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Sexta-feira, 21 de Abril de 1995 I Série - Número 65 2129

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE ABRIL DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 537 a 539/VI, bem como de requerimentos 4 da resposta a alguns outros
O Sr. Deputado Paulo Rodrigues (PCP) condenou a política do Governo para o sector da educação, em especial do ensino pré-escolar. respondendo também a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Anabela Manos (PSD)
A Sr.ª Deputada Anabela Manas (PSD) enalteceu o anúncio de medulas pelo Governo para o ensino pré-escolar Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Mana Julieta Sampaio e Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Paulo Rodrigues (PCP) e Fernando de Sousa (PS).
O Sr. Deputado Armando Vara (PS) sancionou o Governo quanta à forma como tem f eito a aplicação de fundos comunitários na região do Douro e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Adão e Silva (PSD) e Ferreira Ramos (CDS-PP).

Ordem do dia.- A Câmara procedeu a nova apreciação na generalidade, do Decreto n.º 183/V1 - Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa), objecto de veto do Sr Presidente da República, o qual foi confirmado Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Miguel Macedo (PSD), José Magalhães (PS), Odete Santos (PCP) e Manuel Queira (CDS-PP).
Procedeu-se à discussão conjunta dos projectos de lei n.º 463/VI - Alarga a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de certas categorias de actos das Administrações central, regional e local (PS), 5O2/VI - Direito de participação procedimental e de acção populares (Deputado do PSD Rui Macheie) e 53l/V l - Confere a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de actos administrativos lesivos de interesses públicos (PCP) Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Alberto Costa (PS), Rui Macheie (PSD). António Filipe (PCP) e Almeida Santos (PS)
Mereceu aprovação um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado a depor em tribunal.
Por fim, foram aprovadas, na generalidade, a proposta de lei n. º 125/VI - Altera o regime do direito de antena nas eleições presidenciais e legislativas e, em votação final global a proposta de lei n. º 123/VI-Aprova bonificações de juros para empréstimos, com garantia do Estado, contraídos por associações sem fins lucrativos
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Mana Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abrem.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Estácio Marques Florido.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

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Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Mana de Lemos de Menezes Ferreira.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Deputados independentes:

Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.ºs 537/VI - Criação da freguesia de Maceira, no concelho de Torres Vedras (PS), que baixou à 5.ª Comissão, 538/VI- Utilização de cadáveres para fins científicos, que baixou à 1.ª Comissão, e 539/VI- Alteração à Lei n.º 110, de 29 de Agosto, que aprova os Estatutos da Associação Profissional dos Médicos Dentistas, que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões, ambos da iniciativa do Deputado do PSD Macário Correia.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; a diversos Ministérios e às Câmaras Municipais de Torres Novas e Ourem, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; aos Ministérios da Indústria e Energia e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; e ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Calçada, na sessão de 2 de Junho; Fialho Anastácio, na sessão de 28 de Outubro; Miranda Calha, nas sessões de 13 de Dezembro e 24 de Março; Guilherme d'Oliveira Martins, na sessão de 4 de Janeiro; Paulo Rodrigues, na sessão de 2 de Fevereiro; Isabel Castro, no dia 13 de Fevereiro e na sessão de 8 de Março; João Amaral, na sessão de 15 de Fevereiro; José Manuel Maia, no dia 17 de Fevereiro; Luís Pais de Sousa e Rosa Albernaz, na sessão de 24 de Fevereiro; Gameiro dos Santos, na sessão de 10 de Março;

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António Alves, na sessão de 16 de Março; Lino de Carvalho, na sessão de 17 de Março; Caio Roque, na sessão de 22 de Março; e Alexandrino Saldanha, nas sessões de 24 de Fevereiro e 29 de Março.
Gostaria também de informar a Câmara que hoje à tarde irão reunir-se as Comissões de Petições e de Economia, Finanças e Plano e a Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, há consenso das diversas bancadas com assento parlamentar para adiar o início desta sessão por 10 a 15 minutos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Se há consenso assim se fará, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os anos de governação do PSD na educação ficarão irreversivelmente caracterizados pela mercantilização da educação e do ensino e pela desvalorização da escola pública.
Aumentaram as dificuldades de acesso ao ensino e facilitou-se a proliferação de instituições que tiraram (e continuam a tirar) elevados lucros resultantes da prestação de serviços, desinseridos de qualquer estratégia para o sector, muitas vezes de duvidosa qualidade, cuja existência resulta de forma muito directa do desinvestimento do Governo na educação.
A situação em que Portugal se encontra no que respeita ao acesso à educação pré-escolar ilustra o que acabamos de afirmar.
É bom lembrar que a Constituição da República Portuguesa consagra que "todos têm direito à educação (...) com garantia do direito à igualdade de oportunidade de acesso e êxito escolar."
Entretanto, está hoje suficientemente demonstrado que o acesso a estabelecimentos de educação pré-escolar de qualidade constitui não só um factor positivo para a formação de crianças mas, também, um elemento que favorece de forma importante o futuro percurso escolar.
No relatório que o Conselho Nacional de Educação elaborou e aprovou por unanimidade em Abril de 1994 pode ler-se o seguinte: "As análises feitas a partir dos estudos de impacto dos programas pré-escolares, comparando modelos educacionais diferentes, concluem globalmente que a educação pré-escolar de qualidade tem um impacto duradouro no decurso da vida ulterior da criança. Indicadores resultantes da investigação provam que as crianças que frequentam a educação pré-escolar de qualidade obtiveram melhores resultados escolares, evidenciaram características importantes para o sucesso no trabalho e nas relações pessoais e sociais, obtiveram mais sucesso na sua vida pessoal e profissional e evidenciaram ser cidadãos mais úteis à sociedade."
Afirma-se ainda no parecer do Conselho Nacional de Educação: "Tudo isto permite concluir que a educação pré-escolar de qualidade é um dos maiores investimentos que uma sociedade pode fazer."
Desta forma fica claro que, não proporcionando às crianças portuguesas o acesso à educação pré-escolar, o PSD não se limitou a impor uma política errada, nefasta para as crianças e famílias. O PSD recusou-se a cumprir a Constituição da República Portuguesa!
Do mesmo modo, o PSD ignorou completamente a Lei de Bases do Sistema Educativo, que determina o seguinte: "É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades." Ora, o PSD não pode negar que a igualdade de oportunidades é uma ficção quando só uma reduzida percentagem das crianças portuguesas têm acesso à educação pré-escolar.
Para além do erro que representa pelos gravíssimos inconvenientes em que se traduz na formação das crianças, a postura do PSD constitui uma atitude de afrontamento à Constituição da República e à Lei de Bases do Sistema Educativo.
O PSD dispôs de 15 anos de governação para concretizar o direito à educação pré-escolar. Entretanto, o que verificámos?
O PSD não elaborou o plano de desenvolvimento da rede prevista no Estatuto dos Jardins de Infância, publicado em 1979; conseguiu a proeza de manter Portugal com a mais baixa taxa de cobertura por estabelecimentos de educação pré-escolar de entre os países europeus; não pôs fim ao desemprego de educadores nem melhorou a sua formação inicial e contínua; não melhorou as condições de trabalho nem pôs fim às desigualdades remuneratórias entre os educadores que trabalham em estabelecimentos de diferentes tutelas; não melhorou a formação do pessoal auxiliar; não dotou de verbas para material pedagógico os jardins de infância; não esboçou sequer qualquer articulação entre o pré-escolar e o primeiro ciclo; e nada fez para compatibilizar os horários dos jardins de infância públicos com as necessidades das famílias.
O imobilismo do Governo já seria suficientemente grave, mas acresce que o PSD impediu e anulou o esforço de outros com vista a diminuir ou eliminar esta grave lacuna do nosso sistema educativo.
Assim, rejeitou liminarmente o projecto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou e que visava o alargamento da rede pública de educação pré-escolar, não possibilitando sequer a sua discussão em Comissão. Entretanto, os Deputados do PSD apresentaram alguma alternativa? De forma nenhuma! A sua intervenção esgota-se no apoio ao Governo e na rejeição das propostas dos outros partidos.
O PSD rejeitou igualmente todas as propostas que apresentámos com vista à de alteração do Orçamento de Estado, por forma a aumentar as verbas para a

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educação pré-escolar. Indiferente ao esforço das autarquias, não publica, desde 1989, as portarias que permitiriam a colocação de educadores em cerca de 800 lugares de jardins de infância que as anarquias construíram.

PSD ignorou, pura e simplesmente, as propostas de alargamento da rede constantes do relatório, (final da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, tal como ignorou as recomendações do CNE.
O PSD e o Governo têm-se encontrado isolados nesta orientação. Só nos últimos meses, realizou-se um número significativo de encontros, debates e seminários, que envolveram educadores, autarcas, encarregados de educação, pedagogos e representantes dos partidos políticos. A tónica geral das conclusões dessas importantes realizações foi a crítica à orientação do Ministério de Educação do PSD e a constatação da, necessidade e urgência de uma política que concretize o direito de acesso à educação pré-escolar a todas as crianças.
É neste quadro de denúncia generalizada, que se tornou insustentável para o Governo, que tem de entender-se a manobra de propaganda que constitui o anúncio pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra da Educação de medidas que afirmam pretender aumentar a rede de educação pré-escolar.
Desde logo, registe-se a ignorância do Sr. Primeiro-Ministro quando afirmou - e cito: "Uma em cada duas crianças não tem acesso a este nível de ensino", Ora, nem o pré-escolar constitui um nível de ensino- como se sabe este só se inicia no 1.º ciclo -, nem o défice é de uma criança, mas de duas em cada três crianças que não têm acesso à rede de educação pré-escolar.
Registe-se, ainda, o descaramento de, ao fim de quinze anos de governação, a escassos meses do fim do mandato e certamente de afastamento do PSD do Governo, vir anunciar medidas para os próximos quatro anos.
Registe-se, também, que o Governo apresenta como meta 80 % a 90 % de cobertura do País, na esperança de que não lhe recordemos que já apresentara igual meta para o ano de 1992 e que, não obstante ter contado com verbas do 1.º Quadro Comunitário de Apoio, não só não a atingiu, como ficou muito aquém dessa meta. Como se sabe, actualmente, a cobertura não ultrapassa os 30%, dos quais só 24% respeitam a unidades do Ministério da Educação.
Registe-se ainda que as medidas anunciadas foram tomadas sem qualquer diálogo ou participação de autarcas, educadores, encarregados de educação ou quaisquer outras entidades.
Mas, afinal, que veio anunciar o Governo?
Que disponibilizará anualmente 2800 contos por sala de aula com 20 a 25 crianças, o que corresponde a uma média de 200 contos por mês, o que cobrirá, com pouca margem de sobra os vencimentos dos educadores de infância.
As verbas referidas destinam-se a suportar os: encargos com educadores das instituições ou entidades promotoras que pretendam criar estabelecimentos de educação pré-escolar.
Não há lugar a qualquer medida que, através de actividades complementares das actividades educativas, a de que os horários dos jardins de infância da rede pública às necessidades das famílias.
Não se alterou a situação de não publicação ;das portarias que regularizem os mais de 800 lugares dos jardins de infância construídos pelas autarquias.
Não se perspectiva a equiparação de carreiras e salários entre educadores dos ensino público e privado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas de pura propaganda- e o Governo procura desesperadamente fugir à condenação pelo povo português em Outubro próximo- comprovam, mais uma vez, que o PSD não quer assegurar às crianças portuguesas o acesso universal e gratuito à educação pré-escolar; comprovam também que se furta, mais uma vez, a alargar a rede pública de jardins de infância.
A concretizarem-se os projectos anunciados acentuar-se-ía a diminuição da rede pública e o aumento da privada, com o aumento das desigualdades existentes. Em vez da gratuitidade, perspectiva-se aquilo a que o Governo chama "mensalidades".
Ao estabelecer como critério para atribuição das verbas 20 a 25 crianças por sala o Governo coloca a inquietação em muitas famílias que vivem em zonas onde o número de crianças é inferior a esse número, sendo, pois, de prever um acentuar de assimetrias.
As autarquias têm todas as razões para receber, como receberam, com indignação estas medidas. É que, tendo as câmaras e até as juntas de freguesia assegurado muito mais do que é da sua competência, vêem o Governo impor unilateralmente medidas que visam fundamentalmente colocar-se completamente de fora em relação à sua responsabilidade: a de assegurar a existência de uma rede pública de jardins de infância.
O Grupo Parlamentar do PCP defende o cumprimento da Constituição da República e da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Defendemos, e esperamos, que outros também o façam, o que propusemos em sede de revisão constitucional: a criação de um sistema público, universal e gratuito que garanta a todas as crianças o acesso à educação pré-escolar.
O pacote propagandístico sobre o pré-escolar é bem o sinal de que o Governo teme a condenação da sua política educativa em Outubro, mas ilude-se se pensa que tal manobra terá êxito.
O acesso à educação pré-escolar para todas as crianças não será concretizado certamente por este Governo, mas colocar-se-á, com toda a clareza, como um traço essencial para a construção de uma política educativa alternativa.
A concretização deste direito constitucional constitui hoje uma causa de que os portugueses não abdicarão e para a qual podem contar com o PCP.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Matias.

A Sr.ª Anabela Matias (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rodrigues, quero, em primeiro lugar, saudar a sua intervenção.
A bancada do PCP já nos habituou a acompanhar com algum interesse a educação pré-escolar, mas, hoje, não nos traz aqui qualquer novidade.
De qualquer forma, gostaria de dizer que lamento especialmente o facto de manter a sua postura e a sua perspectiva, que considero desactualizada e limitativa do desenvolvimento da rede pré-escolar.
Coloco-lhe, pois, algumas questões muito claras.

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Afinal de contas, o PCP quer ou não que se faça o alargamento da rede da educação pré-escolar?
Afinal de contas, o PCP aposta ou não no alargamento de uma rede que neste momento já não corresponde às necessidades da família e da sociedade?
O Governo, Sr. Deputado, governa de acordo com as necessidades do País e não de acordo com as intenções da oposição!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Referiu que era uma medida eleitoralista. Se não é adoptada, perguntam porquê; se é adoptada, dizem que é eleitoralista.
Afinal de contas, o PCP está ou não de acordo com ela? É bem-vinda ou não?

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não é de hoje que aqui discutimos a educação pré-escolar; não é de hoje que o Governo informa a Assembleia da República do estudo que estava a realizar, por forma a apresentar um plano para a rede de educação pré-escolar.
Ele aí está, Sr. Deputado, mas agora V. Ex.ª diz que ele é eleitoralista!
Disse que, em relação a esta matéria, o Governo não dialogou com outras entidades, com os parceiros sociais. O Sr. Deputado não esteve, certamente, atento àquilo que disse a comunicação social e não se apercebeu das reuniões realizadas sobre todas estas medidas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Anabela Matias, quero agradecer a sua pergunta e responder às observações que fez.
Sr.ª Deputada, em primeiro lugar, a nossa afirmação acerca do eleitoralismo tem toda a pertinência, porque, como tive ocasião de afirmar há pouco, ao fim de 15 anos de governação pelo PSD do Ministério da Educação, o Governo ainda não apresentou qualquer plano de desenvolvimento da rede pré-escolar. A Sr.ª Deputada sabe que, inclusivamente, o então Ministro da Educação Couto dos Santos afirmou nesta Assembleia que até ao final de 1993 apresentaria esse plano. Portanto, o PSD já fez várias vezes essa afirmação.
Nesse sentido, não é sério, Sr.ª Deputada, que alguns meses antes da eleições se assumam compromissos que este Governo, manifestamente, não vai poder cumprir. Isto não é falar verdade aos portugueses!
A Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que este Governo afirma que, nos próximos quatro anos, a rede pré-escolar cobrirá 80 % a 90 % das necessidades. Não será certamente o PSD que o irá fazer e esta é a verdade, Sr.ª Deputada!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, não concordo consigo quando chama a isto um plano de desenvolvimento de rede pré-escolar. Sr.ª Deputada, isto não é nenhum plano: é, sim, um pacote financeiro que o Governo põe à disposição das instituições que queiram criar estabelecimentos de educação pré-escolar. Não podemos, de forma alguma, chamar a isto um plano! Através de um plano teria de se fazer o levantamento rigoroso dos recursos existentes, o delinear, o esboçar e o concretizar do alargamento da rede pública por forma a garantir que, efectivamente, a maioria das famílias portuguesas tivessem acesso à educação pré-escolar. Não é disso que estamos a falar!
Em terceiro lugar, a Sr.ª Deputada diz que estou mal informado. Olhe que não!... Quando digo que as autarquias condenaram e criticaram prontamente estas medidas refiro-me a informações públicas.
Finalmente, V. Ex.ª falou do horário da rede pública. Continuo a perguntar: o que fez este Governo no sentido de compatibilizar os horários dos estabelecimentos da rede pública com as necessidades das famílias? Este Governo não fez nada- nem fará! -, porque usa o alibi da inadequação do horário para não alargar a rede pública. Cabe ao Ministério da Educação, através de actividades complementares das actividades educativas, compatibilizar uma coisa com a outra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo nunca o fez, nem nunca o fará, para poder usar como argumento que a rede pública não serve. Só que isso é falso, Sr.ª Deputada!
Ora, como sabe, para a maioria das famílias portuguesas isto significa que o acesso à educação pré-escolar, que é garantido pela Constituição, vai continuar a ser um sonho, que os senhores não concretizaram mas que outros concretizarão.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, encontra-se a assistir à sessão um grupo de 80 alunos da Escola Secundária Celestino Gomes, de Ílhavo, acompanhado dos respectivos professores, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Matias.

A Sr.ª Anabela Matias (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos debates realizados na Assembleia da República sobre educação pré-escolar ficou expresso o consenso dos grupos parlamentares no que concerne à importância deste sub-sistema de educação. Esta opinião foi partilhada pelo Governo, pelos parceiros sociais, pelos profissionais do sector, pelos formadores de professores, pelos investigadores e pela sociedade em geral.
São vários os indicadores resultantes de investigação a dar prova que as crianças que frequentam a educação pré-escolar de qualidade têm benefícios de natureza diversa, entre elas melhores resultados escolares, maior aptidão na sua vida pessoal e profissional. Por isso, são mais úteis à sociedade.
O Professor João Formosinho afirma, em parecer seu aprovado pelo Conselho Nacional de Educação: "A educação pré-escolar de qualidade revela, pois, ser um dos maiores investimentos que uma sociedade pode fazer".

