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Sábado, 1 de Abril de 1995
I Série - Número 60
DIÁRIO
Da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 4.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE MARÇO DE 1995
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Meio
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vitor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia
SUMÁRIO
0 Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas,
Procedeu-se à discussão do inquérito parlamentar n.º 28/VI - Para apuramento das responsabilidades pelas brutais cargas policiais sobre os trabalhadores da Manuel Pereira Roldão e sobre a população da Marinha Grande (PCP) Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Elisa Damião (PS), Miguel Macedo (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Foi ainda debando o inquérito parlamentar n.º 29/VI - Às condições em que se tem processado a elaboração, aprovação, execução, fiscalização e pagamento dos projectos de arborização e beneficiação florestal e ao eventual envolvimento, por acção ou omissão, dos membros do Governo titulares do Ministério da Agricultura (PCP), tendo feito intervenções, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), ~ Duarte (PSD), Luís Capoulas Santos (PS), Antunes da Silva (PSD), António Martinho (PS) e Francisco Bernardino Silva (PSD)
Em interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS-PP) censurou o programa apresentado pela SIC sobre o chamado caso do padre Frederico, em que foram utilizados meios mecânicos para um eventual apuramento da verdade, no que foi secundado pelos Srs. Deputados Alberto Costa (PS), Odete Santos (PCP) e Guilherme Silva (PSD).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 20 minutos.
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues de Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
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Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Manuel Pereira Marques.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.01 527/VI Revoga a tabela de inaptidões para admissão nas carreiras de inspecção do quadro do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (Revoga a Portaria n.º 1093-B/94, de 7 de Dezembro), 528/VI- Confere a todos os trabalhadores o direito ao subsídio de Natal ou 13.º mês, 529/VI - Garante aos trabalhadores o pagamento de salários em atraso, sem necessidade de suspender o contrato e a prestação de trabalho (Altera a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho), todos da iniciativa do PCP, tendo baixado à 9.ª Comissão, ratificação n.º 1371 VI - Decreto-Lei n.º 55195, de 29 de Março, que transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas n.º 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, e 931361 CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, e estabelece um regime de realização de despesas públicas com empreitadas de obras públicas e aquisição de serviços e bens, bem como o da contratação pública relativa à prestação de serviços, de locação e aquisição de bens móveis (PCP).
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período da ordem do dia de hoje respeita à discussão dos inquéritos parlamentares n.º 28/VI - Para apuramento das responsabilidades pelas brutais cargas policiais sobre os trabalhadores da Manuel Pereira Roldão e sobre a população da Marinha Grande, e 29/VI - Às condições em que se tem processado a elaboração, aprovação, execução, fiscalização e pagamento dos projectos de arborização e beneficiação florestal e ao eventual envolvimento, por acção ou omissão, dos membros do Governo titulares do Ministério da Agricultura, ambos da iniciativa do PCP.
Nos termos regimentais, para uma intervenção sobre o inquérito parlamentar n.º 28/VI, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero aqui registar que o inquérito apresentado pelo PCP aos acontecimentos e às actuações da polícia na Marinha Grande é um inquérito cuja apreciação se pode considerar em atraso.
Creio que, em relação a situações como as que são objecto deste inquérito, será conveniente decidir-se com urgência sobre uma actuação ou uma não actuação, mas que se clarifique aquilo que é necessário na altura devida.
Embora atrasada, não posso deixar de considerar que, neste momento, a discussão deste inquérito é oportuna. Num momento em que o Grupo Parlamentar do PSD foi fazer uma visita às centrais sindicais, nomeadamente à CGTP-IN, é oportuno discutir-se aqui a outra filosofia de relacionamento do PSD com os trabalhadores. É preciso que se discuta aqui que, além do tal diálogo com a CGTP, há depois o porrete sobre os trabalhadores na Marinha Grande - chama-se a isto a "política da cenoura e do cacete", que é uma velha e conhecida política.
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Por isso, é muito bom que se discuta aqui, nesta mesma semana em que o PSD se "passeou" pelas centrais sindicais, qual é a verdadeira natureza das actuações do PSD junto dos trabalhadores.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 tema deste inquérito é o apuramento das responsabilidades das forças de intervenção da PSP e da GNR na Marinha Grande pela sua actuação contra os manifestantes, trabalhadores da Manuel Pereira Roldão e cidadãos solidários com eles.
Devo dizer que esta foi uma situação que, sem dúvida nenhuma, causou no País um profundo choque. Na altura, disse-se - muitos jornais assim o titularam que o País ficou em estado de choque com as imagens transmitidas, pela brutalidade das cargas policiais, pelo destempero e pela forma agressiva e anti-democrática como aquelas actuações se processaram.
É claro que toda a gente pôde ver essa actuação e, em Portugal, apenas membros do Governo e dos próprios comandos das forças de segurança não as viram. 0 Comandante da PSP, que chegou ao posto de general por promoção individual, mas que, como Comandante da PSP, é um alto funcionário do Governo, escreveu mesmo que a comunicação social e vários comentadores e entidades mencionaram agressões a um padre e a uma criança, mas que isso não correspondia à verdade dos factos. Ora, esta afirmação é perfeitamente espantosa! Toda a gente pôde ver e ouvir as declarações do padre que foi agredido, tal como toda a gente pôde ver e ouvir as declarações da mãe da criança agredida. Apenas o Sr. General, Comandante da PSP, o Sr. Ministro Dias Loureiro e o Sr. Secretário de Estado Carlos Encarnação não viram essas agressões...
Depois, o Sr. General acrescenta ainda: "A PSP também procura apurar o sucedido relativamente a um operador de televisão, não tendo até agora chegado a qualquer conclusão". Pasme-se! Toda a comunicação social transmitiu as imagens da carga directa sobre o operador de televisão e só o Sr. General, que provavelmente estava de férias, é que não teve oportunidade de ver essas imagens!
Estas afirmações são de uma hipocrisia sem limites e mostram uma vontade de apagar a realidade dos factos, de uma forma que ofende não só os princípios da boa fé, mas também o mais elementar bom senso que deve presidir às actuações dos órgãos do Estado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Aliás, a PSP, no relatório que fez incluir no chamado Relatório de Segurança Interna, refere-se muito à demagogia e superficialidade na abordagem dos media e de alguns líderes de opinião em relação a determinados factores relacionados com a organização e actuação policial e diz o Sr. General que "pondo em causa o prestígio da PSP e, de uma maneira geral, a autoridade do Estado" - depois, mais à frente, acrescenta que a instabilidade social se deve a um empolamento, por vezes, institucional.
Estas afirmações são de uma extrema gravidade, porque ele, que é um funcionário, confronta-se directamente com a actividade de órgãos de soberania, e deveriam ser ponderadas por ele próprio no que significam depois no confronto com as suas actuações concretas. Quando se fazem afirmações destas e depois se quer ignorar a realidade, então, sim, está-se a contribuir para o desprestígio das instituições e para aquilo que é totalmente inaceitável: uma política de mentira em torno destas questões!
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - 0 País viu os acontecimentos, pelo que este inquérito é uma resposta à indignidade que aquela situação provocou em todo o País.
O inquérito devia abordar diversas questões diferentes.
A primeira, relativa às responsabilidades concretas do próprio Ministro da Administração Interna, que, depois da primeira carga da polícia, veio, publicamente, não só louvar uma actuação que incluiu, por exemplo, a invasão de uma instituição como a Câmara Municipal da Marinha Grande, como incentivar e apoiar aquele tipo de actuações.
Em segundo lugar, a responsabilidade do Sr. Secretário de Estado que definiu, publicamente - e acho que isto deve ser registado de uma forma que não deixe margem para dúvidas ..., que as actuações da polícia naqueles casos obedeciam a critérios de oportunidade referidos pelo próprio Governo. 15to é, ele assume a responsabilidade daquela actuação ter sido feita naquele momento. Mas podia não ter sido feita, bastando para isso que o Governo não tivesse determinado, como sucedeu depois da segunda "carga" e do escândalo que aconteceu aquando da terceira manifestação ocorrida a 29 ou 30 de Dezembro último.
Em terceiro lugar, a responsabilidade dos comandos policiais que deram aquelas ordens concretas, que dirigiram no terreno as operações.
Em quarto lugar, a responsabilidade dos agentes, pois também é necessário que não nos fiquemos só por uma responsabilidade, todos têm responsabilidades, todos devem assumi-las!
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Mas uma outra questão que este inquérito deve abordar - e é uma questão central - é a dos métodos de actuação destes corpos de intervenção e dos métodos com que eles são preparados, doutrinados e ensinados. Quanto a isso há muito a fazer em matéria de um esclarecimento devido. Por exemplo, se lermos o comunicado que já referi, assinado pelo general comandante da PSP sobre os acontecimentos, as palavras, as fórmulas utilizadas - os manifestantes desordeiros e muitas outras que não vou aqui citar .. , são exactamente as mesmas que a polícia utiliza desde que me lembro de actuações policiais.
