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Sexta-feira, 17 de Fevereiro de 1995 I Série - Número 43

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE FEVEREIRO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia - Deu-se coma da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr Deputado Casimiro de Almeida (PSD) referiu-se ao desenvolvimento do distrito de Aveiro nos últimos anos.
O Sr Deputado Rui Cunha (PS) criticou a política do Governo para m idosos e fez um balanço das iniciativas do teu partido para essa área, tendo ainda respondido a um pedido de esclarecimento e dado explicações ao Sr Deputado Vieira de Castro (PSD).
O Sr Deputado João Granja da Fonseca (PSD) deu conta de problemas com que se debate o concelho da Amadora. Respondeu, depois, a um pedido de esclarecimento do S Deputado Armando Vara (PS).
O Sr Deputado Fernando de Sousa (PS) abordou a situação do ensino básico, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Carlos Pereira (PSD) e Acílio Cala (CDS-PP).
O Sr Deputado Luís Peixoto (PCP) condenou a política de saúde do Governo e respondeu no fim. a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado António Bacelar (PSD).
O Sr Deputado Nuno Filipe (PS) teceu críticas à política geral do Governo.
Ordem do dia - Após o Sr Deputado Carlos Oliveira (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperaçâo, procedeu-se ao debate da proposta de resolução n.º 88/VI - Aprova, para ratificação o Protocolo relativo aos Privilégios, Isenções e Imunidades da Organização Internacional de Satélites Marítimos (INMARSAT) que foi aprovada em votação global usou da palavra além do Sr Secretário de Estado da Habitação {Carlos Costa), o Sr Deputado Crisóstomo Teixeira (PS).
Procedeu-se à apreciação da proposta de lei n.º 119/VI - Autoriza o Governo a rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social, a qual foi aprovada na generalidade na especialidade e em votação final global Intervieram, a diverso título, além do Sr Secretario de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro) as Srs Deputados Odete Santos (PCP), Luís Filipe Madeira (PS), Costa Andrade (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Foram aprovados, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 116/VI - Autorização para contracção de empréstimos externos (ALRA), em votação global, a proposta de resolução n.º 56/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo relativo a Modificação do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1994, respeitante a Utilização pela República Francesa de certas Facilidades na Região Autónoma dos Açores bem como o projecto de deliberação n.º 71/VI - Constituição de uma comissão eventual para a cooperação entre Portugal e o Brasil (PSD, PS, PCP, CDS Os Verdes e Deputado independente João Corregedor da Fonseca).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António da Silva Bacelar.
António Germano Fernandes de Sá e Abrem.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José da Costa.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha
José Alberto Puig dos Santos Costa
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Júlio José Saraiva Sarmento.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Mana Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto Pedro Manuel
Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt Coelho da Costa.

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António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luis Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Mana de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José António Martins Goulart.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Acílio Domingues Gala.
Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado). - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 497/VI - Alteração à Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Crimes de responsabilidade de titular de cargos políticos) (PS), que baixou à 1.ª Comissão, 498/VI - Cria um registo de interesses dos Deputados e alarga as respectivas incompatibilidades e impedimentos (PS), que baixou à 1.ª Comissão, 499/VI - Criação da freguesia de Vale de Água (PS), que baixou à 5.ª Comissão, 500/VI - Confirma que Torres Vedras continua na área de responsabilidade da PSP e dignifica a respectiva unidade territorial (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de resolução n.º 141/VI - Solicitação ao Tribunal de Contas, nos termos do n.º 5 do artigo 16.º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, de auditoria à gestão do QCA-2 (PS); e ratificação n.º 132/VI - Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que altera o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro (Reformula a Lei do Jogo) (PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos" à Secretaría de Estado da Cultura e à Câmara Municipal de Braga, formulados pelo Sr. Deputado João Granja; ao Ministério do Planeamento e Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Reis; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Marques da Costa; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Filipe; ao Governador do Banco de Portugal, formulado pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira; a diversos Ministérios e à Secretaría de Estado da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs Deputados Fialho Anastácio e Paulo Rodrigues; à Secretaría de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues; aos Ministérios do Planeamento e Administração do Território e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Maia; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados. António Vairinhos, na sessão de 21 de Abril, Paulo Trindade, na sessão de 11 de Maio; Macário Correia, na Comissão Permanente de 8 de Setembro e nas sessões de 16 de Novembro e 5 de Janeiro; Luís Sá, no dia 12 e nas sessões de 21 e 26 de Outubro; Rosa Albernaz e Lino de Carvalho, na sessão de 2 e 10 de Novembro; António Murteira, na sessão

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de 16 de Dezembro; Guilherme d'Oliveira Martins, na sessão de 19 de Janeiro; José Lello, na sessão de 25 de Janeiro. Devo ainda anunciar que irão reunir durante esta tarde as Comissões de Petições, de Saúde e está já reunida a Subcomissão Permanente do Ensino Secundário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao primeiro orador inscrito para fazer a sua intervenção no período de antes da ordem do dia, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, para interpelar a Mesa.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, pretendo dar conta à Câmara de uma iniciativa do meu grupo parlamentar que tem a ver com a demissão do gestor do programa PRAXIS XXI.
Esta demissão, a nosso ver, vem na sequência de uma situação de mal-estar existente no sector e, nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PS vai solicitar uma reunião urgente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura para que, com o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território e com o Sr. Secretário de Estado da Investigação Científica, possamos saber exactamente as condições em que ocorreu essa demissão; em segundo lugar, hoje mesmo farei um requerimento ao Governo no mesmo sentido.
Aproveito também para informar a Câmara que solicitámos a ratificação do diploma que cria o Conselho Superior de Ciência e Tecnologia.
É tudo, Sr. Presidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com a sua intervenção foi informada a Câmara e cumpriu-se o objectivo da interpelação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro de Almeida.

O Sr. Casimiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Tal como foi anunciado, no momento próprio, no documento aprovado nesta Assembleia, as Grandes Opções do Plano para 1995 são, em conformidade, as mesmas que foram definidas na estratégia do médio prazo: a) Preparar Portugal para o novo contexto europeu; b) Preparar Portugal para a competição numa economia global; c) Preparar Portugal para uma vida de mais qualidade.
Ainda segundo o mesmo documento, serão privilegiadas em 1995 acções que continuem a expansão e a renovação das infra-estruturas de transportes que permitam o acréscimo de mobilidade no interior do País e o acesso externo e a inserção de Portugal nas redes transeuropeias, assim como aumentar o número e a qualidade dos quadros médios e superiores, nomeadamente com competências tecnológicas e de gestão e reforçar o desenvolvimento do sistema científico e tecnológico.
Preocupação prioritária constitui a correcção das actuais distorções na pirâmide de qualificação com o fornecimento às empresas de um tipo de mão-de-obra que é crucial para a modernização dos seus processos de fabrico e formas de organização. Aqui se inserem os propósitos de continuação do investimento no ensino superior politécnico e de desenvolvimento dos projectos do ensino superior universitário, com ênfase especial nas áreas das ciências e tecnologias.
Relativamente ao distrito de Aveiro, e sem de modo algum pretender concluir que tudo está realizado - o que, obviamente, ficaria muito longe da verdade - penso poder afirmar-se que, dentro dos conhecidos condicionalismos e das inevitáveis limitações de um Orçamento que se quer de rigor, ter-se-á conseguido considerar, tanto quanto possível, dentro de uma gestão submetida, também ela, a critérios de justiça, como se impõe, o longo rol das suas tão vastas como legítimas aspirações.
Naturalmente que seria fastidioso, para além de desnecessário, transcrever aqui toda as grandes obras previstas e contempladas, o que, de resto, redundaria numa inútil repetição de dados devidamente expressos nos documentos publicados já em Diário da República. Mas há obras que, inquestionavelmente, ficarão a perpetuar uma época de progresso: é o caso das várias rodovias, de um modo particular nas zonas do distrito mais distantes dos grandes centros, ou das rodovias que permitam o urgente descongestionamento face ao crescimento acelerado do trânsito.
Quem percorre o distrito de Aveiro sente, isso acontecerá com o mais desatento dos observadores, que novas e rápidas vias levam o conforto e o progresso, aproximam povoações e populações, contribuem decisivamente para gerar riqueza. Como não poderá deixar de referir-se a construção do Hospital de Santa Mana da Feira, um sonho distante que vê já a luz da realidade, e que, não só contribuirá para libertar os congestionados hospitais da cidade do Porto, como permitirá uma mais rápida assistência numa zona de elevados índices de crescimento demográfico. Assim como teremos que saudar os propósitos de avançar com uma nova ligação entre o litoral e o interior, e do interior para a Europa, de que o chamado IPS foi o grande percursor, e cujo contributo para o desenvolvimento das regiões beiras do interior ninguém de boa fé ousará contestar.
Em suma, apenas uns brevíssimos exemplos, e não mais do que isso, do que se pretende para o distrito de Aveiro, a que juntarei a anunciada construção do moderno edifício onde se reunirá o Arquivo do distrito, até agora repartido por locais e serviços vários, com prejuízo inevitável para o acervo histórico e para os estudiosos.
Restringindo-me agora ao concelho de Oliveira de Azeméis, e também não querendo, aqui, entrar em exageros de pormenor, terei, contudo, de referir alguns dos pontos contemplados, e faço-o por um imperativo de consciência, já que, em vários casos, a sua materialização foi por mim reclamada nesta Câmara. O esforço desenvolvido pelo Governo na resolução do dramático problema do aterro sanitário, com as indispensáveis condições de inteira segurança, exigirá um dispêndio nunca inferior a um milhão de contos. Cerca de três milhões de contos será o custo da ligação, praticamente nova, entre as cidades de Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra, obra já adjudicada. Avançam as obras de ampliação do hospital, ergue-se um edifício para os serviços do Ministério da Justiça, estuda-se aceleradamente o acesso ao nó da auto-estrada em Estarreja, bem como o novo quartel da GNR e encontram-se em fase de adjudicação duas escolas básicas integradas, em Loureiro e Pinheiro da Bemposta.
Contudo, é para o sector da educação que, neste momento, estão voltados os olhares da população oliveirense e de toda a vasta e progressiva zona do distrito de Aveiro de que Oliveira de Azeméis é natural e reconhecido pólo aglutinador, como a experiência do dia-a-dia demonstra inequivocamente.
Tentarei expor, ainda que muito em síntese, a legitimidade desta aspiração. Oliveira de Azeméis pode considerar-se terra pioneira no acesso à instrução. Ainda que por iniciativa particular, o então ensino liceal chegou aqui no distante ano de 1922; cinco anos mais tarde, em 8 de De-

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zembro de 1927, e quando o ensino técnico era raro privilégio de raras cidades, ele aqui chegou através da criação da Escola de Artes e Ofícios, mas muitos anos antes, em 1853, já eram leccionadas as cadeiras de francês e latim.
Aparece, assim, como facto objectivo, a mais que secular preocupação com a educação e a cultura Os actuais empresários da região passaram pelos bancos da velha Escola de Artes e Ofícios Sem ela, a trajectória por certo teria sido bem mais curta A «explosão» industrial do período após guerra de 1939/45, que aqui conheceu brutal impulso, deve significativa parte do seu êxito ao facto de aos jovens de então ter sido facultado o acesso ao saber.
A relativa proximidade de uma grande cidade como a do Porto e de uma outra cidade, a de Aveiro, com um assinalável crescimento demográfico e económico, influenciam decisivamente a densidade populacional da zona, sendo facto incontestável que Oliveira de Azeméis; possui a maior concentração demográfica na parte norte da região de Entre Douro e Vouga, como é incontestável que os concelhos mais a litoral são, por via de regra, mais populosos, havendo, por óbvias razões, a urgente necessidade de evitar que esta tendência de migração para a paute norte e litoral do distrito de Aveiro se acentue ainda mais A região de Entre Douro e Vouga abrange uma extensão apreciável, que, unicamente no que se refere ao distrito de Aveiro, sobe a cerca de 1500 km2, a que se poderia ainda acrescentar a parte mais ocidental do distrito de Viseu.
É fácil verificar, mediante brevíssima análise( que Oliveira de Azeméis possui uma localização altamente favorável, não só porque se situa na parte central da região, como cobrirá de uma forma eficaz igualmente os concelhos do litoral e da zona mais interior, assegurada como está a próxima modernização das vias de comunicação De resto, em termos de rede viária, Oliveira de Azeméis, tal como os concelhos situados mais a litoral, encontram-se satisfatoriamente servidos de estradas principais, ainda que carecendo de vias rápidas que descongestionem o trânsito entre os grandes centros urbanos vizinhos e a auto-estrada nacional n º l Esta rasga o concelho de Oliveira de Azeméis de norte a sul e, embora o atravesse num curto espaço, sabe-se que está próxima a abertura de novo acesso.
Não poderá ignorar-se a proximidade de Oliveira de Azeméis ao IP5, colocando esta cidade também numa situação privilegiada no tocante ao inevitável afluxo dos estudantes de determinadas zonas do interior E ainda que de menos importância, mas não de desprezar, será a proximidade da estrada nacional n º 109, que passa a oeste do concelho, ligando todo o litoral desde Gaia à Figueira da Foz.
Apenas mais umas breves reflexões A actividade do sector secundário (indústria transformadora) é a mas importante na zona a que me venho referindo e impulsiona significativamente a economia local e de forma bem sensível a economia nacional Nesta região de Entre Douro e Vouga, de que, repito, Oliveira de Azeméis é natural pólo galvanizador, a população entre os cinco e os 24 anos de idade aproxima-se velozmente dos 130000. Mas porque a taxa de escolarização se situa apenas nos 50 %, fácil será antever um aumento de procura no ensino secundário e de modo particular no ensino superior, nas suas diversas vertentes, uma vez que entrou em vigor o alargamento da escolaridade obrigatória, para nove anos, no ano lectivo de 1987/88.
Sr Presidente, Srs Deputados Nas referidas Grandes Opções do Plano para 1995, que esta Câmara aprovou, surge no sector da educação, e relativamente ao ensino superior, «a continuação da expansão do ensino superior politécnico através, entre outros, da implementação do Instituto Politécnico de Aveiro integrando, nomeadamente a Escola Superior de Tecnologia e o Instituto Superior de Contabilidade e Administração».
Sabe-se também, através de diploma publicado recentemente, que, nesta matéria, foram atendidas, e bem, as velhas e legítimas aspirações de Águeda, que o mesmo é dizer as velhas e legítimas aspirações da zona sul do distrito de Aveiro.
Face aos brevíssimos elementos que atrás deixei, e que podem facilmente ser complementados com todos os elementos necessários a projecto de tal envergadura, elementos, de resto, já devidamente compilados através de estudo profundo e qualificado, Oliveira de Azeméis surge, sem possibilidade de confronto, como a cidade que actualmente reúne, globalmente, as condições geográficas, demográficas e económicas mais favoráveis para a implementação de um pólo do Instituto Politécnico de Aveiro, obviamente nas áreas do saber mais carenciadas Pólo que terá como objectivo principal servir de indispensável complemento à formação já existente, então de nível superior.
Atenta e empenhada em matéria de tão grande interesse e não ignorando as responsabilidades que lhe cabem e o exigível espírito colaborante, a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis oferece para este projecto um terreno com a área necessária para a futura construção das instalações de um pólo com uma perspectiva de 500 alunos no 1.º ano de lançamento, 1000 no 2 º e 2000 a 2500 nos anos seguintes Este é um esforço generoso que não pode ignorar-se. Uma aspiração cujo atendimento se enquadra de pleno direito na linha de rumo ao progresso, encetada em 1985 pelo Governo do PSD.

Aplausos do PSD

O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Rui Cunha.

O Sr Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs Deputados Em Portugal, cerca de um milhão e meio de cidadãos têm idade superior a 65 anos. O facto de os idosos terem abandonado o circuito produtivo não significa que não queiram continuar a participar no progresso da sociedade em que se inserem e de porem os seus conhecimentos e criatividade ao serviço dessa mesma sociedade.
As principais causas que conduzem à exclusão social dos idosos assentam nos baixos rendimentos, no isolamento e nas deficientes condições de apoio e de acolhimento O Governo não tem tratado os idosos, nem os portugueses em geral, como pessoas, mas sim como meros peões do xadrez eleitoral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os aumentos das pensões não têm sido feitos de uma forma constante e progressiva, mas ao sabor dos ciclos eleitorais Uma política coerente e solidária deverá prosseguir um reajustamento que infelizmente, terá de ser lento, mas consequente e que, a prazo, possa conduzir a uma maior justiça social As pensões são um direito sagrado dos nossos idosos Com o PS no Governo esse direito será escrupulosamente garantido.

Aplausos do PS.

Mas a sociedade poderá e devera encontrar outras formas de solidariedade para com os seus idosos que lhes proporcione uma substancial melhoria da sua qualidade de vida e uma melhor integração e participação na comunidade Os idosos portugueses compreendem as dificuldades.

