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Sexta-feira, 10 de Fevereiro de 1995 I Série - Número 41 1451
VI LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE FEVEREIRO DE 1995
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRIO
O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns Outros
Em interpelação à Mesa. o Sr Deputado Silva Marques (PSD) criticou uma notícia publicada num jornal sobre declarações do Secretário-Geral do PS à Associação dos Promotores Imobiliários em relação ao Decreto-Lei n.º 351/93. de 7 de Outubro, após o que intervieram, a diverso título. 01 Srs Deputados Jorge Lacão, António José Seguro e Armando Vara (PS) e Rui Carp (PSD)
O Sr Deputado André Martins (Os Verdes) abordou questões relativas à instalação de estações de tratamento de resíduos toxicoperigosos
O Sr Deputado José Sócrates (PS) falou acerca da crise política do PSD e das suas consequências governativas
O Sr Deputado Alexandrino Saldanha (PCP) teceu considerações sobre o si eterna bancário português
O Sr Deputado Adriano Pinto (PSD) congratulou-se com o desenvolvimento que se vem registando na região do Vale do Sousa.
O Sr Deputado Eurico Figueiredo (PS) chamou a atenção da Câmara para a importância da salvaguarda do património que representam as pinturas rupestres; descobertas no Vale do Côa No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Sousa Lara (PSD), Paulo Rodrigues (PCP), Manuel Queiró (CDS-PP), Vieira de Castro e José Costa Leite (PSD)
O Sr Deputado Acílio Gala (CDS-PP) alertou para a necessidade da tomada de medidas que viabilizem a cultura do kiwi
O Sr Deputado Antónia Vairinhos (PSD), a propósito do debate público que teve lugar sobre o Plano Regional de Turismo ao Algarve, salientou o peso das receitas do turismo na economia nacional, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Luís Filipe Madeira (PS)
Ordem do dia.- Deu-se conta da eleição de cinco membros para a Alta Autoridade para a Comunicação Social
A Assembleia aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre direitos e deveres dos Deputados arrolados como testemunhos em processo judicial, sobre o qual fizeram considerações os Srs Deputados Luís Filipe Madeira (PS). Narana Coissoró (CDS-PP). Cipriano Martins (PSD). José Vera Jardim (PS) e António Filipe (PCP).
Foram rejeitados os projectos de lei n.º 479/VI - Cria o relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxidependência, tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga (PCP). 480/VI - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes (PCP) e 472/V1
- Altera a Lei n º 69/78. de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), criando um período extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que completem 18 anos de idade (PS)
Procedeu-se ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 116/VI
- Autorização para contracção de empréstimos externos (ALRA) Intervieram, a diverso título, os Sn Deputados Manuel Azevedo (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Martins Goulart (PS)
Após o Sr Deputado José Reis Leite (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros. Comunidades Portuguesas e Cooperação sobre a proposta de resolução n. º 56/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo relativo à Modificação do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1984, respeitante à Utilização pela República Francesa de Certas Facilidades na Região Autónoma dos Açores, intervieram, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes), os Srs Deputados Lino de Carvalho (PCP), Mano Tomé (Indep A José Reis Leite (PSD) e Miranda Calha (PS)
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Finito.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Mana Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José da Costa.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Cosia Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Júlio José Saraiva Sarmento.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Solva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
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António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Acílio Domingues Gala.
Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, a proposta de lei n.º 121/VI - Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Civil e os projectos de lei n.05 495/VI - Criação da freguesia do Tojeiro, no concelho de Montemor-o-Velho (PSD), que baixou à 5.º Comissão, e 496/VI- Indemnizações às vítimas de contágio pelo vírus da SIDA na sequência de transfusões sanguíneas e ministração de medicamentos derivados do plasma humano (PS), que baixou à 1.ª Comissão.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: aos Ministérios da Agricultura e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios da Saúde, do Emprego e da Segurança Social, da Justiça e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe, Paulo Rodrigues, António Barradas Leitão, Raúl Castro, João Granja e André Martins; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Oliveira; ao Governo e aos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Saúde, formulados pela Sr." Deputada Isabel Castro; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Emprego e da Segurança Social, formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Maia; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Raúl Castro; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado António Murteira; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; e ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Manuel Maia, na Comissão Permanente de 21 de Julho; António Filipe, na sessão de 20 de Outubro; Isabel Castro, na sessão de 26 de Outubro; Paulo Rodrigues, nas sessões de 4 de Novembro, 11 e 13 de Janeiro; Jorge Paulo Cunha, na sessão de 9 de Novembro; Paulo Trindade, nas sessões de 22 de Novem-
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bro e 6 de Janeiro; Ana Maria Bettencourt, na sessão de 22 de Novembro; André Martins, na sessão de 7 de Dezembro; Alberto Costa, Caio Roque e Guilherme d'Oliveira Martins, nas sessões de 12 e 13 de Dezembro; e Lemos Damião, na sessão de 4 de Janeiro.
Devo ainda anunciar que irão reunir esta tarde as Comissões de Petições, às 16 horas e 30 minutos; a de Educação, Ciência e Cultura, às 16 horas; e a Subcomissão Permanente de Justiça, às 16 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar início aos nossos trabalhos propriamente ditos, dando a palavra ao Sr. Deputado André Martins para um declaração política, quero anunciar que se encontram a assistir à sessão alunos de várias escolas secundárias, entre os quais os do Instituto dos Pupilos do Exército, para os quais peço a vossa habitual saudação
Aplausos gerais.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, sobre uma questão de urgência.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, um jornal de hoje de manhã, insere, aliás, com larguíssimo destaque, uma gravíssima notícia que, a confirmar-se, merecerá da parte de todos nós um veemente repúdio. Diz esse órgão de informação que o Sr. Eng.º Guterres terá prometido à Associação dos Promotores Imobiliários que, sendo o PS vencedor nas próximas eleições, revogaria o Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro, que, como se sabe, feliz e finalmente, veio colocar fortes condicionamentos ao licenciamento de construção, a fim de parar a onda avassaladora que estava a destruir o nosso território.
A ser verdade o Sr. Eng.º Guterres ter prometido à Associação de Promotores Imobiliários que o PS revogaria o referido decreto-lei e, com base nisso, essa associação estar a apelar à desobediência civil, é, para nós, um facto da maior gravidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Penso que o Sr. Eng.º Guterres deve vir imediatamente a este Hemiciclo desmentir ou confirmar a notícia e peço que a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente seja convocada para ouvir a Associação de Promotores Imobiliários.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Repito, trata-se de algo da maior gravidade, não só pelo facto de a associação, baseada na promessa do Sr. Eng.º Guterres, estar a fazer apelo à desobediência civil, como por se tratar de uma atitude de veemente protesto, que não podemos deixar de repudiar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, a Mesa nada tem a informar sobre a matéria, pelo que vai dar a palavra ao Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente para, se assim o entender e até porque também pediu a palavra, se pronunciar sobre este ponto.
Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª compreenderá que não pedi a palavra na qualidade de presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente mas como Deputado do Grupo Parlamentar do PS, com responsabilidades próprias no domínio das autarquias locais.
Aliás, aquilo que ouvimos agora dizer ao Sr. Deputado Silva Marques poderia e poderá facilmente ser compreendido no contexto das iniciativas de pura chicana parlamentar a que o Sr. Deputado Silva Marques nos tem habituado.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Por outro lado, não deixará também de ser curioso verificar que a postura do Sr. Deputado Silva Marques já é, claramente, a de um Deputado da oposição a questionar políticos do PS pelas suas responsabilidades no governo que se avizinha
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Porém, é mais um acto falhado! Mas a questão substantiva, Sr. Presidente e Srs. Deputados, merece ser respondida.
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sim ou não?
O Orador: - Sabemos que estamos perante um quadro de conflitualidade de direitos, entre direito natural da Administração à correcta regulação do ordenamento do território e direitos de particulares, quando, por essa mesma Administração, se encontrem titulados para o exercício de actos próprios no quadro de licenciamentos obtidos.
Naturalmente que não favorecemos nem uma lógica despótica da Administração, que, de forma cega, viole ou violente direitos adquiridos, como, obviamente, não toleramos práticas sobre o território que comprometam um correcto ordenamento. Aquilo que o Secretário Geral do PS terá assumido é uma responsabilidade de ponderação dos interesses em causa e jamais...
Vozes do PSD:- Ah...!
O Orador: - Façam favor de ouvir, Srs. Deputados!
Repito, aquilo que o Secretário Geral do PS terá assumido é uma responsabilidade de ponderação dos interesses em causa e jamais, Srs. Deputados, qualquer compromisso no sentido de, também de forma cega, vir a aplicar ao contrário as disposições legais actualmente em vigor.
Por isso, Srs. Deputados, não é legítimo da vossa parte, na lógica, porventura legítima, cê que agentes privados procurem fazer prevalecer os seus pontos de vista, criarem uma imputação de suspeição às afirmações dos titulares de cargos políticos.
Nesse sentido. Sr. Deputado Silva Marques, faço-lhe o seguinte desafio: suscitem os Deputados do vosso grupo parlamentar na Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente essa questão e, então, sim, como Presidente da Comissão, terei todo o gosto em contribuir para clarificar esse ponto.
E, mais, Sr. Deputado Silva Marques, desde já o desafio a que façamos à volta da questão do ordenamento do território uma audição parlamentar em que todos sejam ouvidos, em que todos assumam as suas responsabilidades, para podermos justamente compulsar aquilo que são as responsabilidades próprias de cada uma das entidades.
Todavia, o que não fazemos, o que não faremos e o que não iremos tolerar ao Sr. Deputado Silva Marques é que este
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tipo de iniciativas sirvam, por exemplo, para encobrir a total incapacidade da Administração Pública central em assumir as suas responsabilidades.
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Veja-se, por exemplo, a questão do ordenamento do território na Área Metropolitana de Lisboa, relativamente ao qual, há meses e anos, se encontra nas gavetas do poder um projecto, por incapacidade de este o assumir face às suas próprias contradições internas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Secretário Geral do PS não assumiu as imputações que hoje foram divulgadas no jornal Público. E para que disso não restem dúvidas. Sr. Deputado Silva Marques, aqui fica o convite para uma audição parlamentar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra a dois Deputados que a pediram, quero lembrar um princípio muito simples: os debates de urgência, nas termos do artigo 77.º do Regimento, devem ser requeridos ao Presidente da Assembleia e devidamente fundamentados,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exacto!
O Sr. Presidente: - ... sendo certo que o Presidente da Assembleia convoca, naturalmente, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares para os agendar.
Por outro lado, tendo havido duas perguntas dirigidas à Mesa, ou, melhor, duas afirmações, que foram devolvidas à Câmara, avançou-se já num caminho de esclarecimento deste ponto, havendo um outro no sentido de se promover um debate de urgência. Peço, pois, aos Srs. Deputados que pediram a palavra que não insistam em usar dela.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de formular um requerimento.
O Sr. Presidente: - Queira formular o seu requerimento, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o meu requerimento é no sentido de a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente reunir hoje à tarde, requerendo ao presidente dessa Comissão, que está presente, que a convoque, a fim de se deliberar sobre a audição da Associação de Promotores e Investidores Imobiliários.
Requeiro ainda, Sr. Presidente, que V. Ex.ª, se assim for necessário, suspenda a sessão por alguns minutas, a fim de ser presente o esclarecimento que urge por parte do Sr. Deputado Guterres. O Sr. Deputado Guterres está certamente na Assembleia; se não está, deverá vir aqui prestar um esclarecimento, pois trata-se de uma grave afirmação que leva uma associação a incitar à desobediência civil.
Não basta que o Sr. Deputado Jorge Lacão funcione como procurador do Sr. Deputado Guterres. Ele próprio deve vir aqui desmentir aquilo que o presidente da associação hoje mesmo afirmou.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados insistem em fazer um debate de urgência, porque continuam a inscrever-se para pedir esclarecimentos.
O requerimento que o Sr. Deputado Silva Marques acabou de fazer não se dirigiu à Mesa mas, sim, ao presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exacto!
O Sr. Presidente: - Portanto, peço ao presidente dessa Comissão que pondere o seu requerimento e o decida em conformidade.
Vamos, pois, passar ao ponto seguinte.
O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só vou permitir interpelações à Mesa se forem estritamente nesse sentido. Cortarei a palavra aos Srs. Deputados que, a propósito de interpelações à Mesa, se pronunciem fora do seu âmbito.
Faça favor. Sr. Deputado.
O Sr. António José Seguro (PS). - Sr. Presidente, apenas gostaria de dar uma informação à Mesa.
Em primeiro lugar, o Sr. Eng. º António Guterres não afirmou, no jantar para que foi convidado, aquilo que o Sr Deputado Silva Marques aqui veio dizer, citando um jornal.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Está aqui no jornal!
O Orador: - Em segundo lugar, a Associação de Promotores e Investidores Imobiliários, hoje contactada pelo gabinete do Eng.º António Guterres, anunciou que iria, de imediato, emitir um comunicado público para desmentir essa notícia.
Aplausos do PS
O Sr. Silva Marques (PSD): - Traga aí o comunicado!
O Sr. Presidente: - A Mesa agradece o esclarecimento, acho que temos de...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, peço desculpa, mas não é a sua vez. Ainda que venha a usar da palavra, não é a sua vez.
Os jornais, com todo o respeito por quem neles escreve, trazem exactamente apenas o que lá se escreve.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, lamento não ter podido estar desde o início nesta sessão, mas o que me levou a pedir o uso da palavra foi tão-só o facto de eu ter acompanhado o Engenheiro António Guterres na reunião a que o Sr. Deputado Silva Marques fez referência, pelo que não podia deixar passar isto em claro.
De facto, nos dias seguintes, toda a comunicação social se referiu à intervenção feita pelo Engenheiro António Guterres nesse jantar, mas em nenhum órgão de comunicação social saiu rigorosamente nada no sentido que agora é aqui referido. Lamento que o Sr. Deputado Silva Marques tenha, com base numa afirmação de um responsável por um jornal, lançado aqui esta suspeição sobre o Engenheiro António Guterres.
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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Alguém pôs esta notícia para fazer esta intervenção!
O Orador: - Sou testemunha presencial de que nada disto aconteceu e o que acabou de dizer o meu colega, em relação à Associação de Promotores e Investidores Imobiliários, é também exemplo disso.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa- suponho que no exacto sentido desta figura regimental -, como Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, para pedir autorização para convocar uma reunião desta Comissão. Isto porque estamos reunidos em Plenário e, nos termos do Regimento, a possibilidade de as comissões reunirem em paralelo com o Plenário depende da autorização do Presidente da Assembleia
Assim, solicito a V. Ex.ª que dê de imediato autorização para que, de imediato também, seja convocada a reunião da Comissão.
"Quem não deve, não teme", Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Está deferido, naturalmente, o requerimento do Sr. Deputado, pelo que pode convocar a reunião da Comissão.
Por último, para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, que a pediu há pouco, mas peco-lhe que seja muito breve.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, as questões são muito simples. O que aqui peço formalmente ao Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente é que convoque já, para daqui a meia hora, a Comissão,...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É para já, mas não exagere!
O Orador: - ... a fim de ela proceder à audição da Associação de Promotores e Investidores Imobiliários, porque há uma gravíssima acusação ao Engenheiro Guterres. Se os senhores não estivessem cheios de medo,...
Risos do PS.
... eram os senhores mesmos que pediam a interrupção da reunião!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques,...
O Orador: - Srs. Deputados, em vez de rirem, chamem o vosso colega Guterres para vir aqui...
Protestos do PS.
... negar a grave acusação que lhe é feita por um jornal! Srs. Deputados, não riam, tomem a sério as vossas posições!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques,...
O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Presidente da Comissão tem a obrigação de convocar a reunião imediatamente; se não, não tem a menor moralidade...
Protestos do PS.
Os Srs. Deputados estão a dar um triste espectáculo daquilo que são perante as questões de princípios!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques,...
O Orador - Os senhores falam muito, mas nada fazem!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, está tudo esclarecido.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não vou dar a palavra a mais ninguém e vou lembrar dois princípios básicos do trabalho parlamentar: em primeiro lugar, as comissões são autónomas nas suas deliberações. Logo, como o Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente já disse que a iria convocar...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas para que hora?!
O Sr. Presidente: - ... e como todas as tendências políticas com representação na Assembleia estão presentes, reúna-se a Comissão, conforme convocação do seu Presidente e não ordem do Plenário.
Em segundo lugar, o Plenário não dá ordens a nenhum Deputado para vir aqui.
Assim, peco-vos, Srs. Deputados, que resolvam este problema no sítio adequado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, peco-lhe que não use da palavra.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, insisto no meu pedido!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, por sua insistência.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. O que ouvimos agora ao Sr. Deputado Silva Marques é, do ponto de vista da ética parlamentar, intolerável.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Intolerável é o que vem aqui, no jornal!
O Orador: - Por isso, peço a V. Ex.ª para exercer o direito de defesa da honra da minha bancada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que aqui acabei de dizer foi não só uma manifestação de disponibilidade como uma intenção concreta de realização imediata da reunião da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente.
Aquilo que o Sr. Deputado Silva Marques veio, de imediato, tentar sugerir foi que havia qualquer receio na concretização dessa reunião. Porque o Sr. Deputado Silva Marques não é surdo, agiu com má fé!
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - E é essa má fé que tem de ficar registada, para que se compreenda que aquilo que o Sr. Deputado Silva Marques não quer é o esclarecimento da verdade! O
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que o Sr. Deputado Silva Marques quer, mais uma vez, e só, é a pura chicana parlamentar!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Visto o Sr. Deputado Jorge Lacão ter usado da palavra para exercer o direito de defesa da honra da sua bancada, tem a palavra, para dar explicações, o Sr. Deputado Silva Marques, e com isto encerra-se este incidente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados socialistas, o vosso secretário-geral, ainda há cerca de um mês, se calhar nem tanto, afirmou haver um fenómeno de corrupção generalizada no interior do regime. Eu próprio fiz uma intervenção, da tribuna, acerca dessa questão e, inclusivamente, questionei-vos sobre se o que ele entendia por "interior do regime" seria apenas o PSD ou também os senhores, se seria só a Administração Central ou também a Administração Local. Na altura, os senhores não me quiseram responder ao nível do debate e da discussão geral das ideias e, agora, resta-me saber se nos quererão responder ao nível das actuações práticas e frontais, que não suportam desculpas de espécie alguma. Porque há aqui duas questões práticas: uma, a de saber se o Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente convoca ou não imediatamente a Comissão, pois ainda o não fez.
Vozes do PS: - Mas isso já foi dito!
O Orador: - Peço ao Presidente da Comissão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, dei-lhe a palavra para dar explicações, mas, como não é o que está a fazer, vou ter de retirar-lha.
O Orador: - Sr. Presidente, estou a justificar...
O Sr. Presidente: - Se assim não fizer, como alternativa, terei de convocar uma Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e suspender de imediato a sessão.
Vozes do PSD, do PS, do PCP e do CDS-PP: -
Muito bem!
O Sr. Presidente: - Está suspensa a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, antes de darmos início ao período das declarações políticas, o Sr. Deputado António José Seguro vai proceder à leitura de um comunicado da Associação de Promotores e Investidores Imobiliários.
Tem a palavra, Sr. Deputado António José Seguro.
O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a ler o comunicado da Associação de Promotores e Investidores Imobiliários a propósito da intervenção aqui proferida: "Na sequência da notícia hoje publicada no jornal Público, pág. 49, intitulada Promotores imobiliários apelam à desobediência civil, e dadas as alusões aí feitas a pretensas declarações de V.Ex.ª no jantar
que organizámos em 31 de Janeiro p.p., a Associação de Promotores Imobiliários vem por este meio esclarecer t" seguinte:
1) Relativamente à grave situação criada com a vigência do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro, o Secretário-Geral do Partido Socialista limitou-se a reconhecer a urgência de promover um diálogo aberto e alargado entre as diversas "partes" por forma a concatenar, com o necessário "bom senso", os interesses envolvidos;
2) O Secretário-Geral do Partido Socialista não prometeu a revogação do referido decreto-lei e não produziu qualquer afirmação que permita fundar um apelo à desobediência civil;
3) As afirmações do Sr. Dr. J. E. Carmona e Silva são da sua exclusiva responsabilidade pessoal, uma vez que a Associação de Promotores Imobiliários não o mandatou, enquanto coordenador do Grupo de Trabalho, para nada que extravasasse da estrita convocação de uma conferência de imprensa destinada a divulgar a situação actual dos processos de licenciamento afectados pelo Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro, maxime o recente pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, remetido pelo Sr. Provedor de Justiça ao Tribunal Constitucional, na passada sexta-feira.
4) A Associação de Promotores Imobiliários não subscreveu, porque nunca subscreveria, afirmações que não correspondem à verdade dos factos.
Lamentando profundamente o sucedido, apelando para que V. Ex.ª creia que este processo nos foi totalmente alheio, subscrevemo-nos com elevada consideração".
