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Quinta-feira, 15 de Dezembro de 1994
I Série - Número 22
DIÁRIO
Da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE DEZEMBRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
A Câmara procedeu a nova apreciação do Decreto n.º 161/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identidade, que havia sido objecto de veto por inconstitucionalidade da Sr Presidente da República, tendo sido aprovadas, na especialidade, as propostas de alteração apresentadas pelo PSD e, em votação final global o novo decreto. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação), os Srs Deputados Cipriano Martins (PSD), Odete Santos (PCP), José Magalhães (PS), Miguel Macedo (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Narana Coissoró (CDS-PP), Alberto Costa (PS) e João Corregedor da Fonseca (Indep.).
Procedeu-se à discussão do inquérito parlamentar n. º 27/VI - Sobre a responsabilidade do Governo na eventual prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolana (CDS-PP), tendo produzido intervenções os Srs Deputados Manuel Queiró (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Correia de Jesus (PSD), Eduardo Pereira (PS), João Amaral (PCP) e João Corregedor da Fonseca (Indep ), após o que foi aprovado o projecto de resolução n. º 133/VI - Constituição de uma comissão eventual de inquérito parlamentar para averiguação de toda a matéria contida no requerimento de inquérito parlamentar n.º 27/VI.
Deu-se conta da não eleição do candidato proposto para vogal do Conselho Superior da Magistratura e foi aprovado o projecto de deliberação relativo à prorrogação do prava para apresentação do relatório final pela Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para a apreciação do processo de privatização do Banco Totta & Açores.
Foi aprovada em votação global a proposta de resolução n.º 79/VI - Aprova para ratificação o Acordo Internacional sobre o COLOU, de 1993.
Os requerimentos de avocação a Plenário, apresentados pelo PS e pelo PCP. da votação de vários artigos do texto de alterações ao Decreto-Lei n. º 2694, de l de Fevereiro, que estabelece o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, aprovado, na especialidade, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família [ratificação n.º 115/VI (PS)], foram rejeitados e aprovado o apresentado pelo PSD, tendo finalmente sido aprovado, em votação final global, o referido texto, com a alteração ao artigo 23 º, proposta pelo PSD Fizeram intervenções os Srs Deputados Ferraz de Abreu (PS) e Paulo Trindade (PCP) - que também produziram declaração de voto -, José Puig (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Finito.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
António Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abrem.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bóia.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
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Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins,
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lei Io Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Sócrates.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Maria da Conceição Silva de Almeida.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do nosso período da ordem do dia consta a eleição de um membro indicado pelo Grupo Parlamentar do PS para o Conselho Superior da Magistratura, que irá decorrer na Sala D. Maria entre as 16 e as 18 horas.
Além disso, inicialmente estava prevista a discussão da proposta de resolução n.º 66/V1 - Aprova, para ratificação, o Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa. Porém, dada a impossibilidade da presença dos membros do Governo responsáveis e atendendo a que todos os grupos parlamentares estão de acordo, esta discussão foi retirada da nossa ordem de trabalhos.
Assim sendo, do período da ordem do dia consta a nova apreciação e votação do Decreto n.º 161/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identidade.
Mas, antes de darmos início a essa apreciação, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa e foram admitidos os projectos de lei n.ºs 471/VI- Altera a Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (Eleição do Presidente da República), estipulando a necessidade de o Presidente da República em exercício de funções marcar a data da realização do primeiro sufrágio da eleição para a Presidência da República com a antecedência mínima de 80 dias (PS), que baixou à 1.ª Comissão - e 472/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), com do um período extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que completem 18 anos de idade (PS), que baixou à 1.ª Comissão.
Deu, ainda, entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 133/VI - Constituição de uma comissão de inquérito parlamentar para averiguação de toda a matéria contida no requerimento de inquérito parlamentar n.º 27/VI (CDS-PP).
Informo também os Srs. Deputados de que a proposta de resolução n.º 82/VI (Aprova, para ratificação, o Acordo que Cria a Organização Mundial do Comércio, seus Ane-
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xos, Decisões e Declarações Ministeriais e a Acta Final que Consagra os Resultados das Negociações Comerciais Multilaterais do Uruguay Round, assinados em Marraquexe, em 15 de Abril de 1994), que foi anunciada no dia 12 de Dezembro de 1994 como tendo baixado unicamente à 3.ª Comissão, baixou também às 6.ª e 11.ª Comissões.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à apreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 161/VI, que estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr Cipriano Martins (PSD): - Sr Presidente, Srs Membros do Governo, Srs. Deputados: Na Mesa e em foco, o Decreto n.º 161/VI, que estabelece a obrigatoriedade de porte de documento de identidade, a reclamar de todos nós uma segunda e, esperamos, definitiva reapreciação do seu articulado.
Estamos, por certo, todos recordados de que o diploma em análise surge na esteira da proposta de lei n.º 85/VI, que esta Câmara, há poucos meses atrás, discutiu e aprovou por maioria.
Nessa altura, entendeu o Sr. Presidente da República, no exercício do poder que a Constituição política lhe confere, suscitar junto do Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, requerendo que a mesma fosse declarada desconforme à Constituição por violação do seu artigo 27.º.
Propunha-se aquele primeiro diploma, bem como o actual ora em debate, regulamentar o controlo policial de identidade, previsto pela Lei de Segurança Interna.
Recordamo-nos todos, por certo, de que já na discussão da proposta de lei n.º 85/VI a questão fulcral em debate consistia em conciliar dois valores de igual importância e grandeza: o direito à liberdade de ir e vir, sem prejuízo, nunca, do direito à segurança.
Aqui, o Tribunal Constitucional, embora largamente dividido quanto à questão controvertida então posta à sua sindicância, decidiu, afinal por maioria, no seu subido critério, a favor da impugnação presidencial, razão pela qual teve lugar este segundo agendamento.
Não vamos, aqui e agora, debruçar-nos sobre as motivações que alicerçaram o pedido de impugnação. O mais importante, nesta fase, é reter o sentido do juízo alcançado no acórdão decisório, que acabou por qualificar o n.º 1 do artigo 1.º e o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto n.º 161/VI de inconstitucionais, por estes dois preceitos, de uma forma conjugada, violarem o disposto no citado artigo 27.º da nossa Lei Fundamental.
De notar que a fiscalização presidencial, nos seus fundamentos, não punha em causa a legitimidade do dever geral de identificação prescrito no artigo 1.º do normativo sindicado, motivo pelo qual, no requerimento, o aludido dever não foi sequer objecto da menor contestação!
Na realidade, o que acabou, na sua petição, por se questionar, limitou-se tão-somente às consequências que uma não identificação, por insuficiência ou recusa do identificando, poderiam acarretar para este. aquando do ulterior procedimento de identificação, que o artigo 3.º previa e disciplinava.
Quer dizer: o problema não residia na consagração em lei de uma obrigação geral de identificação mas, sim, e sobretudo, na forma e condições como o correlato direito de exigir essa identificação estava regulado no aludido diploma.
Posto assim o problema, logo se colocou a questão de saber se o tempo limite de seis horas- o nó górdio da questão - para efectivar o procedimento de identificação não estaria, por desproporcionado, em rota de colisão com o inciso constitucional do artigo 27.º e seus números, dado estar-se, no entendimento dominante dos Exmos. Conselheiros, perante uma forma de privação da liberdade não consentida por aquela previsão constitucional.
De qualquer modo, o desfecho do dissídio é, hoje, de todos conhecido, desde logo por ter prevalecido no acórdão judicial a tese de que a norma, tal como estava formulada, contemplava um caso de privação e não de mera restrição da liberdade individual.
Trata-se, sem dúvida, de matéria de grande melindre, a lembrar-nos, de uma forma viva, que as relações entre a liberdade e o direito à segurança, quer da pessoa quer do grupo, nem sempre são, na prática, harmoniosas e pacíficas.
De resto, neste terreno dos direitos fundamentais, ninguém ignora que eles só são absolutos na sua postulação normativa, já que na sua efectivação prática eles dependem de condições de vária sorte, sejam elas económicas, políticas, sociológicas ou outras.
Sem embargo, há que reconhecê-lo, as suas existência e relevância revestem-se da mais elevada magnitude no Estado de direito democrático, que nós somos, não constituíssem eles tais direitos e, desde logo, o escopo e o fundamento da própria ordem estadual.
Sem prejuízo, porém, do que acaba de dizer-se, é sabido que a liberdade tem que ser praticada na colectividade e dentro de uma estrutura a que chamamos ordem legal. Mas, porque assim é, imprescindível se torna, ao analisar o problema da liberdade, não perder nunca de vista que as pessoas se tornam livres num quadro de relações recíprocas de dependências, de limitações e abstenções mútuas, que é a própria sociedade.
É que, face à imbricação que existe entre a liberdade de movimentos e o direito à segurança, não nos parece legítimo sobrevalorizar um em detrimento do outro. Os dois estão em pé de igualdade e até a nossa Constituição terá querido significar isso mesmo ao colocá-los lado a lado, incluindo-os no mesmo preceito constitucional.
Impossível, aliás, seria dissociar a noção de liberdade da ideia de segurança e isto porque o único caminho capaz de conduzir à primeira e segunda
Não resistimos, a este propósito, de respigar aqui uma breve passagem extraída de uma declaração de um dos Conselheiros que votou vencido no acórdão constitucional: «A liberdade só existe verdadeiramente quando for segura- uma liberdade para viver num clima de intranquilidade e de desordem é uma liberdade sem sentido e, por isso, sem conteúdo. Numa sociedade onde reina a insegurança, o Homem não sabe, de facto, o que fazer com a sua liberdade, acabando por preferir-lhe a segurança; resta-lhe, então, repetir com Nietzche: Livre de quê? (...) Olha-me nos olhos e responde-me: Livre para quê?'»
Eis, pois, a razão pela qual, de novo, aqui estamos para uma reponderação das referidas normas, que a proposta de alteração em debate corporiza, saneada agora dos vícios de inconstitucionalidade apontados pelo Tribunal.
Daí estarmos todos, primeiro na Comissão especializada e, agora, aqui, no Plenário, e pela segunda vez, confrontados com a delicada questão da compatibilização prática dos dois citados direitos fundamentais - o da liberdade pessoal e o da segurança -, sendo certo que um e outro beneficiam de igual dignidade constitucional.
Com este propósito, Comissão e Executivo, animados da mesma intenção de conformar a proposta com o estatuto
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básico, procederam, em conjunto, a uma reflexão adequada dos altos valores e interesses em jogo, logrando-se, assim, conseguir o articulado actual, agora sob a infra do Hemiciclo.
Finalmente, restará dizer que estamos a reflectir $obre um texto que, nesta fase, quase tem uma natureza conciliatória e concertada, se considerarmos os muitos contributos que o mesmo incorporou, oriundos da maioria $ das oposições.
E que, sem mutilação dos seus propósitos, o decreto em foco, de comum acordo, sofreu modificações que não se confinaram à simples aposição de vírgulas ou modesta troca de vocábulos. Não se tratou de alterações de fatiada ou de estilo. Não! No seu aprimoramento. buscou-se, o útil onde foi achado, experimentando o mesmo, em consequência, uma séria remodelação e melhoria.
Tão séria que quase nos atrevíamos a afirmar que a redacção final do mesmo é produto do diálogo, da negociação, do consenso e, sobretudo, de uma cooperação inteligente e leal que, aqui, nos apraz registar.
Os partidos da oposição, designadamente o Partido Socialista, deram um precioso contributo e podem então reivindicar bastantes coisas que, de sua iniciativa, figuram no diploma em discussão.
Só esperamos agora, em nome da coerência e do sentido ético, que o seu voto não discrepe do espírito e das convergências reveladas na Comissão.
No que nos toca, Governo e maioria que o apoia, o único mérito que reclamamos é o de procurar ter sido dialogantes e abertos, mas também intransigentes na vontade firme de assegurar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos sem, contudo, pôr em perigo ou em causa à segurança indispensável à fruição e gozo daqueles. Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
O Sr. Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Cipriano Martins, na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias tinha sido apresentada uma proposta de alteração ao artigo 1.º.
Em 22 de Novembro, o PSD apresentou na Mesa uma alteração ao artigo 1.º, mas neste momento, segundo parece, só há propostas de alteração relativas aos artigos 3.º, 4 º e 5.º, pelo que eu gostaria de saber em que é que ficamos.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Odete Santos tem toda a razão na questão i que coloca. A proposta de alteração que referiu existe, mantém-se e vai surgir dentro em breve no decurso da discussão.
A Sr.ª Odete Santos (PCP)- - E mantém a mesma redacção da do 22 de Novembro?
O Orador: - É uma proposta de alteração com a mesma redacção dessa.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP)- - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. Em matéria de controlos de identidade o PSD recuou. Recuou estrondosamente! Não recuou por vontade própria mas, sim, porque as instituições funcionaram e a opinião pública verberou severamente a tentativa de permitir controlos policiais arbitrários, incluindo procedimento de detenção até um número excessivo de horas de quaisquer cidadãos, em quaisquer sítios, sob quaisquer pretextos e quaisquer fundamentações.
Foi, pois, graças ao funcionamento das instituições e não graças à inspiração ou à mudança de posição voluntária do PSD que hoje vamos poder fazer este debate.
Assim, é de salientar que o Sr. Deputado Cipriano Martins, em nome da sua bancada, teve a lhaneza de agradecer aquilo a que chamou a cooperação inteligente e leal da oposição, em particular do PS, na reconfiguração do texto que o Governo originariamente tinha apresentado.
De facto, participámos nesse debate - é essa a maneira como entendemos a função parlamentar -, mas não nos reconhecemos no resultado e, sobretudo, não subscrevemos a filosofia e consideramos que este debate deveria permitir-nos ir mais além.
Como o Sr. Deputado Pacheco Pereira, novo líder espiritual e material da bancada do PSD, gosta de citar histórias Zen para documentar o novo pensamento político do PSD, eu próprio vou contar-vos uma história Zen que poderia contribuir para criar o clima de diálogo.
Essa história segue assim: Nan-in, um mestre japonês da Era Meidji, recebeu um dia um professor universitário que tinha vindo informar-se sobre a filosofia de Zen.
Nan-in serviu o chá, encheu a taça do seu visitante e, depois, continuou a deitar chá. A taça transbordava, não parava de transbordar e o professor visitante, surpreendido, a certa altura observou. «A taça está a deitar fora. Não cabe mais nada!» E o filósofo disse-lhe. «Tal como esta taça, tu estás cheio das tuas opiniões e conjecturas. Como poderei eu revelar-te o Zen se antes não esvaziares a tua taça?»
E eu digo ao Sr. Deputado Cipriano Martins e ao PSD: esvaziem a vossa taça! Esvaziem a vossa lei! Aceitem começar o debate pelo começo. Isto é, talvez, começar o debate assim: para que é que serve uma lei como aquela a que os senhores chegaram agora? O vosso projecto inicial consistia em permitir à francesa, à la Pasqua, que qualquer cidadão, em qualquer sítio, pudesse ser levado a uma esquadra para efeitos de identificação e aí ficar até seis horas. Esse projecto era inconstitucional, o Tribunal Constitucional assim o declarou e o Sr. Presidente da República vetou-o.
Ora, face a estas críticas, os senhores, agora, admitem que só sejam conduzíveis a esquadras para efeitos de identificação e sujeitos a este procedimento os suspeitos, e não os suspeitos de quaisquer crimes mas só de certos crimes de especial gravidade E quando isso tenha de acontecer deve ser cumprida uma serie de rituais, de garantias de carácter procedimental, de carácter formal, de carácter informativo, de carácter garantístico. em muitos planos É um procedimento extremamente complexo.
Srs. Deputados, o problema que hoje se coloca é este: para pessoas inocentes, que, constitucionalmente, não podem ser levadas para uma esquadra sob qualquer pretexto, este processo é inútil, para suspeitos de crimes este processo é redundante em relação ao que está previsto no Código de Processo Penal, é, provavelmente, excessivamente retorcido, é, provavelmente, escassamente operacional, e, em suma, pelo menos inútil e, provavelmente, redundante ou originador de confusão, de polémica, de dificuldade de aplicação, de insegurança por parte das forças policiais.
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O nosso apelo, Srs. Deputados, é a que tenham a coragem de reconfigurar este processo legislativo. Não façamos uma lei inútil. Sc querem aperfeiçoar o regime de identificação constante do Código de Processo Penal, então, a forma correcta, a forma curial, a forma exacta é corrigi-lo. O Código de Processo Penal aplica-se a suspeitos de crimes, aplica-se só a suspeitos de crimes que frequentem determinados sítios, segundo um determinado ritual, envolvendo possibilidade de condução à esquadra com proibição de permanência por período superior a seis horas. Se há alguma coisa a reconfigurar, reconfigure-se o que é preciso reconfigurar em sede de Código de Processo Penal.
Criar uma lei nova para quê? Passaríamos a ter duas leis. Passaríamos a ter, de um lado, o Código de Processo Penal, aplicável a quaisquer suspeitos de quaisquer crimes, desde que encontrados em sítio habitualmente frequentado por delinquentes - expressão que deu origem a muitas dúvidas. Do outro lado, teríamos a nova lei que se aplica a certo tipo de suspeitos de determinados crimes, encontrados em certos sítios - mais sítios do que os previstos no Código de Processo Penal - e segundo um ritual, extraordinariamente complexo, de informação, de concatenação com outros direitos de defesa e um longo corrupio de formalidades.
O risco, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e o seguinte: as polícias, confrontadas com a possibilidade de invocar a «lei azul» e a «lei amarela» - convenção arbitrária -, a «lei laranja n.º l» e a «lei laranja n.º 2», teriam enorme arbítrio na aplicação de uma ou de outra. Por outro lado, poderiam tender a aplicar, mais habitualmente, a legislação do Código de Processo Penal, que tem menos formalidades, menos rituais garantísticos e permite um maior prazo de detenção em caso de dúvida. Ou seja, a Assembleia da República estaria a legislar para nada.
O nosso desafio é, pois, Srs Deputados: não legislemos para nada! Aceitem o princípio de reflexão saudável, inspirado na filosofia de Zen, no Cristianismo, no bom senso, puro e simples, e não legislemos em pura perda.
O segundo aspecto, Srs. Deputados, é que não devemos fazê-lo por uma outra razão. É porque há temas sérios na área da segurança interna a discutir nesta Assembleia, como provou a interpelação ao Governo que o Partido Socialista aqui fez na passada semana.
Não é por falta de uma lei sobre identificação que as polícias portuguesas têm dificuldade ou falta de vigor no combate a determinados segmentos da criminalidade; não é por falta de uma lei de identificação que não se vai ao Casal Ventoso pôr ordem onde devia ser posta e fazer reinar a legalidade democrática, aí onde devia reinar e não reina; não e por falia de uma lei de identificação que os traficantes não são apanhados onde deviam sê-lo. Não só deviam ser apanhados. Srs. Deputados... Não basta identificá-los como suspeitos de crimes graves, encontrados em sítio público ou não; a obrigação das polícias é cumprir o Código Penal, e prenderem quem deva ser preso. Não basta identificá-los!
Aplausos do PS.
Temos, pois, uma lei que não faz o que devia fazer e que pode permitir que seja feito o que não devia ser feito. E pura inutilidade!
Discutamos a agenda necessária.
O Sr. Membro do Governo que aqui está terá ido ao Conselho de Segurança Interna que precedeu a Cimeira de Essen. Aí foram discutidas importantíssimas matérias,
aprovadas resoluções sobre o combate à criminalidade, sobre o combate à droga, sobre o combate à criminalidade altamente organizada, de que esta Câmara não tem conhecimento. Mais: na política de segurança interna há carências gravíssimas de que o Governo não nos presta contas, como aqui se viu na passada interpelação, e em que claudica em pormenores práticos e elementares. Não é por falta de leis que não se combate a criminalidade; é por falta de convicção, de estratégia, de vigor e de capacidade do Governo neste domínio!
Dar-vos-ei um exemplo final, gritante, de que não é por falta de leis que a criminalidade deixa de ser combatida.
Discutem-se, de forma ridícula - na minha opinião -, as dificuldades de carácter prático necessárias para implementar uma polícia ferroviária em Portugal. O jornal Público, na sua edição de hoje, descreve, em termos patéticos, as dificuldades de carácter burocrático que levam a que o Ministro da Administração Interna e as empresas CP e Metro não se entendam para fazer as seguintes coisas simples: um torreão de controlo central, subestações de controlo em algumas estações de Metro e o dispositivo mínimo necessário para termos 200 homens a policiarem as nossas estações ferroviárias e as principais linhas da Área Metropolitana de Lisboa. Estes senhores são incapazes de resolver um problema de carácter burocrático, de articulação e de meios financeiros, que, no todo, são suportáveis, para resolver um problema de candente importância para a segurança dos cidadãos da Área Metropolitana de Lisboa.
A nossa pergunta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a seguinte: porque é que há tanta impotência e tanta incapacidade? Pergunto: por falta de leis? Respondo: não é por falta de leis. Não é preciso mudar a lei para conseguir mais eficácia mas é preciso, seguramente, mudar a equipa para conseguir mais eficácia e ter uma outra filosofia de comando no sucesso do combate à criminalidade.
Portanto, deixo aqui intacto o apelo que comecei por fazer: Srs. Deputados do PSD, graças à intervenção do Sr. Presidente da República, não teremos uma lei inconstitucional e má. Se primar o bom senso, entender-nos-emos para rever o Código de Processo Penal no sentido de precisar melhor as condições de identificação de suspeitos de crimes e, em particular, de suspeitos de crimes graves, mas não cometeremos o pecado de fazer uma lei inútil, confucionista e prejudicial à segurança e à tranquilidade dos cidadãos de Portugal que, acima de tudo, a todos nos deve preocupar.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Com certeza, Sr. Deputado, mas, como o Sr. Deputado José Magalhães já não dispõe de tempo, a Mesa conceder-lhe-á um minuto e não mais, para responder.
Tem, então, a palavra, Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, começo sempre a tremer quando o Deputado do Partido Socialista que expressa a posição do Grupo Parlamentar do PS em sede de comissão é diferente do Deputado desse partido que intervém no Plenário.
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O Sr. Luís Amado (PS): - O senhor não tem o direito de dizer isso!
