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Quinta-feira, 17 de Novembro de 1994 I Série - Número 13
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE NOVEMBRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
Belarmino Henriques Correia
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa da ratificação n.º 127/VI, de requerimentos e de respostas a algum outros.
Em declaração política, o Sr Deputado André Martins (Os Verdes) abordou a apresentação pública do Plano Nacional de Política de Ambiente, após o que respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD).
Em declaração política, o Sr Deputado Lino de Carvalho (PCP\ criticou a política agrícola e florestal do Governo e deu resposta a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Antunes da Silva (PSD), Luís Capoulas Santos (PS) e Carlos Duarte (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Sousa Lara (PSD) congratulou-se com a eleição do Embaixador José Cutileiro para Secretário-Geral da UEO.
Ainda em declaração política, o Sr Deputado José Lamego (PS) comentou as actuais relações entre o Presidente do PSD e Primeiro-Ministro e o PSD No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Carlos Pinto e Correia Afonso (PSD).
O Sr Deputado Carlos Candal (PS) tratou de questões relativas ao tratamento de resíduos tóxicos e contestou a sua possível localização no distrito de Aveiro, tendo, depois, respondido a pedidos d» esclarecimento dos Srs Deputados Silva Marques (PSD), Luís Peixoto (PCP), Olinto Ravara (PSD), André Martins (Os Verdes). Casimira Almeida (PSD), João Rui de Almeida (PS) e Manuel Queiró (CDS-PP).
Ordem do dia. - Foi debatido e aprovado o projecto de resolução nº 732/VI - De condenação pela violação dos Direitos do Homem perpetrada pela Indonésia em Timor Leste, aquando do 3.º aniversário do massacre de Santa Cru: (Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste), intervindo, a diverso título, os Srs Deputados Carlos Candal (PS), Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Manuel Moreira (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), João Corregedor da Fonseca (Indep) e André Martins (Os Verdes).
Após a apresentação pelo Sr Deputado João Corregedor da Fonseca do projecto de lei n.º 295/VI - Direito dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em territórios sob administração portuguesa, intervieram, a diverso título, além daquele orador, os Srs. Deputados Correia Afonso (PSD), Paulo Trindade (PCP), Laurentino Dias (PS) e Narana Coissoró (CDS-PP), tendo o diploma sido aprovado na generalidade.
Por fim, procedeu-se à discussão da proposta de resolução n.º 79/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Internacional sobre o Cacau, de 1993. Fizeram intervenções, além do Sr Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Martins Jerónimo), os Srs Deputados Helena Falcão (PSD), Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Marques da Costa (PS) e Narana Coissoró (CDS-PP).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adriano da Silva Perto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio B airosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Aforai.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nenés Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Mamei da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maneei Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martins.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
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Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. .Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a ratificação n.º 127/VI (PS)- Decreto-Lei n.º 253/94, de 20 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 322/82, de Agosto (Aprova o regulamento da nacionalidade portuguesa e a tabela de emolumentos dos actos da nacionalidade).
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: aos Ministérios do Mar, da Educação e ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Luís Filipe Madeira, Fialho Anastácio, Melchior Moreira e António Alves; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Rodrigues, Ana Maria Bettencourt, Miranda Calha, Luís Sá e Cerqueira de Oliveira; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Luís Capoulas Santos; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Alves, Nuno Filipe e Rosa Albernaz; aos Ministérios da Educação e do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Viegas e Melchior Moreira; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios do Emprego e da Segurança Social e das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado José Silva Costa; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado António Alves; a diversos Ministérios, formulados pelo Srs. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Raul Castro, na reunião de 14 de Abril e no dia 17 de Outubro; Cardoso Martins, na sessão de 9 de Junho; José Manuel Maia, no dia 7 de Julho e na Comissão Permanente de 21 de Julho; Lino de Carvalho, na sessão de 18 de Agosto; António José Seguro, na sessão de 15 de Dezembro; Luís Sá, na sessão de 24 de Março; Melchior Moreira, na sessão de 28 de Abril; Isabel Castro, na sessão de 4 de Maio; Helena Torres Marques, nas sessões de 11 de Maio e 15 de Junho; Ana Maria Bettencourt, na sessão de 23 de Junho; António Alves, na sessão de 30 de Junho; André Martins, no dia 14 de Setembro; Guilherme d'Oliveira Martins e Fernando Pereira Marques, no dia 15, na sessão de 21 de Setembro e na Comissão Permanente de 13 de Outubro; Manuel da Silva Azevedo, no dia 7 de Outubro; e Macário Correia, na sessão de 26 de Outubro.
Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão reunidas as seguinte comissões: de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente; de Trabalho, Segurança Social e Família; de Agricultura e Mar.
Está igualmente reunida a Subcomissão Permanente do Ensino Secundário.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão de hoje tem um período de antes da ordem do dia, com declarações políticas, e um período da ordem do dia, com os temas que foram distribuídos.
Entretanto, quero anunciar que, por deliberação da conferência dos representantes dos grupos parlamentares, o último ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje, ou seja, a apreciação da ratificação n.º 125/VI - Decreto-Lei n.º 225/94, de 5 de Setembro, que cria incentivos à regularização de cobranças de tributos e outras receitas administrativas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, apresentada pelo PS, foi retirada a pedido dos seus subscritores.
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O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Vieira de Cesuro (PSD): - Sr. Presidente, acabámos de saber, através de V. Ex.ª, que foi retirado da agenda dos trabalhos de hoje o debate da ratificação n.º 125/VI.
Devo dizer que saudei a inclusão desta ratificação na agenda de hoje porque ela incide sobre o Decreto-Lei n.º 225/94, que visa conceder condições excepcionais de regularização das dívidas ao fisco e à segurança social.
Como se sabe, este diploma tem gerado alguma controvérsia, que nem sempre tem sido séria, e eu estava preparado para debater na Câmara a questão com verdade e com honestidade.
Fico surpreendido com o facto de esta ratificação ter sido desagendada. O Sr. Presidente disse-nos que foram os seus subscritores que o pediram, mas eu não prescindiria de uma explicação por parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Isto porque embora me pareça que ele teve uma entrada de leão no agendamento desta ratificação, se a explicação que aqui nos der não for plausível, então, tenho de concluir que a saída não é de leão!...
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem, propriamente, de responder à pergunta, mas o Sr. Deputado Manuel dos Santos já pediu a palavra, ao que julgo, também para interpelar a Mesa.
Em todo o caso, eu gostava de frisar que o processo de ratificação ou de apreciação dos decretos-leis não é da competência dos grupos parlamentares, pelo que, em minha opinião, não é correcto dirigirmo-nos aos grupos parlamentares nesta matéria, já que se trata de uma competência individual dos Deputados.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação é feita nos exactos termos da do Sr. Deputado Vieira de Castro.
Quero com ela dizer que me louvo na explicação do Sr. Presidente, já que, efectivamente, é uma competência da conferência dos representantes dos grupos parlamentares agendar ou desagendar matérias, obviamente sob proposta de um subscritor.
Portanto, V. Ex.ª é que tem de dar a explicação, até porque, tanto quanto sei, esse desagendamento só é possível por unanimidade e, seguramente, o representante do PSD foi confrontado com o problema e esclarecido com as razões que foram apresentadas para justificar o desagendamento.
De qualquer modo, uma vez que não funcionaram os canais internos de informações do PSD, ofereço ao Sr. Deputado Vieira de Castro um exemplar do pedido de desagendamento, onde as suas dúvidas existenciais estão claramente explicadas.
Quero, no entanto, acrescentar que V. Ex.ª, Sr. Presidente, anunciou o que tinha de anunciar, ou seja, o desagendamento, mas não anunciou - nem tinha de fazê-lo, já que isso era do nosso foro que os Deputados subscritores desta iniciativa legislativa dela não desistiram, como é óbvio!
O que acontece - e tanto V. Ex.ª como a Câmara sabem-no perfeitamente - é que o Conselho Económico e Social está, neste momento, a analisar esta matéria, sobre ela emitirá um parecer da próxima sexta-feira a oito dias e não tinha sentido, segundo o entendimento dos subscritores do pedido de ratificação, fazer hoje esta discussão aqui sem conhecer a posição final do Conselho Económico e Social.
O Sr. Deputado Vieira de Castro pode, portanto, guardar a sua intervenção, porque terá oportunidade de fazê-la no momento e no local apropriados.
Entretanto, como disse, peço oficialmente aos serviços de apoio que me ajudem a fazer chegar ao Sr. Deputado Vieira de Castro a carta que dirigi a V. Ex.ª e onde tudo está explicado.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado pela colaboração que, uns e outros, estão a dar à Mesa.
O Sr. Deputado Silva Marques também pretende interpelar a Mesa?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Pretendo, sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que, de facto, em conferência dos representantes dos grupos parlamentares e perante o pedido dos subscritores da ratificação, o meu grupo parlamentar, por mim representado, deu o seu acordo para que fosse retirada da ordem do dia esta matéria. Mas seria bom que ficassem claros dois aspectos, o primeiro dos quais é o de que, ponto de vista regimental, isto não é pacífico. De qualquer modo, na dúvida, pro-réu - e de facto, neste caso, os senhores são bem réus...! O segundo aspecto é o de que os senhores, que são tão lestos a pedir debates, afinal de contas, quando se sentem entalados, batem em retirada!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dando por encerrado este incidente, tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: A Assembleia da República, ao aprovar, em Março de 1987, a Lei de Bases do Ambiente, criou as condições necessárias e fundamentais para que em Portugal, a partir dessa data, com base numa nova relação do Homem com a Natureza, se iniciasse um processo mais harmonioso e duradouro de desenvolvimento, não só pelo enquadramento legal, abrangente e coerente que a Lei configura para uma política séria de ambiente mas também porque nela se estabelece um conjunto de princípios, de conceitos, de instrumentos de política, de objectivos e de metas que, ainda hoje, apesar dos avanços em conhecimentos e preocupações que os últimos anos têm registado, permanecem plenamente actualizados.
Tivesse a Lei de Bases do Ambiente sido regulamentada e implementada pelos governos do PSD nas condições e formas que ela própria define e estabelece, e tanto o estado do ambiente como a qualidade de vida em Portugal não estariam em progressiva degradação.
É neste quadro que Os Verdes, hoje e aqui, no local próprio, questionam, por um lado, a acção política dos gover-
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nos que tiveram e têm a responsabilidade de dar cumprimento a uma Lei da Assembleia da República com tão amplos e importantes objectivos para o desenvolvimento do País e, por outro lado, o comportamento, de anos, do Primeiro-Ministro e do PSD. Desde logo, acusando-os de não cumprirem, de não fazerem cumprir e de não criarem as condições para que possa ser cumprida a legislação em vigor.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Plano Nacional de Política de Ambiente está consignado na Lei de Bases, desde 1987, como um dos instrumentos de política de Ambiente que nós, Os Verdes, consideramos determinante para qualquer estratégia que tenha como objectivo promover no nosso país um desenvolvimento sustentável.
Em Março de 1990 o Sr. Primeiro-Ministro, parecendo dar razão ao que acabamos de afirmar, anunciou, solene e publicamente, a decisão de o Governo elaborar o Plano Nacional de Política de Ambiente. Na altura, Os Verdes criticaram o atraso na tomada da decisão, não só pela importância do que estava em causa mas também por não estar a ser cumprido o prazo de um ano que a própria Lei de Bases determinava para o efeito.
Em Julho de 1991, finalmente e após ter sido publicado o primeiro Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Portugal, o Governo apresentava publicamente à comunicação social não só o Plano Nacional de Política de Ambiente mas também a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza, outro instrumento de política de ambiente previsto na Lei de Bases, anunciando que aqueles documentos iriam, a partir de então, ser submetidos a debate público.
Entretanto, passaram a campanha eleitoral e as eleições legislativas de Outubro de 1991, o PSD obteve maioria absoluta e formou Governo, mas as promessas é que ficaram por cumprir!
Em Novembro de 1994, quando estamos novamente em vésperas da campanha eleitoral para as eleições legislativas de 1995, o Sr. Primeiro-Ministro vem a público apresentar novamente o Plano Nacional de Política de Ambiente.
Além de relermos as promessas anteriores do Sr. Primeiro- Ministro, que não foram cumpridas, outras razões justificam a falta de credibilidade que atribuímos a estas novas promessas: é que, em Julho de 1993, a uma pergunta de Os Verdes («Para quando o Plano Nacional de Política de Ambiente?»), o Sr. Primeiro-Ministro respondeu que, face à aprovação do Fundo de Coesão e do Plano de Desenvolvimento Regional, não considerava necessária a elaboração do Plano.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perguntamos: o que é que se alterou, de Julho de 1993 até agora, para mudar o entendimento do Governo sobre a necessidade do Plano Nacional de Política de Ambiente?
Outras razões, não menos importantes, dão maior justificação à nossa pergunta, que é a de saber se a apresentação pública do Plano, agora feita pelo Primeiro-Ministro, não é, afinal, integrada no conjunto de promessas eleitorais do Governo e do PSD.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Lei de Bases do Ambiente, aprovada nesta Assembleia, estabelece igualmente como instrumento de política, para enquadramento e utilização das políticas globais do ambiente com as, sectoriais, que deve ser elaborada pelo Governo e submetida a aprovação do Parlamento a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza, estabelecendo ainda que os objectivos do Plano Nacional devem ser por ela enformados.
Tal significa dizer que, porque não foi submetida à apreciação do Parlamento a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e porque os objectivos do Plano não foram identificados pela Assembleia da República, estamos mais próximos de uma farsa do que das intenções sérias que o Sr. Primeiro-Ministro quis fazer transparecer na apresentação que fez do Plano Nacional de Política de Ambiente.
O que estamos hoje a fazer, Srs. Deputados do PSD, é a desafiá-los a exigir que o Governo cumpra a legislação em vigor e dê uma explicação a este Parlamento por não lhe ter submetido, para apreciação, a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza, que há-de enformar os objectivos do Plano Nacional de Política de Ambiente apresentado pelo Sr. Primeiro-Ministro, para que este instrumento fundamental de política de ambiente seja credível e mobilizador da sociedade portuguesa e para que, por decisão arbitrária e prepotente do Governo apoiado pelo PSD, a Assembleia da República não seja marginalizada e, assim, fique alheada das suas responsabilidades e competências, situação que consideramos insustentável.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD). - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, ficámos perplexos com a sua intervenção. A minha dúvida é a seguinte: não sei se o Partido Ecologista Os Verdes está ou não de acordo em que se faça uma discussão pública do Plano Nacional de Política de Ambiente, porque foi para isso que o Governo o apresentou, na passada segunda-feira, através do Primeiro-Ministro e da Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.
Em minha opinião, é chegado o momento de esse debate se fazer na sociedade portuguesa, com a participação de todos os interessados nesta temática, que deve mobilizar e motivar todo o País e todos os portugueses e, em particular, os que mais têm defendido a temática do ambiente, pois este é um assunto cada vez mais candente na nossa sociedade e é, acima de tudo, uma temática para o presente e para o futuro de Portugal.
Julgo que, neste momento, há uma inovação, uma evolução, mesmo a nível da União Europeia, por exigência e pressão do nosso próprio país, para que o ambiente venha a ser co-financiado. Esse foi um dado importante, que está consagrado exactamente neste novo Plano de Desenvolvimento Regional e no novo Fundo de Coesão. Se assim é, penso que agora estamos em melhores condições para se definir essa estratégia de ambiente para o futuro do País, contando, a partir de agora, com outros meios financeiros de que não dispúnhamos, mil milhões de contos, a fim de se poder implementar em Portugal uma verdadeira política de ambiente, a todos os níveis.
É nesse sentido que o Plano Nacional de Política de Ambiente que o Governo agora apresenta para discussão pública é uma iniciativa louvável e arrojada, e todos devíamos manifestar desde já a nossa disponibilidade para participar, colaborar e fazer as nossas observações, sugestões e correcções, de modo a que esse Plano possa, realmente, ser um compromisso público de todo o País, para que o ambiente, no futuro, seja melhor para nós próprios, para esta geração e para as gerações vindouras.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, relativamente aos objectivos
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que apontou e ao facto de que toda a sociedade portuguesa deve estar empenhada e envolvida no debate, para levar a bom termo a execução do Plano Nacional de Política de Ambiente, estamos de acordo, mas já não estamos de acordo com a farsa - como lhe chamei - que foi aqui montada com a participação e o envolvimento do Sr. Primeiro-Ministro.
Sr. Deputado, de facto, de acordo com o estabelecido na Lei de Bases aprovada pela Assembleia, só é possível elaborar um plano credível desde que os Deputados se tenham pronunciado sobre a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza, que não foi apresentada a esta Assembleia. É dessa Estratégia que devem sair os objectivos orientadores do Plano. Por isso, este Plano não corresponde ao que a lei estipula e a Assembleia da República determinou!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Vamos participar nesse debate!
O Orador: - Isto é uma farsa, enquanto não for cumprido este preceito legal!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não é verdade! Isso é falso!
O Orador: - Por outro lado, Sr. Deputado, não é para nós credível qualquer promessa ou objectivo de fazer um debate público sobre um plano nacional de política de ambiente se os portugueses e os Deputados não tiverem informação sobre o estado do ambiente em Portugal.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Há um relatório todos os anos!
O Orador: - Sr. Deputado, como sabe, a Lei de Bases do Ambiente determina que, de três em três anos, o Governo deve elaborar e publicar um Livro Branco sobre o estado do ambiente. Ora, como é do seu conhecimento, só em 1991, quando deveria ter sido em 1990, é que o Governo publicou o primeiro exemplar desse Livro Branco até agora, não fez, como deveria ter feito, cumprindo a lei, a publicação do segundo Livro Branco sobre o estado do ambiente em Portugal. Isto é, o Sr. Primeiro-Ministro promete que vai submeter a debate público um instrumento de política tão importante que deve envolver o debate e a participação de todos os portugueses,...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Vai passar por aqui, pela Assembleia!
O Orador: - ... mas falta aqui a transparência, falta aqui algo que tem faltado a toda a política dos vossos governos, pois existe um afastamento dos cidadãos, objectiva ou subjectivamente,...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não seja demagogo!
O Orador: - ... da participação com informação, para poderem efectivamente participar, decidir, dos projectos, das propostas e das opções que estão contidas neste Plano.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não seja demagogo! Fica-lhe mal!
O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, fica mais uma vez aqui o desafio: os senhores estão ou não dispostos a exigir que se cumpra a lei feita por esta Assembleia e que o Governo seja obrigado a vir a esta Assembleia dar explicações sobre o porquê do não cumprimento de uma lei e sobre o facto de estar a avançar com expectativas para a opinião pública,...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Expectativas reais!
O Orador: - ... quando não tem credibilidade política e legal para o poder fazer?
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A agricultura portuguesa entrou, decididamente, em período pré-eleitoral.
O Sr. Ministro da Agricultura desdobra-se em tournées pelo País e conferências de imprensa, para apresentar, pela enésima vez, os mesmos planos e projectos.
O PAMAF, que o Ministro Duarte Silva apresentou com pompa e circunstância no passado dia 2 de Novembro e com o qual está a correr o País, é exactamente o mesmo que o mesmo Ministro apresentou noutra conferência de imprensa e noutras visitas, em 27 de Julho passado. O Sr. Ministro deve estar preocupado com a memória curta dos portugueses...
Por outro lado, o PSD decidiu levar os seus Deputados em visita turística àquilo a que chama as explorações de sucesso da margem esquerda do Guadiana, fazendo show-off para enganar o País. Esta visita constituirá, aliás, uma provocação a uma região que é, consabidamente, uma das mais deprimidas do País, com as mais altas taxas de desemprego, caracterizada, como afirma o próprio Governo «por um fraco desenvolvimento, despovoada, envelhecida», apesar dos esforços das autarquias locais.
O Governo e o PSD já iniciaram, assim, a campanha eleitoral para as legislativas, procurando, a todo o custo, iludir a realidade e esconder os verdadeiros e graves problemas da agricultura, dos agricultores e do País.
Desde 1986, o rendimento dos agricultores diminuiu em cerca de 40 %, enquanto a taxa de cobertura agro-alimentar do País se agravou de 51 % para 70%. Desde a adesão à Comunidade, os agricultores portugueses pagaram mais de juros de empréstimos do que receberam de subsídios. Cerca de metade do investimento total realizado na agricultura, desde 1986, esvaiu-se no pagamento de juros.
As medidas que o Governo tem vindo agora a anunciar, no âmbito do segundo Quadro Comunitário de Apoio (QCA H), não alterarão, infelizmente, o panorama desolador da agricultura portuguesa.
Primeiro, porque são medidas avulsas, como as anteriores têm sido, que não assentam em qualquer quadro geral orientador. Continuam a produzir-se e a consumir-se os fundos públicos de acordo com os interesses imediatistas, de cada momento, que não têm modificado, nem modificam o perfil e a estrutura da agricultura nacional.
Segundo, porque as medidas agro-ambientais, de localização e alcance limitado, desadequadas da nossa realidade, só compensam parcialmente os agricultores dos rendimentos que perdem por serem obrigados a utilizar técnicas de produção de custos mais elevados.
Terceiro, porque os vários programas de florestação não têm a suportá-los qualquer política de ordenamento florestal nem apoios específicos aos pequenos produtores florestais, que constituem o grosso da fileira.
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Quarto, porque os programas de Apoio às Explorações Agrícolas e de Transformação e Comercialização repetem os programas anteriores dos Regulamentos (CEE) n.ºs 797 e 355 - aliás, o resto do PAMAF repete, no essencial, o antigo PEDAP -, onde se consumiram mais de 350 milhões de contos, sem resultados visíveis. Continuaremos a ver o País invadido pela produção estrangeira, em prejuízo da produção nacional, e as grandes superfícies a dominarem cada vez mais os circuitos e a produção com condições intoleráveis, de que as «linhas brancas» são um bom exemplo.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O caso do leite é, aliás, a última e escandalosa demonstração do que acabo de dizer.
Quinto, porque os vários regulamentos não estão adequados à especificidade da estrutura fundiária e das explorações agrícolas nacionais, o que faz com que o grosso da agricultura, constituído pelos pequenos e médios agricultores, fique de fora do acesso aos apoios ao investimento existentes.
Sexto, porque a descoordenação entre os Ministérios da Agricultura, do Ambiente e Recursos Naturais, do Planeamento e da Administração do Território e outros é total. O que se passa com a rede de gás natural, a violação do direito de propriedade, a inviabilização de muitas explorações de milhares de pequenos agricultores e a recente publicação do Código da Estrada, com a exigência imediata da apresentação de carta de condução aos motocultivadores, para quem tal nunca tinha sido necessário, sob pena de multa, que pode ir até 200 000$ - penas que já estão, aliás, a ser aplicadas -, confessando o Ministro da Agricultura numa reunião de comissão que desconhecia completamente o assunto, são exemplos desta descoordenação total.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sétimo, porque a ausência de uma política sistemática e eficaz de informação e apoio técnico aos agricultores, quando a situação exigia claramente o contrário, provoca no sector cada vez mais desconhecimento sobre o que se prepara e sobre as opções que, sustentadamente, se devem tomar.
