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Quinta-feira, 14 de Abril de 1994 I SÉRIE - NÚMERO 57

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÃRIA DE 13 DE ABRIL DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário

S U M Á R I 0

0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. -, Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.ºs 97 e 98/VI e da proposta de resolução n.º 58/VI, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) condenou o Governo pela falta de uma política de ordenamento do território e alertou para a crise social que grossa no Alentejo, tendo respondido, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Capoulas Santos (PS) e João Maçãs (PSD).
Igualmente em declaração política o Sr. Deputado Armando Vara (PS), referindo-se à Presidência Aberta sobre o Ambiente, tratou da questão do Plano Hidrológico Espanhol e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Mário Maciel (PSD), 15abel Castro (Os Verdes) e Adão Silva (PSD)
0 Sr Deputado Cipriano Martins (PSD)falou da sinistralidade laboral no distrito de Coimbra. No final respondeu a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados José Eduardo Reis (PS) e Ferreira Ramos (CDS-PP)

Ordem do dia. - A Câmara deu assentimento à deslocação do Sr Presidente da República a Marrocos e a França, respectivamente entre os dias 26 a 27 e 28 a 29 de Abril.
0 Sr Presidente comunicou a renúncia ao mandato apresentada pela Sr.ª Deputada do PCP Lourdes Hespanhol.

Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias sobre substituição de dois Deputados do PCP.
Após o Sr Deputado Luís Pais de Sousa (PSD) ter feito a síntese do relatório da respectiva comissão sobre a proposta de lei n.º 91/VI - Altera a lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), foi a mesma apreciada na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, além daquele orador e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Raúl Castro e Mário Tomé (Indep.), Narana Coissoró (CDS-PP), José Vera Jardim (PS), João Amaral (PCP), Laurentino Dias (PS) e Miguel Macedo (PSD).
Foi discutida a proposta de resolução n.º 42/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho relativa à cessação do trabalho por iniciativa do empregador. Produziram intervenções, além do Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (Pinto Cardoso), os Srs. Deputados Elisa Damião (PS), José Puig (PSD), Paulo Trindade (PCP) e Ferreira Ramos (CDS-PP)
Finalmente, procedeu-se ao debate da proposta de resolução n.º 43/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 171 da Organização Internacional do Trabalho relativa ao trabalho nocturno, tendo intervindo além do Sr Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, os Srs. Deputados Elisa Damião (PS) José Puig (PSD), Odete Santos (PCP) e Mário Tomé (Indep.)

0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD): Adão José Fonseca Silva. Adriano da Silva Pinto. Alberto Monteiro de Araújo. Álvaro José Martins Viegas. Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto. Américo de Sequeira. Anabela Honório Matias. António Augusto Fidalgo. António Costa de Albuquerque de Sousa Lara. António da Silva Bacelar. António de Carvalho Martins. António do Carmo Branco Malveiro. António Esteves Morgado. António Fernando Couto dos Santos. António Germano Fernandes de Sã e Abreu. António José Barradas Leitão. António Manuel Fernandes Alves. António Moreira Barbosa de Meio. António Paulo Martins Pereira Coelho. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Arménio dos Santos. Belarmino Henriques Correia. Carlos de Almeida Figueiredo. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves. Carlos Manuel de Oliveira da Silva. Carlos Manuel Marta Gonçalves. Cecília Pita Catarino. Cipriano Rodrigues Martins. Delmar Ramiro Palas. Domingos Duarte Lima. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva. Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando dos Reis Condesso. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando José Russo Roque Correia Afonso. Fernando Monteiro do Amaral. Fernando Santos Pereira. Filipe Manuel da Silva Abreu. Francisco Antunes da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva. Hilário Torres Azevedo Marques. João Alberto Granja dos Santos Silva. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. João José da Silva Maçãs. João Maria Leitão de Oliveira Martins. Joaquim Cardoso Martins. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Vilela de Araújo. Jorge Avelino Braga de Macedo. José Alberto Puig dos Santos Costa. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Ângelo Ferreira Correia. José Augusto Santos da Silva Marques. José de Almeida Cesário. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Leite Machado. José Luís Campos Vieira de Castro. José Macário Custódio Correia. José Manuel Álvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Manuel Nunes Liberato. José Mário de Lemos Damião. Luís António Martins. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Antero da Cunha Pinto. Manuel da Silva Azevedo. Manuel de Lima Amorim. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Simões Rodrigues Marques. Maria da Conceição Figueira Rodrigues. Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira. Maria Helena Falcão Ramos Ferreira. Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Carlos Alvarez Carp. Rui Fernando da Silva Rio. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Ana Maria Dias Bettencourt. António Alves Martinho. António Carlos Ribeiro Campos. António de Almeida Santos. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Manuel de Oliveira Guterres. Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Manuel Luís. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Maria Ramos Damião. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.

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Gustavo Rodrigues Pimenta. Helena de Melo Torres Marques. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Rodrigues Pereira dos Penedos. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. António Manuel dos Santos Murteira. João António Gonçalves do Amaral. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Manuel da Silva Viana de Sã. Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira. António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. José Luís Nogueira de Brito. Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé. Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 97/VI- Criação do fundo nacional de integração do intercâmbio cultural amador (Assembleia Legislativa Regional dos Açores) e 98/VI- Autoriza o Governo a alterar o artigo 26.º do Código do Processo do Trabalho; proposta de resolução n.º 58/VI- Aprova, para ratificação, o Acordo de Sede entre o Grupo Internacional de Estudos do Cobre e a República Portuguesa.
Informa-se, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que é candidata única à vaga de Juiz do Tribunal Constitucional, aberta pela renúncia do Sr. Dr. António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino, a Sr.ª Prof. Doutora Maria Fernanda dos Santos Martins Palma Pereira.
A respectiva eleição realizar-se-á amanhã, dia 14, entre as 16 e as 18 horas, na Sala D. Maria.
Foram ainda apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado António Guterres; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pereira Marques e Caio Roque; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Caio Roque e Carlos Luís.
0 Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Manuel Sérgio, nas sessões de 26 de Maio e 27 de Janeiro; Fernando Santos Pereira, na sessão de 15 de Julho; José Magalhães, na sessão de 21 de Outubro; António Martinho, na sessão de 24 de Novembro; Miguel Urbano Rodrigues, na sessão de 13 de Janeiro; André Martins, nas sessões de 20 de Janeiro e 17 de Fevereiro; Paulo Trindade e Paulo Rodrigues, na sessão de 11 de Fevereiro; Eurico Figueiredo, na sessão de 24 de Fevereiro.
Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão reunidas, ou irão reunir, as Comissões de Economia, Finanças e Plano, de Saúde, de Assuntos Europeus e a Subcomissão do Ensino Secundário e Extensão Educativa.

0 Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos dias, voltou a ouvir-se que a fome atinge a vida de muitas famílias portuguesas, em particular no Alentejo. É verdade! Não se trata de mera figura de retórica mas de uma realidade dramática, consequência da gravíssima crise social, que é fruto de uma política que conduz centenas de milhar de portugueses ao desemprego.
0 problema do Alentejo é também o de outras regiões do País, mas é sobretudo o de todo o interior rural, vítima de políticas que têm vindo progressivamente a acentuar a litoralização e a promover o abandono daquelas regiões do interior com a liquidação da agricultura, sem a criação de alternativas.
0 PSD não tem uma política de ordenamento do território e, se outros indicadores não existissem, bastava olhar para o que se tem passado em termos demográ-

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ficos: o interior perde população, envelhece, desertifica-se, enquanto o litoral e os grandes centros urbanos sofrem a pressão da migração interna.
0 que se passa, hoje, no Alentejo é resultado da ausência dessa política de ordenamento do território, é resultado de uma política que tem liquidado o sector produtivo, que não aproveita as potencialidades e recursos do País e que olha para os trabalhadores unicamente como factor de rendimento do capital. Seguramente com a maior taxa de desemprego do País - cerca de 41000 trabalhadores, que representam 17 % da população activa -, é também a região em que uma maior percentagem de desempregados não recebe qualquer subsídio de desemprego: 27 000, 66 % do total dos desempregados. Por cada 20 novos desempregados, há uma única oferta de emprego. Não admira, pois, que em vários concelhos alentejanos as bolsas de pobreza e de fome sejam hoje, de novo, uma realidade dramática.
Se há um exemplo concreto que justifica a criação de um rendimento mínimo de subsistência, que propusemos e debatemos recentemente nesta Assembleia, é o Alentejo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 responsável da crise social que hoje se vive no Alentejo tem nome e rosto: chama-se PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Desde sempre, temos alertado para o facto de, ao esforço do poder local na região, não corresponder qualquer acção significativa do Governo. Os investimentos públicos canalizados são insuficientíssimos e, mesmo assim, desbaratados. Os exemplos são muitos, mas basta limitarmo-nos aos próprios dados oficiais.
Avisámos, aquando do I Quadro Comunitário de Apoio, que o volume de meios financeiros se arriscavam a não produzir qualquer efeito na alteração e modernização da estrutura produtiva e no crescimento do emprego por, para além de insuficientes, não se basearem em qualquer programa de desenvolvimento sustentado e integrado da região, nem incluírem instrumentos e incentivos que permitissem mobilizar o investimento.
A vida veio, infelizmente, dar-nos plena razão. No final do I Quadro Comunitário de Apoio, aumentou a distância entre o Alentejo e as restantes regiões do País e agravaram-se as próprias assimetrias internas entre o litoral e o interior. Agravaram-se as assimetrias em relação às restantes regiões da Europa. 0 contributo do Alentejo para o valor acrescentado bruto nacional não se alterou, mantém-se nos escassos 5 %, apesar de a região corresponder a um terço do País.
Com pretexto nestes indicadores, a política do PSD está, entretanto, a construir um autêntico círculo vicioso. A perspectiva, estreitamente economicista do Governo, está a levar ao encerramento de múltiplas infra-estruturas e serviços para o Alentejo só porque os ratios não justificam a sua manutenção. É assim que se encerram ramais de caminho-de-ferro e diminuem horários e carreiras rodoviárias, deixando povoações e populações no mais completo isolamento. A privatização da Rodoviária do Alentejo só veio agravar este panorama, acrescido pelo facto de o Alentejo ser a região onde, escandalosamente, o Governo acumula mais atrasos na construção da IP n.º 2 e de outros itinerários. Igualmente, fecham unidades de saúde, diminuindo o seu horário de funcionamento, designadamente ao fim-de-semana.
Por outro lado, no decurso dos últimos anos, fecharam no Alentejo 86 escolas do 1.º ciclo do ensino básico, prevendo-se o próximo encerramento de mais 50 escolas.
A par com este processo, o Governo centraliza em Évora vários departamentos regionais da Administração Pública, piorando, assim, a prestação de serviços indispensáveis à população de toda a região.
Toda esta política está a acelerar o crescimento do desemprego e a desertificação da região. Já estou a ouvir os Srs. Deputados do PSD, que, como não podem desmentir estes dados, que são insofismáveis, virão acenar com o II Quadro Comunitário de Apoio. Mas mesmo aí, Srs. Deputados, temo que no seu final o panorama seja ainda mais desolador do que é actualmente.
As verbas globais previstas para a região continuam a ser brutalmente escassas (8,6 % do total nacional) e as áreas sociais, sectores particularmente carenciados, têm verbas ridículas: 0,8 % do total nacional para a saúde e 5,5 % para a educação, menos ainda que no anterior QCA.
Não há qualquer política regional direccionada para o desenvolvimento industrial e agrícola; o sistema de incentivos regionais é manifestamente insuficiente e inadequado; a rede de estradas, designadamente de âmbito regional, continua atrasada em relação ao resto do País.
É por isto tudo que, escandalosamente, se prevê a continuação da redução da população até ao ano 2000 e a própria CCR, Departamento do Ministério do Planeamento, escreve, espantosamente, que, no final do II QCA, apesar de um investimento, embora insuficiente, de 500 milhões de contos, se "agravarão os indicadores de dependência sócio-económica" não se perfilando "como viável qualquer evolução positiva para a grande maioria dos concelhos alentejanos". É a confissão do fracasso da política do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - A situação só não é mais grave, Srs. Deputados, devido à acção do poder local que, em inúmeras circunstâncias, se tem substituído à administração central, intervindo em áreas que são da responsabilidade desta.
É por isso que se todos os indicadores que dependem da acção do Governo se têm agravado e estão abaixo da média nacional, já os indicadores que dependem da acção do poder local são dos melhores do País, apesar dos constrangimentos financeiros das autarquias locais, não só em resultado da não aplicação da Lei das Finanças Locais como de uma gritante subavaliação das receitas, produto da cobrança de impostos.
Um exemplo: o Grupo Amorim, proprietário de uns milhares de hectares de terra no concelho de Portel, num total de 28 herdades, paga de contribuição autárquica menos de 150 000$00/ano.

0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - É um escândalo!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é por acaso, nem por fatalidade, que o Alentejo é hoje uma região deprimida e em riscos de ser sugada pela Andaluzia e a Estremadura espanhola.
0 Governo do PSD tem marginalizado o Alentejo, como tem marginalizado o interior do País, e não tem sabido mobilizar e apoiar-se nas forças dinâmicas que existem na região, antes pelo contrário. Foi liquidada a reforma agrária e hoje, com a PAC e, de novo, as gran-

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des explorações baseadas nos sistemas culturais extensivos, a agricultura alentejana está a morrer. Os mais de 105 milhões de contos investidos na agricultura no âmbito dos apoios comunitários e nacionais perderam-se como a água do Guadiana que corre para o mar. Absorvido, no essencial, pelos grandes proprietários, mais de 70 % foram consumidos em investimentos não produtivos. A caça, os montes e o turismo rural podem ser actividades interessantes para um pequeno grupo de novos senhoritos, para quem o Alentejo está na moda. Mas, sem menosprezar o seu interesse como actividade económica complementar, não são seguramente a resposta às necessidades fundamentais da região.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - É evidente que o PSD tem no Alentejo, talvez mais que noutras regiões, uma política clientelar, de apoio e protecção dos seus. Os casos dos hospitais de Évora e de Beja...

Vozes do PCP: - É um escândalo!

0 Orador: - ... e, particularmente, a forma escandalosa como os mais altos responsáveis regionais e nacionais do PSD deram cobertura à arrogância demonstrada pela administração do Hospital Distrital de Évora estão aí para o demonstrar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podemos dizer que, nos últimos anos, a única iniciativa de vulto e com interesse regional anunciada para o Alentejo pelo Governo é o empreendimento do Alqueva, apesar de amputado, sem justificação credível, no que se refere à irrigação da margem esquerda do Guadiana e do distrito de Évora, mas só possível devido à luta persistente e continuada, de anos, dos alentejanos, a que o Governo não se pôde mais eximir.
Agora, são necessários estudos e políticas, envolvendo a comunidade regional, que permitam vir a aproveitar todas as potencialidades do Alqueva. Mas também são necessárias políticas de efeito imediato, porque o Alentejo não pode esperar 30 anos pela conclusão do empreendimento. É necessário criar, em diálogo e com a participação das autarquias locais e das estruturas económicas, sociais e culturais da região, um verdadeiro programa integrado de desenvolvimento regional que dê lugar à construção de uma base económica para a região, com o incremento do VAB regional. É necessário resolver a questão da posse e do uso da terra, que o próprio PDR reconhece ser o principal factor de estrangulamento da região; promover a modificação dos sistemas culturais agrícolas com base no aproveitamento dos recursos hídricos e preservar o montado, tendo desde já em perspectiva o aproveitamento de Alqueva; urge promover-se o desenvolvimento industrial, designadamente no sector extractivo e agroalimentar; é necessário criar, desde já, um sistema de incentivos regionais e de benefícios financeiros e fiscais adequados que mobilizem o investimento; é preciso investir na Educação, na Ciência e Tecnologia e numa política de criação e valorização dos recursos humanos; urge parar o encerramento de infra-estruturas indispensáveis à vida e à mobilidade da população; impõe-se o aproveitamento e promoção das especificidades do Alentejo, valorizando a sua identidade cultural regional; deve ser lançada, com urgência, uma política de investimentos públicos, designadamente na melhoria das acessibilidades e infra-estruturas de comunicação intra-regionais.
Mas, face à dramática situação de desemprego existente, propomos que seja encarado o lançamento de um programa de emergência para o Alentejo que dinamize a economia e crie emprego estável e duradouro. 0 Alentejo, tanto ou mais do que outras regiões do País, exige a atenção imediata dos poderes públicos. A resolução dos problemas do Alentejo não pode ser mais adiada, nem esta região pode ser considerada "dispensável" ao País. É preciso uma política para os cidadãos e não para os ratios técnico-económicos. É preciso uma política de desenvolvimento equilibrado, visando a coesão de todo o território nacional, e não um País a várias velocidades. 0 Alentejo tem recursos e enormes potencialidades que, não estando aproveitadas, se traduzem em enormes prejuízos para o País.
No Alentejo, existe hoje uma enorme convergência de interesses e vontades - autarquias, organizações empresariais e sindicais- quanto à necessidade de desenvolver a região, mas faltam políticas e um governo que não olhe para as pessoas como números de uma série estatística.
0 grito de alerta e o movimento de opinião lançados recentemente pelo Conselho Regional do Alentejo têm, assim, plena justificação e encontrarão, seguramente, eco em todo o interior do País, cujos problemas são comuns. Exige-se que o Governo não continue surdo e cego às necessidades de um terço do País.
Os alentejanos, ontem como hoje, não deixarão de lutar por um Alentejo desenvolvido, de progresso e justiça social.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se inscreveram para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Luís Capoulas Santos e João Maçãs.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

0 Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, começo por felicitá-lo não só por trazer a temática do Alentejo e seu desenvolvimento ou, melhor, subdesenvolvimento, porque todas as intervenções em prol de uma das quatro regiões mais pobres da União Europeia são sempre bem-vindas nesta Câmara, mas também por, dois anos e meio depois de eu próprio o ter feito aqui, ter retomado a questão da necessidade e urgência de um plano de emergência para o Alentejo. Foi o que fiz há cerca de dois anos e meio, quando, no início da minha actividade parlamentar, alimentava algumas ilusões no sentido de que seria possível sensibilizar a maioria do PSD para essa necessidade. Neste momento, não tenho quaisquer ilusões sobre essa matéria, pois, desde então, todos os indicadores sociais e económicos se agravaram e a ausência de políticas é notória.
Sr. Deputado, concretamente, quero perguntar se V. Ex.ª trouxe esta questão com o objectivo único de alertar a opinião pública ou se ainda alimenta alguma expectativa sobre a possibilidade de sensibilizar este Governo e esta maioria para esta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, há mais um pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

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0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

0 Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em primeiro lugar, antes de colocar algumas questões, gostaria de dizer que nos sensibiliza bastante o facto de o Sr. Deputado ter trazido à Câmara algumas das carências do Alentejo, e não me importaria de subscrever algumas dessas dificuldades que inumerou e de reconhecê-las como verdadeiras.
No entanto, quero dizer-lhe que o seu discurso também foi miserabilista e vem, de alguma forma, ao encontro de declarações feitas há umas semanas atrás e que mereceram a discordância do Sr. Deputado Luís Capoulas Santos -, no sentido de que o Alentejo e os alentejanos se encontravam em fase de extinção. Sr. Deputado, isso eu não posso aceitar.
Quando refere que, em matéria de vias de comunicação, o Alentejo pouco tem beneficiado, quero dizer-lhe que concordo de alguma forma consigo. No entanto, já não concordo quando fala do IP n.º 2. 0 Sr. Deputado, quando fala do Alentejo, deve circunscrever o seu discurso a todo o Alentejo. 0 Sr. Deputado sabe tão bem como eu que, por exemplo, no distrito de Portalegre, o IP n.º 2 está em fase de conclusão. Mas também temos problemas, necessidades e, hoje mesmo, confrontámos o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações precisamente para a situação do IC n.º 13, que é uma carência grave e que nós, e eu próprio, já levantámos variadíssimas vezes e que, infelizmente, ainda não mereceu da parte do Governo a atenção que entendemos necessária. Nesse ponto, dou-lhe razão; porém, em relação ao IP n.º 2, não posso dar-lha.
0 Sr. Deputado fala das bolsas de pobreza e da fome. Gostava que me dissesse claramente se entende que no Alentejo há mais manifestações de pobreza e de fome do que no resto do País, porque não acredito que tal aconteça. Conheço bem o Alentejo, e muito bem o meu distrito, e devo dizer-lhe que não vejo fome no meu distrito, embora veja, naturalmente, algumas manifestações de pobreza, que encontro em todo o resto do País. Mas no Alentejo, concretamente, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que compete às câmaras municipais dinamizar o desenvolvimento das regiões e a maioria das câmaras municipais do Alentejo pertencem ao Partido Comunista há cerca de 20 anos!...
Sr. Deputado, pergunto-lhe se entende que essas câmaras municipais apenas são chamadas à colação quando se fala em manifestações de desenvolvimento e se elas devem ficar, pura e simplesmente, no esquecimento quando se fala de pobreza, de desemprego ou de falta de desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Também falou da taxa de desemprego. É conhecido que o Alentejo tem, neste momento, a maior taxa de desemprego do País. Mas, Sr. Deputado, também ainda ontem a comunicação social referiu que, nos últimos 40 ou 50 dias, tinha havido um decréscimo de desemprego precisamente no Alentejo, o que não se verificou no Algarve nem no resto do País. Embora tenham sido umas escassas centenas de pessoas, o que é facto é que esse decréscimo se verificou, e isso foi veiculado, ontem, pela comunicação social.
Em relação ao encerramento dos serviços, gostaria. que especificasse. Penso que está a referir-se à concentração - também há quem lhe chame desconcentração, mas eu chamo concentração - e devo dizer que não gosto da forma como as coisas aconteceram, de facto. Mas se se refere à questão que tem a ver com a mobilização dos serviços da segurança social, etc., para Évora, aí estou inteiramente de acordo consigo. Infelizmente, penso que isso em nada beneficia o Alentejo, nem os distritos, excepto o de Évora.
Quanto às escolas, é verdade que têm sido encerradas, mas o Sr. Deputado tem de referir mais alguma coisa: que o Alentejo, especialmente o distrito de Portalegre, que faz parte do Alentejo, tem o melhor parque escolar do País e um dos melhores parques escolares da Europa. 15to também é verdade, e a informação tem de ser prestada na totalidade. 0 discurso não deve cingir-se àquilo que é negativo.
Finalmente, uma última questão: quando é que no Alentejo se viveu melhor em termos de desenvolvimento? Quando é que houve mais sintomas de desenvolvimento? 0 Sr. Deputado não pode esquecer que, no último ano, abriram empresas, e empresas de vulto, nem que o maior investimento em termos empresariais se localizou precisamente no Alentejo, concretamente no distrito de Portalegre, e está já a funcionar neste momento. Sei que o Sr. Deputado conhece esta realidade, pelo que lhe peço que a comente.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero registar e agradecer as perguntas dos Srs. Deputados, sublinhando que tanto um como outro - inclusivamente, o Sr. Deputado João Maçãs, do PSD! - reconhecem a verdade do diagnóstico e, não contestam as medidas de política que aqui viemos propor. Já é um avanço, designadamente no que se refere ao PSD!...
Contudo, começando pelas questões colocadas pelo Sr. Deputado João Maçãs, há pontos em que não consigo. Falou em discurso miserabilista e, reconhecendo que há fome noutras regiões do País, pergunta-me se no Alentejo há mais ou menos fome do que noutras regiões.