O Orador: - Tenho todo o direito porque estou a retratar a realidade!
É que, como dizia, estamos nesta situação que todos tememos.
Na verdade, o Sr. Deputado levantou uma série de questões na sua intervenção,...
O Sr. José Magalhães (PS): - E não tenho razão?
O Orador: - ... falou do «papel amarelo», da «papel rosa», do «papel laranja», do «papel vermelho» e da diria que, nestes casos, há sempre um «rosa n.º 1» e um «rosa n.º 2». O «rosa n.º 1» foi o que o Sr. Deputado José Vera Jardim transmitiu aos membros da comissão, quando, durante uma manhã, discutimos esta matéria com o Sr. Secretario de Estado, tendo dito, expressamente, que não subscrevia a proposta de alteração que tinha sido apresentada mas que o vosso partido votaria a favor dessa matéria. Agora, o Sr. Deputado vem aqui fazer o papel de «rosa n.º 2»; o senhor que não esteve presente naquela discussão...
O Sr. José Magalhães (PS): - Estive, estive!
O Orador: - ... ou que, pelo menos, não esteve presente na totalidade da discussão. O senhor chega aqui e faz um discurso que lhe ficará bem se for feito durante o programa Flashback mas que nada tem a ver com a realidade que estamos a discutir aqui. É que o Sr. Deputado esquece-se de dizer que há uma lei igual a esta em França,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Não é igual!
O Orador: - ... na Alemanha, e que esses países também têm o seu próprio Código de Processo Penal em relação a estas matérias. O senhor esquece-se de falai nestes aspectos e vem aqui lançar-nos um conjunto de questões...
Sr. Deputado, o que tenho a dizer-lhe em relação a estas matérias é que são importantes e que deviam ser tratadas com tanto mais rigor quanto já tiveram o percurso que tiveram.
É que, Sr. Deputado José Magalhães, quanto mais palavroso é o vosso discurso menos visível é a política que realmente querem seguir em relação a estas matérias.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, que dispõe de um minuto.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, como é que V. Ex.ª, a esta hora, mesmo possuído da melhor filosofia de Zen, ousa falar em rigor?...
O Governo arrancou mal com o processo. A Sr.ª Secretária de Estado Eduarda Azevedo disse-nos, da tribuna, as coisas mais insensatas e arrogantes sobre a lei que, na versão primitiva, foi chumbada pelo Tribunal Constitucional. A Sr.ª Secretária de Estado Eduarda Azevedo praticamente espancou o Deputado Alberto Costa...
Risos.
... quando ele ousou dizer que o diploma era inconstitucional. Foi uma cena brutal passada aqui, em Plenário, e V. Ex.ª vem, a esta hora, «cheio de lata», falar-me de rigor! Qual rigor?
O Sr. Miguel Macedo (PSD)- - Então e as propostas de alteração que apresentámos?
O Orador: - As propostas de alteração que os senhores apresentaram não são mérito vosso, são-no - alínea a) - do Tribunal Constitucional e - alínea b) e por esta ordem - do Sr. Presidente da República, que, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, vetou o diploma Os senhores não têm mérito algum'
O Sr. Guilherme Silva (PSD)- - Até nem pedimos para manter o diploma!
O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, se mantivessem o diploma seria inconstitucional, como sabe!
Em terceiro lugar, estive presente na discussão, tive muito gosto em ter estado presente e em ter assistido, milímetro a milímetro, ao vosso recuo Mas chamo a vossa atenção para o facto de que os senhores não perceberam o significado desse recuo. É que não perceberam que o quadro legal em Portugal tem de ser di l crente do da França, por exemplo.
Vozes do PSD: - E é! É bem diferente!
O Orador: - Na França não há uma norma constitucional que impeça que sejam levados às esquadras quaisquer cidadãos, encontrados em qualquer sítio, com fundamento em razões de segurança interna. Entre nós, o artigo 27.º da Constituição proíbe essas formas de detenção arbitrária e foi por isso que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a vossa norma.
Agora, os senhores concluíram- «não podemos «meter-nos» com os cidadãos não suspeitos encontrados em qualquer sítio eventualmente honesto, só podemos «meter-nos» com suspeitos.» E eu digo-vos: os senhores não estudaram o problema e continuam a não estudar o problema. Continuam a gastar dinheiro às instituições...
Meus senhores, este processo custa dinheiro; o Presidente da República custa dinheiro; o Tribunal Constitucional custa dinheiro; os Ministros custam dinheiro. Este Secretário de Estado que está aqui, hoje, gastou umas 40 horas da vida dele a estudar - e mal - este diploma; isso custou dinheiro ao Estado português! Para quê? Para concluirmos soluções inconstitucionais, incorrectas e que não conduzem a uma solução positiva dos problemas que temos de enfrentar
Neste caso, nós dizemos- e dizemo-lo de graça. Sr. Deputado Miguel Macedo: a solução a que os senhores querem conduzir esta Assembleia é redundante porque o Código de Processo Penal já permite a identificação de suspeitos de crimes...
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Cipriano Martins (PSD) - O trabalho de V. Ex.ª neste Plenário será gratuito?
O Orador: - É essa a pergunta, Sr. Deputado?
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - É essa a pergunta, sim.
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O Orador: - Sr. Deputado, claro que não! E eu nunca lamentarei o suficiente o trabalho de ter tido de subir àquela tribuna, não para discutir as conclusões de Essen, a criação da Europol, as formas de combate à criminalidade, mas para discutir um «gambosino». Estamos aqui a discutir um «gambosino», uma falsa questão! Estamos aqui a discutir uma lei redundante e inútil, quando deveríamos estar a discutir, quanto muito, o aperfeiçoamento do Código de Processo Penal. Pelo contrário, agora, explica-me a «lei rosa n.º 1, n.º 2, n.º 3»...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Magalhães, solicito-lhe que termine imediatamente.
O Orador: - Sr. Presidente, agradeço a sua tolerância e terminarei com uma única frase: as versões sucessivas deste diploma apenas revelaram que perdeu o sentido originário e ficou sem sentido. Portanto, aceitem que o diploma ficou sem sentido e vamos discutir, de cabeça limpa, soluções constitucionais e adequadas para enfrentar os problemas de segurança interna, sem confundir esta com a capitalização de qualquer cidadão, por mais inocente que seja. É que não podemos aceitar isto e nenhum de nós, em momento nenhum, aceitou essa filosofia originária, que era a vossa. Nenhum Deputado deste grupo parlamentar aceitou ou aceitará essa filosofia, Sr. Deputado Miguel Macedo, e refutamos frontalmente qualquer insinuação que tenha feito, conspurcando a imagem e a dignidade de um companheiro de bancada. Não aceitamos isso e não cooperaremos nessa tarefa de malfeitoria. Cooperaremos no aperfeiçoamento do Código de Processo Penal, nesse ponto como noutros, recusando a criação de normas inconstitucionais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odeie Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs Deputados, com a apresentação das propostas de alteração ao Decreto n.º 161/VI, visando expurgar as inconstitucionalidades do mesmo, das duas uma: ou o Governo pretende ocultar um rotundo fracasso de uma proposta que colocava todos os cidadãos sob suspeita e retoma, pleonasticamente, disposições do Código de Processo Penal, ou, por detrás de uma aparente redundância e de um pretenso acatamento da punição imposta pelo Tribunal Constitucional, visa instituir medidas de polícia que subtraiam a investigação criminal da direcção do Ministério Público.
Antes, porém, de decidirmos sobre esta questão, deve realçar-se que o Tribunal Constitucional veio dar razão aos que, como nós, e logo desde o início e da votação na generalidade, afirmavam a inequívoca inconstitucionalidade da proposta do Governo, por conduzir à privação total da liberdade dos identificandos, que, podendo ser cidadãos acima de toda a suspeita, seriam detidos e até mesmo sujeitos a provas fotográficas, dactiloscópicas e outras.
O Tribunal Constitucional assinalou mesmo que o sistema que se procurava introduzir no ordenamento jurídico português era mais favorável para as entidades policiais do que os sistemas existentes em todos os ordenamentos jurídicos de outros países analisados pelo Tribunal.
Mesmo em relação à lei francesa, a mais permissiva de Iodas as analisadas, a proposta do Governo continha regras bem mais lesivas da liberdade dos cidadãos. Em França, a recolha de provas dactiloscópicas e fotográficas só podia ser feita após prévia autorização do Procurador da República; a autoridade policial tem de apresentar justificação das situações particulares que, no caso concreto, façam supor a existência de um risco de atentado à ordem pública; e a duração máxima de detenção não ultrapassa as quatro horas.
O controlo de identificação que o Governo pretendia instituir, através de medidas de polícia desproporcionadas e desnecessárias, desenhava-se, no entanto, no quadro de uma Constituição, a nossa, especialmente exigente em matéria dos direitos fundamentais e dos direitos, liberdades e garantias.
Disto, porém, não cura o Governo, apostado que está em medidas adequadas a um Estado policial que coloquem sob custódia direitos fundamentais, como acontece com o direito à liberdade de expressão e com o direito à garantia de um processo criminal dirigido por entidade independente do poder executivo, caracterizado pelo princípio da legalidade e não da oportunidade política.
O Governo, aliás o PSD, vem agora apresentar propostas para tentar salvar o diploma das inconstitucionalidades evidentes.
Retomando, no fundamental, o artigo 250.º do Código de Processo Penal, vem propor o dever de identificação de qualquer pessoa perante as entidades policiais quando existam sobre a mesma pessoa fundadas suspeitas da prática de crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática e o que consta de outros aditamentos introduzidos há última da hora.
Ora, o Código de Processo Penal já contém, inequivocamente, no artigo 250.º esta previsão (é até mais ampla). O artigo 250.º, n.º 1, prevê a possibilidade de se exigir a «identificação a cidadãos encontrados em lugares abertos ao público, habitualmente frequentados por delinquentes», mas nos números seguintes, especialmente no n.º 2, prevê-se também a possibilidade de «exigir a identificação de suspeitos em quaisquer outros locais» - ao contrário do que disse o Sr. Deputado José Magalhães - e permite-se que «os mesmos sejam conduzidos ao posto policial mais próximo no caso de incapacidade ou recusa de identificação, onde podem permanecer detidos até seis horas e ser submetidos a provas de identificação».
Perante isto, pergunta-se: se o que o Governo vem agora propor já se encontra no Código do Processo Penal, até com maior amplitude, o que é que faz correr os autores da proposta? Pretendem esconder, desta forma, o seu rotundo fracasso com a proposta inicial? Será apenas isto? Será isto um acto inútil? Razões não temos, no entanto, para confiar e sobram-nos motivos para procedermos a uma análise mais minuciosa das soluções.
Dúvidas não há de que, com este diploma, o Governo pretende a instituição de medidas administrativas de polícia, fora do âmbito do processo penal, quando já se está, na realidade, no âmbito do Direito Penal e do Direito Processual Penal, porque já existem fundadas suspeitas recaindo sobre determinada pessoa.
Mas o Governo não quer, mesmo assim, que se sigam as regras do Processo Penal. Pergunta-se porquê.
As medidas cautelares e de polícia, constantes do Código de Processo Penal, entre as quais as do artigo 250.º atrás citado, são medidas que só podem ser tomadas sem prévio controlo da autoridade judiciária em caso de urgência. Assim não acontece com esta medida administrativa de polícia proposta pelo Governo.
Aliás, segundo o próprio Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87, o artigo 250.º do Código de Processo Penal
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toca as raias da inconstitucionalidade, sendo mesmo, para alguns, inconstitucional.
E que das duas uma ou o suspeito é detido em flagrante delito, e. então, a sua condução ao posto policial de uma detenção legitimada pelo artigo 27.º da Constituição da República, ou é suspeito da prática de um crime punido com uma pena de mais de 3 anos de prisão, e a sua detenção tem também cobertura constitucional.
A privação da liberdade para identificação, fora daqueles casos e dos restantes previstos no artigo 27.º da Constituição da República, não tem, de facto, cobertura constitucional.
Trata-se, na proposta do Governo, de actos instrumentais? Mas não serão actos que já configuram actos de investigação criminal, legal e constitucionalmente sujeitos à direcção e ao controlo do Ministério Público?
Não se diz, na proposta apresentada, que para a identificação se pode usar qualquer meio de prova análogo das provas fotográficas e dactiloscópicas para permitir a identificação? E a prova por reconhecimento, com a colocação do suspeito entre outras pessoas para que possa ser identificado por testemunhas, não é já um acto de investigação?
Tratando-se de actos extra-processuais, que podem mesmo não ocasionar a instauração de processo, e sabendo-se que ao Ministério Público foi retirada a competência para a fiscalização da actividade pré-processual dos órgãos de polícia criminal, fragilizando-se, assim, a dependência funcional destes relativamente ao defensor da legalidade democrática, quem controla a legalidade destas medidas administrativas de polícia? Os cidadãos que, em grupo, se aproximam de um ministério para entregar um caderno reivindicativo são já suspeitos de atentar contra a paz pública?
Quem controla a actuação das actuações policiais que os conduzem à esquadra? O Ministério da Administração' Interna?
Pertinentes são ainda outras questões. O que são «lugares sujeitos a vigilância policial». Quem determina que locais são esses? A própria residência do cidadão pode ser esse local e, sendo assim, até na sua própria casa lhe pode ser exigida a identificação.
Uma outra conclusão pode ainda retirar-se do que vem proposto. Tornando-se possível verdadeiros actos de investigação enquanto o cidadão está apenas qualificado como suspeito, está, ao que parece, privado do contacto e da assistência de um defensor, o qual só lhe será facultado na qualidade de arguido E este poderá ser mais um entorse ao quadro legal e constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A similitude evidente entre o sistema proposto e o artigo 250.º do Código de Processo Penal trazem preocupações acrescidas. Estaremos perante uma mera operação de cosmética de um rotundo fracasso, ou perante um passo mais, no sentido da policlalização da investigação criminal?
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD). - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odeie Santos, ouvi com muito interesse a sua intervenção, mas gostava que me dissesse se concorda que o Código de Processo Penal tem um âmbito de aplicação concreto e um regime próprio e específico para as situações nele previstas e que esta proposta que estamos aqui a discutir, que vem na sequência do artigo 16.º da Lei n.º 20/87 (Lei de Segurança Interna), tem também o seu domínio próprio e específico de aplicação
O Sr. José Magalhães (PS): - Esta também!
O Orador: - Deixe-me concluir, Sr. Deputado.
O âmbito de aplicação dos dois diplomas é diferente,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Então, não é aqui?
O Orador: - ... pois, enquanto para se aplicar o Código de Processo Penal e preciso que haja um suspeito e que se esteja nos tais locais de frequência suspeita, neste diploma a medida administrativa de carácter geral não funciona assim Por isso é que é uma medida de prevenção de carácter geral.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não percebe que isso era na versão anterior!
O Orador: - Sr. Deputado, tenha calma! Já lhe vou responder!
Sr.ª Deputada, gostava que me respondesse à seguinte questão: não acha que as situações previstas num e noutro diploma são totalmente diferentes?
É óbvio que, se vigorasse a mesma situação factual, não precisaríamos de uma lei....
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - E não precisamos!
O Orador: - .. nem de inserir na Lei de Segurança Interna o artigo 16.º e a obrigatoriedade de porte de documento de identificação, pois o Código de Processo Penal já regulamentava isso. Nesse caso. teríamos uma lei e não havia um vazio legal, mas o certo é que esse vazio existe e esta lei foi elaborada para o preencher.
Por outro lado, gostava que me explicasse e me ajudasse a entender o seguinte: no que se refere ao conteúdo da sua intervenção, vi grandes divergências em relação à posição que, por exemplo, o Sr. Deputado José Vera Jardim teve aquando da discussão na especialidade em sede de Comissão...
O Sr. José Magalhães (PS)' - É falso!
O Orador: - No entanto, não vi aqui qualquer espécie de divergência entre o discurso de V. Ex.ª e o do Sr Deputado José Magalhães. Será que a explicação é histórica?!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Para responder, tem a palavra o Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cipriano Rodrigues, creio que o seu pedido de esclarecimento obrigará a que VV. Ex.ªs expliquem, então, se isto é hipocrisia, ou seja, está aqui escrito, mas não é para cumprir.
Os senhores apresentaram uma proposta de alteração ao artigo 1.º, onde se diz que os agentes das Forças ou Serviços de Segurança podem exigir a identificação de qualquer pessoa sempre que sobre ela existam fundadas suspeitas da prática de certos crimes. Ora isto, Sr. Deputado Cipriano Martins, está no artigo 250.º do Código de Processo Penal em relação a todos os suspeitos: está no n.º 1 em relação a pessoas que se encontrem em lugares aber-
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tos ao público, habitualmente frequentados por delinquentes, e está no n.º 2 em relação a todos os suspeitos em quaisquer lugares.
O Sr. Cipriano Martins (PSD)- - Isso é a sua interpretação!
A Oradora: - Não é, não! Isto não é interpretação de uma pessoa! Leia as actas das Jornadas do Código de Processo Penal, leia o Maia Gonçalves e as suas anotações ao Código, leia os pareceres do «Fórum Justiça e Liberdade» e leia a letra do artigo, porque ele refere-se a todos os suspeitos, em qualquer lugar que se encontrem.
Portanto, Sr. Deputado Cipriano Martins, penso que V. Ex.ª acabou por ficar «tosquiado»; «veio buscar lã e ficou tosquiado». Explique agora o que é que querem, de facto, com o artigo 1.º.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Posso interrompê-la, Sr.ª Deputada?
A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, se a analogia é total entre a situação prevista no Código de Processo Penal, e que este disciplina, e as situações factuais previstas na proposta que, hoje, estamos a discutir, é evidente que, então, o Sr Deputado José Magalhães teria razão e não fana sentido estarmos aqui a discutir isso. No entanto, devo dizer-lhe que tem todo o sentido, porque, realmente, o âmbito desta iniciativa legislativa é diferente.
Vozes do PS e do PCP:- Mas qual é?!
O Sr Cipriano Martins (PSD): - Esse âmbito, como está aí esclarecido, é, na realidade, mais vasto,..
A Oradora: - Para?!...
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - .. mais genérico, como medida administrativa geral que é.
A Oradora: - Ah! Só para as polícias! Fora da fiscalização do Ministério Público! Sem processo penal, mesmo que haja um suspeito! É isso que quer dizer?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que, depois da intervenção do Deputado do PSD, se dúvidas houvesse relativamente àquilo que norteia o Governo nestas pequenas alterações de cosmética, estaríamos esclarecidos.
Efectivamente, aquilo que esteve na origem da repulsa, por parte do nosso grupo parlamentar, por este diploma do Governo e que foi justamente objecto de veto presidencial, tendo, dessa forma, permitido ao Tribunal Constitucional posicionar-se sobre este diploma, mantém-se, em nossa opinião, perfeitamente válido.
A ideia que está subjacente a este projecto é que todos somos rigorosamente vigiados e todos somos suspeitos até que provemos o contrário Aquilo que se quer, numa sociedade cada vez mais domesticada, é que os domesticados tragam etiqueta e sejam obrigados a usar o bilhete de identidade, a pretexto de normas de segurança interna. A questão é que as normas de segurança interna, com o seu carácter ambíguo, permitem todas as mconstitucionalidades e todos os abusos.
E se há, como de algum modo transpareceu da intervenção do Sr. Deputado, qualquer semelhança entre isto e aquilo que já hoje o Código de Processo Penal estabelece, a verdade é que se poderá perguntar: para quê modificar a lei? Julgo que a modificação é clara.
Quando hoje, a pretexto de identificação, vemos, com inquietude, cidadãos a serem brutalizados e violados nos seus direitos nas esquadras policiais, situações que se têm multiplicado e banalizado, aquilo que se pretende, com a modificação da lei, é ciar cobertura legal a estes abusos, que são tanto- mais preocupantes quando, por parte dos responsáveis do Ministério, se abate sobre estas situações um pacto de silêncio, quando a cumplicidade da polícia e da sua hierarquia se mantém e não há quaisquer mecanismos que garantam aos cidadãos, quando são alvo de violação dos seus direitos, a possibilidade de verem a sua situação, no possível, reposta.
É essa a questão que está clara nesta proposta e julgo mesmo que a nova redacção dada ao artigo 1.º é esclarecedora daquilo que o Sr. Deputado disse acerca da necessidade de alargar o âmbito da intervenção das polícias. Aquilo que se pretende, com esta obrigatoriedade de porte de documento de identificação, é começar a legitimar a caça aos negros. Aliás, basta ler o fim do artigo 1.º, com a nova redacção que se pretende introduzir, na pane em que se refere a todos aqueles que permaneçam irregularmente no território nacional ou contra os quais pendam processos de extradição ou de expulsão.
Como se sabe, são ainda milhares os imigrantes que continuam em situação irregular no nosso país, o que tem sido denunciado por nós, Os Verdes, por outros partidos, pelas igrejas e pelas associações e organizações não governamentais que com cies trabalham. Mas essa situação tem sido tolerada ate porque o Governo tem utilidade em manter uma mão-de-obra barata, sem quaisquer direitos e em grande número lace às grandes intervenções na zona metropolitana, designadamente da Expo 98.
No fundo, aquilo que se pretende com esta proposta - e, aliás, com grande clareza, ou seja, sem grande sofisticação nem grandes cuidados em escondê-lo- é legitimar a «caça» aos negros, sempre que se queira, continuando a dar cobertura ao racismo, à xenofobia e a todas as formas de perseguição de que as comunidades imigrantes, já hoje, são alvo.