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E se a convicção de que as crianças devem ser educadas no seio da família persiste, tal não resolve o problema pois existem outros de ordem social, relativos à estrutura da família, a fenómenos de urbanização, à maior competição profissional e à própria evolução do sistema escolar, que cada vez sente mais a necessidade da educação da infância como condição para o sucesso na escola básica.
Na maior parte dos países europeus a escolaridade obrigatória inicia-se com o ensino primário, aos 6 anos de idade, pelo que a educação pré-escolar abrange as crianças de 3, 4 e 5 anos.
A frequência da educação pré-escolar é facultativa em todos os países, com excepção do Luxemburgo, existindo uma grande diversidade de serviços associada a uma dupla tutela e dependência administrativa na quase totalidade do continente.
Na maior parte dos casos, a educação pré-escolar é gratuita ou comparticipada pelos pais e subsidiada pelo Estado, tendo as autarquias um papel muito importante na administração e na supervisão das várias unidades de atendimento à criança.
Na União Europeia e em relação à educação pré-escolar verifica-se que, na faixa entre os 3 e os 5 anos, a taxa de cobertura é substancialmente superior à de Portugal.
Na realidade, se o nosso país, num período de tempo relativamente reduzido e em vários aspectos, conseguiu aproximar-se dos valores médios existentes nos países mais desenvolvidos da Europa, apresenta, nesta matéria, debilidades que urge ultrapassar (apenas 50 % das crianças frequentam a educação pré-escolar), não só através da mobilização de vontades e de meios mas também da aposta estratégica numa acção de desenvolvimento dos recursos humanos.
Aliás, foi a Sr.ª Ministra da Educação quem afirmou neste Hemiciclo que "o que falta complementar, em termos quantitativos, situa-se, essencialmente, no âmbito da educação pré-escolar, cuja taxa de cobertura, apesar de o crescimento de 60 % verificado nos últimos 10 anos, ainda está aquém dos objectivos pretendidos e que pensamos atingir no horizonte 1999. (.,,)" - como vê, não é novidade - "(...) Para que estes objectivos sejam plenamente atingidos o modelo institucional terá de manter-se diversificado, devendo também englobar o esforço das autarquias locais, das instituições particulares de solidariedade social, das instituições privadas e das famílias. O Ministério da Educação terá de acentuar o seu papel dinamizador neste processo, nunca descurando o necessário controle de natureza pedagógica."
A expansão da educação pré-escolar é, assim, uma prioridade nacional, que tem de ser assumida, integral e colectivamente, por diversas entidades, de maneira a garantir o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo, assumindo as suas responsabilidades nesta matéria, anunciou, recentemente, como é do conhecimento de todos vós, um pacote de medidas que visa a expansão da rede de educação pré-escolar, sem prejuízo da função de "guarda" e/ou assistencial, tendendo a garantir a gratuitidade da função educativa, única forma de sustentar a aproximação ao objectivo de cobertura de 90 % no espaço etário correspondente.
A implementação de tais medidas contará com um investimento de dois milhões de contos dos 18,4 milhões de contos do orçamento do Ministério da Educação para 1995.
Delas aqui quero hoje dar eco e manifestar apreço pela iniciativa.
Primeira medida: plano de expansão de educação pré-escolar.
O Estado assegurará a existência de uma rede de educação pré-escolar, em articulação com instituições de natureza diversa e promoverá a criação de mais espaços de educação pré-escolar, apoiando as iniciativas das autarquias, das IPSS e dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.
O plano de expansão, a desenvolver em 4 anos, terá carácter prioritário nas seguintes zonas: grandes centros urbanos e zonas industrializadas de elevada densidade populacional; zonas com maior índice de insucesso e de abandono escolares.
Sem prejuízo das outras funções de natureza social, normalmente asseguradas por estes estabelecimentos como, designadamente, a função de "guarda" das crianças, cabe ao Ministério da Educação uma responsabilidade própria na componente educativa, traduzida na correspondente tutela pedagógica e nos apoios financeiros previstos.
O mecanismo de concretização prevê a celebração de protocolos e de contratos de programa entre o Ministério da Educação e as instituições e entidades promotoras.
O apoio financeiro será concedido pelo Ministério da Educação, até ao montante de 2800 contos anuais por cada sala de aula com o número mínimo de 20 crianças por sala.
A medida destina-se a encorajar o alargamento, mas não impedirá que sejam apoiados os jardins de infância autárquicos que, actualmente, beneficiam do destacamento de educadores do Ministério de Educação.
Nos colégios particulares, as instituições devem deduzir na prestação mensal a pagar pelas famílias o montante subsidiado pelo Ministério da Educação.
Segunda medida: A Lei de Bases do Sistema Educativo integra a educação pré-escolar no sistema educativo nacional, incumbindo ao Ministério da Educação a definição das normas gerais, nomeadamente nos seus aspectos pedagógico e técnico.
O facto de não existirem normas orientadoras para a educação pré-escolar é sentido como uma lacuna, tanto por educadores de infância como por outros sectores responsáveis pela educação, tendo as mesmas sido recomendadas pelo Conselho Nacional de Educação.
Atendendo ao carácter global da educação pré-escolar, a organização de orientações curriculares e metodológicas, de forma estruturada, por áreas de desenvolvimento e de intervenção pedagógica, facilitará a definição dos objectivos a atingir e a forma de operacionalizá-los, proporcionando ainda o desenvolvimento progressivo das capacidades da criança.
Por outro lado, facilitarão a planificação da intervenção pedagógica do educador, possibilitarão a avaliação de forma mais objectiva, permitirão a operacionalização de projectos transversais entre diferentes níveis de ensino, para além de valorizarem o papel da docência na educação pré-escolar.
Estas orientações, pela sua abertura e flexibilidade, permitirão ainda que o educador defina e desenvolva a sua acção educativa com autonomia e criatividade.

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Trata-se de uma medida de qualidade, pelo que a acção não se limita a alargar a rede do ensino pré-escolar.
Terceira medida: cooperação com o Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Na sequência da evolução verificada no âmbito da educação pré-escolar, é necessário dar continuidade à conjugação de esforços entre os Ministérios da Educação e do Emprego e da Segurança Social, tendo em vista a optimização dos recursos disponíveis e o estabelecimento de medidas específicas.
Assim, e por forma a ultrapassar carências sentidas, importa encontrar plataformas de entendimento que permitam a harmonização das iniciativas públicas e privadas, precisando a diferenciação entre a função educativa e a função social "guarda" de crianças e que se delimitem as respectivas responsabilidades. Para o efeito prevê-se a criação de uma comissão mista.
Quarta medida: uniformização das regras de funcionamento e de instalação da educação pré-escolar, que consiste na definição de critérios para a concessão de autorização de funcionamento (actualiza critérios relacionados com o espaço - área, saúde, higiene e segurança, etc. - e com o equipamento pedagógico necessário).
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estas são as medidas que o Governo se propõe realizar. Mas, mas para que o projecto se concretize, ou seja, para que os objectivos se cumpram, é preciso que todos coloquemos os interesses da criança acima de quaisquer outros interesses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Repito: é preciso que coloquemos os interesses da criança acima de quaisquer outros interesses.

Aplausos do PSD.

Da minha parte e da parte da bancada do PSD é esse o entendimento. Esperamos que seja também esse o entendimento vossa parte, Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria Julieta Sampaio, Guilherme d'Oliveira Martins, Paulo Rodrigues e Fernando de Sousa.
Tem a palavra o Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Anabela Matias, desde 1987 que o PS trouxe a esta Casa a defesa dos interesses das crianças. Foi ele o paladino dessa defesa e, por isso, neste momento, não abrirá mão desta questão para o PSD, que só hoje, ao que parece, reconheceu que as crianças estão acima de todos os interesses partidários e políticos.

O Sr. António Martinho (PS): - Têm andado distraídos.

A Oradora: - Sr.ª Deputada Anabela Matias, congratulamo-nos que, há meia dúzia de meses, o PSD e o Governo tenham, finalmente, reconhecido a importância da educação pré-escolar na formação da criança, sobretudo da criança que dele mais necessitada e que é a oriunda das famílias mais desfavorecidas e das famílias de risco.
Mas o que realmente me preocupa é a Sr. Deputada ter enumerado uma série de acções, de pacotes e de medidas. Como isso me deixou um bocado pensativa, gostava que me dissesse, porque sei que também se interessa por estas questões como é que a Sr.ª Deputada concilia o que disse com a afirmação feita, há um ano atrás, pela Sr.ª Ministra da Educação na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, quando da negociação do PRODEP II, de que a educação pré-escolar não tinha sido uma das prioridades deste Programa ou, mais concretamente, que o PRODEP II não incluía nada sobre a educação pré-escolar.
Realmente, naquela altura, fiquei muito chocada com as afirmações da Sr.ª Ministra, porque sempre reconhecemos que a educação pré-escolar era fundamental para a formação deste país. Na verdade, como é a esse nível de ensino que as crianças mais necessitadas começam a ter um contacto com os valores da sociedade - muitas vezes, infelizmente, eles não lhes são transmitidos pela família -, não entendemos como é que a Sr.ª
Ministra negociou um tal pacote para a educação, ou seja, o PRODEP II- se calhar foi o último pacote de fundos comunitários para a educação - sem nele incluir a educação pré-escolar.
É por isso que dou alguma razão ao Sr. Deputado Paulo Rodrigues, quando afirma que estas medidas parecem um pouco eleitoralistas. No entanto, prefiro crer que o PSD reconheceu que, realmente, o PS tem razão e, por isso, veio, finalmente, dar aqui a mão à palmatória.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Sr.ª Deputada, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Anabela Matias (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Anabela Matias, ouvimos com muita atenção, aliás como sempre, o que têm para dizer-nos e gostaria de começar por frisar a última afirmação que aqui nos trouxe. De facto, em primeiro lugar estão os direitos das crianças, direitos que, na particular questão da educação pré-escolar, constituem uma preocupação que não pode ser meramente partidária e que, por isso, é uma preocupação nacional. E é exactamente por ser uma preocupação nacional que nós. Partido Socialista, temos insistido, com particular ênfase, na questão da criação de uma rede nacional de educação pré-escolar. Nesse sentido, é positivo aquilo que a Sr.ª Deputada aqui veio dizer-nos, só que peca por tardio.
Por isso, gostaria de colocar-lhe uma primeira questão. Como sabe bem, relativamente à educação pré-escolar, o objectivo do primeiro quadro comunitário de apoio, do primeiro PRODEP, era, justamente, atingir uma taxa de cobertura de 80 a 90% até 1993 No en-

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tanto, apesar de este objectivo estar apontado para esse ano, ele foi agora adiado para 1999. E é curioso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que seja o Sr. Primeiro-Ministro a anunciar esta medida, que terá de ser atingida nos anos em que, necessariamente- pão será Primeiro-Ministro - ele já optou nesse sentido - nem irá ter responsabilidades governativas.
Mas a questão que se põe é que durante o período que teve responsabilidades governativas ficámos, de facto, muito aquém do objectivo que foi definido para 1993. Então- e esta é a primeira questão que lhe coloco - qual é a credibilidade deste objectivo, qual é a credibilidade das medidas, quando o objectivo que já foi definido para o ano de 1993- e infelizmente para todos nós - não pôde ser cumprido?
Talvez o objectivo fosse ambicioso demais ou talvez - é essa a minha opinião - os instrumentos e as medidas aplicados não tenham sido os adequados.
A outra questão que queria colocar-lhe, Sr.ª Deputada Anabela Matias, tem a ver com um sinal :no sentido do descongelamento dos lugares de educadoras de infância, o que não ocorre desde 1988.
Ainda muito recentemente a Associação Nacional dos Municípios Portugueses queixou-se sobre esta questão, dizendo que este anúncio talvez fosse eleitoralista, uma vez que, designadamente em relação a estas situações, era necessário dar sinais concretos, tanto mais que a autarquias locais têm já, neste momento, em condições de entrarem em funcionamento determinados jardins de infância e alguns estabelecimentos de educação pré-escolar.
Pois bem, será que se vai dar agora esse sinal concreto relativamente às educadoras de infância?
Faço esta pergunta à Sr.ª Deputada porque sei que tem um conhecimento directo e bastante rigoroso sobre este assunto. Portanto, diga-me: que sinal concreto há relativamente aos educadores de infância?
Eram estas, fundamentalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as questões que queria colocar neste momento: por que é que o objectivo não foi atingido em 1993 e como está o descongelamento dos lugares para educadoras de infância.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Pana pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Anabela Matias, constato, com alguma surpresa, que não é só o Sr. Primeiro-Ministro quero está mal informado em relação à estatística, está-o também a Sr.ª Deputada, que voltou a repetir aquela curiosa percentagem de 50 %.
Em primeiro lugar, relativamente ao parecer do Conselho Nacional de Educação que citou, recordo-lhe que, nesse mesmo parecer do Conselho Nacional de Educação, quando se referem estatísticas, é acrescentada a expressão "dada a não fiabilidade dos indicativos existentes", para depois se apresentarem duas estatísticas diferentes. Mas, certamente, a Sr.ª Deputada leu todo o relatório.
Em segundo lugar, recomendo-lhe vivamente que leia a última publicação do GEP, com indicadores sobre educação, que é de 1991. Foi aí que o PCP leu p seguinte, "cobertura do País: 30 %". Sr.ª Deputada, ou houve um milagre entre 1991 e 1995 - o que não aconteceu, certamente - ou, então, a Sr.ª Deputada também anda mal informada. Mas está acompanhada do Sr. Primeiro-Ministro, pelo que está tudo bem.
A Sr.ª Deputada fez-me uma pergunta, aquando da minha intervenção, onde afirmou que eu estaria mal informado em relação à questão da participação de entidades neste pacote de medidas. Ora, a sua intervenção dá-me oportunidade de desmentir a afirmação que fez. De um comunicado da Associação Nacional de Municípios Portugueses, distribuído à comunicação social, consta o seguinte: "Ainda em relação à comunicação do Sr. Primeiro-Ministro, não é sério que, depois da criação de grupos de trabalho mistos Governo/Associação Nacional de Municípios Portugueses, onde propostas como a presente não foram colocadas, surjam posições de facto consumado, como, sem qualquer discussão, agora parece estar a acontecer".
Sr.ª Deputada Anabela Matias, não se trata da posição do PCP mas, sim, de facto, da posição dos municípios, de educadores e de inúmeras instituições e pessoas que intervieram de uma forma absolutamente louvável em defesa da educação pré-escolar e que agora foram ignoradas. Nós discordamos do método, porque, com efeito, um plano de educação pré-escolar deve assentar no diálogo e no debate, em particular com as autarquias, que muito têm feito por isto.
Gostaria de lhe colocar uma questão que se relaciona com o objectivo de atingir 80 ou 90 % da meta proposta. Com efeito, é difícil compreender que estas propostas não sejam pura propaganda, quando, nesta mesma Assembleia, foi diminuído em 40 %, em relação ao ano passado, o orçamento da educação pré-escolar, no que respeita a investimentos do plano,. Pergunto: de onde vêm estas verbas? Como já foi aqui referido, o II QCA não conta com verbas. Sr.ª Deputada, parece estar a haver uma grande pressa, para, fugindo à condenação eleitoral em Outubro, apresentar aquilo que não se fez em 15 anos. Mas é muito tarde.
Pergunto-lhe ainda, Sr.ª Deputada, o que se passa com a publicação de portarias que permitiriam regularizar mais de 800 lugares nas autarquias e estão congeladas desde 1980, porque o Governo não cumpre a sua parte. As autarquias têm cumprido, mas o Governo não. O que se passa com essas portarias? Por que não são publicadas?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Sr.ª Deputada, o que acontecerá com os jardins de infância em que o número de crianças seja inferior a 20 por cada sala, pois a referência que existe é de 20 a 25? Como compreenderá, trata-se de uma questão que suscitou e suscita inúmeras preocupações.
Finalmente, vou abordar, muito rapidamente, duas questões.
Volto a frisar que a Sr.ª Deputada aceita, pelos vistos com agrado, a instituição de mensalidades para a educação pré-escolar.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Comparticipações!

O Orador: - Chamo a sua atenção para que, no momento em que alastra o desemprego, com certeza, não é instituindo mensalidades na educação pré-esco-

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lar que os filhos dos desempregados e dos pobres, que vivem nos bairros degradados e mais necessitam de educação pré-escolar, vão a ela ter acesso. Não é seguramente desse modo mas, sim, com a educação pré-escolar gratuita.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - São comparticipações!

O Orador: - Para terminar, a Sr.ª Deputada - volto a agradecer-lhe -, a propósito da minha intervenção, perguntou-me se, afinal, o PCP quer ou não alargar a rede de educação pré-escolar. Repondo-lhe da seguinte maneira: vê-se quem quer alargar a educação pré-escolar não só pelas propostas e intervenções, mas também pelo que se faz nas autarquias. Repare no que fazem as autarquias presididas pelo Partido Comunista Português, nomeadamente câmaras e juntas de freguesia, graças às quais se têm mantido a funcionar inúmeros jardins de infância, muito para além das competências dessas autarquias. Assim é que se vê quem coloca as questões das crianças acima de outros interesses.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Anabela Matias, apesar de a taxa de cobertura global da educação pré-escolar rondar os 40 % - e o facto de ser 35, 40 ou 45 % tem pouco significado -, o que importa dizer é que esta continua a ser, de longe, a taxa de cobertura pré-escolar mais baixa dos países da União Europeia, mesmo atrás da Grécia. Na verdade, o PSD, há 15 anos a tutelar o Ministério da Educação, nunca tomou as medidas necessárias para alterar esta situação, mesmo depois de em 1990 ter anunciado que a taxa de cobertura da educação pré-escolar iria atingir, em 1993/94, os 90%, para as crianças com cinco anos de idade. Pelo contrário, a prática política revelou até que ponto a educação pré-escolar era importante para o Governo e para o PSD.
Em primeiro lugar, a partir de 1988, nunca mais o Governo do PSD criou jardins de infância. Se tivermos em atenção que, a partir dessa data, foram criados, pelas autarquias, centenas de jardins de infância, a que o Governo não deu qualquer resposta, ficamos com uma ideia aproximada da sensibilidade que o PSD e este Governo tiveram em relação à educação pré-escolar.
Em segundo lugar, no PDR de 1994/99, a educação pré-escolar foi pura e simplesmente ignorada.
Em terceiro lugar, todas as propostas que o PS e a oposição, em geral, apresentaram nos últimos anos, quanto ao reforço do investimento da rede de educação pré-escolar, foram rejeitadas pelo PSD. Como podemos, então, agora acreditar nas promessas deste Governo, de repente convertido à importância do pré-escolar, que o Partido Socialista considera como prioritário, dentro da prioridade da educação, no futuro governo, a partir de Outubro? Claro que apenas podemos aceitar e interpretar esta irresponsabilidade e esta insensibilidade como medidas de natureza eleitoralista, tanto mais irresponsáveis e demagógicas quanto são exprimidas por um Governo que, sabemo-lo, não irá governar a partir de Outubro, independentemente dos resultados das eleições, porque, como sabe, Sr.ª Deputada, o Governo do Prof. Cavaco Silva não vai continuar, uma vez que ele não é candidato. Para além disso, como sabe, é muito mais natural que seja o PS a governar a partir de Outubro do que o PSD.

Vozes do PSD: - Oh!

O Orador: - Logo veremos!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Disso é que tenho muitas dúvidas!

O Orador: - De qualquer modo, de algo temos a certeza: este Governo, que faz estas promessas neste momento, não o será a partir de Outubro. Portanto, qualquer outro governo poderá não dar continuidade a estas promessas.
Finalmente, quero exprimir um voto de congratulação à Sr.ª Deputada e aos Srs. Deputados do PSD, em geral, pelo facto de, finalmente, parecer que o PSD, depois desta iniciativa, ter passado a revelar grande sensibilidade para as questões da educação pré-escolar, uma vez que, durante estes anos, infelizmente, isso não aconteceu.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Matias.

