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Sábado, 22 de Outubro de 1994 I Série - Número 3

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE OUTUBRO DE 1994

Presidente: Ex.mº Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Ex.mºs, Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

S U M Á R I 0

0 Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos. Prosseguiu o debate da moção de censura ao Governo, apresentada pelo CDS-PP, sobre a execução do seu programa, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes), os Srs. Deputados Luís Fazenda (Indep.), Octávio Teixeira (PCP), Guilherme Silva (PSD), 15abel Castro (Os Verdes), Mário Maciel (PSD), Adriano Moreira (CDS-PP), Jaime Gama (PS), Duarte Lima (PSD), Nogueira de Brito (CDS-PP), Silva Marques e Carlos Pinto (PSD), Maria da Conceição Seixas (CDS-PP), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Narana Coissoró (CDS-PP), André Martins (Os Verdes) e Manuel Queiró (CDS-PP).
No encerramento do debate, usaram da palavra o Sr Primeiro-Ministro
(Cavaco Silva) e o Sr. Deputado Nogueira de Brito (CDS-PP).
Rejeitada a moção, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Mana Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS).

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Ana Maria Dias Bettencourt Coelho da Costa.

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António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Comes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria da Conceição Seixas de Almeida.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

0 Sr. Luís Fazenda (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Concordando o CDS-PP com o PSD no reforço do Estado policial e no apoio à actuação do SIS; concordando o CDS-PP com a moeda única, embora divergindo em métodos e processos; concordando o CDS-PP também com o PSD na mesma sanha contra a legislação do trabalho e concordando o CDS-PP com o essencial da política externa de defesa do Estado português, com uma pequena variação mais atlantista, perceber-se-ia, à partida, mal, que divergências de fundo poderiam depreender-se da intervenção do Sr. Primeiro-Ministro para a crítica ao extremismo do CDS-PP.
Creio, no entanto, fazer justiça ao CDS-PP e ao Sr. Primeiro-Ministro ao descobrir que, de facto, aparentemente, as contradições entre os dois partidos situam-se nas privatizações e nas clientelas para elas, nas indemnizações aos antigos monopolistas, ou seja, naquilo que são os negócios privados da direita.
Entendo que ficou claro, do debate, embora talvez subterrâneo e ocultado na polémica, que aparentemente o CDS-PP aqui se posicionou como o partido que apoia o BCP e o PSD como o partido que apoiaria o BPA.
Enfim, parece que, da parte do CDS-PP, terá sido também uma oferta hostil do Governo. Eis aquilo que penso, eu e a UDP, sobre a razão de fundo que motiva a censura do CDS-PP.
A nossa censura é outra. É a censura da ponte, do descontentamento, do protesto cívico, daqueles que não querem o reforço do Estado policial mas, sim, a participação, a desgovernamentalização e o reforço da justiça social.
Votaremos a favor da censura, porque há muito tempo a brandimos. Não basta a denúncia do clientelismo público. Seria necessário censurar, profundamente, e fazer a denúncia do que é o negocismo privado, a traficância do capital privado.
Enfim, virtudes públicas, vícios privados. Parece ser esse o defeito e a pecha da moção de censura do CDS-PP

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Logo após o anúncio público da intenção do CDS-PP de apresentar esta moção de censura ao Governo, o PCP exprimiu as suas reservas políticas quanto ao

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momento escolhido e quanto aos reais objectivos visados pelos proponentes.
No que respeita à oportunidade, enfatizamos o facto de a apresentação da moção de censura suceder poucos dias após o "desafio" lançado pelo PSD aos partidos da oposição para, exactamente, desencadearem a apresentação de moções de censura ao Governo. 15to é, a apresentação da moção de censura pelo CDS-PP significou uma resposta positiva à proposta do PSD, correspondeu inteiramente aos interesses políticos do PSD e do Governo.
No que concerne aos reais objectivos prosseguidos pelo CDS-PP, com esta iniciativa parlamentar, não esquecemos que a apresentação da moção de censura se verificou num quadro de forte protesto popular dos utentes da Ponte 25 de Abril, que colocou o PSD e o Governo em autêntico estado de transe, e que as grandes preocupações publicamente manifestadas pelo CDS-PP tinham a ver com esses protestos populares a que chamou de "actos maciços de desobediência civil à margem do funcionamento das instituições democráticas", numa caracterização da situação identicamente igual à do PSD e do Governo.
15to é, a iniciativa do CDS-PP visou amparar o PSD e o Governo num momento de forte aflição política, procurando condicionar o protesto popular e trazer o debate exclusivamente para a instituição parlamentar, onde o PSD dispõe de maioria absoluta dos Deputados.
Estas razões essenciais das reservas e objecções políticas do PCP mantêm actualidade acrescida após o debate que ontem presenciámos.
Por isso, queremos deixar totalmente claro que, se o que estivesse em causa fosse a votação da oportunidade da moção de censura, o Grupo Parlamentar do PCP votaria contra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Se a votação incidisse sobre as OPA ou não OPA, sobre as propostas do CDS-PP para eliminar o direito à greve, para acabar definitivamente com os sistemas públicos da educação, da saúde e da segurança social, para acelerar o processo de privatizações, para acabar com a proibição da existência de partidos fascistas, se a votação incidisse sobre tantas outras propostas que o CDS-PP insere no seu projecto de revisão constitucional e que visam a completa subversão do regime e se caracterizam pelo reaccionarismo fundamentalista que ilustra o pensamento político do seu presidente, o PCP votaria frontalmente contra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Em suma, se o objecto da votação que terá lugar no fim deste debate fossem a oportunidade, as razões, os argumentos e as propostas do CDS-PP, o PCP votaria inequivocamente contra. Porque a oportunidade do CDS-PP foi a oportunidade querida e reclamada pelo PSD. Porque as razões do CDS-PP convergem com as do PSD. Porque as propostas políticas do CDS-PP são tão de direita, tão neoliberais, tão inseridas numa filosofia mercantilista da sociedade e tão nefastas para o País e para os portugueses quanto as políticas prosseguidas pelo Governo do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Mas o que institucional e politicamente vai ser votado é, exclusivamente, um voto de censura ao Governo do PSD.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exacto!

0 Orador: - Por isso, o PCP vai votar favoravelmente a censura ao Governo do PSD, ao Primeiro-Ministro, às suas orientações e práticas políticas.

Risos do PSD.

Pelas nossas próprias razões, pelas razões que suscitam o amplo descontentamento e o protesto popular que se verifica por todo o País e em diversificadas camadas da sociedade portuguesa.
Votaremos a censura institucional ao Governo não na tentativa de travar a censura popular mas, antes, para a complementar e potenciar.

Aplausos do PCP.

Diversamente do CDS-PP e do PSD, o PCP não tem da vida e da intervenção políticas a concepção do monopólio institucional e partidário.
Contrariamente ao CDS-PP e ao PSD, o PCP defende e apoia o inalienável direito dos cidadãos a expressarem publicamente o seu descontentamento e o seu protesto.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A nossa censura ao Governo é global. E não é de agora. Não tivemos de esperar pela evidência dos factos e da situação a que conduziu a governação do PSD. Nunca nos deixámos seduzir pelas promessas e pelo discurso propagandístico do PSD e do Governo. Não embarcámos no "canto da sereia" do "beneficio da dúvida" nem considerámos inevitável, e muito menos desejável, que o Governo se mantivesse à frente dos destinos do País até ao fim da legislatura.
Os três anos já decorridos desde as últimas eleições legislativas confirmam, nos seus resultados, as advertências e denúncias que, logo na apresentação do Programa do Governo, o PCP produziu sobre a inadequação e os malefícios das políticas apresentadas e a sua incapacidade para dar resposta positiva aos problemas do País e às legítimas aspirações dos portugueses.
0 Governo do PSD e o Primeiro-Ministro Cavaco Silva são os responsáveis pela crise económica em que o País mergulhou e de que não consegue sair; pela desindustrialização e desertificação agrícola que alastram; pela degradação incessante da situação e da exclusão sociais; pela dependência submissa das directrizes de Bruxelas; pela acentuada degradação da democracia; pela falta de transparência da vida política, pela crescente desprotecção dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos em geral; pela policialização do regime; pela governamentalização das instituições; e pelo alastrar impune do clientelismo e da corrupção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os efeitos negativos sobre a economia portuguesa da política do Governo, nos anos que já decorreram desta legislatura, não deixam lugar para dúvidas e desmentem categoricamente o Primeiro-Ministro: o crescimento económico estagnou e acentuou-se a divergência real com os restantes países comunitários.
0 Primeiro-Ministro, ontem, abonou em seu favor que o produto per capita em paridades de poder de compra tem vindo a aproximar Portugal da média comunitária. Mais uma vez, utilizou o sofisma e a inverdade substantiva, porque se escusou de referir que nos três últimos anos tal se ficou a dever, exclusivamente, a meros arranjos estatísticos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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0 Orador: - A evolução do produto interno foi inferior à da média comunitária, apesar dos milhões de contos provenientes dos fundos comunitários. As produções agrícola, piscatória e industrial e o emprego decresceram continuamente e de forma mais acelerada que na União Europeia, e o desemprego aumentou a ritmos mais elevados. Aliás, e face às afirmações produzidas aqui ontem pelo Sr. Primeiro-Ministro, de que, no último ano, teria havido um aumento de postos de trabalho na ordem dos 35 000, importa dizer que, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, entre Setembro de 1993 e Setembro de 1994, nos últimos 12 meses, o número de desempregados aumentou em 61000!

Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É verdade! É verdade!

Orador: - A participação dos salários no rendimento nacional decresceu a um nível anual mais do que duplo do registado na média comunitária, sendo cada vez mais inferior à registada na generalidade dos países comunitários.
A retoma económica, ainda que lenta, parece ser um facto além-fronteiras, mas em Portugal não há sinais claros de que ela esteja em curso, quer no que concerne ao investimento, quer quanto ao consumo privado, quer ainda quanto às produções agrícola e industrial.
E porque, contra a propaganda do Governo, o director do Gabinete de Estudos Económicos do Banco de Portugal teve a "ousadia" de pôr em dúvida a hipotética retoma económica, tê-lo-á pago com a demissão do seu cargo!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Um escândalo!

0 Orador: - Confrontado com a realidade da economia portuguesa e com a verdade dos números, o Governo, tal como o fez ontem o Sr. Primeiro-Ministro, refugia-se na evolução da inflação. Tanto e com tal força de diversão que é como se tudo o resto - o desemprego, a exclusão social ou a destruição do aparelho produtivo, por exemplo pura e simplesmente não existisse. E omite que a própria evolução descendente da inflação tem sido feita à custa da redução do nível de vida dos trabalhadores e agricultores e do agravamento dos custos financeiros e da competitividade das empresas.
Estes resultados da política do Governo merecem a frontal censura do Partido Comunista Português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Agravam-se as desigualdades sociais. Porque o emprego se precarizou enormemente e tanto que com facilidade se transforma em desemprego, como cabalmente o mostra a redução de 13 % do emprego a prazo no ano de 1993. Porque, aos trabalhadores portugueses, as perspectivas que o Governo lhes oferece são as do desemprego, do emprego precário ou, na menos pior das hipóteses, do emprego insuficientemente remunerado.
A precarização que o Governo e toda a direita apelidam de flexibilização e que sustentava a base do falhado acordo de concertação social provoca no plano social as mais gritantes desigualdades.
0 Governo desvaloriza o trabalho, dá-lhe a dimensão, de uma mera mercadoria a ser paga pelo que produz e abaixo do valor que produz, sem mais qualquer compensação, segurança ou estabilidade.
No campo da educação e do ensino, manifestam-se crescentemente as desigualdades sociais e é desenvolvida uma política que contribui para a sua acentuação, negando cada vez mais o acesso à educação e ao sucesso escolar aos filhos dos trabalhadores e, mais geralmente, aos jovens sem condições económicas para suportar os custos que lhes são exigidos por uma política desresponsabilizante, privatizante, discriminatória e elitista.
No domínio da saúde, o Governo considera as instituições públicas como empresas a rentabilizar, os sectores e serviços potencialmente lucrativos como áreas a privatizar e os cidadãos como clientes para pagar. É uma concepção particularmente chocante e repulsiva, em que a doença tende a ser encarada como uma mercadoria sujeita à maximização do lucro.
Também por estas políticas e concepções, o PCP tem todas as razões para censurar o Governo.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - De igual modo, censuramos frontalmente o Governo pela sua acção de degradação da democracia; pelas limitações que vai tentando impor ao exercício de direitos fundamentais; pela crescente policialização da vida nacional; pela ofensiva contra a liberdade de imprensa; pelas limitações aos direitos fundamentais dos trabalhadores; pela instigação de sentimentos racistas e xenófobos; pelo autoritarismo que evidencia e pelo esvaziamento dos mecanismos de participação popular e cívica; pela governamentalização das instituições e pelas tentativas de controlo e domínio das magistraturas; pela prática de ocupação sistemática do aparelho do Estado por pessoal do PSD e com base em critérios exclusivamente partidários, onde assentam raízes o favoritismo, o clientelismo e a corrupção; e pela actuação dos Serviços de Informações como uma polícia política ao serviço dos interesses partidários do PSD e do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate ontem realizado, o Primeiro-Ministro e o PSD procuraram pôr em causa a evidência da existência no País de um sentimento profundo da chocante e preocupante situação que se vive, da riqueza mal distribuída, do agravamento das desigualdades, do crescente autoritarismo do Governo e da expressão desse sentimento num profundo e alargado descontentamento e protesto populares contra o Governo e o PSD.
Mas o Primeiro-Ministro e o PSD não disseram o que lhes vai na alma. Eles sabem que essa é a realidade actual. Como há pouco mais de um mês alertava o próprio Deputado Pacheco Pereira, a propósito dos protestos na Ponte, "cuide-se o Governo e o PSD de pensarem que se deve fechar os olhos a um estado de irritação que se acentua, em particular, nas zonas urbanas e suburbanas". E acrescentava ainda o Sr. Deputado Pacheco Pereira: "Existe na sociedade, em certos sectores mais nítido do que noutros (entre os jovens, por exemplo), um estado de irritação com o PSD e o Governo. É um estado de irritação, de cansaço, de vontade de mudar".
São esse estado e essa vontade inegáveis que atemorizam o Governo e o PSD e que os levam, numa jogada já anteriormente vista, a radicalizarem o conflito institucional com o Presidente da República e a recorrerem ao "baú das velharias", para de novo desenterrarem a tese da conspiração das forças de bloqueio. Como ontem, e em particular há dois dias pela voz do Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, tivemos a oportunidade de comprovar. Com

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o objectivo de, através da chicana política, encontrarem pretextos para desviar a atenção dos cidadãos dos malefícios e iniquidades das orientações e práticas políticas do Governo. Para tentarem condicionar o Presidente da República na apreciação que possa fazer da situação do País e do funcionamento das instituições. Para, através da demagogia, do tartufismo e da manipulação de alguns órgãos da comunicação social que dominam, tentarem aparecer perante os cidadãos no papel de vítimas, suscitando a comiseração e os votos compensadores.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estas são as razões essenciais que fundamentam o voto favorável do PCP nesta moção de censura.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ah!

0 Orador: - A moção de censura, no quadro em que é apresentada, em que o Governo dispõe de uma maioria absoluta, que temerosa e acriticamente o apoia, será necessariamente rejeitada.
Mas para quem a vota favoravelmente, e como há dois dias aqui o referiu o Secretário-Geral do PCP, esse voto tem inequivocamente um único e indisfarçável sentido político e institucional: a expressão da vontade política e do consequente empenhamento no derrube e substituição do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Tão cedo quanto possível!

Aplausos do PCP.

Para o PCP, e como referimos inicialmente, consideramos a votação da censura ao Governo na Assembleia da República como um elemento institucional integrante da censura popular que crescentemente se vem manifestando no País.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Pela parte do PCP, assumimos de forma clara e empenhada este significado do voto favorável à moção de censura ao Governo. E consideramos politicamente exigível que todos os partidos que expressarem idêntico voto favorável assumam igualmente, nas palavras e nos actos, idêntica vontade e empenhamento políticos.

Aplausos do PCP.

Porque o País já perdeu demasiado tempo, é tempo de mudar!

Aplausos do PCP, de pé.

Aplausos do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, estou abismado com a sua intervenção. V. Ex.ª começou por dizer que se o PCP tivesse de votar a oportunidade da moção de censura do CDS-PP votaria contra, se tivesse de votar os fundamentos e as razões da moção de censura do CDS-PP votaria contra, mas que, no entanto, o PCP vai votar a favor da moção de censura do CDS-PP.

Sr. Deputado, é esta moção de censura que vai ser votada e não outra. É esta! E a moção de censura do CDS-PP! 0 que não percebemos é que o PCP tenha, das moções de censura, uma concepção oportunística e não uma concepção política correcta e parlamentar correcta.
V. Ex.ª diz que o PCP tem uma atitude de condenação global de todas as políticas do Governo. Quer razão maior para uma moção de censura do que essa? Por que razão o seu partido não toma a iniciativa de uma moção de censura...

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Exacto!

0 Sr. João Amaral (PCP): - Outra?! Mais?!

0 Orador: - ... e tem de fazer esta triste figura de estar a reboque do CDS-PP?
Tem de fazer esta triste figura de vir aqui dizer, e vai, com certeza, ter de o explicar aos seus eleitores, que está de acordo com o Dr. Manuel Monteiro!
Mas a sua intervenção - e não só, outras intervenções da oposição também o revelaram - revela que, ao fim e ao cabo, estamos aqui a assistir a esta "caricatura parlamentar". Aquilo que seria uma moção de censura ao Governo está a transformar-se cada vez mais numa moção de censura da oposição entre si. V. Ex.ª explique-nos a pirueta que o PCP tem de fazer para conciliar o inconciliável!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, manifestamente, V. Ex.ª abisma-se com muito pouco.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Pasma-se com muito pouco!

0 Orador: - Julgo que, com os ventos que correm, mesmo na Região Autónoma da Madeira, será fácil perceber as razões, que, há pouco, tive a oportunidade de explicitar, para o voto de censura ao Governo.
0 Sr. Deputado é jurista, é, inclusivamente, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pelo que deve estar consciente de que o que se vai votar, a única coisa que é sujeita a voto, é a seguinte frase, que, por não ter aqui comigo, terei de citar de memória:...

Vozes do PSD: - Ah!

0 Orador: -... a Assembleia da República, nos termos do artigo x, resolve censurar o Governo. É isto o que vai ser votado!

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por tudo o que está atrás?

0 Orador: - Não, por tudo aquilo que é dito neste Plenário, durante o debate da moção de censura. E é pelas razões que aqui explicitámos, há pouco, que vamos votar a censura ao Governo, nos termos regimentais e constitucionais.

Vozes do PSD: - Vota x!

0 Orador: - 0 Sr. Deputado Guilherme Silva tentou voltar à carga com o desafio que, há cerca de 15 dias, o

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Sr. Deputado Pacheco Pereira em nome da sua bancada aqui fez, no sentido de os partidos da oposição apresentarem uma moção de censura, tentando condicionar o tempo e o modo da censura que os vários partidos entendem fazer ao Governo.
Nessa altura, há cerca de 15 dias, o Sr. Deputado Pacheco Pereira teve vencimento de causa. De facto, na casca de banana que lançou, houve quem tenha escorregado e se tenha estatelado... Está ali à nossa frente.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado Guilherme Silva, pode continuar a lançar cascas de banana, porque o PCP não escorrega!

Vozes do PSD: - Espalharam-se todos!

0 Orador: - 0 PCP conhece-os, está atento e não se deixa levar em cantos de sereia.
A minha última questão, Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª terminou o seu pedido de esclarecimento falando sobre hipotéticas piruetas do PCP. Já lhe demonstrei que não fizemos piruetas, mas, já agora, permita-me que lhe retribua a questão. Ontem, terminou o prazo de oito dias concedido pelo Presidente do Grupo Parlamentar do PSD para que os Srs. Deputados do PSD que fazem parte da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, designadamente V. Ex.ª Sr. Deputado Guilherme Silva, pedissem a suspensão dos trabalhos dessa mesma comissão. Se essa declaração do Presidente do Grupo Parlamentar do PSD é para levar a sério...

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Espere!

0 Orador: - . . e se o PSD e o seu grupo parlamentar não fizerem qualquer pirueta, pergunto-lhe: quando é que concretizam aquilo que foi anunciado pelo Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, Sr. Deputado Duarte Lima?

Aplausos do PCP.

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Por iniciativa do Grupo Parlamentar do CDS-PP estamos, hoje, a discutir uma moção de censura ao Governo, o mesmo é dizer ao Partido Social Democrata e ao seu principal, primeiro e duplo responsável, Cavaco Silva.
E se é evidente que a apresentação de uma moção representa um direito constitucional das oposições e é um importante instrumento de fiscalização e sanção políticas, evidente é para nós, Os Verdes, como o será para qualquer cidadão mais atento, que, no contexto em que ela surge, é um direito amputado, já que se esgota em si mesmo como exercício e não é usado como meio de pressão para qualquer mudança de protagonistas e muito menos de políticas, o que só a demissão do Governo, que, aliás, o CDS-PP não reclamou, permitiria, dando lugar não a novas versões liberais, neoliberais ou outras, que, em nome do valor sagrado do lucro, tudo permitem, mas a diferentes valores e valias que não aquelas que, sozinho ou acompanhado, desde 1979, o PSD protagoniza.
Ficar-nos-emos, pois, pelo debate, sempre positivo, e pela esperança de que, como excepção, os portugueses, que, através de taxas e impostos, são obrigados a sustentar o serviço público da RTP nele possam acompanhar, sem censura, o debate e a posição de todos os partidos aqui representados.
Entrámos, pois, no debate e, naturalmente. na crítica ao PSD, ao Governo e à forma como tem conduzido o País, em clara ruptura com o próprio contrato que, ao apresentar o seu programa, com os eleitores celebrou, os tais eleitores de que, hoje, se reclama querer estar mais próximo.
Urna ruptura programática, a que a banalização das promessas, das mentiras, da incompetência, do autoritarismo, da opacidade e da despenalização da corrupção, que caracterizam este poder e a sua cultura política, conferem especial relevo, contribuindo em grande medida para o cansaço, o desencanto e a descrença dos cidadãos nas instituições e, de modo inquietante, na própria democracia.
Um desinteresse na participação na vida pública e um amorfismo social, que o poder burocratizante do PSD não cessa de acentuar e que a sucessiva marginalização dos cidadãos do debate das grandes questões de interesse nacional, como o foram, por exemplo, a Conferência do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, o Tratado de Maastricht e a elaboração do PDR, claramente agravou, condicionando a experiência gratificante da democracia participativa que era desejável garantir e aprofundar.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Se estas são certamente algumas das críticas que formulamos e a que Os Verdes não têm poupado o Governo, nos múltiplos debates, perguntas e quatro interpelações só nesta legislatura feitas, parece-nos, contudo, redutor confinar a este estreito horizonte o debate em torno do Governo.
Com efeito, omitir questões como o ambiente e o ordenamento do território de qualquer discussão sobre a acção do Governo e os seus reflexos na vida dos portugueses é ignorar um elemento estruturante de toda a sociedade, um elemento de cuja preservação e promoção dependem não só o desenvolvimento mas toda uma nova geração de direitos que lhe estão associados - o direito à segurança, ao equilíbrio, ao bem-estar, à saúde, ao silêncio, ao espaço, ao ar puro, ou seja, a tudo aquilo que constitui somado, e, em diálogo entre si, a chamada qualidade de vida dos cidadãos.
Um equilíbrio e uma organização espacial que não incidem sobre o meio ambiente de forma abstracta, mas interferem, positiva ou negativamente, sobre as pessoas e têm a ver com elas, com o modo como vivem, a forma como se deslocam, o conforto ou desconforto com que o fazem, as horas de vida que nisso desperdiçam, o stress a que estão sujeitos, o ruído e a poluição a que estão submetidos e a forma como tudo isso se reflecte na sua vida, designadamente familiar, um ambiente cuja degradação e caos geram isolamento, insegurança e desumanização e, por isso mesmo, multiplicam a marginalização e a marginalidade.
Um equilíbrio que o Governo nunca soube preservar ou estabelecer, sempre que fez escolhas e, face à escassez de recursos, teve de definir prioridades.
Nas políticas de transportes, ou melhor, na sua ausência, nas grandes áreas metropolitanas, por exemplo, sem uma visão global das mesmas, privilegiando sempre o transporte rodoviário - leia-se o privado - em detrimento do ferroviário, gerando, por isso, mais poluição, mais desperdício de energia, mais ruído, maior degradação do ambiente urbano.
Na primazia a obras como a auto-estrada Sintra/Cascais e no remeter para mais tarde, e sempre, outras fundamentais, como a CRIL ou a CREL.
Na opção, na Ponte 25 de Abril, por um transporte ferroviário suburbano que não vai buscar as pessoas onde

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elas já vivem, mas aos sítios onde passam a ter de deixar os seus carros.
Na desastrosa escolha da localização da nova ponte e na imposição nela, uma vez mais, de um tipo de transporte e de toda uma concepção de interfaces já obsoletas.
Mas também, sempre que escolhe, nos traçados infelizes que impõe das obras de que tanto gosta de se gabar, seja na auto-estrada do Norte, ao dividir a Serra d'Aire e Candeeiros, seja na Via do Infante, apesar dos protestos, e, mais recentemente, no viaduto da Gardunha, em Alpedrinha, ou no novo atravessamento do Tejo.
Mas um desequilíbrio que igualmente por aqui não se fica e que não acautela os recursos, designadamente os hídricos, embora deles saiba depender a vida e toda a economia, pela ausência, apesar das mil e uma promessas, de um plano hidrológico nacional, que, com rigor, defina a caracterização de recursos, das necessidades, da forma racional de utilizá-los e potenciá-los e de garantir a sua qualidade e quantidade, o que, é evidente, os institutos criados sem quaisquer meios não solucionaram, totalmente inoperantes que se encontram.
Recursos hídricos geridos a retalho, que, hoje, o Plano Hidrológico Espanhol mais claramente vem pôr em causa, como, desde o início, aqui afirmámos e alertámos, e perante o qual o Governo, com cada vez maior dificuldade, se confronta e movimenta, sem qualquer estratégia de resposta ou de negociação.
Recursos que o marasmo do Governo só quebrou pela insólita entrega à lógica mercantilista de exploração de um sector, que, precisamente por ser vital para a saúde e o ambiente, por isso mesmo, na maior parte dos países da União a ele se encontra vedado.
Mas equilíbrio também que igual sorte nos resíduos não soube manter, com resíduos sólidos urbanos, hospitalares, industriais ou tóxicos-perigosos a monte e sem uma base de dados que os identifique ou localize; sem uma estratégia de valorização e recuperação nacionais, que conduzam à redução, à reutilização e à reciclagem, que por melhores dias continuam a aguardar; sem apoios e incentivos fiscais; sem criação de mercados; sem diálogo entre os vários agentes económicos; sem transparência na informação às populações e facilitando, pela ausência de alternativas criadas, a invasão do nosso país por tecnologias obsoletas e de duvidosa eficácia que adiam problemas sem efectivamente resolvê-los.
Mas desequilíbrio também que não sabe evitar nas áreas protegidas, que só pelo nome se ficam, sem planos de ordenamento; sem recursos humanos que assegurem a sua manutenção; sem atender às populações nelas residentes e às suas necessidades e que, assim, naturalmente condicionadas na sua actividade e sem quaisquer compensações alternativas nem apoios a projectos de desenvolvimento local, se vêem obrigadas a partir, comprometendo a própria existência das áreas protegidas, sem a actividade vivificadora da comunidade que é suposto dever estar-lhe associada.
Mas desequilíbrios também na própria diversidade genética, através de uma lei da caça escandalosa, que permite transformar zonas onde o maior número de biótopos classificados se encontram em áreas de densidade máxima de coutada, ou seja, de densidade máxima de campos de extermínio.
Desequilíbrios na agricultura e na floresta que se destroem, desertificando, em vez de apostar na sua especificidade e na valorização dos produtos mediterrânicos.
Desequilíbrio na indústria, que não se modernizou nem reconverteu tecnologicamente, permitindo a sua laboração menos poluente e promovendo a sua diversidade.

