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Quinta-feira, 25 de Maio de 1995 I Série - Número 79
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 4.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE MAIO DE 1995
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia.- Na 1.ª parte, ao abrigo do artigo 77.º do Regimento, procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, subordinado ao tema do tratamento de resíduos, no qual intervieram, a diverso título, além da Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais (Teresa Gouveia), os Srs. Deputados Nuno Ribeiro da Silva (PSD), Manuel Queiró (CDS-PP), Mário Tomé (Indep.), Ferreira Ramos (CDS-PP), Luís Sá (PCP), André Martins(Os Verdes), José Sócrates (PS), Carlos Candal (PS) e Jaime Milhomens (PSD).
Na 2º parte, deu-se conta dos diplomas, dos requerimentos e das resposta a alguns outros entrados na Mesa.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar (PSD) deu conhecimento das jornadas parlamentares do PSD no Europarque em Santa Maria da Feira e respondeu, depois, a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt (PS)
Também em declaração política, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues (PS) criticou a política económica e social do Governo. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Carp, Carlos Olmeira e Rui Rio (RSD).
O Sr. Deputado Luís Martins (PSD), na sequência de uma deslocação da Subcomissão de Obras Públicas e Transportes no Continente, elogiou a política do Governo na área dos transportes, respondendo, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados José Manuel Mota (PCP), Leonor Continha e José Eduardo Reis (PS).
O Sr. Deputado Macário Correia (PSD) salientou o desenvolvimento verificado no Algarve nos últimos anos, tendo respondido a um pedido de esclarecimento e a um pedido de defesa da honra e consideração do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira (PS)
A Câmara aprovou o voto n. º I46/VI - De pesar pelo falecimento do crítico literário e tradutor José Palla e Carmo (PS)
Ordem do dia. - Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 127/VI - Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Penal, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Alberto Costa (PS), Odete Santos (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP), José Magalhães (PCP), Costa Andrade e Guilherme Silva (PSD)
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro de Araújo.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Ma tias.
António da Silva Bacelar.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Simão José Ricom Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
António Alves Marques .Júnior.
António Fernandes da Silva Braga.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Caudal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira Marques
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
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Octávio Augusto Teixeira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a primeira parte do período de antes da ordem do dia de hoje respeita ao debate de urgência, a pedido do Grupo Parlamentar do PSD, subordinado ao tema do tratamento de resíduos, nos termos do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República.
Para fazer a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Portugal estão a ser gerados cerca de cinco milhões de toneladas/ano de resíduos industriais e urbanos e a industria produz diariamente cerca de 3900 toneladas e as restantes actividades económicas e o dia-a-dia das populações 9300/dia.
Fosse por imperativo das directivas da União Europeia sobre a matéria ou por opção nacional de não continuarmos a "encolher os ombros" perante uma questão essencial para a qualidade de vida dos cidadãos, iniciaram-se estudos exaustivos sobre este problema em 1986 na sequência da primeira legislação sobre a matéria, publicada no ano anterior.
Com efeito, não era possível prosseguir com uma postura passiva e fatalista perante a evidência do caos que se vinha registando, quer no plano institucional - indefinição das responsabilidades dos órgãos da administração central e local - quer no quotidiano de despejos selvagens feitos pela calada ou em depósitos sem quaisquer condições de salubridade, as mais das vezes surgidos e configurados pela prática de acumulação de lixos, sem que tenha havido qualquer critério de selecção prévia de localização.
Vínhamo-nos, assim, habituando, como se de um, fado se tratasse, a termos sempre presente no nosso horizonte visual ou olfáctico lixos à beira das estradas, no meio das matas e florestas, nas encostas, junto do mar ou dos rios, em espaços devolutos dos meios urbanos e nos quintais sobretudo dos vizinhos...
Depósitos surgiram anarquicamente à volta de aldeias, vilas e cidades, tratados de forma peculiar: deixando arder!
Curioso será constatar que a este quadro, a que se começou a pôr cobro a partir da Lei n.º 488/85, correspondia apenas a uma reacção pontual dos que mais directamente lhes cabia em sorte viverem junto a eternas fogueiras pestilentas, ou desabafos conformistas feitos na intimidade da família nas voltas de fim-de-semana.
A memória é curta e não será pior relembrar que há 10 anos atrás não dispúnhamos sequer de enquadramento institucional adequado para o problema, porque os sucessivos governos não tiveram o cuidado e/ou os meios para lhe fazerem frente.
Surge, então, legislação adequada, um plano para fazer face à situação, meios financeiros correspondentes, indispensáveis, nomeadamente, para poder ser possível começar a desenvolver a acção coerciva e penalizadora sobre os infractores.
Regista-se, então, uma reacção que traz para a ribalta um conjunto de opiniões/soluções, misto de fábula de "o rei vai nu" e do desafortunado hábito que tornou famoso a avestruz quando confrontada com situações difíceis.
Aparenta-se que existem resíduos, porque se fala na necessidade de os tratar ou porque as populações, a indústria ou talvez até o Governo fazem de propósito para que eles existam.
Não raras vezes a irresponsabilidade e o oportunismo político surgem de mãos dadas com propostas, pretensamente técnicas, despojadas de qualquer realismo face à problemática geral dos resíduos e, em particular, se confrontada com a situação objectivamente criada face ao deixar arrastar do problema no nosso país.
Não deixa de ser curioso que só após o problema ter começado a ser agarrado pelo executivo é que nós passamos a confrontar com reacções críticas, algumas certamente bem intencionadas embora não raras vezes irrealistas, enquanto outros, há que dizê-lo, falam animados por interesses pessoais ou de grupo menos idealistas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de resíduos industriais existe uma estratégia onde o sistema integrado de resíduos industriais é apenas a necessária peça "curativa" para os resíduos acumulados durante décadas e para tratar aqueles que são inexoravelmente produzidos todos os dias, independentemente dos esforços que venham a ser feitos pela indústria no sentido de minimizar a sua produção.
A estratégia baseou-se num levantamento exaustivo de todo o tipo de resíduos industriais e perigosos depositados e produzidos no País e que foi ultimado em 1988.
Mas, se a estratégia contempla a imprescindível cura, não deixa de assentar na prevenção da sua produção, bem como no incremento da valorização/reciclagem dos resíduos produzidos.
Para tal, têm vindo a ser negociados contratos-programas com os principais sectores geradores de resíduos industriais em Portugal, com vista à recuperação de situações existentes e a serem aplicadas as novas regras, nacionais e comunitárias, para as indústrias que se instalam de novo.
Talvez não seja do conhecimento de todos que apenas 15 % dos resíduos industriais serão alvo da aplicação no previsto sistema integrado, sendo que apenas 3 % serão incinerados Dentro da medida do possível pela tecnologia disponível, a esmagadora maioria serão valorizados para diferentes fins.
Esta é a realidade que, infelizmente, é frequentemente escamoteada ou ignorada nas opiniões dos críticos, esquecendo ainda outros detalhes relevantes como sejam o da
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enorme diversidade de tipo de resíduos que são gerados, o da quantidade e a grande concentração geográfica que se verifica em Portugal na geração de resíduos industriais. Por exemplo, só os distritos de Setúbal, Lisboa, Porto, Braga e Aveiro são responsáveis pela produção de 96 % dos resíduos que serão tratados na unidade de incineração, que contempla o tratamento físico-químico.
Em suma, não fora o conjunto de obstáculos criados nos últimos anos, por um lado, pela hipocrisia política de alguns e, por outro, pelo "naivismo" vestido de preocupações ambientais, que em nada abonam em favor da credibilidade que devem merecer os movimentos ecologistas, já estaríamos neste momento em Portugal em condições de tratar devidamente os resíduos industriais e perigosos e a depositá-los em aterros adequados e em condições para sermos mais exigentes perante os produtores daqueles produtos nocivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também os resíduos urbanos mereceram a atenção devida, definindo-se, em primeiro lugar, claramente as competências dos diferentes níveis da administração, sendo claro que a sua gestão cabe ao poder local, embora beneficiando do apoio e financiamento do Governo para a instalação das infra-estruturas necessárias.
percentagem da recolha de resíduos deverá atingir os 100% no ano 2000.
Ainda hoje, em Portugal, estima-se que das 3 400 000 de toneladas de resíduos urbanos são depositados em lixeiras cerca de 56 % sem qualquer controlo.
A estratégia definida pelo Governo baseou-se no levantamento exaustivo da quantificação e caracterização dos resíduos, conforme definido na Portaria n.º 768/88, que exige às câmaras municipais que tenham dados anuais actualizados.
Infelizmente, não tem tido a administração central a melhor colaboração das câmaras num esforço que tem de ser conjunto.
Contudo, a política traçada contempla a definição adequada de estratégias de gestão dos resíduos urbanos, integrando componentes de protecção ambiental e conservação dos recursos naturais, bem como preocupações de natureza económica, que, em conjunto, levam ao triângulo prevenção da produção, valorização e eliminação.
A produção per capita de resíduos urbanos, em Portugal, é significativamente menor do que a média europeia. Não quero com isto invocar o pacóvio argumento de que devemos produzir mais resíduos para ser considerados mais desenvolvidos, mas apenas lembrar que a pressão no sentido do aumento da sua geração é muito grande.
Assim, a vertente prevenção deve merecer a melhor atenção e esforço na estratégia definida, através de campanhas de informação que divulguem comportamentos e a utilização de instrumentos que contenham a produção desnecessária de resíduos.
Muito há a fazer neste domínio, com base numa colaboração estreita entre a administração central e local e com o forte empenho do sistema educativo e da comunicação social.
Mas a ênfase que deve ser colocada na prevenção não nos pode fazer esquecer a inexorabilidade da produção de resíduos.
A valorização surge como que sendo o segundo "dique" que protege o recurso a matérias-primas e a chave para reduzir ao mínimo as quantidades que obrigam a uma eliminação, que deve sempre ser vista como solução de recurso.
A triagem e valorização dos resíduos foi ainda estimulada com a recente legislação que permitiu a entrada de privados na gestão de um sector que é caro e complexo e onde cada município, por si, tem dificuldade em reunir as condições adequadas.
Sejamos realistas: se não existe mercado para os materiais recicláveis ou para a valorização de outros resíduos, aumentarão as quantidades a eliminar, com os consequentes custos financeiros acrescidos para os municípios e sem que tal esforço contribua para a desejável protecção dos recursos e do meio ambiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, Portugal, tem uma estratégia para atacar o problema dos resíduos industriais e urbanos conforme ressalta, nomeadamente, da observação da legislação de iniciativa nacional e comunitária em vigor. Trata-se de um conjunto jurídico que não fica pelas boas intenções, já que contempla os meios financeiros indispensáveis, através dos quadros comunitários de apoio, e da criação de condições para a afluência de capitais privados ao sector.
O esforço é de todos, e banal afirmá-lo, embora valha a pena dizê-lo para não cairmos na atitude perniciosa que nos é tão grata de passarmos culpas e esperarmos milagres dos que, passo a expressão, "estão em cima".
Devem ser feitas mais acções de informação para o grande público, diz-se. É verdade e sê-lo-á sempre porque informar é uma tarefa sempre inacabada; os nossos jovens devem ser mais sensibilizados nas escolas. É verdade e sê-lo-á sempre, porque educar é uma tarefa sempre inacabada; deve haver mais diálogo entre os diferentes níveis da administração e entre estes e os cidadãos e as actividades económicas. É verdade e sê-lo-á sempre, porque o diálogo numa sociedade democrática é uma tarefa sempre inacabada; devem ser mobilizados mais recursos financeiros para atacar este problema. É verdade e sê-lo-á sempre, porque os recursos são sempre escassos para atingirmos, em qualidade e em tempo, a legítima ambição de usufruirmos de condições óptimas para as gerações actuais e futuras.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não abona o prestígio dos responsáveis políticos aproveitarem um problema real e sensível para as populações e empresas para se afirmarem, mesmo que em tons de verde, hipócrita e demagogicamente como radicais defensores das "suas quintas" de ambição quando nunca haviam tomado iniciativa para resolver o problema.
Aplausos do PSD.
Não prestigia e credibiliza junto das populações os que militantemente se batem pela causa essencial da preservação do meio ambiente quando adiantam críticas e não soluções realistas que tenham em conta que os resíduos existem e que, no estado actual da tecnologia, é impossível suportar o custo cultural e económico da sua total erradicação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A sabedoria popular retém avisadas expressões de realismo e pragmatismo. "Cuidemos dos vivos de hoje e do amanhã e não percamos mais tempo a discutir o sexo dos anjos". Essas expressões são, certamente, bem-vindas.
É que o problema existe e, com a humildade de quem conhece, o Governo tem trabalhado no ataque ao problema. Realmente resolvê-lo talvez só em gerações futuras.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, queria dizer-lhe, em primeiro lugar, que o seu grupo parlamentar tomou uma iniciativa louvável.
Na sua intervenção o Sr. Deputado condenou os aproveitamentos políticos que se têm feito destes problemas e, nesse sentido, esperamos que o seu grupo parlamentar, ao agendar este debate, tenha observado rigorosamente essa preocupação. Do nosso ponto de vista, não se trata de transformar a Assembleia da República numa agência de relações públicas para fazer passar, com mais facilidade, para a opinião pública soluções que estão neste momento em andamento. Portanto, vamos participar neste debate com esse espírito.
Creio que é necessário fazer uma constatação, que V. Ex.ª não fez, e que é esta: em Portugal, estamos muito atrasados na implantação de um sistema de tratamento de resíduos, quer de resíduos urbanos quer de resíduos tóxico-industriais.
Ora, isso tem duas grandes consequências: em primeiro lugar, os impactos negativos na saúde pública que todos conhecemos, designadamente na poluição - e este é o aspecto mais grave! - ao nível dos lençóis friáticos e da toxicidade dos lençóis que são aproveitados para captação de águas para consumo público; em segundo lugar, a pressão europeia que entretanto se criou leva-nos, de certa forma, a andar para a frente neste domínio,
Todos sabemos que Portugal tem sido admoestado por gastar muito pouco dinheiro proveniente da Comunidade na área do ambiente. Temos, pois, de gastar mais.!
Por outro lado, progredir neste campo sob pressão europeia tem ainda outra consequência: é que "chovem" em Portugal as indústrias que entretanto se especializaram nesta área e que vão aproveitar esta oportunidade para fazer negócios com o fluxo de fundos europeus que têm vindo e que continuarão a vir, nos próximos anos, para Portugal para implantar sistemas deste tipo.
Além disso, temos autarquias (algumas delas muito pequenas) que, "assaltadas" por essas empresas e sob sua pressão, descobrem que precisam de uma incineradora, o que, como é evidente, tem de merecer uma resposta adequada dos poderes públicos a nível central, resposta essa que, embora tardia, tem de ser analisada com cuidado. O problema que mais preocupa as populações - e que é o que, de facto, tem maior relevância política-, é o que tem a ver com as incineradoras, que não são totalmente desprevenidas de risco. Não podemos vir para aqui com versões alarmistas - e não seremos nós que iremos fazê-lo! -, mas também não podemos dizer que elas são totalmente desprovidas de risco. Tem sido feito um enorme esforço tecnológico nas incineradoras da última geração para reduzir o risco através de combustões de alta temperatura, de uso de filtros electroestáticos, mas toda esta gestão...
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Repito, toda esta gestão dos sistemas das incineradoras é muito cara, Sr. Deputado, e este é que é o grande risco. Dada a ausência, nos últimos anos, de políticas e de medidas adequadas, estará Portugal em condições de dar garantias às populações de que vamos fiscalizar a gestão das incineradoras a ponto de lhes garantir que todas estas tecnologias serão constantemente aplicadas para reduzir ao mínimo todos estes riscos?
Um outro grande problema - e nós não nos cansaremos de levantar esta questão - tem a ver com a importação de resíduos. Que instrumentos jurídicos reais estão consagrados que possam dar uma garantia à opinião pública e aos portugueses interessados de que a nossa incineradora não será uma central de tratamento de resíduos estrangeiros? E pergunto isto porque há uma grande procura de centrais e uma grande oferta de dinheiro para que eles sejam tratados.
Pergunto-lhe: como o mercado europeu não tem barreiras, o que é que impedirá as empresas estrangeiras produtoras de resíduos altamente tóxicos de os depositar, em Portugal, para tratamento?
