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Quinta-feira, 22 de Setembro de 1994 I Série - Número 95
DIÁRIO da Assembleia da república
VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE SETEMBRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros, tendo ainda sido feito o anúncio da admissão dos projectos de revisão constitucional n.º 7/VI (Deputados do PS João Cravinho e Menezes Ferreira), 8/VI (Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD), 9/VI (Deputados de Os Verdes Isabel Castro e André Martins), IO/VI (Deputado Octávio Teixeira e outros do PCP), 11/VI (Deputado independente Raul Castro), 12/VI (Deputado do PS Luís Amado), 13/VI (Deputado independente Luís Fazenda), 14/VI (Deputado do PSD Pedro Roseta) e I5/VI (Deputado do PSD Cardoso Martins).
O Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD) teceu considerações sobre as recentes críticas da oposição ao Governo, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Queira (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), Almeida Santos e Manuel Alegre (PS) e dado explicações ao Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS-PP) que exercera o direito de defesa da honra.
O Sr. Deputado Armando Vara (PS) abordou a problemática do aumento das portagens na ponte 25 de Abril e, no fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Nuno Delerue (PSD).
O Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) condenou a actuação do Governo na questão da ponte 25 de Abril e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD).
O Sr. Deputado Manuel Queira (CDS) acentuou a necessidade da realização de uma sessão plenária para debate da situação de conflitualidade criada pelo agravamento das taxas da portagem da ponte 25 de Abril. Respondeu depois a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Carp e à defesa da consideração do Sr. Deputado Duarte Lima (PSD).
O Sr. Deputado André Martins (Os Verdes), a propósito do mesmo rema, teceu críticas à política de ordenamento do Governo para a Área Metropolitana de Lisboa.
O Sr. Deputado Luís Fazenda (Indep.) fez a defesa dos utentes da ponte 25 de Abril que sendo militantes de partidos se têm incorporado nos protestos aí havidos.
Ordem do dia. - A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República à República da Guiné-Bissau, entre os dias 28 e 30 do corrente mês de Setembro.
Após apresentação dos projectos de revisão constitucional pelos Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Rui Macheie (PSD), Carlos Candal (PS), Guilherme Silva (PSD), João Cravinho (PS), Pedro Passos Coelho (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), João Amaral (PCP), Luís Amado (PS), Luís Fazenda (Indep.), Pedro Roseta (PSD) e Cardoso Martins (PSD), foi aprovado o projecto de deliberação n.º 92/VI - Constituição de uma comissão eventual para a revisão constitucional (PSD, PS e CDS-PP).
Por fim, o projecto de deliberação n.º 95/VI - Autoriza a convocação das comissões especializadas (PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes) mereceu também aprovação.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão eram 20 horas e 5 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio B airosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
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Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Maria da Conceição Seixas de Almeida.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fazendo votos de que tenham tido umas boas férias, começo por referir que esta é uma sessão fora do período normal de funcionamento da Assembleia da República. Dir-se-ia, por isso, que é uma sessão extraordinária, mas como também é uma sessão que está marcada há muito tempo, com um objecto muito determinado, podemos considerá-la como uma sessão normal.
Em segundo lugar, quero informá-los de que, de acordo com o projecto de deliberação que, presumo, vai ser aprovado daqui a pouco, as comissões especializadas passarão a reunir a partir da próxima segunda-feira.
Recordo ainda que a ordem de trabalhos de hoje compreende um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia, que tem a ver com a matéria da revisão constitucional.
O Sr. Secretário vai agora dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de revisão constitucional n.ºs 7/VI (Deputados do PS João Cravinho e Menezes Ferreira), 8/VI (Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD), 9/VI (Deputados de Os Verdes Isabel Castro e André Martins), IO/VI ( Deputado Octávio Teixeira e outros do PCP), 11/VI (Deputado independente Raul Castro), 12/VI (Deputado do PS Luís Amado), 13/VI (Deputado independente Luís Fazenda), 14/VI (Deputado do PSD Pedro Roseta) e 15/VI (Deputado do PSD Cardoso Martins); pró-
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postas de resolução n.ºs 75/VI - Aprova, para ratificação, a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações e o Protocolo Facultativo sobre a Resolução Obrigatória de Litígios Relativos à Constituição da União Internacional das Telecomunicações, à Convenção da União Internacional das Telecomunicações e os Regulamentos Administrativos, 76/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo relativo aos Privilégios, Isenções e Imunidades da Organização Europeia de Telecomunicações pôr Satélite (EUTELSAT), 77/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo relativo aos Privilégios, Isenções e Imunidades da Organização Internacional de Telecomunicações por Satélite (INTELSAT), 78/VI - Aprova, para adesão, o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos (EUMETSAT), tendo todas baixado às 3.ª e 5.ª Comissões, e 79/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Internacional sobre o Cacau, de 1993, que baixou às 3." e 6.ª Comissões; projectos de deliberação n.ºs 93/VI - Convocação do Plenário da Assembleia da República, 94/VI - Convocação do Plenário para o dia 22 de Setembro de 1994, ambos da iniciativa do PS, e 95/VI - Autoriza a convocação das comissões especializadas (PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes).
Foram ainda apresentados diversos requerimentos, que vou passar a enunciar.
No dia 8 de Setembro: ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Macário Correia e Elisa Damião; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís.
No dia 14 de Setembro: ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Ferro Rodrigues; aos Ministérios da Indústria e Energia, do Ambiente e Recursos Naturais, da Saúde e às Câmaras Municipais de Oeiras, Rio Maior e Vila Nova de Gaia, formulados pelo Sr. Deputado André Martins.
No dia 15 de Setembro: a diversos Ministérios, à Secretaria de Estado da Cultura e à Radiotelevisão Portuguesa, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
No dia 19 de Setembro: ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado André Martins; à Câmara Municipal do Porto, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: no dia 9 de Setembro a Melchior Moreira, na sessão de 27 de Abril; António Alves, na sessão de 29 de Junho; António Filipe, na sessão de 13 de Julho; Lino de Carvalho, na sessão de 14 de Julho; no dia 14 de Setembro a José Manuel Maia, Ana Maria Bettencourt e Joel Hasse Ferreira, na sessão de 26 de Março, Isabel Castro, na sessão de 18 de Maio; António Vairinhos, André Martins e Miranda Calha, nas sessões de 16, 23 e 27 de Junho; no dia 19 de Setembro a Isabel Castro, na sessão de 18 de Maio, Manuel Silva Azevedo, na sessão de 30 de Junho; António Murteira, na sessão do dia 7 e 28 de Julho; e a Antunes da Silva, no dia 22 de Julho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de informar a Câmara de que, tal como referiu a comunicação social na altura própria, no dia 16 de Agosto recebi do Sr. Presidente da República uma nota referente aos vetos que S. Ex.ª entendeu proferir a respeito dos Decretos da Assembleia da República n.º 174/VI, de 13 de Julho de 1994 - Controlo público dos rendimentos e património dos titulares de cargos públicos -, 177/VI, de 13 de Julho de 1994 - Altera a Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa)-, e ainda 178/VI, de 13 de Julho de 1994 - Altera a Lei n.º 30/84 (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa).
Os textos das três mensagens de S. Ex.ª o Presidente da República serão, naturalmente, publicados na 2.ª série do Diário.
O período de antes da ordem do dia de hoje respeita ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar apresentou um projecto de deliberação, que os Srs. Deputados já conhecem, no sentido de que V. Ex.ª, uma vez que hoje o Plenário está reunido excepcionalmente e só agora pode tomar essa deliberação (além dele só pode toma-la a Comissão Permanente, que não se prevê que reúna), e para que não se perca o efeito útil que entendemos que deve ser salvaguardado, porventura com sacrifício de alguns aspectos formais - isso não me parece o mais relevante -, pudesse permitir e propor à Assembleia que deliberasse a convocação de um Plenário para amanhã ou depois para os objectivos constantes do nosso projecto de deliberação.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado bem sabe, esse problema foi objecto de longa discussão na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares de ontem. Não houve consenso para agendar esse tema para hoje.
Em todo o caso, se houver concordância de todos os grupos parlamentares assim faremos e passaremos a examinar também esse projecto de deliberação, que, aliás, já foi anunciado como tendo dado entrada na Mesa.
Pergunto, pois, aos grupos parlamentares se concordam em que se faça a discussão do projecto, pois, não havendo consenso, não alterarei a ordem do dia de hoje.
Pausa.
Não há acordo, como, de resto, aconteceu ontem.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, queria voltar a recuperar a possibilidade de o nosso projecto de deliberação ter algum sentido útil, propondo recurso para o Plenário desta recusa.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado coloca-me um problema regimental complexo, porque esta deliberação não é minha.
A regra é esta: o agendamento é feito de acordo com aquilo que fica estabelecido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Eu disse que esse tema seria incluído se o Plenário concordasse, se houvesse unanimidade de pontos de vista a esse respeito, mas um dos grupos parlamentares comunicou-me que não dava o seu consentimento.
Portanto, recorre-se da decisão deste grupo e não propriamente da do Presidente.
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, a minha convicção - que, penso, é correcta - é a de que a competência não deixa de pertencer ao Presidente da Assembleia da República pelo facto de se basear num consenso da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. No fundo, é sempre preciso que V. Ex.ª esteja de acordo com esse consenso.
O Sr. Presidente: - O problema é outro, Sr. Deputado.
Se eu admitisse outra solução estaria a consentir que o Presidente violasse as regras regimentais, que a este respeito são muito claras: só se pode alterar a ordem do dia se houver consenso geral. Como não há, não posso fazê-lo.
Agora o Sr. Deputado recorre da minha omissão e, portanto, não da minha decisão?
Em todo o caso, ponho à consideração do Plenário o que pensa a respeito desta minha omissão.
O Sr. Almeida Santos (PS): - A minha ideia é a de que o Plenário é soberano.
O Sr. Presidente: - Dentro do Regimento é, Sr. Deputado, mas para além disso não o será. Uma vez que V. Ex.ª recorre da minha omissão, ponho à consideração dos Srs. Deputados este recurso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que V. Ex.ª colocou correctamente a questão.
O problema foi ontem abordado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e a ordem de trabalhos já estava fixada. No fundo, tudo isto tem a ver com o princípio da estabilidade da ordem de trabalhos.
De qualquer forma, se a Conferência tivesse deliberado num outro sentido o projecto de deliberação entraria e seria sujeito à apreciação e votação. Só que não foi esse o caso!
Portanto, do meu ponto de vista, não há aqui uma decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República susceptível de recurso. O que há é a informação do Sr. Presidente de que essa matéria não está aqui em apreciação, na medida em que ela foi excluída na Conferência, pelo que há que respeitar o princípio da estabilidade da ordem de trabalhos.
A questão é muito líquida e, consequentemente, estamos perante uma informação que o Sr. Presidente deu à Câmara, com cortesia e de forma a contribuir para o regular funcionamento dos nossos trabalhos, e não face a uma decisão sobre uma situação concreta passível de recurso. Esta é a nossa posição!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, do ponto de vista processual esta questão parece bastante fácil, na medida em que há uma agenda e nesta agenda não está incluído o projecto de deliberação. O Partido Socialista apresenta hoje, neste Plenário, a inclusão deste projecto de deliberação para efeitos de votação. V. Ex.ª tem de decidir, baseando-se ou não no Regimento. E V. Ex.ª decidiu que não aceita a alteração do agendamento porque o Regimento não lho permite. É uma decisão que, entendemos, está conforme o Regimento, o que de forma alguma significa que esta sua decisão, embora fundada na interpretação que fez do Regimento, seja insindicável, isto é, que não seja recorrível.
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador: - Portanto, qualquer decisão do Presidente é sempre recorrível. Então, esta decisão, embora fundada, no seu entender, no Regimento, é recorrível e, naturalmente, pode ganhar, se tem do seu lado o Regimento. Mas que é recorrível, isso é!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, houve a formulação de um recurso, que, nos termos regimentais, submeto à decisão do Plenário.
Nos termos do n.º 4 do artigo 55.º do Regimento, cada grupo parlamentar tem três minutos para se pronunciar sobre o recurso.
Sr. Deputado Narana Coissoró, tem a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, estamos a alegar sobre a possibilidade de o recurso...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me a interrupção. Vai continuar no uso da palavra, mas não li atentamente o texto do artigo que citei. Na verdade, diz esse artigo que tem direito a alegar apenas o recorrente.
No entanto, dou-lhe a palavra e peco-lhe que encerre rapidamente as suas considerações, Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito rapidamente, chamo a atenção de V. Ex.ª para o facto de que, de acordo com o Regimento, a ordem do dia é fixada pelo Presidente da Assembleia da República, segundo a prioridade...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lembro o texto de um artigo que não invoquei há pouco mas que estava no meu espírito. Diz o artigo 57.º, n.º 1, do Regimento, e com isto encerraríamos esta conversa: «A ordem do dia não pode ser preterida nem interrompida, a não ser nos casos expressamente previstos no Regimento (...), sem votos contra». Tenho seguido exemplarmente esta regra, sempre: uma vez fixada a ordem do dia anunciada, não a mudo, a não ser que haja concordância unânime dos grupos parlamentares.
Não estamos a discutir a admissibilidade do recurso mas, sim, o fundo do recurso e, nesse capítulo, apenas tem direito regimental a intervir o Deputado recorrente.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, quando expus o conteúdo e a finalidade do nosso requerimento, disse claramente que tínhamos consciência de que, provavelmente, íamos ao encontro de alguns obstáculos formais, mas esperávamos que esses obstáculos formais pudessem ser superados exactamente por um novo consenso em sentido contrário. No entanto, ainda bem que tudo se passou como se passou, porque fica claro que não se quer discutir em sede institucional o problema da ponte 25 de Abril e os problemas a ela ligados!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Isso fica claro, apesar de, do lado da maioria, se ter realçado o facto de o problema da ponte 25 de
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Abril ser um epifenómeno, de que o que está em causa são problemas de desrespeito da autoridade do Estado, de violação da ordem pública. É quase uma rebelião que estaria em causa, no entender do próprio Governo e da maioria que o apoia.
Acreditávamos que a importância que o próprio Governo e a maioria que o apoia dão a este fenómeno justificava uma discussão do problema em sede institucional. Todos queríamos contribuir para encontrar soluções concretas para este problema e, até, solidarizarmo-nos, se fosse caso disso, com quem tem de resolvê-lo em sede institucional.
Se a maioria não o quer, vamos votar e cada um assume as suas responsabilidades pelo voto que exprimir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do recurso apresentado pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Luís Fazenda e Raul Castro.
Uma vez que o recurso foi rejeitado, não será alterada a agenda para hoje.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata aproveita o período de antes da ordem do dia, pelos vistos, diferentemente do Partido Socialista, que se considera impedido regimentalmente de discutir os acontecimentos recentes, para tomar uma posição clara sobre alguns aspectos da situação política actual.
Em primeiro lugar, para afirmar claramente uma evidência: há um funcionamento pleno e normal das instituições democráticas. O Parlamento processa os seus trabalhos em plena normalidade institucional,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Fechado!
O Orador: - ... em função dos prazos constitucionais e das regras normais de procedimento. Como acontece numa democracia representativa, funciona conforme a vontade expressa do povo português, expressa livremente em eleições. É esse o seu normal funcionamento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que seria anormal, do ponto de vista institucional, era que o Parlamento se subordinasse a minorias que detêm todos os direitos possíveis menos a legitimidade democrática para serem maioria à revelia da vontade do povo português.
Aplausos do PSD.
Convém lembrá-lo a quem disso está esquecido...!
Em segundo lugar, se as oposições, ou alguém, entendem que existem atropelos à legalidade, existem mecanismos próprios para repor essa legalidade, em particular, os tribunais. É um atestado de falta de confiança nas instituições que passam os partidos da oposição que recorreram, a pretexto de eventos recentes, por exemplo, ao Tribunal Constitucional, o que é, aliás, o procedimento correcto, e que agora não querem esperar pelas decisões do Tribunal, porque isso não lhes convém, em função dos seus interesses políticos imediatos. Isso, sim, é que subverte o bom funcionamento das instituições.
Aplausos do PSD.
Em terceiro lugar, temos acompanhado com atenção as declarações políticas dos responsáveis pelos partidos da oposição e todos põem em causa o Governo e a sua política, de uma forma global. Não compreendemos, por isso, que não dêem tradução parlamentar e institucional a essas posições. Para serem coerentes, deveriam apresentar uma moção de censura ao Governo. Isso, sim, seria normal e valorizaria o papel do Parlamento. Se o fizerem, podem contar desde já com toda a colaboração do PSD, para garantir a sua discussão...
Risos do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - Das iniciativas do PSD!
O Orador: - ... no prazo mais rápido possível. Os risos do Srs. Deputados da oposição são risos sobre o funcionamento normal das instituições parlamentares!
Aplausos do PSD.
Acrescento ainda que, se se tomasse a sério o argumento ridículo de que se conhecem com antecedência os resultados das votações, nenhum partido da oposição apresentaria qualquer iniciativa legislativa neste Parlamento, visto que conheceria antecipadamente, na sua própria opinião, os resultados das votações.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Convença Cavaco Silva a apresentar a moção de confiança!
O Orador: - E devo dizer mais: a moção de censura vale pelo seu valor substantivo! Ao não a apresentarem, os partidos da oposição descredibilizam as críticas aparentemente globais que fazem ao Governo e dão-lhes, no fundo, o aspecto de meras críticas pontuais à governação. São eles próprios, pelas suas atitudes institucionais, que passam um atestado de menoridade ao valor das suas críticas ao Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não nos cabe, evidentemente, decidir o que os partidos da oposição devem fazer,...
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - ... mas cabe-nos discutir politicamente o significado das suas acções e esse direito ninguém nos tira.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que, não apresentando uma moção de censura, descredibilizam as suas posições e, mais, não são coerentes com elas. A não ser que a questão seja outra... A não ser que a oposição tente que seja o Presidente da República a actuar, desvalorizando assim, efecti-
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vamente, o papel do Parlamento, onde não exploram as soluções políticas adequadas, subordinando-se a estratégias alheias, tentando arrastar o Presidente da República para a luta política corrente e tentando buscar na sua autoridade e legitimidade a força e a legitimidade que não têm.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por último, quero também lembrar, a quem disso esteja esquecido, que a Assembleia da República e os seus Deputados, diferentemente, por exemplo, do Governo, são um órgão de soberania eleito pelo povo, com a mesma legitimidade política que qualquer outro, representando a vontade popular com idêntica legitimidade através da sua maioria, que não é resultado da nossa própria vontade mas, sim, da vontade do povo português. Não temos, por isso, qualquer subserviência em relação a outros órgãos de soberania - convém lembrar!
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Queiró, Lino de Carvalho, Almeida Santos e Manuel Alegre.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, para nós, o degrau que o PSD e o Governo subiram na escalada de tensão que têm vindo a desenvolver desde o primeiro dia, a propósito dos protestos na ponte 25 de Abril, não é inteiramente surpresa.
Em todo o caso, é ocasião para lhe dizer, do nosso ponto de vista: uma coisa de cada vez. O que está em cima da mesa, hoje, é apenas - quero lembrar-lhe - a resolução de um problema, um problema que pode parecer ao Governo difícil de resolver, porque envolveria um recuo político, o que para o PSD e o Sr. Primeiro-Ministro é sempre uma derrota política. Mas estamos na disposição, neste preciso momento, de ajudar a resolver o problema e é isso que o País espera de nós.
No entanto, não se iluda, Sr. Deputado! Se o PSD prosseguir nessa via de escalada de tensão, continuamos a dizer: uma coisa de cada vez!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, registámos uma coisa de cada vez.
Sr. Deputado, tenho pena de que os Srs. Deputados do CDS-PP, que iniciam esta sessão parlamentar diminuídos na sua dignidade pelas declarações do líder do seu partido, que tratou os Srs. Deputados do CDS-PP e a todos nós como «estando a banhos», de férias e não querendo voltar a trabalhar, não entendam iniciar a sua intervenção parlamentar demarcando-se dessas palavras e chamando a atenção ao seu líder partidário, pelo facto de, com certeza por «estarem a banhos» e de férias, se terem esquecido de incluir no seu projecto de revisão constitucional a alteração das datas constitucionais do início dos trabalhos parlamentares, com certeza para garantirem o tamanho das férias dos Deputados.
Não penso que um grupo parlamentar, que inicia os trabalhos sob estas acusações do seu líder parlamentar,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Líder parlamentar?!...
O Orador: - ... os inicie com a credibilidade suficiente para falar sobre estas matérias.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, cada dia que passa, como um verdadeiro ilusionista, o PSD vai tirando alguns coelhos da cartola.
Ontem, foi obrigado a recuar e a aceitar o agendamento de um período de antes da ordem do dia na sessão de hoje. Entre ontem e hoje, fez uma nova fuga para a frente, propondo a apresentação por parte da oposição de uma moção de censura.
Porém, o que o PSD procura com esta questão é, no essencial, fugir ao debate do problema concreto, que, hoje, mobiliza a opinião pública portuguesa, sobre os graves acontecimentos na ponte, devido à política autista e irresponsável do Governo, como, aliás, o próprio Sr. Deputado teve oportunidade de classificá-la num dos seus variados escritos na comunicação social.
Percebo, aliás, que para o Sr. Deputado até lhe é mais favorável propor esta fuga para a frente porque, assim, evita ter de discutir aquilo que, parece, criticou ao Governo e ao seu próprio partido.
Mas registamos a disponibilidade do PSD para, tão rapidamente quanto possível, permitir a reabertura dos trabalhos parlamentares, com vista à realização de um debate desse tipo, em sede de Plenário. Porém, não compreendemos que o PSD não revele a mesma disponibilidade para que, em sessão extraordinária, o Plenário possa fazer um debate político alargado sobre as questões da Ponte e, em particular, sobre as várias iniciativas legislativas há muito apresentadas nesta Casa, algumas delas já debatidas em sede de comissão e com os relatórios elaborados, onde podemos testar as várias soluções alternativas à política do PSD quanto aos problemas que originaram os acontecimentos da Ponte. Essa é que seria uma posição de coragem por parte do PSD.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira falou no problema da normalidade. V. Ex.ª tem de concordar connosco que não há, hoje, uma situação de normalidade. Os acontecimentos na Ponte não são uma situação de normalidade. Toda a política do Governo, a intervenção do SIS, tudo o que tem vindo a público, não corresponde a uma situação de normalidade.
O que é anormal é que a Assembleia da República, perante acontecimentos tão graves, que mobilizam o País e diversos órgãos do Estado e que levam o Governo a convocar um Conselho de Segurança Interna, esteja encerrada, quando é necessário debater soluções legislativas e políticas que resolvam os graves acontecimentos, que são da responsabilidade do Governo. Isso é que era normal, Sr. Deputado!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, o desafio que lhe lançamos é outro, Sr. Deputado: é que o PSD tenha a coragem de permitir a realização de uma sessão extraordinária, em sede de Plenário, para fazer um debate político alargado sobre a ponte e, em particular, discutir as várias iniciativas legislativas e confrontar os diversos diplomas existentes sobre a questão das portagens e os problemas que desencadearam os acontecimentos na ponte 25 de Abril.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o que é normal é que o Sr. Deputado se tome a sério. E se toma a sério tudo aquilo que diz, não percebo por que é que não apresenta uma moção de censura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, a sua intervenção, hoje, foi singularmente curta.
Vozes do PSD: - Mas boa!
O Orador: - V. Ex.ª costuma falar mais, mais densamente e até com mais conteúdo. Hoje, fiquei surpreendido. Começou por fazer alguma confusão entre legalidade, legitimidade e razão, confundindo três coisas, que, de modo nenhum, se confundem. É que mesmo que os senhores tenham a legalidade, já é discutível que tenham a mesma legitimidade com que começaram; e mesmo que tenham uma coisa e outra, o que não têm, com certeza, do nosso ponto de vista, é razão e é isso que queremos debater.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, vem falar-nos em recorrer aos tribunais para resolver os problemas da Ponte. Mas é nos tribunais que se resolvem os problemas da Ponte?! Então, os problemas da Ponte não são aqueles que os senhores dizem que são? Não é o problema da autoridade do Estado? Não é o problema da ordem pública?
Em segundo lugar, o senhores «saltam do talim para o talão», ou seja, começam no pisca-pisca e, depois, saltam para a moção de censura...!
Risos do PS.
O que nós queríamos era que se situassem no meio e consentissem na realização de um debate institucional e parlamentar sobre o problema da Ponte. É que entre o pisca-pisca e a moção de censura fica tanta coisa que não valia a pena dar um salto tão grande!
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Disse ainda que descredibilizamos as nossas críticas quando não apresentamos uma moção de censura. Isso quer dizer que, cada vez que vos criticamos - e isso acontece todos os dias -, temos, no dia seguinte, de apresentar uma moção de censura, sob pena de descredibilizarmos a crítica da véspera?! Isto não tem sentido!
Sr. Deputado Pacheco Pereira, preste-nos a homenagem de considerar que somos «maiores e vacinados», conscientes politicamente e que, quando quisermos apresentar uma moção de censura, não vamos pedir-lhe conselho ou autorização.