Desequilíbrios nos inúteis e despropositados gastos em equipamentos bélicos, para satisfazer vaidades pessoais, apesar de, tendo a maior zona económica exclusiva, não se fazerem equipamentos mínimos que garantam a sua vigilância, defesa ou intervenção em caso de acidente.
Desequilíbrios no ensino, que, como investimento de um país nos seus próprios recursos humanos, continua a ser ignorado e que paroquialmente se teima querer considerar um gasto de família.
Mas desequilíbrio e desumanização também numa sociedade que hipocritamente se fecha sobre si mesma e que, aliviada a consciência, silencia o drama de milhares de imigrantes, que, apesar de falarem a nossa língua, utiliza e explora, e permite que, despojados de quaisquer direitos humanos, se mantenham ao nosso lado. Uma sociedade em que o poder insidiosamente estimula ou, pelo menos, consente a intolerância, o ódio, o racismo e a xenofobia.
Desequilíbrios também certamente numa sociedade em que a liberdade é cada vez mais condicionada e direitos, liberdades e garantias são cada vez mais cerceados, como o de contestação e protesto, postos em causa ou tratados com histeria, como se de questões de segurança nacional ou de segurança de Estado se tratassem e como se, por isso mesmo, pudessem justificar qualquer recurso à brutalidade, à força, à fichagem de cidadãos e à violação de direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Disse o CDS-PP, através do seu presidente, estarmos perante uma maioria absoluta, que, como poder absoluto, corrompe absolutamente. É uma censura grave, mas que subscrevemos, à-vontade, votando.
Parece-nos tão pouco e evidente que para tão grande mal é bem modesto o remédio.
Assim, resta-nos, agora, esperar pelo menos que a maioria, que, desta forma, tem um pretexto oferecido para se autovotar, não pretenda perverter ainda mais as regras de jogo, tentando dele retirar uma legitimidade que manifestamente já não tem para continuar a interferir negativamente na vida dos cidadãos!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

0 Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada 15abel Castro, é do interesse nacional que o nosso país tenha um sistema de tratamento de resíduos industriais e tóxicos. 0 Governo percebeu a necessidade da instalação de um sistema dessa natureza e lançou um calendário de instalação, que pressupõe um processo de diálogo a todos os títulos meritório.
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais teve a atenção, que a Sr.ª Deputada não reconheceu na sua intervenção, de dar conta à Assembleia da República do processo de instalação, dos pressupostos políticos e dos princípios, também técnicos, desse sistema nacional e fê-lo na comissão especializada respectiva.
Nessa altura, ouvimos por parte do Partido Ecologista Os Verdes palavras de elogio pelo facto de, finalmente, um Governo ter decidido corajosamente instalar um sistema dessa natureza, que obviamente inflama paixões e levanta polémica, sobretudo pela necessidade de instalá-lo em algum sítio - uma central não pode ficar na atmosfera, no mar ou fora das fronteiras portuguesas -, mas, agora, a Sr.ª Deputada 15abel Castro limitou-se a fazer um inventário catastrofista da situação de então, não reconhecendo que o processo está a avançar de forma meritória, com a auscultação das populações, que legitimamente estão a dar conta das suas opiniões.

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Por outro lado, o PSD já desafiou o Partido Ecologista Os Verdes a contornar o seu azedume e a dizer claramente onde é que pensa que o sistema central deve ser instalado. Só que o Partido Ecologista Os Verdes preferiu refugiar-se no comodismo da sua crítica fácil e não quis colaborar nesse processo de formulação de uma vontade no sentido de instalar esse sistema.
0 Governo, todavia, avança e fá-lo, repito, de forma meritória. Aqui está um exemplo, Sr.ª Deputada 15abel Castro, de que estão a prosseguir-se os objectivos que se integram no interesse nacional, ou seja, houve determinação e vontade política para prosseguir o interesse nacional e concretizar um objectivo de longa data, que é o de Portugal ficar dotado de um sistema eficaz de tratamento de resíduos tóxicos.
Este é, pois, um exemplo claro de que a política de ambiente do Governo está animada por objectivos nacionais, não se encontrando enredada no conjunto de catástrofes que a Sr.ª Deputada 15abel Castro aqui mencionou.
Por outro lado, fala-se muito em planos nacionais de ambiente. Ora, a nós não nos preocupa muito um livro, um conjunto de papéis ou um conjunto de objectivos sem sequência. Preocupa-nos, sim, a aplicação na prática, no dia-a-dia, no quotidiano, de uma mentalidade ambientalista. Ora, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem actuado nesse sentido, para que aquilo que é fundamental numa política de ambiente, ou seja, a consciencialização dos cidadãos para a correcta inserção das preocupações ecológicas num processo de desenvolvimento do qual não abdicamos, se faça de forma gradual e interpenetrante. Quer dizer, não podemos ter uma visão exclusivista da ecologia, mas complementarista, num processo de desenvolvimento de que não abdicamos e que está a ser profícuo para o nosso país.
Para terminar, Sr.ª Deputada 15abel Castro, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: por que é que na sua intervenção não reconheceu que o Governo tem tido uma atitude dialogante na aplicação das suas políticas ambientais?

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, em primeiro lugar, V. Ex.ª referiu o plano. Porém, se deu alguma atenção à minha intervenção - e era bom que desse à resposta -, saberá que não referi qualquer plano. Portanto, se quer fazer um pedido de esclarecimento relativamente à minha intervenção, cinja-se aos problemas que nela coloquei.
Quanto ao facto de ser necessário despertar a consciência dos cidadãos, é evidente que isso é verdade, mas aqui não se trata de estados de espírito, que hipoteticamente, num qualquer dia e por um qualquer milagre, aconteçam. 15so pressupõe informação, debate e, por exemplo, educação ambiental, que os senhores aqui sempre têm recusado.
A segunda questão diz respeito ao azedume de, Os Verdes Sr Deputado, não se trata aqui de falar de um azedume de Os Verdes ou de uma hipotética doçura do, PSD. Estamos a falar de coisas sérias e, além disso, quando estamos no Parlamento, não falamos de relações pessoais mas, sim, de relações institucionais. Assim, a Sr.ª Ministra não teve qualquer atenção para connosco por ter vindo à comissão; limitou-se a cumprir a sua obrigação e o seu dever.
Vou, então, responder à única questão concreta que o Sr. Deputado colocou, que diz respeito ao sistema de tratamento de resíduos - e presumo que estaria a referir-se aos tóxico-perigosos, porque também não precisou. Mas se é disso que se trata e se teve alguma atenção à nossa intervenção, verificará que colocámos inúmeras questões que provam a identificação de problemas que o PSD, desde há quase 10 anos, não soube e não quis resolver, porque as coisas não se resolvem só com palavras, resolvem-se com actos.
E, ao fim de todo este tempo, não é admissível que alguém venha dizer que o Governo fala, ele tem é de agir, pois é para isso que ocupa as funções governativas e que, supostamente, se passou de uma Secretaria de Estado para um Ministério. É disso que se trata, Sr. Deputado!
Por outro lado, se está a falar de um sistema, pergunto-lhe que credibilidade ele tem, relativamente à função dos resíduos tóxico-perigosos, quando aquilo a que o senhor chama foros de debate são apenas foros de monólogo, em que as pessoas são informadas sobre o que é que se está a passar e não podem tomar parte na decisão. Portanto, as pessoas não estão ali para serem ouvidas nem achadas relativamente a nada, estão ali para ouvir a lição.
Sr. Deputado, quero ainda colocar-lhe uma outra questão. Se um sistema, com a importância deste, tem de funcionar - e nós admitimos que sim -, porque se escamoteia a informação efectiva às populações, designadamente às autarquias? Que credibilidade tem um sistema que só fala em eliminação e não é integrado, ou seja, não se discute, não se diz como é que a valorização e a recuperação de algumas coisas vão ser feitas? Como é que funciona um sistema, quando não há uma base de dados que lhe permita, com rigor, afirmar que resíduos é que cada indústria produz em cada sítio, quais as quantidades, quais as características e como é que, neste momento, eles se encontram?
Porque aquilo que vai acontecer, se caminharmos desta forma, é que, tão breve, não vamos ter sistema algum ou, então, teremos um sistema de fachada, porque, efectivamente, o Governo não criou condições, nem houve diálogo com os industriais, para saber qual é a situação, como é que o transporte vai ser feito, como é que mil e uma questões, que são práticas e que darão sentido ou não a este sistema, vão funcionar.
Tudo isto está em aberto. Portanto, Sr. Deputado Mário Maciel, as razões que enumerámos no nossa intervenção são plenamente sustentadas e, infelizmente, a estas poderíamos juntar muitas mais.
Julgo que o seu pedido de esclarecimento não carece, por isso, de mais explicações.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Muito bem!

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Informo a Câmara que a Sr.ª Deputada 15abel Castro, na sua resposta, utilizou tempo que lhe foi cedido pelo PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Adriano Moreira.

0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP). - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 sector da educação é talvez aquele ao qual mais frequentemente se aponta uma flutuação de políticas governamentais, tomando facilmente como indicador o número de ministros que se sucederam nas responsabilidades pela gestão da pasta, e, todavia, não pode ser ignorada a qualidade pessoal de alguns dos responsáveis pela área mais crítica do processo de desenvolvimento do País ou, dito de outro modo, pela área mais responsável pela cria-

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ção de uma capacidade nacional de resposta às exigências de um mundo cuja competição desafia soberanias, identidades e sobrevivências.
Temos escutado, com frequência cíclica, a descrição governamental dos esforços, que pretende exemplares, no sentido de inventariar as exigências, de afinar os instrumentos de resposta e de instalar a qualidade num domínio onde a massificação é uma ameaça à estabilidade da própria comunidade nacional, e, todavia, frustrando os objectivos afirmados e as realizações proclamadas, a realidade social portuguesa é crescentemente inquietante.
No caso de a integridade universitária ser um valor invocável num debate desta natureza, no sentido de fazer aceitar algumas referências factuais, podemos usar o 4.º Ciclo de Debates da Universidade do Porto, tomado público e acessível em Setembro do ano corrente, para documentar a frustração dos docentes, dos discentes e da própria instituição universitária.
Não tenciono, nem parece necessário, fazer uma referência exaustiva aos elementos ali apontados como mais significativos, mas parece indicado salientar algumas das anotações mais importantes. Todos os governos ocidentais assumem que têm o dever de responder às exigências da competitividade corri uma melhor educação, captando também o eleitorado pela correspondência à progressiva exigência social, no sentido de ser alargado o acesso à obtenção dos diplomas do ensino superior, e, todavia, o desânimo atinge crescentemente os docentes que sofrem uma inegável degradação do seu estatuto social; não viram satisfeitas as expectativas de melhoria das remunerações pelas quais pouco reivindicaram; viram desafiada a qualidade da intervenção docente, que sofreu a erosão da massificação; perderam progressivamente a liberdade da investigação desinteressada, porque os financiamentos são mais função da investigação aplicada; viram multiplicar os tipos de resposta ao excesso da demanda que o Estado não foi capaz de satisfazer, mas sem articulação clara entre o ensino público, privado e cooperativo e o que não é público nem privado.
A definição deste mercado foi condicionada pela mão bem visível do Estado, que se teima liberalizante, mas que usou o numerus clausus em função da capacidade física da recepção dos estudantes e sem qualquer critério qualitativo ou plano indicativo sobre as necessidades previsíveis das comunidades nacional e internacional em que estamos integrados e às quais os formandos se destinam.
0 título final, que é, tradicionalmente, a licenciatura, deixou de fornecer a segurança da qualificação e da utilidade social, para significar apenas que se dá finalmente ao estudante a licença de se desembaraçar sozinho.
Por seu lado, os candidatos ao ensino superior habituaram-nos a contestar todo o sistema - o que existe, o que se proponha, o que se altera, o que se persiste em defender. Não serão esquecidas proximamente as movimentações causadas pela desafortunada prova PGA, um desastrado instrumento de escolha dos privilegiados que teriam acesso ao ensino oficial, porque as provas não excluíam ninguém, limitavam-se a garantir o benefício de alguns.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - É certo que um relatório da OCDE considera que só a maior contribuição de alunos e famílias para as despesas poderá apoiar a expansão do sistema educativo, mas, entre nós, a intervenção governamental nesse sentido foi de molde a perturbar a paz académica e a guerra das propinas deu causa às maiores manifestações estudantis de sempre, com demonstrações inquietantes sobre os modelos culturais em vigor na geração em revolta.
Quando a insuficiência das respostas do Estado obrigou a iniciativa privada a fazer - algumas vezes mal! - aquilo que o Estado não fizera nem bem nem mal, insistimos na urgência de estabelecer um sistema de cheque escolar que igualasse, de algum modo, àqueles que o Estado recebia como filhos os que rejeitava como enteados, em nome de critérios habitacionais e quantitativos, que até excluíam e continuam a excluir a excelência dos alunos que ficam à porta por falta de espaço físico.
A questão das propinas encaminha-se para, finalmente, igualar as condições pelo simples método de o ensino oficial ser tão oneroso como o privado, e agora são os privilegiados do ensino público que repetem as queixas, a que já se resignaram, dos que durante estes longos anos foram remetidos para o sector privado.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - Tal insatisfação não pode ser ignorada nem minimizada e para ela não é remédio apaziguar as justas cóleras, consumindo ministros da educação, e a crítica parlamentar, invocando a estabilidade das políticas, o que tudo vem documentado pelo estudo da Universidade do Porto.
A probabilidade é que na reclamada estabilidade das políticas ou da atitude política esteja uma das causas para a crescente instabilidade de docentes, de discentes e das famílias. Uma dessas atitudes, talvez estruturante, foi a que se traduziu em autonomizar o aparelho oficial do ensino, como que isolando-o do sistema que entretanto se estruturou com alguma anarquia. A estrutura estadual transformou-se na questão do ensino e a percepção do aparelho burocrático excluiu a sensibilidade para o facto de que, assim, se abandonava muitos e se lhe recusava o acesso à formação garantida pelo Estado.
As Grandes Opções do Plano para 1995 ainda documentam a persistência do ponto de vista do simples aparelho do Estado, descrevendo o esforço financeiro anunciado em vista dos horizontes da máquina estatal, mas que não pode alargar-se à totalidade do sistema, que é público, que é privado, que tem um sector que não é público nem privado, comprovando de uma maneira esdrúxula algumas teses de Max Weber. 0 aparelho, objecto de todos os cuidados, mostra-se frequentemente indomável e frequentemente excede, primeiro, a capacidade de luta, depois, a própria capacidade de resignação dos voluntários para gerir o sector do Governo mais consumidor de futuros políticos que existe.
0 aumento do investimento na construção e equipamento de novas infra-estruturas e a beneficiação das existentes ao nível de universidades e institutos politécnicos, designadamente do Porto, Lisboa, Coimbra, Leiria, Beja e Portalegre; os anunciados trabalhos de alargamento das instalações das Universidades Técnicas de Lisboa, Porto, Algarve, Coimbra e Minho; o investimento nas infra-estruturas desportivas e até na acção social, o que tudo se cita aqui, para evitar queixas governamentais de omissão, não calam os protestos, não melhoram a estética das reclamações nas manifestações públicas, não recompensam exigências louváveis de qualidade e não diminuem a resistência burocrática instalada.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - No entretanto, não há medida para as distorções e frustrações causadas nestes anos em relação às vocações, aspirações e futuros da juventude. Alunos ex-

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celentes são excluídos por décimas, por uma décima nas admissões às escolas que preferem, em consequência do numerus clausus habitacional.
A coacção sistémica que obriga os candidatos à enumeração de opções, como se as vocações fossem necessariamente polivalentes, o encaminhamento dos excluídos - e repita-se que muitos correspondendo aos critérios de excelência - para carreiras em que nunca tinham pensado, tudo isto traduz uma distorção gravíssima da sociedade portuguesa. Pode ser que ninguém assuma qualquer responsabilidade por este passivo, mas ao menos que a existência dele não seja negada e que se reconheça a urgência de evitar que cresça, investigando métodos e perspectivas diferentes das que têm sido exercitados.
E uma das emendas necessárias é certamente a de ser mais humanista e menos tecnocrático, de olhar primeiro para a sociedade e só depois para as correcções da máquina, em vez de lutar pela máquina com exclusão de parte significativa da sociedade.
Aquilo que mudou na estrutura ocidental, e muito subitamente entre nós, foi talvez o sistema global de integração social que incluiu, durante um largo período euromundista, instituições sólidas como a família, as igrejas, as forças armadas e o sistema educativo.
As guerras civis dos ocidentais, a que chamaram guerras mundiais, aceleraram a degradação ou substituição de todos esses instrumentos clássicos de integração. A família alterou a definição e a função, sendo claro que, hoje não assume a responsabilidade integradora do passado, em função de um modelo de sociedade também desaparecido, um modelo de sociedade que dispensou grande parte da função integradora das igrejas; uma experiência traumática que fez caducar o modelo das forças armadas, entendidas como espelho da Nação, que recebiam e moldavam os jovens, que hoje exigem a desconstitucionalização do dever militar e que chegam à maioridade e à participação política antes de se apresentarem com independência crítica nas fileiras.
De tudo, parece ter de reconhecer-se que substituiu apenas o aparelho educativo, desde a gloriosa escola primária à aristocrática universidade, tentando responder às exigências que crescem de intensidade, ao mesmo tempo que se dilui a densidade das contribuições das restantes instituições.
Vistas as circunstâncias, o aparelho até deu uma razoável, talvez inesperada, prova de capacidade, mas perdeu vigor, queimou energias, empenhou prestígio, reduziu a área do combate, cresceu na impaciência, resistiu, protesta e tem razão. Tal como tem razão, a sociedade reclama, embora não possa dispensar-se de ter maneiras; tal como tem razão, a resposta privada pretendeu preencher o vazio criado pela incapacidade do Estado e espera do Estado que regresse à luta para que todo o sistema recupere qualidade por igual. 0 tempo irrecuperável inclui os longos anos do Governo da maioria absoluta.

Aplausos do CDS-PP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Está em apreciação na Câmara uma moção de censura ao Governo apresentada pelo CDS-PP.
Antes de iniciar a minha intervenção, gostaria, porém, de saudar V. Ex.ª - em nome do Grupo Parlamentar do PS e da sua direcção, recentemente eleita, reafirmando-vos a todos o nosso empenhamento nos trabalhos da Assembleia. Para com as outras oposições, apesar de autónomos, queremos ser dialogantes para com a maioria e o Governo, apesar de correctos, queremos ser vigilantes, críticos e firmes;...

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - ... e para com V. Ex.ª, Sr. Presidente, apesar de independentes, queremos ser institucionalmente leais.
A fidelidade aos que nos elegeram e a avaliação dos interesses do País constituem, sempre e em cada momento, a trave-mestra da nossa intervenção política, no quadro geral da democracia portuguesa.
Não insistimos, por agora, no que apaixonou os analistas: a avaliação do mérito em função da oportunidade da iniciativa do CDS-PP. Esse exame está feito com o maior brilho. 0 que, neste momento, nos interessa é registar que, no início da sessão legislativa, uma oposição, que se autodefine como da estabilidade e que em muitos momentos invoca valores sobreponíveis e convergentes com os da própria maioria, vem claramente censurar a sua acção política e condenar, sem apelo, a sua governação. 0 gesto do CDS-PP tem, por isso, a enorme gravidade de uma repreensão de família, aliás, de uma mal-amada repreensão em família.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Na perspectiva diferente de quem se coloca como alternativa - e não está, por isso, a capitalizar argumentos para negociação de futuros entendimentos -, o PS vê, no debate que está a ter lugar, a oportunidade para confrontar posições e para o fazer, de modo especial, em relação ao Governo.

0 Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No final de três mandatos, a actuação governativa do PSD contabiliza-se por três notas negativas: uma reforma política falhada, uma modernização económica congelada e uma desigualdade social agravada.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Comecemos pela reforma política.
Todos se lembram do reformismo institucional e político que invocava, a par e passo, o PSD da maioria simples em trânsito para a maioria absoluta, as ideias, as intenções e os propósitos de mudança. Que resta de tudo isso ao fim de uma década de uso e abuso do poder? A menor intenção reformista, a máxima preocupação em conservar o poder, não abdicar de posições de influência, partilhar interesses ou gerir a clientela.
Aludia-se ciclicamente à importância vital de rever a Constituição, e disso se fazia depender tudo o mais mas, agora, procura-se a todo o custo um pretexto infantil para abandonar os trabalhos da revisão constitucional e assim se deixa o País perder a oportunidade para ver aperfeiçoado o seu sistema político em pontos capitais, como a possibilidade de os portugueses elegerem e saberem quem é o seu Deputado, a consagração do fim do monopólio dos partidos na apresentação de candidaturas e a introdução e reforço da iniciativa popular quanto ao referendo, ao controlo de constitucionalidade e à própria elaboração legislativa.
Elogiava-se, de manhã à noite, os méritos do Portugal profundo e a necessidade da descentralização e da regio-

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nalização, mas, agora, descobre-se o valor eterno da centralização e, tomando por modelo a mais radical das críticas ao funcionamento das autonomias regionais dos Açores e da Madeira - em que o PSD tanto gostava de se rever -, impede-se o País, caso raro na Europa desenvolvida, de organizar a sua vida regional e de, assim, potenciar planos de desenvolvimento adequados, com o controlo de
instituições eleitas e representativas.