Finalmente, o problema da localização da incineradora é muito importante, porque o Governo, em 19 de Maio, de 1993, disse o seguinte: "É óbvio, e de bom-senso concluir, que uma incineradora seja localizada no distrito de Setúbal." Depois, o parecer da Direcção-Geral do Ambiente concluiu que "a localização em Sines apresenta-se como uma solução tecnicamente defensável, dadas as características da sua plataforma industrial", apontando, assim, para a sua localização naquela região.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por que é que acabou por se concluir pelo distrito de Aveiro? Quais as verdadeiras razões que levaram a colocar uma incineradora daquele tipo a dois quilómetros do mar, com prejuízo no impacto turístico? Foi apenas porque está perto do porto de Aveiro e servida por uma linha férrea e pelo IP n.º 5, facilitando-se, assim, a importação de resíduos?
Queria, pois, que me desse um esclarecimento claro sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, agradeço as questões que colocou.
Em relação à seriedade com que o grupo parlamentar do meu partido agendou este debate, dir-lhe-ei que é a máxima.
Sobre o estarmos atrasados relativamente aos outros países europeus, eu próprio disse, na minha intervenção, que isso era verdade e invoquei um conjunto de razões para constatar tal facto, o que não dizer que, nos últimos anos, não tenha sido feito já um esforço para recuperarmos algum tempo perdido.
Relativamente aos aspectos que o Sr. Deputado refere sobre a necessária boa gestão da incineradora que venha a ser instalada, sobre a não pulverização de incineradoras para tratamento de resíduos urbanos por qualquer aldeia, vila ou cidade do nosso país e sobre a não importação de resíduos de outros países para serem tratados na incineradora portuguesa, só posso dizer-lhe que comungo inteiramente da sua posição, que é contrária às incineradoras espalhadas pelo país ao gosto de cada município, assim como à importação, sendo, pois, necessário ter muito cuidado na gestão e na monitorização das unidades. Como é óbvio, esses são princípios que temos de acautelar.
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Quanto à localização, peço desculpa, mas V. Ex.ª não pôde deixar de resvalar para o que é, de facto, um tema "calisto" e que é este: depois de todos dizermos que é preciso fazer alguma coisa colocamos dúvidas em relação à instalação de unidades, sejam elas onde forem. É o tal princípio de que "o quintal do vizinho é melhor do que o meu". E sobre esta matéria, como o Sr. Deputado bem sabe, a Assembleia Municipal de Estarreja aprovou um voto sobre a instalação da incineradora, nomeadamente no seu município.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais (Teresa Gouveia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos conhecemos a gravidade do problema dos resíduos no nosso país. As ameaças à saúde pública e à qualidade de vida dos cidadãos são, neste momento, em Portugal, uma realidade intolerável numa sociedade desenvolvida.
O Governo empenhou-se fortemente em pôr cobro a esta situação. Por isso, estabeleceu uma estratégia global para a gestão dos resíduos em Portugal. O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem em curso soluções claras para os resíduos sólidos urbanos, hospitalares e industriais, segundo o objectivo fundamental de reduzir, reciclar e reutilizar.
A regra do "usar e deitar fora", as lixeiras, as queimas poluentes, são comportamentos e soluções hoje totalmente irresponsáveis e obsoletas que devemos abandonar.
No que respeita aos resíduos sólidos urbanos em Portugal, 95 % da população é servida pela recolha de resíduos, mas só 42 % são tratados aceitavelmente. Os objectivos que nos propusemos - sustentados pelo PDR - são os de alcançar, no ano 2000, uma taxa de 98 % para recolha e tratamento.
A primeira preocupação foi a de reformular o quadro legislativo para permitir uma gestão empresarial do sector, a criação de um mercado e a sua estruturação através da implantação de grandes sistemas multimunicipais e intermunicipais, em colaboração com os municípios.
Estes sistemas regionais e municipais substituirão as actuais lixeiras que têm sido, até hoje, praticamente, a única experiência vivida pelos nossos concidadãos.
Estes sistemas, aliados ao controlo dos resíduos industriais, fazem parte do programa de erradicação das lixeiras e depósitos selvagens, que deverá estar em grande parte concluído até 1999.
Neste momento, estão já em curso de instalação quatro destes grandes sistemas - nas Áreas Metropolitanas do Porto e Lisboa, na região de Coimbra e o Sistema do Algarve. As verbas destinadas a estes projectos são cerca de 100 milhões de contos; a população abrangida é cerca de 4 400 milhões habitantes.
Para além destes, estão também em curso vários outros projectos intermunicipais, distribuídos por outras zonas do País: Cova da Beira, planalto Beirão e margem sul do Tejo, por exemplo.
Foi ainda minha orientação dar prioridade à solução dos resíduos nas áreas protegidas, no sentido de serem áreas onde estas questões estão absolutamente resolvidas e a população residente deve ser atendida com especial atenção. É o caso do Sudoeste Alentejano, Serra da Estrela e Ria Formosa, por exemplo.
Todos os projectos apoiados financeiramente, grandes ou pequenos, têm, como condição de apoio, a inclusão da componente reciclagem e valorização.
Srs. Deputados, a estruturação de todo este edifício foi, sem dúvida, difícil. A situação de partida era tremenda- é preciso dizê-lo! A sua solução resultou, certamente, de um esforço do Governo, mas também do entendimento e da capacidade de concertação por parte das autarquias. O seu sucesso dependerá ainda da participação dos agentes económicos e da colaboração activa dos cidadãos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto aos resíduos hospitalares, cujas competências de gestão pertencem às unidades de saúde que as produzem, posso dizer-vos que estão previstas duas unidades para a Grande Lisboa e para o Grande Porto, que irão tratar cerca de 60 % destes resíduos. Foram já assinados, para cada uma destas unidades, contratos-programa entre o Ministério da Saúde, a Câmara Municipal de Lisboa e a Lipor.
Estão também previstos sistemas de pré-tratamento dos resíduos produzidos a nível local para posterior envio para os grandes sistemas de Lisboa e do Porto, seguindo orientações internacionais nesta matéria.
Srs. Deputados, falo-lhes, por fim, dos resíduos industriais que merecem uma atenção especial.
Uma indústria moderna pressupõe a produção do mínimo de resíduos possível e a sua correcta gestão. Os nossos industriais precisam absolutamente de soluções para a gestão dos seus resíduos e têm, aliás, vindo publicamente a exigi-la.
No que respeita à redução da produção de resíduos, foram criados, no ano passado, dois instrumentos fundamentais para a concretização desta estratégia: o sistema de incentivos do PEDIP e o Acordo Global em matéria de ambiente, assinado pelos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais, da Indústria e Energia e da Agricultura, com a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) e a CAP. Estabelece-se aqui o princípio de acordos sectoriais
Por via da concertação, já em curso, estão a ser fixados programas de redução na fonte, de reciclagem e reutilização dos resíduos nos vários sectores da indústria.
Os Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Indústria e Energia estão neste momento em negociação com 35 sectores industriais. Os protocolos com os sectores da suinicultura e de cromagens já foram assinados; estamos em negociações quase finais com os dos lacticínios, dos lagares de azeite, da indústria química de base, dos têxteis e dos óleos.
A redução dos resíduos produzidos em Portugal é o primeiro objectivo da política do Governo em matéria de resíduos industriais.
Quanto ao tratamento e destino final destes resíduos, várias soluções estão em curso.
Desse conjunto de soluções destaco a construção de sistemas regionais e locais, estando hoje em curso um vasto programa de descontaminação do País: em Águeda, para os tratamento de superfície, com a participação de mais de 150 empresas; em Alcanena, para a indústria de curtumes; nas indústrias de pasta de papel e, em várias zonas do País, os projectos de descontaminação de solos e águas (caso dos projectos no Barreiro, do projecto ERASE em Estarreja e da EXPO 98 em Lisboa.
Assim, Srs. Deputados, está hoje em curso a descontaminação de praticamente todas as grandes zonas industriais do País
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Aplausos do PSD.
Estas soluções localizadas cobrem, assim, a maior parte dos resíduos a tratar em Portugal. Cerca de 15 % dos resíduos industriais em Portugal não são susceptíveis de tratamento local e requerem um sistema autónomo. Por isso se implementou o STRI (Sistema de Tratamento de Resíduos Industriais).
Na definição deste sistema, as preocupações de rigor técnico e da discussão pública foram muito grandes. Para a escolha dos locais para a implantação das unidades estabeleceu-se uma metodologia de selecção validada e largamente participada. Recorreu-se a entidades institucionais e cientificamente credíveis para a realização dos estudos. Constituiu-se também uma Comissão de Avaliação dos Estudos de Impacte Ambiental, autónoma do MARN, que integra representantes de várias áreas científicas e de diversas regiões do País.
Para que não subsistam quaisquer dúvidas, repito o que muitas vezes já foi dito quanto a este sistema: ele só irá tratar os resíduos nacionais (15 % do quantitativo nacional, como se disse).
Srs. Deputados, não é por acaso que fomos intransigentes quanto à exportação das escórias de alumínio, no caso da Metalimex.
Aplausos do PSD.
Este sistema será reavaliado daqui a sete anos na perspectiva de uma futura redução de resíduos ou do eventual aparecimento de tecnologia mais avançada do que aquela que hoje existe; utiliza a tecnologia mais avançada hoje disponível e largamente comprovada internacionalmente. Este sistema não é um foco de poluição, porque os seus riscos são conhecidos e controlados.
Por último, o seu funcionamento será controlado a vários níveis. Em primeiro lugar, pelo Estado, através dos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e dá Indústria; em segundo lugar, pelas populações locais, através das comissões de acompanhamento (formadas pelai autarquias, cientistas, ambientalistas e membros das populações) e pelos cidadãos em geral, através do acesso publico a toda a informação respeitante a estas unidades.
As autarquias em que forem implementadas as várias unidades terão parte activa na sua gestão, se assim o desejarem. Com a conclusão da Avaliação do Impacte Ambiental (AIA), o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais ficou, assim, em condições de tomar a decisão de localização desta unidade.
O processo de selecção foi, como vimos, muito longo, participado e debatido. Não penso que devesse ter sido de outro modo. Mas, agora, na posse dos elementos necessários e suficientes para a decisão, senti que, em nome da saúde pública dos portugueses e das necessidades urgentes dos nossos industriais, não tinha o direito de demorar nem mais um dia esta decisão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Srs. Deputados, são objectivas, ,são claras e são públicas as fundamentações desta decisão. Comuniquei-as prontamente a esta Assembleia.
Além disso, recordo que em Fevereiro do ano passado vim aqui informar, em primeiro lugar, a Assembleia da República, das intenções do Governo sobre o encaminhamento desta questão. Posteriormente, estive aqui neste Plenário dando conta do seu andamento. Congratulo-me que hoje, decorrido mais de um ano, possa, por iniciativa do PSD, vir aqui de novo numa fase já de concretização deste importante projecto.
Com o conjunto dos projectos que vos referi fica definido o destino a dar a cerca de 96 % da produção global de resíduos industriais do nosso país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso ter sido exaustiva quanto aos objectivos da política do Governo em matéria de gestão dos resíduos em geral. Devo dizer-vos que a questão dos resíduos foi das que, desde o princípio, sempre me impressionou, como das mais graves questões ambientais em Portugal.
De facto, a questão afecta seriamente a saúde pública, a qualidade de vida dos portugueses, a própria economia ou o ordenamento do território, traduz comportamentos individuais, colectivos e institucionais, pouco consentâneos com a solução deste tremendo problema. Se não o enfrentássemos com determinação ele tornar-se-ia um verdadeiro pesadelo.
Congratulo-me por termos invertido esta situação. Julgo que podemos dizer, com segurança, que estamos a afastar-nos definitivamente deste pesadelo. Estou também ciente de que devemos ser, todos nós, do Governo às autarquias, dos industriais ao cidadão comum, das empresas públicas e privadas às confederações industriais, passando pela activa colaboração da comunidade científica, devemos ser todos nós, repito, os agentes desta mudança.
Aplausos do PSD.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Só falta mudar este Governo para o País ficar descontaminado!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mário Tomé, Ferreira Ramos, Luís Sá e André Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, em primeiro lugar, devo dizer que apresentei em tempos um pedido de audição parlamentar a propósito da decisão da instalação da incineradora em Estarreja, do meu ponto de vista, uma decisão política e não essencialmente técnica, como foi anunciada. Política porque teve ambiente político, não técnica porque senão seria apontada para outro lado, como veio a público.
Mas a questão fundamental é que o debate está a ser aqui colocado não quanto à essência do problema, mas à sua volta. Não se trata de uma estratégia do Governo para tratamento dos resíduos tóxicos e dos lixos industriais, etc.; não se trata de uma situação de limpeza, porque isso ele deve fazê-lo desde que seja bem feito.
Todos sabemos que é absolutamente essencial a redução dos lixos tóxicos. Agora, a questão é saber se o método que o Governo vai apadrinhar é o indicado; se não será pior a existência dessa incineradora do que a sua não existência; se este debate não devia ser, todo ele, sobre qual o processo para eliminação de resíduos tóxicos.
E isto é de tal forma verdade que este debate, solicitado pelo PSD, só é realizado agora quando a decisão já está tomada. Não se quis debater com as populações, com os Deputados, com a sociedade, quais as alternativas, porque, de facto, a alternativa é a concentração, é o negócio privado dos lixos. Esta é a grande questão: o negócio dos lixos! Enquanto houver negócio haverá lixo! Além disso,
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Sr.ª Ministra, quanto ao controlo, há cinco fiscais e só três é que estão em funções.
Na minha opinião, o tratamento dos lixos e dos resíduos tóxicos exige que eles sejam preferencialmente tratados para haver redução, reutilização e reciclagem e para fugir à questão do lucro e do negócio sobre os lixos, do tráfico de lixos. É, pois, necessário que esses lixos sejam tratados nos parques industriais, com a inteira responsabilização das empresas, com a não concentração dos lixos, porque - e o Sr. Deputado do CDS-PP pôs aqui a questão - virão lixos do estrangeiro. Se o Governo diz que a incineradora é boa por que é que não hão-de vir lixos do estrangeiro, se isso dá dinheiro?! É evidente que isso vai acontecer!
Por outro lado, todo este debate está a ser feito, à partida, de modo inquinado, porque já estava decidido, já estava feito o contrato, há quatro anos que estava feito o negócio com a ECOTRED - conhecido internacionalmente como traficantes internacionais de lixos. É esta a questão fundamental que se coloca neste problema.
De facto, os lixos e os resíduos são o produto mais simbólico e mais puro deste modelo de desenvolvimento, que os senhores não querem pôr em causa, porque as dioxinas são a sublimação deste modelo de desenvolvimento: o modelo do lixo, do desperdício e do lucro. E as populações que apanhem com as dioxinas, com a concentração dos lixos, a incineração e os seus produtos.
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado!
O Orador: - Esta é, Sr.ª Ministra, a grande questão que gostaria de ver respondida. Porquê esta decisão quando este método está a ser contestado nos Estados Unidos, na Europa e em Espanha, e foram mandadas encerrar aí tais instalações?
Isto mais parece o debate, que houve há tempos, sobre a questão nuclear no nosso país.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, correndo embora o risco, como já vai sendo hábito, da resposta não passar do invocar do complexo "mm" - e não é isso que se passa nesta altura -, quero fazer-lhe algumas perguntas.
Aproveitando a referência do Deputado Nuno Ribeiro da Silva à sabedoria popular, gostaria que respondesse claramente, sem ser em termos técnicos, a algumas perguntas que, aliás, são colocadas exactamente pela população, não sem antes lhe dizer que a determinação do Governo - e não se trata aqui de analisar a sua actuação desde que foi empossada no cargo de Ministra, mas a posição do Governo-, em 24 de Janeiro de 1992, dizia que "nos termos do contrato estabelecido, a laboração terá de ser iniciada em 1993, pelo que não diríamos estar atrasados". E dizia mais, que "nesta matéria, temos um sistema que está em condições de ter eficácia em 1993". Estamos em 1995 e, como é sabido, estamos ainda com esta discussão.
Em relação aos aterros controlados, quero fazer aqui uma referência justa a intervenções anteriores nesta Casa, nomeadamente do Sr. Deputado Carlos Candal, que colocou esta questão com uma vertente realista, focando os problemas postos pela população. E aquilo que se pergunta é a razão da escolha do distrito de Aveiro. Porquê?
