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Quinta-feira, 27 de Abril de 1995 I Série - Número 68

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE ABRIL DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 540/VI.
Na abertura do debate da interpelação n.º 23/VI - Debate sobre temas de insegurança dos cidadãos e prevenção do crime, da delinquência juvenil, da criminalidade dos toxicodependentes e da protecção às vítimas da criminalidade (CDS-PP), intervieram o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS-PP) e o Sr Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio) e em seguida, a diverso título, além destes oradores e do Sr Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro), os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), José Vera Jardim (PS), José Puig e Guilherme Silva (PSD), Adriano Moreira (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Raul Castro (Indep ), Alberto Costa (PS), António Filipe (PCP), Mário Tomé (Indep ), Maria Julieta Sampaio (PS) e Ferreira Ramos (CDS-PP).
No encerramento do debate, usaram da palavra o Sr Deputado Manuel Queiró (CDS-PP) e o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Maria Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.

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Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Mana Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 540/VI - Lei de gestão hospitalar (PS), que baixou à 8.ª Comissão e cuja discussão está agendada para quarta-feira, dia 3 de Maio, às 15 horas.
Informo ainda a Câmara de que reunirão, durante a tarde de hoje, as seguintes Comissões: de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação; de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente; de Trabalho, Segurança Social e Família; de Agricultura e Mar; Eventual de Inquérito ao Acidente a Camarate.
Reunirão também, durante a tarde, as seguintes Subcomissões: de Comércio e Turismo; de Igualdade de Direitos da Mulher; do Ensino Superior; da Cultura; do Ensino Secundário e Extensão Educativa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia destina-se ao debate da interpelação n.º 23/VI - Debate sobre temas da insegurança dos cidadãos e prevenção do crime, da delinquência juvenil, da criminalidade, dos toxicodependentes e da protecção às vítimas da criminalidade (CDS-PP).
Este debate compreende três fases distintas: a primeira, de abertura; a segunda, de debate propriamente dito e, a terceira, de encerramento.
Nos termos do n.º 1 do artigo 244.º do Regimento, em nome do grupo parlamentar interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para uma intervenção.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero apresentar desculpas a V. Ex.ª por termos feito atrasar o início da sessão plenária, contra a nossa vontade. O que sucedeu foi que, por volta das 12 horas e 20 minutos, o nosso sistema de computadores foi-se abaixo - não digo que tenha tratado de criminalidade organizada, mas houve uma falha que os funcionários não souberam de facto controlar -, destruindo desse modo todo o trabalho até aí realizado. Reparada a falha, foi necessário reescrever o texto, tendo só agora ficado concluído.
Mais uma vez, peço desculpa e agradeço ao Sr. Presidente, aos Srs. Membros do Governo e aos Srs. Deputados terem esperado alguns minutos mais.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A um ouvinte interessado na vida parlamentar e nas causas públicas pode parecer estranho o facto de, no espaço de menos de um ano, o Partido Popular trazer ao Plenário da Assembleia da República, sob a forma de interpelação ao Governo, que é um dos institutos mais nobres de fiscalização da acção do Governo, o debate de uma matéria muito próxima daquela que também foi objecto de interpelação pelo Partido Socialista, o que precipitadamente pode ser tomado como repetição desnecessária de uma controvérsia já apreciada nesta Câmara.
Sucede, porém, que em política não há casos julgados nem obter dieta, e decorridos oito meses sobre o confronto entre o Governo e as oposições sob a problemática da grande criminalidade e do narcotráfico, chegamos à triste conclusão, como sempre aconteceu nos últimos oito anos de maioria absoluta do PSD, que os Ministros da Administração Interna e da Justiça, que excepcionalmente continuam «a estar Ministros» - na apropriada expressão do Dr. Laborinho Lúcio - de duas pastas que têm a seu cargo elaborar e executar as soluções sobre estes gravíssimos problemas de controlo social, nada produzi-

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ram com utilidade visível para debelar as causas ou atenuar os efeitos conjugados e perversos daqueles flagelos. O fenómeno, em vez de retroceder, mostra teimosamente sinais de progressão, que se expande, criando nos cidadãos em geral receios, temores e intranquilidade sobre a segurança de suas pessoas e bens, a tal ponto que mesmo as individualidades que se encontram nos escalões superiores dos corpos de segurança, em privado e algumas vezes em encontros com dirigentes políticos, produzem comentários em nada coincidentes com os discurso soporíferos, que, por dever de ofício, os dois ministros patrioticamente produzem nos diversos «foros» ou nos mass media para minimizar tais preocupações.
Bastaria esta circunstância e uma espécie de anomia que se alastra das grandes metrópoles para as zonas suburbanas e destas para o interior do país, para qualquer partido político consciente da sua responsabilidade na defesa do interesse nacional estar atento e trazer para este Plenário as legítimas queixas e reivindicações das populações.
É verdade que diminuíram entre nós os índices de criminalidade grave - não temos nas nossas estações de metropolitano o uso do gás sarim, não se conhecem seitas tenebrosas como a «Verdade Suprema», nem temos bombismos de Oklahoma, embora no último fim-de-semana, o que mostra o cuidado e a brandura postas no acto, tenha sido assaltada a Faculdade de Letras de Lisboa e há duas semanas o intrigante fenómeno do roubo numa esquadra de polícia! Mas o narcotráfico em todas as suas formas, intercontinental, intereuropeu e interno, está presente entre nós, atingindo já as escolas das pequenas vilas, e sabemos que somos actualmente a placa giratória, ou de paragem, de enormes quantidades de dinheiro sujo que segue as rotas transnacionais a caminho da Europa e de outras paragens, a oriente e a ocidente, tanto da Ásia como da América.
Estão domiciliados no nosso território, segundo diz a comunicação social, alguns altos dirigentes das organizações mafiosas do comércio das armas, dos veículos roubados noutros países e traficantes de obras de arte retiradas dos museus, dada a fragilidade dos meios de combate de que dispomos para reforçar a vigilância nas nossas fronteiras marítimas e terrestres. O país é mais vulnerável para os ataques de toda a sorte de associações de malfeitores, que dominam as técnicas mais sofisticadas para iludir os vigilantes e os sistemas de segurança.
Mas o que queremos tratar hoje é de uma fenomenalidade diferente, quer seja o incómodo sentimento de insegurança que se instalou no colectivo dos cidadãos que atrás referi, sentimento este provocado pela ocorrência diária, que se vai avolumando em número de casos e vítimas, transformando o mal-estar em receio, e receio em medo - medo de andar na rua depois de certas horas, medo de sair de casa, medo de deixar as crianças brincar despreocupadas em sítios públicos, medo dos jovens andarem sozinho quando frequentam cursos nocturnos, ou mesmo o risco, que os comerciantes julgam ter-se tornado habitual, de encontrarem os seus estabelecimentos, situados em plena baixa citadina, quer seja Lisboa, Porto ou qualquer outra cidade, arrombados durante a noite ou mesmo em pleno dia por via de operações relâmpagos de pequenos grupos de banditismo organizado.
Foi em face deste estado de insegurança que o presidente do meu partido calcurreou pelo país fora, no que chamou «semana da segurança», visitando as instituições privadas de recuperação de toxicodependentes, as escolas de ensino secundário, contactando comerciantes, juntas de freguesia e presidentes de algumas câmaras municipais de zonas mais afectadas, associações de taxistas, centros de apoio às vítimas de criminalidade, associações académicas e, como não podia deixar de ser, teve encontros institucionais com todas as autoridades de segurança, tais como o Comando Geral da Guarda Nacional Republicana, o Comando Geral da Polícia de Segurança Pública, o Director da Polícia Judiciária e também o Bastonário da Ordem dos Advogados. Organizámos colóquios e debates públicos em que intervieram o Presidente do Sindicato do Ministério Público, advogados, juizes jubilados, professores e estudantes de Direito, individualidades com reputada experiência e ciência neste domínio, e aqui a comunicação social deu o devido relevo.
Esta interpelação representa, por isso, a tradução parlamentar das experiências relatadas, realidade vivida e as impressões colhidas no terreno, e por meio dela apresentar no Governo, no uso legítimo do direito que nos assiste, as nossas conclusões, pedir as explicações que certamente os membros do Governo têm a obrigação democrática de nos prestar e, por esta via institucional, levar ao conhecimento de todos os portugueses, de variados sectores e condições, que nos acompanharam e participaram desta campanha de segurança os resultados desta nossa iniciativa.
A primeira reacção do Sr. Ministro da Administração Interna foi, face a essa «semana de segurança», de que se tratava de uma campanha de alarmismo. Quis, assim, atemorizar-nos com o subtil convite para estarmos quietos ou as entidades sob sua tutela não colaborarem nas acções por nós programadas e dizer aos portugueses que não havia qualquer sinal de insegurança, sendo uma invenção nossa - do Partido Popular - falar nestes fenómenos, que entram pelas nossas casas dentro, e de todos os que sofrem as suas nocivas consequências.
Esqueceu-se o Sr. Ministro da Administração Interna de que a análise dos documentos que se ocupam desta matéria e, em particular, do relatório da segurança interna vindo recentemente a público dão-nos a média dos índices de crescimento da criminalidade. Em função dos 12,2% referidos pela Polícia Judiciária, dos 13,7% pela PSP e dos 9,9% pela GNR salda-se a média de crescimento global da criminalidade, se é que se pode fazer essa média, em 12%. Este número é conhecido e representa um aumento de 5 pontos percentuais em relação aos últimos três anos, que é um aumento substancial, sobretudo se o compararmos com os dados de 1993.
Se nos reportarmos aos dados referentes aos grandes centros urbanos - por exemplo, ao caso de Lisboa -, a preocupação aumenta significativamente, sendo a taxa de crescimento nesta cidade de 16%, ou seja, 4 pontos percentuais acima da média nacional. Se nos detivermos, então, num tipo específico de crime - como, por exemplo, os assaltos à mão armada -, o aumento foi da ordem dos 40%, número ainda perturbador.
Ao fim de alguns anos de regressão, Lisboa atinge agora um valor de crescimento superior a 40% do total da criminalidade.
Ao referirmos estes números, que estão publicados e pensamos serem conhecidos, não nos queremos centrar numa análise estatística do problema. Os números podem sempre ser manipulados, segundo os interesses de quem os utiliza. Os ministros podem sempre aqui demonstrar que, em vez de 40%, são 4% ou até dizer que a criminalidade diminuiu e que Lisboa vive mais feliz e em maior segurança do que no ano de 1993.

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Não é isto o que hoje vamos esgrimir nesta interpelação ao apresentar os números. Fizemo-lo apenas com o intuito de demonstrar que, nesta matéria, o crescimento de criminalidade justifica a sensação de insegurança, de que a sociedade portuguesa dá sinais, não sofre contestação nem existem divergências de maior, apenas podem tranquilizar o Sr. Ministro, pois, devido ao cargo que ocupa, tal nunca foi problema para ele pela segurança própria que lhe é prestada pelo Estado.
O aumento da criminalidade também está retratado no estudo dirigido, a pedido do Ministro da Justiça e com a qualidade reconhecida por todos, pelo Prof. Boaventura Sousa Santos. Nele, dá-se conta de um facto de maior importância: a «cifra negra» de criminalidade, correspondendo aos crimes não participados, ascende a um valor da ordem dos 74% da totalidade dos crimes cometidos. Julgamos que o Prof. Boaventura Sousa Santos conhece os argumentos do Sr. Ministro da Justiça, aduzidos neste hemiciclo, aquando da interpelação do Partido Socialista, e, de certeza, considerou-os nas percentagens da totalidade dos crimes cometidos e não participados que nos indica. Isto significa que só 26% das vítimas de crimes tomam a iniciativa de denunciar os factos às autoridades, o que demonstra, como consta do mencionado estuda, que a convicção, por parte das vítimas, de que essa denúncia surta efeitos úteis é mínima. A falta de confiança dos queixosos é, de resto, um dado que deve ser tido em conta na análise da segurança subjectiva.
Não é nossa intenção basear esta interpelação unicamente num desfiar de números e valores referentes à criminalidade indicados pelo Prof. Boaventura Sousa Santos.
Queremos crer que a realidade que subjaz a estes números e o quotidiano que conhecemos e que vivemos excedem em muito a sua repetição exaustiva.
Os números poderão, no entanto, ser de alguma, utilidade para todos aqueles que, obstinadamente, se recusam a encará-los e preferem acusar de alarmismo ou de sensacionalismo os que, como nós, têm tido a preocupação de acompanhar e analisar estas cifras com o sentido de contribuir para a sua diminuição e não como uma arma para brandir contra o Governo, porque, no fundo, estamos a contribuir para a nossa própria segurança.
Mais do que números ou estatísticas, queremos confrontar a maioria e interpelar o Governo sobre as causas que estão na origem desta situação, a filosofia e o conjunto essencial de valores de referência que devem presidir ao combate à insegurança e sobre as medidas ou os programas que poderão, de imediato, serem postos em prática.
Quanto às causas que fundamentam este aumento, surge-nos sempre como causa primeira a realidade com que não se conseguiu ainda lidar de forma eficaz, não obstante existirem progressos específicos e legislação recente sobre o problema da droga, a multiplicação e a expansão pelo território nacional do fenómeno da toxicodependência, a que está ligada a pequena criminalidade conexa, traduzida no furto a pessoas, residências ou veículos, criminalidade esta que representará, hoje em dia, a maioria esmagadora do total de crimes praticados (85% da criminalidade são deste tipo).
O fenómeno da droga é, algumas vezes, causado por situações sociais graves, como são a existência de populações, de número significativo, que vivem desenraizadas, em autênticos ghetos, e que entraram no País, numa época de liberalização de imigrantes, para, através de mão-de-obra barata, se ultimarem projectos calendarizados, cujas inaugurações iriam ocorrer em vésperas de eleições decisivas. ...
Por outro lado, os nossos sistemas de segurança não se souberam adaptar a novos fenómenos, como sejam os da abertura das fronteiras e da existência de redes transnacionais de crime.
O crime transfronteiriço, isto é, o crime praticado por cidadãos estrangeiros em localidades contíguas de um país vizinho, surge hoje como uma acuidade crescente. As forças de segurança têm ainda referenciado, como fundamento para o aumento da criminalidade, as redes internacionais, designadamente as ramificações em Portugal da criminalidade organizada do Leste Europeu, o que, por um lado e no que se relaciona com a criminalidade violenta, vem reforçar as posições que o Partido Popular sempre tomou sobre esta matéria e, por outro, vem mostrar quão significativas são as deficiências e o insucesso dos mecanismos de reinserção social, tão apregoados pelo responsável do sector.
A cultura política que se tem desenvolvido nesta matéria faz com que as sucessivas amnistias e sobretudo a prática dos perdões de pena que lhes vem associada, quando conjugados com o regime da liberdade condicional, permitam que um condenado por um crime grave esteja em liberdade sem o cumprimento efectivo da totalidade da pena.
As causas referidas exigem uma resposta que não se resume à necessidade de eficácia do sistema judiciário e dos órgãos de Polícia mas requer uma concepção interdisciplinar onde o papel reservado aos sistemas educativo e de saúde é, designadamente, no que concerne ao combate à droga, da maior importância.
No entanto, não deixa de ser verdade que a ineficácia do nosso sistema de segurança e as deficiências há muito apontadas por nós ao sistema judiciário, para o qual apresentamos propostas, visando melhorá-lo, estão indubitavelmente relacionados com o aumento da criminalidade.
Para além da sensação de impunidade e de incapacidade dos órgãos competentes que referimos, é importante apontar o exemplo da existência em Portugal de empresas e de um ramo da actividade, este, sim, florescente, que são as empresas de cobranças de dividas, que, em grande parte dos casos, mais não são do que entidades especializadas em violência, em extorsão, em ameaças, em raptos ou em agressões que a ineficácia do sistema judiciário fomenta e a falta de meios do sistema policial deixa sobreviver.
A existência de conflitualidade social e os índices de criminalidade não são estranhos a qualquer sociedade democrática e é errado pensar na possível erradicação destes flagelos, mas essa não é a questão principal. O problema é a abordagem, designadamente ao nível ético e valorativo, que se faz destas matérias.
Vamos mesmo ao ponto de afirmar que o essencial da questão está nesta abordagem, de um ponto de vista filosófico, por referência a uma escala de valores.
A corrente dominante nos últimos anos nas sociedades ocidentais tem-se baseado numa concepção que privilegia como primeiro objectivo da política criminal a chamada «reinserção social». Para o Partido Popular, que é um partido humanista cristão, as penas e a política criminal devem, certamente, prosseguir o objectivo de reinserção do condenado, que é um homem, antes e depois das leis positivas. Mas fazemos questão de salientar que, apesar deste postulado, há outros objectivos igualmente importantes que são a protecção das vítimas dos crimes e dos seus bens jurídicos. As vítimas não podem ser deixadas ao cuidado dos próprios prejudicados, isto é entregues a si mesmas.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, peço desculpa por interrompê-lo, mas gostaria de dizer que acabou de esgotar o tempo regimental atribuído, nesta fase, ao CDS-PP e que o utilizado a partir de agora será descontado no tempo que lhe foi atribuído para o debate propriamente dito.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Temos dito frequentemente que, para nós, esta escala de valores de referência não pode ser invertida sob pena de transformar em preocupação fundamental a salvação dos criminosos, desvalorizando o sofrimento, os direitos e a reparação devida às vítimas dos crimes, quaisquer que estes sejam e não apenas às dos crimes violentos.
Por influência da escola de Coimbra, do Mestre Eduardo Correia e seus discípulos, é assim que o Estado tem abordado, desde 1982, esta matéria, o que é fácil de confirmar, se observarmos que é praticamente nulo o gasto que o Estado português tem efectuado para indemnizar ou apoiar as vítimas de crimes, mesmo quando violentos, únicos que na actual legislação, e esta muito recente, mereceram a atenção do legislador.
Esta concepção, que tende a negar o efeito dissuasor das penas e portanto o seu agravamento, continua a inspirar-se na ideia do crime como um reflexo de problemas sociais que responsabilizam a própria sociedade e todos os seus membros pela existência do «mal», mas que de certo modo justificam a existência dos «marginais» e dos seus actos, pela não formação adequada da personalidade do agente para ser o normal membro da sociedade. É esta concepção, à qual não negamos certa nobreza, que inspira o Sr. Ministro da Justiça nos seus propósitos despenalizadores, recordando-se a propósito a versão do Código Penal apresentada pelo Sr. Ministro e que, ao cabo de um processo muito agitado e não muito claro e com algum secretismo, deu lugar à versão actual, onde as molduras penais para alguns crimes acabaram por ser mais graves do que as anteriormente previstas no projecto submetido ao Conselho de Ministros.
Esta é a contradição fundamental. É inegável, para todos nós, que as más condições sociais e os fenómenos como a pobreza, o desemprego, a promiscuidade nas habitações, o insucesso escolar, fomentam e possibilitam o aumento do número de crimes. Mas, enquanto seguidores de concepções humanistas de raiz cristã, que perfilhamos, não ignoramos que o crime é sempre um acto de exercício de liberdade individual inerente à condição de ser humano.
Por outras palavras, uma célebre frase: «Se a pobreza é a mãe do crime, o juízo (a escolha para não evitar o mal) é certamente o seu país.
Foi precisamente por considerarmos ser essencial a não desvalorização do factor dissuasor das penas que o Partido Popular opõe-se à ideia de trocar penas de prisão pelo pagamento em dinheiro com a extensão com que essa opção surge na parte especial do Código Penal.
Em última análise, esta opção pode levar, em muitos casos, a que os mais abastados paguem multas mesmo pesadas, acabando por só estarem sujeitas a prisão efectiva os deliquentes mais pobres.
É necessário pôr fim, em Portugal, ao sentimento de que os tribunais não fazem justiça ou não a fazem a tempo útil; que as prisões são meros centros de reciclagem e aperfeiçoamento de criminosos entre criminosos; que as forças de segurança são incapazes de proteger os cidadãos; que o fenómeno da droga é uma batalha perdida, não restando outra solução senão a despenalização progressiva; e que não resta outra solução aos cidadãos senão a organização em milícias ou a realização da chamada «justiça popular».
Estes últimos fenómenos referidos existem lamentavelmente no país, devem-se a uma certa sensação de incapacidade e ingenuidade e só podem merecer uma resposta que seja enérgica e eficaz para os eliminar.
Ao contrário da etiqueta que alguns conhecidos e habituais fabricantes profissionais de rótulos caluniosos nos têm procurado colar, não somos pessoas com uma visão estritamente securitária do problema da criminalidade. Exactamente. Somos o contrário.
Na questão da droga, temos a certeza do papel fundamental que a prevenção e a educação podem desempenhar. O que não é aceitável é que o Governo e os dois ministros responsáveis mostrem hesitações ou se recusem a expressar opinião sobre uma matéria de tanta gravidade, remetendo para opções meramente técnicas e tácticas. As questões e os dramas humanos relacionados com a droga são tudo menos questões técnicas e operações tácticas, exigem opções políticas claras que se revelem ser suficientes ou possam, de imediato, ser revistas.
Por último, ainda em relação ao problema da droga, queremos interpelar o Governo, de uma forma mais directa, sobre as medidas e os resultados esperados no âmbito do «branqueamento» de capitais provenientes do narcotráfico e dos esforços desenvolvidos para adaptar a administração e os órgãos competentes a prosseguirem de forma eficaz as suas competências neste domínio. É uma matéria essencial a que os organismos internacionais têm dado maior importância, mas que, em Portugal, apesar da legislação já em vigor, parece, ainda, estar longe de obter resultados minimamente satisfatórios.
Se a questão da droga é a pedra de toque de uma qualquer interpelação sobre este problema, terminar a análise que fazemos da situação de insegurança em que vive o país sem nos referirmos a duas reformas e a outros tantos fracassos empreendidos por este Governo seria uma forma incompleta de a fazer. Refiro-me, obviamente, à reforma das polícias e do sistema prisional.
A reforma das polícias em curso está baseada num argumento de racionalização de meios e de efectivos e centrada num conceito difundido pela comunicação social como sendo de «superesquadras» é um fracasso previsível. A reforma, podemos dizê-Io hoje com alguma propriedade, ajudou unicamente a que a sensação de insegurança das populações aumentasse, dado o fecho de inúmeras das tradicionais esquadras de bairro, já que as populações sentem que as ruas são menos policiadas e que a polícia está cada vez mais distante delas, ao contrário do que seria necessário numa qualquer reforma nesta área, especialmente numa fase em que a criminalidade aumenta.
Chegámos à conclusão de que o número de efectivos policiais não é o suficiente para responder às necessidades de policiamento da sociedade. O número de polícias por habitante pouco significa se a maior parte do tempo de que dispõem for gasto na realização de tarefas burocráticas e administrativas, fazendo notificações por ordem dos tribunais, no cumprimento de tarefas de regulamentação do trânsito ou de perseguição dos vendedores ambulantes.
Não é possível garantir mais segurança com menos efectivos, caso em que precisaríamos não de superesquadras mas, sim, de supermeios ou talvez de super-heróis no desempenho das funções policiais.

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Os homens das nossas forças policiais são, em regra, esforçados, têm consciência do serviço e espírito de missão mas não pensemos que, com meios escassos e um claro défice de efectivos, sejam capazes de fazer mais e melhor. Acresce que estes homens são geralmente mal pagos e, quando transferidos das suas localidades de origem, encontram dificuldades que os parcos apoios, e que dispõem não suprem.
Perante esta constatação e a inegável realidade de que os polícias e, designadamente a PSP, está carecida de meios e de condições para travar o seu combate, o que faz o responsável pela tutela, o Sr. Ministro da Administração Interna?

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Nada!

O Orador: - Proibiu os comandantes destas foiças de emitirem qualquer opinião sobre a falta de efectivas ou a respeito das dificuldades que encontram no exercício das missões fundamentais que lhes são confiadas. Para o Sr. Ministro da Administração Interna, não são graves as falhas, a ineficácia da reforma, as carências verificadas, para o Sr. Ministro da Administração Interna, é grave que isso se saiba e seja criticável.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Um escândalo!

O Orador: - Uma reforma eficaz das polícias passa forçosamente pelo desempenho, por pessoal civil, de tarefas administrativas; pelo reforço dos serviços municipalizados de polícia que assegurem todas as tarefas não directamente ligadas à investigação e à repressão do crime; pelo aumento da disponibilidade da PSP e da Guarda Nacional Republicana para um efectivo policiamento; pelo aumento de meios humanos e operacionais, ainda que à custa de maior dotação orçamental.
Somos insuspeitos no que se refere ao despesismo do Estado, razão pela qual temos a maior legitimidade para defender que, nas tarefas correspondentes às funções régias do Estado, as suas responsabilidades não deixem de ser assumidas. É que não se compreende que um Estado e uma Administração que, em nosso entender, gastam mal dinheiro, não disponham de verbas que assegurem as funções essenciais que lhes estão cometidas.
Finalmente, referir-me-ei muito sucintamente, por não dispor de tempo para esse efeito, à reforma do sistema prisional.
Na nossa opinião, sem uma reforma eficaz deste sistema não conseguiremos destruir a ideia arreigada, e que pode até ser errada como sabemos, de que as prisões são escolas de crime, centros de vício e de degradação humana.
Temos vindo a defender, ainda que tal ideia não tenha obtido resposta suficiente, a ideia de que é urgente criar um sistema que separe os detidos preventivamente dos presos condenados e de que as prisões sejam centros de tratamento para delinquentes toxicodependentes, porque não é aceitável que estejam previstas na lei soluções que, designadamente em relação aos consumidores de droga, apontem para medidas de tratamento e de acompanhamento alternativas à pena de prisão se, depois, não forem criadas instituições nem previstas condições para que essa alternativa seja minimamente viável, resultando assim o normativo aprovado num mero exercício de hipocrisia social.
As questões que acabámos de levantar e as medidas alternativas à política do Executivo que fomos apontando em conferências de imprensa e hoje, aqui, devem ser objecto de um debate sério que nos propomos travar hoje e aqui, pois abordar esta questão - que é grave - corresponde a uma preocupação fundamental dos portugueses que certamente aguardam da parte do Governo e da oposição responsável uma resposta eficaz e para a qual temos dado o nosso melhor contributo. Não nos move qualquer intenção de apoucar o Governo ou de regozijarmo-nos com os seus fracassos, porque as más políticas a todos nos atingem e nos prejudicam nas nossas pessoas e haveres.
Por essa razão, limitámos a nossa crítica àquilo que deve ser examinado, e não porque seja voz corrente, porque as nossas afirmações constam de documentos e estudos que fizemos, apontando as alternativas que nos parecem ser melhores do que as do Governo. Vamos agora confrontá-las com elevação e rigor.
É a liberdade dos cidadãos que está em causa, bem como o direito de cada um viver numa sociedade democrática e sem medo que o 25 de Abril, ontem aqui celebrado, criou para Portugal e para os portugueses!
(O Orador reviu.)