O Sr Octávio Teixeira (PCP). - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia)' - Para pedir esclarecimentos, por 30 segundos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, compreendo a sua perplexidade, porque, por um lado, V. Ex.ª não e jurista, mas, como e evidente, sabe ler e interpretar os diplomas, e, por outro, o Sr. Deputado Cipriano Martins leva ao engano. É que o Sr. Deputado continua a defender aquilo que parece ser uma versão idêntica ao decreto vetado, ou seja, cie argumenta e alega como se aquilo que o PSD apresenta seja um texto idêntico, ate à última letra, ao texto vetado pelo Sr. Presidente da República. Mas não é1
Assim, Sr.ª Deputada Isabel Castro, quero perguntar-lhe se V. Ex.ª não atribui alguma diferença a uma norma que permitia prender e levar à esquadra qualquer pessoa, en-
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contrada, virtualmente, em qualquer sítio, com uma vaga alegação de perigo para a segurança interna, por comparação com outra norma que só permite a utilização de procedimentos de identificação em relação a pessoas sobre as quais ponham fundadas suspeitas da prática de crimes e ainda aquelas que, nos Lermos do artigo 27.º, n.º 3 alínea b), da Constituição, podem ser objecto de prisão preventiva com carácter instrumental e que, como tal, poderão, eventualmente, ser colocadas cru procedimento de identificação, se necessário. Se sabe que crimes são aquelas? São os crimes previstos em alguns títulos - não em todos - do Código Penal e, repare, não de qualquer outra legislação. Portanto, isto, em boa apreciação, nada tem a ver com a sanha persecutória, racista e xenófoba a que aludi.
Assim, em boa hermenêutica, há uma diferença. O nosso problema comum, suponho, é que não percebermos o PSD e o problema final é que, ao que parece, o PSD não se percebe a si próprio.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr Presidente (José Manuel Maia). - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, como disse, e bem, não sou jurista, analfabeta também não, as diferenças e as nuances existem e julgo que todos as percebem.
No entanto, como também deve ter percebido, aquando da discussão desta matéria, pela primeira vez, em sede de comissão, para nós, Os Verdes, a preocupação não era, como o Partido Socialista entendeu durante muito tempo, as pessoas estarem seis horas retidas numa esquadra. O nosso problema não é serem três, seis ou uma hora!
O Sr. José Magalhães (PS): - Nem o nosso!
A Oradora: -- O nosso problema, contrariamente á posição do Partido Socialista, na altura, é que há uma violação de direitos, há uma detenção ilegal há uma privação do direito de mobilidade das pessoas, seja durante seis, três ou uma hora e...
O Sr. José Magalhães (PS): - Foi o que nós dissemos!
A Oradora: - ... qualquer que seja a versão recauchutada que o PSD aqui apresente.
De qualquer forma, em relação a isto, quero dizer-lhe que me parece que as nuances que o PSD introduziu! no decreto não mexem no essencial. E o essencial é que algumas das razões que permitem e legitimam a detenção ou o facto de levar as pessoas a uma esquadra para identificação, por parte dos agentes policiais, são demasiado subjectivas, naquilo que respeita aos interesses do Estado são
da defesa nacional, para que nós, Os Verdes, possamos estar de acordo com elas.
Em relação ao alargamento conferido pela proposta de alteração no âmbito do artigo 1.º, julgo que ele é, por demais, óbvio para que sobre esta matéria sejam possíveis «meias tintas» ou «relativas posições». É claro aquilo que se pretende e o que me parece é que as pessoas estarão de acordo ou em desacordo frontal, pois não jugo que se trate de um mal menor. Em nossa opinião, um atentado a um direito é sempre um atentado e não uma questão que se possa medir ou quantificar, aceitando uma dose mínima.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Quanto mais leio esta nova versão do decreto, mais perplexidade sinto em saber, efectivamente, para que serve.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - Em primeiro lugar, esta disposição não vem preencher o conteúdo da alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º da Lei de Segurança Interna, na medida em que deixa de fora exactamente os crimes mais graves, os quais também estão fora do Código Penal e, portanto, deviam ser próprios da Lei de Segurança Interna. Tal é o caso dos crimes indicados no n.º 1, ou seja, a criminalidade violenta e altamente organizada, designadamente, a sabotagem, a espionagem e o terrorismo Estes crimes são deixados de fora desta nova alteração, na medida em que apenas se faz menção de suspeitas da prática de crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a Humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado, que fazem parte do Código Penal.
Ora, deste modo, passam a existir duas leis para dois tipos de suspeitos: os suspeitos de segurança interna e os suspeitos do Código de Processo Penal E pergunto: qual a diferença entre os suspeitos do Código de Processo Penal, que podem estar detidos seis horas e ter um determinado regime, e estes suspeitos, agora criados por VV. Ex.ªs, que cabem efectivamente, por inteiro, nos suspeitos do Código de Processo Penal? É que não há qualquer razão para criar uma nova suspeição em relação aos suspeitos do Código de Processo Penal.
Em segundo lugar, há aqui coisas que não se compreendem, como, por exemplo, o seguinte: se o agente de autoridade sabe as circunstâncias concretas em que funda a identificação, uma dessas circunstâncias concretas é saber quem praticou determinado acto. Ora, poderão haver circunstâncias concretas de uma suspeição, sem saber quem praticou o crime? É que, sem isso, as circunstâncias deixam de ser concretas e passam a ser uma abstracção. Como é que pode haver suspeição de circunstâncias concretas sem se saber a identidade de quem as praticou? Sinceramente, não vejo qual a razão da identificação em face de circunstâncias concretas.
Em terceiro lugar, refere-se, na proposta de alteração, que a falta do dever de comunicação determina a nulidade da ordem de identificação. Quem é que declara essa nulidade? É a própria polícia? É o primeiro-sargento? É o comandante de esquadra? Quem é que decreta essa nulidade e quando? É que este acto é de execução instantânea. O agente de autoridade pega na pessoa e leva-a à esquadra; quem é que decreta a nulidade dessa ida para a esquadra? Efectivamente, trata-se de uma coisa absolutamente inconcebível!!
Mas ainda há aqui outros aspectos que, na realidade, não se compreendem. Por exemplo: diz o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna que esta lei vem ampliar os locais Ora, a Sr.ª Deputada Odete Santos já aqui demonstrou que o Código de Processo Penal dá cobertura a todos os locais.
O Sr. Secretário de Estado deve ter lido mal o Código, como aconteceu, aliás, com a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, quando veio aqui apresentar a primeira versão da proposta de lei, tendo-a restringido de tal forma, que aça-
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bou por dizer o seguinte: «a exigência de identificação deste modo viabilizada permite, designadamente, não só um mais eficaz controlo dos cidadãos sobre os quais impendam mandados de captura (..)» - o que cabe no Código de Processo Penal - «(..) ou que, por outro lado, sejam procurados pelas entidades judiciais ou policiais, como também de estrangeiros sem título válido de entrada e permanência no País (...)» - é a tal «caça» às outras etnias, que se julga não existir, mas que está aqui referida, nas palavras da Sr.ª Secretária de Estado - e «( ) além disso, potência ainda a despistagem de documentos falsificados, contribuindo, assim, simultaneamente, para a afirmação da responsabilidade do Estado, quanto aos documentos que emite, e para a segurança dos cidadãos, quanto à credibilidade dos documentos de que sejam titulares».
Ou seja, a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, quando aqui veio, restringiu esta lei à «caça» aos imigrantes de outra cor e ainda à despistagem de documentos falsos. Isto foi dito e não pode ser retirado, porque foi publicado.
Agora, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna vem ampliar esta norma de tal modo que, efectivamente, não há lugar para ela, porque tudo o que aqui está consta do Código de Processo Penal, quer quanto aos lugares, quer quanto aos suspeitos. E agora pretendiam mais: queriam que os arguidos ou os suspeitos da prática de crimes previstos no Código Penal tivessem um tratamento bastante pior do que aqueles que são suspeitos dos crimes mais graves Ou seja, aquele que é suspeito de um crime muito grave, por exemplo, aquele que atenta contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade não pode estar detido mais do que duas horas, tem todo o sistema facilitado para não permanecer na esquadra, ao passo que um «pilha-galinhas», um fulano do esticão pode lá estar durante seis horas, não pode ter ninguém e tem de ser apresentado ao Ministério Público. Isto significa que quem pratica os crimes muitíssimo mais graves do que os previstos no Código Penal tem o benefício de um tratamento melhorado relativamente ao que é, normalmente, adoptado nas polícias
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - Por isso mesmo, este decreto é uma aberração e a sua alteração foi proposta pelo Partido Social Democrata, apenas por teimosia do Governo.
Não há razão nenhuma para que os crimes mais graves tenham um tratamento benévolo, com a aplicação concreta deste decreto, mas ele nunca vai ler aplicação concreta, porque todos os crimes e suspeições aqui previstos caem no âmbito do Código de Processo Penal.
O Sr. Secretário de Estado não é capaz de apresentar uma única suspeita de um crime que não caia na alçada do Código de Processo Penal ou que seja muitíssimo mais grave do que os previstos nesse Código e que justifiquem um tratamento muitíssimo mais benévolo do que o que dá aos suspeitos de crimes comuns. Este é que é o verdadeiro problema.
Ora, o Governo, anteriormente, veio aqui chamar-nos tolos, dizer que não percebíamos nada de inconstitucionalidade, que esta lei era absolutamente necessária, porque tínhamos votado a Lei da Segurança Interna e estávamos a dar o dito pelo não dito, enfim, todas as coisas que a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça aqui veio dizer, e agora está tudo completamente tudo mudado, desde o artigo 1.º ao artigo 4.º
Tal como dizemos sempre, este Governo tem políticas completamente diferentes, que mudam de mês a mês. Em Maio, havia uma política de segurança interna e de exigência de identificação para o Ministério da Justiça; agora, como esta questão passou para as «mãos» do Ministério da Administração Interna, a política mudou, a lei é outra, os interesses são outros, as justificações são outras e aquilo que a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça disse, em tempos, não vale nada, o que vale é o que diz o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
É esta subversão do aparelho político, como diz o Sr. Deputado Adriano Moreira, e muito bem, que está, cada dia, a dar mais provas da completa desorientação do Governo, até nas pequenas leis.
O Ministério da Administração Interna desdiz a Secretária de Estado da Justiça quanto aos fundamentos, quanto à redacção, quanto à própria feitura das normas mais elementares que se podem conceber, como era o caso desta, relativa à exigência de identificação.
O Governo está desorientado, não consegue dizer duas coisas seguidas, através de dois membros do Governo, sobre a mesma matéria, está completamente «sem pé». Aliás, por isso é que digo que VV. Ex.ªs, Srs. Deputados do PSD, com a vossa maioria, votam tudo, ou seja, votaram um decreto e agora entendem que era «coxo», que era um «aborto», que não correspondia, efectivamente, aos interesses e vão votá-lo, hoje, completamente alterado, com o mesmo entusiasmo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!
O Orador: - Com este entusiasmo, com a maioria que impõem a esta Câmara sempre que trazem propostas «esdrúxulas, «coxas», verdadeiras aberrações, pergunto-me se não têm razão aqueles que dizem que há aqui um exercício larvar da ditadura da maioria, pois é sempre a maioria que vota, estampa e chancela todas as aberrações que aqui traz, de mês a mês, conforme muda o membro do Governo, com todas as alterações que isso provoca.
Srs. Deputados, esta proposta não é de alteração, é de altercação do anterior decreto, porque não há aqui nada que se aproveite do anterior e vai confundir-se com o Código de Processo Penal, trazendo maiores dificuldades ao aparelho judiciário.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, aproveito para lembrar que, além da discussão na especialidade, a que procederemos ainda hoje, em momento oportuno, relativamente a este Decreto n.º 161/VI, está agendado o inquérito parlamentar n.º 27/VI.
Lembro também que está ainda a decorrer, na Sala D. Maria, a eleição de um membro para o Conselho Superior da Magistratura, pelo que faço um apelo a todos os que ainda não exerceram o seu direito de voto, no sentido de que o façam...
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começaria por fazer um brevíssimo comentário a algumas coisas que aqui ouvi e que achei espantosas. E foram coisas como esta: o Sr. Deputado Narana Coissoró acabou por dizer que estávamos a
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fazer um exercício quase larvar de ditadura da maioria. E vejam lá porquê...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Porque votam com o mesmo entusiasmo uma lei que acham coxa e que é uma asneira!
O Orador: - Porque tínhamos trazido aqui um diploma, que foi trabalhado na Comissão,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP)- - E mal!
O Orador: - .. que foi votado nesta Assembleia,..
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E mal!
O Orador: - ... que foi ao Tribunal Constitucional com uma suspeita de inconstitucionalidade em matéria estritamente jurídica,...
O Sr José Magalhães (PS): - Estritamente jurídica?!...
O Orador: -... que foi resolvida do ponto de vista jurídico pelo Tribunal Constitucional e que voltou a esta Assembleia.
O Governo fez um esforço para consensualizar este novo diploma, trabalhou nele em Comissão com muitos Deputados - justiça lhe seja feita, o Sr. Deputado Narana Coissoró não esteve lá.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Razão tinha eu para lá não ir!
O Orador: - ... e, portanto, não assistiu às discussões nem participou nesse exercício democrático que, com certeza, o encheria de prazer e inibi-lo-ia de dizer aquilo - que disse agora - chegou-se a consenso relativamente a grande parte deste diploma, designadamente com o PS, ...
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O PCP disse que não dava consenso!
O Orador: - ... sem a participação do PCP, permaneceram intocados artigos do primeiro diploma que foi apresentado e é este diploma que, agora, vem à Assembleia para votação na especialidade.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas não é todo o diploma.
O Orador: - Como o Sr Deputado Narana Coissoró certamente terá ocasião de verificar, o artigo 2.º é um artigo muito importante. Fizemos um esforço de exercício democrático, que o Sr. Deputado José Magalhães diz $er muito caro - o Sr. Deputado José Magalhães disse hoje num jornal uma coisa espantosa, que foi esta: a democracia fica muito cara.
O Sr. José Magalhães (PS): - Eu disse isso?!
O Orador: - Portanto, não a devemos fazer e tratamos aqui de fazer uma «caça ao gambosino» - disse-o o Sr. Deputado José Magalhães, tentando porventura parodiar um assunto sério e tentando colocar-se na posição do «Guarda Ricardo» perante o «Chefe Jaime».
O Sr. José Magalhães (PS): - O chefe é V. Ex.ª, já se vê!
O Orador: - Isto é, nesta altura, o PS tem um problema, que é precisamente o de não saber o que há-de fazer em relação à política de segurança interna E, então, das duas uma: ou lança os gritos lancinantes do Sr. Deputado Jaime Gama ou lança o coro de lamechices que o Sr. Deputado José Magalhães hoje refere no seu artigo
O Sr. José Magalhães (PS): - Lamechices?!
O Orador: - É, de facto, uma coisa importante na modificação da política do PS em relação à segurança interna, pois ela assenta fundamentalmente no seguinte: dizia o Deputado Alberto Costa, no início da discussão deste diploma, na sua primeira versão, que a nossa pátria é a pátria constitucional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Só que, depois, o Sr. Deputado Jaime Gama, ainda outro dia, numa discussão comezinha aqui na Assembleia, identificou a sua pátria com outra realidade que é um pouco distinta desta.
Entendia o Sr. Deputado Jaime Gama que, porventura, haveria questões na Constituição que mereceriam reflexão e outro aprofundamento. E quando, por exemplo, o Sr. Ministro da Justiça fez aqui uma proposta concreta ao Sr. Deputado Alberto Costa e ao PS para a modificação de uma questão essencial na demora dos processos, o Sr. Deputado Alberto Costa disse que ia pensar, porque essa proposta eventualmente propugnava alguma ofensa à Constituição.
No entanto, era uma questão tida por essencial e com a qual o Sr. Deputado Alberto Costa concordaria- era uma questão que tinha a ver com a celeridade dos processos.
Ou seja, quando temos uma preocupação fundada em relação à segurança interna, o PS ou diz que ela e contra a Constituição ou que vai pensar; quando tentamos fazer um exercício de consolidação de um diploma, num exercício democrático de consensualização relativamente a esse diploma, o PS, depois de ter participado na redacção da Comissão, vem dizer que o diploma é inútil Vejam bem como é que o PS reage perante estas matérias. É exemplar e vale a pena que aqui tique registado.
Será que este diploma não traz nada de novo em relação àquilo que propusemos? Será que este diploma tem os vícios a que o Sr. Deputado Narana Coissoró há pouco aqui aludiu? Sinceramente, penso que não.
O Sr. José Magalhães (PS): - Tem esses e outros!
O Orador: - Se o Sr Deputado Narana Coissoró ler o texto da Lei da Segurança Interna, verificará que o n.º 3 do artigo primeiro diz o seguinte: «As medidas previstas na presente lei visam especialmente proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, contra a criminalidade violenta e altamente organizada, designadamente a sabotagem, a espionagem.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso tiraram!
O Orador: - Ora, o que vem nesta proposta de alteração é justamente o seguinte. «... sempre que sobre a mesma pessoa existam fundadas suspeitas da prática de crimes» - quaisquer que eles sejam.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não, não, isso não está aí.
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O Orador: -... - «contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a humanidade, a ordem democrática...», etc.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E a criminalidade violenta e altamente organizada?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado, penso que o que se está a passar é o seguinte: como os Srs. Deputados já excederam os seus tempos, estão a fazer apartes para verem as suas questões esclarecidas. Ora, para tal não acontecer, comprometo-me a dar tempo aos Srs. Deputados a fim de pedirem esclarecimentos, se assim o desejarem.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado, para prosseguir a sua intervenção.
O Orador: - Sr. Presidente, a sua intervenção foi muito elegante e porventura terá resolvido a situação, porque o que se estava a passar era um manifesto excesso dos apartes.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não são apartes! Dá-me licença que o interrompa para não ter de fazer apartes?
O Orador: - Se o Sr. Presidente entende dever conceder mais tempo aos partidos da Assembleia aqui representados, com certeza que será livre de o fazer. Agora, não me parece curial interromperem sucessivamente alguém que está a fazer uma intervenção e peço ao Sr. Presidente que me desconte o tempo das sucessivas interrupções.
O que estava a tentar explicar ao Sr. Deputado Narana Coissoró - e vou explicar outra vez para que o Sr. Deputado entenda - é o seguinte: quando lemos o n.º 3 do artigo 1.º da Lei de Segurança Interna, queremos referir os interesses que esta lei visa proteger relativamente a um determinado conjunto de crimes que ali vêm descritos. Nesta proposta de alteração do artigo 1.º, o que dizemos é: «sempre que sobre a mesma pessoa haja fundadas suspeitas da prática de crimes» - crimes vários, estes e outros, desde que sejam contra os mesmos interesses que a Lei de Segurança Interna prevê e regula.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - Mas por que é que retiram o segundo segmento?
O Orador: - Porque está contido, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não, não está contido.
O Orador: - Se V. Ex.ª acha que não está contido, faz uma proposta de alteração e nós subscrevê-la-emos com toda a certeza e, com toda a certeza, a Assembleia também a subscreverá.
Do meu ponto de vista, o que está essencialmente aqui em jogo é uma coisa fundamental: o n.º 1 do artigo 250.º do Código de Processo Penal diz que «Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de pessoas encontradas em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por deliquentes»...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E o resto?
O Orador: - ... e o n.º 3 deste mesmo artigo a única coisa que diz, além disto, é: «Havendo motivo para suspeita, os órgãos de polícia criminal...».
O Sr. Deputado não se refere a uma questão fundamental, que é esta: mesmo que o Sr. Deputado Narana Coissoró ou o Sr. Deputado José Magalhães queiram - nisto, o Sr. Deputado José Magalhães é mais correcto na apreciação que faz - ou a Sr/Deputada Odete Santos queira, nós não podemos convencer os criminosos a irem só para os locais habitualmente frequentados por cies.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Leia o n.º 2, Sr Secretário de Estado!
O Orador: - Teremos, certamente de encontrar estes potenciais delinquentes nos locais onde eles se encontram.
A Sr.ª Odete Santos (PCP)- - O Sr. Secretário de Estado lê o n.º 1 e o n.º 3, mas não lê o n º 2!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Só lê aquilo que não interessa!
O Orador: - Se o Sr. Deputado quiser, eu leio o n.º 2.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Então, leia!
O Orador: - «Os órgãos de polícia criminal procedem à identificação de suspeitos..» - sempre nos termos do n.º l deste mesmo artigo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Onde é que isso está?
O Orador: - Sr. Deputado, não vem aqui nada em contrário àquilo que acabo cie dizer e é exactamente por isso que a interpretação que acabámos de fazer e perfeitamente correcta.
E, em relação a esta matéria, penso que já dissemos o essencial. Este diploma, tal como estava, tinha um problema de constitucionalidade, tal problema foi declarado, o Governo fez uma reflexão sobre a matéria, veio à Assembleia, renovou o seu pedido, a questão foi discutida na Comissão e chegou-se a um texto que, confesso, é francamente melhor e muito mais completo do que o primeiro, muito embora deva dizer que, pó- exemplo, o artigo 2 º, que é importante e absolutamente essencial neste diploma, não foi alterado, nem foi também alterado, no essencial, tudo aquilo que dependia dos artigos 3.º e 4.º. Isto é, todas as garantias que eram dadas aos cidadãos estão naturalmente reforçadas, mas não modificam coisas essenciais em relação à primeira versão do diploma.
Para terminar, gostaria de responder ao Sr. Deputado José Magalhães, porque este fez dois apartes um pouco excessivos em relação a esta matéria, certamente laterais à matéria que estamos a discutir, mas todavia importantes, que merecem uma resposta da minha parte
Em primeiro lugar, quero corrigir eventuais notícias que o Sr. Deputado tenha tomado como verdadeiras. O Sr. Deputado José Magalhães tem a sensação de que todas as notícias que lê são correctas e de que tudo o que vem nessas notícias é absolutamente correcto, só que nem sempre assim é e, se o Sr. Deputado José Magalhães tivesse outro pensamento em relação a esta matéria, certamente que teria reflectido um pouco mais e não teria repetido aquilo que acabou de ler hoje num jornal diário.
Devo dizer-lhe que a questão da polícia ferroviária foi por nós estudada há mais de um ano. Nessa altura especialistas da polícia e da Guarda Republicana, com as empresas, foram a Inglaterra e a França estabelecer o mecanis-
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mo da polícia ferroviária, que tinha variadíssimas questões a resolver, desde a responsabilidade, ao pagamento, à instalação, à formação, etc.
O Sr José Magalhães (PS): - Claro!
O Orador: - Do nosso ponto de vista - e ainda hoje de manhã tive a oportunidade de o confirmar -, está tudo a correr conforme planeámos, donde a notícia que hoje surgiu na comunicação social não é verdadeira.
O Sr José Magalhães (PS): - E não e verdadeira porquê?
