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Sábado, 21 de Janeiro de 1995

I Série - Número 34

VI LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE JANEIRO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.

Deram entrada na Mesa o projecto de lei n.º 484/VI, a audição parlamentar n.º 30/VI e a interpelação n.º 21/VI.
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Raul Brito (PS) solicitou esclarecimentos ao Governo sobre a notícia veiculada pôr O Independente relativa à reparação, por parte das OGMA, de helicópteros para a Indonésia. Acerca do mesmo assunto, e além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Meneies), intervieram igualmente os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Mano Tomé (Indep ). Isabel Castro (Os Verdes) e Nuno Delerue (PSD).
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 292/94, de 16 de Novembro, que cna o Gabinete Nacional SIRENE [ratificação n.º 129/VI (PCP)], tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), José Magalhães (PS). Isabel Castro (Os Verdes), Fernando Condessa (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Após o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades
Portuguesas e Cooperação sobre a proposta de resolução n.º 84/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo Relativo às Consequências da Entrada em Vigor da Convenção de Dublim sobre Determinadas Disposições da Convenção de Aplicação do Acordo de Scliengen. fizeram intervenções, além dos Srs. Secretários de Estado para os Assuntos Europeus (Vítor Martins) e Adjunto do Ministro da Administração Interna, os Srs. Deputados Luís Sá (PCP) e José Magalhães (PS)
Foi debatida a proposta de resolução n.º 86/VI - Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho de 31 de Outubro de 1994. relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (94/728/CEE, EURATOM) Depois de o Sr. Deputado Luís Geraldes (PSD) ter apresentado o relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, intervieram a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Norberto Rosa), os Srs Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS), António Murteira (PCP). Luís Amado (PS) e Isabel Castro (Os Verdes)
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 5 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Bairosa Pereira Dias.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abrem.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Parolo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Mana Pereira Leite Lóla Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amarai.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Cosia Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.

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Guilherme Valdemar Pereira Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Abilo Domingues Gala.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 484/VI - Elevação da localidade de Pevidém a vila (PSD), que baixou à 5." Comissão; audição parlamentar n.º 30/VI - Sobre risco sísmico em Portugal (PS), que baixou à 5.ª Comissão, e interpelação n.º 21/VI- As responsabilidades do Governo na grave crise social e económica e consequente crise política e institucional (PCP).
Esta interpelação ao Governo será discutida no próximo dia 25, às 15 horas.
Devo ainda anunciar que vai reunir hoje a Comissão de Assuntos Europeus, às 11 horas.

O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Brito (PS): - Sr. Presidente, como será já do conhecimento de V. Ex.ª, o jornal O Independente de hoje relata que as OGMA terão reparado helicópteros para a Indonésia. Esta situação é extremamente grave, julgávamos mesmo impensável, e, naturalmente, desacredita toda a diplomacia portuguesa e tudo aquilo que o nosso país tem vindo a fazer nos fórum internacionais pela defesa da nossa credibilidade sobre a questão de Timor Leste.
Efectivamente, não é compreensível que, andando o nosso país a pedir aos seus aliados e aos países amigos para que não procedam à venda de material de guerra aos Indonésios, seja o país que é potência administrante a fazer a venda de sobressalentes a esse mesmo país.
Sr. Presidente, penso que esta situação merece um esclarecimento imediato, pelo que peço a V. Ex.ª que reúna, o mais rapidamente possível, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, para tomar uma medida urgente sobre esta questão e para que, no mais curto espaço de tempo possível, se dê um esclarecimento no sentido de tentar minorar os efeitos desastrosos que este acontecimento, a ser verdadeiro, provocará à credibilidade do nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, também quero interpelar a Mesa no mesmo sentido do Sr. Deputado Raul Brito.

É que, perante a situação concreta, e estando o Plenário a funcionar, não haverá qualquer razão para que não se possa, sem qualquer atropelo regimental, criar aqui o espaço necessário para ouvir, de imediato, o Sr. Ministro da Defesa Nacional sobre este assunto.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Os Srs. Deputados vêem algum inconveniente em que o Sr. Ministro da Defesa Nacional venha aqui explicar o que é que se passa? Do vosso ponto de vista, isso cria dificuldades ao Sr. Ministro da Defesa Nacional?

Sr. Presidente, insisto na proposta que fiz!

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, não vou repetir o que já foi dito. Apenas quero dizer que estou inteiramente de acordo com a proposta que o Sr. Deputado João Amaral apresentou. Acho que, a ser verdade este assunto, os indícios são, de facto, preocupantes. É uma situação insustentável, intolerável, para o Governo, pondo em causa a sua própria continuidade.
Já agora quero dizer que o Sr. Ministro da Defesa - e isto é uma questão de princípio, pelo menos, devia ser assumida como tal - começa a ser o homem que não sabia demais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, também sobre esta questão, pensamos que, perante a gravidade das afirmações vindas a público, se efectivamente a questão de Timor Leste é para o PSD importante como tem pretendido demonstrar nos últimos anos, julgo que não há razão alguma para que não esteja interessado em que a veracidade dos factos seja apurada. Aliás, penso que esta urgência é particularmente pertinente quando, por iniciativa também deste Parlamento, se vai realizar uma Conferência Inter parlamentar precisamente sobre a questão de Timor Leste.
Por isso, é opinião de Os Verdes que esta questão deve, desde já, trazer o responsável do Governo ao Parlamento.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, no mesmo sentido, quero comunicar a V. Ex.ª e à Câmara que é entendimento do PSD que estas questões devem ser tratadas com a seriedade que merecem. Em todo o caso, não quero deixar de afirmar, em nome do meu grupo parlamentar, que não vejo, desde já, qualquer inconveniente em que a comissão de inquérito, que está constituída e que foi votada já neste Plenário, tenha o seu âmbito alargado também para o tratamento desta questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr. Presidente, peço também a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, apenas para demonstrar a disponibilidade do Governo para que, caso V. Ex.ª considere que a proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS se deve concretizar, possamos fazer uma Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, onde, com seriedade, se discuta este assunto - mas não nos termos em que foi aqui colocado por alguns dos Srs. Deputados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ouvi as considerações de VV. Ex.ªs e, naturalmente, este é um tema que também me preocupa. Tenho a consciência de que, apesar da urgência, não vamos resolver qualquer problema, mas temos necessidade de tornar claro este assunto o mais rapidamente possível.
Reservo-me, pois, a possibilidade de convocar, para o início da tarde, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, a fim de analisarmos a questão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem de trabalhos diz respeito à apreciação do Decreto-Lei n.º 292/94, de 16 de Novembro, que cria o Gabinete Nacional SIRENE (ratificação n.º 129/VI).
Nos termos regimentais, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, um dos autores do pedido de ratificação.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Grupo Parlamentar do PCP chamou à ratificação da Assembleia da República o decreto-lei que criou, na dependência do Ministro da Administração Interna, o Gabinete Nacional SIRENE, designação importada que representa a abreviatura de Suplementary Information Required at the National Entries.

O Sr. Deputado Rui Gomes Silva (PSD): - Ah... fala inglês e tudo!

O Orador: - Sr. Deputado, acho bem que faça essa observação porque, lamentavelmente, foi vertida uma sigla da língua inglesa para a versão portuguesa que não nos parece muito adequada.
Este Gabinete constitui, nos termos do preâmbulo deste decreto-lei, o complemento indispensável para que cada Sistema Nacional de Informação Schengen possa satisfazer exigências de funcionamento impostas pela Convenção de Aplicação do Acordo Schengen e por um estudo de viabilidade que alguém terá apresentado, em Novembro de 1988, aos ministros e secretários de Estado dos cinco países fundadores desse Acordo.
Assim, para além do sistema informático, o Sistema Nacional de Informação Schengen terá, no gabinete SIRENE, o complemento organizativo que fornecerá, de modo bilateral ou multilateral, as informações solicitadas pelos utilizadores do Sistema de Informação Schengen. Será este gabinete o "único responsável (...)" - e estou a citar o decreto-lei - "(...) pela ligação pelos restantes Estados membros do Acordo Schengen e da Convenção de Aplicação, no âmbito do estabelecimento de relações conexas ao sistema de informação Schengen, o qual constitui uma unidade orgânica integrada no Sistema Nacional de Informação Schengen.
O que sabe a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses, nacionais ou residentes de qualquer país do chamado espaço Schengen, acerca do que tudo isto representa para a sua vida? Seguramente nada! Saberão apenas os

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cidadãos medianamente informados que o Gabinete Sirene será algo integrante de um sistema também designado por SIS (Sistema de Informação Schengen), que decorre da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, a que Portugal aderiu, e que todos estes acordos, convenções, sistemas e gabinetes constituem as muralhas de uma fortaleza policial europeia construída em redor de Schengen, inexpugnável à compreensão da grande maioria dos cidadãos.
Este processo, que teve o seu início visível com a assinatura do Acordo de Schengen em 1985, e que terá como ponto culminante a respectiva entrada em vigor provavelmente este ano, tem-se traduzido na construção, pedra sobre pedra, do edifício faraónico de uma super-polícia do espaço Shengen, construída sem qualquer controlo democrático.
As instituições erguidas em torno do Acordo de Shengen e da respectiva convenção, de que o sistema ide informações e os Gabinetes SIRENE constituem o núcleo duro, corporizam uma Europa das polícias, construída e destinada a funcionar à margem e longe do controlo dos cidadãos, dos parlamentos nacionais, das instituições da União Europeia e, sabe-se lá, de alguns governos signatários.
A pretexto da liberdade de circulação num espaço sem fronteiras interiores, o que está a ser construído na Europa, através de uma densa malha legislativa e institucional, é um espaço xenófobo, fechado ao mundo, guardado por um gigantesco sistema policial, potencialmente incontrolável e violador de direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate é mais um momento para que possamos exprimir a frontal oposição do PCP ao Acordo de Schengen, à respectiva Convenção de Aplicação e à adesão de Portugal a esses acordos! Demarcamo-nos claramente e lamentamos profundamente a atitude dos partidos defensores desses acordos (PSD,, PS e CDS), que impuseram a sua súbita aprovação pela Assembleia da República, inviabilizando um debate minimamente aprofundado sobre as suas consequências e sem que nada justificasse tamanha celeridade.
Este debate é, portanto, mais uma oportunidade para deixar bem claro que o PCP considera intolerável o défice democrático e a menorização da Assembleia da República que acompanharam a imposição a Portugal dos Acordos de Schengen. E é também mais uma oportunidade para repudiar com veemência a construção de uma Europa em que, a pretexto da supressão do controlo das fronteiras internas, se reforcem e sofistiquem os mecanismos de controlo policial sobre os cidadãos em geral e se introduzam limitações à entrada de estrangeiros e à sua liberdade de circulação, que chegam a ser atentatórios da sua dignidade e que violam inclusivamente direitos fundamentais.
E é também mais uma oportunidade para reafirmar a nova oposição a uma política do Estado português que, em obediência aos ditames de Schengen, sacrifica os. laços de amizade que unem Portugal aos países de língua portuguesa, abdica de valores humanitários que são caros, ao nosso povo e abre mão de poderes soberanos inalienáveis.
O PCP condena a adopção de uma legislação sobre estrangeiros que ameaça de expulsão administrativa dezenas de milhares de cidadãos de países de expressão portuguesa que vivem em Portugal em situação, irregular, na medida em que o Governo não adoptou as medidas indispensáveis para viabilizar a sua regularização! O PCP condena a aceitação de uma política de harmonização de vistos no espaço Schengen, que não tem minimamente em conta os legítimos interesses nacionais.
Aquando das alterações à legislação portuguesa sobre o direito de asilo o Governo veio agitar publicamente e perante a Assembleia da República o espantalho da imigração ilegal para justificar a introdução de graves limitações ao direito de asilo, quando as verdadeiras razões determinantes dessas alterações residem na abdicação de interesses nacionais e de valores de solidariedade humanista em favor dos interesses ditados pelo fecho ao exterior de uma Europa-fortaleza sediada em redor de Schengen.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A motivação próxima deste debate tem, no entanto, a ver com as complexas e graves questões suscitadas pelo SIS, de que o Gabinete SIRENE é parte integrante fundamental.
A primeira questão essencial respeita aos objectivos da criação do Sistema de Informação Schengen que não se destina só, nem principalmente, a assegurar a liberdade de circulação dos cidadãos no espaço Schengen. O Sistema de Informação Schengen tem por objectivo "preservar a ordem e a segurança pública, incluindo a segurança do Estado". O Sistema de Informação Schengen é, portanto, um gigantesco banco de dados pessoais ao serviço de um gigantesco sistema policial com características transnacionais.
A segunda questão respeita à aplicabilidade das normas sobre protecção de dados pessoais informatizados. Se é verdade que existe em Portugal legislação relativa à protecção dos direitos dos cidadãos face à informatização de dados pessoais também é verdade que o funcionamento do Sistema de Informação Schengen assenta pela base na derrogação, ou na excepção, a proibições estabelecidas, desde logo a da transmissão de fluxos de dados tansfronteiras.
Por outro lado, se pensarmos que o universo de utilizadores nacionais do Sistema de Informação Schengen, estabelecido no decreto-lei que cria o Gabinete SIRENE, é nada menos do que a GNR, a PSP, o SEF, a DGA, a PJ e a DGACCP é justo que nos interroguemos sobre o alcance real da proibição de interconexão de ficheiros de bases e bancos de dados pessoais e sobre o alcance prático da disposição que proíbe a atribuição de um mesmo número de cidadão para efeitos de interconexão de ficheiros automatizados de dados pessoais que contenham informações de carácter policial ou criminal.
Sempre se perguntará, para além disso, qual a legitimidade do acesso a dados de natureza policial por parte de entidades que não têm funções de polícia criminal.
Em resumo, apesar das proibições legais, o Sistema de Informação Schengen não é menos do que um banco de dados pessoais informatizados ao serviço de todas as polícias e de outras entidades nacionais e estrangeiras.
Uma terceira questão torna tudo isto ainda mais grave. É que a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen prevê a utilização do sistema de informações para levar a efeito operações de vigilância policial sobre cidadãos concretos, potencialmente à margem do processo penal. Refiro-me as operações de "vigilância discreta" que podem incidir não apenas sobre os cidadãos visados mas também sobre os seus acompanhantes ou sobre os ocupantes de determinado veículo e às operações chamadas de "controlo específico" que se traduzem na revista de pessoas ou veículos.
Quem controla a utilização do Sistema de Informação Schengen para efeitos de vigilância discreta? Quem tutela os direitos dos cidadãos "discretamente" vigiados ou "especificamente" controlados?
Uma quarta questão tem importância crucial: quem controla tudo isto? Esta questão relaciona-se directamente com as competências do Gabinete SIRENE. De facto, o Gabinete SIRENE é o dono do sistema, é uma autoridade administrativa na dependência do Ministro da Administração Interna, que, relativamente ao Sistema de Informação

