxelas!

O Orador: - Será que isto também não tem a ver com o ambiente? Será que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais é ou procura ser apenas até à foz dos rios, despejando no imenso oceano o fardo das suas históricas e inalienáveis responsabilidades?
São estas as perguntas que levanto ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Antes de mais, quero fazer uma rectificação muito clara quanto à situação das multas e dizer que as multas e as coimas existem nas leis e são para aplicar quando necessário.

O Sr. José Sócrates (PS): - Quando necessário?!

O Orador: - O que eu disse muito claramente foi que estamos interessados em soluções sustentáveis e que queremos eliminar as situações de poluição. As multas são elementos dissuasores, são penalizantes, mas, só por si, não

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resolvem os problemas. Foi essa a interpretação que quis dar, muito claramente: as multas, em si, não resolvem os problemas. O que resolve os problemas é a eliminação das situações poluidoras e é exactamente a conjugação destes aspectos que defendemos. Não haja qualquer interpretação abusiva de coisas que não foram ditas.
Relativamente ao aproveitamento hidráulico da Cova da Beira - um projecto que está em curso e em que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais já investiu vastas somas -, o que posso dizer é que, neste momento, não há ainda uma decisão definitiva, pois esse projecto está em fase de avaliação técnico-económica. É um dos projectos sobre os quais não há dúvidas quanto à necessidade da valia e é um projecto que compete, infelizmente para nós, como muito outros, a fundos que são escassos. Esta é a resposta que tenho a dar quanto a essa questão. Há a melhor boa vontade no sentido de continuar o projecto em referência, mas, como aqui foi dito nesta discussão, os problemas são muitos, as necessidades são também muitas, mas os recursos são fixos. Não podemos chegar a todo o lado quando queremos.
Relativamente à questão das localizações dos resíduos industriais, o problema são os tais 1 800 pontos que existem sem solução e certamente que a melhor solução disponível do ponto de vista técnico será a ambientalmente adequada, estando em curso um processo de consulta pública. E tudo quanto posso dizer.
Sobre o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, há pouco ouvi dizer que este podia deixar de existir; agora, já lhe dão uma nova designação.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - E quanto ao Canal Caveira? Como é que está isso?

O Orador: - Esse é um caso em que também estamos a falar da localização dos resíduos, relativamente ao qual não há ainda uma decisão. Aliás, há pouco, disse qual era o calendário, pelo que não tenho mais informação a dar. É, no entanto, um assunto que está a merecer a nossa melhor atenção, havendo organizações ambientais, não governamentais, que deram a sua colaboração ao Ministério, no sentido do desenvolvimento do melhor processo de consulta pública. É, portanto, um processo que está a ser conduzido com toda a transparência, embora seja difícil. É um assunto de interesse nacional e não, penso, concelhio ou de freguesia. É, como disse, um assunto nacional, relativamente ao qual é fundamental que se encontre uma solução de acordo com um processo de consulta pública e com um estudo de impacte ambiental adequado.
Relativamente às relações entre os Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Saúde, devo dizer que é claro que elas existem. Recordo, por exemplo, a vigilância sanitária das águas de abastecimento, em que o Ministério da Saúde tem uma responsabilidade importante. Quanto à colaboração do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais com o Ministério do Mar, de uma forma mais geral, o Ministério do Ambiente, sem se esgotar na política dos outros ministérios, tem a preocupação de enformar as decisões desses ministérios do ponto de vista ambiental. No caso do Ministério do Mar, isso também acontece. Aliás, posso dar exemplos frutuosos de colaboração: o do plano Mar Limpo, que é um esquema para evitar os derrames de produtos petrolíferos. Portanto, claramente, o Ministério do Ambiente "não pára na foz dos rios"! O Ministério do Ambiente tem competências relativamente ao litoral e está a colaborar com o Ministério do Mar. Um outro exemplo dessa colaboração é a navegabilidade do rio Douro, em que ambos os ministérios, em conjugação com outros, têm em curso trabalhos no sentido de assegurar a continuidade dessa navegabilidade.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para exercer o direito de defesa da consideraçâo, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Isabel Castro mostrou, com um ar maroto, umas declarações minhas, invocando alguns comentários que eu teria feito relativamente à política do ambiente. Naturalmente que assumo perfeitamente o que disse. Aliás, devo dizer que, nessa entrevista, há também uma referência minha em que digo não estar de acordo com o facto de ter havido apenas uma penalização da gasolina sem chumbo e não ser atingida também a gasolina com chumbo. Agora, o que não quero deixar de comentar, assumindo perfeitamente o que disse, é que é curioso que sejam os Deputados do PSD - porque temos profundas convicções ambientais e porque temos vontade de que a componente ambiental tenha cada vez mais uma presença determinante nas decisões e nos equilíbrios políticos que sempre se colocam - a tomar posições públicas deste teor. O que é lamentável é não encontrarmos, por exemplo, idênticas posições públicas por parte de Deputados de outras bancadas parlamentares, nomeadamente da oposição. Isto, no fundo, reflecte um aspecto que nos tem amargurado e que várias vezes temos aqui invocado, que é a falta de uma oposição activa e estimulante para que o Governo atinja performances ainda melhores.
Para terminar, não deixaria de dizer-lhe que, apesar de ter feito esse comentário, estou indicado pela minha bancada parlamentar a colaborar nesta interpelação. Se as situações fossem inversas, gostaria de ver se a Sr.ª
Deputada não estaria já num qualquer goulag, fruto dessa desobediência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Essa não percebi!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (João Pereira Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história do urbanismo português regista que, em matéria de ordenamento do território e de planeamento territorial, tudo esteve praticamente parado durante cerca de 30 anos.
Com efeito, a um primeiro ciclo de planos de ocupação do solo, que decorreu de 1934 a 1954 (e que correspondeu à elaboração de vários planos de urbanização dos principais aglomerados urbanos), apenas em finais da década de 80 se retoma o esforço de ordenamento do território, agora sob o signo dos planos directores municipais.
A este surto de planeamento ao nível municipal, vem igualmente juntar-se um apreciável conjunto de planos de ordenamento de áreas territoriais que, pelas suas características, carecem de tratamento à escala supramunicipal. É o caso dos planos regionais de ordenamento do território, dos planos de ordenamento das áreas protegidas, dos planos de ordenamento das albufeiras ou dos planos de ordenamento da orla costeira.

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É sabido que estão, neste momento, ratificados e em plena vigência 50 PDM e cerca de 29 já foram aprovados pelas respectivas assembleias municipais, pelo que, ultrapassada esta última fase, apenas aguardam agendamento em Conselho de Ministros, para efeitos de ratificação. É igualmente sabido que mais de 140 planos se encontram em fase final de aprovação ao nível municipal.
Por muito que alguns pretendam denegrir este processo, os números falam por si e a história do urbanismo não deixará de fazer justiça.
O processo de elaboração dos planos directores municipais deve constituir, na minha perspectiva, motivo de orgulho para todos, muito especialmente para os municípios portugueses e para os eleitos locais. Ele reflecte a capacidade de realização dos portugueses, provando que é possível recuperar atrasos do passado e atingir os objectivos pretendidos.
Julgo que foram bem empregues os cerca de três milhões de contos, que o Estado canalizou para os municípios, para apoio financeiro à elaboração dos PDM e julgo também que não foi tempo perdido as milhares de horas de trabalho que todo o processo exigiu por parte dos eleitos locais, dos técnicos municipais, dos técnicos da administração central e das universidades e, de uma forma geral, de múltiplos agentes que conduziram, participaram ou acompanharam a elaboração dos planos directores municipais.
Garantir uma adequada cobertura do território nacional com instrumentos de planeamento ao nível municipal foi, e continua a ser, um dos vectores essenciais da política de ordenamento do território, mas a estratégia do Governo nesta matéria não se limita a este domínio.
Na verdade, procedeu-se, igualmente, a uma profunda reforma da legislação urbanística.
Como princípios comuns, subjacentes aos diplomas elaborados, podem referir-se: a desburocratização administrativa; a transparência e simplificação de processos; a desconcentração de competências, de forma a tornar as decisões mais próximas da realidade e a facilitar a oportunidade de diálogo entre a administração central, as autarquias locais, as populações e os agentes económicos; a garantia da defesa do interesse público; a garantia da participação dos cidadãos no processo de planeamento e gestão do território.
Uma política tão abrangente e horizontal, como é a política do ordenamento do território, terá de ser concebida na sua globalidade, já que a manutenção de um elevado grau de coerência e lógica interna é condição fundamental para o seu sucesso. No entanto, o atraso estrutural que Portugal revelava neste domínio exigia actuações expeditas e eficazes.
Assumiu-se, por isso, que a política de ordenamento do território deveria ser estruturada através de componentes autónomas, devidamente articuladas, dando corpo, por um lado, a um todo coerente e, por outro, possibilitando a operacionalização dos instrumentos mais determinantes, por forma a torná-la activa, em tempo útil.
O Governo tem vindo a definir instrumentos de política, que consagram esta nova filosofia de intervenção em matéria de ordenamento do território. Cada um desses instrumentos fundamentais, de cariz legislativo, constitui uma peça-chave na arquitectura do modelo global adoptado.
Dos instrumentos ligados mais directamente à salvaguarda, destacam-se: a Reserva Agrícola Nacional, a Reserva Ecológica Nacional e o Regime de Gestão Urbanística do Litoral.
No domínio dos processo de alteração ao uso do solo, destacam-se como principais instrumentos: os regimes de licenciamento dos estabelecimentos hoteleiros; as grandes superfícies comerciais; os estabelecimentos industriais e, ainda, os regimes ligados ao licenciamento municipal de obras particulares, aos loteamentos urbanos e obras de urbanização.
Importa, ainda, salientar que, na sequência da estratégia adoptada e por forma a assegurar todo o instrumental necessário à concretização da política de ordenamento do território, "fechando" o modelo desenvolvido, se encontra em preparação a lei de bases do ordenamento do território.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É já possível identificar, no País, alterações que representam uma profunda mudança no panorama do ordenamento do território em Portugal. Mas ordenar o território nacional e deixar às gerações vindouras um país mais arrumado é uma tarefa complexa. Exige o empenhamento e a vontade de múltiplos agentes.
Mas ordenar o território é também um dos grandes desafios que se colocam aos portugueses neste final do século XX.
Estou certo e convicto de que iremos vencer este desafio!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Sá, André Martins e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, mais uma vez, ouvimos o Governo louvar-se do esforço de ordenamento.
A grande questão que está colocada nesta matéria, uma vez mais, é a seguinte: o diploma sobre os planos directores municipais é de 1990 e o diploma sobre os planos regionais de ordenamento do território é de 1988. Neste momento, como é sabido, estão muito poucos aprovados. A grande questão que se coloca, antes de mais, é esta: por que é que foi necessário ter estragado tanto para o Governo publicar alguns diplomas e, mesmo assim, com defeitos?
Os planos directores municipais têm, sem dúvida alguma, um papel importante. Creio que é justo dizer que, bem antes da legislação de 1990, houve municípios do País que, desde 1976, aprovaram planos directores municipais, designadamente municípios presididos pelo meu partido. É uma verdade histórica! Não foi necessária a publicação da legislação para descobrir instrumentos de planeamento urbanístico.
No entanto, o Governo prevê sanções para os municípios. A verdade, entretanto, é que há múltiplas situações em que é o próprio Governo a falhar. Dou-lhe um exemplo concreto: a NUTE do Oeste tem 12 municípios e apenas quatro, concretamente até à passada sexta-feira, têm a carta ecológica publicada.
A grande questão que se coloca é a seguinte: a responsabilidade da publicação da carta ecológica é do Governo. E quem refere esta situação refere muitas mais, de outras câmaras, em que a responsabilidade do arraso dos planos directores municipais é da administração central. Por que razão o Governo não assume esta responsabilidade? Por que é que não prevê excepções na aplicação de sanções aos municípios, quando a responsabilidade do atraso é do próprio Governo?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto às áreas protegidas e aos parques naturais, creio que é evidente que, nesta matéria, se colo-

