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Sexta-feira, 18 de Novembro de 1994
I Série - Número 14
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE NOVEMBRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5 minutos.
Em período de antes da ordem do dia, e ao abrigo do artigo 77 º do Regimento, procedeu-se a um debate de urgência, requerido por todos os grupos parlamentares e pelo Governo, sobre política de combate à corrupção, no qual intervieram, a diverso título, além do Sr Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio), os Srs Deputados Luís Sá (PCP), Costa Andrade e Guilherme Silva (PSD), Alberto Marins {PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Manuel Sérgio (Indep), António Filipe (PCP), Manuel Alegre (PS), Odete Santos (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), João Corregedor da Fonseca (Indep ), Manuel Queiró (CDS-PP), Almeida Santos e Jaime Gama (PS), Alberto Costa (PS) e Silva Marques e Miguel Macedo (PSD).
Entretanto, deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros e foi eleito um membro indicado pelo PS, para o Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários.
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antera da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Maneei da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Cosia de Macedo e Silva.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Lima.
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Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 458/VI - Comparticipação do Estado no custo dos medicamentos dos trabalhadores e pensionistas da indústria de lanifícios (PS), que baixou à 9.ª Comissão; 459/VI - Lei de Bases do Desenvolvimento Florestal (PCP), que baixou à 10.ª Comissão; 46Q/VI - Acesso da Assembleia da República a informações e documentos classificados como segredo de Estado (PS), que baixou à 1.ª Comissão; 461/VI - Apreciação das contas dos partidos políticos pelo Tribunal de Contas (PS), que baixou à 1.ª Comissão; 462/VI - Alteração da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, que estabelece o regime de incompatibilidades de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (PS), que baixou, igualmente, à 1.ª Comissão; 463/VI- Alarga a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de certas categorias de actos da administração central, regional e local (PS), que baixou, também, à 1.ª Comissão; 464/VI - Recurso a auditorias e outras peritagens a cargo de entidades privadas seleccionadas por concurso público (PS), que baixou à 6.ª Comissão; 465/VI - Cria o sistema de informação para a transparência dos actos da Administração Pública (SITAAP) (PS), que baixou à 1.ª Comissão; 466/VI - Exercício do direito de petição às assembleias municipais (PS), que baixou às 1.ª e 5.ª Comissões; e o projecto de resolução n.º 131/VI- Apreciação da actividade parlamentar na 11.ª Conferência de Órgãos Especializados em Assuntos Comunitários (COSAC), apresentado pela Comissão de Assuntos Europeus.
Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado António Alves; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Odete Santos; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado André Martins.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Mário Tomé, na sessão de 24 de Fevereiro, e Lino de Carvalho, na sessão de 6 de Julho.
Entretanto, estão reunidas as Comissões de Petições, de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, de Educação, Ciência e Cultura, de Saúde, de Assuntos Europeus, de Juventude, a Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste e a Subcomissão da Toxicodependência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, iremos hoje proceder à eleição de dois representantes da Assembleia da República, indicados pelo Partido Socialista, respectivamente para o Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários e para o Conselho Superior da Magistratura. As votações terão lugar na Sala D. Maria, entre as 16 e as 18 horas.
Na sessão de hoje terá lugar, em período de antes da ordem do dia, um debate de urgência, requerido por todos os grupos parlamentares e pelo Governo, sobre política de combate à corrupção. Os tempos de intervenção dos vários grupos parlamentares já se encontram fixados no quadro electrónico da Sala.
Assim, pela ordem acordada na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, e em representação do partido que tomou a iniciativa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Já ouvimos o Primeiro-Ministro afirmar, nesta tribuna, que Portugal não é um país
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de corruptos. É óbvio que não! É o Governo, o poder e o PSD que estão, fundamentalmente, em causa e não o País inteiro, embora esta «gangrena» possa alastrar e vir a tornar-se perigosa para todos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Já ouvimos igualmente dizer que Portugal não é, em matéria de corrupção, um país como a Itália. Diremos que podemos estar aquém da Itália, mas também podemos estar além ou a caminho disso. Uma das características do «Portugal laranja» é que ninguém conhece a extensão exacta deste fenómeno. Poderia aqui enumerar uma lista de situações claras e não claras, mas seria quase inútil o inventário, porque correria o risco de o mais importante poder ser aquilo que não se conhece.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que se fala, se murmura e pode perder-se a confiança nas instituições democráticas.
Se podemos estar aquém da Itália, em número de crimes de corrupção, infracções anti-económicas e criminalidade adjacente, como o peculato e a falsificação, também estamos muito abaixo na eficácia e na determinação no combate, na mobilização de meios, em garantias de direcção integral e isenta, pelo poder judiciário, da investigação e do processo criminal. E é preciso dizer que foi a autonomia do poder judiciário e a disponibilidade de meios que tornaram possível a operação «Mãos Limpas».
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esta é a criminalidade em que é difícil descobrir o rosto e a vítima não apresenta queixa, porque a vítima é um povo inteiro, que não dispõe de meios para o fazer.
Por isso, ao tomarmos a iniciativa de propor um debate de urgência sobre a corrupção, tivemos em conta algumas preocupações fundamentais.
Primeira: multiplicam-se situações de corrupção ou referências a ela na comunicação social e, na opinião pública, há um clima de desconfiança e de afirmação de que é generalizado o compadrio, o nepotismo, o clientelismo e o aproveitamento pessoal de cargos públicos, sem que, muitas vezes, se saiba qual o seguimento das questões levantadas ao nível do apuramento dos factos e da responsabilização dos infractores.
Segunda preocupação: a corrupção e, frequentemente, a sua impunidade minam os fundamentos básicos e a credibilidade que deveria merecer o Estado de direito democrático e a sua Administração Pública. Logo há quem pretenda generalizar, jogar no descrédito de políticos e da política, esquecendo que essa é a forma utilizada para fazer política, por parte de todos os autoritarismos ou dos candidatos a isso. Este facto, a prazo, pode abrir campo a tentativas extremistas, em nome de uma pseudo-moral que rapidamente se desmentiria a si própria, após o acesso ao poder. O objectivo é, por toda a parte, pôr em causa as liberdades fundamentais, tentando que se confunda a rede de compadrio, de clientelas e de corrupção, criada por um certo poder, com o próprio regime democrático.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Terceira: não se verificou, nem se verifica, uma vontade política forte, determinada e coerente, por parte do Governo, de combater a corrupção. Quando este anuncia medidas, corremos o risco de serem postos em causa princípios básicos da legalidade democrática e do processo penal, como a autonomia do poder judiciário na investigação criminal e os valores que, no binómio liberdade-eficácia, a investigação não pode deixar de respeitar.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - A intervenção do poder judiciário nas averiguações é cada vez mais tardia e as dificuldades de condução efectiva do processo criminal são cada vez maiores.
Não está em causa, naturalmente, a dedicação e honestidade da generalidade dos profissionais de investigação criminal, mas estão em causa princípios básicos do Estado de direito democrático, que tornam imprescindível que um poder independente e autónomo garanta que não haja lugar, seja quem for o poder, à possibilidade de uma gestão política do «se» e do «quando» da investigação criminal ou de que, a pretexto de actos preparatórios ou ditos pré-processuais em relação ao inquérito, se governamentalize, na realidade, a investigação.
Quarta preocupação: a actuação do Governo, além de errada e exercida sob pressão, situa-se apenas a jusante da infracção criminal, revela-se incapaz de criar e fortalecer os mecanismos de transparência e de controlo no seio da Administração e a sua aproximação em relação aos cidadãos, de modo a que permitam prevenir a corrupção.
Como diz o nosso povo, «a ocasião faz o ladrão». A actuação deste Governo caracteriza-se por multiplicar as ocasiões e, por isso, é indirecta e moralmente responsável por fazer os ladrões.
Aplausos do PCP.
O Governo deveria compreender que o controlo penal é o último recurso para defender o interesse público nesta matéria. Haveria que privilegiar tudo o que pode ter um papel preventivo, mas o Governo não o faz, por défice de determinação e de convicção democrática.
Quinta: as formas de controlo do poder são dissuasoras, mas para o Governo são «forças de bloqueio».
Em vez de uma cultura política democrática, o PSD quer fazer crer que uma maioria, pelo facto de emergir de eleições, tudo pode, tudo permite, tudo torna legítimo.
O PSD, abusando da maioria absoluta, procura neutralizar as várias formas de fiscalização e caluniar ou lançar insinuações sobre aquelas que não consegue controlar.
Uma maioria eleitoral é, naturalmente, legítima, mas, exactamente por gerar poder, tem de ser controlada e uma das mais importantes formas de controlo é o poder judiciário e a sua independência e autonomia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas o PSD entende, como ficou demonstrado com o seu projecto de revisão constitucional, que o poder judiciário só tem legitimidade, se for controlado, no fundamental, pela mesma maioria que controla a Assembleia da República.
Em nome da contestação do chamado corporativismo judiciário, quer impor o corporativismo da maioria, o corporativismo das clientelas, o corporativismo da chamada «classe política» que o PSD constitui.
Não fica por aqui a fuga ao controlo. A transparência dos rendimentos e do património dos políticos e titulares
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de altos cargos da Administração Pública é fundamental, mas o Governo e o PSD preferem a escuridão, em nome de uma privacidade, a que tem de renunciar, em alguns aspectos, quem pretende exercer cargos políticos « de alta administração e ter a confiança do povo.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto decorre num clima em que a própria maioria instrumentaliza partidariamente a figura dos inquéritos parlamentares, impede inquéritos fundamentais, como o que foi proposto em relação às privatizações, menoriza o papel de controlo da Assembleia da República, inviabiliza a definição de um regime de incompatibilidades de titulares de cargos políticos que crie dificuldades à actual promiscuidade entre o poder político e o poder económico.
Sexta: a desburocratização é importante para moralizar a Administração Pública, para que a «cunha» e as «luvas» não tenham o carácter funcional de «desbloqueador do sistema», constantemente emperrado. Mas, para o Governo, a medida de maior alcance, nesta matéria, parece ser a publicação do Diário da República noutra cor, uma vez por ano.
A garantia dos prazos, a clareza de fundamentos dos actos administrativos, a transparência e participação dos particulares no procedimento administrativo é particularmente importante, mas a verdade é que o Código de Procedimento Administrativo é muito imperfeitamente aplicado e não é feita uma campanha de divulgação eficaz dos direitos dos cidadãos.
A campanha do Ministério da Justiça, nesta matéria, chega, por vezes, a ser ridícula. Tal é o caso, por exemplo, de distribuir nas ruas de Lisboa pequenos opúsculos sobre legislação já revogada, como acontece com o opúsculo acerca do direito de petição.
Sétima preocupação: o Governo fomenta um clima de degradação de valores e de especulação, a «economia de casino» em detrimento da economia produtiva, enfim, tudo ou quase tudo é legítimo em nome do sacrossanto mercado e do «salve-se quem puder», estimula o apetite pelo consumismo desenfreado, ao mesmo tempo que 3 sua política impede grande pane da população de consumir, mantém ou agrava problemas agudos, alastra a pobreza, a marginalidade e a exclusão social. Um tal clima de degradação de valores é propício à insegurança, à criminalidade, em geral, ao recurso a expedientes de todo o tipo.
A conjugação da crise social com a especulação desenfreada pode transformar-se em crise política, em. crise do Estado e em crise de confiança e é um campo para tornar quase normal a corrupção, a evasão fiscal e outras infracções anti-económicas.
Oitava: o Governo dá o exemplo de situações, no mínimo, pouco claras, em casos como o das privatizações, o seu próprio comportamento é de ostentação e multiplica despesas sumptuárias.
Como pode o Governo ter autoridade moral para reclamar um clima de rigor e dedicação estrita a um serviço público, por parte da generalidade dos servidores do Estado, quando os próprios gabinetes ministeriais dão um mau exemplo, ao proporem-se realizar despesas faraónicas, como as que estão previstas na proposta de Orçamento do Estado para 1995?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Bem perguntado!
O Orador: - Ainda há dias foi lembrado que os magistrados do Ministério Público, que dirigem funcionalmente a Polícia Judiciária e deveriam dirigir efectivamente a investigação, não só formalmente mas de facto, não têm meios suficientes, não têm viaturas para se deslocarem.
Nesta situação, no que se refere às despesas dos gabinetes, que dizer, por exemplo, do número de automóveis colocados ao serviço de membros do Governo, três dos quais, ao que foi dito por um ex-responsável ministerial, são para uso pessoal?
Recorde-se que, entretanto, a direcção da investigação criminal, os Departamentos de Investigação e Acção Penal e os Tribunais de Instrução Criminal dispõem, neste momento, de dois veículos para 115 magistrados e 303 funcionários.
Nona preocupação: o jornalismo de investigação tem um papel fundamental no combate à corrupção, como foi demonstrado em Portugal, na Europa e no mundo, mas a estratégia penal do Governo castiga e procura dissuadir este jornalismo e fomentar não o sentido de responsabilidade mas, antes, a auto-censura.
No binómio liberdade de informação/direito ao bom nome de políticos, o PSD aposta tudo contra a liberdade e o acesso às fontes de informação.
Décima: mesmo no plano estritamente repressivo, a actuação do Governo é tardia, insuficiente, em grande medida inapropriada e situa-se num quadro de extremo descalabro em matéria de meios de investigação e actuação.
O documento elaborado pelo Procurador-Geral da República acerca da última inspecção ordinária à Polícia Judiciária e a sua intervenção recente na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias só vieram confirmar e ampliar as inquietações que já tínhamos, desde há muito tempo, sobre esta matéria.
Recorde-se que, em 1991, a inspecção ordinária realizada à Polícia Judiciária verificou que, de entre os processos entrados desde 1985, um número importante estava sem investigação há muitos anos.
No caso do Porto, foi detectada a existência de processos prescritos e de muitos outros sem qualquer trabalho de investigação, «nomeadamente casos de peculato, de corrupção e favorecimento pessoal». Nas palavras do inspector,» é assustador' o número de casos que não foram sequer movimentados».
Em relação ao relatório de 1994, foi detectada uma evolução global positiva noutros campos, como não poderia deixar de ser, dado o baixo nível atingido, mas o próprio Ministro da Justiça foi obrigado a reconhecer que, em matéria de criminalidade ligada às fraudes anti-económicas e à corrupção, se verificou aquilo a que, eufemisticamente, chamou uma «disfunção».
A verdade é que, em relação ao Departamento de Investigação da Corrupção, Fraudes e Infracções Económico-Financeiras de Lisboa, o relatório do Procurador-Geral da República, acerca da última inspecção realizada, afirma que «o denominador comum em relação a este departamento é o de uma desestruturação persistente, devida, em larga medida, a uma escassez de meios». E, depois de enunciar números inquietantes acerca da antiguidade dos inquéritos, acrescenta: «estes indicadores revelam a pulverização dos prazos de investigação, sendo certo que, especialmente na área de combate à corrupção, o número de entradas é diminuto».
Refere-se também o facto de muitos inquéritos terem já sido presentes à inspecção anterior, «sem que as recomendações então feitas tivessem tido eco», bem como o facto de serem frequentes as prescrições de procedimento.
Em relação ao Fundo Social Europeu, em particular, referem-se processos com 6, 5 e 4 anos sem início de in-
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vestigação e um número significativo de situações em que o Ministério Público não é informado do início das investigações.
Leia-se ainda um excerto que confirma que a situação é particularmente grave: «Os processos que individualmente envolvem dezenas de empresas e fazem suspeitar de redes com penetrações na Administração Pública e de conexões com outros tipos de criminalidade (nomeadamente corrupção) estão, na sua generalidade, por investigar ou longe da conclusão».
Claro que o Sr. Ministro da Justiça dirá que está tudo bem ou em recuperação e que há mais processos concluídos do que os que têm entrado, mas conviria que dissesse quantos foram presentes a julgamento efectivo, quantos deram origem a condenações e quantos foram concluídos apenas por terem sido arquivados ou por terem prescrito. Conviria referir quantas situações não passaram do regime de «pré-inquérito» e se foram todas justificadas, mas conviria sobretudo reconhecer que não há meios para averiguar sistematicamente as possíveis situações, sobretudo nos campos em que é sabido, pela experiência nacional e alheia, que se verifica mais frequentemente a corrupção, como são os casos da construção civil, da evasão fiscal e de tantas outras.
Mas mesmo nas situações detectadas, como é o caso das facturas falsas, nome por que ficou conhecido na gíria, e do Fundo Social Europeu, a descrição da inoperacionalidade do sistema é verdadeiramente arrepiante.
O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Décima primeira preocupação: são muitas as situações em que se vive numa espécie de zona cinzenta, em que não se sai da actual legalidade, mas em que se entra num caminho no mínimo discutível.
Como pergunta um autor alemão: de quantos conselhos de administração pode ser membro um político, com que regras e em que condições? Como se pode transitar de cargos políticos para cargos em grandes empresas e vice-versa, situação objectivamente propícia ao tráfico de influências? E pergunta ainda, o mesmo autor, acerca da legitimidade de utilização de viaturas públicas pelas famílias dos titulares de cargos políticos e se não estaremos, também aqui, na tal zona cinzenta.
Esta última pergunta é particularmente actual, pois o último número de um semanário citava que cada membro do Governo, além dos automóveis para uso oficial, dispunha de um automóvel com motorista para uso exclusivo da mulher, de outro para levar os filhos à escola e de um terceiro para uso particular exclusivo do ministro ou secretário de Estado...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É um Governo rico!
O Orador: - ... e referia que a verba orçamentada para gasolina corresponde, para cada viatura, a uma média de 3000 km diários, o que dá para ir a Bruxelas, para voltar e ainda sobram 800 km.
Deveria haver um código deontológico das figuras públicas e dos chamados «políticos». Entretanto, há um código ético vigente e é evidente que uns o praticam e outros não. Por isso, seria bom que este código viesse a ser escrito e respeitado por todos, sob pena de ser cada vez maior o afastamento do cidadão comum em relação à política e aos actos eleitorais.
Perante isto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, as medidas que o Governo anunciou, após o PSD deter ininterruptamente a pasta da justiça, há praticamente 15 anos, são imperdoavelmente tardias, insuficientes e, por vezes, desadequadas.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Vieram dar razão aos juizes e magistrados do Ministério Público e às inspecções ordinárias à Polícia Judiciária, ao reconhecer a falta de meios. De repente, perante o escândalo evidente e, para mais, em clima pré-eleitoral, passou a haver um edifício de 1,4 milhão de contos, 40 funcionários e 60 viaturas para a Polícia Judiciária, mas permanece a falta fundamentai, e que fez a eficácia do combate à corrupção noutros países, que é a direcção efectiva da investigação, dotada de meios suficientes e eficientes, pelo poder judiciário.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - As medidas governamentais, na esteira da chamada lei anticorrupção, revelam a tentação de pensar que a questão se poderia melhor resolver pondo em causa princípios básicos do processo penal, garantias básicas dos cidadãos, designadamente com o pretexto das chamadas «acções de prevenção», realizadas sem controlo judiciário - e só não lhes chamo outra vez pré-inquérito, como toda a gente, porque o Sr. Ministro da Justiça não gosta e prefere um eufemismo, e não o quero enervar.
De qualquer modo, desafiamos o Governo a esclarecer, em termos globais, onde, quando, em que circunstâncias e com que objectivos vão ser introduzidas figuras como o «agente infiltrado» e com que controlo judiciário, em que momento das averiguações prévias e do inquérito e que garantias haverá de que este não se transformará de «agente infiltrado» em «agente provocador» do próprio crime.
É evidente que nos preocupa a eficácia dos meios de investigação, mas o binómio eficácia-liberdades fundamentais só pode ser correctamente equacionado num quadro em que não haja lugar para temer a governamentalização e a partidarização da perseguição da corrupção, travestida de «coordenação ministerial».
É tempo de dizer que a operação «Mãos Limpas», em Itália, não teria sido possível sem o papel e os meios do poder judiciário - e este é um ponto fundamental que importa sublinhar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É tempo de lembrar que, em toda a Europa, o poder político visado pelo combate à corrupção, em nome da sua legitimidade eleitoral, conduziu grandes campanhas contra o poder judiciário. É tempo de dizer que enfraquecer o poder judiciário teria como resultado provável abafar os «crimes de luxo» e perseguir, selectivamente e segundo as oportunidades partidárias, a pequena corrupção e o «peixe miúdo».
E, sublinho mais uma vez, não são os funcionários de investigação criminal que o querem, é a lógica e a hierarquia a que estão sujeitos que a isso pode conduzir. É a lógica da hierarquia, que pode ser a lógica da conveniência partidária, da gestão política das investigações e da própria perseguição criminal.
O problema fundamental para nós não é afirmar ou não a honestidade de membros do Governo, do Ministro da Justiça ou de quem quer que seja. O problema é a concepção global do sistema, é admitirmos com todas as con-
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sequências o princípio do controlo judiciário, é compreendermos que o controlo de poder político, a separação de poderes, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público não são um atestado de desonestidade a quem quer que seja, são antes princípios que a experiência histórica demonstrou serem fundamentais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E o que se passa e passou na Europa vem confirmar constantemente que assim é.
Em contradição com a política governamental, o Grupo Parlamentar do PCP propõe, como contribuição concreta para este debate, um conjunto de medidas, na sequência de tudo o que temos defendido ao longo dos anos.
E são elas: o reforço das dotações orçamentais da Procuradoria-Geral da República; um projecto de lei, que garanta a viabilidade do jornalismo de investigação, nomeadamente, quanto à inviolabilidade do segredo das fontes de informação, quanto ao alargamento ou exclusão da ilicitude no Código Penal e quanto ao acesso às fontes de informação; um projecto de lei de alteração à Lei Orgânica do Ministério Público, por forma a reforçar a dependência efectiva dos órgãos de polícia criminal relativamente ao Ministério Público, corrigindo aquele diploma e à chamada lei anti-corrupção, no sentido de conferir à. magistratura do Ministério Público a coordenação efectiva das acções de prevenção criminal; um projecto de alteração dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, conducente a novas punições e ao agravamento de outras, pondo termo ao tratamento mais favorável dos chamados «políticos» em relação aos funcionários públicos; um projecto de lei sobre a publicidade e o direito de consulta e publicitação, a todo o tempo, das declarações de rendimento e património dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos e o efectivo controlo das declarações pela Procuradoria-Geral da República, para eventual procedimento criminal, se for caso disso; e uma proposta de um inquérito parlamentar às privatizações, que o PSD inviabilizou no passado, mas que os factos recentes tornam ainda mais justificado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Insistiremos, igualmente, na tinha das nossas propostas e intervenção passada, na intervenção do Tribunal de Contas na fiscalização das contas das partidos políticos e na definição de imcompatibilidades que criem dificuldades à girândola entre cargos públicos e privados, o que facilita o aproveitamento privado de lugares públicos e a promiscuidade entre o poder político e os potentados económicos que actualmente se verifica.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Desafiamos o PSD a dar sequência a este debate, viabilizando urgentemente estas medidas e &s propostas de outros partidos, de modo a abrir um novo capítulo no combate à corrupção em Portugal, quer no plano preventivo quer no plano da investigação e perseguição criminal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A táctica do PSD e do Governo de, sistematicamente, em matéria de crime de corrupção como em muitas outras, negar a gravidade da situação, até tal ser completamente impossível, e invocar um qualquer país em que seria ainda mais degradada a situação é a pior forma de enfrentar os problemas de Portugal e é a forma de não tomar medidas para os resolver.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para o PCP a situação é clara: o Governo não tem sabido ou não tem querido enfrentar com firmeza a corrupção e o crime e, sobretudo, não tem demonstrado saber equacionar o problema, respeitando a autonomia do Ministério Público, o papel e a independência do poder judicial, dotando-os de meios e mantendo as garantias correntes dos cidadãos perante a investigação e o processo criminal.
É constante, onde quer que os magistrados, no mundo, tomaram uma posição firme face à corrupção e ao poder político serem acusados por este mesmo poder político de pretenderem protagonismo e de terem um projecto de uma carreira política.
É bom que o Governo e o PSD deixem de esgrimir contra a generalidade dos magistrados da comunidade jurídica em Portugal, garantam meios ao poder judiciário e viabilizem as medidas que permitam enfrentar este fenómeno em Portugal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Sá, solicitaram a palavra os Srs. Deputados Costa Andrade e Guilherme Silva.
Tem a palavra, Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, ouvi com atenção a sua intervenção e devo dizer-lhe que ela me espantou pelo teor tão intrínseca e invencivelmente contraditório. Penso não ser fácil, numa intervenção tão curta, somar tantas contradições. Vou tentar explicar porquê.
Há em todo este problema uma contradição inicial e metodológica, que me assalta sempre que tenho de discutir problemas de princípios do Estado de direito democrático com o PCP. Tenho sempre esta dúvida metódica: esta discussão tem sentido? Para ter alguma fidelidade na vossa reivindicação de que ainda são comunistas tenho de pôr em causa a fidelidade ao Estado de direito democrático, mas tenho também de levar em boa conta os propósitos de emenda e de correcção. O facto de discutirmos o processo penal e os princípios do Estado de direito democrático no processo penal deixa-me sempre esta dúvida metódica. Mas superêmo-la, sob pena de a filosofia não poder morrer nas questões metodológicas, senão não se avança nunca para as questões de fundo. Avancemos, pois, para as questões de fundo!
O Sr. Deputado Luís Sá começa por retratar um quadro extremamente negro do estado da corrupção em Portugal, que não contesto, até porque não tenho dados de facto, dados criminológicos, dados de investigação para o fazer. Mas admitamo-lo como bom - não tenho razões para acreditar que é mau. E quais são as consequências? Penso que, à luz desse quadro, as consequências serão o reforço dos meios de prevenção e de repressão da criminalidade de corrupção. Alguns desses meios foram recentemente adoptados pelo Governo, com o aplauso geral da colectividade portuguesa, e devem ser discutidos com toda a frontalida-
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de e com toda a abertura, sem subterfúgios do género daqueles que é vulgar serem usados no discurso da oposição. Se discutimos a luta contra a corrupção e se a queremos maximizar, sobreleve-se a privacidade e a intimidade; se queremos proteger a privacidade e a intimidade, sobreleve-se a luta contra a corrupção. Ter a responsabilidade de legislar e de governar é- deve ter-se sempre consciência disso- ponderar bens, interesses e direitos, sacrificando alguns, pois não há alternativa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quando, há meses, defendemos a adopção de algumas medidas e quando o Tribunal Constitucional, numa construção que até hoje ninguém compreendeu - penso que nem o próprio Tribunal Constitucional -, disse que estas acções de prevenção violavam a esfera íntima das pessoas, o PCP e o PS apoiaram esta decisão. É preciso discutir sem contradições e sem fantasmas, e importa dizer, com toda a clareza, que há um fantasma - o fantasma da policialização do inquérito criminal - e que não há qualquer perigo de, em Portugal, à luz das instituições vigentes, o inquérito criminal ser policializado. Há apenas uma possibilidade: a de o Ministério Público se demitir das suas funções e ser cúmplice com essa policialização - não há outra possibilidade, no quadro das instituições portuguesas.
Aplausos do PSD.
Admito que se diga que não há meios ou que os que existem não são suficientes, mas a insuficiência de meios só pode levar a parar as acções de investigação. Não pode ter outra alternativa. A policialização da investigação só seria possível se o Ministério Público fosse cúmplice ou se demitisse. De resto, o mesmo acontece com a instrução criminal, que, como todos sabem, é da competência de um juiz, pois também se começa a dizer que está a ficar policializada. Então, os juizes portugueses são cúmplices disso?
Não há, pois, qualquer possibilidade de tal acontecer, salvo se o Ministério Público se demitir das suas competências ou for cúmplice.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E isto porquê? Porque o inquérito está na dependência do Ministério Público e só se fazem, em inquérito, as acções que este quer que se façam. Hoje em dia, em Portugal, não é possível fazer investigação sem o Ministério Público dar a sua concordância.
Admito - tenho de o admitir seriamente - que os meios não cheguem para tudo. Mas isso só pode ter uma consequência: atrasar a investigação e torná-la mais morosa. E, como já disse, não é possível que a polícia criminal proceda a um inquérito sem a direcção e a aprovação do Ministério Público, sob pena de alguém violar a lei. E se alguém viola a lei o guardião dessa violação da legalidade é também, em Portugal, o Ministério Público.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A Procuradoria-Geral da República diz o contrário!
O Orador: - Sr. Presidente, tinha ainda muitas outras questões a referir, mas haverá tempo, ao longo do debate, para as discutirmos.
No entanto, penso que é importante, nos tempos que correm, dizer, de uma vez por todas: a Constituição da República Portuguesa, o Código de Processo Penal e as leis da República não permitem que esse fantasma cresça, salvo se alguém quiser que isso aconteça e o alimente - fá-lo-á seguramente contra lei.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, V. Ex.ª fez duas afirmações que me parecem inadequadas e estarem até em contradição com o comportamento do seu partido nesta matéria - será um pouco um cata-vento de oportunismo e de colagem a determinadas posições públicas: V. Ex.ª fez a crítica à solução que a lei consagra do agente infiltrado, mas o seu partido votou favoravelmente, na especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a norma que consagra esse procedimento instrumental na lei de combate à corrupção. Estranho, portanto, que, agora, venha tomar uma posição de crítica, quando, se ler bem a disposição, vê que essa intervenção se faz com o controlo das magistraturas e de forma excepcional.
Esta é uma posição generalizada em países que se têm debatido com esta matéria. E lembro aqui uma intervenção do Dr. Lopes Rocha, um magistrado e um democrata insuspeito, que diz que tem de ceder-se um pouco aos princípios éticos e morais comuns para haver eficiência no combate a este crime, o que espero ser uma preocupação do seu partido. Gostaria, portanto, que o Sr. Deputado Luís Sá me explicasse esta mudança de posição do PCP.
V. Ex.ª referiu, também, a necessidade de reforçar financeiramente a Procuradoria-Geral da República, como forma de reforçar os meios dispostos à investigação, designadamente destes crimes. Quero lembrar-lhe, Sr. Deputado, que a investigação não cabe à Procuradoria-Geral da República; esta é um órgão de cúpula do Ministério Público, mas é aos magistrados e delegados do Ministério Público que cabe essa acção de investigação, que não tem a ver com as disponibilidades financeiras da Procuradoria-Geral, em si. A menos que V. Ex.ª - e queria que me esclarecesse - esteja aqui a querer subverter estas regras, de forma a esvaziar o poder dos próprios magistrados, em favor do seu órgão de cúpula.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Costa Andrade e Guilherme Silva, agradeço-lhes as questões que me colocaram.
Creio que quando o PSD se vê em particulares dificuldades vai sempre buscar uma «bengala»: o que se passou algures numa parte do mundo, algures no Leste, posições passadas do PCP.
Srs. Deputados, quando discuto com católicos - felizmente tenho muitos católicos na minha família e nos meus amigos -, não vou buscar a Santa Inquisição, a história passada, da mesma forma que, para discutir com os Srs. Deputados, me basta a corrupção que existe em Portugal e não preciso de ir buscar a corrupção das famílias políticas a que, na Europa, os Srs. Deputados pertencem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Portanto, nesta matéria, aconselhava-os a serem mais originais, porque tenho verificado que a invocação desta questão é constante e de péssimo gosto. Estamos no final de 1994 e bom seria que olhássemos para o futuro, em vez de se ir buscar questões rasteiras e que não dignificam esta Assembleia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à primeira questão colocada pelo Sr. Deputado Costa Andrade, registo uma sua afirmação, que é importante: não há dados criminológicos acerca da corrupção em Portugal. Isso confirma inteiramente a questão que coloquei e que me parece importantíssima nesta matéria para avaliar os meios. É que a questão não é apenas o número de processos que entram na investigação criminal ou saem dela, mas saber como está armado o Estado, quais os meios de controlo existentes para dissuadir, para controlar, para impedir e para castigar em toda uma série de matérias em que, actualmente, não há qualquer controlo.
O Sr. Deputado disse algo que, de algum modo, me surpreendeu porque vem da parte de um jurista que me habituei a admirar, e que é o facto de achar contraditório que nós possamos colocar ao mesmo tempo o problema da protecção das garantias dos cidadãos em processo penal e o problema da eficácia. Sr. Deputado, a questão que está colocada, nesta matéria, e que é um princípio básico em matéria de direitos, liberdades e garantias, como bem sabe, é o princípio da proporcionalidade e é saber em que medida, a cada momento, as decisões que são tomadas são ou não proporcionais ao objectivo que se procura alcançar.
O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente.
O Orador: - V. Ex.ª sabe muito bem que assim é. E o problema que se coloca é, inclusive, este: saber se o Governo e o PSD entendem que a corrupção em Portugal é tão larga que justifique medidas de excepção que são, sem dúvida, compreensíveis em relação à Mafia, ao combate ao alto tráfico de droga, ao alto banditismo e ao terrorismo, mas que temos de avaliar se são imperiosas nesta situação.
E, independentemente do esclarecimento daquilo que se passou na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em matéria de voto em relação à questão do chamado agente infiltrado, há uma questão que se coloca nesta matéria, que é a seguinte: em primeiro lugar, que meios tem o poder judiciário para controlar esta e outras limitações dos direitos, liberdades e garantias Individuais? Sr. Deputado, como bem sabe, a situação é completamente diferente consoante haja um controlo por parte de uma magistratura independente ou se as decisões estiverem, no fundamental, estritamente dependentes das polícias» Esta é uma questão fundamental. Em segundo lugar, perguntei igualmente: infiltrado onde? O que é que se visa, prioritariamente, com isto? É infiltrado no Conselho de Ministros?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Bem perguntado!
O Orador: - A questão, Sr. Deputado, é saber - e esta Assembleia e o País têm esse direito - qual o sentido exacto das medidas que o Governo propõe.
De resto, em relação às acções de prevenção, quero dizer-lhe que ninguém as contesta - é óbvio que as acções de prevenção são necessárias. O problema é a definição legal estrita das acções de prevenção. E, mais do que isto, o problema é também o controlo, por parte do poder judiciário, das acções de prevenção; o problema é garantir que não volte a repetir-se aquilo que foi detectado, como o Sr. Deputado muito bem sabe, que é o facto de haver acções ditas de prevenção que se transformaram em vários volumes sem dar origem a abertura de inquérito, sem dar origem a comunicação ao Ministério Público, sem serem controladas pelo poder judiciário! Este é que é o problema fundamental, Sr. Deputado.
O que está em cima da mesa não é, pois, o problema de uma contradição, mas sim o de esta contradição, a nosso ver, só poder ser resolvida não só com o fortalecimento do poder judiciário mas também com a observação do princípio fundamental da Constituição em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste, por um lado, no controlo judicial, e, por outro lado, no princípio da proporcionalidade. Foi com base nisso que o Tribunal Constitucional, e muito bem, declarou inconstitucional a primeira versão da lei anti-corrupção como, eventualmente, deveria ter feito em relação à segunda.