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Schengen, assume poderes exorbitantes. O Gabinete SIRENE insere dados, modifica-os, completa-os, rectifica-os, extingue-os, remedeia problemas de articulação entre o Sistema de Informação Schengen e a INTERPOL, consulta instâncias estrangeiras, recebe e comunica informações e vela pela aplicação da lei. Em suma, é a super-polícia. Quem a controla e como? Nada está menos claro!
Se é verdade que a Comissão Nacional de Dados Pessoais Informatizados (CNEDPI) foi investida de funções de controlo da parte nacional do Sistema de Informação Schengen, também é verdade que em ponto algum do decreto-lei relativo ao SIRENE se faz qualquer referência à forma assumida por esse controlo. Aliás, o decreto-lei ignora, pura e simplesmente, a autoridade nacional de controlo. Nem se sabe, pois, se e como será esse controlo exercido nem que condições práticas efectivas terá a autoridade nacional de controlo para controlar seja o que for.
Por outro lado, o decreto-lei adopta a solução legislativa bizarra de prever a existência de um magistrado do Ministério Público de serviço ao Gabinete SIRENE. Solução bizarra, porquanto é evidente que os mais diversos procedimentos relacionados com o funcionamento do Sistema de Informação Schengen hão-de carecer, não de controlo da legalidade e de validação do Ministério Público, como refere o decreto-lei, mas mais do que isso: terão de ser exercidos sob a dependência funcional do Ministério Público e, eventualmente, sob controlo judicial. Daí que a figura do magistrado "às ordens" do Gabinete SIRENE, criada pelo decreto-lei, se afigura no mínimo bizarra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo o que foi dito, a aplicação do Acordo de Schengen, nos termos da respectiva convenção e de que o Sistema de Informação Schengen e o Gabinete SIRENE são peças fundamentais, suscita as maiores apreensões do ponto de vista da salvaguarda dos direitos e liberdades dos cidadãos. Por esta via, estaremos seguramente a caminho de uma Europa das polícias que pode acabar por vencer a Europa dos cidadãos.
Pela nossa parte, recusamos a ratificação do decreto-lei que cria o Gabinete Sirene.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Temos tido em relação às questões suscitadas pelo cumprimento da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, temos tido uma posição que julgamos clara e coerente.
Por um lado, cremos que são de rejeitar leituras securitárias que desliguem a construção da "Europa das liberdades" da construção da "Europa da segurança" e que as duas coisas devem ir de par. Esta é uma atitude eminentemente responsável, com enormes implicações e exigências. Ou seja, não acreditamos que num espaço europeu tendencialmente sem fronteiras seja possível fechar olhos às formas sofisticadas de criminalidade transfronteiras ou sem fronteiras que, inevitavelmente, se geram, estão a gerar-se, sobretudo num contexto em que a fronteira tradicional a Leste cessou de existir nos termos característicos na era do Muro de Berlim.
As novas condições de segurança decorrentes do desaparecimento desse Muro e as novas condições de perigosidade, designadamente em relação à criminalidade altamente organizada e à forma sofisticada de uso de telecomunicações e meios de ocultação de instrumentos criminosos, exigem da parte dos Estados da União Europeia medidas de concertação, de articulação e de sofisticação para garantir aos cidadãos europeus a segurança a que também têm direito e que faz parte do nosso pacto fundador, aquele em que mais e mais europeus podem reconhecer-se.
Não creio que os europeus pudessem reconhecer-se numa Europa de medo, numa Europa de insegurança, numa Europa cujas fronteiras, ou a falta delas, significassem a devassa e a livre circulação de toda a espécie de organizações criminosas. Para nós, a preocupação em relação a esse elemento é tão central quanto a preocupação em evitar que as considerações de segurança asfixiem as liberdades.
No caso da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, houve a preocupação de estabelecer, por um lado, regras materiais de limitação da informação policial, regras que proíbem a colheita de determinadas informações e que fazem com que as polícias europeias não devam ser instrumentos que não poderiam mover-se no quadro de um Estado de direito democrático, que é o modelo a que estamos obrigados.
Em segundo lugar, preocupámo-nos em criar instituições de controlo. Essas instituições de controlo são, por um lado, as novas - a autoridade central no que diz respeito ao Sistema Informático Schengen, ao SIS Schengen - e, por outro lado, as autoridades nacionais de controlo, às quais cabe, a cada uma delas e a todas, um papel articulado de garantia do cumprimento das nossas Constituições, das nossas leis e da própria Convenção de Aplicação que prevê, neste domínio, um conjunto alargado de regras, de cautelas, de elementos de prudência que devem ser tomados à letra.
Por outro lado, é suposto que funcionem normalmente as instituições, a começar- naturalmente, Srs. Deputados! - pela instituição parlamentar e seus órgãos fiscalizadores, incluindo as suas comissões de liberdades, como é o caso da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e da Subcomissão de Administração Interna.
Finalmente, é normal e é indispensável que funcionem os tribunais, em todas as suas dimensões, com todos os seus poderes.
E, Sr. Presidente, se há défice de actuação de qualquer destas instituições - e há! -, isso deve-se apenas, neste momento, a uma atitude de obstrução da maioria parlamentar. Todavia, isso não deve impedir-nos de considerarmos o sistema, tal qual ele é necessário para um funcionamento eficaz no quadro europeu, sendo certo que não acreditamos que esta maioria seja eterna. Portanto, o sistema pode ser bem aplicado, o sistema pode ser melhor aplicado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por outro lado, não nos reconhecemos na leitura que o Governo tem feito da Convenção de Aplicação no tocante à política de estrangeiros. Tudo o que aqui diga sobreabunda porque a posição do Grupo Parlamentar do PS é inteiramente clara nesse aspecto, traduzida, designadamente, no voto que assumimos em relação a todos e a cada um dos instrumentos que o Governo fez passar nesta sede, contra o nosso voto, em matéria de restrição de direitos de cidadãos.
Quanto a este diploma, gostaria de dizer apenas três coisas nesta fase.
Primeiro, foi pena que o Governo não tivesse submetido este diploma à Comissão Nacional de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados (CNPDPI), que deveria ter tido a possibilidade de se pronunciar sobre ele em termos devidos.
Em segundo lugar, não compreendemos a omissão de determinadas cautelas que teria sido prudente inserir no articulado. Não porque elas não valham, já que a Conven-

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cão de Aplicação do Acordo de Schengen está de pé, é obrigatória, está vigente e, portanto, tudo o que determina, tudo o que prevê em relação à defesa de direitos dos cidadãos é directamente aplicável pela CNPDPI, é directamente invocável pelos cidadãos portugueses, é obrigatório para todas as polícias e todos os interventores.
Mas, à cautela, Sr. Secretário de Estado, teria sido bom transcrever para este decreto-lei algumas dessas precauções materiais, designadamente quanto a proibições de acesso, proibições de recolha de determinadas informações e controlos que a nossa lei prevê e são obrigatórios. Teria sido tomada uma cautela e, assim, teria sido escusado ouvir algumas dúvidas e ambiguidades interpretativas como as suscitadas há pouco pelo Sr. Deputado António Filipe.
Em terceiro lugar, o Governo - e é a única coisa que espero deste debate; confesso-o francamente -, em relação à lista de entidades com acesso ao sistema, que conterá um vastíssimo acervo de informação, extremamente importante, tomou posições diferentes, na esfera interna e na esfera internacional. Ou seja, o sistema vai ter milhões de informações, as informações servem para combater o crime, devem ser utilizadas apenas para esse efeito e não devem ser outras que não as necessárias para combate ao crime. Isto é, no sistema de informações não deve haver informação sobre pessoas inocentes ou cidadãos não colocados sob suspeita - e nós somos fiéis de que isso não acontece. Ou seja, a CNPDPI, a Assembleia da República, as instituições portuguesas, têm de dar aos portugueses a garantia de que é para isso que serve o sistema de informações e não para juntar informações ilícitas, devassadoras da privacidade, sobre portugueses ou estrangeiros.
Reunidas essas informações, a questão está em. Saber quem pode aceder a elas. E uma questão crucial. Ora, em relação a esta questão, o Governo tem duas posições; a que está no decreto-lei e que nos dá um rol de entidades, aliás, bastante grande, e a posição que apresentou na autoridade adequada - Schengen. Nessa lista, contida no documento SCHORSIS-SIRENE 9226, o Governo inclui, além das entidades todas que constam do decreto-lei, também os magistrados do Ministério Público e os juizes de instrução criminal. Não o fez neste decreto-lei mas fê-lo na referida lista. E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não pode ser! Ou uma coisa ou outra: não pode haver duas listas válidas, não pode haver entidades com direito de acesso face a regras com valor externo e a instrumentos normativos externos e uma outra lista de entidades internas.
Para além disto, não sei se se justifica conceder a todos os magistrados do Ministério Público e a todos os juizes de instrução criminal, assim, sem mais, sem especificação de missões, sem especificação de condições, sem especificação de restrições, o direito de acesso ao maior banco de dados que alguma vez foi acessível a partir de Portugal, contendo indicações de pessoas, procuradas, perigosas, de objectos roubados, toda a espécie de indicações, incluindo tipo de armas de fogo, e outras. Não pode ser! Tem de haver regras - como é evidente, digo isto sem colocar qualquer suspeição em relação às magistraturas - que condicionem o acesso, que definam as condições de acesso, em suma, que limitem o acesso.

r. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto é de que possamos ainda discutir esta matéria com o Governo e com a CNPDPI, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
A próxima entrada em vigor do Sistema de Informação Schengen exige uma reflexão de fundo e um balanço, pelo que a nossa proposta é a de que os façamos em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Por parte do Grupo Parlamentar do PS existe a mais clara disponibilidade em contribuir para esse balanço e para essa reflexão, para que tenhamos liberdade e segurança, para que Schengen seja símbolo de liberdade e de segurança e não o símbolo odioso de uma Europa asfixiada e sem liberdades. É este o nosso voto, é este o nosso empenhamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Penso que SIRENE, Schengen ou SIS são, tão-só, siglas, siglas herméticas, de nomes que nada dizem, objectivos que não são claros, controlos que não existem.
A meu ver, é isto que é fundamental e está em discussão nesta ratificação, e não exactamente detalhes no sentido de ver como é que aquilo, que é hoje, sem dúvida, uma forma de amputação e de cerceamento de direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, pode ser suavizado com fórmulas que evitem críticas ou que mexam em detalhes numa perspectiva tão-só de tornar menos odioso, perante a opinião pública, aquilo que efectivamente este sistema corporiza.
Ora, o que está em causa, o que hoje aqui se discute, do nosso ponto de vista, é a lógica da proliferação de ficheiros, da devassa da intimidade dos cidadãos, da amputação de direitos, de cerceamento de uma Europa cada vez menos de liberdade e de direitos dos cidadãos mas cada vez mais de autoritarismo e de liberdades condicionadas.
É isto o que, em nosso entender, está em causa e pensamos que seria interessante que o Parlamento português reflectisse sobre o que é paradoxal na evolução da história da Europa.
A informática - hoje utilizada democraticamente como um meio de comunicação entre pessoas, como uma forma de aproximação, numa perspectiva democrática, como um meio emancipador e libertador dos indivíduos - é utilizada de uma forma perversa, como um elemento de domesticação, de amputação de liberdades, de controlo social. É disto que se trata, pelo que outras divagações sobre esta questão são hipócritas, podendo justificar interesses que alguns, pessoalmente, possam ter nesta matéria. Justificar opções de partidos em matéria de construção europeia na concepção que têm de segurança não é, seguramente, uma intervenção que possa justificar uma perspectiva emancipadora, libertadora e democrática da construção europeia, como nós, Partido Ecologista "Os Verdes", entendemos.
Portanto, este problema que se coloca é um paradoxo numa Europa onde cada nova pseudo-liberdade concedida tem, desde logo, implícita uma nova forma de limitação de outras liberdades. No fundo, o balanço entre aquilo que aparentemente se dá e o que em troca se retira é manifestamente em desfavor dos direitos dos cidadãos europeus. É esse o problema que se coloca.
Schengen é, enfim, a ponta do iceberg de uma política que, em nome da segurança, se estabeleceu. Schengen estava associado, dizia-se, à liberdade de circulação, liberdade que, na Europa, não é clara nem tão-pouco sinónimo de igualdade de tratamento dos cidadãos europeus. Os exemplos são múltiplos, a forma como os cidadãos portugueses, noutros países da União, são tratados é disso inequívoco testemunho.