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com que o País se debate, compreendem que não se pode corrigir em dois dias os erros acumulados ao longo de anos, mas não compreendem a insensibilidade e o desprezo a que o Governo e o PSD têm votado as gerações a quem tudo devemos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vejamos que tratamento têm merecido, por parte do Governo e do PSD, as propostas apresentadas pelo PS que visam a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos idosos.
Em Abril de 1993 subiu a Plenário o projecto de lei do PS que previa 50 % de desconto na aquisição de bilhetes e passes sociais nos transportes colectivos, sem limitações horárias ou geográficas, pelos cidadãos com mais de 65 anos e por todos os reformados, independentemente da sua idade. Estávamos então em pleno Ano Europeu do Idoso e da Solidariedade entre as Gerações. Este projecto de lei foi aprovado? Não, porque o PSD votou contra, o CDS absteve-se e o PSN não participou sequer na votação!
Em 1995, ano de eleições. O Governo decide então eliminar as restrições horárias na utilização dos passes sociais. Mas para alem desta medida ser restritiva em relação à amplitude da proposta do PS ainda vem criar uma nova situação de injustiça e de discriminação ao abranger apenas os passes utilizados dentro dos estritos limites das cidades de Lisboa e Porto. Dispensam-se mais comentários...
Em Abril de 1994 subiu a Plenário o projecto de lei do PS que previa a criação do Provedor dos Direitos e Interesses dos Idosos Este projecto de lei foi aprovado? Não, porque o PSD votou contra, o CDS absteve-se e o PSN voltou a não participar na votação!
Sr Presidente, Srs. Deputados: A solidariedade para com as gerações que nos precederam está longe de se esgotar na problemática das pensões e das reformas. É toda uma postura solidária que, em muitos casos, até se poderia vir a traduzir em redução de custos. É o caso da criação de uma Rede Nacional de Apoio aos Idosos em suas casas. A permanência do idoso na sua residência é condição primordial para a manutenção do seu equilíbrio emocional. Uma rede de apoio domiciliário cria postos de trabalho e é economicamente menos dispendiosa do que a construção e manutenção de equipamentos colectivos, quer para as entidades financiadoras, quer no que respeita à comparticipação dos próprios idosos. Uma rede de apoio domiciliário é fundamental para a qualidade de vida dos idosos, permite criar emprego para um tipo de desempregados que, devido à sua idade, às poucas habilitações literárias e à grande dificuldade de adaptação a novas tecnologias, dificilmente encontrarão novos postos de trabalho no mercado tradicional, e poderá ainda fomentar o aparecimento de pequenas empresas nas áreas, por exemplo, da confecção de alimentos, lavandaria, distribuição, etc.
Um programa deste tipo, porém, só poderá ser implementado com o empenhamento e a articulação entre os serviços de emprego e de segurança social, e as autarquias, IPSS. misericórdias, outras instituições de solidariedade social e pequenos empresários. O PS lançou um desafio ao Governo no sentido de todos unirem esforços para a implementação daquela rede, disponibilizando-se as câmaras socialistas de Matosinhos, Setúbal e Portimão a lançarem programas-piloto nos seus concelhos. Qual foi a resposta do Governo?
Primeiro, o Ministro Falcão e Cunha teve o despudor de afirmar que o PS só propunha coisas que já existiam.
Depois, em 20 de Julho de 1994, é publicado um despacho conjunto dos Ministros da Saúde e do Emprego e Segurança Social, afectando 25 % das receitas do joker a apoio a idosos. A gestão do programa compete apenas a serviços centrais e direcções-gerais, sendo as verbas canalizadas para o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. O programa deixa pura e simplesmente de fora as autarquias e as instituições. O Governo decide implementá-lo experimentalmente no distrito de Santarém, sugere que as instituições locais se candidatem, sem estabelecer normas nem critérios. A União das Misericórdias e a União das IPSS já fizeram saber publicamente, pelas vozes dos seus mais altos responsáveis, que não foram havidas nem achadas neste processo. Do que se trata, portanto, não é da implementação de uma rede nacional de apoio domiciliário a idosos, mas sim de mais um «saco azul» que o Governo gerirá a seu bel-prazer.
Com o PS no Governo será implementada uma verdadeira rede nacional de apoio aos idosos em suas casas, em que as instituições da sociedade civil serão os verdadeiros gestores e prestadores, em articulação com as autarquias e os serviços locais de emprego e de segurança social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos, porém, a consciência de que não podemos prescindir da existência de acolhimentos colectivos, designadamente para idosos totalmente dependentes e sem família, e mesmo para aqueles que assumem voluntariamente essa opção. Dos 298 lares lucrativos existentes em Portugal, apenas 59 (19,7 %) possuem alvará; 239 (80,3 %) funcionam ilegalmente, mas são subsidiados pelos centros regionais de segurança social e pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, enquanto que, por seu turno, os idosos ali internados ainda comparticipam com 80 % do montante das suas pensões.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É incrível!

O Orador: - Conhecedor desta problemática, através de um relatório que lhe foi presente pelos seus próprios serviços, o então Ministro do Emprego e Segurança Social anunciou, em Março de 1991, um programa de «aumento de lugares em lares», para o qual foi dotada uma verba de cinco milhões de contos, e que previa a criação de 2100 novos lugares até final de 1993. Dos 2100 lugares foram criados 200!
Em Abril de 1993, após denúncia pública do Sr. Provedor de Justiça, que classificou alguns óbitos ocorridos em alguns lares lucrativos como homicídios por omissão, o então Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social alargou o programa para a criação de 3500 lugares, duplicou a dotação financeira para 10 milhões de contos e alargou o período de execução até meados de 1995. Estamos em meados de Fevereiro de 1995. Qual o nível de execução do programa? Os mesmos 200 lugares criados em 1993!
É preciso que o Sr. Ministro Falcão e Cunha nos diga se aquele programa foi definitivamente deitado para o caixote do lixo, com profundo desprezo pela dignidade humana de milhares de idosos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como diz a União das IPSS, é evidente que «O programa de apoio aos idosos se está a desenvolver a duas velocidades. Por um lado, as IPSS correndo contra o tempo, cada vez mais ágeis e flexíveis e muito

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preocupadas com a qualidade dos serviços que prestam aos mais carenciados, por outro uma Administração Publica parada no tempo, formalista, desmotivadora, profundamente burocrática, estatizante, sem princípios de gestão, muito preocupada com a ideia que «presta» um indispensável serviço: desmotivar, emperrar e tornar tudo mais caro».
Como António Guterres tem afirmado, 10 tostões geridos pelas instituições de solidariedade social são muito mais rentáveis do que 10 tostões geridos pelo Estado. É esta a filosofia do PS na oposição; será esta a filosofia do PS no governo. Só com o empenhamento de todos será possível uma sociedade mais justa, fraterna, humana e solidária.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Cunha, o senhor sabe a estar que lhe dedico e é exactamente porque o estimo que vou manifestar-lhe o meu inteiro desacordo em relação a tudo quanto disse.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Tudo?...

O Orador: - A questão dos idosos, das suas necessidades, da sua vivência com a solidão, deve merecer-nos muito respeito e reconheço que, infelizmente, no nosso país, há ainda muitos idosos que não contam com nada, II não ser com a sua solidão. É, pois, evidente que todos os governos têm de dar prioridade à satisfação dessas necessidades.
Mas, Sr. Deputado Rui Cunha, garanto-lhe que conheço o País de lês a lês, conheço particularmente bem o que se fez, nos últimos anos, na área social, e volto a .reconhecer que não está tudo feito, há muitos problemas para resolver.
No entanto, não posso consentir que o Sr. Deputado Rui Cunha diga que em relação, por exemplo, às pensões, nada se tem feito. Sr. Deputado Rui Cunha, estou de acordo consigo de que a pensão mínima do regime geral no valor de 28 contos é pouco, mas em 1985 era de 5500 contos.
Agora, vou dizer-lhe uma coisa que, apesar de me desagradar fazê-lo, é a resposta àquilo que o Sr, Deputado afirmou quando falou nos erros acumulados que o PS vai ter de resolver no dia que chegar ao Governo.

Vozes do PS: - É verdade, Sr. Deputado!

O Orador: - Os erros acumulados foram herdados pelos Governos do Professor Cavaco Silva. Sabe porquê, Sr. Deputado Rui Cunha? Porque nos anos em que o PS esteve no Governo, as pensões tiveram um aumento zero! Quer maior acumulação de erros do que esta?
O Sr. Deputado falou também na limitação da utilização dos passes sociais. Sr. Deputado Rui Cunha, até que o Governo tivesse tomado uma decisão nessa matéria, acusavam-no de não ter feito nada; agora, como uma parte do problema já está solucionado - e o Sr. Deputado sabe por que é que ainda não foi possível estender aos outros passes sociais tal solução -, vem dizer que, afinal, o Governo deixa as coisas a meio e não leva até ao fim a abolição da limitação da utilização dos passes sociais.
Além disso, o Sr. Deputado deixou-me escandalizado com outra coisa - e a afirmação que vou fazer, pode Confirmá-lo ou infirmá-lo junto, por exemplo, das câmaras municipais do PS.
Sr. Deputado Rui Cunha, não há nenhuma câmara no País que, nos últimos 10 anos, não tenha cedido um terreno, materiais de construção, trabalho dos funcionários dos serviços de obras ou subsídios às instituições particulares de solidariedade social para, com o Governo, co-financiar a rede de equipamentos sociais.
Mas, desculpe-me que lhe diga, é curioso que o PS, que anda em maré de utilizar um remédio que, afinal, cura todas as doenças - e não quero ser pejorativo, mas efectivamente é aquilo que o Secretário-Geral do PS anda a dizer pelo País e é por isso que não tem crédito, porque «de uma penada» ele resolve todos os problemas do País-, quando esteve no Governo, deixou muitos problemas por resolver.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.

Afirmar que não existe, hoje, colaboração com as IPSS, as autarquias e o Estado é cometer uma injustiça total, designadamente em relação às câmaras municipais do PS, que até são maioritárias no nosso País.
O Sr. Deputado descobriu ainda que o apoio domiciliário é que é a grande valência para os idosos. Desculpe-me que lhe diga, isso é como descobrir a pólvora sem fumo, que já está descoberta há muito tempo!
Toda a gente sabe que o ambiente privilegiado para os idosos é a casa em que sempre viveram. Não é o PS que vai agora descobrir isso, já muito antes do PS os Governos do Professor Cavaco Silva o descobriram.

Protestos do PS.

Sr. Deputado, lamento imenso que lenha dito que o Governo tem desprezo pelos problemas dos idosos Não é assim! Os senhores é que, sempre que há eleições, vêm com a conversa de que, ao aumentar as pensões, o Governo está a fazer uma política eleitoralista. Afinal, o que é que os senhores querem? Querem que o Governo atenda os problemas dos idosos ou não?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, por quem também tenho a máxima consideraçâo, estava convencido de que a cassette do valor das pensões, em 1985 e em 1995, era exclusiva do seu colega de bancada, Silva Marques, mas, afinal, não é. Essa cassette está adoptada colectivamente pela bancada do PSD.
Sr. Deputado Vieira de Castro, quanto é que custava um pão em 1985? Quanto é que custava um litro de leite? E um café? O senhor quer comparar coisas que não são comparáveis. Dou-lhe outro exemplo: quando estive aqui, na Constituinte, vencia como Deputado 10000 escudos, quer que continuemos a vencer 10000 escudos como em 1975? Quer comparar coisas que não são comparáveis?
Portanto, essa cassette não colhe nessa sua argumentação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, é evidente que não descobrimos a pólvora de que o apoio domiciliário é a melhor solução. Porém, vejamos o que é que se tem passado no concreto.
O senhor diz que conhece o País de lês a lês, mas posso dizer-lhe também que já visitei dezenas e dezenas de instituições de lês a lês. E com o que é que deparo todos os dias? Deparo com várias queixas. Dizem-me: «temos um

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protocolo firmado com o centro regional de segurança social para dar apoio domiciliário a 40 idosos. Há dois anos que andamos a pedir para este protocolo ser alargado, porque estamos a dar apoio a 120 idosos e1 o centro regional não nos alarga o protocolo, continua a dar-nos só a comparticipação relativa a 40 quando temos mais 80, que, sem saber como é que havemos de arranjar esse dinheiro, são subsidiados apenas com as nossas possibilidades». São as queixas com que todos os dias deparamos.
Nós lançámos um repto para a institucionalização de uma rede nacional de apoio aos idosos que integrasse a participação das autarquias, das IPSS, das misericórdias e de outras instituições de solidariedade social, mas os senhores recusaram essa proposta e fizeram sair um despacho conjunto, criando um programa, apenas gerido pela CNAPTI e pelas duas direcções-gerais, onde não deixam participar, nem as autarquias, nem as instituições de solidariedade social. Escolheram o distrito de Santarém - e não vou perguntar qual foi o critério dessa escolha - e dizem às instituições existentes no distrito «candidatem-se», sem lhes apresentar normas, sem lhes apresentar critérios, sem lhes apresentar sequer o modelo de candidatura. Pelas informações que tenho - e se isto não se vier a concretizar, serei o primeiro a pedir desculpa publicamente -, seleccionaram quatro instituições, por acaso, certamente, todas elas situadas em concelhos de presidência PSD. Certamente, por mero acaso, Sr. Deputado...
Isto não tem nada a ver com uma rede nacional de apoio aos idosos em suas casas!
Se o Sr. Deputado me merece muita estima e consideração, devo dizer-lhe, acerca desse tal programa, a que o senhor não se referiu, de alargamento de lugares em lares, que foi lançado ou, pelo menos, anunciado pelo então ministro Silva Peneda quando V. Ex.ª era secretário de Estado, que estive numa conferência de imprensa em Castelo Branco, onde um jornalista disse, em plena conferência - portanto, não fez segredo -, que o Sr. Vieira de Castro, então secretário de Estado, lhe tinha dito que o programa não avançava, não por culpa do Governo mas por culpa do Sr. Padre Maia, presidente da União da IPSS.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - É mentira!

O Orador: - E, nessa conferência de imprensa, eu disse que conhecia suficientemente bem o Sr. Deputado Vieira de Castro para não acreditar nisso. Veja a consideração que tenho por V. Ex.ª.
Porém, terá de reconhecer que o Governo tem desprezado completamente esta área e que tudo o que tem anunciado fica na gaveta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vieira de Castro pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Uma vez que estamos no fim do debate, tem a palavra para o efeito.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Cunha, gosto muito de debater com calor as minhas ideias, mas proeuro que tudo se passe de acordo com a educação que recebi. Contudo, «quem não se sente, não é filho de boa gente», e eu prezo-me disso Aquilo que o Sr. Deputado disse é mentira! Em quatro anos como membro do Governo, nunca me regi por critérios de carácter partidário nem de carácter pessoal.
Eu poderia confirmar tudo o que disse com dados objectivos, mas não quero gastar a paciência da Câmara. Assim, Sr. Deputado Rui Cunha, direi apenas que o que afirmou é rigorosamente mentira porque, além do mais, tenho uma grande estima pelo Sr. Padre José Maia, de quem sou um grande amigo, e penso que ele retribui a amizade que lhe dedico.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não foi nada disso que o Deputado Rui Cunha disse!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rei Cunha (PS)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, certamente ouviu mal o que eu disse.
Na verdade, o que referi foi que um jornalista presente nessa conferência de imprensa afirmou que «o Secretário de Estado Vieira de Castro disse-me, ao telefone, que o programa não avançava por culpa exclusiva do Padre Maia». Então, em resposta àquele jornalista, eu retorqui: «Conheço suficientemente o Dr. Vieira de Castro para não acreditar nisso».

O Sr. Manuel dos Santos (PS). - Está a ver, Sr. Deputado Vieira de Castro?

O Orador: - Portanto, o Sr. Deputado não tem razão para desmentir as minhas palavras.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Granja da Fonseca.

