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Sexta-feira, 27 de Janeiro de 1995 I Série - Número 36 1273

I LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE JANEIRO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n º 487/I A abrir o debate da moção de censura n º 2/VI, apresentada pelo PCP, intervieram o Sr Deputado Carlos Carvalhas (PCP) e o Sr Primeiro-Ministro (Cavaco Silva)
Seguidamente, usaram da palavra, a diverso título, além dos operadores e do Sr. Ministro da Defesa Nacional (Fernando Nogueira), os Srs Deputados Manuel Queira (CDS-PP), Pedro Passos Coelho, Luís Pais de Sousa, Costa Andrade, Rui Machete, Braga de Macedo, Antunes da Silva, Correia Afonso e Vítor Crespo PSD). Jaime Gama (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Octávio Teixeira e Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Manuel Alegre (PS), Luís Sá e Lino de Carvalho (PCP). José Lello (PS), António Filipe PCP). Mário Tomé (Indep ), André Martins (Os Verdes). Raul "astro (Indep). João Amaral (PCP), Pacheco Pereira (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Alberto Costa (PS). Silva Marques e Guilherme Silva (PSD), António Guterres e Eduardo Pereira (PS) e Pedro Roseta (PSD)
Tendo o Sr Deputado Octávio Teixeira anunciado, ao abrigo do nº 5 do artigo 239º do Regimento, a retirada da moção de censura, fizeram interpelações à Mesa, além do Sr Ministro da Defesa Nacional e do Sr Ministro Adjunto (Marques Mendes), os Srs Deputados Octávio Teixeira, Pacheco Pereira, Narana Coissoró, Jaime Gama, Mário Tomé. André Martins e José Vera Jardim (PS)
Por fim, a Câmara decidiu conceder a palavra, para proferirem intervenções, aos Srs Deputados Adriano Moreira (CDS-PP) - que respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Pacheco Pereira - e André Martins, bem como ao Sr Ministro da Defesa Nacional, que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados António Guterres, Octávio Teixeira. Narana Coissoró e Mário Tomé
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 23 horas e 25 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abrem.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Méis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Júlio José Saraiva Sarmento.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

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Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardas Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Caudal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eu rico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.

uís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Acilio Domingues Gala.
Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 487/VI - Cartões automáticos e outros meios de pagamento electrónicos (PS), que baixou à 6.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período da ordem do dia de hoje respeita ao debate da moção de censura ao Governo n.º 2/VI, apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Nos termos do n.º 2 do artigo 239.º do Regimento, para fazer a intervenção de abertura tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao apresentar no passado dia 20 a moção de censura, cujo debate agora se inicia, o PCP desde logo explicitou como objectivo fundamental desta sua iniciativa parlamentar o dar projecção institucional à opinião do PCP de que se torna imperioso proceder à demissão do Governo, à dissolução da Assembleia da República e à correspondente antecipação de eleições legislativas.

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Apresentada na sequência da revelação das graves responsabilidades políticas do Governo na prestação de serviços às Forças Armadas da Indonésia - o que constituiu mais um elemento de descrédito do Governo - a moção de censura do PCP inscreve, entretanto, entre os seus principais fundamentos, a degradação da situação económica, social e política do País, como resultado das retrógradas e nefastas orientações do Governo do PSD.
Neste sentido, sendo certo que qualquer outro partido pode avaliar a moção de censura e conduzir-se nesta iniciativa parlamentar de acordo com os seus interesses específicos, nenhum pode entretanto atribuir ao partido que apresenta a moção objectivos que ele próprio não fixou ou contornar os reais objectivos que explicitou.
O PCP apresenta esta moção de censura ao Governo para dar voz a um profundo descontentamento popular com a política do PSD, para trazer ao debate nas instituições os problemas, inquietações e aspirações que percorrem a sociedade portuguesa; para confrontar o Governo do PSD com as suas pesadas e indiscutíveis responsabilidades; para reforçar e colocar ainda mais no centro do debate político a exigência da demissão do Governo e da dissolução da Assembleia da República, e para, por essa via, favorecer um movimento de confiança e de esperança na conquista de uma alternativa democrática e de uma nova política.

Aplausos do PCP.

Sejamos inteiramente claros, a finalidade da moção de censura do PCP não é confiar a uma Assembleia da República dominada pela maioria parlamentar do PSD a adopção das medidas de clarificação política que o PCP reclama. É trazer à própria Assembleia da República, no quadro de uma legítima forma de acção e combate político desenvolvida por um partido e por Deputados que cumprem os seus compromissos com os eleitores, a exigência da demissão do Governo e da dissolução da Assembleia da República, a concretizar através de iniciativas indiscutivelmente integradas nas competências constitucionais do Presidente da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata, pois, de entregar à maioria parlamentar do PSD a solução do problema, uma vez que ela própria é parte, é juiz em causa própria, enquanto suporte parlamentar de um Governo desacreditado e de uma política fracassada e condenada, e enquanto maioria que seguramente deixou de corresponder à vontade popular.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sejamos inteiramente claros: nas circunstâncias actuais, o eventual apoio ou confiança da maioria parlamentar do PSD ao seu Governo é completamente irrelevante do ponto de vista político, constitucional e da opinião dos portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que está em causa não é, naturalmente, apurar a vontade de uma maioria parlamentar, obviamente dependente do poder, obviamente desejosa de o conservar e instrumentalizar, obviamente vinculada aos interesses das suas clientelas.
O que está verdadeiramente em causa é que, tendo em conta a situação e os problemas do País e os critérios de interesse da democracia, o Presidente da República exercia precisamente as competências que o PSD, julgando-se o centro do mundo, o dono da democracia e o patrão da instituições, lhe pretende ilegitimamente expropriar.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados- Quando na sexta-feira passada foi apresentada a moção de censura que agora debatemos, o País ainda tinha um Primeiro-Ministro, que caminhava para ser julgado e condenado pelo povo português em eleições, como julgado e condenado estava a se todos os dias nos locais de trabalho, nas famílias, nas escolas, em toda a parte onde o povo sofria as consequência da sua política; um Primeiro-Ministro cujo horizonte próximo era a derrota eleitoral, em todos os objectivos que s propunha.
Hoje, tem de dizer-se que a situação mudou significativamente: o Primeiro-Ministro furtou-se ao veredicto popular que vai ser expresso nas próximas eleições para Assembleia da República e, como homem do leme. deu exemplo de ser o primeiro a abandonar o barco à sua sorte O Primeiro-Ministro está em fuga, para não experimenta pessoalmente a derrota eleitoral do PSD, que tem por certa e absolutamente inevitável

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta mudança na situação do Primeiro-Ministro, entre a data da apresentação da moção de censura e a data do seu debate, não só não retira nenhuma oportunidade e sentido à moção, como, de alguma forma, acaba pç ser clarificadora quanto à questão central da responsabilidade política. Porque a responsabilidade política pela situação em que o povo português vive é do próprio PSD, do Partido Social Democrata e não exclusivamente do seu chefe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As responsabilidades não vão com o chefe, por mais que, como é seu hábito, o PSD ensaie a parti do próximo congresso a requentada manobra de, falsamente renovado, distanciar-se dos malefícios das suas próprias políticas. E este debate é a ocasião certa para o mostrar e par censurar o PSD e a forma como exerceu o governo do País para censurar as políticas que definiu, sustentou e executou
O primeiro objectivo e a primeira razão de ser desta moção de censura está precisamente aí. na denúncia da políticas de direita e das suas gravíssimas consequência para o povo português e para o País Trazemos para esta tribuna institucional a voz de protesto dos portugueses portuguesas.
Colocamos aqui, na Assembleia da República, as aspire coes e reclamações populares. O País não se faz de jogos políticos, nem de lutas fratricidas pelo poder. Os 41000 desempregados não querem assistir passivamente à degradação da situação; os agricultores de Portugal não se cor formam com o despovoamento e abandono dos campos com a perda de uma riqueza essencial para o País É mesmo clamor que vem dos pescadores, obrigados a abater a sua frota, e que vem da indústria, em perda. O clamor de um país que abandona a actividade produtiva primária e transformadora como fonte primeira da sua riqueza e como garantia da sua subsistência e independência!
Damos aqui voz aos trabalhadores e à sua luta pç melhores condições de vida, pelo emprego e em defesa

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emprego, seja nas minas (como as do Pejão), seja nas fábricas (como a Manuel Pereira Roldão), seja nas empresas de serviços (como a Telecom).

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Damos aqui voz aos sectores mais débeis marginalizados da sociedade portuguesa, aos pobres, aos reformados e pensionistas e aos deficientes; damos aqui voz à luta das mulheres, primeiras vítimas de uma política que lamenta o desemprego e a discriminação; damos aqui voz à juventude, à sua luta contra as dificuldades no acesso ao mercado do trabalho, contra as discriminações e por uma escola de progresso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP refere, no texto de apresentação da moção de censura, o recente escândalo da reparação de motores e helicópteros das Forças Armadas da Indonésia como mais um caso que mostra a necessidade de pôr urgentemente termo á uma política de consequências nefastas e graves para o povo português. Não conte o Governo que aqui faça desse caso centro da moção de censura, mas importa que, desde já, quem ditas a seu respeito duas coisas. A primeira é a de que não há caso OGMA, que não está minimamente em questão a empresa, o seu alto valor estratégico e a alta qualificação dos trabalhadores que aí se realizam.

Aplausos do PSD.

O que há é um caso que tem a ver com o Ministro da Defesa Fernando Nogueira - e desta vez não batem, concerta, palmas -, um caso que tem a ver com as responsabilidades políticas do Ministério da Defesa Nacional e do Governo no seu conjunto na condução e execução de uma política para Timor.

Aplausos do PCP.

Quem bate palmas no fim é quem bate melhor!
Em parêntesis, cabe aqui recordar que o que põe em causa as OGMA é a política de desresponsabilização que o Governo tem conduzido em relação à empresa e que
tenta levar à saída de cerca de 700 trabalhadores, muitos deles altamente qualificados.
A segunda nota refere-se à questão da responsabilidade política e do conhecimento dos factos. A responsabilidade política do Governo e do Ministério da Defesa Nacional não é nada diminuída pela alegação da falta de conhecimento dos factos, caso em que, então, teríamos o Governo a praticar com dolo uma criminosa política contra o povo de Timor Leste. A responsabilidade política resulta antes, da omissão (essa, sim, dolosa) dos deveres de definir uma política clara para com Timor Leste e, em consequência, das instruções e orientações vinculativas a todos os departamentos da Administração.

Aplausos do PCP.

É por isso, pelo seu enquadramento, que o caso Ministério Defesa Nacional/Indonésia é um exemplo significativo e importante de uma política que aqui estamos a censurar. Mas o que a moção de censura do PCP põe em debate toda a política do PSD no Governo, e não apenas aspectos parcelares ou conjunturais.
O julgamento que urge fazer da política do Governo já não se esgota na Assembleia da República. Mesmo no plano institucional, esse julgamento urge ser assumido pelo povo português em eleições legislativas antecipadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não é um qualquer governo que aqui examinamos. É o PSD no Governo ou, melhor ainda, são as políticas do PSD no exercício do governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação do Governo é hoje um perigoso factor de instabilidade e de risco. Quando à censura e condenação populares e à crítica política global que formulamos se junta o reconhecimento implícito, pelo próprio partido que o apoia, de que o Governo perdeu já a confiança do País, então não há malabarismos político-institucionais que possam dar fôlego ao Governo em trânsito, nem colmatar os gravíssimos prejuízos que resultariam da sua continuação até finais de Outubro ou princípios de Novembro, por mais nove meses, portanto.
A moção de censura do PCP, com os seus reais e declarados objectivos, mantém, assim, plena actualidade, sentido e justificação. Porque a moção de censura do PCP fundamenta-se na necessidade de dar projecção institucional ao profundo descontentamento popular, expresso, por exemplo, no protesto que ontem mesmo encheu a alma do Alentejo, e nas acções de luta e reivindicação que mobilizam hoje milhares e milhares de trabalhadores; porque a moção de censura do PCP fundamenta-se na necessidade de reforçar a exigência de que cesse urgentemente esta política de fracasso e degradação; porque a moção de censura do PCP fundamenta-se, ainda, na necessidade de colocar no centro das preocupações a reclamação popular de uma política alternativa, não uma mera substituição de pessoas mas, sim, uma real mudança de rumo na política nacional; porque as decisões anunciadas por Cavaco Silva, e o seu arrogante propósito de se manter em funções, não apaziguam as tensões e conflitos institucionais, antes comportam a séria probabilidade de uma escalada de arrogância, hostilidade e provocação contra o Presidente da República, designadamente a partir do momento em que este não possa, por limitações constitucionais, exercer algumas das suas competências fundamentais.
Finalmente, a moção de censura do PCP mantém plena actualidade porque, sendo certo que a reclamação da dissolução da Assembleia da República e a antecipação de eleições disfrutam hoje de um crescente apoio da opinião pública, a verdade é que tais objectivos ainda não foram alcançados e, por isso, é necessário continuar a lutar para que seja devolvida a palavra ao povo português para uma sua livre e soberana decisão sobre a política e os rumos necessários para Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pode o PSD tentar transformar a Assembleia da República numa «passerelle de candidatos»; pode o PSD encarar a tribuna parlamentar como um divã para tentar exorcizar os seus fantasmas; pode considerar as figuras regimentais como mezinhas para todas as fendas causadas pelas lutas sem quartel que hoje se travam no seu interior. Nada disso muda a realidade das coisas: o Governo já não tem legitimidade política, a sua permanência continua a causar danos irreparáveis e a ser um factor de instabilidade. As políticas do PSD continuam a ser condenadas pelo povo português.

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Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do mundo do trabalho emerge e amplia-se o protesto, o descontentamento e a luta, o que, na sua essência, traduz uma inequívoca censura ao Governo do PSD e à sua política.
Alastram os protestos, o descontentamento e as lutas dos trabalhadores perante uma política profundamente injusta, que tenta violentar e destruir a dimensão de cidadania do direito ao trabalho como fonte de realização e valorização do ser humano, que tenta moldar o trabalho sem os direitos e liberdades que a Constituição inscreve e garante.
Censuramos e responsabilizamos o Governo do PSD pelo aumento do desemprego e despedimentos, pela cobertura e cumplicidade que dá ao grande capital, tanto no plano legislativo como na prática governativa, aumentando a precarização e insegurança dos postos de trabalho, acentuando a ofensiva aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, à liberdade de negociação da contratação, aos horários de trabalho e ao poder de compra dos salários.
Daqui desta tribuna, quantas vezes o Primeiro-Ministro e quantos ministros não proclamaram o baixo nível do desemprego chegando, até a anunciar o desemprego «tecnicamente a nível zero»!
Perante o reconhecimento das estatísticas oficiais que referem a existência de mais de 410 000 desempregados, mudam a conversa, como ainda anteontem fez o Primeiro-Ministro, chamando-lhe «desemprego controlado». Servirá, porventura, como exemplo de hipocrisia e falsidade desta afirmação o facto de, no mesmo dia das declarações do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, a multinacional ABB, que hoje domina a nossa metalomecânica pesada, após ter destruído mais de 1000 postos de trabalho na Mague, anunciar mais um grande despedimento colectivo na Hidro-Sorefame? Ou de, no mesmo dia, o INE divulgar que a taxa oficial de desemprego de 4,1 % em 1991 já ultrapassou os 7 %?
O número de 400 000 desempregados é muito mais do que um número estatístico. Tem a ver com pessoas concretas, com os seus dramas, inseguranças e dificuldades no plano económico, social e familiar. A este número poderíamos juntar muitos mais que têm trabalho hoje, mas podem não o ter amanhã, sujeitos que estão a um vínculo precário, a recibo verde, à empreitada e sub-empreitada, à peça, à hora, à tarefa, reduzidos muitas vezes à condição de um só direito - o direito a um magro salário. E mesmo esse, hoje, em muitas empresas volta a estar em causa perante o ressurgimento da chaga dos salários em atraso.
Censuramos, responsabilizamos e condenamos o executivo do PSD e a sua política por ter fomentado e criado uma exclusão de novo tipo na sociedade portuguesa: aqueles milhares de homens e mulheres que, sendo válidos para produzir, foram forçados à rescisão e à pré-reforma, novos demais para serem reformados, velhos demais para encontrarem um emprego compatível com a sua experiência e profissão. Milhares de homens e mulheres que, na fria e desumanizada concepção do Ministro da Indústria, estão definitivamente arredados da possibilidade de se realizarem na prestação do trabalho porque têm mais de 40 anos.
E quantas vezes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este Governo não insistiu em sucessivos pacotes laborais, transformando a Assembleia da República em órgão apendicular do Conselho de Concertação, mero cartório notarial para legitimar decretos e autorizações legislativas que visavam condicionar e mutilar o direito à greve, à segurança no emprego, à liberdade de negociação da contratação colectiva, que pretendiam desregulamentar e flexibilizar os horários semanais de trabalho, o trabalho por turnos, o direito à profissão, os direitos sindicais e das comissões e trabalhadores?
O impacto e as consequências sociais desta política, situações que hoje se vivem em milhares de empresas e País são um dos maiores libelos acusatórios ao PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Censuramos, denunciamos e responsabilizamos o Governo do PSD e a sua política por retirar aos jovens que querem ingressar no mercado do trabalho possibilidade de um emprego estável, de uma carreira profissional realizadora, jovens que se agarram aos cursos e formação não tanto para se formarem mas, na sua maioria, para adiarem a condição de precarizados ou desempregados.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, na segunda-feira, o Primeiro-Ministro expunha como obra feita as privatizações e a entrega do melhor património público empresarial aos grandes senhores do capital nacional estrangeiro, as escandalosas indemnizações de largas dezenas de milhões de contos a um punhado de agrários e novo instalados no Alentejo fustigado pelo desemprego e pé fome, esqueceu-se de nela incluir a sua nefasta acção contra os direitos e conquistas de gerações inteiras de trabalhadores.
Face à Constituição que temos, que inclui tais direitos e seu capítulo nobre dos direitos, liberdades e garantia considerando-os parte integrante do projecto de democracia que ela consagra, esta política de destruição dos direitos não é um feito, mas uma mancha indissolúvel, com marca da injustiça e do retrocesso, que só é reparável com uma nova política onde os direitos dos trabalhadores seja interpretados e assumidos como alicerce e condição para o progresso e o desenvolvimento.

Aplausos do PCP.

É com essa profunda aspiração e convicção que no mesmo, nas empresas, nos sectores e nas ruas das principais cidades, os trabalhadores reunidos em torno da CGTP-IN reclamam, reivindicam e lutam.
E não é nenhuma afirmação do Sr. Primeiro-Ministro e que «tudo está sob controlo» que alterará a realidade.
Contrariamente a esta política, Portugal precisa de uma política que concretize na prática os direitos económicos sociais dos trabalhadores, que tenha como objectivos centrais, assegurar o direito ao trabalho, ao salário e à segurança e estabilidade no emprego, que promova a elevação progressiva dos salários reais e combata as injustiças desigualdades sociais.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Longe de assegurar todos o direito à educação e ao ensino de acordo com Constituição da República Portuguesa, o PSD conduziu uma política de desresponsabilização do Estado pela concretização desse direito fundamental num regime democrático.
Degradou a escola pública, ao mesmo tempo que incentivou e protegeu o ensino privado, mesmo quando este não dava garantias de qualidade; concretizou toda uma política de estrangulamento do ensino superior público, esvaziou de conteúdo a autonomia e diminuiu as condições de ensino e investigação; manteve a acção social escolar a níveis

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risórios e impôs um brutal aumento das propinas, cuja ijustiça é hoje reconhecida e bem patente; na área da ducação pré-escolar o PSD conseguiu a proeza de iji£n-;r Portugal com a taxa de cobertura do País mais baixa da iuropa. Os níveis de insucesso escolar real atingem ítldi-es preocupantes, que as medidas de «sucesso» admims--ativo vieram agravar ainda mais.

Na educação, o PSD tem revelado de forma chocante a

ua insensibilidade em relação àqueles que mais carecem

o apoio do Estado, mas que não o têm — em seu entender,

sses não têm peso eleitoral — e de que o ensino espacial

bem um exemplo.

Surdos às vozes críticas, avessos ao diálogo, quandb não utontários, os numerosos ministros da Educação nomeados elo PSD contribuíram para a existência de um clima per-lanente de conflitualidade entre o Ministério da Educação, ocentes, estudantes, pessoal não docente e encarregados e educação.

A falta de diálogo, o desrespeito pelo direito à negoci-ção e a imposição do silêncio através da «lei da rolha» quando não as bastonadas) ficarão na história da íelação os governos do PSD com a comunidade educativa-

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Ao contrário desta política, Portugal preci-a de uma nova política para a educação, em que o Jnves-mento seja uma realidade, que realize uma efecíiva re-Drma educativa centrada na elevação da qualidaíde do nsino, no combate ao insucesso escolar, na transfonJiação, dequação e modernização dos currículos, no desenvolvi-icnto de uma nova escola, mais autónoma e, por isso mes-10, também mais responsável.

Aplausos do PCP.

Igualmente em relação à saúde, a política do BSD foi aracterizada pela tentativa da introdução do negooismo a idos os níveis da prestação de cuidados de saúda, liqui-ando o Serviço Nacional de Saúde. A indefinição dos Itimos anos conduziu a que se implementassem medidas xclusivamente economicistas, visando o financiamento do ístema à custa da população, independentemente: das suas osses. Foram as taxas moderadoras que primeiro impuse-im um duplo pagamento dos cuidados de saúde; $ão ago-ï as privatizações, que visam a entrega à iniciativa priva-a de equipamentos no valor de milhares de cantos, de ue o Hospital Amadora-Sintra é um caso exempíar.

A capacidade de resposta cada vez é mais limitada, e onsequências como as da contaminação de centenas de ortugueses com o vírus da SIDA, após tratamentos com angue e seus derivados em hospitais públicos, a quem o ioverno nega o direito a uma justa indemnização, como s longas filas de espera para consultas de especialidade m hospitais, como a inexistência de um médico de família ara milhares de portugueses são indissociáveis da forma isensível, desumana e intolerável de como o PSD e o ioverno tratam os problemas da saúde, transformando-a uma mercadoria transacionável.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Ao contrário desta política, Portugal preci-a de uma nova política que efectivamente garanta o direi-) à saúde de todos os portugueses e defenda, reorganize

modernize o Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Orador: — Também menos segurança social tem sido um lema do Governo; acumulação de mais de mil milhões de contos de dívidas do Estado ao orçamento da segurança social; degradação dos regimes das pensões de reforma e de invalidez; manutenção num baixíssimo nível das várias prestações sociais, apesar do nosso país ser aquele que proporcionalmente, e de longe, no quadro da União Europeia, apresenta menores despesas de protecção social.

Ao contrário desta política, Portugal precisa de defender, reforçar e aperfeiçoar o sistema público de segurança social, realidade erguida pelas contribuições e sacrifícios de várias gerações de trabalhadores portugueses e o seu mais importante património social, e garante de um direito social fundamental dos trabalhadores e portugueses.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade da economia portuguesa nos últimos nove anos mostra à sociedade que a política económica dos governos do PSD foi — e é! — de-monstradamente nefasta e insustentável.

O sacrifício imposto à «economia real» em nome de uma cega prioridade absoluta à convergência nominal, sustentada numa adesão fundamental i sta do Governo às orientações monetaristas do Tratado de Maastncht, teve e continua a ter custos incomportáveis, e nalguns casos irreversíveis, para a estrutura produtiva nacional e para os trabalhadores.

A condução da política cambial e monetária num quadro de simulação da integração do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu, a partir de Outubro de 1990, a precipitada e irresponsável concretização dessa integração, em Abril de 1992, e a estulta antecipação da completa liberalização dos movimentos de capitais de curto prazo, a partir de Janeiro de 1993, são marcas indeléveis de uma desastrosa orientação política, que lançou a economia portuguesa na mais longa recessão da sua história moderna.

Num primeiro momento com a forte desaceleração da actividade económica, em 1991 e 1992; depois, com a depressão económica que se viveu desde o último trimestre de 1992 até meados de 1994; agora com uma fase de apregoada «retoma» débil e contraditória, que se mostra incapaz de repor, em prazo curto, a actividade económica ao nível atingido antes do início da depressão e que é acompanhada da continuação da falência e encerramento de muitas empresas e unidades produtivas, do congelamento dos salários reais, do aumento permanente do exército de desempregados e do recrudescimento dos salários em atraso.

Com estas e outras nefastas orientações da política económica os fundos comunitários para a reestruturação e modernização da economia portuguesa foram desbaratados e, muitos deles, desperdiçados em corrupção, como aconteceu com grande parte dos dinheiros do Fundo Social Europeu, da agricultura e outros.

Os resultados concretos desta desgovernação e incompetência estão à vista e estatisticamente comprovados: crise generalizada na indústria e na agricultura, quebra do rendimento disponível das famílias, manutenção e mesmo aumento das taxas de juro reais, especulação cambial e financeira, queda do investimento, estagnação do consumo privado, contracção da procura interna, insuportável aumento do desemprego, divergência económica e social com a média comunitária.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os exemplos concretos aí estão.

A produção industrial, entre 1991 e 1994, teve uma quebra, em termos de variação anual acumulada, de 4,6 %. Na área fulcral dos bens de investimento a redução é da ordem dos 14 %.
A produção agrícola, em valores reais, está hoje abaixo dos valores de 1986 e os rendimentos dos agricultores baixaram, drasticamente, mais de 30 %. O défice agro-alimentar agravou-se, desde 1986, de 51 para 70 %. Não há uma política de desenvolvimento rural e os nossos campos e aldeias, desertificam-se, envelhecem, sem perspectivas de futuro.
A política fiscal tem promovido a injustiça e é factor do enorme volume de fraude e evasão fiscais. Quem mais impostos paga neste país é quem menos rendimentos tem; os trabalhadores e a classe média são os grupos sociais mais penalizados.
A economia portuguesa, nos últimos quatro anos, distanciou-se mais da média da União Europeia. Divergimos e não convergimos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta situação é ainda agravada pelo processo de privatizações, que tem conduzido ao desmantelamento do aparelho produtivo e ao negocismo, à prática do cambão, aos «tratados de Tordesilhas» entre os velhos e os novos senhores do dinheiro, e tem gerado mais-valias especulativas de dezenas de milhões de contos. É um escândalo!
Enquanto o PSD - e o CDS-PP -, tanto falam da «libertação da sociedade civil», do papel e da intervenção do Estado na economia, assiste-se - quando estão em jogo os grandes interesses económicos - exactamente à utilização e intervenção do Estado para acelerar o processo de reconstituição dos grandes grupos económicos...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é com o PS!

O Orador: - ... e favorecer a concentração e centralização capitalistas.
Menos Estado para os trabalhadores e para as políticas sociais, mais Estado para o capital! Esta é a palavra de ordem para o PSD e para o seu Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que se está a assistir, nestes últimos meses, é a uma espécie de clima de fim de festa com o saque dos dinheiros públicos a favor dos grandes interesses económicos e financeiros e o escandaloso favorecimento da clientela laranja.

Aplausos do PCP e do deputado independente Mário Tomé.

Contrariamente a esta política de empobrecimento nacional, Portugal precisa de uma nova política que defenda e promova a produção nacional, o aparelho produtivo nacional, o emprego e a dimensão social do crescimento.
O País não pode ficar na instabilidade quando se aproximam opções e desafios decisivos para o nosso futuro colectivo.
O País precisa de ter uma estratégia de desenvolvimento face à União Europeia e ao crescente domínio do capital estrangeiro.
Não podemos continuar com a política do aluno bem comportado, entregando os nossos recursos e os nossos mercados ao domínio das multinacionais.
São conhecidas as consequências da moeda única, das políticas de Maastricht e dos critérios da União Económica e Monetária. A lógica do liberalismo selvagem provocará um ainda maior afastamento dos países do sul.
Segundo o Tratado, a moeda única vai ser gerida por um banco central independente que terá toda a liberdade de acção sem qualquer controlo democrático.
E se sobre o terreno financeiro há quem precise que e que decide o Bundesbank é bom para a Alemanha e o que decide a Alemanha é bom para a Europa, nós não compartilhamos dessa opinião!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As escolhas económicas ao serviço do grande capital, tanto na Europa como em Portugal, com resultados sociais catastróficos em termos de coesão económica e social, têm sido tanto mais facilmente adoptadas quanto mais se tem enfraquecido a fiscalização e o controlo democrático.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acusamos o Governo de PSD de ter conduzido uma sistemática degradação da democracia política.
A governação do PSD é sinónimo de autoritarismo, de governamentalização do Estado, de policialização da sociedade, de ataques à liberdade de imprensa, de cerceamento dos direitos fundamentais dos trabalhadores e dos cidadãos, em geral, de ocupação do aparelho de Estado por clientelas partidárias, visando a sua perpetuação no poder.
O Governo e o PSD governamentalizam e centralizam a política nacional, lançam violentas campanhas contra todos os órgãos do Estado, que não dominam e que possam controlar ou fiscalizar os seus actos.
O normal exercício das competências constitucionais por parte do Presidente da República faz desencadear furiosos ataques do PSD a este órgão de soberania, às suas competências, à sua forma de eleição, acompanhados de violentas diatribes contra o detentor do cargo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A reivindicação de meios para a investigação criminal para o Ministério Público, depara, da parte de PSD, com a introdução de limitações legais à competência e autonomia do Ministério Público, com a tentativa inconstitucional de limitar o mandato do Procurador-Geral da República.
A governamentalização do Estado tem ainda outras ex pressões na política do PSD: os ataques aos juizes, ao Tribunal de Contas, ao próprio Tribunal Constitucional em alguns momentos, o bloqueamento inconstitucional da regionalização, a menorização sistemática do papel da Assembleia da República no sistema político, com a anulação prática dos seus poderes de fiscalização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao longo dos últimos anos o PSD tomou de assalto o aparelho de Estado, com base em exclusivo; critérios partidários, criando o caldo de cultura favorável à proliferação do clientelismo e da corrupção, não como fé

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nómenos conjunturais, mas como elementos estruturais e inerentes à confusão que o PSD gerou entre o aparelho de Estado e o seu aparelho partidário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD transformou o SIS numa verdadeira polícia política ao serviço dos seus objectivos político-partidários, estruturando uma escalada de ilegalidades, abusos e atropelos.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Que exagero!

A vigilância sobre actividades lícitas dos cidadãos, sobre manifestações de estudantes, de trabalhadores ou de agricultores, sobre magistrados, as infiltrações em associações de estudantes, são práticas aberrantes em democracia e na nossa Constituição da República, que visam intimidar os cidadãos que justamente ousam contestar a política do Governo e que são próprias de um Governo autoritário,

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A repressão policial tornou-se a forma reais frequente de o Governo responder aos justos protestos dos cidadãos.
Enquanto a criminalidade alastra nas ruas, sem que as forças policiais tenham meios para a conter, o Governo destaca milhares de efectivos policiais que não têm outra função que não a de reprimir o protesto social.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso já vinha no Avante de há três meses!...

O Orador: - O Governo PSD instaurou, na prática,, uma Administração fechada e secretista, vedada aos cidadãos e hostil aos jornalistas. Falta de transparência que atinge o inqualificável na lei sobre segredo de Estado, arma do segredo nas mãos do Governo, visando abafar escândalos e impor a opacidade sobre as acções governamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Confrontado com a denúncia pública, através da comunicação social, dos inúmeros escândalos que envolvem altas figuras, o Governo PSD lançou uma ofensiva contra a liberdade de imprensa, visando intimidar os jornalistas e sufocar o jornalismo de investigação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, afirmamos que, contrariamente a esta política e a este Governo, Portugal precisa de uma política que assegure os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, uma justiça democrática e eficiente, uma política de segurança que garanta a tranquilidade pública, e de um Governo cumpridor da legalidade e respeitador dos princípios constitucionais do equilíbrio, separação e interdependência dos órgãos de soberania e apostado na regionalização e reforço do poder local.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como os que se encontram em coma profundo, o PSD já só se mantém ligado à "máquina", à máquina do Governo, à máquina do Orçamento, que alimenta a rede do largo corpo de interesses.
E isso que os traz aqui em canto do cisne - com falsos sorrisos, procurando dar a ideia de família unidíssima, no santo e reverenciai apoio ao "chefe" e ao Governo. Mas isso demonstra alguma coisa? Nada!
O Deputado Pacheco Pereira escusava de se esfalfar a telefonar, a mandar telegramas e dar notícias para os jornais... Hoje ninguém faltaria! De estranhar seria que aqui não estivessem todos, cada um a procurar ser mais papista que o Papa, para que o partido os veja e não os esqueça: uns sabem que só faltam alguns meses para a dourada reforma; outros até sabem que não voltarão ou que correm o risco de não mais voltar à Assembleia da República
É esta a unidade dos interesses, que nada mais significa do que isto: agarrarem-se à tábua de salvação do Governo!
É que desligada a máquina, o "saco de gatos" não mais conterá ninguém!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Isso logo se verá!

O Orador: - Com a dissolução da Assembleia da República, acabar-se-á a hipócrita solidariedade que os Srs. Deputados estão aqui a representar.
As vinganças, os golpes baixos, as "traições", como no PSD alguns afirmavam, já há muito se manifestavam na luta pelo poder, nas notícias que chegavam aos jornais, procurando queimar uns e promover outros - aliás, o Sr Primeiro-Ministro é testemunha do que digo!
Era um facto conhecido que algumas das mais importantes revelações feitas pela imprensa vinham directamente dos gabinetes ministeriais ou do próprio seio do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Exacto!

O Orador: - E, no entanto, a procissão só agora vai no adro!
Só que o país, enquanto os problemas se agravam, não pode ficar a viver mais nove meses em encenações, em fantasias, com um partido a procurar aproveitar os últimos momentos para nomear mais afilhados, compadres e fiéis por tudo quanto é Administração Pública, a aproveitar os últimos momentos no poder para entregar mais uns milhões às suas clientelas,...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): Está a falar das câmaras de Évora, de Cascais, etc...!

O Orador: - ... a procurar a sua sustentação através da ampliação de redes tentaculares de interesses, à custa do erário público, da Administração Pública e dos dinheiros públicos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma coisa é a decomposição e o apodrecimento do PSD, uma outra é o País!

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O País não pode ficar mais nove longos meses em acrescida instabilidade institucional, política, económica e social.
O País não pode ser arrastado para o descrédito com o descrédito do Governo: uma coisa são os interesses nacionais, uma outra são os interesses do PSD e das suas clientelas; uma coisa são os interesses do povo, dos trabalhadores, dos agricultores e dos pescadores, dos pequenos e

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médios empresários, os interesses da juventude, das mulheres, dos reformados, dos deficientes, e uma outra bem diferente são os interesses dos grandes senhores do dinheiro, dos que estão sentados à mesa do Orçamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E, então, os latifundiários e a reacção?!...

O Orador: - Não há passes de mágica, nem declarações ferverosas de apoio a um Governo em fim de estação, que possam confundir os interesses de uns e de outros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso mesmo que afirmamos que o País não pode continuar a assistir ao apodrecimento desta situação.

Aplausos do PCP.

E não venha o PSD com mais artifícios. O PSD pode apresentar as moções de confiança que quiser: para a semana, ou após o Congresso, se a Assembleia da República chegar até lá, que não modifica nada, não acrescenta nenhum apoio nem qualquer legitimação,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... que virá dando-se a palavra ao povo português, o mais depressa possível.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Numa situação política, como a que se vive hoje em Portugal, parece haver quem seja capaz de proclamar, com olímpica tranquilidade, que não tem pressa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está desculpado!

O Orador: - Compreendemos que não tenham pressa aqueles que tudo subordinem a cálculos eleitoralistas onde os cidadãos figuram como números mas onde não há lugar para as privações, as dificuldades e as angústias que marcam as suas vidas.
Compreendemos que não tenham pressa os que estão mais preocupados em construir a sua "credibilidade" junto dos interesses que têm comandado a política do PSD e dela têm sido os principais beneficiários.
Compreendemos que não tenham pressa aqueles que perfilhem um projecto político em que são de mais os elementos de continuidade em relação à política de direita e são de menos, e quase sempre acessórios, os elementos de diferença.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas é inteiramente justo que tenham pressa todos aqueles que, como o PCP, consideram que os problemas essenciais da vida dos cidadãos e do país tem de ser o impulso e a motivação determinante da acção política, que consideram ser seu dever ético e político é tudo fazer para interromper e derrotar uma política que condenam, que consideram que é necessário conquistar uma nova política que marque uma efectiva ruptura com as concepções, as orientações, os métodos e os critérios fundamentais da política de direita.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Imediatamente a seguir, o Sr. Primeiro-Ministro irá intervir neste debate, pelo que permita-me que lhe enderece, desde já, algumas sugestões.
O Sr. Primeiro-Ministro bem podia poupar esta Câmara e o País à cansativa e desgastada repetição dos argumentos falaciosos, dos truques, das mistificações e da falta de respeito pela verdade...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É o que o senhor está a fazer há muito tempo!

O Orador: - ... com que, ao longo dos últimos 10 anos, vem procurando fugir à realidade, encobrir o fracasso da sua política e as malfeitorias do Governo do PSD.

Aplausos do PCP.

Poupe-nos pois, Sr. Primeiro-Ministro, à ridícula teoria de que esta moção de censura será um mero episódio da competição entre os partidos da oposição, supostamente mais preocupados com as suas ambições próprias do que com os problemas do País,...

Vozes do PSD: - É verdade! É verdade!

O Orador: - ... enquanto o Primeiro-Ministro, o Governo e o partido que os apoiam só pensariam em Portugal e nos portugueses. É que se há lugar onde a competição deve ter passado à frente de tudo é certamente no PSD, e se há lugares onde a ambição de conservar o poder se exprime em clamoroso divórcio dos problemas e preocupações dos portugueses, esses lugares são, certamente, os do Governo e da maioria parlamentar do PSD.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Poupe-nos, Sr. Primeiro-Ministro, às costumadas acusações de miserabilismo, de pessimismo e de falta de confiança nos portugueses e no futuro de Portugal, porque, por detrás de tais calúnias, o que verdadeiramente se esconde é a cega recusa do PSD em enfrentar a realidade e a sua obstinada incapacidade de poder perceber que são a insatisfação, a indignação e a revolta, com tudo o que ofende a dignidade dos cidadãos, agride o presente e compromete o futuro do país, que geram avanços de progresso e que o autocontentamento, a resignação e a acomodação só servem aos que pretendem perpetuar intoleráveis injustiças, retrógradas dominações e interesses egoístas.
E também porque, pela nossa parte, somos dos que nunca esquecem que a criação de riqueza e tudo o que de mais sólido promove avanços na sociedade portuguesa é fruto do trabalho, da capacidade e do esforço dos portugueses e das portuguesas.

Aplausos do PCP.

Por isso, não nos conformamos e redobramos de indignação quando vemos esse trabalho e esse esforço desrespeitado e traído pela política retrógrada e injusta do Governo do PSD.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Poupe-nos, Sr. Primeiro-Ministro, à requentadíssima invocação do "pelotão da frente" que, consoante as conveniências e o grau de desatino, ora já foi apanhado ora está quase a ser alcançado por Portugal.

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E, sobretudo, poupe-nos à proclamação de que "com mais alguns meses de estabilidade governativa" seta possível "agarrar o pelotão da frente" dos países mais avançados da Comunidade, porque essa desonesta promessa já foi feita por si, Sr. Primeiro-Ministro, em 13 de Abril de 1991, ou seja, à beira de eleições legislativas, sendo indiscutível que estamos em 1995, e que, passados esses "mais alguns anos de estabilidade governativa", nos encostarmos, afinal, ainda mais ao "carro vassoura".

Aplausos do PCP.