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cam problemas de democraticidade de gestão, designadamente de participação das autarquias locais nessa gestão, participação essa que deve ser mais importante do que a que têm actualmente.
Um outro problema, que também se coloca, é o facto de as populações perceberem qual é o projecto do Governo para as áreas protegidas e para os parques naturais, pois há situações em que o desenvolvimento é estrangulado desta forma e o Governo, pura e simplesmente, cria uma série de condicionamentos. Há desemprego, a população abandona as áreas protegidas, como é o caso, por exemplo, do litoral alentejano, e não se descortina qualquer projecto alternativo que crie, no fim de contas, possibilidades de subsistência para as populações.
O Sr. Secretário de Estado referiu ainda, como instrumento da política de ordenamento do território, o regime da gestão urbanística do litoral, das grandes superfícies comerciais, etc. Creio que o exemplo é extraordinariamente infeliz, mas reflecte uma orientação geral do Governo nesta matéria. É que o Governo entende que, quando algo tem verdadeiramente importância, o melhor é passar a responsabilidade fundamental para o Governo e afastar os municípios. Creio que este é um princípio errado, uma vez que os municípios devem ser os principais protagonistas na política de ordenamento do território. O papel do Governo deve ser, acima de tudo, o de fixar as regras gerais e não de se substituir às autarquias locais, por exemplo, em questões como as grandes superfícies comerciais, em que frequentemente o papel do Governo não é o de defender o ordenamento do território mas interesses económicos privados, atropelando, por vezes, a vontade municipal neste plano e não garantindo, muitas vezes, os próprios planos directores municipais, que o Governo tanto se gaba de ter obrigado as autarquias a aprovar.
Gostaria que o Sr. Secretário de Estado comentasse estas questões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, agradeço os seus comentários, mas permita-me que faça também um comentário muito breve à sua intervenção, antes de responder directamente às questões que colocou.
Julgo que o Sr. Deputado foi contraditório, porque, por um lado, acusou o Governo de se louvar no êxito dos planos directores municipais e, por outro, disse que, afinal, a culpa dos atrasos é do Governo. Considero que há aqui uma contradição.
Pois bem, penso que o meu discurso foi bastante claro neste domínio, porque eu disse que este processo - e volto a afirmá-lo - deve, de facto, ser motivo de orgulho para toda a gente que nele participou e até fiz referência específica aos municípios e aos eleitos locais portugueses, porque efectivamente são eles os grandes condutores. A administração central limita-se a acompanhar o processo, a participar e a apoiar os municípios nesse domínio.
No tocante à questão dos atrasos, que é também uma questão muito falada, julgo que não podemos, sob pena de estarmos a cometer algumas injustiças, generalizar esta questão, porque em cada planno director municipal os atrasos serão imputáveis, num caso, aos municípios e, noutros, à administração central, ou seja, serão imputáveis às mais diversas situações. Cada situação de atraso de cada PDM é um caso.
O Sr. Deputado saberá tão bem ou melhor do que eu que vários planos directores municipais, que estavam praticamente concluídos, "ficaram às portas" das assembleias municipais antes das eleições autárquicas. Os executivos não quiseram, pelas mais diversas razões - não importa agora averiguar quais -, em período de pré-campanha eleitoral, agendar a aprovação dos planos directores municipais. De quem é o atraso nestes casos? Seguramente, não será da administração central!
Houve situações em que, após o inquérito público, os próprios executivos municipais decidiram introduzir alterações, o que, aliás, me parece correcto, pois significa que a participação das populações teve algum resultado. De quem é o atraso aí? É das populações que participaram? É do município que resolveu introduzir alterações? Se calhar, não é nem de uns nem de outros mas da própria natureza do processo.
Em relação a uma outra questão, a das sanções...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Lufe Sá (PCP): - Sr. Secretário de Estado, é evidente que há atrasos da responsabilidade dos municípios, mas o problema é o de saber se, tendo o Sr. Secretário de Estado admitido - atitude que, em meu entender, foi muito positiva e, francamente, foi a primeira vez que vi o Governo fazê-lo -, haver atrasos da responsabilidade do Governo (e dei como exemplo o atraso da publicação das cartas das reservas ecológicas nacionais relativas aos municípios), o Governo admite que nestas situações os municípios não sejam alvos de castigos com o qual o Governo os ameaça.
É uma questão muito concreta.

O Orador: - Se o Sr. Deputado me tivesse deixado concluir, a sua interrupção teria, seguramente, ficado sem efeito, porque ia responder a essa questão.
Não é a primeira vez que o Governo admite ter havido atrasos imputáveis à administração central. Tanto assim é que foi publicado no Diário da República em, salvo erro, Agosto ou Setembro do ano passado, um diploma que diz, "preto no branco": há atrasos que foram efectivamente imputáveis à administração central. Respondendo, por esta via, às duas questões que colocou, devo dizer que este mesmo diploma permite que se utilize um regime excepcional relativamente à situação geral, que corresponde a isto: não havendo plano director municipal, não há contratos-programa com a administração central.
Portanto, o mesmo diploma responde às duas questões. No entanto, sabemos e assumimos, com toda a frontalidade, ter havido, de facto, atrasos imputáveis à administração central. E em relação àquilo que o Sr. Deputado chama de sanções para os municípios que não tenham um plano director municipal, usando as suas palavras, não o são, em meu entender. Mas, como é evidente, nessas situações isso não se aplica. Há um regime previsto na lei exactamente para salvaguardar essa situação.
Porém, gostaria de referir que o processo de elaboração de um plano director municipal é, como toda a gente

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sabe, de negociação extraordinariamente complexa. São dezenas de serviços da administração central que têm de se articular. Se calhar, exactamente por ser um processo extraordinariamente complexo é que apenas este Governo decidiu avançar com isto, sabendo que estava a avançar com um processo complexo e difícil, porque é difícil articular todos os serviços da administração central. Não tivemos qualquer relutância em fazê-lo e, de facto, pensamos que, na altura, foi tomada uma boa medida.
Quanto à questão das cartas da reserva ecológica nacional, gostaria de referir, se o Sr. Deputado me permite, que também aí há, por vezes, uma falsa questão. Nos diversos contactos com os Srs. Presidentes de câmaras, sobretudo, tenho tido oportunidade de fazer sentir que não é preciso estar publicada, em Diário da República, a carta da reserva ecológica nacional para que o PDM possa prosseguir. Há dezenas de planos directores municipais, sendo alguns desses municípios, como o Sr. Deputado referiu, afectos ao seu partido, já publicados e em vigor, mas a carta da reserva ecológica nacional ainda não foi publicada, porque é um processo mais lento. A carta da reserva ecológica nacional é publicada através de portaria de vários ministros, enquanto que a ratificação do PDM é uma simples resolução do Conselho de Ministros. Logo, é mais célere o processo de ratificação do que o de aprovação.
Portanto, há diversos planos directores municipais aprovados, ratificados sem que tenha havido ainda a publicação da carta da REN.
Por último, não posso estar mais de acordo consigo, quando diz que a política de ordenamento do território deve ser feita pelos municípios. É exactamente essa a nossa postura. É por isso, e apenas por isso, que nós, toda a máquina administrativa do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, temos estado fortemente empenhados em avançar com o processo dos planos directores municipais. É exactamente porque entendemos que o ordenamento do território - sempre o dissemos - tem, na sua escala municipal, aqui um instrumento privilegiado.
Também gostaria de salientar o seguinte: ainda há pouco tempo, a propósito de um diploma - que, curiosamente, a oposição votou contra - sobre o regime sancionatório dos planos de desenvolvimento regional do ordenamento do território, foram referidas as tentativas centralistas por parte do Governo. Vamos ver como é que as coisas são!
Como toda a gente sabe, a partir do momento em que o PDM esteja aprovado, a maioria dos loteamentos, das construções e, inclusive, das grandes superfícies comerciais, como o Sr. Deputado referiu, deixam de ter, obrigatoriamente, parecer da administração central, ou seja, o instrumento de autonomia na gestão do território ao nível municipal. O que é curioso, ou contraditório, nas críticas, que, por vezes, são feitas, é o facto de ser precisamente o Governo, que é injustamente acusado de centralista, que está, há vários anos, a implementar, a fazer pressão, no bom sentido, para que os planos directores municipais sejam feitos, quando toda a gente sabe que eles são o melhor instrumento de autonomia municipal que pode existir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, não posso deixar de referir, considerando mesmo que V. Ex.ª está, certamente, numa posição mais cómoda que outros membros do Governo, que reconheci a importância não só da sua intervenção, sobretudo quando afirma os objectivos, mas também a do instrumento de ordenamento do território na ocupação harmoniosa do território, como contributo fundamental para que se consiga implementar um desenvolvimento harmonioso e sustentado.
Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, a questão que se nos coloca tem a ver com a postura que o Governo tem tido, designadamente, quando exige às autarquias, de uma forma autoritária, que cumpram prazos, que, à partida, são manifestamente incumpríveis - e esta foi a principal crítica feita aqui, quando o seu antecessor veio à Assembleia apresentar um projecto relacionado com a elaboração dos planos directores municipais do ordenamento do território -, e quando, ao mesmo tempo, procede ao não cumprimento das suas competências, para não dizer irresponsabilidades. Por outras palavras, o Governo, naquilo que são as suas competências, não procede da mesma forma, não exige a si próprio o cumprimento do que está expresso na lei por si mesmo elaborada. Estou a falar, Sr. Secretário de Estado, dos planos de desenvolvimento regional de ordenamento do território, mais concretamente do plano de desenvolvimento regional do ordenamento do território da Área Metropolitana de Lisboa.
Desde Dezembro de 1992 que o Ministério do Planeamento e da Administração do Território tem em sua posse o plano de desenvolvimento regional do ordenamento do território da Área Metropolitana de Lisboa. Como os planos directores municipais dos municípios da Área Metropolitana de Lisboa estão, em grande parte, em fase de conclusão, podemos assistir a esta situação, que é, a todos os títulos, lamentável: os municípios investiram milhares de contos, centenas de milhar de contos, na elaboração dos planos directores municipais e agora, quando o Governo vier a decidir sobre o plano de desenvolvimento regional de ordenamento do território para a Área Metropolitana de Lisboa, todo esse investimento pode ser completamente posto em causa por decisões que o Governo venha a tomar a posteriori e que já podiam ter sido tomadas antecipadamente. Estou a lembrar-me de exemplos concretos, Sr. Secretário de Estado, como as novas travessias do Tejo, a sua localização. E não nos podemos esquecer de que ainda falta decidir, ou melhor já foi decidido, pelo Governo a localização da nova ponte sobre o Tejo, cujo processo, como se sabe, devido a queixas feitas em Bruxelas, está a correr em tribunal. Nada se sabe ainda sobre a travessia ferroviária do Tejo, sobre a localização da travessia do Tejo junto ao Carregado e a localização do futuro aeroporto internacional. O que se sabe é que ele virá a ficar junto da Área Metropolitana de Lisboa.
Esta é a postura do Governo, que é, por um lado, autoritária em relação aos municípios e, por outro, de não cumprimento da própria legislação e das competências que o Governo legislou para si mesmo. Por isso questionamos o Governo.
Em segundo lugar, Sr. Secretário de Estado, não podemos deixar de questionar a política do Governo. Pergunto: qual foi o Governo que implementou a plantação indiscriminada e maciça de eucaliptos no território nacional? É que, segundo estudos elaborados para a preparação do 5.º Programa Comunitário sobre Ambiente, esta medida foi considerada como exemplo de política errada seguida nos países da Comunidade. Mais: consideram que o território português é, dos países europeus, o que está em maior