Muito obrigado, Sr. Presidente, por me dar esta oportunidade e espero que, neste caso, seja esclarecida a verdade.
O Sr. Presidente: - Posto isto, está encerrado o assunto.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Vai pedir desculpas! Estão aceites!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, a declaração feita neste preciso momento revela claramente a descoordenação da bancada socialista, porque...
Risos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Carp, peço desculpa, mas tem de terminar, porque, se não, vou ter de retirar-lhe a palavra.
O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, gostaria de dizer que o Deputado do PSD que levantou esta questão, que consideramos pertinentíssima, foi convocado pelo colega do Sr. Deputado António José Seguro, o Sr. Deputado Jorge Lacão, para uma reunião da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente exactamente sobre esta matéria.
Portanto, veja-se bem, Sr. Presidente e Srs. Deputado, corpo o Partido Socialista trata destas questões.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Carp, dadas as explicações, está encerrado o incidente.
Vamos passar ao período das declarações políticas.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado André Martins, para uma declaração política, lembro a Câmara de que está
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a decorrer, na Sala D. Mana, a eleição de cinco membros para a Alta Autoridade para a Comunicação Social, até às 18 horas. Tem a palavra, Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Desde 1988 que o Partido Ecologista Os Verdes, designadamente aqui, na Assembleia da República, tem exigido ao Governo o seu empenhamento na resolução do gravíssimo problema que representa para a segurança de pessoas e bens e para a saúde pública a produção descontrolada e a deposição indiscriminada no meio ambiente dos resíduos toxicoperigosos.
Reivindicámos mesmo que fosse implementado o projecto que, ao tempo, a Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente propunha e que se baseava num levantamento feito por estimativa das quantidades produzidas deste tipo de resíduos, suas características e distribuição geográfica.
Esse estudo revelava que em 1987 se produziam em Portugal mais de 1 milhão de toneladas/ano de resíduos toxicoperigosos e se projectava, para 1995, a produção de mais de 2 milhões de toneladas/ano, e propunha, como solução para o problema, a adopção de um sistema centralizado e integrado composto por várias unidades: um incinerador, uma estação de tratamento físico-químico, uma estação de transferência e dois aterros controlados a localizar, um na zona norte e outro na zona sul do País. Tudo isto tendo em conta a quantidade e características dos resíduos produzidos e a sua distribuição geográfica a nível nacional.
Desde 1987 que o Governo conhecia a situação e os riscos que ela representava e representa para a vida das pessoas e para o desenvolvimento do País, mas só em 1990 foi decidido avançar para a implementação do projecto referido, através da abertura de um concurso público com a promessa de que, em 1993, o sistema estaria a funcionar e, em grande parte, os problemas resolvidos.
Face a erros sucessivos na condução do processo, designadamente a tentativa de impor a localização do incinerador em Sines, ainda hoje os resíduos continuam sem tratamento, a ser lançados no meio ambiente, contaminando os solos, os aquíferos, o ar e os nossos rios, situação que, além de agravar os riscos de segurança e saúde dos cidadãos, por força dos efeitos de contaminação está a hipotecar o próprio desenvolvimento do País.
Basta referir que, num estudo publicado em 1990 pela Comunidade Europeia sobre o estado do ambiente, Portugal era identificado com 1800 locais contaminados.
Quando, no início de 1994, o Governo veio reconhecer os erros cometidos no processo anterior de implementação do sistema de tratamento de resíduos e anunciou a sua reformulação com uma nova programação, no seu dizer, mais transparente e participada, parecia que finalmente estávamos no bom caminho. Parecia mas não foi isso que sucedeu.
A promessa de que a decisão sobre novas opções e a localização das unidades do sistema seriam tomadas até final de 1994 mais uma vez não se cumpriu e, quanto ao processo, as razões de crítica aumentaram, generalizaram-se e subiram de tom.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, os factos são conhecidos. Ignorá-los ou contribuir para escamotear a realidade é algo que os Deputados da Assembleia da República não podem admitir. Por isso, exige-se reflexão sobre o que está a passar-se, ponderação sobre as razões do que está em causa e tomada de posição clara sobre o que possa afectar o interesse nacional.
Esta é a razão da declaração política do Grupo Parlamentar de Os Verdes e por que deixamos aqui o nosso contributo sério e responsável.
Vejamos alguns factos Dos cerca de 20 locais inicialmente identificados como susceptíveis de virem a ser escolhidos para a localização dos aterros controlados, restam neste momento quatro, dois na zona norte do país e dois a sul. Destes, pelos debates já havidos, constata-se o seguinte: sobre a proposta de aterro em Midões, concelho de Gondomar, um parecer da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto considera que a localização num afluente do rio Sousa contribuirá para o perigo de contaminação da bacia hidrográfica do Douro, dado que no local ocorrem rochas bastante permeáveis e fracturadas, aconselhando-se a realização de estudos melhor fundamentados para as escolhas dos locais. Entretanto, o presidente da câmara afirmou numa reunião pública que, se o aterro se localizasse em Gondomar, ele, Valentim Loureiro, se demitiria do cargo de presidente de câmara.
Em Cardal, concelho de Vagos, a proposta de localização é contestada pela sua proximidade das captações de água que abastecem Vagos, Ílhavo e Aveiro, tendo, em reunião pública, os técnicos da empresa que elaborou os estudos de localização confessado que se guiaram por cartas militares desactualizadas, o que obrigou a recorrer a observações aéreas que oferecem menores garantias de fidedignidade.
Em Barrancão, concelho de Alcácer do Sal, a câmara contesta a localização do aterro, porque afirma não ter havido por parte do Governo estudos sobre o local que permitam dar garantias para contrariar os pareceres que a câmara possui de que, além de se tratar de uma zona que garante o abastecimento de água a uma freguesia do concelho, está sujeito a intensa actividade tectónica deformante, sendo conhecida a existência de brechas e falhas que não dão garantias para a sua impermeabilização.
Em Vale de Madeiros, concelho de Santiago do Cacém, as autarquias contestam sobretudo o facto de esta proposta ter sido apresentada já na fase de divulgação da lista restrita para a localização dos aterros, o que indicia que a sua escolha não obedece a qualquer critério técnico ou outro merecedor de credibilidade.
Este é o quadro de opções que resta de uma escolha inicial de 20 localizações. E verdade que há ainda a dita garantia da avaliação do impacte ambiental mas, Srs. Deputados, os estudos de impacte ambiental só podem optar por um em cada dois já decididos, a norte e a sul. E os pareceres técnicos que se conhecem e a forma pouco credível que levou à escolha daquelas localizações, nas palavras dos próprios técnicos que fizeram a selecção, levarão certamente a uma maior radicalização e generalização de posições contrárias quanto aos locais escolhidos.
Face a tudo isto, como não podia deixar de ser, Os Verdes estão solidários com as populações e farão tudo para demonstrar que os estudos realizados não são suficientemente credíveis e que, por isso, deve ser repensado todo este processo de selecção de locais para os aterros controlados.
Esta falta de credibilidade passa por outros factos incompreensíveis como, por exemplo, a escolha dos locais para as incineradoras. Se os estudos de impacte ambiental foram realizados para quatro localizações (uma em Estarreja e três no distrito de Setúbal), não se compreende por que é que o Ministério do Ambiente já anteriormente tinha decidido que a localização da incineradora seria na zona sul, ou seja, no distrito de Setúbal, como se verifica num documento desse Ministério distribuído num fórum de debate com as autarquias e os técnicos envolvidos.
Porém, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, esta intervenção tem ainda a ver com outras razões relativas à opção de um sistema centralizado para os resíduos, como é proposto desde 1988 e por nós apoiado, e à opção de incineração.
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A alteração da nossa posição quanto a estas duas questões resulta do acompanhamento que temos feito do debate entre cientistas e políticos e as posições que alguns países já tomaram, como é o caso da Espanha, contra qualquer instalação de incineradoras no seu território e, sobretudo, resulta da apreciação do resultado do estudo elaborado em 1994 que determina a quantidade de resíduos a tratar no Sistema Nacional de Resíduos Toxicoperigosos.
Nesse estudo, conclui-se que apenas 15 % dos resíduos produzidos em Portugal serão "tratados" no sistema centralizado e, destes, apenas 2,7 % serão incinerados.
Será preferível optarmos pela incineradora, quando sabemos que se trata de uma solução adiada e de riscos acrescidos, dado que os gases libertados são incontroláveis e extremamente perigosos para a vida ou será preferível optar por uma acção séria de investimento na diminuição da produção de resíduos e aguardar novas soluções tecnológicas com menores riscos, mantendo até lá uma situação de deposição controlada dos resíduos produzidos?
Quanto aos aterros, numa aposta pela redução significativa de resíduos a produzir, cremos que é aconselhável uma localização mais regionalizada, por isso, melhor controlada e de mais fácil aceitação pelas populações.
Dito isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-nos urgente que nos assumamos como parte interessada numa solução mais viável e adequada à realidade e ao interesse nacional, pelo que esperamos iniciativas dos Deputados que levem a Assembleia da República a uma intervenção participada no debate deste tão grave problema nacional.
Assim, propomos desde já a realização de um debate de iniciativa parlamentar sobre o assunto.
(O Orador reviu.)
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Portugal chega ao fim dos Coveiros do PSD com uma amarga sensação de oportunidade perdida.
O critério de convergência com a Europa, decisivo na avaliação da competência governativa segundo o próprio Primeiro-Ministro, revela-se fatal para este Governo. Nos últimos quatro anos não nos aproximámos da Europa, pelo contrário, afastámo-nos dela; nos últimos quatro anos, a crise económica esteve sempre presente; nos últimos quatro anos, agravou-se a desigualdade social em Portugal e aumentaram os desequilíbrios entre um interior, com graves problemas de desertificação, e um litoral cada vez mais congestionado e desordenado.
este final, o PSD deixa-nos um Estado maior, mais centralizado, mais burocrático e mais opaco. Qualquer que seja o ângulo de análise, o balanço destes últimos quatro anos não pode deixar de ser de desilusão, de frustração, portanto, de falhanço. Fica um modelo de desenvolvimento esgotado e uma fórmula política que faliu.
Não há melhor prova nem melhor retrato desta falência política do que aquela que nos é oferecida pelo espectáculo da luta pela liderança dentro do PSD. É delicioso assistir à velocidade com que os candidatos a líderes do PSD se apressam a recusar o espólio do cavaquismo.
De repente, o País assiste, estupefacto e divertido, à competição renovadora dos diferentes candidatos. Todos querem ser mais renovadores do que os outros, todos querem ser mais inovadores do que os outros, todos querem "lavar ainda mais branco" do que os outros. E de tal modo é a fúria renovadora que já se ouvem alguns não apenas a falar em renovação mas em regeneração. Ora, acontece que regeneração significa mais, muito mais do que renovação; não é apenas fazer de novo, é corrigir moralmente, é reabilitar, é vivificar. E, Srs. Deputados, em política só se regenera aquilo que morreu. Ora, ao falarem em regeneração, os candidatos à liderança do PSD dizem tudo sobre a herança que lhes fica.
Eis-nos de súbito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem cavaquismo nem cavaquistas porque ninguém no PSD quer ser herdeiro do cavaquismo nem colado à obra de Cavaco Silva.
Todos adivinhamos de onde vem esta ideia de que basta uma simples reviravolta no discurso político para fazer esquecer o passado e ter sucesso eleitoral É que esta ideia tem história no PSD. Não foi o PSD capaz de, em 1985, convencer os portugueses de que nada teve a ver com o Bloco Central? Então, a ideia é muito simples: trata-se de repetir agora o mesmo truque de há 10 anos.
Quem os ouvir não dirá que estiveram no Governo nos últimos 10 anos; quem os ouvir não dirá que também comandaram o seu partido nos últimos 10 anos; quem os ouvir não dirá que foram precisamente eles que impediram, nos últimos 10 anos, as reformas que agora reclamam como urgentes.
Observo, no entanto, que esta operação de maquilhagem tem três pequenos problemas: em primeiro lugar, trata-se de uma operação acrobática demasiado óbvia. O que o PSD está a fazer não é apenas um simples golpe de rins mas um verdadeiro flic-flac.
De certa forma, pensar que esta acrobacia poderá passar com mais palmas do que assobios é não levar em conta o simples bom senso dos portugueses e uma das coisas que era bom dizer aos candidatos do PSD e que os portugueses não nasceram ontem.
Em segundo lugar, para estas conversões súbitas lerem credibilidade precisam de ser sinceras; não podem ser ditadas por critérios de oportunidade mas por critérios de convicção.
Ora, percebe-se muito bem que o que leva os candidatos à liderança do PSD a falarem em transparência da vida pública não é o impulso da sua consciência mas apenas a pressão do momento.
Ao avançarem com propostas reformadoras, não estão a pensar em melhorar o funcionamento do sistema, estão - isso sim - a pensar em manter-se no poder.
Acresce, finalmente, que, ao recusarem a herança do cavaquismo, estão eles próprios a fazer implicitamente um juízo político negativo destes últimos anos do Governo do PSD.
Compreende-se que, ao olharem para o País que deixam, os candidatos à liderança do PSD não gostam do que vêem. Mas, quer o PSD queira quer não, os portugueses vão julgar nas próximas eleições os últimos quatro anos de Governo; quer o PSD queira quer não, a operação de branqueamento em curso não impedirá os portugueses de fazerem o seu juízo político sobre o desempenho da governação nos últimos quatro anos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD vive hoje confrontado com uma crise de liderança mas a verdade é que. com os males do PSD, pode o País bem. O problema e que a crise política do PSD transformou-se numa crise de governação e já não é só o facto de os dois principais candidatos serem Membros do Governo, agora, temos vários Ministros publicamente envolvidos na luta interna, desrespeitando, aliás, expressas indicações do ainda Primeiro-Ministro
A consequência está bem à vista, temos um Governo dividido, sem orientação nem comando. Neste momento, temos em Portugal um Governo completamente paralisado.
E esta situação não mostra tendência para melhorar, bem pelo contrário, há sinais de uma degradação crescente e de
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um inevitável agravamento das tensões internas Antes, o Governo governava mal - é verdade - mas governava Agora, o Governo não governa, intriga, agora, os Ministros não despacham, telefonam antes para a concelhia
O Sr Ferro Rodrigues (PS) - Muito bem!
O Orador: - O esforço que o Dr. Pacheco Pereira teve para preservar o grupo parlamentar à erosão da crise é tão pungente quanto inútil Os seus apelos à unidade do grupo, à abstenção e contenção dos Deputados nas declarações de apoio aos candidatos foram completamente ignorados Se já os Ministros não obedecem a Cavaco Silva, por que carga de água é que os Deputados deveriam obedecer a Pacheco Pereira? O Dr. Pacheco Pereira quis fazer de Cavaco do grupo parlamentar Veio tarde Acontece que, como ele próprio disse, "Cavaco já cá não está"
Para quem tinha dúvidas sobre a importância da liderança na política, o estudo do caso concreto da actual crise de liderança do PSD desfá-las por completo Sem o cimento da liderança, o edifício do cavaquismo desmorona-se, cai lentamente aos bocados e ameaça não ficar pedra sobre pedra.
Dez anos depois, o PSD transformou-se num partido instável e dividido, num partido minado por clientelas e confundido com o Estado, um partido sem causas cuja única razão de ser é estar no poder
Dez anos depois, o PSD já nada tem para oferecer aos portugueses Prolongar a agonia do cavaquismo é fazer pagar ao País um preço demasiado alto O País precisa de novas ideias e de novas pessoas É preciso reformar o sistema político, dar um novo impulso à democracia e um novo fôlego à economia, criar mais igualdade de oportunidades
Tudo isto, Sr Presidente e Srs Deputados, só é possível com outro partido e uma nova maioria!
Aplausos do PS
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Alexandrino Saldanha
O Sr Alexandrino Saldanha (PCP) - Sr Presidente, Srs Deputados A situação existente na banca e o seu papel e influência na sociedade são questões de grande importância e com evidentes reflexos na vida da generalidade dos portugueses.
A anunciada aquisição de 50 % do capital do Banco Totta & Açores por António Champalimaud, as reprivatizações do Banco Pinto & Sotto Mayor, do Banco de Fomento, bem como a OPA do BCP sobre o BPA, também com alienação do capital público nesta instituição, trouxeram mais uma vez para a ribalta a política de saque dos dinheiros e do património públicos através das privatizações ao serviço de velhos e novos banqueiros e das clientelas do PSD levada a cabo pelo Governo deste partido
A este propósito, importa lembrar que o Governo do PSD é o Governo de Cavaco Silva mas também o dos velhos/novos protagonistas, membros do Governo e responsáveis do PSD que hoje, sem corarem e com total despudor, se pretendem apresentar como vestais isentos de responsabilidades nas malfeitorias do seu próprio partido e Governo
O Sr Limo de Carvalho (PCP) - Muito bem!
O Orador: - A concretizarem-se as operações em curso no sector bancário, dois grandes grupos capitalistas - grupo Champalimaud e grupo BCP/Mello - dominarão mais de 50 % do sector financeiro, que colocarão ao serviço da maximização do lucro e não da defesa do desenvolvimento sustentado da economia nacional E a "compra" do capital público dos bancos assim como a criação de outros tem sido efectuada com capital dos bancos públicos, e outro tipo de auxílio, e com indemnizações que o Governo PSD atribuiu aos grandes capitalistas em conjunto com capitais estrangeiros
Vão longe os argumentos do PSD (e, também, do PS) com os quais tentaram justificar o fim do princípio constítucional da irreversibilidade das nacionalizações e o arranque das privatizações
Onde está a "dispersão do capital", o "capitalismo popular", a "sã concorrência" (as privatizações dos bancos têm sido feitas à medida do grupo a beneficiar) e, até, as tão propaladas "regras de mercado"?
As desastrosas consequências desta centralização acelerada do capital estão à vista Os serviços bancários encareceram A generalidade dos utentes da banca e os pequenos e médios comerciantes, industriais e agricultores têm maiores dificuldades no acesso ao crédito A chamada prime rate é utilizada sobretudo em negócios especulativos ou atribuída a quem tem influências na área do poder As actividades produtivas raramente a ela têm acesso, pois a capacidade negocial neste sectores é diminuta Assim, enquanto a banca tem elevadíssimos lucros - 586 milhões de contos em 1993 -, sucedem-se as falências de outras empresas A transferência de riqueza do sector produtivo da economia para o sector financeiro é uma realidade com funestas consequências sociais - desemprego, bolsas de miséria, marginalização, criminalidade, insegurança etc.
Paralelamente, as privatizações de alguns bancos permitiram meter no bolso de "Roquettes", "Falcões", dos espanhóis do Banesto (sem acrescentarem um avo à riqueza nacional) várias dezenas de milhões de contos de mais-valias
O Sr. Lino de Carvalho (PCP) - Um escândalo!
O Orador: - A degradação do atendimento ao público é notória e resulta na sua maior parte da redução de milhares de postos de trabalho, com ameaças (ainda que muitas vezes veladas) de despedimento
A publicidade enganosa foi utilizada no lançamento de alguns bancos e ainda hoje não pode classificar-se de exemplar a apresentação de altas taxas de juros escamoteava, por exemplo, a exigência de elevados montantes e mais elevados custos na prestação de outros serviços Refira-se que o BCP, que quer absorver o BPA e a UBP, é o banco que, neste campo, melhor se faz pagar e também é aquele que exige uma disponibilidade diária quase total do trabalhador, incluindo sábados e domingos, o que afasta a contratação de mulheres
Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao nível das relações de trabalho, esta política governamental, que os banqueiros têm aproveitado e aprofundado, também tem provocado verdadeiros atentados às condições de vida dos trabalhadores bancários e à sua dignidade A insegurança, a repressão e o medo são uma realidade em quase todos os locais de trabalho
Apesar do reconhecido aumento da produtividade dos trabalhadores do sector e dos custos com pessoal em relação aos encargos totais na banca rondarem apenas 10 % (enquanto no conjunto das actividades nacionais ronda os 17 %), continuam as pressões, coacções e até chantagens para obrigarem os bancários a vender o seu posto de trabalho ou a reformarem-se
Por exemplo, ultimamente, no BCI, que fez publicidade de altas taxas de juro na qual tratava os bancários das
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outras instituições como desleixados e incompetentes, assiste-se à generalização dos seguintes métodos: contratos a prazo com recibo verde, rescisões de contratos. Porém, muitos trabalhadores continuam a ser coagidos a trabalhar muito para além das sete horas diárias, ilegalmente, pois não registam nem são remunerados por esse trabalho suplementar.
Noutro banco, um administrador que sempre teve o apoio do PSD, assumiu, perante a respectiva comissão de trabalhadores, que tomou medidas ilegais mas que vai mante-las faça o que fizer a comissão de trabalhadores.
Isto só é possível com a impunidade de que gozam os banqueiros, pois sabem que têm o apoio do Governo, sem falar nas coimas que, uma vez por outra, são aplicadas às empresas e que são pouco menos do que ridículas.