Também lhe podíamos revidar- como já o fiz- que se os senhores estão a criar clima para apresentarem uma moção de confiança, não precisavam desta muleta de nos desafiar a apresentar uma moção de censura! Apresentem a moção de confiança!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Pois claro!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Não são os partidos que apresentam moções de confiança!
O Orador: - É que talvez isso se justifique e os senhores tenham algumas surpresas ao verem as reacções públicas à diminuição da vossa confiança relativamente ao momento em que foram eleitos.
Depois, Sr. Deputado, não venha, mais uma vez, sugerir que estamos à espera que o Presidente da República actue por nós! Não está ao seu nível, Sr.. Deputado Pacheco Pereira! Não fomos nós quem recorreu ao Sr. Presidente da República. O Secretário-Geral do Partido Socialista escreveu uma carta ao Sr. Primeiro-Ministro, que é a sede do poder para resolver os problemas da ponte e não os resolve!
Aplausos do PS.
Para finalizar, quero fazer-lhe uma pergunta muito simples: quando nos lançou o repto de apresentarmos uma moção de censura, estava a falar a sério ou a divertir-se connosco?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, estava a falar muito a sério, porque nós, de vez em quando, cometemos o vício de tomar as vossas palavras à letra. E se tomarmos à letra o que dizem as oposições, de facto, não conseguimos compreender por que é que os senhores não apresentam uma moção de censura. E não conseguimos compreender porque os senhores nestas questões da ponte e dos eventos mais recentes têm posto em causa a própria legitimidade da maioria do Governo. Ora, só podemos compreender que os senhores se tomem a si próprios a sério se forem consequentes no plano parlamentar e no plano institucional. Como não são, estamos, a partir de agora, habilitados a deixar de toma-los a sério sobre esta matéria e a deixar de considerar os adjectivos com que qualificam as vossas críticas como correspondendo à substância das vossas posições. De facto, registámos que o PS não considera os acontecimentos com suficiente gravidade para apresentar uma moção de censura,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Ora essa!
O Orador: - ... ou seja, que não põe em causa o normal funcionamento das instituições e, consequentemente, da nossa democracia, tendo apenas divergências quanto às soluções políticas do Governo, o que é o terreno normal em que as coisas devem acontecer. Está registado!
Esperemos que as palavras do Sr. Deputado Almeida Santos não venham ainda a ser contrariadas neste período de antes da ordem do dia por qualquer outro Deputado do PS. É que temos sempre muita dificuldade em registar quais são as posições da sua bancada, porque elas têm, do ponto de vista institucional, uma flutuação considerável.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que, para nós, não se põe o problema da confiança no Governo. O Governo
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tem a nossa confiança, Sr. Deputado Almeida Santos; não tem é a da oposição! Tem a nossa!
O Sr. José Magalhães (PS): - Só lhe falta a do povo!
O Orador: - Portanto, as duas coisas nada têm em comum.
Agora, evidentemente, o que o Sr. Deputado está a fazer é a tomar uma atitude defensiva! Registamos que o PS entrou neste debate à defesa, que considera, no fundo, que aquilo que diz fora desta Câmara não deve corresponder às atitudes que tomou aqui dentro e isso, eventualmente, justificará por que é que algumas pessoas, com mais pressa e excitação, acusam o PS de não corresponder às necessidades do momento, que são provavelmente as de radicalizar a situação política. Ainda bem! São bem-vindos nessa moderação! Tenham, pois, a partir de agora, cuidado com os adjectivos. Registamos a moderação que têm vindo a tomar.
O Sr. José Magalhães (PS): - Qual moderação?
O Orador: - Acredito que ao Sr. Deputado José Magalhães, que, por tradição, não é moderado, não agrade a linguagem de moderação do seu líder parlamentar.
Aplausos do PSD.
Mas esses são problemas internos da sua bancada, que os senhores resolvem entre si.
Resumindo e concluindo: se os senhores querem discussão política, façam-na como e quando entenderem; se querem ser consequentes com os adjectivos que usam, utilizem os instrumentos institucionais, se querem discutir a questão da ponte, substantivamente, com correspondência com os adjectivos que usam quando falam, apresentem uma moção de censura e respondam com clareza ao nosso repto! O problema é que os senhores, desde hoje de manhã, não fazem outra coisa senão fugir!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta intervenção do Sr. Deputado Pacheco Pereira mostra que, de facto, o PSD entrou numa escalada de radicalização, de encenação e de provocação política.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Provocação política ao Presidente da República quando lhe envia cópias de artigos de jornais, que, por sua vez, parecem cópias de relatórios do SIS, como se o Presidente não tivesse os seus próprios serviços de imprensa.
Provocação aos cidadãos quando, em cada cidadão que buzina, vê um guerrilheiro, um terrorista, um comunista e um desordeiro.
Provocação às forças de segurança quando pretende instrumentalizá-las para os fins e manobras políticas do Governo.
Provocação à oposição quando pretende dizer-lhe o que ela deve fazer. De facto, não cabe ao PSD nem ao Sr. Deputado Pacheco Pereira dizer aos partidos da oposição quando é que estes devem, ou não, utilizar o instituto da moção de censura. No que respeita ao PS, não fazemos o jogo do PSD, nem o do Sr. Deputado Pacheco Pereira, e não apresentamos uma moção de censura quando isso, politicamente, possa convir ao PSD e ao seu Governo.
Provocação também à Assembleia da República, quando, através de uma estranha interpretação da maioria dos seus atributos e dos seus poderes, pretende impedir que aqui se discuta o que aqui deve ser discutido.
O PSD sofre manifestamente de uma doença de «conspirativite aguda» e de uma visão quase policial da vida e dos acontecimentos políticos. Talvez por isso o Sr. Primeiro-Ministro prefira reunir com os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, os serviços secretos e as forças de segurança, em vez de vir aqui discutir na Assembleia da República, que é a sede própria, a vida política portuguesa.
Aplausos do PS e do Deputado independente Luís Fazenda.
Quando um governo entra neste autismo, neste corte com a realidade, que em medicina tem um nome próprio, então, digo-lhe, Sr. Deputado, que a desordem está no Governo! Os grandes desordeiros são os senhores - o Governo e o PSD!
Aplausos do PS e do Deputado independente Luís Fazenda.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, em primeiro lugar, registo o interessante critério que o PS tem em relação à comunicação social. É o seguinte: quando criticamos a comunicação social, o PS cai-nos em cima, dizendo que a desprezamos; quando a tomamos a sério, o PS diz que não a devemos tomar a sério. Talvez seja bom que o PS compreenda que não pode, sobre esta matéria, manter uma duplicidade de posições em função dos eventos correntes, porque isso, evidentemente, toma muito difícil a coerência da sua posição.
Tudo o mais não tem novidade relativamente ao afirmado pelos restantes membros da sua bancada e demonstra a continuidade da atitude defensiva com que os senhores vieram hoje para esta Assembleia.
Os senhores vieram a esta Assembleia dizer-nos o seguinte: «Nós dizemos grandes coisas, mas os senhores não nos tomem a sério, porque nós também não o fazemos. É que se os senhores nos tomam a sério e dizem para sermos consequentes com o que afirmamos, temos de responder que não é nada disso e que os senhores é que estão a radicalizar».
Sr. Deputado Manuel Alegre, é radicalização da nossa parte dizer que, do ponto de vista substantivo, seria coerente que a oposição apresentasse uma moção de censura? Os senhores têm dito «cobras e lagartos» do Governo; têm apresentado a situação do País como se houvesse uma insurreição,...
Protestos do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - Insurreição foi o que o Sr. Deputado Duarte Lima lhe chamou!
O Orador: - Há duas maneiras de interpretar uma insurreição: ou de uma forma puramente conspirativa ou como o fazem os ingénuos úteis. Faço justiça de que o PS provavelmente estará um pouco a meio-termo, porque, em particular, o Sr. Deputado Manuel Alegre tem suficiente experiência política para não caber dentro da categoria de ingénuo útil, em função essencialmente do meu e do seu passado. Ambos temos razões para não participar dessa categoria da ingenuidade útil. Portanto, faço-lhe justiça no
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sentido de julgar que o senhor também não é inteiramente ingénuo em relação aos acontecimentos.
Agora, os senhores falam com a maior das dramaticidades do que acontece e, depois, chegam aqui e a montanha pariu um ratinho. Quer dizer, chegam aqui, abrem uma pequena tampa da montanha e de lá sai um ratinho. E quando dizemos «abram a tampa para sair o gigante», os senhores respondem «não, dentro da montanha não está qualquer gigante, só está um ratinho».
Sendo assim...
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com a interpretação usualmente feita pela Mesa do n.º 3 do artigo 92.º, remeti para o fim do debate o uso da palavra por parte do Sr. Deputado Narana Coissoró, para exercer o direito de defesa da honra e consideração. Porém, dado que, no período de antes da ordem do dia, considero que cada intervenção abre um debate, dou agora a palavra, por três minutos, ao Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, não utilizarei sequer três minutos.
O PSD, desorientado como está nesta questão, face a tudo o que se passa e a todas as nossas propostas, recorreu a uma frase do presidente do nosso partido sobre as férias parlamentares. O que ele quis dizer - e V. Ex.ª sabe-o perfeitamente - foi que o sistema político pode entrar em férias quando a maioria assim o entende. E o que VV. Ex.ªs fizeram, face aos acontecimentos da ponte, foi pôr o sistema político em férias, não deixando que o Plenário se reunisse, como hoje se viu. Ao convocar mediaticamente os serviços secretos e ao não dar satisfações ao País sobre o que se passa realmente sobre a ordem pública e sobre a segurança interna, VV. Ex.ªs puseram em férias o sistema político e este Parlamento. Foi isto que o Dr. Manuel Monteiro, presidente do meu partido, veio dizer, mas V. Ex.ª não entendeu e quis fazer aqui um desvio, para fugir à verdadeira questão que o CDS-PP colocou na mesa, desde há quatro dias. Foi isto e mais nada.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, eu entendi muito bem, até demasiado bem, as palavras do líder do seu partido, que, aliás, não são novas, pois têm-nas repetido várias vezes.
O que ele disse foi que quando os Srs. Deputados - para nós todos em geral e, por isso, também para os senhores, que deviam ter vergonha dessas palavras - resolverem deixar de estar a banhos e em férias e voltarem ao trabalho...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quando vocês deixarem!
O Orador: - Ele disse isso com tanta clareza que - devo dizer, Sr. Deputado - faço-lhe a justiça de considerar que pelo Sr. Deputado e pelos seus companheiros de bancada perpassou alguma vergonha por esse tipo de ataques, absolutamente inadmissíveis, a uma Assembleia, que tem prazos constitucionais de funcionamento, que os Srs. Deputados não se propõem alterar na vossa proposta de revisão constitucional, com certeza por esquecimento, e que a decisão de alterar esses prazos constitucionais é uma decisão política e não uma decisão de férias e, como decisão política que é, está sujeita a controvérsia.
Nós temos direito a ter a nossa opinião e os senhores têm direito a ter a vossa, mas o que os senhores não têm direito, e o líder do vosso partido também não, é a classificar a nossa opinião ou a vossa, como sendo resultado de uma vontade de estar em férias e não, pura e simplesmente, uma opinião política sobre a importância relativa daquilo que cada um tem a fazer no Parlamento. E o Sr. Deputado sabe disso tão bem como eu!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão da Ponte deixou de ser uma questão particular, específica, uma questão que diz respeito somente aos seus utentes e tornou-se, pelo seu significado e pelo seu simbolismo, uma questão de relevância nacional. Porquê? Porque ela passou a envolver, mercê do autismo do Sr. Primeiro-Ministro e da sua insensibilidade à questão social, aos direitos, à legitimidade - não digo à legalidade, digo à legitimidade dos actos do Executivo -, questões mais profundas, de maior alcance.
E não falo das questões de opção técnica de fundo, de problemas de natureza financeira e de opções estratégicas em relação às vias de comunicação ou a políticas de condicionamento do fluxo automobilístico às grandes concentrações urbanas, mas, sim, das grandes questões democráticas de fundo, que um facto como este suscita: sensibilidade política em relação a questões de justiça social, a questões de harmonia social e de diálogo entre o poder e os cidadãos, através, naturalmente, de instituições próprias para isso; de uma concepção instrumental do exercício do poder, de uma mentalidade autocrática e de falta de humildade democrática; e até de uma certa tendência ao fascínio pelo exercício maquiavélico do poder do Estado, pelo estrategismo, pela tendência a encenar e a dramatizar naturais e normais fenómenos de conflitualidade social, de protesto pacífico e civil e de manifestação de insatisfação perante actos do poder.
A questão transcendeu, como dizia, o plano meramente corporativo ou tão-só reivindicativo. Trata-se agora, perante o protesto, de revelar uma concepção ultramontanista do poder, de infalibilidade do poder ou mesmo de um secreto fascínio pelo poder absoluto, sob o manto diáfano de uma legitimidade, que não é confundível com a pretensa detenção da verdade sempre e em qualquer caso.
A democracia não se pode confundir com o «posso, quero e mando», porque, para tal, fui mandatado. Legalidade não é igual a legitimidade. Um acto legal, porque emana de um órgão de soberania, não é, necessariamente, só por isso, legítimo. E quando tal acontece, ou parece estar a acontecer, é dever de quem detém o poder admitir, pelo menos, com humildade, rever a sua decisão.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O mesmo para a oposição!
O Orador: - Mas também a isso é ou deve sentir-se obrigado quando aos olhos da opinião pública, e não só da opinião publicada, o erro assume dimensões menos compatíveis com a serenidade pública ou com o normal decorrer da vida quotidiana do cidadão.
Não se trata de pôr em causa a autoridade do Estado e das instituições; trata-se, isso sim, de promover a estabilida-
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de contra a instabilidade, a harmonia contra o conflito e a integração do cidadão contra a desagregação social.
O que o Partido Socialista põe em causa em todo este processo é, até independentemente da justeza ou não das soluções simplesmente técnicas, uma concepção errada de exercício do poder democrático, o autismo autocrático e a doutrina dos aprendizes de feiticeiros que vêem bruxas onde não as há e que lhes querem dar caça como se de gambuzinos se tratassem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não resta já margem para dúvidas de que o que o Governo quer é transformar o problema da Ponte num problema de ordem pública, não olhando a meios para consegui-lo. Se alguém tinha dúvidas, aí estão os últimos desenvolvimentos para o demonstrar!
O caricato episódio do envio, por parte de dois altos responsáveis do Governo e do PSD, de uma fotocópia do artigo de uma revista ao Sr. Presidente da República, a par com a encenação à volta da reunião do chamado gabinete de crise, são, por si só, episódios reveladores. São episódios burlescos porque, estando o Governo de posse de um relatório do SIS, não consta que ele tenha sido enviado ao Sr. Presidente da República ou mesmo ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - É agora mais evidente do que nunca que o PSD e o Governo se encontram encurralados. Encurralados na teimosia de manter uma medida injusta e rejeitada pela generalidade da população. E, perante o movimento generalizado de contestação, o Sr. Primeiro-Ministro prefere o combate na rua e a carga policial sobre quem discorda, ao diálogo e à discussão séria dos problemas.
Não permitiremos que tal aconteça.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O País não está perante um movimento de arruaceiros, estamos perante um movimento de cidadãos que se sentem lesados nos seus direitos, ludibriados e ofendidos; de cidadãos que manifestam a sua revolta e o seu descontentamento, de uma forma que só pode ser classificada como de grande civismo.
O Sr. Luís Fazenda (Indep.): - Muito bem!
O Orador: - Não desistiremos, porque consideramos a decisão que originou o protesto injusta e errada; porque sempre alertámos o Governo para as consequências destas decisões, nomeadamente as resultantes da gestão conjunta das duas pontes; e, também, porque, desde o primeiro momento, considerámos o Parlamento como o lugar adequado para discutir este problema.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não desistiremos, porque, além de considerarmos o aumento injusto, as justificações tornadas públicas transformam-no num imposto, portanto, inconstitucional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A tudo o Sr. Primeiro-Ministro «fez orelhas moucas» e o que hoje se constata é que os prejuízos são cada vez maiores. Num momento em que o País precisa, mais do que nunca, de paz para recuperar a economia, o Governo criou este problema, que está a prejudicar gravemente as diversas actividades económicas e continua sem dar mostras de ser capaz de resolvê-lo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema atingiu tal dimensão que justifica bem uma sessão plenária da Assembleia da República. É mesmo caso para perguntar: se um movimento desta natureza não justifica uma sessão da Assembleia da República que permita aos representantes do povo discutirem com serenidade o que está em jogo, que outro acontecimento ou tipo de acontecimento o justificará?
Aplausos do PS.
É por isso que a posição do PSD, de não aceitar o projecto de resolução do PS, só pode ser entendida como uma atitude premeditada de bloqueio da instituição parlamentar, de quem não quer discutir a génese do problema e apenas vê manipuladores e inimigos contra quem devem ser lançadas as forças da ordem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontra-se pendente, para discussão, o pedido, apresentado pelo PS, de ratificação do Decreto-Lei n.º 168/94, de 15 de Junho, que aprova as bases da concessão da nova ponte bem como da exploração e da manutenção da actual travessia. O PS tem grandes discordâncias em relação ao esquema da concessão e por isso pediu a ratificação desse decreto.
Temos alternativas e queremos vê-las discutidas e votadas no momento em que a Assembleia discutir a ratificação, confrontando o Governo e o PSD com as suas responsabilidades. E o momento para discutir a ratificação do decreto é este. É em sede de ratificação que as propostas alternativas devem ser apresentadas, porque quem julga da sua validade não é o PSD; será o povo a avaliar da justeza das nossas propostas!
O PS apresentará, entre outras, duas alterações que já anunciou e que consideramos fundamentais: a separação da gestão das duas pontes e a eliminação do monopólio das travessias. A primeira, porque consideramos que não devem ser os utentes da actual ponte a pagar a construção da nova; a segunda, porque se afigura um escândalo a atribuição do monopólio de todas as travessias rodoviárias, presentes e futuras, a jusante de Vila Franca de Xira, a um grupo privado, que condicionará todas as políticas de transportes na Área Metropolitana durante mais de 30 anos.
Aplausos do PS.
Queremos também discutir o decreto porque à volta de todo o processo há muita coisa estranha a carecer de explicação. Desde logo, a própria filosofia da concessão de uma obra pública desta natureza a grupos económicos privados, porque consideramos que uma obra desta dimensão não pode ser decidida com a ligeireza de que se revestiu todo este processo e, ainda, porque a ideia que se tem pretendido incutir no espírito das pessoas, de que não há alternativa, é uma ideia peregrina e de raiz totalitária. Há alternativa. Há mesmo várias alternativas. E não é um simples período de antes da ordem do dia, numa sessão plenária marcada com outro objectivo, que esgota esta questão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No início desta legislatura, a propósito da nova ponte e da falta de
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decisões sobre política de transportes, referi-me, entre outros aspectos, ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações como sendo uma empresa de construção civil sem gabinete de engenharia. Agora já não é só este Ministério, é todo o Governo, que foi executando, lenta e por vezes atabalhoadamente, o que vinha planeado de Governos anteriores e que só precisava de fundos comunitários para ser posto em prática.
Sempre que o Governo se meteu por caminhos em que é preciso mais do que simples pragmatismo só conseguiu arranjar problemas em vez de resolvê-los.
O Sr. Primeiro-Ministro, apesar da sucessão de erros do seu Governo, está ainda a tempo de emendar a mão e de evitar males maiores. É tempo de reconhecer que é necessário repor a normalidade na Área Metropolitana de Lisboa e, para isso, é preciso revogar a portaria dos aumentos, para que o interesse público e a dignidade do Estado sejam salvaguardados.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, bem-vindo, de novo, a estas questões da ponte, depois do silêncio a que se votou ou a que o votaram, restará saber. E bem-vindo em vários sentidos! Desde logo, Sr. Deputado, para lhe dizer que me parece, até pela sua bancada, que a normalidade está reposta, pois constato a presença de inúmeros companheiros seus e meus da região sul, que conseguiram chegar a Lisboa e à Assembleia da República para participar nesta sessão.
Vozes do PS: - Com pisca-pisca!
O Orador: - Sr. Deputado Armando Vara, compreendo que, por vezes, a vida parlamentar tenha momentos de alguma infelicidade. V. Ex.ª tinha preparado a sua intervenção, não contava com a nossa, não previu a saída a terreiro do seu líder parlamentar e acaba por fazer uma intervenção que contraria,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Em quê!
O Orador: - ... o que não é grave no Partido Socialista- só é grave porque foi muito próxima-, tudo aquilo que foi a intervenção anterior do Sr. Deputado Almeida Santos.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Orador: - Por isso, Sr. Deputado Armando Vara, quero dizer-lhe o seguinte: V. Ex.ª acabou por discutir aqui aquilo que disse estar impedido de discutir. Se, pela posição que o PSD assumiu, não está autorizado a discutir a questão da ponte, não percebo por que razão é que subiu à tribuna e fez a intervenção que fez. V. Ex.ª está, como se viu, autorizado, como é óbvio, a discutir a questão da ponte.
Mas a questão que, na realidade, é interessante, Sr. Deputado Armando Vara, para que possamos esclarecer isto e ficar com noções e ideias mais transparentes sobre esta matéria, é que V. Ex.ª nos explique qual é, hoje, às 16 horas e 32 minutos, pelo meu relógio, a posição do Partido Socialista sobre esta matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque, Sr. Deputado Armando Vara, o PS tem tido tantas e tão variadas posições, em função das circunstâncias, que, realmente, a confusão, para quem vos quer atacar, e não para quem vos quer defender, começa a ser complicada. Uma é a portagem por um preço dissuasor, posição expressa pelo Dr. Jorge Sampaio, por razões compreensíveis, que são por demais evidentes; outra é a revogação da portaria, com a manutenção do preço anterior; outra é a revogação da portaria, com um aumento de preço em função da taxa de inflação; outra é a revogação da portaria, com um «preço justo», na expressão de V. Ex.ª - e eu gostava de saber qual é a sua quantificação de justiça, bem como a quantificação, em moedas, do Dr. Jorge Sampaio... -; outra ainda é a revogação da portaria, com um preço igual ao preço anterior, mais o preço de manutenção da ponte, estratégia essa que VV. Ex.ªs abandonaram - e bem! -, porque, obviamente, os custos de manutenção ultrapassavam em muito aquilo que é o preço actual. Esta é que é, Sr. Deputado Armando Vara, a questão de fundo.
Quem quer dramatizar esta questão, quem proeurou dramatizar esta questão, quem proeurou apoios para a dramatização desta questão - procissão que ainda vai no adro... - não fomos nós. O Partido Socialista, com esta intervenção que V. Ex.ª aqui fez, consegue, pelo menos - reconheço -, duas coisas: fazer um discurso de retirada e, simultaneamente, cobrir a fuga eventual de alguns companheiros de novas andanças.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, penso que a sua intervenção exemplifica bem o tipo de debate que foi possível fazer sobre a ponte, e é por isso que estes problemas se verificam. É que, de facto, o Sr. Deputado nada disse sobre a matéria. E, mais uma vez, voltou com aquele argumento estafado e velho de que, no PS, existem não sei quantas posições. Já tive oportunidade de dizer-lhe, Sr. Deputado, que, apesar daquilo que seriam os seus desejos e os do PSD e apesar de em alguma comunicação social, às vezes, virem notícias que dão conta desta ou daquela posição, as posições do PS em relação à questão da portagem foi sempre uma.
Desafio-o a encontrar um documento oficial do PS ou uma declaração oficial de um responsável do PS sobre esta matéria dizendo que há qualquer tipo de contradição. O que VV. Ex.ªs querem é «chutar sempre para canto». E se nós tivéssemos tido possibilidade de discutir esta matéria, de acordo com a dimensão do problema que iria gerar, se calhar, nós, vocês e o País não estávamos hoje confrontados com o problema que têm.
E deixe-me dizer-lhe outra coisa: verifico que também o Sr. Deputado insistiu na questão da normalidade. Sempre considerei o Sr. Deputado Pacheco Pereira um homem inteligente, como, aliás, a generalidade das pessoas o considera. E o facto de ele ter aqui vindo falar tantas vezes, insistir tanto na normalidade é porque percebe que subjacente ao espírito dos cidadãos começa a estar um conceito da normalidade no funcionamento do sistema. E ele quis precaver-se contra isso!
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Mas é que a ponte não é uma instituição democrática!
O Orador: - Ele quis precaver-se contra isso, Sr. Deputado! E o que vocês querem é também isso: «chutar para canto»! O senhor diz que nós não fomos impedidos de dis-
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cutir o problema. Nós fomos impedidos de votar as nossas alternativas, Sr. Deputado... O senhor acha que este problema se resolve com uma discussão no período de antes da ordem do dia?
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Não, com três dias!
O Orador: - O senhor acha que este problema não é suficientemente importante para justificar a reunião da Assembleia, para discutir... Olhe, quando é que o senhor quer que a discutamos a ratificação do decreto? O senhor acha correcto que, por exemplo, estando para acontecer o que aconteceu, sendo previsível o que aconteceu, o Governo assinasse um contrato intercalar, sabendo que, falhada a solução proposta, terá de indemnizar em cerca de 30 milhões de contos o consórcio que assina o contrato? O senhor acha que isso são formas sérias de resolver o problema? Não seria melhor esperar 10, 15 dias e resolvê-lo depois, sem que isso trouxesse inconvenientes e gravidade maior para o Estado?