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Mais, parece-nos que toda a ideia de construção de uma Europa de direitos, designadamente de igualdade de direitos dos cidadãos, em matéria de participação cívica de direito ao voto, foi veiculada para a opinião pública de uma forma enganadora. E veja-se a forma como a evolução se está a fazer relativamente ao direito ao voto dos cidadãos na União. No Luxemburgo, há derrogações relativamente ao direito ao voto para as autarquias locais. Hoje, essas derrogações alargam-se a outros países.
Portanto, estamos num caminho de retrocesso, de limitações, no caminho de uma ditadura suavemente burilada, o que, em nosso entender, é extremamente preocupante. Por isso, não podemos, em coerência, recusando esta perspectiva, dita de segurança, abdicar de uma outra visão de cooperação e de relação da Europa, do Espaço Europeu, com o resto do Planeta, tendo em conta a forma como se continua a tentar impor uma política que tem, em nossa opinião, para Portugal efeitos extremamente negativos na sua relação com países de língua oficial portuguesa, além dos reflexos que também tem na política de emigração.
Pensamos que o que hoje se discute faz parte integrante de toda esta lógica, de toda esta arquitectura, que nós, Partido Ecologista "Os Verdes", recusamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não vou comentar ponto a ponto algumas das observações feitas pelos Srs. Deputados que já falaram, até porque o Governo vai intervir na pessoa do Sr. Secretário de Estado e com mais propriedade responderá às questões levantadas.
No entanto, não gostaria de deixar de registar que, em relação a alguns comentários críticos feitos por alguns Srs. Deputados, o próprio Partido Socialista acabou por desmontá-los completamente, sendo certo que, ao reconhecer que a ideia de que era preciso defender algo já estava defendida, vem falar numa política de cautelas, o que, no fundo, significa uma política de recopiar o que já está na legislação do Direito convencional como instrumentos de defesa efectiva dos direitos dos cidadãos, considerando, portanto, as necessidades de segurança com as de defesa dos direitos individuais.
A verdade é que estamos perante um debate que se complementa com outros que já aqui foram feitos, ligados, desde logo, à Convenção de Schengen, sendo certo que se trata de um complemento necessário à aplicação, ao funcionamento, do próprio Sistema de Informação Schengen a nível nacional, medido na base do próprio artigo 108.º da Convenção de Schengen. Trata-se de dar a indispensável operacionalidade ao Sistema.
Ora, como é sabido, a Convenção de Schengen cria um ficheiro informatizado, acessível aos Estados, com base nos artigos 91.º a 101.º da Convenção, que é o Sistema de Informação Schengen, para coordenar o conjunto das acções previstas em matéria de segurança e tornar mais eficaz a cooperação entre as instâncias e os serviços policiais competentes.
No fundo, do que aqui se trata é, com este Gabinete, de dar tradução ao que já estava previsto nas regras que Portugal já tinha ratificado e que já constam do Direito anterior, ratificada a Convenção de Schengen.
Há questões que se levantam e fazem-se alguns comentários no sentido de que estaria aqui em causa uma dada "Europa dos polícias", algo à margem dos cidadãos. Como é óbvio, o que está em causa é, efectivamente, propiciar o objectivo da eliminação das fronteiras internas, não permitindo que prolifere livremente a criminalidade no plano supranacional. O que está em causa é não permitir que a futura Europa seja uma "Europa da criminalidade". O que está em causa é, precisamente, pôr os Estados a cooperar com esse escopo de fazer uma Europa onde haja segurança, sem prejuízo - o que nunca esteve em causa em qualquer debate ou diploma - do respeito pelos direitos dos cidadãos, tal como vêm desde logo referidos, precavidos, no Direito convencional, na Convenção, e no nosso bloco legislativo, na Constituição e diferente legislação aplicável em Portugal.
Mas, aqui, não há nada que não seja visível, que não seja transparente e que não seja equilibrado. Não há qualquer perigo para as liberdades, pois há magistraturas que controlam o desrespeito por elas. O próprio Conselho de Acompanhamento tem por função, além da cooperação e da coordenação, velar pelo cumprimento de tudo aquilo que resultar de algo que deva ser aplicado por força dos mecanismos de fiscalização.
Dirão alguns Srs. Deputados que haverá alguns défices de funcionamento institucionais. Não há qualquer défice de funcionamento, uma vez que essa legislação, como eu já disse, é suficiente para enquadrar essa defesa dos direitos dos cidadãos. Não há quaisquer tipo de ameaças a emigrantes, questão que, mais uma vez, vem a lume. Essa questão está mais do que enquadrada e, em termos de legislação nacional, trata-se, isso, sim, pura e simplesmente, de algo que é, como eu dizia, complementar aos Acordos de Schengen, o de dar real operacionalidade ao Sistema de Informação de Schengen.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. O que vou dizer é relativamente breve.
Sobre o Sistema de Informação de Schengen, há duas concepções, nesta Câmara: uma de que se trata de uma Europa dos polícias e outra de que se trata de uma defesa contra os criminosos, contra a livre circulação dos delinquentes e criminosos. De um lado estão aqueles que entendem que se trata de uma Europa de polícias que atacam as liberdades individuais, e daí vêm todas as críticas que muitas vezes surgem da bancada comunista e, principalmente, de Os Verdes e, de outro, aqueles que entendem que a livre circulação das pessoas não pode ser a livre circulação dos delinquentes.
Para evitar a livre circulação dos delinquentes e para não haver uma livre circulação dos criminosos é preciso criar um sistema em relação aos Estados que estão expostos às fronteiras exteriores. Se fôssemos um Estado interior, como o Luxemburgo, se tivéssemos todas as nossas fronteiras absolutamente continentais, onde os delinquentes ou os polícias entrassem por outros países, lenamos menos responsabilidade do que um país que está exposto a uma fronteira marítima, por onde se pode entrar para a Europa. Temos, por isso, de ter muito mais cautela do que os outros países.
Sucede, porém, que o debate sobre Schengen já foi feito. Esta Assembleia já aceitou o Sistema de Informação Schengen. Do que, neste momento, se trata é de normas processuais - são meras normas processuais, nada existe de substantivo- sobre operacionalidade ou a instrumental idade de pôr em execução algumas das normas que já aprovámos.

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Agora, se, em todos os pontos, vamos discutir sobre direitos, liberdades e garantias, naturalmente que depende do que é que nós entendemos por isso. Porque também quando saio deste palácio e vejo um polícia, posso dar um passo atrás e dizer "vem aí um polícia, tenho de me precaver da violação dos meus direitos, liberdades e garantias" ou saber que o sistema policial não é feito principalmente para atacar os direitos, liberdades e garantias.
Portanto, todas as vezes há isto, não e novidade. Qualquer assunto que venha aqui sobre Schengen é tomado por certos sectores como o império dos polícias contra os cidadãos. Por isso mesmo - "Aqui d'el rei!"-, é preciso ter todo o cuidado e que acabe o consenso.
Já não estamos nesta fase. Julgamos que estamos numa fase qualitativamente melhor do nosso debate. Ele tem de ser melhorado, e não voltado constantemente aos mesmos refrões, e, por isso mesmo, nós não vamos andar neste compasso Dizemos que estas normas processuais podem ser melhoradas - qualquer norma processual pode ser melhorada- mas não é isso que, neste momento, está em causa, pelo que daremos o nosso assentimento a esta proposta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria quase de me louvar nas palavras que acabaram de ser proferidas pelo Srs. Deputados Narana Coissoró, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, e Fernando Condesso, do Grupo Parlamentar do PSD, porque, realmente, eles colocaram a questão como ela deve ser colocada, colocaram-na na óptica de qualquer coisa que já está decidido por esta Assembleia há muito tempo, que representa, portanto, uma convenção a que o Estado português aderiu, e aderiu com amplíssima representação dos partidos com assento na Assembleia.
Esta questão foi aqui amplissimamente discutida é continua a sê-lo, continuando esta Assembleia a ser periodicamente informada. Devo lembrar que, no próximo dia 26, eu próprio e o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus viremos a uma reunião, segundo penso, conjunta das Comissões de Assuntos Europeus e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para dar conta do que se passa nesta altura e qual a situação em relação à realização de Schengen. Portanto, trata-se de uma matéria em que não há segredo e que representa uma consagração legal, a vários títulos e a vários níveis já efectuada, em relação à qual é perfeitamente descabido tecer considerações como as que a Sr." Deputada Isabel Castro acabou de formular.
Não gostaria de conferir aqui ao Sr. Deputado José Magalhães o estatuto de grande educador de qualquer coisa ou de qualquer classe, mas, realmente, a Sr.ª Deputada Isabel Castro, se calhar, é capaz de ter razão naquilo que diz, mas só enquanto leitora de alguns artigos do Sr. Deputado José Magalhães, que, felizmente, já pertencem à História. Refiro-me a uma fase mais conturbada do seu pensamento em relação a Schengen, designadamente à altura em que ele escreveu um artigo, que deve, de facto, ter ficado na memória de todos, intitulado Schengen, Schengen!, e que consistiu num libelo acusador do Ministro da Administração Interna perfeitamente descabelado, descabido, destemperado e completamente injustificado em relação à matéria substancial a que ele se referia.
Certamente que a Sr.ª Deputada Isabel Castro ainda está nessa versão, visão e estádio de intervenção do Sr. Deputado José Magalhães. Hoje o Sr Deputado José Magalhães está muito diferente e com isso me congratulo, porque deu um salto qualitativo na sua apreciação e posição em relação a Schengen e tem hoje uma posição muito cordata e concordante, como, aliás, é timbre do seu partido em relação a esta matéria, como não podia deixar de ser.
Só me reportaria ainda a esta questão Schengen essencialmente para dizer duas coisas em primeiro lugar, se repararmos, a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen - tenho dito isto várias vezes, mas é bom que seja repetido e seja repetido aqui na Assembleia - só é passível de ser executada, só e passível de ser redigida entre Estados como os Estados europeus que a assinaram nos quais os direitos humanos, os direitos essenciais da pessoa, são qualquer coisa de excepcionalmente relevante, básico e fundamental. Por isso mesmo, a própria Convenção de Aplicação foi o motor de alterações legislativas qualitativas nos Estados aderentes da Convenção, no sentido de reforçar e de criar as leis de protecção de dados pessoais informatizados
Recordo que há um capítulo especial na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen dirigido a esta matéria e que nenhum país pode aderir à prática da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen se não tiver realizado estas condições internas É por isso mesmo que a Grécia e a Itália não podem acompanhar os outros sete países nesta primeira fase da instauração do Sistema de Informação Schengen e da realização da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen entre eles.
Peço a permissão para salientar aquilo que representou o trabalho legislativo essencial, grande parte dele feito na presença desta Câmara, para que a Convenção de Aplicação fosse aplicável. Lembro a Lei Constitucional n.º J/89, de 8 de Julho, que alterou a redacção de alguns artigos e aditou o n.º 6 ao artigo 35.º da Constituição, com a epígrafe "Utilização da informática"; Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/90- Aprova as instruções sobre a segurança informática; a Lei n.º 10/91, de 29 de Abril - Lei da Protecção de Dados Pessoais face à Informática; Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto- Lei da criminalidade informática; o Decreto do Presidente da República n.º 21/93, de 9 de Julho - Ratifica a Convenção para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal; o Decreto do Presidente da República n.º 55/93, de 25 de Novembro - Ratifica o Acordo de Adesão à Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen; a Resolução da Assembleia da República n.º 53/94, de 19 de Agosto- Regulamento da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados; a Lei n.º 2/94, de 19 de Fevereiro- Estabelece os mecanismos de controlo e fiscalização do Sistema de Informação Schengen; e a Lei n.º 28/94, de 29 de Agosto - Aprova medidas de reforço da protecção de dados pessoais.
Bastaria esta enumeração, da qual peço desculpa pela sua extensão, para nos fazer pensar que, na verdade, quer a Assembleia, quer o Governo, quer o Sr Presidente da República foram entidades intervenientes neste processo e foram entidades que estiveram substancialmente de acordo no rechear de garantias, no processo garantístico, deste mesmo processo de Aplicação da Convenção do Acordo de Schengen.
É claro que falar nos termos em que o Sr. Deputado António Filipe também falou, com manifesto excesso e grande calor, sobre os problemas que Schengen coloca, den-

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tro daquela concepção que normalmente o Partido Comunista fala e que julgava já ultrapassada, ou seja, da ideia da fortaleza, das muralhas, da exclusão e da xenofobia, penso que é qualquer coisa que já está definitivamente ultrapassado, definitivamente esclarecido e pensava que já não constava da linguagem dos partidos políticos nos dias de hoje, mesmo em Portugal.
O que acontece com a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen é que, realmente, o que se visa realizar é um direito à livre circulação. É um direito novo que acresce aos cidadãos dos países Schengen e aos cidadãos que estão legalizados e autorizados a residir nestes países.
Isto significa, portanto, um direito novo que acresce em relação aos cidadãos originários destes países e em relação aos que aí residem legalmente, donde não tem razão de ser as ideias de restrição que o Sr. Deputado António Filipe colocou em relação a países ou a naturais de países com os quais temos especiais relações de intimidade histórica.
Por isso, esse é também um direito que lhes acresce a eles e é nesse sentido que temos de ver as coisas, ou seja, não num sentido restritivo mas, sim, ampliativo, porque há um direito novo que se confere.
Agora, como questionava, e bem, o Sr. Deputado Narana Coissoró: "Mas vamos conceder este direito a todos, incluindo àqueles que não devem usufruir dele?" Vamos também conferir este direito aos criminosos ou àqueles que se podem aproveitar disso para diminuir as condições de segurança dentro do espaço de Schengen? É evidente que não! Os Estados que assinaram este Acordo são Estados responsáveis e sabem que não podem realizar a livre circulação sem aumento do reforço das condições de segurança; por isso é que este sistema de informação policial - o Sistema de Informação Schengen - é absolutamente necessário e imperioso para a realização do próprio ideal da livre circulação.
Sobre esta matéria, penso que não valerá a pena acrescentar muito mais. Mas, se quiséssemos fazê-lo - e ainda bem que chegou o meu colega dos Assuntos Europeus! -, salientaríamos um aspecto especialmente caro a todos nós (e também, certamente, a ele): o da realização da livre circulação em relação ao próprio interesse nacional, do Estado português e dos seus nacionais.
Não se esqueçam que Schengen vai realizar-se agora entre Estados europeus, onde o conjunto de portugueses que ali reside é substancialmente importante, isto é, o conjunto de países Schengen que agora está prestes a aderir à entrada em vigor da Convenção de Aplicação é, na verdade, constituído, entre outros, pela Espanha, Luxemburgo, França, Alemanha, Bélgica, que são, realmente, países onde os portugueses estão maioritariamente residentes.
Gostaria também de esclarecer uma outra questão, que o Sr. Deputado José Magalhães oportunamente colocou, mas que já tinha sido colocada, devo dizer, pela Comissão Nacional de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda bem, já somos dois!

O Orador: - ... e que será, porventura, a base para depois podermos, sossegadamente, em sede de Comissão, conversar acerca desse assunto.
Para prestar esse esclarecimento, passo a ler, resumidamente, os considerandos sobre a dúvida que foi levantada, repito, pelo Sr. Deputado José Magalhães e, também, pela Comissão Nacional de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados.
De facto, o que está em causa é saber se há ou não discrepância entre a indicação legal que o Estado português dirigiu à Comissão, em relação às entidades com acesso aos dados informáticos constantes da base de dados, e o que consta da lei especial aprovada no Parlamento, relativamente a essa matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Há, sem dúvida nenhuma!