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Narana Coissoró, os Srs. Deputados Costa Andrade, José Vera Jardim, José Puig e Guilherme Silva.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja-me permitida uma primeira palavra, que endereço ao Sr. Deputado Narana Coissoró, para sublinhar a delicadeza com que, tendo-se dirigido a todos nós e nomeadamente aos Ministros presentes, se desculpou pelo atraso com que esta sessão começou. Disse V. Ex.ª que os computadores se recusaram a registar o texto da sua intervenção e será esse, porventura, o sentido de inteligência artificial.

Risos do PSD e do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É a democracia electrónica ao serviço do Governo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem lugar esta interpelação seis meses antes das próximas eleições legislativas. Tal circunstância legítima não é, todavia, neutra; pelo contrário, reveste-se de um particular significado que atravessa por dentro toda a compreensão destes debates.
Claro que, quando um partido legitimamente - e é bom que fique indiscutível - adopta os temas da insegurança como centrais e prioritários do seu projecto político e o faz seis meses antes de um acto eleitoral, não pode deixar de ter a insegurança como pressuposto. Do mesmo modo que um governo - e o partido do governo - que assume abordar a mesma matéria seis meses antes das eleições não pode deixar de ter a insegurança como adversário.
Ao Governo compete combater a insegurança para adquirir credibilidade, nomeadamente, eleitoral; a um partido da oposição, que arvora esta matéria em espaço político privilegiado de combate, cumpre arvorar a insegurança como pressuposto. Não, necessariamente, que haja

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erro nesta estratégia e nesta atitude, desde que uma e outra sejam assumidas com a seriedade com que questões de Estado como estas se devem abordar e, muito particularmente, quando essa abordagem transforma esta interpelação ao Governo numa interpelação a todos nós - eu diria -, particularmente, numa interpelação ao próprio partido interpelante.
Posso mesmo dizer que, da intervenção do Deputado Narana Coissoró, resultou claramente, uma vez mais, uma distinção que cada vez mais também vai estabelecendo silhueta própria na vida política portuguesa: um discurso do CDS e um discurso do PP. Voltámos a ouvir no Parlamento um CDS preocupado com os problemas do País, propondo uma intervenção solidária com o Governo e com o partido que o apoia na tentativa de superar esses problemas, um CDS tentando retirar da subjectividade do PP a objectividade possível com que salva a cara do partido conjunto, mas que se possa, todavia, salvar também a dignidade de um passado político relativamente recente.
Ainda bem que assim foi, porque é mais fácil travar uma discussão com objectividade e sentido de Estado a partir da natureza da intervenção que aqui acaba de ser proferida, muito particularmente, porque ela nos aponta para a análise objectiva dos dados reais que nos convidam, com seriedade - e isso foi feito -, a uma distinção rigorosa entre insegurança real ou objectiva e insegurança pessoal ou subjectiva.
Obviamente, estamos todos preocupados com o problema da segurança. Hoje, em qualquer parte do mundo, qualquer corpo político, qualquer governo se preocupa com as questões da segurança. E estamos, sobretudo, preocupados com aquilo que elas relevam enquanto insegurança real, objectiva e, se é certo que a insegurança subjectiva - ou seja, a ideia que os cidadãos fazem da insegurança - é importante, é actuando activa e determinadamente sobre a insegurança objectiva que vamos encontrar o caminho de êxito para a garantia de uma redução proporcional da insegurança subjectiva. Mas também não há dúvida de que não é a segurança objectiva que desperta o sentido eleitoral dos corpos políticos mas a insegurança subjectiva. É justamente por essa razão que esta interpelação, a seis meses de um acto eleitoral, é sobretudo uma interpelação às nossas consciências morais, à dimensão ética com que assumimos a política e a exercemos perante os cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, hoje, fácil e feliz poder afirmar-se que, em Portugal, não existe, com taxa preocupante, criminalidade violenta, criminalidade grave, criminalidade contra as pessoas ou criminalidade internacional organizada.
O partido interpelante acaba honestamente de o reconhecer e tal circunstância deixa-nos uma margem séria para podermos, com maior tranquilidade, discutir os problemas relacionados inversamente com o aumento da pequena e da média criminalidade. À atitude séria do partido interpelante, reconhecendo a diminuição e a despreocupação correspondentes relativamente à criminalidade grave, corresponde o Governo, como sempre o fez, com a mesma seriedade, reconhecendo o aumento da pequena e da média criminalidade, o qual está, todavia, controlado e que, ainda assim, deixa Portugal muito longe, por comparação, dos restantes países, nomeadamente, da União Europeia.
É importante neste domínio, de uma vez por todas, convidarmos à mesma reflexão séria a análise estatística - não necessariamente o estudo que V. Ex.ª referiu mas um anterior também promovido pelo Ministério da Justiça - que leva à conclusão de que três quartos da criminalidade não é participada em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este trabalho dirige-se ao início de 1992, foi conduzido pelo Ministério da Justiça e por ele divulgado; é um trabalho que revela a transparência com que abordamos matérias difíceis porque entendemos que, sendo de Estado, devem ser assumidas por todos nós e levadas ao conhecimento dos cidadãos. Mas, se a nossa atitude é globalmente séria, então, será necessário concluir que, de acordo com o mesmo estudo, 26% dos portugueses se sentem inseguros e que 74% se sentem seguros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se me limitasse a fazer esta afirmação, tinha exactamente a mesma tomada de posição de outros, que acabam exclusivamente por dizer que três quartos da criminalidade não são participados. Mas não o faço!

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Ainda bem!

O Orador: - Tenho a consciência - e não é necessário que seja o Partido Socialista a apelar para ela - de que é com verdade que devemos falar aos portugueses!

Aplausos do PSD.

Portanto, ou este trabalho é reconduzido ao ano da sua realização, ao ano de 1992, e concluímos que, em 1992, três quartos da criminalidade não era participada e 74% dos portugueses sentiam-se em segurança ou truncamos o trabalho e lemos exclusivamente o que nos interessa para efeitos político-partidários.
Nunca vi o Partido Socialista - que me interpelou agora- referir este número: 24% de insegurança, 74% de segurança.

Vozes do PS: - Era bom!

O Orador: - Ouvi-o referir apenas os três quartos da criminalidade não participada. Porém, o Partido Socialista ouviu sempre o Governo e, nomeadamente, o Ministro da Justiça, referir estes dois dados, que são resultado e dão credibilidade ao trabalho, o qual não pode ser credível para o que nos interessa e «incredível» para o que nos não assiste.
Mas, mais do que isso, dos portugueses que disseram não participar os crimes, 27% afirmaram não o fazer por não haver importância no próprio facto criminoso e 46% por considerarem que a polícia nada podia fazer, o que reconduz esta situação àquilo que hoje é corrente em todos os Estados civilizados - o princípio da auto-regulação e da autoconformação por se entender que há uma margem global de intervenção da polícia que tem de ser considerada como de intervenção normal em sistema democrático.
A restante percentagem - importante também - imputa quer à polícia quer aos tribunais quer a outras estruturas as razões pelas quais essa participação de crimes não é feita.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta leitura não pretende ser invocada a favor de quem quer que seja porque o importante é considerarmos que toda a necessidade de intervenção é reconduzida a favor do cidadão. Agora, a distinção é clara entre aqueles que intervêm através da preocupação real face aos problemas do cidadão e aqueles que intervêm através da preocupação, certamente

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real também, face aos problemas das próprias estruturas partidárias.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Os bons e os maus!

O Orador: - Não vale a pena, Srs. Deputados, reconduzir aqui os resultados conhecidos, insuspeitos e objectivos do World Competitiveness Report, pois todos sabem qual é a imagem de segurança que Portugal reflecte no mundo exterior. E também não tenho dúvidas de que alguma, pequena - como, aliás, é comum -, agitação de um Sr. Deputado do Partido Socialista é bem reveladora da razão que vai atribuindo à minha intervenção.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Está preocupadíssimo com o PS!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A insegurança real é uma realidade, a insegurança subjectiva é um ruído. Neste momento, o Partido Socialista faz ruído...

Protestos do PS.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Não faz; ruído, não! Reclama!

O Orador: - ... Mas, Srs. Deputados, basta que, eu me cale para toda a gente perceber que o Partido Socialista está a fazer ruído!

Aplausos do PSD.

O Sr Narana Coissoró (CDS-PP): - Não se distinguem! ...

O Orador: - A interpelação é de VV. Ex.ªs, mas o ruído é do Partido Socialista. Neste momento, eu estava a falar do ruído e não da interpelação, Sr. Deputado Narana Coissoró!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - ... Não se distinguem porque V. Ex.ª podia ser um ministro socialista, como disse!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas nós não o queremos!

O Orador: - Srs. Deputados, tenho tentado provar que a questão da insegurança se aborda ou pelo lado da emoção ou pelo lado da razão. Quando pretende abordar-se a questão da insegurança pelo lado da razão, VV. Ex.ªs fazem barulho e apelam à emoção... Que mal faz que, durante 20 minutos, se ouça em silêncio o Ministro da Justiça? Depois, haverá todo o tempo necessário para rebater a sua intervenção! Ora se, durante a intervenção do Ministro, VV. Ex.ªs fazem barulho, certamente que o Ministro porventura não transmite a ideia de segurança que deveria, mas VV. Ex.ªs ficam ligados aos promotores da insegurança, o que certamente não desejam!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Responda à interpelação!

O Orador: - Com todo o gosto, Sr. Deputado, tanto mais que V. Ex.ª promete agora dar-me tempo para poder fazê-lo!
Efectivamente, houve entre nós - sempre o reconhecemos -, durante o ano de 1994, um aumento controlado da pequena e da média criminalidade, aumentaram os crimes contra a propriedade, não aumentaram os crimes contra as pessoas; aumentaram os crimes de emissão de cheque sem cobertura; aumentou, proporcionalmente, a delinquência juvenil; aumentaram, determinadamente - porque um factor específico e concreto a isso conduziu -, a toxicodependência e, em consequência disso, o tráfico de estupefacientes. Isto permite concluir, tal como as teorias criminológicas nos ensinam e a realidade confirma, pela existência de dois tipos claros de criminalidade: por um lado, a criminalidade de conflito, a chamada «criminalidade grave», contra as pessoas, cometida com violência, ou organizada e, por outro lado, a chamada «criminalidade de consenso», aquela que, relevando de um grau de gravidade menor e de um conjunto de relações que se prendem mais com a propensão para o crime do próprio delinquente do que com factores exógenos que conduzem à prática do crime, propõe outro tipo de medidas no sentido de salvaguardar a realidade que é, também, a da segurança dos cidadãos.
É fundamental, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que assumamos de uma forma clara as realidades objectivas e indiscutíveis: para a criminalidade grave, a revisão do Código Penal optou claramente, desde o início, por um agravamento das penas Foi esta a orientação dada à Comissão de Revisão. Desde o início, quando a Comissão de Revisão apresentou o seu primeiro anteprojecto, logo aí aumentavam significativamente as penas previstas para os crimes contra as pessoas.
Ora, quando, há pouco, fiz uma distinção de um ponto vista político, que me parece importante, entre CDS e PP foi justamente porque não ouvi hoje, aqui - e bem -, aquele que representa o partido interpelante voltar a dizer, como já disse publicamente o primeiro responsável pelo PP, que a primeira proposta era de 20 anos para a pena máxima e que, só após o debate público e a intervenção do CDS-PP, esta foi alterada para 25 anos. Isto é falso!

O Sr. Guilherme Silva (PSD)- - É sim senhor!

O Orador: - E é falso, sendo mentira, se se sabia que assim não era, ou é falso, sendo mentira, pretendendo fazer-se crer que assim era quando assim não foi!

Aplausos do PSD.

É que, desde o primeiro momento - e as actas da Comissão estão publicadas, bem como todos os textos do anteprojecto -, a pena do tipo aumentava de 20 para 25 anos de prisão.
Mas há mais: tem-se feito passar insidiosamente a ideia de que o novo Código Penal é despenalizador e que, no que respeita aos crimes contra as pessoas, vai, inclusivamente, diminuir as penas previstas É falso! Em todas as circunstâncias, relativamente aos crimes contra as pessoas, há agravamento de penas e, muito particularmente na esmagadora maioria dos crimes contra as pessoas, não está sequer prevista a alternativa de multa à pena de prisão.
Uma vez mais, se apela à insegurança subjectiva dos cidadãos, dizendo-lhes, falsamente, sobre o Código Penal, aquilo que o mesmo não comporta, nem alguma vez comportou, a partir da iniciativa legislativa da responsabilidade do Governo.
Mas ainda há mais.

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Quando falamos de medidas alternativas e de penas de multa, uma vez mais, o partido interpelante volta a trazer aqui uma leitura - desculpar-me-ão - demagógica da pena criminal de multa.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Alemanha condena, por ano, em 92% dos casos, em pena de multa;...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Lá vem a Alemanha!

O Orador: - ... a Holanda condena, em 90% dos casos, em pena de multa; a Áustria condena, em 91% dos casos, em pena de multa; a Espanha elabora o seu próprio projecto de Código Penal, determinando a obrigatoriedade da substituição de todas as penas de prisão até dois anos por pena de multa. Por que razão, então, Portugal, que é o país com mais baixa taxa de criminalidade da Europa, que não tem uma criminalidade violenta, grave ou particularmente sensível, que, felizmente, está na cauda da Europa neste domínio, haverá de ter uma política criminal mais repressiva do que a que têm países nos quais é bastante mais significativo o problema da segurança e da criminalidade?
Mas mais do que isso, Srs. Deputados.
Estamos a falar da pequena e da média criminalidade, cometida, as mais das vezes, por jovens que o fazem pela primeira vez e, frequentemente, em situação de relação com a toxicodependência. Assim, a questão é muito clara, Sr. Presidente e Srs. Deputados: é a prisão, qualquer que seja, por muito boa que seja, a solução para este tipo de criminalidade e para esta gente? Ou a solução será outro tipo de medidas alternativas, entre as quais, obviamente, também se inclui a pena criminal de multa que pode ser considerada como medida suficientemente dissuasora e reintegradora deste tipo de delinquentes?
O partido interpelante fala da reinserção social dos delinquentes como se de uma antinomia relativamente à protecção dos direitos da vítima. Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não ponho em causa a seriedade com que o partido interpelante o faz, mas não posso deixar de pôr em causa a incompetência com que aduz um argumento desta natureza.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Então, será possível que o partido interpelante não saiba que as teorias da reinserção social relevam das teses da defesa social e que a política de reinserção social é concebida, desde o início, como política de protecção da vítima e não como política que favorece o delinquente?

Aplausos do PSD.

Será possível que, diante de um país inteiro, se cometa uma gaffe de competência técnica tão grave e que, sobre essa gaffe, que, no fundo, é uma irrealidade material subjectiva, se pretenda fundamentar uma tese segundo a qual o Governo está mais interessado em proteger os delinquentes do que as vítimas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por aqui passa a seriedade, não moral mas técnica, da intervenção no debate político. É evidente que nenhum governo, em nenhumas circunstâncias, se coloca ao lado do delinquente contra a vítima! É um disparate fazer esta afirmação!
Agora, é importante que se tenha perfeita consciência de que estamos a trabalhar em matérias cuja intervenção pressupõe um profundo conhecimento da qualidade e da natureza dos instrumentos e que se não retire das palavras aquilo que pode ser a aparência do seu significado, mas não a realidade do seu conteúdo conceptual.
Mais do que isso.
Então, fala-se da lei da droga que o PP, publicamente, considera escandalosa, quando o CDS a votou nesta sede favoravelmente?!

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Que raio de argumento!

O Orador: - Ora, quando, ainda há pouco tempo, o CDS votou a lei, o PP vem agora considerar escandalosa a lei que acabou de votar!?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Votou a autorização legislativa, não votou a lei! E eu vou demonstrá-lo!

O Orador: - Votou a autorização legislativa cujo conteúdo era o mesmo que o da própria lei, como é evidente!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Vou demonstrar, repito!

O Orador: - Com certeza! Ficaremos a aguardar!
Sr. Presidente, costumo entusiasmar-me a partir das leituras que faço. Assim, quando tive oportunidade de ler a intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró, por ocasião da votação da proposta de lei de autorização legislativa, entusiasmei-me e pensei que seria interessante que pudéssemos voltar a analisar as medidas então propostas e que vieram a ser adoptadas na própria lei. Pois é, Sr. Deputado... Só que eu disse que as medidas eram as que estavam na proposta de lei de autorização legislativa, portanto, estavam lá consagradas. Aliás, V. Ex.ª sabe que não é possível legislar por decreto-lei sobre medidas de pena que não estejam consagradas na própria proposta de autorização legislativa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Veremos!

O Orador: - Mas mais do que isso, Sr. Deputado.
Na altura, foi colocada a questão de saber, no que toca à pena a aplicar ao tráfico, por que razão a proposta de lei preconizava uma diminuição da pena de prisão de um mínimo de seis anos para quatro. Ora, foi explicado aqui, foi compreendido, e, portanto, votado por todos, que essa diminuição se justificava pelo facto de o mínimo de seis anos ser de tal maneira alto que muitos dos tribunais não aplicavam a pena de prisão por considerarem ser essa uma pena excessiva para muitas das realidades com que se confrontavam. Assim, justamente diminuindo a pena mínima de seis para quatro anos é que, hoje, conseguimos mais condenações em pena de prisão para situações que se enquadram, obviamente, naquele tipo de punição mas que ficavam claramente fora de uma pena de prisão de seis anos. Isto foi explicado, foi dito, foi justificado e foi aceite.
Srs. Deputados, ainda sobre a mesma matéria, vejamos o que diz a nova lei, quando comparada com a anterior: diz que o limite mínimo da pena de toda a lei é de um mês e que o seu limite máximo é de 25 anos, quando, na lei anterior, o limite mínimo da pena era de um mês e o limite máximo era de 20 anos; diz - e isto se não quiser-

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mós jogar com as agravantes - que o limite mínimo da pena «de hoje» é de um mês e que o da pena «de anteontem» também era de um mês, mas que o limite máximo da pena de «hoje» é de 20 anos, enquanto, na lei anterior, o limite máximo da pena era de 16 anos. Sr. Deputado, diz ainda a lei actual que a pena para o pequeno tráfico passou de um máximo de quatro para cinco anos, que, para o traficante-consumidor, a pena passou de um .máximo de um para três anos. Para além disso, criaram-se novos tipos de crimes, essenciais para combater o problema da droga: a punição do branqueamento, a punição do abandono de seringas.
Assim, dizer que esta lei, a nova lei da droga, que VV. Ex.ªs votaram, que foi aprovada por unanimidade, apenas com uma reserva, por parte do Partido Socialista e do Partido Comunista, quanto à punição do consumo, é uma lei desactualizada, escandalosa e que não responde às exigências do combate à droga é não assumir com clareza a posição anteriormente assumida há tão pouco tempo, é fazer demagogia sobre uma matéria essencial,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - ... demagogia esta que tem de ser claramente denunciada e revelada.

Demagogia é também, Presidente e Srs. Deputados, num momento em que, legitimamente e em termos de merecer o nosso apoio, visitar-se clínicas de recuperação de toxicodependentes e, simultaneamente, dizer-se que, no caso do pequeno traficante-consumidor, a pena de prisão não pode ser substituída por multa ou não pode ter alternativa de multa. Ora, esses toxicodependentes que se visitam são, muitas vezes, rapazes e raparigas que, enquanto não estão internados, estão cá fora a cometer os pequenos crimes para os quais vem pedir-se uma condenação a pena de prisão.
É preciso ter coerência neste tipo de situações e é preciso compreender que a uma caridade que tranquiliza as nossas consciências vale a pena substituir-se uma solidariedade difícil e activa, que é a forma, também ela ética - para usar a expressão de V. Ex.ª -, com que, hoje, se está no mundo e na vida.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se nos preocupa a criminalidade e se temos de estar atentos ao que, dentro de pouco tempo, será certamente alguma invasão da criminalidade organizada, temos de assumir as políticas e as medidas legislativas adequadas, no momento próprio. Por isso trouxemos aqui legislação para combater a corrupção e a Criminalidade organizada ligada a esta última, trouxemos aqui legislação para combater o branqueamento e fomos acusados de estarmos a violar direitos fundamentais quando introduzíamos mecanismos essenciais para actuar no domínio da prevenção e para poder continuar a garantir, a .montante, que, no domínio da criminalidade violenta e organizada, Portugal é um país de ponta no contexto europeu.
Falou-se também sobre a protecção à vítima. Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não foi este Governo que, pela primeira vez, apresentou legislação à Assembleia da República, garantindo a protecção das vítimas de crimes violentos? Não foi este Governo que, pela primeira vez, criou a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes Violentos e que, neste momento, pagou compensações ou indemnizações...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quantas indemnizações pagou?

O Orador: - ... correspondentes a um montante de cerca de 80 000 contos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, e desde que a Comissão está a funcionar...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas quantas pagou?

O Orador: - Como V. Ex.ª calcula, não sou enganador de vítimas para as levar à Comissão.

Risos do Sr. Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.

A Comissão existe, é conhecida, e os cidadãos podem aceder a ela. Compete-lhe, pois, arbitrar as indemnizações e as compensações que lhe são solicitadas.
Neste momento, repito, foram arbitrados 80 000 contos de indemnizações e compensações A Comissão está em pleno funcionamento, analisa rapidamente os processos, atribui as indemnizações que a lei prevê e que VV. Ex.ªs, uma vez mais, votaram - no caso, não por unanimidade, porque a sua votação contou com a abstenção do Partido Comunista Português.
Mais: temos estado permanentemente ao lado da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima como organização não governamental, suportada, claramente, pela intervenção do Ministério da Justiça, quer através da intervenção do Instituto de Reinserção Social quer a partir do conjunto de subsídios que o Governo lhe vai dando, para que, numa política de convite à participação directa dos cidadãos no combate à criminalidade e na protecção da vítima, possamos ter, também aí, uma atitude bem diversa daquela que traduzia a intervenção colectiva face à tutela dos direitos das vítimas.
Vale, pois, a pena, como Ministro da Justiça, agradecer ao partido interpelante esta iniciativa, uma vez que se traduziu em mais um espaço, nesta tribuna, para voltar a referir um conjunto de medidas fundamentais, inovadoras e que estão em prática, levadas a cabo por este Governo.
VV. Ex.ªs também colocaram, e bem. a questão da delinquência juvenil e, ao fazê-lo, permitem que aqui seja trazida outra acção fundamental levada a cabo por este Governo e trazida, mais uma vez, à Assembleia da República, onde colheu a unanimidade dos votos de VV. Ex.ªs. Refiro-me aos diplomas que criaram as comissões de protecção de menores e que são essenciais para actuar a montante - justamente no domínio das crianças em risco - e intervir numa área onde, actuando a tempo e horas, através de uma solidariedade activa da comunidade civil, possamos reduzir a entrada dessas crianças e desses jovens no domínio da delinquência juvenil.
Uma vez mais, com o sentido de Estado que vos caracteriza, todos votaram a lei que está hoje em vigor. Neste momento, temos 67 comissões de protecção de menores já instaladas em Portugal e, até ao fim do ano, teremos 100. É uma acção notável, que todos reconhecem como tal e que, mesmo na altura da aprovação da lei, deixou algumas dúvidas quanto à nossa capacidade de realização.
Ainda há bem pouco tempo, se perguntava aqui, com a dúvida de que fosse possível levar por diante mais esta reforma, para quando a fusão entre o Instituto de Rein-

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serção Social e a Direcção-Geral do Serviço de Tutelares de Menores, como medida fundamental, demonstrativa de uma política de integração no combate à criminalidade juvenil. Ora, já está publicada, em Diário da República, a nova lei orgânica que garante a fusão entre os dois institutos referidos e está em fase final de elaboração a portaria que lhe vai dar corpo, porque a sua alma resulta, obviamente, da filosofia que presidiu à política do Governo e à acção que tornou consequente mais esse projecto fundamental.
Falou V. Ex.ª, como todos falamos, das dificuldades do sistema judiciário. Nunca escamoteei, diante de quem quer que fosse, essas dificuldades. Mas, com a mesma sinceridade com que não o fiz, também tenho reivindicado para mim o direito e a legitimidade moral e política de chamar a atenção para os sucessos graduais e progressivos que vamos conseguindo.
Sendo certo que uma leitura persistente e negativa conduz à ideia de que o facto de os tribunais responderem hoje mais depressa do que acontecia em 1984 significa recuar 10 anos na leitura do seu funcionamento, o que é facto é que uma leitura séria demonstra bem que, conseguindo hoje estar a responder melhor do que há 10 anos, com mais 400 000 processos entrados nos tribunais portugueses, estamos no bom caminho e que as reformas estruturais vêm, claramente, produzindo resultado.
Temos de ir mais longe no processo penal, não com pequenas alterações - que, julgo saber, virão a ser sugeridas dentro de pouco tempo - mas através de alterações que tenham, efectivamente, um sentido coerente com o conjunto da reforma do sistema penal que, felizmente, tivemos a oportunidade, a coragem e o sucesso de ter introduzido.
O partido interpelante fez ainda referência às amnistias e perdões, como se esta Casa não tivesse a «parte de leão» de responsabilidade positiva na elaboração das leis de amnistia e dos perdões. Sempre tive ocasião de dizer que, enquanto Ministro da Justiça, na medida em que nunca contrariei publicamente uma lei de amnistia, em nenhuma circunstância, criticaria a Assembleia da República por o ter feito. Tento pautar pela seriedade a minha acção política e por isso, repito, nunca critiquei as lei de amnistia saídas do Parlamento. Mais do que isso: do ponto de vista político, beneficiei mesmo, em termos de gestão do sistema prisional, dessas amnistias.

Vozes do PS e do Deputado do CDS-PP Narana Coissoró: - Ah!

O Orador: - Compreendo que VV. Ex.ªs se surpreendam quando alguém, perante vós, assume posições de seriedade política, mas vão ver que, com o treino, não é difícil, Srs. Deputados!

