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Quinta-feira, 12 de Maio de 1994 I Série - Número 70

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE MAIO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.

O Sr. Presidente deu conta do agradecimento da família do Dr. José Magalhães Godinho pela homenagem que a Assembleia prestou aquando do seu falecimento.

Em interpelação à Mesa, os Srs. Deputados Helena Torres Marques e José Lello (PS) e Antónia Lobo Xavier (CDS-PP) referiram-se ao apoio pedido pela Comissão Nacional de Eleições para promover a participação dos eleitores nas eleições ao Parlamento Europeu

O voto n.º 105/VI - De congratulação pela investidura de Nelson Mandela no cargo de Presidente da República da África do Sul (PSD, PS, PCP, CDS-PP e Deputado independente Raúl Castro), foi aprovado, tendo feito intervenções, além do Sr Presidente, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP), Almeida Santos (PS), António Maria Pereira (PSD), Manuel Sérgio (PSN), Raúl Castro (Indep.) e André Martins (Os Verdes).

Em declaração politica, o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) teceu considerações acerca do Congresso "Portugal que futuro?" e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Duarte Lima (PSD), Antónia Lobo Xavier (CDS-PP) e Costa Andrade (PSD).
O Sr. Deputado António Murteira (PCP) criticou a política do Governo para a região do Alentejo, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Helena Torres Marques (PS) e Costa e Oliveira (PSD).

Ordem do dia.- Após a apresentação pelo Sr. Deputado António Filipe (PCP) da síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, procedeu-se à apreciação do Regulamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados (CNPDP!), tendo intervindo, a diverso título, além deste orador, os Srs Deputados José Magalhães (PS), Miguel Macedo (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de um Deputado do PSD.

O projecto de lei n.º 399/VI - Assegura a consulta pública dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP e adopta outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura (PS)foi aprovado na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Fernando Pereira Marques (PS), Raúl Castro (Indep.), Narana Coissoró (CDS-PP), José Magalhães (PS), Silva Marques (PSD) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrígues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.

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Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrígues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José emesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrígues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.ºs 100/VI - Autoriza o Governo a disciplinar as atribuições e competências dos serviços municipais de polícia e os limites da respectiva actuação, e 101/VI- Altera a tabela geral do imposto de selo e o estatuto dos benefícios fiscais, que baixou à 6.ª Comissão; projectos de lei n.ºs 408/VI - Suspende a vigência do regime de avaliação dos alunos do ensino secundário (PCP), que baixou à 7.ª Comissão, e 409/VI - Alteração à Lei-Quadro das Áreas Metropolitanas (PS), que baixou à 5.ª Comissão; inquérito parlamentar n.º 21/VI - Apreciação do processo de privatização de matadouros da rede nacional de abate e da actuação do IROMA (PCP) e a interpelação ao Governo n.º 19/VI - Sobre política geral, centrada na política educativa do Governo e na concretização do direito dos jovens à educação e ao ensino (PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Ana Maria Bettencourt e António José Seguro; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Trindade e ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Magalhães e João Rui de Almeida, nas sessões de 5 e 7 de Janeiro; Luís Sá, na sessão de 23 de Fevereiro, e Lino de Carvalho e José Silva Costa, nas sessões de 3 e 4 de Março.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito para informar a Câmara do teor de um cartão que o Prof. Vitorino Magalhães Godinho me enviou. Nele se diz: «Em nome de toda a família de José Magalhães Godinho, venho agradecer a sua presença na derradeira despedida a quem tanto lutou por que essa Assembleia fosse possível. Muito nos sensibilizou que você, por si e em representação de um órgão de soberania, se tivesse associado a todos nós nesses dolorosos momentos e nessa singela homenagem ao democrata e ao patriota. Oxalá os portugueses saibam manter-se fiéis a exemplos como o de José Magalhães Godinho, porque na fidelidade a esses ideais é que está a grandeza de Portugal. Pedindo-lhe para transmitir a quem achar por bem o nosso reconhecimento, com os melhores cumprimentos.»
Ora, achei por bem comunicar a toda a Câmara o teor deste notável cartão.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, sei que já lhe foi transmitida uma grande preocupação que temos, mas gostava de retomá-la, porque talvez disponha de informações para nos dar.
Como o Sr. Presidente sabe, as eleições para o Parlamento Europeu registam habitualmente a maior percentagem de abstenções e acontece que as próximas vão realizar-se numa data particularmente difícil para Portugal em virtude dos feriados de 10 e 13 de Junho.
A Comissão Nacional de Eleições propôs-se fazer um programa chamando a atenção para a necessidade de os cidadãos votarem nessas eleições. Ora, como compete à Assembleia da República disponibilizar as verbas necessárias para a sua realização, devendo o Sr. Presidente, em última instância, tomar uma decisão nesta matéria, não só quero voltar a sensibilizá-lo - se é que já o não foi - para este assunto como saber se já tomou uma decisão sobre a matéria e se pode informar-nos do seu conteúdo.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, esta temática ainda não foi abordada no Conselho de Administração da Assembleia da República, pelo que todas as posições assumidas até ao momento por membros do Conselho apenas os responsabiliza pessoalmente e não a esse órgão, que ainda não se pronunciou formalmente sobre o tema em apreço.
Acresce referir que a incidência desta questão, pela sua característica profundamente política, deveria ser abordada noutras sedes que não no Conselho de Administração, que apenas tem competência para se pronunciar sobre as incidências orçamentais de uma medida desse tipo.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, uma vez que esta questão foi levantada, solicito-lhe que esclareça a Câmara de que o tema foi discutido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares por iniciativa do CDS-PP e que as considerações e o debate que então se produziram, do ponto de vista deste partido, esgotam-na. A solução legal e regimental encontrada agrada a este partido, pelo que nada mais temos a dizer senão o que expressámos nessa altura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitam-me e, desde logo, o Sr. Deputado António Lobo, que faça uma correcção. O tema - saber se a Assembleia da República deveria ou não financiar a campanha de esclarecimento dos cidadãos a propósito das eleições para o Parlamento Europeu - foi discutido, por iniciativa minha, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares realizada há algumas semanas e, por unanimidade, entendeu-se que a Assembleia da República deveria contribuir para esse efeito.
Entretanto, porque o Conselho de Administração tem competência para emitir o parecer necessário relativo a assuntos com incidência económico-financeira, solicitei-lhe que se pronunciasse sobre esta matéria, não tendo obtido ainda qualquer resposta.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peco-lhe de novo a palavra.
Muitas vezes me engano e todos os reparos de V. Ex.ª são bem-vindos. Sucede que o tema em apreço, para o Sr. Presidente, era o pedido da Comissão Nacional de Eleições, enquanto, para mim, era o das declarações do Presidente do Conselho de Administração. Em matéria de pedido da Comissão Nacional de Eleições, o Sr. Presidente teve a iniciativa de abordá-lo; em matéria de crítica às posições do Presidente do Conselho de Administração, foi o CDS-PP, pela minha voz, que teve essa iniciativa.

O Sr. Presidente: - Aguardo, pois, o parecer do Conselho de Administração.
Srs. Deputados, vai ser lido o voto n.º 105/VI - De congratulação pela investidura de Nelson Mandela no cargo de Presidente da República da África do Sul, subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

A Assembleia da República de Portugal:

Considerando o significado histórico da investidura de Nelson Mandela no cargo de Presidente da República da África do Sul após eleições livres e pluriraciais;
Atendendo a que essa investidura representa, simbolicamente, o termo do odioso regime do apartheid na África do Sul e a conversão deste país numa democracia fundada no respeito dos Direitos Humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem;
Considerando que os grandes obreiros desse acontecimento foram o Presidente Nelson Mandela e o Vice-Presidente Frederik De Klerk;
Por tais motivos, a Assembleia da República emite um voto de congratulações ao novo Presidente da África do Sul, Nelson Mandela, desejando-lhe o maior sucesso no exercício do mandato que agora iniciou.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A tomada de posse de Nelson Mandela como Presidente da República da África do Sul é um acontecimento histórico da maior relevância política, não apenas para a África do Sul, mas também para a África Austral, para todo o continente africano e para o mundo e importante factor de estabilidade e de paz nas relações internacionais.
A tomada de posse do Presidente Mandela simboliza o fim do criminoso regime do apartheid, um regime de opressão e de exploração da grande maioria da população por uma minoria rácica e ainda a vitória do Congresso Nacional Africano e das forças políticas e sociais suas aliadas na luta que, durante dezenas de anos, travaram para estabelecer no seu país a regra democrática da maioria, a igualdade de direitos entre cidadãos, independentemente da cor e da raça, para edificar na África do Sul uma sociedade democrática, não racial, orientada pelos ideais da justiça e do progresso social.

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A luta do povo sul-africano foi feita com a participação, dedicação e sacrifício de milhares e milhares de cidadãos anónimos,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... que nunca perderam a esperança ou pouparam esforços para derrotar o racismo e construir uma sociedade livre e justa.
Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, pela sua luta, coerência política e pelos 27 anos que passou nas masmorras racistas sul-africanas, é, ele próprio, o símbolo dessa luta tenaz de todo um povo.
Ontem mesmo, Nelson Mandela afirmou que não seria fácil a tarefa de transformar a África do Sul num país onde a maioria possa trabalhar e viver com dignidade e confiança no futuro. Não será fácil mas, estamos certos, será possível, tal como a derrota do apartheid.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ao associar-se ao voto que iremos aprovar, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português presta homenagem aos muitos milhares de trabalhadores e militantes anti-apartheid que, como o Presidente Mandela, passaram longos anos nas cadeias racistas ou que, como Chris Hanni, pagaram com a vida a sua devoção à causa libertadora do seu povo; saúda fraternalmente o povo sul-africano; sublinha a importância de os portugueses residentes na África do Sul contribuírem para a edificação de uma sociedade multi-racial e exorta o Governo português a intensificar, sem quaisquer preconceitos, uma política activa orientada para o desenvolvimento das relações de amizade e de cooperação entre Portugal e a nova África do Sul.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O motivo por que o Sr. Presidente concede a palavra ao CDS-PP é solene demais para que não explique à Câmara que estas palavras só acidentalmente vão ser proferidas por mim. Acabo de saber pelo Deputado Adriano Moreira que não poderá estar aqui a horas de emitir as suas palavras, com certeza, muito mais eloquentes e sentidas do que as minhas e sinto-me na obrigação de explicar à Câmara o prejuízo a que a sujeito.
O CDS-PP congratula-se por ser possível assistirmos no nosso tempo a transformações contínuas no mundo que nunca julgámos possíveis e que, mesmo para quem tenha vivido pouco tempo, em termos relativos, são surpreendentes e vão sendo-o cada vez mais.
Na África do Sul, ocorreu mais uma dessas transformações surpreendentes, no bom sentido, e regozijamo-nos por tudo o que representa, tanto para o futuro como por todo o significado que teve no passado.
Especialmente neste momento, congratulamo-nos com o facto de se terem frustrado todas as perspectivas mais pessimistas no sentido de que o processo eleitoral não poderia decorrer sem graves incidentes e num ambiente de violência. É que mesmo essa expectativa, dos mais pessimistas que ansiavam por esse momento, foi afastada.
O CDS-PP deseja transmitir ao novo presidente eleito e à África do Sul votos de que todas as transformações que ainda têm de ser feitas no país ocorram sob o signo da esperança, da felicidade e do sucesso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também ligar-me com algumas palavras a este voto para que fique bem claro o entusiasmo com que o Partido Socialista e o seu Grupo Parlamentar assistiram ao acto de posse do primeiro presidente negro da África do Sul.
Imagino a alegria que vai em todos vós, mas peço que imagineis a que pode sentir um homem como eu, que em 1948 visitou a África do Sul, pela primeira vez, integrado no organismo académico de Coimbra e pôde roubar, numa picardia académica, uma placa (que ainda hoje tenho) de um banco do jardim que dizia europeens only, isto é, «só europeus». Chegava a este extremo de indignidade a política do apartheid: nem os bancos de jardim eram comuns a brancos e negros. Tudo era separado e, de comum, existia, talvez, apenas o ódio, esse, sim, recíproco.
Não se pode dizer que a África do Sul estava no mesmo plano dos países colonizados, um dos quais era o que escolhi para viver e exercer a minha profissão.
Quando lutei contra o colonialismo, lutei também contra o regime do apartheid na África do Sul, mas esta nunca foi uma colónia, porque os europeus que lá chegaram encontraram uma terra deserta, que começava a ser povoada pelos africanos que afluíam do norte, da zona dos grandes lagos. Daí nasceu o primeiro confronto, a primeira raiz de um ódio que se multiplicou de variadas formas.
Há pouco tempo, julgar-se-ia impossível o sucesso deste homem, um sage, um homem mitificado, que, depois de ter sido advogado de negros na luta contra os brancos, depois de quase 30 anos de prisão, dos quais não saiu minimamente possesso de ódio ou de ressentimento mas mais humanizado do que nunca, veio a conseguir o que eu próprio julgaria um milagre: que ele pudesse ser eleito, em eleições livres e cuja legalidade ninguém discute, o primeiro presidente negro da África do Sul.
Srs. Deputados, creio que isto é a primeira parte de um milagre e desejo que a segunda parte seja também possível. Se não o for com Nelson Mandela, não o será com ninguém no lugar dele.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Então, o milagre terá de ser outro: talvez não já o da unidade mas o da divisão, com o preço que as divisões normalmente costumam ter.
Quando conheci, durante a sua visita a Portugal, o Presidente Nelson Mandela, tive a sensação de que estava na presença de um homem superior, extraordinário, fora do comum, um desses homens raros que, de vez em quando, aparecem para modificar o mundo e para fazer desviar a História dos seus erros e dos seus caminhos errados.

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Estou convencido de que a África do Sul é, neste momento, um repositório de esperança e que os ódios estão, em grande medida, aplacados. Oxalá não acordem! Oxalá Nelson Mandela consiga satisfazer a esperança e a ansiedade de todos os sul-africanos, que são também as ansiedades de todos os democratas e homens livres de todo o mundo.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e do PSN.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por vos contar um incidente que aconteceu com o meu pai e que prova bem que o apartheid, para além de ser uma violação frontal e indesculpável dos direitos humanos, era também uma ofensa à nossa inteligência.
O meu pai era uma pessoa morena e tinha uma malha na testa - como tem Gorbachov, por exemplo - e um dia, na África do Sul, precisou de enviar uma carta e foi a uma estação de correios. Havia duas filas e ele, como branco que era, foi para a fila dos brancos. Um agente da autoridade olhou para ele e disse: o senhor tem essa malha, vá para a outra fila. E o meu pai teve de ir para a fila dos negros. Conto esta história para que percebamos o absurdo que era o apartheid.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É realmente simbólica a investidura de Nelson Mandela na Presidência da África do Sul. Para além de tudo o que aqui foi dito, quero, neste momento, fazer ressaltar que o apartheid significava uma violação frontal à Declaração Universal dos Direitos do Homem, que diz não poder haver distinções com base na raça, no sexo ou em qualquer outro critério.
Para além de ser uma violação, tinha de específico o facto de ser uma violação institucionalizada. Diz-se, por vezes, que existe racismo em outros países, mas esse racismo viola as leis em vigor, ao passo que o que há de particular, de específico, no apartheid sul-africano é o facto de o racismo ser institucionalizado por lei. Isso tornava-o ainda mais absurdo e inaceitável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vitória da democracia na África do Sul representou uma grande vitória da opinião pública, porque o apartheid caiu, também, devido a um movimento global das opiniões públicas mundiais contra esse sistema.
Aqui, caímos numa outra questão de Direito Internacional. Como é do vosso conhecimento, a Carta das Nações Unidas prevê o princípio da não ingerência, segundo o qual nenhum país se pode ingerir nos assuntos de outro país. A isto opõe-se o direito de ingerência, derivado do facto de os direitos humanos representarem uma responsabilidade internacional de cada país em relação aos restantes países. É isto a universalidade dos direitos humanos, é isto que esteve em causa, recentemente, na Conferência de Viena e foi finalmente de novo reafirmado.
Em relação à África do Sul, verificou-se mais uma vez a vitória do princípio da universalidade dos direitos humanos contra a regra da não ingerência nos assuntos internos. Isto é muito importante, porque é neste caminho que as coisas devem prosseguir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria congratular-me com aquilo que observei enquanto estive na África do Sul. Assisti, quase matematicamente, poderia dizer, ao momento em que a tensão existente em toda a parte se converteu, de repente, em descompressão, em reconciliação. Isso aconteceu no segundo dia das eleições e nós sentimo-lo no ar. A partir daí, tudo aconteceu da melhor maneira, todas as previsões de que ocorreriam acidentes graves nas filas de voto foram desmentidas. Neste momento, acredito que a África do Sul tem diante de si um caminho positivo, há um movimento geral de simpatia pela África do Sul, os capitais estão a afluir de novo, o país é rico e tem todas as condições para ser uma grande potência da África Austral, de África ou, mesmo, do mundo. Por isso me congratulo com o voto aqui apresentado.

Aplausos do PSD, do PS e do PSN.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Sérgio, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nelson Mandela sempre foi um homem livre e libertador, daí que seja naturalmente o primeiro Presidente da África do Sul livre e, portanto, liberta do criminoso apartheid. Saúdo, na figura de Nelson Mandela, um marco que se levanta de libertação de um povo, que ainda há pouco julgaríamos definitivamente sepulto num racismo e num classismo abjectos e nefandos.
A África do Sul libertou-se, o mundo ficou mais livre. É de coração em festa que o registo. Mas a liberdade, como tudo, não é um estado, é um processo. Espero que a África do Sul do futuro mereça os momentos inolvidáveis que hoje está vivendo.
São estes, acima de tudo, os meus votos sinceros.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em meu nome pessoal e no da Intervenção Democrática, saliento que não foi por acaso que a cerimónia de tomada de posse de Nelson Mandela reuniu um número de chefes de Estado tão elevado como há dezenas de anos não se encontrava.
A posse, como Presidente da África do Sul, de Nelson Mandela é um acontecimento histórico que marca o nosso século. É um dos maiores acontecimentos históricos do nosso tempo. Por isso nos associamos às manifestações que, de todo o mundo, chegam junto de Nelson Mandela, assinalando o fim do apartheid e a sua posse como Presidente da África do Sul.
Sr. Presidente, no seguimento do voto de congratulação que iremos votar, gostaria de sugerir a V. Ex.ª que a Mesa faça transmitir o seu conteúdo a Nelson Mandela, visto que ele se destina a ser uma congratulação pela tomada de posse do Presidente da África do Sui e, naturalmente, faz parte do seu destino ser comunicado a Nelson Mandela.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado André Martins, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A tomada de posse do Presidente Nelson Mandela, na África do Sul, representa, para todos

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os povos do mundo, um momento de grande esperança para a Humanidade e para um futuro que, neste final de século, parecia cada vez mais ameaçado. É a demonstração de que vale a pena lutar pela dignificação dos seres humanos e pela liberdade.
Ao participar, como observador da Assembleia da República, no acto eleitoral da África do Sul, tive oportunidade de constatar a esperança que aqueles homens e mulheres - brancos e negros - tinham na transformação de uma sociedade que foi, de facto, o último regime do apartheid instituído.
Por isso, congratulamo-nos com esta alteração significativa, que dá esperanças não só a toda a Humanidade mas também, em particular, a África, pois aquele regime representou uma das razões que impedia transformações em África, designadamente, em Moçambique e em Angola, desejadas por todos, segundo creio. Esta esperança fica agora reforçada e poderá contribuir para que, efectivamente, tenhamos mais esperança nos homens e num futuro melhor para o nosso planeta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitam-me que, em meu nome pessoal, me associe também ao regozijo da Câmara pelo fim do apartheid na África do Sul e pela reafirmação do princípio da igualdade e da não discriminação racial, inerente ao humanismo universal e também - perdoe-se-nos o facto de olharmos para nós próprios - uma expressão do humanismo português.
Não tive ocasião de conhecer Nelson Mandela quando ele visitou a Assembleia, visto que estava, por razões do cargo, fora do País. Mas, nesta hora, em que ele assume por direito próprio o papel de conduzir a sua pátria a uma nova idade, gostaria de lembrar o que ele disse, quando, há 30 anos, foi julgado e condenado à prisão perpétua. Disse ele - e traduzo: «Eu acarinho a ideia de uma nova África do Sul, onde todos os sul-africanos sejam iguais, onde todos os sul-africanos trabalhem em conjunto para fazer nascer a segurança, a paz e a democracia no nosso país.»
Eu próprio espero que, agora, Nelson Mandela leve a cabo este voto de há 30 anos, para admiração do mundo inteiro.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto de congratulação n.º 105/VI, que já foi lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Mário Tomé.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recusámo-nos a deixar-nos envolver em disputas partidárias na perspectiva do Congresso «Portugal: que futuro?» Mesmo quando para o efeito provocados, fizémos questão em salvaguardar a sua natureza apartidária.
Agora sim. Fechada a luz,...