Em matéria de meios, Sr. Deputado, o problema não é o de o Ministério Público se demitir das suas funções, o problema é outro! Suponhamos que somos magistrados do Ministério Público: podemos ter a titularidade efectiva do processo criminal em sede de corrupção e criminalidade adjacente, com dois automóveis para um país inteiro? Esta é uma questão fundamental! E, em relação a isto, era bom que fosse dada uma resposta efectiva! A resposta, naturalmente - já a ouvi -, é a de que os magistrados requisitam carros à Polícia Judiciária! Mas faz sentido? Faz sentido um magistrado deslocar-se de eléctrico e aquele que está subordinado ao magistrado deslocar-se de automóvel? Sr. Deputado, isto representa, verdadeiramente, de uma forma simbólica e emblemática, a concepção de Estado democrático que tem o PSD em matéria de relação com as magistraturas. E este é um problema fundamental em matéria de meios.
Já agora, gostaria que o PSD estudasse e reflectisse, por exemplo, sobre a investigação de Milão: quantos magistrados do Ministério Público foram mobilizados e com que meios? Com quantos e que tipo de agentes de investigação na sua dependência efectiva? Isto, Sr. Deputado, foi fundamental para conseguir investigar e sanear minimamente uma situação. É este o problema que estamos a colocar e é este o problema que não é resolvido, nesta matéria.
Quanto à afirmação que o Sr. Deputado Guilherme Silva fez acerca do oportunismo, devo dizer que esta bancada não se cola às posições de ninguém! Nós verificamos, em determinados momentos, que há personalidades da vida pública portuguesa que têm posições coincidentes com as desta bancada. Por exemplo, nós combatemos o Código de Processo Penal no momento em que a pessoa em quem o Sr. Deputado está a pensar, e que não teve a coragem de nomear, disse que estava a favor dele, mas agora já tomou uma posição diferente! Portanto, o problema não é de nos colarmos a ninguém, pelo que rejeito e devolvo à procedência a acusação de oportunismo. Tenham, nesta matéria, a frontalidade de visar quem querem visar mas não façam acusações que são inteiramente descabidas!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador - Finalmente, falámos nas disponibilidades financeiras da Procuradoria-Geral da República, mas podemos acrescentar as da Magistratura do Ministério Público.
Congratulamo-nos com o facto de a intervenção e a pergunta do Sr. Deputado darem a entender que vão alte-
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rar a proposta de lei do Governo no sentido de aumentar as verbas do Ministério Público, para além de estarem abertos a um aumento das verbas da Procuradoria-Geral da República.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas ainda não ouvimos isso do Sr. Ministro!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a corrupção integra hoje, juntamente com outros sectores da criminalidade económica, o espaço social e politicamente preocupante da criminalidade organizada. Combatê-la constitui, assim, um imperativo ético e uma exigência democrática. Fazê-lo, porém, de forma frouxa, recusando à luta contra ela o recurso a instrumentos essenciais ou deixando-a apenas nas mãos de soluções preventivas de carácter moralizador, revestirá de demagogia o discurso do combate e retira credibilidade à intenção de o vencer.
É claro que importa reduzir a burocracia. É evidente que urge aumentar a transparência na administração pública e nas relações desta com os particulares. É óbvio que deve afinar-se o controlo sobre os rendimentos públicos, o financiamento dos partidos políticos, os sinais exteriores de riqueza. Mas mais óbvio do que tudo isso, e sobretudo evidente aos olhos do cidadão comum, é que a corrupção existe como crime e que só combatendo-a enquanto tal, de forma visível e eficaz, o criminoso se abstém da sua prática e o público se confia na vontade real de eliminar o fenómeno.
E se, entre nós, a extensão deste não será de forma a suscitar qualquer dramatização, o que é facto é que nem o conhecimento da sua dimensão se mostra rigoroso nem a gravidade das suas múltiplas implicações se adequa com terapias tolerantes. Não podemos, em sede discursiva, aplaudir aqueles que afirmam que a corrupção falseia as regras do jogo democrático, e depois censurar, sem coerência, aqueles outros que, dada então a gravidade do crime, preconizam contra ele medidas sem as quais o combate se transformaria em pura farsa. Se a corrupção ameaça a democracia, é contra a corrupção que urge lutar e não contra a democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - São os corruptos, como delinquentes, que interessa condenar e não pessoas de bem que importa institucionalizar como suspeitos. Se a corrupção ameaça a democracia, é na corrupção que está o vício, é nela que se analisam as práticas que corroem o Estado de direito, é com ela que se violam direitos fundamentais dos cidadãos, e não, como absurdamente se pretende fazer crer, em medidas de combate que, naturalmente pouco simpáticas e despidas da pureza dos princípios absolutos, são todavia indispensáveis para ganhar o desafio e, desse modo, para defender a democracia e preservar a imagem que se deseja impoluta do regime democrático.
Por que razão, então, medidas e soluções que se reconhecem justificadas no combate à droga e ao terrorismo, se afirmam excessivas, escandalosas ou perversas no combate à corrupção? Quantas respostas não resultariam da fértil imaginação que esta questão suscita?!
Tem, aliás, ocorrido, entre nós, a este propósito, um fenómeno curioso cujo arrastamento no tempo não tem senão contribuído para alimentar equívocos e gerar perplexidades. Com efeito, ora parece firmar-se um sério e determinado propósito de lutar contra a corrupção e a criminalidade anti-económica, avançando-se, como argumento dessa firmeza de intenções, sobretudo a escassez de recursos à disposição de tão urgente tarefa, ora, ao invés, se desvalorizam os meios conseguidos e se arreceiam mesmo alguns deles por excessivos, tendo em conta os objectivos a atingir e os valores a tutelar E o que vai ficando no ar é afinal a questão de saber o que está verdadeiramente em jogo. Questões de poder? Disputas políticas mais ou menos disfarçadas? Ânsia de protagonismo? Ou, realmente, um propósito sério de combater, dentro da lei e com eficácia, o fenómeno da corrupção? Por mim, acredito ainda nesta última resposta.
Afinal, onde estão os nossos verdadeiros desencontros? Não é certo que reconhecemos todos ser necessário reforçar e melhorar os meios ao serviço da investigação? Não é verdade que todos recebemos, de forma positiva, o conjunto de medidas recentemente anunciadas nesse domínio? Não é exacto que as divergências quanto a uma ou outra delas se situam apenas no seu excesso eventual, e não na sua capacidade para o combate ao crime? Não é, então, correcto vislumbrar, entre todos nós, um propósito comum de intervenção séria neste campo por forma a darmos de nós, do regime e, afinal, dos portugueses uma imagem verdadeira de trabalho e de seriedade? Quem anda, então, e com que propósitos, a semear a discórdia e a polémica, a construir conflitos e a multiplicar divergências onde, no essencial, todos sentimos aproximação e consenso? Nós não somos! E, pela nossa parte, tudo faremos para continuarmos a eleger como único inimigo a corrupção.
A nossa luta não é contra ninguém. Não procuramos vedetismo, não disputamos nela novos jogos de poder. Não nascemos ontem para os direitos dos cidadãos, não nos assusta a diferença que vai entre a facilidade com que se critica e a dificuldade com que se realiza. Pelo contrário, orgulhamo-nos de estar do lado difícil de quem tem a responsabilidade de fazer e também de assumirmos, para nós, a responsabilidade por não conseguir tudo ou por não conseguir tudo bem. É feio acusar outros das nossas próprias incapacidades!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Governo definiu como um dos alvos a atingir no combate à criminalidade a corrupção e as fraudes anti-económicas. E, para tanto, produziu oportunamente legislação adequada, seja em matéria de combate específico a este tipo de crimes, seja em matéria de branqueamento de capitais. Criou, pela primeira vez entre nós, um departamento especializado na Polícia Judiciária e projectou um conjunto de medidas concretas com vista ao aumento de eficácia desejável no domínio da respectiva investigação criminal.
Das vicissitudes por que passou a nova Lei de Combate à Corrupção, todos têm suficiente memória para que me dispense de lhes fazer referência detida. Lamentarei apenas, uma vez mais, que houvesse que esperar mais de dois anos por um diploma que, continuando a afirmar-se como fundamental, apenas agora veio a ser publicado, projectando para o fim do ano a sua entrada em vigor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por culpa do Governo!
O Orador: - Entretanto, neste interregno, várias foram as tentativas para conseguir, por outras vias, aquilo que a opção legislativa do Governo, primeiro, e da Assembleia
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da República, depois, havia negado, nomeadamente quanto à manutenção, na Polícia Judiciária, da competência para a execução da investigação sob a direcção do Ministério Público e, por isso, da concentração ali dos meios logísticos necessários à acção a desenvolver pela polícia. Nos termos da lei processual penal, defendemos e continuaremos a defender uma intervenção a três dimensões, por força das quais a Polícia Judiciária investiga e, por isso, como em todas as outras áreas, concentra a maior parte dos meios de investigação; o Ministério Público dirige a investigação; o juíz controla a legalidade. Trata-se de um sistema plural de múltiplos controlos, impeditivo de uma indesejável concentração de poder e que prestigia, nos planos diferenciais que cabe a cada uma, a Polícia Judiciária, a Magistratura do Ministério Público e a Magistratura Judicial.
Talvez por isso a questão dos meios ganhou então a ribalta; e ainda agora se persiste na denúncia de uma situação que a realidade do último ano já contradiz e que o compromisso firmado até Janeiro próximo deixa entender como verdadeiramente superada. Com efeito, contemporaneamente com a última inspecção do Ministério Publico à Polícia Judiciária, viu esta reorganizado o seu departamento de combate à corrupção e às fraudes anti-económicas, de tal modo que, entre Janeiro de 1994 e Outubro último, foi notável o número de processos saídos para o Ministério Público, sendo já possível constatar a inversão da tendência por força da qual é agora maior, e significativamente maior, o número de processos findos do que o número de processos iniciados.
Do mesmo modo, o reforço de meios ao serviço do Ministério Público conheceu, nestes últimos anos, um incremento ímpar, pelo que me assiste o direito de desafiar quem quer que seja a indicar outro período ou outra época nos quais tantos meios tenham sido colocados ao serviço da investigação criminal a cargo do Ministério Público!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Um exemplo apenas retirarei do reforço de meios humanos junto dos chamados DIAP de Lisboa e do Porto, onde, entre 1990 e 1994, o número de magistrados passou de 33 para 96 e o de funcionários de 61 para 212. Há dois anos, denunciava-se a existência, ali, de 100 mil processos parados; hoje silencia-se a completa superação daquela situação crítica. Então, exibia-se o estado degradado e precário das instalações; agora, torna-se discreto o valioso, moderno e bem apetrechado edifício que recebeu o DIAP de Lisboa e, finalmente, os seus Tribunais de Instrução Criminal, num investimento total, aqui, para áreas do Ministério Público, superior a dois milhões de contos!
Importa ir mais longe? Certamente que sim! Por isso mesmo, no momento próprio, informámos dos trabalhos que vínhamos desenvolvendo na preparação de outros meios para o combate à corrupção. E, assim, mal foi publicada a lei, logo se desencadearam as acções que conduziram ao recente anúncio de doze novas e essenciais medidas neste domínio. Sobre elas recaíram, entretanto, reacções de tipo diferente, a justificar, perante algumas observações de boa-fé, o esclarecimento que outras, obviamente, não mereceriam. Assim, começa por adiantar-se uma subdivisão das medidas anunciadas, considerando um primeiro grupo previsto na lei já publicada a 29 de Setembro último; um segundo, consagrado no Decreto-Lei que vem regulamentar aquela e que aguarda promulgação por Sua Excelência o Presidente da República; e um terceiro, de medidas organizativas e de logística simples.
Constituem aquelas que a Lei de Combate à Corrupção veio consagrar: primeira, o recurso a acções de prevenção, como forma de detectar práticas susceptíveis de integrarem actividade fraudulenta. Destaca-se, como novidade importante, a possibilidade de realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções, nomeadamente no domínio das relações entre a Administração Pública e as entidades privadas, disso constituindo exemplo o sector de concursos e adjudicação de obras públicas. Trata-se de matéria sobejamente discutida, que o Governo sempre considerou indispensável para o real sucesso do combate à corrupção, constituindo hoje, uma vez consagrada em lei, um instrumento decisivo para aqueles que querem, de facto, intervir com eficácia no fenómeno.
Como segunda medida, refiro a quebra do sigilo profissional, designadamente do segredo bancário. Também já firmada em lei, uma vez mais, para lá de algumas críticas mal fundadas, é a vontade real de investigar com seriedade que justifica a opção. Porém, importa esclarecer, em primeiro lugar, que o segredo profissional em questão se refere apenas, de acordo com a lei, àquele a que estão sujeitos os membros dos órgãos sociais das instituições de crédito e sociedades financeiras, dos seus empregados e pessoas que lhes prestam serviço. Nele não cabe, pois, como despropositadamente chegou a ser afirmado, qualquer outro segredo profissional, nomeadamente o médico, o religioso ou o dos jornalistas relativamente às fontes - insinuação que apenas por má-fé ou ignorância pode admitir-se, sobretudo a juristas. Por outro lado, é óbvio que sem o acesso às contas bancárias, quando necessário, a investigação da corrupção se torna ridícula. Daí que, numa opção acertada, a lei venha, por um lado, permitir a quebra do segredo ou do sigilo; mas, por outro, fazê-la depender, sempre, da autorização de um juiz. Tutela-se, assim, a um tempo, o interesse público da investigação, e os direitos individuais em jogo.
Terceira medida: o recurso à figura do agente infiltrado. Compreende-se que alguns contestem a opção, também já consagrada em lei, mas já é estranho que outros venham, agora, apressadamente, manifestar a sua discordância quando, ouvidos na fase de elaboração da lei, o não fizeram. Temos para nós que se trata de uma figura importante neste combate e o cidadão comum, vítima das manobras de corrupção, é o primeiro a compreender que, em várias circunstâncias, apenas assim é possível vencer o elo inexpugnável entre corrupto e corruptor. Que se discuta, porém, a essência da figura é, obviamente, legítimo; já não é, todavia, admissível que quem, sendo tido por responsável, se permita afirmar a possibilidade do recurso a tal medida no domínio das acções de prevenção ou fora do controlo de um magistrado. Isso é completamente falso!
Em primeiro lugar, de acordo com o texto inequívoco da lei, apenas é possível o recurso a práticas de actos de colaboração ou instrumentais já em fase de inquérito, o que exclui, como é evidente, a de prevenção que ocorre, como a lei também prevê, antes de iniciado aquele. Em segundo lugar, uma vez mais a lei impõe, expressamente e sem margem para dúvidas, que o recurso ao agente infiltrado está sempre dependente de autorização prévia da autoridade Judiciária competente, isto é, do Ministério Público ou do juíz. Dizer o contrário é errado, dizê-lo conscientemente é mentir. Trata-se, assim, de uma figura que a lei coloca à disposição da investigação e que, em última análise, admitindo-se não colher a aceitação do Ministério Público ou do juiz, pode não vir sequer a ser utilizada. Porém, recusá-la como opção legislativa seria abrir uma brecha na von-
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tade firme de combater a corrupção. Talvez por isso, aquando do debate, nesta Casa, da respectiva proposta de lei nenhuma bancada se tenha manifestado convictamente contra.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não se espera agora, como é óbvio, atitude diversa. Na verdade, como é possível aceitar-se a racionalidade daqueles que consideram a corrupção um crime de lesa democracia e as fraudes relativas à obtenção de fundos, nomeadamente do FSE, enquanto delitos que reclamam, dado o bem jurídico que tutelam, uma especial vigilância, quando, ao mesmo tempo, recusam o agente infiltrado com base no argumento de que apenas deve prever-se para crimes de especial gravidade?
Afinal, em que ficamos quanto à gravidade daqueles crimes? E quanto à sua extensão?
Não constitui a estabilidade das regras do jogo democrático bem jurídico suficientemente valioso, e desvalor particularmente importante a sua violação?
Por isso que me pareça mais feliz a posição daqueles que rejeitam, radicalmente, em todos os casos, a figura do agente infiltrado, já que não entendo aqueles outros que aceitando-a para determinados crimes a recusam para a corrupção.
Às magistraturas caberá deixá-la usar com critério, proporcionalidade e adequação, assim se garantindo a eficácia que se pretende, prevenindo-se, simultaneamente, os excessos indesejáveis.
Quarta medida: possibilidade legal de suspensão provisória do processo relativo ao corruptor activo, quando este tenha denunciado o crime ou contribuído decisivamente para a descoberta da verdade.
Neste ponto, uma vez mais sem contestação aquando da respectiva discussão parlamentar, limitar-me-ei a perguntar quem, honestamente, acredita, sem tal medida, num sucesso, que se ambiciona alargado, na luta contra a corrupção.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Basta lembrar a série, provavelmente infindável, de casos, em que o corruptor activo é bem mais vítima do que delinquente.
Estamos, aqui, em situação não totalmente coincidente com a que caracteriza normalmente a figura do arrependido e, neste caso, diante de factos insusceptíveis de esclarecimento criminal sem o recurso a esta opção legislativa.
Estas constituem, pois, algumas das medidas que a nova lei consagra já. Valeu, pois, a pena lutar e esperar por ela. Entretanto, outras medidas se desenvolvem agora no âmbito da sua regulamentação.
Assim, como quinta medida, temos a criação, na Polícia Judiciária, da Unidade Nacional de Informação do Crime Económico Organizado (UNICEO).
Sexta medida: criação na Polícia Judiciária do Departamento de Perícia Financeira e Contabilística.
Sétima medida: criação, com base na Polícia Judiciária, do Grupo de Planeamento e de Coordenação, ao qual competirá analisar a evolução do combate à criminalidade económica, propor formas de colaboração com outras entidades, estudar e propor linhas de estratégia em matéria de combate à corrupção.
Para lá da sua inserção na Polícia Judiciária, o Grupo de Planeamento e de Coordenação constituirá o correspondente nacional de idêntica estrutura em criação no âmbito do Conselho da Europa, devendo associar, como corpo
consultivo, especialistas nas áreas da sociologia, das finanças, da gestão empresarial e de outros sectores de actividade particularmente informados neste domínio.
Trata-se da decorrência normal das recomendações do Conselho da Europa, na sequência da última Conferência de Ministros da Justiça, ocorrida em Malta, e no seguimento de proposta portuguesa então formulada no sentido da criação de grupos nacionais com aquela composição e objectivos.
Oitava medida: extensão de serviços regionais da Polícia Judiciária para expansão especializada neste sector de investigação criminal.
Nona medida: flexibilização no recrutamento de peritos e de outro pessoal especializado, sendo aqui de sublinhar a possibilidade de recurso à contratação de peritos fora dos quadros da Função Pública ou da própria polícia, como medida identificadora daquela flexibilização.
Finalmente, no domínio das medidas organizativas e de logística, temos, como décima medida, a nomeação de 40 novos agentes e de mais seis novos peritos para o Departamento de Combate à Corrupção. Como é evidente, trata-se de um reforço importante para o conjunto do Departamento e a destacar, internamente, de acordo com as necessidades da própria investigação.
Décima primeira medida: aquisição de novas instalações e seu apetrechamento, nomeadamente em matéria de novas tecnologias. Simultaneamente, ocorrerá a aquisição de 90 novas viaturas, a que se seguirá, durante o ano de 1995, novo reforço de quantidade semelhante.
Ainda, e agora, no plano legislativo, refira-se como décima segunda medida a criação de legislação inovadora em matéria de branqueamento de capitais em conexão com o crime de corrupção e outros, também esta uma medida essencial, a prever em diploma cujo projecto será dado à discussão pública nos próximos dias e que se espera apresentar à Assembleia da República no início do próximo ano.
Então, estará em vigor a nova Lei de Combate à Corrupção e, com ela, todas as medidas, com excepção da última, agora anunciadas, para o que se espera a breve publicação do decreto-lei regulamentador daquela.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - São, afinal, como todos reconheceram, medidas inovadoras, essenciais e que apenas podem ter pecado por tardias. Não nos acusamos de tal responsabilidade, ficando-nos a segurança de que apenas boas soluções podem ser tidas por atrasadas no tempo.
Como atrasado no tempo tem sido, no fim de contas, a preocupação de alguns pelo combate à corrupção.
Aplausos do PSD.
Com efeito, não deixa de ser interessante perguntar onde estavam, há cinco, seis ou mais anos os novos cavaleiros deste apocalipse?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Estavam debaixo da mesa!
O Orador: - Quais eram os meios de que, então, se dispunha? Quem clamava, então, por mais? Quais os processos que se iniciavam então? E quais os processos que chegavam ao fim?
Todavia, a questão existia. E, ao que parece, preocupava o Governo.
O Sr. José Magalhães (PS): - E crítica aos seus antecessores?
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O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, interrompo a minha intervenção para responder a este aparte.
Direi ao Sr. Deputado que me limitei a fazer Unta pergunta e quando critico, critico afirmando e não perguntando. Limitei-me a perguntar onde estavam.
O Sr. José Magalhães (PS): - O ministro Raposo, o ministro Pimentel, o ministro Nogueira...
O Orador: - Vejo, pela resposta do Sr. Deputado, que VV. Ex.ªs não estavam a combater a corrupção, porque se estivessem bastaria que o tivesse dito! :
Aplausos do PSD.
Mas, todavia, esta questão existia, Sr. Deputado! , Há da parte da oposição a ideia de que nós só podemos discutir confrontando-vos. Vai V. Ex.ª constatar que vou dizer exactamente o contrário e que fui encontrar, lá longe no tempo, quem efectivamente se preocupava com o combate à corrupção. E, todavia, a questão existia e, tão que parece, preocupava o Governo.
Com efeito, já a 23 de Maio de 1978, nesta Casa, o Primeiro-Ministro de então afirmava, no seu discurso sobre o reforço da autoridade do Estado, o seguinte: «Têm-se recentemente feito muitas insinuações (...) acerca de casos de corrupção ao nível da Administração Pública e do. aparelho do Estado (...). É certo que em tais matérias as provas são difíceis de obter. Mas também é certo que quem não deve não teme. E o Governo é a entidade mais interessada em que se faça completa luz, para, na hipótese de se comprovarem casos de corrupção, poderem ser exemplarmente punidos os seus responsáveis».
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Quem tinha seriamente legitimidade para duvidar das intenções do Governo? Ninguém! E, todavia, na mesma intervenção se afirmava, noutro passo, em resposta a uma questão então colocada: «O que eu disse, é que me parecia não ser de aceitar o facto de o Ministério Público, como agente da acção penal que é, ficar completamente desvinculado do Governo, particularmente do Ministério da Justiça. Eu disse na minha exposição (...)» - acrescentava - «(...) que se tratava, ao que julgo saber, de uma questão de grau. E é justamente nessa questão dê grau que reside o problema. Mas o problema é sério, é grave para todos nós, visto que se o Ministério Público entrasse, por hipótese que eu considero absurda, num sistema ou num regime de autogestão corporativa, o Estado e o$ seus órgãos de soberania ficariam completamente privados de poder exercer as funções que lhes competem através do exercício da acção penal».
Não quero, com esta referência, formular juízos de valor político-institucional, mas apenas chamar a atenção para a diferença entre o estatuto reconhecido ao, então, Ministério Público e o que actualmente lhe cabe. Mais do que isso. Se ainda aqui, alguns espíritos se perturbam com a relação funcional entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária e com a necessária defesa do prestígio de ambos, é ainda e sempre aquele mesmo importante discurso sobre o reforço da autoridade do Estado que interessa retomar, agora na parte em que se afirmava: «O Governo é o único órgão de soberania a que a Constituição comete a defesa da legalidade democrática. Para o efeito é coadjuvado pelo Ministério Público e pela Polícia, a quem; nos termos da Constituição, compete idêntica defesa. Por isso o Governo tem tido o cuidado de, em todos os seus actos, prestigiar as forças de segurança, realçando a sua dignidade e a sua importância de acordo com a Constituição».
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quem tem perante isto, e perante a figura inquestionável de democrata e de lutador incondicional pelos direitos fundamentais do cidadão que é o autor de tais palavras, a legitimidade para questionar, a esse nível, o sistema actual?
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há hoje uma vontade firme e inequívoca de combater a corrupção e quero afirmar-vos, em meu nome, em nome do Governo, e gostaria que em vosso nome também, que o Ministro da Justiça, qualquer que ele seja, não pode, por preconceito ou por falsa aparência, que não cultivo, ficar fora deste combate à corrupção.
É essencial que ele se desenvolva, como é bem de ver, com independência, pela mão dos órgãos próprios e sem ingerências que a própria lei necessariamente veda. Mas que o seja também porque uma vontade política legítima e legitimada, que é de todos nós, assim o quer.
É por isso que não abdicarei de coordenar os meios - repito, os meios e apenas os meios - a colocar sucessivamente à disposição dos órgãos de investigação criminal: em primeiro lugar, porque tal tarefa se inscreve no âmbito das minhas atribuições como Ministro da Justiça; em segundo lugar, porque tal coordenação permitirá que dela se retire maior rentabilidade, mais pronta informação quanto a necessidades e mais fácil flexibilização na disponibilização dos instrumentos existentes; em terceiro lugar, porque não tenho que ter medos, complexos ou prejuízos. A luta contra a corrupção não é monopólio de ninguém, há-de antes pressupor uma solidariedade institucional e de Estado pela qual me baterei sempre.
Pela minha parte, não deixarei, por comodidade ou inanição, que se avolume a ideia, tão perigosa para a democracia, como a própria corrupção, de que esta constitui um crime próprio da classe política, aceitando que recaia sobre esta uma irrecusável suspeita universal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se assim fosse, ou se algum dia assim for, não será, então, do combate à corrupção que importa sair mas, pura e simplesmente, da política.
E, então, a democracia terá caído uma vez mais derrotada às mãos de um qualquer autocrata, moralista, apolítico e, obviamente, incorruptível.
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Alberto Martins, Narana Coissoró, Manuel Sérgio, António Filipe, Manuel Alegre, Odete Santos, João Corregedor da Fonseca, Isabel Castro, Manuel Queiró e Almeida Santos.
O Sr. Ministro da Justiça informou-nos que responde aos pedidos de esclarecimento de dois em dois interrogantes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a intervenção de V. Ex.ª constituiu para mim
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uma surpresa e, em grande medida, uma autêntica manobra de diversão.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Como assim?!
O Orador: - O que estava, e está, em jogo neste debate é a avaliação das políticas de combate à corrupção e dos seus resultados.
Há dias, tivemos aqui o depoimento do maior responsável pela direcção da investigação criminal no nosso país, que nos deu conta de que, desde há três anos, não há meios adequados para combater a corrupção, a fraude fiscal, o desvio de fundos, o ilícito fiscal.
Disse-nos, pois, esse responsável que o combate à corrupção - e é ele o maior responsável pelo combate à corrupção neste país (da direcção da investigação criminal) - não é credível, não é eficaz, não é rápido. V. Ex.ª, sobre isso, nada nos disse!
Por outro lado, nada nos disse também - e era necessário que dissesse - quanto à amplitude da corrupção e da avaliação que V. Ex.ª faz ao nível da administração central, regional e local. Sobre isso, V. Ex.ª nada nos disse!
Então, a questão que se coloca é esta: o Ministro da Justiça dispõe de meios, o Ministério Público diz que não tem meios para dirigir logisticamente a investigação e a Polícia Judiciária diz que não tem meios para responder às ordens do Ministério Publico. Em que ficamos? Se a Polícia Judiciária não tem meios é porque o Ministro da Justiça não lhos atribui.
Sr. Ministro, o que faz V. Ex.ª, face à ineficácia do combate à corrupção, onde, desde há três anos, não são respeitadas as prioridades de quem define a política desse combate no âmbito investigatório? Naturalmente que há um fracasso desta política e V. Ex.ª não assumiu aqui a responsabilidade por esse fracasso.
Podemos, então, dizer que no combate à corrupção o Ministro da Justiça perdeu o combate, a corrupção venceu-o ou tem-no vencido até agora!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narrara Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a conferência de imprensa que V. Ex.ª deu, em que enumerou uma série de medidas numa espécie de «tábua das doze medidas», veio perturbar mais o clima sobre a luta anti-corrupção do que serenar, digamos assim, os ânimos que estavam já exaltados.
Foi a partir daí, cronologicamente, que surgiram quatro documentos essenciais: primeiro, a conferência de imprensa que V. Ex.ª deu; segundo, a entrevista do director da Polícia Judiciária; terceiro, o documento distribuído pelo Sr. Procurador-Geral da República na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; finalmente, o seu discurso de hoje. Também não faltou um artigo de opinião do responsável pelo sindicato da magistratura judicial.
Isto significa que o combate à corrupção, em vez de estar cercado, tal como num quadrado, num lado o Ministro da Justiça, no outro a Polícia Judiciária, no terceiro lado o Ministério Público e no quarto lado a magistratura judicial, o que, infelizmente, verificamos, é que há quatro discursos diferentes de quatro personagens diferentes à procura de um tema que seria a corrupção; quatro modos diferentes entre si de combater o mesmo fenómeno, contraditórios, isto é, quatro ilhas em que a corrupção nada no mar que as cerca. Por que é que isto sucede?
Em primeiro lugar, V. Ex.ª trouxe aqui a ideia de que há uma dialéctica entre a democracia e a corrupção. Aliás, o tema foi profusamente tratado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República numas jornadas sobre a corrupção. Numa democracia, o que interessa verdadeiramente no combate à corrupção, como então foi decidido, dito e provado, cientificamente, não é a ética mas os tipos legais de crimes. Ou seja, no combate à corrupção, é preciso haver os tipos legais de crime e só estes serão efectivamente debelados, combatidos.
Por isso mesmo, quando se faz um grande discurso sobre a democracia, as perversões, a classe política, etc., tudo pode ser muito bonito de se ouvir, mas, para um legislador, para uma câmara legislativa como é a nossa, o que interessa fundamentalmente é saber que espécie de crimes queremos atacar e quais os meios para o fazer.
Ora bem, os crimes estão previstos na lei, crimes de corrupção activa, crimes de corrupção passiva, para além do elenco de crimes que V. Ex.ª, nas leis de combate à corrupção, veio elencar, para recordar quais eram esses crimes.
O problema não está na maior ou menor panóplia de meios, é preciso saber quem é que gere esses meios e como os gere. Daí, o grande problema.
Devo dizer-lhe que não vou tomar partido por qualquer das quatro entidades referidas, pois não é intuito da minha bancada pôr uns contra os outros. Tanto me faz que seja o Procurador-Geral da República como o Ministro da Justiça, como o director da Polícia Judiciária, como o representante da magistratura judicial.
Mas o que é que o Sr. Procurador-Geral da República vem afirmar? Vem dizer que, ao contrário do que estava previsto no Código de Processo Penal, há uma policialização da justiça na medida em que hoje há muito mais meios colocados ao serviço da Polícia Judiciária do que propriamente ao serviço do Ministério Público - e não digo apenas os meios de combate anti-corrupção.
Sr. Presidente, pedia que não se limitasse a conceder-me apenas cinco minutos porque a pergunta é um bocado extensa.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, peco-lhe que encurte o mais possível a sua forma.
O Orador: - Farei o possível, Sr. Presidente.
Quando falamos dos meios postos ao serviço da Polícia Judiciária estamos a pensar na sua globalidade em comparação com os meios com que está dotado o Ministério Público. Daí é que vem o problema das instalações do DIAP, daí é que vem o problema de uma certa refrega - se me permite a palavra - que existe entre os inspectores da Polícia Judiciária e os magistrados do Ministério Público e até mesmo o problema de se saber se o Ministério Público deve trabalhar ou não nas instalações da Polícia Judiciária.
Portanto, quando se fala de policialização da investigação criminal é deste aspecto fundamental de que se está a falar e não qualquer outro aspecto secundário, como à primeira vista poderia parecer.
Qual a origem dessa policialização? Do volume de trabalho que a Polícia judiciária faz,...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe o favor de concluir.
O Orador: - ... pelo reduzido número de magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais, isto de açor-
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do com o relatório do Procurador-Geral da República que tenho aqui comigo. E o que se verifica na prática, é que o magistrado judicial e o Ministério Público acabam por chancelar, por falta de meios e por falta de tempo, aquilo que a Polícia Judiciária faz. É isto o que diz, textualmente, o documento entregue pelo Sr. Procurador-Geral da República que V. Ex.ª também deve ter.
Em segundo lugar, o problema que se põe é o da coordenação de meios. V. Ex.ª diz que ela é feita paio Ministro da Justiça, mas o director da Polícia Judiciária vem dizer que a coordenação de meios é feita por ele e que, se não quiserem que o faça, se vai embora, pois, afirma: «eu é que vou coordenar os meios».
E o que é que o Sr. Ministro da Justiça diz: «dou aquilo que a Polícia Judiciária pedir, dou aquilo que o Ministério Público pedir, aquilo que o juiz de instrução criminal pedir, aquilo que o magistrado judicial pedir». Ora» para dizer que V. Ex.ª coordena meios não é preciso fazer tanto barulho! Se V. Ex.ª tem orçamento, se é o chefe hierárquico da Polícia Judiciária,...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe para concluir.
O Orador: - ... naturalmente que tem que fornecer os meios para uma boa investigação. Mas se é V. Ex.ª que quer coordenar os meios é porque tem um segundo pensamento, porque, se fosse um pensamento simples, cometeria naturalmente a V. Ex.ª dar os meios que os outros órgãos pedem.
Em terceiro lugar, e para terminar, sobre o «agente infiltrado». Foi V. Ex.ª que levantou o problema, porque no elenco das medidas não era preciso falar do «agente infiltrado» como não falou de todas as outras medidas que estão previstas na lei. V. Ex.ª seleccionou o «agente infiltrado» sem quê nem porquê. Enquanto a lei fala apenas de que pode ser pedida colaboração instrumental. Está aqui, a lei...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, toda a gente conhece a lei. Peço-lhe que conclua rapidamente.
O Orador: - ... que diz: «é legítimo com vista à obtenção de provas em fase de inquérito a prática de actos de colaboração ou instrumentais». Ora, V. Ex.ª foi chamar a isso o «agente infiltrado», o que é completamente diferente de agente de colaboração. Aliás, na nossa intervenção diremos como o é «agente infiltrado»...
O Sr. Presidente: - Ficará para depois, para a sua intervenção, Sr. Deputado.
Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Justiça
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, V. Ex.ª sabe que uma feliz coincidência nos tem colocado sempre um perante o outro neste debate em matéria de combate à corrupção e sabe o> gosto pessoal que tenho em poder tê-lo como interlocutor. Lamento tê-lo desiludido porque, enfim, a auto-estima que cada um de nós vai mantendo também acaba por ser mais atingida consoante os atributos que conferimos àquele que nos classifica negativamente. Mas, apesar de tudo, preferiu desiludir V. Ex.ª do que ter-me desiludido a mim próprio.
Efectivamente podia ter vindo aqui falar de política de combate à corrupção e foi exactamente o que fiz quando, por duas vezes, aqui vim lutar por uma lei importante de combate à corrupção que, felizmente, acabou de ser publicada. Mas agora vim, não só na sequência dessa lei de combate à corrupção que ela própria é já, em termos estruturais, uma parte importante da definição dessa política, trazer também a minha própria cara como responsável pelo ponto da situação no combate à corrupção.
