Página 2121
Sexta-feira, 29 de Abril de 1994 I Série - Número 65 2121
DIÁRIO
Da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1393-1994)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE ABRIL DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n. º 402/VI
Na abertura do debate da interpelação n. º 17/VI - Sobre o balanço da evolução da economia portuguesa em 1993 e perspectivas económicas e sociais para 1994 (PS), intervieram o Sr Deputado António Guterres (PS) e o Sr Ministro das Finanças (Eduardo Catroga), e em seguida, a diverso título, além destes oradores e do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Falcão e Cunha), os Srs. Deputados Álvaro Barreto (PSD), Nogueira de Brito (CDS-PP). Octávio Teixeira (PCP), Rui Carp (PSD), Manuel dos Santos, Ferro Rodrigues e António Campos (PS), Lino de Carvalho (PCP), Vieira de Castro (PSD), Elisa Damião e José Eduardo Reis (PS), Rui Rio (PSD), Joaquim da Silva Pinto e Helena Torres Marques (PS).
Encerraram o debate o Sr. Deputado Ferro Rodrigues e o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos
Página 2122
2122 I SÉRIE - NÚMERO 65
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Página 2123
29 de Abril de 1994 2123
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputado independente:
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente. - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 402/VI - Extinção do Serviço de Informações de Segurança (Deputado independente Mário Tomé), que baixou à 1ª
Comissão.
Queria também informar que, nos termos do n.º 7 do artigo 208.º do Regimento, a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente apreciou e votou, na especialidade, as propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto, que estabelece o regime jurídico do trabalho portuário, submetido ao processo de ratificação n.º 91/VI, tendo concluído pela rejeição de todas as alterações, não se suscitando, assim, em sede de Comissão, qualquer alteração ao diploma.
Dou ainda conta à Câmara de que, às 16 horas e 30 minutos, irá reunir a Comissão de Petições, às 15 horas e 30 minutos a Comissão Eventual Para a História do Parlamento e, às 17 horas e 30 minutos, a Subcomissão do Ensino Superior.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se hoje entre nós, na Tribuna do Corpo Diplomático, uma personalidade de grande importância na Europa, o Professor Raymond Barre, professor emérito de economia na Faculdade de Direito e de Ciências Económicas de Paris, Primeiro-Ministro de França, enfim, um homem público não só francês mas também europeu.
Em nome da Câmara, dirijo-lhe os nossos cumprimentos.
Aplausos gerais.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, hoje, o meu grupo parlamentar teve conhecimento de que ocorreu na África do Sul um incidente com Deputados desta Casa. Tratando-se de uma representação de Deputados da Assembleia da República, portanto, do Estado português, num evento com a dignidade e importância que têm as eleições neste país, solicito a V. Ex.ª que nos esclareça sobre o que se terá passado. A serem verdadeiras algumas das informações, isso revestir-se-á de alguma gravidade!
Peço também ao Sr. Presidente que, ainda durante esta tarde, convoque uma Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares para que esta Câmara possa ser elucidada sobre o que, de facto, se passou.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ignoro em absoluto esses acontecimentos. De qualquer forma, vou tentar reunir elementos sobre esse caso e, depois, quando for caso disso, comunicá-los-ei aos líderes parlamentares.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por
Página 2124
2124 I SÉRIE - NÚMERO 65
manifestar a minha estranheza e indignação por mais esta ausência do Primeiro-Ministro no início do debate, pedida como foi, por escrito, a sua presença.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A interpelação está marcada há mais de um mês, tendo sido adiada para que se pudesse realizar após o regresso da sua viagem à China.
Quando desafiado para debates na televisão o Primeiro-Ministro invoca que o Parlamento é o lugar indicado, pelo que a sua ausência não tem desculpa.
Aplausos do PS.
Tenho pena que aqui não esteja, porque gostaria de o ver confrontado, face a face, dando-lhe oportunidade de resposta aos quatro pecados mortais por ele e pelos seus ministros cometidos nos últimos anos na condução da política económica.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Talvez ainda por cá passe, lá mais para o fim da tarde, para encerrar o debate, em jeito de quem ataca e foge, sabendo que, nos termos do Regimento, já ninguém o poderá contestar.
Aplausos do PS.
A sua ausência é mais uma prova da profunda má consciência que certamente o aflige face ao evidente desastre da economia portuguesa em 1993, tema central desta interpelação.
Foi falando dos pecados mortais do Governo que comecei a interpelação de Outubro de 1992. Os factos, de então para cá, deram-me completa razão! Sabe-se hoje com clareza que o Governo pecou mortalmente. Só que o inferno, esse, foi vivido pela economia e sociedade portuguesas, sobretudo pelas empresas, por quem produz, por quem trabalha!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - Hoje é o dia do balanço!
Primeiro pecado mortal, o de ter adoptado, contra todos os avisos, entre 1990 e 1993, uma política económica suicida de escudo caro e de taxas de juro elevadas, substituída, agora, por sucessivas contradições, hesitações e ambiguidades.
Segundo pecado mortal, o da progressiva destruição da credibilidade do Estado e das instituições a ele ligadas, enquanto reguladores isentos da actividade económica e geradores da confiança dos respectivos agentes.
Terceiro pecado mortal, o do eleitoralismo, como critério fundamental na definição das políticas e na escolha dos calendários, subordinando totalmente os interesses da economia nacional aos do PSD e abdicando de qualquer visão estratégica sobre o futuro.
Quarto pecado mortal, o da insensibilidade em relação aos dramas humanos e sociais decorrentes da crise e do desemprego que as suas políticas ajudaram a gerar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente para o País o libelo acusatório é hoje de fácil dedução.
Em 1993, o produto interno bruto, a riqueza produzida, teve uma diminuição entre 1% e 2%, pior do que a média europeia. Ao contrário de tudo o que tinha sido prometido, Portugal não está a convergir mas, sim, a divergir; não está a recuperar terreno mas, sim, a atrasar-se em relação ao pelotão da frente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto se passa no mesmo ano em que recebemos da Europa um saldo líquido de 456,4 milhões de contos, o equivalente a cerca de 3% do nosso produto.
Três por cento da nossa riqueza foi-nos oferecida, mas conseguimos ficar 1% a 2% mais pobres. Entre 1990 e 1993 a Europa entregou à nossa agricultura centenas de centenas de milhões de contos; entre 1990 e 1993, o rendimento médio dos agricultores portugueses diminuiu mais de 30%. O mesmo aconteceu com a indústria e o índice de produção da indústria transformadora baixou 2% em 1991, 4 % em 1992 e 6,7% em 1993. Segundo o Economist, entre 1990 e 1993, Portugal teve a maior quebra de produção industrial de todos os países da OCDE. Começámos a nossa desindustrialização antes mesmo de sermos considerados um país verdadeiramente industrializado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em cada um dos meses de 1993 inscreveram-se entre 20 e 35 000 novos desempregados nos centros de emprego. Naquilo a que o Ministério do Emprego e da Segurança Social chama emprego estruturado tínhamos, em Dezembro passado, apenas 89 % dos postos de trabalho de Dezembro de 1990.
No último ano, as exportações perderam quota de mercado e o investimento privado caiu brutalmente, como brutalmente subiu o défice do Estado em relação ao previsto, naquele que foi, porventura, em termos relativos, o maior erro de previsão da nossa história orçamental recente: 100%!
De relativamente positivo só o comportamento da inflação, embora se devesse esperar uma redução mais acentuada dado o carácter profundo da recessão. É bom lembrar que a capacidade produtiva foi terrivelmente sacrificada no altar da inflação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como a realidade é diferente do que nos foi prometido!...
Recordemos o que disse o Primeiro-Ministro em 20 de Novembro de 1992: "A política do Governo tem permitido, assim, não só não ampliar mas até amortecer significativamente as perturbações que nos vêm lá de fora. 15to é um caso único na história recente da economia portuguesa".
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Viu-se...
O Orador: - E, mais à frente, diz: "Apostarmos em atingir, em 1993, o défice (orçamental) mais reduzido desde 1974".
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Viu-se...
O Orador: - Em 16 de Novembro de 1993 ainda dizia o Ministro das Finanças: "Mantemos, pois, a previsão de um diferencial de um crescimento positivo de
Página 2125
29 de Abril de 1994 2125
meio ponto relativamente à média comunitária em 1994, à semelhança de que julgamos ter acontecido já em 1993". E, mais à frente: "Por conseguinte, quando se diz que Portugal cresceu a mesma coisa em 1992 e menos em 1993 isso é falso". Srs. Deputados, estamos em Novembro de 1993...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Falso, afinal, era aquilo com que de falso nos acusava. Como dizem na minha terra, "falso como o Judas na noite fatídica de Quinta-Feira Santa".
O Sr. Rui Rio (PSD): - 15so é em Cascais!
O Orador: - Descrito o inferno que ficámos a dever aos quatro pecados mortais do Primeiro-Ministro e do Governo, façamos uma breve análise de cada um deles.
Primeiro pecado capital, entre finais de 1999 e de 1992 o escudo valorizou-se, em termos reais e em média, cerca de 25%. Para isso teve de ser suportado por taxas de juro reais das mais altas do mundo. Foi uma política económica suicida! Por causa dela a crise portuguesa antecedeu nos seus fundamentos (produção agrícola e industrial), foi mais profunda e está a ter uma recuperação mais lenta que a crise internacional, apesar da entrada maciça dos fundos europeus. Pelo caminho destruiu-se uma grande parte do tecido produtivo e do emprego!
É um desmentido total ao principal argumento de três anos de propaganda governamental do PSD!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ainda por cima, o Governo favoreceu sempre os bancos em relação às empresas que produzem.
Num estudo do Professor João Ferreira do Amaral referente aos anos de 1989 a 1992, verifica-se que a margem financeira dos bancos (juros cobrados menos juros pagos) esteve sempre muito acima, em percentagem do Produto Interno Bruto, dos 3,57% registados em 1986, primeiro ano completo do Governo do PSD.
Consideremos como normal a rentabilidade dos bancos em 1986. O estudo prova que, de 1989 a 1992, os bancos extorquiram à economia uma margem excedentária, um acréscimo em relação ao normal que, somado nos quatro anos, representou 912 milhões de contos. Nesses mesmos anos, segundo o Banco de Portugal, a Comunidade Europeia deu-nos um saldo líquido de 818,6 milhões. Sendo assim, os bancos apropriaram-se do equivalente a 110 % do apoio europeu, para além do que seria a sua margem financeira, normal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este Governo tem andado a trabalhar para os bancos. Pior do que isso: pôs-nos a todos a trabalhar para os bancos!
Aplausos do PS.
Esta política suicida, apesar das sucessivas profissões de fé do Primeiro-Ministro e dos Ministros, durou tempo demais mas não podia durar sempre!
Recordo-me da defesa acalorada que, na interpelação de 1992, o Ministro da Indústria aqui fez da política cambial do Governo. Em 15 de Abril último veio, enfim, o Ministro da Indústria, de braço ao pescoço, confessar publicamente que a política do escudo forte, tal como as taxas de juro elevadas, trouxe muitos problemas à indústria portuguesa. Para ele houve mesmo colegas seus das Finanças e da Educação que esqueceram a economia real...
Normalmente em Portugal os homens só são bons depois de mortos.
Para o PSD, ao contrário, os Ministros só são maus quando se vão embora!
Todo o Ministro do PSD é sempre um potencial bode expiatório, a sacrificar no altar da opinião pública por um Primeiro-Ministro que nunca tem nada a ver com as desgraças que nos acontecem.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, no entanto, todos os Ministros do PSD, antes de demitidos, são sempre considerados e consideram-se a si próprios executores fiéis da política do Primeiro-Ministro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esta é uma doença incurável do PSD! Bem merecia ficar nos tratados de medicina como a "Doença Braga de Macedo".
Aplausos do PS.
Como o PS previu, o escudo lá teve de desvalorizar em 1993 e as taxas de juro começaram a baixar, tardia e insuficientemente, sobretudo para as PME. A isso se devem, em parte, alguns sintomas de recuperação, nomeadamente nas áreas tradicionais de exportação. Os factos, quer os maus quer os bons, confirmam as posições do PS, embora estejamos infelizmente perante uma recuperação tardia, frágil e limitada, por enquanto, à animação da procura externa. Só que a nova política económica do Governo é ainda profundamente contraditória: tenta apostar simultaneamente na estabilidade cambial a todo o preço e na redução das taxas de juro.
À política da "seca" para o sector produtivo de Braga de Macedo, segue-se o discurso do "sol na eira e chuva no nabal" do seu sucessor. De um estrangulador passamos a um simpático relações públicas, cuja principal actividade é correr o País, dizendo a cada um aquilo que cada um quer ouvir.
Aplausos do PS.
Só que as ambiguidades têm o seu preço e a desconfiança dos mercados pode vir a transformar um discurso de "sol na eira e chuva no nabal" numa política de "sol no nabal e chuva na eira".
Protestos do PSD.
O Primeiro-Ministro armou-se em forte, prometendo reduzir as taxas de juro. Logo desencadeou o ataque especulativo contra o escudo, que custou mais de 1000 milhões de dólares às reservas do Banco Central, e obrigou este a reagir, subindo drasticamente as taxas de juro de intervenção.
Página 2126
2126 I SÉRIE - NÚMERO 65
Vem-me à memória outra sua desastrada declaração, a do "do gato por lebre", que tão graves prejuízos ajudou a causar, na Bolsa, a tantas famílias portuguesas, ou o discurso de Braga de Macedo sobre o Banco de Portugal. Saem-nos caras estas intervenções do Primeiro-Ministro e dos seus Ministros!...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A ambiguidade gera a desconfiança em todos os agentes económicos. Nenhum empresário, nenhum banqueiro sequer tem hoje uma ideia clara de como poderão evoluir as cotações do escudo ou as taxas de juro em 1994 e 1995. Daí que as decisões de investimento se protelem e a recuperação se atrase.
O PS não é favorável a uma política de desvalorização competitiva do escudo. O que condenámos foi a política suicidária de valorização excessiva do mesmo até 1993, a cotação exagerada com base na qual aderimos ao Sistema Monetário Europeu e a inabilidade revelada nas crises cambiais do ano passado e no não aproveitamento da actual margem de manobra, para permitir, sem choques excessivos, uma redução sustentada das taxas de juro, objectivo que sempre considerámos primordial para amortecer a crise e relançar a economia.
Os factos vieram provar que tínhamos também razão quando criticámos alguns dos critérios de convergência de Maastricht. É o momento do Governo reconhecer que a sua revisão corresponde a um interesse vital do País e começar a agir nesse sentido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Penso que encontrará na Europa uma cada vez maior aceitação desse ponto de vista.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Segundo pecado capital, o da progressiva destruição da credibilidade do Estado.
São vários os sintomas desta evolução.
Em primeiro lugar, a profunda degradação da máquina fiscal, agravada pela partidarização da escolha das chefias intermédias. Pareceu-me ver nas intervenções do actual Ministro das Finanças uma vontade de inverter este estado de coisas. O desastrado comportamento do Governo em matéria de penhoras cedo retirou toda a credibilidade a esta aparente intenção.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A segunda preocupação decorre da progressiva perda de credibilidade do Banco Central. É cada vez mais nítido, mesmo para o grande público, o isolamento do Governador e o controlo político das decisões da maioria do Conselho do Banco.
A terceira fonte de preocupação tem a ver com degradação do sistema de informação estatística e o crescente controlo político da mesma. As estatísticas mudam com frequência de base de cálculo. Ninguém sabe como vai o comércio externo; sabe-se apenas que as importações estão grosseiramente sub-avaliadas. O relatório trimestral de Dezembro do Banco de Portugal encalhou, porventura à espera que alguém decida qual a quebra do produto que é mais conveniente confessar para 1993. É que perdida como está pelo Governo a guerra dos números de 1993, pode ter agora interesse ampliar a queda nesse ano para aumentar a ilusão do crescimento em 1994...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Há uma política do segredo e da manipulação. Ainda hoje arrepia o despacho do Ministro Couto dos Santos, que obrigou o Gabinete de Planeamento a fazer transitar pelo próprio Gabinete do Ministro a resposta aos pedidos de informação vindos do exterior, despacho que levou ao pedido de exoneração de um dos nossos mais prestigiados directores-gerais.
Finalmente, temos a clientelização progressiva da economia e da sociedade, que decorre da forma de atribuir os fundos comunitários, tantas vezes à margem das regras de funcionamento de uma Administração Pública isenta e moderna. É este um dos mais graves factores de submissão da sociedade civil ao partido do Governo.
O que está em causa é a omnipresença do Estado e a sua descarada partidarização.
Crescem as clientelas e, com elas, a nossa incapacidade para enfrentar os novos desafios do desenvolvimento.
O terceiro pecado capital é o do eleitoralismo sem estratégia. Para o actual Governo as políticas económicas não procuram responder ao ciclo da conjuntura, mas apenas ao cicio eleitoral.
A programação das obras públicas não se destina a optimizar a capacidade de intervenção das empresas nacionais, mas tão só a fazer coincidir avalanches de inaugurações com os últimos meses antes de cada eleição legislativa. Foi assim no Verão de 1991, será assim no Verão de 1995!...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A política salarial, essa, então, é descaradamente ajustada ao calendário eleitoral. Em 1987 os salários reais subiram 5,4%, em 1989 houve um crescimento negativo, em 1999 subiram outra vez 5,8% (apesar da quebra de produtividade) e este ano vão baixar. Está-se mesmo a ver que 1995 será, de novo, um ano de fartura intermédia!... É um escândalo, que só tem paralelo no Terceiro Mundo.
Aplausos do PS.
Que outra explicação pode ter, aliás, o tratamento intolerável dado este ano aos trabalhadores da função pública senão o de abrir uma margem de manobra para que o aumento de 1995 seja de "encher o olho"? Mas a função pública pode ter alguma esperança: estando a afundar-se, dia-a-dia, a candidatura do engenheiro Eurico de Melo às eleições europeias, cresce agora a possibilidade de um aumento intercalar, a anunciar até 12 de Junho.
Aplausos do PS.
Mais grave, porém, que o eleitoralismo é a falta de uma visão estratégica para a economia e sociedade num momento em que se esgotou o modelo PSD de crescimento com base na mão-de-obra barata face ao ritmo de evolução das tecnologias e da abertura dos mercados mundiais.
Página 2127
29 de Abril de 1994 2127
Tenho falado vezes sem conta na exigência de uma prioridade absoluta da qualificação das pessoas, que torna grotesca a redução da despesa pública real em 1994 com a Educação, que transforma o gigantesco desperdício na formação profissional verificado nos últimos anos num verdadeiro crime contra o nosso futuro colectivo e que obrigaria a um plano de desenvolvimento regional diferente.
Tenho insistido na necessidade de uma concertação estratégica - que não existe! - entre o Estado, os grupos empresariais e as empresas, as universidades e os parceiros sociais, capaz de suportar o esforço comum para um projecto comum de modernização.
Tenho falado na desorientação e na falta de transparência do processo de privatizações, que, em vez de fortalecer o tecido empresarial português e os grupos nacionais, tem servido frequentemente os interesses estrangeiros.
Não vou, hoje, insistir nestes pontos. Citarei apenas um exemplo gritante de ausência de estratégia: o novo quadro de relações com a vizinha Espanha, que partilha agora connosco, pela primeira vez nos últimos séculos, o mesmo espaço político e económico. A expressão dos sentimentos anti-espanhóis não tem qualquer sentido! Mas é totalmente irresponsável não reconhecer o gigantesco desafio que para nós representa a dimensão relativa das duas economias, uma ao lado da outra, e não perceber nem a estratégia com que os grupos nacionais espanhóis encaram o mercado português nem a forma como as multinacionais tendem a apreciar conjuntamente o mercado ibérico, na esmagadora maioria dos casos com um comando único em Madrid.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Face a tudo isto, quero dar-vos três exemplos de actuação do Governo do PSD, que configuram, objectivamente, uma atitude de abdicação nacional. A relação escudo/peseta, o caso Totta e o Plano Hidrológico Nacional Espanhol.
As relações comerciais entre Portugal e Espanha explodiram nos últimos anos. Neste período crucial em que elas se estruturavam as autoridades portuguesas deixaram que, desde Julho de 1990 até agora, o escudo se valorizasse, em termos reais, mais do que 25 % em relação à peseta. Este é um dos factores decisivos que está a ajudar a agricultura e a indústria espanholas a esmagarem as nossas.
Aplausos do PS.
Não estão apenas em causa as exportações. As empresas portuguesas estão a perder dia-a-dia a batalha do mercado interno, o que ameaça decisivamente as perspectivas de recuperação. O Governo português subsidiou, na prática, a competitividade dos produtos espanhóis no nosso próprio mercado.
Aplausos do PS.
O caso Totta/Banesto é também esclarecedor. No processo de privatizações, o Governo do PSD deixou que, contra a lei, o Totta e o Crédito Predial Português passassem para as mãos do Banesto, banco espanhol a caminho da falência e que utilizou empréstimos avalizados pelo Totta para a aquisição ilegal do mesmo. Confrontado com as nossas acusações a este respeito,
o Governo começou por negar, até que os espanhóis o desmentiram. O Primeiro-Ministro desculpou-se depois com a Europa. Só que a Espanha também está na Europa!... Mas, quando se tratou de vender o Banesto depois de recuperado, o Governo espanhol arranjou maneira de limitar a possibilidade de compra aos outros bancos espanhóis e só a estes.
O Governo espanhol não anda distraído, nem brinca com coisas sérias e a Espanha sabe o que quer na União Europeia. Que pena o mesmo não acontecer em Portugal!...
Aplausos do PS.
Quanto ao Plano Hidrológico, a política de segredo e de abdicação é ainda mais evidente. Os Deputados Eurico Figueiredo e António Martinho, em 30 de Março de 1993, requereram informações ao Governo sobre o desvio das águas do Douro. Aquele nem respondeu!
Fernando Gomes foi a Madrid e lançou novo alerta pouco tempo depois. O Governo disse, então, que só por ignorância podíamos levantar o problema.
Um ano mais tarde, aí está o Plano Hidrológico Nacional Espanhol à luz do dia e a realidade é ainda pior do que as previsões. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil apresentou números alarmantes das perdas passadas e futuras dos caudais do Douro, do Tejo e, sobretudo, do Guadiana.
Interrogado, em comissão parlamentar, na semana passada, um técnico confessou mesmo não estar em condições de garantir a viabilidade da própria barragem do Alqueva.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Um escândalo!
O Orador: - Pelos vistos, o Governo português decidiu consagrar-lhe centenas de milhões de contos no mais irresponsável alheamento do que se estava a passar.
Aplausos do PS.
Face às nossas actuais iniciativas e ofertas de cooperação para salvar o que ainda for possível, o Governo não responde ou fá-lo com evasivas ou hesitações.
Foi "apanhado com a boca na botija" e, agora, não sabe o que fazer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quarto pecado mortal, o da insensibilidade social.
O desemprego, mais que uma estatística, é um drama humano. O Governo começou por negá-lo e ainda hoje o menospreza, a não ser quando quer pedir reduções dos salários reais a quem trabalha.
Argumenta constantemente com o desemprego lá fora, esquecendo-se, porém, de duas coisas: o ritmo do crescimento do desemprego é, hoje, em Portugal, porventura, o mais rápido da União Europeia e cerca de metade dos nossos desempregados não recebe qualquer ajuda, enquanto, lá fora, a generalidade tem o apoio do Estado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O problema é particularmente dramático para os homens e para as mulheres com mais de 35/40 anos, com baixas qualificações. Perdido o seu posto de trabalho, muitos terão extrema dificuldade em
Página 2128
2128 I SÉRIE - NÚMERO 65
encontrar no mercado nova colocação. Há cada vez mais famílias sem nenhuma fonte de rendimento legal. As consequências para o aumento da criminalidade, para a própria segurança de todos nós começam a estar à vista.
Sabemos hoje que, embora indispensável, não basta relançar o crescimento económico para resolver este problema. Temos exigido políticas activas de emprego; temos proposto a criação de um verdadeiro mercado social de emprego para dar resposta, sobretudo, aos jovens e aos desempregados de longa duração; temos insistido na criação de um rendimento mínimo garantido às famílias portuguesas, bem como no aperfeiçoamento dos regimes dos subsídios de desemprego e abono de família.
Em vez de políticas activas de empregos, o Governo limita-se à gestão do desemprego à custa dos fundos comunitários numa espécie de terapêutica ocupacional.
O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Em vez do mercado social de emprego ou do rendimento mínimo garantido, nada!
A insensibilidade à injustiça estende-se ao sistema fiscal, que hoje penaliza quase só as classes médias e, sobretudo, os que trabalham por conta de outrem.
As nossas sucessivas propostas de aperfeiçoamento não tiveram resposta. E, no entanto, um sistema fiscal minimamente justo é condição indispensável para qualquer reforma séria do próprio Estado do bem-estar, do financiamento da saúde, da educação ou da segurança social.
A não ser assim, os que já hoje injustamente mais pagam impostos serão amanhã os que mais pagarão para a sua própria saúde ou para a educação dos seus filhos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo o que acabo de dizer mostra a necessidade evidente de uma mudança. Não se esgotou apenas um modelo de crescimento económico: esgotaram-se as potencialidades de uma fórmula política! O PSD está politicamente exausto,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... reduzido à gestão da sua clientela, sem capacidade de inovação nem de resposta aos novos desafios que Portugal enfrenta.
Aplausos do PS.
Num momento em que seria possível uma verdadeira recuperação económica, corremos o risco de não ter mais do que um foguetório de fim de festa antes das eleições de 1995 por manifesta incapacidade de resposta aos novos desafios estruturais.
Impõem-se três rupturas fundamentais: contra a lógica do centralismo e do clientelismo, geradora da corrupção;...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... contra a aceitação passiva do desemprego, da pobreza e da insegurança;...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... contra a insensibilidade à injustiça nos impostos e nas políticas sociais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portugal precisa de um novo impulso democrático, de descentralização, de transparência, de participação!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portugal precisa de políticas que suportem uma economia em crescimento, apoiando quem produz e quem trabalha.
Aplausos do PS.
Portugal precisa, sobretudo, de uma sociedade e de um governo mais humanos e mais exigentes na justiça e na qualidade.
É para tudo isto que estamos a trabalhar, sem pressas, com rigor, evitando os caminhos fáceis da demagogia e do populismo. É por esta mudança que o PS luta, é esta a mudança de que o País precisa!
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Eduardo Catroga): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero, nesta minha apresentação na Câmara, saudar, na pessoa do Sr. Presidente da Assembleia da República e dos Srs. Deputados, as instituições democráticas deste país.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Queria, também, agradecer ao PS a oportunidade que me deu ao fazer esta interpelação, já que me permite falar aqui. É que tem andado a dizer que tenho percorrido o país, em contacto com o país real, mas ainda não tinha tido oportunidade de contactar com este Hemiciclo.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mais vale tarde do que nunca!
O Orador: - Desde 1986, a economia portuguesa tem tido uma evolução favorável, que contrasta com o comportamento decepcionante verificado entre 1975 e 1985.
Risos do PS.
Convém recordar, porque a memória é fraca, a evolução das principais variáveis: os défices orçamentais ultrapassaram os 10% do PIB; a inflação atingiu valores entre os 20% e os 30%; verificou-se uma queda brusca do nível de vida das famílias portuguesas.
Em 1985, os salários reais encontravam-se ao nível de 1973; a taxa de desemprego duplicou, atingindo 8,8% em 1985, o que é tanto mais grave quanto, na altura, a protecção social era bem menor do que actualmente; os défices externos explodiram.