O Orador: - A nossa conclusão é que não há.
O artigo 101.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen estabelece o seguinte: "O acesso aos dados inseridos no Sistema de Informação Schengen, bem como o direito de os consultar directamente, são exclusivamente reservados às entidades que são competentes para: a) Os controlos fronteiriços; b) As outras verificações de polícia e aduaneiras efectuadas no interior do país, bem como a respectiva coordenação."
Portanto, nos termos da Convenção, não são entidades utilizadoras apenas aquelas que actuam na prática, efectuando controlos fronteiriços ou verificações de polícia, como ainda as entidades a quem compete a coordenação dessas actividades. Significa isso que a lista a indicar pelos Estados, ao abrigo do n.º 4 do artigo 101.º da Convenção, pode, como parece natural, incluir as entidades que, de acordo com o ordenamento jurídico interno, tenham funções de coordenação das actividades de controlos fronteiriços e de verificações da polícia.
No ordenamento jurídico português é isso que ocorre com o Ministério Público e com os juizes investidos de funções de instrução criminal - diga-se, aliás, que o Estado português não está, sequer, isolado nesta matéria. E, reconhecendo a disponibilidade do direito nacional, quanto à indicação das entidades com acesso aos dados, estabelece a parte final do n.º 2 do artigo 101.º da Convenção que o acesso aos dados é regulamentado pelo direito nacional de cada parte contratante.
Cabe, portanto, na letra da Convenção, a possibilidade de indicação das autoridades judiciárias como entidades utilizadoras do SIS. Além do mais, os artigos 95.º, 97.º e 98.º referem-se expressamente, Sr. Deputado José Magalhães, a intervenções das autoridades judiciárias, ao nível de pedidos para inserção de dados, o que demonstra que, também no espírito da Convenção, cabe a indicação dessas autoridades como entidades utilizadoras.

O Sr. José Magalhães (PS): - Coisa que o decreto-lei não faz!

O Orador: - Em conclusão, a diferença entre a lista legal constante do diploma que cria o Gabinete Nacional SIRENE e a lista enviada pelo Estado português às instâncias de Schengen tem justificação: num caso trata-se de indicar autoridades administrativas que vão operar no âmbito de uma unidade orgânica do Ministério, no outro indicam-se quais são, no Estado português, as entidades utilizadoras do SIS.
A indicação de autoridades judiciárias, como entidades utilizadoras, não está excluída na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen. Pelo contrário, está admitida quando esta pressupõe uma indicação a fazer de acordo com o direito nacional, que pode ter entidades dessa natureza com funções de coordenação, como exige o n.º 1 do artigo 101.º da Convenção.
Assim, penso que está completamente esclarecida a única dúvida que o Sr. Deputado José Magalhães teria razão para levantar. E, em relação a este assunto, Srs. Deputados, é tudo quanto se me oferece dizer.

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Por último, em relação à questão da designação do Gabinete Nacional, que o Sr. Deputado António Filipe tão bem reproduziu aqui, com extraordinário accent, diria que é uma designação que está comummente consignada ô que é utilizada por todos e, portanto, não nos pareceu aconselhável estar a substituí-la por uma qualquer adaptação nacional que, depois, colocaria sempre problemas de interpretação.
Se SIS é uma sigla, porventura, um pouco incómoda em relação à determinação do conteúdo deste sistema, SIRENE de certeza que não é, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o único aspecto em que, verdadeiramente, concordamos com o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, é o d* que não vale a pena traduzir a expressão ou a sigla que designa o Gabinete Nacional SIRENE, porque isso daria qualquer coisa como INSENFN na tradução tabular portuguesa. Quanto ao resto, de facto, não podemos exprimir aquiescência
O Sr. Secretário de Estado presta sempre um mau serviço à causa da defesa da segurança dos europeus quando assume uma "homilia schengeniana", suspeita de securitarismo raso, sem prestar devida atenção ao facto de que esta Europa que queremos construir há-de ser, sobretudo, uma Europa fiel ao seu legado de liberdades e ao seu património civilizacional de construção de Estados de direito democráticos. Não é fácil consegui-lo!
E digo que não é fácil de conseguir, numa área em que a criminalidade utiliza métodos extremos e, alguns, extraordinariamente ínvios e sofisticados, porque não é lícito ripostar com a mesma sofisticação da violação da lei por razões contrárias, porventura, e com grande escândalo em alguns dos Estados membros - e até aqui, em Portugal, como se sabe.
A minha pergunta, Sr. Secretário de Estado, é dupla. A primeira tem a ver com o facto de não nos satisfazer a sua explicação - queremos discutir isso em sede de Comissão -, quanto à ideia de colocar como beneficiários do sistema todos os juizes de instrução e todos os delegados do Ministério Público, qualquer que seja a sua hierarquia, independentemente da missão e, de qualquer forma, só pelo facto de os entender como entidades coordenadoras.
Tal parece-nos demasiado largo e demasiado impensado, pelo que o sistema actual deveria ser objecto de redefinição. Não queremos acessos indiscriminados a um superbanco de dados - que tem de existir, de resto, com os controlos adequados -, sem a garantia de que essa Cadeia de utilizações seja controlada.
Segundo aspecto, Sr. Secretário de Estado: não vale a pena vir à Assembleia da República narrar a legislação que aprovámos em matéria de defesa de direitos dos cidadãos contra abusos de informática! Como V. Ex.ª, por hombridade, reconhecerá, em muitos casos houve iniciativa do Grupo Parlamentar do PS, tendo, designadamente, o sistema de controlo do Sistema de Informação Schengen resultado de um projecto que aqui apresentámos, ao qual se juntou, meses depois, e tardiamente, uma iniciativa do Governo. E foi da junção dessas duas iniciativas que resultou a lei em vigor!
Por outro lado, não me faça a leitura da revisão constitucional à luz de Schengen, porque não foi assim, historicamente! Revimos o artigo 35.º da Constituição, por iniciativa de vários partidos e não apenas do PSD, para afinar o mecanismo previsto nesse artigo e, dessa forma, garantir melhor as liberdades dos cidadãos. Assim, 95 % da legislação que citou não teve origem em Schengen nem existe por causa de Schengen mas, sim, por causa do artigo 35.º da Constituição.
Posto isto, Sr. Secretário de Estado, a legislação que deveria garantir a defesa do artigo 35.º está por aprovar, ou seja, os decretos regulamentares relativos aos bancos de dados da PJ - entrou ontem, na CNDPDPI, o respectivo pedido para parecer -, GNR, PSP, SEF estão por aprovar! Foram para parecer da Comissão Nacional de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados, mas ainda não existem! VV. Ex.as ainda não colocaram no sítio próprio as muitas emendas que essa Comissão sugeriu, porque a vossa legislação primária estava inçada de irregularidades.
Quanto a essas irregularidades, Sr. Secretário de Estado, aos gritos, a dizer "Schengen! Schengen!" ou qualquer outra coisa, não terá a nossa coonestação.
Para o cumprimento da Convenção de Aplicação tem a nossa posição institucional, decorrente do facto de a termos votado e de exigirmos a sua explicitação e desenvolvimento, de acordo com o quadro constitucional e as regras que protegem os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
São estas as perguntas e considerações que lhe deixo, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Para responder, utilizando tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, a quem peço, em todo o caso, para não ultrapassar o tempo disponível.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, serei muito breve.

Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, compreendo a sua posição e não lhe recuso a atitude de se ter preocupado, desde há muito tempo, com este conjunto de situações e de direitos. É evidente que não lhe recuso isso, o que lhe quero recusar ou não quero reconhecer-lhe é a posição de "grande educador de", como referi na minha intervenção inicial.

O Sr. José Magalhães (PS): - V. Ex.ª é que é o grande educador!

O Orador: - Tal como o Sr. Deputado José Magalhães não me poderá, evidentemente, recusar aquilo que eu disse, porque consta do próprio texto da Convenção de Aplicação. É óbvio que V. Ex.ª não recusa as exigências da Convenção de Aplicação em relação à publicação de legislação adequada no domínio da protecção dos dados pessoais informatizados e a exigência que o Acordo de Schengen faz sempre, no sentido de que todos os Estados tenham este acervo de bens, isto é, a legislação tutelar destes direitos aprovada para que possam usufruir da utilidade e da praticabilidade da Convenção.
Devo dizer-lhe que, se houve coincidência nas intenções do Governo e do Grupo Parlamentar do Partido Socialista em relação a esta matéria ou em relação a matérias conexas, tanto melhor.
Julgava que V. Ex.ª me fosse dizer, como ouvi em alguns sítios, designadamente ainda ontem à noite, que grande parte das coisas aprovadas nesta Assembleia eram aprovadas pelo poder da maioria. Afinal, parece que muitas das que tocam em direitos fundamentais também são aprovadas com a concordância do Partido Socialista.

O Sr. José Magalhães (PS): - E por iniciativa!...

O Orador: - Portanto, há aqui um manifesto excesso numa afirmação e um manifesto defeito na outra. O

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Sr. Deputado José Magalhães seria muito mais curial na sua intervenção se dissesse "Sim, com certeza, o Partido Socialista esteve preocupado com isto e teve iniciativas, mas o Governo também teve várias iniciativas que se traduziram em leis fundamentais nesta matéria".

O Sr. José Magalhães (PS): - Com atraso!...

O Orador: - Se o Sr. Deputado reconhecesse isto, não ia além da verdade e eu estaria perfeitamente de acordo consigo, porque foi exactamente o que aconteceu.

O Sr. José Magalhães (PS): - E onde é que está a legislação sobre bancos de dados das polícias?!

O Orador: - Por isso, digo-lhe mais uma vez, Sr. Deputado: a preocupação que traduzi aqui, em legislação aprovada, foi, de facto, muito anterior, começou, inclusive, na anterior legislatura, e V. Ex.ª, com certeza, acompanhou isso em todos os momentos do seu processo e do seu processamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - No que diz respeito à última questão de que falou, não podemos, neste momento, alterar o nosso direito interno relativo às condições de controlo e acesso.
A questão sobre as magistraturas poderá, eventualmente, ser discutida, mas não nos parece que, em função do direito constituído, possamos ter outra atitude que não a que tivemos. Se a Convenção remete para o direito interno, se o direito nacional de cada Estado é o que referimos, não podíamos ter feito outra indicação, nos termos em que a fizemos, às autoridades nacionais de Schengen, aliás, como outros países de Schengen também o não fizeram.
O problema que o Sr. Deputado suscitou pode, eventualmente, ser discutido, tem, com toda a certeza, dignidade para ser discutido na Comissão especializada da Assembleia e, pela nossa parte, cá estaremos para o discutir.
Quanto à informação que tenho de lhe prestar sobre a legislação necessária para as polícias, devo dizer-lhe que o Governo já foi acusado, a meu ver, injustamente, de estar a fazer uma coisa manifestamente abstrusa, ao tentar ligar os ficheiros das polícias, na base de uma exigência fundamental que também decorre da própria legislação e que é a de fazer aprovar os diplomas relativos à utilização da informática e dos bancos e bases de dados nas polícias.

O Sr. José Magalhães (PS): - Estamos atrasados!

O Orador: - Os nossos três diplomas sobre a PSP, a GNR e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foram já aprovados e enviados à Comissão Nacional de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E foram criticados!

O Orador: - ... incorporaram o seu parecer e, se não estou em erro, estão para promulgação de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Portanto, em relação a isso também estamos, definitivamente, a par com as exigências que são feitas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da ratificação n.º 129/VI.
Entretanto, deu entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 137/VI- Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 292/94, de 16 de Novembro, que cria o Gabinete Nacional SIRENE (PCP), o qual será votado, nos termos regimentais, na próxima quinta-feira.
Passamos à apreciação e discussão da proposta de resolução n.º 84/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo relativo às consequências da entrada em vigor da Convenção de Dublin sobre determinadas disposições da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
Para fazer uma síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação relativo à proposta de resolução n.º 84/VI, tem a palavra, em primeiro lugar e por cinco minutos, o Sr. Relator, Deputado Rui Gomes Silva.

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Serei muito breve na apresentação deste relatório.
Esta proposta de resolução, no fundo, significa mais um passo para a construção de um espaço sem fronteiras, no âmbito da União Europeia, e através da sua aprovação deixarão de ser aplicáveis, sem quaisquer reservas, as disposições do Capítulo VII do Título II da Convenção de Aplicação, bem como algumas definições aí referidas, nomeadamente o "pedido de asilo", o "requerente de asilo" e o "tratamento de um pedido de asilo", nos termos do artigo 1.º da Convenção de Aplicação.
O artigo 3.º deste Acordo internacional refere-se aos termos da sua entrada em vigor e, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-me que a sua justificação decorre da própria aprovação do Acordo de Schengen, como aqui foi referido, e muito bem, aquando do debate para a sua ratificação, por alguns dos intervenientes, nomeadamente pelo meu colega de bancada Deputado Fernando Condesso.
Nada mais há a acrescentar senão que se trata de um caso de derrogação tácita de uma situação e, portanto, os próprios termos da proposta de resolução justificam a sua aprovação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus (Vítor Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Protocolo relativo às consequências da entrada em vigor da Convenção de Dublin sobre determinadas disposições da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen foi assinado em Bona, no dia 26 de Abril de 1994, entre todos os signatários do Acordo de Schengen.
O referido Protocolo estabelece que, a partir da entrada em vigor da Convenção, assinada em Dublin, sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado membro das Comunidades Europeias, deixarão de ser aplicáveis as disposições da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen que versam sobre a mesma matéria.
Trata-se, na realidade, de um Acordo celebrado ao abrigo do disposto na própria Convenção de Aplicação, no artigo 142.º, de acordo com o qual "Quando forem concluídas convenções entre os Estados membros das Comunidades Europeias tendo em vista a realização de um espaço sem fronteiras internas, as partes contratantes acordarão nas condições em que as disposições da presente Convenção serão substituídas ou alteradas em função das disposições correspondentes das referidas convenções".
No caso presente, a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, já ratificada por Portugal, como se sabe,