O Orador: - E, para descanso do Sr. Deputado José Magalhães, tudo aquilo que está previsto em relação à polícia ferroviária será colocado em prática na data prevista.
Quero dizer também ao Sr. Deputado que o Governo, em relação às matérias sobre as quais falou, designadamente em relação à Europol, à questão schengeniana e a tantas outras questões, já esteve na Comissão muitas vezes;, e estará tantas vezes quantas os Srs. Deputados entenderam. O Sr Deputado José Magalhães nunca ouviu uma recusa por parte do Sr. Ministro da Administração Interna relativamente a qualquer pedido da Comissão - perfeitamente legítimos e naturais - em relação ao esclarecimento de questões ligadas a esta matéria.
Nunca o Sr Deputado dirigiu ao Ministério da Administração Interna requerimentos ou pedidos de esclarecimento que não fossem respondidos.
Não tem, portanto, o Sr. Deputado nenhuma razão para dizer aquilo que disse, ou seja, que o Ministério da Administração Interna foge, não dá esclarecimentos, nem está presente, nem quer saber, ouvir ou dizer o que se passa em relação a estas áreas.
Por último, queria dizer que o Sr. Deputado José Magalhães e a Sr.ª Deputada Isabel Castro tiveram um excelente momento parlamentar, no qual o Sr. Deputado José Magalhães explicou à Sr.ª Deputada de Os Verdes aquilo que consistia a tolice essencial da sua intervenção. Fez bem, Sr. Deputado, pois poupou-me muito tempo e, cem certeza, terá evitado à Sr.ª Deputada Isabel Castro que voltasse a reler os textos, os documentos e as leis para provar, realmente, a si própria que estava enganada. Por isso mesmo, Sr. Deputado José Magalhães agradeço-lhe infinitamente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia). - Os Srs. Deputados que assim entenderem poderão pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, por um período máximo de 2 minutos.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr Presidente, permita-me que lhe agradeça a forma como geriu o debate.
Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª teve necessidade de fazer uma espécie de introdução, em nariz de cera, para delongar o mais que pôde a entrada na questão de fundo, mas eu não cairei na cilada de não entrar, directamente, na questão de fundo. O Sr. Deputado Alberto Costa defenderá a honra da bancada em relação às inverdades que V. Ex.ª aqui exarou.
A aberração principal a que V Ex.ª chegou, nesta matéria, é a de querer emitar. de peito feito, o Ministro Charles Pasqua. Não pode! V. Ex.ª é o Carlos Encarnação!
Tenha paciência, resigne-se e aceite a Constituição e a pátria constitucional! Em França, sim, é possível fazer-se controlos de identidade fora do quadro que, em Portugal, é regido pelo artigo 27.º da Constituição.
Partindo deste princípio, V Ex.ª chegou agora a uma espécie de Alcácer Quibir, porque, como aqui já foi sublinhado, com estes textos - em concatenação entre o Código de Processo Penal e a nova lei - teríamos duas vias para identificar suspeitos, e só suspeitos, porque fica líquido que os cidadãos fora de suspeita não estão sujeitos a estas medidas. Este é o primeiro aspecto que é preciso clarificar.
Em segundo lugar, Sr. Secretário de Estado, o bilhete de identidade (BI) não é a «vaca sagrada» da identificação, mas um de vários meios; em terceiro lugar, a lei não impõe o BI como documento de porte obrigatório, ao contrário do que o título, tontamente, continua a dizer - peço-lhe que mande a bancada corrigir isto!
Como referi, há duas vias para se proceder à identificação de suspeitos. A via mole, que é esta a que V. Ex.ª chegou, depois de muito aconselhado e de apanhar a censura do Tribunal Constitucional, ou seja, primeiro ir a casa, segundo exibir o bilhete de identidade e terceiro arranjar uma testemunha abonatória, em que será necessário ir à esquadra, num limite máximo de duas horas, e com toda uma série de proibições. E esta via mole aplica-se aos crimes mais graves, como o Sr. Deputado Narana Coissoró sublinhou.
A outra forma é a via dura. E esta aplica-se a que crimes? Temos de ir ao artigo 250.º do Código de Processo Penal, ou seja, a via dura aplica-se aos crimes menos graves.
Em conclusão, diria que está tudo invertido, Sr. Secretário de Estado! De facto, não faz qualquer sentido ter duas vias, criando, ao lado do Código de Processo Penal - aplicável a suspeitos -, uma outra lei também aplicável a suspeitos!
O Sr. Secretário de Estado poderia ter o brio e a grandeza de, em vez de «atirar bolas ao lado», aceitar um diálogo institucional que conduza a que não tenhamos duas vias mas, sim, uma via clara, inequívoca, só para suspeitos e sem nenhuma sombra de pecado de perseguição racista, discriminatória ou xenófoba. Era isso que, em termos de uma atitude de Estado, V. Ex.ª aqui podia fazer. Em vez disso, «atirou bolas ao lado» e provocou a bancada parlamentar do PS. Não é boa política, mas traduz desnorte.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia)ª: - Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, na sua intervenção, V. Ex.ª acusou - utilizo essa expressão porque creio que foi além da insinuação - o PS, citando o meu nome, de flutuação ou de contradição em relação ao entendimento e respeito da Constituição, lembrando a ideia de pátria constitucional aqui introduzida por mim.
V. Ex.ª entendeu mal e citou mal. A ideia de pátria constitucional tem um conceito doutrinário preciso e não foi chamada para esta discussão, ela tem, aliás, um sentido diferente.
Com efeito, do que aqui falámos foi de lealdade à Constituição como primeira lealdade, e foi só isso que esteve aqui em causa. Além do mais, essa lealdade não foi perturbada em momento algum, porque nunca revelámos abertura à violação da Constituição em nenhuma proposta.
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Há, pois, aqui uma certa confusão, Sr. Secretário de Estado, que creio resultar da forma confusa e contraditória como o Governo entende a Constituição nesta matéria.
De qualquer forma, embora seja muito agradável discutir este tema com V. Ex.ª, do ponto de vista da oposição teria sido mais divertido discuti-lo com a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, uma vez que foi por ela defendido um entendimento arrogante, disparatado e incompetente sobre esta matéria.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - E, agora, não veio aqui apresentá-lo!
O Governo jogou com duas faces: uma face arrogante e claudicante no plano da interpretação da Constituição, e uma face dialogante e respeitosa da Constituição, que pode falar em pátria constitucional, admitindo, afinal, que os pontos de vista arrogantemente aqui sustentados não tinham fundamento.
Portanto, se existe flutuação, confusão e contradição na postura em relação à Constituição é da parte do Governo e entre membros do Governo! Teríamos gostado de ouvir o discurso de V. Ex.ª se ele tivesse sido feito aqui pela Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, para apurarmos se existe ou não confusão e contradição entre membros do Governo nesta matéria.
O Sr José Magalhães (PS)- - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Queira terminar. Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Mas há um outro aspecto que tem de ser esclarecido. Em relação à postura do Sr Deputado Jaime Gama, não houve, evidentemente, como lhe disse, qualquer abertura à violação da Constituição, tal como não houve, da nossa parte, em nenhum momento - como tomei posição em relação a essa matéria, quero dizê-lo frontalmente -, essa abertura, na sequência da proposta aqui apresentada pelo Sr. Ministro da Justiça.
A questão, no fundo, é que o Ministério da Justiça erra repetidamente: uma, duas, três, quatro, cinco vezes na interpretação da Constituição. E, apesar de nos dizer e jurar a pés juntos de que não há violação da Constituição, temos de admitir que o Ministério da Justiça também se pode enganar - e, às vezes, engana-se mesmo! - ao entender que há violações da Constituição onde quer criar mecanismos políticos obtusos de cumplicidade aparente entre Governo e oposição. Isso não admitimos
Além do mais, devo dizer que, em relação a esta matéria, já requeri ao Sr Ministro da Justiça o fornecimento de todos os elementos factuais indispensáveis para que esta questão possa ser ventilada.
De qualquer forma, a Constituição não se viola mas revê-se. E o PSD criou aqui um imbróglio ao suspender, por sua iniciativa, o processo de revisão da Constituição.
O desafio que lanço e o seguinte: se é entendimento do Governo que há normas constitucionais que têm de ser revistas, ele deve sugerir à maioria que desista da suspensão e reabra o processo de revisão constitucional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, V. Ex.ª teimou numa errada interpretação do artigo 250.º do Código de Processo Penal. Aliás, já tinha desenvolvido essa tese em sede de comissão e, logo nessa altura, disse-lhe que não estava correcta, porque, de facto, o n.º 2 desse artigo é diferente do n.º 1.
Assim vejamos de acordo com o n º 2, «os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de pessoas encontradas em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes». Sublinho o facto de se dizer «pessoas» e não suspeitos. E, relacionado com este n.º l, está o n.º 3, onde se pode ler: «Havendo motivo para suspeita, os órgãos de polícia criminal podem conduzir as pessoas (..)».
Em matéria de suspeitos, lemos de recorrer ao n.º 2, que refere: «Os órgãos de polícia criminal procedem à identificação de suspeitos» - em qualquer lugar Pelo contrário, no n.º 1 do mesmo artigo estão incluídas todas as pessoas que estejam em locais habitualmente frequentados por delinquentes. Esta, pelo menos, é a leitura- na minha opinião, inconstitucional - do Tribunal Constitucional. Foi assim que o Tribunal Constitucional decidiu, dizendo que era um meio instrumental.
No n.º 2 estão em causa os suspeitos, todos e em qualquer lugar! Aliás, se ler a história da redacção deste número, verá que se chegou a esta redacção quando se discutiu o artigo 254.º do Código de Processo Penal, em relação a um dever de identificação dos suspeitos, em qualquer lugar. E, para completar, nas Jornadas de Processo Penal - suponho que a Sr.ª Dr.ª Anabela Miranda Rodrigues também fez parte da Comissão Revisora do Processo Penal -, pode ler-se o seguinte: «Como subespécie das medidas cautelares e de polícia, encontramos consagrada no novo Código, numa nítida concessão à regulação, neste diploma, de uma actividade administrativa dos órgãos de polícia criminal, a possibilidade de estes procederem à identificação de pessoas.
Procedeu-se, pois, conscientemente, à ampliação das pessoas que podem ser compulsivamente identificadas, ou seja, não só os suspeitos, mas todas as pessoas que se encontrem em lugares abertos ao público habitualmente frequentados por delinquentes».
O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Termino já, Sr Presidente.
Acrescenta ainda: «Os restantes números do mesmo artigo 250.º visam já o tratamento de matéria especificamente processual penal, ao regular a identificação de suspeitos», o que é diferente do n.º 1, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, tenho estado a ouvi-lo atentamente acerca de uma lei que, como já se verificou, não é consensual - já aqui esteve em discussão, depois voltou para trás e hoje continua a levantar problemas de inconstitucionalidade.
Apesar de esta lei não ser consensual e ter sido vetada, o Governo insiste e apresenta propostas de alteração que, mesmo assim, são polémicas e, além disso, também elas são motivo, possivelmente, de inconstitucionalidades, por con-
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duzir à privação de liberdades de cidadãos e impor medidas de polícia, o que pode colidir, como já aqui foi dito, por mais de uma vez - e, até agora, V. Ex.ª não o desmentiu -, com o artigo 27.º da Constituição.
Ora, existindo leis próprias, e verificando-se que esta lei é realmente polémica e não consensual, perigosa e, eventualmente, inconstitucional, pergunto: porquê manter esta lei? Por que razão o Governo, ao menos de uma vez por todas, não aceita, humilde e democraticamente, uma posição que só honraria o Governo e a própria democracia, retirando esta lei?
Sr. Secretário de Estado, por que insiste o Governo nesta lei? É que, ao fazê-lo, pode conduzir a uma sério de especulações, e não só, bem como à colocação de questões objectivas.
Na realidade, o que é que faz mover o Governo ao pretender continuar a impor uma lei que, de facto, é susceptível de voltar a criar situações pouco agradáveis no relacionamento entre órgãos de soberania, cidadãos e Governo?
Antes de terminar, gostava de lhe fazer uma pergunta objectiva, em relação a um ponto da nova proposta, apresentada pelo PSD. Com efeito, no artigo 4.º - meios de identificação -, refere-se que o cidadão pode ser levado a1 um posto policial, remetendo para a proposta do artigo 3.º, por exemplo, se houver impossibilidade de acompanhamento do identificando ao lugar onde se encontrem os seus documentos de identificação.
Vejamos: um dia o Sr. Secretário de Estado deixa de ser membro do Governo, vai na rua e um polícia qualquer pede-lhe a identificação. O Sr. Secretário de Estado não tem identificação e diz: «Quero ir a casa, que fica em Coimbra, porque é lá que tenho o meu documento de identificação.» Só que, com essa resposta, o senhor sujeita-se a ir parar ao posto policial. E se não tiver ninguém em casa nem quaisquer amigos, o que é que acontece, neste caso, ao senhor cidadão Carlos Encarnação?!
Sr. Secretário de Estado, tudo isto é coxo: as propostas são coxas e querem tentar remediar o que está mal. Pergunto, definitivamente: porque insiste o Governo nesta proposta, em vez de, com humildade democrática, a retirar? Se não o fizer, temos razões para pensar que o Governo tem outro tipo de intenções que não apenas preservar a identidade dos cidadãos.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, queria dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Narana Coissoró mas, embora ele não esteja na Sala neste momento, darei o esclarecimento à bancada do CDS-PP.
Aquando da intervenção do CDS-PP, ele fez uma pergunta que pode induzir em erro não os Srs. Deputado, mas o público em geral, e que é a seguinte: quando alguém leva um identificando à esquadra, quem é que anula, quem é que fiscaliza esse acto? A resposta está no n.º 4 da proposta de lei, Sr. Presidente. E o que eu pretendia dizer ao Sr Deputado Narana Coissoró era precisamente que este acto é sindicado judicialmente pelos tribunais.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª não disse radicalmente nada de novo. Tudo aquilo que disse foi apenas a repetição da sua intervenção.
O Sr. José Magalhães (PS): - V. Ex.ª é que não explicou nada!
O Orador: - Foi talvez uma tentativa de apuramento e de desculpabilização do artigo que publicou hoje de manhã, que é, na verdade, um fait divers que não enriquece nada o labor intelectual do Sr. Deputado José Magalhães que, porventura, não foi pago para isso - foi pago para pensar melhor!
Sr. Deputado Alberto Costa, a única coisa que gostaria de lhe dizer é que, de maneira nenhuma, queria ofender a sua honra e a sua consideração, coisa que prezo mais do que tudo na vida! E queria dizer que, de maneira nenhuma, também, quis provocar a bancada do PS - quis apenas fazer uma constatação da realidade.
Na verdade, a bancada do PS, com o Sr. Deputado José Magalhães, tem, muitas vezes, uma determinada postura. Há algum tempo a esta parte o Sr. Deputado José Magalhães inflectiu para outra postura, compreensivelmente! Admito que as questões da segurança interna, nesta altura, «estejam a dar». Portanto, os Srs. Deputados José Magalhães e Jaime Gama estão a tentar aproveitar aquilo que é uma demagogia fácil em relação a esta matéria.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Não apoiado!
O Sr. José Magalhães (PS)- - Não apoiado! A vossa inépcia é que é bem visível!
O Orador: - Com toda a certeza que é não apoiado por V. Ex.ª - já esperava isso, Sr. Deputado José Magalhães. Mas, com toda a certeza que a sua posição, da primeira e da segunda vez que este diploma aqui veio, é completamente diferente. O artigo que fez hoje é disso um perfeito exemplo.
Sr. Deputado Alberto Costa, aquilo a que me referi, não foi confusão nenhuma - foi uma pergunta concreta que o Sr. Ministro da Justiça colocou e V. Ex.ª ficou de pensar na resposta. V. Ex.ª, como advogado, sabe perfeitamente o que acontece: os processos demoram muito tempo a ser resolvidos e uma das questões mais complicadas para resolver rapidamente os processos, para dar corpo à razão de celeridade - que é um princípio constitucional em relação à administração da justiça- é fazer com que o princípio da imediação seja compaginado com este outro princípio e, portanto, que se possa fazer o julgamento sem a presença do arguido.
Foi esta pergunta concreta que o Sr. Ministro da Justiça lhe fez. Se V. Ex.ª veio aqui falar desta matéria e se não tinha elementos para o fazer, é natural que não pudesse ter respondido ao Sr. Ministro da Justiça. Mas, então, também com gravíssima diminuição da sua consciência, podia ter intervindo neste debate! A única coisa que lhe disse foi só isto: V. Ex.ª compreende aquilo que o Sr. Ministro da Justiça afirmou, e aceita ou não aceita; a única coisa que eu lhe disse, e que resultou das suas afirmações, foi que ia pensar sobre a matéria e depois responderia. Não é resposta que o PS, empenhado como está na rapidez da administração da justiça e na luta contra a criminalidade, dê! Foi isso que quis salientar.
Sr.ª Deputada Odete Santos, continuo a dizer, e ainda mais depois da sua intervenção, que há conveniência neste diploma. Porque se, do ponto de vista estritamente ju-
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rídico-constitucional, o Tribunal Constitucional hesita entre duas interpretações, ou hesita num campo relativamente largo entre duas interpretações, então mais vale que, preto no branco, em relação a estas matérias, seja feito este diploma.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não hesita, não!
O Orador: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, a prova mais provada da humildade democrática do Governo é o facto de ele ter reformulado este diploma (ou «recuado», como diz o Sr. Deputado José Magalhães em linguagem comqueira do Guarda Ricardo!), de ter estado na Assembleia e ter discutido em comissão este diploma, de ter chegado a uma forma do diploma que não me parece ter nenhuma inconstitucionalidade - porque nenhuma inconstitucionalidade aqui foi levantada.
Portanto, é um diploma que não ofende ninguém, que não coloca em causa nenhum princípio jurídico-constitucional, que não pode ser fruto nem fonte de atrito com quem quer que seja nem, muito menos, com qualquer órgão de soberania. E um diploma legítimo no sentido de que correspondeu ao exercício da democracia, correspondeu a um acto de humildade democrática, tentar corrigir algo que, porventura, não estaria, do ponto de vista constitucional, tão bem quanto deveria. E aqui tem, Sr. Deputado: V. Ex.ª pede aquilo que é impossível, porque, se nós estamos interessados neste diploma, se o achamos importante para a segurança do País, entendemos que devemos mantê-lo!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, serei telegráfico, apenas não queria deixar passar sem o reparo devido a uma menção feita pelo Sr. Secretário de Estado à posição da minha bancada bem como à minha posição pessoal em relação a este processo legislativo.
Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª acusou a bancada do PS e, em particular, o Sr. Deputado Jaime Gama e eu próprio de sermos movidos no processo de debate destas questões por motivos da mais baixa e insustentável demagogia política, o que refuto veementemente e com toda a energia. Mas acho particularmente lamentável que o faça a propósito desta concreta matéria, porque creio que esgotámos toda a possibilidade, toda a paciência possível, na tentativa de persuasão do PSD no mês de Fevereiro de que não devia avançar por este caminho.
Porque, por um lado, é óbvio que há uma grande sensibilidade dos cidadãos em relação à possibilidade de serem tratados como criminosos. E há, por outro lado, uma exigência decente, rigorosa e coonestável de que os suspeitos sejam identificados e devidamente sancionados. Estas duas coisas existem como sensibilidade dos cidadãos e nós devemos respeitá-las. O que esta bancada fez foi tentar respeitar integralmente estas duas coisas que acontecem na opinião pública enquanto que o Governo fez o contrário.
VV. Ex.ªs entraram neste debate com o dedo esticado, acusando as bancadas da oposição de não quererem aprovar a vossa medida inconstitucional e, por isso, serem insensíveis a imperativos indeclináveis de segurança. Fizeram o debate debaixo da mais brutal demagogia, ameaçando-nos sempre com o fantasma de que, se não votássemos a vossa lei inconstitucional, seríamos vacilantes e titubeantes no combate à criminalidade.
Resistimos! Resistimos por imperativo de disciplina democrática, republicana e por paciência infinita que temos em relação à asneira. Mas há limites! E é esse limite que V. Ex.ª aqui pisa, porque ninguém pode sentar-se nessa bancada e dizer que alguém deste lado é dúplice ou dual, porque a dualidade, neste debate, é vossa: é da vossa Secretária de Estado, que, aliás, argumentou com pesporência que V. Ex.ª não é capaz de igualar e com asneira que, felizmente, V. Ex.ª também não igualou.
Lamento que VV. Ex.ªs tenham uma espécie de asneiras de estação, ou seja: durante a Primavera têm asneiras de Primavera; durante o Outono têm asneiras de Outono. E a asneira de Outono de V. Ex.ª é defender esta solução. Por isso é que salta tão rapidamente sobre o meu argumento do «gambosino». V. Ex.ª não refuta que a vossa solução mole se aplica aos casos duros e que a vossa solução dura se aplica aos casos moles.
V. Ex.ª diz, com um ar atrabiliário de quem acaba de fumar um charuto na Havaneza: «Essa questão está dita! Eu já disse! Isso já está dito, reescrito, etc.»
Mas não está dito, Sr. Secretário de Estado!'
O que eu disse, eu sei, mas o que queria saber é o que V. Ex.ª diz sobre isso!
Sobre isso, não diz nada! E a consequência prática (é isso que me ofende, devo dizer-lhe!) é que nós perdemos tempo a discutir. Esta Câmara é uma câmara para discutir, serve para isso, é um fórum nobre para discutir, mas não pode ser só isso. Tem de ser uma discussão em que haja troca de argumentos e em que não haja surdez por parte do Governo.
O repto é este, Sr. Secretário de Estado. A nossa posição, repito, continua a ser de infinita paciência. Só fazemos votos para que a vossa não seja de infinita surdez, que, da primeira vez, foi trágica e que, na segunda, se arrisca a ser uma gargalhada confusa.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª não necessita de ser deselegante para as pessoas, designadamente para a minha colega, Secretária de Estado da Justiça, quando faz intervenções.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ela é que foi pesporrenta!
O Orador: - Nós tentamos não fazer isso, pelo que achava bem se a discussão se processasse a outro nível, também. Quero aqui deixar uma afirmação clara, para que não haja dúvidas: esta proposta de lei foi conjuntamente apresentada pela Justiça e pela Administração Interna.