0 Sr. João Maçãs (PSD): - Há pobreza. Não há fome!

0 Orador: - Sr. Deputado, coisa que me preocupa pouco é medir se no Alentejo há mais fome do que noutras regiões do País. Basta-me saber que existe fome, que existem bolsas de pobreza, porventura mais do que noutras regiões, dado que é aí que há mais desempregados de longa duração, sem receberem qualquer subsídio de desemprego! Mas, Sr. Deputado, o discurso não é só meu. Ainda recentemente, o Sr. Bispo de Beja veio a público fazer um retrato da situação, que não é essencialmente diferente das questões que eu aqui trouxe.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Então, vocês já vão à missa?!

0 Orador: - Quanto ao problema das câmaras, nós não excluímos o papel e a intervenção das câmaras no

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desenvolvimento, mas é evidente - e o Sr. Deputado, que foi autarca, sabe disso! - que não é às câmaras que compete, nem exclusiva nem predominantemente, promover as acções de desenvolvimento global regional, essas, vêm da administração central. Senão, pergunto-lhe: onde estão as verbas para as câmaras poderem investir em matéria de desenvolvimento, que é matéria da competência do Governo?

0 Sr. João Maçãs (PSD): - Mas têm um contributo a dar!

0 Orador: - Mesmo assim, tal como eu disse da tribuna - e V. Ex.ª não o desmentiu -, a verdade é que no Alentejo os indicadores que dependem da acção do poder local são dos melhores do País. E são exactamente os indicadores que dependem da acção da administração central que são dos piores e que estão abaixo da média nacional! Penso que esta é a resposta à sua pergunta. De facto, o poder local tem tido, todo ele, particularmente o das câmaras de maioria CDU ou de maioria comunista, um papel importante para promover o desenvolvimento. Mas nisso as câmaras não têm sido acompanhadas pelo Governo, não têm sido acompanhadas pelo esforço que a administração central devia fazer para promover o desenvolvimento do interior do País, em particular do Alentejo.
Quando é que no Alentejo se viveu melhor? Respondo-lhe com toda a clareza: em 1975 e 1976. Foi quando se estancou...

Risos do PSD.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Já sabia que ia responder isso!

0 Orador: - Eu sei que os senhores não gostam de ouvir isto, porque estão interessados em, agora, reescrever a história! Mas a verdade, se quiserem conhecê-la, está nas estatísticas, para não ir mais longe. Aconselho-vos a verem como se vive agora no Alentejo e irão perceber que foi nessa altura que lá, tal como em muitas regiões do País, aumentaram os salários, aumentou o emprego e se estancou a hemorragia da desertificação dos campos. Foi nessa altura que, pela primeira vez em muitos anos, no caso do Alentejo, foram invertidos os indicadores de emigração que vinham já dos anos 60.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - E estamos agora a pagar tudo isso!

0 Orador: - Agora, com as políticas que se seguiram, particularmente nos últimos 10 anos em que o PSD tem estado no poder, de novo, voltou ao Alentejo o desemprego, as terras abandonadas, a falta de perspectivas e as bolsas de fome e de pobreza que eu aqui trouxe. 0 PSD está há 10 anos, ou mais, no Governo. É tempo de se fazer o balanço da política que tem feito e daquilo que têm sido as suas consequências para o desenvolvimento equilibrado do País, que não tem acontecido!
Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, para terminar, quero dizer-lhe que tive, como objectivo, fazer as duas coisas. É evidente que, mau grado a opinião do Sr. Deputado João Maçãs, que vem aqui concordar comigo em muitas coisas, mas que, com isso, não consegue escamotear a responsabilidade do seu Governo, que ele apoia como Deputado do PSD na região, apesar disso, vim aqui lançar um grito de alerta, de sensibilização da Assembleia e, através desta, da comunicação social e da opinião pública para os problemas que, actualmente, o Alentejo tem. 0 Alentejo tem recursos, tem potencialidades, tem capacidades, mas precisa de políticas e, sobretudo, precisa de outro governo, que não o que lá está!

Aplausos do PCP e do Deputado Independente Mário Tomé.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar as escolas cujos alunos se encontram nas galerias a assistir aos trabalhos.

0 Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, encontram-se a assistir aos trabalhos alunos da Escola Secundária de Seomara Costa Primo da Amadora; do Instituto Tecnológico e Profissional de Cantanhede; da Escola Secundária de Mem Martins e da Escola Secundária José Falcão de Coimbra, acompanhados pelos respectivos professores, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

0 Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A passagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República por terras transmontanas, no âmbito da Presidência Aberta sobre o Ambiente, colocou, de novo, na ordem do dia a questão do Plano Hidrológico Espanhol e, por essa via, a questão do nosso relacionamento com Espanha. Começa a ser cada vez mais evidente que os interesses nacionais não estão a ser convenientemente defendidos, dado que o problema é bastante mais grave do que a versão oficial sempre tem procurado fazer crer.
Em primeiro lugar, a questão do Plano Hidrológico Espanhol. Muitas vozes se têm levantado, alertando o Governo e a opinião pública para esta questão: técnicos, jornalistas, associações de defesa do ambiente, políticos. Muita gente que revela legítimas preocupações e que não compreende a atitude preocupantemente silenciosa do Governo sobre unia matéria tão delicada como esta. Atitude que começou por ser de passividade, por completo desconhecimento da gravidade do que estava em causa, para passar ao embaraço quando se deu conta do alerta da opinião pública e quando percebeu que uma questão de tão grande relevância escapava ao seu controlo. Estamos todos lembrados das ridículas acusações feitas ao Presidente da Câmara do Porto quando alertou o País para o que se estava a passar em relação ao Douro!
Sabemos agora que a questão não se prende apenas com os grandes rios como o rio Douro, mas que abrange também os rios Tuela e Rabaçal e que, em relação ao rio Tuela, de acordo com um documento da Junta Regional de Castilla y León, o transvase previsto é de 93 % do caudal! 0 que quer dizer que deixará de existir rio Tuela em Portugal, com todas as consequências que facilmente se imaginam, agravadas ainda pelo facto de este rio se integrar numa área protegida como é o Parque Natural de Montezinho e numa região que caminha aceleradamente para a desertificação humana. As consequências previsíveis sobre o meio ambiente

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são de tal dimensão que a própria Junta Regional de Castilla y León elaborou um parecer negativo, propondo o abandono deste projecto.
Apesar de tudo isto, a única declaração que se conhece de um membro do Governo português é a de que há, entre os dois países, um convénio de 1964 que tem de ser respeitado. Como se entretanto Portugal não tivesse entrado na Comunidade Europeia; como se o quadro das relações internacionais não tivesse alterado significativamente as relações entre os países membros; como se a definição de um quadro comunitário em relação ao ambiente não se tivesse entretanto verificado; como se não tivessem existido abundantes cimeiras entre o Primeiro-Ministro português e o Primeiro-Ministro espanhol; como se, afinal, o Governo português ainda vivesse de costas viradas para um país que, cada vez mais, está a entrar em força no nosso tecido económico. 0 que não é certamente um crime, mas que deverá ser objecto de maior cuidado e de maior responsabilidade em relação a um espaço geográfico, ambiental, cultural e político, como é o espaço ibérico.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A irresponsabilidade do actual Governo, no que diz respeito às relações económicas e ambientais entre Portugal e Espanha, é tal que poderão, a médio prazo, suscitar-se reacções menos próprias de um País que se quer cada vez mais civilizado e democrático e provocar o renascimento de velhas conflitualidades que se julgavam superadas de uma vez por todas, particularmente num quadro de uma convergência europeia que deveria fomentar mais aproximações que facturas. Porque, não nos iludamos, a reacção das populações mais directamente afectadas com a grave inoperância do Governo nesta matéria terá forte impacto nacional.
Como aqui referiu, ainda há bem pouco tempo, o meu colega José Sócrates, "o Plano Hidrológico Espanhol coloca um dos mais sérios problemas ambientais a Portugal e, porventura, um dos mais delicados problemas políticos no relacionamento entre os dois países". Problema que, pelo seu teor, envolve também matérias de carácter económico. Se lhe juntarmos o problema do depósito de resíduos nucleares em Aldeadávila e as centrais nucleares próximas da fronteira portuguesa e acrescentarmos o caso Banesto, para só citar alguns exemplos, facilmente concluiremos que estamos perante matérias que tocam os próprios equilíbrios de um país já tão fragilizado económica, social e ecologicamente e que por isso se pode estar incautamente a lançar achas para fogueiras de que, historicamente, todos temos problemática memória.
A verdade é que o Governo, mais uma vez, não tem estado à altura das responsabilidades e começa a haver muita gente responsável a perguntar a si própria se, para defender os interesses da sua terra, não terá que ir a Madrid manifestar-se, já que, em Lisboa, tudo parece continuar a proceder nos brandos costumes da irresponsabilidade, "à sombra da bananeira" ou do ouro efémero de Bruxelas.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Lamento dizê-lo, mas eu próprio começo a pensar que a melhor forma de defender os interesses de Trás-os-Montes é mesmo ir a Madrid, perante a constante capitulação do Governo português em relação ao imediatismo dos interesses espanhóis, como se a integração europeia e os fundos daí provenientes tivessem ofuscado a capacidade de entendimento ou o bom senso de quem neste momento nos governa. Capacidade que, se já era duvidosa, perante estes factos, ainda se torna mais problemática.
Começo também a interrogar-me sobre os objectivos de uma orientação política que, curiosamente, tem acentuado a desertificação do interior ao longo de toda a fronteira com Espanha e se isso não terá alguma coisa a ver com uma estratégia comum visando a instalação, em zonas quase desertas, dos tais depósitos de resíduos nucleares que podem acabar por produzir também autênticas explosões sociais no plano nacional.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É urgente pôr fim ao secretismo e à passividade oficiais num domínio tão importante para o País como é o dos recursos hídricos ou o da questão nuclear. Não é aceitável que decisões que tanta importância têm para uma região ou para o próprio País sejam tomadas sem que, pelo menos, aqueles que foram eleitos pelos seus concidadãos sejam ouvidos.

0 Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Se o Governo parece ter capitulado, o Parlamento não pode cruzar os braços. A comissão de contacto com as Cortes Espanholas tem aqui um bom motivo para promover uma reunião de carácter urgente com a sua congénere do Parlamento Espanhol, fazendo sentir aos nossos colegas espanhóis que não transigiremos na defesa dos interesses portugueses e que não estamos dispostos a aceitar que, em matérias de tanta importância, todas as vantagens vão para Espanha e todos os inconvenientes venham para Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Importa também que nos questionemos e sejamos capazes de reflectir sobre as modalidades do nosso relacionamento com os nossos vizinhos e amigos espanhóis, um relacionamento entre dois Estados democráticos, amigos e vizinhos, agora parceiros na União Europeia e na NATO. E, acima de tudo, que reflictamos sobre a pujança das empresas e da economia espanholas e a sua influência no território português, nomeadamente nas regiões fronteiriças mais deprimidas. Talvez, então, concluamos da urgência em fazer com que Portugal chegue ao mais recôndito lugar do seu interior, sob pena de vermos a fronteira avançar sobre o seu litoral.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mário Maciel, 15abel Castro e Adão Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

0 Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, de certa forma, em nossa opinião, V. Ex.ª antecipou-se de forma prejudicial ao debate que a Conferência de Líderes, sob proposta do Sr. Presidente da Assembleia da República, agendou para o dia 21 de Abril. A sua intervenção, bem explanada, desvalorizou e esvaziou até a oportunidade, que os grupos parlamentares certamente irão ter, de, com

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maior substância, poderem falar sobre este importante tema. Mas tem todo o direito de fazer a sua intervenção e aqui estamos nós para o interpelar.
Como sabe, a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente prepara, serenamente e sem espalhafato, uma segunda audição parlamentar sobre esta temática - já fez uma, vamos fazer outra e faremos aquelas que forem necessárias -, na qual vamos ouvir especialistas de renome em matéria de recursos hídricos, o Governo também e ainda outras entidades responsáveis, para trocarmos ideias, bem como preocupações sobre esta matéria, a fim de que o Parlamento não fique à margem desta importante discussão que prossegue no nosso país.
Também gostaria de salientar que não temos o entendimento de que um plano hidrológico seja, à partida e por definição, nocivo e prejudicial. Nos dias de hoje, temos forçosamente de discutir estas problemáticas, sobretudo os recursos hídricos fluviais, em face, por exemplo, da regularização de caudais, que é necessário fazer-se. Em face desse premente objectivo que é o de disponibilizar os nossos recursos hídricos, face às carências de consumo, quer urbanas quer industriais, temos de adaptar as disponibilidades hídricas, e, no que respeita ao Plano Hidrológico Espanhol, não só é inevitável como desejável que tenhamos uma perspectiva ibérica deste assunto. Os rios são fluxos transfronteiriços e não podemos compartimentá-los como se se tratasse de uma parcela de território. Ou seja, devemos ter uma perspectiva ibérica que obrigue a que o princípio da cooperação internacional seja accionado pelos governos espanhol e português. Logo, numa plataforma de cooperação internacional, tem de haver uma perspectiva ibérica que contemple a Península Ibérica em disponibilidade hídrica e em regularização de caudal em termos de recursos hídricos fluviais.
Também gostaria de salientar que, sobre esta matéria, tem havido declarações - não estou a dizer que foi o seu caso, Sr. Deputado Armando Vara, pois a sua intervenção, repito, foi bem explanada - muito emotivas, algumas das quais até bastante desqualificadas, pelo que é importante que o Parlamento, e não só, proceda a um debate sereno baseado e fundamentado em depoimentos científicos insuspeitos e que possa chegar a uma conclusão que permita tranquilizar os ânimos mais exaltados e, sobretudo, a opinião pública que, legitimamente, está preocupada.
Sobre essa matéria, o Governo português não tem sido irresponsável: estabeleceu conversações com o Governo espanhol e, ainda recentemente, declarações publicas do Ministro do Ambiente espanhol e da Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Ambientais vieram confirmar que ambos os governos optaram pela cooperação internacional.
Ora, o facto de haver um plano não invalida que os Governos português e espanhol não estejam a concertar posições sobre a matéria. Tal não constitui crime, até porque um plano é, de certa forma, uma opinião, uma orientação que ainda não foi assumida em plenitude, que ainda não foi decidida. Pode haver 1001 planos, mas o que interessa é que os governos tenham a perspectiva ibérica e que este não seja um plano de Espanha contra Portugal nem de Portugal contra Espanha, mas que a Península Ibérica, em termos de recursos fluviais, saia enriquecida.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

0 Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, optei por responder-lhe de seguida de forma a podermos discutirmos um pouco melhor esta questão.
0 Sr. Deputado fez algumas afirmações com que, naturalmente, estou de acordo, desde logo corri a necessidade de os Governos espanhol e português cooperarem. Porém, o anúncio que V. Ex.ª produziu no sentido de que os Governos decidiram cooperar é, no mínimo, espantoso, porque insólito seria que não tomassem a decisão de cooperar nesta como noutras matérias!...
0 Sr. Deputado também disse que, de uma forma prejudicial, me antecipei a um debate que irá realizar-se nesta Câmara, observação que esteve na origem da minha decisão no sentido de responder-lhe de imediato. É que, no fundo, essa frase resume todo o pensamento do PSD e do Governo sobre este problema, pois significa que, aos vossos olhos, é prejudicial o debate que traga para a ordem do dia estes assuntos, quando me parece que devem ser debatidos até com "espalhafato",...

0 Sr. António Martinho (PS): - Claro!

0 Orador: para referir uma palavra que também
empregou.
E que, no meu ponto de vista, no do PS e no das populações afectadas por este problema, estão em causa interesses vitais...

0 Sr. Júlio Henriques (PS): - Muito bem !

0 Orador: - ... e, portanto, torna-se necessário fazer espalhafato e dizer aos nossos amigos e vizinhos espanhóis que não podemos aceitar que tenham todas as vantagens, enquanto nós suportamos todos os inconvenientes.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, parece-me que a questão que entendeu por bem trazer à Câmara tem toda a pertinência e oportunidade.
Lembro que o Partido Ecologista Os Verdes, desde 19 de Janeiro do ano passado, tem falado nessa matéria por estar preocupado com o Plano Hidrológico Espanhol, conhecidas que são aquelas que se admitem facilmente ser as suas consequências, e não só endereçámos um requerimento ao Governo exigindo o conhecimento dos caudais que iriam ser transferidos como, mais tarde, conforme se recordarão, propusemos a realização de um debate promovido pela Assembleia, sem se circunscrever ao Plenário, aberto a todos os interessados, designadamente, aos autarcas, às associações de agricultores, aos ambientalistas e a vários ministérios, porque entendemos que esta questão tem de ser abordada de forma pluridisciplinar. Na verdade, não é uma matéria da competência exclusiva dos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais, Indústria e Energia ou Agricultura, pois interessa, igualmente, ao

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Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma vez que deverá ser tratada a nível de dois Estados.
Recordo ainda que foi sugerido um agendamento - que, aliás, a maioria rejeitou - para que fosse criada uma comissão nacional de acompanhamento das transferências dos caudais.
Ora, penso que esta questão tem toda a importância e que, seguramente, será abordada no debate que vai realizar-se na próxima semana, embora não deva circunscrever-se-lhe. Parece-me útil que, em qualquer momento, esta discussão seja feita e relembro que, depois de ter sido desvalorizada, durante meses, pelo PSD - pois considerava que se estava a empolá-la incorrectamente - foi tratada na Cimeira Ibérica, tendo dito a Sr.ª Ministra, na primeira sessão de perguntas ao Governo realizada este ano, que, efectivamente, tinha sido abordada nessa cimeira, embora os convénios de 1968 existentes entre Portugal e Espanha não referissem duas questões fundamentais, a da quantidade e a da qualidade da água, que são centrais neste debate.
0 Sr. Deputado, muito justamente, levantou esta questão, mas gostava de o ouvir mais em pormenor, até porque o Partido Socialista, ao integrar a família socialista europeia, naturalmente, terá uma posição relativa a esta matéria. Lembro-lhe que a Comissão que aglutina todas as associações de defesa do ambiente, em Espanha, é contra o Plano Hidrológico e que, nesse país, há uma forte contestação ambientalista a este projecto. 0 partido no poder, o PSOE, e o Governo espanhol avançam e têm insistido neste projecto. Mas, em termos de família europeia, de que forma esta questão é abordada?
Por outro lado, o Sr. Deputado referiu-se a uma questão muito importante - o nuclear - que também tem sido acarinhada pelos Partidos Socialistas europeus. Temos levantado frequentemente o problema de Aldeadávila, mas lembro que, recentemente, houve problemas em Zorita, o que acontece amiúde nas centrais nucleares espanholas. Gostava de saber de que forma esta questão se coloca em termos europeus, pois parece-me estar perante uma posição antagónica do Partido Socialista e não compreendo como se concilia com uma plataforma comum europeia.

