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Quinta-feira, 4 de Maio de 1995

I Série - Número 71

DIÁRIO
DA Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE MAIO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
Belarmino Henriques Correia
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia - Deu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.ºs 542 a 545/VI e dos projectos de resolução n.ºs 149 a 151/VI.
Ao abrigo do artigo 77. º do Regimento, procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PCP, sobre a situação de seca no Alentejo, no qual intervieram, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar (Luís Capoulas) e dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes), os Srs Deputados Lino de Carvalho (PCP), Antunes da Silva (PSD), Luís Capoulas Santos (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Mário Tomé (Indep), António Murteira (PCP), António Martinho (PS), João Mação (PSD), Manuel Queiró (CDS-PP), Mendes Bota (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Ordem do dia - O projecto de lei n.º 540/VI - Lei da gestão hospitalar (PS) foi discutido na generalidade Intervieram, a diverso título, os Srs Deputados Eurico Figueiredo (PS), Luís Peixoto (PCP), Joaquim Vilela Araújo (PSD), Narana Coissoró (CDS), Ferraz de Abreu (PS), Fernando Andrade (PSD), João Rui de Almeida e Joel Hasse Ferreira (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins
Alberto Manuel Avelino.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

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Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas' projectos de lei n.ºs 542/VI - Criação da freguesia de Canhoso, no concelho da Covilhã (Deputado Carlos Pinto do PSD), que baixou à 5.ª Comissão, 543/VI- Estatuto do cooperante (PS), tendo baixado à 3.ª Comissão, 544/VI- Reforça o controlo público da riqueza e das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos (altera as Leis n.ºs 4/83, de 2 de Abril, e 64/93, de 26 de Agosto) e 545/VI - Proíbe o financiamento de partidos políticos e de campanhas eleitorais por empresas, e reduz o limite máximo admissível das despesas realizadas em campanhas eleitorais, ambos da iniciativa do PCP, tendo baixado à 1.ª Comissão; projectos de resolução n.ºs 149/VI- A Assembleia da República pronuncia-se pela adopção de um programa de emergência para apoio aos agricultores vítimas da seca e das geadas (PCP), 150/VI- A Assembleia da República pronuncia-se pela adopção da declaração da situação de calamidade pública nas zonas do Alentejo mais afectadas pela seca (PCP) e 151/VI - Medidas para atenuação dos efeitos da seca e geadas/95 (PS).
Gostaria também de informar a Câmara de que, hoje, irão reunir as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Agricultura e Mar, as Subcomissões da Cultura e de Comércio e Turismo e a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar sobre a eventual responsabilidade do Governo na prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolana.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período de antes da ordem do dia de hoje consta do debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP e nos termos do artigo 77.º do Regimento, para apreciar a situação de seca no Alentejo.
Para proferir a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, lamentando que, por razões de compromissos que nos foram comunicados, o Sr. Ministro não possa estar aqui presente, esperamos, contudo, que a capacidade do PSD de aprovar as nossas propostas não fique diminuída por esse facto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo quinto ano consecutivo o Alentejo está a ser assolado pela seca.
Os valores de precipitação acumulada desde Setembro estão a menos de metade da média. Até 17 de Abril, em Évora choveu 270 m/m, quando a média é de 528 m/m; em Beja a precipitação foi de 235 m/m, quando deveria ter sido de 501 m/m São o segundo valor mais baixo do século no distrito de Évora e o terceiro mais baixo no distrito de Beja.
As albufeiras estão a menos de 30 % da sua capacidade, havendo algumas, no distrito de Beja (como a do Roxo), em que a água disponível não chega a 10 % da capacidade da barragem Os níveis freáticos das toalhas subterrâneas estão a descer perigosamente, tudo colocando igualmente problemas de qualidade das águas para consumo humano.
Ainda estamos em Maio e já desde há bastante tempo que em concelhos como Serpa e Odemira a água para consumo humano está racionada e diariamente milhares de litros são transportados em auto-tanques. Aljustrel, que depende em 87 % do abastecimento da albufeira do Roxo, corre seriamente o risco de entrar numa situação de ruptura. Mas, mesmo mais a norte, como Portei, já há aldeias com interrupções no fornecimento de água.
Mais de metade da produção cerealífera está perdida e há zonas, como Beja. onde as perdas são totais. Não irá haver água para as culturas de regadio. Obviamente, também falta água para abeberamento dos gados, bem como para palhas e fenos para a sua alimentação. A perspectiva é a da venda ao desbarato, com os especuladores a aviltarem os preços à produção.
A situação é dramática e agravar-se-á à medida que o Verão se aproximar.
Não bastava a seca- um inesperado arrefecimento nocturno, com queda de geada, há cerca de uma semana queimou grande parte das vinhas no Alentejo A produção vitivinícola deste ano está perdida em mais de 50 % em todos os distritos, havendo, contudo, nas nos concelhos de Reguengos, Redondo ou Vidigueira onde a perda é total, com consequências que vão prolongar-se para a vindima do próximo ano.
Srs. Deputados: Estamos a falar do Alentejo porque esse é o tema do debate de urgência.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - A seca não atingiu só o Alentejo!

O Orador: - Mas não podemos nem queremos deixar de sublinhar que tanto a seca como as geadas atingem muitas outras regiões do País (c o Sr. Deputado falou antes de tempo). No Douro, no Algarve, na Beira Interior ou no distrito de Leiria a seca está também a prejudicar seriamente uma parte substancial das produções. As geadas, que atingiram o Alentejo, também atingiram, com particular violência, as vinhas, os pomares, os olivais, as culturas hortícolas de Trás-os-Montes e Alto Douro, das Beiras e do Ribatejo-Oeste.
Em resultado deste quadro, o desemprego, que já atinge níveis elevadíssimos, vai agravar-se nos próximos tempos. O Alentejo, que já conta actualmente com cerca de 40 000 desempregados, mais de 70 % dos quais sem qualquer subsídio de apoio, verá este número subir fortemente.

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Pode dizer-se que nenhuma região do País ficou de fora dos graves acidentes climatéricos, secas e geadas, que estão a tornar 1995 como o pior ano agrícola das últimas décadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A todos, autarquias, população em geral, agricultores e assalariados rurais, é devida uma palavra de solidariedade, mas, mais do que isso, são devidas medidas imediatas e de fundo que minimizem os prejuízos e previnam o futuro.
É esse o objectivo do PCP com este debate de urgência que propusemos.
A seca, bem como as geadas ou outros acidentes climatéricos, são fenómenos de que ninguém é responsável. Mas a culpa não pode morrer solteira quanto às responsabilidades pela ausência de medidas de prevenção e de uma efectiva cobertura de riscos.
Se o Governo - isto para citar o que disse o Sr. Ministro da Agricultura e Mar neste último fim-de-semana - não tem uma «poção mágica» para desfazer o que a natureza faz, tinha e tem seguramente ao seu alcance medidas de fundo e de prevenção, que há muito deveriam ter sido tomadas para que os riscos climatéricos pudessem ser minimizados.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É sabido que Portugal é um país onde os ritmos anuais de precipitação são extremamente irregulares e que, em particular, o Alentejo é caracterizado por uma extrema secura. Quando chove, chove muito mas concentradamente em pequenos períodos.
A solução para este problema, como em muitos outros países, reduz-se a duas palavras: armazenamento de água. Guardar água quando cai para os períodos em que não há ocorrência de chuvas. Ora, é esta medida estrutural que, criminosamente, tem marcado passo, ano após ano, por ausência de uma política de gestão de recursos hídricos em Portugal.
Há um velho ditado popular que se aplica bem a este Governo do PSD e a quantos antes dele não tomaram, com energia, as medidas de fundo que há muito se impõem nesta matéria: o Governo só se lembra de Santa Bárbara quando troveja ou «depois de casa roubada trancas à porta». Recentemente temos ouvido os Ministros da Agricultura e Mar e do Ambiente e Recursos Naturais a falarem na construção de barragens, que, orçamento após orçamento, o Governo tem negado, como ainda aconteceu no debate do Orçamento do Estado para 1995.
Há muito que o Plano de Rega do Alentejo devia estar finalizado; há muito que barragens como o Enxoé, a Gema, Água Branca, Minutos, Analoura, Frei Joaquim, Abrilongo ou os sistemas de ligação como o de Alvito/Odivelas/Roxo deviam estar construídos; há muito tempo que a decisão de construir Alqueva devia ter sido tomada.
E esta ausência de capacidade de serem tomadas medidas estratégicas, é este navegar às cegas na linha de costa, é esta dependência da vontade daqueles - como os grandes proprietários - que sempre se opuseram à concretização do plano de rega na sua totalidade e ao alargamento das áreas de regadio que tem de ser condenado e é responsável pelas graves consequências da seca que, de outro modo, existiria à mesma, mas com efeitos muito suavizados.
Esta é a primeira medida de fundo que propomos nos projectos de resolução que apresentamos: a aceleração da construção das barragens integradas no Plano de Rega do Alentejo.
A outra tem a ver com a urgente inventariação dos recursos hídricos existentes ao nível das águas subterrâneas e cuja ausência faz com que as autarquias e outras entidades sejam obrigadas a andar às cegas a fazer furos atrás de furos.
Mas também se sabe, Srs. Deputados, que o prolongamento dos períodos de ocorrência de geadas é outra das características do nosso clima.
Por isso, também há muito se impunham, para dar resposta a esta questão, duas medidas estruturantes: um ordenamento e zonagem cultural que oriente a localização das produções ao longo do País em função das exigências térmicas, da altitude e da duração do respectivo período vegetativo para minimizar os efeitos das geadas e outros acidentes climatéricos; um seguro agrícola que garanta uma efectiva cobertura dos riscos, com prémios baixos, altamente bonificados para o que os respectivos custos têm de ser necessariamente comparticipados pelo Estado.
Nada disto existe!
Quanto ao primeiro, só agora estamos a discutir as leis de bases da política agrária depois de há dois anos o PSD ter chumbado a primeira iniciativa do PCP nesta matéria.
Quanto ao seguro agrícola, o Governo diz estar agora a pensar nele, com algumas soluções que constavam do projecto de lei n º 448/V, do PCP, apresentado em Novembro de 1989, e igualmente chumbado pelo PSD no debate que aqui se fez em Janeiro de 1990. Na altura, o PSD reconheceu a importância do tema, mas votou contra, não permitindo a sua aprovação, com o pretexto avançado na altura pelo Sr. Deputado do PSD João Maçãs de que o Governo iria apresentar muito brevemente uma proposta de lei sobre a matéria. Estamos em Maio de 1995, mais de cinco anos depois, Sr. Deputado João Maçãs, e o Governo não apresentou nada. Só agora, perante o drama que se abate sobre os agricultores e em vésperas de eleições, diz que está a tratar do problema.
É uma atitude verdadeiramente intolerável e que não podemos deixar de condenar firmemente. Não fazem nem deixam fazer! E a nossa solução era bem simples: melhorar as regras de cobertura dos riscos, assegurando a sua efectiva cobertura a partir do alargamento das modalidades de seguro e culturas e da consideração, para efeitos de indemnização, do estado vegetativo das plantas e não das datas de calendário; diminuía os seus custos pela não inclusão, com carácter obrigatório, de riscos cuja probabilidade de ocorrência é diminuta ou nula, e que as seguradoras obrigam a inserir no contrato encarecendo-o desnecessariamente e pela criação de um forte sistema de bonificação dos prémios do seguro; aumentava os montantes das indemnizações, fazendo-os corresponder ao valor da produção real esperada. Em suma, estabelecíamos um seguro agrícola adequado às condições da nossa agricultura, não dependente exclusivamente dos interesses de lucro das seguradoras mas tendo em conta a sua irrecusável função social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além das medidas de fundo estruturantes que propomos, impõem-se medidas imediatas e eficazes.
Desde logo, o levantamento real dos prejuízos existentes em articulação com as organizações representativas do sector e as autarquias.

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Por outro lado, é preciso não esquecer que a grave situação que se vive nos nossos campos apanha os agricultores e as cooperativas a braços com perdas sucessivas de rendimento, com crescentes níveis- de endividamento (alguns ainda estão a pagar créditos dos temporais e das geadas de 1993 e 1994), descapitalizados.
Não é, pois, de estranhar que o desespero esteja a tomar conta de muitos agricultores, como tivemos oportunidade, ainda este fim-de-semana e durante a semana passada, de constatar numa visita a várias explorações agrícolas do Alentejo afectadas pela seca e as geadas.
Por isso, são necessárias novas moratórias, sem juros, do pagamento das dívidas contraídas junto de empresas e de instituições financeiras, mas também é necessário considerarem-se perdões de dívidas para os casos dos agricultores em situação de insolvência e apoios a fundo perdido em função dos prejuízos concretos registados.
O pagamento imediato das ajudas co-financiadas em atraso, a antecipação do pagamento dos subsídios previstos para o presente ano, a flexibilização da aplicação dos regulamentos comunitários, a suspensão do pagamento do IRS e IRC e acções destinadas a impedir o aviltamento dos preços à produção e o aumento descontrolado dos preços das rações são outras tantas medidas urgentes que se impõem e que propomos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas que acabamos de propor destinam-se especificamente à agricultura, mas, no que se refere à seca no Alentejo, outro pacote de medidas imediatas se impõem, direccionadas para as autarquias e os desempregados.
A Ministra do Ambiente e Recursos Naturais anunciou dispor somente de uma verba de 200 000 contos para o apoio às autarquias. Ridículo! Só os encargos extraordinários que as Câmaras Municipais de Odemira e Serpa estão a assumir com transporte de água, procura de novas captações e novos furos, aquisição de novas maquinarias ultrapassam em muito aquele valor.
Por isso, é preciso alargar em muito aquela verba e concederem-se, de imediato, apoios específicos e logísticos às câmaras municipais, desburocratizarem-se os procedimentos administrativos e acelerar-se a entrega de auto-tanques aos bombeiros.
Quanto ao desemprego, não bastava já a política agrícola dos últimos anos, as terras abandonadas e a seca. Temos agora medidas legislativas que só irão, a consumarem-se, alargar o número de desempregados. Estamos a falar da publicação do Decreto-Lei n.º 557 95, de 29 de Abril, que, irresponsavelmente, coloca limites - na prática, impede - à realização pelas autarquias locais de empreitadas de obras públicas por administração directa. A sua ratificação, requerida pelo PCP, está prevista para o próximo dia 12 de Maio. É altura, até lá, dos Srs. Deputados do PSD ponderarem as consequências de um decreto sem sentido, que a aplicar-se só no Alentejo provocará mais cerca de 4000 novos desempregados, e a aceitarem a alteração das normas em causa.
Por outro lado, numa situação em que se deveriam alargar os já de si limitados programas ocupacionais de emprego, o que se verifica é que este ano tais programas entram em funcionamento dois meses mais tarde e abrangendo muito menos desempregados do que no ano passado.
Exige-se, pois, aqui uma cobertura alargada, com entrada imediata em vigor dos programas de emprego de modo a abrangerem a totalidade dos trabalhadores desempregados em resultado da seca e dos restantes acidentes climatéricos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a situação dramática que se vive no Alentejo exige medidas globais, excepcionais que permitam uma actuação eficaz, desburocratizada e com os meios financeiros e logísticos adequados de todo o aparelho do Estado.
Para isso, impõe-se - e aqui o propomos nos projectos de resolução que entregamos na Mesa - a declaração da situação de calamidade pública para as zonas mais afectadas pela seca (e considerá-la também para outras zonas do país afectadas pelas geadas e onde isso se justifique).

O Sr. Octávio Teixeira (PCP) - Muito bem!

O Orador: - Inclusivamente, tal declaração facilitaria o envolvimento da União Europeia, cuja mobilização de meios financeiros se impõe Srs. Deputados, o Presidente do PSD, Fernando Nogueira, disse há dias que tal declaração de calamidade pública não seria necessária e que o Alentejo deveria resolver os seus problemas com os seus próprios meios.
É uma declaração irresponsável que demonstra a maior insensibilidade para os problemas sociais e económicos gerados por uma das maiores secas do século. A sorte do Dr. Fernando Nogueira é a de, enquanto faz show-off pelo País fora. não ter de viver na carne o drama daqueles que estão sujeitos às consequências da seca, das geadas ou da política agrícola do Governo.
O País deve solidariedade a todas as regiões, autarquias, agricultores, trabalhadores afectados pelo drama periódico da seca ou das geadas
No caso concreto do debate de hoje o País deve solidariedade a todas as regiões, autarquias, agricultores, trabalhadores afectados pelo drama periódico da seca ou das geadas; no caso concreto do debate de hoje o País deve solidariedade a um Alentejo martirizado por cinco anos de seca e por uma política agrícola errada.
Pela nossa parte, fazemo-lo diariamente na região, directamente ou através dos enormes esforços das autarquias locais; fazemo-lo aqui ao suscitar este debate; fazemo-lo ao propor dois projectos de resolução que deveriam suscitar consenso para serem rapidamente agendados e aprovados.
Assumimos as nossas responsabilidades.
Desafiamos o PSD e o Governo a fazerem o mesmo.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Antunes da Silva pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Para fazer um protesto, Sr. Presidente

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr Deputado.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho fez aqui uma afirmação, a qual me sinto na obrigação de contestar, sobre as declarações que o líder do meu partido prestou sobre os problemas da seca no Alentejo

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O líder do meu partido não afirmou que os alentejanos terão de resolver os problemas pelos seus próprios meios.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O que o líder do meu partido disse foi que, em relação às formas que encontrarem para resolver os seus problemas, os alentejanos contarão com a solidariedade dos portugueses e do Governo - isto para contestar, pura e simplesmente, a declaração de situação de calamidade pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi isto que disse o líder do meu partido! Portanto, não admito ao Sr. Deputado, nem a qualquer outro, que deturpe aqui essas afirmações.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para fazer um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que, para o efeito, dispõe de dois minutos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, creio que fica bem ao Sr. Deputado Antunes da Silva, Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, solidarizar-se com o seu líder.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Para repor a verdade, Sr. Deputado!

O Orador: - Mas, efectivamente, o que o Sr. Presidente do PSD, Fernando Nogueira, disse foi exactamente aquilo que referi.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Disse que não se justificava a declaração de situação de calamidade pública na região, que o Alentejo devia ter os seus próprios meios para resolver os problemas e que, para esse efeito - também era melhor que não o dissesse! -, contaria com a solidariedade do País.
Foi isto que disse!

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Então, o senhor não acredita nos alentejanos?

O Orador: - Acredito, Sr. Deputado. Tanto que acredito que neste momento as medidas que estão a ser tomadas na região devem-se, exclusiva e infelizmente, ao esforço e à acção dos alentejanos, das autarquias, dos agricultores e dos trabalhadores.
Se estivéssemos à espera das medidas do Governo a situação estaria muito pior!
E tanto assim é que, como referi na minha intervenção, as medidas anunciadas pela Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais estão longe de corresponder às necessidades da região.
Por isso, o Sr. Presidente do PSD tem de pensar duas vezes antes de fazer declarações que revelam, de facto, uma total insensibilidade (talvez desconhecimento, não sei) perante os graves problemas que afectam o Alentejo e todo o País.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - O Sr Deputado continua a deturpar as palavras!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, como V. Ex.ª bem disse, e o País se apercebeu há muito tempo, a agricultura portuguesa está confrontada com uma dupla catástrofe...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Tripla, Sr. Deputado! Falta a do Governo.

O Orador: - ...decorrente da seca e da geada.
Se não é possível evitar estes acidentes climatéricos, é possível, como todos os Srs. Deputados bem sabem, preveni-los Para isso exigem-se medidas de fundo, que, quer num caso quer noutro, não foram atempada e adequadamente tomadas, razão pela qual estamos agora confrontados com uma situação de extrema gravidade
Face ao diagnóstico que fez da situação, o Sr. Deputado Lino de Carvalho apresentou um conjunto de medidas, que apelidou de «medidas de fundo» e de «medidas imediatas» As de fundo serão delineadas pelo próximo Governo; quanto às medidas imediatas, estou de acordo com a maior parte das que enunciou, algumas das quais o PS vem, aliás, insistentemente reclamando desde há muito tempo.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho sugeriu medidas de apoio aos agricultores, mas - e essa é a razão fundamental da minha pergunta - aparentemente esqueceu-se dos trabalhadores rurais, particularmente daqueles que exercem uma actividade sazonal e que, por esse facto, não têm qualquer mecanismo de protecção social face a uma situação de previsível desemprego. Se calhar foi distracção minha, uma vez que apenas o ouvi fazer referência à antecipação da aplicação dos programas operacionais e não me pareceu vislumbrar na sua intervenção outras medidas de apoio aos trabalhadores rurais.
Quero dizer-lhe que concordo, na generalidade, com as medidas que apresentou, que serão subscritas por mim, e que apresentarei outras em momento oportuno. Mas gostava de esclarecer se o esquecimento de alusão aos trabalhadores rurais, particularmente aos sazonais, foi distracção minha ou não constou da intervenção que acabou de proferir.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, naturalmente estou de acordo com as suas considerações, já que o Sr. Deputado confirmou e repetiu muito do que eu disse da tribuna.
Quanto à questão concreta que colocou, houve, de facto, distracção do Sr. Deputado. Se ler a minha intervenção verificará que pelos menos duas páginas e meia seguidas são dedicadas à situação do desemprego, ao facto de, este ano, os programas ocupacionais de emprego - que são uma medida limitada -, como medida imediata, ainda entrarem em vigor mais tarde e abrangerem menos gente Aliás, a nossa reclama-

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cão quanto aos programas ocupacionais abrangeu a totalidade dos desempregados, particularmente os trabalhadores sazonais, que estão sem qualquer subsídio de apoio, e nela pedimos que sejam tomadas as medidas de fundo que se fazem necessárias, como sejam a aceleração da construção de barragens, que, se começasse já, naturalmente levaria ao emprego de muita gente que se encontra desempregada. De facto, Sr. Deputado, foi uma distracção sua, já que me referi largamente a esse problema, que está incluído nas propostas do nosso projecto de resolução.
Aproveitando a resposta, queria ainda fazer uma referência à questão levantada pelo Sr. Deputado Antunes da Silva.
Ouvimos já o Sr. Ministro da Agricultura e Mar, a Sr/Ministra do Ambiente e Recursos Naturais e o Sr. Presidente do PSD falarem - neste caso, o Sr. Presidente do PSD falar mal - sobre as questões que afectam o Alentejo e outras zonas do País, mas nesses discursos falta um pequeno pormenor: a eles devia ser acrescentada uma nota inicial em que fizessem uma autocrítica e pedissem desculpas ao País e ao Alentejo por, durante todos estes anos em que o PSD foi Governo, não terem sido tomadas as medidas de fundo que se impunham para suavizar e minimizar as consequências da seca ou de outros acidentes climatéricos. Como disse da tribuna - e os senhores não contestaram -, o plano de rega do Alentejo e as pequenas e médias barragens, como Alqueva, não estão construídas - só agora a do Alqueva começou a ser feita - e há muito tempo deveriam estar já acabadas.
Aliás, os senhores chumbaram também, há cinco anos, o nosso projecto de lei sobre o seguro agrícola que, agora, o Sr. Ministro da Agricultura e Mar diz ir estudar para entrar em vigor, tendo mesmo solicitado o nosso texto para estudo.
Estas questões são da vossa inteira responsabilidade, os senhores são responsáveis por não terem sido tomadas as medidas estruturais que pudessem minimizar e suavizar aquilo que é uma constante do nosso clima a sua irregularidade.
É isso o que deveria constar dos discursos do Sr. Dr. Fernando Nogueira e dos Srs. Membros, do Governo e que, infelizmente, não consta.