Aplausos do PS.

Pregava-se a moralização política, recorrendo com abundância ao distanciamento face ao que se apresenta como padrão caricatural da vida política, ousando mesmo ao mais alto nível - do Primeiro-Ministro - negar sistematicamente
o próprio desempenho de funções políticas, mas, paralelamente, bloqueia-se e impede-se qualquer aperfeiçoamento legislativo sério, destinado a ampliar a transparência da actividade política, o reforço das incompatibilidades de
governantes, eleitos e altos funcionários, o controlo do rendimento, interesses e património dos políticos ou o financiamento da actividade partidária.
Empunhava-se a bandeira de uma alteração de métodos no funcionamento da máquina administrativa do Estado, publicitando a chamada "revolução na qualidade" dos serviços, mas desiste-se de qualquer medida de fundo tendente a reduzir a servidão e a selva da burocracia e antes se agrava o peso descomunal do sector público administrativo, ampliando, de ano para ano, o número de ingressos
sem concurso, por forma a satisfazer uma colossal clientela para quem diariamente se tem de legislar no Diário da República através das constantes "alterações ao quadro de pessoal" e criações de "lugares de assessor principal a
extinguir quando vagarem".

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Numa década de responsabilidades governamentais, confundindo maioria com direitos a privilégios incontroláveis, o PSD fracassou a reforma política e colocou a obsessão em manter a sua hegemonia acima de qualquer perspectiva racional sobre o futuro do País.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o PSD falhou na reforma política, também é verdade que não levou muito longe a modernização económica.

Muito do que aconteceu ficou a dever-se a ajudas externas ou a conjunturas felizes e sempre que as dificuldades se fizeram sentir o Governo foi incapaz de prevê-las ou ultrapassá-las. Nesse período, o Primeiro-Ministro quase sempre hibernou ou, então, substituiu ministros sem dó nem piedade.
Vejamos algumas áreas.
Não é redundante insistir na agricultura. Apesar dos 700 milhões de contos recebidos da Comunidade Europeia até agora, a agricultura portuguesa não cessa de ser afectada por uma crise dramática. A produção declina. Em 1993, o
rendimento da actividade de cada agricultor deverá ter registado uma quebra de 17 % relativamente a 1992. Descontada a famosa "visita de sucesso" feita à herdade do Sr. Thierry Roussell, de conhecido desfecho, o Primeiro-Ministro não tem muitas oportunidades para se colar a outra coisa que não seja a degradação constante deste sector. Ou então, para fazer visitas, só com muitos
guarda-costas.

0 Sr. Rui Carp (PSD)- - Outra vez!

0 Orador: - Na indústria, os resultados são também francamente negativos. De 1990 a 1993, a produção industrial baixou 4,5 %. Contrariamente ao que se passa em todos os países da Europa, este ano, em Portugal, a produção industrial continuou a cair no primeiro semestre, em virtude da incompetência do Governo para relançar a economia.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 tecido empresarial é o principal afectado com o marasmo económico. Em 1993, surgiram menos 846 novas empresas do que no ano anterior Pelo contrário, no mesmo período, as falências não pararam de crescer. Só em 1993, foram mais 16 % do que em 1992 15to é, em Portugal, com o virtuosismo da política económica cavaquista, no ano passado, as falências não pararam de aumentar e a criação de empresas não parou de diminuir.
Não admira, por isso, que, nas estatísticas europeias do produto por habitante, Portugal, no seu conjunto, surja muito abaixo de todas as regiões espanholas, incluindo a Galiza e a Estremadura, as mais atrasadas do país vizinho. Esse atraso coloca problemas estruturais graves ao equilíbrio peninsular, os quais afectam, de forma drástica, uma integração harmoniosa dos dois países na União Europeia, tanto mais que a dinâmica do investimento, do acesso ao sistema financeiro e da penetração comercial de Espanha em Portugal não tem sido acompanhada por um movimento significativo de sinal contrário.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - A Espanha tem uma estratégia em relação a Portugal. 0 Governo português persiste em não definir qualquer estratégia face a Espanha.

Aplausos do PS.

Os dinheiros do II Quadro Comunitário de Apoio, cujos montantes têm vindo a ser anunciados vezes sem conta, no mesmo ou em diversos locais, com essa ou outra designação, utilizando múltiplos suportes publicitários, não foram minimamente aplicados até ao fim da primeira quinzena de Outubro, apesar de o Governo português ter sido o primeiro a receber de Bruxelas a transferência dessas quantias. É esta a metodologia preferida do actual Governo: para receber é o primeiro, para dar é o último.

Risos do PS.

Em 1994, por motivos inconfessáveis, o Governo não hesita em prolongar a recessão, quando em toda a Europa os ritmos de crescimento são já muito fortes e estão a milhas dos magros resultados domésticos.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Apesar das torrentes financeiras de Bruxelas, o investimento privado, tipificado na compra de equipamento e materiais, depois de cair quase 10% em 1993, caiu já 12,5 % no primeiro trimestre deste ano.

Pode-se concluir, neste campo, com toda a razão que, no final de 10 anos de cavaquismo, a modernização económica se encontra congelada e, por isso, o País continua mal preparado para responder de forma positiva ao desafio da integração europeia da moeda única e da competição nos mercados mundiais.

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22 DE OUTUBRO DE 1994 71

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - É expressiva a nossa descida nos índices da competitividade internacional. É isso, aliás, o que fica evidenciado no relatório do World Economic Forum, a que, ontem, aludiu o Primeiro-Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Em vitalidade económica própria, vimos atrás do México e das Filipinas. Em gestão, somos batidos pela Indonésia e pelo Brasil. Em ciência e tecnologia, vimos no penúltimo lugar da escala, depois da índia, da Colômbia e da Argentina, para não falar da Grécia e da Turquia. Para quem tanto diz pedalar para o pelotão da frente, ou a corrente rebentou, ou ia jurar que a bicicleta do Primeiro-Ministro tem marcha-atrás.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A terceira grande nota negativa do Governo é o agravamento da desigualdade social.
0 crescimento constante da taxa de desemprego é um verdadeiro record do actual executivo. Este facto é preocupante e não pode ser diluído com a miragem de comparações europeias, onde o grau de sofisticação da economia, por um lado, e os apoios sociais ao desemprego, por outro, não têm semelhança com os portugueses.
Mas mais preocupante ainda é o facto de, em Portugal, estarem a surgir, cada mês, mais de 20000 novos desempregados e de o número de trabalhadores por conta de outrem estar sistematicamente a diminuir, o que demonstra a falta de vitalidade das empresas para vir, a prazo, a debelar este flagelo. Ontem e hoje, nos dois dias deste debate, pelo menos 1400 portugueses ficaram desempregados enquanto o Primeiro-Ministro falava. Comparando a evolução entre o terceiro trimestre já deste ano com o de 1993, constata-se que a população empregada só cresceu em 35 000 e a população desempregada aumentou em 60 000, isto é, o aumento foi sensivelmente duplo.
Não admira, por isso, que os indicadores de pobreza, também aumentem assustadoramente, e que, de acordo com os últimos números disponíveis, cerca de dois milhões de portugueses sejam pobres (no sentido em que os rendimentos não cobrem as necessidades básicas) e, desses, 200 000 não consigam assegurar uma alimentação satisfatória, ou seja, pura e simplesmente, passem fome.
0 resultado directo de condições sociais tão degradantes não poderia deixar de ser o assustador aumento da criminalidade.
Elementos colhidos junto de diversas fontes oficiais - e que apontam amostras interessantes - indiciam que, no ano passado, os crimes de rapto e de sequestro duplicaram; que os crimes de violação aumentaram 40 % e que os roubos em postos de abastecimento de combustível passaram para o dobro. Se, em 1990, se registavam diariamente dois roubos à mão armada, em 1993, já ocorriam por dia cinco roubos à mão armada. Em 1990, havia 20 crimes diários de delito comum contra estabelecimentos; em 1993, esse número passava para 38. No ano passado, 8 % de toda a criminalidade participada à Polícia Judiciária era cometida com violência. 0 tráfico de estupefacientes aumentava 14,7 %, o roubo de automóveis 16,3 % e os furtos a residências 7,3 %. Nesse ano (1993), as ofensas corporais graves cresciam 153 %, o rapto de menores 100 %, os homicídios por negligência 91,6 % e os crimes de moeda falsa 122,1 %.

Portugal é hoje um país e uma sociedade em que a miséria e a insegurança andam de mãos dadas e em que a tranquilidade pública das pessoas de bem é diariamente ameaçada.

Aplausos do PS.

0 Governo, no final da sua década de ouro, deixa um balanço de agravamento nítido das desigualdades sociais e de aumento da insegurança dos cidadãos. 0 cavaquismo pode, assim, resumir-se a três retumbantes fracassos: reforma política falhada, modernização económica congelada e desigualdade social agravada.

Aplausos do PS.

0 balanço é mau e, a ser assim, independentemente das motivações, a censura é devida porque o balanço é mau. Refiro-me à nossa censura, com os nossos argumentos, sem timoratas autojustificações e com uma argumentação coerente e não rebatível.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 exame das portuguesas e dos portugueses à actuação do Governo revela que, à medida que os anos passaram e que as sucessivas maiorias foram sendo reiteradas, o estímulo para fazer melhor por parte dos governantes foi desaparecendo até dar lugar a uma rotina que é mero instinto de conservação de poder. 0 princípio de que "depois da maioria vale tudo e não se presta contas" é o que hoje norteia a ideologia política do PSD. 0 Governo é o suporte físico dessa orientação e o Primeiro-Ministro o seu mentor mais destacado e em evidência.

Aplausos do PS.

E por isso que os actuais governantes criam mais problemas do que soluções. Há muito que abandonaram uma lógica programática em detrimento de um conjunto de tácticas de salvação, e movem-se para conservar um estatuto e não para produzir um serviço útil.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - É por isso que os actuais governantes norteados pelo conselho prático "dai-me a maioria e eu tratar-vos-ei da saúde" -, quando sentem a opinião pública fugir-lhes, se agitam com os magistrados, com os agricultores, os comerciantes, os industriais ou os banqueiros, com a imprensa, com o Presidente da República, com os militares, com os funcionários públicos, com os professores, com o Provedor de Justiça, com os sindicatos, com as autarquias e regiões, com a oposição - em especial com o PS, que deixou agora de ter direito a quadro de honra -, com os jovens, em suma, com tudo o que tem independência, autonomia e respiração própria e que, por essa razão, não pensa como aqueles que julgam que a ficha de inscrição no PSD é o passaporte para o emprego, a promoção, o empréstimo, o subsídio ou a obtenção de casa.

Aplausos do PS.

É por isso que governos nestas circunstâncias podem até tornar-se perigosos e deixar-se cair na tentação de legislar ao arrepio dos princípios democráticos essenciais,...

Vozes do PSD: - Oh!...

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72 I SÉRIE - NÚMERO 3

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Vem aí o fascismo!

0 Orador: - ... como é patente nas propostas governamentais sobre mobilização e requisição e na persistência em aprovar, à pressa, um contestadíssimo modelo para o sistema de informações.

Aplausos do PS.

A gravidade desta última matéria leva o PS, inclusivamente, a desafiar o Governo para um debate na Assembleia da República sobre o relevante assunto de interesse nacional que constitui a temática das informações, da sua filosofia enquadradora, da sua articulação, da sua fiscalização e da sua deontologia em sistema democrático.

Aplausos do PS.

0 Governo está a tempo de fazer uma pausa nesta matéria, de suster um pouco a sua teimosia legiferante e de criar as condições necessárias para que a legitimidade de tais estruturas não seja permanentemente posta em discussão. Caso contrário, corre-se o risco de assistir ao renascimento em Portugal de uma das mais perniciosas tendências do espírito humano, que é o gosto pela delação, o vasculhar da vida dos cidadãos,...

0 Sr. Rui Carp (PSD): - 15so é o que os senhores gostam!

0 Orador: - ... o controlo remoto ou directo das associações, a pressão encapotada sobre os espíritos e as condutas, o condicionamento da actividade cultural, religiosa, sindical ou política, os critérios secretos nas admissões, nas escolhas, nas promoções e nas transferências; em suma, o renascimento de uma condenável tendência autoritária na Administração e na vida nacionais que julgávamos e queremos definitivamente erradicada do relacionamento entre cidadãos - mulheres e homens livres - da nossa terra.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, a censura está feita, extensamente feita, argumentadamente feita. Por nós, nesta Câmara legislativa; pela generalidade dos portugueses no País inteiro.
A censura tem sempre uma lógica política irrefutável: a lógica da alternância, a lógica da alternativa.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Então, porque não a apresentaram?!

0 Orador: - E é nessa direcção que estamos a trabalhar.
Os portugueses querem diferença e mudança, e são possíveis; a diferença e a mudança são possíveis.
Meus senhores, o vosso tempo passou.
As soluções exigidas por um Portugal moderno - com as mulheres e os homens, os portugueses, que querem a mudança - são outras e, felizmente, estão a chegar.

Aplausos do PS, de pé.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Jaime Gama teve a gentileza de, no início da sua intervenção, saudar os Srs. Deputados e aproveito a ocasião para saudá-lo pela sua eleição para a direcção do seu grupo parlamentar e desejar-lhe as maiores felicidades.

Aplausos do PS.

Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Ministro Adjunto e os Srs. Deputados Duarte Lima, Nogueira de Brito, Rui Carp, Silva Marques, Carlos Pinto e Vieira de Castro.
Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

0 Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, por uma questão de delicadeza, começo por agradecer as referências que endereçou ao Governo, retribuindo-lhas, em meu nome e no do Executivo, no momento em que inicia funções na liderança parlamentar do PS. Quero desejar-lhe também as maiores felicidades e que, desta vez, o seu regresso à liderança seja definitivo, com a mesma colaboração institucional que já teve noutra ocasião, para que, daqui a algum tempo, não tenha necessidade de voltar a reafirmar e repetir, publicamente, o frenesim de que, em tempos idos, tomámos nota através de uma entrevista sua.

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - Mau gosto! Baixo nível!

0 Orador: - A propósito da sua intervenção, gostava de deixar uma primeira nota sobre a parte relativa ao alegado debate da moção de censura, já que a grande questão política que hoje aqui se coloca e sobre a qual os portugueses se questionam, é a seguinte: que coerência tem um partido que diz que esta iniciativa é uma irresponsabilidade, um erro político, para além de inoportuna, e que, depois, alinha na irresponsabilidade, pactua com a inoportunidade e, de alguma forma, confirma e avaliza o erro político? Onde está a coerência da atitude do PS e do seu comportamento?
Esta questão da coerência tem também a ver com a aferição de credibilidade que os portugueses não deixarão de fazer a seguir porque, em política, não há actos gratuitos e o significado, porventura mais profundo, da vossa falta de coerência será o de amanhã ser claramente entendido que foram, como o CDS-PP pretendia, a reboque da sua estratégia, condicionados pela sua orientação, manietados e inibidos face à sua iniciativa Já não seria a primeira vez que o PS se arrependeria, designadamente neste ano de 1994, de atitudes que tomou. Vamos ver o que, nesta matéria, o futuro nos reserva.
Duas ou três notas sobre a "interpelação" porque, subjacente ao discurso do Sr. Deputado, está um debate alegadamente sobre uma moção de censura. Porém, como as outras oposições sustentam, trata-se de uma espécie de interpelação ao Governo e não de uma moção de censura.
0 Sr. Deputado falou, desde logo, na questão da reforma política, na incapacidade ou na falta de vontade do Governo e do partido que o apoia para uma reforma política, a reforma do Estado. Considero que, neste caso, não traduzindo o seu pensamento mas o do seu partido, o Sr. Deputado cai na maior das hipocrisias. Que partido, na anterior Legislatura, apresentou, pela primeira vez, uma iniciativa concreta e palpável de reforma do sistema político e do sistema eleitoral, inviabilizado pelo Partido Socialista?
Que partido foi acusado sistematicamente, numa falta de total honestidade intelectual, de querer ganhar votos na secretaria e de manter o poder dessa forma?

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Era verdade!

0 Orador: - Foi esse o vosso argumento hipócrita e desonesto, politicamente, para inviabilizarem uma reforma que, agora, pomposamente, apontam

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Aplausos do PSD.

Esquece-se o Sr. Deputado de que o partido que apoiou o Governo apresentou, oportunamente, uma lei de financiamento dos partidos e bateu-se por uma redução do número de Deputados, que julgava importante, para dar maior governabilidade também ao próprio Parlamento. Foi por essa razão que os senhores inviabilizaram, na Legislatura anterior e até mesmo na actual, esta reforma.
Esta matéria constou de um desafio sério e responsável feito pelo Primeiro-Ministro na abertura do debate do Programa deste Governo, um desafio verdadeiramente sério e responsável - na altura, já no final de 1991 - para que se abrisse, se necessário fosse, um processo de revisão constitucional antecipada para alterar o sistema eleitoral.
Mas os senhores não quiseram e preferiram deixar- essa decisão para a última hora porque sabem muito bem que nos aproximamos da data das eleições legislativas, o que significa que não têm condições nem vontade política para fazerem aquilo que, pomposamente, classificam de importante, a revisão constitucional.

Os portugueses julgarão também esse comportamento, porventura, da mesma forma como o fizeram nas últimas eleições.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está a referir-se às autárquicas ou às europeias?

0 Orador: - É que, na anterior Legislatura, por falta de vontade do PS, não houve reforma do sistema eleitoral mas, nas umas, receberam uma grande lição dos portugueses, que fizeram, com uma segunda maioria absoluta, a reforma do sistema.

Aplausos do PSD.

Sobre a modernização da economia, parece-me, uma vez mais, impossível que o que foi dito corresponda ao pensamento e à elevação intelectual do Sr. Deputado mas, certamente, pertence ao timbre da demagogia do seu partido :
Que partido inviabilizou, durante anos, a revisão económica da nossa Constituição, a ponto de chegar-se ao cúmulo de, por escassez de meses, corrermos o riso de termos uma Constituição económica como a que tínhamos, a par da queda do muro de Berlim? Uma vergonha, uma desproporção descomunal! Ou seja, enquanto se dava a queda do muro de Berlim com tudo o que isso significa, tínhamos a Constituição mais marxista da Europa em termos económicos!

Protestos do PS

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ainda o é!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Câmara deve manter-se silenciosa para que o Sr. Ministro conclua.

0 Orador: - Sr. Presidente, vou concluir de seguida, embora apele para a sua benevolência.
A este respeito, compreendo o nervosismo e o desespero dos Srs. Deputados. De facto, a verdade custa, e muito, a ouvir!
A respeito do "papão" espanhol, e já não é a primeira vez que o Partido Socialista o ergue nesta Casa, gostava apenas de rematar esta questão citando-lhe Eduardo Lourenço por subscrever totalmente o que ele, um dia, disse: "0 antiespanholismo é a doença infantil de alguns portugueses". Peço licença ao Eduardo Lourenço para dizer que, neste caso, parece ser a doença infantil de alguns políticos portugueses. É pena, mas é verdade!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Sobre a recessão económica, não deixo de notar esta singularidade: antes das férias, não havia recessão económica, o Governo mentia, aldrabava, enganava os portugueses; a seguir às férias, o líder do seu partido, que está sentado ao seu lado, de repente, descobriu que a recuperação económica aí estava mas, então, para infelicidade sua, era o Governo que estava a atrasá-la, como se fosse possível enganar os portugueses pensando que a recuperação económica é uma questão de carregar num botão, de proferir um despacho ou de aprovar um decreto governamental!
É como a questão da competitividade da nossa economia. Como é possível dizer-se que Portugal está a perder competitividade no seio da economia mundial e, ao mesmo tempo, ganhar quotas de mercado, como evidenciam o crescimento e a diversificação das nossas exportações? É uma autêntica irresponsabi1idade!

Aplausos do PSD.

Para terminar, duas notas sobre a questão das desigualdades sociais, matéria que me suscita um comentário muito interessante: é fácil falar em justiça social, clamar a solidariedade social e mostrar que se tem um enorme coração e, em matéria de coração, de grandeza de valores e de princípios, os vossos não são superiores aos nossos. A única diferença que joga a nosso crédito e a vosso débito é que nós praticámos e os senhores não praticaram, nós já demos provas, no poder, de sermos coerentes com aquilo que dizemos, prometemos e fazemos, quer se queira quer não.
Os portugueses abalizaram, em 1987 e em 1991, que o País cresceu e que se tornou mais justo, mais solidário, com menores desigualdades sociais. Mas, Sr. Deputado, não tenha dúvidas de que continuaremos a ser os primeiros a lutar contra a exclusão, a marginalização e o atenuar das desigualdades sociais de uma forma séria, não levianamente, não da mesma forma que leva o Sr. Deputado a falar de desemprego mas a omitir o que não é sério, do ponto de vista intelectual, ou seja, que todos os países tiveram as suas taxas de desemprego agravadas fruto da recessão e da crise económica internacional.
Seria bom que, ao menos, não elogiando o Governo, mas prestando justiça ao mérito dos empresários portugueses, se dissesse que, apesar de tudo, continuamos a ter, à excepção do Luxemburgo, a taxa de desemprego mais baixa da Europa. É bom referi-lo porque não é possível fazer uma análise séria sem jogar com a evolução dos dados, em termos comparativos, nos outros países.
A terminar, pese embora as suas enormes qualidades políticas e intelectuais, o Sr. Deputado mostrou, também, como outros no seu partido - é timbre do PS, neste momento -, preocupações, mas, uma vez mais, cedeu à tentação da demagogia, de alguma leviandade política e de ligeireza de comportamento, o que aconteceu em muitos momentos e de uma forma particularmente aguda e grave quando se referiu às forças de segurança, à questão da criminalidade.
Evidentemente, essa questão preocupa qualquer cidadão, qualquer responsável político, pois ninguém tem a verdade absoluta nem o património exclusivo dessas preocupações.

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Porém, não pode deixar de ter-se em atenção o que os relatórios demonstram 0 Conselho de Segurança Interna, onde estão representadas entidades que não dependem do Governo, confirma que Portugal tem os níveis de criminalidade mais baixos de toda a Europa em que estamos integrados. Este é um dado indiscutível Queremos mais? Com certeza! Queremos fazer melhor? Indiscutivelmente! Mas temos uma das melhores performances. Agora, Sr. Deputado, não se consegue mais e melhor segurança, maior tranquilidade dos cidadãos, com ataques levianos e ligeiros às forças de segurança, comprometendo a sua dignidade.

Aplausos do PSD.

E quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não o esperava da sua postura e da sua intervenção!
Quanto ao mais, concordo consigo: daqui a um ano, pelo voto soberano e livre, os portugueses vão julgar a nossa e a vossa actuação. No passado, os senhores disseram aquilo que o Sr Deputado também disse no final da sua intervenção. Em 1987 e em 1991, o povo não lhes deu razão! Não vamos antecipar o julgamento que será feito daqui a um ano!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr Jaime Gama (PS): - Sr Presidente, Sr. Ministro Adjunto, o Governo teve esta oportunidade para, sem se reduzir à figura exclusiva do Primeiro-Ministro, intervir neste debate. Até julgávamos, com a escassez de membros do Governo presentes, que o Primeiro-Ministro estava envergonhado de comparecer com o Executivo neste debate.

Vozes do PSD: - Oh!

0 Orador: - Mas, depois de ouvir a sapientíssima exposição de V. Ex.ª, Sr. Ministro, fiquei a saber, com mais rigor, o que o Dr. Marques Mendes tinha dito numa reunião do seu partido no sentido de que o PSD precisava de uma "cura de oposição".

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Exactamente!

0 Orador: - V. Ex.ª é, aliás, um dos exemplos mais palpitantes, na actual equipa governativa, de como o Governo está a precisar de uma "cura de oposição".

Risos do PS.

Quando V. Ex.ª pediu a palavra, julgava que, com a sua velocidade habitual, viesse dar resposta a uma invectiva central que o Partido Socialista colocou ao Governo sobre uma questão candente e grave, que é a de saber se o Governo de V. Ex.ª aceita ou não realizar na Assembleia da República um debate sobre um assunto de relevante interessante nacional, a temática em torno da questão das informações.
Sobre essa matéria, V Ex.ª nada disse e preferiu contra-argumentar em questões laterais que, aliás, em nada infirmaram os dados que apresentei e produzi na minha intervenção.
V. Ex.ª apenas veio contestar o rigor de um único dos dados que apresentei, a sua objectividade ou exactidão, quando começou por perguntar: então, por que razão vota o PS a moção de censura do CDS-PP? Sr. Ministro, V. Ex.ª sabe muito bem o que nos distingue do CDS-PP! Aliás, ontem, cultural, política espiritualmente, V. Ex.ª terá ficado a saber que nós endossamos 99,9 % da argumentação do Deputado Pacheco Pereira em relação à crítica da prática política do actual CDS-PP.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - São iguais!