Outro caso exemplar do laxismo e protecção do Governo a comportamentos de administradores menos escrupulosos é o da Caixa Económica Açoreana. Desde 1988. que o Governo, através do Banco de Portugal, tem conhecimento de irregularidades cometidas pela administração da empresa e, até agora, os responsáveis continuam incólumes, Hoje, com a venda de parte das instituições, constituída pelo património e trabalhadores dos Açores, há trabalhadoras do balcão de Lisboa da Caixa Económica Açoreana que continuam a ter o despedimento como perspectiva.
O rol de atentados aos direitos dos trabalhadores é imenso.
A realização de milhares de horas de trabalho suplementar, a maioria das quais não registadas e não remuneradas, continua enquanto se insiste em invocar "excedentes de pessoal".
Criam-se empresas de prestação de serviços e fazem-se acordos com outras para alugar trabalhadores em situação precária, a fim de executarem funções de bancários, entretanto "libertados" e o BESCL é um dos que vai no pelotão da frente.
A contagem do tempo de serviço militar para efeitos de reforma, que foi objecto de uma decisão desta Assembleia aquando da discussão dos Orçamentos do Estado, em 1992 e 1993, não é respeitada em muitos bancos.
É comum a retirada de regalias sociais, como refeitórios, creches, etc..
Estas são as graves consequências da política de classe que o Governo do PSD tem executado na banca. Também neste sector é necessária uma política alternativa, que tenha em conta os interesses dos trabalhadores e da economia nacional.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Por isso o PCP defende um amplo e forte sector público na banca e em toda a área financeira. O PCP defende também que os bancos tenham de dar resposta às preocupações e às necessidades da generalidade da população portuguesa, respeitar os direitos legais e contratuais dos trabalhadores bancários e possibilitar a sua participação organizada na vida das empresas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Pinto.
O Sr. Adriano Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No início desta legislatura, subi a esta tribuna, na qualidade de Deputado eleito pelo círculo eleitoral do Porto, chamando a atenção do poder central para algumas carências existentes na região do Vale do Sousa, dado tratar-se de uma região de grandes potencialidades com actividades bastante diversificadas.
Tenho diversas vezes afirmado que a maior riqueza do Vale do Sousa são as suas gentes pois, dotadas de uma grande capacidade de trabalho e de uma forte vontade de vencer, têm procurado desenvolver esta região no aspecto agrícola, comercial e industrial.
Não seria justo se, a poucos meses do final da legislatura, não viesse aqui reafirmar o quanto aprecio aquela gente voluntariosa, que, apesar de uma conjuntura económica difícil e das vicissitudes decorrentes do nosso processo de adesão à Europa comunitária, nomeadamente no que se refere à reforma da Política Agrícola Comum, às condições concorrenciais com empresários estrangeiros, etc., tem sabido ultrapassar essas dificuldades.
Dizia Jean Monet, o grande estratega da construção europeia, que, para ele, "Tudo são meios, mesmo os obstáculos".
Penso que, da mesma forma, para as gentes de Penafiel, Paredes, Paços de Ferreira, Felgueiras, Lousada e Castelo de Paiva os obstáculos com que se têm deparado têm sido utilizados como meios de ultrapassar essas mesmas dificuldades.
É evidente que para todo este bem-estar muito tem contribuído o olhar atento e decisivo do actual Governo do Professor Cavaco Silva. Não fora a sua intervenção e muitas das carências aqui referidas em anteriores intervenções não teriam sido despoletadas e muitas delas já ultrapassadas.
Permito-me, assim, enumerar alguns dos mais importantes investimentos realizados pelo actual Governo e que muito contribuíram para a satisfação dos legítimos anseios das populações desses concelhos.
A auto-estrada Porto-Penafiel, que melhorou indiscutivelmente o acesso desta região à segunda maior cidade do País, proporcionando assim uma melhoria considerável no escoamento dos produtos das inúmeras empresas aí existentes, vai ser complementada pelo IC25 (obra já adjudicada), que constituirá uma ligação rápida entre Lousada e Porto, com passagem por Paços de Ferreira, e que irá certamente beneficiar a indústria do mobiliário, internaciónalmente apreciada, quer pela sua qualidade quer pelos preços que pratica, tornando-a ainda mais competitiva.
A existência de um parque industrial em Lousada, de pavilhões de exposições em Paços de Ferreira e Penafiel, o mercado abastecedor de Penafiel e o matadouro do Vale do Sousa são infra-estruturas que muito contribuirão para o desenvolvimento desta região, fomentando a agricultura, o comércio e a indústria, criando melhores condições de vida às respectivas populações.
No âmbito da educação e do desporto foram realizados importantes investimentos nas escolas C+S de Caíde e da Lixa, bem como na de Lustosa (em fase inicial), e os pavilhões gimnodesportivos de Lousada e Caíde de Rei, este último em execução.
A construção do Hospital do Vale do Sousa, em Penafiel, veio dar satisfação aos legítimos anseios daquela população pois, tratando-se de uma unidade hospitalar devidamente equipada, irá evitar deslocações longas e morosas de quem pretende respostas para um bem essencial que é a saúde.
No campo social, a construção da primeira fase do lar de terceira idade de Lousada e dos quartéis de bombeiros de Paço de Sousa e Paços de Ferreira foram a resposta adequada às principais exigências deste sector.
Por outro lado, foi extremamente importante que todos estes concelhos pudessem beneficiar de alguns programas sectoriais do actual Quadro Comunitário de Apoio (QCA II), que muito irão contribuir para o seu desenvolvimento harmonioso.
Saliento aqui o Sistema de Incentivos Regionais (SIR), que pretende privilegiar actividades alternativas à agricul-
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tura ou à monoindústria em zonas do interior do País e nas zonas litorais menos desenvolvidas, abrangendo essencialmente actividades industriais, comerciais, turísticas, do sector do artesanato e dos serviços
Na verdade, este sistema de incentivos congrega os apoios que no anterior Quadro Comunitário de Apoio eram concedidos pelo Sistema de Incentivos Financeiros do Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa (SINPEDIP), o Sistema de Incentivos de Base Regional (SIBR), o Sistema de Incentivos Financeiros ao Investimento no Turismo (SIFIT) e o Sistema de Incentivos à Modernização do Comércio (SIMC)
O Sistema de Incentivos Regional tem o objectivo principal de, por um lado, contribuir para o desenvolvimento endógeno das regiões desfavorecidas, aumentando a competitividade regional, apoiando a criação de empregos e a diversificação da produção de bens e serviços e, por outro, contribuir para o progresso das regiões menos desenvolvidas de forma a complementar e a compensar possíveis efeitos das medidas de políticas sectoriais de âmbito nacional no desenvolvimento equilibrado do território
Pretende-se, em suma, continuar a melhorar a capacidade competitiva das pequenas e médias empresas, através de medidas que apoiem a sua criação e modernização, de modo a ser reforçada a base económica das regiões Os empresários e os investidores terão, assim, à sua disposição um instrumento importantíssimo ao desenvolvimento e à modernização das suas empresas
No entanto, convém não esquecer tudo o que se relaciona com a formação dos recursos humanos, não só no que se refere à formação básica mas também à formação profissional
Uma indústria será tanto mais competitiva quanto melhor for a formação dos seus gestores e dos seus operários, pois a eficiência das empresas não se confina apenas ao fornecimento de novo equipamento mas, sobretudo, à actualização dos seus recursos humanos, de forma a influenciar a qualidade da produção e a consequente competitividade dos produtos Nesta perspectiva, o Governo colocou também à disposição dos empresários mecanismos que possibilitam a formação dos seus quadros
Terei de concordar que existe um saldo muito positivo em relação aos investimentos que têm sido realizados no Vale do Sousa pelo Governo do Professor Cavaco Silva Contudo, terei também de concordar que nem tudo está ainda feito, o que não admira, tendo sobretudo em consideraçâo as carências que aqui tenho vindo a enunciar ao longo das várias sessões legislativas
Sou daqueles que acredita que não se sai do marasmo e da apatia com a celeridade que todos ambicionamos A economia portuguesa está já a dar sinais evidentes e claros de franca recuperação da crise económica que afectou o nosso país nos últimos anos Tenho esperança que melhores dias virão em que Portugal irá dar passos importantes no sentido de se aproximar dos países mais desenvolvidos, altura em que muitas das carências ainda existentes estarão, por certo, ultrapassadas
Como Deputado do círculo eleitoral do Porto, atento ao que se passa no Vale do Sousa, e como interlocutor privilegiado das aspirações das suas gentes, continuarei a estar atento e a lutar pela concretização dos seus legítimos anseios
Aplausos do PSD
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Eurico Figueiredo
O Sr Eurico Figueiredo (PS) - Sr Presidente, Srs Deputados Em primeiro lugar, quero pedir-vos que se mantenham bem acordados porque, caso contrário, o Sr Subsecretário de Estado da Cultura mete-vos debaixo de água Por isso, vamos lá estar atentos para não corrermos esse risco!
Como os Srs. Deputados sabem, ha meses, foi descoberto no Vale do Côa um património arqueológico de grande importância Mas contrariamente àquilo que se pensava no início, isto é, que este património arqueológico, mostrando gravuras com cerca de 20 000 anos, já parecia ser o sítio arqueológico mais importante do mundo quanto a gravuras rupestres ao ar livre, verificou-se que, apesar de neste momento o vale não estar todo explorado, há vários outros sítios ao longo do mesmo onde existem gravuras rupestres, numa extensão de cerca de 10 kms
Ora, todo o processo de descoberta deste importante sítio arqueológico é extremamente suspeito e pouco claro E pouco claro o momento em que o tal sítio foi descoberto, é pouco clara a razão por que foi feito com descuido todo o processo de estudo do impacte ambiental sobre as gravuras, é pouco clara a razão por que, apesar das que foram levantadas na altura, as pistas não foram seguidas, é pouco claro o conhecimento do momento em que a equipa de arqueólogos que trabalhava no Vale do Côa informou superiormente da importância do achado E continua tudo a ser pouco claro porque tudo se faz em sigilo Aliás, considero que, dada a influência que e exercida sobre os peritos da UNESCO que se deslocam ao nosso país para estudar o achado, a honra e a dignidade de Portugal têm sido mais prejudicadas do que se tudo isto fosse feito com transparência
Mas, apesar da falta de clareza e da falta de transparência em todo este processo, a importância do sítio ganhou, de facto, relevo à escala mundial São os cientistas da área, portugueses e estrangeiros, são as associações profissionais, portuguesas e estrangeiras, que o dizem E, de facto, após o 25 de Abril e o que se lhe seguiu, nunca se terá falado tanto de Portugal como nesta altura Os mais importantes jornais e revistas à escala mundial têm-se retendo a esta descoberta, desde a Time ao New York Times e ao Herald Tribune, passando pelo Lê Monde e pelo El País, nem sempre prestigiando o nosso povo, nem sempre prestigiando as nossas gentes, já que ninguém entende qual a razão por que, obsessivamente, neste país, se pensa em atirar para debaixo de água algo que se revela como um importante património a nível mundial
A este propósito, gostaria de chamar a vossa atenção para o que dizem os espanhóis Sabemos perfeitamente que os nossos vizinhos espanhóis são patriotas e que, com características bem castelhanas, "defendem a sua dama" Tenho um grande respeito e uma grande admiração pelos nossos "compadres do lado" mas, até há alguns meses, eles estavam convencidos de que o sítio mais importante de arte rupestre ao ar livre, a nível mundial, era na Cieja Verde, em território espanhol Ora, os próprios responsáveis por este sítio da Cieja Verde, o Professor Balbi de Herman e o Professor Bueno Rodriguez, dizem que a descoberta feita em Portugal é mais importante do que Altamira e Lascaux e que constitui o mais notável feito realizado nas últimas décadas nesta área, no mundo inteiro Alias, afirmam - e cito - que "o santuário rupestre do Côa deve salvaguardar-se como bem excepcional que é e, como tal, deve passar intacto para a posteridade"
Como Deputado, quando tive conhecimento da importância deste sítio arqueológico, fiz um requerimento, juntamente com o Deputado António Martinho, ao Sr Secretário de Estado da Cultura que, na altura, respondeu da forma que deveria ter-se respondido a esta situação e tomou as
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medidas adequadas para que este património fosse preservado, pelo que tenho de reconhecer o mérito de um Secretário de Estado da Cultura que tomou as medidas necessárias para preservar um património nacional e mundial desta importância. Seguidamente, acompanhado do Sr. Deputado Armando Vara, visitei o próprio sítio e as gravuras rupestres integrado numa deslocação da Subcomissão parlamentar da Cultura.
Entretanto, um grupo de Deputados transmontanos escreveu ao Primeiro-Ministro e ao Presidente da República para que estes, com a influência ou o poder que têm, possam salvaguardar este importante património.
Neste momento, não tenho qualquer dúvida de que é necessário interromper a construção desta barragem, o que não quer dizer que os recursos hidroeléctricos do Vale do Côa não possam continuar a ser explorados, mas mais a sul, preservando, obviamente, o património que se revela de importância mundial, sobretudo quando sabemos que todas as grutas com pintura rupestre, em França bem como em Espanha, progressivamente, terão de ser fechadas porque a sua abertura é incompatível com a sua preservação. Em Portugal temos uma riqueza patrimonial que, apesar de exposta há 20 000 anos, se conservou; teremos gravuras rupestres por muitos milénios se a nossa inteligência, patriotismo, sentido de responsabilidade e capacidade de fazer cálculos económicos para tal estiverem atentos.
Se de facto, formos um povo de suicidas, como alguns filósofos espanhóis insinuam - "o povo português é um povo de suicidas" -, obviamente iremos, de forma progressiva, destruindo o que de melhor lemos no nosso solo pátrio.
Estas gravuras têm também uma outra importância, na medida em que revelaram até que ponto a nossa juventude é sensível a uma lógica de preservação. Estou convencido de que nunca, como desta vez, em Portugal, houve um movimento de juventude a lutar, por todo o País, péla preservação das gravuras.
Com efeito, em apenas dois dias, nos concelhos próximos de Vila Nova de Foz Côa, foram recolhidas, por jovens, 15 000 assinaturas; assinaturas essas que, segundo a informação que obtive na altura, correspondem a cerca de 80 % dos jovenzinhos com idades compreendidas entre os 12 e os 18 ou 19 anos, ou seja, na prática, todos os jovens a quem era solicitada a assinatura assinavam!
Urge, pois, preservar o património das gravuras rupestres. Mas tão importante como preservar o património das gravuras rupestres é conservar este outro "património", porque uma juventude capaz de se debater pela defesa do património cultural e ambiental em Portugal é, neste momento, uma grande riqueza. E, de facto, atirar para debaixo de água estas gravuras seria prostrar profundamente uma juventude que se bateu, está a bater e que se continuará a bater pela preservação deste património.
Envergonha-nos, de qualquer forma, o comportamento do Sr. Subsecretário de Estado da Cultura, aquando da sua visita a Vila Nova de Foz Côa. Não sei muito bem qual é o estatuto desse Sr. Subsecretário da Cultura..., o que sei é que, como português, me senti envergonhado. E senti-me envergonhado porque vi centenas de gravuras, dezenas de pedras gravadas e, ao que consta, ele apenas viu duas, e uma delas mal!... Também vi centenas de jovens- a escola secundária em massa - a manifestar-se na rua, mas o Sr. Subsecretário de Estado, mais uma vez, não viu nada! E acrescentou, de cima da sua altíssima segurança, estarmos perante gravuras infantis...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não pode ser verdade! Não acredito!...
O Orador: - Espero que o Grupo Parlamentar do PSD salve a nossa honra e a honra de todo o País, tomando posições que afirmem que o comportamento adoptado pelo Sr. Subsecretário de Estado da Cultura em Vila Nova de Foz Côa foi vergonhoso!
Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Sousa Lara, Paulo Rodrigues, Manuel Queiró e Vieira de Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr Presidente, Sr Deputado Eurico Figueiredo, e meu amigo, como calcula não vou aqui discordar de si só por discordar, que é, por vezes, um hábito mau desta Casa.
De facto, o problema do timing, por parte do IPPAR, na divulgação das descobertas é um aspecto complicado e que merecia um apuramento. Entendo que este assunto não está esclarecido - ou devia ter sido mais bem esclarecido - e, de facto, cria responsabilidades; não sei se há negligência ou dolo, mas o que é certo é que se devia ter apurado melhor como é que aquele assunto foi tratado, ou seja, se havia ou não prévio conhecimento antes do início das obras.
Além do mais, creio que este é um assunto em relação ao qual, na nossa função de fiscalização, devíamos ter tido maior empenho. Penso que o Sr Deputado fez mal em não referir esse facto na sua intervenção
Mas, Sr. Deputado, em primeiro lugar gostava que me esclarecesse qual é a posição do seu partido, pois ouviu-o com muito interesse, mas continuo sem perceber!
O Sr. António Braga (PS): - E qual é a do PSD?
O Orador: - Por um lado, ouço o Sr. Deputado José Penedos dizer que é contra a suspensão e a favor da continuação das obras e, por outro lado, ouço-o a si e deduzo que não quer obras, pelo que fico sem saber qual é a posição do PS! Afinal, querem ou não as obras? Ou será que querem manter uma posição demagógica - que tem algum acolhimento popular, como se viu na reportagem -, defendendo, simultaneamente, a barragem e as gravuras em seco? Tal parece ser, de certa forma, impossível.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, tratando-se de um património mundial, será que a sua preservação e divulgação, em termos de co-financiamento, não envolverá também uma responsabilidade mundial, uma vez que ele interessa à humanidade e não só a nós? Ou a UNESCO limita-se a "deitar bolas para o pinhal" e, depois, fica à espera que paguemos, de forma exclusiva, um património que tem um interesse geral!
Por último, a Lei de Bases do Património, que aprovámos por unanimidade nesta Câmara, é um monstro, Srs. Deputados! Um monstro! Deveríamos ter a humildade democrática de o reconhecer, pois não é possível regulamentá-la.
Não sou jurista, mas lembro-me de, quando passei pela Secretaria de Estado da Cultura, termos consultado ilustres juristas, ilustres catedráticos da nossa praça, de vários partidos políticos da oposição que entendem que aquela lei tem contradições internas enormes que devem ser por nós ultrapassadas. O nosso grupo parlamentar está disponível para a alterar, designadamente para permitir uma regulamentação na área do património arqueológico. Mas, pergunto-lhe - é a terceira questão que lhe coloco: está ou não o vosso grupo
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parlamentar disponível para bater connosco no peito e dizer "fizémos mal, criámos aqui um monstro, temos de mudar esta lei do património"?
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sousa Lara, muito obrigado pelas suas amáveis perguntas.
Em primeiro lugar, queria dizer que, de facto, o Engenheiro José Penedos não é Deputado pelo Partido Socialista,...
O Sr. Rei Carp (PSD): - Então não foi eleito?!
O Orador: - ... suspendeu o seu mandato e, neste momento, é representante do Governo junto das empresas que estão a construir a barragem...
Protestos do PSD.
Em segundo lugar, do vosso partido apenas conheço uma opinião: a do Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva. Não conheço a opinião de mais ninguém! Enquanto que, no meu partido, todos os Deputados a quem pedi a assinatura, para solicitar a suspensão das obras da barragem e a manutenção das gravuras, assinaram, desde o presidente do grupo parlamentar, o Dr. Jaime Gama, até ao presidente do partido, o Dr. Almeida Santos. Repito: todos assinaram sem hesitação!
De facto, não houve qualquer votação ou discussão no Grupo Parlamentar do PS, mas a adesão maciça dos Deputados do Partido Socialista ao abaixo-assinado em questão torna clara a opção do Partido Socialista. Ambígua será a posição do Presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa, eleito com a bandeira do PSD, que quer as duas coisas, quando, de facto, elas são incompatíveis!
Com efeito, neste momento, não é possível criar uma barragem enorme em cima de pedras de xisto que se fragilizam com facilidade e estando as gravuras no fundo das próprias encostas xistosas desta região do Douro e, ao mesmo tempo, preservar este património. E mesmo que fosse possível fazê-lo, este património envolve uma riqueza espantosa e, por isso, tem de continuar exposto. Há 20 000 anos que está exposto e assim tem de continuar!
Sr Deputado, se, de facto, existe, da parte da vossa bancada, a ideia de que a Lei de Bases do Património tem de ser alterada, garanto-lhe que, da parte do PS, encontrará o maior eco e a maior colaboração para que essa lei seja melhorada.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ela precisa de ser regulamentada e não alterada!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.
O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar queria congratular-me pelo facto de o Sr. Deputado Eurico Figueiredo ter trazido a esta Assembleia um assunto de tão grande importância.
Naturalmente, o Partido Comunista também tem acompanhado esta questão, como não poderia deixar de ser, mas tem-no feito com alegria e com preocupação. Alegria por se tratar de uma descoberta importante para todos os que se importam com a riqueza dos legados que vão sendo encontrados no nosso país, por isso congratulamo-nos com o interesse que esse achado (em vindo a despertar. Mas, como acabei de dizer, temos acompanhado esta situação com preocupação, o que deriva de alguns casos que vou referir e que gostaria que o Sr. Deputado comentasse, pelo menos alguns, porque em relação a outros já o fez.