O Sr. João Granja da Fonseca (PSD). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, vou falar nesta tribuna sobre uma cidade muito próxima de Lisboa que se chama Amadora.
Nas primeiras intervenções que fiz neste Plenário sobre a cidade da Amadora referi a sua história e lembro-me de ter dito que, no princípio do século, esta cidade, que na altura ainda era freguesia, apenas tinha 3000 habitantes. Hoje, tem cerca de 250 000 habitantes. Portanto, é uma das maiores cidades do nosso país, mais concretamente, a terceira maior.
Ao ler o Boletim Informativo da sessão de hoje, verifiquei que à mesma estão a assistir alguns alunos da Escola Secundária Fernando Namora da Brandoa. Assim, porque vou abordar alguns problemas relacionados com a Amadora, sinto-me particularmente feliz por esta coincidência.
Quando estava a preparar a matéria desta intervenção lembrei-me de algumas ideias que todos os partidos defendem neste momento, isto é, sobre as quais existe um determinado consenso. Refiro-me à criação dos círculos eleitorais uninominais. Penso que o objectivo fundamental desta ideia é o da ligação do eleito aos eleitores. E quero dizer aqui que esta ligação do eleito aos eleitores verifica-se de forma particularmente sensível na cidade da Amadora
A Amadora é uma cidade que tem cerca de 250 000 habitantes, mas estende-se por cerca de 2500 ha, sendo, portanto, bastante limitada a sua extensão. Nesta cidade onde circula tanta gente, é muito fácil, é muito natural conhecermo-nos todos uns aos outros, os que andamos nas ruas. Por isso, na minha qualidade de Deputado eleito pelo círculo de Lisboa e residen-

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te na Amadora, achei oportuno referir este dado antes de passar à abordagem dos principais problemas da minha cidade.
Quero relembrar que no início desta Legislatura) o Partido Social-Democrata publicou um livro, chamado Ao Encontro dos Portugueses, no qual estão elencadas as principais aspirações da Amadora, os seus principais problemas e, naturalmente, o empenhamento dos Deputados do círculo eleitoral de Lisboa na concretização dos mesmos.
Neste momento e antes de indicar quais as obras feitas na Amadora, posso dizer desde já que estão cumpridos cerca de 90 % dos compromissos assumidos pelo PSD relativamente a esta cidade.
Recordo que um dos principais problemas existentes na Amadora e o da habitação social: nesta cidade ainda existem cerca de 6200 barracas Há uma necessidade urgente de a Câmara Municipal da Amadora aderir ao PER (Programa de Erradicação das Barracas). Sei que, neste momento, de entre as câmaras municipais que integram as Arcas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, apenas cinco ainda não subscreveram este Programa.
Com a assinatura do referido programa iremos conseguir na Amadora, não só o realojamento de todas aquelas famílias que vivem em situações difíceis e, na maior parte dos casos, degradadas como também proporcionaremos a todas elas, além de uma boa casa. uma situação económico-social muito diferente.
Consideramos que um dos principais direitos da família - e recordo aqui que 1994 foi o Ano Internacional da Família - é, fundamentalmente, o direito à habitação e que onde este último não se concretizar, naturalmente, ficam prejudicados todos os outros.
No que diz respeito à cidade da Amadora, o PSD assumiu o compromisso de atingir um conjunto de objectivos. Assim, peço à Câmara que me permita realçar pela menos três de entre todos os objectivos já atingidos.
Um dos objectivos que considero muito significativo prende-se com a passagem subterrânea para peões junto à estação ferroviária da Amadora. Esta cidade estava dividida por uma barreira, que era o comboio, e neste momento o centro da cidade já dispõe da referida passagem, razoável, bem apresentada, bem iluminada, por onde as pessoas podem circular, dia e noite, com segurança.
Um outro problema que, já há alguns anos, vinha constituindo uma aspiração de todos os partidos, quer .por ocasião das eleições legislativas quer das autárquicas, - ora o do hospital. Ora, todos sabemos que o Hospital da Amadora vai ser inaugurado no próximo mês de Abril, tratando-se de um dos maiores na zona de Lisboa. Podemos considerar que este hospital reúne a importância de ser suficientemente grande, mas não a ponto de ser governável. Com as suas 650 camas, este é um dos maiores e mais bem apetrechados hospitais da zona da Grande Lisboa mas, simultaneamente, pode ser gerido em termos modernos.
Aliás, há uma ideia fundamental que presidiu ao novo conceito de gestão no que respeita ao Hospital da. Amadora que é a chamada «humanização do hospital». Desta preocupação consta do caderno de encargos elaborado para a construção, já constava do Programa do Governo a consta ainda de todas as informações proferidas nesta Casa pelo Sr. Ministro da Saúde sobre a matéria. Esta é, também, uma preocupação dos médicos que já lá estão a trabalhar, da administração do Hospital e a própria população da Amadora aspira a que o carácter humanitário deste hospital seja uma realidade indesmentível quando ele entrar em funcionamento.
Permita-se-me lembrar também a criação do círculo e da comarca da Amadora, objectivo este que perseguimos durante longos anos. Infelizmente para nós, embora neste momento esteja indicado o local para construção do edifício do tribunal, embora os respectivos projectos já tenham sido aprovados e as obras adjudicadas, estas ainda não começaram Constitui aspiração legitíma da Amadora não apenas a criação formal deste tribunal de círculo e de comarca como também é seu desejo, que consideramos realizável a curto prazo, o efectivo funcionamento, quer do círculo judicial quer da comarca.
No entanto, surgem algumas dificuldades nesta cidade, as quais reputo como sendo a consequência de ausência de diálogo ou de alguma falta de vontade política na resolução de certos problemas. A título de exemplo, aponto o facto de, até hoje, ainda não ter sido assinado o protocolo com o Estado relativamente ao programa de erradicação das barracas. Na verdade, é incompreensível que, sendo a Amadora uma das cidades onde este problema mais se sente - e, há pouco, referi que há mais de 6000 barracas -, aquele programa ainda não lenha sido assinado. É que com a assinatura daquele programa é possível a assinatura de um outro acordo que consiste na transferência para a Amadora do parque habitacional do 1GAPHE, cujo valor é superior a 2 milhões de contos e onde encontraremos muitas habitações devolutas que. com uma gestão mais próxima dos seus futuros utentes, uma gestão camarária, poderão satisfazer muitas das necessidades habitacionais desta cidade que, como toda a gente sabe, são urgentes e prementes.
Mas surgem outros problemas na Amadora que urge resolver.
Sabemos que, tratando-se de uma cidade próxima de Lisboa, enferma de todas as dificuldades aqui existentes, nomeadamente do problema dos transportes e dos estacionamentos. Quem visitar a Amadora não encontra um local para estacionar o seu carro. Este assunto já foi debatido há muito tempo em sessões camarárias, tendo sido indicadas quatro ou cinco localizações possíveis para construção de parques de estacionamento subterrâneos para automóveis, mas, até hoje, esta matéria não passou da fase das deliberações camarárias nem não foi aberto qualquer concurso, pelo que este problema, que se arrasta há muito tempo, será cada vez mais difícil de resolver pois cada vez há mais automóveis enquanto o espaço disponível para estacionamento continua igual.
Para terminar, e dado que, há pouco, fiz referência ao Ano Internacional da Família, vou citar uma frase do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos da Família: «A Família como sociedade natural existe antes do Estado ou de qualquer outra comunidade e possui direitos próprios que são inalienáveis. Os direitos da pessoa, embora expressos como direitos do indivíduo, tem dimensão fundamentalmente social que encontra a sua expressão inata e vital na Família».
Nós, os políticos, pretendemos fundamentalmente dirigir a política para o seu fim último. Mas o fim último da política não é ganhar eleições nem atingir qualquer outro objectivo se não o de proporcionar aos indivíduos, à família, não só o bem-estar social como também a comodidade da vida e a felicidade que todos desejamos para nós próprios e para os outros.
Por fim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, pretendo reafirmar que, por ocasião das próximas eleições, o Partido Social-Democrata irá elencar um conjunto de prioridades para a Amadora. Penso que entre estas estará a da concretização de uma universidade, pública ou privada, nesta cidade, a da construção da nova sede da Cruz Vermelha e também um conjunto de outras obras de que temos necessidade urgente na Amadora.
Faço votos que, decorrida nova legislatura, se possa afirmar aqui, desta tribuna, que todos os compromissos as-

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sumidos para com aquela população estão cumpridos, como acontece hoje, ou seja, na ordem dos 90 %.
Quero pedir desculpa aos Srs Deputados por ter falado de improviso - como não estava escalado para falar hoje, tive de me servir de alguns apontamentos - e peço que relevem o facto de nem sempre o meu raciocínio ter tido a fluência necessária que este assunto, tão importante e tão querido para mim, exigiria e mereceria. A todos muito obrigado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Granja da Fonseca, não posso deixar de lhe dizer que gostei de o ouvir, embora me tenha apanhado num dia em que são visíveis algumas dificuldades relacionadas com a minha voz.
Queria começar por felicitá-lo pelo facto de trazer à Assembleia da República alguns problemas relacionados com a cidade onde vive, onde é autarca e onde existe um conjunto de problemas de grande dimensão.
Felicito-o por trazer o problema, mas também o critico, se me permite a expressão - sem querer, com ela, menorizar a intervenção que fez -, porque V. Ex." integra o Grupo Parlamentar que, com maioria absoluta de Deputados, apoia o Governo que tem governado o País ao longo dos últimos 10 anos. Assim, não deixa de ser curioso que, no final da Legislatura e do tabu, no momento em que o Governo se prepara para disputar eleições e em que começa a ser evidente, para a generalidade dos portugueses, que se prepara, também, para passar o testemunho a outro Governo - se tudo correr, enfim, de acordo com os índices que vão aparecendo -, no momento em que o PSD vive um período de grande agitação interna que faz com que o Governo não governe, o Sr. Deputado venha aqui falar de um conjunto de problemas que deveriam ter sido resolvidos há muito tempo e que não o foram.
Por exemplo, de entre o conjunto de problemas que deveriam ter merecido uma maior atenção, gostava de destacar pelo menos um, de grande gravidade ao nível não só do concelho mas de toda a Área Metropolitana de Lisboa e que não foi, sequer, objecto de qualquer referência por parte de V. Ex.a. Refiro-me à questão da insegurança.
Não há muito tempo propusemos, e continuamos a bater-nos por isso, uma solução que entendíamos que ia, em parte, minorar o problema: a criação das polícias municipais. Não houve, da sua parte, a mínima referência a esse problema nem qualquer sugestão, ou apelo social ao Governo para que se preocupasse com essa situação. Houve, sim, uma acusação - ou duas, mas destaco especialmente uma - à força maioritária na Câmara Municipal da Amadora, de que partilho!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Claro!

O Orador: - De facto, partilho da acusação de que, em relação ao problema da habitação, dois anos depois de ter sido assinado um compromisso com o IGAPHE e a Junta Autónoma de Estradas e um ano e meio depois de o Governo ter anunciado um plano para a erradicação de barracas, a Câmara Municipal da Amadora não deu os passos necessários para que essas iniciativas fossem para a frente.
Concordo com a crítica que fez, mas o Sr. Deputado esqueceu-se de referir um outro aspecto importante em relação a este processo. É que, como sabe, o plano especial de erradicação de barracas, tal como está delineado, não tem aplicabilidade prática no concelho da Amadora, uma vez que é inexequível do ponto de vista financeiro! É que se a câmara assumir o compromisso de acordo com o que o Governo propôs, ela ficará endividada para os próximos 10 ou 15 anos e terá de enviar, apenas para esse programa, grande parte ou a totalidade dos meios que teria disponíveis para investimento.
O programa é, de facto, inexequível, pelo que só é possível resolver o problema, na cidade e concelho da Amadora, se esta for tratada como um caso especial, no conjunto dos municípios da Área Metropolitana de Lisboa. Isso não foi referido pelo Sr. Deputado e, se me permite a expressão, deveria ter sido.
De qualquer modo, e para terminar, quero saudá-lo por ter, apesar de tudo, levantado aqui este problema.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Granja da Fonseca.

O Sr. João Granja da Fonseca (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, muito obrigado pelo pedido de esclarecimento e pelas objecções que fez à minha intervenção.
Sei que está de acordo comigo quanto ao diagnóstico feito relativamente aos principais problemas da Amadora, tal como sei que é sensível ao facto de esta ser uma cidade grande e em crescimento, pelo que, naturalmente, equacionaria os muitos problemas que a caracterizam da mesma forma e, nomeadamente, também afirmaria que o principal problema é, efectivamente, o da habitação, em especial o da habitação social. Mas creio que já não estará muito de acordo comigo, embora aceite, que as principais obras existentes na Amadora se devem, efectivamente, ao poder central.
No seu pedido de esclarecimento fez ainda menção ao aspecto da insegurança, que, realmente, não referi. Quero dizer, como teve oportunidade de ouvir no final da minha intervenção, que estava a falar de improviso e não a fazer um discurso lido, pelo que era minha intenção, efectivamente, referir esse aspecto como sendo um problema grave na Amadora. Aliás, a Brandoa é, precisamente - e estão aqui presentes alguns alunos de uma escola secundária da Brandoa -, uma das principais freguesias onde esse problema mais se faz sentir.
Por outro lado, o Sr. Deputado sabe que, relativamente a esta matéria, tem sido política do Governo reforçar a PSP e não a criação da polícia municipal. Estou de acordo quando diz que existe o problema da insegurança, todavia entendo que a resolução do mesmo não vai passar pelas polícias municipais que, pelas atribuições presentes, mais não são do que fiscais de câmara ou executores de deliberações camarárias mas, sim, pelo reforço, naturalmente, da PSP na Amadora e, nomeadamente, pela criação - sempre o defendi - de uma esquadra da PSP na Brandoa.
Penso, portanto, que estamos de acordo quanto ao diagnóstico e que o objectivo é o mesmo, embora haja uma diferença no que diz respeito à escolha da polícia.
Finalmente, e em matéria de habitação social, sei que a cidade da Amadora tem problemas difíceis - aliás, na minha intervenção, referi que a área desta cidade é muito reduzida para o número de habitantes que tem. Os terrenos existentes são diminutos, tendo a respectiva valoração como base a sua exiguidade, isto é, quanto menos terrenos há mais caros eles se tornam. Sei que esse é um problema com que se debate a Câmara Municipal da Amadora.
No entanto, não sou tão pessimista quanto aqueles que temos ouvido em sessões camarárias, porque a verdade é que uma boa gestão de um programa destes - ao abrigo do qual entra na câmara, a fundo perdido, 50 % do valor das

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casas e em que é permitido, à própria câmara, alienar as casas por preço, naturalmente, abaixo do custo real -, ao longo dos 15 ou 20 anos, pode, ao lado das despesas, ir fazendo muitas receitas; receitas essas que, naturalmente, irão beneficiar as próprias habitações a construir.
Meu caro amigo, também quero dizer-lhe que, há pouco, ouvi uma intervenção do Partido Socialista que dizia - e estou de acordo - que, efectivamente, o que nos deve preocupar é a pessoa humana, os direitos das pessoas e não tanto a& contas comezinhas, como sejam as de saber se há mais ou menos um tostão. E porque nós, PSD, defendemos o humanismo cristão e a necessidade de as pessoas terem a sua habitação condigna, entendemos que, como vereadores daquela câmara, temos o dever de optar pela habitação, nem que para o efeito tenhamos de cortar muitas verbas, nomeadamente aquelas que se destinam, única e exclusivamente, à propaganda.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de durante 15 anos tutelar a educação, 10 dos quais pertencentes ao consulado de Cavaco Silva, o PSD não foi capaz de anular ou atenuar significativamente os estrangulamentos e os aspectos negativos estruturais do nosso insuficiente, ineficaz, uniforme, rígido e centralista sistema educativo, que continua a caracterizar-se por um parque escolar mal dimensionado e altamente degradado, baixa produtividade e falta de justiça social; sistema educativo esse que, não só continua longe de oferecer um ensino de qualidade, como de modo algum prepara o ingresso dos jovens na vida activa.
O sistema educativo português, no contexto da. União Europeia, continua a registar a taxa mais baixa de frequência do ensino pré-escolar, uma das taxas mais diminutas no que diz respeito aos alunos do secundário que optam pela via profissionalizante, a taxa mais baixa de frequência do ensino superior, a taxa mais elevada de analfabetismo e a cobertura mais reduzida do mundo estudantil, no que diz respeito à acção social escolar.
Apesar de tais limitações, apesar de 2/3 da sua população, ainda hoje, ser analfabeta ou registar um máximo de 6 anos de escolaridade, Portugal continua a ser o país da União Europeia que menos gasta na educação por habitante, podendo-se, mesmo, afirmar que, na última década, o essencial do investimento na educação foi garantido apenas pelos fundos comunitários através do PRODEP.
É este o panorama nada animador da educação em Portugal que urge rapidamente alterar, sob pena de se pôr em causa o ajustamento estrutural do País e a sua urgente modernização aos mais diversos níveis.
Se a educação constitui a prioridade das prioridades do PS e irá constituir a prioridade nacional do futuro Governo do PS, o ensino básico constitui a nossa prioridade educativa, pela importância estratégica dos saberes e das competências concedidas às crianças e aos jovens, muitos dos quais ficam, para sempre, apenas com a formação do ensino básico, e pelo facto de constituir um dos instrumentos determinantes da democratização da nossa sociedade.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em termos de política educativa, é na definição clara de prioridades no campo social, obedecendo à defesa dos princípios de maior justiça e participação, que se irá basear a alternativa do PS.
Os consensos em torno da melhoria da qualidade da educação e do funcionamento do sistema não podem iludir a questão das grandes diferenças existentes entre a concepção elitista, tecnocrática e economicista, dominante nos últimos anos, e uma concepção da educação que atenda às necessidades básicas da maioria da população.
Nesse sentido, à perversa neutralidade da política educativa, deve ser oposta, entre outras, uma perspectiva intencionalmente dirigida para os extractos populacionais mais desprotegidos ou afastados dos benefícios da educação.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - E deve ser apresentada uma perspectiva que dê prioridade ao cumprimento dos direitos constitucionais, nomeadamente à educação básica, universal e gratuita.
Para tornar efectiva a universalidade do ensino básico, garantindo a todas as crianças o acesso à escola, o sucesso educativo e a obtenção das qualificações mínimas que as habilitem ou a prosseguir os estudos ou a enveredar pelo trabalho, será necessário estabelecer um plano de intervenção nacional que envolva, coordene e racionalize, aos níveis central, regional e local, as acções promovidas ou a promover pelas diversas entidades públicas ou da sociedade civil.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este plano, responsabilizando os actores sociais e as instituições do Estado, terá de explicitar as metas, o calendário de execução, os investimentos, as fontes de financiamento, os níveis de responsabilização e os mecanismos de controlo e avaliação. Deverá ter ainda em conta que educação para todos não significa, necessariamente, ensino de pior qualidade para todos, bem como uma reavaliação do sentido político de tudo aquilo que já se fez.
Assim, não poderá ser em nome da mesma «estabilidade do sistema», que mantém a qualidade educativa global em níveis medíocres, que se deixará de avaliar a conformidade política das medidas técnicas, administrativas e de gestão que foram tomadas para «desfazer a Reforma Educativa».