0 Orador: - Mas foi bom que o Deputado Pacheco Pereira tivesse dito o que disse, porque grande parte do que referiu, criticando o populismo da actual liderança do CDS, também se encaixa, de forma mitigada, em relação ao actual chefe do Governo,...

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

... que é do partido e não é do partido, que está na política e não está na política... E é bom que o Deputado Pacheco Pereira também tivesse lembrado algumas questões ao PSD, para valerem no futuro! Porque o que ele disse, em relação à Europa e a muitas outras coisas, é uma linha de demarcação que gostaríamos que o PSD respeitasse no futuro. 15so é muito importante.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Pois bem, V. Ex.ª veio aqui referir a temática da reforma do sistema político. Mas quer o Sr. Ministro exemplo mais gritante de como o PSD desinvestiu totalmente na temática da reforma do sistema político do que a conduta infantil que está a ter em relação à revisão constitucional?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 PSD fez um ultimato a dizer que ia abandonar a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Então, o partido maioritário na Assembleia da República, o partido ao qual os portugueses, nas últimas eleições, confiaram a tarefa de governar o País demite-se de uma comissão de que ele foi proponente e na qual está em maioria?!

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Talvez o Grupo Parlamentar do PSD, antes de se demitir da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, tenha já começado a demitir-se do ultimato,...

Risos do PS e do CDS-PP.

... mas isso também não é saudável porque revela uma grande insegurança na conduta das operações políticas neste ano, em que se caminha para a última sessão desta Legislatura.
Também veio aqui referir o problema da modernização económica. De facto, V Ex.ª é que tem de prestar contas sobre isso! As Constituições que existiram nos País, desde 1975, com todas as revisões, foram aprovadas pelos nossos dois partidos. Portanto, o quadro constitucional em que se exerceu a actividade económica foi o de Constituições que V. Ex.ª também aprovou. E V. Ex.ª, sabe que a abertura económica foi um empenhamento sério do Partido Socialista. Aliás, a recuperação económica de 1986, 1987 e 1988, que V. Ex.ªs tanto gostam de referir, na análise dos ciclos económicos, tem uma origem marcada por um Governo da

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responsabilidade do Partido Socialista. VV. Ex.ªs foram lestos em colher esses benefícios na hora oportuna do ciclo

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Orador: - E, por isso, agora, na hora difícil do ciclo, VV. Ex.ªs têm dificuldade em argumentar nesse terreno. A verdade é que a agricultura e a indústria diminuem a produção; a verdade é que, no ranking da competitividade internacional, cada ano que passa com o vosso Governo, descemos nos índices.
VV. Ex.ªs pregam o virtuosismo das vossas políticas económicas e monetárias mas, em relação aos quatro requisitos para Portugal integrar a União Económica e Monetária, estamos a zero. Em todos os requisitos aparecemos em último patamar, ou seja, a política económica e financeira de VV. Ex.as não tem agido por forma a que a economia e o sistema financeiro portugueses estejam preparados para enfrentar o Mercado Único e a moeda única. V. Ex.ª, sabe bem qual é a situação em que a política económica do Governo de Cavaco Silva deixou a agricultura, as empresas industriais e o comércio portugueses!
V. Ex.ª, é capaz de identificar o seu Governo com uma única exploração agrícola de sucesso, susceptível de competir na Europa e internacionalmente, que não tenha sido essa visita milagreira feita à herdade do Sr. Thierry Russel, e que, com tanta publicidade, falia logo a seguir, depois de ter recebido milhões em subsídios?!
0 Governo de VV. Ex.ªs tem de explicar ao País o que foi feito em concreto no tecido produtivo, a partir dos milhões que foram transferidos da Comunidade Europeia para Portugal,...

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - . . não apenas em termos de fluxos numéricos, como tanto gostam de referir, mas em termos de resultado efectivo na estrutura produtiva do País!

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Porque, de empresas, só ouvimos falar daquelas que vão à falência, de herdades e de produções agrícolas, só ouvimos falar da redução da superfície agrícola, da diminuição das produções e da diminuição constante do rendimento dos agricultores.
Por outro lado, V. Ex.ª compara o nosso desemprego com o da Europa. Se em Portugal há taxas de desemprego menos elevadas, em comparação com as europeias, é por, que a economia portuguesa é mais débil e as empresas estão pior estruturadas! A menor taxa de desemprego da economia portuguesa é sinónimo de pior performance da economia portuguesa e não de melhor!

Protestos do PSD.

É por causa disso - o baixo desemprego em Portugal e a alta taxa de desemprego da Alemanha - que os portugueses se deslocam para a Alemanha, para trabalhar!?

Aplausos do PS.

Aliás, em péssimas condições e sem a menor intervenção ou apoio do vosso Governo.
Sr. Presidente, vou terminar, dizendo ao Sr. Ministro Marques Mendes que a lição deve ser melhor estudada, mas que o Governo tem muita dificuldade em fazê-lo. Sempre que vai ler, mesmo que saiba ler, são muito poucos os resultados positivos que pode aqui apresentar e muitos, muitíssimos os índices negativos em que espelha o resultado da sua acção governativa.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Ministro Adjunto pediu a palavra para interpelar a Mesa. Porém, antes de lha dar, gostaria de lembrar a leitura que ontem fiz do Regimento e dizer que o que se passou aqui não foi nem uma interpelação à Mesa nem uma resposta à interpelação mas, sim, um complemento do debate.
Posto isto, Sr. Ministro, pedia-lhe que a sua intervenção fosse mesmo uma interpelação à Mesa e que a resposta, se a houver, também seja dirigida à Mesa.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

0 Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, vou ser brevíssimo, porque quero apenas deixar duas notas ou informações, usando esta figura da interpelação à Mesa.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado disse que não me mostrei disponível para debater a matéria dos serviços de informações. Não o fiz apenas por uma razão óbvia mas, para que não haja omissão, agora digo qual é: o facto de estar agendado um debate, para a próxima quarta-feira, sobre essa matéria.

Vozes do PS: - Já não está! Não é a mesma coisa!

0 Orador: - Está agendado, dizia, um debate para a próxima semana sobre essa matéria e se os Srs. Deputados considerarem que é útil, necessário ou desejável qualquer outro debate, em modelo a definir, a seguir ao debate de quarta-feira,...

Vozes do PS: - Antes!

0 Orador: - ... a nossa disponibilidade nunca deixou de existir.
Os senhores lembraram-se dessa questão já depois do agendamento que está feito para a próxima quarta-feira.
A segunda informação que gostaria de dar ao Sr. Deputado Jaime Gama tem a ver com o facto de me ter pedido que desse um exemplo de uma empresa que, no nosso tecido produtivo, possa competir com a Europa. De repente, e para não perder mais tempo, posso dar-lhe como exemplo uma empresa, que todos apontam como competitiva, de um ministro sombra da indústria do alegado governo do Partido Socialista. É um excelente exemplo, apontado por muita e muita gente e com um grande sucesso.

0 Sr. António Guterres (PS): - Por mérito dele!

Protestos do PSD.

0 Orador: - Pediu-me um exemplo, dei-lhe um bom exemplo e até pensei que ficava satisfeito com isso!

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - E até porque teve apoios do Estado,...

0 Sr. António Guterres (PS): - Da Europa!

0 Orador: - ... não houve quaisquer pressões e, certamente, continua a votar no Partido Socialista.

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Sobre a revisão constitucional, concordo consigo, Sr. Deputado, e só tenho uma grande pena: que o Engenheiro António Guterres não esteja para esta revisão da Constituição como o Dr. Vítor Constâncio esteve para a revisão da Constituição, sobretudo no domínio económico, em 1989!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Tratou-se de mais uma interpelação à Mesa, mas dentro do estabelecido.
Para uma resposta ou uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama. Pedia-lhe que fosse o mais breve possível.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Nesta interpelação "respondente" vou ser muito rápido e referir apenas três pontos. Em primeiro lugar, queria esclarecer o Sr. Ministro que o empresário em causa é, de facto, socialista. Talvez por isso a empresa possa ser um exemplo!

Risos do PS.

Mas, também, para lhe dizer que, infelizmente, essa empresa - que é uma empresa de moldes de plástico - não é agrícola. Como sabe, é uma empresa industrial!

Risos do PS.

0 Sr. Ministro Adjunto: - Do tecido produtivo!

0 Orador: - Portanto, V. Ex.ª escolheu uma amostra num campo diferente. Continuo a desafiá-lo para visitarmos uma herdade de sucesso, que se reveja nos subsídios de V. Ex.ª, com resultado útil, que não esteja falida e que tenha actividade agrícola e não outro tipo de actividade.

Risos do PS.

Em segundo lugar, em relação à revisão constitucional, congratulo-me com o facto de V. Ex.ª ter dito que tínhamos razão. 15so é muito bem visto, muito bem dito e terá, certamente, de ser muitíssimo - ainda melhor - ouvido pelos Deputados do seu partido.

Risos do PS.

Quanto ao terceiro ponto, o debate sobre a questão das informações, registamos a abertura do Governo, abertura essa parcial. Temos agora de transformar a abertura parcial em abertura mais definitiva, mas creio que é importante ter consolidado com V. Ex.ª, o princípio de que a discussão do sistema de informações não se deve circunscrever ao debate da próxima semana sobre uma medida legislativa, pois é uma questão que permanece em aberto muito para além disso e que constitui um ponto onde há interesse em discutir, em debater para que as opções do Governo de V Ex.ª não continuem a levantar as maiores interrogações aos portuguesas.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos aqui um problema de tempo, porque, como foi anunciado, há mais pedidos de esclarecimento e o Sr. Deputado Jaime Gama dispõe de um tempo muito restrito para responder. De qualquer forma, eles irão ser feitos, pelo que pedia ao Sr. Deputado Jaime Gama que concentrasse o maior número possível de pedidos de esclarecimento em cada resposta, de forma a não demorarmos muito tempo.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, antes de mais, em nome da minha bancada, cumpre-me felicitá-lo e cumprimentá-lo nesta sua primeira intervenção como novo líder da bancada do Partido Socialista, o maior partido da oposição.
E da mesma maneira que o cumprimento, permita-me também que, nesse cumprimento, envolva o seu antecessor, o Sr. Deputado Almeida Santos, homem que sempre nos combateu com a lealdade e frontalidade que o caracterizam. Ele foi um grande adversário político e, acima de tudo, é um grande senhor da política portuguesa. Assim, com total franqueza e sinceridade, não podia deixar de, também neste momento, lhe dirigir estas palavras, pelos debates que aqui propiciou, pela forma dura (com certeza que sim) e combativa (os nossos projectos são diferentes), mas também leal, do ponto de vista da lealdade parlamentar, com que nós, ao longo dos últimos anos, nos relacionamos.

Aplausos do PSD, do PS, do PCP e do CDS-PP.

V. Ex.ª, para justificar a moção de censura, elencou três grandes questões: reforma política falhada, reforma económica congelada e desigualdade social agravada. Vou falar da primeira e os meus colegas falarão dos outros temas. Iremos procurar ser exaustivos e, aliás, peço à Mesa que seja o mais tolerante possível para que o Sr. Deputado Jaime Gama, depois, possa também ter tempo para nos responder.
0 Sr. Deputado Jaime Gama fez-nos duas acusações essenciais, pelo que vou ser concreto e objectivo, pedindo-lhe que, depois, na resposta, também o seja.
Quanto ao falhanço da reforma política, V. Ex.ª, fez duas acusações ao PSD que vou denunciar e rebater - e isto, como dizia ontem o seu líder, nos seus próprios termos, pois disse que as acusações eram graves e rebatíveis e, como tal, vou rebatê-las nos seus próprios termos.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª disse que o PSD, ao longo de todos estes anos, não quis abdicar dos seus meios de influência, partilha interesses e gere clientelas e que esta é uma das "chagas", é o tal "quisto" no nosso sistema político, de que outras pessoas já falaram. Quanto a mim, isto é também uma glosa, uma outra forma de glosar aquilo que o Sr. Secretário-Geral do PS disse no Hotel Ritz quanto aos malefícios do "Estado laranja", à "laranja apodrecida que gangrena o País". E tenho de lhe perguntar, Sr. Deputado Jaime Gama, se isto é assim, pois creio que é uma boutade da vossa parte.
Mas se isto é assim, vou fazer-lhe algumas perguntas concretas e quero que saiba o seguinte: não vou referir nomes mas situações e em relação às pessoas que, implicitamente, têm a ver com as situações de que vou falar, não veja o que vou dizer como qualquer crítica nem à competência, nem à seriedade, nem à honorabilidade dessas pessoas, porque elas, para nós, como para VV. Ex.as, com certeza, estão fora de causa.
Vou falar apenas das questões de dimensão - não vou falar das outras -, das grandes questões do regime, dos grandes empreendimentos, daquilo a que os senhores chamam os grandes empreendimentos do regime.
Quem é que, do "partido da rosa", em nome do "Estado laranja", comanda a Caixa Geral de Depósitos? É um ex-ministro socialista!
Quem é que, do "partido da rosa", em nome do "Estado laranja", comanda a Cimpor? É um ex-ministro socialista!

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Quem é que, do "partido da rosa", em nome do "Estado laranja", comanda o Metropolitano de Lisboa? É um ex-candidato a ministro socialista!

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa argumentação é inconcebível!

0 Orador: - Meus Senhores, ouvimos o vosso líder em silêncio e, por isso, peço-vos a mesma coisa, pois estou a apresentar razões e factos concretos.
Quem é que, do "partido da rosa", em nome do "Estado laranja", comanda a Lisboa 94? É um ex-ministro socialista, é um ex-líder socialista que a comanda, bem e de uma forma muito competente.

Quem é que, do "partido da rosa", em nome do "Estado laranja", está em dois cargos da administração da Expo'98? São militantes do Partido Socialista!

Quem é que, do "partido da rosa", em nome do "Estado laranja" ou representando aquilo que é o "Estado laranja", é o único Director-Geral português nas Comunidades Europeias? É um ex-ministro socialista!

Protestos do PS.

0 Sr. António Guterres (PS): - Era o que faltava! É assim em todos os países!

0 Orador: - Estou a dizer em nome do País, em nome daquilo...

Vozes do PS: - 15so é intolerável!

0 Orador: - Srs. Deputados, não vale a pena criarem uma manobra de inversão e fazerem-se de vítimas.

Vozes do PS: - Não é inversão!

0 Orador: - Mas os senhores não querem razões? Deixem-me apresentar as minhas razões e, depois, rebatam-nas.
Eu disse em nome daquilo que os senhores também qualificam como "Estado laranja", porque os senhores falam do "Estado laranja" e uma das pessoas que está à frente do "Estado laranja" é o Primeiro-Ministro.
A segunda questão que lhe quero colocar tem a ver com as instituições. Não vou perder muito tempo e, como o Sr. Ministro Adjunto já falou sobre a revisão das leis eleitorais, vou referir-me à questão constitucional e ao pretexto infantil, para vermos quem quer pretextos e de quem é o pretexto infantil.
Em primeiro lugar, quem falou em abandonar os trabalhos - não ocultem isso -, pela primeira vez, ou deixou a ameaça de que os Deputados socialistas abandonariam os trabalhos, foi o líder do seu partido, no Hotel Ritz, ao fazer um repto ao meu partido sobre a discussão da revisão constitucional centrada no tema "leis eleitorais".
0 que nós dizemos, Sr. Deputado Jaime Gama, é que estamos dispostos a discutir o que o seu líder pretende, aquilo que nós pretendemos e também aquilo que pretende um projecto que quer a revisão constitucional como é o do CDS-PP. E queremos fazê-lo pela única forma possível, porque, em Portugal, Sr. Deputado Jaime Gama, desde que há revisão constitucional, nunca houve outra. Temos necessidade de uma maioria qualificada de 2/3 e eu não posso, nem pretendo, impor-vos o meu projecto, os senhores não podem, nem pretenderão, impor-me o vosso, pelo que teremos de dialogar sobre isso. E o diálogo, Sr. Deputado, foi

sempre feito com as lideranças parlamentares ou com as lideranças dos partidos.
Aquilo que se está a passar agora, e estamos há um mês a discutir a revisão constitucional, é que não foi possível o consenso sobre um único artigo e foram VV. Ex.as que exigiram um prazo de três meses. Nós não o recusámos, aceitámo-lo.
0 Sr. Deputado já anteriormente foi líder parlamentar e sabe bem que, para além disso, negociou comigo outras questões que exigem uma maioria reforçada e não o fizemos por baixo da Mesa, falámos particularmente, muitas vezes, como sabe, para a eleição do próprio Provedor de Justiça e para a definição de outras questões que necessitavam de maioria qualificada.

0 Sr. José Lello (PS): - Tinha de ser!

0 Orador: - Com certeza, é assim que tem de ser!
Lembro o Sr. Deputado Jaime Cama de que o reiterar deste ponto de vista, no seu discurso, pode ser qualificado como uma "bofetada" ao líder do Partido Socialista. E vou dizer-lhe porquê.
V. Ex.ª deixou de ser líder parlamentar, há dois anos, precisamente por esta razão: pela discordância com a posição da direcção do seu partido. Não digo quem tem razão, não me intrometo nisso, mas V. Ex.ª, objectivamente, teve uma atitude de discordância com a direcção do seu partido e precisamente por causa do que estava em discussão: reforma do Parlamento versus reforma da Constituição. É
óbvio que V. Ex.ª discordou da metodologia que estava a ser seguida e a metodologia, aí, numa revisão minimalista, que demorou quase três meses, era precisamente a de encontros bilaterais que tinham de ocorrer, e que acabaram por ocorrer, como V. Ex.ª sabe, não vale a pena negá-lo, entre as direcções das nossas bancadas.

0 Sr. José Lello (PS): - 0 que vocês queriam era fechar o Parlamento!

0 Orador: - De modo que, Sr. Deputado Jaime Gama, tenho de dizer que se alguém quer um pretexto e se ele é infantil é o vosso, porque se V. Ex.ª quer discutir a questão da revisão constitucional connosco e com os outros, entendemos que, daqui a um quarto de hora, quando acabar este debate, podemos falar. Obviamente, os senhores não querem isto, os senhores querem fazer uma discussão política que funciona, lateralmente, como arma de arremesso contra nós, mas não querem conclusões. E se não querem conclusões, é evidente que as nossas condições, as
condições que enunciei na semana passada, vão manter-se e não vale a pena estarmos a participar numa farsa.
Lembro-lhe, no entanto, Sr. Deputado Jaime Gama, que foi sempre assim no passado e não concebo que, numa alteração à lei fundamental do Estado, que é a mais importante de todas, mais do que a Lei de Defesa Nacional, sobre a qual tivemos conversações bilaterais, mais do que a eleição do Tribunal Constitucional, para a qual tivemos conversações bilaterais, mais do que a eleição para a Alta
Autoridade, onde o mesmo aconteceu, os partidos não entrem em diálogo. E, como é óbvio, todos sabem que, em relação a uma lei desta importância, ninguém chega a acordos nem a conclusões sem que haja uma determinação das direcções partidárias ou das direcções parlamentares, o que é normalíssimo em democracia.
Foi isso que propusemos e se os senhores querem ser consequentes, se os senhores querem dar estabilidade -

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porque falam da instabilidade que o Governo provoca, mas os senhores é que têm instabilidade de orientações, porque tiveram uma orientação no passado e agora não a querem manter -, ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - ... se os senhores não têm medo de discutir, de expor as vossas razões, digam a metodologia que querem. Se querem as reuniões com a presença da comunicação social, fazem-se, se querem fazer uma acta e, no fim, um comunicado à comunicação social, faz-se, mas discutam, porque sem discussão não vamos lá! É isto que demonstra quem está e quem não está de boa fé.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho um problema, mas parece-me que é fácil de resolver.
Do mesmo grupo parlamentar, do PSD, estão inscritos, para pedir esclarecimentos, quatro Srs. Deputados, mas nem os perguntantes nem os respondentes dispõem de tempo para esse efeito, o que significa que tenho de dar, equitativamente, algum tempo suplementar.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença que o interrompa?

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, há pouco, acabámos por ter o nosso tempo aumentado, em virtude da cedência de alguns minutos por parte do Governo.
Não sei se o Governo vai ou não utilizar todo o seu tempo, mas se, por acaso, isso não acontecer, peço que dê também algum tempo ao Partido Socialista para poder responder às minhas perguntas e às dos meus colegas.

0 Sr. Presidente: - Pela minha parte, Sr. Deputado, faço outra sugestão: ninguém dá tempo a ninguém e permitem-me gerir o tempo com equidade.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jaime Gama, peço que sejam o mais contensos possível.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Depois, não venham referir que este meu tempo está a ser subsidiado pelo "Estado laranja"...

Risos do PS.

Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, V. Ex.ª, aqui, no Parlamento, faz sempre intervenções contundentes, complementares às do Governo, que são aquelas que o Governo não quer fazer e, muitas vezes, são também aquelas que V. Ex.ª, no seu próprio partido, escolhe fazer.
Não discutimos esse sistema de opções, mas, na verdade, o que V. Ex.ª, acaba de dizer sobre algumas pessoas respeitáveis da vida portuguesa é absolutamente intolerável...

Vozes do PSD: - Intolerável?! Porquê?!

0 Orador: - ... e revela, da parte de V. Ex.ª, uma mentalidade e um estado de espírito completamente hegemonizador da vida nacional e da Administração Pública,...

Aplausos do PS.

... porque V. Ex.ª, escandaliza-se com o facto de, no conjunto de milhares de nomeações da Administração Pública ou das empresas públicas, poder ainda haver uns socialistas, relativamente aos quais, aliás, o tom empertigado da intervenção de V. Ex.ª aponta para o início de uma campanha de saneamento "à norte-coreana".

Risos do PS.

Protestos do PSD.

V. Ex.ª, com o seu ar inquisitorial, com o seu pequeno grande ar inquisitorial, está a chamar a atenção do partido para a necessidade de purificar, de purificar ainda mais.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Deputado, era o que faltava! Era o que faltava que não pudessem existir socialistas na Administração Pública e nas empresas públicas!

Vozes do PSD: - Mas existem!

0 Orador: - Era intolerável que, por razões políticas discriminatórias, houvesse uma corrente política impedida de desempenhar qualquer função na vida nacional. Mas é igualmente intolerável que prevaleça o critério que V. Ex.ª, implicitamente, adopta, que é o de não poder haver ninguém diferente, porque "só podem lá estar os nossos", porque "só podem existir os nossos", porque "esse bolo é para repartir apenas entre nós", porque isso é o que interessa numa lógica de conservação de posições.

Vozes do PSD: - 15so é na Câmara Municipal de Lisboa! 15so é nas autarquias!

0 Orador: - V. Ex.ª, foi extremamente infeliz nessas alusões, revelou que não tem o menor sentido de Estado ou até de governação, porque a credibilidade dessas gestões e a posição em que deixa essas figuras é, na verdade, afectada. E V. Ex.ª, fá-lo deliberadamente! V. Ex.ª, é, aqui, o precursor, o iniciador de uma campanha a clamar pela "purga", pelo saneamento, pela exclusão, pelas demissões, pelo afastamento!

Aplausos do PS.

É o que V. Ex.ª pretende, numa lógica autoritária, numa lógica totalitária de relacionamento com as outras correntes políticas e com os portugueses, em geral.
V. Ex.ª, se é grande em alguma coisa, é-o na ânsia de poder, é grande na ânsia de mando, na ânsia de hegemonia,...

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

... é grande na ânsia de conservação de um estatuto político, para confundir, em Portugal, um partido político, que é o PSD, e a hegemonia da Administração e do serviço público.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Em relação à revisão constitucional, ouvi um longo arrazoado de dicas e tricas em que o espírito de V. Ex.ª, se gosta de entreter. Vamos ao essencial e peço-lhe que seja à altura do debate.
0 que é que o PSD tem a propor ao PS, em matéria de revisão constitucional, que não o possa fazer publicamente? Diga V. Ex.ª.

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Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa- mas peço-lhe que seja mesmo uma interpelação à Mesa -, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Sim, Sr. Presidente é mesmo uma interpelação à Mesa, porque pedi esclarecimentos e foi dada uma resposta às minhas palavras como se eu tivesse dito o contrário do que disse. Como tal, tenho o direito de esclarecer e de pedir à Mesa que, em função daquilo que foi dito na minha intervenção, faça saber ao Sr. Deputado Jaime Gama o seguinte: o Sr. Deputado Jaime Gama vem aqui com um complexo, que era o complexo que o Partido Socialista tinha, de não ser suficientemente agressivo com o PSD, e surge com um remake do primeiro filme, que era o "Bokassa I", pois agora vamos ter o "Bokassa II", o qual vai ser sempre menos original do que o primeiro. É assim que deve ser interpretada a intervenção que o Sr. Deputado Jaime Gama acaba de fazer.