Bom, Sr. Deputado, de facto, há aqui um problema de concepção da política, uma visão instrumental conspirativa da vida pública dos cidadãos mesmo, porque é o que vocês têm feito, e nós temos estado sempre contra isso. Portanto, não venha lançar confusão, dizer que há divisões, que há opiniões contraditórias, porque não há! A posição do PS sobre a questão das portagens foi uma no primeiro momento e hoje é a mesma! Só vamos mudar de opinião se entendermos que isso se justifica, o que não aconteceu até agora.
Aplausos do PS.
O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Mais uma vez!... Não mudem mais uma vez de opinião!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realização deste período de antes da ordem do dia na sessão plenária de hoje que, face às mais elementares regras democráticas e do próprio Regimento, deveria ser considerado normal, apresenta-se, contudo, marcado pelo sinal evidente e indesmentível de um recuo político do PSD.
A verdade é que na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares do passado dia 7 o PSD se opôs, terminantemente, a que fosse agendado um período de antes da ordem do dia para a sessão de hoje. Essa posição obstrucionista, arrogante e prepotente do PSD não foi alterada nem na Conferência do dia 14 nem na conferência de imprensa do presidente do seu grupo parlamentar, no dia 16.
O PSD quis impedir, a todo o custo, que na Assembleia da República fossem discutidos os acontecimentos, a luta, os protestos e a razão dos utentes da ponte 25 de Abril, a injustiça e insustentabilidade das portagens, a teimosia e autismo político do Governo.
O recuo do PSD, ao fim da tarde de ontem, foi-lhe imposto, em primeira linha, pela evolução dos acontecimentos e pelos receios das suas consequências políticas. Mas ele reveste igualmente a natureza de uma manobra táctica: ao viabilizar este período de antes da ordem do dia, o PSD pretende carrear argumentos para sustentar a não necessidade, a dispensabilidade da convocação de uma sessão plenária extraordinária com uma ordem do dia exclusivamente dedicada à problemática da travessia rodoviária da ponte e das portagens.
Por parte do Grupo Parlamentar do PCP, quero afirmar claramente que o período de antes da ordem do dia de hoje não ilude a urgente e necessária convocação de uma sessão extraordinária do Plenário.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A questão das portagens da ponte 25 de Abril não se esgota em declarações políticas de afirmação das opiniões das diversas forças políticas com assento parlamentar.
O que fundamentalmente importa, nomeadamente aos cidadãos utentes da ponte, é que a Assembleia da República debata e aprove medidas concretas para dar solução às suas legítimas e justas reivindicações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, o PCP mantém a sua exigência política de convocação de uma sessão extraordinária do Plenário da Assembleia da República com vista à apreciação e votação de iniciativas legislativas relacionadas com a portagem da ponte 25 de Abril, designadamente, os projectos de lei, subscritos por Deputados do PCP, tendentes à revogação da portaria dos aumentos e à eliminação da portagem, e o nosso pedido de ratificação do decreto-lei de concessão da exploração da ponte 25 de Abril aos concessionários da nova ponte sobre o Tejo.
Não haverá manobras tácticas ou de diversão que afastem ou distraiam o PCP daquilo que é fundamental e urgente: dar resposta concreta às razões do descontentamento e do protesto popular.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É essa atenção permanente aos problemas concretos dos cidadãos e a procura rápida de vias de solução que dignifica os partidos políticos e a representação parlamentar e que aproxima os eleitos dos eleitores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A massiva e espontânea adesão e participação de dezenas de milhar de utentes ao protesto permanente que se prolonga desde os primeiros dias de Setembro na ponte 25 de Abril, é uma expressão inequívoca da dimensão do descontentamento, da convicção na força da sua razão e da determinação de lutar pela satisfação das suas reivindicações.
A resposta do Governo assente na intolerância, na ostentação da força e na intimidação, a tentativa do Executivo de transformar um problema social e político num caso de polícia e de ordem pública, revelam, afinal, o autoritarismo, a fraqueza e a impotência política do Governo e do PSD.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É o Governo, com a sua indiferença e desprezo pelos legítimos interesses das populações, o único responsável pelo caos na circulação rodoviária na área urbana envolvente à ponte 25 de Abril, pelos sacrifícios de toda a ordem suportados pelos utentes e pelos prejuízos causados à economia nacional.
O autismo e autoritarismo políticos do Governo impediu-o de ver que os protestos de Junho na ponte 25 de Abril ultrapassavam o descontentamento pelo aumento das por-
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tagens e traduziam um descontentamento mais amplo e profundo com a política e a situação económica e social.
Por isso se convenceu que com um recuo assente na suspensão das portagens durante dois meses e na criação de taxas de quantidade ultrapassaria os protestos com uma derrota política relativamente menor.
A arrogância e a prepotência do Governo inibe-o agora, com a continuação dos protestos, de confessar os erros políticos que cometeu e de aceitar a justeza das reivindicações populares.
Mas, para nós, não existem dúvidas de que a situação chegou a um ponto sem retorno: a única forma de resolver o problema da ponte é abolir as suas portagens!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O comportamento do PSD e do Governo, em torno da questão da ponte, mostra as suas crescentes dificuldades e acentua o seu descrédito político.
O desnorte do Primeiro-Ministro, do Governo e do PSD é evidente e lança-os numa escalada de fuga para a frente. A crescente, e cada vez mais clara, utilização dos Serviços de Informações de Segurança no âmbito dos acontecimentos na ponte, as «fugas» de informações sobre o conteúdo da reunião do Conselho de Segurança Interna, a difusão por órgãos da comunicação social de relatórios do SIS comprovativos da violação descarada dos direitos fundamentais dos cidadãos e de organizações políticas e sociais, são sinal de que o Governo não põe limites às suas tentativas de intimidação dos cidadãos e de criação de um clima psicológico que possa dar aparente «cobertura» a uma actuação repressiva. Mas são ainda uma clara evidência de que o SIS está transformado numa polícia-política ao serviço do Governo e do PSD.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Pela parte do PCP, quero reafirmar que o Governo não nos intimidará, que o PCP e os comunistas continuarão a apoiar os protestos e a luta dos utentes da ponte 25 de Abril.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quero ainda afirmar a exigência do PCP de que, de imediato, seja posto fim à actuação ilegal dos serviços de informações.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Têm medo!
O Orador: - Tal como já o afirmámos noutras ocasiões, ou o SIS passa a actuar nos estritos limites legais e com os exclusivos objectivos que a lei lhe impõe e são sujeitos a uma fiscalização eficaz, ou há que acabar com a sua existência legal.
A última evidência do desnorte do PSD, Sr. Presidente e Srs. Deputados, surgiu ao fim da manhã de hoje com o «desafio» do PSD às oposições para apresentarem uma moção de censura ao Governo,...
Risos do PSD.
... sendo certo que, dispondo o PSD de maioria absoluta, elas seriam sempre derrotadas.
Dou-lhes aqui formalmente, Srs. Deputados do PSD, a resposta do PCP.
Não é o PSD que decide se, quando e como o PCP apresenta moções de censura.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O vosso «desafio» só mostra que a questão da ponte está a dividir as hostes laranja, e os senhores querem uma moção de censura, fundamentalmente, para unirem o (desunido) PSD contra a oposição.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Devolvemos o «desafio»; se o PSD tem dúvidas - legítimas, aliás - sobre o apoio efectivo que a sua bancada dá ao Governo, designadamente nesta questão da ponte, então o Governo que apresente uma moção de confiança.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Porque, quanto a «censuras», não restam dúvidas, Srs. Deputados: não há maioria absoluta do PSD na Assembleia da República que possa apagar a evidência que a maior e mais eficaz forma de censura ao Governo está no amplo protesto popular pelas atitudes e políticas do Governo.
Aplausos do PCP e do Deputado independente Luís Fazenda.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª fez uma afirmação, antes de mais, incorrecta, dizendo que tinha sido convocado o Conselho de Segurança Interna. Ora, a verdade, é que o Sr. Primeiro-Ministro reuniu com alguns membros desse conselho, o que é manifestamente diferente da convocatória formal desse conselho.
Passando ao conteúdo da sua intervenção, desculpe-me dizer-lhe, mas o PCP e o seu grupo parlamentar são incoerentes e inconsequentes com as suas próprias posições.
V. Ex.ª fez aqui o retrato catastrófico da situação do País e da sua ingovernabilidade e eu não percebo que mais argumentos querem para, efectivamente, apresentarem uma moção de censura.
Vozes do PS: - Apresentam como?!
O Orador: - V. Ex.ª disse que o Grupo Parlamentar do PSD recuou, mas não houve qualquer espécie de recuo! Se o Grupo Parlamentar do PSD levanta dificuldades a que a Assembleia reúna e debata estas matérias, VV. Ex.ªs dizem que o Grupo Parlamentar do PSD é arrogante; quando o Grupo Parlamentar do PSD, por sua própria iniciativa, propõe um período de antes da ordem do dia sobre esta matéria, VV. Ex.ªs dizem que recuou, de maneira que «é preso por ter cão e preso por não ter!
V. Ex.ª tem de assumir, enquanto líder do Grupo Parlamentar do PCP, uma posição coerente e consequente, não pode vir aqui fazer o retrato catastrófico do País, dizer que, a pretexto da ponte, há uma situação de ingovernabilidade e depois, sim, tomar a atitude de recuo - e essa é que é uma atitude de recuo -, recusando a apresentação de uma moção de censura.
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O Sr. Manuel Alegre (PS): - É a cassette.
O Orador: - Não sei de que tem medo o Grupo Parlamentar do PCP para não ser consequente e utilizar no lugar próprio as figuras regimentais próprias e não sustentar movimentos de rua, porque é no domínio institucional que devemos resolver estas questões. Ora, a coerência, com o retrato que aqui traçou, só pode ser efectivamente a de acabar por apresentar uma moção de censura.
Ficamos à espera da coerência do PCP!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, em tempo cedido pela Mesa, por o PCP já não dispor de tempo regimental. Dispõe, para o efeito, de dois minutos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente, será efectivamente um tempo côngruo.
Sr. Deputado Guilherme Silva, começo por rectificar um ponto. De facto, o Sr. Deputado tem razão: quem reuniu não foi o Conselho de Segurança Interna mas, sim, o núcleo restrito do PSD que faz parte desse conselho. Mais grave ainda!
Risos do Deputado do PSD Rui Carp.
Em relação à questão do período de antes da ordem do dia, gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado, que está enganado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não, não estou!
O Orador: - O Sr. Deputado errou. Vozes do PSD: - Não!
O Orador: - Não foi o PSD que propôs o período de antes da ordem do dia. Foi o PSD que, primeiro, impediu o período de antes da ordem do dia e só ontem retirou o impedimento.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está enganado!
O Orador: - O Sr. Deputado sabe que o período de antes da ordem do dia faz parte de todas as sessões plenárias da Assembleia da República e só por impedimento - claro! - do PSD é que não estava previsto para hoje. Mas a questão essencial, Sr. Deputado, é a da existência da persistência do PSD em provocar as oposições, neste caso concreto o Partido Comunista Português, para apresentarem a moção de censura. Já lhe respondi que os timing, se, como e quando, de uma moção de censura do PCP serão definidos exclusivamente por nós! Nem o PSD, nem o SIS têm interferência nesta matéria. Sejamos claros sobre isso.
Segunda questão, e é a mais importante: Sr. Deputado Guilherme Silva, quando o Grupo Parlamentar do PSD insiste tanto na apresentação da moção de censura,...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por coerência!
O Orador: - ... por parte de um partido da oposição ou pelas oposições,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Têm medo...
O Orador: - ... de que tem medo o PSD? O que faz correr o PSD? Porquê tanta pressa e tanta insistência nessa matéria?
Por último, Sr. Deputado, não fale tão descaradamente, tão abertamente, contra a manifestação dos cidadãos na rua. Os senhores que «enchem a boca», a pretexto da revisão constitucional, da necessidade de democracia participativa, de cidadãos darem a conhecer as suas opiniões, de tomarem as suas decisões, têm sempre medo que os cidadãos se manifestem.
Haja coerência pela vossa parte!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate, em período antes da ordem do dia, vai, inevitavelmente, ser apresentado pelo Governo como um exemplo acabado da inutilidade do Parlamento. O Grupo Parlamentar do PSD recebeu instruções para o organizar com esse objectivo e tentar impedir que outras instâncias, em particular a Presidência da República, possam utilizar as suas faculdades constitucionalmente consagradas para accionar o funcionamento das instituições.
Desde o início desta situação grave (e já lá vão três meses), provocada pelo Governo e artificialmente prolongada com a colaboração objectiva de todas as forcas que lucram com os protestos e agitações de rua e com os impasses das soluções democráticas, que o CDS-PP tem batalhado pela única solução admissível: uma solução ordeira, pacífica, legal, obtida através dos mecanismos democráticos que o povo português paga, que apagasse o sentimento de injustiça e de abuso que já ninguém se atreve a duvidar ser unânime nos cidadãos lesados.
O CDS-PP cumpriu a sua obrigação de partido de oposição. Deu todos os passos que tinha de dar; percorreu todas as etapas que o nosso sistema impõe; distanciou-se da agitação de rua; proclamou o objectivo de trazer o assunto para as instituições da nossa democracia; aceitou o repto da maioria e apresentou publicamente as suas propostas de solução.
Por momentos, chegou a parecer que o Governo aceitava dar a cara; explicar à Assembleia dos representantes do povo porque desencadeou os mecanismos de segurança interna; discutir e aprovar com eles uma solução digna e justa para todos, que prestigiasse a nossa democracia e os partidos, que satisfizesse as legítimas expectativas dos utentes da ponte, e desse aos portugueses uma indicação clara de que o sistema funciona, resolve os problemas e soluciona as crises. Mas não! À última hora, o que obtivemos foi esta manobra de recurso. Fica o País a saber que não há Parlamento, não há sequer Grupo Parlamentar do PSD, há Cavaco Silva. O Governo não se explica, não dá a cara, não aceita a mão estendida das soluções apresentadas com boa fé, não discute a procura da justiça e da dignidade para um enorme conjunto de cidadãos.
Sairá deste debate alguma solução? Claro que não! Aceitará o Governo vir ao Parlamento dar conta das ameaças à segurança interna que propagandeia? Está visto que não! Para que serve, então, este debate? Para nós, a resposta é clara: para enganar o País, para desprestigiar o Parlamento, para condicionar o intervenção do Presidente da República.
Pela nossa parte, não vamos colaborar neste embuste.
Se o PCP quer insistir aqui e agora nas suas iniciativas legislativas, para o PSD as encaminhar para a gaveta das comissões,
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que o faça. Nós não entraremos nesse jogo. Não apostamos minimamente no impasse, nem no apodrecimento da situação.
Se o PS quer continuar a apostar numa atitude tímida, seguidista, minimizadora, pois então que continue à espera que a crise passe, continue a apostar em reuniões de comissões parlamentares para a semana, não colherá mais do que a repetição da teimosia governamental de há três meses e a invocação pelo Ministro Ferreira do Amaral dos acordos feitos entre ele e os autarcas socialistas.
Se, por outro lado, acredita, como nós, que não resta mais do que encontrar uma saída rápida para a situação, então dizemos-lhe: «Não há outro caminho a seguir do que o de forçar o Governo a um diálogo rápido e à busca conjunta de uma solução». Não acredite o PS que este debate, em período de antes da ordem do dia, é um abrir de portas; pelo contrário: é o fechar de todas as portas.
Apoie o PS o pedido ao Sr. Presidente da República para que use os seus poderes de convocação da Assembleia da República, se hoje a maioria inviabilizar, definitivamente, uma convocação por iniciativa da própria Assembleia.
Este debate só pode ter, para nós, um fim útil: a última oportunidade de convocar, através de um mecanismo exclusivamente parlamentar, um debate de urgência, ainda esta semana, onde se possa debater com o Governo toda a situação e encontrar soluções.
Apresentamos, neste momento, o nosso projecto de deliberação nesse sentido, que vou passar a ler: «A Assembleia da República delibera convocar o Plenário no próximo dia 23 de Setembro, por forma a agendar um debate de urgência no período de antes da ordem do dia, nos termos dos artigos 72.º, alínea e), e 77.º do Regimento, sobre a situação de conflitualidade social criada pelo agravamento das taxas da portagem da ponte 25 de Abril e os problemas de segurança interna do Estado».
Na ordem do dia serão apresentados os projectos de lei relacionados com a travessia do Tejo.
Entrego o nosso projecto de deliberação à Mesa para que conste que demos esta oportunidade ao Parlamento e, nomeadamente, à maioria.
Se restar no Grupo Parlamentar do PSD alguma margem de autonomia e de abertura, aproveite, agende e aprove. Apresentaremos na sexta-feira as nossas soluções e aquelas que, das nossas propostas políticas, puderem traduzir-se em iniciativas parlamentares, sê-lo-ão. Aprove a terá contribuído decisivamente para o desarmadilhar de uma situação de tensão e de insegurança artificiais, para retirar a insatisfação das ruas e as polícias das estradas e das portagens, para resolver uma questão de justiça, com humildade e sentido de Estado.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, V. Ex.ª começa por pôr em causa a autonomia da nossa decisão procurando subordinar o Grupo Parlamentar do PSD ao Governo ou seja lá ao que for.
Começo por dizer-lhe que, neste caso, cumprimos o que, constitucionalmente, nos é dado pelo voto popular e em função do respeito que, como Deputados do PSD, temos aos órgãos do partido, pelo que não há qualquer subordinação mas solidariedade e apoio ao Governo.
VV. Ex.ªs é que, provavelmente, se sentem humilhados pelas constantes desautorizações do vosso líder partidário, designadamente, no que diz respeito às afirmações relativas ao gozo de férias pelos Deputados. VV. Ex.ªs não nos dão lições sobre esta matéria, bem pelo contrário!
Quanto à sua intervenção, lamento dizer-lhe que é uma clara contradição com o que ainda há pouco referiu quando interpelou o meu colega Pacheco Pereira. Na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares realizada na semana passada, o CDS-PP apresentou um pedido para reunir extraordinariamente o Plenário da Assembleia da República a fim de ser discutida a situação geral da Nação. Hoje, perante o Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª disse que querem discutir cada coisa de sua vez. Não há maior contradição possível porque, agora, falam em desafiar-nos para debater as propostas do CDS-PP em Plenário. Mas corrijo: o CDS-PP não avançou quaisquer propostas, apenas anunciou iniciativas no domínio fiscal, parafiscal e administrativo.
Ora, como já disse o nosso líder parlamentar, Deputado Duarte Lima, mantemo-nos abertos para discutir iniciativas concretas do CDS-PP e não o que é vago nem promessas demagógicas. Discutiremos propostas concretas no momento oportuno. Apresentem essas propostas nos termos regimentais que, da mesma forma, discuti-las-emos em comissão ou em Plenário.
Tudo o resto, Sr. Deputado Manuel Queiró, é uma postura que mais parece um cata-vento ao sabor da nortada: ser simpático aqui e ali, no que, em termos das oposições, não estão sós.
Queremos ver aqui iniciativas legislativas concretas, não meras atoardas e promessas simpáticas aos olhos da comunicação social e da opinião pública que, na prática, como noutros casos protagonizados pelo CDS-PP, a nada nos levam.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, sei que estou a beneficiar da benevolência da Mesa; compreendo a sua generosidade e vou aproveitá-la no tempo possível.
Sr. Deputado Rui Carp, a questão regimental não existe porque, convocando o Plenário para um debate de urgência, nem é necessária a apresentação de iniciativas legislativas.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Então, não têm nada?
O Orador: - Mas a questão não é essa. Se calhar, o Sr. Deputado queria que fizéssemos como o PCP - que, nesta matéria, regista mais uma colaboração objectiva com o Governo e com o PSD -, apresentando iniciativas legislativas que irão para a «gavetazinha» das comissões, o que permitirá ao PSD dizer que «Estamos a ouvir as oposições, o processo está a correr os seus trâmites», enquanto passam semanas e meses sem que a situação se resolva. Mas, nesse logro, não vamos cair!
Apenas respondemos a um repto do PSD que interpretámos ser de boa fé. Podíamos ter dito o que muitos comentaram, que o PSD estava a ficar assustado porque viu que o CDS-PP falava a sério ao insistir na urgência da convocação de um Plenário e que não iria desistir desse propósito. Mas não o dissemos: interpretámos que o vosso repto era de boa fé e apresentámos publicamente as nossas propostas.
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A resolução do problema das portagens pela Assembleia da República só pode ser levada a cabo com a colaboração do Governo, como o Sr. Deputado muito bem sabe. Um partido da oposição da nossa dimensão, para ser responsável, apresenta propostas políticas ao Governo para um entendimento em tomo de uma solução.
Mas se o Sr. Deputado acha que devíamos ter actuado da mesma forma que o PCP isso equivale a dizer que não querem qualquer entendimento. Fica registado que recusaram a nossa mão estendida, o que estamos a tornar clarinho, e veremos se os Srs. Deputados do PSD, desta vez, nos levam a sério.
Cumprimos todas as etapas, respondemos a todos os reptos, mas não estamos a brincar, Sr. Deputado!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sejam consequentes!
O Orador: - Não estamos a brincar e iremos até ao fim porque entendemos que esta situação de apodrecimento verificada de há três meses a esta parte em torno de um aumento da portagem que, manifestamente, regista uma reacção popular baseada em sentimentos de injustiça, está a ser causada pela conjunção, pela colaboração objectiva de duas forças. Por um lado, o PSD e o Governo que estão constantemente a esticar a corda e a aproveitar para instalar no País um sentimento de insegurança, de tensão, ilustrado hoje, de novo, pela subida de mais um degrau na escalada da tensão por parte desse grupo parlamentar. Mas não é preciso, a demonstração está feita.
Se, por um lado, há este esticar a corda por parte do Governo do PSD, por outro, todas as forças estão interessadas no impasse para poderem aproveitar a agitação de rua e até os elogios, a propaganda todos os dias feita pelo PSD, de forma a recuperarem de algum declínio irreversível que, felizmente, estão a registar na sociedade portuguesa.
É esta conjunção objectiva que as forças democráticas responsáveis não podem aceitar que prossiga sobretudo porque está a reverter num enorme prejuízo para um largo sector da população e para o desprestígio das instituições.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Por que não usaram este PAOD?
O Orador: - Estamos a usar!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, seguramente não é essa a sua intenção mas, das suas palavras, pode tirar-se a conclusão de que o convite e o repto público feito pelo PSD não era de boa fé.
Reitero o que foi dito pelo meu partido numa conferência de imprensa: distinguindo, desde o princípio, de todo este processo a posição do CDS-PP da dos outros partidos da oposição, o meu grupo parlamentar estaria disposto, independentemente de considerar que a solução actual do Governo permite a normalização do problema como pode verificar-se desde quinta-feira (mas outros partidos podem ter um ponto de vista diferente), a dar uma resposta institucional desde que outros partidos apresentassem soluções novas, concretas e melhores do que as nossas. E quero dizer-lhe que, até este momento, essa resposta institucional não está fechada, o que lhe reitero, claramente, Sr. Deputado Manuel Queiró!
O seu partido anunciou uma intenção, mas não apresentou quaisquer projectos. Ora, a parte mais importante e relevante dessa intenção só é passível de ser levada à prática traduzida em soluções legislativas.
O Sr. Deputado Manuel Queiró sabe muito bem que, quer queira quer não queira, quer eu queira quer não queira, há procedimentos constitucionais e regimentais. Se apresentar iniciativas legislativas, a sua discussão, na generalidade ou na especialidade, no Plenário não pode sequer ser feita sem proceder-se à sua prévia discussão na Comissão. Nesse sentido, ontem, o meu grupo parlamentar deu desde logo o seu consenso para que se iniciem os trabalhos de todas as Comissões, independentemente de outros aqui dizerem que isso é um recuo.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Para as ratificações também é assim?
O Orador: - Estou a falar de uma proposta concreta, que é a do CDS-PP.
Apresentando o CDS-PP soluções concretas na Mesa da Assembleia da República, essas soluções legislativas baixam à comissão respectiva onde, forçosamente, terá de ser feita a sua discussão. E, como disse - e bem -, é fundamental que o Governo seja ouvido, o que, em primeira instância, tem lugar em sede de comissão, sem prejuízo de trazermos a questão a Plenário. Vamos fazer essa discussão em comissão e, em função dela, ajuizaremos sobre a necessidade de convocar ou não extraordinariamente o Plenário. Desde já mantenho a minha disponibilidade - não fecho a porta- para que o Plenário da Assembleia da República possa reunir extraordinariamente.