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no quadro das medidas destinadas a garantir a supressão dos controlos nas fronteiras internas e a livre circulação de pessoas no espaço Schengen, dedica um capítulo específico ao asilo. Aí se garante a análise de um qualquer pedido de asilo apresentado no território de uma das partes e se clarificam as regras de acordo com as quais se define o Estado responsável pela sua análise. Estas disposições, não implicando a harmonização das políticas nacionais de asilo, que me permito sublinhar, apresentam a vantagem de evitar os conflitos negativos de competência entre os Estados, conflitos esses que são responsáveis pelo fenómeno designado "refugiados em órbita".
Por outro lado, esta disciplina permite evitar os pedidos múltiplos de asilo em vários Estados, situação que tem consequências nefastas para os próprios refugiados.
Ora, já em Junho de 1990, os então Doze Estados membros das Comunidades Europeias haviam assinado, em Dublin, a Convenção sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo.
Assim, considerando que a Convenção de Dublin é um instrumento internacional subscrito por todos os Estados membros da União Europeia, os Estados Schengen decidiram adoptar o Protocolo ora em análise, testemunhando, deste modo, a prevalência das soluções alcançadas ao nível mais alargado da União para a concretização de um objectivo comum: a realização de um espaço sem fronteiras.
É, pois, o presente Protocolo um caso exemplar da vocação de Schengen para, a prazo, vir a ser apenas uma referência histórica no processo de construção europeia.
Nunca será demais recordar que a solução intergovernamental encontrada em Schengen surgiu como a resposta de um grupo de Estados para fazer avançar um objectivo inserido no próprio Acto Único Europeu. Schengen tem, assim, funcionado como um motor da livre circulação de pessoas, que se pretende venha a ser alargada a todos os Estados da União Mas uma vez chegado esse momento, Schengen terá alcançado as suas metas e cumprido o seu destino.
É nesta lógica, aliás, que o próprio Protocolo, hoje sujeito a apreciação por esta Assembleia, estabelece uma relação directa entre a entrada em vigor da Convenção de Dublin e o termo da aplicação das disposições de Schengen relativas ao asilo. Dito de outro modo, Schengen cederá o passo à disciplina acordada no quadro da União, logo que a Convenção de Dublin se encontre ratificada por todos os Estados signatários.
Entende, pois, o Governo, que a aprovação do presente Protocolo contribuirá para a realização de um dos objectivos mais nobres da construção europeia: a livra circulação de pessoas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Secretário de Estado, creio que a situação em que o Governo coloca esta Câmara é verdadeiramente estranha. Ouvimos aqui dizer, no de 6 de Maio de 1992, ao Governo, através do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, que os Estados, "mesmo que tenham perdido algum tempo para ratificar a Convenção de Dublin e os Acordos de Schengen estão nesta altura extremamente interessados em proceder à sua ratificação e à sua aplicação o mais depressa possível". Isto é, nada mais nada menos do que há dois anos e meio.
Nesta altura foi igualmente afirmado pelo Governo que não via qualquer contradição, qualquer sobreposição ou qualquer conflito entre o Acordo de Schengen e a Convenção de Dublin e até acrescentava: "já tive ocasião de dizer nesta Câmara ou nas comissões em que compareci que o Acordo de Schengen é um acordo completo. Grande parte dos pronunciamentos sobre este Acordo têm sido parcelares ligando apenas a uma determinada vertente do Acordo e à sua plenitude". Agora, ao fim de dois anos e meio, sem nenhum dos Acordos ter entrado em vigor - e seria bom que o Governo fizesse o ponto da situação nesta matéria- é-nos apresentado um Protocolo, em que o acordo completo, que não tinha sobreposições de qualquer espécie, é substituído parcialmente por outro, qualquer deles sem ter entrado em vigor.
É uma situação estranha, bizarra e creio que seria oportuno que o Sr. Secretário de Estado aproveitasse esta oportunidade para esclarecer a questão que coloca a esta Câmara, aliás, em termos que, creio, não são prestigiantes para o funcionamento das instituições

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, começo por referir que o Governo já solicitou à Assembleia da República uma reunião para fazer o ponto da situação a que alude o Sr. Deputado, no que respeita à entrada em vigor dos Acordos de Schengen, prevista para Março próximo.
Relativamente às observações que V. Ex.ª fez, diria que não existe nenhuma contradição. A orientação que aqui foi anunciada em 1992, e que citou, é inteiramente coerente e compatível com as orientações que temos seguido depois dessa data e com o diploma que está hoje a ser apreciado nesta Assembleia. Assim, gostaria de sublinhar que Schengen é um acordo completo, mas não é abrangente de todos os Estados da União Europeia É completo no que respeita à substância das matérias que trata e que relevam da livre circulação de pessoas, mas não é completo na abrangência de todos os Estados porque apenas alguns Estados, como é bem sabido, actualmente nove Estados, subscreveram esse Acordo de Schengen. E o que se diz explicitamente nas disposições de Schengen é que, desde que a União esteja em condições de realizar a livre circulação de pessoas e levar à prática todas as disposições que têm a ver com essa liberdade de circulação e obviamente com os aspectos relacionados com a segurança dos cidadãos, sempre que isso aconteça e quando isso aconteça, Schengen subsume-se no funcionamento da União Europeia. Não existe aí, pois, qualquer contradição.
Deste modo, as disposições de Schengen são completas, abrangentes, mas não abrangem todo o espaço da União. E é por isso que este diploma deve ser lido, sobretudo à luz de uma vontade política que os Estados Schengen assumiram desde o princípio de se considerarem como motor da livre circulação de pessoas, como pressão política para que a União Europeia realize as disposições do Acto Único Europeu. Repito, pois, Sr. Deputado, que não encontro qualquer incoerência ou contradição. Pelo contrário, este diploma insere-se numa lógica que temos assumido desde o princípio.
Gostaria também de dizer que os Acordos de Schengen, que já estão ratificados por todos os Estados signatários, vão poder entrar em vigor a breve prazo, como já tive ocasião de referir. E a Convenção de Dublin, que esta Assembleia já ratificou, deverá estar em condições de ser aplicada logo que

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os últimos quatro Estados membros que ainda não o fizeram - mas que devem fazê-lo a curto prazo- o possam realizar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Do que se trata quanto a este Protocolo é tão só de estabelecer e de assegurar que, a partir da entrada em vigor da Convenção de Dublin, cesse a aplicação das homólogas disposições da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen. É isso, nada mais do que isso e, portanto, não participaremos em nenhum torneio sobre a arqueologia da génese da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen e sobre a sobreposição ou a articulação entre estes dois instrumentos de direito internacional, sendo certo que o processo histórico foi o que foi e, portanto, por obstrução ou renitência de alguns dos Estados membros foi impossível, até à data, assegurar a entrada em vigor da Convenção de Dublin. É um facto, provavelmente toda a gente sabe porquê, toda a gente sabe donde é que vieram os obstáculos à ratificação e, portanto, à entrada em vigor global e total da Convenção de Aplicação e também se sabe qual é a problemática que esta suscita.
Pela nossa parte votámos favoravelmente a definição de um sistema que evite a proliferação de fenómenos de "pontapeamento" de refugiados de Estado para Estado até ao Estado final. É preciso estabelecer regras comuns nessa parte, não é simples estabelecê-las e o ideário ao qual nos submetemos, ao imaginar um sistema desse tipo, é um ideário que se pretende fiel ao nosso legado europeu, humanista, universalista que não perfilha uma política de discriminações e menos ainda de perseguições ou de desprezo para com aqueles que são perseguidos.
Aliás, a ideia subjacente à Convenção de Dublin não é, evidentemente, essa, mas procura naturalmente leituras provavelmente diferenciadas do seu legado e do seu alcance.
Em todo o caso, a nossa leitura comum, a leitura do Estado português é aquela que é fiel ao legado e ao estatuto constitucional que temos, não podemos ser fiéis a outra. Foi com esse espírito que aprovámos a Convenção e é com esse espírito que aprovaremos também este Protocolo.
Gostaria de sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nesta matéria a política comum de vistos e as políticas de asilo, que obedecem, como o Sr. Secretário de Estado teve o cuidado de sublinhar, às decorrências do terceiro pilar do Tratado de Maastricht, dominado depois por um espírito diferente do que preside aos outros pilares, estão neste momento em reapreciação profunda e são seguramente um dos temas centrais da próxima conferência inter-governamental.
Por isso, é positivo que as debatamos, designadamente no quadro da próxima reunião conjunta das Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e Assuntos Europeus, que terá lugar na próxima semana.
Mas aqui e agora não gostaria de deixar de aproveitar a presença do Sr. Secretário de Estado, para lhe pedir que clarifique a dúvida que tem pairado quanto à posição que o Governo português tem defendido no exterior em relação a esta questão. V. Ex.ª é citado, frequentemente como tendo defendido a comunitarização do terceiro pilar ou ao menos de algumas das matérias atinentes ao terceiro pilar. Depreendo da maneira como aludiu à não harmonização da política de asilo que não será assim e que, portanto, as posições que lhe são imputadas são infundamentadas ou não têm esteio em nenhuma declaração objectiva que tenha produzido até agora. Creio que seria útil, no momento em que discutimos as dificuldades de fazer entrar em vigor um sistema concertado entre os Estados quanto à política de asilo (qual seja o hoje constante da Convenção de Dublin) que V. Ex.ª pudesse, tanto quanto isso seja possível, clarificar a posição do Governo quanto a este ponto, quanto à política presente e quanto às perspectivas que já exprimiu - se não o tivesse feito não lhe perguntaria tal coisa - em relação ao futuro, pelo menos deste núcleo de matérias do terceiro pilar. Se conseguirmos essa clarificação, aqui e agora, já teremos conseguido alguma coisa nesta sexta-feira de manhã em que debatemos este Protocolo, que cumpre aquilo que estava na lógica da própria Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen.
Votaremos, pois, Sr. Presidente, favoravelmente este Protocolo na altura própria e aguardamos os esclarecimentos do Sr. Secretário de Estado nos termos regimentais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. loas §á (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este Protocolo não pode deixar de ser debatido, tendo em conta as questões que estão subjacentes e que já foram repetidamente abordadas por esta Câmara.
Para nós é incoerente que se apresente em abstracto a defesa de uma perspectiva humanista, particularmente em matéria de direito de asilo, e depois se colabore na criação de perspectivas que podem, na prática, a pretexto de impedir abusos desta figura, esvaziar de sentido este direito, que é, efectivamente, uma zona nobre do direito internacional e que deveria corresponder à postura de um Estado que defende os direitos, liberdades e garantias e que assume completamente esta defesa na ordem internacional.
É sabido que, ao longo dos anos, tem diminuído radicalmente o número de concessões de direito de asilo pelo Estado português e este facto não pode deixar de preocupar todos os que têm uma perspectiva humanista de defesa da liberdade neste plano.
Por alguma razão a Convenção de Dublin não foi ratificada por vários Estados, por alguma razão houve profundas hesitações ao longo do tempo. É evidente que há questões concretas de abuso deste direito ao longo do tempo e em várias situações, mas também é evidente que este problema não se resolve com a tal postura da Europa fortaleza, da Europa xenófoba, que sei que o Governo e outras bancadas não gostam de ouvir, mas que é um risco efectivo, porque estes problemas resolvem-se com uma postura de cooperação internacional, com o estímulo ao desenvolvimento do chamado Terceiro Mundo e não com uma postura de livre circulação dentro da Europa e, ao mesmo tempo, com um erguer de muros, que gostaríamos de ver abatidos em relação ao resto do mundo.
Creio que este facto é particularmente importante para um país como Portugal, que é um país membro da Comunidade Europeia, mas que, simultaneamente, tem relações históricas que tem de preservar e aprofundar para fortalecer a sua própria posição na Comunidade Europeia e no mundo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lufe Sá, gostaria de perguntar-lhe qual o sistema alternativo que V. Ex.ª concebe para a Convenção de Dublin.

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Sendo certo que é necessário ter em conta que pode haver casos de refugiados ou de candidatos a direito de asilo que não o encontrem em determinado Estado e que possam ser empurrados de fronteira em fronteira, como é que os Estados poderiam resolver os problemas daí decorrentes, sem "pontapear", de sítio para sítio, os refugiados ou os candidatos a asilo, sem definirem um património comum de regras que permitam concatenar, abreviar sistemas e evitar repetição de diligências?
Em segundo lugar, gostava de perguntar-lhe se considera que as medidas que o Governo português adoptou em matéria de restrições da legislação sobre o direito de asilo fluem da Convenção de Dublin, porque a leitura que faço é que não fluem nada da Convenção de Dublin e nós poderíamos ter entrado, como entrámos, de resto, no sistema de Dublin, sem ter alterado um milímetro da legislação que estava em vigor em matéria de refugiados.
Portanto, a dissociação entre um vezo "securitário anti-asilário", se quiserem, do PSD e a necessidade de regras gerais e comuns, que respeitem esse património constitucional, deve fazer-se, sob pena de não termos um sistema comum que funcione e haver refugiados em "órbita" na Europa, ao mesmo tempo que são desprotegidos em todos e cada um dos Estados.
Portanto, na sua leitura, qual é a alternativa para esse sistema? Este é um ponto capital para que o debate não seja excessivamente confuso.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, creio que a política do Governo, em matéria de direito de asilo, designadamente o entendimento extremamente restritivo que tem, o elevado número de processos que se arrastam nos tribunais sem execução, não tem de ver com a Convenção de Dublin, que até nem está em vigor, mas é evidente que esta Convenção pode ser um instrumento invocável para legitimar e aprofundar uma visão extremamente restritiva,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... designadamente por um governo com determinado entendimento nesta matéria.
Tive a oportunidade de ler, com muita atenção, a intervenção do Sr. Deputado sobre esta matéria, feita em 4 de Maio de 1992, na qual fez uma série de observações extremamente contundentes - como, de resto, o caracteriza - acerca da Convenção de Dublin e críticas muito pertinentes e concretas à Convenção, mas depois pasmei-me com o voto favorável, que não estava contido nas permissas.
Se alguém, para além de membros da minha bancada, fez na Assembleia da República críticas contundentes, radicais e pertinentes à Convenção de Dublin, esse alguém foi o Sr. Deputado, e cumprimento-o por isso. No entanto, votar a favor, nesse contexto, é inexplicável!...
Portanto, o Sr. Deputado, que fez estas críticas contundentes, com certeza que tem um projecto e alternativas bem mais abertas do que a Convenção que tão bem criticou.