Ouvimos o Deputado Ribeiro da Silva enumerar os distritos onde são produzidos esses resíduos tóxicos e perigosos e vimos claramente em que lugar ele colocou Aveiro. E isto é tanto mais estranho, quando se declara numa proposta de directiva, de Março de 1991, que a Comissão Europeia preferiria que os Estados membros eliminassem os resíduos produzidos no local da sua produção.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Sendo assim, pergunto qual é a necessidade de, em muitas situações, sermos bons alunos e noutras - se calhar naquelas em que o deveríamos ser com mais incidência - não tentarmos acompanhar estas orientações.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, Sr.ª Ministra, em relação ao aterro controlado, à hipótese Cardai, peco-lhe que, se possível, esclareça o seguinte: está devidamente protegido o aquífero cretácico de Aveiro? Sendo a água um recurso natural que teremos de defender a todo o custo, está devidamente assegurada a protecção desse recurso importantíssimo, que, como sabe, em situação de catástrofe, nomeadamente de contaminação das águas do nosso país, será a nossa única reserva? Essa situação está devidamente acautelada?
Outra questão que preocupa os autarcas é relacionada com o PDM, de cujo cumprimento há estrita necessidade. É que, depois de se terem eleito nesse plano as vertentes do turismo e da agricultura como formas de desenvolvimento - é, por exemplo, o caso de Vagos - pergunto se poderemos ter aí instalado um aterro controlado. Entende ou não a Sr." Ministra que, depois da situação catastrófica em que colocaram a nossa agricultura e sendo-nos reservada apenas a vertente do turismo, um aterro deste tipo, com a proximidade já referida pelo Deputado Manuel Queiró, a irá colocar em causa?
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Lufe Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, ouvi-a com muita atenção e verifiquei que traçou um quadro idílico não da situação actual, porque era demasiado irrealista, mas do quadro que se desenhará em consequência da actuação do Governo. Ao ouvi-la, não pude deixar de me lembrar que o seu partido detém a pasta do ambiente em Portugal há 15 anos, com governos de diferente composição, e que, desde essa data, tem essa responsabilidade.
Do ponto de vista dos lixos urbanos, a situação do país é terrível, tal como o é a nível dos resíduos tóxicos e industriais. Em matéria de resíduos hospitalares, a Sr.ª Ministra falou muito do futuro, mas não referiu que, neste momento, a situação é a pior possível, que há graves riscos para a saúde pública, que há órgãos humanos que são amputados e lançados aos contentores, que, enfim, o quadro é de um filme de terror de péssimo gosto.
Ora, era sobre esta questão e sobre o modo como vê os 15 anos de responsabilidade do PSD nesta matéria que gostaria de a ouvir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recuses Naturais: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Mário Tomé começou por dizer que a decisão quanto à localização escolhida da central de incineração era política. Devo dizer que todas as decisões do Governo são políticas, mas o relatório técnico que me foi submetido aponta Estarreja como o local indicado para esta unidade. E cito: "A Comissão entendeu que a solução mais vantajosa é a que s£ localiza em Estarreja, por diversas ordens de razões...".
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Começando pela vontade do presidente da câmara!
A Oradora: - Não alterei uma vírgula da decisão técnica que me foi submetida. Tomei a decisão política de decidir, mas fi-lo depois de um ano e meio de largas discussões. E pergunto se muitos dos outros processos têm tido a discussão pública, alargada e participada, que este teve.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Foram obrigados pelas lutas das populações!
A Oradora: - Portanto, quanto a esta questão, espero que tenhamos ficado entendidos. Foi esta a decisão que me foi apontada tecnicamente e não se trata de uma decisão política no sentido que o Sr. Deputado lhe estava a atribuir.
Quanto à questão que suscitou sobre o método, sabe o Sr. Deputado que não é conhecido no mundo desenvolvido nenhum outro método mais eficiente do que este que estamos agora a adoptar? Naturalmente que este método é uma parte da solução da questão, pois esta não "engloba apenas o tratamento dos resíduos mas também o facto de não os produzir - estou de acordo consigo, é esse o primeiro objectivo do Governo.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - É preciso tratá-los no local, responsabilizando as empresas que os produzem!
A Oradora: - Sr. Deputado, não é possível tratar 15 % da produção de resíduos industriais em Portugal - e é apenas desses que estamos a tratar -, com as soluções tecnicamente avançadas, evoluídas e seguras que queremos, em cada uma das unidades que os produz. Isso seria materialmente impossível! Completamente impossível! Terá de haver racionalidade neste tratamento, sob pena de sermos obrigados a pactuar com tratamentos menos exigentes do que aqueles que estamos a adoptar agora.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Em relação ao método, Sr. Deputado, todos os países desenvolvidos têm estes sistemas e nenhum país subdesenvolvido os utiliza.
Aplausos do PSD.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Os Estados Unidos acabaram com isso!
A Oradora: - Os Estados Unidos não acabaram com isso, estão é a rever a sua tecnologia antiquada, porque começaram a usar este sistema há 30 anos atrás. Só que, hoje, existe uma tecnologia mais adequada.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não há garantias do que vai sair dali!
A Oradora: - É isso que os Estados Unidos estão a tratar e não a pôr de parte esse sistema - trata-se de o actualizar.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Por que é que não se faz o debate sobre o método?!
A Oradora: - Sr. Deputado, gostaria muito de entrar em diálogo consigo e poderei fazê-lo depois desta sessão, se estiver disponível para tal.
Ainda relativamente à questão da redução de resíduos, sabe o Sr. Deputado que todas as indústrias, para acederem ao PEDIP - referi-o há pouco -, têm de fazer prova de que utilizam a melhor tecnologia disponível e o seu sistema de produção tem de demonstrar que fazem o esforço de reduzir ao máximo os resíduos que produzem?
Por outro lado, como disse, estão neste momento a ser negociados, com os sectores industriais, programas de redução de resíduos para os principais sectores produtores. Não penso que este objectivo possa estar a ser posto em causa, pois - repito - o objectivo principal é o da redução de resíduos e não apenas o seu tratamento.
Quanto aos modelos de desenvolvimento que produzem resíduos, conhecemos alguns que não os produzem, como é, designadamente, o caso da Albânia. Mas não é com certeza esse o modelo que o Sr. Deputado tem em vista. As sociedades desenvolvidas produzem resíduos e temos de os reduzir e tratá-los convenientemente. É utópico pensar que as sociedades desenvolvidas não produzem resíduos, porque isso não existe à face da terra!
Por outro lado, há outros modelos, que não são aqueles que perfilhamos, que transformaram alguns países num verdadeiro caos ambiental, que agora está a ser melhor conhecido e em relação ao qual muitos esforços terão de ser feitos no sentido de o diminuir.
O Sr. Deputado Ferreira Ramos colocou-me algumas questões sobre o atraso deste sistema. Devo dizer-lhe que está atrasado e sou a primeira a lamentá-lo. Como sabe, em 1992, esta questão estava desenhada, mas houve problemas quanto à localização. Admito que a discussão pública que teve lugar até aí não tenha sido suficientemente alargada e suficientemente esclarecedora.
Por isso, uma das primeiras decisões que tomei quando me tomei responsável por esta matéria, no início de 1994, foi justamente a de recomeçar este sistema, na perspectiva da maior discussão possível e segundo uma metodologia de participação alargada, o que foi feito durante um ano e meio. Foi, realmente, um processo longo - longíssimo! -, mas, como disse há pouco, não penso que pudesse ter sido de outra maneira, porque, em meu entender, esta é uma questão relativamente à qual a população deve ser informada. No entanto, a partir do momento em que os elementos estejam reunidos, julgo que os governos têm obrigação de decidir e foi isso o que foi feito.
Quanto aos aterros controlados, que estão também previstos neste sistema, não vou responder-lhe tecnicamente, como me pediu. As respostas técnicas à questão que me colocou relativamente à água foram já dadas de uma forma esclarecedora e, a seguir ao debate, poderei voltar a disponibilizar-lhas. Essa questão está perfeitamente esclare-
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cida e o que é lamentável é que o aprofundamento dos estudos relativos aos locais dos aterros, designadamente o que referiu, não tem sido possível, porque a população local não tem autorizado a entrada de técnicos, nem tem permitido que estes possam apurar a verdade científica e aprofundar as condições técnicas do local. Infelizmente, a população local não tem autorizado aquilo que é do seu interesse, qual seja, a explicação do que queremos saber mais profundamente sobre as condições daquele local.
Por isso, os estudos estão um pouco atrasados. Estamos a tratar dessa questão e, neste momento, é apenas isso que está em causa.
Sobre a compatibilidade destas actividades com o PDM e com outras actividades previstas nesse plano, como tenho vindo a dizer e, como se sabe, acontece noutros países europeus, a existência deste sistema é compatível com a agricultura, o turismo e todas as actividades humanas. Isso está demonstrado. Praticamente em todas as regiões demarcadas de vinhos e queijos, em França, existem unidades desta natureza e não é por isso que deixamos de adquirir, com gosto, todos os produtos dessas regiões. Agora, o que não é compatível com essas actividades é a situação existente actualmente em Portugal. Essa é que não é compatível e é a isso que temos de pôr cobro.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Deputado Luís Sá, não pretendi tornar idílico o futuro, apenas quis dizer que há, de facto, um desígnio, uma estratégia que está a ser desenvolvida. Não penso naturalmente que ela possa concretizar-se de um dia para o outro, mas temos boas razões para acreditar que, no âmbito deste quadro comunitário de apoio, justamente porque temos um desígnio, uma estratégia e meios financeiros, se darão avanços muitíssimo significativos.
É verdade que o PSD é responsável por esta pasta há muitos anos, mas recordo que foi o PSD que tomou a iniciativa de criar o Ministério do Ambiente e de lhe atribuir, no quadro legal, importantíssimas competências que não existiam anteriormente. Não nos podemos esquecer que a situação era terrível e que resultava de um acumular de práticas ambiental mente incorrectas, de dezenas e dezenas de anos. Ora, não é de um dia para o outro que estes problemas se resolvem.
Quero ainda repetir que não é apenas ao Governo que compete a resolução destas questões, porque, na maior parte destes casos, nomeadamente no caso dos resíduos, as autarquias têm, claramente, competências atribuídas, como o Sr. Deputado melhor do que ninguém sabe, pois interessa-se por essas questões.
Como referi é, portanto, com a colaboração de todas as instâncias, não só das autarquias mas também dos cidadãos e do Governo, em conjunto, que temos de resolver este problema.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, o Partido Ecologista Os Verdes, antes de iniciar o pedido de esclarecimentos, pretende fazer uma acusação clara que fique expressa no Diário da Assembleia da República. Acusamos o Governo de, com este modelo que quer impor ao País para a gestão dos resíduos tóxico-perigosos em Portugal, estar a submeter-se aos interesses das multinacionais da incineração e a criar condições para que Portugal venha a importar resíduos tóxico-perigosos a partir do momento em que o referido modelo estiver instalado, se vier a estar instalado, o que não acreditamos que aconteça. Era esta a acusação que queríamos aqui fazer em voz alta e frontalmente. E desafiamos a Sr.ª Ministra a dizer, em termos de legislação nacional e comunitária, e recorrendo até a Convenção de Basileia, o que é que impede que, no futuro, haja importação de resíduos tóxico-perigosos para Portugal.
Por outro lado, queremos ainda pedir-lhe que nos explique como é que justifica a seguinte situação: a incineradora tem uma capacidade de tratamento de 50 000 t por ano e nos estudos que o Governo mandou fazer está previsto o tratamento de 35 000 t por ano, havendo uma diferença de 15 000 t relativamente à capacidade máxima de tratamento de resíduos. E estamos a falar de um consórcio privado que tem como objectivo primeiro o lucro, a rentabilidade do investimento.
Por outro lado, a Sr.ª Ministra comprometeu-se a estabelecer um programa de redução dos resíduos tóxico-perigosos em Portugal.
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - A Sr.ª Ministra já falou nisso!
O Orador: - Ora, se já há esta diferença, se a incineradora, com 35 000 t, funciona com a sua capacidade de limite mínima,...
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Mas é em termos relativos! Percebe a diferença entre relativos e absolutos?!
O Orador: - ... facto que é assumido num caderno de encargos pelo Estado, através do Governo, se a Sr.ª Ministra se compromete a reduzir a quantidade de resíduos a produzir em Portugal, como é que vai garantir a manutenção de um sistema que, repito, tem como primeiro objectivo o lucro, senão admitir ou aceitar o que é natural que venha a acontecer, isto é, a exigência por parte desse consórcio internacional do recurso à importação de resíduos tóxico-perigosos.
Eram estas as perguntas a que gostava que a Sr.ª Ministra respondesse, naturalmente, com base na legislação e nos compromissos que assumiu com os consórcios e que tem escondido ao povo português.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, gostaria de a convidar a pronunciar-se sobre duas eminentes questões políticas que ignorou propositadamente no seu discurso.
Em primeiro lugar, quero lembrar-lhe que, há cinco anos atrás, o Governo tinha tomado uma decisão diferente quanto à localização destas infra-estruturas. Nessa data, o então Secretário de Estado Macário Correia havia decidido por Sines. Agora, cinco anos depois, o Governo decide por Estarreja.
Ora, falta uma explicação, uma justificação clara sobre o que levou o Governo a mudar de orientação e que
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fundamentos científicos e técnicos é que encontrou para mudar a localização da incineradora.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não leu o relatório!...
O Orador: - Como essa explicação não foi dada ao País nem à Câmara, convido a Sr.ª Ministra a indicar as razões que estiveram na base dessa alteração de posição.
Naturalmente, faz-nos falta a presença do Sr. Deputado Macário Correia, porque também era bom que ele dissesse a esta Câmara as razões que, no passado, o levaram a optar por Sines. Aliás, era bom que ele nos explicasse o porquê dessa opção e que a Sr.ª Ministra fizesse, digamos assim, a auto-crítica do seu próprio Governo, e, portanto, a crítica das decisões passadas, no sentido de nos convencer de que esta decisão que o Governo agora tomou é, de facto, a melhor.
Por outro lado, Sr.ª Ministra, muito me espantou que, a propósito desta problemática dos resíduos tóxicos, só lhe tivesse faltado lançar foguetes, exprimindo grande contentamento político. Parece-me que isso é inacreditável, porque, realmente, há 10 anos atrás, a situação dos resíduos tóxicos industriais e dos resíduos urbanos era catastrófica, o que acontece ainda hoje. Todos os indicadores ambientais, no que diz respeito a matéria de resíduos, nos dão um lugar exactamente na "cauda" da Europa, inclusive depois da Grécia- neste capítulo não ultrapassámos a Grécia -, e o nosso sector ambiental permanecia como um dos que evidencia uma brutal ausência de políticas, de orientações e, principalmente, de resultados concretos.
Assim, gostaria de perguntar à Sr.ª Ministra O seguinte: como é que só oito anos após o Governo ter iniciado este processo é que se decide pela localização da lima infra-estrutura? É que daí pode concluir-se que, durante oito anos, o Governo não tratou um único grama de resíduos industriais e, por isso mesmo, é responsável por tudo o que tem acontecido no País, por todas as notícias que vamos tendo de criminalidade relacionada com a deposição ilegal destes resíduos.
Gostaria de saber que justificação é que a Sr.ª Ministra dá ao País e a esta Câmara para terem demorado oito anos a decidir sobre a localização de uma infra-estrutura.
Gostaria também que dissesse à Câmara quando é que decide sobre a localização dos aterros e, rebito, qual a razão que apresenta ao País para que, durante oito anos, os senhores, conscientes do catastrofismo da situação, não tenham tratado um único grama de resíduos industriais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, a quem peço atenção ao tempo.
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: -
Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, o senhor tem horror às empresas e às multinacionais, postura ou atitude...
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Fale dos resíduos, Sr.ª Ministra!
A Oradora: - Falo daquilo que o Sr. Deputado me pediu para falar e, como começou por me pedir para falar sobre essa questão, é disso que falo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Naturalmente, não conheço tecnologia produzida pela Administração e também não penso que esteja mais vocacionada do que as empresas que têm prática e experiência para gerir este tipo de resíduos e que podem fazer isso com vantagem. O que a Administração tem de fazer é regular seriamente esta situação, e é essa TI nossa posição e filosofia.
Entramos, assim, na segunda questão que me colocou, relativa à legislação.
O Sr. Deputado, com certeza, conhece a legislação portuguesa.
Vozes do PSD: - Mal! Mal!