0 Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

0 Sr. Adão Silva (PSD):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, aproveito a sua intervenção para saudar a presença do Sr. Presidente da República no distrito de Bragança já que, neste momento, se alguma questão se coloca com muita acuidade é a do transvase das águas do Douro, a da instalação da central de resíduos nucleares, bem como o novo transvase das águas dos rios Tuela e Rabaçal. Penso que a presença do Sr. Presidente da República, acompanhado pelo Governo, é importante por permitir uma mais fácil constatação dos problemas a nível local e, ainda, criar perspectivas de que o processo pode vir a ser devidamente encaminhado.
Quero também juntar a minha à voz do Sr. Deputado no que concerne às preocupações que nos deixa, a nós, nordestinos, o desvio previsível das águas do rio Douro, a instalação também previsível da central de resíduos nucleares em Aldeadávila e, agora, o novo problema que se levanta, inédito, do transvase das águas dos rios Tuela e Rabaçal.
Referiu, e bem, os impactos negativos do ponto de vista ecológico que este transvase envolve e permita-me ainda que lhe lembre os prejuízos incalculáveis que se traduzirão na ineficácia de algumas mini-hídricas já instaladas - e a instalar - e também nalguma ineficiência que pode advir da captação de águas para abastecimento das populações, porque o rio Tuela, pelas suas características, constitui uma boa fonte de abastecimento de água às populações. É que, na verdade - no que estou de acordo com a sua intervenção -, o distrito de Bragança é rico em recursos hídricos e, ao pretender subtrair-se-lhe essa fonte de riqueza, naturalmente será agregada mais pobreza a algumas situações menos favorecidas de que vamos tendo notícia.
No entanto, Sr. Deputado, gostava de contrapor-lhe que não considero que o Governo esteja tão alheado do problema como V. Ex.ª quis fazer crer. Lembro-lhe que havia, de facto, algumas dúvidas quanto à posição do Governo sobre esta matéria do Tuela e do Rabaçal, mas penso que o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, na última intervenção que fez, apreciando a situação no terreno, deixou entender que colocaria obstáculos à sua concretização. Claro que antes desta última intervenção deixou entendido que era preciso gerir muito bem o problema do Convénio de 1964, mas, porque "águas passadas não movem moinhos", também estou de acordo que, nos novos tempos, teremos de procurar fazer mover novos "moinhos" com novas águas.
Deixe-me dizer-lhe ainda que um autarca da nossa terra, preocupado com a situação do rio Tuela, o Sr. Presidente da Câmara de Vinhais, foi recebido pelo Sr. Secretário de Estado e que eu próprio tenho conversado com esse Membro do Governo sobre esta matéria, o que me leva a crer que o Governo está atento aos seus desenvolvimentos e que vai tentar obstar a que se concretize este transvase do Tuela e do Rabaçal, que seria, simplesmente, desastroso tal como está configurante no referido Convénio.

0 Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente.
Finalmente, apesar de compreender as suas preocupações, não entendo esta tentativa de distanciamento que o Sr. Deputado, como membro do Partido Socialista, está a protagonizar quando, afinal, todo este processo é de algum modo estimulado, dinamizado, por um Partido Socialista instalado no governo em Espanha. Será que os senhores, como socialistas e com ligações ao Partido Socialista Obrero Espanol, não têm alguma responsabilidade nesta matéria?
Aqui fica a pergunta, Sr. Deputado.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

0 Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, começo por abordar a última questão formulada por, de certa forma, ser comum às preocupações também referidas pela Sr.ª Deputada 15abel Castro.
Apetece-me perguntar se esperávamos que os socialistas espanhóis viessem defender os interesses de Portugal. Será que aceitamos que os nossos interesses sejam defendidos por entidades estrangeiras, que sejam

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elas a fazer aquilo que compete ao Governo de Portugal? Não percebo, e digo-o com toda a franqueza, como é possível pôr-se a questão nesses termos. 0 Governo espanhol defende os interesses de Espanha e lamento que o Governo de Portugal não defenda os interesses do nosso país!... Na verdade, a questão é tão simples como isto e não vejo onde está o problema.

Aplausos do PS.

0 pedido de esclarecimentos da Sr.ª Deputada 15abel Castro resumia-se, pois, a este enquadramento.
0 segundo aspecto tem a ver com o que o Sr. Deputado Adão Silva referiu a propósito da visita do Sr. Presidente da República. Estou de acordo consigo quando diz que a visita do Sr. Presidente da República foi de grande utilidade no que se refere a várias coisas, designadamente no que respeita a ter levantado este problema. Estamos de acordo.
Já não estamos de acordo quando refere também a utilidade da participação do Governo nesta matéria. Se reparou, o Sr. Secretário de Estado começa por dizer que nada há a fazer, havendo, sim, um Convénio de 1964 que Portugal tem de respeitar. Só com o correr das horas, o aumento da contestação, a pressão e o interesse que verificámos no terreno é que, no fim do dia, acabou por dizer que, afinal, o assunto era grave e iria fazer todos os possíveis para que o Plano não avançasse.
Também teve utilidade a visita do Sr. Presidente da República, porque, nessa medida, fez ver aos nossos governantes que não podem deixar correr as coisas como têm corrido.
Um terceiro aspecto tem a ver com a segunda vertente do problema que aqui coloquei. É que o Plano Hidrológico Espanhol suscita a questão, séria, do nosso relacionamento com Espanha e o problema de se saber até que ponto os nossos interesses globais e gerais, nomeadamente no plano económico, estão a ser convenientemente defendidos. Sabe o Sr. Deputado, que vive, aliás, na mesma cidade em que eu vivo, que a economia local e de fronteira começa a ficar completamente dominada pelas grandes empresas e os grandes interesses económicos espanhóis e que o nosso Governo não tem tido capacidade ou, então, tem feito deliberadamente uma política de desertificação de uma grande parcela- dois terços- do nosso território, deixando que as coisas corram no sentido em que têm corrido?
Por isso, faço um apelo final à reflexão no sentido de levarmos Portugal até à fronteira, porque, caso contrário, correremos o risco de ver a fronteira a avançar sobre nós!

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.

0 Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A problemática da sinistralidade laboral, o mesmo é dizer da segurança, higiene e saúde no trabalho carece ainda de, entre nós, ter a expressão que a sua realidade exponencial e os supremos valores em causa reclamam. Não são apenas as perturbações dos circuitos e dos ritmos produtivos e as subsequentes traduções ao nível da produtividade e da competitividade que se provocam. Não são somente os danos de natureza económica e patrimonial - e eles atingem níveis elevadíssimos - que se produzem. São também, fundamentalmente, os inúmeros problemas humanos em termos de sofrimento, de dor, de perda, designadamente, nalguns casos, da própria vida, e de incapacidades que se geram.
A esfera em que ocorrem não se confina à das suas vítimas directas, pois projecta-se na família e atinge a sociedade.
Referir-me-ei agora à sinistralidade no distrito de Coimbra.
Interessa traçar um quadro referencial da sinistralidade laboral do distrito de Coimbra no quadriénio 1989/1992, completado, num ou noutro aspecto, com os três primeiros trimestres do ano de 1993, envolvendo quatro ou cinco ramos de actividade económica mais salientes da respectiva área distrital. Prosseguindo este escopo, relevam-se a indústria transformadora, a construção e obras públicas, o comércio, restaurantes e hotéis, os serviços prestados à colectividade e a agricultura, a silvicultura e as pescas.
Importará, em consequência, uma breve caracterização destes sectores económicos no que toca ao número de acidentes de trabalho, ao volume de mão-de-obra empregada nesse quadriénio, à determinação do seu grupo etário, procurando-se entre as referidas variáveis a sua conexão, e às causas de acidentes mais frequentes. Pretende-se, deste modo, delinear o enquadramento da sinistralidade do trabalho referindo-se certos factores do quadro laboral em que ela acontece: mão-de-obra, idade e alguns componentes materiais do trabalho.
No que respeita à seriação das actividades económicas sob o ângulo dos acidentes de trabalho, considerando os quatro anos - 1989 a 1992 -, a indústria transformadora regista um maior número de acidentes de trabalho face a outros ramos de actividade económica que, respectivamente, se lhe seguem: construção e obras públicas, comércio, restaurantes e hotéis, agricultura, silvicultura, caça, pesca e, finalmente, serviços prestados à colectividade. Assim, o número de acidentes de trabalho registado nos três primeiros trimestres do ano de 1993 continua a manter a indústria transformadora, quanto à sinistralidade, no topo das actividades económicas. 0 referido número confirma também a seriação dos sectores económicos agora estabelecidos.
Deste modo, a mesma indústria transformadora é, em termos absolutos, responsável destacada por um total de 19 586 acidentes de trabalho no quadriénio atrás referido, distanciando-se, percentualmente, em relação à sinistralidade de outros sectores em foco, por cerca de 32,4 % quanto à construção e obras públicas, 73 % relativamente ao comércio, restaurantes e hotéis, 76 % no que concerne à agricultura, à silvicultura e às pescas e 79 % em relação aos serviços prestados. A mesma ordem percentual está expressa nos elementos estatísticos referentes aos três trimestres do ano de 1993.
Quanto à linha evolutiva do número de acidentes de trabalho, os dados, quer da indústria transformadora, quer do comércio, restaurantes e hotéis, revelam claramente três factos. 0 primeiro é uma linha ascencional de acidentes de trabalho de 1989 a 1991. 0 segundo é o de que no mesmo ano - 1991 - atingem o máximo de sinistralidade. 0 terceiro é o de ambos os sectores iniciarem uma linha descendente, com um decréscimo de 6,2 % de acidentes.
Ao invés, os dados referentes à construção e obras públicas demonstram o seguinte: um aumento de 22,5 % de acidentes de 1989 a 1990; que o sector atingiu, no

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ano de 1990, um máximo de sinistralidade; que, a partir deste momento, revela uma diminuição acentuada de acidentes nos dois anos seguintes.
Já a agricultura, a silvicultura, a caça e a pesca apresentam um maior número de acidentes de trabalho no ano de 1989, seguindo-se uma linha evolutiva dos acidentes algo incerta. 0 decréscimo que então se iniciou foi, porém, interrompido em 1991, com um ligeiro aumento.
Registei, em breves pinceladas, a evolução do número de acidentes de trabalho ocorrida, no quadriénio referido, nas indústrias sob análise. Assim, verifica-se, quanto ao ano que regista o maior número de acidentes de trabalho, que em 1989 é o sector primário, em 1990 a construção e obras públicas e em 1991 a indústria transformadora, o comércio e a hotelaria.
Em consequência, o início da linha descendente da sinistralidade observa-se primeiramente no sector primário, em seguida na construção e obras públicas e, finalmente, na indústria transformadora e comércio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em volume de mão-de-obra empregada, destaca-se, também em primeiro lugar, a indústria transformadora, seguida, contudo, não já da construção e obras públicas, como sucedia quanto ao número de acidentes de trabalho, mas, sim, do ramo comercial e hoteleiro. Em seguida, surge a actividade de construção, os serviços prestados à colectividade e, finalmente, a agricultura, a silvicultura e a pesca.
Os elementos estatísticos referentes, quer à indústria transformadora quer à construção e obras públicas, demonstram que é no ano de 1991 que estes dois sectores atingem o maior volume de emprego, enquanto idêntico fenómeno só em 1992 acontece no comércio, restaurantes e serviços. Não deixa também de ser interessante verificar que apenas a indústria transformadora consegue simultaneamente, no ano de 1991, o máximo de emprego e o máximo do número de acidentes de trabalho. Tal relação já não revelam os dados concernentes à construção e obras públicas e aos demais sectores económicos, comerciais, hoteleiros e de serviços.
No que toca à linha evolutiva do volume de mão-de-obra empregada, os dados disponíveis revelam, de 1989 a 1991, uma linha ascendente do número de pessoal empregado, quer no sector económico da indústria transformadora, quer no da construção e obras públicas, iniciando-se, contudo, no ano seguinte um decréscimo de emprego de 2,1 % quanto àquele sector e de 11,8 % relativamente à construção, onde a diminuição é mais acentuada.
Algo diferente denunciam os dados dos ramos de actividade económica do comércio, hotéis e serviços prestados à colectividade, que apontam uma evolução sempre crescente de 1989 a 1992.
A linha de evolução do emprego no sector primário apresenta oscilações de ano para ano, atingindo o seu máximo no ano de 1990.
Em síntese, e com certo intuito de relacionamento das duas variáveis, conjugam-se os dois momentos máximos, quer dos acidentes de trabalho quer do emprego, nos períodos e ramos de actividade económica referidos. Vejamo-los, quanto à sinistralidade e ao emprego, nos seguintes sectores: no sector primário, a sinistralidade máxima dá-se no ano de 1989 e o emprego máximo no ano de 1990; no sector secundário, a máxima sinistralidade sucede em 1990 e o máximo emprego no ano de 1991; no comércio, hotéis e serviços, o maior número de acidentes de trabalho verifica-se em 1991 e o maior volume de emprego no ano de 1992. Só na indústria transformadora se constata que no mesmo ano de 1991 se atingem os dois máximos de acidentes de trabalho e de emprego.
Do quadro exposto não se pode observar a relação proporcional de aumento entre as duas variáveis em foco. Contudo, verifica-se, na maior parte dos ramos económicos, a não coincidência temporal dos seus dois máximos: em acidentes e em emprego. Tal facto poderá, por outro lado, indiciar que existem factores, cujo desenvolvimento se impõe, que são susceptíveis de contrariar o agravamento proporcional do aspecto patológico da situação homem - posto de trabalho.
Nestes factores se deve insistir permanentemente. No entanto, poderá estabelecer-se uma relação, considerando os globais, quer do número de acidentes quer do volume de mão-de-obra empregada nos dois sectores económicos mais representativos: a indústria transformadora e a construção e obras públicas.
Através desta relação se poderá ajuizar mais claramente da incidência dos acidentes em cada um dos ramos económicos referidos.
Apesar de, em termos absolutos, a indústria transformadora ser responsável pelo maior número absoluto de acidentes de trabalho, como já se referiu, é, contudo, a construção e obras públicas que, em termos de taxa de incidência, surge, com relevo, em primeiro lugar. Nos quatro anos considerados, enquanto aquela actividade regista, em percentagem, uma taxa de incidência de 15,9 %, a construção e obras públicas apresenta uma taxa de 42,8 %.
Eis que na construção, proporcionalmente, o número de acidentes se toma, sobremaneira, muito preocupante!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vista a evolução do emprego no período considerado, bem como a evolução da sinistralidade, foquemos, para melhor se caracterizar o ambiente de trabalho, os grupos etários em que mais incidência têm os acidentes de trabalho.
Os elementos observados revelam que é no grupo etário dos 25 aos 44 anos, como será normal, que se regista o maior número de acidentes. Contudo, já não parecerá tão normal que se lhe siga, imediatamente, o grupo dos 24 e menos anos.
Neste grupo jovem verifica-se, assim, um volume de acidentes que é superior ao do grupo etário dos 45 aos 64 anos. 0 número de acidentes na faixa dos 24 e menos anos - os mais jovens - acusa, em relação ao total dos acidentes de trabalho no período de 1989 a 1991, uma percentagem de 33 %, percentagem que se reputa demasiado elevada, preocupante e merecedora da maior atenção.
Toda a sociedade nisto deve colaborar, atendendo à natureza psicossomática dos jovens. Certas medidas e certos comportamentos individuais e colectivos se devem intensificar. Impõe-se, em consequência, uma necessidade de formação escolar, a sério, no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho, uma exigência de maior cuidado dos empresários no enquadramento dos jovens nas suas empresas e uma não demissão do Estado quanto ao desenvolvimento de vários tipos de acções que contemplem diversas situações da vida activa dos jovens.
Quanto às causas mais relevantes destes factos, para melhor se apreciar a problemática da prevenção e se formar uma visão mais ampla do campo da segurança e saúde nos locais de trabalho, eis também uma brevís-

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sima referência a algumas causas mais frequentes que provocam os acidentes.
Dos três anos consultados - 1989 a 1991 -, sobressaem quatro causas principais dos acidentes de trabalho ocorridos no distrito de Coimbra: em primeiro lugar, aparecem os objectos de manipulação; em segundo, as quedas; e, em seguida, as partículas, máquinas e ferramentas.
Focámos apenas as causas mais relevantes, porquanto no período referido só elas são responsáveis por cerca de 34 335 situações de acidentes.
Passando às considerações gerais e finais, direi, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, quando a dignidade da pessoa humana e os valores humanistas são constitucionalmente princípios fundamentais que devem orientar toda a acção política e caracterizar a sociedade, não pode desprezar-se nenhum esforço nem negligenciar-se qualquer acção que vise tendencialmente erradicar esta mancha. Daí que, no plano das reivindicações sociais, as questões da segurança, higiene e saúde devam ter um tratamento no mínimo igual ao das exigências de conteúdo económico e mesmo salarial.
É óbvio que a questão não deve imputar-se ou confinar-se à esfera dos organismos de representação de classe ou à dimensão sindical em termos de poder-dever, mas como algo que em todas as circunstâncias, seja as da negociação colectiva, seja as de acção na empresa, jamais pode olvidar-se.
A unidade produtiva de base - a empresa - não interessa menos o conveniente tratamento desta questão. Um empresário consciente e responsável, com uma visão esclarecida e moderna de gestão económica, não tem de ter destes problemas uma visão meramente passiva ou defensiva, entendendo-os como simples valores de troca cujos níveis de positividade dependam da maior ou menor força negocial dos sujeitos em confronto.
Deve imperar, a este respeito, uma grande abertura à consensualização, sem outras preocupações de ganho que não sejam as das indiscutíveis vantagens comuns.
Mais: dados os indisponíveis valores em presença, não deve o empresário abrir mão do poder de iniciativa e capacidade de liderança neste domínio, no pressuposto axiomático de que assim defenderá convenientemente os interesses da empresa, na perspectiva económica e da comunidade humana que integra.
Hoje em dia é fundamental, na estratégia competitiva exigida pela mundialização da economia, não apenas recursos humanos qualificados, mas também recursos humanos motivados. Na motivação não cabem apenas ingredientes de natureza económica e imaterial, que tornam gratificantes os lugares e apetecíveis as carreiras profissionais, mas igualmente todos os aspectos de natureza material que constituam constrangimentos ou possam impor um risco, evitável, à actividade laboral.
Finalmente, o Estado tem uma palavra decisiva e primeira neste domínio justamente porque a pessoalidade e a defesa de condições humanas de dignidade no trabalho o impõem. Sufraga-se, como imperativo constitucional, uma política social que assegure aos trabalhadores o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, à prestação do trabalho em condições de segurança, higiene e saúde e à especial protecção dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas, bem como dos que constituem determinados grupos sociais, como as mulheres (durante a gravidez e após o parto), os menores e os diminuídos.
Uma dupla vertente se impõe ao Estado neste domínio: definir os normativos, criar as leis, estabelecer com precisão os objectivos a atingir e igualmente organizar no terreno a forma de os implementar, robustecendo os serviços com os equipamentos necessários dotando-os dos meios técnicos e humanos para o efeito imprescindíveis.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Eduardo Reis e Ferreira Ramos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.

0 Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cipriano Martins, ouvi-o com atenção e fiquei um pouco baralhado dada a sensação que tive de estar a ouvir um Deputado da oposição. É que o Sr. Deputado citou estatísticas e números preocupantes, mas não os comentou. Foi dizendo que em certo sector há um aumento de x e noutros de y, mas não apontou as razões do aumento da sinistralidade.
De facto, manifestou aqui uma preocupação a que também o Partido Socialista já fez alusão noutras oportunidades. Saberá com certeza o Sr. Deputado que, por exemplo, o regulamento de higiene e segurança na construção civil, que tem mais de 40 anos, ainda não mereceu actualização da parte do Governo, sendo certo que esse regulamento nem sequer obriga ao uso de capacete. E quem fala dessa actividade poderá falar de uma série de outras que praticamente não estão regulamentadas.
Pergunto, pois, ao Sr. Deputado, para além da preocupação que aqui manifestou, o que vai levar a efeito a sua bancada no sentido de diminuir a sinistralidade laboral e se pensa ou não criar condições de segurança aceitáveis para os trabalhadores.
Resta-me dizer-lhe que foi publicado, há pouco tempo, um decreto-lei sobre os serviços médicos de empresas, mas, lamentavelmente, logo mandado suspender por só conter aberrações. Gostaria que o Sr. Deputado se pronunciasse sobre esta matéria.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

0 Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cipriano Martins, quero manifestar-lhe o agrado com que escutei a sua intervenção sobre o gravíssimo problema da sinistralidade laboral, mas também as minhas reservas, na sequência do que foi referido pelo Sr. Deputado José Eduardo Reis.
Desde logo, cabe-me colocar-lhe a questão do Decreto-Lei n.º 26/94, que, incompreensivelmente, não foi até ao momento regulamentado, na esteira, aliás, do que aconteceu com um dos problemas referidos por V. Ex.ª e que respeita ao decreto-lei que regulamentava o trabalho de menores, cuja portaria que o viria desenvolver demorou dois anos a ser publicada.
São, pois, duas as falhas, referidas por V. Ex.ª, na atitude que o Estado e o Governo deveriam ter. Não considera V. Ex.ª que em relação a estes dois aspectos tem havido por parte do Governo português algumas lacunas que interessa sublinhar?
Por último, voltando à questão central da sinistralidade e dos acidentes de trabalho, desejaria conhecer a sua opinião acerca da questão de saber que salário deve

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servir de base na atribuição da pensão ao trabalhador
sinistrado, ou seja, se deve ser o salário auferido à data
do acidente de trabalho ou o salário à data da tentativa
de conciliação e da fixação da incapacidade.
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar,
tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
0 Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Eduardo Reis, como esteve atento à
minha intervenção certamente constatou que tive o cuida
do de basear as minhas afirmações em estatísticas oficiais,
sérias, credíveis, idóneas. Não vim fazer demagogia
barata. Aliás, V. Ex.ª teve a coragem de reconhecer, logo
à partida, isso mesmo. As nossas intervenções procuram
ser sérias e credíveis, a não ser assim não as faríamos.
0 Sr. José Vera Jardim (PS): - É um plural majestático!
As "nossas" são as dele!