A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Os senhores é que tinham de pedir desculpa pelo que lá fizeram.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

O Sr. Secretário de Estado dos Mercadas Agrícolas e Qualidade Alimentar (Luís Capoulas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo quarto ano consecutivo - e com especial incidência nos anos de 1992 e 1995 -, a agricultura nacional está a sofrer, os duros efeitos de uma seca prolongada, ao que se sobrepôs, recentemente, uma extemporânea geada que destruiu a produção de parte significativa das vinhas e pomares, de norte a sul do País.
Para além dos próprios agricultores, directamente prejudicados pela adversidade do clima, seguramente que ninguém lamentará mais do que o Governo esta sucessão anormal de maus anos agrícolas, por um lado, porque quando os agricultores perdem as suas colheitas é todo o País que perde riqueza, por outro, porque estes três maus anos agrícolas nos últimos cinco têm constituído o maior adversário da modernização da agricultura portuguesa, que, com o apoio dos fundos estruturais e o patrocínio do Governo, está a ser levada a cabo pelos nossos agricultores.
De facto, apesar do substancial aumento das produtividades no sector, da mais que duplicação (de 65 para 138 milhões de contos) das ajudas directas ao rendimento dos agricultores, de 1992 para 1994, fruto da reforma da PAC e do comportamento positivo dos preços dos produtos agrícolas relativamente aos custos dos factores de produção, ano após ano a agricultura portuguesa tem vivido na angústia provocada pela perda de grande parte das suas produções vegetais e do sobrecusto da produção animal devido à escassez das pastagens naturais. E isto acontece exactamente quando muitos dos nossos agricultores estão a proceder à amortização dos investimentos realizados no período pós-adesão à Comunidade Europeia e, portanto, se encontram onerados pelo encargo do respectivo endividamento.
Nesta emergência e antes de mais, o Governo entende ser devido aos agricultores das zonas afectadas uma palavra de compreensão e de solidariedade.
Face aos levantamentos preliminares já disponíveis, e tal como sempre aconteceu no passado recente, quer em 1992 quer em 1993, o Governo entende, portanto, justificar-se a tomadas de medidas excepcionais de apoio às explorações e cooperativas agrícolas das zonas mais atingidas pela seca e pela geada, tendo, ontem mesmo, submetido à apreciação da Comissão da União Europeia um programa de emergência, que integra as seguintes medidas- subsídio para a captação, transporte e armazenamento de água para abeberamento animal nas zonas mais afectadas do Baixo Alentejo (já em aplicação), antecipação do pagamento das ajudas directas ao rendimento da reforma do PAC e flexibilização na aplicação do set-aside voluntário, medidas que também já se encontram em aplicação; concessão de prioridade aos projectos dos regadios, no âmbito do PAMA, que sejam levados a cabo pelos agricultores; subsídio a fundo perdido, para apoio ao rendimento dos produtores de cereais, a partir das disponibilidades da ajuda co-financiada específica para Portugal; subsídio a fundo perdido, pela extenção do regime das indemnizações compensatórias, para apoio aos rendimentos dos produtores pecuários e das culturas permanentes (olival, vinha e fruta) das regiões sinistradas; crédito bonificado, no montante de 75 milhões de contos, às explorações e cooperativas agrícolas das zonas afectadas, sob a forma de moratória de um ano relativamente às dívidas enquadradas em medidas anteriores e de uma nova linha de crédito para relançamento da actividade agrícola, com um prazo de amortização de três anos; lançamento de acções de formação profissional e de ocupação da mão de obra não utilizada devido à perda das culturas
De acordo com o levantamento já efectuado, estima-se que o encargo global com este conjunto de medidas ultrapasse os 30 milhões de contos.
Para além deste programa, o Governo está a preparar a reformulação do seguro agrícola com a criação de um fundo de calamidades para atribuição de benefícios complementares em caso de condições climatéricas anormais.

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Tal como em 1992 e 1993, o Governo tem consciência de que não será possível anular os efeitos negativos deste mau ano agrícola sobre o rendimento dos agricultores, mas estamos certos que os agricultores portugueses compreenderão o esforço que está a ser feito perante a Comissão da União Europeia para a mobilização desta avultada verba e que é, afinal, o testemunho da solidariedade que lhes é devida nesta conjuntura difícil.
Consciente da gravidade da situação verificada nalgumas das zonas mais sinistradas e especialmente dependentes da actividade agrícola, tudo faremos para que o programa concebido possa ser aprovado com celeridade pela União Europeia, por forma a que os apoios possam ser disponibilizados no mais curto prazo e, se possível, até à data em que ocorreria a receita das produções afectadas pela seca e pela geada.
Faço votos para que, nesta adversidade de que ninguém é responsável, também a oposição abdique de excessos alarmistas, que em nada favorecem o readquirir da confiança dos agricultores prejudicados para o relançamento das suas actividades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Ó Lino, afinal está a fazer-se qualquer coisa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tarde e a más horas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Capoulas Santos, Isabel Castro, Mário Tomé, António Murteira e António Martinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o posicionamento que o seu Governo está a assumir perante esta crise leva-nos a ter saudades do ministro Arlindo Cunha.

A Sr.ª Deputada Conceição Castro Pereira (PSD): -Ah!

Risos do PSD.

O Orador: - Digo isto porque, em 1992, perante uma situação com contornos menos graves, o Governo anunciou, muito mais rapidamente, um conjunto de medidas muito mais vastas e, não obstante, a opinião pública obrigou o ministro Arlindo Cunha a bater em retirada, da forma e pelas circunstâncias que todos conhecemos.
Portanto, se um ministro que actuou de uma forma diferente saiu por ter sido considerado um desastre, é fácil concluir qual é a imagem e o conceito que os agricultores têm do actual Governo, em particular do Sr. Ministro da Agricultura e Mar.
Quero também felicitar o Sr Secretário de Estado pelo que veio aqui anunciar e aproveitar a ocasião para regozijar-me pelo facto de o PCP ter agendado este debate para hoje, porque se não o tivesse feito as medidas continuariam, certamente, por anunciar, embora elas sejam vagas e imprecisas. No entanto, quero frisar que algumas dessas medidas tinham sido anunciadas há cerca de 15 dias e que a sua maior parte não tem qualquer credibilidade.
As questões que quero colocar-lhe, Sr. Secretário de Estado, são as seguintes: que credibilidade tem este Governo para anunciar que vai antecipar o pagamento de 1995 se foi totalmente incapaz, até ao momento, de pagar o de 1994 e sabendo que, de acordo com a burocracia comunitária, não é possível fazer pagamentos de 1995 sem que tenham sido liquidados os que estão em atraso? Que autoridade moral tem o Sr Secretário de Estado para dizer que o Governo vai antecipar medidas do PAMAF quando é sabido que este programa, em algumas medidas, já tem reservas comprometidas para os seis anos de duração do programa? Que credibilidade pode ter V. Ex.ª quando diz que estima- com as ajudas comunitárias incluídas, certamente - vir a afectar cerca de 30 milhões de contos para ajuda a esta situação de calamidade, quando em 1992, para uma situação apenas de seca, geograficamente mais localizada, que abrangeu um número significativamente inferior de agricultores, foram utilizados e consumidos 20 milhões de contos?
Por último, Sr. Secretário de Estado, quero só registar os direitos de autor relativamente ao Fundo de Calamidade do Seguro Agrícola, que o Sr Ministro anunciou no decorrer da sua deslocação do passado fim-de-semana, já que essa reclamação e essa exigência foram por mim efectuadas, na quinta-feira passada, em Moimenta da Beira.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, a Mesa foi informada de que o Sr. Secretário de Estado responde no fim.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes) - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, gostava só de fazer-lhe uma pergunta, porquanto, curiosamente, na sua intervenção, sobre uma situação de catástrofe como aquela que se vive no Alentejo, o Sr. Secretário de Estado e o Governo não têm outras palavras que não sejam «como é que remedeiam, como é que o pronto-socorro vem acorrer e minimizar efeitos.»
Faz-me alguma confusão que um Governo, que tem a responsabilidade, perante o País, de possuir uma perspectiva global e de longo prazo destas situações, não tenha uma palavra a dizer sobre a compreensão mais alargada do fenómeno da seca. Ora, este fenómeno não é só um domínio dos deuses, ele tem a ver com modificações climáticas que a comunidade científica tem vindo a caracterizar- há dados que permitem saber o que é que acentua ou não esta situação - e, de facto, faz-me confusão que sobre esta questão o Governo diga nada.
Sr. Secretário de Estado - é isto que quero que me confirme - o Governo tem alguma perspectiva quanto ao desenvolvimento florestal?
Como sabe, a floresta tem um papel extremamente importante no travar de fenómenos, que estão caracterizados há cerca de 20 anos em Portugal, de modificações climáticas extremamente preocupantes e graves - a erosão e a desertificação correspondem hoje a 30 % do território nacional -, mas sobre isto o Governo diz nada.
Na verdade, não há um projecto de desenvolvimento florestal e é de assinalar que, na última década e

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relativamente à década anterior, os fogos aumentaram 51 %. Como, por sua vez, a área de floresta destruída, que e, por ano e em média, de 59 000 ha, não tem correspondência em termos de área florestada, que não chega a ser de 30 000 ha, pergunto-lhe: para quando, em que década espera o Governo saber como é que vai modificar e travar o fenómeno inquietante das alterações climáticas em Portugal?
Faço-lhe a mesma pergunta relativamente à visão estratégica do Governo para os recursos hídricos, cuja discussão poderá, eventualmente, ser feita amanhã. Penso fazer sentido que, num discurso sobre a seca, numa intervenção do Governo sobre esta matéria, o Governo tivesse uma visão da maneira como vai utilizar os seus recursos, de como vai potenciá-los, de como pensa utilizá-los numa perspectiva de resolução, por exemplo, dos problemas de capacidade de armazenagem que, em Portugal, é de cerca de 9 % quando, na vizinha Espanha, é de 50 %.
Portanto, gostava de saber que visão tem o Governo sobre isto ou que me dissesse se, manifestamente, como parece, pela pobreza das ideias que avançou, sobre este problema apenas tem a atitude fatalista de um cruzar de braços, para depois, quando confrontado com círculos eleitorais, vir fazer promessas ou mesmo apresentar soluções avulsas, que não resolvem o problema de fundo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tome.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Secretário de Estado, há três anos houve também uma situação de seca grande, à qual, aliás, V. Ex.ª fez referência, e eu queria só perguntar-lhe que medidas tomou o Governo a partir de então para, prevenir situações semelhantes, nomeadamente como a que hoje ocorre e que é ainda mais grave.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados, ao Partido Socialista, através do Sr. Deputado que falou, fugiu a boca para a verdade e manifestou aqui muitas saudades do Ministro da Agricultura do PSD que negociou a PAC, política, essa que está a destruir a agricultura e a lançar os agricultores portugueses na ruína. Registemos essa afirmação.
Em relação à intervenção do Sr. Secretário de Estado quero dizer, com toda a formalidade e- solenidade, que fiquei com a sensação de que o Governo continua sem se aperceber da gravidade da situação que estamos a viver no Alentejo. Acho estranho que o Sr. Secretário de Estado, uma pessoa do Alentejo, não se aperceba da situação de autêntica calamidade que ali estamos a viver.
Sr. Secretário de Estado, as medidas concretas que o Governo tomou até este momento são insuficientes e o Sr. Secretário de Estado não trouxe aqui quaisquer medidas novas. O que veio aqui dizer para a televisão foi que o Governo tinha apresentado em Bruxelas uma proposta para, depois, desfiar um rosário de benefícios dessa proposta. Sr. Secretário de Estado - e é isso que lhe pergunto - essa proposta vai ser aprovada? Dá essa garantia aos agricultores? E vai ser aprovada quando? Este ano?
É que ontem, Sr. Secretário de Estado, o Sr. Ministro da Agricultura e Mar disse: «Em 1996 vamos ter um novo seguro para as colheitas.» Será que só em 1996 iremos ter também um seguro para as calamidades?
Quer dizer, só em 1996, quando o PSD já não estiver no Governo, é que os senhores irão resolver os problemas que não resolveram durante 15 anos!
Como é evidente, os agricultores não acreditam mais no PSD e só lhes resta, como único caminho, aquele que os senhores e todos nós já estamos a ver sair para a rua, ir para a luta.
Na verdade, esse é o único caminho que lhes resta para se fazerem ouvir por um Governo incapaz, que está cego, surdo e mudo perante a situação de calamidade que a agricultura portuguesa está a viver.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira: vire as baterias para outro lado porque o PS não está à frente do Ministério da Agricultura há muitos anos.

A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Graças a Deus!

O Orador: - E preciso clarificar estas situações.
Sr. Secretário de Estado, de facto tive a oportunidade de acompanhar o Sr. Ministro da Agricultura e Mar na visita que fez ao meu distrito no passado dia l de Maio, Dia do Trabalhador, altura em que encontrou muitos agricultores desorientados, desanimados e descrentes.
O Sr. Ministro foi ali transmitir palavras de solidariedade e, no primeiro grupo de pessoas que encontrou, em S. Martinho de Anta, uma senhora disse: «não se batem palmas porque estamos de luto.»
De facto, os agricultores da minha região estão de luto nas zonas onde as culturas foram totalmente destruídas, mas, naturalmente, os agricultores e os trabalhadores agrícolas do Alentejo também estão de luto, dada a seca que tem flagelado aquela região.
Mas seria bom que o Governo, que veio à Assembleia fazer feedback do que viu, pudesse concretizar essa mensagem de esperança que andou a espalhar. Havia pessoas que diziam «estamos em ano de eleições». Mas era bom que agora, no concreto, pudéssemos ver medidas que fossem de encontro às necessidades dos agricultores, que viram vinhas queimadas até à cepa.
Sr. Secretário de Estado, como é possível, com a moratória de um ano de créditos anteriores, suprir os problemas financeiros que esses agricultores possam ter, uma vez que as videiras não receberão poda este ano nem no próximo, seguramente? Nós vimos!
Sr. Secretário de Estado, e o que se vai passar quanto às linhas de crédito? Em Favaios, os agricultores disseram, quando o Sr. Ministro veio embora: «Não nos dêem mais juros bonificados, porque isso acaba connosco!» Como se vai articular este grito, dos que vivem só da agricultura, que ficaram sem nada - porque,

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com efeito, alguns ficaram sem nada, enquanto outros dizem que há vinhas que não foram prejudicadas -, com as medidas concretas que o Governo deve, necessariamente, adoptar? Não esqueçamos que este Governo negociou a PAC, que trouxe prejuízos e consequências nefastas à agricultura portuguesa, e tem de dar resposta a estes problemas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos começou por afirmar as suas saudades em relação ao anterior Ministro da Agricultura do PSD.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Como deve calcular, são muitas, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Congratulo-me com isso. No futuro, tê-las-á também do actual Ministro e, acima de tudo, tê-las-ão muitas mais os nossos agricultores se, por azar, um dia, o Partido Socialista viesse a ter a seu cargo a pasta da agricultura.
Sr. Deputado, quanto à antecipação dos pagamentos que vamos efectuar em 1995, por que razão é que não havemos de poder, em 1995 - tal e qual como em 1994, quando foi possível, depois do primeiro ano de lançamento, criação e utilização dos mecanismos e procedimentos informáticos e outros para aplicação das ajudas ao rendimento da reforma da PAC, pagar a maior parte das ajudas, precisamente no início do prazo legal para o efeito -, devido à experiência já acumulada pelos anos, antecipar ainda mais esse pagamento? Nada o infirma. Portanto, a credibilidade com que fazemos esta proposta, esta promessa, resulta já do que aconteceu em 1994.
O mesmo se passa com a credibilidade da aplicação das medidas que aqui foram anunciadas, a qual resulta, inevitavelmente, do confronto com o passado recente. Se cumprimos em 1992 e em 1993 e se, como nunca antes, houve indemnizações compensatórias pela perda de rendimentos, fruto destes maus anos agrícolas, gostaria que o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos nos lembrasse alguma outra época ou ano em que as inclemências do tempo fossem reparadas ao nível em que o puderam ser em 1992 e em 1993. Se nestes anos dispusemos de 20 milhões de contos, orçando este conjunto de medidas em mais de 30 milhões de contos, como é que o Sr. Deputado as pode considerar não credíveis, insuficientes ou atrasadas, como também disse o Sr. Deputado António Murteira? A credibilidade deste pacote de medidas é, exactamente, o que resulta de termos cumprido - e bem - as promessas que fizemos nesta mesma Câmara em 1992, portanto, há três anos atrás.
Quanto ao fundo de calamidade, como é natural, não pretendia disputar direitos de autor, mas digo-lhe apenas que ele consta de um documento há algumas semanas entregue ao Sr. Ministro da Agricultura, por um grupo de trabalho por ele mesmo criado, que integrava técnicos do IFADAP e do IEADR. Portanto, não sei quem plagiou quem, mas posso garantir-lhe e comprovar-lhe que esta proposta consta do relatório do grupo de trabalho há muito tempo constituído entre o IFADAP e o IEADR.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, compreendo inteiramente as preocupações que enunciou, quanto às implicações da deflorestação no agudizar das secas, mas não é apenas por essa razão que sentimos mais as secas hoje do que anteriormente. Na verdade, de há 10 ou 20 anos para cá, a utilização de água é muito superior. Não obstante, também a agricultura da região se modernizou, e bastante, nestes últimos 10 anos. Hoje, com uma muito maior utilização de recursos hídricos, naturalmente, as secas são mais sentidas. No entanto, consultando os registos históricos, posso dizer-lhe, por exemplo, que nos 10 anos que mediaram entre 1928 e 1938 os índices de pluviosidade foram ainda inferiores aos verificados nos quatro últimos anos. Como se pode verificar, esta não é uma situação única, havendo precedentes no passado.
Sr.ª Deputada, como é natural, o Governo está empenhado em conseguir minimizar, tanto quanto possível, os efeitos devastadores da seca. De igual modo, também não será pura e simplesmente com o recurso ao armazenamento que se amenizará esta situação, embora a grande resposta estrutural para os problemas do Alentejo, no que diz respeito aos recursos hídricos, esteja dada, através da decisão da construção da barragem do Alqueva. Só agora foi possível tomar esta decisão, porque só agora se pôde disponibilizar os recursos para o efeito.
Apesar disso, não há respostas estruturais que satisfaçam plenamente essas inclemências do tempo. Se falarmos no Plano de Rega do Alentejo, referido pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho na sua intervenção, cumpre-me lembrar que a Espanha tem, há muito tempo, o seu Plano de Rega, nomeadamente para a Andaluzia, e não é por isso que é menos afectada do que nós por esta seca prolongada. As respostas estruturais a problemas que são sobrenaturais têm também o seu efeito limitado. Sr. Deputado, a grande resposta para o armanezamento de água e para a amenização de situações futuras está dada e só este Governo a pôde dar, porque só este Governo conseguiu angariar os fundos indispensáveis para o efeito
Sr. Deputado Mário Tomé, perguntou-me que medidas foram tomadas, de há três anos para cá, com o fim de atenuar os efeitos da seca. Naturalmente, o Governo não tem o dom de condicionar o clima. Teve o dom, isso sim, de tomar uma decisão, que referi há pouco, fundamental e histórica para o futuro da região, a fim de fazer frente a outras situações como esta, que ocorrerão no futuro, tal como sucedeu no passado. O armazenamento que a barragem do Alqueva vai proporcionar será o grande reservatório que constituirá uma almofada de segurança para o abastecimento de recursos hídricos ao Alentejo, em situações futuras.
Sr. Deputado António Murteira, perguntou-me que garantias damos quanto à aplicação destas medidas. Respondo-lhe da mesma forma que o fiz ao Sr. Deputado Luís Capoulas Santos. Se em 1992 e em 1993 prometemos e cumprimos, por que razão não cumpriremos agora?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ficaram cerca de 7 milhões de contos por utilizar!

O Orador: - Se estas verbas estão inscritas em acções específicas, previstas no nosso Programa de

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Apoio à Modernização da Agricultura e das Florestas, e se trata pura e simplesmente de um reajustamento de verbas, além do seu reforço para este tipo de secções, por que razão não cumpriremos?
Aliás, os agricultores portugueses sabem que nunca como agora as promessas, em matéria agrícola, foram cumpridas. Vão sê-lo também este ano e, a $eu tempo, o Governo faz questão de que, à data em que seriam recebidas as receitas pela privação das colheitas, essas ajudas possam ser disponibilizadas.
Finalmente, vou responder ao Sr. Deputado António Martinho. O problema das vinhas do Douro é o mesmo que o das vinhas de outras regiões do País. Porventura, no Douro, uma região mais dependente da vitivinicultura, os efeitos das geadas, que atingiram algumas das suas zonas, poderão ser mais sensíveis. O Governo está a equacionar as medidas que há pouco enunciei, entre as quais se incluem subsídios a fundo perdido, por hectare, para as zonas mais afectadas. Mas fazemo-lo com uma certeza: nada anulará os efeitos devastadores da seca nas zonas mais atingidas.
O Douro é uma das nossas preocupações eternos consciência de que há uma região que depende exclusivamente, ou quase, da vitivinicultura. Julgo que o Governo, também nesta matéria, no que diz respeito ao Douro, pode hoje estar de consciência tranquila, pois tudo tem feito para estabilizar o mercado do vinho do Porto e para regularizar os passivos dos produtores das adegas cooperativas, e vai continuar 3 fazê-lo. Por isso, temos, com certeza, a confiança dos produtores da região.

O Sr Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Se for apenas para uma interpelação à Mesa, tem a palavra.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, quero, em interpelação à Mesa, obter uma clarificação do Governo em relação à ausência de um membro do Governo.
Ontem, o Governo comunicou-nos que o Sr. Ministro da Agricultura, devido a compromissos internacionais, não poderia estar presente neste debate. Na impossibilidade, que se verificou, apesar de termos tentado, de propormos o agendamento do debate para outro dia, aceitámos como boa a explicação e a substituição por outro membro do Governo, o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar. Ora, hoje, ouvi na rádio que o Sr. Ministro da Agricultura está no Algarve. Talvez numa reunião internacional, admito-o.
Sr. Presidente, o que pretendo, sob a forma da interpelação à Mesa - e peço, desde já, desculpa por a usar-, é obter, da parte do Governo, esta clarificação: o Sr. Ministro da Agricultura está numa reunião internacional e, como tal, no pôde vir, ou, afinal, não está nessa reunião e não quis vir a este debate?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou endereçar a pergunta ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, a quem, para responder, dou a palavra.