A Sr.ª Anabela Matias (PSD): - Sr. Presidente, antes de responder a cada um dos Srs Deputados que tiveram a amabilidade de me colocar questões, gostaria de reafirmar dois ou três pontos da minha intervenção, que julgo importantes e esclarecem algumas questões comuns a todos.
Antes de mais, não é esta a primeira vez que discutimos questões do ensino pré-escolar neste Hemiciclo, tal como também não é a primeira vez que o PSD participa na discussão de propostas e medidas relativas ao ensino pré-escolar. Por isso, se as felicitações que agora nos são dirigidas são a esse respeito, já vêm tarde.
Em segundo lugar, quero referir que estas medidas não serão incompatíveis com a rede que, neste momento, existe, pois têm o intuito de alargar e dar mais qualidade à educação pré-escolar, pelo que se mantém a actual rede pública existente. Não estão em causa os jardins de infância cujo número de crianças/sala seja inferior a 20 ou 25. O número, segundo o qual é posta em causa a existência de uma sala de jardim de infância, é bastante inferior, normalmente inferior à dezena, pelo que isso já se trata de uma extrapolação, de uma especulação, de um alarmismo, a que o PCP, aliás, nos vem habituando.
Em terceiro lugar, na minha intervenção fiz referências ao facto de existirem outros países da Comunidade onde esta experiência, esta responsabilidade, é partilhada com outras entidades. Assim, não há que estranhar que as autarquias sejam chamadas a participar, tal como as instituições de solidariedade social e a iniciativa privada. Isto é, não deve ser o Ministério da Educação o único a não ter iniciativa e a promover exclusivamente uma rede pública de educação pré-escolar, o que, aliás, era a proposta do PCP.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Não é verdade!

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A Oradora: - Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio, não quero retirar os louros ao Partido Socialista quanto à sua iniciativa. Mas 1987 já lá vai. Estamos em 1995)!

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Mas estamos a falar em números de 1987!

A Oradora:- Reconheci, na minha intervenção - aliás, o próprio Ministério o reconhece-, que Portugal está muito aquém da taxa de frequência da educação pré-escolar relativamente a outros países da Comunidade Mas não está como o PCP diz por uma razão;, p PCP só tem em conta a rede pública, portanto, a sua estatística é diferente.

O Sr Paulo Rodrigues (PCP): - Não é verdade]

A Oradora: - Por que razão o ensino pré-escolar não está incluído no PRODEP II? Porque se trata de uma questão de priorização e foi dada prioridade ao sistema educativo, ao ensino básico, e todos compreendemos que o Ministério da Educação, o Estado, tem responsabilidades acrescidas quanto ao ensino obrigatório. Por consequência, deu-lhe prioridade.
Chegou agora a altura do ensino pré-escolar e , não é pelo facto de ter sido o Sr. Primeiro-Ministro a anunciar essas medidas que as desacredita, muito pelo Contrário. A razão é simples: é que não é envolvido apenas o Ministério da Educação - não sei se perceberam - mas, sim, o Governo inteiro, muito especificamente o Ministério do Emprego e da Segurança Social e não só.
Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, o que disse é tardio, mas, como já referi, na minha intervenção reconheci que Portugal está aquém da taxa que se propôs atingir, mas chegou a hora, chegou o- momento de o fazer. Aliás, já aqui foi discutida várias vezes esta matéria, a Sr.ª Ministra já deu conta, nesta Câmara, de que estavam a ser estudadas formas para, com a conjugação de esforços entre várias entidades, promover uma rede de educação pré-escolar. Isso está pronto agora e foi agora anunciado. Será que O PS, sobre esta matéria, faria melhor? É uma questão que fica no ar, à qual, estou certa, ainda não vai ter oportunidade de responder no próximo governo, porque, pese embora não seja este Governo, continuará " ser um Governo do PSD.
Sr. Deputado Paulo Rodrigues, posso informado de que esta matéria foi discutida com vários parceiros sociais. E se esta proposta concreta não chegou ao conhecimento da Associação Nacional de Municípios Portugueses foi porque, na reunião em que ela foi apresentada, a Associação Nacional de Municípios Portugueses foi a única entidade que faltou.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Já agora, que entidades é que estiveram presentes?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Todas as que foram mencionadas!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr.ª Deputada, faça o favor de terminar.

A Oradora: - Sr. Presidente, é só mais um instante para dizer ao Sr. Deputado Fernando de Sousa que, durante este tempo, houve uma tentativa de manutenção e algum alargamento através do apoio a instituições de solidariedade social. Sabe que, mesmo em relação aos jardins de infância autárquicos, é o Ministério da Educação que paga às educadoras de infância. Aceito- e, aliás, não vou mais reafirmar- que, neste domínio, Portugal está aquém dos outros países da Europa.
No entanto, penso que chegou o momento de intervir nesta área, pelo que o Governo tomou, quanto a mim, as medidas certas. Estou segura de que compreenderão que a legislatura só termina em Outubro, pelo que não poderão considerar eleitoralista o facto de um Governo ainda estar a cumprir a sua função de governar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Anabela Matias, certamente por lapso, não respondeu à minha questão relativamente ao descongelamento dos lugares de educadoras de infância, que não ocorre desde 1988.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a sua interpelação não se dirige propriamente à Mesa, porque a Mesa não tem nada a ver com o facto de a Sr.ª Deputada ter, ou não, respondido. De qualquer maneira, está feita a interpelação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo acaba de anunciar, com pompa e circunstância, um novo pacote para o Douro; com a mesma pompa e circunstância com que anunciou outros pacotes que acabaram por ficar no papel; com a mesma pompa e circunstância com que tem anunciado programas de eficácia duvidosa, em que são esbanjados milhões de contos.
Um dia, há-de fazer-se a avaliação do impacto da aplicação de centenas de milhões de contos dos chamados fundos estruturais na economia portuguesa e, quando essa avaliação ultrapassar a simples execução financeira dos projectos, teremos algumas surpresas desagradáveis. Constataremos que, em alguns casos, o melhor teria sido poupar esse dinheiro. O novo PRO-DOURO será gerido, grosso modo, pelas mesmas entidades que tiveram responsabilidades na gestão do Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes. As mesmas entidades que demonstraram, nomeadamente na execução da segunda fase deste projecto, uma completa inoperância, para não falar em incompetência. As mesmas entidades que, em vez de serem responsabilizadas pelo fracasso deste projecto e pelos prejuízos que causaram ao desenvolvimento da região transmontana, são ainda premiadas com a execução de mais um pacote.
Se nada for mudado, atrevo-me a afirmar que, daqui a dois ou três anos, alguém estará de novo nesta tribuna a lamentar e a denunciar o esbanjamento de

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dinheiros públicos e a persistência dos desequilíbrios regionais, com a sensação de que se vive no reino da impunidade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Acaba de me chegar às mãos o acórdão do Tribunal de Contas relativo à auditoria à segunda fase do Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes. Sugiro vivamente a todos os Srs. Deputados uma leitura atenta deste documento, porque aí encontrarão forma de explicar aos vossos eleitores onde e como é gasto o dinheiro dos seus impostos e exemplos de descoordenação, de incompetência, de má utilização de fundos públicos, de laxismo, de irresponsabilidade da Administração Pública.
Estou certo que, depois dessa leitura, perguntarão: como é possível que tudo isto aconteça e tudo continue na mesma? Como é possível que um programa pensado para uma das regiões mais carenciadas do País tenha sido executado de tal forma que, em vez de contribuir para o seu enriquecimento, acabou por contribuir para o seu empobrecimento? Como é possível que os governantes ignorem as recomendações resultantes de uma auditoria executada por uma entidade independente como é o Tribunal de Contas?
Permitam-me que cite algumas passagens do relatório, começando pela execução financeira, nomeadamente no que se refere à utilização de empréstimos contraídos junto de instâncias internacionais.
"A utilização verificada no segundo ano de execução desta fase cifrou-se em apenas 3,7 %. Se tivermos em consideração que o grau de utilização durante a vigência do primeiro ano desta segunda fase se ficou por 0,8 %, constata-se que nos dois primeiros anos de execução desta fase do projecto apenas se utilizaram 4,5 % dos valores previstos para serem utilizados ao longo dos sete anos previstos para a mesma fase (...) apenas a assistência técnica representa uma taxa de utilização razoável de cerca de 50 % da verba total.
Tendo em atenção tudo isto e que este programa é financiado pela União Europeia através do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e pelo Banco Mundial e que tais financiamentos são onerados por encargos do tipo 'taxa de imobilização' (que incide sobre a totalidade do montante contratado e não utilizado), parece que deve repensar-se este programa, já que ou a sua planificação não foi bem realizada, ou surgiram depois situações que alteraram as bases em que se fundamenta o planeamento, ou surgiram constrangimentos supervenientes à sua execução, ou verificaram-se combinações diversas destes três tipos de causas.
Em nítido desrespeito do contratado, continuava por instituir (...)", ao tempo desta auditoria, "(...) o órgão do projecto denominado Conselho de Coordenação Nacional, para além de, não existindo tal estrutura, aí poder residir uma das causas do constatado deficiente de desbloqueamento de verbas, como da promoção da melhoria dos, cada vez mais fracos, graus da respectiva execução do projecto.
A manterem-se estes constrangimentos a médio e longo prazo, ou seja, no decurso desta segunda fase, não se cumprirá o programa, que, assim, só deve vir a ser efectivamente realizado em cerca de 55 % do seu valor. Consequentemente, as ajudas comunitárias afectas ao projecto serão muito provavelmente desperdiçadas, contribuindo assim para uma redução efectiva do Quadro Comunitário de Apoio quanto aos valores dos investimentos concluídos, criando ou aumentando uma imagem má que, em candidaturas de projectos futuros, nos organismos internacionais, terão quer em termos da região e sua população - que não vê realizar-se, sem qualquer explicação, o que, de alguma forma, lhe chegou a ser anunciado como ir ser feito em seu benefício, para além dos prejuízos que tal pode implicar para o País ou para outras regiões na perspectiva de novos projectos no futuro - quer nos gastos assim totalmente inertes com comissões de imobilização (...)".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Valeria a pena ler aqui o texto completo do acórdão do Tribunal de Contas, mas, como tal não é possível, citarei apenas mais uma passagem que considero extremamente elucidativa.
"Por fim, a actual situação parece que, sem qualquer dúvida, cria prejuízos, em termos de economicidade, na utilização de dinheiros públicos, que, assim e na 'normalidade deste processo anormal, vão implicando acréscimos dos custos inicialmente previstos e, portanto, desperdícios financeiros, quer para o Estado português, quer para as entidades públicas envolvidas e responsáveis a diversos títulos deste processo, quer para os beneficiários do programa, públicos ou privados, pessoas singulares ou colectivas.
Na verdade a situação é gravosa para o Estado português e para a sua Administração Pública e Financeira, não só em termos de imagem, como parece uma preocupação, senão a única que verdadeiramente emerge para alguns dos responsáveis por esses serviços (...), mas também e principalmente em termos de custos acrescidos, devido, apenas, aos mesmos responsáveis terem deixado a situação surgir e, depois, porque, tendo a mesma aparecido e não tendo sido logo resolvida (...)" acarretaram com isso prejuízos ainda mais elevados.
"(...) este posicionamento dos responsáveis do CCRN, do IFADAP e do DRATM é grave.
Por isso mesmo se entende que, não tendo os responsáveis por aqueles organismos resolvido esta situação, a mesma tem de ser levada ao conhecimento dos governantes que os tutelam, porque os prejuízos que dela advêm implicaram não só uma degradação da imagem do Estado (...) mas também porque a manutenção desta situação representa um apreciável dispêndio acrescido e talvez indevido de fundos públicos - nacionais e comunitários - para além de poder ter também consequências, em termos de desenvolvimento económico e social de uma região, que, assim, nem sequer vê devidamente aplicados os recursos públicos que foram seleccionados para a desenvolver (...)".
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não creio que sejam necessários comentários adicionais ao que acabo de citar.
Há poucos dias, o PSD rejeitou um pedido de inquérito parlamentar relacionado com a aplicação de dinheiros públicos na região. Não me conformo, nem com essa nem com esta situação. Não posso aceitar que tudo isto aconteça e ninguém seja responsabilizado. Está em causa o desenvolvimento de uma região. Está também em causa a credibilidade da Administração Pública e a própria dignidade do Estado.
Vou, por isso, apresentar um pedido de audição parlamentar a todas as entidades envolvidas na execução do projecto e aos membros do Governo que as tute-

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Iam. Não seremos dignos do mandato que nos foi confiado se não fizermos tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar que situações destas se repitam. Não podemos permitir que as entidades que se revelaram incapazes de executar um programa com a importância deste, o PDRITM, sejam agora contempladas com a gestão de um novo pacote, como o que foi anunciado para o Douro. Não quero estar aqui de novo, daqui a dois ou três anos, a lamentar a má aplicação de fundos públicos.
Talvez valha ainda a pena reflectir sobre como teria sido executado este programa se, em vez de serem os organismos referidos a coordenar a sua execução, fosse um órgão da administração regional, democraticamente eleito, responsável pela execução. Certamente que o Sr. Primeiro-Ministro concluiria que a regionalização, em vez de custos acrescidos, traria ao País ganhos acrescidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Adão Silva e Ferreira Ramos.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Adão Silva.

O Sr. Adão Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Reputado Armando Vara, segui a sua intervenção com (atenção e posso dizer-lhe que comungo das suas preocupações acerca do assunto candente que V. Ex.ª aqui trouxe. Por isso, vou não tanto colocar-lhe questões mas tecer alguns comentários acerca do que disse.
Tirando um ou outro adjectivo, porventura mais extremista, gostaria de referir que o que o Sr. Deputado acaba de dizer não é verdade, mas fruto do tradicional pessimismo e "bota abaixismo" da oposição, e que as cores não são afinal tão negras quanto V. Ex.ª, acaba de pintá-las sobre o caso concreto do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes (PDRITM) na sua segunda versão.
Mas, em boa verdade, Sr. Deputado, não posso dizer isso acerca da intervenção que V. Ex.ª acaba de fazer por três razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque também eu, como transmontano, sinto, relativamente a este projecto, uma profunda inoperacionalidade e alguma falta de resultados, no que diz respeito às pessoas do nosso distrito e da nossa região. Em segundo lugar, porque o Tribunal de Contas, autor do documento que V. Ex.ª vastamente citou, é uma instituição idónea, credível e rigorosa - pelo menos tenho-a como tal. E, por último, porque não vale a pena estar a escamotear algumas disfunções, claramente demonstradas e dissecadas neste documento do Tribunal de Contas, o Acórdão n.º 3/95 - II Secção, citado por V. Ex.ª.
Importa, no entanto, recordar que o PDRITM I, assim como o PDRITM II, foram lançados pelo Governo do Professor Cavaco Silva e reflectem, de algum modo, uma preocupação dos governos do PSD em relação ao desenvolvimento dos territórios interiores do País, com as suas especificidades e as suas lacunas de desenvolvimento. E, neste aspecto, pelo menos na teoria, há que dar virtude a este projecto.
Aliás, há outros aspectos positivos, que não sonegaremos, sobretudo na primeira fase, ou seja, naquela onde temos uma visão mais ampla e concluída do que foi o desenvolvimento deste PDRITM I. Ninguém esquece a nova forma e metodologia de trabalhar, mais do ponto de vista interinstitucional, adoptada a partir deste projecto, fazendo convergir nele as sinergias das várias entidades. Também não há dúvida de que resolveu alguns problemas estruturais desta região e respondeu a certas necessidades há muito evidenciadas pelas populações, dando sobretudo satisfação a promessas, reiteradamente feitas por governantes, que, de algum modo, foram cumpridas com este projecto.
Naturalmente, há também situações negativas, quase escandalosas. Basta ver, por exemplo, o que se passa com as salas de ordenha colectivas, que estão construídas, mas inoperacionais, o que é um perfeito dispêndio de capital.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Também, por exemplo, aquelas célebres casas, construídas para a fixação de técnicos, que, muitas vezes, são habitadas por pessoas que de técnicos de desenvolvimento agrário nada têm.
Sr. Deputado, saudei, de viva voz, o aparecimento do PDRITM II, escrevendo até alguns artigos na imprensa regional, porque estava convicto de que era um bom caminho que o Governo do partido social-democrata estava a trilhar, ao dar uma nova versão ao PDRITM I, a este plano de desenvolvimento regional.
É claro que o acórdão que V. Ex.ª citou tem a ver com o ano de 1991. É obviamente executado durante o ano de 1992, mas reportado ao ano de 1991. E é preciso não esquecer que o ano de 1991 foi, em boa verdade, um ano charneira, porque era o ano de conclusão da primeira versão do PDRITM e o início do PDRITM II.
Com certeza há aqui algumas disfunções. Aliás, recordo-me da apresentação pública deste PDRITM II na Universidade de Vila Real, durante o ano de 1991. Portanto, mais uma vez, afirmo que 1991 factualmente é um ano charneira.
De qualquer modo, isto não leva a que também não comungue - como, aliás, já o disse - das preocupações que o Sr. Deputado aqui expôs, reportando-me, aliás, ao acórdão do Tribunal de Contas. Naturalmente, lastimo os atrasos verificados nas obras, que estavam previstas e não executadas, e a falta das instituições e dos instrumentos institucionais, que foram planeados e gizados para um bom enquadramento deste programa, sobretudo quando era tão fácil. Lembro o que o Sr. Deputado, aliás, referiu relativamente ao Conselho de Coordenação Nacional. Não há dúvida de que era um órgão relativamente fácil de montar e de grande importância- como, aliás, o próprio Tribunal de Contas o diz-, mas que não foi instituído.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir, porque já utilizou a benevolência da Mesa e excedeu-a.

O Orador: - Concluo, de imediato, Sr. Presidente.
Há também aquela questão, que me parece aberrante, do pagamento desnecessário dos juros de amortização.