Oitavo, e finalmente, porque é preciso dizer que o Governo e o PSD estão a reduzir cada vez mais, no Orçamento do Estado, as verbas para a agricultura e, consequentemente, as correspondentes comparticipações nacionais exigidas para acesso aos diferentes programas comunitários, o que se traduz num muito insuficiente aproveitamento dos apoios existentes.
Basta sublinhar, para o demonstrarmos, que, enquanto no Orçamento do Estado para 1994 as verbas para o sector inscritas no PIDDAC, já de si insuficientes (119,1 milhões de contos), representavam 17,3% do total do PIDDAC, no Orçamento do Estado para 1995, aí verbas baixam nominalmente 14,9 milhões de contos (passam para 104,2 milhões de contos), passando a agricultura a representar tão-somente 13,8 % do total do PIDDAC e espero que o Sr. Deputado Costa e Oliveira, no relatório final, tenha isto em conta!...
Por isso se explica que as indemnizações compensatórias, às quais, sem que nada o exigisse, o Governo português limitou o acesso aos agricultores a título principal e fixou valores em cerca de metade do que poderiam ser, abranjam somente um terço das explorações que poderiam ser beneficiadas, enquanto, por exemplo, na Irlanda abrangem cerca de 75 %.
Por isso se explica também que as verbas previstas, para 1995, para o alegado rejuvenescimento da população activa agrícola através da cessação antecipada de actividade apenas abranjam cerca de 500 agricultores.
Se a tudo isto somarmos o estado de descapitalização dos agricultores e as dificuldades financeiras do sector cooperativo, a ausência de um seguro agrícola e de apoio financeiro adequados, as elevadas taxas de juro e o custo dos factores de produção, as dificuldades colocadas pelos bancos às concessão de crédito e a política do escudo caro, podemos compreender por que os agricultores e as cooperativas têm cada vez mais dificuldades e por que razão os próprios estudos encomendados pelo Ministro afirmam que, a curto prazo, só 20 % das explorações agrícolas sobreviverão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se passa hoje no Ministério da Agricultura é um mistério. Temos uma equipa de ministros e de secretários de Estado de costas voltadas uns para os outros; temos um Secretário de Estado da Agricultura, o Eng.º Álvaro Amaro, mais preocupado em sobreviver às inúmeras conspirações e lutas pelo poder da sua organização partidária e em gerir os «seus» negócios público-privados da floresta e da caça do que em dedicar-se ao sector que gere aliás, talvez seja melhor assim. Temos um Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar cuja única acção visível foi a tentativa de desmantelamento da Casa do Douro; por fim, temos um Ministro da Agricultura claramente impreparado para o lugar.
É verdade que os problemas da agricultura portuguesa não derivam da personalidade dos ministros e secretários de Estado mas, sim, das orientações e do programa político do Governo e do PSD, que já está nesse Ministério há mais de uma dúzia de anos.
Nos últimos anos, o sector agrícola já conheceu três Ministros e, apesar disso, as dificuldades não se resolveram e não será, seguramente, com a actual equipa que as perspectivas se vão alterar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem prometido sucessivas vezes, de há mais de dois anos a esta parte, a apresentação à Assembleia da República de um quadro legal orientador da agricultura e da floresta portuguesas que contribua para inverter a situação que descrevemos.
Não o fez até hoje.
Fá-lo, então, o Partido Comunista Português.
Depois de, em anterior sessão legislativa, termos apresentado um projecto de lei de bases da política agrícola, vamos entregar, agora, na Mesa um inovador projecto de lei de bases do desenvolvimento florestal.
A floresta portuguesa, que ocupa 36,5 % do território nacional, constitui, pela sua importância económica, social e ambiental, um enorme recurso natural renovável do País que justifica, de há muito, um quadro geral orientador. Abrangendo 3,248 milhões de hectares e 500 000 proprietários florestais, representa cerca de 65 % das exportações agro-florestais e mais de 100 000 postos de trabalho em toda a fileira.
A completa ausência de uma política de ordenamento florestal e de apoio aos produtores é responsável por uma floresta que tem crescido privilegiando as espécies que, em cada momento, são mais atractivas - não é por acaso que a espécie que mais tem crescido é o eucalipto - e que, face aos incêndios florestais, não se tem rearborizado ou tem-no sido na base da regeneração natural, da sua reconversão para o eucaliptal ou repetindo os povoamentos anteriores.
O projecto de lei de bases do desenvolvimento florestal que hoje apresentamos parte do princípio de que qualquer
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intervenção na floresta é de interesse público, pelo que compete ao Governo definir as respectivas normas orientadoras.
Nesse sentido, propomos que sejam elaborados planos regionais de ordenamento florestal, na base dos quais deverão ser definidos planos de gestão florestal para cada exploração com mais de determinada área.
Propomos ainda um conjunto de medidas, visando a reestruturação das explorações, a reestruturação fundiária, a definição de poderes e organização do Instituto Florestal, a criação de um conselho consultivo florestal, a promoção da investigação, o financiamento e um conjunto de 13 medidas de emergência para darem resposta imediata às necessidades mais prioritárias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. O Governo e o PSD têm conduzido os agricultores portugueses a uma situação de ruína e falta de confiança e a agricultura à estagnação, à desertificação e ao atraso. O Governo e o PSD estão a matar o mundo rural português.
A Política Agrícola Comum é um «fato pronto a vestir que não serve à agricultura nacional. A proposta para vinhos e a nova proposta de imposto vinícola aí estão a demonstrá-lo. Mas o Governo e o PSD ainda servem menos e têm sido incapazes de traçar qualquer perspectiva de futuro para os agricultores e as cooperativas portuguesas.
A alternativa que o Governo encontrou foi a de criar uma vasta clientela que, através do acesso privilegiado à informação, tem monopolizado os fundos para o sector e criado uma «almofada» para tentar «amortecer os descontentamentos. Isto tem promovido uma enorme rede de tráfico de influências e de corrupção, de que as recentes notícias sobre o Secretário-Geral da CAP são mais um exemplo. Enquanto isso, milhares de pequenos agricultores não conseguem um tostão de apoio para investimento na sua exploração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP tem alternativas e prova-o de novo, hoje, com o projecto de lei que apresenta.
Desafiamos o PSD e o PS a fazerem o mesmo.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Antunes da Silva, Luís Capoulas Santos e Carlos Duarte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho trouxe mais uma vez uma intervenção sobre agricultura. No que respeita a escassas passagens, estou de acordo consigo, mas, quanto a muitas delas, não estou e, por isso, vou procurar contestá-las e interrogá-lo a seu respeito.
O Sr. Deputado começou a sua intervenção por dizer que o Governo e o partido que o apoia estão já em campanha pré-eleitoral. Tenta, depois, justificar esta sua afirmação dizendo que o Sr. Ministro se desdobra em deslocações e em conferências de imprensa pelo País.
A primeira questão que lhe coloco é a seguinte: será que é mau para os agricultores, para o sector agrícola, que o Sr. Ministro e os restantes membros do Governo se desloquem pelo País, em contacto com os agricultores e com as estruturas que o representam?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à deslocação dos Deputados, esclareço que a deslocação que vamos efectuar ao Alentejo é uma deslocação da Comissão de Agricultura e Mar da Assembleia da República. Não é uma deslocação do Grupo Parlamentar do PSD. Admito que, afinal, sejam apenas Deputados do PSD a fazer essa deslocação, porque, pura e simplesmente, os restantes Deputados que integram a Comissão de Agricultura e Mar não respeitaram a votação nela efectuada.
O PSD não está a esconder realidades; o PSD, a esse propósito, respondeu a um repto que lhe foi lançado.
Sr. Deputado, será que as realidades a que se refere são as que têm tradução na proposta que o Sr. Deputado, ou um colega seu, fez na Comissão de Agricultura e Mar para serem visitadas? Se são essas, lembro-o de que o PSD pediu para ficar registado em acta que a proposta dessas deslocações seria considerada e analisada numa próxima oportunidade. Quer seja um caso, quer seja outro, o PSD não esconde as realidades da agricultura portuguesa.
Quanto às medidas agro-ambientais, aqui, parece-me que o Governo - e o partido que o apoia - é, uma vez mais, «preso por ter cão e preso por não tem, ou seja, se não aplica as medidas agro-ambientais é porque não o faz e se as aplica o Sr. Deputado vem dizer que elas estão desenquadradas da nossa realidade.
Sr. Deputado, admito que possa haver um ou outro desfasamento, mas, se essas medidas se dirigem particularmente aos sistemas tradicionais da agricultura, pergunto se não serão esses sistemas tradicionais da agricultura que caracterizam, talvez infelizmente, a agricultura portuguesa. Como é que pode, então, dizer-se que estão desenquadradas?
Uma última pergunta que quero fazer-lhe e outros problemas ser-lhe-ão colocados por outros colegas meus de bancada - é a seguinte: ao dizer que os membros do Governo do sector da agricultura estão de costas voltadas uns para os outros, em que é que V. Ex.ª baseia essa afirmação?
Sr. Deputado, não é pelo simples facto de o Sr. Ministro da Agricultura ter aparecido, uma ou outra vez, isolado que V. Ex.ª pode concluir que esses mesmos membros do Governo estão de costas voltadas uns para os outros!
Sr. Deputado, nada mais adianto, porque outros colegas meus colocar-lhe-ão outras questões.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, havendo outros oradores inscritos para lhe formularem pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, começo por felicitá-lo por trazer aqui à discussão uma questão que deveria merecer uma atenção permanente desta Câmara e de todos os Srs. Deputados, porque, como todos sabemos, o sector agrícola atravessa uma das mais graves crises de sempre, que o colocam, inclusivamente, à beira da catástrofe total, realidade essa que, infelizmente, hoje, em Portugal, ninguém ignora, à excepção eventualmente de alguns Srs. Deputados do PSD - e faço justiça de que nem todos assim pensarão -, que resolveram, à última da hora, escolher quatro ou cinco das 600 000 explorações portuguesas e visitá-las, a fim de, assim, poderem comprovar o sucesso da política agrícola em Portugal. Porém, com isto, demons-
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traram tão-só que aquilo que é excepção é o eventual sucesso de uma ou outra exploração, perante o total descalabro da generalidade de todas as outras. E é compreensível que assim aconteça, porque, nesta fase, ninguém ignora que o Ministério da Agricultura está completamente à deriva, tendo resolvido substituir a total ausência de política por uma demonstração sucessiva de factos políticos de efeito mediático. Assim, o Sr. Ministro da Agricultura veio, por duas vezes consecutivas, anunciar o mesmo programa e está agora a promover uma série de reuniões por todo o País, em que vem, ao fim e ao cabo, apresentar uma nova versão dos velhos programas com a mesma filosofia e com os mesmos pressupostos, que inevitavelmente conduzirão aos mesmos resultados.
Isto, além de uma demonstração de total incompetência nos Conselhos Europeus, como aqui demonstrei há oito ou 15 dias, porque Portugal infelizmente não tem propostas alternativas na sede própria para defender os interesses dos agricultores portugueses. Essa incompetência também se evidencia em Portugal, como ficou patente, há poucos dias, numa reunião de vitivinicultores, ao sermos defrontados com o facto de ter terminado o prazo para apresentação de candidaturas e de os serviços do Ministério ainda não disporem sequer de formulários.
Perante tudo isto, Sr. Deputado, considero que é sempre de louvar trazer aqui à discussão questões que interessam a todos os portugueses.
Por isso, a pergunta concreta que quero formular-lhe é a seguinte: acredita V. Ex.ª que apresentar um projecto de lei de bases do desenvolvimento florestal, a escassos sete ou oito meses do fim do mandato de um governo, que, ao fim de 10 anos, demonstrou ter total incapacidade para pôr em execução qualquer política, acredita, repito, que, agora, a seis meses do fim desta legislatura, e ainda que o seu diploma viesse a ser aprovado, este Governo, esta maioria ou este Ministério tivessem capacidade para sequer pôr em execução algumas das boas intenções que, porventura, possam estar subjacentes ao seu projecto?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de comunicar que, ainda hoje, V. Ex.ª terá a oportunidade de receber uma carta da minha bancada relativa a esta questão das visitas organizadas pela Comissão de Agricultura e Mar, como forma de exprimir o nosso protesto pelo encaminhamento que esta matéria teve em sede de comissão, esperando que V. Ex.ª lhe venha a dar o nível e a resolução adequados num Parlamento democrático.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, relativamente à sua intervenção, gostaria de realçar o facto de a apresentação desta iniciativa legislativa consubstanciar o projecto de uma nova lei de bases do desenvolvimento florestal. O PCP habituou-nos sempre a vê-lo apresentar aqui as alternativas que entende, muitas vezes de uma forma que colide com os nossos princípios, mas definindo claramente aquilo que é a sua proposta de política agrícola em relação aos vários sectores e sub-sectores da agricultura, ao contrário de outros partidos - e lembro aqui o maior partido da oposição, que, desde há oito anos, não apresenta sequer uma iniciativa legislativa nesta Assembleia para o sector agrícola.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Já estávamos à espera!...
O Orador: - Em relação a esse aspecto, realço e anoto esta iniciativa do PCP acerca desta matéria e, pela nossa parte, cá estaremos para discuti-la em sede própria.
Relativamente ao resto da sua intervenção, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quero só lembrar-lhe que, ao falar na campanha que eventualmente o Sr. Ministro anda a fazer pelo País, colide com aquilo que, no final da sua intervenção, disse ser a criação por parte do PSD de uma clientela que, através do acesso privilegiado à informação, monopoliza os fundos comunitários. Para que nenhum, das centenas de milhares de agricultores, se queixe de que não teve conhecimento dos instrumentos de apoio ao investimento privado, o Ministério - muito bem e em boa hora - está a fazer várias campanhas de informação ao longo do País, tendo todos os partidos da oposição sido convidados para assistir e acompanhar estas acções - e pensamos que muito bem! Assim sendo, julgo que aquilo que diz no início é contraditório com aquilo que afirma no final, porque nem uma coisa nem outra corresponde minimamente à realidade.
Gostaria também de perguntar-lhe, Sr. Deputado Lino de Carvalho e V. Ex.ª acompanhou esta matéria quer em sede de Plenário quer em sede de comissão -, se, quando um partido da oposição desafia o Governo e o partido maioritário a mostrarem-lhe uma exploração agrícola que tenha usufruído de subsídios com um resultado útil e que não esteja falida e quando nós apresentamos exemplos vários numa das mais pobres regiões do País, não entende que esses partidos deveriam ir confirmar se aquilo que afirmam, em sede de Plenário, é verdade ou pura demagogia. Qual é a interpretação que faz da eventual recusa de outros partidos que fizeram este desafio para acompanharem, neste momento, a verificação no terreno das suas afirmações?
Em relação à aplicação do anterior QCA e a alguns indicadores que aqui apresentou, penso que, por não serem correctos, não merecem aqui muitas explicações- noutra sede, poderemos fazê-lo! Quero, porém, lembrar aquele que é um dos melhores indicadores, ou seja, a produtividade da mão-de-obra e a produtividade da terra, relativamente aos quais é evidente a subida em flecha verificada após a aplicação do QCA I.
Considera ou não, Sr. Deputado, que, apesar de alguns indicadores serem menos favoráveis, o resultado final e global da aplicação do QCA I é extremamente favorável ao esforço e à coragem dos agricultores portugueses que acompanharam o Governo e usaram os apoios da Comunidade, no sentido de modernizar as suas explorações, aumentar o seu poder competitivo e conseguir maior capacidade de concorrência no mercado?
Também não posso deixar de referir aqui os aumentos substanciais de produtividade na maior parte das culturas, o que não corresponde àquilo que disse.
Quanto ao volume financeiro do novo QCA, quero lembrar-lhe que o do QCA I foi de cerca de 361 milhões de
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contos e que o do QCA n é de 745 milhões de contos - ao contrário do que diz, o volume financeiro do QCA H é mais do dobro do QCA I. Portanto, ou o Sr. Deputado não conhece estes dados ou fez uma afirmação com desconhecimento da matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Agradeço as várias questões que me colocaram e, como algumas são comuns, permitam-me também responder em conjunto.
A primeira questão que me colocaram foi a de saber se, em minha opinião, não seria de elogiar o facto de o Sr. Ministro percorrer o País para dialogar com os agricultores e as associações e divulgar as medidas para o sector. Se assim fosse, Srs. Deputados, seríamos os primeiros a aplaudir, embora seja de sublinhar que, ao mesmo tempo que o Sr. Ministro se desloca pelo País nessas visitas - e já vou caracterizá-las -, desce o orçamento de funcionamento do Ministério da Agricultura, encerram-se Extensões Agrárias e diminui a capacidade de intervenção do Ministério no terreno, junto dos agricultores, para apoiá-los tecnicamente.
Srs. Deputados, vão ao campo, conversem com os milhares de pequenos agricultores deste País e perguntem-lhes o que é que eles conhecem dos regulamentos comunitários e se sabem como é que hão-de ter acesso aos apoios comunitários. Raramente encontrarão algum que saiba, exceptuando aqueles que estão na orla do poder, do próprio PSD, e que têm acesso privilegiado a algumas informações.
Portanto, mais importante do que a visita do Sr. Ministro era que o Ministério da Agricultura não desmantelasse as estruturas que tem, mas, pelo contrário, as reforçasse - e, em particular, as Extensões Agrárias -, de modo a que os seus técnicos deixassem de ser técnicos ao serviço da CAP para preencher papéis e passassem a ser técnicos no terreno para ajudar os agricultores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas, mais do que isso, Srs. Deputados, gostaria de chamar a vossa atenção para o seguinte: o Sr. Ministro faz, de facto, estas visitas, só que são visitas de show-off, de propaganda e praticamente sem debate. Ainda ontem, em Braga, o Sr. Ministro fez uma reunião de apresentação do PAMAF. Mas, depois, o que é que aconteceu? O Sr. Ministro, para responder as perguntas, pediu que, primeiro, lhas dessem por escrito, para, depois, seleccionar aquelas a que iria responder. Vejam bem, Srs. Deputados, que tipo de diálogo o Sr. Ministro está a fazer!
A outra questão, Srs. Deputados, tem a ver com as «medidas agro-ambientais», com as tais medidas inovadoras de que falou o Sr. Deputado Antunes da Silva e outros Srs. Deputados. Pois é, Sr. Deputado, mas seria bom que o Ministério, ao dar as informações aos agricultores, as desse completas.
De facto, o Governo lançou um conjunto de medidas agro-ambientais, mas no estudo interno do Ministério, que posso fornecer-vos, o que se verifica é o seguinte: como sabem, as medidas agro-ambientais exigem que os agricultores tenham técnicas mais apuradas de produção, mas o estudo do Ministério é claro ao dizer que essas medidas e essas exigências aos agricultores não vão cobrir a perda do rendimento. Por exemplo, quanto a medidas para apoio à vinha em socalco da região do Douro, a ajuda cobre cerca de 60 % da perda de rendimento; relativamente às medidas para apoio à manutenção de espécies autóctones, a ajuda só garante 75 % da perda de rendimento; e, no que respeita às ajudas à agricultura biológica, a relação prémio/perda de rendimento é de 37 %. Acham os Srs. Deputados que os agricultores, com as dificuldades de rendimentos que já têm, vão aderir a medidas, que, ainda por cima, lhes vão diminuir o rendimento?!
Mas o que é mais curioso, Srs. Deputados, é que no livrinho sobre as medidas agro-ambientais distribuído pelo Governo aos agricultores, esta parte foi omitida, para que eles não soubessem qual era, no fundo, o verdadeiro resultado de um programa que não está adequado às especificidades da agricultura portuguesa! E este o tipo de engano, de propaganda e de show-off que o Governo e o Ministério da Agricultura estão a fazer, que ilude a realidade e que, além do mais, engana os nossos agricultores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A outra questão, Srs. Deputados, tem a ver com as visitas às explorações. Em primeiro lugar - e como referimos na Comissão de Agricultura e Mar-, nunca dissemos que não havia uma única exploração que não tivesse algum sucesso. Essa afirmação não foi nossa, pelo que quem a fez que assuma a responsabilidade por ela. O que dissemos foi que esse não é o traço principal da situação - mais a mais, e em particular, na região que os senhores vão visitar: a margem esquerda do Guadiana. Por isso, propusemos que esta visita que os senhores avançaram não fosse só àquelas explorações que consideram ser as explorações de sucesso, mas que. a par delas, se visitassem, simultaneamente, no mesmo período e nos mesmos dias, outras explorações que dessem um retrato fiel da realidade. Mas os senhores recusaram isso e recusaram porque o que pretendem é, mais uma vez, fazer show-off com o Ministro, com os órgão de comunicação social, iludindo a realidade e os problemas da agricultura. Como disse o meu camarada António Murteira na Comissão, um erro não se tapa com outro erro, Srs. Deputados!
Quanto aos indicadores, Sr. Deputado Carlos Duarte, ao aumento da produtividade, só duas notas: como é que o Sr. Deputado explica que aumente a produtividade e, depois, diminua o rendimento dos agricultores portugueses?
Sr. Deputado, como sabe, é muito simples desmontar esta mistificação. É muito simples, Sr. Deputado: é que diminuiu, e diminuiu artificial e aceleradamente, a mão-de-obra, isto é, a população activa agrícola, que é o denominador do indicador! Portanto, se o denominador do indicador desceu aceleradamente, e muito mais aceleradamente do que o numerador, que é a produção, é evidente que isso dá um aumento da produtividade, mas é um aumento claramente artificial, é um aumento que não corresponde à situação real dos agricultores portugueses, que é uma situação de falta de esperança e de perda diária de rendimento, com que os Srs. Deputados não se podem iludir.
Por fim, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, agradeço as suas perguntas e, quanto à questão de saber se o projecto de lei que apresentámos poderá ter alguma viabilidade com este Governo, poderia responder perguntando-lhe se os projectos de lei apresentados diariamente pelo PS têm alguma viabilidade de serem postos em prática com este Governo - por exemplo, o projecto de revisão constitucio-
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nal, que ainda há pouco tempo aqui foi discutido. Só que. Sr. Deputado, nós fazemos acompanhar as críticas quê fazemos à política agrícola do Governo com a apresentação de alternativas e gostaríamos que o PS fizesse o mesmo, mas ainda o não fez até ao momento.
Vozes do PSD: - Muito bem! Vozes do PS: - Oh!...
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Olhe o PSD a concordar consigo!...