Em primeiro lugar, a nossa preocupação tem a ver com uma questão que já foi aqui colocada e que é a de não estar ainda esclarecida a situação em que ocorreu o achado.
O Partido Comunista Português dirigiu um requerimento à Secretaria de Estado da Cultura, em 5 de Dezembro de 1994, suscitando o problema da data efectiva em que os elementos do IPPAR tomaram conhecimento da existência do conjunto pré-histórico de Vila Nova de Foz Côa, mas até agora não obteve resposta.
A Assembleia da República recebeu um documento assinado por 18 docentes universitários em que se afirma que a hierarquia do IPPAR foi cúmplice desta ocultação, referindo-se à ocultação por um arqueólogo que trabalhava no local.
Supomos que se trata de situações da maior gravidade e que urge serem esclarecidas, porque, a comprovarem-se, seriam extremamente condenáveis.
Em todo o caso, gostava de lhe colocar algumas questões que, suponho, o Sr. Deputado Eurico Figueiredo não abordou.
Sr. Deputado, considera que a questão dos achados do Côa é dissociável da política que tem vindo a ser seguida pela Secretaría de Estado da Cultura para a arqueologia, em Portugal?
Por outras palavras, nós, PCP, entendemos que a arqueologia tem sido, manifestamente, uma área desvalorizada pelo Governo, designadamente pela Secretaria de Estado da Cultura. Aliás, os Orçamentos do Estado, se outros elementos não houvesse, demonstram-no claramente: 420 000 contos para 1995, encobrindo o escândalo, porque esse estava demasiado denunciado, dos 200 000 contos para 1994.
Pergunto: com estes meios, será possível, em Vila Nova de Foz Côa ou em qualquer parte do território, dar resposta adequada e eficaz às situações de património que se venham a colocar?
Por outro lado, gostava ainda de saber se o Sr. Deputado Eurico Figueiredo entende ou não, como é sugerido por diversos especialistas, que urge criar, por exemplo, um conselho superior de arqueologia e que faz falta uma carta arqueológica do território nacional que faça a sistemática, séria e rigorosa, bem como o levantamento de toda a situação arqueológica.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Onde é que ela está e a quem é que o Sr. Deputado Eurico Figueiredo atribui esta responsabilidade?
Para terminar, coloco-lhe a seguinte questão: será que não deveremos ter, como temos, uma posição de defesa dos achados de Vila Nova de Foz Côa, a qual é indispensável e traduz uma necessidade e uma responsabilidade, sem desperdiçar, contudo, esta oportunidade para encetar ou continuar uma profunda reflexão sobre a política de preservação do património cultural que vem sendo seguida?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rodrigues, vou ser muito sintético na resposta, dizendo-lhe que, de facto, estou em simpatia com
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as suas preocupações. Aliás, posso dizer-lhe mais: há uma empatia, por parte da minha bancada, em relação às suas preocupações.
De qualquer modo, gostava de aproveitar alguns aspectos que resultam do seu próprio pedido de esclarecimentos para responder também a questões suscitadas pelo Sr. Deputado Sousa Lara às quais não respondi por mero esquecimento.
Efectivamente, estou de acordo que há problemas de financiamento do sector da arqueologia, há problemas de supervisão técnica e científica e há problemas de mapa arqueológico em Portugal. Mas o que temos ali é a "galinha dos ovos de ouro" e é disso que temos de ter consciência.
O Sr. Deputado Sousa Lara diz que temos ali um património excepcional e, por isso, vamos pedir à UNESCO que nos ajude a garantir esse património. É óbvio que não vou dizer que todo o dinheiro que vier para Portugal é demais, mas o que é certo é que o que ali está é uma riqueza incomensurável: um parque arqueológico e ecológico na região do Vale do Côa, que, neste momento, é uma série do gravuras que cobre já l O km, é um sítio visitável por centenas de milhar de pessoas por ano.
Portanto, temos de ter consciência disto e de tal forma que um engenheiro da EDP - e peço-vos, encarecidamente, para não me perguntarem quem - me disse: "Meu Caro Eurico Figueiredo, nós já descobrimos que este parque arqueológico dá muito mais dinheiro do que a barragem". Ou seja, os Srs. Engenheiros da EDP também sabem fazer contas, o que quer dizer que sabem perfeitamente que há ali um património riquíssimo. Aliás, estou convencido de que eles só estão à espera que lhes digam "parem a barragem", para apresentarem a factura ao Governo, porque, neste momento, interesse da EDP em continuar as obras, pessoalmente e sinceramente, não estou convencido de que exista, muito.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, para mim, há vários aspectos que me preocupam e que me parecem estar no cerne desta questão.
O primeiro aspecto tem a ver com a dilucidação definitiva, por parte das entidades competentes, da questão das alternativas técnicas, que está ligada aos objectivos verdadeiros da construção daquela barragem, porque há quem diga que o que se pretende, fundamentalmente, é a regularização das águas do Côa. Se assim é, há que ter em conta que muitas pessoas dizem que há alternativas técnicas à solução actualmente apresentada, designadamente uma que já foi aqui citada e que é o Deputado Nuno Ribeiro da Silva. Por isso, convém que se esclareça rapidamente, mesmo no âmbito do partido do poder, quais as opiniões dominantes sobre esta matéria.
Em segundo lugar, preocupa-me a questão do tempo, ou seja, o adiamento da decisão. Temo que muito em breve a política do facto consumado vá criar uma irreversibilidade da construção ou, pelo menos, apresentá-la como tal,, o que significa que tem de haver pressa por parte dos órgãos a quem cabe decidir, pois ela não está, neste momento, a verificar-se.
Em terceiro lugar, coloca-se a questão dos custos financeiros do tempo, porque é evidente que as indemnizações a pagar pela não construção aumentam a cada dia que passa e essa paralisia vai repercutir-se em custos financeiros e não em qualquer poupança.
Em quarto lugar, uma questão que tem a ver com todas estas e que me parece, de longe, a mais importante, é a da desresponsabilização do Governo. Estou a adivinhar que, quando houver um escândalo público nacional e até internacional, ouviremos alguém muito bem colocado ou altamente colocado dizer: "Trata-se da responsabilidade de uma empresa e eu proíbo os meus ministros de se meterem na vida das empresas". A EDP é uma empresa tal como as OGMA e assim se conseguem desresponsabilizar dos escândalos que, eventualmente, possam ocorrer.
Neste momento, a nossa preocupação vai no sentido de pressionar, e parece-me que a Assembleia da República deve ter um papel determinante nesse domínio, que não passa por debates desta natureza, pois é preciso desenvolver acções mais decisivas e que envolvam, inclusivamente, o próprio partido do Governo, dado que, neste momento, não é possível ultrapassar a sua paralisia também neste sector. É preciso desenvolver acções muito decisivas que forcem o Governo a tomar uma resolução rápida para obviar às políticas do facto consumado, para evitar os custos financeiros do tempo e para que se consiga preservar aquilo que parece ser, efectivamente, um património mundial.
Quero deixar ao Sr. Deputado Eurico Figueiredo a seguinte questão: como comenta as últimas notícias que têm vindo a lume sobre um relatório preliminar da UNESCO, com opiniões de técnicos internacionais, designadamente franceses, no sentido de que talvez não seja necessário parar a construção da barragem, tendo em atenção aquilo que disse, ou seja, que o achado do Côa pode até passar para segundo plano aquilo que, hoje, se constitui como visita obrigatória da arte do paleolítico, nomeadamente em Espanha e em França?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, agradeço os seus comentários e as suas observações, que considero perfeitamente pertinentes.
O que lhe posso dizer e reforçar é que me parece necessária uma decisão política. De facto, neste processo, nunca culpabilizarei a EDP, porque a EDP faz o que lhe mandam, há uma decisão política a tomar e quanto mais tardia for essa decisão, obviamente, mais nos sairão do bolso as compensações absolutamente justas e legítimas que a EDP pedirá a qualquer Governo deste país.
Por outro lado, quero também reforçar a sua ideia de que, por trás de muitas manipulações de opinião, podem existir interesses, e nós sabemos que existem, mas não podemos provar.
Na verdade, pode não interessar a muitas pessoas, sobretudo a países vizinhos, a conservação de um património em terra, que corresponde a riqueza ao nível da produção de Vinho do Porto, pois nós sabemos que, com barragens deste tipo, as melhores áreas de produção de Vinho do Porto ficarão debaixo de água, sendo certo que, ao mesmo tempo, destruiremos um património que pode entrar em competição com o de um país que não fica muito longe e, segundo consta, estaremos a produzir electricidade para esse mesmo país. Ou seja, perdemos em todos os aspectos, mas vendemos energia, o que, de facto, não me parece que seja o mais naturalmente vendável ao nível do próprio Vale do Côa.
Quanto à existência de um relatório da UNESCO que refira que aquelas gravuras podiam, eventualmente, ir para debaixo de água, esse relatório corresponde a uma pura manipulação da opinião pública, a uma pura manipulação jornalística. Aliás, se o Sr. Deputado o desejar, posso entregar uma cópia do relatório preliminar da UNESCO à sua bancada, pois neste país tudo se encontra e os "gatos escondidos" ficam sempre com o "rabo de fora".
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O que os peritos da UNESCO vêm fazer a Portugal é o seguinte: exclusivamente como técnicos não de arqueologia nem de gravuras mas de submersão e conservação, vêm ver como é a água, qual o tipo de pedras e se aquilo pode ou não ser arrancado. É apenas para isso que eles cá vêm e dizem que o fazem de acordo com a recomendação da UNESCO de 1968 que preconiza - e cito - "a preservação dos bens in situ", ou seja, nos locais onde eles se encontram. Todavia, a recomendação também prevê, logo que uma situação económica ou social imperiosa o exija, o transporte dos bens, o seu abandono ou a sua destruição.
Posto isto, aquilo que certos jornais publicaram mais não foi do que as recomendações da UNESCO de 1968, as quais legitimaram a vinda dos técnicos, e não, de forma nenhuma, o relatório preliminar.
Isto é um autêntico escândalo de manipulação e, por isso, já entreguei ao líder do Grupo Parlamentar do PSD, a seu pedido, uma cópia do referido relatório preliminar e terei muito prazer em entregá-la também aos restantes partidos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, tenho de manifestar a minha discordância quando o Sr. Deputado alude à persistência de falta de clareza sobre esta questão das gravuras rupestres de Vila Nova de Foz Côa.
Em primeiro lugar, ninguém quer esconder aqueles achados, aliás, diria que eles são impossíveis de esconder e que a comunicação social tem demonstrado tanto interesse que, hoje, nenhum português pode afirmar que não sabe o que se passa a propósito das gravuras rupestres de Vila Nova de Foz Côa. Está, assim, assegurada toda a transparência.
Proponho-me tratar deste assunto com o Sr. Deputado sem entrar no alvoroço emocional criado e vou testemunhá-lo com aquilo que me tem sido dado ver. Num dia ouvi um técnico da UNESCO, apresentado como de valia mundial, dizer que a preservação das gravuras deveria ser feita mediante a sua submersão; no dia seguinte ouvi um respeitado arqueólogo português dizer que ao ar livre é que as gravuras deveriam ser preservadas; no outro dia alguém disse, na televisão, que tinha de se fazer, imediatamente, um circuito turístico, porque era bem possível que o turismo nacional se deslocasse para Vila Nova de Foz Côa; anteontem, ouvi na rádio alguém defender a necessidade de criação imediata de uma faculdade de arqueologia em Vila Nova de Foz Côa- aliás, nem queria acreditar no que estava a ouvir; e até já ouvi datar aquelas gravuras de há 12 000 anos e de há 26 000 anos...
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - E daí?
O Orador: - De facto, este assunto tem de ser tratado com seriedade e eu creio que algumas pessoas, respeitáveis, com certeza, deveriam procurar preservar um pouco mais a sua própria credibilidade, porque, no fundo, andam a desacreditar-se uns aos outros, dando uma má imagem de si próprios e também do nosso país.
Sr. Deputado Eurico de Figueiredo, gostaria de dizer-lhe que não somos pró-barragem e contra as gravuras, nem pró-gravuras contra a barragem...
O Sr. António Filipe (PCP): - É uma posição claríssima!
O Orador: - Então, o que é que defendemos? Defendemos que os técnicos, a quem seja reconhecida qualificação adequada, estudem a fundo e com seriedade aquelas gravuras e que entre si definam qual o meio de melhor as preservar, porque estou inteiramente de acordo com o Sr. Engenheiro José Penedos quando cie diz que tem de ser resolvida uma questiúncula que existe entre os arqueólogos, e é em presença dessa situação que nos encontramos.
Não está em causa atribuirmos a maior relevância àquele achado, mas queríamos - e penso que não é pedir muito - dar a palavra a quem saiba disto, Sr. Deputado Eurico de Figueiredo.
que, Sr. Deputado, devo confessar-lhe a minha ignorância em matéria de arqueologia! Não tenho vergonha nenhuma em confessá-lo perante todos os Srs. Deputados, por isso é que eu jamais tentarei situar as gravuras uns anos mais à frente ou mais atrás e dizer que é melhor preservá-las ao ar livre ou debaixo de água... Nessa questão não entro, porque tenho consciência daquilo que sei e não gosto de fazer má figura falando sobre aquilo que não sei.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Costa Leite.
O Sr. José Costa Leite (PSD): - Sr. Deputado Eurico Figueiredo, todos estamos de acordo em que a importância das gravuras descobertas em Vila Nova de Foz Côa e a preservação do património cultural de toda a região do Douro é um elemento importante da nossa matriz histórica.
De qualquer forma, penso que este tema não pode ser abordado com demagogia nem com dramatismos e, neste momento, todos sabemos quais as opiniões dos grandes especialistas de arte rupestre e de arqueologia, nomeadamente do Professor Jean Clottes, que aponta vários cenários, quer o de parar a barragem quer o de continuar a construi-la.
Por isso, nós, no meio desta polémica, temos de procurar ter uma posição sensata, como o meu colega Vieira de Castro aqui referiu, encontrar o equilíbrio certo, pensar que os especialistas devem encontrar as soluções e só posteriormente é que o poder político deverá tomar decisões.
Assim, pergunto-lhe: não acha prematuro ter uma discussão destas sem que os técnicos, nomeadamente os da UNESCO bem como o Professor Jean Clottes, possam tomar as suas posições, por forma a dar ao poder político a possibilidade de decidir baseado no conhecimento deles?
Por outro lado, o senhor também sabe que, neste momento, tal como as coisas estão, uma paragem imediata das obras deixaria a paisagem do Vale do Côa numa situação que mais parece que lá se travou uma guerra...
Não acha que seria mais precioso para este Parlamento aguardar que a Subcomissão da Cultura possa avaliar os relatórios, que estão a ser elaborados pela UNESCO, pelo IPPAR e por outros elementos, para depois podermos fazer uma discussão aprofundada sobre este assunto?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero agradecer as questões que me colocaram.
Penso que, muitas vezes, a opinião mais insensata é nos momentos oportunos não ter a coragem de ter opinião!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ora, o que acontece é que toda a gente que não é analfabeta já tem, neste momento, informação sufi-
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ciente, reproduzida em revistas científicas, em semanários e diários de opinião dos mais qualificados do mundo, de que o património cultural que está em questão é o de gravuras rupestres muito importantes a nível mundial,
Portanto, não ter ainda compreendido o que isto quer dizer nem ter opinião a este respeito é ser cego ou ter qualquer tipo de cegueira mental que torne inacessível a informação ao lugar onde ela deve ser digerida...!
Ora, o que se passa é que depois da opinião fundamentada de que os Jerónimos são os Jerónimos, de que a Torre de Belém e a Torre de Belém, de que a Batalha é a Batalha há que saber qual a maneira de preservar isto tudo, e foi isso que alguns técnicos da UNESCO vieram a Portugal fazer, isto é, vieram dizer como preservar e não vieram para qualificar, porque a qualificação foi clara.
Porém, eles foram sequestrados, digamos assim, não puderam aproximar-se da opinião pública portuguesa, foram informados de que este era um país de selvagens e por isso aquelas gravuras cornam o risco de ser destruídas. Foi exactamente isso que disse o Professor Jean Clottes, ou seja, se isto é um país de selvagens então afundem-se as gravuras...
O Sr. Carlos Pereira (PSD): - Isso não é verdade! Prove isso!
O Orador: - Esteja caladinho durante um momento!
O Sr. Carlos Pereira (PSD): - Prove lá isso! Isso não é verdade!
O Orador: - O Professor Clottes, no relatório que elaborou, disse que a decisão era política. Ora, se a decisão é política, então há várias soluções técnicas e a recomendação da UNESCO, que vos li na minha intervenção, admite todo o tipo de soluções, inclusive a da destruição. Se o Governo quer assumir a destruição das gravuras que o assuma!...
O Sr. Carlos Pereira (PSD): - Onde é que você estava em 1982?
O Orador: - Por outro lado, o que se passa é que o direito à opinião é livre, pois vivemos numa democracia. Assim, se há quem defenda circuitos turísticos,, quem defenda faculdades de arqueologia, isso é absolutamente legítimo e natural, mas que o Secretário de Estado da Cultura tenha ido visitar os achados arqueológicos de Vila Nova de Foz Côa e tenha dito que só viu duas gravuras, uma delas mal, isso é mistificação e é sobre esta mistificação que gostaria de ouvir a opinião dos Srs. Deputados do PSD.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ele não disse gravuras disse "aquilo".
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acílio Gala.
O Sr. Acílio Gala (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O kiwi foi um fruto que surgiu no mercado nacional há pouco mais de 10 anos e que rapidamente agradou.
A actinídea, planta que dá o Kiwi, é oriunda da China e há cerca de 55 anos, chegou à Nova Zelândia, onde foi estudada, seleccionada e melhorada, transformando-se numa árvore de fruto de elevado valor alimentar ô comercial.
Dadas as suas características e a sua divulgação, começaram a surgir plantações em Itália, França, Espanha e, por último, em Portugal.
Após a experiência de alguns produtores, verificou-se existir no litoral de Portugal, a norte do Mondego, clima e condições de terreno favoráveis à cultura de actinídeas, com maior incidência na região da Bairrada.
Em 1986, altura em que o kiwi era vendido ao público, na ordem de 800$00/Kg, a planta foi rapidamente divulgada e facilmente aceite, como alternativa à videira.
Em 1987, o Governo, através do IFADAP, das Caixas de Crédito Agrícola e das Direcções Regionais de Agricultura, incentivou os agricultores a arrancarem as vinhas e, em sua substituição, procederem à plantação de pomares de actinídeas.
Foi assim que, com os apoios financeiros do Governo e expectativas promissoras para a comercialização de Kiwi, que, na altura, ainda era pago ao kiwicultor entre 300$00 e 350$00/Kg, se aprovaram projectos e começaram a instalar-se pomares, pese embora os grandes encargos com as estruturas de apoio ao desenvolvimento das plantas.
Com este entusiasmo, que o Governo sempre acalentou, entre 1987 e 1992, foram plantados pomares em regime de minifúndio, na zona litoral do País, a norte do Mondego, com uma área total que ronda os 1800 ha. Os investimentos com os pomares atingiram o montante de 3,5 milhões de contos.
Foi com este entusiasmo inicial, embora economicamente mal calculado, que nasceu uma kiwicultura nacional.
Em 1988, os kiwicultores da Bairrada associaram-se e criaram a Cooperativa Frutícola da Bairrada (Kiwicoop), que presentemente conta com 120 cooperadores. Constituída a cooperativa e apresentada uma candidatura aos fundos comunitários para a construção de uma das melhores instalações colectivas de frio para armazenamento, conservação, calibragem e comercialização do kiwi, com uma capacidade de 3 500 toneladas, mais uma vez o Governo entusiasmou os kiwicultores a investirem 570 000 contos nesta infra-estrutura colectiva, quando já havia sinais de queda do valor comercial do kiwi, embora a cultura ainda fosse economicamente rentável e os estudos económicos continuassem a ser favoráveis ao seu desenvolvimento.
E foi assim que, só na região da Bairrada, se investiram cerca de 1,5 milhões de contos em pomares e infra-estruturas colectivas. Infelizmente, as premissas que presidiram ao início do desenvolvimento da kiwicultura não resultaram conforme o previsto nos respectivos projectos e, nos últimos cinco anos, os kiwicultores sofreram, por um lado, a queda dos preços, que presentemente oscilam entre os 60$/Kg e 70$/Kg ao produtor, e, por outro lado, o aumento substancial do encargo com a cultura, que não fora correctamente avaliado nos estudos económicos.
Para ultrapassar estas dificuldades a Cooperativa Frutícola da Bairrada (Kiwicoop) teve de contrair empréstimos para suportar as despesas com as modernas instalações de frio que possui e, por ter havido uma quebra do ritmo da plantação de pomares e consequentemente na produção de kiwis, ainda dispõe de grande capacidade de frio que não está a ser utilizada.
