O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2073

Quinta-feira, 28 de Abril de 1994

I Série - Número 64

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE ABRIL DE 1994

Presidente: Ex.mº Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Ex.mºs Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Miguel Macedo (PSD) comentou a descoberta de um aparelho de escuta no gabinete do Procurador-Geral da República e referiu a necessidade do esclarecimento da questão das escutas ilegais, tendo intervindo sobre o mesmo assunto os Srs. Deputados Alberto Costa (PS), Octávio Teixeira (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP) e Silva Marques (PSD).
O Sr Deputado Raúl Rêgo (PS) exprimiu o seu pesar pelo falecimento do
ex-Deputado Dr. Armando Lopes, homenagem a que se associaram os Srs. Deputados Fernando Amaral (PSD), João Amara] (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP), Manuel Sérgio (PSN) e Almeida Santos (PS), após o que a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) protestou também contra as escutas ilegais e fez uma análise do aumento da criminalidade.
Igualmente, em declaração política, o Sr. Deputado Adriano Moreira (CDS-PP) defendeu a necessidade da salvaguarda dos Direitos do Homem em Macau e em Timor e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Almeida Santos (PS) e Duarte Lima (PSD).
O Sr. Deputado Alberto Costa (PS) mostrou preocupação pelo microfone de escuta encontrado no gabinete do Procurador-Geral da República, acusou o Governo de ter retardado a informação à Assembleia e propôs a constituição de uma comissão de inquérito. Respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).

Ordem do dia. - Depois de o Sr. Deputado Ferro Rodrigues (PS) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, foram discutidos conjuntamente, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 327/VI - Regulamenta a obrigatoriedade de publicitação dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares (PS), tendo o primeiro aprovado e o segundo rejeitado. Usaram da palavra, a diverso título os Srs. Deputados Rui Rio (PSD), Raúl Castro (Indep.), Alberto Costa (PS), Rui Carp (PSD), António Lobo Xavier (CDS-PP) e Octávio Teixeira (PCP).
O projecto de lei n.º 369/VI - Sujeita a sociedade Parque EXPO 98, S.A. à fiscalização pelo Tribunal de Contas (PS) foi igualmente rejeitado. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Helena Torres Marques (PS), Raúl Castro (Indep.), Cipriano Martins (PSD), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Crisóstomo Teixeira (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP) e Lino de Carvalho (PCP).
Foram ainda rejeitados os projectos de resolução n.ºs 109/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, que institui a figura da injunção (PCP) [ratificação n.º 112/VI (PCP)] e 110/VI - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 373/93, de 5 de Novembro, que permite o acesso de capitais privados às actividade económicas de captação, tratamento e rejeição de efluentes e recolha e tratamento de resíduos sólidos (PCP, Os Verdes e Deputado independente Raúl Castro) [ratificações n.ºs 105/VI (PCP) e 106/VI (Deputado independente João Corregedor da Fonseca, Os Verdes e PS)] e o projecto de lei n.º 343/VI - Garante aos trabalhadores, em caso de cessão total ou parcial de empresa ou estabelecimento, a manutenção dos direitos adquiridos nas convenções colectivas de trabalho (PCP).
Apôs a rejeição dos requerimentos de avocação pelo Plenário da votação na especialidade dos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, apresentados pelo PS e pelo PCP, foi aprovada, em votação final global a proposta de lei n.º 85/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação, tendo depois, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) produzido uma declaração de voto.
Procedeu-se ainda à apreciação das petições n.ºs 172/VI (2.ª), 132/VI (1.ª) e 265/V (3.ª), tendo intervindo os Srs. Deputados Gustavo Pimenta (PS), António Filipe (PCP), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Pedro Pinto (PSD), 15abel Castro (Os Verdes), Nogueira de Brito (CDS-PP), Paulo Rodrigues (PCP), António Martinho (PS), Alberto Cerqueira de Oliveira (PSD), José Manuel Maia (PCP), Rosa Albernaz (PS) e Manuel Baptista Cardoso (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 55 minutos

Página 2074

2074 I SÉRIE - NÚMERO 64

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.

Página 2075

28 de Abril de 1994 2075

Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que foram apresentados à Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei
n.º 400/VI - Contagem especial do tempo de prisão por razões políticas para efeitos de pensão de velhice ou invalidez (PS), que baixou às 1.ª e 9.ª Comissões, e 401/VI - Cria, de novo, a Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; propostas de resolução n.º 61/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-membros, por um lado, e a República Checa, por outro, e respectivos Protocolos, Anexos, Acta Final e Declarações, que baixou às 3.ª e 11.ª Comissões, e 62/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-membros, por um lado, e a República Eslovaca, por outro, e respectivos Protocolos, Anexos, Acta Final e Declarações, que baixou às 3.ª e 11.ª Comissões.
Entretanto, informo a Câmara que, em reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano, realizada em 20 de Abril corrente, se procedeu à votação da audição parlamentar n.º 22/VI - Sobre o caso de "O Trabalho" Companhia de Seguros (PS), tendo a mesma sido rejeitada, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.
Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; aos Ministérios da Saúde e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Silva Azevedo e Carlos Marta Gonçalves; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Armando Vara; ao Ministério da Mar, formulado pelo Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Jerónimo de Sousa, na sessão de 9 de Fevereiro; Arménio Carlos, nas sessões de 16 de Junho e 15 de Julho; Mário Tomé, na sessão de 15 de Julho e no dia 17 de Fevereiro; José Reis Leite, na sessão de 15 de Julho; José Manuel Maia, na sessão de 24 de Agosto; Paulo Rodrigues, no dia 14 de Outubro; Paulo Trindade, nas sessões de 16 de Novembro, 20 e 21 de Janeiro, 23 de Fevereiro e 9 de Março; António Martinho, no dia 24 de Novembro; Luís Sá, Manuel dos Santos e Álvaro Viegas, nas sessões de 23, 24 e 25 de Fevereiro; José Cesário, na sessão de 3 de Março; Filipe Abreu, na sessão de 4 de Março; João Amara], no dia 7 de Março, e Marques Júnior, na sessão de 9 de Março.
Entretanto, informa-se os Srs. Deputados que está reunida a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

Página 2076

2076 I SÉRIE - NÚMERO 64

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, face às últimas notícias vindas a público acerca da existência de um aparelho de escuta no gabinete do Sr. Procurador-Geral da República, o Grupo Parlamentar do PSD não quer deixar de, no início destes trabalhos, fazer três referências.
Em primeiro lugar, gostaria de afirmar que estamos empenhados em viabilizar todas as iniciativas, designadamente as tomadas, hoje, pelo PS e pelo PCP na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no sentido de a Assembleia da República acompanhar devidamente esta situação, que reputamos de muito grave e relativamente à qual exigimos um completo esclarecimento.
Em segundo lugar, quero recordar que tal situação veio a público após um comunicado do Governo sobre a matéria, que, saliento, antes mesmo se havia disponibilizado para estar presente na Assembleia da República no sentido de prestar os esclarecimentos que se entendessem ser necessários.
Em terceiro lugar, gostaria de dizer que, no entendimento do Grupo Parlamentar do PSD, o inquérito, que já está em curso e para o qual o Governo disponibilizou todos os meios necessários para um completo esclarecimento, não pode ter outro resultado senão esse mesmo, ou seja, o esclarecimento cabal desta situação, de todos os factos nela envolvidos e, naturalmente, o apuramento das responsabilidades que sobre ele recaírem.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, hoje de manhã, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, já falámos deste assunto - aliás, ele tem sido referido, hoje, pelos vários órgãos da comunicação social -, que é sério e muito grave.
Suponho que é para versar o mesmo tema que pediram a palavra, sob a forma de interpelação à Mesa, os Srs. Deputados Alberto Costa, Octávio Teixeira e António Lobo Xavier.
Vou, então, dar a palavra, por esta ordem e por cerca de dois minutos, a cada um dos Srs. Deputados que a solicitou, sendo certo que o Sr. Deputado Raúl Rêgo também se inscreveu para usar da palavra, mas a outro respeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, também estamos extraordinariamente preocupados com os acontecimentos, que, ontem, ao fim da tarde, chegaram ao conhecimento do País através da comunicação social.
Estamos preocupados com os factos, porque não é todos os dias que uma figura de Estado, responsável em primeira linha pela perseguição ao crime, se encontra sob escuta num Estado democrático. E estamos também preocupados com a circunstância de o Governo ter retardado, por cerca de 10 dias, não apenas uma informação ao País mas sobretudo uma informação ao Parlamento.

Aplausos do PS.

É que esta Casa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é o centro da democracia, não podendo ser informada, em último lugar, sobre matérias desta gravidade.

Os portugueses têm razão para estar preocupados com o que se passou e com esta atitude, de falta de frontalidade democrática e cultura parlamentar, por parte do Governo do Prof. Cavaco Silva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, logo que soubemos destes graves factos, tomámos a iniciativa de requerer ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que solicitasse a presença, nessa Comissão, com carácter de urgência, do Sr. Procurador-Geral da República e dos Srs. Ministros da Justiça e da Administração Interna.
Não podemos admitir a minimização de tão grave acontecimento, minimização que é evidente quando se diz que o aparelho de escuta, afinal, poderia não ter funcionado, como se se tratasse de um objecto decorativo escondido debaixo do soalho!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É uma graça demasiado pesada para as circunstâncias!
Por isso, Sr. Presidente, iremos também dedicar uma intervenção a esta matéria, em que anunciaremos o requerimento, por parte do PS, da constituição de uma comissão eventual de inquérito aos riscos antidemocráticos do funcionamento efectivo dos serviços de informações, incluindo os métodos e formas de vigilância e escuta, que, neste momento, preocupam os portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que, Sr. Presidente, os portugueses não podem estar tranquilos em suas casas, quando o Procurador-Geral da República tem motivos para não poder estar tranquilo no seu gabinete!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Octávio Teixeira e dado o teor da intervenção do Sr. Deputado Alberto Costa, devo repetir aqui o que disse, de manhã, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
O Sr. Primeiro-Ministro, ao regressar da República Popular da China, no dia 21, de manhã, pediu que me deslocasse, à tarde, à sua residência oficial e deu-me notícia dessa informação, que já lhe tinha sido transmitida pela Polícia Judiciária. Porém, disse-me que só a usaria depois de contactadas as demais autoridades supremas do Estado - e nem todas se encontravam, nessa altura, em Lisboa, a começar pelo Sr. Presidente da República e o próprio Procurador-Geral.
Por isso, posso e quero dizer aqui que houve esta atenção por parte do Sr. Primeiro-Ministro para com a Assembleia da República.
Ontem ainda, antes de tornar pública a notícia - e também disse isto, hoje, de manhã, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares -, o Sr. Ministro da Justiça deu-me conta do que ia fazer e ainda tentei comunicá-lo directamente aos líderes parlamentares. Porém, isso ocorreu a uma hora tal que tornou essa comunicação impossível.

Página 2077

28 de Abril de 1994 2077

Srs. Deputados, eis a informação que dei, hoje, de manhã, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Não ficaria de bem comigo próprio se não a repetisse aqui.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dizer a V. Ex.ª que, lamentavelmente, existe aqui também uma diferença de cultura democrática e parlamentar.
De facto, V. Ex.ª fala numa atenção, mas nós entendemos que é um dever do Governo informar esta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Permitir-me-á que lhe responda, Sr. Deputado: o cumprimento de um dever não dispensa a atenção.

Aplausos do PSD.

Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, irei referir-me muito brevemente a este tema, na medida em que, a seguir, faremos uma declaração política em que a abordará.
No entanto, gostaria de, neste momento, reforçar e reiterar aqui a gravidade desse facto, que ontem foi tornado público. É, inequivocamente, grave - e julgo que aqui não haverá diferenças de opinião - ter-se encontrado, no gabinete do Sr. Procurador-Geral da República, um microfone para escutas, quer o mesmo estivesse ou não ligado, pois ele foi ali colocado com essa intenção. Só as investigações podem demonstrar se ele já esteve ligado ou não.
Mas, mais do que isso, Sr. Presidente, quero reiterar aqui, em nome do Partido Comunista - aliás, já há bastante tempo temos vindo a fazer denúncias e eco sobre situações ilegais das mais diversas espécies que se têm vindo a praticar no nosso país -, que consideramos que este caso deve ser aprofundado até às suas últimas consequências, deve ser dado conhecimento público sobre o facto concreto em toda a sua extensão e devem ser apuradas as responsabilidades inequívocas de quem quer que seja.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este facto não pode ficar escondido, nem ser dilatado no tempo, prevendo a hipótese de um esquecimento público.
Quero referir aqui, tal como já o fiz hoje de manhã e com isto terminarei a minha interpelação -, que, a partir deste facto concreto que é trazido ao conhecimento público, aumenta a nossa legitimidade para podermos suspeitar de que existem situações idênticas em outras instituições, designadamente no âmbito dos outros órgãos de soberania e, em especial, no âmbito da Assembleia da República.
Por isso, como já dissemos de manhã, consideramos que é absolutamente necessário que a Assembleia da República proceda, ela própria, através dos serviços competentes, a um rastreio ou a uma limpeza electrónica das suas instalações, designadamente das instalações dos grupos parlamentares e das do Sr. Presidente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, acrescentar que esta revelação trágica confirma, infelizmente, que não existe uma histeria da oposição a propósito dos abusos ou das intromissões em matéria de investigação e que tudo quanto se tem dito aqui, na Assembleia da República, é justificado e não significa qualquer agitar de fantasmas, porque passou a haver dados ainda mais concretos do que aqueles que motivaram algumas intervenções nesta Câmara.
É óbvio que o CDS-PP aceita e exige todos os inquéritos a que os outros grupos parlamentares aqui se referiram, mas entende que é preciso mais do que isso. Como, porventura, em Portugal, essa despistagem da utilização desses mecanismos electrónicos só pode ser feita por entidades ou serviços públicos, é preciso exigir, sem demora, para além do inquérito, uma intervenção fiscalizadora e de controlo profunda sobre a existência desses mecanismos de escuta, não só na Assembleia da República, mas também nas sedes dos partidos políticos, nas confederações sindicais e nas associações patronais. Este é o patamar mínimo para o qual se tem de avançar imediatamente, com a colaboração das entidades públicas responsáveis.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É sobre o mesmo assunto?

O Sr. Silva Marques (PSD): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para deixar aqui claros dois pontos.
O primeiro tem a ver com a cultura democrática. Quero chamar a atenção de que a única cultura é aquela que respeita as instituições, não transforma os assuntos, mesmo os mais nobres, em mera politiquice...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e procura contribuir, de forma coerente, para a transparência da vida pública e para a credibilidade das instituições.

Aplausos do PSD.

Espero que ninguém, neste Hemiciclo, seja inculto, pois seria erro grosseiro e imperdoável após 20 anos de democracia, tempo suficiente, a nosso ver, para aprender!
O segundo, Sr. Presidente, é o seguinte: pensamos que sobre este ponto tudo deve ser esclarecido de forma ilimitada e que todas as garantias devem ser dadas a quem as reclamar. Por isso estamos inteiramente de acordo com a sugestão do Sr. Deputado Octávio Teixeira e subscrevemos as sugestões do Sr. Deputado

Página 2078

2078 I SÉRIE - NÚMERO 64

António Lobo Xavier. Neste domínio, não devemos ter quaisquer restrições em relação ao esclarecimento dos factos que se tenham passado ou que estejam a passar-se, nem em relação às garantias relativamente à transparência da vida pública e política.
Sr. Presidente, parece-nos muito estranho e pouco promissor que a bancada socialista, depois de manifestar-se tão preocupada quanto à seriedade do tratamento de tão grave matéria e de dizer que já pediu a presença do Sr. Procurador-Geral da República e do Sr. Ministro da Justiça - iniciativa que subscrevemos inteiramente -, sem esperar pela realização da diligência, nos venha imediatamente anunciar que quer também um inquérito.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, queremos a transparência da vida pública, a seriedade das nossas diligências, porque de outra forma elas não têm credibilidade, e que a democracia tenha uma consolidação inquestionável, o que devia merecer a colaboração de todos nós e não a pequena manobra política, que só a prejudica.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, morreu o Dr. Armando Lopes, que foi Deputado à Assembleia Constituinte e, durante o fascismo, uma das referências democráticas em todas as Beiras.
Porque foi sempre um homem de oposição e, depois, Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, parece-me que a Assembleia da República se deve associar ao luto da sua família, guardando um minuto de silêncio em homenagem à sua memória.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa toma nota da sua proposta e, depois, pô-la-á à votação. Mas, antes disso, vai dar a palavra a um Deputado de cada bancada, pelo menos, para se pronunciar sobre o assunto.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero aproveitar esta oportunidade para expressar o que sinto face à notícia que nos acaba de ser dada pelo Sr. Deputado Raúl Rêgo, sobre o falecimento do Sr. Dr. Armando Lopes.
Só hoje tive conhecimento do falecimento deste meu colega e amigo, devo-lhe esta singela homenagem, traduzindo por palavras os sentimentos que me atormentam.
Conheci o Sr. Dr. Armando Lopes como advogado, com ele tratei de variadíssimas questões e dele aprendi uma probidade profissional, que é muito rara nos advogados de hoje.
Participei com ele em várias manifestações políticas e apreciei a sua integridade política; privei com ele como governante e apreciei a honestidade como militante e como político.
Sei que sempre foi do Partido Socialista e, porque nos encontrávamos, a cada passo, nestes caminhos cruzados da política pelo Distrito de Viseu, habituei-me a cultivar um respeito enorme pela sua figura.
Mas distingo-o ainda como homem, e homem de carácter, que nos deu um testemunho de integridade, que é de seguir, de aceitar e de aplaudir.

Por isso, acompanho o Partido Socialista na dor que sente pela perda de um dos seus militantes.
O Partido Social Democrata, pela minha voz, associa-se também à dor sentida pelo Partido Socialista e manifesta o seu profundo pesar à família do Dr. Armando Lopes.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o mesmo assunto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tive oportunidade de conhecer o Sr. Dr. Armando Lopes quando ele era Deputado e de ter privado bastante com ele.
Quero dar aqui público testemunho das qualidades humanas do Sr. Dr. Armando Lopes, que aqui sempre se distinguiu pela sua coerência, cordialidade e verticalidade e que acabaram de ser realçadas pelo Sr. Deputado Fernando Amaral.
Não posso também deixar de evocar aquilo que foi o seu passado de lutador antifascista, numa zona onde, provavelmente, não era fácil ter feito o que ele fez ao longo da sua vida.
Em nome da minha bancada, apresento condolências ao Partido Socialista e também à família do Sr. Dr. Armando Lopes, nomeadamente ao seu filho, Presidente da Câmara de Mangualde.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o mesmo assunto, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o CDS-PP associa-se às condolências e ao pesar exprimidos aqui, em primeiro lugar, pelo Sr. Deputado Raúl Rêgo.
É para mim grato fazê-lo, sobretudo por uma questão pessoal. A primeira vez que fui Deputado nesta Casa, privei de perto com o Sr. Dr. Armando Lopes e, talvez por vício profissional ou de formação, apreciava especialmente o seu trato com todas as pessoas e com todos os políticos, independentemente da sua filiação partidária, e a sua discrição.
O Dr. Armando Lopes foi um jurista de eleição, esforçado e estudioso, quer durante a sua formação, quer na sua vida profissional, mas, apesar disso, mantinha uma discrição e uma postura de humildade, que deve ser o atributo daqueles que têm uma posição especial no domínio do saber, do estudo e da dedicação à profissão.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o mesmo assunto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSN associa-se também ao pesar manifestado por todas as bancadas desta Câmara. Sublinha as qualidades morais, profissionais, cívicas e, segundo acabo de saber, até científicas do Dr. Armando Lopes e apresenta sentidas condolências à sua família e a toda a bancada do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre o mesmo assunto, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apesar de o Sr. Deputado Raúl Rêgo, com a autoridade que todos lhe reconhecemos, ter já dito o essencial, irei usar da palavra por duas razões.

Página 2079

28 de Abril de 1994 2079

Em primeiro lugar, em nome da bancada socialista ou, se preferirem, da família socialista, de que tenho muita honra em ser Presidente, quero agradecer as condolências dirigidas não só à bancada mas também ao partido.
Na verdade, sinto-me honrado pelo facto de o Armando Lopes, de quem fui amigo muito antes do 25 de Abril - encontrei-o muitas vezes na mesma barricada de combate contra o anterior regime -, ter pertencido à família socialista.
Em segundo lugar, gostava de realçar que desempenhou o cargo de Secretário de Estado por duas vezes: foi Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares quando fui Ministro dessa pasta, altura em que trabalhou intimamente comigo, e Secretário de Estado dos Assuntos Cooperativos quando fui Ministro de Estado, dependendo essa secretaria de Estado directamente de mim.
Devo dizer que, quer como parlamentar - e como já disse o Sr. Deputado António Lobo Xavier -, quer como brilhante jurista, quanto mais se apoucava, porque era extremamente modesto e quase que se ocultava por detrás dos seus trabalhos, mais luz fazia. Era, de facto, um jurista finíssimo, seguríssimo e dele não vinha uma iniciativa que não fosse perfeita ou quase perfeita.
Como Secretário de Estado, foi também um excelente colaborador e, além de competente, muito leal. Viveu a experiência de duas secretarias de Estado terem sido, por iniciativa do Governo de então, destacadas para o Porto. Porque estavam sediadas no Porto, o Armando Lopes foi viver para essa cidade, levando a sério e à letra a deslocação da Secretaria de Estado dos Assuntos Cooperativos. E é talvez tempo de lamentar que essa experiência centralizadora da organização do Governo tenha sido abandonada apesar de ter dado tão bons frutos. Essa experiência foi a excepção e bem gostaria que passasse a ser a regra.
Também queremos associar-nos às condolências dadas à outra família, que, porventura, neste momento, chora mais do que nós, pois é a família natural do Armando Lopes. Já tivemos a oportunidade de lhas expressar e, ontem mesmo, o Presidente da República, juntamente com alguns Deputados socialistas - aos quais, infelizmente não me pude associar -, esteve presente no seu funeral. Para nós, este é um momento doloroso porque o Armando Lopes morreu cedo, o que parece confirmar a velha máxima de que aqueles que os deuses amam pelo seu mérito morrem primeiro do que os outros.

O Sr. Presidente: - Antes de a Câmara guardar um minuto de silêncio, também gostaria de, em meu nome e no da Mesa, associar-me à homenagem aqui prestada à figura do Dr. Armando Lopes, um político notável, um governante que marcou a área por onde passou e um Deputado que muito honrou esta Casa. Lembro-me dele, sobretudo, como exímio cooperativista e é em nome desse ramo do Direito e de experiência social tão rica na nossa tradição cultural e tão pobre na nossa prática social, em nome desse vector da nossa cultura, que gostaria de lembrar pessoalmente Armando Lopes.
Associo-me também ao voto de pesar expresso ao Partido Socialista e, naturalmente, à família de Armando Lopes, à qual enviarei cópia do Diário da Assembleia da República, com as declarações aqui produzidas pelas diferentes bancadas.
Finalmente, na linha da sugestão feita pelo Sr. Deputado Raúl Rêgo, cuja lembrança também saúdo de modo especial, peço que a Câmara guarde um minuto de silêncio em memória de Armando Lopes.

Neste momento, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Procurarei abordar as questões relativas à criminalidade, mas antes quero referir-me ao problema das escutas.
O País viu ontem confirmado aquilo que há muito se denunciava andar a ser feito: há, efectivamente, escutas ilegais que incidem até sobre altas figuras do Estado, como é o caso das escutas ao gabinete do Procurador-Geral da República.
Não é possível esquecer, neste momento, aqueles que pretendiam responder às denúncias sobre escutas e outras ilegalidades, dizendo que era preciso que os acusadores provassem as suas acusações. Agora, o que vão dizer? A existência de escutas está provada e é de uma gravidade sem limites!
No comunicado que publicou, o Ministério da Justiça diz que o microfone é de um modelo "de fácil acesso no mercado" e o habitual responsável anónimo do Serviço de Informações de Segurança (SIS) já fez a sua frequente manobra de contra- informação ao afirmar à LUSA que o SIS, ao contrário da Polícia Judiciária, não podia fazer escutas. 15to é, o Ministério da Justiça aponta para toda a gente e o SIS concretiza as suspeitas na PJ! Haja modos!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O PCP reclama que as investigações prossigam com toda a urgência, sem quaisquer entraves, e que as autoridades que as realizam sejam dotadas de todos os meios necessários para um efectivo apuramento dos responsáveis, sejam eles quem forem!
Pela parte do PCP, queremos deixar bem claro que não permitiremos que as investigações e consequente atribuição de responsabilidades neste caso possam cair em aparentes impasses dilatórios com vista ao seu esquecimento, como, por exemplo, já sucedeu anteriormente com a vigilância exercida pelos serviços de informações sobre o mesmo Procurador-Geral da República, o que foi mais do que denunciado na comunicação social e provocou, aliás, um conflito com a força da PSP, que constitui a segurança pessoal dessa alta figura do Estado. Passados vários anos, tudo continua por explicar: o porquê dessa vigilância, quem a determinou e quem dela se aproveitou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Governo deveria estar, neste momento, presente na Assembleia da República para debater as medidas a tornar em relação a todas estas questões.
Entre essas medidas, o PCP propõe que seja feito um completo exame pelo departamento de telecomunicações da Polícia Judiciária às instalações e rede da Assembleia da República, incluindo as dos grupos parlamentares.
É um exame que deve ser feito com toda a urgência e estendido a outros órgãos e instituições. Mas é preci-

Página 2080

2080 I SÉRIE - NÚMERO 64

so lembrar, porque vem a propósito, que estes factos mostram também que é mais necessário do que nunca reforçar os meios de fiscalização sobre os serviços que, em Portugal, produzem informações.
A situação actual de ausência de fiscalização efectiva não pode prolongar-se; são os direitos dos cidadãos e o regime democrático que o exigem. Por essa razão, propomos que o projecto de lei, apresentado pelo PCP, relativo ao sistema de fiscalização dos serviços de informações seja agendado com urgência para que todo o sistema sofra uma reformulação e se torne eficaz, qualidade que hoje lhe falta.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, igualmente preocupante é o que se passa em Portugal quanto à criminalidade e à segurança dos portugueses.
Os últimos elementos e relatórios vindos a público mostram três traços principais: primeiro, agravam-se preocupantemente os índices da criminalidade violenta e da associada à droga, que constituem, afinal, a maior fonte de insegurança para as populações; segundo, sob a direcção do Governo, as forças de segurança interferem cada vez mais no campo das questões sociais e nas acções legítimas de trabalhadores, estudantes e de outras camadas da população, com desvio das funções de combate à criminalidade que lhes estão cometidas e violando as garantias constitucionais dessas organizações e dos cidadãos; terceiro traço, o aparelho técnico-logístico e a capacidade operacional das forças de segurança para as suas missões relacionadas com a segurança das populações continuam num processo de estagnação que conduz à sua degradação e incapacidade crescente.
Quero abordar especialmente o segundo traço, pois a cada vez maior inserção das forças de segurança nas questões políticas e sociais é um escândalo inqualificável!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de um atentado às regras democráticas que pautam as estruturas e missões daquelas forças. Não bastava já o facto de o Governo ter colocado os serviços de informações a actuar como um serviço de informações políticas, a vigiar e infiltrando-se nos movimentos sociais de oposição às políticas governamentais; agora, também algumas forças de segurança, como a PSP e a GNR, dedicam boa parte da sua actividade e do seu tempo ao que chamam a conflitualidade social.
No último relatório sobre segurança interna, referente ao ano de 1993, o comando da PSP tem o desplante de iniciar o relatório relativo à sua actividade com considerações de natureza marcadamente política. A descrição feita das situações criadas junto da Assembleia da República durante as manifestações de estudantes
é um verdadeiro insulto à inteligência. Os estudantes "forçam", fazem "invasões", são "violentos"; a acção do corpo de intervenção não
merece o mais pequeno reparo, são uma espécie de "anjinhos" caídos do céu.
O comando da PSP autobranqueia-se, com uma daquelas frases de manual que, por nos lembrarem outros tempos, vale a pena aqui reproduzir integralmente: "Alguns conflitos de natureza sócio-laboral provocaram situações pontuais de instabilidade com reflexos na ordem e tranquilidade públicas, através de manifestações que em alguns casos entraram na ilegalidade e provocaram perturbações graves, obrigando a PSP ao emprego dos meios de força para repor a ordem e evitar maiores danos".

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Cheira a bafio!