O Sr. José Magalhães (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, creio que há um problema na sua réplica.
Agradeço muito o facto de ter registado aquilo que eu disse! Na verdade, disse o que disse, está registado e quis dizê-lo para alertar a opinião pública relativamente a riscos de aplicação e para gerar no plano interno as solidariedades necessárias para aplicar os remédios devidos, pelo que essa minha tomada de posição foi positiva e contribuiu para esse alerta - aliás, é com esse espírito de prevenção que actuamos.
Mas o que gostava de saber era qual o sistema alternativo que o Sr. Deputado imagina para evitar o tal fenómeno de refugiados em "órbita" no quadro europeu, sendo certo que, se bem percebo, V. Ex.ª rejeita a Convenção, mas o que não percebo é aquilo que apoia.
Assim, o que gostaria de perceber, e creio que vai dar-nos ocasião de o saber, é que convenção alternativa é que concebia e que Estados europeus é que imaginaria a subscreverem essa convenção, sendo certo que não sei se, por exemplo, as razões de obstrução da Grã-Bretanha se identificam com as que o Sr. Deputado considera humanitárias. Não vejo essa solidariedade entre Major e V. Ex.ª, mas não sei!... Sena, pois, útil que o Sr. Deputado clarificasse esse aspecto.

O Orador: - É óbvio que não! É óbvio que as razões são outras!
Creio que o Sr. Deputado sabe bem que as Convenções de Schengen e de Dublin obedecem ao mesmo princípio, que é, no fim de contas, erguer muros em relação ao resto do mundo quanto a um problema que é de subdesenvolvimento do Terceiro Mundo e que não pode ter este tipo de resposta.
Assim, creio que o Sr. Deputado reconhecerá - como, de resto, o demonstra as inquietações que manifestou nesta Câmara e em escritos que teve oportunidade de fazer - que, quer a Convenção de Dublin quer a Convenção de Schengen, têm um défice, sobretudo com governos com determinadas características, de garantias...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... e de transparência, sendo em nome deste défice que existem as nossas preocupações.
Mais: foram levantadas questões pertinentes pela minha bancada e pela do Sr. Deputado, como, por exemplo, a do estatuto das empresas transportadoras neste plano, que o Sr. Deputado contrariou e combateu, tal como nós.
Por isso, a nossa discordância é apenas neste plano' as permissas de que partimos são as mesmas, mas consideramos que a conclusão do Sr. Deputado é um pouco incoerente, se me permite.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não se percebe qual é o sistema alternativo!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna

O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, peco-lhe também a inscrição, para uma intervenção, do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, mas, entretanto, farei uma intervenção muito pequena, só para comentar aquilo que foi dito - e que, aliás, achei muito curioso - na conversa cruzada dos Srs. Deputados do Partido Comunista e do Partido Socialista. E gostaria de comentar apenas o

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que se refere estritamente às questões levantadas, quer sobre o direito de asilo - o direito de asilo português e as suas hipotéticas restrições -, quer sobre a Convenção de Dublin.
Pensava que os Srs. Deputados já sabiam de cor o que temos dito sobre esta matéria ao longo de todo este tempo, que já não havia dúvidas que nós, como é evidente, não podíamos ter posições divergentes dos outros países comunitários sobre a questão do direito de asilo.
Relativamente à Convenção de Dublin recordo que ela diz respeito a um problema concreto, cívico: resolver, designadamente, o problema dos refugiados em "órbita".
Em relação a este problema tomámos a posição de aderir à Convenção e de explicar por que é que o fizemos.
E que a questão do direito de asilo, tal como ele se pratica, hoje em dia, nos Estados europeus, e dos problemas que resultam deste direito de asilo novo,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não há harmonização comunitária!...

O Orador: - ... tem a ver com um problema mais geral e mais vasto. É ele o de saber reconduzir a prática do direito de asilo à sua verdadeira substância, isto é, não alterar o circunstancialismo e o condicionalismo que esteve na base da Convenção de Viena e do Protocolo de Nova Iorque. Por outras palavras, o que acontece é que não podemos estar a falar de conceitos distintos de direito de asilo se temos regras comuns em relação ao direito de asilo. É, portanto, uma questão substancial neste aspecto.
De facto, o que se tem verificado é que a prática dos pedidos de direito de asilo não tem a ver com a realidade do direito de asilo, matéria e conceito substancialmente nobres, que congraçou os Estados num determinado conjunto de iniciativas e de admissões. O que dissemos, em determinada altura, foi, nomeadamente, isto: alterada a configuração substancial do direito de asilo em alguns Estados europeus, maxime na Alemanha, que teve uma alteração constitucional, nesta matéria, de grande importância, não fana sentido que Portugal mantivesse o mesmo conceito que tinha - aliás, dúbio e um pouco absurdo - em relação à prática do direito de asilo.
No entanto, isso não eliminou nem elimina que considerações de outro género não possam ser tidas em conta, devido a uma faculdade da legislação portuguesa que o Sr. Deputado José Magalhães muito "bondosamente" concedeu, dizendo, aquando da sua discussão, que a lei não era inconstitucional, que não ofendia os princípios constitucionais, compreendendo depois que a lei era substancialmente melhor do que a outra porque, realmente, outorgava poderes e facilidade que, claramente, não estavam contemplados na lei anterior.
Se é certo que as concessões de direito de asilo não têm aumentado - e não têm aumentado, necessariamente, de forma percentual, porque não podem aumentar já que a realidade com que estamos confrontados não é com verdadeiros pedidos de asilo -, aumentaram - e em muito - as concessões de autorizações de residência por motivos humanitários, convolando os pedidos de direito de asilo em pedidos de autorização de residência por motivos humanitários, como a própria lei actual prevê. E devo dizer-lhe, Sr. Deputado Luís Sá, que nunca foram concedidas tantas autorizações de residência por motivos humanitários. Por exemplo, em relação aos dados obtidos até à última semana, concedemos 25 autorizações de residência por motivos humanitários Nunca na história do Direito português, em relação ao direito de asilo, foi concedido um tal número de autorizações de residência por este motivo.
Como vê, Sr. Deputado Luís Sá, não tem razão quando critica a nossa legislação por falta de consideração de direitos essenciais ou por desumanidade, e razão tem o Sr. Deputado José Magalhães para lhe colocar uma outra questão - a que, aliás, V. Ex.ª não respondeu - e que é: a não existir isto o que é que existiria, como é que os problemas eram resolvidos?
Aí V. Ex.ª está na maior das dificuldades, porque, realmente, não poderá nunca responder.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Compreendo que tenha necessidade de fazer alegações de mesa, mas a verdade é que não há pior defesa do que aquela que gera confusão.
V. Ex.ª sublinhou que o Estado português - através do Governo, naturalmente - sentiu a necessidade de afinar o nosso escalão interno pelo padrão germânico, mas, evidentemente, não disse, porque não podia dizê-lo (se o dissesse fá-lo-ia grosseiramente), que, ao fazê-lo, o Governo não cumpriu nenhum imperativo comum, não cumpriu nenhuma norma decorrente do Tratado de Maastricht, pelo contrário, não cumpriu senão aquilo que decorria da sua vontade política e não era obrigado a alterar uma vírgula da legislação que estava em vigor, que era constitucional, razoavelmente generosa e aplicada bastante limitada e avaramente pelo Governo.
A legislação não se deve a bondade nenhuma e não vale a pena reeditar polémicas velhas, a não ser na medida em que VV. Ex.as as avivem todos os dias. Agora, não creio que tenha razão para congratular-se com os resultados e acabou - e é por isso que lhe faço a pergunta - por desvendar um sinal externo de anomalia. Quando V. Ex a vem dizer que o Governo foi generosamente obrigado a conceder 25 autorizações de residência por razões humanitárias, ao abrigo daquele famoso poder que lhe assiste na legislação que citou e que é completamente discricionário, apenas veio alertar para o carácter anómalo dessa legislação Ou seja, o Governo está, neste momento, a utilizar essa faculdade, que a legislação prevê como extraordinária e fundada em razões de invulgar configuração, para resolver casos correntes em relação aos quais devia invocar e aplicar o quadro e a solução gerais, se estivesse em vigor um outro enquadramento mais adequado, por exemplo, um similar àquele que o PS propôs.
Mas tal- não acontece e, em primeiro lugar, temos uma quantidade enorme de estrangeiros por legalizar. Ainda ontem uma organização, que verdadeiramente respeitámos, alertou para o facto de essa chaga viva, que é a existência de estrangeiros não legalizados, em situação irregular e perigosa, ser um factor de instabilidade. E não estão legalizados porque falhou o processo de legalização extraordinário! De qualquer modo, essa chaga viva, esse flagelo vivo, continua a merecer a nossa preocupação, a nossa solidariedade e a indiferença do Governo, que é, de resto, o responsável pela situação existente.
Em segundo lugar, a faculdade extraordinária de concessão de residência é usada para resolver e para tapar os buracos do regime geral, demasiado restritivo no caso da lei dos estrangeiros e no caso da legislação sobre o direito de asilo. E é com estes aleijões que V. Ex.ª se apresenta à entrada da União Europeia, considerando ter um quadro jurídico exemplar. Sr. Secretário de Estado, a nossa consideração é: não o tem!

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Em terceiro lugar, ao abrigo da Convenção de Dublin e dos instrumentos internacionais, era possível fazer melhor e nós provámos que tínhamos propostas melhoras.
Em quarto lugar, vamos herdar, provavelmente, um legado pesado, decorrente da vossa inaptidão no tratamento da situação, por um lado, dos candidatos a direito de asilo, que nos entram pela porta dentro, pelas fronteiras terrestres, porque VV. Ex.as trancaram-lhes os aeroportos mas deixaram-lhes as fronteiras terrestres abertas. Portanto, eles vão ser um problema, estão a ser um problema e continuarão a sê-lo,
Por outro lado, vamos ler problemas com os estrangeiros cuja situação não foi legalizada em devido tempo, como deveria teria ter sido se tivesse sido aprovada, aqui, a legislação adequada, designadamente aquela que tivemos a ocasião de propor.
Sr. Secretário de Estado, essa chaga viva é da vossa responsabilidade. Vamos herdá-la mas é da vossa responsabilidade e gostaria de dizê-lo aqui uma, duas ou três vezes e de obter de V. Ex.ª não uma refutação mas, provavelmente, um protesto e a repetição das alegações que normalmente faz nessas circunstâncias, sem fazer nada, que é o que nos irrita e preocupa.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado José Magalhães, como é evidente, eu nem necessitaria de responder-lhe. O senhor tentou baralhar questões que são eminentemente claras e não vale a pena estarmos a falar mais nisso. V Ex.ª quis dizer duas ou ires coisas que costuma dizer sempre, mas isso não vale a pena, já que a nossa legislação é claríssima em relação a essas matérias. Do que nós estamos a tratar é de coisas distintas e V. Ex.ª não queira meter tudo no mesmo saco, não queira, nesta altura, confundir conceitos, porque não vale a pena.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não respondeu a uma só das questões suscitadas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus: - Sr Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas fazer duas observações, sendo a primeira para dizer que, naturalmente, não é o Governo que nega a importância e pertinência de um debate sobre as perspectivas futuras do terceiro pilar do Tratado de Maastricht e o seu relacionamento com estruturas intergovernamentais como as de Schengen.
Por isso mesmo, como já tive ocasião de dizer, nos propomos debater com a Assembleia, desde já e brevemente na Comissão dos Assuntos Europeus e, eventualmente,, com outras comissões da Assembleia, essa matéria em profundidade. Penso que então o Sr. Deputado José Magalhães terá ocasião de compreender que não há incoerências e que existe uma linha de conduta clara, por parte do Governo, nessa matéria.
A segunda observação, que me parece resultar um pouco de algumas intervenções aqui feitas, tem a ver com este facto: uma boa parle, direi ale, talvez, a parte substancial do esforço de harmonização de processos, de mecanismos que têm a ver com a livre circulação de pessoas, com os vistos, com o asilo, com os controlos das fronteiras, têm muito a ver com uma exigência que os Estados Schengen fizeram, de assegurar a livre circulação de pessoas não apenas para os nacionais dos Estados signatários mas também para os nacionais de países terceiros. Isto é, o facto de Portugal, como outros Estados, ter entendido que a livre circulação de pessoas não pode discriminar entre cidadãos nacionais dos Estados signatários e cidadãos provenientes de países terceiros, isso teve, como contrapartida, uma exigência acrescida de harmonização das regras que têm a ver com vistos, com asilo, com controlos nas fronteiras externas. Penso que este elemento está bem patente nesta Convenção, neste protocolo que hoje se pretende aprovar aqui, na Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por concluído o debate sobre a proposta de resolução n.º 84/VI.
Passamos à proposta de resolução n.º 86/VI - Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho de 31 de Outubro de 1994, relativa ao Sistema de Recursos Próprios das Comunidades Europeias (94/728/EURATOM). Para a apresentação da síntese do relatório, tem a palavra o respectivo relator, Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 86/VI, que aprova para ratificação a decisão do Conselho de 31 de Outubro de 1994, relativa ao Sistema de Recursos Próprios das Comunidades Europeias (94/7287 CEE, EURATOM).
O Sistema de Recursos Próprios das Comunidades constitui o pilar fundamental para que os Estados membros da União Europeia consigam um grau de desenvolvimento harmonizado, consigam a implementação de políticas comuns assente em padrões credíveis e eficazes e para que a política de cooperação ganhe nova dimensão.
Assim sendo, a União Europeia deverá dispor de recursos adequados para financiar as suas políticas. A União Europeia, hoje constituída por 15 Estados membros necessita, sempre que entender necessário, de rever os mecanismos relativos ao Sistema de Recursos Próprios.
A este propósito, julgo ser útil referir, entre outros, o artigo 201.º do tratado que instituiu a Comunidade Europeia, o artigo 173.º do tratado que instituiu a Comunidade Europeia da Energia Atómica, a proposta da Comissão de 1993, o parecer do Parlamento Europeu e o parecer do Comité Económico e Social de 1994. Mas penso que é importante referir neste momento a Decisão 88/376/CEE, EURATOM, do Conselho, de 24 de Junho de 1988, que ampliou e alterou a composição dos recursos próprios, ao nivelar a matéria colectável do recurso Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) em 55 % do Produto Nacional Bruto (PNB) do ano a preços de mercado, mantendo a taxa máxima de mobilização em 1 ,4 %" e ao instituir um recurso próprio complementar com base na soma dos PNB dos Estados membros.
De acordo com o artigo 2.º da Decisão do Conselho de 31 de Outubro de 1994, relativo ao Sistema de Recursos Próprios das Comunidades Europeias, constituem recursos próprios inscritos no orçamento das Comunidades, as receitas provenientes dos direitos niveladores, prémios, montantes suplementares ou compensatórios, montantes ou elementos adicionais e dos outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições das Comunidades sobre as trocas comerciais com países não membros, no âmbito da