0 Orador: - Todos nós sabemos que a problemática
da higiene, saúde e segurança no trabalho está a ser
reformulada. Se bem se recorda, esta matéria foi amplamente
debatida no âmbito do anterior acordo económico
e social bem como no que este ano se pretendeu
subscrever. Aliás, está a ser avançada precisamente no
âmbito do Conselho Económico e Social, e por três
ordens de razões fundamentais: porque quer o Governo
quer os parceiros sociais entenderam ser inadiável
avançar com um quadro jurídico global de prevenção
dos riscos profissionais, por razões puramente internas,
devidas ao mérito próprio, intrínseco desta matéria, mas
também por razões de direito internacional, designada
mente a Convenção 155 da OIT, que ratificámos e que
convertemos em direito interno, e a Directiva 391/CEE Eram 17 horas.
a que também tivemos que dar resposta.
No entanto, embora reconheça que tem havido atrasos,
queremos que esta matéria seja debatida numa
óptica tripartida, ou seja, com os parceiros sociais, dado
serem fundamentais para que se verifique a sua aceitação
pelas empresas, e pelos trabalhadores.
Como sabe, trata-se de uma matéria que requer mentalização,
que tem a ver com a cultura, com a educação,
com a formação profissional e, por isso, envolve
todas as pessoas que referi há pouco e sem as quais
nenhuma política neste campo poderá ter sucesso. Aliás,
foi criado agora o instituto que vai disciplinar e tomar a
seu cargo, numa óptica tripartida, o desenvolvimento
desta matéria e será esse instituto que
implementará o decreto-lei em vigor e que vai ser regulamentado.
É certo que tem havido alguma delonga
na regulamentação desta matéria mas, - note-se - é
compreensível na medida em que decorre de uma ampla
discussão com os parceiros sociais.
Não se trata, como gentilmente disse o Sr. Deputado
José Vera Jardim num aparte, de ser majestático,
imperativo, ex cathedra, mas de uma atitude de humildade,
a de querer elaborar leis, de querer legiferar com
os parceiros, com os interessados que vão intervir e dar o
seu contributo, válido e necessário, para que as leis e os
regulamentos sejam efectivamente cumpridos no posto de
trabalho, na empresa. Assim todos ganhamos: o trabalhador,
porque evita riscos; a empresa, porque ganha na concorrência
e na competitividade. No fundo, ganhamos todos e
especialmente as famílias que não sofrem as
consequências dos factos referidos nas estatísticas.

Vozes do PS: - A culpa é do Governo!

0 Orador: - É caricato dizer que a culpa disto tudo é do Governo. 0 trabalhador cai e a culpa é do Governo!? 0 trabalhador corta-se e a culpa é do Governo!? 0 Governo tem costas largas, mas não tanto!

Vozes do PS: - 0 Governo tem que tomar medidas!

0 Orador: - As medidas serão tomadas, mas precedidas de um amplo debate com os parceiros sociais, com a sua aquiescência, com o seu consentimento. Só depois serão gizados, publicados e implementados os preceitos -. É isso que está a ser feito.
Creio que esta resposta serve também para o Sr. Deputado Ferreira Ramos, se bem que não queira deixar sem resposta a sua última questão, isto é, se deve ser considerado o salário à data da tentativa de conciliação ou à data do acidente.

A lei terá que definir essas questões. Como disse, esta matéria está a ser laborada e profundamente elaborada numa óptica tripartida. E do Conselho Económico e Social sairá essa regulamentação que, para ser cumprida, deverá ter o comprometimento de todos os destinatários da norma: das empresas, dos trabalhadores e dos serviços públicos que visam fiscalizar esta matéria. Daí o maior empenho, o maior interesse em que a óptica tripartida prevaleça pois só assim teremos a certeza de que todos estarão motivados e interessados no seu desempenho e no seu cumprimento.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do primeiro ponto da nossa ordem do dia faz parte uma carta que recebi de Sua Excelência o Sr. Presidente da República e que no essencial diz o seguinte: "Está prevista a minha deslocação a Marrocos, nos próximos dias 26 e 27 de Abril, a convite de Sua Majestade o Rei Hassan II, para ser investido como sócio da Real Academia. Também está prevista a minha deslocação a França, nos próximos dias 28 e 29 de Abril, a convite da associação Arimage para participar, em Paris, no Festival "Le Portugal e l'Europe".

Assim, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República."

Sobre este pedido de assentimento pronunciou-se a comissão respectiva nos termos do parecer e proposta de resolução que vão ser lidos pelo Sr. Secretário.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação é do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de Sua Excelência o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial a Mar-

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rocos e a França, entre os dias 26 a 27 e 28 a 29 do corrente mês de Abril, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução: "Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à deslocação de carácter oficial a Marrocos e França, entre os dias 26 a 27 e 28 a 29, respectivamente, no corrente mês de Abril.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP, de Os Verdes e do PSN.

Srs. Deputados, também recebi uma carta da Sr a Deputada Lourdes Hespanhol do seguinte teor: "Ao abrigo e nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 7/93, de 1 de Março, comunico a V. Ex.ª que, para todos os efeitos legais, renuncio ao mandato de Deputada com efeitos a partir de 13 de Abril de 1994."
Aproveito a ocasião para cumprimentar a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol pelo empenhamento que sempre revelou no exercício do seu mandato.
Entretanto, há um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que vai ser lido.

0 Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Lourdes Hespanhol (PCP) por José Jorge Munhoz Frade, com início em 13 de Abril corrente, inclusivé, e deste por António Murteira, por um período não inferior a 45 dias, com início naquele mesmo dia.

0 Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP, de Os Verdes e do PSN.

Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 91/VI - Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade).
Tem a palavra, para apresentar a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

0 Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nos termos regimentais e na qualidade de relator da proposta de lei em apreço, deixarei umas breves notas para salientar a importância desta temática, que é actual e que deve ser enquadrada como uma alteração a introduzir na lei anterior, datada de 1981 e que ao fim de 10/12 anos de exercício carece de aperfeiçoamentos, especialmente tendo em conta o facto de fazermos parte da Comunidade Europeia.
A Lei n.º 37/81, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, tem-se mostrado uma lei estável mas, do ponto de vista da proposta de lei, é importante introduzir determinadas alterações com vista a adaptá-la às transformações que vêm ocorrendo.
No entanto, é certo - e o relator respescou uma síntese do Professor Moura Ramos que permitia deixar perante a Câmara -, que "não seria aceitável que a definição do vínculo jurídico de nacionalidade fosse feita depender de alterações de situação meramente conjunturais. Mas isso não exclui que a emergência de dados novos e verdadeiramente significativos na evolução das comunidades não force a um repensar da sua própria essência e, por essa forma, à necessária alteração dos critérios jurídicos que as delimitam e balizam."
0 relatório, numa fase ulterior, dá conta das alterações propostas e salienta a alteração aos artigos 3.º e 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, e a questão, não despicienda, da inversão do ónus da prova dos factos susceptíveis de preencherem o fundamento da oposição, previsto no artigo 9.º, alínea a) da lei em causa, que passa a caber aos próprios interessados face a uma controvérsia jurisprudencial estabelecida a partir de decisões do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação de Lisboa que vão no sentido de tal ónus ser imposto ao Ministério Público.
Uma nota também para a eliminação das cartas de naturalização, sendo certo que a matéria da inscrição ou matrícula consulares, para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa, também mereceu a atenção do relator.
Estas e outras questões de igual importância poderão ser aprofundadas no debate na generalidade que vai decorrer. Porém, a intenção do relator foi não deixar passar em claro nenhum destes pontos e, de alguma forma, enquadrar esta matéria como algo de importante que a comunidade nacional e, em termos mais estritos, a comunidade jurídica devem ter em atenção.

0 Sr. Presidente: - Para proceder à apresentação da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a publicação da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade), o critério, até então dominante, do jus soli foi substituído por um critério mais condizente com países de profundas raízes históricas como Portugal, o do jus sanguinis. É, de facto, a nacionalidade dos pais que se encontra na base da atribuição originária da nacionalidade portuguesa prevista nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1.º daquela lei. E se é certo que, por razões de realismo político, aquele diploma faz algumas cedências ao critério do lugar do nascimento, não deixa, no entanto, de procurar garantir a ligação efectiva à comunidade nacional. Não tem outro sentido, aliás, a exigência de um tempo mínimo de residência em território português, bem como de ausência de serviço ao Estado estrangeiro ou de outra nacionalidade.
Não podendo deixar de considerar outros processos de aquisição da nacionalidade portuguesa diferentes dos da atribuição originária - desde o nascimento ou feita retrotrair a ele -, o legislador de 1981 erigiu como critério dominante de aferição dessa concessão exactamente a ligação efectiva à comunidade nacional. Vejam-se, a propósito, os fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, a"manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional" e o "exercício de funções públicas ou prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro", e os requisitos de naturalização, de "residirem há seis anos, pelo menos, em

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território português ou sob administração portuguesa" e "conhecerem suficientemente a língua portuguesa".
Ora, sendo claro que a lei portuguesa da nacionalidade é atravessada pelo critério do jus sanguinis, por um lado, e - quando respeita às cedências ao jus soli - pela exigência de ligação efectiva à comunidade nacional, por outro, foram-se detectando, durante a sua aplicação, dúvidas de interpretação de alguns dos seus dispositivos, geradas, as mais das vezes, por pretensões que, sendo legítimas, melhor deveriam procurar resposta no regime jurídico do direito de residência do que no da obtenção do vínculo jurídico-político entre um indivíduo e um Estado, enformados que são, na verdade, por filosofias que se não sobrepõem.
É o esclarecimento de tais dúvidas no sentido conforme à filosofia que fundamentou a actual lei da nacionalidade que o Governo intenta com a presente proposta de lei.
As questões em causa e as razões que ditaram as soluções ora propostas encontram-se exaustivamente descritas na exposição de motivos. Procuraremos, aqui, sintetizá-las. Comecemos pela do relevo atribuído ao critério do jus sanguinis.
0 valor da inscrição ou matrícula consulares para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa foi e continua sendo amplamente discutido no domínio da Lei n.º 2098, de 29 de Julho de 1959, e da actual Lei da Nacionalidade.
Na verdade, sabe-se que, ao seu abrigo, se têm albergado casos de legítimos portugueses de origem em paralelo com casos de pretensa nacionalidade portuguesa cuja inscrição ou matrícula consulares foi lograda a partir dos menores cuidados legais então exigíveis.
A revogação do artigo 15.º da Lei da Nacionalidade pretende colocar um ponto final na controvérsia.
Reconhece-se, contudo, que, a ficar-se por aí, a lei estaria agora a prejudicar os já referidos portugueses legítimos que não dispõem de outra forma de "comprovação" da nacionalidade portuguesa de origem que não a inscrição consular. Daí que se proponha a vigência de um regime transitório especial, particularmente destinado a reconhecer a nacionalidade de tais cidadãos, cuja regulamentação prevê mecanismos que se julgam e esperam aptos a separar os verdadeiros casos de nacionalidade portuguesa daqueles cujo título será aparente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A garantia da verificação do requisito da ligação efectiva à comunidade nacional - quer se trate de atribuição da nacionalidade por cedência ao critério do jus soli, quer se trate da sua aquisição - exigiu alterações de maior extensão.
0 processo de integração em que Portugal se encontra empenhado sofreu recentemente uma aceleração tendente a criar uma verdadeira União Europeia. Tal facto tem, naturalmente, atraído cidadãos dos mais diversos países do mundo que aqui vêm chegando ou têm procurado criar laços, motivados, quase em exclusivo, por - aliás, legítimos - interesses económico-sociais. Compreende-se, por isso, que pretendam permanecer em países, ou com eles manter os laços, que manifestamente lhes propiciem uma mais elevada segurança e uma melhoria do nível de vida. Um dos meios a que vêm recorrendo para o efeito, sem que, porém, disponham de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional, é o da aquisição da nacionalidade portuguesa.
Impunha-se, por isso, proceder a alterações à Lei da Nacionalidade vigente por forma a, sem prejudicar o acesso à nacionalidade portuguesa por parte daqueles que efectivamente se sintam ligados à comunidade nacional, procurar impedir que este processo seja utilizado com objectivos pura e exclusivamente utilitários.
Nesse sentido, introduz a proposta um obstáculo aos comummente chamados "casamentos fictícios", através dos quais um cidadão estrangeiro - quantas vezes sem conhecer o cidadão nacional, sem residir em território português e a troco de uma dada quantia - com ele contrai casamento para assim adquirir automaticamente, para si e seus filhos menores, e na total ausência de ligação à comunidade nacional, a nacionalidade portuguesa. Frequentemente, ao casamento assim contraído segue--se, logo que possível, o divórcio.
Para limitar radicalmente a margem para estes comportamentos, exige-se agora que o matrimónio perdure, no mínimo, por três anos para que possa produzir efeitos quanto à nacionalidade do cônjuge estrangeiro.
Complementando esta regra, e prevendo os casos em que, não obstante a exigência de uma duração mínima do matrimónio, se mantenha a ausência de ligação à comunidade nacional, inverte-se o ónus da prova quanto ao fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade consistente na inexistência daquela ligação. Quando, até hoje, cabia ao Ministério Público e às entidades legalmente obrigadas a denunciar os factos a este órgão provar "a manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional" por parte do indivíduo que declarava querer adquirir a nacionalidade portuguesa - o que, como bem se compreende, particularmente nos casos, frequentes, de cidadãos estrangeiros que, sem sair do respectivo país, contraíam casamentos com cidadãos nacionais, se tornava impossível - passa a exigir-se ao requerente da nacionalidade a prova de tal ligação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não obstante a concessão de a nacionalidade portuguesa consubstanciar um poder discricionário do Governo, e apesar de os já previstos requisitos de residência e de conhecimento da língua portuguesa se destinarem, precisamente, a avaliar tal ligação, exige-se, expressamente, por imperativos de coerência e de harmonização com as restantes alterações ora propostas, como requisito da aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, a ligação efectiva à comunidade nacional.
E por isso mesmo, o artigo 6.º, na alínea d) do seu n.º 1, cuja redacção agora se propõe, avança com um inciso em que se refere "têm de comprovar a existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional, aferida, nomeadamente, pelo cultivo de hábitos, usos e tradições de raiz nacional, pela comunhão de valores, designadamente culturais, com o cidadão nacional médio e participação no seu desenvolvimento ou pela sua identificação com aquele cidadão nas formas de vivência diária".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com este inciso pretende o Governo apenas que haja como que uma explicitação que o candidato à naturalização e à nacionalidade portuguesa tenha uma verdadeira cultura e hábitos de civilização semelhantes aos portugueses, porque efectivamente se julga que é essencial que haja um processo que, de alguma forma, leve a uma verdadeira assimilação dos valores que o português médio sente pelo seu país.
De qualquer forma, e utilizando-se como se utilizou o conceito de "cidadão nacional médio" tendo um pouco em linha o outro conceito do bonus pater familia do Código Civil, julga-se que, e em sede de especialidade, se os Srs. Deputados considerarem que os parâmetros

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que se pretenderam delinear não são os mais correctos a nível de explicitação e de expressão, é óbvio que o Governo está mais que aberto a que haja uma alteração a esta alínea d) do artigo 6.º porque o que quisemos foi marcar um parâmetro, que julgo estar inteligível e explícito na lei. Pode não estar, de facto, correcta ou inteligivelmente escrito, mas é óbvio que estamos abertos a que haja uma correcção a estes conceitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Fica-lhe bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na verdade, podendo ser figuradas situações em que indivíduos residam há longo tempo no nosso território e falem a língua portuguesa sem que se possa dizer que exista aquela ligação, mais ou menos imaterial, que confere o sentimento de pertença à comunidade portuguesa - porque, porventura, a sua vida profissional e extra-profissional é dispendida em empresa e na comunidade do país de origem, - pretende-se, por esta via, travar, desde logo, quaisquer pretensões - necessariamente utilitárias - de aquisição da nacionalidade portuguesa.
Com o mesmo objectivo, aliás - reforço dos requisitos indiciadores de ligação à comunidade nacional -, e à semelhança do que acontece já em alguns países europeus, eleva-se o número de anos de residência em território português - com especial benefício para os cidadãos dos países de língua oficial portuguesa, por se encontrarem obviamente mais próximos da comunidade portuguesa - exigidos como condição prévia da naturalização e, em consequência, como condição para que os respectivos filhos - se assim o declararem - adquiram a nacionalidade portuguesa de origem.
Uma nota final para abordar a questão da eliminação da carta de naturalização. A referida carta constitui, hoje, um mero símbolo da aquisição não retroactiva da nacionalidade por efeito de naturalização. A sua real importância tem vindo a ser progressivamente reduzida na exacta medida em que se assiste ao incremento do número de casos de aquisição da nacionalidade por outras vias - por filiação, casamento, declaração ou adopção - para as quais não se encontra prevista qualquer carta ou outro simbolismo. Parece, por isso, claro não se justificar mais aquele símbolo especial de naturalização.
Acresce que prever a existência da carta de naturalização entre o decreto que a concede e o registo que lhe condiciona os efeitos equivale a contribuir para a onerosidade, burocratização e menor celeridade dos procedimentos e actos administrativos, consequências que, como unanimemente se reconhece, devem ser evitadas. Daí a sua abolição, ora proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta, em suma, a problemática para cuja resolução o Governo entendeu apresentar uma proposta de lei a esta Assembleia que, a ser aprovada, reforça, como dissemos, as grandes linhas de força que já enformaram o diploma que, em boa hora, esta mesma Assembleia aprovou, clarividentemente, no longínquo ano de 1981.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado, os Srs. Deputados Raúl Castro, Mário Tomé, Narana Coissoró, José Vera Jardim e João Amaral.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

0 Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei visa alterar a Lei da Nacionalidade de 1981, não obstante se reconhecer na exposição de motivos que aquela tem vindo a revelar apreciável estabilidade comprovativa da virtualidade dos seus dispositivos. 0 que na realidade está em causa não é, digamos, a correcção da lei de 1981, mas sim a intenção de abrir aqui um segundo capítulo em relação ao controverso diploma que veio estabelecer normas de travagem à imigração no nosso país, de que V. Ex.ª se recorda certamente. Por isso, e visto que o tempo não permite alongar-me, queria apenas colocar uma questão a V. Ex.ª.
Tanto no artigo 9.º, alínea a), como no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), se fala na ligação efectiva à comunidade nacional, mas na exposição de motivos tem-se ocasião de sublinhar que essa ligação que confere o sentimento de pertença à comunidade portuguesa é mais ou menos imaterial. Ora, tratando-se reconhecidamente de um sentimento mais ou menos imaterial, como é que o Governo pode, no futuro, ajuizar da existência desta ligação?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Dispõe o Governo de algum aparelho especial, nomeadamente um "sentimentalógrafo", através do qual possa ajuizar da existência desta ligação?!
É esta a questão que deixo a V. Ex.ª.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Secretário de Estado, nesta questão o Governo, desde que encerre bem as fronteiras, está aberto a tudo!
É evidente que a nacionalidade é uma confluência de interesses materiais, pois cristalizam a outro nível: cultura, tradição, etc. Mas, de facto, a nacionalidade não pode desligar-se dos interesses materiais, como o próprio casamento não pode ser entendido apenas como um sacramento, tendo em conta os católicos, mas também como um contrato material.
Dado o pouco tempo de que disponho, desejo apenas dar um pequeno toque nesta questão. Mas não estou muito preocupado. Estou mais preocupado com aqueles que, por razão nenhuma, que não está cá, que não trabalham aqui, que não têm nada a ver com o nosso país, a não ser a tal imaterialidade que referiu o Sr. Deputado Raúl Castro, vão poder adquirir nacionalidade portuguesa. E também não estou nada preocupado com os jogadores de futebol. Nada, absolutamente nada!
A minha preocupação, entre outras, é em relação àqueles que serviram o Estado português através da administração colonial, que têm, por exemplo, direito à reforma, mas que não têm essa reforma porque não têm nacionalidade portuguesa, que para a adquirirem precisam de seis anos, só que para terem esses seis anos de residência aqui precisam de ter trabalho, mas para ter trabalho têm de ter idade para isso e se estão à espera da reforma não podem trabalhar.
Não sei se estarei a interpretar mal a lei, mas parece-me que esta situação corresponde a um círculo fechado que impede o usufruto de um direito, que é o

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direito à reforma desses cidadãos, que depois se vêem obrigados a optar pelo casamento de conveniência, sendo ainda atingidos pela legislação que visa os futebolistas, que vêm da Hungria, ou não sei de onde!
E, pois, esta a questão que gostaria que o Sr. Secretário de Estado explicitasse.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, entendemos que no juízo global esta lei não está má porque o critério da atribuição da nacionalidade foi sempre discricionário, embora esta discricionariedade fosse balizada por determinados critérios que fazem com que um indivíduo que pede para ser um cidadão português tenha o mínimo de condições para ser considerado português como quaisquer outros cidadãos daqui originários, aqui nascidos e que sempre aqui viveram. Simplesmente há neste articulado algumas expressões que, não sei... Tenho um certo receio em as designar de economicistas, porque tomou-se moda dizer que tudo o que Governo diz é economicista!
Sr. Secretário de Estado, pode dizer-me o que é, segundo estes critérios da nacionalidade, um "cidadão nacional médio"? 0 que é um cidadão nacional médio?

Risos do PS e do PCP.

Qual é o máximo, o mínimo, o leste e o poente, quais
as coordenadas de onde se tiram as referências para se poder dizer: "aquele Narana Coissoró fica acima do
cidadão nacional médio e aquela senhora ali, que veste
um sari, fica abaixo do cidadão nacional médio"?

Risos do PS e do PCP.