Risos do PSD.

... podemos submetê-lo a uma avaliação crítica. Dado o relevo de que se revestiu, é mesmo nossa obrigação fazê-lo.
É cedo ainda para tentar medir a exacta extensão das suas consequências. Mas uma coisa é desde já irrecusavelmente certa: o status quo político levou um abanão de que dificilmente se refará...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sobretudo o engenheiro Guterres!

O Orador: - ... sem um esforço correctivo de algumas verdades evidenciadas.

Três factores contribuíram fundamentalmente para isso: o número e a qualidade das adesões e participações, o patrocínio do Presidente da República, a força e o significado do seu discurso.
O PSD tinha-se auto-excluído dele e tentado minimizá-lo, anunciando-o como um discurso de oposição ao PSD e ao Governo, ao mesmo tempo que recusava ao Congresso «qualquer importância». Anteviu-o como um «comício permanente do princípio ao fim», que dificilmente viria a ultrapassar «a propaganda anti-PSD e anti-Governo». Quanto ao discurso, acertou em cheio. Foi também isso, foi até expressivamente isso. Mas foi muito mais do que isso. Quanto ao Congresso, enganou-se redondamente. Vai, por muito tempo, ecoar em milhares de consciências livres.
O discurso do Presidente da República foi portador de tal incomodidade que a maioria que nos governa se apressou a corrigir o tiro. Uma bravata chamaria a atenção para ele. O que se fazia mister era «fazer de contas». O chefe da banda deu o tom. Não se pronunciava sobre o discurso, porque não o conhecia. Durante a sua leitura encontrava-se mergulhado «no Alentejo profundo», no Pulo do Lobo, ao que parece a comer caracóis num café situado a tal profundidade que o tornou impenetrável às ondas hertzianas.

Risos do PS.

No Alentejo há cafés assim!
Acrescentou o Primeiro-Ministro que, mesmo que conhecesse o discurso, não o comentaria. O lobo não pulou!... Relembrou, a propósito, que «tem dado ordens» (sic) «ao (seu) partido para que todos ajudem o Dr. Mário Soares a terminar com grande dignidade o seu mandato, porque ele bem o merece».
De onde se deduz que, sem essas «ordens» não terminaria, que o discurso foi supostamente indigno, e que o Dr. Pacheco Pereira, ao dizer aqui o que disse, desrespeitou esse ordenamento. Ainda bem: viria a proferir um dos discursos que mais brilho emprestaram ao Congresso. É sabido que o Dr. Mário Soares não gosta que lhe ponham o dedo no nariz.
O líder da bancada social-democrata foi mais subtil: alguns mal-intencionados - disse - insinuarão que o discurso do Presidente foi «o canto do cisne».

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não me diga que não é!

O Orador: - Não ele, e ainda bem. Pois não é que outros mal-intencionados acham que o canto do cisne é um finis vitae e que o Dr. Mário Soares esteve mais vivo do que nunca?
Tudo visto, acho eu que estamos em face da mais notável performance na técnica de engolir sapos vivos.

Risos do PS.

Para disfarçar, os canários do PSD foram insinuando que o PS também apanhou por tabela. Depois de

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terem engolido um elefante, apontam agora para o «bucho» socialista: como está empanturrado!...

Risos do PS.

É, no entanto, verdade que o discurso do Presidente, criticando predominantemente o poder e quem o detém, disse do sistema partidário, logo de todos os partidos, o que entendia que também neles, e no seu funcionamento, lhe merecia reparo.
Foi excelente que o tivesse feito. Por um lado, porque assim se pôs a coberto de acusações de espírito de facção. E, por outro, porque é verdade que a democracia representativa de base partidária se encontra em crise um pouco por toda a parte, e nada mais útil do que evidenciar esse facto para provocar reacções saudáveis, por fora ou por dentro dos próprios partidos.
Pelo que nos diz respeito, nunca enjeitámos erros e responsabilidades - quando as temos ou quando as tivemos - nem passamos a vida a negar que a terra se move, forma de significar que não ocultamos a verdade com artifícios de propaganda. Por isso não tememos críticas, antes as desejamos, nem nos formalizamos com bem-intencionados conselhos correctivos de eventuais acomodações ou mesmo desvios.
O debate de ideias - num Congresso ou fora dele - é para nós sempre salutar. Por isso este Congresso, em que cidadãos politicamente independentes, ou membros de partidos a título individual, se juntaram para debatê-las, não podia ser por nós considerado mau.
O grande mérito deste discurso do Presidente está no facto de constituir uma síntese de todos os outros. De novo, apenas o cenário, a globalização temática e a ênfase formal.
Foi um discurso a um tempo simples e empolgado, sem prejuízo de ter podido ser também comedido e correcto. Há nele veemência, não aspereza. Em caso algum ofensa.
Situado numa perspectiva de respeito pela verdade, implicitamente vinculou o próprio Congresso a situar-se nos estritos limites dela. Desde logo, sendo o que pareceu e disse ser. Isto por mais que alguns desgarrados congressistas - dado o pluralismo da composição do Congresso - possam querer alimentar a ilusão de que é possível prosseguir objectivos desviantes a coberto da sombra tutelar do patrocínio do Presidente.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está a referir-se ao organizador!

O Orador: - Dito o que, foi e será sempre bem-vinda a multiplicidade das visões, ainda que traduzidas na veemência das críticas. Como serão sempre benéficas as chamadas de atenção para a natureza constitucionalmente participativa da nossa democracia e efectivamente hegemónica da nossa prática política. Há que criar novos espaços à intervenção da sociedade civil e à participação dos cidadãos enquanto tais. Há, num extremo que não rejeito, que reinventar a democracia representativa, complementando-a com novas formas de democracia directa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A afirmação de que a democracia se não esgota nos partidos é hoje um lugar-comum para o qual o pensamento político contemporâneo se esforça por encontrar saídas, à revelia de Aristóteles, Rousseau, Maquiavel e Montesquieu, em cuja obra, até há pouco, esteve o tout-politique. Deixou de estar. Mas aquela afirmação tem também o sentido de que, se a democracia se não esgota nos partidos, não é possível sem eles.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Por isso estamos atentos à retoma de combates contra os partidos e as ideologias e ao regresso do «evangelho do ódio nacionalista», portador dos germes do autoritarismo e da violência. E tão determinados a defender aqueles vetustos baluartes de liberdade como a corrigir as suas eventuais perversões.
Pelo que nos diz respeito, damo-nos por notificados das mensagens do Congresso. Em breve serão anunciadas por nós propostas corajosas e inovadoras de alteração do sistema político-constitucional, em que traduziremos a nossa inconformidade, agora mais reforçada do que desperta, com o desajustamento do presente político às perspectivas e ansiedades do futuro.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Vamos a ver se depois delas se persiste na estafada «cantata» de que nada nos distingue do PSD. Vamos a ver se o partido do Governo bate palmas!
Mas que dessas propostas não nasça a ilusão de que é fácil, ou sequer possível, condicionar a partir do exterior a gestão de um partido que possui órgãos de decisão democraticamente legitimados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- São esses órgãos, e mais ninguém, quem elege dirigentes, escolhe candidatos e define políticas.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa é contra o Comandante!

O Orador: - O próprio Presidente adverte os «cidadãos conscientes (de que) não devem ceder à tentação de se afastarem demasiado dos partidos - mesmo que não preencham toda a sua ânsia de renovação -, devendo trabalhar neles, procurando melhorá-los por dentro e transformá-los...» Dito isto, serão bem-vindos - repito - todos os avisos e conselhos. Gostamos de ser leccionados.
O Presidente da República chamou a si o propósito de sumariar as carências, as preocupações e até as angústias do povo português. O seu discurso veio a ser assim a autorizada antítese do discurso oficial do Governo e da maioria que o apoia. Este defensivo, desculpante, arco-íris. Esteve tudo bem até mesmo depois de começar a estar tudo mal. Ao menor novo sinal de cor na refracção da luz solar, volta a estar tudo bem. Culpas, nem uma só. São todas da oposição, da crise ou da Europa. É um discurso do «arco da velha»!...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aquele sincero e verdadeiro, sem hipérboles críticas, um discurso mais de aviso do que de

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reparo. Em vez de mitos euforizantes, sobressaltos de advertência. Um Governo que não vivesse narcisicamente encantado com a ideia que faz de si próprio, diria obrigado. Um Governo que é presa desse encanto, diz, cinicamente, não comento.
Do discurso do Presidente, não se há-de dizer que não deixou pedra sobre pedra. Mas o prestígio já precarizado do actual Primeiro-Ministro, construído a partir do espírito acomodatício de muitos à realidade, caiu do seu pedestal e escaqueirou-se de encontro às intervenções e reacções dos congressistas.
Desde logo, porque esse prestígio vive da desinformação e da mentira e não suporta o embate com a verdade. E depois porque o anima um projecto hegemónico e centralizador e o discurso do Presidente relançou um projecto de participação democrática sem ardis e sem sofismas. A este propósito, o Presidente condenou «a excessiva hegemonização de um partido em relação aos outros», «os fenómenos de osmose (sempre nefastos em democracia) entre os interesses partidários e o aparelho de Estado», as «exigências de clientelas ávidas de benefícios, nem sempre legítimos». Referências, como tantas outras, com destinatário certo.
Já ao referir-se à «crise dos partidos», à «falta de transparência nas regras democráticas do (seu) funcionamento», ao «sistema do seu financiamento» e ao «excesso de pragmatismo das soluções preconizadas, esquecendo os valores e princípios básicos que os diferenciam», o Presidente não poupou «nenhuma das diferentes famílias político-partidárias europeias».
Depois de ter considerado a ausência de uma política cultural como «o primeiro dos nossos problemas», e a «qualidade do homem português a nossa maior riqueza» o Presidente deplorou as perversões anti-valorativas da informação televisiva e erigiu a política de educação-formação em prioridade das prioridades.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas de facto, e não apenas nas intenções programáticas e nas proclamações oraculares dos responsáveis políticos. Declarou «sem sentido» as «guerras nas escolas e nas universidades», recomendou que se derramem os perfumes financeiros investindo na educação, e sentenciou que «quem não sabe dialogar com a inteligência e com a juventude, deve dar como perdida a batalha do futuro».
Como devem ter-se ruborizado as orelhas da Sr.ª Ministra da Educação, que acaba de se colocar na contra-mão desse avisado conselho e de estabelecer uma estreita relação causal entre a formação universitária especializada e o emprego, em termos que recomendariam que não ocupasse o lugar que ocupa. Está, manifestamente, impreparada para ele.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Num discurso tão densificado, não podiam faltar referências à gestão dos fundos comunitários. Teremos sabido aproveitá-los bem? A resposta é conhecida!
Nem ao novo Quadro Comunitário de Apoio e à necessidade da «máxima transparência», do «máximo consenso», de «participação e corresponsabilização». Isto é, a antítese do que tem sido a atitude do actual Governo.
Nem podia faltar a pergunta angustiante, já noutros lugares deixada, sobre «como iremos viver, como Nação, quando os fundos comunitários acabarem ou diminuírem sensivelmente?» Terá o Presidente culpa de o actual Governo aparentemente se não preocupar com isso?
Nem podia faltar a angústia com que agricultores, pescadores, industriais e mineiros perscrutam, sem um sinal de esperança, os céus do seu futuro.
Quanto ao sector dos serviços, o Presidente receia a justo título que nos resignemos a ser «os criados dilectos do resto da Europa». É duro de ouvir. Mas a verdade nem sempre respeita os amavios da acústica.
No plano económico, o Presidente aflora o regresso dos salários em atraso e do crédito mal-parado, a diminuição dos salários reais, a permanência do trabalho infantil, a crescente predominância dos contratos a prazo, as falências consumadas e o espectro das anunciadas. No plano social, destaca «o aumento da pobreza», a evolução incerta da segurança social, a marginalidade, o aumento crescente do tráfico da droga, a exclusão de certos grupos sociais, como os imigrantes», a desumanização das prisões, transformadas em «depósitos de presos sem direitos humanos», verdadeiras «escolas superiores de criminalidade». Tudo «problemas sociais muito sérios», susceptíveis de «transformar-se em matéria explosiva».
E pergunta: «como vamos sair desta situação, de cores tão sombrias»? «Com verdade» e «sem eleitoralismo», é a resposta que a si mesmo dá. Eis a contra-face da «democracia de sucesso» tão cara às ilusões do Primeiro-Ministro!
Depois de constatar que «a internacionalização das economias é um fenómeno universal e inelutável», e que o mítico Terreiro do Paço «perdeu poderes de condicionamento e intervenção», o Presidente condena «certos pruridos» que eu identificaria com o regresso de uma cultura autoritária de ódio e de violência, traduzida em actos de desvalorização da Revolução de Abril e dos seus heróis, de glorificação de criminosos e torcionários, de hostilização dos pilares institucionais do estado de Direito, de neutralização concentracionária do princípio da separação de poderes, de desautorização e neutralização do poder legislativo, de tentativas de redomesticação do poder judicial, de relativização das garantias de direitos fundamentais, de desvalorização da magistratura presidencial, de tiques de cultura, ou da ausência dela, que completam o ramo, com este a pôr de novo em causa princípios e valores que julgávamos definitivamente enraizados no coração dos portugueses.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Que rol trágico!

O Orador: - Não de todos, como se vê.

Sobre a União Europeia, o Presidente declara a nossa integração nela como uma situação «sem alternativa e sem recuo» e denuncia o risco de o alargamento da União vir a tornar-nos ainda mais periféricos e débeis. Encontra remédio para isso em «termos o nosso próprio projecto europeu e sabermos lutar por ele, deixando de seguir apenas como alunos aplicados as decisões de Bruxelas», optando sem evasivas pela «Europa dos cidadãos». Acrescenta que «quando ouvimos certos tecnocratas preocupados com um monetarismo de vistas curtas ... duvidamos de que seja a mesma a Europa de que estejamos a falar».
Enjeitando preocupações que julga infundadas ao nível do risco da «perda de identidade», o Presidente exproba a falta de uma política consistente para o es-

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paço lusófono. Acaba por recomendar mais diálogo, mais concertação, mais participação democrática, mais informação, menos gestão autoritária, menos hegemonização, menos poder centralizado.
A nível institucional, recomenda mais respeito pelo Parlamento, mais independência para o poder judicial, mais controlo democrático das actividades policiais, mais separação dos poderes, mais verdade, mais estado de Direito. A velha receita de corrigir os defeitos da democracia com mais democracia.
Assiste-se desde já à retoma, pelos advogados oficiosos do poder instituído, de acusações de pessimismo tremendista. É a nova versão, retocada, da oposição carpideira. Infelizmente, e quanto a esta, foi com o seu carpir que se identificou a realidade. É agora tarde para que os portugueses acreditem em que o Presidente exagera. Perante a gravidade da situação presente, só o realismo, por mais doloroso, é construtivo. Para além de um certo grau de culpa dos responsáveis políticos, só a sua substituição é redentora.
A esperança é possível. As soluções existem. Mas passam todas por aí.
Saúdo este reencontro com as nossas velhas críticas e acusações. Com outras vestes formais, são nossas conhecidas e também nossas. Mas o Presidente da República, além de as ter juntado num libelo único e globalizante, emprestou-lhes o prestígio do seu cargo e do seu nome.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não devem, de facto, ter sido fáceis de digerir por quem, tendo todo o poder, delas tem a responsabilidade toda.
Mas fica assim tudo mais bem ordenado. A verdade reposta. Os cidadãos esclarecidos. O Governo avisado.
Que cada um - cidadão, responsável político ou partido - tire de tudo isto as pertinentes conclusões.
Este foi o verdadeiro discurso sobre o estado da Nação. O discurso da verdade contra o discurso da ilusão. E a verdade é tal qual: sombria e preocupante. Cabe aos senhores da maioria reconhecerem essa verdade como primeira condição de poderem combatê-la. Com humildade. Em diálogo com todos os portugueses.
Lembrai-vos, senhores da maioria, de que ninguém derrota a verdade. Estais no bom caminho para serdes derrotados por ela.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Duarte Lima, António Lobo Xavier e Costa Andrade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, nós valorizamos a instituição parlamentar e, por essa razão, vou fazer-lhe pedidos de esclarecimentos e algumas observações políticas à sua intervenção.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não iremos cometer a falha do silêncio que VV. Ex.ªs aqui cometeram, na semana passada, em relação ao meu colega Pacheco Pereira.

Aplausos do PSD.

Os senhores dizem uma coisa mas, na prática, fazem outra!
Começo por caracterizar a sua intervenção, porque ela é inédita da sua parte. O senhor, como há muitos anos não me lembro que tenha feito, fez aqui o discurso da inocência, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Compreendo-o. Conheço a ascese mística que o Sr. Deputado tem vivido nos últimos tempos, percebo que esteja a caminho da beatitude e que venha aqui fazer o discurso da inocência de quem procura mostrar que não percebeu aquilo que, seguramente, percebeu. Aquilo que, em primeiro lugar, o senhor percebeu é a incomodidade que este Congresso causa, não ao PSD e ao Governo, Sr. Deputado Almeida Santos, pois, a nós, inspira-nos muita tranquilidade...

Risos e protestos do PS.

Ouvi para aí um som de «caixa de rufos». Ora, como eu próprio ouvi o vosso líder parlamentar não sei se poderão ouvir-me também?... É que os senhores falam no diálogo e na razoabilidade, mas não querem diálogo nem razoabilidade. Os senhores só querem ouvir-se a si próprios.

Protestos do PS.

Os senhores só querem ouvir as vossas próprias vozes! Aplausos do PSD.
Como dizia, não foi ao PSD nem ao Governo que o Congresso causou incomodidade, mas sim ao Partido Socialista, Sr. Deputado Almeida Santos: com um líder que foi para 11 000 km de distância, com os dirigentes divididos nas intervenções que ali fizeram e com os jornais, nos bastidores, a dizerem todos que a pergunta que ali se fazia era «quando é que o Guterres cai?»
Portanto, para nós não há incomodidade. A incomodidade é vossa.
Nós podemos ter «engolido algum sapo» - não engolimos -, mas o senhor acaba de «engolir um Comandante» e, por este caminho, vai «engolir uma corveta e um torpedeiro e um contra-torpedeiro», Sr. Deputado Almeida Santos!

Aplausos do PSD.

É óbvio que fizemos observações ao Congresso. Discutimos, em primeiro lugar, os seus propósitos. E esse exercício os senhores não fazem! Os senhores, que falam da valorização do diálogo, do debate, da valorização das instituições parlamentares, aceitam humildemente as conclusões de um Congresso cuja legitimidade desconhecemos. É que, Sr. Deputado Almeida Santos, o único critério que reconheço nas democracias para as selecção dos dirigentes políticos não é o da pretensa autoridade técnica, nem o dos universitários, que todos respeitamos muito, Sr. Deputado Almeida Santos, mas é o critério da competência política e esse só se afere de uma maneira: através de eleições livres!
Foi esse o discurso que o Sr. Deputado toda a vida fez e que, hoje, aqui negou!

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Aplausos do PSD.

É o único critério que conheço.
Sr. Deputado Almeida Santos, eu, como democrata, e o senhor, como democrata e como parlamentar que tem uma legitimidade específica aqui dentro, o senhor não pode aceitar, sem vergonha, que venha um Congresso, que não tem qualquer tipo de legitimidade, fazer aquilo que um partido deve fazer. É porque, no fundo, o que procurou ali fazer-se é o que faz um partido de oposição. Desmascaremos as coisas! O que aquele Congresso procurou fazer, Sr. Deputado Almeida Santos, com conclusões feitas à partida, como nos malfadados regimes que nós conhecemos, foi o que fazem os partidos políticos.
Há pessoas, como dizem alguns dirigentes do seu partido, como dizia ontem o Dr. Fernando Gomes - e muito bem -, que não têm a coragem de inscrever-se nos partidos, nomeadamente no Partido Socialista e que criticaram daquela sede as direcções partidárias, a vossa em concreto. Essas pessoas querem ter experiências partidárias sem assumirem os riscos inerentes, são como o homem que, para sentir o prazer da selva, quer ter um velho leão de circo desdentado à volta da casa, Sr. Deputado Almeida Santos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É isto que criticamos e que V. Ex.ª também tinha obrigação de criticar.
Claro que aceitamos que se façam críticas ao Governo ou ao PSD, mas o grande libelo que é feito naquele Congresso é o de se dizer que o Partido Socialista não é capaz de ser alternativa a este Governo. Foi isto que lá se disse...

Aplausos do PSD.