Portanto, como a posição do PSD está claríssima, não é susceptível de interpretações que conduzam àquilo que poderia transparecer das suas palavras, que fizemos uma proposta que não era para levar a cabo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, lembro-lhe que, na conferência de imprensa realizada na sexta-feira, disse que o PSD poderia repensar a negativa dada há dois dias no sentido de ser convocado um Plenário extraordinário para a resolução, entre a Assembleia da República e o Governo, do instante problema das portagens na ponte, desde que esse pedido fosse acompanhado de propostas políticas concretas. Não falou em projectos de lei nem em comissões nem em nada do que agora mencionou e é isto, Sr. Deputado, que, muitas vezes, faz com que certas pessoas - que não eu ainda - comecem a descrer da boa fé com que o PSD vai colocando restrições e problemas.
Respondemos ao repto, mas havia essa condicionante absoluta que impedia, no fundo, que as questões prosseguissem na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares de terça-feira, tendo decorrido, praticamente, 48 horas em que nada nos é dito.
Além do mais, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que pretendíamos que o Governo viesse aqui explicar as rã-
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zoes por que instalou um clima de tensão e de ameaças à segurança interna do país. Não esqueçamos que há problemas políticos que não podem passar sem sanção e sem explicação. Pretendíamos igualmente que viesse manifestar disposição política para encontrar uma solução através de um entendimento porque, se o Governo o fizer, rapidamente as questões se resolvem, como o Sr. Deputado sabe.
Porém; parece mais interessado em encaminhar as coisas em termos de trâmites processuais enquanto ouvimos nas rádios e temos nos jornais que, segundo o Sr. Ministro da Administração Interna, o Governo não recua um milímetro. Então; o que é que estamos aqui a fazer? A colaborar num embuste, Sr. Deputado, só para o PSD dizer que não bloqueia as instituições quando, de facto, está a bloqueá-las!
Para continuarmos a falar de boa fé e não haver acusações nem melindres nem pedidos de esclarecimentos nem explicações, temos de ser clarinhos como água - só dessa forma hão haverá a mínima suspeita- e de manifestar uma vontade política de entendimento, o que, desde o início, o CDS-PP está a fazer com firmeza mas sem intransigência, com a acessibilidade própria de um partido de oposição moderado que quer encontrar, no quadro das instituições, uma solução que satisfaça o sentimento de injustiça dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Há 10 anos atrás, a situação que então já se vivia na Área Metropolitana de Lisboa indiciava claramente o agravamento rápido das condições e da qualidade de vida urbana na região. O incessante crescimento populacional, a proliferação de uma urbanização desordenada que afasta cada vez mais os residentes dos locais de trabalho e que obriga a longas e penosas deslocações diárias, por força também do crescente congestionamento de tráfego, foram, e são-no hoje, de forma agravada, o resultado de políticas e concepções desumanizantes onde o crescimento económico a qualquer preço se sobrepõe ao bem-estar dos cidadãos e o valor e importância dos recursos naturais são desprezíveis.
Esta situação que regista traços comuns em toda a região metropolitana e que nunca foi pensada como um todo interligado e interdependente, assumiu gravidade excepcional na ligação da circulação entre as duas margens do Tejo, com reflexos múltiplos na vida metropolitana e condicionamentos inequívocos no seu desenvolvimento.
Nos já cerca de 10 anos de Governo PSD, o tráfego rodoviário na ponte 25 de Abril quase triplicou e, assim, as filas de trânsito de 2/3 km dos dois lados da ponte passaram para 6/8 km nas horas de ponta, passando a verificar-se, nos últimos dois anos, congestionamentos permanentes diários para atravessar o Tejo, tanto na ponte como nos transportes fluviais.
Esta situação, por si já insustentável em termos sociais, ambientais e económicos, para a Área Metropolitana de Lisboa e para o País, veio a tornar-se explosiva, no seguimento de duas medidas que chegaram ao conhecimento dos cidadãos, decididas pelo Governo do PSD e que se enquadram na sua concepção economicista e neo-liberal.
A primeira é a de que a portagem da ponte 25 de Abril, em si já injustificada, em nossa opinião, ser aumentada em mais de 50 %. A segunda é a de que justificação deste aumento era para financiar o pagamento de uma nova travessia do Tejo, cuja exploração foi concessionada pelo Governo a um consórcio privado i que, no futuro, vai explorar as portagens das duas travessias em regime de monopólio.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Perante esta prepotência e descaramento em que, além de se iludirem os verdadeiros problemas, em termos de acessibilidade, circulação e harmonização do espaço e do desenvolvimento perene na Área Metropolitana de Lisboa, o Governo impõe a milhares de cidadãos que para trabalhar tenham de pagar um novo imposto, como sendo eles os responsáveis pela situação que se arrasta há anos, o Partido Ecologista Os Verdes, desde a primeira hora, sempre manifestou o seu apoio e solidariedade às manifestações desencadeadas pelos utentes da ponte.
Só o Governo e o PSD, desfasados da realidade que se vive há longos anos nesta região, ficou cego e surdo perante os protestos generalizados.
Em 24 de Junho, as manifestações espontâneas não deixaram dúvidas quanto à determinação dos cidadãos. O Governo e o PSD, embora atribuindo as iniciativas a grupos provocadores sem significado, recuou e protelou a imposição da entrada em vigor do essencial das medidas para 1 de Setembro.
Nos primeiros 15 dias de Setembro, apesar das férias, que eram a grande esperança dó Governo para a desmobilização, as acções de protesto mantiveram-se e ficou demonstrado para todos, menos para o PSD e para o Governo, que a tomada de consciência pelos cidadãos da força da sua razão, só admite uma solução hoje - a abolição pura e simples da portagem na ponte 25 de Abril, a renegociação dos contratos entre o Governo e o consórcio privado a quem foi concedida a exploração das portagens das duas pontes em regime de monopólio e um investimento sério em transportes públicos, rodoviários, ferroviários e fluviais de qualidade e em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades que levem ao desanuviamento dos congestionamentos de tráfego na área metropolitana.
Com esta acção, ou conjunto de acções de protestos dos cidadãos, o Governo, que poderia ter resolvido logo em Junho o problema que hoje existe na travessia do Tejo, preferiu não dar o braço a torcer; preferiu engolir cobras e lagartos a assumir os erros que cometeu. Em Setembro, engoliu o sapo vivo quando metade dos utentes da ponte, recusando pagar a portagem, passaram a circular no transporte fluvial, em que o Governo nunca quis investir. A continuar assim, o Governo terá de engolir o elefante porque, além de outras perguntas sem resposta, há-de ter de explicar as centenas de milhares de contos que está a gastar em publicidade enganosa e sem efeito para o interesse público, bem como há-de ter de justificar a utilização da força e da repressão injustificada, e da actuação do SIS, controlada e ao serviço do Governo. Finalmente, o Governo e o PSD hão-de acabar por aceitar incluir os custos das travessias e da manutenção dos equipamentos no Orçamento do Estado já para 1995, como nós iremos propor. Por isso requeremos a marcação de uma reunião plenária com carácter de urgência para debater e viabilizar medidas legislativas condicentes com estas reivindicações e propostas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os acontecimentos na ponte 25 de Abril merecem comentários e uma só proposta. Comentários, desde logo, porque não se trata de um caso de polícia nem de um caso de tarifas, mas de um caso político. Confrontamo-nos com
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um imposto oculto, com uma situação de abuso de autoridade, o que não deve ser confundido com legitimidade institucional, com uma situação discutível de um negócio com um consórcio privado, com problemas políticos com várias opções técnicas sobre o ordenamento da Área Metropolitana de Lisboa- acessibilidades e transportes-, com problemas vastos que inculpam profundamente o autismo do Governo PSD e demonstram que a contestação na ponte 25 de Abril vai muito para além da portagem.
Parece, pois, necessário sublinhar algumas evidências.
Em primeiro lugar, que o asfalto e a estabilidade, que sempre foram argumentos do Governo PSD, parece terem cedido nestes episódios. Há que sublinhar também que o SIS passou a ser mais um agente no processo político e na luta política em Portugal, ao arrepio da lei e da Constituição. Parece também de sublinhar que, já há três anos, era evidente que a situação na ponte 25 de Abril era insustentável. Aliás, há dois anos e meio, fui autor, nesta Casa, conjuntamente com o Sr. Deputado José Manuel Maia, de um projecto de lei para abolição da portagem na ponte 25 de Abril que poderia ter evitado todo este conjunto de sofrimentos às populações e a necessidade da actual luta ou, tão-somente, ter provocado neste Hemiciclo o debate necessário sobre todas estas questões - eis um agitador a falar!
Em segundo lugar, quanto à acusação malévola do PSD de que são agitadores profissionais os elementos do meu partido, a UDP, ou outros de outros partidos que se têm incorporado no protesto cívico e na contestação na ponte 25 de Abril, gostaria de colocar em contraponto a conferência de imprensa recentemente dada pelo PSD e pelo Presidente do seu Grupo Parlamentar, Deputado Duarte Lima. Considerou ele que era matéria de processo político o envio ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Procurador-Geral da República de um artigo de uma revista em que o Major Mário Tomé e o meu partido, a UDP, são grosseiramente inculpados, de forma caricatural e digna de uma história da carochinha, como sendo os guerrilheiros tipo «vietcong »que teriam provocado toda aquela agitação na ponte.
Sem desmerecer o mérito dos militantes do meu partido, que civicamente se têm envolvido na luta e no protesto em relação a estas medidas ilegais e prepotentes do Governo PSD, gostaria de retorquir ao Sr. Deputado Duarte Lima e ao Grupo Parlamentar do PSD que se nos apelida de agitadores profissionais, então, em boa política, é de classificar o que aconteceu na conferência de imprensa do PSD como uma provocação amadora.
Finalmente, uma só proposta: é necessária a convocação de um plenário extraordinário da Assembleia da República, é necessário debater. As instituições representativas e, em primeiro lugar, esta Assembleia não são um «quintal» do partido maioritário, têm uma palavra a dizer sobre um acontecimento nacional desta natureza e dimensão. Há a necessidade evidente e urgente - porque as populações são quem mais sofre e desgastam as suas energias num processo de luta - de fazer o debate para que haja saída deste impasse negociai e o Governo se abra finalmente ao diálogo com a Junta Metropolitana e com a Associação de Utentes da ponte 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino dizendo que a luta é necessária mas é também necessário criar as condições para resolver os problemas da população. Nessa matéria, o Governo já perdeu a face. Não queira perder mais nada porque o repto da moção de censura, hoje aqui lançado, revelou, para espanto geral, uma «tremideira» que seria inesperada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 25 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos na apresentação dos projectos de lei de revisão constitucional, temos duas votações a fazer, uma relativa a um projecto de deliberação conexo com um pedido de. autorização de saída do País do Sr. Presidente da República, a outra relativa à nossa própria ordem do dia.
Na verdade, o Sr. Deputado Manuel Queiró apresentou um projecto de deliberação, que foi admitido sob o n.º 96/VI. Após a sua leitura, verifica-se que, na intenção do Sr. Deputado proponente, este projecto de deliberação deverá ser votado hoje. Portanto, a Mesa terá de modificar a ordem de trabalhos de hoje para que se efectue esta votação, procedimento exactamente igual ao de há pouco relativamente ao projecto de deliberação apresentado pelo Partido Socialista.
Assim, antes de proceder a essa alteração da ordem de trabalhos, gostaria de saber se há consenso no sentido de submeter hoje à votação este projecto de deliberação n.º 96/VI.
Verifico que o Sr. Deputado Guilherme Silva não concorda, pelo que não há consenso.
Assim, mantenho a ordem do dia tal como tinha ficado fixada na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, primeiro, é para dizer que, embora a figura regimental seja a mesma de há pouco, o conteúdo é diferente. Isto é, a reunião plenária que solicitamos é para fins diferentes dos que eram visados no primeiro projecto de deliberação.
Em segundo lugar, solicitamos a reunião plenária com uma data certa. Portanto, se se entender que não pode ser votada em Plenário hoje, esta matéria terá de ser debatida em Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, que V. Ex.ª marcaria para amanhã a fim de convocar a reunião plenária para a próxima sexta-feira. Se não entender assim, mas antes apressar o processo e rejeitar o nosso projecto de deliberação, então, faremos o mesmo que o Partido Socialista, isto é, iremos recorrer da decisão de V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - O problema contém alguns pontos delicados, pois se realizarmos a conferência de líderes amanhã, não é possível convocar a reunião plenária para depois de amanhã. Assim, é muito mais operacional que eu rejeite a alteração da ordem de trabalhos, uma vez que não há consenso para a fazer e, perante esta rejeição, VV. Ex.ªs adoptarão o procedimento que entenderem adequado.
Portanto, não modifico a agenda de trabalhos para hoje. Para além disso, não é operativo realizar amanhã uma Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares para convocar o Plenário para depois de amanhã, o qual teria de ser convocado hoje, no final da sessão.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, se o problema é unicamente o da operacionalidade, naturalmente que estamos abertos a rever a data. Isto é, se V. Ex.ª entende que, dado o ritmo dos trabalhos da Assembleia, estes não lhe permitem convocar a conferência de líderes para amanhã a fim de convocar uma reunião plenária para depois de
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amanhã, estamos dispostos a que aquela seja convocada para sexta-feira, marcando o Plenário para a próxima terça-feira. Estamos dispostos a «emendar a mão».
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, no fundo, tomo as suas palavras como uma sugestão no sentido de convocar para sexta-feira uma conferência de líderes. Fá-lo-ei. Assim, convoco uma Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares para a próxima sexta-feira, às 15 horas.
Srs. Deputados, passo à leitura de uma carta que recebi do Sr. Presidente da República: «Estando prevista a minha deslocação à República da Guiné-Bissau, entre os próximos dias 28 e 30 do corrente mês de Setembro, para assistir, em representação de Portugal, à cerimónia de tomada de posse do Presidente Nino Vieira, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1 e 166.º, alínea b), da Constituição da República, o necessário assentimento da Comissão Permanente da Assembleia da República.»
Ora, estando reunido o Plenário, a competência é própria do Plenário. Assim, O Sr. Secretário vai proceder à leitura do projecto dê resolução correspondente.
O Sr. Secretário (João Salgado):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, é do seguinte teor e está assinado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República:
Viagem do Presidente da República à República da Guiné-Bissau.
A Assembleia da República resolve, nos termos dos artigos 132:º, n.º l, 166.º, alínea b) e 169.º, n.º 5, da Constituição, dar assentimento à viagem de carácter oficial de Sua Excelência o Presidente da República à República da Guiné-Bissau, entre os dias 28 e 30 do corrente mês de Setembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições, vamos votar este projecto de resolução.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.
Srs. Deputados, entramos agora no ponto da ordem de trabalhos de hoje que consta, como sabem, por um lado, da apresentação dos projectos de lei de revisão constitucional e, por outro, da votação de um projecto de deliberação destinado a definir a forma de constituição da comissão eventual que vai apreciar estes projectos de lei.
Os Srs. Deputados usarão da palavra de acordo com a ordem de entrada dos projectos de revisão constitucional no meu gabinete e, conforme os tempos já definidos em sede de Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, darei a palavra aos primeiros subscritores dos referidos projectos de lei.
Assim, para uma intervenção sobre o primeiro projecto de revisão constitucional, pelo tempo de 20 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É importante que nos púnhamos de acordo sobre os poderes que temos, e não temos, na perspectiva da próxima revisão constitucional. Em especial sobre os limites a que devemos respeito.
Esses limites são, antes de mais, os promanantes da constituição material. Tenho dado como exemplo de regra imutável pela via da simples revisão a que consagra a forma republicana de Governo. Poderia invocar, com idêntica justificação, muitos outros.
Constituem também obstáculo à revisão os chamados «limites materiais» expressos no artigo 288.º da Constituição em vigor.
Podem ser formalmente alterados. Mas, enquanto o não forem, não podem ser encarados como se não existissem. Antes de revistos - e não o podem ser no próprio acto de desrespeitá-los - a sua violação acarreta «fraude à constituição».
Pois bem: quer o projecto de lei do PSD, quer o do CDS, quer episodicamente outros ainda, incorporam um festival de propostas de violação dos limites materiais de revisão em vigor.
Queremos aqui declarar, para que conste, que não consentiremos nem participaremos nesse jogo. Limites são limites. Quem quer os efeitos de uma ruptura constitucional tem de, revolucionariamente, fazer por ela. Nem com o nosso voto, nem sem ele, será desnaturado o poder constituinte por incorporação num simples instrumento de revisão. Este só pode rever nos precisos termos que a Constituição prevê.
Para além disto ficam os menos definidos limites do bom senso. O poder efectivo da Assembleia da República, como aliás dos demais órgãos de soberania, está sempre sujeito ao limite inultrapassável dos valores, das intuições e das exigências da nossa consciência colectiva. Dito de outro modo: da natureza das coisas portuguesas, da nossa maneira de ser.
Georges Ripert deixou-nos a advertência do perigo mortal contido nos seguintes desvios do poder: na provocação do espírito de desobediência; no sentimento da injustiça ou' da inutilidade da lei; na aprovação de leis de justificação exclusivamente política; em reiterados atentados aos direitos individuais; no incumprimento, pelo Estado, dos seus próprios deveres constitucionais e legais; na tentativa de recondução à obediência através da criação de novos delitos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Será só minha a impressão de que, na última década, o poder tem, em Portugal, resvalado perigosamente em direcção a todos e cada um destes riscos? E será sem motivo que me vem à lembrança a advertência de Montesquieu, segundo a qual«(...) o responsável pela resistência é, não é que a usa, mas o que a suscita»?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Tomemos um exemplo: poderia a actual maioria, apesar de absoluta, sem risco de resistência civil, defesa directa, eventuais cadeias de solidariedade e explosão de não importa que poderes de facto, lançar uma portagem sobre a ponte da Arrábida?
Risos do PS.
Cumpre reconhecer que a nossa Constituição, após duas revisões em profundidade, uma do sistema político, expurgando-o dos seus transitórios compromissos castrenses, outra do sistema económico, expurgando-o das limitações ao funcionamento de uma economia mista - de mercado com controlo - atingiu um satisfatório ponto de equilíbrio. Que bloqueios constitucionais? Que embaraços? Que significativas sublevações populares contra ela? Bem ao contrário, a vida portuguesa tem cabido na sua moldura sem constrangimentos éticos, políticos ou sociais!
Couberam nela governos de todos os matizes e de todos os formatos: constitucionais, presidenciais, majoritários,
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minoritários, monopartidários, de coligação, socialistas, sociais-democratas, de esquerda e de direita. Rever sem motivo, Srs. Deputados, conduziria a enfraquecer a autoridade da Constituição que temos.
Discordâncias, sempre as haverá. Mas é próprio das ordens jurídicas serem globais e sintéticas. Não podendo existir mais do que uma, não pode a única dar plena satisfação a todas as visões. Uma Constituição é sempre um ponto de convergência de aspirações diversas.
Para além dos limites, fica todo um campo aberto a actualizações e melhorias. Uma Constituição não tem de ser nem é um cadáver mumificado. É um ser vivo, na medida em que reflecte o essencial comunitário. Revê-la de tempos a tempos traduz a atitude elementar de «estar atento às exigências da vida». Daí que se fale num «poder constituinte difuso... discreto e inominado» ou num «exercício quotidiano do poder constituinte...» operando pela via de uma alteração dos costumes, das convicções e dos valores. E até num «plebiscito jornalístico». Tudo agentes de mudança do statu quo da comunidade política de que se trate. Daí que, ao rever, devamos ser, como já se disse, «não os pais da reforma constitucional, mas apenas os padrinhos!...»
Uma boa revisão há-de ser assim a que resulta «da natureza das coisas» que não da vontade dos seus proclamados agentes. De outro modo corre o risco de se transformar numa «paródia do verdadeiro poder constituinte».
Tudo isto para concluir que se o poder de revisão é de sua essência limitado, não deixa de ser necessário e legítimo no entanto, respeitadas que sejam as fronteiras dentro das quais se move.
Do que se escreveu e disse, e dos projectos de revisão já apresentados, deve concluir-se que estamos perante três diferentes atitudes em face da revisão: a visão uma vez mais minimalista, se não imobilista, do PCP; a visão arrogante, globalista e todo-o-terreno do PSD e do CDS-PP; a visão de síntese, equilibrada e respeitadora dos limites, do Partido Socialista.
Os projectos do CDS-PP e do PSD apropriam a conhecida imagem da «epilepsia dentro da sorveteira». Vão-se à Constituição - à sua dimensão formal ou material, sem distinção - e fazem dela um passador de ressentimentos. Absoluto desprezo pelos limites materiais de revisão, o que naturalmente os inconstitucionaliza. Total indiferença perante valores e sentimentos nela plasmados por exigência do sentir colectivo à data da ruptura constitucional de Abril. A mesma atitude de quando se tratou de normalizar a democracia política ou de reforçar a democracia económica: a atitude de quem entra pelo texto constitucional adentro, pilotando um bulldozer. A mesma preocupação de despejar dela os últimos resquícios de socialismo democrático, para em seu lugar erguer estátua ao liberalismo personalista. Não se limitam a mudar a água às azeitonas. Mudam as azeitonas à água. A pessoa, sempre, no lugar do cidadão. Uma aparente rejeição do qualificativo de «democrático». Onde o qualificativo permanece, nomeadamente a qualificar a legalidade, decepam-no. O pretexto é o de que, legalidade só, é «a expressão própria da tradição do Estado Constitucional Europeu»! E nós lembrados do meio século em que sofremos as inclemências de uma legalidade que tinha o defeito de não ser nem democrática em si, nem democraticamente legitimada. A palavra «povo» - horribile dictu - é também decepada. Expressões que assegurem algum relevo à constituição social são, elas também, substituídas por chá de malvas.
Vem-nos irresistivelmente à memória a carta do velho Eça ao Director da Companhia das Águas:« V. Ex.ª acaba de me cortar a água. Eu tenho de cortar qualquer coisa a V. Ex.ª!»
Risos do PS.
Alguns dos mais importantes direitos dos trabalhadores - na prática, incluindo o da greve - vão-se à viola! E o CDS, refinando nisso, substitui o enunciado de direitos - alguns fundamentais! - que a Constituição assegura a «todos» por simples incumbências do Estado.
Por sobretudo isto, que não esgota o essencial, grossa maquia nos poderes do Presidente da República; as habilidades eleitorais do costume; a tentativa, mal disfarçada - esta, sobretudo, do PSD - de mitigar a independência dos tribunais e de reconduzir o Ministério Público, amputado de competências, à tutela do Ministro da Justiça; enfim, para não sair do essencial, o cair da máscara do PSD em matéria de regionalização do País.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - O PCP não conseguiu levar até para lá do penúltimo dia do prazo a sua resistência ao processo de revisão. Já sobre o apito de partida, tomou o comboio.
E, para quem tanto evidenciou a desnecessidade de uma revisão - não revemos, de facto, em estado de necessidade -, o projecto surge encorpado de propostas e alterações. Acabaram, afinal, os Deputados do PCP por fazer a demonstração de que melhorias são sempre possíveis.
São, de um modo geral, sedutoras as propostas apresentadas pelo PCP. Extremamente sedutoras! Têm, no entanto, o pequeno senão - note-se que não digo defeito - de relevarem de alguma utopia (talvez até mais do que alguma!). Não fossem os arreliadores constrangimentos orçamentais, só receáveis por quem é ou se arrisca a ser Governo, e eu estaria aqui a aplaudir a quase generalidade das reclamadas benfeitorias. Acontece é que são, pelo menos, precisos sete orçamentos para poder cumprir esta proposta de revisão constitucional!
Mas repito o que noutro lugar afirmei: utópicas ou não, são metas, directivas, estrelas polares que podem vir a revelar-se úteis.
Verifiquei, com natural satisfação, que o PCP fez suas muitas das nossas principais propostas, nomeadamente no plano do reforço da participação democrática dos cidadãos e de alguns fundamentalíssimos direitos.
Razão seria essa para que o PCP, ao menos desta vez, se tivesse eximido de ataques ao PS em matéria de revisão constitucional. Mas não! Volta a acusar-nos de «colocar a revisão constitucional como primeira prioridade» - e eu a julgar que tinha sido o CDS a dar o pontapé de saída para a revisão constitucional; acusam-nos de «estendermos a mão ao PSD para entendimentos sobre a descaracterização da lei fundamental»; de «novos entendimentos entre o PS e o PSD para pôr em causa aspectos essenciais da Constituição»; de apresentarmos «propostas das quais resulta também a adulteração do princípio da representação proporcional».
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E, enfim, de termos como «objectivo principal conseguir alterações ao sistema eleitoral para, através de operações de engenharia eleitoral e da mutilação do sistema proporcional, podermos obter Deputados que, democraticamente..., deveriam caber aos outros partidos».
As nossas propostas, sem excepção das que ele próprio perfilha, seriam «gravemente lesivas do regime democrático».
Que fazer a esta prenda? Só posso concluir uma de três coisas: ou que o PCP não leu o nosso projecto - hipótese, apesar de tudo, menos grave!
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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Leu!
O Orador: - Ou leu-o e não o entendeu - hipótese que rejeito em homenagem à sagacidade dos autores do seu projecto; ou se recusa a entendê-lo para poder continuar a repetir o que sabe não ser verdade - nem me dou ao trabalho de evidenciar isso mais uma vez! - e dar-nos, na passada, lições de democracia.