O Orador: - Com certeza que os Srs. Deputados conhecem este estilo. Eis como um corpo de generais e de oficiais superiores, sob a responsabilidade suprema do Ministro Dias Loureiro, entende imiscuir a PSP na política, eis como qualificam casos como o da TAP, o dos estudantes ou o dos produtores de leite da ilha de S. Miguel.
Nisto, o SIS não fica atrás da PSP em desplante, pois até faz críticas à comunicação social. Referindo-se às acções de contestação ao Governo, diz o SIS: "Algumas, aliás, foram de pequena representatividade (é o serviço de informações que julga a representatividade das acções) e só conseguiram maior divulgação através do empolamento que lhe foi dado pela comunicação social". Esta frase é de conteúdo marcadamente político e nada tem a ver com a actuação dos serviços de informações.
É também pelo que chama a intranquilidade social que o SIS começa o seu relatório, abordando as questões da contestação no mundo laboral, nos sectores da agricultura, na pesca, na caça e em relação aos estudantes, etc.
Mas, enquanto nesta componente de envolver as forças de segurança nas questões sociais - como se vê -, o Governo não poupa esforços, já quanto à alta criminalidade a situação é totalmente diferente.
Todos os tipos de crimes que mais preocupam os cidadãos aumentaram significativamente no último ano. Assim sucedeu com a delinquência juvenil: o aumento nos registos da GNR é de 30% e também a PSP assinala um aumento grande. Esta situação é resultado directo das insuficiências do sistema de ensino, das dificuldades de emprego, da pressão de uma televisão cada vez menos pedagógica, é fruto do clima do "salve-se quem puder" e da ausência de valores que caracteriza o modelo de sociedade que o Governo propugna.
Relativamente a situações ligadas à droga, os números de 1993 são alarmantes: nos registos da GNR, o tráfico de droga aumentou mais de 100%; nos da PSP, mais 34%; nos da PJ, mais 15%; as apreensões de heroína aumentaram mais 60% e as de haxixe passaram de 6 para 48 t.
Quanto ao crime violento, os assaltos a pessoas são, na opinião da PSP, dos crimes que mais aumentaram. A PSP regista mais 20% de roubos armados e, em 14% desses assaltos, foi utilizada a seringa como ameaça de estar contaminada com o vírus da SIDA.
Novos crimes violentos aparecem na sociedade portuguesa. A PJ regista que os raptos de menores dobraram e que o rapto e o sequestro de pessoas aparece como uma nova realidade do mundo do crime; a PJ regista também o aumento dos crimes com utilização de engenhos explosivos e do crime de associação criminosa. Os crimes contra as pessoas aumentaram, em 1993, 11,2 %, segundo dados da PJ.
Estes são os números que demonstram com clareza a completa mistificação com que o Governo apresenta a situação da segurança dos cidadãos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

Página 2081

28 de Abril de 1994 2081

O Orador: - O Governo fala de êxito, apresentou um número de mais 0,8 % na criminalidade entre 1992 e 1993, o qual é uma completa mistificação, por ser obtido à custa da descida do número de certos crimes (como, por exemplo, o do cheque sem cobertura) em virtude, designadamente, de alterações legislativas que reduziram o campo em que podem produzir-se esses crimes. Os números reais, os da criminalidade que efectivamente preocupa as pessoas, são os que acabei de fornecer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, enquanto o Governo privilegia as acções contra os opositores da sua política - estudantes, agricultores e trabalhadores -, a criminalidade aumenta de uma forma cada vez mais preocupante. Não é com mistificações que esta situação pode resolver-se nem é isso que os cidadãos reclamam para defesa da sua tranquilidade e segurança.
Aplausos do PCP e do Deputado Independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República tem disposições que consideram especialmente os casos de Macau (artigo 292.º) e de Timor (artigo 293.º), os últimos territórios da definição territorial do império que também figuravam na Constituição de 1933.
Por razões que importa recordar, ambos ficaram à margem da descolonização de 1974, porque os factos excluíam a lógica do movimento revolucionário: Macau porque a China não admitiu nunca que a Cidade do Santo Nome de Deus fosse tratada como colónia, nem pela ONU, nem pela soberania portuguesa, nem pelo Movimento das Forças Armadas e autoridades subsequentes, e decidiu controlar o retorno de todos os territórios dominados, ou que dizia dominados, pelos ocidentais à sua soberania, intervindo na definição do quando e do como; Timor porque o processo da revolução portuguesa foi abortado pela Indonésia, que invadiu, conquistou e integrou o território no seu espaço soberano, com violação do direito internacional, e dizimou a população cometendo um crime contra a humanidade.
Tratados pelo legislador constitucional em 1976 como excepção, que eram, também por isso ficaram submetidos a um regime específico, porque não entravam na definição unitária do território nacional (artigos 5.º e 6.º da Constituição): para ambos os casos adoptou a figura do território sob administração, embora sem um sentido uniforme.
Para entender a definição do estatuto de Macau é necessário recorrer aos velhos conceitos do século passado sobre as concessões, de Mamoco e Sousa, Rui Ulrich, Almeida Garrett, e que correspondem melhor ao entendimento chinês de sempre. Para Timor, a remissão para o direito internacional, e para "o direito à autodeterminação e independência de Timor Leste" implica o recurso à Carta da ONU e à figura da Potência Administrante, que Portugal tem invocado sem contestação.
A especificidade de Macau traduziu-se numa definição do executivo que exclui a competência do Governo nos negócios internos, e para Timor, uma comissão eventual proeurou corresponder à transitoriedade da administração da Carta da ONU, ficando no texto constitucional a referência que corresponde às responsabilidades históricas e morais de Portugal, quer pelo passado quer pela situação actual dos timorenses.

Os factos têm evoluído em termos de as excepções se transformarem em temas principais da política externa portuguesa, de modo que o Governo, em relação à recente visita de Estado à China, reafirmou a intenção de rever a Constituição em termos de assumir a total jurisdição de Macau, e ali assumiu, no contexto da visita, que a responsabilidade por Timor afecta a sua política geral, porque admitiu que a questão dos Direitos do Homem não lhe consente, sem consequências a evitar, manter um rigor igual para as duas administrações.
Em relação a Macau vai ser necessário seguir muito de perto a fiabilidade do regime de direitos e garantias que ficará formalmente estabelecido, sem perder de vista que é imprevisível a evolução interna chinesa da relação entre a privatização da economia e a manutenção da sede marxista e maoista do poder.
Os mais finos observadores e os mais experimentados estadistas não se atreveram a afirmar sequer a probabilidade da evolução nos casos semelhantes deste século, e não é de supor que maior sabedoria venha fixar residência entre nós, porque ser sinólogo não é uma ambição fácil de satisfazer.
No caso de Timor, sempre pareceu à generalidade dos intervenientes que Portugal, que não pode, pelas responsabilidades históricas e morais, e pela qualidade assumida de potência administrante, ceder nos direitos dos timorenses, quer como povo, quer como homens, assumiu nessa função desafios e debilidades que têm um preço algumas vezes elevado.
Depara-se, por exemplo, com a Realpolitik dos seus parceiros da União Política Europeia, onde a Alemanha, neste caso concreto, mostrou não se esquecer de que a expressão é sua, devida a Ludwig von Rochau (Grundsatze der Realpolitik, 1853), e enquanto vai recuperando a soberania que perdeu em 1945, acompanha os EUA e a Austrália no tratamento dos timorenses como povo dispensável.
A questão dos Direitos do Homem foi aparecendo gradualmente tratada pelo governo como um patamar diferente da autodeterminação e, agora, a relação objectiva entre as questões de Macau e Timor, traduziu-se numa gestão pragmática do mais grave de todos os temas, provocando inquietações e, designadamente, uma declaração, com raros precedentes, da Conferência Episcopal sobre os Direitos do Homem.
As antigas proclamadas excepções - Macau e Timor - afiguram-se agora questões centrais da política externa portuguesa. Trata-se da presença de Portugal no Pacífico, das bases da nossa intervenção nessa área já chamada o berço do futuro, dos interesses mas também da credibilidade portuguesa.
Por isso tem fundamento rever, como se anuncia, a Constituição para assegurar a responsabilidade do governo em Macau, tal como o tratamento de Timor por uma comissão eventual não assegura a atenção exigida, o que a Assembleia não lhe regateia, mas que se transfere provadamente, visto o peso da questão, para as Comissões permanentes de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, de Defesa Nacional e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Neste caso, e por renúncia sem qualquer dificuldade pessoal, pus a presidência da Comissão à disposição do Presidente da Assembleia da República para o ajudar na reformulação, porque o novo contexto exige repensar as formas de apoiar por igual, dentro da problemá-

Página 2082

2082 I SÉRIE - NÚMERO 64

tica de Portugal no Pacífico, os direitos dos macaenses e timorenses, como povos e como homens, dando uma atenção séria à Conferência Episcopal, por razões de Estado muito claras.
É que a posição da Igreja Católica em Timor deriva directamente do Acordo Missionário que esteve em vigor até 1974 e tem de considerar-se natural e bem-vinda toda a manifestação pública de inequívoco apoio à missão, que muitos consideram impossível, mas seguramente difícil, de integrar os timorenses na plena protecção do direito internacional.
Sobretudo nesta data, porque está marcada uma peregrinação de indonésios e timorenses, acompanhados de um Embaixador indonésio, ao santuário de Fátima,
e o governo português não pôde recusar os vistos, por um lado reconhecendo, com apoio do Presidente da República, um direito aos crentes, e, por outro lado, fazendo apelo ao conceito das medidas de confiança desejadas nas negociações com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, um acreditado profissional que lida com a fé dos outros com o mesmo desembaraço com que lida com o genocídio.
É evidente que tal ministro está seguro de que não trataremos os que vêm manifestar a sua fé em Fátima, como o seu governo tratou em Santa Cruz os fiéis à intervenção protectora de Portugal, mas é necessário ver esta questão das medidas de confiança.
Nos termos do Capítulo XI da Carta da ONU, a potência administrante tem não apenas o dever de exercer uma acção governativa, orientada pelos objectivos da ONU, como tem o dever de relatar, regularmente, ao Secretário-Geral amplas informações sobre as condições económicas, sociais e educativas dos territórios pelos quais seja responsável.
A situação do território de Timor impede totalmente Portugal de exercer as suas competências e de desempenhar-se das suas responsabilidades, de que só a ONU o poderia dispensar, desde que se atreva, ou quando se atrever, a dar o caso por consumado.
É o opressor indonésio que tem de praticar medidas de confiança, para se reabilitar para o diálogo, e para tal não serve mostrar que confia no comportamento português em relação aos peregrinos que nos envia. Por isso, no exercício das responsabilidades da soberania, temos de ser rigorosos no sentido de evitar que estejam a ser usadas e desfeiteadas, com frieza diplomática profissional, a dignidade dos valores cristãos portugueses, a dignidade da cultura portuguesa, a fé daqueles que naquelas paragens e em vários lugares e povos praticam ter recebido a Mensagem de Fátima, porque tudo isto é do foro da Declaração Universal dos Direitos do Homem, respeitadora das diversidades culturais.
Por isso, parece apropriado que a sociedade civil portuguesa, apoiada
pelas autoridades, e o povo de Deus com os seus ministros, acolham essa peregrinação, que lembrou ao governo indonésio, com uma significativa jornada de acolhimento em Fátima, inteiramente dedicada a Timor e aos Direitos do Homem.
Poderá ser, provavelmente, o mais importante dos sinais enviados à comunidade internacional. Em todo o mundo se ficará a saber por quem os sinos dobram.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Almeida Santos e Duarte Lima.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, queria significar-lhe que considero da maior oportunidade a intervenção que acabou de fazer, que me sugere duas questões que gostaria de colocar sem dispêndio de muito tempo.
Primeira questão: o Sr. Primeiro-Ministro demorou uma semana na China e não encontrou oportunidade para se referir à violação dos Direitos Humanos naquele país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também não encontrou durante essa semana, penso eu, um momento para se recordar de que o seu silêncio pareceria dar cobertura, ou pelo menos poderia ser interpretado como uma cobertura, a uma outra violação para nós mais grave, que é a violação dos Direitos Humanos em Timor.
Assim, gostaria de perguntar-lhe se, de facto, não o choca que nesta época de monetarização de todos os valores também se monetarize e se submeta ao jogo dos interesses o respeito por princípios tão sagrados como são os dos Direitos Humanos e como é para nós a possibilidade de Timor um dia poder ser livre.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando cá veio o Primeiro-Ministro da China o Presidente da República, na minha presença, fez uma referência defensiva aos Direitos Humanos e ao futuro de Timor e da violação do respeito pelos Direitos Humanos em Timor. mas não me pareceu que o Primeiro-Ministro da China ficasse susceptibilizado por isso ou prometesse qualquer espécie de retaliação relativamente às relações entre Portugal e a China.
Internacionalmente estes problemas são compreendidos e não é o silêncio que compra as cumplicidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É exactamente a frontalidade que as conquista!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de perguntar-lhe se acha que no momento em que nós nos preparamos para deixar o território de Macau, do qual a partir de certa altura passámos a ter apenas constitucionalmente a Administração, se justifica que nesta hora de dizer adeus nós acentuemos o papel do órgão executivo que está ligado directamente aos interesses em detrimento do órgão representativo que está ligado às relações internacionais entre Portugal e a China.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

Página 2083

28 de Abril de 1994 2083

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Adriano Moreira, ouvi com a maior atenção, como é sempre o meu hábito, a intervenção de V. Ex.ª autorizadíssima por todas as razões e, sobretudo, por o senhor ser o Presidente da Comissão Eventual de Timor Leste, e permita-me que aproveite esta oportunidade para significar também a opinião do meu grupo parlamentar e o apreço pela dignidade e pela competência com que V. Ex.ª tem dirigido e conduzido os trabalhos da Comissão.
Não vou entrar em questões laterais, como fez o Sr. Deputado Almeida Santos, ao aproveitar a sua intervenção para abordar, de forma que me pareceu manifestamente abusiva, a visita do Sr. Primeiro-Ministro à China.
Tanto quanto é sabido, o Sr. Primeiro-Ministro já fez saber que fez referências aos Direitos Humanos e nós não podemos confundir os problemas ideológicos com questões de Estado, porque teríamos de ir muito longe e questionar também os casos em que vários ditadores foram aqui recebidos, muitas vezes com pompa e circunstância, por diversos governos do nosso regime democrático...
De facto, o Sr. Deputado Almeida Santos sabe perfeitamente que a forma como quer transpor essa questão é abusiva dadas as circunstâncias concretas.
Naturalmente que o Sr. Primeiro-Ministro fez referências aos Direitos Humanos como deixou implícito e o menor ou maior eco que isso teve em Portugal é coisa que não é da sua responsabilidade.
Abordarei a questão nuclear da sua intervenção para dizer que o Sr. Deputado Adriano Moreira falou, na minha opinião, com acerto na eventual necessidade de repensarmos o problema de Timor e de Macau de forma diferente, e, tanto quanto percebi - e era isto que gostaria que explicitasse melhor -, eventualmente, em termos institucionais internos da própria Assembleia da República.
Faz sentido que a diplomacia portuguesa considere as duas questões integradas no contexto daquilo que deve ser a nossa diplomacia para a Ásia. Creio, pois, que é neste sentido que V. Ex.ª está a deixar a porta aberta a uma eventual reconsideração do que tem sido o actual papel da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste para uma recolocação das suas competências noutras áreas funcionais, nomeadamente integrando as Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e Defesa Nacional.
Quero dizer-lhe que se for essa a sua opinião, que certamente será fundamentada, o meu grupo parlamentar tem disponibilidade para abordar este tema em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e sobre ele reflectir, uma vez que tem a maior actualidade nos termos em que o colocou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou tentar responder com a objectividade que me for possível a todas as questões que foram colocadas, porque julgo que este tema respeita ao interesse fundamental do Estado português.
Nesta data, é evidente que aquilo que está em causa é a presença futura de Portugal no Pacífico, o que significa que todo o longo processo que tem sido desenvolvido e polarizado relativamente a Timor e a Macau está a mudar de definição, em primeiro lugar, porque a presença em Macau está a chegar ao fim e, em segundo lugar, porque a situação de Timor cada vez parece mais dependente do interesse das grandes potências que tratam aquele povo como um povo dispensável.
15to tem de ser dito com realismo, sem abdicar da defesa intransigente daquilo que são os Direitos do Homem em qualquer dos territórios e também do direito que tem o povo de Timor à autodeterminação.
Esta é a minha visão do problema, em que insisto, na convicção de que se for uma percepção errada ela é, em todo o caso, uma percepção que merece ser considerada em vista da evolução da conjuntura internacional, e é por isso que entendi que devia fazer hoje esta declaração política.
Começarei, pois, pela questão dos Direitos do Homem, cujo texto, desde a Declaração das Nações Unidas, tem sido considerado como objecto de uma polaridade de leituras, porque foi a primeira vez que na História da Humanidade todas as áreas culturais do mundo estiveram juntas a assinar o mesmo documento, e, por isso mesmo, o mestre Maritan, quando lhe perguntaram se finalmente tinham chegado a acordo sobre a redacção da Declaração, disse claramente que tinham chegado a acordo mas não sabia sobre o quê. E quando ele disse que não sabia sobre o quê estava a referir-se à pluralidade de leituras que as várias áreas culturais fariam da mesma definição formal, como tem acontecido.
Mas há uma área na qual não houve pluralidade de leituras e não foi sobre ela que o mestre Maritan foi interrogado. É a que respeita aos regimes políticos, pois sobre este assunto não havia diversidade, uma vez que todos os que assinaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem tinham participado na Guerra de 1939/45 e todos sabiam que lutavam contra regimes totalitários. Efectivamente sobre isso não havia diferença de leituras - aliás, nessa área não se pode ser tolerante, de acordo com a Carta das Nações Unidas.
Portanto, nenhum Governo pode omitir isso e, se é fiel e leal membro da Organização das Nações Unidas, tem de escolher o método e a maneira de o fazer em cada circunstância.
Devo dizer que assisti à visita do Primeiro-Ministro da China a este Parlamento e não tive a mesma leitura benevolente da reacção dele sobre a atenção que lhe foi chamada de maneira evidente para a violação dos Direitos do Homem em Tianamen.
Na verdade, muitos dos Srs. Deputados participaram numa das manifestações mais evidentes, da iniciativa até do Partido Socialista, no Parlamento, e a reacção do Primeiro-Ministro da China foi, obviamente, desagradável.
Naturalmente sou inclinado a entender que, por um lado, quem pertence às Nações Unidas não pode omitir a sua posição sobre a condenação da violação dos Direitos do Homem naquela área, que contém duas leituras, mas, por outro, que o processo, o método, a arte diplomática de o fazer tem de ser deixada à responsabilidade dos intervenientes.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quero que me expliquem, pois quero criticá-los, mas não me atrevo, aprioristicamente, a

Página 2084

2084 I SÉRIE - NÚMERO 64

entender se os métodos foram ou não bem escolhidos. Do que não tenho dúvidas é sobre a interpretação, que faço, da Carta das Nações Unidas, e sei que o Sr. Dr. Almeida Santos também concorda com esta declaração.
Por outro lado, indo ao segundo ponto da questão colocada pelo Sr. Deputado Almeida Santos, a mudança da estrutura governativa de Macau, devo dizer que, a meu ver, tem oportunidade de discuti-la, justamente por estarmos a sair de Macau. Aquilo que neste momento é importante, penso eu, para Portugal, é conseguir definir pontos de apoio para estar presente no Pacífico, porque, dentro de muito poucos anos, não teremos aí qualquer ponto para agir. A definição da nossa presença, que seja bem aceite e que nos garanta autonomia de intervenção, no que diz respeito não apenas a Macau mas a Timor Leste e a muitos outros sítios nas margens do Pacífico onde houve presença portuguesa, não é tarefa fácil, e vamos ter de prestar homenagem ao estadista que for capaz de consolidá-la. E é por isso que, em meu entender, não devemos atardar-nos em assumir esta situação e à necessidade de uma nova atitude em relação à presença de Portugal no Pacífico, quer no que toca a instrumentos do Estado quer no toca a instrumentos privados de acção naquela área.
Espero ter respondido inteiramente à pergunta com que me honrou o Dr. Almeida Santos e também, implicitamente, aos comentários do Dr. Duarte Lima, que nesta matéria tem mostrado sempre um realismo completo e que, naturalmente, irá manifestar-se no acompanhamento desta questão.
O que digo, muito claramente, é que, sendo esta uma questão inteiramente nova na sua definição, num momento em que o fim da presença portuguesa quer em Macau quer em Timor Leste está próximo, a intervenção dos órgãos de soberania tem de ser redefinida, pois não pode continuar a pensar-se que estamos a lidar com excepções de solução a curto prazo, como marginalmente foram tratadas na definição formal da Constituição. Ao contrário, neste momento, estamos em face de um desafio essencial ao conceito estratégico do Estado naquela área e a redefinição da intervenção dos órgãos de soberania parece-me inadiável. Folgo com o facto de a minha proposta ter sido recebida de maneira tão concordante.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero, em primeiro lugar, salientar a oportunidade desta intervenção e a profundidade do debate que aqui se gerou em torno de uma manifesta questão de Estado e, em segundo lugar, exprimir o quanto apreciei a atitude do Sr. Deputado Adriano Moreira, Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, ao dar um tempo de reflexão para que a Câmara, através dos seus órgãos próprios, repense a Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste e venha a tomar, na altura adequada e ao ritmo parlamentar, uma decisão de fundo sobre a matéria.
Muito obrigado, foi com grande prazer que todos nós escutámos estas três intervenções sobre um tema tão delicado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País democrático que comemorou, com júbilo, os 20 anos do 25 de Abril acaba de ser, mais do que surpreendido, sobressaltado.
Não é já a ofensa à sua memória e ao seu passado, àquilo que faz parte integrante da identidade histórica da democracia portuguesa e que foi o combate às práticas policiais, que longamente reprimiram em Portugal a aspiração democrática e institucionalizaram o medo e a insegurança.
Não é do passado que agora falamos, não é já só a memória que defendemos mas, sim, do presente da democracia, do Estado de direito e do Estado dos direitos, liberdades e garantias que nos temos de ocupar hoje, com séria preocupação,
Ontem, na hora e no dia que o Governo escolheu, ficámos a saber - nós, Deputados - pela comunicação social que, ao coração do próprio Estado construído em nome do Direito e da democracia, chegam hoje práticas e comportamentos que não queríamos acreditar que fossem possíveis. Ficámos a saber que há uma nova e preocupante vulnerabilidade nas instituições.
É verdade que muitos cidadãos e alguns de nós tinham já motivo para suspeitar que estavam aí, de novo, escutas - essas operações a que no passado longamente se entregou a polícia política, que hoje alguns procuram branquear e outros fazer esquecer. 15so constituía já motivo sério de preocupação.
Mas quando o alvo comprovado de um microfone de escuta é a figura do Estado que dirige a magistratura, que responde pelo exercício da acção penal e pela defesa da legalidade democrática, é justificado o sobressalto, é inadiável o alarme.
A democracia não só não pode tolerar como não pode reduzir à rotina ou, por alguma forma, minimizar que instituições fundamentais para o seu funcionamento sejam vigiadas e envolvidas por tentáculos invisíveis de contra-instituições, de poderes factuais ou instituições agindo fora e contra a lei.
A democracia é, por natureza, o poder visível, o poder à vista dos cidadãos. Em nome dela, é preciso continuar a travar hoje o combate não só contra as velhas e novas formas de poder invisível como também contra a caricatura democrática que resultaria de instituições do Estado de direito se encontrarem sob a vigilância e o controlo de poderes invisíveis e indizíveis.

Aplausos do PS.

Esse combate deve ser de todos, deve ser do Governo, do Parlamento, dos cidadãos, mas tem um requisito indispensável: a convicção e o procedimento democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, hoje os portugueses não têm apenas razão para se preocupar com a grave descoberta nas instalações da Procuradoria-Geral da República, não têm apenas motivo para se preocupar com idênticos riscos a que eles próprios poderão, até por maioria de razão, estar sujeitos. Têm motivo para se preocupar com a forma inaceitável como o Governo actuou perante tal facto, têm motivo para se preocupar com o tempo e o modo que o Governo escolheu para o revelar aos portugueses.
O que é grave, em democracia, não pode ser nem escondido nem minimizado.

Página 2085

28 de Abril de 1994 2085

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São outros os regimes que controlam e retardam o conhecimento dos factos pelos cidadãos. Não é admissível que o Governo tenha adiado a revelação dos factos, ao País e, sobretudo, ao Parlamento.

Aplausos do PS.

As práticas de retenção da informação, por forma politicamente calculada, constituíam noutros tempos - é preciso lembrá-lo - parte importante da actividade da censura, porque censurar não é apenas usar o lápis azul para riscar, é também ocultar!
Não sendo alegável segredo de Estado, não sendo alegável - nem o foi! - segredo de justiça, é preciso dizer que acaba de ser criado um terrível precedente e dado um golpe sério na confiança dos portugueses.

Aplausos do PS,

A partir de agora, passa a ser legítimo recear que factos desta natureza, ou outros semelhantes, sejam do conhecimento do Governo mas que ele decida subtraí-los pelo tempo que julgar conveniente ao conhecimento dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aplicar num caso como este as técnicas do segredo e da manipulação do tempo da revelação é minar o recurso fundamental, que é a confiança dos cidadãos na credibilidade das instituições. Mas é igualmente inadmissível a tentativa ostensiva, a que assistimos, de minimização do facto e do seu significado.
Na primeira declaração pública que fez sobre esta matéria, o Primeiro-Ministro Cavaco Silva fez questão de sublinhar que o microfone encontrado poderia não ter entrado em funcionamento. É brincar connosco, Srs. Deputados!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Exacto! Brincadeira de mau gosto!

O Orador: - O Ministro da Justiça, falando também pela primeira vez, cerca de 10 dias depois de ter tomado conhecimento dos factos e não no Parlamento, quis mencionar a hipótese de se estar a "fingir que se escuta", ou de se tratar de "provocação" ou - pasme-se! - de a gravidade dos factos ser meramente "simbólica" ou "referencial".
São graças pesadas para as circunstâncias!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São atitudes e declarações, elas próprias, preocupantes. É patente que procuram diminuir o alcance dos factos e relativizar o que é um sinal sério de perigo para as instituições, que são fundamentais para um Estado democrático. A imagem que transmitem é a de quem quer, à partida, agarrar-se à possibilidade de os factos não terem a gravidade que aparentam e até poderem encerrar significados arrevesados.
Faltou frontalidade, lisura e convicção democrática na reacção do Primeiro-Ministro e do Ministro da Justiça a esta inquietante ocorrência.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Sabíamos já da dificuldade do Primeiro-Ministro e do Governo em lidar com situações sérias para a economia. Ficámos agora a saber da sua impreparação para lidar democraticamente com situações sérias para as instituições.

Aplausos do PS.

Se as pensões dos PIDES suscitaram, como aqui já foi recordado, uma questão de cultura democrática frente aos perigos decorrentes do nosso próprio passado, o que se passou agora revela um déficit de cultura e de defesa democráticas frente aos perigos do nosso próprio presente.
O Ministro de Administração Interna remeteu-se ao silêncio. O Primeiro-Ministro e Ministro da Justiça, não obstante algumas das palavras que empregaram, procuraram diminuir intoleravelmente o alcance desta revelação e desta ameaça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não preencheram o primeiro requisito político para a combater.
Aos governantes, em democracia, nem é lícito o silêncio sobre o que é grave, nem basta dizer que o é.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É preciso dizê-lo na hora certa e no local certo e não na hora politicamente calculada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É preciso vir dizê-lo ao Parlamento, muito especialmente quando estão em causa aspectos essenciais do Estado de direito.
Os portugueses conhecem a acção do Procurador-Geral da República na dinamização da investigação do crime, nomeadamente daqueles crimes, de elevada danosidade social, que envolvem elementos da chamada elite económica e política, como a corrupção, os crimes fiscais, os desvios de subsídios.
Recordam-se também das investidas legislativas com que a maioria e o Governo visaram precarizar a sua posição. Recordam-se do lugar que lhe foi atribuído na teoria das forças de bloqueio que o Primeiro-Ministro pôs em circulação. Recordam-se ainda da denúncia da falta de meios, por parte do Procurador-Geral da República, meios que o Governo não lhe tem proporcionado em condições bastantes para o desempenho cabal das suas missões, designadamente em matéria de investigação criminal.
Os factos que agora conhecemos, a circunstância de a sua descoberta ter resultado de uma operação de limpeza electrónica que o próprio Procurador-Geral da República julgou necessário solicitar, suscitam graves interrogações e suspeições sobre responsabilidades. É preciso dizer que a gestão temporal desta informação e a tentativa de minimização do acontecimento em nada contribuem para as dissipar ou reduzir. E é preciso dizer também que a notícia de última hora, de que vários ministros poderiam estar sob escuta, tem todo o ar de constituir uma operação de confusão e desresponsabilização.

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 2086

2086 I SÉRIE - NÚMERO 64

O Orador: - É preciso que os visados não se furtem ao esclarecimento imediato destas notícias. Torna-se urgente e essencial apurar responsabilidades e saber se se trata de uma acção fora da lei orientada contra uma instituição fundamental do Estado ou da ponta de um iceberg, representando um risco e uma ameaça ainda mais extensa para as instituições democráticas. Hoje, faz sentido perguntar: que outras forças de bloqueio não estarão hoje também sob escuta?

Aplausos do PS.