Poupe-nos, Sr. Primeiro-Ministro, à encenação da falsa imagem do governante tão escravo do interesse nacional, tão desgostoso da "política" e acima dos comportamentos politiqueiros, porque, tendo dirigido o PSD e os seus governos durante 10 anos, não pode, em consciência, declarar-se politicamente irresponsável pelo clientelismo, pela arrogância, pelo assalto e saque ao património público, pela confusão entre partido e Estado, que a sua política patrocinou, fomentou e protegeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Poupe-nos, Sr. Primeiro-Ministro, ao velhíssimo truque da comparação de indicadores sócio-económicos do período de 1983/85 com os indicadores do período de 1985/95, porque, com isso, responsabilizando justamente o PS, está também a acusar o PSD, que fazia parte do Governo do bloco central, porque com isso ajuda a lembrar que o PSD está no governo há 15 anos consecutivos e que o PSD, em 20 anos de democracia, só não participou em governos que, no total, duraram três anos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Poupe-nos, Sr. Primeiro-Ministro, à$ conhecidas digressões apologéticas sobre o quanto mudou Portugal nesta última década, às digressões de auto-elogio fúnebre em que sempre esquece a evidência de que, em quase todas as décadas deste século, Portugal Sempre mudou alguma coisa e em que, sobretudo, sempre (se apropria ilegitimamente de aspectos que fazem parte da evolução normal de todas as sociedades e de resultados que são fruto da obra de outros.
E, sobretudo, poupe-nos, Sr. Primeiro-Ministro, a concepções implícitas ou a palavras explícitas no inadmissível sentido de identificar totalitariamente o PSD com Portugal e com o interesse nacional, porque, nesse caso, Seira justo dizer, que o PSD tem a Pátria na barriga, uma vez que sempre que lhe tocamos na barriga, logo grita que é na Pátria que estamos a mexer.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação de acentuado descrédito em que o Governo do PSD hoje se encontra e o facto de crescer a exigência nacional de eleições antecipadas e de se ampliar a aspiração popular a uma nova política não resultaram da mera acumulação de factores de natureza objectiva, são também, em parte decisiva, resultado do grande movimento social de descontentamento, de protesto e de luta que, ao longo dos anos, tem aparecido em Portugal.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a oposição de várias camadas de trabalhadores e das populações criaram o caminho para que esta política fosse interrompida, com destaque para os trabalhadores, os agricultores e os jovens contra a política do Governo e do PSD.
Por isso, enquanto o PSD e o Governo preferirão falar de "agitação" e de "arcaísmos", nós prestamos homenagem e saudamos todos aqueles que, resistindo e enfrentando coacções, discriminações e perseguições sem conta, se têm unido na defesa dos seus interesses numa valiosa afirmação de consciência social, dignidade cívica e cidadania activa.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

A continuação da sua luta e da sua intervenção é indispensável para que, com urgência, seja dada a palavra ao povo português através de eleições antecipadas.

Aplausos do PCP.

É esse o empenho claro e irreversível do PCP. É esse empenho do PCP- um partido em que os portugueses e as portuguesas podem confiar - para que, sobre as feridas e os prejuízos de sucessivos governos do PSD, se abra um novo caminho de confiança, de mudança e de esperança para Portugal.

Aplausos do PCP, de pé e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Queiró, Pedro Passos Coelho, Luís Pais de Sousa, Costa Andrade, Rui Macheie, Braga de Macedo, Antunes da Silva, Correia Afonso e Vítor Crespo.
Nos termos do n.º 3 do artigo 239.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A moção de censura é um instrumento constitucional que se inscreve no normal funcionamento democrático do sistema político português.
O objectivo último das moções de censura, conforme a Constituição da República claramente postula, é o derrube do Governo, constituindo-se, pois, como a mais radical das armas políticas que os Deputados da Assembleia da República dispõem para o combate de ideias e de projectos políticos, de que esta Câmara é palco democrático privilegiado.
O combate político, se entendido como o confronto de ideias e de projectos, é não só perfeitamente desejável como representa a própria essência da vida em democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dele resulta, indiscutivelmente, uma melhor percepção dos cidadãos quanto aos objectivos a atingir e os caminhos que as forças e os agentes políticos se propõem seguir para os alcançar, assim lhes proporcionando uma base mais sólida para as escolhas soberanas que nos momentos eleitorais são chamados a efectuar.
Mas quando este combate político tem por palco a Assembleia da República, primeiro símbolo e referência da democracia, e recorre a instrumentos de consequências tão graves, naturalmente que as exigências de seriedade e de sentido de responsabilidade perante os superiores interesses nacionais devem assumir um acento mais pronunciado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A iniciativa desta moção de censura pelo Grupo Parlamentar do PCP é a expressão pública da total

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falta de escrúpulos no confronto político e denota uma lamentável falta de consideração por aquilo que é o profundo interesse nacional.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Essa agora?!...

O Orador: - Transformar, no Parlamento, instrumentos essenciais da nossa arquitectura constitucional em meros pretextos de confronto político eleitoral é uma atitude que subverte as regras democráticas mais básicas, banalizando princípios de ética e o respeito pelas instituições.
A causa de Timor é uma questão nacional que está acima dos interesses partidários e que não admite o seu envolvimento em manobras políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tentar tirar proveito ou utilizar em prol das jogadas tácticas da política partidária a causa de Timor Leste é politicamente inqualificável e atentatório de valores profundos que unem todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

A política não pode ser o reino do "vale tudo", não pode ser um campo onde os fins sirvam para justificar quaisquer meios, não pode ser um jogo de artifícios de mero alcance partidário.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Lá isso não!

O Orador: - Muito pelo contrário: a política é um compromisso de seriedade com a sociedade e com o País.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Timor Leste, tal como a afirmação dos históricos e inquebráveis laços "que ligam Portugal aos países e territórios de expressão portuguesa, tal como a dignidade e o prestígio das nossas Forças Armadas ou a segurança e a tranquilidade dos portugueses e dos seus haveres, são exemplos claros de valores colectivos que nenhum agente político, minimamente responsável, devia ter, sequer, a veleidade de usar como arma de arremesso político ou joguete de estratégias partidárias.

Aplausos do PSD.

Será que alguém de boa fé, sinceramente, acredita que uma instituição, à data com dependência orgânica às Forças Armadas Portuguesas, tenha, conscientemente, efectuado trabalhos técnicos de reparação em material militar destinado à Indonésia?
Pode algum português sério imaginar-se a proporcionar, deliberadamente, meios ou instrumentos a utilizar pelo actual regime ditatorial da Indonésia na ignóbil repressão dos mais elementares direitos individuais e colectivos do martirizado povo de Timor Leste, ao qual estamos ligados por quase quatro séculos de história comum? Julgo que ninguém tem dúvidas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a simples insinuação já é um comportamento grave! A afirmação concreta é, então, absolutamente demagógica e irresponsável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Haja, pois, Srs. Deputados, bom senso e noção das proporções Mesmo na luta política deve haver limites e, sobretudo, respeito para com a inteligência dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs Deputados: Sendo claro que este episódio se tratou de um fortuito lapso técnico...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Essa é boa!...

O Orador: - ... quero, pelos evidentes aspectos morais que encerra e, como disse, que tocam em sentimentos profundos que unem todos os portugueses, daqui lamentar sentidamente junto do povo timorense o sucedido, no que penso serei acompanhado por todos os Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

Asseguro aos timorenses que tudo faremos para evitar que incidentes desta natureza se possam repetir, e podem estar certos de que esta lamentável falha interna de controle apenas servirá para, se possível, redobrar o empenho e a determinação que o Governo de Portugal tem colocado na intransigente defesa dos vossos inalienáveis direitos à liberdade e à autodeterminação.

Aplausos do PSD.

Perante esta pontual falha interna de controlo, que terá ocorrido em 1993 nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, esperar-se-ia de todos os responsáveis políticos portugueses, em primeiro lugar, uma firme mas descomplexada exigência de um rápido e cabal apuramento das circunstâncias exactas que permitiram a sua ocorrência, não criando a presunção da necessidade de exorcizar culpas próprias nem antecipadamente presumir negligências alheias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao mesmo tempo, esperar-se-ia que manifestassem o mínimo de compreensão sobre o funcionamento de uma unidade fabril de natureza empresarial, que recebe 14000 encomendas por ano, e que só agora, na sequência da profunda reforma das Forças Armadas que o Governo corajosamente tem vindo a realizar, se está a organizar de acordo com os métodos de uma gestão moderna. Um erro técnico como o que foi cometido pelas OGMA podia ter ocorrido em qualquer país do Mundo, mesmo em unidades industriais de gestão bastante sofisticada.
Em segundo lugar, esperar-se-ia que todos os responsáveis políticos se unissem, com a serenidade que o exemplar consenso nacional em torno da causa de Timor Leste,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso e desonesto!

O Orador: - ... alicerçado na última década pela acção conjugada de todos os órgãos de soberania nacional, nos confere, que todos se unissem, dizia eu, na veemente condenação de quaisquer aproveitamentos expressos ou velados, que têm de ser interpretados como uma tentativa de criar dificuldades à defesa da causa de Timor Leste.

Aplausos do PSD

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Srs Deputados, é assim que se faz política com seriedade! O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Boa piada!

O Orador: - Pela parte do Governo, quero aqui deixar claro que o apuramento dos factos se fará com a prioridade e o rigor que a sensibilidade da matéria exigem. Todas as forças políticas e órgãos de soberania têm a obrigação de actuar por forma que a solidez e a convicção das posições portuguesas internacionalmente assumidas sobre os direitos dos timorenses não sejam beliscadas por este lapso pontual. Felizmente, há condições para que seja assim se, internamente, prevalecer o sentido de responsabilidade e o bom senso. Devemos todos ter presente que, na próxima semana, se inicia o julgamento da acção que intentámos contra a Austrália junto do Tribunal Internacional de Justiça, na sequência da assinatura por aquele país de um tratado com a Indonésia sobre a exploração conjunta dos recursos naturais do mar de Timor.
Não posso deixar também de lamentar que, mais uma vez, os partidos da oposição procurem envolver o Presidente da República nas suas jogadas político-partidárias. Como sabem bem, este comportamento da oposição em Portugal é, na Europa comunitária, visto como ridículo e considerado como expressão de falta de maturidade,- da nossa democracia. Não é, de facto, imaginável, em qualquer outro país da União Europeia, uma romaria ao palácio presidencial por parte dos líderes da oposição, d(5 tipo a que assistimos nos últimos dias e que reproduz o cenário de Outubro passado. Temos de reconhecer que, apesar dos notáveis progressos conseguidos pelo nosso país em muitos domínios, em matéria de comportamento dos actuais dirigentes da oposição ainda não atingimos a maturidade que caracteriza a Europa desenvolvida.

Aplausos do PSD. Protestos do PS

Sr. Presidente, Srs. Deputados Como é do conhecimento público, os meus Governos tem desenvolvido, desde 1986, uma intensa e sistemática acção diplomática e política, em todos os planos e fora internacionais, para a promoção e defesa dos legítimos direitos do povo timorense. É incontestável que conseguimos reanimar uma chama que ameaçava apagar-se de forma irreversível, colocando todo o esforço e prestígio readquirido pelo aparelho diplomático nacional e pelo País, em geral, ao serviço da causa timorense. A acção corajosa e determinada dos próprios timorenses, principalmente dos jovens, foi decisiva pata que a comunidade internacional ganhasse maior consciência do drama do povo de Timor, mas dificilmente se conseguiria potenciar a sua luta sem o forte empenho da diplomacia portuguesa. Conseguimos trazer as Nações Unidas e o respectivo Secretário Geral a uma intervenção mais activa na resolução do caso de Timor, e fazer aumentaria pressão da comunidade internacional sobre a Indonésia. Introduzimos com assinalável êxito em todas as instâncias multilaterais, nomeadamente na ONU, e bem assim no. âmbito das suas relações bilaterais, o tema do respeito dos direitos humanos em Timor Leste. As múltiplas condenações e denúncias da atitude indonésia neste domínio por parte dos organismos especializados da ONU e de outras Instâncias internacionais, assim como a nível da União Europeia, são disso claro testemunho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na sequência do massacre de Santa Cruz, foi desencadeada uma ofensiva diplomática global que contribuiu para colocar a Indonésia na postura defensiva e cada vez mais incómoda em que hoje se encontra. Conseguimos, nomeadamente, levar as autoridades de Djakarta a aceitar a realização de conversações, regulares e sem condições prévias, a nível ministerial, sob os auspícios do secretário-geral da ONU, conversações essas que têm tido lugar desde Setembro de 1992 e em que temos conseguido dar passos significativos no sentido do progressivo envolvimento de representantes do povo timorense no processo negociai, o que muito contribui para reforçar a credibilidade e a eficácia da nossa acção.
A posição de Portugal, que chegou a ser desesperada, é hoje reconhecida a nível internacional, por vezes com embaraço mas sempre com respeito. Djakarta sente hoje a necessidade de diariamente se justificar perante a opinião pública internacional sobre o seu comportamento em Timor e, com mais incomodidade ainda, perante alguns dos seus mais importantes parceiros. Nenhum outro Governo conseguiu, como os do PSD, acção tão eficaz, permanente e determinada no plano da defesa internacional de Timor e na conquista de avanços diplomáticos que são hoje uma efectiva e crescente esperança para os timorenses.

Aplausos do PSD

Não nos podemos considerar satisfeitos com a situação actual, ainda caracterizada por uma opressão sistemática e sofisticada exercida sobre um povo indefeso. Mas muita coisa mudou. É fundamental que esta linha de rumo, que esta perspectiva de longo prazo e que esta credibilidade reencontrada não sejam agora atacadas ou venham a sofrer qualquer abrandamento. Os interesses do povo timorense e a salvaguarda da honra de Portugal assim o exigem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apenas espero que esta irresponsável moção de censura não venha, de algum modo, prejudicar a nossa posição internacional nesta delicada matéria. De uma coisa estou certo: este comportamento do PCP, a propósito de uma questão de tanto melindre, revelou-se desde já mais negativa para a causa de Timor Leste do que o involuntário incidente que lhe serviu de pretexto, pois veio pôr em causa o consenso nacional que existia sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Isso é falso!

O Orador: - O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros poderá dar a esta Assembleia esclarecimentos adicionais e mais pormenorizados sobre as acções desenvolvidas pelos meus Governos na defesa dos direitos do povo de Timor Leste.
Surge, pois, manifestamente desprovido de qualquer seriedade o pseudo-fundamento esgrimido pelo Partido Comunista para a apresentação desta moção de censura. Querer, artificialmente, transformar um incidente técnico, que lamentamos, numa censura a todo um percurso feito de convicção e determinação na defesa da causa de Timor, é baixa política, exercida à custa do interesse de Portugal e dos timorenses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é mais um exemplo de desonestidade política e intelectual!

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O Orador: - Mas que o PCP sobreponha os seus interesses partidários aos sentimentos mais profundos dos portugueses é algo que não nos espanta. Ó PCP permanece fiel às mesmas doutrinas, aos mesmos dirigentes, à mesma visão de sociedade que sustentou o muro de Berlim e que subjugou milhões e milhões de pessoas aos desígnios e objectivos do todo poderoso império soviético, e as conduziram à miséria e ao sofrimento.

Aplausos do PSD.

Protestos do PCP.

Apagou-se o "sol" que irradiava de Moscovo, desmoronou-se o socialismo totalitário, mas nem por isso o PCP aproveitou a oportunidade histórica...

Protestos do PCP.

Apagou-se o "sol" que irradiava de Moscovo, desmoronou-se o socialismo totalitário, mas nem por isso o PCP aproveitou a oportunidade histórica para se encontrar com Portugal, com o modelo de sociedade que os portugueses legítima e democraticamente escolheram.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Está na altura de ir para York.

O Orador: - Os portugueses conhecem o PCP e sabem, por experiência própria, que os métodos que utiliza e as políticas que defende não conduzem ao aumento do bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos. Sabem bem que as ocupações e expropriações arbitrárias da reforma agrária destruíram as estruturas agrícolas do Alentejo, numa política que liquidou a iniciativa empresarial, não aproveitou aos trabalhadores e, sobretudo, não aproveitou à agricultura nem a Portugal.

Aplausos do PSD.

Os portugueses recordam-se do que foi a destruição sistemática operada na cintura industrial de Lisboa, a aniquilação da capacidade e da iniciativa das empresas e da actividade económica na Península de Setúbal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tratou-se de uma verdadeira política de terra queimada, cujos efeitos se multiplicaram por anos sucessivos, em dolorosas vagas de desemprego e de pobreza, que só os meus Governos começaram a vencer.

Aplausos do PSD.

Protestos do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está a falar de cor!

O Orador: - Ontem, conseguiam bloquear o País e estagnar o desenvolvimento. Hoje, especializaram-se em greves fantasmas, em reivindicações inconsequentes, em bloqueios ilegais conduzidos por profissionais da agitação...

Vozes do PCP: - São os do SIS!

O Orador: - ..., em manifestações e discursos estereotipados feitos para as câmaras da televisão e destinados a construir uma imagem virtual de instabilidade.

Aplausos do PSD.

A sua capacidade de mobilização reduziu-se drasticamente, mas nem por isso a sua lógica de agitação social resultou diminuída, conforme o atestam casos recentes. Os portugueses sabem que o PCP se alimenta da crise e da conflitualidade, e por isso a promove, que não consegue adaptar-se à vivência própria do Estado democrático e por isso desrespeita as suas leis e desqualifica as suas instituições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PCP continua a recusar o sistema democrático, tal como a maioria dos portugueses o concebe, e submete, sistematicamente, o interesse nacional à sua estratégia partidária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o acto de propositura desta moção de censura pelo PC? não nos espanta, não traz nada de novo. Espanta-nos é que os partidos democráticos da oposição se deixem arrastar nesta iniciativa dos comunistas e dela não se demarquem claramente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Que grande namoro!

O Orador: - Espanta-nos é que agentes políticos socialistas se disponham a branquear este PCP...

Risos do PS.

O Orador: - .. que ainda não se adaptou às regras das democracias europeias ocidentais e que com ele alinhem em alianças frentistas e entendimentos pouco claros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Espanta-nos e choca-nos!

Aplausos do PSD.

Esta iniciativa do PCP só pode ter dois resultados práticos: pôr em dúvida a luta de Portugal pelo direito à liberdade do povo de Timor e dar sequência a acções visando destruir a credibilidade das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há, nem pode haver, qualquer outro efeito útil desta moção de censura. Importa tornar isto claro. Para que os portugueses entendam que o PCP, com a assumida conivência do PS, uma vez mais não hesita em ignorar valores que unem todos os portugueses a troco de um mero protagonismo político e mediático.

O Sr. Silva Marques(PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque o PCP sabe, como o sabe muito bem o País e toda a oposição, que o Governo tem perseguido denodadamente e com sentido de Estado a defesa intransigente dos direitos de Timor a que se propôs no seu Programa, sufragado pelos portugueses e sustentado nesta Assembleia por uma maioria parlamentar.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque o PCP sabe, como o sabe muito bem toda a oposição, que nunca houve, nos últimos anos, qualquer vacilação na política de Portugal, insisto, de Portugal, em relação a Timor.

Aplausos do PSD.

Acaso entendem os Srs. Deputados que os esforços do Governo e do Sr. Presidente da República com quem, constitucionalmente, o Governo partilha as responsabilidades de promover a liberdade do povo timorense, são potenciados, são estimulados com a apresentação desta moção de censura? Os Srs. Deputados do PCP sabem muito bem que ela só pode prejudicar esta luta de Portugal, insisto, de Portugal, e por isso é chocante que a tenham apresentado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Por acaso, a luta é dos timorenses e eles não protestaram!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Cale-se! Vá mas é para o quartel!

O Orador: - Infelizmente, já vimos que neste, como noutros assuntos, o PS vai a reboque do PCP e não hesita em pôr em causa os interesses do Estado, por vezes até em colocar-se ao lado do desrespeito das leis do País, desde que pense com isso ganhar um punhado de votos. O PS, inspirado pelo seu líder, persiste numa atitude de demagogia fácil e oportunismo político. Diz hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, com toda a ligeireza e descaramento. Apresenta-se, hoje, com postura responsável e séria para, amanhã, utilizar verdadeiras questões de Estado como armas de arremesso político-partidário.

Aplausos do PSD.

Promete o que não faz, o que nunca fez e o que sabe muito bem que nunca poderá fazer. Abandona preocupações de coerência, promete o impossível, alia-se a todas as reivindicações, apoia todos os protestos Até no plano da União Europeia e da cooperação com os países africanos de língua portuguesa, o PS promove guerrilha partidária, sem respeito pela credibilidade externa do nosso país.

O Sr. António Guterres (PS): - Essa agora!

Vozes do PSD: - Espere aí que ele já vai explicar!

O Orador: - Hoje, a oposição, e em particular o Partido Socialista, discutem Timor tentando explorar em benefício próprio um sentimento nacional profundo de responsabilidade e solidariedade, como ontem o fizeram relativamente a Angola e ao povo angolano, sem quaisquer preocupação de verdade e sentido das proporções..

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pouco lhes importa o facto de Timor e a cooperação com África serem assuntos que estão acima da opções partidárias, que são verdadeiros desígnios nacionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PS chegou ao ponto de se procurar servir das instituições comunitárias, solicitar a intervenção da Comissão Europeia, não para apoiar a cooperação portuguesa com África mas para lançar a suspeição sobre a actuação nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem sido esta a opção do PS pela política do "vale tudo", mais uma vez confirmada com o apoio que já disse dar a esta moção de censura. Ao deixar-se arrastar pelo PCP, ceder à sua chantagem, o PS vende a alma ao diabo e mostra-se disposto a tudo para conquistar o poder, patenteando uma total ausência de coerência, um desprezo pelos valores, a falta de uma verdadeira noção de Estado e do interesse nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Chegou a hora da demagogia!

O Orador: - Com a gravidade de quem, sentindo-se ultrapassado pelo PCP na tal competição política que, de há muito, absorve os partidos da oposição, não hesita em quebrar a sua autonomia, deixando-se arrastar para a aventura e para a irresponsabilidade. O PS demonstra, também aqui e desta forma, o quanto está prisioneiro da estratégia alheia, o quanto marcha a reboque dos outros, o quanto é incapaz de se afirmar com voz própria, com identidade e projecto próprios.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Deve haver aí um pacto secreto!

O Orador: - Sr Presidente, Srs. Deputados- Com tudo isto, a oposição esquece os verdadeiros problemas e os desafios que se colocam a Portugal. E o momento não podia ser menos adequado a esse esquecimento. Estamos no arranque de um novo ciclo de crescimento, onde a economia portuguesa vai continuar a sua integração na economia europeia e o seu esforço histórico de modernização e desenvolvimento. Nada podia estar mais longe do interesse do País do que a demagogia desenfreada e a mesquinha manobra política a que a oposição hoje se dedica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portugal encontra-se em plena recuperação da grave crise económica internacional dos inícios dos anos 90, a mais grave para a Europa desde a Segunda Guerra Mundial. A retoma é hoje clara para todos,...

Risos do PS.

... mesmo para aqueles que tanto ansiaram que ela não chegasse, tudo fizeram para que não chegasse e não escondem o incómodo e o desespero face à sua evidência. A recuperação é inquestionável nas exportações, no turismo, na construção e obras públicas, e estende-se à indústria e ao comércio. As dificuldades de 1993 e 1994, que foram interpretadas por alguns como prenunciadoras do apocalipse final, estão ultrapassadas. A economia portuguesa continua a crescer, a reestruturar-se e a adaptar-se à economia europeia. As orientações estratégicas de fundo foram mantidas no meio da tormenta e Portugal está, hoje, claramente, a reacelerar para mais um período de transformação estrutural e crescimento sustentado.

Página 1288

I SÉRIE -NÚMERO 36 Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A oposição, com os seus contínuos apelos à agitação e manobras políticas, não só não apoia a retoma como, pior do que isso, deseja o seu atraso e enfraquecimento. A redução da taxa de inflação para níveis que Portugal não conhecia há mais de 25 anos - apenas nove décimas acima da média europeia - é um factor essencial para a competitividade das empresas e para a melhoria das condições de vida dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Conseguimos derrotar, finalmente, o pesadelo inflacionista que Portugal viveu desde 1974. Foi uma das heranças revolucionárias mais difíceis de eliminar, mas que hoje está, claramente, manietada.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - O PSD conseguiu manifestar tudo!

O Orador: - Este é um dos resultados mais decisivos para o desenvolvimento do País e sua integração na linha da frente da União Europeia. O fim do despesismo orçamental socialista está, também, à vista.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: - Após os graves abusos orçamentais dos anos 70 e da primeira metade de 80, Portugal tem vindo a seguir um plano de médio prazo para o controlo das contas públicas e a conseguir, sem choques exagerados, eliminar enviesamentos estruturais que tinham sido criados na anterior lógica orçamental. Os saudosistas do descontrolo monetário e orçamental não percebem as grandes vantagens que, para as famílias e empresas portuguesas, a queda da taxa de inflação e o domínio sobre as contas públicas asseguram. Mas estou certo de que o País percebe que o Portugal de 1995 é bem diferente do que existia em 1985, e como estes 10 anos transformaram a nossa economia e a nossa sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O sucesso no controlo sobre a inflação e na descida das taxas de juro foi desmentido, denegrido e mesmo combatido, a cada momento, pela oposição. Quando o Governo, apesar de tudo, conseguiu estabilizar monetária e financeiramente a economia, tem de suportar ainda todas as tentativas da oposição para destruir esses sucessos. A redução da taxa de inflação e a consolidação orçamental, acompanhadas pela descida acentuada das taxas de juro, deixam criadas as condições para um surto de estabilidade financeira e de investimento que continuará a transformar Portugal.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - É por isso que ele se vai embora!

O Orador: - Tem sido, assim, possível prestar atenção especial aos mais desfavorecidos, como o atestam o aumento continuado do poder de compra das pensões e outras prestações sociais, o apoio à habitação social e à eliminação das barracas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Mas de que país é que ele está a falar? Não é de Portugal, com certeza!

O Orador: - É esse o novo e dinâmico ciclo de crescimento que o Governo vem anunciando há meses, que o País e todos os observadores internacionais vêem claramente a desenrolar-se e que a oposição, tomada por mais um dos seus ataques de cegueira intencional, se recusa a admitir e a encorajar. O que está em causa no momento actual é consolidar e aproveitar todas estas situações para as fazer frutificar em desenvolvimento sustentado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo, tendo aprovado o Plano de Desenvolvimento Regional, definiu claramente as linhas de desenvolvimento a médio prazo da nossa economia e o papel que o Estado deve jogar nesse processo. Seguindo esta orientação, os próximos anos serão decisivos para avançarmos claramente no sentido da primeira linha da Europa dinâmica e desenvolvida que vimos ajudando a construir O II Quadro Comunitário de Apoio está em plena execução, sendo já muito significativo o número de candidaturas de projectos de investimento apresentadas nos diferentes programas.
Incapaz de definir uma estratégia clara, vagueando ao sabor dos interesses do momento e envolta em contradições, a oposição ataca qualquer linha de rumo definida com clareza para a política económica, desafia qualquer esforço de estabilização e enreda-se na mais mesquinha intriga política.
De oposição política, cingiu-se em oposição ao desenvolvimento, à modernização e ao progresso do País.
Portugal, no arranque da retoma e no limiar de mais um ciclo de desenvolvimento, tem, diante de si, desafios históricos, fundamentais e cruciais para enfrentar
Que a mesquinhez da oposição a leve a esquecê-los em favor de questões menores e de uma enorme gravidade. Só não surpreende, por ser já recorrente na atitude e na prática de irresponsabilidade a que nos habituaram.
Este debate é mais uma prova de que não mudaram. Este debate é mais uma prova de que as oposições se servem de Portugal para fazer política, enquanto nós nos servimos da acção política para servir Portugal, os portugueses e o seu futuro.

Aplausos do PSD, de pé

O Sr Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Deputados Carlos Carvalhas, Jaime Gama, Octávio Teixeira, Narana Coissoró, João Amaral, Luís Sá, Lino de Carvalho, António Filipe, Mário Tomé, André Martins, Raul Castro, Miguel Urbano Rodrigues e José Lello.
Srs. Deputados, encerrado o período de abertura da moção de censura, vamos passar ao debate propriamente dito.
Para pedir esclarecimentos ao Sr Deputado Carlos Carvalhas, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, de duas uma: ou se entende que a declaração do Sr Primeiro-Ministro feita há três dias veio introduzir uma situação nova, insólita, anormal, e que, portanto, este Governo ficou politicamente afectado e já não é sustentável na sua relação de fiscalização e confiança com o órgão parlamentar ou, pelo contrário, entende-se que essa relação com o Parlamento continua a ser não um meça-

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nsmo formal mas algo politicamente relevante, capaz de justificar a continuação e a sustentação deste Governo.
Com esta iniciativa, quer queiram quer não, o PCP Juntou-se a este segundo grupo, porque não se podem utilizar impunemente os mecanismos da democracia abstraindo-se do seu significado. É por isso que o PSD agarrou a/essa iniciativa...

O Sr Lino de Carvalho (PCP): - Olha quem fala!

O Orador: - ... e aproveita-se dela para, na sequência, ião só limitar ou inibir a acção do Sr. Presidente da República mas também para unir, numa espécie de emergência, ima bancada parlamentar e um partido que tudo divide neste momento.

Risos do PSD.

Toda a gente sabe que o PSD - e não vale a pena sequer chamar a atenção para este facto, mas digo isto apenas como referência de passagem - está fundamentalmente dividido em duas linhas: aqueles que querem conservar a agilidade necessária para se manter no poder e aquelas que querem amarrar o partido a um caminho que os leva à aposição - aliás, duas estratégias, ambas legítimas, que não quero criticar.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira está numa das linhas, legitimamente, defendem-se, nós não as queremos criticar!

O Sr. Silva Marques (PSD): - O problema é que o CDS-PP nem linhas tem!

O Orador: - Simplesmente, neste momento, o PSD aproveita objectivamente a iniciativa do PCP.
Portanto, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o vosso partido, com a vossa iniciativa, não veio propriamente deitar imas pazadas de terra ou tentar enterrar um governo moribundo, veio dar-lhe a mão para ele dar mais uns passos, veio lançar uma bóia a um náufrago.
Sr Deputado do Partido Comunista, com certeza que se lembra que, ainda há três meses, criticavam o CDS-PP, dizendo "A oposição está na rua. Os senhores, ao trazerem a oposição para aqui, estão a fazer um frete ao Governo".

O Sr. Presidente: - Já passaram três minutos, Sr. Deputado!

O Orador: - Hoje, é claríssimo para toda a gente que o PCP está, de facto, a fazer um verdadeiro frete ao Governo e ao PSD.

O Sr. João Amaral (PCP)- - Está cheio de ciúmes!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está com memória curta!

O Orador: - Ainda há três meses, o PCP procurava apropriar-se da mobilização das pessoas e gabava-se de mobilizar multidões e movimentos sociais. Hoje, quem o PCP consegue mobilizar são os Deputados do PSD que qui acorreram em grande número para aproveitar a vossa iniciativa.

O Sr. João Amaral (PCP). - Essa intervenção é histórica!

O Orador: - Mas há mais, Sr. Deputado; os senhores pretextaram para esta vossa iniciativa as OGMA e Timor
As OGMA, Srs. Deputados do Partido Comunista? Quem tem autoridade, quem poderá ter autoridade - seguramente, não é o PCP! - para falar das OGMA? Ainda há um mês, os Srs. Deputados conduziram o Governo e o PSD para a justificação da actuação dessas oficinas. Que maior casamento houve, a propósito das OGMA, do que aquele que ocorreu, absoluto e indesmentível, entre o Governo e o PSD com o PCP? Os senhores estão apenas a expurgar a vossa má consciência.
E em relação a Timor, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que autoridade pode ter o PCP para quebrar aquilo que tem sido até hoje uma unidade nacional em torno desta política...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Era o que dizia o Paulo Portas!

O Orador: - ... e para invocar qualquer hipotética traição a essa política? Ninguém deve ter essa autoridade ou, para tê-la, é preciso pertencer a um partido em que nunca nenhum elemento tenha andado a propugnar, a seguir ao 25 de Abril, o abandono precipitado e imediato das Colónias, que não tenha andado a pintar as paredes a dizer "nem mais um soldado para as Colónias". Esses, que não têm nas suas fileiras nem um elemento que tenha andado a fazer isso,...

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, passaram cinco minutos. Queira concluir.

O Orador: - ... é que têm autoridade para levantar esta questão e poder invocar Timor para censurar seja quem for, quebrando a política de unidade nacional em torno desta matéria.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas informou a Mesa de que responde aos pedidos de esclarecimento de três em três oradores.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, não ignorará certamente qual é a disponibilidade do PSD e do seu Grupo Parlamentar para suportar, até ao termo da legislatura, a confiança política neste Governo

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se o não ignora, isso significa, com certeza, que o seu Grupo Parlamentar pode pretender uma de duas coisas: ou, como fez o CDS-PP no ano passado, ajudar a estragar tudo e talvez dificultar a acção do Sr. Presidente da República ou, então, pensar que o PSD pode estar dividido numa matéria que tem a ver com a estabilidade governativa e com o futuro do País.
Penso, no entanto,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não pensa, não!

O Orador: - ... que a coerência que o PCP tem evidenciado em todo este processo significa que não têm dúvidas quanto ao resultado destas perguntas.
Pergunto, então, por que razão o PCP apresenta agora uma moção de censura para invocar, desta vez, o testemu-

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nho, como outros partidos extremos com assento parlamentar, da miséria em que vive toda a sociedade portuguesa. Deve ser, com certeza, pela redobrada confiança da sociedade portuguesa que o Grupo Parlamentar do PCP vem aumentando nos últimos anos em Portugal!...

Risos do PSD.

Se for assim, então, o discurso do PCP, hoje, nesta Casa, mais do que um discurso de oportunidade, será um discurso de oportunidade política e de luta pela sobrevivência.
Concordo consigo, Sr. Deputado, quando diz que o País não se faz de jogos políticos, nem de lutas pelo poder, nem de lutas fratricidas. Não será o que estamos aqui a ver a luta fratricida entre a oposição para ver se consegue posicionar-se melhor perante um discurso de oportunidade?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou, então, vamos ser sinceros: o Sr. Deputado lamentou-se aqui que a convergência económica em Portugal não tivesse ido mais longe relativamente à União Europeia. Gostaria que o Sr. Deputado precisasse aonde é que o esforço de convergência deveria ter ido mais longe. Dever-se-ia ter sido mais apertado na contenção do défice orçamental? Dever-se-ia, portanto, ser mais contido no investimento do Estado? Dever-se-ia, certamente, ser mais rigoroso na aproximação das políticas comunitárias?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Por que o não afirma aqui, em concreto, aonde é que se deveria ter ido mais longe em matéria de convergência, para sabermos se, afinal, os interesses que invoca dos cidadãos portugueses se reconhecerão naquilo que o PCP se apresenta fazer em próximo acto eleitoral e, sobretudo, para saber se o PCP não vai dizer em eleições o contrário do que afirmou nesta Câmara.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o senhor não explicou, como já era de esperar, o que é uma moção de censura. Isso, do nosso ponto de vista, tem que ver com a cultura parlamentar do Partido Comunista, que é instrumental. Há que denunciar este método do PCP, que é, no fundo, de instrumentalização constante das figuras constitucionais e regimentais, de que este debate é, de facto, mais um exemplo.
Com este acto irresponsável, o PCP quer criar um clima tendente a uma crise artificial nas instituições democráticas. E se assim não for, esperemos pelos próximos dias.
Não sendo alternativa democrática, refugiando-se num verbalismo, aqui e ali, panfletário e pseudo-revolucionário, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas acabou de prestar um mau serviço à democracia, ao lado de elementares concepções de Estado de direito e de democracia, tal como é entendida e como consta da nossa Constituição.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, diga à Câmara e ao País, rigorosamente - e foi o que não fez até aqui -, qual é o fundamento constitucional e jurídico-político desta moção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, no tempo regimental de cinco minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, creio que só talvez Freud possa explicar a primeira questão colocada pelo CDS porque a moção de censura do CDS, essa sim, é que explicitamente, pelas palavras e pelo que está escrito, proeurou trazer para a Assembleia da República o movimento popular, com o qual, aliás, os senhores não podem.
E, mais, até quiseram, em vez de uma moção de censura, um debate sobre o estado da Nação.
Sr. Deputado Manuel Queiró, vem o senhor perguntar-nos agora se queremos ou não censurar o Governo, afirmando que estamos a dar uma mão ao PSD?! Não, Sr. Deputado! Nós trouxemos aqui os problemas dos trabalhadores, dos agricultores, os problemas que estão lá fora, os problemas do País para serem debatidos nesta instituição e, ao mesmo tempo, procuramos censurar o Governo e encontrar a única saída e a única clarificação que, no nosso entendimento, são eleições antecipadas

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Que o CDS esteja com problemas, que já esteja a pensar nalgumas coligações- embora o Sr. Deputado Pacheco Pereira hoje tenha aqueles escritos que as afastem -, que, inclusivamente, procure, na votação final, como já foi afirmado, abster-se, nós percebemos, porque o CDS não sabe bem o que quer. O seu líder chega de Bruxelas e diz: eleições antecipadas. Entretanto, vai ao Sr. Presidente da República e mete as eleições antecipadas no saco!... Num dia pede a convocação do Conselho de Estado, no outro diz que o Primeiro-Ministro e o Presidente da República são a mesma coisa e no terceiro dia pede, mais uma vez, com urgência, uma audiência ao Sr. Presidente da República.

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - Era bom que clarificassem a vossa posição! Querem ou não a dissolução da Assembleia da República? Querem ou não eleições antecipadas?

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Lamento muito, Sr. Deputado, mas, em relação a Timor Leste, tenho que ser um pouco mais duro,...

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Oh! Oh! Oh!

O Orador: - ... não com gosto mas para lhe lembrar que o meu partido lutou contra o fascismo, foi o fundador do regime democrático. E, quanto a Timor Leste, defendemos não só os direitos humanos, não só a autodeterminação mas também a independência, palavra que a maior parte dos senhores nem sequer ousa invocar. Não recebemos lições do CDS, partido do grande capital, partido dos grandes interesses e, infelizmente para esta Assembleia, muitos dos quais ligados ao antigamente. Não gostávamos de ter que dizer isto, mas tivemos que fazê-lo. Lamentamos, mas muitas vezes os senhores precisam de algumas lições e de que lhes reavivem a memória.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, não duvido que uma bancada ligada ao poder apoie e esteja em omníssono e com sorrisos... Aliás, não deve saber muito bom deve apoiar, se o lado direito se o lado esquerdo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Esta é que é a dificuldade.

Aplausos do PCP.

Mas que estão aqui todos é verdade! O Sr. Primeiro-Ministro veio com um galheteiro bonito, mas quem é que vai escolher? Essa deve ser a única dificuldade.
Porém, quanto ao apoio, Sr. Deputado, naturalmente que os senhores já tiveram o apoio da juventude, que conseguiram a certa altura com promessas, mas hoje, o senhor, que é jovem, sabe bem o que a juventude pensa do PSD até mesmo da JSD.

Aplausos do PCP.

Quanto ao esforço de convergência, o que queríamos e que fossem abandonados os critérios de convergência nominal, que nada têm a ver com os da convergência, real. E aquilo que motiva a afirmação do Sr. Primeiro-Ministro de que estamos no pelotão da frente, que estamos quase a chegar e só precisamos de mais uns "mesesinhos" , para atingir o pelotão da frente. Nós olhamos para as estatísticas verificamos que estamos no carro vassoura! E sabe porquê? Porque a convergência nominal serve o Bundesbank, serve a Alemanha, serve os países ricos, mas não serve Portugal e, por isso, o fosso é cada vez maior.
O Sr. Primeiro-Ministro escusa de fazer essas caras, porque sabe muito bem que a substituição da produção nacional pela estrangeira é uma realidade, como é uma realidade a crise da agricultura, a desindustrialização e como está-nos, infelizmente, a afastar-nos, cada vez mais, da média da Comunidade Económica Europeia Um reconhecido economista, que não está presente, disse mesmo que o Sr. Primeiro-Ministro vai ficar com a glória de ter presidido no nosso país, durante os últimos anos, ao menor crescimento, depois da II Guerra Mundial. E isso é, infelizmente, uma realidade!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, V. Ex.ª afirmou que, ao utilizarmos a figura regimental da moção e censura, estamos a instrumentalizar e, ao mesmo tempo, disse que se não a utilizamos é porque temos medo, Ora, isto só revela que o Sr. Deputado está numa nítida contradição com a sua bancada, pois os seus colegas até dizem que esta moção de censura é magnífica porque a querem transformar numa moção de confiança!