Será que o PCP vai tentar continuar a fazer de nós bombo de festa? Nesse caso, bom seria que se não esquecesse das suas próprias vulnerabilidades.
E mais não digo!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não faria sentido que antecipasse aqui a apreciação, ou o sentido, ainda que tendência, do nosso voto, sobre as concretas propostas apresentadas.
Mas é-me lícito dizer globalmente sobre elas mais alguma coisa E, desde logo, para realçar que, na medida em que são às dezenas as propostas violadoras de limites materiais expressos, nos encontrarão, quanto a essas, do lado dos limites e não da «fraude» consistente na sua violação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nem sequer aceitaremos discuti-las.
Aplausos do PS.
Correcções semânticas, são sempre possíveis. Mas nem todas desejáveis. As que se traduzam num furor anti-ideológico ou ideológico de sentido inverso, debalde esperarão a nossa complacência. Não consideramos desejável que a nossa Constituição seja um agregado seco de regras organizativas, ética e ideologicamente neutras, sem o perfume de uma ideia. É conhecida a moderna tendência para a acentuação da função ideológica das constituições.
A sua missão - tem-se acentuado - é precisamente indicar objectivos, traçar directivas aos governantes, pouco importando que uma separação evidente distinga a realidade dos princípios enunciados na Constituição.
Não podem todos, no imediato, ter acesso à gratuitidade do ensino e da saúde, ou a uma habitação condigna? Nem por isso deixa de ser essa uma directiva constitucional a respeitar e um justo objectivo a prosseguir!
Que igualmente se não espere de nós qualquer sorte de contemporização com propostas arrogantes ou redutoras de um só dos direitos fundamentais consagrados na Constituição em vigor. Os que são direitos, liberdades e garantias - expressamente ou por analogia - e os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais - todos eles postos em causa - constituem, inclusive, limite material de revisão.
As propostas alterações dos princípios fundamentais da organização económica, onde não são, eles próprios, também inconstitucionais por violação de limites, são ditadas por um excesso de sedução pelo modelo prevalecente do liberalismo económico e do sistema de mercado, que uma vez mais resistiu mal às provações da última crise.
Do mesmo pecado- serem perigosamente redutoras e em parte inconstitucionais- sofrem as alterações propostas no domínio das incumbências do Estado no âmbito económico e social.
O actual equilíbrio de poderes sai dos projectos do PSD e do CDS-PP fortemente comprometido. É óbvio o propósito de desvalorizar a magistratura presidencial, a benefício do Presidente do Parlamento, no caso do CDS, e a benefício do Governo, no caso do PSD.
Não menos transparente é o propósito - mais acentuado no projecto do PSD - de reconduzir o poder judicial à tutela, ainda que mitigada, do poder executivo. O Ministério Público seria revogado como suposta «força de bloqueio».
Continuamos fiéis, até prova em contrário, ao actual equilíbrio semi-presidencialista e à garantia da total independência do poder judicial.
A natureza participativa da nossa democracia, tal como a desenha e deseja a Constituição, sofre substancial recuo. Deixam de participar trabalhadores, os moradores, os próprios cidadãos! Tal como decorre do nosso projecto, queremos reforçar a dimensão participativa da nossa democracia
No que se refere à proposta extinção das regiões administrativas, cuja criação foi prometida pelo PSD tantas vezes quantas foi baldada, o PSD, tal como no conhecido poema de Torga, diz agora «não» onde disse «sim». E invoca os riscos de desagregação, da preciosa unidade do velho Estado português. Porque nunca fui entusiasta da criação das regiões- facto de que nunca fiz segredo-, estou à vontade para não achar bom esse motivo.
Exactamente porque usufruímos de uma unidade invejável é que podemos, sem risco, beneficiar das vantagens da separação horizontal e não apenas vertical dos poderes, e da participação popular no seu exercício.
E sem dúvida que quando a Europa se organiza à base de regiões, cria um Comité das Regiões, define o objectivo da equiparação tendencial do seu nível de desenvolvimento e disponibiliza para o efeito verbas do Fundo de Coesão, o momento foi, no mínimo, mal escolhido para um acto de recuo.
É limite material de revisão «a autonomia das autarquias locais». Sendo-o também a «unidade do Estado», não significará isso que o constituinte originário não receou que a autonomia daquelas pudesse prejudicar a unidade deste?
Outro ângulo: se «a autonomia das autarquias locais» é limite material de revisão, hão o será também o número e o modelo das regiões que, em concreto foram previstas?
O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!
O Orador:- Ainda no âmbito participativo da nossa democracia, o CDS-PP escancara o instituto do referendo, enquanto que o PSD o mantém fechado a sete chaves. O PS, nem oito nem oitenta! Abre significativamente, mas sem incorrer em riscos plebiscitados e sem instituir o referendo como «nova cúpula da hierarquia dos órgãos do Estado».
Afirmei uma vez aqui que o referendo não é uma rosa sem espinhos. Continuo convencido disso. Não se deve ir até limites de exautoração do poder legitimado pelo voto. Dito isto, cumpre admitir, se não reconhecer, que todos os projectos contêm, eventualmente, subsídios úteis. Mas nada se perde. Nem os disparates! Tudo se há-de transformar num voto «sim» ou num voto «não» - com esta simplicidade!
Refiro em poucas palavras o sentido essencial do nosso projecto, já por demais justificado e explicado.
Respondo a uma questão que já vi colocada: se temos uma visão restritiva dos poderes do Parlamento para rever a Constituição, como justificar a relativa extensão do nosso projecto? A resposta é simples: o defeito não estaria nunca no número de alterações propostas, mas no seu significado e sentido! Ora, a nossa proposta não atenta contra o essencial das instituições, nem adultera o espirito do regime. As ai-
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terações que propomos limitam-se a pretender melhorar o funcionamento dos mecanismos constitucionais existentes.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa é a crítica dos comunistas!
O Orador: - A Constituição quer que a nossa democracia seja fortemente participativa? Propomos um significativo reforço da participação dos cidadãos no exercício do poder político: através de listas de candidaturas a todos os órgãos políticos de natureza electiva subscritas por grupos de cidadãos eleitores; através da iniciativa legislativa de grupos de cidadãos eleitores; através de igual iniciativa na proposta de referendos de âmbito nacional; através da fiscalização da constitucionalidade de normas jurídicas - por acção ou omissão-, ainda por igual iniciativa, e através da ampliação do objecto da acção popular.
A Constituição preconiza a aproximação entre eleitos e eleitores com salvaguarda do princípio da proporcionalidade? Propomos a criação de círculos uninominais de candidatura como forma de reforço da personalização dos candidatos, com absoluta salvaguarda da regra da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - A Constituição exige transparência no exercício do poder? Propomos a constitucionalização de um pacote de medidas que asseguram essa transparência.
Perpassa na Constituição a exigência indeclinável do respeito pelos direitos fundamentais e da sobreposição da constituição social às demais vertentes constitucionais? Propomos reforços a que não falta nem justificação nem significado ético-social.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Destaque para a garantia a todos de um rendimento mínimo, como via para a erradicação das manchas de pobreza que alastram. Não temos, como as escrituras e o Conde de Abranhos, «o pauperismo como fatalidade social».
A Constituição é enfática na garantia do direito à informação? Reforçamos essa garantia.
Há um défice constitucional na participação da Assembleia da República na formação da vontade do Estado português exercitável nas instâncias da União Europeia? O nosso projecto colectivo e o projecto individual dos Deputados João Cravinho e Menezes Ferreira encarregam-se de propor a correcção desse défice.
Na organização e no funcionamento da Assembleia da República há perversões regimentais e lacunas estatutárias? Encontram resposta.
A criação de regiões e o exercício do referendo local têm deparado com bloqueamentos burocráticos? Desbloqueiam-se.
O serviço militar e a justiça castrense revestem contornos constitucionais pouco flexíveis? Flexibilizam-se.
As regiões autónomas anseiam por mais um reforço do seu estatuto autonômico? Vai-se, dentro de limites razoáveis, ao encontro dessa pretensão.
Resumindo: «mais participação, melhor representação, mais direitos para os cidadãos, mais descentralização, mais transparência». E respeito absoluto pela clássica diferença entre «mudanças na Constituição e mudança de Constituição».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Um último ponto. Todos temos consciência de que se assiste hoje a uma rebelião larvar contra os monopólios, os enquistamentos e os circuitos fechados do poder político. Está aí, uma vez mais in actu, a chamada «dialética do civismo e da contestação» e a ascensão, aparentemente imparável, dos poderes de facto em detrimento da autoridade legitimada pelo voto.
Está provado que o Estado erra, e é vencido, sempre que deixa o cidadão «enfrentá-lo munido apenas dos seus próprios meios». Acaba de falecer o pensador que nos ensinou as virtudes das sociedades abertas. Abramos as janelas da nossa num convite à participação, esconjurando as tentações da rebeldia e da auto-exclusão.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - O nosso projecto abre portas secularmente trancadas. Deixemos que a liberdade participativa e o poder comparticipado passem livremente por elas.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de revisão constitucional do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar neste Plenário o projecto de revisão constitucional dos Deputados do CDS-PP, começarei por recordar termos sido a única força política que, em 1976, votou contra o texto original da Constituição. E procedemos assim porque sempre entendemos que um texto constitucional não deve ser dominado por quaisquer concepções ideológicas.
A Constituição de 1976 consagrou expressões marxistas próprias e usuais nas constituições das chamadas democracias socialistas. Por isso mesmo, um texto divorciado da realidade sociológica da Nação portuguesa e, direi mesmo, paradoxalmente, da democracia de tipo ocidental- como então se referia ao que é hoje a União Europeia -, e que a larga maioria do quadro parlamentar de então dizia preconizar para Portugal.
Decorridos que vão 18 anos sobre este verdadeiro acto de rebeldia cometido pelos que então se sentavam na nossa bancada, a história constitucional e política do nosso país veio a dar-nos inteira razão.
Com efeito, tanto em 1982 como em 1989, a Constituição da República Portuguesa teve de ser submetida a profundas alterações, para a aproximar das constituições democráticas, torná-la consentânea com o sentir geral da colectividade e ser menos o espelho de uma situação política conjuntural que ninguém deseja ver hoje repetida.
Dir-se-ia que, nas últimas duas décadas - exceptuando a revisão extraordinária de 1992, cuja razão de ser e resultado obedeceram a condicionalismos muito circunscritos e específicos -, de cada vez que a Assembleia da República assumiu poderes constituintes, usou tais poderes com a quase exclusiva preocupação de corrigir o seu próprio passado. Esta foi, de facto, a principal preocupação dos Deputados em 1982 e 1989.
Não será - infelizmente - assim, segundo todos os indicadores, no processo de revisão cujos trabalhos públicos hoje iniciamos.
É certo que em parte ainda teremos, uma vez mais, de corrigir e retirar do texto constitucional disposições que nele já não são mais do que excrescências da «democracia
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socialista», após a implosão do mundo soviético, que aliás nunca tiveram qualquer expressão no nosso país.
Mas não é menos certo que a principal preocupação e tema dominante do debate constitucional de hoje é a preparação do futuro próximo, nomeadamente a adequação do nosso sistema político às novas exigências da própria democracia representativa, como também a adequação da Constituição como parceiro da União Europeia que, no entender do Grupo Parlamentar do CDS-PP, não foi realizada de forma suficiente na revisão extraordinária de 1992.
Nesta linha e com estes objectivos, o projecto apresentado pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, obedece às preocupações enunciadas, tendo em conta os princípios que norteiam, de há muito, a nossa actuação política, procurando desde logo simplificar, clarificar e completar o texto constitucional vigente.
Simplificar, em primeiro lugar, libertando-o de um preâmbulo a que hoje todos reconhecem valor apenas histórico, escrito com laivos marcadamente marxistas e cuja supressão tem apenas o significado de devolver ao museu da história o que de facto já lhe pertence.
Simplificar, também, eliminando artigos, realidades e expressões tributárias de concepções ideológicas ultrapassadas ou manifestamente desadequadas da realidade portuguesa e mesmo das verdadeiras necessidades do País. Simplificar, ainda, eliminando sucessivas redundâncias, que uma cuidada leitura da Constituição não deixa de notar, e sistematizando de forma mais racional muitas das suas disposições, o que fazemos da forma mais visível na parte relativa aos direitos e deveres fundamentais e no título relativo aos tribunais.
Clarificar o texto constitucional, introduzindo profundas alterações, nomeadamente nos capítulos relativos aos direitos e deveres sociais e culturais, que tanta polémica têm provocado na sua actual redacção. Pretendemos, nesta matéria, que se torne claro que o papel do Estado em matérias como, por exemplo, a saúde, a segurança social, a cultura e a escolaridade não obrigatória, não deve ser de prestador principal e muito menos exclusivo de tais serviços. Pelo contrário, deve assumir-se como um prestador acessório, supletivo, que corrige as desigualdades de uma sociedade liberal, que respeita a economia de mercado sem, contudo, deixar de exercer as suas funções sociais.
Dito de outro modo, o Estado não pode nem deve - e não há, de resto, ideologia que o defenda- ser um peso para a sociedade, não só ineficaz nos serviços que diz prestar mas também intrinsecamente injusto porque cego quanto à efectiva necessidade de apoiar as realizações dos cidadãos.
O CDS-PP defenderá assim, nesta sede, como de resto sempre defendeu, que deverão ter acesso aos serviços prestados pelo Estado, e suportados por toda a sociedade, só os cidadãos que desse apoio efectivamente careçam e não todos os cidadãos em geral.
Reformar o texto constitucional, em primeiro lugar, é retomar, no essencial, muitas das propostas apresentadas por ocasião da revisão constitucional extraordinária de 1992, provocada pela necessidade de adequar a nossa Lei Fundamental à evolução do processo de «construção europeia» que, alegadamente, o Tratado de Maastricht significou.
Não é, manifestamente, este o momento para repescar uma discussão que teve e terá ainda os seus momentos próprios, mas é-o certamente para, pelo menos, relançar o debate sobre a necessidade de não alhearmos o povo português de decisões que afectam ou condicionam o futuro de Portugal e acabar com uma «integração confidencial». Por isso mesmo, o CDS-PP, insiste no recurso ao referendo de tratados que comportem a atribuição a organizações internacionais de competências directamente ligadas ao conceito de soberania do Estado português.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Estamos, nesta matéria, confiantes, desde logo devido ao facto de, nas últimas eleições para ô Parlamento Europeu todos - sem excepção - os cabeças de lista dos partidos representados nesta Câmara terem, em campanha, defendido a realização de referendo aquando da próxima alteração ao Tratado da União Europeia. A nossa confiança nesta matéria não é abalada nem pelo facto de não haver, no projecto do PSD, qualquer proposta de alteração às disposições constitucionais sobre a matéria.
Não querendo admitir que o Grupo Parlamentar do PSD tenha a intenção de desautorizar o agora Deputado Europeu Engenheiro Eurico de Melo, admitimos, pelo contrário, que estamos perante uma simples omissão involuntária, que convidamos o PSD a corrigir em tempo oportuno.
Outro dos objectivos fundamentais, talvez a alteração de maior vulto que este processo de revisão constitucional nos abre, é a possibilidade de procedermos a uma profunda reforma do sistema político.
É hoje generalizada a noção de que é necessário mudar o sistema eleitoral vigente, de modo a permitir uma efectiva aproximação entre eleitos e eleitores. Mas não só! Os cidadãos estão cada vez mais distantes do poder e, consequentemente, do Estado e da política, como os recentes acontecimentos da ponte sobre o Tejo vieram demonstrar abundantemente. Este facto torna-se particularmente grave se considerarmos que estes níveis de desidentificação com o sistema político e com os seus titulares se podem, em última análise, converter em rejeição das instituições e no questionar do próprio regime.
Este factor de risco agrava-se perante realidades, do nosso ponto de vista preocupantes, como sejam: a ideia de impunidade dos titulares dos poderes públicos e da classe dirigente; a crise ética e moral instalada; a excessiva intervenção do Estado, tantas vezes de forma injusta, e, por último, o peso exagerado dos directórios partidários ou até dos chefes dos partidos na tomada de decisões.
Se a noção comum é a de que é necessário reforçar a participação dos cidadãos, aproximando os eleitos dos seus representados, verificamos que, conhecidos os vários projectos de revisão e as declarações de intenção subjacentes, a realidade fica muito aquém das legítimas expectativas.
Não nos surpreende a oposição radical do Partido Comunista ao presente processo de revisão, - nem a sua linguagem que remonta ao PREC - em termos similares ao que fez relativamente a todas as anteriores revisões constitucionais. O PCP vê desaparecer, pouco a pouco, e certamente com mágoa, a memória do Gonçalvismo, da mesma forma que viu desaparecer os seus modelos constitucionais de referência: as ditaduras de modelo soviético.
Mais surpreendente é que as forças políticas que reconheceram a necessidade desta alteração se fiquem agora por propostas que, no caso do Partido Socialista, ao manterem a proporcionalidade, não alteram o essencial, parecendo indiciar, quanto à eleição dos deputados, a consagração de um sistema legal complexo e inteiramente mutável ao sabor da vontade e iniciativa legislativas, ditadas por cada maioria parlamentar.
De acordo com o texto constitucional proposto por este partido, a lei pode ou não consagrar a existência de circu-
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lo nacional, a lei pode ou não consagrar a existência de círculos de apuramento por lista, a lei pode ou não consagrar a existência de circunscrições uninominais de candidatura. Ou seja, a lei pode consagrar tudo ou nada fazer em matéria de sistema eleitoral.
A natureza excessivamente vaga desta proposta, cujo primeiro defeito - e principal defeito apontável a qualquer sistema eleitoral - é a não perceptibilidade, por parte do eleitor, do resultado atingido pelo exercício do seu voto, contrasta, de resto, com o carácter minucioso até à exaustão com que pretende ver reguladas, manifestamente a despropósito, as matérias constantes da Parte I da Constituição. Aqui o PS alarga-se, detalhando um texto já de si excessivamente regulamentador.
Já o Partido Social Democrata, para além de uma preocupação de limpeza semântica que partilhamos, limita-se, quanto a esta questão, depois de inúmeras reflexões, jornadas e debates, a apresentar uma proposta de simples engenharia eleitoral, cujo único resultado seria, dada a redução dos círculos, reduzir a própria proporcionalidade, tentando assegurar que o PSD viesse a ter, com menos votos, mais Deputados.
Deixou assim cair o PSD aquilo que em tempos considerou fundamental - a alteração profunda do sistema eleitoral vigente- e, à falta de melhor, escolheu como tema forte da sua proposta e anunciou de forma pomposa o fim do que nunca chegou a começar: a regionalização administrativa do território continental.
O caminho para aumentar o grau de participação dos cidadãos no sistema político passa forçosamente, como consagra a proposta que apresentamos, pelo reconhecimento do direito de voto de todos os cidadãos portugueses na eleição do Presidente da República, bem como pelo alargamento a todos os actos eleitorais da possibilidade de apresentação de candidaturas independentes, não as confinando, como pretende o PSD, somente ao poder local, e pondo assim termo à exclusividade dos directórios partidários na matéria.
Este direito de participação dos cidadãos tem ainda consagração, no projecto que apresentamos, ao alterar, alargando, a possibilidade de consultas directas aos cidadãos e a possibilidade de recurso ao referendo. De resto, o projecto que ora apresentamos ao Plenário prevê, com o propósito de dar voz aos cidadãos sobre matérias que não são pacíficas na própria classe política, a realização de um referendo nacional sobre a regionalização e uma consulta directa sobre a questão da existência ou não do Ministro da República com o seu perfile constitucional actual.
Como dissemos, para nós, o cerne da presente revisão constitucional deverá ser a reforma do sistema político, a revisão do sistema eleitoral. A proposta do CDS-PP baseia-se na consagração de um sistema eleitoral misto, em que se introduzem círculos uninominais de eleição maioritária a par da criação de um círculo eleitoral nacional.
O CDS-PP considera a eleição maioritária, por círculos uninominais, nas suas várias concretizações, a única forma de introduzir uma alteração inovadora que garanta uma responsabilização directa dos eleitos perante os eleitores. Assim o demonstram outras experiências constitucionais.
Tais experiências foram tidas em conta no projecto do CDS-PP, que, considerando as inegáveis vantagens que o sistema maioritário proporciona, ao permitir que os cidadãos escolham o seu Deputado, não deixou de considerar as distorções geradas pelos sistemas puros, compensando, por isso, essa eleição maioritária, com a criação de um círculo eleitoral nacional que assegura a representação proporcional das várias forças políticas.
Por outro lado, o sistema político português não tem sido capaz de evitar constantes conflitos institucionais. Não é aceitável a existência de um sistema em que se vive numa permanente tensão ou conflito entre o Chefe do Estado e o do Governo. Julgamos que o problema não é das pessoas mas, sim, da forma como o sistema está organizado.
Considerando que este conflito radica, em larga medida, na existência de um poder que a Constituição refere de forma vaga e abstracta, suscitando as maiores dúvidas e especulações sobre a sua eventual utilização - independentemente do seu titular-, o CDS-PP propõe a delimitação do poder de dissolução da Assembleia da República pelo Presidente da República, com o objectivo de, ao nível do sistema político, consagrar uma alteração que tornará mais efectiva a sua estabilidade, assegurando a indispensável harmonia institucional.
A reforma do sistema político que propomos é ainda complementada por várias alterações ao texto constitucional, avançadas com o claro intuito de assegurar uma maior responsabilização dos Deputados perante os eleitores e uma maior transparência no exercício do seu mandato.
O CDS-PP submete, assim, à apreciação do Plenário um projecto de revisão constitucional que, inspirado nos seus valores políticos e na sua concepção do Homem e do Estado, corresponda às alterações necessárias no quadro jurídico-constitucional português e torne, finalmente, a Constituição da República Portuguesa um documento estável e duradouro, traço de união de todos os cidadãos portugueses.
Mais: dispõe-se, como sempre afirmámos, a participar nesta tarefa com espírito de diálogo, responsabilidade democrática e sentido de Estado.
O Orador reviu.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de revisão constitucional subscrito pela generalidade do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciamos hoje os primeiros passos no processo de revisão constitucional, depois de a Assembleia da República ter assumido poderes constituintes, ao abrigo do artigo 284.º, n.º 1, da Constituição.
Não vou falar-vos da questão jurídica que foi suscitada a propósito da qualificação da revisão de 1989 como ordinária, pois que já em parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de que fui relator, tive oportunidade de me pronunciar sobre a questão e de adiantar as razões justificativas da competência constituinte desta Assembleia, cinco anos contados após a Lei de Revisão n.º 1/89, de 8 de Julho.
Se as objecções suscitadas a esse propósito não se me afiguram merecer acolhimento, já outra atenção há que prestar às dúvidas sobre a legitimidade e a oportunidade de proceder agora a uma revisão constitucional, em momento já adiantado desta legislatura.
Sustentam-se as interrogações apresentadas em duas ordens de razões: a primeira assenta na consideração de que as alterações à Lei Fundamental devem ser precedidas de amplo debate público pré ou durante a campanha eleitoral e sufragadas pelo voto para a eleição da nova câmara, numa subjacente e quase sub-reptícia ideia de que a representação da política se vai esgotando à medida que se aproxima o termo do mandato dos Deputados; reporta-se a segunda à inexistência de uma querela constitucional, por falta de di-
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vergências em relação a temas actuais e, consequentemente, à inconveniência de mobilizar um processo jurídico-político tão importante como o da revisão para dirimir crises de pequena monta.
Vejamos cada uma das críticas de per si.
Quanto à primeira, não pode certamente negar-se a conveniência de a opinião pública se interessar e discutir as opções relevantes em matéria de relações entre o poder e os cidadãos e quanto à organização política, de modo a que o seu voto favoreça os partidos defensores de soluções que melhor traduzam o saber e pensar da maioria do povo. Era mesmo desejável que isso tivesse acontecido no passado com maior frequência e intensidade, pois evidenciaria que a Constituição estava suficientemente interiorizada e viva na nossa convivência e preocupações. Sabe-se, aliás, que as eleições para a Assembleia Constituinte significaram a rejeição do totalitarismo comunista mas que o mandato conferido não foi suficientemente explícito para evitar a consagração do colectivismo marxista como um dos princípios estruturantes do compromisso constitucional de 1976.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, se é útil que os temas constitucionais menos pacíficos ou mais inovadores sejam, como problemas políticos importantes, debatidos na campanha eleitoral, sejamos claros: os Deputados têm, pela Constituição, toda a legitimidade para realizar revisões e propor soluções, ainda que não tenham sido discutidas em campanhas eleitorais prévias, observados que sejam os requisitos necessários para assunção do poder constituinte e se observe o processo de revisão. E reconheça-se também que, verificados aqueles pressupostos, as competências quer para as revisões ordinárias, quer para as extraordinárias podem exercer-se até ao termo dos mandatos, não havendo distinção entre sessões legislativas.