Srs. Deputados, os factos são conhecidos, o diagnóstico incontroverso e a opinião consensual: os portugueses não querem regressar a este passado, marcado pela instabilidade e pela falta de rumo claro na estratégia para o país.
Em 1985, nas vésperas da adesão à Comunidade Europeia, alguns, com maior vocação para o pessimismo,
Página 2129
29 de Abril de 1994 2129
afirmaram que o fosso de bem-estar e progresso, que dela nos separava, era não só intransponível como tendia a agravar-se. Enganaram-se redondamente!
A estabilidade política de que o País disfruta desde 1987 favoreceu uma estratégia de crescimento que, globalmente, teve resultados muito positivos na economia portuguesa. Os vectores da estratégia de crescimento da política do Governo são permanentes e simples de enunciar: o desenvolvimento de um quadro macroecon6mico estável e coerente, favorecendo um crescimento sustentado e não inflacionista;...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... o aprofundamento das reformas estruturais necessárias para melhorar a competitividade da economia e das empresas e para a elevação da taxa de crescimento de forma sustentada.
Desde 1985, a distância que nos separa da Europa encurtou muito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Entre 1986 e 1992 o rendimento per capita passou de 51 % para 61 % da média comunitária, ou seja, a melhoria do nível de vida foi mais rápida do que na Europa e não teve paralelo nos hoje chamados países da coesão.
Aplausos do PSD.
O Orador: - O contraste com o período de 1980 a 1985 é bem claro: entre 1980 e 1985, o PIB cresceu a uma taxa média anual de 0,9 % e, entre 1986 e 1992, cresceu à taxa média anual de 3,8 %. Portanto, a taxa de crescimento média quase que quadriplicou.
Por outro lado, a taxa de desemprego caiu para metade, os salários reais aumentaram, a inflação passou de 29 %, em 1984, para 8,9 % em 1992, e o défice orçamental, que é tão caro a certas "receitas socialistas", passou de 12 % em 1984 para 3,3 % em 1992.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E o produto industrial?
O Orador: - Foi também neste período que a economia portuguesa sofreu transformações estruturais profundas, que muitos continuam a não entender.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Entre elas importa destacar duas: em primeiro lugar, a diminuição do peso relativo do sector primário no emprego que, de 1985 para, 1992 caiu 10,6 pontos,...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Há, pois, caiu!
O Orador: - ... tendo esta alteração sido compensada por um aumento do peso do sector terciário, o que está em linha com o padrão comunitário.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De igual forma, na estrutura do valor acrescentado a diminuição do sector primário foi compensada por um aumento do sector terciário, também de acordo com o padrão comunitário e à semelhança do que acontece em todas as economias desenvolvidas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Raramente se assistiu, em tão curto espaço de tempo, a uma reafectação de recursos de tamanha amplitude, sem criação de desemprego, num clima global de empenho colectivo na modernização e internacionalização da economia.
Aplausos do PSD.
Porém, alguns continuam a não querer ver o que é evidente!
Outra alteração estrutural profunda foi a abertura da economia real ao exterior.
Por seu turno, a integração financeira, gradualmente preparada entre 1986 e 1991, foi coroada em 1992 com a adesão do escudo ao mecanismo das taxas de câmbio do SME e com a liberalização plena dos movimentos de capitais, o que se traduziu em mudanças estruturais importantes, nomeadamente: a concorrência aumentou no sistema financeiro; a política monetária passou a estar articulada com a política de estabilidade cambial; no âmbito da política orçamental, aumentou a importância de consolidação a médio prazo.
Globalmente, na esfera real e na esfera financeira a economia portuguesa passou a ser muito mais sensível à evolução do ciclo internacional.
Justifica-se, portanto, uma referência, ainda que breve, à evolução recente da economia europeia e a propagação do ciclo económico internacional à economia portuguesa.
A economia europeia registou uma forte desaceleração do ritmo de actividade económica: em média, o crescimento do PIB caiu de 3 %, em 1990, para 1 %, em 1992, e para um valor negativo (ainda por apurar em definitivo) em 1993.
A economia da União Europeia entrou em recessão, com deterioração significativa e preocupante de todos os indicadores macroeconómicos, em particular a taxa de desemprego e os défices orçamentais.
Mesmo nas economias em que o crescimento do PIB foi positivo (Grã-Bretanha e Irlanda), a taxa de desemprego não deixou de crescer e o défice das finanças públicas de se agravar.
A recessão, aliada a uma deterioração tendencial da competitividade europeia face às economias mais dinâmicas dos Estados Unidos, Japão e Sudeste Asiático, conduziu a um forte aumento do desemprego.
A taxa de desemprego na Comunidade atingiu quase 11 % em 1993, o que é praticamente igual ao seu máximo histórico de 1985. Aqui mesmo ao lado, na vizinha Espanha, com um governo socialista, este fenómeno atingiu a sua expressão mais grave: um em cada cinco trabalhadores espanhóis está desempregado! Na Irlanda, outro país da coesão, a taxa atingiu os 18 %.
Os países da União Europeia consideraram, unanimemente, que o recrudescimento do desemprego exige uma reorientação estratégica da política económica, porque passou a constituir, em grande parte, um problema estrutural.
A reorientação estratégica em curso tem como quadro de referência as propostas contidas no "Livro Branco" sobre o crescimento, a competitividade e o emprego na Europa.
Página 2130
2130 I SÉRIE - NÚMERO 65
Para o efeito, as actuações recomendadas comportam duas fases: em primeiro lugar, sair tão rapidamente quanto possível da presente recessão; em segundo, reencontrar, a partir de meados da presente década, o caminho de um forte crescimento económico.
A combinação das políticas necessária para atingir estes objectivos passa pela criação de condições para uma baixa gradual e sustentada das taxas de juro reais de curto prazo na Europa, bastante acima das taxas dos Estados Unidos e Japão, e também pela melhoria da competitividade geral das economias e das empresas dos países membros.
A interrupção do crescimento económico na União Europeia contribuiu também para o recrudescimento das tensões que implicariam a reformulação do mecanismo de taxas de câmbio do SME. A decisão de alargar a banda de variação para os actuais 15 % veio resolver problemas de inconsistência que desencadearam a crise cambial do verão de 1992 e a turbulência que se prolongou até Agosto de 1993.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Dado o grau de abertura e internacionalização da economia portuguesa, a recessão europeia não podia deixar de ter uma influência sensível na evolução conjuntural.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas é importante assumirmos, claramente, que, para além dos efeitos do ciclo económico internacional sobre uma economia pequena e tão aberta como a portuguesa, houve também factores internos que contribuíram para o abrandamento da actividade económica em 1992/1993, nomeadamente: o crescimento dos salários reais a um nível superior ao da produtividade, em 1990/1993, com prejuízo da competitividade e emprego.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não teve nada a ver com as eleições ... !
O Orador: - A forte subida do preço relativo dos bens não transaccionáveis; a persistência de taxas de juro reais elevadas, apesar dos progressos alcançados;...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Culpa de quem?
O Orador: - ... as dificuldades de adaptação estratégica de alguns sectores ao novo quadro de estabilidade cambial, após a substituição do longamente enraizado regime de crawling peg.
O ano de 1993 representa um ponto de descontinuidade, que assumimos, no comportamento da economia portuguesa dos últimos anos.
Houve uma queda do nível da actividade económica, ainda não mensurado e que todas as estatísticas apresentadas até ao momento são falíveis; houve abrandamento do crescimento do consumo privado e uma queda do investimento privado; verificou-se um comportamento desfavorável da produção agrícola e da produção industrial; deu-se uni comportamento desfavorável das contas públicas, registando-se uma descontinuidade na trajectória de consolidação orçamental. Recorde-se que o défice do SPA em relação ao PIB, que em 1992 baixara para
3,3 %, subiu para 7,1 % em 1993.
Risos do PS.
São conhecidas as razões desta deterioração, aliás, em linha com o que se verificou noutros países comunitários. Assim devo dizer que a Espanha registou uma taxa de 7,2 %, a Grã-Bretanha 8,6 % e a Grécia na ordem dos 18 %.
Portanto, há que reconhecer que, em 1993, houve um problema de défice público, interrompendo a trajectória saudável desde 1985, o que foi motivado por um conjunto de factores. Para além do cicio económico tivemos as consequências da abolição das fronteiras fiscais, o que aumentou a evasão fiscal, uma utilização mais intensiva pelos contribuintes, no uso dos seus direitos, dos benefícios fiscais previstos na lei. E tivemos, importa reconhecê-lo, problemas de organização e gestão na administração fiscal.
Vozes do PS: - Ah!...
O Orador: - Srs. Deputados, mas em 1993 houve igualmente comportamentos positivos, nomeadamente. o comércio externo acabou por ter uma evolução relativamente positiva, apesar da conjuntura recessiva da procura externa; as exportações globais caíram apenas 0,2 % e as importações diminuíram 4,6 %. Donde, melhorou em 2,7 pontos percentuais a taxa de cobertura (no comércio intercomunitário esta melhoria foi da ordem dos cinco pontos percentuais). Factores positivos foram, em 1993, a continuação da descida da inflação (que passou de 8,5 % para 6,5 %, dentro do intervalo previsto pelo Governo); manutenção do equilíbrio da balança de pagamentos; trajectória descendente das taxas de juro e a continuação do aumento do poder de compra dos salários e das pensões.
Aplausos do PSD.
Devo dizer, a este propósito, que em 1985 os salários reais dos portugueses tinham caído ao nível de 1973 e que, no período de 1986 a 1993, cresceram a uma taxa média anual de 3 %, contra 1,6 % em Espanha e o dobro da média comunitária. São estes os números verdadeiros.
Aplausos do PSD.
Importa também sublinhar que se começaram a desenhar, já no último trimestre de 1993, sinais de recuperação. E os senhores têm muito medo da recuperação!
Aplausos do PSD.
A economia europeia evidencia sinais de recuperação. Segundo dados de Março último, o índice de confiança económica da UE subiu pelo quinto mês consecutivo e, pela primeira vez, a retoma estendeu-se a todos os sectores de actividade.
Detectam-se, igualmente elementos positivos de retoma na evolução recente da economia portuguesa. Com efeito, depois da quebra acentuada do 1.º semestre de 1993, a economia portuguesa já terá registado uma evolução mais favorável no 2.º semestre, que se está a confirmar nos primeiros meses de 1994 e deverá continuar a ganhar momentum até ao final do ano. O crescimento do PIB já está a recuperar. O índice de confiança económica para Portugal, publicado pelo Banco de Portugal, que tinha apresentado uma quebra de 12 pontos percentuais entre Junho de 1992 e Março de 1993, registou uma melhoria de quatro pontos per-
Página 2131
29 de Abril de 1994 2131
centuais até ao 1.º trimestre de 1994, devendo continuar a recuperar no 2.º trimestre deste ano.
Assim, para o ano que acaba em Junho próximo, espera-se uma subida de cerca de oito pontos percentuais deste índice. Aliás, esta tendência de recuperação do PIB, nos últimos meses, é confirmada não só pelos inquéritos de conjuntura feitos aos diversos sectores como, também, pelo comportamento recente do índice de produção industrial.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Depois de ter descido 3%!
O Orador: - Outros indicadores disponíveis para os primeiros meses de 1994 permitem confirmar a recuperação das exportações e do investimento, assim como a continuação da redução dos stocks, sobretudo no comércio a retalho.
Portanto, a confirmarem-se as estimativas anteriores, como tudo aponta, o PIB deverá terminar o ano de 1994 dentro do intervalo do cenário macro-económico do Orçamento do Estado para 1994, isto é, com um crescimento entre 1% e 2%.
A nível sectorial, existem igualmente dados encorajadores que confirmam a retoma. A taxa de utilização da capacidade produtiva na indústria transformadora, quer no sector dos bens de investimento quer no dos bens de consumo, voltou a subir de forma significativa a partir de Outubro de 1993, o que já não acontecia desde o Verão de 1992.
Na agricultura, as previsões do INE, recentemente saídas, relativamente à produtividade dos cereais de Inverno, apontam para acréscimos significativos. Também na construção civil o inquérito de conjuntura de Março revela elementos de recuperação. No comércio, o inquérito do INE, do último trimestre de 1993, sugere perspectivas favoráveis para a evolução do volume de vendas, o que já não acontecia desde meados de 1992. As vendas das empresas exportadoras também se apresentam favoráveis. No turismo a retoma é já um facto, a avaliar pelo aumento da taxa de ocupação hoteleira prevista.
Srs. Deputados, os indicadores de retoma de actividade e por muito que isso custe ao Partido Socialista são cada vez mais claros.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Seria tão leviano criarmos falsas expectativas como pretendermos ignorar as tendências para que convergem os vários indicadores disponíveis.
Aplausos do PSD.
Por isso, repito o que tenho dito nas minhas intervenções públicas por esse país: a retoma económica vai ser lenta e difícil. Mas vai acontecer já em 1994 e em 1995 será ainda mais forte.
Aplausos do PSD.
15to apesar do desconforto que a retoma causa a alguns responsáveis políticos que parece quererem decretar a não recuperação da economia do país.
Aplausos do PSD.
No domínio da inflação, os últimos meses reforçaram a evolução favorável. Desde Dezembro último, tem-se observado um comportamento positivo do preço dos bens não transaccionáveis, o que é uma novidade. A taxa de inflação homóloga de Março é já ligeiramente inferior a 6 %. A projecção, até ao final do ano, com o mesmo padrão de comportamento do ano transacto, indica que, em Dezembro, a taxa homóloga pode cair para 5,3%, a inflação média dos 12 meses para 5,7% e a inflação do último trimestre em relação ao anterior para 4,4%. Permito-me sublinhar aqui um ponto técnico: em período de viragem do ciclo económico é sobretudo a esta última taxa que se deverá atender. Estas simulações mostram, portanto, que o objectivo entre 4% e 5,5% contido no cenário macro-económico do Orçamento do Estado para 1994 é difícil, é agressivo, mas não é de forma alguma impossível, como alguns pressagiavam.
Aplausos do PSD.
O indicador mais preocupante, e não há Governo que se tenha preocupado mais com as classes mais desfavorecidas que o do Partido Social Democrata, é o da taxa de desemprego.
Protestos do PS.
Os números assim o mostram e o crescimento do poder de compra das famílias não pode ser desmentido. No final do 1.º trimestre de 1994 a taxa de desemprego registou 6,8%, (contra 11% a nível europeu e contra 22% na vizinha socialista Espanha) e deverá continuar a aumentar durante alguns meses. É sabido por todos, excepto por aqueles que querem fazer apenas análises superficiais deste tão grave problema, que a criação de emprego apenas se acelera e se generaliza a todos os sectores quando uma economia se aproxima da taxa de crescimento de longo prazo. No fundo, estamos perante o famoso lag de reacção do emprego em relação ao ciclo económico. Se estão esquecidos, posso demonstrar a evolução histórica do crescimento do PIB do emprego em Portugal.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quando é que isso acontecerá?
O Orador: - É importante, pois, que tenhamos em conta o desfasamento temporal entre a recuperação económica e o seu impacto a nível do emprego. É totalmente normal que exista algum desfasamento entre a retoma e a criação generalizada de empregos.
Portanto, não podemos perder de vista esta realidade para que se não diga, demagogicamente, que afinal a retoma não se está a verificar, porque a taxa de desemprego está ainda a subir. Para favorecer e acelerar a retoma, é muito importante a moderação salarial que se está a verificar no corrente ano. No 1.º trimestre, a evolução das remunerações implícitas na regulamentação colectiva de trabalho, incluindo o sector público administrativo, traduziu-se em média por um aumento de 4,7%, em linha com o objectivo de se continuar a assegurar a gradual redução da inflação. Os sindicatos, os trabalhadores e as entidades patronais têm vindo a dar mostras de um elevado sentido de responsabilidade que, infelizmente, não é partilhada por todos os responsáveis políticos.
Aplausos do PSD.
Ao nível das contas públicas que, conforme assumi claramente, revelaram uma deterioração preocupante
Página 2132
2132 I SÉRIE - NÚMERO 65
no ano passado, existem agora melhores perspectivas. Esta evolução é muito importante porque, não nos enganemos, para assegurar que o crescimento da economia portuguesa seja feito de uma forma sustentada é necessária a consolidação orçamental.
No 1.º trimestre, e estou a revelar estes números em primeira mão a esta Câmara, o défice corrente diminuiu 41% relativamente ao mesmo período do ano passado. Esta melhoria traduz o comportamento favorável, quer das despesas quer das receitas.
Aplausos do PSD.
As despesas correntes diminuíram, em termos nominais, neste 1.º trimestre, de 1,1% relativamente a igual período do ano passado. As receitas correntes, por seu lado, registaram um aumento de 25%. As receitas fiscais subiram 30%. A consolidação orçamental não implicou, de modo nenhum, uma contracção das despesas de capital. O investimento público é fundamental para a retoma da economia e para a criação de condições favoráveis ao crescimento. É prioritário continuar a melhorar as infra-estruturas e os sistemas de educação e saúde, o que requer elevado investimento público, As despesas de capital aumentaram em 18,3% no 1.º trimestre comparativamente a igual período do ano passado. Em conclusão, apesar dos dados se reportarem apenas ao 1.º trimestre, há já indicações de que o esforço de consolidação orçamental está a ser bem sucedido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A trajectória descendente das taxas de juro tem-se vindo a acentuar. Desde 31 de Dezembro de 1992 até ao presente, as várias taxas no mercado de crédito caíram entre três e quatro pontos percentuais, com evolução mais acelerada nos últimos meses. A taxa de juro do crédito à habitação teve, nalguns casos, um crescimento de cinco a seis pontos percentuais.
Apesar desta trajectória descendente, não nos enganemos. A queda das taxas de juro não irá decorrer de forma linear nem tão pouco irá decorrer de forma artificial. A redução dos custos de financiamento das empresas deve ser durável, e o Governo está fortemente empenhado em reforçar as condições para que isso se verifique de forma sustentada. O Governo está decididamente empenhado em criar condições favoráveis para uma queda sustentada dos custos de financiamento das empresas. Porém, não podemos regressar às políticas de taxas de juro fixadas administrativamente que, no passado, tiveram resultados tão negativos e custos que ainda se estão a pagar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Significam os sinais e factos positivos evidenciados que as dificuldades estão ultrapassadas? Não. Nas nossas intervenções sobre política económica sempre temos vindo a afirmar que a retoma da economia portuguesa vai ser lenta e difícil, como a europeia, e que a recuperação se deve tomar mais nítida no decurso do 2.º semestre de 1994, mas com um nítido esforço do ritmo de crescimento em 1995.
Aplausos do PSD.
Alguns economistas, sobretudo da banda socialista, têm advogado que a actual desaceleração do ritmo de crescimento do PIB se deveria combater com políticas de estímulo à procura agregada. Ou seja, com políticas de natureza decididamente contra-cíclica. Consideramos que qualquer tentativa de crescer em contra-ciclo em relação à economia europeia constituiria um convite, a prazo, à ampliação do défice orçamental, ao recrudescimento da inflação, a uma crise da balança de pagamentos.
Aliás, nas experiências portuguesas de tentativa de crescer em contra-ciclo entre 1973 e 1985 e em que o exemplo mais flagrante é o período de 1981 a 1983,...
Protestos do PS.
... não nos esqueçamos dos respectivos impactos nos equilíbrios económicos fundamentais e da necessidade dos programas de estabilização do Fundo Monetário Internacional.
Protestos do PS.
Ás vezes o PS parece ter saudades dos défices públicos excessivos, parece ter saudades das taxas de inflação a caminhar para os 30%, parece ter saudades dos salários reais a caírem, parece ter saudades das pensões a degradarem-se!
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Srs. Deputados, a questão central da política económica na conjuntura actual é precisamente o desenvolvimento de condições necessárias para que a retoma, que já se iniciou, se transforme num crescimento sustentado e não inflacionista da economia portuguesa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr. Ministro.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Governo acredita firmemente que a melhor forma de promover o crescimento e o emprego reside no estímulo às políticas que aumentem a competitividade das empresas. A única forma de aumentar o ritmo de desenvolvimento de uma forma sustentada é através de estabilidade macro-económica e de políticas estruturais de aceleração do crescimento do capital físico, humano e emprego, que sejam acompanhadas pela melhoria da sua produtividade.
São as empresas e não os países que competem e em economia de mercado são as empresas e não os governos que dinamizam a criação sustentada do emprego.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Neste sentido, o reforço da confiança que os indicadores evidenciam mostram que a política económica do Governo é permanente, é coerente e que se mantém no rumo certo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O tempo a mais gasto pelos dois oradores que usaram da palavra na abertura do debate será deduzido, como é normal, no tempo de debate do respectivo partido e do Governo.
Entretanto, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Guterres, os
Página 2133
29 de Abril de 1994 2133
Srs. Deputados Álvaro Barreto, Nogueira de Brito, Octávio Teixeira e Rui Carp.
Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, ouvi com toda a atenção, como aliás faço sempre, o seu discurso de hoje e, sinceramente, não encontrei grandes diferenças, para não dizer qualquer diferença, em relação, quer à sua intervenção em Outubro de 1992, quer ao debate que foi feito nesta Casa sobre a política económica e financeira aquando da discussão do Orçamento.
Mesmo em relação a 1992, tirando a sua indignação pela ausência do Sr. Primeiro-Ministro, mantêm-se os quatro pecados capitais, que são praticamente os mesmos, o que já não é mau, pois em um ano e meio...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não é mau, é péssimo!
O Orador: - ... V. Ex.ª não descobriu mais pecados do que aqueles que o Governo já tinha.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sinceramente não encontrei diferenças e, quando estava a ouvir o seu discurso, recordei-me que, quando em Outubro de 1992 V. Ex.ª agendou a discussão da situação económica do país para um período em que não fazia sentido discuti-lo, foi afirmado pela maioria dos comentadores políticos que isso era feito porque V. Ex.ª precisava de motivar e juntar o Partido Socialista devido a dificuldades da sua liderança.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador. - Por isso, questiono-me agora - nessa altura o problema que se punha era a escolha do líder parlamentar da sua bancada -, face às dificuldades que atravessa perante a formação da lista para o parlamento Europeu e...
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
... e, inclusive, devido aos resultados menos positivos das eleições autárquicas, se não terá sido a mesma motivação que o levou a agendar uma discussão que nada trouxe de novo.
Pergunto, pela segunda vez, se cada vez que a sua liderança tiver problemas vamos ser obrigados neste Hemiciclo a discutir a situação económica do País.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Em segundo lugar, entrando propriamente no seu discurso, surpreendeu-me, Sr. Deputado António Guterres, a falta de precisão na sua intervenção. É que jogou um pouco com as palavras, não sendo rigoroso como, devo dizer, julgo que o conheço do passado, começando por dar como definitivos indicadores como o da queda do PIB, que afirmou estar a - 1% e a - 2%, quando ouvimos depois o Sr. Ministro, certamente com elementos mais seguros, falar
em - 0,6%.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - Em seguida, falou na queda de quota de mercado das exportações portuguesas, quando não existem ainda valores seguros que possam, de certa maneira, assegurar que isso aconteceu. Pelo contrário, as indicações que temos é que se terão mantido praticamente as quotas de mercado em 1993.
Em terceiro lugar, dando precisão ao valor do fluxo dos fundos comunitários, V. Ex.ª fala em 456 milhões de contos e dá a entender que isso tem uma repercussão de 3% do PIB quando...
O Sr. António Guterres (PS): - Não foi isso que disse!
O Orador: - Não disse, mas jogou com as palavras, tanto que depois, a seguir,...
O Sr. António Guterres (PS): - Seja rigoroso!
O Orador: - Sr. Deputado, o próprio Prof. João Ferreira do Amaral tem demonstrado que a repercussão dos fundos comunitários na economia portuguesa anda entre 0,5 e 0,7%. E na realidade usou isso de uma maneira que deu entender que era 3%.
O Sr. António José Seguro (PS): - Esse papel não é seu!
O Orador: - Por outro lado, ligou exclusivamente as taxas de juro elevadas à taxa de câmbio elevada. 15so é uma simplificação do problema. Como o Sr. Deputado sabe melhor do que eu, para haver um abaixamento sustentado das taxas de juro é necessário que este seja acompanhado pela inflação. Baixar as taxas de juro ou baixar ou mudar a taxa de câmbio sem que haja indicações de baixa da taxa de juro sustentada é um convite ao relançamento da inflação e, como já se disse, não leva a sítio nenhum.
Relembro que, em Outubro de 1992, a taxa de juro estava em 9% e, hoje, está
em 6 %; da mesma maneira, as taxas de juro desceram depois, sustentadamente, três a quatro pontos. Pelo que, sinceramente, não concordo com a análise simplista - e sei que é feita de propósito - de ligar exclusivamente a situação cambial às taxas de juro elevadas.
Finalmente, a questão do desemprego. V. Ex.ª lembra que este subiu substancialmente em Portugal. É um facto. Apesar disso, temos ainda um desemprego muito abaixo da média europeia e de outros países. Gostava de relembrar que já em Outubro de 1992, quando intervim nesta bancada, tive ocasião de prever que a taxa de desemprego em Portugal ia aumentar, porque era necessário e urgente fazer-se a modernização e a reestruturação da indústria portuguesa. Pelo que não é um facto novo, é um facto que uma análise séria da situação levaria na realidade a esta mesma conclusão.
Sr. Deputado, resumindo, por um lado, pergunto-lhe qual a razão da convocação deste debate e, em segundo lugar, porque razão o Sr. Deputado se afastou do rigor que costumava usar nas suas intervenções para entrar em afirmações menos correctas que, diria, podem roçar a demagogia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
Página 2134
2134 I SÉRIE - NÚMERO 65
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Álvaro Barreto, devo dizer-lhe, com a estima sincera que tenho por si, que me custa vê-lo a fazer este papel, ...
Vozes do PSD: - Que pena!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... que é o de tentar agradar a todo o preço e em circunstâncias difíceis a um líder perante o qual caiu em desgraça!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E só isso pode explicar que se tenha prestado ao serviço que aqui veio fazer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Começou por dizer que não havia grandes diferenças entre a minha intervenção de hoje, a de há dois anos e a de há um ano. É dramaticamente verdade! É dramaticamente verdade para si, para a sua bancada e para o Governo que as previsões que fizemos há dois anos e aquilo que dissemos há um ano, tenha tudo correspondido à verdade, enquanto que aquilo que o Governo disse há dois, redisse há um ano e tresdisse hoje nunca tenha tido qualquer correspondência com a verdade. É dramático para vós!
Aplausos do PS.
Aliás, a vossa atitude neste debate é a atitude de quem há dois anos foi ao banco pedir um empréstimo, dois anos depois chega ao mesmo banco quando expirou o prazo e, em vez de pagar o empréstimo porque deitou fora o dinheiro, vem dizer "aquele empréstimo não valia, vamos começar tudo de novo!"
Foi o que aqui veio fazer o Sr. Ministro, das Finanças!
"O que lá vai, lá vai, andámos para aqui um bocado distraídos, agora começa tudo de novo e é outra vez o oásis"!
Foi isso o que o Sr. Ministro aqui veio trazer.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É um pouco como a D. Branca!
Risos.
O Orador: - E o que hoje o Sr. Ministro aqui veio dizer é o contrário daquilo que seria de esperar que dissesse depois do que aqui foi dito há dois anos e depois do que foi dito há um ano.