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

A questão é muito simples: sempre entendi que a amnistia não é ela própria, enquanto amnistia, causadora do aumento da criminalidade. O que se pode tornar perverso nas leis de amnistia - e reconheço que apenas agora o digo e, portanto, não assumi anteriormente essa posição- é a repetição dos perdões que, normalmente, se arrastam na própria lei de amnistia. E por isso tomaria a liberdade de sugerir...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, como já esgotou o tempo de que dispunha para a abertura do debate, passo a descontar no tempo global do Governo neste debate.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Por isso, dizia, sugeria que, numa qualquer futura lei de amnistia, a aprovar já não, obviamente, por este Parlamento mas por qualquer outro, se considerasse - no próprio texto da lei de amnistia - que o perdão, desde que tenha beneficiado um delinquente já não o beneficia mais enquanto estiver em cumprimento de pena.
Deste modo, não se limita a possibilidade de aplicação de amnistias pelas razões que, normalmente, lhes subjazem mas, ao mesmo tempo, impede-se o efeito perverso de sucessivos perdões que possam levar ao que, em alguns casos, tem conduzido a uma pena de prisão efectivamente não cumprida, tendo em conta a sucessiva aplicação de perdões ligados às respectivas leis de amnistia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como comecei, entendo que o facto de estarmos a seis meses das eleições impõe-nos a todos uma atitude, face ao problema que aqui discutimos, que permita que sejam os portugueses a julgar não apenas o problema mas, sim, a nossa posição perante ele. Não vou, na síntese que gostaria de fazer, dirigir qualquer tipo de crítica a quem quer que seja, mas apenas dizer-vos da minha convicção.
Ora, é minha convicção que a confiança dos portugueses está mais solidamente construída quando lhes falam apelando à inteligência e à sua racionalidade do que quando lhes falam apelando à emoção e à sua reacção instintiva, que todos temos e que em todos é legítima. Tenho para mim a ideia de que a confiança dos portugueses se dedica mais quando se liga àqueles que lhes falam a verdade e não aos que fazem demagogia. Tenho para mim a ideia de que a confiança dos trabalhadores se radica mais quando se lhes propõe segurança com competência e, portanto, segurança limitada, porque é a segurança normal de uma sociedade livre e democrática, e não quando, a propósito de segurança, lhes dão discursos e palavras, prometendo aquilo que sabem não poder fazer, mas, ao mesmo tempo, estimulando o apelo à reacção instintiva de cada um optar por actuar no domínio da insegurança subjectiva, em vez de o fazer, numa análise criteriosa e racional, no domínio da insegurança objectiva.
Com a segurança dos portugueses não se brinca. Tenho claramente a ideia de que ninguém, de nós, quer brincar com a segurança dos portugueses. É, pois, fundamental que se tenha a consciência clara de que os portugueses, individualmente considerados e enquanto cidadãos, sabem bem a dificuldade do problema, conhecem bem os limites da intervenção, sabem bem conviver com os sucessos e insucessos nesta matéria e não gostam que se brinque com eles. São eles os primeiros a reconhecê-lo.
É por isso que talvez valha a pena, sem daí extrair conclusões especiais mas, apesar de tudo, retirando uma reflexão interessante, perguntar qual o significado de um cidadão anónimo, na vila do Entroncamento e no termo de uma campanha de segurança, ter entregue ao responsável um brinquedo - no caso, uma metralhadora de plástico. É que os portugueses sabem que com a segurança não se brinca.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, inscreveram-se os Srs. Deputados Odete Santos, Raul Castro, Alberto Costa, Narana Coisso-

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ró, António Filipe, Manuel Queiró, José Vera Jardim, Adriano Moreira e Mário Tomé.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Poderá fazê-la no final do debate. Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Então, peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, aceito essa interpretação, mas apelo para o seu espírito jurídico, pois creio que está a desviar, manifestamente, o instituto ao .abrigo do qual pediu a palavra.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª tem o poder - mas não o dever -, se assim o entender, e eu apenas alego para esse efeito em virtude da gravidade de uma ofensa que o Sr. Ministro da Justiça lançou sobre a minha bancada, de me dar imediatamente a palavra. É isso que peço, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Vera Jardim, tenho esse poder e devo exercê-lo com a discrição própria das coisas. Concedo que a sua bancada, se assim o entender, use da palavra para defesa da consideração, mas não ouvi nada que me imponha que lha dê de imediato. Dar-lhe-ei a palavra, para esse efeito, no final dos pedidos de esclarecimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Narana Coissoró, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, confesso que a sua Intervenção provocou na minha bancada um certo sentimento de frustração. Faço esta afirmação sem lhe atribuir qualquer carácter pessoal, pois tenho para mim que o Sr. Deputado representou o melhor que soube e pôde um certo papel que, porventura, não é fácil na actual conjuntura. Não vou, portanto, reportar-me tanto ao Sr. Deputado mas ao Partido Popular, que é o partido interpelante.
Também não me vou referir à questão dos números, uma vez que, há relativamente poucas semanas, tivemos um debate sobre os números da criminalidade, por iniciativa do Partido Socialista, onde, manifestamente, se foi mais longe e mais fundo do que na interpelação de hoje. Portanto, sobre este ponto de vista, não se trouxe nada de novo; pelo contrário, a iniciativa de hoje trouxe menos em relação a debates que já aqui se desenrolaram.
Talvez a questão central se deva colocar naquele problema que o Sr. Deputado chamou de «cultura política». Na verdade, estando nós em vésperas ou às portas de eleições parlamentares, bem como no ano de aprovação de um novo código penal, que é sempre um marco na história dos povos, talvez fosse de espera, do ponta, de vista do tópico da cultura política, que aparecesse aqui um programa alternativo de cultura política do CDS, no que toca às instituições penais. Creio que era de esperar isso!
Todavia, a verdade é que, salvo uma ou outra proposta - a que me vou já referir -, não vimos sinais de qualquer cultura política alternativa. Falou, é certo, da cultura de ressocialização versus humanismo cristão. Não tenho de responder pelo humanismo cristão do ponto de vista das suas repercussões na política criminal, embora como estudioso e informado tenha tido sempre a ideia - quiçá errada! -, de que o humanismo cristão apontava, directa e expressamente, para políticas de ressocialização, na lógica de que é preciso castigar o facto e salvar sempre o homem.
Também não posso deixar de reagir à afirmação de que, agora, este Governo descobriu a política de ressocialização, na linha, tomada à pressa, dos ensinamentos do Dr. Eduardo Correia, da sua escola e dos seus discípulos, a que julgava que o meu ilustre amigo também pertencesse.
Gostava de fazer uma leve correcção: a política de ressocialização, boa ou má - e podemos discuti-la, discutindo as tais alternativas -, não é uma política situada no tempo, não é do século XX, é a política criminal portuguesa de sempre.
Desde que, em Portugal, a seguir ao direito penal manifestamente bárbaro das Ordenações, se começou a reflectir sobre política criminal, o tópico, o centro da política criminal portuguesa foi sempre o da ressocialização.
Foi assim com Levy-Maria Jordão, com Afonso Costa, nos tempos da República, com os liberais, já antes do século XIX - aliás, lembro-me, naturalmente, por leitura, de uma vez terem perguntado aqui, nesta Sala, a Almeida Garrett se acreditava na ressocialização do homem e ele ter respondido que se não acreditasse fugia daqui nem sabia para onde. Esta é também a linha de Beleza dos Santos e de Cavaleiro de Ferreira e talvez, em Portugal, ninguém tenha intuído tão bem como o escritor Miguel Torga a essência deste pensamento, desta política criminal quando, num fórum - e talvez nenhum fórum tenha juntado tantos ilustres penalistas de todo o mundo -, sintetizou, com um certo grau de optimismo, o que era raro, conhecida a amargura e a exigência crítica de Miguel Torga, que se de alguma coisa Portugal tinha de se orgulhar perante o mundo era precisamente do seu pensamento e da sua postura perante o criminoso. Perante o criminoso e não perante o crime!
De resto, e importa também dizê-lo, mesmo o regime deposto em 25 de Abril, feito o parêntesis que é necessário em relação ao chamado crime político, mesmo o regime de Salazar e de Caetano era inteiramente votado à ideia de ressocialização do criminoso.
Portanto, a ideia de ressocialização do criminoso é um dos patrimónios culturais do povo português e, pensava eu, talvez um pouco distraído, que um partido popular tivesse mais atenção a este património histórico-cultural.
Mas deixemos isso e passemos às propostas. Se bem intuí, para além de umas questões de intendência, de que outros colegas da minha bancada já falarão, sobre as relações entre o polícia e o cidadão, fundamentalmente, vi apenas duas propostas: acabar com a medida da liberdade condicional, que é uma instituição que existe entre nós desde 1892 e foi Portugal que, em boa medida, a erradiou para a Europa e para o mundo, e criar prisões especiais para toxicodependentes.
Também me chocou um pouco, vindo de onde veio, o argumento cansado e já abandonado por certo pensamento crítico, que o recurso à pena de multa, nos casos em que se verifica e tendo presentes as correcções feitas pelo Sr. Ministro da Justiça, introduz desigualdade. Esse argumento está velho e cansado e, hoje, já ninguém o usa seriamente, nem sequer a chamada criminologia crítica ou de esquerda.

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Aliás, está tanto mais desusado quanto, face ao Código Penal actual, que prevê a moldura do dia de multa, sendo certo que os criminosos, seja qual for a sua posição económico-social serão, pelo mesmo crime, condenados exactamente ao mesmo número de dias de multa, variando apenas o quantum do dia de multa, em função da sua situação económica.
Para um rico, o dia de multa pode ser quinhentas vezes superior ao dia de multa para um pobre. Portanto, pelo mesmo crime, um rico poderá ser punido numa multa quinhentas vezes superior àquela a que for condenado um pobre, sendo certo também que o Código prevê um conjunto de mecanismos face aos quais o condenado em pena de multa, se não puder cumpri-la por facto que lhe não seja imputável, seguramente, não verá ser-lhe aplicada pena de prisão subsidiariamente.
Assim, no fundo, a pergunta que gostava de fazer-lhe era a seguinte: do ponto de vista da cultura política, quais são as medidas alternativas? Depois de uma semana de reflexão, de estudo, de passagem pelo terreno, e como diria o filósofo, o que é que a «sentinela» do CDS tem a dizer de novo sobre a noite? Quid novi sub nocte? O que é que nos traz de novo dessa noite? É apenas a exclusão da liberdade condicional, um instituto velho de 1892, cuja aplicação o Código Penal agravou substancialmente? Isto devia ter sido considerado, porque, agora, uma das exigências da aplicação da liberdade condicional é que não contrarie a paz social e a exigência da tranquilidade pública. Ora, este é um dado extremamente importante e novo que devia ter sido considerado.
Sr. Deputado Narana Coissoró, do ponto de vista da cultura política, o que é que o PP nos traz de novo? É que a do CDS nós conhecíamos, trabalhámos com o CDS, fizemos o Código Penal de 1982, e o CDS era mais ressocializador do que nós. O que é que o PP nos traz de novo, do ponto de vista da política criminal?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou responder, desde já, ao Sr. Deputado Costa Andrade, dada a categoria de criminalista e de homem que trabalhou no Código Penal, embora, depois, o possa fazer por grosso, e porque as suas perguntas marcam o início dos pedidos de esclarecimento por parte da bancada da maioria sobre este problema. Naturalmente, o Sr. Deputado Costa Andrade merece que responda imediatamente.
Em primeiro lugar, devo dizer que o debate, hoje, não é sobre o Código Penal, esse virá a este Plenário aquando da sua ratificação, a qual já foi pedida, não pelo meu grupo parlamentar, porque não tem 10 Deputados, mas por outro. Essa será a época própria, o tempo próprio para dizermos tudo quanto temos a dizer sobre o Código Penal e, portanto, não vamos misturar planos. Hoje, o nosso problema não é o Código Penal, nem a sua cultura.
V. Ex.ª teve a bondade de dizer que a nossa interpelação foi sobre princípios e não sobre números. Foi assim, exactamente porque estes números não estavam gastos e depois da interpelação do Partido Socialista, que trouxe os números, vieram novos números, novos relatórios, da Polícia Judiciária, do Procurador, vieram os números do Boaventura Santos, do Relatório de Segurança Interna.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Andam muito preocupados com o Dr. Manuel Monteiro!

O Orador: - Portanto, os números sempre são actualizados e, naturalmente, aqueles que aqui foram aprofundados já são muito diferentes dos que hoje temos.
Antes de mais, quero dizer a V. Ex.ª, e respondo também ao Sr. Ministro da Justiça, que uma das fraquezas que não conhecia ao Sr. Ministro, porque o respeito muito como cidadão, como magistrado, como político, é a de, quando não tem resposta, se agarrar a coisas populistas, que são, nitidamente, de pequena politiquice, de partidarice. Dizer que há uma diferença entre o CDS e o PP, que o CDS diz isto e o PP diz aquilo...
Pessoalmente, por exemplo, não perguntaria ao Sr. Ministro se é do PPD, se é do PSD, se é independente, se aquilo que diz é da autoria do partido que representa, daquele que o escolheu para Ministro, se a sua interpretação é do magistrado Laborinho Lúcio ou do futuro militante do PSD, se vai deixar de ser magistrado e vai integrar-se no PSD, se é «nogueirista» ou «barrosista», enfim, não entro neste pequeno jogo e chocou-me imediatamente ver o Dr. Laborinho Lúcio - e agora não o trato por Ministro da Justiça - entrar nele.
No entanto, ao mesmo tempo, fiquei muito satisfeito porque, quando o Dr. Laborinho Lúcio entra nesta pequena «esfrega» de politiquice barata é porque perdeu o debate. Perdeu o debate, não teve argumentos, não soube colocar-se como um homem de Estado, deu-nos razão, deu razão ao CDS, disse que a nossa interpelação era séria, trazia números certos, merecia, efectivamente, respeito, mas não lhe respondeu porque se perdeu nesta pequena politiquice e, por isso mesmo, fiquei satisfeito por me ter dado a honra de ser o vencedor desta interpelação.
Porém, fiquei triste pelo cidadão Laborinho Lúcio, homem que sempre me habituei a respeitar, porque se perdeu como Ministro da Justiça e como homem de Estado para ser um pequeno politiqueiro do PSD.
Sr. Deputado Costa Andrade, a si, quero apenas dizer-lhe o seguinte: a nossa base fundamental de humanismo cristão e de reinserção social é a de que não basta falar da reinserção social, é preciso que haja meios para ela se efectivar. Todos somos pela reinserção social e fui o primeiro a dizê-lo.
Não é preciso falar do humanismo cristão - pode ser o humanismo laico, como o do Partido Socialista, pode ser o humanismo de solidariedade para com o próximo, como o do Partido Comunista -, não é preciso rotular esta questão para dizer que, efectivamente, o delinquente é um homem e, como tal, está carregado de todos os seus direitos humanos. E é um dos seus direitos, apesar de delinquente, o de ser tratado como homem e, por isso, ter direito à reinserção social, fazendo, novamente, parte da sociedade. A única questão que se coloca é a de que é preciso haver meios para isso.
Ora, quando o próprio director do Instituto de Reinserção Social vem gritar para o público que «Laborinho dá apoio mínimo às vítimas de crimes», que o Instituto de Reinserção Social não funciona, que a reinserção social não passa de palavras, pergunto se podemos ficar caladinhos, quietinhos, com os conceitos e sem a sua tradução na prática.
O que queremos é que façam a reinserção social, mas façam-na, não a percam em palavras, não a percam em conceitos! Aliás, outro erro do Sr. Ministro da Justiça foi o de dizer que nós colocamos o direito da vítima como contrário ao direito da reinserção social. Não é assim! Queremos a reinserção social mas também queremos, e primordialmente, que a vítima seja ressarcida, protegida e

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respeitada. É um direito de humanistas, de homens; solidários com aqueles que sofreram, o de os levantar e dar-lhes a mão. É nisso que, ao contrário do PSD, somos samaritanos e, por isso mesmo, temos o dever estrito de salvar as vítimas.
Para um humanista cristão, não basta reinserção social, é preciso também dar a mão à vítima. Não se pode dizer a uma velhinha que levou uma cotovelada ou que ficou sem a carteira - e não é demagogia que faço - «vá, à polícia que ela trata-lhe disso, porque, agora, vou tratar da reinserção do jovem que a roubou». Isso não pode ser, não é isso que anima a nossa sociedade!
Para terminar, Sr. Ministro da Justiça, quero dizer-lhe o seguinte: a tal pistola metralhadora, com que V. Ex.ª acabou, politiqueiramente, o seu discurso, foi dada pela comunicação social, em jeito de brincadeira, ao Dr. Manuel Monteiro. V. Ex.ª bem o sabe e, por isso, não devia aproveitar esta brincadeira como um tema sério para terminar a sua alocução. Realmente, V. Ex.ª hoje vem com tristes alegorias, porque, efectivamente, não é do seu jeito começar nem terminar o seu discurso como o fez.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos,, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, cada vez que o CDS-PP faz uma interpelação, tememos o pior, ou seja, que as interpelações de VV. Ex.ªs não sejam devidamente entendidos pela direcção do vosso partido, que a linguagem não seja exactamente a mesma e, pior que tudo, que, com o decorrer desse processo, ainda acabem por rolar cabeças. Espero que desta vez as coisas não cheguem a esse ponto!
Sr. Deputado Narana Coissoró, não posso deixar de lhe dizer o seguinte: o seu discurso, daquela tribuna, é um discurso que não cola com o que ouvimos dizer por esse país fora ao Dr. Manuel Monteiro...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ora, ora!

O Orador: - V. Ex.ª desculpará e dirá o que muito bem entender. Agora, eu só oiço o Dr. Manuel Monteiro dizer...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Barbaridades!

O Orador: - Tem toda a razão, barbaridades, tais como as penas terem de ser aumentadas,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Vocês também o disseram!

O Orador: - ... que o Código Penal português desculpa a criminalidade e que será em grande parte o fautor da situação actual.
Relativamente à reinserção social, nunca lhe ouvi um discurso consequente. V. Ex.ª desculpará, mas o discurso que fez ali de cima não é o discurso do dirigente máximo do seu partido.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O dirigente máximo do seu partido, por mais esforços que V. Ex.ª faça, tem um discurso higienista e securitário da política criminal. V. Ex.ª poderá dizer que não, gritar e esbracejar - o que quiser! -, mas o que toda a gente ouve e percebe é isto e só isto! Ora, V. Ex.ª foi àquela tribuna fazer um discurso equilibrado, em grande medida, pelo qual o cumprimento, embora com algumas questões que podem levantar-se, designadamente a oposição que faz entre a reinserção social e os direitos da vítima, que, efectivamente, não me parece ser muito correcta, e a questão que lhe coloco é esta, Sr. Deputado Narana Coissoró: qual é a posição do CDS-PP, a sua ou a do Dr. Manuel Monteiro?

O Sr. Vieira de Castro (PSD). - Nem uma, nem outra!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas para dizer que quando não têm argumentos para rebater aquilo que eu disse, aparecem com o velho fantasma do CDS e do PP.
Sr. Deputado José Vera Jardim, eu podia perguntar-lhe: V. Ex.ª faz perguntas em nome do «sampaísmo» ou do «guterrismo»? Faz V. Ex.ª perguntas em nome daqueles que pediram o agravamento de penas no Código Penal ou daqueles que resistiram? Daqueles que pediram, no seu grupo parlamentar, que não publicassem um comunicado de agravamento de penas ou daqueles que disseram «Tem de publicar-se já, porque o Monteiro já leva a dianteira»?

Risos do CDS-PP.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - É tal e qual assim!

O Orador: - Mas não vou perguntar-lhe essas coisas porque não é essa a nossa maneira de fazer política. Tenho respeito por si, Sr. Deputado José Vera Jardim, por isso não lhe respondo. Não respondo aos «sampaistas» contra os «guterristas», não respondo aos «comunicadores» contra aqueles que não fizeram o comunicado, não respondo àqueles que quiseram agravamento de penas contra os que quiseram manter o Código Penal, não respondo àqueles que quiseram votar o Código Penal na votação final global e àqueles que não quiseram - as duas facções estão sentadas ao seu lado e não vou escolher entre elas!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, não vou abordar a questão do CDS e do PP, nem nada sobre essa matéria.
Quero colocar-lhe apenas duas breves questões: uma de apreço pelo estilo da sua intervenção e outra no sentido de lhe solicitar um aprofundamento de um pensamento que expôs a propósito da segurança interna.
Em primeiro lugar - e vem a este propósito a palavra de apreço -, no último Relatório de Segurança Interna é invocado pelas forças de segurança como sendo uma das causas por que se verificam algumas dificuldades na actuação do dia-a-dia o seguinte: «O efeito psicológico provocado por uma certa demagogia e superficialidade nas abordagens dos média e de alguns líderes de opinião a determinados factores relacionados com a organização e actuação judicial e policial, pondo em causa o prestígio da PSP e, de uma maneira geral, a autoridade do Estado».

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Muitas intervenções sobre segurança, aliás a propósito de interpelações deste género, enquadraram-se perfeitamente neste género de intervenção e alguns dos seus protagonistas estão hoje aqui presentes. A sua intervenção de hoje sai completamente do estilo de outras que aqui tiveram, pois aborda esta matéria de uma forma muito mais racional, fria e correcta, e por isso a palavra de apreço que, em primeiro lugar, quero deixar-lhe.
Sobre os pensamentos que aqui deixou a propósito da reforma da segurança, solicito-lhe que os aprofunde um pouco mais. Disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, abordando a questão das superesquadras, que a reforma era negativa. A este propósito, devo dizer-lhe que, como todos sabemos, a reforma não vai ainda a meio.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Deus queira que não vá a mais!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se ainda não vai a meio e já é assim...

O Orador: - Quando o Sr. Deputado refere que um determinado posto saiu de um certo local e que isso reforçou o sentimento de insegurança da população, está a referir-se a postos que ainda não saíram desses locais.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Quando ela chegar ao Porto, vai ver!

O Orador: - Temos ouvido algumas reclamações, as mesmas em que o Sr. Deputado estava a pensar, mas há algumas que ainda não saíram desses locais e relativamente às quais, anunciando-se uma reestruturação, se gera um sentimento normal, pois as pessoas estão habituadas àquele posto fixo e há um receio, que, repito, é normal. Só que, a essa respeito, não podemos falar em falhanço da reforma, pois esta, neste aspecto, ainda nem sequer se concretizou.
Depois, o Sr. Deputado analisou um dos problemas da actuação policial, o de muitos polícias desempenharem funções burocráticas, só que não lhe deu qualquer saída. Ou seja, o Sr. Deputado diz que há muitos polícias com funções burocráticas, o que confirmamos e é sabido que é essa a opinião do Governo. Mas se, de facto, são precisos mais agentes policiais na rua, no contacto imediato com o terreno - sabemo-lo e é esse o pensamento do Governo já exposto -, qual é a visão de saída alternativa que o Sr. Deputado defende para esta reforma que está em curso? V. Ex.ª falou apenas em mais agentes e em mais meios.
A este respeito, sabemos qual o ratio existente na generalidade dos países europeus e é muito duvidoso que se deva aumentar o ratio de agentes policiais por habitante que temos. Sabemos qual o orçamento relativo da administração interna, em termos do orçamento global do Estado, em todos os países da Europa Ocidental e é muito duvidoso que se deva investir também nesse sector e que seja essa a saída.
Ressalta da sua intervenção alguma falta de alternativa. Pedir mais agentes, mais dinheiro e mais meios são, aliás, as propostas a que estamos habituados por parte do PS - em tudo e não só nisto. Mais dinheiro, mais meios, menos impostos e menos défice! Agora, gostaria de saber se, por parte do CDS-PP, esta reforma do sistema de segurança é ou não a saída para este problema, e isto para além de, numa ou noutra questão, haver uma ou outra dúvida, pois não é isso que está em causa.
Pergunto: é essa a reforma ou fica tudo na mesma e aumentamos mais o número de agentes?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Qual é a pergunta?

O Orador: - A pergunta é mesmo em relação à reforma do sistema de segurança, à reestruturação que está em curso, que passa pelas superesquadras, que passa inevitavelmente pelo desaparecimento de alguns postos e por um grande esforço para que os agentes percam a suas funções burocráticas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Aí está a resposta!

O Orador: - Não, não. Quero saber o que é que o CDS-PP diz em relação a ela e, se não a defende, gostaria de saber, de forma muito clara, qual é a alternativa que propõe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, com a intervenção do Sr. Ministro da Justiça e com as interpelações que os meus colegas acabam de fazer-lhe, de certo modo, penso que estaria completo o quadro das questões que lhe queríamos colocar. Em todo o caso, retomando algumas das observações feitas pelo Sr. Ministro da Justiça e porque o uso da palavra por sua parte teve a forma de intervenção, concretamente, quero fazer a V. Ex.ª duas perguntas, pois entendo serem fundamentais para se avaliar aqui, nesta Câmara, a boa fé dos propósitos do CDS-PP relativamente a estas questões do combate à criminalidade e da segurança dos cidadãos.
As perguntas que quero colocar-lhe têm a ver exactamente com o discurso que responsáveis do PP têm feito, no sentido de chamar a si aquilo que, no seu pensamento, é uma das vias de melhor combate a estas questões. Apesar de V. Ex.ª ter aqui tentado aderir ao discurso da reinserção social e da recuperação, a verdade é que se tem ouvido mais o eco do PP relativo à tónica do agravamento das penas, e a tal ponto - foi aqui dito pelo Sr. Ministro e é sobre esta matéria que quero questioná-lo - que se diz ter sido o CDS-PP quem tomou a iniciativa de propor o agravamento para 25 anos das penas máximas do Código Penal, aqui alterado recentemente, e que o projecto inicial previa penas 20 anos. Ora, quero que o Sr. Deputado Narana Coissoró explique aqui na Câmara, com eco bastante para dentro do seu partido, que isto já vinha da proposta inicial. Ou seja, gostaria que dissesse aqui se é ou não verdade esta circunstância, esta situação.
Em segundo lugar, gostaria também que dissesse aqui se, além do combate à droga, não há, ao contrário daquele que tem sido o discurso de responsáveis do PP, um agravamento das penas. Com a excepção apenas da matéria que o Sr. Ministro referiu, em que, relativamente a um mínimo anterior de seis anos, se passou para quatro anos, pois, da parte dos juizes, não era feita - por ser excessiva - a aplicação efectiva dessa pena, pelo que, na prática, se tornou mais efectiva a pena de prisão para esses casos do que era anteriormente.
Por outro lado, quero ainda perguntar a V. Ex.ª se o seu partido não votou aqui a lei de protecção às vítimas,

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que instituiu a Comissão que está já a funcionar, bem tomo se não votou também favoravelmente a criação das comissões de protecção de menores, etc., etc., para que fossamos ver até que ponto estamos ou não perante uma divisão, um fraccionamento temporal do partido, por muito que isso custe a V. Ex.ª.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, é opinião dos comandos superiores da polícia, que visitei durante esta semana - ouvi-as em conversa -, que as super-esquadras podem não ser a melhor solução para a vigilância e para o ataque à toxicodependência.
Ouvimos aqui fazer um grande elogio às chamadas brigadas móveis da polícia, mas a verdade é que, por exemplo, posso referir um caso a que assisti em que estas eram ineficientes: estando eu em Campo de Ourique, em frente da Igreja de S.10 Condestável, pude ver uma pequena camioneta, dentro da qual se encontravam quatro polícias, que ali estavam durante dias inteiros sem fazer nada, pois, ao lado, os carros eram roubados! A verdade é que eram quatro os polícias que lá estavam dentro, enquanto que, atrás do carro, se roubava! Não olhavam para o espelho retrovisor!
Por exemplo, eu perdi alguns presentes de Natal porque os polícias estavam a olhar para a frente estão olhavam pelo espelho retrovisor, enquanto que os toxicodependentes do Casal Ventoso roubavam atrás do Carro!
Ora, provou-se que as chamadas brigadas móveis da polícia eram um erro. Da mesma maneira, a polícia, - e não venho aqui fazer qualquer intriga -, os próprias comandos superiores, estão convencidos de que a questão das super-esquadras pode não resolver cabalmente o problema da vigilância no terreno relativamente aos toxicodependentes. Porquê? Por uma razão muito simples; se tiramos a polícia de giro, que conhece as ruas, os bairros, os esconderijos, as escolas, que sabe onde é que os jovens se encontram, porque está todos os dias nessa zona - e, por isso mesmo, se chama polícia de giro - e a metemos na superesquadra, para, depois, mandarmos para aí uma polícia montada (não sei em cima de quem), o que sucede e que estes pequenos locais que essa polícia conhecia deixam de ser conhecidos e proliferam. Tem de se ter muito cuidado ao tirar a polícia de giro para se substituir por outra.
Sr. Deputado Guilherme Silva, efectivamente» não sou eu que digo que a proposta inicial do Sr. Ministro da Justiça era mais benévola do ponto de vista das penas do que propriamente a que veio a ser aprovada. Os jornais, depois da Conferência de Imprensa do CDS-PP, disseram que no próprio Conselho de Ministros...