Mas, se olharmos as coisas mais de perto, vemos que afinal o argumento critico que vimos analisando ganha ou perde força em conexão com o que está materialmente em discussão em cada revisão. Se as propostas de revisão incidirem sobre questões que já foram objecto, embora com formulações várias, de programas eleitorais anteriores e até, em alguns casos, traduzam linhas de força dos programas dos partidos, não existe sequer surpresa. É' em nova revisão, apenas a continuação de um esforço anterior parcialmente mal sucedido para mudar a Lei Fundamental, lei que, a par de muitos méritos, continua a ter pecados originais graves que persistem desde 1976.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por outra parte, os partidos e os Deputados que, na opinião do eleitorado, erraram na revisão que fizeram, sofrerão, como em relação a todos os seus actos políticos, a sanção de não serem votados ou reeleitos na eleição seguinte, podendo a câmara então eleita reparar sempre, se para tal houver a necessária maioria, a falta cometida.
Diga-se, por último, que, exigindo as alterações constitucionais para fazerem vencimento, um mínimo de dois terços na revisão ordinária e de três quartos na extraordinária, nada no caso português faz pensar que havendo ou não agora modificação na actual composição da maioria e da oposição, os votos constitutivos da maioria qualificada deixariam de ser os dos actuais dois mais importantes partidos, isto é, os do PS e os do PSD. Tão-pouco aqui se antevê, tendo em atenção o que está a ser discutido na revisão, qualquer efeito de surpresa a ser evitado pela participação da revisão para a próxima legislatura.
Dar acolhimento a argumentos que fragilizam a representatividade da Assembleia, além de juridicamente infundamentados, poderia dar razões aos que, por motivos de política eleitoral de calendário, estão predispostos a acarinhar teses favoráveis a uma dissolução antecipada da Assembleia. É mais uma razão para rejeitarmos as dúvidas levantadas sobre a legitimidade do exercício de poderes constituintes nesta 4.ª sessão legislativa.
Quanto à segunda objecção, o problema é mais complexo e, porventura, também mais interessante.
Comecemos pela tese, um tanto simplista e impressionista, da querela constitucional circunscrita, de uma vez por todas, à cruzada democrática pela supressão do Conselho da Revolução em 1982 e à revogação da irreversibilidade das nacionalizações em 1989. Foram, certamente, boas causas e boas vitórias, é verdade, mas o exame da necessidade de alterarmos e aperfeiçoarmos a Constituição tem de ir mais longe e mais fundo.
A Constituição, cada Constituição, pressupõe uma dada realidade não jurídica, de carácter físico e sócio-cultural que lhe é dada como pressuposto e que constitui o que os juristas chamam a natureza das coisas. Essa realidade não funciona, em relação às normas constitucionais, em termos de determinismo causal, mas condiciona o âmbito da liberdade do legislador, o qual, se ultrapassa os limites da realidade que lhe é dada como pressuposto, fará, na medida do excesso, uma Constituição semântica.
A Assembleia Constituinte, forçada a compromissos políticos com o MFA, extravasou dos pressupostos sócio-culturais existentes no seu tempo e, esses erros, desaparecido o clima político que os permitiu, tornaram-se evidentes e foram necessários procedimentos correctivos em 1982 e em 1989. Houve, porém, aspectos, precipitações menores do princípio colectivista que o não foram. Mas, a acrescer, e mais importante, note-se que a sociedade, a realidade económica e cultural evoluiu fortemente desde 1976 até hoje, segundo linhas muito divergentes das antes preconizadas no texto constitucional. A «força normativa da Constituição», porque enfraquecida pelo voluntarismo ideológico de certos partidos, não teve capacidade para conformar a realidade de acordo com o dever ser prescrito nas suas normas. E, actualmente, a sociedade de 1994, a caminho do século XXI, designadamente no domínio económico, regista grande diferença em relação à sociedade de 1974-75. Quer dizer, o afastamento entre aquela que é a nossa realidade actual, a natureza das coisas sobre que o legislador actua e tem de ter em conta em 1994, e a sociedade existente em 1974 é já enorme e torna-se cada vez maior, cada dia que passa, aumentando também o nominalismo das normas constitucionais.
Há, felizmente, pontos da Constituição em que o irrealismo não se fez notar. É o caso dos direitos, liberdades e garantias e das linhas gerais sobre o sistema político. Mas, nos preceitos que se reportam à matéria económica e social, o desajustamento é patente. Temos uma Constituição parcialmente semântica, isto é, a que se não dá importância no quotidiano da nossa vida colectiva. Isto já é mau, mas torna-se pior ainda, quando a Constituição, ao ter criado um Tribunal Constitucional e ao dar força vinculativa imediata aos direitos fundamentais de liberdade, se transformou numa lei superior de ordenamento e, assim, em princípio, reforçou a sua importância funcional. É que o carácter nominal dos seus preceitos tem, por força da solidariedade sistemática, um efeito largamente corrosivo sobre muitas disposi-
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coes que não sofrem, à partida, desse irrealismo. E, deste modo, a Constituição resulta debilitada.
Remediar este vício de discrepância profunda entre a Constituição e a realidade económica, social e política pressuposta é um problema urgente ou, pelo contrário, é uma questão que pode esperar?
Para quem entenda que a Constituição deve significar a ordenação superior do viver colectivo e, certamente, mantendo-se como sistema aberto, consignar os valores fundamentais que inspiram as relações entre o poder e os cidadãos e as destes entre si, a resposta tem de ser claramente afirmativa. Para os que sejam indiferentes não, pois pretendem fixar-se na petrificação das normas sem vida, trincheiras que defendem as suas ideologias em derrapagem e, seguramente, a sua atitude será a de preferir um texto vazio de significado e sem qualquer impacto orientador.
Para o PSD, a Lei Fundamental é uma instituição da maior importância, cujo modelo deve ser respeitado e reforçado. Por isso mesmo, entendemos que a revisão deve fazer-se sem perda de tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi em consonância com os princípios que acima referimos que o PSD elaborou e apresentou o seu projecto de revisão constitucional. Nele se procura reafirmar e, aqui e além, aperfeiçoar a regulamentação dos direitos, liberdades e garantias- uma das partes mais importantes e melhor conseguidas da nossa Lei Fundamental - e se introduzem modificações no sistema de governo, como as relativas ao direito de voto dos emigrantes, na eleição do Presidente da República, sem todavia alterar as linhas mestras do semi-presidencialismo, que, aliás, se nos afiguram boas.
A maior modificação regista-se, como já disse antes, no que respeita à formulação de certos direitos e deveres económicos, sociais e culturais e, sobretudo, na Parte a, relativa à organização económica.
Fazem-se, por último, algumas propostas importantes no que concerne aos estatutos dos magistrados, às regiões autónomas e ao poder local.
Seria ocioso repetir aqui o que consta da Exposição de Motivos que antecede o nosso projecto. Limitar-me-ei a apontar três aspectos que considero particularmente relevantes, sublinhando que a escolha é pessoal.
Refere-se o primeiro às propostas de reformulação dos direitos económicos, sociais e culturais, designadamente: quanto à segurança social - artigo 63.º -, em que, continuando a garantir uma segurança social pública, se reconhece que o sistema deve ser pluralista, com amplo lugar para as instituições privadas; quanto à saúde - artigo 64.º -, em que a garantia de um serviço nacional de saúde universal e geral não antagoniza, antes, pelo contrário, estimula a iniciativa privada no sector; e, ainda, quanto à educação, com uma clara opção pelo princípio social-democrata da igualdade de oportunidades - artigo 73.º.
Na organização económica, onde, como referi, é maior o desfasamento entre a Constituição, ainda presa dos resquícios do princípio marxista-leninista, e a realidade, propõe-se a supressão do artigo 82.º, respeitante ao sector de propriedade dos meios de produção, do artigo 83.º, relativo aos requisitos da apropriação colectiva, do artigo 85.º, sobre as nacionalizações depois de 25 de Abril, e ainda dos artigos 88.º, 89.º e 90.º e dos artigos 97.º e 98.º, bem como uma profunda reformulação dos princípios fundamentais da organização económico-social, prescritos no artigo 80.º e das incumbências prioritárias do Estado, constantes do artigo 81.º. Reforça-se também o direito de iniciativa privada - artigo 61.º -, aproximando-se o seu estatuto daquele que está estabelecido nas Constituições da maior parte dos países da União Europeia.
No que concerne aos tribunais, pretende-se reforçar a independência e a imparcialidade da função jurisdicional e prevenir eventuais tentações neocorporativas que sempre acabariam por ter efeitos perversos no exercício da própria judicatura. Ensaia-se, no projecto, uma fórmula organizatória nova, o Conselho Superior de Justiça, e cria-se maior comunicabilidade entre as carreiras dos juizes e as dos magistrados do Ministério Público. Procura-se também alcançar uma definição mais precisa da função e estatuto do Ministério Público e propõe-se, por último, que todos os juizes do Tribunal Constitucional sejam eleitos pela Assembleia da República.
A supressão proposta das regiões administrativas - artigos 255.º a 265.º - insere-se na preocupação de realismo de que falámos já. Não está em causa a necessidade de continuar a devolução de poderes às autarquias locais, basicamente aos municípios, nem a necessidade de estes, ao associarem-se, aumentarem a sua capacidade de intervenção. Pretende-se substituir um geometrismo cartesiano abstracto, que criaria um outro e custoso nível de administração em todo o país, com o risco de abertura de clivagens profundas, por um regionalismo de geometria variável, dependente do modo como os municípios exerçam o seu direito de associação.
Ao contrário do que foi afirmado por alguns detractores, não são as comissões de coordenação regional (CCR) que tomam o lugar das hipotéticas regiões administrativas, são os municípios e as suas várias formas de associação a desempenharem muitas das funções que o texto constitucional actual prevê caber àquelas autarquias.
A revisão constitucional, para ser bem sucedida, exige, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se formem maiorias qualificadas de, pelo menos, 2/3 no caso das revisões ordinárias. O PSD, como qualquer outro partido, não pretende ter o monopólio da verdade e está aberto a considerar e discutir, em espírito de diálogo, as propostas dos outros partidos. Se inflexível nos princípios, que não sacrificará sob pretexto nenhum, poderá fazer os compromissos que a análise dos problemas e a necessidade de obter consensos exijam. Fá-lo-á, com absoluta transparência, sendo o veículo privilegiado do processo de revisão, a Comissão Eventual de Revisão e o Plenário da Assembleia. Recusará negociações secretas ou pactos extra-parlamentares. O processo de elaboração da lei constitucional de revisão, à parte as especificidades regimentais, não deverá, porém, ser diferente de qualquer outra lei que requeira a obtenção de consensos. Proceder de outra forma, seria, afinal, inviabilizar na prática o que se afirma expressamente pretender atingir. Nisso teremos de ser realistas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É firme a nossa intenção de realizar a revisão constitucional nesta IV Legislatura. Queremos que a opinião pública e o eleitorado julguem a seriedade das nossas propostas e das dos nossos adversários e concorrentes políticos. Para tanto, desejamos - repito - que o processo seja claro e transparente.
Não escapará a ninguém que, se prolongarmos o processo de discussão das propostas, nos aproximaremos perigosamente do tempo em que as próximas eleições legislativas dominarão os espíritos e influenciarão o ambiente. A dinâmica que cada partido imprimir ao processo, na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, será também, certamen-
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te, um indício da sua determinação em levar a cabo, com êxito, a revisão.
Esta é também uma importante oportunidade de dignificar a Assembleia e de vivificar a democracia. Pela nossa parte, cumpriremos a nossa promessa de diligência e de empenhamento.
Com moderado optimismo mas com muita vontade, o PSD vai votar a resolução constitutiva da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e, assim, viabilizar o primeiro passo desta Terceira revisão ordinária da Constituição de 1976.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação do seu projecto de revisão constitucional, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, três minutos não justificam que me desloque à tribuna.
Vozes do PSD: - Justificam, justificam!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu mini-projecto refere-se a dois artigos, um dos quais tem a ver com os círculos eleitorais. Trata-se de um tique que me ficou da Assembleia Constituinte: a procura de uma redacção abrangente e consensual que possa constituir o lugar geométrico das várias teses.
Não me afasto da posição do meu partido, da defesa tendencial dos círculos uninominais - é uma tese política - , mas entendo que, constitucionalmente, o encontro entre os partidos que querem alterar o preceito constitucional virá a fazer-se pouco mais ou menos cerca da redacção que proponho. Aliás, paira algum consenso de que a Constituição deva ser mudada nessa temática, o que não será difícil. Difícil, sim, será, depois, aprovar a nova lei eleitoral.
Historicamente, a Constituição foi redigida para uma lei constitucional que já estava congeminada. Agora, altera-se o preceito constitucional - em princípio, assim será - e depois haverá dificuldade em redigir a nova lei eleitoral. Penso que é uma pequena ajuda, capaz de reduzir o tempo de trabalho e a demora até surgir a nova lei eleitoral - dentro dos próximos 100 anos, com certeza que se encontrará uma nova lei eleitoral.
A minha outra proposta relaciona-se com o artigo 238.º da Constituição e exige também alguma explicação retrospectiva Quando esse artigo foi congeminado, perspectivava-se já - e não era novidade, era um debate que, ao tempo, tinha mais de 20 anos de discussão na Europa- a criação de áreas metropolitanas: dezassete ou dezoito anos depois, surgem as Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa.
Há cerca de 30 anos, o Professor Castelo Branco, da Escola de Belas Artes do Porto, dizia que estavam já conformadas substantivamente duas áreas metropolitanas, a do Porto e a de Lisboa, e duas áreas metropolitanas embrionárias, a de Aveiro e a de Setúbal.
O problema de Setúbal está ultrapassado, na medida em que Setúbal - e não vou fazer juízos de valor sobre isso - aderiu à Área Metropolitana de Lisboa, mas subsiste o problema do arranjo da região natural de Aveiro. E como o tema da regionalização administrativa propriamente dita está na «gaveta» ou «congelado», eu, que sou Deputado pelo círculo de Aveiro, pergunto: que fazer com Aveiro? Que fazer com Aveiro, nomeadamente para proteger a região - permitam-me a expressão - dos «apetites» do Porto, de Coimbra e das fugas administrativas?
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
O Orador: - E vou já terminar a minha intervenção, Sr. Presidente.
Sou defensor da criação da área metropolitana de Aveiro, não na perspectiva ortodoxa da existência de um grande centro cosmopolita, com zona envolvente, mas de uma área metropolitana policêntrica, que terá uma perspectiva preventiva dos malefícios do cosmopolitismo e da concentração urbana, ao contrário da das Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, que é uma perspectiva curativa dos fenómenos patológicos de concentração urbana.
Já agora, sem mandato, considero que a nova redacção que proponho poderá ser útil à orfandade em que o Algarve está constituído, a menos que a revisão constitucional preveja um preceito expresso para a região administrativa do Algarve, que tem natureza objectiva e histórica - o Reino dos Algarves.
Espero, para esta minha tese, o apoio não passivo mas caloroso. Na altura própria, solicitarei e provocarei a tomada de posição expressa dos Deputados pela sua região natural de Aveiro, que aqui represento com muito gosto.
O Sr. Presidente: - Para apresentar um projecto de revisão constitucional subscrito por vários Srs. Deputados da Região Autónoma da Madeira, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): -r Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciou-se mais um processo de revisão constitucional e constatou-se, mais uma vez, que os partidos, a nível nacional, ainda não tem, do meu ponto de vista, a sensibilidade bastante relativamente às questões das autonomias, regionais, em termos de assumirem, nesta sede, as inovações necessárias para o reforço e a melhoria dessas autonomias. Mas diga-se que, no que ao meu grupo parlamentar diz respeito, também é verdade que este tem respeitado, compreendido e tido abertura para que os Deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira, de uma forma plural e enriquecedora do próprio grupo parlamentar e do amplo debate desta Assembleia, tenham possibilidade de apresentar, como apresentaram, um projecto de revisão constitucional.
Não se trata, obviamente, de um projecto contra o projecto de revisão constitucional do PSD, com cujas soluções, de um modo geral, estamos identificados, mas de um projecto complementar daquele que foi subscrito pela maioria dos Deputados do Grupo Parlamentar do PSD.
Srs. Deputados, em recente visita de uma delegação parlamentar da Assembleia da República à Região Autónoma dos Açores foi possível constatar que, de um modo geral, os Deputados dos vários grupos parlamentares, à medida que a visita foi avançando, foram confessando a sua surpresa e a sua anterior ignorância sobre a realidade insular e sobre o papel que as autonomias regionais têm tido nos últimos 18 anos na realização de Portugal no Atlântico. Penso que esta viagem poderá também ser útil a este processo de revisão constitucional, enquanto agente de sensibilização e pedagogia das autonomias junto dos parlamentares, e quero aproveitar este momento para testemunhar o agradecimento - que creio ser de todos os Deputados que integraram essa delegação - ao Sr. Presidente do Governo Regional dos Açores pelo convite que dirigiu à Assembleia e pela forma como nos recebeu, agradecimento extensivo à população dos Açores, que tão hospitaleiramente nos acolheu.
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As soluções que apresentamos neste projecto têm a ver, fundamentalmente, com a criação de um círculo eleitoral próprio de cada região autónoma para o Parlamento Europeu e com um círculo eleitoral da emigração para a eleição das assembleias legislativas regionais. É sabido que ambas as regiões autónomas têm comunidades de emigrantes importantes em vários países, que essa circunstância dolorosa de terem deixado as suas terras em busca de melhores condições de vida não pode ser uma capitis diminutio da sua cidadania e é importante que, de uma vez por todas, em sede de revisão constitucional, na Constituição, se consagrem e reforcem os direitos fundamentais destes portugueses, o que deve ser estendido, também, à eleição para a presidência da República.
Introduzimos, também, a possibilidade de se fazerem referendos regionais, solução que a actual Constituição não permite. Esclarecemos e acrescentamos a definição do Estado português, dizendo que ele não é apenas um Estado unitário, mas um Estado unitário com regiões autónomas - é tempo de a Constituição assumir a própria realidade que ela define na nossa estrutura constitucional.
Admitimos, também, a criação de partidos políticos regionais, pois não faz sentido que a democracia seja empobrecida e limitada nesse vector, que é importante no que diz respeito às regiões autónomas como realidade com expressão política própria.
Por outro lado, clarificamos os poderes das assembleias legislativas regionais para se pôr termo a uma jurisprudência extremamente restritiva que o Tribunal Constitucional vem construindo à volta de conceitos vagos, como o são o interesse específico e as leis gerais da República, e pensamos que é indispensável - é uma responsabilidade que todos temos de assumir aqui - que as assembleias legislativas regionais não sejam, por via jurisprudencial, esvaziadas das suas competências, sendo desacreditadas e limitadas no seu poder de intervenção e na sua capacidade de solução dos problemas próprios das regiões autónomas, e eliminamos, ainda, a figura do Ministro da República.
Sabemos que esta é uma questão controversa, mas, como dizemos na nossa exposição de motivos, não estamos isolados numa cruzada meramente regional a este respeito.
Entendemos que o Ministro da República teve um papel próprio na construção da autonomia regional, na sua fase inicial, de transferência e regionalização de serviços, mas que hoje está esvaziado nas suas funções normais e, de harmonia com alguns projectos que são aqui apresentados, mais vazio ficará ao retirar-se, por exemplo no projecto que o PSD apresenta, aos ministros da República o carácter de representação da soberania.
A verdade é que estamos convictos de que essa solução, pelo não assumir da eliminação, a persistir, reforçará o papel do Ministro da República como fonte de conflitos, que é fácil de perder, que, esvaziado cada vez mais das suas competências, vai acentuar a tentação de invadir competências e, por consequência, iremos assistir a uma meia solução, que, em vez de ser benéfica para o Estado e para a sua unidade, vai ser inconveniente para o Estado e para as regiões autónomas.
Ao propormos essa solução e para que fique clara a vontade que temos de uma maior vinculação ainda ao todo nacional, transferimos grande parte das competências que hoje cabem ao Ministro da República para o Presidente da República. Queremos que seja ele a promulgar e a suscitar a apreciação da inconstitucionalidade dos diplomas regionais, a nomear e a dar posse aos governos regionais e a presidir às aberturas das assembleias legislativas regionais e queremos que ele tenha a competência de dirigir mensagens às assembleias legislativas regionais como à Assembleia da República.
No que diz respeito aos poderes das assembleias legislativas regionais, temos, efectivamente, de eliminar as causas que vêm cerceando os seus poderes.
Srs. Deputados, como refere Fernando Pessoa: «O mar une, já não divide». A intenção do projecto que aqui apresentamos é, também, uma intenção de unir e não de dividir. Quando, aqui, através desta iniciativa, pretendemos o reforço da autonomia regional e a clarificação dos poderes das assembleias legislativas regionais e do relacionamento do Estado com as regiões autónomas, queremos, ao fim e ao cabo, que se obtenha, melhor do que se tem obtido até agora, aquele que é um dos fins fundamentais das autonomias regionais: o reforço da unidade nacional e o aprofundamento da solidariedade entre os portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei de revisão constitucional, subscrito pelo Sr. Deputado Menezes Ferreira e por si próprio, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, é a primeira vez que tomo a palavra depois de abandonar o Parlamento Europeu e gostaria de saudar, na pessoa de V. Ex.ª, não só o Presidente da Assembleia da República como a instituição parlamentar.
Relativamente ao nosso projecto, apresentado pelo meu colega Menezes Ferreira e por mim próprio, devo dizer que na exposição de motivos referimos as razões genéricas da sua apresentação e não penso que seja necessário dizer mais sobre isso neste momento.
Quanto a esclarecimentos de especialidade, sem prejuízo da eventual conveniência da nossa própria participação, confiamos a defesa das nossas propostas ao PS.
Aplausos do Deputado do PS Ferro Rodrigues.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, agradecendo a saudação que apresentou a todos os Srs. Deputados através da Presidência da Assembleia, quero desejar-lhe, a si e a outros Srs. Deputados que regressam das lides do Parlamento Europeu à nossa casa-mãe, as maiores felicidades no vosso trabalho.
Para apresentar o projecto de revisão constitucional de que é primeiro subscritor, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estando iniciado o processo de revisão constitucional- o quarto, desde 1975-, cumpre, em primeiro lugar, felicitar-nos a nós próprios por esta Assembleia da República ter decidido, desta feita de forma inovadora, conceder tempo próprio de exposição e de apresentação dos projectos de lei de revisão constitucional aos Deputados seus subscritores. Que seja um bom pronuncio neste processo de revisão constitucional para o facto de se manter na Constituição a garantia de que é, de facto, aos Deputados que incumbe a revisão constitucional e não exclusivamente aos partidos políticos!
Cumpre também felicitar a própria Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares por ter extraído do passado as lições suficientes para dar voz, no Parlamento, àqueles que tomam a iniciativa constitucional.
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Pela minha parte, gostaria de aproveitar este tempo que me foi concedido para realçar dois aspectos fundamentais do projecto de que sou primeiro subscritor: em primeiro lugar, o facto de estarmos, com certeza - poderá ser subjectivo, mas é convicto-, num momento de viragem política da sociedade portuguesa que aconselha a que os protagonistas políticos dela tenham percepção.
Qualquer lição extraída do nosso passado político, mais recente ou mais remoto, poderá ser bom tema de exposição académica, mas será pouco promissor quanto a exposição para o futuro. Seria bom que esta Assembleia da República, da experiência passada e do momento que vivemos, pudesse aperceber-se das mudanças que estão em jogo e, em sede constitucional, lhes pudesse dar guarida e, quem sabe, garantia suficiente de explanação.
Esse momento é marcado, inequivocamente, pelo facto de termos entre nós, hoje, uma geração política nova, que nasceu, cresceu e viveu após 1974, que tenderá a confundir os protagonistas políticos com o sistema político mas que, com certeza, não deixa de extrair conclusões exigentes, dado que não compara com o passado mas apenas com o presente.
Esse foi, com certeza, o primeiro instituto que tivemos na mão para ter a consciência de que um processo de revisão constitucional não pode ficar confinado nem às paredes do Parlamento nem à conjuntura política nem à estratégia partidária. Deve, antes pelo contrário, ser o início humilde de um estado de percepção mais avançada, por parte dos próprios protagonistas políticos e dos partidos, daquele que é hoje o sentir da sociedade portuguesa e de uma parte essencial do seu potencial de renovação que lhe pertence, as novas gerações.
Por essa razão, a organização a que presido iniciou, em Março deste ano, um âmbito debate público nacional a propósito da revisão constitucional. Independentemente de saber se esta é ou não, no calendário político, a altura mais conveniente para iniciar um processo de tamanha importância, convinha que para essa eventualidade estivéssemos todos preparados e que não tivéssemos apenas a disponibilidade para avançar opiniões da nossa organização ou opiniões pessoais mas, sim, que pudéssemos partir para esse debate com o conforto de ter ouvido um conjunto mais amplo da sociedade portuguesa.
Tendo feito esse debate, convidando para ele personagens de todos os quadrantes políticos, de todos os quadrantes partidários e até de quadrantes não partidários, entendemos que estava chegada a altura de fazer uma súmula das conclusões que pudéssemos subscrever. Foi esse o trabalho que realizámos, que fizemos aprovar pelos órgãos máximos competentes da JSD e que fizemos chegar ao nosso próprio partido.