0 Sr. José Vera Jardim (PS):- Essa não é, por certo!
0 Orador: - 0 que é isso, que se prevê na alínea d)
do n.º 1 do artigo 6.º, de "o cidadão nacional médio"?

Risos.

Vai dizer! Não vai sair daqui sem dizer o que é
o "cidadão nacional médio"!

Risos.

0 segundo ponto que queria referir diz-me respeito a
mim particularmente. E que sou originário de uma comunidade que, não sendo um país de língua oficial portuguesa, durante cerca de 500 anos falou e ainda hoje
fala português e que é o antigo Estado da índia. Comunidade essa que até esta Lei da Nacionalidade o revogar teve sempre um tratamento especial. 15to é, aqueles goeses ou naturais do Estado da índia que nasceram portugueses e são originários de Portugal, os seus filhos e descendentes destes ainda hoje são considerados portugueses, desde o momento em que façam a prova
perante a Conservatória dos Registos Centrais de que
os seus ascendentes - uma prova real - são originários
do Estado da índia portuguesa.
Pergunto se a Lei da Nacionalidade, na sua nova redacção, manterá em vigor esse estatuto especial, ou esta particularidade será revogada porque lei posterior derroga a lei anterior e não prevê qualquer estatuto especial?
Além desta questão gostaríamos também de saber qual o tratamento reservado àquelas comunidades que estão entroncadas na cultura portuguesa como em Malaca, por exemplo, ou em Bassorá, ou noutras partes do mundo que não são países de expressão portuguesa.
Sr. Secretário de Estado, está o Governo na disposição de aos filhos ou descendentes destas comunidades, desde que façam a prova real através dos nossos consulados e cumprindo todas as exigências necessárias, lhes dar um tratamento igual aos descendentes de cidadãos de expressão oficial portuguesa?

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, estava eu a ouvir V. Ex.ª e a interrogar-me também sobre o perfil do "cidadão nacional médio". E, olhando para a bancada do Governo, cheguei à conclusão de que talvez um de V. Ex.ª pudesse ser o"cidadão nacional médio". Porventura não o Sr. Ministro - duvido que tenha perfil para ser "cidadão nacional médio" - mas talvez o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna - a altura é a do cidadão médio, naturalmente, a face também, mas faltam-me uma série de coisas... Não sei se V. Ex.ª gosta de bacalhau com batatas, de cozido à portuguesa ....

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): Gosto, gosto!

0 Orador: - ... se aprecia o fado, se é do Benfica ou do Sporting, o que me parece constituirem algumas das características fundamentais para o cidadão nacional médio! Mas V. Ex.ª terá ocasião de nos elucidar sobre esta estranha figura que aqui aparece.

Mas, Sr. Secretário de Estado, tudo isto seria para rir se não fosse demasiado sério. É que hoje, por toda a Europa, este problema da nacionalidade e da aquisição da nacionalidade está naturalmente na ordem do dia. E há duas teses que se defrontam. Uma, que lembra teses que ficaram tristemente assinaladas na história, como a do Volksgeist e outras parecidas, no sentido de exigir uma total aculturação, aquilo a que se chamava antigamente, nos tempos da "outra, senhora", os "assimilados".

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Na lei do indigenato aqueles que eram "assimilados" eram aqueles que tinham assimilado a cultura portuguesa.
Outra concepção completamente diferente, Sr. Secretário de Estado - talvez V. Ex.ª e o Governo estejam dispostos a analisá-la e a integrá-la, e então aí nós daremos naturalmente o nosso apoio -, é a de que a integração não se faz pela assimilação dos valores culturais, dos usos, dos hábitos, das tradições, etc., mas, sim, pela assimilação dos valores constitucionais do Estado de direito democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

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0 Orador: - 0 importante são valores constitucionais da Nação Portuguesa, valores da República Portuguesa. Esta lei, Sr. Secretário de Estado, se fosse apreciada e votada como tal era certamente uma lei anti-republicana, anti-constitucional.
Como é evidente, nós não podemos, de uma vezada, de uma pazada, afastar uma série de pessoas que têm os seus próprios hábitos e tradições. 0 Sr. Deputado Narana Coissoró já deu aqui um exemplo muito claro, mas muitos outros há, como, por exemplo, o das colónias ciganas que vivem no País e que têm a nacionalidade portuguesa, e muitas outras, tal como toda a gente que veio dos PALOP. 0 que é necessário e fundamental é que todos tenham aderido à comunidade política nacional e aos valores constitucionais.
Já tive aqui ocasião de dizer, Sr. Secretário de Estado, que nacionalismo tem de ser um nacionalismo ou um patriotismo constitucional. Ora, este para que a proposta de lei aponta não o é! Veja V. Ex.ª que em três linhas desta alínea d) do artigo 5.º três vezes se fala em "nacional". Começa a ser perigoso este vezo do Governo em atirar-nos para aqui com estes nacionalismos, que ou são serôdios ou então prenunciam nacionalismos mais agudos, com os quais, de modo nenhum, podemos estar de acordo.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a única coisa que seria de esperar da sua intervenção - e que seria relevante - não foi feita. É que descreveu a proposta de lei, mas descrita já ela estava no relatório, pelo que todos nós podíamos lê-la e perceber o seu alcance, talvez até de uma forma mais completa do que a que resulta da sua exposição.
Aquilo que se esperava que o Governo aqui viesse dizer era explicar por que é que, sendo a lei actual uma lei que o Governo considera boa, tem de alterá-la. Porquê? Há uma crise? A lei é toda ela restritiva, não só no que respeita à aquisição da nacionalidade originária como também no que tem a ver com a aquisição da nacionalidade por naturalização e por efeito de vontade. Portanto, tanto quanto ao casamento como quanto à adopção, é sempre restritiva!

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quanto ao casamento, isso não é verdade!

0 Orador: - E por que é que de repente se entendeu restringir o direito de ser português? Qual é a crise que existe?

0 Sr. Miguel Macedo (PSD): - 0 que o Sr. Deputado João Amaral disse não é verdade!

0 Orador: - Não me diga que está a referir-se aos casos dos futebolistas! É completamente ridículo fazer uma alteração deste alcance porque há meia dúzia de jogadores de futebol que se estão a casar por conveniência. 15so é imoralidade do mundo do futebol, que não se resolve com alterações desta natureza. Resolve-se, sim, atacando de frente a imoralidade do mundo do futebol.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Portanto, não é por essa razão! As razões são outras e têm muito mais a ver com a aquisição da nacionalidade originária pelos filhos dos imigrantes africanos em Portugal.
0 efeito directo da alteração do sistema de aquisição da nacionalidade originária pelos filhos dos imigrantes, o efeito de passar a ser agora obrigatório um título de residência válido é evidente porque a partir do momento em que é necessário esse documento pelo decurso de seis anos em relação aos filhos dos imigrantes das ex-colónias portuguesas - e esses seis anos de residência têm de ser anteriores ao nascimento - o efeito dessa exigência, que não existia anteriormente, é o de que há uma série de cidadãos que hoje podiam optar pela nacionalidade portuguesa e que anteriormente podiam ser considerados portugueses originários e que deixam de poder sê-lo.
0 Sr. Deputado quer saber o que é isso?. É exactamente o mesmo que os franceses fizeram aos emigrantes portugueses: alteraram a legislação para impedir que os filhos dos emigrantes portugueses pudessem ter naturalidade francesa se a desejassem. Por que é que isto foi feito? Há milhões de cidadãos que podem ser portugueses ou são umas centenas? 15to não é um exagero? Desta forma não há um mercado de espírito de xenofobia? Era esta a pergunta que queria colocar-lhe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto de Ministro da Justiça.

0 Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar gostaria de agradecer a todos as questões que me colocaram.
Começava por responder ao Sr. Deputado Raúl Castra, e julgo que a minha resposta servirá, de alguma forma, para responder a alguns outros Srs. Deputados que formularam questões, explicitando ou explicando melhor o conceito que V. Ex.ª aqui questionou.
Perguntou o Sr. Deputado como é que se comprova a existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional, se há algum aparelho milagroso que mostre ou não que há essa ligação efectiva - eu diria quase afectiva. É óbvio que não há aparelhos, mecanismos que comprovem essa existência ou essa ligação à comunidade nacional. 0 que há é um certo número de parâmetros, um certo número de indícios que podem, sim ou não, concluir que há ou não uma ligação à comunidade nacional.
Na redacção do artigo 6.º, alínea d), propusemos um conceito ou um conjunto de expressões ou a explicitação de uma realidade. Estou convencido de que, efectivamente, este conceito ou este conjunto de expressões pode ser diverso daquele que foi por nós empregue. De qualquer forma, direi aos Srs. Deputados que falar, por exemplo, de "cidadão nacional médio" não deve ser alvo para grandes tiradas irónicas. 0 Código Civil que ainda hoje vigora - e bem! -, tem uma expressão plasmada do princípio ao fim, que é a da bonus pater familia

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - 15so não tem nada a ver com o cidadão médio!

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0 Orador: - Não, Sr. Deputado! É um conceito que pretende aferir como é a contextura do cidadão médio, do homem médio...

0 Sr. João Amaral (PCP): - 0 senhor está aqui a introduzir uma grande confusão!

0 Orador: - Srs. Deputados, estamos perante uma lei da nacionalidade, pelo que, como é óbvio, tenho de falar em nacional.
Estamos perante um conceito que, de alguma forma, é um conceito genérico, indeterminado, e que é o intérprete da lei que depois o vai determinar. Chamei à colação o exemplo do bonus pater familia do Código Civil em relação a esse homem médio. Aqui utilizou-se também a expressão cidadão nacional médio.
Como disse na minha intervenção inicial, em sede de especialidade estamos obviamente abertos a que se explicite devidamente este conceito. Digo-lhe de antemão que sou bastante sensível à argumentação que utilizou aqui o Sr. Deputado José Vera Jardim quando disse que a referência a fazer deve ser uma referência constitucional. Por que não? Muito bem! Concorda-se!
Portanto, julgo que se pode partir deste conceito de"cidadão nacional médio", plasmado na Constituição Portuguesa, como um instrumento jurídico onde estão consubstanciados os ideais a prosseguir, do estar em sociedade, do relacionamento, dos valores ideais, dos valores imateriais, etc. Em sede de especialidade admite-se, pois, perfeitamente, que haja uma adequação desta linguagem aos parâmetros constitucionais portugueses. Por aí creio que escusamos de tomar"a nuvem por Juno", porque parece que em relação a esta questão estamos de acordo, não havendo aqui, de forma nenhuma, qualquer sentido oculto ou obseuro ou menos transparente por parte do legislador.
0 Sr. Deputado Mário Tomé questiona-me relativamente ao problema dos cidadãos nacionais de países de expressão portuguesa, nomeadamente os de África, e pergunta-me se não há aqui um entrave, um grande desfavor, uma grande alteração à sua situação relativamente ao status quo actual. Eu respondo-lhe que não, porque precisamente em relação aos países de expressão portuguesa houve o cuidado de não haver qualquer aumento do prazo necessário para ser requerida a nacionalidade. Portanto, actualmente são necessários seis anos para que um cidadão proveniente de Angola, da Guiné, de Moçambique, de S. Tomé e Príncipe...

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Posso interrompê-lo, Sr. Secretário de Estado?

0 Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - A minha pergunta não foi essa, Sr. Secretário de Estado!
0 que perguntei foi se, mesmo em relação à situação actual, os cidadãos dos PALOP que serviram o Estado português e que têm direito à reforma mas que não a recebem porque não têm nacionalidade, na medida em que para serem nacionais tem de ter autorização de residência durante seis anos, para terem autorização de residência precisam de poder trabalhar, para poderem trabalhar têm de ter idade para isso, etc. ... Como são homens já na reforma não podem trabalhar. Como é que é? Parece-me que há aqui um anel apertado em torno da efectivação deste direito.
0 Orador: - Sr. Deputado, relativamente a isso, V. Ex.ª sugere a existência de uma norma especial e essa norma especial - a alteração que estamos a fazer à Lei da Nacionalidade - existe. Portanto, todos esses cidadãos têm um prazo substancialmente menor do que o cidadão estrangeiro que não seja proveniente dos países de expressão portuguesa. Não há nenhum país do mundo que dê a sua nacionalidade a um recém-chegado. Têm de haver critérios, requisitos!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - A questão não é essa. Tem a ver com a pensão.

0 Orador: - Mas é óbvio que, atrás da pensão, está a nacionalidade. Portanto, se esse cidadão optou, aquando da independência, pela nacionalidade do país de origem, pela cidadania angolana, moçambicana, guineense ou cabo-verdiana, sofre os ónus, as consequências naturais dessa opção. Se, entretanto, esse cidadão quer mudar novamente de cidadania, evidentemente que terá de preencher e cumprir os requisitos legais, e estes são bem mais favoráveis ao cidadão das ex-colónias portuguesas do que relativamente a qualquer outro cidadão estrangeiro.
Do que o Sr. Deputado não se pode esquecer é que ele, na altura própria, optou pela cidadania estrangeira e não pela cidadania nacional, podendo tê-lo feito.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Então não tem direito à pensão.

0 Orador: - Tem, se for cidadão português. E, para ser cidadão português, é necessário preencher os requisitos.
Passando agora às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, penso que, de alguma forma, terei respondido à questão de saber o que é o cidadão nacional médio e mostrado toda a abertura para que os Srs. Deputados, em sede de especialidade, introduzam na alínea d) do artigo 6.º as alterações que a Câmara vier a entender serem as mais vantajosas para interpretar devidamente a lei.
Relativamente ao problema das comunidades goesas que o Sr. Deputado teve também a bondade de formular na pergunta que me colocou, a única coisa que lhe refiro é que, aqui, não há alteração, de imediato, mas não seria sério se não lhe dissesse que não haveria nenhuma alteração. Há, efectivamente, uma alteração: revogámos o artigo 15.º da Lei da Nacionalidade. E esse artigo vem dizer que os registos consulares não fazem prova plena de nacionalidade, mas para precaver situações em que se possam, hoje e nos tempos mais próximos, antes de chegar ao conhecimento do destinatário esta alteração, dá-se um período transitório para que estes cidadãos que estejam em Goa ou noutros territórios estrangeiros possam requerer, junto dos registos consulares, a sua cidadania portuguesa. Portanto, como disse, num prazo de dois anos, como disposição transitória, é possível virem a requerer, como hoje requerem, a cidadania portuguesa. Nesse aspecto, transitoriamente, não há alteração, se bem que, a nível de futuro, haverá essa tal alteração, consequência da revogação do artigo 15.º- depois, explicarei a razão desta revogação.
Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado José Vera Jardim, penso já ter respondido, porque a pergunta que equacionou foi, exactamente, a de saber

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o porquê da designação de "cidadão nacional médio", tendo considerado que o que devia estar em causa seriam os valores constitucionais plasmados na Constituição Portuguesa como valores imanentes da Nação Portuguesa, etc., etc. É óbvio que sim e parece-me que, efectivamente, este é o espírito da lei - e aproveito para responder à última pergunta do Sr. Deputado João Amaral - e não temos aqui nada escondido, nada obseuro. Consideramos que ser-se português e não é um chavão, é um bem imaterial, precioso, que não pode ser algo de trato de comércio ou de tratos menos transparentes e mais obseuros. É em nome desse valor, que para nós é precioso, ou seja, ser-se português, que alteramos a lei.
0 Sr. Deputado João Amaral perguntou por que é que alteramos a lei e quero dizer-lhe que a alteramos, basicamente pela seguinte razão: foram suscitados três ou quatro pontos em que havia alguma polémica - alguma polémica no bom sentido - a nível de discussão jurídica, entre a Procuradoria-Geral da República e a Conservatória dos Registos Centrais, que, como sabem, são as aplicadoras da Lei da Nacionalidade. Por isso mesmo, para dirimir essas polémicas relativamente ao registo consular, ao ónus da prova, etc., resolvemos alterar a lei. 0 Sr. Deputado pode dizer-me que alterámos o prazo, mas, na verdade, isso aconteceu na sequência de um trabalho prévio, digamos, de indagação técnico-jurídica.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Já vou explicar-lhe por que é que alteraram a lei!

0 Orador:- Julgo, pois, que está explicada a razão de ser da alteração da lei, mas convém referir algo que me parece o mais importante: ser-se português é um valor imaterial e precioso, é um valor que deve estar completamente afastado do trato do comércio e, por isso mesmo, entendo que lhe deve ser dada dignidade quando se concede a nacionalidade portuguesa a qualquer outro cidadão do mundo.

(0 Orador reviu.)

Aplausos do Deputado do PSD António Bacelar.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

0 Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As matérias relativas à nacionalidade ou cidadania são, como sabemos, da exclusiva competência da Assembleia da República. É, portanto, a este órgão que compete legislar sobre a aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa, como decorre expressamente da alínea f)
do artigo 167.º da Constituição da República.
No texto constitucional, a cidadania portuguesa vem referenciada em sentido genérico, sem que da sua definição resulte qualquer compromisso, acolhimento de critério ou vínculo jurídico específico, antes, e segundo a sua letra, se remete para a lei ou convenção internacional a formulação do conceito de cidadania e dos seus requisitos. É assim que o artigo 4.º da Constituição determina que "São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional".
No nosso ordenamento jurídico posterior à revolução de Abril, teve já a Assembleia da República a oportunidade de debater e aprovar um diploma legal que veio a denominar-se Lei da Nacionalidade - Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro -, em cujo texto o Governo pretende ver introduzidas as alterações que apresenta na proposta de lei ora em discussão.
A apreciação da proposta do Governo que este Plenário é hoje chamado a fazer é, obviamente, uma apreciação em sede de generalidade. Este facto, não preclude ou obsta a que não possamos ou devamos deter-nos sobre alguns aspectos específicos e, porventura, mais relevantes das alterações sugeridas.
Comece, no entanto, por referir-se - no intuito de balizar convenientemente o sentido e alcance da nossa posição neste debate - que não nos parece o momento, dado o âmbito limitado e circunstancial das propostas do Governo, para retomar a discussão de fundo sobre que assentou a apreciação da Lei da Nacionalidade, em 1981.
A extensão relativa das modificações propostas não é, em nosso entender, de molde a justificar, neste debate, um retorno à discussão e definição de princípios ou critérios de base aprovados nesta Câmara, naquela altura e com o voto quase unanimemente favorável.
15to não significa, bem pelo contrário, que a evolução do país, e da comunidade que somos não possa convidar, 13 anos depois da aprovação dessa lei, a repensar a sua filosofia global e a essência dos seus conceitos e critérios.
A dinâmica da sociedade e a emergência de novos problemas a respeito de questões de nacionalidade e cidadania têm, aliás, provocado, nos últimos tempos, alguma controvérsia pública, de que devem naturalmente retirar-se as devidas conclusões, seja na postura da Administração Pública perante esses problemas, seja mesmo no seu próprio enquadramento legal.
A questão da nacionalidade é sempre dominada pela tensão, que, simplificadamente, chamaremos concorrencial, entre os dois critérios básicos emergentes dos chamados jus sanguinis e jus soli.
É manifesto que a lei de 1981 acolheu um critério de prevalência do jus sanguinis, como critério de atribuição da cidadania portuguesa, não sem que, igualmente, tenha consagrado, como o fez, a consideração do princípio do jus soli como via adequada à atribuição de tal direito.
Coube, aliás, ao Partido Socialista, no debate que então ocorreu, a apresentação e defesa da consagração legal deste segundo critério, numa manifesta intenção de garantir uma base equilibrada não só na definição conceptual dos vínculos jurídicos para atribuição da nacionalidade como na determinação objectiva das condições da sua concessão.
Uma concepção forte, segura, mas também generosa da nacionalidade não pode deixar de ponderar os referidos critérios de atribuição, seja o direito de sangue, seja o direito de solo, porquanto em ambos se reflecte uma efectiva ligação do cidadão à comunidade, no nosso caso um evidente laço de pertença do cidadão ao Portugal que somos.
Estabelecer ou admitir uma hierarquia significa, à evidência, abrir espaço à discriminação. De um lado, o direito de sangue como via legítima ou real, do outro o direito de solo como via excepcional ou, direi mesmo, à partida, suspeita.
Não é esta a concepção do PS quanto a esta matéria e não foi também na consideração desta filosofia que nos associámos à maioria desta Câmara, em 1981, quando votámos favoravelmente a Lei da Nacionalidade, hoje em vigor.