A Oradora: - Ora, é ao abrigo dessa legislação que o Governo tem de estruturar este sistema, que as empresas têm de se comportar, cumprindo as suas obrigações em matéria de tratamento de resíduos, uma vez que estão obrigadas a fazê-lo não só perante a lei mas também para acederem a financiamentos, se assim o desejarem.
Portanto, a legislação nacional é perfeitamente clara e a legislação internacional - e referiu, em particular, a Convenção de Basileia e a legislação comunitária - é claríssima: não é possível o trânsito de resíduos perigosos, a não ser por acordo explícito dos governos. E os governos e em concreto este Governo é claríssimo em relação à questão do trânsito de resíduos industriais. Talvez o Sr. Deputado não saiba que, recentemente, têm sido chumbados, em conjunto, pelos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e Indústria e Energia, vários pedidos de instalação de indústria de transformação destes resíduos em Portugal, justamente porque viriam aumentar a capacidade instalada, tornando difícil a importação de resíduos já não industriais mas de outra natureza. Todos esses pedidos de licenciamento têm sido recusados com base no facto de que a capacidade instalada não pode ser superior àquela que é suficiente para tratar os nossos resíduos e apenas esses. Aqui está um bom exemplo e uma boa demonstração não só da orientação mas da prática do Governo nesta matéria
Mas, além disso, também são conhecidas as negociações e a intransigência do Governo, mesmo à custa de despesas significativas, relativamente ao caso das escórias importadas da Metalimex. Neste domínio, o Governo foi absolutamente intransigente e, há uma semana atrás, acabou por firmar um acordo com a Suíça no sentido da reexportação dos resíduos estrangeiros que se encontravam em Portugal a contaminar as nossas terras.
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, Sr. Deputado, o dimensionamento desta unidade foi feito apenas, e só, para os resíduos nacionais e corresponde a 38 000 t de resíduos.
Além disso, o contrato prevê que, depois de sete anos de actividade, esta unidade seja revista, quer à luz de tecnologias que, entretanto, possam aparecer, quer à luz do número de resíduos, se eles vierem, eventualmente, a ser reduzidos, como admitimos que venha a acontecer. Nesse caso, se a instalação não se adequar aos resíduos produzidos, naturalmente, toda ela será repensada, todo o sistema será repensado. Trata-se de algo que faz parte do contrato com o consórcio: a revisão de todo o sistema à luz destes dois aspectos, após sete anos do seu funcionamento.
Não há, pois, qualquer possibilidade de importação de resíduos, porque o Governo tem sido claríssimo sobre essa
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matéria, para além de estar implementado um mapa de registo - foi assinada uma portaria no sentido de obrigar as empresas a um registo ainda mais circunstanciado dos resíduos que produzem - que permite acompanhar, com clareza, o destino dos resíduos nacionais e controlar que sejam estes, e só estes, os resíduos tratados.
Por outro lado e como disse há pouco, estas unidades terão comissões de acompanhamento de que as populações farão parte, podendo, a cada momento e autonomamente, verificar o seu funcionamento.
Sr. Deputado José Sócrates, depois desta nova reavaliação do sistema, optou-se pela localização em Estarreja. Naturalmente, isto resulta da metodologia seguida, porque desta vez, estudaram-se de uma forma muito mais aprofundada as localizações alternativas.
Como sabe, a lei não obriga a que se estudem essas localizações alternativas, determinando apenas que sejam feitos estudos de impacte ambiental relativamente a um local. Foi essa a metodologia seguida no processo anterior, ou seja, foi seleccionado um local, foi feito o estudo de impacte ambiental e as coisas apontaram para essa localização. O Sr. Deputado, com certeza, conhece os processos - provavelmente também os acompanhou - e as dificuldades que surgiram relativamente a essa decisão.
Nessa altura, o Governo entendeu interromper o processo e, pela minha parte, quando assumi funções, entendi que não podia deixá-lo suspenso e retomei-o. Fi-lo à luz de uma exigência maior do que aquela que a lei estabelece, estudando várias alternativas de uma forma igualmente aprofundada antes de me decidir por uma delas, e foi isso que determinou que Estarreja tivesse sido o local indicado, embora Sines, como provavelmente terá visto no relatório, também tivesse as condições técnicas. Em todo o caso, a comissão entendeu que Estarreja tinha as condições preferenciais que constam de um relatório relativamente extenso que tive ocasião de enviar à Assembleia da República e, nessa medida, todas as razões são conhecidas.
Por outro lado, Sr. Deputado, não lancei foguetes, porque não é da minha natureza fazê-lo. O que é da minha natureza é informar os portugueses, com objectividade, sobre os assuntos que os preocupam e angustiam, como me angustiam a mim, enquanto cidadã, dizendo-lhes que estão a ser resolvidos e o modo como estão a ser resolvidos.
Não tenho varinhas mágicas, não venho dizer que o problema dos resíduos em Portugal ficará resolvido de um dia para o outro,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - ... mas tenho a obrigação, o gosto e a satisfação de dizer que estamos a andar na direcção que entendemos correcta e temos os meios legais e financeiros para executar aquilo que estamos a propor. É isto que tenho obrigação de dizer aos portugueses.
Aplausos do PSD.
Ainda a propósito das condições de criminalização das infracções ambientais, quero lembrar-lhe que foi este Governo que tomou a iniciativa de tornar criminosos os delitos ambientais integrando-os no novo Código Penal que entrará em vigor no dia l de Outubro deste mesmo ano.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num debate parlamentar sobre tratamento de resíduos agendado para esta ocasião naturalmente que a problemática dos resíduos tóxicos e perigosos surge como a questão mais relevante. Importa, portanto, fazer um balanço sobre a forma como tem sido conduzido um dos dossier que é, seguramente, um dos mais relevantes da política ambiental em Portugal.
Convirá desde logo dizer que esta matéria se arrasta penosamente na agenda ambiental desde 1987. Há oito anos que o Governo conduz este problema, aliás, prometendo sempre para o ano seguinte a sua resolução, mas a verdade é que chegamos ao fim dos Governos do PSD e o resultado que nos apresenta é que o País não dispõe ainda do sistema a funcionar e não estão ainda decididas as localizações de todas as infra-estruturas. São oito anos de erros, de hesitações, de atrasos, enquanto o País continua a produzir dois milhões de toneladas de resíduos industriais que, entretanto, vão ficando sem adequado tratamento!
Se é verdade que a política se mede em resultados, então não há dúvida que este dossier espelha bem a fragilidade da política de ambiente no nosso País durante as últimas duas legislaturas. Oito anos depois não há sistema a funcionar, o controlo dos lixos industriais continua a ser muito deficiente, nenhum esforço foi feito tendo em vista a redução dos seus volumes e da sua dimensão e o País vai tomando consciência que um pouco por todo o lado reina a mais completa anarquia na deposição e destino final destes resíduos.
Porém, do que não há dúvida é que a história política deste assunto - resíduos industriais - fica como paradima de uma política ambiental desastrada, incoerente, incapaz.
Também neste capítulo já tivemos várias políticas e várias orientações, vários responsáveis, ao longo dos anos No início foi a fase do segredo, que ainda há pouco recordei, em que se proeurou decidir a localização das infra-estruturas no silêncio dos gabinetes. Como certamente se lembram foi a fase Macário Correia, em que se pretendeu impor, sem aviso nem participação, a solução Sines como localização da incineradora.
Ora, a indignação das populações e a reacção da comunidade ambiental criticando a estratégia do segredo obrigou o Governo a recuar e a passar à fase em que passou a não fazer nada. Foi a fase nula, a fase Borrego, aquela em que o Governo se limitou a deixar o tempo correr esperando melhor altura para avançar com o sistema.
Entretanto passaram cinco anos e, finalmente e deixando implícita uma autocrítica ao processo anterior, o Governo passou à terceira fase, isto é, voltou tudo ao início e proeurou agora decidir uma localização num processo de maior informação e de maior participação. Com isto tudo passaram oito anos até que o Governo tivesse, há poucas semanas, decidido finalmente da localização de uma das infra-estruturas, a incineradora, em Estarreja.
O balanço que se pode fazer é, portanto, um balanço desastroso de um assunto que exigiria, talvez como nenhum outro, um comportamento político claro, transparente, coerente mas também firme.
A forma como o Governo conduziu este assunto violou, a meu ver, duas regras fundamentais de conduta a que os processos de localização de infra-estruturas devem sempre obedecer. Em primeiro lugar, o Governo não assegurou a necessária justiça processual.
Ao pretender, primeiro, impor secretamente a sua localização em Sines, recuando depois, recomeçando de novo e finalmente decidindo por Estarreja, o Governo
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deixa a sensação difusa que a escolha, mais do que fundada em critérios de avaliação técnicos objectivos e rigorosos, foi decidida por critérios políticos de ocasião que deixam dúvidas e incertezas nas populações que nestes processos participaram. Ao longo deste processo, o Governo foi incapaz de oferecer rigor e imparcialidade processual na escolha da localização.
Por outro lado, o Governo não foi capaz de tornar claro desde início um princípio de justiça equitativa: Isto é, se se aceita que a localização destas infra-estruturas, embora fundamentais para o País, pode colidir com os interesses locais, tornar-se-ia importante assegurar logo de. Início investimentos públicos significativos por fornia a melhorar os indicadores e os padrões ambientais desses locais. Nestas questões devemos aceitar que o interesse nacional pode ser conflituante com o interesse local e é perfeitamente justo garantir, como condição de partida, melhorias ambientais que possam compensar essas regiões pelo serviço que, naturalmente, estão a prestar a todo o País.
Srs. Deputados, se estes dois princípios tivessem sido assumidos e seguidos com clareza e com firmeza ter-se-iam evitado muitos mal-entendidos, muitos equívocos, muitas desconfianças, muitas zonas de sombra que inquinaram e inquinam o debate e trazem consigo dificuldades acrescidas para a localização e operacionalidade do sistema.
O Governo sai, portanto, deste processo desacreditado e incapaz de oferecer aquilo que é fundamental para decisões desta natureza: clareza, coerência e firmeza. Neste capítulo, como noutros, o Governo deixa-nos uma' herança medíocre de indecisões, de adiamentos, de processos atabalhoados e, o que é pior, de problemas agravados.
No domínio dos resíduos sólidos, quer sejam industriais ou urbanos, o País vive numa situação insustentável; os indicadores ambientais situam-nos na cauda da Europa e o nosso nível de desenvolvimento é já incompatível com esta situação e há muito aconselha um esforço sério de melhoria. Enquanto o Governo se afundava nas suas contradições, nos seus avanços e recuos, nas suas hesitações, o País continuava a produzir dois milhões de toneladas de resíduos industriais por ano sem garantia de armazenagem nem de tratamento.
Srs. Deputados, este Governo, esta velha maioria, chega ao fim gasta, desacreditada e deixando, neste capítulo dos resíduos, todo o trabalho por fazer. Caberá, portanto, à nova maioria recuperar o tempo perdido e dotar o País de infra-estruturas adequadas para garantir um tratamento dos seus resíduos elevando os nossos padrões ambientais, condição essencial para um desenvolvimento com qualidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, não tenho muitas críticas a fazer à sua intervenção mas quero fazer-lhe uma pergunta de carácter essencialmente político.
Sr. Deputado, o senhor pertence a um partido que tem grande fé em ser governo em Outubro e tendo em atenção as diversas posições que no seu partido se registam a respeito desta matéria, quer do Sr. Presidente da Câmara de Estarreja, quer do Sr. Deputado Carlos Candalit bem como de V. Ex.ª, que é porta-voz do PS para a área do ambiente, não acha que foi um bocadinho ingrato para com a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais ao não lhe agradecer ter deixado esta questão resolvida até Outubro?
Risos do CDS-PP e do PSD
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, compreendo que a sua intervenção tenha sido uma intervenção de "fio de arame" porque a situação do seu partido e de V. Ex.ª, como porta-voz nestas matérias, não e particularmente confortável para abordar estas questões. No entanto, surpreendeu-me a autocrítica que o Sr. Deputado fez no explanar das suas ideias, quando, realmente, não coloca o problema no essencial da questão de localização ou no essencial da questão técnica e se limita apenas a referir o problema do atraso.
Aliás, sobre o problema do atraso muito "pano para mangas lenamos aqui para cortar"! Os senhores também não tiveram qualquer iniciativa sobre esta matéria, pois a primeira legislação aparece em 1985, enquanto foram governo! Portanto, poderíamos sistematicamente entrar nessa argumentação fácil de passar, em cascata, as responsabilidades.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado, como lhe é característico, acaba por transformar as suas afirmações de desejo em realidade. Assim, invocando a forma como o assunto foi conduzido pelo Governo ou o debate a mais ou a menos, acabaríamos sempre por ouvir da bancada do PS uma contestação, fosse onde fosse a localização e fosse quando fosse que a decisão fosse tomada. Mas, de qualquer forma, ficámos mais serenos porque ouvimos do PS apenas uma crítica à questão do atraso, o que já é um passo em frente.
Pergunto ao Sr. Deputado se sabe que, neste momento, decorrem já no concelho investimentos importantíssimos, ligados nomeadamente à despoluição da ria de Aveiro e à descontaminação de solos, através do programa ERA-SE. Portanto, há uma oportunidade de fazer uma intervenção correctora de uma situação que se arrasta há dezenas e dezenas de anos, em que não houve as preocupações ambientais suficientes com o pólo industrial de Estarreja. O Governo está a "agarrar" essa situação e o Sr. Deputado não pode o escamotear.
Todavia, acabamos por nos confrontar, neste debate, com argumentos fáceis e típicos, como sejam o de que a decisão não é má de todo ou é boa mas é atrasada ou, então, o de que a decisão é tomada e orientada - numa argumentação um pouco mais anacrónica, como ouvimos do Sr. Deputado Mário Tomé e do Sr. Deputado André Martins - pelas multinacionais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo.
O Orador: - Para concluir, volto a lembrar que o tipo de argumentação que aqui ouvimos é aquele que surgiu, por exemplo, quando o Governo decidiu destruir as barracas que ocupavam anarquicamente a Arrábida. Também na altura se dizia que se queria destruir as barracas não para limpar aquela região, que era caótica, mas para deixar entrar as grandes cadeias internacionais de hotéis Porém, hoje temos a Arrábida limpa e não existem, que se saiba, grandes cadeias de hotéis.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, era o que faltava agradecer a, um governo uma decisão que tardou oito anos!
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Ela veio a tempo para vocês!
O Orador: - Se o PS estivesse no governo teria decidido há muito tempo a sua localização e o sistema já estaria a funcionar!
Risos do PSD.
O Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva diz-me que só fiz uma crítica que tinha a ver com o atraso, nada mais tendo referido, mas certamente esteve desatento ou então está surdo. Vou repetir-lhe o que disse: "O Governo não assegurou a necessária justiça processual". Ora, o rigor processual é fundamental para garantir às populações que a escolha vai ser ditada por critérios eminentemente técnicos, objectivos e científicos e que a escolha política será assumida nessa base. E acrescentei: "Ao pretender, primeiro, impor secretamente a sua localização em Sines, recuando depois, recomeçando de novo e finalmente decidindo por Estarreja, o Governo deixa a sensação difusa que a escolha, mais do que fundada em critérios de avaliação técnicos objectivos e rigorosos, foi decidida por critérios políticos de ocasião que deixam dúvidas e incertezas nas populações que nestes processos participaram."
O Sr. Deputado quer crítica mais forte do que esta?! Acho que esta é uma crítica global a um processo que falhou, que, infelizmente, vai deixar marcas para o futuro e que, naturalmente, será mais uma das heranças que o PS terá. Enfim, cá estaremos para resolver os problemas!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão da recolha, tratamento, redução, reutilização e reciclagem dos resíduos sólidos é, reconhecidamente, das que actualmente assumem maior complexidade a nível de cada país e a nível planetário, como, aliás, foi reconhecido pela ECO 92 e muitas investigações de todo o tipo. Em vez de seriedade, porém, temos com este debate uma tentativa de chicana política, de política politiqueira.
Pela nossa parte, recusamos esse nível de debate e preferimos tratar o problema de fundo, a grave questão dos resíduos sólidos em Portugal. E a verdade é que o Governo não tem política suficientemente clara nesta matéria, tem andado à deriva e não é uma central incineradora em Estarreja que o fará ter a política de resíduos que reconhecidamente não tem.