Ou seja, em Novembro de 1993 ainda o Governo se gabava do não aumento do défice público. O Sr. Ministro teve hoje de vir aqui reconhecer que tinha havido um grande aumento, mas não tem importância porque já acabou, já se resolveu. Por acaso os funcionários públicos até nem foram aumentados, o que não deve ter dado pequena ajuda à redução do défice público!
E esta é que é uma questão decisiva...
O Sr. Rui Carp (PSD): - De quanto foi o aumento em França e em Espanha!?
O Orador: - Olhe, sobre a Espanha e sobre a França, quero dizer-lhe o seguinte: conheço muitos portugueses que, neste momento - repito, neste momento -, estão a partir para trabalhar nesses países.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Na função pública?!
O Orador: - Não conheço nenhum francês nem nenhum espanhol que venha, neste momento, trabalhar para Portugal!
Aplausos do PS.
Por alguma razão será!
Protestos do PSD.
Agora, esta interpelação no discurso do Governo e no seu tem três questões decisivas.
A primeira é sempre a recorrência ao passado. Foi dito aqui que os cinco anos de 1980/85 foram maus economicamente. E verdade! Eles tiveram politicamente um dado comum: foram anos em que o PSD esteve sempre no poder!
O Sr. António José Seguro (PS): - É verdade!
O Orador: - Foi dito aqui que o PS tinha saudades das crises da balança de pagamentos. Não temos! Porque as crises da balança de pagamentos em Portugal foram causadas pelo gonçalvismo de esquerda em 1974/5 e pelo gonçalvismo de direita em 1980/83 e das duas vezes tiveram de ser superadas com políticas realistas de governos liderados pelo PS, num dos quais o Sr. Deputado Álvaro Barreto participou e que eu saiba de uma forma positiva!
Aplausos do PS.
Devo dizer que...
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Não dou licença, agora!
Como dizia, o conjunto de intervenções de altos dirigentes do PSD sobre a história económica passada é um conjunto de intervenções que alia duas coisas: alguma aparente vergonha por ter havido o 25 de Abril e pelos seus efeitos...
Vozes do PS: - Exactamente!
Protestos do PSD.
O Orador: - E, em segundo lugar, uma tentativa de afirmar que tudo foi recuperado por esse período magnífico que foi aquele em que o actual Primeiro-Ministro chegou ao poder.
Ora, o índice que gostam mais de usar é a comparação entre o crescimento português e o crescimento médio europeu - o Sr. Ministro das Finanças fê-lo, o que, penso, também merece resposta.
Quando o PS chegou ao Governo em 1976 e abandonou em 1985, se analisarmos os anos de 1976 e 1985, apesar do período em que o PSD esteve no poder sem nós, verificamos que Portugal cresceu em média relativamente à média europeia mais 0,66 % por ano. De 1985 a 1993 - vamos contar 1993, Sr. Ministro, se não se importa, embora perceba que não o queira pôr nas
Página 2135
29 de Abril de 1994 2135
estatísticas - o crescimento foi apenas de mais 0,75. Ou seja, uma diferença de 0,09% na recuperação.
Protestos do PSD.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Com os milhares de milhões de contos a ajudar!
O Orador: - Tenho aqui as contas, se quiserem, dos períodos de 1976-85 e de 1986-93.
E, por acaso, as taxas de crescimento mais elevadas foram em 1976 de 5,5%, em 1977 de 5,4% e em 1979 de 6,15%, acima de qualquer taxa de crescimento no período do cavaquismo. E nestes períodos não havia os fundos comunitários.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ora bem, aí é que está!
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Recebemos o ano passado 3% do nosso produto nos fundos comunitários, no saldo positivo dos fundos! 15so não tem uma incidência de 3 % no crescimento do PIB; tem uma incidência de 1% no crescimento do PIB feitas as contas por alguns economistas.
Ora, isto quer dizer que se não fossem os fundos comunitários estaríamos hoje a apreciar uma taxa de a palavra diminuição do PIB entre 2 e 3% no ano de 1993, o que não tem paralelo desde o ano de 1975, mãe de todas as desgraças para o PSD, em que manifestamente não era o PS quem estava no Governo.
Aplausos do PS.
Finalmente, a recuperação. Não temos medo da recuperação. Mais, se as políticas que adoptámos, ou pretendemos que fossem adoptadas, o tivessem sido a recuperação já tinha começado há mais tempo.
O drama é que esta é uma recuperação que, por enquanto, se limita apenas aos sectores virados para o mercado externo, pela enorme depressão do mercado interno.
O segundo tem a ver com o facto de não se estar já a repercutir no emprego e de correr esse risco, porque há uma alteração estrutural muito importante a que o
Governo é insensível: é que muitos dos postos de trabalho que foram encerrados não vão ser abertos nas mesmas condições.
O Sr. Duarte Lima (PSD):- Que novidade!
O Orador: - Aliás, há uma população activa com mais de 35 anos, sem qualificação, que está hoje a perder postos de trabalho nos sectores têxtil, do vestuário e do calçado, que não os encontrará numa recuperação, necessariamente, em sectores de tecnologia mais intensiva.
E é no desemprego, Sr. Presidente, que é chocante a insensibilidade social deste Governo, que, mais uma vez, ficou aqui totalmente comprovada pela forma como a ele se referiu o Sr. Ministro das Finanças.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os desempregados não são números, são pessoas. Pessoas que, hoje, terão percebido que nada têm a esperar deste Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, para fazer um comentário. Afinal...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há lugar, aqui, a comentários.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - É muito rápido, Sr. Presidente.
Concluí que, afinal, caí em desgraça junto do Sr. Deputado António Guterres, porque ele não respondeu a uma das minhas perguntas...
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Repito que, aqui, não há lugar a comentários.
Tem a palavra o Sr. Deputado...
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra ...
O Sr. Presidente: - Outro comentário não!
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, gostaria de utilizar a figura da interpelação à Mesa, para responder à segunda pergunta: em matéria de dificuldades, é melhor olharem para vocês próprios e para a vossa lista ao Parlamento Europeu!
Aplausos do PS.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Essa foi fina!
Risos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, esta, por acaso, foi fina e foi verdade!
Risos.
Sr. Deputado António Guterres, há uma contradição na sua intervenção.
Vozes do PSD: - Só uma?!...
O Orador: - Tenho coro, o que não é mau!
Risos.
Uma contradição que, das duas, uma: ou é a expressão da confissão de uma inferioridade sua...
Vozes do PSD: - É isso!
O Orador: - ... ou é uma homenagem aos velhos princípios marxistas em que assenta o seu partido.
Página 2136
2136 I SÉRIE - NÚMERO 65
Vozes do PSD: - São as duas!
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, assim não se pode falar
O Orador: - Espero que VV. Ex.ªs habilitem alguns dos vossos Deputados a fazer perguntas inteligentes, para além do Sr. Deputado Álvaro Barreto
Risos.
Em primeiro lugar, quanto à contradição, V. Ex.ª veio, uma vez mais, à Assembleia fazer uma interpelação sobre o balanço da evolução da economia portuguesa em 1993 e perspectivas económicas e sociais para 1994.
Ouvi atentamente o seu discurso, quer pela telefonia quer aqui no Plenário, e devo dizer que a sua interpelação é principalmente de política geral. Até os pecados de que V. Ex.ª falou, tão abundantemente, no fundo, ao tema da economia reconduz-se, fundamentalmente, um deles.
Em segundo lugar, quanto à confissão de inferioridade, dá-me a ideia que V. Ex.ª acaba por dar razão a alguns críticos mal intencionados - é evidente! - que dizem que, no Partido Socialista, não há alternativa ao Professor Cavaco Silva.
O Sr. Rui Carp (PSD): - É verdade!
O Orador: - 15to é, V. Ex.!, teme fazer uma interpelação sobre política geral quando o Sr. Deputado é candidato assumido a Primeiro-Ministro.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - E teima em centrar as suas interpelações em temas económicos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ..., condenando-nos, assim, com esta terrível sentença: os portugueses estariam condenados, mesmo que a alternativa se materializasse, a ter um macro-economista como Primeiro-Ministro.
Já chega! Já chega, Sr. Deputado António Guterres!
V. Ex.ª insiste e não assume a interpelação tal como ela é, ou, então, centra tudo na economia, o que se compreende no contexto do seu partido. E, portanto, a interpelação de política geral lá vai calhar. Julguei que V. Ex.ª tinha superado essa perspectiva, ali como o Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto, mas, pelos visto, não superou.
Depois, V. Ex.ª centra tudo na economia e acaba por ter dificuldade em falar de economia, principalmente, com o PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E vou dizer porquê.
Por duas razões fundamentais. Porque V. Ex.ª não tem originalidade em relação ao PSD, pouco disse do PSD, e porque tem uma grande dificuldade em abordar dois temas quando fala numa crítica à política económica do Governo: é o tema da política orçamental - é-lhe difícil falar nela! - e é o problema dos critérios da convergência nominal.
V. Ex.ª disse que era preciso rever os critérios da convergência nominal. Mas que critérios? Quais os critérios e em que medida é preciso revê-los?
Não me esqueço que, quando aqui aprovou, entusiasmado, o Tratado de Maastricht e os critérios que dele constavam, o Sr. Deputado António Guterres e o seu partido não fizeram nenhuma objecção...
Protestos do PS.
O Orador: - As objecções vieram depois...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É falso!
O Orador: - É falso?! ó meu caro, não é não! Ou, então, foi o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que está mais à esquerda...
Risos do PS.
... que não gostou da convergência nominal. O senhor nunca gostou da convergência nominal, mas o resto do partido não pôs objecções fundamentais e continua a não saber onde é que as há-de pôr. Por isso, hoje, o Sr. Deputado António Guterres vai fazer-me um favor ao responder-me a esta minha pergunta: como é que vai rever, em que sentido, com que critérios, com que alcance, com que calendário?
Era o que gostaríamos de saber.
O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado!
O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado tem dificuldade em falar de política orçamental, porque sabemos que o PS, pelas suas várias intervenções, só conduziria a alguns desastres nesta matéria, isto é, só conduziria a um grande incremento da despesa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exactamente!
O Orador: - O PS, por isso, não fala, consequente e coerentemente, de política orçamental e acaba por falar sempre na política cambial. E aí o Sr. Deputado disse coisas acertadas.
Não pondo o Sr. Deputado António Guterres em causa o modelo fundamental deste Governo - os seus pressupostos e os pressupostos do PS são idênticos e diria que continuamos perante o espectro do Bloco Central nessa matéria -, põe em causa a política cambial, mas sabe que as políticas cambial e monetária rigorosas foram conduzidas por deficiências da política orçamental. E era essa ligação, Sr. Deputado, que queríamos que V. Ex.ª, trouxesse à Câmara, expondo aqui uma verdadeira alternativa política.
Portanto, não nos dizendo em que medida é que os critérios de convergência podem ser postos em causa e em que medida é que os Srs. Deputados estão prontos a fazer uma política orçamental verdadeiramente alternativa e com que pressupostos, o Sr. Deputado fala da rama mas não fala da substância, não fala do tronco da política económica deste Governo!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, o senhor revela, na sua intervenção, uma contradição; permita-me que lhe aponte,
Página 2137
29 de Abril de 1994 2137
também, um complexo de inferioridade e depois um seguidismo, de que não estava à espera, em relação ao cabeça de lista, Luís Sá, do PCP, para o Parlamento Europeu.
Risos.
Em primeiro lugar, digo contradição, porque disse que eu fiz uma interpelação que não era de economia mas de política geral. E depois veio dizer que, afinal de contas, o que eu tinha falado era de economia.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Um bocadinho!...
O Orador: - Não consegui entender!
Em segundo lugar, digo complexo de inferioridade, na medida em que essa sua projecção sobre os outros, da incapacidade de arranjar um Primeiro-Ministro alternativo, leva-os a esse "abcesso de fixação" de virem sempre com essa questão completamente a despropósito.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - E seguidismo em relação ao Deputado Luís Sá, quando acusa o PS de não se ter pronunciado em tempo oportuno sobre os critérios de convergência de Maastricht.
Por azar seu, por desatenção aos debates, o PS pronunciou-se, antes do Tratado ser assinado, em relação aos critérios de convergência e à natureza do Banco Central, pronunciou-se, aqui, pela minha voz, no debate de ratificação.
Aliás, temos duas preocupações essenciais. A primeira é que triunfou no Tratado de Maastricht - e não devia ter triunfado - a visão liberal do CDS-PP. Por isso, todos os critérios são de convergência nominal, ou seja, todos os critérios são critérios que têm a ver com as questões, fundamentalmente, financeiras e não com as da economia real.
Se tivesse triunfado nessa negociação - e, infelizmente, isso não aconteceu! - uma concepção de natureza social democrata ou socialista, no verdadeiro sentido das duas palavras, então, haveria seguramente na natureza do Banco Central e nos critérios uma combinação das duas aproximações.
E há uma coisa que é óbvia: é que, criada uma moeda única...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Como?
O Orador: - ..., tendo em conta, por exemplo, o Banco Central, não apenas a inflação mas também o emprego nas suas preocupações estatutárias, e perdendo os países com a moeda única políticas cambial e monetária, é altamente inconveniente, sobretudo para um País pequeno e periférico como o nosso, perder toda a margem de manobra em política orçamental como, infelizmente, acontece com o carácter rígido dos critérios sobre o défice e a dívida contidos no Tratado de Maastricht.
É o melhor exemplo daquilo que precisa de ser revisto, para além da questão das datas, que tem de ser também reconsiderado.
Disse ainda que não havia uma diferença de natureza entre as políticas do PS e do PSD. De facto, há uma dimensão em que essa sua observação tem alguma
verdade: no reconhecimento de que nós vivemos numa economia de mercado e numa economia aberta. Portanto, as diferenças nas políticas são, em grande parte, diferenças de grau, de ênfase e de prioridade. Só o partido que hoje aceita um saudosismo albanês para a postura da nossa sociedade como o CDS-PP...
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Nem parece seu!
O Orador: - ... é que poderá pretender ter margens de manobra alternativas diversas para a condução da política económica, que não são possíveis em economia de mercado e em economia aberta.
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Finalmente, porque é que a questão da política cambial foi muito importante nos últimos anos? Porque a política cambial tem sido o instrumento mais fácil a que os governos têm recorrido em Portugal. Recorreram para a recuperação do défice e recorreram agora para o combate à inflação. 15to é, em vez de definir políticas estruturais, políticas de oferta, em vez de ter uma estratégia de transformação do País, o único instrumento que o PSD utilizou foi o instrumento cambial.
E quem pagou o preço? As empresas, a economia real! Coisa a que eu, que não sou macro-economista mas já trabalhei em empresas, sou sensível, e espero que o Sr. Deputado também seja. Esse é que foi o drama da política cambial dos últimos anos! E estou espantado pelo facto de o CDS-PP me criticar por me ter levantado como levantei!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, gostaria de começar por dizer que, na generalidade, estou de acordo com o diagnóstico que fez da situação do País e da política que tem sido desenvolvida por este Governo.
Estamos, pois, de acordo com os resultados apresentados nesse diagnóstico, com a análise da situação com que somos confrontados e da política que é da responsabilidade do Governo e designada e fundamentalmente da responsabilidade do Sr. Primeiro-Ministro.
Julgo também que o essencial das responsabilidades cabe à prioridade de política económica que tem sido conduzida pelos governos do PSD desde 1986, independentemente dos ministros que, num momento ou noutro, estiveram numa determinada pasta.
É, por um lado - e fundamentalmente -, a prioridade para a chamada convergência nominal, esquecendo totalmente a chamada economia real ou a actividade produtiva; é, por outro lado, o falarem muito na competitividade esquecendo-se da produtividade - e para o Governo competitividade é apenas baixar os custos, e baixá-los através dos salários.
Além disso, embora o Sr. Deputado Álvaro Barreto tenha referido há pouco que o Sr. Ministro terá informações estatísticas que ninguém mais tem - não sei se há um segredo estatístico para além do segredo de
Página 2138
2138 I SÉRIE - NÚMERO 65
Estado -, os senhores parecem esquecer-se, por exemplo, que nos custos da economia portuguesa, das empresas portuguesas, os custos salariais são apenas 22% e que ainda há 78% de custos, pelo que é preciso ver quais são as razões que levam a que esses preços não reduzam e, designadamente, o preço do capital, o preço das taxas de juro.
Ainda há pouco ouvi aqui falar em evolução das taxas de juros descendentes e eu apenas gostaria de pedir, se por acaso tiver os números à mão, que confirme essa afirmação, embora eu, pessoalmente, dela não precise. É que as taxas de juro reais, por exemplo, da Associação Portuguesa de Bancos, as chamadas APB, em Dezembro de 1988 eram de 6% e actualmente, em Abril de 1994, são superiores a 10%.
Uma outra questão que quero colocar, Sr. Deputado António Guterres, tem a ver com a declaração feita pelo Sr. Primeiro-Ministro há uns meses atrás, dizendo que a taxa de juro ia baixar, o que terá conduzido àquele surto de especulação cambial que há pouco foi referido.
Julgo que as declarações do Sr. Primeiro-Ministro já valem pouco na medida em que o seu nível de credibilidade está completamente em baixo, está um pouco como a recessão, está a acompanhá-la.
Mas, no meu ponto de vista, a questão essencial está no facto de o Governo manter a aposta na manutenção da paridade nominal da taxa de câmbio, não aproveitando minimamente a margem de manobra que, ao fim e ao cabo, está à nossa disposição devido ao alargamento das bandas de variação da moeda no âmbito do SME.
Última questão, Sr. Deputado António Guterres: Estou igualmente de acordo consigo quando refere que é necessário mudar de Governo e mudar de política. Julgo que, para além de ser essencial, essa é a única hipótese que temos para resolver os problemas graves, económicos e sociais, que o País atravessa. O que poderão existir, eventualmente, são dificuldades, divergências, ou não convergências, quanto à maneira e à forma de fazê-lo.
Neste sentido, gostaria de referir que para mim e para nós, Partido Comunista, o essencial é a questão fundamental e não os critérios. Para nós, o essencial não são os anexos ao Tratado da União Europeia mas sim o artigo n.º 3-A da União Europeia, aquele que impõe que a prioridade seja dada à chamada estabilidade de preços, à qual se subordinarão todas as outras políticas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Vou ser muito breve, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira evidenciou, de uma forma que considero feliz, o grande drama da política actual do Governo. Eu percebia a política anterior, que era de combate à inflação e, sendo uma política de combate à inflação, pagava o preço que fosse preciso para reduzi-la.
Mas a actual política tem um discurso de "sol na eira e chuva no nabal", isto é, pretende ter estabilidade cambial a todo o preço e baixar as taxas de juro.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Exacto!
O Orador: - Como dizia há dias o Sr. Ministro das Finanças em sede de Comissão, é "uma política de estabilidade competitiva no plano cambial".
Ora, isto não tem sentido!... Ou é uma desvalorização competitiva - e eu acho que isso também seria excessivo - ou é uma estabilidade a todo o preço e, nesse caso, dificilmente será competitiva.
15so introduz uma outra questão no discurso do Sr. Ministro, segundo o qual quem compete são as empresas. Esta visão é extremamente limitadora. Cada vez mais as empresas competem com os seus ambientes económico, social e político associados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os países competem na atracção de investimentos e as empresas competem tendo em atenção o sistema educativo e o sistema de formação profissional existentes, tendo em atenção as políticas estruturais que existem, o valor das moedas, a credibilidade das políticas. E esse é o drama das nossas empresas!... Ninguém acredita nas políticas que hoje aqui são afirmadas e os empresários não sabem o que hão-de fazer.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP):- Estou de acordo!
O Orador:- Se um empresário tiver hoje de escolher entre ir buscar um empréstimo em moeda estrangeira ou em moeda portuguesa ele não sabe o que há-de fazer, não tem nenhuma ideia sobre o que irá passar-se em Portugal. Até nas taxas de juro há esta coisa espantosa: as taxas de juro mais altas do mercado em matéria de habitação são do Instituto Nacional de Habitação...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... e há um despacho de Janeiro de 1994 em que o Governo aumenta as taxas de juro pagas em termos reais, feitas as deduções - pelas cooperativas e pelas câmaras em matéria de habitação social.
Este é que é o drama!... É a completa desorientação, ninguém sabe para onde este Governo vai conduzir-nos. O "sol na eira e chuva no nabal" só por um milagre não conduzirá, como disse, a sol no nabal e chuva na eira.
É isso o que está a acontecer nos mercados e é o que acontecerá sempre - e cada vez mais - que o Primeiro-Ministro ou o Ministro das Finanças disserem qualquer coisa de substancial!... Na teia de contradições em que estão encerrados, cada vez que eles disserem qualquer coisa de substancial os mercados reagirão pela negativa.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É isso mesmo!
O Orador: - Quanto à sua observação acerca do artigo n.º 3-A do Tratado da União Europeia acabei de dizer que considero que a questão da inflação deveria ter sido ponderada - e disse-o na altura - nomeadamente com as políticas de emprego. A política económica não pode ser unilateral, tem de ser vista no seu conjunto, globalmente, e tem de atender aos indicadores de saúde social de uma economia.
Aplausos do PS.
Página 2139
29 DE ABRIL DE 1994 2139
O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres: Quando o partido da oposição pede uma interpelação ao Governo, ainda por cima com o espalhafato...
Protestos de alguns Deputados do PS.
O Orador: - ... e até com o pré-anúncio daquilo que ela vai dizer, com o número de páginas do seu discurso publicado num jornal, é natural concluir-se que ela será, com certeza, uma alternativa à política do Governo. Afinal essas 23 páginas são um rotundo vazio quanto às alternativas do Governo.
O Sr. António Campos (PS): - Diz sempre a mesma coisa!
O Orador: - Aliás, o que me parece nesta interpelação - e começo já a dizer isto a título de intróito - é que se o Governo já não estava em estado de graça perante o PS, V. Ex.ª está em estado de desgraça perante os últimos acontecimentos no seu partido...
Risos e protestos do PS.
... e, no fundo, só quis mostrar que estava vivo.
V. Ex.ª veio aqui dizer, por exemplo, que há dois anos tinha razão - ou há um ano ou há não sei quantos meses. Tinha razão em quê?
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Em tudo!
O Orador: - Há algum candidato a Chefe do Governo na Europa que anuncie, como o Sr. Deputado fez, que quer o realinhamento da moeda nacional? Alguém faz isso na Europa? Isso tem alguma credibilidade em termos de alternativa de Governo?
V. Ex.ª fala também do défice, mas as vossas propostas ainda fariam com que o défice do ano passado fosse o dobro.
Há pouco, Sr. Deputado, não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe foram colocadas pelo meu colega Álvaro Barreto e isso é natural, porque é sempre assim. V. Ex.ª fala bem e depressa, talvez até depressa demais, e faz lembrar, nas respostas que dá e que certamente irá continuar a dar-me, aqueles vendedores ambulantes de canetas que prometem muita coisa, que são extremamente atractivos, que fazem com que os transeuntes comprem as canetas e depois estes chegam a casa e as canetas não têm cargas.
De facto, o seu discurso não tem alternativas, não tem qualquer proposta alternativa credível e coerente à proposta do Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Onde está o seu modelo de política económica, Sr. Deputado? Será que vai apresentar alguma alternativa até ao fim desta interpelação? Se não vai fazê-lo, então para o que é que serviram as suas ameaças e as suas críticas? Em política económica, críticas sem alternativas são, de facto, a demonstração de uma rotunda falta de capacidade para responder às políticas do Governo.
E até teve pouca sorte na data e no momento em que faz esta interpelação. Até nisso não teve sorte, Sr. Deputado. É que, ainda hoje, é publicada uma importante entrevista com o Secretário-Geral da OCDE...
Risos do PS.
Eu sei que os Srs. Deputados não gostam dos recortes, mas prefiro trazer as coisas escritas, porque essas estão evidenciadas.
Como dizia, a revista L'Exame traz hoje uma entrevista com o Secretário-Geral da OCDE - não venha dizer-me que o Secretário-Geral da OCDE é laranja ou apoiante do PSD, do Governo ou seja lá do que for-, cuja leitura lhe recomendo, que termina com a seguinte pergunta: "O que acha da actual situação portuguesa?" Resposta de Jean-Claude Paye, Secretário-Geral da OCDE: "Portugal fez nos últimos anos uma série de reformas que contribuíram para desenvolver o país, subiu algumas posições no ranking em termos de capacidade para realizar mudanças estruturais. O registo dos últimos dez anos em Portugal é um trabalho digno de nota. O facto de ter entrado na União Europeia aumentou a sua confiança".
Sr. Deputado e Secretário-Geral do Partido Socialista, que críticas merece esta resposta do Secretário-Geral da OCDE?
É que estas mudanças, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram feitas pelos portugueses, que foram autênticos gigantes na maneira como conseguiram, mesmo contra alguns cépticos, muitos dos quais se encontram hoje nas bancadas da oposição, adaptar-se e fazer com que o País esteja hoje melhor do que há dez anos.
O Sr. António José Seguro (PS): - É uma intervenção de recorte!
O Orador: - E os gigantes, Srs. Deputados e Sr. Deputado António Guterres, não gostam de ser governados por pigmeus políticos e o Sr. Deputado António Guterres, nesta matéria, está a ser um pigmeu político.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, lamento que o desespero do PSD o obrigue a romper as mais elementares regras da cortesia parlamentar neste debate.
Aplausos do PS.
Quando se perde politicamente um debate, quando os argumentos económicos são irrespondíveis, entra-se pela via do insulto pessoal.
Gostaria de dizer-lhe apenas o seguinte: os portugueses são gigantes, muitos deles empresários que continuam a manter as suas empresas abertas durante anos, apesar de terem políticas económicas que lhes são totalmente adversas,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... gigantes enquanto trabalhadores, porque colocados no desemprego esforçam-se por resolver a sua situação, esforçam-se por dar solução aos
Página 2140
2140 I SÉRIE -NÚMERO 65
problemas das suas famílias, embora não recebam qualquer apoio do Estado e embora muitas dessas famílias estejam cada vez mais condenadas a não ter nenhuma fonte de rendimento legal, gigantes, sim, enquanto técnicos e cientistas, porque investigam apesar de não haver neste país política científica nem verbas suficientes para a ciência e para a investigação, que são indispensáveis para qualquer desenvolvimento,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... gigantes, de facto, na medida em que, sem qualquer enquadramento estrutural no sentido da modernização, apesar de tudo, modernizam as suas empresas e as estruturas produtivas deste país.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora vendedor ambulante é quem aqui veio há dois anos dizer uma coisa e veio hoje aqui dizer o contrário.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nós, felizmente, como os Srs. Deputados do PSD reconhecem, o que dizemos hoje pode ser exactamente igual ao que dizíamos há dois anos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E isso acontece por uma razão muito simples: tínhamos razão, somos sérios, somos rigorosos e não andamos, como os senhores, apenas com a mira de manter o poder a todo o preço, inventando ciclos económicos de acordo com o ciclo eleitoral, subordinando tudo aos interesses do PSD e sacrificando tudo- o País, os portugueses, os empresários e os trabalhadores - só para que o PSD possa ganhar eleições e manter clientela.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa, e apenas para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª consentir, pretendo entregar à Mesa, para ser fotocopiado,...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É outro recorte!
O Orador: - ... um relatório - Observatório de expectativas empresariais sobre conjuntura - da responsabilidade do CISEP, que é um organismo a que estão ligados economistas ilustres, como, por exemplo, o Professor Vítor Constando e o Professor Brandão de Brito. É que nesse relatório, a dada altura, revela-se que já se começou a recuperar na economia portuguesa, além das próprias expectativas.