... e não foram desgarrados congressistas que o disseram. Sr. Deputado Almeida Santos: foi o Sr. Comandante, que é o principal organizador, foi o Sr. Dr. Carlos Monjardino. Não são desgarrados congressistas, não são pessoas quaisquer, Sr. Deputado Almeida Santos. Por isso, se no Alentejo há «cafés assim», também no PS há «Deputados assim», como V. Ex.ª, para assistirem a isto, impávidos e serenos, sem poderem sequer fazer aqui o mea culpai

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, temos uma atitude de respeito pelo Sr. Presidente da República, que, como é óbvio, tem as suas posições. Sabemos quais elas são. Já muitas vezes o elogiámos e já muitas vezes o criticámos. Aliás, isso já aconteceu também com o vosso partido.
Mas o que um democrata - e V. Ex.ª, como democrata que é - tem de perguntar é se as críticas feitas são curiais. E, nesse caso, tiremos as consequências: o Sr. Presidente da República ou demite o Governo ou dissolve a Assembleia da República! É assim ou não é?

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Almeida Santos, um democrata e um parlamentar com o seu passado, um homem de Estado, como reconhecemos que é, vem aqui dizer que se tratou de um discurso do estado da Nação!? Este ano, o discurso do estado da Nação foi na FIL. E para d ano, onde será? Na EXPONOR, Sr. Deputado Almeida Santos?!

O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito bem!

O Orador: - Que discurso do estado da Nação é esse, Sr. Deputado!? Tenha paciência mas não podemos, por mais incomodidade que isso vos cause - e por mais que o seu brilho e o seu talento procure dar a volta, deixar de vos perguntar se querem colocar aqui uma moção de censura ao Governo. Os senhores querem convidar o Sr. Presidente da República a demitir o Governo e a dissolver a Assembleia da República? É isto que faz sentido, como democrata, Sr. Deputado Almeida Santos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou o discurso é consentâneo e aponta nesse sentido, ou não é consentâneo e é uma hipocrisia. Então, tirem-se as máscaras de todos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, gostava que V. Ex.ª pudesse dizer mais alguma coisa sobre isso porque a sua intervenção foi omissa e deixou por dizer o essencial.
Sabemos que muitas coisas correm mal com todas as maiorias. Cometemos erros aqui, no Parlamento, e o Governo comete erros na governação. Muito bem, critiquem-se os erros! Mas um responsável político, ao nível do Estado - como o senhor e o Sr. Presidente da República - não pode fazer um libelo acusatório, seja de 8, de 18 ou de 38 páginas e não dar soluções!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É fácil fazer críticas. Não ouvi, como disse e muito bem o Dr. Manuel Monteiro, uma única solução.

Risos do PS.

É verdade!

Vozes do PS: - Ao que isto chegou!...

O Orador: - «Ao que isto chegou» porquê? O Dr. Manuel Monteiro não tem direito de ter opiniões?! Disse-o e muito bem!

Protestos do PS.

Como dizia, não se pode fazer esse libelo acusatório sem dar uma única solução. Também o Sr. Deputado Almeida Santos não apontou qualquer solução e isso limita a credibilidade do seu discurso de uma forma que o senhor, pelo seu passado político, não merece.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos não dispõe de tempo para responder aos pedidos de esclarecimento, mas a Mesa cede-lhe três minutos para o efeito.
Tem a palavra, Sr. Deputado Almeida Santos.

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, a sua indignação e excitação só veio confirmar aquilo que disse: a incomodidade é vossa, não nossa! Mas isso parece-me tão óbvio que não vale a pena realçá-lo.
Diz que deslizámos para o silêncio há dias. Fizemos apenas o que os senhores tem feito inúmeras vezes. Somos livres de usar o silencio como queremos. Não queira, pois, obrigar-nos a falar quando entendemos que o silêncio é o que os senhores merecem.
Agora, se quiser acreditar na minha inocência, faça favor. É livre disso, pois até talvez lhe de algum jeito... Mas acabará por ter algumas ilusões se continuar por esse caminho. Já sou velho demais para ser inocente e acredite que a minha ascese mística tem aspectos tão contundentes para os vossos erros como a fase anterior a essa ascese.
Não fomos nós que nos recusámos a aceitar o Congresso como uma coisa normal; não somos nós os inimigos do debate nem fomos nós que ocultámos a verdade com fantasias de arco-íris. Não são essas as nossas atitudes. Aceitamos o debate a todos os níveis, a verdade e as críticas. Os senhores é que se colocam na contra-mão de tudo o que são instituições e práticas democráticas e depois, quando 2500 cidadãos se juntam para criticar a vossa politica,...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Então não eram 4000?!

O Orador: - ... aqui d'el rei que estão fora da democracia, aqui d'el rei que estão contra os partidos!

Protestos do PSD.

Desculpem, mas deixem-me falar porque só disponho de três minutos e...

Aplausos do PS.

... gostaria de ser eu a gastá-los e não os senhores com as vossas intervenções.
Não estejam, pois, tão preocupados com as atitudes do meu líder nem com o que se passa dentro do PS. Ficamos muito comovidos e enternecidos com as vossas preocupações connosco. De facto, têm sempre essa gentileza de se preocuparem com o que se passa dentro do PS. Devolvemos esse tempo gasto e pedimos que o dediquem à solução dos problemas no País.
Aqueles problemas que os senhores não reconhecem existir têm agora de começar a ser reconhecidos porque foram de tal maneira evidenciados que não podem mais continuar com o discurso do arco-íris, da democracia de sucesso, etc.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não compreendi quando disse que só o critério da competência política, e não o da competência universitária, releva. O que é isso de pôr a competência universitária...

Vozes do PSD: - Não, não é nada disso!

O Orador: - ... fora das competências relevantes na política? Entendo que tanto a competência universitária como a...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Dá-me licença que esclareça, Sr. Deputado?

O Orador: - Se o Sr. Presidente descontar o tempo, faça favor.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, não excluí o critério da competência universitária. O que disse foi que não é esse o critério e a base para a escolha e selecção dos dirigentes políticos mas, sim, o da competência política. Obviamente, o critério de outras competências, técnicas, universitárias ou de outra natureza, também é importante mas não é aferidor dessa legitimidade.

O Orador: - Sr. Deputado Duarte Lima, numa democracia participativa, nenhuma competência - e até nenhuma incompetência - fica fora da democracia ou da legitimação seja do que for, em termos de competência política.

Vozes do PSD: - Não é isso!

Aplausos do PS.

Depois, veio com a velha e estafada cantata de que o PS não é alternativa. Bom, estamos habituados a isso, ao vosso «faduncho», com o refrão: «O Guterres não presta, o Primeiro-Ministro é que é bom!» Acontece que há vários meses que, com surpresa - em face das vossas críticas -, vejo o PS à vossa frente nas sondagens. Não percebo!...
Acabem, pois, com isso, de uma vez por todas, e terão a resposta. Já a tiveram nas eleições autarcas, vão ter nas europeias e nas legislativas!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, se vos conforta a ilusão de que são eternos e que o Sr. Primeiro-Ministro, de facto, é insubstituível, mandado por Deus para resolver os nossos problemas, continuem a gozar essa ilusão porque, de eleição em eleição, os senhores vão perdendo esse conforto.

Protestos do PSD.

Dizem ter uma atitude de respeito para com o Presidente da República. À segunda-feira têm, à quarta-feira, normalmente, já não têm, à quinta-feira voltam a ter e à sexta-feira têm ou não consoante o dia do mês de que se trate!
Devo dizer que o Sr. Presidente da República, a dissolver e a demitir, preferiu, naturalmente, tentar corrigir.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Claro!...

O Orador: - E o que vos diz é isto: «Estão a errar, corrijam os vossos erros.»

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Os senhores são é impermeáveis à crítica! Ficam fulos e fora de si porque, no fundo, não assumem a humildade democrática, para a qual o Sr. Deputado também fez apelo. Assumam-na e verão que não é assim tão doloroso ser criticado e nem é, sequer, tão desgastante em termos eleitorais como, por vezes, parece que julgais.
Agora, o discurso do estado da Nação, o verdadeiro e o de acordo com a realidade, foi o proferido pelo

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Sr. Presidente da República. Quanto a isso não tenho quaisquer dúvidas! E não foi só porque estavam lá 2500 pessoas aos berros e às palmas,...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - «Aos berros» disse bem!

O Orador:- ... mas porque corresponde ao sentimento das pessoas! Oiçam as pessoas, leiam a imprensa, vejam até os filmes da vossa televisão e constatem até que ponto o discurso do Sr. Presidente da República foi verdadeiro.
Sr. Deputado, tudo a seu tempo: não dei nem anunciei soluções, mas não estejam aí sofridos porque elas virão. Vamos a ver como os senhores as acolhem, pois talvez tenham algumas surpresas a registar no futuro próximo. Na verdade, não era aqui o momento de anunciá-las.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, já lá iremos a esse retrato formal que aqui nos trouxe, a esse comentário ao discurso do Sr. Presidente da República.
O Sr. Deputado acaba de responder ao Sr. Deputado Duarte Lima dando um retrato mais humano e mais vivo: «2500 pessoas aos berros e às palmas!»

Risos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Deputado Almeida Santos, por vezes, faz comparações exageradas, mas nunca o ouvi chamar à verdade mentira ou à mentira verdade. E o seu discurso acabou por confirmar aqui muitas das coisas que vários analistas foram dizendo, sem sequer ter perdido um segundo para as desmentir.
A primeira, a mais forte é que o Sr. Deputado vem aqui, no fim do Congresso, e apenas fala do discurso do Sr. Presidente da República. Quod erat demonstran-dum? Um, o congresso era o discurso ou, dois, o congresso era para o discurso?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Sobre isso, contrariando ou apoiando-o, o Sr. Deputado Almeida Santos nada disse. E havia muita coisa para dizer, como, por exemplo, falar na quantidade imensa de intervenções absolutamente? desqualificadas, desordenadas, sem qualquer conteúdo ou novidade.
Haveria que falar, Sr. Deputado Almeida Santos, nas conclusões sectoriais que ontem ouvi com toda a paciência e que, ao fim de algum tempo, me deram - confesso-lhe - vontade de rir! Assim, na educação, tiraram como principal conclusão a necessidade de rever todos os programas; na justiça, pretendiam a independência dos tribunais - pasme-se!

Risos do CDS-PP e do PSD.

Sobre a Europa queriam a consulta dos cidadãos (ainda bem que aí chegaram!); em matéria de indústria queriam mais apoio para as empresas e para certos projectos e sectores... O que é isto, Sr. Deputado Almeida Santos?! Em matéria de economia, vieram dizer que oxalá não se esteja 14 anos a criticar as privatizações como aconteceu com as nacionalizações.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nesse aspecto, Sr. Deputado, é surpreendente que tal seja dito por um homem, como o Presidente da República, que é responsável, directa ou indirectamente, por, justamente, durante 14 anos não se ter podido fazer qualquer privatização,...

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

É espantoso, dizia, que tenha a «lata» ou o topete de fazer uma declaração dessas!

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Um político só faz uma declaração dessas perante uma plateia que está disposta a ouvir tudo e tudo aplaudir.

Vozes do PSD: - Aos berros e às palmas!

O Orador: - Em segundo lugar, queria dizer-lhe, Sr. Deputado Almeida Santos, que ficou por sublinhar no seu discurso o enorme pessimismo europeu que o Sr. Presidente da República extravasou. Ou seja, para os jornais estrangeiros, quer constituição europeia, presidente da Europa e federalismo a todo a vapor; já no congresso da esquerda quer pessimismo, restrições, vê com angústia o futuro e, com o coração a sangrar, não sabe se os fundos chegarão para pôr Portugal em situação competitiva.
Os portugueses não podem perceber isto, Sr. Presidente!
A principal conclusão do seu discurso, Sr. Deputado Almeida Santos, é que vem aí a revisão da Constituição. «Não deixaremos pedra sobre pedra do sistema político» - disse. Os mesmos que há dois ou três meses, quando aqui propus quatro ou cinco princípios de reforma do sistema político, ficaram em silêncio e disseram aos jornais e às televisões que não era o momento nem a altura,...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... tudo estava bem e, por isso, não era preciso mudar nada nem havia qualquer urgência na revisão da Constituição!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Mas há mais, Sr. Deputado Almeida Santos! De um ponto de vista mais sério e deixando a crítica política directa, nessa reforma do sistema político que os senhores querem fazer - e oxalá que se faça -, uma das coisas em que é preciso pensar é se, de facto, é possível que um Presidente da República, no sistema político português, possa proferir um discurso de diagnóstico altamente crítico sobre a situação do País sem revelar se alguma vez o fez ao Primeiro-Ministro e sendo muito certo que nunca o fez à Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Será que o Presidente da República, no nosso sistema, pode escolher uma plateia restrita, profundamente colorida e separada,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - ... que representa apenas uma parte limitada, e bem limitada, do eleitorado português para fazer as suas críticas e para carpir as suas mágoas?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Temos uma solução para isso. Mas os males do sistema político não são só o modo de eleição dos Deputados nem a ligação dos cidadãos aos Deputados,...

Vozes do PSD: - Pois não!

O Orador: - ... são muitos outros e oxalá que todos estejamos empenhados na altura própria para os reformar.
Vou terminar, Sr. Presidente, não sem duas breves referências. A primeira é que, desculpem-me a sinceridade, o Partido Socialista, às vezes, parece não saber o que lhe convém. Porque o Deputado Pacheco Pereira já merece, há muito, que pensemos com atenção nas suas reacções e intervenções. E quando ele aqui, no Parlamento, estranhando não ter qualquer pedido de esclarecimento ao seu discurso, interpelava a Mesa perguntando se não havia inscrições, para mim era claro que preferia um confronto.
E claro que o PS não está a perceber a quem aproveitam os confrontos nesta matéria. Ou não está a perceber ou está a perceber muito bem, mas quer que alguém no seu seio seja prejudicado. Esta é a única conclusão que podemos tirar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A palavra final, Sr. Deputado Almeida Santos, não é dirigida a si.
Nós, Grupo Parlamentar do CDS-PP, queremos deixar aqui bem claro que o Governo e a maioria podem contar com a nossa oposição firme e as nossas alternativas, críticas e propostas, mas nunca as faremos numa situação de «frentismo» ou de coligação geral com toda a oposição, independentemente das ideologias e dos princípios, nem fora do Parlamento ou em esquemas institucionais menos apropriados.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, por três minutos, o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, antes de mais quero referir-me aos «berros». Sr. Deputado, não ponha os «berros» fora da democracia; não queira tapar a boca às pessoas quando falam num tom de voz mais alto.

Protestos do CDS-PP e do PSD.

Não vale a pena gritar! Os Srs. Deputados, pelos vistos, também berram! Porém, Sr. Deputado António Lobo Xavier, reconheço-lhe o direito de berrar. Faça favor. Como vê, também pratico.
Depois, quanto ao problema da verdade/mentira, se o Sr. Deputado António Lobo Xavier, que, ao que parece, está a fazer uma tentativa de aproximação ao partido do Governo,...

Protestos do CDS-PP.

... é da opinião de que a verdade está com o discurso oficial, vai pelo bom caminho! Se pensa que a mentira está com o discurso do Presidente da República, vai pelo mau! É consigo!
Quanto ao facto de apenas me ter referido ao discurso do Presidente da República, não me leve a mal ter realçado o que considero mais notável e importante neste Congresso. Por outro lado, não podia ter comentado todos os discursos, até porque não os ouvi todos, nem sequer todas as conclusões. Fiz, portanto, o que estava ao meu alcance e também tenho o direito de seleccionar aquilo de que quero falar.
Relativamente às intervenções desqualificadas, bom, se é assim que os senhores encaram as opiniões mais modestas das pessoas mais «impreparadas», se é com esse elitismo que encaram o debate político, então, também estamos entendidos!

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Foi a opinião expressa pelos relatores e pelo presidente do Congresso!

O Orador: - Quanto a terem havido as mais variadas conclusões sectoriais, pudera, se estavam presentes 2500 pessoas e foram proferidas 350 intervenções, como é que elas podiam deixar de ser variadas?! Como é óbvio, só os partidos analisam, orientam e aglutinam as opiniões. Porém, este acontecimento nada teve a ver com os partidos e, por isso, a individualização das opiniões era fatal, não podia deixar de ser! Sr. Deputado, aceite isso como normal numa manifestação da sociedade civil. É que os senhores continuam a conferir a este Congresso um carácter anormal, que ele não tem e com o qual não concordamos.
O Sr. Deputado disse ainda haver um enorme pessimismo por parte do Presidente da República em relação à Europa. Não o acompanho nessa afirmação. Julgo que ele não é pessimista; antes pelo contrário, foi sempre um optimista. É um europeísta convicto e, em muitos aspectos, até vai à nossa frente na Europa que deseja. Agora, quero dizer-lhe o seguinte: ele não é um bom aluno de Bruxelas! Nunca o foi, nem nunca o será!

Vozes do PSD: - É péssimo!

Risos do PSD.

O Orador: - Não se riam, os Srs. Deputados sabem bem o que quero dizer. Os senhores têm sido acusados - e foram-no por ele - de serem bons alunos em Bruxelas e de desconhecerem a defesa dos interesses nacionais.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ele nem nos números acertava!

O Orador: - O que ele faz é defender uma política autónoma para a Europa e nisso merece o meu aplauso. Foi só isso que quis realçar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado também não respeitou a verdade, ao afirmar que eu tinha dito não ir deixar pedra sobre pedra no sistema político. Eu não disse nada disso! Referi, sim, que ia apresentar propostas inovadoras e corajosas. Vou fazê-lo, mas elas não porão em causa o essencial do sistema político. Espero ter o apoio do seu partido para essas propostas inovadoras. Provavelmente não o terei...

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O Sr. Deputado referiu ainda que o Presidente da República escolheu uma plateia restrita. E depois?! Ele não é senhor de escolher as plateias que quiser?! Ele não tem feito discursos importantíssimos perante 40, 50 ou 60 pessoas?! Será que 2500 portugueses valem menos do que qualquer outra plateia?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Valem menos do que esta!

O Orador: - Mas ele tem discursado aqui! E já aqui disse praticamente tudo o que disse lá!
Os senhores estão muito irrequietos, muito nervosos. A democracia é também serenidade. Estejam calmos! Nós ouvimo-los em silêncio e com respeito. Por que é que os senhores não respeitam as opiniões contrárias, nem no Congresso nem aqui?! É demais!...
Em minha opinião, o Presidente da República escolheu uma excelente plateia, exactamente porque ela representava o pluralismo da sociedade civil...

Protestos do PSD.

Lá estão os senhores a boicotar o meu direito de ter opiniões e de exprimi-las! Os senhores não são democratas, ou, então, são-no mas precisam de tomar um comprimido de Valium.
O Sr. Deputado referiu ainda que o Sr. Deputado Pacheco Pereira preferia o confronto - nós sabemo-lo!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Confronto democrático, uma discussão.

O Orador: - Sobretudo, um confronto que desse a entender à opinião pública que éramos nós que promovíamos o Congresso e que aí estaríamos como representantes partidários. Mas tal não aconteceu! Queríamos que ele não fosse partidário! Dissemo-lo hoje e não antes - está explicado. Quem quiser, entenda, quem não quiser, não entenda.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Puseram-lhe o carimbo hoje!

O Orador: - Quanto à ideia de que o CDS-PP não fará críticas fora do Parlamento, ela é capaz de agradar muito ao partido do Governo, a nós não. Julgamos que o Sr. Deputado deve fazer críticas em toda a parte. Quando tiver uma oportunidade, dois ouvintes que seja, faça críticas àquilo que merece ser criticado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, já muito se disse sobre a relevância e as implicações políticas do Congresso «Portugal: que Futuro?». Penso, por isso, que também devíamos questionar um pouco esse Congresso de um ponto de vista intelectual e académico. Ora, como académico que sou, entendo que, para além da legitimidade política, há uma legitimidade académica. Mas essa legitimidade académica tem de pautar-se pelos critérios académicos e obedecer às exigências próprias do espírito académico. Por isso, quando vi tantos e tão qualificados académicos dirigirem-se para a FIL, foi com alguma expectativa que aguardei os resultados dessa caminhada - e isto sem pôr legitimamente em causa a legitimidade desses académicos.
Porém, quando esperávamos que nesse congresso um grupo de intelectuais caminhasse pelas «avenidas» da discussão, sem dogmas no bolso, sem verdades feitas e com algumas hipóteses a testar, segundo um modelo tão conhecido e tão bem sintetizado pelo nosso contemporâneo Karl Popper, ao dizer que tudo no campo intelectual deve estar sujeito ao exame do trial and error, à tentativa de confirmação ou de informação, qual não foi o nosso espanto e a nossa frustração quando vimos tantos intelectuais e tão qualificados dirigirem-se para esse Congresso levando um manifesto não de perguntas ou de hipóteses a testar, mas de conclusões já fechadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Também nos admirámos quando, após um discurso de um Presidente da República, que, nas palavras do Sr. Deputado Almeida Santos, é, afinal, a síntese de todos os outros, vimos um intelectual tão clarividente, como Eduardo Lourenço, dizer que o Congresso podia ter acabado. Tudo o que havia para dizer, estava dito!
Que congresso é este, Sr. Deputado? Que «avenidas» de discussão foram ali travadas? Ou será que os congressistas foram para o Congresso à semelhança de Pascal, quando afirmava «eu nunca procuro nada antes de o ter encontrado»?! Será que os congressistas levaram já aquilo que antes tinham encontrado? E, afinal, do ponto de vista intelectual e académico, o que chegou ali, Sr. Deputado? A celebração ritualizada da inexistência de oposição e o grito de um certo sector da sociedade civil a dizer que, afinal, não tínhamos oposição! O que este Congresso veio trazer, do ponto de vista intelectual e académico, é uma descoroçoante e entristecedora frustração, porque nele faltou tudo aquilo que define o verdadeiro discurso intelectual. Do ponto de vista político, este Congresso ficará para a História como uma espécie de Deus ex machina para dizer à oposição que é preciso fazer melhor, se calhar, fazer diferente.
Por isso, a minha pergunta, Sr. Deputado Almeida Santos, já que de um pedido de esclarecimento se trata, é a seguinte: houve um verdadeiro congresso, com as exigências que a um congresso se devem fazer?