O Orador: - É natural, dizemos verdades. E quando as verdades são verdades têm de se considerar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No fundo, o que eu queria dizer com esta intervenção era que os problemas da agricultura portuguesa estão na ordem do dia è bom será que esta Assembleia os discuta não só na base da crítica mas também na base de projectos, de alternativas como aquelas que aqui apresentámos hoje.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal acaba de conseguir uma importante e muito significativa vitória no âmbito europeu e de alcance internacional. Trata-se, como é evidente, da eleição de um representante português, o Sr. Embaixador José Cutileiro, para o elevado e disputado cargo de Secretário-Geral da União Europeia Ocidental.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Seria imperdoável, a muitos títulos, aos representantes democraticamente eleitos do povo português não realçar devidamente este acontecimento, sublinhando o evento de modo solenemente apropriado e em tempo oportuno. Nesse sentido, decidiu o Grupo Parlamentar do PSD apresentar esta declaração política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E cumpre, antes de mais, num acto da mais elementar justiça, dando a cada qual aquilo que lhe é devido, elogiar a pessoa do Sr. Embaixador José Cutileiro pelo mérito pessoal decisivo que seguramente condicionou o êxito que o nosso País acaba de lograr.
Profissional exemplar, ele é bem o retraio do escol que a diplomacia portuguesa encerra, cultivando ao longo de gerações um nível de seriedade, de competência, de sentido de missão patriótica e de vocação solidária que devemos abertamente homenagear.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Saudámo-lo pessoalmente e na Sua pessoa os muitos e muitos diplomatas que, tantas vezes na sempre considerada limitação de meios e delicadeza dê situações concretas, ontem, como hoje, sabem manter elevada e digna a representação de Portugal no estrangeiro e defender, hoje, mais do que nunca, os interesses sublimes da Nação portuguesa traçados pela História e definidos pela democracia que reedificámos e que enquadra a nossa decisão política. É esta a primeira importante nota que, em nome do meu grupo parlamentar, quero, hoje, deixar bem expressa no foro adequado, que é a Assembleia da República.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A segunda nota vai para a vitória política, que ineludivelmente registamos a nosso favor. Temos por certo que a vizinha Espanha como a boa aliada Itália tudo terão feito, no que permite a acção política, para fazer vencer os seus poderosos candidatos na eleição em apreço. Os nossos irmãos espanhóis terão mesmo mobilizado os esforços de instância política internacional para que o prestigiado Sr. Barón Crespo, que aqui quero saudar publicamente, fosse preferido para o desempenho de tão significativo cargo.
Venceu, todavia e em boa hora, a política portuguesa pelo que é justa também uma saudação muito especial à política externa portuguesa na pessoa do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Durão Barroso, pela negociação tão eficazmente desenvolvida, sem nela esquecer o reconhecimento da acção solidária de entidades habitualmente politicamente adversas que nesta circunstância souberam dedicar o seu prestígio e a sua influência significativa a uma causa em que primava o interesse nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas seria também injusto não entender o mérito como averbável ao Governo como um todo. E, não fora o prestígio internacional de que o nosso país ora disfruta, mercê dos êxitos internos e externos por ele conseguidos ao longo dos últimos tempos, de certo teria sido impossível alcançar a vitória nos termos precisos em que ela acontece agora.
Estão, portanto, de parabéns o Governo e todos aqueles que, unindo esforços nas nossas diferenças de doutrina e de programa políticos, decidiram aprofundar o nosso envolvimento europeu, designadamente, dando maior corpo e significado ao pilar comunitário da defesa e da segurança.
Fazêmo-lo nós, PSD, na firme certeza de que nele se não esgotam os nossos compromissos externos, seguras que temos as nossas vocações atlantista e lusófona. Portugal, como país pequeno que é, tem até de saber gerir de forma patriótica, sábia, permanente e dialéctica as suas múltiplas dependências externas, equacionando as suas potencialidades com as suas debilidades, fazendo, em suma, das fraquezas forças. E neste momento importa, de sobremaneira, reforçar o pilar europeu da defesa, na redefinição do contexto e das prioridades aliadas que o momento histórico sugere, senão mesmo determina.
Eis, assim, a nota com que desejaria encerrar esta declaração política, fazendo votos para que a presidência portuguesa da UEO, que decorrerá no primeiro semestre do próximo ano, possa vir a ser momento especialmente propício, reforçada que fica a nossa influência e empenhamento por quanto vos venho referido, para que passos prudentes, mas decisivos, se possam concretizar no sentido que vos afirmei directamente.
Estamos no bom caminho.
Fazemos público elogio a quem dele é merecedor por esta significativa vitória nacional, mas precisamos de novas conquistas, de novas vitórias que se traduzam em maior justiça, em mais decisiva segurança e em níveis generalizados de acesso ao bem-estar espiritual e material, num
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mundo que se torna cada vez mais pequeno e onde, por isso mesmo, o sentido da fraternidade deve ser redescoberto todos os dias.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.
O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País vive perplexo mas divertido a comédia de vaudeville, dos desencontros amorosos entre o Presidente do PSD e o seu partido. Como em qualquer relação doméstica tensa, o Presidente do PSD descarrega as culpas de tudo o que de mal vai acontecendo na força política com que partilha o destino. Cavaco Silva quer libertar-se da usura da imagem do seu próprio partido e concentra agora no PSD a carga negativa que se abate sobre si e o seu Governo. Depois de ter usado alguns Ministros do seu Governo como fusível, usa agora o seu próprio partido como fusível.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - À metáfora maoísta do «timoneiro» e do «homem do leme», que conduzia o País na linha justa da estabilidade política e da convergência com a Europa, segue-se a outra metáfora maoísta do «fogo sobre o quartel-general», em que o líder pretende criar um clima de comoção generalizado e distribuir pelos outros as culpas que são, em primeira linha, suas.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Orador: - Vamos ver onde conduz esta revolução cultural no PSD. O dito de um discípulo de Hegel que acrescentava à tese do mestre, de que «a História repete-se», a observação de que tal repetição ocorria, a primeira vez, como tragédia e, a segunda, como comédia, colhe uma excelente ilustração na revolução cultural em que o Presidente do PSD pretende submergir o seu partido.
O que está a acontecer é de facto uma comédia! Uma comédia encenada como estratégia de desresponsabilização pessoal do balanço negativo do ciclo político iniciado em 1985. Uma encenação de «novo começo», depois de nove anos de expectativas criadas e, grande parte delas, frustradas.
Depois de reescrever a história e recolocar o «novo começo» de Portugal como país democrático e europeu, não em Abril de 1974 mas na sua maioria absoluta de Julho, de 1987, o Presidente do PSD avança de novo o marco e alija, ele também, a carga de nove anos de governação. O Presidente do PSD quer convencer o País de que 1995 será, agora sim, o «novo começo», o «ano zero» de um futuro em que ele não terá já atrelada a si a máquina de poder clientelar em que o seu próprio partido se transformou.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Consciente do esgotamento do ciclo político que personifica, o Primeiro-Ministro busca, nesta encenação política, a dose de anfetaminas para a revitalização da base política de apoio. No Verão, no discurso do Pontal, dizia que o PSD fazia a diferença. Estamos tentados a dar-lhe razão. De facto, o PSD faz hoje a diferença; exercita-se na extravagância e na bizarria!
O terceiro Ministro das Finanças deste Governo é publicamente posto em cheque por membros do Governo a que pertence; um Secretário de Estado deste Governo lança contra um membro deste mesmo Governo argumentos ad hominem relativos à proveniência política de um ministro desse Governo; esse mesmo Secretário de Estado e o Ministro da Administração Interna entretêm-se a elaborar doutrina sobre política externa como mera peça de confrontação interna ao partido do Governo.
Com este pano de fundo, muitos portugueses serão, porventura, levados a acreditar que é genuína a vontade do Primeiro-Ministro em bater com a porta e abandonar, à uma, o partido e o Governo.
O Primeiro-Ministro quer pôr o País neste engano d'alma apenas para descolar a sua imagem da imagem negativa do partido e da governação de que ele é, em primeira linha, o responsável.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não é sério, não é aceitável que aquele que mais tentou dramatizar o não cumprimento até ao fim desta legislatura venha agora montar uma encenação política relativa à eventualidade de ele próprio não levar até ao fim esta legislatura.
O Sr. Primeiro-Ministro iniciou o seu ciclo político a encarecer o valor da estabilidade política e governativa. Aproxima-se agora do fim desse ciclo político e pretende prolongá-lo, tripudiando precisamente com o valor da estabilidade política e governativa. O Sr. Primeiro-Ministro faz, de facto, a diferença, nomeadamente a diferença com o que foi o essencial da sua mensagem e do seu estilo políticos ao longo destes anos.
Ele está diferente, mas é o mesmo!
Não percamos mais tempo com este enredo marialva, onde o abandono é encenado para desgraduar uma relação, normalmente constituída, em «escapadelas» de relação clandestina. O «casamento» entre o Sr. Primeiro-Ministro e o PSD tem o «cimento» bastante para não ser desgraduado numa mera relação marital.
E neste tipo de relação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mandam a natureza das coisas e a boa prudência que se não deixe ninguém a actuar como gestor de negócios; manda a ética democrática que se assuma responsabilidade pelo que se fez e que se submeta a obra feita ao julgamento dos eleitores. Passos de mágica deste género não vão criar qualquer comoção no País nem permitir encenar um «novo começo». Vão, muito provavelmente, tornar mais inexorável um derradeiro fim. Os eleitores não pedem aos políticos encenações teatrais. Para encenações teatrais há, de certo, outros profissionais mais credenciados!
Sr. Primeiro-Ministro, manda a ética democrática que se cumpra o mandato em que se foi investido; não transforme o problema da relação com o seu partido em mais uma telenovela kitch; respeite o mandato que os eleitores lhe conferiram e, sobretudo, respeite a inteligência dos portugueses. É que para estas peripécias e enredos - e permitam-me, Srs. Deputados, utilizar a linguagem telenovelesca adequada à ligeireza deste tipo de eventos -, para esta comédia de vaudeville, verdadeiramente «não há mesmo saco»!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.
O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lamego, julgo que a sua intervenção se insere num
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conjunto de intervenções que, ultimamente, temos ouvido por parte da bancada do Partido Socialista e que, no fundo, trazem a esta Câmara comentários dispersos sobre coisas menores da vida política nacional. Isto é, o Partido Socialista está a habituar-se a ir aos jornais, a ver, ouvir, ler e meditar sobre algumas questões internas do Partido Social Democrata e julga que, por aí, pode criar factos políticos., Através desta actuação, quer fazer incursões no PSD, julgando que com isso evita e desvia o olhar dos problemas essenciais que têm a ver com o Partido Socialista e que não se transferem para o Partido Social Democrata com a mesma facilidade com que julga. Ou seja, o País habituou-se, desde há muito tempo, a ver o Partido Socialista como um partido tutelado, que regularmente muda de responsável.
Desde 1985, quando o actual Presidente do PSD iniciou funções, o que é que se passou no seio do Partido Socialista? Que alterações sucessivas pudemos ver e a que perturbações pudemos assistir? Quantos Secretários-Gerais é que os senhores colocaram à frente do Partido Socialista com as consequências que se sabe, em primeiro lugar, para o próprio Partido Socialista e, em segundo lugar; para o País? Perante isto é que sinto que, por parte do Partido Socialista e do Sr. Deputado, é um pouco falta de contenção o facto de proferir aqui uma intervenção sobre aspectos menores - repito - que são, única e exclusivamente, matéria para os jornais.
É que, contrariamente ao que pensa o Sr. Deputado José Lamego, quando nós, no Partido Social Democrata, temos questões a dirimir e quando reflectimos sobre a vida política nacional, não o fazemos «correndo atrás de Belém», correndo atrás de presidentes de câmaras, estejam eles na Av. dos Aliados ou em Lisboa, ou correndo atrás de outras quaisquer fontes de poder.
Na verdade, a única fonte de poder dentro do PSD são os seus militantes. Isto é coisa que os senhores desconhecem porque o que se tem visto e continua a ver-se da parte do vosso Secretário-Geral é que busca continuamente, diria até semanalmente, a aceitação dos diversos tutores que permitem que se sucedam os Secretários-Gerais no Partido Socialista até à derrota seguinte e à consequente substituição.
Assim, quero dizer-lhe que a sua intervenção é um conglomerado de coisas várias, de coisas vagas, de coisas sem sentido - permita-me a expressão. Daí que a minha bancada faça a leitura da sua intervenção como sendo uma manifestação maior do desespero que perpassa por essa vossa bancada.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lamego, informo-o que, entretanto, o Sr. Deputado Manuel Queiró inscreveu-se para pedir esclarecimentos. Quer responder já?
O Sr. José Lamego (PS): - Sim, Sr. Presidente:,
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pinto, de facto, referi-me a aspectos menores da vida política nacional...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Então, não valia a pena ter feito a intervenção!
O Orador: - Fi-lo com um estilo ligeiro porque são coisas tão pouco importantes que merecem ser referidas desta forma e fi-lo pedindo que, de uma vez por todas, o Sr. Primeiro-Ministro e Presidente do PSD poupe a opinião pública nacional ao espectáculo pungente de um drama passional, em que «sai e entra», «casa e descasa», encenado tal como numa telenovela passada há muito tempo em televisão.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Devia era olhar para o seu partido!
O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Pinto aproveitou - e muito bem - para fazer um contra-ataque, referindo-se a problemas de estabilidade política no PS. Ora, desde a fundação do PS, tivemos quatro líderes, que sempre foram substituídos normalmente, em Congresso, e, nesta matéria, pensamos que é útil fazer a confrontação do estado de espírito num e noutro partido pois, neste momento, a «cacofonia política» é privilégio exclusivo do PSD.
Na verdade, o PSD entrou em completa derrapagem e toda esta encenação do Sr. Primeiro-Ministro não visa senão preservar a sua própria imagem e afastá-la do estado de «cacofonia» e de usura perante a opinião pública que é a imagem deste Governo. O Sr. Primeiro-Ministro quer dar a entender que, daqui para a frente, nada será como antes.
O Sr. Deputado Carlos Pinto esquece que, de facto, quando há qualquer problema de substituição de liderança no seu partido tudo isso é visto em termos muito mais dramáticos, devido ao facto de o seu partido ser uma profunda e extensa máquina clientelar, em que o abandono do poder causa uma profunda apreensão na estrutura e na essência do próprio partido.
Portanto, considero tocante e bastante cândida a sua declaração de que a fonte do poder no PSD é apenas formada pelos seus militantes, o que acho muito bem, pois julgo que qualquer partido escolhe regularmente os seus líderes e órgãos dirigentes em sede de congresso.
Quero ainda dizer que me parece deliciosa a sua referência a tutelas partidárias externas quando fala do Partido Socialista, vinda de quem, como os senhores, foram sempre o partido de um homem só, que permitem, com evidente falta de sentido de auto-estima, a relação de fustigação que o Presidente do partido exerce sobre vós.
O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Há muito tempo que estamos emancipados!
O Orador: - Assim, penso que os senhores não têm legitimidade para falarem de qualquer tipo de tutela, interna ou externa, sobre o Partido Socialista
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lamego, entretanto, o Sr. Deputado Correia Afonso também se inscreveu para um pedido de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lamego, pela nossa parte, consideramos que a apresentação de uma pessoa por um determinado partido, o PSD ou qualquer outro, como eventual futuro primeiro-ministro na próxima Legislatura, é sempre uma questão que diz essencialmente respeito a esse próprio partido.
No caso vertente, a identidade da pessoa que o PSD vai apresentar ao povo português, nas próximas eleições, como candidato a primeiro-ministro é uma questão que preocupa essencialmente o Partido Social Democrata. Do nosso ponto de vista, é assim que deve ser porque o que deve contar
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para o eleitorado é saber se vai ou não manter-se a atitude política fundamental do PSD na condução do País através da acção governativa, é saber se, no plano interno, o uso que o PSD vai fazer do poder continuará a ser o mesmo que tem feito nos últimos anos, é saber se, nas relações externas, a condução da integração europeia de Portugal continuará a ser efectuada da mesma forma E isto que nos preocupa!
Claro que, para o PSD, não será a mesma coisa apresentar um determinado candidato a primeiro-ministro ou um outro. Aliás, eles próprios confessam, eles próprios dizem para o exterior que se o actual Primeiro-Ministro não se recandidatar ao lugar o resultado das eleições será bastante pior e o partido não terá hipótese de aspirar a uma vitória eleitoral. Mas essa é uma questão que diz respeito ao PSD.
A este propósito, chamo a atenção do Sr. Deputado José Lamego para o facto de, nos últimos comentários sobre esta matéria veiculados na comunicação social, termos visto alguns sociais democratas influentes, pensadores do partido, alertando para o seguinte: com esta tentativa de introdução de alguma ansiedade no País, e até no partido, acerca da sua continuação no cargo para a próxima Legislatura, o Primeiro-Ministro conseguiu desviar as atenções gerais, da comunicação social e dos comentadores relativamente ao PSD e também as dos partidos da oposição, que, como lhes compete, estavam a atrair a atenção de todos para a preparação das alternativas.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado José Lamego se, ao trazer este assunto à Assembleia da República, não estará a colaborar com essa táctica que apelidou de «maoísta». Pessoalmente, ignoro se a táctica é ou não maoísta, tal como não sei se o Sr. Deputado foi ou não maoísta, mas devo dizer que também assisto divertido a essa comparação que fez.
Portanto, repito a pergunta que lhe fiz: o Sr. Deputado não estará a colaborar objectivamente nessa «táctica maoísta» de desviar as atenções, até agora concentradas nos partidos da oposição, com esse ataque ao «quartel-general» do PSD, com esse fogo sobre o «quartel-general» social democrata? Não estará a concorrer para essa táctica de desviar as atenções para a vida interna do PSD, afastando-as da preparação das alternativas que os partidos da oposição estão a fazer, assim colaborando com os interesses objectivos do PSD?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.
O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, repito que esta é uma questão menor e a intenção da minha intervenção é a de pôr termo a uma discussão que, além de menor, é ridícula.
De facto, não é importante para o País, embora seja para o Professor Cavaco Silva, saber se a sua escolha pessoal vai no sentido de ser candidato a Primeiro-Ministro ou a Presidente da República. O que nos parece interessante é que ele, que dramatizou a eventualidade da dissolução da Assembleia da República que o impediria de levar até ao fim o seu mandato, que dizia «deixem-me trabalhar», agora não quer trabalhar!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lamego, confesso que gostei, até fiquei embevecido, com a sua intervenção,...
Risos do PSD.
...porque senti que pertencia a um grande partido, que, apesar de tratar-se de questões menores, como referiu, lhe permite, com entusiasmo, correr um universo de ideias.
O Sr. Deputado falou de amor e no casamento do Professor Cavaco Silva com o partido, falou de electricidade, referindo que o partido é o fusível do Professor Cavaco Silva, falou de navegação, invocando o homem do leme, falou de filosofia, inspirando-se em Hegel e aprofundando as consciências. No fundo, tudo isto lhe foi permitido a propósito do meu partido, razão pela qual estou cheio de honra e embevecido depois de o ouvir.
Porém, gostava de ser esclarecido pois, confesso, tenho uma dúvida e não se trata de uma questão metafísica mas de algo muito concreto e terreno: há tempos, uns camaradas do Sr. Deputado José Lamego sugeriram o nome do Professor Cavaco Silva para Presidente da Comissão Europeia É claro que, por detrás dessa ideia, estava a vontade de que ele saísse do Governo e se fosse embora. Hoje, o Sr. Deputado disse: «Não, é preciso que ele fique e cumpra o mandato». Reconheço aí a hesitação habitual do Partido Socialista mas acho que tenho o direito de perguntar-lhe: o que quer o Partido Socialista? Que o Professor Cavaco Silva saia ou fique?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.
O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia Afonso, respondo-lhe de forma muito simples: que saia nas próximas eleições legislativas de Outubro de 1995!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao ponto de antes da ordem do dia relativo ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. Carlos Caudal (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não vou produzir uma intervenção tão subtil, intelectual e enciclopédica como as anteriores; porventura, abordarei um tema de maior interesse prático imediato e mais sentido pelas populações, pelo menos, pelas da minha terra.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, é um socialista recuperado!
O Orador: - Não falo, tão-pouco, como socialista e espero mesmo que a minha tese mereça o apoio de todos os Deputados eleitos pelo distrito de Aveiro, sob pena de ter de entender, aprioristicamente, que talvez não tenham interiorizado bem o sentido da representação. Falo, pois, sem «emblema», de malmequer na lapela, sem que me tenha tornado um ecologista puro ou membro desse partido de muito interesse, Os Verdes.
As galerias estão recheadas com uma pequena parte das mais de 1800 pessoas, homens e mulheres, que vieram hoje aqui, à primeira instância do poder político, mostrar a sua preocupação e dar-me apoio. A maior parte não votou em mim nas últimas eleições, provavelmente, nunca votará em mim...
O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - É gente de bom senso!
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O Orador: - Não, não são parvos! Porém, como estava a dizer, tenho a honra de sentir que me consideram seu representante legítimo, representante dos seus interesses quotidianos, das suas expectativas e porta-voz das suas reclamações, das suas preocupações imediatas de vida e, a curto prazo, da sua própria geração e da dos seus filhos.
Assumo hoje, como de outras vezes, esse estatuto de defender o distrito que me elegeu. Normalmente) venho protestar contra o que nos querem tirar- os serviços de alto nível, os centros técnicos, os investimentos, às vezes, as apetências territoriais -, hoje, venho protestar contra aquilo que nos querem dar. Parece ingratidão mas, nós, os de Aveiro, os de Vagos, os de Ilhavo, os de Oliveira do Bairro, os de Estarreja, não queremos as 800000 t de lixos tóxicos, perigosos, venenosos, mortais, que pretendem enterrar, impingir e queimar na nossa área, sem consulta das populações nem justificação lógica ou científica. E esse o nosso protesto...
Aplausos do público presente nas galerias.
O Sr. Presidente: - Informo o público que se encontra nas galenas que não é permitido expressar com aplausos ou protestos a vossa opinião. Peço, portanto, que Sá abstenham de intervir no debate.
Queira fazer o favor de continuar a sua intervenção, Sr. Deputado Carlos Candal.
O Orador: - Agradeço os aplausos mas a simples presença de tanta gente, que deixou o seu trabalho e a sua família para se deslocar a Lisboa, apesar de a maior parte estar lá fora por não ter tido possibilidade de entrar e de assistir à sessão, constitui um apoio significativo.