É urgente, repito, saber se os cidadãos podem estar tranquilos nas suas casas, quando o Procurador-Geral da República tem razões para não poder estar tranquilo no seu gabinete. É urgente saber se os partidos de oposição não estão também eles sob a mira de escutas e vigilância ou sob alcance de aparelhos, mesmo que alguém os queira tranquilizar com a hipótese, infantil, de poderem nunca ter funcionado... É preciso saber até que ponto o Estado de direito português contém hoje mais do que os germes de um Estado policial. É urgente um completo apuramento de responsabilidades políticas pessoais - repito, de responsabilidades políticas pessoais - por esta vulnerabilização do Estado de direito, que afaste esta nuvem preocupante do horizonte de democracia portuguesa. E essa nuvem - é preciso dizê-lo - é tanto esta concreta ameaça como um Governo em que ao Primeiro-Ministro e aos seus Ministros da Justiça e da Administração Interna faltam a convicção e o rigor de procedimento democrático, para poderem deixar tranquilos os portugueses acerca do modo como acautelam os seus direitos, liberdades e garantias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E a quem falta a capacidade de indignação para, por sua iniciativa, o virem fazer - repito, para o virem fazer - no lugar e no tempo próprio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vinte anos depois do 25 de Abril, é necessário assegurar aos portugueses que podem viver tranquilos, falar tranquilos e confiar na acção tranquila das instituições que defendem a legalidade democrática. Com este Governo, essa tranquilidade não está assegurada!
Nestas circunstâncias, como já há pouco tive ocasião de referir, o PS anuncia, desde já, que vai requerer a constituição de uma comissão eventual de inquérito aos riscos antidemocráticos do funcionamento efectivo dos Serviços de Informações, incluindo os métodos e as formas de vigilância e escuta. O Parlamento deve assumir as suas responsabilidades perante os que o elegeram. Pela nossa parte, assumi-las-á.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Alberto Costa, infelizmente, é reincidente. Já há pouco cometeu os mesmos atentados ao rigor democrático, que ele mesmo invoca, porque eu não creio que pertença ao rigor democrático ou à celebrada cultura democrática acusar antes de averiguar. Mas o Sr. Deputado, levado pelo ímpeto de reduzir tudo, como também há pouco referi, mesmo os assuntos mais sérios, a uma mera politiquice, já nos bombardeou da Tribuna...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... com as acusações políticas, que é, no fundo, o que pretende, com as suspeições lançadas, que é, pelos vistos, aquilo que mais privilegia.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Assim, limitar-nos-emos a declarar, como há pouco fizemos, que pensamos que tudo deve ser esclarecido sem restrições e sem reticências. Tudo esclarecido! Pensamos que todas as diligências que conduzam a isso devem ser praticadas. Mais: pensamos que todas as reclamações e solicitações há pouco produzidas devem ser satisfeitas, inclusive o rastreio na Assembleia da República a todo o Palácio e, nomeadamente, aos grupos parlamentares, como já foi requerido. E assim sucessivamente!
Srs. Deputados, nós desejamos uma vida pública e política tão transparente como os senhores! Nós desejamos uma vida pública e política tão rigorosa como os senhores,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... apesar do vosso comportamento aqui, por parte de alguns dos vossos representantes, que não revelam nem rigor nem transparência!

O Sr. António Braga (PS): - Não diga isso, Sr. Deputado!

O Orador: - Digo, Sr. Deputado, porque não percebo por que é que reclamam uma comissão de inquérito - que nós não recusamos -, se já chegaram às conclusões que pretendem!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, já que invocam cultura e rigor democráticos, por favor, dêem provas dessa cultura e desse rigor.
Srs. Deputados, nós desejamos que tudo seja rigorosamente esclarecido e estamos tão preocupados, como qualquer um de vós, com a credibilidade das instituições, com a transparência da actuação dos serviços do Estado, quaisquer que eles sejam - resta saber se são serviços do Estado, porque nenhum domínio da investigação deve ser posto de lado.
Em suma, nós desejamos, com toda a sinceridade, que este incidente seja averiguado de forma total, com toda a urgência e os Srs. Deputados, que pretenderam e bem! - a presença do Sr. Procurador-Geral da República, vão ter ocasião de o questionar sobre o assunto. O Sr. Procurador-Geral prestou já declarações que respondem a algumas das vossas questões. Ele mesmo declarou que ele pretendeu que o assunto tivesse reserva e, simultaneamente, foi o Governo que decidiu - espero que os Srs. Deputados entendam que foi por bem - tornar público o incidente. De qualquer modo, os Srs. Deputados terão aqui o Sr. Procurador-Geral da

Página 2087

28 de Abril de 1994 2087

República, terão o Sr. Ministro da Justiça, terão, com certeza, outros Ministros, terão oportunidade de inquirir os Srs. Deputados sobre esta matéria, mas, mesmo que não pretendam fazê-lo, fá-lo-emos nós, tanto como os senhores, desejamos a credibilidade das instituições e a transparência da vida pública.
Srs. Deputados, não vale a pena fazermos concorrência entre nós sobre estes assuntos, porque isso não contribui para a democracia que vocês desejam, e nós também, mas contribui, isso sim, para uma politiquice que só menoriza as nossas relações políticas, que só menoriza as instituições da República, e isso nós não o desejamos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, registo com agrado que o seu grupo parlamentar vai votar a favor do inquérito que vamos propor.
Ouvi as suas considerações sobre o rigor democrático, sobre a cultura democrática e a sua teoria do é politiquice e do que não é politiquice. Devo dizer que tenho ouvido, ao longo de sessões e sessões, nesta Assembleia, com paciência, as suas doutas considerações. Devo dizer que, mais uma vez, quero fazer prova dessa paciência!

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - 15so faz parte da cultura democrática!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, não pude estar presente no debate porque estive, numa escola, a falar sobre o 25 de Abril e a aprontar um projecto de lei.
Em todo o caso, porque penso que aquilo que pretendo dizer se insere nos termos de uma interpelação e também no contexto deste debate, gostaria de informar que acabei de entregar na Mesa, a propósito da celeuma que se levantou - e muito bem! - em torno das escutas no gabinete do Procurador-Geral da República - e sem tentar insinuar seja o que for! -, um projecto de lei sobre a extinção do Serviço de Informações e Segurança

Risos do PS.

Sem pôr em causa a necessidade de defesa do Estado democrático, penso que nos preocupa a todos que essa mesma defesa começa a ser posta em causa por instrumentos que escapam à democracia e que enveredam por caminhos perversos, de controlo dos cidadãos e de perturbação do gozo das suas liberdades e direitos democráticos, cívicos e constitucionais.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Quer fazer ressuscitar a 5.ª Divisão?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 5 minutos.

ORDEM DO DIA

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 327/VI - Regulamenta a obrigatoriedade de publicitação dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares (PSD) e 370/VI - Assegura a publicidade das decisões de entidades públicas que atribuam benefícios a particulares (PS).
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, para fazer a síntese do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os subscritores do projecto de lei n.º 327/VI, apresentado pelo PSD, justificaram a sua apresentação a dois níveis: em primeiro lugar, pela necessidade de progressiva criação de mecanismos legais que possibilitem uma crescente transparência da acção governativa e, por outro, por uma questão de actualidade.
Com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, múltiplas entidades privadas passaram a ter acesso a consideráveis fundos de gestão directa ou indirecta pela Administração Pública, o que tornou mais premente a necessidade de conhecimento, por parte dos cidadãos, da atribuição desses montantes.
No preâmbulo do projecto de lei, refere-se a existência de vários dispositivos legais que visam a obrigatoriedade de publicitação de decisões com o alcance referido, mas é expressamente acentuado o facto de terem sido avulsamente publicados.
Os objectivos do projecto de lei apresentado por Deputados do PSD são, pois, os da criação de uma lei que clarifique as normas relativas à obrigatoriedade de publicitação das decisões que originem a atribuição de dinheiros públicos a entidades privadas, mas não apenas isso. Não se trata apenas de reunir o que existia antes mas também de acrescentar outras obrigatoriedades consideradas de interesse público relevante e de execução administrativa aceitável e alargando a quantidade de elementos que cada publicitação deverá conter.
O que os Deputados do PSD propõem, pois, é a obrigatoriedade de publicitação das transferências correntes e de capital que ministérios, fundos e serviços administrativos ou executivos municipais decidam efectuar a título de subsídio, subvenção, bonificação, ajuda, incentivo ou donativo.
Também fica abrangida por essa obrigatoriedade, quando concedidas a particulares, as dilações de dívidas de impostos e contribuições à segurança social deferidos por actos administrativos e a concessão (também por acto administrativo) de isenções e outros benefícios fiscais, cuja decisão implique margem de livre apreciação administrativa e não uma mera aplicação automática.
O projecto de lei consagra essas obrigações apenas a partir de determinados montantes mínimos e explícita a forma de publicitação necessária.
Um outro aspecto importante é que os subsídios ou donativos concedidos pela segurança social a título de acção social não estão abrangidos por este diploma.

Página 2088

2088 I SÉRIE - NÚMERO 64

Este projecto de lei n.º 327/VI foi apresentado pelo PSD em 8 de Junho de 1993, véspera do debate em Plenário do projecto de lei n.º 277/VI, em que o PS visava assegurar a publicidade das decisões de entidades públicas que atribuíssem benefícios a particulares, o primeiro subscritor do projecto de lei apresentado pelo PSD - o Deputado Rui Rio - é, aliás, o autor do relatório e parecer relativo ao projecto de lei do PS, que foi, então, aprovado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano.
No debate do dia 9 de Junho passado, o PSD justificou o seu voto contra o projecto de lei n.º 277/VI fundamentalmente pela existência de "alguns exageros" e de "inaplicabilidade prática" devido às exigências nele contidas de informação considerada pelo PSD como "perfeitamente desnecessária", apesar de ter considerado a temática como constituindo uma questão "da maior importância, não só face aos pressupostos base de qualquer regime democrático como, inclusive, face ao momento político que a Europa tem vindo recentemente a viver".
O PCP e o CDS-PP, embora manifestando a necessidade de aperfeiçoamento no debate na especialidade, deram, então, apoio genérico ao projecto de lei n.º 277/VI, enquanto o PS salientou, já nessa altura, que o projecto de lei n.º 327/VI, que tinha sido apresentado horas antes, tinha o mesmo objecto e uma grande similaridade de soluções.
Para terminar, devo dizer que, como diferenças centrais, mas não as únicas, entre os dois diplomas, há que salientar, no projecto de lei n.º 327/VI, a não retroactividade a 1 de Janeiro de 1986 (data de entrada de Portugal nas Comunidades Europeias); a utilização da expressão "Ministérios, Fundos, Serviços Autónomos ou Executivos Municipais", em vez da expressão "entidades públicas", o que retira a segurança social, formalmente; a supressão formal (também julgo que é só formal) do chamado perdão de dívidas; a obrigatoriedade de publicitação no que se refere às isenções e benefícios fiscais, apenas nos casos em que a decisão implique margem de livre apreciação administrativa; e a não obrigatoriedade de publicitação do "pagamento a particulares de indemnizações cujo valor não tenha sido judicialmente fixado", avançando-se embora com a norma que prevê a explicitação autónoma da verba total relativa ao montante global das indemnizações pagas pelo Estado a entidades privadas, autónoma daquelas cujo valor não tenha sido fixado judicialmente.
A Comissão de Economia, Finanças e Plano votou hoje de manhã, por unanimidade, este relatório, dando o parecer de que este projecto de lei está em condições de subir a Plenário para debate na generalidade.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobe hoje a Plenário o projecto de lei n.º 327/VI do Partido Social Democrata, que visa regulamentar a obrigatoriedade de publicitação dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares.
O objectivo que se pretende prosseguir, com a apresentação e posterior aprovação do presente projecto de diploma, é, indiscutivelmente, um objectivo da maior importância, num quadro de aperfeiçoamento do nosso regime democrático.
Com efeito, consolidada que está a nossa democracia há já alguns anos, o principal desafio que se nos apresenta pela frente, e que deve estar sempre presente no rol das nossas principais preocupações políticas quotidianas, tem de ser, obviamente, o da sua constante evolução.
É, neste contexto, que a transparência da acção governativa deve ser encarada e defendida por todos nós, não só por aqueles que estão na oposição e que aspiram legitimamente a um dia ser poder mas, fundamentalmente, por quem, nos termos da vontade popular, detém, actualmente, a responsabilidade de gerir os recursos públicos.
Consciente da imprescindibilidade deste pressuposto em todo e qualquer regime democrático evoluído, o Grupo Parlamentar do PSD entendeu dever submeter à aprovação desta Assembleia, um projecto de lei que desse um passo decisivo no sentido da transparência.
Tal como é referido no preâmbulo do texto que, hoje, está em debate, tornou-se extremamente necessário que se criem mecanismos legais que possibilitem uma crescente transparência e possam, desse modo, fornecer ao cidadão, uma visão clara e precisa sobre a gestão de coisa pública.
Existe já em Portugal diversa legislação avulsa sobre esta matéria. A integração na Europa comunitária e a consequente aprovação dos quadros comunitários de apoio ao nosso país, originaram um conjunto de legislação que obrigam, já hoje, o Governo à publicitação de uma grande parte das verbas que põe à disposição das entidades particulares. Também, em Janeiro de 1986, através de uma resolução do Conselho de Ministros, o Executivo obrigou-se à publicação dos subsídios que vai concedendo no âmbito da sua actividade.
Impõe-se, no entanto, a criação de uma lei que, não só reuna num único diploma as obrigatoriedades já existentes como, inclusive, alargue, substancialmente, a sua abrangência.
Assim sendo, prevê-se que sejam publicadas todas as transferências correntes e de capital que a Administração Pública efectue para entidades exteriores ao sector público administrativo, sejam elas a título de subsídio, subvenção, bonificação, ajuda, incentivo ou donativo. Dever-se-á, igualmente, dar a conhecer aos portugueses, as dilações de dívidas de impostos e contribuições para a segurança social que sejam deferidas por competência governamental, bem como a concessão de benefícios fiscais que não decorram automaticamente da lei e cujo acto de reconhecimento implique uma margem de livre apreciação administrativa. A doação de um bem patrimonial, registado em nome do Estado, deverá, também, ser objecto de inclusão na publicação que se visa consagrar.
Como não podia deixar de ser, pretende-se que a transparência não seja um exclusivo do poder central, pelo que o diploma em apreço alarga a obrigatoriedade de publicitação aos Executivos regionais e às câmaras municipais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Junho do ano transacto, apreciou este Plenário um diploma do Partido Socialista que versava precisamente esta mesma matéria.
Por essa razão, não devemos deixar de reconhecer o devido mérito a quem teve uma ideia claramente positiva.
No entanto, a forma como esse projecto de diploma estava redigido, deixou-nos fundadas dúvidas sobre as suas reais intenções. Essas dúvidas terão de continuar a pairar no nosso espírito, com a apresentação do projecto de lei n.º 370/VI, igualmente da autoria do PS e também hoje incluído na ordem do dia. Acontece que

Página 2089

28 de Abril de 1994 2089

este projecto é, basicamente, igual ao que fora discutido em Junho, apenas com uma pequena alteração de pormenor: o ajustamento dos limites a partir dos quais a publicitação se torna necessária.
Tal como tive oportunidade de referir neste Plenário, aquando da apreciação do original do projecto socialista, também, agora, em sede de discussão da fotocópia do mesmo, terei de dizer que as suas intenções visam muito mais a componente demagógica do que, propriamente, uma equilibrada defesa da transparência.
Repetindo o que então tive oportunidade de aqui afirmar, o projecto de lei do PS enferma de alguns exageros, que, pela sua inaplicabilidade prática, o podem tornar, ele próprio, um adversário dos objectivos que se pretendem prosseguir. Ao tentar dar a imagem que quer obrigar a publicitação de tudo e mais alguma coisa, cria tanta informação sem interesse que, no fundo, se arrisca a só criar desinformação.
Ao alargar os limites de duas para cinco anualizações do salário mínimo nacional, o PS ultrapassou, dessa forma, a obrigatoriedade de terem de ser publicadas em Diário da República muitas verbas que antes ficavam abrangidas. Mas ainda assim, mantém-se no projecto socialista, a necessidade de publicar, por exemplo, imensas transacções de Bolsa motivadas por compras e vendas de acções detidas há mais de dois anos ou pagamentos de juros de obrigações com regime fiscal de excepção, o que acontece na maioria dos casos.
Não poderemos também esquecer que as indemnizações pagas pelo Estado, desde que não fixadas judicialmente, teriam de ser objecto de publicação, mesmo que não tivessem tido qualquer tipo de intervenção de um agente político.
Sr. Presidente, isto significaria, que uma indemnização fixada por acordo das partes, motivada, por exemplo, por um acidente de viação ou, muito principalmente, por um qualquer dano causado por uma obra, teria de vir na listagem que se pretende regulamentar.
Mas acresce que o Partido Socialista entende que as listagens a publicar deveriam incluir, caso a caso, entre outros aspectos, a fundamentação da decisão e a identificação do processo, para lá da própria identificação dos representantes ou mandatários de todas as pessoas colectivas envolvidas.
É, realmente, caso para perguntar para que serviriam todos esses quilos de papel. Julgo que, somente, para o PS poder dizer que defende a transparência total!
Finalmente, o principal partido da oposição, que, quando foi Governo, não tomou qualquer medida no sentido do mesmo tipo de transparência que agora pretende consagrar, abraça a demagogia com quanto força tem e defende a retroactividade desta norma a 1 de Janeiro de 1986. São centenas de quilos de papel, simbolizadores de toneladas de demagogia!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não está só em causa a impraticabilidade da medida, mas fundamentalmente, a interessante nuance de o Partido Socialista entender que a transparência deve ser só para os outros. Tudo deve começar, apenas, a partir do ano em que os "transparentes" socialistas abandonaram a liderança do Executivo. Ao redigir semelhante medida, os Deputados do PS não se esqueceram do conhecido ditado popular, que sempre nos relembra: "o seguro morreu de velho".

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como disse no início, o projecto de lei que o Partido Social Democrata deseja ver aprovado insere-se numa ideia nuclear que se prende sempre com o aperfeiçoamento da nossa democracia.
"Quem não deve não teme"! Por isso, o PSD entende que esta lei serve também o próprio decisor político sobre quem não podem recair, sistematicamente, suspeitas de inconveniente gestão dos recursos públicos. Todos aqueles que fazem da sua actividade política um serviço à sociedade não deixarão, com certeza, de achar que quanto mais claras e à vista as suas opções estiverem, tanto melhor para todos nós.
Numa altura em que no espírito dos portugueses paira, ainda, a comemoração do vigésimo aniversário do 25 de Abril, toda e qualquer medida que se integre no aperfeiçoamento do regime democrático, que essa data possibilitou, será, obviamente, adequada.
Não tenho, pois, dúvidas em me congratular com a apreciação que, hoje, fazemos deste projecto de lei, pois julgo que ele reflecte que vamos no caminho mais correcto e que melhor serve os interesses do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, o meu esclarecimento diz respeito ao artigo 2.º do vosso projecto de lei.
É estabelecido nesse artigo 2.º que a publicidade, quer de subsídios, donativos, etc., quer isenções e outros benefícios fiscais não automáticos, só se aplica quando o seu valor exceder três anualizações de salário mínimo nacional, o que significa, em números redondos, 1800 contos.
Supondo que este número pressupõe um juízo de valor, que foi escolhido por alguma razão, pergunto por que é que o PSD escolheu este valor mínimo.
E se lhe faço a pergunta é porque me parece que este valor é demasiado alto. Porquê 1800 contos, em números redondos, e não 1500 ou 1000 contos? Por que é que só os donativos que excedem este valor é que estão sujeitos a essa publicidade?
Era esta a questão que tem implícita a discordância quanto a este valor que consideramos demasiado elevado.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Deputado Rui Rio quer responder imediatamente ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, respondo de imediato.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raúl Castro, o facto de serem três anualizações em vez de uma, duas ou quatro, é subjectivo. Porém, em sede de discussão na especialidade, estamos abertos para poder aumentar ou diminuir.
Devo dizer que a razão que nos levou a escolher três anualizações tem a ver com um facto muito simples, isto é, se se fizerem publicações muito extensas - e as pu-

Página 2090

2090 I SÉRIE - NÚMERO 64

blicações serão muito extensas se baixarmos esse limite -, corremos o perigo, tal como eu disse, de o excesso de informação criar, na verdade, desinformação, porquanto as pessoas não vão consultar com a mesma facilidade uma publicação mais extensa. Esta foi a razão que norteou a escolha de três anualizações.
No entanto, tal como comecei, repito: em sede de especialidade, estamos abertos a reflectir sobre essa verba.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira):- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, confesso que não tinha intenção de lhe fazer qualquer pergunta. Em todo o caso, as circunstâncias desta sessão quiseram que há pouco tivesse ouvido, da parte do Sr. Deputado Silva Marques - e não sei se V. Ex.ª assistiu -, uma aula teórica sobre politiquice. Tive agora a sensação de assistir à aula prática.

Risos do PS.

V. Ex.ª, apesar de ter referido mérito das reais intenções do nosso projecto de lei, falou de toneladas de demagogia, de quilos de papel e eu não esperaria o privilégio de, numa mesma sessão, encontrar tão completa ilustração do que tinha sido, teoricamente, apresentado pelo seu colega de bancada!... Noto, entretanto, que V. EX.ª aproveitou para fazer, desde já, um conjunto de comentários desajustados ao nosso projecto de lei, comentários, esses, a meu ver, insuficientemente inspirados.
Tentarei, aliás, daqui a pouco, numa intervenção, recordar a V. Ex.ª o que penso ser algumas das matrizes sérias de intervenções nossas nesta matéria.
Porém, quero sublinhar que foi, com grande espanto, que verifiquei que deixava de fora, no seu projecto de lei, por exemplo, a área da segurança social, que, como sabe, é uma área onde abundam "sacos azuis" e onde a publicidade, seguramente, faz muita falta!...
Notei ainda que V. Ex.ª entendia que um conjunto de atribuições públicas, no valor de cinco anualizações do salário mínimo, não teriam, do seu ponto de vista, grande interesse, chegando mesmo a mencionar indemnizações por acidentes de viação. Creio que o Sr. Deputado não está bem ao corrente dos valores que normalmente são empregues nesta matéria. Penso que faria bem esclarecer-se! De qualquer maneira, se meditasse nestes valores, talvez não considerasse tão desinteressante para um contribuinte saber para onde vai o resultado dos seus impostos, porque há muitos portugueses! - e são, aliás, o essencial dos que pagam o IRS - que pagam ao Estado, com muita dificuldade, importâncias bem inferiores a essa.
Por outro lado, não compreendo como é que V. Ex.a, a propósito da retroacção deste diploma, em relação a todo o período posterior à adesão de Portugal às Comunidades, se permite, também aí, prosseguir a aula prática de que há pouco falei, se o vosso diploma sublinha a importância que teve essa adesão no substancial aumento do volume de transferências e de benefícios a favor do sector privado. Mas, sobretudo, não compreendo por que é que os que tiveram a responsabilidade política das decisões não hão-de ser os primeiros interessados na sua publicitação. 15to porque entendia, e continuo a pensar, que o principal interesse do decisor democrático é justamente ver os seus actos publicitados.

Afinal, caberia perguntar: de que tem medo o PSD, em relação à publicitação destes dados, depois da adesão de Portugal às Comunidades?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, registo, em primeiro lugar, que ficou incomodado com a intervenção do Sr. Deputado Silva Marques. É natural! O Sr. Deputado Silva Marques limitou-se, no entanto, a fazer o aproveitamento político de uma intervenção desastrada que V. Ex.ª teve!... É normal, em termos de actividade parlamentar.
Quanto ao mérito da ideia do Partido Socialista, já o disse - e repito - que o Partido Socialista tem o mérito de ter apresentado esse projecto de lei há cerca de 10 ou 11 meses atrás: Mas também relembro que o Partido Socialista não chegou em primeiro lugar! O Governo, em Janeiro de 1986, já se tinha auto-obrigado a publicar todos os subsídios. O Partido Socialista tem o mérito de tentar reunir, num único diploma, o que existe - e algumas coisas que não existem e que se pretendem também abranger...
Agora, perante uma boa ideia do Partido Socialista mas transcrita para um mau diploma, o Partido Social Democrata não pode ser fazer outra coisa senão a crítica e pôr em dúvida as reais intenções que o Partido Socialista tem, isto é, se quer mesmo a transparência ou se quer fazer aproveitamento político.
Sr. Deputado, quanto à retroactividade a 1 de Janeiro, o problema não se põe em se conhecer ou deixar de conhecer, até porque a maior parte desses subsídios são conhecidos, porque já foram objecto de publicação. A questão é que não tem sentido pois são quilos e quilos de papel, São nove anos de subsídios... Não tem qualquer sentido estar a exigir uma coisa dessas.
De facto, a adesão à Comunidade aumentou os fundos, mas já os havia antes, havia os fundos de pré-adesão. Sempre houve actividade do Estado nessa matéria em termos de transferência.
Por exemplo, os acidentes de viação, que ultrapassem cerca de 3400 contos, são realmente poucos, mas se formos ver danos por obras, na zona de construção civil (um muro que caiu, etc.), já não é bem assim. Se, por exemplo, um hospital faz uma rescisão do contrato de trabalho de um funcionário a quem tem de pagar uma indemnização, já estamos a ter de incluir muitas dessas verbas no Diário da República.
Portanto, as críticas que faço é no sentido do bom senso e, politicamente, ponho as minhas dúvidas sobre, as reais intenções de quem propõe isto tudo.
Quando se propõe, por exemplo, a publicitação de benefícios fiscais que não sejam automáticos, relembro que, como disse da tribuna, os juros da maior parte das obrigações cotadas no mercado têm um regime favorável. Por isso, quando há pagamento de juros, teríamos de publicar quem são as pessoas que receberam mais dinheiro líquido, livre de imposto, pelo simples facto de o regime ser de excepção.
Finalmente, quanto à questão da segurança social, as negociações das dívidas à segurança social estão claramente explicitadas no texto. Se, no entanto, faltar alguma coisa que seja relevante em termos públicos, é

Página 2091

28 de Abril de 1994 2091

óbvio que, em sede de especialidade, a iremos incluir, porque, se não está prevista, é por mera desatenção e não por qualquer vontade política.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa do Partido Socialista a favor da publicidade das decisões das entidades públicas que atribuem benefícios a particulares inscreve-se, com naturalidade, na "agenda transparência", que há várias sessões legislativas impulsionamos.
Apresentada originariamente há mais de um ano, recebeu então execução sumária da parte da maioria, na base de objecções expeditivas de desnecessidade e inexequibilidade. Mas, na véspera da discussão em Plenário da nossa iniciativa original, surgia da parte do PSD, isto é, do próprio pelotão de execução, uma iniciativa afinal convergente, de carácter comprovadamente mais limitado, que é a que hoje está aqui também em discussão.
Como em relação a tantas outras iniciativas parlamentares, à rejeição ou inviabilização de uma proposta originária da oposição, impossível de retirar de cena, seguia-se, por parte da maioria, uma réplica em via reduzida. Mas o atraso de um ano não chega para nos desmoralizar e sermos nós a começar em domínio como este - aconteceu o mesmo com o controlo do financiamento - dos partidos políticos e o projecto de acesso do público às declarações de património, rendimentos e interesses dos políticos - é, afinal, algo que apenas distingue as nossas prioridades.
Importa, contudo, que os pressupostos de fundo de iniciativas como esta se tornem explícitos e que episódios menores de placagem parlamentar, nomeadamente na sua modalidade de aula prática, não obstruam a compreensão do que é importante.
A publicidade é uma dimensão essencial do agir democrático. Como já foi dito, em democracia não basta agir em nome do público; é preciso também agir à vista do público.
A publicidade é a via principal para as decisões se tornarem visíveis, acessíveis, controláveis. Não pode ser controlado o que se mantiver escondido ou reservado.
Tem sido observado que as exigências fundamentais de publicidade como via de controlo, cedo reconhecidas nos âmbitos parlamentar e judiciário, colocam hoje problemas novos e de vasta dimensão, no domínio da actividade administrativa do Estado pós-keynesiano, um Estado que, como já foi sublinhado, actua - utilizo uma expressão de que o PSD não gostou em tempos - como um "grande processador" de incentivos, subsídios, benefícios, donativos, indemnizações, compensações, restituições, prémios, ajudas, etc..
Como notou Bobbio, num Estado que assim actua como "administrador de vantagens" - insisto numa outra expressão que os senhores pensaram que denotava as nossas obscuras intenções políticas, mas que era uma citação de uma grande autor - estão postos em causa os pressupostos das próprias expectativas tradicionalmente postas no controlo dos actos pela justiça administrativa. É que elas fundam-se no pressuposto de que o cidadão é, em maior ou menor medida, prejudicado pelos actos administrativos.