Aplausos do PSD.

0 que eu disse, expressa e incisivamente - e ficará escrito nas actas -, foi que não falava de pessoas, falava de situações, mas relativamente às pessoas que eram abrangidas pelas situações era indiscutível e inquestionável não apenas a sua honorabilidade mas também a sua competência.

Vozes do PS: - Então, por que é que as citou?

0 Orador: - Comecei por dizer isso e citei-as precisamente para mostrar o seguinte, Srs. Deputados: essas pessoas estão onde estão e estão muito bem. Conheço algumas delas pessoalmente e estão nesses lugares de uma forma superior. Foi isso que disse e é isso que reitero e o que quero evidenciar com isto, mas que VV. Ex.ªs não querem entender, é que, naquele Estado que acusam de ser tentacular, clientelar e de dar os lugares aos amigos, é possível que militantes do vosso partido - homens competentes que já lhe deram muito no passado, alguns dos quais, na vossa perspectiva, poderão continuar a dar no futuro, porque estão nos conselhos consultivos económicos do vosso Secretário-Geral e, nos órgãos do vosso partido - em nada sejam prejudicados no serviço do seu País e que o
Governo não tem um critério de exclusiva confiança partidária na nomeação para esses lugares.

Aplausos do PSD.

Relativamente à pergunta que o Sr. Deputado Jaime Gama deixou no ar, digo-lhe apenas o seguinte: o que é que acha que o Dr. Vítor Constâncio tinha para esconder ao País que não pudesse traduzir em conversações que teve durante oito meses a fio - não foi um dia - com a direcção do meu partido?

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama, a quem agradeço que este debate fique aqui encerrado.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, nós poderíamos até passar adiante, porque, se queremos ser construtivos no debate político português, teremos de abolir definitivamente o estilo de político que, para dizer, começa por

dizer que não vai dizer, que, depois, acaba por dizer e que, confrontado com a argumentação contrária, acaba por dizer que não disse.

Risos do PS.

A vida política portuguesa está farta deste estilo! Está farta do estilo do pequeno contador de anedotas!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, quero começar por congratular-me com a eleição de V. Ex.ª, para a liderança do Grupo Parlamentar do PS e com a ovação de que foi alvo no fim da sua intervenção, feita de pé e por todos os seus colegas, o que, para sossego de todos nós, parlamentares, significa que a totalidade dos seus colegas ratifica, publicamente, a decisão do Secretário-Geral do seu partido, que cuidou de vir aqui indicá-lo para esse lugar de liderança.
Sr. Deputado Jaime Gama, ainda bem que V. Ex.ª está aí com o apoio de todos os seus colegas!...

E a nossa alma é grande!... V. Ex.ª, na sua liderança anterior, nem sempre teve uma atitude compreensiva para com o Grupo Parlamentar CDS, mas foi sem dúvida um bom líder e é um bom Deputado, como o era o Sr. Deputado Almeida Santos, a quem presto também a minha homenagem. Por isso, todos nos congratulamos e consideramos que nesta sucessão há ganhos e que, pelo menos, o Parlamento não perde, o que é bom.
Sr. Deputado, a sua intervenção de hoje, no debate da nossa moção de censura, deixa-nos alguma perplexidade. Das duas uma: ou VV. Ex.ªs mudaram muito - o que, apesar de tudo, não me espantaria! - ou o que disse sobre a oportunidade da moção, acompanhado do discurso que aqui fez, é inconsistente.
Senão, vejamos: se VV. Ex.as mudaram muito, isto significa que, apesar de tudo, consideram inoportuna a apresentação da moção de censura, pois, abandonando a orientação de Jorge Sampaio e António Guterres, que subscreveram a moção de censura de 1989, regressam ao pensamento de Vítor Constâncio, que apresentou a proposta da "moção de censura construtiva". E, por isso, apesar de terem abundantes motivos para censurar - motivos de política global e aqueles que V. Ex.ª enunciou ao longo do seu discurso -, entendem subordinar a tomada desta iniciativa a considerações que não são de oportunidade mas, sim, de mero oportunismo. Era isto, Sr. Deputado, que eu gostaria que me explicasse - a não ser que as abundantes razões que V. Ex.ª apontou, de discordância e de confronto com a política global do Governo e com o modo como a exercita, se reduzam, afinal, ao tema simples dos serviços de informação, que já na resposta às perguntas que lhe fizeram V. Ex.ª, disse constituir o grande tema e a grande questão que colocava ao Governo. É este o esclarecimento que lhe peço.
E mais, Sr. Deputado Jaime Gama, suponho que há realmente, da parte de V. Ex.ª e do seu partido, uma grande dificuldade: é que para censurar o Governo nos exactos termos em que decorre a vida social, política e económica no País, depois da revisão constitucional de 1989, só o CDS-PP é portador de uma coerência e de uma consistência de

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posições que lhe permitem apresentar a moção de censura e dizer que o Governo não está a cumprir nem as promessas que fez nem o seu programa. E ao CDS-PP ninguém poderá dizer que não cumpriu! Com que desfaçatez é que V. Ex.ª o vem dizer aqui se foi o seu partido que nos impediu de iniciar reformas fundamentais mais cedo?! É esse o vosso problema! 0 vosso problema é que não têm coerência nem consistência para, neste quadro, censurarem o Governo. E, verdadeiramente, o Governo só pode ser censurado por quem o censura de uma perspectiva da direita.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Eu pensava que vocês eram do centro!

0 Orador: - Foi isso o que vos incomodou: que a verdadeira oposição, aquela que é coerente e consistente, aquela que vai até ao fim e que aceita os desafios, seja a oposição do CDS-PP. Não será isso, Sr. Deputado Jaime Gama?

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu, na minha apreciação, não vivo enredado pelas crónicas da imprensa sobre a moção de censura e quero dizer-lhe, francamente e com simplicidade, que acho naturalíssimo que o CDS-PP tenha apresentado uma moção de censura. Está no seu papel; é para isso que os portugueses nos pagam. Por isso, não o estranho e acho naturalíssimo.
0 CDS-PP é um pequeno partido que quer crescer e marcar o início da sessão legislativa e é natural que os partidos mais pequenos da oposição sejam os primeiros a apresentar moções de censura. E até lhe digo, Sr. Deputado, que se por parte desses pequenos partidos quando tomam essas iniciativas houver depois qualquer dificuldade, pois bem, cá estará o PS, a quem cabe a responsabilidade de ser oposição e alternativa.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, começo por saudá-lo neste seu regresso do exílio da última fila da sua bancada, fazendo votos para que algumas intervenções que hoje aqui fez reflictam aquilo que, não obstante a discordância, fazem sempre esperar a sua inteligência e a sua elevação política e cultural, e não o uso de uma outra capacidade de
actuar - a da chicana e da intriga.
A propósito disso mesmo, disse o Sr. Deputado ser o PS um partido de
alternância - está no seu direito.
E a primeira pergunta que lhe faço é esta: não o preocupa que, num partido que se apresenta como o partido da alternativa, haja um destacado militante, que até anteontem era vice-presidente da bancada, que tenha dito ao Diário de Notícias que o PS é um partido onde existe um défice democrático interno profundo? Não o preocupa que um destacado militante do PS tenha dito que existem outros dirigentes da sua bancada que sofrem de paranóia, como há pouco tempo veio referido no jornal Expresso a propósito de um destacado dirigente do PS do Minho? Num partido de alternativa, que tem de mostrar isenção, seriedade, confiança e transparência, não o preocupam os casos em que os próprios militantes socialistas se acusam de

fraudes eleitorais, a propósito de lutas de poder numa das suas distritais?

0 Sr. Manuel Moreira (PSD): - É o caso de Braga!

0 Orador: - Finalmente, Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PS, V. Ex.ª foi infeliz nos exemplos de economia que apontou: primeiro, falou da estratégia com a Espanha e recordo-me ainda daquilo que, no tempo em que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Governo português se preparava para fazer em termos de um acordo comercial com a Espanha. V. Ex.ª, com a sua clarividência, conseguiu evitar que outros camaradas seus do Governo fizessem um acordo com a Espanha que poderia ser gravoso para Portugal.
0 Sr. Deputado Jaime Gama falou também dos contratos de admissão de pessoal para a função pública. Tenho boa memória e recordo-me dos sessenta e tal mil tarefeiros que existiam quando entrei para o Governo, em Novembro de 1985, e que hoje desapareceram - pelo menos, nunca mais ninguém ouviu falar os sindicatos desse autêntico "padrão" de clientelismo na função pública.

Protestos do PS.

Finalmente, eu gostava que V. Ex.ª comentasse o que disse relativamente à economia portuguesa. Referiu que a modernização económica portuguesa foi congelada e, se o disse, foi porque certamente foi mal informado pelos economistas da sua bancada, pois, ainda há poucas semanas, uma delegação parlamentar da Comissão de Economia, Finanças e Plano esteve precisamente na sede da OCDE, em Paris, a ouvir destacados directores dessa organização internacional - que, pelo menos, V. Ex.ª não acusará de serem "laranja" ou do que quer que seja - fazerem os mais rasgados elogios à forma como o Governo conduziu a sua política económica ao longo desta crise.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - "Rasgados" é exagero!

0 Orador: - Será que V. Ex.ª não está bem informado pelos seus colegas de bancada economistas ou será que põe em causa a OCDE em matéria de análises económicas sobre Portugal? 0 que me diz V. Ex.ª das declarações públicas do Presidente dos Estados Unidos da América, na semana passada, quando distinguiu Portugal e a sua economia de tal forma que disse que a política económica portuguesa dos últimos anos é um modelo para todo o resto do mundo?
E o que me diz, também, ao facto de a famosa colecção Que sais-je? - suponho que V. Ex.ª não dirá que é laranja, pois por acaso sai com cor amarela! - sair este ano com um volume que se chama "A economia de Portugal"? Todos sabemos que estes documentos têm como característica serem objectivos, rápidos e claros. 0 seu autor é um professor francês, chamado Michel Drain, que conclui assim: depois da adesão de Portugal, a seguir a 1986, seguiu-se um espectacular e considerável crescimento da economia portuguesa, com alterações qualitativas, que finalmente tornaram, desta vez, irreversíveis as transformações...

Vozes do PS: - Em vez de traduzir, é melhor ler em francês!

0 Orador: - Bom, VV. Ex.ªs não sabem francês, mas eu faço a tradução...

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0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - C'est pas vrais!

Risos do PS.

0 Orador: - Repito: uma mudança qualitativa operou-se desde 1986, tomando finalmente e por esta vez as transformações estruturais irreversíveis.
Sr. Deputado Jaime Gama, será que isto também é parcial? Este documento é de 1994... V. Ex.ª, está a chamar incompetentes a estes autores? Está a chamar incompetente ao Presidente dos Estados Unidos da América- que, aliás, é um dos paradigmas do Secretário-Geral do seu partido - e aos directores e economistas da OCDE?

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Rui Carp fez uma série de perguntas: "Preocupa-o...? Preocupa-o ... ? Preocupa-o ... ?" E a minha resposta, que tem de ser breve, é: não me preocupa, Sr. Deputado!

Risos e aplausos do PS

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, infelizmente, as palavras não são suficientes para fundar uma alternativa porque, senão, tê-la-iamos hoje, aqui, na investida de V. Ex.ª!

Vozes do PS: - Oh!

0 Orador: - Preocupa-vos que eu elogie um vosso colega?

Vozes do PS: - Não! É bom!

0 Orador: - Sr. Deputado Jaime Gama, de qualquer modo, não poderei deixar de fazer algumas anotações ao seu discurso, que, aliás, tem as fragilidades típicas de toda a argumentação por excesso. Para a próxima, seja mais sóbrio e será muito mais sólido!
Repare, Sr. Deputado, quanto às substituições implacáveis, em que momento ou qual terá sido o maior grau de implacabilidade: no momento em que V. Ex.ª saiu da liderança da sua bancada ou agora, que a assumiu na caricata situação de o líder do seu partido ter vindo aqui, ao Palácio, em passo napoleónico, indicá-lo como líder do grupo parlamentar?
Alguém informou mal o seu líder. Ter-lhe-á dito: firmeza é arrogância! Alguém lhe terá dito: trata com descortesia o teu grupo parlamentar e afirmar-te-ás! E ele levou isso a sério e fez aquela triste figura que também o colocou, numa situação - havemos de convir - bastante desconfortável, embora o seu reconhecido peso político!
Sr. Deputado Jaime Gama, não pretendo que V. Ex.ª desenvolva, mas poderia dizer, ao menos, já que se trata da discussão da política do Governo, o que é que pensa dos 6 %. Diga-nos aqui: é a favor ou contra os 6 % do seu Secretário-Geral? Ou prefere os 5 % do seu camarada Torres Couto? Ou, eventualmente, na medida em que se trata de uma ofensiva socialista, os 7,5 % dos comunistas? Há-de dizer-nos o que é que pensa sobre isto!

0 que é que V Ex.ª pensa sobre o atraso da retoma económica? Acaso V.Ex.ª considera que existe uma conspiração da economia internacional, tudo conluiado contra os senhores e a favor do Professor Cavaco Silva, no sentido de "vamos atrasar a retoma em Portugal, para fazer o 'jeito' ao calendário eleitoral do Professor Cavaco Silva"? Estarão todos conspirados contra os socialistas? Ou tratar-se-á, pura e simplesmente, de uma incapacidade vossa para compreender o fenómeno económico?
Sr. Deputado, já haverá, ou não, retoma económica neste momento em curso em Portugal? V. Ex.ª, se calhar, não sabe possivelmente, não, um homem dedicado estritamente à política pura! -, mas consulte os seus colegas, que eles o informarão. Será que, neste momento, não há empresários socialistas de sucesso? Já não me refiro ao vosso porta-voz - será ele o único? Eu sei que existem muitos empresários socialistas de sucesso, até na sua própria bancada' Portanto, como poderá ser a crise económica tão grande? Ou, então, as falências atingem apenas os empresários do PSD? Meu Deus! Para Estado "laranja", o que poderemos dizer é que afinal a economia é dos socialistas!
Não seja maniqueísta, Sr. Deputado, e não tome o seu país de uma forma tão estreita e tão mesquinha como a considera! Há muitos socialistas que estão a ter imenso sucesso à frente das suas empresas, mesmo na agricultura, Sr. Deputado! Pergunte-lhes! Ou será que não há hoje, em consequência da crise agrícola, um único socialista a produzir no campo? Terão todos desaparecido? Estarão todos na Reboleira ou nas "Reboleiras" das concentrações urbanas?
Então, Sr. Deputado, estou a ver que, nas próximas eleições legislativas, o PSD corre o risco de passar para 53 % ou 54 %, uma vez que todos os socialistas desapareceram, uma vez que hoje não há socialistas se não falidos, vítimas da crise!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Este delírio já deve ser da hora! Com certeza, é a falta do almoço, Sr. Deputado!

0 Orador: - Sr. Deputado, não argumente por excesso porque o excesso
cai sobre si!

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - Olha quem fala!

0 Orador: - Repare, Sr. Deputado, V. Ex.ª concentrou-se na questão da criminalidade, que, felizmente embora sendo um problema gravíssimo, não devia ser objecto da mera luta político-partidária, e fê-lo sem fundamento, com incoerência e - devo dizer com a mesma inconveniência com que, ontem, o seu Secretário-Geral falou da seringa que ameaça a sua mulher!

0 Sr. José Magalhães (PS): - E não é sério!?

0 Orador: - São assuntos demasiado graves para que possam ser objecto de "rodriguinhos" políticos! Mas eu não quero que V. Ex.ª saia daqui com um mero "rodriguinho" político... Diga-me, Sr. Deputado, perante a gravidade da criminalidade no nosso País, o que pensa V. Ex.ª do comportamento de certos socialistas, autarcas que, de forma reiterada, descarada, violam a lei, boicotam o funcionamento das instituições e das suas câmaras? 0 que é que pensa? Já os condenou?

0 Sr. José Magalhães (PS): - Quem é que faz isso?

0 Orador: - Sr. Deputado Jaime Gama, o que é que pensa das afirmações do seu Secretário-Geral, que lança a

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ignomínia e o opróbrio sobre socialistas honrados e honestos, dizendo que eles não estão presentes no Estados-Gerais por medo? Será que eles se ajoelharam? Será que eles não têm um momento de ousadia e de honradez?
Sr. Deputado Jaime Gama, os senhores não conseguem criar alternativa por meras palavras, sobretudo quando estas palavras pecam pela falta de rigor! V. Ex.ª diz que os portugueses estão fartos? Vamos ver em 1995!

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Vamos ver, vamos!

0 Orador: - V. Ex.ª, diz que o balanço está feito? Não são os senhores que fazem o balanço - serão os portugueses no momento próprio! Os senhores dizem que a moção de censura é vossa? Os comunistas também!

0 Sr. José Magalhães (PS): - Vossa é que não é!

0 Orador: - Se a moção de censura é vossa, então, o Sr. Presidente da República tinha razão: os socialistas estavam a dormir!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, vou ser muito breve.
Quanto à parte da intriga política do PS, não vou comentar. 0 Sr. Deputado Silva Marques é genial nessa parte. Todos nós gostamos imenso de ouvi-lo...

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Não comente, não, que é melhor para si!

0 Orador: - Ouvimo-lo com imenso prazer e esperamos continuar a ouvi-lo ao longo dos anos, aqui, nesta Assembleia, porque, se houver alternância de poder, V. Ex.ª, não sofre nada com isso!

Risos do PS.

15to é, continuaremos a ouvi-lo, aí!

Risos do PS.

Há um ponto que gostava de sublinhar: é que, em relação ao problema do ritmo de performance da actividade económica, V. Ex.ª, foi totalmente omisso quanto à circunstância de o Governo, até ao fim da primeira quinzena deste mês, não ter desbloqueado minimamente as verbas que foram transferidas de Bruxelas para reanimar a actividade económica e que estão, pura e simplesmente, inertes. À espera de quê? Em nome de que maquiavelismo? Por que é que o Governo do Professor Cavaco Silva prolonga a recessão económica do País?

0 Sr. Silva Marques (PSD): - A economia não está suspensa!

0 Orador: - V. Ex.ª pode brincar com as empresas e os empresários - é uma conversa muito engraçada! -, mas o que não pode negar é a evidência de que, em 1993, foi maior o número das empresas que foram destruídas pela falência do que o número das empresas que foram criadas. 15to é, há um crescimento maior das falências do que

um crescimento, que seria desejável, de novas empresas. 15to é gravíssimo, Sr. Deputado, e isto deve preocupá-lo!

0 Sr. Silva Marques (PSD): - E que conclusão é que tira daí?

0 Orador: - 15to significa que a recessão económica foi duríssima em 1993 e que o Governo, ao não reanimar o tecido económico, está a prolongar artificialmente a recessão porque, em todos os outros países europeus, ela já terminou! E o Governo de VV. Ex.ªs tem de ser responsabilizado por isto, assim como tem de ser responsabilizado pelo aumento da taxa de desemprego.
V. Ex.ª, é, retoricamente, insensível à criação de 20 mil desempregados por mês! V. Ex.ª, é, literária e intelectualmente, inamovível perante a crueza social que representa o facto de, nestes dois dias de debate da moção de censura, haver mais 1400 novos portuguesas e portugueses desempregados! Essa é uma realidade! VV. Ex.ªs gostam muito de fazer publicidade e de transformar a politiquice na discussão dos problemas, mas não gostam de se confrontar com os números, de se confrontar com a realidade e de se confrontar com as verdadeiras opções!

0 Sr. Manuel Moreira (PSD): - 15so não é verdade! Chega de demagogia!

0 Orador: - Infelizmente, o vosso papel é o de falar quando o Governo silencia, ou porque não pode falar, ou porque não quer falar, ou porque não gosta de falar. É porque o Primeiro-Ministro só fala no êxito, os Ministros - alguns...- falam nas dificuldades (e conhece-se bem o que lhes acontece nesses períodos) e os Deputados do PSD existem para lançar a cortina de fumo, isto é, sempre que se fala de um problema concreto, atiram para o lado fogo de artifício!

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Deputado Jaime Gama, eu tencionava saudar efusivamente a sua chegada à liderança da bancada, mas cumprimento-o apenas, porque aquilo que acabei de ouvir não augura que V. Ex.ª faça do rigor a condução efectiva da sua presença na liderança da bancada.
Começo por dizer-lhe que aquilo que acaba de responder ao Sr. Deputado Silva Marques, quanto ao eventual congelamento de recursos comunitários para algumas estruturas do País, não é verdade.

0 Sr. António Filipe (PCP): - Era bom que não fosse, era!

0 Orador: - Se assim fosse, um ilustre companheiro de partido de V. Ex.ª, o Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, certamente que já teria denunciado esse facto, visto que, numa primeira linha, como sabe, são os municípios, justamente, os destinatários desses fundos. Portanto, não é verdade! V. Ex.ª segue a linha do Secretário-Geral do seu partido que diz que a retoma económica depende apenas de uma atitude voluntarista, do carregar de um botão, de uma decisão, talvez, publicada em Diário da República...
Mas é em homenagem àquilo que V. Ex.ª, aqui disse há pouco, ou seja, que a vida política deve ser feita com ou-

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tras ideias, que lhe vou colocar o seguinte problema: há pouco tempo, tive a oportunidade de voltar a um documento, cuja autoria de coordenação foi do Sr. Eng. António Guterres, e que se intitulava "Dez Anos para Mudar Portugal"; ora, quando V. Ex.ª aqui vem assumir a postura socialista de fautores do reformismo, de liderantes da ideia das reformas profundas, não posso deixar de me interrogar e perguntar a V. Ex.ª se a sua memória esqueceu alguns factos, o primeiro dos quais é o de alguns companheiros da bancada socialista em 1979 abandonaram o PS para constituírem aquilo que foi chamado na época o grupo dos reformadores, que, curiosamente, prosseguiu o projecto da Aliança Democrática. V. Ex.ª esqueceu isso?

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Daqui a pouco estão a escavar no século XIX!

0 Orador: - Estamos a "escavar" porque isso é incómodo para vocês! Os senhores não têm memória, principalmente o Sr. Deputado!
Tal como esquece, Sr. Deputado Jaime Gama, mais tarde, a autêntica "crucificação" de que foi objecto o Sr. Dr. Vítor Constâncio por ter cometido alguns "crimes", quais sejam os de ter acordado com o PSD algumas decisões em relação às quais a bancada e o PS estavam nitidamente divididos.
Sr. Deputado Jaime Gama, V. Ex.ª esquece que nós temos memória!

0 Sr. Eurico de Figueiredo (PS): - Então, lembre-se de que o Emídio Guerreiro era leninista!

0 Orador: - E, se hoje temos uma comunicação social televisiva mais aberta, isso não se deve a VV. Ex.ªs mas, sim, ao esforço continuado do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - V. Ex.ª esquece que, em 1986, quando veio a este Hemiciclo a primeira decisão do Governo para extinguir a primeira empresa pública altamente deficitária, foi o PS, com o PRD de então, que pediu a ratificação desse decreto-lei, numa atitude de criar obstáculos à extinção dos "cancros" da economia portuguesa.
Sr. Deputado Jaime Gama - é bom voltar-se a este documento, a menos que
VV. Ex.ªs o repudiem e digam que não se revêem naquilo que foi coordenado e responsabilizado pelo vosso actual Secretário-Geral -, ...

0 Sr. António Guterres (PS) - Já passaram os 10 anos!

0 Orador: - ... dizia-se, nessa época, relativamente às regiões - V. Ex.ª veio aqui defender as regiões - o seguinte: "a criação de um poder autárquico a nível regional, a processar-se na próxima década, deve respeitar um faseamento e um calendário que assegurem o cumprimento das opções que atrás ficam descritas".

Protestos do PS.

Penso que, em homenagem à figura que estou a citar, deviam ouvir silenciosamente, porque foi o vosso Secretário-Geral que escreveu isto.
E dizia, a seguir: "sendo este processo necessariamente demorado, importa preservar, portanto, a função desempenhada pelos distritos". Veja-se a convicção com que, nessa

época, queriam regionalizar o país! Mas há mais: é que, em relação à vossa postura quanto à liberdade económica e quanto à defesa dos interesses privados, aquilo que os senhores diziam, relativamente à indústria e ao sector industrial, era que um dos grandes objectivos era o de continuar no percurso da socialização económica. Os senhores deviam era de ter vergonha!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Também muito concisamente, Sr. Presidente, queria apenas dizer que toda esta literatura de extensa leitura fazia parte de um período da vida política portuguesa em que o PSD ainda tinha o marxismo como base doutrinal no seu programa. Portanto, é melhor não se falar sobre essa temática!...
Agora, há um ponto específico e interessante: o Sr. Deputado veio referir o problema das transferências comunitárias, o reforço do poder autárquico... Creio que ninguém melhor do que o Sr. Deputado conhece as consequências negativas da asfixia financeira dos municípios pelo Governo Cavaco Silva. É, aliás, devido a isso que temos hoje o prazer de o ter aqui, entre nós, como Deputado.