O Sr. José Magalhães (PS): - Uma é o pai e a outra a mãe!
O Orador: - É uma proposta de lei do Governo no seu todo, como é evidente! É uma proposta de lei - diz o Sr. Deputado José Magalhães, e com toda a certeza - que, num determinado ponto, tinha um problema de constitucionalidade, tal como muitas outras coisas têm. Uma inconstitucionalidade não é nenhum problema inultrapassável!
O Sr. José Magalhães (PS): - Pois não! Mas podia ter reconhecido isso em Fevereiro!
O Orador: - Pode perfeitamente corrigir-se um diploma e voltar a apresentá-lo. Até porque, repare bem, não
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queremos estar aqui a discutir a bondade ou maldade de uma decisão do Tribunal Constitucional - mas o que temos de respeitar sempre é que o Tribunal Constitucional se move por princípios de natureza jurídico-constitucional que são sempre eminentemente discutíveis.
Portanto, não há aqui nenhuma verdade absoluta quando questionamos esta matéria. Não há nenhuma verdade absoluta!
O Sr. José Magalhães (PS): - Perdemos tempo!
O Orador: - Perdemos tempo, diz o Sr. Deputado! Com toda a certeza! E V. Ex.ª tem feito perder à Câmara muito mais tempo, fazendo excursões sobre determinado conjunto de assuntos que não têm nada a ver, até, com os tentas que estão a ser discutidos.
V. Ex.ª sabe perfeitamente isso! Mas ainda bem, porque V. Ex.ª é um grande orador e a Câmara revê-se em si. E até gosta de o ouvir e gosta de perder tempo, ouvindo-o. Mas o problema não é esse, Sr. Deputado: é que estamos numa democracia que, quer V. Ex.ª queira quer não, pode ser um regime caro, pode ser um regime consumidor de tempo, pode ser um regime que faz pensar as pessoas, pode ser um regime que faz discutir as pessoas - nus é o nosso regime!
O Sr. José Magalhães (PS): - Diga isso ao Cavaco!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está encerrado o debate na generalidade, pelo que passamos à especialidade. Chamo a vossa atenção para o tempo disponível que, no debate que terminou, foi largamente ultrapassado mas que, agora, não poderá ser.
Foram apresentadas pelo PSD propostas de substituição dos n.0" l e 3 e uma proposta de aditamento de um n.º 4. São estas as propostas que se encontram à apreciação da Câmara.
Sr. Deputado José Magalhães, há acordo para que se discuta em conjunto, na especialidade, as propostas apresentadas?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a discussão em conjunto, provavelmente, satisfará as necessidades do debate. Não sei se os proponentes tencionam fazer a apresentação das propostas e clarificar alguns dos aspectos que foram suscitados na generalidade. Se tencionam, o debate vale a pena; se não tencionam, já está feito o debate na generalidade! Obviamente que a resposta a estas perguntas não cabe à nossa bancada mas sim à do PSD, pelo que aguardaremos para proceder em consonância com a resposta.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas esclarecer que, da nossa parte, vamos justificar as propostas de alteração em conjunto.
O Sr. João Amaral (PCP): - Cipriano, estás a deixar ficar mal a escola de Coimbra!
O Orador: - Meu caro João Amaral, estamos em lados opostos - é natural que assim penses!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta de lei em causa - todos já o sabem - tem aqui duas vertentes fundamentais: por um lado, procura conciliar dois direitos que, na prática, podem conflituar, podem contender, ou seja, o direito, neste caso, ambulatório, a liberdade de ir e vir, com o direito à segurança que ao Estado cabe garantir; por outro lado, haverá também que acautelar os direitos, liberdades e garantias individuais das pessoas, designadamente os destinatários desta norma, os identificandos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Explique o que é um local sujeito a vigilância policial!
O Orador: - É uma evidência, designadamente para as bancadas que leram o acórdão que se debruçou sobre esta matéria, que o entendimento fundamental dos Srs. Conselheiros (oito para um lado, sete para o outro), relativamente às seis horas de permanência no posto policial propostas anteriormente, e que agora passaram a duas, resultou da seguinte questão, muito simples, constitui ou não uma privação de liberdade ou, antes, constitui uma mera restrição ou limitação da liberdade.
Foram estas as duas grandes teses fundamentais que dividiram o tribunal. Prevaleceu, como sabemos, a tese da privação da liberdade e daí a impugnação presidencial ter tido vencimento. Se tivesse prevalecido a ideia da mera restrição, o decreto teria sido considerado constitucional. Assim não foi.
Mas há que recordar também um outro factor importante: é que o Sr. Presidente da República - e eu disse-o na tribuna, mas os Srs. Deputados das oposições só ouvem o que lhes interessa e convém - não impugnou sequer a consagração em lei do dever geral de identificação, não o pôs em causa, não o questionou, não o impugnou, aceitou-o como pacífico. Foi preciso o Tribunal, para o declarar inconstitucional, fazer uma interpretação conjugada com o terceiro, arrastando o primeiro.
Não importa! O tribunal é soberano, o tribunal decide. E, daí, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este agendamento a fim de o decreto voltar a esta Casa para reapreciação. Foi isso que fizemos.
As alterações visam, no fundo, dar cumprimento a esta exigência, a esta necessidade pública de segurança, para preservar os valores referidos no artigo 1.º da proposta de alteração, sem contender, ou contendendo o mínimo possível, com a liberdade a que cada um tem direito.
Partiu-se, portanto, de uma ideia que a Constituição defende, isto é, os princípios da proporcionalidade, da exigibilidade e da necessidade. Da proporcionalidade, porque se passou de seis para duas horas, foi tentar reduzir ao mínimo o inconveniente da limitação, do cerceamento da liberdade da pessoa em identificar-se. Foi a medida exigível.
Além desta, o que é que tínhamos? Poderíamos ter a desobediência. Mas esse já era um expediente antigo, velho e, porventura, mais oneroso, com mais encargos, com mais ónus, do que este que está aqui previsto, onde o identificando tem e está salvaguardado de garantias.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, tem 30 segundos.
O Orador: - Daí a necessidade de introduzir estas alterações, expurgando os inconvenientes, ou a inconstitucionalidade - se assim quisermos - apontada pelo Tribunal Constitucional. Nessa medida, assim se fez! Esta proposta de lei foi objecto, como já disse, de um largo diálogo, vastís-
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simo, em que o PS e o PCP deram, aliás, uma óptima colaboração para se chegar a este resultado final.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, queira concluir!
O Orador: - Na medida do possível: o PS, seguramente; o PCP, é sempre igual a si próprio, o que defendeu em 1987 voltou a defender agora, pois já naquela altura questionava, pela voz do Sr. Deputado José Magalhães, a necessidade de uma lei de segurança interna. Portanto, questionava a própria lei. Por que é que não haveria de questionar agora a regulamentação da obrigatoriedade de identificação?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Cipriano Martins, se não termina entretanto, sou obrigado a cortar-lhe a palavra.
O Orador: - Sr. Presidente, termino já.
Gostaria de esclarecer a Câmara da ideia fundamental que presidiu à nossa intenção e à nossa actuação: a de garantir o dever de identificação e o direito que assiste às forças da segurança pública e polícias criminais de o exigir, já que se há obrigação tem de haver o correlato do direito de exigir, com o menor ónus possível para as pessoas, salvaguardando sempre a satisfação do interesse público aqui em jogo, pois cabe ao Estado assegurar tanto a liberdade como a segurança.
Sabemos que quer a legalidade democrática, quer a segurança interna, quer os direitos, liberdades e garantias das pessoas, são uma função da polícia, cabendo ao Estado garantir todos estes direitos, fazendo-o, como é óbvio, com o menor inconveniente possível para as pessoas.
Foi esse o objectivo que nos norteou. Penso que esta proposta o conseguiu, não obstante não termos o apoio agora do PS, embora considere que o PS, de há uns seis meses a esta parte...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Cipriano Martins, já leva tempo a mais!
O Orador: - ..., entrou numa de dizer não, de contestar globalmente e não há nada a fazer!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs Deputados- Esta discussão corre o risco de ser, outra vez, uma repetição do debate em sede de generalidade.
No entanto, quero dizer que é óbvio e evidente que entre o texto inicial da proposta de lei, transformada em decreto, e o texto que temos agora na nossa frente, houve melhorias significativas. Isto está fora de questão. Até porque a isso foram obrigados, foram melhorias introduzidas à força, foram obrigados pela decisão do Tribunal Constitucional.
Por outro lado, também está fora de questão que o facto de não se fazer o combate à criminalidade não é por falta deste diploma, porque para o efeito existem os mecanismos necessários, nomeadamente no âmbito do Código de Processo Penal. Esta é outra questão que fica esclarecida para que o Governo não continue a gritar: «Ai, Deus, que nos faltam instrumentos para combater a criminalidade!».
E é por isso que a segurança dos cidadãos está em perigo. Sr. Deputado, os meios existem!
Está também fora de questão - e foi dito pelo Sr. Deputado Cipriano Martins- que o que pretendiam com esta proposta era obter uma medida administrativa de polícia e não uma medida cautelar prevista no Código de Processo Penal, mas em relação a matérias que caem no âmbito desse Código. Ficou provadíssimo, e mais que provado, que aquilo que pretendem já é possibilitado com o regime previsto no artigo 250.º do Código de Processo Penal, que permite a identificação de suspeitos em qualquer lugar.
A pergunta que fiz aquando do debate na generalidade foi esta: será isto um acto inútil?
Compreenda, Sr. Deputado Cipriano Martins e Srs. Deputados do PSD, que não temos motivos para confiar nas intenções do Governo. Compreenda, pois, que o nosso entendimento do que propõem pode ter leituras e interpretações perversas. Se o não tiver, muito melhor, óptimo! Mas pode, efectivamente, ter interpretações e aplicações perversas.
O Sr. Narana Conssoró (CDS-PP): - Vai ter!
A Oradora: - E dou-lhe já um exemplo relativamente à questão do local «sujeito a vigilância policial». Sabe que o Tribunal de Polícia de Lisboa absolvia os sindicalistas que eram levados para julgamento por se terem concentrado à porta de um ministério, ultrapassando as barreiras ou coisas desse género? E sabe porquê? Porque a polícia entendia que o ministério era um órgão de soberania- e não é.
De facto, esta disposição que os senhores aqui têm pode levar a uma leitura perversa por parte das forças policiais, que, coitados, estão obrigados a obedecer sem poderem até reclamar contra as ordens que lhe são dadas.
Com base nisto, a aproximação de um grupo de sindicalistas da porta de um ministério pode ser entendido como um local sujeito a vigilância policial e pode a força policial dizer «estão a ameaçar a paz pública, são suspeitos de ameaçar a paz. Identifiquem-se!» Aliás, a Assembleia da República também pode ser entendida nesse sentido. Se um qualquer grupo de cidadãos, que pretenda entrar na Assembleia para ser recebido, entrar sem autorização da polícia, pode ser acusado de suspeição de um atentado à paz, mesmo que venha com a melhor das intenções.
Por isso mesmo, chamo a atenção para a possibilidade de leituras perversas. E só se compreende a utilidade desta lei, para os senhores, se lhes derem essas leituras perversas, caso contrário, esta lei é completamente inútil se tivesse uma leitura de acordo com a Constituição e com a legalidade democrática.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas considerações marcarão a votação, na especialidade, em relação às propostas que apresentaram, muito embora haja que mostrar que foram obrigados, pela decisão do Tribunal Constitucional, a conformarem-se com a Constituição que, manifestamente, a proposta de lei inicial violava.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos colocados perante um facto desagradável que pode acontecer na vida parlamentar, e esse facto é que o Sr. Deputado Cipriano Martins não tem ex-
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plicações para o texto actual da lei, não pode fundamentá-lo, só pode refundamentar o texto originário da lei. Tudo o que disse se aplica ao texto originário; nada do que disse se aplica ao texto que está pendente.
Ou seja, Sr. Presidente e Srs Deputados, não lemos interlocutor! A bancada do PSD está vazia, o Sr Deputado Cipriano Martins enveredou para outro debate; nós estamos, infelizmente, a fazer o debate que estamos a fazer, isto é, não podemos fazer debate por falta de interlocutor.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Então, sente-se!
O Orador: - E não me sento, porque não estamos aqui para fazer fácil a vida do Sr. Deputado Cipriano Martins, por mais que isso lhe agradasse.
Aproveito, Sr Presidente, para tecer preciosíssimas considerações sobre o conteúdo daquilo que pareço ser a proposta que o PSD aqui apresentou, mas que não fundamentou, não iluminou, não clarificou, e, portanto, tem de ser interpretada como se «o pai estivesse morto». Aliás, é essa a boa forma de interpretar leis, desligando-os dos autores materiais e fazendo a exegese jurídica segredo as regras da arte e os bons princípios exarados na lei Civil.
Feita a análise nesses termos, Sr. Presidente, chegamos à conclusão de que, de facto, o PSD recuou e recuou significativamente - e gostaria de o sublinhar, porque isso não é mérito do PSD, é mérito nosso, é mérito dos que se opuseram a esta versão originária da lei. Mas recusamo-nos absolutamente. E, neste ponto, distinguimo-nos da posição, que aqui foi exarada pela Sr.ª Deputada Odeio Santos, de fazer uma leitura perversa, como ela própria sublinhou, de uma lei que só sendo perversa, e lida perversamente, é que pode ser útil, porque se não for lida perversamente é, pura e simplesmente, patética e não faz sentido.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, infelizmente ou felizmente, não é nossa tarefa fazer interpretações perversas de leis que o PSD é obrigado a aprovar de forma coxa, porque não o pode aprovar da forma que desejaria, graças a nós. Ou seja, o PSD gostaria, como aqui disse e repito, de aprovar uma lei «Pasqua», gostaria de aprovai: uma lei que permitisse controlos ilimitados a qualquer hora, de qualquer pessoa, com qualquer fundamento e com a evocação mera de uma razão grosseira de segurança inteira - e não o pode fazer! E não o pode fazer, porque traduzir do francês para o português não se pode fazer sem, mediação constitucional.
Está, pois, colocado numa posição que é, de factor, perversa. Em vez de tirar todas as ilações daquilo que aqui aconteceu, o PSD vai agora, aparentemente- tudo indica-, carimbar uma versão da lei que conduza a um resultado confuso e inútil.
Gostava, então, de sublinhar, Sr Presidente e Srs. Deputados, alguns dos aspectos desse resultado com o qual nos congratulamos e por isso, e só por isso, o nosso voto de protesto não se traduz numa rejeição global do texto.
Primeiro, porque ao contrário do que diz o Sr. Deputado Cipriano Martins, que continuo a não perceber a que está a provar, não vai decorrer desta lei nenhuma obrigação genérica de estar civilmente identificado.
Em segundo lugar, o bilhete de identidade não pode ser tido como o único documento de identificação; berra pelo contrário, a lei sublinha que, no caso de a pessoa não estar identificada, pode recorrer ao testemunho abonatório de terceiro ou a outros documentos - e há vários - habitantes da identidade. Não há, portanto, sacralização do bilhete de identidade, por outro lado.
Em terceiro lugar, é mantido o núcleo das situações que, por força de disposições legais específicas, exigem a apresentação de bilhete de identidade, ou seja, o cidadão que vai fazer um exame tem que apresentar o bilhete de identidade, o cidadão que passa a fronteira tem que apresentar o bilhete de identidade ou o passaporte, por aí adiante. As normas especiais continuam em vigor, mas não é criado nenhum regime geral de imposição identificativo.
Em quarto lugar, continua a ser ilegítimo incluir no bilhete de identidade - e esse seria um outro debate muito interessante, que o Fórum Justiça e Liberdades, num documento notável, num estudo apresentado à Assembleia da República e subscrito pelos Srs. Drs. Alexandre de Sousa Pinheiro e Jorge Menezes de Oliveira, bem lucubrou - elementos que violem a privacidade dos cidadãos e que excedam o que é necessário para identificar e individualizar uma pessoa. Não é essa a função própria do bilhete de identidade e esta lei não altera em nada o quadro em que devemos debater este problema.
Continua também a ser um mistério, Sr Presidente, por que razão é que a Lei n.º 12/91, de 21 de Maio, sobre identificação civil e criminal, ainda não entrou em vigor, coisa que este Sr. Deputado Cipriano Martins também não sabe a que se deve e o Governo também não explicou porquê.
Quanto ao novo regime de enquadramento, a leitura não perversa do seu alcance foi feita por mim do alto da tribuna da Assembleia da República e aqui reafirmo para todo o efeito, ou seja, só se aplica a suspeitos de determinados crimes, de crimes de especial gravidade, e, por outro lado, acarreta um regime de verificação de identidade particularmente rigoroso, tão rigoroso que é brando demais para suspeitos e é inútil em relação a inocentes. E perante este resultado, Sr. Presidente, o PSD nos conduz.
A solução que seria adequada era pararmos aqui o processo, não fazermos votação nenhuma, suspendermos a reflexão e irmos à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias a fim de aprofundar o debate, porventura, em atmosfera mais calma e mais enriquecida para o PSD.
A não ser assim, Sr. Presidente, a nossa bancada não poderá coonestar qualquer das soluções, mesmo aquelas para as quais contribuímos e são correcções, supressões de inconstitucionalidades, melhorias, benfeitorias, restrições que transformam esta lei numa coisa inútil, mas perigosa por, no limite, poder vir a ser confusa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, terminámos a nova apreciação do Decreto n.º 161/VI - Estabelece a obrigatoriedade do porte de documento de identidade As votações inerentes a este processo far-se-ão em momento oportuno.
Vamos passar à discussão do inquérito parlamentar n.º 27/VI - Sobre a responsabilidade do Governo na eventual prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolana (CDS-PP).
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr Presidente, compreendo que V. Ex.ª tenha passado ao ponto seguinte da ordem do dia, mas talvez fosse oportuno obedecer a um
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princípio de imediação e fazer, de imediato, a votação referente ao Decreto n.º 161/VI, pois, de contrário, estaremos obrigados a fazer a votação desta matéria muitos minutos...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Magalhães, a votação far-se-á em momento oportuno.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, fez-se isso na passada quarta-feira sem nenhum protesto e com consenso geral e, suponho, aplauso. Portanto, V. Ex.ª teria grande vantagem em seguir este precedente, embora, obviamente, seja livre de seguir outra metodologia.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia)- - Sr. Deputado, estava marcada uma hora e penso que neste momento não é essa a melhor forma.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, antes da intervenção do Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o Regimento, no seu artigo 257.º n.º 2, diz: «No debate intervêm ..., o Primeiro-Ministro ou outro membro do Governo ...». Isto é, o Regimento contém uma filosofia cuja fundamentação é evidente. Os inquéritos visam actos do Governo e da Administração Pública; logo, o Governo, através do Primeiro-Ministro, deve estar presente no debate dos inquéritos parlamentares.
Pergunto ao Sr. Presidente se tem alguma indicação acerca da presença do Sr. Primeiro-Ministro ou de algum membro do Governo em que ele tenha delegado a sua presença, porque, a não se verificar isso, estamos perante uma falta gravíssima que importa ser devidamente assinalada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, apenas para dizer que aquilo que se consigna no n.º 2 do artigo 257.º do Regimento da Assembleia da República, citado pelo Sr. Deputado João Amaral, é uma faculdade do Governo e não uma obrigação. Portanto, o Governo tem a faculdade de estar presente na apresentação ou apreciação dos inquéritos parlamentares e exerce essa faculdade consoante o seu arbítrio.
Assim, penso que o Plenário está em condições de prosseguir os trabalhos, no que toca a este ponto da respectiva ordem de trabalhos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que o Governo tem a faculdade de intervir, mas tem a obrigação de estar presente para responder aos esclarecimentos que lhe sejam formulados.
Repito, a Assembleia da República vai deliberar um inquérito parlamentar e qualquer inquérito parlamentar visa actos do Governo e da Administração. Assim sendo, impõe-se - e o Regimento impõe-no - a presença do Governo para que possa ser devidamente fundamentada a deliberação da Assembleia da República.
Pergunto: por que é que o Primeiro-Ministro ou, particularmente, o Ministro da Defesa, sabendo qual o conteúdo e alcance do inquérito que vai ser debatido, não estão presentes neste momento do debate?
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostava de saber qual é a interpretação da Mesa sobre o artigo do Regimento que foi invocado pelo Partido Comunista Português, isto é, se entende que o Governo pode, querendo, vir ou pode não vir.
Nós entendemos que, sendo o inquérito parlamentar um acto de fiscalização de grande calibre, o mais curial é o fiscalizado estar aqui. Nós não estamos a fiscalizar nenhum acto do PSD, mas um acto do Governo e, por isso mesmo, tem que haver um interlocutor. No entanto, se o Governo não aparecer, há aqui uma falta grave de comparência de um agente indispensável para o inquérito parlamentar e, nesse sentido, peço a V. Ex.ª que considere se não será de adiar até o Governo dizer quando é que está disposto a vir aqui para o debate do inquérito parlamentar.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, o Governo tem conhecimento deste agendamento e o meu entendimento - e falo em meu nome, neste momento não é a Mesa que está a falar porque não tive possibilidade de ouvir a opinião dos restantes membros da Mesa - é o de que o Governo é um agente parlamentar como outros. A forma deste artigo não é diferente, por exemplo, do que se aplica às moções, mas, embora não veja um debate de uma moção sem a presença do Governo, neste momento, não temos qualquer informação sobre a presença do Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª sabe que o Governo tem aqui uma representação permanente, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, e também o Ministro Adjunto costuma vir aqui «dar um ar de sua graça» quando há assuntos importantes. De modo que gostaria que fizesse uma tentativa no sentido de saber se o Governo quer ou não estar presente no debate.
O Sr. José Magalhães (PS): - O Governo é julgado à revelia!
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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, neste momento, posso informar que o Governo não se faz representar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A recente publicação de um texto de investigação por um semanário demonstrando que o Ministério da Defesa português tinha contribuído directamente, durante o ano de 1993, para o esforço de guerra do governo de Angola contra a UNITA repercutiu-se numa série de posições públicas e reacções políticas na comunicação social, nos partidos e nos órgãos de soberania. Essas acusações versavam sobre 263 intervenções efectuadas pela delegação em Angola das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico em diferentes aeronaves da Força Aérea Angolana, muitas delas de ataque ao solo, como aviões MIG e SUKOY, helicópteros MI, Allouette e Gazelle, e ainda sobre a entrega de meios aéreos de ataque, como OS helicópteros Allouette.