Ora, quando os actos da Administração não ofendem os interesses dos cidadãos directamente interessados, mas, ao contrário, os favorecem, o pressuposto altera-se substancialmente e deixa de poder esperar-se da justiça administrativa o que antes era possível supor que resultaria da sua acção.
Daqui também decorre, acrescidamente, a exigência de um novo papel da publicidade no domínio da administração de benefícios de todos os benefícios - como meio de garantia de um controlo que de outro modo não se realiza, dificilmente se realiza ou incompletamente se realiza.
É sabido que em Portugal, com a adesão às Comunidades, aumentou enormemente o volume de benefícios que passaram a ser transferidos da área da decisão pública para os privados e que esta circunstância veio trazer uma nova acuidade ao problema do conhecimento e controlo público dos actos de atribuição de tais benefícios. Escândalos, suspeições, processos-crimes, desvios e desperdícios são, obviamente, ocorrências que encontram o terreno mais propício num quadro em que se preservem áreas de sigilo e de reserva e em que se resista à publicidade.
Aliás, o escândalo, como também escreve Bobbio, não é mais do que o conhecimento pelo público daquilo que nasceu justamente para não ser conhecido do público. 15so também permite compreender a importância para o prestígio das instituições democráticas de regras exigentes e tanto quanto possível exaustivas em matéria de publicidade de actos de atribuição de benefícios.
É reconhecidamente insuficiente, avulsa e incompleta a regulamentação existente neste domínio. A este respeito, recordo ao Sr. Deputado Rui Rio que a sua colega Deputada que se ocupou de tal relatório e parecer, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, reconheceu expressamente as insuficiências existentes nesta matéria no domínio agrícola, que, como sabe, é um domínio onde a publicidade tem particularmente feito falta.
Se os subsídios ou alguns subsídios (confiram-se os comentários feitos no referido relatório) se encontram contemplados, à falta de lei, em resolução do Conselho de Ministros, as outras soluções são pontuais, sectoriais, lacunares. A própria forma como as exigências decorrentes da regulamentação comunitária são vertidas na ordem interna - pense-se nos despachos ministeriais que, sectorialmente, concretizam na exigência de painéis, em certos casos (o Sr. Deputado Rui Rio terá certamente isso presente), o que consideram ser a "publicidade adequada" - é claramente insuficiente.
É importante que a própria lei, de forma genérica e suficientemente especificada, acolha as consequências da admissão do princípio da publicidade neste domínio da actividade administrativa. Daí que proponhamos, com a naturalidade com que há um ano o fizemos, que a lei passe a prever que sejam obrigatoriamente publicitadas as decisões de entidades públicas obviamente de todas as entidades públicas (também a esse respeito parece terem existido deficiências de entendimento inesperadas) - de que decorram não apenas subsídios, mas também subvenções, ajudas, incentivos, donativos, bonificações e quaisquer outros benefícios equivalentes (enfim, toda essa lista que os Srs. Deputados do PSD também souberam copiar, e bem copiaram, para o seu projecto).
Adquirem relevo neste domínio, na área da Administração Fiscal, os casos em que benefícios, isenções e

Página 2092

2092 I SÉRIE - NÚMERO 64

perdões têm também por detrás decisões administrativas, aliás classicamente passíveis de recurso contencioso. Nesses casos, devem elas ter também, a nosso ver, tratamento equivalente, sob pena de uma zona decisiva da chamada administração de benefícios escapar à possibilidade do escrutínio público e se frustrarem objectivos de transparência, que servem também, aliás, a própria credibilidade dos decisores.
Consideramos indispensável, no nosso projecto, que a exigência de publicação se estenda, em termos especialmente consagrados, ao período decorrido desde a adesão de Portugal às Comunidades. O acrescido volume de recursos desde então transferido através de decisões públicas e a exigência de uma avaliação rigorosa de um período fundamental para a modernização de Portugal justificam essa solução. Acreditamos, sinceramente, em que os responsáveis por tais decisões sejam os primeiros interessados em tal solução.
Aliás, ouvimos, há poucos anos, declarações nesse sentido dos responsáveis do IFADAP, que, naturalmente, confessavam não estar essa prática dentro dos hábitos da instituição.
Estamos abertos a melhorias, nomeadamente em relação a tudo o que sejam ganhos de exequibilidade, o que parece constituir a preocupação do PSD nesta matéria. O nosso primeiro e fundamental objectivo não é qualquer espécie de aproveitamento político.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Que ideia!...

O Orador: - É, sim, contribuir para que seja suprida uma lacuna legislativa e assegurada a publicidade, de forma sistemática, em domínios fundamentais para a transparência da actividade pública.
Sem hipocrisia, e quaisquer que tenham sido as palavras do Sr. Deputado Rui Rio, consideramos positivo que o PSD tenha encontrado no nosso projecto originário o estímulo para avançar com uma iniciativa nesta matéria, que em relação à nossa mantém áreas de convergência e manifesta algumas preocupações paralelas. É pouco e muito menos do que entendemos necessário, mas, francamente, é melhor do que nada!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Acima de tudo, oxalá se torne agora finalmente possível, após um ano de espera, levar algumas exigências organizadas de publicidade a este domínio, sem excluir, como é evidente, o da segurança social! Tomei boa conta das palavras do Sr. Deputado Rui Rio sobre o equívoco ou lapso na área da segurança social, que o projecto do PSD, numa leitura literal, parecia excluir.
É de mais publicidade que todos estamos carecidos e a democracia portuguesa está carecida. Também estamos carecidos - diga-se de passagem - de publicidade e livre acesso do público às declarações de património, rendimentos e interesses dos titulares de cargos políticos.
Aproveitamos a ocasião para desafiar o PSD a descongelar também esse dossier, que há meses jaz às suas mãos na comissão competente.
É preciso que a agenda da transparência seja consequentemente levada à prática. Num momento em que se conhecem novas e preocupantes ameaças para o Estado de direito, gerir no sentido da visibilidade, da transparência e da publicidade, da mais lata visibilidade, transparência e publicidade, é o único caminho que nos resta para restaurar a confiança dos cidadãos nas instituições.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Carp e António Lobo Xavier.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, falou há pouco de aulas teóricas e práticas,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Foi uma aula teórico-prática!

O Orador: - ... mas hoje a sua prova oral não foi das mais felizes. Já teve melhores provas orais do que a de hoje.

Risos do PSD.

De facto, foi infeliz, há pouco, em matéria em que já aponta culpados sem sequer ter havido ainda investigação.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Infeliz foi quem mandou para lá os microfones!

O Orador: - Esteja calmo, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, e deixe-me acabar a pergunta, para ver se conseguimos, finalmente, deslindar o mistério, que talvez não o seja, relativo ao projecto de lei, reincidente, do Partido Socialista. É que esse diploma contém uma norma que pretende retroagir os seus efeitos a 1986. O Sr. Deputado explicou que entrámos na Comunidade Europeia em 1986 e que foi a partir dessa data que se registou um forte incremento de subsídios. Mas, afinal de contas - e coloco-lhe esta questão para deslindar o mistério -, esses subsídios devem revelar-se pela análise qualitativa ou pela análise quantitativa? 15to porque me parece que o que interessa é saber se esses subsídios e benefícios fiscais foram atribuídos correcta ou incorrectamente. De outro modo, cabe perguntar o que poderemos extrair do preceituado. Será que, no fundo, o PS quer é limpar e esquecer tudo o que tenha a ver com benefícios e subsídios do tempo da sua governação, que, coincidentemente, termina quando se inicia o tal período a que os senhores querem retroagir a publicação dos subsídios e benefícios?
Parece que os senhores quase dizem assim: "Não vá o diabo tecê-las e o melhor é só ficar no tempo dos governos do PSD! É melhor nós, socialistas" (estou a pensar em face da sua ausência de resposta), "não nos metermos nestas análises".
Nós, PSD, não temos qualquer receio em falar disso. Eu até tenho alguma responsabilidade nisso. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 10/86 diz claramente: "Determinar que todos os ministérios, incluindo os fundos e serviços autónomos, promovam a publicação mensal da lista nominativa de onde conste a relação de todos os beneficiários e montantes de todos os subsídios concedidos", e por aí fora. Posteriormente a essa, foi emitida outra resolução, ainda nesse ano, que tentava resolver e ressalvar algumas lacunas dessa resolução. Depois apareceram ainda outros diplomas que, de forma pontual, procuravam cobrir essa situação.
Simultaneamente ou em paralelo, fomos também nós, PSD, no governo e na Assembleia, que promovemos

Página 2093

28 de Abril de 1994 2093

pela primeira vez a obrigatoriedade de expressão das chamadas despesas fiscais, ou seja, da perda de receita pela concessão de benefícios, que - reconheço-o -ainda é insuficiente. Foi por isso que dissemos que o princípio agora em discussão era correcto. Seria necessário, sim, não sufocar ou afogar o Diário da República, porque, quando queremos muitas coisas ou coisas demais, queremos é, no fundo, tapar tudo. Parece ser isso o que, no fundo, os Srs. Deputados querem fazer ao porem tanta coisa, tanta obrigatoriedade, tanta publicação, sem discriminar sequer a fonte.
Esquecem-se os senhores de uma coisa fundamental, entre outras. No vosso projecto de lei excluem as doações a título patrimonial. Ou seja, se alguém der uma determinada quantia, esse benefício tem de ser publicado, mas, se alguém oferecer um edifício, já não é obrigatória a respectiva publicação. É isso o que decorre da leitura do vosso diploma, o que, no mínimo, é estranho.
Falou, há pouco, V. Ex.ª do Bobbio. Recordo-lhe outro filósofo que muito nos toca também. Refiro-me a Karl Popper, quando diz que nesta matérias legislativas o excesso de basismo fragiliza a democracia. Estamos precisamente perante um exemplo desses da vossa parte, que queremos evitar com o nosso projecto de lei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, nesta discussão o Partido Social Democrata e o Partido Socialista, apesar de todos os "mimos" que dirigiram um ao outro, têm reconhecido que a iniciativa em apreço é, em termos gerais, benéfica. Também quero entrar para esse tandem, porque efectivamente o CDS-PP também tomou uma iniciativa nessa matéria.
Curiosamente, o CDS-PP, que tem a preocupação que, obviamente, não é seu exclusivo - da transparência, tinha a iniciativa mais simples e praticável de todas as que estão em discussão.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Não dar subsídios!

O Orador: - A primeira iniciativa consistia, como se sabe, no nosso projecto de lei que ficou conhecido como "estatuto da função política".
Passando ao pedido de esclarecimento propriamente dito que pretendo dirigir ao Sr. Deputado Alberto Costa, diria que, obviamente, as duas iniciativas em discussão têm méritos e significam avanços. O que falta, pois, é limar algumas questões de pormenor.
Em matéria de questões de pormenor, há efectivamente mais interrogações, do ponto de vista do CDS-PP, relativamente à iniciativa do Partido Socialista do que em relação à do Partido Social Democrata, desde logo porque foram aqui feitas observações com as quais concordo e às quais o Sr. Deputado Alberto Costa posso ter estado desatento, mas pareceu-me verificar isso - não conseguiu responder. Refiro-me à questão relacionada com os benefícios fiscais.
Cabe-me perguntar, a este respeito: na sua interpretação - porque a questão não é clara e necessitará, pois, de algum afinamento - é preciso publicar todos os benefícios fiscais concedidos, mesmo os benefícios fiscais que estão taxativamente expressos na lei? Se é isso, de facto, não é possível aceitar tranquilamente essa proposta porque os benefícios são tantos - nos códigos, no Estatuto dos Benefícios Fiscais e nas leis avulsas - que não é possível controlar todo esse mar imenso.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado acha praticável que se publique tudo quanto, nesta concepção lata do PS, foi concedido desde 1986? Qual é a vantagem? Do meu ponto de vista, preferia uma coisa mais realista que era permitir o acesso de todos os que quisessem saber, conhecer os subsídios ou os benefícios, nesta acepção lata, atribuídos a uma empresa ou a um particular e, ao mesmo tempo, definindo-se como interesse uma base mínima. Assim, admitiria o acesso de um interessado a uma certidão passada pela entidade competente que especificasse quais os benefícios e subsídios concedidos.
Porém, a divulgação completa desse manancial parece-me algo de absolutamente irrealizável e de pouca utilidade. Em matéria de benefícios fiscais boa parte deles não são passíveis de correcção, a possibilidade de os corrigir já caducou, tem um interesse bastante duvidoso e contribuiria apenas para burocratizar e empolar desnecessariamente as publicações oficiais.
Sr. Presidente, com a sua benevolência, uma última questão. Sr. Deputado Alberto Costa, o que significa revelar os representantes ou os mandatários dos beneficiários que intervieram nos processos? Em relação a esse aspecto tenho as maiores reservas e as maiores dúvidas sobre a intenção do PS. Mandatários abrange, por exemplo, advogados? Pensa o Partido Socialista que é possível, e mais do que possível que é necessário, a divulgação do nome dos advogados que representaram as empresas ou os particulares nos processos, que às vezes são complicados, de candidaturas a benefícios fiscais ou a subsídios? Acho isso absolutamente inaceitável nos mandatários. E em relação aos representantes por que é que se torna necessário conhecer quem foi o administrador que assinou o pedido de atribuição de um benefício fiscal? Com que razões é que o PS fundamenta uma exigência deste tipo que não seja uma razão altamente suspeitosa e duvidosa de ser levada à prática?
Eram estas três questões que colocaria ao Sr. Deputado Alberto Costa, embora fique uma por colocar ao Sr. Deputado Rui Rio. É que também, talvez por lapso, no projecto de lei do PSD só carecem de publicação os benefícios atribuídos aos particulares e não às empresas. Deve, pois, ter havido um lapso.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Professor, perdão, Sr. Deputado Rui Carp, creio que se permitiu a liberdade académica de falar de provas orais e de dissertar sobre o erro jurídico que seria falar de culpa antes de investigação. Os seus considerandos em matéria jurídica são certamente muito respeitáveis mas permitir-me-à que os reduza à sua real importância. Professores, na nossa idade, cada um tem os que tem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Vamos ver! Vamos ver!

O Orador: - V. Ex.ª teceu alguns comentários sobre o que significaria a aplicação das nossas soluções ao período posterior a 1 de Janeiro de 1986 e fez conside-

Página 2094

2094 I SÉRIE - NÚMERO 64

rações manifestamente reincidentes nesta matéria. É que tudo o que disse, se bem me recordo, era o que já constava do debate anterior sobre esta matéria.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Os senhores repetiram!

O Orador: - V. Ex.ª reincidiu, reincidiu, e, já que falou de prova oral, permita-me que lhe diga que, nesta matéria, V. Ex.ª é repetente. Os seus argumentos mais não são do que a repetição dos anteriormente empregues.

O Sr. Rui Carp. - A pergunta é a mesma!

O Orador: - Aliás, bem sabe como nesta matéria, apesar da resolução do Conselho de Ministros, que, apesar de tudo, é um instrumento bem mais precário do que a lei, houve algumas áreas, e uma particularmente relevante, que não foram cobertas por essa resolução. Essa é, como V. Ex.ª não ignora, a área agrícola.
Queira V. Ex. fazer o favor de procurar, nos anos que se seguiram a essa resolução, a publicação dos subsídios agrícolas. Gostaria também que consultasse a este respeito as actas da Comissão de Agricultura e Mar e as declarações da comissão directiva do IFADAP. O certo é que esses subsídios, esses apoios, não são publicados, não foram publicados.
Estes são os factos. Faltar-nos-ia agora o desplante de V. Ex.ª em vir inventar uma realidade! Prometo-lhe um doce se encontrar nos Diário da República posteriores a essa data a teoria de subsídios que foram atribuídos na área agrícola.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado, só para mostra o contra-exemplo do que está a dizer, cito-lhe o Diário da República, de 12 de Novembro de 1991, onde se pode ler um despacho com a discriminação dos subsídios atribuídos a organizações como a Associação Técnica dos Viticultores do Alentejo, a Cooperativa Agrícola de Távora, a CAP, entre outras.
No entanto, não disse que estas resoluções não tinham defeitos e que não tinham sido interpretadas restritivamente por algumas entidades. Mas o princípio geral foi sempre o de abranger todas as entidades do sector público administrativo. administração central.

O Orador: - Então V. Ex.ª concorda comigo no sentido de que, em várias áreas, e nomeadamente na da agricultura, uma grande massa de subsídios escapou ao crivo da publicidade? V. Ex.ª tem de concordar com isto, que é a realidade.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Foi por isso e só por isso que o PSD também apresentou um projecto.

O Orador: - Assim, algum sentido faz que essa área seja esclarecida. E, por exemplo, na área do Fundo Social Europeu há muitos problemas que poderiam ter sido evitados se houvesse esta publicidade. Portanto, é pena que não tenha havido lei, é pena que essa resolução tenha sido insuficiente e é pena que tenha sido insuficientemente praticada!

Sr. Deputado António Lobo Xavier, em primeiro lugar, seja bem-vindo a esta promoção da publicidade que conhece aqui dois momentos infelizmente não coincidentes. Levanta V. Ex.ª o problema do Estatuto dos Benefícios Fiscais e os problemas que causaria uma previsão tão lata como a que apresentamos.
Sucede que no nosso diploma, que propositadamente não quisemos alterar, partimos da noção de decisão. Portanto, admitimos que sempre que seja proferida uma decisão pública - e admitimos o esclarecimento de que seja uma decisão passível de ser recorrida administrativamente, isto é, uma decisão que contenha, os ingredientes necessários para ser tomada como acto administrativo - se justifica a possibilidade de uma sindicância...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira).
Sr. Deputado, já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar dentro de pouco tempo.
Pensamos, pois, que as bases para um critério nessa matéria estão definidas: ou há automatismo que dispensa decisão pública, e nesse caso o nosso projecto não aponta para a necessidade de publicação - o PSD interpretou que queríamos que fossem publicados os subsídios, mas não é assim porque entendemos que a montante dos subsídios devem ser publicadas as decisões -, ou há decisão e ela deve ser publicada.
V. Ex.ª levanta também o problema de se poder pensar que o interesse na consulta, desde que ela fosse proporcionada, poderia funcionar substitutivamente em relação ao mecanismo da publicidade. Sr. Deputado, fiz algumas considerações de natureza teórica para mostrar que o propulsor do interesse, e nomeadamente do interesse individual, mas não só esse, é insuficiente para assegurar hoje uma cobertura de visibilidade e de controlo suficientes para os actos desta natureza. E é esse o fundamento da nossa posição.
Em relação ao passado existe um conjunto de circunstâncias, um conjunto de problemas, de suspeições, de processos, e até um estado de espírito público negativo em relação a muitas destas aplicações...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que abrevie pois já excedeu largamente o seu tempo e o do Partido Socialista.

O Orador: - Sr. Presidente, vou tentar terminar.
..., estado de espírito esse que até é muitas vezes aproveitado de forma interesseira contra esta atribuição de benefícios, que precisa de ser politicamente resolvida.
Muito brevemente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, penso que em relação aos representantes e aos mandatários há interesses sérios em que se esclareça, nomeadamente na área que melhor estudei e melhor tenho presente, a da agricultura, um conjunto de conexões que são certamente significativas do ponto de vista público. E, sobretudo, queria lembrar que nalguns Direitos está prevista - não há, portanto, nenhuma originalidade exotérica - esta identificação dos representantes e dos mandatários. Reconheço que pode haver alguns problemas mas não se trata de uma ideia tão infundamentada e exotérica como se poderia imaginar.
Muito, obrigado, Sr. Presidente, pela sua tolerância.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

Página 2095

28 de Abril de 1994 2095

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que nos encontramos julgo que não vale a pena fazer uma análise da posição do Partido Comunista Português sobre a necessidade de assegurar a administração aberta e a transparência das acções governativas. Julgo que isso é um dado adquirido.
Nesse sentido, e reportando-me aos dois projectos de lei em discussão, estamos totalmente de acordo com a ideia do reforço dos mecanismos de publicitação e de informação sobre a atribuição de subsídios, subvenções, benefícios, etc., por entidades públicas a entidades colectivas e individuais privadas. E é a entidades colectivas e individuais que, suponho, se dirigem os dois projectos quando falam em particulares. Julgo que não há aqui a ideia de tentar restringir o campo de aplicação a pessoas individuais.
Todavia, parece-me haver entre os dois projectos algumas zonas de sobreposição que, no mínimo, do nosso ponto de vista, suscitam a possibilidade da existência de um consenso mínimo básico do qual se pode partir para a elaboração de uma lei que venha reforçar os mecanismos hoje existentes e que são insofismavelmente insuficientes. Parece-me também que a existência dessa base de partida consensual poderá permitir do nosso ponto de vista desejamos que assim seja - a elaboração de uma lei que seja mais clara, mais actual e abrangente do que o que neste momento existe. Necessariamente essa discussão terá de ser feita em sede de especialidade.
No entanto, haveria dois ou três aspectos que, em termos de generalidade, gostaríamos de indicar como posição nossa. Por um lado, julgamos que um dos princípios básicos da lei deve ser o de abarcar todas as entidades públicas e de não restringir essas entidades porque isso pode suscitar, no mínimo, a desconfiança de que poderá haver subsídios, benefícios ou o que quer que seja que transitam das entidades que venham a ser abrangidas na lei para outras. Aliás, há um parecer, creio que da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que refere, por exemplo, a não inclusão dos institutos públicos, o que me parece que seria negativo.
Por isso, julgo que o primeiro aspecto que, em termos globais, deveria ser objecto de consenso, era o de abranger o maior número possível de entidades públicas na perspectiva das entidades que concedem os benefícios.
Por outro lado, parece-nos importante ponderar os benefícios a abranger na perspectiva da pessoa ou da entidade que os recebe. Os benefícios a abranger, do nosso ponto de vista, não são em termos da natureza do benefício, mas do quantitativo deste que, aliás, é previsto nos dois projectos de lei.
Parece-me importante, recordando o debate que fizemos aqui há cerca de um ano, e utilizando a expressão que então utilizei, que "a floresta não venha esconder as árvores", e, diria, aquelas árvores mais frondosas, com as que é preciso ter mais cuidado e ter, mais directa e constantemente, sob análise e apreciação.
Já agora, gostaria de suscitar duas dúvidas que se me oferecem sobre os projectos em discussão, e que é matéria que podemos ver e analisar em especialidade. Parece-me que a perspectiva, num caso expressa - no projecto do PSD - e, noutro caso - no projecto do PS não sendo expressa, mas admitindo essa hipótese, da publicitação deste conjunto de informação e de benefícios apenas com periodicidade semestral será de reponderar. Julgo que é preferível uma periodicidade menor que o semestre, pois de outro modo quando aparece a informação o bloco é tão grande - o acumular de seis meses de informação - que pode dificultar a análise de quem a queira fazer e a própria apreciação da informação que é transmitida.
Por outro lado - e não vou entrar aqui nas histórias de quem teve iniciativa ou de quem não teve, se foi o Governo, se foi o PS, ou quem quer que seja -, estou a lembrar-me, quando há vários anos atrás se discutiram projectos relativos à lei de enquadramento do Orçamento do Estado, que nessa lei se tentou incluir esta matéria e colocar - e era aqui que queria chegar - a questão da fundamentação da decisão.
Parece-me que é importante, porque se atendermos àquilo que hoje sai mensalmente naquela listagem, na verdade tem algum significado, mas, com toda a sinceridade, diz muito pouco. E a fundamentação da decisão parece-me importante, pelo menos os seus elementos básicos e essenciais.
Admitimos também, neste momento, que fazer uma publicação com todos os benefícios que são concedidos (subsídios e por aí fora) e com a respectiva fundamentação possa ser um volume excessivo.
Não tendo ainda o meu Grupo Parlamentar uma posição definitiva, julgo que podemos ponderar, em sede de discussão na especialidade, que, não havendo a fundamentação na publicitação que é feita, fique claro e expresso legalmente que é livre e aberto o acesso à fundamentação de cada decisão que foi assumida.
Penso que isso poderia condensar os interesses presentes, e que são fundamentalmente os interesses da transparência da atribuição dos subsídios e dos benefícios, sem estar a sobrecarregar, em termos daquilo que já aqui foi chamado os quilos ou as toneladas de papel, essa publicitação dos subsídios que são concedidos.
Neste momento, em sede de generalidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é isto que se nos oferece dizer.
Como ficou, julgo eu, claramente pressuposto da posição que aqui assumi em nome do meu Grupo Parlamentar, em sede de generalidade iremos votar favoravelmente os dois projectos de lei em discussão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, no curto tempo que me resta, quero não só anunciar que também votaremos favoravelmente as duas iniciativas como adiantar alguma coisa em relação à matéria que discuti com o Sr. Deputado Alberto Costa, que talvez mereça alguma atenção na especialidade.
O estatuto dos benefícios fiscais estabeleceu a regra do requerimento dos interessados, mesmo quando a atribuição do benefício consiste simplesmente num acto de reconhecimento de que estão verificados os pressupostos legais, sem nenhuma margem de intervenção. Dou-lhe um exemplo: estão isentos de contribuição autárquica os imóveis classificados; mas é preciso requerer. Só que esse é um requerimento que é deferido taxativamente com a mera verificação dos pressupostos. Esse facto vai ao encontro da afirmação do Sr. Deputado

Página 2096

2096 I SÉRIE - NÚMERO 64

Octávio Teixeira no sentido de que é difícil explicitar os fundamentos. Estes, muitas vezes, são documentos ou consulta de processos. E, de facto, é difícil, num espaço curto, publicar todos esses fundamentos.
É por isso que eu, à primeira vista, mas sem prejuízo do que se vier a observar na especialidade, prefiro a redacção do PSD nesta matéria dos benefícios fiscais. O projecto do PSD tem a seguinte redacção: "A concessão por contrato ou por acto administrativo ( ... ) de isenções ou outros benefícios fiscais não automáticos (...) cujo acto de reconhecimento implique uma margem de livre apreciação ( ... )". É que há muitos benefícios fiscais não automáticos que o são verdadeiramente num sentido mais geral e menos técnico, porque o acto administrativo consiste simplesmente na confirmação de que estão verificados os pressupostos legais.
Estes actos de atribuição dos benefícios em que há alguma intervenção são aqueles em que é preciso, por exemplo, analisar o especial relevo económico num projecto de investimento, a especial importância para o desenvolvimento de uma região - este tipo de expressões. Aí, de facto, é que se justifica que haja uma publicação, nos outros talvez não.
Não tenho tempo, não sei se o Sr. Presidente me permite...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, a Mesa não lhe pode dar esse benefício!
Srs. Deputados, terminou o debate relativo a estes dois projectos de lei.
Vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 369/VI, que sujeita a sociedade Parque EXPO 98, S. A. à fiscalização pelo Tribunal de Contas, apresentado pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto da EXPO 98 é sem dúvida controverso. E isto apesar da Assembleia da República ter, por unanimidade, no dia 2 de Julho de 1993, declarado "o relevante interesse público da realização da Exposição Internacional de Lisboa de 1998 e do projecto de reordenamento urbano daí resultante".
Não podemos, no entanto, deixar de constatar que a esta unanimidade parlamentar não corresponde idêntico apreço generalizado da opinião pública nacional pelo projecto. Entre outras razões, não deixará de contar para este facto a solução encontrada pelo Governo para a entidade que lhe irá dar corpo e a insuficiência do controlo que o cidadão em geral e o contribuinte em especial sentem que têm relativamente à sociedade Parque EXPO 98, S. A.
Com efeito, esta sociedade, que tem por objecto social principal a realização do projecto de reordenação urbana da zona de intervenção da EXPO 98, bem como a concepção, execução, exploração e desmantelamento dessa exposição é, pelo menos, sui generis.
Se não, vejamos. Em primeiro lugar, é uma sociedade comercial criada por decreto-lei.
Em segundo lugar, é definida como sociedade anónima, mas de capitais exclusivamente públicos.
Em terceiro lugar, o capital social foi integralmente subscrito e realizado em dinheiro pelo Estado, ficando as acções que representam o capital detidas pela direcção-geral do Tesouro.

Em quarto lugar, são conferidos a esta sociedade comercial, poderes para agir como entidade expropriante de imóveis e o direito de utilizar e administrar os bens do domínio público do Estado que estejam ou venham a estar afectos ao exercício da sua actividade.
Em quinto lugar, as obrigações contraídas pela Parque EXPO 98, S. A., nomeadamente as que resultem de emissão ou contratação de empréstimos ou de outros financiamentos internos ou externos, gozam da garantia do Estado.
Finalmente, a duração da sociedade é por tempo indeterminado.
Acresce que a este conjunto raro e estranho de privilégios para uma sociedade comercial, o Orçamento do Estado para 1994 prevê que ela venha a beneficiar de receitas decorrentes de mais valias originadas por operações que a EXPO acarretará.
Por outro lado, há poucos dias, o Secretário de Estado da Energia veio explicar que o aumento muito acima da inflação aprovado para este ano para o Gás de Portugal se fica também a dever aos custos de reinstalação desta empresa em consequência da EXPO, o que significa, em última análise, o lançamento de uma forma encapotada de uma nova taxa a pagar pelos consumidores em consequência da realização da EXPO 98.
A tudo isto devemos juntar o facto de se não saber sequer quanto custará o projecto em causa. A administração da empresa fala agora em 200 milhões de contos, os quais poderão vir a ser pagos segundo o membro do Conselho de Administração responsável pelo pelouro financeiro, e cito, "com as receitas da exposição (bilheteiras, patrocínios, concessões, etc.) e os negócios a ela associados". Acresce que já este ano o Governo avalizou títulos de dívida para aquisição de terrenos e outros activos localizados na zona de intervenção da Parque EXPO 98, S. A., à Shell Portuguesa, à Mobil Oil Portuguesa e à BP Portuguesa, num total de mais de 12,9 milhões de contos. Compreende-se assim muito melhor a apreensão dos cidadãos face a esta sociedade comercial.
E qual o sistema de fiscalização que se prevê para esta sociedade? Prevê-se um regime específico de prestação de informações a diversos departamentos ministeriais até 30 dias antes da assembleia geral anual da sociedade e uma obrigação de "envio trimestral aos Ministros das Finanças e Obras Públicas, Transportes e Comunicações de um relatório sucinto em que se refiram os controlos efectuados, as anomalias detectadas e os principais desvios em relação às previsões".
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Consideram normal que uma sociedade exclusivamente formada por capitais públicos, com as prerrogativas absolutamente excepcionais que esta goza, movimentando valores que se situam em centenas de milhões de contos, tenha apenas este controlo de contas assim definido?

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Não pode ser!