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está difícil, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Muito fácil, Sr. Deputado Silva Marques, sobretudo quando as perguntas são estas.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª falou como se estivesse no Senado universitário e não na Assembleia da República. Quer dizer, fez observações de tipo praxístico, como se as autoridades académicas só tivessem legitimidade para dizer o que disseram se estivessem dentro dos cânones universitários - talvez com a paramenta, a borla e o capelo...

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Risos do PS.

Protestos do PSD.

Lá estão os senhores nervosos! De facto, tenho a arte de pôr-vos nervosos.
Julgo que os universitários académicos têm o direito de falar como, onde e quando quiserem e de ter as preocupações que entenderem - os senhores nada têm a ver com isso! O vosso mal é quererem tutelar tudo! Querem tutelar - e tutelam! - as oposições aqui dentro; o Governo quer tutelar a Assembleia - e tutela! - e, por vezes, também tenta tutelar o Presidente; querem tutelar as polícias, os magistrados,... É que, aos vossos olhos, todos são agentes provocadores ou forças de bloqueio. E, agora, também querem tutelar os universitários, porque falaram fora dos cânones académicos!
Não percebo isto! Os senhores têm de cair em si e de aceitar a normalidade do que é normal.
O Sr. Deputado perguntou-me se houve um congresso. Então, o que houve, senão um congresso?! É claro que houve um congresso! Não foi o seu congresso, nem o do seu, do meu ou de qualquer outro partido, mas, sim, o das pessoas que quiseram fazê-lo do modo como entenderam!
O que é que os senhores querem? Tutelar tudo e mais alguma coisa?! Agora, até os universitários!
E se o Dr. Eduardo Lourenço disse que o Congresso podia ter acabado após o discurso do Presidente da República, essa foi uma maneira que ele encontrou de realçar o mérito e a globalização do discurso do Presidente. É tão natural quanto isto!

Risos do PSD.

Riam-se à vontade, porque o «o último a rir é quem ri melhor». Isso de rirem quando dizemos coisas que vos incomodam é uma táctica como outra qualquer. Também podemos praticá-la e, amanhã, quando estiverem os senhores a falar, rir-nos-emos nós. E que, de vez em quando, os senhores até são bastante cómicos!

Protestos do PSD.

Agora, quero dizer-vos que todas as vossas questões e perguntas são filhas da mesma atitude: os senhores não suportam o diálogo, a verdade...

Protestos do PSD.

Lá estão os senhores, outra vez, irrequietos!
Como dizia, os senhores não suportam que a sociedade civil saia fora de casa. Gostam dela ao nível de algumas reuniões, em que os ministros assistem, fazem uns discursos e todos aplaudem. Mas quando vêem 2500 indivíduos, alguns universitários,...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Almeida Santos tem o direito de falar e de ser ouvido em silêncio.

O Orador: - Nunca pensei que as críticas feitas no Congresso e as minhas próprias críticas fossem tão justificadas como o estão a ser neste momento. Os senhores não são mesmo democratas, não têm espírito democrático! Pactuam com a democracia? Assim, não!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, tem a palavra, pelo período máximo de 10 minutos, o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de trazer a esta Câmara uma questão concreta de uma zona do País real. E queria fazê-lo neste momento porque, daqui a um mês e meio ou dois meses, iremos de férias, como de férias irá o País, embora não todo, porque sabemos que 400 000 desempregados, provavelmente, não só não irão de férias, como não terão ainda um emprego, um salário ou um subsídio de desemprego.
Sou Deputado por uma zona onde este drama social e humano é mais grave e que já por mais de uma vez aqui trouxemos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Murteira, peco-lhe para suspender a sua intervenção para que se criem as condições necessárias à sua audição.

Pausa.

Pode continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Estava eu a dizer - e creio que pouca gente ouviu - que queria trazer aqui um problema muito concreto da região por que sou Deputado e queria fazê-lo neste momento porque, daqui a pouco tempo, tanto os Deputados como parte do País irão de férias. Digo parte do País porque, provavelmente, os 400 000 desempregados não só não irão de férias, como não terão direito a um salário, muitos deles nem sequer a um subsídio e outros talvez já não tenham o suficiente em suas casas para alimentar as suas famílias.
Como sou Deputado por uma zona onde este drama social e humano se tem acentuado, mais uma vez o quero pôr aqui à consideração daqueles que tiverem a amabilidade de me escutar.
Nesta zona, na década de 80, perdemos mais de 40 000 trabalhadores, que partiram para fora da zona, tornando-a ainda mais deserta e mais envelhecida.
Neste exacto momento, temos 42 OOO desempregados, correspondentes a 20 % da população activa, o que é uma taxa muito superior à média nacional. Destes 42 000, 27 000 trabalhadores, ou seja 67 %, não têm sequer perspectivas de vir a ter subsídio de desemprego ou qualquer outro.
Srs. Deputados, com toda a responsabilidade, quero dizer-vos que, no Alentejo, em casas de muitos trabalhadores, particularmente nos concelhos de Beja, Serpa, Odemira e Portei, falta já o estritamente necessário para eles viverem com as suas famílias; há casas em que o pão já só dá para uma refeição e outras em que os pais já não tomam uma refeição por dia para que pelo menos os filhos a possam ter.
Não é uma questão nacional mas, sim, regional, que, pelo dramatismo social e humano que encerra, deve merecer a atenção desta Assembleia. Creio que esta Câmara não pode continuar a fechar os olhos a esta situação e, por isso, estranho que os Deputados pelo Alentejo, particularmente os da maioria, ou estão au-

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sentes, como é o caso, ou, quando estão presentes, mantêm-se silenciosos perante esta situação. É grave que tenham esse comportamento e, na minha opinião, não merecem ser eleitos Deputados, por esta região, ou por qualquer outra, porque não estão à altura, como temos aqui verificado, de defender os interesses da região por que foram eleitos nem daqueles que os elegeram.
Isto dói tanto mais quanto não é necessário que tenha de ser assim. E não o é porque, no Alentejo e no distrito de Beja, temos recursos e potencialidades suficientes para resolver os problemas e temos apresentado aqui, mais do que uma vez, propostas alternativas para isso.
A nossa opinião, Srs. Deputados, é que a razão fundamental deste problema de desertificação, de desemprego e de carências já muito acentuadas no Alentejo reside, sobretudo e ainda, na questão da terra.
Talvez seja com alguma estranheza que podemos verificar que o próprio Governo está de acordo com esta análise que fazemos. No Plano de Desenvolvimento Regional que apresentou em Bruxelas pode ler-se que ele considera que «a questão chave dos problemas estruturais do Alentejo está na terra, na estrutura da posse e do uso, a que correspondem baixos níveis de produtividade de grande parte das populações agrícolas, sobretudo as cerealíferas, sendo já frequente o abandono dos campos». Também estamos em consonância com a análise de que o problema estrutural e fundamental do Alentejo continua a ser o problema da terra.
Mas, enquanto nós, Partido Comunista Português, tiramos daqui as ilações e apresentamos propostas alternativas, verificamos que o Governo faz uma análise, que é correcta neste aspecto, mas não tira quaisquer ilações nem dá sinais de pretender alterar a sua política. Esta atitude é muito estranha e, por isso, perguntamos aos Deputados da maioria o porquê desta atitude. Se se constata que está aqui a chave do problema, no dizer do Governo, porque é que os senhores não dão sinais de aceitar as propostas da oposição, particularmente as do Partido Comunista Português, e mudam o rumo da vossa politica?
É também de notar que alguns autores muito próximos do Governo fazem a mesma análise, havendo até um deles - que até se fala que poderá ser o futuro Ministro da Agricultura- que diz: «(...) houve uma manutenção da estrutura tradicional da produção com base na exploração cerealífera, não havendo indícios de se estar perante um processo de reconversão». Esta é a análise que já aqui fizemos!
A política agrícola do Governo, apesar das centenas de milhões de contos vindas da Comunidade Económica Europeia, é um fracasso na Alentejo, e não só. Quem o diz são autores insuspeitos de estarem filiados ou próximos do PCP ou até do PS, pois estão muito próximos do vosso partido.
Também o insuspeito Finantial Times diz-nos, a propósito de Portugal, que «muitas pessoas que vivem nos bairros da lata são antigos trabalhadores rurais empobrecidos que se deslocam para a cidade em busca de trabalho».
Portanto, Srs. Deputados, a grande questão que se coloca aqui é esta: há desemprego, miséria e falta de perspectivas, mas há possibilidades de resolver o problema e um diagnóstico com o qual estamos de acordo.
Entendemos que é necessário levar para a frente uma reforma na agricultura no Alentejo, por isso perguntamos qual é a opinião dos Deputados do PSD e dos do PS sobre esta matéria.
Em nosso entender, deve ser uma reforma agrária que se apoie sobretudo nos pequenos e médios agricultores e empresários, nos trabalhadores agrícolas, nos técnicos e nos cientistas e que tenha em conta a necessidade de resolver aquilo a que o Governo, e nós também, chama a questão chave do problema estrutural e do desenvolvimento do Alentejo;
Uma reforma agrária que resolva o problema da reconversão da agricultura e que tenha já em conta o empreendimento do Alqueva e as mais-valias que ele, através do investimento público, irá acrescentar a grandes explorações agrícolas - muitas delas ainda de carácter latifundista - que existem neste momento;
Uma reforma na agricultura que não seja dominada pelos grandes senhores da terra, com sectores de propriedade diversificados e com as suas dinâmicas próprias e complementares, respeitadas e apoiadas pelo Estado e pelos fundos comunitários.
E dizemos isto porque, de duas uma, ou a Constituição está enganada e errada e, então, é preciso corrigi-la, ou a política do Governo em matéria de agricultura afasta-se da Constituição e, então, o que é preciso é obrigar o Governo a cumpri-la ou lutar pela sua substituição.
Temos propostas alternativas. Entendemos que é necessário: promover um debate sobre o Alentejo para ver que consensos, que convergências e que caminhos são possíveis; perspectivar e lutar por uma reforma na agricultura alentejana; resolver «a questão chave dos problemas estruturais do Alentejo», que é a questão da «estrutura da posse e do uso da terra»; concretizar Alqueva e o Plano de Rega do Alentejo, não em 30 anos, mas rever os calendários para se concretizar num espaço de tempo mais pequeno - basta dizer que os espanhóis pretendem fazer 600 000 ha de regadio num período de 20 anos, enquanto nós, para fazermos 110 000 ha de regadio, estamos a perspectivar um período de 30 anos, numa situação como esta que aqui foi descrita; proceder à reabilitação dos cerca de 70 000 ha, dos nove perímetros de regra já instalados no Alentejo; criar um sistema misto (público, cooperativo e privado) de transformação e comercialização no sector agrícola e agro-alimentar; tornar transparente e controlado o acesso e utilização dos fundos comunitários; baixar o custo dos juros do crédito para a agricultura e dos factores de produção; defender, no País e na Comunidade, uma reforma global da PAC; lutar pela aprovação de uma lei de bases de política agrária e rejeitar o Plano Hidrológico Nacional de Espanha, de forma a podermos aproveitar as águas que pertencem a Portugal, designadamente na zona sul, através da regularização do Guadiana com o empreendimento do Alqueva.
No imediato, e como medidas de impacto social, propomos três: criar um programa de emergência de combate ao desemprego e à pobreza no Alentejo, o que exigiria refundir os programas que estão em marcha, que não irão resolver nem parte da situação; criar um «rendimento mínimo de subsistência» que abranja todos os maiores de 18 anos desempregados, que não sejam beneficiados por qualquer outro programa; e acelerar o arranque ou andamento de empreendimentos e infra-estruturas que criem postos de trabalho e que sejam também produtivos ou reprodutivos, como é o caso da barragem do Enxoé e do sub-sistema do Ardila, na margem esquerda do Guadiana, as barragens da Gema e Monte Branco, em Odemira, e tantos outros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Alentejo não aceita o futuro de desertificação, pobreza e servidão que o Gover-

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no nos quer impor, como não aceitou a ditadura fascista; os alentejanos não aceitam ver o Alentejo transformado em coutadas e em montes de gozação dos grandes senhores da CAP, da CIP e de outros, a que chamam turismo rural; os alentejanos não aceitam ser estância de repouso e de terceira idade dos países ricos do centro e do norte da Europa, da Comunidade Europeia; os alentejanos não aceitam ser despojados da sua dignidade, ser transformados em criados e batedores de perdizes e de coelhos dos grandes agrários e de todos esses senhores.
Nos dias 25 de Abril e 1.º de Maio, dezenas de milhares de alentejanos, juntando a sua voz à de todos os portugueses, saíram para a rua, exigindo democracia, participação e progresso.
Torna-se indispensável, no entender do PCP, prosseguir a acção de massas e todo o tipo de acções constitucionais, para que alcancemos os nossos justos objectivos.
E 20 anos depois de Abril está claro que o Alentejo tem vontade e potencialidades suficientes para construir um presente e um futuro de progresso e de solidariedade. Vamos lutar para que esse futuro venha o mais breve possível!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, a situação que aqui foi referida deve preocupar-nos muito. É pena que a Câmara mostre desinteresse por um problema que é tão grave e para o qual não se encontram soluções à vista. O que, no momento actual, se está a passar no Alentejo em matéria de desemprego e de fome necessitava de uma resposta urgente do Governo, sob pena de as pessoas terem de viver em condições completamente desumanas.
Fala-se muito no desemprego em Espanha, mas o certo é que os portugueses, sobretudo os alentejanos, estão a emigrar para Espanha, sujeitando-se a trabalhar em condições sub-humanas, pois aí encontram um emprego para poderem sobreviver, o que é uma situação absolutamente escandalosa e que não pode continuar.
Quero congratular-me com as posições que foram aqui expostas pelo Sr. Deputado António Murteira e sobre elas referir alguns aspectos e colocar algumas perguntas.
Teoricamente, para dar resposta aos problemas do Alentejo, o Governo tinha o próximo Quadro Comunitário de Apoio e o PDR. Os dados que temos referem-se ao Alentejo como um todo e, apesar de ambos sermos Deputados por Beja, não conhecemos os dados relativos à nossa região.
Estamos a falar de um terço do País, para o qual o Quadro Comunitário de Apoio apresenta verbas que não chegam a 1 % do total previsto para o País até 1999. Ou seja: o que está previsto para ser feito nesta região - com exclusão do Alqueva, que está previsto para 30 anos, não estando as suas verbas previstas neste programa - não chega a 1 % das verbas totais previstas.
Das verbas do FEDER apenas 2 % se aplicarão numa região tão grande como a nossa.
Mas o mais ridículo de tudo isto é que o Governo prevê que a administração central invista menos de um terço da administração local nos projectos previstos no próximo Quadro Comunitário de Apoio. Ou seja: são as câmaras, que não têm dinheiro, que vão ter de resolver os problemas e dar corpo aos projectos previstos nesse Quadro.
Tenho aqui cinco requerimentos, que vou apresentar ao Governo, para esclarecer o que é que se passa sobre a verba do Quadro Comunitário de Apoio destinada ao Alentejo, que considero perfeitamente escandalosa.
Sr. Deputado, considera ou não que é absolutamente necessário e urgente revermos não só o Plano de Desenvolvimento Regional como um todo, como também, e em especial, tudo o que está previsto para a nossa região e apresentarmos um quadro comunitário de apoio que faça com que a nossa região não fique desertificada, que encontre soluções para a sua população, que faça atrair investimentos e as pessoas que saíram de lá, dando ao Alentejo aquilo que ele precisa. Foi para isso que se criou um plano de desenvolvimento regional. Não é um plano de infra-estruturas que a Comunidade Europeia põe à nossa disposição, mas, sim, um plano de desenvolvimento regional. Utilizemo-lo em nosso favor e façamos o desenvolvimento do Alentejo como está previsto.
Qual é a sua posição sobre esta matéria?

O Sr. Presidente: - O PCP cedeu tempo à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques e ao Sr. Deputado Costa e Oliveira para formularem os seus pedidos de esclarecimento.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Costa e Oliveira.

O Sr. Costa e Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, na sua intervenção, teve a preocupação de incluir quase tudo aquilo que pensa que poderiam ser preocupações da sua região e, em particular, da agricultura alentejana.
Por ter sido assim imagina e aceita, com certeza, que me é impossível vir agora tentar argumentar consigo sobre toda a panóplia de situações que o senhor invocou. E, porque o tempo que me é permitido é limitado, irei escolher apenas duas.
A primeira tem a ver com o desemprego e é exactamente aquela pela qual V. Ex.ª iniciou a sua intervenção.
Quanto ao desemprego no Alentejo, que, em anos mais recentes, pode ter sido motivado pelo sector da agricultura, pelos anos difíceis, nomeadamente pelo período de seca, como o Sr. Deputado António Murteira sabe, o Governo adoptou um programa específico. Foram feitos contactos a todos os níveis, quer com os serviços do Ministério da Agricultura quer com as próprias autarquias, no sentido de fazer um levantamento das pessoas, dos nossos compatriotas, que foram prejudicados pela seca e que ficaram no desemprego devido a essa situação.
Esse programa foi feito, actuou e teve alguns resultados que julgo terem sido do seu conhecimento. Nesse sentido, Sr. Deputado, pergunto-lhe se está ou não a par de todo o esforço que foi feito e dos resultados que foi possível atingir.
A segunda questão, que está implícita, praticamente, em toda a sua intervenção, tem a ver com a estrutura de posse e uso da terra, que o Sr. Deputado referiu por duas ou três vezes.
Julgo que era interessante ter tempo para debatermos este assunto com algum pormenor, porque, afinal, tudo se prende com a problemática da reforma agrária, isto é, com a problemática de uma tentativa, que é feita, de expropriação e de divisão da terra.

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Como o Sr. Deputado sabe, num curto período de menos de 20 anos, este sistema fracassou, as experiências que foram feitas resultaram em evidentíssimos prejuízos de ordem social, económica e também cultural.
Agora, 20 anos após essas tentativas, o Sr. Deputado, na sua intervenção, refere-as de novo por duas ou três vezes. Assim, pergunto-lhe o seguinte: será que o problema da agricultura alentejana se pode resolver com uma nova expropriação de propriedade? Será que se pode resolver com uma nova divisão de propriedade? Será isso que está implícito nas suas palavras? Isto é, vamos agora considerar as propriedades que têm 100 ou 200 ha e vamos dividi-las em lotes de 10 ou 20 ha e distribuir pelos «ditos» pequenos e médios agricultores que o senhor refere?
Sr. Deputado António Murteira, pelo que conheço do Alentejo, de forma alguma, será esse o sistema, porque não resolveria qualquer problema, nem sequer político, quanto mais de ordem económica ou social.
Penso que era importante, muito claramente, o Sr. Deputado informar-nos se o senhor, pessoalmente, e o seu partido, em pleno 1994, está a defender novamente uma expropriação e uma fragmentação da terra no Alentejo.

O Sr. João Matos (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Quero agradecer, em primeiro lugar, aos Srs. Deputados Costa e Oliveira e Helena Torres Marques as perguntas que me fizeram.
O Sr. Deputado Costa e Oliveira tocou numa questão que me apaixona, embora não possamos discuti-la aqui, hoje, porque não temos tempo, que é a questão da terra e da necessidade de uma reforma da agricultura, não só no Alentejo mas em todo o País. Mas posso dar-lhe uma resposta muito simples. É evidentíssimo que é necessário um governo com capacidade para promover uma reforma agrícola em todo o nosso país, com as características diferenciadas que são necessárias ter em conta, quer na zona acima do rio Tejo com minifúndio, quer na zona abaixo do rio Tejo, ainda, com a grande propriedade agrícola, a que nem sequer chamo grande exploração e muito menos grande empresa agrícola.
Sr. Deputado, é de uma grande «miopia» o Governo não compreender ainda, depois de tantos anos na Comunidade Europeia e de tantos milhões de contos investidos, que a necessidade dessa reforma agrícola é evidente.
É um facto que a reforma no sul não poderá sequer ser hoje como foi em 1974/75, porque as condições são completamente diferentes, mas isso não significa que não seja indispensável - e é-o! - uma reforma agrícola no sul. Se não a fizermos, não resolvemos nem o problema da agricultura nem o problema social no sul do nosso país.
Analise, por exemplo, a última metade do século 20, década a década, e repare nos resultados em termos sociais usando três ou quatro indicadores - desemprego, carências, probreza e postos de trabalho. Devo dizer-lhe que foi na segunda metade da década de 70, quando se criaram as cooperativas, que aumentaram os postos de trabalho e melhoraram as condições de vida no Alentejo.
Isso é mais do que evidente e, só por si, poderia merecer uma grande discussão, para além dos aspectos políticos.

Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, quanto à sua questão - e respondo também ao Sr. Deputado Costa e Oliveira -, estou de acordo consigo, pois não é possível aproveitar devidamente os dinheiros da Comunidade e resolver os problemas do Alentejo se não houver um programa integrado de desenvolvimento, que substitua esta fragmentação de projectos, ainda por cima todos governamentalizados, decididos pelo Governo, na altura que ele entende, da forma como quer, feitos porque o Governo quer, isto é, completamente centralizados e governamentalizados, que já levaram ao fracasso do projecto de entre Mira e Guadiana e de tantos outros. Podíamos citar dezenas deles.
Portanto, estou de acordo que é necessário refundir e rever todos estes projectos, elaborá-los face à situação concreta que existe, lá no terreno e não na cabeça de cada um de nós, isto é, um novo programa integrado para o Alentejo. É necessário rever as verbas para esse programa, porque, como disse a Sr.ª Deputada, é evidente que as verbas para o Alentejo são insuficientes e não venham com a percentagem per capita, porque não é dessa forma que tem de ser vista.
Estou também de acordo com a Sr.ª Deputada quando disse que é necessário rever os prazos. Se constatamos que o desemprego está a aumentar galopantemente, que temos 20 % de desempregados, vamos manter o mesmo ritmo de construção dos projectos que estão previstos? Não vamos acelerar as obras do empreendimento do Alqueva, as outras barragens, as estradas, um conjunto de projectos que estão na forja, e vai manter-se este ritmo, permitindo que o nosso mais precioso recurso, que são as pessoas, continue a abandonar o Alentejo? Creio que será um grande erro do Governo se persistir nesta direcção.
Estou, pois, de acordo que é necessário um programa integrado, mais verbas e ainda rever os calendários de realização dos projectos.
Se fizermos isto e criarmos, ao mesmo tempo, uma reforma na agricultura e um quadro de incentivo ou investimento de outras áreas e mesmo do estrangeiro naquela zona, podemos, durante esta década, resolver os problemas do Alentejo. Mas se continuarmos com a política que tem sido feita pelo vosso Governo, aí, sinceramente, creio que os problemas se vão agravar e não vão ser resolvidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do primeiro ponto da ordem do dia, sobre o Regulamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados.
Nos termos regimentais, o relator é o Sr. Deputado António Filipe, que dispõe de cinco minutos, cedidos pela Mesa, para, em síntese, apresentar o relatório.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por incumbência de V. Ex.ª, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foi chamada à elaboração de um relatório relativamente ao Regulamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados que, nos termos da lei, esta Comissão submeteu à Assembleia da República para aprovação.
Importa referir, antes de mais, que há toda a urgência na aprovação pela Assembleia da República do Regulamento da Comissão. Como é do conhecimento geral, ela foi criada pela Lei de Protecção de Dados Pessoais face à Informática, que foi aprovada em Abril de 1991, portanto, passados três anos. Esta Comissão tem competências absolutamente essenciais, cujo exercício é indispensável para que aquela lei possa ser convenientemente aplicada.
Para além disso, uma lei muito recente, aprovada nesta Assembleia, incumbe a presente Comissão de ser a autoridade nacional do Sistema de Informação Schengen. Portanto, é fundamental que, a curto prazo, a Comissão possa funcionar eficazmente e, para esse efeito, é necessário que o respectivo Regulamento seja aprovado.
A Comissão apreciou o enquadramento constítucional a que deverá obedecer a aprovação pela Assembleia da República deste Regulamento. Incumbindo a lei a Comissão de submeter à Assembleia da República uma proposta, não lhe atribui efectivamente o poder de exercer a iniciativa perante a Assembleia da República, na medida em que essa iniciativa, nos termos constitucionais, será exclusivamente da responsabilidade dos Deputados. Daí que o problema que foi debatido, em sede de Comissão, foi o de saber de que forma, constitucionalmente idónea, é que deve ser apresentada esta iniciativa, tendo concluído que a proposta apresentada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados deverá funcionar como uma base de trabalho, de forma a possibilitar que os Deputados - e a própria Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias poderá ter um papel importante nesta matéria - assumam, eles próprios, as iniciativas parlamentares que se julguem convenientes para regular esta matéria.
Uma outra questão prende-se com a forma que deve assumir o Regulamento, tendo em conta as várias matérias que dele constam.
Efectivamente, a proposta de regulamento apresentada pela Comissão contém matérias que, inequivocamente, poderão ser resolvidas através de resolução da Assembleia da República. Mas contém também um conjunto de matérias que, a serem contempladas, dada a eficácia externa de que se revestem (designadamente quando se referem a aspectos já regulamentados em decreto-lei ou a aspectos de relacionamento processual de terceiros com a comissão, ou quando se referem, por exemplo, à regulação do dever de colaboração que incumbe a entidades públicas e privadas relativamente à comissão, ou ao direito de acesso dos membros da comissão a ficheiros), deverão ser reguladas, não através de resolução da Assembleia da República mas através de lei da Assembleia da República.
Daí que também seja de ponderar, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, quais as formas que devem ser adoptadas para que as matérias, que seja necessário regulamentar, possam ser efectivamente reguladas de forma adequada do ponto de vista constitucional.
Assim, o parecer desta Comissão vai no sentido de que a Assembleia da República incumba a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de apreciar a proposta que lhe é apresentada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, a fim de que possam, com a urgência necessária, serem adoptadas as iniciativas parlamentares indispensáveis para regular efectivamente a presente matéria.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que a Assembleia da República discuta o Regulamento apresentado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados é eminentemente necessário e, diria eu, urgente.
A Comissão apresentou o texto que, nos termos legais, deve submeter ao Parlamento já no mês de Fevereiro. A problemática suscitada por esse texto sobe agora a Plenário, nos termos em que, na nossa opinião, o relator da Comissão agora identificou correctamente.
O problema que está diante de nós é de extrema gravidade. Assumamos esta verdade: a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados é um órgão em constituição, em institucionalização. Como órgão com as funções que a lei lhe atribui não existe em termos práticos.
Não há Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, não há protecção de dados pessoais informatizados e a Comissão ainda não está em condições de exercer as vastas competências que a Lei n.º 10/91 lhe cometeu, o que é extremamente grave! Isto não seria tão grave, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a lei existisse. A verdade é que ela não existe ou tudo ocorre como se assim fosse. É uma das leis que melhor testemunha a situação que este grupo parlamentar qualificou como de «Estado fora da lei, Estado que não cumpre as leis que aprova, Estado que transforma as leis que aprova em não-leis, em leis inexistentes ou leis invisíveis».
A Lei n.º 10/91 foi aprovada com largo consenso por esta Câmara, não tendo sido regulamentada em tempo; a Comissão cujo Regulamento agora discutimos tardou largamente em ser constituída nos termos legais e agora tarda em ser, por um lado, regulamentada quanto a regras de funcionamento e, por outro, dotada dos meios de que precisa.
Srs. Deputados, púnhamos os pés no chão e vejamos o que pode fazer uma comissão de protecção de dados pessoais.
Uma comissão de protecção de dados pessoais está posta perante centenas de bancos de dados, bases de dados e sistemas informatizados, públicos e privados; está posta perante a actividade de milhares de cidadãos e de pessoas, de empresas, de estruturas, governamentais umas, não governamentais outras, complexas umas, simples outras, todas elas utilizando meios informáticos. Utilizando-os de acordo com a lei? Não sabemos! A Comissão tem de o saber! A ela cabe autorizar a criação dos bancos, garantir que estes obedeçam à lei, fiscalizar as recolhas, garantir que estas se mantenham dentro dos limites da lei, garantir que os dados não pos-

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sam incluir informações de carácter proibido, designadamente de carácter ético, político, racial ou outras constitucionalmente vedadas e legalmente proibidas. Esta tarefa é ingente, enorme e os elementos da Comissão têm escassos meios para isso e ainda que assim não fosse teriam enormes dificuldades para levar a cabo as suas competências legais.
De facto não as têm, dispondo de um quadro legal, ele próprio, carecido de densificações, regulamentações e desenvolvimentos. Esses desenvolvimentos têm faltado, apesar da Lei n.º 10/91 ser razoavelmente precisa quanto às tarefas de desenvolvimento e de regulamentação. Por exemplo, a lei prevê, no seu artigo 44.º, que os responsáveis dos serviços públicos que mantenham ficheiros automatizados, bases ou bancos de dados pessoais elaborem e proponham superiormente no prazo de seis meses um projecto de regulamentação tendo em conta as disposições da lei, seis meses esses contados boamente a partir da produção da Lei n.º 10/91. Esses seis meses, contados mesmo da maneira lusitanamente mais dilatada, já foram largamente ultrapassados, com a maior indiferença de dezenas e dezenas de serviços públicos, que não submetem à CNPDPI os projectos de regulamentos que estão vinculados a apresentar.
Por outro lado, Sr. Presidente, assumamos esta verdade: Portugal só tem neste momento bases de dados em situação ilegal ou quase ilegal. E porquê? Como a lei prevê que as mesmas sejam submetidas a fiscalização e autorização da CNPDPI e estas submissões não são feitas, não podendo, pois, aquela Comissão fazê-las, temos de assumir que vivemos, por um lado, em anomia e, por outro, em ilegalidade perigosa. Essa ilegalidade é perigosa quando olhamos para o sector público e pensamos, por exemplo, nas massas de dados de carácter financeiro e fiscal que podem ser melindrosamente acedidos com violação das regras de protecção dos nossos direitos; esses direitos ou esses valores também estão em perigo quando entidades privadas recolhem, tratam e disseminam milhões de dados de carácter pessoal sobre a vida privada, a situação financeira ou sobre outros elementos, incluindo os relativos a aspectos criminais. Essa situação de proliferação de dados verifica-se em sectores sensíveis, tanto do sector privado como do público. Quanto ao sector público, há dois tipos de considerações que neste momento é importante trazer a debate para Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a Lei n.º 10/91 previu um determinado contexto, que, entretanto, se alterou. Ela é anterior ao Tratado de Maastricht e à assunção, por Portugal, de vinculações no quadro dos acordos de Shengen. A verdade é que o Tratado de Maastricht e os Acordos de Shengen têm implicações significativas neste domínio.
Por um lado, há, como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, uma directiva em elaboração quanto à protecção de dados pessoais, que é um texto complexo, cuja feitura se tem arrastado, mas é natural que ela venha a prever a protecção tantos dos dados pessoais informatizados como dos dados contidos em ficheiros manuais. É sabido que entre nós muitas entidades com alguma habilidade (embora aqui não haja fiscalização, portanto a actuação seja de mãos livres) utilizam a técnica subtil, consistente de ter em bases de dados, informatizadas pois, referências que conduzem a informações contidas em ficheiros manuais. Entendem assim, com aquilo que qualificam como subtileza, que, não tendo em bancos de dados nenhum dado sobre convicções políticas, religiosas e outros dados cujo tratamento informatizado é proibido, cumprem a Constituição e a lei no preciso momento em que, na nossa leitura, as defraudam e violam. Esta técnica de ter de um lado ficheiros manuais com toda a espécie de dados, em certos casos porventura um tanto pidescos, e do outro um banco de dados para gerir as referências e chegar a elas é um ardil, sem qualquer subtileza, mas que, no entanto, é utilizado.
É por causa desse ardil, desses ardis e das entidades ardilosas de carácter público ou privado que no âmbito comunitário se pensa que a directiva de protecção de dados pessoais deve protegê-los a todos, quer estejam em ficheiros electrónicos quer estejam em ficheiros manuais. Isso vai obrigar, até por força da convenção europeia que também subscrevemos, aprovámos e discutimos, a estender o âmbito da protecção concedido pela Lei n.º 10/91, alargamento esse que encaramos com prazer e bons aupícios. O problema não está aí! O problema é que decorre de Maastricht a criação da EUROPOL e das vinculações comunitárias a existência de um serviço europeu de informações.
Tanto os serviços policiais como o serviço europeu de informações vão ter bancos de dados e está já em criação o Sistema de Informações de Schengen, que é, hoje, a matriz, um sinal e princípio de concepção dessa massa comum europeia de informações sensíveis. Segundo constou publicamente, a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados tem feito perguntas a esse respeito, o que é positivo e necessário.
No entanto, estamos longe de, na ordem interna, termos encarado todos os instrumentos que é necessário criar para tutelarmos os direitos fundamentais num contexto de internacionalização.
Se as polícias podem trocar ficheiros e informações, inclusivamente através de recurso a técnicas modernas, ficheiros esses não apenas com dados textuais mas também com imagens e sons - o que hoje é possível fazer através das próprias linhas telefónicas correntes, mesmo não digitalizadas, mesmos analógicas, e será ainda mais possível num contexto de auto-estradas electrónicas europeias -, repito se as polícias tudo isso vão poder fazer é preciso que haja controlos para que tenhamos todos a certeza de que nessas auto-estradas electrónicas haverá não apenas circulação de dados legítimos mas garantias de que essa circulação se faz nas melhores condições de protecção das liberdades dos cidadãos. Auto-estradas electrónicas sem protecção electrónica dos direitos dos cidadãos significaria uma grande vulnerabilidade à devassa, em condições que a nossa imaginação não é ainda inteiramente capaz de conjecturar.
O quadro em que a Lei n.º 10/91 foi feita alterou-se e é preciso projectar na ordem interna as cautelas e as garantias necessárias. O Grupo Parlamentar do PS acha positivo que durante esta manhã, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, se tenha estabelecido consenso, como aqui referiu o Sr. Deputado António Filipe, no sentido quer de aprovar por resolução o Regulamento que aqui é trazido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados quer de fazer por instrumento legislativo as clarificações necessárias quanto aos poderes dessa Comissão no tocante aos cidadãos. Isso dar-nos-á, Sr. Presidente, a possibilidade de, por um lado, reafirmar que a Lei n.º 10/91 é para cumprir e, por outro,

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preparar-nos-á, em diálogo com a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, para discutir o futuro da protecção dos Direitos do Homem perante abusos de informática.
Gostaria, por último, de dizer que o Grupo Parlamentar vai apresentar à CNPDPI uma queixa. Foi a primeira vez que o fizemos e quisemos que isso fosse apresentado da forma adequada, sublinhando um e apenas um dos muitos pontos que podíamos sublinhar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é um facto político!

O Orador: - É um facto político, Sr. Deputado!
Os bancos portugueses tratam informação pessoal altamente sensível todos os dias e a todas as horas - de resto, não podiam funcionar se não o fizessem. Estamos conscientes disso! Mas, segundo documentos que nos foram trazidos, há um deslizar para incluir nessas fichas informações sensíveis, algumas das quais não podem legalmente constar de bancos de dados privados.
Refiro-me, designadamente, a informações de carácter criminal. Não é possível, não é legal e constitucionalmente admissível que numa ficha de um banco, numa ficha de crédito ou numa ficha da conta bancária de alguém venha, além da menção dos saldos, do número da conta, dos movimentos e de tudo o mais que é preciso saber para gerir devidamente a conta, a menção «preso por consumo ou tráfico de droga» ou «pessoa com o seguinte cadastro», seguindo-se essa referência. Não é possível! E se os dados que nos foram transmitidos são verdadeiros - e não temos razões para duvidar que o sejam - essa situação é de grande gravidade, pelo que queremos que a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados a averigúe, tal como a essência de inter-conexões entre as holdings a que pertencem determinadas bancos para transmissão ilegal de informações que a lei proíbe que sejam transmitidas. Se a Comissão o fizer - como acreditamos que faça -, se a Assembleia continuar na linha de interesse por estas matérias que este debate significa, então estaremos prestando um serviço extraordinariamente importante para a defesa dos Direitos do Homem perante eventuais abusos da informática, que é tão necessária nas sociedades modernas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser muito mais breve do que o Sr. Deputado José Magalhães, sobretudo porque hoje de manhã ficou acordado, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que não faríamos aqui, pois seria, em certa medida, deslocado, um debate decorrente da Lei da Protecção de Dados Pessoais face à Informática (Lei n.º 10/91, de 29 de Abril).
Sendo assim, em relação à questão que aqui nos traz, apenas queria reafirmar e dar a nossa concordância àquilo que consta do relatório aprovado hoje de manhã na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. De facto, a Lei n.º 10/91 prevê que a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados (CNPDPI), após a sua entrada em funções, proceda de imediato à elaboração do seu regulamento e que o remeta à Assembleia da República para aprovação. Do parecer elaborado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias resulta que essa Comissão, que não tem, aliás, consagração constítucional, como VV. Ex.ªs muito bem sabem, não tem também poder de iniciativa, neste caso de iniciativa legislativa, e por isso é necessário, em termos regimentais adequados, obviar a esta dificuldade.
Ora, penso que hoje, na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, avançamos no caminho da solução, que rapidamente temos de encontrar para esta matéria, tendo, sobretudo, em conta o conjunto de preocupações que partilhamos e que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de expressar.
De facto, estamos numa selva de problemas, relativamente aos quais vemos um emaranhado, um intrincado de questões, que irão ser muito difíceis de resolver com eficácia, com prontidão e, sobretudo, no respeito e salvaguarda dos direitos, constitucionais e legais, dos cidadãos. Por isso, recai sobre nós a responsabilidade acrescida de não ficar à nossa guarda a possibilidade de haver mais delongas nesta matéria.
Posto isto, quero dizer que o Grupo Parlamentar do PSD está pronto para, em conjunto com os outros grupos parlamentares, dar a melhor resposta, sobretudo com a urgência requerida.
Só mais duas notas, para terminar.
Em primeiro lugar, numa apreciação breve sobre o que nos foi remetido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, parece-nos que, apesar de tudo, haverá que fazer alguma ponderação em relação a algumas das soluções contidas nessa proposta de regulamento, sobretudo, porque, sendo a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados uma entidade pública independente, que funciona junto da Assembleia da República, não me parece que os Deputados possam ignorar a situação que outras comissões, em termos análogos, dispõem hoje para a efectivação das suas competências legais.
É por isso que, a meu ver, não se vai fazer, na Comissão, um mero trabalho de «corta e cola» daquilo que veio da CNPDPI. Temos de ir um pouco mais além, uma vez que há que fazer não só uma ponderação séria sobre algumas das questões presentes na proposta do regulamento mas, sobretudo, e muito bem, a destrinça entre o que é, efectivamente, regulamentar, o que não colherá qualquer dificuldade em obter consagração através de um qualquer mecanismo regimental e constitucionalmente adequado, e o que é materialmente um direito ou pode contender materialmente com os direitos dos cidadãos consagrados em termos legais e constitucionais.
É, fundamentalmente, este o trabalho que nos propomos fazer, de forma rápida, para que, como as circunstâncias o exigem, a Assembleia da República delibere sobre esta matéria, tendo em conta, sobretudo, o facto de esta Comissão Nacional ter assumido competências importantíssimas e relevantíssimas sobre o sistema de informação que decorre de Acordo de Schengen. Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esperamos que este clima de consenso e de entendimento, na generalidade, em relação à forma como vamos tratar esta matéria prossiga na Comissão, que irá tentar apresentar uma solução ao Plenário. Pela nossa