Risos do PCP.

Sr. Deputado, têm que se entender, pois estão muito desiludidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Também eu, ir. Presidente e Srs. Deputados, ouvi com atenção e interesse a intervenção do Presidente do Partido Comunista e, se bem vi as coisas, a sua intervenção tem três partes. Primeira, a teoria da moção de censura; segunda, análise e critica a aspectos sectoriais; terceira, pedidos ao Primeiro-Ministro para que não fale.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ouviu com atenção!

O Orador: - Confesso que, quando comecei por ouvir a teoria da moção de censura, experimentei uma certa alegria e um certo gáudio porque, afinal, eu, que já aqui fui cercado, noutros tempos, para ser derrubado numa Assembleia Constituinte, verifico que, finalmente, o PCP se converteu às instituições democráticas e trabalha agora com moções de censura L.

Risos do PSD.

Mas, rapidamente, as minhas expectativas se baldaram e comecei por dar razão ao poeta latino quando diz que é preciso desconfiar dos gregos, mesmo quando trazem presentes.
Na verdade - e há aqui uma questão de método -, que significa esta moção de censura? Se for rejeitada por maioria - diz o Sr. Deputado -, ela não tem significado; se, por acaso, for aprovada, tem significado e sentido. Como ela não vai ser, seguramente, aprovada, isso significa que os votos minoritários vão valer mais do que os votos maioritários. Parece que regressa aqui - e daí o meu desencanto - uma certa concepção elitista das coisas e da política. Afinal, a liderança da classe operária. Há votos que valem mais, mesmo minoritários, porque elitistas, do que os votos da maioria! Isso é consonante com a democracia?

Aplausos do PSD.

Isso é consonante com o propósito de reagir contra a degradação da democracia política, de lutar contra a menorização sistemática da Assembleia da República? E como se propõe uma moção de censura numa Assembleia da República cuja dissolução se pede? Só se pede a dissolução da Assembleia da República quando há uma perturbação irreversível das instituições democráticas. Ora, como é que se acredita que há uma perturbação irreversível das instituições democráticas e se questiona a Assembleia da República com um dos actos mais relevantes e politicamente mais densos, que é uma moção de censura?

O Sr. João Amaral (PCP): - Não leu a Constituição!

O Orador: - Li, li, Sr. Deputado.
Terceiro ponto, como explica que, numa moção de censura, sendo um julgamento, sendo uma análise que assenta necessariamente no exercício do contraditório, não queira ouvir o Primeiro-Ministro? Não há aqui também, mais uma vez- apelando para Freud, que o senhor há pouco invocou -, resquícios de uma outra mentalidade, não há aqui um abandono das concepções do processo leal segundo o qual devemos ouvir sempre a outra parte? Afinal, Sr. Deputado, não há aqui resquícios de velhos processos, de julgamentos que pensávamos definitivamente ultrapassados?!
Por último, pergunto, Sr. Deputado: afinal de contas, isto é mesmo definitivo? Devemos mesmo perder toda a esperança de ver o PCP convertido, com autenticidade, às instituições democráticas?

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Ruiu Macheie (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, V Ex.ª fez considerações interessantes acerca do que acontece às vezes quando os interesses dos partidos não coincidem com os interesses nacionais. E uma coisa é clara: os interesses nacionais não coincidem com os do PCP!
Quais são, afinal de contas, os reais interesses do PCP nesta precipitação de apresentar uma moção de censura que, obviamente, não vai ter êxito? As OGMA, disse o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, não são o centro da moção de censura do PCP. Portanto, esse não é o objectivo. O discurso do Sr. Primeiro-Ministro, em que ele manifestou claramente a intenção de não voltar a candidatar-se à liderança do PSD, também não pode ter sido o motivo da moção de censura, visto que a moção foi apresentada antes. Por outro lado, é claro já hoje que a continuidade do projecto político do PSD não sofrerá interrupções por uma alteração de liderança.

Aplausos do PSD.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Essa agora?!

O Orador: - Então, o que é que explica esta moção do PCP? Uma moção que representa uma impaciência do PCP de não poder esperar que o normal termo de um mandato em Outubro se termine por umas eleições, de acordo com aquilo que é habitual? Há algum argumento novo no discurso do Sr. Deputado Carlos Carvalhas que dê uma justificação que até aqui não conhecíamos acerca da posição do PCP e que explique toda esta urgência? O discurso foi inteiramente repetitivo de velhos argumentos, nada nos elucidou que não soubéssemos já! Portanto, não está também aí essa urgência, essa precipitação, esse ardor que o PCP manifestou em apresentar uma moção de censura.
Mas na sua explanação, aqui e além, perpassou um facto que, esse sim, tem algum interesse para aquilo que estamos a assistir neste Parlamento. Falou V Ex.ª, de uma maneira um pouco pudica, nos movimentos sociais, isto é, na agitação de rua, naquilo que temos vindo a assistir e que vai, certamente, acelerar-se nos próximos tempos, de se tentar conseguir impressionar a opinião pública não pela força dos argumentos, não pelo debate político...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... mas por uma movimentação de pequenos grupos que vão agitar e perturbar a ordem pública. Suponho que aqui está a raiz fundamental, a verdadeira razão de ser da moção do PCP: tentar ecoar essa movimentação, dar-lhe maior amplitude e alguma coloração democrática e, afinal de contas, contribuir, de uma maneira mais enérgica e mais forte, para a instabilidade ou a insta-bilização das instituições políticas que, de uma maneira um pouco mefistofélica, V. Ex.ª pretende que o PCP defenda com esta moção de censura.
A minha questão é muito simples: quais são os reais, os verdadeiros interesses do PCP ao apresentar uma moção que, obviamente, está destinada a ser rejeitada?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Braga de Macedo.

O Sr. Braga de Macedo (PSD). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, V. Ex.ª foi aluno de economia, aprendeu história económica, aprendeu geografia económica, aprendeu a evolução da economia internacional, leu Das Kapital e aprendeu, ou devia ter aprendido, o funcionamento dos mercados no mundo que nos rodeia. No entanto, ao ouvi-lo, eu só conseguia realmente pensar na saudade, no saudosismo que perpassou na parte do seu discurso que envolvia a economia. Saudosismo, desde logo, no espaço. Saudades do que era a Europa de Leste antes de o Muro de Berlim cair com fragor há mais de cinco anos e saudades de um tempo em que realmente se confundia a inflação com os excessos do parlamentarismo e se pensava que só era possível dominar a inflação em ditadura.
Ora, se o Sr Deputado Carlos Carvalhas se lembrar e fizer um exercício quanto a estes saudosismos, verá que um país como a República Checa, que estava sujeito ao domínio da União Soviética há cinco anos, vai restaurar integralmente a conversão da moeda em Julho deste ano, o que quer dizer que, em cinco anos, conseguiu fazer a reconversão para a competição global, o que, em Portugal, demorou mais algum tempo. E mais- se o Sr. Deputado olhar para a nossa história, verá que é a primeira vez, em mais de 100 anos, que, em democracia, não temos inflação, o que não pode deixar de ser considerado extremamente significativo.
E, ao lembrar-me da referência que fez à liberalização dos capitais, que considerou estulta - por acaso, enganou-se na data, pois não foi em Janeiro de 1993 mas em 16 de Dezembro de 1992-, pergunto- não será que o Sr. Deputado se lembrou do seu tempo de bom aluno de economia e percebeu que a abertura dos mercados vai condenar, inexoravelmente, qualquer possibilidade de se aproximarem do poder, ao ponto de o próprio PS ter receio das consequências nos mercados, que felizmente estão abertos e conhecem a economia portuguesa e acreditam no seu desenvolvimento,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Conhecem e tomam conta dela!

O Orador: - ... e que essa abertura dos mercados vai castigar duramente qualquer aproximação do PCP ao poder, mesmo que numa aliança de frente popular de tipo "socialo-saudosista"?
Depois, numa resposta que deu a um colega de bancada, o Sr. Deputado citou um economista que teria afirmado que os últimos cinco anos tinham sido o período de menor crescimento português dos últimos 50 anos. O Sr. Deputado não referiu o nome, mas devo dizer-lhe que esse economista retratou-se nas páginas no Diário Económico e afirmou aí ter-se enganado nas contas. Ora, é pena que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que é um bom aluno de economia, não veja as correcções mas apenas as afirmações mais bombásticas. Esse economista retractou-se, afirmou ter-se enganado nas contas e disse que essa afirmação não era verdadeira, o que, aliás, todos sabíamos consultando as estatísticas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A retractação não vem no Avante e o Sr. Deputado Carlos Carvalhas só lê esse jornal!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas

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O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, creio que é claro - certamente que D Sr. Deputado estará de acordo - que a maioria aqui presente á não corresponde à maioria do País. É esta a realidade!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Como é que sabe?!

O Orador: - E é por sabê-lo que o Sr. Deputado, não quer eleições antecipadas. Fogem delas como o "diabo da cruz"!... É por isso que o PSD não quer que o povo decida. Mas dêem a palavra ao povo!

Protestos do PSD.

Quando à questão dos votos que valem mais ou manos, gostaria de chamar a sua atenção para o seguinte: não fomos nós que apresentámos um projecto de revisão constitucional que liquida a proporcionalidade, procurando assim que existam votos que valem mais e outros que não conseguem eleger ninguém.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Maria Tomé.

Gostaria ainda de dizer que estamos a ouvir hoje, no hemiciclo, um conjunto de vozes que há muito tempo não falam. Creio que isto é interessante e que, certamente, terá algum significado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado deve estar a falar da sua bancada!

O Sr. João Amaral (PCP): - Não está, não! Está a falar da sua!

O Orador: - Sr. Deputado Rui Macheie, relativamente à pergunta que me fez sobre quais os reais interesses da noção de censura apresentada pelo PCP, devo responder que os nossos reais interesses são só um: trazer à Assembleia da República os problemas do nosso país; Muitas vezes, temos aqui querelas e gritaria oposicionista sobre questões supérfluas e é isso que leva à desmotivação e à desvalorização da Assembleia da República. Procurámos, com seriedade, trazer os problemas do País a esta Assembleia e, como o Sr. Deputado Rui Macheie afirmou com verdade, não centrámos a nossa moção de censura nas questões de Timor. No entanto, o Sr. Primeiro-Ministro enganou-se no alvo: trazia o discurso já feito e entrou em contradição com o Sr. Deputado Rui Machete. Esta contradição já vem de há algum tempo, mas a dialéctica, algum a resolverá!

Aplausos do PCP.

Quanto ao Sr. Deputado Braga de Macedo, certamente que lerá de voltar às cadeiras da escola. Hoje, fez aqui mais uma intervenção, mas devo dizer que não creio que volte ao Governo. Com tais intervenções, com certeza não voltará ao Governo, quando, daqui por muitos anos, o PSD, eventualmente, chegar ao poder outra vez! O Sr. Deputado nem se levanta e põe-se em bicos de pé! Eles olham para si, mas com intervenções dessas não vai longe!...
O Sr. Deputado quer ressuscitar aqui aquela famosa teoria..., mas nem sequer lhe vou responder. Vamos, antes, falar do "pelotão da frente".

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Responda, responda!

O Orador: - Os senhores querem que eu volte a falar aqui do "oásis"? Isso é uma vergonha!
Sr. Deputado Braga de Macedo, aconselho-o a fazer umas férias - talvez que a jovem agricultura seja uma coisa interessante!...

Vozes do PCP: - Muito bem! Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, a propósito de Deputados que falam muito ou pouco nesta Assembleia, aconselhava-o a ver o registo das suas intervenções neste hemiciclo.

Aplausos do PSD.

Ouvimos aqui, durante cerca de uma hora, um discurso que, quanto a mim, foi um conjunto de repetições e, porque o foi, constituiu um esforço para quem o proferiu e um sacrifício para quem teve de o ouvir!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Naquilo em que o Sr. Deputado não se repetiu, gastou o seu tempo ou a justificar-se, perante as outras oposições, da apresentação da moção de censura - sobre cuja oportunidade não faiarei mais. dado que isso já foi feito por outros colegas de bancada - ou a ter o cuidado de dizer que as questões mais recentes nem sequer são o centro da vossa moção ou, finalmente, a dizer aqui alguns dislates, um dos quais relacionado com a unidade da minha bancada a propósito desta moção de censura.
Mas mais grave e maior dislate do que este foi quando, referindo-se ao Sr. Primeiro-Ministro, disse, e cito-o: "... o seu arrogante propósito de se manter em funções". A primeira questão que lhe coloco é esta- onde está o "arrogante propósito" de um Primeiro-Ministro que mais não quer do que cumprir o mandato para que foi eleito?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em suma, na minha óptica, aquilo que nos disse aqui não constituiu um fundamento mínimo, nem uma razão séria para a moção de censura ao Governo.
Feitas estas observações, coloco-lhe ainda uma questão muito concreta. Uma vez mais, repetindo-se, o Sr. Deputado trouxe, de novo, o problema das indemnizações aos proprietários de bens na zona de intervenção da reforma agrária. Devo dizer que, na nossa óptica, achamos justo que aqueles que se viram esbulhados nos seus haveres sejam indemnizados; no entanto, na vossa óptica parece não ser assim, pelo que deixo a seguinte pergunta: perante uma situação de esbulho, qual é a filosofia, o conceito de justiça, do PCP?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o PCP, nos últimos tempos, tem falado muito em ditadura da maioria.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Isso foi o Presidente da República!

O Orador: - É óbvio que não vou discutir consigo o que são ditaduras, porque nessa matéria o Sr. Deputado é um especialista!

Aplausos do PSD.

E mais: depois dos seus discursos dos últimos tempos, diria mesmo que o Sr. Deputado, além de um especialista, é um arrependido!

Risos do PSD.

Prefiro falar-lhe sobre a normalidade democrática, pois entendo que é importante, neste momento em que se querem agitar os ares e as instituições, pensar um pouco na democracia que não existe se não forem cumpridas as suas regras fundamentais. A democracia não é só uma maneira de pensar, é também uma maneira de agir, tem regras.
Este Governo foi eleito em 1991, por uma larga maioria. É certo que teve os votos contra do PCP - que, segundo o entendimento do meu colega Costa Andrade, parece que valem mais -, mas, mesmo valendo, não chegaram para evitar que este Governo e o seu Programa fossem aprovados nesta Câmara. E se o Programa está sendo cumprido, este Governo foi designado para estar em funções, e esta Assembleia foi eleita para quatro anos, pergunto por que é que arvora a sua bandeira da necessidade de dissolução, uma vez que uma das regras fundamentais da democracia - e é importante que respeitemos essas regras - é a de que, segundo a Constituição, o mandato é por quatro anos, deve durar e ser estável.
Coloco-lhe ainda outras questões que creio serem importantes.
O Sr. Deputado falou em desemprego e insatisfação, e referiu que o PCP promove manifestações. Num país livre, é natural que as pessoas vivam insatisfeitas e lutem pelos seus interesses, mas temos de recordar alguns elementos fundamentais. Apesar de tudo isso, não é verdade que, hoje, a taxa de desemprego é muito mais baixa do que a de 1985? E não é também verdade que é a taxa mais baixa da Europa onde nos situamos? O Sr. Deputado fala em salários e rendimentos, e as forças políticas que se identificam com o seu partido rejeitam a concertação social. Mas é ou não verdade que, apesar disso, o nível de vida dos portugueses, hoje, é muito mais elevado do que em 1985?
Deixo-lhe uma última pergunta, porque o meu tempo esgotou-se: sendo o Sr. Deputado um economista, também portanto um especialista em economia - espero que mais actualizado do que em ditaduras! -, nas suas previsões de especialista alguma vez admitiu que a inflação descesse abaixo dos 5 %, como aconteceu?
A finalizar, quero apenas dizer-lhe que não está em causa o direito de o PCP apresentar uma moção de censura, pois, em termos constitucionais, pode fazê-lo uma vez em cada sessão legislativa; o que está em causa é saber qual o fundamento dessa moção de censura e, dado que, pela sua intervenção, tal não ficou claro, gostaria que, na resposta às minhas perguntas, esclarecesse um pouco mais essa questão.

(O Orador reviu). Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, não vou fazer nenhuma pergunta sobre uma envergonhada página de política educativa, porque metade dela são slogans e a outra metade não passa pelo que sucede no nosso país.
No entanto, ao ouvir o seu discurso, chocou e tocou-me uma frase que, a tê-la percebido correctamente, seria inaceitável e merecedora de repúdio. Pedi o texto, encontrei-a e vou citá-la: "A responsabilidade política resulta, antes, da omissão (essa, sim, dolosa) dos deveres de definir uma política clara para com Timor Leste". Ainda pensava que estava a referir-se ao ano de 1975, porque, então, a frase seria correcta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Só que referida aos tempos correntes, referida a este último decénio e referida às afirmações, repetidas, dos órgãos de soberania - Presidente da República, Governo e Assembleia da República -, onde existe consonância em matéria de política relativamente a Timor Leste e à procura de uma solução justa e internacionalmente aceitável, com o direito de escolha por parte do povo de Timor Leste de qual o seu destino, esta frase é, como dizia há pouco, merecedora de repúdio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto porque, nos últimos anos, passou-se totalmente o contrário: a questão de Timor Leste veio à luz do dia e é hoje debatida nos mais variados fora; os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia reúnem-se regularmente sob os auspícios do secretário-geral das Nações Unidas, Butros Ghali; Governos, parlamentos, políticos, cidadãos e jornais têm-se referido à questão de Timor Leste. Portanto, há uma política definida e deram-se passos em frente, embora mais lentamente do que aquilo que desejaríamos.
Não quero também deixar de chamar a sua atenção para as muitas vezes que, nesta mesma Casa, deliberámos, por unanimidade, assumir uma posição comum na política a seguir relativamente a Timor Leste.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, gostaria de ver clarificado o sentido real da frase que escreveu no seu discurso que, como digo, deve ser repudiada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Caritos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, começo pela última questão, para lhe ler, porque temos de ser objectivos e não trocar frases, o que, a seguir, está escrito: "... e, em consequência, das instruções e orientações vinculativas a todos os departamentos da Administração".

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - É essa a questão!

O Orador: - Não se "vire o bico ao prego", como fez aqui o Sr. Primeiro-Ministro. Então, há um apoio às forças armadas indonésias e, depois, a culpa é das oposições?!...

Protestos do PSD.

Sr. Deputado Vítor Crespo, estive consigo no Conselho da Europa e sabe muito bem que fui um dos Deputados

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que mais vezes ali levantou a questão de Timor Leste e que, para além de abordar assuntos relacionadas com os Direitos do Homem e com a autodeterminação, reclamei também a sua independência. Portanto, Sr. Deputado, não recebo lições de ninguém e muito menos daqueles que querem truncar-me as frases.
Quanto ao Sr. Deputado Antunes da Silva, digo-lhe muito claramente: o senhor tem uma noção de justiça que não é a minha.

Vozes do PSD: -Ah!!!...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Ainda bem!...

O Orador: - O senhor entende que se devem dar milhões de contos aos grandes e eu considero que isso é uma afronta quando no Alentejo há, podemos dizê-lo, dezenas de milhares de desempregados que, na sua maioria, como o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social sabe, não têm qualquer subsídio e passaram a quadra natalícia em extremas dificuldades.
Face a isto, parece-me absurdo que o seu Governo e o Sr. Primeiro-Ministro considerem um grande acto dar mais umas dezenas de milhões de contos aos grandes agrários, àqueles que têm as terras em pousio ou que nem sequer as cultivam. Esse é um grande acto de justiça? Pensamos que não!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ah!... Agora não dizem nada?! :

O Orador: - O Sr. Deputado Correia Afonso meteu-se nas questões da inflação. Peco-lhe que consulte o Sr. Deputado Braga de Macedo - e ele já cá não está-, pois talvez ele possa explicar a diferença que existe entre desinflação e deflação. Depois, perceberá o que diremos.

Risos do PSD.

Sr. Deputado, esta política só tem levado à baixa de produção, à liquidação do aparelho produtivo, à ruína da agricultura, à substituição da produção nacional pela produção estrangeira. Aliás, foi a falência dessa política - essa é uma das causas - que levou o Sr. Primeiro-Ministro a tomar a atitude que tomou.
Quanto à regra fundamental, lembro só que não deve criticar o Sr. Primeiro-Ministro, porque o Sr. Primeiro-Ministro - e ele está ali, sentado na bancada do Governo -, depois do congresso da Figueira da Foz, tomou a atitude que se conhece: pediu a realização de eleições antecipadas e o governo do Bloco Central caiu.
Portanto, é perfeitamente natural que se peçam eleições antecipadas. E pedem-se porque esta maioria já não representa a maioria sociológica que o apoiou,... '

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Como é que o sabe?!...

O Orador: - ... porque este Governo está fragilizado, porque o País não pode estar mais nove meses em situação de instabilidade institucional, política e social. É preciso dar resposta aos problemas!... O Sr. Primeiro-Ministro gostaria de se aguentar à frente do Governo, de continuar, para deixar ao seu sucessor uma rampa de lançamento. Mas, naturalmente, quem lhe suceder terá também de trabalhar, terá de andar, quer seja da direita ou da esquerda.

Aplausos do PCP. Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos aos pedidos de esclarecimento relativos à intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, para os quais se inscreveram 14 Srs. Deputados.
A inscrição foi ordenada, de acordo com o n.º 1 do artigo 82.º do Regimento, de forma a garantir a alternância possível dos diferentes partidos aqui representados e o primeiro pedido de esclarecimento cabe ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, deixo de lado algumas das suas afirmações mais trauliteiras, a cheirarem a mofo, a cheirarem ao antigamente,...

Protestos do PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Que falta de nível!... Que vergonha!...

O Orador: - ... porque as considero declarações do Primeiro-Ministro de um Governo em trânsito. Portanto, passo ao lado.
Como já afirmei, creio que a sua intervenção desviou o alvo e proeurou, digamos, fixar-se na questão de Timor. Assim, afirmou que tínhamos centrado a nossa intervenção nesta questão- o que não é verdade, dissemo-lo várias vezes, está escrito - para evitar falar dos problemas do País.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E fez aqui uma intervenção de normalidade democrática, de auto-elogio, procurando dar boas perspectivas quanto ao futuro, como se estivéssemos noutro mundo ou noutro país. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, permita-me que diga: normalidade democrática seria assumir a derrota, mesmo quando prevista, e não fugir a ela.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador:- Lembro-lhe que, com esta atitude, não resolve o problema da responsabilidade do PSD nem a do seu Governo. Não se apagam as responsabilidades não chamando a si e não reconhecendo o desemprego, o emprego precário, as bolsas de pobreza e as dificuldades com que se debatem milhares de cidadãos devido à sua política. Não se apagam as responsabilidades, Sr. Primeiro-Ministro, não reconhecendo que, hoje, uma boa parte da juventude tem graves dificuldades em encontrar um emprego, que muitos jovens ficam às portas das fábricas, das empresas ou nelas ingressam com vínculo precário e que muitos outros têm de emigrar.
Sr. Primeiro-Ministro, não se apagam responsabilidades não reconhecendo que a sua política levou à concentração da riqueza num pólo, criando no outro pólo inúmeras dificuldades para milhares de famílias que se vêem excluídas de um nível de vida digno e do acesso à habitação, à cultura, aos tempos livres e à própria Justiça.
Sr. Primeiro-Ministro, não se apagam as responsabilidades não reconhecendo que, hoje, muitos agricultores e muitos industriais se encontram numa situação aflitiva, em virtude de uma política monetarista, que levou ao funda-

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mentalismo da União Económica e Monetária toda a sua concepção.
A situação é grave, Sr. Primeiro-Ministro, e nós procurámos trazer aqui, com esta moção de censura, a voz dos trabalhadores, dos reformados, dos pensionistas, dos deficientes, da juventude, das mulheres, dos agricultores e dos pequenos e médios empresários. Pensamos, Sr. Primeiro-Ministro, que a solução para o quadro em que vivemos é caminharmos - e o mais rapidamente possível - para eleições antecipadas,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... para que o povo português possa escolher uma nova política, que sirva o povo e que sirva Portugal.
A pergunta que deixo, Sr. Primeiro-Ministro, é esta: não entende que, tendo tomado a atitude que tomou, fruto, naturalmente, das dificuldades da sua política, mas também das previsões de derrota, fruto ainda - e nada nem ninguém terá algo a opor - de decisões pessoais, a atitude mais democrática, a que permitiria a melhor solução para o País seria apresentar a sua demissão,...

O Sr. João Amaral (PCP):- Muito bem!

O Orador: - ... em vez de dizer- como o fez, com alguma arrogância - que iria continuar, antes da realização do congresso do PSD, como Primeiro-Ministro, criando dificuldades ao futuro líder do seu partido?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. Segundo o Regimento, dispõe de três minutos.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado, o seu grupo parlamentar apresentou a esta Câmara uma moção de censura centrada na questão de Timor Leste - tenho comigo o texto da moção - e sobre a eventual reparação de motores por parte das OGMA.
O Sr. Deputado confessou no seu discurso - e reafirmou-o agora - que apenas utilizou o drama do povo de Timor Leste como jogada e manobra política.

Aplausos do PSD.

Sinto-me profundamente chocado que o Partido Comunista, que pode repetir, as vezes que quiser, o discurso que aqui fez, se tenha agora servido da questão de Timor, ao mesmo tempo que põe em causa a unidade nacional que sobre esta matéria sempre existiu.
E eu interrogo-me por que é que o Partido Comunista, que há dias, antes de eu fazer qualquer referência quanto à minha recandidatura ou não à liderança do PSD, anunciou uma moção de censura centrada na questão de Timor Leste, mudou agora de tom. Ora, eu penso que descobri a razão. Fê-lo porque, entretanto, foi consultar os jornais - e, eventualmente, as televisões - sobre o que se disse no nosso país quanto às responsabilidades do Partido Comunista em relação à descolonização portuguesa e encontrou frases como esta: "o Partido Comunista foi responsável pelo caos político que se instalou no nosso país, que impediu que, entretanto, se defendessem os interesses de Portugal, dos portugueses, mas também os interesses das populações dos territórios das antigas colónias portuguesas."

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP). - Isso são saudades das colónias!

O Orador: - Com certeza encontrou também nos jornais frases como esta: "Partido Comunista instala comissários políticos nas Forças Armadas, que as impede de manterem a situação de firmeza para uma transição pacífica do poder, quer em Angola, quer em Moçambique, quer noutros territórios."

Aplausos do PSD.

Com certeza terá lido diversos livros publicados sobre Timor, um deles, penso eu, da autoria de um Deputado que está nesta Câmara.
Só isso pode, de facto, justificar que o Partido Comunista tenha, à última hora, mudado para a sua velha cassette. Fê-lo para não ser aqui confrontado com as suas reais responsabilidades...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso!

O Orador: -... em relação aos erros da descolonização portuguesa, a que ele, durante muito tempo, insistiu em chamar "exemplar". De exemplar ela não teve nada e de dificuldades criadas à causa do povo de Timor Leste teve muito.
Por isso lamento, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que, com a sua moção de censura, o senhor tenha, de alguma forma, prejudicado um pouco a nossa posição na cena internacional. E lamento mais: que, há pouco, o senhor tenha pronunciado aqui uma frase que, estou certo, choca todos os Deputados - excepto os da sua bancada - desta Câmara. Foi a seguinte. ".. apoio das Forças Armadas portuguesas às forças armadas da Indonésia...".

O Sr. João Amaral (PCP): - É falso! Isso não foi dito!

O Orador: - Foi isto o que o senhor acabou de dizer. Não passa por nenhuma cabeça que alguém, deliberada e conscientemente, tenha aceite reparar motores da força aérea da Indonésia para, eventualmente, serem utilizados por um regime ditatorial contra um povo totalmente indefeso.
Por isso, Sr. Deputado, não consigo encontrar outra explicação para o comportamento do Partido Comunista que não seja uma tomada de consciência tardia do muito que é responsável por uma descolonização que não foi exemplar e por um sofrimento que também chegou ao povo timorense.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O senhor é que é responsável!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, embora tendo consciência que este tipo de debate é, seguramente, aquele de que o País não precisa, porque deve centrar-se mais nas tarefas que tem a realizar no futuro próximo, a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro - que, aliás, hoje se encontra devidamente enquadrado pelos seus futuros líderes - trouxe a esta Câmara a necessidade não só de colocar-lhe algumas questões mas também de responder-lhe, porque na sua intervenção falou não apenas da questão que é o título inicial da moção de cen-

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sura apresentada por outro partido mas também sobre a situação política de outros partidos, para terminar com um grande elogio à sua actividade governativa neste final de gestão do seu Governo.
Quando surgiu a público este caso das OGMA, V. Ex.ª, numa primeira reacção, disse que era absolutamente necessário tudo fazer para salvar o prestígio das OGMA-portanto, nada discutir e tudo fazer - e, em segundo lugar, que este caso não punha minimamente em risco a política externa portuguesa.
A circunstância de V. Ex.ª hoje ter comparecido a este debate para proferir as palavras que proferiu demonstra que, porventura, essas reacções iniciais não foram as mais apropriadas para encarar estes factos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De resto, V Ex.ª, sobre a temática, em apreço, e ao longo das últimas semanas, caracterizou-se por, em relação à empresa em causa, proferir uma série de declarações contraditórias, dizendo, em simultâneo, que essa empresa era completamente incapaz de realizar certo tipo de serviço e também que era uma das mais qualificadas empresas portuguesas do ponto de vista da tecnologia avançada

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, ao longo deste processo, quer em relação à qualificação da empresa envolvida nesta apreciação, quer em relação às incidências que o problema veio a suscitar, V. Ex.ª, desde as suas reacções iniciais até à intervenção que proferiu hoje daquela tribuna, deslizou numa sucessão de interpretações diferentes.

problema que esta questão, no fundo, vem a suscitar - é um problema que lhe deixo, para V. Ex.ª responder.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. ... reflectir e, inclusive, para publicar em memórias -• é o da responsabilidade política. Qual é a sua apreciação sobre a forma como os governantes devem extrair, de fracassos das suas áreas sectoriais, consequências e ilações para a sua postura perante o Parlamento, perante a opinião pública, perante os cidadãos e perante o País?

Aplausos do PS

Não vou, naturalmente, referir-me à intervenção partidária - sei como esta palavra excita o espírito de V. Ex.ª! - que fez sobre o Partido Socialista, porque ela tem o alcance que tem. Decidiremos essa matéria noutro local, noutro período e, porventura, com outros protagonistas, Mas não resisto, para terminar, a colocar-lhe uma pergunte. V. Ex.ª terminou a sua intervenção com um rasgadíssimo elogio à sua acção governativa, aos méritos da sua política económica, ao rumo correcto em que o País se encontra e em que V. Ex.ª deixa a governação E a questão que tudo isso suscita é simples: então, se assim é, por que é que V. Ex.ª se vai embora?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, se bem percebi, fez-me quatro perguntas, às quais vou tentar responder de forma sintética, como compreenderá.
Em primeiro lugar, referiu a minha reacção inicial no sentido de que este incidente não punha em causa a posição internacional de Portugal. Penso que foi a reacção natural de um Primeiro-Ministro Mas disse agora, na minha intervenção, que isso dependeria do bom senso e do sentido de responsabilidade que, internamente, todos fôssemos capazes de demonstrar. Ora, a atitude de apresentar esta moção de censura não se enquadra nesse bom senso e sentido de responsabilidade que eu, de todo, esperava em relação a essa matéria.
Estou certo de que o Sr. Deputado reconhece que a apresentação de uma moção de censura sobre este tema não fortalece - quanto muito, pode prejudicar - a nossa posição na cena internacional, dado que os adversários - que, reconheço, são de todos nós -, os indonésios, podem tentar aproveitar-se. Logo, não antecipei alguma falta de bom senso e sentido de responsabilidade sobre essa matéria tal como acabou de manifestar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz que sou contraditório quanto às fábricas de material aeronáutico. Não o sou. Reconheço publicamente que as nossas fábricas de material aeronáutico não têm capacidade para fazerem determinado tipo de reparações, em aviões MiG ou Sukkoi. Mas as fábricas mais sofisticadas dos Estados Unidos não são capazes de reparar todos os tipos de avião ou todos os sistemas de armas. Quer isto dizer que uma fábrica como as OGMA pode ser tecnológica e estrategicamente avançada mas não ser capaz de reparar certos sistemas de armas ou certo tipo de aviões. Não vejo onde está a minha contradição!

Protestos do PS.

É este o sentido! E volto a repeti-lo aqui: sinto que é meu dever, como Primeiro-Ministro, defender esta empresa,..

Vozes do PS:- Enganou-se!

O Orador: - ... dado que estou consciente - tenho de admitir que tenho estado quase certo - de que ninguém, nela, deliberadamente, actuou no sentido de reparar um motor sabendo que ele era da Indonésia. O Sr. Deputado sabe muito bem que este era um estabelecimento fabril da Força Aérea até há pouco tempo e só agora foi transformado em sociedade anónima, o que permitirá, com certeza, melhorar os mecanismos de controlo da gestão.
A terceira questão versava sobre a responsabilidade. Sr. Deputado, nesta matéria sou coerente desde 1985 Não comecei ontem. Deixe-me dizer-lhe que poderia até apresentar alguns casos de incoerência dentro do seu partido, em datas muito mais próximas umas das outras.
No Programa de Governo aprovado em 1985, quanto à relação entre membros do Governo e empresas públicas - ou seja, com unidades empresariais,..

O Sr. António Guterres (PS): - Não é o caso!

O Orador: - ... porque o conceito de empresa pública estende-se, como deveriam saber alguns que até têm a preocupação de ser economistas, a qualquer unidade de natureza comercial ou industrial, tenha ou não o estatuto

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formal de empresa pública (o Sr. Deputado deveria sabê-lo e pode pedir ao seu colega, que é economista e está na bancada da frente,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O economista da bancada da frente tem nome!

O Orador: - ... que consulte o INE e os livros publicados desde 1946, porque parece não ter conhecimentos sobre essa matéria)-,...

Protestos do PS.

... consta o seguinte, que vou ler: "O Governo respeitará escrupulosamente a autonomia de gestão das empresas públicas. No plano estatutário, deverão limitar-se os casos de autorização tutelar prévia para os actos de gestão das empresas. A aprovação do orçamento e o controlo da sua execução deverão constituir os momentos quase únicos da intervenção da tutela". E é assim que deve ser, porque resultados de comportamentos contrários, promovidos pelo Partido Socialista, foram extremamente negativos para a economia e sociedade portuguesas!

Aplausos do PSD.

Por fim, passo a referir-me à última pergunta que o Sr. Deputado julgou provocadora. Por que é que me posso ir embora e favorecer a renovação do PSD? Por aquilo que o senhor disse: a economia, neste momento, tem inflação controlada, que é de 4 %. Ora, o senhor nunca imaginou, algum dia, que Portugal pudesse ter uma inflação apenas 0,9 décimas acima da média comunitária. Porque, como disse, Portugal continua com um dos desempregos mais baixos de toda a Europa comunitária.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Vai subir!

O Orador: - Porque, também como disse, e o Sr. Deputado sabe-o, está em plena execução o plano de desenvolvimento regional, todos os apoios financeiros estão, neste momento, negociados e todas as instâncias internacionais e os economistas sérios do nosso país, onde se incluem vários do seu partido, reconhecem que o ano de 1995 será de forte crescimento económico, que em 1996 será ainda muito mais forte.
Por isso, Sr. Deputado, agradeço-lhe sinceramente o elogio que me dirigiu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a maior parte da sua intervenção foi sobre o tratamento que o Governo de V. Ex.ª deu ao problema de Timor. Com efeito, não podemos deixar de reconhecer que a questão de Timor, hoje, no domínio internacional, apresenta um perfil completamente diferente do que tinha em 1985. Mas V. Ex.ª foi injusto, na medida em que averbou apenas para o seu Governo o êxito desta política.
Em primeiro lugar, não podemos deixar de dizer, pela ordem como a Constituição trata as várias figuras de soberania, que o Presidente da República, desde o seu primeiro mandato, tem sido um obreiro incansável da colocação do problema de Timor nos seus devidos limites. Em todas as suas intervenções, visitas ao estrangeiro e encontros com personalidades - a que V. Ex.ª, eu e todos temos assistido - tem sido um dos obreiros incansáveis de modificação da política em relação a Timor na cena internacional.
Em segundo lugar, importa referir o papel da Assembleia da República, que, através da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, da Comissão de Defesa Nacional, da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, e das intervenções dos líderes partidários junto dos seus congéneres, como V. Ex.ª sabe, tem reforçado sempre a posição do Governo em relação a Timor, para que esta voz seja uma voz unânime do Estado e não apenas a do Governo.
Em terceiro lugar, sabe V. Ex.ª que a questão de Timor vem aqui, a propósito desta moção de censura, unicamente por um disparate do Partido Comunista Português, porque, como eu já disse publicamente, na televisão e na rádio, e repito-o aqui, a questão de Timor era a única que nunca poderia ser trazida à Assembleia da República para uma moção de censura a quem quer que fosse. Poderia trazer mil, mas nunca esta!

Aplausos do PSD.

No entanto, V. Ex.ª quis aproveitar este disparate para fazer dele o centro do seu discurso de defesa para esta sessão. Se assim é, não percebo por que razão se quer transformar um disparate numa moção de confiança, porque se esta se destina a punir um disparate, realmente, esta moção de confiança em que o Sr. Deputado Pacheco Pereira quer transformar a moção de censura é outro disparate.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O CDS-PP quer é ganhar a confiança do PSD!

O Orador: - Efectivamente, vir ao Parlamento dizer que "vamos dar confiança ao Governo porque o Partido Comunista Português fez um disparate e vamos salvar o Governo desse disparate" é um disparate elevado ao quadrado.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Por isso mesmo, esta encenação de moção de confiança é a coisa mais ridícula a que alguma vez o Parlamento poderia ter assistido.
Sr. Primeiro-Ministro, quero perguntar-lhe o seguinte: não crê que o problema não é o disparate do Partido Comunista Português ou o do presidente do seu grupo parlamentar...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o disparate do CDS-PP!

O Orador: - ... mas, o que é completamente diferente, o de saber se a segurança interna do País, sob o ponto de vista militar e civil, deve obedecer a outras regras e a outros factores, sendo necessário varrer do Estado português quaisquer sinais do sucedido, seja em relação ao MPLA seja em relação à Indonésia, para que, no futuro, não se repitam casos desses? Não pensa que, por isto mesmo, este debate foi útil?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

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O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, sinto-me muito mais confortado depois de ouvi-lo, porque, na altura em que foi anunciada esta moção de censura e feitas outras declarações pela oposição, por acaso, olhei para a televisão e disse "olha, às vezes, a oposição diz disparates", mas, afinal, o senhor, hoje, veio aqui dar-me cobertura total, o que nem sempre tenho conseguido por parte da sua bancada.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Deputado, procurei não ser injusto relativamente à questão de Timor e comecei até por recordar, em primeiro lugar, a acção corajosa e determinada dos próprios timorenses, que têm conseguido, pela sua acção, projectar a causa na cena internacional, do que foi exemplo, há bem pouco tempo, a ocupação dos jardins da embaixada norte-americana em Jacarta.
Também fiz uma referência ao Sr. Presidente da República, mas o Sr. Deputado não pode esquecer que quem está aqui a ser censurado é o Governo. Há uma moção de censura, sobre aquilo que o senhor diz ser um disparate, mas há uma moção de censura. Logo, como Primeiro-Ministro, compete-me defender, acima de tudo, a posição do Governo. Mas, por outro lado, também tive ocasião de sublinhar o carácter nacional e até a participação da Assembleia da República, de todos os órgãos de soberania, em uníssono, nesta matéria. E se fui injusto, sublinho que, de facto, a Assembleia da República tem tido sempre uma preocupação permanente na construção de uma posição verdadeiramente nacional em relação ao caso de Timor.
Aliás, hoje, teria de ter um cuidado muito especial, não podendo trazer para aqui argumentos nem invocai situações que pudessem fragilizar a posição portuguesa no julgamento que vai ter lugar na próxima semana, em Haia, porque receio que existam alguns observadores indonésios aqui em Portugal para "agarrarem" palavras ou frases deste debate e, depois, utilizarem-nas contra nós nesse julgamento.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, podia falar aqui de outras coisas, mas não o faço.
Por último, face ao que o Sr. Deputado disse, tenho quase a certeza de que vai votar contra o "disparate", de que não se vai aliar ao "disparate", senão poder-se-ia dizer que também o CDS-PP anda a reboque do "disparate".