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risco de erosão e desertificação, precisamente pela política errada seguida - e referem este facto nesses estudos -, tendo em conta a necessidade de um ordenamento biofísico do território, que não está a ser feito. Em nosso entender, se esse ordenamento biofísico não for feito, que é, como sabe, da responsabilidade do Governo, leva a que não haja um desenvolvimento e uma ocupação harmoniosos do território.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, há pouco, fiz ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor algumas perguntas que esperava ver respondidas, visto realmente terem mais a ver com o ordenamento do território e que, pelo menos parte delas, estão implícitas, aliás, naquilo que o Sr. Deputado Luís Sá perguntou.
V. Ex.ª sabe com certeza, há um grande fosso que separa as boas intenções dos maus resultados e a teoria da prática na feitura destes planos directores municipais, PDM, embora, tanto o Governo como nós, esperemos pela intervenção dos técnicos, dos especialistas, dos universitários, de toda esta gente boa.
Na verdade, o que se passa - e V. Ex.ª sabe isso - é que há ateliers e escritórios de arquitectos que fornecem por 90 000, 80 000 ou 150 000 contos, segundo a importância do concelho e do município, "a papinha toda feita", com base nas informações recebidas do presidente da câmara, de pessoas indicadas pelo presidente da câmara, um, dois ou três vereadores, alguns engenheiros ou arquitectos da própria câmara daquilo que o presidente da câmara quer que se marque lá, isto é, as delimitações das zonas para a indústria, para a reserva agrícola, ecológica, para a construção urbana, a zona de periferia urbana. Portanto, ao se fazer esse trabalho, na prática, quase que não intervém mais ninguém.
Depois, procede-se a um debate público. Mas V. Ex.ª sabe o que é um debate público nos municípios em Portugal! O facto de o PDM estar exposto, no átrio da câmara, não quer dizer que, necessariamente, seja observado. V. Ex.ª pode dizer: "A culpa não é do Governo!". Mas eu também não estou a dizer que a culpa é do Governo, talvez até seja da nossa própria falta de cultura cívica, da falta de interesse que realmente temos por estas coisas, porque até são coisas novas, às quais as populações, as forças vivas, não estão habituadas. Só aquelas pessoas a quem chamaram a atenção, a quem disseram: "Olha, a tua propriedade podia ter sido urbanizada, mas agora está no plano como reserva agrícola! Olha, a tua propriedade podia ter sido urbanizada, poderia ter-se construído lá uma casa, mas agora está afecta à zona industrial! Portanto, aí perdeste! Olha, aí não fazes dinheiro, porque é zona verde..." Ou, então, "Vai depressa ao Presidente da Câmara para ver se tira a tua parte da zona verde para te por aí a zona urbanizada, porque assim ganhas dinheiro"!
E, aliás, há lobbies para, junto das câmaras, mudarem estas zonas para trazerem para urbanização ou deixarem de estar na urbanização. V. Ex.ª sabe isso, não estou a nomear a, b ou c, mas que esta realidade existe não pode negar, nem eu, ou qualquer pessoa pode negar.
Em segundo o lugar, o problema que existe é o da aprovação pela Assembleia Municipal, pois V. Ex.ª sabe que quando há uma maioria do mesmo partido que constitui o executivo municipal, a mesma maioria chancela o plano e não vai debatê-lo. Ou faz um simulacro de debate e não toma em consideração as propostas e críticas da oposição.
Desde logo, porque não está nada gravado. Nenhum debate de assembleia municipal é gravado. Não sei o que sucede em Lisboa, Porto ou Coimbra, mas na maior parte dos concelhos todo o debate da assembleia municipal não está gravado. Há uma secretária que faz o resumo das intervenções em quatro, cinco ou dez linhas e passados oito dias é lido noutra reunião da assembleia e ninguém sabe o que é que disse na íntegra. E aquilo passa para a história sem ninguém tomar em consideração verdadeiramente as críticas que foram feitas.
Depois, o Sr. Ministro do Ordenamento vem ameaçar a dizer que as câmaras que não apresentarem um plano de director municipal (PDM) estarão colocadas na cauda, ou não terão preferência, ou nem serão considerados os seus pedidos para distribuição das verbas do plano de desenvolvimento regional (PDR).
Há aqueles presidentes de câmara que dizem: "Ah!, ele diz isso, mas eu sou do mesmo partido e depois meto lá a cunha necessária e hei-de ter o dinheiro. Se a minha câmara fosse da oposição era outra coisa. Agora eu, quando foi o Prof. Cavaco Silva que me pediu a mim para ser presidente de câmara, para depois não me dar o dinheiro?! Eu fui convidado por ele para ser presidente da câmara e agora vão-me tirar o dinheiro! Ah! Ah! Isso é que eu queria ver...!"

Risos.

Ouvi já isso!
Só que estas coisas têm que ser levadas a sério. Ou as câmaras realmente ficam colocadas no fim...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Ou então não se façam essas ameaças.
Portanto, queria saber o que é que há de verdade. Isto é, como é que realmente o Governo pensa agir. Porque há câmaras que, efectivamente, não têm nenhum interesse em fazer o PDM o mais cedo possível. Há cidades importantes do país que não fizeram o PDM. A oposição clama porque é que não o fazem, os executivos municipais respondem "será feito na altura devida, agora está na fase provisória, depois há-de haver um grupo de trabalho da assembleia municipal a fazer isso, vocês vão falando e nós vamos fazendo" e depois quando dizem que há sanções não há sanção nenhuma, cada um faz à sua maneira!
Pergunto: porque é que não há sanções para aqueles que não fazem? Porque é que os prazos não estão a ser cumpridos? O que é que há de verdade sobre a atribuição ou não de verbas do PDR para aquelas câmaras que não apresentaram o PDM?
Faça favor de nos dizer, Sr. Secretário de Estado, de uma vez para sempre, para ouvirmos e ficar registado em acta no Diário da Assembleia da República o que é que tem a dizer sobre estas ameaças, sobre a forma como são feitos os PDM e como é que o Governo quer controlar esse processo.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território.

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O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território: - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, V. Ex.ª questionou-me relativamente ao cumprimento dos prazos fixados para a elaboração dos PDM. Sr. Deputado, julgo que todos nós estamos de acordo em que se, efectivamente, não tivesse sido fixado um prazo ainda andávamos todos à espera que arrancasse o processo dos PDM.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Olhe que não!

O Orador: - Recordo também que esse prazo foi fixado pela primeira vez em 1987, a propósito do estabelecimento de contratos-programa com as autarquias locais, através de um diploma que indicava o prazo de finais de 1991. Portanto, foi feito com enorme antecedência e julgo, de facto, que se não tivesse sido fixado um prazo ainda estaríamos à espera dos PDM. É que o primeiro diploma sobre os PDM data, salvo erro, de 1982. De 1982 até 1985/86 não havia prazos. Estivemos à espera tranquilamente e quando o Governo tomou posse havia um PDM aprovado e em vigor.
Sr. Deputado, não é ideia do Governo encher o país de PROT! Estamos a fazer aplicar os PROT às áreas que efectivamente carecem de uma abordagem supramunicipal. E é bom que se diga - têmo-lo feito, enfim, com bastante coragem - que o primeiro PROT aprovado foi o Plano Regional de Ordenamento do Algarve. As soluções para o ordenamento do Algarve há muitos anos que andavam na boca de toda a gente, ninguém tinha coragem para as enfrentar, e nós enfrentámo-las.
Também aprovámos o PROT para o litoral alentejano, com todas as dificuldades inerentes a isso, estamos a elaborar o PROT do litoral centro, bem como o do litoral norte. Fazemos os PROT para as áreas em que eles sejam necessários.
Sr. Deputado, gostava de o deixar tranquilo porquanto não vai haver nenhum problema entre o PROT da Área Metropolitana de Lisboa e os PDM dos respectivos municípios. É que quem anda nestas coisas há muito tempo e quem as acompanha com regularidade se calhar encara tudo isto com maior facilidade do que quem não está muito por dentro dos processos.
No âmbito do PROT do litoral alentejano também se falou muito que poderia haver hipotéticas incompatibilidades com os PDM. Só que o PROT foi aprovado, os PDM estão a ser aprovados e não houve qualquer problema.
Sr. Deputado Narana Coissoró, peço imenso desculpa, mas não comungo de nada daquilo que V. Ex.ª disse. Referir-se que os PDM são mal feitos, que são aprovados de qualquer maneira, que o inquérito público não tem valor, é passar - perdoe-me a expressão - um atestado de menoridade ao povo português e aos eleitos locais!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - Recuso-me a aceitar isso. Recuso-me a aceitar que um PDM feito por técnicos competentes, aprovado por uma câmara municipal eleita e representativa das respectivas populações, sujeito a inquérito público - e não tenho do inquérito público a visão que o Sr. Deputado tem, pelo que lhe recomendo que leia muito bem o que tem vindo nos jornais relativamente a inquéritos públicos de muitos PDM que são altamente participados - e que após discussão em assembleia municipal é aprovado, seja, enfim, o resultado de uma argamassa de incompetências que deixam passar um PDM mal feito! Recuso-me a aceitar essa postura e não estou nada de acordo com a opinião que exprimiu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente às sanções, já há pouco tinha referido essa matéria quando respondi à questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá. De qualquer modo, voltando ao assunto, direi que não há qualquer sanção para os municípios. Penso que pode não se gostar das medidas, já que é matéria de ordenamento do território e sempre que se ferem interesses não se gosta das medidas, mas parece-me que a coerência da medida é indiscutível.
Se um município não tem o enquadramento espacial necessário a definir por onde passam as infra-estruturas, quais são as áreas de desenvolvimento urbano, etc., etc., que sentido faz esse município estar a ser apoiado através de fundos do Orçamento do Estado? Não pode ser. Temos de garantir o mínimo de coerência.
Portanto, não há qualquer diminuição da autonomia municipal, o que há é uma opção do Governo, tomada em 1987, no sentido de que não havendo esse quadro de referência espacial não haverá contratos-programa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Que percentagem do FEF é afectada?

O Orador: - Isto não tem nada a ver com o FEF, mas com contratos-programa.
Sr. Deputado, penso que qualquer pessoa reconhecerá ao Governo a legitimidade para, relativamente a verbas do Orçamento do Estado - que não são verbas do FEF -, canalizar essas verbas para os municípios que têm PDM, ou para uma opção estratégica, que é dizer: se o município tem um PDM temos a garantia de que aquilo que se está a apoiar com dinheiro dos contribuintes portugueses está seguramente compatível com uma lógica de desenvolvimento.
Quando não há PDM, como é que poderemos ter essa garantia?
A razão é só essa.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Então porque é que assinaram o contrato-programa com a Câmara da Maia sem PDM?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Porque foram comprar o Presidente da Câmara ao CDS-PP!

Risos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sabido que, muitas vezes, a análise e o estudo de um caso concreto nos revela mais sobre o estado de uma política do que os discursos gerais sobre a matéria.
Aliás, neste debate, quando falaram ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente em casos concretos repararam como ele se afogou nas perguntas. De tal forma que já não foi capaz de atinar com as respostas!
Pois aqui vai, Sr. Secretário de Estado, mais um caso concreto. É o caso do Plano Hidrológico Espanhol. É que a forma como tal assunto foi e está a ser conduzido espelha, de forma clara, a dimensão da política de ambiente em Portugal.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se me permitem, gostaria de vos recordar os factos. Tudo começou com a denúncia pública do Presidente da Câmara do Porto, expressando a sua preocupação pelas consequências que o desvio de águas do rio Douro poderá ter para Portugal.
Embaraçado com um debate que não desejava, e para o qual não estava preparado, o Governo reagiu como alguém apanhado em falta e entrou de imediato na fase da asneira. O que foi dito pelos governantes, nessa altura, é de verdadeira antologia.
"O Plano apenas traça grandes directrizes", disse de início o Ministro, tentado desvalorizar, obviamente, a importância do Plano, como se não fosse essa a função de um Plano - a de traçar grandes directrizes - e como se não fosse essa também a grande lacuna do lado português: não ter grandes directrizes na sua política de recursos hídricos.
Depois, o Governo tentou sossegar a opinião pública.
"A grande preocupação espanhola não é tirar água a Portugal", disse ainda o Ministro. Também era melhor, dizemos nós! É claro que ninguém com bom senso tem uma visão malvada de Espanha, que só pensa em nos prejudicar. Mas também ninguém suficientemente realista pensará que os espanhóis são perdulários. É que não tendo em relação à Espanha a mania da perseguição, ninguém certamente achará prudente deixar os interesses portugueses nas mãos espanholas.
Depois veio o autoconvencimento do Governo: "Só se preocupa quem é ignorante", dizia, com ar marialva, um governante da altura. A verdade é que depois de tudo o que se sabe do Plano espanhol esta tirada espelha, como talvez nenhuma outra, a irresponsabilidade do Governo.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - No entanto, sentindo que não convencia, o ministro da altura quis mostrar que acordara finalmente para a questão, e disse: "O Governo mandou realizar um estudo de impacte ambiental. Deve estar pronto daqui a três meses". A fase da asneira, pelos vistos, continuou. É claro que ninguém acreditou que em três meses se pudesse fazer um estudo sobre o impacte ambiental de um plano ainda tão mal conhecido um Portugal. Um ano depois, como se esperava, tal estudo não existe!
Finalmente, não faltou a agressividade, sinal do desespero do Governo. Em carta ao Presidente da Câmara do Porto o ministro da altura disse dele coisas horríveis: "Tomou iniciativas paralelas", "desfavoreceu a imagem de Portugal no país vizinho", "teve atitudes precipitadas e aventureiristas" e, já cá faltava," pôs em causa a unidade nacional"!
Aqui, Srs. Deputados, como já se terão dado conta, a fase da asneira tinha entrado em delírio.
Mas depois da asneira veio o silêncio. Cansado de tanta asneira, o Governo descansou e fechou a boca durante meses. No entanto, o País ficou a saber, este ano, que o tal assunto que não tinha importância nenhuma foi incluído na agenda da Cimeira Ibérica e que foi formado um grupo de trabalho e de negociação entre os Governos português e espanhol. Dessa negociação nada se sabe. Silêncio!
Só uma gota de informação, uma pequenina gota, brotou há dias, mais concretamente no dia 13 de Março de 1994, do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, aqui presente, e que fez uma declaração muito curiosa ao Público. Disse Sua Excelência: "Os espanhóis..." - reparem bem, Srs. Deputados - "Os espanhóis apresentaram a sua análise preliminar do impacte do Plano Hidrológico nas bacias portuguesas. No entanto, há alguns aspectos relativamente aos quais temos dúvidas". Estas declarações são muito reveladoras.
Por um lado, esclarecem a razão pela qual o estudo de impacte ambiental, anunciado pelo anterior ministro, ainda não está pronto. É que, afinal, tinha sido encomendado pelo Governo aos espanhóis.
Por outro lado, ficámos também a saber que o Governo baseia a sua avaliação dos impactes do Plano Hidrológico Espanhol nas bacias portuguesas em estudos ... espanhóis! Muito elucidativo!
Finalmente, faz-nos também saber que o Governo tem dúvidas. Ora até que enfim alguma verdade!
Srs. Deputados, o Plano Hidrológico Espanhol coloca, sem dúvida, um dos mais sérios problemas ambientais a Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é, porventura, um dos mais delicados problemas políticos no relacionamento entre os dois países.
Lamento dizer-vos, Srs. Deputados, que os governantes não têm sabido estar à altura do problema.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É já hoje claro, para todos nós, que as intenções anunciadas no Plano Hidrológico Espanhol, principalmente no que respeita ao transvase das águas do Douro, põem em causa interesses nacionais, nomeadamente nos domínios hídricos, energéticos e ambientais.
E é, portanto, escandaloso, verdadeiramente escandaloso, que, perante a dimensão do problema, a única preocupação do Governo tivesse sido no passado, e seja agora, a de o esconder da opinião pública.
Ainda hoje, questionado sobre a matéria, o Sr. Secretário de Estado disse que falaria noutra altura.
É claro que os ataques do passado ao Presidente da Câmara do Porto são compreensíveis porque o Governo apenas pretendeu disfarçar o seu próprio embaraço, por ser obrigado a um debate que nitidamente não desejava.
Mas o mais grave é que, depois de o Governo reconhecer a importância do assunto, ao incluí-lo na agenda da Cimeira Ibérica, e estando o Governo envolvido em negociações com o governo espanhol, não tenha dito nada, nem uma palavra - uma palavra sequer - sobre a matéria.
Quais são as orientações políticas? Qual é a estratégia? Quais os interesses portugueses que estão ameaçados? Quais os interesses que podem ser negociados? O que é que o Governo pensa da transferência das águas do Douro?