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Será na intencionalidade posta nas intervenções e medidas de carácter geral e na capacidade de envolvimento dos vários parceiros educativos que se definirá o sentido da mudança proposto por esse plano e se ganhará a legitimidade democrática para recusar aquela «estabilidade».
De entre as medidas e orientações de carácter geral consonantes com esse sentido de mudança, o plano de intervenção deverá:

1. Redimensionar a rede das escolas do ensino básico, sobretudo ao nível dos l.º e 2.º ciclos, ouvindo obrigatoriamente as autarquias locais e. quando possível, os conselhos locais de educação, tendo em atenção, por um lado, a urgente inversão da tendência para a «desertificação humana» de muitas localidades e regiões isoladas do interior e, por outro lado, a racionalização e rentabilização dos equipamentos e recursos, humanos e materiais, disponíveis ou a criar.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - 2. Desenvolver a política de integração. física e educativa, dos três ciclos deste nível de ensino, com base na experiência actualmente em curso;

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3. Redefinir o conceito de gratuitidade da escolaridade obrigatória, reforçando, drasticamente, em toda a escolaridade básica, o apoio social e escolar aos alunos e suas famílias, nomeadamente nos domínios da alimentação, alojamento, apoios económicos, livros escolares, transportes e seguros escolares, segundo critérios de equidade, de justiça social e de discriminação positiva;
4. Elevar o índice de escolarização e apoio das crianças com necessidades educativas especiais, devidas a situações familiares precárias ou a deficiências físicas ou mentais, para as quais importa garantir - através da sua integração no sistema regular de ensino ou em sistemas de educação especial - condições educativas apropriadas;
5. Alargar o índice de escolarização das crianças oriundas das minorias étnicas e religiosas, no respeito pela sua cultura e credos, e propugnar pela completa integração das crianças oriundas dos grupos sociais marginalizados ou privados de liberdade - toxicodependentes, seropositivos, reclusos, etc;
6. Criar um subsistema de saúde escolar regionalizado, em estreita ligação e cooperação com o serviço nacional de saúde;
7. Tornar universal e efectivo, para o ensino básico, um sistema de apoio psicológico e de orientação escolar e profissional com base nas experiências já existentes;

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - 8. Generalizar, salvaguardando as excepções que se revelem necessárias, a privatização dos serviços de vigilância, segurança, limpeza, refeitório/bar e arranjo ambiental dos espaços exteriores dos estabelecimentos de ensino, tendo em conta uma análise ponderada, caso a caso, da relação custos/benefícios e um diagnóstico das medidas necessárias para um efectivo controlo de qualidade dos serviços privatizados;
9. Estabilizar, em cada escola, o corpo de funcionários auxiliares de acção educativa, nomeadamente através da definição de um quadro próprio da escola;
10. Dotar as escolas do 1.º ciclo de um orçamento de funcionamento capaz de resolver, com realismo e sem excessos burocráticos, os problemas do dia-a-dia, em estreita colaboração com as autarquias e estruturas locais do Ministério da Educação e, quando possível, dos Conselhos Locais de Educação;
11. Estabelecer, como princípio geral para a escolaridade básica, o funcionamento das escolas em regime normal, com especial pertinência nos 1.º e 2.º ciclos, dado o nível dos respectivos alunos, os objectivos educacionais destes ciclos, a crescente disponibilização de instalações e equipamentos, provocada pela diminuição da população escolar, e os interesses familiares;
12. Diminuir a carga horária curricular semanal nos 2.º e 3.º ciclos e, simultaneamente, aumentar o tempo dedicado ao apoio pedagógico, individualizado e de grupo, às actividades de complemento curricular, à iniciação e ao desenvolvimento da educação artística e tecnológica e ao desporto escolar;
13. Alterar o plano de estudos do 3.º ciclo, por forma a introduzir, com carácter obrigatório, uma área de formação tecnológica teórico-prática, que possa conduzir a uma qualificação certificada através da creditação da formação;
14. Rever as condições do cumprimento da escolaridade obrigatória, nomeadamente ao nível da assiduidade, da avaliação do sucesso escolar e da obtenção do respectivo diploma;
15. Reforçar a mais ampla autonomia administrativa, financeira e pedagógica das escolas, já que o fracasso das reformas empreendidas até ao momento, assim como a ingovernabilidade e o disfuncionamento do sistema se devem imputar, antes de tudo, à sua excessiva centralização.
Todas estas medidas e orientações gerais só farão sentido, se integradas num projecto global que tenha em conta o sentido da mudança que preconizamos e que permita evitar os efeitos perversos de medidas avulsas e casuísticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O papel que o Estado deve desempenhar na educação é, hoje, em toda a Europa, uma questão em aberto. Não existe fórmula mágica para este problema. Há, contudo, um princípio sagrado, a propósito do qual todos estão de acordo: a garantia do direito à educação.
Na situação em que Portugal se encontra hoje, crucial para o seu desenvolvimento, a política educativa tem de conceder uma prioridade absoluta ao ensino de base. O primeiro dever dos poderes públicos é o de oferecer um ensino fundamental, aberto, gratuito e de qualidade a todas as crianças, ensino que deve lutar para erradicar ou atenuar consideravelmente a desigualdade e a exclusão social.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - É em nome dessa garantia do direito à educação, do direito a uma formação coerente e organizada que permita aos alunos forjar um espírito crítico e uma personalidade autónoma, num quadro livre e aberto, e que o PSD, em 15 anos, não foi capaz de suscitar ou construir, que exigimos uma nova política educativa, uma nova escola básica, consubstanciada nas propostas que apresentamos e que só o PS, no Governo, poderá animar ou protagonizar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira.

O Sr. Carlos Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, não resisti a pensar que, se Thomas Moore escrevesse, hoje a sua Utopia, faria com que a sua personagem principal fosse, de facto, um português, e esse português seria, naturalmente, do PS. Isto porque tudo aquilo que V. Ex.ª disse consta de qualquer manual sobre a educação dos nossos dias, por mais elementar que seja.
O Sr. Deputado não acrescentou nada de novo, não trouxe nenhuma ideia nova, limitou-se a enunciar, como V. Ex.ª mesmo disse, princípios gerais. Mas todos conhecemos os princípios gerais, o que gostávamos era de ver como V. Ex.ª desceria dessa sua «utopia» para a realidade, como encararia o País real e como faria o desmembramento das escolas que propôs.
De facto, é verdade, e sublinho-o, que muitas das nossas escolas têm muitos alunos e muito do nosso parque escolar não está como gostaríamos que estivesse. Isso é verdade e nunca ninguém disse o contrário, mas V. Ex.ª esqueceu-se do percurso que foi feito e da quantidade de salas que foram construídas - e não vou citar números, porque, senão, V. Ex.ª dir-me-á que os alunos não são números.
Que programa prevê V. Ex.ª para transformar todas as escolas que existem hoje com sobredotação em escolas em regime normal? Sabe V. Ex.ª que precisávamos de duplicar o parque escolar e, em alguns distritos, precisávamos de mais do que uma duplicação? Viriam de onde, Sr. Deputado? De que «utopia» cairiam essas escolas?
Por outro lado, V. Ex.ª falou também na necessidade de preparar os alunos para ingressarem na vida activa. É evidente que estou de acordo consigo e posso dizer-lhe que só não avançámos mais, porque um dos seus ministros, um dos ministros que V. Ex.ª apoiou, acabou com essa possibilidade. É certo que isso aconteceu há muito tempo, mas foi ele que acabou com ela e, pela nossa parte, tivemos de

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recomeçar de novo. Mas, mais do que recomeçar, tivemos de mudar a mentalidade que VV. Ex.ªs introduziram nessa altura, para poder acabar com esse ensino que preparava para a integração no mundo do trabalho.
O Sr. Deputado disse ainda que o direito à educação tem de ser garantido, mas esse direito está garantido. Existe algum caso em que isso não se verifique? Exemplifique.
Não custa falar de nova política, e a expressão «nova» poderia ter uma leitura diferente, que não quero fazer, por justiça a V. Ex.ª, mas gostava de saber qual é essa nova política. É que de princípios gerais de qualquer elementar manual, basta!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Acílio Gala.

O Sr. Acílio Gala (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, ouvi com muita atenção a sua intervenção e fiquei com a ideia de que vinha fazer a definição da política de ensino do Partido Socialista. No entanto, durante a sua intervenção, não tive oportunidade de ouvir, uma única vez, uma referência à educação pré-escolar, quando é por aí que deve, realmente, começar a educação nas escolas...

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Ouviu mal!

O Orador: - ... e tenho para mim que a educação pré-escolar, estando na base da educação, também está na base de algum insucesso escolar que se tem verificado.
Se é, efectivamente, esta a política de ensino do Partido Socialista, não traz mais nem menos do que a educação preconizada pelo partido do Governo, na medida em que também tem descurado a educação pré-escolar, que constitui uma preocupação das autarquias e, por vezes,, são elas a assumi-la quase por inteiro.
Por outro lado, o Sr. Deputado também não fez qualquer referência ao problema de saber se a educação pré»escolar se vai manter no âmbito das competências do Governo ou se vai passar para o âmbito das autarquias e era conveniente que esse assunto fosse esclarecido ou ventilado aqui, para sabermos que educação vamos ter, em termos de futuro.
Definir linhas de orientação sem algumas definições concretas é, necessariamente, fácil, mas a impressão com que fiquei foi a de que não trouxe nada de novo a esta Assembleia, a não ser algumas ideias que, realmente, também conhecemos, mas, em termos práticos, não me parece que tenham grande viabilidade.
Posto isto, pergunto ao Sr. Deputado o que pensa em relação à educação pré-escolar e à transferência de algumas responsabilidades, na área da educação, para as autarquias locais.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pereira, começando por responder às perguntas que me fez, quero dizer-lhe que se entende que isto é a «utopia», esta «utopia» é a realidade de hoje e de amanhã, pois ela corresponde, exactamente, aquilo que se vive na maior parte dos sistemas educativos europeus e, infelizmente, não se verifica no nosso.
Em todo o caso, aquilo que referi tem, efectivamente, a ver com exigências que decorrem da nossa Constituição e da Lei de Bases do Sistema Educativo, mas que o PSD, em 15 anos ou em 10 anos de Governo do «cavaquismo», não foi capaz de concretizar minimamente, fazendo com que, em termos de indicadores como aqueles que referi, a nível do pré-escolar, do ensino superior, da inserção na via profissionalizante e do analfabetismo, continuemos na cauda da Europa, como o Sr. Deputado sabe.
Mas se existem ideias neste texto, como o Sr. Deputado me fará a justiça de admitir, há um certo número delas, bem como de princípios, que são efectivamente inovadores. E não serão tão inovadores como isso em termos teóricos, mas, em termos práticos, verificamos que, de facto, não têm tido aplicabilidade. Aliás, por isso mesmo, serviços, como, por exemplo, o Sistema de Apoio Psicológico e de Orientação Escolar, continuam por regulamentar e sem funcionar, o índice de escolarização das crianças oriundas de minorias étnicas ou religiosas é aquele que conhecemos e o mesmo acontece com o índice de escolarização e apoio de crianças com necessidades educativas especiais.
Portanto, ao contrário do que o Sr. Deputado afirmou, é exactamente em nome do País real e da realidade do nosso sistema educativo que a minha intervenção faz sentido, porque uma coisa são os princípios, magníficos, e com os quais, aliás, estamos, basicamente, de acordo, outra coisa é a prática e a aplicação desses princípios.
O Sr. Deputado disse que as escolas estão superlotadas, o que é verdade, assim como também é verdade que há muitas outras que estão a fechar Só que o PSD. em 15 anos, devia ter tido em atenção alguns fenómenos que se verificaram em Portugal, nomeadamente a desertificação do interior e a concentração das populações no litoral, e, tendo em consideração essa realidade, devia ter redimensionado mais adequadamente o parque escolar, ao contrário do que fez.
Ora, as minhas ideias destinam-se exactamente a transformar o ensino básico e o PS saberá desenvolvê-las quando estiver no Governo, explicando e demonstrando que, de facto, o PSD não foi capaz de as levar a cabo.
O Sr. Deputado falou no insucesso, no abandono escolar e nas crianças deficientes, mas sabe, tão bem como eu. que, neste país, a taxa de cobertura das crianças deficientes é de apenas 1/3. Aliás, perguntou-me por algumas realidades que não estejam a ser contempladas e que, na prática, não existam e a verdade é que o insucesso e o abandono escolar continuam a ser uma «chaga» do sistema educativo português, de tal modo que continuamos a ter os indicadores mais elevados, como acontece, por exemplo, a nível do índice de escolarização das crianças com necessidades educativas especiais, pois apenas 1/3 dessas crianças- e são números do Ministério da Educação - cumpre a escolaridade obrigatória.
Em todo o caso, Sr. Deputado Carlos Pereira, quanto a ideias, é preciso ter em consideraçâo o seguinte, na expressão ou na explicitação de ideias também temos de ter em consideração a capacidade dos outros para acompanhar e apreender as nossas ideias.
Sr. Deputado Acílio Gala, se esteve com atenção à minha intervenção, verificou que não incidiu sobre o sistema educativo em geral mas, sim. e apenas, sobre o ensino básico. Ou seja, a minha intervenção destinou-se apenas a definir as medidas que consideramos prioritárias para um ensino básico de qualidade, universal e gratuito.
É verdade que não falei da educação pré-escolar, mas se o Sr. Deputado quiser ter a maçada de consultar o Jornal de Notícias verá que escrevo sobre o ensino pré-escolar, desde há seis semanas consecutivas, e, além disso, já aqui intervim, e continuarei a intervir, sobre essa questão.

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Quanto às competências das autarquias, Sr. Deputado, também defendemos aqui, desde há três anos, a transferência das mais amplas competências para as autarquias. Se há alguém que tenha defendido as mais amplas transferências de competências para as autarquias, esse alguém é, efectivamente, o PS.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do esforço e empenho da quase totalidade dos profissionais da saúde, apesar das constantes críticas de movimentos de utentes e de associações profissionais, a política de saúde do PSD tem conduzido os serviços públicos de saúde a uma degradação progressiva.
No final da era «cavaquista» e apesar da tentativa de branqueamento, por parte do Ministro Paulo Mendo, das consequências da ausência de funcionamento do Ministério da Saúde, a verdade é que não existe, verdadeiramente, um Ministério da Saúde nem uma política nacional de saúde.
Hoje assiste-se a uma luta feroz entre poderosos interesses e influentes lobbies na área da saúde, que disputam a possibilidade de transformarem o sector num negócio lucrativo, à custa do direito constitucional dos portugueses à saúde.
O PSD tem conduzido os serviços públicos de saúde a uma deterioração. progressiva, a uma inadequação crescente de muitos serviços em termos técnicos e organizativos e a uma má administração das unidades de saúde, para confrontar o País com a necessidade da desresponsabilização do Estado e com a privatização da saúde, objectivo fundamental da política liberal do Governo do PSD.
Um exemplo flagrante desta política é a tentativa de privatização da gestão do Hospital Amadora/Sintra e a forma como esse processo tem sido conduzido.
Lembramos a propósito que a construção e o equipamento desta unidade hospitalar destinada a servir meio milhão de habitantes exigiu um vultoso investimento público de 18,160 milhões de contos, no período de 1987/95, o que, a preços actuais, representa um quantitativo claramente superior a duas dezenas de milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estava previsto no concurso de privatização da gestão do Hospital Amadora/Sintra qualquer contrapartida para o Estado pela exploração lucrativa de instalações e equipamentos de tamanho valor, o que é um escândalo...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - .. tanto maior se se tiver em conta que, das propostas apresentadas pelos concorrentes à gestão privada, uma, a da Império, prevê o pagamento anual pelo Estado de 7,5 milhões de contos actualizáveis, e outra, a da CROSS, de 9,4 milhões de contos.
Qualquer dos concorrentes privados propõem-se receber do Estado, anualmente, uma verba superior àquela que é necessária para a gestão pública do dito hospital.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - É a eficácia da privatização da gestão!...

O Orador: - Como agravante, enquanto a gestão pública não prevê exceder 7,9 milhões de contos para uma utilização de 1800 trabalhadores - e acredita-se que, em boas condições, o orçamento poderá ser de apenas 7 milhões de contos -, a Império, por seu lado, prevê o recurso a 1500 trabalhadores, o que pode indiciar um atendimento de menor qualidade aos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
Como se não bastassem estes factos, a data de entrada em serviço deste hospital tem sido condicionada à privatização e escandalosamente atrasada.
Admitida inicialmente para Novembro/Dezembro de 1994, em ligação objectiva com o calendário da privatização da gestão, tudo aponta para que a sua abertura não seja antes do final de 1995, com todas as consequências negativas daí resultantes para a população abrangida.
Não é difícil prever que este hospital público se transforme, pouco a pouco, num prestador de assistência privada, com atendimento público confinado a uma parcela residual de cuidados de saúde de qualidade inferior.
Não é difícil prever o funcionamento de dois tipos de atendimento: um, de primeira classe, de qualidade, para quem opte pelo atendimento particular, e outro, de segunda classe, de qualidade muito inferior para os utentes a quem não resta senão o Serviço Nacional de Saúde.
Não é difícil prever que a promiscuidade do atendimento público e privado coexistentes na mesma unidade, praticados pelas mesmas pessoas, irá levar a entidade gestora a empurrar os doentes do Serviço Nacional de Saúde para o atendimento particular onde os que tiverem possibilidade terão acesso, contra pagamento, à prestação de cuidados de saúde de melhor qualidade.
Não é difícil prever que a privatização da gestão pretendida não é senão um primeiro degrau para a completa privatização deste hospital.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo de privatização dos serviços públicos de saúde está previsto alargar-se a todos os sectores, desde hospitais até centros de saúde, sem que isso resulte da existência de um sector privado, cuja importância social e condições de exercício são reconhecidos por lei.
O processo em curso resulta, sim, da intenção do Governo e do PSD, de destruir o direito dos portugueses à saúde, direito este constitucionalmente consagrado.
As condições estabelecidas pelo Governo para a privatização da saúde são manifestamente lesivas do interesse público.
São criadas condições que conduzirão à saída do Serviço Nacional de Saúde de profissionais altamente credenciados.
São criadas condições, às entidades gestoras, de isenção de obrigações elementares em relação aos postos de trabalho delas dependentes.
O que está em causa é, pois, a continuidade do Serviço Nacional de Saúde.
O PCP reclama uma nova política para Portugal que neste sector garanta o direito à protecção da saúde!