A Oradora: - Nós não consideramos!
Como o não consideram os Presidentes das Câmaras de Lisboa e de Loures e o próprio comissário, Eng.º Cardoso e Cunha, que na televisão defendeu já o julgamento das contas da sociedade Parque EXPO 98, S. A. pelo Tribunal de Contas.
E é natural que o tenham feito, em especial o Eng.º Cardoso e Cunha, homem prudente, que assim procu-

Página 2097

28 de Abril de 1994 2097

rou defender-se a si próprio e à sociedade que dirige da desconfiança do povo português.
Na verdade, os mecanismos de controlo previstos no decreto-lei que cria esta sociedade revestem carácter limitado, sendo a lei omissa quanto às precisas obrigações do Governo face a anomalias detectadas e a desvios contrários à lei.
Por outro lado, nenhuma das possíveis intervenções eventualmente accionadas pelo Governo poderia substituir a acção exercida por entidade jurisdicional independente.
É ao Tribunal de Contas que, no sistema português de fiscalização do uso dos dinheiros públicos, deve competir o controlo financeiro independente de entidades como a sociedade Parque EXPO 98, S.A.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Mas, para isso, é necessário que a lei expressamente o refira, como resulta do parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o tristemente célebre caso do Centro Cultural de Belém.
Por isso, o PS propõe que, ao abrigo do n.º 3 do artigo 1.º da Lei de Reforma do Tribunal de Contas, a sociedade Parque EXPO 98, S. A. fique sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas.
Como é óbvio, dado tratar-se do n.º 3 deste artigo, a Fiscalização do Tribunal de Contas apenas incidirá sobre o julgamento das contas.
A este propósito realizou-se um interessante debate na Comissão parlamentar de Economia, Finanças e Plano, em que o Eng.º Álvaro Barreto, embora concordando que através do Tribunal de Contas se conseguirá a máxima transparência, advertia para as implicações que a fiscalização prévia traria como entrave burocrático, o que, no seu entender, era contraproducente.
Acontece que quem ler com atenção a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, sobre a Reforma do Tribunal de Contas, verificará, na alínea c), do artigo 8.º, que ao Tribunal apenas compete fiscalizar previamente a legalidade das contas das entidades referidas nas cinco alíneas do n.º 2 do artigo l.º, o que obviamente não se aplica a este caso, que se refere ao n.º 3 daquele artigo.
A este caso aplica-se a alínea d) desse artigo 8.º que refere que compete ao Tribunal de Contas julgar as contas dos organismos, serviços e entidades sujeitas à sua jurisdição.
O que aqui se pretende não é, pois, criar quaisquer entraves burocráticos à sociedade Parque EXPO 98, S.A, o que se pretende é que anualmente o Tribunal de Contas julgue e dê parecer sobre as contas desta sociedade, que é formada por capitais integralmente públicos, que recebe taxas do Orçamento do Estado, avales do Governo e movimenta centenas de milhões de contos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD começou a justificação do projecto de lei cuja discussão precedeu esta nossa dizendo: "A transparência da acção governativa tem, em democracia, de ser um valor supremo e perfeitamente inquestionável, Tal aspecto não só deve ser sistematicamente relembrado num indispensável exercício de acção pedagógica como, acima de tudo, praticado quotidianamente".
Pois bem, Srs. Deputados do PSD, vamos lá a ser coerentes e pratiquemos quotidianamente esta acção pedagógica.

Querem ou não transparência?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É este, ou não, um valor supremo e perfeitamente inquestionável em democracia?
É este, ou não, exclusivamente, o objectivo que o PS pretende atingir com este projecto de lei?
Se não quiserem ser completamente incoerentes, tomando posições opostas na discussão de dois projectos de lei sucessivos e se não quiserem pôr em cheque um vice-presidente do vosso partido, votem a favor deste projecto de lei, hoje. Todo, na generalidade, e, como só tem um artigo, também na especialidade.
Mostrem aos cidadãos portugueses que são a favor da EXPO 98 ....

O Sr. Miranda Calha (PS): - Muito bem!

A Oradora: - ... que há razões acrescidas para defenderem este projecto.
Retirem aos que com ele não concordam um argumento de peso para os desacreditarem.
Se são realmente a favor da EXPO 98 têm de dar aos contribuintes garantias acrescidas de rigorosa utilização dos dinheiros públicos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Da forma legal mais clara: através do Tribunal de Contas.
Não permitir o julgamento anual das contas da EXPO pelo Tribunal de Contas é não ter a consciência tranquila, é ter medo do Tribunal de Contas e dos seus julgamentos, é dizer-se a favor de menos Estado, mas na prática criar mais Estado, apenas de forma encapotada e sem controlos.
Para isto não contem connosco.
Por isso apresentamos este projecto de lei e esperamos que ele seja votado por todos os partidos como o fizeram sobre o interesse relevante da EXPO 98.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Acreditamos que, apesar das ameaças do PSD de sózinho vetar este projecto, o bom senso venha a prevalecer e ele venha a ser aprovado e que possamos todos continuar a dizer que a transparência é mesmo um valor supremo e perfeitamente inquestionável da democracia.

Aplausos do PS.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputada, não se trata propriamente de um pedido de esclarecimento, mas mais de um aproveitamento desta figura regimental para significar à Sr.ª Deputada e ao seu partido a nossa concordância com o projecto de lei que acaba de apresentar.
Na realidade, estando agora bem esclarecido que não está em causa o visto prévio, mas sim o julgamento das

Página 2098

2098 I SÉRIE - NÚMERO 64

contas da EXPO 98, para o que aliás contribuiu não só o debate na Comissão de Economia, Finanças e Plano (a que tive ocasião de assistir), mas a própria nota que vem anexa ao parecer que nos foi distribuído, e tratando-se, como se trata, de uma iniciativa tão onerosa, que impõe um gasto de tantos milhões de contos, bem se compreende que se exija a fiscalização e julgamento das contas desta grande iniciativa financeira, para que efectivamente seja clara a transparência de um projecto tão vultuoso como é este.
Por isso, como disse, a razão de ser deste pedido de esclarecimento não é tanto de esclarecimento, mas para significar à Sr.ª Deputada a nossa concordância com o projecto que acaba de apresentar e para dizer que o iremos votar favoravelmente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, antes de mais queria agradecer ao Sr. Deputado Raúl Castro a intervenção que fez que só mostra bom senso em sentido democrático.
Cabe ao Tribunal de Contas julgar as contas públicas. Estamos perante uma sociedade comercial, que o Governo decidiu criar por decreto-lei, mas, efectivamente, estão aqui em causa centenas de milhões de contos de bens públicos, que é necessário controlar a bem de todos os cidadãos contribuintes.
Penso que esta solução é eficaz e simples e, volto a dizer, aqueles que defendem a EXPO 98 ficam com mais um argumento a favor deste projecto de lei.
Com esta aprovação retira-se a muitos dos que são contra o projecto da EXPO um dos argumentos que invocam fortemente contra ele. Essa é, para além de outras, uma das razões que deve levar as pessoas que são a seu favor a votar favoravelmente este projecto de lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.

O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre a Mesa e em debate está o projecto de lei n.º 369/VI, subscrito por três Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e que, no seu artigo único, objectiva sujeitar à fiscalização sucessiva do Tribunal de Contas a conta e despesas da Parque EXPO 98, S. A., criada pelo Decreto-Lei n.º 88/93, de 23 de Março.
A este propósito ocorre referir a pertinência jurídica da iniciativa em causa, não obstante as sociedades anónimas não figurarem no rol dos entes públicos enumerados no artigo l.º, n.º 2, da Lei n.º 86/89, que fixa a jurisdição e disciplina da actividade do Tribunal de Contas.
Bastará, para aferir da sua pertinência formal, ter presente o editado no n.º 3 do mesmo preceito, com a redacção que lhe foi dada pela recentíssima Lei n.º 7/94 que esta Casa oportunamente sufragou.
E igualmente pertinente e a todos os títulos louvável que os eleitos do povo manifestem nesta Assembleia, por gestos, palavras e atitudes concretas, a sua preocupação com a maneira como as avultadas verbas a movimentar e a dispender na edificação e funcionamento da Exposição Internacional de Lisboa em 1999 serão usadas e aplicadas, preocupação, de resto, que todos, seguramente, sem excepção, nesta Câmara, partilhamos até ao tostão.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Até aqui, como se vê, a comunhão de ideias e de preocupações com os proponentes do projecto é evidente. Existe, portanto, uma sintonia quanto à necessidade de submeter a EXPO 98, S. A. e a acção dos seus corpos dirigentes, enquanto instrumentos privilegiados de todo este complexo processo, a apertados controlos de fiscalização e clareza dos seus gastos na estrita prossecução do objectivo social para que foi legalmente instituída. E assim deverá acontecer, já que no caso não se trata de dispor de valores do nosso bolso pessoal, de dinheiros nossos, mas, sim, do dinheiro dos contribuintes, da poupança de todos nós.
Contudo, o facto de haver, quanto aos pontos de vista acabados de aludir, uma salutar convergência, tal não quer significar que não possam existir sérias divergências quanto à forma, ao modo e meios de assegurar e efectivar, na prática, a tal fiscalização cristalina e eficaz que todos queremos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco tempo atrás, mais precisamente em 11 de Junho do ano transacto, primeiro, aqui no Plenário e, depois, na comissão especializada, discutimos, detalhadamente, a proposta de lei n.º 63/VI, que justamente nos pedia autorização para aprovar o regime de reordenamento urbano para a zona de intervenção da Exposição Internacional de Lisboa de 1998.
Já nessa altura, aquando do debate na generalidade, e, depois, na especialidade, a Assembleia assumiu, de uma forma frontal e aberta, que se estava na presença de um empreendimento de carácter verdadeiramente excepcional e para cuja efectivação no terreno se reconheceu a inevitabilidade de outorgar ao Executivo meios, poderes e instrumentos jurídicos, também eles de feição extraordinária, sob pena de, a não ser assim, se poder comprometer e pôr em causa o objectivo nacional da EXPO 98.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, se bem nos lembramos, esses poderes e medidas especiais de índole excepcional foram arrolados, bem como as razões de ordem prática que os justificavam, e que motivaram a decisão final, largamente favorável, desta Assembleia, à pretensão do Governo.
Aproveitamos para recordar que essas medidas especiais, determinadas pela excepcionalidade do evento, situavam-se a três níveis, a saber: primeiro, os problemas acrescidos decorrente do facto de a EXPO se vir a localizar numa área que tem tanto de histórica como de degradada e que urge recuperar e reconverter urbanisticamente; segundo, a adopção de regras específicas no processo expropriatório; terceiro, a criação de mecanismos expeditos e eficazes que viabilizem o cumprimento dos compromissos assumidos dentro das limitações espacial e temporal incitas ao evento (EXPO 98).
Cuidou-se, pois, no articulado da referida autorização, de definir uma estratégia e acolher uma metodologia coerente, idónea e apta - para viabilizar eficazmente os resultados prosseguidos.

Página 2099

28 de Abril de 1994 2099

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se, aqui e agora, trouxemos à colação o texto da aludida proposta e o conjunto de medidas de urgência nela insertas é porque entendemos que o espírito da mesma nos ajudará - e muito! - a compreender a opção do Executivo em ter instituído, para o levantamento da EXPO 98, não uma empresa ou instituto públicos mas, sim, uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, já na análise que, nessa altura, foi feita do objecto, sentido e extensão da referida autorização legislativa pudemos constatar que a Parque EXPO 98, S. A. viria a ser o centro e o motor operacional de todo o processo, cabendo-lhe um papel da máxima relevância na concepção, implantação e materialização da aludida exposição. Daí a decisão, necessariamente política, do Governo, de criar para o efeito uma entidade dotada de estrutura empresarial; uma estrutura consabidamente mais leve, ágil e dinâmica do que as empresas públicas ou que qualquer instituto público, autónomo ou não, que para esse fim se viesse a criar.
É, destarte, neste quadro factual e legal, todo ele caracterizado pelo crisol da excepção, que, aqui, adquire especial relevo a consagração de uma óptica societária e desregulamentadora que passa, no plano organizativo, pela criação de um modelo empresarial de adequada dimensão e maior autonomia, como é o caso da EXPO 98, S. A.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas, por ser assim, quererá isto significar uma menor exigência e rigor na fiscalização das suas contas e despesas ou um qualquer abrandamento ou laxismo na sindicância da criteriosa e boa gestão a que os membros dos seus corpos sociais estão, por lei, vinculados? É óbvio que não! Os seus órgãos sociais, bem como as pessoas que os integram, não estão recobertos com o manto da intangibilidade e, muito menos, com o da irresponsabilidade e impunidade!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Senão, vejamos: reza o diploma que fundou a Parque EXPO 98, S.A. - o Decreto-Lei n.º 88/93 - que esta é uma sociedade comercial, que adoptou o tipo de sociedade anónima e que, como tal, se rege pelo Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, no que se refere à sua disciplina geral, e pelo citado Decreto-Lei n.º 88/93 e estatutos da sociedade, no que se reporta ao seu regime especial (conferir o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 262/86).
É, assim, a Parque EXPO 98 uma sociedade comercial à qual se aplica o regime geral das sociedades anónimas e que tem um regime de direito especial, à semelhança do que se passa, aliás, com outros tipos de sociedades, sejam elas de locação financeira, corretagem, de investimentos ou outras.
E nem a circunstância de a mesma deter capitais exclusivamente públicos lhe retira a qualidade de sociedade comercial, criada para a prática de actos de comércio e, como tal, a qualidade de pessoa colectiva de direito privado.

Quanto aos mecanismos de controlo das contas da EXPO 98 S. A., a fiscalização e publicação é feita de forma directa por duas entidades, a saber: a primeira é exercida pelo seu Conselho Fiscal, nos termos dos artigos 18.º, 19.º e 20.º dos Estatutos, podendo este ser coadjuvado por técnicos especialmente designados ou contratados para esse efeito e, ainda, por empresas especializadas em trabalhos de auditoria; a segunda é da responsabilidade do Governo, nos termos do artigo 5.º do diploma que criou a EXPO 98, S.A.
Em relação ao papel do Tribunal de Contas, acresce que, neste caso, há uma outra forma de fiscalização., esta indirecta, a efectuar pelo próprio Tribunal. A sua intervenção dá-se aquando da apreciação que o Tribunal de Contas faz da Conta Geral do Estado, designadamente nos capítulos das responsabilidades, directas ou indirectas, do Estado, incluindo a concessão de avales e, bem assim, das subvenções, subsídios, benefícios fiscais, empréstimos, créditos e outras formas de apoio concedidas pelo Estado, directa ou indirectamente (conferir disposições conjugadas das alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 86/89 e artigos 7.º, n.º 1, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 88/93).
É, portanto, todo este aparelho, administrativo e judicial, a que acresce ainda a acção fiscalizadora da Inspecção-Geral de Finanças, cuja lei orgânica engloba o sector público administrativo e empresarial, que nos tranquiliza quanto à adequação e suficiência de controlo e transparência das contas da EXPO 98, S.A.
Ademais, ainda neste domínio, é bom não esquecer que os municípios de Lisboa e de Loures, tal como o prevê o artigo 3.º, n.º 2, do diploma que cria a EXPO 98, podem participar no capital social da mesma e, por esta via, intervir na sua gestão e acompanhamento.
Relativamente à jurisdição do Tribunal de Contas e à posição dos diversos grupos parlamentares representados na Assembleia - aliás, o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins recorda-se disto certamente, mas eu vou lembrar-lho mais uma vez -, nesta sede é oportuno lembrar que, em 16 de Julho último, os grupos parlamentares com assento nesta Casa evidenciaram, à sociedade, através dos projectos de sua autoria, aquilo que era a posição de cada um relativamente ao alcance da intervenção do Tribunal de Contas e até onde devia ir a sua jurisdição.
Na altura, se bem se lembram, à excepção do meu grupo parlamentar, todos os demais, na lógica das suas iniciativas, sustentaram que o Tribunal de Contas devia ver estendida a sua jurisdição às sociedades comerciais de capitais exclusivamente públicos. No entanto, a bancada do meu partido, ao contrário das demais, defendeu, então, pela voz do Sr. Deputado Guilherme Silva, que a sujeição das contas destas sociedades comerciais à sindicância do Tribunal de Contas poderia ser possível, mas só nos casos em que a lei expressamente o determinasse.
Por outras palavras, a maioria a que pertenço, não excluiu, no futuro, essa possibilidade de intervenção, desde que tal matéria venha a ser especificamente regulada em lei especial, incluindo a forma de intervenção do próprio Tribunal de Contas nestes casos.
Ora, no caso concreto da EXPO 98, S.A. o legislador, para além do mais, não incluiu no seu articulado tal sujeição ou dever legal (conferir o artigo l.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 88/93).
Mas, é curioso notar, nem mesmo a Assembleia o fez quando os Grupos Parlamentares do PSD e do PS

Página 2100

2100 I SÉRIE - NÚMERO 64

procederam à elaboração de um texto de substituição da referida autorização legislativa, texto este que foi acordado, aceite e favoravelmente votado pelos dois maiores grupos parlamentares.
Como quer que seja, o assunto, recorde-se, nem sequer foi posto sobre a mesa das negociações. Da nossa parte, não o fizemos, de resto por reputarmos - repete-se - suficientes, idóneos e eficazes os mecanismos de controlo gerais e especiais, directos e indirectos a que a EXPO 98 está, por lei, obrigada. Mas não o fizemos também por entendermos que a acção fiscalizadora do Tribunal de Contas deve estar reservada para aqueles entes públicos tradicionais de natureza estável e com carácter duradouro e permanente e que pautam, como é natural, a sua actividade e organização pelas regras gerais de direito, onde não há normas, nem especiais nem excepcionais, a justificar um tratamento legal extraordinário.
Acresce, outrossim, um outro dado desmotivador dessa intervenção e que radica no facto de a EXPO 98, S.A. aparecer aos nossos olhos como um ente historicamente datado, como datado é o feito que está na sua génese, destinado, por natureza, a uma existência temporária, à semelhança, aliás, dos poderes excepcionais que lhe foram facultados, tendo um e outros, por decisão desta Câmara, aprazado o seu óbito para 31 de Dezembro de 1999.
É ponderando, pois, todas as razões que acabamos de enunciar, que a bancada do PSD não poderá votar favoravelmente o projecto de lei em discussão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cipriano Martins, V. Ex.ª esforçou-se por tentar justificar o injustificável! Falou durante muito tempo dos poderes excepcionais que tem esta sociedade e com os quais estamos de acordo. Só que nada disso foi posto em causa, Sr. Deputado!
O que não queremos é que uma sociedade que tem esses poderes excepcionais que o Sr. Deputado invocou, de poder expropriar, de poder utilizar terrenos sujeitos a direito público, de ter avales do Governo, de ter taxas do Orçamento do Estado, de ter todas essas vantagens, não seja sujeita ao controlo do Tribunal de Contas. É isto que prevê o n.º 3 do artigo 1.º da Lei do Tribunal de Contas. De resto, foi para estas situações que ele foi criado. Os senhores querem é fugir ao controlo!
V. Ex.ª diz-me que há um controlo específico previsto na lei, Mas o que é que diz a lei sobre esta matéria, Sr. Deputado? Diz que o Governo, através de dois departamentos do Estado - os Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações -, receberá 30 dias antes um parecer sucinto onde se explicam as variações em relação ao previsto. Pergunto, Srs. Deputados do PSD: ficam descansados com esta informação sucinta? E se as coisas não se passarem como está previsto, o que é que acontece? Nada, porque está previsto! Os senhores ficam descansados? Nós não!
Quer que lhe dê um caso concreto em que o que acontece é exactamente o contrário do que está na lei? Sabe o que diz o artigo 20.º da lei das privatizações?

Diz que a Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações deve elaborar e publicar, depois de homologado pelo Sr. Primeiro-Ministro, um relatório semestral das suas actividades, incluindo, designadamente, uma referência desenvolvida às operações realizadas nesse período.
Pois bem, Srs. Deputados, as tais informações desenvolvidas prestadas pela Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações referentes aos dois semestres de 1993 cabem em duas páginas e meia da 2.ª série do Diário da República, nada têm de profundo, mesmo que se passe o caso do Banesto com todos os problemas que isso nos trouxe. Ou seja, quando a lei manda que seja feito um controlo rigoroso e aprofundado é este o exemplo que temos: três páginas!...
Agora, imagine o Sr. Deputado que controlo é que o povo português e a Assembleia da República terão com essas informações sucintas que irão para o Governo 30 dias antes da assembleia geral...!
Digo-lhes, Srs. Deputados: continuem por esse caminho e conseguem pôr a maior parte do povo português contra a EXPO 98, que era um projecto que todos ambicionávamos como um grande projecto nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): Sr. Deputado Cipriano Martins, o conjunto de considerações que fez deixou-me algo confuso.
Em primeiro lugar, fiquei sem entender qual é exactamente a razão de ser da decisão do PSD quando, na iniciativa que teve há bem pouco tempo, alargou as competências do Tribunal de Contas.
Mas percebi-o: na cabeça do Sr. Deputado Cipriano Martins, infelizmente, vai uma enorme confusão sobre o que são entes públicos, empresas públicas e sociedades de capitais públicos, uma vez que todas estas entidades são entes públicos.
Nós já sabíamos que essa confusão existia, uma vez que a alteração introduzida na Lei do Tribunal de Contas era perfeitamente escusada, e tanto mais escusada quanto é certo que medidas como esta que aqui vimos propor estão perfeitamente admitidas, já que o que está em causa são entes públicos.
O Sr. Deputado Cipriano Martins corre atrás do Decreto-Lei n.º 260/76, e foi esse decreto-lei, que contém as bases das empresas públicas, que introduziu aqui uma enorme confusão relativamente ao que são e o que devem ser os entes públicos. É que, realmente, a figura da empresa pública do Decreto-Lei n.º 260/76 é uma figura filha das dos velhos institutos públicos, quanto é certo que em toda a Europa e no direito comparado a noção de empresa pública é exactamente a noção da sociedade de capitais públicos. E, até mais do que isso, é a figura da sociedade de capitais maioritariamente públicos, que também se insere na noção de empresa pública. 15to é que é, em termos de direito comparado, a empresa pública! E nós, em Portugal, apenas usamos a expressão empresa pública em relação ao Decreto-Lei n.º 260/76.
15to significa que o Tribunal de Contas tem toda a legitimidade para proceder a essa fiscalização, desde

Página 2101

28 de Abril de 1994 2101

que ela seja decidida pela Assembleia e foi por isso que apresentámos a proposta. Mas, mais do que isso, como o Sr. Deputado Cipriano Martins reconheceu expressamente, uma vez que estão em causa verbas do Orçamento do Estado, o Tribunal de Contas deve fiscalizar para onde vão essas verbas do Orçamento do Estado. Por isso estamos aqui a prestar um enorme serviço à EXPO e à exposição internacional e universal de 1998, uma vez que, desta maneira, estamos a garantir que as coisas se façam, correctamente, para que o Tribunal de Contas não seja obrigado, em determinados momentos, a perguntar: para onde foram essas verbas do Orçamento do Estado?
É esta a questão fundamental.
Estou suspenso dos seus esclarecimentos, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Ainda pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cipriano Martins: Notei as referências extensas que fez ao processo de autorização legislativa que foi aqui questionado pelo Partido Socialista e a interpretação um tanto ou quanto abusiva que aqui introduziu pelo facto de, relativamente àquelas medidas, não ter sido levantado o problema da fiscalização.
Como é óbvio, a economia daquele diploma não contemplava os aspectos da fiscalização, quer a posteriori quer a priori, e, consequentemente, não cabia à oposição, naquele preciso momento, estar a levantar dificuldades mas tão somente a limitar algumas prerrogativas que foram consideradas excessivas e que o próprio Partido Social Democrata em boa hora aceitou, a fim de que a autorização legislativa pudesse passar.
Portanto, penso que o Sr. Deputado não pode conclui que os actos que tiveram lugar num determinado momento traduzam um afastamento da ideia e da necessidade de fiscalização.
Quanto à intervenção que produziu registo que o Sr. Deputado, depois de proceder a uma caracterização cuidada do que é o empreendimento da EXPO 98 e de
o exaltar de uma forma em relação à qual eu só posso encontrar necessidade em termos de exaltação da sua própria intervenção aqui, nesta Assembleia, chega a
uma conclusão extraordinariamente infeliz: a EXPO 98 é um acontecimento invulgar em que estão envolvidos meios públicos sem precedentes, mas isso é para ser
executado por uma sociedade anónima e, consequentemente, não há lugar a qualquer outra intervenção.
Terceiro e último aspecto: Sr. Deputado Cipriano Martins, julgo que comparar a intervenção da Inspecção-Geral de Finanças, que é um corpo administrativo sujeito à disciplina hierárquica de um ministério, não tem nada a ver com o funcionamento de uma instituição como o Tribunal de Contas, que se caracteriza essencialmente pela sua independência.
Efectivamente - desculpe que o diga -, introduzir aqui uma nota dessa natureza é de mau gosto, podendo, inclusivamente, desconsiderar o Tribunal de Contas.
Agradecia que ponderasse essas suas afirmações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Finalmente, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cipriano Martins, ouvi também com curiosidade a sua justificação e devo dizer-lhe que a minha inclinação era a de, claramente, votar a favor do projecto do Partido Socialista, não fora o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins dizer que com esse projecto se presta um serviço enorme à EXPO 98. Aí desconfio e hesito ....

Risos do PCP.

... porque, como é sabido, a falta de fiscalização é apenas um pormenor no quadro de uma realização cujos passos dados até aqui nos levantam as maiores críticas, as maiores reservas e a maior ansiedade.
O que é curioso é que se eu presidisse uma sociedade, uma entidade que fosse fazer a EXPO 98 e se confiasse na sua intervenção - e digo-o claramente - preferia ser uma empresa pública com um estatuto especial. É evidente!

O Sr. Deputado Cipriano Martins disse: "Trata-se de um projecto extraordinário, ... " - eu também acho ....

Risos do PS.

... embora a nossa ideia seja diferente - "dispõe de meios extraordinários ... " - é verdade, até foi criado um imposto, injusto e brutal, para ser transferido para a sociedade - "dispõe de regras especiais e expeditas em matéria de expropriações ... " - é verdade, e é gravíssimo - "dispõe de receitas do Estado e precisa de eficácia".

Ora bem, precisa de funcionar fora das regras do mercado e da concorrência, precisa de dispor de prerrogativas de autoridade e, de facto, o meio ideal para actuar objectivos desta índole e para utilizar estes instrumentos é o de uma empresa pública, com um estatuto especial, com mais souplesse ou com o que quiser, mas claramente o de uma empresa pública. As entidades que, em Portugal, dispõem de prerrogativas semelhantes não são sociedades anónimas, nem se compreenderia que fossem. Nem ninguém está disposto a aceitar que sejam, por causa das distorções de concorrência que, obviamente, essa situação produz. E o Sr. Deputado vai ver, ao longo dos anos, as vozes que se irão levantar em vários mercados contra a distorção na concorrência que esta sociedade vai produzir.
Portanto, o PSD, a maioria, defronta o problema de não haver outra justificação para a sociedade Parque EXPO ser uma sociedade anónima que não seja a intenção de a furtar ao controlo do Tribunal de Contas. Uma forma de evitar esta suspeita seria aceitar que se fizesse alguma fiscalização pública para lá dos meios normais da sociedade anónima e mais aqueles pequenos acrescentos da lei que pouco interesse têm.

Uma empresa pública, nessas condições, seria muito mais ágil do que uma sociedade anónima, levantaria muito menos problemas.

Poderia haver uma outra razão para ser uma sociedade anónima, que era o Estado querer vender os títulos. Mas o Estado não quer vendê-los, nem haverá quem os compre a não ser a Caixa Geral de Depósitos, quando for altura ou necessidade disso.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

O Orador: - Eu vou terminar, não falarei demais, mas, Sr. Presidente, peço a sua benevolência pois ain-

Página 2102

2102 I SÉRIE - NÚMERO 64

da quero dizer o seguinte: aceito o projecto do PS porque, no fundo, ele é uma insistência. Nós, a oposição, dissemos aqui que queríamos que o Tribunal de Contas descesse até às sociedades de capitais públicos. 15so não foi aceite e foi dito pelo Sr. Deputado Rui Carp, na altura dessa discussão: "já está na lei e quando a lei determinar far-se-á essa fiscalização." Mas, tal como então dissemos, nunca será altura de a lei determinar uma fiscalização desse tipo, e esta é mais uma prova de que assim é.
Mas devo dizer que sugeri ao Partido Socialista- aliás, nós fomos os primeiros, perdoe-se aqui a invocação dos direitos da originalidade, a alertar para essa situação - o seguinte: as características da EXPO 98, o seu património, o seu tipo de actividade, melhor reivindicariam uma situação em que o Tribunal de Contas solicitasse uma auditoria externa, privada, a qual controlaria as contas da sociedade Parque EXPO 98. Preferia isso ao julgamento, porque o Tribunal de Contas terá dificuldade, com os seus meios, de fazer uma fiscalização cuidada de uma sociedade com tais características. Preferia que dirigisse uma auditoria externa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.

O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, as questões que os vários Srs. Deputados me colocaram são as mesmas. No fundo, tudo gira à volta da fiscalização ou não das contas da EXPO 98 pelo Tribunal de Contas, tudo gira em torno de saber se o sistema actual, sem a intervenção do Tribunal de Contas, é ou não eficaz, é ou não cristalino como os senhores querem, tudo gira à volta de saber, portanto, se os interesses fundamentais do controlo da fiscalização e da sua eficácia, da transparência e da sua plena eficácia, estão ou não garantidos sem a intervenção do Tribunal de Contas. A questão é esta!...
Eu digo, disse e repito: estão seguramente garantidos, sobejamente garantidos. Não tenho a menor dúvida em afirmá-lo, e passo a explicitar por que é que o faço.
A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques fez uma interpretação curiosa da lei, que peca por defeito. Ela não leu toda a lei, leu-a truncadamente.