O Sr. António Braga (PS): - Não pensa!

O Orador: - Isto pode ser, ou não, negociado? Em troca de quê?
Até hoje o Governo não deu - e já lá vai um ano - nenhum contributo para o debate, nem para o esclarecimento das questões que o Plano espanhol coloca.
Da Sr.ª Ministra não se conhece uma única palavra dita sobre a questão. Uma única! Nem ai, nem ui. Silêncio total.

Aplausos do PS.

Srs. Deputados, é chocante que, perante uma das mais sérias questões ambientais, o Governo não informe nem os

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Deputados nem os cidadãos do que pensa do Plano e quais são as orientações políticas que seguirá nas negociações bilaterais. Num assunto que exige a maior publicidade, e porventura a mobilização da opinião pública, o Governo escolheu seguir a via do secretismo.
E, no entanto, todos os dias a Sr.ª Ministra faz profissão de fé naquilo a que chama a participação dos cidadãos na política de ambiente. Todos os dias discursa, como ouvimos ainda há pouco o Sr. Secretário de Estado discursar nesse sentido, apelando à participação dos portugueses como condição de êxito para a política de ambiente. Todavia, no momento em que essa participação se torna essencial, a Ministra escolhe o silêncio.
Por outro lado, Srs. Deputados, o Plano Hidrológico Espanhol deixa também visível a deficiente preparação do País para a negociação com os espanhóis. A propósito, convém recordar que o Sr. Secretário de Estado lá prometeu também para o futuro a elaboração do Plano Hidrológico Português, mas no discurso futurista não no actual.
A verdade é que os espanhóis têm um Plano, Portugal não tem; os espanhóis sabem o que fazer nos próximos 20 anos e o Governo português, como os Srs. Deputados puderam ver, não sabe o que deve fazer nos próximos 20 minutos.
E compreende-se o complexo de culpa do Governo! A verdade é que o planeamento hídrico do País está parado desde que o PSD está no Governo! Nada tem sido feito para por a trabalhar aquilo que é considerado, em todo o lado, uma excelente comunidade técnica e científica que, neste campo, o País possui.
Aliás, a informação do estado do ambiente continua dispersa, episódica, lenta e imprecisa. Coexistem áreas de estudo intenso com manchas de ignorância. O episódio do Plano Hidrológico Espanhol permitiu também tomarmos consciência da debilidade da nossa política de ambiente, no que se refere ao planeamento hídrico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS exige do Governo o indispensável esclarecimento sobre as negociações com Espanha. Não pedimos mais do que seja o dever do Governo.

Aplausos do PS.

E desde já declaramos que nos opomos a qualquer negociação que viabilize o transvase das águas do Douro nas quantidades propostas no Plano Hidrológico Espanhol. Não há contrapartidas que compensem tamanho desvio de água! Há coisas que, Srs. Deputados, não podem estar à venda!
Como se sabe, cada vez mais, a transferência de águas de uma bacia para outra só se torna aceitável se tiver na sua base razões de saúde pública, isto é, do abastecimento de água. É cada vez menos aceitável transferir água por razões que tenham a ver com necessidades de actividades produtivas.
Pela nossa parte, deixamos ao Governo este recado: o Governo não escapará a este debate! Porque este debate é essencial para o futuro do País e o Governo não tem o direito de escondê-lo dos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do caso em apreço, ou seja, o do Plano Hidrológico Espanhol, gostaria de tirar duas grandes conclusões sobre o nível da nossa política de ambiente.
Em primeiro lugar, no discurso do Governo, o apelo do Estado à participação dos cidadãos não passa de pura hipocrisia. Num assunto em que a informação é essencial e a participação desejável, o Governo esconde-se no silêncio! O Governo mostrou, com esta atitude, que não confia na opinião pública e, pelo contrário, tem medo dela!
Em segundo lugar, Portugal não tem um quadro legal estável e coerente sobre as questões da água. E, mais grave: não tem um pensamento estratégico a longo prazo sobre a utilização dos nossos recursos hídricos.
O nível pardacento da nossa política de ambiente revela-se assim, em toda a sua verdadeira dimensão.
Perguntar-se-á: como chegámos aqui? Pela minha parte, digo que, tudo isto, mais do que causas, são consequências e o resultado de oito anos de marginalização e secundarização da política de ambiente, de sacrifício permanente do ambiente à lógica clássica do crescimento económico, da falta de investimentos ambientais, como espelham os sucessivos orçamentos que esta Câmara tem aprovado.
Em suma, tudo isto é resultado de anos de falta de investimento no conhecimento do ambiente, na qualificação da administração do ambiente e também da dança dos responsáveis - quatro em seis anos - que deixaram um ministério à deriva, sem orientações e sem política.
Não há desenvolvimento sem preocupações ambientais! A qualidade ambiental deve ser um objectivo do modelo de desenvolvimento tão importante como qualquer outro.
Ao esquecer, nos últimos anos, o ambiente, o Governo, em nome do crescimento, sacrificou o desenvolvimento.
A política do ambiente, Srs. Deputados, não merece mais do que um medíocre. Se quiser ser justo, nem Marcelo Rebelo de Sousa vos dará mais do que oito valores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.

Vozes do PS: - Veja lá se lhe baixam a nota!...

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, depois da intervenção do Sr. Deputado José Sócrates fica a dúvida da utilidade de fazer este pedido de esclarecimento, no entanto não gostaria de deixar de dizer que, mais uma vez, o Sr. Deputado nos brindou com as suas clássicas intervenções em que faz, como diria o outro, a festa e deita os foguetes!... Isto é, toma uma série de pressupostos e a partir daí faz o seu castelo de cartas, de ilações e não tem o mínimo pejo em dizer, com o ar convicto e sério que acabámos de ver, as maiores contradições: diz que não há informação, mas depois aponta uma série de elementos; diz que não há interesse por parte do Governo em discutir o assunto, e, no entanto, aparece com um conjunto de documentação que foi facultada em diferentes oportunidades; afirma que o Governo e o PSD têm algum embaraço em discutir a questão, quando foi o PSD que legitimou duas audições parlamentares nesta Assembleia e na primeira que o PSD propôs sobre esta matéria o PS esteve contra a sua realização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a intervenção do Sr. Deputado José Sócrates não merece mais do que a nota de mau, e julgo que, mesmo uma apreciação bondosa e neste final de segundo período, não iria a mais do que a nota com que o Sr. Deputado quis brindar, com algum sentido de rigor, de autoritarismo e de moralismo, ao dar a nota de oito ao Governo.

O Sr. António Braga (PS): - Mas que falta de imaginação!...

O Orador: - De facto, se estamos em despique de asneiras...

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Para asneiras basta as do Governo!

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O Orador: - ..., o que o Sr. Deputado José Sócrates nos acaba de dizer consegue ganhar por várias voltas e com grande vantagem àquelas que invocou como sendo as do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, não fica bem copiar as piadas do parceiro! Essa da nota é da minha autoria, portanto o senhor podia ter arranjado uma piada melhor!...
Uma das coisas que caracterizam o Sr. Deputado é que o senhor intervém nos debates sem nunca lhes juntar nada de relevante. Aliás, gostaria de perguntar a qualquer Sr. Deputado se pensa que o senhor contribuiu para o esclarecimento da questão do Plano Hidrológico Espanhol. Sinceramente, tenho dúvidas que alguém se lembre de algum contributo seu!
Quanto a notas, nota vai-lhe dar o seu eleitorado em Trás-os-Montes...!
O senhor, que é Deputado por Vila Real, certamente não ignora a preocupação de Trás-os-Montes relativamente a esta matéria! E a única vez que o ouvi falar sobre o Plano Hidrológico Espanhol foi para dizer que não há qualquer motivo para preocupações e que qualquer intervenção de qualquer político sobre esta matéria tornar-se-ia desajustada!...

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Portanto, nota vão dar-lhe os seus eleitores de Vila Real!

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - E nota má!

O Orador: - De facto, gostaria de perguntar aos Srs. Deputados se algum é capaz de se lembrar de qual a afirmação da Sr.ª Ministra sobre o Plano Hidrológico Espanhol que nos possa sossegar quanto à estratégia e à orientação política que a Sr.ª Ministra está a seguir no relacionamento e na negociação com Espanha.
Será que algum dos senhores sabe qual a posição do Governo português sobre este monumentoso e importantíssimo problema, que consiste na proposta, que está em cima de mesa, de desviar as águas do Douro em Espanha?
Gostaria ainda de perguntar se, em consciência, não acham que é um dever do Governo vir à Assembleia da República dizer aos Deputados o que pensa do Plano Hidrológico Espanhol e quais as orientações que deu à equipa que está a negociar com Espanha.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - E a audição parlamentar para que é que serve?

O Orador: - Quando se fala de questões ambientais há um princípio: tudo o que é matéria ambiental deve ser tornado público, sendo a publicidade uma regra de ouro, porque só esta e a informação podem conduzir à participação dos cidadãos.
De facto, o que o Governo está a fazer é, objectivamente, no mais grave problema ambiental, esconder informação, nada dizer aos responsáveis, que são a Assembleia da República e os Deputados, e nada dizer aos cidadãos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não houve uma atitude deste Governo de contribuição para o debate e para colocar este no sítio onde ele deve estar, que é na opinião pública.
O único político que em Portugal fez esse esforço foi o Presidente da Câmara do Porto, e várias vezes contou com os vossos ataques, não só os do Governo mas também o dos Deputados de Vila Real que, em vez de estarem preocupados com a matéria, a única coisa em que pensam é em defender o Governo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado devia saber que a sua obrigação é responder pelos interesses daqueles que o elegem e não responder pelos interesses do seu Governo!
De facto, nesta matéria, o que o senhor está a fazer é uma verdadeira irresponsabilidade. Os seus eleitores deviam obrigá-lo a que exprimisse responsavelmente uma preocupação e não se limitasse apenas a, de forma ortodoxa, sempre que o assunto vem à baila, defender o seu Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, de facto, mais uma vez, o Sr. Deputado José Sócrates, como eu há pouco disse, faz a festa e deita os foguetes. Realmente, é inqualificável aquilo que ele faz!
Há pouco falávamos sobre alguns comentários meus não completamente alinhados e abonatórios de um passado de atestado de cheque em branco à política ambiental do Governo. Agora o Sr. Deputado José Sócrates vem dizer que há uma posição ortodoxa, cega, de defesa e de inépcia por parte do Governo relativamente à questão do Plano Hidrológico Espanhol e vem dar-me lições sobre a forma de lidar e de acompanhar os eleitores que me elegeram em Vila Real...
Ainda o Sr. Deputado José Sócrates não tinha falado no Plano Hidrológico Espanhol já eu tinha tido reuniões com alguns membros da Câmara e alguns...

O Sr. José Sócrates (PS): - Não diga isso!

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Assim não vale a pena continuar a falar!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, quero responder dizendo que aquilo que os cidadãos de Vila Real não vão perdoar ao Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva é o facto de ele, perante este problema, não ter afirmado nada.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Há pouco acabou de dizer que eu tinha declarado que a situação não era preocupante!...

O Orador: - De facto, o senhor ainda não disse se é contra ou a favor do desvio das águas do Douro! Não dis-

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se se o Governo devia ou não dar informação, e não exigiu que o Governo - e isso é o mínimo numa democracia e num problema ambiental como este - diga ao Parlamento...

Protestos do PSD.