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador. - O PCP reclama uma nova política que garanta um Serviço Nacional de Saúde que verdadeiramente assegure o direito à saúde tal como está constitucionalmente consagrado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

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O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Deputado Luis Peixoto, é sempre um prazer comentar as intervenções que o senhor faz daquela tribuna, porque servem para clarificar ideias.
V. Ex.ª está equivocado, pois uma coisa é a privatização de um estabelecimento de saúde, neste caso a cedência de um hospital a interesses privados - e permita-me que lhe diga, sem levar a mal, que é o contrário do que, a dada altura, fizeram com as nacionalizações, e não é isso que se procura fazer -, e outra coisa é aquilo que poderá, eventualmente, ser feito num ou noutro hospital que é, única e simplesmente, a privatização da gestão hospitalar.
Como V. Ex.ª, certamente, compreenderá, permitir que os privados possam apresentar-se a concurso com. ideias novas, talvez mais inovadoras, sobre a gestão hospitalar, de maneira a que os hospitais sejam mais activos, melhores e prestem melhores serviços, não me parece, de tido algum, que seja de lesa-majestade para os cidadãos.
Desta forma, o Ministro e o Ministério da Saúde ficarão com as mãos livres para poder escolher qual a gestão que melhor interessa ao País, ou seja, uma gestão privada ou uma gestão como a que se usa presentemente nas diferentes unidades hospitalares.
Ora, atendendo a isto, pergunto-lhe o seguinte, será que a V. Ex.ª repugna o facto de novas ideias, mais inovadoras, e, quiçá, melhores que as actuais, virem a ser implementadas nos hospitais portugueses? Dê-me V. Ex.ª um exemplo de uma unidade de saúde que tenha sido entregue a entidades privadas e que tenha sido paga pelo erário público? Será que V. Ex.ª conhece algum hospital ou centro de saúde que, sendo do Estado, tenha passado integralmente para os privados? Se conhece, agradeço-lhe que me diga qual.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim ô desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Em primeiro lugar, quero agradecer ao Sr Deputado António Bacelar as questões que me colocou.
De facto, este problema é importante, pois, tal como eu disse, o que se pode antever desta vontade de privatizar os serviços de saúde é que o que está em causa é a existência de um Serviço Nacional de Saúde de qualidade que sirva as pessoas que dele têm necessidade.
Esta privatização de gestão, que, no nosso entender, não passa de um primeiro passo para a privatização geral, tem algumas questões que não se coadunam bem com outros ramos de actividade. Senão vejamos: como é que o Estado se prepara para entregar a um privado a exploração de um equipamento que custou ao erário público mais de 20 milhões de contos? Não me consta que isso aconteça em qualquer outro ramo de actividade: por exemplo, quando um padeiro quer montar uma padaria, o Estado não lhe dá a padaria já feita, dizendo-lhe: «tome lá, explore-a de graça!...»; quando uma empresa industrial se instala Hão me consta que o Estado dê a empresa já construída a qualquer privado para a explorar... Então, porque é que em termos de saúde vai agora oferecer-se a um privado um equipamento de 20 milhões de contos já preparado para funcionar e ainda se lhe dá, curiosamente, mais dinheiro por ano do que aquele que é necessário à gestão pública para explorar e pôr a funcionar uma unidade de saúde?...
Esta questão é importante e prende-se com outra que tem a ver com a privatização que se pretende fazer e com a forma como se pretende pôr a funcionar este mecanismo. Aliás, eu sempre critiquei - e, certamente, o senhor lembrar-se-á disso - a existência de um sector público e outro privado a funcionar dentro do mesmo edifício com as mesmas pessoas! Tenha paciência, mas não concebo que isto possa funcionar sem que a parte privada não tenha tendência a absorver os doentes da parte pública e cobrar-lhe por um atendimento melhor, conduzindo o serviço público a uma menor qualidade Para terminar, direi que estamos já a ver as consequências desta vontade privatizadora. Por exemplo, o Hospital da Amadora/Sintra está pronto para ser inaugurado e funcionar, mas não se sabe, neste momento, quando é que isso vai acontecer com todo o prejuízo que isto traz para a população. Pensa-se em finais de 1995. mas, uma vez que aquela necessidade de inaugurações na altura das eleições já passou para o PSD, agora que o vosso líder voltou as costas..

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Mentira!

O Orador: - .. talvez não seja assim. Como, provavelmente, as eleições não serão em Outubro, nem sequer está garantido que a abertura desta unidade hospitalar, a manter-se a tal ideia de gestão privada, se faça ainda em 1995, isto em prejuízo de toda a população abrangida por este hospital, que é de mais de 500 000 pessoas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Filipe.

O Sr. Nuno Filipe (PS)- - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Falar do nosso país é evocar a nossa memória colectiva, lembrar a nossa História Portugal, e orgulhamo-nos disso, tem um património histórico-cultural dos mais importantes da Europa.
A História de Portugal registou acontecimentos notáveis desde o princípio da nacionalidade que tiveram consequências extremamente positivas no saber e na cultura dos povos.
Mas se a nossa História assinala períodos e acontecimentos extremamente exaltantes, como é o caso do dos Descobrimentos, também é verdade que ela invoca outros que revelam erros graves de governação e de orientação política.
A este propósito achamos importante relembrar momentos que poderiam ter sido decisivos para a nossa Pátria e que, no entanto, deixaram marcas inapagáveis de frustração colectiva e de revolta popular.
Recorde-se, por exemplo, o século XVI com todas as riquezas vindas do Oriente, como foi o caso das especiarias, principalmente a pimenta.
Essa enorme fonte de riqueza que então chega a Lisboa, foi esbanjada por uma nobreza sem perspectivas económicas, sem motivações de desenvolvimento e caracterizada pelo parasitismo de uma vasta clientela aduladora, corrupta e ávida de poder, que não permitiu qualquer investimento na produção da riqueza nacional, de modo a constituir-se uma estrutura económico-social sólida, quer no comércio quer na agricultura e. ainda, na indústria.
Com Vasco da Gama, acedemos, nessa época, aos produtos do Oriente, abrimos novas rotas comerciais, que enriqueceram e desenvolveram a Europa, criando novos horizontes na Ciência e na Cultura dos povos de todo o Mundo.
Portugal, é certo, teve o mérito dessa grande epopeia da História Moderna, infelizmente, porém, pouco mais nos restou do que a glória e fama de um povo generoso e destemido que deu «novos mundos ao Mundo».
Na verdade, fomos nessa época os transportadores de enormes riquezas, sem contudo saber fixá-las neste nosso rectângulo «à beira-mar plantado».

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O período seguinte, o chamado ciclo do açúcar e do ouro do Brasil, caracterizou-se por fabulosas riquezas e pela mão-de-obra escrava. Mas da administração desse período culminando com D. João V restou-nos o Convento de Mafra e algumas obras de arte dignas de admiração, no entanto, não conseguimos aproveitar o enorme potencial do açúcar e do ouro do Brasil nem da mão-de-obra sem preço.
A causa deste desperdício histórico radica em razões idênticas ao período que atrás referi: um clientelismo parasitário, uma governação desastrosa e uma ânsia de poder que voltam a deixar Portugal na penúria. Os mesmos erros, os mesmos vícios!
Depois, e dando um salto no tempo, chegamos ao princípio do nosso século com os republicanos e o povo entusiasmado, convencidos de ser possível quebrar o enguiço histórico e construir um Portugal renovado. Porém, outros erros, novos vícios, se evidenciaram e as esperanças criadas em Outubro de 1910 foram mortas quase à nascença pelo chamado Estado Novo, protagonizado pelo ditador e ideólogo do regime. Não obstante a II Guerra Mundial e todos os problemas por ela causados, enquanto o resto da Europa se desenvolvia a um ritmo acelerado, ocupando o lugar da frente na ciência e no progresso, nós definhávamos numa apagada e vil tristeza do «orgulhosamente sós».
Sr. Presidente, Srs. Deputados, eis-nos, chegados que fomos ao último quartel do século XX. Aconteceu Abril. Surgiu a esperança. Os sonhos acalentados ao longo dos anos iam tornar-se realidade. Vemos novamente um povo levantado e cheio de esperança que, com generosidade e determinação, sai para as ruas e ajuda a consolidar um regime democrático que lhe vai permitir a integração numa Europa contraditória, é certo, mas desenvolvida e democrática: a Europa dos «Fundos Comunitários» que, nestes últimos dez anos, fez cair aqui em catadupa, milhões e milhões de contos. Verbas astronómicas, deveriam, com certeza, ter sido aplicadas em obras rodoviárias mas também, e sobretudo, no tecido produtivo, na educação e na ciência, isto é, na criação de bases sólidas para a superação de debilidades estruturais e seculares crónicas, de modo a quebrar o tal enguiço, e decididamente, alcançarmos o patamar do progresso, do desenvolvimento e do bem-estar.
Infelizmente, tal não aconteceu. Uma conjuntura excepcional foi esbanjada, com velhos erros a juntar a novos vícios, que impediram a inovação e a construção de um Estado moderno, de uma sociedade mais justa e fraterna, que os portugueses já deram provas de ter desejo e capacidade para realizar. Este Governo, esta maioria, que agora chegam ao fim, também eles criaram uma clientela parasitária que reproduziu a corrupção e a incompetência, agora mais evidente e apurada. Foi o tempo dos novos-ricos e dos gastos sumptuosos, do enriquecimento a qualquer preço, sem esforço, na aquisição de património, sem riscos, na tentativa de um protagonismo histórico e de uma imagem de glória indevida e ridícula.
A História, infelizmente, repetiu-se. A doença alastrou de tal modo que, a não serem tomadas providências imediatas, ficaremos mais perto do Terceiro Mundo do que da Europa desenvolvida e democrática, em que estamos integrados. A demagogia, a incapacidade e a má gestão do erário público fizeram com que não se aproveitassem os montantes fabulosos canalizados na última década para o nosso país. Em vez de progresso, justiça social, e bem-estar, encontramo-nos muito pior, nalguns casos, do que há dez anos atrás.
A economia está doente, com sectores totalmente paralisados. Veja-se o caso de uma agricultura com campos abandonados e incultos, com uma população envelhecida
e desesperada. Olhe-se para um património florestal desaproveitado e destruído por incêndios sucessivos. Reflexo da ausência de uma estratégia de desenvolvimento agrícola, 'ausência de ordenamento florestal, ausência de repovoamento das espécies originárias e dificuldade de acessos. A indústria, a não ser um ou outro sector, encontra-se anémica ou agoniza num processo dramático de falências sucessivas, sobretudo em relação às pequenas e médias empresas. A educação não tem bússola e tem sido o sucesso do insucesso, já que cada Ministro tem tido a originalidade de desfigurar uma Reforma que nunca deu frutos.
Na saúde, é a doença da aflição dos portugueses em bichas intermináveis, que desesperam, quantas vezes mais dum ano, pela consulta da especialidade ou pela intervenção que, nalguns casos e tragicamente, já não é necessária. A Administração Pública é quase o caos instalado, com a dança das obras e constante mudança de instalações. E a dança das chefias, também: são dispendidas enormes verbas, comunitárias também, que não resultam, já que não conseguem colmatar as graves deficiências em sectores fundamentais, como é o caso da Administração Fiscal, da Segurança Social e dos Hospitais.
Temos obrigatoriamente de quebrar o fatalismo do País adiado. Nós, PS, não nos conformaremos. As portuguesas e os portugueses também não. Por isso, o que foi a actual maioria tem os próximos anos para se redimir e reconhecer com humildade os erros e o mal que fez, e depois, então, ajudar a construir um País renovado e orgulhoso da sua História. Os portugueses alimentam a esperança. Darão, por certo, voz à razão e começarão, de novo, a acreditar ser possível recuperar o tempo perdido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs Membros do Governo, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, o primeiro ponto da ordem do dia é a apreciação da proposta de resolução n º 88/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo relativo aos Privilégios, Isenções e Imunidades da Organização Internacional de Satélites Marítimos (INMARSAT).
Para fazer a apresentação, sintética, do relatório elaborado pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tem a palavra o Sr. Deputado relator Carlos Oliveira.

O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs Deputados, esta proposta de resolução é similar, nos seus objectivos, motivações e considerações, aos protocolos relativos a privilégios, isenções e imunidades que foram apresentados e aprovados para ratificação pela Assembleia da República há dois meses atrás. Foram esses protocolos relativos à EUTELSAT, Organização Europeia de Telecomunicações por Satélite, à INTELSAT, Organização Internacional de Telecomunicações por Satélite, e à EUMETSAT, Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos. Por isso, não traz nada de novo a esta Câmara; é, simplesmente, o alargamento de um conjunto de isenções que já se aplicam a estas organizações internacionais a mais uma do mesmo cariz.
Portugal é signatário da Convenção relativa à Organização Internacional de Satélites Marítimos, INMARSAT, e

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é nos termos desta Convenção que Portugal e as restantes partes signatárias se comprometeram a concluir e aprovar este protocolo conferindo privilégios e imunidades à INMARSAT e aos seus funcionários por forma a facilitar a realização dos objectivos da organização e a assegurar o eficiente desempenho das suas funções.
As principais isenções e imunidades deste protocolo são seis em primeiro lugar, obriga as partes a conceder à INMARSAT, nos seus territórios respectivos, imunidades de jurisdição e execução no exercício das suas actividades oficiais, segundo, um tratamento não menos favorável do que é concedido a outros organismos intergovernamentais similares no que respeita às suas comunicações oficiais; terceiro, a conceder à INMARSAT isenções respeitantes a aspectos tributários; quarto, a conceder à INMARSAT privilégios específicos para as partes, signatários e membros do pessoal, director-geral e peritos; quinto, este protocolo regulamenta a resolução de litígios, nomeadamente através da arbitragem; e sexto, e último de salientar, isenta a INMARSAT da sujeição do segmento espacial da INMARSAT a buscas ou a qualquer outra forma de medida administrativa ou judicial provisória e à requisição, penhora, confisco, expropriação, assento ou qualquer outra espécie de execução administrativa ou judicial.
Para finalizar. Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas dois pontos, não se antevê qualquer envolvimento de meios financeiros e humanos por parte do Governo português, tendo a companhia portuguesa Rádio Marconi, na sua qualidade de signatária do acordo de exploração, assumido a responsabilidade dos encargos derivados do presente protocolo, e a ratificação deste protocolo por Portugal não implica a necessidade de legislação complementar, não havendo também necessidade de revogação de qualquer diploma em vigor.
Nestes termos, a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação foi do parecer que a proposta de resolução estava em condições de subir a Plenário, reservando os diversos partidos a sua posição para o momento da votação.
Sr. Presidente, se me permite, aproveito para apresentar desde já a posição do meu grupo parlamentar, que será favorável à ratificação deste protocolo, uma vez que ele contribui para o prosseguimento com maior liberdade e isenção do interesse público do INMARSAT, que Portugal subscreveu ao assinar e ratificar a Convenção. E também porque, através desta organização. Portuga] tem acesso à utilização de tecnologia e a um conjunto de benefícios que não seria possível conseguir por si só ou em qualquer outra organização internacional com os decorrentes benefícios para as suas populações e para o desenvolvimento tecnológico de Portugal.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação.