Repare como me teria sido simples limitar-me a dizer que sem lei nada se fez durante este tempo e tentar remeter para outros a responsabilidade desse vazio. Todavia, quis ir mais longe e dizer que, apesar de não haver a lei, introduzimos alterações importantes no domínio do combate à corrupção. E é aqui, e apenas aqui, que coloco a distinção entre o que é fácil dizer e o que é difícil fazer. Digo apenas aqui, porque entendo que este argumento, apresentado secamente, é um argumento eticamente pouco sólido quando se fala à oposição que, obviamente, exerce uma função de dizer e menos uma função de fazer, pois compete ao Governo a função de fazer e não a de dizer. Mas é evidente, porque isto é político e não é preciso demonstrá-lo, que é mais fácil criticar e mais difícil fazer. E óbvio que estivera eu sentado numa bancada da oposição e certamente não deixaria significar aquilo que de importante não foi ainda conseguido nesta matéria. Cabe-me também, reconhecendo isso, significar aquilo que de importante foi conhecido nesta matéria.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado, estamos hoje a trabalhar sobre dois relatórios de inspecção ordinária à Polícia Judiciária, um relativo a 1990 e outro a 1993. Não podemos isolar estes dois relatórios apenas como elemento de aproximação ao conhecimento da situação; temos de começar por isolá-los, dizendo que em 50 anos de existência da PJ estas foram as duas primeiras inspecções ordinárias que foram feitas àquela instituição. Isto é importante, porque, em termos de democracia, em termos de transparência do funcionamento do sistema, em termos de não policialização da intervenção da polícia, é fundamental que se saiba que, periodicamente, de três em três anos, em inspecção ordinária, uma entidade absolutamente autónoma inspecciona e, mais do que isso, saber-se que logo que o relatório chega às mãos do Ministro da Justiça ele envia-o de motu próprio ao Parlamento e, imediatamente após, aí se dirige para como os Srs. Deputados discutir o seu conteúdo.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, isso faz parte de uma atitude perante as coisas e esta atitude faz parte da política que se exerce face aos problemas. Neste domínio não tenho nenhuma dúvida de que não só não desiludi como confirmei junto de V. Ex.ª expectativas que tinha gerado a meu propósito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, mais do que isso, quando analisamos o relatório da última inspecção à Polícia Judiciária sabemos que esse relatório se refere aos anos que vão de 1990 a 1993. Esse relatório foi presente e apreciado aqui, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em Junho de 1994. E nesse mês de Junho tive ocasião de dizer que era previsível a publicação da lei de combate à corrupção para Setembro, que estavam a ser lançadas e projectadas todas as medidas que vinham na decorrência dessa lei, para que elas pudessem ser colocadas no terreno no momento da sua entrada em vigor, isto é, no fim de Dezembro, princípio de Janeiro de 1995.
Isto era de tal maneira conhecido e aceite tacitamente pelo Partido Socialista que o Sr. Deputado Alberto Costa,
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de uma forma perfeitamente judiciosa, que é a que caracteriza as suas intervenções, disse, no início, que seria caso para repensar a continuidade do Ministro da Justiça. Ora, depois desta afirmação não voltou a repetir essa necessidade de repensar a manutenção do actual ministro no cargo, o que significa que todos aceitámos - e isso foi publicamente conhecido - que a lei seria publicada em Setembro e que até ao fim do ano entrariam em funcionamento as respectivas medidas.
Mas, mais do que isso, Srs. Deputados, no dia 12 de Setembro tive ocasião de proferir uma conferência de imprensa e o Partido Socialista conheceu-a, bem visto que imediatamente a seguir, também outra vez pela voz do Sr. Deputado Alberto Costa, houve uma contra-afirmação relativamente ao conteúdo da conferência de imprensa, não tão pujante mas apesar de tudo oportuna no tempo. O que aconteceu foi que se soube nesse dia que havia anunciado que, até ao fim do ano, estariam em funcionamento as medidas de combate à corrupção. Evidentemente que esse anúncio terá sido um pouco abafado pela quantidade feliz e enorme de outras medidas que foram anunciadas de para outras áreas do funcionamento da justiça, algumas delas concretizadas já, mas isto foi dito publicamente.
Não tivéssemos nós suscitado, porventura um tanto artificialmente, neste momento, esta questão e digo, porque esta questão não é nunca uma questão artificial e tê-lo-á sido só agora, que estaríamos, porventura, muito mais consensualmente, a analisar o que se fez até aqui e a preparar o lançamento destas medidas para o tempo que vai seguir-se e, eventualmente e obviamente, analisando também aquelas que VV. Ex.ªs acabaram de sugerir como medidas, porventura importantes uma vez melhor analisadas também, para o combate à corrupção.
Ora, o que sucede, Sr. Deputado, é que desde Janeiro de 1994 até Outubro de 1994, na Polícia Judiciária, neste departamento, houve uma modificação já importante, ela própria balançada para a aceitação das novas instalações e das novas medidas que aí vêm. E posso dizer-lhe que em todos os casos houve uma enorme movimentação de vários processos que, justamente porque houve carência de meios, tiveram que estar parados durante tempo, ...
O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Ministro.
O Orador: - ... bastante mais do que aquele eu próprio gostaria que tivesse acontecido, mas que permite que neste momento seja mínimo o número de processos que não têm diligências e que o número de processos terminados seja já superior ao número de processo iniciados.
Porém, Sr. Deputado, não venho invocar este argumento para dizer que a questão está resolvida. Não está porque tenho a percepção, todos temos, que é fundamental iniciar vários outros e que há, certamente, um mundo obseuro de corrupção que não chega ao conhecimento das autoridades - e é fundamental que isso aconteça. Mas, justamente por isso, aí estão agora, previstas na lei, as medidas de prevenção que vão permitir actuar no terreno, em zonas de suspeita, para vir a confirmar ou não a existência eventual de indícios que determinem a criação dos respectivos inquéritos.
Sr. Deputado, o que pretendo dizer-lhe é que, para quem tem a responsabilidade de fazer, a leitura destes fenómenos tem que ser dinâmica, necessariamente. Uma fotografia em paralítico mostra-nos que há muito para fazer; uma leitura dinâmica mostra que muito tem acontecido. E não é bom que neste momento, por razões que não imputo a qualquer tipo de intenção perversa mas, porventura, por alguma distracção e até por falta de informação nossa, se faça hoje uma leitura de uma situação, que era correcta na data em que a inspecção foi feita, mas que já não corresponde exactamente à verdade neste momento.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não quero com isto dizer que V. Ex.ª deu informações não sérias, conheço-o bem e sei muito bem da seriedade com que V. Ex.ª aborda este tipo de questões.
Qual a amplitude da corrupção? Evidentemente que nenhum de nós sabe exactamente qual a amplitude da corrupção, mas também é verdade que não tínhamos instrumentos para o poder fazer. E como V. Ex.ª sabe - e sabe pela sua formação científica e não apenas pela sua formação política -, esta matéria não é susceptível de um trabalho criminológico de investigação. Como V. Ex.ª bem sabe é uma matéria em que a investigação resulta muito das extrapolações que resultam, também elas próprias, daquilo que é o tipo de investigação criminal e, portanto, do número de processos.
É justamente por isso que, em muito Estados onde acontecem situações como as que ocorrem actualmente em Itália, tal não deixa de ser surpreendente- é-o na própria Itália - em função, justamente, da incapacidade de previsão real e objectiva da dimensão do fenómeno.
Referiu V. Ex.ª que o Ministério Público e a Polícia Judiciária dizem que não têm meios. Eu nunca disse o contrário. Há pouco foi mencionado que «o Ministro foi forçado a reconhecer». Felizmente nunca fui forçado a reconhecer verdade nenhuma. Reconheci-a sempre e presumo e acredito que V. Ex.ª também o reconhece relativamente ao actual Ministro da Justiça.
Sr. Deputado, é evidente que tanto o Ministério Público como a Polícia Judiciária não têm todos os meios de que carecem. Mas, Sr. Deputado, não há dúvida de que têm muito mais do que aquilo que tinham ainda há relativamente pouco tempo e não há dúvida de que tem havido um investimento importantíssimo, quer no domínio da Polícia Judiciária quer no domínio do Ministério Público.
Foi por isso que, há pouco, desafiei quem quer que seja, não por uma vontade, não por uma fanfarronada, mas porque isto é verdade: nunca, em qualquer época ou período, se investiu tanto neste domínio, embora, obviamente, reconheçamos que há ainda um caminho importante a percorrer e que há um caminho longo a desenvolver. E é exactamente por isso, Sr. Deputado, que firmamos também uma opção que, para nós, é essencial: a de concentrar os meios que são de investigação em quem executa a investigação, não para policializar a investigação - e nesse aspecto, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que estou extraordinariamente à vontade...
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, tem muitas mais perguntas para responder...
O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar já esta parte da resposta.
Dizia eu, estou extremamente tranquilo, Sr. Deputado, porque a lei que existe e que estabelece a relação tridimensional, que há pouco referi, saiu da maioria do Partido Social Democrata que apoia o Governo, a actual lei de autonomia do Ministério Público saiu da minha própria proposta. Sei perfeitamente qual é o significado da autonomia
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do Ministério Público e tenho vários discursos escritos em que, inequivocamente, digo que, num Estado dg direito, as polícias têm de subordinar-se às magistraturas. Para mim isto é inequívoco, para mim isto é claro. A questão está em saber, agora, como é que se estabelece essa relação de subordinação. Também aqui vale o que vale para todos nós, Sr. Deputado, pois as relações de subordinação em democracia pautam-se por um determinado tipo de atitudes, as relações de subordinação em ditadura pautam-se por outro tipo de atitudes.
Portanto, a relação de subordinação existe, a lei prevê-a, não há equívocos a esse propósito; temos todos, em conjunto, de tornar mais eficaz uma realidade que, para nós, é evidente.
Disse V. Ex.ª, numa frase a colocar entre aspas e, obviamente, com repercussão na comunicação social: o Ministro perdeu o combate.
Sr. Deputado, a frase é sua, V. Ex.ª é dela o autor, e eu dou-lhe o mérito da frase. Fico para mim com a continuação da luta por este combate. O importante, Sr. Deputado, não é saber se o Ministro perdeu ou não o combate. Em qualquer país e em qualquer regime democrático um ministro perder não faz diferença nenhuma. O importante é que se não crie na opinião pública, falsamente, a ideia de que isso é verdade, porque não é.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quando apresentei estas medidas, quando vim ao Parlamento, quando lutei assaz e tenazmente por esta lei, fi-lo por instrumentos fundamentais para. ganhar o combate. Não vale, Sr. Deputado, acusar o Ministro enquanto ele não teve os instrumentos pelos quais lutou e agora, que ele os tem todos, dizer que ele perdeu o combate. Julgo que V. Ex.ª não teve esta intenção.
Sr. Deputado, digamos que, em matéria de combate à corrupção, estamos empatados, e se estivermos empatados o importante não é que eu ganhe ou que V. Ex.ª ganhe, mas sim que, todos juntos, possamos ganhar o combate à corrupção.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, vou ser muito mais rápido na resposta ao seu pedido de esclarecimento.
Disse V. Ex.ª que a minha conferência de imprensa veio perturbar. Eu sabia que vinha perturbar, Sr. Deputado, porque, pela primeira vez e de forma clara, se apresentaram medidas inequívocas para combater a corrupção e, obviamente, várias pessoas ficaram perturbadas. V. Ex.ª não, como é evidente, mas várias pessoas se perturbaram. Isto agora é sério, e quando se fala de corrupção o tema perturba.
Agradeço, por isso, que V. Ex.ª, que pertence a uma bancada diferente daquela que apoia o Governo, tenha reconhecido que, de facto, estas medidas são perturbadoras para aqueles que julgavam que o combate à corrupção não passava do debate político e viram que, afinal, ele vai ser levado à prática de forma inequívoca.
Sobre elas falaram, obviamente, o Director-Geral da Polícia Judiciária, o Procurador-Geral da República, o Ministro da Justiça e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público - Óptimo, vivemos em democracia.
No outro dia tive ocasião de dizer a V. Ex.ª que os meus directores-gerais são pessoas que escolho com grande rigor, levando em conta a sua capacidade intelectual e o mérito que têm. Como é evidente, não vou depois proibi-los de manifestarem as suas opiniões, pois isso seria uma contradição quanto ao critério que uso para escolhê-los.
No entanto, o Director-Geral da Polícia Judiciária não disse que seria ele a coordenar os meios, o que disse foi que seria ele a dirigir os meios na Polícia Judiciária o que, evidentemente, é uma coisa diferente, porque o Director-Geral da Polícia Judiciária ainda não vai coordenar meios que V. Ex.ª nem sequer aceita que sejam coordenados pelo Ministro. O meu Director-Geral tem toda essa qualidade que referi, mas não tem a qualidade institucional suficiente para fazer a coordenação que V. Ex.ª nem sequer admite na pessoa do Ministro da Justiça.
Por outro lado, disse que o meu discurso era muito bonito em matéria de democracia, mas que o importante era a tipicidade criminal. Sr. Deputado, não quero saber se o meu discurso é bonito em matéria de democracia. O que sei é que é muito feio o que pode acontecer à democracia se não se fizerem discursos deste tipo e se não chamarmos a atenção para muitas infiltrações insidiosas, bem mais perigosas do que o «agente infiltrado» que propus a V. Ex.ª.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peco-lhe que conclua.
O Orador: - Estou mesmo a acabar, Sr. Presidente.
Disse também V. Ex.ª que o problema não está em maior ou menor panóplia de meios, mas sim na sua gestão. Agradeço-lhe a sua opinião, e é exactamente isso o que tenho vindo a defender há muito tempo.
Falou na policialização da justiça. Não é verdade. Sr. Deputado. V. Ex.ª sabe que não é verdade, como sabe também que, neste momento, é razoavelmente fácil lançar essa atoarda para a opinião pública, porque ela cola mais facilmente do que o discurso explicativo do funcionamento das instituições.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É o Procurador-Geral da República que lança a atoarda?
O Orador: - Relativamente à policialização da justiça, se isso foi dito assim pelo Procurador-Geral da República, é uma atoarda. Não há policialização da justiça, pois não temos nenhum estatuto que permita essa policialização. O que pode acontecer é que o menor conjunto de meios de que o Ministério Público tenha à disposição, pode não lhe dar a possibilidade de uma permanente e sistemática direcção efectiva. Se isso acontecer!...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro.
O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, não tem tempo para dar. Já usou três vez mais de tempo do que aquele de que dispunha pelo Regimento. Não podemos distorcer o debate.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É só para dizer...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe dou tempo para que interrompa, pela simples razão de que o Sr. Ministro já está fora do seu tempo e estamos a distorcer o debate.
Sr. Ministro, peco-lhe que conclua a sua resposta.
O Orador: - Sr. Presidente, desculpe, concluo logo após a intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Está aqui exactamente a expressão...
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O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Ministro que conclua a sua intervenção.
O Orador: - Sr. Presidente, permita-me só que peça ao Sr. Deputado Narana Coissoró que me diga a frase que leu. É só uma frase.
O Sr. Narrara Coissoró (CDS-PP): - É a seguinte, Sr. Ministro: «Receio, todavia, que as questões dos meios e da dependência funcional estejam a desfigurar o sistema previsto na lei, produzindo um efeito (a policialização da investigação e da instrução criminal) em que não acreditei e que agora admito se não forem, com urgência, introduzidas as correcções que se impõem.»
Preto no branco.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Aqui não é preto no branco, é azul no branco.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peco-lhe mesmo que conclua.
O Orador: - O que V. Ex.ª disse na sua intervenção foi «policialização da justiça» e foi isso que eu lhe disse que era uma atoarda...
O Sr. Narrara Coissoró (CDS-PP): - Da justiça criminal.
O Orador: - Perdão, Sr. Deputado, estamos a falar do que dissemos. Se V. Ex.ª disse «preto no branco» não pode agora acinzentar o preto!... Policialização da justiça foi o que V. Ex.ª disse e foi isso que eu disse que seria uma atoarda.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de concluir. Já utilizou 16 minutos quando devia ter usado 5 minutos.
O Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, quando a questão da distribuição dos tempos de intervenção foi abordada na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, manifestei as minhas dúvidas acerca de uma distribuição igualitária porque era previsível que os diversos grupos da oposição questionassem intensamente, quer a maioria quer o Governo.
O que peço a V. Ex.ª é que, em nome da primazia do conteúdo do debate, que é um assunto da maior importância e da maior actualidade, não enclausure as intervenções dentro da rigidez formal do debate.
O Governo tem sido aqui questionado da forma mais intensa e pormenorizada e é natural que, em nome da clareza do debate e da utilidade do debate, V. Ex.ª permita que o Governo responda a todas as questões que lhe são postas sem limite de tempo.
Estou convencido que nenhum grupo parlamentar deixará de aceitar este princípio porque, quer a oposição quer a maioria, desejam que a questão seja clarificada sem limites de tempo.
O Sr. Presidente: - Gostaria, Sr. Deputado, de responder à interpelação.
V. Ex.ª insinua que eu estou a tentar enclausurar o debate. Não quero enclausurar o debate, quero que tudo seja discutido até ao fundo e podemos estar aqui até à meia-noite.
O que não quero é que a ordem do debate seja pervertida. Há um ritmo parlamentar, há uma intervenção e há tempos para resposta. O Sr. Ministro tem mais nove interrogantes, decerto vai responder a cada um deles - espero que não deixe de fazê-lo - e eu quero que o Sr. Ministro distribua correctamente o seu tempo, em função do tempo parlamentar que me compete assegurar. Não entendamos as coisas só em sentido «fecha ou abre a torneira», pois não estou a fechar a torneira a ninguém.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, tinha pedido a palavra, entretanto o Sr. Deputado Silva Marques usou da palavra e eu quase diria que o meu pedido de interpelação à Mesa era desnecessário. Por uma vez - não são muitas, mas acontece -, estou em perfeita sintonia com o Sr. Deputado Silva Marques.
Sr. Presidente, não o acuso de estar a enclausurar o debate. Penso que o debate é suficientemente importante para que não seja espartilhado por regras formais de tempos atribuídos, que o Sr. Ministro deve usar da palavra quando considerar necessário e durante o tempo que considerar necessário para nos esclarecer, da mesma forma que as bancadas da oposição deverão beneficiar da possibilidade de interpelarem o Governo e de exporem os seus pontos de vista com a mesma liberdade.
A questão é suficientemente importante para que este entendimento do funcionamento do Parlamento, que não pode ser um entendimento puramente regimental, respeitador de regras puramente formais, acabe por esvaziá-lo do seu verdadeiro sentido.
O apelo que faço- e não estou a acusar a Mesa de querer enclausurar quem quer que seja - é que, tendo em conta a natureza e a importância do debate, a Mesa use de uma maleabilidade na gestão dos tempos diferente da que é habitual e da que é utilizada no quotidiano desta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o tema é muito importante, como, em regra, são importantes todos os temas que passam pela Câmara.
Insisto, que é meu dever e minha obrigação, neste lugar, gerir os tempos e o ritmo do debate parlamentar. O conteúdo pertence a VV. Ex.ªs e os tempos também. Se quiserem estar aqui até à meia-noite ou até às duas horas da madrugada estaremos, mas vamos respeitar o ritmo parlamentar.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Sr. Manuel Sérgio (Indep.): - Sr. Presidente, vou ser muito rápido, até porque ao nível humano pode haver rigor mas nunca há exactidão. O todo é indizível e, portanto, espero que rapidamente me compreendam.
Desejando vivamente que este debate não se converta em mera luta partidária, mas seja antes o início de uma cruzada ética, levanto, rapidamente, três perguntas ao Sr. Ministro da Justiça.
Primeira questão: que pensa o Governo fazer para inverter a lógica da complacência social perante os actos
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diários de pequena e insidiosa corrupção praticados por uma percentagem razoável de funcionários da administração pública?
Segunda questão: sabendo-se que a burocracia funciona como o escudo protector dos funcionários dos serviços públicos, por que razão se não acelera um dos objectivos estratégicos mais importantes, o processo da desburocratização?
Terceira questão: por que é que não se institui um organismo transmunicipal, sob a égide da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, que tenha por missão zelar pela transparência da gestão autárquica?
Disse tudo, muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe, lembro à Câmara que estão a decorrer duas eleições, uma para o Conselho Superior da Magistratura e outra para o Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários, e que, segundo estou informados pelos respectivos escrutinadores, os Deputados ainda nelas não participaram activamente, quando há quorum de eleição, como sabem, pelo menos para um destes cargos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, poderei dizer que é a segunda vez que o ouço hoje, na medida em que tive a oportunidade de ouvir também uma entrevista que V. Ex.ª deu, esta manhã, a uma rádio.
Quero, precisamente, confrontá-lo com um aspecto que referiu nessa entrevista e que não referiu aqui. Como não o fez, pareceu-me importante que reafirmasse o que disse esta manhã.
Estou a reportar-me ao facto de ter declarado que via com bastante interesse as iniciativas propostas por vários partidos da oposição - que, ontem mesmo, foram anunciadas sobre esta matéria -, e que, pela nossa parte, ainda há pouco o meu camarada Luís Sá teve a oportunidade de anunciar.
Queria também que se registasse aqui, neste debate - e isso ainda não foi feito -, a disponibilidade do Sr. Ministro para a consideração, presumo que por parte do PSD, das iniciativas propostas pelos partidos da oposição. Naturalmente ficaremos à espera, quando essas iniciativas forem efectivamente debatidas em concreto, de ver em quê é que se traduzirá o interesse e a consideração que o Sr. Ministro, hoje, teve a oportunidade de anunciar.
Voltando ao conteúdo da intervenção do Sr. Ministro e às questões que ela suscita, gostaria de dizer que os factos revelam que o Governo não demonstrou até ao momento, na prática, que estivesse seriamente empenhado no combate à corrupção.
O Sr. Ministro referiu aqui as consequências que retirou dos relatórios da inspecção do Ministério Público à Polícia Judiciária. Efectivamente, o Governo recebeu o relatório, veio à Assembleia da República discuti-lo, mas, depois, não tirou consequências práticas disso. O que se verificou foi que as recomendações feitas para corrigir as disfunções verificadas na Polícia Judiciária não foram seguidas e essas disfunções não foram minimamente corrigidas. É o que nos mostram os relatórios de 1990 e de 1993. Essa é a realidade!
De facto, se o Governo estivesse empenhado, como afirma, no combate à corrupção e em alterar esta situação, não se verificaria a gritante falta de meios do Ministério Público, que há vários anos tem vindo a ser insistentemente referida. Já no relatório de 1990 se referia essa gritante falta de meios. Referiu-se também no relatório de 1993 e continua a referir-se, como sendo uma situação que corresponde à realidade que hoje se vive.
Se houvesse, na realidade, uma vontade séria de combater a corrupção, não se verificaria o caso de haver processos de crime de corrupção que estão seis e sete anos sem qualquer investigação. De facto, se houvesse essa vontade séria, isto não seria possível, não se verificaria a situação que é descrita como de autêntico descalabro na investigação dos crimes de corrupção e fraude.
Se o Governo está empenhado em combater a corrupção e se essa preocupação não é uma mera encenação, como se pode explicar uma situação destas? Isto é, na sequência destes relatórios de inspecção à PJ, que verificam a situação existente e fazem recomendações para a alterar, por que razão se reconhece muitas vezes que há alterações positivas noutras áreas e nesta não? Por que razão é que a área do combate à corrupção é precisamente o «parente pobre» da Polícia Judiciária?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O Governo não ignora, certamente, que a autonomia do poder judiciário e a disponibilidade de meios foram fundamentais para o combate à corrupção, designadamente, no caso da Itália, como o meu camarada Luís Sá referiu há pouco. O Sr. Ministro não ignora isso, e se o Governo está empenhado em combater a corrupção, como explica que esses meios não sejam disponibilizados e se continue a actuar de forma a pôr em causa a dependência funcional da investigação criminal face ao poder judiciário?
Sr. Ministro, não basta que as autoridades judiciárias tenham, de facto, a titularidade formal da direcção da investigação, é necessário que eles tenham os meios necessários para exercer essa titularidade efectiva e para dirigir, efectivamente, a investigação. Ora, é isso que não tem sido possível entre nós.
Na realidade, o denominador comum das medidas que o Sr. Ministro nos apresenta aponta para a policialização da investigação criminal. Isso é uma realidade a que o Governo não pode fugir. Se o Governo quer ser consensual, nesta matéria do combate à corrupção, a questão que se coloca, e colocá-la-ei, para terminar, é a seguinte: por que razão o Governo insiste em não dotar de meios as autoridades judiciárias, permitindo-lhes dirigir a investigação com meios, com eficácia e no respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos?
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, para responder, informo a Câmara de que a Mesa decidiu atribuir a cada grupo parlamentar e ao Governo mais 15 minutos e mais tempo será atribuído se isso se tornar necessário para que tudo fique esclarecido.
Sr. Ministro da Justiça, tem a palavra.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, vou ser o mais telegráfico possível.
Sr. Deputado Manuel Sérgio, com certeza que o conjunto de questões que colocou são importantes como pano de fundo para garantia de um eficaz combate à corrupção. Devo dizer-lhe que não tenho vocação, enquanto membro do Governo, para introduzir uma lógica de anticomplacência social. Isso é um pouco uma atitude culturalista do Governo e entendo que estas coisas têm de ser feitas
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fora da intervenção governamental. Não quero, já agora, governamentalizar a própria cultura do cidadãos, quero, antes, que eles tenham estímulos para poderem, em cidadania, ganhar ainda mais a possibilidade do cumprimento de direitos e deveres que nos elevem a todos como povo. No entanto, como é evidente, as questões que colocou são sempre interessantes para suscitar a nossa reflexão.
Sr. Deputado António Filipe, se não se importa, começaria exactamente pela última questão que colocou.
Começo por referir um aspecto que, suponho, nem sempre tem sido trazido ao conhecimento de todos. V. Ex.ª sabe que o grupo de magistrados italianos que têm conduzido o processo que referiu se iniciou com o célebre grupo de magistrados de combate à Mafia, à frente dos quais estiveram, sucessiva e infelizmente, porque a sucessão resultou do assassinato de dois deles, o juiz Falcone, o juiz Borsellino e, ultimamente, a madame Ferrar. Não sei se VV. Ex.ªs sabem que o juiz Falcone, o juiz Borsellino e, agora, a madame Ferrar são quem, na ausência do ministro, representa o Governo italiano nas reuniões e nos Conselhos de Ministros da União Europeia, acompanham sempre o Governo italiano às reuniões de ministros da União Europeia e têm afirmado a sua independência, porque são magistrados com a independência afirmada há muitos anos em Itália e não através da afirmação de um estatuto formal, onde essa independência resulte evidenciada mas que só por si, obviamente, enquanto estatuto, pouco consegue produzir.
Justamente por isso, entendo que, entre nós, temos de dar o salto importantíssimo para aquilo que já conquistámos: a inequívoca independência dos tribunais, a inequívoca autonomia do Ministério Público, acrescentando-lhe aquilo que me parece óbvio numa democracia adulta, isto é, a capacidade de as instituições cooperarem entre si, sem complexos nem preconceitos, sem criarem esta situação, perturbante para os cidadãos, de estes verem todos os que estão encarregados de combater a corrupção de costas uns para os outros, em vez de estarem de peito voltado para o mesmo objectivo.
O Sr. António Filipe (PCP): - Mas o Sr. Ministro também não ignora que em Itália a polícia judiciária não depende do governo!
O Orador: - Sr. Deputado, não ignoro coisa nenhuma. Não o ignoro, mas a situação na Itália foi uma situação construída ao longo do tempo, de um lento processo de construção democrática, e que pôde permitir que se chegasse a um estádio de evolução que, com certeza, é aquele para o qual caminhamos, mas falta-nos também essa capacidade de coordenação superior deste tipo de intervenção, que me parece importante para garantir uma democracia consolidada.
Sr. Deputado, sei que V. Ex.ª teriam querido um reforço de todos os meios enquanto a lei anticorrupção não fosse publicada. Sei isso, Sr. Deputado! Porque havia, é importante não escamotearmos da nossa divergência esta questão, nesta matéria duas posições diferentes: a do Partido Comunista Português, defendendo, como defendeu sempre, que era a Procuradoria-Geral da República que devia fazer directamente a investigação; e a do Governo, que defendeu sempre que a investigação deve ser feita pela Polícia Judiciária, com a direcção da Procuradoria-Geral da República ou do Ministério Público e a tutela do controlo da legalidade pelo juiz. Isto foi sempre assim, mas esta é a diferença ideológica entre o Partido Comunista
Português e o Partido Social Democrata. Aqui, estamos num plano de divergência.
É óbvio que, enquanto a lei não entrava em vigor, a possibilidade de se conseguir pelos meios o que não se conseguia pela via legislativa dava uma hipótese de o PCP ter ganho o seu terreno. Mas não é, Sr. Deputado. Por uma razão muito simples: se V. Ex.ªs levarem às últimas consequências aquilo que pretendem, estão a policializar o Ministério Público, que é o mais grave. Isto é, estão a transformar o Ministério Público em polícia. Ora, o Ministério Público é uma magistratura que dirige a investigação criminal e tem de ter os meios para a dirigir, não para executar a investigação criminal.
Então, levando às últimas consequências o que V. Ex.ªs pretendem, teria de haver um laboratório de polícia científica e, porventura, outro de lofoscopia, na Procuradoria-Geral da República, e o Ministério Público seria uma estrutura de investigação. Nessa altura, teríamos de voltar ao regime tradicional do juiz de instrução criminal, porque, a nomine, tínhamos uma magistratura, mas, pela natureza das suas próprias funções, tínhamos uma polícia. Ora, também não quero isso. Justamente por causa disso, falo numa relação tripartida, em nome da democracia e do Estado de direito, que garante três planos: um, de investigação; outro, de direcção; e outro, de controlo.
Quanto a esta matéria, Sr. Deputado, em política é importante que saibamos consensualizar o que é consensualizável e marcar bem os terrenos naquilo em que temos opiniões divergentes. Pessoalmente, nesta matéria, não cedo, porque entendo que ela é fundamental enquanto estruturação do Estado de direito.
Finalmente, V. Ex.ª perguntou-me se eu continuava a ver com interesse as iniciativas propostas pelos partidos da oposição. Sr. Deputado, durante toda a minha vida me bati pelo regime de democracia parlamentar, obviamente, para ver sempre com interesse as propostas apresentadas por partidos da oposição. O que não significa que tenha de concordar com todas elas, como é evidente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça disse que há uma vontade clara e inequívoca de combate à corrupção. Quero acreditar nisso.
Sr. Ministro, tenho estado à espera de uma palavra sua ou do Sr. Primeiro-Ministro, tenho estado à espera de que algo aconteça, relativamente a uma extraordinária entrevista recentemente concedida pelo Dr. Marcelo Rebelo de Sousa. Como nada foi dito, como nada aconteceu, presumo que V. Ex.ª e outras entidades não tomaram conhecimento da entrevista. Por isso, permito-me trazê-la aqui neste momento, porque penso que é o momento e o local próprio.
Trata-se de uma entrevista extraordinária, como são todas as que concede o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, não só pela acutilância e inteligência da análise como pelo inesperado e o imprevisto que pode acontecer. Nesta entrevista, concedida à revista Grande Reportagem, ao Dr. Miguel Sousa Tavares, acontece mesmo o inesperado. A certa altura, ele diz: «Às vezes, a ocasião faz o ladrão. Outras vezes, já tenho dito, estou em plena votação e, de repente, alguém me chama da minha bancada» - na Assembleia Municipal de Lisboa - «para me vir dizer: olhe que há aqui uma votação fundamental, em que estão envolvidos milhões
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de contos e que pode haver uma contrapartida partidária de dezenas de milhar, se a votação for...». Quer dizer, o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, que foi candidato à Câmara Municipal de Lisboa, faz parte da Assembleia Municipal de Lisboa, é ex-Ministro e elemento proeminente do partido que apoia o Governo, vem publicamente dizer,, numa entrevista, que foi várias vezes assediado contra a promessa de vantagens de financiamento para votar de ma determinada maneira ou deixar de votar.
Creio que esta entrevista tem de ter consequências. Gostaria de saber o que pensa V. Ex.ª, o Sr. Primeiro-Ministro e outras entidades e o que vai acontecer. Porque, se nada acontecer...
O Sr. Silva Marques (PSD): - O que pensa o Sr. Deputado?
O Orador: - Penso que alguma coisa tem de acontecer, porque, se nada acontecer, penso que isto é muito grave.
Aliás, como o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa gosta muito de dar notas, eu, pelo resto da entrevista, dava-lhe 18, por este bocadinho, porque ele nada fez, dou-lhe 0, logo, a média é 9. Se nada acontecer, se V. Ex.ª e o Governo nada fizerem, tenho de dar 9 ao combate do Governo contra a corrupção.
Aplausos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Por que não faz a denúncia ao Procurador-Geral da República?
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, talvez seja melhor os Srs. Deputados irem ao programa O juiz decide, para resolverem esse diferendo.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, no decurso das suas respostas, numa delas, já não sei qual, V. Ex.ª deixou cair uma «deixa» errada. Uma «deixa», em termos teatrais, claro. Sei que V. Ex.ª gosta de teatro e eu também, por isso, às vezes também uso esta terminologia,
O Sr. Ministro da Justiça: - É por isso que deixo sempre uma «deixa» para V. Ex.ª.
A Oradora: - Dizia eu, deixou cair uma «deixa» errada: a de que sabia muito sobre autonomia do Ministério Público e tinha, de facto, escrito e feito muitas coisas por essa autonomia.
No entanto, é já do seu tempo, há mais ou menos um ano, uma alteração à Lei Orgânica do Ministério Público, em que é da sua autoria uma diminuição da autonomia do Ministério Público...
O Sr. Ministro da Justiça: - Quer exemplificar?
A Oradora: - ... e o enfraquecimento da dependência funcional da Polícia Judiciária em relação ao Ministério Público.
O Sr. Ministro da Justiça: - Quer dar um exemplo?
A Oradora: - V. Ex.ª ir-me-á responder a isto, com certeza, mas gostaria que me deixasse continuar.
Nessa alteração à Lei n.º 47/86, retirou ao Ministério Público a possibilidade de fazer a chamada fiscalização pré-processual da actuação da Polícia Judiciária e dos outros órgãos de polícia criminal, que, como até vimos ontem no programa Casos de polícia, bem precisa é.
Tenho para mim que muitas questões poderiam ser resolvidas, no combate à corrupção, sem a existência da Lei n.º 36/94. Não precisava dela para reforçar os meios da Polícia Judiciária e do Ministério Público, para reformular os currículos do CEJ, por exemplo, em termos de aos magistrados serem dados alguns conhecimentos sobre estas questões tão complicadas da corrupção, que se relacionam com contabilidades de empresas, etc. Não precisava dela para reforçar o Ministério Público com meios humanos, com a possibilidade de requerer perícias e ter peritos ao seu dispor. Para isso não era, efectivamente, preciso esta lei.
Sr. Ministro, vou referir uma afirmação de um inspector da Polícia Judiciária do Porto, que aqui nos foi trazida pelo Sr. Procurador-Geral da República, e que veio nos jornais. Disse esse inspector que se a Polícia Judiciária, no Porto, fechasse as portas, demoraria 10 anos a pôr «a casa em ordem» e não podia fazer mais nada. Portanto, a verdade é que até a Polícia Judiciária não dispõe de meios.