... e aos Deputados quais as orientações políticas que está a seguir nas negociações com Espanha.
E o assunto não pode esperar, pois vai ser apreciado neste Verão na mesa do Conselho de Ministros em Espanha, razão pela qual quero ver que resposta e que responsabilidade é que o Governo, na altura, assumirá perante este sério problema ambiental.
De qualquer forma, fica registado que a única coisa que o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva faz é criticar os outros, porque é incapaz de, sobre esta matéria, tomar qualquer posição que possa embaraçar o seu Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, acabou de ser feita, pelo meu colega José Sócrates, uma intervenção bem esclarecida sobre um grave problema que é o do Plano Hidrológico Espanhol, e uma vez que está presente o Sr. Secretário de Estado do Ambiente, gostaria de lhe pedir o seguinte: em 31 de Março de 1993 enviei um requerimento ao Governo questionando-o sobre esta matéria e como até agora ainda não recebi qualquer resposta penso que esta seria uma boa oportunidade para me responder.

O Sr. José Sócrates (PS): - Ele faz esse esclarecimento noutra altura!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, o debate ainda não terminou e os membros do Governo terão oportunidade de intervir e esclarecer aquilo que tiverem por conveniente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em matéria de política de desenvolvimento económico, os conceitos de ambiente, qualidade de vida e ordenamento de território, que são a temática desta interpelação, só se transformarão em objectivos credíveis se houver uma coexistência vantajosa. Dir-se-ia que esses conceitos devem ter uma relação de simbiose, logo de benefício mútuo.
Se entendermos o ambiente como o conjunto de sistemas naturais que envolvem e integram o próprio Homem e o ordenamento do território como a adequação do espaço disponível aos equipamentos, actividades económicas e lazer, então qualquer desregulação da componente ambiental condiciona fortemente o equilíbrio a que deve obedecer qualquer plano de ordenamento do território. Por outro lado, o planeamento e ordenamento do território não pode distanciar-se da realidade e impor modelos nada respeitadores das justas exigências ecológicas e culturais das modernas sociedades.
O conceito de qualidade de vida, hoje presença obrigatória em programas partidários, programas de governo, comunicados ou até simples panfletos, não é uma tarefa isolada, mas a resultante de muitos vectores que não se esgotam na questão ambientalista. A complexidade desse conceito não pode ignorar, por exemplo, as políticas de educação, saúde e transportes públicos. A qualidade de vida resulta, pois, dos vários acréscimos qualitativos sectoriais e é consequência da interacção da Administração Central, Regional e Local, com empresas, associações de defesa do ambiente e sociedade civil em geral.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há factores condicionantes do triângulo ambiente-ordenamento do território-qualidade de vida. Devemos ponderá-los para que as inerentes políticas sectoriais não conduzam a indesejáveis atrofiamentos.
A dinâmica demográfica, por exemplo, reforça ainda a litoralização da população à custa de um decréscimo populacional nas regiões do interior, propiciando aqui e acolá a fragilidade das suas estruturas económicas regionais. Todavia, o Governo, atento, tem desenvolvido grande esforço no equipamento e na infra-estruturação do território para garantir mais equilíbrio à malha urbana nacional, maior mobilidade dos cidadãos e mercadorias entre as localidades e maior funcionalidade do espaço territorial, adequando as suas aptidões às opções de desenvolvimento.
Estas opções continuarão a dotar o País de instrumentos básicos sem os quais não poderemos projectar a qualidade de vida em Portugal, entendida no seu sentido global, para um lugar destacado na União Europeia. É o caso de um sistema de transportes e comunicações eficiente. É o caso de uma rede apetrechada de equipamentos escolares e hospitalares. É o caso de um sistema nacional coerente de áreas protegidas onde os valores da conservação da Natureza se imponham à delapidação dos recursos naturais. É o caso, finalmente, dos níveis qualitativos e quantitativos do atendimento de água ao domicílio e das taxas de saneamento básico, cujas percentagens nacionais têm aumentado mas ainda estão distantes - devemos reconhecê-lo - das médias da União Europeia.
O Governo tem dotado o País de instrumentos de política de ambiente e ordenamento do território conducentes a uma melhor qualidade de vida. Estabeleceram-se novas regras de planeamento e licenciamento na utilização do domínio público hídrico e permitiu-se o acesso, em regime de concessão, de capitais privados a actividades no âmbito do abastecimento de água e saneamento básico.
A par da elaboração regular dos planos regionais de ordenamento do território - já esta tarde se falou bastante desta matéria -, foi clarificada a intervenção em figuras de planeamento, como os planos directores municipais e a Reserva Ecológica Nacional, cuja responsabilidade passou a ser do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. Trata-se de um espaço vital no ordenamento e na protecção do ambiente em Portugal.
Especial atenção foi dada ao litoral português, com o estabelecimento dos planos de ordenamento da orla costeira. As áreas protegidas passaram recentemente a ser enquadradas por um novo modelo jurídico, que introduz o nível regional e local na sua classificação, o que levará certamente a uma reclassificação de várias áreas ecologicamente sensíveis que precisam urgentemente de protecção.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O recente relatório da OCDE sobre o estado do ambiente em Portugal, que foi elaborado - nunca é demais frisá-lo - a pedido do Governo português, analisa de forma isenta e aprofundada o nosso desempenho façe às diversas componentes do ambiente. Avalia também o grau de

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integração das decisões ambientais e económicas, a luta contra a poluição e a gestão dos nossos recursos naturais.
A OCDE reconhece que as despesas efectuadas permitiram significativas melhorias na defesa ambiental, mas não deixa de acentuar que o rápido desenvolvimento económico ocorrido em Portugal a partir da adesão à Comunidade Europeia gerou novos problemas de qualidade de vida e complicou a procura de soluções adequadas. É neste quadro, obviamente difícil, que o Governo tem de se movimentar.
É, pois, necessário aumentar o nível da despesa na defesa ambiental para assegurar a "convergência ambiental", o mesmo é dizer um nível de protecção ambiental comparável à media comunitária.
Saliente-se que quando este relatório da OCDE foi elaborado, apesar de apontar o Fundo de Coesão como uma fonte previsível de financiamento, nada estava decidido. A recente assinatura, em Lisboa, do novo Quadro Comunitário de Apoio, para além de significar um estímulo solidário da União Europeia, veio também viabilizar o reforço do investimento na área do ambiente e em torno de projectos que se exigem credíveis no plano científico e viáveis no plano económico.
Até final do século, cerca de 1000 milhões de contos estarão disponíveis para projectos nas área do ambiente, saneamento básico e abastecimento de água. Trata-se, obviamente, de um poderoso instrumento financeiro, cuja utilização criteriosa e cautelosa poderá resolver os actuais constrangimentos nestas áreas vitais para a qualidade de vida dos cidadãos.
Investir no ambiente é também investir no desenvolvimento. A qualidade de um produto natural, a produtividade de uma empresa e a habitação de qualidade já estão hoje indissociadas, quer em termos de marketing, quer em termos de opinião pública, do cumprimento das normas ambientais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O princípio da prevenção não pode dispensar outros instrumentos como os da avaliação do impacte ambiental, da educação ambiental, do apoio às associações de defesa do ambiente, do licenciamento industrial e da inspecção ambiental.
Note-se que há dez anos estes instrumentos, hoje decisivos, praticamente não existiam em Portugal, não tinham existência legal. Os governos do Partido Social Democrata têm dispendido um notório esforço na consolidação da sua eficácia e da sua abrangência.
Se, aliás, confrontarmos as preocupações ambientais do Partido Social Democrata, expressas no seu programa partidário e no seu programa de governo, com as conclusões do relatório da OCDE, podemos encontrar linhas comuns de diagnóstico e terapêutica.
Somos defensores de um modelo de desenvolvimento sustentado, que visa o progresso à medida do Homem. Como sempre afirmámos e a OCDE veio agora confirmar (o que nos tranquiliza), Portugal dotou-se - já o disse e repito - de um conjunto coerente de leis e regulamentos. A criação, em 1990, do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais aumentou a eficácia da Administração Central na defesa ambiental. O Governo integrou, com sucesso, o ambiente nas políticas de educação, reforçou a informação ao público e transpôs inúmeras directivas comunitárias. São opiniões expressas nas conclusões do relatório da OCDE, que, obviamente, é justo e devido mencionar na Assembleia da República.
Julgamos, pois, estar no bom caminho para que a política de ambiente, a par das restantes políticas sectoriais, possa gerar um compromisso que queremos respeitador de uma relação mais profunda entre o Homem e a Natureza.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Isabel Castro, João Corregedor da Fonseca e André Martins.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, a sua intervenção é interessante no sentido em que, do ponto de vista conceptual, coloca as questões ao nível em que hoje internacionalmente são colocadas.
Só que - é isso o que hoje temos tentado demonstrar - há uma diferença abissal entre a prática e os princípios teóricos que devem nortear o comportamento, na perspectiva da intervenção do Governo, na área do ambiente e, de um modo interdisciplinar, em todas as áreas que nele confluem. É importante termos em conta - até porque tem constituído o alibi do Governo e de quem tem sido responsável pela pasta do ambiente - que o ambiente é multi-disciplinar, o que significa que quem está no ambiente não pode formal e teoricamente defender coisas que depois são contrariadas ao nível da agricultura, da indústria, da defesa e de todos os outros ministérios. É esta uma visão integrada que manifestamente tem estado ausente da forma de o Governo do PSD intervir politicamente.
É importante colocar a referida questão, porque, embora a lei de bases tenha lacunas e haja necessidade de a ajustar à realidade, até porque na maior parte dos seus aspectos foi feita sem discussão e sem envolvimento dos vários parceiros para que ela pudesse ser mais eficaz, consideramos, no essencial, que a mesma lei corporiza os princípios que uma política de ambiente deveria contemplar, desde a prevenção, passando pela responsabilização, e até à participação e a todos os outros aspectos que o Sr. Deputado conhece.
Falando de coisas concretas, referiu o Sr. Deputado, numa perspectiva de alteração de comportamentos ambientais, a importância estratégica que têm as questões energéticas e de transportes. Considero que a adesão à Comunidade teve impactes extremamente negativos do ponto de vista ambiental. O Sr. Deputado conhece-os. A desertificação do interior, que é um deles, tem tido um processo extremamente rápido e acelerado devido à concentração no litoral, o que implica, nomeadamente, a degradação da qualidade do ambiente urbano.
Neste âmbito, as soluções não devem, obviamente, ser encontradas ao nível do poder local, mas devem ser soluções que envolvam estratégias e outro tipo de prioridades de intervenção. É sabido que em Lisboa e no Porto se registam aumentos extremamente grandes da circulação automóvel e aumentos, de cerca de 35%, das emissões de gases, o que significa que as pessoas vivem pior e têm menos qualidade de vida, mais barulho, mais stress e, assim, menos saúde, física e mental.
Pergunto-lhe o que fez o Governo, no seu entendimento, para que a quebra de oferta nos transportes públicos se tenha invertido? O que se sabe é que houve reduções de horários e carreiras, que os preços subiram e que a qualidade piorou, havendo, pois, mais pessoas a recorrer ao transporte privado como forma de se fazerem deslocar. Pergunto-lhe o que foi feito a este nível ou, não o tendo sido, por que não o foi e o que pretende o Governo fazer neste domínio.

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Do ponto de vista energético - esta é uma questão fundamental e central para a redução das emissões de gases e do efeito estufa -, o que lhe pergunto é o que foi feito, como, quando e com que meios relativamente à redução das emissões de gases, a fazer aplicar a lei que existe, à modernização tecnológica, à racionalidade energética, à poupança e a novos padrões de consumo, que manifestamente têm estado ausentes da política do Governo.
A verdade é que, por exemplo, não têm sido criados incentivos fiscais no sentido de favorecer a investigação e o consumo de combustíveis menos poluentes e os poucos incentivos que existiam, nomeadamente em relação à gasolina "verde", foram retirados. O que tem o Sr. Deputado a dizer sobre isto?