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parte, estamos dispostos a isso. O importante - mais uma vez o reafirmo - é encontrarmos rapidamente as melhores soluções para acabarmos com esta selva e emaranhado de questões que afectam, em termos actuais, a vida de todos nós, porque como cidadãos temos direitos e não sabemos até que ponto eles podem estar neste momento a ser violados com a ausência de uma comissão, de regras de funcionamento e de meios para que funcione efectivamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer duas palavras, breves, sobre esta matéria, desta vez para referir o empenhamento do Grupo Parlamentar do PCP para que, depois de ponderada, se possa resolver rapidamente este problema da regulamentação, quer do funcionamento interno da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, quer de outras matérias que importa também regular, por forma a que não só a lei possa ser efectivamente aplicada como também a Comissão possa desempenhar plenamente as suas funções.
Quando, em Abril de 1991, se aprovou aqui a Lei n.º 10/91 não se imaginava que passados três anos ainda se estivesse neste ponto. Aliás, a Lei n.º 10/91 já regula, tardiamente, aquilo que a Constituição dispõe no artigo 35.º, quanto à utilização da informática, pelo que se pode dizer que na aprovação desta lei já houve uma mora de vários anos, mas, mesmo assim, decorridos três anos, continuamos nesta situação.
O decreto-lei sobre o estatuto remuneratório dos membros da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados foi publicado dois anos depois da aprovação da Lei n.º 10/91 e só em Janeiro deste ano é que os membros da CNPDPI foram efectivamente empossados. Aliás, creio que estamos a ficar com um problema, que se vai repetindo em relação às várias leis aprovadas, de garantia dos direitos dos cidadãos.
É que nesta matéria a evolução legislativa é muito escassa, «faz que anda mas não anda». Ainda há pouco tempo tivemos oportunidade de verificar, numa sessão de perguntas ao Governo, que a lei relativa à administração aberta continua, em larga medida, bloqueada no seu funcionamento por ausência de regulamentação, o que também tem acontecido, infelizmente, quanto à Lei de Protecção de Dados Pessoais face à Informática.
Passámos, inclusivamente, por uma situação paradoxal, que foi a de, ainda há pouco tempo, a Assembleia da República ter atribuído mais competências a esta Comissão, designadamente a de ser a autoridade nacional do Sistema de Informações do Acordo de Schengen, sabendo perfeitamente que ela ainda não estava em condições de funcionar por falta de aprovação do respectivo regulamento interno.
Não vamos entrar na discussão material das várias funções propostas no documento apresentado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, que serão objecto, naturalmente, de ponderação, mas é inequívoca a necessidade de regulamentar, para além do seu funcionamento interno, um conjunto de outras matérias que têm a ver, como disse há pouco na qualidade de relator, com questões fundamentais para que possa efectivamente ser aplicada. Isto é, há um conjunto de mecanismos que pressupõem o relacionamento dos cidadãos, sob diversas formas, com a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, para que possam fazer valer os seus direitos. E, ao haver aspectos que não estão regulamentados, não só os cidadãos não sabem como fazer actuar tais mecanismos, como a Comissão não terá efectivamente meios para os accionar.
Daí que estas matérias, embora não se remetam ao seu funcionamento interno e, portanto, não caibam no regulamento a aprovar por resolução desta Assembleia, tenham de ser, efectivamente, reguladas sob pena de aspectos fundamentais da Lei de Protecção de Dados Pessoais face à Informática continuarem a ser «letra morta».
Posto isto, reafirmo o nosso empenhamento em que a Comissão pondere, aliás, com base no documento apresentado e que faz alguma luz sobre alguns desses aspectos, os desenvolvimentos legislativos necessários, a fim de a Lei n.º 10/91 entrar, finalmente, em 1994, em vigor.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou dizer apenas duas palavras para que não fique em claro a intervenção e o empenho da bancada do CDS-PP em ver estudado e aprovado o Regulamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados.
O Sr. Deputado José Magalhães fez aqui, brilhantemente, como é, aliás, seu hábito, um exame, um diagnóstico da anarquia e do caos que reina no mundo da informática sobre os dados pessoais. Chamou a nossa atenção para os perigos que os cidadãos correm neste momento sobre a possibilidade de as suas próprias informações poderem ser transmitidas a organismos públicos e privados, sem saberem que estão a ser examinados; chamou a nossa atenção para o facto de amanhã nos vermos envolvidos em informações de vários organismos, sem conhecermos a finalidade e o objectivo dessa utilização.
Por isso mesmo, penso que, embora tenham decorrido apenas três anos sobre a aprovação da Lei da Protecção de Dados Pessoais face à Informática e a Comissão ainda não esteja instalada, devemos, desde já, começar a pensar em rever a Lei n.º 10/91, para tomar em consideração não só as novas aquisições, digamos assim, tecnológicas, quanto à informática, como também, quanto às novas atribuições que irão ser entregues à Comissão, a experiência que a vida nos vai ensinando sobre o uso da informática e de dados manuais relativamente às nossas vidas e aos elementos que outros têm.
Estas são as razões para que amanhã mesmo, na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, se vá tratar da revisão do regulamento ou do projecto de regulamento que nos foi enviado.
No entanto, também quero manifestar a nossa disponibilidade para, juntamente com os outros grupos parlamentares, tomarmos a iniciativa de rever a Lei n.º IO/

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91 o mais cedo possível, porque se trata de uma matéria explosiva e efectivamente não podemos estar à espera de que a informação, da maneira como está a ser tratada, chegue a ser utilizada pelos bancos, organismos privados, polícias privadas, detectives e por todas as organizações que vasculham a nossa vida, a nossa existência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate do Regulamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados.
No entanto, como VV. Ex.ªs se recordam, a Comissão terminou com a proposta de ser incumbida de fazer os trabalhos necessários para rapidamente se tomarem as iniciativas parlamentares, que, no caso, são requeridas.
Portanto, interpreto em todas as intervenções feitas sobre a matéria um sentido concordante, isto é, que os grupos parlamentares deliberam incumbir a Comissão e a Assembleia de prosseguir, o mais rapidamente possível, este trabalho, a fim de, rapidamente, se colmatarem as lacunas, que são preciso integrar.
Antes de entrarmos na apreciação do projecto de lei n.º 399/VI, a Sr.ª Secretária vai fazer o obséquio de ler um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da parte da Subcomissão de Regimento e Mandatos, sobre substituição de Deputados.

A Sr.ª Secretária (Maria da Conceição Rodrigues): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Rodrigues Marques, do PSD, por João Carlos Duarte, por um período não inferior a 45 dias, com início em 9 de Maio corrente, inclusive.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado Mário Tomé.

Passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 399/VI - Assegura a consulta pública dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP e adopta outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A matéria de que trata o projecto de lei que agora sobe a debate neste Plenário tem suscitado, junto da opinião pública e da comunicação social, um natural interesse e já foi, por diversas vezes, abordada nesta mesma Assembleia. Não é de espantar tal facto. Com efeito, são 50 anos da nossa história contemporânea que estão em causa, nos seus aspectos mais dolorosos, mais traumáticos, como ficou patente - se dúvidas houvesse - na sequência de alguns episódios que marcaram as recentes comemorações do 20.º Aniversário do 25 de Abril de 1974.
Importará, em primeiro lugar, caracterizar, com a precisão possível, aquilo de que estamos a falar. Os acervos arquivísticos a que se refere o projecto de lei em debate são constituídos por vários núcleos fundamentais, que correspondem aos materiais oriundos das extintas PIDE/DGS e suas predecessoras, da Legião Portuguesa, da União Nacional/Acção Nacional Popular e da Mocidade Portuguesa. Trata-se, como se compreende, de arquivos com conteúdos distintos e características diferenciadas. Neles se incluem, por consequência, desde documentos de carácter administrativo e burocrático, publicações e propaganda então consideradas «subversivas», até tudo aquilo que é próprio das actividades da polícia política e dos serviços de informações de um regime totalitário.
E, ao falar-se de serviços de informações, é bom recordar que também a Legião Portuguesa os tinha, conforme se sabe e conforme o provam materiais dela originários, que se encontram igualmente incorporados nos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Será de sublinhar, para quem esteja um pouco esquecido ou para quem felizmente já não enfrentou as duras realidades do salazarismo/marcelismo, que esses acervos de carácter policial e persecutório integram fichas e processos individuais de milhares e milhares de cidadãos - muitos dos quais nem imaginam ter merecido a atenção diligente da PIDE ou da Legião Portuguesa -, incluindo a transcrição de escutas telefónicas, correspondência interceptada, relatórios de informadores imaginosos e desejosos de mostrar trabalho, autos, e os resultados da investigação de agentes preocupados em incriminar, em fundamentar as suas teses acusatórias e até em aviltar os detidos ou suspeitos. Refiro-me à materialização, que não deixa de impressionar mesmo o mais precavido, daquilo que foram décadas de repressão, de atentados às liberdades e aos direitos fundamentais dos portugueses - incluindo o direito à privacidade -, de humilhações, de arbitrariedades, de violências e de ignomínia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Deste modo, não se poderá iludir a complexidade do tratamento destes acervos, assim como a das tarefas postas pela sua inventariação, organização das séries documentais, classificação e catalogação.
Tal constatação, porém, não deve ser de molde a justificar a inoperância ou a ineficácia dos responsáveis. Antes pelo contrário: deve levar o Governo a dotar a Torre do Tombo dos meios financeiros, técnicos e humanos necessários ao tratamento, em tempo útil, daqueles vários quilómetros de documentos, ainda só parcialmente trabalhados e insuficientemente disponíveis à consulta. Se o Governo não actuar no sentido de garantir esses requisitos prévios, claro que a questão do acesso está, desde logo, prejudicada e de nada valem solenes declarações de princípios. É uma opção de política cultural, mas, igualmente, de política em sentido lato, na medida em que, assim, se demonstrarão as suas verdadeiras intenções face ao significado histórico dos arquivos que nos preocupam.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo meu grupo parlamentar, como aliás nele é explanado, dada a referida complexidade, em particular, dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP, tem por objectivo principal eliminar as zonas de indefinição e imprecisão geradas pelo carácter genérico do artigo 17.º do Decreto Lei n.º 16/93, de 23 de Janeiro. Mas tem, também, o objectivo de estabelecer disposições, que, sem perder de vista essa complexidade, as-

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segurem efectivamente a consulta pública desses mesmos arquivos, como era previsto na Lei n.º 4/91, de 17 de Janeiro, aprovada unanimemente por esta Assembleia. Por outras palavras, visa-se, por um lado, assegurar a salvaguarda de interesses legítimos de preservação da intimidade da vida privada e familiar dos cidadãos, conforme obriga a Constituição e a legislação vigente, e, por outro, garantir o acesso a fontes de importância inestimável para a compreensão e o estudo da nossa História recente.
Neste sentido, necessário se torna caracterizar, com maior clareza, os documentos que, pela sua natureza, devem ficar de imediato sujeitos à consulta pública, satisfeitas as formalidades justificáveis pelo funcionamento de uma instituição como os Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Entre estes documentos incluem-se, evidentemente, os que se referem às estruturas e pessoas colectivas que se inseriam na orgânica do regime fascista e às actividades de agentes e outros responsáveis que incorreram na prática dos crimes previstos e punidos pela Lei n.º 8/75, de 25 de Julho, com as alterações subsequentes.
Além disto, igualmente se justifica um maior detalhe na regulamentação do acesso a documentos contendo dados pessoais, segundo critérios de razoabilidade e o disposto legalmente, inclusive na Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, que trata do acesso aos documentos da Administração. Mais ainda: dispõe-se no sentido de os Arquivos Nacionais/Torre do Tombo assumirem um papel activo como lhes deverá competir, não só de forma a publicitarem a evolução do tratamento destes acervos arquivísticos, como, também, de tornarem eficaz esse tratamento segundo as modernas tecnologias. Isto, sem descurarem tarefas de divulgação e preservação da memória histórica neles contida, para um melhor entendimento do passado e um efectivo esclarecimento das gerações presentes e futuras. Assim se contribuirá para o reforço da consciência democrática dos cidadãos, de forma a melhor esconjurar e combater todos os desvios de carácter autoritário que ameacem no nosso País os direitos, liberdades e garantias.
Salvaguardado o equilíbrio que a especificidade dos arquivos considerados recomenda, tendo em conta as suas diversas componentes, impõe-se, por conseguinte, uma postura construtiva e positiva da direcção dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo e da Secretaria de Estado que a tutela. Postura que incentive, promova e facilite a investigação e o estudo do regime derrubado em 25 de Abril de 1974.
Trata-se de uma questão de interesse nacional, que não é compatível com atitudes individuais e interpretações subjectivas de quem quer que seja. Exige-se, por isso, sentido do interesse público e o cumprimento da lei, com responsabilidade, mas também com abertura à colaboração e ao diálogo, indispensável muito particularmente na relação com os investigadores. Diga-se, de passagem, que a apresentação deste projecto de lei já teve como consequência positiva a reabertura de um sempre útil debate e que fossem, em alguma medida, reavaliadas algumas teses obstrucionistas adoptadas pela direcção dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo.
E tendo a noção clara da seriedade e relevância da matéria, que o Grupo Parlamentar do PS apresenta à discussão desta Câmara o projecto de lei em apreço, seguro de que encontrará bom acolhimento junto dos demais grupos parlamentares.

Aplausos do PS e do Deputado do PCP João Amaral.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Raúl Castro e Narana Coissoró.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, o projecto de lei n.º 399/VI, apresentado pelo PS, tem um duplo objectivo: por um lado, visa assegurar a consulta pública dos arquivos em questão e, como segundo objectivo, naturalmente relacionado com o primeiro, visa a preservação da memória histórica da luta contra a ditadura. É exactamente este segundo objectivo que me leva a pedir um esclarecimento, pois parece-me estarmos perante um projecto de lei da maior importância.
Refiro-me em especial ao papel dos historiadores e à sua necessidade de acesso aos arquivos da PIDE/DGS e instituições a ela ligadas. O que acontece é que há uma contradição entre a posição dos governantes e a prática real.
Em 29 de Janeiro, o Subsecretário de Estado da Cultura garantiu que, a partir do dia 26 de Abril, os arquivos estariam acessíveis; no dia 4 de Maio, o Secretário de Estado da Cultura foi mais longe e disse que estes estavam acessíveis desde o dia 26 de Abril.
Simplesmente, nem aqueles ficaram acessíveis na data prevista pelo Subsecretário de Estado nem na data aqui afirmada, com um ar de vitória, pelo Secretário de Estado da Cultura. Continuam a verificar-se as maiores dificuldades no acesso aos arquivos, a ponto de o Director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo ter decidido mandar rasurar todos os nomes, em cumprimento da Lei n.º 16/93, sem sequer saber se os nomes correspondiam a pessoas vivas ou mortas ou pensar em se encontrar outra solução que não inviabilizasse por completo a existência dos nomes em causa.
Naturalmente que pela nossa parte, pessoalmente e pela Intervenção Democrática, daremos o voto favorável ao projecto de lei, mas gostaria que V. Ex.ª se pronunciasse sobre se é ou não exacto que há uma contradição entre as facilidades anunciadas pelos governantes e a prática real, que é a da inacessibilidade aos arquivos em questão.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, em primeiro lugar, quero perguntar-lhe se a Lei n.º 4/91, que actualmente regula a consulta do arquivo da PIDE/DGS, conjugada com a Lei n.º 65/93 é realmente má, no sentido de, objectivamente, não servir para efeitos de investigação e de consulta ou se o que está a criar problemas à investigação é a sua interpretação e aplicação por parte do actual Director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo.

O Sr. José Magalhães (PS):- Ou as duas coisas!

O Orador: - Se o problema está na lei, será necessário saber se haverá necessidade de a rever e V. Ex.ª

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deveria dizer aqui quais são os aspectos desta lei que são incorrectos, porque o que se propõe no projecto de lei apresentado pelo PS não é muito diferente da actual legislação, acrescentando-lhe apenas uma nova distinção entre a parte dos documentos que poderão ser consultados publicamente no imediato - os que não dizem respeito à pessoa nem à intimidade da vida privada - e os documentos que dizem respeito à organização, à burocracia, à administração da PIDE/DGS, às pessoas colectivas, etc., ou seja, aqueles que não têm a ver com informações sobre as pessoas investigadas pela PIDE/DGS. Isto é bom.
Ora, a Lei n.º 4/91 faz esta distinção, na medida em que resguarda exactamente os mesmos aspectos que o projecto de lei apresentado pelo PS. E, assim sendo, pergunto: é a nova lei que vai modificar o crânio do zelador do arquivo da PIDE/DGS ou o projecto de lei pretende modificar a própria interpretação e aplicação da actual lei, de modo a que essa interpretação seja feita de uma forma aceitável para o benefício dos investigadores e por todos aqueles utentes do dito arquivo? Porque, com o mesmo director e com a mesma interpretação ou os mesmos critérios de interpretação e de aplicação da legislação, não há nova lei que valha para modificar o estado actual da questão! Seria ingénuo da nossa parte dizer que, com a nova lei, o director vai mudar o seu critério e vai escancarar as portas aos investigadores e utentes do arquivo.
Em segundo lugar, o Director dos Arquivos Nacionais disse - foi, pelo menos, o que ouvimos hoje de manhã - que o arquivo da PIDE/DGS chegou às suas mãos de tal forma desorganizado e anárquico, que se viu na necessidade de, primeiro, o organizar (vamos lá a ver quanto tempo leva para o fazer) e, depois disso, então, abri-lo à consulta. E disse, ainda, que está a envidar todos os esforços para que essa organização do arquivo da PIDE/DGS seja feita segundo os critérios bibliotecários e arquivísticos, de forma a que possa, depois, dar vazão aos pedidos de consulta que lhe são dirigidos.
Ora, o facto de o PS vir agora propor a introdução de uma nova forma de classificação do arquivo, será um «maná» ou será «ouro sobre azul» para o Sr. Director do Arquivo, pois este poderá dizer que, agora, não só terá de organizar o arquivo segundo os critérios arquivísticos e bibliotecários usuais e normais, como terá de fazer uma nova classificação segundo a lei do PS - mais tempo passará para ser feita uma nova classificação, uma nova distinção e uma nova distribuição dos documentos dentro do arquivo.
Por essa razão, não sei se esta iniciativa irá realmente resolver o problema dos investigadores e dos utentes ou potenciais utentes deste arquivo ou se a lei que temos, bem interpretada e aplicada, é mais do que suficiente para o resolver. Porque, exceptuando o PS, nunca ninguém levantou este problema. E, face à posição assumida relativamente a estes documentos pelo Director do Arquivos Nacionais/Torres do Tombo, não sei se uma nova lei terá alguma utilidade. Realmente, não vejo como sair deste dilema. Não é a lei actual que é má! São a sua interpretação e aplicação que estão a emperrar o processo! E quando o Sr. Secretário de Estado da Cultura aqui veio, o PS não lhe disse que a lei era incorrecta- todos aceitaram a explicação dada por este, no sentido de que iria resolver o assunto, dando ordens ao Director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo para interpretar melhor a lei. Portanto, o que pergunto é se o PS julga, realmente, que, com a publicação da nova lei, vai modificar o «feitiozinho» do Sr. Director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo relativamente à consulta dos documentos em causa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, desde logo à última.
Pensamos que, por muito mau que seja o «feitiozinho», como V. Ex.ª lhe chamou, do Sr. Director da Torre do Tombo, ele não irá seguramente colocar-se acima da lei nem actuar contra ela.
A necessidade do nosso projecto de lei foi demonstrada pelo próprio Director da Torre do Tombo. Como V. Ex.ª se recordará, o Sr. Director da Torre do Tombo, em declarações prestadas a diversos órgãos de informação, fazia uma interpretação do artigo 17.º da lei dos arquivos actualmente vigente que levaria a uma situação tal que só seria possível consultar quaisquer documentos 75 anos após a morte das pessoas a quem eles se referissem. Isso representava, inclusivamente, uma deturpação do próprio conteúdo da lei, porque, como V. Ex.ª sabe, não é isso o que a lei diz.
No que respeita à utilidade do nosso projecto de lei, essa utilidade começa a evidenciar-se. Possivelmente na sequência de uma melhor reflexão sobre o assunto ou de eventuais pressões vindas das pessoas que o tutelam, tivemos já oportunidade - eu próprio a tive, ao dialogar com o Sr. Director da Torre do Tombo por ocasião de recente visita parlamentar - de verificar que ele começou já a fazer uma interpretação muito mais razoável, nomeadamente no que se refere à consulta e ao acesso aos documentos que dizem respeito às actividades dos agentes e dos responsáveis destas diversas instituições, mas que ele considerava inicialmente que também estariam vedados ao acesso de terceiros, na sequência da tal interpretação deturpada da lei dos arquivos actualmente vigente.
Como disse na minha intervenção, procuramos caracterizar com o presente projecto de lei, de uma forma muito mais clara, o que são os documentos sujeitos a consulta pública, não só os de carácter administrativo, a propaganda apreendida e tudo o mais que tive ensejo de referir, mas até os que respeitem a nomes de agentes cujas nomeações foram publicadas no Diário do Governo de então e que, portanto, estavam no desempenho de actividades que vieram a ser incriminadas por legislação posterior a 25 de Abril de 1974. Procuramos, pois, destrinçar os documentos que devem ser sujeitos a consulta pública imediata daqueles outros que, contendo dados pessoais e sendo nominativos, estão salvaguardados pelo direito de reserva.
Somos, nesse sentido, mais optimistas do que V. Ex.ª. Pensamos que, uma vez aprovado o nosso projecto de lei, como esperamos o venha a ser, o actual director - ou provavelmente o que se lhe seguir - não deixará, seguramente, de cumprir o que a lei prevê e que os arquivos ficarão, pois, devidamente acessíveis aos investigadores e a todas as pessoas que tenham o interesse e o direito de os consultar.
Respondendo ao Sr. Deputado Raúl Castro, direi que referi, na minha intervenção, ao facto apontado pelo