O Sr. Ministro da Justiça: - A questão que foi posta foi a dos 25 anos!

O Orador: - O que veio a público foi quê o Secretário de Estado Teixeira Pinto e o Ministro Dias Loureiro se tinham oposto ao Sr. Ministro da Justiça quanto à diminuição das penas.
Não trago os recortes dos jornais, como costumava fazer o Dr. Pacheco Pereira, mas posso trazê-los, porque a comunicação social fez eco disso, gabaram-se de que o Sr. Ministro tinha sido derrotado na reunião de Conselho de Ministros.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É muito recente!

O Orador: - O que aconteceu foi que, efectivamente, quando a proposta veio à Assembleia da República, vinha já com os 25 anos e não fomos nós que o inventámos. Isso saiu da reunião do Conselho de Ministro para o Público, onde se diz que Teixeira Pinto e Dias Loureiro se tinham oposto a essa proposta na reunião de Conselho de Ministros e o Sr. Ministro da Justiça tinha sido derrotado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD). - Não tem nada a ver com isso!

O Orador: - Em segundo lugar, pessoalmente, como jurista, não tenho qualquer vergonha - e vergonha é uma maneira de dizer - em referir que não sou por um grande defensor do agravamento das penas

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não se esperava outra coisa!

O Orador:- Já o disse publicamente! A única coisa que digo é que, politicamente, o meu partido tem lodo o direito de defender um agravamento das penas.
Além disso, represento aqui o meu partido, não me represento a mim próprio e quando me quiser representar, escrevo um artigo de opinião, ainda que seja contra a do partido, como faz o Dr. Pacheco Pereira. Também posso escrever artigos de opinião, contra a do meu partido, no Expresso, no Diário de Notícias, no Jornal de Notícias, em todo o lado Posso fazê-lo, porque a minha liberdade ninguém ma compra! Agora, nesta bancada, como presidente do grupo parlamentar, estou a representar o meu partido, sou o seu porta-voz insuspeito, que, politicamente, entende que é boa solução haver um agravamento de penas, como, aliás, também o entende o PS.
Agora, se V Ex.ª segue aqui as opiniões do PSD nacional, se concorda, no Funchal, com as do PSD da Região Autónoma da Madeira, se não tem uma voz própria, é lamentável! Fora desta bancada, eu tenho voz própria e liberdade para a defender; porém, aqui, institucionalmente, defendo o meu partido, tal como todos os ministros o fazem.
Por que é que há ministros que são derrotados no Conselho de Ministros e vêm cá para fora defender a posição geral do Governo? Todos eles são uns «sim, sim»? Não são! O senhor é um «sim, sim» do Jardim? Não é! O senhor celebrou o 25 de Abril com um cravo na lapela e, portanto, não é um «sim, sim» do Jardim! Ora, uma coisa é aquilo que V. Ex.ª pensa, outra aquilo que defende quando exerce funções de dirigente da bancada ou enquanto presidente da 1.ª Comissão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito obrigado por o reconhecer! Faça-me essa justiça!

O Orador: - Aqui, na Assembleia, defendo a posição do meu partido, que é pelo agravamento das penas.
Quanto à reinserção social, é uma calúnia dizer que somos contra a reinserção social Nunca o fomos, nem como partido, nem eu, nem ninguém! Sempre fomos pela reinserção social e por isso é que somos humanistas. Ago-

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rã, não temos dentro do nosso partido militantes propagandistas da pena de morte nem da justiça privada, como VV. Ex.ªs têm.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Não conhece o Vasco Graça Moura?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é militante do PSD.

O Orador: - É um militante propagandistas da pena de morte.

Vozes do PSD: - Ah...

O Orador: - Portanto, uma coisa é - e fica aqui dito para sempre - aquilo que eu defendo aqui, as posições do meu partido, e outra coisa sou eu, enquanto jurista, nos tribunais, nos jornais, ou o Dr. Laborinho Lúcio, o Dr. Guilherme Silva ou o Dr. Alberto Costa, com as nossas próprias opiniões, porque não defendemos aquilo que nós, como profissionais de direito, sentimos. Também o Dr. Costa Andrade defendeu, por exemplo, aquando da Lei da Imprensa, um conceito de privacidade que depois não «pegou» e, naturalmente, ele não vai zangar-se com o partido, antes vai defendê-lo, embora estivesse contra o conceito de privacidade que veio a ser consagrado.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à fase de perguntas ao Sr. Ministro da Justiça.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, não dou o meu tempo por perdido porque, para dizer francamente, não vim cá para ouvir o Ministro da Justiça, vim, sobretudo, para ouvir o ex-Director do Centro de Estudos Judiciários, dado que é essa qualidade, esse passado e esse património que lhe dão qualidade e peso na sociedade portuguesa.
Aliás, é partindo disso que desejo fazer um pequeno comentário, já um pouco enfraquecido pelo ambiente das intervenções, porque foi aqui imediatamente demonstrado que a segurança não é muita quando um dos mais ilustres Deputados do PS disse que esperava o pior cada vez que intervinha um Deputado do CDS-PP. Mas, Sr. Deputado, quero sossegá-lo, pois achamos que há uma certa insegurança no País mas pensamos não trazer tanta insegurança a esta Sala cada vez que há uma interpelação promovida pelo CDS-PP.
Por outro lado, não deixei de apreciar a continuidade humanística que o Dr. Costa Andrade encontrou no pensamento português. Vi-o referir grandes mestres, a quem me ligou, aliás, grande admiração, em primeiro lugar, de aprendizagem, Beleza dos Santos, depois, grande amizade, Eduardo Correia, mas senti-me um pouco surpreendido com a inclusão do Dr. Cavaleiro Ferreira na mesma lista, porque me lembro do trabalho que me deu a crítica das medidas de segurança e as consequências desagradáveis e pouco humanistas que andaram ligadas às críticas feitas a essa teoria de medidas de segurança. Assim, se me der licença, excluo-o da sua lista- faço-lhe essa pequena correcção - e lembro-lhe um pensamento português mais antigo, apesar da barbaridade das Ordenações, que é, por exemplo, o da escola dos jusnaturalistas de Évora, que bem se inspiravam em Molina e num seu antepassado intelectual institucional, Suarez.
Julgo que, com esta pequena correcção, que me permitirá por experiência própria, estou de acordo com a invocação que fez da tradição portuguesa e quero dizer muito claramente que, independentemente de partidos, de designações e pluralidades de designações para partidos, não altero uma vírgula no pensamento humanista sobre o tratamento penal que deve ser acolhido pelas leis portuguesas.
Atrevia-me apenas a chamar a atenção para a debilidade com que enfrentamos os próprios princípios. Estou a lembrar-me da última Encíclica do Papa e das dúvidas que suscitou sobre a admissão em alguns casos, talvez, da pena de morte, o que já levou muitos de nós a dizer que aquele não é o evangelho franciscano, não é o evangelho português, não é o nosso evangelho, não é o meu evangelho! Todavia, é de uma fonte que, do ponto de vista da autoridade de valores, é muito difícil pôr em discussão.
Vamos admitir que temos muitos erros de aplicação de princípios mas não vamos transformar as nossas divergências intelectuais num combate de ideias nobres contra ideias bárbaras. Creio que não é disso que se trata mas, sim, - e disso não se tratou, porque não estamos a debater o Código Penal, a sua reforma ou a nova teoria das penas - de invocarmos um pensamento humanista, secular, português, como se a sociedade portuguesa, ao longo destes séculos de pensamento humanista, não tivesse tido qualquer alteração.
Basta percorrer as ruas de Lisboa e ver o que se passa em alguns sítios que eram, antigamente, conceituados como dos mais preservados da capital para verificarmos que a insegurança existe, para não chamar a atenção para um pequeno incidente, que talvez não esteja muito à altura da discussão que estamos aqui a ter, que é o espectáculo de defesa própria e de segurança de que se rodeiam alguns membros do Governo quando atravessam a cidade de Lisboa. Aconselhá-los-ia a que fossem mais discretos na segurança de que se rodeiam para que não dessem tanta razão aos cidadãos de se sentirem inseguros e para não perderem tanto a razão quando criticam os cidadãos por se sentirem tão inseguros.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, gostaria de chamar a atenção do Sr. Ministro, pedindo-lhe o favor de alguma contribuição, que o ex-Director do Centro de Estudos Judiciários é muito capaz de nos dar, sobre qual o avanço dos nossos estudos acerca da mudança social que implica repensar a aplicação dos princípios humanistas a que não renunciamos.
Por exemplo, falamos constantemente em grupos que são excluídos e arranjámos uma maneira pudica de os ignorar, ou fazer ignorar, preocupando-nos de uma maneira profunda, nesta Câmara, com as despesas confidenciais das empresas, limitando o plafond que ficava isento de impostos pois verificámos que esse plafond se destinava ao pagamento de mão-de-obra clandestina, para se libertarem de obrigações legais que assim ficavam dispensadas de cumprir, e nunca discutimos se tínhamos uma política de integração e/ou de assimilação para os grupos étnicos, culturais e confessionais que estão a formar-se em

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Portugal com enorme densidade, afastados e excluídos do convívio normal da sociedade portuguesa.
O que é feito do conteúdo daquilo que os penalistas - quando eu ainda sabia alguma coisa de Direito Penal, coisa de que já me esqueci! - chamavam as normas em branco? Que é feito desse conteúdo? Ele é o mesmo? Ele não se alterou com a composição da sociedade portuguesa actual e discutimos a dimensão do humanismo de cada um em vez de discutirmos a sociedade?!
Queixamo-nos da criminalidade infantil, mas por que não discutimos que a integração que assentava na família deixou de amparar a actividade do Estado, existindo aí, por isso mesmo, alguma coisa que é bem diferente desta discussão sobre quais são as nossas diferenças em relação a princípios humanísticos.
Temos de enfrentar que esses instrumentos de Integração social desapareceram e isso não foi trazido aqui, não foi discutido Mas, não tendo sido discutido, não faz desaparecer a circunstância de que, realmente, vivemos em insegurança e não há resposta estatística para isto, porque, justamente em nome do humanismo, a injustiça feita a um homem é uma injustiça feita a todos os homens e não é o facto de as estatísticas indicarem uma criminalidade pouco violenta que faz com que o problema desapareça, pois continua a ser igualmente grave. Uma vida perdida é tão grave como uma catástrofe, porque é sempre o irremediável e o injusto que não podemos admitir.
Ora, era nesse sentido de mudança de sociedade que pedia, finalmente, ao ex-Director do Centro de Estudos Judiciários, pelo grande serviço que prestou à cultura portuguesa, que me dissesse e à Câmara alguma coisa sobre se não encontra aí uma das razões para o divórcio entre o sistema político e a sociedade civil - e não apenas em Portugal mas em toda a Europa e por isso mesmo vamos sofrendo consequências por lhe pertencermos não podemos deixar de lhe pertencer -, continuando a descurar o estudo sério e responsável dessas mudanças da sociedade civil, que, tendo sido feito, talvez nos dispensasse de perdermos tanto tempo a discutir a rectidão de intenções doutros, a coerência das palavras de alguns, a justeza da pertença a agrupamentos políticos de outros tantos, porque suponho que não é a diferença de partidos que neste caso põe em causa o objectivo, que é comum, de ter uma sociedade que se sente segura, confia nas leis e põe a justiça entre o serviço mais prestigiante do Estado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e que começo por agradecer, muito rapidamente, faria uma brevíssima análise da intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró aquando da sua resposta aos pedidos de esclarecimento...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Tenho uma pergunta para lhe fazer, Sr. Ministro.

O Orador: - Com certeza, mas creio que era importante, até porque suponho que valeria a pena, para a qualidade do nosso debate, que o expurgássemos de algumas situações eventualmente menos adequadas a essa densidade de qualidade e que poderiam ficar a ensombrar um debate que, mais do que importante para nós, é obviamente importante para os portugueses que nos acompanham.
Assim, gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado, que, alem de não poder deixar de lhe agradecer as referências positivas que fez ao cidadão Laborinho Lúcio, o cidadão Laborinho Lúcio é ou não merecedor dessas referências consoante ele saiba ser, com a mesma dimensão, Ministro da Justiça. E se o Ministro da Justiça, que Laborinho Lúcio é, for contraditório com aquilo que ele era como cidadão, então, é o cidadão Laborinho Lúcio que não merece as referências positivas que V. Ex.ª lhe dirigiu.
Sr. Deputado, quando faço uma distinção entre o CDS e o PP não estou aqui a dizer uma boutade nem estou a fazer política politiqueira, estou a fazer uma afirmação política e estou a fazê-la com o seu sentido político próprio; pode ser uma afirmação correcta ou incorrecta, evidentemente uma afirmação que não partilha do apoio e da compreensão de V. Ex.ª, mas não para fazer política politiqueira, porque, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, quando me dei conta de que o Grupo Parlamentar do CDS-PP a desencadear esta interpelação ao Governo eu, na relação pessoal que nos une, também temi pelo cidadão Narana Coissoró, tendo ficado feliz - e foi isso que me levou a fazer a distinção - por verificar que o cidadão Narana Coissoró é inteiramente o Deputado Narana Coissoró e que a interpelação do partido de V. Ex.a, colocada nas suas mãos e na sua voz, não limitou em nada a dimensão do cidadão Narana Coissoró.
Só que - a conclusão é minha e, portanto, tem o risco de erro que qualquer conclusão pessoal tem - o cidadão Narana Coissoró não disse aqui o discurso de rua do Partido Popular. E esta é uma realidade política importante para que os cidadãos, ao fazerem as suas opções, saibam o que optam e por que optam, é apenas isso. Não trazemos aqui, a um circuito fechado, discursos políticos que nos agradam ou desagradam, cada uma das nossas palavras vai pelo País fora encontrar eco nos vários milhões de cidadãos que representamos e é preciso que eles saibam se estão a ouvir o cidadão Narana Coissoró e o CDS-PP ou se estão a ouvir o cidadão Narana Coissoró independentemente do discurso do CDS ou do Partido Popular.
Não foi, portanto, uma crítica de política politiqueira, foi uma crítica política natural, que certamente VV. Ex.ªs não partilham mas que em nada reduziu, na minha perspectiva, pelo menos a intenção de qualidade da intervenção do Ministro da Justiça.
Por outro lado, Sr. Deputado Narana Coissoró, não tenho nenhuma dúvida sobre a seriedade de V. Ex.ª e gostava que isto ficasse muito claro; não tenho nenhuma dúvida sobre a seriedade de V Ex.ª, como, aliás, não tenho o direito de ter qualquer dúvida sobre a seriedade de qualquer deputado. Mas, no caso concreto, conheço-o bem e tenho razões positivas para não ter nenhuma dúvida.
Porém, é importante que à dúvida pessoal, que não existe em nenhumas circunstâncias, se não venha adicionar alguma dúvida puramente política, que V. Ex.ª não merece, e, por isso, peco-lhe que não volte a brandir um jornal semanário dizendo que Laborinho está mais a favor dos delinquentes do que das vítimas, referindo que foi o presidente do Instituto de Reinserção Social que o disse.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não foi o meu partido que o fez!

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O Orador: - Sr. Deputado, leia o artigo! O presidente do Instituto de Reinserção Social não diz nada disso, isso é um título extraído pelo próprio jornalista. O presidente não o diz, em nenhuma circunstância o faria, sendo certo que o presidente do Instituto de Reinserção Social é, simultaneamente, o presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima!
Como vê, entre a reinserção social e o apoio à vítima há uma relação de compreensão coerente e lógica e não uma relação de antinomia e é isto, Sr. Deputado, que a certa altura nos faz propender para trazer à colação a seriedade das intervenções quando é certo que não há motivo para o fazer.
Por outro lado, num recente programa televisivo, o líder do vosso partido disse que a pena máxima prevista no Código Penal era de 20 anos e que foi através das últimas intervenções que ela subiu para 25 anos. Isto não é verdade e, Sr. Deputado, não fica mal que V. Ex.ª, sem causar qualquer tipo de perturbação ao vosso partido, reconheça que houve um lapso. Eu já tive vários lapsos e já os reconheci; não podemos ter sempre o rigor absoluto, sobretudo quanto fazemos afirmações desta natureza e muitas vezes é de forma bem intencionada que as fazemos, mas a realidade...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso foi o Teixeira Pinto!

O Orador: - Sr. Deputado, num programa, numa entrevista com a jornalista Margarida Marante, muito recentemente, V. Ex.ª pode pedir a gravação, o líder ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não foi o meu partido que começou!

O Orador: - Não importa quem começou, mas a verdade é que isso começou uma discussão política à volta do Código Penal e ainda bem que tal aconteceu.
Evidentemente que o projecto na sua formulação final é diferente daquilo que era a sua formulação inicial, mas 25 anos foram apontados, desde o início, como a pena para a qual se agravava a de 20. Desde o início, o que foi dito foi que a pena não era nada de 25, era de 20 e só na parte final é que passou a 25.
Agora, era interessante que, publicamente, se reconhecesse que isso foi um lapso e que não era assim, porque é isto que marca, degrau a degrau, a consolidação da seriedade política e nós não podemos fazer o discurso da seriedade, por um lado, e, depois, tentarmos invocar uma série de argumentos para retirarmos da memória de todos um momento em que essa seriedade não foi posta em causa, se se tratou de lapso, mas passa a ser se não se reconhecer. Foi apenas isso e V. Ex.ª poderia perfeitamente tê-lo reconhecido.
Aliás, da mesma maneira que V. Ex.ª, pessoalmente, não pode ter gostado de ouvir dizer que uma lei que votou aqui é escandalosa, porque sendo certo que V. Ex.a, na discussão aqui levantada...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Já o vou explicar!

O Orador: - V. Ex.ª disse, na discussão aqui levantada que gostaria de voltar a ver as penas, que era importante que pudéssemos levar mais longe essa discussão, mas não se opôs às penas que estavam ali, não se opôs à filosofia daquela lei, votou-a a favor quando podia ter optado pela abstenção mas não o fez.
Ora, não é de excluir a possibilidade de o partido que V. Ex.ª representa ter hoje uma opinião diferente e isso é perfeitamente legítimo, mas chamar escandaloso àquilo que se fez conscientemente há tão pouco tempo parece-me excessivo e seria interessante que fosse reconhecido.
Gostaria, pois, Sr. Deputado, que, relativamente a estas matérias, se tomasse a intervenção do Ministro da Justiça não por aquilo que V. Ex.ª considera de política politiqueira para esgotar na intervenção do ministro aquilo que era, efectivamente, de fundamental à resposta da interpelação de V. Ex.ª.
Quanto às questões levantadas pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado, que é justamente este o plano onde eu gostaria que um debate sobre esta matéria se situasse. Não estamos exclusivamente a falar da segurança dos portugueses, não estamos exclusivamente a falar da criminalidade, estamos também a falar do Código Penal e, falando de um código penal, estamos a falar do homem e da sociedade e é importante que saibamos usar o direito de representatividade que os portugueses nos conferem para darmos dignidade a essa representatividade e ao debate que nos traz a sua intervenção.
Por isso, pedia-lhe, Sr. Deputado, que me deixasse ser o Ministro da Justiça e não o director do Centro de Estudos Judiciários, porque também aí, tal como há pouco tive ocasião de dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró, se o Ministro da Justiça não for capaz de ser, ainda e hoje, o director do Centro de Estudos Judiciários, então, não é só como Ministro da Justiça que ele não cumpriu a sua missão, foi também a partir da sua missão como Ministro da Justiça que ele negou o director do Centro de Estudos Judiciários e tenho para mim - devo dizê-lo, se me permite- a felicidade de poder hoje, cinco anos depois de exercer esta função, rever-me exactamente em tudo quanto pensei, em tudo quanto disse e em tudo quanto propus como director do Centro de Estudos Judiciários, nomeadamente neste debate e num debate sobre criminalidade e sobre o Código Penal.
Aliás, posso ter o prazer de encontrar aqui, há 10 e há 15 anos, as mesmas bases de fundamento do mesmo tipo de reflexão, embora com algumas opções diferentes justamente porque a dinâmica social nos obriga a reflectir sobre o nosso próprio pensamento quotidiano.
Referiu V. Ex.ª a encíclica de Sua Santidade, o Papa, para dizer, e bem, que não há matérias definitivamente esgotadas neste campo e que o humanismo de cada um pode perfeitamente conviver com o humanismo de outro, ainda que os limites da sua intervenção sejam diferentes. Mas temos todos, certamente, a convicção de que a encíclica de Sua Santidade, o Papa, não vem propor a pena de morte em casos excepcionais, vem tolerá-la onde ela existe para casos excepcionais, o que significa que, sem que daqui se extraia qualquer conclusão de natureza pejorativa, alguma incidência política não deixa, apesar de tudo, de também condicionar a intervenção do próprio Papa. Não há, portanto, a aceitação, para o futuro, da possibilidade, em casos excepcionais, da pena de morte, há o repúdio da pena de morte e a sua aceitação em casos excepcionais, nas situações em que ela ainda possa, eventualmente, acontecer.
Pessoalmente devo dizer que lamento, apesar de tudo, que assim seja, mas, de qualquer forma, é importante fazer-se esta leitura, não vá ela desencadear uma legitimação futura da reactivação da pena de morte.
Agora, a alteração da sociedade existe e V. Ex.ª, Sr. Deputado Adriano Moreira, é porventura das várias

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pessoas a quem eu pouco ou nada adiantarei ao falar das modificações dessa sociedade. Modificações que são hoje conhecidas numa leitura sociológica e antropológica mas que têm, felizmente, atrás de si todo um conjunto de previsões no plano da ciência social e da ciência política que fazem com que as alterações nos não surpreendam, particularmente, apenas nos imponham que estejamos atentos à constatação das mudanças que são antecipáveis ô que são previsíveis.
Não é agora que se fala pela primeira vez de complexidade social, não é agora que, pela primeira vez, se introduz no discurso não a ideia clássica da ordem e da desordem mas uma ideia nova da ordem, da não ordem e da desordem, fazendo integrar a própria não ordem já não no kaos, que justificava o normativo, mas numa concepção mais aberta da própria lei e da própria norma. Por isso, o continuar-se, hoje, a defender o direito à diferença que ainda há relativamente pouco tempo remetia, o cidadão para o plano da marginalidade por o excluir da própria norma.
E toda esta realidade que muda, não apenas através da leitura cultural que nos suscita mas através de uma capacidade de vida concreta e, portanto, de atitude concreta perante o mundo e perante a vida.
Fala V. Ex.ª do regresso, no fundo, às instituições, à família, à escola, a um determinado tipo de comportamento marcado por baias que nos são dadas anteriormente e que, do ponto de vista institucional, nos comandam o comportamento. Porém, a realidade é uma e o desejo de a fazer funcionar é outro.
Ora, é justamente por isso que vamos cair naquilo que têm sido as opções de política legislativa do Governo nesta matéria. É justamente por isso que as molduras abstractas das penas são hoje maiores do que eram há tempos atrás e é exactamente por isso também que o próprio direito penal convive hoje mais com normas em branco e com conceitos indeterminados do que convivia há alguns tempos atrás, porque é fundamental confiar cada vez mais na capacidade do aplicador do direito, isto é, dos tribunais e dos juizes, para que cada decisão possa ser a decisão justa no caso concreto.
Não somos nós que temos de definir a evolução social; podemos definir caminhos para essa evolução, marcar objectivos no sentido de a atingir, mas a evolução social é mais rica do que a nossa própria previsão. Assim, temos é que ter leis, democraticamente elaboradas, que tenham efectivamente uma conformação de humanismo aplicável. Portanto, não são as leis que definem o que é o humanismo mas permitem que, na sua aplicação, se garanta o humanismo em concreto. É tendo códigos desta natureza que somos capazes de fazer integrar na lei a sociedade e a sua própria evolução.
Permita-me apenas dizer, para terminar, que estou perfeitamente de acordo com V. Ex.ª quando diz que a injustiça feita a um homem é sempre uma injustiça t que a morte de uma pessoa corresponde a uma calamidade. Isto é verdade mas o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que, sendo isto verdade, é extraordinariamente perigoso num debate político sobre segurança. Na boca de outra pessoa, isso podia ser uma demagogia, sendo, todavia, uma verdade. Temos de saber é se uma afirmação dessa natureza conduz à ideia de que a morte de uma pessoa constitui o absoluto da acção política. A morte de uma pessoa constitui um absoluto de vida, que é uma coisa diferente do absoluto da acção política. Se assim não fosse, e utilizando uma linguagem demagógica, poderíamos dizer que a morte de muitos, no fundo, acaba por reconduzir-se à morte de cada um. Seja um ou sejam muitos, é sempre a morte de uma pessoa que está em causa.
É este tipo de atitude, Sr. Deputado, que julgo que devemos ter; é este tipo de atitude - e V. Ex.ª reconheceu-a no Director do Centro de Estudos Judiciários - que gostaria que reconhecesse no Ministro da Justiça, na medida em que nunca me habituei a não a reconhecer no Deputado e no Professor Adriano Moreira.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, à medida que o tempo ia passando comecei a recear que V. Ex.ª centrasse a sua intervenção na questão do Código Penal, reduzindo a política criminal a uma política penal. Foi quase isso que fez, porque V. Ex.ª deixou em branco muitas áreas que têm a ver com a segurança dos cidadãos e com a prevenção da criminalidade. Neste sentido, gostava que o Sr. Ministro se pronunciasse sobre essa matéria.
Em relação às alterações ao Código Penal, devo dizer-lhe que, pelas razões que são de todos conhecidas, votámos contra, porque as alterações propostas assentavam em dados não científicos, porque não houve um consenso social alargado e porque as propostas de alteração continham alguns elementos que contrariavam as afirmações feitas pelo Sr. Ministro, no sentido de que os crimes contra as pessoas tinham sido todos agravados, o que não correspondia à verdade. Crimes como o rapto e o sequestro de menores conheceram um abrandamento das suas penas e não vale a pena, Sr. Ministro, vir tentar convencer a Assembleia da República e a população em geral que aqui estão incluídos os casos em que o pai ou a mãe separados levam o menor fora dos dias previstos, porque isso não é um crime de rapto nem de sequestro e porque as próprias estatísticas do relatório da administração interna têm uma rubrica respeitante precisamente à subtracção de menores. É aí, pois, que isso se inclui.
O crime de utilização de menores para fins pornográficos também sofreu um abrandamento muito grande; o tráfico de maiores sofreu em alguns casos uma despenalização, apesar de todos conhecermos o quanto grave é a situação das redes de prostituição organizada.
Não colocamos a questão do direito penal no centro da política criminal que é, sem dúvida, importante - e também não estamos de acordo com certas vozes que fazem incidir a tónica na questão do agravamento das penas. Penso que isso deve ser ponderado e equilibrado, não sendo, de facto, esse o único dado a ter em conta numa política criminal.
V. Ex.ª não se pronunciou sobre a questão da prevenção criminal. Uma norma tem de ter um sentido de prevenção geral positiva, isto é, o cidadão tem de sentir que aquela norma não é posta em causa, podendo, pois, confiar nela. Ora, o relatório de segurança interna que o Sr. Ministro da Administração Interna apresentou à Assembleia da República vai no sentido de dizer que as normas punitivas estão em crise, porque os tribunais absolvem demasiado, porque a medida de coacção aplicada pelos tribunais não é a prisão preventiva, pois quando as pessoas são presentes aos tribunais os juizes mandam-nas