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sou contra o disparate da moção de confiança!

O Orador: - Sr. Deputado, isso significa que o senhor acolhe, o que é surpreendente para um partido que $e diz da democracia cristã, de mãos abertas o "disparate" do ,PCP, que se encontra no outro extremo, e ainda por cima sobre Timor!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Entre dois disparates, não respondo!

O Orador: - Estou certo de que, esta noite, vai reconsiderar e, amanhã, a bancada do CDS-PP fará, sobre esta matéria, aquela demonstração de bom senso ë de sentido de responsabilidade, a que, em tempos, nos habituámos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o senhor não pode invocar desconhecimento sobre o tema e a razão da moção de censura, que foi apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP, no dia 20 de Janeiro de 1995. Diz-se, aí, expressamente: "Assim, tendo por objectivo permitir a urgente expressão institucional da opinião do PCP, de que a dissolução da Assembleia da República e a antecipação das eleições são o melhor meio para dar resposta ao contínuo agravamento da situação social e económica e ao descrédito do Governo, o PCP apresenta a seguinte moção de censura (...)".
Se o Sr. Primeiro-Ministro vem a esta Casa debater uma moção de censura, se conhece o tema, se conhece certamente - embora continue, naturalmente, a dedicar pouco tempo à leitura dos jornais - as declarações que anteriormente foram feitas pelo PCP, explicitando sempre e em todo o local quais eram os objectivos e os fundamentos da moção de censura, e se depois de tudo isto afirma, reafirma e continua a reafirmar que a moção de censura do PCP assenta naquilo que se passou em relação ao chamado "caso Ministério da Defesa",...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - OGMA II!

O Orador: - ... ou seja, às responsabilidades políticas sobre aquilo que sucedeu nas OGMA, então, Sr. Primeiro-Ministro, só pode tirar-se uma conclusão: o Sr. Primeiro-Ministro não está a ser sério, não está a fazer afirmações com seriedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, para além disso, o Sr. Primeiro-Ministro mostra claramente que queria fugir ao conteúdo e à razão de ser da moção de censura do PCP. O Sr. Primeiro-Ministro queria que o debate fugisse àquilo que eram as questões centrais que colocávamos, ou seja, a situação económica, social e política, e fosse desviado para um outro tema, um tema mais ao seu jeito, mais ao seu gosto, onde se pudesse "mexer" melhor. E, então, de duas, uma: ou confundiu algumas notícias que vieram a lume nos jornais, de que haveria um partido representado nesta Câmara que iria fazer incidir a sua intervenção sobre essa problemática- e confundiu o partido e errou o alvo -, ou, então, apenas leu os "disparates" do CDS-PP, pegou neles, agarrou-se a eles como "pão para a boca", foi atrás dos "disparates" e, como há pouco acabou de dizer, o facto de ir atrás dos "disparates" não deixou de ser um disparate do Sr. Primeiro-Ministro, um disparate do Governo, possivelmente um disparate ainda maior.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Isso é plagiar! Que falta de imaginação!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro fugiu, como há pouco referi, àquilo que eram as questões centrais para o debate desta moção de censura. Como já lhe disse, isso mostra que, afinal, contrariamente ao que afirmou na sua intervenção, não há nas suas palavras nem na sua intervenção seriedade e sentido de responsabilidade.
O Sr. Primeiro-Ministro não quer entrar no debate que, de facto, interessa ao País, neste momento, sobre a degradação da situação social e económica.
O Sr. Primeiro-Ministro não quer debater, ao fim e ao cabo, a questão da necessidade da antecipação de eleições. É isso a que o Sr. Primeiro-Ministro quer fugir!

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Protestos do PSD.

O Sr. Primeiro-Ministro quer fugir às eleições e já o declarou publicamente. Às eleições não vai, foge, porque tem a derrota como certa!
O Sr. Primeiro-Ministro, agora, quer fugir à questão da necessidade, em termos de clarificação política, da realização de eleições antecipadas.
O Sr. Primeiro-Ministro nada referiu quanto a isso. Alguns dos seus apoiantes nesta Assembleia vieram colocar a questão de que seria, do ponto de vista político-constitucional, anormal que se recorresse a eleições antecipadas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça o favor de concluir.

O Orador: - A anormalidade é aquela que existe neste momento.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A anormalidade é que um Governo, que irresponsavelmente lançou o País para a mais longa recessão da economia portuguesa deste século, que provocou, e está a provocar, o aumento substancial do desemprego...

Protestos do PSD.

... e encerramentos diários de empresas, com a política irresponsável que seguiu, se possa manter durante mais tempo à frente dos destinos deste País. Isso, sim, seria uma irresponsabilidade ainda maior, isso, sim, seria uma anormalidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - A Mesa foi informada de que o Sr. Primeiro-Ministro vai passar a responder aos pedidos de esclarecimento em grupos de quatro.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, o senhor dedicou mais de metade do seu discurso a um escândalo nacional e internacional da responsabilidade do seu Governo, que, neste momento, já corre mundo e provoca a justa indignação do povo português e do povo maubere.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Afinal, estão centrados sobre as OGMA!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro voltou, hoje, a ofender a inteligência dos portugueses ao retomar a defesa do seu Ministro da Defesa Nacional e da direcção das OGMA, como se a direcção dessa instituição fosse intocável.
Conclui-se que, para o senhor, Sr. Primeiro-Ministro, o encobrimento daquilo que se passou - a assistência a material de guerra indonésio, quaisquer que fossem os motivos - seria uma virtude e aqueles que denunciam o escândalo público, que criticam, não são patriotas; os patriotas são aqueles que o encobriram.
Foi há pouco revelado que esses motores chegaram no ano de 1993, ou seja, já há bastante tempo. Só faltou fazer o elogio ou a sugestão de punições para aqueles que, eventualmente, tenham trazido ao conhecimento do povo português esses factos, antes que um jornal os divulgasse.
O Sr. Primeiro-Ministro chamou aos serviços prestados aos indonésios ora um lapso técnico, ora um incidente técnico, ora um pequeno incidente. É, realmente, uma estranha linguagem para definir aquilo que se passou!
O que fica para o mundo é o facto de os motores da força aérea indonésia terem sido reparados em Portugal.
Eu, que sou um simples Deputado, recebi, nos últimos dias, telefonemas de vários países, de membros do Conselho da Europa, de Atenas, de Paris. e hoje mesmo, de uma televisão alemã, perguntando-me o que era isto, porque não entendiam. Quer dizer, o escândalo é mesmo internacional!

Protestos do PSD.

O Sr. Primeiro-Ministro talou do problema de Timor - é um velho vezo da paixão pelos monopólios -, como se fosse dono da solidariedade por Timor, como se fosse o grande campeão e todos tivéssemos a obrigação de lhe fazer vénias.
Quero aqui deixar claro - porque, por vezes, fala-se da política consensual -, reportando-me apenas ao período posterior ao massacre de Santa Cruz, que colocou o problema de Timor com forca em todo o mundo, que o Grupo Parlamentar do PCP, permanentemente e com insistência, tem criticado, denunciado e julgado insuficiente, má e negativa a política do Governo, ressalvando o esforço de muitos diplomatas portugueses que servem essa causa.
Não podemos aprovar uma política que está semeada de cumplicidades com países que são solidários com a Indonésia e temo-las denunciado de uma forma permanente.
Não tem autoridade moral para se apresentar como o campeão da política de solidariedade para com Timor perante o País quem, no seu discurso, raríssimas vezes usa a palavra "autodeterminação", reduzindo o problema de Timor Leste a uma questão de direitos humanos, e quem não faz referência- e hoje ainda não o fez aqui - ao direito à independência, referido na Constituição, do povo de Timor Leste.
Pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro: pensa o seu Governo insistir junto dos aliados europeus, dos Estados Unidos e, eventualmente, de outros países para que suspendam todas as formas de ajuda militar à Indonésia? Em caso afirmativo, que responderá quando por eles for colocada a questão da falta de autoridade política e moral em consequência da reparação de motores indonésios? Que responderá ao General Suharto e ao Sr Ali Alatas, quando eles, um dia destes, colocarem a questão em qualquer foro internacional para desmoralizar o Estado português e até, talvez, para lhe agradecer?

O Sr. Presidente: - Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro, num exercício de pequena política, falou hoje muito de seriedade e de não seriedade. Faz algum tempo, o senhor confundiu dois autores importantes, um alemão do século XX e um inglês do século XVI. Costuma dizer-se que errar é humano, e os factos demonstram que o seu Governo tem vivido permanentemente de costas voltadas para a História e para a cultura, mas talvez lhe fosse útil folhear o livro Utopia de Thomas More, porque aí encontraria a negação da sua política e da sua mundividência. O autor foi um daqueles humanistas que, na política, soube levar a coerência e a defesa dos princípios até às últimas consequências.
Quando o Sr. Primeiro-Ministro coloca os interesses comerciais das OGMA e a carreira do seu Ministro da Defesa - candidato à sua sucessão na liderança partidária, segundo se diz - acima da dignidade do Estado português e da

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solidariedade com o povo de Timor Leste, de cujo direito à independência - repito - não fala, acode-me à memória o exemplo de Thomas More, que identificava no Estado um servidor do povo e soube bater-se até ao fim por uma transformação revolucionária da humanidade.
O Sr. Primeiro-Ministro contempla-se - e, hoje, fê-lo uma vez mais - como um herói e uma vítima de um drama de ressonâncias shakespearianas. É um erro de visão.. D Sr. Primeiro-Ministro e a sua gente comportam-se hoje como figurantes de uma cruel farsa vicentina. O povo português está impaciente para o expulsar do palco.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, parafraseando o Sr. Deputado Manuel Sérgio, diria que V. Ex.ª começou a fazer um discurso pós-modernista, quase pós-modernista, porque faz um discurso narcisista, conjugado com o velho pecado português do escárnio e maldizer. Discurso narcisista porque diz bem de si próprio. Só diz bem de si próprio e do que fez e diz mal de todos os outros. É um discurso da autoglorificação, da auto-satisfação e um discurso de oposição à oposição, que é uma forma de fuga às responsabilidades próprias.
V. Ex.ª veio aqui dizer que está satisfeito consigo, com o seu Governo e com a sua obra, apesar de 20 % de queda na produção agrícola e de uma crise na agricultura que não tem só consequências económicas, mas também sociais e culturais, uma crise que atinge o cerne da Nação e da identidade nacional portuguesas.
Não obstante a desindustrialização, a degradação do ensino e a educação, V. Ex.ª está satisfeito, e isto apesar de ter perdido uma oportunidade histórica incomparável e de não ter resolvido os problemas estruturais do País.
Se está satisfeito, pergunto a V. Ex.ª porque 6 que, então, não vai a sufrágio. Respeito os motivos pessoais de V. Ex.ª e acho que um homem político tem a liberdade de estar e de partir, mas um homem político, que é Primeiro-Ministro há 10 anos, que governou o País durante os últimos 10 anos com duas maiorias absolutas, se tem essa liberdade e legítimos motivos pessoais, tem também obrigações e a primeira delas é a de prestar contas.
Ora, se V. Ex.ª se começa a colocar na posição de ser uma espécie de tutor ideológico e político daquilo a que chamaria "um cavaquismo sem cavaco" e se insiste no discurso da autoglorificação, penso que tinha obrigação de prestar contas e de se sujeitar ao julgamento do País, através do voto popular. Se não o faz, penso que é porque V. Ex.ª já não acredita, perdeu a energia, está sem ânimo e, eventualmente, sem a coragem política necessária para enfrentar as dificuldades que criou.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP)- - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, não esperaríamos que, nesta primeira intervenção de fundo depois da sua declaração da passada segunda-feira, viesse aqui fazer um testamento político, mas areio que era uma boa oportunidade para proferir um discurso com ideias, com elevação, um projecto para Portugal, um projecto para a Europa. Em vez disso, brindou-nos com a baixa política
O Sr. Primeiro-Ministro afirmou que a crise veio do estrangeiro, mas não disse que os fundos comunitários também vieram de lá; para o discurso do PSD e do Primeiro-Ministro foi o cavaquismo que os inventou, foi a generosidade do PSD que os deu ao País, mas não disse que metade desses fundos regressam a quem os dá sobre a forma de encomendas; não falou da corrupção e das fraudes e da falta de combate determinado à corrupção, em Portugal; não falou do desmantelamento do aparelho produtivo na agricultura, das pescas e da indústria; falou da taxa da inflação, da convergência nominal, mas esqueceu-se de falar da convergência real e da taxa de crescimento.
E ouvimos mesmo aqui referir que há 25 anos não havia uma taxa de inflação tão baixa. É caso para perguntar: há 25 anos que economia havia em Portugal? É esse o objectivo do PSD? É uma economia com baixa taxa de inflação e com altos níveis de injustiça, de exploração, de desigualdade e de miséria e com forte distanciamento em relação à Europa?
Falou, por outro lado, do Quadro Comunitário de Apoio, mas não falou do III Quadro, da postura em relação ao futuro orçamental da Comunidade Europeia, da questão da Coesão Económica e Social e da necessidade de não abandonar este objectivo verdadeiramente fundamental; falou do Quadro Comunitário de Apoio, mas esqueceu-se de referir o princípio da participação e da parceria; esqueceu-se de referir as regiões, enquanto instrumento fundamental da participação, que estão no programa do PSD, como está tanta outra coisa de que o PSD se esqueceu ao longo da sua governação; não falou da Europa social, da Europa dos jovens e da Europa dos trabalhadores.
E caso para dizer que o homem do leme nunca foi um governante com ideias também em matéria comunitária! O discurso de V. Ex.ª provou que não é agora que as começou a ter.
Gostaria que comentasse estas questões que lhe coloquei, que são muito importantes para o futuro do País, e, designadamente, o problema da revisão do Tratado da União Europeia, acerca do qual V. Ex.ª não esclarece o País, não permitiu um referendo em relação a ele e continua, neste momento, a não mostrar ideias, a não mostrar um projecto, bem pelo contrário, refugia-se na política chicaneira.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, disse V. Ex.ª que eu não tinha tido uma postura séria ao colocar este debate sobre o problema de Timor.
Sr. Deputado, vou ter de lhe recordar algumas coisas, de que, com certeza, não vai gostar muito: na sexta-feira passada, ocorreu uma reunião de líderes, convocada expressamente para tratar do caso das OGMA e da eventual reparação de motores da Indonésia, e foi aí que o Partido Comunista, entre inquérito, por um lado, debate, por outro, disse que, sobre o assunto, apresentava uma moção de censura.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - A moção de censura está aqui, e o Sr. Deputado só leu a parte final do seu texto, em que quer

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a dissolução da Assembleia. Isso já nós sabemos há muito tempo! Só que, antes disso, há um parágrafo que diz: "O noticiado...

Vozes do PCP: - Dois parágrafos, dois parágrafos!

O Orador: - É que o primeiro diz o mesmo que o último! O primeiro também fala na dissolução da Assembleia. Só que o único caso concreto que invoca é o seguinte: "O noticiado caso do apoio às forcas armadas indonésias é uma prova...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É mais uma prova!...

Vozes do PCP: - Foi apanhado com a boca na botija!

O Orador: - ... é mais uma prova dos irreparáveis erros...". Mas este é o caso concreto que levou os senhores, numa Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, que debatia se queria debate ou inquérito, a transformarem em moção de censura.
A resposta, quanto à seriedade, está dada.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira, que invoca tantas vezes a Constituição, parece não conhecer que o meu Governo foi empossado para governar até Outubro de 1995, se não for utilizado até lá qualquer instituto constitucional que ponha fim à sua vida. O Sr. Deputado está a utilizar aqui um instrumento constitucional - não ponho em causa a sua legitimidade para o fazer - que é a moção de censura. Se conseguir a aprovação, por maioria absoluta desta Câmara, o senhor derrubou o Governo.
Portanto, adapte-se definitivamente às regras do regime democrático e espere pela votação do instrumento de que o seu partido fez uso.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, espero sinceramente que a Indonésia ou que advogados da Indonésia ou da Austrália não utilizem, em sua defesa, a intervenção que V. Ex.ª acaba de fazer. Senti-me chocado, verdadeiramente chocado, com aquilo que o senhor disse, e, por isso, não vou fazer qualquer outro comentário.
O Sr. Deputado Manuel Alegre disse que eu faço auto-elogio. Não tenho encontrado muitas vezes o Sr. Deputado Manuel Alegre a fazer críticas ao Deputado Manuel Alegre! Não sei se tem feito muitas críticas a si próprio,...

Risos do PSD.

... mas agradecia que me mandasse alguns recortes sobre as críticas do Deputado Manuel Alegre ao próprio Manuel Alegre!
De qualquer forma, V. Ex.ª, tal como o Deputado que se lhe seguiu, apresentaram aquela visão negra e catastrofista da situação em Portugal. Vou responder aos dois em simultâneo.
É que se as coisas são assim tão negras e tão más no Portugal de hoje, como é que foi possível passar de um rendimento per capita, em paridades de poder de compra, de 4900 dólares, em 1985, para quase 11 000 dólares, no ano de 1993? Como é que foi possível, apesar de tudo, aumentar, nesse período, o poder de compra das reformas em 116% Como é que foi possível, apesar de tudo, aumentar os salários reais em 3 % ao ano, em média? Como é que foi possível, apesar de tudo, se é tão negro, tão difícil, passar as taxas de juro, que eram de 30 % ou mais, em 1985, para valores que se situam entre 11, 12 e 13 %, em 1995? Se a economia produtiva nacional está tão destruída,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - O pessoal da Marinha Grande protestou porque lhe queriam pagar em dólares!

O Orador: - ... principalmente a indústria, como diz o Partido Socialista, como é que foi possível passar de um volume total de exportações, que era de 7,8 biliões de dólares, em 1985, para 19 biliões de dólares, em 1993? Como é que tudo isto foi possível? Como é que foi possível, com essas dificuldades da indústria, Portugal ganhar quota de mercado na economia nacional? Para aqueles que não sabem o que é quota de mercado, eu digo que é a taxa de crescimento em volume de exportações superior à média dos nossos parceiros comunitários.

Aplausos do PSD.

Se é tão negro, se é tão profundamente negativo, como foi possível passar de receitas totais de turismo de 235 milhões de contos, em 1985, para 700 milhões de contos no ano que terminou? E, se é tudo tão difícil, como é que foi possível, mesmo - repare - um investimento em educação, ou seja, as despesas de educação terem aumentado 120 % em termos reais? Como foi possível construir sete grandes hospitais no nosso país? Como foi possível construir 90 novos centros de saúde? E como foi possível passar de 27 000 contratos de compra de habitação própria para 83 000 contratos de compra de habitação?
Srs. Deputados, governar um país é muito mais difícil e o que eu constato é que, apesar destes anos de oposição, os senhores ainda não aprenderam a governar Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, como já foi salientado, V. Ex.ª gastou 80 %, quatro quintos, do seu discurso a falar de um tema que sabia que não era a questão central que motivava a nossa moção de censura e a atacar o PCP.

Protestos do PSD.

Fê-lo deliberadamente para não discutir os problemas sociais e económicos, que estavam e estão na génese da nossa moção de censura; fê-lo para não ter de explicar a razão por que se chegou a Dezembro de 1994 com mais de 410000 desempregados, dos quais mais de 70 % não têm quaisquer apoios; fê-lo para não ter de discutir as condições de degradação em que estão os serviços públicos de saúde ou em que está a política de educação.
Eu diria que o Sr. Primeiro-Ministro foi apanhado pela síndrome do medo, medo das eleições, medo de ser julgado no próximo acto eleitoral e, por isso, decidiu retirar-se de Presidente do PSD e deixar o partido à sua sorte, reconhecendo a falência da sua política, medo dos problemas concretos que estão hoje em discussão, fugindo, por isso, ao seu debate.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - São só asneiras!

O Orador: - Coloco-lhe só uma questão, Sr. Primeiro-Ministro. No Programa de Governo, o PSD elegia, por exemplo, a política de ordenamento do território como uma questão prioritária. E cito: "um verdadeiro imperativo nacional". E o que é que verificamos quando o PSD está a

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chegar ao fim da sua governação? Que essa política de ordenamento do território não existiu e que, cada vez mais, se está a traduzir no despovoamento, na desertificação, no envelhecimento de dois terços do País, de todo o interior rural e de uma crescente pressão sobre o litoral urbano, onde cada vez mais se vive pior, por causa dessa emigração forçada!.
Não falou desta desertificação, embora fale muito na defesa do mundo rural, porque não quis, e não quer, falar da destruição do tecido agrícola, das explorações familiares a Norte ou da reconstituição do sistema latifundiária a Sul, que é o responsável pela degradação do mundo tarai, pela desertificação, pelo despovoamento e pela emigração, porque não há mundo rural se não houver agricultura. E como a perspectiva do seu Governo é meramente economicista, as pessoas são obrigadas a emigrar, levando ao encerramento, em múltiplas povoações deste país de variadíssimos serviços públicos. Encerram-se os centres de saúde porque não há população; encerram-se escolas; encerram-se ramais ferroviários; encerram-se linhas; diminuem-se as carreiras rodoviárias. E com isto aprofunda-se esse isolamento, a desertificação; consagra-se a falência de uma política que abandona dois terços do País à sua sorte.
É por isto, Sr. Primeiro-Ministro, que, ao contrário d" que V. Ex.ª disse na sua intervenção inicial, quem prejudica Portugal e os portugueses não é a moção de censura mas, sim, V. Ex.ª, é o PSD e o seu Governo, que, felizmente, estão pendentes por breve prazo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, parafraseando a sua última intervenção, atrevo-me a fazer uma pergunta: como foi possível os fundos comunitários terem aumentado 100% nos últimos três anos?
O Sr. Primeiro-Ministro abordou a temática do escândalo da reparação dos motores de helicópteros da Indonésia, em termos algo aligeirados, minimizando o impacto de um caso que classificou de "lapso técnico". Ora, isto leva-me a fazer-lhe algumas perguntas.
Primeira pergunta: como é que o Sr. Primeiro-Ministro justifica a ausência de uma clara, formal e inequívoca directiva da parte do Sr. Ministro da Defesa Nacional a vedar liminarmente qualquer hipótese de prestação de serviços ou de venda de equipamentos à Indonésia, e(n áreas tão sensíveis e estratégicas como a militar e a das Indústrias de defesa?
Segunda pergunta: como é que o Sr. Primeiro-Ministro justifica o facto de uma empresa pública com tanta importância, a laborar numa área assim tão sensível, designadamente do ponto de vista estratégico, ter estado a funcionar ao arrepio da tutela e numa estrita lógica de mercado, aliás ao nível das 120 empresas privadas portuguesas que têm negócios com a Indonésia?
Terceira pergunta: Sr. Primeiro-Ministro, como é possível que o responsável já demitido pelas OGMA continue ainda em funções, olimpicamente em funções?
Quarta pergunta: quais são as garantias que o Sr. Primeiro-Ministro nos dá de que ali, nas OGMA, se tenham reparado apenas e só dois motores e não outros mais, se calhar muitos mais, motores ou equipamentos indonésios?
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, qual será a utilidade de uns serviços de informações portugueses que não terão minimamente contribuído para detectar uma operação que se divisa ter a aparência, a todos os títulos, de ter sido uma acção provocatória dos serviços secretos da Indonésia?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, esta sua intervenção foi substancialmente diferente de outras que, há uns anos atrás, lhe ouvimos, então profusamente ilustradas com referências à juventude e promessas dirigidas à juventude. Desta vez, o Sr. Primeiro-Ministro não fez referências à juventude, porque sabe aquilo que é evidente, ou seja, que o PSD perdeu, inequivocamente, o apoio da juventude. Certamente, V. Ex.ª não ignora a situação de profundo descrédito em que o Governo e o PSD se encontram junto dos jovens, pois é uma situação que ninguém ignora e que ninguém ousará sequer negar. Apesar de mudar quase todos os anos de ministro da educação, o PSD nunca conseguiu iludir o justíssimo descontentamento de muitos milhares de estudantes que se sentem agredidos pela política do Governo e, em muitos casos, traídos pelas promessas feitas pelo PSD, em que muitos deles acreditaram e que o Governo PSD efectivamente não cumpriu.
De facto, para compreender o descontentamento dos jovens em relação à política do Governo basta pensarmos nas promessas feitas pelo PSD, para ganhar votos e apoio entre os jovens, e confrontá-las com a realidade, com as medidas concretas tomadas pelo Governo e com a dura realidade com que tantos milhares de jovens hoje se confrontam.
O PSD prometeu empregos para os jovens e aquilo que temos são 410000 desempregados oficialmente registados, de entre os quais mais de 100 000 são jovens com menos de 25 anos.
O PSD prometeu empregos estáveis, e o que vemos por aí são jovens a trabalhar a recibo verde, à tarefa, a lerem de se sujeitar às condições impostas pelo patronato, sem horários definidos, sem direitos sindicais, sem regalias sociais e salários dignos.
O PSD prometeu formação profissional para os jovens, tendo disposto, efectivamente, de muitos milhões de contos de fundos comunitários para poder cumprir essa promessa. Os resultados foram muitos para a teia da corrupção que se criou à volta do Fundo Social Europeu e muito poucos para os milhares de jovens, que se viram forçados a passar de curso para curso, a fim de adiar a situação de desemprego. Em vez de criar empregos para jovens qualificados, o PSD criou qualificações para jovens desempregados.
O PSD prometeu garantir a todos os jovens o direito ao ensino, mas a política que prosseguiu foi, efectivamente, a de que "quem quer ensino que o pague".
A política educativa de PSD foi marcada pela instabilidade, pelos aumentos brutais de propinas, cuja injustiça vem cada vez mais ao de cima, pelo insucesso escolar, pela falta de acção social escolar, pelo drama de dezenas de milhares de jovens que a cada ano ficam de fora do ensino superior público. Os protestos juvenis suscitados por esta política são, Sr. Primeiro-Ministro, bem reveladores do repúdio que os jovens hoje têm em relação ao PSD e ao seu Governo. O Governo não teve outra resposta a dar aos jovens que não fosse a das bastonadas, a das cargas policiais, vergonhosas, como a que ocorreu aqui mesmo, em frente à Assembleia da República, e dias depois em frente ao Ministério da Educação. Para a juventude, o Governo PSD representa mais desemprego, mais precari-

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edade, mais aumento de propinas, mais insucesso escolar, mais mentiras, mais arrogância e cargas policiais.

Sr. Primeiro-Ministro, os jovens - e esta é uma realidade indesmentível - estão fartos do seu Governo e do PSD. Os senhores podem e devem ir-se embora, porque saudades é coisa que não deixam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vou começar pela questão das OGMA, que foi por onde V. Ex.ª começou.
Sr. Primeiro-Ministro, o que pôs em causa essa unidade nacional na defesa dos interesses de Timor Leste não foi a crítica e a censura a um acto inaceitável praticado pela Administração e sob a responsabilidade do Governo. O que pôs em causa essa política e a possibilidade de se fazer uma única voz, aqui e em todo o lado, foi a desresponsabilização e a irresponsabilidade do seu Governo, foi o Sr. Ministro da Defesa Nacional não ter assumido a responsabilidade, e, em consequência disso, o Sr. Primeiro-Ministro não o ter demitido, pondo toda a responsabilidade no Governo.
Já agora gostaria de dizer-lhe que, apesar de ser uma luta de Portugal, a luta de Timor é principalmente dos timorenses, e eles criticaram o Governo. E quem está interessado na autodeterminação e independência de Timor Leste não pode aceitar erros ou falhas técnicas, como o Sr. Primeiro-Ministro lhes chama. Elas até podem existir, mas neste caso trata-se de responsabilização política. Aliás, o que une muito o caso das OGMA à base fundamental desta moção de censura, dando-lhe ainda maior actualidade e oportunidade, é exactamente o tema da irresponsabilidade e da desresponsabilização do Governo. E a linha do Governo tem sido, sistematicamente, a de desresponsabilização. Há corrupção, não há responsabilização política, não há punição política. Não se trata de transformar isto num tribunal, mas a responsabilidade política não pode ser elidida, Sr. Primeiro-Ministro. Mas não nos podemos admirar disso, porque o Sr. Primeiro-Ministro também se quis desresponsabilizar de tudo o que fez durante 10 anos: não quer assumir a responsabilidade perante o eleitorado, quer demitir-se das suas responsabilidades perante o partido.
Pergunto qual é a responsabilidade deste Governo quando chegar o dia das eleições? É responsável perante quem? Perante o eleitorado não, porque nada tem a dizer, pois vai-se embora; perante o seu partido não, porque, como o próprio Primeiro-Ministro diz, já não é presidente do partido, é só Primeiro-Ministro. Dá ao PSD toda a desresponsabilização, na medida em que este nada tem a ver com o Governo, quando chegar o dia das eleições.
Isto é a desresponsabilização total, Sr. Primeiro-Ministro! Isto quer dizer que a moção é oportuna, que a abdicação do Sr. Primeiro-Ministro é a confissão do fracasso do Governo, alertando toda a gente contra aquilo que o próprio Primeiro-Ministro diz e que normalmente é dito pelo PSD, ou seja que o Governo não depende só da Assembleia. O Governo depende, Sr. Primeiro-Ministro, da Assembleia da República e do Sr. Presidente da República.
A necessidade da dissolução da Assembleia, para que haja responsabilidade política neste país, está cada vez mais clara.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Mário Tomé, hoje, está muito excitado. Normalmente está mais calmo.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Foi um acicate para o Sr. Primeiro-Ministro

O Orador: - Ah!... Então, tenho de lhe agradecer.
O Sr. Deputado falou nos timorenses. Devo dizer-lhe que os timorenses, que têm direito a sentir-se algo chocados com o lapso técnico cometido, têm demonstrado um sentido de responsabilidade extraordinário e não têm puxado a questão, porque, claramente, sentem que, se tivessem um comportamento semelhante ao do PCP, a sua própria causa iria ser prejudicada. E tão pouco quero aqui invocar o que os timorenses têm duo - e está escrito - sobre aquilo que o meu Governo tem feito nesta matéria e o que têm escrito sobre o que outros Governos fizeram. Não é isso que vale a pena aqui referir.
Só quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o meu Governo é responsável perante esta Assembleia,..

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - ... e sê-lo-á até ao último dia.
Então, os senhores já não têm consciência, nem aceitam a vossa própria força e o poder que lhes cabe de fiscalizar o Governo e de o demitir se assim o entenderem?

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado Lino de Carvalho disse que eu, no meu discurso, ataquei deliberadamente o PCP. E o senhor não apresentou, deliberadamente, uma moção contra o Governo da República? O que é que queria que eu fizesse? O senhor apresenta, deliberadamente, uma moção de censura para derrubar o Governo e quer que, depois, eu o trate com chá e simpatia?

Risos do PSD e do CDS-PP.

Não pode ser, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado vem dizer que eu não respondi às questões sobre ordenamento, educação, saúde, agricultura... Ó Sr. Deputado, essa é uma confusão tremenda entre o que é uma moção de censura e uma interpelação ao Governo. Mas o senhor tem o direito de apresentar as interpelações ao Governo que entender.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado José Lello, vou responder apenas à primeira parte do seu pedido de esclarecimentos e deixarei para o Sr. Ministro da Defesa Nacional alguns esclarecimentos adicionais, apesar de eu ter já falado sobre o nosso conceito de autonomia das empresas.
Perguntou-me: "Como foi possível aumentar os fundos comunitários em 100%º" Vou revelar-lhe o segredo na condição de o senhor não o aproveitar para fazer algum poema ou peça de teatro.

Risos do PSD.

Vou revelar-lhe o segredo Talvez seja a primeira vez que o faço mas, nesta altura, já não é de esconder tudo:

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Sr. Deputado, foi com uma estratégia muito meticulosa durante a presidência portuguesa das Comunidades, no primeiro semestre de 1992, e, depois, com uma negociação muito bem feita no Conselho Europeu de Edimburgo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado António Filipe, desta vez, exagerou um pouco no discurso que trouxe de casa.
Fez-me algumas acusações mas, no que diz respeito à juventude, falei naquilo de que devia falar neste debate, ou seja, nos jovens timorenses, porque a eles se deve muito do alerta para o drama de Timor conseguido nos últimos tempos
Também quero dizer-lhe que o Sr. Deputado não conhece os números relativos ao desemprego e, apesar de não os ter aqui, sou capaz de, mais ou menos, reproduzi-los de cor. Mas o Sr. Deputado não estudou a lição, porque os números não são os que referiu.
Há a registar 320000 desempregados- mais 1000 menos 1000 - no último trimestre do ano de 1994. Entre d último trimestre de 1994 e o último trimestre de 1993 - comparando, portanto, 12 meses-, criaram-se, em termos líquidos, 25 000 novos empregos. Isto é, comparando os empregos destruídos com os criados, estes últimos excedem em 2$ 000 - e dou-lhe uma informação completa, mesmo que possa ser negativa para mim - os primeiros; no entanto, existem mais 47 000 desempregados em resultado do aumento da população activa. Corrija, pois, os dados de que dispõe!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes)- - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª centrou dois terços da sua intervenção inicial na situação ocorrida em Portugal relativamente aos compromissos e responsabilidades do Estado português junto da comunidade internacional e do povo de Timor Leste.
Porém, sobre a responsabilidade política desse acontecimento, o Sr Primeiro-Ministro nada disse nas respostas dadas aos vários pedidos de esclarecimentos formulados pelos Srs. Deputados que se referiram a esta questão, chegando, mesmo, a ameaçar que, pelo facto de ela ser levantada aqui, na Assembleia da República, poderia estar em causa a responsabilidade e a capacidade de intervenção, isto é, a própria imagem de Portugal junto da comunidade: internacional no processo de defesa do povo de Timor Liste.
Para nós, Sr. Primeiro-Ministro, quem, em primeiro lugar, deu esse passo e não soube assumir toda:} as responsabilidades foi o Sr Primeiro-Ministro e todo t> seu Governo. Em nosso entender, este acontecimento afecta gravemente a imagem e a credibilidade do Estado português junto da comunidade internacional, a qual deve ser sensibilizada para agir responsabilizando a Indonésia pelos assassínios que tem cometido em Timor Leste e obrigando-a a libertar aquele território e o seu povo
Atribuímos as principais responsabilidades por esta situação ao Sr. Primeiro-Ministro e ao seu Governo pois, em nosso entender, deviam tê-las assumido até ás últimas consequências.
Mas o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo assim não o entendeu e, por essa razão, não pode vir aqui, a esta Assembleia da República, acusar os Deputados, ameaçando-os com a possibilidade de, com esta moção de censura, em que são colocadas determinadas questões e feitas acusações, porem em risco aquilo que tem sido um grande esforço do povo português e de Portugal.
A este propósito, Sr. Primeiro-Ministro, coloca-se-nos uma interrogação em virtude de, logo após terem sido tornados públicos os acontecimentos das OGMA denominados "caso OGMA II", o Governo ter vindo à Assembleia da República, mais precisamente, à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, propor, e, naturalmente, exigir por força da maioria que tem, que a Assembleia da República, dois dias depois, realizasse um debate sobre Timor Leste.
É que, para nós, Sr. Primeiro-Ministro - aliás, tomámos, de imediato, posição nesse sentido -, esta atitude poderia ser entendida como pura hipocrisia.
Não considera que, desta forma - é a pergunta que lhe coloco-, o senhor e o seu Governo demonstraram ter a consciência pesada pela atitude que tomaram ou pela omissão que cometeram?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, é com alguma perplexidade que me dirijo a V. Ex.ª para formular-lhe pedidos de esclarecimento.
Na verdade, após a comunicação de que deixava a presidência do seu partido continuando a exercer as funções de Primeiro-Ministro, criou V. Ex.ª uma situação singular e inédita geradora da referida perplexidade perante o facto de prosseguir o exercício dessas funções quando irá haver um outro presidente do PSD.
De qualquer forma, os pedidos de esclarecimento aqui ficam, porventura condenados à evasiva das respostas.
Em primeiro lugar, começo por falar da autorização da OPA do BCP sobre o Banco Português do Atlântico e da decisão de alienar a parte do Estado neste banco. Como têm salientado os trabalhadores do BPA, trata-se de uma instituição financeira estratégica que, como preceitua a Lei-Quadro das Privatizações, devia ser utilizada no sentido de "reforçar a capacidade empresarial nacional". Em vez disso, autoriza-se a sua compra pelo BCP, que é controlado por capitais estrangeiros.
Em segundo lugar, lembro a V. Ex.ª a sua referência na intervenção pública de segunda-feira passada de que o seu Governo tinha estabilizado o desemprego. Logo no dia seguinte, por infelicidade, a imprensa referia o aumento do desemprego, no último trimestre de 1994, de 7,1 %, segundo o Instituto Nacional de Estatística, ou de 8,8 %, segundo o Instituto do Emprego e Formação e Profissional. Em qualquer dos casos, é constante o aumento do desemprego, variando apenas a sua taxa.
Há dois dias, a Conferência Episcopal Portuguesa salientava a sua preocupação com as novas formas de pobreza criadas, entre outros factores, pelo angustiante fenómeno do desemprego e do subemprego. Onde estão, afinal. Sr. Primeiro-Ministro, os autoproclamados benefícios da governação sob a responsabilidade de V. Ex.ª?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, durante a intervenção produzida, referiu a certa altura que, no seu entendimento, esta moção de censura provaria que o PCP não tinha um comportamento adequado ao regime. Mas quero lembrar-lhe que quem não

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tem um comportamento adequado ao regime é o PSD, o que posso explicar de uma forma muito simples: veja o Sr. Primeiro-Ministro, por exemplo, o projecto de revisão constitucional apresentado pelo PSD, que evidencia essa inadequação. O PSD não consegue conformar-se com a actual Constituição.
O PSD queria, com esse projecto de revisão constitucional, passar a controlar o Ministério Público e a Magistratura, atacando de forma significativa o autogoverno da Magistratura, uma das características fundamentais do regime, e a autonomia do Ministério Público.
O PSD queria ainda alterar as regras democráticas da eleição dos Deputados e do Presidente da República e varrer os direitos dos trabalhadores, ou seja, tudo aquilo que caracteriza a Constituição económica e democrática que, hoje, continua em vigor.
Pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, se essa não é a demonstração de que quem tem dificuldades em compatibilizar a sua acção com a Constituição e com o regime é o PSD.
Não é isso que demonstra, por exemplo- e peço-lhe desculpa porque sei que fica sempre incomodado com este aspecto -, a prática continuada dos SIS, que os senhores instrumentalizaram ao vosso serviço político-partidário? Não é isso que sistematicamente se passa? Não é isso que demonstram - outro aspecto que compreendo que o Sr. Primeiro-Ministro não goste - as limitações à liberdade de imprensa, particularmente à imprensa de investigação, que o PSD aprovou e que quer pôr em execução, nomeadamente no Código Penal? Estes factos é que demonstram existir uma inadequação ao regime nas suas características essenciais.
Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, se falarmos da questão tal como está a ser aqui colocada, continuo a dizer que o PSD é que não se conforma com as características do regime.
O PCP tem plena legitimidade para reclamar do Presidente da República a dissolução da Assembleia. Trata-se de um instrumento previsto na Constituição. Ou pensa o Sr. Primeiro-Ministro que está previsto em termos de apenas poder ser pedido quando convém ao PSD mas já não quando lhe é desfavorável?
Recordo que a primeira coisa que o Sr. Primeiro-Ministro fez, depois de ter sido eleito presidente do partido em 1985, foi pedir a dissolução da Assembleia, que em 1987 fez exactamente o mesmo e, mais, sem dar qualquer alternativa à formação de outra maioria que também era possível. Pensa, então, que esta é uma atitude de conformação com o regime democrático?
Sr. Primeiro-Ministro, a questão essencial que aqui esteve em debate não se relaciona com o "caso Ministro da Defesa Nacional", embora seja relevante, porque trata-se de uma responsabilidade política que, devendo ter sido assumida, não o foi.
Esteve a ser debatida, sim, a ilegitimidade da permanência do Governo presidido por V. Ex.ª e a ilegitimidade da subsistência desta Assembleia da República depois de o actual presidente do partido que sustenta este Governo ter publicamente actuado como quem publicamente confessa que entende que já não tem maioria no País para governar. E há mais: eu sei, Sr. Primeiro-Ministro - e o senhor sabe-o perfeitamente -, que toda a gente naquela bancada que agora o sustenta já está a pensar que, muito brevemente, vai deixar de ter aqui qualquer governo para sustentar; eles conhecem antecipadamente a derrota eleitoral que vão sofrer.
Faço-lhe uma última pergunta, Sr. Primeiro-Ministro. Como é que concebe a situação seguinte: da parte da manhã, V. Ex.ª vai receber um dos seus actuais Ministros em S. Bento, para lhe dar instruções governativas e, à tarde, irá à R. de S. Caetano, à Lapa, receber instruções partidárias? Como é que fica nessa altura, Sr. Primeiro-Ministro?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Fica a meio do caminho!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, para responder.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, para que se vá entretendo o Sr. Deputado que fez a última pergunta, sugiro que vá consultando os seus apontamentos para ver quem é o Primeiro-Ministro da Noruega e quem é o presidente do maior partido da Noruega; o Primeiro-Ministro é a Sr.ª Gro Bruntland. Digo-lhe isto para que o Sr. Deputado vá trabalhando e, daqui a pouco, já respondo à sua pergunta...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não é o mesmo sistema constitucional!