Vozes do IPCIP: - Exactamente!
0 Orador: - Então, nada evoluiu, nada mudou? Não se lembram de uma Constituição que existe há cerca de 20 anos? Não sucedeu nada? Não há real modificação?
Esta situação leva-me a uma interrogação de fundo: o que é que se passa com o ensino destes corpos de segurança? Ainda no passado fim-de-semana houve uma operação que é assumidamente de public relations, em que os corpos de intervenção se "abriram"
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aos jornalistas do Expresso, que fizeram uma investigação simpática em torno da sua actividade. Aliás, é explicado no próprio texto que os corpos de intervenção e os comandos decidiram dar muita importância à sua imagem junto da opinião pública. Mas se querem resolver essa questão da imagem, têm uma forma simples de a promover: mudem os métodos de actuação. Actuem de uma forma democrática! Actuem de acordo com as leis Respeitem os direitos dos cidadãos!
Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: Muito bem!
0 Orador: - Esses métodos de actuação foram bem característicos no caso da Marinha Grande, já que as fórmulas de actuação corresponderam, em grande parte, às técnicas militares e são completamente condenadas no que toca às técnicas de actuação dos corpos de intervenção. Por exemplo, foi feito um cerco a manifestantes quando o objectivo de uma actuação do corpo de intervenção nestas situações é o de dispersar; foi feita a perseguição individual, como se faz em guerrilha urbana. Ora, isto são tudo métodos totalmente condenáveis e, sem dúvida alguma, que era necessário que o inquérito averiguasse isso.
Não quero terminar sem deixar de dizer que este inquérito é hoje ainda necessário: para apurar os tos propriamente ditos, para fazer uma análise dos métodos de actuação dos corpos de intervenção e para apurar responsabilidades. Mas é igualmente importante que aqui se registe uma coisa: todo este processo, estas actuações "valentonas" do Governo dirigiram-se contra os trabalhadores de uma empresa chamada Manuel Pereira Roldão. E a verdade é esta: a valentia foi muita, mas a capacidade de resolver os problemas da empresa foi nula.
Srs. Deputados, hoje, a situação que temos é que os trabalhadores da Manuel Pereira Roldão estão, mais do que nunca, sob a ameaça do encerramento da empresa e do desemprego, estão novamente com os salários em atraso, pesando ainda a mesma ameaça sobre outras empresas da indústria do vidro e do cristal, nomeadamente a IVIMA. São ameaças graves em consequência de uma determinada política, de uma política que leva à destruição do tecido industrial e ao desemprego. É uma política que leva, no plano económico e social, ao desemprego e que é servida, entre outros factores, pela actividade repressiva de uma polícia que devia servir os interesses superiores definidos na Constituição e não ter actuações contra os trabalhadores e contra os direitos do cidadão.
Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 inquérito que o PCP nos propõe merece todo o nosso apoio.
É verdade que a actuação da PSP, no caso da Marinha Grande, revela um profundo desequilíbrio entre as manifestações com alguma exaltação e - até se admite - alguns exageros e a repressão de que foram alvo os trabalhadores. Esse desequilíbrio está patente no aumento da criminalidade de que ontem aqui falámos e no esforço que essa organização põe, por um lado, no combate ao crime organizado e, por outro lado, às manifestações dos trabalhadores e dos estudantes.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - De facto, qualquer observador atento constata que não há uma intervenção justa, sem pressupor que haja um cariz político preocupante, repressor, inadmissível numa sociedade democrática.
Não podemos deixar de responsabilizar o Governo por este tipo de situações e na sua intervenção aos mais diversos níveis. Não foi apenas excessivo, zeloso e, como já aqui foi dito, preocupado e incentivador dos exageros da PSP, porque não combateu as causas que geraram estes efeitos.
Senão, vejamos. 0 Sr. Ministro da Indústria e Energia, após estes acontecimentos, revelou aos portugueses que a administração da Manuel Pereira Roldão é incompetente. Anunciou-nos, mesmo, que tem as maiores dúvidas sobre a honorabilidade dessa administração.
0 Sr. Ministro das Finanças disse que a empresa tem indícios visíveis de fuga ao fisco e manda investigar, sendo accionados mecanismos de recurso aos tribunais.
Neste momento, a assembleia de credores - o Estado é o principal credor através da segurança social - reconduziu esta administração, dando-lhe plenos poderes. A autarquia disponibilizou 75 000 contos para ajudar a empresa a retomar a produção. mas não foi convocada para uma assembleia de credores realizada no mês passado.
A situação da empresa é de novo caótica, mas o Governo não tomou quaisquer medidas e a situação manteve-se. A administração continuou em funções, apesar de ser alvo de todas estas dúvidas por parte dos governantes portugueses, anuncia agora a intenção de encerrar a empresa, os trabalhadores estão de novo com salários em atraso e enfrentam novamente os problemas que já enfrentaram há meses atrás sem que nenhuma alternativa tenha sido criada na assembleia de credores.
Inclusivamente, a administração anuncia, com alguma ironia, a intenção de entregar a empresa a um sindicato, o que seria respeitável se não se tratasse de um presente envenenado, de uma atitude irresponsável por parte da administração, que é avalizada por uma assembleia de credores composta maioritariamente pelo Estado, com o consentimento do Sr. Ministro da Indústria e Energia e do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, como se isto não significasse o "lavar das mãos" das suas responsabilidades.
Assim, o inquérito à actuação da PSP faz todo o sentido porque é de supor que novas atitudes repressivas venham a recair sobre os trabalhadores e não apenas sobre os da Manuel Pereira Roldão. É inadmissível que um Governo - neste momento já não se pode dizer o que se dizia há uns meses atrás, que era indiferente perante a situação social - seja conivente com a situação na Manuel Pereira Roldão e sobre a qual merece ser punido.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
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0 Sr. Mgue1 Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o pedido de inquérito apresentado a esta Assembleia pelo Partido Comunista Português não queria deixar de referir três ou quatro questões que me parecem dever ser salientadas.
A primeira tem a ver com o facto de não ser esta a primeira vez que a Assembleia da República debate e discuto, esta questão, que ocorreu mo fim do ano passado, como todos se recordam, na Marinha Grande. Já o fez em tempo oportuno aqui no Plenário e fê-lo, sobretudo, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias onde, recordo, o Sr. Ministro da Administração Interna respondeu durante várias horas a várias questões colocadas pelos Srs. Deputados presentes nessa Comissão parlamentar.
Nessa altura, tivermos a oportunidade, como Deputados à Assembleia da República, de tomar conhecimento do relatório da PSP sobre os incidentes da Marinha Grande e tivermos todos a possibilidade de saber aquilo que era a posição do Governo em relação a esta matéria.
Tendo também o Sr. Provedor de Justiça anunciado e concluído, pouco tempo depois, um relatório que foi produzido por um conjunto de juristas que, na altura, se deslocaram à Marinha Grande para apuramento das circunstâncias e da materialidade dos factos que então aconteceram, relatório esse que o Sr. Provedor de Justiça poucos dias depois remeteu à Procuradoria-Geral da República para daí serem extraídas as convenientes consequências, entendemos que não faz grande sentido que a Assembleia da República se proponha agora a constituição de uma comissão de inquérito quando órgãos do Estado, órgãos judiciais independentes e autónomos do poder executivo, têm entre mãos o apuramento destas circunstâncias em termos genéricos e em termos, naturalmente, individuais que ao caso couberem.
Aquilo que o Governo sempre disse, porque se afirmou isso mesmo na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi que, em relação a esta matéria, retiraria todas as consequências de responsabilidade criminal ou outra que venham a existir em relação àqueles acontecimentos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero ainda aproveitar para estabelecer o paralelismo com o que acontece com as comissões de inquérito já criadas e sobre cujo objecto recai depois um qualquer processo judicial. Diz o regime jurídico de tais comissões que, nesse caso, aberto um processo judicial, a própria comissão de inquérito suspende os seus trabalhos para que, naturalmente, em processo judicial, se apure noutra sede a questão e o objecto que está a ser discutido nessa comissão de inquérito.
Julgo, por isso, que o reparo inicial do Sr. Deputado João Amaral, de que este debate se fazia já tarde, é totalmente pertinente, mas naquilo que diz respeito ao apuramento e à materialidade dos factos que têm que ser apurados em sede da Procuradoria-Geral da República. Aliás, não é tarde hoje por ser hoje, é tarde porque, de facto, logo a seguir várias instituições do Estado, designadamente, repito, a Provedoria e a Procuradoria-Geral da República. actuaram nos termos das suas competências e, por isso, naturalmente, cabe agora esperar com serenidade pelas conclusões dessas entidades.