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É certo que, nessa lei e na definição do conceito de abrangência de nacionalidade originária ou adquirida, se estabeleceram condições para a sua atribuição quando se trate, por exemplo, de cidadãos filhos de estrangeiros ou mesmo de cidadãos estrangeiros.
Admitia-se ontem, como se aceita hoje, que o vínculo jurídico-político que liga o cidadão ao respectivo Estado, por via da nacionalidade ou da cidadania, assenta na tradução legal de uma real ligação e pertença do cidadão à comunidade e não, ou nunca, em meros aproveitamentos utilitários, geralmente derivados de razões económicas ou sociais. Daí que se tenha aceite, como admissível, o preenchimento de requisitos básicos, entre os quais o de residência há mais de seis anos em território português, o conhecimento suficiente da língua, a idoneidade civil e moral, etc.
A estes requisitos condicionantes e necessários para o acesso à nacionalidade, quis-se acrescentar - e acrescentou-se, como consta do texto da actual lei - a obrigação de declaração de vontade ou de requerimento expresso do cidadão interessado na atribuição ou aquisição da nacionalidade.
Entendidas foram, pelo PS - ontem como hoje -, tais exigências legais, como uma forma prudente de regular o processo de definição da nacionalidade e nunca como um meio de hierarquizar ou burocratizar legitimidades diversas, transformando-as em poder discricionário do Governo, subvertendo assim as expectativas naturais dos cidadãos.
Ora, é a alterações, no sentido de restrições ou exigências, que se refere a proposta de lei em discussão e que o Governo submeteu, hoje, à nossa apreciação.
Avulta nesta proposta, do preâmbulo ao texto normativo, a intenção de limitar ou dificultar os chamados casamentos por conveniência ou casamentos fictícios, que, em algumas áreas da nossa sociedade, nomeadamente no desporto, têm sido utilizados, com alguma publicidade e até escândalo.
Na verdade, não pode deixar de causar indignação que a nacionalidade portuguesa, valor que sempre queremos preservar, venha sendo "comprada" por via de casamentos que, sendo de direito, o não são de facto, e assim usada, como se de uma mercadoria ou valor de troca se trate.
A exigência de uma duração mínima de tempo de casamento, para aquisição da nacionalidade, afigura-se-nos como um meio provavelmente eficaz para combater o "comércio casamenteiro", medida que, aliás, tem já acolhimento noutros ordenamentos jurídico-políticos que não o português.
Esta será - e estamos, porventura, certos disso - a alteração mais vistosa daquelas que o Governo hoje nos propõe, sendo, como é, fonte de abundante notícia política e até de provável generalizado consenso. Mas sucede que outras, menos vistosas e bem menos virtuosas, se propõem também neste diploma.
Afirma o Governo, na sua proposta de lei, que, por imperativos de coerência e harmonização com as restantes alterações, dever-se-á exigir, como requisito de aquisição da nacionalidade portuguesa, uma "ligação efectiva à comunidade nacional". E descreve, no texto normativo proposto, como aferição dessa exigida ligação afectiva, o cultivo de hábitos, usos e tradições de raiz nacional, a comunhão de valores culturais com o cidadão nacional médio e a identificação com esse cidadão nas formas de vivência diária.
Registe-se ainda que, até hoje e na pendência da actual Lei da Nacionalidade, era ao Ministério Público que incumbia, sob participação de autoridade, a dedução de oposição à aquisição de nacionalidade contra o cidadão que a pretendia adquirir, sendo entre outros fundamentos possíveis, a manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional.
Com a alteração que nos vem propor, pretende o Governo - e refere-o na proposta de lei - inverter o ónus da prova quanto ao fundamento da oposição à aquisição da nacionalidade.
A partir daqui, e a ser mantida e aprovada esta proposta de lei, a concessão de nacionalidade não se basta na prova, a fazer pelo requerente, de que é cidadão maior e emancipado, de que reside há mais de 6 anos no país, de que conhece a língua portuguesa, de que tem idoneidade moral e cívica e ainda meios de subsistência. A partir de agora - seja aprovada esta proposta -, o cidadão terá de fazer, ele próprio, pessoalmente, quando requerer a nacionalidade, a prova de que cultiva hábitos, usos e tradições de raiz nacional, direi, por aparte, que canta fado, gosta de cozido à portuguesa, sabe dançar o vira e outras características próprias de quem cultiva hábitos, usos e tradições de raiz nacional.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Se não for preciso votar no PSD...

0 Orador: - Tudo isto para fazer a prova daquilo que se chama ligação efectiva à comunidade.
Já agora, pode perguntar-se: como se prova tal requisito, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados?
Bom seria que o Governo, na apresentação desta proposta, cuidasse da explicitação clara desta exigência. Creio ser, de todo, razoável que isso se faça, a menos que se pretenda, muito simplesmente, exigir o que se entende ser impossível de provar para, assim, facilitar ou preparar o despacho negativo de concessão de nacionalidade.
A declaração aqui feita, há pouco, pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, abriu alguma porta. Esperemos que valha a pena.
Será que nascer e crescer em solo português não é, desde logo, ligação efectiva? Estudar nas nossas escolas, criar laços de amizade e convivência, falar português como os demais, trabalhar e constituir família em Portugal, não será, de facto, ter ligação efectiva à comunidade nacional? É que é bem sensível a fronteira entre a exigência legítima e a discriminação.
Para quem nasceu no país, vive nele há vários anos, frequenta as suas escolas ou nele trabalha, exigir uma declaração de vontade pessoal para aquisição da nacionalidade, convenhamos, é já um requisito que a lei em vigor prescreve e obriga. Acrescer a tal exigência e aos requisitos que essa obrigação comporta actualmente aquilo que o Governo pretende ver aprovado nesta proposta de lei, não nos parece, sinceramente, a melhor forma de acolher legítimas expectativas dos cidadãos que querem ser portugueses, mas, isso sim e porventura, consagrar formas óbvias e inultrapassáveis de recusar tais pretensões, mesmo quando sejam manifestamente justificadas.
0 mesmo se diga quanto à alteração pretendida com a explicitação de que residir em território português significará, para efeitos de processo de atribuição de nacionalidade, ser portador de título válido de autorização

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de residência. Ou seja, não bastará ao cidadão que prove, pelos vários meios legais ao seu alcance, que tem residência em Portugal há mais de 6 ou 10 anos, conforme se trate de cidadão de países de língua oficial portuguesa ou de qualquer outro país.
Sabe-se - e V. Ex.ªs, Srs. Membros do Governo, melhor do que nós próprios - quanto tempo medeia, habitualmente, entre o estabelecimento de residência efectiva em Portugal e a obtenção de título válido de residência para a maior parte dos cidadãos nessas circunstâncias.
Sendo assim, e é-o, o prazo que a lei estabelece, de 6 e de 10 anos, e que o Governo não se propõe alterar, passa a ser acrescentado, seguramente, de um ou mais anos, mesmo que aqueles tenham sido vividos em "ligação efectiva à comunidade".
São, porventura, contradições ou ironias nada ingénuas ou ocasionais de algumas das alterações apresentadas e apreciadas neste debate genérico.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quisemos deixar expressas algumas preocupações do PS quanto a esta proposta de lei e às alterações que o Governo pretende introduzir na actual Lei da Nacionalidade, as quais apreciaremos, com particular exigência, em sede de especialidade.
Esperamos que, das conclusões do debate hoje iniciado, possa resultar uma proposta final que não subverta, como acontece em alguns casos aqui referidos, os princípios de respeito, boa fé e justiça que uma lei da nacionalidade nunca poderá ignorar ou violar, assegurando a identidade nacional e uma concepção forte, segura e generosa do sentido da nacionalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estas alterações são, provavelmente, alterações a mais, em quantidade e qualidade, para quem entende, como o Governo refere no seu preâmbulo, e vou citar, que "A lei portuguesa da nacionalidade, de 1981, tem vindo a revelar apreciável estabilidade, comprovativa das virtualidades dos seus dispositivos para se adaptarem às novas situações decorrentes das rápidas transformações económico-sociais a que se tem assistido na última década". Ou seja, esta lei está boa, tem vindo a ser adequada, mas introduzem-se-lhe todas as alterações de que falámos.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

0 Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Laurentino Dias, confesso, uma vez mais, que é sempre com imenso gosto que ouço as suas intervenções e as suas opiniões, mesmo quando essas opiniões não passam - como é, infelizmente, o caso de hoje - de um mero exercício de despique quanto à carga irónica que conseguiu introduzir no seu discurso e que provavelmente pretende que comparemos com a intervenção anterior, do Sr. Deputado José Vera Jardim, mas, sobretudo, quando é certo que o seu discurso, em grande medida, perderia algum sentido, se, porventura, V. Ex.ª, hoje de manhã, nos pudesse ter acompanhado na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que se debruçou sobre esta matéria.
No que se refere a estas questões, fica-me sempre uma enorme dúvida em relação ao Partido Socialista: os senhores estão ou não dispostos a discutir esta matéria com seriedade? Se estão dispostos a isso, o que lhes pergunto é se, durante a discussão, vão fixar-se em duas ou três questões relativamente às quais já dissemos, em sede de Comissão, que não havia qualquer problema em ultrapassá-las ou se vão centrar-se naquilo que é verdadeiramente essencial para a Lei da Nacionalidade.
Pela nossa parte, temos uma proposta na Mesa; admitimos, hoje, com abertura, na discussão em sede de Comissão, que essa proposta pode e deve merecer, em alguns casos, alterações que a melhorem substancialmente e, portanto, não temos uma posição fechada em relação a esta matéria, mas queremos avançar, queremos fazer o que é necessário e, politicamente, queremos dizer aquilo que entendemos em relação a esta matéria- que isso fique muito claro!
Finalmente, Sr. Deputado Laurentino Dias, os senhores fizeram uma panteonímia em relação à alínea d) do artigo 6.º da proposta de lei n.º 91/VI, pelo que gostava de perguntar a V. Ex.ª, se quer alguma coisa mais indeterminada do que aquela que mereceu o vosso voto favorável na lei de 1982, ou seja, a tal idoneidade cívica e moral que era exigida a quem queria ser nacional português. E que aquilo que os senhores devem responder hoje, politicamente, tem de ter consequência e, naturalmente, ligação com aquilo que defenderam em 1982 relativamente à lei que está em vigor.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Foi o Deputado Almeida Santos que redigiu isso.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

0 Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, o que estamos aqui a fazer é a discutir uma proposta de lei do Governo. Não estamos a discutir a acta da reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e muito menos qualquer eventual mudança de posição ou opinião do Governo em relação àquilo que escreveu, porque esta manhã alguém, na reunião da Comissão, já começou a chamar à atenção para estas questões.
0 que estamos aqui a discutir é aquilo que o Governo quis verter numa proposta de lei. E isto, desde logo, para que no final desta e das futuras discussões que possamos ter sobre esta matéria, em sede de especialidade, possamos chamar a atenção do Governo, de manhã, à tarde e em próximas situações, para algumas alterações que me parecem ser aqui trazidas - e perdoe-me o Governo se me engano ou se vou longe demais na afirmação que faço - tendo como biombo a questão muito mediática dos casamentos no caso dos futebolistas, etc.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Só para inglês ver!

0 Orador: - A questão dos casamentos nas várias actividades desportivas acaba por, nesta proposta de lei, provavelmente, servir de biombo a algumas coisas de que, felizmente, já tivemos aqui oportunidade de falar, como, aliás, hoje de manhã, na reunião da comissão. Felizmente, também fica claro e público que o Governo estará, eventualmente, na disposição de ponderar essas situações e de, amanhã, encontrarmos uma redacção que seja mais feliz, ou, porventura, em relação

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a alguma das coisas, nenhuma redacção, ficando a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, tal como está, pois foi elogiada pelo próprio Governo como muito adequada, o que, aliás, citei no final da minha intervenção.
Dispenso-me de continuar a referir alguns considerandos que já deduzi na minha intervenção, por escassez de tempo e porque não quero continuar a fazer ironia a propósito de coisas sérias. Refiro, porém, que é evidente que a prova de tudo o que disse a propósito da cultura, da língua, dos hábitos, dos usos e tradições só se faz testemunhalmente. E quando digo que para provar o cultivo de hábitos, usos e tradições se terá de cantar o fado, quero dizer que se terá de entregar prova testemunhal disso, assim como de gostar de cozido à portuguesa, etc.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - 15so não vai a tribunal!

0 Orador: - Acontece, Sr. Deputado, que não podemos pedir, por exemplo, a um português transmontano que goste de carne de porco à alentejana. E vamos, agora, porventura, exigir aos cidadãos estrangeiros, com residência em Portugal e com requisitos para serem portugueses, muito mais do que isso?...
Sr. Deputado, penso que quer a discussão havida hoje de manhã e a que fez referência quer este debate poderão ser um ponto de partida útil e interessante para todos os cidadãos, no sentido de não permitir que estas redacções passem, porque, de facto, são negativas para a situação de muitos cidadãos residentes em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

0 Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, ao revogar o regime que constava da Lei n.º 2098, de 29 de Julho de 1959, traduziu-se numa profunda reforma do direito português da nacionalidade.
Tal modificação legislativa - que, ao tempo se revelou consensual, face ao amplo apoio parlamentar que esteve na sua base - foi operada por força da não adequação entre a Lei n.º 2098 e os novos princípios constitucionais e, por outro lado, pela ocorrência na nossa sociedade de um grande movimento de emigração a partir dos anos 60 e, ulteriormente, da descolonização.
Entretanto, 12 anos passados sobre a vigência da Lei n.º 37/81 - normativo que se tem mostrado estável e até flexível -, a Câmara debate hoje uma proposta de lei, apresentada pelo Governo, que se dirige à introdução de determinadas alterações na nossa Lei da Nacionalidade.
Antes de mais, cumpre-nos reafirmar que a "aquisição, perda e reaquisição" da nacionalidade portuguesa constitui matéria da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea f) do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, afigura-se-nos normal o acto de revisão de uma lei ao fim de mais de uma década, já que, como escreve Moura Ramos, o vínculo jurídico de nacionalidade não deve "depender de alterações de situação meramente conjunturais. Mas isso não exclui que a emergência de dados novos e verdadeiramente significativos na evolução das comunidades não force a um repensar da sua própria essência e, por essa forma, à necessária alteração dos critérios jurídicos que as delimitam e balizam".
Neste sentido, há que reflectir sobre a recente aceleração do processo de integração europeia, a caminho da União Europeia, processo em que o nosso país é parte, aliás, empenhada.
De facto, tal situação vem atraindo cidadãos de países terceiros, que demandam a Comunidade, com a finalidade de obterem maiores níveis de vida e de segurança, o que passa, no nosso caso, pelo recurso à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Só que, conforme se alcança da exposição de motivos da proposta do Executivo, "não é, manifestamente, legítimo procurar adquirir aquele vínculo com objectivos meramente utilitários, como sejam, por exemplo, os de garantir o exercício da profissão em Portugal ou a aquisição do passaporte português. Acresce que, frequentemente, tais processos têm na sua base, se não verdadeiras ilegalidades, pelo menos manifestos desvios ao espírito da lei".
Do nosso ponto de vista, uma discussão séria da matéria em apreço deve partir do pressuposto de que o direito da nacionalidade, enquanto ramo autónomo do direito público, tem por objectivo a definição dos critérios que sirvam de base para a consideração de que, entre um determinado indivíduo e um Estado, existe uma ligação efectiva, real ou suficientemente forte para que torne legítima a sua inserção na comunidade nacional correspondente àquele Estado.
Dito isto, entrando agora na apreciação de algumas das propostas constantes da iniciativa do Governo, são de salientar as alterações aos artigos 3.º e 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, isto face à jurisprudência que veio a estabelecer-se, quer no Supremo Tribunal de Justiça quer na Relação de Lisboa, no sentido de conferir ao Ministério Público o ónus da prova dos factos susceptíveis de integrarem o fundamento de oposição previsto na alínea a) do artigo 9.º da lei em questão, a já referida "manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional".
Aliás, falou-se muito aqui, hoje, dos tais critérios que constam da alínea d) do artigo 9.º da proposta e não se falou, por exemplo, da inversão do ónus da prova, questão que, do nosso ponto de vista, é fundamental.
Gostaríamos de deixar clara a redacção proposta para a alínea d) do artigo 9.º e já resultou do debate preliminar em sede de comissão, aquando da elaboração do relatório, que estamos dispostos a encontrar uma redacção que, no fundo, o debate de hoje já permitiu sintetizar no primeiro segmento da norma proposta.
Aliás, isso tem paralelo no que consta já da redacção, salvo erro, da alínea a) do artigo 9.º da lei actualmente em vigor e, portanto, não há que "engordar" um debate que, no fundo, já está reduzido às suas fronteiras próprias.
0 nosso grupo parlamentar deixa aqui bem clara a sua posição de princípio, mas o importante é discutir outras questões. E, nesse sentido, retomaríamos a questão da inversão do ónus da prova, que passa a competir aos próprios interessados, no que toca ao afastamento do mencionado fundamento da oposição previsto na alínea a) do artigo 9.º.
Por outro lado, a proposta de lei aponta para a elevação do número de anos de residência em território

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português enquanto condição prévia da naturalização, que, como tal, se exige como condição para os filhos respectivos, se o quiserem e declararem, adquirirem a nacionalidade portuguesa de origem. Ou seja, aonde a lei em vigor prescreve "6 anos", estabelecer-se-á para futuro "6 ou 10 anos", conforme se trate de cidadãos de países de língua portuguesa ou de outros países, o que denota um tratamento favorável para aqueles, no que o legislador terá tido em conta a sua maior proximidade cultural relativamente ao nosso país.
Em relação à chamada "carta de naturalização", a proposta do Governo pretende a sua eliminação. É que, com o crescimento dos casos de aquisição da nacionalidade por via de filiação, casamento, adopção e declaração - que dispensam qualquer carta -, a referida "carta de naturalização" constitui hoje um mero símbolo de aquisição da nacionalidade.
Finalmente, uma palavra para a questão do valor da inscrição ou matrícula consulares para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa. Para colocar um ponto final em tal controvérsia - aliás, já existente ao tempo em que vigorava a Lei n.º 2098 - aponta-se, para além da revogação do artigo 15.º da Lei n.º 37/81, em vigor, para um regime transitório especial, durante um período de dois anos, no sentido de salvaguardar a situação jurídica daqueles que só através da inscrição consular poderão comprovar a sua nacionalidade portuguesa de origem.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os comandos do direito da nacionalidade não podem ser pensados em abstracto, têm de procurar uma permanente conformação com a realidade social a que se dirigem. Mais, nesta específica área do direito público, o legislador sempre terá de traduzir uma situação de facto, sem deixar de obedecer a critérios valorativos, como é óbvio, e é a esta luz que a Câmara deve reter a presente proposta de lei.
0 Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata declara aqui que a acompanha e que lhe dará o seu voto positivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui foi citado, várias vezes, o que consta do preâmbulo, da nota justificativa da proposta de lei, quando se afirma que a actual lei tem apreciável estabilidade e virtualidades, no seus dispositivos, para se adaptar às novas situações decorrentes das rápidas transformações económico-sociais a que se tem assistido na última década.
Diga-se de passagem que é um raro elogio concedido a uma lei que tem 13 anos. E raro ouvir um elogio destes!

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É uma lei da AD, muito boa!

0 Orador: - E o que se esperava, então, o que seria lógico da parte do Governo era dizer: se a lei é boa, assim deve ficar. Mas o Governo não está aqui, propriamente, para respeitar a lógica e, com uma vaga evocação do processo de integração europeia, sem nenhuns dados novos, como o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa assinalou - existem dados novos nas palavras mas no conteúdo não -, propõe-se introduzir uma série de alterações.
Todas estas alterações são no mesmo sentido, todas elas visam restringir a possibilidade de ter a nacionalidade portuguesa originária, de a adquirir por via da naturalização ou por efeito da vontade nos casos de casamento e adopção.
Claro que há aqui umas alterações que dão mais nas vistas, como sejam as que se referem aos casamentos, por causa do famoso caso do futebol. Trata-se de meia dúzia de casos, de meia dúzia de portugueses fabricados à pressa para poderem satisfazer interesses do futebol. Creio que no seu mundo há muitas imoralidades e ainda há pouco assistimos a uma grande polémica em tomo disso.
Porem, é preciso resolver todas as irregularidades, em conjunto e, provavelmente, também estas, mas o fundamento do conjunto de alterações que aqui estão propostas e o seu alcance vai muito para além disso, como vou provar.
Aliás, a discussão em torno do futebol, se fosse esse o terreno em que ela se travasse, acabaria por obscurecer as duas principais alterações que aqui são feitas, referindo-se a primeira às restrições à possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa originária pelos filhos estrangeiros nascidos e residentes em Portugal.
Essas restrições são, fundamentalmente, três, em relação ao normativo actual. Em primeiro lugar, o período de residência alargado para 10 anos, excepto para estrangeiros que sejam nacionais de países de língua oficial portuguesa, em que permanece os 6 anos da actual lei.
Em segundo lugar, o período de residência que é necessário (de 6 anos) tem de ser de residência "com título válido". Esta é uma grande novidade no território nacional, porque, como o Sr. Secretário de Estado disse e está a assinalar, acenando com a cabeça o seu assentimento, há muitos emigrantes que trabalharam em Portugal, ajudaram a construir muitas das estradas de que VV. Ex.ªs se orgulham tanto e que, no entanto, só tiveram a sua situação regularizada no ano passado.
Em terceiro lugar- e não é uma alteração menor -, o período de residência, para ter esse efeito, tem de passar a ser anterior à data do nascimento da criança.
Ora, estas três alterações têm um marcado efeito no mundo dos estrangeiros que aqui trabalham e dos seus filhos que nasceram em Portugal, e é esse efeito que, fundamentalmente, VV. Ex.ªs procuram.
Creio que esse efeito não se repercute em muita gente, talvez numas centenas de crianças, não sei se serão uns escassos milhares, na sociedade portuguesa, mas porquê estas alterações? Qual é a crise que obriga a alterar a legislação portuguesa? Em relação à nacionalidade, que tipo de política existe para, face à situação concreta de poderem ser portugueses, impedir que o sejam? Então, eles não nasceram em Portugal? Não frequentam as nossas escolas? Não convivem com todos os outros que são portugueses? Não falam a nossa língua? Têm uma ideia diferente do que é o colonialismo?... Mas já vamos falar disso.
Portanto, esta é uma exigência que decorre do conjunto de alterações que estão a ser feitas, que têm a ver com a lei dos estrangeiros, a lei do asilo, com os vistos, etc., que têm a ver com uma matriz que, quer queiram quer não, transporta uma carga xenófoba acentuada.
Quero ainda dizer, a propósito - e já há pouco o disse -, que estas alterações têm exactamente o mesmo objectivo das que foram feitas em França e que visavam os emigrantes portugueses., Foram alterações como

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estas que foram feitas na lei francesa e que, por exemplo, colocam jovens filhos de portugueses, nascidos em França - que provavelmente já nem falam português -, na situação de chegarem aos 16 ou 21 anos e ser-lhes recusada a nacionalidade francesa. E sabem o que é que sucede quando lhes recusam a nacionalidade francesa? Eles passam a ser portugueses mesmo não o querendo!
0 segundo lote de alterações significativas são as que impõem aos interessados em adquirirem a nacionalidade portuguesa por via do casamento ou da adopção, a prova de uma efectiva ligação à comunidade nacional, que é descrita.
É evidente que o Governo já disse que estava aberto a alterar a formulação, porque ela é chocante, mas é um registo histórico acerca do que pensa o Governo.
Julgo que se tem feito aqui muito humor em torno desta questão, mas ela é muito séria, porque esse tipo de noção não existia no direito português em termos de afirmação positiva. 0 que se podia era provar que não havia nenhuma ligação e, portanto, não existindo nenhuma ligação, podia ser recusada a nacionalidade, em certas circunstâncias, em relação ao casamento e à adopção.
Agora, neste momento, com a inversão do ónus da prova e com a sua introdução como novidade no campo da naturalização, passa a ser necessário fazer uma prova positiva.
Admitamos um indivíduo que não é católico, gosta de baseball e não de futebol, pensa, por exemplo, que o colonialismo português não foi assim tão bonito como o pintam e que foi uma história de exploração, de saque, etc.. Ele, que pensa, por exemplo, coisas como estas, pode ser português? Ele comunga dos valores portugueses - porque não são só os usos e os hábitos, não é só gostar do fado? Quem é que define esses valores? É o cavaquismo? É V. Ex.ª?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Por amor de Deus!...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

0 Orador: - Sr. Presidente, vou concluir.
15to configura uma verdadeira alteração da natureza da lei, da natureza do que é ser português, não é passar do jus soli para o jus sanguinis, como fez, aliás, a lei de 1981. É completamente diferente, é introduzir um modo de ser português, uma espécie de consideração da definição da "etnia portuguesa", lembrando coisas muito tristes que se passaram nos anos 30 na Europa.
A proposta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não está justificada, tem preconceitos inaceitáveis, introduz restrições que não se adequam, de forma alguma, com o que são as exigências dos tempos modernos e cria um certo ressentimento e preconceitos xenófobos que são de todo inadmissíveis.
Por isso, a proposta devia ser retirada, não tem qualquer cabimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, disponho apenas de 2.6 minutos, mas o PSD deu-me um acréscimo, de modo que, desde já, chamo a atenção de que se ultrapassar esse limite, V. Ex.ª será, certamente, benevolente e tomará em consideração...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a minha benevolência termina onde terminar a concessão de tempo do PSD, isto é, dispõe de mais um minuto.