Sr. Ministro, no que diz respeito à quebra do segredo bancário, que consta da lei anticorrupção, lembro-lhe que sempre afirmámos que o segredo bancário era excessivo. Ora, a quebra desse segredo já era permitida pelo Código do Processo Penal, de maneira que não era preciso prevê-la nesta lei.
Foi aqui muito falada a questão do «agente infiltrado», em relação ao artigo 6.º, contra o qual nenhum partido votou, tendo o PCP, inclusive, votado a favor.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, faça o favor de terminar.
A Oradora: - Nessa altura, até era eu que estava na Comissão. Ora, do que se fala neste artigo 6.º - e tenho pena de não ter aqui o diploma para ver o recorte do «agente infiltrado» - é de actos de colaboração ou instrumentais. E, dando um exemplo, um agente da Polícia Judiciária pode ir para as filas da Conservatória dos Registos Centrais, onde lhe dizem que estão a levar dinheiro para tratar dos assuntos e o mandam ir pela porta do lado - isto, sem desprimor para a Conservatória dos Registos Centrais, porque não quer dizer que se passe lá isto, é só um exemplo - para, assim, conseguir os registos mais rapidamente; ele vai para lá, assiste ao que se passa e pode até intrometer-se no meio daquilo e dizer que também pretende fazer um registo.
Ora, pensei que isto servia para defender um agente que actuasse desta maneira e, nesse aspecto, não me parecia mal. Agora, o que tenho ouvido por aí é que, de facto, o «agente infiltrado» é algo que ultrapassa isto. Aliás, a acreditar nas palavras do Sr. Deputado Costa Andrade - neste momento, ausente -, que é contra o «agente infiltrado»... Ah, o Sr. Deputado acaba de chegar!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Fui votar!
A Oradora: - Como dizia, o Sr. Deputado Costa Andrade, que é contra o «agente infiltrado», explicou, há alguns dias, o que era o «agente infiltrado» e escreveu alguma coisa contra essa figura.
Ora, sendo isso, ou seja, uma rede de «bufos» infiltrada por todas as repartições, penso que devia atender-se ao que o Sr. Deputado Costa Andrade diz e riscar-se o «agente infiltrado» desse diploma.
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O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.
A Oradora: - Sr. Presidente, vou concluir, dizendo que vou reincidir na questão daquela estrutura tripartida, embora, nós, desde o princípio, tenhamos votado contra o Código de Processo Penal, do que não nos arrependemos, e dito que preferíamos o modelo do juíz de instrução, do tribunal de instrução, a quem nunca foram dados meios. Por outro lado, como o Sr. Procurador-Geral disse, e muito bem, o juíz de instrução, em Portugal, foi o juíz da instrução feita pelas polícias - essa é que a verdade!
Porém, o Ministério Público também não é, de forma alguma, aquele que dirige a investigação criminal, já que se limita a pôr a chancela em actos da Polícia Judiciária. Além do mais, normalmente, as averiguações sumárias não chegam ao Ministério Publico - e V. Ex.ª também sabe isso -, contrariamente ao disposto no Código de Processo Penal. Inclusivamente, numa investigação à Polícia Judiciária descobriu-se uma averiguação sumária, de não sei quantos volumes, que se arrastava há não sei quantos anos. Portanto, o que acontece, de facto, é que o Ministério Público põe a chancela e o juiz, por sua vez, só controla a legalidade daquilo que lá lhe chega, porque aquilo que não chega não pode controlar.
Ora, não queremos que o Ministério Público seja polícia - e não é esse o seu estatuto -, mas ele tem de dirigir, de facto e realmente, a investigação e não é isso o que se passa na prática, porque, assim como o juiz, não tem meios técnicos nem humanos.
Aqui não se trata de qualquer cumplicidade, ao contrário do que o Sr. Deputado Costa Andrade diz,...
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem de terminar!
A Oradora: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como dizia, ao contrário do que o Sr. Deputado Costa Andrade diz, aqui não se trata de qualquer cumplicidade, porque uma pessoa que está a ser manietada em relação àquilo que pode e deve fazer e ao seu estatuto, não é cúmplice; ela está, sim, a ser violentada.
Sr. Ministro, referi que «deu a deixa» errada porque me parece que esta lei tem um verdadeiro objectivo, sobre o qual se centraram as atenções aquando do debate na generalidade, que é o de avançar mais na «policialização» da investigação e da instrução criminal. Ora, aqui há um ataque à independência do poder judicial. Em nome de quê? Poder-se-á dizer - e esse será provavelmente o discurso que passa lá para fora- que é em nome da eficácia do combate à corrupção. Mas isso não é verdade, porque, com isto, quem sai prejudicado é o cidadão e não é desta maneira que verdadeiramente se combate a corrupção. Estamos a tratar de direitos dos cidadãos, do direito à democracia participativa, e, quando não há um verdadeiro controlo do poder - e aqui o controlo tem de ser feito pelo poder judicial -, o cidadão não exerce a sua participação na vida política e sente-se afastado da classe política sem perceber que há classe política que está a exercer uma política de classe.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dar-lhe-ei no fim da resposta do Sr. Ministro a estes dois pedidos de esclarecimentos.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, é possível que, na classificação que vai dar-me, tenha de contabilizar negativamente o facto de eu não ter lido a entrevista. Mas a partir daí,...
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Isso é uma metáfora! Não dou notas a ninguém!
O Orador: - Claro! Estava a introduzir um discurso que, do ponto de vista da sua estrutura e da sua metodologia, nós os dois compreendemos bem. Não conhecia a entrevista, mas passei a conhecer o texto, depois de V. Ex.ª o ter lido.
Antes de responder, receio ter de colocar a seguinte questão prévia: então, vale a pena que o Ministro da Justiça retome a autoria da investigação criminal, que domine mais directamente a Polícia Judiciária e lhe diga «investiguem isto», ou que aguardemos que a Procuradoria-Geral da República, visto que estamos perante um crime público, se tenha dado conta da situação e abra um inquérito nesse sentido?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se V. Ex.ª põe a questão no sentido de saber qual é a nossa determinação para combater a corrupção, posso dizer-lhe já que, se houver abertura de inquérito nesse sentido e necessidade de afectação de meios específicos a esse inquérito, o Ministério da Justiça imediatamente intervirá no sentido de facultá-los.
Sr.ª Deputada Odete Santos, V. Ex.ª sabe que a estima que fomos construindo, muitas vezes, acaba por retirar acutilância às respostas que lhe dirijo. Mas, hoje, Sr.ª Deputada, não posso aceitar - e, depois, atenuarei o tom da intervenção mas deixe-me indignar-me politicamente - que V. Ex.ª tenha dito que esta lei retira a independência ao poder judicial. Isso é falso, Sr.ª Deputada! Vamos discutir todas estas matérias. Vamos discutir o problema da concepção do poder judicial e da relação hierárquica a estabelecer entre os vários sectores de intervenção, mas vamos fazê-lo salvaguardando aspectos angulares que são fundamentais.
Sr.ª Deputada, pessoalmente, «pintava a cara de preto» se algum dia retirasse independência aos tribunais! Fui juíz e magistrado, nesta terra, antes do 25 de Abril; sei, como V. Ex.ª, por razões diversas, como é difícil ser independente nos tribunais; tenho uma consciência ética e sociológica da independência e é com essa consciência ética e sociológica que posso intervir legislativamente para enquadrar, do ponto de vista da lei, a independência. Não ando às avessas da lei e dos estatutos para a independência real; venho da independência real e do conhecimento dessa dificuldade para a lei e para os estatutos. Este diploma não belisca em nada a independência dos tribunais!
Agora, Sr.ª Deputada, deixe-me dizer-lhe isto, que também resulta da estima que nutro por V. Ex.ª e, se não o fizesse, teria respondido um pouco por cima da sua intervenção e não teria chamado à colação uma pessoa em relação a quem, a despeito da enorme divergência ideológica que nos separa, tenho uma consideração pessoal e uma obrigação de seriedade muito grandes.
Mais do que isso, Sr.ª Deputada, V. Ex.ª sabe que esta lei do combate à corrupção diz, logo no seu artigo 1.º, n.º 1, que «Compete ao Ministério Público e à Polícia Judicia-
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na (...)». ou seja, não dá uma única competência à Polícia Judiciária que não dê ao Ministério Público. Esta lei passou, duas vezes, pelo crivo do Tribunal Constitucional. E, afinal de contas, nós acreditamos nas instituições, ou não?! Submeti-me à decisão do Tribunal Constitucional quando, da primeira vez, ele disse que a lei era inconstitucional. Peço, agora, aos cidadãos portugueses que se submetam à decisão do Tribunal Constitucional, quando, à segunda vez, ele diz que ela é constitucional. É que nunca o Tribunal Constitucional consideraria uma lei constitucional que pusesse minimamente em causa a independência aos tribunais! Baixando o tom e procurando outra «deixa», direi ainda o seguinte: V. Ex.ª disse que preferia o modelo do juiz de instrução. Mas o que ficava, então,...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso foi en passant!
O Orador: - Mas estas coisas não podem ser en passant, Sr.ª Deputada; elas têm de ser«en ficant»!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas se quiser, discutimos isso!
O Orador: - É que a questão importante é saber...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não quis centrar a minha intervenção nesse aspecto do juiz de instrução. Foi mesmo uma afirmação en passant. Mas podemos discutir isso em qualquer altura.
O Orador: - Então, vamos combinar que, hoje, não centraremos a discussão aí, mas ela fica em aberto, porque não é só V. Ex.ª a defender esta posição.
Ora, aquilo que gostaria de saber é qual é o estatuto que, quem defende o modelo do juiz de instrução criminal, guarda para o Ministério Público.
É que a questão não é apenas defender o juiz de instrução criminal como alternativa à situação actual do inquérito dirigido pelo Ministério Público. Estas coisas, tomo V. Ex.ª sabe, têm relação umas com as outras e o problema está em saber se a defesa do juiz de instrução criminal reconduz o Ministério Público a uma situação de subordinação relativamente ao executivo ou, então, qual é a. situação que deixa para o Ministério Público quando aquilo que são as funções que agora mais veementemente se reclama para ele passassem para o juiz de instrução criminal.
Por outro lado, V. Ex.ª fala, em matéria de corrupção, das questões da formação. Mas, Sr.ª Deputada, não havia corrupção, em Portugal, há cinco, seis, 10, 20 ou 50 anos?! Agora, de repente, é que todos descobriram que pode haver situações de corrupção?! Não há crimes de corrupção, previstos na lei penal, há séculos?!
No fundo, estamos a endeusar a corrupção como uma realidade nova. E a minha principal preocupação - e suponho que de todos nós - é que a questão da corrupção tem surgido de uma forma insidiosa também muito para atacar a classe política enquanto tal. Pela minha parte, nesse aspecto, estou perfeitamente à vontade, porque cheguei à classe política há muito pouco tempo e não tenho qualquer procuração para defendê-la.
Porém, quando se vai progressivamente construindo a ideia de que a classe política é susceptível de corrupção, pela sua própria natureza, por algum elemento perverso que a condicione enquanto classe política, e quando simultaneamente, com este tipo de afirmação, se vai encontrando como quinta essência da democracia exactamente aquilo que não tem uma legitimidade democrática originária, suspeito, Sr.ª Deputada, muitas vezes, daquilo que é a vontade de ensimesmar a corrupção como sendo o grande crime a combater agora e, ao mesmo tempo, da introdução, para eficácia nesse combate, de uma série de intervenções de entidades que não têm originariamente uma legitimidade democrática que me parece fundamental!
Aplausos do PSD.
E a droga, Sr.ª Deputada? E o terrorismo, Sr.ª Deputada? E os homicídios, Sr.ª Deputada? E o resto da criminalidade, Sr.ª Deputada? É só aqui que não há meios? Tomara eu, Ministro da Justiça, poder dizer que é só no combate à corrupção que ainda temos dificuldade de meios! Infelizmente, não é, embora, felizmente, haja muitos mais em todas as áreas. Mas, infelizmente, não é só aqui; há várias outras áreas que, apesar de menos interessantes para pegar a criminalidade pelo lado daquilo que é uma imagem negativa da classe política, são, porventura, tão importantes ou tão graves como esta.
Por isso, o PS anunciou uma interpelação ao Governo na área da criminalidade e da criminalidade violenta- e ainda bem que o fez, pelo que não posso deixar de aplaudi-lo -, justamente por saber que a sociedade portuguesa tem política e socialmente que se preocupar com a criminalidade em geral e não apenas com uma criminalidade que, mal tratada ou tratada superficialmente, pode contribuir muito mais para pôr em causa o regime democrático do que propriamente para se vencer a batalha contra o crime.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não sei se consciente ou inconscientemente, o Sr. Ministro da Justiça, na resposta que deu à Sr.ª Deputada Odete Santos, teve uma expressão extremamente infeliz, que, penso, não podemos deixar passar em claro. Trata-se da imagem que foi buscar, ao dizer que «pintaria a cara de negro» se estivesse a mentir. Penso que essa é uma alusão racista, feita talvez inconscientemente, e muito pouco feliz, que, de modo algum, enobrece este debate.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o Sr. Ministro estará em melhores condições para responder-lhe, pelo que dou a palavra ao Sr. Ministro da Justiça para esse efeito.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, ao contrário do que possa parecer, a sua afirmação não suscita a minha intervenção para exercer o direito de defesa da honra ou para produzir qualquer intervenção agressiva relativamente a V. Ex.ª. Isto, por duas razões: pela maneira como colocou a questão, pareceu que estava a «dar-me a mão» para eu ter a oportunidade de corrigir uma expressão infeliz que eu tivesse proferido.
Só posso agradecer a uma Deputada da oposição que dê a um Ministro a oportunidade de corrigir uma infelicidade que, eventualmente, tenha cometido, mas não vou usar essa possibilidade porque entendi não se tratar de uma infelicidade. Tenho, felizmente, no que toca à relação com
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outras raças diferentes da nossa, já uma fase de convergência e coincidência adquirida culturalmente há muitos anos, pelo que já posso dizer que «pintaria a cara de negro» sem ter com isso qualquer preocupação.
V. Ex.ª vai ver que, com um pouco mais de idade, com um pouco mais de experiência, um dia di-lo-á também sem sentir qualquer preocupação. Estas coisas são assim! Na vida, temos, infelizmente, a diferença de ter experiências diferentes, embora gostasse mais de ter a sua e ainda de ter alguns receios de o dizer. Não tenho qualquer dúvida quanto a essas matérias. Tenho uma aquisição de anti-racismo ao longo de toda a minha vida. Dizer que «pintaria a cara de negro» é, para mim, tão simples como, se fosse negro, dizer que «pintaria a cara de branco», se tivesse vergonha do que quer que fosse.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, este é um debate muito importante, pois é a primeira vez que estamos a discutir um problema desta natureza, em que a oposição apresenta as suas críticas, os seus legítimos argumentos, V. Ex.ª os seus e o partido que apoia o Governo estimula-o apenas e nada mais!
O combate à corrupção é uma exigência ética. V. Ex.ª disse-o e estou de acordo; tem é de haver firmeza e uma grande coerência nessa dinâmica.
Como é evidente, nenhum país, e o nosso não é excepção, está livre de ter casos de corrupção. Sob qualquer governo, isso pode acontecer! E, por isso mesmo, creio que deve haver o máximo cuidado em privilegiar a prevenção de acções deste tipo, que ajudam a minar os fundamentos de qualquer democracia e do nosso regime democrático em particular.
O Sr. Ministro mostrou-se um pouco optimista - tenho dúvidas sobre esse optimismo - quando declarou, logo no início da sua intervenção, que a extensão do problema não suscita qualquer dramatização em Portugal.
A realidade não é bem essa e as situações são visíveis, desde a mera transacção por «baixo de mão», como há pouco foi aqui anunciado, às «luvas» em grandes negócios e, sobretudo, ao tráfico de influências. Existem alguns exemplos, são cada vez mais numerosas, constituindo uma onda corruptora que cresce a olhos vistos em Portugal. O número de situações ambíguas e que prefiguram indícios de corrupção é, em Portugal, extenso. Daí que todos nós estejamos preocupados, e V. Ex.ª também, espero.
Acontece que os escândalos tornados públicos pela imprensa e que se sucedem a um ritmo crescente suscitam-nos profunda preocupação. Há uma conclusão que se pode retirar, Sr. Ministro: é que a política governamental, durante os últimos anos, talvez não tenha sido a mais adequada, nomeadamente no que diz respeito à falta de meios necessários para o combate a este fenómeno. O rol de queixas é cada vez maior como já aqui foi assinalado.
Muito rapidamente, vou pedir-lhe um esclarecimento.
O Procurador-Geral da República- e ele não é uma personalidade qualquer, é essencial num regime democrático - queixou-se, nomeadamente, da inexistência de um esquema de autonomia financeira da Procuradoria-Geral da República que lhe possibilite não ficar dependente da disponibilização dos meios por parte do Governo receando o completo esvaziamento do Ministério Público - ele disse isto na Assembleia da República -, caso no próximo Orçamento do Estado aquele órgão não seja dotado de tal autonomia financeira.
Sr. Ministro, em relação a este ponto, que é importante e fundamental para o exercício daquelas funções, qual é a posição de V. Ex.ª perante esta queixa, este lamento, qual a sua posição em relação ao próximo Orçamento do Estado?
Quanto ao agente infiltrado, não vou avançar mais, quero apenas colocar uma questão, que suscita grandes dúvidas. O Bastonário da Ordem dos Advogados, o Procurador-Geral da República, Magistrados, etc., estiveram na Assembleia da República a contrariar essa ideia.
Perante tanta contestação, conclui-se que se receia essa figura de agente infiltrado. V. Ex.ª não acha que deve recuar? Do que disse até agora nada nos dá a entender que vai recuar, que vai desistir dessa figura. Pergunto-lhe, Sr. Ministro, não deve realmente desistir dessa ideia?
Finalmente, em relação a uma «coisa» velha e revelha, uma lei antiga que existia relativa aos sinais exteriores de riqueza: Sr. Ministro, creio que não há uma fiscalização adequada desses sinais exteriores de riqueza. Gostava de ouvir a sua opinião em relação a este ponto, pois nunca houve tantos Rolls Royces e tantos meios luxuosos disponibilizados no autoconsumo em Portugal. Em relação a esta fiscalização, o Governo mostra-se, ou não, preocupado?
(O Orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, se a corrupção é, como o Governo hoje constata- e não há muito a negar essa evidência-, um fenómeno social preocupante e se, como julgo, o Sr. Ministro estará de acordo em que os meios humanos, técnicos e financeiros eficazes, podendo, embora, ter tido algumas melhorias, estão muito longe daquilo que é necessário, o que significa que, não sendo suficientes, permitem deixar de fora situações de criminalidade, o que, como afirmou, parece ser eticamente inaceitável, pergunto-lhe: por que é que o Governo não tem, relativamente aos seus recursos, uma visão global? Por que é que não partilha correctamente os seus gastos? Ou seja, por que é que não faz aquilo que qualquer pessoa em casa, com bom senso, sabe fazer, que é poupar no que é inútil? E foram referidos, como exemplo, os carros dos gabinetes do Governo. Por que é que não poupam em todo esse fausto, em todo esse regabofe? Por que é que não investe no que é necessário, poupando assim?
A segunda questão tem a ver com o conjunto de propostas que fez, cerca de 10 ou 12, em rigor não sei, onde me parece estar de todo em todo ausente uma questão óbvia ligada à corrupção, que é, digamos, a roda viva do saltitar das cadeiras do Governo para os cargos públicos, para as empresas, com o que isso significa em termos de traficância de influências. Por que é que o Governo, relativamente a uma questão tão importante quanto esta, é completamente omisso e não propõe, designadamente, a interdição durante um espaço de tempo, como acontece noutros países, a impossibilidade para quem sai do Governo de transitar para as empresas?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não chame a isso corrupção, Sr.ª Deputada! Pode chamar tráfico de influências, mas «corrupção» é um pouco forte!
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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, utilizando, curiosamente, apenas uma palavra referida na sua intervenção, que é «talvez».
V. Ex.ª disse «a política governamental, durante os últimos anos, talvez não tenha sido a mais adequada», vindo esta afirmação da bancada de onde vem, do Deputado de onde vem, fico com a convicção de que realmente a política foi bastante melhor do que pode supor-se. Ora, V. Ex.ª admitir que a política do Governo «talvez» não tenha sido a mais adequada é de facto o reconhecimento de que as coisas estão a correr bastante melhor do que pensávamos.
Por outro lado, V. Ex.ª falou de autonomia financeira solicitada pela Procuradoria-Geral da República. Em princípio, há um aspecto que me parece importante e que gostaria de retirar deste debate: é que nós não pessoalizámos, nem estivemos sistematicamente sob a intervenção do Sr. Conselheiro Procurador-Geral da República. Parece-me importante que assim tenha sido, porque, eu hoje disse-o, numa entrevista que já aqui foi referida, e continuo a dizê-lo com profunda convicção, entendo que devemos preservar a imagem de magistrado do Procurador-Geral da República e não o trazer sistematicamente para o dentro da discussão política. Isto, de alguma forma, poderá desgastar a sua imagem como magistrado, e entendo que isso não deve acontecer. Portanto, estou a salientar, pela positiva, de que, em geral, todos fomos capazes de o fazer.
Agora, há, desde logo, um aspecto técnico, e poderia responder a V. Ex.ª com um argumento técnico. E que, de acordo com a lei, não pode haver autonomia financeira não havendo receitas próprias geradas pelo instituto que tem essa autonomia financeira.
Mas, no fundo, a questão não é essa, não é a de saber se institucionalmente dispõe ou não de autonomia financeira, mas, sim, Sr. Deputado, a que, mais uma vez, tive ocasião de dizer há pouco. São raros os países onde as magistraturas têm essa autonomia financeira, e penso que hoje temos de ter uma atitude que não seja conservadora. Isto é, mesmo relativamente àquilo que para nós é a tradicional divisão de poderes e que se mantém - e repito exactamente tudo o que disse tia pouco, em face das exigências de independência-, não podemos manter uma atitude conservadora. E não tenha qualquer dúvida, Sr. Deputado, de que hoje, com a criminalidade organizada internacional tal como está a desenvolver-se, com aquilo que, no fundo, é o apelo cada vez maior em intervenções concertadas dos vários poderes, nós não conseguimos ter capacidade de resposta para este tipo de criminalidade.
Posso dizer-lhe mais: em vários países da União Europeia hoje, já indicados pelos respectivos governos, são enviados magistrados de ligação a outros Estados; são colocados magistrados de ligação noutros Estados. Há Estados que já evoluíram e que já chegaram à fase da cooperação entre os partidos sem que isto ponha em causa a respectiva independência. Infelizmente ainda estamos naquela atitude conservadora de precisarmos de mostrar aos outros que sabemos bem como se distinguem os poderes, para, depois, ganharmos o direito ou a maturidade política para falarmos em termos de cooperação.
Aprendi na vida que é preciso dar «saltos», desde que estejam culturalmente assimilados e adquiridos. Não vejo com bons olhos, para um futuro próximo, que st divisão estanque seja o bom caminho para a salvaguarda das novas exigências da luta democrática.
Porquê a autonomia financeira? Para se fixar um orçamento anual para a Procuradoria-Geral da República? Para depois de estarmos aqui a discutir um plafond do respectivo orçamento, a Procuradoria-Geral da República não ter meios, durante esse ano, para combater aqueles novos índices de criminalidade, por esse plafond não ter sido suficiente, e precisar de vir pedir um reforço desse mesmo orçamento, ficando, portanto, numa situação de dependência ainda maior do que aquela em que, financeiramente, se encontra agora?
Sou muito mais favorável, Sr. Deputado, a uma garantia de independência que, primeiro, assente numa atitude e por isso numa ideologia, num estatuto e num quadro legal, depois, e, a seguir, numa prática. E a função dessa prática é quando entrarmos no domínio que nos preocupa.
A questão de fundo é esta, Sr. Deputado: alguma vez, um único caso houve em que tivesse havido quebra dessa independência? É isto que temos de perguntar. Precisamos de saber quais são os casos que nos suscitam problemas reais e não dizer aos cidadãos que estamos preocupados com as questões que não existem. Mas porque entendemos que devemos desenvolver acerca delas uma elucubração intelectual, que, obviamente, só nos dignifica do ponto de vista cultural. Não há casos desses, Sr. Deputado! Esse problema não existe em Portugal! Não há um problema de independência dos tribunais em Portugal! Não há um problema de autonomia do Ministério Público! Vamos resolver os que há!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vamos investir, todos juntos, e em conjunto, nos problemas que existem; não vamos inventar problemas novos!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Lutámos tanto por chegar aqui! Por que é que vamos continuar a fingir que ainda temos de lutar por alguma coisa que efectivamente temos e que ninguém quer atingir? Vamos lutar contra a corrupção, Sr. Deputado! Vamos lutar contra ela todos juntos! Com divergências? Com certeza que sim, mas em solidariedade e sem juízos negativos relativamente às intenções com que pretendemos fazê-lo. Vamos fazer isto no debate político puro! Amanhã haverá eleições! Se os portugueses entenderem que o Governo não foi capaz de combater a corrupção, irão, com certeza, censurar-nos por isso! Se os portugueses entenderem que nós não fomos capazes de dar aos tribunais a independência que deviam de ter, irão, com certeza, censurar-nos por isso! Mas vamos, sobretudo, dar aos portugueses a noção de que estamos a discutir os problemas deles e de que somos capazes de os resolver, em vez de estarmos sistematicamente a discutir o «sexo» que, aqui, não é dos anjos mas dos polícias e magistrados. É, todavia, uma questão isotérica que neste momento não interessa aos portugueses, porque não os preocupa.
Quanto ao agente infiltrado, o Sr. Deputado já reparou que, se o Ministro da Justiça não tivesse - e peço imensa desculpa por ser elogio em boca própria - a preocupação de afrontar, com seriedade, os problemas, não tinha falado nisso! Alias, já consta da lei! A Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, diz, pura e simplesmente, no seu artigo 6.º, n.º 1: «É legítima, com vista à obtenção de provas em fase de inquérito, a prática de actos de colaboração ou instrumentais relativamente aos crimes previstos no n.º 1 do artigo 1.º do
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presente diploma». Isto é o agente infiltrado! E o n.º 2 do mesmo artigo diz: «Os actos referidos no número anterior dependem sempre da prévia autorização da autoridade judiciária competente». «Autoridade judiciária competente», sabe-se, é o Ministério Público ou o juíz.
Portanto, esta situação está prevista na lei. Foi aprovada pela Assembleia da República e passou pelo Tribunal Constitucional, pelo que não é inconstitucional. Tem o controlo do Ministério Público, tem o controlo do juiz e só pode acontecer no caso de inquérito, tratando-se de um agente ligado à Polícia Judiciária. Não há nisto qualquer perigo, é uma situação excepcional, que só pode ser utilizada se o Ministério Público ou o juíz quiserem, porque, se não, nunca é utilizada.
Agora, o facto é que, se queremos combater a corrupção, isto é necessário. Porque, então, dizemos: «vamos deixar margens», que são as mais importantes. É que eu não estou interessado em «meter» o agente infiltrado numa repartição pública, para resolver um problema menor de corrupção; se calhar dava jeito, em termos de eficácia, mas não é a esse nível. Nós estamos perante matéria de criminalidade organizada, de tráfico de capitais, estamos a um nível de criminalidade que se repercute naquilo que é a própria estrutura do regime democrático,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... o que tem sido afirmado por pessoas responsáveis.
Ora, se é a estrutura do regime democrático que está em causa, o agente infiltrado não é demais, é fundamental para que possamos lutar pela estabilidade e segurança da estrutura do próprio regime democrático. Está perfeitamente tutelado pela intervenção jurisdicional, está previsto na lei, passou no Tribunal Constitucional, então, por que é que recuo, se não quero recuar, no combate à corrupção? Só se quisesse recuar no combate à corrupção é que recuaria na figura do agente infiltrado.
Digo-lhe mais: tenho o parecer escrito da Ordem dos Advogados acerca da lei e nada foi dito contra o agente infiltrado.
Protestos do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Não sei se foi dito na altura da sua discussão mas, Ó Sr. Deputado, não estou, agora, a discutir uma lei que já está publicada e que foi aprovada. Como referi, na altura em que a lei foi discutida, foi pedido parecer à Ordem dos Advogados, que apenas se insurgiu contra as acções de prevenção. Não tenho parecer negativo da magistratura do Ministério Público nem de mais nenhuma estrutura.
Agora, em dado momento, foi trazido para um certo espaço intelectual de discussão, que muito privilegio, como é evidente, e, a certa altura, houve alguma necessidade de aderir a esse espaço intelectual de discussão mas sem informação, Sr. Deputado. A informação é clara, é evidente, é óbvia - o que aqui está não põe minimamente em jogo interesses ou direitos fundamentais; é sempre com a vigilância, com a autorização prévia do Ministério Público.
V. Ex.ª pergunta-me se gosto do agente infiltrado. Ó Sr. Deputado, gostava é que não houvesse crime e de viver numa sociedade sem crime e, aí, tinha-me, com certeza, ao seu lado a lutar intransigentemente contra o agente infiltrado. Mas, infelizmente, nenhuma sociedade existe sem crime e há crimes que, pela sua gravidade e pela repercussão que têm na própria sociedade, impõem medidas ou figuras que, não sendo as que mais nos agradam, são essenciais, sobretudo se estamos no Governo e se temos responsabilidade efectiva para ter resultados práticos no combate à criminalidade deste tipo.
Quanto às manifestações exteriores de riqueza, neste momento, não tenho condições para responder-lhe sobre o ponto exacto da situação. Julgo que esta inspecção cabe à Inspecção-Geral de Finanças, presumo que essa actividade se tem desenvolvido mas terei imenso gosto em fazer-lhe chegar alguma informação logo que eu próprio possa ter acesso a ela.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, agradeço o pedido de esclarecimento feito, porque V. Ex.ª também disse que, apesar de algumas melhorias, a situação ainda estava..., o que já é bom, porque este «apesar de algumas melhorias» é, à medida que se aproxima o fim da Legislatura, o reconhecimento, pela oposição, de que se tem trabalhado bem e a sério. Com certeza que não ia esperar que V. Ex.ª dissesse que tudo estava bem até porque, nessa altura, diria mais do que eu e ultrapassaria em optimismo o próprio Ministro, que, já de si, embora realista, não pode deixar de ser optimista. Mas reconhece que há melhoria e isso é importante, porque nesta matéria, sobretudo, é o consenso que temos de privilegiar, é a capacidade de, uns com os outros, reconhecermos o que está bem para nos empenharmos em conjunto na superação daquilo que ainda está mal.
Portanto, é essa visão global dos recursos que determinou o Ministro da Justiça e o Governo. V. Ex.ª falou na economia doméstica. Repare: quando, lá em casa, qualquer de nós tem um grande projecto não vai andar a investir todos os dias em pequenos projectos que nunca nos deixam chegar ao projecto grande. Ora, para eu poder ter 1,4 milhões de contos para comprar o edifício novo para colocar, de novo, ao serviço deste departamento; para poder dar outro tipo de elementos fundamentais, em termos de número de pessoal a este serviço; para poder comprar 90 viaturas, que vêm já para a Polícia Judiciária, e mais 90 no próximo ano; para poder desenvolver um conjunto de acções era necessário, de alguma forma, estabelecer um projecto, fazer uma formação especializada a estes agentes, porque não interessa «atirar» 40 pessoas, que não conheçam esta matéria, para dentro desta área e para este departamento.
Houve um esforço de contenção para ganhar esta batalha. Aí está ela pronta para, no momento em que a lei entra em vigor, os novos instrumentos estarem em condições de entrar em vigor também. Esta é a tal diferença entre a possibilidade de, todos os dias, contestar o que está mal - é um direito da oposição - e a dificuldade de, só algumas vezes, podermos salientar o que está bem, que é justamente quando, em cada momento, um projecto se concretiza, passa à acção e dá, perante o público, credibilidade àqueles que, previamente, o tinham prometido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, começo por dirigir-me à Mesa para esclarecer que, se o Sr. Ministro precisar de tempo para responder ao meu pedido de esclarecimento, o CDS-PP aceita que lhe seja retirado o tempo de que o Sr. Ministro necessitar para esse efeito.
Sr. Ministro da Justiça, a dado passo da sua intervenção, disse que todos estaríamos de acordo com a necessidade da transparência entre os negócios do Estado e a vida económica privada. É evidente que, com essa formulação,
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estamos todos consensualmente de acordo mas, para que esse consenso não se fique apenas pelas palavras, é necessário descer ao concreto e é neste campo que queria colocar-lhe uma questão a respeito dessa transparência nas relações entre o Estado e a vida económica privada.
No passado mês de Junho, entrou em vigor o novo regime jurídico das empreitadas de obras públicas. Ora, as obras que se realizaram com o dispêndio de verbas públicas representaram um movimento financeiro, no ano passado, de cerca de 660 milhões de contos. Trata-se de um montante financeiro muito elevado e não ignoramos que uma larga porção é dispendida em obras públicas levadas a cabo por sociedades que, de acordo com o novo regime, não estão sujeitas às suas restrições e limitações! já que, no artigo l.º desse articulado, essas entidades são explicitamente exceptuadas da aplicação, do âmbito desta lei.
Refiro-me, como é óbvio, às sociedades anónimas de capitais públicos ou maioritariamente públicos, que são muito numerosas, podendo qualquer uma delas ter - e têm - a cargo obras muito dispendiosas, e cito, por exemplo, a ANA, a CP, a EPUL, a SATA, a STCP, a CIMPOR, a CNP, a Dfagapor, a ENATUR, a EDP, o Metropolitano de Lisboa, etc..
Sr. Ministro, já bem basta, a nosso ver, que as sociedades anónimas de capitais públicos não sejam fiscalizadas pelo Tribunal de Contas mas, agora, que se possam exceptuar ao regime de concurso, habitual nas empreitadas de obras públicas, é que nos parece que não propicia a tal transparência - que, consensualmente, todos procuramos - entre o Estado e a actividade económica privada.
Quer o Sr. Ministro dizer que o Governo - e o partido da maioria - está disposto a apoiar a proposta que já apresentámos nesta sessão legislativa para que seja modificado o artigo 1.º do novo regime jurídico das empreitadas de obras públicas, de forma a estender-se a essas obras muito dispendiosas a transparência exigida no seu articulado?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é um privilégio, para mim, sempre, poder ouvi-lo. Gosto sempre de o ouvir e faço questão de afirmar isto mesmo, porque, a seguir, vou dizer-lhe que, desta vez, à medida que ia ouvindo o seu belo discurso, do ponto de vista formal, ia encontrando dentro de mim algumas resistências a concordar consigo.