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Sr. Deputado. Há, a esse respeito, uma questão que não podemos iludir: o Sr. Secretário de Estado, o Sr. Subsecretário de Estado, o Sr. Primeiro-Ministro ou quem quiser pode, obviamente, vir à Tribuna dizer que tudo isto se resolve rapidamente e que os arquivos estão abertos à consulta pública de investigadores e outras pessoas. É evidente que, como disse na intervenção, afirmações desse género não passarão de declarações de princípio vazias, se entretanto o Governo não assegurar os meios técnicos para o tratamento desses arquivos.
Recordo a V. Ex.ª que os arquivos de que estamos a falar se encontram na Torre do Tombo desde 1992. Até Março do corrente ano, estiveram três técnicos a trabalhar nesses arquivos. Para V. Ex.ª ter uma noção do que isto significa, dir-lhe-ei que um técnico, trabalhando intensamente, trata entre 100 a 150 metros de arquivos por ano. Se considerarmos que os arquivos em causa são compostos por três quilómetros de documentos, a que acrescem 85 metros quadrados de material contido em arquivos metálicos, poderá V. Ex.ª fazer as contas e imaginar os anos que seriam necessários a que os arquivos ficassem disponíveis para uma consulta pública em devidas condições.
É verdade que entretanto, desde Março, essa equipa foi reforçada, existindo actualmente três técnicos e sete tarefeiros. Mas, se não houver um investimento sério em meios técnicos e financeiros no tratamento desses arquivos, é evidente que nos próximos 10 anos eles não estarão devidamente inventariados e catalogados e não existirão as listas descritivas necessárias e tudo aquilo que será necessário a que os investigadores - e não só - os possam consultar.
Há, pois, uma necessidade não só de um investimento a nível técnico e financeiro mas também de um investimento de carácter político.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive já oportunidade de explicar, no longo pedido de esclarecimento que formulei, o que a minha bancada entende sobre o crux deste problema.
Entendemos que a actual lei satisfaz plenamente as exigências dos investigadores e que a iniciativa do PS nasce, como acabou de ser explicado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, da má interpretação que o Sr. Director da Torre do Tombo faz de uma certa disposição, relativa ao decurso do tempo para abrir o arquivo. Ele próprio aceitou já que essa era uma interpretação perversa e que está disposto a aceitar uma interpretação nova.
Quanto à questão dos dados, vemos o problema da consulta de dados sobre as pessoas, quando não haja interesse legítimo e directo nessa consulta, de uma forma preocupante, por entendermos que arquivos deste tipo devem estar sujeitos a um controlo rigoroso e não devem prestar-se a que, a partir daí, se tirem conclusões ou as vidas das pessoas sejam vasculhadas por uma investigação que directamente não lhes diga respeito.
Há uma omissão, a este respeito, no projecto do PS, na medida em que não salvaguarda esse interesse directo e legítimo na consulta de determinados documentos que digam directamente respeito às pessoas, embora se trate de um aspecto que poderá ser limado em sede de especialidade.
Mas o problema fundamental mantém-se. Realmente não vemos necessidade de uma lei interpretativa, como V. Ex.ª acabou de a classificar, em face da lei actual, porque o que desta consta já chega. Não interessa fazer interpretações através do poder legislativo da Assembleia da República, porque tais interpretações podem ter, naturalmente, o mesmo destino da lei interpretada.
Assim sendo, não poderemos, para já, votar globalmente a favor da presente iniciativa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, o projecto de lei apresentado tem duas vertentes. A primeira é aquela a que aludiu exclusivamente e a segunda a que diz respeito às medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura.
O artigo que elenca essas medidas não foi objecto de apreciação pelo Sr. Deputado, que parece não dar qualquer importância a essa matéria, o que me deixa relativamente perplexo, porque contaria com o seu apoio para, designadamente, a aprovação desse artigo.
Quanto à necessidade das medidas de clarificação, creio que parte de uma filosofia que é terrível do ponto de vista da própria concepção do que seja a lei. Diz V. Ex.ª que a lei se arrisca a ser subvertida e mal interpretada e que, assim, o melhor é não o fazer. Depois, algo contraditoriamente, diz que, além disso, a lei não é necessária, porque a lei actual já é excelente. No seu entendimento, o que sucede é que há um crânio na qual ela não penetra; não façamos, então, outra, porque, se essa já não penetra, a segunda também não penetrará, o que dá do legislador uma verdadeira perspectiva de martelo.
Creio que há uma função clanficatória a fazer neste domínio. Repare o Sr. Deputado em que a lei dos arquivos históricos - que o Director da Torre do Tombo invoca maí - tem um artigo verdadeiramente pantagruélico, no qual se diz, quanto ao acesso, o seguinte, que é praticamente intragável: «Não são comunicáveis os documentos que contenham dados pessoais de carácter judicial, policial ou clínico, bem como os que contenham dados pessoais que não sejam públicos ou o de qualquer índole que possa afectar a segurança das pessoas, a sua honra ou a intimidade da sua vida privada e familiar e a sua própria imagem, salvo se os dados pessoais puderem ser expurgados do documento que os contém, sem perigo de falsa identificação, se houver consentimento unânime dos titulares dos interesses legítimos a salvaguardar, ou desde que decorridos 50 anos sobre a data da morte da pessoa a que respeitam os documentos, ou, não sendo essa data conhecida, decorridos 75 anos sobre a data dos documentos». Desde logo, Sr. Deputado, isto não é português.
Em segundo lugar, o que está certo neste preceito - como, por exemplo, os princípios de que deve haver acesso se houver possibilidade de expurgo, de que deve haver acesso se houver autorização, de que deve haver acesso 50 anos após a morte da pessoa a que respeitam os documentos, mesmo independentemente de autorização, e de que, na dúvida, deve haver um prazo geral, tudo isto constituindo regras razoáveis face ao Direito Comparado - está mal expresso. Mais: esta é a

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lei geral, mas há problemas específicos no que respeita aos arquivos da PIDE.
E o que deve fazer-se quanto a certos dados relativos a valorizações, a relatórios internos, a sugestões?
O manual da escola da PIDE, por exemplo, deve ser protegido, porque tem um autor e não anda para aí aos trambolhões? Não deve!
As «boas regras» de tortura devem ser protegidas só porque têm um autor que assina o nome lá em baixo? Não devem, não podem! Não pode ser considerado um dado nominativo, mas há algumas cabeças, alguns «crâneos» (para utilizar a sua expressão lombrosiana) que têm essa concepção.
Ora, é extremamente positivo que a Assembleia da República, por um lado, diga que a nossa lei, aprovada por unanimidade, é para cumprir e, por outro, aproveite o facto de, tendo esta lei sido feita a latere da Assembleia da República- e mal escrita, aliás! -, carrear para a interpretação desta norma aquilo que apurámos durante o debate da Lei da Administração Aberta e em que, por exemplo, por unanimidade também, fizémos a distinção entre documentos nominativos e não nominativos, o que, no caso dos arquivos da PIDE, é de grande utilidade porque, por exemplo, os documentos nominativos devem ser protegidos mas os não nominativos (publicações, panfletos, livros, instruções) já não devem ser. Esta clarificação liminar é crucial, não está na lei de 1991 que determinou a incorporação.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está sim!

O Orador: - Não está. O Sr. Deputado Silva Marques está amnésico em relação à lei. E a lei geral, nessa parte, é dificilmente aplicável sem algumas precisões.
Portanto, Sr. Deputado, esta obra vale a pena, por um lado, porque já conseguiu uma alteração da atitude parcial do director e até do Governo; por outro, porque nos obriga a todos a reflectir sobre esta matéria; por outro ainda, porque podemos, até com a sua ajuda, encontrar o bom campo de clarificação para «crâneos» de penetração mais difícil.
Não acha?!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, quando fiz a pergunta, disse que havia aqui uma coisa boa que era a classificação dos documentos de que resultou a separação dos documentos burocráticos, administrativos (manuais, regras de tortura) dos documentos que dizem respeito às pessoas. Portanto, esse é um valor adquirido e já disse que era uma coisa boa.
No entanto, interroguei-me sobre se, efectivamente, esta classificação não vai fazer demorar ainda mais o trabalho de inventariação e de organização (como lhe chama o Director da Torre do Tombo) deste arquivo.
Em segundo lugar, se a Lei da Administração Aberta já contempla este tipo de distinção, também é intuitivo que essa lei se aplica aos arquivos da PIDE/DGS.
Se é apenas para esclarecer essa distinção, não vejo mal, mas fazer uma nova lei para o acesso com uma nova classificação, parece-me que vai ser um maná para o actual director porque vai sobrepor aos critérios de organização que existem um novo critério, o desta lei, que vai atrasar a consulta dos documentos.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das vantagens destas tardes parlamentares é a de podermos falar mais intimamente, tanto mais que está em causa a questão do direito de reserva à intimidade.

Risos do PSD.

Algo de estranho se passa com os socialistas, porque não só desapareceram da bancada - o que não é muito grave, visto que não devemos ter uma interpretação física da vida e da representatividade do Hemiciclo - mas também do debate. De duas uma: ou o projecto de lei socialista não tem qualquer interesse e não traz nada de novo à legislação vigente, salvo um ou outro esclarecimento, ou tem e, se assim é, mereceria o pleno da bancada socialista.
O que o projecto de lei socialista, tendo algo de novo, repito, propõe à Câmara é que aceitemos, em nome do antifascismo militante, a introdução de uma discriminação negativa quantos aos agentes da ex-PIDE.
Repito, pois: ou o projecto de lei não tem nada de novo ou tinha isto, o que, de facto, merece um debate. Só que, dada a intervenção do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, os socialistas desapareceram, pois não há mesmo nada de novo no projecto socialista!...
Mas não haveria na intenção original? Julgo que sim, porque, apesar de tudo - e tenho que prestar essa homenagem aos socialistas -, eles não são completamente disparatados e absurdos.
O projecto de lei deles tinha, de facto, uma lógica e uma razão de ser, que era a de introduzir uma discriminação negativa em matéria de garantias dos cidadãos relativamente aos agentes da ex-PIDE. É uma tese e não compreendo por que razão o Partido Socialista a «mete na gaveta». Afinal, o ímpeto da luta antifascista, aqui retomado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, desapareceu... Estranho que não estejam presentes no debate precisamente os Deputados congressistas, os Deputados que pretendem abrir as «avenidas» do futuro!.,.

Risos do PSD.

Será que lhes desinteressa o tema? Julgo que não! Ele devia interessar a todos nós e, por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apesar da sonolência desta tarde tribunícia, nem por isso deixo de dar ao tema a importância que ele merece.
O projecto de lei socialista, ao propor uma discriminação negativa em matéria de direitos e garantias relativamente aos agentes da ex-PIDE, fá-lo por uma razão muito clara e muito importante que interessava discutir publicamente e que, aliás, pretendo discutir convosco, socialistas: tal decorre de um sectarismo em nome de um antifascismo, só que os princípios e valores de um Estado de direito tornam isso absolutamente inaceitável. Nada, absolutamente nada, pode justificar a violação e o abandono dos princípios do Estado de direito, mesmo a invocação do combate à barbárie do Estado do arbítrio - a vossa tese -, porque tal cedência, Srs. Deputados Socialistas e Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, é, ela própria, a aceitação da mesma barbárie que se diz reprovar e combater.
Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, a história está cheia de goulags erguidos em nome das boas rã-

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zoes. O PS, Srs. Deputados, dá a impressão de que está a andar para trás com este seu regresso ao antifascismo militante.
Esta ferocidade antifascista do PS merece reflexão. Qual é a sua razão de ser? O que está na base da sua motivação? Penso, com toda a franqueza, Srs. Deputados e, nomeadamente Srs. Deputados Socialistas, que o que está na base dessa vossa ferocidade antifascista é, no fundo, uma busca, mesmo inconsciente, para ocultar debilidades próprias, debilidades do presente e debilidades do passado.
O que fez durar tanto a ditadura, Srs. Deputados Socialistas? É uma pergunta que nos devíamos colocar. Qual a razão por que quase batemos o recorde das ditaduras?!

O Sr. José Magalhães (PS): - A PIDE!

O Orador: - Por que razão outras ditaduras, com polícias tão ferozes como a nossa, demoraram menos tempo?! O que é que terá feito durar a nossa tanto?! Muitas explicações haverá, mas permito-me avançar um factor explicativo, eu que reflecti sobre o assunto vários anos e não apenas na comodidade dos gabinetes mas na luta concreta e até nos antros da PIDE. Um dos motivos que fez durar tanto a ditadura foi a incapacidade de a esquerda conquistar a confiança do País.

O Sr. José Magalhães (PS): - E a PIDE?!

O Orador: - Sem dúvida, mas por que é que outras ditaduras não duraram tanto e com polícias que mataram mais num fim-de-semana do que a ditadura portuguesa em 50 anos?! O Sr. Deputado José Magalhães sabe que qualquer ditadura da América latina mata mais num fim-de-semana do que a polícia política do salazarismo durante 50 anos, o que não quer dizer que isso justifique o salazarismo...

O Sr. José Magalhães (PS):- Ah!

O Orador: - Digo isto apenas para pôr cobro aos seus arroubos épicos - que possivelmente não passaram das alcatifas dos gabinetes... -, do estudo profundo, sem dúvida, dos autores marxistas!...

Risos do PSD.

Aliás, não é nada de desmerecedora a reflexão profunda, intensa, que faz suar, dos autores marxistas, na alcatifa cómoda e junto do aquecedor para não prejudicar o trabalho cerebral!... Isso é até altamente épico e estimulante, como sabe, Sr. Deputado José Magalhães!...
Mas deixe-me voltar ao fio das minhas reflexões.
Foi também por isso, Srs. Deputados, que o aparecimento de uma nova força política, que naquela altura se designou de "ala liberal", com justa razão de terceira força, veio desbloquear a situação política e que nenhuma polícia política foi capaz de conter. Como sabem, a abertura de uma terceira via com vista à possibilidade de governar o País sem que se tivesse que estar acorrentado pelo imobilismo salazarista e sem que se tivesse de integrar na oposição de esquerda permitiu a muita gente dizer: Pode-se mudar porque há quem possa governar o País.
Ora, Srs. Deputados, quando nos vêm dizer - e com razão! - que, neste momento, o principal problema é o de transmitir às novas gerações o nosso testemunho e a nossa reflexão, pergunto-me: por que é que as pessoas, então, não transmitem o seu testemunho de forma ilimitada? Inclusivamente, por que é não fazem uma análise sobre a duração da ditadura?!
Por outro lado, Srs. Deputados, convenhamos que não há maior mistificação do que centrar sobre a ex-PIDE/DGS a questão do regime anterior, quer do ponto de vista da responsabilidade moral, quer mesmo do ponto de vista dos mecanismos da repressão e da violência. Quantas pessoas não foram perseguidas e agredidas por outras organizações e agentes? Quantas entidades civis não colaboraram, da forma mais activa, nessa violação dos direitos e da dignidade? Quantos professores não causaram graves e irreparáveis danos a muitos estudantes por razões de estrita perseguição política?

O Sr. José Magalhães (PS):- Claro!

O Orador: - E quem é capaz de negar que a política, ela própria...
Sabe, Sr. Deputado José Magalhães, muitos falam sobre estes temas por desconhecimento de causa, por abordagem meramente teórica do assunto!

O Sr. José Magalhães (PS):- Claro!

O Orador: - Sr. Deputado, o tempo já passou para cada um ter a sua experiência sobre isso. E irrecuperável!

O Sr. José Magalhães (PS): - É isso mesmo!

O Orador: - Agora, o destino dos curiosos é ir aos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Já não podem experimentar!

Risos do PSD.

E quem é capaz, Srs. Deputados, de negar que a polícia, ela própria, era suficientemente sofisticada para agir quase sempre com as mais apuradas distinções e discriminações sociais e de classe? É inegável que a polícia maltratava, com frequência atingindo a agressão brutal e a tortura. Mas os alvos quase exclusivos dessa violência eram praticamente só os comunistas. Fora estes, as excepções, que existiram, circunscreviam-se a alguns, poucos, oposicionistas mais radicais.
Será que hoje alguém precisa ou anda à procura de uma vã glória do passado, à míngua de saber o que dizer do presente e do futuro?
E como é possível querer fazer acreditar às novas gerações que o pior da ditadura é o organismo especializado da repressão política, e não a própria ditadura e os ditadores?
Será que há ditadores e responsáveis da ditadura contrariados? Será que era a polícia política que os obrigava a ser ditadores?
Eu serei o último, Srs. Deputados - repito, serei o último-, a tratar como meros oportunistas e gente sem carácter os responsáveis políticos da ditadura. E digo isto porque muitos deles, os mais capazes deles até, eram gente de convicções - erradas, evidentemente, mas convicções (é preciso acrescentar). É certo que alguns excessivamente presunçosos, estupidamente presunçosos, mas, apesar de tudo, há que reconhecê-lo, convictos, de convicções.

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Por outro lado, Srs. Deputados, é sabido que a ditadura veio em consequência da incapacidade de a democracia atacar de forma eficaz os problemas do País. E espanta-me, Srs. Deputados, que aqueles que pretendem ser alternativa à actual maioria andem a correr atrás dos fantasmas dos ex-PIDES, em vez de correrem atrás dos problemas do País e, sobretudo, das propostas que têm para o futuro!

Aplausos do PSD.

A ditadura, Srs. Deputados, chegou no meio de um apoio popular generalizado e da colaboração assumida e empenhada de muitos democratas, alguns de renome.
Esta lição, Srs. Deputados, em vez de silenciada, como sistematicamente o é, deve ser bem avivada e lembrada às novas gerações, sobretudo quando os políticos do «bacalhau a pataco» parecem estar de regresso.

Risos do PSD.

A revolução democrática - e, a meu ver, bem - não julgou e muito menos condenou os responsáveis políticos da ditadura. A retaliação não tem sido a tradição portuguesa. Pois continuemos essa tradição, que terá as suas fraquezas, mas também as suas enormes virtudes, que nos engrandece e que faz de nós um caso muito específico e singular de nação, de civilização e de cultura.
Do mesmo modo, não foram julgados e muito menos condenados os responsáveis políticos do PREC, os seus corpos organizados, os seus agentes, apesar do terror que instauraram, das perseguições que moveram, das agressões que praticaram, das violações dos direitos que cometeram, dos danos irreparáveis que causaram e, mesmo, dos assassínios que consumaram.
Por isso, os princípios, a frontalidade, a coerência, o mais elementar e impostergável sentido da justiça, que é o cerne mesmo da grandeza do Homem e da acção humana, impõem que não se reabra uma guerra política, rasteira e sectária, e que os crimes cometidos, na ditadura ou no PREC, ou antes da ditadura ou depois do PREC, sejam, não esquecidos ou apagados da memória, mas julgados à luz das leis vigentes e dos princípios constitucionais que presidem à democracia e ao Estado de direito. Sem excepções e sem discriminações.
Não há crimes de direita e crimes de esquerda, Srs. Deputados, crimes maus e crimes bons. Há crimes. E todos, como tal, devem ser julgados.
Do mesmo modo não há criminosos piores e melhores. Há criminosos. E, como tal, todos devem ser perseguidos pela justiça num Estado de direito. Mas, ao mesmo tempo, a todos, como pessoas, devem ser dadas as mesmas garantias de direito.
Os arquivos da ex-PIDE/DGS, como quaisquer outros arquivos, nomeadamente os de Salazar e Caetano - ninguém fala neles não sei porquê. Será que nos devemos ocupar apenas do pessoal miúdo?...

O Sr. José Magalhães (PS): - Porque ainda não decorreu o prazo de abertura!

O Orador: - Não! Eles também são abrangidos por aquilo que vou acrescentar, Sr. Deputado José Magalhães. Não se perca com burocracias!

Risos do PSD.

Como estava a dizer, os arquivos da ex-PIDE/DGS, como quaisquer outros arquivos, nomeadamente os de Salazar e Caetano, devem ceder perante à investigação judicial de quaisquer crimes, de antes ou de depois do 25 de Abril. Mas não devem ser pasto da baixeza humana. Não devem ser pasto da baixeza humana! O 25 de Abril não foi para voltar à baixeza humana!...

O Sr. José Magalhães (PS): - Nem ao silêncio!

O Orador: - O que os socialistas propõem, de constitucionalidade, aliás, mais do que duvidosa, não é aceitável, pela mistificação que comporta, pela deseducação cívica que constitui e pela flagrante injustiça que assume e advoga.
Mas nada se perderá se utilizarmos o projecto de lei socialista para uma melhor ponderação dos mecanismos da lei vigente, sobretudo no tocante à sua clarificação e a uma melhor garantia dos interesses da investigação histórica, científica e académica.
Assim - peço a vossa atenção, Srs. Deputados -, as melhorias não ficam só por aqui... Faço um parêntesis para dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que penso que deve tomar muita atenção neste ponto, porque vou falar de uma coisa na qual, eventualmente, o senhor até colaborou, sem que isso signifique qualquer imputabilidade especial. Digo colaborou, porque possivelmente era um militante activo, naquela altura estava no Partido Comunista e pode ter colaborado em qualquer coisa desta natureza. Vou lembrar.