O Sr. Secretário de Estado da Habitação (Carlos Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, tal como acaba de ser exposto, Portugal é parte na Convenção relativa à Organização Internacional de Satélites Marítimos, INMARSAT, como signatário do acordo de exploração, desde a primeira hora e tem participado activamente, em todos os trabalhos desta organização.
A Companhia Portuguesa Rádio Marconi, como foi afirmado, é a entidade designada pelo Governo português para signatária do mesmo e está envolvida, naturalmente, em todos os projectos que, neste momento, se desenham no horizonte como forma ele cobertura global do nosso globo com telecomunicações marítimas eficazes para acompanhamento da navegação. Perspectiva-se para o final deste século e início do próximo uma rede global eficaz de acompanhamento por satélite em que Portugal quer ter a sua participação. Até ao momento, a Companhia Portuguesa Rádio Marconi tem assegurado essas ligações através de instalações privativas, de forma que este protocolo tem mais o alcance de manifestar a vontade de o nosso país acompanhar, em termos de implantação da organização a nível mundial, e predispor-se a participar de forma igualmente aberta nas organizações que, porventura, a implantação do sistema venha a implicar para o nosso país, captando essa colaboração.
Como foi salientado, os protocolos e imunidades são idênticos aos das outras organizações de satélite e penso que, não trazendo nenhuns encargos imediatos para o País e para a empresa, têm o valor inestimável de afirmar a nossa colaboração eficaz e acesso a tecnologias cuja implementação imediata se espera para este sector. Pedimos, portanto, a ratificação deste protocolo que poderá trazer benefícios às telecomunicações e empresas do País.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs Deputados, queria colocar uma questão relacionada com a proposta de resolução em si, que, no seu artigo único, contém um conjunto de reservas em relação à ratificação proposta para o protocolo. Questão esta que se prende com alguma flutuação nas posições do Governo relativamente às reservas que coloca nestes últimos protocolos, designadamente do EUTEL-SAT, do INTELSAT e do EUMETSAT, e agora neste, do INMARSAT. Porque, se há alguma constância nas reservas que se formulam quanto à isenção de impostos directos sobre actividades oficiais ou autorizadas, bens e rendimentos destas organizações, na medida em que o Estado português se reserva o direito de classificar essas actividades para fins fiscais, há, pelo menos, uma reserva que, neste momento, desapareceu e que é a que se refere à arbitragem de questões que ocorram entre as organizações e as partes, neste caso, as que possam ocorrer com o Estado português quanto à competência que Portugal possa reconhecer aos seus tribunais em matéria tributária.
Portanto, gostaria de conhecer qual a razão que levou o Governo, neste protocolo específico, a retirar a reserva formulada nos três anteriores cuja matriz, como é do nosso conhecimento, é comum em termos de formulação.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Habitação.

O Sr. Secretário de Estado da Habitação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, normalmente, a índole das reservas prende-se com a própria aplicação e conteúdo das respectivas convenções. Ora, como tive ocasião de referir, embora de matriz idêntica e tratando-se de organizações com a mesma filosofia, não podemos deixar de caracterizar a INMARSAT, apesar de tudo, como uma organização onde a dimensão dos problemas não colocou esse tipo de reservas.
Entendemos que é preferível, quando não há justificação para formular reservas à convenção e ao protocolo geral, reduzi-las apenas àquilo que poderá ter relevância

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no futuro Essa foi a razão pela qual entendemos que carecia de interesse e sentido fazer essa reserva.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Lamento que, sempre que o Sr. Secretário de Estado da Habitação se desloca a esta Assembleia, fuja as questões que lhe são colocadas. Realmente, podia ternos explicado por que é que, nos protocolos anteriores, colocou reservas não o tendo feito neste mas compreendo que, por vezes, seja difícil ocultar os caprichos dos funcionários e justificar a diferenciação entre as traduções do Instituto das Telecomunicações e as da Procuradoria-Geral da República. Enfim, trata-se daquelas deficiências que não é possível ultrapassar sobretudo quando se assume a defesa corporativa de alguns interesses instalados, neste caso, provavelmente os da Rádio Marconi.
Sr Presidente e Srs Deputados, está em causa mais um protocolo relativo a uma organização internacional de satélites, o qual constitui, especificamente, um elemento viabilizador do sistema de transportes marítimos e, a meu ver, um instrumento importantíssimo em matéria de comunicações, de ajuda à navegação e poderá permitir, futuramente, desenvolvimentos insuspeitados no capítulo do controlo e gestão do tráfego marítimo e das actividades marítimas em geral.
Daí a importância da criação de condições para o funcionamento da organização que suporta este sistema, neste caso, a INMARSAT, em especial através da garantia de uma exploração autónoma e económica quer do segmento espacial quer das delegações e estabelecimentos que seja necessário implantar nos diversos países.
O protocolo que hoje é objecto de discussão tem uma matriz idêntica à dos outros já referidos e pouco mais haverá a dizer. No entanto, gostava de fazer uma observação relativa ao reforço da tendência para a extraterritorialidade configurada na previsão desta nova organização poder vir a dispor de uma fiscalidade própria aplicável ao seu pessoal, que assim ficaria liberto desta e de outras obrigações como, por exemplo, a da prestação de serviço militar, ambas de carácter nacional.
O Governo português manteve aqui a sua atitude de reserva, a exemplo do que já tinha feito - a meu ver bem - nos casos anteriormente citados. De facto, torna-se necessário clarificar os objectivos destas organizações internacionais, tendo em consideraçâo o contexto de harmonização fiscal que se vem afirmando no interior dos principais blocos políticos e económicos, pois, de outra forma, podemos não estar a fazer mais do que homologar diferenciações e privilégios para uma sucessão de «novas Romãs».
O segundo comentário é relativo ao objecto da exploração da INMARSAT. São conhecidos os problemas que ainda se levantam com as dificuldades técnicas, a fiabilidade e o elevado custo das comunicações internacionais com navios no alto mar, que estão na base da síndroma de isolamento e da correspondente autonomia que, normalmente, se concede à navegação.
Ora, o pleno funcionamento de um sistema internacional de satélites vai alterar muito significativamente esta solução, eliminando barreiras técnicas e económicas à comunicação e viabilizando alguma interactividade nas redes de exploração dos navios. Esta oportunidade de modificar o ambiente da exploração dos meios marítimos não pode ser ignorada por Portugal, sob pena de se acentuar ainda mais a tendência para a redução da nossa presença no mar.
Que o próximo Governo - porque deste já não há muito mais a esperar - não se fique pela ratificação do protocolo e desenvolva projectos de investimento na área da navegação apontando para a introdução destes novos meios é o meu melhor desejo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Srs Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate da proposta de resolução n.º 88/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo relativo aos Privilégios. Isenções e Imunidades da Organização Internacional de Satélites Marítimos (INMARSAT).
Vamos iniciar a discussão da proposta de lei n.º 119/VI - Autoriza o Governo a rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O chamado «ilícito de mera ordenação social» surge formalmente em Portugal com o Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho, embora os seus antecedentes legislativos e doutrinários sejam, como é natural, muito anteriores.
Legislativamente, pode afirmar-se que as contra-ordenações vêm ocupar o lugar que, tradicionalmente, tem cabido às contravenções e estas, por sua vez, são já ponto de chegada de uma longa evolução na confluência entre o direito sancionatório público e a actividade da Administração.
As contra-ordenações não são assim, novidade enquanto infracções; a novidade está no regime que para elas foi recentemente criado, regime este que representa, em certa medida, a explicitação, em texto de lei, do pensamento elaborado sobre a matéria a partir de Eduardo Correia e desenvolvida por Figueiredo Dias, Costa Andrade e Faria Costa, entre outros.
São as seguintes ideias-força que estão na origem do novo regime: a necessidade de «purificar» o direito criminal, aliviando-o do sancionamento de comportamentos sem «ressonância ética», mas cuja punição eficaz corresponderia a uma necessidade crescente num Estado intervencionista; a invocação de uma diferente natureza destas infracções, tornando legitíma a possibilidade de serem sancionadas pelas autoridades administrativas mediante um tipo de sanção que nunca esteja associado à prisão - a coima, prestação pecuniária e, por esse motivo, distinta da multa criminal.
O retendo Decreto-Lei n º 232/79, de 24 de Julho, publicado pelo então Ministro da Justiça Eduardo Correia, revela a influência do texto legal germânico. O facto de este primeiro diploma ter surgido alguns anos antes de o Código Penal ter chegado à versão em que viria a ter força de lei acentuou algumas deficiências do sistema não corrigidas devidamente com o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Agora, cerca de 13 anos após a aplicação deste diploma e seis anos volvidos sobre as alterações pontuais introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, afigura-se indispensável uma intervenção legislativa que, sem afectar os alicerces do edifício em que assenta o ilícito de mera ordenação social, permita aperfeiçoar a lei-quadro das contra-ordenações e adaptá-la à evolução social e normativa entretanto registada.
Podem sintetizar-se em três as preocupações fundamentais que enformam a proposta de lei de autorização legislativa: por um lado, é conveniente reforçar a eficácia do sistema punitivo das contra-ordenações, ao mesmo tempo,

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impõe-se reforçar as garantias de defesa efectivas dos arguidos perante o exercício do poder sancionatório das autoridades administrativas; por último, ensaia-se um esforço no sentido da introdução de maior clareza e rigor na redacção do diploma.
A cada vez mais abundante legislação em matem» de contra-ordenações demonstra a importância hoje atribuída ao respectivo sistema Assim, é compreensível a atenção de que é merecedora a eficácia deste quadro sancionatório. Tal atenção vem desenvolver-se, entre outras, nas seguintes alterações: antes de mais, devem ser actualizados os limites das coimas, tendo em consideraçâo que não sofreram alteração desde 1989, do mesmo passo, devem, adaptar-se, designadamente, os montantes relevantes em sede de prescrição do procedimento e da coima, da admissibilidade de recurso das decisões judiciais e da revisão das decisões condenatórias, bem como da laxa de justiça.
Tem particular importância a inovação a introduzir no tratamento do concurso das contra-ordenações A actual lei pune o concurso ideal mediante a absorção das diferentes coimas pela coima mais elevada das aplicáveis às infracções praticadas. Em contrapartida, é omissa quanto ao concurso real, o que tem ocasionado divergências na doutrina e alguma perplexidade na jurisprudência.
A solução proposta consiste em equiparar o regime instituído para a pluralidade de contra-ordenações praticada mediante um único ou mediante vários factos, consagrando em ambos os casos um cúmulo jurídico das coimas. Além de se afastar o regime - reconhecidamente ineficaz do ponto de vista preventivo- da absorção, elimina-se a desarmonia consistente em não equiparar, ao contrário do Código Penal, o concurso ideal ao concurso real.
Condição imprescíndivel do novo sistema é a introdução de um limite máximo específico que não pode ser ultrapassado nos casos de concurso, à semelhança do que acontece no concurso de crimes.
É de destacar, por outro lado, a alteração no período de ponderação do benefício económico retirado da contra-ordenação, de modo a incluí-lo entre os critérios gerais de determinação da medida da coima e, em especial, a permitir que ele possa funcionar como circunstância qualificativa, elevando o limite máximo da coima sempre que esta seja inferior ao benefício retirado Naturalmente, estabelece-se uma limitação - na circunstância, um terço do limite máximo legalmente estabelecido - para a agravação possível da Coima.
No que toca ao regime do pagamento voluntário, deve sublinhar-se que é de evitar a sua utilização como um mero custo corrente para os agentes económicos. Assim, embora o instituto assuma uma função defensável - a redução de custos processuais por parte da Administração -, e que justifica a sua manutenção, deve esclarecer-se que a sua admissão não afasta a possibilidade de aplicação de sanções acessórias.
Não menos relevante do que a preocupação de eficácia, é o reforço das garantias de defesa dos arguidos. Com a multiplicação da atribuição de poderes sancionatórios a diversas autoridades administrativas e com a cominação, em certos casos, de coimas de montantes elevados e de sanções acessórias especialmente significativas, é um imperativo do Estado de Direito a inerente concessão de um nível suficiente de garantias para os arguidos. Nesta linha, bem se compreende o esforço no sentido da fixação de pressupostos rigorosos para a aplicação das sanções acessórias, o que passa, além do mais, pela exigência de uma conexão entre a sanção a aplicar- que se traduz sempre numa restrição da livre condução da vida pelo agente - e a contra-ordenação praticada.
Constitucionalmente consagrado, o direito de audição e defesa do arguido nas contra-ordenações deve ser mais explicitamente concretizado ao nível da legislação ordinária.
Afigura-se indispensável, por outro lado, proceder ao alargamento dos prazos de impugnação judicial da decisão de aplicação da coima e das sanções acessórias bem como do recurso da decisão judicial Tais alterações, a par da proibição da reformativo meios da constituição seguramente um passo significativo no sentido de tornar mais efectiva a garantia constítucional de apreciação jurisdicional dos actos sancionatórios da Administração.
Obedecendo à mesma ordem de preocupações, são de destacar a intensificação do dever de fundamentar a decisão condenatória e a eliminação da possibilidade de detenção para identificação em caso de flagrante delito. A tentativa de proceder à clarificação da redacção de diversos preceitos legais onde o regime neles estabelecido redundará quer num acréscimo da eficácia do sistema quer numa maior acessibilidade dos cidadãos e dos aplicadores do direito às regras que nela se estabelecem.
A este nível, é de referir, por exemplo, a necessidade de aperfeiçoar ou clarificar as regras sobre a atenuação especial da coima em caso de tentativa e de cumplicidade, sobre a apreensão (distinguindo-a da perda, como sanção de natureza definitiva), sobre a competência territorial das autoridades administrativas e do tribunal, sobre a retirada do recurso e da acusação, sobre a ausência do arguido na audiência ou sobre a execução das sanções.
De um ponto de vista formal, opta-se por manter inalterada a estrutura do diploma bem como a numeração actual do articulado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados' A aprovação por esta Câmara do presente pedido de autorização legislativa é mais um marco muito significativo para a edificação de uma verdadeira política criminal por parte do Governo.
Para além da revisão do Código Penal, da aprovação da nova Lei de Combate à Droga, da Lei de Combate à Corrupção, ao diploma que prevê a fixação de indemnização às vítimas de crimes violentos, à criação de um Serviço de Intervenção Social de Justiça, que passou pela reestruturação profunda do Instituto de Reinserção Social, à criação, que se operará dentro de dias, do Instituto Nacional de Criminologia, acresce o presente diploma que e, a nosso ver, o meio idóneo para tornar particularmente operativo o sistema contra-ordenacional português.
Estamos em crer que muno foi feito, partindo de uma visão coerente e sistémica como forma de abordar a política criminal nos seus diversos vectores, sendo de elementar justiça realçar que, nesse esforço, Governo e Assembleia da República foram os principais obreiros da política encetada.
(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, gostava de formular-lhe duas questões.
Em primeiro lugar, a alínea s) do artigo 3.º da proposta de lei limita-se a dizer que o Governo pede autorização para «Rever as regras processuais aplicáveis à impugnação judicial da decisão administrativa ..». Em que sentido? Até onde? Com que extensão?
A alínea u) do mesmo artigo fala em «Aperfeiçoar as regras sobre a revisão das decisões judiciais transitadas em

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julgado e das decisões administrativas definitivas». Em que sentido? Com que extensão?
Na alínea x) lê-se «Rever as regras sobre o processo de apreensão...» e na z) «Aperfeiçoar o regime da execução ..». Mas em que sentido? Com que extensão?
O mesmo se diga em relação à alínea aã) do mesmo artigo 3.º referente ao aperfeiçoamento das regras sobre custas e taxa de justiça.
Não lhe parece. Sr. Secretário de Estado, que, prevendo a Constituição que a Assembleia da República deve estabelecer o regime geral das contra-ordenações, esta autorização legislativa não obedece a esse requisito?
Por outro lado, a alteração proposta em relação à punição do concurso ideal e real das contra-ordenações é, em minha opinião, profunda, prevendo-se a acumulação de todas as coimas (é claro, existe um limite, mas também seria uma medida brutal não estabelecer qualquer limitação) quando, hoje, o regime e diferente. Pergunto, não poderá aproximar-se tal alteração, pela operosidade que acarreta e pela medida concreta da punição- que poderá ser muito grave -, de uma sanção criminal?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, começo por agradecer as perguntas que me fez, no sentido de saber se este pedido de autorização legislativa contém os requisitos constitucionais, nomeadamente a extensão preconizada na Constituição da República. Pensamos que sim, até porque, conforme dizem os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, quando se trata de instituir o regime geral - no caso do ilícito de mera ordenação social, a reserva da Assembleia da República, constante do artigo 168.º da Constituição, não é uma reserva absoluta, em que tenha de ser efectuada pela Assembleia da República toda a alteração legislativa -, é apenas necessário trazer ao conhecimento da Assembleia da República as grandes linhas, as traves-mestras, enfim, como diz a lei, o regime geral desse ordenamento jurídico que regula o sistema contra-ordenacional. Sendo assim, pensamos que numa perspectiva técnico-jurídica, se quiser, este pedido de autorização legislativa está correcto, está adequado.
Sr.ª Deputada Odete Santos, quanto à questão de saber como se altera o processo ou a marcha do processo no tocante à impugnação judicial da decisão administrativa, devo dizer que, de acordo com o ponto i) da alínea s) do artigo 3.º, a presença e intervenção do arguido só em certos casos pode ser dispensável, que o arguido pode ser acompanhado, e em certas situações é acompanhado obrigatoriamente de defensor oficioso, e que o Ministério Público tem de estar presente.
O sistema actual é facultativo, mas o sistema proposto é...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas isso não está na proposta de lei!

O Orador: - Está o ponto i) da alínea s) do artigo 3.º diz: «Presença e intervenção do arguido, do Ministério Público e das autoridades administrativas na audiência».
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas a alínea s) diz: «Rever as regras processuais aplicáveis à impugnação judicial da decisão administrativa, especialmente as respeitantes a:...».

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, se me permite, repito O ponto i) da alínea x) do artigo 3.º diz «Presença e intervenção do arguido, do Ministério Público e das autoridades administrativas na audiência». Portanto, e o processo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas na alínea s) tem o «rever».