O desencontro e a descoordenação das reacções governamentais mostraram, logo à partida, que se estava perante a divulgação de factos que, a terem ocorrido, comprometiam seriamente os responsáveis, em diversos graus políticos, pelas nossas relações com aquele país de expressão portuguesa e pela condução da política portuguesa no conturbado processo com que aí se procura construir a paz.
O Grupo Parlamentar do CDS-PP proeurou, desde esse primeiro momento, fazer com que a Assembleia da República exercesse a sua função fiscalizadora da actividade do Governo propondo a realização de um inquérito parlamentar. Apesar das reservas que, em diversos momentos, já tivemos oportunidade de colocar à utilização eficiente deste instrumento parlamentar com a sua actual configuração regimental, em face da existência de uma maioria absoluta, entendemos que esta é, ainda assim, a melhor forma disponível de reunir a necessária informação sobre este Caso e de definir as eventuais responsabilidades políticas a nível governamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As negociações decorridas em Lusaca entre o governo do MPLA e a UNITA, sob o patrocínio directo da ONU, constituíram um patamar diferente e decisivo na busca definitiva da paz parai Angola. A pouco e pouco, se foram conseguindo objectivos que o falhanço do Acordo de Bicesse parecia ter deixado irremediavelmente postos de lado. Foram sendo pacientemente negociados e aceites os pontos fundamentais de uma paz verdadeira: a aceitação dos resultados das eleições legislativas e da 1.ª volta das eleições presidenciais, as etapas e o calendário de uma efectiva desmilitarização, os mecanismos de uma real partilha do poder e as garantias de segurança dos vencidos e das minorias, sem as quais todo o processo se degrada inevitavelmente em novas formas de conflito e de guerra. Apesar da continuação espaçada de combates, foi progressivamente posta de lado, para tristeza de alguns dentro e fora de Angola, a via militar para a resolução do conflito que, há décadas, divide o povo angolano. Para a tristeza de alguns, mas a benefício da possibilidade de o futuro de Angola vir a ser realmente democrático e não a continuação disfarçada do poder de um partido único.
Aconteceu que a fase conclusiva do Acordo de Lusaca foi bruscamente perturbada e posta em causa pelo renascimento das forças que, no Governo de Angola, preferem o triunfo militar, o aniquilamento do adversário, doa seus quadros e chefias, a destruição das suas áreas e cidades.
A ofensiva contra a cidade do Huambo, o seu bombardeamento cego e a sua destruição gratuita foram unanimemente condenados, a nível internacional, como perfeitamente dispensáveis e como causa de um possível comprometimento de um acordo dificilmente negociado e assente e com os seu termos já rubricados.
Para além do Secretário-Geral das Nações Unidas e dos mais importantes países da cena internacional, Portugal, pela voz do Chefe de Estado, interveio também em defesa do processo de paz, condenando a ofensiva governamental sobre a cidade do Huambo.
O Governo português adoptou uma posição omissa, quando não justificativa, da continuação dessa ofensiva, particularmente condenável dadas a sua responsabilidade como observador do processo de paz e a sua reconhecida influência sobre o governo de Luanda. Assumiram, assim, uma gravidade adicional as acusações públicas que motivam este pedido de inquérito.
Na verdade, ganhou, neste contexto, natural credibilidade a convicção de que o Governo português terá levado longe demais a sua simpatia pelo Governo do MPLA. É justamente isso o que esta comissão de inquérito deverá apurar. Terá o Governo português transformado a sua simpatia pelo MPLA, em cumplicidade com as suas acções de guerra? E terá essa cumplicidade chegado a assumir a forma de ajuda militar efectiva, nomeadamente através de assistência directa aos meios de ataque mais eficazes e mais utilizados? Mais grave ainda: será verdade que essa assistência foi efectuada sem que o Governo de Angola a pagasse, o que transformaria, objectivamente, essa ajuda militar num autêntico financiamento da guerra em Angola por parte dos recursos do nosso país?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interrogações deste tipo tem o Governo procurado, antecipadamente, responder com argumentos que invocam a razão de Estado. Antecipadamente, queremos, nós também - o que já foi feito, aliás -, deixar claro o que é de aceitar e de recusar nessa argumentação.
É um facto conhecido e aceite por todos que as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico têm uma actividade em Angola que remonta à data da sua implantação naquele território, 10 anos antes da sua independência, e que foi sempre consensual que essa presença era um sinal da vontade portuguesa de participar no desenvolvimento e no futuro daquele país.
A actividade das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico em Angola decorreu sob a tutela de todos os governos e é, portanto, conhecida e aceite por todas as forças políticas. Mas já não é de aceitar que essa actividade extravase a assistência às transportadoras aéreas civis, públicas e privadas, que operam em Angola- e são muitas! - e às aeronaves da Força Aérea Angolana que desempenham meras missões de transporte ou de apoio logístico e que não podem participar em acções de ataque e de bombardeamento numa guerra feroz e assassina.
É também politicamente conhecido e aceite que Portugal se comprometeu, em Bicesse, a desenvolver uma política de cooperação militar com Angola, participando activamente na formação e na instrução de um exército único, então acordado por ambas as partes combatentes, mas nunca levado à prática pelo renascimento, violento como nunca, da guerra civil.
E óbvio que, quando as armas se calarem, essa cooperação será essencial para a manutenção de vínculos de proximidade, nas relações Estado a Estado, com uma Angola em paz e progresso. Mas é igualmente evidente que
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a subversão dessa cooperação militar, através da sua utilização para encobrir ou para justificar a ajuda militar a um dos lados de uma guerra civil, é particularmente condenável e perigosa para o futuro das nossas relações com Angola. Uma cooperação para a paz cria vínculos duradouros, uma cooperação para a guerra compromete-os e, sobretudo, dá origem a um passivo com o povo angolano dificilmente comportável por quem, como nós, perante ele tem responsabilidades históricas. Não há realpolitica, não há sentido estratégico de Estado, não há convivência futura, em tempos de paz, que resistam ou que sobrevivam, com viabilidade e confiança, quando, ao encerrar longos de guerra, houver que pagar a factura de um excessivo comprometimento no sangue e no sofrimento alheios, como, aliás, já estamos, infelizmente, a constatar.
A responsabilidade política pelos erros próprios não pode o Governo português descarregá-la para os outros, para outros países ou, o que é bem pior, para o nosso Presidente da República e para as forças políticas de oposição que, durante anos a fio, conferiram ao Governo português toda a latitude que ele quis para o desenvolvimento da política do Estado português com Angola Desculpas de mau pagador, neste caso, não resolvem nada e apenas transformam em escusada tensão institucional interna algo que se devia tratar, com verdade e com sentido de Estado, no plano das nossas relações externas com a comunidade internacional e com o povo angolano, no seu conjunto.
É por isso que incitamos o Governo português a praticar, a respeito desta matéria, uma política de responsabilização, de verdade e de unidade entre os diversos órgãos de soberania, a assumir, no plano interno, os erros e as responsabilidades, a fazer autocrítica e a desculpar-se perante o povo angolano, se necessário, para, no plano externo, ser aceite como interlocutor válido e, no plano angolano, como parceiro insubstituível na paz e na recuperação daquele país.
Pela nossa parte, procuramos criar a oportunidade para que todos os partidos possam contribuir para esse objectivo. Fazemo-lo através desta iniciativa, para que, neste inquérito, se apurem factos e responsabilidades, sem espírito de autoflagelação das posições nacionais mas também sem contemplações para com violações daquilo que, em todas as circunstâncias, deveria ter sido o espírito nacional perante a trágica guerra civil angolana. Vamos querer saber se o compromisso contido na cláusula «triplo zero» dos Acordos de Bicesse foi ou não violado pela parte portuguesa e, se o foi, com que gravidade e sob que responsabilidade.
Aliás, outras interrogações se nos põem: por que é que se aceita que apenas militares resultem responsabilizados? Por que é que continuou o Governo a dar garantias de imparcialidade quando, no passado, surgiram acusações semelhantes, embora não documentadas? O que é que se passou verdadeiramente, a propósito da entrega de helicópteros Allouette? O Governo de Angola pagou ou não os serviços prestados pelas OGMA e, se o não fez, a quanto é que monta essa dívida? Qual é o grau de conhecimento e/ou de responsabilidade que as diversas instâncias governamentais tiveram nas referidas e eventuais violações, nomeadamente os ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, sem excluir o Primeiro-Ministro, que, em relação a Angola, sempre fez questão de assumir o protagonismo mais evidente?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os portugueses têm tudo a ganhar se a nossa proximidade com Angola não estiver manchada por traumas irreparáveis. Uma relação de confiança entre os dois povos exige que saibamos todos impedir que as simpatias partidárias prostituam o relacionamento entre os dois Estados. A suspeita actual, tanto em Portugal como em Angola, de que o Governo português não soube respeitar este princípio exige, para já, que este pedido de inquérito seja aprovado e seriamente levado a cabo.
Neste momento, isto é o mínimo que devemos fazer, uma vez que, da parte do Governo, só vimos, até agora, embaraço, desvio de responsabilidades e a criação de novos conflitos institucionais.
Se o Grupo Parlamentar do PSD quiser demonstrar que está, acima de tudo, empenhado em que todos os portugueses possam reconhecer-se numa posição verdadeiramente nacional em Angola, se acredita, como deve acreditar, que essa posição não pode nem deve ser delineada e construída por agentes políticos que confundam o interesse nacional com parcialidade e com cumplicidade partidárias, se, nessa base, estiver interessado em construir com os outros partidos e com os restantes órgãos de soberania uma política portuguesa de relacionamento com aquele país que não comprometa a nossa participação e nossa presença no futuro de Angola, vote, então, favoravelmente este pedido de inquérito e participe, sem reservas, na busca da verdade e na responsabilização de quem houver a responsabilizar.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia). - O Sr. Deputado está a pedir a palavra para uma intervenção?
O Sr, João Corregedor da Fonseca (Indep.). - É para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel Queiró, Sr. Presidente.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, também eu quero pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, embora não me importe que assim se proceda, até agora, no se refere a inquéritos, é apenas concedido tempo, para intervenção, ao proponente, a cada um dos grupos parlamentares e a um membro do Governo.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É entendimento do Grupo Parlamentar de Os Verdes que, neste momento, o que está em discussão é um conjunto de questões que vou tentar ordenar.
Em primeiro lugar, parece-nos de todo em todo inadmissível o comportamento que o Governo assumiu no processo das OGMA, ou seja, que, perante os factos que vieram a público, tenha adoptado uma posição de mentira e de escamoteamento dos dados. O Governo nada mais fez, ao longo dos dias, do que ziguezaguear sobre a questão, tomando a sua primeira posição sobre a matéria quase uma semana depois da denúncia pública dos factos, pela voz do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, de uma forma clara, pela primeira vez, abordou esta questão, fazendo aquilo que, em nossa opinião, deve estar presente neste processo, que é a responsabilidade e o dever que o Governo tem de não sonegar informações à Assembleia da República, permitindo-lhe o exercício do seu poder fiscalizador sobre todas as matérias.
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Em segundo lugar, neste processo, que é questionado pelo CDS-PP, parece-nos óbvia - embora não acreditemos que seja essa a preocupação do CDS-PP- a incapacidade da comunidade internacional, não só para resolver diferendos de forma pacífica como também para cimentar qualquer processo de paz. Na verdade, é cada vez maior a dificuldade das instâncias internacionais em fazer aplicar acordos de paz, em fazer respeitar os resultados de um processo eleitoral que genericamente todos consideraram ter decorrido sem incidentes de maior. Mas as instâncias internacionais não souberam levar esse processo por diante o fazer com que a paz fosse vivida em Angola.
Em terceiro lugar, parece visível neste processo, a isso é lamentável, que o Governo português, ao fim de; todos estes anos, tem da sua cooperação com os países de língua portuguesa uma visão estritamente fundamentada em apoios de defesa, ou seja, uma visão belicista, que pressupõe a existência de conflitos, em vez de com eles cooperar- e, no nosso entendimento, assim é que deveria proceder - em áreas como, por exemplo, as do saneamento e da educação, deixando que esses importantes espaços sejam ocupados por outros países, que acabam por colher os benefícios do contributo que dão para o desenvolvimento desses países. Em nossa opinião, Portugal só beneficiaria em. preencher esses espaços e em intervir diferentemente.
A última questão que claramente o processo das OGMA também coloca na agenda internacional é a forma como a oportunidade internacional privilegia os investimentos na indústria armamentista, em detrimento de outras áreas fundamentais fará o desenvolvimento dos povos e para a sua coexistência pacífica.
Por outro lado, há ainda que assinalar a própria hipocrisia da comunidade internacional, que, tanto aqui como noutros países da Europa, continua a permitir que se forneçam armas e se façam negócios que conduzem à morte. Pensamos que esta situação é completamente inaceitável.
Nós, Os Verdes, julgamos importante não interferir internamente no processo de paz em Angola e permitir que Angola encontre o seu próprio caminho.
Julgamos também que o Governo português tem esclarecimentos a prestar à Assembleia da República e tem de se submeter ao exercício fiscalizador dos parlamentares.
Para nós, este inquérito só faz sentido enquanto parte integrante de uma estratégia de clarificação e não de uma ingerência na vida interna de outros países ou no apoio encapotado a partidos que se submeteram à vontade das povos e que, assim, não viram a sua posição ser por eles reconhecido enquanto correspondência a poder maioritário.
Em nossa opinião, é importante que se proceda a orna clarificação e é lamentável que o Governo não tenha dado esclarecimentos - e também hoje se furtou a dá-los -e que permitissem uma melhor clarificação das razões que estão na origem deste pedido de inquérito e da sua decisão.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar propriamente a minha, intervenção, gostaria de registar que, nos pedidos de inquérito formulados mais recentemente, o Governo não tem estado presente na Assembleia, o que corrobora o ponto de vista defendido pela minha bancada no sentido de que se trata de uma faculdade e não de uma obrigação do Governo de estar presente.
Por outro lado, e para que não haja dúvidas sobre as realidades de que falamos, passo a ler o que diz a cláusula «triplo zero» dos Acordos de Paz para Angola «O cessar fogo obrigará, após a sua entrada em vigor, à abstenção por parte do Governo da RPA e da UNITA da aquisição de material letal Os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas informaram o Governo da RPA de que apoiarão a aplicação do cessar fogo através da cessação do fornecimento de material letal a qualquer parte angolana e do encorajamento a outros Países procederem da mesma forma». O n.º 2 de uma outra cláusula diz o seguinte' «A observância do cessar fogo não põe em causa o abastecimento logístico não letal às forças militares em presença». Este é o texto dos Acordos de Bicesse e, porque me pareceu que eles não estavam presentes em anteriores intervenções, permiti-me fazer aqui a sua leitura.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Está enganado!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Temos muito respeito pelos nossos adversários políticos, quando eles sabem distinguir entre os interesses fundamentais do Estado e as suas conveniências político-partidárias, não sacrificando aqueles a estas.
Reconheço que no passado essa foi, em geral, a postura dos partidos da oposição, quando estavam em causa questões respeitantes à Defesa Nacional e às Forças Armadas, envolvendo interesses estratégicos de Portugal.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não é verdade!
O Orador: - Lamentamos, com preocupação, que a proximidade de nova pugna eleitoral venha desviando o Partido Socialista e o CDS-PP daquela linha de conduta. Com efeito, a propósito de uma questão que se reveste da maior importância estratégica para o nosso país. o PS e o CDS-PP preferem a ribalta à discrição, o confronto à harmonização de ideias e soluções, tudo com claros intuitos eleitoralistas, que nada têm a ver com o interesse nacional, antes o comprometem e prejudicam.
Assim tem acontecido quanto à prestação de serviços por parte das OGMAS, a Angola.
A morbidez com que os Srs Deputados centristas e socialistas aparentam ver contradições, violações e conivência com o esforço de guerra do MPLA, sabendo que isso não corresponde à realidade e que o Governo tem definido e executado uma correcta política de cooperação com os PALOP, nomeadamente no domínio da cooperação técnico-militar, é reveladora daquela mudança de atitude. A verdade é que essa política do Governo tem recebido várias vezes o apoio dos partidos da oposição
Surpreende-nos a leviandade e irresponsabilidade com que o PS e o CDS-PP se alheiam das questões de Estado e negligenciam a defesa dos interesses estratégicos de Portugal, para se preocuparem apenas com as suas maquinações de anti-poder e as suas ambições de poder.
Aplausos do PSD.
Os Srs. Deputados do CDS-PP e do PS sabem que, com a sua atitude irresponsável, já causaram incalculável prejuízos à nossa indústria de defesa.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O PCP é um aliado!
O Orador: - ... e comprometeram, talvez irremediavelmente, o papel de Portugal na construção de um novo país africano...
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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É o namoro!
O Orador: - ... de expressão portuguesa e com incalculáveis recursos e destacada importância geo-estratégica, como e Angola.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - Os Srs. Deputados sabem também com que facilidade o lugar de Portugal pode vir a ser ocupado por outros países altamente interessados em jogar um papel relevante no futuro de Angola, sem que com isto queiramos subordinar a política aos negócios.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É o genocídio!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro da Defesa Nacional esteve na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E nada disse!
O Orador: - ... fazendo-se acompanhar, por sua iniciativa, do Presidente das OGMA, S.A., o Brigadeiro Portela, e do Director-Geral do Armamento e Equipamento de Defesa, o General Cravo da Silva. Durante mais de cinco horas, os Srs. Deputados questionaram o Ministro da Defesa Nacional, fizeram todas as perguntas e pediram todos os esclarecimentos que quiseram.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E não obtiveram resposta!
O Orador: - Foi-lhes perguntado pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, de forma reiterada, se estavam esclarecidos ou se ainda tinham alguma dúvida, ao que os Srs. Deputados do PS e do CDS-PP presentes não reagiram.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Sr. Narana Conssoró (CDS-PP): - É falso!
O Orador: - Era legítimo supor que tivessem ficado esclarecidos.
Vozes do PS:- Ah!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Presunções!
O Orador: - Ficaram,...
Vozes do PS: - Não!
O Orador: - ... mas não era isso que pretendiam, pois, apesar dos esclarecimentos exaustivos prestados pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, pelo Presidente das OGMA. S.A., e pelo General Director-Geral do Armamento e Equipamento de Defesa e do conhecimento que forçosamente já tinham sobre o conteúdo das relações entre Portugal e Angola, por via do exercício das respectivas funções, os Srs. Deputados Jaime Gama e Manuel Queiró - permito-me citá-los porque foram os porta-vozes das posições dos respectivos partidos -, não conseguindo resistir à tentação mediática e ao aproveitamento político da situação, logo anunciaram, o primeiro, que o PS iria requerer a realização de um debate urgente com a presença do Primeiro-Ministro e, o segundo, que o CDS-PP solicitaria um inquérito parlamentar
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É óbvio!
O Orador: - Em face de tais iniciativas, somos invadidos por um sentimento de inutilidade quanto ao que se havia passado na Comissão de Defesa Nacional. Para nós, ficou claro que os Srs. Deputados socialistas e centristas não querem ser esclarecidos - já que pouco ou nada há para esclarecer-, antes pretendem utilizar as notícias propaladas e as suspeitas que elas sugeriram para perturbar a acção do Governo, criar instabilidade política e favorecer a estratégia de afrontamento institucional que está em curso contra o Governo e a maioria parlamentar.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quem pagou foi o Brigadeiro Portela!
O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, ouço-o com bastante respeito e admiração, por isso, gostaria que me permitisse concluir.
Assim, demarcamo-nos claramente dos fundamentos invocados pelo CDS-PP para desencadear o presente inquérito. Se o viabilizamos, não e por que tenhamos dúvidas sobre a actuação do Governo no quadro das relações entre Portugal e Angola mas, sim e apenas, porque não queremos que reste aos partidos da oposição qualquer argumento para acusar o Governo e a maioria que o apoia de falta de diálogo, de falta de transparência ou de qualquer receio quanto ao completo esclarecimento dos factos.
Não temos medo da verdade nem enjeitamos as nossas responsabilidades. Por isso, viabilizaremos este pedido de inquérito e vamos participar nele, aguardando serenamente as respectivas conclusões O PSD está ciente de que o Governo actuou em conformidade com o interesse nacional e com as normas do Direito Internacional e de que, apesar do inquérito, vai prosseguir a sua política de cooperação, nas suas diversas vertentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados A maioria dos portugueses e, em especial, as gerações futuras não nos perdoariam a tibieza de, por causa do alarido dos nossos adversários, termos comprometido o futuro das relações entre Portugal e Angola.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Mota): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS)- - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista requereu, a 30 de Novembro, a realização de um debate de urgência, por «não se considerar esclarecido, em relação ao caso da prestação de serviços, reparação e entrega de helicópteros a Angola, por parte das OGMA». Sendo a condução da política geral do Governo da competência do Sr. Primeiro-Ministro, o requerimento solicitava a sua participação nesse debate.
Como é do conhecimento de todos os Srs. Deputados, o PSD, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, não apoiou o agendamento desse debate. Preferiu, antes, o agendamento de um inquérito «sobre a responsabilidade do Governo na eventual prestação de serviços pelas OGMA à Forca Aérea Angolana», proposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.
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Pena é que o Governo e a maioria tenham recusado o debate de urgência com o Primeiro-Ministro. Ele teria permitido apurar responsabilidades governamentais neste caso pontual e, igualmente, esclarecer as linhas gerais da cooperação portuguesa com Angola, objectivo que é secundado por todas as formações políticas do País e pelo conjunto dos órgãos de soberania. A. cooperação militar teria ganho com esse debate, feito no momento, mas tudo ficou a perder com a forma como o Governo reagiu, numa tentativa desagradável de esconder ao País os objectivas e a execução da sua própria política neste campo.
Negado o nosso requerimento, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista irá pronunciar-se favoravelmente sobre o pedido de inquérito parlamentar n.º 27/VI.