O Orador: - ... Talvez o Sr. Deputado não saiba os nomes, mas como é colega do Partido Socialista, talvez possam esclarecê-lo no fim, com o sentido de oportunidade...

Risos do PSD.

Sr. Deputado Raul Castro, desta vez, trouxe um "recado" sobre as OPA e não sei se este é o momento mais adequado para tratarmos aqui dessa matéria. Falou também no desemprego...
Sr. Deputado André Martins, tenha o sentido das proporções! É o mínimo que pode pedir-se!
Ó Sr. Deputado fez aí um discurso com insinuações, com acusações implícitas ao Governo, aos dirigentes das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, aos responsáveis técnicos, aos trabalhadores... Sr. Deputado, tenha o sentido das proporções!
Sr. Deputado, para que "ponha bem os pés no chão", só vou fazer-lhe uma provocação, apesar de tudo não excessiva.
O Sr. Deputado é capaz de garantir que nenhum têxtil português, exportada desde 1975, foi utilizado para fabricar coletes à prova de bala na Indonésia, ou que botas exportadas não foram utilizadas por soldados russos na Chechenia?
O Sr. Deputado é capaz de me garantir que têxteis exportados de Portugal, por exemplo, para França, para os Estados Unidos ou para o Japão, não foram utilizados para fabricar coletes à prova de bala que acabaram por cair nas mãos da Indonésia?
Ninguém sério no nosso país pode garantir isso, tal como ninguém pode garantir que botas portuguesas, exportadas para a Holanda, para a Dinamarca ou para a Alemanha, não tenham eventualmente sido vendidas ao exército da ex-União Soviética e que, hoje, não estejam a "marchar" na Chechénia!
Sr. Deputado, peco-lhe: tenha o sentido das proporções!
Até quanto a esse caso dos motores, há quem me garanta...

O Sr. André Maruins (Os Verdes): - Está a ler mal o papel, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Desculpe, mas eu não o interrompi; ouvi-o com a paciência de quem diz aquilo que, há pouco, o Sr. Deputado Narana Coissoró quis dizer e que eu não quero voltar a repetir...

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Como dizia, Sr. Deputado, até me informaram que esses dois motores quase de certeza não foram para a Indonésia. Mas, como não tenho 100 % de garantias sobre isso, não posso afirmá-lo nesta Assembleia. É que tenho cima carta que alguém me enviou, à qual não atribuo a veracidade suficiente para reafirmá-lo aqui, que diz que, quase de certeza, esses motores terão ido parar a outra sítio porque os helicópteros da Indonésia não teciam ficado "sentados no chão" à espera que os motores fossem para Singapura, de Singapura para França e daqui para Portugal e que, depois, tivessem seguido um caminho inverso.
Quer dizer, os têxteis para fabricar os coletes à prova de bala- sabe que hoje temos capacidade para fabricar esse tipo de têxteis? -, tal como as botas, não são, apesar de tudo, assim tão diferentes deste caso. Só que, neste caso, veio a detectar-se, a posteriori, que um elemento informático revelava a origem dos motores, o que, como é óbvio, não é possível ocorrer no caso dos têxteis. Este empenas um exemplo que lhe dou - talvez não seja o melhor - para que o Sr. Deputado "ponha os pés no chão" e ganhe um pouco o sentido das proporções.
Passando ao Sr. Deputado João Amaral, digo-lhe que estava receoso que, desta vez, não me brindasse com uma pergunta, dado que é considerado um "peso-pesado" dentro da sua bancada. Cheguei a pensar que teria algo contra mim mas estamos reencontrados nesta matéria.,.

O Sr. João Amaral (PCP): - Só tenho pena que se vá embora!

O Orador:- Nunca pensei que as primeiras Saudades viessem da bancada do Partido Comunista...!

Risos e aplausos do PSD.

Quanto à inadequação da interpretação do regime democrático, de facto, fiquei com dúvidas. Na verdade, pareceu-me que a sua argumentação vinha, mais uma vez, corroborar a inadequação da interpretação que o Partido Comunista faz do regime democrático. É porquê contestou a possibilidade constitucional, e nos termos do Regimento desta Câmara, de qualquer partido apresentar uma proposta de revisão constitucional que, depois, por maioria de dois terços, esta Assembleia aprova ou não.
E ainda pormenorizou mais: disse que "o atentado à democracia" no comportamento da maioria residia no facto de esta ter proposto uma forma diferente de eleger o Presidente da República, ou seja, alargar aos emigrantes a escolha do Presidente da República! Poderá dizer-se que isso é algo que não se adapta ao normal funcionamento do regime democrático, tal como a maioria dos portugueses o entende?
Mais adiante, acrescentou: "(...) e alterar a fornia de eleger os Deputados(...)". Ora, tanto quanto sei, o que Se propunha era apenas a redução dos círculos eleitorais, algo semelhante àquilo que existe noutros países e que permite, por exemplo, que a Espanha, aqui bem perto, forme maiorias com 39 % ou 40 %. Não venha agora dizer-me que a Espanha também não está adaptada às regras do regime democrático;

O Sr. João Amaral (PCP): - E quanto aos tribunais?

O Orador: - Sr. Deputado, não me diga que o Partido Social Democrata também não pode ter a autonomia - e ele não anda a reboque de outros! - de propor a sua própria interpretação quanto ao exercício do poder judiciário. Não entendo isso!
Mas retomemos o assunto. Depois, deu um salto, e aí é que eu fiquei com dúvidas porque até lá tinha estado no domínio da Constituição, e disse que o Partido Comunista tem a legitimidade para "pressionar" - foi o termo que usou- o Sr. Presidente da República.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não, não! Disse que pedia!...

O Orador: - Não lhe parece que é um pouco demais? Pressionar o mais alto magistrado da Nação?! Sr. Deputado, isso não se diz em público!

Aplausos do PSD.

... Um partido, ainda por cima o Partido Comunista, vir dizer, alto e bom som, que "pressiona"... ! É uma palavra feia porque, aqui dentro, na Assembleia, não leva as aspas!

O Sr. João Amaral (PCP): - Não, não disse isso!

O Orador: - Quanto ao serviço de informações, Sr. Deputado, sabe que visa recolher elementos que permitam combater a espionagem, o terrorismo, a sabotagem, e garantir os elementos de informações para a segurança dos cidadãos. Os senhores não gostam do serviço de informações mas, num Estado democrático, num Estado de direito, de acordo com a interpretação que fazemos de democracia ocidental, europeia, deve existir um serviço destes. É porque não queremos que voltem a existir os serviços de informações que existiram em Portugal quando os senhores tinham algum controlo político no nosso país.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Eh!... Que vergonha!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminaram os pedidos de esclarecimentos às intervenções de abertura deste debate. Assim, passamos à fase do debate propriamente dito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A moção de censura apresentada pelo PCP tem como pretexto o infeliz incidente ocorrido nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA). Insisto, infeliz incidente, para cujo total esclarecimento existe nesta Assembleia da República uma comissão de inquérito constituída. Esperamos pelas conclusões desse inquérito, mas para nós é claro - e nem os partidos da oposição o ousam negar- que tal incidente ocorreu à revelia da política externa do Governo face a Timor, uma política séria, activa e com resultados, no apoio à causa de Timor no seu duplo aspecto de defesa dos direitos humanos e de reposição da legalidade exigida pelo direito internacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o tema das OGMA é apenas um pretexto, como imediatamente se compreende no texto da moção de censura, quando nele se refere a necessidade de uma "clarificação política (...) através do recurso à dissolução da Assembleia e antecipação das eleições legislativas". Trata-se pois de política geral, da manutenção do Governo, e é isto que está em causa.

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Daí que a iniciativa do PCP, por efeito perverso para o próprio partido censurante, tem de facto um efeito clarificador, bem-vindo no actual momento político: irá permitir ao PSD responder à questão de fundo colocada por esta moção de censura. Vamos, pois, ser frontais sobre a questão de política geral que o PCP coloca a esta Câmara. E que no nosso entendimento é esta: tem ou não tem o Governo do Professor Cavaco Silva legitimidade política, parlamentar e institucional para governar Portugal?
E a resposta é também clara: tem. Tem toda a legitimidade política, parlamentar e institucional.

Aplausos do PSD.

Daqui decorre uma resposta igualmente clara e frontal a todos os partidos de oposição que têm vindo a suscitar ao Presidente da República a hipotética necessidade de antecipação das eleições. E essa resposta, a resposta do PSD, é: não. Não, Sr. Presidente da República, não compreenderíamos politicamente que se aceitassem as pressões da oposição que nada têm a ver com os interesses do País, mas apenas com o jogo das suas próprias estratégias e necessidades políticas particulares.

Aplausos do PSD.

Com a clareza com que eleitos falam a eleitos, dizemos por isso ao Presidente da República que não seria compreensível para a maioria escolhida pelo povo português, para o maior partido português, a utilização de um poder discricionário do Presidente da República para responder a uma pressão conjuntural da oposição.

Aplausos do PSD.

É verdade que o poder de dissolver não padece de condições, mas seria política e moralmente condenável usá-lo numa altura em que, do ponto de vista institucional, existe uma maioria parlamentar que apoia um governo. Não há qualquer paralelo possível entre esta situação e as dissoluções do passado- todas elas realizadas perante crises ou dúvidas de legitimidade política quanto ao apoio parlamentar ao governo de então. A distância em democracia entre maioria e minoria não pode, em nenhum momento, ser esquecida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É verdade que hoje os partidos da oposição acham que têm uma varinha mágica que lhes diz o que o povo português quer ou não quer, ou, se se quiser, de forma tecnologicamente mais moderna, todos os dias, de manhã, telefonam ao povo português para saber o que ele pensa ou não pensa, que partido apoia ou não.
E já que estamos no domínio da pura magia seria melhor a oposição lembrar-se do espelho da Branca de Neve, onde, como certamente se recordam, a Rainha Má se perguntava se era ou não a mais bela e recebia a resposta apropriada: não, não é a mais bela. Mas os partidos da oposição acham agora que interpretam, por adivinhação ou por osmose, o "sentir" do povo, o que numa democracia representativa é, para não dizer outra coisa, um pouco bizarro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É verdade que não nos espanta essa atitude por parte do PCP. Os comunistas dizem que a maioria política não é hoje aquilo a que chamam a "maioria social" ou a "maioria sociológica". E não nos espanta que o digam porque é natural que um partido comunista seja vanguardista: eles sabem sempre melhor o que o povo quer e quando o povo quer.
Por isso, para os comunistas, enquanto o PCP não estiver no poder nunca o povo estará representado em qualquer outro partido. E, como disse hoje o Secretário-Geral do PCP, "as votações não têm qualquer significado". É verdade. Para os comunistas, as votações, a democracia representativa, não têm qualquer significado. Deve ser por isso que o Partido Comunista pode, eventualmente, vir a retirar a moção de censura, evitando a sua votação, porque, como acha que "as votações não têm qualquer significado", é-lhe indiferente saber se votamos aqui a seu favor ou se a reprovamos.
Mas tenhamos ou não a oportunidade de a votar- e não adianta fazer o truque de a retirar! -, a verdade é que o nosso apoio, parlamentar, institucional, ao Governo é claro, pela actividade e pela atitude conjunta dos Deputados do PSD.

Aplausos do PSD.

O que espanta é que os comunistas tenham encontrado tantos discípulos para essa sua posição.
Acresce a estas adivinhações mais ou menos mágicas as mais absurdas ficções políticas, geradas à velocidade do descrédito ou implausibilidade das anteriores, para gerar novos "cenários" que justificassem a dissolução.
E se acontecesse isto ou aquilo...? Verdade! Se a terra se abrisse aos nossos pés poderíamos, com certeza, ver a Nova Zelândia. Se deixasse de haver gravidade os objectos certamente deixariam de cair em direcção ao centro da Terra. Se houver um mundo paralelo talvez haja algures um duplo de nós todos... Dou razão ao PCP. Se tudo isto acontecesse, com certeza que haveria que tirar conclusões.
É verdade que se acontecesse isto ou aquilo, talvez houvesse razão para o Presidente da República dissolver a Assembleia. Só que não aconteceu isto ou aquilo e o exercício ficcional a que os partidos da oposição se entregam é um pouco como os shakespearianas "contos contados por um louco".
Pensamos por tudo isto, que o Sr. Presidente da República não pode, nem deve, dar ouvido a estas pressões. O Sr. Presidente da República e leitor e divulgador de alguns dos principais pensadores da democracia contemporânea. A alguns, como a Popper, acolheu-os em Belém, e bem, pelo enorme mérito da sua obra e pelos ensinamentos políticos que ela contém
Ora, um desses ensinamentos cruciais é que a substância da democracia são os procedimentos, as regras. A legitimação em democracia vem dos procedimentos e é um desses procedimentos, uma dessas regras, que aqui vamos realizar: vamos votar a confiança ao Governo de Portugal.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade dos últimos dias mostra que há que esperar tudo, já que, nos dias de hoje, vale tudo. Esgotadas as ficções políticas, muitos na oposição vão tentar dar ao Presidente da República pretextos para criar um simulacro de instabilidade política e institucional. Mas não contem, para isso, nem com a nossa distracção, nem com o nosso silêncio, nem com a nossa complacência.
Seria, por exemplo, completamente incompreensível e politicamente reprovável se qualquer partido nesta Assem-

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bleia tentasse dar a entender, pela retirada forçada dos seus Deputados, que as instituições não funcionam. Para alguns que consistentemente se tem mostrado como inimigos da instituição parlamentar, tratando-a com desprezo e minimização, insultando os seus próprios Deputados, pode aparecer a tentação de considerar inútil a sua presença nesta Assembleia.
Há quem não saiba estar em minoria, quem não suporte ver-se em minoria. Pretenderiam assim resolver um problema interno e criar um incidente numa encenação de crise.
Se o fizerem, colocam-se ao nível do Partido Comunista Português na maneira como este trata as instituições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas previna-se também o Partido Comunista Português de tentar, nas ruas, encenar como conflitualidade social aquilo que é mera agitação política, Ou seja, tentar, através de incidentes provocados por si ou por os sindicatos que controla, dar a outrém os pretextos que não tem ou criar um ambiente artificial de insegurança. Porque, o que esses incidentes muitas vezes têm de repugnante é a utilização das dificuldades alheias, dos problemas dos desempregados, dos pobres, dos excluídos para objectivos de mera pressão política.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há "buzinões" demasiado oportunos 'para serem genuínos - convém não ser cronologicamente tão correcto!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos aqui reafirmar o nosso apoio político ao Governo e ao Primeiro-Ministro. Tenha o Sr. Primeiro-Ministro a certeza de que detém todo o apoio político do Grupo Parlamentar do PSD. A obra que está a realizar é crucial para o País e para os portugueses.
Temos com o Governo o elo essencial de um programa que é a nossa obrigação comum face ao povo" português que nos elegeu.
Do Governo e de todos os seus membros esperamos o mesmo empenhamento e dedicação do Primeiro-Ministro, fazendo aquilo que merece o nosso apoio e justifica este acto de legitimação: governar pela causa pública, cumprindo o programa que nos é comum.
Não lhes faltaremos com o apoio e solidariedade política. Continuem, pois, a fazer um bom trabalho!

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Amaral, Isabel Castro, Luís Sá, Alberto Costa e Narana Coissoró.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, creio que o grande mérito da forma como colocou aqui as questões foi o de não procurar, iludi-las.
De facto, o senhor disse qual era a questão central da moção de censura apresentada pelo PCP: a dissolução da Assembleia da República e a legitimidade ou não deste Governo para permanecer em funções e não á que foi aqui trazida, em longuíssimas páginas, pelo Sr. Primeiro-Ministro nem as que foram enchameando, bem ou mal, as intervenções de muitos dos seus colegas de bancada,
A questão central, repito, é a da dissolução da Assembleia da República e é esse o sentido deste debate político.
Claro que o Sr. Deputado aproveitou a intervenção para, num jeito que é histórico, deixar alguns recados e orientações, nomeadamente a partidos da oposição. Disse, por exemplo, que o PCP não se podia posicionar em relação às lutas sociais, isto é, só o podia fazer de certa forma, caso contrário não seria politicamente correcto.. Deixe-nos a nós o critério de decidir o que temos de fazer e como é que dialogamos com a sociedade, porque esse é um direito nosso e, em democracia, somos nós quem define a forma como o fazemos!
Não vou falar desse assunto, mas não deixo de salientar o seguinte: na sua intervenção, depois de criticar - como, aliás, fez o Sr. Primeiro-Ministro - o facto de eu ter referido que era opinião do PCP que o Presidente da República estaria em condições de dissolver a Assembleia, dizendo que havia pressões sobre ele, V. Ex.ª veio referir exactamente o mesmo, ou seja, usou as mesmas pressões em sentido contrário, uma vez que afirmou que entendia que o Presidente da República não o devia fazer.
Foi esse, aliás, o sentido útil da sua intervenção, ou seja, utilizou a tribuna para exprimir um recado que não lhe coube no artigo que hoje escreveu no Diário de Notícias] Bem, não direi tanto...

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado João Amaral também é um ilustre publicista!

O Orador: - Direi que o faz como Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, enquanto os artigos são escritos noutra qualidade! Tratou-se, pois, de uma pressão institucional que vai mais além do que o que faz o cidadão Pacheco Pereira. O que o senhor aqui fez, repito, foi a pressão institucional do PSD sobre o Presidente da República.
Agora, é espantoso que, na sua intervenção, tenha agarrado numa formulação do meu camarada Carlos Carvalhas. É que, segundo o Sr Deputado Pacheco Pereira, ele teria dito que não interessariam as votações feitas aqui - e o Deputado Carlos Carvalhas disse-o com o rigoroso sentido de que as votações que ocorram em relação à moção de censura não correspondem à maioria sociológica, realidade que também definiu -, mas depois utilizou essa expressão para dizer que mesmo que a moção não fosse submetida à votação, isso não interessaria! Isto é, o Sr. Deputado Pacheco Pereira peca pelo mal de que acusa os outros, pois diz que não interessam as votações!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não vamos votar amanhã?!

O Orador: - Sr. Deputado, é evidente que as votações interessam!

Vozes do PSD: - Vamos votar!

O Orador: - Hoje, a votação mais relevante e aquela que, efectivamente, interessa é a do povo português através de eleições!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esse é que é o voto necessário! E já que o Sr. Deputado falou aqui em dar confiança ao Governo, tem de me responder ao seguinte: o que é que significa dar confiança a um Governo que já disse que não quer nem confiança, nem governar, nem ficar mas, sim, ir-se embora sem se submeter a votos?!

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Vozes do PCP: - Muito bem! Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Quer o Sr. Deputado fazer aqui, no plano parlamentar, a triste figura que anda a fazer o Major Valentim Loureiro?! É a expressão parlamentar da reclamação ao Sr. Professor Cavaco Silva para ficar?

Protestos do PSD.

É esse o sentido da sua "confiança", Sr. Deputado Pacheco Pereira? Muito infeliz é essa confiança ao Governo!...

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para o efeito.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar, muito obrigado por ter confirmado que vamos ter oportunidade de, amanhã, votar a moção de censura do Partido Comunista Português.
Em segundo lugar, referiu que, na minha intervenção, levantei a questão central deste debate; devo também dizer que lhe demos a resposta central.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - A resposta foi insuficiente e errada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, gostava que me prestasse alguns esclarecimentos sobre a sua intervenção.
Entende o Sr. Deputado Pacheco Pereira que vivemos uma situação perfeitamente normal, existindo, por isso, forças ocultas que estariam, conjunturalmente, a pressionar e a criar uma situação artificial. Ora, é seu entendimento, bem como do Governo que apoia, que a voz dos cidadãos e as formas de se exprimirem se restringem ao ritual, para nós importante, mas não único, do voto em cada quatro anos? O que é que pensa das outras formas, através de organizações e movimentos autónomos, de os cidadãos se pronunciarem sobre as mais variadas questões?
Um outro aspecto que gostaria de ver esclarecido e comentado pelo Sr. Deputado tem a ver com a situação que se vive hoje neste Parlamento, ou seja, o próprio "demissionismo" que a maioria - e quando digo maioria refiro-me ao Governo e seu grupo parlamentar -, ultimamente, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, tem assumido, designadamente através da ausência de iniciativa e de propostas. Parece-nos bizarra o facto de não haver iniciativas, sugestões ou propostas para funcionamento desta Assembleia.
Pergunto ainda se lhe parece normal - para nós, por muito banal que seja, não se torna normal o que não é! - que um partido da maioria tenha, sobre dois dos seus líderes de bancada, a suspeita forte de corrupção, estando um deles, neste momento, sob investigação, além de que hoje apareceu mais um escândalo... Será que, em seu entendimento, por ser tão vulgar, a corrupção se tomou um dado adquirido ou um mal que, fatalmente, impera sobre qualquer partido?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada de um partido chamado Os Verdes, em primeiro lugar, nunca disse que as forças que referi eram ocultas, bem pelo contrário, são bem claras!
Em segundo lugar, numa democracia, o único mecanismo legítimo que permite que se fale no conjunto do povo é a deliberação livre dos cidadãos através do voto.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, há uma diferença substancial entre as propostas dos partidos da oposição e as do Governo ou de um partido com responsabilidades governativas: nós preocupamo-nos em saber quanto é que elas custam, enquanto os senhores podem fazer centenas de propostas grátis, que ninguém tem dinheiro para pagar, irresponsavelmente pensadas...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... e, portanto, não admira que possam produzir, todos os dias, centenas de propostas para corresponder apenas a necessidades de agitação, de propaganda e de clientela

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, devo lembrar-lhe - porque a senhora fala, evidentemente, com alguma irresponsabilidade de matérias que devia tratar com mais cuidado -, que, em primeiro lugar, existe a presunção da inocência e, em segundo lugar, temos confiança na justiça.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, fazendo um apelo à seriedade que, com certeza, tem e quer imprimir ao debate político, queria chamar a atenção para o facto de não ter sentido afirmar que a intervenção do Deputado Carlos Carvalhas significa não dar valor às votações, porque o problema concreto é, precisamente, não dar valor à votação da bancada do PSD por dar valor à votação do povo português!

Risos e protestos do PSD.

Esta é a questão central e verdadeiramente fundamental a que Sr. Deputado não pode fugir.
Damos todo o valor à democracia representativa e é por o fazermos que, neste momento e nesta conjuntura concreta, a votação da bancada do PSD não tem qualquer significado político e não acrescenta qualquer legitimidade ao Governo.

Protestos do PSD.

Por outro lado, Sr. Deputado Pacheco Pereira, dentro do apelo à seriedade do debate político que lhe faço, tem de reconhecer que, para além da legitimidade de um Go-

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verno resultar da investidura e da confiança parlamentar, ela também resulta da posição do Presidente da República e da apreciação que este fizer acerca da situação, do regular funcionamento das instituições, da credibilidade dó um governo face ao povo português, às realidades políticas, económicas e à situação em geral.
O Sr. Deputado sabe bem que não estamos num regime parlamentar de primeiro-ministro, ou seja, estamos num regime misto, parlamentar e presidencial, que o PSD subverteu em regime presidencialista de primeiro-ministro. Esta é a realidade que não pode apagar, por muitos discursos que faça contra o Presidente da República: não pode apagar os e a intervenção do Presidente da República nesta matéria!
Por último, sem dúvida que a democracia é feita de procedimentos, como o Sr. Deputado referiu, mas também de conteúdos, conteúdos de políticas. E o Sr. Debutado sabe bem que a Constituição acrescentou aos procedimentos democráticos, aos procedimentos em geral, direito* liberdades e garantias, equiparou os direitos sociais aos direitos, liberdades e garantias de 1.ª geração, tendo acrescentado e sido pioneira, face a muitas constituições do mundo, os direitos de 3.ª e 4.ª gerações, como os do ambiente e outros.
Não apague da democracia portuguesa, Sr. Deputado, antes, inclusive, de ter conseguido rever a Constituição, aquilo que é um acrescento, e um acrescento muito poderoso, ao pensamento liberal do século XIX. Esta é uma questão importante, a respeito da qual creio que o Sr. Deputado - que é uma pessoa que se preocupa com o País - deveria pensar mais profundamente.
Em matéria de procedimentos, sempre lhe digo o seguinte, Sr. Deputado: o senhor referiu uma comissão ide inquérito às questões relacionadas com Timor, mas sé der mais credibilidade às comissões de inquérito, com procedimentos diferentes nesta matéria e noutras, se não instrumentalizar o Parlamento ao serviço do Governo, com certeza, também em matéria de procedimentos, a democracia portuguesa ficará mais rica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, em primeiro lugar, é verdade que as comissões de inquérito desta Câmara deviam funcionar melhor do que funcionam. É verdade!

Vozes do PS: - E de quem é a culpa?!

O Orador: - A responsabilidade é de todos nós...

Protestos do PS e do CDS-PP.

... e uma reflexão séria sobre a razão por que as comissões de inquérito não funcionam como deviam, leva-nos a concluir que isso é assim porque elas estão sujeitas a uma lógica de situação versas oposição, que é da nossa e da vossa responsabilidade.
Quando estivermos todos dispostos...

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - A descobrir a verdade?!

O Orador: - ... a actuar, em relação às comissões de inquérito, no sentido de as emancipar de unta lógica estrita de conflitualidade partidária e política, estamos, com certeza, em condições de lhes dar um novo tratamento institucional e de as prestigiar. Eu, como o senhor, e a minha bancada partilhamos dessa preocupação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E quem é que prejudica isso?!

O Orador: - Simplesmente, isso exige um esforço comum que não pode ser subordinado a necessidades políticas pontuais de curto prazo, como acontece, muitas vezes, com o debate sobre estas matérias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Presidente da República tem poderes, responsabilidades e autoridade sobre o Governo, o que ninguém contesta.
Mas há dois aspectos fundamentais: primeiro, o Sr. Presidente da República, até porque é um democrata e um homem que sempre valorizou a tradição parlamentar - e, especificamente, escreveu-o -, não pode ser indiferente à vontade de uma maioria livremente eleita para esta Assembleia; segundo, o Sr. Presidente da República não pode nem deve afastar-se do conteúdo programático dos documentos com que se apresentou às eleições, os quais implicam um determinado entendimento das funções presidenciais, que a última coisa a que o levam é a utilizar os seus poderes constitucionais para definir timings políticos. Isso é possível, mas não é moral nem politicamente admissível.

Aplausos do PSD.

Por último, Sr. Deputado Luís Sá, há uma coisa que não admito: desde a Revolução Francesa, é suposto nascermos iguais e, por isso, não admito que o meu voto valha menos do que o seu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª trouxe aqui uma intervenção previsível e defensiva.
Previsível, porque todas as maiorias se opõem à hipótese de as assembleias em que estão instaladas serem dissolvidas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é muito elogioso!

O Orador: - Faz parte da História, é habitual e seria uma novidade se assim não fosse, isto é, seria uma novidade que a maioria deste Parlamento viesse, agora, pronunciar-se a favor de um dissolução.
Mas a sua intervenção também envolveu uma teoria defensiva, porque quando se renova uma liderança política, quando se pretende "refrescar" a legitimidade de um Governo, é habitual que quem está na ofensiva faça o desafio de uma consulta eleitoral para, com isso, adquirir um novo élan, uma nova capacidade de enfrentar os problemas.
Ora, pelo que vemos, essa esperança de, através de uma consulta eleitoral, melhorar a capacidade de resposta aos problemas abandonou-vos. O que VV. Ex.ªs querem é acabar de cumprir este mandato, pois já não têm esperança suficiente de, através do recurso ao voto, ganharem um novo élan. Esse é bem um sinal dos novos tempos.

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Mas hoje, quando ouvimos V. Ex.ª falar, temos outro problema: é que V. Ex.ª vem aqui dizer, em nome do PSD, que a oposição, e também o Partido Socialista, tem uma postura artificial nesta conjuntura...

O Sr. Maneei Moreira (PSD): - Nesta e noutras!

O Orador: - ... e, precisamente nesta altura, ouvimos outras vozes do PSD a dizerem que o Governo está em perda, está sem condições, está sem credibilidade. Foi isto que disse, esta tarde, o Dr. Santana Lopes, que até há bem pouco tempo fez parte do Governo do PSD. E se se trata do Governo e das suas condições para enfrentar os problemas, há que reconhecer que o Dr. Santana Lopes tem mais experiência do que V. Ex.ª, porque esteve no Governo até há pouco tempo e tem uma visão interna das questões e das perdas de condições que V. Ex.ª, até ao momento, não pode ter.
Portanto, V. Ex.ª não pode dizer que o Partido Socialista não tem uma visão nacional dos problemas, porque, hoje, o nosso ponto de vista é partilhado, na sociedade portuguesa, por empresários, economistas e muitos cidadãos que querem saber com que linhas podem contar nos próximos tempos e não querem, apenas, um Governo a prazo, com um horizonte limitado, que não lhes pode dar garantias de enfrentar os problemas de forma estável.
Neste contexto, em que tantas vozes se erguem a sustentar uma leitura diferente da sua do que seja o interesse nacional, V. Ex.ª tem de admitir que alguma coisa está a mudar.
O tempo em que o PSD pretendia ser o intérprete do interesse nacional e da democracia, sem contestação, está a acabar por estes dias, mas a possibilidade de V. Ex.ª falar aqui, em nome do PSD, como uma totalidade, também é capaz de estar a acabar. É que se vem aí um congresso e uma liderança desconhecida, a questão que nos podemos colocar é a de saber em nome de que moção e de que candidatura está, afinal, V. Ex.ª a falar, neste momento.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, nunca vi tantos Deputados da oposição preocupados com as "dores" do PSD! Nunca! Mas recebemos com alguma bonomia essa preocupação.
Quanto ao Dr. Santana Lopes, e para utilizar, enfim, uma expressão um pouco plebeia mas portuguesa, presumo que deve dar-lhe uma coisinha ao ver a utilização que os Srs. Deputados da oposição fazem das suas palavras.
Mas, devo dizer-lhe, as palavras por que somos responsáveis são as dos Deputados do PSD,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Santana Lopes também foi eleito!

O Orador: - ... que não são apenas vozes, são vozes e mais uma pequena coisa: a autoridade democrática que lhes advém de terem sido eleitos para representarem o povo português.

Aplausos do PSD.

E essa pequenina coisa, esse pequenino mais, que se manifesta no momento em que aqui votamos e que é, agora, a qualidade da nossa parte num órgão de soberania, é que põe em causa a ficção das divisões, porque nós, que temos esse pequenino mais, não estamos divididos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, como sabe, na maior parte dos regimes parlamentares, a quem compete anunciar a dissolução do parlamento é ao primeiro-ministro.
Mas, pergunto-lhe: até ao momento em que um primeiro-ministro se mete no carro para ir à rainha ou ao chefe de Estado pedir a dissolução,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Dr. Mário Soares não é uma rainha, Sr. Deputado!

Risos.

O Orador: - ... ele diz se a sua maioria tem ou não legitimidade para governar? Não, Sr. Deputado. Esta questão é como a da desvalorização da moeda, ou seja, até ser desvalorizada ela tem sempre o mesmo valor, embora se saiba que, passado um minuto do anúncio da sua desvalorização, ela perde esse valor. Neste caso, acontece exactamente a mesma coisa, isto é, até ao segundo em que o primeiro-ministro se mete no carro para ir ao chefe de Estado pedir a dissolução do governo, a maioria é legítima e apoia-o.
Por isso mesmo, V. Ex.ª não pode fazer anteceder este juízo político, porque, aqui, em Portugal, quem faz a dissolução é um órgão diferente do primeiro-ministro.
Por outro lado, Sr. Deputado Pacheco Pereira, não me parece que sirva a democracia e as instituições, quando, a propósito de uma moção de censura, V. Ex.ª faz aquilo a que os italianos chamam um aviso de garantezza, isto é, uma notificação de que o Sr. Presidente da República está sob investigação e vai ser inquirido sobre a dissolução da Assembleia da República. Isto não se traduz em poderes da Assembleia, isto não faz parte da competência da maioria parlamentar e é contra o regular funcionamento da Assembleia da República.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, se bem entendi o que referiu, posso presumir o seguinte: a partir do momento em que o Sr. Primeiro-Ministro disse que não se recandidatava, tem uma actividade política a termo certo, enquanto Primeiro-Ministro, como acontece comigo, até Outubro de 1995, e com o Sr. Presidente da República, até ao final do mandato.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Eu não disse nada disso! O Sr. Deputado não percebeu o que eu disse!

O Orador: - De facto, admito que não tenha percebido, mas não há problema, Sr. Deputado, porque, seja como for, quero dizer-lhe o seguinte: isso faz parte das ficções que o senhor e outros Deputados têm utilizado para tentar criar uma espécie de crise institucional que não existe em lado nenhum.

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Uma coisa é certa: se este Governo não tivesse parlamentar, se o apoio parlamentar a este Governo tivesse diminuído significativamente, se nós estivéssemos divididos, enfim, se tudo isto tivesse acontecido, sem dúvida o Sr. Deputado Narana Coissoró teria razão. Assim, não a tem.
Quanto a ser defensivo, Sr. Deputado Alberto Costa, V. Ex.ª não está a compreender. É que nada disto é defensivo, isto é puro e simples e, pela minha parte, seria a última coisa que assim se poderia considerar.
Face aos Srs. Deputados que vão falar com o Sr. Presidente da República para lhe pedir a dissolução da Assembleia e face ao Sr. Presidente da República, não prescindo do meu poder, a não ser perante a lei e o eleitorado. Nem eu, nem os Deputados do PSD! E enquanto tivermos esse poder, exercê-lo-emos! Isso nada tem de defensivo, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputadas; Está a chegar ao fim um ciclo da vida política portuguesa.
Nunca, ao longo da sua História, o nosso país recebeu tanto em ajudas externas para se reformar: 2000 milhões de contos em quatro anos.
Nunca, como na década que finda, tantas oportunidades foram tão desperdiçadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Primeiro-Ministro, ao anunciar o fim da sua carreira governativa, foi a expressão concentrada dessa desilusão: tudo lhe deram e concederam mas de pouco foi capaz.

Aplausos do PS.

Deixa um País a que falta muito para se modernizar, não conseguiu vencer os desafios da convergência europeia, remeteu-nos para médias que, no seu conjunto,; nos deixam atrás das mais atrasadas regiões espanholas,
Foi, na verdade, uma década de oportunidades perdidas.
A fórmula escolhida pelo Primeiro-Ministro para abandonar sem aviso prévio as suas responsabilidades - abandono, dentro de semanas, da liderança da sua formação política e abandono, dentro de meses, da chefia do elenco governativo -, para além de pouco normal em democracias estabilizadas, reveste-se de uma tal precaridade, "m termos políticos, que se constitui, em si mesma, no expoente máximo da instabilidade. É o gosto de agir sem o sentido do dever, levado, com obsessão, até ao fim.
Um ano de crise política - de finais de 1994 e finais de 1995 - é o balanço previsível para o País, se for acatado o calendário de capricho em que o Primeiro-Ministro pretende envolver a sua desistência programada da política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Bolsa começou a reagir ao espectro da indefinição em que, sem o menor sentido das responsabilidades, está a ser lançada a economia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Opções de poupança ou consumo, decisões de investimento, delineamento e execução de projectos nacionais e estrangeiros, actos de administração, negociações externas, tudo é adiado com a ausência de quadros de referência precisos e de normas claras de procedimento

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto é, ao atraso na retoma vem aliar-se, agora, a turbulência política artificialmente prolongada para que nos pretende remeter a etapa final desta experiência governativa sem sucesso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está em debate uma moção de censura apresentada por outro partido, conforme é seu direito regimental, com fundamentos próprios, que apenas a ele vinculam, moção essa que resulta da conversão de uma interpelação e abarca factos - por nós exaustivamente comentados - que são, aliás, anteriores à temática em que agora nos concentramos, por virtude da sua importância. Tal como fizemos com anterior moção, apresentada por outro partido da oposição, votaremos a favor para exprimir fundamentalmente a nossa discordância com o Governo. É esse e só esse o significado do nosso voto!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Embora se trate de uma questão acessória, não resistimos a um reparo.
Nos últimos dias, o PSD tem vindo a difundir o argumento de que o voto desta moção equivalerá à aprovação de uma moção de confiança, extraindo daí uma noção de legitimidade reforçada do actual Governo (quase diria da sua perenidade), impeditiva do uso das faculdades atribuídas pela Constituição ao Presidente da República, quer em relação à demissão do Governo quer em relação à dissolução da Assembleia da República e à marcação de eleições. Nada de mais ilegítimo, sobretudo da parte de quem, ao anunciar a cessação a prazo das funções de Primeiro-Ministro, se inibiu por completo, no plano político que ele mesmo escolheu, de solicitar, ao mesmo tempo, ao Parlamento uma moção de confiança.
A instrumentalização da moção de censura pela retórica do PSD não passa de um artifício carecido de validade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esperamos, aliás, que não se reproduzam os artifícios e que, findo o seu congresso, com outro líder mas com idêntico Primeiro-Ministro, o PSD não venha, então, recorrer ao expediente da moção de confiança. Seria absurdo, porque, nessa altura, a solução que se impõe é a da escolha de uma nova fórmula política, com recurso ao voto, pois até para a direcção social democrata que vier a ser escolhida será o confronto na legitimação popular e não o artificialismo da manobra institucional conduzida em torno de um executivo agónico que a poderá minimamente legitimar aos olhos dos portugueses.

Aplausos do PS.

Seja qual for o desfecho de votações como a que virá aqui a ter lugar, em nenhuma circunstância ele colidirá com os poderes presidenciais a que aludi, uma vez que têm substância própria e não derivada de quaisquer outros condicionamentos.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como partido responsável, respeitamos inteiramente e não interferimos, por nenhuma forma, no processo de substituição de liderança que o PSD iniciou em consequência da atitude do seu presidente. Mas essa circunstância - que, repito, se respeita - não confere ao PSD o direito irrestrito de persistir em recorrer a estratagemas ou pequenos truques envolvidos em declarações e condutas grandiloquentes e arrogantes que não toleramos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A perspectiva da antecipação de eleições, uma vez regularizada a situação interna em que um dos concorrentes foi colocado, acabará por transformar-se numa solução de bom senso para todos. Tal cenário, aliás, não deve ser visto como um dogma, ou como uma vingança praticada por razões pessoais. Mas pode ser um instrumento útil para evitar o prolongamento de uma crise, para propiciar alternativas estáveis de mudança, para gerar soluções governativas melhores e mais credíveis. Se o PSD tem direito a mudar de liderança, o País também deve ter direito a mudar de Governo.