O Orador: - Nessa alínea também está prevista a «competência do Ministério Público para promover a prova». Hoje, como sabe, e o juiz - e mal - quem tem esta competência. E também está prevista a possibilidade de o Ministério Público retirar, em certas situações que não estão obviamente especificadas, a acusação e interpor recurso.
Por outro lado. relativamente à questão que colocou, o pedido de autorização legislativa também prevê a possibilidade da impugnação extraordinária, quando, na alínea i), diz: «Prever as regras sobre o processo de apreensão e respectiva impugnação, bem como sobre a impugnação extraordinária da perda» O que se fez é, sobretudo, clarificar, porque no texto legal actual há uma grande confusão entre «apreensão» e «perda». Como todos sabemos, «apreensão» e uma medida provisória, enquanto que «perda» será uma medida definitiva.
Portanto, no texto do decreto-lei, no caso de este pedido de autorização legislativa merecer a aprovação desta Câmara, serão clarificados esses conceitos. Logo. o pretendido no decreto-lei que vier a ser aprovado na sequência deste pedido de autorização legislativa, para além dos pontos que referi, é uma clarificação, e uma nova reformulação de muitos artigos do presente decreto-lei, que estão em completa desconexão com o ideário pressuposto ou ínsito no Código Penal.
Aproveito para dizer-lhe. Sr.ª Deputada - respondendo agora à sua segunda pergunta -, que também em toda aquela temática que tem a ver com o concurso real, com o concurso ideal, etc., se seguiu, de uma fornia bastante linear, uma grande aproximação a estes institutos previstos no Código Penal, onde se sentiam, e disso dava conta a doutrina e jurisprudência, algumas distorções, para não dizer bastantes desvios, àquilo que hoje se entende como pacífico por concurso real e concurso ideal e pela forma de puni-los pelo cúmulo jurídico.
Portanto, houve, de facto, uma grande preocupação de articulação com o Código Penal e penso que a Assembleia, depois de ter acesso ao decreto-lei, poderá constatar que essa foi de facto a intenção fundamental desta revisão da lei.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Permita-se-me aqui esta pequena intervenção «oficiosa», porque é de facto isso, mas calhou-me hoje fazê-la! Não trago toga. peço desculpa, mas penso que isso passará!
Sr. Secretário de Estado, começo por saudá-lo e dizer o gosto que lenho em vê-lo aqui várias vezes.
Sr. Secretário de Estado, dá-me ideia de que este pedido de autorização legislativa do Governo tem um ar de quem faz um gesto, enfim, ars gratia artis, e suspeito que com o prazo de 90 dias, que e a duração da presente autorização legislativa, V. Ex.ª não tem tempo para legislar.

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Em meu entender, era mais tempo de fazer o balanço do Ministério da Justiça dos últimos 10 anos! Talvez isso Fosse mais oportuno do que estar aqui agora, com um pedido de autorização legislativa, que é, sem dúvida, pertinente e se justifica, mas que, suspeito, V. Ex.ª não vai ter tempo de elaborar, em especial estando ainda apenas no domínio dos princípios.
Lamento dizer-lhe, mas confirmaram-se os receios que tínhamos há uns anos atrás, suponho que há sete ou oito anos, quando o Sr. Ministro da Justiça veio à Assembleia da República apresentar o seu plano. Nessa altura, receámos que o Governo não fosse capaz de levar à prática os desígnios ambiciosos e justos que tinha.
Os tribunais estão piores do que estavam! No mínimo, estão iguais, mas penso que estão piores, e o Sr. Secretário de Estado sabe isso tão bem quanto eu. Infelizmente, nada melhorou! Os atrasos judiciais agravaram-se. A falta de pessoal e as más condições do serviço agravaram-se. Os outros serviços do Ministério da Justiça mantêm-se graves, e posso dizê-lo com conhecimento de causa.
É inaceitável que, por exemplo, na Conservatória dos Registos Centrais demorem dois e três anos para darem resposta a questões de preceito. Um caso concreta e singular: um cidadão português emigrado na Argentina durante 20 anos, onde casou, mas não teve o cuidado de casar no consulado português. Regressou a Portugal definitivamente, casado e com filhos, e há três anos que espera, para regularizar a sua situação, que a Conservatória dos Registos Centrais emita cédulas pessoais dos filhos e certidão de casamento, para poder provar que a mulher, de nacionalidade espanhola, está em Portugal com legitimidade. Isto é inaceitável' Não há razão alguma - nenhuma! - quo justifique que um serviço público demore três anos a dar resposta a uma questão de preceito Ainda se tivesse sido necessário fazer investigações, diligências para a obtenção de provas, mas nada! O processo foi instruído na conservatória do registo civil da residência do requerente, seguiu para a Conservatória dos Registos Centrais e aqui não foi pedido qualquer esclarecimento, qualquer documento complementar! Porém, aquela família espera há três anos, sem qualquer indemnização nem pedido de desculpa. A resposta já veio de facto, após uma intervenção junto do Ministério da Justiça, mas veio seca, em duas linhas, sem o dever mínimo de dizerem «Lamentamos o atraso»!
É este o estado do Ministério da Justiça.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - E intolerável!

O Orador: - Assim se passa nas conservatórias dos registos prediais, nos cartórios notariais...
O Governo tem agora um projecto que considero inaceitável - e esta não é a opinião comum no meu partido -, que e o de ir mexer no que está bem. Contudo, trata-se de uma questão técnica e não política nem ideológica. Se, em Portugal, há um serviço público que mereça credibilidade é exactamente o serviço dos cartórios notariais, O que está em causa é, às vezes, a afluência a esse serviço Então, crie-se mais cartórios notariais. Por que é que se há-de alterar, de forma substantiva, um serviço que merece credito?! Não tem uma imagem degradada. Nunca teve! Os notários merecem crédito público, funcionam com crédito público, os senhores vão privatizar. Vão privatizar para quê?! Será que isso vai melhorá-los? Vai melhorá-los em quê?! Sc o problema tem a ver com atrasos, com demoras, devido à afluência excessiva, aumentem-se o número de cartórios notariais. Não precisamos de notários a auferirem 1400 contos/mês de reforma. Podem ler 700 contos! Podem ter os ordenados faustosos dos Deputados, que bem lhes chega!

Risos do PS e do CDS-PP

Mas não! O Governo mantém o numeras clausus de cartórios notariais, porque a pressão é essa, e, então, vai fazer a privatização, mas estou a desviar-me do debate. Penso que V. Ex.ª e o Sr. Ministro deviam vir aqui requerer um inventário, deviam transmitir a herança com benefício de um inventário É que temos de saber o que é que os senhores fizeram, porque, de facto, devem estar muito envergonhados com o pouco que produziram em relação ao que prometeram.
Passando à proposta de lei, devo dizer que ela e boa, com certeza. E digo isto porque a legislação em vigor - e o Sr. Secretário de Estado conhece-a melhor do que eu, porque, certamente, a estudou atentamente - é, de facto, uma coisa... Enfim, não sei quem a escreveu, mas pergunto-me se o que está escrito é português, porque não percebo. Tem uma linguagem. Parece ter sido escrito por alguém educado em Heidelberg e que deve falar alemão, pois põe o sujeito no princípio e o predicado no fim, com cinco linhas de intervalo Uma pessoa perde-se no meio disto. Não sabe o que está aqui! Tem normas horrorosas! É, pois, urgente, sem que seja essencial para o bem público, aperfeiçoar a legislação em vigor Neste ponto, estamos de acordo.
Só que, como já foi dito pela Sr.ª Deputada Odete Santos, os senhores pedem uma autorização legislativa para aperfeiçoar a legislação em vigor, mas não dizem em quê! Talvez não tenham de o dizer, porque, depois, a Assembleia pronunciar-se-á sobre a lei em concreto. Mas há normas que, de facto, não percebo.
Por exemplo, os senhores não dizem em que é que se traduzirá a proibição de exercer profissões. Esta linguagem é de tal modo ampla que dá ideia de que o presidente da câmara municipal ou o governador civil podem proibir, por exemplo, um advogado de advogar, um médico de ser médico, um comerciante de ser comerciante, um sapateiro de ser sapateiro, um alfaiate de ser alfaiate... Isto é dito em termos tão amplos, quando não é nada disto! A seguir, vêm os feirantes e... Bom, mas isto e outra coisa!
Há, depois, uma norma que me deixa perplexo. Sabemos, hoje, face à prática da justiça em Portugal, que as partes que os advogados representam têm prazos, e prazos improrrogáveis, salvo os três dias seguintes, com as respectivas multas. Passados esses 10 dias, nada mais pode fazer. Porém, depois de o processo dar entrada, está um, dois, três ou quatro anos numa gaveta, e posso dar-lhe, às dezenas, exemplos concretos. Ou seja, a pressa e enorme, mas o processo entra no tribunal e espera-se um ano pela primeira diligência. Um ano!... Talvez houvesse necessidade de rever isto e os senhores fazem-no, mas, curiosamente, de uma forma que não entendo bem É das poucas coisa concretas que vêm no pedido de autorização legislativa em que o prazo de interposição de recurso da decisão judicial passa para 10 dias, quando o prazo judicial é de oito dias. Isto é, em processo civil, em processo criminal, em processos que são volumosíssimos, com sentenças e acórdãos que têm dezenas de páginas, há oito dias para recorrer, o que me parece curto, mas o Governo não propõe o aumento do prazo. No entanto, aqui, na contra-ordenação, um processo de natureza simples, cujo despacho de sentença se dará em duas páginas ou pouco mais, o prazo passa para 10 dias. Não estou em desacordo; pelo contrário, estou de

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acordo. Só pergunto se este critério vai ser seguido no resto. De facto, não se entende que processos com dezenas de páginas, que são morosíssimos, tenham o prazo de oito dias e que a contra-ordenação veja o seu prazo alargado para 10 dias Até estou de acordo com os 10 dias - aliás, até podiam ser 15.
Contudo, não é por causa desses prazos que a justiça não anda. Ela não anda porque está mal organizada em Portugal. Faltam juízes e, muitas vezes, se está o juiz falta o delegado, se está o delegado falta o juiz, se estão o juiz e o delegado falta o escrivão, se estão o juiz, o delegado e o escrivão não há sala, se há sala não há máquina de escrever porque se avariou, se há máquina de escrever não há oficial de diligências!... Bem, é isto que acontece numa actividade que, como o Sr. Secretário de Estado muito bem sabe, dá lucros ao Estado. A justiça dá lucros mas, apesar disso, os portugueses não têm uma justiça fácil, não têm uma boa justiça. Ora, a primeira condição para minar a credibilidade de um Estado de direito é não haver justiça.

Aplausos do PS.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - É para fazer o inventário!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Não é para fazer o inventário, Sr Deputado, é apenas para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Deputado Luis Filipe Madeira, uma vez que se afastou completamente do objecto do litígio, gostava de pedir-lhe alguns esclarecimentos.
Começarei por solicitar que me confirme ou não o que disse e que me pareceu uma verdade muito longe de estar demonstrada. Disse que a situação da justiça, nestes últimos anos, era pior que a existente há 10 anos e eu pergunto-lhe, Sr. Deputado, se tem visitado o País,...

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sou um turista por vocação!

O Orador: - ... se tem visto os novos tribunais, se neles tem entrado, se reparou, por exemplo, que neles existem 2000 microcomputadores, que quer os oficiais de justiça quer os magistrados têm tido padrões de formação completamente diversos nos últimos 10 anos, que - e isso pode ser confirmado pela análise de textos publicados não só pelo Ministério da Justiça mas também por outras entidades - a taxa ou a duração média dos processos é muito menor (menor de dois meses em cada ano) do que há 10 anos atrás e que, para confirmá-lo, basta olhar para os tribunais de trabalho, para o processo executivo.
Aliás, Sr. Deputado, já há, nesta Câmara, um pedido de autorização legislativo do Código de Processo Civil e, hoje mesmo, foi entregue uma grande reforma do Código do Processo Civil, onde são alterados 600 artigos e aditados 100 novos artigos. Acha que isto e pouco a nível de reforma do Código de Processo Civil?
Portanto, vamos ter um figurino completamente diverso no País relativamente à legislação civil.
Por outro lado. Sr. Deputado, acha que tem alguma consistência, hoje, criticar o projecto do notariado quando foi o Partido Socialista quem, na anterior legislatura, propôs um projecto de privatização do notariado que nenhum notário apoiou (aliás, ainda hoje é o nosso projecto que a maioria esmagadora dos notários apoia)?
Finalmente, acha que. vendo o panorama do País, a administração da justiça, o relacionamento que tem havido entre os magistrados, os oficiais de justiça e o próprio Ministério, e a reforma judiciária que está em curso, que tem tido a maleabilidade suficiente para permitir instalação de tribunais auxiliares, um tema que é muito caro ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira - e recordo o Tribunal Auxiliar de Portimão, que veio desbloquear uma situação de cancro que existia, tal como o do Barreiro -, pode afirmar que não houve reformas?
Sr Deputado, são estas as medidas que, integradas na reforma judiciária em curso, permitem, a meu ver, chegar-se à conclusão que a panorâmica judiciária do País é irreconhecível, porque é francamente positiva em relação à que foi encontrada quando começámos a trabalhar na área do Ministério da Justiça, ou seja. há oito anos atrás.
Portanto, julgo que se tivéssemos de fazer um inventário as conclusões seriam positivas, não haveria reconhecimento nem agradecimento porque em política isso não existe, mas haveria, de certeza, uma comparação que nos era favorável e um balanço altamente beneficiário.
Sr. Deputado Luís Filipe Madeira - e esse o meu pedido de esclarecimento -, conhece, para além dos tribunais do Algarve e de Lisboa, o País real, a actuação jurisdicional em todo o País e todas as infra-estruturas que foram colocadas, ano após ano. ao serviço dos nossos tribunais?
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS). - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª disse - e muito bem - que eu me desviei do assunto. Como espero que isso não seja censurável, penso que não irá instaurar-me uma contra-ordenação.
Gostaria de acrescentar que V. Ex.ª veio, de facto, trazer aqui, um pouco por mérito ou demento meu, a questão do inventário, veio arrolar, veio fazer a descrição dos bens Receio que, na conferência de interessados, se V. Ex.ª licitar, não leve nada de tomas, porque não tem tornas a levar. Isto porque deixa tudo, o valor é muito pequeno!...
Como sabe - e digo isto apenas para que conste da Acta -, sou advogado; não sou apenas Deputado, nem sou Deputado em exclusividade de funções Tenho o direito de exercer a advocacia, e faço-o com muito gosto. Portanto, apercebo-me - penso que até com vantagem para a minha função de Deputado - dos males da sociedade portuguesa ao estar em contacto quotidiano com eles. E, contrariamente ao que disse - e lamento não concordar consigo -, os tribunais estão na mesma.
V. Ex.ª falou nos computadores Sabe que a maior parte deles não funciona porque não há funcionários habilitados para trabalhar com eles? Aliás, este e um caso semelhante àquele surto, que pareceu uma epidemia, que, há sete ou