Desde logo, a primeira resistência foi esta: deu ideia o Sr. Ministro de que, desta vez, é que vai ser - vem aí a solução do problema da corrupção. «Tomámos, agora, pela primeira vez, medidas e o problema da corrupção vai ser atacado e resolvido». Quero dizer-lhe que não foi a primeira vez que houve uma profunda preocupação com o problema da corrupção e o Sr. Ministro esqueceu-se de homenagear aqueles que, antes de si, tiveram em taip alto grau quanto o Sr. Ministro esta preocupação.
Perguntou: «onde estão os cavaleiros deste apocalipse?» Deste apocalipse, não sei, agora, do combate a este apocalipse, está aqui um! Eu montei esse cavalo quando ara ministro da Justiça, batendo-me e conseguindo um alto nível de autonomia para o Ministério Público e para as magistraturas, como sabe, porque foi nessa altura que tive o privilégio de o conhecer. Acho que essa autonomia é, apesar de tudo, ainda a melhor garantia do combate à corrupção.
Por isso é que cada vez que houve aqui alguns afloramentos de reduzir essa autonomia, nós batemo-nos contra essas tentativas e temos muita honra em nos termos batido.
Em segundo lugar, disse o Sr. Ministro: «Foi a primeira vez!» Não foi a primeira vez, porque, no governo do Bloco Central, num momento em que a corrupção também andava pelos jornais, tomámos várias medidas e tenho a satisfação de, tendo estado na sua base, ter redigido a totalidade delas: desde logo, a criação da Alta Autoridade contra a Corrupção, que valeu o que valeu mas, se valeu pouco, então, também vai valer pouco o controlo das contas bancárias, porque a Alta Autoridade contra a Corrupção tinha o controlo das contas bancárias.
Por outro lado, apresenta como original a circunstância da despenalização do corruptor activo mas, também nessa altura, se consagrou a despenalização- ou essa possibilidade - do corruptor activo; também nessa altura se agravou a pena do agente da corrupção passiva - como vê, alguma originalidade falta às medidas que foram tomadas agora- e também foi nessa altura que se fez a equiparação entre os titulares de cargos políticos e os funcionários, para efeitos de punição do crime de corrupção, porque, como sabe, no Código, o crime de corrupção era de funcionários públicos e passou a ser também, por equiparação, um crime de titulares dos cargos políticos.
Como vê, também se tentou e, não obstante, temos de reconhecer que a eficácia dessas medidas foi muito limitada - eu diria -, quase nula. Agora, quero perguntar-lhe se, desta vez, se justifica o seu entusiasmo, a sua esperança, se tivemos quase toda essa experiência e não se justificou a esperança que, também nós, nessa altura, depositámos nas medidas de que fomos autores.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Devo dizer-lhe que, mais meios para a Polícia Judiciária, é excelente, só não percebo - e o Sr. Ministro foi o primeiro a reconhecê-lo - por que chegaram tão tarde mas também não me iludo, não penso que o crime de corrupção se resolva com automóveis, com instalações e com mais agentes. Não resolve! Não tenhamos ilusões nem enganemos ninguém! Como é que se resolve, então, o crime da corrupção ou como pode tentar-se resolver? Actuando a montante, porque a corrupção está onde está o poder. Não há corrupção sem poder e, onde estiver o poder, é que vamos procurar a origem da corrupção. Dirão: «mas o PS também tem poder ao nível das autarquias, também aí há afloramentos de corrupção». Exactamente, onde estiver o poder, está a corrupção. Portanto, vamos procurar o quê? Controlar o poder, fiscalizar o poder, dar ao Tribunal de Contas a possibilidade de fiscalizar, rigorosamente, as contas de todos os órgãos do poder ao nível do poder político ou administrativo.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!
O Orador: - Vamos reforçar a transparência da vida política, aumentar, reforçar as incompatibilidades, as inegibilidades, as declarações do património, dos interesses - nunca se fez isso - e dos rendimentos; vamos franquear isso à opinião pública para que cada um vá ver - por que não há-de ir ver? - as declarações dos políticos. Mas, de cada vez que o tentamos, há uma reticência em relação a essas medidas. Dou mais por elas do que por medidas de carácter penal. Sinceramente, acho que, quem comete um crime de corrupção, comete-o sempre no pressuposto da impunidade, portanto, o efeito preventivo da lei é mínimo, como em relação à generalidade dos crimes.
Não estou convencido de que as medidas de carácter penal venham a ter agora mais êxito do que tiveram an-
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teriormente, embora a existência de mais meios possa ter alguma eficácia e quero desejá-lo ao país e a si também.
Também quero dizer-lhe o seguinte: há 10 anos que o PSD tem a maioria absoluta e pode, sozinho, tomar as medidas que quer. Não vi que se empenhasse - o Sr. Ministro já vai no terceiro ou quarto ano do seu consulado e só ao fim de quatro anos mostrou uma particular sensibilidade para este problema, apesar de já se ter penitenciado por causa disso - o PSD, que tem ministros da Justiça há 15 anos; há 15 anos que estamos à espera de medidas e as únicas tomadas foram as tais ineficazes no tempo em que eu próprio resolvi chamar a mim essas iniciativas e redigir essas leis.
Que mais posso dizer, Sr. Ministro? Que vamos actuar a montante, fiscalizar o poder onde existe poder - aí é que está a tentação da corrupção -, vamos investir - muito bem - mas também a montante, na prevenção, e não apenas a jusante, porque a jusante podemos combater o crime de corrupção que já existe mas não podemos evitar novos crimes de corrupção.
Quero dizer-lhe que os agentes infiltrados são feios; obviamente, resigno-me- se tem de ser, seja. Mas devo dizer-lhe o seguinte: tenho medo de que também venha a revelar-se uma total ineficácia, porque o medo da vindicta posterior à denúncia vai, com certeza, ser mais forte do que a porcaria da remuneraçãozita, que é sempre má, porque esses serviços são, como sabe, muitíssimo mal pagos. Diria até que, mesmo sem lei, já houve prática de agentes infiltrados no combate à corrupção, sem resultado, como vê. Portanto, já houve o controlo das contas bancárias, já houve, de facto, agentes infiltrados e não foi por aí que conseguimos grandes êxitos.
Não quero demorar muito tempo e apenas quero dizer-lhe que há uma insensibilidade geral em relação ao crime de corrupção. A opinião pública não vibra muito com este crime e esse é que é o problema. É que o crime de corrupção não tem uma carga tão negativa no psiquismo da generalidade das pessoas a ponto de fazer com que haja um combate dentro de cada uma. Ora, quando não existe este combate dentro de cada um, os combates de fora para dentro das pessoas nunca são eficazes.
Ainda quero dizer-lhe mais. O Sr. Ministro disse, com muita graça, que «as oposições falam e o Governo faz». Ora, tenho a vaga sensação de que, neste caso, estamos com os termos um pouco invertidos: o Sr. Ministro fala tão bem e, de facto, o seu Governo faz tão pouco e tão mal!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, sempre que V. Ex.ª é confrontado com esta temática, socorre-se sistematicamente de uma interessante tríade de argumentos. Por um lado, é o argumento da candura do quadro legislativo, depois, é o do bloqueio que V. Ex.ª encontra para ser um controlador mais eficaz das polícias, bloqueio que, ainda agora neste debate, V. Ex.ª lamentou, e é, ainda, o argumento de que a autonomia do Ministério Público e a independência dos tribunais não justificam por completo as invectivas críticas que podem ser produzidas em relação ao Governo nesta matéria. Ou seja, há sempre um grande quadro de diluição relativamente à problemática efectiva.
Ora, V. Ex.ª, que é, porventura, um dos ministros mais simpáticos deste Governo e que tem nas suas palavras o encanto celestial da argumentação contínua, ...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Isso é conversa de bispo, Sr. Deputado Jaime Gama!
O Orador: - ... veio surpreender hoje a Assembleia quando não produziu duas linhas de apreciação, essenciais para o governante responsável por esta área. V. Ex.ª é o governante responsável por esta área da vida pública e surpreendeu-me que, no seu diagnóstico, não tenha produzido o inventário concreto das situações de potencial corrupção na administração pública e na vida pública em geral, algo a que me pareceria elementar que procedesse um responsável governativo incumbido de contrariar e de se opor a este flagelo.
V. Ex.ª também não enveredou pela concretização de qualquer espécie de terapêutica legislativa, não apenas a terapêutica repressiva mas igualmente a preventiva. Isto é, sobre esta matéria - diagnóstico e terapêutica -, o Governo, afinal, não tem um discurso substantivo.
Perdoe-me V. Ex.ª que eu saia um pouco desta lógica da comunidade jurídica parlamentar e que coloque algumas questões - e V. Ex.ª pode optar por responder pelos 15 anos de Ministros da Justiça do PSD, ou pela década de cavaquismo, ou, exclusivamente, pelo período de tempo em que, na sua qualidade de Ministro da Justiça, foi responsável pelo combate à corrupção em Portugal.
Quais são os dados concretos da obra de V. Ex.ª? V. Ex.ª pode produzir dados estatísticos sobre os inquéritos e as investigações, a cargo quer do Ministério Público quer da Polícia Judiciária, a propósito deste tipo de crime? E sobre quais os inquéritos que não tiveram sequência na investigação processual e porquê?
Vozes do PS: -Muito bem!
O Orador: - E pode também produzir esses dados sobre qual o resultado das decisões judiciais e das sentenças dos tribunais?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso está nos relatórios!
O Orador: - Isto é, pode fazer não o balanço diluidor das intenções legislativas do Governo ou do mérito da percepção pessoal que V. Ex.ª tenha em relação a este fenómeno mas a avaliação concreta e efectiva dos resultados práticos da acção governativa e da acção global do Estado, no que respeita a inquéritos, investigações, processos concluídos e não concluídos, sentenças e resultados das sentenças, para que tenhamos o inventário claro deste problema?
Faço estas perguntas porque me dá um pouco a ideia de que o encanto celestial e ameno do discurso de V. Ex.ª pode conduzir a uma realidade mais perversa que é a do encobrimento do fenómeno na sua dimensão concreta e a da irresponsabilização do Governo na sua responsabilidade política e legislativa.
Aplausos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado não leu os relatórios!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para o que dispõe de tempo cedido pelo PSD e pelo CDS-PP.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, já várias vezes pus a mim próprio a questão de sã-
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ber que méritos não teria eu como político se, por intuição de que não devo orgulhar-me, conseguisse criar, maiores disfuncionalidades entre os sujeitos, os predicados e os complementos directos todas as vezes que uso da palavra.
Risos do PSD.
Mas, sempre que me lembro que talvez valha a pena falar pior, continuo a recordar-me de um recente mestre que, por falar tão bem, foi convencendo tantos da sua verdadeira verdade e é hoje uma pessoa que todos respeitamos entre nós: o Sr. Deputado do Partido Socialista, Almeida Santos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Lamento, também, que tenha de transitar imediatamente para o sector das obras públicas, relativamente ao qual não há «conversa celestial» que me valha.
Sr. Deputado, evidentemente, a única coisa que posso dizer-lhe com seriedade é que, se está sobre a mesa uma discussão sobre um artigo de um diploma que pode ter ligação directa ou indirecta com o tema que estamos a discutir, é óbvio que não deixarei de considerar aquilo que sobre ele venha a ser dito nem de reflectir sobre ele com seriedade, coisa que não acontece aqui visto que não tenho nem o diploma nem a proposta das respectivas alterações.
Sr. Deputado Almeida Santos, ainda tenho o sentimento pueril de me entristecer quando V. Ex.ª diz que, desta vez, não gostou tanto de me ouvir. Isso é bom: significa que, apesar de já contar alguns anos de vida política e de Governo, ainda reservo os sentimentos que trouxe quanto àquilo que é a minha maneira de ser, a minha atitude e a minha personalidade. E ainda alimento a esperança, se calhar mais pueril ainda, de fazer com que V. Ex.ª, afinal, tenha gostado do que eu disse. É que, desta vez -, e como sabe bem melhor do que eu, a sorte para um governante é essencial -, hesitei entre escrever o que vinha dizer e dizê-lo directamente. A matéria era complexa, era melindrosa, suscita-nos emoções às vezes menos controladas, pelo que optei por escrever. E que bem que eu fiz ao ter optado por escrever!
É que, Sr. Deputado, salvam-me três palavras, uma delas, enquadrando uma expressão e, outra, uma palavra isolada. Disse eu: «como atrasada no tempo tem sido,, no fim de contas, a preocupação de alguns pelo combate à corrupção» - cá está a expressão que me salvou! Passamos à palavra: «Com efeito, não deixa de ser interessante perguntar onde estavam, há cinco, seis ou mais anos, os novos cavaleiros deste Apocalipse». E com o Dia, alguns, num caso, e os novos, no outro, solicito a V. Ex.ª uma adesão mais compreensiva à qualidade do discurso que proferi inicialmente.
Aplausos do PSD.
Por outro lado, não vim aqui dizer: «agora é que vai ser!», mas vim com o mesmo optimismo que determinou V. Ex.ª aquando da sua intervenção, acreditando que talvez seja possível ser agora. E aquilo que gostava que acontecesse era que, daqui a alguns anos, comigo não importa onde, se por acaso não tivesse sido, eu ainda reservasse a distanciação e a honestidade suficiente para, como V. Ex.ª, reconhecer que afinal não foi. Mas neste momento deixe-me acreditar que é possível porque estou na fase e no momento de acreditar que pode ser e também tenho a certeza de que, se, decorrido o mesmo tempo, tiver sido, o primeiro abraço é capaz de voltar a vir do Deputado Almeida Santos.
Passemos agora à autonomia do Ministério Público. Ela não foi posta em causa em nenhuma circunstância e o Sr. Deputado sabe-o bem. O Sr. Deputado sabe que ninguém pôs em causa a autonomia do Ministério Público. Mais: sabe que foi sob proposta nossa, nomeadamente minha, que se retirou finalmente a existência de instruções genéricas dadas pelo Ministro da Justiça. Portanto, não houve nenhum passo que tivesse retirado a autonomia do Ministério Público; houve, uma vez mais, a dificuldade de explicar o conteúdo de alterações que me pareciam importantes e que em nada beliscavam essa autonomia com a qual, obviamente, concordo, no quadro processual global que nos anima.
Por outro lado, V. Ex.ª diz - e eu concordo - que é fundamental actuar a montante e que se, realmente, não houver uma actuação a montante dificilmente conseguimos, na globalidade, poder garantir a vitória deste combate contra a corrupção. Mas, hoje, é essencial actuar sobre o crime efectivamente cometido, porque o que existe é a ideia de que o crime pode cometer-se e que não se actua sobre ele. E, em muitas circunstâncias, não deixa de ser ouvido aqui ou ali - o que, evidentemente, não é justo - que ao querer actuar-se a montante, o que se pretende, no fim de contas, é um discurso para fingir que se impede, mas continuando todos a fazer o que, no fundo, vão fazendo. Ora, é importante dar uma nota clara e inequívoca de que quem comete crimes de corrupção é punido por isso, independentemente do seu estatuto ou do seu grupo profissional ou político.
Diz V. Ex.ª, mais uma vez bem, que não há uma atitude junto das pessoas. Desde os tempos de Rafael Bordalo Pinheiro sabemos que é assim, que, no fundo, há como que uma adesão à ideia de que um determinado grupo acaba por praticar actos de corrupção que até são integrados, enquanto tal, numa certa cultura de tolerância pouco exigente. Obviamente, é fundamental que se crie uma cultura contra a corrupção, uma cultura que há-de criar-se por uma actuação ainda mais a montante e que tem a ver com a capacidade da criação e da formação para a cidadania. Isto tem de acontecer na instrução pré-primária, na primária e por aí fora, porque é criando e educando para a cidadania e para a democracia que criamos cidadãos e consolidamos a própria democracia.
Diz V. Ex.ª: «o Ministro fala bem e o Governo faz tão pouco». Não concordo nada quanto à segunda asserção. Obviamente, não me cabe a mim tecer qualquer tipo de comentário face à primeira, mas devo dizer que, ultimamente, tem sido porventura o vício mais significativo do Ministro que mais problemas políticos lhe tem criado, visto que tem permitido à oposição dizer que ele fala bem mas faz pouco. Por mim, não tenho dúvidas quanto àquilo que tenho feito e por isso continuarei a tentar falar o melhor possível. É óbvio que, por vezes, me apetece trocar os sujeitos com os predicados e com os complementos directos, mas interrogo-me: acreditando tanto na qualidade daquilo que faço, por que razão não hei-de transmitir às pessoas, da melhor forma possível, essa qualidade?
Sr. Deputado Jaime Gama, foi um pouco propositadamente que conduzi esteticamente o discurso neste sentido - não me refiro ao seu conteúdo mas à estética - para chegar às questões de V. Ex.ª, vindo exactamente de um discurso celestial, não por a intervenção de V. Ex.ª me obrigar ao inverso - pelo contrário - mas porque falou numa «tríade»,
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que normalmente inspirava as minhas intervenções, sendo a primeira a «candura legislativa», o que me parece importante. É que tanto V. Ex.ª como eu próprio vimos do tempo em que a actividade legislativa não se pautava por essa candura e utilizava-se como arma de arremesso contra os direitos individuais dos cidadãos. É bom que tenhamos da legislação uma visão determinada mas que também saibamos ter relativamente a ela uma atitude que faça com que seja recebida por nós com gosto e como estatuto de cidadania.
Depois, falou de «bloqueio». Mas não fiquei a compreender de que bloqueio falava V. Ex.ª. Presumo que, aqui, estaremos em situações um tudo nada diferentes, embora ambas de extracção psicológica. Julgo que esta palavra acabou por atravessar horizontalmente todo o espaço político português e hoje salta-nos ao caminho mesmo quando, do ponto de vista intelectual, não controlamos efectivamente o seu sentido profundo. Não entendo onde há, da minha parte, uma reacção que mostre aversão a qualquer tipo de bloqueio ou até à apresentação pública de qualquer bloqueio que me preocupe. Aí, com toda a franqueza, gostaria de ir um pouco mais longe, mas, por falta de informação, não consigo dizer-lhe mais do que isto mesmo: não considero que os meus discursos tenham, alguma vez - sobretudo quando políticos -, qualquer tipo de complexo ou de preocupação neste domínio.
O Sr. Deputado voltou a falar na autonomia do Ministério Público e nas independências dos tribunais. Devo dizer-lhe que este é um tema relativamente ao qual tenho uma enorme tranquilidade, o que não significa que tenha razão, como é evidente! Mas, repito, estou tranquilo.
De facto, entendo que todos os sectores do Estado existem para o cidadão e que é fundamental que este seja considerado como a pedra nuclear do funcionamento dos órgãos de soberania; é nessa medida que sou estimulado a reflectir, sucessivamente, sobre a organização judiciária, a independência dos tribunais e o modo como eles se relacionam com os outros poderes.
É evidente que actuo na tranquilidade de o fazer numa perspectiva de democracia e de Estado de direito e não, obviamente, com a garantia antecipada de que tenho toda a razão e de que apenas naqueles que colaboram comigo ou aceitam as propostas que faço se pode encontrar a verdade.
O Sr. Deputado referiu ainda - e, evidentemente, bem - que eu não trouxe o inventário concreto das situações de corrupção nem, nessa medida, uma terapia adequada, visto que não tinha a definição da doença rigorosamente assimilada. Em grande parte, é verdade, mas o Sr. Deputado faz-me a justiça de reconhecer que isso também é verdade pela própria natureza da área em que estamos a intervir.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Muito bem!
O Orador: - Já há pouco tive ocasião de dizer que não podemos ter, antes de um outro conjunto de instrumentos de intervenção, informação segura sobre esta matéria. Agora temos - mas temos todos! - uma intuição cientificamente balançada de que há sectores e tipos de actividade que são, obviamente, abertos a que esta área de criminalidade possa proliferar.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Mas muitos outros países têm esses inventários feitos!
O Orador: - Sr. Deputado, se fosse caso disso, podia trazer esse inventário aqui! Bastava que fosse à minha folha, proveniente do trabalho conjunto da Conferência de Ministros da Justiça de Malta, em que fizemos um levantamento e analisámos quais as situações e qual o conjunto de medidas de intervenção que se deve adoptar. Portanto, essa realidade existe...
O Sr. José Magalhães (PS): - Então, porque é que não o faz?!
O Orador: - O que aqui estava em jogo era uma discussão sobre a qualidade da acção política do Ministro e não sobre o momento exacto em que ele apresentou esses elementos. Aliás, posso enviá-los de seguida. Não tem qualquer tipo de problema.
Com efeito, vínhamos discutir uma política de combate à corrupção que tem atrás de si - todos sabemos - uma série de medidas...
Aplausos do PSD.
... e de intervenções públicas que nos obrigava a um tipo de trabalho, que é o que estamos a desenvolver.
Importava, pois, trazer uma série de elementos que, com toda a franqueza, supunha que VV. Ex.ªs dispunham, visto que são elementos públicos e conhecidos dos contextos internacionais, que, aliás, também podem ser enviados. Tenho imenso gosto em os fazer chegar, já amanhã, pois não tenho qualquer dificuldade nesse sentido.
Da mesma maneira, o conjunto de medidas que aqui adoptei e que estão a ser trabalhadas no Parlamento, como V. Ex.ª bem sabe, inclusivamente com procuras de consenso com partidos da oposição, são exactamente a terapia que V. Ex.ª acabou de referir.
Entendi que era fundamental que o Governo tivesse, numa área que é, efectivamente, da responsabilidade política do Ministro da Justiça, um conjunto de medidas de combate ao crime, não na perspectiva da prevenção, porque essa tem vindo a ser trabalhada pelo Parlamento - há longo tempo-, mas numa perspectiva de intervenção de combate ao crime efectivamente cometido. E a prova de que valeu a pena fazê-lo é a de que, pouco tempo depois de ter anunciado este conjunto de 12 medidas, aquando do aniversário da Polícia Judiciária, não houve um único elemento do Partido Socialista - ouvido - que não tivesse dito: «são positivas, embora venham tardias!»
Protestos do Deputado do PS Alberto Costa.
No seu conjunto, Sr. Deputado! Vamos admitir que quanto ao agente infiltrado, desde que não se infiltre muito, também acaba por ser aceite por VV. Ex.ªs, como já tivemos ocasião de ver! No fundo, a questão é saber o que ele significa realmente e, portanto, é isso que está em jogo, Sr. Deputado.
É evidente que compreendo que o Partido Socialista tem de ter uma parte de oposição e de confrontação com o Ministro. Compreendo-a perfeitamente! Agora, estamos numa estratégia e numa táctica de intervenção para combater o crime e, por isso, entendo que aqui, neste debate, devíamos acertar e fazer centrar a nossa atenção. É óbvio que o Sr. Deputado pode contar com uma informação mais acertada e mais aberta.
Há ainda um aspecto importante que gostaria de realçar: em relação aos dados que V. Ex.ª referiu que eu deveria ter, respondo-lhe, sem ironia, que só muito dificilmente posso ter alguns deles por falta de meios! De facto, existem algumas perguntas que não posso fazer enquanto o processo está a correr ou quando está em segredo de
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justiça, tal como não posso fazer uma quantificação prospectiva de processos que ainda estão em curso ou que saíram da Polícia Judiciária para o Ministério Público.
Há aqui um aspecto - que julgo que os portugueses nem sequer conhecem - em que faço questão, e que é o seguinte: embora o possa fazer - se quisesse -, como Ministro da Justiça e em nome da dependência orgânica da Polícia Judiciária, nunca conheci um único processo nem pedi uma única informação relativamente a um processo pendente.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Compreendo os pruridos que V. Ex.ª tem...
O Orador: - Não são pruridos!
O Sr. Jaime Gama (PS): - ... em cumprir escrupulosamente a lei! Todavia, não estava a referir o conhecimento detalhado dos processos mas, sim, algo que me parece essencial! V. Ex.ª está agora a revelar que o Estado português não tem, sequer, um registo estatístico sobre...
Vozes do PSD: - Não é verdade!
O Sr. Jaime Gama (PS): - ... os inquéritos, as investigações, os processos e o seu resultado, o que me parece extremamente grave!
O Orador: - Ainda bem que V. Ex.ª colocou a questão dessa forma!
O Sr. José Magalhães (PS): - Em tempo real não tem!
O Orador: - E o Sr. Deputado José Magalhães, ladino e inteligente como é, já percebeu qual é a resposta que vou dar a V. Ex.ª!
Vozes do PSD: - Claro!
O Orador: - E que a Procuradoria-Geral da República também é Estado português, e VV. Ex.ªs tiveram todos esses dados a partir do inquérito que este órgão fez;- e faz periodicamente - à Polícia Judiciária.
Portanto, posso ter todos os pruridos no cumprimento da lei, visto que tenho outros órgãos que também representam o Estado português e dão, exactamente, .º mesmo tipo de informação, sem ter de pôr em causa aquilo que é, no fundo, a autonomia do Ministério Público e a não dependência da Polícia Judiciária face a ele.
Aplausos do PSD.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Então, V. Ex.ª está em condições de revelar à Câmara...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Vem no relatório!
O Sr. Jaime Gama (PS): - ... aquilo que não pretende revelar neste debate: as estatísticas sobre estes dados! Porque se V. Ex.ª quer discutir de uma forma concreta a temática da corrupção em Portugal, tem de responder à seguinte questão elementar: com a acção governativa e legislativa do Governo de V. Ex.ª quantos portugueses e portuguesas foram presos por esse crime? Esta é que é a questão essencial!
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Se o Sr. Deputado considera essa questão essencial, tenho de lhe dizer que não posso responder agora, pois não tenho aqui os números para ela.
O Sr. José Magalhães (PS): - Temos nós!
O Orador: - VV. Ex.ªs têm?!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Onde é que os arranjam?
O Orador: - Mas eu mando-lhe os números! Não há qualquer tipo de problema. Aliás, V. Ex.ª é o primeiro a ser testemunha de que, sempre que os solicita, eles chegam.
Agora, os números que trago são aqueles que têm a ver com o que tem sido o debate político sobre esta matéria nos últimos tempos. E tenho imenso gosto em dizer a V. Ex.ª que, no departamento que combate a corrupção e a criminalidade anti-económica da Polícia Judiciária, em Portugal, entre Janeiro e Abril de 1994, entraram, no sector da moeda falsa, 348 processos e saíram 340!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Como é que saíram?
O Orador - No sector do desvio de fundos, entraram 32 e saíram 62 processos e no da corrupção entraram 27 e saíram 40.
Entre 1 de Maio e 17 de Outubro corrente, entraram no sector da moeda falsa 529 processos e saíram 1149; no do desvio de fundos entraram 37 e saíram 84 e no da corrupção entraram 44 e saíram 42 - este «sair» significa processos enviados para a magistratura do Ministério Público.
Evidentemente, podemos acompanhar este tipo de dados através da informação de que disponho, mas que não tenho aqui - como era óbvio -, visto que não era esse o objecto deste debate. Estamos aqui para analisar o sentido global da política de combate à corrupção e das matérias que têm estado em discussão nos últimos tempos.
Dentro de pouco tempo, no âmbito, aliás, de uma audiência parlamentar sugerida pelo Partido Socialista, terei todo o gosto, obviamente, em trazer esses números.
Aplausos do PSD.
O Sr. Jaime Gama (PS): - V. Ex.ª foi magnífico...
O Orador: - Muito obrigado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - ... porque, em termos de contabilidade, apresentou o resultado do exercício mas não o balanço! E V. Ex.ª sabe perfeitamente qual é a diferença entre uma coisa e outra.
A verdade é que, de acordo com os números de que dispomos, em 1993 foram detidas, em Portugal, 24 pessoas por crimes de corrupção. Portanto, o balanço de todo esse enquadramento legislativo e o balanço de todas as diligências que V. Ex.ª faz na facultação de meios às polícias e ao Ministério Público têm este resultante: 24 detidos, condenados por crimes de corrupção.
Daqui, V. Ex.ª tirará a ilação de que a corrupção não existe em Portugal!
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O Orador: - Não, não!
O Sr. Jaime Gama (PS): - Mas a grande maioria dos portugueses ficará com a convicção de que o que falha é a investigação e a capacidade da polícia, do Ministério Público e dos tribunais para levar até ao fim estes processos, bem como o tipo de discurso desculpabilizador de V. Ex.ª em relação à acção do Governo neste campo.
O Orador: - Sr. Deputado, tenho imensa pena e gostaria de poder concordar com V. Ex.ª, mas os portugueses que estão atentos a estes debates dirão que não é nada assim, porque o Ministro esteve a dizer que o conjunto de acções que foram projectadas e que estão em desenvolvimento começaram a produzir o seu efeito real em Janeiro de 1994. E, portanto, os portugueses percebem que o Partido Socialista recuou agora aos exemplos de 1993, exactamente porque a partir de 1994, já em termos de balanço, o Ministro apresenta resultados que não eram apresentáveis, nem em 1993, nem em 1992.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Intenções!
O Orador: - Não são intenções!
O Sr. Jaime Gama (PS): - Mas realidades poucas!
O Orador: - Se V. Ex.ª considera que cada processo é apenas uma intenção, estou de acordo consigo, mas a experiência que tenho diz-me que os processos são realidades!
Risos do PSD.
Por outro lado, quando V. Ex.ª diz que em 1993 só foram julgadas 27 pessoas, com certeza está a repercutir o tempo em que o crime terá sido cometido, porque de duas uma: ou V. Ex.ª entende que, de facto, a justiça é lenta e tem de reconhecer que o crime se cometeu muito antes, ou que a justiça é rápida e, então, num ano apenas já estavam a ser julgadas as pessoas que respondiam em resultado da intervenção legislativa que tivemos aqui!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como acredito mais nesta última hipótese, tenho de ver por que razão foram presas apenas 27 pessoas!
E, Sr. Deputado, também lhe digo que não gostaria de qualificar a importância destas medidas pelo número de pessoas presas!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que esse número não é significativo da nossa capacidade de intervenção.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Nada!...
O Orador: - Ou é negativamente significativo, se quiser! Concebo isso, sem qualquer problema.
O Sr. Jaime Gama (PS): - E a responsabilidade é do Governo!
O Orador: - Evidentemente, a responsabilidade é do Governo e de mim próprio! Mas, Sr. Deputado, esse é o problema que menos me preocupa. O que me preocupa é
o resultado e não a responsabilidade por ele! Essa assumo-a claramente, porque não tenho qualquer dúvida de que a situação em que as coisas estão agora é imensamente melhor do que aquela em que estavam, há algum tempo atrás; e estamos num balanço para a melhoria significativa do que estamos a fazer!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mais: personifico a responsabilidade de todos os governos anteriores, porque sou Ministro da Justiça deste Governo, como é evidente, mas também porque o sou de Portugal e, portanto, assumo a responsabilidade de todos os que estiveram antes de mim!
Aplausos do PSD.
Esse problema não me preocupa e, além do mais, Sr. Deputado, esta frase não é celestial nem demagógica, pois não tenho um espírito masoquista. Quando digo que assumo essa responsabilidade é porque estou tranquilo quanto à sua assunção.
Aprendi que também na política, como no resto das outras actividades profissionais, a única coisa que não se pode perder é a dignidade; perder eleições e aquilo que é, no fundo, a consideração que o público tem por uma determinada acção governativa faz parte da própria vida política.
Assumir a responsabilidade é algo que sempre farei. Se V. Ex.ª quiser, fica em conclusão que o facto de só haver 27 condenados em 1993 é da responsabilidade do Governo, particularmente do Ministro da Justiça. Se calhar não é toda..., mas se dá jeito que seja, também não tem grande problema, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Cosia (PS): - Sr. Presidente, durante a sua última intervenção, o Sr. Ministro da Justiça referiu-se a relatórios que sempre, com a maior boa vontade, mandava para esta Câmara.
Ora, o que quero perguntar é se a Mesa tem conhecimento de que tenham sido satisfeitos os pedidos no sentido de ser enviada a esta Câmara e, em particular, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias o relatório sectorial da Procuradoria-Geral da República sobre a área do combate à corrupção na Polícia Judiciária.
Faço esta interpelação na sequência de instantes pedidos feitos e renovados, nos últimos dias, ao Sr. Presidente da 1.ª Comissão. Muito agradecia à Mesa que esclarecesse se o Ministério da Justiça remeteu ou não à Assembleia da República - onde decorre uma audição sobre a corrupção - o relatório dessa inspecção, na parte respeitante ao crime de corrupção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa, naturalmente, não dispõe de informações nesse domínio. Mas, como se encontra presente o Sr. Deputado Guilherme Silva, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pedia-lhe o obséquio de se pronunciar sobre esta matéria.
Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva.
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr Presidente, efectivamente, esse relatório sectorial foi requerido pelo Partido Socialista, a questão já foi colocada ao Sr. Ministro da Justiça e creio que o próprio também a suscitou ao Sr. Procurador-Geral da República. E, na altura, o problema que se colocou foi o seguinte: os relatórios sectoriais, que são, obviamente, mais completos do que o relatório geral, que. no fundo, é uma síntese, contêm elementos concretos relativamente a processos pendentes, com identificações de pessoas e dados que se encontram em segredo de justiça, pelo que, para que os referidos falatórios possam ser facultados à Comissão, é necessária fazer-se uma selecção e retirar esses elementos. Creio que essa operação não pode ser feita por qualquer pessoa, tem de ser feita por alguém que possa aceder ao segredo de justiça e, daí. a demora.
Parece-me que foi essa a razão que o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Procurador-Geral da República me deram, na altura, para justificar que o relatório sectorial não tenha sido enviado com a celeridade necessária.
De qualquer forma, aqui, em Plenário, e interpretando a vontade e o interesse do Partido Socialista e, naturalmente, da Comissão em acederem a essa informação, renovo o pedido, mas confirmo que a explicação que me foi dada é perfeitamente razoável.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Por que nos faz perder tempo, Sr. Deputado Alberto Costa?!
O Sr. Presidente: - De novo para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, serei muito breve.
Só para clarificar o sentido deste esclarecimento, peço à Mesa que solicite ao Sr. Deputado Guilherme Silva uma precisão temporal, isto é, quando é que foi colocado este problema e quando é que foi decidido seguir esta técnica da retirada dos nomes das pessoas. Em que mês deste ano e que isso sucedeu?
O Sr Presidente: - Não sei se o Sr. Deputado Guilherme Silva tem esses elementos e pretende responder, mas, em todo o caso, tem a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente» obviamente, não tenho presentes esses elementos e não vou adiantar à Câmara uma informação que não se baseia em elementos que constam das actas e dos registos da Comissão a que os Deputados têm pleno acesso.
Vozes do PS: - Desde Abril! Estamos à espera desde Abril!
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, sem pôr em causa a legitimidade da intervenção do Sr Deputado Alberto Costa, como é evidente, quero apenas perguntar-lhe, por intermédio da Mesa, se tem ou não havido uma permanente troca de informação e uma permanente prontidão, no sentido do seu fornecimento, bem como um contacto totalmente aberto entre o Ministro da Justiça e a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Isto, para poder acrescentar que, no que se refere à questão que V. Ex.ª colocou, passou-se exactamente o mesmo com o relatório da inspecção à Polícia Judiciária referente a 1990. Houve consenso quanto à necessidade de fazer este trabalho que e extremamente moroso e só depois de concluído é que os relatórios seriam enviados.