Até algumas décadas atrás, a regulação da questão dos resíduos pela Comunidade Europeia, pelos Estados e pela comunidade internacional, era precária ou inexistente. Partia-se do princípio que a capacidade de eliminação dos resíduos constituía, fundamentalmente, um problema local e não colocava qualquer questão insolúvel. A utilização de aterros sanitários e mais tarde de incineradoras, parecia suficiente para assegurar a solução do problema, tudo após a produção do lixo. Em muitos situações, porém, os aterros aumentaram os riscos de contaminação dos lençóis freáticos e do solo. Ulteriormente, verificou-se que as questões se tornavam cada vez mais graves.
A questão do destino final dos resíduos tornou-se um problema que pode assumir dimensões globais, sobretudo quando se começou a concretizar a tendência cada vez maior para utilizar o mar como lixeira e para o comércio internacional de resíduos. Os países menos desenvolvidos procuraram frequentemente verbas e meios para combater a sua penúria e a elevada dívida externa na recepção do lixo dos países desenvolvidos. Nesta matéria, foi o próprio Banco Mundial que, num certo momento, recomendou esse tipo de especialização dita "produtiva".
oje, foi-se compreendendo cada vez mais que importa não só regular os aspectos da produção e destino final dos resíduos e seu tratamento, mas também, e sobretudo, actuar a montante da produção de lixo. Trata-se, portanto, de caminhar da existência de um "direito do lixo", de normas sobre o lixo, para a "gestão dos ciclos de materiais", o que torna essencial a redução, a reutilização e a reciclagem como um lugar crescentemente privilegiado e a consideração de alterações no processo produtivo que tenham em conta estas preocupações. Em geral, avulta a ideia da necessidade de dar prioridade à prevenção, à semelhança do que deve acontecer com outros sectores da política de ambiente.
As preocupações no sentido de reduzir a quantidade de resíduos produzidos, de estimular a reutilização e de criar condições para a reciclagem tornaram-se fundamentais aos olhos das administrações públicas e das próprias autarquias locais de muitos países.
Portugal, entretanto, consegue ter problemas característicos dos países desenvolvidos e ao mesmo tempo dos países subdesenvolvidos, designadamente em matéria de prevenção e de tratamento e destino final. No caso de Estarreja, a situação de partida é deplorável e pode explicar posições locais que o PSD e o Governo pretendem aqui explorar.
Em Portugal, estamos muito longe de ultrapassar a fase do direito e das normas sobre lixo e do seu tratamento (mesmo assim muito insuficiente) e de entrar numa nova fase, a da gestão do ciclo dos materiais e na actuação a montante da produção do lixo.
Note-se, por exemplo, que, segundo um estudo realizado pela associação ambientalista Quercus, mais de 40 das 129 câmaras municipais inquiridas (no total de 305 municípios existentes) admitem que não procedem às acções que permitiriam a reciclagem do lixo. De entre as que procedem a reciclagem, esta limita-se a um produto, ou o vidro ou o papel. Perto de 10 % efectua a recolha de apenas dois materiais, 9 % de três e os restantes 10 % de quatro ou mais materiais. Em relação ao papel, Loures, Oeiras e Almada registam uma recolha superior a 1OOt anuais.
Em todos os casos, porém, avulta a dificuldade de colocação no mercado, com destaque para as autarquias mais distantes dos grandes centros urbanos. A recolha de plástico, por outro lado, está implementada num número muito escasso de autarquias, sendo recolhidas quantidades mínimas.
No estudo conclui-se que "existe uma insuficiente coordenação entre as iniciativas do sector privado e a função normativa e de enquadramento estratégico de poderes públicos" e regista-se "uma escassa produtividade no necessário diálogo entre os diversos ministérios que pó-
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deriam viabilizar uma efectiva política de incentivos fiscais e financeiros" que "leva a um grau de consciência média, manifestada pela sociedade civil e pela Administração, ainda muito frágil".
Pode o PSD imputar responsabilidades às autarquias ou aos "agentes económicos", dentro da ideologia que o caracteriza, mas o sacrossanto mercado para a reciclagem ou para a redução só pode funcionar com acções do poder político, que foram omitidas, no fundamental, nesta década e meia de governação do PSD e por parte dos governos anteriores.
Entretanto, em relação ao problema da localização de centrais de resíduos tóxicos e industriais e dás soluções adoptadas, é geral o reconhecimento da necessidade do tratamento, mas também tem de ser reconhecida a inépcia e o atraso do Governo e, designadamente, que o procedimento administrativo, envolvendo a participação das populações, que é obrigatória nos termos dá legislação comunitária sobre impacte ambiental, não foi suficientemente realizado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O processo de transformação de um país "do deita-fora" num país que se caracterize pela responsabilidade ecológica depende, fundamentalmente, de medidas e transformações no aparelho produtivo e em hábitos instalados. Não sendo de impor muitas dessas medidas e transformações por via autoritária, como é óbvio, torna-se evidente que é através de incentivos directos e indirectos, da disponibilidade de informação, da participação popular e da educação ambiental que se poderá alterar a situação.
Noutras áreas, como o tratamento dos resíduos hospitalares, o escândalo é tão grande que existem episódios mais próprios de filmes de terror de mau gosto. Por isso, o PSD que fique com os episódios da política politiqueira a propósito da incineradora que vai ser instalada em Estarreja.
O problema dos resíduos é muito mais vasto e as responsabilidades do Governo são iniludíveis.
Pela parte do Grupo Parlamentar do PCP, procuramos dar uma contribuição útil para o nível deste debate, É nesse sentido que apresentámos na Mesa um projecto de lei que cria o programa nacional de redução, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos, que inclui uma estrutura com participação democrática de autarquias, associações de defesa do ambiente e associações representativas de empresas do sector com vista ao acompanhamento do programa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem ã palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Ô Partido de Os Verdes considera que a situação dos resíduos em Portugal é um dos problemas mais graves com que nos debatemos. Certamente, no futuro, iremos ter reflexos e efeitos extremamente preocupantes que porão em causa a nossa qualidade de vida e o desenvolvimento do nosso país. Este é o resultado da "política de avestruz", desde há 10 anos, do Governo.
Sabemos que este debate de urgência pedido pelo PSD, partido que sustenta o Governo, serve para dar força e legitimar a iniciativa do Governo de decidir impor em Estarreja uma incineradora, por um lado, e para pôr em causa o Partido Socialista, explorando as suas contradições internas e a incapacidade de se afirmar com um projecto alternativo àquele que o Governo quer impor aos portugueses, por outro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, as nossas convicções permanecem claras e desafiantes relativamente a quem quer impor medidas que as populações rejeitam e sobre as quais o bom senso deveria levar a reflectir, a reformular e a iniciar de novo todo o1 processo.
Já em 1992, preocupados com a situação dos resíduos em Portugal, Os Verdes interpelaram o Governo nesta Assembleia, chamando a atenção para a situação vivida. Acusaram e demonstraram as falhas graves e o fechar de olhos do Governo durante todos estes anos, que continua a ocorrer desde 1992 para cá, relativamente a esta gravíssima situação dos resíduos.
Em matéria de resíduos hospitalares, sabemos que eles continuam espalhados por aí e que ninguém faz qualquer controlo. Há empresas que ganham dinheiro através da compra de resíduos hospitalares, lançados nas próprias lixeiras que exploram e que lhes estão adjudicadas. Há provas disso, o Governo sabe e nós temos denunciado essas situações!
Relativamente aos resíduos sólidos urbanos, as autarquias locais continuam à espera que o Governo cumpra a lei que ele próprio assinou e subscreveu em Novembro de 1985. É que, de acordo com essa lei, compete, em primeiro lugar, ao Governo a elaboração de um plano nacional para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, bem como integrar as propostas de gestão das autarquias em planos regionais.
Todavia, o Governo não fez nada do que lhe era exigido e agora o que se verifica é que muitas autarquias estão "encostadas à parede", porque não há mais espaço para construir aterros para o tratamento dos resíduos sólidos urbanos. Esta é a situação que este Governo, durante 10 anos, nunca quis ver nem assumir!
Quanto aos resíduos industriais, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, estamos fartos de perguntar aos membros do Governo, ao longo de anos, se é verdade ou mentira que o Governo assinou um contrato com um consórcio internacional em que se diz que não há impedimento legal à importação de resíduos. Sr.ª Ministra, é ou não verdade? Responda que é mentira, para todos sabermos que assim é!
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais:- Já disse!
O Orador: - Nem a Sr.ª Ministra nem os outros Membros do Governo que por aqui passaram responderam directamente a esta pergunta.
Em matéria de legislação comunitária, a Sr.ª Ministra sabe perfeitamente que no artigo onde se escreve que é proibida a circulação de resíduos na Comunidade também se enumeram - nos restantes números desse mesmo artigo - quais são as excepções. E uma dessas excepções é que não há qualquer impedimento à importação de resíduos para um país com capacidade tecnológica, que será o caso de Portugal a partir do momento em que o Governo impuser este sistema.
Naturalmente, o Governo subscreveu o Tratado de Maastricht e lá encontramos o que quer dizer a livre circulação de mercadorias dentro da Comunidade Europeia. É isto que a Sr.ª Ministra não explica! As suas palavras e promessas não valem nada, Sr.ª Ministra, porque enganou os portugueses ao longo deste processo. A escolha dos
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locais foi um processo tortuoso, que a levou a recorrer ao prestígio das universidades, o que nunca deveria ter feito,...
Protestos do PSD.
... para justificar aquilo que não tinha justificação!
Finalmente, acabou por se "despir" à frente dos portugueses, através da televisão, na entrevista que deu, ao justificar que a escolha de Estarreja era em função da "centralidade" e das acessibilidades, ou seja, a Ministra do Ambiente, em Portugal, decidiu em função de interesses e razões economicistas contra o ambiente, como está expresso nas conclusões do estudo de impacte ambiental sobre a instalação da incineradora em Estarreja.
Este é, de facto, o pano de fundo que sustenta as suas propostas e a caminhada em que "empenhou os olhos da cara", permita-me a expressão, para se manter na política.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, trata-se de uma mini-intervenção sobre resíduos, com o tempo residual de que disponho.
Gostaria de dizer que este debate é um faz-de-conta, habilmente introduzido pelo PSD como sendo um debate de urgência quando não há qualquer urgência, nem a montante nem a jusante, em relação à incineradora, uma vez que já está definido o local. Também em relação aos demais temas não há urgência, porque estão para durar. Além do mais, estamos numa fase de alteração política provável.
Uso da palavra para declarar que me dessolidarizo deste debate de faz-de-conta. Este é um debate "intelectualoide", simulado, fictício e hipócrita, que não vai ao fundo das questões e nem sequer aborda a história deste problema.
Nesta matéria, temos de ir à procura do pecado original - e aí a Sr.ª Ministra, por acaso, não tem culpa, embora tenha depois uns pecadilhos ou uns pecados grossos!
Mas o pecado original prende-se com o seguinte: o negócio dos lixos é um negócio de milhões. Há um grupo económico, a OPCA, que se associa com a France Déchets, que é sucursal da Lyonnaise des Eaux - daquela grande bronca que meteu o presidente da Câmara de Bordéus na cadeia. Aliás, em Portugal já foi preso um e espero que venham a ser mais! O ex-presidente da câmara do PSD de Vagos está na cadeia exactamente por causa de uma negociata ligada a terrenos escolhidos pela TECNINVESTE, que é uma sucursal da OPCA. Uma negociata da China!...
Voltando à história deste processo, o Ministro Carlos Borrego, que é um ingénuo, um lorpa em linguagem comum, aceitou fazer um acordo com a tal OPCA, consorciada com outros. Na verdade, trata-se de um acordo "leonino" - aliás, a expressão é própria, porque tem a ver com a Lyonnaise dês Eaux -, que dá tudo ao concessionário e nada ao Governo, ao País! Nomeadamente, era o concessionário quem escolhia os locais, Sr.ª Ministra! Tenho aqui o protocolo, porque não falo de cor.
Perante isso, a Sr.ª Ministra - faço-lhe essa lisonja, com honestidade -, disse que já era demais e, por isso, decidiu arranjar quem escolhesse os locais. Mas os locais estavam escolhidíssimos! Para tanto, basta ver quem apareceu para os escolher! Isto é tudo um compadrio e faço a justiça de reconhecer que a Sr.ª Ministra não está metida nisso, embora haja gente do seu gabinete que está, nomeadamente a Engenheira Almerinda Antas.
De facto, quando se trata de fazer estudos de impacte ambiental, quem apareceu e aparece é a TECNINVESTE, associada da OPCA, que escolheu exactamente os locais já escolhidos... É assim!
A Sr.ª Ministra, a partir de certa altura, percebeu que estava com uma "batata quente" nas mãos, permitam-me o plebeísmo, e resolveu despachá-la. Para tanto, encarregou não as universidades mas alguns docentes universitários, pagos para fazer mini-estudos, simulações de estudos sobre uma agenda que lhes foi dada, em termos limitados. Não foram convidados para fazer estudos amplos mas, sim, uns "estudozinhos"... Mas o mais extravagante é que quem é escolhido para capitanear os estudos das incineradoras é o Professor Carlos Borrego. Não podia ser de outra maneira!...
Os estudos, ainda assim, parece que não são tão maus como isso. São medíocres, mas já se tem visto pior, na Albânia, como já aqui foi dito.
Então a Sr.ª Ministra cria uma comissão, cujos membros são escolhidos por ela própria, uma pseudocomissão científica, para desempatar, sabendo-se qual era o resultado.
Aliás, foi um resultado político inteligente. Se eu fosse ministro (salvo seja), não faria de outra maneira. Pois se há um autarca que quer o vazadouro lá na terra, está-se mesmo a ver que é para lá que ele vai! E essa pseudocomissão...
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha já terminou.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu que essa pseudocomissão, que tem uns médicos e uns veterinários e mais não sei o quê, faz uma análise economicista e diz: "o mais baratinho é ali, em Estarreja."
Em suma, é um relatório longo, mas que não trata da saúde, nem dos perigos nem de nada disso, tendo apenas uma perspectiva económico-mercantilista.
Bem, este debate é um debate chocho e só estou aqui para lavrar o meu protesto...
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Mas não contribuiu para aprofundá-lo.
O Orador: - Sr. Deputado, não brinque comigo!... O senhor foi Secretário de Estado não sei durante quanto tempo, nunca o aprofundou e quer que eu o aprofunde em dois minutos? Mas olhe, sempre lhe digo...
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Os secretários de Estado têm competências distintas e eu nunca fui Secretário de Estado do Ambiente.
O Orador: - Isto, agora, não é um debate político simulado! Não vou nessa hipocrisia. Agora, há o que falta fazer- e espero que se faça bem, qualquer que seja o governo - e há o que está feito. Ora, o que está feito junta casos de polícia, pois o antigo presidente da Câmara Municipal de Vagos já está preso...
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - O que é que isso tem a ver com o que estamos a discutir?
O Orador: - O que estamos a debater tem a ver com isso e, se quiser, eu explico-lhe. Dê-me tempo que eu explico-lhe!
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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado,
tem de concluir a sua intervenção.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, mas, para responder à questão da deficiência, quero dizer que o protocolo com a OPCA prevê que, caso não haja resíduos que cheguem - o Sr. Deputado André Martins, que fez uma intervenção muito interessante, esqueceu-se disso-, portanto, se não houver Deputados, perdão, resíduos que cheguem ...
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Serão incunerados!
O Orador:- Não, Deputados carbonizados será excessivo.
Risos do PS e do CDS-PP.
Quando muito, aqueles que não têm exclusividade, que são dispensáveis, esses, ainda vá que não vá...
Risos do PS e do PSD.
Como estava a dizer, se não houver resíduos que cheguem, está no protocolo, na cláusula 15.º, que o Governo é que tem de resolver essa situação. E a Convenção de Basileia, que foi aqui falada - e não sei se já foi lida - permite-o. Aliás, o Sr. Deputado André Martins já ò referiu. Podemos perfeitamente importar resíduos de Espanha, por causa do problema tecnológico, e o ministro Fernando Real elaborou com a Espanha um protocolo, discreto e confidencial, para "gramarmos" cá os resíduos venenosos espanhóis. Tiram-nos a água e impingem-nos d lixo. Também não está mal, dá ela por ela...
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa pede-lhe para terminar imediatamente.
O Orador: - Vou acabar, Sr. Presidente.