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Sr. Deputado Armando Vara, para concluir, direi apenas o seguinte: aquilo que espero verdadeiramente é que este acórdão do Tribunal de Contas, que veio à luz no ano de 1995, seja, de algum modo, uma chicotada psicológica ou, se quiser, um instrumento de correcção de rumo de algumas atitudes e de alguns comportamentos da administração central e dos seus departamentos descentralizados. Espero que as autarquias locais também venham a ser envolvidas neste projecto, assim como os transmontanos em geral, porque ele é de multiparcerias. E digo isto,...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça o favor de concluir, de imediato, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Digo isto, porque espero sinceramente que este projecto possa contribuir com muitas das suas virtudes e com o seu alfobre de promessas para o progresso de uma terra, como o distrito de Bragança, que está carente de desenvolvimento.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Armando Vara, há mais um Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Armando Vara (PS): - Pela quantidade de questões que o Sr. Deputado Adão Silva colocou, penso dever fazê-lo já.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adão Silva, em primeiro lugar, quero felicitar a sua intervenção, na medida em que considerou pertinentes as questões aqui suscitadas. Em segundo lugar, julgo não ser possível abordar todas as facetas da sua intervenção, mas há dois aspectos que gostava de referir. O primeiro tem a ver com o período a que se refere a auditoria do Tribunal de Contas. O Tribunal de Contas só agora torna isto público e só agora manda este acórdão aos Deputados e a um conjunto de instâncias governamentais, porque verifica, como é dito no próprio relatório, que as primeiras observações que fez se mantiveram nos anos seguintes. E, embora neste caso se refira a 1991, em auditorias seguintes verificou que, em 1992, os processos continuaram a desenvolver-se do mesmo modo, ou seja, que tudo o que foi apontado como estando a desenvolver-se mal, em 1991, persiste nos anos seguintes. Portanto, como aqui se menciona no acórdão, quis o Tribunal de Contas levar esta situação ao nosso conhecimento, dizendo que, já que os responsáveis das entidades com poderes de coordenação do plano não agiram sobre esta matéria, pelo menos a tutela, o Parlamento, deve fazê-lo.
O segundo aspecto diz respeito ao PDRITM. Sempre tive, como penso ser do seu conhecimento, algumas dúvidas em relação à primeira fase do projecto. Sempre pensei que a componente não agrícola da primeira fase tinha sido bem implementada, porque esteve a cargo das autarquias, e sempre fui da opinião de que a parte agrícola da primeira fase teve falhas, erros e omissões, que atribuí ao facto de não ter sido executada por órgãos democraticamente eleitos da administração. Julgo até que já discutimos isso publicamente várias vezes.
Porém, em relação à primeira fase, apesar de toda essa crítica e de ter algumas dúvidas sobre o assunto, concordo - e várias vezes o disse - que foi um plano com alguma eficácia, que funcionou e resolveu algumas situações. Embora, como também o sabe, o Governo de Cavaco Silva apenas o tenha executado, como, aliás, aconteceu em relação a muita coisa neste país.
Agora, a segunda fase do programa, que devia decorrer entre 1990 e 1996 com finalização em 1997, é um desastre! Inclusivamente, chegamos a 1995 e verificamos que o Estado português está a pagar juros de empréstimos internacionais que não foram utilizados. Confesso-lhe que, para mim, só esta razão era motivo suficiente para demitir os responsáveis dos organismos que têm estado a coordenar a execução deste programa.
Para além disso, é de todo incompreensível que ninguém seja responsabilizado por coisa alguma neste país! Não queria agora sequer falar do Ministro da Defesa Nacional, que nunca foi responsável por nada do que se passou no seu ministério. O problema é que não há qualquer ministro que seja responsável pelo que se passa no seu ministério; não há qualquer gestor de empresa que seja responsável pelo que se passa na sua empresa; não há qualquer director-geral que seja responsabilizado pelo que se passa na sua direcção-geral.
Quem é que é responsável? Nós?! Nós, que não temos funções executivas?! A questão é esta. Por isso, não estou disposto a deixá-la passar em claro e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance, Sr. Deputado, com uma audição parlamentar, com artigos de opinião, com mobilizações de rua, com entrevistas na rádio, onde for possível, porque não estou disposto, num caso que mete Trás-os-Montes, a assistir, impávido e sereno, ao desbaratar de fundos públicos.
Devo dizer-lhe que, em relação a muitas das pessoas que vi a coordenar este tipo de projectos, sempre tive a maior dúvida sobre a sua competência para executarem programas de tanta responsabilidade. Mas, enfim, deixámos passar! O que não quero, como lhe disse, é que, daqui a três anos, esteja aqui o senhor ou qualquer outro Sr. Deputado a lamentar-se, por não termos agido a tempo e, por esse facto, se estar a ver de novo os fundos comunitários, os dinheiros públicos, a irem por água abaixo.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, mais do que para um pedido de esclarecimento será para manifestar a posição da bancada do CDS-PP acerca da sua intervenção.
Quero felicitá-lo por trazer este tema a Plenário, o qual não constitui surpresa para qualquer um de nós. No entanto, se o tema não constitui surpresa, algumas das situações a que V. Ex.ª fez referência na sua intervenção, que ultrapassaram o próprio acórdão do Tribunal de Contas, vêm levantar questões de alguma seriedade, que interessará pôr a claro, a fim de que se possa- pelo menos neste caso, já que, em alguns casos, como o Sr. Deputado referiu, ninguém é responsabilizado- achar a responsabilidade por um facto ex-

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tremamente importante, que é o do desenvolvimento e do desequilíbrio regional, não só em relação a Trás-os-Montes mas também, certamente, em relação a outros projectos de outras regiões do nosso país, que poderão não estar a ter a execução que se esperava.
A posição do CDS-PP é a de apoiar a proposta que V. Ex.ª irá, certamente, apresentar, na sequência, aliás, da sua intervenção, ou seja, a realização de uma audição parlamentar.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, era apenas para agradecer a intervenção do Sr. Deputado Ferreira Ramos e comunicar que farei chegar à Mesa um pedido de audição parlamentar, esperando que a Câmara o venha a aprovar, no sentido de podermos responsabilizar quem tiver de ser responsabilizado por esta situação.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia com a reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 183/VI, que altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia é instada a pronunciar-se, uma vez mais, sobre a Lei de Imprensa e, mais concretamente, sobre as alterações propostas e votadas para o direito de resposta.
Fazemo-lo assumindo a responsabilidade de quem desenvolveu, ao longo deste processo legislativo, inequívocos esforços de diálogo, que culminaram até nas diversas alterações introduzidas à proposta inicial, bem como as que vieram a ser consagradas na redacção final do artigo 180.º do Código Penal, matéria com a qual, como se recorda, sempre se associaram as críticas dirigidas às alterações aprovadas à Lei de Imprensa.
Estamos, como estávamos desde o início deste processo, motivados pela necessidade, amplamente reconhecida, de encontrar uma plataforma de equilíbrio entre direitos fundamentais com igual dignidade constitucional.
Com efeito, a liberdade de imprensa e o direito de informar e ser informado são direitos constitucionais ao lado de outros direitos fundamentais, como sejam o direito à defesa do bom nome e consideração e do direito de resposta e de rectificação. É o equilíbrio destes direitos, de igual dignidade e força constitucional, que buscamos com as soluções que propomos e votámos.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados. A convicção que sempre tivemos de que as soluções propostas não beliscavam constitucionalmente o direito à informação e à liberdade de imprensa não foi infirmada pelo Tribunal Constitucional. Este facto, que alguns parecem agora querer ignorar, reforça a convicção dos que, como nós, entendem não dever discutir esta matéria no circuito fechado dos slogans e chavões fáceis esgrimidos como suporte de acusações despropositadas e injustificadas que repudiamos

O Sr. José Magalhães (PS):- Não apoiado!

O Orador: - Sempre fomos, e sempre continuamos a ser, intransigentes defensores da liberdade de imprensa;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não se nota!

O Orador:- ... orgulhamo-nos do património político de que somos portadores nesta matéria,...

O Sr. José Magalhães (PS):- Não se percebe porquê!

O Orador: - ... que em muito contribuiu para o desenvolvimento e aprofundamento da sociedade democrática em que vivemos, sobretudo quando - recordamo-lo agora e aqui - as mesmas acusações e os mesmos chavões suportaram uma intensa luta política dos nossos adversários que se opunham à abertura e liberalização do sector da comunicação social.

Aplausos do PSD.

São, afinal, os mesmos que retardaram as soluções constitucionais que permitiram a abertura de canais privados de televisão; são ainda os mesmos que criticaram as privatizações feitas na imprensa e na rádio estatizadas; são, finalmente, os mesmos que nunca esconderam uma indisfarçável suspeita pelas transformações operadas, que permitiram a realidade das rádios locais e o reforço dos meios disponibilizados para os órgãos de comunicação social regional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr Presidente da República suscitou agora nova apreciação do decreto aprovado nesta Assembleia. Fê-lo no uso de uma competência constitucional, que não contestamos, embora não nos pareça excessivo sublinhar que do conteúdo de mensagem presidencial, em bom rigor, resulta sobretudo a preocupação de continuar a responder ao Acórdão n.º 13/95 do Tribunal Constitucional.
Por nós, não enjeitamos também a oportunidade para reafirmar posições já assumidas em anteriores debates sobre esta matéria. Valorizamos a liberdade de imprensa como direito constitucional inatacável e condição essencial de qualquer sociedade democrática; sublinhamos o respeito por outros direitos constitucionais, como o direito ao bom nome e consideração, em estrita homenagem ao personalismo que perfilhamos; reafirmamos a necessidade de melhor adequar, em termos de efectiva igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação constitucionalmente reconhecidos a todas as pessoas singulares ou colectivas; e recordamos aos que se permitem ainda sustentar que o decreto ora em apreciação ofende direitos fundamentais que essa é questão já dirimida pelo Tribunal

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Constitucional, pelo que estamos reconduzidos ao terreno das opções políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Compreende-se por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o nosso voto seja no sentido de confirmar o Decreto n.º 183/VI, agora em apreciação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados (não direi Sr. Membro do Governo, porque ele, sintomaticamente, ausentou-se deste debate, ao contrário do que aconteceu com anteriores, coisa que não me apraz sublinhar, mas sublinho): Vão registar as crónicas que o "mostrengo" legislativo, que hoje está em apreço outra vez, deu mil voltas e está tão feio hoje como estava no primeiro dia. "O leme rodou três vezes", três vezes rodou o presidente do Grupo Parlamentar do PSD, mudou o piloto em São Caetano à Lapa (embora a pilotagem remota, a partir de São Bento, continue); rompeu-se o maravilhoso triângulo estratégico, tão efémero e tão breve, mas nisto o PSD é uno, aqui o PSD tem uma voz - e que voz, Srs. Deputados!. O Dr. Nogueira e o Dr. Pacheco Pereira abraçam-se e olham ternamente para a mesma criatura. Infelizmente, a criatura é um monstro.
Neste ponto, o Dr. Fernando Nogueira entendeu não dar uma cambalhota. Não faz "flic-flac", mas houve suspense sobre se faria. Durante uns dias, li com uma atenção absorvente toda a imprensa, que me relatava que o PSD estava pronto a mudar, estava ponto a fazer um "zig-zag"...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Especulações! Especulações!...

O Orador: - Mas eram "especulações", como agora diz a bancada do PSD!
O suspense era infundado. O PSD optou por uma postura de "múmia paralítica" no que diz respeito a esta lei. E, todavia, se havia matéria em que se justificasse uma viragem, se havia matéria em que ninguém, na nossa bancada, se ergueria para o PSD, dizendo que ele se preparava para serpentear até à bancada do PS, adoptando as suas posições - suas, nossas, entenda-se! -, era esta precisamente.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito gentil!

O Orador: - Os Srs. Deputados, nesta matéria, revelam-se de uma inflexibilidade injustificada, como passo a demonstrar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Amoroso!

O Orador: - De vicissitude em vicissitude, chegámos a um caso verdadeiro de Guiness legislativo; é um record, é um must absoluto.
O Tribunal Constitucional, por culpa e responsabilidade do PSD, e apesar dos esforços insistentes do Sr. Presidente da República, que vetou- e muito bem!- este "aborto" legislativo, reinterpretou partes inteiras da lei escrita - e mal escrita! - pela maioria parlamentar. Ao fazê-lo, multiplicou o que já suscitava perplexidade.
A verdade é que a lei que entrou no Ratton não é a mesma que de lá saiu, como o Sr. Presidente da República bem relembra no seu veto, citando o Dr. Vital Moreira. Em consequência, em vez de clarificação, temos, hoje, uma nova confusão, uma agravada indefinição, uma floresta de obscuridades.
Temos aquilo a que eu chamaria "as sete pragas nogueirais" em matéria de direito de resposta.
A primeira praga é que o diploma cria um colete de forças para a imprensa escrita e uma fatiota de Lillian Ramos para a rádio e para a televisão; é uma obscena dualidade, sem qualquer fundamento.
A segunda praga é que cria a obrigação - segundo a lei - de publicar respostas abusivas, impertinentes, descabidas, desbocadas e mesmo ilícitas, sob a ameaça de pesadas sanções.
A terceira praga é a possibilidade - segundo o Tribunal Constitucional, que não segundo a lei (viva a confusão!)- de invocação pelos jornais de causas de justificação não escritas, etéreas e indefinidas, para não publicar respostas abusivas, que o legislador PSD quis liberalizar e contra as quais não quis que houvesse qualquer resposta possível.
A quarta praga são as sanções draconianas para quem vista mal este espartilho legal: montantes brutais; tratamento igual de boletim de paróquia, boletim de bairro e jornal de grande expansão; no mínimo, 500 contos, superiores às multas por outras infracções à Lei de Imprensa e superiores às previstas para a rádio e para a televisão.
A quinta praga - uma invenção genial do Dr. Nogueira, e tenho imensa pena de que nenhum daqueles que dão voz à sua voz aqui esteja sentado na tribuna do Governo - é a fixação, pelo juiz, da famosa multa preventiva por cada dia de atraso, se um jornal não acatar a condenação judicial de publicação. É o histórico artigo 53.º, n.º 4. Se vingar a tese - infelizmente sufragada pelo Tribunal Constitucional - de que este tipo de sanções penais disfarçadas são criáveis à margem dos princípios da legalidade e da culpa, o que é que vai acontecer, Srs. Deputados? Dou-vos quatro sugestões, já que estão numa era de insanidade legislativa.
Que tal "sanções pecuniárias compulsivas" para dirigentes civis ou militares que mintam ao Parlamento e aos ministros, como aconteceu ao Dr. Nogueira, esse que tudo desconheceu até ao fim?!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - E que tal multas preventivas para o Estado, quando não pague a fornecedores?! E que tal multas preventivas para os polícias que espanquem cidadãos?! E que tal multas preventivas para actos ilegais do SIS. E uma solução aberrante!
E qual é o montante? A lei é confusa. Admitindo que o artigo 53.º, n.º 5, remete para o artigo 33.º, n.º 2., o tribunal pode fixar multa de 500 a 5000 contos por cada dia de atraso na publicação. E, para cúmulo, o julgamento é feito a jacto, em regime de excepção, sem audiência de julgamento.

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Acresce que não é liquido (ao contrário do que aventa o Tribunal Constitucional!) que a estas sanções não acresçam as correspondentes ao crime de desobediência a uma sentença judicial.
A sexta praga é a criação de limites abusivos à possibilidade de comentar e anotar respostas, pondo jornais de quarentena e criando tabus.
A sétima praga decorre do facto (grave) de as regras sobre publicação de respostas não satisfazerem o princípio da igualdade de armas.
Sr. Presidente, a nossa posição sobre esta matéria é simples: esta lei será uma vitória de Pirro do PSD. Não ficará "pedra sobre pedra" deste mostrengo legislativo se, como esperamos, no mês de Outubro, mudar a maioria político-parlamentar.

Vozes do PSD: - Essa é a última praga!

O Orador: - A nossa ideia e o nosso compromisso é claro: revogar as disposições do Código Penal restritivas ou ambíguas...

Vozes do PSD: - Essa é a última praga!

O Orador: - Ó Sr. Presidente, há uma grande emoção por parte da bancada do PSD, porque se enganou quanto ao tempo. O PSD não sabe contar o tempo! Também se engana quanto a Outubro! Não sabem contar o tempo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado também se enganou no tempo. Já não tem tempo.

O Orador: - Ainda tenho minutos que cheguem para dizer tudo o que é suposto que diga.
O nosso compromisso é este. Repito-o, em homenagem ao Sr. Deputado Guilherme Silva.
Primeiro compromisso, revogar as disposições do Código Penal, restritivas ou ambíguas, quanto à liberdade de informar, cuja vigência se prevê para o mês de Outubro e esperamos que nunca venham a ser aplicadas. Obra de Pirro, vergonhosamente feita pelo Ministro da Justiça, rompendo compromissos assumidos pela vossa bancada, rompendo e lesando a honra de Deputados vossos, como a do Deputado Costa Andrade, e levando a Assembleia da República a fazer uma triste figura colectiva, absolutamente lamentável.
Segundo compromisso, abolir limitações ao sigilo profissional dos jornalistas constantes do Código de Processo Penal.
Terceiro compromisso, restituir garantias de independência dos jornalistas, demolidas com medidas como a abolição do Conselho de Imprensa.
Quarto compromisso, revogar e suprimir ingerências estatistas, como as constantes do regulamento da carreira profissional dos jornalistas, e órgãos de triste currículo, como a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Quinto compromisso, revogar também a lei mutiladora, que é este aborto legislativo regulador do direito de resposta.
Sexto compromisso, revisão da legislação sobre televisão por cabo e das limitações vigentes em matéria de expressão televisiva dos interesses regionais e locais.
E, por último, Srs. Deputados, rever, de forma harmoniosa e com a participação de todos os interessados, a Lei de Imprensa que a vossa prática sedimentada, casuística e ínvia conduziu a uma manta de retalhos sem coerência e com lacunas muito perigosas.
São estes os compromissos que assumimos.
Este debate, como debate confirmativo, é produtor e fautor de um resultado efémero, de uma lei condenada a ser coisa nenhuma na realidade, sendo certo que é péssima como texto. Uma lei que enferma do vício dos vícios que, na nossa óptica, é o de considerar que é preciso isolar, em Portugal, como inimigo com cabeça a prémio, uma classe sócio-profissional só porque ela é incómoda àqueles que ocupam transitoriamente o poder político e não gostam de ouvir discutidas na praça pública questões que lhes podem ser incómodas, que lhes podem ser dolorosas mas são da sua exclusiva responsabilidade. Pela nossa parte, re-cusamo-nos a criar "superauto-estradas" punitivas para jornalistas, quando a justiça não tem velocidade bastante para punir assassinos e outras pessoas que põem em causa a segurança dos portugueses.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Recusamo-nos a tratar como criminosos patibulares, do tipo "quadrilha do Multibanco", jornalistas incómodos ao poder político.
São estes os nossos compromissos e é por estas razões, Srs. Deputados do PSD,...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, agora é que deve ter atenção à hora!

O Orador: - ... que coerentemente votaremos contra a confirmação deste diploma, em boa hora vetado pelo Sr. Presidente da República.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, e hoje em consequência do veto do Sr. Presidente da República, debatemos as alterações à lei da liberdade de imprensa propostas pelo PSD.
Depois do Acórdão do Tribunal Constitucional e apesar de este, por maioria, não se ter pronunciado pela inconstitucionalidade de alguns preceitos, ficou mais claro (se maior clareza ainda se torna possível) que se trata de uma lei "aleijadinha", moldada pelas necessidades de controlo da liberdade de informação.
A corrente maioritária no Tribunal Constitucional não deixou de insinuar - e está lá escrito -, relativamente à recusa do direito de resposta, apenas possível com base em questões formais, que se tratava de uma opção de menos acerto do legislador.
De facto, um dos maiores "aleijões" do diploma, para o qual foi difícil encontrar um enxerto sólido, está enquistado no n.º 9 do artigo 16.º.
O que o PSD quis (e hoje já não pode querer dado o teor do Acórdão) com aquele inciso foi obrigar os periódicos a publicar a eito todas as respostas ainda que estas não fossem permitidas pela Constituição e

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pela lei, ainda que as respostas fossem um autêntico esforço contra a crítica, legítima, à actividade dos que detêm o poder.

Apetece mesmo dizer: aqui há fantasmas!

O Sr. José Magalhães (PS); - E há!