A Assembleia da República sabe bem que o nosso grupo parlamentar sempre tem votado favoravelmente d$ pedidos de inquérito que sobem a Plenário. Fazemo-lo também neste caso, apesar de algumas reservas que a formulação dos fundamentos invocados nos merece,
Assim, devem constituir matéria de inquérito, as respostas falsas ou contraditórias dos membros do Governo que sobre este caso se têm pronunciado.
Pretendemos, pois, que constitua matéria de averiguação a razão das declarações do Sr. Primeiro-Ministro: considerando as questões levantadas pela comunicação social pura mentira; sobre a dimensão e falta de capacidade técnica das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico; acerca da proibição de intervenção do Ministro da Defesa Nacional, nos estabelecimentos fabris e nas sociedades marítimas de capitais públicos, que tutela.
Pretendemos que constitua também matéria de averiguação a razão das declarações do Sr. Ministro da Defesa Nacional: sobre o seu desconhecimento da actividade das OGMA em Angola, quando o seu próprio Ministério publicava elementos sobre essa mesma actividade; e sobre a classificação do equipamento militar, quando declara não serem os Allouette III uma arma.
Pretendemos que constituam ainda matéria de averiguação as razões pelas quais o Sr. Ministro dos Negócio* Estrangeiros não tinha completo conhecimento de todas as acções de cooperação militar Portugal-Angola.
No que se refere às contas de cooperação, entendamos que o inquérito deve apurar o verdadeiro valor total da cooperação militar, os pagamentos satisfeitos e as suas datas, os montantes em falta e as providências tomadas para «segurar» os fornecimentos, as vendas e os serviços prestados.
O PS proporá, em sede de comissão, aquando dia, elaboração do questionário previsto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 5/93, a inclusão destes pontos.
A criação de uma comissão de inquérito «ao cargo das OGMA» constituirá mais uma derrota política do Sr. Primeiro-Ministro,...
O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... que proeurou convencer o País de que se tratava de uma maquinação da oposição. Depois de tudo o que disse, classificando este caso como «pura mentira», a constituição de uma comissão de inquérito, decidida pela Assembleia da República, tem o valor político da aprovação de uma moção de censura ao Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A história dos inquéritos parlamentares desta Assembleia não nos permite acalentar muitas esperanças sobre o seu desfecho final. A maioria do PSD tem sempre imposto a sua vontade, muitas vezes, inclusive, ao arrepio das provas conseguidas.
Fazemos, no entanto, votos para que este inquérito possa contribuir para o esclarecimento do papel que o Governo atribui às Forças Armadas na cooperação militar.
Fazemos ainda votos para que este inquérito contribua para o esclarecimento dos factos que estão na origem de uma grave crise, que o Governo não soube ou não quis assumir responsavelmente. O prestígio resultante da acção que as Forças Armadas têm tido na África de língua oficial portuguesa, na defesa dos interesses de Portugal e da amizade com Angola, não pode estar sujeito e condicionado a estratégias políticas pouco claras.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A responsabilidade política do Governo tem de ser assumida. Não pode utilizar as Forças Armadas como bode expiatório de uma acção politicamente incorrecta.
Aplausos do PS.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Diga isso ao seu amigo de Belém!
O Orador: - Todos sabemos que as Forças Armadas têm como um dos paradigmas da sua formação e acção a assunção das responsabilidades. Estas são aferidas em função de orientações precisas do poder político e nada é pior para a sua própria acção que a confusão ou a ausência de directivas por parte de quem pretenda, na confusão, enjeitar responsabilidades.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A actuação do Governo nesta matéria é inaceitável porque manipuladora da boa fé dos militares. Com a demissão do Presidente do Conselho de Administração das OGMA, pretende-se, perante a opinião pública, atribuir a responsabilidade dos factos aos militares.
No entanto, não será com a encenação de um pedido de demissão do Ministro da Defesa Nacional, acordado com o Primeiro-Ministro para ser negado por este, em nome do prestígio militar, que a instituição recupera da confusão que o Governo tem lançado sobre ela.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Fazemos votos, portanto, para que este inquérito faça justiça aos militares que, em Portugal ou nos países irmãos de África, cooperam da melhor forma com os destinatários dessa cooperação, que são, ao fim e ao cabo, os nossos irmãos desses países.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por reiterar o nosso protesto pela ausência do Governo, porque efectivamente o Governo tem obrigação de estar presente no debate dos inquéritos parlamentares. E se houve outros debates em que não o fez, o facto de ter cometido outros pecados anteriormente não o salva de cometer este. O Governo tinha a estrita
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obrigação de estar aqui e a sua ausência foi uma péssima contribuição para este debate e um acto de fuga totalmente inaceitável.
Sr Presidente, Srs. Deputados. O inquérito parlamentar que a Assembleia vai, hoje, deliberar realizar deve-se a uma conjugação de vontades curiosa e assinalável. Deve-se à iniciativa do CDS-PP, que propôs a sua realização, e ao PSD, que, em conjugação, manifestou a vontade política necessária para que ele se concretizasse.
Ora, uma coisa e o inquérito parlamentar, outra, bem diferente, são as razões que fundamentam as posições tanto do PSD como do CDS. E sobre isso, esclareço, desde já, que não acompanhamos essas razões.
Não acompanhamos as razões do CDS-PP, cujo objectivo central é o apoio à UNITA e às suas posições, como, aliás, ficou bem patente na sucessão de acontecimentos, que antecederam a apresentação deste inquérito. Manuel Monteiro presente na vigília da UNITA à porta da Embaixada de Angola; notícia do semanário O Independente, que a UNITA, aliás, afirmou já conhecer há muito tempo; pedido de explicações da UNITA ao Governo português e apoio público do CDS-PP a esse pedido de explicações.
Também não acompanhamos as razões do PSD, que pretende com este inquérito prolongar uma política de ambiguidades e de ziguezague, aquela por que tem pautado a sua conduta ao longo de todo este processo.
Ambiguidades que lesam o interesse de um correcto relacionamento entre Portugal e Angola.
Ambiguidades, de resto, que vêm de trás: não esqueçamos que, na sequência dos Acordos de Bicesse, foi o Governo português que ficou responsável pela sua aplicação na componente militar e que foi, pois, sob a sua responsabilidade que o Governo angolano foi induzido a proceder a uma efectiva desmobilização dos seus efectivos militares, enquanto se permitia que a UNITA fizesse recuar para o Zaire milhares de homens, com o que, depois, após as eleições, lançou e desenvolveu uma guerra, que a conduziu a chegar a ocupar cerca de 70 % do território de Angola.
Ambiguidades que, hoje, continuam, quando se permite à UNITA desenvolver livremente, a partir do território português, todo um conjunto de actividades conspirativas contra Angola e as suas autoridades legítimas, em violação dos princípios e tratados de direito internacional e das leis portuguesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP não quer com este inquérito obter qualquer resposta a qualquer pergunta. O CDS-PP sabe a resposta a toda e cada uma das perguntas que faz. Vejamos as perguntas, uma a uma.
Primeira pergunta: o CDS-PP sabe que houve prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolana e sabe que isso não constitui violação de qualquer embargo.
Segunda pergunta: o CDS-PP sabe em que condições o Brigadeiro Portela apresentou a demissão.
Terceira pergunta: o CDS-PP sabe que não havia nada a averiguar sobre a história dos C-130, porque a questão é pública e assumida.
Protestos do CDS-PP.
Quarta pergunta: o CDS-PP sabe perfeitamente que o estatuto de neutralidade não impediu nem a troika nem a ONU de condenarem explicitamente a UNITA, não impediu a ONU de decretar, sim, aí, um embargo à UNITA (porque nunca houve embargo ao Governo legítimo de Angola), e não impediu qualquer dos países da troika de abastecerem militarmente o Governo legítimo de Angola.
Vozes do CDS-PP: - Vote contra!
O Orador: - Quinta pergunta: o CDS-PP sabe que ninguém nega a história dos Allouette.
Sexta pergunta: o CDS-PP sabe que todos sabiam da cooperação militar com o Governo legítimo de Angola e, melhor que ninguém, sabiam-no o Governo e todos os membros da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, sem excepção.
Sétima pergunta: o CDS-PP sabe que a dívida de 7,5 milhões de contos é pública, está escrita e assumida.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Vote contra!
O Orador: - O que o CDS-PP quer não são respostas a perguntas. O CDS-PP quer que a Assembleia ponha, no mesmo plano, o Governo legítimo de Angola, saído de eleições consideradas pela ONU como livres e justas e reconhecido internacionalmente por todos os países do mundo (incluindo os Estados Unidos, que. durante muito tempo não o quiseram fazer), e um partido como a UNITA, que violou os acordos que tinha assinado, ao não aceitar os resultados eleitorais (porque perdeu as eleições) e ao voltar a pegar em armas e a fazer a guerra para tentar obter pela força o que não conseguiu nas umas de voto.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que o CDS-PP pretende é que seja aqui reconhecida uma «violação de embargo», quando nunca houve qualquer embargo decretado contra o Governo legítimo de Angola. E quanto à cláusula «triplo zero», ela não é um embargo mas uma parte dos Acordos de Bicesse e só tinha sentido enquanto houvesse respeito pelos acordos de paz. Ora, a UNITA violou esses acordos, fazendo a guerra e tornando obviamente inaplicável, nula e sem qualquer conteúdo tal cláusula.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Embargo houve, sim, mas só contra a UNITA, o que, por contraposição, mostra a posição de apoio da comunidade internacional ao Governo de Angola.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que o CDS-PP pretende é inquinar o processo de paz e dar um fôlego à UNITA, num momento em que a situação estratégica na África Austral se alterou profundamente e em que a situação político-militar é fortemente adversa à posição da UNITA É bom recordar aqui que, mesmo alguma imprensa portuguesa, chegou a publicar mapas de uma Angola dividida em duas partes, ficando a UNITA com a parte que ocupava pela força. Numa África Austral que mudou radicalmente depois do processo democrático na África do Sul, só em Portugal é que ainda se vêem os lobbies pró-Unita a moverem-se e a conspirarem com a clareza com que aqui o fazem'
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Parece o Primeiro-Ministro a falar!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Afinal o Governo está presente!
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O Orador: - Aliás, o que o CDS-PP quer foi exemplarmente dito na justificação deste inquérito, quando afirmou que o Governo português terá levado longe demais' a sua simpatia pelo Governo do MPLA. É justamente isso que esta comissão de inquérito deverá apurar.
Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um inquérito parlamentar como este, colocado nas mãos de uma maioria PSD, vai ser manipulado pelo PSD para servir os seus objectivos à justa medida dos seus interesses. De qualquer forma, o facto é que o inquérito será sempre uma possibilidade de o Governo assumir, finalmente, com frontalidade e coragem, um dever fundamental, que é o dever geral de verdade, a que reiteradamente tem faltado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Da nossa parte, lemos uma opinião clara acerca da situação política e do Governo. Aliás, numa reunião do meu partido, realizada ontem e anteontem, afirmámos «a urgência e a vantagem de se promover uma clarificação da situação política, mediante o recurso à demissão do Governo e à dissolução da Assembleia».
Por isso, com a frontalidade que nos permite a dureza das nossas posições políticas, reafirmamos aqui que consideramos essencial - e isso para nós é não só um imperativo constitucional mas uma questão de princípio - manter e desenvolver um relacionamento privilegiado de cooperação com Angola e com os outros países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP).
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É na base destas considerações e princípios - e a política deve ter princípios - que actuaremos na comissão de inquérito, que hoje vai ser constituída.
Não conte o CDS-PP com qualquer transigência nossa quanto a estes princípios; não conte igualmente o PSD com qualquer transigência nossa com esses princípios ou com qualquer política de ambiguidade ou de complacência com as actuações da UNITA.
Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra, por um minuto, o Sr Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Muito obrigado pelo tempo que me cede, Sr Presidente. Quase que dá para dizer «Viva a República», mas enfim...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: - O problema é sério, mas revela em todo a sua evolução marcantes ambiguidades e muita hipocrisia.
E não é por acaso, agora que finalmente se avizinha um período de paz para Angola, que esta questão é suscitada.
Ao longo dos últimos anos, não vimos, nem dos proponentes do pedido de inquérito nem de outras personalidades, reacções pelo facto de a UNITA não ter respeitado os resultados eleitorais e ter lançado Angola «a ferro e fogo», provocando, aí sim, um verdadeiro genocídio e a destruição de cidades, nomeadamente do Huambo.
Nessa altura, não assistimos a protestos de qualquer espécie.
Não deparámos com protestos pelo facto de os agressores continuarem a receber apoios logísticos e de armamento por parte de vários países, nomeadamente ocidentais, em clara violação de resoluções das Nações Unidas.
Não assistimos a lamentos por a população de Angola, principalmente milhares de crianças, ser minada pela fome e pela doença.
Então, ninguém se preocupou.
As preocupações só surgiram quando os lobbies pró-UNITA se movimentaram, ao aperceberem-se de que o Governo legítimo de Angola iria pôr termo à guerra, porque tinha capacidade para isso.
Por outro lado, não vemos preocupação pelo facto de a UNITA manter os seus escritórios em Lisboa - o que o MPLA nunca teve - e, a partir daí, fazer ameaças a Portugal e exigências às autoridades portuguesas, de forma ilegítima e intolerável, a que urge dar resposta adequada.
Quanto à posição do Governo, há críticas a formular.
O Governo não sai ileso de toda esta trama, pois as ambiguidades são flagrantes, o que já constitui norma lamentável, em quase todos os problemas com que se vê confrontado.
Respostas evasivas, tardias e contraditórias dão azo a situações indesejáveis, como a que se nos depara. Um governo tem de ser mais responsável e claro nos seus esclarecimentos. Este Governo, infelizmente, continua a não ser nem responsável nem claro.
(O Orador reviu.)
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está encerrado o debate relativo ao inquérito parlamentar n.º 27/VI - Sobre a responsabilidade do Governo na eventual prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolana (CDS-PP).
Antes de iniciarmos o período de votações, vou dar a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura da acta referente à eleição de um membro para o Conselho Superior da Magistratura.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a acta é do seguinte teor:
Aos catorze dias do mês de Dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, na Sala D. Maria do Palácio de S. Bento, procedeu-se à votação para o cargo de vogal do Conselho Superior da Magistratura.
Iniciou-se a votação às dezasseis horas e encerraram as umas às dezoito horas.
Os resultados para eleição para o cargo de vogal do Conselho Superior da Magistratura foram os seguintes: votantes, 165; brancos, 2, abstenções, 9, sim, 94; não, 60.
Face à votação obtida o candidato proposto Luís Filipe Nascimento Madeira não foi eleito.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, a primeira votação que iremos fazer diz respeito ao projecto de deliberação relativo à prorrogação do prazo para apresentação do relatório final pela Comissão de Inquérito Parlamentar para a apreciação do processo de privatização do Banco Totta & Açores
Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
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Srs, Deputados, vamos passar à votação do projecto de resolução n.º 133/VI - Constituição de uma comissão eventual de inquérito parlamentar para a averiguação de toda a matéria contida no requerimento de inquérito parlamentar n.º 27/VI, apresentado pelo CDS-PP
Esta comissão terá a seguinte composição:
PSD, 12 Deputados;
PS, 7;
PCP, 2;
CDS-PP, 1;
e Os Verdes, 1.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 79/VI - Aprova para ratificação o Acordo Internacional sobre o Cacau, de 1993.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção de Os Verdes.
Srs. Deputados, passamos à votação de requerimentos de avocação, apresentados pelo PS, PCP e PSD, da votação de vários artigos do texto de alterações ao Decreto-Lei n.º 26/94, de l de Fevereiro, que estabelece o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, aprovado, na especialidade, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família [ratificação n.º 115/VI(PS)].
Para fundamentar o requerimento de avocação da votação dos artigos 4.º, 9.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º e 23.º, apresentado pelo PS, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, visto haver um relatório da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, gostaria de fazer alguns comentários sobre este relatório.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, alguma coisa não está a bater certo, pelo que lhe peço uma explicação, na medida em que não está em discussão qualquer relatório. O relatório subiu a Plenário em Novembro, pelo que essa fase está completamente ultrapassada.
Neste momento, estamos perante a votação dos requerimentos de avocação e, posteriormente, faremos a votação final global das alterações aprovadas, na especialidade, pela Comissão.
O Sr. Ferraz Abreu (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, o facto de o relatório ter subido em Novembro e de só agora ser discutido a culpa não é de quem o fez nem da Comissão. Isso aconteceu, porque, entretanto, devido aos trabalhos parlamentares, foi sendo adiada sucessivamente esta votação.
Portanto, o relatório deve ser votado, porque acompanha o texto apresentado pela Comissão. É um relatório elaborado, exclusivamente, pela Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, apesar de o grupo de trabalho ser misto, ou seja, constituído por esta Comissão e pela Comissão de Saúde, que não participou na sua elaboração. Como resultado disso, há omissões no relatório, não se dando relevo, sobretudo, a certas propostas do PS, que foram rejeitadas, facto que gostaria de mencionar para que ficasse registado.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, estamos em dois níveis diferentes da situação.
Em primeiro lugar, temos, hoje, para votação, um texto alternativo que, no caso de ser aprovado pela Assembleia, será a lei de alterações ao decreto-lei.
Em segundo lugar, temos também, para decidir, avocações a Plenário de alguns artigos, para discussão e votação, no caso de os requerimentos de avocação serem aprovados. Nada mais temos, pois tudo o resto tem a ver com a Comissão.
Portanto, o Sr. Deputado Ferraz de Abreu fará o favor de solicitar, nomeadamente, ao Sr. Presidente da Comissão a junção ao processo de todas as propostas, declarações de voto, etc., existentes na Comissão
Srs. Deputados, se houver propostas apresentadas em Comissão ou alguma outra posição assumida pelo PS, apelo para que se junte ao processo tudo o que tem a ver com o que se passou na Comissão. Agora, vamos apenas decidir, em primeiro lugar, sobre os requerimentos de avocação.
Portanto, como o PS é o primeiro a apresentar um requerimento de avocação, para a sua justificação, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, dispondo, para o efeito, de dois minutos.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se os dois minutos são para cada artigo ou para o conjunto.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia). - Sr Deputado, são para cada requerimento. Se o PS só apresentou um requerimento, o problema já não é da Mesa.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS)- - Sr. Presidente, foi por uma questão de economia que se fez apenas um requerimento, mas vou tentar não ultrapassar esse tempo.
O PS propõe a eliminação do n.º 4 do artigo 4.º do texto aprovado na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, visto querer atribuir-se ao empregador a possibilidade de ele próprio exercer actividades da prevenção, quando toda a gente sabe que há frequentes conflitos de interesse entre o empregador e os trabalhadores. Daí, a nossa proposta de eliminação.
Ora, por a alínea i) do n.º 1 do artigo 9.º do texto aprovado em Comissão fazer referência ao n.º 4 do artigo 4.º, relativamente ao qual propomos a eliminação, o PS propõe a substituição desta alínea i), que passa a ter a seguinte redacção: «Nas situações em que se verifique ser inviável a adopção de outras formas de organização de actividades de segurança social, higiene e saúde no trabalho a confirmar pelo IDICT».
O PS propõe um artigo novo, cuja epígrafe é «Instalações e equipamentos», que regulamentará as instalações e equipamentos mínimos necessários para o serviço de medicina no trabalho.
O PS propõe a substituição da alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º, que passará a ter a seguinte redacção: «Exames ocasionais nas seguintes circunstâncias: regresso ao trabalho após uma ausência superior a 30 dias por motivo de doença ou superior a 10 dias por motivo de acidente; mudanças de funções ou posto de trabalho, desde que haja alteração dos componentes materiais do trabalho; por solicitação do próprio trabalhador, quando invoque prejuízo para a sua saúde ou segurança decorrentes da sua actividade profissional».
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O PS propõe um aditamento de mais três números ao artigo 16.º do seguinte teor: «7 - Os exames serão realizados durante o horário de prestação de trabalho, senti prejuízo para o trabalhador do tempo distendido para esse efeito; 8 - A realização dos exames médicos não poderá, em qualquer circunstância, ter uma função fiscalizadora das ausências ao serviço; 9 - Não faz parte das obrigações do médico do trabalho o exercício da medicina curativa, excepto em casos de doença súbita ou acidente».
Propomos que o n.º 2 do artigo 17.º seja substituída pela seguinte redacção: «A ficha encontra-se sujeita ao segredo profissional, só podendo ser facultada aos médicos da Direcção-Geral de Saúde e do IDICT». É que a redacção desta disposição, no texto aprovado pela Comissão, abre a porta à violação do segredo profissional.
Quanto ao n º 2 do artigo 18.º, propomos que se adite, no fim, o seguinte: «(..) e propor mudança de funcionário ou de local de trabalho, se for caso disso». Isto, no que diz respeito às fichas de aptidão.
Propomos, ainda, no artigo 19.º o aditamento de uma nova alínea do seguinte teor: «Participar, através dos seus representantes legais, na elaboração dos programas« acções de prevenção e na avaliação dos seus resultados».
Finalmente, no n.º 5 do artigo 23.º do texto aprovada pela Comissão, propomos que seja aditado no fim do parágrafo o seguinte inciso: «(..) e tendo em conta as orientações da Direcção-Geral de Saúde e da Ordem dos Médicos». E que, a não ser assim, desresponsabilizam-se os médicos do trabalho perante a hierarquia médica.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs Deputados, o PCP apresentou 12 requerimentos de avocação, pelo Plenário da votação, na especialidade, dos artigos 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 16.º, 19.º, 20.º e 30.º do Decreto-Lei n º 26/94, de 1 de Fevereiro, pelo que, do ponto de vista regimental, disporia de 24 minutos para a sua justificação. Porém, por expressa vontade do Sr. Deputado Paulo Trindade, ser-lhe-ão apenas atribuídos cinco minutos.
Em tempo não superior a cinco minutos, para fundamentar os 12 requerimentos de avocação, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.
O Sr Paulo Trindade (PCP)- - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O texto submetido a votação pelo Plenário, resultante da votação, na especialidade, da ratificação n.º 115/VI, em sede de Comissão, não dá resposta a questões de fundo contidas no Decreto-Lei n.º 26/94, de, 1 de Fevereiro, cuja alteração foi oportunamente proposta pelo Grupo Parlamentar do PCP. Em causa está, nomeadamente, o direito de participação dos trabalhadores e das suas organizações representativas no exercício da efectivação do direito à segurança, higiene e saúde nos locais de trabalho; o respeito pela autonomia e pelos princípios deontológicos a que estão sujeitos os profissionais da medicina no trabalho e, por outro lado, o propósito de evitar a criação de um quadro legal cuja permissividade legalize a desresponsabilização das entidades patronais em matéria de um tão grande relevo.