E no Ministério - digo o nome, porque não tenho... a mim a OPCA não me compra, nem as ameaças me assustam. Fui ameaçado com um processo e até me ri dele, porque processos é a minha especialidade, do mesmo modo que me ri também das ameaças de morte telefónicas. Aliás, os machos da minha família não morrem sem de medo nem de parto, é já uma tradição...
Risos do PS, do PSD e do CDS-PP.
Bom, como dizia, no Ministério explicam que a importação para a incineradora não. tem mal, porque as convenções permitem importar lixos tóxico-perigosos para reciclagem e a Engenheira Dulce Pássaro, que é subordinada de V. Ex.ª - veja a Sr.ª Ministra quem lá tem, a Engenheira Almerinda Antas e esta Pássaro, que é um passarão-, ...
Risos do PS e do PSD.
... explica, muito simplesmente, que, como é para a incineradora que produz energia térmica, isso está enquadrado na reciclagem, não havendo oposição. Venham os lixos, venha o vazadouro para a minha terra!
Felizmente, ainda há tribunais administrativos e, assim, estamos aqui a perder tempo, pois isto agora é matéria de papel selado.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Acabou, Sr. Deputado?
O Orador: - Acabei, Sr. Presidente. Há tribunais administrativos e há os tribunais da União Europeia, que está, a entrar com dinheiro para a OPCA, indirectamente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado Jaime Milhomens pede a palavra para que efeito?
O Sr. Jaime Milhomens (PSD): - Sr. Presidente, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado, embora o Sr. Deputado Carlos Candal não disponha de tempo para, depois, lhe responder.
A Sr.ª Deputada Conceição Castro Pereira (PSD): - Paciência! Ouve!
O Sr. Jaime Milhomens (PSD): - Sr. Presidente, fica a pergunta. Com certeza que o Sr. Deputado Carlos, Candal tem outros meios para dar a resposta.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Dado o interesse do problema, a Mesa concede um minuto ao Sr. Deputado Carlos Candal, para responder, embora fique muito receosa que ele não consiga fazê-lo em um minuto.
O Sr. Jaime Milhomens (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal: Ouvi aqui, hoje, duas intervenções distintas: uma do coordenador da área do ambiente do PS e outra do Sr. Deputado Carlos Candal.
Assim sendo, quero, sinceramente, perguntar-lhe: não acabou de condenar a política de ambiente defendida pelo Partido Socialista? Qual é a sua resposta concreta em relação à localização da incineradora?
Eu sou de Ovar e o Sr. Deputado sabe-o bem. É claro que ninguém gosta de ver no seu quintal uma incineradora, mas sabemos perfeitamente que a capacidade de decisão deste Governo foi uma realidade, não tendo adiado o problema, e V. Ex.ª deu aqui uma resposta concreta de como as coisas se passariam se dependessem do Partido Socialista.
O que o Partido Social Democrata quer, em Aveiro e em Estarreja, é ver asseguradas contrapartidas - e estamos convictos que o serão - que consigam resolver os problemas daquela zona, tão martirizada em termos ambientais.
Mais: sabemos, neste momento, que o caso dos resíduos sólidos em Estarreja e dos programas que serão realizados, que foram aprovados por unanimidade pela Assembleia Municipal de Estarreja, irão contribuir para resolver muitos dos problemas que ali havia em termos ambientais.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Carlos Candal, vou dar-lhe a palavra, mas não se esqueça de tem apenas um minuto para responder a este pedido de esclarecimento.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Milhomens, o problema tem a unanimidade. Estarreja fez esta opção: já que isto está condenado para mais 250 anos, já agora fica por mais algum tempo e venham lá algumas contrapartidas! Mas a existência das contrapartidas é a prova provada de que aquilo é perigoso, porque ninguém paga por dar uma prenda!...
O Sr. Jaime Milhomens (PSD): - Essa agora!
O Orador: - Sr. Deputado, marquem outro debate urgente que eu explico-lhes isto tudo!
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O problema é que aquilo não é mau para Estarreja, é bom! Aquilo não faz mal a Estarreja mas à ria de Aveiro, que é de mais municípios além de Estarreja, faz mal a Albergaria-a-Velha e a Cacia, que pertence a Aveiro, porque os ventos dominantes, os tais que matam, não incidem em Estarreja e é esse o problema!
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - E a Ovar?
O Orador: - Quanto a Ovar não tem perigo, porque é a norte. Esteja descansado!
0 Presidente da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha "acordou" agora, muito preocupado- ninguém lhe tinha perguntado "qual era o clube dele"-, porque percebi que os fluranos e as dioxinas, as tais coisas que matam e que causam cancros, vão cair-lhes em cima. Acordou tarde! É do CDS, não vai ser poder tão cedo...
Portanto, às perguntas que faz sobre o Partido Socialista só posso responder-lhe desta maneira: se o governo socialista tiver um comportamento tão irresponsável, tão mercenário - estou a referir-me a funcionários do ministério e não meto a Sr.ª Ministra nisto - e tão lorpa como os do PSD, garanto-lhe que estarei aqui, se porventura for eleito, com a exclusividade, para o criticar tão veementemente como critico o PSD ou quem quer que seja. O estatuto de Deputado - embora o Regimento o não permita, porque é estrangulante -, como eu o entendo, dá-me essa liberdade e não me sujo nem por solidariedade fictícia nem por venalidades. Estamos entendidos!
Aplausos do PS e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, não posso deixar de dizer duas palavras sobre esta lamentável intervenção, com a qual o Sr. Deputado Carlos Candal, mais uma vez, desinformou activamente os seus constituintes. Para além disso, teceu críticas gravíssimas a funcionários exemplares do meu ministério.
Na verdade, o Sr. Deputado fez acusações gravíssimas a funcionárias que têm tido uma actuação acima de qualquer suspeita, quer técnica quer de qualquer outro género, funcionárias exemplares, repito, do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que se têm dedicado à causa pública com uma isenção e com um empenho que não admitem qualquer possibilidade de serem proferidas as palavras que acabámos de ouvir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - O Sr. Deputado fez acusações gravíssimas, ao abrigo da sua imunidade parlamentar, a pessoas que não estão aqui mas ainda que estivessem não podiam defender-se...
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - ... e não sei, Sr. Deputado, se isto faz parte das valentias que aqui referiu e que constituem os atributos aos elementos masculinos da sua família.
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado André Martins tinha também a obrigação de ter um pouco mais de responsabilidade naquilo que diz. Mais uma vez o Sr Deputado tentou - sem conseguir, espero - iludir a questão da importação de resíduos, que é uma questão gravíssima.
A importação de resíduos industriais perigosos é proibida, como o Sr. Deputado sabe, a menos que seja expressamente autorizada pelo Governo, e o Sr. Deputado confundiu a circulação de resíduos e as suas limitações com a liberdade de circulação de resíduos normais, ao abrigo da circulação de resíduos e de mercadorias. Estes são resíduos de natureza completamente diferente e o Sr Deputado, deliberadamente, pretendeu iludir quem aqui está a ouvi-lo e, mais do que isso, tentou sugerir que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais podia instrumentalizar as universidades portuguesas.
Sr. Deputado, com certeza elas encarregar-se-ão de responder a essa questão Não pense que as universidades e os universitários portugueses poderão, alguma vez, ser instrumentalizados, como aqui sugeriu. Mas, com certeza, eles encarregar-se-ão de defender a sua própria honra.
Aliás, se enveredássemos pelas opções do partido Os Verdes, que, supostamente, devia tratar dos problemas ecológicos de Portugal, estaríamos bem servidos, com certeza. O Sr. Deputado não apresentou aqui nenhuma solução e os portugueses estão ansiosos por ela. Todo o mundo desenvolvido está ansioso por essa extraordinária solução que os Deputados de Os Verdes têm para nos dar, quando em nenhum outro país se encontrou ainda soluções mais adequadas do que aquelas que Portugal quer agora promover.
Portanto, Sr. Deputado, se estivéssemos à espera das vossas soluções estaríamos como Peter Pan no reino da Never Never Land Ora os portugueses não estão à espera disso, os portugueses querem soluções, exigem que o Governo as tome e foi isso o que acabou de ser feito.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
Sr. Deputado, peco-lhe que respeite o tempo regimental.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Com certeza, Sr. Presidente. Sr. Presidente, a Sr.ª Ministra fez mal em interpelar-me, porque não gosto disso
Protestos do PSD.
Sr.ª Ministra, eu não tinha imunidade parlamentar quando tomei posições firmes contra aquilo que, política e socialmente, achei mal no "tempo da outra senhora". Não me consta que a Sr.ª Ministra tivesse tido essa frontalidade e essa coragem. E eu não tinha imunidade, entendamo-nos! Há aqui recém-chegados à democracia, mas há também aqui velhos militantes da resistência.
Quanto ao meu interesse, não percebi bem a conversa. V. Ex.ª faça lá uma sindicância - é possível que a Procuradoria-Geral da República vá tratar disso e, então, dispenso o serviço a V. Ex.ª - dentro do seu Ministério. E, já agora, sindicância por sindicância, o registo de interesses é muito importante para que se saiba que não tenho interesses, não tenho nenhuma ligação a pequenas e médias empresas que vão usar a inceneradora, poupando milhões. Eu não os tenho, mas há grupos económicos de que fazem parte membros do Governo... Não quero ser de-
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selegante, mas - à bon entendeur - há quem tenha grandes interesses económicos nisto, há...
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Isto não pode ser!
O Orador: - O Sr. Deputado quer que eu explique? Não me faça ser deselegante! Deixe-me ficar por esta frioleira! Não tenho interesses nas soluções da incineradora, não tenho relações com grupos económicos.
O Engenheiro Ludgero Marques, que aplaudiu com ambas as mãos a Sr.ª Ministra e a incineradora, esse temos, e bem, e exerce a sua função, e bem. É preciso investigar tudo isto, para que possa haver isenção e imparcialidade na apreciação do problema.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, para defesa da honra e consideração da minha bancada.
De qualquer forma, Sr. Presidente, dada a candura que houve com o Sr. Deputado Candal, haverá, certamente, a possibilidade de o meu grupo parlamentar beneficiar de mais algum tempo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente, mas, se me permite, depois da intervenção do meu colega Nuno Ribeiro da Silva.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, a Sr.ª Ministra exerceu o direito de defesa da honra e consideração relativamente à minha intervenção. Pelo menos, foi essa a minha interpretação.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Sr.ª Ministra exerceu o direito de defesa da consideração em relação, sim, à intervenção do Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Mas, Sr. Presidente, metade ou mais de metade da intervenção da Sr.ª Ministra referiu-se a palavras que eu aqui proferi.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, se V. Ex.ª quer usar da palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem regimentalmente todo o direito de fazê-lo.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero dar explicações...
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, desculpe, mas a Mesa interpretou a defesa da consideração feita pela Sr.ª Ministra como sendo relativa - e cia própria disse-o - à intervenção do Sr. Deputado Carlos Candal. Portanto, se o Sr. Deputado considera que a Sr.ª Ministra proferiu, de qualquer modo, expressões ofensivas da sua honra ou consideração, pode, para se, defender, usar da palavra.
Agora, não posso dar-lhe a palavra para dar explicações relativamente à defesa da consideração da Sr.ª Ministra, porque ela, de facto, não se dirigiu a si mas, sim, ao Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, tendo, naturalmente, em atenção a alta consideração e confiança que tenho pela forma como V. Ex.ª dirige os trabalhos, permita-me solicitar-lhe que a Sr." Ministra se pronuncie sobre a minha interpretação relativamente à defesa da consideração feita pela Sr.ª Ministra.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Se a Sr.ª Ministra desejar fazê-lo, muito bem.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, a Sr.ª Ministra defendeu a sua consideração e, nos termos regimentais, um Sr. Deputado deu explicações, no tempo que lhe coube, em relação a essa defesa da consideração por parte da Sr.ª Ministra. Qualquer outro Sr. Deputado que queira usar da palavra tem de utilizar um outro instrumento regimental, a saber, tal como V. Ex.ª disse, o direito de defesa da honra e consideração e, nessa altura, a Sr/Ministra, se o entender, dará explicações.
Agora, o Sr. Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes não deve "vir à boleia" de uma defesa da consideração da Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, vou dar-lhe, agora, a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração, visto que o Sr. Deputado Silva Marques pediu para fazer a sua interpelação à Mesa depois.
Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.
O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Candal, as suas afirmações, nesta última parte do debate, não trouxeram, contrariamente ao que parecia animar as suas primeiras palavras, qualquer seriedade ou profundidade à discussão deste assunto, que reputamos da maior importância para os portugueses e concretamente para as populações que, de uma forma mais atenta, acompanharam esta matéria, designadamente as de Estarreja.
Pela nossa parte, analisámos este assunto com a maior seriedade. Porém, é claro o estado de espírito do PS, quando, nesta Casa, vem fazer acusações infundadas Se os factos existem, conforme o Sr. Deputado Carlos Candal aqui os referiu, que tomem medidas, porque, se hou-
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ver matéria para suspeita de qualquer acção lesiva por parte de funcionários da administração, ou de quem quer que seja, certamente estaremos na primeira linha para apoiar a justa punição a que haja lugar.
Agora, não fazemos afirmações ao vento, absolutamente irresponsáveis, sobre a idoneidade de pessoas. De facto, esta não é a maneira séria de debater este assunto. Aliás, sobre todo este debate, sobre um assunto que toca todos os portugueses e relativamente ao qual todos nos confrontamos, no nosso dia-a-dia, com problemas seríssimos,- a posição básica tomada aqui por parte dos partidos da oposição foi a de invocar o velho papão das multinacionais, de referir que a medida é atrasada e de dizer que é preciso fazer prevenção.
Estamos todos de acordo quanto à necessidade de fazer prevenção e isso faz parte integrante dos textos legislativos. Agora, não podemos continuar a ter perante os portugueses a atitude, volto a frisá-lo, hipócrita de não enfrentar a situação.
O Governo tem vindo a enfrentar a situação! É que, Srs. Deputados, os lixos existem e têm de ser tratados!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, vou dar a palavra, para interpelar a Mesa, primeiro ao Sr. Deputado Silva Marques e, depois, dar-lha-ei a si, Sr. Deputado André Martins.
O Sr. Deputado Carlos Candal dará explicações após as interpelações à Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Assim sendo, tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais na sua intervenção para defesa da honra dirigiu-se, primeiro, ao Sr. Deputado Carlos Candal e, depois, citou e contestou a minha intervenção anterior, o que, penso, pode ser confirmado, tendo-se inclusivamente referido aquilo que eu tinha dito relativamente às universidades.
Portanto, a Sr.ª Ministra citou a minha intervenção e o meu nome. Ora, quando alguém cita o nome de outro Deputado e tratando-se de um caso de exercício do direito de defesa da consideração - está, pois, em causa o nome de outro Deputado, que, neste caso, um membro do Governo utilizou -, penso que, nestas circunstâncias, Sr. Presidente, é tradição o Deputado que é citado poder dar explicações relativamente à intervenção para defesa da consideração.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Tem razão!
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado André Martins, a Mesa ouviu distintamente a Sr.ª Ministra pedir a palavra para exercer o direito de defesa da consideração relativamente à última intervenção produzida e fê-lo durante a mesma. Ou seja, foi durante a intervenção do Sr. Deputado Carlos Candal que a Sr.ª Ministra pediu para exercer o direito de defesa da consideração. Portanto, a Mesa julga que fez uma interpretação correcta e que deu a palavra a quem devia. Entretanto, pediu também a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, para exercer o direito de defesa da consideração, penso que também em relação à intervenção do Sr. Deputado Carlos Candal.
Assim sendo, tem a palavra, para dar explicações, o Sr. Deputado Carlos Candal.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, começa a ficar claro que realmente estes problemas não se discutem à vol d'oiseau.
Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, gostaria de dizer-lhe que sempre fui uma pessoa responsável. Ainda V. Ex.ª não era nascido, já eu era responsável!
Protestos do Deputado Nuno Ribeiro da Silva.
É assim!
Neste momento, o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva retirou-se da Sala.
Adeus, até ao meu regresso! Bon voyage!
Eu não disse que ia contribuir, com considerações sensatas, académicas e técnicas para este debate; não disse que ia contribuir para a análise intelectual desta matéria. Disse, sim, que este debate não fazia sentido. E quando o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva refere o levantamento exaustivo dos resíduos, em 1988, essa é mesmo uma das lacunas do Ministério.