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embora. Gostava de ver dirimida esta questão entre o Sr Ministro da Justiça e o Sr. Ministro da Administração Interna, apesar de só ver uma maneira de resolver este problema, sem tornar os tribunais no bode expiatório, e que é enfrentar e ponderar as questões da investigação criminal e saber se o sistema que temos é um sistema que corresponde a esta necessidade do cidadão de sentir que as normas punitivas têm eficácia.
Tudo isto tem a ver com a própria questão dos trabalhos burocráticos a cargo das polícias, com os inquéritos preliminares que estão a seu cargo, que são mal feitos e que chegam à audiência de discussão e julgamento «sem ter pés para andar», no sentido da absolvição; isto tem também a ver com as inquirições de testemunhas feitas pelos agentes policiais, com a sua preparação, e com os meios técnicos e humanos postos à disposição do Ministério Público para averiguar se a investigação criminal foi conduzida como deve ser.
Creio que o modelo que temos conduz, muitas vezes, a que as detenções são efectuadas sem que se tenham reunido os indícios necessários ao preenchimento de certo tipo de crimes incaucionáveis. Quando se chega à audiência de discussão e julgamento, fase anterior e que não e regida pelo princípio do contraditório, com investigações «coxas» a prova produzida é «zero», e isto acontece muitas vezes. Por experiência própria - e quem anda nos tribunais sabe isso -, posso afirmar que essa situação acontece nos julgamentos de narcotráfico, crime este que é protegido por este sistema de processo penal. É que entre essa investigação dirigida pela acusação pública, que não pode fazer prova na audiência (e as declarações contraditórias de testemunhas feitas antes não podem ser lidas na audiência para se apontar as contradições), e o julgamento o narcotraficante manipula, compra, seduz consumidores para que estes cheguem à sala de audiências e digam «não foi àquele que eu comprei!»
Estas são questões sérias de processo penal - e V. Ex.ª não tocou nelas, a não ser ao de leve quando disse que era preciso fazer uma reforma mais global do processo penal - e que estão na base de afirmações segundo as quais os tribunais são os bodes expiatórios, o que, de facto, não é justo.
Quanto à amnistia, o que me surpreende é que só agora o Sr. Ministro reconheça, embora não abertamente, que a aplaudiu. Gostaria de recordar quais foram as propostas do PCP sobre essa matéria. Uma delas foi precisamente aquela a que o Sr. Ministro agora se referiu no sentido de restringir os perdões.
Gostava também de recordar-lhe que a primeira proposta de protecção às vítimas de crimes não foi apresentada pelo Governo. V. Ex.ª apresentou uma proposta para a protecção de vítimas de crimes violentos, mas, antes disso, o PCP já tinha apresentado dois projectos de lei referentes à protecção das vítimas de crimes. Além disso, há uma lei de 1991 da Assembleia da República que nasceu de um projecto de lei do PCP para protecção das mulheres vítimas de crimes violentos, que ainda não está regulamentada. Gostava que o Sr. Ministro desse uma explicação sobre este facto.
Por último, o Sr. Ministro disse que os portugueses sabem que com a segurança não se brinca. Sr. Ministro, eles estão inseguros exactamente por saberem isso! De facto, creio que se V. Ex.ª, com a habilidade que lhe é habitual e que todos lhe reconhecem, pudesse tapar essa insegurança subjectiva com as suas palavras tê-lo-ia feito, com um cântico de sereia, que não comove nem seduz os cidadãos portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é um dado adquirido que 74% dos crimes não são participados. De facto, este e um número alarmante e o que pergunto a V. Ex.ª é o seguinte: pensa que a única explicação plausível para esta não participação tem a ver com a falta de confiança na administração da justiça, para além de qualquer outro aspecto menos relevante? O aspecto central é este ou outro, Sr. Ministro?
V. Ex.ª considera relevante que a maior parte dos crimes não seja contra as pessoas mas, sim, contra a propriedade. Por exemplo, o «esticão» é um crime contra a propriedade que tem lugar todos os dias nos grandes centros urbanos. Embora dirigido contra a propriedade, ele atinge normalmente fisicamente as vítimas, causando-lhes, por vezes, ferimentos graves - é o que acontece com a pessoa que é arrastada dezenas de metros por um ciclista. Num inquérito sobre esta matéria feito pela Câmara Municipal do Porto a 1000 habitantes da cidade a maior preocupação expressa por 71% dos inquiridos dizia respeito à segurança. A afirmação de V. Ex.ª de que a maior parte dos crimes não são contra as pessoas mas, sim, contra a propriedade é, sem dúvida, muito relevante, mas estou para ver qual é a explicação que o Sr. Ministro vai dar ao dado deste inquérito e à natureza mista de certos tipos de crimes contra a propriedade.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr Presidente, Sr. Ministro da Justiça, pensei começar este pedido de esclarecimento agradecendo-lhe a atenção que dedicou à actuação do PS nesta matéria através do uso de uma figura de estilo, mas, pensando melhor, cheguei à conclusão de que esse modo de iniciar a minha intervenção não era inteiramente congruente com a impressão fundamental que a intervenção de V. Ex.ª me deixou.
Essa impressão fundamental é a de que a seis meses do final da legislatura, aspecto que o Sr. Ministro sublinhou, o seu modo de abordar estas matérias continua a ser iminentemente literário e argumentativo, com uma grande distância e desatenção em relação a factos e problemas que hoje exigem uma análise urgente.
Temos a orientação e a convicção fundamental de que não é a menor severidade das penas que é - para utilizar a linguagem de Montesquieu - a causa ou o factor principal de alguns desregramentos a que assistimos. Essa causa está, a nosso ver, bem como no de Montesquieu, na impunidade dos crimes. Temos insistido para o facto de que o excesso de expectativas de impunidade na sociedade portuguesa é o problema central a atacar. E aí há um aspecto fundamental que tem a ver com a eficácia e a prontidão da justiça criminal. Em relação a esta matéria V. Ex.ª iludiu os problemas fundamentais, que têm de ser enfrentados e explicados.
Passo a colocar-lhe uma séria de questões concretas sobre as quais gostaria de ouvir a sua opinião. E se porventura não for possível fazê-lo no dia de hoje o interes-

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se manter-se-á para que em próximas discussões - e algumas haverá, até por nossa iniciativa - se possa pronunciar sobre elas.
Primeira questão: o arquivamento de processos-crime, em Portugal, ascende a taxas inaceitáveis. Se tivermos presente o fenómeno, que os criminologistas sublinham, de que as próprias polícias muitas vezes desencorajam os participantes de apresentar as suas denúncias e se tivermos presente a taxa de participação - sobre a qual podemos depois trocar impressões - verificamos que, em Portugal, há anos em que 72% dos processos-crime são arquivados e comarcas onde cerca de 40% dos processos são arquivados sem qualquer diligência. Pelo menos em certas categorias de crimes isto é incontroverso 3 resulta de depoimentos unânimes, graves e concordes de magistrados. Como é que V. Ex." explica as percentagens de 72% de arquivamentos e que medidas tomou para combater esta situação que concorre anomalamente para a sensação de impunidade dos infractores?
Segunda questão: os estudos revelam que a fase de investigação dos crimes é hoje mais morosa do que Há uns atrás, a ponto de os ganhos estatísticos que V. Ex.ª sempre sublinha na fase de julgamento serem absorvidos pelo alongar da fase de investigação. É isto que consta de um estudo, que, por iniciativa de V. Ex.ª, podemos utilizar de há uns meses para cá no diagnóstico da justiça. Que medidas foram tomadas para enfrentar esta situação e que diagnóstico faz V. Ex.ª deste alongar da fase de investigação?
Terceira questão: para além do alongar da fase de investigação, verifica-se também, nos últimos anos, que nos processos-crime em que mais de cinco anos medeiam entre a data da prática do crime e a data do julgamento existe uma multiplicação mais do que superior ao crescimento do número de processos-crime. Em quatro anos, esses processos, que duram mais do que cinco anos entre o momento da prática do crime e o momento do julgamento, subiram mais de 50 %; passaram da casa dos 5000 processos para a casa dos 8000 processos, o que, em Portugal, e dado o número de julgamentos nesta matéria, é uma elevadíssima percentagem. Como explica isto, Sr. Ministro, e que medidas tomou?
Temos, depois, um outro traço alarmante na realidade portuguesa: em Portugal, o número de arguidos em processos-crime, com idades compreendidas entre os 1 e os 21 anos, triplicou em três anos, o que significa que há uma anomalia gravíssima nesta matéria.
Que diagnóstico faz V. Ex.ª desta matéria e, sobretudo, que medidas tomou?
Mas isto não se passa só em relação aos jovens! De uma forma geral, o início das carreiras delinquentes está a agravar-se em Portugal. Em quatro anos, verificamos que o número de arguidos condenados pela segunda vez sobe da casa dos 4000 para a dos 8000, o que representa um aumento da ordem dos 80%. Isto significa que há um conjunto de carreiras delinquentes que, segundo tudo indica, está a aumentar e a radicar-se na sociedade portuguesa! Que análise faz V. Ex.ª e que medidas tem tomado acerca desta progressão, que é extremamente preocupante?
Há um outro ponto que concorre enormemente para a sensação de impunidade. Como V. Ex.ª sabe, há anualmente inúmeros mandatos de captura que não são cumpridos, que há um saldo anual de mandatos de captura emanados dos tribunais que aumenta, que não são cumpridos.
Numa comarca obtivemos a informação, a partir de elementos de forças policiais da dependência do Sr. Ministro da Administração Interna, que, por ano, há um saldo líquido negativo de 800 mandatos de captura que não são cumpridos. Só numa comarca, Sr Ministro!... Isto significa que, neste aspecto, há uma situação altamente preocupante. Como é que V. Ex.ª diagnostica a situação de paralisia que existe neste domínio?
Mas, se ficarmos só na área estritamente judicial, temos, na sociedade portuguesa, um enorme número de pessoas que se subtraem, de maneira persistente, à justiça, e esse número vai aumentando. Está V. Ex.ª em condições de dizer qual o número de pessoas que, até ao momento, foram declaradas contumazes pelos tribunais? Pode a sociedade portuguesa saber não só o número de mandatos de captura que não foram efectivados como o número de pessoas declaradas contumazes que não chegaram a apresentar-se nos tribunais e que permanecem numa situação de fuga à acção da justiça ao longo destes anos?
Finalmente, passo a referir-me à amnistia, Sr Ministro. Não voltarei a debruçar-me sobre uma série de aspectos relativos a esta matéria que já nos ocupou no passado, mas quando foi aqui discutida a amnistia apelámos para que, no futuro, se fizesse um reexame muito sério que começasse por um inventário rigoroso dos efeitos desta amnistia.
Hoje estamos em condições - ou pensamos que o Ministério da Justiça estará - de demonstrar ao País o que é que resultou desta amnistia. Não podemos ver, sem consequências, as polícias que estão sob a dependência do Sr. Ministro da Administração Interna dizerem que a culpa do aumento da delinquência, da criminalidade, é das amnistias.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Não podemos admitir que isto continue, sem consequências! Portanto, o que queremos saber com rigor, Sr. Ministro, é quantos reclusos saíram das prisões por força desta amnistia e quantos perdões foram decretados em simultâneo, quantos desses reclusos já regressaram às prisões e que análise faz o Ministro da Justiça deste conjunto de consequências.
A este respeito, a decisão do Partido Socialista foi a de que não tomaria posição sobre essa amnistia sem ouvir primeiro o responsável da pasta da Justiça. E não tomaremos posição a favor de nenhuma amnistia se o responsável pela política da Justiça não nos disser que a sua política é consistente e compatível com uma amnistia desta natureza e que não vê inconveniente em que ela seja decretada.
Tomámos esta posição, expressa em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, e eu próprio disse - e faço questão de recordá-lo aqui -, no primeiro momento e perante a iniciativa do Sr. Presidente, que, pessoalmente, não sustentava nem apoiava a ideia de uma amnistia comemorativa. E porque a posição do meu partido veio a ser a de aderir a esta solução, com essa prévia condição, a de o titular da pasta esclarecer se, sim ou não, essa amnistia era aceitável e congruente do seu ponto de vista político, acho fundamental que o País saiba hoje quantos reclusos saíram, quantos regressaram e qual é a análise que, finalmente, o Ministério da Justiça faz desta matéria.
E se, como V. Ex.ª disse no princípio, o debate não oferece as condições para um esclarecimento cabal destes problemas e destes dados, que eu gostaria que V. Ex.ª confrontasse, estamos preparados para debatê-los numa próxima oportunidade, porque, Sr. Ministro, o País precisa menos de retórica e de literatura e precisa mais de enfrentamento dos problemas reais, com informações reais.

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Como última nota, digo-lhe que não é aceitável que recebamos relatórios de segurança interna que nada mais são do que colecções de textos elaborados por corporações sectoriais, que não têm nenhum dos indicadores relevantes de segurança. Não têm indicadores, por exemplo, sobre os mandatos de captura por cumprir...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua, porque já excedeu tudo quanto é permitido regimentalmente.

O Orador: - A terminar, Sr. Presidente, fica o apelo no sentido de que, em homenagem à seriedade das preocupações dos portugueses, discussões desta natureza se centrem mais nos problemas, mais nos factos, mais nos contornos reais do crime na sociedade portuguesa e menos em literatura e em raciocínios abstractos, que há décadas ouvimos mas que não têm chegado para confrontar o real aumento de expectativas de impunidade na sociedade portuguesa. E esse é o ponto, à luz de qualquer economia do crime.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei por responder aos pedidos de esclarecimento formulados pela Sr.ª Deputada Odete Santos.
Peço-lhe, Sr.ª Deputada - e sei que o fará- que tenha a maçada de ler depois, nas respectivas actas, o que eu disse relativamente ao agravamento das penas dos crimes contra as pessoas. Terá então a ocasião de verificar que eu não disse que tinha havido agravamento em todos os crimes contra as pessoas, mas sim que tinha havido agravamento em quase todos os crimes contra as pessoas.
V Ex.ª conhece bem o Código Penal, trabalhou nele arduamente, aqui, na Assembleia da República, e não tenho qualquer dúvida de que sabe qual a filosofia que lhe presidiu na generalidade e qual a bondade das opções legislativas que foram adoptadas.
Quando V. Ex.ª fala na actividade burocratizante da polícia, naquilo que considera ser a menor qualidade dos inquéritos preliminares e naquilo que acaba, como resultado final, por traduzir na existência de investigações coxas, V. Ex.ª está a referir um ponto que é hoje matéria discutida em toda a parte da Europa onde estas questões se colocam e onde, curiosamente, a tendência vai sendo não a de ter investigações preliminares menos coxas mas a de, pura e simplesmente, não ter investigações preliminares. Por isso, o caminho que esta Assembleia terá de seguir, certamente a breve trecho, será o de apreciar se queremos continuar a ser um sistema jurídico, que eu diria totalizante, no sentido positivo do termo, isto é, um sistema que assuma a capacidade de tratar exactamente com a mesma preocupação desde o mais pequeno facto criminoso até ao crime mais complexo, ou se, pelo contrário, queremos introduzir alterações legislativas de fundo nesta matéria, fazendo com que haja hoje, também do ponto de vista da investigação criminal e, portanto, do processo penal, um tratamento completamente diferenciado, permitindo, nomeadamente, o alargamento do processo sumário, como sabe sem investigação, a situações em que, com penas mais elevadas e sem que ele seja condicionado apenas pelo flagrante delito, alguém suspeito de ter cometido um crime possa ser levado a julgamento. Esta é a grande questão.
Neste momento, continuarmos a tentar que qualquer tipo de investigação preliminar tenha a mesma qualidade que um tipo de investigação criminal dirigida a um crime mais grave é negar a realidade, é adiar a solução, é continuar a não resolver o problema.
Julgo, por isso, que a questão hoje não é tanto a da existência ou não de mais ou menos actos burocratizantes, é antes uma opção de fundo sobre aquilo que nós queiramos que venha a ser o processo penal, que há-de publicar-se na sequência do conjunto das revisões legislativas que tivemos a ocasião de protagonizar.
Referiu também V. Ex.ª que há iniciativas legislativas por parte do grupo parlamentar do partido que representa no domínio da protecção às vítimas de crimes. E ainda bem que as há, porque aquilo que gostaria de relevar aqui, neste debate, era exactamente uma circunstância que tem sido pouco trazida à colação mas que, a meu ver, é fundamental.
Estamos próximos do termo de uma legislatura, e temos, com certeza, tendência, neste momento, para relevar mais aquilo que nos separa e nos divide, para afirmarmos até, diante dos portugueses, a autonomia política que, com certeza, nos distingue. Mas é bom que o não façamos, é bom que num certo desejo, legítimo, de consegui-lo, não criemos, junto da opinião pública, a ideia de que não há matérias relativamente às quais temos um consenso de intervenção e uma atitude que, justamente a partir desse consenso, nos permite devolver aos cidadãos - e em cidadania - as nossas opções legislativas.
Aquilo que, em princípio, me fez referir o que se passou em matéria de protecção às vítimas de crimes, o que se passou em matéria de lei de combate à droga, o que se passou em matéria de comissões de protecção de menores, foi que obtivemos aqui a unanimidade de todos os grupos parlamentares. E é bom, em nome daquilo que V. Ex.ª referiu sobre a prevenção geral positiva e, portanto, em nome da validade das leis, que os portugueses saibam que as leis estruturais e estruturantes do seu sistema penal, embora tenham sido propostas por este Governo e suportadas pelo partido que o apoia, colheram, na Assembleia da República, a unanimidade dos votos e é nessa unanimidade que elas vão encontrar a legitimidade para garantir a sua validade, não apenas jurídica mas também social e política. Foi sobretudo isso que eu quis relevar, era isso que gostaria de voltar a relevar aqui.
Falou V. Ex.ª na insegurança subjectiva, para dar menos importância à insegurança subjectiva e mais importância àquilo que disse ser o meu «canto de sereia».
Também o Sr. Deputado Alberto Costa, posteriormente - como, aliás, vem sendo recorrente nas suas intervenções -, referiu alguma coisa que não andaria longe disso Neste caso seria a atitude literária e argumentativa do Ministro da Justiça.
Devo dizer, Srs. Deputados, que tenho tanta confiança nas minhas convicções que não receio nada exprimi-las formalmente bem. Preocupar-me-ia se apenas a forma pautasse as minhas intervenções e se, sobretudo, ela servisse para esconder a ausência de convicções.
Justamente porque tenho convicções, justamente porque acredito nelas e justamente porque entendo que hoje, na vida política, em toda a parte, e particularmente em Portugal, é a definição da atitude e a afirmação da convicção que marcam a diferença é que fico feliz por ter alguma facilidade em fazer concordar os sujeitos com os

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predicados e estes com os complementos directos, mas devo dizer que não é a isso que atribuo a particular importância às intervenções que tenho o gosto e a honra de produzir, nomeadamente nesta Casa.
Sr.ª Deputada, não é o «canto de sereia» que pode resultar da minha intervenção que diminui o sentimento de insegurança subjectiva, porque os portugueses habituaram-se - e VV. Ex.ªs também - a que eu não escondo a realidade para sobre ela fazer construir uma qualquer ficção Sou, normalmente, o primeiro a enfrentar essa realidade, a reconhecê-la e, sobretudo, a responsabilizar-me por ela, quando ela tem que ver com áreas de tutelado ministério que eu tenho a honra de dirigir É exactamente em nome desse reconhecimento que, depois, mas não preocupo com a possibilidade de, sobre esse reconhecimento, poder desenvolver um discurso que eu gostaria que fosse interpelante de todos nós e não apenas capaz de manifestar alguma qualidade, mais ou menos estética, da expressão do Ministro da Justiça.
Disse o Sr. Deputado Raul Castro, repetindo os números que resultaram, repito, do inquérito levado a cabo pelo Ministério da Justiça, que 74% dos crimes não são participados e perguntou-me se daqui resulta uma manifestação de falta de confiança na administração da justiça.
Sr Deputado, não resulta, e não resulta do mesmo inquérito. Portanto, aquilo que peço - e suponho que tenho legitimidade para pedir- é que um inquérito aberto pelo Ministério da Justiça, proposto pelo Ministério da Justiça, divulgado pelo Ministério da Justiça, seja trabalhado no conjunto dos resultados e não apenas naquilo que parcialmente interessa a uns ou a outros. Nenhum de vocês me viu. em alguma circunstância, retirar daquele inquérito os resultados que favorecem as opções políticas do Governo e do Ministro da Justiça Todos me viram sempre trabalhar aquele inquérito dando igualdade de credibilidade a todos os dados Por exemplo, é nesse mesmo inquérito que, quando se põe a questão da despenalização do Consumo da droga, se diz que 78% dos portugueses são contra a despenalização do consumo de drogas leves e que só os restantes são a favor dessa despenalização; é nesse mesmo inquérito que se diz que 24% dos portugueses se sentem inseguros e que os restantes 76% se sentam seguros, é nesse inquérito que se diz que os problemas da desconfiança são menos importantes do que a constatação da não possibilidade de intervenção policial, o que é hoje normal em qualquer Estado democrático, que levou, por exemplo, países como os Estados Unidos a não fazerem com que a polícia intervenha em determinado tipo de crimes, naqueles em que a vítima não usou de todos os meios necessários para prevenir a própria prática do crime.
Nós estamos, como ainda há bem pouco disse o Sr. Deputado Adriano Moreira, numa sociedade em evolução complexa e rápida. E é conhecendo essa evolução complexa e rápida que nós temos de encontrar as solução, não ficando repousados sobre a resposta tradicional e exigindo à resposta tradicional que tenha uma eficácia absoluta, que nem os outros, os que já vão à nossa frente, nem uma resposta inovadora conseguiram ter até aqui.
Mas, se quiserem, não vamos então ao relatório levado a cabo pelo Ministério da Justiça, o qual é tão honesto que tem servido de base, exactamente, à política crítica da oposição. Vamos, então, para o estrangeiro, para fora de nós, vamos para o World Competitiveness Report, que nos diz que estamos em 12.º lugar entre os 42 países mais desenvolvidos em matéria de segurança; que, em matéria de confiança na administração da justiça, estamos em 20.º
lugar, à frente da Bélgica, do Luxemburgo, da Espanha, da Itália e da Grécia e imediatamente atrás dos Estados Unidos, que estão em 19.º lugar, e da França, em 18.º; e que em matéria de criminalidade violenta só temos à nossa frente, de entre 42, 4 países onde a criminalidade violenta é menor.
Perguntar-me-ão: esses dados correspondem à realidade subjectiva portuguesa? Provavelmente, não. Mas porque hão-de, então, responder os outros? Porque havemos de ter uma visão parcial, quando analisamos um problema, em relação ao qual o que nos determina é o encontro de soluções efectivas e eficazes e não o aproveitamento de dividendos político-partidários, tanto a nós como a vós, com certeza?
Diz V. Ex.ª que os crimes contra a propriedade, muitas vezes, são conectados com outros que têm a ver com violência sobre as pessoas. É evidente que sim. Quando há pouco referi que a maioria esmagadora dos crimes são contra a propriedade, não pretendi extrair daí qualquer conclusão em matéria de melhor ou pior segurança mas, sim, dizer que a insegurança existente, a qual, de alguma forma, tem aumentado, apesar de tudo, relaciona-se com uma criminalidade cujo valor ou bem jurídico atingido é primacialmente a propriedade e não a vida, a integridade física ou qualquer outro tipo de valores fundamentais, como a própria liberdade de determinação sexual, entre outros.
Portanto, temos uma criminalidade que gera insegurança, nos preocupa e deve determinar, como é óbvio, a intervenção de todos nós, mas estamos, felizmente e apesar de tudo isso, num contexto de insegurança que nos deixa ainda numa posição particularmente privilegiada, quando comparada, por exemplo, com o que se passa nos restantes países, de nós vizinhos, da União Europeia.
Sr. Deputado Alberto Costa, se me permite, antes de responder às questões que colocou, gostaria de fazer um comentário. Julgo ter interpretado bem a vossa intenção de pedirem a palavra para defesa da honra na sequência da minha intervenção. Por razões regimentais que desconheço, não foi possível isso acontecer, mas gostaria, se interpreto bem, de dizer a V. Ex.ª que sempre, desde o primeiro momento até ao último, tive e tenho o maior respeito, individual e global, pelos Srs. Deputados e por aqueles que são quer os meus companheiros quer os meus adversários políticos.
Ora, à minha afirmação de seriedade VV. Ex.ªs responderam com uma interjeição de boutade, dizendo «Ah!..», ao que respondi com outra boutade, dizendo que a prática, o treino da seriedade leva a essa mesma seriedade. Da vossa parte, tratou-se, julgo, de uma boutade, embora por interjeição, da minha, tratou-se, lenho a certeza, de uma boutade, que tinha a mesma intenção, o mesmo objectivo e o mesmo valor que a de VV. Ex.ªs.
Sr. Deputado, em nenhuma circunstância eu poria em causa a seriedade individual de qualquer um de vós. Quanto à seriedade política, esta nunca é julgada por um discurso individual e há sempre momentos próprios para que o povo português a julgue. Não estou a dizer que VV. Ex.ªs sejam mais ou menos do que nós mas apenas que não gostaria de me antecipar a esse juízo. Agora, afirmo que não disse nem fiz mais do que o que VV. Ex.ªs disseram, em termos de interjeição, e fizeram. Não me passou pela cabeça que estivessem a pôr em causa a minha seriedade e não pediria a palavra para defender a honra porque não acredito que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, de alguma forma, quisesse pôr em causa a honra do Ministro da Justiça. Do mesmo modo, gosta-

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ria que o Grupo Parlamentar do PS aceitasse que o Ministro da Justiça em nenhuma circunstância quereria pôr em causa a vossa honra.
Evidentemente que algumas questões colocadas pelo Sr. Deputado Alberto Costa terão resposta atempada, visto que, como é de calcular, o Ministro da Justiça não anda, a despeito da quantidade de papéis que trouxe para este debate, com toda a documentação matemática e aritmética para poder responder de pleno. Esse dados existem e terei todo o gosto em os enviar ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, inclusive para que, quando voltarmos a trazer aqui, ao que parece, o Código Penal, possamos estar em condições de também podermos discorrer sobre esses números Nessa altura, também terei ocasião de emitir a minha opinião, que vale o que vale, sobre o valor do pedido de ratificação de diploma que aprovou o Código Penal, numa fase em que o importante é afirmarmos a validade das leis não apenas quando elas já estão em vigor mas a partir do momento em que são publicadas.
Sr Deputado, gostaria também de passar pela atitude literária e argumentativa que referiu, embora não deixe de relevar o elogio, sempre positivo, vindo de um partido da oposição, mesmo quando incidente sobre um bem tão pouco valioso, e tentaria abordar o que V. Ex.ª considera ser, hoje, um dos problemas mais graves da sociedade portuguesa: a expectativa de impunidade.
Sr. Deputado, vivendo nós, hoje, como, aliás, ontem foi sobeja e repetidamente aqui dito, uma democracia de mediação, de mediatização ou de opinião, por vezes, a repetição sistemática de um determinado tipo de afirmações leva à constatação da sua verdade e à perversidade das expectativas. O facto de se repetir sistematicamente que existe na sociedade portuguesa uma expectativa de impunidade pode levar, na realidade, à ideia clara de que essa expectativa de impunidade existe. Pior do que isso não é o resultado negativo que ela provoca na potencial vítima do crime mas, sim, o resultado estimulante que ela pode provocar no potencial delinquente, o qual, sabendo que pessoas responsáveis, repetidamente e em público, vão afirmando a expectativa de impunidade, pode ter a tendência para acreditar e, por esta via, a levar ao aumento da prática de crimes, já que se gerou, junto do possível delinquente, a expectativa de que não será punido.
Sr Deputado, o nosso discurso político também deve ser, ele próprio, enquanto discurso, pautado por regras de prevenção geral e especial.