Assim, se a Mesa pudesse distribuir essa fotocópia pelas bancadas,...
O Sr. José Lello (PS):- Isso é alguma nota oficiosa?
O Orador: - ... poderia, de algum modo, preencher a lacuna da falta total de respostas que o Sr. Deputado
António Guterres aqui demonstrou, quer para as minhas perguntas, quer para as perguntas do Sr. Deputado Álvaro Barreto. O Sr. Deputado António Guterres fez uma mistificação, perdeu o debate e, agora, quer tentar recuperar.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Também para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero apenas anunciar que vou entregar na Mesa um recorte de jornal com declarações de um eminente economista do PSD, onde se diz, expressamente, que vamos pagar caro todos os erros na economia e que, dentro de cinco anos, Portugal vai pagar caro o preço de possuir hoje um modelo económico que se revela decadente e incapaz de concorrer no mercado externo.
Aplausos do PS.
O Sr. Rui Carp (PSD): - É o João Salgueiro!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com tanto trabalho de distribuição, peco-lhes que façam essa permuta entre vós.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, em face da interpelação feita pelo Sr. Deputado António Guterres, gostava de dizer que, se o economista do PSD, que citou, é o Sr. Dr. João Salgueiro, ele também foi referido pelo Sr. Ministro Eduardo Catroga, quando falou na política de 1981 a 1983.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma última observação sobre este episódio, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que também vou entregar na Mesa um recorte do Economist, jornal conservador inglês, onde se verifica que Portugal, de 1990 a 1993, foi o país com maior quebra de produção industrial, no âmbito dos países da OCDE.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apoiando toda a cooperação que VV. Ex.ªs revelam, peco-vos que façam esse trabalho e enviem esses documentos a cada uma das bancadas, libertando a Mesa dessa tarefa.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados Manuel dos Santos, Ferro Rodrigues, Octávio Teixeira, António Campos, Lino de Carvalho e Nogueira de Brito.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
Página 2141
29 DE ABRIL DE 1994 2141
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, começo por saudar V. Ex.ª pela sua primeira presença no Plenário, embora já tenha comparecido na Comissão de Economia, Finanças e Plano para tratar de um assunto concreto. E gostava de o saudar sobretudo pela saudação que fez à Assembleia da República. Espero que não se esqueça dela, pois, efectivamente, é o Sr. Ministro que depende da Assembleia da República, e não o contrário, pelo que deve vir aqui mais vezes, sobretudo para dizer aquilo que deve a este órgão de soberania, antes de o dizer em público.
Sr. Ministro das Finanças, não vou comentar os 9,42 minutos iniciais do seu discurso, pois foram a reprodução da cassete habitual do PSD.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Cassete não, compact disc.
O Orador: - No entanto, quero dizer-lhe, com toda a franqueza, que nesse registo o ex-Ministro Braga de Macedo era mais divertido e o Sr. Deputado Rui Carp é bastante mais engraçado.
A continuar assim, Sr. Ministro, permita-me que lhe faça uma previsão: provavelmente, dentro de um mês ou dois, assistiremos à repetição de um fenómeno parecido com o de Diamantino Durão e isso também não será bom. É que queremos que V. Ex.ª saia, mas, na altura própria, derrotado pela vontade popular e não por qualquer obra de maquilhagem governamental que mais não visa do que desresponsabilizar o verdadeiro responsável pela falência da política económica e financeira, o Sr. Primeiro-Ministro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Já está a fazer campanha para Matosinhos!
O Orador: - Sr. Ministro, as questões que quero colocar-lhe prendem-se com duas afirmações que V. Ex.ª tem vindo a fazer repetidamente. Uma delas já foi, de resto, referida pelo meu camarada António Guterres, Secretário-Geral do Partido Socialista, e tem a ver com o facto de V. Ex.ª ter defendido, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, a estabilidade cambial competitiva. Foi exactamente assim que V. Ex.ª falou, foram exactamente estas as palavras que utilizou e, por isso, gostava que nos explicasse o que entende por estabilidade cambial competitiva.
A segunda afirmação que o Sr. Ministro tem feito, muitas vezes, nas suas longas peregrinações pelo país, é a seguinte: "tenho preocupação em criar um quadro macroeconómico estável e credível". Quer o Sr. Ministro dizer que não existe esse quadro macroeconómico estável e credível? Quer o Sr. Ministro dizer que, quando os Ministros que o antecederam - Braga de Macedo e Miguel Cadilhe - nos diziam que havia uma orientação estratégica para os agentes produtivos actuarem na economia portuguesa, estavam a dizer uma falsidade e, agora, V. Ex.ª, à semelhança do que vai fazer com a reforma fiscal, é que vai lançar as bases para a criação desse quadro macroeconómico estável e credível?
Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª tem falado muito, mas, com toda a franqueza e sinceridade, nem sempre tem revelado bom senso. Dou-lhe um exemplo: o Sr. Ministro, assumindo-se como vanguarda revolucionária do empresariado, começou por anunciar a recuperação - ainda não havia tomado posse e já dizia que ia ser o "ministro da recuperação" -, dizendo que ia diminuir drasticamente o imposto de selo e a fiscalidade sobre o fuel utilizado...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, peco-lhe para suspender a sua intervenção, por breves momentos.
Quero pedir a toda a Câmara, incluindo a Mesa, que guarde silêncio para que se ouça a intervenção de quem está no uso legítimo da palavra.
Sr. Deputado, desculpe a interrupção e queira fazer o favor de prosseguir.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas o Sr. Ministro das Finanças está a ouvir-me, não me perturbo com o ruído e, portanto, se os Srs. Deputados entendem que o meu pedido de esclarecimento não tem qualquer interesse, podem continuar com o mesmo comportamento, embora não devam, como V. Ex.ª disse, e muito bem.
Como estava a referir, o Sr. Ministro das Finanças, assumindo-se como vanguarda revolucionária do empresariado, anunciou duas medidas. Além disso, há pouco tempo, afirmou, curiosamente, na Associação Industrial Portuense, que antes de ser Ministro das Finanças não se apercebia de que, afinal de contas, esta coisa de prometer a diminuição do imposto do selo era tão significativa e quando chegou ao Ministério verificou que o imposto de selo representava - disse o Sr. Ministro, errando, pois representa um bocadinho mais- 100 milhões de contos nas receitas fiscais.
Sr. Ministro, não considera que há uma dose bastante graduada de falta de bom senso nas suas afirmações? Não entende que as promessas que faz são relativamente incompatíveis com a criação do tal quadro macroeconómico estável e, sobretudo, com as suas preocupações no sentido de que o défice orçamental, em 1994, não aumente mais ou não seja tão grande, aliás, como V. Ex.ª aqui nos anunciou?
Outra questão: o Sr. Primeiro-Ministro, com o Orçamento do Estado para 1994, prometeu um desagravamento fiscal acentuado relativamente às empresas portuguesas e aos particulares. Ora, o Sr. Ministro das Finanças, com a experiência que já tem, pode confirmar se esse desagravamento acentuado se vai verificar em 1994?
Finalmente, o Sr. Ministro tem anunciado, sobretudo lá fora, que existe uma mudança de política em relação aos seus antecessores. Tem-no feito de forma passiva, aceitando as referências que os empresários e outros agentes económicos fazem nas reuniões em que V. Ex.ª participa, e até o tem feito de forma activa, embora cautelosamente, dizendo exactamente isso.
Neste sentido, gostava de lhe fazer quatro perguntas finais. Está aqui presente o Ministro que o antecedeu, que é, aliás, um ilustre Deputado desta Câmara, o Deputado Braga de Macedo, e talvez valesse a pena ele ouvir as respostas que V. Ex.ª tem para dar às quatro perguntas que lhe vou colocar.
Sr. Ministro, qual é a avaliação que faz da política seguida pelo anterior Ministro das Finanças?
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - É melhor não responder, Sr. Ministro!
Página 2142
2142 I SÉRIE -NÚMERO 65
O Orador: - Aceita-a e vai continuá-la? Assume aqui, como tem feito lá fora, a ruptura com essa política?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - São perguntas de fraco quilate!
O Orador: - Valia a pena que o Sr. Ministro das Finanças nos esclarecesse, pois esse é o verdadeiro sentido desta interpelação e todos nós, políticos, agentes produtivos e opinião pública, ganharíamos com uma resposta clara a estas questões.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou procurar responder de forma rigorosa, numa base objectiva, e não com chicana ou su-perficialismos, como ouvi aqui em algumas respostas que nem sequer o foram.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. António Guterres (PS): - Está a referir-se a mim, Sr. Ministro?
O Orador: - Relativamente às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos, quero dizer, em primeiro lugar, que a política económica do Governo, derivada do seu programa, assenta desde sempre, sobretudo desde 1986, em dois vectores fundamentais: a criação e o reforço de um quadro macroeconómico estável e coerente que favoreça um crescimento sustentado e não inflacionista e o aprofundamento das políticas estruturais que actuam sobretudo do lado da oferta e que aumentam, a prazo, a produtividade da economia e a competitividade das empresas.
Vozes do PSD: - Muito bem! Risos do PS.
O Orador: - De entre as políticas estruturais, saliento, apenas para lembrar, o desenvolvimento do sistema educativo, o desenvolvimento dos recursos humanos,...
Protestos do PS.
... as reformas na área da Administração Pública, a diminuição do peso do Estado na economia, com as privatizações, o aumento das infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento, o apoio ao desenvolvimento de estratégias empresariais competitivas, com efeitos estruturantes sobre o tecido produtivo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E a reforma fiscal?!
O Orador: - Ainda bem que o Sr. Deputado António Guterres aqui reconheceu, abandonando a vocação socialista das funções do Estado, que, numa economia de mercado, é ao Estado que compete criar um ambiente macroeconómico estável e coerente que favoreça a competitividade da economia e desenvolver políticas públicas orientadas para a competitividade.
Mas, se ao Estado compete criar um ambiente favorável à competitividade da economia- nisso estamos de acordo-, são as empresas, e não os países, que competem entre si, pelo que, uma vez criado esse ambiente estável e coerente, compete-lhes a elas o desenvolvimento de estratégias que permitam o progresso económico, social e cultural do País.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Assim, Sr. Deputado Manuel dos Santos, devo dizer-lhe que a política económica do Governo continua a assentar naqueles dois vectores estratégicos fundamentais, simplesmente, a conjuntura é evolutiva e a combinação das políticas macroeconómicas, com os seus vários ingredientes, também tem de ser dinâmica, em função dos problemas que se enfrentam. E, não havendo receitas de combinação das políticas macroeconómicas, a única solução credível é, efectivamente, a criação de um quadro coerente e estável e o reforço das acções estruturais que actuam sobre o capital humano, sobre o capital físico e sobre o emprego.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos disse que eu, ainda antes de tomar posse, identifiquei-me como o "ministro da recuperação". Sr. Deputado, devo dizer que esperava poder contribuir, de acordo com o Programado Governo- com o qual concordo-, para a criação de condições que proporcionem a retoma económica.
Os progressos feitos na consolidação orçamental nestes três ou quatro primeiros meses, na moderação salarial, no reforço da confiança dos empresários, como mostram todos os indicadores - e, se os Srs. Deputados também não os têm, posso fornecê-los - e a confirmação do processo de descida das taxas de juro no sentido da criação de condições para uma baixa sustentada do custo do financiamento das empresas são condições que favorecem a retoma da economia numa base sustentada.
Sempre disse que a retoma vai ser lenta e difícil em articulação com a situação da economia europeia mas - repito- a recuperação está a acontecer e vai acentuar-se em 1995 quer os Srs. Deputados do Partido Socialista queiram quer não.
Aplausos do PSD.
Em relação à política fiscal do Governo, no âmbito da estratégia de consolidação orçamental a médio prazo (e estou de acordo com o Sr. Deputado Nogueira de Brito quanto ao facto de os socialistas serem amantes do crescimento acelerado das despesas públicas e dos défices públicos excessivos),...
O Sr. António Guterres (PS): - Pelo contrário, porque o PSD é que gasta dinheiro!
O Orador: - ... devo dizer que a política económica do Governo visa uma consolidação orçamental actuando simultaneamente do lado da receita e do lado da despesa.
Do lado da despesa, controlando as despesas correntes para libertar recursos públicos - e aproveito para lembrar os investimentos estratégicos no domínio da educação, da saúde e das infra-estruturas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Página 2143
29 DE ABRIL DE 1994 2143
O Orador: - Do lado das receitas, os grandes elementos da política económica do Governo ou da política, na sua componente fiscal, visam o alargamento da base tributária, a luta contra a evasão fiscal (assumimos a orientação política dessa luta), a luta para um sistema fiscal mais justo e eficiente no sentido do desenvolvimento, sem rupturas, mas considerando que, após 1989, com a entrada em funcionamento do Mercado Único e a liberalização plena do movimento de capitais, há condições novas que obrigam ao desenvolvimento da reforma fiscal no sentido de um sistema fiscal cada vez mais justo e equitativo.
No âmbito da criação de condições para a descida do custo de financiamento das empresas de uma forma sustentada - repito, há que actuar nesse domínio sob várias variáveis -, falei na redução progressiva e gradual do imposto de selo sobre as operações bancárias. E, Srs. Deputados, quão diferente é não ter responsabilidades de governação, pois quando não as tinha, pensava que era fácil reduzir o imposto de selo; a partir do momento em que assumi responsabilidades de governação, como qualquer Ministro das Finanças responsável, verifiquei que a política de redução do imposto de selo tem de ser gradual.
Assim, vamos apresentar uma proposta de lei para a eliminação do imposto de selo sobre as operações cambiais, já aprovado em Conselho de Ministros, e, no Orçamento do Estado para 1995 - na linha do que prometi aos empresários e as minhas promessas serão para cumprir-, vai ser dado um sinal positivo no sentido de uma redução progressiva do imposto de selo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à problemática da estabilidade cambial,...
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Ministro.
O Orador: - Sr. Presidente, essa questão será tratada mais desenvolvidamente no momento oportuno.
Aplausos do PSD.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, como o Sr. Ministro irá intervir mais vezes, espero que não se esqueça de abordar o tema da estabilidade cambial competitiva nem de responder às três perguntas que lhe coloquei, a saber: qual a avaliação que faz da política seguida pelo seu antecessor, agora Deputado, Braga de Macedo? Aceita continuá-la ou assume aqui, como tem feito lá fora, a ruptura com essa política?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, agradeço as saudações feitas e aproveito para o saudar igualmente neste reencontro que, ao fim de tantos anos, temos na Assembleia da República.
Houve, porém, qualquer coisa que me soou mal no seu discurso. V. Ex.ª disse que, depois de falar ao país real, vinha conversar connosco aqui, mas também fazemos parte do país real. Ou, então, se se trata do país político, não se esqueça de que, agora, faz parte dele.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Essa lição é boa para o Sr. Manuel Monteiro!
O Orador: - Qual? A minha? É que a sua, Sr. Deputado Rui Carp, não o é, com certeza!
Devo dizer que esta parte do país real que, nesta Assembleia, representa a outra não deixa de estar atenta às contradições do seu discurso nem às do do Sr. Deputado António Guterres, tema que procurarei retomar.
Na verdade, parece-me estranho que V. Ex.ª tenha referido tão enfaticamente a economia europeia para justificar a situação de 1993 e se tenha esquecido dos contributos europeus para explicar - não para justificar - a situação de 1985 em diante, pois é relevante o contributo europeu para explicar a performance de 1986 e dos anos seguintes.
O Sr. João Proença (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Por outro lado, o Sr. Ministro falou do crescimento dos salários reais de uma forma que me perturbou, porque o fez com dois sentidos completamen-te diferentes: num tom critico, para explicar os insucessos de 1993, ou seja, o crescimento dos salários reais muito para além da produtividade; depois, falou igualmente no ano de 1993 para mencionar algo positivo, o crescimento dos salários reais. Em que ficamos, Sr. Ministro? O que vai preconizar, realmente, nesta matéria?
Quanto ao mais, no afã de demonstrar que estava tudo bem ou, pelo menos, a melhorar, chegou a parecer-me um boletim falado, de índices macro-económicos, a não ser no momento em que atacou as políticas de relançamento da procura. Mas, em matéria de políticas e de justificação das suas políticas ou das suas mudanças políticas, V. Ex.ª disse muito pouco.
Por essa razão, decerto não se importará que me reporte a uma entrevista que o Sr. Ministro recentemente deu ao jornal Expresso em que se referiu às políticas para formular-lhe alguns pedidos de esclarecimento, porque a sua intervenção de hoje não os justifica grandemente.
A única política estrutural fundamental, neste momento, para além das que resultam do nosso enquadramento na União Económica, é a de privatizações. Depois de uma primeira leitura apressada da sua entrevista, cheguei a considerar, num debate recente em que o Sr. Deputado Rui Rio também participou, que havia grandes novidades. Isto é, o Sr. Ministro preconizava o abandono do critério financeiro, pelo menos, como o critério fundamental a presidir às privatizações. Mas, depois, fiz uma leitura mais profunda desse texto e tenho a impressão de que não é disso que se trata, porque os outros critérios que agora elege, também, como fundamentais não deixam de ser apenas instrumentais em relação ao critério financeiro.
Diz que é preciso ter em atenção o momento do ciclo económico, ou seja, que, ao pôr à venda as empresas, haja dinheiro para comprá-las. Relativamente a outro critério, o da existência no mercado nacional de capacidade financeira para acorrer às privatizações, das duas, uma: ou este critério denota uma sã preocupação
Página 2144
2144 I SÉRIE -NÚMERO 65
nacionalista com a qual estou de acordo mas, nessa altura, não percebo muito bem a firmeza com que o Sr. Ministro encara o caso Banesto e por que razão não nos explica rigorosamente o que se passa ou, então, a sua preocupação releva fundamentalmente de uma perspectiva socialista como a que V. Ex.ª denota quando, por exemplo, põe tanta ênfase na golden share que vai reservar para o Estado em certas privatizações.
O que vai passar-se, Sr. Ministro? Vai continuar o Estado a impor a sua irracionalidade económica como gestor empresarial em sectores importantes da nossa economia? Qual é, então, o objectivo das privatizações? Não é a introdução de racionalidade no sistema produtivo? Ficamos sem saber! Com esta golden share, com uma presença decisiva nos cimentes, tenho a impressão de que o Sr. Ministro acaba por irmanar-se aos argumentos dos nossos companheiros da bancada do PCP.
Em matéria de política orçamental, o Sr. Ministro introduziu alguma novidade no discurso. Falou em rigor orçamental, o que não é novo, e até cheguei a pensar se nos ficávamos pelas palavras do rigor da política fiscal, em sentido amplo: controlo rigoroso da despesa corrente e alívio nas receitas. Todos os Ministros das Finanças nos têm feito essa promessa, pelo que não se justificava introduzir alterações ou modificações nesse campo.
Mas a novidade a que se referiu, infelizmente, vai caminhando de decepção em decepção e refiro-me ao imposto de selo. Quando entrou para o Governo, o Sr. Ministro anunciou a eliminação desse imposto; depois, na entrevista ao Expresso disse que ia reduzi-lo em cerca de 30% nas operações bancárias e hoje diz-nos que, este ano, vai reduzi-lo nas operações cambiais, ficando adiada a redução nas operações bancárias para 1995.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - O que ainda é pior!
O Orador: - Na verdade, ficamos sem saber o que vai passar-se.
Por outro lado, o que preconiza relativamente à despesa corrente não é nada de novo nem de fundamental. O que há de decisivo, em matéria de despesa, é o problema das despesas sociais do Governo e da Administração Pública, sobre as quais o Sr. Ministro nada nos disse, nem sequer se referiu à forma como vai encarar esse problema.
Nessa matéria, talvez tenha a ganhar algo se se deslocar ao Parlamento daqui a duas semanas para assistir à interpelação ao Governo do CDS-PP, porque iremos dar-lhe algumas sugestões que muito gostaríamos de ver atendidas. Só essas poderão trazer alguma orientação positiva ao problema das despesas e, enquanto o Sr. Ministro não traçar orientações nesse âmbito, não será através da despesa corrente que vai atingir uma verdadeira disciplina orçamental.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, agradeço a saudação que me dirigiu ao fim de tantos anos após a disciplina de Direito Corporativo no curso de Ciências Económicas e Financeiras...
Risos do PSD, do PS e do PCP. ... de que, aliás, aprendi bastante.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Serviu de muito, meu caro amigo!
O Orador: - Em relação à evolução de 1985/1992, disse- e reafirmo- que em Portugal, em 1985, o PIB médio, per capita, era da ordem dos 51 % em relação à média comunitária; em 1992, estava na casa dos 60 %, tendo constituído a melhor performance dos, hoje, chamados países de coesão.
Evidentemente que houve um contributo europeu para este desenvolvimento, o qual, aliás, deriva da nossa entrada no Mercado Comum e dos fundos comunitários e, em relação a estes, a melhor estimativa que conheço sobre o seu impacto no PIB é da própria Comissão, segundo a qual os fundos comunitários aumentam, a médio e a longo prazo, a chamada taxa potencial de crescimento em 0,5 %.
Porém, ao contrário da Grécia, soubemos aproveitar esses contributos europeus mais aceleradamente do que a Espanha e é essa a tónica que quero dar. Tivemos contributos europeus, mas soubemos utilizar os fundos no sentido de um crescimento mais acelerado.
No que diz respeito ao imposto de selo, Sr. Deputado Nogueira de Brito, está muito mal informado. Vou enviar-lhe a intervenção que fiz na Associação Industrial Portuguesa e na Associação Industrial Portuense. A minha promessa, o compromisso político foi no sentido de uma eliminação gradual e progressiva do imposto de selo, no sentido de dar um bom sinal para 1995. Foi essa a promessa desde sempre feita e nunca a eliminação pura e simples. É essa a promessa que vai ser - e está a ser - satisfeita!
Em relação às privatizações, o que dissemos foi que, quanto a elas, temos de ser pragmático, de analisar caso a caso, dentro de um quadro de referência de critérios, sendo o primeiro deles o de que o Estado deve retirar-se tanto quanto possível da esfera produtiva e deve aumentar o seu papel na esfera reguladora. Entre esses critérios, é evidente que temos de atender à evolução do mercado de capitais e da situação económica e financeira dos grupos portugueses.
Nesse ponto, estou de acordo com o Sr. Deputado. Para mim, não é indiferente que grandes empresas nacionais estejam controladas por interesses nacionais ou por interesses estrangeiros.
Não posso deixar de defender, aliás, com o apoio da política do Governo, que, neste momento, de uma forma pragmática, em relação a algumas dessas empresas, a estratégia correcta de privatização é através da dispersão do capital. Na entrevista ao Expresso que o Sr. Deputado Nogueira de Brito refere, eu disse que tudo isto é dinâmico. Quem cá estiver daqui a meia dúzia de anos que decida. Mas, neste momento, pragmaticamente, em relação às grandes empresas- CIMPOR, Telecomunicações de Portugal, EDP-, a dispersão de capital é a melhor estratégia, porque vai permitir colmatar uma insuficiência estrutural do mercado de capitais: o aumento da oferta de títulos com vocação de cotação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, quanto aos salários reais, o que eu disse foi que eles cresceram mais do que a produtividade, em alguns anos. Os salários reais, na economia portuguesa, cresceram, em média, no período de 1986 a 1993, 3 %, o que representa o dobro do crescimento vê-
Página 2145
29 DE ABRIL DE 1994 2145
rificado em Espanha. Disse ainda que em 1993 houve um crescimento dos salários reais, mas esse crescimento já foi saudável, já esteve alinhado com a produtividade, ao contrário do que aconteceu em anos anteriores.
Deve ficar claro o seguinte: a política económica do Governo no domínio salarial orienta-se para atender à necessidade de acréscimo dos salários reais em linha com a produtividade, ponderando a necessidade de, em determinados momentos e transitoriamente, como acontece no ano de 1994, alguns sacrifícios para a criação de condições para a retoma sustentada da economia.
Em relação à política orçamental e ao caso Banesto, devo dizer que, no caso Banesto, já tive a oportunidade, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, de esclarecer os Srs. Deputados sobre o tema. Dou apenas um conselho: "até ao lavar dos cestos é vindima". Vamos aguardar pela evolução dos acontecimentos.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, queira concluir.
O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Em relação à estratégia de consolidação orçamental, estamos de acordo. Eu disse que é preciso controlar as despesas de funcionamento para libertar recursos financeiros para sectores na área da educação e da saúde e isso está de acordo com a política do Governo. A política do Governo tem uma componente social que importa reforçar.
Penso que esclareci as questões fundamentais que o Sr. Deputado Nogueira de Brito colocou.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, não devendo ultrapassar os três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Eduardo Catroga, as saudações estão feitas, sabe que são sinceras.
O Sr. Ministro tem plena consciência de que foi contratado a prazo por dois anos.
Vozes do PSD: - Essa agora!?
O Orador: - A dúvida é se ficará na história como o ajudante do Primeiro-Ministro ou como um verdadeiro Ministro das Finanças.
Ficará como um ajudante, igual aos anteriores, que levaram à prática políticas contraditórias, sob a batuta do chamado "homem do leme", que, no entanto, obrigou o "barco" a "rumos ziguezagueantes", em primeiro lugar, se mantiver a resignação perante as heranças recebidas em matéria de política fiscal injusta- e aqui devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que não basta nomear comissões, é necessário mudar políticas; depois, se...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... alimentar, como está a fazer, políticas monetárias e cambiais contraditórias; e, finalmente, se impuser políticas de rendimento socialmente inaceitáveis, com a consequente queda dos salários reais médios e dos salários reais no sector público alargado.
Poderá ficar como Ministro das Finanças, se avançar com uma verdadeira nova política económica, apoiando o crescimento e quem produz; se recusar a divisão do seu contrato a prazo em duas fases - a actual, de gestão da herança do ex-Ministro Braga de Macedo, e a eleitoralista, a partir do Orçamento do Estado de 1995 - e, recusando isso, fizer o que for melhor para Portugal, independentemente do calendário eleitoral; ou se utilizar a margem de manobra criada pela actual situação do sistema monetário europeu e defender a estabilidade cambial, mas num contexto de uma taxa de câmbio que seja credível e não penalize a competitividade.
Por isso, pergunto-lhe se é ou não verdade que, infelizmente, nestes quatro meses, tudo parece apontar para o facto de que ficará como ajudante e não como Ministro das Finanças, tendo em conta a sua intervenção, hoje, aqui, onde, mais uma vez, fez comparações ilegítimas, pouco sérias em termos de políticos e económicos, entre períodos de crise anteriores à adesão à Comunidade Europeia e o período actual.
Tudo parece apontar para o facto de que ficará como ajudante, se continuar a assumir uma vergonhosa abdicação política, no caso Totta/Banesto, porque não bastam as palavras bonitas; se mantiver uma passividade incrível em relação ao não cumprimento da lei pela administração da Companhia de Seguros "O Trabalho", que, lembro, é privatizada; se continuar a opacidade que tem mantido na política de privatizações; se se repetirem situações como aquela em que ficou em ridículo no confronto com o Sr. Pinto da Costa; e se mantiver as enormes confusões que, em conjunto com o Sr. Primeiro-Ministro, se têm criado nos mercados cambiais e monetários.
Sr. Dr. Eduardo Catroga, ser Ministro das Finanças em vez de ajudante do Primeiro-Ministro pode encurtar-lhe o contrato, mas dou-lhe um conselho de amigo: mais vale ser ministro por um dia do que ajudante toda a vida!