Quero só acrescentar mais duas notas finais em relação a esta matéria.
As situações que ocorrem em empresas privadas devem ser resolvidas no quadro da lei que regula esse tipo de problemas, mas nós, em Portugal, temos sempre a voluntariedade de remeter para o Estado, e de forma injustificada, a resolução de problemas que são exclusivamente do foro privado, pois as empresas privadas regulam-se por regras e por um conjunto de normas jurídicas e de gestão que são da exclusiva responsabilidade das suas administrações. Este permanente recurso e apelo ao Estado, para resolver aquilo que as empresas e as respectivas administrações não conseguem resolver, no fundo, é a subsistência de uma filosofia estatizante, perfeitamente desadequada ao país que somos e à economia que queremos cada vez mais ser.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguei Macedo, ninguém aqui pretendeu confundir o papel do Estado na iniciativa privada. Aliás, o Sr. Deputado não ignora, nem pode ignorar, as declarações dos Ministros do seu Governo, de que está em curso um programa de reestruturação da indústria vidreira, com fundos públicos, de que esta empresa foi largamente beneficiária, não obstante as suas dívidas à segurança social, no regime de excepção absoluta que o seu Governo introduziu, com violação das condições de lealdade concorrencial.
Portanto, há aqui uma situação de proteccionismo, que não tem a ver com a sua intervenção nem com a filosofia que o seu Governo diz adoptar relativamente à iniciativa privada.
Assim sendo, é legítimo que nos questionemos sobre o que é que espera um Governo protector desta administração, quando é credor - participa na assembleia de credores maioritariamente, pois 84 % dos créditos são da sua responsabilidade - e decide assim.
Portanto, se decide assim já não é laxista, mas sim conivente.
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
0 Sr. Miguel Macedo (PSD): - S. Presidente, ainda a propósito desta matéria, quero agradecer, naturalmente, a questão que a Sr.ª Deputada Elisa Damião me colocou e recordar três coisas.
A primeira é que não conheço em pormenor o que resultou do acordo de credores da empresa em causa- sei que o Estado é um credor com uma participação importante. Mas quero aqui recordar o papel importante que o presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande teve, naquela altura, na viabilização da empresa e, sobretudo, na retoma da sua laboração.
Em relação a esta matéria, estaremos sempre na difícil situação de "sermos presos por ter cão e sermos presos por não o ter", como soe dizer-se. Recordo a V. Ex.ª que, por exemplo, num caso que a Sr.ª Deputada também conhece bem, o da Coelima, antes de o Governo ter conseguido canalizar um conjunto de apoios para esta empresa era acusado de nada fazer em relação a ela. No entanto, tão logo conseguiu encaminhar esses apoios para uma empresa que, como sabe, tem muita gente e um grande impacto na região onde está
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inserida, o Governo foi acusado de ter cometido o pecado do proteccionismo em relação a uma empresa que, dizia-se, não tinha qualquer viabilidade económica.
Portanto, nestas questões é sempre muito difícil conseguir o justo equilíbrio, sobretudo, em termos de discurso político, na apreciação dos factos.
Aliás, sobre esse plano de viabilização das empresas de que se falou muito em tempos idos, o que me parece é que havia algumas situações, segundo opiniões públicas expressas pelos responsáveis governamentais, que não estavam inteiramente apuradas em relação àquele caso concreto. E o que não posso deixar de desejar enfaticamente é que, em relação a essas situações, tudo isso venha a ser esclarecido e se apure, com verdade e com rigor, aquilo que se passou tanto nessa como em outras empresas.
Mas isso é uma coisa completamente diferente da questão que aqui estamos hoje a discutir e, em relação ao tema do nosso debate, o que queria reafirmar em nome do Grupo Parlamentar do Grupo Social Democrata é que vamos aguardar, com serenidade, as conclusões de órgãos judiciais, que têm em relação a estes acontecimentos meios que a comissão parlamentar de inquérito não tem - todos o reconheceremos - para apurar a materialidade dos factos.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sempre extremamente lamentável ver na televisão actos de agressão praticados pela polícia.
Chocam a todos nós esses espectáculos e essas ocorrências, sendo também verdade que, longe de serem frequentes, eles são absolutamente excepcionais. Mesmo assim os telespectadores sentem-se incomodados e, muitas vezes, revoltados.
No entanto uma coisa é certa: a televisão nunca nos mostra o que está por trás dessas cargas policiais. Dela dá-nos apenas uma visão, pontual, uma fotografia de momento, sem projectar o filme do passado,
Quero com isto dizer que se a televisão, além do filme do momento nos desse também o filme do passado e projectasse as circunstâncias que levaram àquela ocorrência, talvez o nosso juízo não fosse tão incomodado nem a nossa atitude tão intranquilizada e de tanto mal-estar. Assim, teríamos a hipótese de avaliar se a carga foi merecida ou se a polícia não devia ter feito o que fez.
Srs. Deputados, não estou a dizer que a carga tivesse sido merecida, mas apenas que se a televisão nos tivesse mostrado o que estava por trás da realidade dos factos, o nosso entendimento teria sido muito mais completo e o nosso juízo muito mais perfeito. Ora, sabemos que na Marinha Grande ocorreram factos que a televisão não levou ao conhecimento do público.
Srs. Deputados, não posso admitir que, num Estado de direito, o administrador de uma empresa seja sequestrado por quem quer que seja.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Já fui administrador de empresas, posso vir a sê-lo de novo amanhã e, com certeza, não quero correr o risco de, em Portugal, ser sequestrado por quem quer que seja, mesmo que por um trabalhador, independentemente dos direitos e dos deveres que tenha.
Ora, não quero aceitar isto, e na fábrica Manuel Pereira Roldão houve sequestro dos administradores!
A segunda coisa que não posso permitir é que se cortem estradas. Hoje, por exemplo, quando vinha para a Assembleia da República ouvi dizer que os fruticultores cortaram a estrada entre Viseu e Lamego. Se os fruticultores, os suínicultores etc. cortam a estrada de vez em quando...
0 Sr. João Amaral (PCP): - Que grande problema!
0 Orador: - 0 Sr. Deputado, naturalmente, vem de avião!... Mas eu podia querer vir aqui para ouvir V. Ex.ª e não consegui fazê-lo por causa dos fruticultores!...
Risos.
0 Sr. João Amaral (PCP): - E eu ficava cheio de pena!
0 Orador: - 0 avião passa por cima dos fruticultores como V. Ex.ª passou, mas eu tinha de pisar as pêras!...
Portanto, não posso admitir que se cortem as estradas.
0 Sr. Fernandes Marques (PSD): - Muito bem!
0 Orador: - Em terceiro lugar, tenho de respeitar entidades que eu próprio criei como Deputado. Se a Assembleia da República, com 213 dos votos, criou um órgão chamado Provedoria da Justiça, que está a cumprir a sua missão exemplarmente, que mandou averiguar esses actos, eu, através da Assembleia da República, não vou sobrepor-me a um órgão criado dessa forma. É que, a não ser assim, criamos, por um lado, um órgão e, por outro lado, desautorizamo-lo.
Ora, eu não faço isso. Quem o quiser fazer que o faça, mas eu não desautorizo o Provedor de Justiça, que é um órgão que criei como Deputado.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Em quarto lugar, não vou suspeitar da imparcialidade, da isenção, da independência das investigações do Procurador-Geral da República. Se há uma investigação do Procurador-Geral da República que considero ser isenta, imparcial e que dá todas as garantias de independência, não vou pôr em causa esta investigação para me substituir a ele. É por estas razão que não votaremos a favor deste inquérito.
Aplausos do CDS-PP.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - 0 Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra mas já não dispõe de tempo.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pretendo usar da palavra para defesa da consideração, o que se justifica devido a uma acusação que foi feita pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Assim sendo e para esse efeito, tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, a afirmação que me merece defesa
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da consideração reporta-se à sua ideia de que eu estaria a sobrepôr a competência da Assembleia à do Procurador-Geral de República e do Provedor de Justiça. 15so é completamente falso! 0 Provedor pode ter feito uma análise dos acontecimentos de um determinado ponto de vista, entregou esses documentos à Procuradoria-Geral da República e esta não pode averiguar mais do aquilo que é matéria de infracção penal - não vai ultrapassar esse campo. Ora, o que aqui proponho à Assembleia é um inquérito que visa muito mais do que isso, visa responsabilidades políticas. Aliás, V. Ex a sabe que o CDS-PP já por numerosas vezes apresentou inquéritos que, por essa lógica, se sobreporiam a actividades da Procuradoria-Geral da República. Portanto, deixe-me dizer-lhe que não tem razão.