Risos do PS.

Muitas vezes, alguma menor reflexão sobre ele pode também estar na origem do aumento da criminalidade. Felizmente, entre nós pode originar apenas uma aumento da pequena e média criminalidade, o que não colocaria V. Ex.ª perante problemas graves de consciência.
Como dizia, eventualmente, existe alguma expectativa desse tipo, tal como em toda a parte. O que estamos a discutir aqui - V. Ex.ª sabe-o bem - não são matérias radicais de «sim» ou «não», de «tudo» ou «nada». O que temos de discutir é se estamos ou não dentro do domínio da percentagem tolerável de impunidade, que qualquer sociedade democrática moderna comporta. Com certeza, V. Ex.ª conhece - terei todo o gosto em lhos fazer chegar - os números relativos à Alemanha, à Holanda, a França, a Inglaterra, que não são diferentes dos relativos a Portugal. Temos é de compatibilizar esses números com o respectivo sistema jurídico.
O Sr. Deputado Alberto Costa sabe bem como vigora em França o princípio da oportunidade. Como é evidente, através do funcionamento do princípio de oportunidade, no sistema francês,...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Dizia eu que, no sistema francês, V. Ex.ª encontra taxas de impunidade aparentemente mais baixas do que as nossas. Porquê? Porque tudo se passa no domínio do gabinete interno do Ministério Público francês, onde se negoceia - no sentido positivo do termo, sem qualquer intenção pejorativa- o pagamento de pequenas multas, onde o arquivamento dos processos acontece justamente na sequência de uma concepção de princípio de oportunidade. Por exemplo, nos sistemas anglo-saxónicos, a natureza e o próprio tipo do crime são negociados com o delinquente. Ora, nós temos ainda, como há pouco tive ocasião de referir, um sistema jurídico-processual penal globalizante, que coloca a resposta do Estado face a toda a incapacidade de resposta do Estado, enquanto que nos outros regimes o Estado está sempre colocado perante a capacidade da resposta possível, já assumida no próprio sistema como possível.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Se não se importa, V. Ex.ª intervirá a seguir.
É justamente por isso que o número de arquivamentos de processos-crime, em Portugal, não tem uma expressão particularmente significativa quando comparado com o número de arquivamentos nos outros países europeus.
Por exemplo, sabe-se actualmente que o arquivamento de processos contra desconhecidos tem hoje muito a ver com novas tácticas e estratégias de investigação policial, não se seguindo já a linha da investigação de processo a processo mas, sim, uma forma moderna de investigação, em que se trabalham os processos no seu conjunto, valorizando a informação e permitindo que seja esclarecida uma série de crimes, através dessa estratégia moderna de intervenção.
O Sr. Deputado diz que a multiplicação dos processos-crime que duram mais de cinco anos, desde a investigação ao julgamento, foi de 50%, tendo-se passado de 5000 para 8000 processos - e, aqui, não será um aumento de 50%, pelo que os números são-me a favor -, por isso, pergunto-lhe: com que surpresa os portugueses não receberão esta informação?! Na verdade, há muito tempo que se diz aos portugueses que os processos, em Portugal, demoram mais de cinco anos e que é necessário esperar mais de cinco anos pelo funcionamento da justiça portuguesa. Afinal, mesmo com este aumento, são 8000 os processos que têm uma duração superior a cinco anos, o que significa, como V. Ex.ª sabe, uma percentagem inferior a 3% da globalidade dos processos!

O Sr. Alberto Costa (PS): - Está enganado, Sr. Ministro, são os processos em fase de julgamento!

O Orador: - Então, faça o favor de dizer.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Ministro, se me permite, esta percentagem é a que se aplica aos processos na fase de julgamento, por isso,...

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O Orador: - Qual percentagem? A que estou a referir ou a que V. Ex.ª referiu?

O Sr. Alberto Costa (PS): - A percentagem que V. Ex.ª...

O Orador: - A percentagem que refiro tem a ver com os processos em fase de julgamento.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Ministro, a percentagem que faz sentido referir, nesta matéria, é a reportada ao número de processos que são julgados, visto que estamos a contar com processos que correm desde a participação até ao julgamento. Portanto, não faz sentido calcular a percentagem em relação a um número de processos do qual cerca de 70%, no mínimo, como referi, «morre» na própria fase de inquérito.

O Orador: - Mas quantos processos são os 30% que vão a julgamento, Sr. Deputado?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Ministro, são algumas poucas dezenas de milhar de processos que são julgados em Portugal. Aliás, posso referir-lhe esses números dentro de poucos minutos. Esses números são espantosos, porque, como V. Ex.ª sabe, o número de processos...

O Sr. Presidente: - VV. Ex.ªs anarquizaram a distribuição do tempo.

Risos.

O Sr. Alberto Costa (PS): - ... que entra na fase de julgamento é muito superior àquele que termina por julgamento.

O Orador: - Sr. Deputado, suponho que dificilmente poderemos ultrapassar esta questão, sem confrontarmos os nossos números. Isto, por uma razão muito simples: é que V. Ex.ª vai dar-me o número dos processos que chegam a julgamento por ano, não é?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Ministro, vou dar-lhe o número dos processos que terminaram por julgamento, em 1993. Não chegam a 50000!

O Orador: - Não chegam a 50 000, como V. Ex.ª diz. Agradeço-lhe o número, porque é excelente.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Portanto, não são 3%, Sr. Ministro.

O Orador: - Damos de barato que possamos arredondar para 50 000 e eu dou-lhe de barato que 8000 sejam 10% de 50000. Vamos, pois, arredondar para 10%. Ora, se o Sr. Deputado me fala em 50 000 processos e me diz que eles demoram mais de cinco anos, V. Ex.ª tem de multiplicar 50 000 por cinco anos, porque o processo não Conta por um ano, mas pelos cinco anos que demora. Portanto, estamos a falar de 250 000 processos, que lhe dão uma margem de 5000 a 8000 com mais de cinco anos. Os portugueses vão ficar surpreendidos com isto, Sr. Deputado, e finalmente perceberão que são bastante menos do que eles pensavam os processos que demoram mais de cinco anos.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Não percebi, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Deputado, até lhe daria de barato que fosse só um ano. Aquilo que os portugueses têm ouvido dizer sobre o funcionamento da justiça, permite-me referir que, em 500000, 5000 demoram mais de cinco anos. Ora, os portugueses não acreditavam nisto, nunca acreditaram nisto! Julgavam que eram quase todos! Agora, acreditam! Ainda bem, Sr. Deputado E estou a dar-lhe de barato os números todos!

O Sr. Alberto Costa (PS). - Estão aqui todas as bagatelas!

O Sr. Presidente: - O tempo é que não está de barato, Sr. Ministro, já foi todo esgotado.

O Orador: - Agora, não quero extrair daí a conclusão de que a justiça já está bem. A única conclusão que extraio e repetidamente tenho vindo a referir - e continuo, porque é verdade - é a de que ela está e vai estando progressivamente melhor. Há muita coisa que ainda importa fazer, mas há avanços bastante significativos e muita coisa está melhor. Agradeço que V. Ex.ª tenha colocado a questão desse modo.
Quanto às outras questões - enfim, já fui interpelado várias vezes pela Mesa e não queria ser desagradável -, gostaria de responder-lhes, nomeadamente à do aumento da criminalidade entre os 16 e os 21 anos. V. Ex a fez a pergunta e sabe a resposta. Aqui estamos claramente no domínio da influência da toxicodependência. De facto, é nesta criminalidade, praticada por pessoas entre os 16 e os 21 anos, que a influência da toxicodependência é maior e é, pois, aqui que a questão concreta tem de ser colocada. Mas dificilmente tenho de dirigir-me ao PS para falar sobre esta matéria, porque não tenho qualquer dúvida de que este é um espaço de consenso alargado. Na realidade, não é metendo estas pessoas, de idades entre os 16 e 21 anos, nas cadeias que vamos resolver o problema desta pequena e média criminalidade por eles praticada em consequência da toxicodependência. São outros os caminhos e são esses os que temos vindo a percorrer.
Relativamente às outras questões que colocou, terei imenso gosto em enviar-lhe informação sobre elas, dizendo apenas que, relativamente à amnistia - e vou enviar-lhe os números e fazer o levantamento actual da situação -, o importante é - e, se posso fazer um apelo, com a importância que ele tem, fá-lo-ia aqui - não deixarmos que continue a laborar na cabeça das pessoas a enorme confusão entre o que é indulto, amnistia e perdão Isto faz parte da transparência, do dever de informação Os portugueses têm de saber que o indulto é uma coisa, a amnistia outra, e o perdão das penas uma outra. E é particularmente no domínio do perdão das penas que a questão mais grave deve colocar-se. Se também aqui pudermos estar de acordo - e creio bem que podemos -, com certeza daremos um passo decisivo, porventura numa qualquer próxima lei de amnistia,..

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP)- - Daqui a 20 anos!

O Orador: - .. para também junto dos cidadãos podermos, primeiro, esclarecê-los e, depois, convidá-los a fazer as suas opções.
Peço desculpa, Sr Presidente, por me ter alongado excessivamente.

O Sr. Presidente: - Quase esgotava o tempo do Governo, Sr. Ministro.

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Ainda há mais quatro pedidos de esclarecimento, que vão ser feitos de seguida.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, algumas das perguntas que queria fazer-lhe já o foram por outros colegas meus. No entanto, sobre aquela cifra negra, não podemos aceitar a sua explicação, porque no texto do Prof. Boaventura Sousa Santos, no volume de litigação penal, capitulo VI, a págs. 64, são claros os números...

O Sr. Ministro da Justiça: - É que esses números não têm a ver com o índice de criminalidade mas somente com o funcionamento!

O Orador: - Dizem respeito à não participação. Mas não vale a pena ler este texto, porque V. Ex.ª conhece-o.
Quanto à segunda questão, referida aqui constantemente por V. Ex.ª, relativa ao nosso sentido de voto aquando do pedido de autorização legislativa sobre o tráfico de droga, o Sr. Ministro deve estar lembrado que colocou aqui o problema de aumentar a pena em relação às associações de malfeitores, às associações de traficantes, e não ao traficante de rua, e aí estávamos, e estamos, de acordo. O problema é que, depois de feita esta lei, não apareceu rigorosamente nenhuma associação. V. Ex.ª pode dar-me o exemplo de alguma associação de narcotraficantes que tenha sido encontrada ou caçada pela Polícia Judiciária ou por qualquer autoridade do País? É que aquela lei está ainda sem objecto! E o que é que sucedeu? Sucedeu que, quem ficou mais aliviado, foi o traficante de rua, de retalho, o pequeno dealer, aquele que anda atrás dos meninos de escola, etc.! É isso o que estamos a dizer. Quer dizer, na prática, a moldura penal de aumentar a pena para o traficante ficou reduzida para o traficante retalhista, o pequeno traficante, e aumentou para o consumidor. Porque, se o que essa lei tinha em mente era atacar as associações de narcotraficantes, ela ficou sem efeito, já que não conseguimos «apanhar» nenhuma delas. É isso o que se passa na prática e daí o sentido do nosso voto. Portanto, V. Ex.ª não pode dizer que votámos unanimemente uma lei para diminuir a pena ao narcotraficante e aumentá-la ao consumidor. O que dizemos é que, na prática, essa lei conduziu a este resultado, porque não conseguimos encontrar qualquer associação de narcotraficantes, a quem o pedido de autorização legislativa se dirigia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, o meu pedido de esclarecimento é suscitado pelo facto de o Sr. Ministro afirmar - e já não é a primeira vez que o faz - que o PCP se absteve na chamada nova lei da droga por discordar da punição do consumo. Creio que essa afirmação não é rigorosa e gostaria de recolocar as coisas nos seus exactos termos.
É verdade que existem poucos registos acerca do debate relativo à lei da droga. Mas, isto, por razões evidentes: é que esse debate foi muito reduzido na Assembleia da República. De facto, foi debatido, na generalidade, numa sessão plenária em que se discutiram outras iniciativas legislativas, designadamente algumas do PCP, sobre esta matéria, mas, ao contrário do que propusemos, não se realizou qualquer processo de audições, em sede de comissão, sobre esta matéria, tendo sido votada aqui, na especialidade e em votação final global, em Plenário, poucos dias depois. Portanto, existe muito pouco acerca dos debates relativos à lei da droga. Devia ter havido mais, à semelhança, aliás, do que acontece com outros processos, designadamente o da revisão do Código Penal ou o da revisão do Código do Processo Civil, agora em curso. Em nosso entender, teria sido muito bom que, relativamente à lei da droga, o Governo e o PSD tivessem aceite um debate mais alargado, com a audição de várias entidades sobre esta matéria. Infelizmente, isso não aconteceu.
Agora, gostaria de recolocar a verdade das coisas. Efectivamente, o PCP suscitou a votação, na especialidade, em separado, de duas disposições da autorização legislativa, uma delas, porque discordávamos da sujeição a exame médico de um consumidor sem intervenção judicial - era uma discordância pontual, mas quisemos deixá-la clara-, e uma outra, relativamente à disposição punitiva do consumo, não pelo facto de se prever a punição do consumo com prisão até três meses, o que é a regra, mas por discordarmos da excepção à regra, isto é, de que o simples facto de um consumidor de droga deter determinada quantidade implique só por si a punição até um ano. Portanto, por discordarmos desta parte, desta presunção, digamos, abstivemo-nos aquando da votação desta disposição. Quanto à nossa abstenção em votação final global, fizemo-lo por considerar que o debate aqui travado era manifestamente insuficiente, até porque o Governo não deu a conhecer a esta Assembleia o decreto-lei que viria a ser autorizado.
Por outro lado, esta precisão suscita-me uma outra questão. Não vou dizer que os problemas do agravamento da toxicodependência e do tráfico de drogas decorrem da nova lei da droga, porque, em minha opinião, as causas desta situação são mais profundas. Agora, a verdade é que, mesmo as possibilidades positivas, em termos de reinserção social, que já existem desde 1983 e nem vêm nesta lei da droga, estão muito aquém daquilo que seria possível, pelo simples facto de não existirem estruturas de tratamento e de reinserção social. Creio que esta é uma questão que deve ser aqui suscitada. Como é que um delegado do Ministério Público ou um juiz podem, de facto, mesmo que seja essa a sua vontade, orientar um consumidor de drogas para uma solução de tratamento ou de reinserção social, quando todas as instituições que existem para esse efeito estão absolutamente superlotadas?
E, quando há uma real inacessibilidade dos toxicodependentes, na sua generalidade ou, pelo menos, na sua maioria, a soluções de possíveis tratamentos, aquilo que acontece, no nosso país, é que eles ou vão para uma interminável lista de espera de uma instituição pública ou, muitas vezes, é obrigado a sujeitar-se a instituições privadas, que garantem o sucesso absoluto dos tratamentos, mas que acabam por se traduzir, pura e simplesmente, na espoliação das famílias.
Portanto, esta situação tem de ser alterada para que possa ser invocada alguma eficácia na legislação sobre a droga. E o Governo, efectivamente, não tem tratado seriamente estas questões.
Sempre que o PCP aqui disse que havia um problema de articulação das forças de segurança no combate ao tráfico de droga, o Governo negou-o terminantemente, para vir, anos depois, reconhecer que afinal esse problema existia.

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Quando o PCP, repetidamente, aqui tem alertado para a insuficiências das instituições de tratamento e de reinserção social de toxicodependentes, o Governo nega essa necessidade e, no entanto, vamos vendo que, de ano para ano, ele vem prometendo que, daí a seis meses, teremos uma cobertura adequada do território nacional com instituições de tratamento. Já há vários meses que essa cobertura integral se faz daí a seis meses. Não sabemos por quantos anos mais é que esta situação se vai eternizar!
O Governo, em matéria de combate à droga, quando não sabe o que é que há-de fazer, anuncia medidas, e tem vindo a anunciá-las desde há muitos anos. Aliás, o Sr. Ministro Adjunto está aqui e é um verdadeiro especialista no anúncio de medidas de combate à droga, que, uns anos depois, vão sendo substituídas por outras, com resultados manifestamente insuficientes, como se tem visto até à data.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é evidente que o CDS-PP colocou esta interpelação ao Governo no campo que lhe convinha e de forma a que, ao mesmo tempo, possibilitasse ao PSD e ao Governo moverem-se mais à vontade, possivelmente, tentando dar nova vida à AD, esquecendo-se que; a pressão para o «bloco central» é muito grande.
E isto porque o CDS-PP, mostrando preocupação com a prevenção da criminalidade, deu o «pontapé de saída» exactamente para transformar este debate numa sessão de Altos Estudos Judiciários, favorecendo o Sr. Ministro da Justiça e o Governo.
Penso que isto é muito mau, porque aliena as responsabilidades reais do PSD e do Governo, está fora da realidade objectiva e estimula, do ponto de vista subjectivo, na população e nos cidadãos, um sentido de crime e castigo. Esta questão é crucial para mim e desresponsabiliza a política do Governo no campo social e económico e, por isso, penso que, num debate destes, devia estar aqui não o Sr. Ministro da Justiça mas, sim, o Sr. Primeiro-Ministro, e lamento que o PS também tenha entrado nesta onda.
É por isso que o Dr. Manuel Monteiro anda na rua a apelar para o aumento de penas e a estimular o debate se deve ou não haver pena de morte, porque isso está a ser estimulado por este tipo de debates e de abordagem da questão. Neste país, que aboliu a pena de morte há tantos anos, até já se debate a pena de morte na televisão. Porquê? Que pressão há para isso, a não ser a dos partidos políticos que querem fugir às responsabilidades sociais e colocar este grave problema ao nível do crime e castigo?
Quase que as próprias penas são a prevenção do crime! Isto é um absurdo, pois, para haver prevenção do crime, é preciso política económica e social.
Quero perguntar ao Sr. Ministro da Justiça quente é que contribui mais para o crime e para a droga, se é o garantia que anda num bairro qualquer a passar o pó ou o Ministro Mira Amaral, por exemplo, que, num outro dia, disse: «Empresários portugueses, vão investir para a Tunísia, porque lá a mão-de-obra é mais barata». Isto é estimular o quê? O desemprego e o desinvestimento. Como é que, depois, se podem queixar da Renault que quer ir para a Eslovénia, porque lá a mão-de-obra é mais barata?
Sr. Ministro, isto, no meu entender - e quero colocar-lhe esta questão - é, de facto, o cerne da questão. Se ficamos aqui a debater, como se estivéssemos no! Centro de Estudos Judiciários, o Sr. Ministro brilhará com certeza, mas não iremos ao cerne do problema e estamos a permitir que se vão criando na sociedade estímulos, actos e pressões para a rejeição do marginal, em vez de o recuperar, de impedir que haja marginalidade, de combater as questões económicas para as melhorar, e para a marginalização, nomeadamente dos imigrantes, estimulando a xenofobia e o racismo, discursos, aliás, que já aqui tivemos por parte do Governo, como o discurso, de que ninguém se esquece, do Sr. Ministro Dias Loureiro a propósito da legalização dos imigrantes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª faz uma referência ao crime de associação criminosa para tráfico de estupefacientes e, depois, tira uma conclusão que não deixa de ser curiosa. Compreendo qual é a intenção que V. Ex." atribui à sua intervenção, mas não deixa de ser curiosa.
V. Ex.ª diz «aumentamos a pena para abranger as associações criminosas», mas, depois, não aparece qualquer associação criminosa. E, a seguir, não percebo a conclusão que extrai, porque, levado às últimas consequências, por exemplo, devíamos descriminalizar o crime de traição à pátria, porque, nos últimos anos, não descobrimos qualquer traidor, e, todavia, o crime está previsto e a pena é grave. E está muito bem previsto, porque, se houver um crime de traição à pátria, obviamente que a pessoa deve ser julgada e severamente punida.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quando fizemos a lei, pensámos nisso!

O Orador: - Não, Sr. Deputado! O que fizemos - e bem! - foi pegar no tráfico de estupefacientes e dividi-lo em dois tipos de crime diferentes. Isto não é exactamente assim do ponto de vista técnico-jurídico, mas a posição que a lei considerava era a de que o tráfico abrangia não apenas o traficante individual mas também o traficante de grupo e caminhava para uma associação criminosa em situações excepcionais, que, praticamente, não aconteciam, e o que fizemos aqui, que foi compreendido e partilhado por todos, foi deixarmos no tráfico o tráfico individual, estendendo a pena de 4 a 15 anos, salvo erro, e elevar para 10 a 20 anos a pena relativa à associação criminosa, o que, nesta perspectiva, não acontecia na lei anterior.
Portanto, temos uma punição para o traficante individual, que, quando justifica uma punição maior, está envolvido, de certeza absoluta, numa realidade de associação criminosa, porque, hoje, não é possível que o tráfico de estupefacientes não passe, directa ou indirectamente, pela questão da associação criminosa.
Só que, agora, precisamos de dar algum tempo à própria lei. E porquê? Porque ela traz elementos que são essenciais para compreendermos uma visão global da lei. Pune os precursores, que não punia; pune o branqueamento do capital, que não punia, e, no fim de 1993, ano em que a lei entrou em vigor, começam a surgir as primeiras questões. Já avançámos com o diploma para a prevenção do branqueamento de capitais e vamos trazer à Assembleia, dentro de muito pouco tempo, o diploma que vem criminalizar o branqueamento de capitais relacionado com os outros crimes, como sejam a corrupção, actividades anti-económicas, tráfico de armas, terrorismo, etc.

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Ora, é a partir da implantação ou da aplicação no concreto de toda esta legislação que a situação da associação criminosa vai surgir de acesso mais fácil à investigação policial.
Portanto, Sr. Deputado, a lei é correcta, está certa. Felizmente que o CDS-PP votou a lei, porque se trata de uma boa lei. É evidente que aquilo de que ela pode ser censurada é de ser excessivamente boa para a totalidade dos meios existentes e, portanto, temos de ir mais longe na concessão desses meios e tornar mais operacional a própria lei.
Mas, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe que esta lei, que foi aprovada por unanimidade em votação final global, não nos faz mal algum e é considerada hoje, no Conselho da Europa, como uma lei de referência. Independentemente do benefício que o Governo e o Grupo Parlamentar do PSD extraiam desta iniciativa, é o País que extrai este benefício.
É bom que, no Conselho da Europa, no seio do Grupo Pompidou, a lei portuguesa seja considerada uma lei de referência. Porque é que, internamente, havemos de dizer que ela é uma lei escandalosa? Porque é que não havemos de perder algum tempo a permitir que se explique realmente o conteúdo da lei e que, na aplicação dela, possamos ir ganhando caminho?
Eu próprio, há algum tempo atrás, tive oportunidade de dizer que uma lei de combate à droga, com um qualquer ministro da justiça que esteja minimamente atento, é uma lei susceptível de revisão, porque, infelizmente, o problema da droga tem uma dinâmica tal que a estabilidade da lei, para ser real, tem de ser flexível, porque ela própria tem de acompanhar o problema. Porém, neste momento, não há qualquer motivo para a alterar.
Não se trata de uma lei que descriminaliza mas, sim, de uma lei que pune mais severamente. E a questão da diminuição de seis para quatro anos foi mais do que explicada, e V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar compreenderam-na perfeitamente e souberam que não se tratava, no concreto, de uma despenalização. Mais do que isso, tratava-se, embora paradoxalmente, de uma penalização, porque com uma pena de prisão de quatro anos as pessoas são mais condenadas do que se fosse de seis anos, o que, sendo uma pena excessiva, não era aplicada pelos tribunais, pois não correspondia à justiça do caso concreto.
Portanto, não aliviámos o pequeno traficante, o dealer. O traficante-consumidor tem a pena mais agravada, como tive ocasião de dizer há pouco. A pena passa de quatro para cinco anos no pequeno tráfico e de um para três anos no traficante-consumidor. Não houve, portanto, qualquer intenção de despenalização, não houve qualquer despenalização, houve, sim, uma harmonia mais global, tendo em conta que outro tipo de crimes iriam ser trazidos à colação e que nos dariam esta possibilidade. Logo, não há qualquer tipo de problema. E o Sr. Deputado - não é preciso que o Sr. Ministro da Justiça lho diga - votou esta lei.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não! Votei contra a associação de narcotraficantes!