A Oradora: - O que o PSD quis (e já não pode querer depois do teor do Acórdão do Tribunal Constitucional) foi obrigar os periódicos a publicar todas as respostas, ainda que estas se cifrassem no consentimento de crimes contra os jornalistas. Ao arrepio, aliás, do que é comum à generalidade das legislações, que proíbem a resposta que constitua uma infracção penal.
Mas, se o PSD quis isto, não o conseguiu. É que a compatibilização da proposta com o texto constitucional deu origem a que, nos casos de autêntico abuso do direito de resposta, se tivesse de admitir no Tribunal Constitucional a possibilidade de recusa daquela com base em causas de justificação, isto é, de exclusão da ilicitude e da culpa.
O que quer dizer que, através de um caminho sinuoso, o Tribunal Constitucional viu-se forçado a admitir, numa proposta que classificou de "menos acerto", que a lei não podia limitar a recusa a fundamentos de natureza estritamente objectiva. Mas com esta progressão sinuosa, de adaptação do diploma ao texto constitucional, aumentou-se o foco de conflitualidade entre o jornalismo, nomeadamente o de investigação, e o poder. E não se facilitou ao cidadão comum, àquele que mais receio e temor sente, mesmo quando exercita um direito, cujo conteúdo lhe é, na maior parte dos casos, inacessível, o exercício do direito de resposta, que continuará a debater-se por interpretações divergentes dos preceitos da lei que seguem inalterados sem que o PSD tivesse proposto o seu aperfeiçoamento.
O recurso às causas de exclusão da ilicitude e da culpa continua a permitir a análise, pelo director do periódico- isto na interpretação do Tribunal Constitucional -, da existência de fundamento para a resposta. Isto é, a "operação cirúrgica ao aleijão" da lei não pode deixar de conduzir à admissibilidade da existência de um controlo de limites do direito de resposta que nada tem a ver com o controlo da interpretação que o respondente deu ao artigo em que se revê como visado, e este, sim, é um controlo absolutamente vedado ao director do periódico. Só que aquele controlo de limites que o Tribunal Constitucional teve de admitir e que se veio a abrir de uma forma enviesada deixa de ter agora a garantia da intervenção do Conselho de Redacção, uma vez que o PSD eliminou a exigência de parecer favorável daquele Conselho para a recusa de inserção da resposta.
Ao eliminar a intervenção dos representantes dos jornalistas, o PSD não só enfraquece os direitos dos jornalistas como fragiliza o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a liberdade editorial, por um lado, e a liberdade face à imprensa, por outro. Fragilização que atinge sobremaneira o cidadão comum e não os que detêm o poder.
As alterações propostas para o artigo 16.º provam só por si que o que está em causa para o PSD não é o encontro de um justo equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a liberdade face à imprensa. O que está em causa para o PSD é a recuperação, para o poder, do abuso sobre a imprensa, da prerrogativa da opa-
cidade, da recuperação de imunidades abusivas que se querem preservar da crítica da opinião pública. E o Código Penal aqui aprovado é também um bom exemplo disto.
Este autêntico abuso do poder está bem expresso nos brutais agravamentos das multas, na imposição de prazos processuais que podem inviabilizar o próprio direito de defesa, prazos que todos sabemos que os tribunais não podem cumprir, mas que o PSD quer que fiquem na lei como uma marca de uma senha contra a informação escrita, visando a criação de um clima de constrangimento sobre a imprensa.
A comparação das propostas de alteração à Lei de Imprensa com as leis da rádio e da televisão provam a manifesta desigualdade que se passará a estabelecer entre os jornalistas da informação escrita e os jornalistas dos restantes meios da comunicação social, sem qualquer fundamento para essa desigualdade entre os estatutos que não seja o facto de a imprensa ter desempenhado um papel protagonista na descoberta de estranhos meandros na área do poder.
Por isso, eles, que assim fizeram, passam a ficar sujeitos àquilo que uns chamam sanções compulsórias e que os tribunais continuarão a debater para averiguar se não se trata afinal de sanções penais, infringindo os princípios da precisão ou determinabilidade da lei e o da proporcionalidade Aliás, foi o Grupo Parlamentar do PCP que, nesta Assembleia, levantou o problema relativamente a esse preceito legal.
De uma coisa, porém, estamos certos e a opinião pública também: a proposta do PSD estabelece claramente a medida da culpa do PSD no exercício abusivo do poder.
O PSD, em vez de se preocupar com problemas importantes com que se defrontam os jornalistas - como os que decorrem da concentração de propriedade dos meios de comunicação social, do seu direito ao trabalho e da preservação do direito ao sigilo profissional, que é simultaneamente um dever -, o que quis foi avançar com um modelo de controlo da imprensa e, porque esta forma a opinião pública, progredir também, desta forma, no próprio controlo da opinião pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS-PP não vai, na fase final deste processo legislativo, repetir nem alterar o essencial das suas posições expressas ao longo dos diversos debates, tanto na especialidade como na apreciação global. Mantemos a posição no que diz respeito à celeridade dos julgamentos no caso do incumprimento: consideramos académica a questão dos prazos e que esta questão não fica de facto bem resolvida.
Quanto aos argumentos apresentados pelo Sr. Presidente da República para o primeiro veto, no essencial repetem-se neste segundo veto, o que significa que não foram atendidos na primeira reapreciação da proposta de lei n.º 99/VI. Há, nomeadamente, nos argumentos do Sr. Presidente da República, um que nos parece ser de ponderar, que é a inexistência prática de direito de resposta nos audiovisuais.

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As consequências que a Assembleia devia retirar desta chamada de atenção podem ser várias e de vários tipos, como, por exemplo, a reaproximação dos dois regimes, tanto actuando sobre esta proposta de lei como, inclusivamente, ponderando a implementação do direito de resposta nos outros níveis em que actuam os órgãos de comunicação social. Porque há aqui também um valor a proteger, que é a protecção dos direitos' da pessoa que podem, em algumas circunstâncias, ser postos em causa pela possibilidade de abusos da liberdade de imprensa, neste caso, ou de um qualquer outro exercício da comunicação social. Mas não, não vamos alterar a nossa posição final, de votar contra esta proposta e não apenas para mantermos as nossas posições já expressas ao longo do tempo. Há, quanto a nós, uma nova razão que deve ser ponderada não só pela Assembleia mas também, em particular, pela bancada da maioria.
Quando o Sr. Presidente da República exerce pela segunda vez o seu direito de veto, não promulgando! o decreto, está a declarar, por esta forma, à Assembleia da República, a importância que atribui aos pontos 'de vista que não vê consagrados no processo legislativo.
Ora, se a Assembleia responde ao segundo veto mantendo integralmente a posição tomada em momento anterior - e trata-se de uma questão política, como bem salientou o Sr. Deputado Miguel Macedo-, está a demonstrar ao Sr. Presidente da República que considera a sua possibilidade de interferência ou de influência no processo legislativo, mesmo nestes casos-limite, absolutamente nula, o que contradiz, a meu ver, a Vontade repetidamente expressa, e de forma significativa, pelo eleitorado sobre o funcionamento do sistema.
O Sr. Presidente da República propôs ao eleitorado, quanto à interpretação das suas funções, uma concepção de influência que ele aprovou de forma muito Significativa. Estou à vontade para o dizer porque não foi com o meu voto que essa concepção de funcionamento do sistema semi-presidencial português foi aprovado mas tenho de constatar que essa interpretação foi democraticamente validada e julgo que a Assembleia não deverá ser completamente indiferente a esse facto.
O eleitor português quis que o seu Presidente da República tivesse a possibilidade de exercer uma magistratura de influência que, no processo legislativo, pode passar por estes casos-limite do veto sucessivo. A Assembleia da República deve, quanto a nós, ouvir as razões do Sr. Presidente da República e abster-se de responder-lhe repetindo simplesmente as formulações previamente encontradas.
O comportamento inflexível e rígido do grupo parlamentar da maioria nesta circunstância tem este resultado prático que, em nossa opinião, não é saudável para o funcionamento do sistema político!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.
Vamos aguardar o tempo necessário para que os Srs. Deputados reunidos em sede de comissão interrompam os seus trabalhos e possamos proceder à votação agendada.

Pausa.

Srs. Deputados, nos termos do n.º 3 do artigo 169.º do Regimento da Assembleia da República, a votação na generalidade a que vamos proceder versa sobre a confirmação do Decreto da Assembleia da República n.º 183/VI- Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa).

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com 124 votos a favor, do PSD, e 31 votos contra, do PS, do PCP e do CDS-PP.

Como não foram apresentadas propostas de alteração, conforme o previsto no n º 4 do artigo 169.º do Regimento, não há discussão na especialidade e dá-se por concluído este processo de confirmação.
Aproveito para dizer, desde já, que as restantes votações agendadas realizar-se-ão às 18 horas e 30 minutos.

Pausa.

Passamos à discussão conjunta dos projectos de lei n.ºs 463/VI - Alarga a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de certas categorias de actos das Administrações Central, Regional e Local (PS); 502/VI - Direito de participação procedimental e de acção popular (PSD) e 531/VI- Confere a todos os cidadãos a legitimidade para recorrer contenciosamente de actos administrativos lesivos de interesses públicos (PCP).
A Mesa foi informada de que os Srs. Deputados Rui Machete e Almeida Santos, na qualidade de relatores, não usarão da faculdade de apresentar a síntese dos respectivos relatórios, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs Deputados: o projecto de lei n.º 463/VI foi apresentado pelo Partido Socialista com uma intenção que, felizmente, produziu alguns resultados. Pretendíamos fazer com que a temática da acção popular despertasse da letargia em que a maioria a tem deixado ao longo das últimas legislaturas.
Na realidade, já na anterior legislatura, o Partido Socialista tinha apresentado um projecto de lei sobre esta matéria, que baixou à Comissão respectiva sem ter sido precedido de votação, mantendo-se nessa sede até ao final da legislatura; durante esta Legislatura, há duas sessões legislativas, foi apresentado um novo projecto de lei, igualmente da autoria do Sr. Deputado Almeida Santos, que, depois de aprovado na generalidade, se ficou pela Comissão perante a manifesta falta de vontade do PSD até ao presente momento em regular este direito político previsto na Constituição.
Felicitamo-nos por, depois de termos dado a conhecer este projecto de lei em Novembro, o PSD ter finalmente apresentado, em Fevereiro, uma iniciativa sua de regulamentação desta matéria; felicitamo-nos igualmente pelo facto de o Partido Comunista Português, embora com algumas soluções que não acompanhamos inteiramente, ter vindo ao encontro do nosso objectivo de alargamento do âmbito de aplicação do direito de acção popular.
Este projecto de lei é complementar e compatível com a iniciativa anteriormente apresentada pelo

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Sr. Deputado Almeida Santos e nasceu de duas reflexões: uma, de natureza prática, outra, de natureza teórica.
Em primeiro lugar, a propósito da reflexão de natureza prática, devo dizer que, desde o século passado, temos no Direito Administrativo português uma figura de acção popular utilizável para interpor recurso contencioso das decisões das autarquias mas não temos uma solução semelhante para a Administração Central e Regional. Muitos dos que têm recorrido à figura da acção popular (e alguns são) e muitos dos que, profissionalmente, têm patrocinado actores populares (e alguns são) sabem da profunda iniquidade que se experimenta quando, para uma determinada situação, se ocorrida no âmbito da Administração Local, é possível lançar mão desta figura e, em paralelo, quando a mesmíssima situação existe no âmbito da Administração Central, essa via se encontra excluída. Existe aqui uma inibição resultante do actual sistema legal que é extremamente negativa e inaceitável.
Em segundo lugar, a reflexão de natureza menos prática tem a ver com alguns autores, querendo eu citar em particular a figura de Norberto Bobbio e uma das suas obras sobre o futuro da democracia em que se debruça sobre o declínio da justiça administrativa na actual fase do desenvolvimento do fenómeno estatal, chamando a atenção para que a limitação da capacidade para recorrer dos titulares de interesse directo, interesse pessoal e interesse legítimo tem como pressuposto a ideia de que a maior parte dos actos do Estado prejudicam o particular e que, portanto, os que são prejudicados e que são aqueles que tipicamente, embora não os únicos, são titulares de interesses com essas características, serão suficientes para questionar e promover, no plano da justiça administrativa, o controlo da legalidade dos actos do Estado.
Mas, enfatiza Bobbio, o que se passa hoje é que uma grande maioria dos actos praticados pelo Estado beneficia particulares em relação aos quais importa valorizar o papel da justiça administrativa e, se dermos a possibilidade de recorrer à figura do recurso contencioso apenas ao titular de um interesse com essas características - e muito haveria a dizer sobre o recorte dessas características -, então, a função de controlo da legalidade não é cabalmente exercida e a massa principal dos actos do Estado, relativamente à qual existiu o maior interesse em promover a legalidade, ficará fora da justiça administrativa, como, aliás, bem sabe que acontece quem tem alguma visão prática da distribuição das matérias no contencioso administrativo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, nas próprias decisões que ocorrem no âmbito de procedimentos contratuais verifica-se muitas vezes que os vários interessados e os vários lesados não usam a figura do recurso contencioso na base de determinados acordos que lhes asseguram a compensação em futuros actos de natureza análoga. Esse tipo de conluios, de combinações, faz com que, em muitos actos em que há lesados por virtude de ilegalidades praticadas naquele acto concreto, também não haja recurso. Portanto, é preciso furar este círculo que resulta de uma análise prática dos problemas submetidos a contencioso e de uma reflexão teórica tão importante e interpelativa como é a de Bobbio. Repito que é importante furar este círculo e honrar as tradições do direito administrativo português, que vem do século passado e não apenas do Professor Marcelo Caetano, como subliminarmente parece ter sido sugerido. É preciso honrar essas tradições e, nas condições do Estado actual, é preciso conferir um novo papel a esta figura na promoção da legalidade
Na verdade, sabe-se hoje que os custos são elevadíssimos, nomeadamente os custos externos da ilegalidade no Estado actual, e é preciso potenciar os instrumentos para combatê-la. A vulnerabilidade dos actos públicos à ilegalidade é diferente: hoje em dia, há estudos, a nível da Europa, sobre esses níveis de vulnerabilidade à ilegalidade e à corrupção dos vários actos. Assim, foi com base nessa reflexão que nos decidimos a enumerar alguns tipos de actos - não serão os únicos e a sua enumeração deverá mesmo ser discutida - que são apresentados naqueles estudos como sendo os mais vulneráveis à ilegalidade e por isso os autonomizámos. Fizemos o mesmo relativamente àqueles actos que, tipicamente, correspondem à atribuição de benefícios a particulares, isto é, aqueles em relação aos quais Bobbio sublinha a insuficiência do actual recorte dos pressupostos do recurso à justiça administrativa para efeitos de recurso contencioso.
Os nosso propósitos são, portanto, os de alargar este direito a um conjunto de actos das administrações central e regional, envolvendo adjudicação de empreitadas, fornecimentos de bens e serviços, concessão de exclusivos, obras e serviços públicos, concessão a entidades privadas, individuais ou colectivas, de subsídios, subvenções, ajudas, incentivos, donativos, bonificações, isenções, benefícios fiscais, perdões, dilações de dívidas, indemnizações não decididas judicialmente, actos de aprovação de doação de bens, actos que concedam autorizações ou licenças ou que as modifiquem.
Tratou-se, portanto, de permitir a intervenção de qualquer cidadão, eleitor ou contribuinte, nestes casos - e aqui quisemos utilizar as expressões tradicionais da legislação portuguesa e honrar em especial a figura do cidadão e a figura do contribuinte, lesada por muitos destes actos que passam sem controlo na justiça administrativa- e de fugir a alguma tecnicidade, porventura professoralmente mais avaliada mas que não designaria "o boi pelo seu próprio nome".
Quisemos, assim, dar um novo contributo a uma política de promoção da legalidade, que é uma esfera importante da actuação do Estado actual - evidentemente, acrescenta-se este contributo à nossa proposta geral sobre esta matéria. Não nos referimos às políticas clássicas e direitistas de promoção da lei e da ordem, mas queremos dizer que a política da promoção da legalidade no Estado actual é decisiva e deve também ser levada à justiça administrativa e à temática do contencioso administrativo.
Tendo regressado de uma viagem, só hoje tomei conhecimento do douto relatório sobre esta matéria elaborado pelo Sr. Deputado Rui Machete, envolvendo algumas críticas ao nosso próprio projecto de lei. Embora prejudicado pelo conhecimento de apenas há momentos, não quero deixar de tecer um breve comentário às considerações produzidas no referido relatório, aliás aprovado em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, embora não com o nosso voto favorável.
Em primeiro lugar - e penso ser este o seu argumento central -, alega-se naquele relatório que a nossa

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solução contraria a lógica constitucional. Não creio que chegue a dizer-se que é uma solução inconstitucional, pelo menos, não foi assim que interpretei os termos empregues, embora, porventura, fique essa sugestão. Ora, não me parece que esse argumento possa proceder, embora pudesse ser muito interessante paia discutir no âmbito de uma eventual tese de doutoramento sobre «concepção da justiça administrativa consagrada na Constituição portuguesa após as duas Ultimas revisões». Aliás, se o argumento procedesse, também invalidaria constitucionalmente a acção popular que consta hoje do Código Administrativo e que provém de legislação administrativa do século passado porque essa enxerta-se, justamente, na mesma filosofia e no mesmo tipo de instrumento que esta figura, sendo que o paradoxo é o de que isso possa fazer-se no âmbito de uma autarquia. Por exemplo, hoje em dia, um cidadão, enquanto actor popular, pode pôr em causa uma deliberação de uma autarquia que, através de um contrato privado com um particular, decide alienar um determinado bem, seja de que domínio for, mas se o Estado o fizer, o actor popular já não pode fazê-lo. Ora este paradoxo é inaceitável...

O Sr. José Magalhães (PS): - É absurdo!