Querem fazer da nossa terra uma lixeira! Somos a favor da solidariedade nacional, o País é um todo e não podemos querer apenas benefícios, rejeitando os malefícios. Assentemos nisso! Só que o distrito de Aveiro poucos benefícios tem tido e, agora, querem-no forçar a um inaceitável malefício. Isto é, enquanto o distrito produz apenas 5 % dos detritos tóxicos industriais, querem-nos tornar a, central nacional desses venenos mortais. Para Vagos, são 800000 t de coisas como cádmio, chumbo, amianto, crómio, fenol, mercúrio, resíduos hospitalares, escórias de alumínio, cianetos, arsénico e. até, detritos radioactivos.
Faço a seguinte pergunta: e não terá isso de para algum sítio? Desde logo, esse é um tema político e, não vou propriamente abordá-lo, embora pudesse fazê-lo noutra ocasião.
Vozes do PSD: - Boa piada!
O Orador: - Não, não disse qual era o tema político, que é a opção entre a centralização dos esgotos dos distritos...
O Sr Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado está a simular! Isso não é seu!
O Orador: - O Silva Marques...
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Candal, isso não é teu!
O Orador: - Não sei onde o Dr. Silva Marques quer chegar e ele também não.
Como estava a dizer, há a tese da descentralização dos detritos tóxicos perigosos e a da centralização. Parece inadequado que, em Portugal, se tenha optado pela tese da centralização mas esse é um tema discutível.
O problema é outro e diz respeito à escolha do local. Ora, a escolha de Aveiro e de Estarreja foi feita sem qualquer critério, a seguir a um sobrevoo e à tomada de fotografias do litoral do País. Surge logo o primeiro problema: porquê o litoral?
Depois, a escolha concreta do local foi feita num atelier, por meio de cartas de pequena dimensão, desactualizadas e fora de moda.
Os técnicos da OPCA - a grande empresa senhora e dona da ideia e da perspectiva de lucros deste empreendimento - nem sequer se deslocaram ao local, não fizeram sondagens, furos nem um estudo minimamente aprofundado. A OPCA é uma grande empresa e o negócio dos lixos rende milhões.
Creio na boa fé e honestidade da actual Ministra do Ambiente, devo dizê-lo com toda a frontalidade, e sei que herdou este problema grave do anterior Ministério e de uma opção que o Professor Carlos Borrego,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Do Aveirense.
O Orador: - Não, é professor na Universidade de Aveiro, Aveirense é outra coisa.
Estava a dizer que o Professor Carlos Borrego, que é um homem inteligente e honesto mas que tem uns laivos grandes de ingenuidade e até de alguma «lorpice» - passo a expressão -, deixou-se empalmar, inebriar, hipnotizar pelas propostas da OPCA, que, depois, dominou o Ministério e todos os técnicos.
Por calculismo economicista e numa perspectiva de melhores lucros, fizeram estas opções que não são justificadas nem estão fundamentadas a vários títulos. Escolheram o local e, depois dos protestos populares, vão de aceitar reconhecer que puseram «o carro à frente dos bois» e só agora pedem o apoio de estudos feitos pelas Universidades. Esses estudos, sem desprimor para quem os realiza e não pondo em causa, propriamente, as corporações da Universidade de Aveiro e da Universidade Nova, têm de ser, necessariamente, pouco honestos e pouco sérios, porque o estudo de impacte ambiental para um empreendimento desta monta, desta envergadura, não pode fazer-se, honestamente, num mês e meio. Dizem aqueles que já se pronunciaram sobre isso, usando a expressão popular «Parece que têm pressa,... tal dinheirito, tal trabalhito», porque a verba disponível não dá para grandes investigações.
Depois disto, fico de pé atrás com esses técnicos, assim como desconfio igualmente do muito mercenarismo - muitas consciências hipotecadas, muitas dependências, muitas subalternidades, porventura, algumas desonestidades - que a OPCA, que não é um polvo à maneira italiana mas, sim, um choco com alguns tentáculos, possa ter espraiado à volta do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, de algumas autarquias e de pessoas de influência política. Chama-se a isso tráfico de influências, que é uma forma larvar de corrupção.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Larvar?
O Orador: - Sim, larvar, porque começa muitas vezes aí e, depois, acaba nas contas bancárias.
Quanto à Sr.ª Ministra, uma crítica lhe faço: ainda não disse, alto e bom som, claramente, que isto das incineradoras, dos aterros de lixo tóxico, é uma actividade altamente perigosa, que acarreta o perigo de acidentes graves e que
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não se pode, levianamente, escolher o local para uma incineradora em Estarreja quando os ventos dominantes vão trazer as partículas venenosas, intoxicantes - os furanos e as dioxinas - directamente para Aveiro, cidade com uma população assinalável.
Também não se pode escolher Vagos para aterro tóxico, pois trata-se de uma zona húmida e com níveis friáticos muito elevados, situada perto da ribeira do Pontão, que conduz as águas a outros locais, bem como de um canal da ria de Aveiro que importa preservar.
Esta é, pois, uma intervenção perigosa que não pode ser assumida leviana, precipitada e amadoristicamente, como tem estado a ser feito.
Outra crítica que faço prende-se com o facto de se ter consentido nos anúncios que têm passado na televisão e nos outros órgãos de comunicação social sobre o problema dos lixos e dos aterros, pois trata-se de uma propaganda realmente viciada, desonesta e inaceitável.
Para terminar, gostaria de vos dizer que a população da região está preocupada e activa, esperando que todo este processo seja revertido ao início, de forma a ser programado e conduzido segundo as normas correctas e de modernidade.
Com efeito, a incineradora e o aterro tóxico que querem implantar, cujas técnicas já foram a última palavra, estão manifestamente desactualizados, desusados e postos em crise por esse mundo mais evoluído e, tecnicamente, mais actualizado.
O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Aponte uma solução!
O Orador: - Tenho elementos, mas não vale a pena estar a enunciá-los...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Vale, vale!
O Orador: - Vale a pena? Então, eu digo!
O entendimento da OPCA com a France Dechets, que depois deu origem a duas outras companhias semimajestáticas, ou seja, a Ecotredi para o aterro e a Sigal para a incineradora - a Tecninvest é outra conversa e já lá irei!
Com efeito, a France Dechets está a impingir-nos técnicas que já não têm actualidade na Europa mais evoluída, ou seja, está a seguir o esquema de exportar para o Terceiro Mundo as sobras e as técnicas que estão démodées, para usar a expressão francesa!
O Sr. Silva Marques (PSD): - O que é que propõe?
O Orador: - Estamos a ser tratados como um país do Terceiro Mundo, como o Magreb e o Norte de África, sem desprimor para esses povos.
Por outro lado, o tal «polvo» ou «pequeno polvozinho», tem a ver com o seguinte: a Tecninvest, empresa que fez o estudo de impacte ambiental, é um heterónimo da OPCA, ou seja, é a mesma coisa com outro nome! Isto tem laivos de desonestidade e deve ser denunciado e é o que estou a fazer hoje e farei sempre, ao lado do povo simples da minha terra, bem como de algumas individualidades notáveis que também se disponibilizaram a vir à Assembleia da República.
O povo, a nobreza e, já agora, também o clero - na medida em que S. Ex.ª o Bispo de Aveiro vai tomar uma posição pública dentro de poucos dias - estão juntos nesta causa.
O Sr. Silva Sr. Deputado?
(PSD): - E os servos da gleba,
O Orador: - Os servos acabaram, pelo menos, do meu ponto de vista! Já não há servos da gleba nem escravos e o Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que assim é! Aliás, também comparticipou para que assim passasse a ser.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não estou seguro!
O Orador: - Não participou? Penso que sim!
Como dizia, o clero, a nobreza e o povo daquela região estão solidários- não são bem os estudos gerais ou os estados gerais, mas é quase! - na resistência a leviandades, a precipitações, a abusos e a iniquidades, cada um à sua maneira e eu ao lado de todos, aqui e onde for preciso! Aqui, através da denúncia, como hoje, destas situações; no terreno, usando todos os expedientes legais e aqueles que não sejam ilegais - e há todo um campo - para que, nestas zonas, não venha a haver incineradora nem lixeira de produtos perigosos e, em vez disso, se estudem as técnicas modernas, como a pirólise de plasma e a bio-remediação, próprias dos países evoluídos. São essas que queremos cá!
Com efeito, somos um País suficientemente pobre para não nos podermos dar ao luxo de gastar brutalidades em investimentos com técnicas que estão ultrapassadas. Essa economia sai cara!
Aplausos do PS.
Temos, pois, de ultrapassar esse vício de miserabilismo aparente.
Estarei com a gente da minha terra, pois acredito que não vão ser instalados estes focos de morte na nossa terra.
Somos a favor do progresso, da modernidade, da evolução, da saúde e contra a poluição e a morte; somos a favor da vida para todos, mas também para nós! Vivam, então, as Sr.ªs e os Srs. Deputados e viva também V. Ex.ª, Sr. Presidente.
Adeus e até ao meu regresso. Voltarei quando for oportuno.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Silva Marques, Luís Peixoto, Olinto Ravara, André Martins, Casimiro de Almeida, João Rui de Almeida, Filipe Abreu e Manuel Queiró.
Tem a palavra o Sr Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal, pela consideração e pela amizade pessoal que lhe tenho, de há longa data, a sua intervenção não podia ficar sem resposta, porque a amizade impõe frontalidade.
Ora bem, o Sr. Deputado disse que nada presta, técnica e moralmente. O que é que presta? Ninguém? Nada? O Sr. Deputado? Tem obrigação de nos dar uma resposta.
Se a tecnologia prevista não presta, então, qual é a válida? A resposta a esta questão constitui uma obrigação imperativa, sob pena de o seu discurso ser uma simulação e não uma abordagem reflexiva e séria de um dos problemas mais graves com que se defronta o nosso país. Técnica e moralmente, repito, o que é que presta?
Sr. Deputado, esta é uma herança do anterior Governo, do anterior e de muitos anteriores! O que é que o Sr. Deputado fez, como cidadão e como Deputado, para que este problema tivesse uma resposta? Hoje, antes e há anos? Tem obrigação de nos dizer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No seu esboço tétrico de reflexão, o Sr. Deputado chegou a avançar com a seguinte questão:
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porquê o litoral? Será que isso significa que admite que essa localização seja no interior? Então, responda-me: porquê o interior?!
Onde pensa, seriamente, que devem ser tratados os lixos próprios do distrito de Aveiro, que os produz em quantidade e, sobretudo, em perigosidade?
O Sr. Deputado é pela vida, mas por que é que não cuida dela!? Diga quais são as suas propostas.
Não me vou referir às suas suspeições fáceis. Aliás, devo dizer que o Sr. Deputado surpreendeu-nos pela ligeireza das suas asserções. Eu próprio reclamei e disse que isso nem parece seu! E, com toda a sinceridade, penso que não é.
Por isso, o meu desafio é, repito, o seguinte: diga o que é que presta, técnica e moralmente, ou então, não se refugie, sequer, na questão técnica e diga o que é que presta, moralmente, porque tem essa obrigação. Ela é incontornável!
O Sr. Carlos Candal (PS): - Digo-lhe já!
O Orador: - Também lhe digo até ao meu regresso, mas faço votos que o Sr. Deputado, quando voltar à tribuna, não o faça apenas nos momentos fáceis. Na realidade, visitou-nos num momento de discurso fácil e aí, também para surpresa minha, o Sr. Deputado não foi excepção no campo socialista: o vosso discurso é o da facilidade e, por isso, os senhores nunca foram capazes de resolver nenhum dos problemas estruturais com que se defronta o nosso país. Mas nós estamos a abordar essas questões e não viraremos a cara.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª sabe que nunca fui de discursos fáceis; sempre estive onde era difícil!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Por isso me surpreendeu!
O Orador: - Mas não tem de se surpreender! O Sr. Deputado também sabe que sou socialista desde .sempre e, provavelmente, morrerei socialista, mas terá dte fazer a justiça de reconhecer que a minha intervenção não tinha cariz partidário.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não tinha?! Por amor de Deus!...
O Orador: - O Sr. Deputado, porque me conhece, sabe que é verdade que o que aqui disse, hoje, deste Governo - que é o que está no poder-, seria dito exactamente da mesma maneira, porventura com mais virulência, se o Ministro fosse socialista.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nunca o disse!
O Orador: - Pode ser que, para o ano, possamos tirar isso a limpo, quando o Partido Socialista for chamado ao poder, de uma ou de outra maneira.
Questionou-me sobre o que presta, técnica e moralmente. Moralmente, a regra universal é a do poluidor/pagador, ou seja, quem «come a carne rói os ossos». Assim, o distrito de Aveiro deve «roer 6 % do osso» dos resíduos tóxicos - admitamos, todavia, que possa ter de aguentar mais -, mas, para que isso aconteça, é preciso, em primeiro lugar, fazer um estudo geral do País, desde logo para apurar se nos serve o sistema da concentração ou da descentralização. E isso não foi feito.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, qual é a sua solução técnica? Qual é a sua proposta cívica? Não perca tempo!
O Orador: - A minha solução técnica, como cidadão comum e leigo, é a descentralização e o tratamento de resíduos através de técnicas evoluídas, compatíveis com a dimensão das unidades a despoluir.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É, portanto, também um aterro no distrito de Aveiro!
O Orador: - O distrito de Aveiro deve consumir os seus próprios detritos...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Deve ter também um aterro!
O Orador: - Sim. Mas o problema principal é que, para além dessa opção entre a centralização e a descentralização, é preciso escolher sítios adequados e as escolhas iniciais foram todas no litoral, principalmente em portos de mar. Aliás, levanta-se até a suspeita de que alguém, de um ponto de vista de «negociata», possa ter posto a hipótese de importação de lixo de outros países, mas não tenho documentos e informação segura para o afirmar. Mas por que é que são sempre os portos? Porquê?
Depois, a zona litoral é a zona mais densamente povoada. É verdade que tem as melhores estradas para a recondução dos lixos, mas para Vagos vão 40 camiões diários durante seis anos. Bom, mas está bem, tem as melhores estradas...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Devem ser no interior, Sr. Deputado?
O Orador: - É onde for, é em Setúbal, em Lisboa, no Porto, etc., mas não digo que seja no interior.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas diga!
O Orador: - Admito que deva ser no interior.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Ah!
O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, o problema é que não sou técnico, isto tem de ser estudado e ninguém o estudou!
Aplausos do PS.
A OPCA sabe que o aterro vai localizar-se ali, mas andam agora a fingir- a OPCA, o seu heterónimo Tecninvest, a France Déchets e os outros - que andam a investigar o sítio, quando a OPCA já comprou os terrenos para o aterro, em Vagos, em 1991, a preço barato. Como é que é?!
Além disso, consta-me, e consta-me apenas, que a OPCA tem um contrato assinado com o ministério, já está a rece-
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ber indemnizações pelo atraso e parece-me que não houve concurso público.
Portanto, o que quero, apenas e só, é clareza neste processo.
Ainda em resposta ao Sr. Deputado Silva Marques, e sobre aquilo que fiz,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto! O que é que fez?!
O Orador: - ... quero dizer-lhe que faço aquilo que é incumbência de um Deputado, isto é, ouvir as populações...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Há cinco anos?! Há seis?! Há oito?!
O Orador: - Sr. Deputado, ainda o senhor andava nas militâncias de base e eu já estava aqui como Deputado!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mais uma razão!
O Orador: - Tenho feito algumas coisas, tenho feito aquilo que é a minha obrigação, ou seja, tomar consciência dos problemas, estudá-los e trazê-los aqui, publicamente, à reflexão desta Assembleia, denunciando o que me parece mal e pedindo que seja estudado e solucionado, ao lado do povo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Calado é como o Sr. Deputado tem estado ao longo destes anos!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.
O Sr. Lufe Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal, realmente, esta questão que aqui nos apresentou, de uma forma bairrista, entenda-se, é muito importante.
Quer se queira quer não, chegámos à situação que se vive, neste momento, no País, com todas as populações a não quererem instalações sanitárias nos seus concelhos, por culpa do Partido Social Democrata. Quiseram «matar moscas com vinagre», assustaram tudo e todos com uma política de ambiente descoordenada e agora querem que as pessoas aceitem de bom tom aquilo que desconhecem.
Quero colocar aqui duas questões ao Sr. Deputado Carlos Candal que se prendem exactamente com este problema.
Em primeiro lugar, concorda ou não que a revolta das populações deriva do desconhecimento daquilo que as espera?
O Governo não esclareceu e talvez as pessoas não saibam que, por exemplo, se em Vagos for instalado o aterro sanitário e o sistema de lixos tóxicos, irão ser incineradas 37000 t por ano, ou seja, 56% de Setúbal, 15 % de Lisboa, 14% do Porto e nada de Aveiro.
Talvez a revolta das populações se verifique porque não sabem ou, se calhar, porque sabem que, em tratamento físico-químico, vão ser tratadas 16000 t de produtos por ano e, desses produtos, 47 % são de Lisboa, 18 % são de Braga e 15 % são do resto do País.
Nesse aterro sanitário vão ser depositadas nada mais, nada menos do que 145 000 t de detritos, por ano, dos quais apenas 6 % são do distrito de Aveiro.
Isto não significa que não tenhamos de encontrar um local para o que se pretende fazer em Vagos, só que o esclarecimento das pessoas não existe e é isso que leva a que elas se revoltem, e com razão. E, quer queiramos quer não, a culpa é do PSD e da sua política de ambiente.
Por outro lado, a demagogia também ajuda a que as pessoas fiquem «escaldadas», se me permitem a expressão. E essa demagogia pode exemplificar-se com um simples facto: em Março, quando as populações se revoltaram contra a instalação do aterro sanitário e da estação de tratamento de resíduos em Vagos, logo o Sr. Governador Civil, representante do Governo em Aveiro, se apressou a desmentir tudo no próprio local dizendo «É falso! O Governo não pretende pôr aqui nenhuma lixeira!».
Ora, nessa altura, o PCP fez um requerimento ao Governo perguntando exactamente se aquilo que o Sr. Governador Civil disse era verdade, o qual não nos foi respondido pela afirmativa. Ou seja, era demagógico o que o Sr. Governador Civil disse, era apenas para enganar as pessoas.
Pêlos vistos, é isso que se está a passar e, como tal, «caímos» hoje neste debate com a consciência de que há, realmente, necessidade de encontrar um local para estes tratamentos- e vamos, com certeza, encontrá-lo-, mas lamentando que, neste momento, já se tenha estragado muita coisa e só ultimamente se tentem esclarecer as populações daquilo que se pretende fazer.
Para terminar, a segunda pergunta que lhe faço é a seguinte: não lhe parece que esta questão, que ultrapassa o concelho de Vagos e o distrito de Aveiro, tem a ver, única e exclusivamente, com a ausência de uma política ou, se quisermos, com uma política totalmente descoordenada no que diz respeito ao tratamento dos resíduos, não só os tóxicos mas também os outros, o que leva a que não se possa encontrar no País, de forma integrada, uma solução para estes problemas? A ausência de política é ou não causadora deste problema?
Vozes do PCP: - Muito bem'
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Olinto Ravara.
O Sr. Olinto Ravara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal, quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que o ambiente é, desde há muito, uma grande preocupação do Governo e do PSD.
O anúncio, recentemente feito pelo Sr. Primeiro-Ministro, de um vasto programa ambiental até ao final do século, no montante de 1000 milhões de contos, é disso prova eloquente e não se pode iludir.
Todos estamos preocupados com a proliferação das lixeiras e conscientes de que temos, de uma vez por todas, de resolver a grave situação actual. O nosso distrito é um caso flagrante e a nossa cidade, onde o senhor e eu vivemos, tem inúmeros exemplos, repito, inúmeros exemplos, que o senhor não trouxe à colação e bem mereciam ser aqui tratados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Disso não vale a pena falar!
De qualquer forma, Sr. Deputado Carlos Candal, não podemos perfilhar os seus pontos de vista nem aceitar a forma como os coloca.
Por que não aguarda, serenamente, pelas conclusões do estudo do impacte ambiental que está a ser elaborado desde Julho, e não desde há um mês, por técnicos e cientistas competentes?
Se se concluir que os riscos decorrentes da instalação do aterro são mínimos para a população e para a área envolvente, por que é que há-de, o Sr. Deputado, rejeitar
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liminarmente essa opção? É que, Sr. Deputado, não tenha dúvida de que, se viermos a concluir que há graves perigos para a população, também nós nos oporemos a que o aterro seja instalado no Cardal. Nem o Governo tomaria ,essa decisão!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Candal, será que está de acordo com as ameaças que, muito recentemente, um pequeno grupo de populares fez aos técnicos que estão a realizar os estudos geológicos e os levantamentos topográficos no Cardai, com certeza para atrasar a conclusão desse estudo?
Considera o Sr. Deputado que é num clima de permanente tensão e pressão que se pode decidir sobre um assunto tão delicado e que a todos diz respeito?
Por que é que V. Ex.ª insinua que os técnicos é cientistas das Universidades Nova de Lisboa e de Aveiro são corruptos e as suas conclusões não têm credibilidade? Deixe-se disso, Sr. Deputado Carlos Candal!
Por que é que V. Ex.ª insinua que a OPCA, no caso das promessas de compra dos terrenos, estava a agir a mando do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, quando a situação há muito que foi esclarecida?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É urgente acabar com as lixeiras no nosso país, é urgente que Aveiro tome uma decisão definitiva sobre esta questão.
Pela nossa parte, temos de colaborar activamente na resolução deste problema que, antes de ser dos outros, é nosso e temos de o assumir.
Agora, Sr. Deputado Carlos Candal, o senhor, não se pode é alhear nem apresentar um discurso como o que apresentou nesta Assembleia, precisamente por ser um Deputado de Aveiro. Creio que o Sr. Deputado devia ter uma posição mais séria e menos leviana sobre esta questão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, quero, em primeiro lugar, saudar V. Ex.ª por trazer a esta Assembleia uma questão tão importante como esta.
Em segundo lugar e sobretudo, quero salientar a importância da acção que os cidadãos desempenham no levantamento e nas manifestações públicas que fazem, posicionando-se contra aquilo que são as imposições de um Governo que, cada vez mais, está alheado dos verdadeiros interesses e problemas das populações.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é tão simples como isto: depois de um ano de levantamentos de situações por equipas técnicas contratadas pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, responsáveis políticos do mesmo Ministério, a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Consumidor, depois de terem uma lista de cerca de 20 locais para eventual localização do aterro de resíduos tóxico-perigosos no norte do País, acabaram por eliminar - certamente, dizem-nos, com base em conhecimento adequado 16 locais dessa lista e ficaram apenas quatro locais em todo o território nacional, ou seja, a lista restrita que foi anunciada ainda no mês passado pela Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.
Esses quatro locais, se, de facto, houvesse competência técnica e trabalho científico adequado e caso fossem sujeitos a um estudo de impacte ambiental, seriam apenas dois, no Norte, e seria escolhido aquele que tivesse menos impactes no ambiente.