A Sr.ª Ministra andou a empalmar os ambientalistas, prometendo-lhes diversas coisas que não cumpriu, nomeadamente que não tomava decisões antes de saber quem produz os lixos, onde, que espécie de lixos e em que quantidade. Subsidiou técnicos estrangeiros, convidados pelos ambientalistas para virem cá fazer estudos, que foram altamente desfavoráveis, pagos pelo gabinete. Mas, depois, meteu-os na gaveta, não os publicou e eles não tiveram qualquer influência na decisão.
No entanto, os ambientalistas também têm culpa nisto, e muita! É que, até há dois meses, andaram a lançar na opinião pública um dislate - enfim, são líricos, pensam nas andorinhas, nas papoilas, etc. -, ao defenderem a ideia de que era melhor uma incineradorazinha, mesmo que não fosse grande coisa, do que a anarquia, do que nada! Qualquer coisa é preferível a nada Bom, essa foi a opinião que reinou e que deu origem, há quatro semanas, ao editorial do Expresso, que até é suposto ser um jornal responsável. Só que isso não é verdade! Tem de fazer-se um levantamento da situação e decidir. E até pode ser que uma incineradora seja boa e que o local ideal seja Estarreja. Mas, isto, só depois de um debate amplo e às claras e não assim...
O Sr. José Silva Costa (PSD): - Mais três anos de debate?
O Orador: - O debate não e para ser realizado aqui, Sr. Deputado! Isto é uma assembleia política e não um conclave de técnicos! O debate tem de ser feito com honestidade por quem saiba do assunto e com a audição das partes interessadas. E, sobretudo, sem negociatas de permeio!
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra, pela segunda vez, para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Se! o Sr. Deputado se considera desconsiderado, regimentalmente, a Mesa terá de dar-lhe a palavra. Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, já durante o decorrer deste debate, tinha pedido & palavra para exercer o direito de defesa da consideração relativamente à intervenção da Sr.ª Ministra e à falta de resposta cabal à pergunta que eu, muito directamente, creio ter feito. Mas dado que, de seguida, fiz uma intervenção, suspendi o meu pedido de palavra para defesa da consideração.
Entendo, Sr. Presidente, que nenhum Deputado desta Casa nem qualquer membro do Governo que aqui se encontre a participar no debate pode citar o nome de quem quer que seja aqui presente sem que haja por parte deste último o direito a defender-se. Portanto, quando se trata do exercício do direito de defesa da consideração, entendo - e permita-me dizê-lo, Sr. Presidente- que não tenho de "andar à boleia" de ninguém; tem simplesmente de ser seguido o Regimento e a tradição desta Casa.
Sr. Presidente, pedi para exercer o direito de defesa da consideração relativamente às palavras proferidas pela Sr.ª Ministra quando ela defendeu a sua consideração em relação não ao que eu disse mas ao que outro Sr. Deputado referiu. Creio que não é muito correcta esta forma de intervir no Plenário. Todos nós devemos olhar-nos nos olhos quando acusamos ou nos referimos a outros e á Sr.ª Ministra não conseguiu fazê-lo.
A Sr.ª Ministra diz que acusei as universidades de não se terem comportado bem. Acusei, ao contrário, a Sr.ª Ministra e o Governo na sua totalidade de não estarem a portar-se bem relativamente aos interesse nacionais e aquilo que é a justiça que as populações exigem seja feita quanto ao processo tortuoso inventado pelo Governo, que o impede de sair desta situação.
Quando já tudo era questionado, quando os estudos, que a Sr.ª Ministra dizia serem técnicos e científicos, já não tinham qualquer credibilidade depois de serem tornados públicos, a Sr.ª Ministra lembrou-se de dizer que seriam as universidades a fazer a avaliação do impacte ambiental. Do que acuso a Sr." Ministra e o Governo é de terem recorrido ao prestígio das universidades para fazer estudos de avaliação do impacte ambiental quando as localizações já estavam decididas! É disto que a acuso, Sr.ª Ministra!
Por outro lado, como muito bem sabe, foi a Sr.ª Ministra que nomeou como coordenador desses estudos de impacte ambiental precisamente o seu antecessor, que assinou o contrato com a multinacional...
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Concluo, de imediato, Sr. Presidente.
É isto o que está em causa, Sr.ª Ministra. Portanto, não diga que acusei as incineradoras.
Finalmente, quero dizer-lhe, Sr.ª Ministra, que mantenho todas as acusações que tenho feito. A Sr.ª Ministra e o Governo não são capazes de garantir que, amanhã, face ao protocolo que assinou com o consórcio internacional - está aqui preto no branco -, se não houver quantidade suficiente de resíduos para tratar na incineradora, o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais não negociará com o consórcio a forma de rentabilizar o sistema, o que significa recorrer à importação de resíduos toxicoperigosos. Está aqui no protocolo assinado, Sr.ª Ministra! Portanto, V. Ex.ª não pode dizer que estas questões são mentira, porque estão cá escritas, para além do que se encontra escrito no caderno de encargos.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais deseja responder?
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Como não há mais inscrições, está encerrado o debate e declaro suspensa a sessão. Retomaremos os nossos trabalhos às 15 horas.
Eram 12 horas e 50 minutos.
Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 132/VI - Autoriza o Governo a alterar o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro (Aprova o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos); proposta de resolução n.º 94/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, que baixou às 3.ª e 6.ª Comissões; projectos de lei n.ºs 572/VI - Isenção do pagamento de taxas e encargos para a habitação a custos controlados (PSD), que baixou à 5.ª Comissão, 573/VI - Alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo (PS), que baixou à 7.ª Comissão, e voto n.º 146/VI - De pesar pelo falecimento do crítico literário e tradutor José Paula e Carmo.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Eurico Figueiredo e Arons de Carvalho; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Viegas, Anabela Matias, Elisa Damião e Rui Vieira; ao Ministério do Mar, formulado pelo Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado José Eduardo Reis; ao Ministério da Indústria e Energia e à Secretaria de Estado do Orçamento, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado João Carlos Duarte; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Gameiro dos Santos; e ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Elisa Damião, nas sessões de 7 de Julho e 16 de Março; Mário Tomé, nas sessões de 9 de Julho e 16 de Novembro; José Só-
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crates, na sessão de 15 de Julho; Paulo Trindade, na sessão de 5 de Novembro; Manuel Sérgio, na sessão de 20 de Outubro; José Manuel Maia, nas sessões de 26' de Outubro e 11 de Janeiro; Miranda Calha, nas sessões de 28 de Outubro e 22 de Fevereiro; Fialho Anastácio, nas sessões de 7 de Dezembro e 9 de Fevereiro; Isabel Castro, nas sessões de 4, 18 e 25 de Janeiro, 22 de Fevereiro e 29 de Março; António Martinho, na sessão de 13 de Janeiro; José da Silva Costa, na sessão de 20 de Janeiro; Luís Sá, na sessão de 25 de Janeiro; António Murteira, na sessão de 3 de Fevereiro; Jorge Paulo Cunha, na sessão de 6 de Fevereiro; Artur Penedos, na sessão de 8 de Fevereiro; José Eduardo Reis, na sessão de 9 de Fevereiro; Guilherme d'Oliveira Martins, nas sessões de 9 de Fevereiro e 8, 23 e 24 de Março; José Vera Jardim, na sessão de 16 de Fevereiro; Alexandrino Saldanha, nas sessões de 24 de Fevereiro, 16 de Março e 6 de Abril; Fernando José Costa, na sessão de 16 de Março; Joel Hasse Ferreira e Ana Maria Bettencourt, nas sessões de 16 e 22 de Março; Lino de Carvalho, na sessão de 22 de Março; Manuel Silva Azevedo, na sessão de 23 de Março; Heloísa Apolónia e Crisóstomo Teixeira, na sessão de 24 de Março; Raul Castro, na sessão de 29 de Março; e António Filipe, na sessão de 30 de Março.
Quero ainda informar a Câmara de que estão reunidas ou irão reunir durante esta tarde, a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, a Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor-Leste, a Comissão Eventual para Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares de Cargos Políticos, a Comissão Eventual de Inquérito a Camarate e a Subcomissão da Ciência e Tecnologia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no segundo ponto do período de antes da ordem do dia, que compreende declarações políticas.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: As nossas últimas jornadas parlamentares desta legislatura decorreram sob o signo da esperança, num tempo em que nos preparamos para submeter ao julgamento dos nossos concidadãos a obra de uma década de paz, de estabilidade governativa e de modernização em democracia, como o País não conhecera ao longo do século. O trabalho, as realizações, as certezas, mas também as expectativas, os compromissos e projectos realistas, com que nos propomos empreender as transformações, hão-de permitir aos portugueses imprimir a sua marca no destino comum e a Portugal ter, de novo, um papel influente e mobilizador no anunciado reencontro de povos que fará a História do próximo milénio.
Aplausos do PSD.
Segundo os bons autores, "a verdadeira liberdade é ser sujeito da História". Sempre foi esse o desígnio da "Lusitana antiga liberdade", que, uma vez recuperada, nos lança agora nos caminhos da grande aventura lusófona, da grande aventura europeia.
Tivemos como convidados especiais, em Santa Maria da Feira, Tavares Moreira e Fraústo da Silva, que connosco dialogaram sobre as perspectivas que, a médio e longo prazos, se nos oferecem num mundo em rápido evoluir, onde os movimentos de globalização são irresistíveis, com
todos os seus riscos e virtualidades. A discussão foi viva, multifacetada e sobre questões de fundo, como, aliás, acontece vezes de menos num universo político continuamente agitado por questões menores, factos e incidentes sem significação e sem impacto no dia seguinte.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - A esta dispersão de energias em trivialidades não quero, todavia, deixar de contrapor a coragem e a lucidez de que mostraram estar imbuídos os Deputados desta Câmara, quando se tratou de lutar pela própria essência da democracia. Nós, os que nos vimos, durante décadas, imobilizados no impasse de uma ditadura, só podemos adjectivar como empolgantes os 21 anos que se seguiram ao acto de ruptura com o regime totalitário. Em si, um acto portador de diversas e contraditórias mundivisões e não apenas daquela que veio a desabrochar no regime de que os democratas de todos os partidos se podem orgulhar.
Não esqueçamos que foi este hemiciclo a sede onde, em larga medida, se ganhou o processo de consolidação da democracia, de acordo com a vontade maioritária dos nossos concidadãos.
Refiro-me, como é evidente, à democracia representativa que, desde 1969, Francisco Sá Carneiro e os membros da então chamada "ala liberal" (liberal como sinónimo de combate pelos direitos humanos) foram os primeiros da nossa geração a defender aqui As suas vozes tiveram, desde logo, eco numa forte corrente de opinião em que se irmanaram aqueles que, não se reconhecendo no situacionismo nem profetizando a revolução, partilhavam os valores do reformismo, do personalismo cristão e da social democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Com eles, era já o cerne do programa do PPD/PSD que se prenunciava, com a crença nas virtudes cívicas dos portugueses, na sua natural aptidão para viver os gestos da liberdade, que os portugueses, em liberdade, haveriam de retribuir, escolhendo, nas umas, a via gradualista e social democrática para o desenvolvimento, primeiro nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e em muitos dos nossos municípios, que ressurgiam na pujança das suas tradições e, em seguida, a nível nacional.
À acção dos nossos governos se fica a dever a possibilidade de um "novo ciclo de desenvolvimento português", depois de havermos, como disse, primeiramente, concentrado os esforços na refundação de um sistema aberto e pluralista e após termos, numa segunda fase, que corresponde aos Executivos de Cavaco Silva, em clima de estabilidade política e paz social, dotado o País das infra-estruturas para a competitividade da economia, a bem sucedida integração europeia, a ascensão a um patamar de progresso colectivo sem precedentes, que fica registado por sinais e índices objectivos.
O Sr. Silva Marques (PSD)- - Muito bem!
A Oradora: - Nenhum governo digno desse nome poderia não ter começado pelo saneamento das finanças públicas e pela revitalização da economia, como conditio sine qua non para chegar a um estádio de desenvolvimento endógeno. Mas é para nós igualmente claro que o bem-
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estar dos indivíduos não se mede por puras estatísticas de crescimento económico, mas antes pela forma como este aproveita a cada um, bem como a cada terra ou região, e pelo apelo à participação de todos também nos domínios social, cultural e político.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Relembro a propósito as palavras do fundador do PPD: «Quem diz desenvolvimento diz também necessidade de educação e cultura. Sem elas o desenvolvimento poderá ser apenas crescimento económico e maior injustiça. É preciso que ele seja desenvolvimento integral do Homem, que seja condição de toda a vida e não apenas do seu aspecto material».
A dimensão humana do desenvolvimento implica, assim, em primeira linha, a atenção a situações sociais novas, como a degradação do nível de vida nas grandes aglomerações urbanas, o desajustamento ao ambiente escolar dos jovens migrantes de 2.ª geração ou o abandono familiar dos idosos, assim como a supressão dos fenómenos de marginalidade e de exclusão, pela chamada ao centro das preocupações dos mais subestimados ou subaproveitados pelo sistema - as mulheres, os emigrantes, os imigrantes, os desempregados, os mais pobres, os mais dependentes.
É particularmente expressivo o exemplo das mulheres. Ainda há 70 ou 80 anos se considerava como boa uma democracia baseada no mais absoluto apartheid da sexo feminino. Mudaram-se, entretanto, os tempos, as vontades, as leis, os discursos e, até certo ponto, os factos. Onde quer que predominem critérios objectivos de acesso e progressão, as portuguesas obtêm resultados extraordinários, seja no ensino superior ou nas carreiras da função publica, incluindo as mais prestigiadas, como a magistratura ou a diplomacia.
Pelo contrário, no sector privado, na direcção das empresas públicas e no domínio da política, a regra continua a ser a mais gritante das desigualdades. Nenhum partido foi entre nós tão longe como o PSD na nomeação de mulheres para cargos públicos...
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - E de homens! E de homens!
A Oradora: - ... e por isso estamos à vontade para reconhecer que, tendo feito mais do que os outros, fez menos do que é preciso.
Os argumentos que fundamentam a mudança deste estado de coisas, no caso das mulheres, como, aliás, em qualquer dos grupos que mencionei, são o desperdício do enorme potencial que representam, tanto quanto considerações de ordem ética, que têm a ver com a justiça e a dignidade humana.
Nós, sociais democratas, usamos esta linguagem, sem fazer a «estrada de Damasco» nem operar qualquer viragem de rumo. Aos que o ignoram recomendo a leitura dos escritos de Sá Carneiro e Mota Pinto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - De facto, vivemos, desde as origens do PPD/PSD, os valores e as práticas decorrentes de uma concepção personalista do poder, que é o mais precioso dos legados que deixaremos às gerações vindouras,- o querer «organizar a sociedade na parte que ao poder político compete a partir da pessoa e para a pessoa». Para cada mulher e cada homem, agindo, com o seu ânimo e os seus talentos nas múltiplas organizações em que se inserem, em círculos sucessivamente alargados, a partir da esfera familiar e comunitária ?
Nesta linha de pensamento, Sá Carneiro vê a autonomia da regiões como «uma ideia personalista, que parte do reconhecimento da especificidade das comunidades dos Açores e Madeira para lhes garantir que essa personalidade tenha tradução jurídica».
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - O mesmo fio condutor nos aconselha um modelo democrático de construção europeia, que valorize o papel decisivo dos órgãos de soberania do Estado-nação, maxime desta Assembleia e do Governo que dela emana, e que imponha o respeito pela regra de ouro da igualdade dos Estados. O Estado-nação é de tal modo postulado pela ideia personalista que, se por absurdo, tivesse juridicamente cessado de existir, deveria ser reinventado, como a instância em que se exprime plenamente a identidade cultural e política da Nação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Não estamos, porém, a posicionar-nos nos quadrantes de um nacionalismo estreito e selvagem. Bem pelo contrário, entendemos que o nacionalismo egoísta não se ataca pela diluição das nossas instituições políticas, mas pelo espírito de abertura dessas instituições aos outros, a uma Europa dos cidadãos. A verdade é que os europeus ainda não ousam dar mutuamente aos seus imigrantes um estatuto alargado de direitos políticos, isto é, não aderiram, em termos palpáveis, ao discurso iluminista sobre a União e a cidadania.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Exijamos, pois, que seja a partir da sociedade civil, em cada Estado, através dos seus mecanismos próprios, livres e autênticos, de formação de consensos que se parta para um projecto que reflicta uma perspectiva comum de acção no plano transnacional.