Um segundo ponto em que pretendo defender a minha posição, refere-se à questão do sequestro. Sabe V. Ex.ª, Sr. Deputado Narana Coissoró, que essa questão não esteve na origem de nenhuma carga policial.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sei?!
0 Orador: - Sabe-se porque veio nos jornais: não houve, pois as cargas policiais ocorreram fora desse contexto. 0 que lhe pergunto é se é possível considerar que uma ilegalidade justifica a ilegalidade seguinte. Eu acho que não! Se V. Ex.ª entende propôr uma acção criminal contra os sequestradores, se os houve, que o proponha; contudo, o que proponho aqui é uma análise das actuações do Estado e das responsabilidades da Administração Pública e do Governo em relação aos cidadãos - cidadãos que foram atingidos e que não eram sequestradores. Acha que o padre que foi agredido era um dos tais que V. Ex.ª considera sequestrador? Não era! Acha que a criança o era? Não o era! São essas actuações, esses excessos, que entendemos que deviam ser averiguados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª sabe perfeitamente que aquilo que eu disse não foi isso, pois não disse que a polícia tinha batido nos sequestradores. Mas, quanto ao padre, devo dizer que ouvi duas versão dele - e não ponha em causa aquilo que eu ouvi! Ouvi o padre, vestido à paisana, dizer que tinha sido muito bem tratado...
0 Sr. João Amaral (PCP): - 15so foi na esquadra! Mas foi à porta da igreja que lhe bateram!
0 Orador:- ... e também ouvi, em off, apenas a voz dele, a dizer que tinha sido mal tratado! Mas vi a cara dele, quando deu a cara na televisão, dizer que não tinha sido maltratado na esquadra. No entanto, na rádio, disse que tinha sido mal tratado! Agora, quando um homem diz que é maltratado não dá a cara e, quando diz que é bem tratado dá a cara, isso é para desconfiar!
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Exacto, é para desconfiar!
0 Orador: - Em segundo lugar, quanto à responsabilidade política, é óbvio que a Assembleia averigua acerca da responsabilidade política. Mas vamos esperar pelo resultado do inquérito do Provedor e, depois, partimos para essa averiguação. Porque é que vamos sobrepôr uns inquéritos aos outros? Se os factos são os mesmos, e não vamos inventar novos factos, o que ternos de fazer é aguardar pacientemente, como V. Ex.ª fez até agora. Aliás, este inquérito chegou tarde: devia ter sido proposto imediatamente, antes de o Provedor de Justiça e a Procuradoria-Geral da República estarem a averiguar esta matéria - se assim tivesse sido feito, estava tudo bem! Mas chegou tarde! V. Ex.ª teve de o agendar para hoje, também podia ter sucedido comigo foi pouca sorte, mas agora tem de aguentar.
0 Sr. João Amaral (PCP): - 0 inquérito foi entregue na data!
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - 0 Sr. Deputado nem sequer leu os documentos!
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas solicitar que seja esclarecido que o inquérito foi apresentado antes do fim do ano, em cima dos acontecimentos! E que nós quisemos agendá-lo e isso não foi possível ao longo deste tempo.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, terminou o debate deste pedido de inquérito parlamentar, com o n.º 28/VI.
Vamos passar ao debate da pedido seguinte, o inquérito parlamentar n.º 29/VI - Às condições em que se tem processado a elaboração, aprovação, execução, fiscalização e pagamento dos projectos de arborização e beneficiação florestal e ao eventual envolvimento, por acção ou omissão, dos membros do Governo titulares do Ministério da Agricultura, da iniciativa do PCP.
Para fazer a respectiva apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quando, em Dezembro passado, levámos ao conhecimento do País a existência de uma vasta rede de fraudes no âmbito da política florestal, o Sr. Secretário de Estado Álvaro Amaro disse que, no dia em que se discutisse aqui essa questão, aqui estaria para se defender das acusações.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E está! Em espírito!
0 Orador: - Afinal, chegou o dia do debate e o Sr. Secretário de Estado não apareceu!
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Esqueceu-se!
0 Orador: - Esqueceu-se, porventura! Bom, de facto, levámos ao conhecimento do País a existência de uma vasta rede de fraudes no âmbito da política florestal. 0 mecanismo é aparentemente simples: propõem-se e fazem-se aprovar projectos de florestação a serem subsidiados pelos fundos comunitários e nacionais; depois, só se floresta uma parte - normalmente, metade da área aprovada e subsidiada; entretanto, como têm que se apresentar justificativos das despesas efectuadas para as áreas aprovadas mas não florestadas, a solução é falsificarem-se as
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facturas, recibos e outros comprovativos de despesas. Só os casos que chegaram ao nosso conhecimento, e que não são mais do que a ponta do iceberg, abrangendo cerca de duas dezenas de projectos florestais, traduzem-se em fraudes que atingem valores na ordem de um milhão de contos, correspondendo a uma área de cerca de 12 000 hectares de que só metade terá sido arborizada.
Até aqui, apesar da gravidade e da dimensão, da fraude, poder-se-ia dizer que se trata de meros casos do foro judicial e criminal. Só que a questão é mais complicada: começa porque neles estão envolvidos altos quadros da Administração Pública que, em muitos casos, elaboram os projectos privados nos próprios serviços, por eles recebem comissões que chegam a 4 % sobre o orçamento do projecto (projectos de 200 000 contos rendem, para esses quadros, cerca de 8000 contos) e depois, enquanto responsáveis e gestores dos programas florestais, aprovam esses mesmos projectos, que eles elaboraram enquanto técnicos, fiscalizamos, visam as facturas e pagam-nas.
Então, quando se trata de projectos de florestação da própria Administração ou de outras entidades públicas, que deveriam obrigar a concursos de adjudicação das empreitadas, ou até do simples fornecimento de bens e serviços, aí, o regabofe e o sentimento de impunidade é de tal ordem que esses concursos não se fazem ou então simulam-se concursos para legalizar aquisições que ocorreram em datas anteriores, falsificam-se propostas, inventam-se firmas que não existem fiscalmente e imputam-se as mesmas despesas a vários projectos, Depois, tudo é pago pelos gestores dos programas sem nenhuma fiscalização do projecto.
Entretanto, surgem várias contas bancárias "particulares" das administrações florestais, fora da respectiva conta de gerência, abertas em nome dos seus responsáveis, onde são depositados e movimentados os subsídios pagos sem qualquer tipo de controlo, com levantamentos de milhares de contos, sem qualquer justificação e à margem de qualquer instrumento legal.
0 que acabamos de descrever e podemos comprovar cada caso e cada acusação com documentação já seria suficiente para nos inquietarmos e inquirirmos o que se passa em matéria de aplicação de dinheiros públicos na política florestal. Mas a questão é ainda mais grave quando se sabe - e aqui acusamos - que esta vasta rede de fraudes e os quadros nela envolvidos são do conhecimento, há mais de três anos, dos titulares do Ministério da Agricultura, designadamente do Secretário de Estado Álvaro Amaro e do anterior Ministro Arlindo Cunha, sem que tivessem, até ao momento, punido os responsáveis, afastando-os dos cargos que exercem.
Pelo contrário, ainda recentemente, o actual Ministro da Agricultura, Duarte Silva - apesar da nota avisada do Sr. Deputado Costa e Oliveira -, que, com este acto, se tornou cúmplice deste processo (embora alguns digam até que teria sido enganado pelo seu Secretário de Estado), promoveu e deu posse, em novas e altas funções no âmbito da política florestal e cinegética, a altos quadros da Administração Pública (e do PSD) responsáveis e, em alguns casos, participantes directos nas fraudes.
Um deles (responsável, enquanto projectista, por um processo de arborização que florestava uma zona de granito estreme, um campo de tiro e um campo de ténis, em São Martinho de Anta, pelo que o IFADAP pagou cerca de 8500 contos, quando apenas foram gastos cerca de 3400) foi nomeado responsável da Delegação Florestal de Trás-os-Montes.
Outro (que visava e autorizava pagamentos com base em documentos falsificados) foi nomeado chefe de divisão do planeamento e projectos florestais.
Outros (pai e filha, titulares das tais contas bancárias "particulares", cujos movimentos nunca foram controlados) foram nomeados para chefe de uma zona florestal e chefe de divisão de caça e pesca
Outro ainda é hoje presidente de uma câmara municipal pelo PSD.
0 Sr. Deputado tinha razão quando avisava o Sr. Ministro de que deveria ter sido prudente em não os ter nomeado!
Perguntar-se-á: por que é que, assim sendo, se nomeiam estas pessoas, sob suspeita e mesmo responsáveis pelas fraudes?!