O que acontece, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que, por estranho que pareça, depois de divulgada esta lista restrita, foram simples e comuns cidadãos da localidade de Cardai que descobriram que a localização proposta ficava a menos de 500 m das captações de água para abastecimento humano no distrito de Aveiro. Isto, de facto, demonstra como o Governo actua e a credibilidade que pode ser atribuída àquilo que faz e divulga.
Pela nossa parte, sempre temos dito - e temo-lo afirmado nesta Assembleia, desde 1987, conforme se pode ver nos Diários da Assembleia da República- que é fundamental encontrar uma solução para os tratamento dos resíduos tóxicos em Portugal. Mas a questão que vem sendo colocada é esta: em primeiro lugar, desencadeou-se um processo, abriu-se um concurso público internacional, foi adjudicado o sistema nacional de tratamento de resíduos tóxico-perigosos e, a seguir, a primeira investida do Governo foi a de impor uma incineradora no concelho de Sines. Face à mobilização, aos protestos das populações e à falta de argumentos credíveis para fazer impor esta incineradora, o Governo recuou. E agora foi a Sr.ª Ministra mudaram os dirigentes do Ministério, entraram outros - que desencadeou todo este processo, reconhecendo os erros cometidos no anterior.
O que criticamos é o facto de estarmos perante uma situação em que já não é credível qualquer proposta que venha a sair deste Governo. Agora, face a este exemplo concreto que hoje aqui temos, quais são as populações que vão aceitar que seja neste ou naquele local instalado um aterro ou uma incineradora? Nenhuma! Porque, até agora, não há credibilidade técnica nem científica, como devia haver, nas propostas do Governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro de Almeida.
O Sr. Casimiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, sinto-me satisfeitíssimo por este problema estar a ser hoje aqui debatido na Assembleia da República porque isso significa que o PSD e o Governo enfrentam um problema para o qual todos os outros políticos deste país, até agora, tiveram falta de coragem para o fazer.
Neste momento e por este facto, encontro a seguinte situação: não sou um ambientalista conhecido, com certeza, mas vivi, no meu concelho de Oliveira de Azeméis, um problema algo semelhante, que tinha a ver com o aterro sanitário, em que, infelizmente, o PS se envolveu mas que hoje está resolvido a contento das populações. Com isto, quero dizer que a abordagem fácil, que é feita, do problema não tem outra intenção senão amedrontar as populações, criar fantasmas que não existem e, portanto, impedir que as coisas avancem.
Felizmente, queremos deixar de estar na cauda da Europa, queremos deixar de ser um Magreb ou um Norte de África, como o Sr. Deputado Carlos Candal insinuou e, portanto, temos de enfrentar este problema.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado Carlos Candal se sabe que, em países evoluídos da Europa e do mundo, em capitais europeias, existem instalações deste tipo lado a lado com urbanizações, com hotéis, com restaurantes, sem qualquer preocupação das populações. Pergunto também que soluções preconiza para os problemas do ambiente em Portugal.
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Pergunto ainda se quer que Portugal seja um pais europeu, em que os cidadãos tenham qualidade de vida, ou se quer que o País continue a ser um pais do Terceiro Mundo.
Por outro lado e embora também já tenha sido referido, repito esta pergunta: acredita mesmo e definitivamente que não há solução para o problema do lixo em Portugal? Prefere que, em vez de se arranjarem quatro ou cinco soluções nacionais, tenhamos milhões de situações de lixeiras? Na verdade, o grande problema do lixo existe, neste momento e temos de o resolver.
Pergunto ainda o seguinte: em determinados assuntos, o PS desafia o Governo e o partido, dizendo que não avançamos nem modernizamos o nosso país, mas, noutros aspectos, o PS entende que devemos continuar na cauda da Europa, sem resolução para os nossos problemas. Assim, gostaria que o Sr. Deputado Carlos Candal preconizasse uma solução para o problema do ambiente em Portugal, e, mais, que nos dissesse, se alguma vez o PS fosse governo, o que espero que nunca aconteça, que soluções preconizaria?
Se o Sr. Deputado Carlos Candal está tão preocupado com este problema, se este problema é tão importante para V. Ex.ª, porque não o encarou há mais tempo, no âmbito da Assembleia da República ou noutro, no âmbito das suas funções, porque, tanto quanto sei, é um Deputado que está nesta Assembleia desde a primeira hora?
Por último, queria dizer ainda o seguinte: alguns de nós, políticos, são os responsáveis por termos hoje as galerias cheias e isto porque incutimos no espírito destas pessoas que este é um problema grave! Eu estou com eles, na medida em que lhes foram inculcadas determinadas resistências; simplesmente, a responsabilidade é nossa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nossa, não! É do PS! É dos organizadores da excursão!
O Orador: - Isto é um assunto de interesse nacional e não devia ser politizado como está a ser, neste caso, pelo PS, o maior partido da oposição e que deveria, ao lado do PSD e do Governo, ajudar a encontrar soluções e não a politizar este problema.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida, também para pedir esclarecimentos.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, como Deputado eleito pelo distrito de Coimbra, queria exprimir a minha solidariedade ao meu colega de bancada Carlos Candal pelo facto de ter trazido aqui, hoje, este problema, porque, de em dois concelhos limítrofes com o distrito de Aveiro, nomeadamente o de Mira e o de Cantanhede, têm chegado vozes de grande preocupação através dos seus autarcas, designadamente dos respectivos presidentes de câmara, e esta é uma situação que se coloca.
Contrariamente ao que se tem dito aqui, que o meu colega de bancada Carlos Candal colocou esta questão em termos ligeiros, queria dizer que ligeiro e irresponsável é quem afirma que assim é! O Sr. Deputado Carlos Candal colocou uma questão que é de profunda gravidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É! Por isso, colocou-a ligeiramente!
O Orador: - Num país e com um governo que permite que, da Suíça, venham escórias de alumínio, ou seja, um produto que é rejeitado nos países civilizados, e que este seja transportado por camiões e depositado - há bem pouco tempo- em Setúbal; num país e com um governo que permite que sejam despejados de avioneta e à «pazada» pesticidas no Baixo Mondego; num país e com um governo que permite que seja afundado um navio...
Vozes do PSD: - Isso já foi explicado!
O Orador; - ...que, para além de material explosivo, contém outros materiais de uma gravidade incomensurável,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... cujos reflexos no futuro não se conseguem avaliar; num país e com um governo que não tem um estudo feito dos lençóis aquíferos nem sabe as consequências a médio prazo, para não dizer a longo prazo, da lexiviação de todos estes produtos que estão em degradação a céu aberto; num país e com um governo que não tem cuidado nem resposta...
O Sr. Silva Marques (PSD): - V. Ex.ª é que não dá resposta!
O Orador: - ... acerca de quais as consequências a médio prazo e para o futuro da entrada na cadeia alimentar de todo este tipo de produtos, é muito natural que os portugueses atentos, conscientes, se interroguem sobre um problema gravíssimo!
O Sr. Silva Marques (PSD): - V. Ex.ª é que não tem rrespostas!
O Orador: - De facto, esta situação, pela forma como tem chegado a informação através dos seus autarcas, neste caso concreto, os presidente das Câmaras de Cantanhede e de Mira, suscita preocupações evidentes, porque não se conhecem quais as consequências da colocação desta estacão de tratamento em áreas que estão perto de populações e, ainda por cima, das fontes, de áreas de captação de água.
Por isso, é importante ser colocada esta questão neste local.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Importante, é!
O Orador: - Isto também demonstra outra coisa: é que, com alguma ligeireza e, neste caso, grande preocupação para todos nós, estes estudos, se é que os há, são feitos de uma forma pouco profunda e pouco científica - senão, haveria respostas claras para todas estas interrogações, e elas não existem! Escondem-se, tenta-se até, às vezes, comprar consciências!
O Sr. Silva Marques (PSD): - V. Ex.ª já leu o estudo? O estudo ainda não está completo; como é que pode falar no estudo?
O Orador: - Por isso, Sr. Deputado Carlos Candal, quero exprimir-lhe a minha solidariedade para com a sua intervenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal, o seu discurso tem sido aqui classificado
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de ligeiro e de fácil. V. Ex.ª vai-me desculpar mas vou chamar às coisas pelo seu próprio nome: o discurso de V. Ex.ª foi uma peça da maior demagogia que nós temos ouvido aqui, neste Parlamento!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É um discurso demagógico e é muito mais do que fácil e ligeiro!
Protestos do PS.
V. Ex.ª naturalmente que fez esse discurso apoiado pelas galerias, falando muito mais para as galerias do que para o Parlamento, do que para os Deputados. E apoiou-se nisso, dizendo que é gente da sua terra!
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, quero dizer a todos os Deputados desta Câmara que a gente da nossa tetra são todos os portugueses. A minha terra é Portugal! E nós somos Deputados representativos da Nação!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nós somos, Sr. Deputado - para evitar esses discursos demagógicos -, titulares de um órgão de soberania do Estado português, portanto, nestas questões nacionais, temos de ter uma postura de Estado. Os, Deputados, para serem respeitados, para não fazerem os discursos fáceis e demagógicos, têm de ser homens de Estado, de facto, para serem dignificados, para dignificarem p Parlamento. Porque aquilo que V. Ex.ª fez aqui, é pôr em dificuldades, naturalmente, o Governo - que é a sue obrigação como Deputado da oposição - e depois ainda foi ali para cima dizer que não ia fazer um discurso partidário! V. Ex.ª foi-se pôr numa posição supra-partidária e isso é grave! Isso é um embuste, desculpe que lhe diga, mas é um embuste da sua parte, é o máximo da demagogia o que V. Ex.ª foi ali fazer!
Mas quero perguntar-lhe o seguinte: V. Ex.ª tem de fundamentar aqui as suas insinuações e as suas suspeitas ao meio universitário, à Universidade da sua terra e aos universitários da Universidade Nova de Lisboa. Porque é que disse que eles eram dependentes, que eram mercenários, que tinham as consciências hipotecadas? V. Ex.ª tem de dizer aqui, frente ao Parlamento e frente às pessoas, porque é que eles não são sérios e quem é que não é sério! V. Ex.ª tem de fundamentar aquilo que aqui disse, neste Parlamento.
Aplausos do PSD.
Já aqui foi perguntado: Sr. Deputado, indique uma solução! Para um problema nacional, não é para um problema local! Indique uma solução: para onde?
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Para Boliqueime!
O Orador: - Não tem uma!
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Tenho, e já disse: para Boliqueime!
O Orador: - V. Ex.ª tocou aqui em questões de ambiente, em questões que todos nós sabemos que são de grande melindre. E deu-nos aqui a imagem perfeitíssima de como o PS nunca espera ser governo! Porque, se V. Ex.ª esperasse que o PS fosse governo no futuro, o senhor tinha mais «tento na língua», tinha mais contenção verbal, e pensaria no futuro.
Vozes do PSD:- Exactamente! É isso mesmo!
O Orador: - Mas não pensou, porque pensa que o PS não tem condições para ser governo!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal, a questão que hoje trouxe aqui ao Parlamento - o problema dos resíduos tóxico-perigosos de origem predominantemente industrial - é uma das grandes questões nacionais. E a primeira coisa que entendo que deveria ser dita aqui a respeito desse problema é que ele existe há muitos anos e está hoje a atingir uma fase de rotura. Devemos dizê-lo com humildade, porque nós, agentes dos partidos políticos responsáveis no sistema político português, temos estado ausentes desta questão, que é um problema de agressão continuada à saúde pública e à integridade das pessoas, o que foi já aflorado no pedido de esclarecimento do Deputado João Rui de Almeida.
É evidente que as pessoas não estão informadas, mas a deposição selvagem ou não controlada de resíduos tóxico-perigosos um pouco por todo o País é, em si mesmo, o maior problema. E a primeira censura que um Deputado deve fazer é relativa a todos nós, membros de todos os partidos, porque há muitos anos estamos ausentes deste problema. Em particular, uma censura para quem nos governa há bastantes anos - governa-nos isoladamente há nove anos -, pois só quando o problema atinge uma fase de rotura, sabe-se lá porque razões, avança com um esquema aparentemente resolutivo da questão. Será porque só agora começam a chover em Portugal fundos de origem europeia, que é preciso aproveitar, que se faz à pressa, em poucos meses, aquilo que deveria ser feito em anos, ou seja, um plano de disposição final dos resíduos tóxico-perigosos de origem industrial?
O Governo distribuiu hoje aos diferentes partidos, em sede de Comissão, o seu plano para o ambiente e esse plano, a certa altura, fala da criação de um sistema centralizado para disposição final apropriada dos resíduos industriais - pela primeira vez, o Governo apresenta um plano. E, mais à frente, na rubrica «calendário de execução», diz-se que os objectivos estabelecidos serão alcançados até o ano 2000. É possivelmente muito tarde para a saúde pública portuguesa e para muitos cidadãos já afectados por este problema.
Falou-se aqui também em universidades e em estudos avançados. Devo dizer que a Comissão de Coordenação Regional da Região Centro, em que está integrada a maior parte do distrito de Aveiro, foi solicitada para fazer um estudo sobre a resolução do problema dos resíduos tóxico-perigosos na região centro e encarregou a Universidade de Coimbra de o fazer. Após uns meses de elaboração, a Universidade de Coimbra chegou à seguinte conclusão: não às centrais incineradoras. E fez a recomendação de que se utilizassem aterros para a resolução do problema à escala regional, admitindo para a escala nacional a solução de uma central, mas em interrogação, dado que o grande problema das centrais incineradoras de grande escala é o de estas se tornarem depositárias dos resíduos à escala internacional.
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Quero chamar a atenção dos Srs. Deputados - este é um problema importante - para uma das maiores mafias, se não a maior, que hoje se estabeleceu a nível internacional: a mafia da deposição final dos resíduos tóxicos. Já coloquei esta questão, aqui neste Plenário, à Sr.ª Ministra do Ambiente e pedi-lhe garantias de que esses resíduos tóxicos, originados nos países industriais - e Portugal não é um país industrial -, não viessem a ser tratados em Portugal. A Sr.ª Ministra respondeu-me que o Governo tinha decidido que tal não aconteceria, mas devo dizer com franqueza que não fiquei munido das garantias necessárias, porque a inércia e a pressão internacional para que esses resíduos sejam exportados dos países industriais para outros sítios é muito grande. Por essa razão, quero cumprimentar o Sr. Deputado Carlos Candal por ter trazido aqui este problema, em nome do seu distrito.
Quero igualmente chamar a vossa atenção para o problema nacional que temos e que precisa de ser resolvido, sublinhando que devemos manifestar abertura relativamente à sua resolução técnica e política e, ao mesmo tempo, censurar o partido majoritário que, há nove anos, governa sozinho e que agora acordou, à pressa, para este problema, não dando garantias aos cidadãos.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal, que dispõe de cinco minutos para o fazer.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, agradeço todas as intervenções feitas, mesmo as que foram menos elegantes. Nem todos os Srs. Deputados conseguem dizer apenas aquilo que têm intenção de dizer e, por vezes, descomandam-se verbalmente. Mas eu tenho uma grande tolerância vou à televisão ao «Perdoa-me»! -, nomeadamente em relação ao Sr. Deputado Filipe Abreu, que disse que eu estava a lançar aqui um embuste. V. Ex.ª terá de ver o que isso é e admito que não o saiba, porque, de contrário, tinha de me melindrar e eu, zangado, sou muito «chato». Só que não vale a pena zangarmo-nos, porque sei que o Sr. Deputado é uma pessoa muito bem intencionada e que, portanto, não teve a intenção de ser agressivo para comigo, até porque não o mereço.
Agora, o que também não mereço é que me empurrem. Sou «maior e vacinado», ando nisto da política há muito tempo, antes e depois do 25 de Abril, e só vou para onde quero! Não vim aqui falar em nome do PS, mas como Deputado por Aveiro, que, por acaso, é do PS. Não vim aqui fazer críticas ao Governo - pelo menos, directas - e não me deixo também empurrar contra o Governo, por uma razão simples: embora me chamem leviano e insensato, tenho a noção das realidades. É evidente que partidarizar este problema é desfalcar a solidariedade que as populações têm tido na defesa local dos seus interesses.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!
O Orador: - E, antes da demagogia da caça ao voto, interesso-me, substantivamente, pela defesa das expectativas e direitos das populações.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Ainda bem que está a entrar no bom caminho!
O Orador: - Só que, Sr. Deputado Silva Marques, o meu caminho tem sido sempre o mesmo e linear.
O Sr. Deputado Manuel Queiró, sensatamente, diz que este problema está a entrar numa fase de rotura e que todos somos culpados dele. Certo! Mas, então, assumamos todos as culpas e, conjuntamente, sem a tal demagogia que não quis fazer - tenho a minha maneira de ser e de intervir e o estilo é o homem -, entendamo-nos para soluções de interesse nacional. Aveiro não quer ser mais do que qualquer outro sítio, mas o que também não quer é ser menos! E não o será! Entendamo-nos, discutamos e solucionemos os problemas com as técnicas modernas.
Aplausos do PS.
O Orador: - Já falei aqui e certamente que muitos dos Srs. Deputados nunca ouviram falar nisso - eu também não tinha ouvido antes de estudar - na bio-remediação. Honestamente, qual de VV. Ex.ªs é que já ouviu falar nisso? Quem é que já ouviu falar na - tenho aqui uma cábula, porque o nome é esquisito - pirólise de plasma? Quantos de VV.º já ouviram falar nisto? São as técnicas modernas de tratamento dos lixos tóxicos, venenosos e mortais - e nem são caras.
O Sr. Deputado Casimiro de Almeida faz uma confusão que o Sr. Deputado Olinto Ravara também fez e continua a fazer. Ontem, tive oportunidade de me explicar, só que ou me expliquei mal ou Sua Excelência não entendeu. O Sr. Deputado Casimiro de Almeida diz que já viu instalações deste tipo ao lado de refeitórios e parques de lazer e o Sr. Deputado Olinto Ravara faz a mesma confusão e ainda não aprendeu: estes aterros não são aterros de cascas de batata e de talos de couve, daqueles restos que se davam, com sua licença, ao porco, nos tempos de outrora! Estes são outros. Estes são mortais! São perigosos! São irreversíveis e perduram por gerações! Contaminam por quilómetros! Entenderam, Srs. Deputados?! Não volto a explicar-lhes!
O Sr. Deputado Casimiro de Almeida falou também do problema do aterro de Oliveira de Azeméis. V. Ex.ª andou por lá, por sinal, eu não trouxe o problema aqui porque não tinha dimensão parlamentar, mas interferi nisso. E V. Ex.ª não sabe, mas fica agora saber que alguns dos textos que andou por lá a discutir e a aprovar foram feitos por mim no meu escritório, gratuitamente, numa perspectiva conciliadora dos interesses em jogo e numa perspectiva de remediação e de paz. Só que não era um problema nacional, era um problema pontual e local.
O Sr. Silva Marques (PSD). - Muito bem!
O Orador: - Quanto à insinuação de que os técnicos da Universidade de Aveiro são corruptos, quero dizer o seguinte: em 1955, fiz parte de uma comissão, constituída pela Sr.ª D. Ermelinda Damas, pelo Professor Orlando de Oliveira e por mim próprio, que fez o primeiro estudo para a implantação de uma Universidade em Aveiro - era eu então caloiro em Direito, já lá vão muitos anos.
Por isso, é evidente que sou a favor da Universidade de Aveiro, que quero a Universidade de Aveiro na minha terra, que gosto do fomento e do desenvolvimento da Universidade de Aveiro, só que isso não quer dizer que não seja crítico e que não tenha reservas, não contra a instituição, mas concretamente contra professores da Universidade de Aveiro e diga que há, em Portugal, uma preocupante promiscuidade entre a inteligência universitária, os políticos de acção e os grandes negociantes dos interesses comerciais económicos.
Essa é a minha reserva e ninguém me desminta porque, senão, cito nomes, dou exemplos e faço denúncias! Há
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muito dinheiro envolvido neste negócio dos lixos - é o negócio do século - e os grandes lucros fomentam a corrupção, o compadrio, a subalternidade e o fechar de olhos, também a professores universitários, que são mal pagos. Não são intocáveis os professores universitários.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nem os Deputados!
O Orador: - E têm a seu favor apenas uma presunção. Em relação a Aveiro, a minha suspeição não é contra a Universidade, nem pessoalmente contra ninguém. Decorre desta coisa singela: dos estudos que estão a ser feitos pela Universidade Nova, a Universidade de Coimbra foi excluída porque não servia a dar pareceres negativos, como já tinha dado! Os estudos estão a ser feitos por intercâmbio entre a Universidade Nova e a Universidade de Aveiro - a incineradora por Aveiro e o aterro pela Universidade Nova -, que trocam informações. Mas, Srs. Deputados, não será legítima a minha reserva, a minha preocupação e a minha suspeição quando o Chefe de Departamento do Ambiente da Universidade de Aveiro é o próprio Professor Carlos Borrego, que está atascado nisto até ao pescoço?! Por bem, mas está. Não é legítima a minha suspeição?! Tenho visto gente ingénua ser levada - e não é ò> caso - e ser corrompida em todas as classes! Do pé descalço à gravata, ao smoking e à casaca! Há corrupção e compadrio em todos os países, em todas as épocas e a todos os níveis.
Relativamente à questão de haver desconhecimento por parte das populações daquilo que as espera, quero dizer que o que se passa é exactamente o contrário: as populações começam a ter conhecimento daquilo que as esperaria se este projecto fosse à vista.
Quanto à questão da ausência de política nesta matéria, teremos de a definir. E comece-se agora, porque ainda vai a tempo Não se porfie em caminhos errados e não se mantenham os trilhos, porque já se viu que não serão, porventura, os mais correctos.
Em relação à questão das compras de terrenos a mando do Ministério, a OPCA deu de barato que tinha o Ministério empalmado - não o Ministro, mas os técnicos. Anda a comprar terrenos desde 1991 e, quando o Sr. Deputado quiser, trago-lhe 61 contratos escritos de compra de terras, baratinhas porque foi numa altura em que ainda não se sabia que aquilo valia dinheiro.
E acabo, Srs. Deputados, dizendo que não sou responsável pelas políticas do meu partido.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É co-responsável.
O Orador: - Pertenço à Comissão Política e, quando for responsável pelo meu partido - o que algum dia pode acontecer, porque, em política, tanto posso ser militante de base como quadro responsável -, quando eu quiser assumir a responsabilidade pelo meu partido, assumo e digo aqui que estou nessa condição. Sou socialista, mas estou aqui como homem de bem, como cidadão preocupado e como representante de todo o país, mas, também e sobretudo, como representante da gente da minha terra. Agradeço-lhe, Sr. Presidente, a tolerância e a amabilidade que teve em relação aos excessos de tempo, em violação do Regimento, mas o assunto merece-o e a presença de tanta gente justifica esta forma soberana de democracia parlamentar.
Aplausos do PS.