Aplausos do PS.

O que não se pode é recusar ao País o direito que se confere a um partido. O princípio de que é normal fazer coincidir a liderança partidária com a liderança governativa, defendido pelo actual Primeiro-Ministro e Presidente do PSD, é um argumento mais para que o autor da ideia não venha a ser coagido por muito tempo a manter-se em situação de irregularidade política à luz dos seus princípios doutrinários.

Aplausos do PS.

É por isso e, sobretudo, para evitar o prolongamento da indefinição que os sistemas democráticos consolidados resolvem com rapidez a rotação das lideranças partidárias e governativas e, quando isto implica o recurso a eleições, estas são sempre feitas com poupança de tempo. São a sociedade, a economia e os imperativos de funcionamento de ambas que devem comandar os calendários políticos e não as teimosias ou as pequenas vaidades dos intervenientes nos respectivos processos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém tem o direito de fazer com que o seu apego ao poder ou mesmo a sua vaidade desmesurada façam mergulhar o País, durante um ano inteiro, na mais frustrante das paralizações.
São inúmeros os grandes problemas por resolver: 410 000 desempregados, salários em atraso, 200 000 pobres em situação de extrema carência; retracção do investimento privado, quebras assinaláveis do investimento estrangeiro e fuga de capitais; resultados da actividade agrícola em gritante declínio e incapacidade para reestruturar este sector vital para a economia portuguesa; quatro anos seguidos de quebra da produção industrial, aumento das falências, asfixia da economia real e atraso do relançamento económico pelo dogmatismo do escudo forte e da taxa de juro; aumento da insegurança e da criminalidade, com índices preocupantes nos centros urbanos (só de 1990 para 1994 o crescimento global da criminalidade, em Portugal, foi da ordem dos 50%); incapacidade para articular um sistema educativo adaptado às exigências da modernização do País e da sua competitividade externa; bloqueio absoluto da reforma do sistema político, com a consequente erosão do prestígio das instituições e expressão visível dos sintomas de corrupção e fraude.
Perante este quadro grave e as dificuldades ainda maiores em perspectiva, o Primeiro-Ministro cessante não irá sair das lides governativas no pedestal de um génio, de um herói ou de um super-homem; nem esse facto lhe cativa direitos para futuro dador de lições; a sua saída é, isso sim, a de alguém que, pela segunda vez, abandona um barco em dificuldades!

Aplausos do PS.

Porém, a questão central é a de que a crise desencadeada pelo anúncio do abandono do Primeiro-Ministro não só impede a resolução dos mais graves problemas nacionais, que ele deixa por resolver, como os agrava de forma particular pela fórmula escolhida para a saída. É por isso que não se deve perder tempo.
O PS confia no Presidente da República para que a solução de impasses desta natureza possa ser resolvida com equidade e profundo empenhamento em poupar ao País os inconvenientes resultantes de uma ausência de clarificação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é sustentável que o País pague as consequências de um ano de crise para que um Primeiro-Ministro em fuga (do partido, do Governo e dos eleitores) tente reconstituir uma imerecida imagem dourada ao sabor das suas conveniências!

Aplausos do PS.

Não tem justificação conceder a uma formação partidária o benefício de competir politicamente com outras como se estivesse em simultâneo dentro e fora do sistema de poder, com um pé no Governo e outro na oposição, com um líder que não chefia o Governo nem responde perante o Parlamento e com um chefe de Governo que não representa a liderança do partido nem responde por ela nem perante ela.

Aplausos do PS.

Não fazemos pressão seja sobre quem for, mas consideramos que estão criadas condições que justificam a seu tempo o uso dos poderes constitucionalmente conferidos ao Presidente da República neste domínio específico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O fracasso da política económica e social e o bloqueio da reforma do sistema político - na verdade, o balanço da década de Governo PSD - atestam a necessidade em que o País se encontra de dar oportunidade a uma política distinta, a uma maioria diferente e a outro Governo. Com tranquilidade e serenidade, sem trauma, eu diria, com a maior naturalidade e normalidade, democrática e civicamente, que chegou a hora de o País escolher aqueles que possam fazer melhor para estabilizar as instituições, restabelecer a confiança na economia, trabalhar com transparência a bem de todos, trazer a confiança e a esperança e a certeza de um caminho mais sério para Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Silva Marques, Guilherme Silva e Pedro Roseta.

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Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, começo pela questão do "segundo abandono", que tanto vos surpreende e escandaliza, o que, convenhamos, se compreende porque os senhores - isso é histórico e, pelos vistos, continuará a ser assim se a ocasião o propiciar - sempre que estiveram no poder nunca de lá saíram pela vossa própria vontade: só de empurrão!...
Essa é a razão que vos leva a estar escandalizados e a nem sequer conceber a hipótese de as pessoas não quererem persistir vitaliciamente no poder. Isso é algo que vos ultrapassa!
Já ontem abordei esta questão. Creio que VV. Ex.ªs são o reverso da medalha do salazarismo, em que o regime não quis sair e a oposição foi incapaz de convencer o País a derrubá-lo. Daí o impasse das vossas concepções políticas aqui mesmo reveladas...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Que boa comparação!...

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª não tem qualquer hipótese de compreender aquilo que estou a dizer, pelo que lhe peço que me deixe centrar neste debate com os socialistas...

Risos do PSD.

Aliás, a outro propósito, VV. Ex.ªs revelam bem o arcaísmo da vossa posição em matéria política. O Sr. Deputado Jaime Gama acabou de afirmar, de forma frontal, algo com que todos nós - e os senhores também, mas, pelos vistos, sem consistência e tropeçando no mais pequeno obstáculo- estamos de acordo: é preciso reduzir o império da partidocracia e haver um novo apelo à sociedade e à sua ligação com cada Deputado.
O Sr. Deputado, distraído pelo ímpeto desta concorrência com os seus rivais da oposição, acabou de fazer o elogio da mais afrontosa partidocracia! Imagine, Sr. Deputado!... Porém, espero que, nas respostas que me vai dar, presumo, peça desculpa e perdão.
Aliás, já outros aqui, hoje, pediram perdão. O Sr. Deputado Carlos Carvalhas esteve aqui meia hora a pedir perdão...

Risos do PSD.

... e o senhor decerto que vai utilizar alguns minutos nesse pedido de perdão.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Falta a portagem de Alverca!

O Orador: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, $ propósito das portagens, ontem questionei-vos; não gosto de repetir os temas, mas se o senhor me desafia eu ;repito.
De facto, não queria repetir as questões que coloquei aqui ontem, por respeito ao Sr. Engenheiro António Guterres, que não quis intervir neste debate, pelo que não o interpelei. Mas como o senhor me desafiou, repito as questões e o Sr. Deputado António Guterres vai certamente responder-me.
Ontem, perguntei, em primeiro lugar, no caso de o Sr. Engenheiro António Guterres vir a ser Primeiro-Ministro de Portugal em Outubro, se iremos ter a portagem de Alverca abolida até Dezembro?

Protestos do PS

Em segundo lugar, perguntei quantas portagens mais o Engenheiro Guterres eliminaria até Dezembro?

Protestos do PS.

Mas, perguntei mais: se ele, até Dezembro, criaria de oito a onze regiões administrativas no nosso País?

Protestos do PS.

E ele, que está aqui, vai ter oportunidade de responder! Protestos do PS.

Srs. Deputados, os senhores têm participado demasiado nas últimas agitações de rua e isso impede-vos de seguir atentamente o debate.
Sr. Deputado Jaime Gama, os senhores queriam ou não discutir o incidente das OGMA? É que o Sr. Deputado dirigiu uma carta ao Sr. Presidente da Assembleia da República, pedindo um debate de urgência sobre o incidente OGMA, mas o PCP chegou a correr e apresentou uma moção de censura e os senhores abandonaram o vosso debate. O que é que vos aconteceu?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Dá-me a impressão que os comunistas fizeram ao vosso debate o mesmo que fizeram ao Congresso "Portugal que futuro?". Disseram-lhes: "apareçam cá!". E eles vieram a correr, sentaram-se na primeira fila e estragaram o Congresso!...

Aplausos e risos do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, vou terminar...

Vozes do PS: - Já!?...

O Orador: - ..., no tempo do meu partido, dentro da prática habitual e dando oportunidade aos socialistas, nomeadamente ao Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Deputado convenceu: o quadro é negro e, sobretudo, depois do anúncio da posição do Sr. Primeiro-Ministro ainda enegreceu mais!...
Assim, interrogo-o: o que é que terá contribuído para esse enegrecimento tão inopinado e tão intenso? O anúncio da posição do Sr. Primeiro-Ministro? Possivelmente. Mas então diria: a perspectiva da vitória do Engenheiro Guterres, em Outubro, não contrariaria esse fenómeno? A economia, que estava a ser prejudicada pela política do Sr. Primeiro-Ministro, sabendo-se que ele se vai embora, não teria sentido um certo alívio, sobretudo, pensando agora que está a estrada livre para esse homem que aí vem, que vos dá confiança e que é o Engenheiro Guterres!

Risos do PSD.

Então, os fenómenos seriam positivos, mas se o senhor diz que é o contrário, pergunto-lhe: de quem tem medo o País? Com certeza, do Engenheiro Guterres!... E tem razão!

Risos e Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jaime Gama, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jaime Gama (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreendo que, nestas ocasiões, tenha sempre de ser escolhido o Sr. Deputado Silva Marques,...

Risos gerais.

... porque traz habitualmente uma grande dose de descontracção e de boa disposição...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Obrigado pelo elogio!

O Orador: - ... e tem aquele papel do ilustre contador de anedotas nas salas de baile dos paquetes que vão naufragar.

Aplausos do PS.

Risos gerais.

V. Ex.ª completa muito bem a intervenção mais doutrinária e cerrada do Deputado Pacheco Pereira, líder da sua bancada, porque ele, como intervém com convicções mais profundas, coloca-se no plano dos generais alemães que disputaram a batalha das Ardenas.

Risos do PS.

Foi uma batalha no fim da guerra, podia ter sido ganha, revelou um grande vigor combativo, mas o resultado da guerra foi outro, como VV. Ex.ªs sabem.
Apesar desse acto de bravura, de grande unidade da bancada e de profundíssima dedicação ao partido e ao chefe...

Risos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vamos às perguntas!

O Orador: - Mas as perguntas que o senhor colocou não têm grande razão de ser!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Têm!

O Orador: - V. Ex.ª veio invectivar-me sobre um debate de urgência. Muito bem! A vida política moderna ou se faz a tempo ou não se faz!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Afinal não era urgente!

O Orador: - E não se faz ao retardador! Quando invectivámos o PSD e o Primeiro-Ministro para um debate de urgência, correspondíamos a essa lição de modernidade...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas a data é a mesma!

O Orador: - ... e estávamos sintonizados com o espírito doutrinal do Sr. Deputado Pacheco Pereira. Porém, o PSD é que não funciona bem no mesmo diapasão, porque o Primeiro-Ministro e VV. Ex.ªs recusaram a realização desse debate de urgência.

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É verdade!

O Orador: - O Primeiro-Ministro recusou-se a vir ao Parlamento para esse debate de urgência,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os comunistas é que apresentaram a moção de censura!

O Orador: - ... pois é de todos conhecida a relutância que tem em travar este tipo de debates - aliás, a mesma relutância que ele tem em afastar-se do partido.
De facto, ele quis manter o partido sem explicações até Março, mas já foi obrigado a falar em Janeiro; não queria falar destes assuntos na Assembleia da República, porque isso era uma questão que só a ele ou ao partido dizia respeito, mas acaba por vir falar delas na Assembleia da República. Isto é, o Primeiro-Ministro, apesar de todo o poder de que dispõe para se furtar aos debates que não gosta, é também obrigado a andar a reboque de quem toma as iniciativas apropriadas no plano político.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, V. Ex.ª já está na bancada da oposição!

Risos do PS.

E até devo dizer-lhe que V. Ex.ª já está preparado para ser um agitador..

Risos gerais.

... na questão das portagens de Alverca!

Aplausos do PS.

Aliás, isso corresponde à sua educação doutrinal, na velha escola da Marinha Grande!...

Aplausos do PS.

Risos gerais.

Mas essa situação cómoda de invectivar um partido que não é governo quando é V. Ex.ª que está no Governo e não quer acabar com esta situação artificial...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Artificial, porquê?

O Orador: - ... mais justifica que, por razões de clarificação, para que todos possamos ser responsáveis perante todos, então, possamos discutir opções e alternativas de governo e antecipemos as eleições, porque o debate para o qual V. Ex.ª está a caminhar é um debate que tipificadamente só pode e deve ter lugar num contexto eleitoral.
Na verdade, V. Ex.ª é incoerente quando se coloca aqui como competidor eleitoral...

O Sr. Silva Marques (PSD): - O senhor está é a defender a partidocracia!

O Orador: - ... e, ao mesmo tempo, recusa a antecipação do único suporte que viabiliza esse tipo de debate em que V. Ex.ª tão à-vontade se reconhece.
Último ponto e para concluir, pois também estou a invadir o meu próprio tempo, antropofagia parlamentar é um direito!...

Risos do PS.

V. Ex.ª vem falar do PS como o sintoma de um partido com apego ao poder, quando V Ex.ª representa um partido que está há quinze anos no poder e com uma característica extremamente interessante em matéria de disponibilidade para a conservação de poder ou para o abandono de poder. V. Ex.ª sabe, com certeza, que. de 1985 a 1995, a despesa pública global cresceu cinco vezes- o Prof.

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Cavaco Silva até dirá: "grande êxito da política social do meu Governo, cinco vezes de aumento da despesa pública!";.i.

Risos do PS.

... bom, sabemos que não é bem assim, é um plano diferente -, mas sabe V. Ex.ª quanto cresceu, em dez anos a despesa pública com essa rubrica tipificada, chamada gabinetes ministeriais? Cresceu 15 vezes!

Aplausos do PS.

Isto é, se há algum partido em Portugal em quem o apego ao poder é a verdadeira preocupação de uma gigantesca clientela que aumenta quinze vezes numa década, esse partido é o PSD!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mais devagar do que o gabinete do Judas em Cascais!

O Orador: - Por isso, é a hora de VV. Ex.ªs, sem Qualquer azedume, como se isso se tratasse de um facto natural na vida política, assumirem o vosso papel patriótico na oposição e deixarem outro fazer melhor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, quero dizer que ouvi a sua intervenção e fiquei com alguma mágoa pela forma como V. Ex.ª veiculou aqui a posição do maior partido da oposição, relativamente a esta moção de censura. É que V. Ex.ª avalizou toda a fundamentação da moção de censura apresentada pelo PCP, mas o PS não teve coragem de, autonomamente, apresentar uma moção de censura!
Contudo, V. Ex.ª vem avalizar a consequência que o PCP pretende tirar desta moção de censura, qua é a de pressionar a dissolução da Assembleia da República por parte do Presidente da República. Ou seja, V. Ex.ª nem sequer conseguiu aqui traçar uma fronteira entre aquilo que sabemos ser um partido não democrático, como é o PCP, e aquilo que julgávamos ser um partido democrático, que é o PS, nem fazer a leitura adequada da Constituição.
Como é que V. Ex.ª quer, efectivamente, dar o élan necessário ao seu partido como oposição credível quando vem aqui dizer que quer uma consequência desta moção de censura contrária aos seus resultados? Ou seja, quer que ela tenha resultados mais drásticos ainda do que se, ela fosse aprovada, quando se sabe que vai ser rejeitada ou, até, eventualmente, retirada. Apesar disso, V. Ex.ª entende que a consequência a tirar disto é a de criar o quadro adequado para que o Sr. Presidente da República dissolva a Assembleia da República. Era bom que V. Ex.ª explicasse a leitura da Constituição que o PS faz a este propósito.
V. Ex.ª veio aqui também confundir - e por aí também veio interferir no âmbito interno do PSD - ao, colocar a questão do facto de o Sr. Primeiro-Ministro ter anunciado que deixaria, eventualmente, a liderança do PSD. e que não se candidataria às próximas eleições como primeiro-ministro, para dizer que isto é uma das razoes que deve levar a essa tal dissolução. V. Ex.ª até esquece que o PS já teve candidatos a primeiros-ministros que não eram líderes do partido.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - V. Ex.ª esquece-se que o Sr. Primeiro-Ministro referiu aqui vários exemplos europeus em que isto acontece.
Dizia eu que é com mágoa que constato que o seu grupo parlamentar tem esta posição de sintonia com o PCP. É que, apesar do esforço do PSD, há uma coisa que ainda não conseguimos: que a oposição, em particular o seu principal partido, tenha atingido qualidade e nível europeus. É uma coisa que não conseguimos, apesar de nos termos esforçado para isso!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É na Madeira que há nível europeu!...

O Orador: - Sr. Deputado, quero fazer-lhe uma última pergunta, que é também uma constatação intrigante: como é que V. Ex.ª, tendo intervindo como representante do principal partido da oposição numa moção de censura que nasce ligada a uma questão relacionada com Timor, não tenha tido ali, na Tribuna, uma única palavra sobre essa questão? Será que V. Ex.ª tem, sobre essa matéria, alguma inibição que lhe advém do tempo em que exercia funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros?

Vozes do PSD:- Exactamente!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A batalha das Ardenas está a voltar-se ao contrário!..

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, temos de registar aqui a circunstância de V. Ex.ª se encontrar em extrema dificuldade para argumentar o que não é argumentável. E o que não é argumentável é que V. Ex.ª não ignora que, quanto à questão que constitui uma das peças da moção de censura apresentada pelo PCP e uma das partes da argumentação política do Primeiro-Ministro - aliás, nenhuma parte da intervenção política do líder da vossa bancada se refere a isso -, exprimimos opiniões públicas e exprimimos opiniões aqui, na Assembleia da República, designadamente na sessão de ontem, através de um voto de protesto e da justificação desse voto.
Agora, há um ponto da intervenção de V. Ex.ª que não vai ficar em claro: o que é que V. Ex.ª queria dizer com a insinuação que fez? Ou V. Ex.ª é uma pessoa honesta e vai esclarecer já a insinuação, ou V. Ex.ª não passará de um vulgar canalha!

Aplausos do PS.

Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Peço silêncio à Câmara, Srs. Deputados! Peço silêncio, Srs. Deputados!
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado Jaime Gama.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs Deputados: O Sr. Deputado Guilherme Silva fez uma insinuação grave! Portanto, tem o dever de esclarecer e aguardo a sua resposta!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero usar da palavra para defesa da minha honra, porque fui gravemente ofendido pelo Sr. Deputado Jaime Gama!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há uma coisa que a intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama confirmou: é que não há nenhuma distinção entre um partido não democrático, como o PCP, e o PS.

Vozes do PS: - Explique-se! Seja honesto!

O Orador: - Não há nenhuma distinção, porque V. Ex.ª vai ao ponto de, quando interpelado, responder com uma pergunta! Quem tinha de responder é V. Ex.ª, não sou eu! Eu fiz uma pergunta e V. Ex.ª tem de responder!
Apesar de tudo, vou responder muito claramente à questão que me coloca: basta a omissão que V. Ex.ª teve enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros relativamente a Timor para justificar a minha pergunta!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a minha intervenção pública, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal é conhecida, é pública e é, tanto quanto o posso avaliar, inteiramente transparente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi uma conduta pública, que está inteiramente clarificada e documentada,...

Protestos do PSD.

... que se norteou por princípios de elevado sentido de patriotismo, no quadro...

Vozes do PSD: - O que é que fez de Timor? Responda!

O Sr. Presidente: - Silêncio, Srs. Deputados! O Sr. Deputado Jaime Gama tem direito a usar os seus três minutos. Queira continuar.

O Orador: - Dizia eu, no quadro de um elevadíssimo sentido de responsabilidade,...

Vozes do PSD: - Não fez nada!

O Orador: - Estão muito enganados!...
Dizia, no quadro de continuidade da actuação do Estado português na esfera internacional, de contenção da erosão diplomática,...

Protestos e risos do PSD.

... em que esse assunto se encontrava anteriormente, de abordagem num quadro das Nações Unidas, de uma política séria e sustentada.

Vozes do PSD: - Não fez nada! Diga o que fez! Responda!

O Orador: - Ouçam! Se VV. Ex.ªs...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos que deixem o Sr. Deputado Jaime Gama concluir.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a chicana do Grupo Parlamentar do PSD...

Protestos do PSD.

... não me fará desviar um milímetro que seja da assunção desta temática num quadro de responsabilidades nacionais, num quadro comprovado no âmbito das Nações Unidas,...

Risos do PSD.

..., num quadro comprovado no âmbito de diplomacia portuguesa e num quadro publicamente comprovado.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é no quadro de qualquer espécie de resposta a uma provocação não fundamentada,...

Vozes do PSD: - Responda à pergunta! Diga o que fez!

O Orador: - ..., a uma insinuação torpe e canalha...

Protestos do PSD.

O Orador: - ..., que eu minimamente elucidarei o que quer que seja sobre uma problemática que tem a sua sede de esclarecimento, onde e quando VV. Ex.ªs quiserem,...

Vozes do PSD: - Isso não é resposta!

O Orador: - ... mas nunca no contexto de uma insinuação não provada, de uma referência torpe e canalha,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Pacheco Penara (PSD): - Isso é de baixo nível!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir, senão vejo-me forçado a...

O Orador: - ... distorcida e imprópria da conduta de um Parlamento.

Aplausos do PS, de pé.

Protestos de Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos serenidade. É evidente que depois do que ouvimos até agora, os ânimos estão exaltados.
Inscreveram-se, para usar da palavra, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Silva Marques, Pacheco Pereira e Guilherme Silva.
Gostaria que, tanto quanto possível, sem prejuízo da liberdade parlamentar e correspondente responsabilidade, concentrassem, o mais possível, as vossas intervenções sobre este ponto incidental que surgiu no debate de hoje.

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Por último, apelo a que a linguagem usada condiga com a nossa tradição parlamentar.

Aplausos do PSD.

Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD, como parece que deixou de? ter argumentos substanciais para o debate, decidiu descer ao nível da chicana.

Aplausos do PCP e do PS. Protestos do PSD.

Por duas vezes, o Sr. Deputado Guilherme Silva afirmou aqui que o PCP é um partido não democrático,

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É já histórico!

O Orador: - Sr. Deputado, o PCP não tem que receber qualquer lição de democracia, nem de V. Ex.ª nem da sua bancada! Estamos perfeitamente inseridos no regime democrático, na vida democrática, pela qual lutámos durante muitos anos, em alturas em que não sei onde é que o Sr. Deputado estaria.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD.

Ou o Sr. Deputado e a sua bancada parlamentar retiram o que disseram ou, então, fica sublinhado que VV. Ex.ªs, com essa atitude, revelam uma verdadeira natureza autoritária e não democrática. E um partido que não respeita a diversidade de opiniões é um partido pouco adequado às normas e à vida democrática.

Aplausos do PCP.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, só quero dizer-lhe que não sou eu o actor dessa apreciação relativamente ao PCP. Aliás, é uma apreciação que o senhor irá ver escrita, durante muito tempo, sempre que alguém faça ciência política e faça o estudo do espectro partidário português.
Não sou eu, será quem fizer, com doutrina e consciência, a análise do espectro partidário português. Não é, com certeza, um partido democrático aquele que faz um cerco ao Parlamento, como os senhores fizeram na altura de uma bem conhecida situação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é falso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, em primeiro lugar, as palavras que usou são inadmissíveis neste Parlamento e nós não as admitimos.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Em segundo lugar, compreendo que o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal queira manter reserva...

O Sr. José Lello (PS): - Pergunte! Faça a pergunta!

O Orador: - ... sobre aquilo que, em função dos interesses do Estado, merece reserva, mas não admito que, ao abrigo dessa reserva, o Sr. Deputado se recuse a discutir, hoje, questões de política sobre Timor e a política de um governo socialista sobre essa matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
Entretanto, segundo me informam, é o Sr. Deputado António Guterres que o vai fazer.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era minha intenção usar da palavra neste debate, mas, a partir do momento em que um elemento do PSD lançou sobre o meu colega de bancada Jaime Gama uma inaceitável insinuação de falta de espírito patriótico na defesa da causa do povo de Timor Leste, entendo ser necessário dizer brevemente três coisas.
A primeira é que, como cidadão português que não pertenceu ao governo do bloco central, sou testemunha de todas as iniciativas, de todas as votações, nomeadamente as feitas no quadro das Nações Unidas, favoráveis a Portugal e à causa timorense que foram conduzidas pela diplomacia portuguesa sob orientação do ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, se o PSD tinha dúvidas sobre a condução da política do governo do bloco central em relação a Timor tinha a estrita obrigação, como parceiro desse governo, de aí ter dado expressão a essas dúvidas e, consequentemente, não tem, depois de ter assumido com o ministro Jaime Gama a nossa política em relação a Timor, a menor legitimidade para, 10 anos depois, vir aqui fazer insinuações que não correspondem ao seu comportamento no governo de então.

Aplausos do PS.

Que o PSD, ao menos, seja digno da sua história; que o PSD, ao menos, seja digno do comportamento dos seus ministros no conselho de ministros em que no bloco central era definida a política portuguesa em relação a Timor Leste.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E se o PSD não tem que responder pelos actos dos que hoje são seus membros e no passado, em nome de outras forças políticas, tinham posições diferentes, o PSD tem de responder pelos actos dos que, em defesa do PSD, no governo como na oposição, tomaram posições públicas em relação a esta matéria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para dizer que a insinuação levantada contra o De-

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pulado Jaime Gama só teria paralelo no comportamento actual do PS se este tivesse feito, o que não fez, o que não faz e o que se recusará a fazer, repito, se o PS tivesse feito ao Ministro Fernando Nogueira a injúria de dizer que ele era pessoalmente responsável por aquilo que se passou na reparação dos motores indonésios.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Foi isso que o senhor fez. Não seja mentiroso!

O Orador: - O PS não o fez, não o fará, porque o PS entende que, para além das legítimas divergências políticas, para além do assumir de responsabilidades políticas que em cada momento cada um deve assumir, há pessoas cuja integridade moral e patriotismo têm de ser respeitados.

Vozes do PSD: - Mentiroso! Não sabe o que diz!

O Orador: - Por isso, e só por isso, entendi que faltaria ao meu dever como líder do PS se aqui não trouxesse este testemunho frontal, necessário para repor nesta Câmara uma dignidade que não podemos escamotear.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a maior brevidade para terminarmos, chamemos-lhe assim, este incidente.
Tem a palavra, por um minuto, o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS está demasiadamente habituado a falar alto connosco sobre estas matérias, mas não fala. E não fala porque o Sr. Deputado António Guterres sabe muito bem que, em comícios do PS recentemente ocorridos, a expressão "traição à Pátria" foi utilizada para caracterizar o comportamento do Governo.

Aplausos do PSD, de pé.

No entanto, se os senhores, sobre esta matéria, se sentem encurralados isso é um problema vosso. Mas uma coisa posso dizer-vos: não quero que o Sr. Deputado viole aqui qualquer segredo ou reserva de Estado, o que quero, sim, é que o Sr. Deputado Jaime Gama aceite discutir as políticas do Partido Socialista no passado sobre esta matéria, as iniciativas concretas que tomou e que não coloque isso para além da crítica política que todos temos o direito a fazer.
São os senhores que, ao transformarem este problema numa matéria de discussão pública, para obter uns pontinhos políticos entre uma quarta e uma quinta-feira, suscitaram uma questão, sobre a qual não podem, falando alto, impedir-nos de discutir o passado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

Protestos do PSD.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Estive no bloco central, conheço bem os dossiers preparados sobre Timor e também alguns dossiers preparados depois do bloco central.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E antes?

O Sr. José Magalhães (PS ): - Antes era a AD

O Orador: - Por isso, penso que não devíamos travar esta discussão, que não devíamos publicamente estar a procurar saber que dossiers se prepararam, que autorizações se pediram, porque vamos ficar todos bastante mal nesta discussão.

Protestos do PSD.

O Sr. Primeiro-Ministro depois dir-vos-á. O Sr. Primeiro-Ministro sabe do que estou a falar.

Protestos do PSD.

Esta discussão não faz sentido, esta discussão foi levantada talvez pelo Governo e suscitada de forma triste e errada nesta Casa. Os senhores não podem levantar essa questão aqui! Não podem'

Protestos do PSD.

Perguntem ao Sr. Primeiro-Ministro se podem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, estou a concluir, fazendo um apelo ao Sr. Primeiro-Ministro para que este debate não continue.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, cale-se!

O Orador: - Espero que o Sr. Primeiro-Ministro me compreenda!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quem tem de interromper o decurso deste debate é o Presidente da Assembleia da República. Caso contrário, eternizamos uma questão que não faz parte da nossa ordem de trabalhos. De modo que espero que oportunamente, se assim o entenderem, se agendem todos estes temas para que possamos fazer uma discussão sobre esta temática.

O Sr. Jaime Gama (PS)): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dizer a V. Ex.ª que da minha parte, e uma vez que este problema chegou ao ponto em que ele foi colocado, acho do maior interesse que se faça um debate nacional sobre esta problemática...

Vozes do PSD: - Nós também!

O Orador: - ... que esse debate analise toda a forma como esta problemática foi tratada, desde a sua génese até à actualidade, que o Governo se revele disponível para abrir toda a documentação existente, desde o início do problema até à actualidade, e que isso seja feito com absoluta seriedade e transparência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr Deputado, discutiremos isso numa Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva, quando respondeu à nossa defesa da honra, insistiu, num estilo desorientado, trauliteiro,...

Protestos do PSD.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Desorientado?!

... em falsas acusações ao PCP, o que, aliás, é curioso vindo de quem vem...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está a interpelar a Mesa e não a responder a Srs. Deputados.

O Orador: - ... na medida em que a Região Autónoma da Madeira está a assistir-se à falta de normas na vida democrática
Sr. Presidente, a questão que quero colocar é1 esta: o Sr. Deputado Guilherme Silva, numa nova acusação que fez, trouxe uma velha e requentada acusação de um cerco ao Parlamento que teria sido feito pelo PCP.
Sobre esta matéria, Sr. Presidente... !|

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem nada a informar sobre essa questão

O Orador: - Vou terminar e, através do Sr. Presidente, peço ao Sr. Deputado Guilherme Silva que esclareça essa questão com o Presidente da bancada parlamentar do PSD, Deputado Pacheco Pereira, e com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Durão Barroso, que, sobre isso, sabem seguramente muito mais do que nós!...

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - A Mesa não tem nada a responder

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, na medida em que autorizou duas intervenções da bancada do Partido Socialista, pretendo usar da palavra nas mesmas condições.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para interpelar a Mesa, tem a palavra, por um minuto.

O Sr Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, há uma coisa que ninguém pode escamotear: o PS, ontem, apresentou um voto de protesto, em que o ponto 2, negado por esta Câmara, tem uma implicação de traição dirigida ao Governo português. Os Srs. Deputados do PS estão demasiado habituados a falar à vontade e alto demais...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - e têm todo o direito em ter a resposta.
Passo a ler...

O Sr. Presidente: - Não vale a pena, Sr. Deputado.

O Orador: - Tenho que ler o ponto 2 do voto, ontem, apresentado. E cito: "Condena de forma especial quaisquer contributos que se destinem a apoiar o esforço de guerra indonésio em relação a Timor". Nós não somos parvos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa nada tem a dizer. Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama, tem a palavra o Sr Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, como calculará, estou bastante surpreendido com alguns aspectos da sua intervenção,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... não apenas com a forma como com o fundo, e, se me permitem, irei concentrar-me nas questões de fundo.
Se o PS quer exprimir só discordância com o Governo, então, por que não anda pelos seus próprios pés, exprimindo-a directamente como maior partido da oposição, e se limita a votar as moções dos outros?
Por outro lado, talvez não seja só isso, porque, com grande surpresa, verifiquei certas coincidências ou certas aproximações a métodos e a ideologias que eu julgava não serem as do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com surpresa, vejo o PS a adoptar laivos de vanguardismo, de radicalismo verbal, de confusão entre a opinião pública e a opinião publicada, de maniqueísmo e de dar por normal aquilo que, obviamente, o não é. Que o PCP seja vanguardista e, sendo minoria, queira falar em nome do povo, dos interesses do povo, da legitimidade, etc., etc., não nos surpreende, porque é essa a ideologia vanguardista do PCP Agora, em que se baseia o PS para fazer afirmações destas? Em sondagens? Mas em democracia a única sondagem válida e a do voto do povo, são as eleições em que o povo exprime validamente aquilo que quer! Porque, de contrário, que sondagens valerão, Sr. Deputado Jaime Gama?! Não valerão as sondagens em que uma larga maioria do povo português diz hoje não querer a dissolução?! É que se falam no sentimento popular deveriam, então, pensar que, se 60% dos portugueses não querem a dissolução e 36% ou 38% a querem, o que havia a fazer era seguir esse sentimento e dizer "não" à dissolução. Ou não estarão a querer tirar das pretensas sondagens apenas aquilo que vos convém? É que esse é um pecado grave - sem qualquer ofensa, pois obviamente é um rótulo teórico - que se chama oportunismo, um dos grandes defeitos em que os partidos socialistas, a velha SFIO, os velhos partidos socialistas têm caído há muitas décadas. Julgávamos que, em Portugal, não deveriam seguir esses velhos exemplos!

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado dá como normais e pacíficas coisas que o não são. Alguma vez, Sr Deputado Jaime Gama - e apelo aos seus conhecimentos de policólogo -, é normal uma renovação de uma liderança política implicar eleições?! O que é normal é nem sequer implicar substitui-

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cão do Governo! Tem havido inúmeros sistemas de mudança de líderes em que nem há substituição do Governo. Mas, entre nós, aquilo que está em causa é implicar ou não eleições. E vou citar-lhe vários casos na área socialista, em sistemas presidencialistas, semipresidencialistas, parlamentares. O que é que aconteceu quando Callaghan substituiu Wilson? Quando Brandi foi substituído por Schmidt? Quando Fabius substituiu Mauroy? Quando Bérégovoy substituiu Rocard? Quando, por motivos infelizes, Carlson substituiu Palme? Quando, na vizinha Espanha, Calvo Sotelo substituiu Suárez? A lista podia ser interminável. Não houve, obviamente, nenhuma dissolução. Não há qualquer tradição na Europa que implique dissoluções. Portanto, como vê, o PS fala em dados objectivos, mas avança com puros sentimentos que provam que não têm razão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois vêm dizer que o Sr. Primeiro-Ministro não quer ser julgado pelo eleitorado. Mas, Srs. Deputados, as eleições servem para apreciar programas ou pessoas? Essa personalização do poder que criticam são só os senhores que a praticam.
Finalmente, o maniqueísmo. Que o PCP possa vir dizer que sabe o que é o bem e o mal, colocando todo o bem de um lado e todo o mal do outro, compreende-se, porque tem uma visão dialéctica do mundo. Agora, Sr. Deputado Jaime Gama, para ter credibilidade é preciso ter um programa viável, dizer claramente o que se propõe, ousar fazer propostas impopulares - o que o PS não faz! - e saber que na política o que importa é o critério da possibilidade. Como é possível pretender, contra tantas organizações internacionais com credibilidade que reconhecem muitos méritos na governação do PSD, vir agora dizer que nada se fez?!

O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Srs. Deputados, o radicalismo verbal não colhe. O maniqueísmo não colhe! Chamo a vossa atenção para o exemplo do vosso congénere, o Partido Trabalhista britânico, que está na oposição há 16 anos porque não consegue quebrar este molde em que se meteu e em que o PS se está a meter do maniqueísmo, do radicalismo verbal e um pouco do oportunismo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, quero responder ao teor das questões colocadas pelo Sr. Deputado Pedro Roseta, dizendo que, naturalmente, a sequência política do País, resultado da crise em que ele se encontra por virtude da decisão do Primeiro-Ministro, aconselhará a que se adoptem, não por quaisquer razões de dedução lógica constitucional ou outra, aquelas soluções mais práticas que se destinem a acelerar uma saída da crise e a encontrar um referencial de estabilidade o mais ajustado possível à resolução dos problemas nacionais. Ou seja, a lógica de qualquer antecipação de um acto eleitoral não é aquela que resulta da mera interpretação ou dedução analítica de textos mas também de pressupostos de eficácia.
Se a solução política, na óptica do próprio Primeiro-Ministro, é tal que o leva a abandonar as responsabilidades do Governo, o imediato passo de uma sequência dessa natureza será no sentido de que o País encontre a solução mais ajustada para responder aos problemas nacionais e de que seja dada a outra força política idêntica oportunidade à que, várias vezes, foi dada ao PSD, através de dissoluções várias da Assembleia da República e da convocação antecipada de várias eleições, para que ela goze de benefício semelhante num quadro equitativo de competição. Isto é, a razão que leva a antecipar eleições é mais aquela que dimana tanto das exigências de funcionamento normal da sociedade e da economia como da razoabilidade que há em viabilizar outra solução do Governo do que quaisquer outras elucubrações em que nos possamos entreter sobre qualquer espécie de interpretação ultra-ortodoxa das disposições constitucionais, que, aliás, no caso vertente, minimamente o não permitem visto que não há no semipresidencialismo português qualquer relação entre a liberdade de decisão do Presidente da República nestas matérias e qualquer voto ou deliberação no Parlamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros e Srs. Deputados: Na sequência das razões que expressamente fundamentaram o texto da moção da censura apresentada ao Sr. Presidente da Assembleia da República, o PCP, pela voz do seu Secretário-Geral, trouxe a debate neste órgão de soberania "os problemas, inquietações e aspirações que percorrem a sociedade portuguesa".
Trouxemos igualmente a debate as prementes necessidades de clarificação da situação política e de dar solução aos graves problemas sociais e económicos, através do recurso à dissolução da Assembleia da República e à antecipação das eleições legislativas.

Aplausos do PCP.

Censurámos o Governo e o PSD pelas suas responsabilidades políticas na situação degradada que hoje o País vive.
Mostrámos que o Governo já não tem qualquer credibilidade para continuar a dirigir os destinos do País e que, após as declarações do Primeiro-Ministro na passada segunda-feira, o Governo deixou de ter legitimidade política para se manter.
O debate provocado pela moção de censura do PCP deu oportunidade, e levou, a que os restantes partidos com representação parlamentar explicitassem as suas posições sobre a questão essencial e central no actual momento da vida portuguesa: a necessidade de serem convocadas eleições antecipadas e a consequente dissolução da Assembleia da República.
Dos agentes parlamentares, só o Governo do PSD enveredou, uma vez mais, pela via da diversão, pela fuga ao debate dos reais problemas que afligem a sociedade portuguesa.
A censura popular ao Governo teve hoje expressão na Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Naturalmente, só o Grupo Parlamentar do PSD não censurou o Governo, manifestando claramente o seu temor por eleições antecipadas.
Mas, nas circunstâncias actuais, o eventual apoio da maioria parlamentar do PSD ao seu Governo é irrelevan-

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te, tanto do ponto de vista político como do ponto desvista constitucional e do da opinião dos portugueses, como foi salientado pelo meu camarada, Carlos Carvalhas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O debate da moção de censura permitiu ao PCP trazer à Assembleia da República a voz de! protesto do povo português e a necessidade de lhe devolver a palavra e a decisão nas umas, para pôr fim à gangrena provocada pela política de direita do PSD.

Aplausos do PCP.

O debate pôs em evidência a fragilidade deste Governo, cujo Primeiro-Ministro já anunciou a fuga, mostrando, assim, ter a derrota eleitoral do PSD como certa. Sabemos que o PSD gostaria de aproveitar esta oportunidade para obter uma resultado jurídico que procuraria esgrimir contra o efectivo e substantivo resultado político. Logicamente, não lhe daremos a possibilidade de fazer um voto de sobrevivência.
Por isso, não submeteremos à votação a moção de censura
E, com esse sentido, entrego, neste momento, ao St. Presidente da Assembleia da República a respectiva declaração, nos termos regimentais.
Fazemo-lo neste momento porque o Grupo Parlamentar do PSD, desesperado e desnorteado como está, proeurou subverter e degradar, inaceitavelmente, o debate.