O Sr. Rui Carp (PSD): - 15so é grave!

O Orador: - 15so é grave mas é perdoável, pois V. Ex.ª não é jurista.
De qualquer modo, quero dizer que V. Ex.ª apenas citou o relatório que ao Conselho de Administração cabe fazer um mês antes da reunião da Assembleia Geral anual.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Eu sei.

O Orador: - V. Ex.ª olvidou - e faço-lhe a justiça de dizer que olvidou involuntariamente - um outro controlo que está aí, que é fundamental e específico desta sociedade: trimestralmente, não já o Conselho de Administração, mas o Conselho Fiscal da EXPO 98 tem de mandar relatórios minudentes quanto aos objectivos, aos meios e aos desvios porventura experimentados no decurso da vida da EXPO 98. 15to tem de ser mandado trimestralmente para a presidência do Conselho, para o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e para o Ministério das Finanças. V. Ex.ª esqueceu-se disso e eu tomei a liberdade...

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Não esqueci nada.

O Orador:- ... de recordar-lhe este facto importante, já que de fiscalização se trata.
Por outro lado, a vossa preocupação é esta: e as sociedades anónimas não têm leis a reger esta matéria?

A Sr.ª Helena Torres Marques (PSD): - Têm, têm!

O Orador: - Mas V. Ex.ª não as citou!... Pois têm, eu sei que têm!... E são abundantes, Sr.ª Deputada!... E são copiosas, Sr.ª Deputada!... Mas V. Ex.ª não as citou!...
O decreto que disciplina esta actividade é minudente tanto na questão da gestão criteriosa como na da fiscalização e nas exigências que faz ao Conselho Fiscal. Para além disso, o Governo, o legislador, teve o cuidado - e é fundamental explicitá-lo aqui - de dizer que o Conselho Fiscal pode recorrer a peritos qualificados ou até a trabalhos especializados de auditoria.
Portanto, o Governo não legislou de ânimo leve, teve cuidados especiais que não exigiu para a ANA-Aeroportos e Navegação Aérea, para a EDP-Electricidade de Portugal, para o IPE-Investimentos e Participações Empresariais, todas elas sociedades anónimas.
Mas note-se que, para ir ao encontro das vossas preocupações, o legislador, neste caso o Governo, teve o cuidado de estabelecer regras específicas, concretas, aplicáveis a este tipo de gestão e de fiscalização. Não o fez, portanto, de ânimo leve.
Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, permita-me que lhe diga que V. Ex.ª não vai ensinar-me nada sobre entes públicos e sociedades anónimas. Neste caso particular sei muito bem que o ente público é o género e a sociedade anónima a espécie, que um é o continente e o outro o conteúdo. Sabemos isso tudo!... Eu dispenso esse tipo de lições.
Agora há uma coisa que é certa e V. Ex.ª sabe-o tão bem quanto eu. Referi aqui a sociedade anónima porque, realmente, o decreto fala em sociedade anónima, fez essa opção! Podia ter optado por uma empresa pública, como disse o Sr. Deputado António Lobo Xavier, apenas por maldade,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Por maldade?! Não acredito!

O Orador: - ... e depois explico porquê, podia ter criado um instituto público, com normas rígidas e seguras, mas não o fez.
Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, V. Ex.ª referiu um facto a que também gostaria de responder. O Sr. Deputado lembra-se, com certeza - já vi que sim -, que, aquando da discussão da autorização legislativa do reordenamento e da instalação da Sociedade Parque EXPO 98 na área que está espacialmente delimitada, muita coisa foi alterada mesmo em relação à EXPO e o PSD aceitou-o. Mais: os senhores lembraram que a empresa foi criada com um sentido de indeterminação de existência, tendo proposto, e bem, que os seus poderes, bem como ela própria, fossem extintos em Dezembro de 1999.

O Sr. Rui Carp (PSD): - 15to é que é rigor!

O Orador: - Ora, V. Ex.ª quis um aditamento tão grande e tão fundamental à autorização legislativa rela-

Página 2103

28 de Abril de 1994 2103

cionada com a EXPO e não admitiu que se fizesse mais uma exigência, a da fiscalização pelo Tribunal de Contas? É que isso podia, perfeitamente, ter sido negociado e, no entanto, VV. Ex.ªs não o fizeram! Podiam tê-lo feito, pois isto foi aqui negociado e discutido amplamente, mas não o fizeram, vindo agora, à pressa, fazer isto. Tudo bem, os senhores estão no vosso direito...
Para terminar, quero dizer o seguinte: o capital da Sociedade Parque EXPO 98, como sabem, está aberto aos municípios de Lisboa e Loures. Mais: no seu organismo de gestão, e V. Ex.ª lembra-se, pois li isso na sua intervenção, terão assento os municípios de Lisboa e Loures; no comissariado, para a articulação com o princípio da cooptação, também estarão presentes os municípios de Lisboa e Loures.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Cipriano Martins, queira fazer o favor de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Ora, se o Governo tem elementos no conselho de administração da Sociedade Parque EXPO 98, S. A., se o Partido Socialista também vai ter os representantes, por Lisboa, e se o Partido Comunista Português também terá os seus, por Loures, querem os senhores melhor prova de fiscalização? É que não se trata de uma fiscalização mensal, nem trimestral, nem anual, nem, sequer, derivada, mas de uma fiscalização na origem, na formação da decisão do órgão. Srs. Deputados, melhor fiscalização do que esta não há!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, quero informar que no final do debate relativo a este projecto de lei procederemos à realização de votações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputa o Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por saudar o Sr. Deputado Cipriano Martins pela forma prolixa e empenhada como normalmente é destacado, pela direcção da sua bancada, para as tarefas difíceis. Já foi assim aquando da discussão da reforma do Tribunal de Contas, é assim hoje, no debate sobre a Sociedade Parque EXPO 98, e, por isso, merece uma medalha.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

Aplausos do Deputado do PS Crisóstomo Teixeira.

Vozes do PSD: - Ainda bem que reconhecem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A EXPO 98 constituirá, sem dúvida, um significativo e importante acontecimento do final do século, cuja realização, se deverá, por um lado, revestir-se da qualidade e eficácia compatíveis com a grandiosidade do evento, não poderá deixar, por outro, de ter em conta e respeitar todos os problemas que a envolvem, todos os direitos e interesses afectados, designadamente ao nível dos cidadãos desalojados e da necessária articulação com as autarquias locais.
Há, contudo, um outro aspecto que tem sido suscitado por vários sectores da opinião pública e que o projecto de lei do Partido Socialista, hoje em discussão, procura traduzir em lei. É o da fiscalização do uso dos dinheiros públicos envolvidos na EXPO 98.
Trata-se de um problema relevante tanto por uma questão de princípio como pelos elevados montantes que a Exposição envolve, cujos custos totais estão avaliados em mais de 200 milhões de contos, bem como pelas condições excepcionais e extraordinárias em que a sociedade, criada para o efeito, irá ou já está a actuar.
Aquando da discussão das alterações à Lei do Tribunal de Contas, o PCP - a par com outros partidos apresentou propostas no sentido de, expressa e directamente decorrente da Lei Orgânica do Tribunal de Contas, as empresas públicas e as sociedades de capitais públicos ficarem automaticamente sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas.
A lógica desta proposta é irrefutável, Srs. Deputados: se, nos termos do artigo 216.º da Constituição, ao Tribunal de Contas compete fiscalizar a legalidade das despesas públicas, não se vê nenhuma razão para que as empresas do foro público, que movimentam dinheiros públicos, que estão submetidas, no ordenamento jurídico, à figura de entidades públicas, fiquem fora dessa fiscalização.
Aliás, esta opinião é praticamente consensual: todos os partidos, incluindo o PSD, nos projectos que apresentaram, propunham a sujeição das sociedades de capitais públicos à jurisdição do Tribunal de Contas. A diferença é que o PSD remetia esse aspecto para lei especial, embora aceitando o princípio, mas essa lei especial, como lembrou há pouco o Sr. Deputado António Lobo Xavier, para o PSD, é algo nebuloso, que nunca terá oportunidade de ver a luz do dia e que nunca terá um caso concreto que a justifique. A prova disso começa a ver-se aqui.
Assim, tendo em conta este consenso de princípio, não, se compreende que a Sociedade Parque EXPO 98, que é uma sociedade exclusivamente de capitais públicos, fique fora da intervenção fiscalizadora do Tribunal de Contas, até porque, por maioria de razão, as condições de tensão em que vai desenvolver a sua actividade são propícias a actuações e processos expeditos e, por isso, seguramente todos estarão de acordo, a começar pelos seus responsáveis, há que afastar todas as hipóteses de suspeição, há que garantir as condições de transparência, há que, pela via de fiscalização do Tribunal de Contas, criar um mecanismo jurisdicional de fiscalização dos actos financeiros da sociedade, acima de toda a suspeita.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Já chega o exemplo, o mau exemplo, do Centro Cultural de Belém...

O Sr. António Braga (PS): - O péssimo exemplo!

O Orador: - ... e da forma como o Governo e o PSD procuraram subtrair a sua actividade a qualquer fiscalização jurisdicional.
Por isso e neste quadro, seremos a favor de que a Sociedade Parque EXPO 98 fique sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas.
No entanto, Srs. Deputados, há um problema conexo com este que não podemos ignorar: o Tribunal de Contas, como foi recordado, aquando do último debate aqui realizado, continua a ter limitados meios e condi-

Página 2104

2104 I SÉRIE - NÚMERO 64

ções orgânicas para poder cumprir as suas funções constitucionais e legais.
É verdade que os proponentes da iniciativa sublinham que o projecto de lei não se destina ao accionamento dos mecanismos do visto prévio, aliás, como a Lei do
Tribunal de Contas consagra para estes aspectos, mas tão-somente ao julgamento anual das contas.

O Sr. Rui Carp (PSD): - É falso!

O Orador: - No entanto, apesar deste sublinhado feito pelos proponentes, devemos lembrar, nesta oportunidade, que desde 1990 têm sido feitas promessas
oficiais de elaboração e publicação da lei orgânica dos serviços de apoio, prevista, aliás, no artigo 59.º da Lei de Reforma do Tribunal de Contas, sem que até ao momento tal lei tenha visto a luz do dia.
Recordamos que, inclusivamente, o PSD, em Março do ano passado, votou contra o nosso projecto de lei sobre esta matéria, mas sempre com a promessa de que o Governo ia, finalmente, "dar à luz" tal lei. A verdade é que mais de um ano depois está tudo exactamente na mesma: quanto à lei orgânica dos serviços de apoio, zero, quanto às condições e à dotação do Tribunal de Contas de meios orgânicos adicionais para dar resposta às suas competências e funções, zero.
O PSD, afinal, disfarça mal a sua vontade de dificultar e manietar a actividade do Tribunal, não lhe disponibilizando os meios orgânicos que, para o pleno exercício das suas funções, seriam exigíveis e preocupando-se mais com a figura do seu Presidente do que com a capacidade efectiva para que, em tempo útil
e com eficácia, exerça as suas funções, funções, estas, que só a dedicação extrema dos seus magistrados e do seu pessoal permite cumprir com razoável eficácia.
Pronunciamo-nos, como disse, e votaremos a favor do projecto de lei do Partido Socialista sem qualquer dúvida ou hesitação, mas não nos podemos esquecer de, neste momento, mais uma vez, levantar a questão da necessidade e da urgência da publicação da lei orgânica dos serviços de apoio do Tribunal de Contas.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero que o que se está hoje a passar aqui é grave e é bom que isto fique claro.
Sr. Deputado Cipriano Martins, quero dizer-lhe que leio e estudo sempre com muita atenção as matérias de que trato e li e citei na minha intervenção exactamente os mecanismos de fiscalização que estão previstos.
Além disso, quando, há pouco, o interpelei, até comparei esses mecanismos com o que está previsto para a Comissão de Acompanhamento das Privatizações, precisamente para mostrar a diferença entre os dois, ou seja, o que parecia ser grande não vale nada - o da Comissão de Acompanhamento das Privatizações - e
este, que até parecia ser importante e sucinto, vale muito menos.
Ora, o que me pergunto é o que os senhores querem esconder. E que os senhores devem querer esconder qualquer coisa!

Se a Câmara Municipal de Lisboa é a favor, se a Câmara Municipal de Loures é a favor, se o Engenheiro Cardoso e Cunha é a favor, se todos os partidos aqui representados, com excepção do PSD, são a favor dessa fiscalização, o que é que o Governo quer esconder, votando contra este projecto de lei, apresentado pelo Partido Socialista?!

Pela nossa parte, o que pretendemos é que o Tribunal de Contas, que é o órgão ao qual, na legislação portuguesa, compete julgar os dinheiros públicos - e só se trata de julgar os dinheiros públicos -, tenha possibilidade de intervir, a posteriori, informando os cidadãos sobre o que se passa na Sociedade Parque EXPO 98, S. A.

Se os senhores não querem que isso se venha a realizar, muito bem, registe-se: o PSD está com medo da investigação que o Tribunal de Contas irá fazer na EXPO 98.

Para que conste: a EXPO 98, com todos os privilégios que tem, os quais não são postos em causa, pois o que se pretende é fiscalizar os dinheiros públicos, não pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas porque o PSD não quer. É esse o vosso objectivo, fiquem com o ónus da medida e, depois, não se queixem de tudo o que venha a acontecer relativamente à Sociedade Parque EXPO 98, S. A.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate relativo ao projecto de lei n.º 369/VI.

Vamos agora proceder, tal como informei há pouco, à realização de votações.

Entretanto, faremos uma breve pausa para que cheguem ao Plenário os Srs. Deputados que se encontram em reuniões de comissões.

Pausa

Srs. Deputados, vamos começar por votar o projecto de resolução n.º 109/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, que institui a figura da injunção (PCP) (ratificação n.º 112/VI).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Vamos agora votar o projecto de resolução n.º 110/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, que permite o acesso de capitais privados às actividades económicas de captação, tratamento e rejeição de efluentes e recolha e tratamento de resíduos sólidos (PCP, Os Verdes e Deputado independente Raúl Castro) (ratificações n.ºs 105/VI e 106/VI).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP, de os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro e abstenções do PS e do PSN.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 343/VI - Garante aos trabalhadores, em caso de cessão total ou parcial de empresa ou estabelecimento, a manutenção dos direitos adquiridos nas convenções colectivas de trabalho (PCP).

Página 2105

28 de Abril de 1994 2105

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 327/VI - Regulamenta a obrigatoriedade de publicação dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro e a abstenção do PS

Vamos proceder à votação, também na generalidade, do projecto de lei n.º 370/VI - Assegura a publicidade das decisões de entidades públicas que atribuam benefícios a particulares (PS).

Submetido à votação foi rejeitado com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Vamos agora votar, igualmente na generalidade, o projecto de lei n.º 369/VI - Sujeita a Sociedade Parque EXPO 98, SA. à fiscalização pelo Tribunal de Contas (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação pelo Plenário, apresentado pelo PS, da votação na especialidade, realizada em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do artigo 1.º da proposta de lei n.º 85/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação.
Para proceder à leitura do requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PS requereu a avocação pelo Plenário da votação do artigo 1.º desta proposta de lei com os fundamentos que, sinteticamente, passo a expor.
A solução pretendida pelo Governo e pela maioria autoriza que qualquer cidadão, encontrando-se ou circulando em qualquer lugar público, independentemente de qualquer suspeita, possa ser sujeito a identificação policial, através de procedimento susceptível de o vir a privar da liberdade por um período até seis horas, na base de uma cláusula excessiva e inaceitavelmente vaga ("quando existam razões de segurança interna que o justifiquem").
É uma fórmula bem mais indeterminada do que as que encontramos na legislação de alguns países europeus (e não são todos) que acolhem os controlos preventivos de identidade e que conhecem exigências constitucionais menores do que as nossas - e por isso tanto mais incompreensível e inaceitável no quadro do Estado democrático de direito que a Constituição institui.
Assim concebida, a solução, para além de atingir o princípio da proporcionalidade, colide com a exigência da determinabilidade das leis, decorrente do princípio do Estado de Direito democrático, que reclama que as normas sejam suficientemente especificadas e densas para que possam alicerçar posições jurídicas dos cidadãos, constituir orientação suficiente para a Administração e permitir o controle judicial da sua aplicação. São tudo objectivos que a disposição não assegura, antes compromete.
Ficando aquém dos padrões de determinação mínimos constantes doutras legislações sobre controlos preventivos de identidade e aquém de exigências constitucionais indeclináveis, a norma não promove a proclamada segurança. Por recusa das indispensáveis correcções por parte de quem a propôs, promove, ao contrário, uma indesejável insegurança jurídica.
Estes são, Sr. Presidente, os nossos fundamentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, lido o requerimento, vamos proceder à respectiva votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro e a abstenção do PSN.

Passamos, agora, à votação do requerimento, apresentado pelo PCP, de avocação pelo o Plenário da votação na especialidade da norma do artigo l.º, n.º 1, do texto final apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias referente à mesma proposta de lei n.º 85/VI.
Para proceder à leitura do requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O n.º 1 do artigo 1.º do texto votado em Comissão dispõe que os agentes das forças ou serviços de segurança podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, quando existam razões de segurança interna que o justifiquem.
Efectivamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PCP é o primeiro a estar preocupado com a insegurança dos cidadãos - já hoje o referimos através de uma declaração política feita pelo meu camarada João Amaral. A insegurança dos cidadãos é um facto real e exige medidas sérias ao nível dos meios e das condições das forças de segurança. No entanto, não é com medidas como esta aqui proposta que se assegura a segurança dos cidadãos. O combate à criminalidade não passa por este tipo de medidas, pois, quando um cidadão é suspeito da prática de algum crime, o Código do Processo Penal já prevê formas desse cidadão ser identificado. Quando alguém se encontra em algum lugar suspeito e aberto ao público ou em algum local que seja também suspeito pela frequência habitual de delinquentes, o Código do Processo Penal prevê a forma de identificação desses mesmos cidadãos.
Assim, esta medida que aqui é proposta não se destina aos cidadãos suspeitos da prática de qualquer crime ou que frequentem qualquer lugar suspeito, mas àqueles que o não são. Daí considerarmos que esta é uma medida atentatória dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, por isso mesmo, inconstitucional. Conduz a uma policialização da sociedade que consideramos inadmissível, com a agravante de as razões de segurança interna invocadas neste texto da proposta do Governo aprovado na Comissão não significarem mais do que a discricionariedade das forças de segurança.

Protestos do PSD.

Página 2106

2106 I SÉRIE - NÚMERO 64

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira terminar, porque V. Ex.ª não está a ler o requerimento, mas a fazer uma intervenção, o que não é permitido. O artigo 89.º do Regimento refere o direito a ler o requerimento mas não a fazer uma intervenção.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, já concluí.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento que acabou de ser apresentado.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro e a abstenção do PSN.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do requerimento, apresentado pelo PS, de avocação pelo Plenário da votação na especialidade, realizada em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do artigo 3.º da mesma proposta de lei n.º 85/VI.
Para proceder à leitura do requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como há pouco referimos, a solução pretendida pelo Governo e pela maioria conduz a que um cidadão sobre o qual não recaia a suspeita da prática de qualquer crime possa ser, na base de uma cláusula inaceitavelmente indeterminada, privado da liberdade durante um período até seis horas.
É uma solução que não só atinge o princípio da proporcionalidade, que, constitucionalmente, limita as medidas de polícia, como carece da necessária credencial na Lei Fundamental, já que, como decorre do entendimento fixado pelo Tribunal Constitucional aquando da apreciação do artigo 250.º do Código do Processo Penal, não é possível reconduzir esta situação de privação de liberdade às previsões do artigo 27.º da Constituição, sequer com a ajuda de um discutível nexo de necessidade.
Seria bom, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que pudéssemos aprovar uma lei equilibrada, que promovesse a segurança dos cidadãos, no respeito dos princípios constitucionais e dos direitos, liberdades e garantias dos mesmos cidadãos. Ao desprezarem os bons exemplos do direito comparado europeu e as exigências da Lei Fundamental, ao fecharem-se às melhorias indispensáveis, o Governo e a maioria quiseram impedi-lo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento que acabou de ser apresentado.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do requerimento, apresentado pelo PCP, de avocação pelo Plenário da votação na especialidade da norma do artigo 3.º do texto final apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias referente à proposta de lei n.º 85/VI.

Para proceder à leitura do requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um requerimento de avocação do artigo 3.º do texto votado em Comissão, avocação essa que requeremos por considerarmos esta disposição manifestamente inconstitucional enquanto medida de polícia, por não obedecer aos princípios da proibição do excesso das medidas de polícia consagradas na nossa Constituição.
De facto, a medida aqui proposta, que prevê uma verdadeira detenção para identificação de qualquer cidadão até seis horas, com a agravante de esse cidadão poder ser sujeito a provas dactiloscópicas ou fotográficas, constitui, de facto, uma verdadeira privação de liberdade, ainda que temporária, que, enquanto medida de polícia, é manifestamente inconstitucional, sendo também fundadas todas as dúvidas que possam ser suscitadas quanto à violação por esta disposição do artigo 27.º da Constituição, na medida em que configura, efectivamente, uma verdadeira detenção.
Nesse sentido, requeremos a avocação desta disposição pelo Plenário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Mesa ficou com algumas dúvidas quanto ao Sr. Deputado ter lido o requerimento ou ter feito novamente uma intervenção.
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento que acabou de ser apresentado.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 85/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identificação.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e do PSN e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.

Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Feitas as votações, farei uma declaração de voto que englobará duas questões, uma das quais é a proposta de resolução sobre a recusa de ratificação relativa à medida da injunção, de que, muito sinteticamente, direi fundar-se em inconstitucionalidades. E quero aproveitar para referir que, mais uma vez, o Sr. Secretário de Estado fez aqui uma intervenção ocultando uma parte de um artigo que invocou em abono da medida aprovada pelo Governo.
O Sr. Secretário de Estado invocou um artigo do Dr. Fernando Silveira Ramos, que, segundo afirmou, era elogioso da medida do Governo, omitindo um parágrafo desse mesmo artigo que diz exactamente aquilo que referimos, ou seja, atribui-se o despacho de tal processo ao secretário judicial em termos que levantam dúvidas quanto à sua constitucionalidade. O Sr. Secretário de Estado omitiu isto, o que, de facto, politicamente, não é honesto.

Página 2107

28 de Abril de 1994 2107

Em relação à proposta de lei que a maioria e o CDS-PP acabaram de aprovar, direi, numa breve declaração de voto, que as inconstitucionalidades são manifestas. O diploma configura uma verdadeira detenção de qualquer indivíduo, mesmo que não suspeito, e obriga esse indivíduo a permanecer até seis horas na esquadra. A proposta de lei viola a reserva da vida privada, o direito à intimidade, a liberdade de circulação e o direito à liberdade, previstos na Constituição. Inclusive, coloca o cidadão, que de nada é suspeito, numa espécie de residência fixa, pois se o cidadão tem de indicar o lugar onde deve receber comunicações da esquadra policial, logicamente, pode concluir-se que quando alterar a sua residência ou sair para férias também estará obrigado a indicar a mudança do local de residência.
Entendemos que esta proposta de lei não tem remédio. Não partilhamos a opinião dos que dizem que ainda pode densificar-se este diploma, ajeitando-o e dando mais conteúdo aos seus artigos. Mesmo quando surgem, de um ou de outro partido, propostas no sentido dessa densificação, dizendo que as pessoas não podem afastar-se e devem ser identificadas no local onde há suspeitas da existência de actos violentos, o próprio Código do Processo Penal tem resposta para isso, no seu artigo 173.º.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr.ª Deputada, queira concluir.

A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
As disposições do Código do Processo Penal são suficientes, a proposta de lei nem sequer terá justificação de espécie alguma, porque, no dizer do Governo, a criminalidade tem diminuído. Assim, nenhuma justificação se apresenta senão a de querer, na verdade, instituir mais uma forma de repressão, de vigilância sobre cidadãos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos apreciar agora a petição n.º 172/VI (2.ª), apresentada pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, solicitando a revogação da Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gustavo Pimenta.

O Sr. Gustavo Pimenta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobe agora a Plenário, condenada à inoperância processual a que o PSD quis votar todas as petições que aqui são apreciadas, a questão das propinas.
O relatório, com o seu parecer aprovado na Comissão de Petições quase por unanimidade (apenas mereceu uma abstenção e teve os demais votos favoráveis), evidencia claramente que a Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto, não só não se acomodou da melhor forma aos termos processuais que deveria respeitar na sua concretização como se constitui em factor agravante das injustiças sociais que hoje caracterizam a sociedade portuguesa.
Todavia, a questão das propinas é apenas um dos aspectos, porventura menor, em que, com toda a clareza, se revela a incapacidade do Governo e do PSD para entenderem a importância estratégica que a educação tem para o futuro de Portugal.
De facto, o mais gritante, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é que o Governo não perceba que a questão das propinas possa ser uma falsa questão. Deplorável é a sua incapacidade, que parece atávica, para entender que a generalizada contestação à lei em causa é somente um, e apenas um, dos sintomas da gravíssima crise do sistema de ensino em Portugal, crise que é, sem dúvida, um dos emblemas que melhor representa o Primeiro-Ministro que dirige o Executivo desde 1985.
À discussão desta petição, hoje, aqui, deve, pois, ser atribuído um sentido último: o de que é necessário, imperioso e urgente conferir à educação a prioridade, a atenção e os meios que este sector, muito provavelmente o único verdadeiramente vital para a afirmação de Portugal, requer. O que, ainda uma outra vez, se exige.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição que hoje discutimos conta com um número de signatários extraordinariamente significativo: nada menos do que 17 752 assinaturas, as quais, todos nos lembramos, foram recolhidas em muitos poucos dias entre estudantes universitários. É de acrescentar que a esta petição ainda se somou uma outra, aliás, referida neste processo, também subscrita por estudantes, do ISCTE, cujo objecto se referia à necessidade de a Assembleia da República discutir, com celeridade, esta mesma petição.
O objecto da petição n.º 172/VI (2.ª) é a revogação da Lei n.º 20/92, também conhecida por lei das propinas. Gostaria dizer, desde já, que o PCP apresentou nesta Assembleia, precisamente em Novembro de 1992, um projecto de lei visando a revogação da lei das propinas.
Esta petição, também apresentada em Novembro de 1992, demorou todo este tempo a ser discutida. O projecto de lei apresentado pelo PCP continua por ser discutido em Plenário. Só não foi ainda debatido porque, aquando da discussão da lei de alteração à lei das propinas, que o PSD aqui fez aprovar sob proposta do Governo, a maioria e o Governo inviabilizaram que o projecto de lei apresentado pelo PCP com o fim de revogar a lei das propinas, fosse também debatido em Plenário.
Esta petição baseia-se em duas ordens de razões, que, em nosso entender, são relevantes. A primeira diz respeito à violação da lei das associações de estudantes, mais propriamente do seu artigo 19.º, sobre o direito de participação das associações de estudantes na elaboração de legislação que directamente lhes diga respeito. Esta é, inequivocamente, uma lei que lhes diz respeito.
Aliás, o simulacro de debate com que o Governo rodeou a aprovação da lei das propinas, quer na sua primeira versão, quer na segunda, atingiu em determinados momentos aspectos verdadeiramente ridículos.
Estou a referir-me, desde logo, às reuniões com dirigentes associativos "escolhidos a dedo" pelo então Ministro Couto dos Santos.
Estou a lembrar-me do famigerado acordo social celebrado entre o Governo e alguns dirigentes associativos da altura, com o objectivo de procurar ganhar apoio de algumas associações de estudantes ou dirigentes associativos para o aumento das propinas.
Estou a referir-me a todo este processo em que o Governo não ouviu, pelos mecanismos legalmente apropriados ou quaisquer outros, as associações de estudan-