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política agrícola comum, como base das quotizações e outros direitos previstos no âmbito da organização comum dos mercados no sector do açúcar.
Constituem ainda receitas as provenientes "dos direitos da pauta aduaneira comum e dos outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições das Comunidades sobre as trocas comerciais com países não membros e dos direitos aduaneiros sobre os produtos abrangidos pelo tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em aditamento da aplicação de uma taxa uniforme, válida para todos os Estados membros, à matéria colectável do IVA, determinada de maneira uniforme para os Estados membros segundo regras comunitárias.
Contudo, para efeitos da presente decisão, a matéria colectável a ter em conta é limitada, a partir de 1995, a 50 % do respectivo PNB, relativamente aos Estados membros cujo PNB per capita, em 1991, era inferior a 90 % da média comunitária; para os demais Estados, a matéria colectável a ter em conta é limitada a uma sequência de percentagem anual, conforme fica descrita no relatório.
Sr. Presidente, penso que esta proposta de resolução é, efectivamente, benéfica para Portugal e destaco ainda que a taxa de nivelamento de 50 % do respectivo PNB, prevista para todos os Estados membros em 1999, deverá manter-se aplicável até a presente decisão ser alterada.
Julgo de salientar que o Conselho, na sua Decisão de 31 de Outubro de 1994, tomou em consideração a capacidade contributiva dos diferentes Estados membros para o sistema de recursos próprios, com o fim de corrigir, relativamente aos Estados membros menos prósperos, os elementos regressivos do sistema actual de recursos próprios, em conformidade com o protocolo relativo à coesão económica e social, anexo ao Tratado da União Europeia, pelo que deve proceder-se a uma nova alteração das regras de financiamento das Comunidades, através, nomeadamente, da redução de 1,4 % para 0,1 % do limite máximo previsto para a taxa uniforme a aplicar à matéria colectável uniforme do IVA de cada Estado membro, em fases idênticas, durante o período 1995-1999, e da limitação, a partir de 1995, da matéria colectável do IVA dos Estados membros cujo PNB per capita, em 1991, era inferior a 90 % da média comunitária, a saber, a Grécia, a Espanha, a Irlanda e Portugal, a 50 % do seu PNB, e por meio da redução do nivelamento da matéria colectável de 55 % para 50 %, em fases idênticas, durante o período de 1995 a 1999, para os outros Estados membros.
Finalmente, penso que é útil salientar, da referida proposta, os artigos 3.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º.
A proposta foi analisada em Comissão, Sr. Presidente, e esta decidiu que a mesma se encontra em condições de ser discutida em Plenário, pelo que aprovou o presente relatório.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Norberto Rosa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta apresentação à Assembleia da República da nova decisão sobre o Sistema de Recursos Próprios da União Europeia, penso que será oportuno lembrar o contexto em que esta matéria se enquadra e salientar as principais implicações que dela decorrem para Portugal.
Como é sabido, a reforma do sistema financeiro da Comunidade, realizada em 1988, baseou-se num acordo político celebrado para um período de cinco anos. Ficou previsto para 1992 um novo debate com vista a tomar decisões sobre o financiamento futuro da Comunidade e introduzir os ajustamentos necessários, à luz da experiência adquirida e dos posteriores desenvolvimentos no âmbito interno e internacional.
As propostas da Comissão com esse objectivo, que ficaram conhecidas por Pacote Delors II, constituíram a base para as importantes deliberações do Conselho Europeu de Edimburgo sobre o financiamento da Comunidade para o período de 1993 a 1999. O Acordo Institucional, celebrado em Outubro de 1993, renovando o anterior acordo, veio estabelecer o quadro de referência para a aplicação das decisões então tomadas sobre a evolução e a distribuição das despesas da União até 1999, dentro dos limites dos recursos próprios que foram fixados
A decisão do Conselho, que hoje é apreciada, transpõe para o direito orçamental as deliberações de Edimburgo. Esta decisão apresenta lambem, como a anterior, um horizonte temporal limitado, em paralelo com a programação plurianual das despesas, traduzida no quadro das perspectivas financeiras que faz parte do acordo interinstitucional. Aliás, o sistema dos recursos próprios não e objecto de uma alteração substancial relativamente à situação anterior, em particular no que se refere à sua composição. Mantém-se a composição que vem da anterior decisão, abrangendo os recursos próprios tradicionais (direitos aduaneiros e direitos niveladores agrícolas), os recursos próprios, provenientes do IVA, e os recursos com base no Produto Nacional Bruto (PNB), porque se afigurou, naturalmente, que a solução encontrada em 1988 permite assegurar a estabilidade orçamental a médio prazo, já que foi introduzido um recurso complementar destinado a obter o equilíbrio entre receitas e despesas.
Se não há alteração substancial, verifica-se, todavia, uma mudança importante das regras de financiamento da Comunidade, que vai determinar uma subida do peso relativo das receitas correspondentes aos recursos com base no PNB, com a correspondente diminuição do peso relativo das receitas provenientes dos recursos próprios IVA.
De facto, estas receitas representam cerca de metade do financiamento das despesas comunitárias São colectadas aos Estados membros a partir de uma base imaginária e harmonizada, calculada com referência às transacções efectuadas num dado território fiscal. Ou seja, em proporção com o PNB, a base IVA é mais importante nos países com níveis elevados de consumo e de investimento, relativamente ao produto, nomeadamente nos casos em que o peso da componente importada é relevante. Deste modo, os países menos prósperos e com significativos níveis de investimento tendem a ter uma elevada base de IVA Do mesmo modo, os países que atravessam um processo de recuperação económica tenderão a registar uma base IVA superior aos países mais avançados economicamente.
Por estas razões, a base IVA tem sido objecto de críticas e comentários que apontam a sua natureza regressiva no plano europeu. Esta constatação tem justamente contribuído para a progressiva diminuição da sua importância como fonte de financiamento comunitário. Por isso, em 1988, por ocasião das decisões relativas ao primeiro Pacote Delors, os chefes de Estado e de governo, reunidos em Bruxelas, decidiram limitar a l ,4 % da base o máximo de financiamento permitido com este recurso comunitário, criando-se concomitantemente um outro recurso próprio baseado no PNB. Além disso, os países que registassem uma base IVA superior a 55 % do PNB teriam os seus pagamentos nivelados a 55 % deste.

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Um passo suplementar foi dado na Cimeira de Edimburgo. A nova decisão estabelece uma redução progressiva do limite máximo da taxa aplicável à matéria colectável. IVA de cada Estado membro, de 1,4 % para 1 % em 1999, passando a 1,32 % já em 1995, e, por outro lado, a passagem do nivelamento da matéria colectável IVA de 55 % para 50 % do PNB Neste caso, trata-se de uma alteração a. aplicar desde 1995 aos países beneficiários do Fundo de Coesão (Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda) e progressivamente, por fases, aos outros Estados membros. É. uma alteração que tem por fim atender à capacidade contributiva dos diferentes Estados e fazer aproximar as contribuições financeiras de cada um ao seu nível de prosperidade económica, corrigindo o actual esquema regressivo. Põe-se em prática, deste modo, um princípio consagrado no protocolo relativo à coesão económica e social, anexo ao Tratado da União Europeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas novas regras para a determinação dos recursos IVA e PNB apresentam, portanto, grandes vantagens para os países cujas economias se caracterizam por um maior peso das despesas de consumo e investimento, como é o caso de Portugal.
Relativamente ao Orçamento para 1995, é ainda difícil estimar o valor exacto que a aplicação das novas regras terá para o nosso país, dado o efeito conjugado do aumento de 1,20% do PNB para 1,21 % do montante total, dos recursos próprios atribuídos às comunidades, associado à nova redistribuição entre recursos IVA e PNB e ao alargamento à Áustria, Suécia e Finlândia. No entanto, espera-se obter uma poupança que, teoricamente, poderá ser da ordem dos 50 milhões de ECU.
A adopção da nova decisão sofreu um grande atraso, como se sabe, devido à reserva política que a Itália manteve ao longo de vários meses, bloqueando o acordo que só foi possível alcançar em Outubro passado. Encontra-se agora completo o quadro jurídico comunitário que concretiza as conclusões do Conselho Europeu de Edimburgo. Após a ratificação nos vários Estados membros, a nova decisão relativa ao Sistema de Recursos Próprios produzirá efeitos a partir do início de 1995.
Por isso, é do maior interesse para o nosso País que este processo se conclua o mais rapidamente possível e que, portanto, esta decisão seja devidamente ratificada. Desde logo, pela diminuição dos encargos nacionais para o Orçamento comunitário, mas também pelo aumento progressivo dos recursos postos à disposição da União Europeia, o qual permitirá concretizar plenamente os objectivos globais, constituindo, por isso, uma efectiva garantia da pleno cumprimento das acções estruturais que interessam ao País. Deste modo, damos mais um passo fundamental para o desenvolvimento da integração comunitária, na perspectiva da colaboração institucional de que o Governo e esta Assembleia têm dado sobejas provas ao serviço do interesse nacional.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins e António Murteira. Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, queria fazer uma rectificação: o sumário deste diploma está mal indicado, uma vez que a decisão em causa é a 94/728/CEE, EURATOM. Chamo a atenção para a designação correcta, uma vez que não é só EURATOM, como aparece.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, estou inteiramente de acordo com aquilo que acaba de nos dizer e, mais, e pena que estejamos a discutir no final da manhã de sexta-feira uma decisão desta importância Como o Sr Secretário de Estado teve oportunidade de referir, ela tem como subjacentes os acordos interinstitucionais que foram celebrados e que correspondem ao aumento escalonado dos recursos próprios para a Comunidade.
Sr. Secretário de Estado, a minha questão é muito simples, aliás, já tive oportunidade de a apresentar por requerimento escrito ao Ministério das Finanças, pretendo saber, Sr. Secretário de Estado, se tem elementos para nos dizer, neste momento, qual o benefício líquido que Portugal está a auferir, tendo em conta, naturalmente, aquilo que auferimos em termos de fundos e aquilo que pagamos à União Europeia.

O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Secretário de Estado pretende responder no fim dos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP)- - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado A minha questão refere-se à decisão do Conselho na parte que se pode considerar o preâmbulo justificativo, que avança desde logo a ideia da "possibilidade" (é isto o que está cá escrito) "da criação de um novo recurso próprio, bem como as modalidades de instituição de uma taxa uniforme fixa, aplicável à matéria colectável do IVA". Pergunto ao Sr. Secretário de Estado se é possível, desde já, sabermos se este novo recurso e esta eventual taxa uniforme fixa aplicável à matéria colectável do IVA vai no sentido de introduzir critérios como os que foram agora introduzidos, que têm em conta as situações dos diferentes países, isto e, os que têm maior capacidade e os que são menos desenvolvidos, como o nosso, ou se irá, de novo, inverter a situação

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, quanto ao saldo líquido das nossas relações financeiras com a Comunidade, os valores que prevemos para 1995 estão incluídos no relatório do Orçamento do Estado. É natural que, com a concretização e a ratificação do novo acordo, haja alguma poupança. No entanto, ainda não temos valores definitivos.
Na minha intervenção referi que, em teoria, esses valores poderão ser na ordem dos 50 milhões de ECU, mas isso não significa necessariamente que, em termos do Orçamento nacional, tenhamos essa poupança Na verdade, há aqui efeitos positivos e negativos relacionados com o próprio alargamento e com o facto de o aumento dos recursos próprios para a Comunidade implicar aumento de despesa, que passa de 1,20 para 1,21, no ano de 1995. Por isso, como é natural, teremos alguma poupança, mas não é possível, agora, quantificá-la exactamente.
Quanto à pergunta feita pelo Sr. Deputado António Murteira, se bem a entendi, a questão que se coloca é a seguinte: constatou-se que, efectivamente, os custos próprios com base no IVA tinham um carácter regressivo e, portanto, injusto em relação a alguns países com um certo atraso económico. Penso que foi essa a razão da alteração que se registou em 1988, tendo-se criado, então, um novo recurso próprio baseado no PNB e limitado o financiamento