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a moção de censura foi retirada, ao abrigo do n.º 5 do artigo 239.º do Regimento. Na verdade, o Regimento concede essa facilidade ao partido autor da moção de censura e, portanto, este debate, nos termos constitucionais, passa a valer como uma interpelação. É assim que a Constituição estabelece, pelo que este debate traduz-se, em termos práticos, numa interpelação feita pelo Partido Comunista Português.
Pedi o apoio dos serviços jurídicos para me respaldarem do que fazer e eles são da opinião que está esgotado o objecto deste debate. Em todo o caso, gostaria de fazer uma ronda pelos grupos parlamentares, para me tranquilizar quanto a esta interpretação.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, não consigo entender a razão que leva o Sr. Presidente a fazer, neste momento, uma ronda pelas bancadas. É que o Regimento é claro, não levanta qualquer dúvida, o que, aliás, foi confirmado pelos serviços jurídicos, como V. Ex.ª acabou de referir.
Portanto, este debate está encerrado a partir do momento em que foi retirada a moção de censura, já que deixou de ter objecto.
Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do PCP, nos termos regimentais e constitucionais, é penalizado, dado que a sua moção de censura passou a ser considerada uma interpelação ao Governo e o PCP só tem direito a duas por sessão legislativa e neste momento já consumiu uma.
Depois disso, Sr. Presidente, como nada mais há para discutir sobre esta matéria, o debate da moção de censura está encerrado.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, é óbvio que a retirada da moção de censura por parte do Partido Comunista Português se salda numa importante derrota política do Partido Comunista Português e da oposição...

Aplausos do PSD. Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que se circunscreva ao problema jurídico que coloquei e sobre essa questão quero também ouvir o Governo.

O Orador: - Sr. Presidente, se posteriormente me permitir fazer a interpelação à Mesa que tinha intenção de fazer após o anúncio do abandono, por parte do PCP, da moção de censura, nada obsta a que se discuta primeiro a questão regimental. Senão é mais importante a interpelação à Mesa do que a mera discussão regimental.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Orador: - Sr. Presidente, tive, aliás, ocasião de prever esta situação na minha intervenção. O Partido Comunista Português, pela sua atitude, mostrou claramente uma coisa: a moção, na prática, permitiu a demonstração de confiança do Grupo Parlamentar do PSD ao Governo...

Risos do PCP.

... e esse é um resultado político inequívoco! Aplausos do PSD, de pé.

Vozes do PSD: - Não se retira uma moção que vai ganhar!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço que conclua a interpelação à Mesa.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Este tipo de atitude política de pouca seriedade mostra bem...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não é uma interpelação à Mesa!

O Orador: - ... o estilo de política em que entraria Portugal se deixasse de haver uma maioria de Governo e estabilidade política.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Defesa Nacional, tem a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, houve aqui intervenções sobre a reforma do sistema político.

Vozes do PCP: - Porquê?

O Orador: - Eu explico.
Creio que a principal reforma do sistema político em Portugal, que me parece ser uma necessidade imperiosa e

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absoluta, é a reforma das mentalidades de alguns políticos portugueses.

Aplausos do PSD.

E digo porquê: VV. Ex.ªs não se inibem de chamar publicamente mentirosos a ministros, de dizer que eles faltaram deliberadamente à verdade, de dizer que...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas o que é isto?! Isto é uma interpelação à Mesa! O debate está encerrado! V. Ex.ª tem o discurso preparado e agora está aflito, porque não o pode fazer!

O Orador: - Onde é que está o discurso preparado?

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro está a fazer uma interpelação à Mesa, aliás no estilo em que as outras têm sido feitas.

O Orador: - VV. Ex.ªs, praticamente, acusaram-me de traição! VV. Ex.ªs, em particular, neste caso, os Srs. Deputados do Partido Comunista Português, apresentaram uma moção de censura em que afirmam o apoio às Forças Armadas da Indonésia, visando a minha pessoa, e não tiveram a dignidade de aceitar a solicitação feita à Mesa para me darem a oportunidade de aqui me defender e explicar as minhas razões, antes de vocês!

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, tem a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, com a devida vénia, discordo da interpretação que o Partido Comunista Português faz da Constituição e do Regimento.
Com efeito, o que o Regimento diz, no n.º 5 do seu artigo 239.º, sobre a hipótese de o partido que apresenta a moção de censura a retirar é o seguinte: "A moção de censura pode ser retirada até ao termo do debate, mas, neste caso, o debate conta para o efeito previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 183.º da Constituição".

O Sr. João Amarai (PCP): - Conta!

O Orador: - Por sua vez, a Constituição, nesta disposição, diz que constitui direito de cada grupo parlamentar "Provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial". Aqui, o que entendemos é que não está em causa meramente a contagem, para dizer que o Partido Comunista Português "queimou" uma interpelação e pode agora fazer outra, mas, sim, que conta, para efeitos de debate, como interpelação. Para todos os efeitos!
Neste sentido, entendemos que o debate deve continuar como interpelação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para além disso, trata-se de se fixar jurisprudência, pela primeira vez, em relação a este artigo 183.º, n.º 2, alínea c) da Constituição e ficaria mal aceitarmos uma chicana política de se iniciar uma moção de censura, atacar
um membro do Governo, que tem direito a responder - porque foi atingido na sua honra e consideração políticas! - e retirá-la, sem que ele responda.

Aplausos do PSD.

Entendemos que, se assim fosse e não havendo outra forma regimental, poderia qualquer partido apresentar uma moção de censura, atacar quem quisesse e, depois de fazer esse ataque, retirar a moção de censura, para deixar todos de "bico calado". Isso não é democracia!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Isso não é bom cumprimento do Regimento! Nós temos de fixar a jurisprudência, a qual, para honrar esta Câmara e para que estes exemplos nunca mais se repitam - ou, se se repetirem, que apenas se repitam quando o Partido Comunista Português tiver a maioria,...

Risos do PSD.

... e, então, nesta Sala, não estarão outros Deputados para além deles -, deve ser a de que o debate continue até ao seu termo, tirando apenas a votação da moção de censura. Nós, como grupo parlamentar, sustentamos esta interpretação e gostaríamos que V. Ex.ª a pusesse à votação e, se ela fizer vencimento, nesse caso, o debate deve continuar até ao fim, com excepção apenas da votação da moção de censura, isto é, o debate seguirá os termos de uma interpelação normal.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jaime Gama, tem a palavra. Solicito que se circunscreva ao problema jurídico que estamos a debater.

O Sr. Jaime Gama (PS) - Sr. Presidente, gostaríamos, neste momento do debate, e, porventura, fugindo um pouco de uma interpretação literal do Regimento, de fazer um apelo a toda a Câmara, no sentido de que o Ministro da Defesa Nacional pudesse responder às...

Protestos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Querem ver que ainda nos estava a fazer um favor, não?!

O Orador: - Não, não!

O Sr. Silva Marques (PSD)- - Era o que faltava!

O Orador: - O sentido da nossa intervenção é o de que o debate prossiga,..

Vozes do PSD: - Ah! Muito bem!

O Orador: - .. por forma a garantir que o Ministro da Defesa Nacional, que naturalmente é visado na fundamentação da moção de censura, tenha o direito de responder. É que nos debates parlamentares, para além daquilo que possa acontecer muitas vezes relacionado com os excessos de linguagem, de que todos nos devemos penalizar,...

Protestos do PSD.

... repito, de que todos nos devemos penalizar, nada há pior do que insinuações sem prova ou acusações que não garantam o direito de resposta.

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Aplausos do PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira pedi que todas as bancadas se pronunciassem sobre o problema jurídico aqui colocado, mas houve algumas, como a do PSD, que ainda não o fizeram.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - De facto, o Sr. presidente fez esse pedido a todas as bancadas, e claramente à do PSD, mas ela não respondeu, porque não quis.

O Sr. Presidente: - Mas anunciou que o faria num momento seguinte, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, o problema é que, desta forma, está a permitir-se que o Regimento seja, pura e simplesmente, "folha morta",...

Protestos do PSD.

Compreendo, Sr. Presidente, o desespero de Sobrevivência, manifestado pela bancada do PSD.

Protestos do PSD.

Tenho a informar, o que já explicitei durante este debate, mas gostaria de clarificar esta situação ao Sr. Ministro da Defesa Nacional e ao Governo, que a interpretação que o Governo pretendeu fazer da referência feita - e ela está escrita no texto da moção de censura - ao problema das OGMA não tem razão de ser nem sustentação.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Agora?!

O Orador:- Já o fizemos durante o debate. Porém, gostaria de dar esta explicação ao Sr. Ministro da Defesa Nacional. Pessoalmente, julgo que a merece, porque colocou questões pessoais e apenas por tê-las colocado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os senhores ofendem e, depois, pedem desculpa dessa forma ligeira?

O Orador: - Assim, em representação do meu grupo parlamentar, eu já tinha contactado a Mesa, há verias horas, e acordado em que, embora contra aquilo que ;é normal na alternância das intervenções, ele pudesse intervir em último lugar. Já o tinha feito, já o tinha dito - isso está confirmado!
Contudo, a partir do momento em que a bancada do PSD se comportou como se comportou, colocou os problemas que colocou, e da forma que o fez, absolutamente inaceitável e inadmissível nesta Câmara,...

Protestos do PSD.

... resolvemos - e foi isso que referi - fazer, de imediato, a intervenção e retirar a moção de censura.
Posto isto, Sr. Presidente, julgo que, neste momento, não há outra hipótese ou outra interpretação que não a de dar por findo este debate, a não ser que se pretenda saltar por cima de tudo que consta do Regimento da Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sn presidente, ponha à votação!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há muitos pedidos de palavra, mas temos de discutir isto com calma e serenidade.
O meu problema não é o de saber se aceito ou não a retirada da moção de censura, pois é evidente que ela foi retirada. O problema que temos de resolver é se o debate termina, aqui e neste momento. Esta é que é a questão.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP)- - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a moção de censura tem toda uma estrutura que termina numa votação e essa parte final perdeu o sentido. Só que houve um debate parlamentar e há mesmo forças políticas que ainda não tiveram ocasião de se pronunciar sobre a matéria. Por isso, apesar da recomendação que me chegou às mãos provinda dos serviços jurídicos, serviços que naturalmente pensam do ponto de vista das suas leges artis, tenho de aplicar isto ao debate parlamentar. É preciso salvaguardar sempre o debate parlamentar, o contraditório parlamentar! E há forças políticas aqui presentes que ainda não tiveram ocasião de se pronunciar sobre esta matéria. Ora, isto é que me parece não ser consentido pela lógica da acção parlamentar.
Porém, podemos discutir este assunto até à sua total clarificação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, vou dar-lhe a palavra, apesar de já haver um outro orador inscrito. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr Presidente, trata-se de uma efectiva interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente pretende dar a palavra a quem não participou num debate que está terminado.

Protestos do PSD. A questão...

O Sr. Presidente: - A questão em causa é a de saber se o debate terminou, Sr. Deputado.

O Orador: - Não. Sr. Presidente, em relação à questão interrogativa que V. Ex.ª agora coloca, recordar-lhe-ia apenas que, ainda não há muito tempo, numa interpelação apresentada pelo CDS-PP, este grupo parlamentar, precisamente porque não concordou com a representação do Governo, retirou-a no início e o debate foi, pura e simplesmente, dado por encerrado pelo Sr. Presidente.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Apenas solicito, Sr. Presidente, que siga sempre os mesmos critérios, como nos tem habituado, e que, neste momento, por outras razões, não altere esse critério, que é o que deve ser seguido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou a seguir os critérios que tenho seguido sempre. O problema é que se começou um debate e há uma lógica própria.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, não há qualquer paralelo entre o exemplo dado pelo PCP e a presente questão.
O que sucedeu, aquando da nossa interpelação, foi que, por o Governo não ter aparecido aqui, não demos início ao debate. Saímos da Sala, sem dar início ao debate. Ora, no caso presente, foi dado início ao debate.
O Regimento é claro - só para o PCP não o é! - e, se houver alguma dúvida, há uma maneira de resolvê-la: o Sr. Presidente toma uma decisão e a parte vencida apresenta o recurso e o Plenário decide quem tem razão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, para nós é claro que o debate não pode ser interrompido aqui.
Primeiro, porque seria um prémio a uma reserva mental do Partido Comunista Português,...

Aplausos do PSD.

... reserva mental essa que consiste no facto de ter anunciado a retirada da sua moção antes de o Governo ter tido a oportunidade de falar...

O Sr. João Amara! (PCP): - O quê?! Então o Primeiro-Ministro falou durante 60 minutos!

O Orador: - ... e antes de um partido representado nesta Câmara ter tido a ocasião de se pronunciar!

Protestos do PCP.

Em segundo lugar, Sr. Presidente, porque, para sanidade da questão de Timor, há ainda reparações, que, com calma e dignidade, têm de ser dadas,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... reparações essas para as quais penso haver disposição e com as quais todos ganharemos, se forem dadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes): - Peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar, sob o ponto de vista jurídico, sobre esta matéria, tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, é mesmo para fazer uma interpelação à Mesa, que pode ter um carácter jurídico; tudo o mais que pretendo dizer é muito breve, mas julgo ter o direito de fazê-lo, se me permitir.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, depois do requerimento apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, em nome do Governo, gostaria de dizer três coisas: em primeiro lugar, esta atitude do PCP merece, do nosso ponto de vista, uma leitura e uma censura políticas muito significativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Já sabíamos!

O Orador: - Já sabia, mas vai ter de ouvir.
Desde logo, porque julgamos inqualificável, para além dos aspectos jurídicos, que, no domínio ético e sobretudo político, num debate desta natureza, com o impacte que se criou em volta dele e com toda a encenação com que foi apresentado há alguns dias atrás, se queira insistir, forçar e pressionar para que termine, quando há outras intervenções a fazer e, designadamente, quando um grupo parlamentar devia ter, pelo menos, um mínimo de consideração por outro que ainda não pôde intervir e por outras representações desta Câmara.

Aplausos do PSD.

A segunda nota era para, na linha da abertura que o Governo exprime totalmente para a continuação do debate, sublinhar o seguinte:...

Protestos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Por quem é que devemos ter consideração?! Que conversa é esta?!

O Orador: - Sr. Presidente, o Governo é um agente parlamentar, julgo que tem o direito a emitir, ainda que de uma forma rápida, a sua opinião.
Esta é, de facto, a nossa posição, por muito que isso custe ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista, que percebe - e essa é que é a questão política - que teve uma derrota humilhante neste debate e que este seu requerimento é a confissão política, pública e expressa dessa derrota, que se deve, em grande parte, à acção do Governo e do grupo parlamentar da maioria.

Protestos do PCP.

Não é justo que se termine desta forma,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não termina!

O Orador: - ... porque está em causa um instituto constitucional desta natureza, a dignidade desta Assembleia,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Fale, antes, da sua casa!

O Orador: - ... e que, de alguma forma, um partido utilize um instrumento, como o da moção de censura, que é um instrumento que deve ser dignificado, apenas como instrumento de jogada política, como uma encenação e como uma farsa, como dizia, há pouco, o Sr. Primeiro-Ministro.
O respeito pela Assembleia da República exige que não pactuemos com esta farsa e com esta total ausência de escrúpulos da parte do Partido Comunista. Daí a nossa proposta de abertura para que o debate, sem ferir as normas regimentais,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é difícil!

O Orador: - ... possa continuar e para que, ao mesmo tempo, fique claro quem é que, falando muito de democracia, de lisura de procedimentos, de dignidade e de qualifi-

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cação das instituições, acaba por, na prática, agir exactamente em sentido oposto, em sentido contrário.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ouvi atentamente as razões das bancadas e suponho que é meu dever, como presidente, que tem a vossa confiança para dirigir os trabalhos, perguntar a quem está inscrito para intervir se quer usar da palavra e dar-lha, se essa for a sua vontade!
A moção de censura está retirada para efeitos de votação, mas passa a valer como interpelação e, por isso, temos de encerrar o debate. Em nome do contraditória, parlamentar, em nome dos princípios que regem o trabalho de um parlamento, não posso fazer outra coisa. E a minha decisão, como é óbvio, é passível de todas as críticas e de todas as votações em contrário.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra antes de V. Ex.ª se pronunciar. Não é que pense que iria influenciar em muito a decisão do Sr. Presidente; de qualquer forma, penso que tenho o direito de falar.
Fiquei comovido com as palavras do Sr. Ministro Marques Mendes, mas quero dizer-lhe o seguinte: as moções de censura e os debates parlamentares têm as suas regras e, independentemente das forças políticas gostarem mais ou menos de falar ou não falar, essas regras têm d0/ser respeitadas.

Vozes do PSD: - Pois claro!

O Orador: - Na minha opinião, ao ser retirada a moção de censura, o objecto da discussão esgotou-se. O partido que a apresentou é penalizado pelo próprio facto de a ter retirado e por ter ficado com uma interpelação Esgotada. Penso que tudo o resto depende daquilo que a Assembleia quiser fazer, mas, seja o que for, vai contra o Regimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos perder mais tempo com isto. A decisão está tomada: o debate vai prosseguir, excepto se houver uma decisão em sentido contrário da Câmara.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de clarificar qual é a posição que V. Ex.ª assumiu. A minha questão é se a posição é jurídica ou política.
Julgo que o Sr. Presidente considera - e gostaria de ver isso clarificado - que, do ponto de vista jurídico, o debate sobre a moção de censura do PCP está terminado.
A seguir, o Sr. Presidente põe a questão (política de poderem intervir os grupos parlamentares que ainda o não fizeram e o Sr. Ministro da Defesa Nacional uma vez que ainda não tiveram essa possibilidade.
Se for esta a interpretação exacta do Sr. Presidente, isto é, de que, por um lado, há a questão jurídica, regimental, de que o debate da moção de censura está concluído, e, por outro, há a questão política de se conceder um período complementar, para que possam falar os dois grupos parlamentares que ainda não falaram e o Sr. Ministro da Defesa Nacional, podemos apreciá-la, mas não apreciaremos a questão de nos tirarem aquilo que, julgo, Sr. Presidente, mesmo com base na experiência passada, não pode ser feito sem violação e sem ultrapassagem das regras regimentais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que está tudo claro. Felizmente que ouvi essas palavras do Partido Comunista Português.
A moção está retirada e não vai ser votada. Tínhamos um debate político programado, para o qual os grupos parlamentares tinham trazido as suas ideias, por isso, têm todo o direito de as expor aqui, senão não tínhamos começado o processo. Há coisas que não podemos fazer. Se um processo começa, temos de o levar até ao fim.
Portanto, tomo esta decisão, podendo dela recorrer quem não a aceitar, e prossigo dando a palavra de acordo com as inscrições.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar de Os Verdes aproveita todas as oportunidades, como é natural, para fazer as críticas que acha justas à política e à actividade governativa do Governo do PSD. Por isso, viemos também preparados para, no âmbito de um debate de uma moção de censura, dizer aquilo que pensamos relativamente ao que está em jogo.
Agora, Sr. Presidente, a questão que se nos levanta - e naturalmente que aqui o parecer dos juristas e dos constitucionalistas é importante - é se, a partir do momento em que o objecto do debate foi retirado, esse debate faz sentido hoje. Penso que é esta a questão que se coloca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a decisão está tomada. Vamos dar a palavra pela ordem das inscrições.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, há naturalmente certas situações em que o nosso Regimento - e V. Ex.ª sabe-o muito bem - tem lacunas ou dúvidas de interpretação. Nestes casos, teremos, naturalmente, de fazer recurso a princípios gerais do Direito parlamentar, que temos de ter bem presentes. Logo, parece-me ser um caso claro, fazendo recurso a esse tipo de princípios.
Efectivamente, não cabe dentro de um são princípio de debate parlamentar que um grupo parlamentar, que apresente uma iniciativa deste tipo, possa, ao sabor do debate e no momento que lhe ocorrer, guilhotinar esse debate e com isso as possibilidades de todos os outros grupos parlamentares terem uma intervenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Parece-nos, portanto, bem claro que o único sentido desta disposição é tão somente este: há debate.

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como estava programado, mas com uma diferença, não há votação da moção de censura.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feita esta interpretação, que é dominante na Câmara, que subscrevo, que foi bem argumentada, passamos à...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a questão está encerrada. Só lhe darei a palavra se pretender recorrer da decisão tomada. É isso o que pretende, Sr. Deputado Octávio Teixeira?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra não para recorrer, pois há uma decisão que nos é imposta, mas para colocar uma questão.
Gostaria de saber se, acabada esta imposição, nos termos em que o Sr. Presidente está a colocar a questão amanhã teremos a fase de encerramento do debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o princípio foi muito claramente exposto pelo Sr. Deputado José Vera Jardim.
Se hoje se esgotar o tempo atribuído ao debate, dou por encerrada a sessão porque não há votação. É muito simples!
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para dizer que estamos de acordo em que, após a intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira, o debate seja encerrado com a intervenção do Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, a Mesa vai continuar a dar a palavra pela ordem de inscrições.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Neste momento, alguns Deputados do PCP abandonam a Sala.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que criem condições para que o Sr. Deputado Adriano Moreira possa produzir a sua intervenção.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A impressão que tenho é a de que acabou por ser esquecido o facto que determinou este debate, que é a situação de Timor. E aproveito para lembrar à Câmara que já morreram 200 000 pessoas, que este debate está a ser transmitido em directo para o povo português e que, em minha opinião, não prestámos hoje, nesta Casa, um serviço ao desenvolvimento da autoridade do Parlamento e à relação de confiança e autenticidade que tem de existir entre a população e os órgãos que exercem a soberania.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Recordei-me algumas vezes, durante este debate, de um facto atribuído a, talvez, um dos nossos grandes tribunos históricos, António Campos, que, distribuindo o discurso escrito à Câmara, tinha à margem de um parágrafo: "argumento fraco; falar mais alto". E quando hoje, algumas vezes, se falou mais alto, foi exactamente quando os argumentos eram mais fracos, porque foi quando houve toques na dignidade de algumas das pessoas, ou na sua credibilidade política, ou na sua posição no aparelho político, que o argumento fraco provocou falar mais alto e o esquecimento de que a causa determinante deste debate é Timor - e já morreram 200 000 pessoas.
Ora bem, é o facto de se tratar de Timor que me leva a lembrar à Câmara de que foi distribuída, com data de 21 de Janeiro deste ano, uma news-letter da plataforma internacional dos juristas, que contam com um número apreciável de autoridades na área do Direito Internacional, alertando a comunidade académica mundial para a transcendia e a importância do julgamento que começa na segunda-feira.
Este apelo ao sentido de responsabilidade da comunidade académica não será, em meu entender, muito apoiado, no que toca aos interesses do povo de Timor, com o desvio do debate a que hoje assistimos nesta Casa.
O povo de Timor merece mais do que isto. O povo de Timor, na vida da mesma geração, foi submetido a dois genocídios e, neste momento, está a sofrer o segundo. O povo de Timor está a ser tratado pela comunidade internacional, em função dos interesses das grandes potências, como um povo dispensável O povo de Timor é dos que inspira a nova definição de Direito dos Homens e dos Povos que é posta à discussão mundial este ano, em 1995, por iniciativa das Nações Unidas
É por isto que, numa questão tão grave como esta, talvez não devamos ceder à tentação de misturar o debate crítico, recíproco e político com aquilo que é o interesse, o direito, a dignidade e a sobrevivência de um povo tratado como dispensável E é por isto mesmo que esta questão das OGMA, do material aeronáutico, deve, a meu ver, ser tratada com outro sentido. A questão não é o povo de Timor. O povo de Timor, eventualmente, vem à nossa inquietação pelo incidente das Oficinas, mas talvez pudéssemos meditar naquilo que está em causa, que é o problema da coordenação do Governo e da Administração e não o interesse de legitimidade do povo de Timor, o qual acredito que não tenha sido, alguma vez, esquecido ou posto em causa por qualquer membro do Governo. Ora, exactamente por isso, recordaria que o que está em causa são as violações de embargo, e acontece que um desses embargos diz respeito à Indonésia, afectando Timor.
Mas há outros embargos: há o embargo à África do Sul - terá acontecido alguma vez as OGMA terem praticado algum acto que viole esse embargo? -, há o embargo a Angola... E não nos podemos esquecer que a empresa está no mercado. Então, qual e a falha? Porque há alguma, que tem de ser assumida! A falha, penso eu, aquela que é visível, é a de não ter havido municípios-guia, orientações e instruções feitas aos serviços dependentes do Ministério, depois empresa pública, porque não é a empresa que está no mercado que vai ter conhecimento dos embargos.
É por essa razão que tenho dito - e julgo que o Sr. Primeiro-Ministro o toma em conta - que o Primeiro-Ministro deve esclarecer o país sobre um problema que é de coordenação do Governo e da Administração, que está sujeito a falhas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Neste caso, é necessário assumir as falhas, porque houve necessariamente descoordenação, e não pó-

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demos, quando temos órgãos responsáveis, permitir que eles não assumam essas responsabilidades.

Penso que, nesse aspecto, devemos criticar o Governo: houve falha de coordenação, houve confiança, talvez excessiva, na capacidade de a própria empresa - antes, departamento do Ministério da Defesa Nacional - seguir a variação de condicionamento da política externa do Governo, mas isso não tem que ver com a lealdade aos valores cuja defesa está entregue ao Governo, não tem que ver com a idoneidade dos portugueses envolvidos nisto, não tem, que ver com a dignidade dos responsáveis pelo Governo e, sobretudo, deixa de o ter quando cies são capazes de assumir a responsabilidade.
O Governo tem de assumir esta responsabilidade e de explicar ao país que não vai consentir que torne a acontecer um incidente que, por acaso, põe em causa o problema de Timor e que, eventualmente, pode pôr em causa outros interesses cuja violação afecte, eventualmente, tf credibilidade do Governo português.
Dito isto, gostaria de manifestar algum desgosto, que, tenho esperança, venha a ser partilhado pelo Sr. primeiro-ministro, que se retira. Durante 10 anos a vida portuguesa foi marcada pela presença do Professor Cavaco Silva. É uma personalidade forte que, mais uma vez, desencadeou em Portugal - o que é uma tradição histórica - a personalização do poder. Isto nada tem de pejorativo nem do contrário àquilo que acontece no fenómeno político; isto tem a ver com a relação entre quem governa e a população. Uns assumem, conseguem, implantam, outros não conseguem implantar esse carisma em relação ao povo que governam.
Mas isso tem custos, essa capacidade de personalizar o regime, de tornar fundamental a sua presença e a, sua decisão- um facto que a História vai sempre registar - tem passivos. Um deles é o de que, em transmissão televisiva directa para o povo português, reunimos hoje os representantes de vários órgãos de soberania que não vão ter qualquer responsabilidade no futuro próximo do país, o que é gravíssimo nas decisões que têm de ser tomadas. Mas nenhum dos senhores estará aqui - nem eu - para responder a esses desafios.
O principal desafio de Portugal - penso que o Sr. Primeiro-Ministro concordará comigo - é, neste momento, a revisão do Tratado de Maastricht. O país tem de estar preparado para ela. Não foi abordado nenhum desses problemas, nenhuma dessas questões na discussão da moção de censura. Por que razão? Talvez porque, quando isso acontecer, nem o Primeiro-Ministro será o piloto da negociação, nem este Governo será o responsável pela negociação, nem será esta Assembleia que vai fixar a orientação.
O país deve estar a olhar para nós nesta transmissão directa e a tentar avaliar qual é a validade, a eficácia e a confiança do sistema político.
Morreu Miguel Torga há poucos dias, e estava a lembrar-me, por causa desta situação de aparelho político adiado, de um comentário que ele fez uma vez em circunstâncias bem mais angustiantes do que as de hoje: "Apetece gritar, não há quem grite". E o que este Governo sabe, o que o Primeiro-Ministro sabe, o que a Assembleia sabe é que no ano em que vamos discutir um tema .fundamental para o futuro do país, que é a sua opção estratégica, nenhum dos que aqui está, em princípio, salvo novas eleições, quando for preciso gritar, estará em condições de ser ele "quem grite".
Isto devia, talvez, orientar-nos para um sentido de humildade perante as responsabilidades que nos cabem diante do país. Um sistema político que é, em grande parte, pela personalização- defeito das virtudes, efeito negativo das qualidades -, fez diminuir gravemente o prestígio e papel da Assembleia perante a população portuguesa. Desconfio que hoje não contribuímos muito para o recuperar.
Queria, só para me servir de exemplo, lembrar que, sobre esta questão gravíssima do Conceito Estratégico Nacional, que temos de decidir - está em estudo, já realizámos reuniões e chamámos as universidades para darem o seu contributo - o grande princípio que temos é o da subsidiariedade que vai ser um elemento fundamental da Constituição Europeia a que alguns chamam "a democracia das democracias".
Queria dar-lhe uma notícia, Sr. Primeiro-Ministro, nesta matéria tão grave. Há aqui forças políticas, aquelas que são mais vinculadas à cultura católica e cristã, que têm os seus autores e os citam. Nós citamos Francisco Suárez, São Tomás, os papas humanistas; há outros, como é o caso dos protestantes, que citam o esquecido Althusser, que voltou à superfície; outros, agnósticos, andam a citar Espinoza; os socialistas citam Proudhon, Pi y Margal e, entre nós, Antero de Quental.
A voz social-democrata veio à Câmara pelo Sr Engenheiro Cardoso e Cunha, numa sessão apoiada por esta Assembleia, e aquilo que ele nos explicou, com grande franqueza e largueza democrática, é que a discussão que temos tido sobre o futuro político da Europa, designadamente sobre o modelo federalista, é uma discussão idiota Não encontrei isto em São Tomás, em Suárez, em Pi y Margal. É uma grande audácia intelectual! Também nos informou nesse debate que a discussão que temos sobre a Europa, "democracia das democracias", portanto, respeitadora da identidade das nações, tem sido tramada entre nós de uma maneira estúpida Interpelado sobre o que acabo de referir, depois de ter entrado em tão magnífica companhia, com estes autores que costumamos citar, deu algumas explicações firmes para concluir que as palavras estavam bem utilizadas. Só teve uma grande virtude democrática, não excluiu do qualificativo nenhum dos intervenientes, nem V. Ex.ª, nem o Governo, nem o partido da maioria. Foi exemplar do ponto de vista do tratamento igual de todos.
Talvez possamos elevar o debate a uma altura maior. Entendo que IO anos de Governo, com o domínio de uma personalidade que fica marcada na História de Portugal, merecem mais altura quando nos mandarem anunciar o pensamento que circula pelas formações políticas que apoiam o Governo.
Por outro lado- quero voltar a insistir nisto-, para discutirmos esses tais problemas que dizem respeito à definição do Conceito Estratégico Nacional, precisávamos de ter algumas ideias, por exemplo, sobre a articulação da nossa investigação e do ensino com o sistema europeu.
Não houve uma palavra nesta discussão sobre o Governo e a censura ao Governo Devíamos ter uma palavra sobre o passivo do desenvolvimento pois todo o desenvolvimento tem um passivo, e nós temo-lo: chama-se agricultura em dificuldades, pescadores em dificuldades, Marinha Grande... Não houve uma palavra sobre o humanismo necessário para assumir a responsabilidade do passivo, e estávamos a discutir a censura ao Governo com todo o povo português, em directo, a assistir ao nosso debate!
Por último, para aligeirar um pouco o peso deste ambiente, só queria dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que aquele seu constante conceito, segundo o qual há 51% de portugueses de bom juízo e conceito de escolha, que votam em si, e 49% que só escolhem errado, teve hoje, aqui, um desenvolvimento importante por parte do Sr. Deputado Pa-

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checo Pereira. Porquê? Porque transformou as oposições na Rainha Má a ver-se ao espelho. Só faltou dizer-nos quem é, para ele, a Branca de Neve e o Príncipe, o que talvez possa ser revelado no próximo Congresso, e, sobretudo, que nos diga quem são os Sete Anões com os quais vai cortar.

Risos do CDS-PP.

É que talvez possamos abandonar esta visão tribal da vida portuguesa. Os 51% e os 49% têm a mesma dignidade e, por consequência, seria melhor que, de uma vez para sempre, acabássemos com esta perspectiva.
Quero terminar com uma muito leve e rápida consideração.
A Revolução já tem muitos anos, já vem de 1974. A geração que está a chegar à idade de ser eleitorado não tem noção do processo histórico em que o sistema se desenvolveu. A maior parte dos jovens que tiver tido a paciência de seguir o debate desta tarde não vai julgar o sistema em função dos sacrifícios feitos em favor da liberdade, em favor da racionalização do Estado, em favor da implantação de um regime democrático compensador daquilo que era considerado opressivo, vai julgar em função do comportamento.
Assim, apelo ao povo português que não seja levado por um sentimento que está a desenvolver-se entre nós, que é o da total irresponsabilidade, apelo - repito - ao eleitorado e aos outros, ao eleitorado que responsabiliza os outros, ao eleitorado que não toma a responsabilidade das escolhas que faz... Este sentimento, a generalizar-se, traduz-se na alienação de um sentido cívico fundamental. O comportamento desta Assembleia é essencial para que este estado de espírito não se desenvolva. O que espero, o que desejo, é que sejamos capazes de recuperar o prestígio que a Assembleia perdeu, recuperar a função que a Assembleia perdeu, recuperar as condições que nos permitam tratar dos assuntos do Estado sem os substituir pela agressão pessoal, tratar dos assuntos do Estado sem os substituir pela insinuação de intenções e práticas, tratar dos assuntos do Estado sem nos esquecermos que todos passaremos e que o que desejamos é que a Nação continue.
É natural, é possível que muitos dos intervenientes neste debate estejam hoje a lembrar-se de um conceito de Ibsen: "Um dia se verá que os vencidos são os vencedores, que os vencedores são os vencidos". Pode ser que estejamos todos enganados, quando chegar o julgamento popular.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, todos nós temos todo o respeito do mundo pelo seu saber, pela sua experiência, pela sua idade que, para mim, que sou mais novo, é um factor importante. Mas há uma coisa, Sr. Deputado. É que, há pouco, se não tivéssemos falado mais alto, o Grupo Parlamentar do CDS-PP não estaria agora a usar da palavra nesta Assembleia...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - Mais: numa Câmara democrática "quem não se sente não é filho de boa gente". Ora, o discurso do Sr. Deputado Adriano Moreira é demasiado vago, metendo-nos a todos no mesmo saco...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e eu não gosto de ser metido no mesmo saco com pessoas que, objectivamente, tiveram culpa de alguns dos incidentes que ocorreram nesta Casa.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, para mim, é sempre muito fácil sair de qualquer debate com uma imagem de Estado: basta deixar a intendência da condução dos debates para outros, basta estar fora daquilo que é a centralidade política do debate, daquilo que não é o centro da controvérsia entre partidos numa democracia - as diferenças de opinião - e, depois, como é evidente, eu poderia dizer tudo sobre a matéria sem sujar as minhas mãos nessa parte do debate. E, com franqueza - repito, com franqueza -, eu não gosto de ser metido no mesmo saco e de receber uma espécie de lição de moral sobre o comportamento parlamentar, a qual acho que não mereço, nem eu próprio nem o Grupo Parlamentar do PSD.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, com franqueza, julgo que o essencial do ponto de vista político é fazer diferenças, e penso que nem todos nós nos comportámos da mesma maneira esta tarde.
Mas há mais, Sr. Deputado: não me importo que o povo português veja que na Assembleia temos estas controvérsias. Não há nenhum Parlamento do mundo, num país democrático, que não as tenha. É assim no Parlamento inglês, é assim no Parlamento francês, é assim no Parlamento espanhol, e o nosso até é particularmente manso sob esse ponto de vista, para quem conheça a realidade dos outros Parlamentos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É evidente que me custa que a questão de Timor, sobre a qual há um consenso nacional, seja muitas vezes perturbada por incidentes parlamentares. É muito difícil que isso não aconteça num Parlamento e faz parte da aprendizagem da democracia compreender que assim é. E os portugueses que estão a ver-nos pela televisão devem compreender que numa democracia, nos Parlamentos, é assim que se discute e que, muitas vezes, é na controvérsia directa que melhor se percebem as diferenças.
Devo dizer-lhe que o que pior fez à causa de Timor, em Portugal, foi a mistura entre uma lógica e um pensamento imperial em relação às nossas colónias e uma lógica de pensamento de abandono imediatamente a seguir ao 25 de Abril.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, é o preço dessas duas vertentes, dos que olharam para Timor como se aqueles fossem os últimos homens que queriam permanecer portugueses porque tinham a nostalgia do Império e dos que tratavam Timor como se fosse uma colónia igual às outras que podia ser entregue à potência do lado, são estas duas maneiras de pensar o problema que, durante muitos anos, impediram que nós pudéssemos tratar o problema de Timor com a dignidade institucional com que necessitava de ser tratado.
Sr. Deputado, estamos dispostos a discutir tudo o que for necessário. Eu, francamente, até penso que à custa de um consenso nacional, que, muitas vezes, é feito de silêncios onde deveria haver fala, não discutimos suficientemente a

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questão de Timor. É porque, às vezes, o consenso é impeditivo de um raciocínio sobre a matéria em que incide e, evidentemente, os nossos condicionamentos internacionais impediram muitas vezes uma discussão livre, que há muito deveríamos ter tido sobre Timor. Mas, Sr. Deputado, nós estamos dispostos a fazê-la, de todas as formas, no Parlamento e fora dele, com a mesma seriedade institucional com que o Sr. Deputado a faz; exactamente nos mesmos moldes, exactamente da mesma maneira, não melhor nem pior do que o Sr. Deputado a faz.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, primeiro, quero congratular-me com a circunstância de a minha idade lhe permitir, apesar dos seus cabelos brancos, considerar-se jovem...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Mas eu tenho todo o respeito!

O Orador: - Espero que vá muito consolado e? tu fico satisfeito por prestar-lhe esse serviço e dar-lhe esse Conforto.
No entanto, também quero dizer-lhe - disse e repito -, quanto àquele conceito que referi sobre "argumento fraco; falar mais alto", que não me recordo de isto ter acontecido quando estava a debater a questão de Timor. Julgo que V. Ex.ª está extremamente desatento e não percebeu qual foi o momento em que isso aconteceu.
Sr. Deputado, é um facto que abandonámos um tema, que era o da moção de censura, e que, depois, houve "muito ruído" que não foi à volta da moção de censura. Aliás, parece-me que não estou desacompanhado neste meu sentimento, neste meu comentário que não quis personalizar, atendendo a regras que o Sr. Deputado também (conhece. Desconfio que o Sr. Ministro da Defesa entendeu inteiramente aquilo que eu disse e tenho a impressão d£ que ele não tem a mais pequena dúvida sobre o sentido das minhas palavras.
A última coisa que me podia ocorrer era pregar ao Sr. Deputado regras de comportamento! É evidente que não estava a fazer-lhe isso. Está longe da minha prática, e sobretudo da minha consciência, a capacidade de convencer os outros a mudar de comportamento. Deste modo, julgo poder dizer, serenamente, que ainda bem quilhe dei a oportunidade de fazer uma declaração tão densa e consistente; mas só lhe dei a oportunidade porque traída tenho a ver com a resposta que o senhor deu.
Agora, como cidadão, já tenho a ver com o que disse a respeito das tais concepções sobre Timor, parque tenho responsabilidades históricas pelo pensamento destinado a alterar a atitude portuguesa perante o problema ultramarino.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sei do que sou intelectualmente responsável e, por isso mesmo, sinto-me inteiramente à vontade para dizer ao Sr. Deputado Pacheco Pereira que, o destino de Timor não foi causa dessa alternativa de atitudes que referiu mas, sim, causado pela total irresponsabilidade dos que assumiram o poder no momento da transição.
E vou lembrar-lhe por que é que o falar mais alto se usa para argumentos fracos! Quando Timor foi destinado a ser entregue a um governo marxista, o Ministro Malik da Indonésia fez um discurso avisando que se tal acontecesse invadia Timor. Houve orelhas moucas neste país, pensaram que era "uma flor de retórica" para a comunidade internacional. Mas ele estava, pura e simplesmente, a dizer o que de facto ia fazer se o tentassem!
É por isso, porque a organização desse poder foi feita por portugueses, ignorando inteiramente a realidade daquela população, que quando o adversário dos timorenses e de Portugal, que se chama Indonésia, nos atribui responsabilidades históricas e morais as temos de as assumir porque é verdade!