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, depois de o ter ouvido, dir-se-ia que talvez fosse melhor tentar convencer o Sr. Presidente da República a não efectuar a sua presidência aberta sobre o ambiente, porque está tudo tão bem - como V. Ex.ª aqui mencionou - que o Sr. Presidente da República, os Deputados da sua bancada, os outros que o irão acompanhar e a comunicação social não terão com certeza nada de errado a apontar neste país. Desengane-se, Sr. Deputado, porque a realidade é bem diferente, apesar dos seus esforços em convencer-nos, o que não conseguiu! Fez V. Ex.ª um esforço, mas não resultou.
Começou por tentar teorizar sobre o conceito de qualidade de vida. Tentou realmente fazer uma teorização em torno deste assunto, mas cedo a abandonou, porque sente ser uma tarefa difícil. É que ao dissertar sobre essa matéria rapidamente vai entroncar com o que de errado tem sido feito e com o que não tem sido feito de forma positiva neste país.
O Sr. Deputado salienta que tudo está bem, refere alguns aspectos e afirma que a grande responsabilidade do que de mal existe surgiu desde que entrámos na CEE. Afirma que tudo está certo, desde o conjunto de "leis coerentes" até aos defensores de modelos de "desenvolvimento sustentado". São chavões e lugares-comuns, Sr. Deputado! Esquece V. Ex.ª realidades que têm sido apontadas durante este debate, designadamente os rios destruídos e contaminados, o avanço, cada vez mais selvático, das construções e da eucaliptização e as situações gravíssimas que se passam na indústria.
Refere muitas questões, mas esquece-se das áreas protegidas. Como já aqui foi dito, são 21, mas apenas três têm planos de ordenamento. Esquece-se também da fiscalização, que não existe, e, inclusivamente, de aspectos gravíssimos de corrupção.
Esforçou-se o Sr. Deputado em dizer que, como é evidente, o que hoje existe não existia há uns anos, mas a verdade é que o que de bom hoje existe é substituído, para pior, por actuações muito graves e que não têm sido atacadas pelo Governo.
Apesar de toda essa onda propagandística que V. Ex.ª tentou apresentar no seu discurso, gostaria que me caracterizasse - porque não o conseguiu fazer - a política ambiental deste Governo e dos governos do PSD. Que tipo de política ambiental existe? Peço-lhe o favor de caracterizar essa política, porque creio não ter sido capaz de o fazer na sua intervenção.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, a intervenção que fez é própria de um Deputado da maioria que suporta o Governo, pelo menos nos aspectos fundamentais da sua politica. Não têm aqui transparecido tantas discordâncias assim, mas fica-nos essa dúvida. O Sr. Deputado sustenta a política do Governo e não é de admirar, por isso a intervenção que proferiu.
Referiu o Sr. Deputado, por exemplo, o relatório da OCDE, dizendo que, por ser um relatório da OCDE, é um suporte da dignificação e da comprovação de uma política seguida de acordo com princípios da OCDE. Não aceito, Sr. Deputado, esse ponto de vista. Designadamente na perspectiva dos resultados da política do Governo em termos de ambiente, as perguntas que lhe farei a seguir já aqui foram repetidas em várias interpelações e perguntas ao Governo. Continuamos a insistir, porque os anos passam e os problemas mantêm-se. Assumimos, naturalmente, a responsabilidade de continuar a questionar o Governo sobre esses mesmos problemas.
Falou o Sr. Deputado, por exemplo, da transposição para a legislação nacional das directivas comunitárias. Os exemplos são muitos, dos quais refiro apenas um, que é, do nosso ponto de vista, e presumo que também do seu, extremamente importante: o caso da avaliação dos impactes ambientais. Qual é a responsabilidade do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais na decisão da avaliação do impacte ambiental de um empreendimento? Diga-nos, Sr. Deputado, qual é, porque certamente o saberá e poderá esclarecer quem, como nós, não está tão atento a esta questão.
Relativamente aos resíduos, qual é a segurança dos portugueses e o risco de saúde pública que correm, quando, num inventário por estimativa, os dados da Comunidade inventariaram precisamente mais de 1800 locais do território continental que estão contaminados?
E tudo isto apesar de um projecto de 1987, da ex-Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente - e convém dizer que desde o princípio apoiámos essa iniciativa - de promessa de implantação de um sistema nacional de gestão e tratamento de resíduos tóxico-perigosos em Portugal. No entanto, até hoje esse sistema não foi implantado, nem se vislumbra - é essa a nossa preocupação - quando tal irá acontecer apesar dos compromissos assumidos pela Sr.ª Ministra e pelo Sr. Secretário de Estado.
Relativamente às áreas protegidas, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que uma delegação desta Assembleia da República, no seguimento dos fogos de 1989, que dizimaram grande parte do património natural do nosso único parque nacional, se deslocou ao Parque Nacional da Peneda-Gerês. Nessa altura pairava sobre este país a ameaça da União Internacional da Conservação da Natureza de desclassificar aquele Parque Nacional se o Governo não tomasse medidas para terminar com a sua degradação.
Nessa altura várias recomendações foram assinadas por todos os partidos representados nesta Câmara e já se recomendava um plano de ordenamento de que, aliás, estavam lançados os primeiros estudos. Todavia, hoje continua por aprovar o plano de ordenamento daquela área protegida porque o Governo não consegue arranjar uma solução viável e de consenso relativamente às posições das autarquias e das associações de defesa do ambiente nele envolvidas.

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Sr. Secretário de Estado, são milhares e milhares de exemplos que podia citar e que vão no sentido de afirmar que a política do Governo não tem estancado a degradação do ambiente e, na maioria dos sectores ambientais, tem degradado o estado do ambiente em Portugal.
São os factos, é a observação, são os dados do próprio Governo que demonstram isso mesmo.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Isabel Castro, João Corregedor da Fonseca e André Martins, muito obrigado pelas perguntas que me colocaram, às quais procurarei responder no escasso tempo de que disponho.
Essencialmente há três grandes questões a considerar neste caso: a inter-relação entre a teoria e a prática em matéria ambiental; a adesão à Comunidade Europeia e as suas consequências para o país em matéria de ambiente; a avaliação do impacte ambiental e o relatório da OCDE.
Quanto à relação entre teoria e prática, é óbvio que, sendo a matéria ambiental ainda recente, quer como ciência, quer na sua transposição para o plano político, os governos ainda se confrontam com essa dialética entre a teoria ecológica e a sua aplicabilidade, o que oferece dificuldades não só ao ministro português como ao inglês, ao holandês ou ao alemão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado André Martins, se se quer afirmar como cidadão europeu - e estou certo que o é - terá de encarar esta problemática em sentido global e não pode "afunilar" as suas concepções apenas para o caso português. Aliás, a aplicabilidade da teoria ecológica é hoje um desafio dos mais importantes das modernas sociedades e dos governos.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Não é disso que estamos a falar!

O Orador: - É evidente que poderemos sempre filosofar que estaríamos melhor sem a adesão a Comunidade Europeia. Qual é a sua opinião?

Vozes do PSD: - Não sabe!

O Orador: - No entanto, aderir à Comunidade Europeia foi um risco e o desenvolvimento sustentável comporta também um conjunto de riscos. Se não quiséssemos ter riscos, poderíamos, talvez, ter aderido ao modelo albanês.
Aderir à Comunidade significou aderir ao modelo que vigora na União Europeia, que é um modelo de desenvolvimento sustentável, isto é, o de, a todo o momento, conseguir conciliar ambiente e progresso através da inter-relação das políticas sectoriais.
A poluição atmosférica, Sr.ª Deputada Isabel Castro, sinceramente, não é dos sectores que mais aflige o ambiente português mas, embora a diminuição das emissões seja um objectivo louvável, se consultar diversa documentação verá que Portugal, em matéria de poluição atmosférica, é o país que melhores índices apresenta.
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, fiquei com a impressão que V. Ex.ª considera as "presidências abertas" como ocasiões para o Sr. Presidente da República lançar algumas picardias ao Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não deve fazer essa injustiça ao Sr. Presidente da República, que, no desempenho das suas altas funções, se desloca onde quiser no país para apreciar aquilo que entender. Aliás, nessa matéria estamos à vontade pois o governo regional dos Açores, de maioria social-democrata, convidou-o a deslocar-se aos Açores para apreciar o esforço que representa conciliar o progresso com as preocupações ecológicas.

Aplausos do PSD.

Quanto ao relatório da OCDE, a obrigatoriedade de elaboração de estudos de avaliação do impacte ambiental foi transposta para Portugal de acordo com o que dispõe a directiva comunitária. Portanto, estamos a cumprir aquilo a que a directiva nos obriga, e a mais não somos obrigados!

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Responda às perguntas concretas que foram feitas, Sr. Deputado!
Qual a competência do Ministério e da Sr.ª Ministra na avaliação do impacte ambiental?

O Orador: - A intervenção da Sr.ª Ministra é a que a lei lhe confere. Ao transpormos a directiva para o direito interno através de um decreto-lei temos um anexo de empreendimentos, sobre os quais é obrigatório apresentar um estudo de impacte ambiental, e um anexo facultativo, tal como a directiva impõe. Os estudos de impacte ambiental são canalizados pela administração, neste caso pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais.
Quanto àqueles empreendimentos em que a directiva, e neste caso até a legislação nacional, obrigar a uma decisão em matéria de avaliação de impacte ambiental, o Governo decidirá. Não queira é que o Governo diga obrigatoriamente algo sobre aquilo que é facultativo. Não queira fazer isso!

Aplausos do PSD.

Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, direi que, obviamente, a adesão à Comunidade Europeia possibilitou que, por exemplo, a imigração fosse estancada. Ainda existe imigração, mas ela diminuiu significativamente. E aquilo que a adesão também está a permitir é, sem dúvida nenhuma, uma maior mobilidade dos cidadãos no território nacional e uma ligação mais profunda entre o litoral e o interior e uma circulação visível de pessoas e de mercadorias mais intensa em todo o País. Ora, penso que isto é condição do desenvolvimento.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, entrando no período de encerramento desta interpelação, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, não posso, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, deixar de lamentar a ausência da Sr.ª Ministra do Ambiente neste debate.
Quando o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresentou na Conferência dos Representantes dos Grupos Parla-

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mentares a proposta de realização de uma interpelação sobre esta temática deixámos um período de 15 dias para que pudesse estar aqui presente a Sr.ª Ministra do Ambiente, que ainda não tivemos oportunidade de confrontar numa interpelação.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Tem medo!

O Orador: - Por razões que certamente são justas ou justificáveis, a Sr.ª Ministra não compareceu. Foi-nos dito que, em sua substituição, estaria presente o Sr. Ministro Adjunto, o que até agora não se concretizou. Lamentamos, pois, esta atitude do Governo.
A referência está feita e o lamento apresentado e justificado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Promovemos esta interpelação ao Governo sobre a política de ambiente e ordenamento do território e as consequências na qualidade de vida dos portugueses. Identificámos um conjunto exaustivo de problemas que caracterizam o estado do ambiente em Portugal. Não deixámos de apontar soluções alternativas que nos parecem mais adequadas à sua resolução numa perspectiva integrada e com o objectivo de promover o desenvolvimento sustentável.
Respondemos aos pedidos de esclarecimento que nos foram dirigidos, mas em relação aos que colocámos ao Governo não tivemos a mesma sorte!
Em vez de responder com clareza e certeza às perguntas concretas, o Governo preferiu falar dos planos, dos programas, das visitas e promessas que os ministros e secretários de Estado vão fazendo pelo País.
Fica registado, mais uma vez, que o Governo se recusa a reconhecer as situações críticas que contribuem para uma crescente degradação do estado do ambiente em Portugal.
Ao terminar a interpelação, não podemos deixar de recordar alguns comportamentos que não aceitamos e situações que resultam de uma política deliberada deste Governo, que condenamos.
Reconhecendo-se que os níveis de degradação do estado do ambiente em Portugal não atingiram, felizmente, os elevados valores registados noutros países europeus, não podemos deixar de denunciar hoje que o Governo, como primeiro responsável pelo estado do ambiente em Portugal, se sirva desta comparação para, numa manifestação da sua irresponsabilidade, afirmar que o estado do ambiente em Portugal é bom porque ainda não atingiu os níveis de degradação dos restantes países europeus. Como se estivéssemos condenados a, também no ambiente, fazer tudo para igualar os nossos parceiros comunitários.
Desta postura do deixar andar e, ao mesmo tempo, de promover acções avulsas para que os portugueses não se esqueçam de que até existe um Ministério do Ambiente, o Governo do PSD tem, deliberadamente, tomado posições e medidas que, continuando a priorizar as políticas de crescimento a qualquer preço, agravam a qualidade do estado do ambiente em Portugal.
Um exemplo significativo desta conduta é o facto de o Governo português se ter oposto à possibilidade de ser feita uma revisão dos regulamentos comunitários que pretendia que a aplicação dos fundos europeus fosse mais rigorosa no respeito pelo ambiente.
Quando o discurso do Governo do PSD assimilou as preocupações ambientalistas, quando publicamente o Governo vem assumindo reconhecer não haver incompatibilidade entre o desenvolvimento e a defesa do ambiente, quando o Governo subscreve e se compromete a cumprir as recomendações e as propostas de acção constantes no V Programa Comunitário para o Ambiente intitulado "Em Direcção a um Desenvolvimento Sustentável" que é conforme às decisões da Cimeira do Rio de 1992 e tem como objectivos alcançar padrões sustentáveis de desenvolvimento económico e social, é incompreensível e chocante que quando questionado, o Governo, justifique a posição que tomou contra a revisão dos regulamentos dos fundos comunitários com o argumento de que Portugal não pode ser penalizado comparativamente com os outros países comunitários que tiveram a oportunidade, no passado, de crescer economicamente com normas ambientais menos rigorosas.
No entender do Partido Ecologista Os Verdes este posicionamento só pode ser justificado pela concepção reaccionária e penalizadora do cavaquismo para com os interesses nacionais e a garantia de futuro para a humanidade, e é reveladora da falta de ética política e moral de um Governo que, sem qualquer pejo, hipoteca aos olhos da comunidade internacional a dignidade dos portugueses como cidadãos responsáveis e a sua solidariedade como povo que compartilha o planeta.
Em vez de reivindicar mais fundos para garantir mais investimento com menores impactes ambientais, o Governo do PSD optou pela pior solução para o desenvolvimento sustentável do nosso País comprometendo a preservação do ambiente e a qualidade de vida dos portugueses.
Nas opções de política interna, o discurso verde do PSD e do seu Governo fica a uma, distância a perder de vista das suas práticas quotidianas.
Um dos exemplos mais significativos, que comprova esta afirmação, é o facto de a Lei sobre a Avaliação dos Impactes Ambientais, em vez de ser um instrumento de prevenção que condicione a priori a localização, o volume e a actividade dos empreendimentos no sentido de garantir o seu menor impacte no meio ambiente, ter sido elaborada de forma a caucionar e a justificar as opções mais convenientes aos interesses do promotor, cabendo ao próprio e não a uma autoridade independente, a competência de elaborar o respectivo estudo de impacte ambiental.
Essa lei permite mesmo elucidar sobre o elevado papel que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais representa nos Governos do PSD.
Embora tratando-se de uma lei que pretende avaliar os impactes ambientais dos projectos, não é o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais que pode decidir sobre a aprovação do projecto mas sim o ministério que tutela o sector.
Para bons entendedores estas palavras bastam.
Por isso não deixa de ser sintomático que até hoje, em Portugal, nem um só empreendimento tenha deixado de realizar-se por razões de impacte ambiental.
A política do Governo em matéria de defesa do ambiente e de garantia de qualidade de vida e de bem-estar para os portugueses observa-se também na prática, quando assistimos à sistemática desresponsabilização do Governo face às competências que lhe cabem de acordo com a legislação em vigor, designadamente no que se refere aos resíduos.
Concretamente quanto aos resíduos sólidos urbanos, o Governo persiste em atribuir todas as responsabilidades de má gestão às autarquias locais, escamoteando a sua competência de elaborar planos de gestão regional, orientados prioritariamente para a redução da produção, triagem, reutilização, reciclagem e tratamento final, soluções cujo âmbito apresenta reconhecidas vantagens técnicas e financeiras comparativamente com as soluções de nível local.