Srs. Deputados, a verdade é que esta gente constitui uma das muitas redes clientelares criadas pelo PSD, são seus quadros de confiança e, em alguns casos, amigos pessoais e companheiros de farras e caçadas de fim-de-semana de titulares do Ministério da Agricultura, em especial do Secretário de Estado Álvaro Amaro.
Aliás, um dos nomeados que referi, senhor de um império de caça, que construiu no sector de que é responsável e até em terrenos do Estado, foi, como se diz no calão cinegético, quem fez o "noivado" de caça grossa do Secretário de Estado (aquilo que, na gíria da caça, se faz quando se esfrega a cabeça do caçador com as vísceras do javali).
Trata-se, pois, de uma vasta teia de interesses e cumplicidades, de que só se conhece a ponta, que explica a cobertura e o apoio que o PSD e o Governo têm dado a tão monumental fraude.
Srs. Deputados do PSD, não venham argumentar que o processo já está a ser investigado pelo Ministério Público,...
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - É mentira, Sr. Deputado?!
0 Orador: -... a quem o Ministério e o Secretário de Estado Álvaro Amaro teriam fornecido todos os processos, para justificar, eventualmente, a vossa fuga à aprovação do inquérito.
Na verdade, em primeiro lugar, também nos casos do Fundo Social Europeu, da Saúde, de Camarate ou do Banco Totta & Açores, os processos estavam em investigação no Ministério Público...
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - 15so é uma crítica à Procuradoria-Geral da República!
0 Orador: -... e, simultaneamente, fizeram-se inquéritos na Assembleia da República, porque aqui trata-se de apurar responsabilidades políticas, que é o que os senhores não querem!
Em segundo lugar, parte do processo está, de facto, sob investigação do Ministério Público, no entanto, não foi por iniciativa do Ministério mas somente porque um particular, uma empresa privada, que se sentiu lesada, fez uma queixa ao Procurador-Geral da República e obrigou o Ministério, contra a sua vontade, a ter de fornecer alguma documentação.
Em terceiro lugar, apesar de estarem a ser investigados os processos, a verdade é que eles estão praticamente parados, porque às brigadas de investigação não são disponibilizados os meios necessários a esse Fim.
Acresce que, tendo o Ministério vasta informação interna sobre as fraudes existentes, na prática, os processos
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disciplinares "levaram sumiço", foram objecto de oportunas amnistias e arquivamento, tendo o Secretário de Estado Álvaro Amaro e o então Ministro Arlindo Cunha acabado por absolver os responsáveis desta rede de fraudes. Se quiserem, Srs. Deputados, posso ler-vos os despachos.
E prova disso, até, o facto de os terem promovido em novos e altos cargos, exactamente no sector florestal. Afinal, o único que acabou por ser punido foi um dos funcionários que denunciou as irregularidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este pedido de inquérito parlamentar assenta sobre bases inquestionáveis e não sobre factos isolados. Estas bases constituem a ponta de um enorme iceberg que atravessa a aplicação dos fundos para a agricultura.
Enquanto milhares de pequenos agricultores não têm acesso a um tostão de apoio, milhões de contos vão parar aos bolsos de organizações e indivíduos da confiança do PSD. Não são os agricultores nem os produtores florestais que estão em causa mas, sim, a teia de interesses que os utiliza em benefício próprio e ilícito.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Aliás, depois de termos tornado públicos estes factos, que impressionaram o País, muitos cidadãos, nomeadamente agricultores, nos escreveram, contando outros e novos casos.
Srs. Deputados do PDS, desafiamo-vos a aprovarem o inquérito que propomos e que sabem assentar em provas sólidas, o qual deve apurar todas as responsabilidades neste escândalo, incluindo as que, por acção ou omissão, foram praticadas pelos membros do Governo envolvidos.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - Se o não fizerem, desde já, tornam-se cúmplices da actuação do Ministério da Agricultura, do Secretário de Estado Álvaro Amaro, dos responsáveis pelas fraudes e das situações de corrupção, acerca das quais o PCP, desde sempre, tem manifestado profunda preocupação e cuja dimensão mina a confiança dos portugueses e os fundamentos de um Estado democrático.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Carlos Duarte. Peço-lhe, no entanto, Sr. Deputado, que seja breve, pois o PCP já não dispõe de tempo para responder.
Tem a palavra.
0 Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, serei certamente muito breve.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que ouvi atentamente a sua intervenção. Ora, pelos fundamentos apresentados no pedido de inquérito parlamentar, não há qualquer facto novo para além daqueles processos referentes a 1991 e 1992, que, por despacho dos membros do Governo, foram enviados, para averiguação, à Inspecção-Geral e Auditoria de Gestão do Ministério da Agricultura, ao Ministério Público e à Procuradoria-Geral da República, estando a própria Polícia Judiciária a investigar. Não queríamos acreditar que o PCP eventualmente não tivesse fé nestas entidades, nomeadamente no Ministério Público e na Procuradoria-Geral da República.
0 Sr. Deputado Lino de Carvalho não veio contestar qualquer decisão política de um membro do Governo, porque sabe que todas as decisões políticas foram no sentido de aprofundar a investigação em relação a eventuais suspeições lançadas por alguém. Efectivamente, o senhor sabe que todos os despachos foram nesse sentido.
0 Sr. Deputado veio, isso sim, contestar decisões administrativas ou técnicas de funcionários da Administração.
Sr. Deputado, não quero acreditar que o PCP, ao anunciar este pedido de inquérito, em Dezembro, quisesse, no fundo e simplesmente, reduzir o alcance, o efeito positivo, que constituiu o anúncio público, feito nesse mesmo dia por parte de autoridades estatísticas nacionais e comunitárias, do aumento do rendimento dos agricultores portugueses em 20 %. Não quero acreditar!
Risos do Deputado do PCP Lino de Carvalho.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, a Mesa vai conceder-lhe algum tempo para responder. Peço-lhe que o administre devidamente.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, é pena não dispor de tempo, porque, caso contrário, leria aos Srs. Deputados documentação vária sobre este processo.
Aliás, o Sr. Deputado Carlos Duarte ouviu-me perfeitamente fazer uma imputação de responsabilidades às acções e às omissões do Governo e do Ministério nesta matéria. Portanto, não me limitei a nomear os funcionários, Sr. Deputado.
Quanto aos tais processos enviados pelo Ministério para a Inspecção-Geral e Auditoria de Gestão, depois de muito instado por várias queixas, sabe quais foram os resultados, Sr. Deputado Carlos Duarte? Leio-lhe apenas um despacho do Sr. Ministro Arlindo Cunha, elaborado na base e na sequência de um outro despacho do Sr. Secretário de Estado da Agricultura Álvaro Amaro, quando a Inspecção-Geral propôs a instauração de processos disciplinares às pessoas envolvidas. Sabe qual foi, nessa altura, o teor do despacho do Sr. Ministro Arlindo Cunha? Vou passar a lê-lo: "Considera-se que a substância das questões não está nas pessoas, que frequentemente se empenham para além do que é estritamente exigido por lei, mas no quadro geral da organização e funcionamento dos serviços públicos". 15to é, o problema não é das pessoas mas, sim, do sistema. Portanto, o melhor é arquivar o processo.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É como o sistema laranja!
0 Orador: - Sr. Presidente, poderá continuar a ler outros despachos... Porém, é evidente que há aqui grande cumplicidade da parte dos membros do Governo e, em particular, do Sr. Secretário de Estado e do Sr. Ministro que exarou este despacho em torno deste e de muitos outros casos.
Sr. Deputado Carlos Duarte, não fuja às questões! Há provas, documentos inquestionáveis e responsabilidades políticas. Vamos apurá-las. E não tenham medo porque "quem não deve não teme".
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
0 Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inquéritos, escândalos, suspeições de
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corrupção, clientelismo e promiscuidade entre interesses públicos e privados são, desde há muito, não a excepção mas a regra no Ministério da Agricultura.
Dizia-me, há tempos, um conhecido meu e responsável da área governativa que, cada vez que tinha de mexer em algum processo relacionado com o Ministério da Agricultura, até tinha medo, porque em cada um deles havia sempre um "lacrau". Este processo relativo aos projectos de arborização e beneficiação florestal é um entre muitos, mas é obviamente um "lacrau" de grandes proporções.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não temos qualquer expectativa positiva acerca das conclusões deste inquérito, porque, se ele chegar a realizar-se, não virá a concluir pela verdade dos factos, mas certamente sancionará a verdade do PSD, que é sempre a do encobrimento, do. compadrio e da corrupção.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, os exemplos que temos são muitos.
Veja-se o que se passou com a negação sistemática, até à exaustão, da existência, em Portugal, de encefalopatia espongiforme dos bovinos.