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: - E as perguntas, onde estão?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, gostaria de começar por cumprimentá-lo pelo facto de ser a primeira vez que participa num debate neste Plenário.
Simultaneamente, digo-lhe que o seu discurso desiludiu. Desiludiu porque, noutras intervenções que têm vindo ao conhecimento público através dos órgãos de comunicação social, o novo Ministro das Finanças tem-se mostrado mais prudente e cuidadoso nas afirmações que faz, principalmente sobre a evolução passada da economia portuguesa. Hoje, fugiu desse rumo. O Sr. Ministro mostrou que, pelos vistos, não há ministro que consiga fugir à cassette de propaganda da "tribo" laranja! Na realidade, foi isso a que hoje aqui assistimos, designadamente quando se referiu à evolução da economia portuguesa.
Há alguns aspectos particulares que gostaria de focar, porque considero que no debate político nem tudo é válido. Do nosso ponto de vista, é absolutamente necessário manter no debate político, para além de opiniões políticas divergentes, mínimos de rigor nalgumas afirmações que se fazem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Página 2146
2146 I SÉRIE -NÚMERO 65
O Orador: - Não me vou referir às comparações feitas entre um ano de fim de crise e um ano de início de crise - que não são, nem podem ser, comparáveis, para além de outros factos que estão por trás - mas vou referir-me ao seguinte: o Sr. Ministro fala do crescimento sustentado e não inflacionista, que isso é opção do Governo há muitos anos, desde 1986, e que tem vindo a ser seguido, tendo havido apenas um ponto de descontinuidade em 1993. Sr. Ministro, então considera que é crescimento sustentado ter desacelerado a taxa de crescimento na ordem dos 50% de 1990 para 1991 e na ordem dos 50 % de 1991 para 1992? Isso é manter uma linha de crescimento sustentado?
O Sr. Rui Carp (PSD): - E na Europa, como é? Neste momento, regista-se burburinho na Sala.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, desculpe a interrupção.
Os Srs. Deputados não são obrigados a estar na Sala,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É evidente!
O Sr. Presidente: - ... mas, se aqui estiverem, têm de deixar os outros trabalhar.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, pela intervenção que acabou de fazer, a todos os títulos justa.
m outro aspecto que o Sr. Ministro referiu: o PIB per capita em paridade com o poder de compra e a sua evolução, salvo erro, de 1986 até 1992. Sr. Ministro, não vou discutir os números, não é isso que interessa, mas gostaria de lhe colocar a seguinte questão: quando refere um número da ordem dos 60 % para 1992, teve, por acaso, em consideração a ruptura estatística que houve no âmbito da população portuguesa depois do censo de 1991, tendo a população portuguesa, estatisticamente, diminuído cerca de 500000 pessoas? É preciso ter isso em atenção para não se tirarem conclusões absolutamente erradas.
O Sr. Ministro falou também na evolução do saldo corrente do Orçamento no primeiro trimestre de 1994. Para além de outros comentários, não pensa que é demasiado vir apregoar essa redução do défice corrente, esquecendo, olvidando ou omitindo o impacto que teve a queda real e brutal dos salários da função pública? É à custa disso que quer equilibrar o Orçamento do Estado em Portugal?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, uma afirmação que o Sr. Ministro fez há algum tempo e hoje repetiu três ou quatro vezes: "a criação das condições para a baixa das taxas de juro". Até quando pensa continuar a criar condições para uma baixa de taxas de juro, que nunca mais chega? Considera que está a criar condições para a baixa das taxas de juro, quando o Sr. Ministro faz publicar o Decreto-Lei n.º 88/94, em que isenta de IRS e de IRC os tomadores de dívida pública não residentes? Sabe que esse é um dos factores que está a impedir uma baixa das taxas de juro internas, porque o Estado está a financiar-se, devido a factos como este, a taxas de juro reais baixíssimas, e que isso está a ser prejudicial para as empresas, porque os bancos não baixam as taxas de juro reais para as empresas, a fim de compensarem o que está a suceder em termos das taxas de juro da dívida pública?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Ministro fala em criar condições para a baixa das taxas de juro, quando continua a dar prioridade à estabilidade nominal da paridade cambial? O Sr. Ministro continua a falar em criar condições para a baixa das taxas de juro, quando não se assiste a qualquer acção do Governo para aumentar a concorrência interbancária? Quando não há qualquer acção do Governo para baixar os níveis das reservas de caixa?
Porque o Governo nada faz para baixar as taxas de juro pergunto, Sr. Ministro: até quando pensa o Governo ficar à espera de criar as tais condições, que nunca mais chegam? Quando já não existir economia produtiva? Quando as falências e o encerramento de empresas continuarem e ficar um país quase deserto em termos industriais e agrícolas? Quando o desemprego aumentar para taxas muito superiores às que, neste momento, são a média comunitária?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, penso que entrou numa área... Sou Ministro das Finanças deste Governo, com muito gosto, e, no âmbito da execução da política económica e financeira, estou a contribuir para o reforço das condições para um crescimento sustentado e não inflacionista, repito.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, devo dizer que a história da cassette está ultrapassada pois estamos no tempo do compact disc, pelo que não aceito lições em termos de cassette.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É falta de tempo!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por mim, também prefiro o CD!
O Orador: - No que respeita ao PIB per capita, posso facultar-lhe todas as estatísticas da Comissão Europeia sobre a evolução favorável de todos estes indicadores da economia portuguesa, desde 1986. É que a verdade vem sempre ao de cima como o azeite e, portanto, não há aqui qualquer mistificação de dados.
O Sr. Deputado falou na criação de condições para a descida das taxas de juro. Respondo-lhe que é verdade que o meu discurso tem sido no sentido do reforço das condições para a descida sustentada do custo de financiamento das empresas.
Vamos, então, dividir este "bolo" em fatias, para ter mais "sabor". É um facto que é necessário criar condições para a descida das taxas de juro, mas há que ter
Página 2147
29 DE ABRIL DE 1994 2147
em atenção que as mesmas não são fixadas administrativamente, antes resultam das forças de mercado. Julgo que terá reparado que, desde 1992, estamos em plena integração financeira, com liberalização total do movimento de capitais, e que o escudo é totalmente convertível, pela primeira vez em 101 anos.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Como dizia, é importante criar condições porque importa ter um quadro macroeconómico que facilite a criação de condições para uma baixa sustentada dos custos de financiamento das empresas.
Já agora, aproveito para clarificar quais as variáveis sobre que estamos e vamos continuar a actuar.
A primeira variável fundamental é a da continuação da descida da taxa de inflação, para que as taxas directoras do Banco Central possam continuar a descer, em articulação com as taxas directoras dos outros bancos centrais e com os objectivos de estabilidade cambial.
A segunda variável é a do reforço da concorrência e da eficiência do sistema bancário, no sentido de acomodar uma maior redução das margens financeiras. A concorrência tem aumentado: é um facto relativamente aos segmentos da habitação, da dívida pública, das grandes empresas e, já também, no âmbito do segmento das pequenas e médias empresas. Mas a concorrência vai intensificar-se e é por via desta e do aumento da transparência do mercado que, progressivamente, as pequenas e médias empresas também terão acesso a taxas de juro mais competitivas. Aliás, basta olhar para os números: por exemplo, a taxa da APB, a 180 dias, estava em 21 %, em 31 de Dezembro de 1992, hoje, está em 16,8 %; a taxa de OT, a 5 anos, estava em 13,1 % e, hoje, está em 8,8 %; a carteira comercial, que é, essencialmente, a modalidade de financiamento das pequenas e médias empresas, estava em 21 % e, hoje, está abaixo de 18 %. Portanto, estamos no bom caminho.
Acabei de referir apenas duas variáveis, mas há uma terceira: a da dinamização do mercado de capitais, a qual tem um duplo efeito. Por um lado, aumenta a pressão concorrencial sobre o sistema bancário, através do incremento da desintermediação financeira e, por outro, permitirá o acesso das empresas a capitais a custos mais moderados.
A quarta variável é a da redução progressiva do imposto de selo - já expliquei isto - e das reservas de caixa. Neste domínio, o Sr. Deputado manifesta um grande desconhecimento. É que a problemática das reservas de caixa é um problema de execução da política monetária que, estatutariamente, compete ao Banco Central. Respeita ou não a autonomia do Banco Central?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à matéria dos tomadores de dívida pública, devo dizer que as medidas de modernização do mercado da dívida pública em Portugal já começaram em 1993 e continuaram em 1994. Trata-se de medidas no sentido das reformas dos mercados financeiros mais maduros, tal como acontece em Espanha, em França e na Bélgica. Portanto, as medidas tomadas visam tornar competitivo o mercado da dívida pública. E não me venha com afirmações tais como li num jornal, em que o Sr. Deputado diz que o custo de financiamento das empresas é devido ao Tesouro se financiar a taxas de juro cada vez mais baixas. É verdade que, entre 1992 e 1994, poupámos cerca de 100 milhões de contos, o que quase chega para construir uma nova ponte sobre o Tejo, muitos hospitais e muitas, escolas.
Nessa crítica, que também tenho ouvido a alguns amigos nossos, parece estar implícito que se devia aumentar artificialmente as taxas de juro para o mercado da dívida pública. É evidente que essa ideia parte de uma visão proteccionista do mercado. Ora, estamos em integração financeira e se as taxas de juro fossem atractivas os chamados não-residentes acorreriam; pelo que as mesmas deixariam de ser atractivas. Portanto, as suas palavras encerram um pressuposto, uma visão demasiado estreita do funcionamento dos mercados.
Assim, com todo o respeito que tenho pelo Deputado Octávio Teixeira, amigo dos tempos de "Económicas", de longa data e permanente, devo dizer-lhe que fiquei muito desiludido com o seu pedido de esclarecimento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas peco-lhe que seja breve.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, é apenas para sublinhar que houve um conjunto de questões concretas que, pela primeira vez, foram colocadas para o Sr. Ministro responder neste debate - a questão Totta-Banesto, a da Companhia de Seguros O Trabalho e a dos discursos contraditórios do Sr. Ministro das Finanças e do Sr. Primeiro-Ministro e respectivas consequências sobre o mercado cambial e monetário -, as quais não foram respondidas.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças, também pretende usar a mesma figura regimental para dar resposta ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues?
O Sr. Ministro das Finanças: - Sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, ao afirmar que existe uma contradição entre o discurso do Sr. Primeiro-Ministro e o do Ministro das Finanças, está a tocar numa "tecla" não séria. Na verdade, o que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou à Reuter foi que se a taxa de inflação baixasse para 5 %, se houver sucesso na consolidação orçamental e se houver sucesso na moderação salarial, estariam criadas as condições fundamentais, sem prejuízo da estabilidade cambial, para uma redução das taxas de juro. Ora, qualquer pessoa séria, qualquer economista minimamente fundamentado subscreve esta opinião.
Quanto ao Ministro das Finanças, ao contrário, em linha com isto, nunca falou em baixa de taxas de juros mas sempre em reforço das condições para uma dês-
Página 2148
2148 I SÉRIE -NÚMERO 65
cida sustentada do custo do financiamento das empresas, o que faz parte do tal enquadramento macroeconómico favorável à competitividade. Mas isto não se consegue por via administrativa, consegue-se é actuando sobre aqueles quatro vectores que caracterizei, com impactos a curto prazo e a médio e longo prazo. A descida já aconteceu, ainda não é satisfatória no segmento das pequenas e médias empresas, mas estamos no bom caminho porque os fundamentais da economia estão no bom caminho.
Portanto, esses fundamentais - a consolidação orçamental, a moderação salarial, o aumento da competitividade e da produtividade, que, desde 1986, cresceu cerca de 20 pontos em relação à média comunitária, a aceleração das formas estruturais que actuam sobretudo do lado da oferta, aumentando a produtividade - constituem um quadro que é fundamental para a criação de condições para a descida sustentada das taxas de juro, sem prejuízo da estabilidade cambial. Não há aqui nenhuma contradição.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É o que se tem visto nas últimas semanas!
O Orador: - O Sr. Deputado está a confundir movimentos aleatórios com tendências estruturais!
Aplausos do PSD.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Esse era o discurso do Ministro Braga de Macedo antes da desvalorização!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvi o discurso de V. Ex.ª e penso que fez dois discursos. Fez um discurso de historiador político bastante irresponsável e fez um outro de incoerência, sem conhecimento real do que está a passar-se no País.
Deixe-me falar-lhe dois minutos sobre o seu discurso político, bastante irresponsável, embora saiba que vou falar-lhe de coisas que não têm muito sentido para o Sr. Ministro.
Quero recordar-lhe que estávamos numa ditadura e que transitámos para a democracia, que havia uma polícia que tinha mais de 4 milhões de fichas de cidadãos, que tivemos de integrar mais de 700 000 portugueses que vieram de África e 120 000 que estavam no exército, que tivemos de criar um Estado de direito, que tivemos de criar as instituições democráticas e ainda de fazer a integração para o Sr. Ministro poder estar aí, agora, com o futuro de Portugal delineado. Sei que não tem qualquer interesse falar sobre viver numa ditadura, criar instituições democráticas ou integrar 10 % da população, mas o Sr. Ministro vai ter de habituar-se, nesta Casa, quando analisar situações, pelo menos a analisar também situações reais. A não ser, Sr. Ministro, que não tivesse estado em Portugal quando tudo isto aconteceu!
O Sr. Ministro falou na retoma do sector agrícola. Ora, gostaria que me explicasse qual é a retoma de um sector cujos rendimentos baixaram 40 % nos últimos três anos, que deve 450 milhões de contos, dos quais 100 milhões em créditos mal parados, numa produção de 550 milhões de contos. Qual é a retoma de um sector em que a propriedade desvalorizou mais de 50 % nos últimos dois anos e que está numa total derrocada?
Sr. Ministro, por meio do seu orçamento, vai fazer esta linda "brincadeira": através do artigo 61.º do Orçamento do Estado, vai dar a uma empresa de celulose avales no valor de 40 milhões de contos, que são de todos nós, e negociou com a Comunidade uma pequena percentagem nacional de 80 milhões de contos para a floresta nacional, para um período de cinco anos.
Assim, Sr. Ministro, gostaria que me dissesse se a retoma é a dos dinheiros públicos para aguentar empresas que têm grandes ligações ao Governo ou se é para dinamizar a floresta. O Sr. Ministro vai explicar-me como é possível entregar 40 milhões de contos à PORTUCEL, enquanto concede 80 milhões, em cinco anos, para toda a floresta nacional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, contra algumas expectativas, de facto, porventura infundadas, entendeu vir fazer aqui a defesa da política do seu antecessor, com um vigor que já há muito tempo não se ouvia nesta Casa. Mas, sobretudo, foi contraditório com o que o Sr. Ministro dizia há uns tempos e com um relatório que terá feito e apresentado num dos primeiros Conselhos de Ministros em que participou, no qual criticou seriamente a política do seu antecessor, dizendo- segundo a imprensa, que não foi desmentida- que os números do Orçamento do Estado para 1994 só muito dificilmente seriam cumpridos.
Sr. Ministro, a minha pergunta é esta: o que é que mudou?
É verdade que isto lhe fica bem; seguramente, V. Ex.ª subiu alguns pontos na consideração do PSD! Porém, ao defender uma política que, hoje, é claramente indefensável - e há um consenso generalizado, mesmo no seio da sua bancada, de que essa política conduziu a sérios desaires na economia portuguesa-, certamente, desceu alguns pontos na sua coerência e credibilidade.
No entanto, Sr. Ministro, o que me deixou ainda mais perplexo- e era particularmente sobre isso que desejaria ser esclarecido- foi a contradição entre as expectativas optimistas para 1994, apresentadas pelo Sr. Ministro no seu discurso e baseadas em estatísticas que ninguém conhece a não ser o Sr. Ministro, e aquilo que são os últimos elementos oficiais.
De facto, tenho aqui a Síntese Mensal de Conjuntura, de Março de 1994, do Banco de Portugal, publicada na semana passada, onde se diz o seguinte: "No que respeita à procura interna, os dados do princípio do ano apontam para a continuação do abrandamento. (...) As informações do mercado de trabalho no primeiro trimestre de 1994 indicam um aumento do desemprego e uma quebra do emprego em todos os sectores de actividade". Refere-se aí também que se mantém a deterioração do investimento em construção e a queda da produção interna de bens de equipamento. A este propósito, refere-se: "Com efeito, o crescimento acumulado nos primeiros 11 meses de 1993 do índice de produção industrial de bens de equipamento permanece como a variação mais negativa de entre as dos vários tipos de bens da indústria transformadora(...)", dizendo-se, mais
Página 2149
29 DE ABRIL DE 1994 2149
à frente, que os indicadores disponíveis, quanto à indústria transformadora, até Fevereiro de 1994, "não evidenciam uma recuperação significativa da procura interna dirigida à indústria nacional de bens de investimento, nos primeiros meses de 1994." E continua, por aí fora, na análise dos vários indicadores da economia portuguesa. Sr. Ministro, a minha questão é esta: onde é que V. Ex.ª vai buscar os elementos de expectativa positiva para a economia portuguesa neste ano? É que eles são contraditórios com os mais recentes indicadores, agora tornados públicos pelo Banco de Portugal!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, começo por dizer-lhe que não aceito lições de democracia.
Depois, quero fazer-lhe notar que o Sr. Deputado - talvez, por, tanto quanto sei, V. Ex.ª ter uma formação agrícola e não financeira-, confundiu avales com apoios financeiros e, a partir dessa confusão, tirou conclusões completamente erradas.
Protestos do Deputado do PS António Campos.
O Sr. Deputado, repito, tirou conclusões completamente erradas, porque confundiu um aval a uma empresa pública com apoios financeiros, ou seja, com saída de dinheiro para apoiar determinada actividade ou subactividade do sector primário.
O Sr. António Campos (PS): - E as dívidas do passado?!
Em relação à agricultura portuguesa, aconselho o Sr. Deputado António Campos, que faz uma análise das dificuldades conjunturais, também por nós conhecidas, da queda dos rendimentos reais dos agricultores, fruto de problemas de natureza estrutural mas também consequência de uma seca e do endividamento - há que dizê-lo -, aconselho-o, repito, a ler no Portugal Agrícola, o suplemento, que saiu recentemente, do INE, onde se verifica que o VAB agrícola, entre 1985 e 1992, cresceu, a preços constantes, a uma taxa anual de 3,1 %, que a produtividade física e a produtividade do sector agrícola estão a aumentar e que estão a ocorrer transformações estruturais. Há, com certeza, problemas conjunturais, mas os investimentos no II Quadro Comunitário de Apoio aumentam em mais de 100 % em relação ao I Quadro Comunitário de Apoio.
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - E os rendimentos?!
O Orador: - Os rendimentos estão a cair! Caíram em 1992 e em 1993!
O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Ah!
O Orador: - Mas não esqueçamos que, para além de factores de ordem estrutural, como a harmonização de preços- e as ajudas comunitárias não foram suficientes para compensar essa harmonização de preços -, houve duas secas consecutivas! Esperemos que o ano de 1994 seja diferente. Aliás, a minha fonte estatística,
o INE, diz que, para 1994, as produções agrícolas serão, a não ocorrer qualquer acidente natural, significativamente superiores. Portanto, não sejamos profetas da desgraça!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não se meta em caminhos que não conhece!
O Orador: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, quanto aos seus comentários sobre eventuais afirmações minhas feitas numa reunião do Conselho de Ministros, espanta-me que se tenha conhecimento dos assuntos tratados em Conselhos de Ministros e que, a partir daí, se façam especulações jornalísticas - não sei se elas provirão de alguns microfones de escuta avariados...?!
Na realidade, o que o Ministro das Finanças referiu nessa reunião do Conselho de Ministros- e isso não é segredo! - foi que, apesar de o orçamento da receita e o orçamento da despesa serem orçamentos rigorosos, objectivos agressivos e difíceis de atingir, estávamos a desenvolver acções para que o saldo orçamental previsto fosse alcançado. Foi isto o que efectivamente referi nesse Conselho de Ministros, chamando a atenção de todos os ministros para a necessidade do controlo das despesas correntes, de modo a libertar fundos para as áreas estratégicas do investimento em Infra-Estruturas, educação, saúde, etc.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto às minhas perspectivas optimistas para 1994, elas justificam-se pela leitura, que fiz, das estatísticas do Banco de Portugal, de Março, das estatísticas do INE, de Março, e do Inquérito de Conjuntura da Construção Civil, também de Março.
Relativamente a esse relatório do Banco de Portugal, ele ainda incorpora as indicações estatísticas até ao mês de Fevereiro. Ora, é evidente que os sinais de retoma estão a acentuar-se de mês para mês.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O problema é Abril!
O Orador: - Srs. Deputados, penso que esclareci todas estas questões.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O balanço da economia portuguesa, em 1993, está feito. O de pro-fundis já foi cantado e o respectivo ministro demitido.
Poderíamos ficar por aqui. Mas, como recordava em recente entrevista o Dr. Tavares Moreira, se mudou o discurso não mudou a política. Importa, então, ir um pouco mais longe, recordando as políticas erradas, que conduziram a situação económica e social portuguesa à maior crise desde há muitos anos e que, mantendo-se no essencial inalteradas, não abrem perspectivas de resolver, de forma duradoura, os problemas com que o País se defronta.
É verdade que cada pessoa tem uma personalidade e imprime às funções que exerce um protagonismo e um estilo próprios.
Nesse sentido, o anterior ministro das Finanças tem muitos pecados para expiar. O seu desconhecimento da
Página 2150
2150 I SÉRIE -NÚMERO 65
economia real, o seu menosprezo e insensibilidade pelas questões sociais, a sua auto-suficiência e a sua incapacidade para dialogar e ouvir as opiniões dos outros - dos Deputados aos restantes membros da equipa ministerial, passando pelas organizações sindicais e patronais - contribuíram, evidentemente, para o seu isolamento e para agravar os efeitos nefastos de uma política definida por e da responsabilidade do Primeiro-Ministro e de todo o Governo PSD.
De menino prodígio do cavaquismo passou rapidamente a ministro mal-amado.
O seu pecado foi, sobretudo, o de não ter sabido poupar a imagem de Cavaco Silva e do PSD.
Mas convenhamos que quem deve ser julgado pelas políticas económicas do Governo não deve ser somente o seu executor mas também, e principalmente, o mandante.
Foi Cavaco Silva o primeiro responsável pela adesão precipitada do escudo ao Sistema Monetário Europeu.
Foi o Primeiro-Ministro o primeiro responsável pela política do escudo caro e das taxas de juro elevadas, que sacrificaram uma parte considerável das empresas portuguesas ao objectivo de baixar a taxa de inflação à custa da economia real.
Foi também o Primeiro-Ministro o primeiro responsável pela aceitação das políticas inseridas no Tratado de Maastricht, que, como sempre dissemos e vemos outros hoje também dizerem, são bloqueadoras e incompatíveis com taxas de crescimento e políticas sociais que façam aproximar o País dos níveis europeus.
Foi o Governo que aprovou uma reestruturação da Administração Pública, que se traduziu no colapso da máquina fiscal, contribuindo decisivamente para o buraco orçamental de 1993.
Foi ainda o Governo que permitiu o arrastamento das dívidas ao fisco e à Segurança Social, que atingem, hoje, mais de 900 milhões de contos;
Foi o Governo que defendeu e realizou uma política de privatizações, que tem vindo a conduzir ao desmantelamento do aparelho produtivo em muitos sectores da economia.
Foi o Governo e o Ministério da Agricultura que aceleraram a aprovação de uma reforma da PAC e que aceitaram a antecipação do fim do período de transição, contrários ao interesse nacional.
Foi ainda o Governo e o Ministério da Agricultura que puseram em marcha uma política agrícola, que conduziu a agricultura e os agricultores portugueses à maior crise de que há memória - 38 % foi a queda real dos rendimentos dos agricultores, já incluídos os subsídios, desde a integração europeia.
Foram e são as orientações do Primeiro-Ministro que são responsáveis pela subida em flecha do desemprego, traduzido, hoje, em mais de 400 000 desempregados inscritos nos centros de emprego ou, para usarmos as estatísticas que o PSD prefere - pelo menos, enquanto forem menores -, as do INE, no aumento do desemprego em 35,3 % entre o primeiro trimestre de 1994 e o primeiro trimestre de 1993.
Foi e é o Governo o responsável por uma política de congelamento salarial, designadamente na função pública, que fez e vai fazer com que os trabalhadores portugueses tenham a maior queda do seu poder de compra dos últimos anos.
Por isso, Sr. Deputado Braga de Macedo, pode dormir descansado. Quando lhe pedirem contas, pode oferecer ao processo o merecimento dos autos, onde o Primeiro-Ministro tem seguramente responsabilidades agravadas.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Os resultados estão à vista! Apesar das projecções irrealisticamente optimistas do Governo, o PIB, em 1993, caiu seguramente cerca de 2%; o produto industrial e o produto agrícola caíram pelo segundo e terceiro anos consecutivos, respectivamente; o défice disparou; as falências e o crédito malparado aumentaram; o desemprego continuou a crescer e alargaram-se as bolsas de pobreza, de exclusão social e de fome.
Entretanto, mudou o ministro. Mais afável (e disso dou o meu testemunho pessoal), mais conhecedor da vida das empresas, dizem alguns, menos fundamenta-lista em relação a Maastricht, dizem outros.
Só que não basta apostar-se na teoria dos efeitos psicológicos em economia. São precisas políticas globais, radicalmente diferentes, e essas não existem, porque, como teve o cuidado de recordar o Primeiro-Ministro, a política é só uma e o responsável é o mesmo: Cavaco Silva.
Portanto, não se vislumbram significativas melhorias em 1994.
Como disse em recente entrevista o actual Ministro das Finanças, no plano social, "a tendência será para o agravamento da taxa de desemprego".
Que recuperação económica é esta que continua a fazer pagar aos trabalhadores o preço dessa recuperação?!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E a Síntese Mensal da Conjuntura do Banco de Portugal, que há pouco citei, relativa ao primeiro trimestre deste ano, vem confirmar o que por todos era pressentido- e desmente as estatísticas avançadas aqui pelo Sr. Ministro -, ou seja, que se continuam a agravar todos os indicadores relevantes para a economia nacional: continuação do abrandamento da procura interna; quebra de emprego em todos os sectores de actividade; diminuição do ritmo das actualizações salariais; deterioração do investimento em construção; variação negativa do índice de produção industrial de bens e equipamentos e da indústria transformadora no seu conjunto; estagnação das exportações; etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos alertado sistematicamente para os erros estratégicos da política económica do Governo.
Mas, ainda há pouco, foi um destacado membro do PSD e ex-Ministro das Finanças, João Salgueiro, que veio dizer que, nos próximos cinco anos, "Portugal vai pagar caro o preço de possuir um modelo económico que se revela decadente e incapaz de concorrer no mercado externo" em resultado de sucessivos erros estratégicos.
A crise só não é mais profunda porque os fundos comunitários têm servido de almofada e disfarçam - mas não por mais tempo- a gritante política de vistas curtas, de navegação à linha da costa, ziguezagueante, que o PSD e o Governo têm seguido.
Claro que o Governo arranja bodes expiatórios e destinatários a quem faz pagar a factura dos seus erros.
O bode expiatório é a crise internacional e os trabalhadores são aqueles a quem o Governo faz pagar a crise.
Página 2151
29 DE ABRIL DE 1994 2151
Só que os problemas que o País atravessa começaram antes da actual crise internacional e são fruto, no fundamental, das políticas nacionais.
Só que os trabalhadores não querem nem podem ser mais sacrificados no altar dos sacrossantos interesses da remuneração do capital.