Neste momento registaram-se aplausos do público presente nas galerias.
O Sr. Presidente: - Peço às pessoas que se manifestaram o favor de se retirarem.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 18 horas.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o período de ordem do dia. O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Deputado independente Luís Fazenda, por um período não inferior a 45 dias, com início em 17 de Novembro corrente, inclusive, pelo Deputado do PCP Paulo Trindade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares deu seguimento a um pedido da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste relacionado com a passagem do 3.º aniversário do massacre de Santa Cruz, que, aliás, já aqui foi devidamente destacada na véspera desse aniversário, na passada sexta-feira.
Esta Comissão elaborou um projecto de resolução, que vou ler, dando depois um tempo mínimo a cada grupo parlamentar que pretenda pronunciar-se em complemento do que já disse na passada sexta-feira, após o que farei circular esta tomada de posição formal da Assembleia da República, se vier a ser aprovada, pela comunidade internacional.
O projecto de resolução n.º 132/VI é do seguinte teor:
Quando ocorre o 3.º aniversário do massacre de Santa Cruz e o povo de Timor Leste, particularmente, a juventude, se manifesta corajosamente contra a ocupação do seu território pela Indonésia.
A Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste tem a honra de apresentar o seguinte projecto de resolução:
Reunido aos 16 de Novembro de 1994, o Plenário da Assembleia da República:
1 - Repudia firmemente a ocupação de Timor Leste pela Indonésia e os crimes que as respectivas autoridades policiais e militares vêm sistematicamente cometendo sobre os patriotas desse território heróico e mártir;
2 - Lamenta que perdure o clima de terror e repressão que os cidadãos timorenses vêm suportando há já tantos anos - inconformados e insubmissos;
3 - E chama de novo a atenção da comunidade internacional para o inalienável direito do povo de Timor Leste à autodeterminação - que a Constituição da República Portuguesa expressamente prevê e os portugueses sufragam;
4 - Em particular, condena firmemente as graves violações dos Direitos do Homem perpetradas em Timor Leste;
5 - E exige a libertação de todos os presos políticos timorenses, especialmente do Comandante Xanana Gusmão;
Este é o texto da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste que foi agendado para
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este momento, por concordância unânime, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Para usar da palavra sobre este assunto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal, presidente em exercício da referida Comissão.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou usar da palavra não exactamente nessa condição mas em representação do PS, porque este texto é consensual, faz o lugar geométrico das posturas políticas dos vários partidos.
O PS congratula-se por mais um avanço na luta do povo timorense, recente, para o qual muito contribuiu a comunicação social internacional, particularmente a americana, ao ter tomado conhecimento do problema e ser um factor de divulgação do drama vivido pelo povo heróico de Timor Leste. Talvez seja um dos mais importantes momentos de divulgação da questão pelo mundo fora, particularmente nos EUA, que continua a ser um país decisivo para a resolução das situações de subalternidade e tirania - nem todas, valha a verdade, mas de muitas! - por esse mundo fora.
Nós, socialistas, acreditamos que algum dia o povo de Timor será livre e dirigirá os seus interesses, será dono das suas ribeiras e lagos, da sua caça, dos seus costumes, da sua religião, da sua língua, do futuro dos seus filhos. Acreditamos nisso! Não sabemos quando, os próprios timorenses não sabem quando, mas lutam. Algum dia será. Tenho a certeza! Porque a História ensina que pode demorar séculos mas as causas justas dos povos, em defesa da sua identidade e da sua liberdade, acabam por triunfar e receber consagração.
É esta, aliás, a esperança de todos os portugueses, pela amizade e pelo amor que temos ao povo de Timor. Estamos solidários. E este Parlamento, com a ajuda forte e o empenhamento do seu Presidente, vai realizar este ano a Conferência Interparlamentar sobre Timor Leste, que é um projecto que tem seis ou sete anos e vai ser um momento alto de exteriorização das nossas preocupações a nível institucional, não só do Presidente da República e do Primeiro-Ministro mas também do Parlamento. Vai ser um momento alto!
Até lá, em especial o PS, num comunicado recente, datado de anteontem, adianta uma ideia nova que deve passar ao cardápio das nossas reivindicações e reclamações e que é esta: a de que seja conseguido instalar em Timor um observatório das Nações Unidas. É um «Ovo de Colombo»! Solidariamente, esqueçam-se aqueles que tiverem excesso de partidarismos de que a ideia é do PS: deve ser uma proposta acolhida e perfilhada comummente por todos os partidos. Aliás, penso que pode dar bons frutos se conseguirmos que a Indonésia, abrindo como vai ter de abrir, aceite esta institucionalização de um observador residente das Nações Unidas em Timor Leste. Seria interessante!
Aguardemos ao lado dos timorenses que têm sido, compreensivelmente, uns grandes lutadores pela liberdade da sua pátria, pela defesa da sua cultura, pelo acautelar do seu próprio futuro de homens livres, ao lado da Igreja Católica. E tenho o gosto, eu, que não sou crente, de fazer este sublinhado porque é objectivo e é histórico o papel da Igreja Católica a favor de Timor, em linhas gerais e, particularmente da Igreja local, que tem sido e continuará a ser decisivo e imprescindível para a defesa dos direitos humanos e políticos dos timorenses.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na semana passada, ao recordarmos nesta Casa o 3.º aniversário do massacre de Santa Cruz, a homenagem ao heroísmo do povo maubere coincidiu, a nível nacional, com manifestações ingénuas de esperança numa evolução positiva da política timorense da Indonésia.
Aos que acreditam na sinceridade das autoridades de Jacarta e na boa vontade dos negociadores indonésios, os acontecimentos trouxeram rápida resposta.
Os ocupantes voltaram a mostrar quem são, o que pretendem e o que pensam dos direitos humanos. Timor Leste voltou esta semana a ser uma terra assolada pela violência. A ausência de informações credíveis não permite avaliar com um mínimo de rigor as proporções e efeitos da onda de repressão em curso. Sabe-se, entretanto, que, pelo menos, um timorense foi assassinado, que o seu corpo, retirado num helicóptero, não pôde ser sepultado, e sabe-se também que houve dezenas de feridos e mais de uma centena de prisões.
Desta vez não houve tiros porque a onda de vandalismo coincidiu com a realização da Conferência da APEC, ou seja, da Cooperação dos Países da área Ásia-Pacífico. A repetição de uma chacina como a de Santa Cruz teria consequências devastadoras para a Indonésia, no momento em que os chefes dos Estados da APEC estão reunidos em Bogor.
Houve quem ficasse decepcionado com a frouxa reacção do Presidente Clinton, limitando-se a afirmar que o povo de Timor Leste deve participar mais no debate sobre os seus próprios problemas.
Não fiquei surpreendido. Por um lado, o Presidente dos EUA nunca manifestou interesse especial pela causa de Timor Leste; por outro lado, os lobbies indonésios funcionaram intensamente nos EUA na véspera da Conferência da APEC. É significativo que o New York Times, o grande diário que desde 1992 vinha incluindo a defesa do direito à autodeterminação do povo maubere nos editoriais dedicados ao tema de Timor, tenha agora assumido uma posição recuada e tímida. Esqueceu a autodeterminação para citar apenas os direitos humanos e sindicais num texto inócuo, quase reverenciai para a Indonésia. Visivelmente, não quer criar embaraços ao presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguns órgãos de comunicação social mostram-se impressionados com uma ambígua declaração do presidente Suharto produzida numa conferência de imprensa. O ditador indonésio - a braços com movimentos secessionistas e com uma contestação global cada vez mais forte - fez apenas uma vaga alusão a uma futura conferência para debate da questão de Timor. Com 29 timorenses refugiados na Embaixada americana, em Jacarta, e com o povo de Díli nas ruas, sobretudo, a juventude, a exigir liberdade, protestando contra a ocupação pela força do país, o general Suharto não poderia logicamente deixar de aflorar o tema de Timor.
Disse, porém, sobre o assunto o menos possível, sem assumir qualquer compromisso.
Tudo dependerá, obviamente, das pressões externas, nomeadamente dos EUA e da força da solidariedade internacional.
Mas não há motivos para acreditar que a actual Administração norte-americana esteja disposta a rever a sua decisão - tomada em desafio a resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU - de considerar a anexação de Timor um facto consumado.
Sr. Presidente, sejamos realistas. Romper o diálogo com a Indonésia seria uma atitude emocional da parte de Portu-
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gal. Prejudicaria o povo maubere. Mas os acontecimentos destes dias em Timor Leste exigem reflexão, envolvem ensinamentos que devemos ter presentes. O Ministro Ali Ala-tas insiste muito na necessidade de serem tomadas medidas que criem um clima de confiança entre a parte portuguesa e a Indonésia. Até agora Jacarta apenas tem feito demagogia. E nos últimos dias, a onda de violência que se abateu sobre o povo maubere vale por uma confirmação de que se não pode confiar na palavra dos representantes da Indonésia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP apoia naturalmente o projecto de resolução que vai ser submetido a votação do Plenário. Ao fazê-lo, prestamos, mais uma vez, comovida homenagem à luta tenaz do povo maubere. Quem, em condições tão terríveis, de privação das liberdades sabe bater-se com tamanha coragem, com heroísmo tão puro, está vocacionado, cedo ou tarde, para recuperar o direito de construir como sujeito da História, o seu próprio futuro.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em meu nome pessoal e em nome do PSD, saudar e enaltecer a luta heróica e determinada do povo de Timor Leste, com particular destaque para a sua juventude.
Isso ficou mais uma vez patente, nestes últimos dias, na passagem do 3.º aniversário do massacre do Cemitério de Santa Cruz, em Díli, com a manifestação da população de Timor contra o invasor. A ocupação militar do território de Timor Leste por parte da Indonésia é uma violação flagrante do direito internacional claramente condenada por resoluções da ONU. O genocídio físico e cultural do povo de Timor Leste perpetrado pela Indonésia é dramático í profundamente condenável. A ocupação de Timor pela Indonésia e a violação grave e sistemática dos direitos humanos dos timorenses pela ditadura militar indonésia já dura há tempo demais, cerca de 20 anos. É mais que tempo de dizer basta e de pôr fim à invasão e ocupação por parte da Indonésia!
A comunidade internacional, com particular destaque para os países livres democráticos e defensores dos Direitos do Homem, deve intensificar a pressão política e diplomática para que a Indonésia abandone Timor Leste e seja permitido ao seu povo exercer o seu direito inalienável à autodeterminação que Portugal e os portugueses, desde sempre, vêm defendendo.
Esperamos e defendemos ainda a libertação urgente de todos os presos políticos timorenses, a começar pelo comandante Xanana Gusmão, para que possa participar no encontro de uma solução que liberte Timor Leste e o seu povo. O drama de Timor Leste é um problema, felizmente, cada vez mais vivo e presente na consciência nacional e internacional. Há, pois, que envidar todos os esforços, pela comunidade internacional, para se encontrar uma solução digna e aceitável para a questão de Timor Leste, para que o seu povo possa usufruir, num futuro próximo, da liberdade, do respeito pelos Direitos do Homem, e ser senhor do seu desuno.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assim, o Grupo Parlamentar do PSD subscreveu e vai aprovar este projecto da resolução para manifestar, mais uma vez, a posição inequívoca de solidariedade activa para com o povo de Timor Leste;, por parte dos representantes legítimos do povo português.
(O Orador reviu).
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de resolução que todos subscrevemos e, hoje, vamos votar, culminando o processo que iniciámos no dia 11 de Novembro quando todos os partidos referiram aqui a história do massacre de Santa Cruz, representa verdadeiramente uma pequena vitória.
Em primeiro lugar, entre 11 de Novembro e hoje, passaram-se dois ou três acontecimentos que não podemos deixar de sublinhar. Meras coincidências, talvez! Mas certamente que há uma pressão forte que se deve ao povo português, aos seus legítimos órgãos de soberania. Não fôssemos nós a trazer sempre, em todas as instâncias, em todas as nossas visitas, em todo o lado onde se deslocam os Deputados, os Ministros, o Presidente da República, as chamadas de atenção para a causa de Timor e, com certeza, que esta estaria definitivamente enterrada, como tantas outras causas o foram ao longo dos últimos 20 ou 30 anos.
Dissemos várias vezes que Timor não era uma causa perdida. Perante a incompreensão, dias após dias, nós guardámos esta chama viva. E hoje podemos congratularmo-nos com duas declarações que ouvimos nas últimas horas.
Em primeiro lugar, a declaração do presidente Clinton dizendo claramente, na própria Indonésia, em Bogor, que a atitude da América para com a Indonésia passava pelo respeito dos direitos humanos em Timor Leste. Não nos parece que esta tomada de posição seja uma mera figura de retórica na medida em que o Sr. Presidente Clinton não tinha obrigação de o fazer, pois já tinha dito que os rapazes que estavam na sua embaixada em Jacarta seriam bem tratados e que compreendia o que eles queriam dizer. Mas dar um passo em frente e dizer claramente que, doravante, os Estados Unidos da América estariam atentos à defesa dos direitos humanos do povo de Timor e que a ajuda dos EUA à Indonésia ficaria dependente deste respeito, já é um salto qualitativo na política externa dos Estados Unidos da América.
É um pequeno passo, talvez, mas é um passo significativo que nós não podemos deixar de saudar. E ao mesmo tempo saudar a resistência timorense, saudar Xanana Gusmão e seus representantes no exterior e, principalmente e acima de tudo, saudar e apoiar os jovens que em Jacarta, em Bogor, em Sidney, em Lisboa, em todo o lado, trazem consigo o estandarte da resistência de Timor. Para estes jovens vai a nossa palavra, vai o nosso aplauso, vai a nossa solidariedade e queremos dizer-lhes, aqui na Assembleia da República, que os acompanharemos até à vitória final.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Subscrevi esta oportuna resolução e, a propósito, direi que a atitude do Governo da Indonésia em relação a Timor Leste assenta, como todos sabemos, na violação do Direito Internacional, no desrespeito pelas resoluções das Nações Unidas, na continuada onda repressiva sobre o povo timorense que tantas vidas já custou.
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No entanto, isso não obsta a que os timorenses continuem a dar provas de uma resistência heróica nunca se submetendo ao jugo militarista e torturante de um regime que só se impõe utilizando a força e a opressão, tantas e tantas vezes silenciada pela comunidade política internacional. Mas, a pouco e pouco, a opinião pública mundial está a ser sensibilizada pelo horror da tragédia que a Indonésia persiste em fazer abater sobre aquele território. Não se pode aceitar mais uma situação injusta sobre o povo de Timor. Perante a situação aterrorizadora não se pode tolerar, por mais tempo, que um regime como o do general Suharto continue a ocupar ilegalmente o território, a massacrar, a torturar, a fazer desaparecer timorenses que têm o direito de escolher livremente o seu destino, têm direito à sua autodeterminação. A comunidade internacional, que aqui já foi referida, os Estados membros da ONU devem ser permanentemente alertados para este problema de forma a que sejam forçados, alguns deles, a quebrarem o silêncio comprometedor e não crítico em relação à Indonésia. O povo de Timor exige e tem o direito à sua liberdade.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República tem vindo sucessivamente, como lhe compete e é seu dever, a tomar posições públicas e frontais sobre a situação que se vive em Timor Leste depois da invasão indonésia. Na última sexta-feira e a propósito da passagem de dois anos sobre o massacre de Santa Cruz, a Assembleia da República e todos os partidos aqui representados, puderam expressar a sua posição sobre esta situação inadmissível de submissão de um povo e da negação do seu direito à autodeterminação e fez um apelo ao respeito pelos direitos humanos em Timor Leste.
Entretanto decorreram em Timor e na Indonésia novas manifestações que demonstram o valor e a importância da luta do povo de Timor na defesa dos valores que nós aqui também temos sublinhado. Assim, em nosso entender, justifica-se este projecto de resolução- por isso subscrevemos - que é mais uma tomada de posição e uma afirmação da Assembleia da República junto das instâncias internacionais para que sejam respeitados os direitos humanos em Timor Leste e para que o povo de Timor possa decidir sobre o seu direito à autodeterminação.
Pensamos que esta iniciativa é bem vinda e há que apoiá-la.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 132/VI, que foi abordado nas intervenções que acabaram de ser produzidas.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Aplausos gerais, de pé.
Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, o projecto de lei n.º 295/VI - Direitos dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em território sobre administração portuguesa (João Corregedor da Fonseca).
Este projecto tem como relator o Sr. Deputado Correia Afonso, que não usará da palavra nessa qualidade mas como elemento da bancada do PSD.
Tem a palavra, para a apresentação do projecto, o seu autor, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os terríveis efeitos provocados pela invasão indonésia em Timor, há praticamente vinte anos, fazem-se sentir sobre o martirizado povo timorense, vítima de um verdadeiro genocídio que já custou centenas de milhar de vidas, assistindo-se, ainda, a uma continuada repressão moral e física dos naturais daquele território que resistem e que lutam contra a barbárie militarista que lá se instalou, em clara violação do direito internacional e das resoluções das Nações Unidas.
Nunca é demais recordar os abusos sistemáticos, as constantes violações dos direitos humanos, as torturas e perseguições que durante estas duas décadas se abateram tragicamente em Timor Leste, como nos últimos dias aconteceu. É uma atitude consciente do poder indonésio que, não o devemos omitir, beneficiou de uma certa conivência silenciosa da comunidade internacional como, aliás, assinala uma publicação recente da Amnistia Internacional.
As consequências sobre o povo de Timor são evidentes. Mas outros problemas se verificam e se agravam no que diz respeito a antigos funcionários que integravam a Administração Portuguesa em Timor Leste e que desde então pretendem, muito justamente, ver reconhecidos os seus legítimos direitos. Viveram e vivem estes cidadãos um drama de que ainda não se conseguiram libertar. Foram obrigados pela Indonésia a permanecer em Timor como verdadeiros prisioneiros-reféns, sujeitos ao regime opressor. Alguns ainda lá permanecem sem poderem sair daquele território.
Os que conseguiram chegar a Portugal, principalmente a partir de 1980 depois de múltiplos esforços com o apoio da Cruz Vermelha Internacional, têm deparado com grandes dificuldades para regularizar a sua situação sabendo-se, embora, que vários casos foram solucionados. No entanto, algumas centenas desses trabalhadores não obtiveram, ainda, aquilo que apelidam de «recuperação dos vínculos pelos funcionários e agentes da Administração Pública Portuguesa e a devida reintegração nos Serviços Públicos».
Com o projecto de lei que apresento e defendo proponho-me concorrer para resolução de uma situação que poderemos classificar como discriminatória, discriminação essa fruto das circunstâncias ocorridas. Não se coloca aqui qualquer problema de nacionalidade - Timor não acedeu à independência - como não se coloca qualquer dificuldade quanto à relação que esses funcionários mantinham com a Administração Pública Portuguesa a quem estavam vinculados.
A situação é, de certo modo, complexa, mas tem solução desde que legislação adequada - como é o caso - venha a ser aprovada. Trata-se de uma iniciativa que visa repor, no nosso Portugal democrático, a justiça social que o bom senso político recomenda. Dir-se-ia, Srs. Deputados, que o Estado português aprovou legislação apropriada, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 294/76 que criou o Quadro Geral de Adidos, que visava integrar o pessoal excedentário regressado a Portugal e que trabalhava na Administração Colonial Portuguesa, para posterior integração nos serviços ou para aposentação.
O Quadro Geral de Adidos abrangia excedentes de pessoal vinculados ao Estado e Corpos Administrativos do Ultramar antes de 22 de Janeiro de 1975, desde que nessa data tivessem um ano de serviço ininterrupto. O ingresso desses funcionários no Quadro Geral de Adidos processava-se, normalmente, com a categoria que possuíam no ser-
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viço de origem Através do Decreto-Lei n.º 356/77, de 31 de Agosto, foi reconhecido o direito ao ingresso nesse quadro aos funcionários do Estado e da Administração de Timor. No entanto, o Quadro Geral de Adidos foi extinto em 1984 pelo Decreto-lei n.º 42/84, de 3 de Fevereiro, que criou em sua substituição o Quadro de Efectivos Interdepartamentais (QEI) no qual eram integrados os excedentes que não fossem colocados em serviços públicos nem passassem obrigatoriamente à aposentação.
Convém recordar que até 30 de Dezembro de 1976 foi instalado em Lisboa o Gabinete de Timor, criado em 1975, para onde eram canalizados, em comissão de serviço, os funcionários que chegavam daquele território. Com. a extinção do Gabinete, estes trabalhadores foram obrigados a ingressar, no prazo de 30 dias, no Quadro Geral de Adidos, nos termos do Decreto-Lei n.º 294/76. É a partir desta altura que passam, embora perdendo alguns direitos, a ter idêntica situação dos funcionários da Administração Pública que vinham de África. Isto, contudo, não solucionou o problema.
O Decreto-Lei n.º 420/85 reconheceu aos funcionários de Timor o direito de ingresso no Quadro de Efectivos Interdepartamentais. No entanto, os que só chegaram a Portugal em data posterior à da entrada em vigor deste diploma tinham de requerer o seu ingresso no Quadro de Efectivos Interdepartamentais no prazo de 60 dias sob pena de indeferimento do pedido.
Assim, os que não cumpriram esse prazo ou que não preenchessem os requisitos legais (um ano de serviço efectivo, como nomeados ou contratados dos quadros, e residirem em Portugal) não ingressaram no Quadro de Efectivos Interdepartamentais. Muitos não o fizeram e é preciso, Srs. Deputados, recuar 10, 15 ou 20 anos para se imaginar das dificuldades e problemas criados à população timorense e a centenas de trabalhadores portugueses de várias categorias, com vínculo à Administração Pública - efectivos, contratados ou assalariados eventuais (alguns eventuais com dezenas de anos de serviço) - muitos dos quais fugiram daquele território para a Austrália ou para Macau, sem documentação, nem meios de subsistência!
A verdade é que poucos conseguiram ser integrados na Direcção-Geral da Administração Pública. Não se fez um levantamento adequado dos funcionários com capacidade de serem abrangidos, embora a União dos Refugiados de Timor, que pugna pela defesa dos interesses de todos os que vieram para Portugal, tenha elaborado uma lista que atinge cerca de 300 antigos funcionários portugueses de Timor.
Passados estes anos, são grandes e marcantes os dramas vividos por estes nossos conterrâneos, primeiro, sob a ocupação ilegal e bárbara da dique militarista indonésia, depois, noutras paragens, como a Austrália, e finalmente entre nós, sem apoios, sem emprego, sem habitação condigna - há quem viva em más condições em pobres residenciais.
Muitos morreram sem verem satisfeito um direito que lhes assistia, outros conseguiram solucionar, embora precariamente, os seus problemas. Mas a maioria continua a ser discriminada.