Veja-se o escândalo com a comercialização dos cereais, que foi sistematicamente negado e os socialistas que o denunciaram insultados, e, por fim, o PSD teve de engolir por tão evidentes que eram as suas próprias negações.
Veja-se, por exemplo, o que se passa com as empresas PEC. Ainda ontem vinha publicado num jornal, o que e um escândalo, que uma dessas empresas, tutelada pelo Ministério da Agricultura, tinha, no seu matadouro em Ba, 35 toneladas de carne imprópria para consumo, empresa que é gerida por um irmão do Secretário de Estado, o mesmo que levou à falência a COOPSADO, onde, há três ou quatro anos, foram investidos 300 000 contos para saneamento financeiro mas, poucos meses depois, a empresa faliu.
Veja-se o que se passa com o conselho de Administração das empresas PEC e com a extinção do IROMA, cujo presidente foi demitido depois de uma audição parlamentar, sem que, até hoje, haja sido dada qualquer justificação, tendo apenas, há oito dias atrás, sido brandido um documento pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura, segundo o qual estavam finalmente apurados os responsáveis, que, neste momento, ainda ninguém sabe quem são.
Veja-se o que vem hoje num semanário acerca da Companhia das Lezírias, uma empresa pública onde, mais uma vez, vieram à tona casos de manifesta irregularidade e de obtenção ilícita de fundos comunitários.
Veja-se o que se passa na caça, pois a denúncia que o Sr. Deputado Lino de Carvalho aqui faz é exactamente a mesma que eu fiz, há dois anos, do alto daquela, tribuna, acerca da caça no concelho de Mértola, onde se constatou que os responsáveis pela elaboração dos projectos eram os mesmos que os fiscalizavam e que esses mesmos projectos eram em tudo iguais - simples fotocópias -, onde apenas mudava o nome do titular.
É todo um enorme rol de suspeições de fraude e de corrupção à volta do Ministério da Agricultura!
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a denúncia que o Sr. Deputado Lino de Carvalho aqui trouxe não constitui qualquer novidade para nós, pois ela já veio no Expresso, em Julho de 1992, no Público, em Março de 1993, de novo no Expresso, em Maio de 1993, e é, hoje, algo de que ninguém duvida, aliás nem o próprio Deputado Costa e Oliveira, que era membro do Governo nessa altura, e que também não tinha dúvidas de que assim era, ao ter considerado uma grande falta de prudência o Sr, Ministro ter ido a Trás-os-Montes empossar os responsáveis pelos Serviços Florestais.
Quero com isto dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a promiscuidade ou a relação intensa entre interesses públicos e privados no Ministério da Agricultura não são, de facto, a excepção mas a regra. Este caso de Trás-os-Montes é bem elucidativo, porque nos mostra um pai que é responsável, que deixa de o ser e nomeia a filha, que é sócio com o cônjuge de uma empresa, da qual também são sócios os funcionários subalternos que fazem a fiscalização dos processos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não acredito no resultado deste inquérito, porque este tipo de problemas só se trata com uma desinfestação profunda. E a desinfestação do Ministério da Agricultura, da Administração Pública portuguesa, neste momento, dado o estado a que chegou, só pode ser solúvel de uma única forma: substituir esta maioria, a velha maioria, que já deu o que tinha a dar, que já esgotou completamente, que já se afundou no pântano da corrupção, da incompetência, da ineficácia e da suspeição. 15to é, a solução é varrer do poder quem demonstrou ser apenas capaz de o usar desta forma, porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o sector florestal é decisivo, é fundamental, para Portugal.
Como sabem, as florestas representam 12 % do PIB industrial, 9 % do emprego e 12 % das nossas exportações.
Em 1989, essas exportações foram de 300 milhões de contos e caíram para 260, em 1993, enquanto as importações de produtos florestais subiram de 90 para 150 milhões de contos.
Estudos recentes da competitividade da floresta, elaborados pelo tal grupo, demonstram que, se não for invertida rapidamente a política florestal, teremos, a médio prazo, problemas gravíssimos que se traduzirão num prejuízo para a balança comercial de 75 milhões e na iminente perca de aproximadamente 6000 postos de trabalho na fileira industrial. Enquanto esta situação se constata, os Srs. Membros do Governo, no Ministério da Agricultura, na administração florestal, vão-se entretendo a encher os bolsos e a aplicar indevidamente os meios financeiros nacionais e comunitários que deveriam servir para relançar um sector decisivo para a nossa economia, para o nosso mundo rural.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, concluo dizendo que o PS não tem, relativamente a este inquérito, qualquer expectativa quanto aos seus resultados. No entanto, penso ser útil debater este assunto, porque, mais uma vez, põe a nu o que é de facto a governação do PSD, e, por uma questão de princípio, em nome da verdade e da transparência, não inviabilizaremos a aprovação deste inquérito, não obstante o que acabei de dizer.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, informo que se encontram nas galerias a assistir à reunião plenária os alunos das Escolas Secundárias de Almancil, de Alcácer do Sal e de Carlos Amarante de Braga, para quem peço a saudação habitual.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje mais um pedido de inquérito relativamente a actividades desenvolvidas no âmbito do Ministério da Agricultura, concretamente no domínio das florestas.
A pretexto deste pedido de inquérito, permito-me, antes de entrar na matéria do inquérito propriamente dita, fazer algumas considerações.
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Em primeiro lugar, começo por afirmar aos Srs. Deputados que nós, eu, a minha bancada e o meu partido, apreciamos muito, muito mesmo, todas as iniciativas que visam apurar a verdade, clarificar situações e esclarecer comportamentos desde que sejam levadas a efeito de uma forma genuína, isto é sem outras motivações que não sejam a busca da verdade e a transparência na acção. Ao contrário, se essas iniciativas decorrem apenas de razões meramente político-partidárias, deixam de merecer tal apreço para passarem a ser objecto da nossa mais viva contestação.
Uma segunda observação tem a ver com a ideia de haver maiores e menores defensores da verdade, pessoas e partidos mais e menos indigentes nesta matéria. Mais, quando se discutem estas questões, fica-se por vezes com a ideia de que a defesa da verdade e da transparência é pretensamente exclusiva de algumas pessoas e de algumas formações partidárias. Rejeitamos categoricamente essa ideia, porque, no mínimo, somos tão amantes da verdade e da transparência como quaisquer outros. Diremos mesmo que não receamos confrontos, apenas nos recusamos a utilizar métodos menos conformes com a pureza das coisas e princípios que devem sustentar as nossas posições.
Finalmente, a terceira observação é relativa à forma como a verdade e a transparência podem ser asseguradas. Sem negar a sua valia, adiantamos, desde já, que, em nosso entender, não é apenas através dos inquéritos parlamentares que se obtém esse desiderato nem tão-pouco se nos afigura ser esse o meio mais eficaz para o efeito. Aliás, os inquéritos mesmo quando são conclusivos, não esgotam as actuações relativas a eventuais infractores se, no que toca a estes, a aplicação de mecanismos penais se tomar possível.
Existem, pois, outras formas e métodos de apuramento da verdade e de salvaguarda da transparência que, ao que julgamos, foram utilizados nos casos vertentes, como adiante se verá.
0 pedido de inquérito em análise tem como objecto as condições em que se tem processado a elaboração, aprovação, execução, fiscalização e pagamento dos projectos de arborização e beneficiação florestal e ao eventual envolvimento, por acção ou omissão, dos Membros do Governo titulares do Ministério da Agricultura e assenta num conjunto de alegados casos e situações que, como já dissemos, estão a ser ou já foram apreciados por órgãos internos do Ministério e órgãos judiciais competentes.
Queremos acreditar na capacidade de isenção de uns e de outros e, por isso, por uma questão de princípio, louvamo-nos na sua acção. Aliás, de acordo com informações de que pudemos dispor - não tantas como as de que parece dispor o Sr. Deputado Lino de Carvalho -, ...
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!
0 Orador: - ... os órgãos de auditoria e inspecção do Ministério actuaram já relativamente a algumas situações e casos terá havido que foram comunicados ao Ministério Público por força dos competentes despachos dos Membros do Governo responsáveis pelo sector, e nem de outra maneira poderia ser.
Neste caso, não faz sequer sentido qualquer inquérito, tanto mais que poderia ser entendido como uma forma inaceitável de pressionar um órgão judicial.
Ainda de acordo com informações obtidas, podemos até situar alguns desses processos e, relativamente a eles, propor algo de concreto, o que faremos.