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 que está hoje em discussão não é uma lei de residência em Portugal mas uma lei da nacionalidade. 15to significa que qualquer cidadão de qualquer país pode vir viver, trabalhar e fazer a sua vida normal em Portugal sem querer ser cidadão português. Não vamos fazer confusão entre viver, fazer a sua vida ou trabalhar em Portugal, isto é, viver normalmente em Portugal...

0 Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - É uma distinção importante!

0 Orador: - ... e ser cidadão português. A lei que estamos a discutir prevê a atribuição de cidadania portuguesa para um indivíduo e todos os seus descendentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Quais são, internacional e juridicamente, os critérios de atribuição da nacionalidade? São critérios jurídicos e políticos e não partidários, da luta política. Não se pode dizer que o Governo quer esta lei da nacionalidade e a oposição quer outra lei da nacionalidade.
Esta lei vai constar da parte geral do Código Civil, que é o monumento legislativo que perdura para além dos partidos e das legislaturas e representa o património cultural e jurídico de qualquer nação. Repito, estou a falar de nacionalidade e não de nacionalismo. Não podemos jogar, como esgrima política, com o critério da lei da nacionalidade. Ternos de ser conscientes, juristas e legisladores para que a lei a criar seja uma lei do Estado e não deste ou daquele partido.
Depois, queremos saber quais são os critérios que definem a lei da cidadania ou da nacionalidade. Quando andava na faculdade como estudante, ensinaram-me sempre que havia dois tipos de critérios, segundo os países.
Em primeiro lugar, há os chamados países de imigração, com territórios muito vastos e uma densidade populacional muito baixa, para desenvolver com entradas maciças de pessoas. Esses países eram, normalmente, os países por desbravar, os países africanos, da América Latina, das antigas colónias e da América do Norte, a Austrália, entre outros. Estes países adoptavam sempre o chamado jus soli, isto é, queriam atrair o maior número de pessoas para que eles os desenvolvessem e se fixassem nos respectivos territórios, de modo a adquirirem a nacionalidade e continuassem a desenvolver e a desbravar esses territórios.
Em segundo lugar, há os países que não têm esses problemas, são densamente populosos, têm os seus limites restritos ou uma cultura homogénea, os quais não precisam de uma imigração maciça, e por isso sempre privilegiaram o critério do jus sanguinis.
Qualquer pessoa pode estudar isso, basta ler os primeiros capítulos das sebentas de Direito Internacional Privado, onde esta matéria é tratada, nas faculdades de Direito.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir, pois já terminou o tempo de que dispunha.

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0 Orador: - Sr. Presidente, se me conceder mais um minuto, eu termino.

0 Sr. Presidente: - Então, faça o favor de concluir.

0 Orador: - Os critérios definidos nesta proposta de lei são os normalmente seguidos no Direito Internacional comparado.
Nesta proposta de lei refere-se que a autorização de residência deve ter 6 ou 10 anos. Pode-se perguntar qual destes critérios deve ser seguido. Outro ponto da proposta de alteração ao artigo 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, está, em meu entender, mal redigida, ao referir-se ao tal "cidadão nacional médio". Mas não é isso que vai infirmar esta proposta de lei. Ela pode ser modificada, pode ser melhor redigida. E acredito que vamos redigi-la melhor.
Mas não podemos criar "oficinas" de atribuição da cidadania portuguesa. Elas existem, por exemplo, em Hong-Kong, em Bombaim, no Brasil. Muitas vezes, a 10 ou 100 metros do consulado de Portugal, há advogados, não raro, emigrados de Portugal para se estabelecerem nesses países, que vendem casamentos e passaportes portugueses, pois as pessoas adquirem a nacionalidade portuguesa por casamento - e não são apenas casos relacionados com o futebol -, e ganham centenas de milhar de contos com este negócio. Depois, na fronteira, criam-se problemas, porque sabemos que o cônjuge não é verdadeiro português, mas tem um visto português porque é casado com uma pessoa supostamente de nacionalidade portuguesa. Por sua vez, na Conservatória dos Registos Centrais criam-se problemas para saber como retirar a nacionalidade portuguesa a esses falsos portugueses.
Só quem não sabe, quem não advoga e não teve esses problemas práticos na vida é que pode vir fazer charlas e dizer que são problemas relacionados com o futebol, são problemas menos claros, de que o País não tem de se precaver.
Srs. Deputados, sou inteiramente a favor desta proposta de lei e da sua melhor redacção. Já fiz a minha rábula sobre o cidadão médio, já fiz o meu comentário sobre a cultura portuguesa. Dou-vos o benefício da duvida, pois todos sabem que as leis não podem ser escritas desta maneira. Mas daqui não se devem tirar argumentos populistas nem demagógicos,...

0 Sr. Luís País de Sousa (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - ... não se deve falar para a televisão, dizendo que esta é uma lei de xenofobia, contra os guineenses e os cabo-verdianos, nomeadamente, porque assim não chegamos a qualquer resultado.
É preciso dar à política e ao direito o que é do Código Civil, dar ao Estado o que é do Estado e fazer leis conscenciosas, para que não se partidarizem assuntos de suma importância. Nós votaremos favoravelmente esta lei, apesar de estar mal redigida, pois concordamos com ela e acreditamos que contribuiremos para a sua melhor redacção, porque esta é uma lei do Estado e não de alguns partidos contra outros.

(Orador reviu.)

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Nós discordamos dela!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate sobre a proposta de lei n.º 91/VI.
Vamos agora discutir a proposta de resolução n.º 42/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à cessação da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

0 Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (Pinto Cardoso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção n.º 158 adoptada pela OIT em 1982, sobre a cessação da relação de trabalho por iniciativa do empregador, estabelece um conjunto de regras de protecção dos trabalhadores que corresponde aos princípios do direito português.
0 princípio essencial da convenção é o de que o
despedimento só é admitido desde que justificado com
motivo válido, ligado à aptidão ou conduta do trabalha
dor ou fundado nas necessidades da empresa, estabelecimento ou serviço.
A Constituição da República Portuguesa proíbe igualmente despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. De harmonia com esse principio constitucional, a lei só permite os despedimentos fundados em motivos válidos, sejam de natureza disciplinar, inadaptação do trabalhador a modificações introduzidas no posto de trabalho ou causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural, relativas à empresa.
0 processo de despedimento, segundo a Convenção da OIT, exige que o trabalhador só seja despedido com fundamento ligado à sua conduta ou ao seu trabalho, depois de ter a possibilidade de se defender das alegações formuladas.
Esta regra é também respeitada na lei portuguesa, nos casos de despedimento com justa causa e por inadaptação do trabalhador.
Segundo a convenção, o trabalhador despedido deve ter o direito de recorrer para um organismo imparcial, como seja um tribunal ou um árbitro. Nessa instância, ainda segundo a convenção, o ónus da prova não deve recair apenas sobre o trabalhador.
Uma vez mais, a lei portuguesa está em absoluto acordo com as regras da convenção. Com efeito, o trabalhador pode impugnar contenciosamente o despedimento e compete à entidade patronal provar os factos em que fundamentou esse despedimento.
Pela convenção, o trabalhador despedido deve ter direito, em alternativa, a uma indemnização de saída ou a subsídio de desemprego.
A nossa lei concede ao trabalhador despedido uma indemnização e subsídio de desemprego. Este último é conferido mesmo em caso de despedimento com justa causa.
A convenção exige o respeito de regras complementares nos despedimentos por motivos económicos, tecnológicos e estruturais. Tais regras consistem na consulta dos representantes dos trabalhadores e na notificação da autoridade pública competente antes do despedimento.
Estas duas exigências são também asseguradas pela lei portuguesa.
Evidencia-se, assim, quanto a prática legislativa nacional se suporta e identifica com a letra e o espírito da Convenção n.º 158, cuja ratificação é proposta a esta Assembleia.

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1920 I SÉRIE - NÚMERO 57

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Talvez devêssemos aproveitar este ensejo para falar da OIT, mas como já tivemos ocasião de o fazer numa realização da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, limitar-nos-emos a analisar esta ratificação, tardia e um pouco inconsequente, uma vez que o ordenamento jurídico português já prevê, no fundo, todas as situações que esta convenção preconiza.
Em todo o caso, relembro o debate, nesta Assembleia, por ocasião da revisão da legislação de cessação do contrato de trabalho, em dois aspectos fundamentais.
0 primeiro é a possibilidade de despedimento por razões tecnológicas e o aligeiramento do despedimento colectivo, que teve algumas consequências gravosas para os trabalhadores. A este respeito, o Partido Socialista apresentou propostas bastante interessantes relativamente ao processo em si e, sobretudo, talvez valesse a pena trazer à colação a indemnização a pagar nos casos em que este despedimento é considerado injusto pelo tribunal e este decide a reintegração do trabalhador ou revoga o próprio despedimento.
No caso em que o trabalhador pretende ser, de facto, despedido, em nosso entender e para dissuadir este tipo de comportamentos, deveria ser duplicada a indemnização. Infelizmente, este é um instrumento a que as empresas recorrem para proceder a despedimentos disfarçados dos representantes dos trabalhadores e a alguns saneamentos políticos. Portanto, temos inúmeros casos que aconselham a um maior rigor da lei, sobretudo quanto ao despedimento.
0 segundo aspecto fundamental é o facto de nos parecer que outros aspectos relacionados com o processo da cessação da relação de trabalho deveriam ter sido mais acautelados, sobretudo quanto ao papel da fiscalização da administração pública, por forma a evitar abusos e situações que têm vindo a tornar-se correntes, quase normais, com prejuízo grave para inúmeras comunidades de trabalho.
Diria que esta Convenção, de facto, nada vem acrescentar ao que existe já na legislação. Em todo o caso, chamo a vossa atenção para alguns aspectos que também deveríamos considerar.
A remuneração é cada vez mais complexa, pois é constituída por subsídios e outras formas não consideradas, e por isso a indemnização deveria ser revista. Por outro lado, como agora é possível negociar complementaridade à segurança social e fundos de pensões, deveria haver uma garantia de que os trabalhadores despedidos tenham a sua quota-parte nesses fundos, para os quais contribuiram, sem qualquer benefício, o que não nos parece legítimo.
Por agora, nada mais temos a acrescentar e votaremos favoravelmente esta tardia ratificação da convenção.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

0 Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É reconhecido por todos os quadrantes o papel decisivo que a Organização Internacional do Trabalho desempenhou, desde a sua fundação, em 1919, na evolução do ideário subjacente à legislação de protecção no trabalho, à liberdade sindical, à eliminação das discriminações no emprego e ao seu acesso e à política de emprego, em suma.
Com efeito, a OIT sempre soube, ao longo da sua história, situar-se na linha da frente do reformismo da política sócio-laboral, influenciar e determinar a sua modernização, reconhecendo e implementando os direitos que foram humanizando o trabalho e dignificando a parte mais fraca da relação instituída pela Revolução Industrial.
Para além de constituir uma espécie de alavanca em matéria de direitos sociais, soube também esta Organização integrar-se correctamente do mundo real, interpretar a evolução do tecido produtivo e sentir as suas potencialidades, sempre numa perspectiva de desenvolvimento económico e social.
Na verdade, a prática e a doutrina da OIT nunca se identificaram com a "venda" de uma utopia ao mundo, antes com a concretização gradual de valores, de direitos e obrigações, que se iam articulando e acompanhavam a par e passo o próprio crescimento económico, permitindo uma normativização diferente, muito principalmente em termos sociais, do próprio sistema produtivo.
Essa sua histórica atenção à realidade e mudanças do mundo surge bem exemplificada logo na exposição de motivos da Convenção n.º 158, sobre a cessação da relação de trabalho por iniciativa do empregador, adoptada aos 22 dias do mês de Junho de 1982.
Aí se refere que, considerando que as evoluções nas legislações e na prática verificadas desde a recomendação de 1963 "tornam oportuna a adopção de novas normas internacionais sobre essa questão, tendo particularmente em conta os graves problemas que se deparam nesse domínio, na sequência das dificuldades económicas e das mudanças tecnológicas sobrevindas nos últimos anos em numerosos países".
Daí que, no artigo 4.º desta Convenção, surjam considerados como motivos válidos de despedimento, para além dos decorrentes do comportamento do trabalhador, os relacionados com a sua aptidão ou fundados nas necessidades de funcionamento da empresa.
Daí que, para dar outro exemplo, a anulação do despedimento e a reintegração do trabalhador não sejam formuladas, na Convenção em debate, como regras absolutas e intocáveis, mesmo no caso de despedimento injustificado.
Bom seria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nesta matéria todos os que reconhecem e aplaudem a liderança nas ideias e na criação do Direito à Organização Internacional do Trabalho demonstrassem alguma sensibilidade por este tipo de preocupações.
Bom seria que, numa área tão sensível como esta, estando em causa o emprego e a coesão social, todos soubéssemos e quiséssemos resistir à fácil tentação da demagogia, a qual se manifesta, de forma inequívoca, quando se defendem estruturas, princípios e comportamentos rigidificantes e nada adequados à nossa realidade, que estimulam a estagnação e desincentivam a modernização, a investigação e a inovação tecnológica e...

0 Sr. António Braga (PS):- 15so é um recado para o Governo?!

0 Orador:- ... quando se propõem medidas regulamentadoras da relação de trabalho que, por serem inviáveis, pouco flexíveis e nada enquadradas numa realidade de mercados abertos e grande competitividade,

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apenas contribuem para o crescimento da economia subterrânea, da contratação clandestina, sem direitos nem protecção, do emprego precário, ou, bem mais grave, para o aumento do desemprego.
Tudo isto sem deixar de ter em conta que não podemos permitir regressos ao passado, e que, por isso, os direitos fundamentais, de natureza social, são inalienáveis e indesfrutáveis.
Não pode, por isso mesmo, deixar de ser motivo de satisfação constatarmos que os direitos reconhecidos aos trabalhadores, na Convenção n.º 158 da OIT, são, de facto, para os portugueses apenas limites mínimos, já garantidos e reforçados, em termos qualitativos e quantitativos, no nosso ordenamento jurídico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Através da proposta de resolução n.º 42/VI, vem o Governo propor a esta Assembleia a aprovação, para ratificação, da Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador.
Esta proposta de ratificação é feita no ano em que se comemora o 75.º aniversário da OIT e, se é intenção do Governo ligar a ratificação em causa às comemorações da OIT, pensamos que não presta o melhor serviço possível aos próprios objectivos enformadores da institucionalização daquela organização internacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E sabido que as convenções da OIT se limitam a apontar patamares mínimos e será lamentável e desprestigiante para o próprio País se o Governo do PSD quiser usar a ratificação desta Convenção como pretexto para se vangloriar de que nesta matéria até está mais avançado do que as convenções internacionais.
Será caso para dizer: vã e vil glória essa!
Neste momento, o número de desempregados já ultrapassou a barreira dos 400 000, como resultado da crise económica e social em que o País se encontra mergulhado e importará dizer que a rapidez com que o desemprego aumenta é facilitada precisamente pela legislação que o PSD elogia, com o argumento de ser mais avançada do que a Convenção cuja ratificação vem propor a esta Assembleia.
0 retrocesso legislativo consubstanciado no Decreto-Lei n.º 64-A/89, ou seja, o célebre "pacote laboral", transformar-se-ia agora num passe de ilusionismo, num exemplo de legislação progressista.
Esta é uma inversão total e inaceitável e uma manipulação inadmissível dos objectivos consagrados na Constituição da OIT. E que, deliberadamente, o Governo e o PSD omitem a enorme diversidade de situações que a nível mundial existem no plano da legislação laboral e que são resultado dos diferentes estádios de desenvolvimento das sociedades.
Querer, por mera hipótese, comparar a situação de Portugal com a existente em Singapura ou na Tailândia constituirá uma comparação afrontosa para os trabalhadores de qualquer dos países.
Não será o Grupo Parlamentar do PCP que dará aval a manipulações de convenções para dourar o retrocesso consubstanciado no Decreto-Lei n.º 64-A/89, cuja autorização legislativa o PSD aprovou orgulhosamente só.
É que todas as preocupações, todas as críticas, todas as razões que fundamentaram a oposição do PCP ao pacote laboral vieram a ter inteira confirmação durante estes cinco anos que decorreram desde a sua aprovação.
0 Grupo Parlamentar do PSD deveria corar de vergonha ao ler o seguinte parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64-A/89: "Torna-se importante referir que o desafio de 1992 oferece aos trabalhadores a possibilidade de, num quadro de crescimento económico, verem melhoradas as suas condições de remuneração e de trabalho, acrescidas as garantias em matéria de segurança social e alargadas as oportunidades de formação de emprego. E cada trabalhador, como cidadão e como consumidor, beneficiará do aumento do rendimento e bem-estar à escala nacional." Fim de citação de tão celestial retórica da autoria do Governo PSD, há cinco anos atrás.
Em vez de melhores remunerações temos a queda brutal do poder de compra. Em vez de mais garantias em matéria de segurança social temos menos protecção social. Em vez de mais oportunidades de emprego temos menos emprego e um número recorde de desempregados. Em vez de aumento de rendimento e bem-estar temos cada vez mais portugueses a viverem abaixo do limiar de pobreza e a exclusão social a aumentar assustadoramente.
E porque ainda está bem recente na memória desta Câmara, temos o partido da maioria a recusar liminarmente a aprovação do projecto de lei do PCP que visava instituir um rendimento mínimo de subsistência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria oportuno que o Governo clarificasse com que intenções pretende, aqui e agora, a ratificação da Convenção n.º 158.
É que em ternos de efeitos imediatos no ordenamento jurídico interno não tem nenhuns, pelo que é de nula utilidade. Em termos políticos externos e nomeadamente perante a OIT, se o que se pretende apresentar é currículo em ratificações, será caso para dizer que os actos ficam com quem os pratica. Em termos políticos internos, se o que se pretende é dizer que o Governo PSD é mais progressista que a OIT, os trabalhadores não aderirão a um espectáculo de ilusionismo de tão baixa qualidade.
Agora, se a intenção política de fundo é, a partir da ratificação da Convenção n.º 158, desenvolver uma eventual nova ofensiva, fundamentada em normas genéricas que apenas fixam limites mínimos, para, no plano interno, alterar a legislação laboral, reduzindo ainda mais o âmbito de protecção dos trabalhadores face às ameaças ao emprego, será este o momento oportuno para o Governo e o PSD clarificarem as suas verdadeiras intenções.
Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que não se venha dizer que o PCP está a lançar processos de intenções.
É que foi o Sr. Ministro das Finanças quem, recentemente, afirmou publicamente que era preciso flexibilizar mais a legislação laboral, o que motivou, aliás, a resposta imediata e unânime das duas centrais sindicais.
Por todas as razões expostas, porque o benefício da dúvida e muito mais o crédito político quanto a eventuais boas intenções do Governo e do PSD se encontram há muito esgotados, o Grupo Parlamentar do PCP não pode dar o seu voto favorável à proposta de resolução n.º 42/VI.