Do diálogo que então se encetou resultou uma consequência, inequivocamente positiva, que me permite afirmar na Câmara que boa parte substancial do trabalho realizado se encontra vertido no projecto do PSD, que subscrevemos e que, com certeza, é globalmente motivo da nossa concordância. Mas seria irrenunciável confrontar a própria Câmara e a sociedade portuguesa com opiniões, propostas e sugestões que não encontram suficiente guarida nos projectos que são conhecidos.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a explicitar melhor já não apenas alguns dos propósitos mas também algumas das propostas que animam o nosso projecto.
Em primeiro lugar, pretendemos repensar o nosso sistema político. Tendemos, muitas vezes, a atribuir mais culpas e responsabilidades às leis e ao sistema político do que aos seus protagonistas e, muito provavelmente, os protagonistas políticos, hoje, precisarão de ser melhor avaliados do que as nossas leis ou o nosso sistema, quer eles estejam eles dentro da maioria absoluta, que suporta este Governo, quer estejam nos partidos da oposição.
Mas, inequivocamente, há leituras dentro do nosso texto fundamental que têm de evoluir para que haja uma maior responsabilização do nosso sistema político. Essa é a razão pela qual defendemos que todos os partidos possam pensar de forma aberta, com suficiente flexibilidade, numa alteração profunda das nossas leis eleitorais.
Sabemos que as leis eleitorais vigentes têm revelado grande estabilidade e não têm, com certeza, produzido, até à data, fenómenos de insatisfação que promovam uma desidentificação crescente entre o eleitorado e o sistema político. Mas, pergunto: quem hoje tem certezas de que a questão se mantenha neste pé? Quem hoje tem certezas de que não existe emergente, de facto, uma desidentificação crescente entre o conjunto dos eleitores e aqueles que os representam? Estará a resposta correcta apenas na solução de aperfeiçoar o sistema eleitoral? Se o fizéssemos seria bom, mas temo que não fosse o suficiente.
Enquanto os Deputados da Nação não puderem manter um vínculo directo, inequívoco, com o seu próprio eleitorado, que o elege, dificilmente acederemos a que a mediatização de todo o sistema político possa ser mais do que um conjunto de cosmética acessível àqueles que o podem comprar e inacessível àqueles que não conseguem representar voz ainda suficiente que lhes permita comprar os meios de passar no eleitorado.
Portanto, as nossas leis eleitorais, se necessitarem e carecerem de profunda alteração, devem ser mudadas de forma ponderada e global. A nossa proposta neste capítulo é inequívoca: defendemos a alteração do método proporcional para o método majoritário.
Estamos abertos, com certeza, a encontrar uma solução mais razoável, talvez, do que aquela que propomos, mas não seria correcto e seria desrespeitar a proposta que fazemos se deixássemos de dizer que não abdicamos da preponderância quantitativa e qualitativa do método maioritário a uma volta nas eleições para a Assembleia da República.
Em segundo lugar, preocupa-nos uma maior responsabilidade perante o eleitorado do sistema político e dos seus agentes. O nosso país continua a dispor de diversos instrumentos que privilegiam mais a desresponsabilização do que a responsabilização.
O primeiro exemplo desta atitude é a fiscalização preventiva da constitucionalidade. É, inequivocamente, um instrumento herdado do anterior Conselho da Revolução, que não poderá nunca deixar de representar uma desconfiança de alguma tutela política sobre o sistema eleitoral e sobre o sistema político, bem como sobre os próprios órgãos de soberania, que representará, sem dúvida, sempre que isso for útil, uma forma de politizar o Tribunal Constitucional com matérias que, quer a Assembleia da República, quer o Governo ou o Presidente da República não tenham a coragem de assumir, e que representa, sobretudo, sempre que alguém não tenha a noção de estar a produzir um bom texto legislativo, a garantia que alguém cuidará que ele não entre em vigor.
Estamos convencidos de que retirar este instrumento da nossa Constituição poderá representar, numa primeira leitura, uma diminuição do papel do Sr. Presidente da República, a quem cabe suscitar, entre outras, esta matéria junto do Tribunal Constitucional. Mas essa não será, com certe-
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za, a razão fundamental. O que nos interessa, acima de tudo, é que ninguém no Governo ou na Assembleia da República se possa escudar na existência desse instrumento para produzir, como tem acontecido, leis deficientes, do ponto de vista constitucional, sem assumir a consequente responsabilidade política.
Que entre em vigor a lei que não é constitucionalmente bem garantida e que quem a produziu assuma as suas responsabilidades!... Que ninguém se encoste em fenómenos que continuamos a privilegiar constitucionalmente de desculpabilização política pelo mau trabalho que possa ser representado!...
Mas existem outras propostas que tendem a melhorar o papel independente do Tribunal Constitucional, nomeadamente aquela que fazemos relativa ao método de eleição dos seus juizes, que entendemos deverem ser na totalidade eleitos pela Assembleia da República.
Não cabe, de facto, dentro deste princípio de cooperação, na figura dos juizes do Tribunal Constitucional, o papel de escolher alguns outros, na medida em que esse é um papel predominantemente político, que cabe à Assembleia da República, e não jurisdicional, como é o que cabe ao Tribunal Constitucional. Por outro lado, entendemos que deve ser constitucionalizado um período fixo e não renovável do seu mandato, por forma a que ele não venha coincidir quer com maiorias no Parlamento quer com maiorias presidenciais, mas que produza suficiente jurisprudência e estabilidade na jurisprudência constitucional.
Entendemos que o Tribunal Constitucional deve, por fim, estar aberto a qualquer cidadão que, individualmente, por se sentir lesado nos seus direitos, liberdades ou garantias, entenda a ele recorrer, quando outra possibilidade já não esteja em aberto.
Entendemos, por fim, que, no sistema político, é fundamental clarificar o papel que cabe às autonomias regionais.
Somos, desde sempre, defensores intransigentes da descentralização política, da sua máxima responsabilização e transparência. Orgulha-nos o facto de todo esse processo autonômico poder ter sido protagonizado por companheiros nossos, que o fizeram de uma forma exemplar e que não pode deixar de envaidecer o partido a que pertenço. Mas ficaria mal, no momento em que se comemora o centenário das autonomias, que a Câmara, pela experiência que tem do passado, não aprendesse o suficiente para remover suspeições que hoje não fazem sentido, para evitar clarificar competências dos diversos órgãos, que hoje continuam excessivamente dependentes da boa vontade, até do Tribunal Constitucional, e para não responsabilizar mais, nomeadamente perante o Presidente da República, o que se passa em todo o território nacional.
Ora, essa é a razão por que, inequivocamente, propomos a supressão da figura do ministro da República, a abolição a qualquer referência às leis gerais da República, uma maior clarificação das competências dos órgãos regionais e, sobretudo, um papel de maior protagonismo responsabilizado daqueles que, em cada momento, representarem os nossos concidadãos dos Açores e da Madeira.
Porém, não poderia deixar de referir que não ficaria completo o projecto de revisão constitucional apresentado pelos Deputados que, sendo do PSD, pertencem também à sua organização de juventude, sem que se abordasse a questão da defesa nacional.
De há muitos anos a esta parte, é conhecida a posição pública da JSD em defender um sistema de forças armadas profissionalizadas e um serviço militar voluntário, como é inequívoco o assentimento entusiástico, que sempre demos, a uma subordinação do poder militar ao poder político, que hoje está consagrado e que ninguém discute.
Mas seria bom, até por essa razão, que um país como Portugal pudesse, hoje, pensar, de forma equilibrada, nas apostas que fez na reestruturação, no redimensionamento, na modernização das suas forças armadas.
Do nosso ponto de vista, a nova e actual lei do serviço militar, que traz, de novo, uma componente de voluntariado para a prestação do serviço militar, não tem outro sentido que não seja o de constituir a antecâmara da profissionalização das forças armadas, de exigir um papel mais diferenciado e mais qualificado aos seus quadros permanentes e de expectar por uma resposta positiva da sociedade portuguesa e da própria instituição militar quanto ao funcionamento do sistema de voluntariado. As indicações de que já hoje todos dispomos garantem-nos que, se não existe uma consolidação clara do serviço de voluntariado, existe o suficiente para que constitucionalmente se dê guarida a um princípio de profissionalização das forças armadas e de voluntariado para a prestação do serviço militar.
Finalmente, não podia deixar de referir a matéria educativa no que respeita a matéria programática que ainda está consignada no nosso texto constitucional. Do nosso ponto de vista, é imprescindível clarificar o papel do Estado dentro do sistema educativo e na educação. Não faz hoje sentido que seja o Estado a abdicar do controlo de qualidade e da avaliação científica e pedagógica de todo o sistema educativo, seja ele público, particular ou cooperativo. Mas, então, não faz sentido, também, concentrar nas mãos do Estado não apenas o licenciamento e reconhecimento dos cursos e das instituições, que se devem manter, mas a fixação de numerus clausus para o ensino que não é público. E não faz sentido que o Estado não dê consequência ao princípio da igualdade de oportunidades, lato sensu considerado, distinguindo apenas aqueles que frequentam o ensino público e ignorando aqueles que não o frequentam.
Do nosso ponto de vista, mesmo considerando que, na propositura que temos, há matéria suficiente para iniciativa legislativa, não quisemos deixar de o manter no projecto de revisão constitucional por considerarmos que será motivo suficiente de reflexão política que poderá ter, assim o esperamos, consequência legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concluirei dizendo que só faz sentido iniciar este processo de revisão constitucional se ninguém se assumir individual ou partidariamente com uma posição fechada em matérias constitucionais. Se assim fosse, nunca havia lugar a qualquer revisão constitucional. Qualquer projecto seria um diploma acabado e, dentro desta posição maximalista, quem não visse os outros concordar consigo próprio nunca assentiria em que o sistema político e a nossa lei fundamental se pudesse modernizar e actualizar.
Subscrevendo, na generalidade, os princípios que o PSD - que é o meu partido - traz a esta Casa, não abdicaríamos, no entanto, com a flexibilidade que aqui procurei demonstrar, de trazer para o debate constitucional e para todos os partidos - mas, sobretudo, para todos os Deputados representantes desta soberania da Nação - as considerações que não respeitam apenas ao ponto de vista de uma organização de juventude partidária mas aos ensinamentos que recolhemos no amplo debate nacional que promovemos e com o qual muito aprendemos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de revisão constitucional subscrito pelos Deputados de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes, ao apresentar o seu projecto de revisão constitucional, fá-lo" não por considerar ser esta a prioridade que os cidadãos portugueses reclamam face aos graves problemas nacionais ou por entender ser o momento mais adequado mas, uma vez o processo por outros precipitado, por entender ter com a sua perspectiva ecologista e com as suas responsabilidades políticas, um contributo específico a dar num processo que, pela sua natureza, implica a participação de todos e a tomada de decisão baseada num amplo debate público e no consenso das várias forças da sociedade portuguesa.
Trata-se de, para nós, Os Verdes, e no projecto agora apresentado, por um lado, exprimir claramente a vontade de preservar aquele que constitui o nosso património comum de direitos, liberdades e garantias com o qual nos identificamos e que, como código de conduta, tem orientado a nossa história recente no que de mais libertador ela corporiza e que, como reserva colectiva, deve ser mantida e, por outro lado, de introduzir um espírito inovador na abordagem de algumas questões que resultam das próprias mutações sociais, de consagrar uma nova geração de direitos, de alargar o conceito de cidadania, de fazer evoluir os mecanismos de garante dos cidadãos face às instituições, de definir uma dimensão ecológica de desenvolvimento e da necessidade de uma visão mais alargada dos direitos e deveres daí resultantes, designadamente os da participação e envolvimento dos cidadãos e dos movimentos sociais autónomos como parceiros desse desenvolvimento. Trata-se, pois, e para nós, de um desenvolvimento que, numa perspectiva de solidariedade intergeracional, garanta os direitos das gerações presentes sem comprometer os das gerações vindouras.
Assim, no projecto do Partido Ecologista Os Verdes, quer na parte dos princípios fundamentais, quer dos direitos e deveres fundamentais, quer na organização económica e política, traduzem-se propostas cujos objectivos, no essencial, são:
Conferir um papel mais interventor nas relações internacionais a Portugal, com vista a contribuir para a eliminação do racismo, da xenofobia e de todas as formas de intolerância;
Aprofundar o âmbito dos direitos e deveres fundamentais do Estado para com os cidadãos, alargando-os aos direitos ambientais, numa perspectiva das gerações presentes e vindouras;
Ajustar o princípio da igualdade às novas e diferentes pressões que a organização familiar hoje assume;
Garantir aos cidadãos provenientes dos países de língua portuguesa de condições que favoreçam a sua integração social, designadamente atribuindo-lhes capacidade eleitoral para as autarquias locais;
Criar novos mecanismos de garante dos cidadãos face às entidades públicas ou privadas que contra eles atentem, de que se destaca a criação do provedor ecológico e um conjunto de direitos na área do fisco;
Reconhecer os direitos das minorias étnicas, sexuais ou religiosas, bem como o direito da sua livre expressão;
Alargar o conceito da família de forma a adequá-la à realidade actual, bem como os direitos que às crianças, nessa mesma óptica, têm de ser assegurados;
Reconhecer o papel das organizações não governamentais, atribuindo-lhes o papel de parceiros sociais na definição de todas as políticas que lhes respeitem;
Garantir aos cidadãos, face às instituições, o direito de resposta em tempo útil sempre que estes a elas se dirijam;
Estabelecer o direito individual ou das associações de recorrer aos tribunais em matéria de interesses colectivos ou difusos, designadamente nas áreas do consumo e do ambiente;
Disciplinar a publicidade, impedindo que ela faça indevido uso da imagem da mulher e seja uma forma de veicular discriminação sexual; .
Enriquecer todo o articulado referente ao ambiente e à qualidade de vida dos cidadãos, consagrando com clareza, no texto constitucional, o desenvolvimento sustentável, atribuindo o direito de participação democrática dos cidadãos na definição das políticas ambientais e num conjunto de propostas que, no fundo, dão conteúdo ao desenvolvimento sustentável por nós proposto projectando-o nas suas múltiplas vertentes, reformulando, assim, em matéria de política energética, as incumbências do Estado;
Promover, através da política agrícola, condições que travem a extinção do mundo rural, garantam a defesa da especificidade da floresta mediterrânica, preservem a diversidade genética e sustenham as alterações climáticas, bem como a definição e introdução de um novo capítulo de política florestal que permita também a preservação da especificidade da nossa floresta, a valorização das economias locais, a fixação das comunidades, o equilíbrio dos ecossistemas;
Proteger o cidadão contra o abuso fiscal e criar mecanismos de efectivação desses direitos;
Na perspectiva da desmilitarização da sociedade, promover a eliminação dos tribunais militares, os direitos dos constritos, a objecção fiscal em matéria de defesas militares.
Por fim, dois aspectos que gostaríamos de sublinhar: a corresponsabilização da Assembleia da República para a resolução do problema de Timor Leste, em pé de igualdade com as demais instituições, e o garante de que a revisão da Constituição se faça tendo por base um amplo debate nacional, de forma a envolver os cidadãos na vida pública e na discussão das grandes questões nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo foi iniciado e não é nova a posição que o Partido Ecologista Os Verdes tem tido. Tem sido pretexto anunciado para esta revisão constitucional a necessidade de aproximar os cidadãos das instituições e pôr fim ao divórcio que, efectivamente, entre elas e a opinião pública, os cidadãos, existe. Pensamos que essa é uma preocupação real. Mas essa preocupação real, para nós, não resulta de um texto constitucional, hoje ultrapassado, mas, isso sim, do modo como a acção política se desenvolve, não sendo capaz de fazer eco daquilo que são as preocupações dos cidadãos, daquilo que são os seus problemas quotidianos e da necessidade de os resolver.
Por isso, para nós, há artificialismo e é de uma forma desajustada e de uma forma não natural que este processo de revisão constitucional se apresenta.
Por um lado, não é uma exigência cívica dos cidadãos individualmente considerados ou dos seus movimentos de opinião. A revisão, em si mesma, não é uma panaceia, não é uma solução para os problemas dos cidadãos, para as suas angústias, ela é tão-só um pretexto para fazer inverter o sentido de modificações que são fundamentais ao desenvolvimento do País e refiro, designadamente, a questão da regionalização.
Por outro lado, esta revisão constitucional, que surge tendo como cerne das preocupações os cidadãos, ela própria não tem a legitimidade de um mandato especificamente atribuído para tal, uma vez que esteve ausente do último debate eleitoral, em 1991, a questão da revisão e a forma
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como os vários partidos se posicionavam sobre ela e as suas propostas, porque este não era o horizonte que se colocava até 1994.
Por outro lado ainda, e para concluir, queremos colocar esta questão: parece-nos óbvio que uma revisão constitucional, a um ano das eleições, porventura naquele que é o último espaço e o último tempo em que o PSD tem maioria absoluta, é seguramente uma oferta que dá a esse PSD, no centro do qual está a contestação social, a última oportunidade de poder mexer num texto constitucional com esta importância. Parece-nos que isto não é aquilo de que os cidadãos precisam nem aquilo que o nosso País hoje reclama.
Para finalizar, recordo que o processo recente de Maastricht, naquilo que de mais negativo ele tem, ainda está vivo. Hoje, pretende-se fazer uma revisão constitucional que tem como objectivo assumido a aproximação dos cidadãos, o romper com o desencanto, o romper com o cepticismo, o fazer com que os cidadãos se interessem pela vida cívica e nela participem, mas num processo que, ele próprio, se quer precipitar e cujo horizonte temporal se quer limitar desde já. O projecto de deliberação, nos termos em que aqui foi apresentado hoje, define um horizonte exclusivamente de três meses para aquilo que é suposto ser (aliás, em nossa opinião, deveria ser, tal como propomos no texto constitucional) um tempo de reflexão dos portugueses, um tempo de debate, um tempo de confronto saudável - não de politiquice, não de ditos, não de exercícios inúteis de políticos para que a televisão transmita mas, isso sim, um debate efectivo de diferentes opiniões, de diferentes concepções, de diferentes modos de encarar a sociedade.
Pensamos que isto era fundamental, que esse era o processo «pedagogizante» que os cidadãos portugueses poderiam querer, deveriam querer e no qual estariam, seguramente, interessados. Mas este não é o horizonte que se nos afigura na forma castradora e limitativa como nos parece que quer ser imposto este processo de revisão, de modo precipitado.
Por isso, em conclusão, Os Verdes participam nesta revisão, têm propostas e bater-se-ão por elas, mas entendemos que não é este nem o tempo nem o modo de fazer o processo de revisão constitucional.
Aplausos de Os Verdes, do PCP e do Deputado independente Luís Fazenda.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto subscrito pelos Deputados do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vida encarregou-se de demonstrar que a questão da revisão constitucional não constitui, na realidade, nenhuma prioridade da situação política nacional. Não pode, na verdade, deixar de se considerar uma partida bem pregada que esta reunião, pensada pelos partidos seus promotores para ser uma espécie de solene prólogo do processo de revisão constitucional, tenha sido transformada, pela força da intervenção pública dos cidadãos, numa reunião dominada pelo «buzinão» popular contra a política do Governo e as suas injustiças...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É chocante, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ver marcada a ordem do dia desta reunião plenária - da única reunião plenária que, até agora, está previsto realizar-se antes de 15 de Outubro - com matéria referente a uma revisão constitucional que não é urgente e, ao mesmo tempo, graves questões sociais serem adiadas sem merecer atenção por partes dos mesmos partidos que tanto se empenharam neste processo de revisão.
Veja-se, por exemplo, a proposta do Governo em sede de concertação social: enquanto a Assembleia se ocupa de «jogos de poder, que constituem, afinal, o cerne dos projectos de revisão apresentados pelos partidos que se empenharam na revisão, o Governo apresenta propostas para um acordo social que, na prática e no essencial, se traduziriam no aumento da precariedade e da insegurança, em maiores facilidades de despedimentos e em gravosas alterações à legislação de trabalho e ao regime de segurança social, isto ao mesmo tempo que se propõem o reforço das benesses fiscais para o grande capital, bem como a privatização de bens e serviços da Administração Pública, transformando-os em chorudos negócios.
Certamente que os trabalhadores e as forças sociais e económicas têm todo o direito de esperar que a Assembleia não continue, como está, alheia a um processo que tem as mais importantes repercussões na sua esfera de direitos e interesses. Os que proclamaram e proclamam a necessidade de aproximar os Deputados - e a classe política em geral- dos eleitores e dos cidadãos tinham aqui uma excelente oportunidade para o concretizar. A menos que, evitando o debate e a critica à posição do Governo em sede de concertação social, estejam a considerar que é assim que se aproximam dos eleitores, isto é, daqueles eleitores que representam o grande capital, e que é assim que servem os seus interesses!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta oportunidade, quero aqui reafirmar todas as objecções que o PCP coloca à legitimidade, à oportunidade e à necessidade deste processo de revisão, sublinhando simultaneamente, mais uma vez, os gravíssimos perigos que ele comporta para a democracia, tal como se configurou em resultado da Revolução de Abril.
Reafirmo aqui, em primeiro lugar, que não há nenhuma questão urgente ou inadiável que possa ser invocada para justificar esta pressa e esta precipitação. Aliás, não estou a dizer mais do que já foi dito pelo dirigente do Partido Socialista, o Sr. Deputado Alberto Costa, aqui presente, que afirmou ao Diário de Notícias o seguinte: «Não existe hoje uma querela constitucional na sociedade portuguesa e também não existem grandes questões cuja solução esteja bloqueada por normas constitucionais».
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Compreende-se perfeitamente que este ponto de vista não seja partilhado pelo PSD e pelo CDS, como, aliás, é abundantemente comprovado pelos projectos de revisão constitucional que apresentaram.
O projecto apresentado pelo PSD, agravando por vezes o conteúdo do próprio projecto do CDS, contém propostas que alteram radicalmente o sentido da Constituição, por tal forma que, se todas essas propostas fossem aprovadas, já não estaríamos perante a Constituição com as características democráticas que marcam a sua especificidade, mas perante outra Constituição, consubstanciando uma profunda subversão e liquidação do regime democrático, tal como emergiu da Revolução de Abril.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - O projecto do PSD visa atingir direitos fundamentais dos trabalhadores, desde logo o direito à
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greve e o direito à constituição de comissões de trabalhadores; visa desresponsabilizar o Estado nas áreas sociais e culturais, designadamente no campo da saúde, da educação e da segurança social, e abrir caminho para transformar esses sectores em terrenos de chorudos negócios privados; visa eliminar os traços e imposições da Constituição que apontam para uma organização económica democrática, querendo garantir o primado do grande capital e a defesa dos seus interesses; visa reforçar o centralismo, acabando com a previsão constitucional das regiões administrativas; visa a limitação da autonomia do Ministério Público e do autogoverno da magistratura judicial com uma maior governamentalização do regime; visa a alteração do sistema eleitoral, com uma profunda distorção da representação proporcional, tendo em vista a obtenção de mais Deputados com menos votos; visa garantir a possibilidade de controlar e manipular a eleição do Presidente da República, com a admissão do voto dos emigrantes sem nenhuma garantia da sua genuinidade.
Visa, em suma, a criação de um regime autoritário, centralizado, onde o grande capital possa reinar sem peias.
O projecto do PSD constitui, por isso, a prova insofismável de que os objectivos últimos da sua política no Governo afrontam a Constituição da República e que ela é, por isso mesmo, um poderoso obstáculo aos seus projectos.
Aliás, já foi aqui afirmado, em nome do PSD, que a Constituição, apesar das revisões de 1982 e 1989, continua com o pecado original, o que quer dizer, pura e simplesmente, que continua com o pecado original por estar ligada aos ideais e às conquistas da Revolução de Abril.
Por tudo isto, é óbvio que, para o PSD e para o CDS, existe um confronto efectivo entre os seus programas e políticas e o texto da lei fundamental. Também foi aqui afirmado pelo PSD que este é o sentido que eles atribuem à ideia de que existe uma querela constitucional que justifica essa revisão.
Agora, o que não se aceita é que seja o PS, neste contexto, a servir de lebre neste processo de revisão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reafirmo, em segundo lugar, que o processo encetado por esta Assembleia carece de legitimidade e que o sistema de revisão a galope, que vem sendo defendido, é antidemocrático e, por isso, inaceitável.
De facto, não é democraticamente admissível que a actual Assembleia da República encete este processo, já que nenhum partido, nas eleições de 1991, apresentou a intenção de rever a Constituição, nem fez submeter a debate quaisquer propostas concretas. Pelo contrário, a questão da revisão constitucional foi expressamente afastada por todos os principais partidos, não só pelo PCP mas também pelo CDS, pelo PSD e pelo próprio PS, que o escreveu textualmente no programa eleitoral que apresentou aos eleitores em 1991, dizendo expressamente que a Constituição não cabe no horizonte da legislatura.
Para quem fala tanto em aproximar eleitos e eleitores, esta situação de se pretender realizar uma revisão constitucional que não foi debatida com os eleitores mostra a grande distância que vai das palavras aos actos e a profunda hipocrisia com que certos temas vêm sendo agitados para justificar a presente revisão.
Falou-se aqui de legitimidade jurídico-formal para dizer que os Deputados têm essa legitimidade, mas o que eles não têm é a legitimidade política para a realizar neste contexto.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O mesmo se diga sobre o calendário que se pretende impor à realização da revisão constitucional.