Evidentemente, não lhe vou agora dizer o ponto exacto da situação, visto que esse trabalho ainda está a ser feito e, como tal, não sei em que ponto exacto se encontra, mas está a ser realizado e. à semelhança do que aconteceu com os relatórios de 1990, estes também serão enviados à Assembleia.
O relatório do Ministério Público, sobre a inspecção à Polícia Judiciária, relativo a 1993, é muito melhor do que era o de 1990 e, por isso, não sei por que não havíamos de enviar este e enviámos o de 1990, quando a situação da Polícia Judiciária era muito mais preocupante do que agora. É evidente que o faremos, como sempre temos feito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, aquilo que gostaria não era de saber se uma ou outra situação aconteceu melhor ou pior mas, sim, que o Sr. Deputado Alberto Costa dissesse à Mesa - e a Mesa estiver interessada nisso, como é óbvio - se as relações entre a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e o Ministro da Justiça se pautam por qualquer opacidade, por falta de transparência ou por falta de troca de informação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Naturalmente, dou a palavra ao Sr. Deputado Alberto Costa, para responder, mas peço-lhe que seja sintético.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr Presidente, vários requerimentos dirigidos ao Ministério da Justiça não são respondidos ou são respondidos com atrasos de meses, como sucede, nomeadamente, com os requerimentos sobre movimento prisional subsequente à amnistia, que foram apresentados há vários meses e ainda não obtiveram qualquer resposta.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Está bem, Sr. Deputado! Está bem!
O Orador: - Esclarecendo outra questão concreta que o Sr. Ministro da Justiça colocou, devo dizer também que a nota dada pelo Sr. Procurador-Geral da República à acção da Polícia Judiciária, em matéria de corrupção, é má, é francamente má. Por isso, o que era importante para este debate era que tivéssemos podido aceder ao relatório sectorial sobre essa actividade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - O certo é que não tivemos acesso a esses dados e o debate ficou prejudicado, pelo que teremos de voltar a ele, quando tivermos esses elementos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não saiam da discussão, Srs Deputados!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, por um minuto, o Sr. Ministro da Justiça.
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O Sr Ministro da Justiça: - Sr Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, de facto, julguei que V Ex.ª pretendia uma informação quantitativamente maior relativamente à inspecção à Polícia Judiciária.
É óbvio que o relatório, no que se refere ao sector da corrupção, era mau - todos o sabemos, não é novidade nenhuma -, mas era bom em relação a tudo o resto.
No entanto, há um aspecto muito importante, Sr. Deputado, que tem a ver com o argumento que V. Ex.ª invocou e que nunca pensei que invocasse. E que o relatório sectorial é o relatório com base no qual o Procurador-Geral da República faz o seu e sempre pensei que V Ex.ª dava ao relatório do Procurador-Geral da República a credibilidade do relatório da inspecção à Polícia Judiciária e que, por isso....
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... não precisava de o confrontar com o relatório do inspector que, em concreto, fez a análise do departamento de combate à corrupção. Julguei que o relatório sectorial não iria acrescentar mais nada que não alguma coisa de quantitativo Sr. Deputado Alberto Costa, quando esta questão estiver resolvida, V. Ex.ª terá os relatórios no Parlamento.
Aliás, da mesma forma, alguma demora a responder a questões que são colocadas, justifica-se pela qualidade da resposta que se pretende dar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, amanhã mesmo posso fazer-lhe chegar o número exacto das questões e dos pedidos de informação enviados ao Ministério da Justiça, o número dos que estão respondidos e o número dos que estão por responder, para que V Ex.ª também possa actualizar o seu conhecimento nesse domínio.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da sua consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD: - Sr. Presidente, solicitei a palavra na sequência de uma intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já foi há tanto tempo que, se calhar, o melhor era eu repetir!
Risos.
O Orador: - Naturalmente, «muita água já correu sob as pontes», o debate já perdeu a imediação, mas trata-se de dois aspectos que convém clarificar, porque, do meu ponto de vista, são particularmente importantes.
O primeiro aspecto tem a ver com a questão dos agentes infiltrados. Disse a Sr.ª Deputada, citando o meu nome, que eu era contrário ao recurso legislativo aos agentes infiltrados e, na sequência disso, também questionava o Governo a este propósito.
Quero corrigir esta observação, porque nunca disse que era contrário ao recurso aos agentes infiltrados. Isto por uma razão extremamente simples, no contexto das minhas actividades académicas, tenho-me debruçado sobre essa matéria e, infelizmente - a ciência tem destas coisas -, ainda não logrei alcançar uma solução de ser a favor ou contra. O meu estado é de dúvida, conforme os escritos que tenho publicados, e foi de dúvida a posição que revelei na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Disse, expressamente, que tinha dúvidas - isso está escrito e não posso fugir-lhe - e tenho dúvidas designadamente sobre a legitimidade ético-jurídica da figura. De resto, como não as hei-de ter, se, na doutrina e na jurisprudência dos países que têm dedicado a esta matéria uma documentação volumosa e quase incontrolável, reina o mais absoluto babel.
Esteja a Sr.ª Deputada Odete Santos descansada, pois se eu fosse contra, di-lo-ia com toda a segurança, não teria problemas nisso. Mas o meu estado era, então, de dúvida e ainda me mantenho em dúvida.
Quem talvez não precisasse de ter dúvidas era o Partido Comunista, porque quando se apresenta o quadro que aqui se apresenta, em termos de corrupção, quando se diz, como aqui se diz, que a corrupção ameaça subverter o regime democrático português, quando se tem este quadro, que, se calhar, é verdadeiro, se calhar, é falso- eles lá sabem -, duvido que se possa duvidar da oportunidade de recurso a figuras como esta dos agentes infiltrados. Isto, sendo certo, como já foi aqui acentuado, e bem, pelo Sr. Deputado Almeida Santos, que a corrupção é um crime muito especial, pois é dos únicos crimes que, ao contrário dos outros, dá gratificações ao suposto delinquente e à suposta vítima e, portanto, não há que contar com a iniciativa da vítima para levar o caso à justiça criminal.
Sabendo todos nós que 90 % da criminalidade é levada ao conhecimento do sistema de justiça criminal pelas vítimas, no âmbito deste crime não se pode contar com isso, não se pode contar com o comportamento reactivo da polícia, mas sim com o seu comportamento pró-activo - a polícia tem de tentar intervir. Tendo em linha de conta todas estas considerações, talvez se justifique o recurso e haja razão por parle daqueles que o defendem. Eu, modestamente, mantenho-me no estado de dúvida, o que não é drama absolutamente nenhum. Discutido o assunto no contexto de um partido democrático e tomadas as deliberações democraticamente, foi com boa vontade que votei a deliberação aqui, no Plenário, como o PCP votou a disposição dos agentes infiltrados na Comissão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Outra questão sobre a qual importa ainda deixar uma nota é a da hipotética reacentuada policialização da justiça criminal. Disse e mantenho que esse fenómeno é impossível. E por esta razão, além de todas as outras: no quadro das nossas instituições processuais penais, a polícia criminal não e um sujeito processual. Os sujeitos do processo são o tribunal, o Ministério Público, o defensor, o arguido e os assistentes - estes são os sujeitos processuais, aqueles que têm o poder autónomo de conformação do processo penal. A Polícia Judiciária, a polícia criminal, é um mero auxiliar do Ministério Público, na fase de inquérito, do juiz de instrução, na fase de instrução, e do juiz da causa, na fase de julgamento, e, tanto na fase de inquérito, como nas fases de instrução e de julgamento, a Polícia Judiciária faz aquilo e só aquilo que o Ministério Público quer ou consente no inquérito, faz aquilo que o juiz de instrução quer ou consente na instrução e o que juiz da causa quer ou consente no julgamento. Por isso é que a policialização da instrução, do inquérito e do julgamento é um crime impossível - e digo impossível porque não acredito que os nossos magistrados consintam nele.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, é manifesto que o Sr. Deputado Costa Andrade excedeu largamente a figura regimental que invocou. E também, já de há uns minutos a esta parte, tenho ouvido fazer interpelações à Mesa, que me fazem lembrar os interrogatórios do arguido através do juiz. «Faço uma interpelação ao Sr. Presidente para que pergunte ao Sr Deputado isto assim, assim» Até o Sr. Ministro da Justiça o fez!
V. Ex.ª, Sr. Deputado Costa Andrade, quis falar, aproveitou a invocação da defesa da honra e explanou: coisas. Eu também poderia estar agora aqui a responder-lhe, mas prefiro dizer-lhe que auxiliares do Ministério Público são polícias mandados para uma investigação de um crime de corrupção, sem terem qualquer especialidade; são, por exemplo, agentes que trabalham nos homicídios e coisas quejandas, como já aconteceu. Que auxiliares são estes?! E quem tem a gestão dos meios de que o Ministério Público tem necessidade? Trata-se, de facto, de uma gestão política e pergunto quem a tem. Isto para responder sucintamente a uma coisa que, de facto, não tem nada a ver com a figura de defesa da honra, que V. Ex.ª aproveitou.
Quanto ao resto, pensei até que iria responder-lhe de uma maneira muito mais agradável, mais delicada e simpática, porque pensei que V. Ex.ª assumiria o que disse na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Mas vamos a ver quem está errado está gravado e eu ouvi o que V. Ex.ª disse.
Mas ainda lhe quero dizer, Sr Deputado, que V. Ex.ª aproveitou a defesa da honra para dirigir ofensas, só que essas ofensas «passaram ao largo».
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, terei a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois dos debates aqui realizados e de concepções aqui extensamente defendidas, em Março e Maio de 1993 e Fevereiro de 1994, sessões de que o Sr. Ministro da Justiça nos ofereceu hoje uma reprise, permitam-me que me concentre em torno de algumas questões e propostas concretas que enumerarei.
A primeira condição para que uma política dó combate à corrupção e formas conexas de criminalidade possa ser levada a sério e interceptar as expectativas de impunidade hoje existentes na vida portuguesa é a credibilidade e a autoridade do Estado democrático e em particular das figuras de Estado e instituições com responsabilidades de primeiro plano neste domínio.
Quando se alimentam, dinamizam ou toleram campanhas insidiosas contra instituições e figuras como a Procuradoria-Geral da República, o Tribunal de Contas e a Magistratura, é preciso dizer que este pressuposto essencial está minado em Portugal e é urgente restaurá-lo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, não pode hoje falar-se de combate à corrupção com perspectivas de sucesso sem uma compreensão actualizada dos fenómenos e ameaças em desenvolvimento, da sua economia e contornos, do lugar e papel de cada uma das várias políticas públicas a mobilizar, do modelo de gestão e do nível dos recursos a afectar, do tipo de adesão e envolvimento a suscitar nas instituições da sociedade civil O Governo e a maioria que hoje existem em Portugal providenciam palavras, muitas palavras, e algumas normas, mas não promovem, como noutros países, estudos e relatórios qualificados negam, nas decisões e indecisões quanto aos meios, o que afirmam em discursos e negam, nalguns discursos, o que afirmam noutros discursos. Fazem predominar a retórica, a contradição e a confusão.
Em terceiro lugar, um programa criminal actualizado e ajustado às práticas lesivas da integridade das decisões públicas hoje em desenvolvimento na sociedade, da clássica corrupção às formas modernas de tráfico de influência, é um elemento, embora parcial, essencial para o cumprimento das responsabilidades fundamentais do Estado e para o restabelecimento das expectativas da comunidade em relação à integridade da Administração. O Governo, quer no âmbito do processo de revisão do Código Penal quer no domínio de legislação extravagante, revelou insuficiências, incoerências e falta de ambição na renovação do programa criminal. Não fora o PS ter-se batido pela criminalização do tráfico de influências e iríamos ter nesta área uma revisão frustrante.
Em quarto lugar, um programa processual coerente com a estrutura e a dimensão reconhecidas da ameaça criminal e susceptível de suscitar a legitimação e a adesão por parte da comunidade jurídica e o elemento indispensável para a credibilização e eficácia da resposta penal. Mas o facto e que, ao mesmo tempo que o Primeiro-Ministro proclamava que Portugal não e um país de corruptos, o seu Ministro de Justiça propunha, e a sua maioria viria a adoptar, uma panóplia de instrumentos e de figuras de excepção, para não dizer de emergência (infiltrados, arrependidos, colaboradores e informadores, protegidos por segredo, suspensões de processos, despachos de carácter genérico de levantamento de sigilo profissional) e um modelo de recolha de informação, insuficientemente fiscalizado pelas magistraturas, que suscitou relutância, alarme e rejeição na comunidade jurídica - e, ficamos a sabê-lo, também nalguns dos mais qualificados que o votaram Esta inconsistência e este fardo de excepcionalidade processual tornaram-se responsáveis por um sério problema de legitimidade e urge atalha-lo para que o acessório não perturbe o essencial.
Em quinto lugar, é hipocrisia falar-se de prioridade no combate à corrupção e não se proceder ao longo de anos à oportuna disponibilização de meios logísticos, humanos, periciais, orçamentais, para esse combate. Como é hipocrisia reclamar-se eficácia e isenção para um modelo de acesso e de gestão de meios em que o Ministério Público carece de um despacho do Ministro da Justiça para obter o concurso de mais um agente e em que decisões sobre a afectação alternativa de meios a investigações criminais são tomadas por um Ministro ou na dependência orgânica de um Ministro.
A actuação, os responsáveis e o modelo desqualificaram-se, porque, comprovadamente, não responderam às necessidades do domínio dos meios e concentraram desconfiança sobre os critérios aplicados na sua gestão a decisão sobre a coordenação e afectação de meios escassos que podem proporcionar ou não detenções em certos processos e não noutros não deve estar nas mãos de quem decide sobre a data de conferências de imprensa, sobre o combate à corrupção.
O Sr. José Magalhães (PCP) - Muito bem!
O Orador: - É bom que as instituições não sejam expostas à erosão deste tipo de suspeições.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em sexto lugar, o Governo tornou-se responsável pelo agravamento da situação, em termos de investigação, ao esperar desnecessariamente pelo termo de um processo legislativo, por sua culpa demorado e acidentado, para vir anunciar algumas medidas, aliás limitadas e parcialmente requentadas, de reforço dos meios para o combate à corrupção. Tratou-se de um expediente de marketing, para ajudar a esquecer o tempo perdido, que trouxe mais descrédito a uma área da acção do Estado onde os valores deveriam ser outros.
E para esta imputação não ficar no ar, quero dizer que o reforço de meios e o edifício próprio que, há poucas semanas, foram propagandeados tinham sido, esse edifício e esses meios, formalmente anunciados, com as verbas necessárias já disponibilizadas, em 14 de Setembro de 1992. E para o Governo não poder dizer que a Assembleia da República ou outros órgãos são os responsáveis pelo atraso na elaboração desta legislação, devo dizer que o Governo falou nela em Setembro de 1992 e que a proposta de lei entrou na Assembleia, na sua forma final, em Maio de 1993, ou seja, quase um ano judicial depois do seu anúncio.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não tiveram pressa!
O Orador: - Não se diga que é a Assembleia quem tem esta responsabilidade! E depois do primeiro veto presidencial, o Governo levou seis meses a encontrar a fórmula susceptível de tornear, como torneou, a objecção de constitucional idade suscitada pelo Tribunal Constitucional. Estes são tempos que devem ir a débito do Governo e da sua capacidade de decisão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Estamos dispostos a contabilizar os tempos, quer os utilizados pela oposição quer o que levou a elaboração do diploma. Isto para dizer, formalmente, que não aceitamos a acusação de que é esta Câmara ou outros órgãos de soberania quem tem a responsabilidade no atraso.
E digo mais: aproveito para esclarecer que o Ministro da Justiça confessou, expressamente, que tinha esperado pela publicação da lei para haver o reforço de meios e para que a sua noção sobre a orientação deste problema ficasse clara perante as pessoas. Isto não é seriedade, porque os meios poderiam ter sido proporcionados antes e a contrapartida é que processos e processos não foram investigados durante este período. Quando tivermos acesso ao relatório da Procuradoria-Geral da República, poderemos ver, em concreto, qual o prejuízo causado a imensos processos que jazeram anos e anos, ou meses e meses, porventura à espera de uma legislação que não era necessária para esses processos serem despachados.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas olhe que, em matéria de atrasos, a oposição colabora bastante!
O Orador: - É sabido que a corrupção se desenvolve com a opacidade, a discricionariedade, o secretismo, a clandestinidade nos procedimentos públicos, a falta de transparência em torno das pessoas, dos actos, das organizações e dos mercados públicos, a ausência de controlos efectivos que desencorajem e reprimam o ilícito e o irregular.
Um programa sustentado de combate às ocasiões de corrupção, em desenvolvimento nas condições actuais, impunha que os responsáveis públicos promovessem ou apoiassem reformas tendentes a diminuir essas ocasiões. O Primeiro-Ministro, o Governo e a maioria tomaram uma atitude oposta: contrariaram e inviabilizaram uma solução de efectividade para a fiscalização das contas dos partidos políticos; promoveram soluções de laxismo em matéria de incompatibilidades, acumulações e garantias de isenção na vida pública; recusaram a criação de um registo público de interesses dos titulares de cargos políticos; recusaram o acesso do público às declarações de rendimentos, patrimónios e cargos, e ao conteúdo das declarações de IRS dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. E não bastando isso, restringiram o âmbito da obrigatoriedade de publicação de decisões públicas beneficiando particulares, originariamente proposto pelo PS; rejeitaram a sujeição da aplicação dos fundos estruturais comunitários a auditorias a cargo de entidades independentes seleccionados por concurso público; impediram o acesso dos cidadãos às declarações de património e rendimentos dos titulares de cargos políticos.
O Primeiro-Ministro e o Governo vêm discursando sobre o combate à corrupção mas, em relação às reformas institucionais que podem interceptar e controlar as condições do seu desenvolvimento, revelaram uma vontade oposta.
O reforço dos controlos independentes é um elemento fundamental para um combate de envergadura ao fenómeno da corrupção. A jurisdição financeira e a jurisdição administrativa são, neste domínio, cruciais, dado o papel que lhes cabe na detecção e sancionamento da ilegalidade pública e na responsabilização do Estado e dos titulares dos seus órgãos e agentes.
Ao recusar o reforço das competências e instrumentos à disposição do Tribunal de Contas e dos tribunais administrativos e fiscais, o Governo e a maioria constituíram-se responsáveis pelo desaproveitamento de frentes da maior importância para o combate à corrupção e aos desvios à isenção, à imparcialidade e à integridade na Administração Pública.
Na hora da internacionalização e da União Europeia, um combate eficaz à corrupção e à criminalidade económico-financeira pressupõe o acompanhamento de fenómenos que atravessam as fronteiras, o desenvolvimento da cooperação e o aproveitamento de experiências e conhecimentos, num domínio cuja importância não cessa de ser reconhecida nas sociedades actuais. Na acção do Governo, e em especial nas propostas trazidas a esta Assembleia, não encontramos traços que reflictam esta dimensão dos problemas e das políticas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, frente a este panorama, torna-se clara a urgência de levar ao Estado, neste domínio, um programa de outra inspiração, com outra amplitude e com outras condições de sustentação. E isso que é importante dizer neste debate de urgência.
Assim, é urgente, primeiro, completar rapidamente a actualização do programa criminal, nomeadamente dando entrada efectiva à criminalização do tráfico de influência no direito penal português, como preconizámos, e suprindo outras lacunas, desde logo em matéria de branqueamento de capitais.
Segundo, no quadro de uma urgente revisão do direito processual penal, é necessário expurgar os dispositivos processuais, a empregar no combate à corrupção, de injustificados elementos de excepção que deslegitinam e comprometem o necessário suporte comunitário da resposta penal.
Terceiro, é preciso alterar drasticamente o panorama dos meios de investigação disponíveis, actuando não apenas no domínio orçamental e no plano quantitativo como também instituindo um sistema de gestão e de acesso mais
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eficaz, que permita, ao mesmo tempo que reforçar e qualificar a actuação policial, pôr termo à situação da dependência prática em que se têm encontrado as magistraturas e oferecer aos cidadãos maiores garantias de isenção, assim como prever e regulamentar o recurso a auditorias e outras peritagens (como já propusemos) a cargo de entidades privadas de reconhecida idoneidade, a qualificar e seleccionar por concurso público.
Quarto, é urgente adoptar soluções de salvaguarda da transparência em torno das pessoas dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, criando um registo público de interesses, consagrando a publicidade das declarações de patrimónios, rendimentos e cargos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, prevendo o acesso ao conteúdo das declarações de IRS desses titulares e reforçando o regime de incompatibilidades.
Quinto, é urgente consagrar medidas de transparência em torno dos actos e dos procedimentos públicos, instituindo a publicidade obrigatória dos actos das entidades públicas - da administração central, regional e local - que concedam benefícios, procedam a adjudicações ou licenciamentos, nomeadamente em matérias como loteamentos urbanos, empreendimentos turísticos, centros comerciais, imobiliário, e outros actos de sentido equivalente, instituindo um sistema de informação sobre tais actos, com suporte informático, que permita o acesso, em tempo real, ao seu conteúdo (como também já propusemos sob a forma de projecto-lei), por forma a viabilizar um efectivo controlo de legalidade e a promover a própria transparência ausente de alguns mercados públicos.
Sexto, adoptar medidas de transparência e de controle em relação a pagamentos privados, prevendo que, acima de determinado montante, tenham de ser efectuados por cheque ou por outro meio documentável.
Sétimo, tornar efectivo o controlo das contas dos partidos políticos, atribuindo essa função ao tribunal que reúne melhores requisitos para o efeito, o Tribunal de Contas, por forma a poder ser dada aos cidadãos uma garantia real de fiscalização.
Oitavo, reforçar os poderes e os meios da jurisdição financeira, nomeadamente estendendo a competência do Tribunal de Contas às empresas públicas e sociedades de capitais públicos e a outras organizações que ilustram hoje um processo de crescimento oculto do Estado, fora de qualquer controlo exercido em nome e no interesse dos contribuintes.
Nono, dinamizar e ampliar o papel da jurisdição administrativa no controlo e sancionamento da ilegalidade pública, designadamente conferindo a qualquer cidadão, que faça prova de qualidade de eleitor ou contribuinte, o direito de impugnar contenciosamente, com fundamento em ilegalidade, os actos de administração central, regional e local que procedam a adjudicações, concedam benefícios e licenciamentos, e outros de teor equivalente. No mesmo sentido, impõe-se o reforço (como também já propusemos) do direito de os cidadãos dirigirem petições, representações e queixas às assembleias municipais, que devem ser por estas necessariamente examinadas, valorizando uma nova instância de controle das decisões autárquicas.
Décimo, promover a deontologia na vida pública, designadamente através da fixação de regras e de apoios à criação de conselhos, e estimular a participação das instituições de sociedade civil- ordens, associações, escolas, universidades, igrejas -. num esforço de valorização dos recursos deontológicos que faz hoje falta na sociedade portuguesa e que e também um ambiente indispensável para o exilo das políticas públicas de combate à corrupção.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Eis, em síntese, o que o PS propõe que se faça e eis também o que o PS se propõe fazer.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, para o CDS-PP, uma clarificação é necessário fazer, logo de entrada, quando falamos de corrupção: é que recusamos envolver tudo e todos no mesmo saco quando debatemos este tema!
Connosco, não vale a pena tentar misturar os empenhes, as habilidades, os jeitinhos, os pequenos aproveitamentos de influência ou posição, de que os portugueses são, injusta ou justamente, acusados de praticarem nos mais baixos graus da sua vida, com os crimes de corrupção que podem ocorrer quando estão envolvidos elevados montantes de dinheiro público, quando os interesses privados se confundem com o interesse público, quando se criam oportunidades para ganhos ilícitos de fortunas privadas à custa do dinheiro de todos nós.
Não deve, portanto, restar confusão a respeito do que, há anos a esta parte, queremos nomear e combater quando, continuadamente, insistimos na necessidade de uma luta sem tréguas à corrupção.
A sede onde podem ocorrer os actos de corrupção é, por natureza do fenómeno, o poder político. É aí que nasce, habita e se expande a oportunidade e a tentação, é aí que está o controlo dos enormes meios financeiros que a comunidade reúne, é aí que a administração decorre, longe do escrutínio e atenção do cidadão comum, é aí que as ocasiões podem conduzir à tentativa dos grandes negócios ilícitos.
Se a grande parte da corrupção começa e acaba no poder político, a primeira cautela no combate a esse flagelo tem de ser, naturalmente, a de confiar a sua direcção a entidades exteriores a esse mesmo poder e dele independentes. Parece-nos este um princípio basilar. E aqui está, desde logo, a primeira e principal diferença que nos afasta deste Governo, nesta matéria!
O Sr. Ministro da Justiça anunciou um pacote de medidas de que resulta a atribuição a si mesmo da condução do combate à corrupção, ainda que pela via indirecta da chamada «coordenação de meios». O Ministro da Justiça é um categorizado membro do Governo, sê-lo-á em qualquer governo, de qualquer partido e nas mais diversas conjunturas políticas, e é óbvio que não será nunca a pessoa que ocupar o cargo que estará em causa. Simplesmente, a nossa opinião sobre a direcção de um combate, cujo alvo potencial reside, em grande parte, nas instâncias governamentais, é, claramente, a de que ela deve ser entregue à magistratura e não a um governante, e sem medo da concentração de competências.
A propósito das medidas anunciadas pelo Sr. Ministro da Justiça, ressaltam outras duas grandes diferenças com as nossas posições, sendo a primeira sobre a potencial utilização dos agentes infiltrados. Esta figura, que o Sr. Ministro foi buscar a Itália, deixando lá tudo o resto, sobretudo a condução pelos juizes independentes da luta contra os políticos corruptos, arrisca-se a transformar-se numa ameaça sobre a sociedade, se, porventura, não forem clarificados e esclarecidos os objectivos e os limites da sua actividade.
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Onde vão esses agentes infiltrar-se? Nas instâncias governamentais, onde, quotidianamente, se decide da utilização de milhões, dos nossos milhões? Nos meios políticos, onde se movimentam, ou podem movimentar-se, influências sobre as decisões governamentais, ou noutras paragens? E nesse caso, em quais? E quais vão ser os seus métodos de actuação? Vão esses agentes violar a lei para grangear a confiança dos potenciais criminosos? Se eles forem autorizados a violar a lei, mais uma razão para temer a incontrolabilidade destes agentes.
A outra divergência, que registamos, com as medidas anunciadas pelo Sr. Ministro da Justiça diz respeito aos meios adicionais que o Governo anunciou para o combate à corrupção.
Mesmo que assumíssemos que a luta bem sucedida contra a corrupção advém do dinheiro que com ela se gasta, ficaríamos, logo à partida, confusos e descontentes. Na passada segunda-feira o Sr. Procurador-Geral da República disse não possuir indicadores sobre se esses meios são realmente suficientes!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde há muito tempo que o CDS-PP tem desenvolvido uma constante denúncia política do problema da corrupção no nosso país e para ele tem exigido soluções e apresentado propostas. O PS e o PSD começaram por ver nas nossas posições não mais do que uma tendência demagógica para agitar falsos problemas e para apontar para soluções inviáveis e injustamente persecutórias da classe política. Foi assim no início. Depois, lentamente, começaram ambos por se adaptar a um novo discurso: já não se trata de um fantasma agitado por motivos políticos, mas de um problema real; já não é demagógico exigir a transparência pública dos rendimentos dos políticos.
Estamos crentes que a estas aproximações, ainda que ténues, ao nível do discurso, se virão, mais tarde ou mais cedo, adicionar aproximações reais ao nível das propostas. Por isso nos permitimos insistir sobre o essencial da nossa visão do problema, no que toca às medidas práticas que a nosso ver devem ser tomadas.
Em Agosto de 1992, em Maio de 1993 e em Julho deste ano, o CDS-PP denunciou situações e avançou com as suas propostas. Ontem mesmo e a propósito deste debate, insistiu nelas e apontou ainda novas medidas. Por todas elas perpassa o mesmo fio condutor. A corrupção ataca-se eficazmente, sem novas burocracias e sem ameaças à liberdade dos cidadãos, indo à raiz do problema, eliminando, onde ela exista, a promiscuidade entre negócios privados e a administração dos dinheiros públicos, praticando a transparência pública efectiva nos rendimentos e no património daqueles que podem decidir, ou influenciar, as grandes despesas públicas, entregando a tarefa de fiscalização dessas despesas a entidades independentes e com disponibilidade efectiva de meios e competências.
Para nós, foi sempre mais importante, e sobretudo mais barato, eficaz e simples, tentar eliminar a ocasião do que tentar apanhar o ladrão, evitando o risco de descobrir apenas o pequeno ratoneiro. É por isso que o CDS-PP preconizou sempre a ampliação da jurisdição do Tribunal de Contas, defendendo o visto prévio e, ao mesmo tempo, a racionalização e simplificação da fiscalização prévia das despesas públicas.
Propusemos o alargamento da fiscalização do Tribunal de Contas às empresas públicas, às empresas de capitais públicos, aos processos de privatização e à concessão e utilização de subsídios. É por isso que o CDS-PP insiste num novo regime de controlo da riqueza dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, alargando o leque de cargos e funções abrangidas, com publicidade e livre acesso dos cidadãos às respectivas declarações anuais, e controlo e eventual responsabilização criminal pela Procuradoria-Geral da República. É por isso, finalmente, que o CDS-PP continua a defender o alargamento de incompatibilidades a que estão sujeitos os cargos políticos e altos cargos públicos.
Como se pode permitir, com efeito, que membros do Governo que cessam as suas funções possam, de imediato, ir desempenhar funções executivas em sociedades comerciais cuja actividade foi anteriormente tutelada por si? Como encarar a compatibilidade actual do exercício do cargo de gestor público ou executivo em sociedades anónimas de capitais públicos, com o de cargo executivo em empresas privadas suas fornecedoras ou clientes relevantes nos anos anteriores e posteriores ao exercício de funções?
A transparência, como factor inibidor da corrupção, consegue-se também através dos mecanismos, que devem impor-se, de publicidade e seriedade nas relações directas entre o Estado e as entidades privadas Está neste caso a proposta que fazemos sobre a publicação obrigatória no Diário da República das decisões sobre a atribuição de subsídios, ajudas, incentivos, bonificações, subvenções, etc. Está também neste caso a proposta de sujeição obrigatória ao regime de empreitadas de obras públicas das empresas públicas e das sociedades anónimas de capitais públicos.
A este respeito, esperamos que o Sr. Ministro da Justiça tenha, proximamente, oportunidade de conceder atenção a este importante pormenor, oportunidade essa que não teve até hoje.
Chamamos a atenção para o facto de que a proporção de despesas públicas em obras através do mecanismo das sociedades anónimas é uma larga proporção e não se pode, com sinceridade, querer combater a corrupção sem dar atenção a este dito pormenor.
Tem sido nesta linha que o meu partido tem apontado a solução para o crescente problema da corrupção que pode desenvolver-se em torno do poder político Uma linha essencialmente preventiva, que assenta no papel essencial dos magistrados na condução da luta contra este mal, no acréscimo de meios e competências às entidades fiscalizadoras, na transparência dos rendimentos dos políticos e no alargamento do regime de incompatibilidades.
É certo que nunca descuramos as medidas punitivas; incapazes de, por si só, debelarem a corrupção, elas são indispensáveis na perspectiva da justiça e da ética públicas. Preconizamos e reiteramos a necessidade do agravamento das penas aplicáveis no caso de crimes cometidos por titulares de cargos políticos. Propomos o seu agravamento para crimes de corrupção activa e, ao contrário do Governo, no caso da corrupção passiva.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Combater a corrupção não pode ser uma cedência perante uma moda internacional nem constituir um cenário para meramente satisfazer o estado de espírito da opinião pública, é uma exigência ética continuada e válida para todas as circunstâncias. Há que distinguir entre a vontade real de atacar a corrupção na sua fonte, o poder político e o mero espectáculo dos pacotes e das medidas de emergência ineficazes.
O que o País gostaria de ver seria a imposição de regras simples que diminuíssem as oportunidades da corrupção. Existe em Portugal uma desconfiança atávica sobre quem parte e reparte os dinheiros públicos, que são de todos nós. A transparência, a publicidade e a fiscalização independentes serão, mais tarde ou mais cedo, o sinal ine-
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quívoco perante os portugueses da verdadeira determinação de não dar tréguas a todos os que possam querer enriquecer à margem da lei e à custa do que os cidadãos depositam nas mãos do Estado. Essas regras hão-de impor-se, não contra um partido ou um governo circunstanciais, mas a favor dos que honestamente querem servir o País a coberto da suspeição provocada pela falta de clareza.
Aplausos do CDS-PP.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr Presidente Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados; É sinónimo de abuso, sintoma da decadência de um poder As suas fronteiras são mal definidas entre o acto de seduzir terceiros com favores, dinheiros, prendas ou facilidades sem fim...
É crime para quem a pratica instalado no aparelho de o Estado ou exercendo a actividade administrativa, Dirão alguns, dos que sempre gostam de, assim, aliviar o peso da sua própria consciência, que é um fenómeno sem fronteiras
E se é certo que a corrupção só na Europa, para não irmos mais longe, em Itália, em Espanha, em França e, mais recente e pudicamente, no Reino Unido atingiu governos socialistas, sociais democratas ou democratas cristãos das mais diversas formas; se é certo que a sua denúncia fez abalar governos, destituir ministros e pôs, aqui e além, em causa o próprio sistema, a verdade é que, para nós, Partido Ecologista Os Verdes, Srs. Deputados, não é a partilha e a banalização de um crime que o desculpabiliza, não é a visão fatalista como um qualquer destino que o justifica, nem é esta hipócrita tendência para dividir o mal pelas aldeias, em generalizações pouco sérias, que permite, perante a corrupção em Portugal, desresponsabilizar quem é responsável, isto é, o PSD, pelo seu alastramento e a Governo pela sua cumplicidade - responsabilidade porque se permite que a corrupção cavalgue à solta, sem um combate eficaz que a sustenha, cumplicidade porque a impunidade é total, como, aliás, o próprio ridículo número de sentenças condenatórias o atesta inequivocamente.
As histórias não faltam e os escândalos são múltiplos nas obras públicas, desde as estranhas dispensas de- concursos pela Administração aos licenciamentos para amigos em áreas protegidas, os cursos de formação que nunca chegaram a existir; as facturas falsas que continuam, há anos e anos, enterradas; os fundos para agricultores que viviam na cidade e os subsídios para jovens que já tinham envelhecido; de tudo um pouco houve nesta panóplia de crimes de «colarinho branco» e neste tempo de dinheiro fácil em que o estatuto social, segundo os padrões culturais dominantes, se determina não pelo que se é mas pelo que se tem.
Crimes que a evolução da sociedade portuguesa, com todos os ingredientes que a moldaram na última década, facilitou: crescimento rápido e a qualquer preço; imediatismo do lucro; invasão de fundos comunitários sem qualquer controlo e fiscalização por parte das várias instituições, designadamente a parlamentar; falta de transparência processual por parte da Administração; acentuação do pendor centralista e centralizador do poder instalado; manutenção da burocracia paralisante.