O Orador: - E votou-a bem, pode estar tranquilo com o sentido do seu voto, os portugueses não deixarão de lho reconhecer no momento oportuno.
No que toca ao problema da associação, devo dizer que não podemos ver as leis por uma filosofia de mercado, não temos leis em função da oferta e da procura. Neste momento, ainda não temos procura da lei de associação criminosa, se calhar temos e o que não temos é hipótese de lhe chegar imediatamente. Mas o importante é termos a lei que os pune e que o faz severamente. E a primeira vez que detectarmos uma associação de criminosos já temos lei para a punir. V. Ex.ª, como jurista qualificado que é, sabe que se tivermos uma associação de criminosos mas se não tivermos uma lei que a puna não podemos punir, porque a lei tem de ser o primeiro passo. Neste momento, temos lei, pelo que, logo que apareça a primeira associação de criminosos, vai ver como valeu a pena tê-la votado.
Relativamente ao Sr. Deputado António Filipe, em primeiro lugar, diria que acho importante que V. Ex.ª tenha dito que o PCP não votou contra a punição do consumo. É bom que assim seja. Prefiro não ter razão nesse caso e ter essa afirmação do Partido Comunista Português. No fundo, o que acontece, como V. Ex.ª sabe, é que na discussão na especialidade o PCP votou contra o artigo que punia o consumo...

O Sr. António Filipe (PCP): - Não votou, não!

O Orador: - Aliás, absteve-se relativamente ao artigo que punia o consumo. É bom que agora tenha havido oportunidade de dizer que a posição do PCP também vem no sentido da punição do consumo, embora dentro da linha daquilo que também foi a nossa proposta nesse domínio.
Quanto às estruturas, Sr. Deputado, estaremos sempre, como é evidente, nesta matéria, confrontados com a escassez da resposta face às dimensões dos problemas. Isto acontece connosco e com qualquer governo, quer seja anterior ou futuro. O problema está em saber qual é a dimensão material da evolução. Posso dizer-lhe que, neste momento - e agora invado um pouco a área da responsabilidade do Sr. Ministro Adjunto, que é quem tem esta tutela -, temos instalados e a funcionar...

O Sr. António Filipe (PCP): - Nós, quem?!

O Orador: - ... 96 centros de atendimento de toxicodependentes, ou seja mais do que um por distrito. O que se pretendia e está em funcionamento, através do apoio do Projecto Vida e de uma série de protocolos de intervenção, é que houvesse um salto qualitativo, que se verificou, pois há cerca de dois anos havia apenas nove centros de atendimento Mas, mais do que isto, em matéria de camas, porque estamos a falar de tratamento e, portanto, não necessariamente de atendimento, o que tínhamos em 1993? Tínhamos 270 camas disponíveis. Em 1995, temos mais de 900 e teremos 1200 até ao fim do ano.
Não vamos concluir daqui que temos garantida a resposta à questão do tratamento da toxicodependência. Mais uma vez também aqui digo o que sempre disse: há ainda muito a fazer, temos de ir mais longe. No entanto, a diferença entre o que existia há pouco e o que existe agora é bem significativa da qualidade e da atenção que temos dedicado a esta matéria.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Mário Tomé, para terminar, devo dizer-lhe que fiquei um pouco com a sensação de que o seu pedido de esclarecimento não foi dirigido tanto ao Ministro mas, mais, ao Grupo Parlamentar do CDS-PP. Tenho imenso gosto em fazer de mediador, mas suponho que não há necessidade disso, porque foi compreendido. Há, todavia, algo que gostaria..

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Criminalidade económica!

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O Orador: - Quanto a isso, Sr. Deputado, como sabe - e a atenção que V. Ex.ª dedica a estas matérias leva-me a concluir que sim -, aquilo que a evolução da criminologia nos foi ensinando foi que hoje já não se fala de causas da criminalidade mas, sim, de factores de criminalidade. Hoje, volta-se outra vez a falar de causas, porque a droga assumiu um papel predominante como causa específica de um determinado tipo de criminalidade. Mas, normalmente, fala-se de factores para incluir um conjunto vasto de factores justificativos da criminalidade. Devo dizer-lhe, ainda que não vi qualquer estudo sério nem tratado que inclua o Ministro Mira Amaral como um dos factores da criminalidade. De modo que, como calcula, rejeito, por razões meramente científicas, a indicação de V. Ex.ª.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Talvez seja um ponto para discutir numa próxima oportunidade!

O Orador: - Mas já agora aproveito para lhe dizer que, felizmente, hoje, nas sociedades modernas e democraticamente evoluídas, a questão da nossa atitude, face a uma marginalidade injusta e a uma rejeição, já não. tem o monopólio de partidos de uma extrema esquerda. Hoje, felizmente, a atitude diante dos desafios das sociedades complexas é exactamente a capacidade de viver com as contradições dessa mesma sociedade. E, pela mínima parte, tenho imenso gosto em não precisar de aprender grande coisa - apesar de aprender sempre alguma coisa! - quanto ao discurso relativo aos excluídos e rejeitados, exactamente porque neste ponto há um discurso positivo a fazer, pois, ao contrário do que poderia parecer, nem sempre a vida política do partido que apoia o Governo e do Governo tem sido fácil nesta matéria. Isto porque não raras vezes se tem verificado que alguns dos que foram paladinos na defesa destes valores têm hoje uma certa dificuldade em continuar a afirmá-los com a mesma veemência. Este é um dos pontos onde a convicção e a afirmação das atitudes tem a dimensão da pessoa, e a pessoa é intemporal, não vale por esta ou por aquela conjuntura mas, sim, por aquilo que é uma atitude, ao longo da História, que define a posição de cada um de nós, face ao mundo e à vida. Nesta matéria, felizmente, Sr. Deputado, estamos bem situados para compreender o que é uma marginalização injusta e uma rejeição que não podemos aceitar.
Muito obrigado pelo seu pedido de esclarecimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental da defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim, dispondo para o efeito de três minutos.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, vai para duas horas que pedi a palavra para exerce a direito de defesa da honra e V. Ex.ª entendeu, na altura, no seu alto critério, não ma dever dar de imediato.
No entanto, chamo a atenção de V. Ex.ª para o facto de, por isto ter acontecido, ter permitido que o Sr. Ministro, no meio de uma intervenção, respondesse à minha defesa da honra, embora de forma tosca. Ora, perante isto, atrevo-me a solicitar a V Ex.ª que, quando o ofensor da honra for o Sr. Ministro da Justiça, dado que estes debates são sempre ocupados com horas em que o Sr. Ministro vem aqui repetir aquilo que já ouvimos há quatro anos,...

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - ... tendo em atenção este facto, seja mais parcimonioso na concessão do uso da palavra para exercer o direito de defesa da honra de imediato.
Posto isto, devo dizer que o Sr. Ministro teve uma intervenção que não se distinguiu em quase nada do que nos tem vindo a repetir aqui no Parlamento, salvo numa coisa: é que foi uma intervenção muito acalorada, mais acalorada do que o costume.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mais nervosa!

O Orador: - Suponho que tal facto se deve aos «seis meses», para que várias vezes o Sr. Ministro chamou a atenção, que nos separam do próximo acto eleitoral. Mas já não explica nem justifica que o Sr. Ministro esteja tão maniqueísta, tão maniqueísta - aliás, copiando o chefe do seu Governo, que distingue sempre entre os bons e os maus -, que se permita dizer, textualmente, o seguinte: «Não se escandalizem quando alguém, perante VV. Ex.ªs, assume posições de seriedade»
Ora, Sr. Ministro, em relação a esta sua frase, dirigida a todos os Deputados, penso eu - pelo menos aos da oposição -, mas que V. Ex.ª proferiu, olhando em especial para a nossa bancada, só lhe devo dizer o seguinte: devolvo à procedência, com os meus melhores cumprimentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, dispondo, para o efeito, de três minutos.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, dou explicações com a maior satisfação, porque, Sr. Deputado José Vera Jardim, devo dizer-lhe, não precisei de vir aqui aceitar, por devolução de V. Ex.ª , o facto de não me escandalizar quando alguém, perante mim, manifesta posições de seriedade. Convivo sempre bem com a seriedade e só me escandalizo quando alguém, perante mim, assume posições de falta de seriedade e não percebo, mas esse também não é problema meu, por que razão, quando eu digo que não se escandalizem se alguém assume, perante vós, uma posição de seriedade, o Partido Socialista pede a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada.
Ainda bem que a Mesa não permitiu que esse direito fosse exercido de imediato mas neste momento, depois de o ter esclarecido e de ter tomado perante o PS a posição que tomei sempre, de cidadão que está Ministro, embora o verbo «estar» crie alguma dificuldade porventura àqueles que preferiam «ser» na essência ministros. Mas um cidadão que está ministro não deixa de ser cidadão e foi justamente porque admiti que, involuntariamente, pudesse ter atingido a honra de VV. Ex.ªs que tomei a iniciativa de dizer que em nenhumas circunstâncias o queria fazer.
Estão, VV. Ex.ªs escandalizam-se quando alguém, diante de vós, toma posições de seriedade? Claro que não! Eu também não. Afinal de contas, estivemos a discutir aquilo que não tinha justificação para ser discutido.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Não foi isso!

O Orador: - Estou a dizer o que V. Ex.ª disse que eu disse, porque aquilo que V. Ex.ª disse que eu disse foi aquilo que V. Ex.ª achou que atingiria a vossa honra.
Não posso tomar a iniciativa de atingir a vossa honra por algo que VV. Ex.ªs acham que foi diferente daquilo

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que disseram que eu disse, tendo sido aquilo que disseram que eu disse o que acharam que atingia a honra de VV. Ex.ªs!

Aplausos do PSD.

É exactamente nesse pressuposto que estou a responder.
Contudo, parece-me importante e gostava de o reter - referir que não houve qualquer intenção da minha parte, independentemente daquilo que, em concreto, terei dito, de atingir a honra da bancada socialista, do mesmo modo que entendi não haver, da parte de VV. Ex.ªs, quando se escandalizaram, qualquer intenção de atingir a minha honra. Manifestaram uma atitude internacional quando eu disse estar numa posição de seriedade quanto a esta matéria e era isso o que estava em jogo: VV. Ex.ªs manifestaram-se e disse que não se deviam manifestar ou escandalizar quando alguém toma uma posição de seriedade.
Mas, afinal de contas, é bom que, perante os portugueses, possamos ter uma pequena oportunidade para demonstrar que é a seriedade que nos determina não só a nós como a VV. Ex.ªs. Ainda bem que é assim!

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, apenas pretendo anunciar à Câmara que, como pode constatar-se pelo quadro electrónico de registo dos tempos, o Governo esgotou o tempo de que dispunha para participar neste debate.

O Sr Narana Coissoró (CDS-PP): - O PSD pode ceder ao Governo alguns minutos.

O Orador: - Tenho muito gosto - como, aliás, sabem - em discutir neste Parlamento, com profundidade e seriedade, os problemas da segurança do nosso país, razão pela qual devo referir que aquilo que vinha hoje aqui dizer, complementado com a especificidade que o tema requer, será mencionado no debate que terá lugar para discussão do Relatório de Segurança Interna. Já combinei com o Sr. Presidente da 1.ª Comissão participar nos trabalhos respectivos em que começarei por fazer uma exposição sobre esse mesmo relatório a fim de agendarmos, de seguida, o debate que terá lugar em Plenário.
Serve esta interpelação à Mesa para orientar as intervenções que vão seguir-se e anunciar que intervirei aquando do debate do Relatório de Segurança Interna.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Administração Interna, a Câmara tomou nota do sentido da sua interpelação.
Para uma intervenção, por tempo não superior a 3,1 minutos, pois é o tempo de que o PCP dispõe, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No curto tempo de que ainda disponho, gostava de acrescentar algumas considerações, embora muito breves, necessariamente, às questões que colocámos em jeito de pedido de esclarecimento.
Os Ministérios da Justiça e da Administração Interna têm de entender-se pois as posições defendidas por cada um são antagónicas: a justiça é tardia, diz o Relatório de Segurança Interna; o Sr. Ministro da Justiça brande as taxas de redução da pendência dos processos crime, no que estão em contradição.
As leis da amnistia são apontadas no Relatório de Segurança Interna como causa do aumento da criminalidade; no entanto, o PSD aprovou essa lei e o Sr. Ministro da Justiça acabou de confessar que entendia a amnistia como uma forma de libertar as prisões da sobrelotação.
Gostava de recordar mais pormenorizadamente que o Grupo Parlamentar do PCP propôs que os perdões das penas abrangessem somente os pequenos crimes amnistiáveis, ou seja, aqueles que, por exemplo, dependessem, para ser amnistiados, do perdão de parte e não tivessem obtido esse perdão. Esta proposta não foi aceite por considerar-se restritiva mas, como é óbvio, não possibilitava a libertação de presos condenados.
De entre outras propostas apresentadas, algumas mereceram colhimento na lei de amnistia, restringindo o âmbito de aplicação dos perdões.
Uma das propostas a que o Sr. Ministro da Justiça hoje se referiu como se fosse da sua autoria foi apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP e pretendia que aqueles que já tinham beneficiado de perdão nalguma lei de amnistia anterior não beneficiassem dele na actual Ora, a nossa proposta não colheu o consenso necessário mas deve reconhecer-se que as restrições aos perdões que constam da lei final da amnistia tiveram origem em propostas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PCP.
O Ministro da Justiça e o Ministro da Administração Interna têm também de entender-se em relação à questão dos tribunais.
Os tribunais aplicam poucas vezes a medida da prisão preventiva? O Sr. Ministro da Administração Interna diz que sim, que tal acontece pouquíssimas vezes; quanto ao Sr. Ministro da Justiça, já por várias vezes o ouvimos queixar-se de que as prisões estão cheias de presos preventivos, censurando veladamente os juizes de não respeitarem o sentido constitucional da prisão preventiva, que deve ser a última ratio, e creio que, sobre isso, também têm de pôr-se de acordo.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr.ª Deputada

A Oradora: - Termino de seguida, Sr. Presidente.
Na verdade, o Relatório de Segurança Interna é como que um passar de culpas, abstraindo-se das questões de segurança, das que levam à insegurança, da falta de prevenção, do reflexo negativo da criação das super-esquadras, do desaparecimento da polícia das ruas.
Gostava de terminar pegando numa parte do Relatório, da responsabilidade da Polícia Judiciária, que cita Maurice Cresson, e remete para as questões que ele coloca para se averiguar o estado do aumento da criminalidade: a degradação da situação das famílias, sujeitas a tremendas pressões, é constante; os pais têm cada vez menos tempo para dedicar aos filhos e estão cada vez mais pressionados pela ameaça de um futuro incerto; nas escolas, não existe o clima necessário ao estudo por absoluto falhanço da política educativa; os imigrantes sentem os efeitos da xenofobia.
É de realçar que o próprio Relatório de Segurança Interna promove atitudes xenófobas ao acentuar a importância, no aumento da criminalidade, dos comportamentos de grupos africanos, afirmação, aliás, desmentida pelo Comando Distrital de Setúbal, e cito: «Não temos conhecimento de grupos ou de bandos desse tipo. O que há

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são jovens com comportamentos idênticos aos das claques à saída dos jogos de futebol».
Continuando, no entanto, e para terminar, de elencar as questões lançadas por Maurice Cresson, verificasse que aumentaram as seguranças privadas, que as cifra negras são enormes, que o Ministério Público e os tribunais não têm ao seu dispor os meios necessários ao combate à criminalidade e que aumentou significativamente o mercado de drogas ilícitas. Perante isto e a ineficácia do Governo, não há dúvida de que é urgente mudar de política!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Deputada Mana Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Começo por dizer que estou inteiramente de acordo com o teor da interpelação à Mesa produzida há pouco pelo Sr. Ministro da Administração Interna, na qual confessou não ter tempo para intervir hoje na parte do debate sobre segurança. Pena foi que o Sr. Ministro da Justiça tivesse monopolizado todo o tempo para debater apenas uma parte da segurança, não sei se a mais se a menos importante.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas esta é igualmente importante.
Não se compreende que, obviamente sem culpa do Sr. Ministro, que já se disponibilizou para voltar a esta sede tratar desta matéria, num debate desta importância, quer o partido interpelante quer o Governo não tivessem abordado a insegurança na escola nem a insegurança das nossas crianças.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Ministro, é muito importante que o País, o Governo e os órgãos de soberania comecem a compreender que, infelizmente, é na escola que muitas vezes tem início a «escola do crime». E se não começarmos a tomar medidas muito sérias e a debater muito serenamente todos estes problemas, sem demagogias e sem politiquices, qualquer dia teremos aí uma bola de neve que ninguém poderá controlar.
O que hoje se passa com as claques do futebol é fruto do que se passa à porta das escolas, ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - ... o que hoje se passa nas ruas, com os jovens a assaltarem as pessoas de terceira idade, é o que se passa à porta das escolas.
Sr. Ministro, os automóveis de grande cilindrada passeiam-se impunemente à porta das nossas escolas enquanto o agente da polícia, a autoridade de serviço às escolas, passeia para cá e para lá, mas está mais preocupado em repreender o menino que atirou uma pedra a um candeeiro - e é óbvio que isso é mau - do que em averiguar o que ali fazem aqueles automóveis durante manhãs e tardes inteiras, passeando rua acima rua abaixo.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Ministro, a convite dos conselhos directivos das escolas, especialmente do distrito do Porto, tenho participado em muitos debates sobre a segurança nas escolas e devo dizer-lhe que é preocupante ver que não há qualquer coordenação entre as direcções regionais do Ministério da Educação e os serviços de segurança do ministério que tutela.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - É mentira!

A Oradora: - É verdade, Sr. Ministro! Peco-lhe que não me desminta pois trazer-lhe-ei documentos comprovativos do que digo!
Há pouco tempo, estive na Escola C+S da Senhora da Hora, juntamente com o Comandante da GNR responsável por aquela zona, tendo verificado que ele estava completamente desfasado da realidade. E, Sr. Ministro, tive pena de ver o completo desfasamento dele sobre o que são na realidade os problemas de segurança numa escola, quer ao nível do trânsito quer ao da própria segurança das crianças!
Sr. Ministro, temos de olhar para estes problemas com muita seriedade, pondo de parte as questões eleitorais. Trata-se de problemas da segurança das nossas crianças e dos nossos jovens. E a questão da segurança para o futuro.
Assim, Sr. Ministro, repito que tenho muita pena de que hoje, nesta sede, que é o local ideal para debatermos esta questão, tanto o partido interpelante, o CDS-PP, como o próprio Governo não tivessem vindo debruçar-se sobre esta matéria. Sei que, provavelmente, o Sr. Ministro iria fazê-lo mas não teve tempo pois o Sr. Ministro da Justiça monopolizou todo o tempo disponível, não teve qualquer consideração para com esta área da segurança...

O Sr. José Magalhães (PS) - Nada!

A Oradora: - ... que considero da maior importância E, depois, queixa-se de que tem os jovens nas cadeias.. Tem porque a acção tem de começar na escola!
Sr. Ministro, quando a criança sai da escola e encontra na rua um polícia tem de ver nele um ser de apoio a si própria e não alguém de quem tem medo!
Termino dizendo que o Sr. Ministro certamente teve conhecimento de que, há pouco tempo, realizou-se nesta Casa um «Parlamento das Crianças», que teve lugar na Sala do Senado. Ora, uma das questões levantada pelas crianças foi a seguinte: «Por que razão na escola me ensinam a dizer que o polícia é um amigo meu enquanto, cá fora, ele me trata mal e me bate?» Este é o depoimento de uma criança que terei muito gosto em enviar ao Sr. Ministro.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, Exmos. Srs. Membros do Governo, Exmos. Srs. Deputados: Retenho, confessando que é dos primeiros ensinamentos que recordo do Prof. Doutor Castanheira Neves, a noção de que os normativos se criam no sentido de influenciar a sociedade, estimulando aquilo que é útil para ela própria ou punindo o que é nefasto para o seu desenvolvimento. Mas mais, numa outra frase, que a lei tem de saber acompanhar, tem de saber absorver, tem de se moldar às convicções, à

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sensibilidade, ao sentir e aos receios dessa mesma sociedade sob pena de se tornar desajustada, de se tornar despicienda, de se tornar iníqua, de gerar fenómenos de revolta e de, em último caso, pôr em causa os alicerces do Estado de direito.
Na questão que, hoje, o Partido Popular trouxe mais uma vez à discussão verificam-se, tal é a gravidade, as duas situações. Por um lado, a certeza de que o País deve prevenir a ocorrência de comportamentos - felizmente, podemos dizer, por enquanto, que não nos afectam mas com os quais a globalização nos coloca diariamente em contacto e não nos salvaguarda em definitivo -, como sejam o terrorismo, as manifestações de crime organizado e os fundamentalismos, entre outros, como o crime de branqueamento, ligado, em primeira linha, aos estupefacientes, que já nos afectam com a extensão que várias vezes já aqui foi referida. Aí estão comportamentos que interessa prevenir, que interessará perseguir severamente, em relação aos quais não se poderá descurar um milímetro que seja.
Por outro lado, há a consciência geral e indesmentível de que os portugueses vivem hoje em insegurança, de que temem pelos seus filhos que, na escola, são assediados por outros jovens e sofrem agressões físicas por intrusos nos estabelecimentos escolares, que relatam, pela enésima vez, casos de tráfico de droga, de que receiam pelos seus pais ou avós, os quais, obviamente, têm menos meios de reacção perante a violência, sendo, por isso mesmo, alvos preferenciais de marginais, alvos preferenciais de roubos, de agressões.
Esta insegurança é sentida pelos portugueses diariamente em relação à sua integridade física e à integridade dos seus bens. Esta insegurança é provocada, também, pela dúvida que diariamente sentem de não saber se irão encontrar a sua casa devassada, se irão encontrar o seu automóvel incendiado na manhã seguinte, e hesitam em sair de casa, vêem-se obrigados a alterar o seu modo de vida. A insegurança dos portugueses não pode diminuir quando, por esta ou aquela razão, correcta ou incorrectamente formada, alguma desconfiança e a lentidão da justiça se tornam parte do senso comum, não pode diminuir quando, directa ou indirectamente, lhes é dito, ou verificam, que o recurso aos meios que têm ao seu dispor poderá não lhes resolver o seu direito à justiça como, pelo contrário, ainda pode causar-lhes maior exposição à violência, não pode diminuir quando o agente da autoridade que recebe a sua queixa se encontra afogado em formalidades, em papéis, em trabalho de secretaria.
Os portugueses sentem angústia por não compreenderem a qualificação de «pequena criminalidade» dada aos roubos, aos assaltos de que são vítimas, por não entenderem o comportamento laxista, incompreensivelmente optimista e, mesmo, por vezes, permissivo por parte dos poderes públicos. Sentem insegurança quando verificam contradições no comportamento e no discurso de diversos agentes do próprio poder político relativamente às mesmíssimas matérias. Sentem insegurança, ainda, quando, sendo vítimas de um crime, descobrem pessoalmente aquilo de que já suspeitavam, ou seja, que a justiça é lenta, pouco eficaz e que entre o sofrimento provocado pelo crime e os incómodos inerentes à sua denúncia às autoridades e a efectiva condenação do criminoso medeia normalmente um lapso de tempo durante o qual é bem possível a promulgação de uma lei de amnistia e de perdões de pena, lei esta que o cidadão comum, as mais das vezes, não compreende, mas que suspeita - concedemos que talvez erradamente - ter por último objectivo esvaziar cadeias sobrelotadas e aliviar tribunais e juízos afogados em processos.
Todas estas situações que, hoje, aqui relatamos provocam essa sensação generalizada de insegurança, de medo, esse descrédito, sublinham essa lentidão, provocam uma desconfiança, de resto bem patente em inúmeros estudos já hoje aqui referidos.
A gravidade e o peso dramático dos números quanto ao aumento da criminalidade, das cifras negras que muitos tentam branquear, dos assaltos à mão armada, dos crimes relacionados com a toxicodependência estão devidamente escalpelizados e ressaltam claramente de sondagens publicadas, ressaltam de opiniões expressas nos órgãos de comunicação social.
Não se diga, portanto, que são os partidos da oposição, que é o Partido Popular que cria alarmismo, que faz demagogia, que deturpa números, que inventa insegurança, que imagina os receios e os temores dos portugueses. E exactamente o inverso. O Partido Popular dá hoje, aqui, voz ao sentimento generalizado dos portugueses.
Esse sentimento não é diminuído. Antes pelo contrário, diariamente, os portugueses assistem a novas formas de criminalidade: nas caixas multibanco ou com a ameaça de seringas infectadas. Diariamente, assistem a relatos de mais crimes, de maior ou menor gravidade, constatam a multiplicação das páginas de jornais relatando furtos, assaltos, violações, agressões e esse sentimento é reforçado. É reforçado com a sensação de que estão desprotegidos, em Lisboa, onde faltam 800 polícias, segundo se soube antes de uma conveniente «lei da rolha», no Porto, o que motivou posições públicas da edilidade.
Cada vez mais, essa sensação de desprotecção e insegurança alastra para pequenas cidades e vilas do interior, onde a tranquilidade foi substituída por ondas criminais, acompanhando, não por mera casualidade, o fenómeno da toxicodependência.
E o que vêem essas populações? A impotência das forças de segurança perante a disseminação de fenómenos da tal pequena criminalidade, em cada cidade, vila ou bairro. O que lhes é oferecido? O fecho de esquadras da PSP, fruto de uma reestruturação.
Convenhamos que as manifestações a que assistimos pela manutenção de efectivos policiais não são mais do que o descontentamento da população. Convenhamos que a organização de milícias, em Lagos ou Guimarães, não é mais do que o resultado dessa insegurança. Convenhamos que fenómenos de justiça popular, que cada vez mais se repetem, que alguns reclamam e que, cada vez mais, outros aplaudem, não podem deixar-nos impávidos.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Todos estes fenómenos - milícias, justiça popular, linchamentos - põem em causa o Estado de direito democrático, alertam-nos para a necessidade de encontrarmos respostas, dizem-nos que o caminho que tem vindo a ser traçado pelo Governo não é o correcto.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ontem mesmo, o Sr. Presidente da República alertou para novos perigos para a democracia. Um deles é, exactamente, o do avanço das ideias extremistas.
V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, é, convicta e coerentemente, um homem de esquerda. Como o Partido Popular já afirmou publicamente, «em toda a Europa democrática passou-se o mesmo fenómeno: quando a esquerda gover-

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nou o Estado não cumpriu a função de justiça, a utopia descambou em desordem e a extrema direita avançou; foi sempre a direita democrática que, ao fazer políticas realistas, reabilitando a Justiça como função do Estado e adequando as leis às sociedades, foi capaz de travar, claramente, o avanço de ideias extremistas».