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O caso dos resíduos hospitalares, pelo seu alto risco de contaminação para a saúde pública e para o ambiente, acentua a irresponsabilidade do Governo, desta feita directamente, através do Ministério da Saúde, entidade a quem compete a eliminação destes resíduos, desconhecendo-se a quantidade de resíduos produzidos em Portugal. Apenas se sabe que, além dos hospitais e dos centros de saúde, eles são produzidos nas inúmeras clínicas e consultórios espalhados pelo país, sem qualquer controlo de eliminação e destino final.
Quanto aos resíduos tóxico-perigosos de origem industrial, diz o Governo que Portugal produz actualmente 2 milhões de toneladas ano. Embora esta informação seja conhecida desde 1987, o Governo do PSD tem-se mostrado incapaz de encontrar uma solução para evitar que o seu lançamento indiscriminado nos solos, na água e no ar que respiramos, ponha em risco a segurança e a própria vida dos portugueses.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os exemplos que já referimos bastariam, por si só, para demonstrar que Portugal tem um Governo que, além de irresponsável, é incapaz de encontrar soluções para resolver problemas graves que prenunciam um quadro negro para o futuro do nosso país e das gerações vindouras.
No entanto, outros exemplos são igualmente significativos para demonstrar a incompetência deste Governo e das suas opções políticas em domínios determinantes para o equilíbrio ambiental e a para a qualidade de vida dos cidadãos. É o caso do ordenamento do território.
Os efeitos da ausência, ao longo dos tempos, da criação de condições para a fixação das populações em vastas regiões do interior do País acentuaram-se com as políticas de crescimento a qualquer preço, promovidas pelos governos do PSD. É por força desta política que as assimetrias regionais se agravaram e que as migrações do interior para o litoral, justificadas por esperanças de uma melhor qualidade de vida nos meios urbanos, se transformaram, em muitos casos, em verdadeiras situações de desespero nos nossos dias.
A crescente concentração da actividade económica na faixa litoral, correspondente apenas a um terço do território nacional, provocou o crescimento urbano incontrolado, a degradação da paisagem e da qualidade de vida urbana e sobreurbana.
A ocupação desordenada do espaço urbano, com particular relevo para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, são responsáveis pelo congestionamento do trânsito e pelas imensas filas que, em cada dia, milhares e milhares de portugueses são obrigados a enfrentar nas deslocações casa/emprego, casa/escola, e onde são consumidas, quer as horas roubadas ao lazer, à cultura e ao convívio familiar, quer as toneladas de combustíveis fósseis responsáveis pelo perigo que nos ameaça das alterações climáticas.
O beco sem saída para que está a ser empurrada a sociedade portuguesa por falta de políticas de ordenamento do território em bases biofísicas - instrumentos que "Os Verdes" consideram fundamentais para prosseguir uma correcta politica de prevenção ambiental, que pressupõe uma utilização racional dos recursos naturais e a ocupação harmoniosa do território - reflecte igualmente as opções de politica na agricultura impostas pelo Governo do PSD.
Depois dos incentivos à eucaliptalização indiscriminada do território nacional, em benefício de lucros fáceis para os lobbies das celuloses, representados no Governo, mas em prejuízo do uso múltiplo dos solos e dos povoamentos com espécies autóctones, como o sobro e o azinho, que caracterizam as paisagens mediterrânicas e que constituem, pela diversidade da fauna e flora que comportam, uma das mais importantes riquezas patrimoniais do nosso país, o Governo do PSD, ao ter aceite agora as imposições da nova PAC, tornou-se o primeiro e principal subscritor da certidão de óbito da agricultura portuguesa e, consequentemente, da perda de uma parte significativa da independência nacional.
A florestação massiva e desordenada do território português, com espécies de crescimento rápido, é o exemplo escolhido no V Programa Comunitário de Acção em matéria de ambiente para referir uma política contrária à defesa da biodiversidade, sendo Portugal igualmente referido como o país da Comunidade mais sujeito a fenómenos de erosão e desertificação e com fortes tendências para o assoreamento de albufeiras e linhas de água, cheias e incêndios florestais. Tudo consequência da inter-relação de múltiplos factores resultantes de opções políticas erradas.
Apesar de importarmos mais de 70 % do que consumimos em matéria alimentar, o Governo do PSD não soube ou não quis reconhecer a especificidade da agricultura portuguesa nas negociações da nova PAC. O resultado é que Portugal, hoje, já não pode produzir em função das nossas potencialidades e necessidades mas apenas do que os interesses que suportam a nova PAC querem ou exigem.
As alternativas são limitadas e demasiado claras para que não haja lugar a ilusões. A desertificação e o despovoamento vão continuar; a maioria dos agricultores está condenada à reforma antecipada, como compensação do cumprimento das exigências da nova PAC - não produzir mais; o mundo rural está igualmente condenado em resultado da falta de uma empenhada política de incentivos à fixação de novas gerações e, através do conhecido processo da "pescadinha de rabo na boca", os meios de transporte cada vez são mais escassos, por falta de passageiros e de rentabilidade do serviço, as escolas com menos de dez alunos são para encerrar, outros equipamentos colectivos de saúde, cultura e desporto seguem o mesmo caminho, com a mesma justificação e, por fim, os mais resistentes, por falta de condições e qualidade de vida mínimas, abandonam os últimos redutos do que foram importantes centros de criação e animação cultural.
Em nome do progresso e da modernidade, concebidos no seio dos mais requintados valores neo-liberais, o Governo do PSD não perdeu tempo a encontrar soluções para ocupar os territórios que, por imposição da sua política, estão condenados à desertificação e ao despovoamento. As soluções são a criação de coutadas de caça e a construção do maior número possível de campos de golfe, para o que, pelo que se conhece, já sobram os projectos de investimento. É assim que o PSD e a sua acção governativa justificam o discurso ambientalista que propalam. Para quem não sabe, fica a informação de que os campos de golfe e outras opções afins também são green.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado André Martins, tem de concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Pela parte do Partido Ecologista Os Verdes queremos, hoje e aqui, afirmar, de forma clara, frontal e decidida, que esta política conduz a um buraco que se torna cada vez mais escuro e sufocante à medida que nele caminhamos. Trata-se de um beco sem saída e por isso, para nós, esta política e este Governo têm os dias contados.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para fazer a intervenção final, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta interpelação ao Governo, feita, mais uma vez, pelo Partido Ecologista Os Verdes, foi, sobretudo, uma manta de retalhos e um mero inventário de problemas, de há muito conhecidos, não existindo, realmente, projectos alternativos.
Saliento que, nos últimos anos, apesar de tudo, apenas o Partido Ecologista Os Verdes usou a figura regimental da interpelação ao Governo - mais ninguém o fez - e, de facto, há críticas pontuais mas não se passa disso.
Pela nossa parte, apresentámos as nossas linhas de política, estamos a aplicar essa política com meios significativos e, realmente, estamos a actuar no terreno.
Pela importância que tem, gostava apenas de referir um aspecto relativo ao plano hidrológico espanhol, que já foi aqui abordado, não em profundidade, mas que será, certamente, analisado com a importância que merece em próxima iniciativa desta Câmara.
Quero, no entanto, referir muito claramente que este assunto é da máxima importância, que se integra no interesse nacional e que terá de ser tratado com toda a elevação, Estado a Estado. Tem sido objecto de negociação com a Espanha e posso afiançar que tem havido transparência na informação. Recordo que, em sede própria recentemente constituída, no Conselho de Bacia do Douro, foi divulgada toda a informação disponível sobre o assunto.
Este plano está em fase de estudo e de discussão pública, há cenários alternativos que estamos a avaliar com os nossos técnicos, embora, como referi, dialogando ao mais alto nível com representantes do Estado espanhol.
Está fora de questão qualquer hipótese de as nossas reivindicações e análises não serem tidas em conta nas versões definitivas, nomeadamente nas que vão ser apreciadas pelo Governo espanhol. Na verdade, terá de haver lugar a um novo convénio que tenha em conta os novos problemas que se colocam no domínio dos recursos hídricos que não estão contemplados em convénios anteriores.
Existe uma tradição de diálogo com a Espanha, neste domínio, e temos conseguido resolver, em tempo próprio, os problemas que vão surgindo - hoje, há certamente problemas novos mas, agora, que ambos os países são membros da União Europeia, por maioria de razão, encontraremos uma solução contratualizada, de forma a garantir e a defender os nossos legítimos interesses.

elativamente a este assunto, a demagogia é perfeitamente escusada e evitável, pois temos mecanismos próprios para divulgar informação e dispomos, em Portugal, dos melhores técnicos com capacidade para analisar este problema, pelo que não precisamos de mais elementos de planeamento. Temos em nosso poder os necessários para dialogar com os representantes de Espanha e, nomeadamente, sabemos de que água vamos precisar no futuro.
Na verdade, como temos de pensar não só em nós mas também nas gerações vindouras, o princípio da precaução aplica-se neste caso com toda a sua força, pois há consumos que não conseguimos identificar no futuro mas com os quais teremos de contar. Há caudais ambientais que não são negociáveis e outros aspectos relativamente aos quais certamente dialogaremos, mas encontramo-nos a meio de um processo negocial que será prosseguido de forma própria e brevemente teremos a oportunidade de, mais uma vez, com toda a abertura, o discutirmos na Assembleia da República.
Finalmente, quero reafirmar que, em termos de objectivos de política, o Governo entende que o objectivo último é integrar a componente ambiental no desenvolvimento. Somos pela integração dos valores ambientais no processo de decisão, pela quantificação e internacionalização dos custos ambientais, pela melhoria dos padrões de comportamento ambiental. Acreditamos que só com uma opinião pública esclarecida, exigente e participante, e contabilizando sempre os custos ambientais no âmbito das actividades económicas, é possível a mobilização e co-responsabilização dos agentes económicos e sociais para o desenvolvimento sustentável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, pelas 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia para apreciação do projecto de lei n.º 309/VI - Fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal têm direito (PCP). Procederemos, ainda, à votação da proposta de lei n.º 93/VI - Autoriza o Governo a alterar o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares, e do voto n.º 99/VI, subscrito por todos os partidos, que hoje deu entrada na Mesa.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 25 minutos.