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oito anos, assolou todos os tribunais portugueses em cada sala de audiências, foi instalado um aparelho de gravação. No entanto, Sr. Secretário de Estado, nenhum funcionou, porque não há funcionários especializados para trabalhar com eles, e foram gastos centenas de milhares de contos! Cobriram-se todas as salas de audiência do País e lá estão aqueles «monos», tapados com umas «luvas de cabedal», sem funcionar. O senhor sabe isso tão bem como eu, portanto não me fale em aparelhos, não me fale sequer em leis. Em matéria de justiça, não é de mais leis que O País precisa mas, isso sim, que, rapidamente e bem, se apliquem as que existem. Disso os senhores não foram capazes, como sabe e como eu também sei, para mal do nosso país.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A proposta de autorização legislativa em debate suscita-nos três ordens de questões.
Em primeiro lugar, está em causa - e já coloquei essa questão na pergunta que fiz - saber se em todas as alíneas do artigo 3.º estará suficientemente definida a extensão da autorização legislativa, ainda que se esteja no segundo - e não no primeiro - nível de exigência feito pelo artigo 168.º da Constituição. A Assembleia da República compete definir o regime geral (e não só as bases gerais) das contra-ordenações.
A segunda questão consiste em saber se o amplo movimento de descriminalização a que assistimos não fez aflorar, numa ou noutra medida proposta, um reforço de sanções que as aproximam das sanções criminais, como contrapeso daquela ampla e, em nosso ver, exagerada descriminalização, um pouco à laia de desculpa pelos excessos. Propostas que, aliás, conflituam contra outras medidas existentes na autorização legislativa pedida, através das quais se procura atenuar o peso de sanções que se aproximam, pelo seu rigor, das sanções criminais.
Por último, e relacionada com a questão antecedente, a proposta de lei não pode deixar de colocar o problema de sabermos se, através da mesma, quer o Governo obter o perdão por continuar a insistir na exclusão, da área do Direito Penal, de condutas que atacam a personalidade do homem em actuação, ou seja, o homem enquanto fenómeno social.
A proposta de lei acata, nalguns pontos, as críticas nos vícios que já tinham sido detectados no Decreto-Lei n.º 433/82.
A detenção, em flagrante delito, do agente da contra-ordenação, por período que poderia ir até 24 horas, era, obviamente, inconstitucional, não havendo, assina, outro remédio senão o de suprimir o inciso em novo texto.
A previsão de que uma contra-ordenação podia ser imputada independentemente do carácter censurável do facto colocava dúvidas quanto à sua constitucionalidade, por violação do princípio constítucional segundo o qual ninguém pode ser sancionado sem culpa. Culpa que, neste caso, não tem a ver com a censura ético-social relativamente à conduta praticada mas, sim, relativamente à conexão desta com uma proibição legal.
Assim, o n.º 2 do artigo 1.º do actual diploma coloca, pelo menos, dúvidas quanto à sua constitucionalidade e merece, de facto, a revogação que se pretende fazer.
Dizíamos, no entanto, que, apesar de se tratar de uma matéria em que à Assembleia compete apenas autorizar o regime geral, nos parece que, relativamente às alíneas que citei, a autorização legislativa não cumpre, de facto, o preceito constitucional.
Na realidade, quando diz, por exemplo, no ponto II) da alínea s) do artigo 3 º «Rever as regras processuais aplicáveis à impugnação judicial da decisão administrativa respeitante à «Retirada da acusação e do recurso», ficamos sem saber em que sentido, porque já hoje o diploma prevê a retirada da acusação e do recurso.
Também na alínea u) do mesmo artigo se refere «Aperfeiçoar as regras sobre a revisão das decisões judiciais transitadas em julgado e das decisões definitivas». Não sabemos em que sentido é feita esta proposta, uma vez que hoje isto já e possível.
O mesmo dizemos relativamente à alínea x) do mesmo artigo, que diz apenas «Rever as regras sobre o processo de apreensão e respectiva impugnação..» quando, hoje, já há um processo de apreensão e outro de impugnação.
Cito estas alíneas a título de exemplo, para dizer que a proposta de lei não define, de facto, a extensão e o verdadeiro sentido da alteração, da revisão, do aperfeiçoamento que se pretende fazer. Em nosso entender e preciso dizer mais, porque não estamos a falar nas matérias relativamente às quais a Assembleia apenas estabelece as bases gerais e a que, depois, o Governo dá, em relação aos regimes comuns e aos regimes especiais, o desenvolvimento que entender.
A segunda questão por nós enunciada diz respeito ao reforço de sanções, que coloca o regime contra-ordenacional, pelas sanções graves, no mesmo plano, ou em plano muito semelhante, do Direito Penal.
Estamos a referir-nos, como e óbvio, à alteração - e também já me referi a isto na pergunta que fez - que se pretende introduzir relativamente às sanções dos concursos de crimes.
Enquanto, presentemente, a prática de várias contra-ordenações pela mesma conduta é punida com a sanção pecuniária mais elevada, pretende-se, agora, que se possam acumular, somar as sanções pecuniárias, até ao dobro do limite máximo da coima mais elevada. Aliás, o mesmo regime é previsto para o concurso real. De facto, no actual diploma não está claro o que é que se passa em relação ao concurso real.
No entanto, em nosso entender, isto poderá originar sanções pecuniárias de tal modo elevadas que representam uma punição muito maior do que aquela que resultaria da aplicação do Direito Penal, com a substituição da prisão por multa, da prisão remida a dinheiro Isso vai dar somas fabulosas, mais graves do que as que estão previstas no Direito Penal para outras actuações.
Esta situação, em meu entender, e sobremaneira chocante no que toca ao concurso ideal, em que uma única conduta infringe várias normas sancionatórias.
Por outro lado, no que toca ao cúmulo jurídico - Sr. Secretário de Estado, permita-me que discorde de si, quando disse que isto clarificava tudo -, a remissão para dispositivos do Código Penal que continuam a dividir a doutrina e a jurisprudência, em relação à fornia como se faz o cúmulo jurídico quando a decisão que comina uma das penas já transitou em julgado, faz adivinhar duras pelejas em torno desta questão nos tribunais.
Neste aspecto, entendemos que a proposta se contradiz, já que, tomando em consideraçâo as críticas dos que apontam as sanções acessórias, nomeadamente a interdição do exercício da profissão, como verdadeiras sanções criminais, pretende limitar u aplicação dessas sanções Mas, depois, tem previsões contrárias, no sentido de agravamento

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das coimas. Este balancear legislativo radica, afinal, na medida da culpa do Governo quanto à ampla descriminalização em que teimou, nomeadamente quando estão em causa valores atinentes ao homem como ser social.
Hoje, o comportamento de quem, infringindo normas de segurança, higiene e saúde no trabalho, provoca morte e doença não é encarado pela comunidade com indiferença ética e não pode ser punido apenas com uma coima.
As condutas de quem discrimina trabalhadores e trabalhadoras no acesso ao emprego e na valorização através do trabalho não se caracterizam pela neutralidade ético-social e não podem ser apenas punidas com contra-ordenações.
Os que, intencionalmente, com o puro objectivo do lucro ilícito, deixam de pagar salários aos trabalhadores despertam a mais viva censura e repulsa num Estado de direito democrático e não podem ser apenas punidos com coimas.
Sente-se, nas contradições existentes nesta autorização legislativa, uma tentativa de justificar a recusa de penalização de determinados comportamentos com o agravamento de sanções pecuniárias. Acontece, porém, que desta forma se agrava a injustiça, descaracterizando-se o ilícito de mera ordenação social. Enquanto uns encolhem os ombros, pois para eles é, mesmo assim, mais fácil abrir a bolsa e pagar as coimas do que encarar a censura do Direito Penal, outros, menos afortunados (no sentido exacto do termo fortuna), sofrem com o agravamento das sanções, pelo facto de as suas condutas, que a comunidade eticamente não sanciona, estarem equiparadas aos que, de facto, cometem crimes.
Enquanto não se encontrar o justo equilíbrio no movimento de descriminalização e de despenalização, o ilícito de mera ordenação social não cumprirá cabalmente os seus objectivos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Srs. Deputados: O Partido Social Democrata vai votar favoravelmente a proposta de lei n.º 119/VI, que configura uma autorização legislativa, por razões que passo a expor sumariamente, mas que, no fundo, se reconduzem às acabadas de expor pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça e que nos merecem total concordância.
Em minha opinião, em algumas das intervenções já feitas nesta Câmara, não se terá tomado na devida conta o artigo 2.º da autorização legislativa, que marca o seu objectivo, define o programa político-criminal do diploma e em relação ao qual são medidas instrumentais as demais elencadas, isto é, medidas que só recebem, em parte, o sentido se as interpretarmos, as lermos, em conjugação com o artigo 2 º, que marca a teleologia geral da reforma.
Este artigo aponta três objectivos fundamentais: o reforço da eficácia do sistema das contra-ordenações, por um lado; por outro lado e de certa maneira, o reverso, ou seja, o reforço das posições de defesa do arguido no processo de contra-ordenações; em terceiro lugar, um objectivo derivado ou secundário, que é a introdução dos necessários ajustamentos intra-sistemáticos, no que toca ao direito de mera ordenação social, e transistemáticos, quanto ao direito ambiente em relação ao direito das contra-ordenações, designadamente, ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, como ordenamentos subsidiários do direito das contra-ordenações.
Em nosso entender, este conjunto de objectivos é salutar, de apoiar e razoável.
O direito das contra-ordenações, como foi recordado, é um instrumento privilegiado de uma política de descriminalização e está, portanto, na linha dos grandes horizontes de política criminal subjacente ao ordenamento português. a começar pela Constituição da República. Mas, para isso, torna-se necessário, em primeiro lugar, aumentar a sua credibilidade, isto é, aumentar a adesão da própria colectividade ao sistema das contra-ordenações, o que tem como pressuposto o reforço da eficácia, porque a comunidade não se revê num sistema que não tenha a eficácia adequada à gravidade das situações. Os fenómenos de que ultimamente temos sido testemunhas, de respostas inorgânicas da sociedade a certas manifestações da criminalidade, mais não fazem do que comprovar a veracidade desta evidência da política criminal em geral.
No entanto, se, por um lado, se impõe o reforço da eficácia, como reverso, impõe-se o aumento das condições de defesa dos arguidos. Nesse sentido, vai também todo um conjunto de medidas que são elencadas.
Em rigor, e vistas bem as coisas, talvez nem todas estas medidas fossem necessárias, em boa hermenêutica jurídica, se se levasse em devida conta a ideia de que, como dizem normas do direito das contra-ordenações, o Código de Processo Penal e o Código Penal são diplomas subsidiários. Mas a verdade é que é preciso fazer alguma concessão à realidade e atender a que nem sempre a law in action se adequa à law in books. Pela experiência que temos, torna-se apreensível o facto de muitas vezes as contra-ordenações serem aplicadas por pessoas sem a necessária formação jurídica, sem quadros jurídicos, sem, no fundo, uma teoria geral do Direito, pessoas que nem sequer são juristas, não têm a cultura jurídica necessária para, para além do que a lei das contra-ordenações directamente oferece, «dar o salto» para os Códigos Penal e de Processo Penal e, mesmo, para os princípios fundamentais do Direito Penal e do Direito Processual Penal.
Como sabem, há serviços da Administração Pública, por exemplo, na segurança social, onde as contra-ordenações são aplicadas por licenciados de serviço social e, noutros domínios, por pessoas também sem preparação jurídica. Por isso, talvez haja vantagem em descodificar um pouco o carácter mais hermenêutico das normas do Direito Penal e do Direito Processual Penal, convertendo-as em normas mais simples e actualizadas, na lei das contra-ordenações. Isto vale para algumas das propostas feitas nesta autorização legislativas e cuja necessidade, em termos teóricos puros, talvez possa ser questionável, mas cuja oportunidade pragmática não podemos deixar de saudar.
Se os objectivos são estes, se as contra-ordenações se transformaram, hoje, num instrumento imprescíndivel de política criminal, longe vão já os tempos em que, nos idos de 1979, foi publicado o primeiro decreto-lei que criava o ilícito de mera ordenação social. Lembro-me que um semanário de Lisboa, numa rubrica então muito na moda, chamada «A figura da semana», atestava mais ou menos isto. «O leitor já ouviu falar em coima e contra-ordenação. Não ouviu? Nós também não! Mas uns Srs. Professores de Coimbra, numas lucubrações filosóficas, descobriram isto. Tenha a certeza, leitor, de que a generalidade dos portugueses vai continuar a viver e a morrer sem nunca ouvir falar de coimas». Esses tempos estão definitivamente ultrapassados, as coimas e as contra-ordenações são uma figura do Direito Constítucional português e da prática de to-

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dos os dias Por exemplo, um diploma tão importante como o Código da Estrada recorre sistematicamente a cias, e ainda bem, porque não podemos esquecer que, por detrás da cada coima que se aplica, há uma pena criminal que se evita, há uma prisão que se pode evitar.
Portanto, se assim é, neste contexto, não podemos deixar de aprovar, de consciência tranquila e, mais do que isso, com adesão interior, a proposta que temos sobre a mesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Esta proposta de lei que o Governo submete ao nosso exame não pode deixar de merecer a nossa aprovação, em geral No entanto, ao contrário do Dr. Costa Andrade - que é uma das suas fontes, ou, pelo menos, uma das pessoas versadas pela escola de Coimbra que trabalhou muito o instituto da coima, graças ao Professor Eduardo Correia e à sua escola, pelo que compreende e lê o que consta deste pedido de autorização legislativa melhor do que qualquer cidadão normal -, que, à semelhança de qualquer jurista especializado em Direito Penal, facilmente apreende esta linguagem, devemos dizer que, se este diploma for entregue a um sargento (sem ofensa para os sargentos), a um agente de fiscalização económica, a um agente de segurança social, a um inspector de trabalho, que, muitas vezes, como disse o Dr. Costa Andrade (e muitíssimo bem), não têm formação jurídica e não sabem o significado técnico de muitas destas palavras, eles terão muita dificuldade em manejar este instrumento que é a contra-ordenação e a aplicação de coimas.
Inclusivamente, se perguntar a um jurista recém-formado - mesmo a um jurista recém-formado -, o que e o erro censurável, como e que se estabelece o benefício económico, por que é que, em caso de erro censurava sobre a ilicitude, há-de haver uma atenuação especial, etc., é natural, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Costa Andrade, que ele, como qualquer pessoa encarregue de aplicar estes conceitos, desconheça a sua aplicação Primeiro, não sabe o que é ilicitudc, depois, não sabe o que é erro, o que é censurável, o que é a culpa, o que e a atenuação - e, muito menos, o que é a atenuação especial -, etc.
Quer dizer, verificámos que para os normais agentes da Administração devia haver uma explicação destes termos estritamente jurídicos no sentido da sua descodificação e de modo a permitir o seu correcto entendimento e a facilitar a sua aplicação.
Por isso mesmo, perante este pedido de autorização legislativa, coloca-se-nos um problema Por um lado, como juristas, não podemos deixar de concordar com o que aqui se pretende alcançar, porque aumenta a defesa do arguido, há descriminalização muitos dos antigos crimes passam a meras contra-ordenações, aplicam-se as coimas - e as coimas são geralmente um tratamento benéfico para quem antigamente estava sujeito às multas e a outras «formas mais pesadas» do direito criminal -, etc. Mas, por outro lado, esta proposta de lei cria um mal-estar na Câmara, porque, afinal, vamos conceder uma autorização legislativa sem saber exactamente qual é a moldura, qual e o casus concietus, como é que deve ser interpretado o benefício económico, como é que o Governo vai cumprir a promessa, que faz na «Exposição de Motivos», de «reforçar a eficácia do sistema punitivo das contra-ordenações», como é que vai «reforçar as garantias efectivas dos arguidos» e como é que vai fazer «um esforço no sentido da introdução de maior clareza e rigor na redacção do diploma».
Assim, põe-se, novamente, o mesmo problema: basta aprovarmos o pedido de autorização legislativa, ou seja, «passarmos um cheque em branco» ao Governo, para que, depois, ele faça um estudo e nós, aquando do pedido de ratificação, voltemos aqui a dizer que «isto não está muito claro, isto não é muito eficaz, isto podia ser modificado desta maneira, aquilo podia ser dito de outra, etc. »
Ora, se o Governo juntasse o articulado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Não está concluído!

O Orador: - Pois, não está concluído. Aliás, essa a prática do Governo, a de apresentar as propostas de lei de autorização legislativa, sem saber o que vai fazer. V. Ex.ª acaba de confessá-lo e isso há-de ficar registado em Acta.. De qualquer modo.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, o decreto-lei, normalmente, é feito depois. Primeiro, há a baliza do pedido de autorização legislativa e só depois de estar autorizado é que o Governo elabora o decreto-lei Portanto, o que eu disse e o normal num processo legislativo Não é nada de bizarro

O Orador: - Não é nada de bizarro, mas é contrário a uma regra, que queríamos ver implantada no Parlamento, de a proposta de lei de autorização legislativa já vir acompanhada, pelo menos, de uma minuta do articulado, que, depois, naturalmente, podia ser modificada pelo Governo, quando tivesse poderes para tal Porém, nem sequer isto nos dá, mas tão-somente as grandes ideias de uma espécie de «programa contra-ordenacional» do Governo, nesta matéria.
Por isso mesmo, Sr. Secretário de Estado, vamos votar favoravelmente este diploma, mas não vamos fazê-lo com aquela consciência tranquila do Sr Deputado Costa Andrade, porque ele sabe, mais ou menos, qual vai ser o conteúdo do diploma. Ora. como nós somos oposição e não Governo, desconhecemo-lo e, geralmente, nunca damos o benefício da dúvida ao Governo, porque os diplomas do Ministério da Justiça, quando não são cassados no Tribunal Constitucional, pelo menos, saem mal redigidos.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate relativo à proposta de lei n.º 119/VI - Autoriza o Governo a rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social.
Srs. Deputados, vamos iniciar o período de votações com a votação da proposta de lei n º II6/VI - Autorização para contracção de empréstimos externos, da Assembleia Legislativa Regional dos Açores
Srs. Deputados, se não houver oposição, procederemos à sua votação na generalidade, na especialidade e final global.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Raul Castro

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Srs. Deputados, passamos à votação global da proposta de resolução n º 56/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo relativo à Modificação do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1984, respeitante à Utilização pela República Francesa de certas Facilidades na Região Autónoma dos Açores.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio, votos contra do PCP e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, passamos à votação do projecto de deliberação n.º 71/VI - Constituição de uma comissão eventual para a cooperação entre Portugal e o Brasil (PSD, PS, PCP, CDS, Os Verdes e Deputado independente João Corregedor da Fonseca).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos agora votar as propostas que foram objecto de discussão na sessão de hoje.

Em primeiro lugar, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 88/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo relativo aos Privilégios, Isenções e Imunidades da Organização Internacional de Satélites Marítimos (INMARSAT).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, passamos à votação, na generalidade, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 119/VI - Autoriza o Governo a rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio e abstenções do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs Deputados, o plenário não reunirá amanhã, devido à realização do congresso de um partido representado nesta Câmara, mas, sim, na próxima quarta-feira, dia 22, pelas 15 horas, com um período de antes da ordem do dia, com eventuais declarações políticas, e um período da ordem do dia em que serão discutidas as petições n.ºs 135/V (3.ª), 165/VI (2.ª), 131/VI (1.ª) e 273/VI (3.ª), as duas últimas em conjunto.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António de Carvalho Martins
António Joaquim Correia Vairinhos.
Cecília Pita Catarino
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos
José Leite Machado
Luís António Carrilho da Cunha
Luís Carlos David Nobre
Luís Manuel Costa Geraldes
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Eduardo dos Reis.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Vítor Pereira Crespo

Partido Socialista (PS).

António José Martins Seguro.
Elisa Maria Ramos Damião.
João Paulo de Abreu Correia.
Alves Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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