O Orador: - ... é absurdo! Até é gritante que, perante este paradoxo, alguém venha dizer que o alargamento da figura é contrário à lógica de uma Constituição que valoriza a acção popular. Pelo contrário, eu diria que, no anterior regime e à face da Constituição então vigente, é que a figura da acção popular, herdada do século passado, era relativamente contraditória e que, perante a Constituição que temos, alargar o controlo da legalidade nesta direcção é, seguramente, ir no sentido da Constituição.
Por outro lado, não compreendo o argumento dei que esta concepção teria por trás uma outra, segundo a qual o acto administrativo seria o alfa e o omega da justiça administrativa. Não é, manifestamente, essa ideia que está aqui presente.
Além disso, queria notar que a figura do acto administrativo tem hoje uma revalorização especial no próprio âmbito da justiça administrativa quando está em causa a contratação privada. É porque tanto os bons autores como a nossa própria justiça administrativa têm entendido que o que permite discutir, por exemplo, a observância de princípios como a justiça, a imparcialidade e a proporcionalidade é, justamente, a possibilidade, que hoje é reconhecida, de poder recorrer-se do acto de uma entidade pública que, a seguir, permite o recurso a uma contratação privada. Se isto não fosse admitido, os princípios da imparcialidade, da justiça & da proporcionalidade nunca poderiam ser utilizados para controlar a legalidade desse procedimento. Portanto, parece-me de todo improcedente a mobilização desta concepção.
Diria ainda que a ideia de construir constitucionalmente a competência dos tribunais administrativos na base das relações jurídico-administrativas não pode 'ser levada demasiado longe nem está a sê-lo por parte da nossa justiça constitucional que, tendo apreciado várias vezes esta matéria, admitiu que os tribunais administrativos poderiam ocupar-se de questões não emergentes de relações administrativas e fiscais. Assim, não me parece que possa ser atribuída a toda festa argumentação o peso que lhe é dado.
Posto isto, apenas farei mais duas menções pois não quero ocupar muito o tempo de VV. Ex.ªs.
Aduz-se ainda que os particulares poderiam fazer um uso malicioso desta figura. Parece-me inteiramente inaceitável o argumento porque hoje temos uma figura com contornos semelhantes no âmbito da administração local e não são frequentes os usos maliciosos da mesma. Embora os casos sejam limitados, V. Ex.ª também não tem razão quando sugere que o não sejam. Há dezenas, se não centenas, de casos, nomeadamente nos últimos anos, de utilização desta figura sem os tais fins maliciosos, sendo que a figura da litigância de má fé é sempre plenamente mobilizável para este efeito.
Por último, no relatório diz-se, em desabono do nosso projecto de lei, que, afinal, a experiência demonstra que a acção popular só é usada quando há interesse em agir. Não é verdade! Eu sou testemunha, enquanto patrono, de numerosas situações em que não está em causa qualquer interesse em agir no sentido que aqui é sugerido mas, antes, pura e simplesmente, um interesse na promoção da legalidade por uma motivação, por exemplo, de natureza cívica ou política. Portanto, penso que esta objecção, que não é validada pela análise dos casos, não colhe no caso deste diploma.
Por tudo isto, quero acreditar que o PSD possa viabilizar esta importante medida para valorizar o papel da justiça administrativa na promoção da legalidade dos actos da Administração. Aliás, estou firmemente convencido de que, na ausência de uma inovação desta natureza, milhares e milhares de actos ilegais, praticados pelas administrações central e regional, passarão sem possibilidade de recurso aos tribunais administrativos. É isso que queremos evitar e atribuir esta nova possibilidade a esses tribunais é, seguramente, contribuir para a tal política de valorização da lei que preconizamos em todos os domínios.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, ouvi com atenção e particular interesse as considerações que desenvolveu e terei oportunidade de discutir com um pouco mais de profundidade alguns dos problemas que suscitou.
A propósito da defesa da legalidade, V. Ex.ª citou Bobbio, queixando-se o ilustre filósofo do direito italiano da circunstância de não haver uma suficiente defesa da legalidade em Itália. E Bobbio tem toda a razão porque, como V. Ex.ª sabe, em Itália...

O Sr. Alberto Costa (PS): - O problema que citei não é em Itália!

O Orador: - Mas é o caso italiano que o preocupa!
Continuando, como V. Ex.ª sabe, em Itália, não há acção pública, como não há na Alemanha, mas há acção pública em Portugal e essa diferença é abissal. Isto significa que, a não ser que haja uma dúvida sobre a eficiência e a utilidade da acção pública, o controlo que pode ser realizado através da acção do Mi-

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nistério Público, e que não é uma verdadeira acção em termos de uma jurisdição real, permite justamente colmatar essa lacuna que, na verdade (aqui V. Ex.ª tem razão), se verifica na Alemanha e em Itália e que justifica essa observação - mas não é só Bobbio; há outros pensadores que se têm debruçado sobre esta matéria.
Portanto, gostaria de perguntar-lhe, em síntese, pois a isso se destina esta minha intervenção, o seguinte: e que papel atribui V. Ex.ª à acção pública no meio disto tudo?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Cosia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Machete, muito obrigado pelas suas considerações.
As coisas e os sistemas devem ser vistos também na sua dimensão prática e os legisladores devem ser homens práticos, pelo que devem responder rapidamente aos problemas e não esperar vários anos para regulamentar direitos, o que é a primeira falta de sentido prático de que o legislador pode dar mostras; eis o primeiro aspecto.
V. Ex.ª sabe que é difícil persuadir o Ministério Público a interpor recursos...

O Sr. Rui Macheie (PSD): - É?

O Orador: - Sim, é difícil! E, em virtude da sobrecarga desses magistrados, há orientações no sentido de efectuar filtragens.
V. Ex.ª sabe ainda que é completamente diferente alguém peticionar a outrem que interponha um recurso ou alguém sentir que tem o direito de, directamente, interpor esse recurso. Uma coisa é pedir a outrem, outra coisa é agir directamente. Ora, o que me parece importante é abrir a «avenida» para que os cidadãos possam interpor directamente estes recursos, quando assim o entendam. É que se V. Ex.ª, através do recurso à acção pública, quer suprir a lacuna que reconhece existir no sistema actual - e quero saudá-lo por isso, é importante esse reconhecimento -, se preconiza que o recurso ao Ministério Público é a forma adequada de suprir esta limitação, V. Ex.ª, certamente, tem em mente que aí se poderá exercer uma filtragem para diminuir os tais usos maliciosos ou inconsiderados da figura que também menciona no seu relatório.
O que se passa é que no sistema processual existem remédios para todos esses problemas e, existindo remédios para todos esses problemas, não vejo por que há-de despojar o cidadão de um direito e entregar-lhe apenas a possibilidade de bater à porta do Ministério Público.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de tecer algumas considerações, ainda que necessariamente breves, no sentido da justificação do projecto de lei agora apresentado pelo PSD e que foi por mim elaborado e subscrito.
Em primeiro lugar, quero referir que o projecto assenta basicamente no reconhecimento de que o irromper os interesses difusos ou colectivos no domínio jurídico, a sua diversificação e multiplicação rápidas têm vindo a evidenciar, por forma cada vez mais clara, as insuficiências do tradicional Zweiparteienprozes civil, como instrumento eficaz da tutela jurisdicional deste tipo de interesses, e também no próprio processo administrativo, visto que este, que, no passado, foi considerado, durante muito tempo, como um exemplo de jurisdição objectiva ou de processo de conteúdo objectivo, tem revelado igualmente manifestas dificuldades de adequação, só em pai te devidas à sua progressiva subjectivação.
Gostaria de acrescentar que menos frequente tem sido notar as dificuldades registadas numa fase anterior à tutela jurisdicional, no próprio momento em que o ordenamento jurídico, depois de reconhecer os interesses em abstracto, empresta relevância às situações concretas. E, no entanto, o fenómeno dos interesses difusos ou colectivos, como outros preferem chamar-lhes, constitui uma característica das sociedades democráticas e pluralistas de um capitalismo maduro e de um Estado de direito social, e também é verdade que o seu aparecimento e importância coincidem com as dificuldades organizatórias da Administração Pública, incapaz de representar outros interesses da colectividade, e ainda com o fenómeno da retracção do «Estado-aparelho».
Gostaria, sobretudo, de sublinhar que o projecto que apresentámos se destina a regular a acção pública em matéria de interesses difusos ou colectivos e não a acção popular com o âmbito e a enorme vastidão com que o fazem o projecto comunista e o projecto socialista apresentados nesta matéria, e que, hoje, se encontram em discussão. E não o visa, basicamente, pelo seguinte: porque pensamos que a evolução do sistema de justiça administrativa português tem sido no sentido de uma progressiva subjectivação, que se traduz, designadamente, na forma como é. hoje, definida no artigo 214.º, n.º 3, da nossa Constituição, a jurisdição administrativa, na circunstância de os direitos fundamentais de liberdade terem hoje um significado vinculativo imediato, sem a intermediação do legislador, e emprestarem, naturalmente, um relevo particular às situações subjectivas dos particulares e que se traduz ainda na circunstância de uma revisão constitucional, primeiro, de uma forma tímida, depois, de uma forma muito mais robustecida, ter vindo consagrar a acção para defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido.
Na verdade, se não interpretarmos restritivamente o artigo 52.º, n.º 3, da Constituição e consignarmos uma acção popular com a largueza com que é preconizada nos projectos comunista e socialista, isso significa, na prática, tornar verdadeiramente indisponíveis e publicizar, passe a expressão, as situações subjectivas, sejam elas direitos públicos, sejam elas interesses legítimos, a meu ver, com um grave prejuízo do progresso do Estado de direito.
Mas - diz o Sr. Deputado Alberto Costa e, naturalmente, os subscritores dos dois projectos de lei - não é verdade que o sistema de justiça administrativa foi, todo ele, gizado na defesa dos particulares, pressupondo o prejuízo destes e, portanto, que a ilegalidade é sempre acompanhada de um desmerecimento das situações dos particulares e que, por esse mesmo facto, o interesse público, quando o que está em causa, na ilegalidade, é o interesse do Estado, porque

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houve um conluio ou uma desatenção por parte das entidades públicas, acaba por ser insuficientemente acautelado? Diria que, efectivamente, a evolução do Estado de direito e o enorme progresso que significou, face ao poder e aos seus abusos, orientou-se justamente no sentido de protecção dos particulares, mas é verdade que o Estado intervencionista dos nossos dias, ou o Estado-providência, ou como lhe queiram chamar, veio, de facto, trazer à colação situações desse tipo.
Assim, na minha opinião, justifica-se um papel da acção pública, da acção do Ministério Público, que, em rigor, não é nem um recurso administrativo nem uma acção para defesa de um direito ou de um interesse legítimo mas uma forma de controlo administrativo jurisdicionalizado, isto é, realizado perante a justiça administrativa.
É evidente que, de um ponto de vista teórico, poderemos continuar fiéis à ideia de que o recurso administrativo e a justiça administrativa não são mais do que formas evoluídas de recursos hierárquicos agora jurisdicionalizados e, por essa circunstância, dando um toque particularmente favorável às demagogias de uma participação política dos cidadãos, acrescentar a Ideia de que a acção popular deve ser generalizada. Com toda a sinceridade, parece-me que prestamos um mau serviço e vamos ao arrepio da evolução da justiça administrativa em Portugal. Julgo que é importante consigná-lo em alguns sectores, onde o processo administrativo tem, claramente, um conteúdo objectivo - esse é, designadamente, o caso, em matérias eleitorais, e pode haver outros, mas não é assim na maioria das situações -,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso corrompe o sentido da acção popular!

O Orador: - ... mas devemos evitar transformar o particular numa espécie de Ministério Público ocasional, pois cada uma das entidades tem, claramente, as suas funções. Por isso, entendo que, hoje, a acção popular tem plena justificação numa zona não de interesse público clássico mas de interesses difusos ou colectivos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é ante-Caetano! É ante-liberalismo!

O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos elaborou um parecer sobre o projecto de lei por mim apresentado, onde teve oportunidade de exprimir uma crítica que penso ser apenas parcialmente procedente. Diz o Sr. Deputado Almeida Santos que, ao exigir-se a definição do interesse difuso na lei, isso significa limitar singularmente o âmbito de aplicação do diploma. Devo dizer que, quando propus essa expressão, a minha ideia não era a de uma definição formal, mas apresso-me a reconhecer que a ideia do Sr. Deputado pode ser uma interpretação possível e, portanto, entendo que podemos evoluir claramente para uma redacção que refira «o interesse protegido como tal», deixando ao intérprete, no caso de não haver uma definição ou elenco, a oportunidade de incluir esse círculo de interesses dentro da categoria de interesse difuso e proceder à aplicação da lei.
Já agora, aproveito para dizer que, realmente, não foi por causa dos projectos socialista e comunista em matéria de acção popular- que considero efectivamente inconvenientes - mas por causa das iniciativas anteriores, do Partido Socialista e do Partido Comunista, em matéria de interesses difusos, que, cumprindo uma promessa que tinha feito, apresentámos o projecto.
Estamos, naturalmente, predispostos a tentar encontrar as vias de conciliação necessárias numa matéria extremamente complexa e melindrosa, como a da protecção dos interesses difusos, onde, efectivamente, mesmo nos sistemas mais atreitos ao subjectivismo, como o sistema italiano e o sistema alemão depois de 1945, se têm dado progressos significativos, a ponto de, como W. Ex." sabem, a lei brasileira, que foi o grande salto em frente e, de resto, um dos exemplos tomados em consideração pelo Partido Socialista na elaboração do seu projecto, ser considerada atentamente como fonte inspiradora de algumas propostas, por enquanto, que eu saiba, apenas de jure condendo.
Já agora, gostaria de dizer que, ainda muito recentemente e a propósito de um projecto de robustecimento e alargamento da acção popular no âmbito local, apresentado em Itália, o qual já está publicado nos estudos em honra de Pietro Virga, muito curiosamente, tecem-se considerações extremamente cautelosas acerca da compatibilidade de um sistema desse tipo com a evolução do sistema de justiça administrativa italiano, norteado pelo princípio subjectivista.
Porém, nesta Assembleia, não estamos a discutir um problema teórico e dogmático e menos ainda a elaborar dissertações do ponto de vista universitário, pelo que a questão que se coloca, concretamente, é esta: do nosso ponto de vista, e por isso apresentámos o projecto que apresentámos, justifica-se claramente uma lei em matéria de interesses difusos, que vai ser difícil de elaborar com correcção e, provavelmente, nos primeiros anos, terá algumas dificuldades sérias de aplicação.
No que respeita à acção popular, e tendo dúvidas acerca da legitimidade da mesma em matéria autárquica, entendemos que, neste momento, não é oportuno alargar a figura para além daquilo que já existe. Portanto, e dizemo-lo com clareza, para além das dificuldades técnicas que os projectos de lei apresentam, em alguns dos seus aspectos, designadamente o do Partido Comunista, não vemos com bons olhos que seja curial, neste momento e na fase em que nos encontramos - de evolução do sistema de justiça administrativa em Portugal -, caminhar nesse sentido. Vemos, sim, que as questões colocadas, e que parecem esquecer a existência de uma acção pública, são resolvidas, fundamentalmente, através da acção pública, a qual tem a grande vantagem de representar uma defesa do lado do Estado, do interesse público, feita por uma entidade independente da Administração Pública mas que, naturalmente, tem de se nortear, clara e exclusivamente, por esse interesse.
Estes são, com toda a clareza e simplicidade, os princípios que nos nortearam na elaboração do diploma - segundo me parece, nesta fase de discussão na generalidade, não vale a pena discutir em pormenor - e também as razões que nos levam a olhar de uma forma crítica e negativa, do ponto de vista legislativo, de jure condendo, as propostas apresentadas pelo Partido Comunista e pelo Partido Socialista, no que se refere à acção popular generalizada. Já não foi assim, obviamente, no que se reporta aos diplomas que foram

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discutidos em matéria de defesa de interesses difusos, pois, como se recordarão, o Partido Social Democrata aprovou os diplomas, na generalidade, e viabilizou a sua passagem à discussão na especialidade.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parafraseando uma frase conhecida, apetece-me iniciar a minha participação neste debate, mais uma vez na generalidade, sobre matéria de acção popular, recordando que já está tudo dito e escrito acerca da aprovação de uma lei sobre a acção popular. Só falta aprová-la.
A Assembleia da República é, de facto, fortemente reincidente em debates na generalidade sobre esta matéria. Desde a I Legislatura que eles se sucedem, e estamos quase a concluir a VI.
Para referir só os últimos anos- porque poderia referir-me a todas as tentativas para a consagração legal do direito de acção popular desde que, na I Legislatura, o PCP apresentou o projecto de lei n.º 146/1 -, mas, repito, só nos últimos anos, desde 1990, devo dizer que é este o terceiro debate na generalidade sobre a matéria da acção popular.
Todos os debates tiveram como tónicas dominantes, sem excepção, a reafirmação generalizada do reconhecimento da importância da consagração legal das formas de exercício do direito de acção popular e a reafirmação das vontades políticas de levar por diante essa consagração. No entanto, até à data, os progressos têm ficado por aí.
Estes precedentes têm gerado algum descrédito, dentro e fora da Assembleia da República, quanto ao real empenhamento da maioria na conclusão de um processo legislativo de inegável alcance para a defesa dos direitos dos cidadãos e, sobretudo, direitos que denotam um défice gigantesco de protecção.
Não há muito tempo, participei num colóquio sobre a «Acção Popular», promovido pelo Centro de Estudos Judiciários, no âmbito de um seminário sobre direito ambiental, onde dei conta do meu cepticismo quanto à possibilidade de conclusão deste processo legislativo na presente legislatura. Espero agora poder ter a satisfação de me ter enganado!
O projecto de lei apresentado pelo Deputado Rui Machete e o seu agendamento para hoje é, inegavelmente, um bom sinal nesse sentido.
Adianto, desde já, que consideramos este projecto de lei como um contributo positivo. Esperamos que o PSD o aprove na generalidade e se empenhe na especialidade, para que, no tempo que nos resta, se possa concluir, com proveito, este processo legislativo.
Poder-se-ia, então, dizer que, de entre tantas malfeitorias que ficarão a marcar esta VI Legislatura, alguma coisa positiva se salvaria. Não se salvaria a Legislatura, que essa já não tem remédio, mas seria um pequeno lucro, embora importante, no quadro de uma imensa perda para o País. A ver vamos!
De qualquer forma, este agendamento faz renascer das cinzas o processo legislativo da acção popular. Há uma legítima expectativa que renasce e que terá dois meses para se concretizar ou para se gorar. Pode ser que venha aí, finalmente, a acção popular, há muito esperada.
Pela nossa parte, não temos qualquer dúvida em saudar esta iniciativa e em reafirmar o nosso empenhamento na conclusão deste processo, com a consciência de que não estamos perante um dilema de pegar ou largar. A questão é muito mais complexa e trabalhosa do que isso. Mas temos a consciência de que a necessidade da acção popular se mete cada vez mais pelos olhos adentro e começa a ser cada vez mais inaceitável para o País a persistência da verdadeira inconstitucionalidade por omissão, que é a inexistência de uma lei sobre a acção popular. Esta inexistência reflecte, aliás, uma perigosa inadaptação da ordem jurídica portuguesa, face à evidente necessidade de tutela de direitos legítimos dos cidadãos.
Não subsiste qualquer dúvida de que a regulação legal do direito constitucional de acção popular permitirá um enorme salto em frente na participação democrática dos cidadãos, na renovação da prática da Administração e dos tribunais e na defesa de direitos fundamentais constitucional mente consagrados. E, sendo algo de inovador, não será propriamente um salto no eseuro. A concretização legislativa do princípio subjacente à acção popular ou à tutela de interesses difusos, para além de ser uma obrigação constitucional, tem já algum caminho trilhado e um património de reflexão, que vêm de longe.
Já o Código Administrativo de 1878 previa uma forma de acção popular, supletiva embora, em caso de inércia das autarquias face à lesão de interesses colectivos. Também o Código Administrativo de 1940 prevê formas acanhadas de acção popular, de forma supletiva, em que um popular se pode substituir à autarquia para fazer valer os interesses desta, e correctiva, quando admite o recurso popular das deliberações dos corpos administrativos de âmbito local pelos aí recenseados.
A inércia legislativa, após a consagração do direito de acção popular na Constituição de 1976, fez com que, na falta de um regime geral do exercício desse direito, fossem proliferando na legislação ordinária algumas das suas expressões específicas, particularmente em domínios em que a sua necessidade mais se tem feito sentir.
Foi, assim, reconhecido o direito de acção às associações de defesa do consumidor, como representantes dos consumidores em geral; foi conferida legitimidade às associações de defesa do ambiente para a propositura de acções necessárias à prevenção ou cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam factor de degradação ambiental; foi conferida a essas mesmas associações a legitimidade para recorrer contenciosamente dos actos administrativos que violem as disposições legais que protegem o ambiente e para se constituirem assistentes nos processos por crimes contra o ambiente e o equilíbrio ecológico e foi também conferido a qualquer cidadão, bem como a qualquer associação de defesa do património legalmente constituída, o direito de acção popular em defesa do património cultural.
Claro está que esta proliferação de expressões, próximas do direito de acção popular, não diminuem, antes reforçam, a necessidade de uma lei geral sobre o exercício deste direito.