Página 2108

2108 I SÉRIE - NÚMERO 64

tes, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, os justos reparos feitos pelo Conselho Nacional de Educação ou todas as entidades que se pronunciaram frontalmente contra a lei das propinas, tendo pautado a sua actuação por uma extrema prepotência.
A segunda ordem de razões invocada pelos peticionários diz respeito à violação da autonomia universitária. Efectivamente, tão absurda como a própria lei das propinas foi a forma como o Governo a proeurou impor.
Ao verificar a contestação que esta lei mereceu de toda a comunidade universitária, particularmente, de um modo massivo, dos estudantes, o Governo começou por ameaçar, sem qualquer fundamento legal, com a anulação de matrículas a quem não pagasse propinas. Foram publicadas em vários jornais declarações do então Ministro Couto dos Santos ameaçando vedar o acesso à função pública a quem não pagasse propinas; tentou, através da Lei do Orçamento do Estado aqui aprovada na altura, substituir-se aos órgãos universitários na aplicação da lei, sendo o próprio Governo a criar mecanismos que permitiriam impor directamente a aplicação da lei das propinas.
Nessa altura, todos os expedientes que o Governo tentou utilizar para aplicar a lei das propinas redundaram num rotundo fracasso, dada a contestação generalizada que este diploma legal mereceu de todos os seus destinatários.
O que o Governo fez posteriormente foi, pelo menos, tão triste como o que havia feito antes. Refiro-me ao pretenso diploma regulamentador - foi, aliás, o último acto público do Ministro Couto dos Santos -, que procurava não regulamentar mas criar mecanismos de imposição da lei das propinas.
Todos nos lembramos desse processo, que passou por bastonadas policiais, por grandiosas manifestações de estudantes, por uma declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional relativamente a algumas disposições da primeira versão da lei das propinas, pelo veto presidencial do decreto que o Governo proeurou impor e pela demissão do Ministro Couto dos Santos. Quando alguns teriam ilusões de que o Governo aproveitaria a substituição do titular da pasta para "emendar a mão", ele veio aqui, no barulho do Plenário, lançar acusações contra o Presidente da República, para, no silêncio da Comissão, a nova Ministra fazer menção de procurar aproveitar a oportunidade para "emendar a mão" e alterar a lei das propinas.
15so não passou, como hoje todos sabemos, de um tremendo bluff. De facto, a lei aprovada já este ano pelo PSD não alterou um único dos aspectos essenciais que tão negativamente marcaram a Lei n.º 20/92. Bem pelo contrário, pretende manter e aplicar a lei das propinas e os aumentos brutais que ela consagra, passar por cima da autonomia universitária e impor a aplicação administrativa desses aumentos, contra a vontade dos estudantes e das instituições, e estabelecer um novo regime sancionatório para os estudantes que resistam à aplicação da lei, impondo a anulação das respectivas matrículas.
As alterações à lei das propinas aqui aprovadas não são mais do que uma nova tentativa para aplicar uma lei que é unanimemente contestada pela comunidade universitária. Às críticas de todos os quadrantes, o Governo respondeu mais uma vez com o confronto e insistiu em prosseguir uma política cujo falhanço é, hoje, manifestamente reconhecido.
A nossa oposição à lei das propinas não é conjuntural ou de pormenor e não se limita a discordâncias quanto à sua oportunidade. É uma oposição de fundo. O PCP é contra o aumento das propinas, porque considera a educação como um direito social dos jovens portugueses e não como um mero privilégio individual, porque, sendo a educação uma função de interesse nacional, o Estado não deve deixar de a suportar.
O objectivo da lei das propinas é a mercantilização do ensino. Subjacente a esta lei está a concepção de que o ensino é um privilégio que deve ser pago e não um investimento social de importância estratégica para o País e, como tal, deve ser assegurado pelo Estado.
O objectivo da lei das propinas é o de tornar progressivamente pago o acesso aos níveis mais elevados do ensino, direito social inquestionável, que a nossa Constituição exige que seja progressivamente gratuito.
É uma refinada hipocrisia que um Governo responsável pela acentuação das desigualdades na sociedade portuguesa, pelo agravamento das injustiças sociais, por um sistema fiscal gerador de injustiças, que agrava a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e sobre os baixos e médios rendimentos e isenta de impostos os lucros dos especuladores e as grandes fortunas, venha encontrar nas propinas a panaceia para assegurar a justiça social.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente, dizendo que nos merece o maior apreço a posição manifestada pelos reitores das universidades portuguesas de não serem eles a fixar os montantes das propinas.
Vou terminar dizendo que as posições manifestadas pelos estudantes - de continuar a protestar contra a lei das propinas, de exigir uma acção social digna e de reivindicar o reforço do investimento no ensino superior, em nome do desenvolvimento do País - merecem a nossa inteira solidariedade e contrastam com a irresponsabilidade de que o Governo tem dado provas, em matéria de política educativa, particularmente a nível da política de ensino superior.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 172/VI (2.ª), apresentada formalmente pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa e subscrita por cerca de 18 000 estudantes, solicitando a revogação da Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto, não perdeu actualidade. Se começo por referir que não perdeu actualidade, gostaria de salientar que a história desta petição merece uma reflexão e uma acusação concretas, uma vez que o Grupo Parlamentar do PSD tentou, por todas as maneiras, desvalorizar a petição, designadamente quando o respectivo agendamento foi solicitado na sequência dos graves incidentes que ocorreram em frente desta Assembleia.
Portanto, como disse, esta petição não perdeu actualidade por três razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque o fundamental não é a questão do aumento das propinas mas do financiamento do ensino superior, da acção social escolar, da qualidade

Página 2109

28 de Abril de 1994 2109

e das perspectivas de desenvolvimento no futuro próximo das universidades e do ensino superior politécnico.
Em segundo lugar, porque o método adoptado para aprovar a Lei n.º 20/92 foi precipitado, inconsequente, desastrado, contribuindo para prejudicar seriamente a reflexão e a adopção das medidas que se exigiam para o desenvolvimento em Portugal de um ensino superior de qualidade. O tempo demonstrou-o e a necessidade de alterar a lei, sob a forma eufemistica de regulamentação, deixou claro que o processo foi errado. O despedimento do último Ministro da Educação foi corolário dessa sucessão de inconsequências.
Em terceiro lugar, porque a Lei das Associações de Estudantes não foi cumprida quanto ao dever de consulta e porque a autonomia universitária foi, na prática, posta em causa e comprometida.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - O relatório e parecer do meu colega, Deputado Gustavo Pimenta, que me permito felicitar pelo excelente trabalho produzido, deixa claras as dúvidas e os reparos: falta de participação formal das associações de estudantes, ao contrário do que se estipula o artigo 19.º da Lei n.º 33/87; determinação dos fins a que as verbas provenientes do pagamento das propinas devem ser afectas, ao invés do que está estabelecido nos artigos 8.º e 20.º da Lei da Autonomia Universitária; ligação entre o IRS e a forma de cálculo das propinas, o que agrava as desigualdades sociais, já que, tal como nós próprios aqui temos dito várias vezes, o imposto sobre o rendimento é apenas progressivo em relação aos trabalhadores por conta de outrem, sendo, porém, base de um sistema injusto e globalmente regressivo.
Percebe-se bem por que motivo a famigerada lei das propinas se tornou um autêntico tumor de fixação - que, na prática, impediu que, durante um longo período, fosse possível discutir, séria e aprofundadamente, o tema central que nos preocupa: a qualidade do ensino superior, as responsabilidades estratégicas do Estado e a questão da igualdade de oportunidades.
Afinal, a Constituição da República, ao estipular que incumbe ao Estado "estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino", condiciona esse objectivo à realização do princípio segundo o qual "todos terão direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar". O que está em causa? É a igualdade de oportunidades e a criação de "condições sociais" para que exista uma autêntica "democratização do sistema de ensino".
E, no entanto, a que assistimos? Leia-se o documento Educação?, elaborado pela Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico. Usando números oficiais divulgados na Alemanha - espante-se: na Alemanha! -, mas baseados nas estatísticas portuguesas que tão distantes de nós continuam, vejamos qual o esforço financeiro exigido a uma família de três elementos, com rendimento médio, para que um filho frequente o ensino superior. A taxa de esforço é calculada através do quociente entre o custo médio de vida do estudante e o rendimento médio do agregado familiar.
Na Comunidade Europeia, Portugal é de longe o país onde as famílias e os estudantes são mais penalizados. Nesse sentido, aliás, o Sr. Deputado Adriano Moreira tem falado num "ensino superior a duas velocidades".
A eficácia da acção social escolar é quase nula. As taxas de esforço das famílias são, pois, muito elevadas em Portugal - 26% -, sobretudo, se compararmos com os países da Europa onde elas são igualmente elevadas: 18%, em Espanha, 17%, na Grécia, 15%, na Itália, contra taxas não superiores a 10%, na França e na Bélgica, e inferiores a 5%, nos restantes países. Não se esqueça, afinal, que é absolutamente falso centrar os encargos nas propinas, já que, como bem sabemos, a maior parte dos gastos reporta-se à deslocação, à habitação, à manutenção e ao material escolar.
A questão diz, pois, respeito a todos os estudantes, estejam no ensino público ou no privado, já que aquilo que se exige é mais e melhor acção social escolar - bolsas, empréstimos, residências e cantinas. A percentagem de alojados em residências e de bolseiros não acompanhou o crescimento do número de estudantes no ensino superior que, hoje, é de mais de 200 000. Acresce que os estudantes do particular não são praticamente abrangidos pela acção social nem têm acesso a residências.
A este propósito recordo aquela oposição artificial que se fazia entre as famílias que tinham um filho no ensino público e um filho no ensino privado e que se dizia: "pois bem, esta questão das propinas só se coloca em relação ao ensino público". Ora, a questão fundamental coloca-se em relação aos dois ensinos porque a questão fundamental é a da acção social escolar e a da igualdade de oportunidades.
Em 1990, apenas 3,5% dos estudantes do ensino superior habitavam em residências e a percentagem de bolseiros, de 1981 a 1990, baixou de 13,4% para 9,4%. Portugal é, também, o país europeu em que a incidência da acção social é mais baixa, ao lado da Itália, apesar das diferenças. Sem falar dos casos da Dinamarca, da Holanda e da Inglaterra, em que o âmbito é próximo dos 100%, note-se que nos restantes países a população abrangida é de mais do dobro a três vezes do que ocorre entre nós.
Estas são as questões essenciais que aqui estão presentes.
Abandone-se, pois, a perspectiva centrada no microproblema das propinas, aliás, como têm dito as associações de estudantes - e adequadamente. Encarem-se a sério as questões do financiamento e da qualidade, sem ligação penalizadora, bem como o tema da acção social escolar!
E se continuamos a sustentar que a Lei n.º 20/92, mais os acrescentos que lhe foram apostos, é uma má lei, dizemos com muita veemência que é uma lei injusta, desajustada e inoportuna. Injusta, porque esquece a igualdade de oportunidades pela acção social. Desajustada, porque surge isoladamente, com uma filosofia errada de financiamento e sem que se saiba quais as perspectivas concretas de desenvolvimento do ensino superior e qual a responsabilidade estratégica do Estado. Por fim, inoportuna, porque só serviu para que não se discutisse o fundo das questões.
Mais e melhor educação de qualidade para todos, eis o que, também aqui, está em causa!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao analisar a petição n.º 172/VI, apresentada pela Associação Académica da Faculdade de

Página 2110

2110 I SÉRIE - NÚMERO 64

Direito de Lisboa, a que veio a aderir formalmente a Associação de Estudantes do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, cumpre deixar uma palavra de reconhecimento aos estudantes destas duas faculdades e, nelas, aos estudantes de todo o País, pelo dinamismo e vitalidade que têm posto na procura de soluções para o ensino em Portugal.
Embora discordando da petição apresentada, estou convicto de que um movimento associativo forte e reivindicativo contribuirá, em definitivo, para a melhoria do sistema de ensino em Portugal e para a realização plena do nosso futuro colectivo.
A análise desta petição tem de ser feita tendo em atenção não só a Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto, mas também as alterações que foram provocadas pela proposta de lei n.º 84/VI, que regulamenta a Lei n.º 20/92 e revoga uns artigos da mesma, hoje transformada na Lei n.º 5/94, de 14 de Março.
Muito já foi dito nesta Casa, e principalmente fora dela, sobre a Lei n.º 20/92, vulgo lei das propinas. Com mais ou menos demagogia, com mais ou menos seriedade, o debate desta questão ultrapassou, no meu entender, a sua verdadeira dimensão. É para mim evidente que a tentativa de transformar um debate aparentemente simples numa grande questão política teve como principal objectivo o de extrair dividendos políticos de uma questão que - sabia-se - teria, numa primeira análise, uma reacção desfavorável por parte dos estudantes.
Esperava que, hoje, a questão da petição fosse colocada no seu verdadeiro lugar, ou seja, na análise dos pressupostos que levam ao pedido de revogação da Lei n.º 20/92. Mais uma vez, tal não aconteceu.
Não vou entrar na chicana e na demagogia de que alguns não querem sair. Estou de acordo com a necessidade de discussão de questões que, hoje, foram aqui levantadas nesta Casa. Mas, meus amigos, vamos fazer a discussão de uma vez por todas e não vamos continuar a dizer que ela não se faz, pura e simplesmente, por causa da lei das propinas.
Os peticionantes, no fundamental, põem em causa a Lei n.º 20/92 por a considerarem ilegal e inconstitucional e, ainda, por questões de princípio.
Assim, temos quatro pontos fundamentais invocados, a saber: primeiro, a violação do artigo 19.º da Lei n.º 33/87, de 11 de Julho; segundo, o desrespeito pelos princípios, em termos dos objectivos da autonomia universitária consagrada na Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro; terceiro, a letra do artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa, para justificarem a sua posição, não só contra o aumento das propinas mas quanto à sua própria existência e gostaria de frisar que, no texto da petição, está escrito, bem claramente, "contra a sua própria existência"; quarto, a contestação à aplicação da Lei n.º 20/92 que se tem verificado em todo o País, designadamente, através das posições das associações de estudantes, de movimentações de alunos e, ainda, por parte dos senados de diversas universidades.
Analisemos as razões invocadas para a contestação da lei.
O primeiro ponto invoca "a violação do artigo 19.º da Lei n.º 33/87 por não se encontrar na documentação compulsada qualquer referência à participação das associações de estudantes na elaboração da Lei n.º 20/92". Se isto é verdade, não é menos verdade que, politicamente, passada que foi toda a discussão que acompanhou a apresentação da proposta de lei n.º 84/VI, com as audições que houve das associações de estudantes, dos reitores, das associações de pais, muito dificilmente poderemos dizer que, a haver violação, esta questão não pode ser transformada apenas numa questão de forma. É porque, politicamente, hoje, ninguém com seriedade pode dizer que não houve um debate profundo sobre esta proposta de lei. Tenho mesmo dúvidas que, nos últimos anos, muitas leis tenham estado sujeitas a uma audição tão grande e tenham sofrido uma discussão pública tão grande como a que ocorreu com a lei que estamos a discutir neste momento.
O segundo ponto invocado diz respeito à violação da Lei n.º 108/88, a qual estabelece os termos em que é definida a autonomia das universidades. Está consagrada na Lei n.º 108/88 a possibilidade de as universidades gerarem receitas próprias, independentemente de ao Estado caber garantir as verbas necessárias ao seu funcionamento.2 Não sendo a capacidade de obter receitas próprias um poder exclusivo das universidades, nada impede que o Estado concorra no mesmo sentido. E, meus amigos, o PSD não tem a mínima dúvida de que é absolutamente necessário continuarmos a investir ainda mais na educação. Mas também não devemos ter pruridos de sermos capazes de encontrar soluções para contribuir para as receitas próprias das universidades.
A questão levantada pelo n.º 3 do artigo l.º, que determinava prioridades na aceitação das verbas provenientes do pagamento das propinas, afectando-as, nomeadamente, a uma política de acção social escolar, ao ser revogada e substituída por um artigo que estatui que os montantes provenientes do pagamento de propinas devidas no ensino superior público constituem receitas próprias das instituições, a afectar à prossecução de acções que visem a melhoria da qualidade do ensino e à promoção do sucesso educativo, garante, agora de forma inequívoca, a autonomia das universidades.
O terceiro ponto invocado prende-se com a constitucionalidade da lei, nomeadamente no que diz respeito ao artigo 74., n.º 2, da Lei Fundamental, que estatui que "incumbe ao Estado estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino". Penso que a posição do Tribunal Constitucional é clara sobre esta matéria ao declarar que a Lei n.º 20/92 está conforme a Lei Fundamental. Em reforço desta tese temos a posição do Sr. Prof. Doutor Jorge Miranda que afirma na sua petição: "O contraste entre o ensino básico e os diversos graus de ensino mostra-se não menos flagrante. Aquele é tornado universal e obrigatório e, por isso, pode e deve ser gratuito, pelo menos nas escolas públicas, porque beneficia toda a comunidade; esta deve suportar integralmente o seu custo. De diverso modo, o ensino superior, visto que não é universal, tem uma gratuitidade a ser conseguida progressivamente e moldável em razão das condições económicas e sociais."
Vou terminar, dizendo que os quatro principais pontos que estavam contidos na petição estão, neste momento, quanto a mim, substancialmente ultrapassados.

No entanto, gostaria ainda de ressaltar mais um ponto. É que já não é possível continuarmos a dizer que a razão de ser das propinas tem a ver com a política de desinvestimento no ensino superior. Se fizermos uma qualquer análise comparativa dos últimos anos, verificaremos que o investimento que foi feito no ensino superior público é claramente considerável e o mesmo

Página 2111

28 de Abril de 1994 2111

poderia ser concluído no que diz respeito à acção social escolar.

Aplausos do PSD.

O Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que as questões colocadas por esta petição apresentada pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa são por demais claras e que o problema já tem sido aqui suficientemente debatido para que ainda possam subsistir dúvidas sobre a mesma.
Efectivamente, o que há são entendimentos completamente diversos entre a oposição e a maioria relativamente ao sentido e ao sinónimo que atribuem à palavra "diálogo" e ao que significa para uns e outros a violação, ou não, da autonomia universitária.
Já percebemos o que significa "diálogo"... De facto, numa primeira fase, significou o uso da força e, numa segunda, significou um jogo de batota e de "faz de conta": primeiro, aprovou-se uma lei na generalidade e, depois, procedeu-se, naquilo que se dizia ser o debate na especialidade, a consultas para alterar coisa nenhuma. Ora, é bom que tenhamos este aspecto em conta porque, independentemente das variações que sempre dá jeito fazerem-se e da necessidade que o Governo teve de mudar uma cara, tudo ficou na mesma. Mudaram-se as caras e podem continuara mudar-se, porque, se a filosofia inspiradora do Governo relativamente ao ensino continuar a ser esta, não há ministros que resistam...! Portanto, não se trata de uma questão da simpatia ou da antipatia de quem exerce a tutela mas daquilo que está a ser discutido.
A petição apresentada pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa tem, lamentavelmente, toda a actualidade hoje em dia porque a proposta de lei n.º 84/VI limitou-se, em questões de detalhe, a alterar - e no sentido do agravamento - o conteúdo da lei anterior e o que estava na origem da contestação à mesma.
Em nosso entendimento, essas questões radicam no facto de a lei não convergir para a corporização do direito constitucionalmente consagrado da tendencial gratuitidade do ensino a todos os níveis, já que a lei aprovada a contraria. A lei não garante, pois, a igualdade de acesso ao ensino, antes a faz depender da capacidade económica dos estudantes ou das suas famílias. A lei persiste em equacionar o ensino, com uma visão perfeitamente fechada, como uma despesa que deve competir às famílias ou ao próprio aluno e não como um investimento de um país que é suposto querer desenvolver-se autonomamente nos seus recursos naturais, nas suas capacidades, na sua inteligência. A lei aprovada não radica numa visão global do ensino, antes recusa equacioná-la. Recordo que não é ponderada a situação do défice de qualificações superiores do nosso país, nomeadamente em relação aos outros parceiros da União. A lei teima e persiste numa visão imediatista, e não de longo prazo, das questões do ensino, designadamente num quadro cada vez mais agressivo de competição, de competição selvagem - pois é disso que se trata -, entre Estados membros da União. A situação de desigualdade que temos em relação aos outros países e que teima em manter-se coloca em risco aquilo que será o desenvolvimento autónomo deste país.

Por outro lado, continua a não se entender o ensino como parte integrante da própria transformação do País, a não se ter em consideração a importância que a Universidade tem, deve ter, ou é suposto ter, na modernização do aparelho português, nem o papel imprescindível da Universidade na investigação e no desenvolvimento, numa óptica de bem-estar e de qualidade de vida dos cidadãos. A lei teima ainda numa visão não integrada do ensino, nomeadamente quanto à questão do seu financiamento e ao papel que pertence ao Estado e à comunidade, assim como teima em não discutir o papel que a cada sector cabe, nomeadamente o que aos sectores público, privado e cooperativo deve caber, de modo complementar, numa perspectiva e numa estratégia de desenvolvimento definidas, que, no caso português, manifestamente não existem.
A lei teima ainda em não querer discutir a questão da qualidade do ensino e a fiscalização dessa mesma qualidade, nomeadamente no sector privado. Portanto, esta lei teima em equacionar o problema fazendo batota, ou seja, colocando a questão das propinas como uma hipotética passagem de um sistema de gratuitidade para um outro, em que se exigiria, quase que naturalmente, aos estudantes que passassem a pagar, escamoteando o facto de, hoje, o ensino já se pagar. De facto, pagam-se cantinas, alojamentos, transportes, saúde, livros, material, etc. É, pois, uma falsa questão estar a equacionar o problema entre o ser gratuito e o deixar de sê-lo.
Em nosso entendimento, esta é uma lei falhada, que vai continuar a manter, como sempre, a instabilidade dentro da Universidade e em relação à qual a contestação, quer por parte dos estudantes quer por parte do corpo docente, é óbvia. Infelizmente também por isso, esta petição, hoje em discussão, mantém toda a sua actualidade.

Neste momento, verificaram-se manifestações de aplauso da parte de alguns elementos do público presente nas galerias.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Mesa previne o público presente nas galerias de que não pode manifestar-se e que se o fizer, embora sem grande contentamento, terei de mandar evacuar as galerias.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição sobre a questão das propinas está a ser discutida na Assembleia com poucos Deputados presentes, encontrando-se os representantes dos seus autores, também poucos, nas galerias.
15so não significa, porém, que a questão tenha perdido actualidade. De facto, é espantoso que uma petição, datada de Novembro de 1992 e apreciada na Assembleia em Abril de 1994, mantenha toda a sua actualidade! 15to é, a questão a que se refere a petição não foi resolvida, apesar das inúmeras peripécias legislativas e de apreciação judicial por que ela passou. Efectivamente, houve várias iniciativas e votações relativamente a esta questão na Assembleia; o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre o assunto e, no entanto, a questão mantém-se de pé. Não é, pois, uma questão resolvida mas, sim, por resolver. Por isso, a explicação para o pequeno número de Deputados e de assistentes deve radicar antes na deficiência do próprio instituto das petições, que terá de ser revisto entre nós, e não na falta de interesse do tema,

Página 2112

2112 I SÉRIE - NÚMERO 64

O tema mantém-se actual e vivo na sociedade portuguesa- e disso temos vários testemunhos, que, quotidianamente, chegam ao nosso conhecimento -, porque ele não foi bem abordado, desde o início, pelas instâncias oficiais, neste caso, concretamente, pelo Governo português, que aqui apresentou uma proposta, já transformada em lei, e que tomou várias iniciativas nesta matéria.
E não é bem abordado o tema das propinas, isto é, o do financiamento do ensino no seu grau superior como não o é qualquer dos temas do financiamento das políticas sociais do Governo.
O Governo aborda estes temas pela rama, isto é, dá-nos a ideia de que tem problemas de financiamento, relacionados com o próprio fundo das questões das políticas sociais, mas aborda-os apenas pela rama.
Neste caso, adopta uma política de simples actualização das propinas. Actualização que não é leve, mas antes pesada e, porventura, gravosa, relevando de um esquema contra o qual estamos, ou seja, o de atribuir às propinas uma nítida natureza fiscal. Porém, não aborda a questão de fundo - e isto não só no ensino como também na saúde e na segurança social!
Entendemos que é de rever o problema do financiamento, mas num quadro de política orçamental radicalmente diferente.
Aceitamos que o ensino superior terá de ser pago pelos que o frequentam e retiram disso um benefício individualizado, mas num quadro de política orçamental diferente, num quadro fiscal diferente e com impostos diferentes, a serem suportados pelos cidadãos.
Este problema deve ser encarado com imaginação e não com a falta dela e a ausência de soluções, como evidencia este sistema de actualização das propinas.
O CDS-PP deu algum contributo para essa imaginação com que o problema deve ser tratado, ao formular e apresentar aqui o seu projecto respeitante ao cheque de ensino. Essa é uma forma diferente, contrariamente a esta, de encarar o problema. Por isso é que, muito embora os argumentos em que se baseou esta petição possam ter tido resposta por parte das várias instâncias que ao tema se dedicaram ultimamente, a questão se mantém actual e sobre ela teremos com certeza de nos voltar a pronunciar.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, expostas e registadas as posições das diversas bancadas sobre esta petição, ao seu extracto será dado o destino definido no Regimento.
Vamos passar à discussão da petição n.º 132/VI (1.ª)
Apresentada pela Comissão Nacional de Professores do 12.º Grupo da Área Tecnológica, solicitando que a Assembleia da República discuta o carácter opcional da disciplina de Educação Tecnológica tendo presente o espírito da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Para apresentar o relatório da Comissão, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a petição em apreciação pelo Plenário deve-se à iniciativa da Comissão Nacional de Professores do 12.º Grupo da Área Tecnológica, sendo subscrita por 4324 professores.
Desejam os referidos professores que a Assembleia da República se pronuncie, como já informou o Sr. Presidente, pelo carácter opcional da disciplina de Educação Tecnológica no quadro da Lei de Bases do Sistema Educativo.

Argumentam os peticionantes - e, segundo o relatório, bem - ao considerarem inaceitável a situação a que foi votada a educação tecnológica, como componente essencial do ensino básico, quer por se tomar lesiva dos interesses educativos e formativos dos alunos, quer por ofender a Lei de Bases do Sistema Educativo, quer ainda por desrespeitar o parecer do Conselho Nacional de Educação, as recomendações da UNESCO e até os insistentes apelos de associações e organizações profissionais dos professores.
Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na Lei de Bases do Sistema Educativo não há qualquer dispositivo que permita a existência de um plano curricular não unificado no 3.º ciclo do ensino básico ou que permita a quebra da unidade global desse grau de ensino.
Por outro lado, a lei expressa a obrigação de inserção da componente científica e tecnológica nesse ciclo de estudos como modo de alargamento do leque de opções, quer no âmbito da formação quer no da integração na vida activa.
o conteúdo da petição assume, assim - e também segundo o relatório -, particular relevância ao levantar, de uma forma clara, a questão da educação científica e tecnológica de base, pelos reflexos inquestionáveis na existência ou desenvolvimento de uma comunidade científica e tecnológica nacional.
O relatório conclui dando razão aos peticionários, uma vez que se apresentaria como contrária, no plano dos conteúdos, e ilegal, no plano formal, a tentativa de atribuir à educação científica e tecnológica um carácter opcional no já referido plano curricular.
Penso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que referi o fundamental do relatório que tive oportunidade de elaborar e que foi aprovado por unanimidade na reunião da Comissão de Petições do passado dia 24 de Fevereiro.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os peticionantes que se dirigem à Assembleia da República colocando a questão do carácter opcional da disciplina de Educação Tecnológica fazem-no usando argumentos que, em nosso entender, são absolutamente pertinentes.
Referimo-nos, naturalmente, em primeiro lugar, ao argumento de que a Lei de Bases do Sistema Educativo não suporta o carácter opcional da disciplina de Educação Tecnológica ou de qualquer outra, na medida em que, como se sabe, determina um regime absolutamente contrário ao regime opcional adoptado.
Por outro lado, a Lei de Bases do Sistema Educativo é perfeitamente clara nas suas referências a uma educação global, que não pode esquecer um contacto com o mundo do trabalho, o privilégio na actividade do desenvolvimento de capacidades e de contactos com o mundo da ciência e da tecnologia, na qual a educação tecnológica, obviamente, tem um papel importante a desempenhar.
Em todo o caso, pensamos que é bom sublinhar, neste momento, que esta questão é claramente incómoda para o PSD. E pensamos que se trata de uma questão incómoda para o PSD por vários motivos. Desde logo porque a questão opcional e os inconvenientes que esta situação viria a acarretar foi uma questão para a qual o Governo e o Ministério da Educação foram par-