Por maior que seja a manipulação das taxas e dados estatísticos e o empenhamento tecnocrático na interpretação dos abstratos sinais da desejada retoma da economia, os senhores não podem esconder a realidade: o País está em crise, o vosso modelo económico esgotou-se, o desemprego, a pobreza e a exclusão social alastram a sua mancha, as perspectivas não são optimistas.
Por isso, Sr. Ministro Eduardo Catroga, vá-se preparando: lá para meados de 1995 (e talvez já no próximo orçamento), quando as eleições legislativas estiverem à porta, o Sr. Primeiro-Ministro há-de decidir que é a altura de fazer mais uma inflexão na sua política, alterando a política de rendimentos e permitindo alguns, embora insuficientes, ajustamentos no poder de compra dos portugueses para lhes comprar o voto. E lá se vai a sua política de rigor!
Mas os portugueses nem sempre têm a memória curta e, por isso, seguramente se lembrarão das políticas de ciclo e de contraciclo, que têm conduzido, por um lado, a economia a sucessivos momentos de crise e, por outro, os portugueses a sucessivas perdas de emprego e de poder de compra.
Por isso, seguramente que, por detrás da afabilidade do novo Ministro, vislumbrarão a necessidade de mudar de política, de Primeiro-Ministro e de Governo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vieira de Castro inscreveu-se para pedir esclarecimentos. O Sr. Deputado Lino de Carvalho não dispõe de tempo para responder, mas o PSD cede-lhe um minuto para o efeito.
Tem a palavra, Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, consideramos que é bem mais importante o esclarecimento que o Sr. Deputado Lino de Carvalho não deixará de me prestar do que o minuto que lhe vamos ceder para que o faça.
Começo por enaltecer o estoicismo do Sr. Deputado Lino de Carvalho. Imagine-se um Deputado comunista a participar numa interpelação sobre política económica de um país que tem um sistema de economia de mercado, ou seja, um sistema que é mal-amado, para não dizer odiado, pelos comunistas!
Ainda assim, gostaria que o Sr. Deputado Lino de Carvalho nos tivesse revelado aqui a política económica alternativa do PCP. Sabemos qual é ela, não a queremos, o País não a quer, ela foi rejeitada- imagine-se! - mesmo pelo berço onde nasceu, mas em todo o caso, devo confessar-lhes, Srs. Deputados do Partido Comunista, que tenho algumas saudades e gosto, de vez em quando, de vos ouvir falar sobre as conquistas de Abril.
Vá lá que esta semana, por interposta pessoa- um cidadão russo-, vim a saber o quanto VV. Ex.ªs prezavam (e espero que ainda prezem) essas duas "jóias" de Abril: as nacionalizações e a reforma agrária! Vi o TV2 Jornal, em que era entrevistado um ex-alto responsável do Partido Comunista da União Soviética, o Sr. Vadim Zagladiv, que, perante as câmaras da TV2, afirmou que, em 1975, o PCP havia feito um veemente apelo ao Partido Comunista da União Soviética para que enviasse para o porto de Lisboa uma flotilha de navios de guerra da armada soviética para ajudar à consolidação das nacionalizações e da reforma agrária.
Risos do PSD.
O Sr. Vadim Zagladiv vem a Lisboa e explica, afinal, uma coisa simples: "Bem vêem! O vosso pedido é despropositado, porque Portugal é um país da NATO e, certamente, que ela responderia aos navios soviéticos".
Posto isto, Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria que me respondesse, muito concretamente, a três questões. Avistou-se V. Ex.ª com o Vadim Zagladiv em 1975? 19 anos volvidos, V. Ex.ª acha que foi pertinente esse pedido formulado pelo PCP ao Partido Comunista da União Soviética? V. Ex.ª alimenta ainda a esperança de que a Esquadra do Mar Negro rume ao porto de Lisboa?
Aplausos do PSD.
O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Dedique-se às telenovelas, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, pretendo simplesmente fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, estamos neste debate, aliás, como nos outros em que temos participado, para intervir sobre os problemas sérios da economia e da sociedade portuguesa, portanto não damos respostas a estilos caceteiros,...
Risos do PCP.
... incompatíveis com a dignidade e a seriedade que um debate destes deve exigir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - O que lhe faltou foi a Esquadra do Mar Negro!
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Se o Sr. Presidente me permite, queria apenas desfazer aqui um equívoco. Reproduzi, ipsis verbis, aquilo que disse o Sr. Vadim Zagladiv.
Vozes do PSD:- Muito bem!
Vozes do PCP: - É mentira, é mentira!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
Página 2152
2152 I SÉRIE -NÚMERO 65
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado Octávio Teixeira?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, há pouco, tinha pedido a palavra para defesa da consideração da minha bancada, mas, neste momento, porque sei qual é o critério que V. Ex.ª utiliza e que está estabelecido, que remete para o fim do debate em curso a utilização desta figura regimental, permitia-me solicitar ao Sr. Presidente que me desse a palavra sob a figura da interpelação à Mesa e prometo que não demorarei mais de 30 segundos -, porque aquilo que quero dizer interessa que seja dito de imediato.
O Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que aquilo que o Sr. Deputado Vieira de Castro acabou de dizer sobre afirmações que teriam sido feitas pelo Sr. Vadim Zagladiv é totalmente falso. É mentira o que o Sr. Deputado disse, porque li essas declarações num jornal e, quando ele se refere a essa eventual conversa, fala num militar e não no Partido Comunista Português.
Você mentiu objectivamente e porque quis! Você é um mentiroso!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. João Amaral (PCP): - Mentiroso é o mínimo!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, compreendo que o Partido Comunista não goste de ouvir estas coisas, mas tem de habituar-se a ouvir tudo, porque, felizmente, no Leste, já há liberdade de expressão.
O Sr. João Amaral (PCP): - Se pusesse umas orelhas grandes, parecia um palhaço!
O Orador: - Repito: reproduzi aqui, ipsis verbis, o que ouvi com os meus ouvidos no 7V2 Jornal, na segunda-feira passada.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Você é um mentiroso! Sempre o foi toda a vida e continua a sê-lo!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Falcão e Cunha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate de hoje, nesta Câmara, é, em larga medida, um equívoco, mais um dos que o Partido Socialista gosta de protagonizar e que, de vez em quando, agitam a cena política portuguesa.
Ainda que seja por demais evidente que a Europa e o mundo viveram, e vivem ainda, a maior crise económica do pós-guerra, à qual Portugal também não foi alheio, crise que só agora apresenta sinais de estar a chegar ao fim;
Ainda que seja por demais evidente que a consequência mais visível dessa crise é um generalizado aumento das taxas de desemprego, que em países como a França e a Espanha, curiosamente dirigidos durante muitos anos por governos socialistas, é ainda mais flagrante;
Ainda que seja por demais evidente que em todas as instituições internacionais, desde o Conselho de Ministros à Comissão da União Europeia, passando pelos organismos especializados da OCDE e da OIT, se procurem novos caminhos que permitam aos países crescer, aumentar a sua competitividade e combater, assim, o desemprego;
inda que seja por demais evidente que há hoje um grande consenso sobre as formas mais adequadas de sair da crise, as quais passam pela adopção e implementação, tão simultânea quanto possível, das medidas preconizadas no Livro Branco, apresentado pelo Sr. Jacques Delors, a que, com razão, foi dado o título de Crescimento, Competitividade e Emprego;
Ainda que seja por demais evidente que a União Europeia considera como adquirido (e vem expresso no Livro Verde sobre Política Social Europeia) que "o êxito é impossível sem uma economia europeia competitiva e integrada, que tire pleno partido das novas tecnologias e dos métodos modernos de produção e organização", acrescentando ainda que "para tal é necessário aumentar os investimentos em infra-estruturas, investigação e desenvolvimento de recursos humanos";
Ainda que seja por demais evidente que, em todos os países, a tónica vem sendo posta na necessidade de um crescimento económico mais acentuado, como factor chave para estimular o emprego e reduzir o desemprego, como expressamente o reconheceu o Comité Económico e Social da Comunidade Europeia, que identificou as grandes questões do nosso tempo: o desemprego, a crescente perda de competitividade das economias da União Europeia, a emergência de novas economias no mundo fortemente concorrenciais, o crescimento económico com destruição de emprego por inovações tecnológicas, os fenómenos de deslocalização empresarial e a deterioração política, económica e social na Europa do Leste;
Ainda que seja por demais evidente que só num clima de paz social é possível combater efectivamente o desemprego, sendo, por isso, necessário pôr de lado os interesses da pequena política e deixar de criar, artificialmente, factos políticos;
Aplausos do PSD.
Pese, embora, todas estas evidências, o Partido Socialista, que ainda as não entendeu,...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isto não é um governo, é oposição à oposição!
O Orador: - ... persiste em fazer um debate político para consumo interno, onde, à apresentação de alternativas, que, de resto, não tem, prefere a crítica fácil e demagógica e ao reconhecimento das verdadeiras causas da situação e à apresentação de soluções alternativas viáveis, como lhe competiria fazer, prefere a afirmação para a galeria, a frase fácil que, segundo julga, poderá fazer manchete e render-lhe votos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Que política económica defende, afinal, o Partido Socialista? Que política social defende, afinal, o Partido Socialista?
Página 2153
29 DE ABRIL DE 1994 2153
O Sr. Silva Marques (PSD): - É difícil a resposta!
O Orador:- O Partido Socialista não tem respostas, porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, além de não ter compreendido as evidências que marcaram a economia da Europa e as suas consequências sociais, também ainda não entendeu que políticas sociais avançadas, sem uma base económica sólida e auto-sustentada, são uma utopia.
Aplausos do PSD.
E, porque nada disto foi entendido pelo Partido Socialista, não foi possível que, em finais do ano passado, fosse assinado o Acordo Económico e Social, que, certamente, teria permitido encarar com melhores perspectivas as dificuldades que se têm feito sentir. E será bom lembrar que, se esse Acordo não foi assinado, isso deve-se, fundamentalmente, a razões de "pequena política", de que o Partido Socialista não está inocente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isto não é um governo, é uma oposição!
O Orador: - Este posicionamento do Partido Socialista corresponde, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao de um partido que não tem responsabilidades de governo. Mais: corresponde, sobretudo, ao posicionamento de um partido que sabe que tão cedo não terá responsabilidades de governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Governo há muito que compreendeu estas evidências, há muito que estabeleceu o diagnóstico concreto e há muito que vem aplicando a terapêutica adequada e possível, com rigor, com determinação e sem utopia, na plena convicção de que uma política económica sem preocupações profundas no plano social é uma imoralidade.
Protestos do PS.
O Sr. José Sócrates (PS): - Este é o cavaquismo primário!
O Orador: - Sr. Presidente, ouvi, democraticamente, as intervenções do Partido Socialista, pelo que pedia que, democraticamente, me deixassem terminar o que tenho para dizer!
O Sr. João Amaral (PCP): - Só que a palhaçada de há bocado estragou o ambiente!
O Orador: - O Governo considerou sempre - e continua a considerar- que crescimento e bem-estar social são as duas faces da mesma moeda e que é possível a conversão do crescimento económico em novos e mais qualificados postos de trabalho.
E esta afirmação não é uma figura de retórica; desde 1985 que, às taxas de crescimento do produto interno bruto relativamente elevadas, corresponderam sempre taxas de desemprego relativamente baixas, contrariamente ao que acontecia antes de 1985, quando o PS foi 'Governo, em que o PIB decrescia e a taxa de desemprego aumentava, tendo atingido valores incomparavelmente superiores aos actuais. Lembram-se, Srs. Deputados do PS?
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que concerne aos aspectos sociais, tenho-me referido, de uma forma especial, ao desemprego. Fi-lo propositadamente porque considero ser esta a componente mais preocupante da situação actual e aquela cujas consequências mais rápida e vigorosamente terão de ser combatidas. É de 6,8 % a taxa de desemprego em Portugal, reportada ao primeiro trimestre de 1994, bem mais baixa do que a que se verifica na maior parte dos países que, connosco, integram a União Europeia. Mas não é por ser mais baixa que deixa de nos preocupar.
Estamos certos que o crescimento da economia irá gerar os postos de trabalho que se tornam necessários, mas também sabemos que existe desfasamento entre a retoma da economia e a consequente descida das taxas de desemprego, por isso não deixámos de tomar as medidas que socialmente se impunham.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não se nota nada!
O Orador: - Desde logo, através de um conjunto de políticas activas de emprego, que, aliás, foram oportunamente discutidas em sede de concertação social e que começam já a dar alguns frutos.
Deste conjunto de medidas destacaria: um maior envolvimento da sociedade civil na resolução de situações de desemprego; o desenvolvimento integrado e complementar de intervenções, quer na prevenção, quer no combate ao desemprego;...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Boa piada!
O Orador: - ... prioridade às acções de formação qualificantes e polivalentes, como instrumento de uma mais fácil adequação dos recursos humanos aos postos de trabalho existentes ou potenciais; desenvolvimento de medidas activas de colocação através dos serviços de emprego ou de apoios à criação de postos de trabalho em empresas ou pelos próprios, individualmente ou em grupo; reforço dos meios de acompanhamento e avaliação das medidas em curso, através de estruturas tripartidas, nomeadamente do observatório do emprego e da formação profissional.
As medidas que estão em curso abrangeram já, até ao fim do primeiro semestre de 1994, considerando, também, intervenções de colocação, informação e orientação profissional, um universo de cerca de 70 000 pessoas, das quais mais de 17 000 jovens, cerca de 5 000 em programas operacionais, mais de 11 000 em formação e em programas de formação em emprego, 7 000 colocadas por intervenção directa dos serviços de emprego e, ainda, cerca de 23 000 apoiadas por acções de informação e orientação profissional.
É também de assinalar que, no primeiro semestre de 1993, estavam já constituídas 54 unidades de inserção na vida activa, que apoiarão os formandos na sua inserção na vida profissional, e que a sociedade civil, assumindo o desafio de cooperação e solidariedade que lhe foi lançado, concretizou já 81 clubes de emprego, cuja acção de apoio aos desempregados de longa du-
Página 2154
2154 I SÉRIE -NÚMERO 65
ração se afirma de particular relevância- para o ano de 1994 e no âmbito dessas medidas e de outras acções em curso, está previsto abranger cerca de 200 000 pessoas.
Por outro lado e porque verificamos que a formação profissional é decisiva para a modernização do tecido produtivo nacional e para a criação de um maior número de postos de trabalho mais qualificados, considerámos, no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio, as seguintes linhas de estratégia: concertação de todas as fases da política de valorização dos recursos humanos; maior envolvimento das pequenas e médias empresas; desenvolvimento acrescido da formação de formadores e outros agentes ligados à promoção da formação e do emprego; descentralização da estrutura de gestão do Fundo Social Europeu; reforço dos processos de acompanhamento e respectiva avaliação numa linha de maior adequação, rigor e transparência; e publicitação de todas as acções de formação a desenvolver no âmbito dos programas-quadro.
Com base nestas linhas de estratégia, desenvolver-se-ão, fundamentalmente, quatro grandes áreas de actuação: qualificação inicial e inserção no mercado de emprego; melhoria do nível e da qualidade do emprego; integração económica e social dos grupos mais desfavorecidos; apoio à formação e gestão de recursos humanos. Em termos de pessoas a abarcar durante o Quadro Comunitário de Apoio de 1994/99 e só no que respeita aos programas geridos pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social, este número elevar-se-á a cerca de l milhão de pessoas.
No acompanhamento do mercado de trabalho a que o Ministério regularmente procede, constatámos já, no fim do primeiro trimestre de 1994, alguma melhoria, na perspectiva das empresas, no que respeita à previsão de emprego dos próximos 6 meses - o saldo das empresas que prevêem aumento de emprego sobre as que prevêem a sua diminuição passou a ser positivo.
E, já agora, permitam-me que lhes refira, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as negociações colectivas concluídas no primeiro trimestre de 1994 se referem a cerca de meio milhão de trabalhadores, o que se compara com cerca de 100000 em igual período de 1993- isto para que conste junto dos que muito se satisfariam se a chamada "conflitualidade social" se tivesse agravado!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A justiça e a solidariedade sociais são valores de que não abdicamos. E são valores cuja presença e cuja prática se torna mais necessária em situações de dificuldade. Não bastará o pagamento de um subsídio de desemprego ou de uma pensão social; é necessário um maior envolvimento da sociedade civil na construção de uma verdadeira sociedade solidária, desde logo, pela solidariedade dos que têm trabalho para os que o não têm. Este é um dos elementos fundamentais da sociedade que queremos construir e da qual ninguém será excluído.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O Sr. Ministro anda distraído.
O Orador: - No princípio deste mês, no Ministério do Emprego e da Segurança Social, foi assinado um acordo com as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), que abrange um financiamento de quase 50 milhões de contos, aplicado essencialmente no apoio à infância, à terceira idade, aos mais vulneráveis e aos que sofrem de qualquer forma de exclusão social.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E, na passada semana, tive o gosto de homologar um novo acordo de cooperação, que abrangerá, entre outros aspectos, a concepção e desenvolvimento de iniciativas no domínio da inserção profissional dos mais desfavorecidos e na formação de recursos humanos nas áreas da acção social. São formas de demonstrar quanto é importante para nós a solidariedade com os mais desfavorecidos, os mais carentes e os mais desprotegidos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - São formas de demonstrar que estamos cientes dos problemas sociais, do nosso interesse e da nossa determinação em os resolver.
Devo salientar, a este propósito, que o valor de cerca de 50 milhões de contos que atrás referi se reporta, apenas, ao ano de 1994 e representa um aumento de cerca de 7 % relativamente aos encargos globais assumidos pelo Estado nos acordos do ano transacto. Evidenciarei, ainda, que existem actualmente cerca de 7 000 acordos de cooperação, que abrangem 2 500 instituições, sendo que estas instituições prestam um serviço social que beneficia cerca de 280000 cidadãos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem! A oposição que tome nota!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos que a situação actual é difícil, mas estamos certos de que a ^orientação que vimos seguindo é a que mais rapidamente conduzirá à ultrapassagem das dificuldades. É uma orientação que prosseguiremos com rigor e com determinação, porque sabemos que dela dependerá o futuro dos portugueses, que, antes de mais, queremos servir.
O PS continuará a fazer previsões negativas e inadequadas. Virá, em breve, a ter de explicar, porque não se verificaram as suas previsões. É a sua forma habitual de estar na política. Não é a nossa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, decididamente, a modéstia não é a sua melhor qualidade! Os meses em que ocupou o Ministério do Emprego e da Segurança Social, já de si cinzento e excessivamente discreto na política portuguesa, transformaram-se numa completa sombra da ausência de silêncio.
O Sr. Ministro quebrou-o, há dias, para apresentar aos portugueses um cenário substancialmente diferente daquele que trouxe aqui. Ouvi-o dizer, até pela rádio, que a crise era severa, que o desemprego podia aumentar e que confiava nos fundos estruturais, nomeadamente no papel do Fundo de Desemprego e da Formação Profissional para ajudar a resolver esse problema.
Página 2155
29 DE ABRIL DE 1994 2155
Gostaria que o Sr. Ministro nos comentasse aqui qual foi a eficácia da experiência que o seu Ministério teve relativamente aos 600 milhões de contos, que, ao longo destes anos, gastou em formação profissional e qual foi a mudança significativa na modernização e na flexibilidade do emprego em Portugal, sobretudo se tivermos em linha de conta que o sistema público de colocação recebe uma oferta de trabalho para cada 80 desempregados e que a remuneração de 83 % dessas ofertas de trabalho se situa abaixo do subsídio de desemprego.
Para resolver o problema social de que tanto falou - tive até alguma dificuldade em ouvi-lo e em entendê-lo -, o Sr. Ministro, ou mais propriamente a Secretaria de Estado da Segurança Social, como já aqui foi dito, resolveu reduzir o subsídio de desemprego, cuja taxa de cobertura não chega aos 30 %, o que quer dizer que só metade dos desempregados a recebem. Mesmo assim, o sistema de cálculo foi reduzir substancialmente essa taxa de cobertura, o que não se compagina, de facto, com o seu discurso, que só não foi arrogante porque o Sr. Ministro o fez em tom excessivamente discreto e receoso, exactamente como tem sido o exercício do seu Ministério.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, agradeço muito a sua pergunta e não quero registar as suas contradições porque, primeiro, disse que eu era excessivamente modesto e, depois, pareceu-me ter dito que eu era excessivamente vaidoso. Mas, enfim, as contradições ficam!...
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Eu disse que a modéstia não é uma qualidade sua!
O Orador:- Sr.ª Deputada, peço que não me interrompa, pois também não a interrompi.
Disse-me, primeiro, que eu era excessivamente vaidoso e, depois, chamou-me excessivamente modesto. Mas depois poderá esclarecer isso melhor!
Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que não há qualquer contradição naquilo que eu disse numa entrevista, que, hoje mesmo, vem publicada numa determinada revista, ou seja, que entendo que o desemprego pode aumentar até ao fim do ano e que, provavelmente, irá aumentar.
E eu não disse aqui, Sr.ª Deputada, que o desemprego tinha terminado. Falei no desfasamento entre a retoma da economia e a retoma do emprego e disse, muito claramente, que não conheço melhor maneira de combater o desemprego do que a retoma da economia. Ou seja, não conheço melhor maneira de combater o desemprego do que a criação de postos de trabalho. E os postos de trabalho criam-se, renovando e robustecendo as empresas ou criando novas empresas, o que só é possível num processo de retoma da economia.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Exactamente.
O Orador:- Foi exactamente isto que eu disse.
Quanto à experiência da formação profissional no I Quadro Comunitário de Apoio, ninguém melhor do que a Sr.ª Deputada pode responder a essa questão. Uma das instituições que mais formação profissional fez foi, exactamente, a central sindical de que a Sr.ª Deputada Elisa Damião é uma ilustre dirigente. Portanto, parece-me que, com certeza, poderá responder a essa questão muito melhor do que eu.
Mas, respondendo à sua pergunta, devo dizer-lhe que tenho uma leitura moderadamente positiva das acções de formação profissional no I Quadro Comunitário de Apoio. A Sr.ª Deputada terá, com certeza, uma noção francamente mais sólida do que a minha, em primeiro lugar, porque trata dessas matérias há bastante mais tempo do que eu e, em segundo lugar, porque preside ou pertence aos corpos directivos de uma das centrais sindicais que mais formação profissional fez no I Quadro Comunitário de Apoio.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - O que quer dizer que o
Governo se demitiu!
O Orador:- Quanto aos números de desempregados e de subsidiados, pareceu-me ter havido uma contradição da sua parte. A Sr.ª Deputada referiu que a percentagem dos desempregados que recebiam subsídio era menor do que 30 % e, depois, falou em 50 %.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Eu referi a taxa de cobertura, Sr. Ministro.
O Orador: - Dir-lhe-ei que, em números redondos, são exactamente dois terços do total de desempregados aqueles que recebem subsídio de desemprego.
O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Isso é falso! Não é verdade!
O Orador: - Estes números são reconhecidos.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Leia as publicações do seu Ministério!
O Orador: - Sr.ª Deputada, o Ministério paga subsídios de desemprego a cerca de 200 000 pessoas.
A Sr. António Guterres (PS): - No centro de emprego do seu Ministério o número é de 4 000!
O Orador: - O Sr. Deputado António Guterres ainda não percebeu, como não percebeu muitas outras coisas, e eu explicar-lhe-ei, se quiser, qual é a diferença entre as inscrições nos centros de emprego e os desempregados que estão...
Protestos do PS.
O Sr. António Guterres (PS): - Estude os critérios, pois se o fizesse não dizia isso! É uma questão de ignorância!
O Orador: - Eu explicarei, quando V. Ex.ª quiser, Sr. Deputado António Guterres, qual é a diferença...
O Sr. António Guterres (PS): - Diga, primeiro, quais são os critérios!
O Orador: - Os critérios do Instituto Nacional de Estatística são os critérios que estão aprovados internacionalmente e são os que valem, Sr. Deputado.
Página 2156
2156 I SÉRIE -NÚMERO 65
O Sr. António Guterres (PS): - Diga quais são! Se calhar, não sabe!
O Orador: - Sei, com certeza. E, se o Sr. Deputado quiser, no fim desta sessão...
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o orador tem direito a não ser interrompido. O Sr. Ministro está no uso da palavra e os Srs. Deputados têm o dever de o deixar usar da palavra.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. António Guterres (PS): - O Sr. Ministro ainda não disse quais são os critérios!
O Orador: - Sr. Deputado, eu explico-lhe a diferença, mas não o deixo interromper-me! Se me faz uma pergunta e não me deixa falar, como é que posso esclarecê-lo!
O Sr. Deputado sabe bem qual é a diferença entre um critério e o outro. Nos centros de emprego estão contabilizadas todas as pessoas que se inscrevem nesses mesmos centros de emprego à procura de emprego. Se alguém se inscreve num centro emprego e, no dia seguinte, arranja um emprego ou cria o seu próprio emprego e não dá baixa, esse número está falseado. O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que os critérios do Instituto Nacional de Estatística são os critérios internacionalmente válidos - são os que valem em todos os países da Europa. Só assim podemos comparar as nossas taxas de desemprego com as taxas de desemprego dos outros países da União Europeia! É só isso!
Aplausos do PSD.
O Sr. António Guterres (PS): - Só que não disse quais são os critérios!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.
O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, a sua intervenção despertou em nós grande curiosidade, pois pensávamos que V. Ex.ª nos traria aqui o anúncio de determinadas medidas que visassem diminuir o desemprego e criar novos postos de trabalho, que fossem anunciadas medidas que viabilizassem milhares de empresas em situação económica difícil e fosse atacada a miséria social dos trabalhadores. Enfim, que anunciasse aqui medidas que fossem ao encontro das necessidades da classe operária.
Só que, em vez disso, o Sr. Ministro fez um discurso gasto e ultrapassado, criticando o PS como partido da oposição e fazendo parecer que somos nós que temos a responsabilidade do Governo. Traçou aqui um quadro da Europa, do que a Europa tem de pior, para criticar o PS, quando essa, de facto, é uma cassette já gasta e ultrapassada.
Mas, Sr. Ministro, queria colocá-lo perante a situação clara e concreta que foi a sua declaração a um jornal regional, dizendo que em Viseu não havia desemprego. Desafio-o a responsabilizar-se por essas afirmações, confirmando-as ou não, porque elas feriram a sensibilidade de milhares de desempregados daquele distrito.
Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Não sabem ler!
O Sr. Presidente: - Para responder, com tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Eduardo Reis, o que disse no meu discurso, que o Sr. Deputado considerou um discurso gasto, é aquilo que os governantes de países da Europa, nomeadamente os seus camaradas de alguns governos socialistas da Europa, pensam e dizem. Não afirmei nada de diferente!
Estive, há meia dúzia de dias, numa reunião de um organismo que a Sr.ª Deputada Elisa Damião conhece bem, o Comité Europeu de Emprego, onde têm voz os sindicatos europeus, entre os quais a UGT, e os patrões europeus. A primeira declaração que ouvi, da parte de um sindicalista do grupo da UGT, foi a de que "é a retoma que vai criar empregos, o resto é muito mais complicado". Esta declaração foi proferida- não me recordo por quem, mas poderei depois dizer-lhe o nome da pessoa que fez essa referência e que era portuguesa- há 15 dias!