O Sr Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr Presidente, ontem mesmo, contactámos o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português e disponibilizámo-nos em alterar a data deste debate, garantindo que, se essa alteração fosse possível, o Sr Ministro da Agricultura estaria presente. Assim, não faz sentido dizer que o Sr. Ministro não está aqui hoje porque não quer enfrentar o Parlamento. A sua ausência deve-se ao facto de um encontro que o Sr. Ministro tinha aprazado com um conjunto de investidores estrangeiros, alguns do Extremo Oriente, ter sido confirmado apenas há dois ou três dias atrás. Penso que todos estamos de acordo em que esta é uma área na qual o investimento estrangeiro e muito útil a Portugal Certamente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho concorda connosco.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP). - Olhe que os resultados têm sido bastante negativos!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe a explicação que deu à Câmara.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Maças.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados. Em primeiro lugar, pretendo saudar a iniciativa do PCP, pela oportunidade do agendamento deste debate, que visa apreciar a situação da seca no Alentejo, e congratular-me pelo facto de o meu grupo parlamentar me ter entregue esta tarefa.
Não se tratando de uma preocupação nova, a verdade é que, cada vez mais, a seca assume foros de grande importância e angústia na região, já que o fenómeno se repete com grande frequência, servindo de exemplo evidente o ocorrido nos últimos quatro anos, em que, consecutivamente, fomos confrontados com a falta de chuvas, não sendo exagero admitir-se que este possa vir a ser um dos piores anos.
Na realidade, o período normal de ausência de quedas pluviométricas, em Portugal, é de três a quatro meses, atingindo, no sul e interior, os cinco meses Deparamo-nos, assim, com uma grande irregularidade climática, caracterizada por precipitações apenas durante o Inverno e parte da Primavera, quando ocorrem, ao que se segue um longo e rigoroso período estival, marcado por altas temperaturas, motivadoras de elevadas taxas de evapotranspiração, as quais, por sua vez, levam a um aumento do défice hídrico no solo.
Tal ocorrência reflecte-se de forma problemática no comportamento das culturas agrícolas, nas disponibilidades forrageiras e no abastecimento público às populações, transportando, assim, as mais graves consequências.
Para uma mais fácil percepção da extensão do problema, permitam VV. Ex.ªs que vos refira que o total de precipitação ao longo do ano é, em muitas zonas do Alentejo, inferior em um terço à verificada noutras zonas do norte do País, variando entre os 400 e os 700 mm e ultrapassando os valores médios de insolação as 3000 horas de sol/ano. Apenas na área de influência da Serra de São Mamede se chega, em anos excepcionais, aos 1000 mm, igualmente constituindo excepção Grândola e Santiago do Cacém.
Jamais alguém colocou em dúvida que a água representa um bem essencial e insubstituível e que ela determina o desenvolvimento e interfere decisivamen-

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te na saúde e no bem-estar dos povos. De igual modo, constitui verdade inquestionável que o futuro do Alentejo passa por não se ignorar o facto de que a base da sua economia assenta no sector primário.
Ora, não existe agricultura sem água e sem que a regularização do seu abastecimento se encontre garantida. Poderá, dessa forma, ocorrer apenas uma agricultura efémera, contingente e problemática, que não oferece segurança ao agricultor.
A nível demográfico, acentua-se o envelhecimento nas zonas rurais, tornando-se cada vez mais crescente o poder atractivo dos principais centros urbanos, por parte das camadas jovens, o que conduz a maiores desequilíbrios, novas dificuldades e ao comprometimento de soluções que salvaguardem e mantenham humanizado o espaço rural.
Apesar dos volumosos investimentos efectuados, sobretudo através das autarquias locais, em matéria de abastecimento de água, as carências são ainda muitíssimo grandes.
A História é farta em apontamentos que traduzem verdadeiros dramas motivados pela falta de água no Alentejo, ao longo dos séculos. Várias vezes o País tentou encontrar soluções, porém, em termos globais, ainda estamos muito longe de ver a questão ultrapassada.
Nos anos 40, preconizava-se o desenvolvimento do chamado Plano Marshall, o qual tinha como objectivo fazer derivar águas do rio Tejo para irrigar cerca de 100000 ha nos distritos de Évora e Beja, como se admitia também, por outro lado, deslocar águas do maciço montanhoso central para o Alto Alentejo.
Nos anos 50, concebeu-se e discutiu-se o Plano de Rega do Alentejo, através do qual se previa a implementação de um conjunto de obras de hidráulica nas várias bacias hidrográficas da Região, propondo-se um esquema interligado que permitiria a transferência de água, assentando no Alqueva como principal pólo do sistema.
Permitam-me recordar que, em termos de hidrografia, o Alentejo conta com os rios Guadiana, Sado, Mira, Sorraia e Caia e com uma vasta rede de afluentes que os abastecem, funcionando os dois últimos rios muito à custa de chuvas torrenciais, secando quase por completo durante os verões mais rigorosos. Importante será referir ainda que, por essa razão, alguns dos perímetros de rega que beneficiam dessas águas possuem, por vezes, um aproveitamento precário e muito relativo.
Ressaltará, de forma absolutamente evidente, que uma região marcada por estas características é naturalmente portadora das maiores dificuldades, no que concerne à viabilização de projectos futuros, e não favorece a existência em boas condições da vida animal ou vegetal.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É sobejamente conhecido e não será demais evidenciar que o presente ano veio alargar a áreas novas o flagelo da seca, incidindo em zonas que habitualmente não eram atingidas, afectando praticamente todas as culturas, algumas de forma irremediável, e impedindo a instalação de outras.
Quanto a cereais, sobretudo no Baixo Alentejo, na faixa leste do distrito de Évora e no Alto Alentejo, incluindo Campo Maior e Eivas, no distrito de Portalegre, o panorama é verdadeiramente chocante, deixando antever perdas de produção de cerca de 80 %.
As disponibilidades forrageiras em algumas zonas quase não chegaram a existir e nas situações mais graves estão praticamente consumidas, percorrendo os efectivos pecuários searas que se destinavam a grão.
Algumas são já as explorações agrícolas que, para sustentarem os seus animais, se vêem na necessidade de recorrer a palhas, fenos e, até em alguns casos, concentrados.
O abeberamento dos gados faz-se, em muitos casos e já há muito tempo, através de água transportada e parte das culturas de regadio não poderão verificar-se; existem mesmo perímetros de rega de milhares de hectares, onde nem um hectare se semeará.
O olival revelou em alguns casos uma floração débil e, nas zonas mais inóspitas, até o montado de sobro e de azinho se ressentiram.
Em princípios de Março, reinavam as melhores expectativas e previsões quanto ao ano agrícola.
Infelizmente, tudo aconteceu ao contrário.
Deparamos, hoje, com a mais baixa precipitação dos últimos anos, com reservas de água no solo quase inexistentes, com a maioria das albufeiras a níveis extremamente inferiores aos normais para a época e os lençóis freáticos revelando preocupantes sinais de enfraquecimento.
A maior parte das albufeiras registam valores da ordem dos 20 % da sua capacidade útil, rondando algumas a capacidade morta, situação que decorre do facto de não chover e das temperaturas anormais que se fizeram sentir.
Casos extremos existem, como o das albufeiras do Roxo e da Vigia, por exemplo, em que, a não se verificarem ainda quedas pluviométricas com algum significado e se venha a repetir a seca no próximo ano, poderá surgir uma situação de total ruptura para populações inteiras, as quais deixariam de ter assegurado o abastecimento público por maiores racionamentos que se verificassem.
A seca infunde, por conseguinte, os maiores receios do ponto de vista sócio-económico, agrícola e ambiental, não se tratando só da mera falta de água mas também da degradação da sua qualidade.
Para além do abastecimento público, os prejuízos afectarão os produtores agrícolas, os trabalhadores rurais que não encontram trabalho e todos aqueles que, a montante ou a jusante, intervêm na vida sector, como fornecedores de factores de produção ou transformadores.
Perante este quadro, fácil se tornará perceber o pesadelo que se vive em grande parte do Alentejo, a angústia com que se viram passar as últimas semanas e a amargura daqueles que fizeram os seus investimentos e não têm já esperanças de obter qualquer receita.
Felizmente que esta gente, estas populações, tem contado com o acompanhamento constante dos serviços regionais, que se têm desdobrado em acções que, pelo menos, têm contribuído para acalmar o seu desespero, serviços esses que têm prestado informação constantemente ao Governo e ao grupo de trabalho da seca, constituído de maneira a que as soluções surjam o mais rapidamente possível.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Graças a esse acompanhamento, foi possível manter o Governo a par da situação e obter dele a sensibilização necessária para a adopção de um conjunto de medidas destinadas a minimizar os vários prejuízos.

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Da mais elementar justiça será referir aqui a preocupação revelada pelos Ministérios da Agricultura e do Ambiente e Recursos Naturais em seguirem no local o desenrolar dos acontecimentos e partilharem com. os alentejanos os momentos difíceis por que passam.
Organicamente, foi criada uma estrutura de acompanhamento e planeamento, o Grupo de Coordenação e Acompanhamento da Seca, o qual inclui a participação de instituições de ambos os ministérios já referidos e tem como função apreciar periodicamente toda a informação relativa à seca, trabalhá-la, avaliar o impacte das medidas em curso e propor novas soluções que considere aconselháveis e oportunas.
Com base nesse trabalho, o Governo propõe-se desenvolver medidas de carácter conjuntural e estrutural, algumas delas já em curso e outras que serão implementadas após a receptividade e autorização da Comissão Europeia, para o que estão a ser feitas as diligências que se impõem.
Entre outras medidas, frisarei o apoio à captação, armazenamento e transporte de água para abeberamento, que abrange a abertura de furos e poços, a aquisição de equipamentos de bombagem, cisternas, geradores de energia, etc., o apoio às explorações agrícolas, através da flexibilização do regime de ajudas a culturas arvenses e pecuária e a antecipação do seu pagamento, a concessão de moratórias, o apoio ao rendimento com base no recurso à ajuda co-financiada e a extensão das indemnizações compensatórias, bem como medidas fiscais e contributivas; airjda o apoio às associações de regantes, de forma a conceder-lhes ajuda financeira, já que, há vários anos, se vêem a braços com encargos fixos e receitas cada vez menores, e também a ocupação e formação de trabalhadores, tentando que não se agrave mais o desemprego numa região onde ele já possui a maior expressão no País.
Também em relação ao abastecimento público se encontram previstas acções a realizar quer pelos utilizadores quer pelos próprios municípios, visando uma maior racionalização e uma melhor gestão dos recursos disponíveis, garantir a qualidade da água e reforçar a fiscalização das áreas da sua proveniência.
Conforme anteriormente vos disse, trata-se de um conjunto de acções e medidas da maior importância, que o Governo pretende- e, a meu ver, bem-- implementar. Algumas, como mencionei, já se encontram em curso e contribuirão, certamente de forma eficaz, para minimizar os efeitos da seca no Alentejo.
Porém, na realidade, elas traduzem apenas a resposta a problemas instantes e circunstanciais já acorridos ou que se espera ocorram nos meses próximos meses.
Como Deputado da região do Alentejo, não posso deixar de transmitir-vos a sensação desagradável que sinto pelo facto de o Alentejo se encontrar, ano após ano, sujeito a situações desta natureza e por verificar que a desertificação dos campos e das gentes é já bem patente, muito discutida, mas também pouco contrariada.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é uma autocrítica!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário, de Estado, Srs. Deputados: Não posso deixar de dizer-vos que a seca no Alentejo resulta de consequências provenientes de fenómenos naturais, da má gestão que os homens têm ao longo dos séculos vindo a praticar naquela parcela do território e da falta de coragem e de meios que se têm verificado durante os anos, impedindo que a questão tenha sido enfrentada com decisão e energia.
É absolutamente necessário, a meu ver, assumir rapidamente uma política, que de uma forma clara contemple o armazenamento de toda a água possível e a preservação e fomento da floresta, devendo constituir a prioridade das prioridades do Governo de Portugal face ao Alentejo.
O desenvolvimento e bem-estar não serão atingidos sem medidas estruturais de fundo.
Não vou esconder que muito se investiu nos últimos anos em matéria de obras públicas. Porém, afigura-se-me que os muitos projectos de hidráulica que se encontram em estudo ou em projecto terão de arrancar rapidamente e passar à fase de obra.
A questão de fundo jamais será resolvida à custa de medidas conjunturais e de urgência, por muito necessárias e meritórias que possam ser, e parece-me errado e até perigoso continuar a recorrer sistemática e tão insistentemente às águas subterrâneas, já tão escassas, esburacando um terço do território nacional.
O Plano Estratégico de Retenção das Aguas Superficiais no Alentejo, que preconiza um conjunto de barragens de média dimensão, tem de ser definitivamente encarado de forma empenhada pelo Governo, solidária por todos os portugueses e merecer a maior atenção por parte da Comunidade Europeia.
É absolutamente urgente e necessário que os trabalhos do Alqueva e das barragens do Enxoé, dos Minutos e do Abri longo arranquem imediatamente e que, sem demora, se concluam os projectos de muitas outras, como a de Pisão, no Crato, evitando que se desperdicem mais as potencialidades hídricas provenientes da Serra de S. Mamede, único sítio do Alentejo onde as precipitações atingem valores razoáveis.
todavia, para que se viabilize a economia alentejana, é preciso muito mais do que as obras enunciadas. Não poderá ser negado o apoio a todos os projectos de retenção de água, com vista a regadio individual ou colectivo e à electrificação que permita o seu aproveitamento.
Terá de constituir motivo de grande atenção a utilização dos solos. Milhares e milhares de hectares encontram-se sem qualquer revestimento florestal, sujeitos a mobilizações reprováveis e a culturas inconvenientes, à mercê de processos de erosão acelerada, quando, na realidade, possuem potencialidades e vocação para a floresta, com todas as vantagens que esta implicaria de forma directa e indirecta para a região e para o País.
Estou seguro, Srs. Deputados, de que estas questões se encontram equacionadas!
Acredito num rumo novo e que o Governo saberá obter os meios necessários para preservar a natureza e o ambiente, apostará na retenção dos recursos hídricos, fará respeitar e implementará a legislação que zela pela conservação do solo e pela bio-diversidade e caminhará ao encontro de um futuro mais consciente do papel que a todos incumbe quanto à manutenção da vida na região.
Somente através de grandes medidas, assumidas com grande coragem e com carácter de grande prioridade e urgência, atacaremos a fundo os problemas do

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Alentejo, contribuindo para a felicidade do seu povo e para o engrandecimento de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Até parece um discurso da oposição!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs Deputados Manuel Queiró e Isabel Castro.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, V. Ex.ª fez aqui uma intervenção de certa forma surpreendente, porque não colocou a ênfase mais acentuada no problema das compensações e das ajudas. Enfim, fez os elogios da praxe, que se esperariam de um Deputado da bancada do PSD, à acção do Governo neste domínio. Porém, não saiu do âmbito do Alentejo, o que se compreende, porque, apesar de os acidentes climatéricos estarem a ter efeitos prejudiciais para agricultores noutras zonas do País, as ajudas prestadas pelo Governo nessas áreas têm sido denunciadas como muito insuficientes por esses agricultores e daí o Sr. Deputado ter optado por não se referir a essas ajudas.
Como dizia, a sua intervenção foi surpreendente, porque o Sr. Deputado não se centrou sobre esse elogio. O Sr. Deputado colocou outra ordem de questões, como o facto de este problema da falta de água no Alentejo, das secas, não ser já um fenómeno extraordinário mas ter adquirido, com o decorrer dos tempos, uma feição ordinária e não extraordinária.
Ora, isso coloca duas espécies de problemas e, em primeiro lugar, o da gestão da água, que já aqui foi referido e ao qual o Ministério da Agricultura não está habilitado a responder cabalmente. Diria mesmo que quem faz falta neste debate, mais do que o Sr. Ministro da Agricultura, é a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais,...

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Vem amanhã!

O Orador: - ... que aqui deveria estar presente, porque esta discussão não pode fazer-se sem abordar os problemas da gestão da água, dos recursos hídricos e da sua retenção em escoamento de superfície, que foram referidos pelo Sr. Deputado mas que não encontram resposta por parte do Governo. Ao fim de 10 anos de Governo do PSD, não pode dizer-se que o Alentejo tenha uma resposta cabal neste domínio.
O Sr. Deputado manifestou a sua insatisfação, mas, indo mais longe, julgo que toda esta Assembleia devia censurar o Governo neste aspecto particular da sua governação, porque ele nada avançou de significativo que dê uma resposta positiva quanto ao futuro da agricultura no Alentejo e esta é precisamente a segunda ordem de problemas. É que se realmente temos no Alentejo uma agricultura fundamentalmente de sequeiro, com falta de água e, portanto, sujeita a secas, que já não são um fenómeno extraordinário, faço-lhe a seguinte pergunta: que resposta governamental existe quanto ao futuro da agricultura no Alentejo num ambiente de competitividade no plano europeu?

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD):- Muito bem!

O Orador: - Essa resposta deveria ser aqui dada pelo Governo, de uma forma corajosa e clara, sendo acompanhada de uma outra resposta, igualmente clara, quanto ao problema da gestão da água e às reais perspectivas. É que o Sr. Deputado colocou problemas para os quais não tem resposta. Invocou planos antigos, de desvio de águas de outras zonas do País para o Alentejo, mas não foi explícito nesse domínio. Estará o Governo a pensar fazer o mesmo? É essa uma solução possível para o futuro na perspectiva do PSD? Nada disto ficou claro. Também neste aspecto, não há uma resposta clara por parte do Governo
Aliás, a posição da bancada do PSD neste debate é naturalmente desconfortável, porque, apesar de ter demonstrado pela voz do Sr Deputado estar ciente destes problemas, não pode politicamente tomar, em relação ao Governo, a atitude que nesta área ele merecia, que é mais de censura do que de elogio, a respeito de quaisquer ajudas ou compensações.

O Sr. Presidente: - Sr Deputado João Maçãs, há mais um pedido de esclarecimento Deseja responder já ou no fim?

O Sr. João Maçãs (PSD: - No fim, Sr. Presidente

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, penso que, mais do que um discurso demagógico, o Sr. Deputado fez aqui um autêntico exercício de hipocrisia e de cinismo. Apesar de ser, de entre os Deputados do seu partido, um dos que sustenta de uma forma completamente cega o Governo, consegue fazer aqui um discurso de contrapoder. É poder, mas faz exercícios de retórica como se fosse um Deputado da oposição. Ora, penso que isso é francamente grave.
Em minha opinião, o que os portugueses, e particularmente os alentejanos, esperam e exigem de alguém que se apresentou aos eleitores, teve um programa que foi sancionado e é Governo é que governe e não que verta «lágrimas de crocodilo» ou partilhe a sua dor.
A pergunta que quero fazer-lhe diz respeito à questão das alterações climáticas, referida pelo Sr. Deputado. Há ciclos e, mais do que isso, há tendências que estão cientificamente provadas. Assim sendo, a questão que lhe coloco é esta: porquê, no que toca à resposta do Governo nessa matéria, zero? Ou seja, por que é que o Governo não fez rigorosamente nada para que este fenómeno seja travado, estabilizado e caminhe noutro sentido? Porquê, em relação a uma política de desenvolvimento florestal, zero'' Porquê, em relação a uma política energética, zero? Porquê zero, quanto aos recursos hídricos? Porquê o marasmo face aos convénios que, apesar de existirem desde 1968, não são cumpridos e em relação aos quais o Governo, há muito anos instalado, não tem tido uma palavra, a não ser, agora, ao vir, pela voz do Sr. Deputado, pedir ao Parlamento solidariedades que, em tempo útil, não quis que fossem diferentemente enquadradas.
Posto isto, pergunto-lhe se é por prazer no sofrimento, por lhe agradar, que faz este tipo de intervenções,

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se pensa que a resposta séria aos eleitores se faz deste modo ou, então, o que pode justificar uma intervenção da natureza daquela que o Sr. Deputado proferiu.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, fico-lhe muito grato pelas questões que me colocou e vou procurar tornar mais claro aquilo que, pelos vistos, assim não deixei na minha intervenção, apesar de ela ter sido longa.
Quanto a não ter posto a tónica nas ajudas, de facto, não foi essa a minha intenção, porque entendo que esse deve ser um papel do Governo. Ó Governo leve já a oportunidade de, há semanas, dizer clara e publicamente quais eram as ajudas; o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar também falou nelas e eu apenas as mencionei, porque entendi não ser necessário referi-las de uma forma mais esmiuçada.
Relativamente a não ter saído do âmbito do Alentejo, quero dizer que o fiz deliberadamente. Reconheço a situação extremamente complicada que o País vive hoje face às geadas. Sei que o problema da seca também pode ser extrapoláveis do Alentejo - e, naturalmente, é-o - para o Algarve, que é igualmente contemplado por estas medidas e, aliás, algumas delas também se aplicarão em relação à geada. Mas aquilo quo hoje está aqui em debate, o que foi o objecto do agendamento de urgência do PCP, é a questão da seca e só da seca, no Alentejo. Por conseguinte, deliberadamente, não saí deste âmbito e não tenho a intenção de falar noutra coisa que não seja a seca no Alentejo.
Disse V. Ex.ª que dei a sensação de tratar-se, de um fenómeno já corrente, e, infelizmente, assim é. Sustento isso claramente, Sr. Deputado! Tenho 48 anos e lembro-me de inúmeras situações de seca no Alentejo, assim como também me lembro de Invernos completamente diferentes dos que lá temos hoje.
Infelizmente, a situação que hoje se vive na Alentejo não é nova, como, aliás, digo na minha intervenção, mas, sim, uma situação a que já estamos habituados. Porém, também tive oportunidade de dizer que, apesar de ser uma situação a que já nos habituámos, queremos libertar-nos dela à custa de medidas de fundo, como sejam a criação de armazenamentos de água e de múltiplas barragens de média dimensão, culminando com a Barragem do Alqueva, como mãe de água e fonte de distribuição e recolha de água no Alentejo.
Não sei se isto tem a ver com o plano Marshall ou com o plano de rega do Alentejo dos anos -50, nem estou muito interessado em relação a isso; não sei rigorosamente o que é que o Governo pretende em relação a esta matéria.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Nem nós!