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É isso que pretendemos: restabelecer a confiança na justiça como função do Estado, adequar a lei às necessidades da nossa sociedade e travar o avanço das ideias extremistas, cuja primeira e mais perigosa manifestação no nosso país tem sido a defesa da acção directa e da «justiça popular». Fazemo-lo com a certeza de que «a liberdade e segurança não são valores contraditórios», de que, «quando uma boa parte dos portugueses tem medo crescente de sair à rua, isso significa que uma boa parte dos portugueses não é livre», de que «quando a violência ataca os cidadãos é a liberdade dos cidadãos que deve ser protegida» e de que «dar mais segurança a todos significa defender a liberdade de cada um».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por findo o debate propriamente dito, pelo que passamos à fase de encerramento desta interpelação ao Governo.
Nos termos do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado do grupo parlamentar interpelante, Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao interpelar o Governo sobre política de segurança e criminalidade estava o Grupo Parlamentar do Partido Popular consciente que corria dois riscos: por um lado, o da tentação da demagogia fácil, da exploração eleitoral dos sentimentos de medo e do catastrofismo simplista na descrição da situação existente, e, por outro lado, o de enfrentarmos a auto-satisfação governamental, a frequente suficiência dos seus ministros, a sua habitual cegueira que os impede de reconhecer a dimensão dos problemas e a necessidade de soluções diferentes.
Ao encerrar este debate podemos dizer que tudo fizemos para evitar o primeiro risco e que nada pudemos fazer para evitar o segundo.
Se em consequência da inflexibilidade governamental se puder vir a afirmar que a nossa iniciativa não produziu alterações na política governamental, não poderá, em todo o caso, dizer-se que o Partido Popular não cumpriu o seu dever de partido de oposição e não acompanhou as suas críticas de propostas e de soluções. Poderá dizer-se, porque é verdade, que às críticas o Governo não quis ou não soube responder. E sobre o destino das propostas, pela recusa sistemática que encontraram, os portugueses só podem temer.
Em matéria de segurança, é inegável que existe uma alteração psicológica crescente na população portuguesa. Não poderá dizer-se que o sentimento de insegurança, a que o Ministro da Justiça chamou «insegurança subjectiva», é simplesmente o produto da mediatização da violência e da exploração sensacionalista do crime.
A sistemática abertura dos telejornais da RTP, com o espectáculo de crimes, mortes e atentados, pode originar reflexões sobre as novas formas de competição entre canais televisivos, mas não chega para explicar a alteração de comportamentos dos portugueses nos grandes meios urbanos, designadamente o receio de andar pela rua em determinados locais e em determinados períodos, a sua recusa em utilizar as caixas multibanco nas horas do dia em que é suposto elas serem úteis, a sua preocupação com a saída dos filhos fora de casa e com o que lhes pode acontecer quando estão na escola, a ocorrência de actos de linchamento de criminosos em flagrante delito e a organização de milícias de segurança privadas.
O problema não é uma simples questão dos media e não é, portanto, uma questão resolúvel por via da propaganda ou do discurso. De facto, há um crescimento efectivo em número e violência da criminalidade de rua, a chamada pequena criminalidade, nas áreas urbanas de Lisboa e Porto, com perigosas contaminações dos pequenos centros e um crescimento descontrolado do tráfico e consumo de estupefacientes, em que uma juventude desprotegida é, simultaneamente, vítima de um crime repugnante e agente, por necessidade e dependência, de outro tipo de crimes, num processo degenerativo do tecido social que não pára de se estender e a que urge pôr travão.
De facto, há uma preocupante falta de meios e efectivos no nosso sistema de policiamento, obrigando a reformas que mais não são do que tentativas de racionalizar meios demasiados escassos, bem como uma descoordenação entre as polícias e entre estas e a investigação criminal e os tribunais, com sabidos prejuízos no despiste e desencorajamento dos crimes a partir dos poucos que são efectivamente participados. Há também uma descrença na justiça em muitos cidadãos, que deixaram de acreditar na sua capacidade em punir eficazmente os criminosos, e um crescente sentimento de impunidade, com perigosas consequências no aumento sensível da criminalidade e da insegurança.
Se estes factos são indesmentíveis o Governo só pode ter um caminho: o de identificar as causas e procurar outros métodos e soluções alternativas. É o que o Partido Popular procura pela sua parte fazer.
Fazemo-lo de uma forma que julgamos responsável, sem mobilizar antipatias estéreis contra as forças de segurança, sem desculpabilizar e relativizar o crime com a exclusiva explicação em causas sócio-económicas ou pela dinâmica internacional, não esquecendo, contudo, motivações e enquadramento económicos e sociais do crime, inerentes à degradação geral da situação no nosso país, e, sobretudo, sem contemplações para com as falhas gritantes na política específica de combate ao crime e insegurança nas vertentes da administração da justiça e da administração das forças policiais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurando contrariar a visão simplista de que mais segurança implica apenas mais polícia, orientámos as nossas propostas para a prevenção.
O aumento das penas e a reforma do Código do Processo Penal no sentido que propomos tem em vista, principalmente, as funções de prevenção geral e especial das sanções penais, que manifestamente não estão a ser satisfatoriamente preenchidas. Não se trata, portanto, de explorar sentimentos de vingança ou de acentuar os fins sancionatórios da pena. Constatamos, simplesmente, que o criminoso teme cada vez menos a prisão, espera em seu lugar a multa ou a liberdade condicionai em pouco tempo e é, consequentemente, pouco ou nada desencorajado da prática de novos crimes.
As alterações ao sistema prisional que pretendemos destinam-se, precisamente, a evitar que as prisões funcionem como escola de novos criminosos, a partir dos deti-

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dos preventivamente e dos detidos por consumo de estupefacientes, vendo neste último caso um campo para, a par da privação de liberdade, o exercício das medidas de reinserção e até de ajuda ao despiste e desencorajamento do próprio tráfico.
O combate ao tráfico de estupefacientes é, aliás, a área em que a acção governamental mais razões de preocupação transmite. É patente que a política em prática tem sido a de não dar prioridade à perseguição às redes de distribuição dita «retalhista» dos estupefacientes, esquecendo que elas funcionam como as promotoras dos novos consumidores e são, em consequência, as directas responsáveis pelo alastrar deste fenómeno terrível.
Ora, sendo certo que esse combate nunca pode ser ganho, na medida em que essas redes não podem ser totalmente eliminadas, é também seguro que essa guerra sem fim nunca pode ser abandonada, sob pena de permitir imediatamente, como se tem visto, o crescimento e expansão das ditas redes de tráfico para novas áreas - que em Portugal são já os pequenos centros urbanos até no mais remoto interior - e para novas camadas sociais e etárias, que são já os muitos jovens e os trabalhadores.
Também aqui se pode ver a nossa preocupação em atalhar a pequena criminalidade a montante, nas suas causas, numa política de soluções combinadas de aplicação continuada e concertada.
A capacidade do nosso sistema policial em desenvolver este trabalho está, como é há muito sabido, seriamente afectada pela descoordenação das diversas polícias e pela sua impreparação em desenvolver em paralelo as investigações correspondentes. A Polícia Judiciária, a quem está legalmente entregue a actividade de investigação criminal, viu - sem que até hoje se saiba porquê - dissolvido o seu departamento específico, a Direcção de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, DECITE, e o respectivo pessoal repartido por outras direcções. Falta informação centralizada e a coordenação com a PSP fica a cargo das Brigadas Mistas recentemente criadas, mas a que continua a faltar a preparação própria para conduzir com sucesso este tipo de investigação.
Em resumo, a política do Governo neste domínio aponta para as grandes apreensões, de resultado efectivo duvidoso e de efeito espectacular e político conhecido, em prejuízo de um trabalho continuado e bem preparado de desencorajamento e despistagem do tráfico e consumo de estupefacientes.
O resultado é sabido: o aumento do consumo, o aumento da criminalidade associada. Nem assim foi até hoje anunciada uma mudança efectiva nas opções, nem sequer se soube até hoje que o Governo admite este tipo de diagnóstico ou efectua outro semelhante.
Sr Presidente, Srs. Deputados: Criminalidade e segurança não são temas à volta dos quais a sociedade portuguesa se deva dividir. Com esta interpelação o Partido Popular não procura ganhar o trofeu de campeão na luta contra a insegurança, pois não procuramos demonstrar que o Governo tudo faz mal onde nós só faríamos bem e não avançamos com propostas apenas para sublinhar a nossa diferença com o PSD - que, aliás, se guardou de intervir neste debate e foi apenas a reboque da argumentação governamental - ou para nos distanciarmos do actual estado de coisas.
Ao contrário, esperamos ser ouvidos e julgamos que a nossa contribuição virá a ser útil. Não feche o Governo ouvidos ao que propomos nem encare esta iniciativa como mais uma oportunidade para proclamar a boa governação.
porque esta é uma área onde todos sabem que tem andado mal.
A segurança e a justiça são para nós, seguramente também para o Governo e para os restantes partidos, uma área de actuação primordial do Estado E para ela, mesmo os partidos mais preocupados com a diminuição geral das despesas, como o Partido Popular, propõem e propuseram no Orçamento do Estado a dotação de meios suficientes. Não podem, portanto, ser encontradas razões para o fracasso, nem sequer na falta de consenso necessário para se fazerem as despesas que se impõem.
Com as nossas diferenças, denúncias e críticas, mas também com as nossas propostas, demos o nosso contributo e criámos mais uma oportunidade para o Governo. Se o Governo lhe quiser dar mais proveito do que lhe deu neste debate, tal só virá a benefício dos portugueses, da sua segurança e da sua liberdade.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro da Justiça para, nos termos regimentais, encerrar o debate, quero informar os Srs. Deputados de que se encontram na tribuna do corpo diplomático o Sr. Ministro dos Assuntos Provinciais e do Desenvolvimento Constitucional da África do Sul, acompanhado do Sr. Vice-Presidente da Assembleia Constituinte e de outras personalidades parlamentares e da Administração Pública da África do Sul, país com o qual temos as melhores relações.
Em nome da Câmara, apresento-lhes os nossos cumprimentos.

Aplausos gerais, de pé.

Para fazer a intervenção de encerramento do debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estranharam alguns que, num debate sobre segurança e criminalidade, as circunstâncias tivessem conduzido a que apenas o Ministro da Justiça tivesse intervindo por parte do Governo. Isso significa apenas que a preocupação que também partilhamos sobre essas matérias não nos leva a utilizar a rápida possibilidade de esgotar o tempo para fugirmos às questões e escamotearmos as respostas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro da Administração Interna teve ocasião de dizer que virá aqui brevemente para, numa intervenção mais específica em matéria de segurança, se dispor, ele também, a responder às vossas questões; não teve o Ministro da Justiça a tentação de, esgotando rapidamente o tempo, fugir a muitas outras que lhe quisessem colocar.
Os governos são mais legítimos quando não fogem dos problemas e esta Câmara, tantas vezes ligeira a acusar o Governo de não vir cá, não deixou, hoje, de insinuar a acusação contrária, porque o mesmo membro do Governo terá permanecido tempo demais.
Não me preocupa o tempo que tenho de gastar. Na Assembleia da República um democrata não gasta tempo e, relativamente às questões que quiserem colocar, os membros do Governo terão sempre o tempo necessário para poder responder a todas.

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Pela minha parte, ainda bem que fiquei, porque, tendo ouvido as duas últimas intervenções do partido interpelante, mais seguro estou de que terá valido a pena o sentido da minha primeira intervenção.
Não quero intrometer-me na vida interna de qualquer partido, porque entendo, obviamente, que não o devo fazer, e, por isso, não vou sublinhar a diferença que, todavia, particularmente, me agrada, porque abona de forma clara a favor de um homem por quem me habituei a cultivar uma relação de respeito, o Deputado Narana Coissoró. É que as duas últimas intervenções do CDS-PP são exactamente aquilo que, desde o início, temia que tivesse sido esta interpelação. E pergunto a mim próprio: como é possível que, diante da inteligência dos portugueses e perante esta Câmara, sem definir os aspectos relativos da afirmação, sem dar conta da excepcionalidade dos casos que se apresentam como exemplo, se seja capaz de transmitir a ideia de que vivemos num país onde a população se organiza em milícias, onde a justiça popular campeia e onde os linchamentos vão acontecendo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Situações isoladas deste tipo sempre ocorreram, qualquer de nós que tenha vivido a administração da justiça em Portugal sabe-o bem, e é inadmissível, do ponto de vista moral, pretender dar, publicamente, a ideia de que há uma intervenção generalizada de milícias, de justiça popular ou de linchamentos. Isto é pura demagogia! Isto é total desrespeito pela seriedade e dignidade dos portugueses! A esta interpelação recuso-me, pura e simplesmente, a responder!

Aplausos do PSD.

Nenhum Governo sério, seja de esquerda ou de direita, vira as «costas» às questões de segurança, até, se fosse caso disso, por razões estritamente políticas, porque estamos numa área importante do ponto de vista da credibilidade. E, por esta razão, também não é sério que se deixe nascer a ideia de que o Governo não tem políticas para a segurança, não se preocupa com a criminalidade e não tem estratégias definidas para a combater.
Nestes termos, tive ocasião de chamar a atenção, tranquila e serenamente - e não nervosamente, como pretendeu ser sugerido -, que, para todas as medidas estruturais e estruturantes no domínio da política criminal, o Governo veio à Assembleia da República e, na generalidade dos casos, colheu a votação unânime desta Câmara, incluindo a do CDS-Partido Popular. Isso significa que existe uma política que foi definida, que fez o diagnóstico e que encontrou caminhos para responder aos problemas que já se conheciam e que se adivinhavam. Essa política foi partilhada por todos, nuns casos mais evidentemente, noutros com discordâncias democráticas sempre legítimas e desejáveis.
A discordância verificou-se particularmente no domínio do Código Penal, mas não há qualquer dúvida de que se o Partido Socialista e o Partido Comunista se alhearam finalmente da votação positiva o fizeram por razões excepcionais e pontuais, tendo eles mesmo dito aqui que, na globalidade, aprovavam o Código, como o fizeram na generalidade, apenas o CDS-Partido Popular se distanciou, prosseguindo num discurso que ainda hoje repete, embora confrontado com a falsidade do mesmo.
Ora, Srs. Deputados, se eu disse aqui, de uma forma que não era minimamente injuriosa, que o CDS-Partido Popular não dizia a verdade ao afirmar que, desde o início, a pena de prisão proposta como limite máximo era de 20 anos e que só na parte final passou a ser de 25, neste momento, o facto de persistirem nessa afirmação permite-me dizer, conscientemente, que isso é mentira.
Mais: o Partido Popular continua a fazer um discurso que não é tecnicamente correcto nem politicamente acertado relativamente à alternativa de multa. Para jogar no espírito daqueles que sobre esta matéria não têm inteira informação a ideia de que a pena de multa é uma pena menor e sem importância e serve apenas para não ocupar as prisões o Partido Popular, das duas uma, ou, mais uma vez - como, aliás, vem repetidamente demonstrando -, não conhece a matéria e, portanto, não sabe exactamente daquilo que está a falar, o que é grave, ou conhece a matéria e sabe do que está a falar, o que é mais grave ainda.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Esse é que é o grande mal!

O Orador: - É que é fácil lidar com cidadãos que, desconhecedores destes temas - não têm de ser conhecedores -, se vêem perante a insegurança real que os perturba e o discurso da insegurança que alimenta essa perturbação. É fácil utilizar a sua fragilidade, a sua insegurança e fazer sobre eles o discurso que os diminui na inteligência e na capacidade de crítica, que apenas pretende estimular uma resposta instintiva levada pela emoção tantas vezes má conselheira.
Só que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, isto é não conhecer os portugueses. Quem conhece os portugueses sabe bem que eles são imediatamente capazes de reagir pela emoção, que são autênticos, que têm instinto verdadeiro que os determina no comportamento, mas que, daí a pouco, criteriosos como são, racionalistas como são capazes de ser, distinguem bem aqueles que, no momento da tragédia, eram capazes de lhes falar ao sentimento, sim, mas também à razão. E percebem que são aqueles que no momento difícil não abandonaram a razão e que em nenhuma circunstância deixaram de apelar à sua inteligência os que lhes dão segurança e que lhes falam verdade, os que em cada momento lhes falam da mesma maneira e não ao sabor das circunstâncias ou ao sabor de meras conjunturas, muitas vezes mais ficcionadas do que reais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal tem obviamente problemas de segurança e problemas de criminalidade.
E é interessante verificar como seria fácil, embora porventura demagógico, trazer aqui comparações com o atentado de Oklahoma, com o atentado de Espanha, com o que acontece em Itália, com o que se passa em Nápoles, com a vida difícil na Inglaterra ou com os atentados na Alemanha. Será fácil fazê-lo e perguntar: e Portugal? Porque não? Seria fácil dizer que a primeira prioridade da política do Governo foi o combate à criminalidade violenta - não temos criminalidade em Portugal - e pretender dizer também que tinha sido por acção do Governo que essa criminalidade violenta não existia.
Mas não: ela não existe, porque Portugal é um país tolerante, um país de gente que sabe quais são os limites da intervenção, porque Portugal sempre soube conviver com uma pequena e uma média criminalidade, sempre inferior à pequena e à média criminalidade europeia, numa atitude social de integração, de compreensão dos homens

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pelos homens e de verdadeira solidariedade activa. É em nome do povo português, em nome das suas qualidades e das suas virtudes que não temos a mesma violência grave que hoje assola grande parte dos países da Europa. Mas é também em nome de uma Polícia Judiciária que combateu neste país o terrorismo quando havia terrorismo em Portugal, que erradicou o terrorismo de Portugal e que deu aos portugueses a garantia de que a criminalidade violenta tem em Portugal estruturas capazes, seriamente montadas e com meios disponíveis para a poder combater.
Portugal é, por isso, ao nível da criminalidade mais preocupante, um dos países mais seguros do mundo. Negá-lo, é negar a evidência! Negá-lo, é retirar credibilidade àqueles que fazem da insegurança sobre a pequena e a média criminalidade uma atitude séria de aproximação às soluções.
É vem-se aqui dizer que a DCITE da Polícia Judiciária foi desmantelada! Mas quando? Como? Quem disse isto? Então, a Direcção-Central de Investigação e Tráfico de Estupefacientes foi desmantelada?! Quem deu esta informação? Mais uma vez, o partido interpelante ouve de um lado e debita do outro. Vale a pena confrontar, vale a pena saber, vale a pena conhecer aquilo de que se fala, Srs. Deputados.
Por outro lado, diminuiu-se a importância das grandes apreensões de droga, dizendo que o importante é combater o pequeno tráfico e que as grandes apreensões são de resultado duvidoso. Mas, afinal, Srs. Deputados, do que é que estamos a falar? Será que devo, então, compreender que VV. Ex.ªs estiveram contra a lei da corrupção, como estão contra as grandes apreensões, como certamente estarão contra o branqueamento de capitais? Isto é: VV. Ex.ªs estão a favor de alguém que determine uma política de favor, alguém que leva um partido a dizer que as grandes apreensões de droga são de resultado duvidoso?!
Srs. Deputados, devo dizer que me é reconhecida alguma imaginação, mas nunca tanta que permita compreender este tipo de afirmação. Então, é o pequeno, o pobre jovem, o dealer, aquele que muitas vezes trafica porque ele próprio é vítima do consumo, um toxicodependente a precisar de tratamento, é esse que vai para a cadeia?! É esse que tem de ser imediatamente preso?! É esse que está na mira das vossas prioridades?!
Então, o grande traficante, a associação criminosa e as grandes apreensões são de resultado duvidoso, Srs. Deputados?!...
Ainda bem que VV. Ex.ªs tiveram esta última intervenção, ainda bem que assim foi, porque percebemos bem o sentido da interpelação, percebemos bem aquilo que determina a intervenção não do vosso partido, com certeza, mas de alguns dos que por ele falam, que, no fundo, definem os factos, marcam a decisão, dão a sentença e atribuem a cada um de nós apodos que não têm qualquer legitimidade para atribuir.
Fui criticado pelo CDS-PP por ser um homem de esquerda. Não sei até que ponto o CDS-PP, depois de mandar grande parte dos portugueses para a cadeia, não começa agora a perseguir aqueles que se situam - aparentemente para ele - numa área diferente do seu pensamento ideológico.
Devo dizer, na primeira vez que tenho o gosto de me poder dirigir, pessoalmente, a V. Ex.ª, que é tão legítimo o Sr. Deputado dizer que sou um homem de esquerda como seria legítimo, para mim, dizer que V. Ex.ª é um homem de extrema direita. E não o digo!

Aplausos do PSD

Não o digo por uma razão muito simples: é que conheço, com certeza, tão pouco de V. Ex.ª como V. Ex.ª conhece de mim! E não faço caracterizações de pessoas que não conheço e muito menos caracterizações que diminuam as pessoas que tenho o gosto de conhecer!
Tenho na vida, e sempre tive, uma atitude face aos valores, determinei-me sempre por valores que são essenciais; tenho e sempre tive convicções que são conhecidas; tenho uma atitude que aponta para a afirmação do indivíduo enquanto tal, para o ganho positivo da solidariedade activa enquanto tal; pauto-me por valores e por convicções. Tanto me faz que V. Ex.ª as considere à direita como à esquerda. O que lhe devo dizer, Sr Deputado, é que pelas minhas convicções me bati sempre muito antes, quando era preciso lutarmos pela liberdade e pela democracia.
Ontem, nesta Casa, viveu-se um momento importante para rever no espírito de alguns aquilo que significa batermo-nos por convicções, sobretudo quando é difícil fazê-lo.
Não quero apodar, repilo, nem V. Ex.ª nem o vosso partido de extrema direita, mas gostaria, Srs. Deputados, que deixassem que cada um de nós valesse pelo que defende, pelo que diz, valesse pelas suas acções e não por aquilo que VV. Ex.ªs entendem dever catalogar.
Não cabe a ninguém catalogar pessoas, cabe aos portugueses escolher políticos. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que diante do tema da segurança e do da criminalidade, ao cabo de cinco anos de governo, agradeço, uma vez mais, ao CDS-PP esta interpelação. Estando nós no fio da navalha da demagogia, ainda bem que eu pude usar da palavra a tarde toda, porque ao fazê-lo saio daqui de consciência profundamente tranquila. Olhei os portugueses de frente, falei-lhes de frente! Cabe aos portugueses escolherem! Têm o direito de escolher ou de rejeitar.
Agora, o que não fiz foi usar a fragilidade dos portugueses para que eles me escolhessem, não em nome daquilo que eu, o Governo ou o partido que apoia o Governo valem mas em nome dos medos que criamos neles, para que eles, por causa desses medos (que lhes criamos), sejam capazes de nos escolher como os melhores!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Queiró pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Queira (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de usar da palavra ao abrigo da figura regimental do direito de defesa da consideração, não a propósito de ataques políticos numa declaração de encerramento, mas a propósito de considerações que o Sr. Ministro fez acerca do que eu disse sobre as grandes apreensões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é hábito parlamentar o uso dessa figura no encerramento de uma interpelação. Aliás, já houve uma situação idêntica, numa interpelação do PS, situação que o Deputado António Guterres compreendeu, uma vez que após a discussão parlamentar tem de haver um encerramento ou, então, nunca mais acaba.

Sr. Deputado Manuel Queiró, peço-lhe que tome em consideração este precedente e desista do seu pedido.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, acho esse argumento perfeitamente aplicável quando as declara-

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coes de encerramento são declarações de encerramento e não inícios de novos debates. Mas se o Sr. Presidente entende que o precedente é também aplicável neste caso, submeto-me por não ter alternativa.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, sob a figura de interpelação à Mesa vou aproveitar ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só aceito uma interpelação em sentido técnico, senão, não lhe dou a palavra, porque V. Ex.ª está a dizer: «vou aproveitar a figura para...». Aliás, o Sr. Deputado Manuel Queiró acabou de aceitar a minha argumentação. Não lhe dou a palavra se não for para perguntar se vamos acabar já ou sobre coisas que tenham a ver com a condução do debate.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O Sr. Presidente vai acabar quando quiser. A única coisa que quero dizer é o seguinte: o Sr. Ministro da Justiça ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não poda interpelar o Sr Ministro da Justiça. Só lhe dou a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Estou a dizer a V. Ex.ª que, sob a sua presidência - e V. Ex.ª ouviu, Bem -, o Sr. Ministro da Justiça produziu afirmações que, em primeiro lugar...

Risos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, não pode continuar. Nunca lhe fiz isto, mas, se insiste, desligo-lhe o microfone.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, faça o favor de ouvir e depois dizer se...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que não me force...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr Presidente, não vou fazer perguntas ao Ministro. Vou, simplesmente, dizer que o Sr. Ministro fez um elogio à minha intervenção...

O Sr. Presidente: - Então, agradeça-lhe em privado. Já não tem a palavra, cortei-lhe a palavra, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs Deputados a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas. Da ordem de trabalhos constará um período de antes da ordem do dia com declarações políticas e no período da ordem do dia serão apreciadas as propostas de lei n.ºs 122/VI - Alteração à Lei n.º 27/87, de 20 de Junho (Estatuto Social do Bombeiro) e 124/VI - Autoriza o Governo a aprovar o Novo Estatuto do Notariado.
Haverá ainda votações no horário regimental.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João José Pedreira de Matos.
José Pereira Lopes.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto da Silva Cardoso.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Estácio Marques Florido
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Simão José Ricon Peres.

Partido Socialista (PS).

Alberto Manuel Avelino.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.

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Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

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