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comunitário a 1,40 % da base do IVA, a qual nunca poderia ultrapassar 55 % do PNB.
Portanto, este foi um passo importante, que permitiu beneficiar os países com maior atraso económico. Actualmente, a nova Decisão vai mais longe, ou seja, limita a base do IVA aos 50 %, quando sabemos que nos anos de 1991 e 1992 a base do IVA, em Portugal, relativamente ao PNB, atingia valores na ordem dos 60 % e, em simultâneo, limita também a 1 % a percentagem máxima da base do IVA que pode ser utilizada para financiamento da Comunidade. Essa limitação é feita de forma escalonada, sendo essa percentagem, este ano, de 1,32 e irá progressivamente diminuindo até 1 %.
Ou seja, utilizou-se aqui uma metodologia que vai dar uma maior relevância ao recurso base PNB e, por conseguinte, vai beneficiar os países com maior atraso económico relativamente aos outros. Portanto, trata-se de um sistema que nos parece muito mais justo, na medida em que relaciona de uma forma muito mais directa a riqueza criada em cada país ao financiamento comunitário.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Murteira (PCP): - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Secretário de Estado acabou de responder a um pedido de esclarecimentos formulado pelo Sr. Deputado.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, na verdade, a pergunta que fiz não foi aquela a que o Sr. Secretário de Estado respondeu, isto é, ele falou sobre o conteúdo das alterações do documento que estamos a apreciar e a pergunta que fiz relaciona-se com o que consta na página 4 desta Decisão do Conselho, onde, em relação ao futuro, se avançam duas ideias de um relatório que será apresentado, antes de finais de 1999, pelo Conselho. Sobre isso, perguntei se já se sabe alguma coisa ou se o Governo português ainda não tem qualquer ideia acerca dessas duas novas notas.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado do Orçamento, tem a palavra para responder, se o desejar.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, como é evidente, está prevista uma nova revisão em 1999. Esta situação está em aberto e, portanto, o Governo ainda não tem qualquer posição definitiva sobre esta matéria. No entanto, como é natural, irá sempre defender os interesses portugueses, no sentido de que o financiamento comunitário seja cada vez mais justo e equilibrado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito breve, apenas para desenvolver alguns considerandos que nos parecem oportunos quanto à proposta de resolução que o Governo nos apresenta sobre uma Decisão da Comunidade, de grande importância para a sua evolução e que, do nosso ponto de vista, não mereceu, por parte
da Assembleia, o tratamento e a apreciação que deveria ter tido, em virtude do seu grande significado para a evolução política da Comunidade e para as relações do Parlamento Europeu com os parlamentos nacionais.
Em primeiro lugar, não se compreende que esta proposta de resolução seja remetida apenas à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e passe à margem de uma apreciação das Comissões de Assuntos Europeus e de Economia, Finanças e Plano, até porque, no âmbito desta última, tinha sido solicitada a participação de uma delegação do Parlamento nacional na Conferência de Bruxelas, para apreciação dos novos instrumentos comunitários de recursos próprios. Por isso, não faz sentido que a Decisão sobre recursos próprios não seja, em conformidade, apreciada por essa Comissão.
Aliás, todo o processo de participação dos parlamentos nacionais não está devidamente acautelado pela forma como temos abordado estas questões e isso tem sido particularmente evidenciado pelo facto de o Parlamento ser confrontado com as decisões legislativas já tomadas e não ter qualquer participação em todo o processo legislativo que se desenvolve ao nível europeu.
Essa situação está hoje a ser acautelada por muitos parlamentos nacionais, designadamente pela Assembleia Nacional francesa, que se tem pronunciado sobre matérias como a desta Decisão e a do Acordo Interinstitucional de 1993 e, pela primeira vez, apreciou o anteprojecto do Orçamento Europeu para 1995. Infelizmente, temos de lamentar que não haja ainda uma participação mais activa da Assembleia da República na discussão de matérias com uma enorme importância para a evolução futura da Comunidade, até porque esta questão dos recursos próprios, estando ligada à do sistema financeiro da Comunidade, também está estreitamente relacionada com própria evolução política da Comunidade.
No fundo, aqui propõe-se que o processo orçamental da Comunidade evolua no sentido da obtenção de uma maior autonomia financeira, de um reforço dos poderes do Parlamento Europeu em matéria orçamental e, simultaneamente, de um esforço de mobilização de recursos para o financiamento de políticas comuns.
É óbvio que uma matéria deste tipo tem, para além de tudo isso, a importância de não apenas se centrar na disputa de poder entre o Parlamento Europeu e as instituições comunitárias mas tocar justamente no centro das relações entre os parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu. É que, como sabemos, o financiamento da Comunidade tem vindo a evoluir no sentido de ser feito, sobretudo, através de dois recursos, o recurso IVA e o recurso PNB, que são recursos dos orçamentos nacionais, havendo, portanto, aqui uma questão que toca na essência da soberania dos parlamentos nacionais e que, precisamente por isso, deve ser devidamente acautelada em sede de discussão e de ratificação.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à nova arquitectura do sistema de recursos próprios da Comunidade, não temos qualquer palavra sobre isso e sabemos que, neste momento, esta é uma Decisão transitória, para o período até 1999, mas que, já em 1995, tendo em vista a preparação da Conferência Intergovernamental de 1996, estas questões terão de ser debatidas, justamente porque, hoje. há a percepção ao nível comunitário de que deve verificar-se uma evolução para uma nova arquitectura de financiamento da Comunidade. Aliás, ao nível do

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Parlamento Europeu, há inclusive uma proposta de novos recursos para a Comunidade.
Ora, é óbvio que, neste momento, ao tomar esta decisão, se não estamos devidamente esclarecidos acerca da orientação política do Governo quanto às propostas que vão estar em apreciação já na Conferência Intergovernamental de 1996, algumas reservas políticas nos tem de merecer a forma como o tratamento destas questões tem sido feito em sede parlamentar.
Evidentemente, não vamos pôr qualquer objecção à aprovação desta proposta de resolução relativa à ratificação, mas reconhecemos que, neste momento, é preciso ter em conta o esforço desenvolvido por parte do Parlamento Europeu no sentido de uma repartição mais equilibrada do financiamento da Comunidade, o que tem expressão no sistema agora proposto, já que, de alguma maneira, se Corrigem os elementos regressivos existentes no sistema em vigor, procurando-se simultaneamente assegurar qua os desequilíbrios orçamentais também não venham afectar os recursos disponíveis para as políticas comuns.
É claro que esta preocupação também tem uma relação directa com aqueloutra, que, hoje, se desenvolve ao nível do Parlamento Europeu e que tem a ver com os parlamentos nacionais. De facto, ao abordar a problemática dos recursos da Comunidade não podemos dissociar o problema das receitas do das despesas. E a questão das despesas está, hoje, a ser analisada, sobretudo através da apreciação dos problemas relacionados com a fraude na utilização dos fundos comunitários, pondo em causa, por um lado, a evolução da PAC, e, por outro, os próprios fundos estruturais, a fim de, pela pressão política, responsabilizar os parlamentos nacionais no sentido da correcção dessas despesas. Isso foi, aliás, evidente na Conferência de Bruxelas, em que a delegação portuguesa participou e o Parlamento Europeu alijou responsabilidades relativamente ao controlo da despesa, justamente porque o que pretende, neste momento, é ter o controlo da receita, já que, hoje em dia, o seu papel é meramente consultivo nessa matéria.
A evolução vai nesse sentido e é necessário que, ao nível da Assembleia e das comissões próprias, possamos articular estas iniciativas, que estão a ser desenvolvidas e têm a ver com a evolução do sistema financeiro, com as implicações ao nível da evolução do sistema político.
Por isso, fazemos aqui um apelo no sentido de que a estes problemas seja dada mais atenção na sede própria, designadamente nas comissões especializadas, e de que a apreciação destas matérias pela Assembleia da República seja o mais aprofundada possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Amado, ouvi com interesse a exposição apresentada à Câmara por V. Ex.ª sobre esta matéria e se, de alguma forma, estou em sintonia com parte da sua exposição, existem questões que não poderia deixar passar sem um ligeiro reparo e algum comentário, sobretudo quando V. Ex.ª diz que esta matéria não foi discutida no Parlamento, etc.
Penso que é importante referir - o Sr. Deputado sabe-o perfeitamente, pois ambos fazemos parte da Comissão dos Assuntos Europeus - que existe uma lei aprovada por esta Casa, que, obviamente, recebeu o consenso do PS no que diz respeito à forma como articular as novas propostas e o novo acompanhamento da evolução da Comunidade Europeia.
Por outro lado, gostaria de referir ainda que, em meu entender, esta decisão do Conselho, de Outubro de 1994, merece alguns reparos pela positiva, sobretudo se tomarmos em consideração a fórmula que foi introduzida Tanto quanto nos é dado perceber, Portugal vai ser um beneficiário nesta matéria, pois, não sendo um país da Comunidade tão evoluído como outros, os seus recursos próprios são baseados no PNB e não no IVA, e, embora um país na nossa situação tenha tendência a ser mais consumista, sendo as receitas do IVA mais elevadas, iremos receber com certeza alguns benefícios.
Eram estas as considerações que gostaria de deixar ao Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Geraldes, quero apenas registar que nem na intervenção do Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins nem na minha própria intervenção houve qualquer reserva relativamente à matéria em apreciação e à substância da decisão. A referência que fiz foi quanto ao facto de, do nosso ponto de vista, o processo e a metodologia seguida pela Assembleia da República relativamente a esta proposta de resolução não ter sido a mais correcta, atendendo sobretudo à implicação política profunda que esta matéria tem na evolução da Comunidade. Isso é inquestionável e, em nosso entender, deveria ser corrigido, no sentido de a Assembleia da República, através das suas Comissões especializadas adequadas, se pronunciar atempadamente e em profundidade sobre estas matérias.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não tem qualquer comparação a apreciação que fizemos desta matéria e a apreciação que foi feita, por exemplo, pela Assembleia Nacional francesa, italiana ou espanhola e este é um alerta que, do ponto de vista político, tem de ser aqui registado pela nossa bancada.

O Sr. Silva Pinto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Até porque se a revisão da lei de acompanhamento foi feita, tal aconteceu, justamente, por pressão política do PS durante muito anos no sentido de que esta se ajustasse o mais possível às exigências decorrentes, por um lado, da revisão constitucional e, por outro lado, da premência do processo político europeu na fase em que entramos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a decisão do Conselho da Europa de 31 de Outubro de 1994, relativa à modificação da fórmula de cálculo do sistema de contribuição, pode ser pacífica, porque a nova fórmula, relativamente a um país menos desenvolvido como é nosso, vem seguramente trazer benefícios.
No entanto, julgo que seria interessante discutir neste momento e tornar claro que, precisamente porque fazemos parte da Comunidade Europeia da Energia Atómica, somos contribuintes e pagadores de uma forma de produção de energia que, no mínimo, é altamente polémica. Tantos anos

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1244 I SÉRIE - NÚMERO 34

depois da instalação do primeiro reactor, em 1954, no espaço da União, só ele com 146 reactores, e no continente mais nuclearizado do mundo - a Europa tem, neste momento, 17 centrais nucleares-, penso que seria tempo de ir mais longe na reflexão sobre esta matéria e de, na União e em Portugal, ser discutida a questão nuclear.
O nuclear é sempre considerado qualquer coisa que nos é estranha, mas creio que assim não é, pois, em meu entender, este não tem fronteiras. A proximidade de Espanha e das suas centrais nucleares, com toda a insegurança que envolve as condições de funcionamento dessas centrais, é um dado adquirido, como o é o facto de o nosso país ter estado - e tenderá a voltar a estar - na rota do plu-tónio. E é também uma dúvida, provavelmente nunca comprovada, o facto de nas fossas atlânticas, junto aos Açores, países como a Inglaterra continuarem clandestinamente a fazer a imersão de resíduos radioactivos - penso que esta é uma questão que não deve ser escamoteada
Os custos elevadíssimos que o nuclear envolve são evidentes e é, aliás, a própria Comunidade Europeia da Energia Atómica quem diz que é preciso estabelecer as condições de segurança necessárias à eliminação dos perigos que possam advir, para a vida e a saúde pública, da energia atómica. Esta é uma forma muito clara de assumir que a energia atómica tem riscos, e riscos muito grandes, que não são apenas aqueles que foram tornados públicos em Chernobil. Hoje, os riscos são consequência de todo um conjunto de equipamentos nucleares obsoletos, relativamente aos quais não há quaisquer condições de controlo e de acompanhamento. E os riscos existem, porque, também hoje, o trânsito ilegal de resíduos radioactivos no nosso planeta é uma realidade.
Assim sendo, pensamos que seria interessante que, mais do que aprovarmos a ratificação que esta proposta de resolução do Governo aqui traz, pudéssemos fazer uma discussão sobre a política energética na União, sobre o papel que deve ou não caber ao nuclear e a forma como essa questão deve ser equacionada, não esquecendo as outras energias alternativas, a que, em nossa opinião, não tem sido dada a atenção devida
Gostaríamos que fosse feito um amplo e efectivo debate democrático sobre a energia nuclear, que se estabelecesse uma moratória e que, no espaço da União, os cidadãos europeus pudessem ter voz activa sobre esta matéria e ter um referendo, tal como aconteceu em Itália, onde houve a possibilidade de os cidadãos dizerem não ao nuclear.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A propósito desta questão, gostaríamos de deixar aqui duas notas muito breves, tendo em conta o presente e olhando já também para as alterações que irão ter lugar.
A primeira nota que quero referir é a seguinte no sistema de recursos próprios da Comunidade Europeia, o Grupo Parlamentar do PCP considera que é preciso ter mais em conta a capacidade contributiva de cada Estado membro, ou seja, que temos de defender com mais vigor que seja tomada em conta a situação dos Estados menos desenvolvidos, concretamente de Portugal. Isto numa perspectiva de coesão económica e social, que, de facto, consideramos ser uma dimensão essencial da Comunidade e que, como sabemos, está longe de ser alcançada, havendo até alguns indicadores que mostram estarmos a afastar-nos de outros países mais desenvolvidos e com mais possibilidades. Tendo em conta este facto, é preciso ir mais longe na introdução de critérios que contribuam para se atingir este objectivo da coesão económica e social e resolver problemas tão graves como a questão do desemprego, da exclusão e outros
A segunda nota que queremos deixar é no sentido de dizer que importa ir mais longe e trabalhar para que, de futuro, exista uma maio: transparência nestas matérias, bem como o estabelecimento de um vínculo efectivo e perceptível entre os cidadãos e as receitas e despesas dos orçamentos da Comunidade
Finalmente - e cingirmo-nos à questão em apreciação relativa ao financiamento -, consideramos que, na decisão do Conselho da Europa de 31 de Outubro de 1994, hoje aqui trazida à apreciação, existem elementos positivos que foram já referidos e que têm em conta, por um lado, a situação dos países menos desenvolvidos e, por outro lado, as necessidades orçamentais da Comunidade. Por essas razões, embora estando presentes as duas notas que deixei anteriormente, iremos votar favoravelmente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero encerrar este debate manifestando a minha satisfação e a do Governo pelo facto de ter havido um apoio unânime a esta decisão da ratificação dos recursos próprios da Comunidade, em que ficou clara a melhoria para o nosso país e para o próprio financiamento da União Europeia em consequência da evolução que se registou com a aprovação deste acordo.
Quero também referir que o Governo continuará empenhado em colaborar com a Assembleia da República - aliás, recentemente, foi aprovada uma lei de colaboração entre a Assembleia da República e o Governo sobre áreas comunitárias, que o Governo tem cumprido escrupulosamente - para discutir todos estes assuntos, à semelhança do que tem acontecido anteriormente e por sua iniciativa.
Eram, pois, estas as palavras que gostava de aqui deixar.

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, não há mais inscrições, pelo que declaro encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se na quarta-feira, às 15 horas, e terá como ordem do dia a interpelação n.º 217 VI - Debate de política geral centrado sobre as responsabilidades do Governo na grave crise social e económica e consequente crise política institucional (PCP).
Está encerrada a sessão

Eram 13 horas e 5 minutos

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.

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21 DE JANEIRO DE 1995 1245

Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
José Angelo Ferreira Correia
José Manuel Borregana Meireles.
José Pereira Lopes
Júlio José Saraiva Sarmento.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Vasco Francisco Aguiar Miguei.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino
Aníbal Coelho da Costa.
António de Almeida Santos.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Augusto Teixeira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto
Anabela Honório Matias
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira
Domingos Duarte Lima
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
Manuel Acácio Martins Roque
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Simão José Ricon Peres.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Manuel Alegre de Melo Duarte

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Rectificação ao n.º 29, de 12 de Janeiro.

No Sumário e no texto onde se lê "Tchetchénia", deve ler-se "Chechenia".

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E.P.

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3 -O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República

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