O Orador:- Como Deputado do Alentejo, livre, sem qualquer recado do meu grupo parlamentar, que nada me impôs, estou a dizer-lhe que, a meu ver, esta Situação é insustentável e que este Governo, os governos anteriores e os seguintes têm uma enorme responsabilidade perante um terço do território nacional e têm de a assumir.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Foi isto que pretendi dizer e que, na realidade, sustento.
Alguma coisa se fez. No que se refere à barragem do Alqueva, não estamos parados, a construção da barragem da Apartadura, começada há quatro anos. já terminou e está cheia, a transbordar; a barragem dos Minutos e do Enxoé vão arrancar agora, como já foi anunciado; a barragem do Abri longo tem o projecto pronto e irá arrancar, certamente, dentro de meses, e estou esperançado que a barragem do Pisão, no Crato, também possa arrancar no próximo ano.
Mais uma vez, agradeço ao Sr. Deputado Manuel Queiró por me ter dado a possibilidade de esclarecer este assunto.
Sr.º Deputada Isabel Castro, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que o meu discurso nunca é hipócrita nem cínico, como, eventualmente, o seu também não, porque é sempre o discurso da correia de transmissão do Partido Comunista. A Sr.ª Deputada não é capaz de se libertar disso e de sustentar um debate sério em relação a uma questão séria e importante, debatendo-a em si, e, pura e simplesmente, acaba por, de uma forma descabelada, se insurgir contra o discurso das outras pessoas sem ser capaz de desmontar rigorosamente nada daquilo que foi dito
Portanto, Sr.ª Deputada, em relação ao seu pedido de esclarecimento, quero dizer-lhe que apenas vou responder à única questão que, penso, me foi colocada em todo o arrazoado que para aí fez, a qual tem a ver com a questão das tendências cíclicas cientificamente comprovadas.
Quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que cientificamente comprovada não há rigorosamente coisa alguma. E a senhora, que se encontra ligada ao ambiente e pertence ao Partido Ecologista Os Verdes, deveria saber isso! Supõe-se, admite-se, mas há sérias dúvidas que, na realidade, este fenómeno possa não ser apenas resultado do acaso, tendo a ver com qualquer situação de progressão que venha a levar o Alentejo, ou parte dele, no longo prazo, para uma situação mais ou menos idêntica àquela que ocorreu no Norte de África. Mas não está cientificamente provada coisa alguma! Se não estou a dizer a verdade, gostava que a Sr.ª Deputada, com tanta ciência que, eventualmente, tem em relação à matéria, me pudesse esclarecer.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, dispondo de três minutos.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, no que se refere à questão da existência ou não da cientificidade, quero dizer que, a meu ver, não pode ser preocupação, justificação ou panaceia para qualquer governo dizer que é a falta de conhecimento científico que justifica o seu marasmo ao fim de 15 anos de poder.
A questão que se coloca em relação às modificações climáticas está estudada pela NATO - aliás, é um português que se tem distinguido nos trabalhos feitos sobre as modificações climáticas - da Universidade do Algarve e a Faculdade de Ciências de Lisboa também têm estudos feitos sobre essa matéria.

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Portanto, Sr. Deputado, penso que não é o rigor científico de saber exactamente quando é que as modificações vão ter um grau mais grave que pode justificar ou servir de alibi para aquilo que V. Ex.ª pretende, hoje, dizer, para modificar a forma de agir politicamente,.
Sr. Deputado, fiz-lhe uma pergunta em relação à estratégia que existe, ou, pelos vistos, não existe, relativamente ao desenvolvimento florestal, como forma de modificação da situação, e à perspectiva que existe, ou não, relativamente a um plano nacional energético, capaz de modificar a situação. Porém, V. Ex.ª não me respondeu, pelo contrário, foi grosseiro e situou a discussão sobre esta matéria ao único nível que consegue, mas sobre isso dispenso-me de fazer comentários.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado João Maçãs, quero fazer aqui uma pequena declaração. A intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Castro não foi propriamente um protesto, como não será um contraprotesto aquela que o Sr. Deputado João Maçãs fará em seguida, visto que o Regimento é claro ao dizer que não há protestos a pedidos de esclarecimento e às respectivas respostas.
Porém, como dei a palavra para um protesto, tem agora a palavra para um contraprotesto o Sr. Deputado João Maçãs, mas não voltarei a repetir esta ofensa ao Regimento.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, quero apenas dizer-lhe que não tenho de responder pelo Governo. Encontra-se aqui presente o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e da Qualidade Alimentar que, naturalmente, responderá por ele.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Mas tem de responder pelo apoio ao Governo!

O Orador: - A questão que a Sr.ª Deputada me colocou foi no sentido de saber, face a determinados estudos de natureza científica em que, eventualmente, se terá chegado a isto ou àquilo, o que é que o Governo pensa. Ora, se é para saber o que é que o Governo pensa, deve fazer essa pergunta ao Sr. Secretário de Estado que interveio há pouco. Se não lhe perguntou, perdeu a oportunidade; poderá perguntar-lhe, eventualmente, numa nova ocasião. Mas, como não tenho de responder a essa questão, não o vou fazer.
Em relação ao desenvolvimento florestal, devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que, na minha intervenção, mencionei a necessidade de se reforçar o programa ligado às florestas, no sentido de, por um lado, preservar a floresta existente e, por outro, de fomentar a existência de nova floresta no Alentejo. Se a atenção da Sr.ª Deputada estava canalizada para outras situações, o problema é seu e não meu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a regularidade que as estatísticas confirmam, eis-nos, uma vez mais, confrontados com uma situação de catástrofe na agricultura portuguesa.
Uma vez mais, o país agrícola vê-se compelido, para sobreviver, a implorar, aos poderes políticos, medidas de excepção porque quem tem responsabilidades para tal foi incapaz de conceber um quadro preventivo que, não podendo, obviamente, impedir a ocorrência de acidentes climatéricos, poderia, certamente, minimizar as suas consequências.
A seca de 1992 veio precipitar e pôr a descoberto a então ainda negada mas já indisfarçável crise agrícola, cujo agravamento não deixou de se acentuar desde então e que é responsável pelo lançamento de um sector vital da nossa economia e da nossa sociedade num cenário de angústia e de incerteza de tão grandes proporções que, a não serem adoptadas, de imediato, as medidas que as circunstâncias exigem, estaremos perante a consumação de um autêntico atentado contra o interesse nacional, cujos autores não poderão deixar de ser devidamente responsabilizados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perfazem-se, no próximo dia 19 de Maio, três anos sobre o último debate que, sobre o mesmo tema, aqui ocorreu. Nessa altura, sendo a situação menos grave, quer porque a seca não resultava ainda da acumulação de vários anos de precipitações reduzidas, quer porque a ela não estava associada a catástrofe provocada pela ocorrência de geadas tardias, já o Governo, ainda que de forma insuficiente e, em alguns casos, desadequada, tinha anunciado um conjunto de medidas que teve pelo menos o mérito de, no plano psicológico, ter contribuído para alguma tranquilidade dos atingidos.
Volvido todo este lapso de tempo, perante uma situação mais grave e há muitas semanas claramente perceptível, quando os agricultores de zonas que jamais haviam assistido a manifestações, levados pelo desespero, protestavam e ocupavam instalações públicas, o Ministério da Agricultura permaneceu impassível e foi-se desculpando com o Ministério das Finanças, transmitindo a imagem de um Governo sem coordenação e dando prova de uma falta de respeito sem limites por todos aqueles que, acreditando no PSD e nas políticas pelas quais é responsável, investiram tudo o que tinham e vêem-se agora abandonados pelos, até à pouco, propagandistas do sucesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de vários adiamentos, em 26 de Abril, no auge da crise provocada pelas geadas, que semearam a desolação por várias e vastas zonas do país, dispôs-se o Sr. Ministro da Agricultura a vir, finalmente, perante a Comissão de Agricultura e Mar, prestar esclarecimentos.
Sua Excelência que, aquando do pico da crise das pescas com o Canadá, sempre se recusou a discutir o assunto no Parlamento, surpreendeu-nos quando nos fez saber que entendia ser aquele o momento adequado para tratar tal matéria, e só depois de muito instado e a custo acedeu debater, aos últimos 10 minutos da sessão, as questões da seca e das geadas.
E sabem VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para dizer o quê? Para dizer - e passo a citar: «não tive ainda oportunidade de falar com os directores regionais», «não faço a mínima ideia da extensão do problema» e «quanto à seca, a noção é muito móvel».

O Sr. Marques Júnior (PS): - E ainda é ministro!

O Orador: - A infeliz situação que vivemos demonstra com toda a clareza que o Ministério da Agricultu-

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rã, além de se ter transformado no atoleiro de escândalos, cujo esclarecimento venho reclamando cada vez que subo a esta tribuna, já nem sequer governamental, limita-se a existir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, não poder permanecer indiferente, perante a apatia e a manifesta incapacidade evidenciada pelo Ministério da Agricultura e pelo Governo face a uma situação unanimemente reconhecida como muito grave e que exige a adopção de medidas urgentes e eficazes.
Não se tendo querido prevenir, só resta agora remediar. A seca previne-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com uma política de aproveitamento e gestão dos recursos hídricos, que a polémica suscitada pelo Plano Hidrológico Espanhol veio também demonstrar, mesmo aos mais cépticos, ser totalmente inexistente e cuja omissão é responsável por uma parte significativa dos problemas com que nos vemos agora confrontados.
As geadas e outros acidentes climatéricos previnem-se com seguros de colheitas viáveis para as seguradoras e acessíveis aos agricultores, através da criação de condições para a sua generalização e mediante a comparticipação adequada do Estado, dos agricultores e das suas organizações para um fundo de risco.
Neste caso e apesar de ter sido antecipadamente alertado pelos agricultores para a probabilidade de ocorrência, o Sr. Ministro não só nada fez como. mentiu despudoradamente, como estou em condições de documentalmente comprovar, se me for pedido que o faça.
A má consciência decorrente deste facto - e repito, o Ministro da Agricultura mentiu aos agricultores e tem de ser responsabilizado como tal - constitui certamente a razão pela qual se indisponibilizou, há dias, para parar em Moimenta da Beira, como antes havia, prometido aos agricultores que ocupavam simbolicamente a Câmara Municipal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo claro que apenas nos resta remediar, façamo-lo tão depressa quanto possível. E só é possível adoptar medidas conhecendo a realidade.
O PS considera injustificável e esclarecedor que, neste momento, não estejam claramente delimitadas e classificadas as zonas atingidas pela seca e pelas geadas, quando consta que o Ministério da Agricultura dispõe de cerca de 20 000 funcionários e que as associações agrícolas e os próprios agricultores têm levantamentos efectuados e estão disponíveis para colaborar nessas tarefas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo que acaba de ser exposto e face à demonstrada inoperância do Executivo para responder a uma situação de emergência, apresentarei seguidamente na Mesa uma proposta de resolução, na qual estão contidas as orientações políticas que o PS considera indispensáveis para ultrapassar o actual impasse e que, tão urgentemente quanto possível, permita fazer chegar às zonas mais afectadas a mensagem de esperança e solidariedade por que anseiam e é de elementar justiça transmitir-lhes.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - O PS entende que deve ser imediatamente constituído um Gabinete de emergência para a Seca e Geadas, composto por representantes do Ministério da Agricultura e das organizações representativas dos agricultores e trabalhadores rurais, com competências para proceder à referida zonagem do País, à quantificação e graduação dos prejuízos, à formulação de propostas para atenuação dos efeitos e ao controlo da sua aplicação.
Independentemente do elenco de medidas a adoptar para a cada uma das situações detectadas, deve ser reconhecido o direito a uma compensação financeira pelos prejuízos sofridos nas zonas onde a expectativa de colheitas o permitir e onde os agricultores foram impedidos de efectuar os seguros de colheitas.
As medidas de apoio a adoptar abrangerão os agricultores e as suas organizações directamente afectadas, bem como os trabalhadores rurais, designadamente os que, exercendo actividade em regime sazonal, se vêem impedidos de recorrer aos mecanismos de protecção social por efeito de desemprego decorrente da seca e geadas de 1995.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de colocar algumas questões ao Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, mas não sem antes fazer uma pequena consideração. Penso que a verdadeira calamidade pública provém não apenas das calamidades naturais mas, sobretudo, dos aproveitamentos políticos que se querem fazer da miséria, da desertificação e da desgraça dos outros.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Murteira (PCP): - Isso era o que vocês queriam fazer!

O Orador: - Penso que, a haver matéria onde deveria haver algum pudor a reivindicar-se direitos de autor, seria naquela que tem a ver com a solução dos problemas relacionados com a pobreza, a miséria e o subdesenvolvimento. Em meu entender, essa é, de facto, uma reivindicação que não honra ninguém, não dignifica ninguém. São soluções consensuais, públicas, são soluções comuns que deveriam de ser apoiadas por toda a gente, não se devendo fazer aqui uma guerra sobre a reivindicação de direitos de autor.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos qual é a sua quantificação financeira, pois fê-la certamente, em relação a todo o programa de acções, sendo certo que o Governo já está a desenvolver, e muito bem, muitas delas? De qualquer modo, qual é a quantificação financeira? Isto porque uma coisa é termos o óptimo e outra é podermos ou não aplicar tudo aquilo que desejaríamos para resolver um problema tão instante como é o da desertificação e da seca do Alentejo e também - por que não?! -, o de outras calamidades públicas.
Ora, como hoje, mais uma vez, o PSD foi acusado, e foi-o também pelo Sr. Deputado, de nada ter feito pelo Alentejo, de não ter tomado medidas estruturais adequadas, de não ter feito atempadamente determinado tipo de investimento, gostaria de perguntar-lhe, Sr. Deputado, se reconhece ou não que até hoje nenhum governo teve a coragem e os meios, ou não soube encontrá-los, para, de facto, avançar com o

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projecto do Alqueva, que não e um projecto qualquer. Não nos podemos esquecer que, dentro de três anos, o projecto do Alqueva, desde que foi colocada pela primeira vez a questão - pois as raízes mais antigas do projecto datam de 1898-, faz 100 anos, durante os quais já houve uma ditadura, a primeira e segunda Repúblicas e até um Governo onde o PS teve responsabilidades.
Lembro-me que, desde o 25 de Abril, não há qualquer reivindicação oriunda do poder local, das associações de base, da sociedade civil do Alentejo que não contenha, no seu primeiro capítulo, o projecto do Alqueva Finalmente, ele está em execução. Há no Orçamento do Estado para 1995 cerca de 4 milhões de contos destinados a ele e o grosso do investimento irá ter lugar nos próximos anos.
Pergunto, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos: não reconhece, ao menos, dentro deste deserto que por vezes existe em termos políticos, o mérito do adversário? Não reconhece que este Governo poderá ficar na história como sendo aquele que teve a coragem de avançar com aquilo que muitos, em Portugal, não só no meu partido mas também no seu, consideravam ser um «elefante branco», um excesso de investimento em relação aos proveitos económicos e sociais que daí poderiam advir?
Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, gostaria de ouvir algum comentário da sua parle para que pudesse-mos transformar este debate não numa selva política à custa da desgraça dos outros mas, sim e sobretudo, num debate sério, pois é isso que os alentejanos esperam de nós

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mendes Bota, a propósito do aproveitamento político, quero dizer-lhe que, na passada quinta-feira, me desloquei a Moimenta da Beira,...

O Sr. Antunes da Silva (PSD)- - Estamos a falar da seca do Alentejo!

O Orador: - ... onde fui recebido com a maior hospitalidade e esperança por muitos agricultores e dirigentes associativos da zona; para a próxima vez que o Sr. Ministro lá for terá de ir, certamente, de chaimite,...

Vozes do PS e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... pois teve de fugir apressadamente, faltando, assim, ao cumprimento das promessas feitas, como a de, pelo menos, ouvir das pessoas a declaração e o testemunho da desgraça que os atingiu.
Portanto, Sr. Deputado, aquilo que nos move numa questão destas, com esta importância, é a resolução dos problemas e, não podendo fazê-lo de outra forma, porque, por enquanto, não estamos no Governo, resta-nos fazer a denúncia e a demonstração da vossa incompetência para que os portugueses possam puni-los o mais severamente possível, como efectivamente merecem.

Aplausos do PS.

Quanto à quantificação financeira dos prejuízos ou dos meios necessários para os atenuar, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que o Partido Socialista não dispõe, por enquanto, do controlo sobre a máquina administrativa do Estado e sobre os 20 000 funcionários do Ministério da Agricultura, pois só dessa forma poderia apresentar, com rigor, esses números.
No entanto, Sr Deputado, para nós, mais importante do que o montante é a forma como as verbas são aplicadas e tenho a certeza de que é possível, aplicando-as correctamente, resolver muitos mais problemas prementes do que os que têm sido resolvidos por VV. Ex.ªs, que esbanjam milhões e milhões, não sabendo nós onde eles se encontram e, neste momento, a maior parte dos agricultores nem sequer lhes «sentiu o cheiro».
No que toca ao projecto do Alqueva, Sr. Deputado Mendes Bota, no meu entender, esta deveria ser a última questão a ser suscitada por V. Ex.ª, pois eu, no seu lugar, coraria de vergonha e não teria a coragem sequer de levantar a voz para a abordar. Isto porque, se o projecto do Alqueva tem o atraso que tem, os únicos responsáveis são VV. Ex.ªs,...

Vozes do PSD: - Ai, sim!

O Orador: - .. já que todas as condições, todos os meios financeiros, foram garantidos com a integração europeia e a decisão política tomada ainda no decurso do bloco central.
Quem suspendeu e impediu que fossem correctamente aplicados os muitos milhões de contos comunitários esbanjados nestes últimos 10 anos foram VV. Ex.ªs e só perante a evidência de uma crise agudizada...

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Quem é que suspendeu a decisão?

O Orador:- ... pela seca de 1992 é que o próprio Sr. Primeiro-Ministro foi obrigado a «dar o dito por não dito», desdizendo-se relativamente ao que poucos meses antes tinha dito em Reguengos de Monsaraz, vindo, pouco tempo depois, dizer que, afinal, a grande obra do seu Governo era a barragem do Alqueva, que, como sabe, apenas produzirá efeitos completos daqui a 30 anos e que, a não sei do ponto de vista da ocupação de pessoal em obras públicas, nos próximos cinco ou seis anos não terá quaisquer efeitos positivos na região.

Aplausos do PS.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é mesmo para utilizar essa figura regimental ou...

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra ao abrigo desta figura regimental

O Sr. Presidente: - Se é assim, para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer, pois não gostaria que o Sr. Ministro da Agricultura tivesse de ir ao Alentejo de chaimite, que tenho na minha posse uma carta datada de 27

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de Abril, ou seja, não de há muito tempo, subscrita pelas Associações de Criadores de Ovinos do Sul, de Agricultores do Baixo Alentejo, de Agricultores do Campo Branco, de Jovens Agricultores de Beja, de Agricultores de Serpa e pela Associação Técnica de Olivicultores de Moura, enviada ao Sr. Ministro -- e deduzo que, eventualmente, não lhe tenha chegado às mãos -, sobre a calamidade provocada pela seca no Baixo Alentejo, agradecendo ao Sr. Ministro todo o esforço e empenhamento demonstrado, que termina dizendo «(..) bem haja por tal Sr. Ministro (...)», etc. Ou seja, penso que esta carta.

O Sr Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa por interrompê-lo, mas gostaria de saber o que pretende da Mesa, pois está a interpelá-la.

O Orador: - Sr Presidente, estou a dar conhecimento desta carta à Mesa, para que o Sr. Ministro se possa servir dela,...

O Sr Presidente: - Então, agradeço que ma faça chegar.

O Orador: - ... não tendo, por isso, necessidade de usar chaimite, dado que é uma carta amistosa para o Sr. Ministro.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr Deputado, estava com medo de que estivesse a requisitar à Mesa uma chaimite.

Risos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, gostaria de clarificar uma pequena questão, que me passou. Peco-lhe apenas 10 segundos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma interpelação, com o mesmo espírito e rigor com que a dei ao Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr Luís Capoulas Santos (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas creio que 10 segundos bastam.
Quero manifestar a minha estranheza por, na bancada do PSD, designadamente, ninguém ter solicitado que comprovasse a gravíssima declaração que produzi, no sentido de que me mostrei disposto a demonstrar que o Sr Ministro da Agricultura mentiu aos agricultores de Moimenta da Beira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, têm a palavra o Sr Deputado Narana Coissoró, dispondo para o efeito de 2 minutos e 48 segundos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Agora que estamos a chegar ao final deste debate, gostaria de dizer duas palavras, em. nome do meu partido, mas fiquei um pouco apreensivo depois de ouvir o Sr Deputado Mendes Bota, Deputado eleito pelo círculo eleitoral do Alentejo, pelo que não sei se devo ou não juntar a minha voz de solidariedade para com o povo alentejano, pois não sei se com isso também estarei a praticar um acto de calamidade Realmente, parece que é bom o Governo e o PSD inaugurarem os «elefantes brancos», como a fábrica de açúcar a partir da beterraba, a Auto Europa, sem irem à Renault, ou irem, por exemplo, para Pulo de Lobo, para não ouvirem nada e depois dizerem que o Alentejo está a mudar

O Sr. Vieira de Castro (PSD) - É para onde vou quando não quero ouvir o Dr. Monteiro!

O Orador: - Mas a verdade é que, quando há grandes calamidades, nem o Primeiro-Ministro, nem os Ministros, nem o presidente do PSD se lembram de lá ir, ao contrário do que fez o presidente do meu partido, que ainda há 15 dias lá esteve, visitando m loco o que efectivamente se passa em relação à seca do Alentejo, e teve, pelo menos, como partido de oposição, uma palavra de solidariedade para com aqueles que sofrem. E nós somos um partido da oposição, não temos a máquina administrativa, os subsídios, os carros do Estado, pelo que não podemos andar em correrias a prometer coisas, a fazer grandes promessas, nem a enganar, como fez o Sr. Ministro da Agricultura ontem nas Beiras, parando onde o deixavam parar, dizendo o que não devia dizer, em suma, o Sr Ministro andava a prometer mundos e fundos, principalmente fundos da União Europeia. Quer dizer, o Sr. Ministro dizia que ia tratar junto da União Europeia daquilo que devia de ser tratado a nível local desde há muito tempo, para que daqui a três ou quatro meses, se a União Europeia quiser, vir cá acudir às nossas necessidades.
De qualquer modo, Sr. Presidente, nestes segundos que me restam, gostaria de dizer que estamos solidários com todas as resoluções aqui trazidas, quer pelo PS, quer pelo PCP, quer pelo Governo, quer pelo PSD do Dr. Nogueira, quer pelo PSD do Dr. Mendes Bota,..

Risos do PS.

... quer pelo PSD de quem quer que seja, pois já não sei se também há um PSD do Dr. Luís Filipe de Menezes e um outro dos projectos de hidráulica.
Portanto, dentro destes vários PSD, que se movimentam, se acotovelam, se querem pôr em bicos de pés, estamos com todos os que queiram realmente servir o país e os interesses do Alentejo. Esta é a nossa postura e podemos dizer que subscreveremos e apoiaremos todas as resoluções, porque, além de não vermos nelas qualquer contradição, o Governo, depois, saberá escolher a melhor forma de acudir o mais depressa possível à seca e às calamidades que a população do Alentejo está a atravessar. Penso que pedir isto não é aumentar a calamidade. O que é uma calamidade? É ouvir as pessoas negar a solidariedade e também o valor daqueles que querem trazer à Assembleia da República, em toda a sua extensão e profundidade, os dramas de uma parte, de um terço, do nosso Portugal. Era isto o que queria dizer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

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O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão da seca no Alentejo e a situação de calamidade que esta região atravessa não podem ser desenquadradas - e é nesta perspectiva que quero dar a minha contribuição a este debate - da situação de crise económica e social existente. É certo que a seca é um flagelo que não atinge todos por igual.
A desertificação cultural provocada pelo regime de propriedade e precária utilização da terra e o latifúndio, gerador e reprodutor de desemprego e miséria, foram episodicamente ultrapassados pela reforma agrária. A liquidação, que teve a «lei Barreto» como detonador, desta revolução democrática nos campos alentejanos e a recuperação persistente do latifúndio, agora em moldes pseudo-modernos, recolocaram todos os problemas do desemprego, da desertificação e da miséria no Alentejo. Os baixos rendimentos traduzem-se nas dificuldades de as próprias autarquias fazerem frente, com eficácia, às calamidades naturais, que não são de hoje nem de ontem, embora a seca actual seja de enormes proporções.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - A plantação desordenada, embora bem alinhadinha, do eucalipto, para dar matéria-prima à indústria de um famoso ministro da agricultura, o Engenheiro Álvaro Barreto, que desenvolveu, enquanto tal, a indústria da pasta do papel, e por isso ficou conhecido,...