Aplausos do PS.

0 Sr. Manuel Moreira (PSD): - É falso!

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Carlos Pinto pediu a palavra para que efeito?

0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra para o efeito, não podendo exceder o tempo regulamentar.

0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jaime Gama fez, há pouco, em resposta ao meu colega de bancada Duarte Lima, uma tentativa de mostrar aqui uma postura nova na condução da sua intervenção na liderança da bancada. Mas, na verdade, escapou-lhe o controlo de evitar a pessoalização destas questões.
Sr. Deputado Jaime Gama, quando V. Ex.ª, se candidatar, mostrando a sua própria figura, pessoalizando a sua candidatura, então, o senhor está em condições de discutir comigo sobre o que é ter sido presidente da câmara.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jaime Gama, pretende usar da palavra para responder?

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Não, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender os trabalhos para o almoço, reiniciando-os às 15 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos

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Srs. Deputados, com uma pequena alteração na ordem de inscrição dos oradores, para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Conceição Seixas.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, sem qualquer desprimor
para o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, julgo que
é pouco sadio - para não empregar outra palavra - que as intervenções
no debate da moção de censura por parte do partido censurante não sejam
ouvidas por um membro do Governo.

0 Sr. Primeiro-Ministro tem estado presente - hoje de manhã esteve representado pelo Ministro-Adjunto - e, não tendo qualquer desprimor pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o meu Grupo Parlamentar recusa se, no entanto, a fazer qualquer intervenção parlamentar sem que esteja presente um ministro.
Se isso não for possível, desde já, peço a suspensão dos trabalhos até um dos ministros estar presente - isto sem qualquer desprimor, repito, para o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

0 Sr. Presidente: - Vou, então, aguardar, mas lamento Sr. Deputado, que origine este atraso, até porque foi V. Ex.ª que pediu uma alteração da ordem dos oradores.
Estão interrompidos os trabalhos até às 16 horas.

Eram 15 horas e 46 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Conceição Seixas.
A Sr.ª Maria da Conceição Seixas (CDS-PP): - Preliminarmente, e por se tratar da minha primeira intervenção parlamentar, aproveito para enfatizar os meus mais respeitosos cumprimentos ao Sr. Presidente da Assembleia da República e estender a todos os Deputados deste Parlamento as minhas mais cordiais e respeitosas saudações.

Aplausos gerais.

Respeitosos cumprimentos também ao Sr. Primeiro-Ministro e aos Srs. Membros do Governo aqui presentes.
Obviando comentários sobre os fait divers profusamente badalados nas manchetes dos meios de comunicação social (corrupção, clientelismo, apropriação bolchevique do aparelho de Estado pelo partido maioritário, intoxicação da
opinião pública com o foguetório dos pacotes de milhões e as inaugurações do simpático fontanário e dos ciclópicos "elefantes-brancos" - que deixo como temática para os Estados Gerais...), salientarei, nos minutos de que
disponho, a urgência em denunciar a arrogância do discurso oficial com que este Governo vem pretendendo mascarar a negligência que erigiu na prática em doutrina
dominante, a ineficácia da sua actuação, a incompetência para governar, culminando no que é já o histórico desprezo pelo cumprimento das promessas que usou de isca eleitoral.
0 Ministério da Agricultura é de tudo isto exemplo, espelhando a estrutura, quiçá, mais representativa do modelo cavaquista da Administração Pública.

A agricultura, vítima de extorsão, é hoje guindada pela orientação da desorientação da inexistência de uma política para o sector, diligentemente levada à prática por uma administração reestruturada especificamente para esse fim. Não pode negar-se coerência ao Governo! Dir-se-ia que os sociais-democratas ex-maoistas inundaram ideologicamente o PSD.

Vozes do PSD: - Oh!!!...

A Oradora: - A teoria de que "não há construção sem destruição", emblema da Grande Revolução Cultural Proletária, tem vindo a ser seguida na Administração Pública. Citem-se os exemplos do INPP, do IROMA, da PEC, do IPPAA e do Instituto Florestal.

Risos do PSD.

Em todos estes exemplos, um fio condutor, cada vez mais coerente com o ideário e praxis marxistas ou marxizantes todo o poder aos asseclas do "aparelho" -, fio condutor esse cultivado à sombra tutelar do "Homem do leme", forma grosseira de plágio do conhecido "Grande Timoneiro".

Efectivamente, na recente reestruturação do Ministério da Agricultura, assistiu-se à partidarização dos cargos dirigentes da administração. Por via de uma absolutamente despropositada delegação de competências, alijam-se responsabilidades, gerando-se uma escandalosa promiscuidade orgânica, que se manifesta na sobreposição de competências, como é o caso das que ocorrem na inspecção e certificação dos produtos do mar e águas interiores, cometidas por leis orgânicas- curiosamente trazidas à luz na mesma altura... - a entidades diversas e tuteladas por dois ministérios diferentes.
Ora, o que é isto senão manifestos sinais de incompetência, de negligência e total falta de seriedade deste Ministério e do Governo que o acoberta?!
A falta de senso e o total alheamento dos problemas que lhe estão cometidos, muito em especial no que concerne à pecuária nacional, levaram este Ministério da Agricultura a uma reestruturação em moldes completamente inadequados para, nos campos do melhoramento e apoio à pecuária, programas de saúde animal e de saúde pública, fazer face aos desafios deste século. Reestruturação que foi, aliás, feita não só contra os interesses e as expectativas dos produtores e consumidores como também ao arrepio das Conclusões e Recomendações do Relatório da Cowiconsult encomendado pela Comissão das Comunidades, por decisão do próprio Conselho de Ministros.
Esta atitude, a não ser completa e urgentemente invertida, conduzirá, em termos económicos e face aos dispositivos normativos comunitários, à falência irremediável da nossa pecuária. Ao mesmo tempo tememos justificadamente a gravidade das suas repercussões em termos de saúde pública - algumas das quais têm vindo a lume nos órgãos de comunicação social, com inusitada frequência, mas que mais não reflectem do que tão-só a ponta do iceberg. E o caso da brucelose, doença, como é sabido, com gravíssimas repercussões sociais e económicas, quer pelo internamento hospitalar a que obriga (cerca de um mês), quer pelo prolongado tratamento que exige (cerca de seis meses), quer ainda pelas sequelas e cronicidade que a caracterizam. o que equivale a dizer incapacidade para o trabalho, subsídios de doença e invalidez, enfim, depauperamento inevitável da economia nacional.
Os números de brucelose humana e animal são por si eloquentes, são oficiosos e são cumulativos!

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Noutros países, calculam-se numa percentagem de 20 % os casos de brucelose oficialmente reportados. Esta percentagem aplicada a Portugal vai multiplicar cinco vezes o quadro dos números oficiais, atirando-nos para a bonita
soma de 6000 humanos infectados no ano de 1993 e de 2825 até Julho do
corrente ano -, números e factos, no mínimo, assustadores.
A propósito, e já que esta Assembleia foi forçada a participar na farsa que constituiu a audição parlamentar- sobre a existência ou não de BSE em Portugal - que, como é sabido, por votação, concluiu pela negativa, desmentida agora por um comunicado assinado pelo Sr. Presidente do IPPAA, em que reconhece a validade do exame que diagnosticou os primeiros casos de BSE e ainda existência da doença no passado e no presente -, face a estes factos, cumpre, com toda a propriedade, questionar este Governo sobre quais as medidas que, no concreto, tomou ou estão a ser tomadas para evitar que tecidos potencialmente infectados cheguem à mesa do consumidor.
E com igual propriedade se coloca a mesma questão relativamente a doenças como o quisto hidático, a leishmaniose, e a listeriose que os dados oficiais apontam como existentes no nosso país, mas que nalguns casos já conduziram à morte!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É isto que a actual reestruturação tem feito, não oferecendo qualquer tipo de solução. São múltiplas as situações potencialmente perigosas que começam rias deficientes condições de funcionamento nos matadouros, passando pela falta de controlo dos medicamentos para animais, pela utilização de hormonas na sua engorda, pela falta de condição nos postos de controlo dos produtos animais provindos de países terceiros, pela falta de pessoal nos postos de inspecção e pela contaminação massiva de trabalhadores nos centros de abate da brucelose.
Tanto é assim que os matadouros destinados ao comércio intra-comunitário, bem como os postos portugueses que o Governo candidatou a integrarem a rede de postos fronteiriços de entrada de produtos alimentares oriundos de Estados terceiros e destinados ao comércio intra-comunitário, foram "chumbados" pelas Comunidades por falta de observância das normas comunitárias e por falta de condições de controlo veterinário e fito-sanitário.
Mas há mais! Parece-nos uma atitude de verdadeira miopia política a ligeireza com que este Governo vem tratando a investigação na área das ciências agrárias, pela forma como desaproveita não só recursos materiais como recursos humanos, com provas dadas - isto foi o que aconteceu com LNIV, que, hoje, significativamente, é tão-só LNV! -, miopia política tal que não alcança sequer hoje a realidade comprovada de que não há desenvolvimento sem investigação.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Finalmente, diligentes alunos dos ditames da democracia, as nossas autoridades do Ministério da Agricultura, destituídas de uma política comunitária coerente, tudo hipotecam, tudo imolam ao único objectivo da convergência nominal,...

0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Ah!!!

A Oradora: - ... ainda que o reverso da medalha seja a agonia da nossa agricultura, dos criadores de gado, dos

empresários das indústrias transformadoras e da alimentação animal.
Desemprego, desertificação dos campos, êxodo rural, bairros de lata, criminalidade, droga, instabilidade social, tudo "mistificações" de reaccionários impenitentes, incapazes de entender que a acção do homem acontece para exaurir os campos e hipotecar o nosso futuro como "Reserva Integral" da Europa e "Inatel" de nudistas, naturistas e desempregados dessa Europa...!
Ora, o futuro é já presente nessas comunidades alienígenas, que, tal como sucede na Serra da Lousã e pelo Alentejo, povoam com elevado sentido ecológico o espaço abandonado pelos nossos compatriotas, forçados a mourejar nas Alemanhas 18 horas por dia contra um salário inferior ao subsídio de desemprego que a mesma Alemanha paga mensalmente para se ver livre dos citados ecológico-indigentes...
Meus senhores, se esta moção de censura carecesse de mais alguma fundamentação - e que não carece, creio, em consciência todos vós e este Governo o reconhecem-, eu acreditaria que esta é fundamentação bastante para estas palavras.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PS.

0 Sr. Presidente: - A Sr.ª deputada Maria da Conceição Seixas teve a delicadeza de se dirigir à Câmara por ocasião do primeiro momento em que usou da palavra diante dela. Ora, em nome da Câmara, agradeço-lhe a gentileza e desejo-lhe bom êxito no seu trabalho.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço uma vez mais as saudações dos Deputados do PSD, mas continuo a ser um forte adversário vosso e do vosso Governo, como, aliás, vão já ouvir.

Risos.

Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: 0 Governo Cavaco Silva mantém - não há dúvida! - uma notável coerência na sua postura política, já que cria, permanentemente, uma assinalável instabilidade familiar que atinge um largo estrato da população portuguesa, que sofre as consequências da prática governamental, prática esta que tem merecido uma censura global do povo português, facto comprovado pelas múltiplas greves e manifestações populares de protesto. Os protestos baseiam-se em razões sociais muito sérias e muito profundas.
A contestação ao Governo é justificada: são as centenas de milhares de desempregados; é a situação caótica nos sectores da educação, do ensino e da saúde; é a paralisação gradual de estruturas produtivas; são operações financeiras, especulativas, são as falências em número cada vez mais crescente; é a falta de perspectivas de futuro da nossa juventude; é a pobreza que, sendo números tornados públicos há dois dias, pela Comissão das Comunidades Europeias, atinge já, em Portugal, uma imensa mole de dois milhões e trezentas mil pessoas.
Não se pode dizer que a linha política desenvolvida pelo Governo visa o reforço da democracia; afasta-se, isso sim, deliberadamente da democracia social.

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Não há qualquer argumento governamental credível, capaz de justificar a instabilidade que este Governo gera na vida económica, social, nas próprias instituições democráticas, agravada com a sua tentativa de descaracterizar profundamente a Constituição da República Portuguesa.
E, à crescente e notória insatisfação dos portugueses, o Governo responde com autoritarismos, dinamiza actos repressivos; sobranceria, cargas policiais, campanhas de contra-informação, ataques à acção legítima e constitucional dos partidos da oposição, intimidações a jornalistas constituem uma actuação insustentável, a que urge pôr termo.
E é neste quadro que assistimos, ainda, ao surpreendente caso único nos meios internacionais, onde gosta de se mover, a constantes provocações, a ofensas inadmissíveis e a agressões verbais ao Sr. Presidente da República, como há dois dias tivemos oportunidade de verificar quando o Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PSD se referiu ao Sr. Presidente da República em termos que não se devem tolerar em democracia e que concorrem para fundamentar no País uma acrescida desconfiança e confusão popular. Esta é mais uma actuação que revela um sintoma de fraqueza política do PSD e do Governo e de falta de respeito pelas instituições democráticas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os problemas do País são cada vez mais penosos.
Neste debate, o Sr. Primeiro-Ministro "não considera" homericamente; está acima de todas as críticas justas, vindas um pouco de todos os quadrantes da oposição e aqui formuladas; não foi capaz de fazer um balanço realista, como foi incapaz de, em resposta à oposição, apresentar um programa que pudesse, de alguma forma, tranquilizar os trabalhadores e os portugueses em geral.
0 Governo não tem humildade democrática de assumir qualquer erro; funciona com objectivos eleitoralistas, de clientelismo, valoriza a sua demagógica propaganda em detrimento da resolução dos problemas, para cuja existência- e não é demais repeti-lo- concorreu.
Há, por isso, que dar-lhe resposta adequada e urgente. Perante a enormidade dos problemas criados pelo Governo à população, perante o permanente confronto institucional com a Presidência da República, perante o insustentável panorama social, económico, político e cultural do País, só existe uma solução em defesa da estabilidade democrática, em defesa das instituições democráticas e em defesa das liberdades e garantias dos cidadãos.
Sr. Presidente, a solução dos graves problemas do País passa rigorosamente pela substituição, a breve prazo, do Governo Cavaco Silva/PSD!

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A intervenção que vou fazer sobre o estado da justiça em Portugal tinha sido pensada na convicção de que estaria aqui presente, hoje, dada a importância do assunto, o Sr. Ministro Laborinho Lúcio.
Porém, V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, como superior orientador e principal responsável pelas mesmas políticas da justiça, vai encabeçar hoje estas críticas.
Gostaria que - e já que esteve silencioso durante todo este tempo perante as críticas substantivas que apresentámos sobre vários aspectos de governação -, se não nos der

hoje uma resposta, pelo menos, transmita ao Sr. Ministro Laborinho Lúcio as nossas palavras e inquietações para que, no próximo debate sobre as Grandes Opções do Plano, nos possa responder pessoalmente, aqui, no Parlamento, sobre o que pensamos acerca do verdadeiro estado da justiça em Portugal.
Sr. Primeiro-Ministro, a saúde do Estado democrático também se mede pela qualidade da justiça que ele presta ou que pode proporcionar aos cidadãos. Fosse a justiça entre nós avaliada pelo recorte literário dos extensos "discursos de Estado" - como o Ministro Laborinho Lúcio gosta de qualificar as suas peças oratórias nesta Assembleia ou de "esclarecimento" nas campanhas de dinamização, sob a designação "Programa Cidadão e Justiça", em que tão vibrantemente participa - e não teríamos dúvidas em afirmar que Portugal é um exemplo para os demais países civilizados e que todos nós, Deputados, magistrados, funcionários judiciais, advogados, litigantes, pessoal para-judiciário, presos, e o Ministro da Justiça incluído, não caberíamos em nós de contentes com o progresso realizado nos últimos anos.
Infelizmente, os factos são teimosos e, a par com alguns avanços que são de saudar, o saldo negativo do mandato do actual Ministro da Justiça é o que impressiona mais na contabilidade da sua gestão governativa.
Para começar, é hoje patente que o parque judiciário apresenta defeitos graves que urge remediar. Há pelo país fora muitas dezenas de tribunais instalados em casas que foram construídas para habitação. A instalação de tribunais de comarcas de grande movimento em apartamentos de quatro ou cinco assoalhadas não só diminui a dignidade de que se deve revestir a missão de julgar como torna penoso o trabalho de estudo dos processos que ali têm que realizar magistrados, advogados e funcionários, isto é, torna absolutamente necessária uma medida urgente.
Quase sempre os gabinetes, conjuntos para dois, três, quatro, cinco ou seis julgadores, como sucede em Leiria, mais se assemelham a uma qualquer repartição pública, só lhes faltando o guichet para olhar para o exterior. Não há lavatórios diferenciados; as testemunhas enchem os estreitos corredores, ouvindo os depoimentos uns dos outros; as declarações dos arguidos não são protegidas de ouvidos curiosos; as audiências são calendarizadas conforme as prioridades que os juízes entre si estabelecem para a ocupação de uma sala comum!...
0 relatório do Procurador-Geral da República de 1993 aponta para 23 tribunais - 23 tribunais! - que não têm condições mínimas de funcionamento e para outros que são casos graves de inadequação, de carência de mobiliário e de equipamento e de degradação dos imóveis, tudo circunstâncias que comprometem o seu normal funcionamento. Encontrámos ontem num diário de expansão nacional (Jornal de Notícias) uma descrição super-realista deste estado de coisas: no Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto, a falta de higiene chegou ao ponto de os armários e arquivos estarem infestados de ratos e pulgas. Dá ainda conta esta notícia da natural indignação dos magistrados perante a impotência a que a burocracia reduz a vontade e a necessidade de modernização.
Por outro lado, nem sempre a adaptação de casas de habitação ao funcionamento de um tribunal é feita com o cuidado necessário - os arquitectos e os engenheiros não sabem como se distribuem os agentes judiciários numa sala de audiências: a mesa no Ministério do Público é colocada na continuação da bancada dos juízes, o que leva à confusão dos titulares; são apertadas as carteiras dos advogados e, se e quando for recuperado e utilizado o registo audio-

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magnético em que o Ministério dispendeu centenas de milhares de contos dos nossos impostos, dificilmente tal aparelhagem, que já está em grande parte obsoleta, poderá ser colocada em muitas destas exíguas salas.
Acresce ainda a falta de condições e a degradação a que estão reduzidas a generalidade das casas de habitação dos magistrados judiciais e do ministério público.
0 tribunal de círculo - que é a "menina dos olhos" do Sr. Ministro da Justiça - é hoje correntemente considerado como uma experiência falhada. 0 engarrafamento dos processos saídos dos tribunais de comarca aumenta a lentidão da tramitação processual e, como as secções dos processos quase sempre foram alocadas retirando-as aos tribunais comarcãos, esta separação veio agravar a marcha normal dos autos. Há hoje centenas e centenas de processos parados a somar aos processos remetidos para o tribunal de círculo, onde se amontoam juntamente com os da secção que deixou de funcionar. Acrescenta-se a isto a falta, em muitas comarcas importantes, de funcionários e de escrivães, o que leva os que lá continuam à necessidade de trabalharem em horas extraordinárias, que não são pagas pelo Governo, e a que os magistrados despachem os processos à noite e aos domingos e feriados.

0 Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Desgraçados!...

0 Orador: - Nas comarcas de ingresso, quando as vagas são preenchidas, são-no através da nomeação de jovens juízes estagiários, sem qualquer experiência da vida nem profissional, e, quando estes são transferidos para o primeiro acesso, torna a ficar vago o gabinete do juiz até à chegada do novo juiz estagiário.
A este condicionalismo, já de si perverso, acrescente-se a falta
de segurança em que são obrigados a viver e a agir os nossos magistrados.
Com a justiça-espectáculo, a comunicação social, maxime a televisão, invadiu as salas de audiências, os juízes que condenam os arguidos de uma associação de malfeitores, de casos de tráfico de estupefacientes ou criminosos perigosos, não têm a mínima protecção quando abandonam os seus gabinetes, isto para não falar já na total inexistência de controlo das pessoas que querem assistir ao julgamento. As cenas após-julgamentos, transmitidas em directo, em que os populares ou mirones, à porta dos tribunais, ofendem ou julgam os próprios julgadores são uma situação revoltante.
Mais uma nota apenas sobre o mau funcionamento dos tribunais: apesar de todas as promessas e de todas as declarações oficiais, ainda não está solucionado o problema dos tribunais de turno nos fins-de-semana e nos feriados, e não se compreende a verdadeira razão deste braço-de-ferro que o Ministro da Justiça Laborinho Lúcio manter com a magistratura e o funcionalismo judicial.
0 mesmo se diga, embora agora visto de ângulo diferente, do modo como vegetam os presos nos estabelecimentos prisionais. Poderá o Sr. Primeiro-Ministro explicar a esta Câmara por que razão, depois de milhares e milhares de contos gastos na cadeia do Funchal, não são para lá, transferidos os presos do Continente, o que aliviaria os cárceres sobrelotados, quando os presos na Região Autónoma da Madeira não chegam a duas dezenas e quando o total de presos em Portugal podia viver na cadeia do Funchal em melhores condições de alojamento?

0 Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Funchal é Portugal..

0 Orador: - Porque não toma, Sr. Primeiro-Ministro, com prioridade e urgência, esta decisão da transferência?

Há poucos dias, Sr. Primeiro-Ministro, o Director-Geral dos Serviços Prisionais criticou asperamente, na presença do Ministro da Justiça, o Decreto-Lei n.º 15/93, afirmando que não sabia em quê e o que o legislador estava a pensar quando elaborou aquele diploma prisional, designadamente quando trata de toxicodependentes. Disse o Sr. Director-Geral: "tomaríamos nós ter zonas apropriadas para as pessoas dormirem com o mínimo de dignidade e não terem que ter um baldinho para fazer as suas necessidades". Como sempre é mais um diploma que o director-geral acha tudo menos funcional e divorciado da situação real.
Na mesma altura o Ministro da Justiça tomou conhecimento - se é que não o tinha antes - de que, dos cerca de 10 000 reclusos, 60 a 80 % são toxicodependentes, e não há gabinetes de combate à droga, institutos de reinserção ou planos globais de apoio suficientes para combater a toxicodependência que se gera nas prisões.
São palavras de um magistrado da inteira confiança do Ministro da Justiça e não de um Deputado mal-dizente da oposição. A resposta veio através do discurso de Estado que fez no Colóquio o seu ministro da Justiça: "A lei é sempre uma síntese do possível e nunca a totalidade do absoluto", sentenciou com a majestade da palavra, que é o seu dom, o Dr. Laborinho Lúcio!...
Exigir uma justiça de qualidade é pedir ao Primeiro-Ministro e ao ministro da pasta que dêem os meios necessários, quer do ponto de vista da simplificação processual quer dos recursos financeiros. A reforma do Código do Processo Civil é um "segredo de justiça" que o Ministro guarda ciosamente depois de sucessivas nomeações de comissões para a sua elaboração. Há que dar aos juízes maior autonomia de actuação em colaboração com os advogados das partes, reduzir os tribunais colectivos, obrigar à gravação das audiências, abrir a possibilidade de novas audiências, em alguns casos, nas instâncias de recurso para melhor avaliação da prova e da fixação da matéria de facto, para a justiça célere, mais eficaz e menos formal. Traz o novo Código alguma novidade neste particular?
0 novo Código de Processo Penal é aguardado com grande ansiedade pelos advogados que receiam a diminuição de garantia dos arguidos. Poder-se-á adiantar qual a posição neste particular?
0 Sr. Procurador-Geral da República ciclicamente queixa-se de que lhe faltam, e têm faltado, os meios necessários para o combate à corrupção. Faltaram-lhe os meios materiais, faltam-lhe os meios técnicos e humanos para prosseguir a investigação numa área onde é por todos reconhecida a sofisticação dos processos delituosos. É sabido que custa ao Ministério Público aceitar a chamada "autonomia técnica, táctica e estratégica da Polícia Judiciária", especialmente quando, organicamente, esta Polícia Judiciária é disciplinarmente obediente e hierarquizada, tendo por chefe o Ministro da Justiça, porque este vínculo de subordinação está em ligação directa com o poder político do executivo e com o Primeiro-Ministro. Como escreveu o Sr. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça, "a corrupção descobre-se, não é investigada, onde existe, através de um órgão independente do poder político e com poderes para o fazer". Entre nós sucede o contrário.
As duas magistraturas, a Judicial e a do Ministério Público, sentem desconforto que já não escondem perante a investida do Sr. Ministro da Justiça em substituir os actuais Conselhos Superiores separados por um Conselho Superior de Justiça, o que já não terá lugar nesta Legislatura porque ninguém acredita que haja revisão constitucional na

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presente sessão legislativa - e mesmo se houver será difícil obter o consenso de dois terços dos Deputados.
Mas a guerra está declarada, Sr. Primeiro-Ministro, e pela voz do Sr. Ministro da Justiça, que há pouco mais de um ano, nesta Câmara e num diálogo mantido com o Deputado José Magalhães, afirmava ser adepto da independência da carreira do Ministério Público (e não apenas autonomia) e até sugeria o levantamento, em tempo oportuno, do entrave constitucional para esse efeito. E daí a minha pergunta: o que abalou a convicção de muitos e muitos anos do Sr. Ministro da Justiça para ser hoje um militante da tese da fusão das duas magistraturas?
Vamos ter, até ao fim desta Legislatura, o tão desejado "notário-pivot" que cintila no programa do Governo? E como vai o dossier da privatização do notariado? Manter-se-á a obrigatoriedade de publicação em jornais regionais dos extractos de constituição e modificação dos pactos sociais?
E previsível a reforma quanto aos exorbitantes emolumentos cobrados pelos actos notariais e de registo, sabendo-se que sai mais barato aos contraentes deslocarem-se a Badajoz para lavrar ali uma escritura pública do que fazê-lo em Lisboa?
E, já que estamos em matéria de redução de despesas, não pensa o Governo que chegou a altura de, juntamente com o novo Código de Processo Civil, alterar também o Código de Custas Judiciais, que onera tanto os litigantes e torna a justiça muito mais custosa do que era dantes?
Quanto ao programa "Cidadão e Justiça", não acha, Sr. Primeiro-Ministro, caricato que o Sr. Ministro da Justiça tenha transformado este programa numa "acção de rua" chegando ao ponto de incitar os seus ouvintes, poucos, diga-se de passagem, a constituírem a "associações de utentes de Justiça" para lutar contra as demoras dos processos matéria em que o ministro diz não poder intervir devido ao princípio da independência dos juízes? Quanto ao acesso à justiça, não seria mais recomendável o Estado financiar os mais necessitados pagando aos advogados e a outros operadores em termos normais mediante protocolo assinado com as respectivas Ordens?
Poder-se-ia discorrer mais sobre o péssimo funcionamento da justiça em Portugal que se reflecte em todos aqueles que recorrem ao Direito. As partes, os defensores, os profissionais do foro, os magistrados, os funcionários, os cidadãos em geral não acreditam na justiça que temos. Há, hoje, no nosso país um profundo mal-estar quanto à administração da justiça. Não sobra muito tempo ao Sr. Ministro para melhorar o aparelho judiciário, com vista a torná-lo mais operativo e mais flexível para satisfazer as necessidades quotidianas que crescem com o processo de mudança em curso na sociedade portuguesa. E uma grande desilusão para todos quantos confiaram nos discursos solenes e rebarbativos do actual titular.
Há que julgar o Ministro da Justiça, aliviando-o das suas actuais tarefas para que, como magistrado, veja mais de perto o que recusa a admitir no seu gabinete do Terreiro do Paço e que existe no País. Como V. Ex.ª a fez em relação a ministros da educação, da saúde, das finanças, mais uma vez terá que nomear um novo ministro da justiça para uma nova política de justiça.