A quebra brusca do valor comercial do kiwi, o aumento substancial dos encargos com a cultura, os empréstimos com juros incomportáveis a que foi necessário recorrer para suportar as despesas, as dificuldades em receber os poucos subsídios do INGA atempadamente aprovados e ainda não pagos e os maus anos agrícolas, tudo isto tem contribuído para o desespero dos kiwicultores que estão a dar os primeiros passos e a fazer kiwicultura com as mais modernas tecnologias.
Para agravar esta situação os kiwicultores italianos, a partir de 1993, com a abertura das fronteiras, a ausência ou
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insuficiente fiscalização do cumprimento das normas de qualidade e de controle de circulação do produto e, ainda, com o apoio do seu Governo e uma produção anual de cerca de 400 000 toneladas de kiwis, descarregam camiões TIR no mercado português, aos preços incompreensíveis de 60$/Kg a 70$00/Kg, já com o frete incluído, valores estes inferiores ao nosso custo de produção e sem considerar os encargos financeiros, enquanto que os kiwicultores portugueses para poderem comercializar os seus kiwis apostam no cumprimento de todas as regras impostas pelo consumidor, no que diz respeito à garantia de qualidade, calibragem e tipo de embalagem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A kiwicultura portuguesa é sem dúvida a alternativa mais viável no âmbito do segmento produtivo para o mundo rural das regiões do minifúndio, quer da Beira Litoral, quer de Entre-Douro e Minho, onde o clima é propício e os kiwicultores são bem conhecedores desta actividade e o País dispõe de uma boa rede de infra-estruturas específicas de frio para a conservação do kiwi. Presentemente Portugal produz apenas de 7 500 a 8 000 toneladas de kiwis, enquanto que o consumo nacional é de 20 000 a 21 000 toneladas Sem mais investimentos em infra-estruturas de concentração, Portugal pode produzir de 13 000 a 15 000 toneladas por ano e sem problemas de escoamento podemos ir até às 40 000 ou 50 000 toneladas.
Por estas razões que nos são favoráveis, Portugal pode não só abastecer o mercado português, mas também colocar kiwi, por antecipação de cinco a seis semanas, nos mercados dos demais produtores da União Europeia e noutros mercados, quer em estação no hemisfério norte, quer em contra-estação no hemisfério sul, o que é uma importante vantagem competitiva. Até hoje, esta vantagem competitiva ainda não foi aproveitada.
Também não tem sido aproveitado o facto de o kiwi português ser um kiwi biológico, que não necessita de qualquer tratamento fitosanitário, quer nos pomares, quer nas centrais de frio, durante a sua conservação e armazenamento, contrariamente aos demais produzidos nos outros países. Os italianos conhecem todas estas vantagens competitivas e sabem que os ingleses e os alemães preferem o kiwi português e, em especial, o da Bairrada, cujas qualidades são reconhecidas, e, por isso, tudo farão para aniquilar a kiwicultura portuguesa.
Pelas razões que aduzi em defesa do desenvolvimento da kiwicultura nacional, devemos empenharmo-nos, com todo o interesse, para que as autoridades responsáveis, nomeadamente o Ministério da Agricultura, através da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar, e o Ministério do Comércio, sejam sensibilizados para compreender a realidade e o interesse económico e social da kiwicultura no nosso País, em especial na Bairrada.
Para que se restaure a confiança dos kiwicultores é necessário que o Governo, que tanto os incentivou para esta actividade, lhes demonstre solidariedade e não os abandone, bastando para tanto que, rapidamente, satisfaça os compromissos que assumiu perante a Cooperativa Frutícola da Bairrada (Kiwicoop) e lhe dê mais apoio financeiro, a fim de esta poder libertar-se do empréstimo que teve de contrair para a construção da unidade colectiva já referida e que custou 570 000 contos Com o empenhamento do Governo, que esperamos se venha a concretizar em apoios financeiros à Cooperativa e em empréstimos aos kiwicultores, através duma linha de crédito a negociar, sem juros ou com juros reduzidos ao nível dos outros países da União Europeia, em pouco tempo, a confiança dos kiwicultores ficaria restabelecida e outras plantações de pomares seriam feitas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o Governo não disponibilizar, com urgência, medidas específicas de apoio para viabilizar a kiwicultura portuguesa, não vai ser possível sair da situação de crise que se vive e é muito provável que se chegue à situação de falência dentro de pouco tempo. Consumada esta situação em que os italianos apostam, o povo português passará a consumir kiwi de má qualidade, da Itália ou do Chile, pagando-os mais caros. Nessa altura, os kiwicultores que foram subsidiados e estimulados a produzir kiwis vão depois ser subsidiados para arrancarem os pomares, aumentando cada vez mais a dependência do estrangeiros e a desertificação do País.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco mais de dois anos, tive a oportunidade de intervir nesta Câmara sobre o tema "Turismo: Que perspectivas?"
Hoje, como ontem, não é demais salientar o peso estratégico que a actividade turística detêm na economia nacional. O peso das receitas do turismo, em percentagem do PIB, é de cerca de 7 %, as quais cobrem aproximadamente 50 % do défice comercial. No contexto europeu, Portugal é o país em que o sector do turismo tem maior peso na economia. O crescimento registado pela actividade turística, ao longo da última década, evidencia: mais do triplo do número de visitantes (21 milhões); mais do triplo de turistas (9 milhões); mais 17 vezes e meia de receitas cambiais (mais de 1 000 milhões de contos).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, com alguma surpresa e preocupação que constato que os partidos da oposição, com principal relevância para o PS, não abordem esta temática, nem se conheçam com clareza as suas posições sobre as grandes questões que se colocam ao sector do turismo nos próximos anos.
O Sr. Rui Carp (PSD): - É ignorância!
O Orador: - Será que as grandes preocupações do PS e do seu líder se prendem mais com operações de marketing eleitoral do que com aspectos essenciais da economia portuguesa?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Será que o PS não se apercebeu ainda da importância vital do turismo na economia nacional, não tendo, assim, nada a dizer sobre o assunto?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terminou recentemente o período de debate público sobre o Plano Regional de Turismo do Algarve (PRTA). Trata-se de uma velha aspiração de todos os algarvios, que finalmente se concretiza. As entidades oficiais e o Governo reconheceram a importância deste sector, relevando o papel estratégico e a prioridade que o mesmo deve ter no desenvolvimento económico da região do Algarve.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Alguém nesta Assembleia conhece 3 posição do PS sobre este plano?
Vozes do PSD: - Não!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Nem eles!
O Orador: - Que contributos deu o PS, no âmbito do debate público, para o seu aperfeiçoamento?
O Sr. Rui Carp (PSD): - Nenhuns!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas o PCP deu!
O Orador: - V. Ex.ª saberão encontrar certamente a resposta: o silêncio total!
Será que o líder do PS conhece o Algarve e a expressão da sua actividade turística?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O PSD, mais uma vez, não se demitiu das suas funções. Depois de se debruçar sobre o PRTA, em duas sessões internas do seu gabinete de estudos regional, promoveu, em 21 de Janeiro passado, um colóquio acerca do tema, aberto à sociedade civil, tendo convidado, para além dos agentes económicos e suas associações, todas as câmaras municipais e Deputados à Assembleia da República, pelo círculo de Faro. Nele participaram todos aqueles & quem o tema se revelou importante. Quem nada tinha a dizer sobre o assunto pautou pela ausência.
Do colóquio realizado pelo Gabinete de Estudos Regional do PSD resultou um conjunto de conclusões, as quais foram entregues às entidades responsáveis, e que passo a transcrever: "O PRTA é, sem dúvida alguma, um documento fundamental para a região do Algarve; as entidades competentes e o Governo reconhecem oficialmente o papel fundamental que o turismo detém na economia regional e nacional; apesar de se constatar a excessiva dependência da base económica regional na actividade turística o PRTA reconheceu claramente que, ainda assim, muito há a fazer neste domínio, por forma a eliminarem-se os actuais estrangulamentos ao desenvolvimento do sector, reduzindo os possíveis factores de crise; o PRTA reconhece ainda que o sector turístico é o motor da economia regional, fonte dinamizadora para outras actividades que lhe estão associadas, pelo que deve ser alvo de um tratamento preferencial; contudo, o sector turístico, pelo facto de ter um peso significativo na actividade económica e social da região, pode ser factor de desequilíbrio se não for assegurado no desenvolvimento harmonioso e de qualidade - é esse o caso da articulação da oferta do produto turístico "sol e praia" com os restantes, mas, em especial, com o turismo no espaço rural, que deveria ser merecedor de um estudo mais desenvolvido; verifica-se um certo desconhecimento do PRTA, por carências na sua divulgação, o que impossibilita uma reunião mais ampla de opiniões dos interessados e utentes nos diversos sectores; é necessária uma discussão pública mais alargada, uma divulgação mais ampla, mas de forma mais sintética e orientada consoante os seus destinatários.
Por essa via, a identificação dos riscos e as propostas de acção formuladas pelo PRTA devem ser merecedoras de uma análise mais cuidada e aprofundada, sendo no entanto possível alinhar, desde já, as seguintes conclusões:
1. A natureza do plano é por nós entendida como devendo estar dotada de unidade e coerência quanto ao tipo de intervenções sectorial/regional/local, devendo a sua aplicação ser global, sem prejuízo do estudo posterior e do desenvolvimento de algumas áreas de intervenção particular;
2. Desta forma, entende-se que as intervenções devem ser convergentes e muito especialmente inserirem-se num cronograma que permita potenciar os efeitos de cada uma das medidas/acções que vierem a ser implementadas, aspecto que o plano não contém;
3. É indispensável, a fim de avaliar o esforço financeiro necessário e priorizar as acções a executar, que os investimentos sejam apurados e programados no tempo;
4. O cronograma da execução das medidas deve ser cuidadosamente analisado e nalgumas situações revisto, como é o caso dos seguintes exemplos: a implementação e eficácia de medidas de segurança, inseridas nas acções de apoio ao turismo, sendo geradoras de maior e melhor capacidade negocial com os operadores, não se devem reduzir a um ano, mas sim abranger toda a vigência do plano; nas acções de fiscalização e inspecção deve sobressair um espírito mais didáctico que punitivo; a componente "saúde", indissociável da qualidade da oferta turística, necessita de um estudo mais cuidadoso.
5. Constata-se alguma deficiência quanto à intervenção do plano na envolvente social, em particular sobre o mercado do emprego e da formação profissional. Reconhecendo-se que são baixos os níveis de qualificação da mão-de-obra, considera-se que este assunto não foi suficientemente tratado.
6. Quando são reconhecidas as grandes debilidades na estrutura empresarial turística da região, a pouca solidez económico-financeira das empresas do sector e não se identificam medidas concretas de apoio a estratégias de competitividade das empresas, questionamos como se efectuará a articulação de eventuais iniciativas com o programa de acções estruturantes e o quadro de apoio financeiro ao investimento do sector.
7. As acções contidas no plano e que se encontram integradas noutros planos e programas de nível sectorial, regional ou local, cujo financiamento se encontra desde já assegurado, deveriam estar perfeitamente identificadas, por forma a que os utilizadores deste documento tivessem acesso a esta informação e pudessem avaliar o coeficiente de financiamento já garantido, bem como o impacto das medidas da actividade no sector e na região.
8. Neste levantamento das acções programadas, se se identificar que algumas consideradas relevantes não dispõem de financiamento assegurado, as mesmas devem assumir carácter de prioridade em futuros programas/planos de investimento. Só com um conhecimento efectivo será possível ao potencial investidor privado assegurar o enquadramento dos seus investimentos com os do sector público.
9. Um plano com esta dimensão justifica que as competências dos organismos interventores estejam claramente identificadas e ajustadas, por forma a que seja possível assegurar a cooperação e a eficácia institucionais dos organismos intervenientes, o que denota a necessidade de algumas medidas legislativas.
10. Nesta perspectiva, a gestão do plano, que deverá iniciar-se logo que concluída a fase de discussão pública, não deve ser assegurada por uma mera estrutura de acompanhamento, que, pela sua natureza, pode revelar-se ineficaz, mas, sim, por um orgão de administração com atribuições e competências específicas, de forma a garantir o sucesso do plano.
Estas foram, pois, as principais conclusões obtidas, que se espera contribuam para a melhoria qualitativa do plano na sua fase de execução. Temos a consciência do dever cumprido e de mais uma vez termos respondido às nossas
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responsabilidades perante os algarvios e o País. Terão o PS e o seu líder assumido as suas responsabilidades, detentores que são do maior número de câmaras municipais do Algarve?
Vozes do PSD: - Não!
O Orador: - Sr. Presidente: Srs. Deputados: O PRTA irá potenciar, nos próximos anos, investimentos públicos da ordem dos 360 milhões de contos, a financiar pelo PIDDAC e fundos comunitários, investimentos que, na sua grande maioria, têm financiamento assegurado, e viabiliza empreendimentos privados superiores a 200 milhões de contos. Não podemos esquecer que o Algarve dá ao País, por ano, em receitas turísticas, o equivalente ao afluxo de fundos comunitários do Quadro Comunitário de Apoio II.
Quando o líder do PS, Engenheiro António Guterres, apregoa por todo o país os milhões da Comunidade Europeia, como o grande ex-libris do Governo, nunca teve em conta que só o Algarve, em termos de receitas turísticas, contribui com semelhante número de milhões. Só que os algarvios estão cá para lembrar o PS e o seu líder deste facto e de que nunca deixarão de reivindicar, conscientemente, os meios financeiros necessários à resolução definitiva dos seus problemas regionais.
Não podemos esquecer que, antes de 1985, o Algarve só era lembrado pelos governantes durante a época estival, enquanto que, em termos de investimento público, se ficava pela cauda dos distritos do continente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nos últimos anos, os governos social-democratas souberam colocar o Algarve no lugar adequado, no que se refere ao investimento público, fazendo justiça a uma região que muito tem dado ao país.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. António José Seguro (PS): - Isso foi só em Boliqueime!
O Orador: - Os investimentos incluídos nos diferentes programas, no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio U, asseguram essa continuidade, pelo que os algarvios estão confiantes no trabalho desenvolvido pelos governos apoiados pelo PSD.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Algarve e os algarvios não querem voltar ao passado. Querem, sim, assegurar a melhoria sucessiva das condições de vida e de bem-estar das suas populações. Só assim será possível vencer os desafios do futuro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, por um minuto.
O Sr Luis Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, quero apenas agradecer ao Sr. Deputado António Vairinhos o facto de ter vindo à Assembleia da República tornar público o comentário que o PSD faz sobre o Plano Regional de Turismo do Algarve que está em discussão, e dizer que nalgumas coisas concordamos com ele, noutras não.
No entanto, gostaria de referir que o local próprio para discutir esse programa é a Comissão Regional de Turismo do Algarve, onde esses municípios têm todos assento, bem como lembrar-lhe que o PS ainda não é Governo e que, por isso, é cedo para começar a reivindicar.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, em primeiro lugar, agradeço as suas palavras, no sentido em que concorda com as críticas que o PSD apresenta. É pena não ter as do PS para adicionar, porque seria extremamente positivo.
Ficamos à espera que o PS tome uma posição política sobre o assunto, ficamos à espera que o PS acorde.
Quanto ao que disse, sobre o reivindicar, sempre tivemos de fazer os dois papéis:...
Vozes do PS: - Lá isso é verdade!
O Orador: - ... o de defensores do Governo e o reivindicativo por parte do Algarve, porque o PS se demitiu dessa função. E mais uma vez se vem provar que também nisto o PS se demitiu e que não merece a confiança dos algarvios.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 19 horas e 5 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa, Deputado João Salgado, vai comunicar a VV. Ex.as os resultados da votação de cinco membros para a Alta Autoridade para a Comunicação Social a que se procedeu hoje.
Para a leitura da acta, tem a palavra.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, os resultados obtidos, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e do artigo 9.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 15/90, de 30 de Junho, foram os seguintes: votantes, 209 Deputados; votos na lista A, 69; votos na lista B, 126; votos na lista C, 12; votos brancos, 2; votos nulos, zero.
Em face dos resultados, declaram-se eleitos os seguintes membros: Cipriano Martins, Artur Guerra Jardim Portela, Torquato da Luz, Rui Nelson Gonçalves de Assis Ferreira e Maria de Lurdes Breu.
Para constar se lavrou a presente acta que vai ser devidamente assinada. Os Deputados escrutinadores: Maria da Conceição Rodrigues, Belarmino Correia, Alberto Araújo e José Reis.
O Sr. Presidente: - Nos termos desta acta, declaro eleitos os seguintes cidadãos: Cipriano Martins, Artur Guerra Jardim Portela, Torquato da Luz, Rui Nelson Gonçalves de Assis Ferreira e Maria de Lurdes Breu.
Peço ao Sr. Secretário João Salgado para proceder à leitura do relatório da 1.ª Comissão, relativo a factos relacionados com o Estatuto de Deputados.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou proceder à leitura da parte final do parecer da 1.ª Comissão, relativo a direitos e deveres dos Deputados arrolados como testemunhas em processo judicial, que é do seguinte teor:
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a) Sempre que um tribunal solicite à Assembleia da República que um seu eleito intervenha como testemunha em determinado processo judicial, deve entender-se que a autorização que for concedida apenas valerá para a diligência para a qual foi notificado, salvo se a própria autorização expressamente consignar que tem carácter genérico para o respectivo processo;
b) No futuro, em casos análogos ao presente, propõe-se que a Comissão especializada competente, nos respectivos relatórios, consigne que a deliberação autorizadora apenas é válida para a diligência concreta em causa, salvo se a própria autorização expressamente consignar que tem carácter genérico para o respectivo processo;
c) Cabe, em exclusivo, à Assembleia da República ajuizar e decidir relativamente à sua agenda de trabalhos, qualificar a natureza inadiável, ou não, da expressão "trabalhos parlamentares inadiáveis" face ao critério e juízo políticos que tal definição envolve;
d) Que se declare esgotada a autorização concedida ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira para prestar o seu depoimento no aludido processo-crime n.º 83/93, pendente no Tribunal de Lagos.
Palácio de S. Bento, em 8 de Fevereiro de 1995. O Deputado relator, Cipriano Martins; o Vice-Presidente da Comissão, José Vera Jardim.
O Sr. Presidente: - Está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, pretendo congratular-me com esta votação e com a proposta correspondente.
De qualquer modo, subsiste uma dúvida, pois não sei até que ponto esta poderá ser uma decisão vinculativa.
Creio que deveria ter um carácter mais solene, pelo que proponho que a Mesa encare a hipótese de ser mais conveniente que esta proposta tome a forma de uma resolução da Assembleia da República, o que lhe daria carácter vinculativo. Senão, julgo que se esgotará internamente a sua validade e ficará à mercê da interpretação dos Srs. Juízes, como agora acontece.
Se essa decisão fosse aprovada por resolução, ela tornar-se-ia vinculativa, pelo que, em minha opinião, era assim que deveríamos proceder.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica registada essa opinião e ela será considerada. Em todo o caso, foi uma deliberação aquilo que se votou.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, quanto a este assunto, objecto do parecer, o que se passa é uma situação escandalosa, já que dois Deputados foram multados por um magistrado, não sendo aceite a justificação dada pelos Deputados da Assembleia da República de que tinham faltado à diligência por trabalhos inadiáveis do Plenário. É que quem julgou sobre a inadiabilidade do trabalho do Plenário foi o magistrado e não a Assembleia da República! Isto é algo completamente inconcebível: como é que um magistrado, seja lá onde for, pode julgar se a falta de um Deputado é ou não inadiável politicamente para o Plenário?
Por isso mesmo, trata-se de um caso que tem de ser atalhado imediatamente, porque está em jogo a credibilidade da Assembleia, está em jogo a má interpretação do Regimento por parte de alguns magistrados - que não todos -, pelo que é preciso que casos desses se tornem públicos e que tenham um carácter, como disse o meu colega, Deputado Luís Filipe Madeira, vinculativo para os magistrados e demais agentes que aplicam o Estatuto dos Deputados.
Por isso mesmo, reforço a proposta feita pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, de que esta decisão deveria ter a forma de resolução, ser publicada no Diário da Assembleia da República, depois de votada. E peço mais: que ela seja comunicada ao Conselho Superior de Magistratura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cipriano Martins.
O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dar um esclarecimento adicional, na qualidade de relator deste parecer.
Quando sugerimos, na parte final, que esta proposta revestisse a forma de deliberação, fizemo-lo na ideia de que a autorização obedeceu a esse formalismo, pelo que a decisão de retirar a autorização dada, por razões processuais e de forma, deveria obedecer ao mesmo aspecto processual.