O que disse em Viseu, antes de Dezembro de 1993, foi que não havia desemprego no centro de Portugal. A taxa de desemprego no quarto trimestre de 1993 era, no centro de Portugal, de 3,9 %, sendo neste momento de 4,4 %. Se o Sr. Deputado entende que 3,9 % no centro do País significa desemprego, estamos, naturalmente, a falar linguagens diferentes.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio,
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O principal partido da oposição entendeu dever agendar um debate sobre a situação económica do País. Há algum tempo que tal não acontecia, o que, de certa forma, até é compreensível.
Os sinais de recuperação que a economia comunitária tem começado a dar antevêem a possibilidade de, a curto prazo, a realidade poder comprovar a clara adequação das opções que entre nós têm vindo a ser tomadas. Com efeito, Portugal dá mostras de estar em condições de poder iniciar a sua retoma ao mesmo tempo que os nossos restantes parceiros comunitários, facto que, no passado, nunca foi uma realidade no nosso país.
Tal aspecto é, pois, a prova evidente de que não só temos sabido amortecer os efeitos negativos da crise internacional, como temos conseguido ceder à tentação de trilhar caminhos politicamente menos penosos, mas cuja factura o País teria inevitavelmente de vir a pagar com juros largamente acrescidos.
Começamos, pois, a estar perante a afirmação das teses que sempre temos defendido e a derrota daqueles que, durante meses a fio, nos foram pressionando para ceder ao caminho mais fácil e abandonar a via do rigor e da coragem política.
Ao contrário de outros, não nos encantamos com aumentos indiscriminados de despesa pública, com desvalorizações competitivas ou com imoderação salarial.
Página 2157
29 DE ABRIL DE 1994 2157
Comportamo-nos perante o canto da sereia da forma politicamente mais consciente e mais consentânea com o interesse nacional.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Não admira, portanto, que a chama seja mais fraca e o fulgor que a oposição ainda recentemente apresentava se vá desvanecendo, perante um quadro económico que em nada favorece a apologia de algumas teses já notoriamente ultrapassadas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Assumimos, desde o início da presente legislatura, que o objectivo primordial da nossa política económica tem de ser a convergência nominal e real com os nossos parceiros comunitários. Tal desiderato tem estado sempre subjacente a todas as nossas opções, tendo atingido, obviamente, o seu expoente máximo com a assinatura do Tratado da União Europeia, que, aliás, esta Câmara entendeu dever aprovar por uma larguíssima maioria.
Nesse contexto, a política económica que o Governo tem vindo a seguir e o PSD tem defendido neste Parlamento tem conseguido, apesar da forte tempestade europeia, manter um quadro macro-económico suficientemente equilibrado, que não prejudique, no âmbito da conjuntura altamente desfavorável que temos atravessado, o normal funcionamento dos agentes económicos.
Começando por avaliar os progressos em matéria de convergência nominal, temos, naturalmente, de começar por referir os resultados que Portugal tem conseguido alcançar na sua política de desinflação, cumprindo, assim, aquilo a que se comprometeu no momento em que assumiu caminhar no sentido da União Económica e Monetária. A actual taxa de inflação, quase inimaginável há bem pouco tempo, começa, finalmente, a aproximar-se dos padrões europeus.
No âmbito da política monetária, é também notória a descida que se tem verificado nas taxas de juro. Há muitos anos que as taxas de juro não conseguiam atingir os níveis actuais, sendo, pois, da nossa parte desejável que o Governo mantenha o quadro macro-económico mais adequado para que tal possa continuar a acontecer. Não devemos, no entanto, esquecer que, se as nossas melhores empresas já começam a pagar taxas de juro aceitáveis, a esmagadora maioria das pequenas e médias empresas portuguesas ainda se confronta com margens de intermediação bancária perfeitamente despropositadas.
No que concerne à política cambial, a opção pela estabilidade da nossa moeda tem de continuar a merecer o apoio do Grupo Parlamentar do PSD. Até ao início do período decorrente entre Setembro de 1992 e Setembro de 1993, marcado pela forte instabilidade no Mecanismo de Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu, o escudo, ao manter a sua estabilidade, sofreu, por via do diferencial da nossa inflação face à dos nossos principais parceiros comerciais, alguma apreciação real. Tal apreciação coincidiu com um período de uma pequena redução da nossa taxa de cobertura, factor que, no entanto, nunca afectou notoriamente o equilíbrio da balança de pagamentos.
Durante as sucessivas crises do Sistema Monetário Europeu, a nossa moeda, no sentido de não perder competitividade face às desvalorizações que a peseta teve de sofrer, viu-se, assim, obrigada a acompanhar os realinhamentos da divisa espanhola. Foi um período em que, apesar disso, a taxa de cobertura se continuou a degradar ligeiramente, o que contraria as teses de que o segredo do relançamento económico em Portugal poderia estar em sucessivas desvalorizações da nossa moeda.
Finalmente, desde o estabelecimento das bandas de flutuação de 15 % e o regresso da acalmia ao Sistema Monetário Europeu, o escudo pôde continuar a manter a sua estabilidade face às principais divisas europeias, factor, aliás, cada vez menos difícil de prosseguir à medida que a nossa taxa de inflação se aproxima da convergência comunitária.
Se é verdade que, no âmbito da política orçamental, o País tem vindo também a fazer uma interessante evolução no sentido da redução do seu défice e da sua dívida pública, não podemos esquecer que 1993 representou um ponto de descontinuidade nessa matéria. Através de um orçamento suplementar que esta Câmara aprovou em Novembro último, ficou claro que a opção governativa, na actual conjuntura de fortes dificuldades, se centrou no cumprimento do tecto da despesa pública e na renúncia ao agravamento da carga fiscal, que, embora atenuasse o défice público, penalizaria claramente os rendimentos dos portugueses e afectaria a actividade económica.
Cabe, aliás, referir aqui que a diminuição do défice público, no pressuposto de que o Governo vai continuar a prosseguir com rigor o cumprimento dos níveis estabelecidos para a despesa do Estado, tem de se fazer, em primeira linha, pelo combate à evasão fiscal. O pagamento dos impostos é um dever de todos os portugueses!
Quando um português não cumpre as suas obrigações fiscais, um outro está necessariamente a pagar por ele. Em nome da justiça social e do próprio interesse nacional, não pode haver hesitações no que toca ao esforço que tem de ser feito no sentido de que todos paguem o que é devido.
Não podemos esquecer que a maioria dos portugueses, apesar de auferirem salários bem abaixo daquilo que seria desejável, pagam pontualmente os seus impostos, dando, assim, um honroso contributo para o nosso desenvolvimento. Não pode, portanto, o País aceitar que alguém fuja aos seus deveres fiscais, contribuindo, dessa forma, para a injustiça social que tal situação origina.
Não há portugueses de primeira nem portugueses de segunda, assim como não pode haver instituições de primeira nem instituições de segunda. Em democracia todos têm de ser iguais perante a lei!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não é só no campo da convergência nominal que Portugal tem vindo a fazer os seus progressos. Também a convergência real tem caminhado no bom sentido.
Medida através do indicador que é mais frequentemente utilizado - o Produto Interno Bruto per capita -, chegamos à conclusão de que em 1988 Portugal se encontrava a 53 % da média comunitária, situando-se hoje a 58 % desse mesmo valor. Se quisermos ser mais rigorosos, deveremos mesmo dizer 61 %, dado o ajustamento técnico que entretanto o cálculo do PIB português sofreu.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Entenda-se com o Sr. Ministro, que falou de 60 %!
O Orador: - Contamos chegar a 1999 com um valor de 67 % face à média dos actuais 12 Estados membros.
Página 2158
2158 I SÉRIE -NÚMERO 65
Os elementos fornecidos pela própria Comissão Europeia demonstram que a divergência com a Comunidade atingiu o seu pior momento em 1985. De lá para cá, Portugal encetou uma evolução positiva, sendo, dos quatro países da coesão, aquele que mais progressos fez relativamente ao grande atraso com que se debatia.
A meio da década de 80 éramos, notoriamente, o país mais pobre, ou seja, o que estava mais longe dos padrões médios do espaço em que se queria integrar. Hoje não só passámos a Grécia, como estamos já muito próximos da Irlanda. É uma realidade que devemos referir com satisfação e que, naturalmente, anima o nosso orgulho nacional.
Outros indicadores poderiam ainda ser chamados a testemunhar a melhoria do nosso nível de vida, mas é de tal forma evidente que os portugueses vivem hoje bem melhor do que há uns anos atrás que tudo o que pudesse voltar a ser referido seria pura e simplesmente "chover no molhado".
Há, no entanto, um aspecto onde actualmente a convergência não nos interessa. Trata-se dos níveis de desemprego que hoje, preocupantemente, atravessam toda a Europa. Portugal tem conseguido manter nesta matéria alguma divergência com os seus parceiros comunitários, facto que, contudo, não pode originar uma menor atenção a um indicador da maior importância económica e social.
Ao olharmos para os padrões de emprego existentes nos países mais evoluídos, facilmente percebemos que, enquanto no sector primário a percentagem de população activa nele empregue está ainda aquém dos níveis desejados, no sector secundário tudo aponta para que se venham a manter, sensivelmente, os valores já alcançados. Terá de ser, pois, no sector terciário onde se terá de dar a maior absorção de desemprego.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Tem-se visto muito isso!...
O Orador: - Tal análise não implica nada de negativo. Antes pelo contrário, trata-se tão somente de seguir o padrão habitual de um processo de desenvolvimento. O contrário é que seria, com certeza, aterrador, ou seja, se cada vez houvesse mais agricultores, mais mão-de-obra industrial e menos empregos com um maior grau de criatividade.
Compete à sociedade civil o dinamismo necessário para que o que se deseja possa ser uma realidade, mas compete também ao Estado entender que na base de todo este processo estão os níveis de instrução dos portugueses.
Tornou-se perfeitamente claro que esta magna questão nacional não será devidamente ultrapassada se não se resolver o difícil problema da imobilidade dos trabalhadores. É necessário que a mobilidade seja elevada para que a absorção do desemprego seja permanente e o crescimento da economia cada vez mais sustentado. Na essência desta mesma mobilidade estará, no entanto, sempre o nível de instrucção, pois é esse que em primeira linha dita a capacidade de cada um se reconverter eficazmente e ser, assim, capaz de acompanhar a dinâmica própria de um processo de desenvolvimento.
Por isso, é perfeitamente correcta a eleição da educação e da formação profissional como primeira prioridade no sentido da criação de emprego e, por consequência, do combate ao desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não se pode negar que a recessão económica europeia provocou evidentes dificuldades à economia portuguesa, com especial incidência no ano de 1993. Julgamos que o pior já passou, apesar de a actual situação não ser ainda a mais favorável.
Temos, no entanto, a certeza de que a via que tem sido seguida é a mais correcta no sentido do interesse do País. Temo-la seguido sozinhos, pois a ausência de uma alternativa credível leva-nos a não poder contar com as críticas construtivas que quem quer ser poder sempre tem a obrigação de dar.
O contributo do Partido Socialista em matéria económica tem-se resumido à utilização de um discurso que tenta conciliar, simultaneamente, meia dúzia de lamúrias com algumas medidas de carácter popular. É demasiado curto para quem julga poder aspirar a, um dia, governar o País. Não é com uma postura política dessa índole nem com o recurso a falsas afirmações, como, por exemplo, as de que a produção agrícola portuguesa diminuiu ou as assimetrias regionais aumentaram, que veremos um dia o ainda Secretário-Geral do PS como primeiro-ministro de Portugal.
Não é, contudo, por falta de oposição credível que nos vamos deixar cair na tentação, politicamente cómoda, de abrandar o ritmo de modernização do País. A distância que ainda nos separa dos nossos parceiros comunitários e as dificuldades económicas com que muitos portugueses ainda se debatem seriam, por si só, razões de sobra para continuarmos. Mas são, sem dúvida, as inegáveis provas que o nosso povo tem dado ao longo deste processo de desenvolvimento que demonstram que as portuguesas e os portugueses são tão capazes como qualquer outro povo europeu e que as metas da modernidade estão perfeitamente ao nosso alcance.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, estou seguro de que estamos no bom caminho e que em Portugal a esperança tem razão de ser!
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, ouvi-o com o interesse que sempre me merecem as suas intervenções.
Devo dizer-lhe que fiquei desgostoso quando o ouvi dizer, com ar jactante, que o seu partido era contra a imoderação salarial. Em Portugal vive-se muito mal e os níveis salariais são muito baixos. Temos, efectivamente, de pensar na moderação salarial, mas não o devemos dizer com ar jactante. Certamente muitos dos seus colegas de bancada que têm sentido social estarão ainda mais contristados do que eu em tê-lo ouvido dizer.
Por outro lado, dir-lhe-ei que me solidarizo consigo ao referir que as PME continuam a ter dificuldades em termos de contacto com os meios financeiros e bancários. V. Ex.ª fez uma recomendação amiga ao Sr. Ministro das Finanças, mas, no meu caso, tenho de lhe fazer, naturalmente, uma crítica veemente por, passados meses sobre o início do exercício das suas funções, ainda haver uma situação particularmente incómoda para a larga maioria dos empresários.
Página 2159
29 DE ABRIL DE 1994 2159
Por mais que o Sr. Ministro diga que isso não é com o Governo, mas com o Banco de Portugal e com a acção dos bancos em geral, todos os que passaram por funções governativas sabem que há acções políticas que podem ser levadas a cabo. V. Ex.ª Sr. Ministro, não tem, aliás, hesitado em procurar apontá-las nalguns sentidos.
O Sr. Deputado Rui Rio sabe que estamos disciplinados, por razões regimentais. Por isso, algumas das perguntas que lhe colocarei são dirigidas à bancada do PSD, na esperança de que V. Ex.ª me dê as respostas que gostaria que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social nos tivesse dado.
Falou concretamente o Sr. Ministro - pergunto-lhe se V. Ex.ª tem conhecimento da existência no programa do PSD daquilo a que o Sr. Ministro se referiu - das "acções específicas de formação profissional para as PME". Isto constitui um título. Todos estamos de acordo com os títulos, mas cabe perguntar que medidas estarão a ser seguidas.
Não foi referido por ninguém - nem pelo Sr. Ministro das Finanças, nem pelo Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, nem pelos seus colegas da bancada da maioria que apoia o Governo- qualquer acção de política regional. Quer isto dizer que VV. Ex.ªs estão de acordo com as assimetrias regionais e compadecidos perante elas? Em termos de ruralidade, desistem VV. Ex.ªs de ter um vivência do espaço rural, como a agricultura de sustentação, concretamente uma agricultura ecológica?
Pergunto-lhe ainda, em face da necessidade de diversificação do tecido industrial, o que defendem V. Ex.ª e a sua bancada em termos de formação profissional pela reconversão da mão-de-obra? Já aqui um Deputado do Partido Socialista sublinhou a dificuldade na reconversão dos trabalhadores a partir de uma determinada idade. O que têm pensado VV. Ex.ªs nesse domínio?
Pergunto-lhe, finalmente, o que pensa das iniciativas locais de emprego e do apoio ao artesanato e às micro-empresas. Nessa Europa que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social frequenta- e faz bem em frequentar- esses também são temas diariamente discutidos. Seria bom que na política social do Governo esses aspectos não fossem esquecidos, como pelo menos hoje aqui foram omitidos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, V. Ex.ª diz sempre que me estima muito, mas também diz sempre que fica desiludido com aquilo que digo.
Risos.
É uma contradição que, sinceramente, não entendo. Diz sempre que faço grandes intervenções, mas depois diz que fica desiludido.
Constato que o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto tinha muitas perguntas a colocar ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, mas não as colocou, não sei bem porquê.
Mas passo a referir aquilo que me parece ser mais importante e de esclarecer: as assimetrias regionais. Tenho na minha posse um estudo feito pela Universidade de Roterdão, que é a entidade que nesta área faz os estudos destinados à Comissão Europeia...
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Outra vez?!
O Sr. Rui Carp (PSD): - O Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto não sabe!
O Orador: - A Sr.ª Deputada conhece isto, mas num debate televisivo em que participou comigo disse rigorosamente o contrário. Porquê? Se conhece, teria dito, então, a verdade.
O que consta desse estudo, Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, é que as assimetrias regionais diminuíram claramente. Lisboa e Porto ficaram mais perto da média, o desvio-padrão (falo em termos técnicos) ficou mais apertado e a média aumentou. Quem domine tecnicamente as estatísticas perceberá claramente o que estou a dizer. Esta é a verdade, baseada num estudo que não é do Governo!
Protestos do PS.
No que respeita à questão dos salários reais, o Partido Socialista tem realmente muita coragem política em falar de salários reais. Se eu estivesse no lugar do Partido Socialista, falaria de tudo menos disso.
Sempre que o PS foi governo - já tive oportunidade de o dizer aqui- os salários reais caíram.
Vozes do PS: - Outra vez?!
O Orador: - Sempre que o PSD foi governo subiram, à excepção do ano de 1993, durante o qual se mantiveram no nível zero, mas no qual, dada a queda que se registou na Comunidade, houve convergência salarial com a Comunidade.
Permita-me o Sr. Deputado que lhe coloque uma pergunta sobre uma coisa que não entendo. O Partido Socialista diz que atravessamos uma grande crise e há imenso desemprego, mas, ao mesmo tempo, diz que tem de haver imoderação salarial. Sinceramente, não entendo isto!
Aplausos do PSD.
O Partido Socialista, tal como referi, faz normalmente meia dúzia de lamúrias e depois apresenta propostas de carácter popular. Se o Governo adoptasse as propostas que o PS apresenta, o Partido Socialista ainda choraria mais do que o que já chora pela situação económica do País. Esta é que é a realidade!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quem chora é o eleitorado!
O Orador: - Se VV. Ex.ªs fossem governo - tendo em conta o discurso do PS, "mais défice público, desvalorização, aumento dos salários", são as tais medidas "popularuchas" - punham bem pior tudo aquilo que consideram estar mal.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está equivocado!
O Orador: - Quanto às taxas de juro - disse-o da tribuna e é bem verdade-, elas têm caído, embora ainda sejam elevadas para as pequenas e médias empresas,
Página 2160
2160 I SÉRIE - NÚMERO 65
mas também caíram! Sr. Deputado, em 1991, ao iniciar-se a Legislatura, a inflação era de 10 % e as melhores taxas praticadas no mercado eram de cerca de 21 %. Conheço bem o assunto, pois lidava directamente com ele. Hoje, Sr. Deputado, a taxa de inflação é de cerca de 6 % e as prime rate são sensivelmente de 11%, 11,5 %. A taxa de juro baixou notoriamente!
V. Ex.ª pergunta-me: "E as pequenas e médias empresas?". Estas não estão, com certeza, incluídas nas prime rate, mas estão a um nível muito mais baixo do que em 1991, tendo descido proporcionalmente. O que digo é que têm de descer mais e que o quadro macroeconómico aceite pelo Governo, mas que o PS não aceita- e é, obviamente, uma atitude de coerência o PS não aceitar que a Balança de Pagamentos esteja equilibrada,...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Com as transferências públicas que tem havido, era melhor que estivesse desequilibrada!
O Orador: - ... que a inflação desça, que haja moderação salarial, porque no tempo em que o PS foi governo tudo era ao contrário -, é, Sr. Deputado, e repito, o quadro adequado e o que vai conduzir àquilo que os senhores pretendem.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, queria apenas pedir à Mesa o favor de solicitar aos serviços a entrega ao Sr. Deputado Rui Rio - que, pelos vistos, não os possui- dos dados fornecidos pelo Governo, para que ele não continue a invocar a única revista que encontrou com estes dados, que indicam uma diminuição das assimetrias regionais. Ora, os dados do Governo provam o aumento dessas assimetrias, não esquecendo o EUROSTAT, pelo que não precisamos de mais. Ele que deixe de falar nos dados desta revista, em que já ninguém acredita, e que passe a acreditar nos que estamos a referir.
Protestos do Deputado do PSD Rui Rio.
Sr. Presidente, a minha interpelação vai, pois, no sentido de pedir que mande fornecer ao Sr. Deputado Rui Rio estes elementos do Governo, para não estarmos a discutir mais este assunto.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Sr.ª Deputada não estará, com certeza, à espera que neste momento, mesmo a nosso pedido, o Governo vá fornecer esses elementos, a não ser que o Sr. Ministro das Finanças os tenha na sua posse, o que, como é natural, poderá não acontecer.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, uso da palavra apenas para dizer à Mesa e à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques que no livrinho vermelho referido pela Sr.ª Deputada, cujo título é Análise Social, está tudo aquilo que aqui tenho.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para exercer o direito de defesa da consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, começo por dizer ao Sr. Deputado Rui Rio que, apesar da sua intervenção, ainda o estimo.
Mas pedi a palavra para dizer, com toda a franqueza, que não estive a defender a imoderação salarial mas, sim, a criticar o tom jactante com que o Sr. Deputado defendeu essa mesma moderação salarial. Mas já agora, se V. Ex.ª me dá licença, é preciso dizer que, em termos parlamentares, para se ter a seriedade, que lhe reconheço, não se pode estar a dizer "nós somos os bons, vocês são os maus; nós defendemos esta política, vocês defendem o contrário". Estamos a proceder a um debate que procuramos tenha seriedade!
Já agora faço uma recomendação. Quando V. Ex.ª apresentou os dados publicados na revista holandesa disse: "Isto é verdade, porque não é do Governo!" Caramba, o Governo, às vezes, também diz a verdade!
Risos do PS.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, não desejo dar qualquer explicação.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os trabalhadores portugueses estão à beira de um ataque de nervos, mas os empresários não estão mais calmos, pois a ninguém faltam razões para insatisfação no mundo do trabalho, cada vez mais incompatível com a vida familiar, a segurança e o bem-estar.
A situação social do país é alarmante- e o próprio Sr. Ministro das Finanças, hoje aqui, não nos tranquilizou- e não é igual à dos restantes países comunitários, porque cá tem um rosto indiferente, pretensamente optimista, do Sr. Primeiro-Ministro, enquanto as políticas sociais não têm rosto. Não há administração do trabalho em Portugal. As leis laborais, mesmo as resultantes de compromissos mínimos comunitários, não são efectivas. Os poucos social-democratas do Governo, com competência técnica e política, vão sendo eliminados, não escapam, mesmo os do PSD, os directores-gerais que não sejam oriundos do aparelho mais puro e duro da ala conservadora do partido do Governo. Longe vão as euforias bacocas e provincianas do sucesso. 37 % das famílias portuguesas não tiveram acesso ao essencial e para milhares de desempregados o frigorífico é hoje um inútil símbolo da oportunidade perdida.
Página 2161
29 DE ABRIL DE 1994 2161
O argumento de que em Espanha- já aqui invocado-, governada por um socialista, a situação social é pior, não parece avisado. Já foi respondido, mas importa sublinhar, parece que mais vale ser desempregado em Espanha do que empregado em Portugal! Todos os dias saem contingentes clandestinos de trabalhadores, que vão não só trabalhar, infelizmente, mas também às consultas, ao sistema de saúde público espanhol. Assistimos, sem um gesto, a esta nova migração sazonal ou por empreitadas, onde há mais uma tentativa de fuga à miséria, tal qual a descrevia Alves Redol.
Não queremos acreditar que a indiferença do Governo seja ditada por vingança mesquinha em vassalagem ao passado para a reposição de velhos poderes, porque com o PSD ganhou o novo riquismo e a oportunidade dos que dele fazem modo de vida.
A decisão de adjudicar preferencialmente a empresas estrangeiras as grandes obras do Estado, como sejam a EXPO 98, o gasoduto de Setúbal, a linha férrea do Norte e da Beira, da CP, cujo gestor afirmou que não comprometia um projecto para dar oportunidade aos portugueses, é uma grave pecha no patriotismo e revela tudo menos confiança nos portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - A propósito da taxa do desemprego, bandeira do Governo, referimos números oficiais do Ministério das Finanças, a que V. Ex.ª preside, que merecem preocupação, e aproveito para relembrar os critérios do INE. O INE, quando se aproxima de um cidadão, o aborda e lhe pergunta se já trabalhou, considera-o como empregado, mesmo que tenha trabalhado apenas uma hora, ou seja, contabiliza-o como tal.
O Sr. Ministro conhece o país...
O Sr. António Guterres (PS): - Na Alemanha não há subemprego rural!
O Orador: - Exactamente!
Se o Sr. Ministro conhece o nosso país, sabe que nas zonas rurais, nas pequenas e médias empresas das periferias urbanas, a contratação é deficiente, os vínculos contratuais são, muitas vezes, inexistentes e que a economia informal é, infelizmente, um dado adquirido em Portugal. Sabemos que dos desempregados, 42 %, o que corresponde a 107 941, são de longa duração, ou seja, estão nesta situação há mais de um ano- número verdadeiramente alarmante! -, 57,2 % são mulheres e 26,9 % são jovens com menos de 25 anos.
Em Março de 1994, registaram-se 5690 ofertas de emprego. Convém sublinhar que estas ofertas de emprego são abaixo do próprio subsídio, que, como sabe, não é a reposição do salário, e deste modo o sistema público de colocação colabora na redução das condições de vida e de trabalho em Portugal.
Um em cada 80 desempregados, como já sublinhei, encontra uma oferta de emprego, e os avençados, os de "recibo-verde", um em cada quatro está inscrito de novo para o subsídio de desemprego. Dos inscritos no desemprego, um em cada quatro foi despedido e um em cada oito concluiu uma acção de formação, podendo salientar-se que a eficácia da formação é bastante reduzida. Era não só disto mas também do volume global de emprego que esperávamos que o Sr. Ministro nos falasse aqui.
O Sr. Ministro promete 100 000 postos de trabalho até 1995. Estamos com grandes expectativas porque a verdade é que no ano transacto houve uma redução de 110000 postos de trabalho e 140000 trabalhadores por conta de outrem.
Por outro lado, os chamados independentes são já 800000, registados pelo seu Ministério. Desses, nós sabemos, como o seu Ministério deveria saber, que muitos estão a prestar trabalho subordinado nas empresas públicas, como, por exemplo, nos TLP, na banca e na própria Administração Pública.
Todos sabemos que há uma população crescente, que se tornou invisível no mercado de trabalho informal e que se estima em mais de 900000 pessoas. Esta população não tem emprego, protecção social, nem contribuem para a solidariedade nacional, mas trabalham.
O ataque aos salários deixou de ser moderação e passou à imposição: 0,5 % na Administração Pública; 2 % a 2,5 % nas empresas públicas e o sector privado, apesar de tudo, de todas as dificuldades, está entre os 4,5 % e os 5 %. O Estado, portanto, não é bom patrão!
A Inspecção-Geral do Trabalho, que depende do seu Ministério, está "entre a espada e a parede", porque ou tem recursos e não tem autonomia, ou tem autonomia e não tem recursos. A verdade é que, apesar da boa vontade dos inspectores, a sua acção é limitada, porque está integrada num megainstituto, o IDICT, que, enredado nas suas contradições genéticas e na indefinição do seu Ministério, não exerce as suas funções inspectivas, não promove as condições de trabalho, nem é mediador dos conflitos.
Despedem-se dirigentes e activistas sindicais, não há horários de trabalho! Quando a Inspecção-Geral do Trabalho detecta trabalho extraordinário ilegal, não remunerado, o gerente simplesmente convida-o a multar porque o crime compensa. Quando a justiça finalmente se aplica, a relação de trabalho é irrecuperável, produzindo nas comunidades de trabalho o medo e sentimento de impotência, face ao crescente abuso do poder e ao regresso a relações laborais do passado.