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1922 I SÉRIE - NÚMERO 57

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

0 Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por dizer, até por algumas coisas que já aqui foram referidas, nomeadamente pelo Sr. Secretário de Estado, que parece ao CDS-PP ser uma questão de mera coerência considerar a Convenção n.º 158 da OIT equilibrada no seu conteúdo e perfeitamente inserível na nossa ordem constitucional. Por isso mesmo, daremos o nosso voto favorável a esta proposta de resolução.
Disse a Sr.ª Deputada Elisa Damião que, eventualmente, esta ratificação pecaria por tardia, o que me faz chamar à colação o facto de só após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 64-A/89 ter o nosso ordenamento passado a estar conforme com estas recomendações da OIT. É que, após o Decreto-Lei n.º 84/76, através de uma interpretação do actual artigo 53.º da Constituição, que alguns diziam literal e que o CDS-PP já tinha considerado absurda - de qualquer forma, a nós, CDS-PP, sempre nos pareceu praeter legem -, surgiu o entendimento de que a justa causa teria sempre de ser aquilo a que chama "a justa causa subjectiva". A partir do Decreto-Lei n.º 64-A/89, embora de forma enviesada, como o CDS-PP também teve ocasião de referir na altura, foram introduzidas pelo legislador, sempre com motivo atendível e sempre garantindo os direitos efectivos dos trabalhadores, algumas situações de justa causa objectiva. Aliás, perguntar-se-á se não terá sido essa absurda interpretação que, de alguma forma, levou à rigidificação das estruturas das empresas, à inflação das contratações precárias e à consequente perda de competitividade por parte das empresas portuguesas.
Embora não queira abordar a questão agora, não quero deixar de lançá-la e de dizer que o que interessará é interrogarmo-nos se nalguns processos existentes não haverá um excessivo peso burocrático que nos afaste, de alguma forma e dentro de uma política social europeia, dos ordenamentos dos nossos parceiros da União Europeia e que possa afectar a nossa competitividade.

0 Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate da proposta de resolução n.º 42/VI.
Srs. Deputados, passamos à discussão da proposta de resolução n.º 43/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 171 da Organização Internacional do Trabalho, relativa ao Trabalho Nocturno.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

0 Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em sustentação da proposta de ratificação em apreço, permitam-me as considerações muito breves que vou fazer.
A Convenção n.º 171 da OIT, relativa ao trabalho nocturno, traduz uma importante revisão de anteriores instrumentos internacionais sobre o trabalho nocturno.
Na verdade, as convenções precedentes adoptavam o princípio da proibição do trabalho nocturno das mulheres nos estabelecimentos industriais. Portugal ratificou duas dessas convenções e, durante muitos anos, manteve a legislação nacional em conformidade com o referido princípio.
Entretanto, o desenvolvimento de estudos no âmbito da própria OIT, dando a conhecer que os efeitos do trabalho nocturno afectam por igual os trabalhadores femininos e masculinos, a par da consagração constitucional do princípio da igualdade, em Portugal, levaram a que a regulamentação protectora dirigida exclusivamente às mulheres não pudesse subsistir.
Do mesmo modo, o direito comunitário relativo à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso ao emprego e nas condições de trabalho obrigou os Estados membros a rever as normas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento, quando a preocupação de protecção que as inspirou tinha deixado de ter fundamento.
Esta regra, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, impede que subsista a proibição de trabalho nocturno para as mulheres, se o mesmo regime não se aplicar aos homens.
Por tudo isto, foram denunciadas as Convenções da OIT n.ºs 4 e 89, sobre trabalho nocturno das mulheres, a que Portugal estava vinculado.
A Convenção n.º 171 da OIT contém os princípios mais recentes nesta matéria e traduz o quadro normativo desejável para o conjunto dos Estados membros da União Europeia.

0 Sr. José Puig (PSD):- Muito bem!

0 Orador: - Igualmente, os parceiros sociais que assinaram com o Governo o acordo económico e social de 1990 reconheceram a oportunidade de, uma vez denunciadas as convenções anteriores, Portugal ratificar esta última convenção, o que agora se propõe.

0 Sr. José Puig (PSD): - É verdade! Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ratificação desta Convenção, como disse o Sr. Secretário de Estado, contém uma grande novidade. Trata-se do "excelente benefício" de permitir às mulheres o trabalho nocturno. Só benefícios, só regalias...
Vamos começar a falar da igualdade de oportunidades, precisamente abordando este aspecto.
Agora que os índices de natalidade já não repõem gerações, que a oferta pública de jardins de infância abertos durante o horário normal de trabalho não chega a 35 % das necessidades, que os transportes funcionam como se sabe, embora tenham vindo a melhorar mas não exactamente para estes horários, que a segurança das pessoas é hoje um problema grave, sobretudo nas zonas periféricas das grandes cidades e que as dificuldades da família são acrescidas - convém relembrar que, nas zonas urbanas, uma em cada quatro crianças depende essencialmente da mulher como único sustentáculo devido à existência da família monoparental -, não é de esperar que este quadro da maternidade e que o quadro social da família venha a melhorar em Portugal com tão bizarra legislação para a igualdade de oportunidades.
Há uma recomendação, que não teve sequer o estatuto de directiva comunitária, mas que, segundo parece, vai ser implementada em cinco fases - não estou muito optimista relativamente a esta questão -, que é no sentido da tentativa de instalar uma política de concilia-

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ção da vida profissional com a vida familiar, tanto para homens como para mulheres. A referida recomendação constitui uma ocasião para se fazer o levantamento daquelas dificuldades e, estranhamente, quanto a nós, colide com esta proposta de ratificação da convenção, tal como está formulada, uma vez que, à excepção dos períodos normais de gravidez e de licença de maternidade, a mesma não é acompanhada de medidas tendentes a proteger as mulheres em situações de assistência à família, etc.
Diria que esta grande preocupação que tem a ver com as crise da família - e estamos no Ano Europeu da Família - não encontrou qualquer eco no Governo que, ao menos, poderia tentar disfarçar este pacote e apresentar-nos outro tipo de legislação no sentido de enquadrar um pouco melhor esta "prenda", que é a segunda que oferece às mulheres portuguesas, já que a primeira foi a da passagem da idade de reforma das mulheres de 62 para 65 anos.
Diria que o Governo tem revelado alguma hipocrisia relativamente à legislação para a igualdade entre os sexos.
Esta Câmara já debateu aspectos relacionados, por exemplo, com a igualdade no trabalho e no emprego. 0 PSD, que é autor de um projecto de lei eternamente adiado, considerou mesmo que era necessário rectificar a legislação para a igualdade no trabalho e no emprego e torná-la mais clara relativamente à discriminação, sobretudo no que toca às sanções a aplicar a essa discriminação. Todavia, nada se fez até agora. Portanto, a situação mantém-se inalterada, não havendo de facto, vontade política para corrigir estas graves deficiências existentes na sociedade portuguesa.
A este propósito, recordo que, há pouco, o Ministério da Educação forneceu estatísticas que nos davam uma dimensão, até agora nunca assumida, da diferença salarial entre homens e mulheres que, nas tabelas salariais, se situa à volta de 30 %. No entanto, em matéria de remuneração das convenções colectivas já analisadas e avaliadas pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social, aquelas diferenças salariais situam-se em 48,9 %, o que é significativo do muito que há a fazer para corrigir as desigualdades.
Ora, com a ratificação desta Convenção, o Sr. Comissário, que tem preocupações de índole concorrencial entre as empresas e talvez com a produtividade ou com outros fenómenos relativamente a alguns países que ainda não a ratificaram, seguramente não estará preocupado com as mulheres, com as famílias, com as crianças, com a cidadania, com as condições de vida e de trabalho, nem com o futuro e o equilíbrio das sociedades' nem com a harmonização entre trabalho e vida familiar.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

0 Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que vale a pena reproduzir - não repetir mas consideram-se aqui reproduzidas - as considerações, por mim próprio efectuadas a propósito do debate da convenção anterior, acerca das estruturas e dos princípios, por vezes de rigidez excessiva, que são causa da estagnação e da economia subterrânea e que, também muitas vezes, acabam por prejudicar os próprios visados, na medida em que são excluídos de um mercado de grande dinamismo e competitividade como é o dos nossos dias e em que nos integramos.
A este respeito, cito as recentes afirmações do Sr. Flynn, Comissário Europeu dos Assuntos Sociais, agora abordadas ao de leve pela Sr.ª Deputada Elisa Damião e também citadas pelo Sr. Deputado relator Fernandes Marques, no relatório que elaborou para a Comissão: "Com efeito, em época de grande desemprego, interditar o trabalho nocturno às mulheres pode significar impedi-las de encontrar trabalho e de dar-lhes a hipótese de salários mais altos associados a este horário laboral."

Protestos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé

Não somos nós que o dizemos, é o Sr. Flynn...

0 Sr. Paulo Trindade (PCP): - Nem têm de dizer!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Eu não conheço esse senhor!

0 Orador: - Srs. Deputados, acabo de citar afirmações recentes do Sr. Flynn, Comissário Europeu dos Assuntos Sociais.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.):- Quem é esse senhor? Não o conheço!

0 Orador: - Qualquer dia apresento-lho!
Aliás, a Comissão Europeia apresentou queixa ao Tribunal Europeu de Justiça contra Portugal, bem como contra a Bélgica, França, Itália e Grécia, por nestes países se manter a interdição do trabalho nocturno às mulheres e por tal medida significar, na sua perspectiva, tratamento discriminatório em relação às mesmas.
Com efeito, entre nós, a regra é a da proibição do trabalho nocturno - que corresponde a um período horário bem mais alargado do que o proposto pela Convenção em debate - das mulheres nos estabelecimentos industriais, só se permitindo a sua derrogação em casos excepcionais e bem tipificados.
Devemos, pois, reflectir sobre se vale a pena, no próprio interesse das mulheres, manter este princípio imutável - como defende a própria UGT - ou se, em nome do combate à potencial exclusão das mulheres do mercado de trabalho e da inovação e competitividade, sem os quais não pode sequer promover-se uma ajustada protecção social, não seria preferível alterar a nossa legislação neste ponto.
Em nossa opinião, justifica-se, de facto, a inversão da regra proibitiva existente no nosso ordenamento jurídico, acautelando-se, no entanto, de forma especial, as situações e especificidades próprias da mulher. Essa foi também a opinião expressa pelo Deputado relator nos pontos n.ºs 5 e 6 do seu relatório. Relatório esse que mereceu a aprovação unânime dos grupos parlamentares presentes na comissão.
Quanto às restantes matérias abordadas pela Convenção em debate, todos os direitos propostos se mostram já reconhecidos de forma mais reforçada no nosso ordenamento jurídico, pelo que não vislumbramos que se possa suscitar qualquer polémica.

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1924 I SÉRIE - NÚMERO 57

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta não é uma Convenção de que se possa orgulhar a Organização Internacional do Trabalho e não diz respeito apenas às mulheres.
0 simples cotejo entre o texto final que hoje assinalamos e o projecto de convenção - que tive oportunidade de consultar - demonstra como um assunto de tanto melindre, como o trabalho nocturno, foi tratado sem perder de vista a indispensabilidade, para os detentores do capital, de colocar o homem ao serviço da máquina com o máximo de rentabilidade para os detentores da propriedade, ainda que à custa da saúde dos trabalhadores, da sua estabilidade familiar, do direito ao repouso e aos lazeres em família.
Mesmo em relação à Convenção n.º 89, apressadamente denunciada pelo Governo português sem respeito pelas normas legais e convencionais, revista em 1948, podemos encontrar marcas de retrocesso.
Impunha-se que esta Convenção, já que foi assinada em 1990, e relativamente à revista em 1984, classificasse como trabalho de noite - o trabalho que é considerado prejudicial para a saúde - todo aquele que fosse prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia imediato, consecutivamente ou não. Contudo, a presente Convenção não procedeu a esta clarificação, aliás, já adquirida na legislação.
No trabalho considerado perigoso para a saúde, por ser desenvolvido em fase de desactivação psicossomática relacionada com o declínio solar, é óbvio que a demarcação de um período entre as 24 e as 5 horas da manhã - como acontece na Convenção - resulta de um mero cálculo matemático que nenhuma influência tem na consideração do carácter penoso do trabalho, desenvolvido noutras horas, em que se verificam já decréscimos na frequência cardíaca, na pressão arterial e na temperatura central.
A Convenção, que não terá, no entanto, aplicação aos trabalhadores portugueses, dado que o nosso quadro legal e constitucional existente lhes é mais favorável, não foge mesmo a uma benevolente desculpabilização, ainda que genérica, tímida e envergonhada, daqueles casos em que possa existir, em legislações nacionais, a possibilidade de despedimento por inadaptação para o trabalho nocturno.
No entanto, a Convenção parece pretender arrogar-se de modernidade. Pretensamente em nome da igualdade, vem acabar com a proibição do trabalho nocturno das mulheres na indústria, apenas se prevendo excepções à proibição, num período de 16 semanas, antes e após o nascimento de um filho, 8 das quais antes da data presumível do nascimento, e ainda, mediante um certificado médico, durante a gravidez e durante um lapso de tempo para além do período anteriormente citado, a determinar pelas autoridades dos Estados.
Curioso é notar que o projecto da Convenção era mais generoso, pois previa a proibição num período de 3 meses antes do parto e num período igual posterior ao mesmo. Adivinham-se quais os interesses que pesaram na redução do tempo - não foram, seguramente, os interesses e os direitos da grávida nem os interesses na protecção dos nascituros!...
Mas, dizíamos, só com alguma dose de dissimulação é que se poderá falar aqui no princípio da igualdade. De facto, sabe-se que, acompanhando o retrocesso dos direitos dos trabalhadores, a situação das mulheres tem sofrido também retrocessos escandalosos e gravíssimos.
Situemo-nos agora no que entre nós se passa, pois as discriminações em razão do sexo atingiram níveis brutais. Há empresas de trabalho predominantemente feminino, como a Pluvia e a Leica, com horários fixos para utilização das casas de banho. Como nos tempos modernos de Charlie Chaplin, que picava o ponto ao dirigir-se ao sanitário e que era vigiado através de um circuito interno audiovisual, hoje acontece o mesmo, entre nós, numa destas empresas.
Houve mesmo uma mulher na empresa Leica que, impedida de sair da linha de montagem para não decrescerem os ritmos de trabalho, teve o parto na casa de banho.
Por outro lado, as discriminações salariais das mulheres proliferam por esse País fora. Na já referida empresa Leica, uma mãe, usando do direito de dispensa para amamentação do filho, é aconselhada pelo patrão a fazer o mesmo que ele faz com o cão: dar-lhe comida de manhã para todo o dia!
A respeito desta resposta infame, alguém já comentou, oportunamente - comentário que eu não me dispenso de repetir -, o seguinte: cada um trata da sua família como entende!
Em empresas como a Euronadel, conforme formulário que tenho nas minhas mãos, pergunta-se às candidatas ao emprego: "Encontra-se grávida? Forçam-na os períodos menstruais a guardar o leito?" Este é um formulário usado hoje!!...
E o que faz o Governo perante esta tremenda situação de desigualdade que se abate sobre as mulheres portuguesas? Nada! Apressa-se, sim, a denunciar a Convenção n.º 89 e a apresentar-nos uma que, de facto, é discriminatória para a mulher e contra as famílias portuguesas.
A proibição do trabalho nocturno das mulheres tem
entre nós, e agora mais do que em anos passados, justificação em critérios objectivos porque o princípio da igualdade tem a sua dimensão social e é preciso, de facto, criar discriminações positivas quando há desigualdades económicas, sociais e culturais, por forma a atingir-se a igualdade real.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - 0 Governo está obrigado, constitucionalmente, a criar uma rede de infra-estruturas de apoio à infância e juventude, mas sabemos que o não faz.
Também sabemos que as mulheres trabalhadoras se vêem, por isso mesmo, confrontadas com tremendas dificuldades na prestação de apoio aos filhos e são punidas com descontos nas remunerações e nos prémios, precisamente por prestarem esse mesmo apoio e faltarem ao trabalho.
0 levantamento da proibição de trabalho nocturno das mulheres, perante a inexistência de apoios à família durante a noite, limitará - ao contrário do que aqui foi dito - ainda mais o acesso das mulheres ao emprego.
0 Governo, por outro lado, beneficiará com a infracção. É que, estando as mulheres a trabalhar de noite, já podem manter-se despertas durante o dia para evitarem a necessidade das creches e dos jardins de infância!
Tal medida também em nada impulsionará as mudanças de mentalidade de que tanto se fala. É que o ónus das tarefas caseiras, recaindo sobre as mulheres, co-

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14 DE ABRIL DE 1994 1925

nhecerá uma nova justificação! Maria Velho da Costa, no seu texto Mulheres e Revolução, depois de descrever o infatigável ritmo de quem desempenha por dia dois turnos de trabalho, escreveu: "Elas também dormem". Mas agora, trabalhando de noite, terão de dormir menos por dia para fazerem as tarefas caseiras e deixará de haver razão para a sua repartição?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - 0 quadro resumido que aqui se deixa demonstra que há desigualdades sociais e culturais gravíssimas, de que é vítima a mulher, que justificam que a nossa legislação - que continuará em vigor - consagre, relativamente à mulher e ao trabalho nocturno, diferenciações precisamente em nome do princípio da igualdade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 20 anos após Abril, e apesar dos retrocessos, continuamos a constatar que o nosso ordenamento jurídico-constitucional resistiu, assegurando direitos fundamentais. E resistiu graças à luta dos trabalhadores.
Bem podem tentar fazer-lhes esquecer as conquistas e denegrir Abril de uma forma escandalosa, como ultimamente se tem visto, através do branqueamento de figuras e instituições sinistras, porque, quando chegam convenções como esta, os trabalhadores revivem Ary dos Santos, declamando: "De tudo o que Abril abriu ainda pouco se disse."

Aplausos do PCP, do Deputado do PS Marques Júnior e do Deputado independente Mário Tomé.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por saudar a intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos - certamente, a argumentação objectiva que utilizou até deverá conseguir convencer o Sr. Deputado José Puig!...
De facto, não deveríamos estar aqui a discutir o trabalho nocturno das mulheres mas, sim, como restringir o trabalho nocturno em geral, de forma a dar mais protecção, descanso e melhores condições remuneratórias àqueles que tem de trabalhar à noite por motivos vitais para a sociedade. Não há, pois, qualquer justificação para o trabalho nocturno das mulheres.
Quanto às alegações oriundas da Comunidade Europeia de que a proibição do trabalho nocturno para as mulheres é uma discriminação, isso é conversa, porque a discriminação está aí patente, todos os dias!
Além do mais, no século passado, as mulheres trabalhavam à noite, no fundo da mina - vá ler o Germinal, por exemplo! E, em 1906, quando as mulheres ainda não votavam e "apanhavam" porque iam para a rua para poderem votar, os trabalhadores e os sindicatos conseguiram que elas deixassem de trabalhar à noite. Foi uma grande conquista, com a qual, agora, no mundo do progresso, se quer acabar. E porquê? Porque o progresso é muito bom para os empresários, mas não o é para os trabalhadores e, muito menos, para as trabalhadoras. De facto, não há hoje condições, com este progresso todo, com esta civilização toda e com estes avanços todos, para que as mulheres possam trabalhar à noite sem serem brutalmente penalizadas em toda a sua vida e na da sua própria família.
Aliás, é cada vez mais claro que os interesses dos empresários e dos patrões estão em conflito com os da sociedade - isso é cada vez mais evidente!
Assim sendo, quero somente dizer que considero esta Convenção da OIT lamentável e um retrocesso. E é mais lamentável ainda se, com a legislação que temos, que proíbe - e muito bem! - o trabalho nocturno às mulheres, o Governo e o PSD aceitarem que se retroceda tanto na nossa legislação laboral.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate relativamente à proposta de resolução n.º 43/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 171 da Organização Internacional do Trabalho, relativa ao trabalho nocturno, ficando assim esgotada a nossa ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a apreciação dos projectos de lei n.- 394/VI- Mandato dos titulares de cargos exteriores à Assembleia da República (PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes) e 262/VI- Fiscalização de obras escolares (PS).
Proceder-se-á também à eleição de um juiz para o preenchimento da vaga existente no Tribunal Constitucional, além das votações previstas.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Rectificações

Ao n.º 41, de 25 de Fevereiro
No Sumário, 1.ª cl., imediatamente a seguir a "Ordem do dia.-" e na pág. 1374, 2.ª cl., 1. 68., onde se lê "os n.ºs 28 a 32 do Diário" deve ler-se "os n.ºs 28 a 33 do Diário".

Ao n.º 46, de 10 de Março
No Sumário, 2.ª cl., imediatamente a seguir a "Ordem do dia.-", deve inserir-se o seguinte: "Foram aprovados os n.ºs 34 a 36 do Diário".

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Caeiro da Motta Veiga. António Maria Pereira. Carlos Alberto Lopes Pereira. Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. João Granja Rodrigues da Fonseca. João José Pedreira de Matos. Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha. José Albino da Silva Peneda. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Pereira Lopes. Luís António Carrilho da Cunha. Luís Carlos David Nobre. Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Simão José Ricon Peres.

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1926 I SÉRIE - NÚMERO 57

Partido Socialista (PS):

António Alves Marques Júnior.
António Domingues de Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido do Centro Democrático Social- Partido Popular (CDS-PP):

Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Luís Santos da Costa.
Carlos Cardoso Lage.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

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