O Sr. António Braga (PS): - Não sei se merece a nossa atenção!

O Orador: - Assim como quanto à recuperação ou à responsabilização pela sua ilegítima apropriação dos dossiers desaparecidos dos arquivos da ex-PIDE/DGS logo após o 25 de Abril, entre os quais o meu, que não está lá.

Aplausos do PSD.

Sei muito bem, Sr. Deputado José Magalhães, por que razão o meu dossier não está lá. Porque alguém foi lá buscá-lo a correr, julgando que eu o tinha traído na PIDE. «Vamos lá ver se ele traiu e a gente vai denunciá-lo». Só que eu fui dos poucos que não traí.

O Sr. António Braga (PS): - Então diga lá!

O Orador: - Muitos dos que traíram calaram-se e colaboraram com a extrema esquerda, precisamente para se redimirem. O meu dossier não está lá por essa razão. Quem lá foi buscá-lo teve uma grande frustração!...

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado António Braga, sabe que muitos dos mais activistas colaboradores com a extrema esquerda após o 25 de Abril foram antigos colaboradores da PIDE?! No meu distrito, em Leiria, muita gente que tinha fotografias ao lado de Marcelo Caetano e de Salazar foi a correr apoiar tudo o que era da extrema esquerda, em Leiria, para se redimir das fotografias! Por isso...

Risos do PSD e do CDS-PP.

Mas isto não tem mal. Quem há-de ter medo de si próprio? Quem há-de ter medo daquilo que fez?! Tantas asneiras que fazemos ao longo da nossa vida...! Só

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devemos ter medo é da hipocrisia. Não devemos ter medo da nossa vida porque ela é cheia de circunstâncias. Nós devemos ter medo, isso sim, da hipocrisia porque isso é que mata a nossa alma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, um último comentário sobre a actual ofensiva, dita contra o situacionismo - há aí uma ofensiva contra o situacionismo - de certos socialistas. O retorno ao antifascismo militante, presumo, situa-se nessa ofensiva contra o situacionismo. Permitam-me um último comentário, para terminar as minhas reflexões.
Depois da proclamação antifascista do Sr. Deputado Manuel Alegre, aqui produzida, em jeito de trombeta anunciando as grandes manobras, e do seu delírio metafórico (ao ponto a que as coisas chegam!) no recente CUNAF - Congresso de Unidade Antifascista, serôdia reminiscência do MUNAF, de 1945 -, onde acusa o Governo de não ter o 25 de Abril no coração por não ter o cravo vermelho na lapela (imagine-se o delírio), e depois deste mesmo projecto de lei anti-PIDE, pelos vistos não do Sr. Deputado Manuel Alegre mas do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques - a ofensiva antifascista tem o trabalho distribuído, cada um faz o seu papel... -, tivemos ainda há uns dias a inesperada e mirabolante iniciativa do Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, tentando transformar o Parlamento em local de ressonância da agitação das ruas. Imagine-se um Deputado com um ar tão tranquilo, tão bem comportado, a apresentar-nos aqui, num outro dia, um voto de apoio à manifestação de rua e a querer romper as regras parlamentares, enfim no mais clássico estilo agitatório!... A tal ponto...

O Sr. José Magalhães (PS): - O Guilherme! Que grande agitador!

O Orador: - O Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins! Imagine-se. Com aquele ar tranquilo!
Enfim, no mais clássico estilo agitatório que, convenhamos, nem hoje os comunistas usam tão desabridamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Meu Deus!

O Orador: - Estas iniciativas socialistas, Srs. Deputados, revelam raiva, em vez de lucidez. Não pode ser outra coisa.
A demagogia substitui a análise - viu-se bem no CUNAF! -, mas não só. Ela vem juntamente com o mais exacerbado e inconsequente verbalismo...

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - ... que substitui, ele sim, a capacidade de propor soluções.
Reparem, Srs. Deputados: muitas pessoas se escandalizaram e se indignaram com umas palavras autojustificativas de um ex-PIDE que, querendo autojustificar-se, disse que não tinha torturado ninguém. Mas eu nunca vi nenhum torturador dizer que torturou! Bem, isso escandalizou. Mas ninguém se escandalizou com o facto de o Professor Matoso se ter referido ao «repugnante jogo partidário», uma frase contra os partidos, uma frase que contém em si mesma a negação da ditadura?! Ninguém se escandalizou?! O que é que se passa convosco, Srs. Deputados socialistas?!

O Sr. José Magalhães (PS): - É arrasador!

O Orador: - Quem dirige hoje os socialistas, Srs. Deputados socialistas? Hão-de responder-me a esta pergunta! Quem dirige hoje os socialistas? Qual é hoje a estratégia dos socialistas?

O Sr. António Braga (PS): - Tem dúvidas sobre isso?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Discutiu-se isso há duas horas!

O Orador: - Quais são hoje as propostas verdadeiramente dos socialistas? Ninguém sabe, Srs. Deputados! Ninguém sabe, porque a confusão nas hostes nunca foi tão longe. Tantos, tão diversos e tão proeminentes são os actores e os autores.
Nunca se imaginou, Srs. Deputados, que os 20 anos do 25 de Abril viessem trazer tanta miséria de espírito e revelassem tanta gente ainda incapaz de pensar o novo presente saído do 25 de Abril e o novo futuro.
Infelizmente, paralisados e cegos por um sectarismo arcaico, verdadeiramente jurássico, para certos cidadãos só existe uma metade do mundo - a deles; só uma autêntica democracia- a deles; só uma genuína legitimidade popular: a deles; só uma verdadeira cultura: a deles; só uma garantia da seriedade e da virtude: a deles. Para eles, a outra metade do mundo não conta, porque não é deles.
Chegou-se a limites chocantes, Sr. Deputado...

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Vou terminar rapidamente, Sr. Presidente. Peço a tolerância de V. Ex.ª.
No pós-25 de Abril, na luta e no combate contra o gonçalvismo, Sá Carneiro não teria existido, apesar de ele e o PSD terem sido a força política que primeiro tomou as ruas para exigir liberdade autêntica, democracia autêntica e eleições livres.

Vozes do PS: - Isso não é verdade!

O Orador: - Quem presta, hoje, preito e homenagem aos que morreram pela liberdade no pós-25 de Abril? Quem cita e lembra os comandos mortos: o Tenente Coimbra e o Furriel Pires? A outra metade do País, Srs. Deputados, em vez disso, elogia Otelo.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, informo-o de que esgotou o tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, não quero abusar da bondade de V. Ex.ª e peço licença para terminar com a seguinte frase: os caminhos do futuro não podem ser outros senão os da verdade incondicional, da ciência e da liberdade, da generosidade e da justiça. E esses caminhos são os nossos. Nada deverá impedir que sejam também os da oposição. Nós desejamos que também sejam os dela.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Os Srs. Deputados do Partido Socialista estão muito tristes!

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Os Srs. Deputados do Partido Socialista foram esmagados!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques. Lembro, no entanto, que o Sr. Deputado Silva Marques já não dispõe de tempo para responder, mas a Mesa, como já fez anteriormente, concede-lhe um minuto.
Tem a palavra, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apesar dos comentários pouco inteligentes que se ouvem, provenientes da bancada da maioria, devo dizer, em primeiro lugar, Sr. Deputado Silva Marques, que pensei, ao ouvi-lo da tribuna, que quem lá estava não era o Silva Marques que conheci, nem o outro; era qualquer coisa de intermédio, que não se sabe bem em que tempo e em que contexto político se situa, em que passado ou em que futuro.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que até certo ponto fiquei triste e ferido, nomeadamente por ter feito referências directas que, embora não me atinjam pessoalmente, me atingem politicamente, já que me acusou, na medida em que sou subscritor do projecto de lei n.º 3997 VI, de coisas como sectarismo e afins.
Não vou entrar no debate que V. Ex.ª aqui provocou, porque, nitidamente, se enganou de sítio, de tempo e de debate. Não sei muito bem em que mundo imaginário começa a situar-se, mas eu, sinceramente, começo a ficar preocupado com o mundo em que V. Ex.ª cada vez mais se situa, que, em muitos aspectos, já tem dimensões algo delirantes.
Limitando-me ao projecto de lei em discussão, gostaria de, sobretudo, contestar muito frontalmente acusações, tais como de sectarismo e de atitude discriminatória em relação aos agentes da PIDE/DGS e outras organizações cujos materiais estão incluídos nos arquivos a que o nosso projecto de lei se refere.
Sr. Deputado Silva Marques, percebe-se, inclusive, pelas suas afirmações, que V. Ex.ª, para além de não ter lido o nosso projecto de lei, também não leu o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, assinado pelos seus colegas de bancada Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira e Sr. Deputado Guilherme Silva, onde, em relação à fundamentação legal daquela atitude a que V. Ex.ª chama discriminatória - mas que não o é, já que se trata de uma atitude de carácter classificativo no contexto arquivístico que estamos a discutir, mas que, depois, obedece estritamente à legalidade vigente -, se diz o seguinte: «A ordem constitucional portuguesa reconhece que os pilares básicos do Estado de direito vigoram, independentemente de uma sua concretização positiva-legal, em certo momento histórico (o período de duração do Estado Novo) e em nome dessa vigência legitima a incriminação e a consequente punição de comportamentos vincadamente refractários à afirmação democrática».

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª, pelos vistos, não pensa assim. Está a negar, inclusive, o seu próprio passado.
Sr. Deputado, estamos a discutir um projecto de lei com objectivos de carácter técnico e que visam salvaguardar o exercício do direito à preservação do nosso passado, à memória histórica e à investigação dessa memória. Sobretudo, queremos combater o silêncio e aquilo de que V. Ex.ª também foi vítima quando militante do antifascismo que aqui tanto criticou de maneira disparatada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, a quem a Mesa concede um minuto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, há pouco não me atrevi a fazer uma referência pessoal, mas é evidente que somos amigos há bastantes anos e continuaremos a sê-lo. Uma das coisas que mais prezo é a amizade pessoal e penso que ela nunca deve ser impedimento para a divergência política. De outro modo, a amizade pessoal funcionaria quase que como uma chantagem.
Infelizmente, nem todas as amizades pessoais resistem a esta regra. Eu perdi diversos amigos pessoais depois do 25 de Abril por ter passado a colaborar com o PSD e isso foi uma das coisas que mais me amargurou. O facto de eu ter passado a militar no PSD, depois do 25 de Abril, levou a que um número enorme de amigos meus - eu julgava-os meus amigos - deixassem de falar-me, por considerarem inaceitável que eu me passasse para a direita, como diziam.
Espero, Sr. Deputado, que as nossas relações pessoais nunca se rompam. Pelo menos, da minha parte isso nunca acontecerá!
Durante o meu tempo de estudante, em Coimbra, era comunista e amigo pessoal de um dos dirigentes salazaristas da época. O chefe dos salazaristas era meu amigo pessoal e eu amigo dele. No entanto, eu era comunista e nunca deixei de ser um bom comunista.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado Silva Marques...

O Orador: - Como alguns comunistas poderão reconhecer, eu sempre fui um bom comunista, enquanto tal...

Risos do PSD.

... e isso não me impedia de ser amigo de um bom salazarista.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado Silva Marques, peço-lhe que conclua.

O Sr. José Magalhães (PS): - Vamos aos arquivos!

O Orador: - Meu Deus, nós temos a melhor oportunidade de comemorar o 25 de Abril, deixando falar os homens do antes do 25 de Abril.
O Sr. Deputado José Magalhães está a dizer-me: «Vamos aos arquivos.» Mas o arquivo sou eu!...

Risos do PSD.

O arquivo sou eu!... Um arquivo vivo. O que é que o Sr. Deputado prefere: um papel ou um homem?!

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Risos do PSD.

O senhor prefere um documento cheio de pó, incapaz de contar os interstícios da vida!...
Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, em matéria de debate político, os senhores meteram o vosso projecto de lei no bolso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não!!

O Orador: - Envergonharam-se e meteram-no no bolso. O vosso diploma veio no ímpeto do retorno ao militantismo antifascista, porque os senhores chegaram a dizer que os agentes da PIDE eram coisas horrorosas, sofriam de uma capins dimmutio, não podiam sequer ser entrevistados. Um PIDE, por definição, não podia ser entrevistado e, portanto, também por definição...

O Sr. José Magalhães (PS): - O parecer da Comissão é da autoria da Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

O Orador: - Oiçam, os senhores não enganam ninguém! Em consequência do vosso impetuoso retorno ao antifascismo, os senhores meteram-se numa vereda de que agora quiseram sair através de um salto. Por isso é que o vosso projecto de lei, afinal de contas, não é aquilo que era.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!

O Orador: - Os senhores recuaram e, quando corrigem os erros, é positivo.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, terminou o tempo.

O Orador: - O País deve regozijar-se com isso. Eu aplaudo a correcção do vosso erro e é pena que não corrijam mais! Talvez isso fosse bom para todos e, sobretudo, para o País.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Falou o arquivo vivo... em mau estado!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que, do que nos chegou da bancada do PSD, o mais interessante - e eu queria começar com esta nota- não foi quem falou nem quem está mas, sim, quem não está. Este debate é particularmente interessante em virtude de três ausências na bancada da maioria. A primeira é a da Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está no estrangeiro.

O Orador: - Eu sei e essa foi uma muito oportuna ida ao estrangeiro...
E lamentamos essa ausência porque ela defendeu o contrário do que aqui veio defender o Sr. Deputado Silva Marques, isto é, defende que era possível e correcto fazer a tal discriminação que ele aqui referiu. Portanto, como a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira se defrontou com o Sr. Deputado Silva Marques e as suas teses, ela embarcou para o estrangeiro - e, provavelmente, fez muito bem!
A segunda ausência relevante é, na fila da frente, a do Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso tem algum mal?

O Orador: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira está ausente deste debate por uma razão evidente: está em completa discordância com a tese que o Sr. Deputado Silva Marques defendeu.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira disse, desde a primeira hora da preparação da lei de 1991 relativa aos arquivos da PIDE/DGS - e defendeu-o muito claramente -, que o princípio que devia ser consignado era o da abertura e não o da excepção, como aqui vem sendo defendido e como é a interpretação do director do Arquivos Nacionais/Torre do Tombo.
Essa ausência tem esse claro significado e vou até deixar-lhe uma pergunta, através da bancada do PSD: Sr. Deputado Pacheco Pereira, concorda V. Ex.ª com o que está a fazer o Sr. Director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Professor Borges de Macedo? Concorda com a interpretação da lei de que o senhor foi um dos autores e subscritores? Deixo-lhe esta pergunta e espero que, ainda hoje ou amanhã, tenha oportunidade de me responder.
A terceira ausência relevante situa-se na bancada do Governo. É que o Sr Secretário de Estado Santana Lopes era um «personagem» fundamental para este debate, pois, sejamos francos, bem ou mal ele deu uma ordem ou instrução ao famoso Director do Arquivo Nacional Torre do Tombo, Borges de Macedo, que, pura e simplesmente, diz que não a cumpre.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já hesita!

O Orador: - Ora, seria muito interessante que o Sr. Secretário de Estado, que disse, já depois de 26 de Abril, mais concretamente, em 4 de Maio, que os arquivos estavam abertos, viesse agora aqui explicar por que razão continuam fechados e por que é que um funcionário superior, mas que depende da sua Secretaria de Estado, não cumpre as instruções que lhe são dadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me que a razão motivadora deste debate se consubstancia num caso relativamente simples, ao qual chamaria «caso de polícia». Um alto funcionário do Estado não cumpre uma lei - a Lei n.º 4/91, relativa aos arquivos da PIDE- que refere, muito claramente, que os arquivos serão abertos em 25 de Abril de 1994. O funcionário diz: «Não cumpro essa lei». O Secretário de Estado que o tutela diz: «Cumpra!». Ele diz: «Não cumpro!».
Tive oportunidade de ouvir alguns Srs. Deputados muito esperançados numa mudança de atitude por parte do Sr. Director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, mas, pela minha parte, sem sair dessas esperanças, o que tenho visto até agora, para além dos diálogos travados na rádio entre um e outro em que um diz «Eu cumpro, à minha maneira» e o outro diz «Não, o senhor vai cumprir à minha maneira», é que, na prática, não se assiste ao efectivo cumprimento da lei. E a lei foi criada num contexto que não deixa qualquer margem para equívoco.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Não há qualquer equívoco relativamente àquela lei! O debate que houve em seu torno, os artigos que, na altura, foram publicados na imprensa, as declarações feitas por todas as bancadas, inclusive pela bancada do PSD, designadamente por um Sr. Deputado que se encontra presente - como tal, não é um dos ausentes - não deixam qualquer margem para equívoco sobre a vontade da Assembleia no sentido de que em 25 de Abril de 1994 os arquivos fossem abertos.
Assim, creio que se deve perguntar o que leva o Director dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo a impedir o acesso à documentação. Aliás, até perguntaria mais: será que ele impede o acesso de toda a gente?

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é uma questão grave!

O Orador: - Repito: será que esta medida é para todos ou é apenas para aqueles que pedem a consulta dos arquivos publicamente? Será que haverá outras formas de consultar esses arquivos?
O debate suscitado por esta iniciativa legislativa é, pois, completamente justificado e útil, mas apenas no sentido de nós, Assembleia da República, termos o dever e a missão constitucional de fiscalizar o cumprimento das leis e, por isso mesmo, de saber qual a situação que permite que um alto funcionário do Estado se recuse a cumprir uma lei.
Neste quadro - e nisso divirjo de outras opiniões que aqui foram manifestadas - o debate que se possa continuar a fazer, nomeadamente em sede de comissão, em torno das formas de efectivar e garantir a aplicação da lei, é um debate útil e é exactamente nesse contexto que entendo a iniciativa do PS. Como lei interpretativa, ela não seria necessária, visto que o que se pretende é dedutível da lei e dos princípios gerais, mas, havendo obstáculos à aplicação da lei, a iniciativa torna-se útil como forma de encontrar os procedimentos adequados à garantia do seu cumprimento, no respeito pela reserva constitucionalmente definida e também no respeito pela lei que traduz a vontade da Assembleia.
Esta é a posição do meu partido.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Então, vota ou não a favor?

O Sr. João Amaral (PCP): - Que pergunta!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, declaro encerrado o debate sobre o projecto de lei n.º 399/VI.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se não houvesse objecções por parte das diversas bancadas, seria positivo votarmos, na generalidade, o projecto de lei que acaba de ser apreciado, para o que contaríamos com a aquiescência, espero, de todos os grupos parlamentares, tal como resultou de conversas informais que já tiveram lugar.
Não houve consultas ao Sr. Deputado do PSN, mas ele também não se encontra presente.

Pausa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, dado haver consenso, vamos proceder, de imediato, à votação.
Peço à Câmara apenas alguns minutos para que cheguem à Sala os Srs. Deputados que se encontram reunidos em comissões.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 399/VI - Assegura a consulta pública dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP e adopta outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e terá como ordem do dia a apreciação da proposta de lei n.º 98/VI- Autoriza o Governo a alterar o artigo 26.º do Código de Processo do Trabalho, da proposta de resolução n.º 61/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu que Cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República Checa, por outro, e respectivos Protocolos e Anexos, bem como a Acta Final com as declarações, assinado em Bruxelas, em 4 de Outubro de 1993, e da proposta de resolução n.º 62/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu que Cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados membros, por um lado, e a República Eslovaca, por outro, e respectivos Protocolos e Anexos, bem como a Acta Final com as declarações, assinado em Bruxelas, em 4 de Outubro de 1993.
Na primeira parte do período da ordem do dia procederemos ainda à aprovação de Diários da Assembleia da República e à hora regimental realizaremos as votações pendentes.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António de Carvalho Martins.
António Fernando Couto dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.

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12 DE MAIO DE 1994 2317

João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Granja Rodrigues da Fonseca
José Angelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS)

Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP)

João António Gonçalves do Amaral

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró

Faltaram à sessão os seguintes Sn Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adão José Fonseca Silva
Carlos Alberto Pinto
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva
João Álvaro Poças Santos
João José da Silva Maçãs
Joaquim Mana Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo
José Albino da Silva Peneda.
José Macário Custódio Correia
Manuel Antero da Cunha Pinto
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.

Partido Socialista (PS).

António Alves Martinho.
António Domingues de Azevedo.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP)

José Luís Nogueira de Brito

Partido Ecologista Os Verdes (PEV)

Isabel Maria de Almeida e Castro

Deputado independente Mário António Baptista Tomé.

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