Aplausos do CDS-PP.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminaram as inscrições para o debate da moção de censura, mas há pendente um pedido de palavra para defesa da consideração

formulado pelo Sr. Deputado André Martins e relacionado com palavras proferidas pelo Sr. Deputado Mário Maciel.
Tem a palavra, Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é motivo da defesa da consideração quando um Deputado deturpa e utiliza, para proveito próprio, as posições ou declarações proferidas por outro Deputado. Foi o que V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário Maciel, fez na intervenção que proferiu aqui, de manhã, ao dizer que o representante de Os Verdes na Subcomissão de Ambiente terá elogiado a decisão da Sr.ª Ministra de apresentar o novo calendário - e repito, o novo calendário - para a implementação do sistema nacional de tratamento e gestão de resíduos tóxico-perigosos.
0 que eu disse, Sr. Deputado, foi que considerava de extrema importância o facto de a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais vir à Subcomissão reconhecer o erro do Governo no desencadear do processo anterior, que queria impor, sem quaisquer critérios credíveis, a implantação da central de incineração no concelho de Sines, decisão da qual se veio depois a desistir.
Mas, por outro lado, também considerámos importante que a Sr.ª Ministra viesse à Subcomissão de Ambiente reconhecer a incapacidade do Governo para dar solução a um problema que consideramos hoje uma autêntica catástrofe nacional.
Como o Sr. Deputado sabe - e a Sr.ª Ministra tem-no afirmado -, desde 1987 que o Governo tem conhecimento de que em Portugal se produzem, anualmente, mais de um milhão de toneladas de resíduos tóxico-perigosos e que estes, sem qualquer tratamento, são lançados indiscriminadamente, contaminam os nossos solos, os nossos rios, os nossos aquíferos, pondo em risco a segurança e a saúde públicas dos portugueses.
Por isso, Sr. Deputado, nós não podíamos elogiar esta decisão da Sr.ª Ministra.
Mas, mais grave, Sr. Deputado, é que, depois de serem apresentadas listas restritas sucessivas para a implantação dos aterros de resíduos tóxico-perigosos, na última lista restrita se verificou que a proposta de localização de um dos aterros se situa a menos de 500 metros das captações de água para consumo humano no concelho de Vagos!
Sr. Deputado, isto é extremamente grave, preocupa todos os portugueses e deveria preocupar o Governo, que tem de assumir as suas responsabilidades porque o que está em causa é o nosso futuro, é a segurança de nós todos e a nossa saúde.
Era isto, Sr. Deputado, que era necessário repor aqui e por isso pedi a palavra para defesa da consideração.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

0 Sr. Mário Maciel (PSD)- - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ficou a percepção na Câmara de que não ofendi a consideração do Sr. Deputado André Martins Apenas ficou a percepção de que o Sr. Deputado André Martins pediu desculpa ao Partido Comunista Português por ter tido uma frase mais independente em relação àquele.
De facto, o Sr. Deputado, sendo eleito por um partido, devia ter atitudes dessas, devia afirmar-se pela positiva, devia ter uma política diferente, mas não. Entre a minha intervenção e o seu pedido de defesa da consideração, pelos vistos, ocorreu uma repreensão do Partido Comunista Português!... E aquilo que o Sr. Deputado aqui veio demons-

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trar é que não há um Partido Ecologista Os Verdes, há apenas um departamento do Partido Comunista em Portugal!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente! peço a palavra para me poder dirigir ao Sr. Primeiro-Ministro.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Primeiro-Ministro, o que se passou aqui ontem deixou-me também a mim, naturalmente, muito incomodado. E, por isso mesmo, ontem e hoje senti-me na obrigação de fazer a investigação factual possível, a esta distância no tempo, para confrontar os factos com as recordações que ontem aqui invoquei.
As conclusões a que cheguei obrigam-me, em consciência, a fazer duas coisas: a dirigir-lhe um pedido de desculpas e a dar-lhe uma explicação.
0 Sr. Primeiro-Ministro, há oito anos, não esteve, efectivamente, em Águeda aquando do pavoroso incêndio em que, com comoção geral da população local e do País, sucumbiram muitos bombeiros. Não fez, portanto, aí nenhuma intervenção, ao contrário do que eu ontem disse. Por isso lhe é devido o meu pedido de desculpas, que lhe apresento neste momento.
No entanto, Sr. Primeiro-Ministro - e é esta a explicação que vou dar-lhe -, acreditará que, pela minha maneira de ser e pela educação que recebi, sou incapaz de inventar ou de mentir para atingir alguém, em consciência. Portanto, as minhas declarações de ontem foram feitas, como poderá verificar a seguir, com plena convicção.
É esta a explicação que quero dar-lhe: o Sr. Primeiro-Ministro não falou em Águeda sobre a tragédia que ali ocorreu mas, sim, em Santarém, no dia seguinte. Fez, na altura, declarações que foram reproduzidas na imprensa e que passaram num directo televisivo - e pude confirmá-lo porque esse directo televisivo foi referido na imprensa três dias depois, concretamente no jornal Comércio do
Porto -, que englobava todas as imagens da tragédia e a sua descrição.
Essas declarações foram recebidas com indignação por alguns Deputados, entre os quais me contava, e a minha irritação, provocada pela impressão que me causou a sequência de imagens, convenceu-me, até hoje - e foi uma convicção que carreguei todos estes anos num plano puramente pessoal -, que o Sr. Primeiro-Ministro estava não só a falar a seguir àquelas imagens como até perto delas e, portanto, no local do incêndio. 15so não era verdade, mas eu estive convicto de que era assim todo este tempo.
Ontem, em declarações emotivas e reactivas, na sequência do debate - e não vou lembrá-las, porque todos estávamos presentes -, deitei cá para fora aquilo que calei ao longo de muitos anos, porque achei que nunca poderia reproduzir aquelas recordações, que eram para mim chocantes, envolvendo o Primeiro-Ministro do meu país. Pensei que esse era um facto que não poderia ser discutido.
A reacção violenta e veemente do Sr. Primeiro-Ministro obrigou-me, em consciência, a ir investigar os factos. Daí esta conclusão.
Sr. Primeiro-Ministro, talvez não deva ler-lhe as declarações que foram feitas por algumas bancadas na primeira sessão plenária da Assembleia da República após a sua intervenção - o Sr. Primeiro-Ministro, porventura, neste momento, já terá também relembrado essas declarações -, que são demonstrativas de que o meu sentimento de recusa e de indignação em relação às suas declarações não era isolado,

antes fazia parte de um sentimento partilhado não pelo conjunto da Assembleia mas pelo conjunto da oposição.
Nessas declarações, o Sr. Primeiro-Ministro referia o aproveitamento de um clima de dor nacional, para lançar sobre a Assembleia uma onda de suspeição e de descrédito. Foram estas as expressões utilizadas, por exemplo, pelo Partido Socialista, nessa primeira sessão plenária a seguir a essa intervenção televisiva do Sr. Primeiro-Ministro.
Era esta explicação que queria dar-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, pedindo-lhe que acredite que eu estava perfeitamente convicto do que dizia quando ontem afirmei que esteve presente em Águeda. Hoje, em consciência, confesso ter verificado que errei quando reproduzi aquilo que pensava ser verdade e confrontei-o com essas acusações.
Por esse motivo, apresento-lhe este pedido de desculpas.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a fase do debate da moção de censura, que ocupou os nossos trabalhos de ontem e de hoje, vamos passar ao período de encerramento.
De acordo com o n.º 3 do artigo 239.º do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra, pelo tempo de 30 minutos, o Sr. Primeiro-Ministro.

0 Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chega ao fim o debate provocado pela iniciativa parlamentar de apresentação de uma moção de censura ao Governo. E a primeira conclusão que importa tirar é simples e directa: de interpelação ao Governo este debate pode ter tido alguma coisa da parte da oposição, de moção de censura este debate teve rigorosamente nada.

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - Durante um dia e meio, quem seguiu as discussões que aqui ocorreram não conseguiu compreender quais as razões que levaram o CDS-PP a socorrer-se do excepcional instrumento constitucional que é a moção de censura.
Infelizmente, ao fim de tantas horas de discussão, haverá que reconhecer que este debate foi uma enorme perda de tempo para Portugal e para os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Nenhum dos factos alegados, nenhum dos argumentos utilizados, nenhum dos fundamentos invocados, serve para justificar a clara desproporção entre a emoção que se pretendeu criar e a iniciativa desencadeada.
A emoção que se quis criar era, de facto, grande, mas a substância do gesto foi, inevitavelmente, nula; o espectáculo gerado ganhou foros de pompa e circunstância, a inconsistência da iniciativa é que não passou despercebida.
Se o objectivo pretendido era o de lançar algumas achas para a fogueira do desprestígio da instituição parlamentar, então o contributo foi dado e o efeito pode ter sido alcançado. Não é, porém, motivo de satisfação para quem acredita nos valores da democracia representativa e alicerça as suas convicções no primado do Estado de direito democrático.

Aplausos do PSD.

Mas não nos surpreende este comportamento.
0 CDS-PP, na sua nova reformulação, usa e abusa da tentação de lançar suspeições sobre as instituições e não hesita em lançar mão de todos os expedientes para acen-

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tuar o distanciamento entre o Estado e os cidadãos, entre os eleitos e os eleitores, entre a sociedade civil e a estrutura do Estado democrático, entre os portugueses e os seus legítimos representantes.
É um caminho fácil mas perigoso e perverso, que se sabe onde começa mas nunca se sabe como e quando acaba. É, sobretudo, um comportamento que não dignifica quem o promove e, seguramente, que desqualifica quem o sustenta e pratica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Srs. Deputados, não contem nunca comigo para tais tentações, não alimentarei nunca tais propósitos, não pactuarei nunca com tais objectivos ou efeitos, por acção ou por omissão, de forma aberta ou dissimulada.
Tentar lançar o poder na rua, como alguns, obsessivamente, teimam em fazer, ou alimentar certo tipo de paixões, de emoções ou de discursos primários que desqualificam o Estado, as suas instituições e os seus representantes, são, uns e outros, comportamentos que rejeito, atitudes que me recuso a cultivar e procedimentos que em nada abonam a favor da maturidade e do sentido de responsabilidade que devem imperar no nosso regime democrático.

Aplausos do PSD.

Porque a todos ficou patente que o CDS-PP não quis apresentar uma verdadeira moção de censura.
Quis fingir que apresentava uma moção de censura para, dessa forma, produzir espectáculo e promover a desestabilização política que, segundo crê, favorece o seu crescimento eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Quis fingir que apresentava uma moção de censura para, dessa forma, estimular a conflitualidade entre portugueses e tentar minar a confiança e as expectativas dos cidadãos.
Quis fingir que apresentava uma moção de censura na ilusão de, assim, fomentar o descontentamento através de um discurso demagógico, radical e incoerente.
Quem assim procede não merece contemplação.
Perante o que aqui se passou, e mesmo antes, pelas declarações que antecederam o debate, qualquer cidadão português pode aperceber-se do vazio em que o CDS-PP navega, da incoerência que o atinge, da incapacidade que tem em analisar as questões da governação, da ausência total de uma ideia responsável para o País.

Aplausos do PSD.

0 que ficou claro foi que o CDS-PP não faz a mínima ideia do que é governar Portugal, que comete erros de palmatória quanto à formulação das políticas, que não entende o quadro internacional em que o País se insere.
Sejamos sérios!
Um país não se governa com notícias de jornais, com alguns assomos de indignação e com abundantes jogadas demagógicas.
Governar implica seriedade e responsabilidade, e esta moção de censura não foi séria nem foi responsável.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegados a este momento, é legítimo que os portugueses perguntem e se questionem sobre o efeito e o resultado prático deste debate e sobre a correspondente iniciativa desencadeada.
A resposta é simples e clara: de novidade tivemos apenas mais encenação mediática, de diferente tivemos apenas mais competição política e mais guerrilha partidária. Quanto ao mais, tivemos as mesmas críticas, as mesmas acusações, requentadas e estafadas.
E, de facto, pouco, muito pouco, para quem aspira a mobilizar os portugueses; é, de facto, pouco, muito pouco, para quem quer ser alternativa; é, de facto, pouco, muito pouco, para quem quer derrubar o Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Mas manda também a verdade que se diga que não era de esperar coisa diferente. Como dissemos e agora o reafirmamos, esta moção de censura nada tinha a ver com Portugal, com os portugueses ou, sequer, com a governação do País. Esta moção de censura tinha e tem apenas a ver com o campeonato duro, exigente e feroz que se joga entre os três partidos da oposição. 0 debate foi esclarecedor quanto a este aspecto.
Um campeonato que, de resto, se joga em campos diferentes e segundo tácticas distintas, consoante a natureza e os objectivos ocasionais dos respectivos protagonistas ou contendores.

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - 0 campeonato não é esse!

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não é nada disso!...

0 Orador: - 0 PCP, a jogar eminentemente na rua, tentando agitar e desestabilizar,...

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E aqui também!

0 Orador: - ... fiel aos seus desígnios originais e ao esquema táctico que ensaiou no passado; o CDS-PP a tentar liderar a disputa no plano que chama de institucional, procurando levar vantagem em relação ao seu adversário mais directo neste campo, o Partido Socialista; este, por sua vez, com um calendário de jogos mais difícil, a vacilar entre o jogo da rua e o desafio na instituição parlamentar, o que o obriga a utilizar várias equipas e, por paradoxal que pareça, a perder na rua para o Partido Comunista e a ser levado a reboque em sede institucional, por parte do CDS-PP.

Aplausos do PSD.

É este, em sentido figurado, o campeonato que a oposição vive; é esta, em sentido real, a competição a que se assiste entre os três partidos da oposição.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Antes o Gabriel Alves!

0 Orador: - E o presente debate veio evidenciar uma clara conclusão: os dois outros partidos da oposição, e, em particular, o Partido Socialista, apesar de considerarem a moção de censura um clamoroso erro político, não encontram alternativa que não seja a de ir a reboque, pactuando com o que não gostam, sustentando e votando o que rejeitam, como que reconhecendo ao CDS-PP o estatuto de liderança política da oposição que este ambiciona conquistar ao PS.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - Ó Sr. Primeiro-Ministro!...

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0 Sr. Jaime Gama (PS): - Pode citar o Dr. Pacheco Pereira!

0 Orador: - Fica demonstrado que a transparência e a coerência de atitudes não abundam no actual PS.
0 Governo e o partido que o apoia disputam outro campeonato.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Devem ser os distritais!

0 Orador: - Os nossos objectivos são diferentes. Têm a ver com o País, com a gestão do seu presente e com a preparação do seu futuro. Têm a ver com a necessidade e a preocupação de governar com seriedade e responsabilidade, resolvendo os problemas dos cidadãos, confirmando o contrato político celebrado com o eleitorado.
É este o nosso compromisso. Do Governo e do partido que o apoia. Um compromisso comum, porque sustentado num mesmo programa que o Pais sufragou. Um compromisso que nos responsabiliza perante os cidadãos, perante nós próprios e perante a nossa consciência cívica e política. Um compromisso que é, em primeiro lugar e acima de tudo, com os portugueses.
E aos portugueses que prestamos contas, é pelos portugueses que seremos julgados. São os portugueses - e só os portugueses que dirão, no momento próprio, através do voto, de forma soberana, se estamos ou não no bom caminho, se cumprimos ou não as promessas feitas, se merecemos ou não a sua confiança, adesão e apoio popular.

Aplausos do PSD.

0 Partido Socialista não cumpriu as suas obrigações neste debate.
Do maior partido da oposição teremos de esperar mais dignidade, aqui e acolá mais civilidade e contenção, e, sobretudo, maior responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Bem pode acontecer que, amanhã, o PS venha a perceber, como não percebeu nestes dois dias, que a criação de uma alternativa credível não se conquista à custa de alianças frentistas, entendimentos pouco claros ou cedências a grupos ou a entidades de pressão.

0 Sr. António Guterres (PS): - Ora essa!...

0 Orador: - Já era tempo de os senhores do Partido Socialista interiorizarem que quem incita o desrespeito às leis e à autoridade que emanam da democracia representativa, quem promove e apela à agitação e confrontação social ....

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quem manda buzinar na Ponte!

0 Orador: - ... quem pretende minar a governabilidade do País, quem não respeita as instituições do Estado de direito, quem não defende a ordem e a tranquilidade públicas e os princípios basilares da convivência democrática não pode deixar de ser desqualificado para o exercício de responsabilidades de governação e apontado como exemplo de irresponsabilidade política.

Aplausos do PSD.

É precisamente em momentos como o presente que se impõe relembrar aos Srs. Deputados da oposição e a outros

agentes políticos que Portugal é um Estado de direito, estruturado e fundado nos princípios da democracia representativa.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

0 Orador: - E desta natureza de Estado de direito decorre, como efeito lógico e incontornável, uma dupla consequência: por um lado, a sujeição do poder a princípios e a regras vertidos em lei, mas, por outro, o respeito que todos - cidadãos e entidades políticas - devem à ordem jurídica legitimamente estabelecida.
Num Estado de direito assente numa democracia representativa, ninguém, absolutamente ninguém, pode pretender estar acima da lei.
A ninguém é legítimo eximir-se ao cumprimento dos deveres que sobre todos impendem,...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Autocrítica!

0 Orador: - ... ainda que com a invocação de um pretenso direito alegadamente fundamentado em putativa indignação.
E que não estamos numa república dita popular, antes num Estado em que o poder político é democraticamente legitimado pela expressa e livre vontade do povo, a qual se manifesta pelos seus representantes, de entre os quais a Assembleia da República e o Governo são os únicos órgãos constitucionalmente competentes para fazer leis, para consagrar os direitos e os deveres que a todos assistem e vinculam.
Não podemos, por isso, deixar de expressar a nossa surpresa, para não dizer indignação, quando ouvimos Deputados desta Assembleia incentivar a desobediência aos princípios, às regras e aos órgãos legítimos de um Estado de direito, como é o nosso.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a governar em estabilidade. A estabilidade política que o País desejou. A estabilidade política que os portugueses desejaram construir. Porque a estabilidade política, ao contrário do que alguns pensam ou insinuam, não é um privilégio dos políticos ou uma benesse do poder. A estabilidade é um conquista dos cidadãos, é um sentimento positivo expresso pelos eleitores.

Aplausos do PSD.

Alguns políticos, os que fazem ou seguem a carreira política, vivem bem ou adaptam-se bem ao ambiente e ao clima de instabilidade e de imprevisibilidade. Há mesmo alguns que evidenciam nostalgia e saudades dos tempos da instabilidade. E há outros que, mais recentemente, porque desacreditaram do objectivo de alcançar o poder, descobriram, de repente, os malefícios que antes não descortinavam numa solução governativa politicamente estável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - A todos direi, de forma directa e muito particular: em Portugal, a instabilidade política esteve sempre associada a mais desemprego e menos justiça social, a mais inflação e mais endividamento, a menos progresso e a piores salários para os trabalhadores, a mais exclusão social e a perda de rendimento dos pensionista. Em Portugal, instabilidade foi sempre sinónimo de atraso, de retrocesso,

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de falta de esperança, de perda de confiança, de ausência de horizontes e de perspectivas de futuro.
Por mim, não quero voltar a esses tempos. Tudo farei para que tal não aconteça.
0 Governo está sustentado por uma coesa maioria parlamentar, que tem por si a legitimidade popular e um claro sentido das responsabilidades e do interesse nacional. E não lhe tem faltado, nem faltará, a coragem e a determinação para enfrentar as manobras desenvolvidas pelas oposições, no Parlamento e fora dele.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Portugal prossegue um caminho de modernização e transformação estrutural iniciado há cerca de nove anos.
E um caminho exigente, cujo esforço foi acrescido, nos últimos dois anos, pela mais grave crise económica que as economias desenvolvidas do mundo ocidental conheceram na segunda metade deste século. Mas temos sabido percorrê-lo com determinação.
Portugal, juntamente com a Europa, está já em período de franca recuperação das graves dificuldades sentidas em 1992 e 1993. A retoma é já uma clara realidade e ela significa mais emprego, mais investimento, mais poder de compra para todos os portugueses. Significa um novo impulso na afirmação de Portugal numa economia global e integrada, num mercado mundial dinâmico e desenvolvido.
Estamos, pois, no arranque de um novo ciclo da economia portuguesa, que vai completar e consolidar os avanços conseguidos no ciclo anterior.
Mas a garantia de progresso não vem de fora, nem nos é assegurada pelas ajudas dos outros, como erradamente alguns julgam. Ela nasce do esforço das empresas, dos trabalhadores, de todos os portugueses.
Mas reafirmo: para que se consolide a recuperação e o progresso seja uma realidade é preciso garantir a estabilidade política e a governabilidade do País. São as empresas que fazem a recuperação económica, irias a estabilidade política é uma condição essencial para o seu sucesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É minha convicção de que Portugal pode vencer no futuro. Que Portugal vai vencer no futuro. Com estabilidade política, apostando nos portugueses e realizando o projecto de integração que muitos sonharam, pelo qual muitos outros lutaram e que hoje estamos a concretizar.
Portugal está na Europa por convicção, não por obrigação. Portugal está na Europa por vontade própria, não por imposição alheia.
Estamos na Europa porque a Europa é um projecto de paz e de segurança, porque a Europa é um espaço de desenvolvimento económico e de solidariedade.
Dentro da Europa, podemos ter sucesso. Fora da Europa, seria o empobrecimento, o isolamento, a incapacidade de nos afirmarmos no mundo. A Europa corresponde, para nós, portugueses, a uma opção natural, por razões geográficas, culturais e de civilização. Ela é, de resto, hoje, indispensável para afirmarmos o tradicional universalismo da gesta lusitana. Ela é indispensável para a defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses.
Portugal não tem alternativa fora do contexto da Europa. Mas isso não significa abdicar de defender o interesse nacional, não significa deixarmos de ser portugueses nem significa menor lealdade ou desvio à nossa cultura, à nossa História, ao direito à diferença, que muito bem cultivamos.