Quanto à dúvida sobre se deve revestir o aspecto de deliberação ou de resolução, penso que é uma questão que tem pertinência mas, em nosso entender, deveria ser objecto de ponderação na própria Comissão, uma vez que esta apenas ponderou a hipótese relatada, ou seja, que revestisse a forma de deliberação e não de resolução. A ser aceite a forma de resolução, pela Comissão e pelo Plenário, como se sabe, ela tem efeitos externos e vincula terceiros; a deliberação é doméstica, é caseira, vincula para o acto para que foi feito o relato e "morre" aqui. Mas considero que se trata de uma questão pertinente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, este parecer e a sucessiva deliberação da Assembleia tem um aspecto genérico, teórico, por um lado, e tem, por outro lado, naturalmente, um aspecto imediato de aplicação ao caso concreto, visto que foi motivado por um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
Faço minhas as palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró, quando se referiu a alguns casos - e o do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira é um deles - em que Deputados desta Casa têm sido objecto de multas por causa de faltas a diligências nos tribunais, quando apresentam como justificação a presença e a participação nos trabalhos parlamentares, sendo óbvio que é um procedimento de todo em- todo inaceitável.
Este parecer tem uma enorme relevância, e a deliberação que acaba de ser tomada também, na medida em que faz doutrina para o futuro no que respeita às autorizações dadas por esta Assembleia para alguns casos, designadamente para o caso de testemunhas em processo-crime.
Mas estou de acordo em que, para que ela tenha força vinculativa para com terceiros, deveria revestir a forma de
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resolução. Penso, no entanto, que, não resultando e não tendo sido isso apreciado nos trabalhos da Comissão, deveria agora voltar a esta para que, porventura com alguma alteração que pudesse ser necessária, a Comissão a fizesse novamente subir a Plenário, então já sob a forma de projecto de resolução.
Portanto, creio que é de atender a sugestão do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, mas numa fase subsequente do processo a que, certamente, a Comissão dará toda a relevância e urgência que o assunto requer, visto que há outras situações parecidas que têm sido presentes à Comissão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria manifestar a minha concordância com a sugestão agora apresentada pelo Sr. Deputado José Vera Jardim.
Temos, neste momento, uma interpretação da lei feita pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tratando-se agora de saber que grau de vinculação deve ser dado a essa interpretação, pelo que creio que devemos ponderar isso noutro local e noutro momento que não este. Podemos fazê-lo ou na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares ou na Comissão, como se entender melhor.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Filipe Madeira deseja pronunciar-se novamente sobre a esta matéria?
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, julgo que o assunto está esclarecido mas solicito a V. Ex.ª, já que tenho nova marcação para o dia 14 deste mês, que o ofício seja enviado com urgência ao tribunal respectivo.
Para mostrar até que ponto este assunto é chocante devo dizer-vos que já fui multado duas vezes, paguei 40 contos de multa, em casos em que o julgamento não se efectuou por falta do réu e é a sétima vez - o processo tem cinco anos - que, ou vou a Lagos, em peregrinação, ouvir que é adiado para daqui a um mês ou, se justifico a falta, sou multado em 20 contos.
Como tudo isto é muito chocante penso ser urgente tomar esta decisão de forma vinculativa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é visível que há aqui duas questões: o caso concreto, que suscitou este pedido de esclarecimento à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e o problema geral, ou seja, como fixar doutrina normativamente imperativa para os juízes.
Ora bem, quanto ao que foi deliberado e aprovado suponho que está bem feito. Há um acrescento para que se mande ao Conselho Superior da Magistratura e que se envie, de imediato, ao juízes onde está a ter actualidade. O problema concreto resolve-se por aí- e bem, do meu ponto de vista
Quanto à questão de saber até onde esta questão se pode resolver por via normativa, lembro a VV. Ex.as que se trata de interpretar um diploma legal, que é o Estatuto dós Deputados, e, porventura, a resolução não será o caminho indicado para o efeito.
De modo que esta competência temo-la, exercemo-la bem e, sendo elementar, esta interpretação vale para o caso concreto, de acordo, aliás, com o prestígio que a Assembleia da República tem na matéria.
Quanto ao resto, teremos, eventualmente, de fazer uma alteração ao Estatuto dos Deputados fixando normativamente a doutrina. Mas suponho que isto chega para o efeito. Deixo este assunto à consideraçâo de VV. Ex.as, seguramente que o não vamos resolver hoje, de maneira que vamos passar às votações previstas para esta tarde.
Srs. Deputados, vamos então fazer as votações que estão agendadas.
Em primeiro lugar, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 479/VI - Cria o relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência, tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 480/VI - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé e abstenções do PS e do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 472/VI - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), criando um período extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que completem 18 anos de idade (PS).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
Srs. Deputados, o Sr. Deputado António José Seguro informa que vai enviar à Mesa um declaração de voto por escrito, sobre a votação deste último projecto de lei.
Vamos dar início à discussão da proposta de lei n.º 116/VI - Autorização para contracção de empréstimos externos, apresentada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Azevedo.
O Sr. Manuel Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar, aqui, do endividamento da Região Autónoma dos Açores e da sua necessidade é assunto estafado. Referir aqui a necessidade de um novo modelo de relações financeiras com as regiões autónomas dado o esgotamento do actual - será que ele existe? -, é repetitivo.
Ainda que estafante para quem fala e enfadonho, por repetitivo, para quem ouve, voltamos ao assunto. Ignorá-lo, seria tacitamente reconhecer que tudo está bem. Calá-lo, seria traição a quem nos elegeu para defender aquilo a que legitimamente tem direito: um desenvolvimento harmónico com todo o país, uma progressiva aproximação dos padrões de vida médios da Europa em que voluntariamente nos integrámos.
As relações financeiras com as regiões autónomas têm-se pautado desde sempre por regras avulsas, uma ou outra consagradas na lei mas, mesmo estas, há algum tempo ultrapassadas.
No que respeita à Região Autónoma dos Açores, são-lhe consignadas por lei as receitas provenientes dos impostos nela cobrados ou gerados. Tal não está, todavia, a acontecer
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em pleno. De há muito reclamado, falta calcular o potencial fiscal endógeno da Região, bastante superior aos impostos que actualmente são por ela arrecadados. Porque isto não está feito e as actuais receitas dos impostos não dão para, as tarefas ingentes que se põem aos Açores, a Região endividou-se.
O artigo 98.º da Lei n.º 9/87 estabelece que os benefícios decorrentes de tratados e acordos internacionais directamente respeitantes à Região serão afectados a projectos de desenvolvimento desta. Há anos terminaram as contrapartidas financeiras que os Estados Unidos e a França pagavam na decorrência de tratados e acordos respeitantes a instalações militares nos Açores. Alguém colmatou esta falta de receitas por outra via? Não. E para não comprometerem o seu desenvolvimento, os Açores tiveram de endividar-se.
Segundo o artigo 99.º da mesma lei - o Estatuto Político-Administrativo -, o Estado dotará a Região dos meios financeiros necessários à realização dos investimentos constantes do Plano Regional que excederem a capacidade financeira dela. O que tem acontecido? Tímidos aumentos de verbas por conta dos custos da insularidade. E, mesmo guando, legalmente, conseguimos "meter uma lança em África", como aconteceu na Lei do Orçamento de 1994 com a transferência de verbas para o funcionamento da Universidade dos Açores, nem isso é cumprido. A lei é desrespeitada. E mais aumento de endividamento para não comprometer, ainda mais, as legítimas aspirações dos povos que teimam em viver nas nove ilhas dos Açores.
Sabe-se que dois terços das receitas da Região são aplicados nos sectores da saúde e educação. Reestruturam-se as carreiras do pessoal com os significativos custos e para isso reforçam-se os orçamentos dos ministérios, mas o orçamento da Região não é reforçado. Mais endividamento. Amplia-se a escolaridade obrigatória e logo surgem os custos inerentes. O Ministério da Educação é reforçado nas suas verbas para este efeito. Para o orçamento do região, nada. Mais endividamento, ainda...
E o rol poderia continuar...
Sei que aqueles que não conhecem a Região se fartam de declarar que gastamos demais, referindo-se, naturalmente, às despesas correntes. Esquecem-se, no entanto, de verificar - e podem fazê-lo através dos últimos orçamentos regionais e respectiva execução - o esforço que tem vindo a ser feito para as conter. Excepção feita ao serviço da dívida - nem a nossa proposta de assumpção pelo Estado de 50 % dos juros da dívida da Região, tal qual é feito para a Região Autónoma da Madeira, conseguiu obter aprovação em sede de votação do OE para 1995 - e aos aumentos salariais do funcionalismo público, as despesas correntes estão a decrescer por força da contenção imposta a todos os serviços. E não se esqueça que do investimento público que tem vindo a ser feito nos Açores decorrem para os anos que se seguem e se seguirão, despesas correntes de funcionamento e conservação.
E não vamos dizer mais. A não ser que é necessário assegurar a definição legal das relações financeiras do Estado com a Região Autónoma dos Açores. O Sr. Ministro das Finanças declarou-se, recentemente, preocupado com este assunto e está a desenvolver algum trabalho neste campo. Os órgãos de governo próprio da Região têm apresentado propostas conducentes à definição dum quadro estável para este relacionamento. Os empresários regionais querem debater o assunto, sobretudo na área da fiscalidade, pois o que se passa em regiões ultraperiféricas da Europa (por exemplo Canárias e territórios franceses ultramarinos) em termos de incentivos fiscais e outros às empresas aí sediadas está a anos luz da prática seguida nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira. Nestas, a Declaração anexa ao Tratado da União Europeia sobre as regiões ultraperiféricas da Europa não teve aplicação, pelo menos na parte que respeita aos apoios dos Governos dos países de que fazem parte.
Os Deputados desta Casa, sobretudo os eleitos pelos círculos eleitorais das regiões, têm aqui denunciado estas situações e têm proposto soluções ainda que sem sucesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à proposta de lei ora em discussão, o nosso voto favorável para que não se comprometa ainda mais o desenvolvimento destas ilhas - as da Região Autónoma dos Açores - que se querem portuguesas, e como tal reivindicam para si as oportunidades de desenvolvimento que não lhe têm sido cabalmente proporcionadas. Cumpra-se por inteiro a Constituição, o Estatuto Político-Administrativo da Região e a Declaração anexa ao Tratado da União Europeia. Para isso, libertem-se os centralistas - que os há em todos os partidos - de visões restritivas da Constituição e das leis.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Azevedo, ouvi com muita atenção e simpatia a intervenção que fez, dirigida, sobretudo, à sua bancada, ao interior do seu próprio partido (e, nesta fase conturbada da vida do PSD, a verdade é que não sei bem a quem) e ao Governo.
Como é evidente, os queixumes e as críticas que V. Ex.ª faz, e que estão ligadas à forma como se tem desenvolvido o relacionamento financeiro com as regiões autónomas, só podem ter um único destinatário: o próprio PSD, apesar de o Sr. Deputado ter tido a candura de nunca citar o seu partido.
A minha primeira questão é, pois, esta: estou a interpretar correctamente os destinatários dessas críticas ou não? Não quer explicitar quem é o destinatário das críticas que fez?
Quanto às questões ligadas às autorizações para a contracção de empréstimos externos das regiões autónomas, elas não têm levantado nenhuma polémica particular nesta Casa. Por isso, iremos votar favoravelmente esta proposta, embora pudéssemos discutir a forma e os termos em que são geridos, pelos governos das regiões autónomas, os meios financeiros que estão colocados à sua disposição. Creio que valeria a pena fazer essa discussão, mas deixemos isso para outra ocasião.
Por outro lado, tanto quanto sei, todos os partidos - e, seguramente, o PCP - defendem a criação de um quadro institucional claro para o relacionamento financeiro com as regiões autónomas. Defendemos a existência de uma lei-quadro e, pelos vistos, o Sr. Deputado fez uma referência, pelo menos implícita, a essa necessidade.
Ora, os senhores fazem parte do governo regional, estão no governo da Nação com maioria absoluta há duas legislaturas - fora o período em que integraram governos minoritários ou o governo do bloco central - e ao longo destes anos ainda não tiveram tempo e nem capacidade para fazer a tal lei-quadro, que os senhores defendem e que sistematicamente se lastimam pelo facto de não existir.
O discurso que V. Ex.ª fez destina-se a uma gestão política regional favorável à imagem do PSD? É um discurso de quem dá uma "no cravo e outra na ferradura"? É para o açoreano consumir?
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O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Azevedo.
O Sr. Manuel Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, quanto à questão de saber quem são os destinatários desta intervenção, é evidente que somos todos nós e aqueles que detêm o poder - que neste momento, por acaso, é o PSD.
Sr. Deputado, tenho uma curiosidade secreta, que ainda um dia gostaria de satisfazer:...
Vozes do PCP e do PS: - Diga lá qual é, Sr. Deputado.
O Orador: - ... era ver o que é que os senhores, que dessa bancada tecem loas às necessidades que o governo central não satisfaz no capítulo financeiro das regiões autónomas, fariam se estivessem no poder.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está com esperanças de que isso aconteça, Sr. Deputado!...
O Orador: - A aquilatar por aquilo que alguns fizeram no passado isso não nos deixa muitas esperanças!
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - O Sr. Deputado pergunta-me quem são os destinatários. Somos nós, é o poder! O centralismo existente em todos os partidos atinge estas questões das relações financeiras com as regiões autónomas, mas não só. Verifique, por exemplo, o que se passou com as propostas de revisão constítucional apresentadas por alguns Deputados relativamente às regiões autónomas. Portanto, esse centralismo reflecte-se também nas relações financeiras com as regiões autónomas.
Pergunta-me por que é que, estando o PSD no governo das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e no Continente pelo menos há 10 anos, nunca foi feita uma lei-quadro, estabelecido um quadro financeiro, um protocolo ou qualquer coisa de estável.
Como sabe, a questão relativa às dificuldades financeiras dos Açores começou a colocar-se há relativamente pouco tempo, há poucos anos. Foi devido à falta simultânea de dinheiros que nos chegavam por virtude dos acordos internacionais e pela aplicação do novo sistema retributivo da função pública que começámos a ter problemas relativamente às finanças regionais. Fazem-se leis nacionais que implicam aumentos salariais para o funcionalismo público (que, sem dúvida nenhuma, são justos), mas não se tem em conta que também existe funcionalismo público na Região, não se transferindo as verbas necessárias para pagar todos esses acréscimos salariais.
Tal como disse na minha intervenção, há uma preocupação do Governo da República, que já vem de algum tempo, mas que agora é muito mais concreta, tendo até já sido anunciada pelo Sr. Ministro das Finanças, no sentido de resolver este problema. Nas assembleias regionais os órgãos de governo próprio da região têm reflectido sobre este assunto. Aliás, numa das próximas semanas haverá um colóquio promovido pela Universidade dos Açores e pela Assembleia Legislativa Regional sobre questões relativas à autonomia, em que este assunto será novamente debatido com especialistas credenciados.
Por outro lado, não nos podemos esquecer de uma coisa: sempre existiu e há-de sempre existir - e é bom que assim seja! - esta tensão, esta dialéctica entre o poder regional e o poder central. Já existia antes deste governo, continua a existir e continuará a existir com os governos do PSD, qualquer que seja o seu novo líder.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.
O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A falta de rigor e transparência e o desrespeito pelos princípios fundadores da autonomia político-administrativa das regiões insulares portuguesas têm constituído o principal obstáculo ao regular relacionamento financeiro do Estado com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, especialmente acentuado ao longo do período de oito anos em que o "cúmulo" hegemónico do poder social-democrata perpassou, com efeitos nefastos, toda a comunidade nacional.
Nas regiões autónomas o exercício implacável do domínio centralista pelo Governo da República - aliado às políticas desastrosas dos governos regionais - responsabiliza exclusivamente o PSD, no seu todo, pela degradação do regime autonómico, pela progressiva descredibilização dos órgãos de governo próprio e, no plano das finanças públicas, pelo eclodir da maior crise financeira da história das duas regiões autónomas.
Um Governo que deliberadamente não cumpre o preceito estabelecido no artigo 231.º da nossa lei principal e faz tábua rasa das obrigações que lhe são impostas no artigo 99.º da Lei n.º 9/87 não só viola os princípios fundamentais da solidariedade nacional e da igualdade consagrados na Constituição da República como comete um atentado contra o próprio regime democrático de que o edifício da autonomia regional é parte integrante e inalienável.
Um Governo que autoritariamente enfatiza as vantagens de uma administração pública centralizada- apesar de Portugal ser membro da Europa das regiões - e renuncia, arbitrariamente, ao cumprimento de deveres programáticos eleitoralmente sufragados que constituem condição imprescindível para que Portugal, na sua caminhada democrática, atinja novos estádios de desenvolvimento económico e social é, no mínimo, um Governo irresponsável, de que os portugueses, seguramente, não guardarão boa memória.
Um Governo que nem sequer é capaz de ser fiel às propostas políticas que faz aprovar no Parlamento, designadamente não executando partes essenciais do Orçamento do Estado que preparou e que a Assembleia da República traduziu em lei, não merece o respeito dos cidadãos e, neste caso especial, dos portugueses das regiões autónomas, que se vêem sistematicamente discriminados na partilha dos recursos nacionais.
Temos um Governo que não soube definir uma estratégia de desenvolvimento para Portugal, alicerçada em políticas de coesão nacional no domínio da reforma do sistema político, do aperfeiçoamento do regime económico e fiscal, e implementada em políticas sectoriais de âmbito nacional, com especial relevância nos domínios da educação, da saúde, da segurança social, dos transportes e comunicações, da informação e cultura. Em suma, um Governo que nem concebeu políticas de Estado visando o desenvolvimento harmónico do País nem promoveu o estreitamento dos laços que devem unir todos os portugueses.
Um Governo que assim procede merece a nossa reprovação e o voto de uma rápida cessação de funções.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É, pois, num quadro adverso e de crise inocultável - em que sobressai o esgotamento do modelo de autonomia financei-
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rã dos Açores e da Madeira - que a Assembleia da República é chamada a pronunciar-se sobre um pedido de autorização de contracção de empréstimos externos apresentado, de acordo com as disposições legais vigentes" pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, e que. surge na sequência natural da aprovação, em Dezembro último, do Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 1995.
Como medida de cariz vincadamente instrumental - e verificados que são os preceitos formais da iniciativa ora em apreciação - nada obsta a que a Assembleia dia República conceda a autorização solicitada, cumprindo-se, assim, um ritual parlamentar necessário à legitimação integral do quadro orçamental da Região Autónoma dos Açores para o corrente ano.
Todavia, esta intervenção da Assembleia da República não é desprovida de efeitos perversos. Ela tenderá a agravar a crise financeira dos Açores - caracterizada, em larga medida, por uma insustentável progressão da dívida pública regional - enquanto este orgão de soberania não aprovar uma lei de financiamento das regiões autónomas que regule com transparência e rigor as relações financeiras do Estado com cada uma das regiões insulares portuguesas.
O Partido Socialista, através dos seus Deputados na Assembleia da República e nas assembleias legislativas regionais, vem, de há longa data, defendendo esta proposta, recentemente renovada no contexto das propostas de alteração apresentadas pelo PS ao Orçamento do Estado para 1995. Apesar do voto contrário exercido então pela maioria parlamentar do PSD, o Partido Socialista não desiste de conferir prioridade a esta questão, que, em nosso entender, constitui matéria substantiva enquadrável no conceito de interesse nacional.
Como há poucos dias mencionámos numa proposta dirigida à Comissão de Economia, Finanças e Plano, do nosso ponto de vista o quadro normativo a aprovar não deve abordar apenas as questões de carácter estritamente financeiro, mas deve reflectir também opções quanto a outros aspectos do regime económico das regiões autónomas, em paralelo com a situação de outras regiões de características insulares da União Europeia, opções essas que devem traduzir, tanto quanto possível, o envolvimento C a participação dos agentes económicos e sociais com representatividade ao nível das regiões.
Esperamos que o colóquio parlamentar que, de acordo com a proposta do Partido Socialista, deve abrir na Assembleia da República, num futuro próximo, o debate inadiável desta questão fulcral para a estabilização do regime autonómico, seja, em nome do interesse nacional, viabilizado pelo PSD e amplamente participado, nomeadamente através de representações das assembleias legislativas regionais, dos governos regionais, do Ministério das Finanças, das associações de municípios das regiões, bem como das respectivas associações empresariais e sindicais.
Com as profundas mudanças que se perfilam no horizonte político português, nutrimos renovada esperança de que os actuais detentores do poder político admitam corrigir as atitudes redutoras do diálogo democrático e, com espírito de abertura, decidam ainda intervir neste domínio, desde logo na linha da reparação das injustiças e do preenchimento de omissões que demasiadas vezes puseram em causa o bom nome da democracia e das suas instituições.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Comemora-se no próximo dia 2 de Março o primeiro centenário da publicação do decreto que instituiu o regime de autonomia administrativa dos Açores. Ao assinalar esta efeméride desejo tão-somente prestar uma singela homenagem àqueles que sacrificadamente se bateram pelo nobre e democrático ideal da autonomia político-administrativa dos Açores e souberam legar à geração contemporânea dos capitães de Abril a responsabilidade de erigir um corpo doutrinário basilar da democracia portuguesa.
Mas a concretização dos princípios e valores da autonomia nem sempre foi desejada ou conseguida.