Página 2113

28 de Abril de 1994 2113

ticularmente alertados. O Ministério da Educação não quis ouvir as observações e as críticas que foram colocadas por diversos quadrantes relativamente a esta situação - importa lembrar que o próprio Conselho Nacional de Educação emitiu um parecer claramente desfavorável a este tipo de solução -, não quis prever e, por isso, assistimos a uma situação que se traduz numa situação curricular pedagogicamente insustentável.
Como é conhecido, esta suposta opção tem-se traduzido, como muitos previam, numa situação generalizada de quase desaparecimento da Educação Tecnológica e num subproveitamento generalizado de equipamentos importantes existentes nas escolas que, em muitos casos, de uma forma precipitada e com indicações do Ministério, mais ou menos veladas ou indirectas, foram convertidos apressadamente em salas de aula. Tem-se assistido também a inaceitáveis situações de instabilidade profissional e de frustração para docentes do 12.º grupo, muitos com horários zero e outros com horários incompletos, que vêem, neste momento, a sua disciplina quase extinta e perder a sua utilidade pedagógica em vez de ser valorizada e prestigiada como seria justo.
É incómodo, naturalmente, colocar ao PSD estas questões, mas é evidente que temos de fazê-lo. Que tem o Governo feito em relação a esta situação que há muito está diagnosticada e, mesmo, nesta Assembleia já foi devidamente discutida não há muito tempo? Tem protelado a sua resolução!
Podem apontar-se algumas das atitudes do Executivo: o ex-Ministro Couto dos Santos multiplicou-se em promessas, deu indícios de que iria resolver, num prazo mais ou menos breve, esta situação a contento das pessoas que a tinham acompanhado com preocupação; o mesmo fez o então Secretário de Estado Joaquim de Azevedo. Como sabemos, em resultado da luta contra a política educativa, ambos foram exonerados do Governo sem terem cumprido qualquer promessa.
Entretanto, a Sr.ª Ministra da Educação mantém-se, actualmente - como se sabe -, num enigmático e prolongado silêncio que está muito de longe de indiciar que esta situação venha a ser resolvida rapidamente como se impõe.
No entender do PCP, esta situação é extremamente grave. De facto, não há qualquer base legítima para a atitude do Ministério da Educação que está, na prática, a traduzir-se no desaparecimento de uma disciplina sem que haja sequer uma determinação clara nesse sentido. Portanto, pensamos que a situação que está a acontecer no nosso sistema educativo relativamente a esta área e a este caso concreto não tem qualquer suporte legítimo por parte do Governo.
Por outro lado, pensamos também que está a assistir-se, como já referi, o que é absolutamente inaceitável, a uma situação de atropelo do direito ao trabalho destes professores, os quais devem desempenhar as suas actividades docentes em situação de estabilidade e de reconhecimento da sua actividade, contrariamente ao que está a suceder.
Em todo o caso, Sr. Presidente o Srs. Deputados, pensamos que a atitude desvalorizadora da Educação Tecnológica por parte do Ministério da Educação não se esgota, infelizmente, no que já foi referido, pela simples razão de a acção do Ministério da Educação, nesta área, ser altamente criticável. Perguntamos, por exemplo: o que fez o Ministério da Educação no sentido de dotar as escolas do ensino básico do equipamento necessário para que fossem atingidos os objectivos previstos relativamente à disciplina de Educação Tecnológica?
O que fez o Ministério da Educação no sentido de concretizar acções de formação para docentes? E cabe aqui perguntar o seguinte: das acções realizadas nos últimos tempos em tão grande escala no nosso país, que percentagem foi dedicada a estes docentes no sentido de apoiá-los quando leccionam esta nova disciplina de Educação Tecnológica?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O que fez o Ministério da Educação no sentido de esclarecer os encarregados de educação e os pais relativamente ao conteúdo desta disciplina?
A concluir, limito-me a citar, muito rapidamente, um ex-Ministro do PSD que afirmou nesta Assembleia, a propósito da reforma, o seguinte: "Terão sido cometidos erros. Há disponibilidade e humildade para os corrigir". Srs. Deputados do PSD, numa atitude disponível e de humildade, corrijam imediatamente esta situação!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Os cidadãos que apresentaram esta petição exerceram um dos direitos que a Constituição lhes confere. Fizeram-no profundamente convictos da justeza dos argumentos que aduzem, conscientes dos direitos que lhes assistem na defesa dos seus postos de trabalho - porque não dizê-lo? - e esperançados na assunção por esta Assembleia das suas próprias responsabilidades em dar voz aos cidadãos que representa, por um lado, e, por outro, em corrigir os desajustamentos produzidos pelo poder executivo quando legisla em contradição com a Constituição e o espírito e a letra de uma lei de bases como a do sistema educativo português.
Proeurou já, oportunamente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista suprir esta lacuna do Decreto-Lei n.º 268/89, de 29 de Agosto, que define os planos curriculares dos ensinos básico e secundário. Para isso, apresentou a esta Assembleia o projecto de lei n.º 253/VI, que foi objecto de um requerimento para baixar à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, onde ainda se encontra.
O nosso projecto de lei vai ao encontro do espírito da petição em debate. Pessoalmente, considero não ser necessário aduzir, aqui e agora, os argumentos apresentados aquando do seu debate; julgo, no entanto, ser importante realçar alguns aspectos mais relevantes quer da fundamentação que os peticionantes apresentam quer do debate então verificado.
A Comissão Nacional de Professores do 12.º Grupo da Área Tecnológica parte do articulado da Lei de Bases do Sistema Educativo - nomeadamente, do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), do n.º 2 e do n.º 3, alínea c) refere um parecer do Conselho Nacional de Educação, lembra recomendações da UNESCO e conclui pela inaceitabilidade da actual situação já que (e cito) "hoje, educação e formação concorrem na produção de competências cujos saberes requerem uma maior integra-

Página 2114

2114 I SÉRIE - NÚMERO 64

ção e valorizam a educação tecnológica como dimensão educativa de base insubstituível".
Lembrarei aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o artigo 8.º de que falo se refere à organização do ensino básico e é precisamente no 3.º ciclo deste nível de ensino que o problema se põe, já que o Decreto-Lei n.º 268/89, de 29 de Agosto, estabelece o regime de opção para a Língua Estrangeira II, a Educação Musical e a Educação Tecnológica. Os alunos que não escolherem a Educação Tecnológica como opção "não beneficiarão de qualquer formação em tecnologia no momento em que o seu desenvolvimento psicomotor e a sua formação em ciência melhor lhes permitiria aproveitar essa formação" (citei João Dias Baptista).
Este facto contraria, assim, o sentir de especialistas que consideram a idade entre os 13 e os 15 anos a mais adequada para esse fim, podendo correr-se o risco de graves consequências no desenvolvimento integral do jovem caso não haja essa formação.
A lei de bases é bem clara nos objectivos do ensino básico e o regime de opção constituí assim um grave óbice à prossecução desses objectivos. Efectivamente, a escolha, por parte do jovem, do "prosseguimento dos estudos" num determinado sentido ou a preferência pela "inserção do aluno em esquemas de formação profissional" não poderá acontecer se não lhe for dada a possibilidade de ter contactos com realidades diferentes, facilitadoras da "descoberta e desenvolvimento dos seus interesses e aptidões". Acresce que, também aqui como noutros sectores, aliás, se verifica uma incoerência total entre as intenções do Governo e a concretização das políticas.
Se nos objectivos das Grandes Opções do Plano para a educação é dito (e cito) "promover os recursos humanos como factor de desenvolvimento, dando especial ênfase à aquisição de qualificações tecnológicas", seria lógico que a Educação Tecnológica tivesse um lugar de destaque na formação dos jovens com vista a despertar nos mesmos a opção pela frequência posterior de cursos desta área. Esta lacuna ajudará também a compreender por que, no universo das mulheres, há tão pequeno número a escolher os cursos tecnológicos.
O problema sócio-profissional não deve ser também escamoteado, pois é real. Deve reconhecer-se a estes profissionais da educação o direito a manifestarem preocupação também neste domínio, mas mais importante para eles próprios é o que se relaciona com a sua formação para leccionar esta disciplina, pelo que urge, também a este nível, acabar com esquemas que "parece-que-são-para-não-serem-absolutamente-nada".
Os professores de Educação Tecnológica reconhecem e defendem, na generalidade, que deve ser elaborado um plano de formação, mas reconhece-se-lhes o direito de irem ao encontro das suas reais necessidades. Essa formação deverá ser efectuada em estabelecimento de ensino superior, com uma duração que evite estrangulamentos no funcionamento do próprio sistema, devendo conceder um diploma que qualifique, em termos académicos, os que frequentam essa formação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o conteúdo desta petição é bem claro e a sua fundamentação convincente, aliás, o relatório elaborado foi aprovado por unanimidade. Torna-se indispensável, pois, que a esperança manifestada por estes professores na Assembleia da República não fique defraudada.
Não podemos ficar pelo debate realizado nesta sessão plenária e arquivar, depois, a petição. O Governo e a Assembleia têm de assumir as suas próprias responsabilidades para que as deficiências e lacunas que os planos curriculares do ensino básico evidenciam sejam corrigidas e supridas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Cerqueira de Oliveira.

O Sr. Alberto Cerqueira de Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 132/VI, apresentada pela Comissão Nacional de Professores do 12.º Grupo da Área Tecnológica, solicita que a Assembleia da República discuta o carácter opcional da disciplina de Educação Tecnológica.
Invocando o artigo 8.º da Lei de Bases do Sistema Educativo tenta demonstrar que a Educação Tecnológica não deve constituir-se num grupo curricular opcional.
Embora não seja explicitado na petição, pretende-se que seja alterado o Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto, que considera que a Educação Tecnológica será não só uma disciplina de opção como também ficará sujeita às possibilidades de cada Escola.
O referido decreto-lei, ao estabelecer o plano curricular do 3.º ciclo do ensino básico, pretende dar satisfação à forma de organização determinada para este ciclo pela Lei de Bases do Sistema Educativo no seu artigo 8.º, n.º 1, alínea c), quando define que "no 3.º ciclo o ensino organiza-se segundo um plano unificado, integrando áreas vocacionais diversificadas".
Assim e dando expressão ao preceituado sobre a matéria na Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, o Decreto-Lei n.º 286/89 desenhou um curriculum único que integra, numa zona opcional, áreas vocacionais diversas, constituídas por Educação Musical ou Educação Tecnológica ou por uma segunda língua estrangeira (Alemão, Espanhol, Francês ou Inglês, consoante as escolas), atribuindo a todas as disciplinas igual valor, igual peso curricular, sujeitando-as ao mesmo modelo de avaliação definido para a totalidade do ensino básico.
O Decreto-Lei n.º 286/89, no seu artigo 14.º, determinou que a aplicação dos planos curriculares se faria em regime de experiência pedagógica. Numa amostra de escolas, os programas das diversas disciplinas foram sujeitos a observação, procedendo-se às alterações que a sua aplicação experimental demonstrou necessárias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da zona opcional constante do plano curricular do 3.º ciclo, que integra áreas vocacionais diversas, o aluno escolherá uma disciplina, seja de entre as línguas estrangeiras que a escola proporciona, seja a disciplina de Educação Musical ou de Educação Tecnológica, qualquer delas com três horas semanais, leccionadas em cada um dos três anos de escolaridade que formam o ciclo, o que, agregado às restantes disciplinas que compõem o curriculum, perfaz um total de 30/31 horas no horário semanal dos alunos.
Depois de realizada a fase de aplicação experimental numa amostra de escolas, deu-se início à generalização dos novos planos curriculares, tendo ocorrido o lançamento do 7.º ano em 1992/1993, o 8.º ano no presente ano lectivo de 1993/1994 e o 9.º ano ocorrerá em 1994/1995.
A Comissão Nacional dos Professores do 12.º Grupo pretende, no fundo, que a disciplina de Educação

Página 2115

28 de Abril de 1994 2115

Tecnológica seja obrigatória em todo o 3.º ciclo do ensino básico, argumentando com a sua interpretação do artigo 8.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, pelo que considera "inaceitável a situação a que foi votada a Educação Tecnológica, componente essencial do Ensino Básico por se tornar lesiva dos interesses educativos e formativos dos alunos".
Compreende-se que a Comissão Nacional dos Professores do 12.º Grupo da Área Tecnológica, ao ver diminuir o número de horários a distribuir pelos seus associados, se preocupe com a situação, dado que a oferta de professores neste grupo é maior do que as necessidades do momento.
Encontrando-se actualmente ainda por generalizar ao 9.º ano de escolaridade os novos planos curriculares, o que só ocorrerá no ano lectivo 1994/1995, entendemos que qualquer alteração curricular não deverá ser feita isoladamente, nem em qualquer momento de um percurso escolar, na medida em que eventuais alterações de disciplinas ou de tempos lectivos podem ter que se repercutir no 7.º ano (já generalizado), no 8.º ano (em generalização) ou no 9.º ano (a generalizar no próximo ano lectivo), criando uma enorme instabilidade nos curricula dos alunos e entre os próprios professores.
Pensamos, assim, que estando prestes a terminar o 3.º ciclo, entre os alunos que o iniciaram em 1992/1993 deverá ser feita a análise global às disciplinas, programas e cargas horárias, e que só então se deverá proceder a eventuais ajustamentos que se revelem indispensáveis.
Tendo os alunos do 3.º cicio no curriculum lectivo obrigatório uma carga horária de 30/31 horas por semana, o que o situa entre os curricula mais pesados dos países da Comunidade, para este nível de ensino, não se revela aconselhável, sem qualquer reorganização curricular, aumentar essa carga horária de mais três horas semanais para todos os alunos, por simples aditamento da obrigatoriedade da disciplina de Educação Tecnológica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que o Ministério da Educação deverá disponibilizar-se para analisar as propostas alternativas aos actuais programas e curricula do 3.º ciclo do Ensino Básico, que lhe sejam apresentados pela Comissão Nacional dos Professores do 12.º Grupo da Área Tecnológica, proceder à formação de professores necessários à aplicação do programa em vigor, de acordo com o quadro legal existente e que determina a situação presente da disciplina de Educação Tecnológica, no início do próximo ano lectivo, generalizar o 9.º ano de escolaridade. De acordo com a legislação em vigor e avaliar globalmente o ciclo de estudos, no fim do próximo ano lectivo, e, então, proceder a eventuais ajustamentos que venham a manifestar-se imprescindíveis.
Ouvindo os professores, procedendo à sua formação e, se necessário, à sua reciclagem, e atendendo aos objectivos que se pretendem atingir com os novos curricula, temos a certeza de que se encontrarão soluções que respondam aos anseios de professores e alunos, numa perspectiva de um desenvolvimento harmónico das capacidades, em vista a uma preparação dos jovens para enfrentarem o futuro com confiança e com a preparação adequada, sem esquecer que tudo deve ser feito com a participação motivada dos professores.
O Ministério da Educação, por seu lado, tem vindo a tomar as medidas necessárias no sentido de estabilização do sistema educativo, para assim, consolidar a reforma.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate desta petição.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): Sr. Presidente, apenas para informar a Câmara de que, na sequência desta petição, o Grupo Parlamentar do PS irá accionar todos os mecanismos na Comissão de Educação, Ciência e Cultura para que a nossa iniciativa legislativa tenha sequência indo ao encontro da pretensão desta petição.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Com certeza, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão da petição n.º 265/V (3.ª) - Apresentada pela Associação Columbófila do Distrito de Aveiro, solicitando medida legislativa para proibição da caça durante o mês de Fevereiro ou, pelo menos, que não seja permitida ao sábado do referido mês, com o objectivo de salvaguardar a vida do pombo-correio.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia, como relator.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, pretendo esclarecer a Câmara sobre a tramitação da presente petição, que, tendo entrado na Assembleia da República em 10 de Abril de 1991 - ainda durante a V Legislatura -, só hoje sobe a Plenário, passados que são três anos.
Além da petição me ter sido distribuída para elaborar relatório e parecer em Maio de 1992, importa, acima de tudo, referir que, não possuindo os conhecimentos suficientes sobre a columbofilia e, em particular, sobre o pombo-correio, fui obrigado a encetar os mais variadíssimos contactos e reuniões, desde a Federação Portuguesa de Columbofilia a membros de associações distritais, a columbófilos individualmente, a efectuar visitas a diversos pombais e a assistir a várias exposições, largadas e concursos.
Posso dizer que foi uma aprendizagem excelente que me proporcionou entrar no meio e conhecer o lugar destacado que a columbofilia ocupa no panorama desportivo português, sendo a segunda modalidade mais praticada, com cerca
de 16 000 praticantes, e o lugar destacado que ocupa internacionalmente, onde a columbofilia portuguesa é reconhecida como uma grande potência mundial.
Mas a columbofilia é bem mais do que isto, como refere o relatório, pois, além da sua inserção no movimento associativo com uma componente importante tanto social como cultural, é um desporto de cariz familiar, com raízes profundamente populares e com uma grande ligação e respeito à Natureza, questão esta que é transmitida aos praticantes jovens e, como tal, com muito interesse do ponto de vista da formação do indivíduo.
Foi deste contacto com os columbófilos que surgiu a ideia de algum protelamento do relatório final, nomeadamente pela possibilidade de resolução da situação que é objecto da petição por decisão governamental.
Porém, tal resolução ainda não aconteceu e, ainda de acordo com os dirigentes columbófilos, considerou-se

Página 2116

2116 I SÉRIE - NÚMERO 64

que era tempo de concluir o relatório e de apresentar o parecer, que hoje temos oportunidade de apreciar.
Este relatório e parecer subdivide-se em sete capítulos e é, na medida do possível, o espelho da aprendizagem e do conhecimento que me foi proporcionado fazer no meio columbófilo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objecto da petição é simples e razoável: partindo da situação, que é o facto de milhares de pombos-correio serem anualmente mortos por alguns ditos "caçadores". Por exemplo, no ano passado, de uma largada em Évora de 65 000 pombos, mais de 6000 desapareceram sem qualquer explicação natural; atendendo ainda a que o pombo-correio é considerado, desde 1948 e por lei, de utilidade pública, sendo-lhe assegurada a necessária protecção, os columbófilos reivindicam apenas medidas que não permitam o exercício da caça, pelo menos aos sábados do mês de Fevereiro de cada Fevereiro porque desde sempre constituiu um mês de arranque da campanha desportiva anual, e aos sábados desse mês porque é o dia em que sempre se realizaram, e realizam, vários torneios e concursos inseridos no calendários desportivo columbófilo.
Ora, foi neste quadro que a Comissão de Petições, por unanimidade, aprovou o relatório e parecer que conclui pela recomendação ao Governo não só para que o Sr. Ministro da Agricultura, no uso das disposições legais, ao definir o calendário venatório para as zonas de caça do regime cinegético especial e ao aprovar os planos de exploração das reservas de caça se lembre que lhe cumpre defender também a população columbina, estimada em 2,5 milhões de pombos, mas também para que os agentes com funções de polícia e fiscalização de caça assegurem a necessária protecção aos pombos.
Esta é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a síntese de um relatório de 27 páginas.

Aplausos do PCP e do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Albernaz.

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos previstos na Constituição da República e no exercício do direito de petição, consagrado na Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, veio a Associação Columbófila do distrito de Aveiro, com o apoio da Federação Portuguesa de Columbofilia, perante a Assembleia da República, expor a situação com que se debatem milhares de columbófilos portugueses, no que concerne às condições de segurança dos pombos-correio em actividades de treinos e de competição durante o mês de Fevereiro e, muito especialmente, aos sábados.
Trata-se de uma actividade desportiva que, além de mobilizar um enorme número de praticantes - superior a 16 000 -, regista um palmarés invejável ao nível competitivo, que inclui êxitos em provas olímpicas, ibéricas, ibero-latino-americanas e mundiais, que terão certamente pesado na formulação da candidatura de Portugal às Olimpíadas de 1977.
Toda a problemática da columbofilia está exaustivamente exposta no relatório elaborado - e muito bem! pelo Sr. Deputado José Manuel Maia, a quem quero, desde já, felicitar pelo excelente trabalho que realizou.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do ponto de vista do Grupo Parlamentar do PS, a questão colocada pelos peticionantes é pertinente, facilmente solucionável e só em pequena escala pode colidir com os interesses de uma pequena parcela de caçadores. Contudo, esta questão não está ainda resolvida, porque também nesta matéria o Governo não cumpre o que promete, coisa que, aliás, bem poderia fazer, pois nem se trata de matéria legislativa no sentido mais puro.
Na realidade, basta uma simples determinação interna do Ministério da Agricultura aos serviços dele dependentes e aos quais cabe a aprovação dos planos de exploração das reservas de caça do regime cinegético especial para que a autorização de caçar aos sábados durante o mês de Fevereiro e não seja concedida.
Vários membros do Governo, entre os quais o próprio Secretário de Estado da Agricultura, manifestaram já publicamente, por mais do que uma vez, estar de acordo com as preocupações e reivindicações dos peticionários, sem que, porém, tais declarações tenham tido alguma vez correspondência prática. Estas atitudes do Sr. Secretário de Estado não nos espantam, uma vez que já foi demonstrado nesta Câmara, inúmeras vezes - não constituindo por isso dúvida para ninguém -, que o Ministério da Agricultura é totalmente incapaz de garantir o cumprimento de legislação sobre a caça.
Ainda recentemente vieram a público os resultados de uma inspecção técnica, efectuada pelo próprio Ministério da Agricultura, que confirma, em absoluto, as acusações feitas ao longo do último ano pelo meu colega de bancada Deputado Luís Capoulas Santos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Assim, o Partido Socialista concorda em absoluto com os termos do parecer do relator, no sentido de recomendar ao Governo que o calendário venatório, em particular para as zonas de caça do regime cinegético especial, não permita o exercício da caça aos sábados, durante o mês de Fevereiro, e apela a esta Câmara para que a sancione. Se tal recomendação não vier a ter acolhimento pelo Governo, num prazo razoável, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista assume desde já o compromisso de apresentar uma iniciativa legislativa que dê resposta satisfatória às justas preocupações e reivindicações expostas nesta petição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Baptista Cardoso.

O Sr. Manuel Baptista Cardoso (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Associação Columbófila do Distrito de Aveiro apresentou a esta Assembleia da República a presente petição n.º 265/V, que sobe a Plenário três anos e alguns dias depois de aqui ter dado entrada.
Face aos testemunhos apresentados, em representação de inúmeros grupos columbófilos dos mais diversos cantos do País e ao expresso apoio da Federação Portuguesa de Columbofilia, bem se pode dizer que a questão levantada nesta petição tem, manifestamente, um interesse generalizado e é de âmbito nacional.
As razões que levaram os columbófilos portugueses, não só os do distrito de Aveiro, como vimos, a usarem o seu direito constitucional de apresentarem a petição em causa são, sumariamente, as seguintes: a Lei da

Página 2117

28 de Abril de 1994 2117

Caça veio não só alargar o período legal de caça a certas espécies cinegéticas a todo o mês de Fevereiro como também permitir que, em coutadas ou reservas concelhias, a caça seja praticada em dois dias à escolha dos caçadores, para além da quinta-feira ou domingo. Esta possibilidade de escolha tem vindo a traduzir-se, naturalmente, na larga utilização do sábado como um dos dias preferidos para a prática da caça.
Ora acontece que os sábados do mês de Fevereiro são essenciais, e mesmo indispensáveis, para a columbofilia, pois o respectivo calendário, federativo sempre tem previsto a realização de três treinos e um concurso aos sábados do mês de Fevereiro, sendo este mês considerado como arranque anual da campanha desportiva columbófila.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos que na caça, como em qualquer outra actividade, seja ela desportiva ou não, há praticantes conscientes e escrupulosos, mas que também os há menos conscientes e até alguns sem escrúpulos, pelo que permitir a caça em simultâneo com as provas de columbofilia constitui um sério risco para os pombos - e, como é sabido, muitos têm tombado, feridos de morte, por chumbos traiçoeiros de caçadores não respeitadores -, e não nos podemos esquecer do estatuto de utilidade pública nacional de que goza o pombo-correio!...
O que pede a Associação Columbófila do distrito de Aveiro e a Federação Portuguesa de Columbofilia é "que seja adoptada medida legislativa que proíba a caça ao sábado, durante o mês de Fevereiro". Tendo em consideração o que ganharia a Columbofilia e, em particular, o pombo-correio, que, outrora, tantos e tão inestimáveis serviços prestou à Humanidade, pensamos ser de justiça encontrar uma solução que sirva os interesses dos peticionantes. Aliás, o Governo já acolheu uma das recomendações contidas no excelente relatório final desta petição - e aqui aproveito para, também, louvar o excelente trabalho realizado pelo Sr. Deputado José Manuel Maia. Com efeito, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, reconhecendo a seriedade da Federação Portuguesa de Columbofilia e a justeza desta pretensão, levou, ontem mesmo, o assunto à reunião do Conselho Nacional da Caça e da Conservação da Fauna.
Do debate havido, resultou claro que algo terá de ser feito com o objectivo de acolher a justa pretensão dos columbófilos - muitos dos quais são, simultaneamente, caçadores - e de encontrar medidas dissuasoras do exercício da caça nos dias em que haja concursos de columbofilia. Foi, por isso, decidido constituir um grupo de trabalho coordenado pelo Instituto Florestal, que, por sua vez, ficou incumbido de convidar a Federação Portuguesa de Columbofilia, a Associação Nacional dos Produtores de Caça e a Confederação Portuguesa dos Caçadores.
Assim, afigura-se-nos que o assunto está a ter uma tramitação correcta e que algo já os peticionantes conseguiram: encontrar sensibilidade da parte do Governo para tentar obter uma solução que vá ao encontro dos interesses reconhecidamente sérios dos columbófilos.
Oxalá, o grupo de trabalho, ontem constituído, encontre as soluções desejadas.

Aplausos do PSD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No exercício do direito previsto no artigo 52.º da Constituição da República e na Lei n.º 93/90, 4000 cidadãos, representados pela Associação Columbófila do Distrito de Aveiro e com o apoio da Federação Portuguesa de Columbofilia, vêm perante a Assembleia da República solicitar as medidas adequadas para a salvaguarda da vida do pombo-correio.
Consideram os peticionantes que a Lei da Caça (Lei n.º 30/86), ao alargar o período legal de caça a certas espécies cinegéticas a todo o mês de Fevereiro, e que a legislação complementar, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 274-A/88, ao permitir que em coutadas ou reservas concelhias a caça seja praticada em dois dias à escolha, para além da já habitual quinta-feira ou domingo, veio possibilitar que o sábado seja o dia de maior preferência para a prática da caça nas zonas do regime cinegético especial.
No entanto, como aqui já foi referido, acontece, há muitos e muitos anos, ser o mês de Fevereiro e em particular os sábados que dezenas de milhares de pombos são largados em treinos e concursos como forma de preparação e aperfeiçoamento da sua condição física e do seu sentido de orientação, constituindo o arranque da campanha desportiva anual. Fácil se torna assim concluir que a actual situação proporciona a certos "caçadores" fazer verdadeiras razias nos pombos-correio, cujo abate é legalmente proibido.
O pombo-correio é desde 1948, através do Decreto-Lei n.º 36 767, uma ave protegida e considerada de utilidade pública, pelo que não se compreende que não sejam tomadas as necessárias medidas para a sua defesa e protecção. A par desta situação, em si mesma importante, refira-se o lugar destacado - e já várias vezes aqui referido - que a columbofilia ocupa no panorama desportivo português e mundial.
A nível nacional, além da Federação e de 13 associações distritais, existem mais de 700 clubes onde se integram cerca de 17 000 praticantes, e a nível internacional a columbofilia portuguesa é reconhecida como uma grande potência mundial. Exemplo disso é o facto de Portugal ser vice-campeão olímpico, campeão ibérico e campeão ibero-latino-americano e de ser, a nível individual, campeão do mundo.
Mas é ainda mais vasta a acção dos columbófilos, sendo de destacar, como exemplo, o programa A Columbofilia nas Escolas, com a instalação de pombais em estabelecimentos de ensino, iniciativa em que toda a escola se envolve, proporcionando o gosto e o respeito pelos animais, neste caso o pombo-correio, e fortalecendo deste modo a ligação entre professores, funcionários, alunos e pais, com reflexos muito positivos na comunidade educativa. Esta acção está também a ser incrementada, com sucesso, a centros de reabilitação de toxicodependentes.
São também estas situações que demonstram a importância desta simpática ave, símbolo da paz e da amizade, que é o pombo-correio, a que se pode e deve juntar um passado histórico de muito mérito, ao longo de muitos e muitos séculos, sempre ao serviço do Homem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mesmo assim, o pombo-correio continua a ter inimigos e a morrer em idade precoce por acção de franco-atiradores com carta de caçador, É precisamente esta situação que importa alterar, cabendo ao Governo tomar as medidas necessárias no âmbito das suas competências e atribuições, tanto mais que, pelo menos desde 30 de Abril de 1991, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura se diz sensibilizado para o problema, como teve oportunidade de

Página 2118

2118 I SÉRIE - NÚMERO 64

afirmar no Casino Peninsular da Figueira da Foz, no âmbito da 2.ª Semana do Pombo-Correio. Não é exigir muito ao Governo, Srs. Deputados, que, ao definir o calendário venatório para as zonas do Regime Especial de Caça e ao aprovar os planos de exploração das reservas, não permita o exercício da caça pelo menos aos sábados do mês de Fevereiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O grupo parlamentar do PCP aguardará que o Governo, em tempo útil, tome as medidas necessárias para a defesa e a protecção do pombo-correio. Já agora, penso que é importante sublinhar a notícia que aqui nos foi trazida pelo Sr. Deputado Manuel Baptista Cardoso, de que já está formado um grupo de trabalho que, com a Federação Portuguesa de Columbofilia, estuda este problema - esperemos que chegue a resultados positivos! Se tal não for conseguido, os Deputados comunistas apresentarão as iniciativas parlamentares conducentes à concretização das conclusões aprovadas por unanimidade na Comissão de Petições.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, com esta última petição, damos por encerrados, os trabalhos de hoje. A próxima reunião Plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, com a interpelação ao Governo, da iniciativa do PS, sobre o balanço da evolução da economia portuguesa em 1993 e as perspectivas económicas e sociais para 1994. Acabamos esta nossa reunião de hoje fazendo votos para que os pombos beneficiem alguma coisa com a petição que agora apreciámos.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 55 minutos.

Rectificação ao n.º 57, de 14 de Abril

Na pág. 1895, 2.ª cl., 1. 6, onde se lê "e 98/VI - Autoriza o Governo a alterar o artigo 26.º do Código do Processo do Trabalho" deve ler-se "e 98/VI - Altera o artigo 26.º do Código do Processo do Trabalho".

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Caeiro da Motta Veiga.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Angelo Ferreira Correia.
José Leite Machado.
José Pereira Lopes.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
António de Carvalho Martins.
António Fernando Couto dos Santos.
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
João António Gomes Proença.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Santos de Magalhães.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 2119

 

Página 2120

D I Á R I O
Da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

PORTE
PAGO

1 - Preço de página para venda avulso, 7$00+IVA.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 353$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do "Diário da República" e do "Diário da Assembleia da República", deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda E. P., Rua de
D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1092 Lisboa Codex

Páginas Relacionadas

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×