Em nossa opinião, não podemos ser indiferentes a essa actuação e, consequentemente, deixar de valorá-la no âmbito desta discussão. Assim, e por tudo isto, iremos apresentar na Mesa um requerimento no sentido de, com urgência - o que sublinho ..., serem remetidos à Comissão de Agricultura e Mar os documentos que passo a enumerar: primeiro, as conclusões da auditoria e inspecção à repartição administrativa pedida por um funcionário; segundo, as conclusões do processo de averiguações levado a cabo pela Inspecção-Geral resultantes de queixas formuladas pelo GAT; terceiro, as conclusões do processo de averiguações na ex-circunscrição florestal de Vila Real e ex-Administração florestal de Bragança relativamente a factos imputados ao engenheiro técnico agrário Álvaro Barreira e à engenheira Graça Maria Barreira Andrade; quarto, a indicação do processo ou processos que, por despacho dos Membros do Governo, foram remetidos ao Ministério Público; quinto, outras informações pertinentes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, aguardamos que, de acordo com o requerido, nos sejam remetidos com urgência os elementos e esclarecimentos agora solicitados, os quais são determinantes para a posição que adoptaremos futuramente em relação à matéria que constitui o objecto do pedido de inquérito agora em apreciação. Nessa medida, condicionam também o nosso voto relativamente ao pedido de inquérito, o qual é susceptível de ser alterado se os esclarecimentos requeridos não forem atempadamente recebidos ou considerados insuficientes. Se assim for, seremos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a tomar a iniciativa de pedir o competente inquérito porque prezamos a verdade e disso não abdicamos!
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lino de Carvalho e António Martinho. Apesar de o PCP ter esgotado o tempo de que dispunha, a Mesa concede-lhe um minuto e pede-lhe para ser muito breve.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua condescendência. Como o PCP esgotou o tempo de que dispunha, não irei abusar mas apenas deixar a seguinte nota ao Sr. Deputado Antunes da Silva.
Nesta fuga para a frente do PSD, não querendo fazer inquéritos a situações em que, noutros casos fez, apesar da intervenção do Ministério Público, é curioso verificar que, quanto aos documentos pedidos, este partido se esqueceu, por exemplo, de falar em todos os despachos de arquivamento do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado, apesar das vastíssimas informações que detinham em relação às responsabilidades pelas fraudes cometidas, entre outras.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Esses é que são os processos complicados, os transparentes!
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, registo que não formulou qualquer pedido de esclarecimento mas, para utilizar a sua expressão, gostava de deixar-lhe a nota de que é falso que os subscritores do requerimento se tenham esquecido de solicitar os despachos de arquivamento.
Talvez o Sr. Deputado não tenha prestado atenção mas posso facultar-lhe cópia da minha intervenção, pois, junta-
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mente com as conclusões dos processos, ser-nos-á enviado, necessariamente, o despacho que determinou o seu arquivamento, ainda para mais sendo o último.
Possivelmente, o Sr. Deputado ficou surpreendido com esta acção mas, acredite, ela visa apurar a verdade de unia forma não menos intencional ou intensiva como V. Ex.ª pretende com o vosso pedido de inquérito. Gostava que isso ficasse claro para todos os Srs. Deputados.
Vozes do PSD: - Muito bem
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir- esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.
0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antunes da Silva, por força desta proposta de inquérito, a região de Trás-os-Montes e Alto Douro veio, por más razões, a este Hemiciclo. Seria preferível que tivesse vindo por boas razões.
Teria sido preferível que pudéssemos debater as questões do desenvolvimento daquela região, a utilização dos fundos comunitários, devidamente e não ao desbarato. Teria sido preferível tudo isso em vez de muitos transmontanos estarem, porventura, sob suspeição e os postos de trabalho de outros a serem injustamente pomos em causa, como é o caso daquele funcionário que pôs em causa o funcionamento dos serviços florestais em Vila Real e ao qual, depois, foi levantado um inquérito.
Tudo isto me leva a questionar o Sr. Deputado Antunes da Silva, que interveio em nome do PSD, sobre alguns aspectos. É que o requerimento que referiu, no qual solicitava a entrega daquelas conclusões à Comiss4o de Agricultura e Mar, não vai ao fundo da questão. Digo que não vai ao fundo da questão, Sr. Deputado, e dou-lhe exemplos, há indícios de má utilização de fundos na florestação da região; há indícios de que se faz uma florestação que, depois, é objecto de incêndio para, posteriormente, tornar a fazer-se uma outra florestação da mesma zona, quando seria preferível que as árvores crescessem e produzissem dinheiro para os transmontanos.
Há pessoas em causa mas também métodos. Quando é entregue um cheque de 20 contos a um funcionário que trabalha num projecto de florestação e, em seguida, lhe é apresentado um recibo de 60 contos para assinar, algo está mal no meio disto tudo. Usa-se mal o dinheiro e explora-se mão-de-obra. E isto aconteceu no âmbito de projectos de florestação.
Quando se envolve uma aldeia num projecto de florestação, invocando a desertificação natural existente, quer-se acabar com aquela aldeia, porventura, ou, então, quer-se utilizar indevidamente uma área para justificar fundos comunitários.
Quando não se abre concurso para projectos de florestação e se adjudicam todos esses projectos à mesma firma, ou quase, é em desfavor de outras, que também têm postos de trabalho criados, que também investiram na região, que também criam riqueza e, então, é porque algo está mal nisto tudo.
Sr Deputado Antunes da Silva, gostaria de ouvir os seus comentários sobre tudo isto.
Termino, não sem antes anunciar que vou entregar na Mesa cópias de recibos e de cheques relativamente a estas questões que acabei de levantar.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Faz muito bem!
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira). - Sr. Deputado Antunes da Silva, tem a palavra para responder.
0 Sr. Antunes da Silva (PSD)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, mostrou-se muito incomodado pelo facto de ter falado tanto na sua região.
Peço desculpa por, uma vez mais, ter falado na região ao pedir - e passo a citar - as "( ... ) conclusões do processo de averiguações na ex-circunscrição florestal de Vila Real e ex-Administração Florestal de Bragança, relativamente a factos imputados ao Engenheiro Técnico Agrário Álvaro Barreira e à Engenheira Graça Maria Barreira Andrade" Repito que peço desculpa por, uma vez mais, ter falado na vossa região, mas pergunto-lhe se está ou não de acordo em que as referidas conclusões sejam entregues na Comissão de Agricultura e Mar, de que o Sr. Deputado também faz parte
Passo agora a responder directamente à questão que me colocou.
0 Sr. Deputado acusou-nos de, com a apresentação do requerimento que anunciei e o consequente pedido de entrega das conclusões referidas, não irmos ao fundo das questões. Ora, Sr. Deputado, admito que considere insuficiente esta forma de expressar o pedido mas, certamente - e teremos muito gosto em que assim seja. .. o Sr. Deputado António Martinho, tal como qualquer outro, terá toda a oportunidade, na Comissão de Agricultura e Mar de pedir todos os esclarecimentos complementares que julgar necessários com vista ao apuramento da verdade...
0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, porque é que não faz um inquérito'?
0 Orador: - Sr. Deputado, veremos se é necessário ou não!
Como dizia, o Sr. Deputado António Martinho, assim como todos os outros, terá essa oportunidade porque eu próprio disse do alto da tribuna que a daria, na medida em que condicionamos a nossa posição futura à quantidade e à qualidade dos esclarecimentos que nos forem remetidos sobre a matéria. Ou seja, veremos se estes são ou não suficientes e, portanto, nessa altura - repito ..., o Sr. Deputado, tal como todos, poderá pedir os esclarecimentos que julgar convenientes.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP):- Sr. Presidente, peço a palavra.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira) - Para que efeito, Sr. Deputado7
0 Sr. Narana Coissoró (CDS~PP): - Sr. Presidente, não é para intervir neste debate mas para, depois, fazer uma interpelação à Mesa sobre uma matéria diferente relativa a um programa televisivo.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Fica inscrito, Sr. Deputado.
0 Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Faz favor, Sr. Deputado.
0 Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD):- Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Martinho disse que ia entregar na Mesa cópias de cheques Gostava de saber onde obteve essas cópias.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - No SIS!
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0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - 0 Sr. Deputado António Martinho, regimentalmente, não tem de responder a essa pergunta, mas dou-lhe a palavra se o quiser fazer.
0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Bernardino Silvas, a resposta é muito simples: obtive-as junto dos cidadãos que se sentiram usados nesta questão.
Vozes do PS: - E roubados!
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, depois de muito se ter publicitado, repetidamente e durante vários dias, ontem à noite o canal de televisão SIC apresentou um programa relacionado com o julgamento do padre Frederico, do Funchal.
Naturalmente, a expectativa criada à volta deste programa era razoável, porque se tratava de fazer a apresentação, em Portugal, do que se dizia ser um método de apuramento da verdade através de meios mecânicos. Depois de se ter criado tamanha expectativa, numa hora nobre dos espectáculos, verificámos que ela se desembocou num desrespeito total pelas instituições do Estado de direito.