Honremos, pois, a memória dos autonomistas portugueses, conferindo um novo impulso democrático à autonomias regionais. Saibamos aceitar, sem tibiezas, na "casa-mãe" da democracia portuguesa, a parte que nos cabe na resolução deste desafio.
O caminho da democracia é, como bem sabemos, difícil e exigente.
Queiramos todos estar à altura desta empresa e ganhá-la para bem de Portugal!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia). - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de lei n.º 116/VI, apresentada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, cuja votação lugar na próxima quinta-feira. às 18 horas e 30 minutos, como é habitual
Passamos, agora, ao debate da proposta de resolução n º 56/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo relativo à Modificação do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1984, respeitante à Utilização pela República Francesa de certas Facilidades na Região Autónoma dos Açores.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Reis Leite para fazer a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação
O Sr. José Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação é de parecer que a proposta de resolução n.º 56/VI está em condições de ser aprovada.
Trata-se de uma alteração do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em 3 de Abril de 1984, que modifica uma série de facilidades que foram concedidas à República Francesa pela República Portuguesa na Região Autónoma dos Açores. Tem por base, essencialmente, o facto de a República Francesa ter deixado de ter interesse nas facilidades que lhe tinham sido cedidas na ilha das Flores, embora tenha continuado a ter interesse na parte das facilidades que lhe tinham sido concedidas na ilha de Santa Maria.
Assim, foi preciso acordar - e isso vem nos anexos a esta modificação do Acordo - a entrega à República Portuguesa de uma série de instalações na ilha das Flores e foi também preciso resolver os problemas sociais surgidos com o despedimento dos portugueses que trabalhavam nas instalações francesas. Aliás, esse acordo social foi negociado directamente com os sindicatos e parece ser aceitável, uma vez que vai para além daquilo que a lei portuguesa exige.
Portanto, a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação é de parecer que o projecto de resolução n.º 56/VI deve ser aprovado e que está em condições de subir ao Plenário.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Pelo autor da proposta, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa (Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de resolução para aprovação, para ratificação, do Acordo relativo à modificação do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1984, Respeitante à Utilização pela República Fran-
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cesa de certas Facilidades na Região Autónoma dos Açores.
Trata-se de um documento que estabelece a cessação do Acordo de utilização, pela República Francesa, das facilidades concedidas na Base da ilha das Flores e resulta do facto de aquele país ter encerrado a Estação de Medidas de que dispunha naquela parcela do território nacional, com a consequente saída daquela ilha de todos os militares e técnicos franceses que ali prestavam serviço.
Sendo certo que somente o interesse mútuo entre as partes justifica a cedência de facilidades, em território nacional, a países estrangeiros, o facto de existir manifestação de desinteresse da parte francesa justificou, só por si, a necessidade de revisão do Acordo anteriormente existente, o que se processou dentro do espírito de bom relacionamento existente entre os dois países.
Foi neste espírito que as delegações portuguesa e francesa desenvolveram o seu trabalho, tendo as partes chegado a consenso, por um lado, quanto à modificação do Acordo de 1984 e, por outro lado, relativamente a todas as questões decorrentes da saída dos franceses da ilha das Flores, nomeadamente a entrega das infra-estruturas e os despedimentos de pessoal.
Cumpre-me aqui referir que tudo se desenrolou num ambiente de grande cordialidade e de colaboração, assim como no respeito por toda a legislação portuguesa aplicável.
O processo de despedimento dos trabalhadores portugueses ao serviço das forças francesas foi acompanhado directamente pelo Governo Regional dos Açores, através do seu representante na comissão negociadora, e pelo seu delegado na cidade da Horta.
Gostaria a este propósito, Sr. Presidente, de destacar que a França não só pagou indemnizações superiores em cerca de 50 % aos mínimos estipulados na lei portuguesa, como ainda proporcionou aos trabalhadores a possibilidade - por quase todos aproveitada - de efectuarem cursos de actualização profissional naquele país.
É justo realçar aqui o papel do Governo português e dos membros da comissão negociadora na obtenção deste excelente resultado, minimizando, deste modo, os inconvenientes que alterações deste tipo sempre acarretariam aos trabalhadores e suas famílias.
Quanto às infra-estruturas, bens móveis e equipamentos da Estação de Medidas da ilha das Flores, há que realçar o papel desempenhado pela comissão de recepção, a qual só deu por concluídos os seus trabalhos após reconhecimento, inventariação e recepção dos diversos bens em apreço.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A reafectação a outros fins, bem como a rendibilização social do importante património imobiliário deixado pelos franceses constituiu, desde então, uma das maiores preocupações do Governo, tendo em vista, por um lado, evitar a todo o custo a sua degradação e, por outro lado, assegurar que a sua reafectação tivesse prioritariamente em vista fins de interesse público e social.
Assim, logo nessa primeira fase foi feita a cessão à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, para utilização pela Repartição de Finanças de Santa Cruz das Flores, de um edifício devolvido- o chamado Prédio da Legião-, tendo, igualmente, sido cedidos à Região Autónoma dos Açores, para utilização pelo Centro de Saúde de Santa Cruz das Flores, diversos móveis e equipamentos médicos, entretanto recebidos.
Nesta fase, julgo ser igualmente de destacar o contrato de concessão, mediante concurso público, do complexo hotel/piscina/ginásio, estabelecido com uma entidade privada e que impunha, como principais condições, garantias de manutenção e de segurança das instalações, bem como a manutenção do maior número de postos de trabalho ligados às referidas instalações, com contratação dos trabalhadores que, do anterior, estavam ligados por vínculo laboral às entidades francesas.
Deste modo, preservou-se a manutenção de um importante centro de convívio cívico e social da maior importância para a ilha das Flores, ao mesmo tempo que se criou uma importante alternativa de emprego para um número significativo de trabalhadores.
Além do já referido - e desde então -, inúmeras infra-estruturas têm sido afectas a diversas entidades, tais como câmaras municipais, a Santa Casa da Misericórdia, o Ministério da Justiça, a Marinha Portuguesa, a Telecom Portugal S.A., a TDP - Teledifusora de Portugal S.A. e as forças de segurança.
Estou certo de que, com estas decisões, foram dados contributos importantes no sentido de melhorar as condições para que a vida social, cultural e económica da ilha das Flores pudesse adaptar-se à nova realidade decorrente da saída do contingente francês.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Antes de terminar gostaria ainda de referir que, neste mesmo período, se intensificaram os contactos ao nível da Defesa entre Portugal e França, sendo de destacar as reuniões ministeriais de Janeiro de 1993, em Lisboa, por ocasião da visita do Ministro da Defesa de França a Portugal, e de Março de 1994, em Paris, aquando da visita do Ministro da Defesa Nacional a França. Estes contactos tem contribuído para aprofundar uma nova fase das relações de cooperação entre os dois países, em consonância com a actual política de Defesa Nacional no que respeita às relações externas, a qual se orienta para a substituição dos acordos de facilidades concedidas por acordos globais de cooperação bilateral.
Nessa decorrência, julgamos que, a curto prazo, poderá ser concluído um acordo de cooperação na área da defesa entre a República Portuguesa e a República Francesa, que tornará ainda mais abrangente a cooperação bilateral actualmente existente entre os dois países, tendo em conta os seus interesses específicos e sem esquecer que ambos os países são membros da União Europeia e parceiros no quadro da segurança e da defesa da Europa.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: Na sua proposta de resolução o Governo limitou-se a enviar o texto das alterações ao Acordo, sem quaisquer justificações ou informações adicionais quanto às razões das alterações e à afectação do vasto património que os franceses deixam na ilha das Flores.
Por outro lado, sabemos as razões da saída dos franceses daquela ilha açoriana por informação geral, porque lemos os relatos da Assembleia Legislativa Regional, e não por informação directa do Governo, o que me parece ser um défice sério.
Relativamente à afectação do património que os franceses deixam na ilha o Sr. Secretário de Estado deu-nos agora algumas informações adicionais, que poderiam ter sido dadas com o envio da proposta de resolução. No entanto, mesmo as que agora nos trouxe são escassas.
Contudo, há duas questões que queríamos colocar-lhe.
Primeira questão: a ilha das Flores é uma ilha pequena e longínqua, cujo desenvolvimento se fez, em menor peso que na de Santa Maria - mas em peso significativo -, à volta da Estação de Medidas.
Aliás, este caso de Santa Maria e das Flores é bem representativo do drama das ilhas, que em vez de procura-
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rem um desenvolvimento auto-sustentado, com o aproveitamento dos seus recursos, recorrem a acordos com terceiros que, depois, por razões estratégicas ou por interesses específicos, se vão embora, deixando essas ilhas "com o menino nas mãos", sem perspectivas de desenvolvimento. É esse o caso da ilha das Flores. É por isso que, agora, a sua população está não só a viver as consequências desta estratégia errada como também as do abandono da ilha pelos franceses, com as inerentes consequências na actividade económica e na questão do emprego.
Por isso, não compreendemos que, nas alterações ao Acordo, não se tenha aproveitado a oportunidade para alterar a distribuição das contrapartidas, que são objecto do artigo 8.º do projecto de resolução, afectando-as em 100 %, ou seja, na sua totalidade - e não em 60 % - à Região Autónoma dos Açores e, em particular, à ilha das Flores.
Aliás, os 40 % que revertem para o orçamento da Defesa são uma gota de água, pouco o alteram, e, seguramente, seriam muito úteis para promover o desenvolvimento económico e social, bem como a criação de emprego, na ilha das Flores.
Portanto, gostava de ouvir o comentário do Sr., Secretário de Estado sobre o que acabei de referir.
Segunda questão: quando, recentemente, uma delegação da Assembleia da República se deslocou à ilha das Flores, foram feitas algumas críticas e queixas sobre o destino do património deixado pelo franceses e, em particular, do património imobiliário. Se não me engano, estão lá cerca de 25 casas, das quais 6 são utilizadas.
Ora, por mais tentativas que tenham sido feitas, pelos órgãos autárquicos e, suponho, também pelos órgãos de poder regional, para que essas casas fossem afectadas, em condições financeiras muito razoáveis, à colocação, por exemplo, de professores ou de pessoal técnico necessários às ilhas, o Ministério da Defesa Nacional, pelo menos a certa altura do processo, transformou-se quase que em especulador imobiliário, pedindo verbas da ordem dos 10000 contos e mais por aquelas casas.
Porquê, Sr. Secretário de Estado? Não são suficientes as contrapartidas já estabelecidas no Acordo? É preciso fazer especulação imobiliária com as casas? Não pode o Ministério da Defesa Nacional disponibilizar essas casas em condições gratuitas ou, pelo menos, muito facilitadas, para promover a fixação de pessoal necessário às ilhas?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado, havendo mais oradores inscritos para formularem pedidos de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, o primeiro assunto que vou abordar não tem a ver com os Açores directamente, mas como V. Ex.ª entrou por esse campo, vou referi-lo.
V. Ex.ª terminou a sua intervenção na perspectiva da maior abrangência dos acordos de defesa, e não apenas em termos de acordos pontuais, com a França. A esse respeito, quero apenas colocar uma reticência - não vou contestar isso em profundidade neste momento -, pois esse tipo de acordos de defesa, independentemente de Portugal e a França pertencerem ou não à Comunidade Europeia e à UEO, por aquilo que a vida nos mostra, na minha opinião, exigem muito cuidado. Esse cuidado tem de existir não só nos acordos pontuais como muito mais ainda nessa abrangência que referiu.
Todos reconhecemos, principalmente de há uns anos para cá, quando essa prática teve maior relevância, o papel da França não em função da paz mas, pelo contrário, da ingerência, da interferência A França tem grandes responsabilidades na intervenção no Chade, na Argélia, no Zaire e parece que ninguém consegue negar que teve também responsabilidades evidentes no maior massacre da História depois da Segunda Guerra Mundial, o do Ruanda.
Tudo isto apenas para colocar uma reticência bastante grande no que o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional disse e que acho que todos devemos ter em conta.
Em segundo lugar, e finalmente, quero falar-lhe sobre as contrapartidas a prestar pela França, 60 % das quais serão para o desenvolvimento da região autónoma ou, pelo menos, atribuídos para esse fim, não sei se irão exactamente traduzir-se em desenvolvimento da região autónoma, e 40 % serão para a defesa e a compra de material à França.
Em meu entender, esta indefinição não é justa, porque depois a França vai vender-nos aquilo que lhe interessa e não aquilo que nos interessa o que, infelizmente, tem sido uma prática conhecida neste tipo de relações, com a venda de material velho, obsoleto, que já não interessa. Depois, esses 40 %, apesar de não serem muito - são cerca de 80 000 contos -, fazem falta à Região Autónoma dos Açores.
Assim, sugiro a V. Ex.ª uma compatibilização da defesa desta relação com a indústria de armamento francesa e dos interesses dos Açores. Ainda não há muito tempo, um Sr. Deputado do PSD, creio eu, da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, fez um requerimento ao Sr. Ministro Fernando Nogueira, que lhe respondeu - já se vê o que é o requerimento -, dizendo que não havia dinheiro para a aquisição e fornecimento de meios destinados à fiscalização da zona económica exclusiva, quer no que diz respeito às pescas, quer no que diz respeito à poluição, à lavagem de tanques dos petroleiros, etc.
A minha proposta é a de que esse dinheiro, esses 40 % atribuídos à defesa, seja atribuído à Região Autónoma dos Açores para a aquisição de meios navais ou outros considerados pertinentes para a fiscalização da zona económica exclusiva, relativamente às pescas e à poluição. Parece-me que, assim, ficavam os Açores a ganhar bem como o nosso país.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Reis Leite.
O Sr. José Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, concordo consigo quando diz que os imóveis e outras instalações deixadas na ilha das Flores pelos franceses são um importante contributo para o desenvolvimento daquela ilha. Aliás, os imóveis não poderiam servir para outra coisa, a não ser que os demolissem ou que os tirassem de lá pedra por pedra. Só podem servir para as Flores. Segundo informa, esses imóveis já foram entregues a algumas instituições da ilha das Flores. Gostaria que nos informasse em que condições esses imóveis foram cedidos às câmaras municipais, à Santa Casa da Misericórdia, ou, eventualmente, a outras instituições da ilha das Flores.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: -
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho começou por falar na falta de justificações desta iniciativa legislativa. Sr. Deputado, penso que a preocupação patente no meu discurso de apresentação desta proposta de resolução foi
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exactamente a de aprofundar as justificações desta mesma iniciativa, que, como sabe, não depende da vontade exclusiva da parte portuguesa. Antes, é uma iniciativa de quem decidiu, pura e simplesmente, terminar com uma operação (tratava-se de fazer a observação e medição de trajectórias de mísseis balísticos lançados das águas francesas, seja da orla costeira ou do Atlântico) que, por razões que não nos importa neste momento discutir, deixou de ter interesse para a França. A justificação é simplesmente esta: num acordo que é celebrado, uma das partes tem sempre o poder de o denunciar.
O Sr. Deputado falou também, e, penso que é justo reconhecê-lo, com toda a razão, no impacto que esta modificação tem - de resto, penso que outros Srs. Deputados se têm preocupado também de uma maneira bastante clara e objectiva com esta questão - sobre as populações da ilha das Flores de modo muito particular e na de Santa Maria de modo menos evidente, porque, como sabem, nesta ilha há um pequeno núcleo (apenas empregava seis trabalhadores e, salvo erro, quatro ou cinco militares franceses) que se tem mantido, mas que, provavelmente, tenderá a reduzir-se.
De qualquer modo, em relação à ilha das Flores, apesar de se tratar de cerca de 40 ou 42 trabalhadores, não há dúvida que, pela sua própria dimensão, esta alteração dos postos de trabalho poderia criar alguns problemas.
Então, a preocupação que o Governo português teve, em colaboração muito virtuosa com o Governo regional, foi a de criar condições não só para que os trabalhadores fossem indemnizados nos termos da lei vigente mas também para que, de modo bastante significativo, lhes fossem fornecidas condições que lhes permitissem, aos que ainda estavam em idade para isso, refazer a sua vida. Como sabe, isso aconteceu através da concessões de indemnizações e de suplementos a essas mesmas indemnizações pelas autoridades francesas.
Portanto, nesse sentido, creio ter de reconhecer que houve, sem dúvida, preocupações de natureza social e económica. Inclusive, tenho a grande satisfação de dizer que, por exemplo, quanto à exploração da Messe Hotel e de todas as facilidades anexas, houve a preocupação de procurar saber se os próprios trabalhadores estariam em condições de se organizarem para ficarem com aquela estrutura. Assim aconteceu, tendo a concessão sido dada a uma empresa que é constituída substancialmente por antigos trabalhadores daquelas instalações.
Portanto, as preocupações sociais existiram e procurámos encontrar a melhor solução possível.
No que se refere a contrapartidas, certamente, o Sr. Deputado também não ignora que, nesta questão das relações externas de defesa e dos acordos de cooperação, era da essência da própria natureza dos acordos que as ajudas externas se orientavam - no passado foi assim, só muito recentemente isso se modificou - primordialmente para o apoio ao reequipamento das Forças Armadas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é uma decisão de cada Governo!
O Orador: - No conceito que continuamos a defender, Portugal não aluga, não vende, não cede, não negoceia o seu território. No contexto das alianças em que se insere, e no reconhecimento de que está a contribuir de modo directo e imediato para os objectivos da segurança e da paz, Portugal participa, através da concessão de facilidades, nesses esforços de defesa e segurança da Aliança e dos parceiros com os quais tem relações privilegiadas nesse mesmo contexto.
Daí que o primeiro beneficiário das contrapartidas dos acordos de cooperação militares ou de cooperação na área da defesa seja as Forças Armadas, que aí obtiveram, durante muitos anos, meios, que, de outro modo, o orçamento nacional não estava em condições de fornecer-lhes para a sua modernização.
No caso concreto - e a partir de 1984 -, foram, de facto, negociadas contrapartidas com impacto directo sobre a economia e o desenvolvimento social da Região Autónoma dos Açores. E naturalmente que a parte substancial dessas contrapartidas, como sabe, era, no anterior Acordo, de 500 000 contos indexados, dos quais 300 000 se destinavam à Região Autónoma dos Açores. Ora, nós entendemos que, no momento actual e com a revisão deste Acordo, havia que fazer a manutenção, a todo o custo, desse quantitativo para apoio à Região Autónoma dos Açores.
Finalmente, em relação à questão das casas afectadas aos interesses locais, nomeadamente das autarquias e da Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores, se o Sr. Deputado José Reis Leite me permite, aproveito para abordar o problema do destino dos bens da ilha das Flores.
De Acordo com as negociações que vieram a ser desenvolvidas - e permitam-me que lhes cite, em primeiro lugar, o conceito que preside a esta política de alienação do património da defesa nacional -, o que se procura, em primeiro lugar, é rendibilizar aquilo que é um património que foi transferido para a propriedade do Estado português, mas com preocupações de interesse social, de rendibilização social. Daí que os principais destinatários das 25 vivendas, as quais, neste momento, já estão praticamente todas - com excepção, se não me engano de quatro - distribuídas e reafectadas, tenham sido a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e alguns outros serviços da administração central. Desse modo, melhorar-se-iam as condições de instalação e de colocação de funcionários da administração central em diversos organismos que são fundamentais para a ilha das Flores, desde as repartições de finanças até aos tribunais e passando por outras estruturas ligadas, por exemplo, às telecomunicações. Depois, a Santa Casa da Misericórdia da vila de Santa Cruz das Flores, à qual foram vendidas duas vivendas;...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Por quanto?
O Orador: - ... a Marinha de Guerra Portuguesa, que foi destinatária de um conjunto de seis vivendas, para permitir a manutenção ali das forças que, como sabem, são essenciais para a vida local. E, há pouco, o Sr. Deputado Mário Tomé - e se me permite incluo já aqui uma resposta à sua pergunta -, questionava, e muito bem, a necessidade que há de reforçar os meios de vigilância naval e de apoio, sobretudo aos pescadores e à navegação naquela região...
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado, vou conceder-lhe mais algum tempo para responder, mas não cinco minutos por cada orador que pediu esclarecimentos.
O Orador: - Sr. Presidente, o meu interesse era o de aprofundar o mais possível os esclarecimentos que me foram pedidos, mas, nesse caso, vou acelerar.
Como dizia, deste conjunto de instalações e de vivendas que ali existiam, foram entregues seis vivendas à Marinha de Guerra Portuguesa e já foram cedidas três à Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores, estando, neste momento, em negociação outras três, que se destinam fundamentalmente aos fins mencionados, há pouco, pelo Sr. Deputado, ou seja, ao apoio à instalação de professores e ao desenvolvimento do ensino naquela ilha. De facto, estamos, neste momento, a concluir um acordo com esta câmara municipal para formalizar esta transferência.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas por quanto?