Aplausos do PSD.

Tal como não significa qualquer afastamento na nossa especial ligação a África, ao Brasil, ao Atlântico. Muito pelo contrário. Na Europa, somos mais fortes e eficientes no aprofundamento desta relação privilegiada.
É com esta clareza que encaro o futuro de Portugal na União Europeia. Com clareza e com coerência. A mesma clareza e coerência que faltam aos que criticam a União Europeia, são, contra a União Europeia, mas são incapazes de dizer o que fariam relativamente à Europa se algum dia fossem poder ou tivessem acesso ao poder.
0 CDS é contra a União Europeia. Votou contra o Tratado da União Europeia. Se fosse coerente, se tivesse coragem moral e verticalidade política, teria de assumir a responsabilidade defender a saída de Portugal da União Europeia.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Queria!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma coisa quero deixar clara: ninguém me peça que governe ao sabor das circunstâncias políticas e em função da popularidade fácil. Disse-o e repito-o, hoje, amanhã e sempre: não hipotecarei o futuro, seja por que razões for, não comprometerei nunca o futuro das novas gerações.
Para mim, governar é um serviço e, sobretudo, a oportunidade de levar por diante um projecto. Um serviço que implica espírito de missão, que requer seriedade, honestidade, sentido de responsabilidade. A realização de um projecto que reclama um País melhor, uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e solidária.
É com este sentido de serviço e a convicção de poder realizar este projecto que tenho dado o melhor de mim próprio, sobretudo em prol dos mais vulneráveis, dos mais carenciados e dos mais desfavorecidos da nossa sociedade.
Com convicção, com vontade, com empenho, com uma grande determinação.
Antes de mais e antes de tudo, porque sei, porque acredito que Portugal tem futuro e que os portugueses são capazes de construir esse futuro.
É por tudo isto que aqui estou. Não fujo às responsabilidades.
Sou sensível às dificuldades de muitos portugueses, às legítimas ambições de muitos outros, aos anseios e aspirações de todos.
Por isso saio daqui, por isso o Governo sai daqui com mais força, nova vontade e determinação renovada.
As exigências dos portugueses são para nós um estímulo. As dificuldades, um desafio que queremos vencer.
Nada nem ninguém nos fará abalar a grande e inquebrantável confiança que temos em Portugal, que temos nós portugueses e na sua vontade férrea de ganhar o seu futuro colectivo.

Aplausos do PSD, de pé.

0 Sr. Presidente: - Para fazer a intervenção de encerramento, tem a palavra o primeiro subscritor da moção de censura, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Sr. Primeiro-Ministro criou alguma expectativa, hoje, na Câmara e, confesso, também tive essa expectativa. Mas quando comecei a ouvir o seu discurso, verifiquei que, afinal, estávamos perante uma repetição do encerramento da moção de censura apresentada em 1989.

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0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Tal e qual. É uma fotocópia!

0 Orador: - A mesma referência que V. Ex.ª não consegue deixar de fazer, quando - nem sempre - fala, por vezes, no Parlamento, nas horas perdidas...

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - ... e no trabalho que não pôde fazer. Só lhe faltou dizer, Sr. Primeiro-Ministro: "Deixem-me trabalhar! Deixem-me trabalhar!"

Protestos do PSD.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, este trabalho que fez e estas horas que - desculpe! - o obrigamos a perder são trabalho democrático.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - E nunca se lamente de o ter feito! Nunca se lamente, Sr. Primeiro-Ministro!

Protestos do PSD.

Quanto ao mais, Sr. Primeiro-Ministro - temos de deixar acalmar os Srs. Deputados da maioria, que estão em pouco nervosos -, V. Ex.ª preferiu, mais uma vez, as questões prévias, as lateralidades, mas, quanto à substância, nada! E tinha sido tão fácil V. Ex.ª chegar à Assembleia e demonstrar que o CDS-Partido Popular tinha tomado uma iniciativa tão importante, mas impensadamente, sem reflectir,...

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Está a fazer uma autocrítica?!

0 Orador: - ... sem ter em conta o trabalho que ia tomar à Assembleia da República e as horas que ia fazer perder a V. Ex.ª. Bastava-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, pegar, ponto por ponto, nas críticas que o CDS-Partido Popular lhe dirigiu e rebatê-las, convencendo a Câmara e o País de que não nos assistia qualquer razão. E então, sim, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª poderia falar das figuras parlamentares, da interpelação, da moção de censura, do tempo perdido... Nesse caso, Sr. Primeiro-Ministro, teria toda a razão.
Assim, o Sr. Primeiro-Ministro não disse nada. Falou muito, e até gostei de ouvi-lo em alguns pontos,...

Vozes do PSD: - Ah!

0 Orador: - ... mas sobre a moção de censura, sobre a substância nada disse!
Gostei do que ouvi e vou-lhes já dizer porquê, Srs. Deputados. Porque houve, pelo menos, um ponto em que o Sr. Primeiro-Ministro teve razão. A liderança política, a liderança da oposição, a liderança da Assembleia...

Risos do PCP.

... não resulta, necessariamente, de argumentos quantitativos, do número de Deputados eleitos! Esse número ajuda, e ajuda muito, nos apartes, no barulho, na qualidade que sempre proporciona, porque dá mais fácil escolha, sem qualquer dúvida. Mas não é tudo. 0 Sr. Primeiro-Ministro teve razão quando disse que é preciso coragem, iniciativa,...

0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - ... coerência e consistência de ideias para liderar a oposição e o Parlamento!

Aplausos do CDS-PP.

E isso, Sr. Primeiro-Ministro, o tal "partido do táxi" demonstrou aqui, na Assembleia da República, que tinha. E que tinha de sobra! Porque, quando V.Ex.ª lhe dirigiu o repto, apareceu aqui com a sua moção de censura.
Sr. Primeiro-Ministro, apesar de tudo o que aqui correu e de como correu, apesar de tudo aquilo de que vou voltar a falar, apesar de não terem estado presentes todos os seus Ministros, apesar da chicana que sempre houve e apesar da ausência de resposta, congratulamo-nos com a iniciativa que tomámos. É que nós, CDS-Partido Popular, possibilitámos ao Parlamento, logo no início da sessão legislativa, o verdadeiro debate político. E, apesar de tudo houve aqui debate político!

Sabemos, Sr. Primeiro-Ministro, que num contexto de apoio maioritário de um só partido, a Assembleia justificasse, sobretudo, para debater politicamente e para fiscalizar o Governo. Ora, a moção de censura é a sublimação da crítica ao Governo.
0 País não compreenderia que, perante a crítica que grassa e alastra, perante a contestação que se difunde e é assumida pelos políticos, pelos Deputados e parlamentares, estivesse ausente da Assembleia da República a moção de censura. Por isso estou certo de que o País compreende, Sr. Primeiro-Ministro, e que não perdemos tempo.
Esteja V. Ex.ª descansado que não é a moção de censura que desprestigia o Parlamento.

0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - E já vou dizer, Sr. Primeiro-Ministro, o que é que desprestigia o Parlamento.
V. Ex.ª voltou ao princípio, à principal razão da nossa crítica: a estabilidade política. Com efeito, V. Ex.ª já começou a fazer a sua campanha eleitoral, pressionando os portugueses e dizendo-lhes que é preciso estabilidade política,...

Vozes do PSD: - E é!

0 Orador: - ... porque estamos num contexto internacional, que é o da Comunidade Europeia. Também já começou a dizer aos portugueses que era preciso que os nossos parceiros europeus não vissem caras mudadas na representação portuguesa e, por isso, afirmou que o CDS - Partido Popular não fazia ideia nenhuma do contexto internacional da governação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - Daí ter-se atrevido a apresentar a moção de censura!
Sr. Primeiro-Ministro, estou de acordo com V. Ex.ª quando diz que a estabilidade política é uma conquista dos cidadãos,...

Vozes do PSD: - Ah!

0 Orador: - ... mas é oferecida aos políticos! E aos políticos a estabilidade conquistada pelos cidadãos oferece poder. Porém, como está provado, Sr. Primeiro-Ministro, e como tentámos e conseguimos provar, porque a confissão é um meio de prova, a estabilidade política oferecida pelos

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cidadãos de Portugal aos políticos do PPD/PSD não se traduziu, necessariamente, em estabilidade social, em estabilidade na vida diária dos cidadãos. Já o sabem esses cidadãos, que ofereceram estabilidade política e receberam, em troca, incerteza, insegurança nas suas vidas e, muitas vezes, atentados a direitos fundamentais de que gozam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - Portanto, Sr. Primeiro-Ministro, se a oposição, a oposição diferente do CDS-Partido Popular, tivesse coragem, estávamos aqui a debater, porventura, as suas moções e não a nossa moção.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Esta intervenção vai mais longa do que a primeira!

0 Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, o que também não queremos deixar de referir, quando falamos em prestígio das instituições democráticas, é a atitude de V. Ex.ª no decurso do debate que está agora a chegar ao fim, principalmente no discurso com que participou na abertura e, agora, neste, com que participou no encerramento. 0 Sr. Primeiro-Ministro, que aqui representou o Governo e assumiu, isolado, essa representação- que sublinhou perante o Parlamento -, demonstrou uma visão tacanha da política, reduzida toda ela a um conjunto de jogadas e contra-jogadas, desenvolvidas num autêntico campeonato pelas lideranças.
Para o Sr. Primeiro-Ministro, a apresentação da moção não passou, pois, de uma jogada produto de uma conspiração. E nesta obsessão conspirativa, nesta visão conspirativa, que, curiosamente, une os extremos do leque político, esqueceu-se de qualificar...

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Deixaram a direita! Abandonaram a direita!

0 Orador: - Não, Srs. Deputados, são VV. Ex.ªs que estão neste extremo, são VV. Ex.ªs que têm uma visão conspirativa.

Aplausos do CDS-PP.

Risos do PSD.

Estão VV. Ex.ªs neste extremo, a juntarem-se aos elementos do Partido Comunista que têm uma visão permanente da conspiração.

Protestos do PSD.

E nesta obsessão conspirativa, dizia eu, V. Ex.ª esqueceu-se de qualificar o desafio lançado pelo seu partido nesta tribuna para que a moção fosse apresentada.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Voltaram ao centro!

0 Orador: - Essa, sim, uma autêntica jogada, e jogada com bluff, verificou-se agora, como resultou das críticas que, despudoradamente, o próprio Primeiro-Ministro aqui dirigiu à oportunidade da iniciativa. Então, em que é que ficamos? A oposição devia apresentar uma moção de censura ou é inoportuno, irreflectido e impensado apresentá-la?

Vozes do PSD: - Pergunte aos socialistas!

0 Orador: - Mas esqueceu-se de mais, Sr. Primeiro-Ministro: nessa obsessão, esqueceu-se de qualificar também o desafio que, no mesmo estilo aventureirista e desestabilizador, foi aqui dirigido ao Presidente da República para dissolver a Assembleia. Então, e a estabilidade, Sr. Primeiro-Ministro? E, então, onde é que ficava a estabilidade política?
A memória selectiva é sempre um instrumento útil e, infelizmente, por vezes, é um instrumento compensador.
De qualquer modo, Sr. Primeiro-Ministro, o que fica das intervenções aqui feitas pelo censurado, por V. Ex.ª, pelo Sr. Ministro Marques Mendes, que, hoje, deu um ar da sua graça,...

Vozes do PS: - Pouco, muito pouco!

0 Orador: - ... e pelo partido que apoia o Governo censurado é o seu entendimento de que a oposição não deve opor-se ou criticar o Governo, deve apenas colaborar e dar a sua opinião, tudo em nome de uma razão de Estado, ao fim e ao cabo incompatível com a própria concepção democrática do Estado e do papel que, nas suas instituições, cabe a essa mesma oposição.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - Para o Governo, o recurso às figuras constitucionais não passa de jogadas e a Constituição é um catálogo de jogadas. Mas não é a Constituição que assim deve ser considerada, o que deve ser considerado como catálogo de jogadas, e de jogadas destinadas a limitar, senão mesmo a bloquear, as iniciativas de fiscalização e crítica da oposição, é o Regimento da Assembleia, nas partes em que contou apenas com a aprovação do PSD.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - Sem exame de consciência, o Primeiro-Ministro entendeu responder à moção, começando por fazer um exercício que, perdoe-me, Sr. Primeiro-Ministro, tenho de qualificar de mesquinho, de política politiqueira, destinado a diminuir o valor da iniciativa, mas que, no fundo, não diminui senão o seu autor, o Governo e o partido a que preside.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - Depois da tentativa de diminuição da vida política e das suas instituições, o Primeiro-Ministro, tanto na abertura como no encerramento, tratou de vários temas, menos das razões da moção de censura.
Deveria ter vindo ao Parlamento para responder, para explicar. E não diminui o Governo vir explicar, não diminui, em nada, um governo democrático vir explicar.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - E explicou!

0 Orador: - 0 Primeiro-Ministro britânico explica todas as semanas no Parlamento e não resulta diminuído. 0 Sr. Primeiro-Ministro não o fez! As questões que lhe foram colocadas sobre a estratégia global do seu Governo e sobre as políticas de áreas importantes da governação ficaram sem resposta, sem nenhuma resposta, como ficaram sem resposta as questões urgentes referentes a casos concretos apontados como sintomas da degradação da vida política portuguesa.
Em 1989, o Primeiro-Ministro fez mais ou menos o mesmo na censura do Partido Socialista, muito embora se te-

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nha alongado mais sobre o desempenho governamental na área económica e sobre a própria evolução da economia. As razões também eram mais débeis - temos de concordar e os tempos corriam mais de feição. Agora, nada! Remeteu-se a longas considerações sobre o nosso partido, o partido censurante, num jeito que não augura nada de bom, na medida em que demonstra tendência perigosa da abusiva ingerência na vida dos partidos da oposição-...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - ... como devem e não devem proceder, com quem devem ou não
associar-se no contexto internacional, que ideias devem perfilhar sobre a Europa, dentro de que limites é que podem discutir o respectivo programa. Tendência lamentável que não pode deixar de se atribuir aos hábitos criados pela longa permanência no poder!
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, esteja descansado e fique, desde já, a saber que, no CDS-Partido Popular, não estamos minimamente preocupados com as suas opiniões e repudiamos qualquer tentativa de ingerência.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - De qualquer modo, além de um exercício de política politiqueira, as intervenções de V. Ex.ª, constituíram uma manifestação indisfarçável de uma tendência jacobina para tudo comandar, para tudo regular, em nome da legitimidade maioritária. E, para além de tudo, um conjunto de palavras e de slogans bem articulados, bem orquestrados, no estilo populista de que falava o Deputado Pacheco Pereira para disfarçar a grande incomodidade causada pela moção.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - Quer dizer, o Sr. Primeiro-Ministro falou de tudo menos do que deveria falar, porque não estava preparado para falar sobre o que deveria falar.

Risos do CDS-PP.

Simplesmente, uma vez que lhe foi dada a oportunidade de falar, não pode deixar de se considerar o seu silêncio como prova de embaraço e como uma confissão. Essa a grande conclusão a tirar do debate: o Governo confessou os factos de que vinha acusado. Admitiu que: é um factor de instabilidade no País; não tem estratégia e não é capaz de definir ideias claras sobre o futuro de Portugal; está perplexo e sem rumo face às perspectivas de mudança na União Europeia; ocultou, e agora disfarça, a situação de ruptura financeira da segurança social; não conseguiu evitar a queda da produção agrícola e industrial, ao longo dos últimos anos, não tem política definida nem orientações para o grave problema financeiro do Sistema Nacional de Saúde. E está tentar pôr disfarçadamente em prática uma contra-reforma da educação, está a tentar duplicar a carga fiscal dos portugueses, pondo-os a pagar aquilo que até agora lhe prestava gratuitamente e não diminuindo os impostos directos e indirectos. Tomou medidas incorrectas sobre a portagem da Ponte sobre o Tejo e foi mesmo o principal causador da instabilidade que, aí se viveu e que, infelizmente, ameaça regressar.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - A proibição da célebre OPA sobre o BPA não teve outra finalidade que não fosse manter o actual

Conselho de Administração e proteger os sócios do chamado núcleo duro.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - A política de privatizações tem como únicos objectivos a angariação de receitas com a realização de mais-valias e a manutenção dos actuais gestores das empresas. Quer dizer, o Governo confessou aquilo de que vinha acusado e por isso deveria ser condenado, isto é, deveria ser censurado.
Tinha razão o CDS-Partido Popular. Tanta razão que o Sr. Prof. Cavaco Silva esteve aqui sozinho, porventura envergonhado dos seus Ministros, que recusou expor às críticas que lhes foram feitas, mas assumindo, no seu isolamento, que é o único responsável por tudo aquilo de que o Governo vinha acusado e que deve considerar-se confessado.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao tentar defender-se, falando do partido censurante e da sua legitimidade ou falta de legitimidade para censurar, o partido que apoia o Governo, pela voz do seu pensador mais produtivo, Deputado Pacheco Pereira, admitiu coisas interessantes.
Começou por retomar a tendência jacobina já evidenciada pelo Primeiro-Ministro para impor regras, comportamentos, ideários e programas aos outros partidos. É curioso, por exemplo, o que se passa com a Europa, em que o PSD, com a colaboração do PS, definiu uma atitude politicamente correcta, sem admitir contestação. Quem não estiver permanentemente disponível para acatar as definições do núcleo duro europeu, colaborando de modo passivo na construção da unidade europeia, não é democrata, é retrógrado, pouco patriota e está a condenar Portugal às trevas eternas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Orador: - Este tipo de reacção, muito típico do jacobinismo que infecta frequentemente as maiorias que permanecem, vive, porém - é preciso ter
cuidado -, paredes-meias com o totalitarismo. É a política do "crês" ou "morres". Não vê o Sr Deputado Pacheco Pereira que, assim, rotula de não democráticos todos os milhões de pessoas que, por essa Europa fora, mesmo nos países do núcleo duro, ousaram votar em referendos nacionais contra a ratificação do Tratado de Maastricht? 0 que é preocupante, sem dúvida, e perigoso se os tivéssemos de considerar como não democratas. E ignora que são várias as posições contrastantes no seio da União, a demonstrar que é possível defender os interesses nacionais, sem colocar em risco a própria União, até limites muito largos? E que o mundo, apesar de tudo, não acaba nas fronteiras da Turquia?
0 que é preciso é não ter uma atitude pacóvia e deslumbrada de parente pobre e periférico, de quem está condenado a todos os vexames para alcançar um lugar, mesmo que seja um lugarzinho, à tal mesa do Orçamento Europeu. 0 que é preciso é convencer os cidadãos, e sobretudo os produtores nacionais, de que as contrapartidas impostas são razoáveis e que, mesmo quando representam um sacrifício, se hão-de traduzir num saldo final positivo para o interesse do País.
É disso que se trata e não de negar a vocação europeia de Portugal e a origem europeia de nossa cultura. Não a negamos! Não queremos sair da Europa, Sr. Primeiro-Ministro! V. Ex.ª tem aqui a resposta clara e concludente à pergunta que fez. Mas trata-se também de, por aí e por essa via, não pôr em causa a nossa vocação atlântica e universalista. Não se trata de restaurar velhas polémicas que

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dominaram tempos passados; trata-se simplesmente de procurar a definição mais correcta dos interesses do País e de escolher a melhor estratégia para os afirmar no próprio quadro da construção da União Europeia. É isto que pretendemos, Sr. Primeiro-Ministro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que, no fundo, estava em causa era um enorme receio face à oposição que se afirmou com coragem e sem complexos à direita do PPD/PSD. Até agora tranquilo corri os nossos 4,5 %, o PPD/PSD começou a inquietar-se com a possibilidade do crescimento eleitoral do CDS-PP e com os sinais indisfarçáveis que lhe chegavam, e chegam, acerca de tal crescimento. Acho que faz bem, mas não deixo de notar que o faz com velhos homens da esquerda marxista e com um discurso marcadamente de esquerda. De tal modo, que o PS não hesitou hoje, pela boca do novo líder parlamentar, Deputado Jaime Gama, em confessar a sua adesão quase total 99,9 % - ao discurso do Deputado Pacheco Pereira! Quer dizer, o PPD/PSD está a preparar o regresso a casa, à casa
comum do socialismo, como de resto, resulta, sem margem para dúvidas, das orientações políticas que têm vindo a ser seguidas no Governo do seu
Presidente, Sr. Prof. Cavaco Silva.
Sr. Primeiro-Ministro, esteja descansado, estamos aqui para constatar, para verificar - não estamos para criticar ou para aconselhar, como aconteceria se
V. Ex.ª estivesse a usar da palavra e o nosso partido fosse o referido.
E que dizer, Srs. Deputados, dos outros partidos da oposição? Os outros partidos da oposição não fizeram mais do que demonstrar aqui que tinham também razões para censurar o Governo. Segue-se, pois, que têm razões mas que lhes falta a coragem e o sentido da responsabilidade. Com eles o eleitorado não pode contar para aqui dar corpo à contestação ao Governo: o PCP, porque prefere canalizar para a agitação revolucionária todo o descontentamento; o PS, porque vive enredado nas suas próprias contradições, porque sabe que a censura verdadeira a este Governo tem motivos e razões que se identificam com a direita parlamentar
e nunca com o socialismo. Votem como votarem (e não estamos preocupados
com isso), o vosso voto será sempre um voto embaraçado. É verdade o que diz
o Sr. Primeiro-Ministro: VV. Ex.ªs vão votar a reboque da nossa iniciativa, a reboque do CDS-PP!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Muito obrigado, Srs. Deputados do PSD. Só falta o Sr. Deputado Pacheco Pereira dizer: "connosco, não falam assim"! Lá haveremos de falar, quando VV. Ex.ªs mudarem de posição!

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não conte com isso!

Risos do PSD.

0 Orador: - Vamos, pois, Srs. Deputados, censurar o Governo: porque não tem estratégia, não cumpre o que prometeu, é um factor de instabilidade. Fazemo-lo com a tranquilidade de quem teve a coragem de o censurar e de expor publicamente os motivos para o fazer. Os únicos motivos fiquem cientes, Srs. Deputados - que, para os portugueses existem, os únicos motivos daqueles portugueses que seguiram debate. Não há outros motivos - há apenas os nossos motivos!

Aplausos do CDS-PP, de pé.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, nos termos do n.º 1 do artigo 240.º do Regimento, requeiro a votação da moção. Caso haja consenso de todas as bancadas parlamentares, dispensamos o intervalo de uma hora para a realização da votação e propomos que esse intervalo seja reduzido, se a Câmara o entender, para quinze minutos.

Vozes do PSD, do PS e do PCP: - Votamos já!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou ler o que está no Regimento, para ver se o interpretamos com objectividade.
0 que diz o n.º 1 do artigo 240.º é o seguinte: "Encerrado o debate, procede-se à votação na mesma reunião e após intervalo de uma hora, se requerido por qualquer grupo parlamentar. Portanto, penso que podemos votar imediatamente ou uma hora depois.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

0 Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero dizer que gostaríamos de votar imediatamente. Pelo menos, dá-nos o prazer de irmos a reboque de um táxi de luxo!

Risos.

0 Sr. Presidente: - Assim faremos.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saudar a decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República de tratar com toda a dignidade a direcção do Partido Popular, que visita pela primeira vez esta Assembleia, sentando-o na tribuna à minha esquerda, e registar que a primeira vez que a direcção desse partido em conjunto se dirige a esta Assembleia se senta na tribuna habitualmente destinada à classe política e não na tribuna onde normalmente está representado o povo português.

Aplausos do PSD, do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos regimentais, vamos passar à votação da moção de censura n.º 1/VI, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

Aplausos do PSD, de pé.

Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar na quarta-feira, dia 26, com período de antes da ordem do dia, estando prevista para o período da ordem do dia a reapreciação e votação dos seguintes decretos da Assembleia da República: n.º 174/VI - Controlo público de rendimentos e património dos titulares de cargos públicos; n.º 177/VI - Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa); e nº178/VI - Altera a Lei n.º30/84, de 5 de Setembro (Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa).

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22 DE OUTUBRO DE 1994 97

Informo ainda que haverá votações se o debate terminar nos termos regimentais habituais. Trata-se, como sabem, de decretos que foram vetados pelo Sr. Presidente da República,
Nada mais tendo a acrescentar, desejo a VV. Ex.ªs um bom fim-de-semana.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José Albino da Silva Peneda.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mendes Bota.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Fernando Monteiro do Amaral.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.

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