Tratou-se, afinal, de um julgamento popular,...
0 Sr. Antunes da Silva (PSD): - Muito bem!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi, sim senhor!
0 Orador: -... levado a cabo pelos jornalistas, operadores, empregados e presidência da SIC, substituindo-se aos tribunais!
Aplausos gerais.
Foram arroladas e interrogadas testemunhas que não estiveram no julgamento...
A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Exactamente!
O Orador: -... e levou-se ao programa um arguido que está a cumprir uma pena aplicada pelos legítimos tribunais deste país para se pôr em dúvida a veracidade ou a legitimidade do julgamento realizado em instâncias próprias do Estado português!
Aplausos gerais.
Assistiu-se a um espectáculo degradante que colocou em cheque a legitimidade dos tribunais, quer de 1.ª instância, quer do Supremo Tribunal de Justiça, chegando mesmo a pôr-se em dúvida se a própria sentença era ou não justa.
Deu-se, em terceira instância, a voz a um jornalista para ele se pronunciar em público sobre a legitimidade da sentença judicial, depois de mostrar a todos que esta sentença não teria sido justa, porque havia muita coisa oculta e que não foi averiguada pelo tribunal. Todo este sentido de comercialização da mais alta instituição - o julgamento e sentença dos tribunais - é a coisa mais deplorável que vi, depois da abertura dos canais de televisão à iniciativa privada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É verdade!
Aplausos gerais.
Por isso, Sr. Presidente, deve ser dito aqui, na Assembleia da República - órgão ao qual cumpre zelar pelas instituições, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos .... que ontem foi perpetrada, de uma forma drástica e implacável, uma injustiça contra os tribunais. Mais: foi posto em causa o Estado de direito, a independência do poder judicial, a dignidade dos arguidos e das vítimas, o regime penal português, ou seja, tudo o que deve ser sagrado em Portugal!
Por isso mesmo, não posso calar a minha voz contra este infamante programa da SIC, que utilizou, para fins puramente comerciais, um padre, um arguido, uns cidadãos, para ofender os tri5unais portugueses!
(0 Orador reviu.)
Aplausos gerais.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, compreendo que a importância do tema tenha suscitado o interesse de todas as bancadas. Do ponto de vista regimental, esta não foi propriamente uma interpelação à Mesa. Contudo, vou dar a palavra a cada um dos Srs. Deputados que se inscreveu, mas peço que, na medida do possível, respeitem o Regimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
0 Sr. Alberto Cesta (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tive ocasião de assistir ontem ao programa emitido pela SIC, mas as notícias que tenho e todas as informações que nos dias anteriores precederam a emissão desse programa levam-me a identificar-me com o sentido da intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró.
Sem prejuízo da garantia da liberdade de expressão, penso que é legítimo e necessário que se manifestem estas preocupações, mas, sobretudo, o que é preciso sublinhar é que essa operação teve uma cumplicidade que não é possível deixar de denunciar. A administração penitenciária, a quem cumpriria fazer observar as sentenças dos tribunais, permitiu que alguém, que estava preso por virtude de uma decisão condenatória, fosse publicamente submeter-se a uma operação desta natureza.
São, portanto, necessárias explicações do responsável pela pasta da justiça, para se saber por que é que um recluso condenado é autorizado a comparecer numa emissão televisiva desta natureza. Este é um facto de uma incrível gravidade e penso que não há memória neste país, nem em qualquer outro, de uma autorização para submissão a experiências semelhantes.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ele disse-me que não sabia que era para esse fim!
0 Orador: - Assim, do ponto de vista da nossa bancada, esta Assembleia deve exigir uma clarificação das responsabilidades por parte de quem deve zelar pelo cumprimento das decisões dos tribunais e, neste caso, por quem é responsável pela administração penitenciária.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive ocasião de ver o programa da SIC, Aliás, há cerca de uma semana que este vinha sendo anunciado, pelo que a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais saberia o que se ia passar inclusivamente, lembro-me de ter lido no Tal e Qual um título que dizia "Padre Frederico inocente".
De facto, como disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, o sistema prisional foi posto em causa. E foi posto em causa, incrivelmente, pela própria Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que, para além do mais, deu possibilidade de levar a um programa televisivo um determinado material, para daí se atacar o poder judicial, para se fazerem críticas aos juízes que fizeram aquele julgamento e
para se fazerem críticas ao Ministério Público, acusando-os de estar de má fé.
Foi uma coisa inconcebível, que nunca esperei ver e que só tem justificação por causa da incrível guerra de audiências, que não justifica que se usem estes processos!
Aplausos do PS, do PCP e do CDS-PP.
Não está aqui em causa a liberdade de expressão! Não é isso que está em causa, porque o julgamento foi feito com inteira publicidade, com a presença da televisão, que pôde filmar aquilo que entendeu e fazer as apreciações que quis! 0 que não é possível, neste país e num Estado de direito, é levar novas testemunhas a uma emissão de televisão, utilizar um meio de prova mais do que discutível e discutido, para depois, no final, dizer-se, como disse o apresentador: "0 Padre Frederico está inocente"!
15to é, de facto, uma coisa inconcebível e inaceitável! E acho que devemos manifestar a nossa indignação e apresentar um protesto junto da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais por ter permitido que isto se passasse no Portugal de Abril!
Aplausos do PS, do PCP e do CDS-PP.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos de tomar algum cuidado na abordagem desta questão. Quero dizer que, como posição de princípio, estou de acordo com as intervenções que aqui foram produzidas. No entanto, Abril trouxe-nos uma panóplia de liberdades e direitos que têm de ser harmonizados e também a livre expressão e a livre intervenção da comunicação social. É certo que não se pode usar nenhum destes direitos, de tal forma que outros igualmente fundamentais e importantes sejam postos em causa. É essa conciliação e esse equilíbrio que temos de ponderar e reflectir.
Quero dizer que tenho aqui à minha frente um comunicado do Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais, datado de 24 de Março, em que este diz proibir todo o qualquer recluso de participar num programa como o que ontem ocorreu, nos termos em que foi feito. E foi dito que a intervenção do recluso que foi a este programa não seria para se processar nos moldes em que ele ocorreu.
Portanto, é bom que fique claro que o programa exorbitou o âmbito daquilo que estava previsto e autorizado. Não há, pois, aqui nenhuma leviandade dos serviços prisionais, designadamente do Sr. Director-Geral dos Serviços Prisionais, relativamente a esta questão.
Tirou-se daqui uma lição e temos de criticar o órgão de comunicação social em causa por não ter respeitado as regras e o âmbito da autorização que lhe tinha sido concedida.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É verdade!
0 Orador: - 15to tem de ser dito. Neste caso, exorbitou-se nitidamente o âmbito da autorização concedida. E não há qualquer dúvida de que, no âmbito da livre intervenção e expressão dos órgãos de comunicação social, não se pode utilizar qualquer programa e qualquer desses órgãos, sejam privados ou públicos, de forma a pôr em causa instituições fundamentais num Estado de direito, como é o caso dos tribunais. Não se pode brincar aos tribunais, conforme vem acontecendo na comunicação social.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - 15to é demasiado sério para todos nós, para que se possa entrar em brincadeiras deste tipo. Brinquem com outras coisas, não brinquem com os princípios fundamentais de um Estado de direito que custou muito a criar em Portugal!
Aplausos do PSD, do PCP e do CDS-PP.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Até porque há outros meios! Se o arguido tem novos meios de prova, pode sempre requerer a revisão da sentença!
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira):- Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, congratulo-me com a unanimidade da Câmara na censura pública à SIC, pelo programa apresentado ontem, envolvendo um recluso, e, na sequência desta unanimidade, a minha bancada não deixará de apresentar um protesto para juntar à acta da sessão, bem como um requerimento ao Sr. Ministro da Justiça para que estes casos não se repitam e tome todas as medidas para que a simulação dos novos tribunais nos casos julgados, seja banida do País, acabando com essa tonteria que não é televisão, nem espectáculo, mas autênticos atentados aos órgãos de soberania portuguesa.
(0 Orador reviu.)
Aplausos gerais.
0 Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, como não existem mais inscrições, dou por encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se no dia 5 de Abril, às 10 horas, e terá como ordem de trabalhos um debate de urgência, pedido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre o desemprego. Reuniremos ainda, nesse mesmo dia, às 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia destinado à reapreciação de vários diplomas que dizem respeito às questões de ética e transparência das instituições e dos titulares de cargos políticos.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 20 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Arménio dos Santos.
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Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Mendes Bota.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
José Manuel Santos de Magalhães.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adriano da Silva Pinto.
António Maria Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Gomes Milhomens.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
15abel Maria de Almeida e Castro.
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