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O Orador: - Começámos por fazer uma avaliação em termos de mercado imobiliário, que posteriormente foi negociada com as partes interessadas. Não tenho em meu poder o valor exacto das verbas efectivamente atribuídas a cada uma das vivendas, mas posso dizer-lhe que houve uma variação muito grande em função do próprio destinatário das vivendas. Ou seja: naturalmente, a Câmara Municipal, a Santa Casa da Misericórdia e outras instituições locais terão conseguido uma negociação mais favorável do que provavelmente o Ministério da Justiça ou a Marinha; e, na prática, apenas uma vivenda foi vendida a particulares em hasta pública por 12 500 contos, importância essa que, na altura, foi a de mercado.
Srs. Deputados, penso que o Ministério da Defesa Nacional sempre se manifestou disponível - e foi isso o que aconteceu aquando da visita dos Srs. Deputados aos Açores - para fornecer as mais detalhadas e pormenorizadas informações sobre este processo. Trata-se de um processo perfeitamente transparente, no qual simplesmente se teve em vista a rendibilização social deste património e a consideração da sua destinação efectiva, tendo privilegiado sempre os interesses da população da ilha das Flores. Essa foi a motivação essencial do Ministério da Defesa Nacional na negociação deste património.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.
O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: O que está hoje aqui em causa é mais do que a análise da proposta de resolução n.º 56/VI. De facto, o conteúdo desta proposta, em tudo semelhante ao que decorre sobre o acordo com a Alemanha e a contínua indefinição sobre o acordo com os Estados Unidos da América, coloca-nos a questão substanciai! de saber quais as linhas orientadoras da política externa portuguesa em termos de defesa, sendo certo que as apontadas constituíam elementos altamente consensuais daquela política.
O Governo não desejou ainda agendar a resolução referente ao Acordo sobre a Base de Beja. Mas tanto este como o que está hoje em debate implicam o final de cooperações que já vinham de há muitos anos - a cooperaçâo com a França foi, aliás, reafirmada e continuada, em 1984. Pergunta-se, então: porquê? No documento em apreço nada vem incluído de justificação destas alterações, mas não seria correcto que o Governo explicasse, suficientemente, as razões que levaram à situação que apreciamos?
O PS não pode dar o seu acordo a uma resolução que não vem devidamente baseada e explicada na sua matriz essencial.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo traz muitas vezes a esta Assembleia resoluções deste tipo, não as explica fundadamente e como que assume perante as mesmas uma atitude de rotina e de burocracia. Tal facto não pode passar em branco, porque se o Governo considera tais situações como de rotina, nós não pensamos assim e, pelo contrário, consideramos que as alterações que se têm vindo a dar no plano da cooperação bilateral têm repercussão no País e colidem com definições importantes da nossa política externa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, pois, difícil balizarmo-nos neste debate no exclusivo âmbito desta resolução.
O Governo tem de vir à Assembleia explicar-se sobre a globalidade de uma questão, onde avulta a nossa cooperação com a França, com a Alemanha e com os Estados Unidos da América- pelo menos! Recordo que é o próprio programa do Governo, aqui aprovado, que sublinha o interesse na cooperação bilateral com países da. União Europeia e nomeia, repelida e enfaticamente, a nossa tradicional cooperação com os Estados Unidos da América.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos, portanto, a proposta de resolução n.º 56/VI, que assinala, no essencial, o fim de uma colaboração entre Portugal e França, colaboração essa reforçada com a assinatura do Acordo, em Abril de 1984, respeitante à utilização pela República Francesa de certas facilidade na Região Autónoma dos Açores.
Pelo Acordo então firmado, que se desenvolvia por diversos anexos, a República Portuguesa punha à disposição da República Francesa, nas ilhas dos Açores, um certo número de meios e serviços destinados a facilitar-lhe a observação e a medição das trajectórias de engenhos balísticos franceses sem ogiva nuclear, que eram lançados no Atlântico a partir de costas e águas francesas. O Acordo, naturalmente, referia os aspectos relativos, nomeadamente, às instalações, às utilizações de aeronaves e navios, às comunicações, às contrapartidas de facilidades concedidas, a dividir entre o desenvolvimento económico da região e o financiamento da aquisição de material francês pelas Forças Armadas Portuguesas. O Acordo tinha uma validade, a contar da data da sua entrada em vigor, de 12 anos, o que significa que, em princípio, ainda não se teria concluído nesta data, quanto mais em 1993, data da assinatura do Acordo agora em debate.
No Acordo agora firmado, dá-se solução à questão das instalações, equipamentos diversos, e tomam-se medidas de acompanhamento social em benefício do pessoal português empregue pela França na estação da ilha das Flores, o que é obviamente positivo.
Mas se tudo isto é certo, também não será menos verdade que a situação agora gerada terá também efeitos sociais e económicos na região onde se inscrevia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não pode continuar omisso acerca de explicações importantes da nossa política externa. Extinguem-se acordos, mas não se idealizam outros, e uma parte substancial da nossa política externa não deixa de significar uma incapacidade e/ou uma inabilidade da parte do Governo.
É urgente que se debatam outros acordos, que estão em vias de os fazer cessar, e é urgente que se saiba o que se passa com o Acordo com os Estados Unidos da América. Numa campanha eleitoral passada, o Sr. Primeiro-Ministro falava na necessidade de que o Acordo com os Estados Unidos da América fosse mais do que isso. Ele sugeria quase que um tratado. Estamos, agora, em 1995. Vai sair o actual Primeiro-Ministro com o próprio Governo e verificamos que nem Acordo, nem tratado, nem nada! Talvez, seja, no fundo, por causa desta constante situação de mãos vazias que o Primeiro-Ministro abandona o Governo. Pena é que seja só agora, porque, entretanto, o País foi perdendo oportunidades fundamentais para o seu futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, antes da intervenção, gostaria de fazer uma interpelação à Mesa sobre um tema, que, aliás, é afim deste.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Espero que seja uma interpelação fácil, Sr. Deputado.
O Orador: - É sim, Sr. Presidente.
Como a Mesa e todos os Srs. Deputados sabem, há algum tempo, foi aqui discutido na Assembleia da República, através de um projecto de resolução subscrito por Deputados de todas as bancadas, o problema da manutenção na ilha de Santa Maria do Centro de Controlo Oceânico. Esse projecto de resolução foi aprovado por unanimidade e na
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sequência dele, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações foi à Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente debater o assunto. Subsequentemente a essa discussão - e como certamente se fez luz nas perspectivas do Sr. Ministro -, o Sr. Ministro exarou um despacho, que, no essencial e em resumo, mandava reequacionar o projecto, para que, em Santa Maria, se mantivesse uma situação idêntica e de dimensão actual. Ora, todos interpretámos o despacho como o reequacionar do projecto, a fim de se manter em Santa Mana o Centro de Controlo Oceânico.
Entretanto, chegaram até nós informações de ordem diversa, mas credíveis, de que a Empresa Pública ANA, E.P., sob a tutela do Sr. Ministro, em vez de cumprir a vontade política da Assembleia da República- e, enfim, das populações e dos órgãos da região - e o despacho do Sr. Ministro, está, na prática, a manter o calendário de desmantelamento e de transferência para Lisboa do Centro de Controlo Oceânico de Santa Maria.
Ora, como está em causa uma resolução da Assembleia da República e um despacho do Sr. Ministro, tive oportunidade de, ontem mesmo, enviar, com pedido de urgência, um requerimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República, para que o Governo, através do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, respondesse a questões ligadas a esta matéria.
Face à importância da matéria e à urgência em desenvolver-se este processo, a minha interpelação é no sentido de solicitar à Mesa que faça as diligências necessárias junto do Governo, para que este requerimento possa ser tido em conta e respondido no mais curto espaço de tempo e em tempo útil.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Será feito. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As alterações propostas pelo Governo ao Acordo, assinado em 1984 e ratificado em Julho de 1985, celebrado com a França para a utilização de certas facilidades na Região Autónoma dos Açores tem duas componentes: uma na área da política de defesa e outra quanto às suas repercussões na vida económica e social da Região Autónoma dos Açores e, em particular, na ilha das Flores.
Trata-se, fundamentalmente, ao que se sabe - e sabe-se agora um pouco mais após a intervenção do Sr. Secretário de Estado, porque o Governo nada informou a este propósito nos textos enviados à Assembleia da República, apesar de o fim das negociações terem ocorrido durante 1992 e 1993 -, de adequar o Acordo de 1985 às condições resultantes do abandono pela República Francesa da Estação de Medidas e respectivas instalações em terrenos na ilha das Flores, mantendo-se a cedência de facilidades noutras ilhas, designadamente na ilha de Santa Maria.
Como é sabido, o Acordo entre Portugal e França destina-se a facilitar à República Francesa "um certo número de meios e serviços destinados a facilitar-lhe a observação e medição das trajectórias dos engenhos balísticos franceses, sem ogiva nuclear, que são lançadas no Atlântico, a partir das costas ou das águas francesas."
Como afirmou o meu camarada João Amaral, no relatório da Comissão de Defesa Nacional: "Os principais problemas que este Acordo levanta não se situam, assim, na área da política de defesa".
Aqui, as alterações tecnológicas na área das telemedidas, que parecem estar na base da redução da presença militar francesa na Região Autónoma dos Açores, aliviando essa presença e os encargos que decorrem dessa presença para a própria soberania nacional, são, em nossa opinião, positivas.
Mas o problema é outro, embora na área da política de defesa seja um problema global de reflexão sobre os acordos relativamente aos quais Portugal tem dependências e encargos.
Mas, dizia eu, quanto a este caso concreto, o problema é outro e tem a ver com os termos em que as contrapartidas do Acordo revertem ou não a favor da ilha das Flores, dos antigos trabalhadores da Estação e da população em geral como compensação pelos prejuízos que advêm para o desenvolvimento da ilha e para o emprego, devido à saída de França da ilha das Flores que, nos termos do Acordo inicial, só se devia dar, pelo menos, em Dezembro de 1997.
A questão é de fundo e tem a ver com decisões e estratégias erradas que fazem depender a vida de vastas regiões e das suas populações, neste caso, da ilha das Flores, não de um processo sustentado de desenvolvimento, assente no aproveitamento dos seus recursos, mas, sim, de acordos de ordem militar com terceiros, sujeitos exclusivamente aos interesses e orientações desses terceiros, que, de um momento para o outro, levantam "ferro", deixando as respectivas regiões de mãos vazias.
Nestes casos, então, exige-se, por maioria de razão, que as zonas atingidas sejam devidamente compensadas.
Ora, já durante as negociações que decorreram em 1992 e 1993 se verificou que, na fase inicial, os interesses dos trabalhadores não estavam protegidos nem presentes nas preocupações de quem negociava as alterações ao Acordo original.
Foi preciso - e o Sr. Secretário de Estado omitiu isso - que os trabalhadores se fizessem ouvir alto e encetassem uma intensa luta para que, entretanto, as suas reivindicações fossem ouvidas e as alterações passassem a constar do Acordo incluído no Anexo III
Hoje, quando a proposta de resolução nos é presente, verificamos que as contrapartidas do Acordo continuam a não reverter integralmente para a Região Autónoma dos Açores, em particular para a ilha das Flores.
Não se compreende que 40 % das contrapartidas sejam "desviadas" para o financiamento do Orçamento de Defesa Nacional, por muito que seja essa a tradição nesta matéria. São os Governos que decidem sobre esta matéria tendo de o fazer em função das circunstâncias concretas que os acordos têm em cada momento.
Ora, neste momento, estamos perante uma alteração a um acordo, em que as ilhas vão sofrer as consequências já não da implantação de uma estação francesa mas, sim, das consequências do levantamento dessa estação, antes do final do prazo, com os respectivos prejuízos para a região, para as ilhas, como o próprio Secretário de Estado aqui reconheceu. E, portanto, por maioria de razão, é nesta fase que a questão da distribuição das contrapartidas deveria ser reanalisada, tendo em conta estas circunstâncias concretas.
Não é o que nos é proposto, infelizmente, e tal prejudicará, em nossa opinião, programas de acção que poderiam minimizar os efeitos negativos na ilha das Flores provocados pela saída da França, promovendo novas actividades e criando emprego.
Em relação ao destino dado ao património imobiliário, em particular às 25 moradias, não foi aqui suficientemente explicado pelo Sr. Secretário de Estado, pois não respondeu nem a mim, nem ao Sr. Deputado José Reis Leite, sobre as condições concretas em que esse património, nomeadamente as moradias, tinha sido de facto transferido para as várias instituições agora referidas pelo Sr. Secretário de Estado, que não desmentiu, pelo contrário, confirmou com o exemplo concreto de que o Ministério da Defesa se trans-
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formou em especulador imobiliário, pedindo preços de mercado por essas vivendas, que, segundo as minhas informações, variavam entre os 10000 e os 12000 contos.
Porém, pela informação aqui trazida pelo Sr. Secretário de Estado, com um caso concreto, esses preços ultrapassaram os próprios 12000 contos Ora, a solução deveria ser outra, deveria ser aquela que esteve inscrita na minha pergunta, a de disponibilizar, em termos quase gratuitos, esse património para o apoio à fixação de professores e quadros técnicos na ilha.
Aliás, também não se pode aceitar que neste quadro o Governo não nos diga para que aponta as suas intenções ou mesmo projectos alternativos concretos por forma a assegurar o desenvolvimento económico e social da ilha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o processo negocial foi mantido em segredo, durante o período em que decorreu, quanto à forma como estava a ser negociada e definida a afectação das contrapartidas, como, aliás, a própria, Assembleia Legislativa Regional a isso se referiu.
O resultado não é, pois, em nossa opinião, positivo nesta matéria. A ilha das Flores é uma ilha pequena. longínqua e com um duplo custo de insularidade, que, .segundo se estima, é o dobro do de outras ilhas. Ora, como as alternativas de desenvolvimento não são abundantes, exige-se que se aproveite esta oportunidade, para haver um outro cuidado com a afectação ao progresso económico e social da ilha, das contrapartidas negociadas no Acordo, aproveitando para rectificar a destruição prevista no artigo 8.º do Acordo de 1985. Tal não foi acautelado na proposta que nos é presente. Entendemos, pois, que nesta oportunidade a Assembleia devia dar um sinal de que pelo menos este aspecto merece ser rectificado.
Propomos assim, Srs. Deputados, desafiando até os Deputados, aqui presentes, eleitos pelo círculo eleitoral da Região Autónoma dos Açores, que não aprovem as alterações propostas, a fim de se criarem, com a nossa não aprovação, condições para uma alteração ao artigo 8.º do Acordo, por forma a que as contrapartidas revertam em 100 % a favor da Região Autónoma dos Açores, em particular, da ilha das Flores.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Reis Leite.
O Sr. José Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta matéria, atendendo já ao adiantado da hora, não merece realmente um tratamento demasiado longo e empolado, mas convém que, aqui, fiquem registadas duas questões diferentes, embora uma delas se não prenda directamente com a modificação do Acordo de 1984.
Como o Sr. Secretário de Estado já disse, e muito bem, um acordo faz-se quando há interesse de ambas as parles e quando uma das partes deixa de o ter o acordo, como é óbvio, não se pode fazer, tem de se desfazer, não se podendo "prender" na ilha das Flores já não digo França mas alguns franceses.
Mas penso que valeria a pena alargar o debate sobre a situação e o interesse da República Portuguesa, pelas suas ilhas do Atlântico, pela sua profundidade atlântica, às matéria de defesa e de estratégia comum. Ou seja, valeria a pena saber qual a política que inclui as ilhas dos Açores em relação a tratados e a políticas de defesa com os Estados Unidos da América, a França e outras repúblicas que estão na mesma área que nós, como seja na UEO, na NATO, etc.
Realmente, esta questão merecia uma reflexão mais alargada e não posso deixar de dizer que, nomeadamente, o problema da renegociação do Acordo da Base das Lajes com os Estados Unidos da América é preocupante e, como se arrasta há demasiado tempo, era preciso encontrar uma solução.
Quanto às matérias mais concretas que aqui hoje têm sido tratadas, desde há muito tempo que os Açores têm apetência para cederem uma função de prestação de serviços e é óbvio que esses serviços têm de ser negociados e cedidos a quem precisa e neles está interessado; se não há interessados, os serviços não podem vender-se nem negociar.
Temos sempre defendido que estas questões não são regionais nem dizem respeito estritamente ao aluguer de território nacional, porque não é isso que está em causa. Apenas entendemos que é possível, numa política mais alargada de defesa e de interesses comuns estratégicos, tirar vantagens reais para o desenvolvimento dessas zonas periféricas que ficam dependentes desses interesses exteriores a Portugal.
As coisas nem sempre se passaram assim mas é justo que se diga que, a partir da implantação da democracia em Portugal e da descentralização política com a criação da Região Autónoma dos Açores, em que o PSD teve incontestavelmente uma acção decisiva, tudo isto mudou e o contributo dado para o desenvolvimento dos Açores nas habilidosas e justas negociações que foram feitas tanto com os Estados Unidos da América como com a República Francesa é altamente significativo, o que, sendo inegável, deve ser realçado!
Por outro lado, também deve dizer-se que, desde o momento em que os franceses se interessaram pela ilha das Flores, esta passou a ter um perfil e desenvolvimento completamento diferentes - é inegável! - não só porque foi preciso montar uma série de infra-estruturas que, nos anos 60, eram impensáveis para uma ilha periférica, como também porque a própria convivência com uma comunidade exterior à ilha das Flores, que foi feita de forma exemplar, trouxe um desenvolvimento, uma abertura, ao mundo que é talvez mais significativo que muitas das infra-estruturas que lá ficaram.
Também não podemos esquecer que, a partir de 1980 e mesmo anteriormente, desde 1976, depois da constituição do governo regional nos Açores e também com a ajuda do Governo da República, foi possível modificar ainda mais o perfil e o desenvolvimento da ilha das Flores.
Isto para dizer que a saída dos franceses da ilha das Flores, em 1992, não terá tido, de forma alguma, as mesmas influências nem acarretará as mesmas dificuldades se tivesse ocorrido antes de 1976. Também e preciso que isto fique claro, porque foram feitos vários investimentos e modificado por completo o tecido económico e social da ilha das Flores.
A ilha das Flores sentirá, como uma pequena ilha periférica que é, com cerca de 6000 habitantes, sair a comunidade francesa, que é importante - o que constitui uma perca -, mas tal não terá as mesmas repercussões se, entretanto, não se tivesse investido e modificado o tecido social e económico da ilha das Flores.
Assim, as verbas postas à disposição do Estado português e, nomeadamente, da Região Autónoma dos Açores, para o desenvolvimento das ilhas, foram da máxima importância. É discutível se deveriam ser- e a própria leitura da Constituição e do nosso Estatuto apontaria talvez nessa direcção - integralmente utilizadas na ilha das Flores mas compreendo que, na negociação de um acordo, tenha de atender-se aos interesses de ambas as partes e esta divisão entre o reequipamento das Forças Armadas, que é do mais alto interesse patriótico e nacional, e o investimento na ilha das Flores é, do nosso ponto de vista, aceitável e não é daí que vem o mal.
Por último, para que tudo isto fique claro e o processo seja efectivamente transparente, e dado que o Sr. Secretário de Estado não tem consigo os elementos para poder responder mais pormenorizadamente à pergunta que foi feita, o que é compreensível, apresentarei um requerimento ao Governo, pedindo esclarecimentos sobre a situação em que foi feita cada uma dessas cedências aos serviços da ilha das Flores.
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1482 I SÉRIE-NÚMERO 41
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados - e, em particular, Sr. Deputado Lino de Carvalho -, confirmo que, ontem, deu entrada um requerimento, a que foi dado o número 462/VI, relativo ao Centro de Controlo Oceânico de Santa Maria, Açores, o qual foi anunciado no início da sessão e que, ainda hoje, foi expedido para o Sr Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Posto isto, ao que deve juntar-se a intervenção e o alerta do Sr. Deputado Lino de Carvalho, certamente que o requerimento terá a resposta possível, dentro de um prazo adequado.
Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate da proposta de resolução n.º 56/VI.
A proposta de lei n.º 116/VI será votada na sessão da próxima quinta-feira, à hora regimental.
A próxima sessão terá lugar na próxima quarta-feira, dia 15 de Fevereiro, pelas 15 horas. Da ordem de trabalhos constará um período de antes da ordem do dia e no período da ordem do dia serão apreciadas as petições n.º 136/VI- Solicitando que a Assembleia da República discuta a situação dos professores provisórios com habilitação científica não abrangidos pelo Despacho n.º 260/ME/91, apresentada pela Associação de Professores Provisórios com Habilitação Científica e n.º 243/VI - Solicitando a actualização das pensões de aposentação, apresentada por Fernando Pedroso de Oliveira e outros.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Alberto Cerqueira de Oliveira.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria Pereira.
Delmar Ramiro Palas.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Manuel Numes Liberato.
José Pereira Lopes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel de Lima Amorim.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rei Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vítor Manuel da Igreja Raposo
Partido Socialista (PS):
António Manuel de Oliveira Guterres.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
João António Gomes Proença.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
José Manuel Santos de Magalhães.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Manuel da Silva Costa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Partido Socialista (PS):
João Paulo de Abreu Correia Alves.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Octávio Augusto Teixeira.
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