Crimes, por último, que a imposição do segredo de Estado e as limitações à liberdade de imprensa vieram obviamente facilitar, obstaculizando e quase castrando a actividade dos jornalistas que se assumiam como um canal essencial de informação, de denúncia, de alerta público e factor de pressão sobre o poder político que desta forma se viu, quando não domesticado, condicionado, se não mesmo ameaçado pelo poder.
Crimes a que a Alta Autoridade Contra a Corrupção, extinta em 1992, criada para combater este flagelo, não conseguiu pôr cobro por falia de meios eficazes e sobre os quais um pacto de silêncio se abate, pesado e comprometido.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados: Falar de corrupção em Portugal é falar das razões que lhe estão na origem É dizer que e preciso pôr fim à censura, que, insidiosa, se instala e exigir uma imprensa livre: pôr fim ao torniquete do segredo de Estado e rasgar caminhos de transparência; pôr fim à investigação tutelada, em que o poder e juiz em causa própria, e garantir sem compromissos a busca da verdade; pôr fim às violações de direitos fundamentais dos cidadãos, salvaguardando o controlo das polícias e limitando o seu território; pôr fim ao marasmo, à lentidão e inoperância da justiça face à corrupção e dar-lhe meios eficazes, humanos, técnicos e financeiros que não tem, por último, pôr fim à promiscuidade entre Estado/Governo/PSD e as clientelas purasitantes que o sustentam e que dele se alimentam, o que obviamente só um novo poder, que não manifestamente este. poderá permitir.
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs Deputados: O inequívoco empenhamento e esforço do Governo e da maioria no combate à corrupção ficou claramente patente, desde logo, na circunstância de o próprio Primeiro-Ministro ter estado presente e proferido importante intervenção nesta Assembleia, quando o Governo, na sessão plenária de 17 de Março de 1993, fez a apresentação da proposta de autorização legislativa, ao abrigo da qual pretendia aprovar diploma com visita à adopção de eficientes medidas de combate à corrupção e reforço dos órgãos de investigação criminal com os necessários meios.
O Sr. José Magalhães (PS). - Sentimos a ausência do Primeiro-Ministro hoje!
O Orador: - E esse empenhamento e preocupação de fazer com que esta Assembleia participasse plenamente na elaboração e aprovação de tais instrumentos legislativos levou a que o Governo retirasse a proposta de autorização e a substituísse por uma proposta de lei destinada a regular directamente, e de forma integral, os meios e as formas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira, a qual foi objecto de debate no Plenário de 3 de Junho de 1993.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque em matéria desta importância e melindre só temos um discurso e não abdicamos da caminhada que encetámos.
O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!
O Orador: - ...permitam-me que lembre aqui o que então afirmei, neste Plenário: «Tenho para mim, e já o afirmei
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noutras ocasiões, que ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a democracia aprofunda-se, enriquece-se e aperfeiçoa-se, quando as forças políticas, sem prejuízo das suas salutares diferenças, subtraem responsavelmente certas matérias à mera pugna político-partidária e se abstêm de as usar como arma de arremesso político».
É este o sentido de Estado que todos os responsáveis políticos, no poder ou na oposição, devem ter numa democracia que se quer enraizada e consolidada.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Infelizmente, nem todos têm!
O Orador: - Penso ser esta uma das matérias que merece e exige tal trato.
Bem entendido que me refiro tão-só à necessidade de uma convergência de vontades quanto à adopção de medidas legislativas e outras adequadas a este tipo de criminalidade.
Temo mesmo que a excessiva polémica à volta destas iniciativas, o exagero e o infundado de muitas das críticas, que só por razões de combate político (no pior sentido) se podem explicar, conduzam ao descrédito das instituições perante o País e gerem nos cidadãos a ideia de que há quem não esteja efectivamente interessado neste combate.
Foram tantos os empecilhos que se levantaram nesta Assembleia à aprovação da lei de combate à corrupção que quem, menos justificadamente, os levantou dificilmente se libertará da ideia de que com isso ocultava uma falta de vontade em dotar o Estado dos instrumentos e dos meios adequados a um efectivo combate à criminalidade económica em geral e à corrupção em particular.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que fique claro perante o País, sob pena de estimularmos um clima de injustificada suspeição que corrói a democracia e as instituições, que este é um combate de todos nós. Do Governo e da oposição; da Assembleia da República e de todos os órgãos de soberania; dos deputados e de todos os partidos.
Este combate não pode ser comprometido por divergências ou por reivindicações corporativas, por discussão de espaços ou de competências ou ainda por ânsias de protagonismos mediáticos, em que se desgastam energias tão necessárias a uma convergência de acções e de esforços.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E bom deixar claro que a lei de combate à corrupção, que esta Câmara aprovou, observa o princípio da separação de poderes e salvaguarda os direitos fundamentais, como o confirmou, aliás, o Tribunal Constitucional em acórdão em que se suscitou a apreciação da inconstitucional idade de todo o diploma.
Não vejo que dela possa resultar o menor risco da Polícia Judiciária, aliás dirigida por distintos e conscientes magistrados, instaurar pré-inquéritos ou praticar actos de investigação criminal à revelia da direcção do Ministério Público e do controlo da magistratura judicial.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A obrigatoriedade da Polícia Judiciária, sempre que instaure procedimento criminal, o comunicar de imediato ao Ministério Público, a imposição de documentar as acções de prevenção e de as remeter mensalmente ao Procurador-Geral da República, que avaliará da correcção de tais procedimentos e ajuizará da necessidade de, em cada caso, ser necessário ou não proceder criminalmente, constituem garantia bastante de que os direitos fundamentais serão sempre salvaguardados.
Os termos em que se regula a quebra do sigilo bancário, com base em princípios de excepcionalidade e proporcionalidade, sempre sujeito a prévio despacho fundamentado do juiz, constituem igualmente garantia de que se confere à investigação um instrumento indispensável num quadro cautelar que salvaguarda a reserva a que tais matérias devem estar sujeitas.
A possibilidade da prática de actos de colaboração ou instrumentais ser sempre precedida de autorização da autoridade judiciária competente, a atenuação da pena do agente que auxilie a recolha de provas que conduzam à identificação e captura de outros responsáveis, bem como a suspeição provisória do processo por decisão articulada entre o Ministério Público e o juíz de instrução, subordinando-se o arguido a disjunções e desde que este tenha prestado especialmente colaboração, sendo medidas discutíveis no plano ético, não podem, porém, deixar de ser adoptadas no combate a este tipo de criminalidade, como vem sendo reconhecido nas sociedades mais democráticas e em organizações internacionais insuspeitas na defesa dos direitos fundamentais.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Como lembra o ilustre democrata e distinto magistrado Dr. Manuel Lopes Rocha, em estudo relativo à criminalidade económica, estas são medidas que o Direito Comparado regista, pois que, um pouco por toda a parte, o legislador foi concluindo, pragmaticamente, que o carácter insidioso e oculto destas acções impediam-no de sacrificar conveniências de política criminal a considerações de ordem moral.
Escusado será salientar ainda a importância de que se reveste o departamento de perícia financeira e contabilística, ora criado no âmbito da directoria geral da Polícia Judiciária, pois que era notória a falta de um corpo pericial de apoio à investigação deste tipo de crime, que envolve áreas técnicas e sem o que não é possível assegurar a necessária celeridade à instrução e o atempado julgamento dos responsáveis por crimes desta natureza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não ficaram, porém, por aqui as medidas de combate à corrupção que vimos implementando.
O Sr. José Magalhães (PS): - Por agora, nenhuma! Zero!
O Orador: - Efectivamente, a abertura da administração, a transparência das instituições e da actividade política e partidária constituem também imperativo inadiável de um correcto combate à corrupção.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Uma administração central, regional e local, simplificadora e desburocratizada, a que os cidadãos tenham pleno acesso, é indispensável à eliminação de penas e entraves que são muitas vezes cultivados como fertilizante do terreno propício ao florescimento da corrupção.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - É justo realçar aqui o esforço que a Secretaria de Estado da Modernização Administrativa vem fazendo neste particular e relevante papel que tem advindo da divulgação e execução do Código do Procedimento Administrativo, instrumento legislativo verdadeiramente revolucionário, alavanca demolidora de anquilosados hábitos e praxes da Administração Pública e inspirador de uma nova mentalidade num quadro aberto nas relações dos cidadãos com os serviços públicos.
O diploma do arquivo aberto em que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias tanto se empenhou e que esta Assembleia oportunamente aprovou muito contribuirá para uma efectiva transparência da administração.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Na mesma linha de preocupações, aprovámos a proposta de lei de autorização legislativa ao abrigo da qual o Governo veio a rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública.
Igualmente aprovámos uma nova lei de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, que clarificam regras, princípios e garante a fiscalização adequada a assegurar a transparência nesta matéria.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - De particular importância se reveste também a lei relativa ao branqueamento de capitais,
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos, porem, deixar de lembrar aqui que leis como a do combate à corrupção e a do financiamento doa partidos foram aqui votadas apenas com o voto favorável, do PSD.
Se em política nada há que não tenha o seu correspondente significado, tal votação não poderá também deixar de revelar, perante o País, quem efectivamente quer mais transparência, quem verdadeiramente deseja combater eficazmente a corrupção.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas elegendo no seu programa como área de intervenção preferencial, no capítulo da Justiça e em sede de combate à criminalidade, entre outras, o reforço do combate à criminalidade organizada, à corrupção e às fraudes anti-económicas, o Governo foi mais longe na adopção de medidas tendentes a garantir uma acção eficaz a nível da prevenção e da repressão daquela enramai idade.
Assim, para além do reforço em meios humanos e materiais, como demonstra a circunstância de o DIAP do Ministério Público, em Lisboa, ter passado de 1989 a 1992 pela seguinte evolução: da falta de instalações a uma instalação condigna e ampla; de 39 funcionários a 147: de 22 magistrados a 71. E nos seus serviços, no Porto, de Junho de 1993 a Maio de 1994, passou de 22 a 65 funcionários e de 11 para 25 magistrados.
O Sr. José Magalhães (PS): - Magnífico!
O Orador: - Sempre afirmou o Sr. Ministro dia Justiça - o que causou alguns engulhes ao Sr. Deputado Alberto Costa - que, completado o quadro jurídico cm. matéria de combate à corrupção (referindo-se em particular à lei que aqui aprovámos e ao decreto-lei que a regulamenta, pendente, neste momento, de promulgação do Presidente da República), anunciaria novas acções e medidas, que sintetizou em 12, na intervenção que proferiu no aniversário da Polícia Judiciária, em 25 de Outubro último, e que aqui hoje recapitulou, explicitando-as mais desenvolvidamente.
Não tenhamos, porém, a ilusão de que o combate à corrupção se esgota nos instrumentos legislativos e jurídicos ou mesmo nos meios humanos e materiais afectos aos órgãos de investigação e de instrução criminal.
Este problema hoje, mais do que nunca, assume natureza cultural e tem a ver com os valores que, em cada momento, enformam as colectividades e que cada um de nós, facilmente, possa descobrir em si.
Não queremos uma sociedade em que os valores do poder e do prestígio são ajuizados em termos monetários, patrimoniais e materiais, superando os valores da honestidade, da lisura, da lealdade e da competência, porque, essa sim, é uma sociedade geradora de corrupção.
Significa isto que, também neste particular, são correctas as nossas preocupações em relação à escola e à família, que devem continuar a ser as depositárias e transmissoras desses valores personalistas por que nos batemos e com que nos identificamos. Tudo faremos para que tais valores continuem a prevalecer sobre toda a espécie de materialismos sem alma, com que não pactuamos.
Revemo-nos em William Shakespeare quando no Mercador de Veneza escreve lapidarmente «ninguém deve enganar a fortuna ou recolher as honras, sem que tenha o cunho do mento. Ninguém sonhe com dignidades que não mereça. Quanto seria para desejar que riqueza, postos e empregos não fossem devidos à corrupção, que todas as obras fossem justificadas pelo merecimento daquele que as recebe».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos abertos, como sempre, a apreciar e a discutir as propostas da oposição, mas quando, em matérias como esta, se torna tão patente a demagogia e a preocupação meramente quantitativa (sendo certo que todas somadas não ultrapassam as 12 anunciadas pelo Ministro da Justiça), temos fundadas razões que a tais propostas lhes falte em seriedade o que lhes sobra em demagogia e em eleitoralismo.
Parece-nos curioso e significativo lembrar que a reacção generalizada dos partidos políticos (e de outros), às medidas anunciadas pelo Ministro da Justiça na altura, talvez por intuitivamente responsável, foi, se não mesmo de aplauso, pelo menos de concordância e até de adesão. Só mais tarde, no frenesim que geraram, e que vieram a ocorrer reacções racionalmente irresponsáveis de reprovação, de insuficiência e de inadequação de tais medidas. É este frenesim eleitoralista e demagógico de pura luta político-partidária, que esteve patente ontem nas apressadas conferências de imprensa promovidas pelos grupos parlamentares da oposição, como esteve patente no debate de hoje nesta Assembleia.
Como é possível vir anunciar, como novas, medidas já adoptadas pelo Governo e aprovadas nesta Assembleia, como seja a criação de um corpo de perícia económico-financeira ao serviço da investigação criminal?
Como é possível a demagogia de propor redução e transferência de verbas dos gabinetes ministeriais para as afectar ao combate à corrupção sem propor igual medida em relação aos gabinetes dos presidentes das câmaras, como as de Lisboa e do Porto, onde se tem feito a perdulária admissão de centenas de correligionários dos respectivos autarcas?
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Como e possível propor tal solução sem propor também iguais reduções e transferências do orçamento da Presidência da República?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Não se esqueça dos governos regionais!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de uma coisa podem VV. Ex.ªs, Srs. Deputados da oposição, estar certos: se querem continuar a lazer desta matéria arma de arremesso político, terreno de luta político-partidária e eleitoral islã e sustentar uma suspeição generalizada sobre os políticos, não contem connosco!
Se querem continuar a fomentar o desrespeito pela presunção de inocência de indiciados em qualquer crime até ao trânsito em julgado das respectivas sentenças, o que aliás neste âmbito se tem colocado mais no vosso próprio campo, não contem connosco!
Se querem continuar a pactuar com as constantes violações do segredo de justiça, a colaborar e a fomentar o pré-julgamento pela comunicação social, sem o menor respeito pela honra e bom nome dos cidadãos, sejam eles quem forem, não contem connosco!
Se querem, a todo o custo, manter uma colagem às reivindicações corporativas, cada vez mais politizadas, de sectores com responsabilidades na justiça, que se desejam politicamente não envolvidos e equidistantes, por indispensável à garantia da sua isenção, independência ou autonomia e imparcialidade, não contem connosco!
Ainda que tenhamos de prosseguir esta caminhada (aparentemente sós), não desistiremos do escrupuloso respeito pelos princípios nem abdicaremos da exigência de que todos e cada um exercitem os seus efectivos poderes no estrito âmbito das suas competências legais e constitucionais, com a firmeza que impõe um combate que queremos implacável e exemplar.
Já sabemos que nesta postura de recusa à sistemática pugna político-partidária nesta matéria, e da sua colocação no patamar próprio das questões de Estado, não podemos contar convosco mas, apesar disso, e até estimulados por isso, continuaremos a combater sem tréguas a corrupção, na certeza de que na realidade não iremos sós, porque vamos com o povo português, que para tanto e também para este combate nos mandatou.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Manuel Queiró e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narrara Coissoró (CDS-PP)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva: Naturalmente que ficaria mal que V Ex.ª acabasse uma brilhante exposição sem ser interpelado sobre aquilo que disse, pois pareceria que não ligávamos à sua intervenção. Por isso, além de lhe prestar homenagem como orador representante da maioria, sempre lhe direi que pode contar connosco; nós é que não podemos contar muito convosco!
Risos do CDS-PP e do PSD.
Ora bem, há duas coisas que gostaria que me explicasse. V. Ex.ª sabe que nesta lei de combate à corrupção há três fases: uma de prevenção, outra de inquérito e uma terceira judicial, se for caso disso. Ora, diz a lei que na fase de prevenção tudo deve ser reduzido a auto e no fim de cada mês devem ser presentes ao Ministério Público as averiguações feitas. Pergunto a V. Ex.ª: qual é o controlo que existe se foi decidido arquivar, por não haver indícios de crime, tudo quanto foi feito pela Polícia Judiciária e comunicado ao Ministério Público? Mas podem não se ter encontrado indícios de crime, portanto, pode não haver uma participação para efeitos de acção penal; por causa disso é que lei prevê, como controle, que mensalmente seja presente ao Ministério Público tudo quanto se fez nesta matéria e aí a dúvida que me fica é: e se a Polícia Judiciária não faz isso e esconde qual coisa? Qual é, nesse caso, o controlo que o Ministério Público tem para saber se, efectivamente, o material que a PJ grangeou mas que não levou ao Ministério Público porque não encontrou indícios de crime, foi destruído?
Mas podem ter encontrado muitos outros indícios que fazem falta ao poder político e que, naturalmente, como a Polícia Judiciária está hierarquicamente dependente do Ministério da Justiça - não me refiro a este Ministro da Justiça, que nos honra com a sua presença, a quem todos consideramos um lídimo democrata, mas pode calhar-nos em sorte um ministro da Justiça coscuvilheiro -, o ministro da Justiça, coscuvilheiro, pode querer para si muito material, que não deu em crime, e aproveita-se das informações da PJ que não foram levadas ao Ministério Público. Daí a minha pergunta: qual e o controle que tem o Estado de direito, o Ministério Público, para saber onde é que está carreado este material?
Em segundo lugar, o Sr. Director da Polícia Judiciária deu uma entrevista, há dois dias, ao Diário de Notícias, em que diz assim e é o título «Quem gere os meios sou eu». E também o Sr. Ministro da Justiça disse: «quem coordena os meios sou eu». Gostava de saber qual é a diferença entre gerir os meios e coordenar os meios. Coordenar os meios, como? O que é que significa isso de a Polícia Judiciária gerir os meios e o Ministro da Justiça coordenar os meios? Gostava que me dissesse qual é essa distinção tão sofisticada! E também gostava de saber se a Polícia Judiciária gere os meios, o que é que o Ministro da Justiça faz? É simplesmente uma «caixa de correio»?!
Há ainda uma outra coisa, Sr. Deputado Guilherme Silva. O Sr. Director da Polícia Judiciária diz assim: «O Ministério Público quer peritos? Não lhe dou»...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é bem assim.
O Orador: - Está aqui. Quer ver? Eu leio.
«Diga-me o que é que ele quer. Quer a peritagem? Então, mando fazer a peritagem e dou-lhe o resultado da peritagem, não lhe dou o perito». Portanto, o Ministério Público recebe o resultado das investigações que manda fazer mas não entra no âmago da investigação, o que é contrário ao próprio conceito de investigação E, se é assim, é a própria Polícia Judiciária que utiliza os meios a seu belo talante e vou ler-lhe para que V Ex.ª não tenha dúvidas sobre isso.
A pergunta feita ao director da Polícia Judiciária é: «Não haverá uma subalternização do MP? Alguns magistrados, através do seu sindicato, afirmam que se quiserem meios tem que pedir à PJ». E a resposta e a seguinte: «Mas o Ministério Público não tem meios para quê? Para ser polícia? Não tem! Houve há poucos anos um conflito que se prendia com o estatuto profissional dos inspectores da Polícia Judiciária e a acusação era que os inspectores queriam ser Ministério Público. Fui contra mas também sou quando a magistratura quer ser polícia».
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E à pergunta no sentido de saber «se o Ministério Público pedir o técnico à Polícia Judiciária, tem-no?», a resposta do director da Polícia Judiciária for «Nós temos colocado à disposição do Ministério Público os meios que nos são pedidos, a questão não é o Ministério Público pretender um perito e ter um perito, mas pedir uma perícia e ter a perícia realizada. De outra forma para que é que é a dependência funcional?» Quer dizer, o director da Polícia Judiciária diz assim: se o MP pede um perito não lho dou, a dependência funcional não e essa, dou-lhe o resultado da peritagem!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não e bem assim!
O Orador: - Está aqui. Leia!
Ora, isto é contrário a toda a teoria da investigação entregue à direcção do Ministério Público. Portanto, V. Ex.ª tem que me dizer como é que isto funciona na prática. A investigação para a Polícia, a direcção para o Ministério Público, o controlo da legalidade para o juiz de instrução criminal. Porém, se a Polícia Judiciária diz que não dá o perito mas sim o resultado da peritagem, o Ministério Público não pode ver como é que foi feita a peritagem, porque só recebe o resultado. Pelo menos, é o que está aqui.
Era a isto que queria que me respondesse.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP)' - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, devo dizer que foi com alguma decepção que ouvi uma parte da sua intervenção, quando se referiu às iniciativas propostas pela oposição. É que, depois das perspectivas, que direi risonhas, abertas esta manhã pelo Sr. Ministro em declarações à comunicação social, dizendo que iria considerar, com todo o interesse, as propostas da oposição nesta matéria e de, ainda há pouco, ele ter confirmado esse interesse, vem o Sr. Deputado Guilherme Silva fazer uma intervenção dizendo que, afinal, as propostas da oposição não merecem qualquer consideração, não têm interesse nenhum, ditando, desde já, a sentença de rejeição, por parte do PSD, dessas propostas.
Portanto, temos aqui de anotar a diversidade de discursos que, segundo parece, tem vindo a ser moda no PSD, ultimamente, sobre as mais diversas matérias. Esta é mais uma onde se regista, pelo menos, uma aparente divergência de opiniões - e peço ao Sr Deputado que me esclareça isso -, até prova em contrário, entre o Sr Ministro da Justiça e o Sr. Deputado Guilherme Silva, em nome do PSD.
E já que se coloca este problema da clarificação de opiniões do PSD, gostava de colocar mais uma questão. É que, depois de, na passada segunda-feira, um Deputado do PSD ter sido encarregado de, a título pessoal, sugerir a demissão do Procurador-Geral da República...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Parece que foi louvado...
O Orador: - ... - e, segundo a imprensa, parece que foi louvado -, coloco-lhe directamente a questão: Sr. Deputado Guilherme Silva, era bom que definisse, a título pessoal, a título partidário ou a título do que entender - de preferência a título partidário, já que foi nessa qualidade que interveio-, qual é a sua posição relativamente a esta sugestão que foi feita, na segunda-feira, pelo Sr. Deputado do PSD.
Depois, Sr. Deputado, creio que, na sua intervenção, há alguns contra-sensos, dos quais citarei um: entre muitas acusações, acusa a oposição de fazer impender sobre os políticos um clima de suspeição, quando foi o PSD quem votou sozinho, nesta Câmara, um decreto que em boa hora foi vetado, sobre o qual o Sr. Presidente da República exerceu o seu veto político, que vedava o acesso público às declarações de rendimento dos titulares de cargos políticos.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Então, é o PSD que vota um decreto desta natureza e a oposição é que é acusada de querer fazer impender sobre os políticos um clima de suspeição? Entendamo-nos nesta matéria: se o PSD não quer que exista um clima de suspeição, então, não crie condições para que ela exista e, de facto, aceite - isto vem até a propósito do debate que vamos ter na próxima terça-feira - que sejam públicas e consultáveis, a todo o tempo e por quaisquer cidadãos, as declarações de rendimento e de património dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - E o vosso salário mínimo? Eu sei que vocês têm muitos suplementos além do salário mínimo.
O Orador: - Quer dar-nos mais?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr Deputado Guilherme Silva, a sua intervenção foi de indiscutível qualidade, mas ficou-me a sensação de que essa qualidade esteve mais ao serviço do não dizer do que propriamente do dizer. Digo isto porque o que me restou no fim da sua intervenção foi uma enorme vontade de pedir-lhe esclarecimentos, de fazer-lhe perguntas.
Sr. Deputado, que avaliação faz o seu grupo parlamentar do fenómeno da corrupção em Portugal?
Esta é uma primeira questão central, que me parece não ter motivado as considerações do vosso grupo parlamentar por seu intermédio.
O Sr. Deputado entende que a corrupção em Portugal assume dimensão importante e preocupante?
Onde localiza o Sr. Deputado o fenómeno da corrupção?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Em muitos lados.
O Orador: - Nas instâncias do poder político? Nas autarquias, como tem sido, muitas vezes, dito por membros do vosso partido? Nos gastos públicos com grandes obras, por exemplo?
Que noção, que avaliação fazem o vosso partido e o vosso grupo parlamentar desta questão? Que diagnóstico, diria o Sr. Deputado Jaime Gama, que avaliação, pergunto eu, fazem o Sr. Deputado e o seu partido da temática da corrupção em Portugal?
Em segundo lugar, como se pronuncia o partido maioritário, o Partido Social-Democrata, sobre a questão, aqui explicada por todos os partidos da oposição, da importância do combate à corrupção a montante e da necessidade de não privilegiar as questões da polícia, da investigação criminal ou dos processos, como remédio, a jusante? Como
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resolveria este problema? O Sr. Deputado entende que é importante encontrar regras a montante, que é preciso encontrar regras que desencoragem a corrupção, lá, onde existe a oportunidade e a tentação, onde ela, realmente, pode ocorrer logo à partida, à nascença, na sua fonte, ou não? O seu partido ouviu, durante todo este debate, esta opinião ser expendida pelos diversos partidos e, sobre ela, pouco ou nada disse.
Sobre a questão que eu tive a oportunidade de colocar ao Sr. Ministro - e que considerei importante por se tratar de importantíssimos gastos públicos, sobre os quais, aliás, a todos os níveis da Administração Pública, incidem, tradicionalmente, as suspeitas populares justificadas ou injustificadas -, quanto às obras públicas, chamei-lhe a atenção para o facto de uma larga porção dos gastos públicos com as obras estarem desviados das regras de transparência que a própria lei determina para impor a seriedade e impedir actos de corrupção
Coloquei esta questão ao Sr Ministro e ele disse-me que ia informar-se, que se tratava do articulado de uma lei, que estava uma proposta em cima da mesa apresentada pelo nosso partido... Já agora, o Sr. Ministro manifestou abertura - foi assim que eu interpretei - para o apoio, por parte do Governo, a uma medida desse tipo...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não, não disse isso!
O Orador: - Disse que ia estudar o assunto. Pois bem, o que é que vai fazer o grupo parlamentar da maioria a este respeito? Vai estudar o assunto, vai informar-se ou já tem uma opinião formada?
Sr. Deputado, trata-se de muito dinheiro - não vou dizer-lhe quanto, certamente o Sr. Ministro irá informar-se e não sei se o PSD terá opinião a esse respeito - e, porque consideramos esta questão bastante importante, gostaria de obter um esclarecimento do Sr. Deputado em nome do seu grupo parlamentar.
Finalmente, como o outro membro da vossa bancada que foi interveniente neste debate disse que sobre a questão dos «agentes infiltrados» a sua formação jurídica levava-o a alimentar dúvidas, já agora, por pura curiosidade, gostava de saber se o Sr. Deputado Guilherme Silva também tem dúvidas sobre os «agentes infiltrados». Se as tem gostava que satisfizesse a minha curiosidade.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró" Em primeiro lugar, quero registar, com agrado, a sua manifestação de interesse, que, presumo, será a do seu partido, do seu grupo parlamentar, em estar connosco nesta luta. Depois da minha intervenção tenho de interpretar essa atitude como o abandono da utilização demagógica e de mera arma de arremesso político por parte do seu partido sobre o assunto. Mas, permita-me que lhe diga, não sei se, realmente, o senhor está identificado com o Dr. Monteiro ou se...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Inteiramente. Contra a corrupção, marchar, marchar...!
Risos.
O Orador: - .. podemos contar convosco no quadro que eu aqui referi.
V. Ex.ª colocou o problema e eu penso que pretenderia encontrar uma aparente contradição entre aquilo que foi referido publicamente pelo Sr Ministro da Justiça- e que foi aqui reafirmado -, ou seja, que coordenará os meios do combate à corrupção, e o facto de, acerca da Polícia Judiciária, ter referido que gere os meios que estão à disposição daquela polícia. Eu diria que, felizmente, o Sr. Ministro da Justiça fez essa declaração pública e que, felizmente também, o Sr. Director da Polícia Judiciária fez essa declaração pública Isso revela que ambos têm um entendimento correcto daquilo que devem fazer no que respeita aos meios. Diferente é, obviamente, a coordenação que está acima da Polícia Judiciária e que tem a ver até com o conjunto de entidades que combatem a corrupção, e o Sr. Procurador-Geral da República disse, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que estava inteiramente de acordo com a solução de ser o Sr. Ministro da Justiça a coordenar os meios, porquanto, inclusivamente, permitia não só uma maior transparência mas também a fiscalização, por parte da Assembleia da República, da sua responsabilidade política. Disse, inclusive, que ele próprio estaria no órgão que o Sr. Ministro anunciou ir ser criado para o coadjuvar nesta coordenação, o qual teria também um representante do Ministério Público. O Sr. Procurador-Geral da República disse que seria ele próprio quem estaria nessa situação.
Digo-lhe isto apenas para assinalar que não há aqui qualquer colisão nem invasões de terrenos.
É natural que seja o Sr. Procurador-Geral da República a gerir e dirigir estes meios da Procuradoria-Geral da República, é natural que seja o Sr. Director da Polícia Judiciária a gerir e dirigir os meios da Polícia Judiciária e que acima disso, na coordenação desses meios, esteja o Sr. Ministro da Justiça
O Sr Nogueira de Brito (CDS-PP): - São vários a coordenar, mas é a Polícia Judiciária que manda!
O Orador: - O Sr. Deputado falou no problema, também referido pelo Sr. Director da Polícia Judiciária, relativo a uma confusão entre as solicitações do Ministério Público enquanto pedido de perícia ou pedido de perito. A meu ver, essa é uma questão que não tem de ser lida de uma forma literal, porque acontece que num determinado processo o Ministério Público entende que é necessário que seja feita uma perícia económico-financeira ou contabilística...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é o que está escrito!
O Orador: - .. e há um corpo que é aqui criado para esse efeito. Então, o Ministério Público pedirá a perícia a esse órgão, que tem essa competência. Tal não impede que, se eventualmente, no complementar dessa instrução, esse relatório for insuficiente, ele próprio envide os esforços necessários para, por exemplo, pedir a deslocação de um perito específico a uma empresa Não creio que haja aí qualquer contradição entre uma situação e outra, que tem de ser analisada em concreto.
Sr. Deputado António Filipe, não há qualquer contradição entre o que disse o Sr. Ministro da Justiça, relativamente à abertura que mostrou para apreciar as propostas da oposição, e a minha posição. O que eu disse foi outra coisa. Eu disse: estamos abertos.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Rejeita tudo!
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O Orador: - Isto incomoda-o, naturalmente. Compreendo o seu incómodo, Sr Deputado!
O Sr. José Magalhães (PS): - Enquanto V. Ex.ª fala, não se combate a corrupção!
O Orador: - Também enquanto V. Ex.ª fala não se combate a corrupção...
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas eu não governo!
O Orador: - ... e muito menos se combate a corrupção se V. Ex.ª me interromper!...
Vozes do PSD: - Mas deveria fazer oposição e não faz, Sr. Deputado José Magalhães!
O Orador: - Eu disse, isso sim, que estamos abertos a essa apreciação, mas que tenho fundados receios pela forma como essas propostas foram anunciadas nas conferências de imprensa. Ainda não posso fazer um juízo completo, porque não vi essas propostas e não sei sequer se VV. Ex.ªs já deram entrada desses diplomas na Mesa- Não conheço as propostas em pormenor, conheço, sim, os detalhes insuficientes que VV. Ex.ªs anunciaram nas Conferências de imprensa. Desse modo, a minha avaliação mantém-se, isto e, penso que lhes falta em seriedade o que lhes sobra em demagogia e eleitoralismo. Apesar disso, mantemo-nos abertos à sua análise e à sua apreciação.
O Sr. Deputado António Filipe colocou-me outra questão, mas não era a mim que a deveria ter colocado Assisti à intervenção do Sr. Deputado João Salgado, que referiu tê-la feito a título pessoal...
O Sr. António Filipe (PCP): - Estou a pedir já sua posição. Sr. Deputado!
O Orador: - ... e não tenho, em absoluto, qualquer razão para duvidar...
O Sr. António Filipe (PCP) - Nós também não! Mas não e disso que se trata!
O Orador: - ... da autenticidade da reserva que o Sr. Deputado João Salgado fez. Estou convicto de que faz aquela intervenção, efectivamente, a título pessoal, como o anunciou.
Vozes do PSD: - Exactamente!
O Sr. António Filipe (PCP): - Quanto a isso estamos conversados! Quero é saber qual é a sua posição'!
O Orador: - O Sr. Deputado António Filipe colocou-me uma última questão. Gostaria que me a recordasse, pois não quero deixar alguma questão por responder.
O Sr. António Filipe (PCP): - A última quesito relacionava-se com a transparência dos rendimentos e patrimónios Por que é que os senhores não aceitam a publicidade das declarações?
O Orador: - Não é verdade que do nosso projecto e do que foi aprovado resulte, pura e simplesmente, o não acesso público às declarações de rendimentos. Como sabe, há formas de acesso por via da intervenção do Tribunal Constitucional, que são, aliás, grosso modo, as hoje existentes, embora mais alargadas,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Zero!
O Orador: - ... mas essa questão será tratada aquando do novo debate desse diploma, uma vez que ele já foi vetado pelo Sr. Presidente da República.
Sr. Deputado, não estou inteiramente consigo quando reduz o problema da suspeição sobre a classe política ao abrir ou reduzir menos essa abertura em relação às declarações de rendimentos. Tenho dúvidas sobre qual das posições é aquela que fomenta mais a suspeição sobre a classe política.
O Sr. Alberto Costa (PS): - A sua proposta é no sentido da abertura!
O Orador: - O Sr. Deputado Manuel Queiró disse que estive mais ao serviço do «não dizer» do que do «dizer». Direi que V. Ex.ª esteve mais ao serviço do «não ouvir» do que do «ouvir», porque, se tivesse estado, realmente, ao serviço do «ouvir» e não ao serviço do «não ouvir», teria outro juízo sobre a minha intervenção.
Pergunta-me quais são o volume e a extensão da corrupção em Portugal. Ora, como é óbvio, ninguém poderá, honestamente, fazer essa avaliação Penso que as medidas que estamos a aprovar vão ter o efeito de preveni-la e também o de, eventualmente, detectar situações que hoje não são detectadas, o que nos permitirá, com certeza, ter uma avaliação mais correcta dessa situação.
Não me parece, em todo o caso, que, com os dados que temos - os quais não têm o rigor que gostaríamos porque a situação existente não permite ter -, sejamos, tanto quanto se diz, um país de corruptos Há corrupção e porque não devemos esconder a cabeça na areia, como a avestruz, devemos assumir este combate, mas devemos assumi-lo de uma forma que, como defendi da tribuna, tenho entendido dever ser suprapartidária, articulada, seria, isto é, de uma forma que o País perceba que toda a classe política, todos os responsáveis políticos estão empenhados neste combate.
Relativamente a acções de prevenção, é óbvio que esta mesma legislação as contém. Compreendo - e também o disse da tribuna - que há acções, a montante, que se têm de tomar, como, por exemplo, todas as medidas que se tomaram no sentido da transparência da Administração e o Código do Procedimento Administrativo, que é um diploma avançadíssimo, uma autêntica revolução na actividade da nossa Administração e que, apesar de não estar a ser implementado com a celeridade que gostaríamos, vai, com certeza, enraizar-se nos actos da Administração Pública, pelo que é um instrumento importante, tal como outros, como o arquivo aberto, que se têm aprovado.