O Sr. Vieira de Castro (PSD):- Estão cá todos!

O Orador: - ... não pode ser ignorada como factor de degradação de recursos hídricos e de esgotamento da água dos solos.
A política do Governo para a agricultura, a mando de Bruxelas, tendo Arlindo Cunha como executor às ordens de Cavaco Silva, levou à transformação dos campos alentejanos, agrícolas por excelência, em pousios e em coutos de caça. A agricultura em Portugal não é coisa de interesse para a União Europeia e a orientação está clara: turismo rural, turismo cultural, turismo cinegético, turismo desportivo, turismo de férias, turismo sazonal e até turismo de massas -...

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Já vi que é contra o turismo!

O Orador: - ... nomes não faltam. Alentejo como uma estância turística! O que falta, de facto, é a água e a produção agrícola, por forma a resolver os graves problemas económicos e sociais do Alentejo.
Uma política de florestação adequada, a preservação da floresta tradicional, nomeadamente o sobreiro que está em estado acelerado de degradação, a exploração adequada da terra, com apoio técnico e científico adequado, com apoio Financeiro e político, em vez da sabotagem que foi feita a favor dos latifundiários apropriados, teriam permitido uma política de recursos hídricos articulada e sustentada, com pequenas, médias e grandes barragens - o tal Alqueva que Cavaco Silva foi obrigado a dizer que queria-, com a transformação da própria paisagem e o decorrente efeito, naturalmente lento, no clima regional e, portanto, na possibilidade de resistência às secas.
Mas que poderia esperar-se da governação, em especial nos últimos 10 anos, apostada no definhamento da agricultura e no alargamento dos campos de golfe?

O Sr. António Murteira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Agora, há que responder em situação de calamidade e, para tal, não se pode hesitar.
Apoio as medidas propostas pelo PCP e apresentei também um projecto de resolução, na base das decisões e exigências da Assembleia Distrital de Beja, apoiada nos protestos e nas intervenções de agricultores e de trabalhadores agrícolas. É, também, a minha homenagem ao poder local.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira para o que dispõe de 3,1 minutos, parte dos quais lhe foi cedida por Os Verdes.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Começo por dirigir-me particularmente aos Srs. Deputados João Maçãs e Mendes Bota que intervieram por parte do PSD.
Creio que deve assumir-se a consciência de que a situação no Alentejo e extremamente grave. Aliás, o Sr. Deputado João Maçãs disse que o Governo tem sérias responsabilidades nesta matéria, portanto, gostaria de ouvir o comentário do Membro do Governo aqui presente acerca desta afirmação que nós próprios subscrevemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante 15 anos de poder, o PSD impôs no Alentejo, de acordo com uma expressão da Igreja Católica de há poucos dias, uma situação de «quase emergência permanente», de despovoamento, de destruição da agricultura, de desemprego, de alastrar da pobreza, que hoje se generaliza

Protestos do Sr. Deputado do PSD, Antunes da Silva.

Oiça, Sr. Deputado, pois estamos a tratar de coisas sérias! É que não sei se o Sr Deputado sabe que há famílias, por exemplo, em Alvito e noutros concelhos, em casa das quais não entra um salário nem um subsídio de desemprego desde Dezembro de 1994.
Os alentejanos e, certamente, os outros portugueses, não aceitam que o PSD lenha empurrado para esta situação uma região com as potencial idades e a dimensão do Alentejo, que corresponde a um terço de Portugal.
Os fundos comunitários e nacionais que foram para a região não beneficiaram nem os trabalhadores, nem os pequenos e médios agricultores, nem as populações, antes foram entregues pelos senhores, sobretudo, às famílias dos grandes agrários e às organizações satélite da CAP. Com os resultados que estão à vista, que o Sr. Deputado Mendes Bota sublinhou e que nós próprios também sublinhámos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante 15 anos - sublinho, 15 anos-, o PSD mentiu ao povo do Alentejo, prometendo sempre, em vésperas de eleições, aquilo que depois nunca fez e já estão a fazê-lo aqui outra vez.
Durante 15 anos de poder, não tomaram as medidas políticas nem fizeram as obras estruturais necessárias - e, Sr. Deputado Mendes Bota, não é agora, em vésperas de eleições, que a sua intervenção tem credibilidade! - que permitam o armazenamento da água em

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períodos de chuva e de cheias para a termos disponível em períodos de seca, como é preciso fazer em regiões de características mediterrânicas como o Alentejo. Aliás, toda a gente sabe isso- sabem-no os espanhóis, os franceses, os israelitas, os americanos -, só os senhores é que não se aperceberam desta realidade durante 15 anos!
O Governo também não soube resolver as questões estruturais do Alentejo e igualmente não tem mostrado capacidade para lidar com a situação de seca. Os senhores nem sequer têm tomado medidas conjunturais suficientes e eficazes! Parece-me até que é preciso recordar-vos que, com maior ou menor intensidade, a seca não começou hoje mas dura há cinco anos.
Perante isto, pergunto que medidas tomaram os senhores. Resolveram o problema do seguro de colheitas? A isto o Ministro responde que será lá para 1996. Criaram um «fundo de apoio a calamidades»? O Ministro responderá que é para 1996. Estimularam a prospecção e a abertura de furos? Asseguraram uma reserva das albufeiras, para este Verão e para 1996, se não chover? Desassorearam rios e ribeiras? Construíram pequenos e médios açudes e charcas? Criaram um programa de combate à poluição dos cursos de água e dos aquíferos? Não, pura e simplesmente, os senhores estiveram de braços cruzados e só agora, perante a pressão da opinião pública, perante este escândalo que é a situação no Alentejo, é que o PSD finge acordar e vem, à pressa, fazer novas promessas que sabe que não vai cumprir.
Mesmo quando, em Janeiro deste ano, o Boletim de Informação Estatística Agrícola já alertava para a situação com que agora nos deparamos o Governo manteve-se impávido e sereno, assistiu à seca a arrasar a agricultura no Alentejo e só agora dá mostras de alguma inquietação - agora, quatro meses depois! -, intervindo com seis ou sete ministérios, vários departamentos, todos descoordenados e todos a quererem tirar partido político de uma situação de desgraça, tal como disse o Sr. Deputado Mendes Bota. Mas é o Governo que está a agir desta forma e não as populações do Alentejo nem os agricultores.
As medidas concretas tomadas até agora, como a disponibilização de 200 000 contos, não chegam sequer para acudir aos concelhos de Odemira e de Serpa, que apresentaram dados quantificados à Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais e ao Sr. Ministro da Agricultura.
Por todas estas razões, creio que o PSD contínua sem se aperceber da profundidade e da dimensão da calamidade que temos no Alentejo.
Seria necessária uma outra abordagem por parte do Governo, seria necessário declarar a situação de. calamidade pública pois só dessa forma seria possível, sem burocracias e sem descoordenações, disponibilizar apoios aos agricultores, aos desempregados e às autarquias.
Com esta política intolerável e desumana- e sublinho desumana -, o Governo conseguiu a proeza de pôr todos contra si próprio: partidos, sindicatos, autarquias, Igreja, associações de agricultores,- técnicos, associações ambientalistas e outras. A este propósito, quero dizer ao Sr. Deputado Mendes Bota que não deveria ter lido apenas uma parte mas sim todo o documento destas associações de agricultores, especialmente onde se diz que o Governo não deve admirar-se se, amanhã, os agricultores vierem para a rua e houver problemas no Alentejo, como já está a acontecer noutras partes do País.
Por muitas promessas que o Governo faça, já é tarde. O Alentejo não acredita no PSD e, pelo que tenho ouvido, até porque vivo lá, estou plenamente convencido de que, nas eleições de Outubro, o Alentejo votará para afastar o PSD do poder. E esta é a melhor medida que podemos oferecer ao Alentejo e ao nosso país.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Já ouvimos essa há quatro e há oito anos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar.

O Sr. Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente, o Governo não põe em causa nem a gravidade da situação vivida nalgumas zonas, designadamente do Baixo Alentejo e noutras que foram mais afectadas pelas recentes geadas tardias, nem a oportunidade ou a necessidade deste debate.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Era melhor que o fizesse!

O Orador: - Já não parece razoável o aproveitamento de medidas que vinham sendo anunciadas pelo Governo, apresentando-as agora, aqui, estilo «pacote», à última hora. Aliás, ontem mesmo, aquelas medidas foram propostas à Comissão da União Europeia para conseguirmos obter comparticipação comunitária.
Falou-se no atraso da apresentação destas medidas. Ora, quero recordar que as geadas extemporâneas, que penalizaram vastas regiões do centro e do norte do País e também do Alentejo, ocorreram no passado dia 26 de Abril, tendo decorrido pouco mais de uma semana entretanto. Assim, naturalmente, não seria exigível que se tivesse feito um pré-levantamento da situação num prazo mais curto, a menos que os Srs. Deputados da oposição pretendessem que nos cingíssemos ao problema da seca quando o problema da geada, em certas regiões do País, não é menos grave do que o da seca que se vive nalgumas zonas do Baixo Alentejo.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O Governo tem de ter uma perspectiva nacional e não regional: os apoios têm de ser distribuídos com equidade. Temos de governar para todo o País, tendo em atenção as situações efectivamente vividas.
A situação no Baixo Alentejo é, efectivamente, bastante grave mas não o são menos as vividas nas zonas frutícolas e vinícolas do norte e do centro do País e também nas regiões produtoras do Alentejo devido às recentes geadas.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Eu disse isso na minha intervenção! Está a repetir-me!

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O Orador: - Falou-se também na criação de uma comissão de acompanhamento. Ora, o Governo tem dialogado e tem-se desdobrado em visitas às regiões sinistradas, tem auscultado as organizações agrícolas no Ministério da Agricultura. O que pretendemos é que as medidas a tomar sejam efectivamente de emergência e a forma mais rápida de serem implementadas é poderem ser aprovadas com maior celeridade pela Comissão da União Europeia. Portanto, a criação de uma comissão de acompanhamento seria seguramente um bom caminho para retardar a aplicação destas medidas.
Igualmente foi aqui esquecido, especialmente por aqueles que, há apenas três anos, tanto contestaram a reforma da PAC, que se a situação não é mais grave nalgumas zonas, hoje em dia, e que se os agricultores já têm garantida uma parte do seu rendimento, não obstante as geadas e a falta de chuvas, tal deve-se à reforma da PAC ...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nem o Sr. Secretário de Estado acredita no que está a dizer!

O Orador: - Se, actualmente, há ajudas directas ao rendimento de alguns produtores, designadamente na pecuária e nas culturas arvenses, tal deve-se à reforma da PAC, tão contestada pela oposição e hoje tão esquecida pelos seus detractores da altura.
Pretendeu-se ainda voltar a uma encenação catastrofista que, no que toca à agricultura nacional, tem sido a constante do discurso da oposição nestes anos de Governo PSD.
Quero lembrar aos Srs. Deputados que há que olhar com discernimento, para lá das conjunturas climatéricas anormais e que tão duramente têm penalizado os nosso agricultores, a evolução estrutural da nossa agricultura na última década: a redução da população activa na agricultura; o aumento da dimensão média das explorações; os níveis de produtividade média nos cereais, na pecuária, no leite, em todas as produções agrícolas e pecuárias; a produtividade do trabalho, que cresceu 6 % ao ano a um ritmo sustentado; o poder de compra dos salários na agricultura, que aumentaram 2,5 % ao ano em termos reais; ...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está tudo a crescer!

O Orador: - ... o investimento que foi feito nesta última década e que não tem qualquer paralelo na nossa história, um investimento próprio dos agricultores, de mais de 200 milhões de contos...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A agricultura portuguesa é um oásis!

O Orador: - Em suma, há que saber ver, para além das condições adversas de origem sobrenatural,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sobrenatural?! Mística?...

O Orador: - ... que nem o Governo nem ninguém comanda, qual tem sido o fio condutor da modernização da nossa agricultura, cujos indicadores são, hoje, inquestionáveis e indesmentíveis de acordo com as estatísticas nacionais e europeias.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queria igualmente lembrar aos Srs. Deputados da oposição que ninguém se sente mais penalizado do que os agricultores e o Governo pela sucessão destes maus anos agrícolas. É que se estes maus anos agrícolas não tivessem sobrevindo não estaríamos hoje perante este discurso catastrofista de crise na nossa agricultura, tão nítidos são os indicadores objectivos do progresso verificado.
As secas, as geadas têm sido realmente o caldo de cultura que tem permitido à oposição manter sempre o mesmo discurso perante estas vicissitudes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado João Maçãs, está de acordo com isto. Não está, pois não? Não pode estar!

O Orador: - Eu diria que, enquanto o Governo se alimentaria da situação normal de progresso que hoje se viveria, a oposição tem-se alimentado, sucessivamente, das dificuldades sentidas pelos nossos agricultores.
É indesmentível que a nossa agricultura está no bom caminho, no caminho da modernização Naturalmente, o Governo não faz milagres não faz o milagre de mandar chover, não faz o milagre de evitar geadas e também não faz o milagre de multiplicar o dinheiro. Se só há pouco foi possível decidir sobre o Alqueva foi porque só nessa altura se obtiveram os recursos indispensáveis à sua concretização.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP)- - Já ninguém suporta esse discurso!

O Orador: - Se outras obras só agora vão avançar é porque só agora foi possível, através da negociação dos fundos estruturais, obter os recursos necessários para o efeito.
A oposição vive do que falta fazer, enquanto o Governo vive do que já fez e da credibilidade que isso lhe dá; portanto, tem mesmo de continuar a fazer o que falta

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, durante a sessão, deram entrada na Mesa e foram distribuídos três projectos de resolução: n.º 149/VI (PCP), n.º 150/VI (PCP) e n.º 151/VI (PS). O texto deste último tem duas gralhas na página 3, na alínea b) do n.º 2: na quarta linha, onde está escrito «distribuição» deverá estar «destruição» e, mais adiante, há que aditar a palavra «não» entre a palavra «onde» e a palavra «lhes». Portanto, o texto correcto é: «(.. ) nas zonas onde a sua destruição foi percentualmente elevada e onde não lhes foi permitido efectuar os respectivos seguros.» Faço esta correcção para evitar uma nova distribuição.
Todos estes projectos de resolução têm a ver com o objecto do nosso debate de hoje e serão votados amanhã, no fim do debate.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia, pelo que vamos suspender a sessão, que retomaremos às 15 horas. Do período da ordem do dia constará da discussão do projecto de lei n.º 540/VI - Lei de gestão hospitalar (PS)
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 45 minutos.

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Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período da ordem do dia de hoje foi fixado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e tem por objecto a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 540/VI- Lei de gestão hospitalar.
Para fazer a sua apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agendámos para hoje um projecto de lei sobre gestão hospitalar e fizemo-lo com o propósito de dar um exemplo em que a problemática da transparência - que, felizmente, neste momento, é preocupação dos diferentes partidos políticos- pode ter uma manifestação, no plano concreto, num serviço público relacionado com algo tão importante como é a nossa própria saúde.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - É certo que o PS não precisou de esperar pelo último semestre de vida parlamentar desta legislatura para trazer à discussão os problemas da reforma do regime. Temos consciência de que existe uma crise do regime, bem como que ela tem a ver, também, com o que foi a gestão do Partido Social Democrata e a sua longa maioria absoluta.
Neste momento, há manifestações de crise e descontentamento, mas não podemos ter a ilusão de que este sentimento tem que ver, exclusivamente, com problemas de regime. Esse descontentamento também se deve às políticas sectoriais adoptadas.
Ora, na área da saúde entroncam-se problemas de regime, pelo que este projecto de lei tem a ver, por um lado, com problemas de regime e, por outro, com uma área sectorial: a da qualidade dos serviços de saúde.
O Partido Socialista preocupa-se com as políticas sectoriais e procura encontrar respostas alternativas às do PSD, em diferentes áreas sectoriais da vida portuguesa- saúde, educação, agricultura, finanças, etc. De qualquer forma, também temos consciência dó 'que o nosso país pode ser prejudicado se, atribuindo ao PSD responsabilidades na crise de regime, não quisermos dar uma maioria absoluta alternativa ao PS. Daí

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há, portanto, da parte do Partido Socialista, um compromisso público no sentido de querermos uma maioria absoluta. Entendemos que é justo que o PS tenha uma maioria absoluta, mas vamos reformar o regime para impedir, tanto quanto possível, que ela se transforme em poder absoluto.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Para o PS, a reforma do regime implica mais participação democrática e mais justiça inter-regional. Não é só o «pacote da transparência»' que está em causa mas, sim, algo mais profundo, como a Lei Eleitoral e a regionalização. O PS apresentou, por isso; o projecto de lei n º 67/VI - Criação das regiões administrativas no continente.
Com efeito, o prestígio do poder municipal e o sucesso das autonomias da Madeira e dos Açores na correcção das desigualdades regionais deveriam motivar-nos a regionalizar e não a, cinicamente, empobrecer o poder municipal e carpir os custos da insularidade. Mesmo que se deseje mais transparência e controlo democrático para o poder autárquico como para toda a vida nacional.
E, neste sentido, de maior transparência, durante a actual legislatura, o PS apresentou vários projectos de lei: Regime de incompatibilidades de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (462/VI), Incompatibilidades dos membros do Governo e incompatibilidades e Alteração do Estatuto do Deputado (277/VI e 278/VI); Financiamento da actividade dos partidos políticos (57/VI); Controlo público da riqueza e dos interesses dos titulares de cargos políticos (223/VI); Criação de um registo de interesses dos Deputados (54/VI).
O PS tomou também a iniciativa de propor uma revisão constitucional, para dar ainda mais consistência a este conjunto de iniciativas parlamentares, propôs o reforço dos poderes do Tribunal de Contas e o aumento das dotações orçamentais da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Judiciária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendemos que estas propostas fossem perfeitas no seu conteúdo, nem menosprezar os contributos dos outros partidos. Bem pelo contrário, a reforma do regime toca em áreas extremamente controversas, pelo que importa criarem-se condições para a procura de consensos. O que é sempre mais fácil longe dos períodos de eleições legislativas.
Custa-nos a admitir que o PSD tenha recusado, com soberba, todas estas iniciativas quando feitas em tempo útil, ainda relativamente longe dos necessários períodos de balanço de legislatura e de clarificação de propostas que deve preceder os períodos de eleições legislativas. Porque agora a pressa do PSD só pode ter uma leitura: demagogia, procurando não ser penalizado nas próximas eleições pela obstrução que antes praticou.
A reforma do regime deveria impor outros horizontes, envolvendo não só a forma mas os conteúdos, como acontece no diploma que hoje aqui vos trazemos. Nele propõe-se reformar o regime com consequências imediatas na qualidade dos cuidados de saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Estados Gerais para uma Nova Maioria, nas suas conclusões - no capítulo «Cidadania e Reforma do Estado» do «Contrato de Legislatura» -, propõem ao PS a procura, para a sociedade portuguesa, de mais participação, transparência, responsabilização, desgovernamentalização e despartidarização. Há de tudo isso no projecto que hoje vos propomos.

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De facto, o projecto de lei hoje em apreciação encontra-se recheado com uma situação concreta que diz respeito a uma das áreas mais dramaticamente controversas da actividade governamental na actual legislatura: a administração hospitalar.
Actualmente, a administração hospitalar tem sido marcada pela não transparência, nenhuma participação, manifesta desresponsabilização, escandalosa governamentalização e partidarização dum serviço público. Quem não recorda as manifestações ora de incompetência, ora de irresponsabilidade ou arrogância, de conflitualidade insuperável e de suspeita de corrupção das administrações nos casos mais conhecidos do grande público, como sucedeu nos hospitais de Évora, Beja, Faro, Castelo Branco, Barreiro, Aveiro, Vale do Sousa? Mas houve mais casos, apesar de menos conhecidos, em Eivas, Montijo, Figueira da Foz, Portalegre, Barcelos, etc., etc.
Surpreendentemente, toda esta série surge desde que o Governo nomeia os directores, que nomeiam o administrador-delegado, o director clínico e o director de enfermagem, que nomeiam os seus adjuntos e constituem o conselho de administração, que nomeia os directores de serviço, num seguimento kafkiano de total governamentalização destes serviços que deviam ser públicos e não do PSD. Conhecem-se os resultados - quando antes, com directores eleitos, ninguém ouvia falar mal da gestão dos hospitais!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É esta a doença que procuramos agora curar com o nosso projecto de lei sobre administração hospitalar.
Nele, e como medidas mais importantes, procuramos opor à nomeação dos directores, administradores e directores de serviço a regra do concurso público, mais consentânea com a competência técnica e desgovernamentalização dos serviços públicos; reforçar a participação interna, aumentando a colaboração dos técnicos de saúde e a eficácia da administração, propondo o método da eleição para a escolha dos directores médicos e de enfermagem entre os técnicos do grau mais elevado da carreira e, assim, reforçar a hierarquia administrativa com a hierarquia técnica e da competência e,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... também, aumentar a participação dos potenciais utentes e cidadãos, reforçando os poderes do conselho geral e a presença neste do poder local que, infelizmente, ainda não corresponde à dos eleitos num Portugal continental regionalizado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD tem procurado, nos últimos tempos, vestir a pele de cordeiro. Tem hoje uma boa oportunidade para mostrar que é sincero quando agora procura a transparência.
O nosso projecto pugna por mais transparência, competência das chefias, participação interna dos técnicos e externa dos cidadãos na administração duma instituição capital para a saúde de todos nós. Esperamos que este projecto de lei tenha sucesso, porque é, de facto, a saúde de todos nós que está em causa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Peixoto, Joaquim Vilela Araújo e Narana Coissoró.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, V. Ex.ª trouxe aqui, a esta Câmara, o debate da questão mais geral da saúde em Portugal. De qualquer forma, não nos podemos esquecer que o que está hoje, concretamente, em discussão é o projecto de lei do Partido Socialista.
De facto, estamos de acordo quando V. Ex.ª refere que o PS pretende reformar o regime, em termos de saúde, através da desgovernamentalização ou descentralização. Mas, por outro lado, quando nos debruçamos sobre as soluções concretas que V. Ex.ª apresenta, confesso que, eu próprio e o meu partido, ficamos um pouco confusos.
A verdade é que o problema da reforma do regime de saúde, em Portugal, não está, exclusivamente, centralizado na questão da gestão hospitalar; esse é apenas mais um problema, de que falarei mais adiante. Há, de facto, outras questões fundamentais que são, até, primordiais e prévias à reformulação do sistema de gestão hospitalar.
Portanto, ao pretender-se fazer esta reforma, mais lógico seria que, em primeiro lugar, se atacasse o problema por outros ângulos E o ângulo fundamental na transformação do regime de saúde é o do financiamento São, pois, necessárias novas soluções, já que o financiamento é a pedra fundamental de qualquer reforma em termos de saúde. Não há gestão hospitalar que resista, por exemplo, com o actual forma de financiamento.
Depois, existem outras questões fundamentais, designadamente as que se prendem, directamente, com a destruição do Serviço Nacional de Saúde, questão que o PS, infelizmente, tão poucas vezes tem denunciado. Pergunto- o programa de reprivatizações em curso neste momento vai conduzir a quê? E que o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde passa não só por isso mas, também, pela desvalorização das carreiras médicas e de enfermagem, que necessitam de urgente reformulação.
São, pois, estas questões gerais que deveriam ser ponderadas em primeiro lugar, para depois avançarmos em termos sectoriais, e, neste momento, convém não esquecer que o que está em causa é um projecto de lei do Partido Socialista que tem como objecto a gestão hospitalar.
Sr. Deputado Eurico Figueiredo, deixe que lhe diga que, de acordo com a leitura que faço do projecto de lei, ele nada tem de desgovernamentalização nem de descentralização, antes cria um sistema pesadíssimo de funcionamento. Senão, vejamos: como é que o conselho geral, com a composição que VV. Ex.ªs anunciam no projecto e reunindo mensalmente, vai funcionar quase como órgão de gestão do hospital? Ou seja, as decisões da gestão do hospital têm de passar por um conselho geral que, dificilmente, reúne mensalmente e que é presidido pelo respectivo presidente da câmara; ora, em municípios com vários hospitais, vejo com dificuldade o presidente da câmara a ocupar-se da gestão de todos eles!... Mas essa é uma questão que o Sr. Deputado irá, com certeza, esclarecer.
Outra questão, também fundamental, é a que se prende com a nomeação do director do hospital. O vosso projecto de lei - a não ser que este ponto seja esclarecido e, mais tarde, alterado - permite que se continue