Rectificação ao n.º 47, de 10 de Março

Na pág. 1588, 2.ª cl., no último parágrafo, por lapso, não ficou aí incluída uma parte do texto. Assim, a partir da última linha e até ao final da pág. deve constar o seguinte:
"O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Duas notas apenas para "soldar" este, óbvio, avanço em matéria de disposição de instrumentos para a circulação dos actos de resolução de conflitos e para dizer que esta Convenção prevê, de facto, que as decisões resultantes das arbitragens sejam aplicadas sem um processo prévio de controlo. Mas não é inteiramente rigoroso dizer que está, de todo, afastada a possibilidade de ter em conta o modo como essas decisões foram obtidas ou proferidas.
Portanto, aquilo para que a nossa mais relevante doutrina tem insistido é a ideia de que, apesar de tudo, um reconhecimento automático, sem quaisquer restrições, ainda que através de convenções ou de actos semelhantes, é de afastar. E é de afastar como solução em absoluto para este tipo de problemas. Essa ideia que a nossa doutrina mais relevante tem defendido está assegurada, designadamente, pelo artigo 5.º da Convenção, na medida em que aí se permite, numa série de situações relevantes em matéria de questões relacionadas com a substância da decisão e com o modo como ela foi proferida, que a execução dessa decisão seja recusada e sujeita, em certas condições, a um controlo.
Nesta matéria, a via das convenções é útil desde que elas, para a circulação dos instrumentos de resolução de conflitos, tenham ou disponham de clausulas deste tipo, como as que constam do artigo 5.º.

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O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por cumprimentar V. Ex.ª, Sr. Presidente, associando-me a outros Srs. Deputados que já antes o fizeram, fazendo votos para o melhor exercício da função para a qual foi eleito e, na oportunidade dada pelo debate desta proposta, estender esses cumprimentos pelo excelente relatório que V. Ex.ª fez para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta proposta de resolução. De facto, o texto aprovado ontem em reunião de Comissão é, tanto no meu entender como no do PS, quase o quanto baste para demonstrar o quanto significa o consenso nesta matéria, já referido pelos diversos grupos parlamentares, em relação à validade. De facto, esta matéria, que é da competência própria da Assembleia da República, é importante; as questões resultantes da arbitragem, não apenas em termos nacionais mas, neste caso concreto, em termos de arbitragem estrangeira, vêm, no seu dia-a-dia, avolumando-se, em termos de necessidade de serem devidamente acolhidas; é uma forma privada de administrar a justiça que vem ganhando adeptos e espaço.
Portanto, importa que o ordenamento jurídico dos Estados se vá adequando e que, no caso do ordenamento jurídico português, acolha o que se pretende com esta proposta de resolução, ou seja, o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Também nos parece que a reserva aqui proposta, de que o reconhecimento e a execução se faça, apenas e só, quanto aos países e aos territórios dos Estados que estejam vinculados a esta Convenção é uma reserva que, obviamente, julgamos adequada e destinada a fazer com que neste país esse reconhecimento e essa execução tenham o tratamento que, em conveniência e reciprocidade, acontece noutros países.
Creio que é quanto basta aqui deixar dito, em nome do PS, para manifestar o nosso apoio a esta proposta de resolução, ou seja, o nosso voto favorável.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado Laurentino Dias, muito obrigado pelas suas palavras e opinião a respeito do parecer que dei.
Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate da proposta de resolução n.º 49/VI.
Vamos dar início à discussão da proposta de resolução n.º 50/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo entre os Estados membros das Comunidades Europeias relativo à transmissão de processos penais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O acordo entre os Estados membros da Comunidade Europeia relativo à transmissão de processos penais, assinado por Portugal na conferência de Ministros da Justiça, realizada em Roma, em 6 de Novembro de 1990, visa, fundamentalmente, a prossecução dos seguintes objectivos: reforço da cooperação judiciária na perspectiva da criação de um espaço europeu sem fronteiras internas; o completar das disposições já em vigor, tendentes a facilitarem tal cooperação, mediante a adopção de normas simples e flexíveis, numa base de adopção voluntária, relativas à transmissão de processos penais que contribuam para uma boa administração da justiça e para a redução dos conflitos de jurisdições.
Prevê-se, por isso, que qualquer Estado membro que, por força da sua legislação, tenha competência para perseguir uma infracção possa apresentar um pedido de instauração de procedimento penal ao Estado membro de que o arguido é nacional ou aquele ou aqueles em que se encontre ou onde habitualmente resida.
Estabelecem-se ainda diferentes normas processuais aplicáveis no âmbito da concretização prática de tal mecanismo, definindo os pressupostos, âmbito e requisitos de transmissão do procedimento e do respectivo termo, por parte do Estado requerido, prevendo-se ainda as condições em que o Estado requerente pode, em certos casos, recuperar a sua competência para o exercício do referido procedimento.
Abre-se, enfim, a possibilidade de o Acordo ter aplicação, não só no domínio das infracções penais mas também no âmbito dos ilícitos de mera ordenação social, desde que o interessado possa recorrer para uma instância jurisdicional.
Refira-se que, com o objectivo de garantir um direito fundamental constitucionalmente tutelado - o direito de defesa, consubstanciado no direito de audição e garantia do contraditório -, entende o Governo justificar-se a formulação de uma declaração interpretativa, relativamente ao sentido da expressão "recolher as observações das pessoas em causa" (ínsita no artigo 5.º do Acordo em questão). Assim se assegurará a comunicação ao arguido do pedido de instauração de procedimento penal, tendo em vista a possibilidade, que assim lhe é concedida, de o mesmo vir a invocar e a fazer valer os seus argumentos antes que o Estado requerido tenha tomado uma decisão acerca do pedido.
Sr. Presidente, Srs Deputados: Contribuirá, pois, o presente instrumento para incrementar as formas de cooperação judiciária entre os Doze. É, na verdade, inquestionável que, no espaço comunitário, novos caminhos se abriram para uma cooperação internacional mais intensa entre os Estados que defendem os mesmos valores fundamentais e prosseguem políticas criminais semelhantes, ultrapassando as fronteiras do exclusivo recurso à extradição e adoptando outros instrumentos, como sejam, designadamente, os que possibilitam a transmissão de processos penais entre os Estados, a execução de sentenças penais estrangeiras, a transferência de pessoas condenadas para cumprimento de penas e medidas de segurança e um reforço das formas de auxílio mútuo judiciário em geral.
Constituiu logo preocupação do Código de Processo Penal português estabelecer alguns princípios destinados a conferir eficácia às novas formas de cooperação internacional em matéria penal e a regular as condições em que aquela cooperação pode concretizar-se, tendo relegado para diploma avulso a definição do enquadramento normativo indispensável a garantir a plena vigência no ordenamento jurídico interno do estabelecido em diversas convenções europeias, já subscritas por Portugal.
Como sabemos, a publicação do Decreto-Lei n º 43/91, de 22 de Janeiro, veio permitir não só regular as formas de cooperação judiciária em matéria penal que referi, mediante a efectiva aplicação dos instrumentos internacionais já ratificados, mas também a aprovação e ratificação dos que ainda não o tinham sido por inexistência da lei interna que consentisse adequada aplicação das respectivas disposições, no que respeita à competência das autoridades judiciárias intervenientes e também ao próprio processo de cooperação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, no quadro global de iniciativas que o Governo tem tomado nesta matéria que agora se apresenta a presente proposta de resolução respeitante ao Acordo entre os Estados membros das Comunidades Europeias relativo à transmissão de processos

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18 DE MARÇO DE 1993 1729

ser contido. Lembro-me do que senti ao chegar até mim «a sua queixa das almas jovens censuradas», autêntico grito de insurreição contra o fascismo. Eu estava no exílio e correram-me lágrimas pelo rosto.
Natália sentia fascínio pela meditação sobre a história. Não porque houvesse nela vocação para o estudo da história. O que a atraia no passado era o mistério que explicava a origem das civilizações, o caminhar do homem, a possibilidade de entendimento, por mínimo que fosse, da luta dos povos pela liberdade, o desafio ao inelutável.
Para muita gente, a sua linguagem, na poesia como na prosa, ou na mais trivial das intervenções parlamentares, expressava uma atitude aristocratizante perante a cultura. Discordo. O batroquismo verbal de Natália era nela tão espontâneo e límpido como as cascatas da montanha despenhando-se de altos penhascos.
Contemplando a vida como palco do imenso teatro onde se inventa e cumpre o destino do homem, ela foi sempre sincera. A pompa de Natália, o seu culto do gesto e da linguagem quase agressivamente florida aparecem-me como indissociáveis da sua identificação com mundividências remotíssimas. Moderna, por vezes roçando o surrealismo, Natália Correia sentia-se, numa parcela daquilo que era, mais próxima de Sófocles ou de Esquilo do que da contemporaneidade.
Atrevo-me a dizer que a sua obsessão pelo mundo greco-romano ajuda a compreender a contraditória, complexa, quase torturada relação que manteve com o Parlamento - uma relação de amor-repulsa.
Nós, tentando compreendê-la, soubemos amá-la e admirá-la. Sendo, em muitos aspectos, a antítese do espírito desta Casa, Natália Correia fez dela, durante largos anos, uma segunda residência - na acepção nerudiana da palavra - para o seu batalhar por causas justas. Foi bom tê-la aqui.
Parafraseando outro poeta, ouvi-a dizer uma vez - fomos amigos desde a juventude, há quase meio século - que o futuro é antes de mais um infinito espaço vazio.
Ao dizer-lhe adeus em nome dos Deputados comunistas, já lhe escuto o canto a romper o silêncio do espaço sem fronteiras.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Natália Correia nasceu em 1923. Não vai ser possível escrever sobre a mudança da sociedade portuguesa em geral, e de Lisboa, e do ruralismo dessa época para os desafios dos modelos das sociedades industriais, pós-industriais e europeias deste fim de século, sem referir a intervenção dinamizadora que lhe pertenceu.
O conceito actual de igualdade de direitos, com formulação normativa e consagração constitucional, assenta num comportamento desafiante das discriminações de algumas mulheres, entre as quais, as que pela década de 40 representavam os valores da liberdade do espirito, da beleza, da irreverência e de humaníssimas insubmissões, a generalidade reconhecia Natália Correia como uma referência essencial. Foi uma das mulheres símbolo dos jovens da geração que, com ela, está a despedir-se da vida, neste fim de século. Não é altura de grandes notas biográficas, mas julgo que deve recordar-se, em relação com a sua rebeldia a partidos, a disciplinas e a regulamentos, de que tantas vezes deu provas neste Parlamento, o seu apego à cultura do Divino Senhor do Espírito Santo. Era talvez a maior estudiosa, ao lado desse grande português que é Agostinho da Silva, da herança de Joaquim de Flora (ou Piore), o franciscano da Calábria que, no século XII, assumindo-se como profeta, acreditava poder dividir a história em três idades, a do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo, esta última chamando os homens a uma vida puramente espiritual, inaugurada por Benedito de Núrsia, e com final coincidente com o fim do mundo: «Era uma época de amor, liberdade, alegria e contemplação.» Os livros de Frei Joaquim foram condenados em 1259. Os livros de Natália Correia tiveram outro destino no acervo da cultura portuguesa. Tinha sobre o frade a superioridade de ser poeta.
Na sequência do voto de hoje, a consagração que lhe estava a ser organizada nos Açores, que tanto amou, ganhou razões para ser ampliada. Deve ser uma consagração nacional.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu Natália, e com ela, penso, muito daquilo que era a memória do que de mais rico este Parlamento leve como património. O património de uma mulher polémica, muitas vezes controversa, colérica muitas vezes, mas meiga, de extrema doçura, uma mulher que apaixonadamente se entregou à vida e que, surpreendentemente, a morte veio afastar de nós. Afastar fisicamente, porque a memória de Natália fica como sinónimo de alguém que foi irreverente e insubmisso; alguém que amou a liberdade, talvez como mais ninguém; alguém que ousou dizer, recusando falsos pudores, aquilo que outros não ousaram; alguém que sempre dedicou a sua vida à luta pela cultura, enquanto sinónimo de liberdade e de luta por essa liberdade. Por isso, hoje, penso que, mais do que as palavras, aquilo que fica é um testemunho extremamente rico de quem connosco partilhou este espaço e muitos outros e de alguém que ficará sempre como uma figura altamente prestigiante do que de mais rico esta Assembleia tem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos sentir o peso da falta do seu pensamento fecundado pela alma apaixonada, tanto como do poema inerente a cada gesto que a Natália tomava sempre essencial mesmo quando excessivo. Mas o que nos deixa desamparados e pobres sem remédio é a sua ausência.
Sem ela, já esta Assembleia perdera uma pedra basilar do debate político: a simbiose, ou, como ela diria, o abraço permanente da política com a cultura, uma não podendo viver sem a outra. Mas perdera ainda muito mais: a sua intervenção arrebatada, inteligente, comprometida, frontal, demolidora e sem resposta, que apavorava os adversários.
Sem a Natália, o nosso país, a Mátria, fica sem uma referência fundamental, pese embora a maravilha da sua obra eterna.
Dizer Natália Correia é nomear a liberdade, com tudo o que contém de provocação e de coragem.
Natália Correia vivia intensamente, impulsionada por um profundo amor à verdade, que ela procurava sempre, mesmo quando parecia peremptória e definitiva, confrontando, criticando e questionando. Mas ia sempre mais longe, por-

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