São problemas humanos que a Assembleia da República não pode nem quer ignorar, principalmente nesta data em que se comemora uma tragédia como a que ocorreu no cemitério de Santa Cruz.
É necessário aprovar uma lei que possibilite a solução deste problema, que afecta, dramaticamente, centenas de famílias. Daí, o projecto de lei que apresento e no qual estou aberto a introduzir alterações que visem a sua melhoria, nomeadamente no que diz respeito aos assalariados eventuais.
Na minha iniciativa legislativa e da Intervenção Democrática-ID, mantêm-se, desde logo, todos os direitos que os ligavam à Administração Pública, aos funcionários e aos agentes do Estado, independentemente da natureza do seu vínculo, bem como a contagem de tempo de serviço desde l de Agosto de 1975, já que o último vencimento que receberam foi o de Julho desse ano, até à data de apresentação na respectiva repartição.
Por ser uma medida que nos parece justa, propõe-se também que à categoria profissional que então detinham sejam posicionadas duas categorias e a atribuição de uma bonificação, para efeitos de aposentação, a título de compensação pelo risco de permanência em zona de guerra e do impedimento forçado ao prosseguimento normal das suas carreiras.
A pretensão é justa e a existência de um quadro legal que impeça a continuação deste tipo de discriminação evitará mais sofrimento.
Este é um assunto que não pode, e não deve, ser apreciado friamente por aqueles que gostam de impor métodos burocráticos ou tecnocráticos que não se compadecem com mais atrasos ou com dificuldades acrescidas. E o Estado tem, na nossa opinião, a obrigação de pôr termo a este problema.
Julgamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o projecto de lei de que sou autor é consensual. E numa altura em que a problemática de Timor volta a entristecer-nos devido a novas arbitrariedades da força opressora indonésia, que volta a matar, que insiste em reprimir a livre vontade dos timorenses, será muito oportuno que a Assembleia da República aprove uma lei solidária com cidadãos que em Timor labutavam, exercendo funções de uma maneira geral úteis, que por Timor sofreram, que por Timor ainda sofrem.
(O Orador reviu.)
Aplausos gerais.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que estamos agora a debater foi objecto, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de parecer do qual eu fui o relator.
A primeira questão que esta iniciativa legislativa então suscitou foi a da adequação da sua designação ao próprio conteúdo do projecto de lei.
O texto referia, como título, na sua face, o seguinte: «Direitos dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em territórios sob administração portuguesa».
A designação é imprecisa e difusa. Há que esclarecê-la e torná-la exacta.
Foram muitos os territórios que, no passado, estiveram sob a administração portuguesa.
O projecto de lei em debate não abrange todos esses territórios. Dirige-se apenas aos funcionários e agentes do Estado que prestaram serviço em Timor.
É preciso que fique muito claro que este projecto de lei se dirige apenas àqueles que prestaram serviço em Timor Leste.
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As analogias neste caso serão ilegítimas.
Primeiro, porque Timor é, de todos esses antigos territórios que estiveram sob a administração portuguesa, o único que ainda aguarda o fim do processo de descolonização.
Depois, porque essa situação, se outros factos não existissem - e existem -, seria bastante para justificar as especificidades do caso dos funcionários e agentes timorenses.
Uma outra questão que o projecto de lei traz ao Parlamento é a relação de Timor e do seu povo com Portugal.
Timor seria hoje uma referência mítica para todos os portugueses se a história dos seus últimos 20 anos não tivesse sido uma sucessão trágica de actos de opressão e de genocídio, praticados pelas forças armadas da Indonésia.
Pouco a pouco, quase ao sabor das grandes conferências e cumplicidades- como acontece agora em Djakarta - a opinião pública internacional vai despertando para o que se passa em Timor, cujo povo martirizado não tem merecido a devida atenção às Nações Unidas.
O projecto de lei suscita ainda a questão da natureza do território de Timor e do seu povo em termos de direito público internacional e interno.
Antes de 1974, como todos se recordam, Timor Leste era para Portugal território português, primeiro como colónia e, depois de 1951, como província ultramarina.
Externamente, as Nações Unidas haviam declarado, em 1960, que Timor e suas dependências, bem como todas as restantes colónias portuguesas, eram territórios não autónomos, sem governo próprio.
Assim, se olharmos para trás na História, verificaremos que, enquanto no direito interno português Timor era território nacional, em termos internacionais Timor Leste era território não autónomo, sem governo próprio.
Portugal, para as Nações Unidas, era a potência administrante, isto é, tinha a responsabilidade de, em paz, segurança e com respeito pela cultura desses povos, assegurar o seu progresso político, económico, social e educacional.
Tinha ainda, entre outras, a responsabilidade de promover a capacidade desses povos a autogovernarem-se.
Todos os outros territórios não autónomos - e foram muitos -, Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, declararam a sua independência, assumiram o seu autogoverno e nacionalidade própria.
Não aconteceu isso com Timor.
Este território, o de Timor, foi brutalmente invadido e ocupado pelas forças armadas indonésias em finais de 1975.
A comunidade internacional, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, decidiu então, logo a seguir, deplorar a intervenção das forças militares da Indonésia e pediu a sua retirada, para - e estou a citar - que o povo timorense pudesse exercer, livremente, o seu direito à autodeterminação e à independência.
Isto não aconteceu. Tudo ficou na mesma.
A situação que ainda hoje se mantém - e é a mesma, como disse - pode, portanto, sintetizar-se no seguinte: primeiro, temos um território não autónomo (Timor Leste e o respectivo povo timorense) sem governo próprio; segundo, temos o Estado indonésio em oposição à comunidade internacional, porque, pela força, violou a integridade territorial e os direitos humanos do povo de Timor, impedindo, assim, que este exercesse o seu direito fundamental à autodeterminação e à independência; terceiro, temos Portugal, que continua a ser, internacionalmente, a potência administrante, com as obrigações que daí decorrem na defesa dos interesses e da cultura do povo administrado, o povo timorense, mas, paradoxalmente, Portugal não tem relação directa no território com o povo timorense; quarto, finalmente, temos as Nações Unidas, que têm a obrigação - que não tem cumprido, é preciso dizê-lo -, decorrente da Carta, concretamente do artigo 75.º, de estabelecer, sob a sua autoridade, um sistema internacional de tutela para a administração e fiscalização dos territórios não autónomos, como é o caso de Timor Leste.
É neste enquadramento, Srs. Deputados, que se situa o projecto de lei n.º 295/VI, que agora estamos a debater. É uma matéria que nos obriga a ser muito claros e frontais, em que a coerência na decisão é fundamental.
Timor não é independente, não tem autogoverno e os timorenses não têm nacionalidade própria.
O caso dos timorenses é, portanto, claramente diferente do dos naturais das outras antigas colónias portuguesas, que são hoje Estados independentes, com nacionalidade que ofereceram aos seus cidadãos.
Esta situação faz surgir, naturalmente, uma outra problemática: a da nacionalidade dos timorenses.
Os naturais de Timor Leste, que eram portugueses em 1974, continuaram portugueses depois.
Não obstante a invasão e a ocupação pelos indonésios, os timorenses mantiveram a nacionalidade portuguesa?
A resposta não pode ser equívoca: estavam ao serviço da administração portuguesa, em território então constitucionalmente português e eram filhos, então, de portugueses.
Serão portugueses? Mantemos a pergunta.
Tudo aponta para que sim. A resposta muito clara que deixo aqui é a de que são portugueses estes funcionários e agentes do Estado que prestaram serviço a Portugal, nessa época remota, no território de Timor.
A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portugal não é como certos países, que distinguem a nacionalidade da cidadania, com vários graus para cada uma.
Na verdade, Srs. Deputados, como sabem, existem Estados que têm nacionalidades reduzidas e cidadanias restritas, nacionalidade sem cidadania, cidadania sem direito ao voto e sem direito a residência, etc. etc. As combinações são muitas.
Portugal, felizmente, não está no número desses Estados.
Timor não é um Estado independente, os seus naturais não tem nacionalidade própria, os timorenses são nacionais portugueses, com uma nacionalidade que não é reduzida. Devem, portanto, ter o tratamento que o projecto lhes atribui e que, digo-o já, vamos aprovar na generalidade.
Na especialidade terão de ser feitos alguns ajustamentos que permitam uma melhor adequação entre a vontade da Câmara e a realidade orçamental.
Sei, e creio que devo dizê-lo, neste momento, que o próprio Ministro das Finanças se propõe contribuir, na especialidade, para este desiderato.
Esta iniciativa legislativa parte do pressuposto de que funcionários e agentes timorenses foram duplamente impedidos de exercer as suas funções. Primeiro, porque, no local, as estruturas da Administração Pública portuguesa foram desmontadas pelas forças indonésias. Segundo, porque ficaram retidos na ilha, só tendo conseguido apresentar-se em Portugal vários anos depois.
O projecto dirige-se, assim, aos timorenses que- isto deve ficar claro, sem equívocos - são cidadãos portugueses; foram, em Timor Leste, até l de Agosto de 1975, funcionários e agentes do Estado português; e se apresentaram, em Portugal, à Administração Pública.
Para terminar, Srs. Deputados, quero apenas acrescentar o seguinte: este projecto de lei é um acto de justiça e, creio
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poder dizê-lo, dignifica o Parlamento português. Mas não só, Srs. Deputados. Este projecto é, principalmente, o reconhecimento de direitos fundamentais dos timorenses, como pessoas.
Por isso, votaremos a favor, na generalidade.
(O Orador reviu).
Aplausos do PSD, do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia Afonso, ouvi-o muito atentamente, como tive o prazer de ler o seu longo parecer sobre este projecto de lei, que demonstra, com clareza, um paciente trabalho de pesquisa e uma profunda preocupação perante um problema que a todos nos afecta, como ficou patente na sua intervenção.
Segundo me apercebi, algumas questões poderão ser levantadas no debate na especialidade, até porque V. Ex.ª fez várias referências importantes, como o problema da cidadania e da nacionalidade.
Estes funcionários não estavam apenas ao serviço da Administração portuguesa mas também ao serviço da soberania portuguesa. Eram portugueses. Há sempre a possibilidade de recorrer ao estatuto do funcionário ultramarino, como então se chamava, e facilmente se ultrapassarão certas questões.
V Ex.ª referiu que o PSD vai aprovar este projecto de lei, na generalidade, e que o Sr. Ministro das Finanças também tem interesse em concorrer para a sua aprovação, apresentando, talvez, algumas propostas de alteração. Ora, é sobre esta questão processual que lhe quero pedir um esclarecimento, Sr. Deputado.
Se este projecto de lei não for aprovado antes da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1995, deparar-se-á com gravíssimas dificuldades para a lei poder entrar em vigor a partir do dia l de Janeiro de 1995. Este projecto de lei não e novo, já o apresentei há cerca de um ano e meio para que pudesse entrar em vigor em Janeiro de 1994, o que não foi possível. Agora é possível.
Lembro esta questão, porque a baixa à comissão do projecto de lei, para debate na especialidade, deveria ser agendada muito rapidamente, de forma a que a votação final global, em Plenário, se efectue antes da aprovação da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1995.
(O Orador reviu).
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr Deputado João Corregedor da Fonseca, agradeço as palavras que me dirigiu. Já por diversas vezes trocámos impressões sobre este assunto e identificamo-nos no interesse que esta matéria nos merece.
Creio que - e nisso estou de acordo com o Sr. Deputado- este diploma só terá efeito útil se tiver reflexos ou tradução no Orçamento do Estado, de forma a entrar em vigor em l ou 2 de Janeiro de 1995. É esse o sentido que tenho imprimido a este diploma e é isso que até agora me tem sido permitido vislumbrar. Como o Sr. Deputado sabe, sou um simples elemento de uma bancada numerosa. Julgo que este diploma será efectivamente acabado, em termos de debate na especialidade, antes de terminada a discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado, de forma a reflectir-se nela. A minha esperança é que, em Janeiro, este diploma entre em vigor.
Sr. Deputado, como é do seu conhecimento, esta matéria é muito complexa. Procurei «varrer» algumas das questões mais complicadas, mas há ainda muitas outras, mais concretas, algumas orçamentais e outras de Direito Administrativo, que dizem respeito ao estatuto dos funcionários. Tudo isto é complicado e merece que todos nos debrucemos com ponderação e esforço positivo para resolver o assunto.
(O Orador reviu).
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.
O Sr. Paulo Trindade (PCP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através do projecto de lei n.º 295/VI, da iniciativa do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, visa-se colmatar lacunas jurídicas existentes no quadro legal que regularizou a situação dos funcionários e agentes vinculados à Administração Pública portuguesa nas antigas colónias.
Efectivamente, os funcionários e agentes da Administração Pública portuguesa que exerceram as suas funções em Timor Leste, território abusiva e ilegalmente ocupado pela Indonésia, em flagrante violação das normas do Direito Internacional, não tiveram condições objectivas para usufruir do quadro legal que contemplou os que exerceram as suas funções na generalidade das restantes antigas colónias portuguesas.
A brutal ocupação militar de Timor Leste por parte do regime ditatorial indonésio, ao impedir o exercício do direito à autodeterminação e à independência do povo de Timor, denegou a funcionários e agentes da Administração Pública portuguesa a possibilidade de usufruírem do quadro legal instituído, visando dar resposta às situações decorrentes do processo de descolonização. Inclusive, em violação das mais elementares normas do Direito Internacional, o povo de Timor Leste ainda hoje não pode exercer o seu direito à autodeterminação e independência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados- Tal como se explicita no preâmbulo do projecto de lei em discussão nesta Câmara, uma percentagem apreciável dos funcionários e agentes da Administração Pública portuguesa em Timor Leste esteve sujeita a uma situação em que eram reténs e/ou prisioneiros, decorrente da ocupação militar do respectivo território.
O quadro factual a que foram remetidos esses funcionários e agentes é, assim, substancialmente diferente do verificado nas colónias onde foi possível exercer o direito à autodeterminação e independência, devendo esse facto ser tido em conta quanto ao respectivo enquadramento legal.
Daí a pertinência do objecto do projecto de lei em discussão, que visa colmatar injustiças relativas, quer em termos de posicionamentos de carreiras, quer em termos de aposentações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a situação dramática, mas também heróica, que ainda hoje se vive em Timor Leste, envolvendo o silêncio cúmplice ou a hipocrisia de potências e individualidades que fazem dos direitos humanos um valor sujeito à cotação do dólar, e perante os factos ocorridos nos últimos dias em Timor Leste, seria fácil associar mecanicamente o objecto do projecto de lei n.º 295/VI
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a um acto de solidariedade da Assembleia da República Portuguesa para com o martirizado povo de Timor.
O Grupo Parlamentar do PCP considera que a Assembleia da República tem o dever de expressar a sua solidariedade para com o povo de Timor Leste, para com a sua luta pelo exercício do direito à autodeterminação e independência, condenando a abusiva, brutal e ilegal ocupação militar da ditadura indonésia. Para tal expressão de solidariedade, não faltam razões e oportunidades adequadas, que esta Assembleia deve aproveitar de forma exaustiva- e, aliás, nesse sentido nos pronunciámos sobre o projecto de resolução que, anteriormente, acabámos de discutir e aprovar.
Porém, do que aqui agora se trata de debater e analisar é uma iniciativa legislativa, que, tendo em conta um quadro factual específico e concreto, visa respeitar o direito à dignidade de cidadãos que exerceram funções públicas na Administração Pública portuguesa no território de Timor.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que está em causa para o Grupo Parlamentar do PCP é uma iniciativa legislativa que visa repor a equidade relativamente a um conjunto de cidadãos que exerceram funções públicas na Administração Pública portuguesa em diversas colónias. Porque a equidade e o respeito pela dignidade profissional dos trabalhadores são valores com afirmação própria e forçosamente têm de sobrepor-se a eventuais apuros técnicos de articulado, o Grupo Parlamentar do PCP manifesta o seu apoio à iniciativa legislativa em debate e considera que a votação final global deve ocorrer o mais rapidamente possível, de forma a que a chamada «lei-travão» não atrase a solução deste problema por mais um ano, o que acontecerá caso a votação não seja feita antes da aprovação da proposta de lei de orçamento do Estado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Pelo consenso que verificamos existir nesta Câmara quanto ao objecto central do diploma em discussão, o PCP tudo fará para que questões de pormenor não protelem a resolução de um problema cuja importância ninguém põe em causa.
Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção sobre o projecto de lei em discussão, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que, nesta tribuna, exprima a nossa profunda indignação e preocupação quanto aos acontecimentos ocorridos nestes últimos dias em Timor Leste.
Reafirmamos a nossa condenação, firme e enérgica, às repetidas violações dos mais elementares direitos humanos por parte do invasor e ocupante indonésio, que persiste em negar, pela força e pela violência, o direito inalienável do povo de Timor ao exercício da sua palavra soberana, na livre escolha do seu destino.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Exprimimos, uma vez mais - tal como o fizemos já hoje, aquando da discussão e votação do projecto de resolução n.º 132/VI -, a nossa profunda solidariedade para com os timorenses e a sua luta, bem como a nossa total disponibilidade para, com eles e com os diversos meios disponíveis, participarmos activamente, a seu lado, numa luta que é comum.
É, aliás, neste quadro de referência global de solidariedade e de justiça que se enquadra a postura do PS quanto ao projecto de lei n.º 295/VI, hoje em discussão.
Este projecto de lei resulta, como sabemos, de uma petição apresentada à Assembleia da República pela União de Refugiados de Timor, referente aos trabalhadores que, naquele território, prestaram serviço à Administração Pública portuguesa, petição essa que aqui foi versada em projecto de lei pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Diga-se, desde já - como, aliás, já foi referido pelo Sr. Deputado Correia Afonso -, que, ao contrário da designação genérica deste projecto, é apenas e só rigorosamente a estes cidadãos e não a cidadãos oriundos de outros territórios, como Angola ou Moçambique, que este diploma se aplica e aos quais se destina.
Aquela petição de que falei, já discutida em Plenário em Janeiro passado, foi objecto de manifestações convergentes das mais diversas bancadas parlamentares, no sentido da legitimidade e do acolhimento genérico das pretensões enunciadas pelos subscritores dessa petição.
O presente projecto de lei retoma, agora em proposta normativa, o essencial das pretensões desses cidadãos e, por isso, colherá, naturalmente, a disposição e a votação favorável do PS.
Na verdade, facultar a reintegração na Administração Pública portuguesa dos funcionários e agentes que prestaram serviço em Timor Leste parece-nos ser um acto de mera e elementar justiça num país que teve, aliás, capacidade para receber e regularizar a situação de milhares e milhares de cidadãos regressados de territórios que foram de administração portuguesa e, hoje, são países independentes.
Acontece que o conjunto de pretensões relativa aos funcionários e agentes ligados aos corpos administrativos de Timor, tomando por referência apenas o actual Regime Jurídico da Função Pública, dificilmente teria acolhimento.
Isto mesmo têm sentido os próprios interessados, que se têm multiplicado em diligências, contactos, requerimentos e petições, sem que se lhes depare a solução efectiva do seu problema.
Como se sabe, a integração do pessoal excedentário resultante da descolonização foi promovido ao abrigo das disposições do Decreto-Lei n.º 294/76, de 24 de Abril, que criou o chamado Quadro Geral de Adidos.
Este quadro abrangia os excedentes de pessoal de agentes vinculados ao Estado e corpos administrativos da Administração Ultramarina, antes de Janeiro de 1975, independentemente de pertencerem, ou não, aos respectivos quadros.
Por via do Decreto-Lei n.º 356/77, foi reconhecido aos funcionários do Estado e corpos administrativos de Timor - expressamente de Timor - o direito ao acesso ao Quadro Geral de Adidos, quadro este que veio a ser extinto em 1984, sendo criado, em sua substituição, o Quadro de Efectivos Interdepartamentais, no qual foram integrados os excedentes que não fossem colocados em serviços públicos nem passassem obrigatoriamente à aposentação.
Hoje, para os funcionários provenientes de Timor, está em vigor o Decreto-Lei n.º 420/85, que estipula das condições para ingresso naquele referido quadro e impõe prazos e requisitos, que, ao que parece, serão pouco compatíveis, ou mesmo inexequíveis, com a situação real daqueles cida-
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dãos, por força de particulares e especiais circunstâncias em que decorreu o seu exercício profissional, primeiro, e a sua saída daquele território e chegada a Portugal, depois.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Parece, assim, óbvio que a integração desses funcionários no Quadro de Efectivos Interdepartamentais só poderá ocorrer por via de medidas legislativas que contemplem, específica e particularmente, essa situação, com todas as inerentes consequências.
É o que se pretende com o projecto de lei em discussão.
Claro que seria útil e de evidente benefício para a articulação final deste diploma que, desde logo, e para algumas matérias que dela serão consequência, dispuséssemos de elementos objectivos quanto a situações de facto, direi mesmo quanto ao conjunto de destinatários reais que, no seu âmbito, este projecto de lei virá a abranger.
Alguns dados de que dispomos permitem-nos pensar que o número total de cidadãos, que foram trabalhadores da administração naquele território, a abranger por este diploma será da ordem dos 300. Importará, pensamos nós, proceder a um levantamento urgente e exaustivo da situação desses trabalhadores, já integrados e mesmo aposentados, dos prejuízos que a situação lhes acarretou e, necessariamente, dos trabalhadores a serem abrangidos por este diploma.
Não repugnará ninguém que, igualmente, se admita que, independentemente da integração ou aposentação a que venham ou não a ter direito, possam ser, eventualmente, atribuídas indemnizações a esses mesmos cidadãos. Assim como creio ser de elementar justiça que não se excluam deste projecto de lei todos aqueles trabalhadores da Administração Pública que a ela se encontravam ligados por vínculo eventual e não apenas os nomeados ou contratados nos quadros. Admite-se que as situações específicas a resolver são, qualquer uma delas, de acentuada diversidade e complexidade, logo de delicado enquadramento legal. Não obstante isso, importa que a justiça se faça. Não estamos perante um mero problema de administração mas, sim, perante uma questão de justiça e de um problema humano de solidariedade real e efectiva, que nos cumpre resolver.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aceitar a legitimidade e a justiça dos objectivos contidos neste projecto de lei não significa dar como resolvido, no seu articulado, estes problemas que justificam a sua apresentação e justificarão a sua aprovação em sede de generalidade. Estamos em crer que da apreciação em sede de especialidade resultarão benfeitorias adequadas e necessárias para que, nos diversos níveis de enquadramento e envolvimento administrativo e orçamental, se mostrem resolvidos os constrangimentos específicos da situação de facto em que assenta esta proposta.
Urge, por isso, isso sim, fazê-lo de forma muito rápida, tanto mais que não se deve ignorar a necessidade do cabimento orçamental para 1995 de algumas destas propostas. Já vai passado tempo demais para que seja razoável uma discussão, nesta Câmara, sobre uma matéria desta natureza que respeita, como todos sabemos, a direitos irrecusáveis e fundamentais destes cidadãos.