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a fazer exactamente o mesmo que se faz hoje, ou seja, e sem desprestígio, qualquer professor primário ou industrial de fancaria pode chegar a director hospitalar! Para tanto, basta que tenham qualificação e currículo.
Ora, por esta ordem de ideias, se calhar, até chegamos à conclusão de que aqueles gestores que o Partido Social Democrata nomeou eram pessoas competentes, com bom currículo.
Segue-se, por outro lado, a questão de o concurso ser aferido por um júri que não sabemos quem, é. Assim, poderá acontecer- o vosso projecto de lei não explica- que seja o Ministro da Saúde a nomear esse júri que, por sua vez, vai nomear o director do hospital. Se formos ver, a diferença de regime é muito pequena, porque em vez de o Ministro nomear directamente o director do hospital, poderá fazê-lo de forma indirecta.
Há também outra questão importante que é difícil de entender no vosso projecto de lei e que se prende com as uniões e federações de hospitais. A não ser que se pretenda fazer aquilo que o PSD também está a fazer, ou seja, unir alguns hospitais em áreas, centralizando as especialidades. No entanto, isso teve algumas consequências nefastas no País, como, por exemplo, a, de acabar com as maternidades e obrigar as grávidas a terem os filhos a muitos quilómetros de distância do seu domicílio. Trata-se de uma situação que o PSD já pôs em prática, não é novidade nenhuma, não vem, digamos assim, criar grande expectativa.
Relativamente à descentralização e regionalização, se o Partido Socialista também defende e assume a. regionalização do País, em que é que este projecto se coaduna com essa posição? Repare que as disposições nele contidas concentram todas as decisões, mesmo as do conselho geral, pois em relação a todas as decisões importantes que este tenha de tomar tem de consultar e obter o agréement da administração central, o que é altamente centralizado. Aliás, as próprias ARS acabam por ficar ainda mais centralizadas neste projecto de lei do que estão actualmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, antes de mais, agradeço as suas perguntas.
Obviamente, nesta intervenção falámos de gestão e não de outra coisa qualquer, mas ainda no início do mês de Janeiro fiz aqui, neste Parlamento, uma intervenção genérica relativamente à qual tive oportunidade de ouvir perguntas interessantes da parte do Sr. Deputado.
No entanto, não podemos estar sempre a dizer a mesma coisa. Neste momento, apresentamos um, projecto sobre gestão hospitalar, porque este assunto foi o mais escandaloso dos últimos quatro anos de Governo do PSD, em termos de repercussões externas e de opinião pública. Como tal, é necessário dar uma resposta quando os problemas da transparência, da competência e da responsabilidade da classe política estão agendados e na ordem do dia.
Por isso, procurámos apresentar um caso concreto ao nível institucional em que gostávamos de saber da boa fé do PSD, que fez obstrução a todas as nossas propostas, no que se refere à transparência e competência ao nível da gestão de uma instituição profundamente desprestigiada.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Muito bem!

O Orador:- Em segundo lugar, quero dizer-lhe que o Sr. Deputado é injusto para connosco, porque podemos ser omissos mas não somos mal intencionados. E quando falamos do princípio do concurso e o princípio do concurso que está em causa. É óbvio que não vamos aqui fazer um decreto regulamentar sobre o modo como se vai realizar o concurso para director do hospital ou para administrador delegado, pois isso será objecto de outro tipo de intervenção e de legislação que não está neste momento em causa.
Em relação às críticas que nos fez sobre a regionalização «enfio completamente a carapuça», uma vez que são absolutamente justas. Só que, neste momento, os municípios são a regionalização que temos, não temos outra coisa. É evidente que quando se verificar a regionalização do continente tomaremos medidas adequadas para transformar o projecto. Além disso, o conselho geral tem poderes regionais e optamos pelo município mais importante para presidir ao conselho geral, mas, obviamente, havendo regionalização, toda esta organização do conselho geral terá de ter uma representatividade regional que nós, certamente, defendemos.
No que se refere à sua crítica quanto à associação, também não a compreendemos, porque se trata de uma associação livre e não de uma obrigação de Estado, de uma intervenção cínica do Estado, no sentido de prejudicar seja o que for. Trata-se de um direito de associação livre por parte dos hospitais que, num momento em que ainda não há regionalização, pensamos ser uma medida importante e que permite uma certa racionalização das instituições existentes, por associação livre de âmbito regional, que nós, francamente, não vemos por que há-de ser criticada.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Por último, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que fui director de um hospital durante quatro anos, o conselho geral reuniu todos os meses - aliás, há testemunhas disso no seio do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata que o podem confirmar -, discutiu projectos e representou um grande apoio à minha gestão durante os quatro anos em que fui director do Hospital Magalhães Lemos.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo.

O Sr. Joaquim Vilela Araújo (PSD) - Sr Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, a política, em geral, e a de saúde, em particular, não podem ser um mero jogo de pingue-pongue do PS para o PSD e do PSD para o PS.
O PS pretende alterar a legislação hospitalar e, naturalmente, está no seu direito, aliás, até diria que tem

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esse dever. Mas um partido que está há 10 anos consecutivos na oposição deveria ser mais categórico e peremptório, nomeadamente diante do eleitorado e principalmente no que quer e não quer em matéria tão sensível como a da saúde. Não basta «abanar» uns papéis, a meia dúzia de meses de eleições, e dizer: «Eureka! Eureka! Vai acabar a incompetência! Vai acabar a corrupção! Vai acabar tudo isto! E porquê? Porque o PS vai para o Governo e na saúde tudo será por concursos.».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Meu Deus! Quanta ingenuidade e incompetência grassa pela Administração Pública do nosso país...

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - É verdade! Nomeadamente e também em virtude de pessoas que assumem os lugares através de concursos públicos. É verdade!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Então é contra os concursos?!

O Orador: - Mas o que querem? Querem acabar com a corrupção por decreto?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não era mau começar por aí!

O Orador: - Não era mau, mas não é possível!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não é por decreto, é pela mudança de Governo!

O Orador: - Está convencido disso, Sr. Deputado Narana Coissoró?
Passemos a questões mais comezinhas. O vosso projecto de lei fala em administração central de saúde. Pergunto: o que é e o que substitui?
Quem superintende no hospital? É o conselho geral ou o conselho de administração? Aconselho-os a lerem o artigo 11.º, n.º 2, do vosso projecto de lei.
O conselho geral é composto por uma série de pessoas da maior responsabilidade, naturalmente, e no vosso projecto de lei referem «um representante do pessoal». Pergunto: de que pessoal? Dos médicos? Dos enfermeiros? Dos picheleiros? Dos electricistas? De que pessoal?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Dos picheleiros!...

O Orador: - Referem-se também representantes da indústria, do comércio. Pergunto: por quem? Por que princípios?
Por outro lado, refere-se que o conselho geral é presidido pelo presidente da câmara municipal do concelho. Pergunto: no Porto, como é que se fará? Preside ao do Hospital de S. João, ao do Hospital de Santo António, ao do Hospital Maria Pia, ao do IPO, and só only. E em Coimbra? E em Lisboa?
Depois, refere-se ainda que o director é «seleccionado através de concurso público, que define o perfil (...)». Pergunto: quem define o perfil? O ministro?
Quem é o júri? Que matérias? Que profissionais se podem candidatar a esse concurso?
Francamente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, esperava mais de V. Ex.ª e do seu partido... Para mal de Portugal e da saúde dos portugueses!

O Sr. Fernando Andrade (PSD):- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo, a crítica que me fez quanto à oportunidade de um projecto que tem a ver com transparência e competência devia fazê-la ao presidente do seu partido, por só se ter lembrado, há algumas semanas, de trazer exactamente todo o «pacote» da transparência a esta Assembleia da República, a alguns meses de eleições legislativas. Por isso, devolvo-lhe a crítica que me fez.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Quanto à composição do conselho geral, se o Sr. Deputado tiver paciência para ler o decreto de gestão elaborado pelo ex-Ministro Maldonado Gonelha, do Partido Socialista, há alguns anos atrás, verá que, com alguns defeitos, era muito mais interessante do que este e teve como primeiro inspirador o próprio Dr. Paulo Mendo. E o Sr. Deputado encontrará as mesmas indicações, ou seja, representante dos enfermeiros, representante dos jornalistas, representante dos intelectuais da região, etc.
No entanto, é evidente que, depois, todos esses aspectos terão de ser esclarecidos, uma vez que este projecto implica, obviamente, uma regulamentação.

O Sr Fernando Andrade (PSD): - O mal é esse!

O Orador: - O Sr. Deputado falou sobre o problema de a presidência do conselho geral caber ao presidente da câmara e, de facto, estou a ver o nosso amigo comum Fernando Gomes, agitado por aquele Porto fora, de hospital em hospital, a presidir aos conselhos gerais.
Sr. Deputado, é óbvio que se tivesse lido o projecto de lei com atenção teria percebido que há um vice-presidente eleito e se tivesse conhecimento do modo como as coisas se passam nos outros países, saberia que, em muitos deles, o serviço nacional de saúde é exactamente assim. Ou seja, os conselhos gerais são presididos pelos presidentes de câmara, como acontece, por exemplo, em França, os quais vão às suas reuniões uma vez de dois em dois anos, o que é um grande feito público e muitos problemas importantes para a região, no domínio da saúde, são discutidos quando ele lá está. No entanto, na sua rotina, os conselhos gerais são presididos pelo vice-presidente, figura que está prevista neste projecto de lei.
Certamente, quando houver regionalização, as coisas terão de ser de outro modo, mas se não há regionalização em Portugal, no continente, a responsabilidade não é do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, não queria que esta discussão fosse apenas entre médicos, porque, efectivamente, a gestão hospitalar diz respeito à comunidade, à população em geral.
Por isso mesmo, alguns dos aspectos técnicos que foram aqui referidos nas perguntas anteriores têm, naturalmente, a sua razão de ser, sob o ponto de vista médico, mas gostava de ver a questão colocada na perspectiva mais geral da sociedade.
Em primeiro lugar, gostava de referir que o projecto de lei hoje apresentado pelo PS dá uma volta de 180º sobre o projecto que o PS apresentou em 1987', para acompanhar ou contrapor ao projecto da Dr.ª Leonor Beleza. Tratava-se de um projecto muito centralizador, aliás, não se viam grandes diferenças entre a centralização e governamentalização do PSD e a centralização e governamentalização do PS.
Agora, decorridos tantos anos, com base nos Estados Gerais e naqueles 90 especialistas que estão debruçados sobre tudo, à lupa, é natural que o PS queira fazer um arranjo.
No entanto, estes 90 especialistas, estes 90 sábios - que vão, eventualmente, dirigir a nossa vida pelo menos nos próximos 10 anos, uma vez que também já disseram que depois disso não querem lá ficar, para não se eternizarem e haver alternância, seguindo, portanto, a teoria do cavaquismo, isto é, a teoria do («-1)-, em vez de nos darem uma visão global da saúde e dizerem como e que o PS quer, efectivamente, organizar o sistema, vêm com uma pequena coisa chamada administração hospitalar, como se este fosse o ponto mais sensível e nevrálgico do sistema de saúde e da organização da saúde que o PS pretende.
Tenho para mim e para o meu partido que a administração hospitalar e importante, mas não é o tal ponto sensível, não é o tal «eixo da roda», como se costuma dizer, sobre que repousa toda a ideia de saúde do Partido Socialista.
Por isso mesmo, através deste diploma que agora apresentam, não ficamos a saber qual é, efectivamente, a ideia global do sistema de saúde que o PS pretende.
Em segundo lugar, coloca-se aqui o problema da atomização do hospital, ou seja, neste projecto de lei, o hospital aparece como uma entidade a se é, portanto, devia ser considerada com rigor, desligada da administração central ou ligada por laços muito ténues à administração central hospitalar ou ao Governo, ao Ministro da Saúde, devendo ter todas as potencialidades para se autogovernar.
Ora, o que vemos neste projecto de lei é que há muitos «rabos de palha», muitos fios soltos. Por um lado, fala-se em concurso, por outro, faz-se depender esse concurso das normas gerais da Administração. Se, por qualquer razão, este projecto de lei fosse aprovado e entrasse imediatamente em vigor, dentro de 10 ou 15 dias haveria uma contradição nítida, pois passava a haver uma concepção da administração hospitalar atomística, rodeada de uma administração central a que ela devia obediência, o que VV. Ex.ªs, neste projecto de lei, não mudaram Para já, lançaram o foguete, mas se este estoirasse nem a cana se aproveitaria! E isto porquê? Porque rebentava, ficava por aí e, depois, não sabíamos o que tinha sobrado do estrondo! Qual é a dependência da administração central a esta unidade atómica que é o hospital?
No entanto, há aqui uma ideia generosa, que sublinhamos e queremos aproveitar e dar o nosso apoio: o hospital deve ser autogovernado e essa autogovernação deve ser rodeada de órgãos da comunidade que olhem por ela. Só que a sua ligação à administração central é extremamente importante e o modo como esta se faz, em face da Constituição existente, da unidade do País e do hospital como centro estratégico de saúde, não pode ser atomizada de tal modo que o hospital seja uma entidade a se. Temos de ter uma ideia global do que é a Administração e o vosso hospital atomizado falharia completamente no encaixe dentro desta ideia de administração global.
Este diploma é, portanto, um tiro no eseuro. É um diploma que serve meramente para dizer que o PS tem uma ideia de hospital diferente da ideia que o PSD tem sobre a matéria - nisso estamos de acordo. A ideia que o PSD tem sobre o hospital é uma ideia mendicista e esmoleira do Governo.

O Sr. Jaime Gama (PS):- Muito bem!

O Orador: - E tanto assim é que, soberanamente, querem ligar os hospitais onde eles, tradicionalmente, não têm qualquer ligação. Vejam, por exemplo, o caso do hospital das Caldas da Rainha que o PSD quer ligar à força ao de Coimbra ou de Leiria, só para salvar o distrito de Leiria, onde o PSD parece ser muito mais forte do que nas Caldas da Rainha!
O que quero dizer é que esta ideia mendicista ou esmoleira de hospital tem de acabar. Só que também o PS terá de ter cuidado ao apresentar projectos em que não nos dá uma ideia geral de qual é a administração hospitalar que quer, de como quer organizar a saúde e de como se encaixa aí o hospital. Não pode aparecer, de repente, com a ideia de hospital tomada de per si, que realmente nos deixa bastante apreensivos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico de Figueiredo

O Sr. Eurico de Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, ilustre Deputado, quero agradecer-lhe as perguntas que me fez.
Disse V. Ex.ª que, eventualmente, haveria algumas semelhanças e algumas divergências entre o projecto de lei que apresentámos na mesma altura em que foi apresentada uma proposta de lei pela então Sr.ª Ministra, Leonor Beleza. É provável que as houvesse - não o tenho de memória, embora na altura o tivesse lido -, mas uma coisa é certa: todos nós aprendemos e vamos modificando os nossos próprios projectos com a experiência. E a experiência, caminhando para oito anos de poder absoluto do cavaquismo, é tão marcante neste país que todos temos muito que aprender, no sentido de consentir que em Portugal existam maiorias absolutas, mas que essas maiorias absolutas possam corresponder a um País que viva e que tenha iniciativa democrática, a um país transparente e com clareza. Não ao País que vamos herdar, em que tudo são benesses, privilégios, burocracias e poderes instalados.
O Sr. Deputado Narana Coissoró - e muito bem - pergunta-nos: e a saúde? Essa pergunta foi-nos feita

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também pelo Sr. Deputado Luís Peixoto, do PCP. A resposta que lhes dou é que, por várias vezes, já falámos de saúde neste Parlamento e, há alguns meses, apresentámos a trama geral do nosso ponto de vista sobre política de saúde. Numa problemática de transparência e de competência, surpreende-me que o Sr. Deputado não seja sensível - foi-o nalguns aspectos - à «provocação» que existe neste nosso projecto, porque ele veio desmontar todo um conceito de opacidade e de favoritismo, toda uma partidarização dos serviços públicos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É uma pedrada!

O Orador: - Como tal, é um projecto de lei que tem sentido neste momento de debate sobre a transparência, pois a reforma do regime em Portugal não passa apenas pelo pacote da transparência. Nós recusamo-nos a aceitar que a reforma do regime passe apenas pela transparência. Para nós, ela passa pela transparência, mas também pela reforma da Constituição, por uma nova lei eleitoral e pela regionalização. E, com este projecto, procurámos demonstrar que passa também pela modificação de todos os serviços públicos e sua lógica.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Disse também o Sr. Deputado Narana Coissoró que este é só um ponto muito particular do imenso iceberg que é o clandestino da Administração Pública em Portugal e dos favores. Estou de acordo consigo, Sr. Deputado, mas só quando o PS for poder poderá, de facto, fazer a tal revisão geral do aparelho do Estado e do Estado português que são necessárias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa pois será a única forma que tenho de dar um pequeno esclarecimento a uma afirmação que aqui foi feita pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
Sou um dos «pais» do projecto de lei de 1987, a que o Sr. Deputado se referiu...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Quando muito, é o pai! Um dos pais, não!

O Orador: - Sou um dos «pais», porque aqui o «filho tem vários pais»!
O Sr. Deputado Narana Coissoró afirmou aqui que o projecto de lei apresentado pelo PS em nada se distinguia da proposta de lei apresentada, na mesma altura, pela então Sr.ª Ministra, Leonor Beleza, afirmação que não é verdadeira, pois há uma distinção extraordinária entre os dois projectos. A proposta de lei da Sr.ª Ministra constituía uma autêntica governamentalização da gestão dos hospitais - o que na altura foi argumentado e depois se veio a provar- e transformou os hospitais e os gestores dos hospitais em dependentes totais do Ministério da Saúde.
Nós propúnhamos uma coisa completamente diferente, no sentido de que os órgãos de gestão dos hospitais deveriam resultar de uma eleição democrática de um corpo eleitoral alargado, com a intervenção do conselho geral e do Ministro; dos directores dos hospitais eleitos, que seriam três, um seria escolhido pelo Ministro. Em segundo lugar, o director do hospital seria sempre um médico e nunca um banqueiro ou um coronel!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Disse maqueiro ou banqueiro?!

Risos.