Vozes do PSD: - Mas quem foi?

O Orador: - Foi esse comportamento inconsiderado e irresponsável que levou a essa circunstância, Sr. Deputado.
Ontem mesmo, numa revista publicada hoje, adverti que para o interesse do povo de Timor, para a defesa do consenso nacional que tem havido nesta matéria, para manter a solidariedade dos órgãos de soberania e a eficácia da intervenção de Portugal no mundo não era bom abrir o dossier das responsabilidades passadas. Julgo que esta advertência tinha fundamento, que o Governo se conteve e que não fez bem quem o tentou abrir.
Espero, com isto, ter contribuído um pouco para alimentar as suas limitações sobre esta matéria, com toda a certeza!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Tenha a bondade, Sr. Deputado. Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados dispõe de tempo para asar da palavra, peço que o façam da forma mais breve possível.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD). - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Adriano Moreira, referi exactamente a não abertura desse dossier quando, dirigindo-me ao Sr. Deputado Jaime Gama, disse que sobre essa matéria se devia manter reserva. Mas quando partidos políticos acusam o Governo de traição quanto à política de Timor têm de ser confrontados com as suas responsabilidades históricas, sob pena de quebrarem o consenso nacional sobre esta matéria!

Aplausos do PSD.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, concordo com as suas observações. Só queria, finalmente, pedir-lhe que saia do "saco" onde se meteu e que não era seu.

Risos do CDS-PP.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, hoje ocorreu, neste debate, um incidente desagradável, para pôr termo ao qual penso que dei um contributo.

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Protestos do PSD.

Visto que o tema é de novo levantado no debate, através de alusões indirectas, em relação às quais as responsabilidades não ficam claras, gostava de tornar claro dois aspectos.
Em primeiro lugar, não considero que haja traição do Governo quanto à questão de Timor a propósito do caso das OGMA.

Vozes do PSD:- Ah!

O Orador: - O Partido Socialista não o considera, e se algum militante socialista, alguma vez e em alguma circunstância, seja ela qual for, acusou pessoalmente o Ministro da Defesa Nacional de tal facto, sou o primeiro, sem ter qualquer responsabilidade nisso, porque tive ocasião de dizer publicamente o contrário, a apresentar-lhe aqui, em nome do PS, as minhas desculpas.
Gostaria, contudo, que idêntica atitude fosse assumida pelo líder do PSD em relação a insinuações quanto ao patriotismo do meu camarada Jaime Gama que, estou certo, ele também não pode partilhar.

Aplausos do PS e do CDS-PP.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, nos mesmos termos em que o fez o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, lamento mas não aceito ser igualizado num comportamento que sei ter sido diferente. E sem querer manter este incidente, chamo a atenção de que, da parte da nossa bancada, não houve qualquer acusação de traição ao Sr. Deputado Jaime Gama. Ó que se afirmou foi que o Sr. Deputado António Guterres fez um comício-festa, no Coliseu, nas costas do qual, durante a sua intervenção, conforme relato no jornal A Capital, de 23 de Janeiro de 1995, "num écran gigante instalado no palco foram exibidas imagens do massacre de Santa Cruz, enquanto uma voz off acusava que o Governo sabia e encobriu a reparação dos motores de helicópteros indonésios nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, e responsabilizava-o por esta autêntica traição".
Lamento, mas não é a mesma coisa. São duas coisas completamente diferentes! E a única coisa positiva que pode sair deste debate é que, de facto, não é a mesma coisa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar de novo a palavra ao Sr. Deputado António Guterres, mas quero lembrar, por último, que lá por o debate estar a ser transmitido em directo, não se trata de um debate televisivo mas, sim, parlamentar.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que, de facto, não gosto de ser metido no mesmo saco. Estou à vontade porque, sobre esta matéria, a minha posição foi pública e é contraditória com aquilo que é referido no jornal a propósito da posição de outros do Partido Socialista. Repito que se isso foi dito nesses termos, que não recordo, sou o primeiro a pedir desculpa por esse facto.
Mas também quero dizer que nenhum Deputado socialista, nesta Câmara - e aqui há responsabilidades especiais de representação popular -, se atreveu a fazer insinuações desse tipo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Entendo que são muito mais graves insinuações desse tipo, nesta Câmara, por parte de quem é responsável e mandatado do que qualquer dislate proferido por um militante de qualquer partido, incluindo o meu!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, considero encerrada esta questão...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para...

O Sr. Guilherme Silva (PSD). - Sr. Presidente, atingi o limite por, repetidamente, o líder da bancada socialista fazer a insinuação de que afirmei, relativamente ao Sr. Deputado Jaime Gama, aquilo de que ele acusou abertamente o Governo e os seus membros.
Aquilo que eu disse está nas actas da reunião e é para as actas que remeto os Srs. Deputados!
Não fiz nenhuma insinuação de traição à Pátria ao Sr. Deputado Jaime Gama, nem tive essa intenção. Quem me ofendeu foi o Sr. Deputado Jaime Gama e também está nas actas aquilo que disse a meu respeito!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr * e Srs. Deputados: No entendimento do Partido Ecologista Os Verdes, esta moção de censura ao Governo, independentemente dos resultados da sua votação, justificava-se tanto pela necessidade de denunciar com maior vigor os resultados negativos para Portugal e para os portugueses da política e da acção governativa do PSD, como pela urgência de, no interesse nacional, clarificar melhor a actual situação político-institucional.
É igualmente de salientar a oportunidade da apresentação desta moção de censura, perante dois recentes acontecimentos que têm elevados reflexos negativos tanto na vida nacional como na imagem de Portugal junto da comunidade internacional.
Refira-se, em primeiro lugar, que uma empresa tutelada pelo Governo, através do Ministério da Defesa Nacional, contra o interesse nacional, procedeu à reparação de equipamento militar da Indonésia que, como sabemos, é a responsável pela dizimação massiva do povo de Timor Leste.
Com este desmando, a todos os títulos inadmissível e intolerável, o Governo do PSD deixou claro que, na sua administração, os negócios da indústria de equipamento militar, mesmo envolvendo a Indonésia, são avaliados como se de qualquer tráfico de sacos de batatas se tratasse.
Talvez tenha sido por isso que o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa Nacional pensaram que tinham encerrado o assunto com o tradicional anúncio de mandar fazer um rigoroso inquérito- processo administrativo usual e justificável mas sem quaisquer consequências na responsabilidade política.

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Com esta atitude, o Governo PSD demonstrou mais uma vez que não quer ou não é capaz de assumir perante o povo português as suas responsabilidades por erros ou omissões de elevado significado político, mesmo quando está em causa a imagem de Portugal e a credibilidade do Estado português, no seu esforço e responsabilidade histórica de sensibilizar a comunidade internacional para forçar a Indonésia a desocupar o território de Timor Leste e a restituir o direito à autodeterminação ao seu povo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes consideram que a gravidade e o alcance político deste acontecimento justificavam e justificam, sem qualquer dúvida, em nome do interesse nacional e da dignidade do povo que somos, a auto-demissão deste Governo.
Como o Governo não soube e não quis assumir essa responsabilidade política, exigia-se que fosse censurado, também aqui, no plano institucional.
O outro acontecimento recente de grande significado político é a decisão prepotente e autoritária do Primeiro-Ministro de, por razões pessoais e também no que considerou ser o interesse do PSD, o seu partido, querer impor aos portugueses um Governo a prazo certo, comandado por si próprio, recusando-se a ser avaliado pela política desastrosa que tem prosseguido e pela crise política em que envolveu o País. Com esta situação será também beneficiado o PSD, já que se poderia aprestar às eleições com um novo líder e, assim, não assumir totalmente as responsabilidades que efectivamente tem pelos efeitos nefastos desta política e desta acção governativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Verdes consideram que a situação que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva quer impor aos portugueses é uma farsa que, à luz da tradição e das normas eleitorais que a Constituição estabelece, carece, além do mais, de legitimidade política. Basta dizer que as eleições são para os Deputados e não para os primeiros-ministros e que o papel dos líderes dos partidos não é desprezível nas disputas eleitorais.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, esta farsa que nos pretende ser imposta deve ser também avaliada nas suas consequências económicas, sociais e ambientais e, bem assim, nas condicionantes que impõe ao desenvolvimento do País.
Uma situação de Governo a prazo certo é caracterizada pela falta de clarificação política, a qual gera, expectativa, incerteza e desconfiança, factores, estes, que, por sua vez, geram instabilidade social e política e, naturalmente, retraem opções de investimento.
Neste quadro, que só poderá vir a ser ultrapassado com novas eleições, com a aprovação de um novo programa de governo e com um novo Orçamento do Estado, Portugal e a sociedade portuguesa perderiam pelo menos um ano no seu esforço necessário e fundamental de desenvolvimento do País e de criação de melhor bem-estar e qualidade de vida para os portugueses.
Não é possível, pois, permitir que por interesses pessoais ou partidários seja adiado e posto em causa o interesse nacional. Sobretudo Portugal e os portugueses não se poderá dar ao luxo de desperdiçar oportunidades ímpares, como é o caso do aproveitamento dos fundos comunitários disponíveis e a disponibilizar e do processo de revisão do Tratado de Maastricht.
Por todas estas razões, o Partido Ecologista Os Verdes pede a demissão deste Governo, bem como a dissolução da Assembleia da República, e defende a realização de eleições antecipadas no mais curto espaço de tempo.
Mas esta posição de Os Verdes baseia-se também na avaliação que fazemos da política que o PSD e o seu Governo impuseram ao nosso país nos últimos anos e que se traduz na realidade social, económica, cultural e ambiental que, hoje, vivemos, apesar dos largos milhares de milhões de contos que entraram no País e que poderiam ter sido utilizados na promoção de um verdadeiro desenvolvimento sustentável e harmonioso do todo nacional.
Ao invés, verificamos que a estrutura industrial portuguesa não se modernizou, com graves problemas para a economia nacional, a garantia e estabilidade no emprego e a redução dos níveis de poluição industrial.
No mundo rural, a submissão a interesses exteriores, o não reconhecimento da especificidade da agricultura portuguesa e o quanto ela pode contribuir para uma estratégia de desenvolvimento autónomo do nosso país, conduziu a uma situação de profunda crise que tende a agravar-se e cujos sintomas mais degradantes e visíveis são a desertificação biofísica, o despovoamento e o desemprego, a erosão dos solos, a descaracterização da paisagem e o esvair das raízes culturais das regiões, que, pela sua diversidade, constituíam uma grande riqueza da nossa identidade cultural como povo.
Das opções de desenvolvimento que nunca se verificou, avançando-se sempre por acções avulsas e desgarradas de crescimento a qualquer preço, de acordo e em função dos interesses instalados, ressalta a situação de agravamento crescente das assimetrias regionais, de que são indicadores mais visíveis a desertificação e o despovoamento das regiões do interior, bem como o congestionamento insustentável no litoral, provocado pela concentração urbana e industrial de que resultam graves problemas sociais e ambientais, cada vez mais difíceis de gerir e ultrapassar.
A este propósito, não podemos deixar de referir a concepção e a prática centralista e centralizadora no exercício do poder deste Governo e, em particular, do Primeiro-Ministro, ao recusar-se a fazer a regionalização do País, impedindo o desenvolvimento regional através do incentivo à mobilização e ao aproveitamento de recursos e potencialidades endógenos e favorecendo a aproximação dos cidadãos ao poder de decisão.
A educação, no período de governação do PSD, apesar de sempre dita como a prioridade das prioridades, talvez tenha tido o maior revés de sempre, manifestado, sobretudo, tanto na falta da concretização de objectivos sucessivamente reformulados e adiados como na instabilidade gerada em todos os agentes e níveis de educação e ensino.
Na saúde, a política seguida, em vez de criar condições para um serviço tendencialmente gratuito, impôs a penosa obrigação de "quem quer saúde paga-a".
Em outros domínios mais específicos, mas nem por isso menos importantes e significativos para ilustrar a política do Governo PSD, refira-se o caso dos recursos hídricos, factor estratégico e fundamental em qualquer política de desenvolvimento sustentável. Além da escandalosa situação em que os rios internacionais perderam volumes de caudal significativos nos últimos anos, por evidente desleixo e desinteresse do Governo pelo que se estava a passar em Espanha, não se pode esquecer o facto de, numa manifestação de mera perspectiva liberal e economicista, o Governo ter criado, primeiro, os instrumentos legais para instalar um mercado da água em Portugal e só depois, por força de múltiplas pressões, se resolveu a avançar, a prazo, para a elaboração de estudos sobre a situação dos recursos hídricos em Portugal, elaborando posteriormente planos regionais, depois o plano nacional e, finalmente, se ainda houver recursos hídricos, talvez o Governo se decida a elaborar uma lei de bases dos recursos hídricos.

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Refira-se ainda o caso dos resíduos, relativamente ao qual, havendo legislação, desde 1985, que estabelece orientações claras quanto à estratégia a seguir para o seu tratamento e sabendo-se que, desde 1987, designadamente os resíduos tóxico-perigosos, produzidos em quantidades superiores a 1 milhão de t/ano, são lançados indiscriminadamente no solo, na água e no ar que respiramos, ainda hoje falta implementar uma estratégia que garanta a redução na produção, a reciclagem, a reutilização e o seu tratamento final adequado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ao longo desta intervenção, apresentámos bastas razões e exemplos concretos suficientes que justificam, à saciedade, a avaliação que fazemos da realidade política, económica, social e ambiental que está criada e, por consequência disso, em nome do interesse nacional, a posição que defendemos no sentido da necessidade urgente de dissolver a Assembleia da República, demitir o Governo e marcar, quanto antes, eleições antecipadas. Foi também para dar força a estas razões que apoiámos a moção de censura.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Atendendo ao adiantado da hora e à compreensão que foi revelada pela Câmara para ultrapassar uma dificuldade regimental, terei de suprimir algumas das partes da minha intervenção, que, em muitos casos e curiosamente, foi, de algum modo, premonitória, porque aquilo que eu tinha escrito antes do início desta discussão previa o que aconteceu e ela foi feita no pressuposto de que o Partido Comunista Português podia tentar interromper o debate. Foi feita nesse pressuposto porque este debate foi uma diversão, que não tem nada a ver com nada, a não ser com o propósito do PCP de trazer instabilidade ao País, instabilidade essa que, apesar dos seus violentos esforços, não consegue alcançar na rua e que pensava poder alcançar aqui.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas por detrás desse comportamento e contrastando com outras atitudes - que reputo de elevação democrática - que ocorreram na sequência de acontecimentos nada agradáveis verificados no decurso das nossas discussões, eu diria que aquilo que mais me chocou na iniciativa do PCP foi a referência feita, quer queiram quer não, de que houve apoio às forças armadas da Indonésia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Podem VV. Ex.ªs lamentar o que escreveram, explicar que não quiseram escrever o que está escrito, mas a verdade é que isso ficou escrito e conseguiram atingir a dignidade e a consideração de alguém que está na política com sentido ético, com generosidade e com dedicação à causa pública.

Aplausos do PSD.

Registo com muita satisfação o gesto de humildade democrática protagonizado pelo Sr. Deputado António Guterres. Aceito as desculpas e a explicação que deu. Foi a sua dimensão democrática que o permitiu fazer,- mas, Sr. Deputado, deixe-me que lhe diga, com muita sinceridade, que vamos mal se tivermos que, daqui em diante, continuar a pedir desculpas por acontecimentos como aqueles que levaram V. Ex.ª a fazê-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Felicito-o, pois, pela sua atitude.

A propósito deste debate, há temas que gostava de trazer aqui, para os partilhar convosco, do ponto de vista da sanidade da democracia em Portugal.
Neste momento - posso estar equivocado, mas é uma leitura que faço e que tenho obrigação de partilhar com VV. Ex.ªs -, existe, de algum modo, o perigo de haver uma cultura de denúncia, de delação, a instalar-se entre nós.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - E o SIS, Sr. Ministro?

O Orador: - Sr. Deputado Mário Tomé, não me dirigi a V. Ex.ª. Se sente culpas lá saberá porquê...

Protestos do Deputado independente Mário Tomé.

Estou a tentar falar com muita seriedade e de forma a que possa, no mínimo, acolher o vosso desejo de reflexão, que, naturalmente, pode levar a conclusões diferentes das minhas.
Mas, em Portugal, há quem converta uma notícia numa sentença. Não estou contra as notícias mas, sim, contra o espírito que converte notícias em sentenças!

Vozes do PSD: - Muito bem! Não estou contra as notícias; estou é contra o espírito que converte notícias em sentenças,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... ou que converte títulos em condenações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, o jogo democrático determinará, seguramente, a alternância, espero que não proximamente, mas um dia virá em que ela possa acontecer e o ambiente que a oposição está a criar para o poder de hoje é o ambiente que a oposição encontrará quando e se chegar ao poder.

Aplausos do PSD.

Sobre as OGMA, aquilo que tenho a dizer é muito simples: esperava que soubessem, sobretudo as pessoas que conhecem - e têm obrigação de a conhecer profundamente - a reforma que tem sido feita na defesa nacional e nas Forças Armadas portuguesas, como é difícil a um ministro, a um responsável político, fazer essas reformas e assumir, por vezes, responsabilidades que até podem não ser suas para que as reformas sejam possíveis e para que sejam feitas de forma gradual, sem grandes atribulações, sem agitações e com a adesão das próprias Forças Armadas.
Os estabelecimentos fabris das Forças Armadas foram departamentos que estiveram na directa dependência do Chefe de Estado-Maior, que viveram com grande autonomia administrativa e financeira e que durante largos anos, depois do 25 de Abril até praticamente há dois ou três anos, escaparam completamente - e os senhores sabem-no - ao

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controlo e à fiscalização do poder político, porque não havia ambiente nem condições legais para o fazer.
Por isso, responsabilizar hoje um membro do Governo pelo que se passou em 1992 ou 1993, com uma cultura de gestão que não era a desejada, é, seguramente, uma profunda injustiça, a menos que tenha havido qualquer facto deliberado, qualquer acção ou omissão de deveres fundamentais do ministro em relação a esses serviços.
Srs. Deputados, no caso da reparação dos dois motores, o cliente das OGMA é a Turbomeca e não a força, aérea da Indonésia.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O cliente das OGMA, o estabelecimento fabril onde foram reparados os dois motores, directamente dependente do Chefe de Estado-Maior da Força aérea, era uma empresa francesa com um contrato há largos anos com as OGMA e em que a respectiva execução tinha entrado, praticamente, na rotina.
Os Srs. Deputados, aqueles que sabem mais de assuntos de defesa, têm a obrigação de saber que, muitas vezes, nesses contratos existe aquilo a que se chama o exercise exchange, isto é, há pulls de motores que não têm nacionalidade, isto é, que vão rolando e tanto podem estar, hoje, no país A como, amanhã, podem estar colocados num avião do país B.
Assim, contratos desta natureza têm muitas vezes condições que estabelecem que a empresa contratante, quando passa os elementos ao subcontratante, nem sequer lhe dá notícia de qual é o país de origem dos próprios motores, até por uma razão de defesa dos seus interesses comerciais.
Srs. Deputados, o que se passou com os dois motores reparados pelas OGMA, através de um contrato com a empresa francesa e não com a Indonésia, foi o seguinte: toda a informação comercial e contratual que foi dirigida, aos serviços comerciais e à administração das OGMA não tinha uma única referência à força aérea indonésia.
Então, onde é que aparece a referência à força aérea indonésia? As OGMA estão ligadas por computador à empresa francesa Turbomeca e a ligação, repito, por computador, é feita directamente para as oficinas, para ia divisão de motores das OGMA, o que quer dizer - e Unho aqui os documentos - que o computador francês debitou, directamente para a divisão dos operários, para a divisão dos mecânicos dos aviões, para a divisão de motores, este conjunto de documentos com informações sobre os dois motores e apenas numa página (que é esta que aqui tenho) é que aparece a expressão "força aérea indonésio".
Portanto, os serviços comerciais e o conselho de administração não tiveram o mínimo acesso a esta Informação. Está mal! Não devia ter acontecido! Seguramente que está mal e seguramente que não devia ter acontecido! Mas há uma explicação plausível e mostra que não houve intencionalidade de ninguém de omitir ou esconder a quem quer que fosse esta situação.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, deixo agora convosco uma, preocupação e um motivo de reflexão: porque é que alguém, que teve conhecimento há dois anos destes acontecimentos, que teve notícia- porque teve! - de que havia dois motores da Indonésia a serem reparados nas OGMA, porque é que esse alguém só agora trouxe a público o conhecimento destes factos? Porque é que esse alguém não alertou, se achava isso
um mal, os seus superiores hierárquicos na empresa ou não comunicou ao Governo aquilo que se estava a passar?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta interrogação não significa mais do que uma interrogação. Julgo que, para quem tem sentido de Estado - e acredito que todos os Srs. Deputados têm sentido de Estado -, isto é algo que deve merecer também a nossa reflexão, a nossa análise e a nossa cuidada atenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, prometi não me alongar muito. Queria, no entanto, para terminar, perguntar o seguinte- porque aconteceu esta saga das OGMA? Por culpa de todos nós, talvez. Hoje, a oposição anda à procura de casos, anda em busca de casos e do que precisa é de casos, mas aquilo que foi, para as OGMA, o prejuízo resultante destes incidentes é algo dificilmente mensurável
Não vou dizer que é um grave prejuízo, mas vou lembrar aos Srs. Deputados o seguinte. VV. Ex.ªs anteciparam, alguns de vós, grandes prejuízos para a política externa portuguesa e para a credibilidade portuguesa em Angola, com o primeiro caso das OGMA; a verdade é que esses vossos temores, esse vosso empolamento artificial das coisas foi absolutamente desmentido com a vinda do embaixador Beye a Portugal, que manifestou, de forma inequívoca, a indispensabilidade de Portugal continuar a trabalhar para que seja possível a paz em Angola e para a própria formação das forças armadas angolanas.
Foi já pedida a Portugal, pelo Chefe de Estado Maior da UNA VEM 3, uma participação efectiva com forças militares na UNA VEM 3 e ainda recentemente se deslocou a Portugal uma delegação angolana com elementos das forças armadas comuns angolanas, oriundos da UNITA e do Governo, que desejam Portugal como o principal país que deve envolver-se na construção das forças armadas de Angola.
Assim, o voto que faço hoje, aqui, é que, neste segundo caso, VV. Ex.ªs também se enganem, também se equivoquem nos prognósticos pessimistas que fizeram, no sentido de que o que aconteceu e o empolamento excessivo que foi feito à volta dos dois motores da Turbomeca tenha o mesmo resultado em relação a Timor. Isto e, que Portugal não sofra o mínimo prejuízo na sua credibilidade externa, para continuar a lutar pela causa justa e legítima de Timor, que é, seguramente, uma causa nobre, em que todos temos de continuar a estar empenhados, apesar do que foi este debate e das divergências que possam subsistir entre nós.
Para concluir, digo-vos que teria uma grande satisfação se, amanhã, ultrapassada esta polémica e esquecida a luta acesa da discussão parlamentar, pudéssemos continuar, todos juntos, a lutar por Timor e pelos timorenses.

Aplausos do PSD, de pé

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Guterres, Octávio Teixeira, Narana Coissoró, José Lello e Mário Tomé.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres

O Sr. António Guterres (PS)- - Sr Presidente, Sr. Ministro da Defesa, não teria pedido a palavra sob esta fórmula- e a fórmula é indiferente - se o Sr. Ministro não tivesse feito aquilo que, em minha opinião, foi um aproveitamento político indevido da atitude que tomei...

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e se não tivesse feito à oposição acusações que considero inaceitáveis.
Quero dizer-lhe, com toda a frontalidade, que, da mesma forma que considero intolerável que seja feita, seja por quem for, qualquer acusação de comprometimento com o que se passou, qualquer acusação de ter sido conivente em alguma acção do Estado português favorável à Indonésia, também lhe digo, com a mesma frontalidade, que faz falta na vida política portuguesa uma outra cultura de responsabilidade ..

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - . e que à luz da minha cultura de responsabilidade - digo-lhe isto olhos nos olhos, com toda a sinceridade -, depois dos vários incidentes que se passaram no seu Ministério, o melhor serviço que o Sr. Ministro poderia prestar a si próprio, ao seu partido e ao País seria ter-se demitido. ^

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Eng. António Guterres, não me demiti, não me demito e não me demitirei.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - As eleições!

O Orador: - Srs. Deputados, peco-vos que aceitem a minha explicação ou, pelo menos, ouçam-na.
Eu não me demiti, não me demito e não me demitirei! Sabe porquê, Sr. Deputado? Porque não posso ser sensível aos seus apelos, pois o senhor é líder da oposição. Só posso ser sensível aos apelos do País, do Governo e do Primeiro-Ministro. de quem dependo, e da minha própria consciência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E a minha consciência diz-me: não te demitas!

Aplausos do PSD.

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Deputado, não tem o direito de me dar lições de dignidade. V. Ex.ª tem uma cultura que é a cultura do seu partido, a cultura da permissividade, do deixa passar, é tudo facilidades...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - O senhor concorda com todos os protestos O senhor diz às pessoas: "indignem-se!", e depois queixa-se da criminalidade; o senhor diz às pessoas: "não paguem!", "não trabalhem!"...

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O senhor, que tem essa cultura, tem uma cultura absolutamente antagónica do que é uma exigência máxima de responsabilidade. Sr. Deputado António Guterres, se alguma vez chegar a ser primeiro-ministro e se vingar a teoria que defende, V. Ex.ª terá que mudar de ministros todas as semanas porque, certamente, todas as semanas terá ministros a demitirem-se.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ainda cá está?! Não se foi embora?!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, o senhor e outros membros do Governo, além do Sr. Primeiro-Ministro que já o fez, podem continuar a repetir à saciedade que o tema da moção de censura apresentada pelo PCP era o problema de Timor e os acontecimentos das OGMA. Podem continuar a repeti-lo, mas isso não significa que passe a ser verdade. Uma mentira muitas vezes repetida não se torna verdade por esse facto.

Protestos do PSD

Aliás, o Sr. Ministro da Defesa Nacional tem um exemplo muito claro e muito concreto: o presidente da bancada do PSD não interpretou que fosse esse o tema da moção de censura.

Vozes do PSD: - E não era?

O Orador: - Ele fez a intervenção que fez e declarou...

O Sr. Guilherme Silva (PSD). - E muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, que eu saiba, ainda não passou a presidente e eu estou a falar do presidente do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas faço parte do Grupo Parlamentar do PSD!

O Orador: - O presidente do grupo parlamentar, que fez a intervenção pela bancada do PSD nesta moção de censura, disse qual era a questão que estava em debate na moção de censura e, por isso, Sr. Ministro, não nos venha referir que o debate foi uma diversão. Se houve tentativas de diversão, e elas ocorreram, foram por parte do Governo.

Risos do PSD.

O Governo tentou transformar esta moção de censura num debate sobre a questão de Timor porque na sexta-feira, dia 20, o Governo, quando foi apresentada a moção de censura, tentou agendar um debate sobre Timor e, como não teve possibilidade, sob o ponto de vista regimental, de o fazer, tentou fazê-lo agora, utilizando o tempo disponível para a moção de censura. Esta não é uma atitude ética!

Protestos do PSD.

Esta não é uma atitude politicamente aceitável e, por isso, Sr. Ministro da Defesa Nacional, gostaria de lhe dizer que quem está com sentido ético na política somos nós e sobre isso não aceitamos pretensas intenções de dar lições de quem quer que seja.
Sobre a questão relacionada com os motores dos helicópteros, a única coisa que gostaria de dizer e já o disse-

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mós publicamente, é que não acreditamos que o Sr Ministro da Defesa Nacional tenha responsabilidades pessoais, no que aconteceu, mas, inegavelmente, tem responsabilidades políticas e deve assumi-las. Até agora não o fez e isso não prova nada, não tem nada de humildade ética, de humildade democrática, antes pelo contrário, o Sr Ministro não é capaz, não consegue, não quer assumir as responsabilidades políticas que qualquer ministro responsável deve assumir.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr Deputado Octávio Teixeira, mesmo com a sua agressividade, V. Ex.ª não consegue disfarçar o indisfarçável, ou seja, que o PCP leve hoje aqui uma grande derrota porque o Grupo Parlamentar do PSD está unido e coeso e o Sr. Deputado teve medo da votação daquele grupo parlamentar! É essa a sua derrota!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Narana Coissoró

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro da Defesa, ouvi com imensa atenção a sua versão dos acontecimentos, quer relativamente ao primeiro caso OGMA, o caso de Angola ou do MPLA, quer relativamente ao segundo caso OGMA. o caso dos dois motores E devo dizer que não é pejorativamente que digo "a sua versão", pois, como jurista e sendo subscritor de um pedido de inquérito já votado nesta Assembleia da República, direi que só com o resultado desse inquérito terei a verdadeira e exacta versão de tudo quanto se passou, seja em relação a Angola, seja em relação ao caso dos motores, em Alverca Por isso mesmo, a sua versão ficará registada em acta, que a Comissão de Inquérito tomar em consideração para efeitos de ulteriores investigações.
Mas, independentemente dos resultados do inquérito, há duas ou três coisas que gostaria de perguntar a V Ex.ª. Em primeiro lugar, devo dizer que não fazemos um pedido de inquérito apenas baseado em notícias dos jornais, sem tirar as informações mínimas e a verdade e que as informações que lenho correspondem em grande parte àquilo que V Ex.ª disse, isto e, que as OGMA eram um "Estado" dentro do Estado. Referi-o e, algumas horas depois, pareceu-me ouvir dizer que também V. Ex.ª teria usado essa mesma expressão. Eu disse-o às 6 horas da manhã, à TSF, e. à tarde, li no jornal que V. Ex.ª dizia - se é que e verdade o que vem no jornal - que as OGMA eram um "Estado" dentro do Estado Ora, esse "Estado" dentro do Estado é dominado pelas Forças Armadas
Muitas vezes, a dilação não vem dos pequenos camaradas - não vem das pequenas enguias debaixo das rochas -, mas das camaradas mais altos, que, efectivamente., sabem lidar com a informação e sabem quando, como e muitas vezes por que passar a notícia, o que V Ex.ª também deve saber.
Agora, há uma coisa que não compreendo e que é o seguinte quando o Governo português faz uma, campanha em que diz às empresas privadas- fazendo ata uma campanha internacional junto dos nossos parceiros na Comunidade - que deveriam restringir e impedir quaisquer relações comerciais com a Indonésia, não me entra na cabeça que V Ex.ª, como Ministro da Defesa, não tenha dado uma directriz política aos seus estabelecimentos fabris no sentido de proibir ou impedir quaisquer relações com a Indonésia. Sc o tivesse feito, tenho a certeza absoluta que, dentro da disciplina militar, os motores não teriam sido reparados. Por que é que V Ex.ª não deu esta directriz aos seus próprios estabelecimentos fabris, quando o Governo deu às empresas privadas e fez um movimento na Europa junto dos nossos parceiros!
Em segundo lugar, não consigo compreender como é que o Brigadeiro Portela, cujo brio militar e integridade como pessoa de fornia nenhuma está em causa, foi já demitido e, apesar de o ter sido, continua ainda em funções. Está em funções porque não foi nomeado outro, dirá V. Ex.ª Só que tem de haver pejo! Isto é. um brigadeiro que está demitido, que deu cobertura a V Ex.ª e ao Primeiro-Ministro, continua em funções e, sabendo que está a decorrer nesta Assembleia da República um inquérito em que esse brigadeiro é visado, como responsável directo pelo que se passou, permite-se assinar comunicados - e neles aparece ainda como responsável pelas OGMA - a mandar abrir inquéritos e a dar-lhes publicidade
Isto é surrealista, já que qualquer pessoa se interroga: então, uma pessoa que está sob inquérito da Assembleia da República continua a dirigir as OGMA. a abrir inquéritos e a emitir comunicados?
Isto e algo que não entra no jogo normal da nossa compreensão e, por isso mesmo, gostaria que V. Ex.ª dessa à Câmara estes dois esclarecimentos, já que eles englobam também um pouco da sua responsabilidade.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró Da forma mais sintética possível, quero dizer que as palavras que proferi da tribuna não corresponderam, exactamente, às do texto escrito que trazia De resto, tiveram a oportunidade de ver que improvisei e que acabei por não o ler, porque eu próprio considero preliminares os dados que vos forneci, uma vez que o inquérito da Inspecção-Geral das Forças Armadas não está acabado Portanto, foi com a reserva própria de quem não dispõe de todos os elementos que adiantei os dados disponíveis
Por outro lado, tenho também consciência que está a decorrer, na Assembleia, um inquérito às OGMA, para cuja abertura foi pedida a minha opinião e a que eu respondi "com certeza, até porque tenho um grande interesse na ajuda que a Assembleia pode dar para o esclarecimento da situação."
Quanto às duas questões muito directas que me fez, quero dizer-lhe que, para as OGMA, a este nível de Estado e dentro de um ramo das Forças Armadas como a Força Aérea, as orientações da política externa portuguesa são claríssimas e, se são claríssimas, as coisas óbvias não têm de se lhe dizer. E tanto assim é que as OGMA, Sr Deputado Narana Coissoró, recusaram fazer negócios com a Indonésia, com os agentes e as empresas da Indonésia que aparecem em todas as feiras internacionais de equipamentos para tentar estabelecer esses contactos.
Posso dizer-lhe também que as OGMA cancelaram, em 1989, um contrato de avença que tinham com um agente para o Extremo Oriente situado na Indonésia
Posso ainda dizer-lhe que as OGMA, por exemplo, têm. neste momento, parada nas suas oficinas, desde 1991, a reparação de quatro motores, por não terem a certeza do

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end user, ou seja, do seu destinatário final. Como a empresa que contratou o serviço ainda não esclareceu quem é o destinatário final dos motores, as OGMA recusam-se a proceder à sua reparação, como já recusaram encomendas de países diversos em relação aos quais há embargos internacionais
Portanto, as OGMA conhecem as orientações da política externa portuguesa e muitas vezes têm de pedir autorizações, através do Ministério da Defesa Nacional, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para desenvolverem determinadas acções Portanto, as OGMA têm uma estrutura de funcionamento conhecedora das orientações globais do Estado.
Sr. Deputado Narana Coissoró, quanto à manutenção no exercício de funções do Brigadeiro Portela, lembro-lhe que as OGMA são uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e, consequentemente, a demissão do Brigadeiro Portela só pode ser consumada na assembleia geral dessa sociedade. Não é o Ministro da Defesa Nacional que aceita a sua demissão mas, sim, a assembleia geral das OGMA.
Perguntou-me também por que é que cie não foi substituído. Sr Deputado, a má-fé e a ignorância são, muitas vezes, atrevidas. Os estatutos das OGMA dizem o seguinte' "O presidente das OGMA tem de ser um oficial-general no activo." Assim, o Ministro da Defesa Nacional entendeu que enquanto não houvesse Chefe do Estado-Maior da Força Aérea nomeado em termos definitivos não devia solicitar ao Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, em pleno exercício de funções, um nome para substituir o Brigadeiro Portela. Entendido, Sr. Deputado?

Aplausos do PSD

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep ): - Sr Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, muito rapidamente, quero apenas abordar três questões
Em primeiro lugar, no que se refere à cultura da delação, não sei se ela tem a ver com o SIS, do Governo, ou com a incompreensão do Governo em relação à transparência da sua própria governação. Acho que o interesse público por aquilo que o Governo faz e a procura de factos que podem revelar esta ou aquela atitude do Governo, não podem ser considerados como delação. Delação será, isso sim, o que o Governo tenta promover através da lei do segredo de Estado, de determinadas formas de censura, para impedir a liberdade da imprensa, e do próprio SIS.
Em segundo lugar, apesar de não repetir a questão da responsabilidade política, pois tive oportunidade de falar e esse respeito quando há pouco interpelei o Sr. Primeiro-Ministro, não quero deixar de dizer-lhe que, quando se dá ao negócio e ao mercado o peso que se dá, não nos podemos admirar que se pense que os motores vem para serem reparados e o Governo vai nisso.
Mais: quando assistimos a uma entrevista pública, em Portugal, do Ministro da Defesa inglês, estando a seu lado o Sr. Ministro Durão Barroso, em que aquele diz que vende e venderá, e muito bem, aviões para a força aérea indonésia, sem que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal pestaneje, é evidente que, depois, é possível pensarmos tudo das atitudes do Governo em relação a estas questões.
Finalmente, gostava de lhe perguntar o que o Sr Ministro entende - referi-o há pouco, em resposta a outro
Sr. Deputado- por um Governo unido e coeso Unido e coeso em torno de quê, pergunto-lhe Em torno de um Governo que já não lhe "dá cavaco", em torno de um Cavaco que se vai embora e deixa o PSD sem tutela,...

Protestos do PSD

.. ou em torno da caminhada para a derrota eleitoral?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, o Grupo Parlamentar do PSD, de certeza, não está em torno de V Ex.ª..

O Sr. Mário Tomé (Indep.) - Ainda bem!

O Orador: - O Sr. Deputado é uma pessoa inteligente e, portanto, com certeza, fez de conta que não percebeu Eu não disse que uma notícia é uma delação Não! A notícia é uma notícia. Não critiquei o facto de um jornal publicar uma notícia que lhe chegou às mãos. Com certeza que não podia fazer outra coisa! O que coloquei à reflexão de todos foi a razão pela qual, se havia pessoas que conheciam com tanto pormenor que se estavam a reparar nas OGMA motores da Indonésia, não o disseram às entidades competentes para evitar, então, o estrago que poderia resultar para os interesses de Portugal Quem traiu quem, aí! E porquê? Por que razão se esperou dois anos para se fazer a delação?

O Sr. Mário Tomé (Indep): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?

Protestos do PSD.

O Orador: - Não dou, Sr. Deputado. Quanto à economia de mercado, o melhor é o senhor ir explicar isso aos trabalhadores das OGMA

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs Membros do Governo, a fase do debate parlamentar desencadeado pela apresentação da moção de censura pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português e que estava em curso no momento em que esse partido retirou a moção, está concluída. Não faz, por isso. qualquer sentido entrarmos na fase final, que seria a do encerramento, depois de ter sido retirada a moção

Aplausos do PSD. de pé

Assim, não haverá fase de encerramento nem, consequentemente, sessão parlamentar amanhã
Srs. Deputados, o Plenário voltará a reunir na próxima quarta-feira, dia 1 de Fevereiro, pelas 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia, do qual consta o inquérito parlamentar n º 20/VI - Sobre as eventuais irregularidade? praticadas pela administração do Hospital de Beja na concessão da exploração da morgue do Hospital (PSD) e as propostas de resolução n.ºs 15/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Turquia e 83/VI - Aprova, para adesão, o Acordo entre as Partes Contratantes do Acordo de Schengen e a Polónia relativo à Readmissão de Pesso-

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as em Situação Irregular e a respectiva Declaração Comum e Acta Anexa
Srs. Deputados, esta encerrada a sessão.

Eram 23 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Filipe Manuel da Silva Abreu
Joaquim Eduardo Gomes
José Angelo Ferreira Correia.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Martins Seguro.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados;

Partido Social-Democrata (PSD).

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Domingos Duarte Lima
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Rui Carlos Alvarez Carp

Partido Socialista (PS)

António Poppe Lopes Cardoso.
João António Gomes Proença
João Cardona Gomes Cravinho
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Manuel António dos Santos
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Rogério da Conceição Serafim Martins

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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Depósito legal n º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República

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Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do "Diário da República" e do "Diário da Assembleia da República", deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1099 Lisboa Codex

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