O Sr. Deputado referiu, em concreto, uma iniciativa do CDS-PP, no sentido de atender a uma situação que, segundo a sua informação, é também uma fonte eventual de corrupção. Quero dizer-lhe que não conheço essa iniciativa, pelo que não posso adiantar-lhe um juízo No entanto, se é para ajudar a esta luta, em que estamos todos empenhados, não tenha dúvidas de que a nossa posição será de abertura e receptividade.
No que diz respeito aos «agentes infiltrados», quero dizer-lhe - e já o disse da tribuna, reproduzindo as palavras do Dr. Lopes Rocha - que, como é evidente, me repugna, em princípio e do ponto de vista ético e moral, o recurso a esta figura. Simplesmente, também me repugna que se deixem à solta, impunemente, a corrupção e os corruptos.
Portanto, estamos numa situação em que, infelizmente, por vezes, temos de ceder nestes valores primeiros em
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favor de outros que são igualmente importantes. O importante é que isso não seja desvirtuado. Parece-me é que a estrutura que a lei aqui assegura, de isto só surgir no âmbito da fase de inquérito e com autorização judiciária - e o Sr. Procurador também nos disse na comissão que vai dar instruções rigorosas para que o recurso a esse instrumento se faça com parcimónia e rigor-, impede que haja riscos de isto ser subvertido e de não ser efectivamente um instrumento excepcional, porque excepcional é a intenção da lei quanto ao seu uso.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Alberto Martins, para uma intervenção, o Sr. Secretário vai anunciar o resultado das duas eleições feitas hoje.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs Deputados, a acta das eleições é do seguinte teor:
Aos dezassete dias do mês de Novembro de mil novecentos e noventa e quatro na Sala D. Maria do Palácio de S. Bento procedeu-se à votação para o cargo de Vogal do Conselho Superior da Magistratura e para Membro do Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários.
Iniciou-se a votação às dezasseis horas e encerraram as umas às dezoito horas.
Os resultados foram os seguintes:
Eleição para o cargo do Vogal do Conselho Superior de Magistratura votantes, 124; brancos, 6; nulos, 0; sim, 82; não, 23; abstenção, 13.
Face à votação obtida, o candidato proposto Deputado Luís Filipe Nascimento Madeira não foi eleito.
Eleição para Membro do Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários: votantes, 124; brancos, 6; nulos 0; sim, 91, não 17; abstenção, 10.
Face à votação obtida, o candidato proposto, Dr. José Luís do Amaral Nunes, foi eleito.
Para constar se lavrou a presente acta, que vai ser devidamente assinada.
O Sr Presidente: - Srs. Deputados, nos termos da acta lida, proclamo eleito o Sr. Dr. José Luís do Amaral Nunes para membro do Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos em hora de conclusões e se há uma conclusão a tirar deste debate é a de que ele confirmou que não há em Portugal uma política governamental séria e global de combate à corrupção.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - As medidas titubeantes ou inexistentes, que o Ministro da Justiça vem recentemente ensaiando, podem traduzir-se, no caso da atribuição de meios a quem tem o dever legal de dirigir a investigação criminal, no acréscimo caricato de mais três viaturas disponibilizadas para o Ministério Público, especificamente para os magistrados das secções de investigação da corrupção do DIAP.
O Ministério Público não dispõe de assessorias e de meios técnicos adequados, de um mínimo parque automóvel e sequer de um gabinete de perícias próprio, que lhe garantam as condições mínimas para conduzir, credível e eficazmente, a direcção da investigação criminal e muito menos para garantir a sua autonomia de direcção. Como nos disse o Procurador-Geral da República, há dias, num lamento que e uma grave denúncia, «o que reivindico é a necessidade de prover as magistraturas de instrumentos logísticos de direcção, incluindo valências de intervenção directa na investigação criminal».
O Ministro da Justiça, ao adoptar uma estratégia de progressivo enfraquecimento da capacidade logística da direcção de investigação criminal do Ministério Público, está a criar um exército policial sem comando efectivo à mercê dos fornecimentos da intendência Sejamos claros: ao cortar os meios de quem dirige e controla a investigação criminal, o Ministro da Justiça coloca a polícia a autodirigir-se nessa investigação e, automaticamente, o Ministro da Justiça coloca-se a ocupar o lugar vazio na cadeira de comando, assumindo-se no seu natural estatuto hierárquico de dirigente tutelar.
«Estado de polícia» ou «Estado da polícia do Governo» são duas realidades aberrantes a que há que atalhar. E antes que seja tarde! E não vale a pena grandes indignações quanto a eventuais leituras perversas que se estejam a fazer. A realidade é que é já perversa. O Procurador-Geral da República di-lo de modo preciso, apontando a «colonização» da acção dos magistrados, a qual se reduz cada vez mais a «aspectos burocráticos e processuais», caminhando-se para uma situação em que os magistrados do Ministério Público e judiciais são simples assistentes, cabendo a «direcção do inquérito e da instrução aos órgãos de polícia criminal».
A corrupção, estendendo-se num sentido alargado de utilização de lugares de poder público para favorecimento abusivo do próprio ou terceiros independentemente das tipificações penais estritas, não sido combatida em Portugal com aquela que constitui a primeira das medidas no seu combate imediato: a adopção de medidas repressivas rápidas e firmes.
A corrupção não tem sido combalida em Portugal por medidas rápidas, firmes e eficazes O Procurador-Geral da República diz-nos que a prioridade que determinou na investigação dos crimes genéricos de fraude na utilização de fundos, corrupção e criminalidade económica, desde há cerca de quatro anos, não foi seguida.
Há neste domínio, em Portugal, dezenas de processos, em muitos casos, com mais de três, quatro, cinco e seis anos de pendência.
Face a tal declaração, de cuja credibilidade não é lícito duvidar, é dever cívico de todos os cidadãos constatar que a corrupção não tem sido atacada em Portugal de modo sério, eficaz e firme e, por isso, há em Portugal uma «justiça de privilégios» que deixa na sombra «os crimes de colarinho branco».
Ora, esta é uma questão política essencial e já não uma pura questão jurídica ou policial. O decisivo é saber que o ilícito criminal das facturas falsas, do ilícito fiscal, das fraudes na utilização dos fundos estruturais e demais actos de corrupção têm uma larga margem de impunidade, porque, pelo menos desde há cerca de quatro anos, não têm sido seriamente investigados.
Perguntar-se-á, então, das razões pelas quais o Director da Polícia Judiciária não seguiu as directrizes do Procurador-Geral da República, a que está obrigado. A falta de meios é a razão plausível. E, neste caso, a responsabilidade tem que ser endossada directamente ao Ministro da
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Justiça e ao seu Governo por uma cumplicidade objectiva na incapacidade de um combate sério e credível à corrupção.
E não se venha falar de dificuldades orçamentais que não existem, e não podem existir, para a adopção de meios essenciais que garantam uma justiça que não se deixe derrotar pela corrupção. A impunidade e a imunidade da corrupção são a impunidade e a imunidade dos corruptos, que existem nos altos cargos políticos e públicos, e, por arrastamento, é a possibilidade de uma suspeição geral sobre a classe política e o seu descrédito indiscriminado e perda de confiança no funcionamento do regime democrático.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas passemos, agora, às celebradas teorias sobre a gestão de meios e prioridades de investigação criminal. Temos que ser claros.
A definição da política criminal cabe ao Governo e este fê-lo, desde logo, no seu programa de Governo, quando disse «Elegendo-se como áreas de intervenção preferencial, reforçar-se-ão os mecanismos de coordenação e de combate à criminalidade violenta e organizada e ainda ao tráfico de estupefacientes, à corrupção e fraudes anti-económicas».
O Ministro da Justiça tem, por isso, que dirigir a concretização desta política, assumida programaticamente, e fornecer às instituições competentes os meios para a sua realização.
Ao Ministério Público cabe dirigir a política de investigação criminal e definir as prioridades dessa investigação. Deve naturalmente ter, por isso, os meios essenciais e logísticos para realizar essa direcção.
Não faria sentido que um qualquer Estado-maior no campo de batalha estivesse separado em quilómetros do seu exército e nem sequer tivesse um telefone ou uma viatura para com ele contactar.
À Polícia Judiciária cabe, por sua vez, organizar os seus meios para dar cumprimento às prioridades definhas pelo Ministério Público e realizar as acções que lhe competem nos termos da lei.
O controle final de legalidade da investigação criminal é da responsabilidade da magistratura judicial.
Assim, tudo ficará claro para concluir que ao Sr. Ministro da Justiça apenas cabe «chefiar» as polícias em matéria de intendência- isto é, na organização dos meios que lhes quer facultar - e que quem as «chefia», em matéria de investigação criminal, é o Ministério Público, controlado, por sua vez, pela magistratura Ao Sr. Director da Polícia Judiciária, que está na dependência hierárquica orgânica do Ministro e na dependência hierárquica investigatória do Procurador-Geral da República, cabe dirigir, coordenar e organizar os meios de acção no terreno - e só no terreno - da investigação criminal.
Tudo o resto nos parece absurdo e qualquer desvio deste entendimento pode levar-nos a pensar que um controlo dos meios é, afinal, ou pode vir a ser, um controlo dos fins. Isto é, na prática - e afastadas evidentemente quaisquer descabidas suspeições pessoais, que não têm lugar -, quem dirige os meios pode, num sistema de contraposição entre distribuição e organização de meios, fazer com que os fins sejam inquinados pelos próprios meios que dirige.
Como o Procurador-Geral da República nos disse, a lei anticorrupção nada traz de particularmente novo e continua a congelar um procedimento burocrático e sinuoso nas relações entre a Polícia e o Ministério Público, continua a configurar uma situação «sem meios adequados e uma incorrecta definição das regras exigidas pela dependência penal das polícias».
Para já - e isso é indiscutível -, desde há cerca de quatro anos, por falta de meios ou pela sua má distribuição - em qualquer caso isto é da única responsabilidade do Ministro da Justiça -, não tem havido um combate sério, rápido, eficaz e firme à corrupção.
E, nesse caso, o Ministro tem de assumir, directa e publicamente, as suas responsabilidades - ou o Procurador-Geral da República está errado e não está a cumprir as suas funções ou o Ministro não tem estado à altura do cargo e dos próprios compromissos assumidos pelo Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os fenómenos da corrupção alimentam-se naturalmente da opacidade, da clandestinidade das decisões, da não visibilidade dos actos públicos, da intercomunicação viciosa entre agentes públicos e pessoas privadas e da indeterminação das soluções legais. A corrupção germina e progride com a impunidade, com a subversão das regras da igualdade e da liberdade da concorrência ou com o favorecimento partidário e clientelar no preenchimento de cargos públicos.
Não é por acaso que o fenómeno encoberto e subterrâneo da corrupção, frequentemente articulado com outras actividades ilícitas, aparece muitas vezes - e di-lo, no seu último relatório, em Março de 1991, a Alta Autoridade contra a Corrupção -, em matérias tão díspares como loteamentos urbanos, leilões de alfândegas, aceitação de dádivas ou presentes a funcionários públicos ou equiparados, fundos autónomos ou uso indevido da legislação sobre as sociedades de gestão e investimento imobiliário, concessão de benefícios fiscais como incentivo ao investimento, falta de transparência em concursos públicos, sistemas de adjudicação e fiscalização de obras públicas, etc.
O fenómeno da corrupção põe, por isso, em causa a credibilidade do Estado, a sua natureza de pessoa de bem, a confiança que os cidadãos devem depositar no Estado de direito, no sistema democrático e nos seus representantes.
O fenómeno da corrupção, enquanto perturbação perversa do exercício democrático, é uma questão política maior que atravessa o funcionamento do sistema de Governo, os sistemas administrativo e económico-financeiro.
A corrupção e um problema político e não moral. A corrupção destrói a reserva de obrigações recíprocas que define um Estado livre, porque, elevando alguns acima das leis, ela permite-lhes fazer impunemente obstáculo ao legítimo direito de outros quem quer que dê um lugar a um dos seus amigos priva outro do direito legítimo do seu mento pessoal; quem quer que use fundos públicos para fins privados priva o conjunto dos cidadãos do direito que eles têm de decidir - por intermédio dos seus representantes - do uso que deve ser feito dos fundos colectivos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados- Que dizer, a este nível e neste plano, do compadrismo absurdo no preenchimento dos lugares dirigentes da Administração Pública de nomeação governamental? A nomenclatura do partido do Governo e seus delfins ocupa, por exemplo, cerca de 90 % dos lugares dirigentes distribuídos às Comissões de Coordenação Regional, Comissões Regionais de Segurança Social, Administrações Regionais de Saúde - e lemos, agora, o triste exemplo da Guarda-, Administrações Hospitalares, delegações dos Institutos dos Desportos, Direcções Regionais do Ministério da Agricultura, delegações do Instituto da Juventude, Direcções Regionais de Educação, delegações da Secretaria de Estado da Cultura, delegações regionais do Ministério da Indústria e Energia, delegações do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas
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Industriais, delegações do IFADAP e delegações do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
E, ainda agora, sem concurso público, como inovação recente, foram recrutados para os serviços técnico-jurídicos que nos governos civis aplicam as coimas decorrentes da entrada em vigor do novo Código da Estrada novos amigos do PSD, sem concurso público.
Vozes do PSD: - E as vossas câmaras?! Convinha alongar!
O Orador: - A situação, neste plano, só não é pitoresca e risível, ainda que inaceitável, porque Portugal fica na Europa.
Que dizer, Sr. Presidente, daquela frase tão expressiva do relatório de 1991 da Alta Autoridade Contra a Corrupção, que, chamando a atenção para o fenómeno global da corrupção e para o esbatimento das fronteiras legais e éticas e o relacionamento entre os agentes privados e os do Estado, dizia que «não raro se traduzem estes relacionamentos numa verdadeira espiral de transferência de meios públicos para entidades privadas, a que não é alheia a actuação concreta de agentes públicos com capacidade decisória, que assim se tornam elementos dúplices e reféns da promiscuidade que propiciam»?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - As notícias públicas sobre estes factos surgem todos os dias. Que dizer, por isso, do uso indevido de dinheiros públicos e da desobediência às normas da contabilidade no âmbito do Fundo de Fomento Cultural, no âmbito do Gabinete de Santana Lopes?
Que dizer da constituição das sociedades privadas, com capitais, exclusiva ou maioritariamente, públicos, apenas para fugir ao controle e fiscalização do Tribunal de Contas, como é o caso do Centro Cultural de Belém, da Expo 98 e, agora, a anunciada Empresa de Desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva?
Que dizer da bancarrota da interpretação da lei por parle dos gabinetes ministeriais na corrida aos automóveis?
Que dizer das condições que propiciaram o perdão de um subsídio indevido de 600 000 contos, no âmbito do apoio aos criadores de gado afectado por peripneumonia, no ano de 1992?
Que dizer da facilidade sobre-humana de 24 auditorias, que não detectaram um buraco de 3,4 milhões de contos no Banco Pinto e Sotto Mayor?
O Sr José Magalhães (PS): - E esta?!
O Orador: - Que dizer das condições que propiciaram que uma empresa, a Partex, de 1986 a 1989, tivesse chegado a gerir mais de 80 % do volume legal de fundos que vieram para Portugal, nessa época, e que só numa das empresas tivesse facturado 20 milhões de contos?
Que dizer, finalmente, de um Estado que permite que as dívidas ao fisco, que é dinheiro de todos os portugueses e está a ser gerido por mãos privadas, ascendam a mil milhões de contos e sejam salpicadas por perdões fiscais que não estão acima de qualquer suspeita?
Sr Presidente, Srs. Deputados: A transparência pública, a visibilidade dos actos do Governo e das administrações central, regional e local, é, por si, geradora de um estado de abertura e de confiança, em que o controlo dos cidadãos constitui uma caução regular dos actos praticados. O livre acesso dos cidadãos aos documentos e registos administrativos, previsto na Constituição,..
O Sr Guilherme Silva (PSD) - E na lei!
O Orador: - ... assim como a necessidade de os cidadãos participarem no conhecimento atempado das decisões administrativas públicas maxirne das empreitadas de obras públicas e respectivos concursos públicos- constituem procedimento que deve ser adoptado para afastar zonas de opacidade e penumbra, por onde possam transitar os favores públicos em benefício de interesses privados.
Vozes do PS: - Muito bem'
O Orador: - Igualmente, a definição clara de zonas de incompatibilidade entre o exercício de funções públicas e funções privadas deve ser feita e a possibilidade de, sem o decurso de um prazo razoável, se saltitar das empresas privadas para o exercício de funções de Governo ou de exercício de altos cargos públicos deve ser evitada, para obviar a situações de objectivo favorecimento ou perturbação da isenção institucional exigível.
O financiamento da actividade dos partidos políticos e o controlo dos gastos nas campanhas eleitorais - medida legislativa da nossa iniciativa, pois foi o PS que, pela primeira vez, apresentou e propôs um projecto de lei sobre esta matéria e só não votou o actual por ele congeminar um controlo judicial ineficaz, pelo que apresentamos, agora, um novo projecto de lei - devem ser controlados eficazmente.
Se é ilegítimo qualquer estado larvar de suspeição pública atribuível à classe política, e igualmente ilegítimo manter situações institucionais de obscuridade, em que a transparência e o controlo dos cidadãos tenham apenas um espaço residual.
Foi com este objectivo que apresentámos, ontem, uma série de iniciativas sobre a administração aberta, o controlo dos cidadãos, projectos de lei referentes ao aprofundamento do regime de incompatibilidades, o reforço dos meios de recurso contencioso face às administrações central e local, o acesso da Assembleia ao segredo de Estado, o controlo do financiamento dos partidos pelo Tribunal de Contas, o recurso a auditorias e peritagens para reapreciação e o direito de petição para reapreciação das decisões das assembleias municipais.
A confiança dos cidadãos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reside não só na capacidade e nos actos dos homens mas, sobretudo, na visibilidade e transparência do funcionamento regular das instituições.
Em todo os caso, sempre guiados pela velha máxima de Rousseau, diremos que «Não há liberdade sem leis, nem liberdade se alguém estiver acima das leis».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, nós levamos mesmo a sério esta questão da corrupção e o que me surpreende e choca é que os senhores não procedam de igual modo. Mais: verifico que alguns Deputados, que, embora na divergência de posições, sempre timbraram a sua actuação parlamentar por se manterem dentro do rigor das suas afirmações, estão, permitam-me a expressão, «de cabeça perdida».
Repare, Sr. Deputado, que o combate à corrupção começa, desde logo, pela atitude dos principais responsáveis, que são os Deputados da nação. A acção deve corresponder à afirmação, Sr. Deputado. O dizer tem de começar por
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ser, desde logo, um fazer- e aí não sigo muito a diferença dicotómica, há pouco referida pelo Sr. Ministro, D «dizer» tem de ser um «fazer». Por isso, embora especialidade da oposição seja o «dizer», tem de ser um «fazer», e é isso que os Srs. Deputados da oposição não fazem.
Risos do PS.
O Sr. Luís Amado (PS). - Essa tem graça.
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é metafísica!
O Orador: - ... porque o vosso «dizer» e de um grau de gravidade que não tem como consequência um comportamento em conformidade. Lembro-lhe que ontem - e o Sr. Deputado, hoje. incorre no mesmo vício - um colega seu, o Deputado Carlos Candal. fez aqui afirmações gravíssimas, injuriosas, com identificação dos destinatários, som se dar ao incómodo, sem se sentir na obrigação de, no mesmo momento, adiantar o mínimo indício, o mínimo fundamento, das suas graves acusações. Acusou aqui entidades, singulares e colectivas, de corrupção, lançando gravíssimas suspeições sobre destinatários identificados, sem se dar ao trabalho de fazer a mínima fundamentação. E agora o Sr. Deputado incorre no mesmo vício?
Os senhores pensam que a força do verbalismo constitui a força da acção política. É falso! É o contrário!
Os senhores desacreditam-se a vós mesmos, mas não só também às instituições, ao Parlamento. É isso que faz dos discursos parlamentares o vazio. É isso que cria a desconfiança em quem nos ouve. As pessoas ouvem afirmações e não vêem as actuações em conformidade. Os senhores conhecem actos de corrupção e vêm aqui referi-los, no Plenário, no Hemiciclo, sem dar-lhes consistência, sem fundamentação. E mais sem carrear para quem de direito esse conhecimento concreto!
Aplausos do PSD.
Que contributos estão os senhores a dar para a solução deste gravíssimo problema, que tomamos de facto a sério, Srs. Deputados?
O Sr. Deputado Manuel Alegre, há pouco, socorreu-se de uma entrevista, guardou-a para, aqui, lhe fazer referência, e, de duas uma, ou não a levou a sério, o que é lastimável, ou levou-a a seno, e, então, por que esteve à espera de a referir neste Hemiciclo? Por que é que a não carreou para quem de direito. Mais. Sr Deputado, visto ter sido o seu colega quem evocou o caso da eventual corrupção da Câmara Municipal de Lisboa, pensa o Sr Deputado que e através do partido minoritário na assembleia municipal da Câmara Municipal de Lisboa que se poderão reflectir as decisões da Câmara?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Admite o Sr Deputado que isso assim aconteça. O que pensa o Sr. Deputado do testemunho evocado há pouco pelo seu colega Manuel Alegre. Responda, Sr. Deputado, tem a obrigação de fazê-lo aqui mesmo! Só lhe digo que é um pouco tarde, mas nunca é demasiado tarde quando as pessoas querem levar até ao fim, com seriedade, os problemas que abordam e as afirmações que fazem. Desafio o Sr Deputado a dizer aqui o que pensa do testemunho invocado pelo seu colega Manuel Alegre, relativamente à eventual inflexão das decisões da Câmara Municipal de Lisboa, por interferência de agentes corruptores.
Sr. Deputado, lembro-o do seguinte há pouco, o líder da sua bancada, pela forma como se exprimiu, temos de concluir que considerou pouco 21 prisões relacionadas com casos de corrupção. Sr Deputado, que número acha que seria razoável? 2700?
Risos do PSD.
21, 37 e 527? Se os senhores querem abordar estas questões, que são da maior seriedade, têm de ser coerentes! Têm de ser rigorosos! E permitam-me a expressão, têm de ser sérios, politicamente. Não vos quero ofender no plano pessoal, sabem muito bem de que sou incapaz de o fazer, mas os senhores têm obrigações políticas
Risos do Deputado do PS José Magalhães.
Não se não, Sr. Deputado José Magalhães, porque aqui, em debate, nunca ofendi ninguém, só que nunca me calei, sempre levei as questões até ao fim. E é isso o que estou a fazer! Estou a desafiar-vos para isso mesmo. Nem os senhores saem daqui de cabeça levantada se não me responderem a duas ou três perguntas que acabei de colocar.
Infelizmente, é o vosso colega Alberto Martins a vítima neste momento. É ele quem tem de responder aqui sobre o que pensa acerca da afirmação e do testemunho evocado pelo Deputado Manuel Alegre Os senhores não saem daqui de cabeça levantada se não responderem à questão que o vosso próprio colega levantou
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E já não talo da questão levantada ontem pelo vosso colega Carlos Candal nem da levantada pelo Sr Deputado Alberto Martins, quando diz que a corrupção- foi a sua expressão- está a progredir impunemente. Pergunto-lhe, como chega a essa conclusão, Sr Deputado? E, aí, tem de se pronunciar sobre as 27 prisões. Tem de dizer se as considera suficientes ou não. Mas há uma coisa que o senhor não pode negar, desde que as considere poucas, elas acontecem Elas são a prova de que os processos vão até ao fim. E, antes desta maioria ter as responsabilidades da governação, nada ia até ao fim.
Vozes do PSD:- Muito bem.
O Orador: - A diferença está precisamente aí e não na perfeição das soluções está na diferença da atitude, está na diferença da força política para resolver as questões ou para deixá-las na mesma. Esta é a grande diferença, Sr. Deputado!
Vozes do PSD: - Muito bem.
O Orador: - E porque não somos nem cegos nem tão pretensiosos que julguemos estar a resolver todos os problema da Terra. Sabemos muito bem que eles são enormes e que, por isso, também são enormes o tempo e o esforço que implicará a sua solução. Mas somos senos e, por isso mesmo, damos um contributo positivo no sentido de as coisas caminharem para a frente e não de se afundarem no lamaçal.
Aplausos do PSD.
Desde logo, não queremos que o debate político seja um lamaçal, queremos que o combate à corrupção comece aqui mesmo, com a frontalidade das nossas posições.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Miguel Macedo inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas não dispõe de tempo.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr Presidente, o CDS-PP cede-lhe um minuto
O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Deputado Miguel Macedo, em tempo cedido pelo CDS-PP.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao CDS-PP a cedência de tempo, vou ser muito rápido.
Começo por lamentar que a publicitada rivalidade existente actualmente nestes domínios entre os Srs Deputados Alberto Martins e Alberto Costa tenha redundado em evidente prejuízo, da forma como o PS tem encarado a discussão deste tipo de matérias.
Protestos do PS.
Srs. Deputados, deixem-me acabar o pedido de esclarecimento.
O Sr. Leis Amado (PS): - É a forma séria de debater isto, Sr. Deputado!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não seja queixinhas, Sr. Deputado Miguel Macedo.. Assim, não lhe dou tempo!
Risos.
O Orador: - Não comecem já com esse tipo de apartes, que, aliás, não me incomodam! Se quiserem, podem fazê-los!
A verdade, Sr Deputado Alberto Martins, é que V. Ex.ª fez este discurso, manifestamente, sem atender àquilo que hoje aqui foi dito. Fê-lo de uma forma dissonante em relação ao tom da maioria das intervenções do seu próprio Grupo Parlamentar. Fez este discurso não anotando as informações que quer o Sr Ministro quer outros Deputados trouxeram a este debate e que foram valiosas e importantes, pelo que valia a pena ter reflectido sobre elas, sobretudo quando, no início da sua intervenção, afirmou querer que fosse de balanço em relação a esta matéria. V. Ex.ª não quis trazer para a sua intervenção nada dessas informações
Finalmente, Sr. Deputado Alberto Martins, V Ex.ª «pendurou» a sua intervenção naquilo que de forma mais visível resultou da audição parlamentar que tivemos recentemente com o Sr. Procurador-Geral da República. Devo dizer-lhe que não é, por isso, uma intervenção muito original. E a esse propósito, retomando a questão, já que foi sobre ela que V. Ex.ª estribou a sua intervenção, queria fazer-lhe duas perguntas
Primeira pergunta: V Ex.ª concorda ou não com a pergunta feita pelo seu colega de bancada Menezes Ferreira ao Sr. Procurador-Geral da República, em que, a propósito da questão dos atrasos dos processos, perguntou se alguma vez ele tinha encarado a possibilidade de avocar, ao menos, os processos que há mais de seis, sete e oito anos estavam, sobre esta matéria, parados, como tem sido ultimamente denunciado?
Segunda pergunta: V Ex.ª concorda com o mecanismo que o Sr. Procurador-Geral da República disse que poderia assumir em relação a esta matéria. Concorda que essa pergunta tenha sido feita? Ela tem ou não sentido? Acha que a responsabilidade que quis aqui expor deve ser assumida apenas da forma referida por V Ex.ª?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr Deputado Alberto Martins
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr Presidente. Sr Deputado Silva Marques, gostava de começar por dizer-lhe, agradecendo as perguntas colocadas, que nós levamos de tal modo a sério o combate à corrupção que queremos tomar medidas electivas e não nos tornamos cúmplices de situações objectivas que não combatem a corrupção.
Diz a entidade mais credível para pronunciar-se sobre esta matéria- sobre a sua credibilidade não faço outro juízo mas tem maior credibilidade do que o Ministro da Justiça, no plano institucional, para pronunciar-se sobre a investigação criminal..
O Sr Miguel Macedo (PSD): - Pois que razão é a mais credível?
O Orador: - ... por dirigi-la -, o Procurador-Geral da República, que, há cerca de quatro anos. não tem meios para um combate eficaz à corrupção
Se alguém vem aqui dizer que tem meios que não usou, então, accionam-se os mecanismos de demissão do Procurador-Geral da República. Se ele vem dizê-lo e ninguém o contraria, alguém tem de assumi-lo As responsabilidades são de quem não lhe dá os meios, certamente - não são do Director da Polícia Judiciária, que diz- «Eu não tenho, eu não posso...», mas de quem não lhe dá os meios. A responsabilidade é do Ministro da Justiça!
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD):- Não devia dizer isso na praça pública!
O Orador: - Eu disse há quatro anos que não há investigação criminal séria, rigorosa, credível Diz o Procurador. «Não duvido da sua palavra, não faço juízos políticos sobre as suas intenções.» É a entidade mais credível, no âmbito da investigação criminal em Portugal, que o diz e não há prova em contrário possível.
Por isso, queremos que esta situação seja resolvida de forma séria e não por retóricas e palavras Neste sentido, pergunto ao Sr Deputado Silva Marques que caso ou aspecto focado na minha intervenção não foi rigoroso? Diga-me qual o caso, dos que citei, que não tenha sido já objecto de denúncias públicas. Não condenei ninguém nem nunca o fana, por opção pessoal; condenei apenas situações públicas, objectivas e incontroláveis no âmbito de alguns ministérios.
Mas o Sr Deputado Silva Marques também vai ouvir o que tenho a dizer-lhe a propósito do seguinte: à questão colocada, há pouco, pelo meu camarada Manuel Alegre, o Sr. Ministro da Justiça, que foi interpelado para responder, deu uma resposta jurídica, de forma tabetónica. como qualquer pessoa faria, dizendo que cabe ao Ministério Público accionar criminalmente, se entender que há matéria susceptível
O Sr. Silva Marques (PSD) - O que pensa sobre isso?
O Orador: - Acalme-se, Sr. Deputado, e deixe-me responder.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não. enquanto não me responder.
O Orador: - Não esteja helénico! A corrupção é uma coisa séria que exige atenção e cuidados Tenha calma!
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Como estava a dizer, o Sr Ministro respondeu que e ao Ministério Público que cabe a direcção da investigação criminal e que deve agir, se o entender.
O Sr. Silva Marques (PSD). - Exacto!
O Orador: - Essa e a resposta jurídica óbvia. Porém, há outra que o Sr. Ministro não deu - que eu dou - apesar de, no plano jurídico, responder da mesma forma que o Sr Ministro da Justiça
O Sr. Silva Marques (PSD) - Tabelióides!
O Orador: - Não, a única possível.
O Sr. Silva Marques (PSD) - Então, não adjective!
O Orador: - No plano político, é possível falar da responsabilidade que o PSD assume pelo facto de um seu ilustre membro reconhecer que há métodos de corrupção na sua própria actuação, enquanto membro da Assembleia Municipal. Essa é a questão!
O Sr Silva Marques (PSD): - O que pensa o senhor sobre isso?
O Orador: - Já lhe respondi o Partido Social-Democrata tem de assumir essa responsabilidade!
Protestos do PSD.
Há outra coisa que quero dizer-lhe quanto ao número de prisões o dado fornecido, há pouco, pelo Presidente da minha bancada, de 24 prisões no âmbito dos crimes de corrupção ocorridas no ano de 1993, a fazer fé e dando credibilidade às estatísticas da justiça que foram há pouco publicadas, é indiscutível.
O Sr. Silva Marques (PSD): - O que pensa o senhor sobre isso!
O Orador: - Que não sei se são prisões a menos ou a mais. Sei, sim, que o Sr. Procurador-Geral da República diz que cerca de 125 processos não são objecto de investigação há três anos. Portanto, não sei se são poucas ou muitas, mas apenas que o crime de corrupção não está a ser devidamente investigado.
Sr. Deputado Miguel Macedo, devo dizer-lhe que não imaginava, pelo grande apreço que lenho pela sua pessoa, que se instituísse sobre o que cada um diz no meu grupo parlamentar e não lhe bastasse a sua inserção no seu para querer ser vigilante do meu.
O Sr Miguel Macedo (PSD): - Eu não!
O Orador: - Creio que a discussão sobre a gestão de meios confundiu V. Ex.ª. A gestão de meios da Polícia Judiciária e uma, u do Ministério Público, outra, e a dos Deputados da bancada do PSD, outra ainda. Sobre esta matéria, não queira estender os seus meios, no âmbito da corrupção, à minha bancada, porque não o deixamos.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Vocês não têm gestão de meios!
O Orador: - Ao Procurador-Geral da República foi perguntado se podia ou não avocar processos. Ele deu conta da sua precaridade de meios, evocou alguns processos e, mais,...
O Sr. Guilherme Silva (PSD)- - Nos processos que evocou, nunca lhe foram recusados meios!
O Orador: - Sei que estou a ser incómodo, mas deixem-me concluir o raciocínio!
Vozes do PSD: - Não, não está a ser incómodo!
O Orador: - Como estava a dizer, evocou, eventualmente, o processo mais importante
O Sr. Presidente: - Sr Deputado, queira concluir.
O Orador: - Concluo de seguida. Sr Presidente, mas creio que será benevolente, dadas as interrupções de que fui alvo.
O Sr. Presidente: - Srs Deputados, queiram criar as condições necessárias para que o Sr. Deputado Alberto Martins possa concluir.
O Orador: - Muito obrigado. Sr. Presidente.
Como o Sr. Deputado Miguel Macedo sabe, no âmbito do combate à corrupção, o Sr Procurador avocou, até na fase terminal, aquele que constitui o processo mais gigantesco, mais ciclópico e grave de utilização de verbas do Fundo Social Europeu - o processo relativo à Partex Disse-nos que tinha avocado uma meia dúzia, alguns de ressonância política, mas não é esse o papel que lhe cabe
O Sr Miguel Macedo (PSD) - Então, a lei não lho permite?
O Orador: - Pode avocar, mas e certo que não tem meios.
O Sr Narana Coissoró (CDS-PP):- Isso é o Ministério Público que faz
O Orador: - O que quer concluir.
Tenham paciência, Srs. Deputados. O que estão a dizer é nada! Qualquer aluno, no primeiro ano de Direito, com uma aplicação média, sabe que o Procurador pode avocar processos Neste caso, avocou os que quis, os que pôde, os mais importantes, porque alguns não «andavam» devidamente na Polícia Judiciária
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se na terça-feira, às 15 horas, e lerá como ordem do dia a reapreciação e votação dos decretos n.ºs 174/VI - Controlo público de rendimentos e património dos Ululares de cargos públicos, 178/VI - Altera a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa), 177/VI - Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa), e 161/VI- Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identidade Proceder-se-á ainda a votações Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
António Maria Pereira.
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Carlos Alberto Lopes Pereira.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Albino da Silva Peneda.
José Macário Custódio Correia.
José Pereira Lopes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Partido Socialista (PS):
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
João António Gomes Proença.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
José Luís Nogueira de Brito.
Maria da Conceição Seixas de Almeida.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Américo de Sequeira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Joaquim Mana Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís Manuel Costa Geraldes
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Gonçalves do Amaral
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP).
Adriano José Alves Moreira.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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