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Não é este o momento mais adequado para dirimir ou debater com profundidade muitas questões que terão de ser cuidadosamente analisadas na especialidade; no entanto, penso ser importante registar neste debate algumas notas sobre o entendimento que temos acerca do alcance da consagração do direito de acção popular, que é feita no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição, na redacção resultante da sua revisão em 1989.
A primeira nota diz respeito ao alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, em sede de acção popular. Trata-se, efectivamente, de um direito que pode ser exercido por todos os cidadãos. E sublinho «todos», porque é precisamente essa a formulação constitucional e para exprimir a nossa demarcação de posições doutrinárias que perfilham uma leitura redutora da legitimidade processual activa a conferir pela acção popular, fazendo-a depender de alguma conexão, ainda que não necessariamente directa e pessoal, com os interesses em causa.
Em nosso entender, ou o direito de acção popular é conferido a todos os cidadãos, sem dependência de qualquer interesse ou conexão com os interesses em causa, ou será posto em causa o real alcance que o direito de acção popular pode ter, regressando por vias indirectas a reserva de legitimidade a quem tenha um interesse pessoal e directo.
Da leitura do projecto de lei apresentado pelo Deputado Rui Macheie, creio que a concepção que mele prevalece, no tocante à atribuição de legitimidade processual activa a pessoas singulares, é a de a atribuir a todos os cidadãos, sem reservas. Coloco esta questão, porque a leitura do artigo 3." do projecto pode levar a equívocos e porque são conhecidas posições restritivas sobre esta matéria.
É que se, por hipótese, perante a perspectiva de* um atentado ao património cultural - permita-se-me a referência, por exemplo, às jazidas fósseis de Carenque ou às gravuras rupestres do rio Côa -, apenas fosse conferida legitimidade para intervir processualmente, por exemplo, aos residentes em Carenque ou em Vila Nova de Foz Côa, gorar-se-ia, em larga medida, ao alcance que o direito de acção popular pode ter.
Esta é uma questão importante. Que fique ciam que, quanto a nós, o direito de acção popular deve poder ser exercido por todos os cidadãos individualmente considerados, independentemente de qualquer interesse individual ou de qualquer relação específica que tenham com os bens ou interesses em causa.
O direito de acção popular vai, assim, muito para além das formas já consagradas para a tutela de interesses difusos, que exigem, para a atribuição de legitimidade processual activa, não um interesse directo mas alguma conexão, algum grau de titularidade dói interesses em causa.
O direito de acção popular não exige que um cidadão seja directamente afectado por um crime ecológico para ter legitimidade para actuar judicialmente contra os seus responsáveis. Não exige, por exemplo, que um cidadão resida em determinada localidade para que, no caso em que se cometa um atentado contra o património cultural, a sua indignação tenha como consequência uma actuação destinada a impedir a sua consumação.
A acção popular é também um direito que pode ser exercido, como se sabe, colectivamente, através de associações de defesa dos interesses que estejam em
causa. Não se trata de uma mera acção colectiva, em que uma entidade colectiva se apresenta a defender interesses legalmente protegidos dos seus associados, mas, isso sim, do direito de uma associação, pelo facto de inscrever entre os seus objectivos a promoção de determinados interesses sociais, adquirir legitimidade para intervir, sempre que esses interesses sejam preteridos ou ameaçados, independentemente de quem seja directamente prejudicado com essa preterição ou de quem seja titular dos interesses ameaçados.
O exercício deste direito por pessoas colectivas, mobilizando a energia dos cidadãos para a defesa de interesses sociais relevantes e direitos fundamentais, constitui, de facto, uma poderosa arma contra a violação desses direitos. Já não se trata aqui da reacção de um cidadão anónimo contra uma multinacional poluidora ou contra uma administração irresponsável, estamos perante a possibilidade real de grupos de cidadãos, particularmente atentos e mobilizados, poderem desenvolver uma acção sistemática de defesa de interesses fundamentais da colectividade, gozando de uma especial protecção legal e podendo, evidentemente, desbloquear inércias de acção individual dos cidadãos, resultantes quer da eventual desproporção das forças em presença, quer da natural incredibilidade de muitos cidadãos quanto ao funcionamento da Administração e da Justiça.
Uma segunda nota que quero deixar diz respeito à dimensão não exclusivamente judicial do direito de acção popular. Não se nos afigura ser a melhor interpretação do texto constitucional a de que a acção popular apenas possibilita a intervenção por via judicial É verdade que a Constituição se refere expressamente à perseguição judicial de infracções, mas prevê também o direito de promover a prevenção e a cessação dessas infracções, por forma não necessariamente judicial.
É que, a não ser assim, a revisão constitucional de 1989 teria representado um recuo em relação à redacção anterior do artigo 66.º, que previa a concessão a todos do direito de promover e prevenção ou a cessação de factores de degradação do ambiente, sem que alguém alguma vez tenha afirmado a dimensão exclusivamente judicial desse direito ou tenha negado a sua dimensão procedimental.
De qualquer forma, creio que, independentemente das leituras que se possam fazer do texto constitucional, todos concordaremos com a consagração da dimensão procedimental da acção popular, e isso é importante.
O Código do Procedimento Administrativo em vigor alarga a legitimidade para iniciar o procedimento administrativo, com vista à defesa de interesses difusos aos cidadãos a quem a actuação administrativa provoque, ou possa previsivelmente provocar, prejuízos relevantes em bens fundamentais, como a saúde pública, a habitação, a educação, o património cultural, o ambiente, o ordenamento do território e a qualidade de vida e, ainda, aos residentes na circunscrição em que se localiza algum bem do domínio público afectado pela acção da Administração.
Trata-se de um alargamento da legitimidade para iniciar o procedimento administrativo, com vista à defesa de interesses difusos, mas não se trata da consagração do direito de acção popular ao nível do procedimento administrativo.

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É importante, por isso, que se estabeleça essa dimensão procedimental do direito de acção popular. Ela permite evitar factos consumados, permite o controlo da legalidade e oportunidade das medidas, permite intervir atempadamente em defesa de interesses difusos, permite acompanhar procedimentos administrativos complexos e gradamente concretizáveis, como aqueles que, por exemplo, acontecem no domínio do urbanismo.
Uma terceira nota para referir que, apesar de a Constituição especificar, desde logo, os domínios em que o direito de acção popular pode desempenhar um papel relevante, consagrando directamente o direito de promover a prevenção, a cessação ou perseguição judicial de todo o tipo de infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, não limita o alcance da acção popular a estes domínios e não exclui, de maneira alguma, que a legislação a aprovar, como a que aqui hoje debatemos, permita ampliar as situações em que esse direito possa ser exercido.
Finalmente, creio que os projectos de lei em apreciação, apresentados pelo PS e pelo PCP, visando o alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos junto dos tribunais administrativos, em domínios em que estejam em causa, sobretudo, o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e a defesa de interesses públicos relevantes, portanto, a proposta do alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos para recorrerem de actos administrativos que ponham estes valores em causa, creio que são dois contributos importantes para esta discussão, na medida em que, como todos temos conhecimento, a necessidade da transparência absoluta da actividade administrativa, que está evidentemente posta em causa por muitos factos conhecidos, e a necessidade de conferir aos cidadãos mais direitos de fiscalização desta mesma actividade administrativa são valores que assumem uma enorme relevância nas sociedades actuais, particularmente em Portugal. Assim sendo, creio que o agendamento destas duas iniciativas neste debate é, seguramente, um contributo importante neste domínio.
Termino, dizendo que, neste momento, temos uma legítima expectativa de que este processo legislativo se possa concluir no pouco tempo que nos resta e que algo possa surgir de construtivo e de positivo sobre esta matéria, ainda na presente legislatura.
Creio que os projectos de lei apresentados pelo PCP e pelo PS, bem como o projecto de lei agora apresentado pelo Sr. Deputado Rui Machete, serão contributos importantes para que este objectivo seja atingido. Pela nossa parte, fazemos votos para que tal seja possível.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não temos mais inscrições, penso que é altura de passarmos às votações...

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, como nós ainda dispomos de tempo e não temos quorum de votação, gostaria de, sob a forma de uma segunda intervenção, fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, começo por dizer que apreciei a sua exposição e gostaria de fazer dois pedidos de esclarecimento.
Primeiro: suponho que interpretei bem, mas gostava de confirmar essa minha impressão. V. Ex.ª lê, na circunstância de o PSD, por meu intermédio, ter apresentado um projecto de lei, uma afirmação inequívoca da vontade, por parte do meu partido, de chegarmos a uma conclusão no que respeita à regulamentação da defesa dos interesses difusos. Penso que foi isso que disse, mas não sei se estou a ser correcto ao interpretar as suas palavras. Pelo meu lado, gostava de dizer que, se foi essa a sua interpretação, V. Ex.ª acertou na leitura política que fez.
Segundo: há pouco, não sublinhei a questão da importância da participação dos cidadãos nos procedimentos administrativos e do exercício do direito de associação, que constituem os dois pilares em que assenta a resposta da sociedade ao recuo - aliás, justificado - do Estado e à consequente limitação na estruturação dos órgãos e pessoas que integram a Administração Pública, mas essa é uma das partes inovatórias do projecto que apresentei e que vai muito para além daquilo que veio regulado no artigo 53.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, que representa já um passo importante nesse sentido.
Ora, quando V. Ex.ª teceu considerações a esse respeito, pareceu-me que elas tinham o seguinte sentido: por um lado, pareceu que se congratulava com esta circunstância de poder haver hoje uma espécie de consideração - se for aprovada esta ideia de uma consideração antecipada e ponderada da situação dos interesses em jogo, de modo a que a resolução que venha a ser tomada pela Administração seja devidamente ponderada e que, na eventualidade de haver um recurso, já estejam adquiridos no processo os elementos essenciais para o tribunal poder pronunciar-se com justeza sobre o assunto, mas, por outro - e sobre isso eu não percebi inteiramente- que tinha dúvidas acerca da restrição da legitimidade para a participação procedimental e para o direito de acção popular em matéria de interesses difusos, tal como aparece consignada no artigo 3.º do projecto de lei que subscrevi.
A ideia fundamental que pretendi traduzir (falta saber se fui feliz) é esta: em relação aos interesses difusos, todos aqueles que sejam seus titulares - e, a priori, é muito difícil definir quem é titular desses interesses difusos, mas é pela via dos interesses difusos que são definidos os seus titulares- estão legitimados à participação procedimental e, simultaneamente...

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço a sua chamada de atenção, mas eu supunha que estava a fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª solicitou a palavra para um pedido de esclarecimento e eu dei-lha para esse efeito.

O Orador: - Não, Sr. Presidente, eu disse que era para uma intervenção, mas não tem importância porque estou a terminar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Mas pode continuar como intervenção. Assim, economiza-se na resposta.

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O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o que eu não pretendi foi regular a acção popular nos termos amplos que o PCP deseja. Portanto, no artigo 3.º não há qualquer limitação, não há qual quer desejo de circunscrever a defesa dos interesses difusos pelo contrário, a ideia é a do alargamento da legitimidade.
São estas as questões que, sob a forma de uma intervenção, quis colocar tendo em conta o que Sr. Deputado António Filipe referiu há pouco.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como, neste momento, já temos quorum deliberativo, passamos ias votações.
O Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Flor, Processo n.º 34/95, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Vítor Raposo (PSD) a prestar declarações no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

Vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 125/VI - Altera o regime do direito de antena nas eleições presidenciais e legislativas.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e abstenções do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio.

Passamos à votação final global da proposta de lei n.º 123/VI - Aprova bonificação de juros para empréstimos, com garantia do Estado, contraídos por associações sem fins lucrativos.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e do Deputado independente Manuel Sérgio e abstenções do PS e do PCP.

Retomando o debate dos projectos de lei n.º 463, 502 e 531/VI, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu trazia aqui um «nariz de cera» para a minha intervenção, mas, dado que ainda perdura o espírito de aleluia da Páscoa e dado que esse «nariz de cera» era constituído por algumas amabilidades para a atitude de congelamento pelo PSD dos projectos de lei sobre a acção popular, e a cabeça do Sr. Deputado Rui Machete não é propriamente uma cabeça onde me apeteça pôr este chapéu, passaria a não ler a introdução desta minha intervenção.
Começaria por dizer que merece aplauso - (nas não admira, trazendo o projecto a assinatura que traz - o facto de se não ter procurado disfarçar a substancial medida em que apropria normativos do projecto do meu partido. É que a regra a que já estávamos habituados era a tentativa de apresentar, como original, mesmo o que era decalque. Desta vez - daí o mérito - assumiu-se a cópia enquanto tal. Foi com surpresa, mas com aplauso, que nos identificámos como autores de metade, se não mais, do texto do projecto de lei do Sr. Deputado Rui Machete. É bonito e próprio de um alto espírito.
Está de antemão assegurada uma importante margem de concordância para a discussão dos projectos pendentes na especialidade. E digo dos projectos e não apenas dos projectos de Deputados do PS e do PSD, porque não se há-de esquecer, nem menosprezar, o contributo do projecto de Deputados do PCP, ao qual o projecto do PSD foi inclusivamente buscar a extensão da acção popular a actos procedimentais da esfera da Administração Pública. Teremos apenas que encarar a margem de divergência, ainda assim significativa, com a preocupação de não amputar o instituto da acção popular de algumas das suas principais virtualidades. Porque é isso o que, neste momento, ainda nos divide.
Muitas são as vantagens clássicas da acção popular. Entre elas uma economia de processos e juízos; uma economia de custos; uma economia de tempo, e por isso um reforço de eficácia; a protecção da parte económica e social, em regra mais débil; a concentração, por soma, de pequenas lesões, em si, isoladas, negligenciáveis, através de uma reacção colectivizada. Mas a todas essas vantagens, de cariz mais ou menos técnico-social, avantaja-se, nos tempos que correm, o reforço da participação democrática dos cidadãos, esta de relevantíssimo significado político.
É sabido que a Constituição da República enfatiza a natureza participativa da nossa democracia. A acção popular é um dos instrumentos de que para o efeito se serve. Mas, na prática, esse e outros instrumentos de intervenção directa dos cidadãos é como se não existissem. Ó direito a ser ouvido, em alguns casos; o direito a participar na feitura de algumas leis; o direito dos trabalhadores a participarem na gestão de certas instituições; o direito de intervenção democrática dos trabalhadores na vida da respectiva empresa; o direito das comissões de trabalhadores ao controlo da gestão da própria empresa; o direito de eleger representantes para os órgãos sociais das empresas pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas, etc., são outros exemplos de letra morta constitucional. Digamos, pois, que a nossa democracia é teoricamente participativa mas efectivamente não participada, ressalvada a estrita medida em que os cidadãos são chamados a votar de tempos a tempos.
Sobreveio, no entanto, uma situação político-social que não é mais compaginável com este estado de coisas. Crescentemente, os cidadãos, ou isso a que usa chamar-se a «sociedade civil», por contraposição à chamada «classe política», reivindicam o efectivo exercício dos direitos que têm e a atribuição de direitos que ainda não têm, pondo em causa a dimensão representativa da organização política vigente. O que contestam é o excesso do recurso ao instituto da representação política, defendendo em contraponto a retoma de prerrogativas de democracia directa que as novas tecnologias terão tornado possíveis Tudo por extensão

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do princípio da subsidiaridade, levada até ao próprio cidadão, isolado ou em grupo, como último escalão do poder político.
E a verdade é que o poder político orgânico tem vindo a recuar em face desse poder político inorganizado, ao ponto de a ascensão de poderes de facto que se impõem ao poder institucionalizado ser uma das constantes do mundo do nosso tempo. O corte de estradas, a ocupação de locais, o boicote a iniciativas públicas, o recurso a formas de defesa privada, a crescente apetência por formas de fiscalização selvagem quer do poder executivo, legislativo, quer do judicial, são aflorações de uma constante de fundo que seria perigoso desconhecer. Resultado: mesmo quando surge reforçado o autoritarismo, se não por isso mesmo, entremostra-se fragilizada a autoridade. O Estado e os pilares tradicionais da sua autoridade sofrem de osteoporose! A latere, uma como que rebelião larvar, traduzida no aumento vertiginoso da criminalidade, do consumo de drogas, da prostituição e outras formas de marginalidade social, e, sobretudo, a recusa dos valores estruturantes da nossa vida cívica, quantas vezes por apelo a novas formas de irracionalidade e fanatismo, encontra também motivação em reais ou pretensos erros da autoridade e do poder político formalmente legitimado. O poder político é cada vez mais contestado como refúgio de todas as depravações, em contraponto surgindo a sociedade civil como matriz de todas as virtudes.
Daí a necessidade de, para evitar o regresso às clássicas tentações do despotismo, que já para aí de novo afloram, corrigir estes males na fonte. Deve ser a nossa preocupação neste momento. Devolvendo ao soberano prerrogativas de poder que ele pode exercer tão bem como o Estado, se não melhor do que ele, substituindo assim uma relação de cooperação a uma dialéctica de conflitualidade. E também, se não sobretudo, reforçando a componente social da política, e das políticas, como forma de combater a montante as causas, em vez de a jusante os efeitos, das chagas político-sociais que nos angustiam.
É neste contexto que a acção popular surge a conferir a cada cidadão - isolado ou em grupo - um sentimento de participação no poder, de utilidade pessoal, de responsabilidade colectiva. É óbvio que, só por si, não chega. Mas, numa altura em que, por iniciativa do meu partido, vai ser ponderada a inclusão na Constituição de novas e importantes partilhas de poder, que comecemos por concretizar as formas de partilha nela já previstas.
Caracterizarei, de seguida, os mais importantes casos de divergência do meu grupo parlamentar relativamente ao projecto do Sr. Deputado Rui Machete, sem a preocupação de reproduzir o que a esse respeito consta do parecer da 1.ª Comissão, de que fui relator. Nada a opor, em princípio, a que o direito de acção popular seja extensivo a actividades não judiciais, nomeadamente a «procedimentos administrativos». Questão é saber se ainda nesse caso estaremos em face do «direito de acção popular», tal como a Constituição concebe. A palavra «acção» surge nela em sentido técnico-jurídico estrito ou como substantivização do verbo «agir»? Eu diria que, quando fala em «promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial de infracções» (e lembro que diz «das infracções» e não «de infracções» - eu li mal), é de acção em sentido técnico que se fala. Mas não faremos disso uma questão fechada.
Já, porém, teríamos grandes dificuldades - e peço para isto a especial atenção do Sr. Deputado Rui Machete - em nos pormos de acordo sobre a limitação do exercício do direito de acção popular à «defesa de direitos ou interesses difusos tutelados pelo ordenamento jurídico português». Esses, muito bem. Mas porquê só esses? Sendo feito que o projecto Machete identifica os direitos difusos com os que «pertencerem ou disserem respeito a um conjunto indeterminado e indeterminável de cidadãos», seriam sempre oponíveis a tal limitação, pelo menos as seguintes razões: dado que a Constituição não distingue (lembro, mais uma vez, que diz «das infracções sobre saúde pública», etc. e não «de infracções») entre os direitos objecto da tutela da acção popular, os difusos dos não difusos, a que título, sem cairmos em restrição provavelmente inconstitucional, iríamos nós distinguir por ela?
Com efeito, a Constituição reporta-se irrestritamente a «infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural», sem querer saber se os titulares dos direitos infringidos são ou não determinados ou indeterminados, determináveis ou indetermináveis! Assim sendo, com que justificação deixaríamos de fora da tutela da acção popular os titulares determinados ou determináveis dos interesses violados? Diga-se de passagem que um universo indeterminável de titulares de certo direito será sempre um universo indeterminado! E não é certo que os direitos ou interesses tendo por objecto a saúde pública, a degradação do património cultural e a degradação do ambiente tanto podem, na qualificação do projecto, ser difusos como não ser? A que título recusaríamos a tutela da acção popular quando não o forem?
São facilmente configuráveis violações de direitos de um determinado ou determinável universo de consumidores. Por exemplo, os que consumiram determinado produto insalubre; de lesados por uma determinada infracção ambiental; por exemplo, os em concreto afectados por certo depósito de resíduos tóxicos. Já porém será mais difícil determinar os titulares de certa lesão contra o património cultural ou contra o domínio público - para não sair das hipóteses mais frisantes -, a menos que se considere que, estando em causa direitos ou interesses do universo nacional, este estará, por globalização, definido.
De toda a evidência, o legislador constituinte quis sujeitar à especial tutela de todos, isto é, da acção popular, interesses que, pela sua particular importância - a saúde pública, o ambiente e o património cultural, a título exemplificativo -, justificam esse reforço de tutela! Por isso e não porque se trate de interesses de sujeito indeterminado ou indeterminável! Tão certo é ser assim que acopulou ao direito de acção popular o de requerer «para o lesado ou lesados» a correspondente indemnização. Como para «o lesado ou lesados» se estes fossem, à partida, indeterminados e indetermináveis?
Fica assim evidenciado o risco da restrição operada no projecto de lei em apreço. Ela corresponderia a amputar a acção popular de uma parte significativa do seu objecto. E porque havemos de amputá-la? Com receio de quê? Acaso um universo, por mais vasto, de titulares identificados ou identificáceis de interesses priva-

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dos da importância dos previstos na Constituição não justifica de igual modo a vigilância, a iniciativa e o direito a que a acção popular se reconduz? Qual a razão política, jurídica, ética ou social, para deixar estes de fora e só contemplar aqueles?