O PS manifesta a sua total disponibilidade e, mais do que isso, o seu total empenhamento na resolução deste problema, que é uma obrigação do Estado português perante os seus cidadãos - e esses timorenses são cidadãos portugueses - e que a todos nós, nesta Câmara, cumpre promover.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei hoje em debate, já aqui foi dito por vários oradores que me precederam, é, antes de mais, um acto de justiça. Mas não apenas um acto de justiça, é também um acto de ética política e de gratidão que todos os portugueses devem ter para com aqueles contemplados neste projecto de lei.
Em primeiro lugar, porque a eles devemos a manutenção da bandeira portuguesa nas terras de Timor Leste, enquanto ali permaneceram.
Em segundo lugar, foram eles que, com o seu trabalho, sustentaram não apenas a soberania portuguesa mas o desenvolvimento, por pouco que fosse, daquela terra, hoje mártir.
Em terceiro lugar, seria um enriquecimento sem causa do Estado português aproveitar-se de todo o trabalho, de todo o sacrifício, de todo o suor que eles ali verteram para hoje dizer apenas «obrigado» e não satisfazer as suas obrigações de pagamento de todo esse sacrifício e trabalho. Isto é, não ficaria bem, nenhum português ficaria bem com a sua consciência, se não retribuísse àqueles que efectivamente deram a Portugal e aos portugueses o seu esforço a paga desse mesmo esforço. Todos sabemos que milhares de funcionários ultramarinos vieram para Portugal, após vários tipos de descolonização, e quase todos eles foram integrados nos quadros da Administração portuguesa, bem ou mal, uns melhor outros pior, mas ninguém ficou prejudicado por ter feito parte dos quadros de pessoal das províncias ultramarinas.
O longo, exaustivo e proficiente parecer que o Sr. Deputado Correia Afonso trouxe ao nosso conhecimento é o espaldar suficiente para demonstrar que não devemos ter quaisquer deficiências, quaisquer dúvidas, quaisquer hesitações em aprovar o projecto de lei que está aqui a ser analisado.
Ora, por isso mesmo, e não vou repetir os argumentos já expendidos por parte dos meus colegas de todas as bancadas, e por não se me oferecer qualquer dúvida de que é minha obrigação, de que é obrigação do partido que represento, pagar o serviço, e não só pagar como também agradecer humildemente, como português, tudo quanto esses trabalhadores, esses cidadãos, fizeram por Portugal nas terras longínquas de Timor, representa apenas e unicamente a nossa maneira de ser e o nosso justo tributo pelos serviços que prestaram. Logo, com esta gratidão, com este sentimento de justiça, com esta consciência de um dever cumprido, vamos aprovar na generalidade este projecto de lei.
Ele terá de ser melhorado, aqui e além, na especialidade, por razões já aqui levantadas, e bem, porque da maneira como está o projecto de lei não poderia ser totalmente aceite pelas autoridades que têm de proceder ao pagamento, nomeadamente o Ministério das Finanças. E por isso mesmo faremos todo o possível, tudo o que estiver ao nosso alcance, para que, de forma alguma, estas correcções venham a prejudicar a ideia principal, a ideia madre, contida na generalidade deste diploma e para que este problema seja urgentemente resolvido por forma a todos verem satisfeito o seu direito, por que tanto anseiam há tantos anos, no próximo dia 1 de Janeiro de 1995. Aqui fica o nosso
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compromisso, o nosso voto e o nosso preito de homenagem e gratidão a todos os beneficiados.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate...
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, visto que o autor da iniciativa não se encontra neste momento presente no Plenário, creio que não estão criadas as condições necessárias, porque, caso contrário, se houvesse consenso, poderíamos proceder à votação, na generalidade, deste projecto de lei. É que o tempo urge...
(O Orador reviu).
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, o Plenário é soberano, mas, como sabe, estão agendadas votações para amanhã.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, no seguimento do que disse o Sr. Deputado Correia Afonso, julgo que todos os grupos parlamentares conversaram sobre a eventualidade de estarem de acordo - o que se verifica - para que, no final da discussão, se procedesse à votação do diploma pelas razões que, aliás, foram expressas nas intervenções produzidas. Desta forma, o projecto de lei poderá baixar rapidamente à respectiva comissão em ordem a ser discutido na especialidade e, em tempo útil, ter no Orçamento a devida repercussão.
Julgo, mesmo, que esta atitude será de interesse vital para que o próprio projecto de lei seja exequível em tempo útil, para além da importância de que se reveste para todos nós.
Assim, havendo - como há - consenso por parte de todas as bancadas, proceder-se à sua votação.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, do ponto de vista do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, havendo consenso, é possível realizar-se esta votação.
Damos o nosso consenso e consideramos que é necessário, pelas razões já aduzidas, que esta votação se realize com a maior rapidez possível para que este projecto de lei possa ser aprovado, em votação final global, em momento anterior ao da aprovação do Orçamento do Estado e, depois, não surjam percalços de percurso que ninguém deseja.
O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, também a nossa bancada dá assentimento a esta votação.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, inesperadamente, tive de ausentar-me durante três minutos. Se houver consenso por parte de todas as bancadas, solicito que se proceda imediatamente à votação, na generalidade, deste projecto de lei.
(O Orador reviu).
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 295/VI - Direitos dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em territórios sob administração portuguesa (Deputado independente João Corregedor da Fonseca).
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Luís Fazenda e Manuel Sérgio.
Aplausos gerais.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão da proposta de resolução n.º 79/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Internacional sobre o Cacau, de 1993.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros (Martins Jerónimo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Acordo Internacional sobre o Cacau, que ora se submete a ratificação desta Assembleia, foi adoptado na sequência da quinta sessão da conferência de negociações que decorreu em Genebra, entre 5 e 16 de Julho de 1993, no âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), que sucede, assim, ao anterior acordo de 1986, cujo prazo expirou em 30 de Setembro do referido ano.
O novo acordo permanecerá em vigor até 30 de Setembro de 1999, podendo ser prorrogado por dois períodos, qualquer deles não superior a dois anos. Foi negociado pela Comunidade e seus Estados-membros em conformidade com a posição comum definida pelo Conselho tendo sido objecto de acompanhamento pela missão permanente junto dos organismos internacionais em Genebra e também pelo Ministério do Comércio e Turismo.
A posição comum comunitária determinou a necessidade de assegurar um equilíbrio dos direitos e obrigações de produtores e consumidores, tendo em vista a obtenção de um acordo mais eficaz e flexível numa perspectiva de liberalização do comércio.
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Este acordo tem como pilar fundamental a defesa de uma política de produção a nível mundial destinada a regularizar e corrigir o desequilíbrio estrutural do mercado do cacau. Assim, permito-me destacar os principais objectivos do Acordo, ora objecto de ratificação, consagrados, fundamentalmente, nos artigos 1.º, 28.º e 29.º
Em primeiro lugar, promover o desenvolvimento e o reforço da cooperação internacional em todos os sectores da economia mundial do cacau; em segundo, contribuir para a estabilização do mercado mundial no interesse de todos os seus membros - produtores e consumidores - sendo certo que este objectivo será particularmente alcançado através de ajustamentos da produção, promovendo o consumo de modo a alcançar o equilíbrio, a médio e longo prazos, entre a oferta e a procura, assegurando-se um abastecimento suficiente e regular de modo a encorajar uma produção de qualidade, limitando a utilização de produtos de substituição, e através de um abastecimento suficiente de mercado a preços razoáveis e justos tanto para os produtores como para os consumidores.
Em terceiro lugar, constitui objectivo do Acordo promover a investigação e o desenvolvimento científicos no domínio deste produto e, simultaneamente, assegurar uma gestão sustentável dos recursos tendo em conta os princípios acordados nu Conferência das Nações Unidas para o Ambiente.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: O presente acordo foi já assinado por todos os Estados-membros da União Europeia, incluindo Portugal, pelo que a sua ratificação se impõe necessariamente Acresce, contudo, que há razões nacionais que determinam o particular interesse de Portugal na regularização do mercado do cacau, dado que este constitui matéria-prima de fundamental importância para alguns sectores da nossa indústria transformadora.
Aos motivos referidos, acrescem, igualmente, interesses ligados à nossa política de cooperação com países africanos de língua oficial portuguesa, dos quais me permito destacar a República de S Tomé e Príncipe que, nesta área, se assume como um importante produtor da referida matéria-prima.
Sr Presidente, Srs Deputados: Permito-me sublinhar as principais alterações consagradas no presente acordo e que têm a ver, essencialmente, com a abolição de qualquer cláusula destinada à fixação de um intervalo de variação de preços, assim como de qualquer mecanismo de regulação dos mesmos.
As novas disposições baseiam-se na necessidade de se criarem e respeitarem, por parte dos exportadores, planos de gestão da produção destinados a atingir, a médio e longo prazos, o equilíbrio entre a produção e o consumo a nível mundial. A nova política de produção terá de atender às tendências e perspectivas de consumo, eliminando todos os obstáculos ao seu crescimento.
Sr Presidente, Srs. Deputados: Em suma, e por tudo quanto expus que o Governo entendeu dever propor a esta Assembleia a ratificação do presente acordo internacional.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Falcão.
A Sr.ª Helena Falcão (PSD) - Sr Presidente, Srs Membros do Governo, Srs. Deputados: o Partido Social-Democrata vai votar favoravelmente a proposta de resolução n º 79/VI, que aprova, para ratificação, de Acordo Internacional sobre o Cacau, de 1993.
Este acordo, que substitui o Acordo Internacional de 1986 sobre o Cacau, foi concluído em Genebra, a 16 de Julho de 1993, no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento.
O interesse do presente acordo prende-se com a importância dos seus objectivos ao promover, designadamente, o desenvolvimento e o reforço da cooperação internacional em todos os sectores da economia mundial do cacau e ao contribuir para a estabilização do mercado mundial deste produto. Assim, permite o desenvolvimento harmonioso e a expansão dinâmica da sua economia, facilita os ajustamentos convenientes entre a produção e o consumo, de modo a assegurar, a médio e a longo prazos, o melhor equilíbrio entre a oferta e a procura, ao mesmo tempo que garante um abastecimento suficiente, a preços razoáveis e equitativos, tanto para os produtores como para os consumidores.
Favorece, também, o desenvolvimento do comércio internacional do cacau e uma maior transparência no funcionamento da sua economia a nível mundial, mercê da recolha, análise e divulgação das estatísticas pertinentes, bem como da realização de estudos adequados.
Acresce referir, ainda, o facto de o Acordo promover a investigação e o desenvolvimento científicos no domínio do cacau e providenciar um fórum adequado para o debate de todas as questões relativas à sua economia mundial.
Atendendo aos objectivos que acabei de enunciar, depreende-se que o Acordo em apreço revela-se bastante vantajoso para qualquer das partes contratantes, quer seja um membro exportador, quer seja um membro importador de cacau, como é o caso de Portugal.
Este acordo, que envolve mais de uma centena de países dos diversos continentes e ilhas, possui alguma flexibilidade no seu articulado, estando aberto a novas propostas de adesão de governos de quaisquer Estados, previstas no artigo 54.º.
A Organização Internacional do Cacau, criada pelo Acordo Internacional de 1972 sobre o Cacau, mantém-se na estrutura organizativa e de administração do presente acordo, assegurando o cumprimento das suas disposições e fiscalizando a sua aplicação por intermédio do Conselho Internacional do Cacau e do Comité Executivo.
O artigo 13.º estabelece a cooperação com outras organizações, através do Conselho, que tomará as disposições adequadas para proceder a consultas ou para cooperar com a Organização das Nações Unidas e os seus órgãos, em especial com a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura e com outras agências especializadas das Nações Unidas, bem como com organizações intergovernamentais.
No que concerne à contribuição de cada membro para o orçamento administrativo, considerando que a mesma é proporcional à relação existente entre o número de votos desse membro e o número de votos do conjunto dos membros, compreende-se que o encargo decorrente da nossa adesão ao Acordo não chega a ter qualquer significado, sem contar com os benefícios que advêm para o País, como parte contratante.
Relativamente à produção, será talvez oportuno referir que, para a resolução do problema dos desequilíbrios do mercado a médio e a longo prazos e, em particular, o problema do excesso de produção estrutural, os membros exportadores comprometem-se a respeitar um plano de gestão de produção, elaborado pelos países produtores no âmbito do Comité de Produção, que visa obter um equilíbrio duradouro da produção e do consumo mundiais.
De igual modo, no que respeita ao consumo, o Acordo prevê a instituição de um comité de consumo para analisar
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as tendências e as perspectivas do consumo de cacau, identificando os obstáculos ao aumento desse consumo, tanto nos países exportadores como nos importadores.
Gostaria ainda de fazer uma breve alusão aos Capítulos XIV e XV do Acordo, dada a natureza de que ambos se revestem.
O Capítulo XIV, referente a normas de trabalho equitativas, patenteia uma preocupação de índole social, consignada no artigo 49.º, em que os membros declaram envidar esforços no sentido de manterem normas e condições de trabalho equitativas nos vários ramos de produção de cacau, quer para trabalhadores agrícolas, quer para trabalhadores industriais, visando, com essas medidas, a elevação do nível de vida das populações e a instauração do pleno emprego.
O Capítulo XV, sobre aspectos relativos ao ambiente, refere que será tida em conta a gestão sustentável dos recursos em cacau e da sua transformação, considerando os princípios relativos ao desenvolvimento sustentável, acordados na 8.ª Sessão da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento e na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento.
Por último, tenho a referir que, na vasta relação de países que subscrevem este acordo, se constata a presença da Indonésia, como quinto país produtor de cacau, dispondo-se, deste modo, a cooperar no desenvolvimento da produção e comércio mundiais do cacau.
Pena é que esse país não tenha a mesma postura a outros níveis, designadamente ao recusar-se respeitar os direitos humanos universais, praticando actos bárbaros e indignos da condição humana contra o povo timorense e o seu líder, Xanana Gusmão. Aliás, nestes últimos dias, Djakarta mostrou ao mundo que, para a Indonésia, os valores materiais suplantam a dignidade humana Infelizmente, a situação dramática dos timorenses confirma que, para a Indonésia, o cifrão prevalece aos direitos humanos, que são hoje a base fortalecida da nossa cultura
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Façamos votos de que, num futuro próximo, a Indonésia reconsidere a sua posição, abandonando de vez tal procedimento, reprovável a todos os títulos, que, em pleno dealbar do século XXI, envergonha o mundo e a humanidade.
O Sr. Marques da Costa (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Assim, a leitura e análise do presente acordo, de que abordei aqui alguns aspectos, permite-nos concluir que o mesmo reúne condições de satisfazer os objectivos em si propostos e daí a razão do nosso apoio
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.
O Sr Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs Deputados, Sr. Subsecretário de Estado- O Grupo Parlamentar do PCP aprovará a proposta de resolução n.º 79/VI, relativa à ratificação do Acordo Internacional sobre o Cacau, de 1993.
Este acordo não difere, pelo espírito, de outros similares concluídos no âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, cujo papel, em consequência de políticas que não cabe aqui analisar, tem sido progressivamente subalternizado em benefício da hegemonia do GATT. Estamos perante um acordo útil cujos objectivos merecem o nosso apoio. Sena muito positivo que este acordo contribuísse para a estabilização do mercado mundial, garantindo preços equilibrados aos produtores e aos consumidores. Devemos, porém, ser realistas.
Acordos deste tipo não podem ser dissociados das estratégias globais que têm impedido a concretização da chamada nova parceria para o desenvolvimento, tal como foi definida pelo Compromisso de Cartagena. Por outras palavras, o intercâmbio desigual continua e continuará, através de mecanismos de fixação de preços, a condicionar decisivamente a produção e o comércio de matérias-primas nos países não desenvolvidos.
O caso do cacau é, aliás, particularmente expressivo. Trata-se de um produto que exemplifica bem o funcionamento da engrenagem que preside ao relacionamento entre os países industrializados do Norte e os países agro-exportadores do Sul.
No início do século, quando o Império Britânico era ainda pólo e motor do comercio mundial, os preços do cacau, como os de outros produtos tropicais, eram estabelecidos de acordo com os interesses ingleses, com excepção dos da banana. Ou seja, até depois da II Guerra Mundial, a actual República de Ghana, então a colónia da Costa do Ouro, tornou-se o primeiro produtor e exportador mundial de cacau. Os preços das lavas do produto, elevadíssimos, contribuíram também para o apogeu do ciclo do cacau, no Brasil, imortalizado em alguns dos mais belos romances de Jorge Amado. Não há exagero na afirmação de que o Sul da Baía, de São Jorge dos Ilhéus a Itabuna, foi modelado pela expansão do cacau As grandes roças de São Tomé surgiram já no final dessa fase.
Com a descolonização e as mudanças estruturais que ela provocou na posse e uso da terra, sobretudo na Costa Ocidental de África, os preços do cacau caíram vertiginosamente.
Srs. Deputados, o Acordo que apreciamos informa que o Comité Executivo do Acordo Internacional do Cacau acompanha atentamente a evolução do mercado, preocupado com o equilíbrio entre a oferta e a procura e com a necessidade de evitar problemas a médio e longo prazos, nomeadamente os desequilíbrios que poderiam resultar da superprodução estrutural.
Fica claro, entretanto, que o preço das favas de cacau continuará a ser decidido nos eseuros jogos de interesses das bolsas de Londres e Nova Iorque. O esforço e a vontade dos plantadores da África, da América Latina, da Ásia Oriental e Pacífico terão, não obstante a existência do Acordo, muito menos influência nos preços do que as manobras especulativas desenvolvidas nas duas principais praças financeiras da América e da Europa.
Por ironia da História, o Remo Unido, outrora o grande impulsionador do consumo e dos preços altos do cacau - quando o Ghana era colónia de Sua Majestade -, aparece agora a defender a produção de chocolates que incluam pouco ou nenhum cacau.
O Grupo Parlamentar do PCP. que, repito, votará pela ratificação, aproveita a oportunidade para denunciar, uma vez mais, como ficcional a falsa ajuda do Norte ao Sul, por mais belas que sejam as palavras que envolvem essa retórica.
As consequências do intercâmbio desigual, que de ano para ano assinalam o empobrecimento crescente de países não desenvolvidos do Sul. emergem como um dos problemas mais angustiantes e graves que a humanidade enfrenta na viragem para o século XXI.
As flutuações dos preços do café e do cacau, decididas sobretudo nos sórdidos jogos das bolsas, têm contribuído para
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a ruína de milhares de plantadores e a miséria de milhões de famílias, em África, na América Latina e na Ásia Oriental.
O Acordo que vamos ratificar e positivo, mas não vai pôr termo à engrenagem existente. Neste momento, acode-me à memória que 1/4 da população mundial vegeta - no Sul - na miséria absoluta e que 1,1 milhões de pessoas, segundo estatísticas das Nações Unidas, têm um rendimento inferior a um dólar
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Costa
O Sr. Marques da Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs Deputados, Srs. Secretários de Estado. Em matéria tão consensual e em hora tão tardia, aconselha-se a síntese e faz-se o apelo a uma explicitação rápida da intenção de voto do Partido Socialista.
O Acordo que temos perante nós para discussão tem três virtualidades que me parecem particularmente relevantes e que aconselham, naturalmente, o Partido Socialista a dar-lhe o seu voto favorável. A primeira delas é a tentativa, nem sempre fácil, de regulação da oferta e da procura, criando mecanismos - consagrados, aliás, já nas versões anteriores do presente acordo - para o efeito e que procuram estabelecer um nível de preços no mercado internacional.
O segundo aspecto que me parece importante realçar - e que, aliás, já aqui foi referido pelo Sr Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros - tem a ver com a importância que a matéria-prima que estamos aqui a discutir tem para uma parte da indústria transformadora nacional.
Por fim, o terceiro aspecto que me parece relevante prende-se, naturalmente, com uma parte da política de cooperação portuguesa, a que, aliás, alguns sectores do empresariado nacional estão associados, relacionada com a República de S. Tomé e Príncipe.
A União Europeia, no seu conjunto, é signatária do presente acordo, tal como Portugal, pelo que a sua ratificação constitui uma necessidade para o País, o que, aliás, vem dar resposta a um eixo de desenvolvimento da nossa política externa que me parece corresponder a um desígnio nacional.
Neste sentido, a bancada do Partido Socialista de, naturalmente, o voto favorável à ratificação deste acordo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto é aquilo a que chamo uma intervenção tabelar. De facto, depois de ouvir todos os meus Colegas, de diferentes bancadas, não resta a menor dúvida de que esta proposta de resolução não deve merecer qualquer oposição.
Por isso mesmo, o CDS-PP votará a favor, apenas esperando que o cacau comece a entrar, o mais cedo possível, no nosso país.
O Sr Presidente: - Não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate da proposta de resolução n º 79/VI.
Srs Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e, para além do período de antes da ordem do dia, que inclui o debate de urgência sobre política de combate à corrupção, requerido por todos os grupos parlamentares e pelo Governo, terá como ordem dia a eleição de dois membros, indicados pelo Partido Socialista, respectivamente, para o Conselho Superior da Magistratura e para o Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários, bem como a apreciação da proposta de resolução n º 66/VI - Aprova, para ratificação, o Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa- e do projecto de resolução n º 113/VI - Constituição de uma comissão eventual para avaliação e análise da situação no Douro (PSD, PS, PCP e CDS-PP) Proceder-se-á ainda a votações, nos termos regimentais.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos
Rectificação ao n.º 9, de 5 de Novembro
Na pág. 296, 2.1 cl., I. 40, onde se lê «retirando o exemplo da função de saúde» deve ler-se «retendo o exemplo da função de saúde»
Na pág. 297, 1.ª cl., 1. 1. onde se lê «e passa-se o que existe» deve ler-se «e passa-se o mesmo que existe»
Também na pág. 297, 1.ª cl.. 1. 7, onde se lê «com uma subfunção» deve ler-se «como uma subfunção».
Ainda na pág. 297, 1.1 cl., 1. 43, onde se lê «onde se destingue claramente» deve ler-se «onde se distinguem claramente».
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António Esteves Morgado.
António José Barradas Leitão.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João José Pedreira de Matos
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda
José Guilherme Reis Leite.
José Macário Custódio Correia.
José Pereira Lopes.
Luís Carlos David Nobre.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS)
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Fernandes da Silva Braga.
António Poppe Lopes Cardoso.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
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José Eduardo dos Reis.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Luís Filipe Marques Amado.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP)
aria da Conceição Seixas de Almeida.
Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados.
Partido Social-Democrata (PSD).
Adérito Manuel Soares Campos
Américo de Sequeira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Maria Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo
Mário Jorge Belo Maciel.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Enrico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
Júlio Francisco Miranda Calha.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
Deputado independente:
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.
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