A revisão de 1982 demorou 16 meses, a de 1989 prolongou-se por mais de 19 meses e a de 1992, sobre dois ou três artigos, ela própria, demorou cerca de quatro meses.
A revisão que agora se pretende efectivar num prazo de três meses é uma revisão tão larga e profunda como qualquer dessas duas. Só os projectos do PS, do PSD e do CDS- e não falo dos outros 12 projectos- apresentam alterações a um total de 17O artigos, a que acrescem 22 artigos novos! E muitas dessas propostas são alterações de fundo, verdadeiras rupturas, com o normativo constitucional em vigor em múltiplos domínios.
Impõe-se, por isso, um grande debate nacional, impõe-se garantir a intervenção dos cidadãos, impõe-se concretizar a audição das organizações sociais e económicas e de especialistas, impõe-se assegurar o tempo e o modo de uma adequada e profunda ponderação política e técnica.
Já vi insinuado que, com estas exigências, o PCP só queria atrasar o processo. É espantoso que isso possa ser dito e possa provir dos mesmos que dizem defender a participação e intervenção dos cidadãos na vida política e a aproximação dos eleitos aos eleitores e que entendem que esses objectivos justificam a revisão.
O PCP quer, e defenderá, a realização do debate público e as audições necessárias, porque entende que um processo deste alcance e gravidade não pode ser concretizado nas costas dos cidadãos, porque considera que a participação dos cidadãos é imprescindível na vida política.
Perguntar-se-á: pode esse debate aprofundado ser feito em três meses? Tudo indica que não! Mas, então, a conclusão a tirar não é a de que a revisão deve ser feita sem o debate público necessário. A conclusão é precisamente a inversa: a de que, não sendo possível tal debate público, então, a revisão não deve ser feita, tanto mais que nada de urgente a justifica!
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vem-se invocando, para justificar esta revisão, a necessidade de realizar alterações no sistema político, e, em particular, no sistema eleitoral, para colmatar uma situação que, dizem, de insuficiente participação dos cidadãos e de descontentamento crescente com a vida política.
Temos de dizer que assim se dá cobertura a uma das mais hipócritas mistificações que vêm sendo feitas sobre a situação política nacional.
Quando se afirma que é o sistema eleitoral que afasta os cidadãos da vida política e, eventualmente, os Deputados dos eleitores, o que se esconde são as verdadeiras causas e os verdadeiros responsáveis por esse «desencanto» dos cidadãos. Não é a Constituição ou o «sistema político» que estão na base de uma política económica que conduz ao desemprego, à marginalização, à pobreza e à fome, mas, sim, bem ao contrário, é o não cumprimento de aspectos importantes da Constituição e a não concretização da perspectiva de transformações humanistas e progressistas que a nossa Constituição consagra.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Constitui uma intolerável contradição que os mesmos que, para legitimar operações de engenharia
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eleitoral de estrito interesse partidário, afirmam pretender aproximar os Deputados dos eleitores são os que realizam campanhas eleitorais com base em «candidatos a primeiros-ministros» e suprimem o papel dos candidatos a Deputados; ou que, no Governo, suprimem ou diminuem o papel da Assembleia da República e promovem a governamentalização do sistema político e a concentração de poderes no Primeiro-Ministro.
É uma intolerável contradição que os que agora se afirmam tão preocupados com a participação dos cidadãos são os mesmos que sempre temeram e hostilizaram a intervenção das massas populares na vida nacional, são os que caluniaram e desprezaram a luta social, os que, em sede das anteriores revisões da Constituição, contribuíram para eliminar importantes formas de participação popular, como os conselhos municipais e as comissões de moradores, são os que, na prática política, inviabilizaram conquistas legais, como, por exemplo, a existência de gestores eleitos pelos trabalhadores nas empresas públicas, que os sucessivos governos nunca empossaram.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que é necessário não é a crítica e a condenação abstracta de uma «classe política» mas a crítica e a condenação das forças partidárias e dos partidos políticos responsáveis por uma «política de classe» contra o povo e a favor dos grandes grupos económicos. O que faz falta não é o desprezo e a condenação da «política» em geral mas a condenação da política de direita, do PSD e do seu Governo. O que é preciso denunciar não é um pretenso divórcio entre todos os agentes políticos e os cidadãos mas o profundo divórcio que, efectivamente, existe entre os políticos responsáveis pela actual política e os interesses e aspirações do povo português.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O núcleo duro das propostas do PS visa, no essencial, a questão do poder: assim é com as alterações ao sistema eleitoral, onde, através da distorção do sistema de representação proporcional, o PS pensa conseguir Deputados que de outra forma caberiam a outros partidos; assim é com a moção de censura construtiva, aliás aplicável, na proposta do PS, também ao processo de formação do Governo, através do qual o PS quer, por razões de todos conhecidas, a sobreprotecção dos governos minoritários; assim sucede também com a designação da câmara municipal pelo presidente, permitindo o controlo total da câmara mesmo em situação de maioria simplesmente relativa
Em tudo isto está a questão do poder!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas o PS sabe que se, efectivamente, pretendesse que estas propostas fossem aprovadas, só o poderia fazer através de entendimentos e da conjugação de votos com o PSD, partido maioritário na Assembleia, cujos votos pesam decisivamente para a formação da maioria de 2/3, necessária para fazer qualquer revisão constitucional. O entendimento com a direita em matéria constitucional conduziria inevitavelmente, como mostra o projecto do PSD, a gravíssimas mutilações do regime democrático.
Recentes declarações de dirigentes do PS mostram uma preocupante disponibilidade para entendimentos com o PSD. Procurando consensos a toda a pressa, tendo em vista concluir a revisão constitucional num curto espaço de tempo para a afastar o mais possível da data das eleições (e assim poder simular uma oposição ao PSD, acreditando que os eleitores esqueçam, entretanto, os compromissos firmados para a revisão), o PS vai ficando cada vez mais dependente da vontade do PSD e mais disposto a compromissos lesivos da democracia e dos interesses do povo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ao decidir desempenhar o papel de impulsionador da revisão constitucional, o PS, com o projecto de revisão constitucional n.º 1/VI, incorre na grave responsabilidade de contribuir para um processo de enorme risco e gravidade.
Por isso, e mais uma vez, o PCP afirma que é uma exigência democrática que o PS tome de imediato a única decisão possível se quer pôr termo a esta situação: abandonar e adiar este processo de revisão constitucional!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto que o PCP apresenta não afronta nenhum aspecto da Constituição nos campos da democracia política, social, económica e cultural, e da defesa da soberania e independência nacional.
O projecto reúne um conjunto de propostas visando aperfeiçoamentos e melhorias que se justificam pelo seu conteúdo; a resposta a novos problemas, que hoje preocupam os trabalhadores e as populações em geral; a correcção de algumas soluções de conteúdo negativo contidas na Constituição, em resultado de alterações introduzidas em revisões anteriores.
O projecto, ao contrário do que aqui foi dito, não é minimalista nem tão pouco um projecto com soluções utópicas. Aliás, vamos esperar pela altura em que as nossas propostas forem votadas para ver que, certamente, serão acompanhadas por muitos e bons partidos!...
Também não é um projecto que copie seja o que for, porque, em matéria de copiar, Srs. Deputados, há processos de transferências de pessoas, que certamente pensavam fazer transferência dos bens do partido anterior! Ora, nós admitimos a transferência de pessoas, porque ela está feita, mas a transferência de bens não admitimos. Muitas soluções contidas no projecto do PS são iguais às soluções do projecto que apresentámos em 1989.
Aplausos do PCP.
Repito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as propostas que fazemos correspondem exactamente às que faríamos se considerássemos que era oportuno e legítimo fazer uma revisão constitucional. Intervimos, por isso, neste debate em todos os planos com seriedade e com frontalidade. Mostramos e defendemos o que entendemos que seria correcto se o contexto fosse diferente mas, simultaneamente, combatemos e denunciamos uma revisão que consideramos inoportuna, ilegítima e perigosa para o regime democrático.
Assim, ao apresentar o seu projecto de revisão constitucional, o PCP tem como grande prioridade a intervenção de combate às propostas de revisão constitucional gravemente lesivas do regime democrático apresentadas pelo PSD, pelo CDS e também as do PS. Com esse objectivo, o PCP usará todos os meios constitucionais e regimentais ao
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seu alcance, especialmente aqueles meios que resultam do facto de ter o seu próprio projecto de revisão constitucional.
O PCP igualmente fará uso de todos esses meios constitucionais e regimentais para impedir uma revisão feita «a mata cavalos» e para garantir o necessário debate público, a audição de especialistas, a participação das diferentes organizações sociais e a imprescindível ponderação técnica e política.
Estamos aqui de pleno direito, com a nossa proposta própria, com as nossas posições próprias, na defesa do regime democrático, no combate contra a política da direita e por uma alternativa democrática.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Reputado independente Luís Fazenda.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o seu projecto de revisão constitucional, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.
O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer, muito rapidamente, que esta iniciativa decorre não apenas do exercício de um direito constitucional mas corresponde também a uma manifestação de um sentido de representação política que nos anima tendo em consideração que, independentemente da natureza nacional do mandato que temos nesta Assembleia, não podemos deixar de nos sentir vinculados aos problemas, aos interesses e à realidade política própria dos círculos pelos quais fomos eleitos.
Hoje, temos todos a consciência de que não só a realidade política das regiões autónomas é uma realidade que decorre da própria natureza do regime autonômico que se foi consolidando ao longo destes 20 anos de prática democrática nessas regiões como de que as regras constitucionais que regulam o estatuto político das regiões autónomas se discutem nesta sede. É, portanto, natural que os Deputados eleitos pelas regiões autónomas tenham uma intervenção mais viva nos debates da revisão constitucional, seja sob a forma de iniciativas, seja no acompanhamento da discussão que haverá na comissão respectiva e no Plenário.
Além disso, pensamos que algumas dessas regras que hoje modelam o sistema constitucional das autonomias foram encontradas num determinado circunstancialismo histórico da vida política do nosso país. Decorridos que são 20 anos, pensamos que essas circunstâncias estão, em muitos aspectos, ultrapassadas, pois o País tem hoje uma vivência democrática estabilizada.
Penso, igualmente, não só que a unidade nacional é inquestionável e não há tensões separatistas nas regiões autónomas como também que a realidade geo-estratégica do País se modificou substancialmente e sabemos quanto ela pesa nas opções constitucionais e jurídicas no nosso país.
Entretanto, sabemos que fazemos parte da União Europeia, cujo processo se acelerou, que as regiões têm, hoje, um protagonismo crescente nesse processo e que a especificidade da realidade insular está inscrita nos próprios tratados, como o da União Europeia, numa declaração anexa que reconhece o carácter ultraperiférico destas regiões.
Pensamos, por isso, que é necessário, à luz desta nova realidade, reavaliar o modelo constitucional das autonomias; pensamos que é necessário fazê-lo à luz destas novas referências que devem modelar o nosso pensamento mais do que no enquistamento de conflitos e de problemas do passado.
É certo que os protagonistas principais continuam a ser os mesmos. Os métodos, infelizmente, aqui e ali, fazem-nos lembrar o PREC, mas as circunstâncias são outras e o sentido, que nos deve animar, de reforma e de modificação das nossas instituições deve orientar-nos, sobretudo, para o enquadramento futuro do sistema constitucional das autonomias.
Muito rapidamente, e sem entrar em aspectos concretos, diria que há cinco objectivos essenciais neste projecto de revisão: ultrapassar, pela remoção de dispositivos constitucionais dispensáveis, conflitos e tensões que subsistem e que não servem nem o Estado nem as regiões; enveredar por um modelo de maior cooperação e interdependência entre os órgãos de governo próprio da região e os órgãos de soberania; clarificar as competências legislativas das regiões; consagrar novas garantias constitucionais para o sistema financeiro das regiões e estender ao sistema constitucional das autonomias algumas garantias que os partidos da oposição têm na Assembleia da República e que devem ser extensíveis, como garantia dos direitos da oposição, às assembleias regionais.
Sucintamente, estes são os aspectos essenciais.
Anima-nos, sobretudo, um sentido de responsabilidade política que é o de resolver problemas, embora aceitemos que algumas das soluções propostas podem criar outro tipo de problemas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para apresentar o seu projecto de revisão constitucional, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de revisão constitucional que se apresenta, prevendo a simples possibilidade de revisão, reflecte necessidades de participação dos cidadãos e aprofundamento da democracia, coloca exigências de reforço da soberania nacional face ao desenvolvimento da Comunidade Europeia, valoriza as autonomias regionais, implica a responsabilidade do Estado relativamente aos direitos sociais e no combate à pobreza.
O projecto de revisão constitucional que se apresenta e que vincula a UDP coloca-se claramente na defesa do texto constitucional, procurando aprofundar os seus dispositivos e mecanismos no que eles têm de genuinamente democráticos, no que eles têm de raiz na revolução libertadora do 25 de Abril.
As questões que este debate apresenta situam-se a vários níveis e, nessa medida, têm validade política intrínseca e terão, certamente, eco público.
Em primeiro lugar, será importante saber até que ponto aquilo que é verdadeiramente um golpe constitucional, e não apenas essa fraude, poderá ir. Ou seja, sem eufemismo de dupla revisão, os projectos de revisão constitucional do PSD e do CDS colidem frontalmente com os limites materiais de revisão.
Em segundo lugar, e esta é a segunda questão interessante a analisar neste debate, será importante saber, mesmo que esse golpe não surta efeito, até que ponto a engenharia do sistema político deixará ficar muitos dos dispositivos constitucionais como uma casca sem miolo.
Em terceiro lugar, e provavelmente bem mais importante na actual situação e na relação de forças nesta Assembleia da República e na previsão até das eleições que se aproximam, é preciso que a sociedade conheça o recorte, a natureza e a dimensão dos projectos de revisão consti-
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tucional dos diferentes partidos aqui representados, porque eles definem bem a natureza e o programa de cada partido político, pois os programas eleitorais trazem muito «bacalhau a pataco», muito «frigorífico» e muitas outras coisas pelas quais se conquista o voto fácil do eleitorado.
Efectivamente, os projectos de revisão constitucional conformam a essência própria da política dos diferentes partidos e daí a utilidade e a validade deste debate. Só desejamos que ele seja propiciador de um eco público e de uma adequada diferenciação dos programas dos diferentes partidos.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Para apresentar o seu projecto de revisão constitucional, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste curto espaço de tempo de que disponho, proponho-me sumariar as razões por que apresentei este projecto de revisão constitucional.
Em primeiro lugar, entendo participar neste trabalho em que o legislador se move num paradigma temporal diverso do habitual, não estando limitado por horizontes temporais de legislatura ou por programas de maiorias concretas.
Devemos ter, sobretudo, neste momento presentes os valores e as realidades permanentes que são expressão da individualidade do nosso povo. Devemos, por isso, proceder a esta reflexão periódica sobre esses valores para assegurar a sua consagração e protecção. É que uma Constituição só pode ser boa para um povo quando procura identificar os seus valores e a sua individualidade própria.
Mas, uma vez que a cultura não é, nem pode ser, algo de estático, mas sim dinâmico, é evidente a necessidade de os países evoluírem também pela gradual e sucessiva integração dos novos valores autênticos que enriqueçam os anteriormente adquiridos.
A política é também antecipação, Francisco Sá Carneiro soube ver a longo prazo e o seu legado aí está no património que o PSD desenvolveu ao longo dos anos.
O projecto de revisão do PSD reflecte esse património e por isso o apoio, sem prejuízo de lhe acrescentar muitas propostas ou pelo menos bastantes propostas, que são a minha interpretação pessoal e a inovação que sobre esse património quero efectuar. Como Sá Carneiro, proponho, por exemplo, a definição do povo português no artigo 4.º, a consagração da liberdade de aprender e de ensinar com grande amplidão e com total alteração do n.º 1 do artigo 75.º, o alargamento da matéria do referendo, incluindo o referendo constitucional, pela. qual ele sempre se bateu.
Mas, do seu legado, retiro também dois aspectos essenciais: a atenção à pessoa humana como destinatária de toda a política e a capacidade de inovar.
Assim, por um lado, limito-me a constitucionalizar avanços já acolhidos na lei ordinária, como é o caso do direito das vítimas de crimes a obterem indemnização; a gratuitidade da escolaridade obrigatória para todos, seja ela prosseguida no ensino público, particular ou cooperativo, oferecendo a todos a possibilidade de opção; o direito à diferença, já consagrado na Lei de Bases do Sistema Educativo; o apoio às organizações e instituições que se dedicam a tarefas de desenvolvimento dentro e fora do País.
Mas, por outro lado, no campo dos novos direitos, proponho a consagração de alguns, como o direito ao acompanhamento da solidão e no momento da morte, os bio-direitos, o direito ao ambiente urbano, direitos que dão resposta a algumas das grandes preocupações do nosso tempo.
Com o meu projecto, quero aproximar também eleitos de eleitores, o chamado país político do país real, perante sintomas de distanciamento que se vão verificando.
Em primeiro lugar, para além do alargamento das matérias do referendo já referido, proponho a consagração de um sistema eleitoral misto, que sempre defendi, de duplo voto inspirado no que se pratica na República Federal da Alemanha criando círculos uninominais juntamente com um círculo nacional, que permitam essa aproximação.
Mas há depois que reafirmar os limites da acção do Estado que não pode invadir o domínio do não deliberável, na feliz expressão de Helmut Schmidt. Acentuo a função de estímulo e de apoio a todas as acções nos domínios económicos, sociais, educativos e culturais que os cidadãos desencadeiam.
Contém o meu projecto outras propostas naquele sentido, das quais destaco o poder excepcional de obter, por período máximo de 30 dias, a suspensão e a reapreciação imediata de actos administrativos quando constituam ameaça grave e iminente para os direitos fundamentais da pessoa humana, para o património cultural, a saúde pública ou o ambiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia, já Tocqueville o afirmava há mais de século e meio, é indeterminação, é o regime aberto que permite às pessoas construírem livremente a história e não serem forçadas a caminhar para soluções fixistas e pré-determinadas. É por isso que estou convicto de que o artigo 288.º acabará por conter só aquilo que é o inultrapassável, permanente, inquestionável, ou seja, os direitos fundamentais da pessoa humana, a independência nacional e os princípios essenciais da democracia a que Edgar Morin chamava o conjunto do sagrado.
Ensaio uma solução de longo prazo que, nesta perspectiva aberta, dê resposta a esta indeterminação, mau grado os juristas que querem amarrar tudo à certeza.
O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Na questão das regiões, por exemplo, penso que elas não podem ser impostas de cima para baixo, por uma deliberação central, como alguns partidos da oposição querem, mas não há motivo para não devolver a questão, no prazo de cinco ou seis anos, à iniciativa dos municípios para que, federados para esse efeito, possam propor à Assembleia da República a reapreciação da questão.
Gostaria de referir ainda o reforço do apoio à família, a responsabilização maior do Estado e de todos os adultos perante as crianças abandonadas e em perigo grave e a consagração das artes e ofícios tradicionais como forma de transmissão cultural e de desenvolvimento harmonioso.
Não ignoro, finalmente, duas questões primordiais: as questões prementes que a investigação científica e a inovação tecnológica nos colocam hoje.
Neste sentido, proponho que a nossa Assembleia, através da avaliação dos riscos das opções científicas e tecnológicas e em cooperação com o Governo, não se alheie dessa questão fundamental.
Finalmente, sublinho a consagração do direito ao desenvolvimento sustentável, no artigo 7.º e noutros, considerado hoje o direito dos povos e das pessoas como é definido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, aprovado pelas Nações Unidas em 1986.
Em vários preceitos, tento reflectir o universalismo dos portugueses, o estímulo a que se empenhem, sobretudo nos países de língua portuguesa, sem esquecer, claro, a proposta da Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, que responde ao
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corajoso desafio que os nossos irmãos brasileiros nos lançam no artigo 12.º da sua Constituição.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que só uma Constituição inovadora interessará os portugueses e estará aberta ao futuro de todos nós.
Aplausos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação do seu projecto de revisão constitucional, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Martins.
O Sr. Cardoso Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei de revisão constitucional que apresentei visa responder a preocupações e anseios muito especiais e de particular significado, suscitados pelo contacto directo com os eleitores, e não visa pôr em causa o projecto apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, que subscrevo e apoio com convicção. É, aliás, baseado nos mesmos princípios e na defesa dos mesmos valores que o PSD perfilha que apresentei um projecto que contempla aspectos novos, os quais não colidem com o sentido geral expresso no preâmbulo do projecto do meu partido.
Os três artigos aditados ao texto constitucional contém as seguintes normas inovadoras: quanto aos direitos dos consumidores, consagrando o direito ao acesso aos serviços públicos domésticos, no artigo 60º-A; quanto aos direitos dos ex-combatentes, consagrando o reconhecimento especial do Estado para com os cidadãos que combateram nas ex-colónias portuguesas (artigo 70.º-A); quanto à defesa dos valores que caracterizam a identidade nacional, consagrando o dever do Estado de fomentar a actividade marítima, abrangendo neste conceito a pesca, o transporte marítimo e os desportos náuticos (artigo 103.º-A).
As alterações introduzidas visam, no essencial, clarificar o texto constitucional, eliminando expressões ambíguas ou menos correctas, ou precisando o seu alcance.
Realço algumas de particular significado, como a inclusão das associações de lazer, ecológicas e de consumidores nas entidades com direito a tempo de antena no serviço público de rádio e de televisão, e a consagração, em paralelo com o direito à greve, do direito ao trabalho dos trabalhadores que não adiram voluntariamente a ela.
Vozes do PCP: - Ah!...
O Orador: - Refiro também que o meu projecto consagra, expressamente, o apoio do Estado ao ensino particular e cooperativo.
Realço ainda, dado o seu particular significado, o reenquadramento do verdadeiro espírito da autonomia do Ministério Público, não pondo em causa a sua função essencial de representar o Estado e também, nessa medida, os interesses que a lei determinar. A autonomia não é independência.
Finalmente, quero deixar claro que, salvo aspectos de pormenor, o projecto de lei que apresento acolhe, embora implicitamente, os aditamentos, as eliminações e a grande maioria das alterações previstas no projecto de lei do PSD.
A minha iniciativa, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais, é objectiva e subjectivamente um contributo empenhado para a revisão constitucional que agora se inicia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos, assim, a apresentação de todos os projectos que irão ser discutidos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
A partir de agora, está vedada a possibilidade de apresentação de outros projectos de revisão constitucional, nos termos do n.º 2 do artigo 285.º da Constituição. É, pois, com este material que os Srs. Deputados e a Câmara, no seu tempo próprio, terão de proceder à revisão constitucional.
Resta-nos votar o projecto de deliberação n.º 92/VI, que constitui uma comissão eventual para a revisão constitucional e fixa a composição desse comissão.
Por outro lado, faço um apelo aos grupos parlamentares no sentido de me indicarem, amanhã, os nomes dos Deputados que integrarão essa comissão, porque é minha intenção empossá-la na próxima sexta-feira, para que possa iniciar os seus trabalhos ao mesmo tempo que as outras comissões.
Espero que os grupos parlamentares tomem esta iniciativa e dou por notificados, individualmente, os Srs. Deputados que assim forem indicados para estarem aqui presentes na sexta-feira, dia 23 de Setembro, às 15 horas, a fim de tomarem posse, exactamente antes do início da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que há pouco marquei para esse dia e para essa hora.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do projecto de deliberação n.º 92/VI, com as emendas que já foram lidas mas cujo texto vai ser relembrado.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o projecto de deliberação n.º 92/VI é do seguinte teor:
Tendo o Plenário da Assembleia da República, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 284.º da Constituição da República Portuguesa, assumido poderes de revisão constitucional, delibera-se, ao abrigo do disposto nos artigos 39.º e 40.º do Regimento:
1. Que seja constituída uma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional ordinária que aprecie os projectos de revisão constitucional que derem entrada até 21 de Setembro de 1994, pelo prazo de três meses.
2. Que a Comissão tenha a seguinte constituição: PSD, 15 representantes; PS, 7 representantes; PCP, 2 representantes; CDS-PP, l representante, PEV, l representante, PSN, l representante; Deputado Luís Fazenda; Deputado Raul de Castro.
3. A Comissão inicia os seus trabalhos imediatamente após a respectiva posse.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação do projecto de deliberação n.º 92/VI - Constituição de uma comissão eventual para a revisão constitucional (PSD, PS e CDS-PP), com as alterações que entretanto foram introduzidas.
Submetido à votação foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente Luís Fazenda e votos contra do PCP.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de deliberação n.º 95/VI - Autoriza a convocação das comissões especializadas (PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados, nada mais há a tratar, a não ser lembrar, mais uma vez, a Conferência dos Representantes dos Gru-
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22 DE SETEMBRO DE 1994 3083
pôs Parlamentares na próxima sexta-feira, às 15 horas. Depois, os Srs. Deputados aguardarão o tempo côngruo para cá voltarem.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 05 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria Pereira.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Carlos David Nobre.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Gonçalves do Amaral.
Maria Odete dos Santos.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.
Partido Social-Democrata (PSD):
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
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