Aplausos do PS.

Que virtualidade causal teria o distinguo da indeterminação dos lesados?
Aparentemente, a restrição só tem uma explicação que a não justifica. Se não for assim, peço, desculpa ao Sr. Deputado Rui Macheie, mas, na aparência, o PSD, além de tarde, adere reticentemente à figura de acção popular. E tenta fazê-lo por menos de, metade: deixa de fora a acção penal - o que em si é talvez discutível, mas pode ser considerado; deixa de fora a acção civil sempre que o universo dos lesados seja determinado ou determinável; e, não contente com isso, só inclui no objecto da acção popular os direitos difusos que «como tal sejam definidos por lei».
Já me tranquilizou a esse respeito, dizendo que está aberto a que se encontre outra forma de referir este mesmo assunto, só que, sinceramente, não vejo que outra forma possa existir de numa lei se dizer se ela se aplica ou não a determinado universo de sujeitos.
Quantos interesses difusos foram no passado, nas leis que vigoram, definidos como difusos ou não difusos? Iríamos, agora, buscá-las para fazer essa Definição, que não foi feita no momento em que não existia acção popular. Quantos, no passado, o foram, quantos, no futuro, é previsível que venham a sê-lo? Serei o único a não imaginar facilmente o legislador a, dizer em cada lei de defesa de interesses colectivos: «os interesses tutelados por esta lei são difusos»; ou «os interesses tutelados por esta lei podem ser objecto de acção popular»... Não imagino isso. Mas, enfim; vamos tentar encontrar outra expressão.
A própria exemplificação de «interesses difusos» que o projecto menciona, nomeadamente a «edificação», o «domínio público» e até «o ordenamento do território» - para além da saúde pública, o ambiente e a qualidade de vida e o património cultural, que já vêm da Constituição - é feita em termos tão vagos que acabariam por não definir coisa nenhuma.
É este, sem dúvida, o aspecto que mais divide o PS do PSD. Confia-se em que a maioria parlamentar não porfie em impor a sua visão restritiva. De outro modo, colocar-nos-á, e ao seu próprio projecto, numa posição difícil.
Já, porém, não causa embaraço o facto de o projecto em apreço, autorizado pela natureza exemplificativa dos interesses expressamente considerados na Constituição, incluir entre os direitos e interesses a proteger o «consumo de bens e serviços, a educação, o ordenamento do território e o domínio público». A própria Constituição, entre as duas revisões, assumiu a elasticidade do objecto da acção popular. E o meu partido, na revisão suspensa, propôs a inclusão da tutela dos «direitos fundamentais constitucionalmente protegidos». Nenhuns se conhecem que mais possam justificá-la.
O que pode estar em causa é o concreto enunciado da extensão que se perfilhe. Na verdade, não é fácil conceber globalmente «a educação» (educação-valor, educação-sistema) como direito ou interesse tutelável através do exercício da acção popular!
Perplexidades semelhantes se colocam relativamente ao domínio público ou ao consumo de bens e serviços. Mas vamos encontrar as formulações necessárias.
As extensões são de saudar. Mas com rigorosa ponderação da lógica e das consequências de cada extensão em concreto, sobretudo do seu concreto enunciado.
São de considerar como positivas, desde que subsumíveis no espaço da acção popular, formas de participação em procedimentos administrativos, por isso mesmo se hão-de ter por negativas as complexidades burocratizantes que vêm propostas para a sua efectivação.
São demasiado exigentes e miúdas para que não desestimulem, rarificando-a, a nova forma de participação que se prevê. A multiplicidade e o rigor dos prazos, sem que se saiba o que acontece se não forem cumpridos: a própria ausência de uma declaração de ineficácia em caso de incumprimento do dever de audição ou de consulta; a total indefinição dos titulares do direito de participação que se consagra; a própria multiplicidade e complexidade de formas de consulta que se admitem; e, não menos, se não sobretudo, a deficiente definição dos procedimentos abertos à participação popular, surgem como contribuintes da antecipada certeza de que o esquema não iria funcionar. Como, aliás, não funcionaram, no passado, dispositivos paralelos com que o legislador foi polvilhando as leis.
O próprio enunciado dos novos espaços abertos à participação administrativa dos cidadãos é de molde a justificar as maiores perplexidades. «Planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública», vem em concreto a ser o quê? «Outros investimentos públicos relevantes com impacte no ambiente ou nas condições económicas e na vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional» deixam de fora o quê? Só os que custam menos de um milhão de contos? O barato carece de relevo? Por último - e esta talvez ainda mais curiosa: a «preparação de actividades coordenadas da Administração a desenvolver num período futuro com vista à obtenção de determinados resultados», reporta-se a que preparação, exclui que impreparação, deixa de fora que descoordenação, reporta-se a que período e a que resultados? É excessiva a indefinição. É incomportável a ambiguidade. Interpretações mais ou menos sofisticadas encontrariam aí espaço privilegiado para frustrar o exercício dos correspondentes direitos.
Para lá disto fica a pouca monta. Que participação na acção penal; que o Ministério Público intervenha a título principal ou subsidiário ou a meio gás; que a intervenção do juiz na definição dos destinatários do efeito do caso julgado, na iniciativa processual ou no equilíbrio da balança equidade-legalidade estrita seja mais livre ou mais vinculada, tudo isso há-de ser levado à conta da maior ou menor margem de inovação com que queiramos conceber a acção popular.
Uma coisa tenho por certa: ou aproveitamos esta oportunidade para um salto corajoso em direcção à colectivização da acção judicial ou permaneceremos agarrados a espartilhos processuais que se não coadunam com as exigências da vida moderna. A concepção quase exclusivamente individualista da acção judicial tem os dias contados. Por menos que queiramos, desde já, dar-nos conta disso.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Macheie, a quem peço que, no final, conceda algum tempo ao Sr. Deputado Almeida Santos para que lhe possa responder.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, ouvi a sua muito interessante intervenção, aliás muito generosa nos comentários que fez, na forma e às vezes no conteúdo, e gostaria, sob a forma de pedido de esclarecimento, referir três pontos.
O primeiro, é a propósito das questões procedimentais. No fundo, a ideia de regular o procedimento administrativo que precede o acto é uma manifestação favorável à participação dos cidadãos. Não à participação dos cidadãos na jurisdição, mas à participação dos cidadãos no exercício da função administrativa. Portanto, de algum modo, é uma achega, é um reforço à sua ideia. Não penso que isso deva suscitar especiais dificuldades de compreender as razões de ser da ideia.
A segunda observação diz respeito a uma questão que V. Ex.ª focou - aliás, já a tinha referido no relatório, relativamente à dificuldade -, que é verdadeira, que resulta da natureza das coisas, de agarrar, de definir o interesse disso. E aí, à parte a questão fundamental, o nosso propósito ou o propósito do projecto que apresentei não é o de regular a acção popular no seu todo mas o de regular a defesa dos interesses difusos ou colectivos - é uma divergência real que não vale a pena mascarar.
Por outro lado, creio que não existem propriamente divergências. V. Ex.ª pode achar que a definição- que é uma das que é dada na doutrina -, a propósito dos interesses difusos, não é suficiente, em todo o caso quero dizer-lhe que alguns dos seus raciocínios assentam numa ideia que não foi a minha. Penso que a ideia de círculo indeterminado e indeterminável não significa que não possa ser concretizada em relação a cada processo, senão, nunca havia processo, nem foi nunca essa a ideia daqueles que apresentaram essa definição. Pelo contrário, é uma ideia que vai ao seu encontro, no sentido de alargar a um vasto círculo de pessoas a possibilidade de usar desse meio processual. É justamente a ideia contrária. E tanto assim é que a menção sobre a saúde, a educação, o domínio público ou o património cultural, exemplifica que não é um numeras clausus, exemplifica os interesses difusos. Isto é, corresponde a uma ideia de apresentar casos concretos em que existem certamente à volta desses valores interesses difusos a propósito de regulamentações concretas. É, pois, exactamente o propósito contrário daquele que me pareceu ser-me atribuído.
V. Ex.ª dirá: «não fui feliz na formulação». Aceito! Vamos ver como é que encontraremos fórmulas mais aperfeiçoadas. Mas o objectivo que V. Ex.ª atribuiu ao interpretar as disposições do articulado não foi esse.
Uma outra questão que gostava de referir é que V. Ex.ª fez comentários até um pouco jocosos ou, pelo menos, irónicos acerca daquilo que é a tentativa de regulamentação do procedimento de massas. Reconheço a dificuldade da interpretação, mas, apesar disso, quero chamar a sua atenção para dois pontos. O primeiro, como afirmo na justificação do projecto, muitas das disposições inspiraram-se directamente, quando não são traduções, na lei procedimental alemã. E devo dizer que essa lei tem tido resultados que não permitem esse cepticismo que V. Ex.ª manifestou.
Em segundo lugar, pareceu-me perpassar também, ao longo de toda a sua exposição, particularmente neste ponto, um grande cepticismo acerca da capacidade inovadora e criadora da jurisprudência quando ajudada por um legislador que lhe deu alguns tópicos fundamentais.
Creio que se V. Ex.ª alimenta a presunção de que esta Assembleia é capaz de regular em todo o pormenor esta matéria jamais faremos uma lei capaz de ser promulgada, porque jamais conseguiremos atingir esse estádio. Vamos ter de confiar na capacidade inventiva do julgador e também na sua prudência.
Dito isto, e à parte a grande divisão que nos separa quanto à extensão da acção popular, julgo que há uma vasta zona em que será possível caminharmos em conjunto e chegarmos a uma solução ainda nesta Legislatura

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Participação, acção popular, o que é distinto, o que é confluente... Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, agradeço a sua generosidade em ter promovido a concessão de tempo necessário para poder responder.
Sr. Deputado Rui Machete, não tenho dúvidas que temos uma margem de aproximação potencial, virtual, na qual eu confio, mas há uma margem na qual, creio, a discordância é total.
V. Ex.ª reconheceu que não tentou regular no seu todo mas só em parte a acção popular. Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que não vejo justificação para isso e, em segundo, a própria Constituição, naquilo que expressamente prevê, não deixa margem porque na exemplificação que faz - repito o que disse há pouco - não diz «perseguição judicial de infracções da área da saúde» mas sim «... das infracções da área da saúde». São todas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aí creio que não temos recuo, e até tenho a convicção de que se recuássemos até onde recuou o projecto provavelmente teríamos uma inconstitucionalidade ou a susceptibilidade de ela ocorrer. Não tenho dúvidas nenhumas a esse respeito, pois nós, em meu entender, não podemos distinguir o que a Constituição não deixa que se distinga.
Disse ainda que regular o procedimento administrativo é favorável. Claro que sim. E, mais, até saúdo essa regulamentação. No entanto, parece-me que o devíamos fazer noutra lei e não nesta porque não vejo que isto caiba no âmbito da acção popular, a menos que digamos que a acção não está aqui em termos judiciais como decorre claramente da Constituição. Mas, como se trata de agir, vamos fazer coisas, vamos andar para a frente. Nós não vamos fora disso, nem vou fazer disso uma questão, mas que a regulamentação, tal como vem prevista, é excessivamente complicada, é. Tem prazos curtos, não se diz qual é a consequência do não respeito dos prazos...

O Sr. Rui Machete (PSD): - Diz, diz!

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O Orador: - Não diz, não. Falta lá qualquer coisa...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Remete para o Código do Procedimento Administrativo.

O Orador: - Fui ver o Código do Procedimento Administrativo e não me parece que lá esteja. Mas, enfim, oxalá que esteja e que eu esteja enganado.
Todavia, não vejo explicação nenhuma para termos medo de levar a acção popular até ao âmbito do universo de indivíduos identificáveis ou identificados. O Sr. Deputado Rui Machete disse-me agora: «Mas eles podem ser identificados em concreto num processo». Só que, sinceramente, não vejo como é que o não identificável pode alguma vez ser identificado! Então, não era aquilo que se pressupôs à partida! E que o Sr. Deputado diz «não identificado e inidentifícável». Também não vejo que tenha deixado alguma porta aberta a isso.
Porém, se está preparado para admitir que possamos incluir nestas áreas de interesse, ou outras, se as quiserem cá incluir, embora tenhamos algumas dificuldades formais, os universos de titulares de interesses difusos ou não difusos, muito bem, porque não vejo razão para não incluir um interesse difuso que tem 50 titulares desconhecidos ou um interesse não difuso que tem cinco milhões de titulares, ou um milhão, ou 500 mil, ou 100 mil. Não vejo nenhuma razão para distinguir. Sinceramente, a isso não estou resignado, mas vamos conversar sobre isso. É a margem de resignação que, de facto, não posso deixar de lhe referir.
Diz-me: «Quando vamos para os procedimentos para todas as áreas de interesse é ampliativo». No domínio dos procedimentos, claro que sim, mas não no domínio da acção popular que, em meu entender, tecnicamente, não abrange os procedimentos, embora possa vir no mesmo texto. Assim, não me parece que possa qualificar-se no mesmo âmbito.
Falou na lei procedimental alemã. Sabe que desconfio sempre das referências que me fazem à lei de outros países que são tão diferentes de nós como uma laranja é de uma agulha! Acho que nem tudo o que é bom para a Alemanha é bom para nós e ainda está por demonstrar que a burocracia, se é o caso da regulamentação alemã, tenha conduzido a resultados positivos. Estarão eles satisfeitos com a sua própria lei? Não sei.
Quando digo que não quero regular com todo o pormenor não quero dizer que seja contra a regulamentação, sou contra o excesso dela, sou contra a regulamentação embaraçante, desestimulante, e só contra essa não mais. No entanto, quero dizer-lhe que parto daqui convicto de que temos margem para nos pormos de acordo sobre uma razoável lei de acção popular. Nós transigiremos no que for preciso, o Meu Amigo transigirá também naquilo que for preciso e acabaremos por fazer uma lei que não seja decepcionante para aqueles que confiam na acção popular como um instrumento decisivo de participação política dos cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, não é propriamente para uma intervenção, mas como ainda disponho de tempo não quero deixar de dizer duas coisas acerca da intervenção do Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Deputado, quando interpretei a apresentação deste projecto como uma afirmação inequívoca do empenhamento ou da vontade do PSD em regular a tutela dos interesses difusos, disse que eu tinha acertado, só que não foi essa a minha interpretação.
Eu disse que era um passo positivo - e isso e importante - mas terá que ser o PSD a demonstrar o seu empenhamento pois a expectativa fica criada pelo facto de este projecto ter sido apresentado. Também afirmei o nosso empenhamento em que este processo legislativo se conclua mesmo sabendo, como todos sabemos e o Sr Deputado afirmou, que o projecto que apresentou assume um âmbito mais restrito para o exercício da acção popular do que o apresentado pelo PCP e pelo PS. No entanto, o que consta do projecto de lei que apresentou é, de qualquer forma, um progresso relativamente ao que existe actualmente.
Uma outra questão que o Sr Deputado suscitou tem a ver com dúvidas que poderiam ter surgido, e de que dei conta na minha intervenção, acerca da latitude conferida pelo projecto do PSD ao direito de intervenção dos cidadãos no procedimento. Creio ter feito uma leitura correcta do artigo 3.º do projecto de lei que apresentou mas, quanto a mim, a redacção é equívoca porque diz: «São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensores dos interesses em causa (...)» - creio que se refere às fundações, que devem ter no seu objecto estatutário a defesa de determinados interesses - «(...) independentemente de terem ou não interesse directo em demanda». No entanto, creio que é importante que isto não se refira apenas às associações mas aos cidadãos.
Foi essa a leitura que fiz e, a ser assim, estamos de acordo neste aspecto mas com uma outra redacção porque a arrumação da frase poderia prestar-se a equívocos. Aliás, já tive oportunidade de ouvir, num colóquio do CEJ, vários juristas a defenderem uma restrição do direito de acção popular - não o estendiam a todos os cidadãos, mas apenas àqueles que, de alguma forma, tivessem alguma conexão com os interesses em causa- e, a ser assim no projecto de lei, penso que haveria um retrocesso. No entanto, considero importante que essa concepção restritiva não seja a que consta deste projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.

Pena tenho de não estar aí «em baixo», entre vós, para poder intervir neste debate. Espero que aquando da respectiva votação VV. Ex.ªs concertem uma boa solução. O problema da acção popular é complicado, havendo dois tempos - o jurisdicional e o administrativo- que convém distinguir no Estado continental europeu.
Srs. Deputados, está, pois, encerrado o debate A votação far-se-á, de acordo com o Regimento, na próxima quinta-feira.
Convoco, de imediato, uma Conferencia dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

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2160 I SÉRIE - NÚMERO 65

O Plenário volta a reunir amanhã, às 10 horas, para apreciar a ratificação n.º 131/VI (PS) e a proposta de resolução n.º 89/VI.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Numes Liberato.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Caudal.
José Eduardo dos Reis.
José Manuel Leio Ribeiro de Almeida.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

Limo António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Luís António Martins.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto da Silva Cardoso.
Aníbal Coelho da Costa.
António Luís Santos da Costa.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
Luís Carlos Martins Peixoto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

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