Mas preocupa-nos muito a situação da Segurança Social. Distribui ou contrai as despesas, de acordo com o calendário eleitoral. E o Governo optou por não resolver os problemas do financiamento da Segurança Social, tão pouco os decorrentes da sua própria gestão, tendo deixado avolumar as dívidas que ultrapassam os 500 milhões de contos. Teria sido mera coincidência, ou talvez não, que quando o Sr. Secretário de Estado anterior - nosso ilustre colega - tomou medidas mais firmes, em matéria de cobrança das dívidas, tenha sido substituído.
Apesar de estar em vias de transferir uma parte dos encargos do subsídio de desemprego para a Segurança Social, o Governo reduz a sua cobertura, beneficiando dele apenas metade dos desempregados, contrariamente ao que o senhor afirmou. Após prolongada carreira contributiva, os trabalhadores desempregados com 50 anos, no final da concessão do subsídio, aguardam até aos 65 pela reforma, condenados à dependência e indigência, depois de uma vida de trabalho.
Mas há medidas mesquinhas, sem qualquer sentido de gestão, como seja a remissão das pensões, resultantes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais, de 500$ ou 600$/mês, nunca revalorizadas, que o Governo se propõe remir por valores inferiores aos propostos antes do 25 de Abril.
Página 2162
2162 I SÉRIE -NÚMERO 65
A desorientação é tal que só este mês foi publicada a portaria com base no índice de preços ao consumidor para cálculo das reformas, originando uma lista de espera de milhares de reformados, não estando actualizadas as restantes prestações, como o abono de família, os subsídios de deficientes e inválidos.
As constantes alterações viciam as regras de jogo. A redução das prestações da Segurança Social visa criar cultura e condições para o grande negócio do sector financeiro, de duvidosa garantia, seguramente lucrativa só para os bancos e seguradoras, em que o actual Secretário de Estado da Segurança Social parece estar ainda interessado, prestando-se a fazer o papel de comissão liquidatária do sistema de protecção social.
Porém, quando as decisões dependem da articulação interministerial, é o fim. Exemplo disso é o polémico caso da indústria naval, onde o Governo decidiu o que quis e como quis a pretexto de salvar, à custa de 4000 postos de trabalho, um dos estaleiros. Estes trabalhadores ainda aguardam os cálculos de uma comissão interministerial, e os trabalhadores inscritos voluntariamente, com oportunidade de refazer a sua vida e sair do pesadelo, vêem-na passar. Os dias decorrem pesados de angústia para os trabalhadores portugueses, contra a viabilidade de empresas como esta, do sector naval.
É evidente a insensibilidade do Governo para os grupos mais vulneráveis. O acordo agora assinado com as IPSS é tardio e transfere para os parceiros sociais, nomeadamente para entidades, responsabilidades que de facto são do Governo, nem sempre assumidas em tempo oportuno e com a cobertura financeira que é devida e que o Governo deveria de facto cumprir.
O Governo faz da acção social todo um manto de "cinzentismo", para promover certo tipo de projectos, com funções eleitorais, beneficiando este ou aquele projecto. Portanto, não há transparência na gestão da acção social da Segurança Social. É de facto uma selva consentida, em que não há efectividade na legislação laborai. O PS não pedirá a demissão do actual Ministro do Emprego e da Segurança Social, porque o Sr. Ministro demite-se ele próprio de exercer as suas funções.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Em período eleitoral conveniente, o Sr. Primeiro-Ministro assume o diálogo social na expectativa de comprar a memória dos portugueses. Tudo faremos, em nome dos excluídos e dos desempregados, para impedir este esquecimento!
Aplausos do PS.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, declaro encerrado o debate.
Entrando no período de encerramento, para uma intervenção, em nome do partido interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Havia quatro grandes temas que davam o sentido da interpelação do PS: a análise da evolução da economia portuguesa em 1993; a análise da actual situação económica; a análise da evolução social em 1994; e as perspectivas para o futuro.
Comecemos pela primeira.
Quanto à evolução da economia portuguesa em 1993, tudo ficou bastante mais claro depois desta interpelação.
Em primeiro lugar, confirma-se uma grande queda do produto interno bruto, provavelmente, só se for comparado de uma forma séria, só comparável a 1975, apesar de terem existido anos muito duros, em que incidiram acordos, bastante duros também, com o Fundo Monetário Internacional, no final dos anos 70 e na primeira metade dos anos 80. Essa queda do produto interno bruto é mais expressiva em 1993 do que aquela que aconteceu na média europeia, apesar de ter havido substanciais apoios, cerca de 1,5 milhão de contos/dia.
A queda na produção industrial é perfeitamente inconcebível e confirmada. Mesmo os mais pessimistas nunca pensaram que se pudesse atingir, num só ano, uma queda da produção industrial como a que se verificou e que fosse possível, num país com as necessidades de industrialização como as que Portugal ainda tem em sectores modernos e avançados, haver uma tão grande desindustrialização, sem paralelo na OCDE, ao longo dos últimos anos.
Também ficou claro a queda nas exportações. Podemos concluir que terá havido, eventualmente, alguma estagnação do valor exportado, mas, se tivermos em linha de conta que o escudo sofreu uma desvalorização significativa durante o ano de 1993, em termos de taxa de câmbio efectiva, é óbvio que, em volume, as exportações portuguesas não aumentaram, pelo contrário, diminuíram.
A queda no investimento privado também ficou perfeitamente demonstrada durante esta interpelação, para além da desorientação financeira em que avultou a destruição da máquina fiscal, as fugas maciças ao fisco e o enorme défice orçamental a que chegámos no final de 1993.
Em resumo, ficou claro para toda a gente que aqui esteve que o ano de 1993 pode ser confirmado como de desastre económico e financeiro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à análise da actual situação económica, o diagnóstico aponta, quando muito, para a mediocridade. Efectivamente, o próprio Banco de Portugal confirma a continuação do abrandamento na procura interna, o que quer dizer que a crise está a chegar, de uma forma bastante expressiva, aos consumidores e também às empresas que investem. Nota-se, sem dúvida, alguma recuperação em segmentos específicos do sector exportador,...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Vá lá, vá lá!
O Orador: - ... mas é insuficiente, até porque, ao mesmo tempo e paralelamente, todos os indicadores demonstram haver um afundamento dos sectores da indústria e dos serviços que dependem do mercado interno. E convém que os Srs. Deputados não se esqueçam que, embora Portugal seja uma economia aberta, grande parte do valor acrescentado criado em Portugal destina-se ao mercado interno. Portanto, a crise do mercado interno afecta fortemente as empresas portuguesas, tanto da agricultura como do comércio, da indústria e dos serviços.
Página 2163
29 DE ABRIL DE 1994 2163
O Sr. Rui Carp (PSD): - Ainda está em 1975, Sr. Deputado!
O Orador: - Por outro lado, as importações continuam a ser grosseiramente subavaliadas, induzindo, porventura, subestimativas significativas da produção nacional.
Na situação económica e financeira actual continua a avultar- e ainda se passam fenómenos correlacionados com isto- uma turbulência forte no mercado monetário e cambial, turbulência essa agravada, duas vezes, por intervenções fora de tempo do Sr. Primeiro-Ministro e mesmo do Sr. Ministro das Finanças.
Quanto à inflação, que as palavras do Ministro das Finanças apontam para uma previsão de aproximadamente 5,7 %, em média e em 1994, podemos concluir que se alcançou praticamente um patamar mínimo à custa de enorme sacrifícios para o sector produtivo português, o que não é, portanto, uma boa notícia,...
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Exacto!
O Orador: - ... porque, se olharmos à volta, verificamos o estado em que ficou a agricultura, a indústria e os serviços em Portugal.
Quanto à evolução social em 1994, o diagnóstico aponta, sem dúvida nenhuma, para grandes preocupações: tem havido um aumento gravíssimo do desemprego; para além disso, tem havido perdas substanciais de postos de trabalho. Portanto, para além do aumento do desemprego, tem havido um aumento fortíssimo dos despedimentos e das perdas de postos de trabalho, pelo que o chamado emprego estruturado está hoje muito abaixo do que o que acontecia em 1990. Do lado salarial, o que, neste momento, parece ser claro é que, em média, os salários reais vão descer em 1994 e, em especial, vai haver uma enorme queda desses salários reais no sector público alargado.
Evidentemente que o PS não defende a imoderação salarial mas também não apoia as vergonhosas políticas salariais que este Governo tem posto em prática com, por exemplo, o vergonhoso aumento do salário mínimo que o PSD fez e que é perfeitamente indigno.
Aplausos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então o PS aumentava para quanto?
O Orador: - Ainda do ponto de vista social, tem havido um aumento exponencial dos reformados, nomeadamente do número dos reformados de meia idade, ou seja, de pessoas que estariam em condições de produzir e que são afastadas dos locais de produção. Portugal está a transformar-se num país de inactivos, Srs. Deputados, ao mesmo tempo que os direitos sociais daqueles que estão activos estão a ser espezinhados! A intervenção da minha colega de bancada, Elisa Damião, foi bastante concreta acerca daquilo que está a passar-se hoje nas empresas em Portugal e que é extremamente preocupante. Muitas das regalias que foram legalmente conquistadas pelos trabalhadores não estão a ser, neste momento, praticadas perante a cumplicidade do Governo. Por exemplo, os trabalhadores fazerem horas extraordinárias e não serem pagos por isso é uma vergonha! É uma vergonha para toda esta Câmara e não apenas para a bancada do PS ou do PCP!
O aumento da pobreza, da exclusão social e da marginalidade são outros aspectos que ficaram bastante claros durante este debate, assim como a ausência de qualquer ideia por parte do Governo para uma reforma do Sistema de financiamento da Segurança Social pública. Efectivamente, hoje em dia não é possível defender a Segurança Social pública sem se levar à prática uma profunda reforma do seu financiamento. Quanto a isso, o Governo tem zero de ideia e zero de compromissos!
Assim, passámos de um período- de 1987 a 1991 - em que se acentuaram em Portugal as desigualdades mas com crescimento económico, para um período - porventura aquele que vai de 1991 a 1995 - em que essas desigualdades coincidem com estagnação. Pelo menos, o biénio 1993/94, mesmo que se concretizem as professias do Sr. Ministro das Finanças, será, na melhor das hipóteses, um biénio de estagnação. E é inconcebível como é que um país, que recebe, nestes dois anos, as centenas e centenas de milhões de contos de apoios comunitários europeus, pode estar em estagnação durante esta fase fundamental para o nosso futuro.
As perspectivas de futuro são, pois, sombrias. As políticas económicas continuam a não ter credibilidade. Por duas razões: em primeiro lugar, porque são contraditórias; em segundo lugar, porque são incapazes de romper com os erros do passado. Aqui, convém não esquecer a responsabilidade essencial do Primeiro-Ministro Cavaco Silva pelas políticas seguidas de 1990 a meados de 1992, com o escudo caro e altas taxas de juro que, nesse momento, eram defendidas como políticas virtuosas (convém não o esquecer!), com os números absolutamente extraordinários que foram aqui divulgados pelo Deputado e Secretário Geral do PS, António Guterres, mostrando que se pode falar em lucros anormalmente efectuados pela banca, na ordem dos cerca de 900 milhões de contos, ou seja, superiores aos apoios comunitários líquidos conseguidos durante este período! Isto demonstra como há um sistema de vasos comunicantes e como os apoios comunitários acabaram por ir parar às mãos da banca- não foram, portanto, apenas os portugueses que andaram a trabalhar para a banca, foram também alguns contribuintes europeus que andaram a trabalhar para a banca de Portugal!
Por outro lado, convém não esquecer que, embora tenha havido uma mudança, primeiro, de políticas - em meados de 1993 - e, depois, de protagonistas, a linguagem mudou mas mantiveram-se as incoerências! E o que é também, quanto a mim, bastante grave, é que há uma fuga total ao debate democrático por parte do Primeiro-Ministro. A ausência do Primeiro-Ministro neste debate, do meu ponto de vista, não é apenas uma ofensa à Câmara, é uma vergonha para todos: para o Governo e para a bancada do PSD.
Aplausos do PS.
O Sr. Ministro das Finanças, embora esteja apenas há quatro meses no seu cargo, também não está isento de responsabilidades. Por um lado, mantém uma política fiscal que é expropriadora dos trabalhadores por conta de outrem; por outro lado, mantém uma política salarial que, como já foi dito, ataca o poder de compra dos assalariados; mantém também uma política monetária e uma política cambial que são absolutamente contraditórias; e tem tido ainda actuações complacentes ou incorrectas nos casos Banesto/Totta, Futebol Clube do
Página 2164
2164 I SÉRIE -NÚMERO 65
Porto/Pinto da Costa, Companhia de Seguros "O Trabalho". Não basta mudar a música, Srs. Deputados! É preciso que mudem as políticas efectivas!
A posição do PS é a de que há uma necessidade absoluta para Portugal, que é a de deixarmos de ser uma economia de subsídios e de inactivos e passarmos a ser uma economia de incentivos à produção. Defendemos uma nova política económica, apontando para o crescimento, para o apoio a quem produz- empresários e trabalhadores. E evidente que essa nova política económica só poderá ser levada à prática em paralelo com políticas que correspondam a um novo impulso democrático, com mais transparência, mais descentralização, mais participação, e também com novas políticas sociais, que permitam construir uma sociedade cada vez mais exigente, mais justa e com maior qualidade.
Não é possível continuar a ouvir falar o Sr. Ministro das Finanças e outros governantes nas prioridades à educação, quando, ainda ontem, inconcebivelmente, a Sr.ª Ministra da Educação resolveu inventar uma nova teoria- a de que o fraquíssimo investimento que existe em Portugal na educação pré-escolar deverá sair das responsabilidades do Orçamento do Estado! É um escândalo não perceber que em Portugal a educação pré-escolar está na base de todo o sistema educativo!
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo foi chamado a responder nesta interpelação- o Governo perdeu! Perdeu por falta de comparência do Primeiro-Ministro e por falta de argumentos dos dois Srs. Ministros que aqui falaram.
Aplausos, de pé, do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o resultado fundamental deste debate é simples de apresentar: nenhum partido da oposição, em particular o PS, tem uma política económica e social alternativa digna desse nome para pôr em confronto com a política do Governo.
Aplausos do PSD.
Com efeito, nem o PS nem outra bancada da oposição produziu o que, num debate sobre política económica e social, é suposto fazer-se: apresentar ao País uma visão diferente dos problemas e soluções alternativas, no quadro de uma estratégia consistente, servida por um discurso claro e incisivo, mas próprio de quem analisou as questões a fundo e sabe actuar.
Aplausos do PSD.
O que vimos, foi, no mínimo, diferente: enredados aqui e acolá por cedências fáceis à demagogia, os discursos dos partidos da oposição apresentaram todos uma característica comum: em ditado popular, "muita parra e pouca uva"! Podemos deixar a "parra" de lado e concentremo-nos na uva para lhe dar mais sabor.
Importa, pois, sublinhar os eixos fundamentais em que assenta a política económica do Governo para que não haja equívocos quanto à linha de rumo da economia portuguesa. Como tenho afirmado, o objectivo fundamental da política económica para 1994 e 1995 é o reforço das condições da retoma económica, numa base saudável e sustentada. Continua-se, assim, a desenvolver a orientação que enforma a política do Governo, de acordo com o programa do Governo, segundo dois vectores estratégicos fundamentais: repito, o desenvolvimento de um ambiente macroeconómico estável para promover um crescimento sustentado e não inflacionista e o aprofundamento das medidas estruturais destinadas a aumentar a produtividade da economia e a competitividade das empresas.
Em primeiro lugar, e no quadro da estabilidade macroeconómica, a política orçamental vai continuar a ser orientada, após a solução de continuidade em 1993, para a redução dos défices públicos excessivos, assegurando uma trajectória saudável para as finanças públicas. E sabem porquê? Porque défices públicos excessivos representam mais inflação, taxas de juro mais elevadas, mais desemprego - em suma, representam a não criação de condições para um crescimento saudável da economia. A consolidação orçamental é, assim, uma prioridade e o que estamos a fazer com os resultados encorajadores já obtidos no primeiro trimestre de 1994 que, como referi na minha intervenção inicial, são disso a prova cabal.
Em segundo lugar, a retoma exige igualmente o reforço das condições para a continuação da baixa sustentada do custo de financiamento das empresas, actuando em simultâneo sobre quatro variáveis principais, que passo a repetir. Primeira, a prossecução da trajectória favorável para a inflação, por forma a permitir uma baixa das taxas directoras do banco central, em linha com a evolução das taxas dos outros bancos centrais e de harmonia com os objectivos de estabilidade cambial. Um segundo vector é a intensificação do aumento da concorrência e da eficiência no sector bancário, por forma a acomodar progressivamente uma redução de margens financeiras para níveis europeus, não apenas em certos segmentos do mercado de crédito, mas em todos os segmentos do mercado de crédito. Terceiro vector: dinamização do mercado de capitais, com o duplo efeito de aumento da pressão concorrencial sobre os outros segmentos do sistema financeiro e de aumento das possibilidades de acesso a capitais permanentes por parte das empresas a preços mais adequados. Quarto vector: a redução progressiva dos custos fiscais implícitos das operações bancárias, através da diminuição, de forma gradualista, do imposto de selo e da reformulação do regime das reservas de caixa. Actuando sobre este sistema a quatro variáveis, vamos conseguir, no médio prazo, caminhar para custos de financiamento ao nível do suportado pelas empresas europeias e vamos conseguir, no curto prazo, a continuação dos progressos já alcançados.
Por último, no reforço do enquadramento macroeconómico favorável à competitividade e ao emprego, é crucial acentuar a moderação salarial em 1994 pelas razões que tive oportunidade de expor. De entre elas, destaca-se o facto de termos perdido, no triénio de 1990/93, cerca de 9 % de competitividade face aos nossos concorrentes europeus, porque os nossos salários reais, descontados da produtividade, cresceram esse montante acima do dos nossos parceiros; como são as empresas que criam ou mantém empregos e não o Governo, o abrandamento salarial em 1994 está a ser bem compreendido pelos parceiros sociais.
Página 2165
29 DE ABRIL DE 1994 2165
Tudo ponderado, a execução da política económica tem dado um bom contributo ao aumento da confiança- basta analisar os indicadores da confiança, basta falar com os empresários deste país, para saber que a confiança está a aumentar e que estão a ser reforçados os sinais encorajadores da retoma que tem vindo a acontecer, embora, como disse, a recuperação vá ser lenta e vá ser difícil.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas vai acontecer, nomeadamente para desagrado do PS.
Aplausos do PSD.
Como demonstrámos no debate, a retoma económica está em curso, ainda modesta, mas com expectativas fortes de ampliação do segundo semestre do ano em curso e com reforço acentuado em 1995. Para a continuação da criação de condições para um crescimento económico sustentado, importa o desenvolvimento do segundo vector básico da política económica do Governo, de acordo com o programa do Governo. Esse segundo vector básico, para além das medidas de regulação conjuntural, é o aprofundamento das reformas estruturais para aumentar, a prazo, a produtividade global da economia e a competitividade das empresas. Neste contexto, trata-se de aprofundar um conjunto de políticas públicas orientadas para a eliminação dos gaps históricos, que se posicionam como os grandes obstáculos que o crescimento e o desemprego têm defrontado no longo prazo.
Destacam-se assim como eixos fundamentais permanentes da política do Governo, derivada do seu programa: o desenvolvimento dos recursos humanos; a flexibilidade e eficiência dos mercados; a eficiência da administração pública e o desenvolvimento de infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento; o estímulo ao desenvolvimento de estratégias empresariais competitivas, com efeitos estruturantes sobre o tecido produtivo e sobre as capacidades de gestão e de internacionalização das empresas. Quanto ao desenvolvimento dos recursos humanos, nunca, como nos governos do PSD desde 1985, este país deu tanta importância à educação.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Nunca teve tanto dinheiro para isso!
O Orador: - Provam-no a parte das despesas com educação do produto interno bruto que, em 1985, era da ordem dos 3,1 % e que, neste momento, é de 5,6%. Assim como na saúde- aliás, no sector social, o total das despesas sociais passou de 10,4 % em 1986, para cerca de 14 % em 1993. E mesmo no total da despesa, a educação vem abarcando uma fatia cada vez maior, atingindo actualmente cerca de 21 % contra cerca de 15 % no total das despesas, excluindo as operações da dívida.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Isto é que são números!
O Orador: - Portanto, o desenvolvimento dos recursos humanos e da educação é uma variável-chave estratégica fundamental para o desenvolvimento sustentado da economia e da sociedade portuguesa. É uma prioridade permanente da política do Governo.
Aplausos do PSD.
Na área dos recursos humanos, apesar do esforço realizado desde 1986, que se traduziu, por exemplo, no aumento de cerca de 20 % da taxa de escolarização entre os 14 e os 17 anos, continuamos significativamente atrasados em relação à média dos países industrializados - um gap histórico! Chegámos ao princípio do século com 70% de analfabetos. Não me venham pedir que, em 10 anos, o PSD resolva todos estes problemas do gap histórico! Mas demos passos significativos nos últimos 7 anos.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Também era melhor que não dessem!
O Orador: - Embora venha a haver maior progressão de alunos, quer no ensino secundário quer no ensino superior, fruto da dinâmica que se instalou, é necessário continuarmos a desenvolver grandes esforços de investimento em capital humano para nos colocarmos nas mesmas condições dos países que têm tido rápidos processos de modernização e desenvolvimento. Mas não basta apenas aumentar a quantidade - é necessário também elevar a qualidade do ensino a todos os níveis e, em especial, nas vertentes da educação básica e técnica. O Plano de Desenvolvimento Regional que vai vigorar até ao final do século constitui o quadro de referência por excelência para se reduzir decisivamente, dar passos significativos nesse sentido, quanto ao tal ghetto histórico que temos nesta área.
Quanto ao segundo vector estratégico das políticas estruturais do Governo, na área do desenvolvimento da flexibilidade e eficiência dos mercados, no horizonte de 1994/1995 são especialmente importantes dois vectores: o desenvolvimento e o aprofundamento do programa das privatizações e o desenvolvimento da reforma do mercado de capitais.
A filosofia de base das privatizações é, hoje, consensual: assume que o papel do Estado deve ser cada vez mais o de regular a economia e cada vez menos o de participar directamente na actividade económica. Daí a prioridade as privatizações como instrumento da melhoria da eficiência e da flexibilidade da economia portuguesa.
Como já tive ocasião de referir, o encaixe financeiro não é o principal objectivo a atingir, representando apenas uma restrição ou condicionante. Sublinho também que a ligação de certas privatizações ao mercado de capitais se revela como elemento determinante para o aumento da oferta de títulos com perfil adequado.
Por outro lado, o desenvolvimento do mercado de capitais constitui uma outra medida estrutural de grande importância. O mercado de capitais português ainda compara desfavoravelmente, mesmo com muitos dos chamados mercados emergentes, situação que contrasta com a nossa taxa de poupança, que está ao nível das mais adequadas.
Vamos, portanto, tomar medidas para o desenvolvimento do mercado de capitais, com a consciência de que o mercado de capitais não se desenvolve por decreto mas que é importante a criação de condições de base para uma estabilidade macroeconómica, uma postura do Governo favorável à iniciativa privada, uma estabilidade política, tudo condições que só foram criadas no nosso país a partir de 1985/1986.
Outro vector fundamental respeita à continuação do desenvolvimento da eficiência da Administração Públi-
Página 2166
2166 I SÉRIE -NÚMERO 65
ca como factor de competitividade, assim como também a continuação do esforço das infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento, sejam infra-estruturas físicas, de transporte, de comunicações, de energia, de educação, de desenvolvimento tecnológico. É porque essas infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento são elementos determinantes para a criação do tal ambiente favorável à competitividade.
Mas muito já se fez nesta área e muito se irá fazer nos próximos anos!
Mas o desenvolvimento de uma economia de mercado depende, porém, e em última análise, da capacidade estratégica das suas empresas e dos efeitos estruturantes que daí se produzem sobre o tecido produtivo. Ao Governo compete criar condições de estabilidade macroeconómica, desenvolver políticas públicas orientadas para a competitividade, em suma, criar um ambiente favorável à competitividade. Por outro lado, compete também às empresas a implementação de estratégias empresariais competitivas, seja na área da redução de custos, seja na área da diferenciação de produtos e serviços seja na área dos factores dinâmicos de competitividade.
A competitividade, numa economia cada vez mais global e integrada, depende hoje, cada vez mais, do sucesso nas áreas dos factores dinâmicos, de competitividade, dos factores imateriais, como o marketing, o design, as marcas, etc. A internacionalização das empresas portuguesas é um elemento vital para uma melhor penetração nos mercados, um objectivo que exige um aprofundamento das capacidades de gestão. O sucesso dos projectos empresariais nos mercados externos, que é favorecido pela existência de uma base doméstica sólida, gera, por seu turno, efeitos positivos estruturantes sobre o tecido produtivo interno.
Mas, para além destes vectores, importa também estimular a interligação das empresas pelo adensamento das relações output e input e localizações próximas umas das outras, podendo tirar partido da partilha do fluxo informativo necessário à melhoria dos respectivos produtos, processos e desenvolvimento tecnológico.
Srs. Deputados, um país nunca é competitivo em todos os sectores, mas há sectores ou actividades em que as empresas conseguem vantagens competitivas em termos de custos ou de diferenciação face aos seus concorrentes. Portugal tem, felizmente, sectores de empresas com boas posições no mercado internacional que podem melhorar o seu posicionamento através de estratégias empresariais correctas e políticas públicas orientadas para a competitividade.
Srs. Deputados, é este o desafio principal que enfrentamos nos próximos anos para reforçar a nossa posição na economia internacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ao Governo compete estimular, e os programas estruturais de apoio directo ao tecido produtivo, na agricultura, nas pescas, na indústria, no comércio, nos transportes e comunicações, integrados no Plano de Desenvolvimento Regional, visam contribuir para o estímulo ao desenvolvimento da capacidade competitiva das empresas portuguesas, assim como os programas de apoio ao desenvolvimento regional vão contribuir para diminuir as assimetrias regionais.
Mas não nos iludamos: o principal papel do desenvolvimento compete à sociedade civil, aos empresários e aos trabalhadores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Só assim é que somos capazes de vencer os novos desafios!
Portugal, com os progressos já alcançados, tem todas as razões para reforçar a sua autoconfiança! O pior que poderia acontecer a Portugal seria deixar que a crítica destrutiva de alguns matasse o sentido do progresso necessário!
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Mas tal não vai acontecer, porque os portugueses vão continuar a saber separar o trigo do joio.
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro das Finanças, na sua primeira intervenção nesta Câmara, teve a gentileza de cumprimentar a Mesa e todos os Srs. Deputados, gesto que foi agradecido por várias bancadas.
Gostaria também de retribuir o cumprimento que nos dirigiu e augurar-lhe um bom exercício parlamentar.
Srs. Deputados, a sessão de amanhã será de perguntas ao Governo e terá início às 10 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
José Albino da Silva Peneda.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
Alberto da Silva Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputado independente:
Mário António Baptista Tomé.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados;
Partido Social-Democrata (PSD):
Américo de Sequeira.
António Fernando Couto dos Santos.
Página 2167
29 DE ABRIL DE 1994 2167
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Pereira Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Santos de Magalhães.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
Página 2168
2168
DIÁRIO
Da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
1 -Preço de página para venda avulso, 7$00+IVA.
2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.
3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.
PREÇO DESTE NÚMERO 353$OO (IVA INCLUÍDO 5 %)
Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do "Diário da República" e do "Diário da Assembleia da República", deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E. P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1099 Lisboa Codex