Se bem que o texto final tenha contemplado algumas propostas apresentadas pelo PCP, o PSD inviabilizou as relativas a questões de fundo, limitando-se a aceitar, essencialmente, propostas de mero apuro técnico-jurídico.
O Grupo Parlamentar do PCP, por não ter poupado esforços e assumido uma postura construtiva no actual processo de ratificação, considera que, no fundamental, o texto final a submeter a votação pelo Plenário não supera o retrocesso legislativo consubstanciado no Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, e, por isso, requer a avocação de uma série de artigos.
Com estes requerimentos de avocação, e cuja fundamentação está explícita no texto que entregámos à Mesa, visa-se, em primeiro lugar, garantir o direito de participação dos trabalhadores e das suas organizações representativas; em segundo lugar, o respeito pelos princípios deontológicos dos profissionais de saúde e, em terceiro lugar, evitar a total permissividade e a desresponsabilização das entidades patronais em matéria de higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho.
Daí os nossos requerimentos de avocação aos artigos 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 16.º, 19.º, 20º e 30.º.
Vozes do PCP: - Muito bem'
O Sr. Presidente (José Manuel Maia). - Para fundamentar o requerimento de avocação pelo Plenário da votação, na especialidade, do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, por tempo não superior a dois minutos, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Após a votação, na especialidade, em sede de Comissão, deste diploma, julgo que a Associação Portuguesa de Enfermeiros enviou uma exposição a todos os grupos parlamentares, demonstrando estar ultrapassada a visão segundo a qual este tipo de actividades nas empresas, e não só, deverem ser lideradas apenas por médicos, utilizando-se expressões como «coadjuvados por profissionais de enfermagem».
Pensamos que os enfermeiros têm, quanto a este aspecto, alguma razão. É natural que a sua posição tenha sido conhecida um pouco tarde, porque sabemos que o seu lobby junto desta Assembleia não é tão forte como o dos médicos, nomeadamente no Partido Socialista, que se limitou a transcrever as propostas da Direcção do Colégio de Medicina do Trabalho.
Ora, vimos agora clarificar no artigo 23.º não só à qualidade, como já constava relativamente ao médico do trabalho, de enfermeiro do trabalho, mas também o curriculum necessário para esse efeito.
Por outro lado, no caso de insuficiência comprovada de enfermeiros- como está previsto relativamente aos médicos -, adoptam-se procedimentos, pelo menos, de natureza temporária, que permitem a admissão de outros profissionais nesses serviços.
Julgamos mesmo que, consagrando expressamente que o exercício das suas funções, tal como já sucedia em relação aos médicos, se processará com independência técnica e em estrita obediência aos princípios de deontologia profissional, ultrapassa-se a questão suscitada pela coadjuvação, constante de outro artigo, mas que, com esta formulação fica salvaguardada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação, apresentado pelo PS, da votação, na especialidade, dos artigos 4.º, 9.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º e 23.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, [Ratificação n.º 115/VI (PS)].
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
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Srs. Deputados, vamos votar, em conjunto, os 12 requerimentos de avocação, apresentados pelo PCP, da votação, na especialidade, dos artigos 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 16.º, 19.º, 20º e 30.º.
Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação, apresentado pelo PSD, da votação, na especialidade, do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro.
Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na especialidade, do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro.
Para uma intervenção, por tempo não superior a três minutos, tem a palavra o Sr Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito do requerimento de avocação, fundamentei a proposta de alteração para o artigo 23.º, apresentada pelo PSD, disse o que pensava sobre o assunto, pelo que não vale a pena «chover no molhado».
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, por tempo não superior a três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votaremos a favor desta proposta de alteração, embora seja uma redundância, pois num outro artigo é feita referência aos enfermeiros no sentido de colaborarem com o médico do trabalho em todas as empresas com mais de 250 trabalhadores.
Por outro lado, e um pouco estranho que esta proposta surja relativamente a um artigo cuja epígrafe é «Médico do trabalho».
O Sr. José Puig (PSD): - Passa a ser «Médico e enfermeiro do trabalho».
O Orador: - Contudo, apesar desta redundância, votaremos a favor.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, por tempo não superior a três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.
O Sr. Paulo Trindade (PCP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votará, igualmente, a favor da proposta apresentada pelo PSD.
Só é lamentável que este partido tenha sido tão inflexível em relação a propostas da autoria de outros grupos parlamentares, porque, não se verificando essa insensibilidade, muitas aberrações jurídicas que vão continuar a constar desta lei que, certamente, o Grupo Parlamentar do PSD irá aprovar, teriam sido expurgadas, como é, por exemplo, o caso de cometer-se matéria de saúde no trabalho ao Serviço Nacional de Saúde quando se sabe que não tem médicos do trabalho.
De toda a forma, manifestando uma postura positiva, votaremos a favor desta proposta de alteração por pensarmos que é lógica.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, por tempo não superior a três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Damos a nossa concordância às propostas apresentadas pelo PSD e também lamentamos que este partido tenha inviabilizado as propostas da autoria de outros partidos, principalmente do PS, que podiam ser complementares de algumas que foram apresentadas por aquele partido.
Efectivamente, a saúde e higiene nas empresas é, hoje, um tema sumamente importante e requer, com bastante urgência, a transformação das estruturas existentes. Não compreendemos a inflexibilidade do PSD em evitar este debate, até porque se trata de aspectos absolutamente técnicos, sem qualquer relevância de estratégia política. Na verdade, esta questão diz mais respeito a uma melhor organização da saúde dentro das empresas do que, propriamente, à fixação de qualquer orientação de índole política.
Por isso mesmo, como um mal menor, vamos votar favoravelmente todas as propostas apresentadas pelo PSD neste debate.
O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, para uma brevíssima intervenção.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Puig (PSD): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero discordar da forma como o comportamento do Grupo Parlamentar do PSD foi aqui adjectivado. Não é verdade que haja falta de diálogo! O Grupo Parlamentar do PSD votou favoravelmente muitas das propostas apresentadas, aspecto que não foi reforçado. Certamente que não seríamos apenas considerados dialogantes e flexíveis se as aprovássemos todas, porque, com essa atitude, iríamos descaracterizar por completo o que pensamos sobre o que deve ser um diploma destes e, por essa razão, não o poderíamos fazer.
No entanto, votámos favoravelmente, na especialidade, em sede de Comissão, várias propostas.
Estranhamos, também, esta intervenção do CDS-PP que não apresentou, sobre a matéria, uma única proposta!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está encerrado o debate, na especialidade, do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro.
Vamos votar, na especialidade, a proposta de substituição do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
É a seguinte:
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Artigo 23.º
Médico e enfermeiro do trabalho
1 - A responsabilidade técnica da vigilância dá saúde cabe, em qualquer caso, ao medico do trabalho.
2 - Considera-se médico do trabalho o licenciado em Medicina com formação complementar de medicina do trabalho reconhecida por entidade competente.
3 - Considera-se, ainda, medico do trabalho aquele a quem foi reconhecida idoneidade técnica para o exercício das respectivas funções, ao abrigo do § 1.º do artigo 37.º do Decreto n.º 47 512, de 25 de Janeiro de 1967.
4 - No caso de insuficiência comprovada de médicos do trabalho qualificados nos termos referidos nos números anteriores, poderão ser autorizados pela Direcção Geral da Saúde a exercer as respectivas funções licenciados em Medicina, os quais, no prazo de três anos a contar da respectiva autorização, deverão apresentar diploma da curso de Medicina do Trabalho, sob pena de lhes ser vedada a continuação do exercício das referidas funções.
5 - O médico e o enfermeiro do trabalho exercem as suas funções com independência técnica e em estrita obediência aos princípios da deontologia profissional.
6 - Considera-se enfermeiro do trabalho o enfermeiro com o curso de estudos superiores especializados de enfermagem de Saúde Pública com formação específica no domínio de saúde no trabalho.
7 - No caso de insuficiência comprovada de enfermeiros do trabalho qualificados nos termos referidos no número anterior, poderão ser autorizados pela Direcção Geral de Saúde a exercer as respectivas funções enfermeiros com o grau de bacharel, os quais, no prazo de cinco anos a contar da respectiva autorização, deverão apresentar o diploma de estudos superiores especializados previsto no número anterior, sob pena de lhes ser vedada a continuação do exercício das referidas funções.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto de alterações ao Decreto-Lei n.º 26/94, de l de Fevereiro - Estabelece o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene, e saúde no trabalho, aprovado, na especialidade, pela Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família [Ratificação n.º 115/VI], incluindo a proposta entretanto aprovada
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS. do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Aos Srs Deputados que pediram a palavra, ser-lhes-á dada agora apenas para, se quiserem, indicarem que vão fazer a entrega na Mesa de uma declaração de voto Se quiserem fazer uma declaração de voto oral ser-lhes-á dada a palavra no momento oportuno, que será após a conclusão de todas as votações
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.
O Sr Paulo Trindade (PCP):- Sr. Presidenta, pedi a palavra precisamente para dizer que o Grupo Parlamentar do PCP tenciona fazer uso do direito de declaração de voto oral no fim das votações.
O Sr Presidente (José Manuel Maia): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos passar à votação na especialidade das propostas relativas ao Decreto n.º 16/A71. Tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD) - Sr. Presidente, é que temos connosco um documento fornecido pelos serviços, enumerando as votações para hoje e do qual não constam as propostas que acabou de anunciar.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, não podiam constar porque as propostas que anunciei referem-se a um diploma discutido hoje, cuja discussão terminou antes da hora regimental para votações. Daí que sejam incluídas nas votações anteriormente agendadas e que vamos efectuar agora.
O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem, Sr. Presidente.
Aproveito para sublinhar que não afirmei que o nosso grupo parlamentar não desejava que essa votação não fosse efectuada hoje, mas apenas que fosse devidamente identificado o diploma que ia ser objecto de votação pois não estávamos preparados por não constar do documento que nos foi distribuído pelos serviços.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, a Mesa tem todo o gosto em elucidar a Câmara sobre os diplomas que vão ser objecto de votação.
repito, então, que vamos proceder às votações, na especialidade e final global, do diploma que consta do Boletim Informativo n.º 22, distribuído pelos serviços, que diz o seguinte: Nova apreciação e votação do Decreto da Assembleia da República n.º 161/VI, que estabelece a obrigatoriedade do porte de Documento de Identificação.
Julgo que estamos todos devidamente elucidados.
Srs. Deputados, vamos, então, votar a proposta de substituição do artigo 1.º do Decreto n.º 161A71, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e as abstenções do PS e do CDS-PP.
É o seguinte:
Artigo 1.º
(Dever de Identificação)
1 - Os agentes das forças ou serviços de segurança a que se refere a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, no artigo 14 º, n.º 2, alíneas a), c), d) e e), podem exigir a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre a mesma pessoa existam fundadas suspeitas da prática de crimes contra a vida e a integridade das pessoas, a paz e a humanidade, a ordem democrática, os valores e interesses da vida em sociedade e o Estado, ou tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual penda processo de extradição ou de expulsão.
2 - Os mesmos agentes só podem exigir a identificação depois de exibirem prova da sua qualidade e de terem comunicado ao identificando os seus direitos, e, de forma objectiva, as circunstâncias concretas que fundam a obrigação de identificação e os vários meios por que se pode identificar.
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3 - A omissão do dever de comunicação a que se refere o número anterior determina a nulidade da ordem de identificação.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs Deputados, vamos votar a proposta de substituição ao artigo 3.º, apresentada pelo PSD, cuja epígrafe e «Procedimento de identificação».
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e as abstenções do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É o seguinte:
Artigo 3.º
(Procedimento de identificação)
1 - Nos casos de impossibilidade de identificação nos termos do artigo anterior, ou nos casos de recusa de identificação, terá lugar um procedimento de identificação que consiste em conduzir o identificando ao posto policial mais próximo, onde permanecerá pelo tempo estritamente necessário à identificação e que não poderá, em caso algum, exceder duas horas.
2- O mesmo procedimento pode incluir, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de análoga natureza, as quais são destruídas, na presença do identificando, não se confirmando a suspeita, e ainda a indicação, peio identificando, de residência onde possa ser encontrado e receber comunicações.
3 - A redução a auto do procedimento de identificação é obrigatória em caso de recusa de identificação e é, nos demais casos, dispensada a solicitação da pessoa a identificar.
4 - Quando seja lavrado o auto, nos termos do número anterior, do mesmo será entregue cópia ao identificando e ao Ministério Público
5 - Quando se deva presumir que o identificando possa ser menor, os agentes das Forças ou Serviços de Segurança devem, de imediato, comunicar com os responsáveis pelo mesmo.
6- O procedimento de identificação será sempre comunicado a pessoa da confiança do identificando, quando este o solicite.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação da proposta de aditamento de um novo n.º 4, igualmente apresentada pelo PSD, cuja epígrafe é «Meios de identificação».
No caso de ser aprovada esta proposta de aditamento, o actual n º 4 passa a n º 5.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS e do CDS-PP e abstenções do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
Artigo 4.º
(Meios de identificação)
Quando o cidadão não possa identificar-se, por não ser portador de documento de identificação, o recurso ao procedimento a que se refere o artigo 3.º só terá lugar na impossibilidade de utilização dos seguintes meios:
a) Identificação por um terceiro devidamente identificado, que garanta a veracidade dos dados pessoais oferecidos pelo cidadão não portador de documento com que possa identificar-se;
b) Comunicação do identificando com pessoa da sua confiança, no sentido de apresentar, por via dela, os meios de identificação;
c) Acompanhamento do identificado ao lugar onde se encontrem os seus documentos de identificação.
O Sr. Presidente:- Si s. Deputados, vamos passar à votação final global das alterações entretanto aprovadas na especialidade.
Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independentes João Corregedor da Fonseca e abstenções do PS e do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos agora lazer a votação final global depois das alterações, porque isto será um novo decreto.
Portanto, votaremos os artigos entretanto alterados e os que ficaram, isto e, os artigos 2.º e 4 º, que passou a ser artigo 5.º
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP. de Os Verdes e do Deputado independentes João Corregedor da Fonseca e abstenções do PS e do CDS-PP.
Passamos agora às declarações de voto.
Para o efeito, tem a palavra o Sr Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O texto agora aprovado, apesar de introduzir algumas melhorias no Decreto-Lei n.º 26/94, não basta para tornar este aceitável.
Com efeito, corrigidos alguns erros e algumas lacunas, mantém-se a sua má estruturação e são ainda numerosas as insuficiências, as omissões e indefinições e mesmo ambiguidades A lei continua, pois, a não servir os objectivos visados. Por exemplo, os conceitos vagos e as ambiguidades, quanto às qualificações dos técnicos da segurança, mantêm-se. Veja-se a contradição entre as exigências estabelecidas no artigo 21.º e o laxismo do artigo 30 º que permite aos trabalhadores sem as habilitações exigidas poderem exercer funções de direcção ou técnicas, atribuindo ao IDICT a comprometedora tarefa da certificação da sua idoneidade.
E que dizer da permissão da actividade da segurança poder ser exercida pelos próprios empregadores com «formação adequada»? Como se alguém ignorasse o conflito de interesses existentes entre os empregadores e os trabalhadores em matéria de prevenção e como se alguém soubesse o significado da expressão «formação adequada». Não diz nada e permite tudo!
Mas o PSD achou por bem manter estas aberrações e a maioria manda!
Mantêm-se, pois, as ambiguidades e as indefinições de conceitos que certamente vão dificultar ou mesmo impedir a acção eficaz da Inspecção-Geral do Trabalho. Será isto o que se pretende?
E que dizer quanto ao exercício da medicina do trabalho?
Pelo Decreto-Lei n.º 47512, de 1967, agora revogado, o médico do trabalho era completamente esclarecido sobre as suas obrigações quantos aos exames médicos, sua periodicidade e seus objectivos, quanto às visitas aos locais de trabalho, quanto ao ensino da educação para a saúde e da
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formação de socorrristas e, quanto ao seu relacionamento com a Direcção-Geral de Saúde. Sabia que não fazia parte das suas obrigações a fiscalização das ausências ao trabalho e a prática da medicina curativa, com a excepção dos casos de acidente ou de doença súbita. Também sabia que tinha o direito de ser informado das tecnologias utilizadas, dos produtos manipulados e de possuir os meios necessários para avaliar das condições físicas dos locais de trabalho (ruídos, poeiras, irradiações, gases, temperatura, humidades, etc.) e para fazer investigação sobre as patologias relacionadas com o trabalho Sabia, ainda, que a sua actividade era submetida ao julgamento da Direcção-Geral de Saúde, a quem tinha de prestar contas.
E, curiosamente, mantém-se no n.º 3 do artigo 23.º, que permite que a idoneidade técnica seja concedida ao abrigo do Decreto-Lei n.º 47512, que agora é revogado, embora seja mais correcto do que este.
E agora? No diploma que vai resultar do texto hoje aprovado tudo isto é omisso e de nada valeram as propostas que apresentámos para corrigir esta situação, porque o PSD não compreendeu nem a necessidade nem a nossa intenção e votou contra. E como não compreendeu a enorme importância do contributo que seria dado pela participação dos trabalhadores no planeamento de acções de prevenção, no seu acompanhamento e na avaliação dos resultados, também votou contra a nossa proposta.
Não precisamos de citar mais factos negativos para podermos concluir que, por obra e graça do PSD. vamos continuar a ter uma lei mal concebida, uma lei inaceitável que não vai permitir alcançar os objectivos desejados: melhorar as condições de trabalho, promover a saúde dos trabalhadores e eliminar os riscos de acidentes e de doenças profissionais.
Eis as razões por que o PS votou contra o texto hoje aprovado.
Resta-nos a esperança de que, a curto prazo, um novo Governo, que não do PSD, lhe dê o destino que merece: o cesto dos papéis. Porque, lá diz o povo «Quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita».
Aplausos do PS.
O Sr Presidente (José Manuel Maia)- - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr Deputado Paulo Trindade.
O Sr Paulo Trindade (PCP) - Sr Presidente, Srs Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP requereu tempestivamente a ratificação do Decreto-Lei n º 26/94, de 1 de Fevereiro, que estabelece o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Por considerar que o diploma em causa constituía um evidente retrocesso relativamente à legislação em vigor, pelas deficiências de ordem técnico-jurídica de que enferma o decreto-lei em causa, que conduziram à sua inaplicabilidade, pela subalternização dos princípios da segurança, higiene e saúde no trabalho à vontade do patronato, permitindo, inclusive, violações de princípios deontológicos, e, fundamentalmente, por afastar os principais interessados - os trabalhadores - e as suas organizações representativas de toda e qualquer forma de participação relativamente ao exercício de direitos fundamentais, o Grupo Parlamentar do PCP propôs, oportunamente, a não ratificação do Decreto-Lei n º 26/94.
O próprio Grupo Parlamentar do PSD foi forçado a reconhecer a aberração jurídica consubstanciada no Decreto-Lei n.º 26/94, tendo apresentado propostas de alteração, o que determinou a respectiva apreciação, na especialidade, em sede de Comissão.
Por parte do Grupo Parlamentar do PCP demos mostras de um efectivo empenhamento em transformar o Decreto-Lei n. º 26/94 num instrumento jurídico minimamente coerente que respeitasse os direitos dos trabalhadores e dos profissionais da medicina no trabalho, tendo, para o efeito, apresentado propostas em conformidade.
Lamentavelmente, e apesar do Grupo Parlamentar do PCP ter utilizado todos os instrumentos regimentais ao seu alcance, o PSD apenas aceitou aperfeiçoamentos de ordem técnico-jurídica, limitando-se a uma operação cosmética, mantendo uma posição de total intransigência quanto às questões de fundo, mesmo em relação às que revelam incongruência e um nítido retrocesso legislativo.
Entre outras, permanecem abertas inúmeras vias para que o patronato se desresponsabilize de obrigações na área da higiene, segurança e saúde no trabalho; afasta-se a possibilidade de participação dos trabalhadores e das suas organizações representativas: e permite-se a violação de princípios deontológicos que regem o exercício da actividade dos profissionais da medicina.
Daí a posição do Grupo Parlamentar do PCP quanto à votação final global da presente ratificação, com a perfeita consciência de estarmos em consonância com os mais elementares direitos dos trabalhadores e dos profissionais da medicina no trabalho e com a esperança de que o Decreto-Lei n º 26/94 tenha uma vida curta no nosso ordenamento jurídico.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Srs. Deputados, terminámos a ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, e compreende um período de antes da ordem do dia, para declarações políticas e tratamento de assuntos de interesse político relevante, e um período da ordem do dia, no qual serão apreciadas as propostas de resolução n.ºs 82/VI- Aprova, para ratificação, o Acordo que cria a Organização Mundial do Comércio, seus Anexos, Decisões e Declarações Ministeriais e a Acta Final que consagra os resultados das negociações comerciais unilaterais do Uruguay Round, assinados em Marraquexe, em 15 de Abril de 1994 e 80/VI- Aprova, para ratificação, o Tratado entre os Estados Membros da União Europeia e o Remo da Noruega, a República da Áustria, a República da Finlândia e o Reino da Suécia, Relativo às Condições de Adesão e às Adaptações dos Tratados em que se Fundamenta a União Europeia, Anexos, Protocolos e Acta Final e respectivas Declarações, a proposta de lei n º 106/VI - Regula a exequibilidade em Portugal de decisões tomadas ao abrigo do artigo 110.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, bem como o Orçamento da Assembleia da República para 1995. À hora regimental haverá lugar a votações.
Resta-me chamar a vossa atenção para a Sessão Solene de Boas-Vindas ao Presidente da República da Turquia, que terá lugar cerca das 16 horas, na Sala do Senado.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.
Partido Social-Democrata (PSD):
António de Carvalho Martins
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António Maria Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Albino da Silva Peneda.
José Manuel Numes Liberato
José Pereira Lopes.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Domingos Duarte Lima.
Francisco João Bernardino da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Mana Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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