O Orador: - Em terceiro lugar, é preciso lembrar que, na conjuntura em que esse projecto de lei foi apresentado, o Ministério da Saúde não tinha ainda a estrutura que tem hoje. Não tinha concentrado as administrações regionais de saúde, que são hoje em número de cinco - concentrou mais ainda o que já estava concentrado! -, não tinha sido ainda criada a Direcção-Geral de Saúde e as administrações regionais de saúde não tinham quaisquer poderes sobre os hospitais. A estrutura que está hoje criada é diferente e não há nenhuma razão para invocar o antigo projecto de lei apresentado pelo PS como sendo semelhante ao do PSD, porque não há entre eles a mínima semelhança, mas antes uma total contradição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Podemos conversar sobre isso e eu demonstro-lhe o contrário, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr Presidente, agradeço-lhe o tempo que me concedeu. Devo dizer que não pedi à Mesa que me prestasse esta informação, porque ser-lhe-ia difícil mandar buscar um projecto de lei apresentado em 1987.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa, inclusive, não domina inteiramente as leis da genética para saber que há duas regras: a genética espiritual e a genética biológica. Assim, agradeço-lhe o esclarecimento que nos deu.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 540/VI sobre gestão hospitalar, do Partido Socialista, hoje em discussão nesta Câmara, impõe que se faça uma breve análise ao conceito e evolução da gestão hospitalar.
O quadro conceptual da gestão do sistema hospitalar é marcado por uma particular e profunda evolução do conceito de cuidados de saúde e de unidade hospitalar em toda a Europa, desde os anos 50 até aos nossos dias.
Desde então assiste-se à universalização dos direitos do acesso à protecção à saúde, à criação de redes gerais de prestação de cuidados de saúde primários, racionalizando e definindo o hospital e garantindo em conjunto aos cidadãos cuidados de saúde diferenciados de alta tecnologia, bem como medicamentos eficazes.
A explosão das despesas em saúde, associada à especialização e complexidade da estrutura hospitalar, veio exigir que fossem introduzidos critérios de gestão,

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em correspondência com a tutela, e instrumentos de controle e avaliação cada vez mais rigorosos.
Os hospitais pertencentes a entidades de direito público foram, por via de regra, sujeitos a formas de tutela mais apuradas, no que respeita à execução orçamental, à gestão dos recursos humanos e à organização interna. Ao aumento das competências dos órgãos gestionários correspondeu a identificação de forma clara à imputação de responsabilidades a todos os órgãos de administração, técnicos e consultivos.
Por tudo isto tiveram os Estados europeus, incluindo Portugal, necessidade de introduzir modificações importantes no regime jurídico da gestão dos hospitais públicos, nos anos de 1985 a 1990, no sentido de reforçar as competências dos órgãos de gestão; abandonar as direcções de tipo colegial; proceder à designação pela tutela dos órgãos de gestão; definir o perfil de gestor para o exercício de chefe executivo; introduzir métodos de gestão empresarial; reforçar e multiplicar o controle da natureza tutelar.
Acompanhando esta dinâmica europeia e com uma preocupação semelhante, o Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, introduz na legislação portuguesa os mesmos princípios, fazendo corresponder os órgãos e as suas competências às exigências funcionais de um hospital moderno. Igualmente se proeurou adequar a forma como passaram a ser designados os titulares dos órgãos e a necessidade de estes actuarem de acordo com as directrizes essenciais da filosofia de cuidados de saúde, superiormente delineadas em função dos direitos e necessidades dos utentes.
Introduziram-se alterações substanciais no domínio dos órgãos de gestão e do funcionamento dos hospitais, dando maior autonomia e, correspondentemente, maior responsabilidade, exigências novas que possibilitaram adequar a profissionalização e disponibilidade de quem assume a responsabilidade, tão nobre e tão complexa, da gestão de um hospital.
Acompanhando estas alterações legislativas, é de salientar o enorme esforço de investimento na modernização da estrutura do Serviço Nacional de Saúde, quer na rede hospitalar quer na rede de centros de saúde.
Nos últimos 10 anos, foram construídos 15 novos hospitais e 100 centros de saúde e o orçamento para a saúde aumentou cinco vezes em 10 anos - de 130 milhões de contos, em 1985, para 636 milhões de contos, em 1995. Conseguimos a maior descida da mortalidade infantil - de recordar que, em 1985, era de 17,8 % e que, em 1994, foi de 8 %, um número comparável aos restantes países europeus e que nos deve orgulhar a todos.
O que a Europa fez em 30 anos pela saúde estamos nós a conseguir fazer em 10 anos.
Cumprindo os princípios orientadores da Lei de Bases da Saúde, o Estatuto Nacional de Saúde e o programa do Governo, o Ministério tem tido especial atenção na promoção e prevenção da saúde, com destaque para o reforço financeiro dos programas de luta contra a SIDA, de educação para todos, da saúde da mãe e da criança e a reformulação do programa de luta anti-tuberculosa.
Tem garantido a dignidade e valorização dos profissionais de saúde, incrementando a formação em serviço, a aprovação do Estatuto Disciplinai; dos Médicos, a alteração do regime legal de algumas carreiras técnicas e o descongelamento de um elevado número de vagas - 300, em clínica geral e, a nível hospitalar, 930 -, o que permitiu regularizar um grande número de situações precárias.
São já uma realidade as unidades de saúde flexíveis e funcionalmente integradas, que englobam hospitais e centros de saúde e cujos objectivos são os de simplificar para o doente o acesso e a continuidade da prestação dos diferentes níveis de cuidados, optimizando assim todos os recursos.
Tem estimulado a revitalização do papel das Misericórdias no contexto da saúde e foram celebrados 18 protocolos, visando aproximar a prestação de cuidados continuados, alargados e humanizados às populações
O Estado é, cada vez mais, o garante da prestação de cuidados de saúde e não, necessariamente, o executante. Está a ser criado um sistema de identificação dos utentes do Serviço Nacional de Saúde, que facilita o acesso e a resposta a qualquer nível de cuidados. Está em curso um programa de recuperação das listas de espera em cirurgia, em que o doente é tratado no sector privado, sob a responsabilidade financeira do hospital cuja capacidade de resposta esteja efectivamente esgotada.
Muito importante é a consolidação da divida do Serviço Nacional de Saúde a fornecedores, no montante de 70 milhões de contos, constante na Lei do Orçamento para 1995. É uma medida estruturante, que consolida um passivo negativamente condicionador da reflexão sobre o sistema de financiamento, que urge fazer e que será sempre subordinada a princípios de justiça, equidade e solidariedade social.
Na execução destas políticas têm sido envolvidos e empenhados todos os profissionais, que, conjuntamente com os conselhos de administração, directores clínicos e de enfermagem, têm proporcionado uma melhoria significativa e claramente demonstrável, quer do nível e qualidade das respostas quer dos indicadores de saúde.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A tudo isto responde o Partido Socialista com um projecto de lei sobre gestão hospitalar. Na apreciação deste projecto, começo por manifestar o meu protesto e discordância quanto ao modo como, na exposição de motivos, o PS calunia os directores e os administradores delegados dos hospitais, de um modo falso e injurioso, que revela um total e imperdoável desconhecimento da dedicação, competência e seriedade dos conselhos de administração dos hospitais de todo o país.
Este projecto parece mais um pretexto para fazer demagogia do que uma verdadeira intenção de legislar.
Senão, vejamos: este projecto de lei ignora por completo a Lei de bases da Saúde, o Estatuto Nacional de Saúde e a Lei de Gestão Hospitalar; o Ministério como que desaparece e baseiam-se em órgãos que não existem, como a administração central de saúde, a assembleia de representantes, as uniões e federações de hospitais e o conselho geral, que este diploma não cria - nem é esse, aliás, o seu âmbito.
Será que o PS quer apresentar uma nova lei de bases, para a criação deste e de outros órgãos? Mas convém não esquecer que a actual Lei de Bases da Saúde foi votada favoravelmente também pelo PS, que agora a ignora tão flagrantemente.
Actualmente, o Decreto-Lei n.º 19/88 tem, na Lei Orgânica Hospitalar, como órgão de consulta, o Con-

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selho Geral e, como órgãos de administração, o conselho de administração, presidido pelo director do hospital, o presidente do conselho de administração e o administrador delegado O PS propõe como inovação esta coisa espantosa: mais um órgão colegial de administração - o conselho geral -, que passa de órgão colegial consultivo a órgão colegial de administração.
Mas debrucemo-nos um pouco mais sobre este novo órgão de administração- o conselho geral-, ao qual ficariam conferidas as mais nobres e importantes tarefas da gestão hospitalar. Este órgão: propõe e submete à aprovação da administração central de saúde - um órgão que, convém não esquecer, não existe -, orçamentos e planos e relatórios anuais e plurianuais; subscreve as contas de gerência a apresentar ao Tribunal de Contas; estabelece directrizes para o bom funcionamento do hospital; avalia e supervisiona a prontidão dos cuidados de saúde e a execução dos orçamentos; propõe a criação e a alteração dos serviços e departamentos, e fiscaliza e controla a aquisição de bens e serviços e a política de recursos humanos.
Tudo isto, que são as linhas fundamentais da administração de um hospital, seria analisado, comparado e avaliado, sendo tomadas decisões em reuniões colegiais, uma vez por mês - como se fosse possível um hospital ser gerido com decisões de mês a mês!
Este projecto é verdadeiramente revelador de uma profunda ignorância nesta matéria por parte dos seus signatários.
Mas muito importante é atendermos a quem integra este órgão: os membros do conselho de administração; representantes do pessoal do hospital; representantes dos sindicatos, das organizações profissionais, das organizações patronais da indústria e do comércio, das associações de consumidores, dos utentes e das ligas de amigos.
O PS está com uma verdadeira e profunda psicose dos Estados Gerais para tudo, e também para os hospitais. Isto e a desresponsabilização do governo, é ignorar os direitos e deveres da democracia, enfim, é o mais colorido dos folclores da auto-gestão popular.
Note-se bem que neste conselho geral estão a votar os orçamentos e as contas, entre outros, os comerciantes, industriais e fornecedores do próprio hospital, que, portanto, estão a votar as suas próprias contas. O PS coloca o conselho geral como órgão máximo de administração do hospital; como presidente deste órgão máximo, o Presidente da Câmara Municipal onde o hospital está sediado Com este artifício legislativo, o PS pretende tomar de assalto e de um modo camuflado e ardiloso a chefia dos hospitais, já que detêm, por agora, a maioria das Câmaras. O director do hospital fica subordinado às ordens e directivas do conselho geral, que é presidido pelo Presidente da Câmara local.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, propõe ainda o PS que o director, ao contrário do que sucede em toda a Europa, seja seleccionado através de concurso público, que define o perfil pretendido assente em critérios de experiência profissional, formação adequada e currículo académico. Mas se, por absurdo, houvesse concurso público, quem definia o perfil pretendido, a experiência profissional e a formação adequada? Quais os critérios para a selecção do júri, quem os determina e quem os nomeia? Se é o Ministro, este projecto é uma hipocrisia, pois a decisão continua a ser do Ministro e, aparentemente, é isso que o PS quer evitar.
A própria Ordem dos Médicos enviou recentemente a todos os grupos parlamentares um documento que traduz, de modo inequívoco, a sua posição, que resulta de um trabalho conjunto com a Federação Nacional dos Médicos, o Sindicato Independente dos Médicos, a Associação Nacional de Médicos de Clínica Geral, a Associação Nacional dos Médicos de Carreira Hospitalar e a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, entre outras, onde dizem textualmente: «a nomeação da administração das unidades de saúde deve ser assegurada pelo poder dentre os técnicos especializados».
Em princípio, os membros do júri seriam profissionais das mesmas carreiras que os candidatos. O director clínico e o conselho médico seriam eleitos por todos os médicos do hospital, o enfermeiro director e o conselho de enfermagem seriam eleitos por todos os enfermeiros do hospital. Então, o que os Srs Deputados do PS querem, não e um hospital mas sim um clube, onde cada classe elege o seu representante, cujas pretensões este terá que defender, sob pena de não voltar a ser eleito Ficariam assim os hospitais independentes do Ministério e do Governo, entregues a uma auto-gestão, aos interesses corporativos dos sindicatos, das empresas e dos utilizadores, passando a ser administrados sem controle e sem responsáveis perante o Estado.
O PS nunca acreditou ser Governo. Por isso, apresenta este projecto que, tal como as promessas que vai fazendo de tudo resolver e tudo financiar, é feito com a irresponsabilidade de quem sabe que não vai ter que cumprir porque não vai governar.
Outra incongruência do PS é que, neste projecto, propõem que o director do hospital seja seleccionado por concurso público e, ao contrário, o PS propõe no seu projecto de lei n.º 337/V sobre organização e gestão dos centros de saúde, no n.º l do artigo 10.º o seguinte: «os centros de saúde serão geridos por um director a nomear pela Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários». Portanto, o PS diz: os directores dos hospitais, por concurso público; os directores dos centros de saúde, por nomeação. Afinal, em que e que ficamos, Srs. Deputados: é por concurso ou por nomeação? O cargo é o mesmo, a dignidade é a mesma, a responsabilidade idêntica, a formação académica igual, os objectivos comuns - qual então, a razão desta incongruência? Qual a explicação para tão absurda discriminação e ambiguidade do PS?
O projecto de lei n.º 540/VI do PS, que pretendia ser uma nova lei de gestão hospitalar, definindo o estatuto, a organização e a atribuição dos vários órgãos de gestão, acaba por não ser uma verdadeira intenção legislativa mas sim uma verdadeira miscelânea de ignorância, irresponsabilidade e demagogia Em matéria de saúde, como noutras matérias, o PS pauta-se pela ignorância, por ideias falsas e pela exploração demagógica, colando-se a posicionamentos corporativos de vários grupos profissionais, pretensamente revestidos de abordagens técnicas quase sempre inconsistentes. O PS, ao apresentar um projecto tão confuso, contraditório, irrealista, isola-se por completo de toda uma corrente de pensamento e acção que. neste domínio, tem varrido a Europa e que o Governo tem sabido acompanhar e mesmo, nalguns casos, dinamizar.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, a reforma e a organização do sistema de saúde português tem li-

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nhãs orientadoras eficazes e coerentes, é desenvolvida pelo Governo através de uma combinação coerente de medidas de curto e médio prazo, aplicadas com a ponderação que a natureza especial do sector determina e a estabilidade política conseguida pelas maiorias do PSD tem permitido. De forma persistente e empenhada, têm vindo a ser incrementadas mudanças que, inequivocamente, têm melhorado muito o estado da saúde em Portugal.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida..

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade, compreendemos a enorme dificuldade que V. Ex. ª, assim como qualquer outro Deputado do PSD, sente, neste momento e depois de todos estes anos, ao defender aquilo que é indefensável. Hoje em dia, é notório e evidente, .por todos os exemplos que existem a nível nacional, que o PSD confundiu algo extremamente importante, ou seja, confundiu gerir com controlar. É necessário gerir um hospital, cooperando, mas o PSD não quis gerir, quis controlar o hospital. De facto, é compreensível!
O que já não é compreensível nem aceitável é que o Sr. Deputado Fernando Andrade tenha utilizado alguns termos que nós repudiamos e não podemos deixar de mostrar alguma indignação face àquilo que aqui disse, ao ponto mesmo de eu pensar que V. Ex.ª veio, hoje, disposto para um debate não no sentido de cooperar positivamente, que é aquilo que é exigido, mas para ter uma atitude um tanto ou quanto de chicana. É que chegou ao ponto de utilizar expressões como «irresponsabilidade, uma profunda ignorância».
Ora, aproveito para lhe dizer que a ignorância é atrevida, muito atrevida às vezes, e V. Ex.ª foi muito atrevido! Chegou ao ponto de dar o exemplo de que, na Europa, nenhum país utiliza esse sistema- ma? utiliza! Aqui a vizinha Espanha utiliza, mas não só, também outros países De maneira que eu gostaria de centrar esta questão em termos mais correctos.
Hoje em dia, é evidente que a exigência que se coloca à gestão dos hospitais é cada vez maior. É necessário, entre os disponíveis no País, entre os mais capazes, encontrarmos os melhores para gerir áreas tão importantes e difíceis de gerir como são estas, porque não se trata de gerir uma qualquer empresa pública ou qualquer outra empresa, mesmo industrial: é necessário gerir bem, mas também ter em. conta o conteúdo humano que requerem estas unidades, como é o caso dos hospitais.
A nossa proposta é muito clara- a vossa também é clara -, mas há algo que gostava que V. Ex.ª nos esclarecesse aqui hoje, e provavelmente terá oportunidade de o fazer.
Em nossa opinião, dado o estado a que as coisas chegaram em termos de gestão hospitalar, é preferível proceder a concurso público para encontrar as pessoas mais indicadas para gerir os hospitais.
Mas o PSD continua amarrado a uma proposta que deu o desastre que deu, de nomear directores mais por critérios de confiança político-partidária do que por critérios de qualidade de gestão, pelo menos comprovada.
É quanto a isto que eu gostava que V. Ex.ª nos esclarecesse: qual a sua posição? Que desvantagens encontra na realização de concurso público. Porque é que não pode ser encontrado através de concurso público um bom gestor de hospital e um bom administrador de hospital?
Também em relação àquilo que referiu, acerca da Ordem dos Médicos, estamos em plena consonância com esta, como sabe e não como disse, porque a Ordem dos Médicos quer diferenciar a parte administrativa da parte técnica A este respeito, a Ordem dos Médicos diz que deve haver eleições na parte técnica para que as pessoas se sintam representadas; nós defendemos também que, quer a parte técnica, quer a de enfermagem, quer a parte médica, sejam representadas por eleição entre os seus elementos.
São estes os pontos que questiono, e repito que desvantagens encontra V. Ex.ª em que sejam encontrados os gestores hospitalares e os administradores por concurso público? E que desvantagens encontra em que a parte da direcção clínica e de enfermagem seja representada através de eleição de entre o colégio eleitoral do próprio hospital!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD) - Sr Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, as explicações deviam vir das incongruências do PS quando, para o centro de saúde, propõe nomeação e, para o hospital, concurso. Mas eu vou responder quanto à Ordem dos Médicos, tenho aqui o documento à minha frente.

O Sr. João Rui de Almeida (PS):- Também o tenho aqui!

O Orador: - ... e é isso mesmo que diz. pois citei textualmente o que diz a Ordem dos Médicos! Isto para dizer que o PS está isolado de toda a Europa e de todas as associações médicas em Portugal Embora seja verdade aquilo que disse, que em Espanha é por concurso, é preciso ter em conta que a propriedade dos hospitais concelhios espanhóis é das autarquias e que a Espanha tem esse projecto em experiência há dois ou três anos,...

O Sr João Rui de Almeida (PS): - Mas isso é de 1987!

O Orador:- Sr. Deputado, ouça! Uma das virtudes das pessoas e dos políticos é saber ouvir, e eu soube ouvir V Ex.ª! Depois, os que não ouvem, não aprendem!

O Sr. João Rui de Almeida (PS) - É preciso descaramento!

O Orador: - Em termos de concursos e de competências, quando o PS diz que a saúde em Portugal é um desastre, isso é uma falsidade atroz e uma ignorância absoluta da vossa parte Não sabem sequer ler os números dos indicadores de saúde que Portugal tem actualmente. Portugal tem conseguido, em dez anos, fazer aquilo que a Europa fez em trinta. Mas vamos mais longe: o PS fez uma coisa, que se deve à tal isso e à necessidade"

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norância que referi, ao copiar as competências do administrador delegado para o conselho geral: Nesse conselho geral, como já disse, estão 50 ou 60 pessoas, que ficam com as mais nobres e importantes tarefas de gestão. Não é possível! Este documento e esta proposta não permite que haja nenhuma capacidade de resolução! Ao contrário daquilo que sucedia e que sucede actualmente, o conselho de gestão é um órgão consultivo, não é um órgão de administração. Quando, na Europa, se estão a abandonar os órgãos de administração colegial, e os órgãos colegiais são de três pessoas, o PS vem propor um órgão colegial de 60 pessoas! Como se fosse possível tomar alguma decisão directa de administração num órgão colegial deste tipo! O PS não percebe sequer o que é que está a fazer ou que é que está a propor! Não percebe!
Quanto às vossas críticas sobre os actuais administradores, o projecto de lei acaba por vir propor os concursos. Quero dizer-lhe que as pessoas que o PSD nomeou, que este Governo nomeou (aliás, que nomeou no pressuposto de acreditarem na nossa política- e há muitas pessoas que acreditam, não só do PSD como do PS e de outros partidos), foram nomeadas por nós para esses cargos pelo simples facto de terem dito- «somos capazes de cumprir!» E é isso o que estão a fazer! O PS vem, com demagogias fáceis, dizer que é um desastre. Ora, isso é absolutamente falso! Basta ver os números!
Sr. Deputado, vim para este debate para poder colaborar, mas para colaborar com a verdade das coisas. O PS não quer ver a verdade, confunde a árvore com a floresta, não é capaz de ter um debate sério sobre esta matéria e, por isso mesmo, vem com a demagogia, pensando que, pelo facto de haver concurso, as pessoas passam a ser honestas.

O Sr Ferro Rodrigues (PS): - Vocês lá sabem, por experiência própria!

O Orador: - Sr. Deputado, não é mudando os modelos que muda a consciência das pessoas. E neste, como noutros aspectos, há sempre pessoas cuja consciência não faz a melhor leitura das leis e das normas. Não é o concurso que faz com que a consciência dessas pessoas mude.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico de Figueiredo.

O Sr. Eurico de Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade, essas suas críticas ao nosso desejo de, transformando a forma, também transformar os homens, gostava que as dirigisse igualmente ao presidente do seu partido, Fernando Nogueira, porque a intenção da transparência é exactamente essa: é a de, modificando a forma onde as pessoas funcionam e onde se instalam, poder modificar também a qualidade da sua contribuição cívica. Com essa sua concepção de Estado, tanto faz fascismo, como nazismo, como comunismo, como democracia, as pessoas não se modificam e ficamos sempre na mesma. Eu não acompanho V. Ex.ª nessa sua ignorância em relação à importância das instituições! Ignorância que, quando acusa ou outros de ignorantes, provém precisamente dos mais ignorantes!
Isto, porque nem quis ouvir o meu camarada de partido quando lhe disse que isso da Espanha já é antigo, que não é de há dois anos mas sim de há oito anos! Tenho aqui este documento, posso emprestar-lhe para ver, porque verifico que é ignorante neste assuntos- mas está em bom tempo de aprender!

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Não preciso!

O Orador: - E está em bom tempo de aprender em tudo, porque tudo o que disse sobre a Europa são asneiras! Tenho aqui um, dois, três, quatro, cinco documentos sobre gestão em cinco países europeus...

O Sr. Fernando Andrade (PSD) - Tenho aqui este'

O Orador: - Ah, tem um manualzinho! Mas eu tenho os decretos directos, na língua própria.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Eu também tenho aqui os decretos directos e comentados'

O Orador:- Sr. Deputado, ouça também. Ouça agora! De facto, em todos eles são referidas as direcções colegiais! Só existe num único país o princípio da nomeação, que e o Reino Unido! Na Irlanda, metade dos elementos são indicados pela comissão regional de saúde e metade são nomeados depois de ouvidos os diferentes grupos profissionais hospitalares. Na Dinamarca, um é indicado pelo ministro da educação, um pelas comunas e cinco pela união dinamarquesa dos conselhos gerais das regiões Na Grécia, um é indicado pelos municípios, outro é eleito pelos médicos, outro representa o Governo e outro representa as comissões regionais de saúde Na Noruega, são eleitos pelas assembleias regionais - eleitos, Sr. Deputado! Nessa «miserável» Noruega, que é, neste momento, o país mais rico da Europa e com o civismo, eventualmente, mais espantoso desta mesma Europa! Sr. Deputado, de facto, a ignorância è atrevida e V. Ex.ª é extremamente atrevido

Risos do PS.

E é atrevido também quando nem sequer percebe, na sua petulância, nem consegue ler o que isto quer dizer: nos Hospitais de Évora, de Beja, de Faro, de Castelo Branco, do Barreiro, de Aveiro, de Vale do Sousa, de Eivas, do Montijo, da Figueira da Foz, de Portalegre, de Barcelos e mais uns cinco ou seis - que não utilizei, porque foram dados pela Ordem dos Médicos e pelos sindicatos dos médicos, com os devidos comentários -, em muitos deles, foram efectuadas mudanças, em resultado da incompetência e irresponsabilidade, pelo seu próprio Ministro! E V. Ex.ª sabe isso! Com processos disciplinares, muitos deles!
V. Ex.ª sabe isso! Porque é que teria sido demitido o administrador do hospital de Vaie do Sousa por fax, o Sr. João Coelho? Foi demitido por fax. E foi demitido dessa forma, sendo administrador, porque, continuamente, informava superiormente da corrupção do director do Vale do Sousa! Foi por isso que ele foi demitido por fax.
Ó Sr. Deputado, ainda o hei-de ver aqui, em nome da transparência, porque andamos há quatro anos nis-

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to, dizer mea culpa como agora andam a «agatanhar o peito» e dizer que de facto temos razão, porque este método de gestão hospitalar é um mau exemplo, é um exemplo de partidarização. O que nós queremos é um Estado transparente, queremos ser Governo com um Estado transparente! Não queremos ter as vossas tentações!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, vou começar por lhe falar da Dinamarca, o exemplo que referiu. Na Dinamarca, a administração é composta por três pessoas (um médico, um enfermeiro e um administrativo), designados pela respectiva municipalidade.
É só para lhe dar um exemplo, pois o senhor está a dizer que e por concursos, e eu digo-lhe que é de outra maneira.
Quando o PS fala em transparência está a fazer um artifício de palavras, ou seja, quer viciar os concursos, viciar quem faz os critérios, viciar o júri...

Vozes do PS:- Oh!... Juízos de intenção!

O Orador: - ..., para, de um modo camuflado, elegerem quem quiserem. O PSD assume a responsabilidade e escolhe os melhores.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Os melhores militantes!

O Orador: - Repito, assume a responsabilidade de escolher os melhores. E, por acaso, nalgumas zonas, os melhores verificaram-se ser do PS, tendo sido nomeados os do PS.
Quando o Sr Deputado pergunta por que é que se fez um processo disciplinar e porque não temos o mesmo conceito dos senhores quando dizem que o Conselho de Administração e inamovível por cinco anos - nunca se viu isto! -, a não ser por processo disciplinar Isto é, tem de ser uma coisa gravíssima. Ele pode fazer o que quiser e por cinco anos. O que quer dizer que se, neste momento, fossem nomeados haveria uma nova legislatura que terminaria ainda com os mesmos directores. Isto é realmente querer, de um modo impressionante agarrar e sufocar todas as possibilidades de transparência. Transparência é dizer-se «de cara lavada» que assumimos a responsabilidade de escolher os melhores. É o que temos feito.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr João Rui de Almeida (PS): - Que descaramento!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados- A apresentação do projecto de lei n.º 540/VI, por parte do PS, é mais uma oportunidade para, nesta Casa, se debater uma das políticas que tal como tantas outras tem contribuído fortemente para a criação de desigualdades entre os portugueses.
Há muito que e indispensável lutar contra a destruição do Serviço Nacional de Saúde e, paralelamente, preparar um modelo alternativo de política de saúde que, em novas condições de progresso tecnológico, de crescimento de custos e de evolução organizativa, permita realizar o imperativo constitucional do direito à saúde.
O desenvolvimento de um novo modelo de gestão dos serviços de saúde é um dos elementos fundamentais para uma reforma que conduza a um modelo inovador de política de saúde, uma vez que os sistemas actualmente em prática de direcção centralizada e de comando burocrático-administrativo não conseguiram dar a resposta que se exigia, sendo as consequências bem visíveis, apesar de muito boa gente, inclusive o PS, ter concedido um estado de graça intolerável à política de Paulo Mendo, que mais não é do que a política do PSD
Foi a gestão hospitalar uma das questões que levou o PCP a pedir a não ratificação do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde do então Ministro Arlindo de Carvalho. Infelizmente, essa proposta não teve o apoio nem do PSD, que votou contra, nem do Partido Socialista, que se absteve, pretendendo fazer-lhe apenas alterações pontuais.
São hoje visíveis as suas razões. Concordam que se faça a privatização do equipamento público, e aí está a justificação para que não se tenham ainda manifestado claramente contra o escândalo nacional em curso no Hospital Amadora/Sintra.
O PS é ambíguo nas suas opções, e confirma-o quando no seu contrato de legislatura defende a experiência da gestão de hospitais por consórcios públicos e outras entidades, bem como novas soluções nos centros de saúde onde os clínicos gerais podem optar pela prática privada organizada em consultórios de grupo.
São soluções vagas que podem eventualmente ter leituras diversas, mas, no fundo, não passam das mesmas que o PSD pratica neste momento
Ao propor esta nova lei de gestão hospitalar o PS continua a insistir na ambiguidade. A primeira delas, e talvez a mais perigosa, resulta directamente do seu contrato de legislatura, onde se defende que a escolha para os cargos de gestão (director e administrador) seja baseado exclusivamente em critérios de competência profissional, sem aprofundar quais os critérios e a forma de os aferir.
O n.º 8 do artigo 12.º do presente projecto, ao dizer que «O director do hospital é seleccionado através de concurso público (..)», deixa no ar a1 dúvida de quem selecciona, de quais são os critérios de experiência profissional e em que áreas, de que formação adequada se fala e que currículo académico se pretende.
Para o PCP é importante que o órgão de gestão de qualquer estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde seja presidido, tanto quanto possível, por um médico ou, no mínimo, valorizado tal facto de forma especial.
Não concordamos que a lei possa permitir que continuem a ser directores de hospitais, industriais e professores primários, só por terem - e muitas vezes não têm - experiência profissional, formação adequada e currículo académico, fazendo a escolha depender de um júri do qual se desconhece a forma de constituição.
Será este sistema igual ao actual? É uma pergunta que fica no ar, pois não se exclui a possibilidade de o

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director do hospital deixar de ser nomeado directamente pelo Ministro da Saúde e passar a sê-lo por uma estrutura por ele nomeada.
Também o artigo 7.º levanta algumas dúvidas, relativamente ao alcance de uniões e federações de hospitais. Esta é uma experiência que não é inovadora e que, embora sem esse nome, o PSD tem posto em prática, o exemplo dos serviços de obstetrícia concentrados que retiram regalias a alguma população. É isto que se pretende?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho Geral, estabelecido no artigo 11.º (a quem cabe verdadeiramente a gestão do hospital) tem uma constituição muito vaga, de difícil constituição e funcionamento muito pesado, regido por normas que conduzem a que a administração se faça numa dependência absolutamente governamentalizada, limitando e podendo bloquear mesmo o funcionamento da instituição a que se aplica.
Continua a ser da Administração Central de Saúde que depende a criação, suspensão e alteração da estrutura e dimensão de serviços e departamentos. É a Administração Central de Saúde que pode reconhecer a autonomia administrativa e de gestão de departamentos e é ela que autoriza os centros de responsabilidade. Os planos anuais e plurianuais de actividades e os orçamentos estão directamente dependentes da Administração Centra] de Saúde.
O PCP entende, para que a eficácia de um novo modelo de gestão dos serviços de saúde se desenvolva dentro de uma filosofia de equidade, no quadro de um equilíbrio dinâmico e auto-regulado, entre as necessidades da população, as possibilidades decorrentes do avanço do conhecimento e do processo tecnológico e a utilização dos recursos financeiros existentes ou a disponibilizar, ser necessário articular e concretizar três orientações estratégicas, que não vemos consagradas com clareza no projecto agora em discussão.
Primeiro, a organização de um Serviço Nacional de Saúde desgovernamentalizado, descentralizado, autónomo e dotado de financiamento suficiente.
Segundo, o carácter democrático e participado pelos trabalhadores de saúde e pelas populações dos vários processos de gestão.
Terceiro, a promoção da eficácia, auto-regulação interna e externa, a avaliação da qualidade e a humanização dos serviços prestados.
Com este projecto, o PS renuncia, entre outras coisas, à regionalização, pelo menos, neste sector. Este projecto cria uma gestão extremamente pesada e centralizada que, a ser aprovada, terá de ser bastante melhorada e adaptada em sede de especialidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, disponho de muito pouco tempo, embora o tenhamos gerido o melhor que pudemos, mas ele foge.
O Sr. Deputado falou, ali da tribuna, do direito à saúde. Estamos totalmente de acordo e é exactamente por isso que nos sentamos nestas bancadas. O direito à saúde é um direito de todo o cidadão português, que está consagrado na Constituição da República.

Lamento que durante este debate se tenha falado em muita coisa e muito pouco sobre o projecto de lei n.º 540/VI, mas há uma coisa que o Sr Deputado disse, ali da tribuna, que mais uma vez vou referir Onde é que V. Ex.ª encontra um estabelecimento de saúde público, privatizado na sua totalidade? E estou a referir-me à sua totalidade e não à privatização da gestão hospitalar, que é totalmente diferente, uma coisa é a privatização da gestão hospitalar- e mesmo assim creio que ainda não há nenhum - e outra coisa e a privatização de um estabelecimento, pago pelo contribuinte, que é entregue a privados São coisas perfeitamente distintas.
Por outro lado, há uma questão que talvez não seja ainda a altura de a referir mas V. Ex.ª aflorou-a quando o Deputado Eurico de Figueiredo fez a apresentação deste projecto, V Ex.ª perguntou-lhe como é que se iria fazer o financiamento da saúde. É que tudo isto tem muito interesse. Há muitas coisas em que estou de acordo. Por exemplo, na alínea 4) do artigo 7.º diz-se que os blocos operatórios, os meios complementares de diagnóstico e terapêutica e os demais recursos de tecnologia dispendiosa dos hospitais do SNS funcionam constantemente com horários desfasados, etc. Ora, isto custa dinheiro!
Pergunto, pois, a V. Ex.ª - e embora conheça a filosofia que normalmente o PCP defende nestes casos, pedia-lhe que, nesta altura, fizesse um esforço para não me dar a resposta que já sei qual é, a de que seria o Orçamento do Estado - como e que é possível o Orçamento do Estado aguentar uma saúde cada vez mais cara, mais sofisticada e em que é necessário ter meios humanos e técnicos altamente diferenciados Tudo isto custa muito dinheiro e nós, neste momento, estamos com 600 milhões do Orçamento do Estado, e só este não chega!
Assim, gostaria de lhe perguntar se vê outra alternativa para o financiamento dos sistemas de saúde ou para o Serviço Nacional de Saúde em Portugal.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP)- - Sr Presidente, Sr. Deputado António Bacelar, agradeço-lhe a pergunta que me faz, que é muito interessante.
Em relação às privatizações, embora estejam neste momento em curso as primeiras, não do equipamento na sua totalidade mas da gestão, o que é certo é que a legislação existente, feita pelo seu partido, prevê que essa privatização venha a acontecer. Portanto, se não concordamos com ela, não temos de esperar que se concretize para podermos vir dizer «afinal, fizeram isto e aquilo». Se está previsto na legislação, é natural que venham a pô-la em prática.
Nós, como temos uma posição contrária, combatemo-la desde logo. não ficamos à espera que a concretizem. Seria lógico concretizá-la se tivessem tempo para isso, mas parece que, em termos eleitorais, o povo português irá optar por outra solução.

O Sr António Bacelar (PSD) - Nunca se sabe!...

O Orador: - Quanto ao financiamento da saúde, o Sr. Deputado António Bacelar só falha numa coisa

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O Sr. António Bacelar (PSD): - Se é só numa, é muito bom!

O Orador: - Permito-me lembrar-lhe que, se calhar, não é o Orçamento do Estado que paga a saúde, somos nós, os portugueses. A saúde é paga pelos portugueses! É um engano quando se diz que as pessoas têm de pagar para ter melhores serviços, tanto os que podem mais como os que podem menos. Actualmente, somos todos nós que pagamos a saúde. O direito à saúde é constitucional, existe, mas também deveria dizer-se que compete ao Estado assegurá-lo. Como tal, temos direito a que os serviços de saúde públicos sejam eficientes, com qualidade, e que não aconteça aquilo que, infelizmente- e o Sr. Deputado sabe tão bem como eu -, acontece hoje em dia. Para se recorrer a cuidados especializados e com doenças mais graves ou a pessoa tem «cunhas» nos serviços públicos, ou tem dinheiro para pagar as consultas e é tratado, ou, então, fica ao abandono.

O Sr Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate deste projecto de lei, na altura em que e apresentado, interessa não tanto pelas soluções técnicas de detalhe que propõe como pelo alcance e necessidade de uma significativa mexida no processo de formação do poder hospitalar, processo hoje injusto que facilita a ineficácia e o compadrio quando não a corrupção e até a perda de vidas humanas.
Numa estrutura como a hospitalar, caracterizada por uma extrema necessidade de rigor técnico, de competência científica, de eficácia decisional, a intervenção do poder político deve centrar-se nas questões de orientação política e de coordenação e controlo da respectiva execução, no âmbito das funções gerais do Estado.
Poderá haver, aparentemente, algum consenso quanto à necessidade de regionalizar e ligar aos poderes locais as estruturas de acompanhamento e de definição das políticas globais de cada hospital. Mas enquanto outros não adequam os princípios que defendem às práticas que aceitam, nós, socialistas, achamos que a preconizada ligação ao poder local e à esfera regional deve sempre passar pela participação democrática e não pela nomeação autoritária de gente enfeudada ou de políticos da área governamental, como tem sido feito com muita frequência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No âmago da proposta política que fazemos, encontra-se um profundo respeito pelas carreiras profissionais da área da saúde, sem desajustadas interferências político-partidárias nem intromissões governamentais abusivas, como se têm frequentemente verificado durante todo o consulado cavaquista, com os diferentes responsáveis que tutelaram a saúde.
Propõe-se, como já foi referido, uma estrutura de gestão com algum grau de colegialidade, onde se reconhecem funções diversas e processos da designação relacionados com a especificidade de cada uma dessas funções.
A defesa do concurso público para director de hospital baseia-se na necessidade de nomear profissionais competentes, altamente qualificados e cuja designação
não esteja condicionada pela inscrição num partido político governamental ou pela amizade que ligue o indigitado ao respectivo membro do Governo, muito frequentemente pelo bom relacionamento com o governador civil respectivo ou com a distrital do partido governamental.
Poder-se-á discutir quem organiza o concurso, quem define o perfil pretendido. Já o discutimos com a Ordem dos Médicos, já o debatemos noutras instâncias, estamos obviamente abertos às precisões e clarificações que, no âmbito regulamentar, seja necessário introduzir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que diz respeito à escolha do administrador geral, preconiza-se também a figura do concurso público, tendo como condição base a formação específica em administração hospitalar. Profissionais de saúde de várias áreas têm-nos frequentemente chamado a atenção para a necessidade de, também neste domínio, existir, por um lado, uma especificidade de conhecimentos de gestão e, por outro, o risco de evitar um empirismo economicista que estreite as perspectivas equilibradas de uma boa administração da saúde. Gerir um hospital não é a mesma coisa que gerir uma empresa, como alguns julgam!
Com todo o respeito que temos pela actividade político-partidária, deixemos também aqui as distritais e as concelhias do partido governamental de lado; respeitemos as competências e as perspectivas de carreira de cada indivíduo que tem uma formação e um curriculum em administração hospitalar; também assim, estaremos a prestar um serviço à saúde dos portugueses.
Este projecto pode receber algumas críticas legítimas e outras inaceitáveis. De tudo se verificou neste debate. Se a maioria desta Assembleia viabilizar a passagem ao debate na especialidade, certamente alguns aperfeiçoamentos ou correcções negociadas se poderão fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de modificarmos o que se passa com os nossos hospitais. A competência deve estar sempre no lugar de comando. São precisos critérios que inspirem confiança aos doentes, aos utentes, aos médicos, a todos os profissionais de saúde. Só assim será respeitável também um poder político democrático que o deve ser, não só na sua forma de eleição como nos seus processos e métodos de funcionamento.
A integração da via electiva com a via do concurso na formação dos órgãos do poder e da gestão hospitalar parece-nos uma boa receita para reformular a situação existente. Apoiemos esta terapêutica de fundo, estando dispostos a debater a respectiva dosagem.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, gostava de colocar-lhe duas questões muito simples.
Primeira, por que razão discrimina o PS os directores dos centros de saúde, propondo que estes sejam nomeados e que os directores dos hospitais sejam seleccionados através de concurso público? Volto a lem-

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brar que a responsabilidade quer de um quer de outro é idêntica, a formação académica igual e os objectivos comuns.
Será que consideram os médicos de clínica geral de segunda categoria? É que nos Estados Gerais do PS foram propostos plafonds de receitas apenas para os médicos de clínica geral, o que significa que, por serem de segunda, têm de ser controlados, porque, caso contrário, esse plafond, a existir, abrangeria' todas as situações.
Volto a perguntar: porquê essa distinção entre médicos de clínica geral e hospitalares, quando a sua responsabilidade e dignidade são idênticas?
Segunda questão: por que razão copiaram todas as competências do administrador delegado atribuindo-as ao conselho geral, que elevaram a órgão máximo, e determinaram ser presidido pelo presidente da câmara, ou seja, por indigitação? Possivelmente, como detêm a maioria das câmaras, tal medida permitir-vos-á tomar de assalto os hospitais. Por que não usar outra metodologia? Foram copiar a experiência espanhola mas não o souberam fazer!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade, na primeira questão formulada, misturou três documentos relativos a dois tipos de estabelecimento diferentes. Convidamo-lo a assistir aos próximos Estados Gerais onde desenvolveremos esse debate e estou convencido de que, dentro do PSD, mesmo na ala nogueirista, há pessoas que terão todo o interesse em discutir esses aspectos connosco.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Responda! Quero que me responda agora, não depois! Se calhar, não sabe!

O Orador: - Sr. Deputado, não se exalte! Costuma ser tão calmo.

O Sr. Aníbal Coelho da Costa (PS): - Ouça para aprender!

O Orador: - É preciso ouvir para aprender como diz - e bem- o experiente Deputado Aníbal Coelho da Costa.
Por outro lado, este projecto de lei, que V. Ex.ª não leu com a devida atenção, pode ter erros, até falhas, mas contém certamente muitos aspectos positivos e, para o criticar, teve de ir buscar uma questão que não consta dele. Quem esteja a seguir o debate sem este diploma à frente, pensa que nele é feita alguma referência ao centro de saúde. Na verdade, o Sr. Deputado está a referir-se a outro projecto de lei, apresentado noutra legislatura, que não está contemplado nesta proposta.
Relembro-lhe que, apesar de estarmos a discutir a lei de gestão hospitalar, temos disponibilidade para debater esse problema com V. Ex.ª quando abordarmos a legislação sobre centros de saúde.
Esta solução parece-nos correcta; contudo, se V. Ex.ª estiver interessado em apresentar um projecto de lei relativo aos centros de saúde, pode inspirar-se neste para o discutirmos consigo.
No que diz respeito ao conselho geral, perdoar-me-á que lhe diga que, na área da gestão, há dois aspectos fundamentais e aqui não estou a distinguir a gestão de unidades empresariais da gestão de unidades com objectivos sociais. Uma realidade são as grandes orientações estratégicas de gestão, que dizem respeito à aprovação de planos, de orçamentos e a um conjunto de directrizes; outra, é a gestão quotidiana.
Para distinguir os dois órgãos a que se referiu, é preciso ter em conta que se liga o poder local e um conjunto de outras entidades - e não autarcas nomeados, pelo Governo ou por quem quer que seja - para a estratégia, a definição das grandes directrizes, as políticas do hospital, dentro do quadro geral e dos recursos existentes, entregando-se ao conselho de administração a gestão quotidiana do hospital. Esta solução existe em n estruturas empresariais em mais de uma centena de países.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - O presidente da Câmara manda no director do hospital?

O Orador: - Sr. Deputado, podemos fazer um seminário sobre esse tema.
Por hipótese, V. Ex.ª pode entender que a alínea c) ou a alínea h) estariam melhor sem outro articulado Proponho que façamos essa discussão' aprovem o nosso projecto de lei ou, se não tiverem autorização do Dr. Paulo Mendo ou do Dr. Fernando Nogueira, abstenham-se a fim de que, em sede de discussão na especialidade, o possamos fazer.
Encorajo-os a tomarem essa atitude e agradeço as críticas de V. Ex.ª que evidenciaram - e bem - que, nas questões principais deste projecto de lei, nada tem a opor!

(O Orador reviu.)

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Nem os senhores acreditam nele porque já aceitam alterações!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, sob o ponto de vista da transparência, a qual - não o nego - pode estar na base deste projecto de lei apesar de não ser tão límpida que «entre pelos olhos dentro», gostava de saber por que razão a selecção do director do hospital e do administrador geral é feita por concurso público enquanto que o director clínico e o enfermeiro director são eleitos por um conjunto de médicos e de enfermeiros, quando todos integram o conselho de administração. Por que razão optaram por critérios diversos na escolha das entidades que compõem o conselho de administração?
Por outro lado, qual a explicação para a medida de afastar os chamados paramédicos, os técnicos? É que, como não figuram em qualquer eleição, parece que não têm voz, quando constituem uma categoria muito importante dentro do hospital. Por que razão o PS discrimina, de forma negativa, a classe dos técnicos que, antigamente, se designava por paramédicos, que também deviam ser ouvidos sobre a administração do

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hospital? Qual a razão para os critérios tão diferentes que rodeiam este conselho de administração?

O Sr. Presidente (Joel Hasse Ferreira): - Para responder, em tempo não superior a dois minutos, cedidos pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr Deputado Narana Coissoró, não sendo médicos nem enfermeiros, estamos a discutir estes problemas e, respondendo ao apelo feito por V. Ex.ª no início, não sendo paramédicos, espero que não sejamos «paradofelites».
Sobre a questão do que é líquido e da transparência, nem todos os líquidos são transparentes e nem. toda a transparência é líquida mas, como essa discussão levar-nos-ia longe, concentremo-nos na questão em foco.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Converteu-se ao Eanes!

O Orador: - Não, mas já votei nele em circunstâncias anteriores, só que esse «líquido» também não volta a passar.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Nunca se sabe!

O Orador: - «Nunca se sabe», diz o Deputado Luís Peixoto no seguimento do que disse ontem o Carvalhas.
Sobre a composição do conselho de administração, há funções em que se exige, essencialmente - ainda que os detalhes destas soluções possam ser rectificados -, profissionalismo, competência e é normal que, nesse caso, a escolha seja feita por concurso. Dizem alguns: «Quem escolhe melhor a competência é o Sr. ministro ou o Sr. cacique ou o presidente da distrital»; nós dizemos que o melhor método de selecção da competência é através de um concurso.
Mas há outras funções que, no nosso entendimento, exigem a confiança do corpo clínico e daí o sistema mais complicado de escolha do director clínico porque, como deve estar muito integrado e ligado aos profissionais médicos e, simultaneamente, no topo da carreira, é normal que se escolha, de entre os médicos que estão no topo, aquele que tem a confiança dos seus pares. Ele integra uma administração onde os eleitos não têm a maioria porque, aqui, o equilíbrio entre o princípio electivo e o da eleição é este: com o administrador...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas parece lançar um lobbie.

O Orador: - Meu caro amigo, há lobbies em toda a parte, só que, neste caso,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Pronto, está tudo dito!

O Orador: - Desculpe, toda a democracia tem lobbies, no seu partido, se calhar, há lobbies.
O problema é o seguinte: com um processo equilibrado de designação, as pessoas são nomeadas por concurso em função da sua competência, são efectivamente eleitas, o que é preferível a ter apenas um lobbie dos nomeados governamentalmente, pois há um equilíbrio de princípios.
Pergunta: «por que não o resto?» Por um lado, porque, de facto, há categorias profissionais que têm uma maior intervenção no funcionamento dos hospitais e, por outro, está previsto no n.º 7 do artigo 12.º (ainda que estejamos disponíveis para fazer acertos neste processo) que o conselho de administração pode ainda integrar um outro membro, designado pelo conselho geral, de entre os funcionários e agentes do hospital, sob proposta do director. Ou seja, damos a possibilidade de o conselho poder ser complementado com mais alguém que reflicta os outros grupos internos ao hospital.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu). - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, pelas 10 horas, com período de antes da ordem do dia preenchido com um debate de urgência a pedido do Grupo Parlamentar do PS sobre o Plano Hidrológico Nacional de Espanha e as implicações da sua articulação com o planeamento hidrológico espanhol e, pelas 15 horas, com eventuais declarações políticas, sendo que na, ordem do dia, procederemos à discussão do projecto de lei n.º 355/VI- Criação dos Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos (PCP).
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José de Oliveira Costa.
José Guilherme Reis Leite.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Estácio Marques Florido.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.

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Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Rosas.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Domingues de Azevedo.
António José Martins Seguro
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Manuel dos Santos Murteira.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Deputado independente:

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Anabela Honório Matias.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Álvaro Poças Santos.
Jorge Pauto de Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Borregana Meireles.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Socialista (PS):

Alberto da Silva Cardoso.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga
António Luís Santos da Costa.
Elisa Mana Ramos Damião.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto cio Vale Gomes Carvalhas.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues

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