Do mesmo modo, haveremos de desenvolver a outra comunidade de que somos parte - a lusófona. Comunidade natural, de língua, de valores, de memória e de afectos, que preexiste à sua consagração oficial em textos ou tratados. Ainda aqui o personalismo nos obriga a «dar tradução jurídica e constitucional» à realidade dos sentimentos e das culturas que se interinfluenciam de forma profunda, tornando-se cada uma parte das outras e subsistindo nelas. A comunidade lusófona, antes de ser um projecto de políticos, é um estado de alma da gente comum Para nós, amar Timor, o Brasil ou os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa é gostar das pessoas e não apenas das suas terras longínquas ou de uma ideia mítica da História...;
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - ... é acolher fraternalmente aqueles que residem em Portugal - os imigrantes, porque eles também são comunidade lusófona!
Aplausos do PSD.
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O mesmo se diga de nós próprios. Os grandes excluídos de 21 anos de democracia continuam a ser os portugueses da "Diáspora".
Somos, de facto, uma Nação de comunidades, mas o Estado, a Constituição e as leis não correspondem a esta integral dimensão humana; a soberania restringe-se a uma parte do povo; o Estado está organizado apenas à medida do território; há cidadãos sem os direitos fundamentais da cidadania, impedidos de votar nas eleições presidenciais, europeias, regionais e autárquicas e com um direito de voto atribuído em condições de desigualdade nas eleições legislativas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - As provas de patriotismo, de solidariedade moral e material desses portugueses, à luz do ideal personalista, exigem do direito uma resposta positiva. Se outras razões não houvesse, esta bastaria para impor a 3.ª revisão constitucional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A finalizar, uma palavra para a cidade que tão hospitaleiramente acolheu as nossas jornadas - Santa Maria da Feira. A Feira que recebeu o nome do mercado local, que já existia na era do Condado Portucalense e que demonstra hoje a nossa bem fundada fé em nós, através da capacidade de sonhar e de realizar em grande.
O Sr Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - A pequena feira medieval, dominada pelo seu castelo, agiganta-se hoje como paradigma de uma feira moderna, o mais vasto e funcional centro de congressos, de intercâmbios e eventos económicos e culturais, que a iniciativa privada ofereceu ao país - o Europarque.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Todos sabemos que a nossa história, singular na sua vocação e grandiosidade, parece, por vezes, pesar sobre o País do presente quando se confronta com o país do passado.
O Europarque constitui o melhor desmentido dos que duvidam de nós, tomando-se o próprio símbolo da abertura à Europa e ao mundo, não só dos políticos, mas da sociedade civil.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Estado e sociedade civil, que queremos unidos no mesmo ímpeto de progresso, num relacionamento marcado pelo companheirismo, por uma proximidade nova, de que fala Fernando Nogueira.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - O 3.º ciclo da nossa democracia passa pela interiorização da esperança em cada português e pela crescente humanização do Estado, como impõe a mensagem personalista.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.
A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, conheço-a há muitos anos e sei que a defesa que faz, e que fez aqui, dos direitos das mulheres é genuína.
Também achei que o seu discurso era muito adequado ao 25 de Abril, só é pena que o seu partido não lhe tenha dado a voz nesse dia, em vez de o ter dado a um homem. Mas antes tarde do que nunca!
Sr.ª Deputada, é verdadeira a sua afirmação de que a capacidade das portuguesas demonstrada em todos os fóruns e nas universidades é um facto - hoje em dia, temos mais de 60 % nas universidades - e é verdade também a existência das desigualdades que referiu. Porém, já não é verdade a afirmação que fez de que o PSD fez mais do que os outros partidos nesta matéria.
Vozes do PSD: - Fez mais!
A Oradora: - Sr.ª Deputada, onde estavam as mulheres no congresso do vosso partido? É que, durante aqueles três dias, toda a gente olhou, toda a gente proeurou as mulheres, mas eram como "agulha num palheiro", não se viam.
Sr.ª Deputada, onde que estão as mulheres na direcção dos órgãos do vosso partido? São muito menos do que as mulheres que estão nos órgãos do Partido Socialista.
Vozes do PSD: - Ah!
A Oradora: - É verdade! Façam as contas, façam as contas!
Sr.ª Deputada, por que é que não há mais mulheres na direcção das empresas públicas? Porque o PSD e o Governo não as nomeia.
Protestos do PSD.
De facto, os Srs. Deputados não gostam nada, ficam tão nervosos quando ouvem falar das questões e dos direitos das mulheres! Era bom que ouvissem!
É verdade que, hoje em dia, há mais mulheres no Governo do que houve antigamente, mas estamos num país europeu. Este é um progresso inegável em todos os partidos! E, Sr.ª Deputada, não se esqueça de que estamos a falar de 10 %, quando, a nível europeu - e não nos podemos esquecer de que isto é, para já, um movimento europeu-, as percentagens aproximam-se cada vez mais da paridade. Veja o governo sueco e até o do próprio Chirac, onde há um aumento do número de mulheres. Nos países desenvolvidos, todos se renderam a este movimento. É um verdadeiro problema, e estou de acordo consigo.
Em suma, o que queria dizer, Sr.ª Deputada, é que estou de acordo consigo: é preciso que as mulheres e os homens lutem para que haja mais mulheres nos centros de decisão. Mas, Sr.ª Deputada, tenho a certeza de que, daqui a uns meses, o governo socialista irá ultrapassar a taxa actual de mulheres que o PSD tem no Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt, muito obrigado pelas suas palavras, pois, também por conhecê-la há muitos anos, sei que são sinceras e que comungamos do desejo de ver
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as mulheres, sejam elas do seu, do meu ou de qualquer outro partido, ocupar os lugares a que têm direito, apesar de sabermos que nem no meu nem no seu partido isso acontece.
De qualquer maneira, há, na primeira fila dás bancadas do PSD e do CDS, três mulheres, enquanto que desse quadrante de esquerda...
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
A Oradora: - Estou a falar em termos geográficos, Srs. Deputados, e não políticos!
A verdade, Sr.ª Deputada, é que - e é com tristeza que o refiro, pois até gostaria de dizer o contrário - o seu partido, quando esteve no governo, fez mais do que o meu, porque isso constituiria um incentivo ao mau. Logo, penso que todos nós, todos e todas, devemos entusiasmar-nos com todos os progressos verificados e chamar os excluídos aos centros de decisão. E as mulheres são realmente, como eu disse e repito, os grandes excluídos da nossa democracia. No entanto, a verdade é que .nunca houve uma mulher ministro que não fosse do PSD;...
Aplausos do PSD.
... nunca houve uma mulher independente e várias ministras como no PSD, que teve várias ministras e uma Primeira-Ministra independente;...
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - ... nunca houve vice-presidentes da Assembleia da República do PS; nunca esta Assembleia da República foi dirigida por uma mulher socialista.
Aplausos do PSD.
Sr.ª Deputada, espero que o seu partido, num futuro próximo, a possa indicar para essa posição. Como pode ver, os exemplos "chovem"!
De qualquer forma, Sr.ª Deputada, muito obrigado pelas suas palavras, mas gostaria de dizer-lhe que o próximo governo do PSD registará, com certeza, como um' sinal de renovação, um número crescente, um número realmente significativo e importante de mulheres no governo. Aliás, a propósito, acrescentarei que também gostei de ver os primeiros títulos de todos os jornais franceses dizerem que o grande sinal da renovação da política em França era o número significativo de mulheres 00 governo. Ora, isso também vai acontecer em Portugal, connosco, Sr.ª Deputada.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como se sabe, o Presidente da República marcou as próximas eleições legislativas para o primeiro dia de Outubro. No entanto, a situação de transição entre esta e a próxima legislatura, entre esta velha maioria e a próxima e desejável nova maioria, entre o actual e o próximo governo já se vive há alguns meses. O ambiente de fim de festa verifica-se em todos os locais onde o poder do PSD se exerce, do Governo à Assembleia da República. Nesse ambiente são flagrantes algumas características fundamentais, podendo mesmo falar-se de 10 sinais muito fortes...
Vozes do PSD: - Dez?!...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Esqueceu-se de metade em casa!
O Orador: - ... que a velha maioria apresenta ao País nesta fase derradeira de poder sem força e esperança.
O primeiro é a desresponsabilização. Ninguém se quer responsabilizar pelas políticas dos últimos quatro anos e pelos seus resultados. O ainda Primeiro-Ministro Cavaco Silva foge à análise desta legislatura, refugiando-se no período de 10 anos para poder comparar o que não é comparável - o Portugal fortemente apoiado pela União Europeia, com o Portugal em luta austera pela recuperação da sua mínima autonomia económica, após a calamidade que foi a Aliança Democrática.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O seu braço direito de sempre, Fernando Nogueira, simula nada ter a ver com as políticas que conduziram à estagnação económica, à crise social, ao atraso cultural e ao desprestígio institucional
Vozes do PS: - É um escândalo!
O Orador: - Os Secretários de Estado demarcam-se dos Ministros, os Directores-Gerais dos Secretários de Estado. No "carrossel" da desresponsabilização ninguém sabe, ninguém viu, ninguém leu, ninguém ouviu! E convém não esquecer que o exemplo veio do Primeiro-Ministro, que, em nome dos seus interesses eleitorais e pessoais, sacrificou colaboradores, equipas, partido Na fuga as responsabilidades Cavaco Silva é o camisola amarela.
Aplausos do PS.
O segundo é a contradição. No Governo parece que ninguém se entende: aos dias ímpares uns ministros dizem que é preciso encarar a paragem das obras da barragem de Foz Côa, aos dias pares outros dizem o contrário
No Conselho de Ministros pretendem alguns fazer bodes expiatórios de outros, como aconteceu com os ataques sofridos pelo Ministro Laborinho Lúcio por iniciativa do Ministro Marques Mendes; a propósito do caso Renault contradizem-se Fana de Oliveira e Mira Amaral e até o Secretário de Estado da Segurança Social vem fazer criticas - aliás, justas - ao actual e aos antigos ministros das Finanças, a propósito das enormes insuficiências das transferências do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social, críticas que sempre a oposição fez. Neste Governo de fim de festa "zangam-se as comadres e descobrem-se as verdades"!
O terceiro tem a ver com as nomeações, que é um escândalo político sem paralelo, nesta recta final. Ao contrário do que seria democraticamente normal, o Governo aproveita os seus poderes para colocar o seu pessoal político no sector público. As desculpas do Ministro das Finanças foram emendas ainda piores que os sonetos Explicou que a proximidade era inevitavelmente uma grande vantagem comparativa... O secretário-geral do Partido Socialista António Guterres já pediu ao Primeiro-Mi-
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nistro para que parem imediatamente com esta prática. O PS não aceitará factos consumados nesta matéria. É bom que parem, porque todos os limites já foram ultrapassados.
Aplausos do PS.
O quarto é a desmobilização. Toda a comunicação social foi unânime em considerar as jornadas parlamentares do PSD como uma enorme manifestação de desmotivação. Não se conhece uma única conclusão desse evento, apenas se sabe que no PSD ninguém se entende sobre a regionalização, já que escolheram dar protagonismo a um dos seus detractores no mesmo momento em que Fernando Nogueira e Luís Filipe Menezes tentavam regressar a posições anteriores à liquidação programática feita por Cavaco Silva. E também se sabe que uma importante figura da ciência e da filosofia terá repetido para o não menos ilustre auditório várias imagens zoológicas na primeira pessoa do plural. Compreendo a atrapalhação do Grupo Parlamentar do PSD. Há dias assim...
O Sr. José Vera Jardim (PS): - É uma vergonha!
O Orador: - O quinto sinal tem a ver com as inaugurações. Aí estão elas, como há quatro anos! São estradas, auto-estradas, IP, pontes, circulares, fontes, pavilhões, repuxos. São vistas como o último trunfo de quem já quase desespera São vistas como o último trunfo, mas com alguma descrença! A descrença do Ministro Ferreira do Amaral é tal que parece mais preocupado com as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa de 1997 do que com as eleições de Outubro de 1995.
A abundância de inaugurações é a outra face das carências e défices sociais e económicos em que o País mergulhou. Não faltaram os fundos para tornar possível um festival eleitoral de quatro meses, mas faltaram os meios para responder a necessidades culturais e sociais absolutamente básicas.
O sexto é o silenciamento. Quando as coisas correm mal, acabe-se com elas - eis a directiva da actual maioria, da velha maioria!
O inquérito aos casos OGMA I e OGMA II abriram para a eventual responsabilização política de Fernando Nogueira e Durão Barroso. Então, em vez de estes tomarem a iniciativa de querer responder na
Comissão de Inquérito, no PSD deram-se ordens para fechar abruptamente esse mesmo inquérito.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - É uma vergonha!
O Orador: - Depois, na mais canhestra manobra política desta legislatura, lá foi o Grupo Parlamentar do PSD, em romaria, às OGMA, onde ouviu exactamente o contrário do que queria, e, assim, lá se sacrificou o Deputado Vieira de Castro, meu querido amigo, conseguindo o maior consenso negativo de que há memória na imprensa do fim-de-semana.
Risos do PS.
O sétimo sinal é a delapidação. Sem se saber quais os critérios e causando a maior perturbação em centenas de empresas, foram esgotadas as verbas do Fundo Social Europeu para 1995. "Sacrificam-se as PME e premeiam-se os lobbies, funcionaram as pressões e as cunhas" - eis uma acusação ainda não desmentida ou esclarecida! E entretanto, de Norte a Sul do País, não há dinheiro do
Instituto de Emprego e Formação Profissional. Os programas foram atrasados, os fundos esgotados, as verbas desviadas. A partir de Outubro é necessário fazer uma rigorosa avaliação ao que se está a passar neste momento com as verbas da formação profissional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O oitavo é a irritação. Os padres lisboetas denunciam a insegurança, o Ministro da Administração Interna, Dias Loureiro, irrita-se. Não se irrita com a insegurança, irrita-se com os padres. Aliás, e voltando ao silenciamento, quando os responsáveis da PSP se queixaram da falta de efectivos, o mesmo Dias Loureiro intimou-os ao silêncio. Resta saber se a promessa agora feita de pôr policias à porta das igrejas não será cumprida à custa daqueles que ainda há pouco tempo foram anunciados para o Metropolitano...
Vozes do PS: - Claro!
O Orador: - ... e se daqui a umas semanas não sairão das igrejas para as escolas, depois para os recintos desportivos, por aí adiante...
Vozes do PS: - Claro!
O Orador: - Um comissário europeu questiona a possibilidade de Portugal vir a fazer parte do célebre pelotão da frente da UEM. O Ministro Catroga irrita-se com o comissário e não com as fraquezas da convergência.
O líder do PSD, Fernando Nogueira, aparece quase todos os dias aos gritos na televisão. Irritado. Irritado com o PS, com António Guterres, com as sondagens, com Pacheco Pereira, com Angelo Correia, com Rui Macheie, com Alberto João Jardim, com a vida. E a procissão ainda vai no adro...
Aplausos do PS.
O nono sinal é o frenesim, sobretudo o nacionalista. E aí está, já marcada por um Secretário de Estado muito proeminente, no pensamento estratégico da actual maioria, Luís Filipe Menezes, uma "manif." anti-castelhana. O desconchavo ultrapassa todas as previsões. Pensar que um homem público põe e tira chapéus de governante sem consequências, podendo fazer o que lhe passa pela cabeça sempre que está de chapéu na mão, não é ingenuidade, é aventureirismo irresponsável. A realizar-se, essa será uma manifestação do Governo contra o Governo É mais uma originalidade nesta fase final de poder do PSD!
Aplausos do PS.
O décimo é a excitação. E lá vimos o Ministro Durão Barroso aos saltos, num palco, para mostrar que não é socialista. Não era preciso tanto! Já todos sabíamos! E lá o ouvimos aos gritos sobre as gravuras rupestres com socialistas. Os saltos e os gritos não são de todo novidade.
Não falando dos gritos, relembre-se que este Ministro "saltou" muito quando agora detende medidas a que sempre se opôs, quando transformou em bandeiras da sua campanha interna a alteração de realidades com que sempre pactuou. Quanto mais o Ministro Durão Barroso "salta", menor é a credibilidade para poder protagonizar uma alternativa a 2 de Outubro! Uma alternativa de nova maioria dentro da velha maioria!
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Programa do Governo ainda em funções não era um bom programa, por isso, na altura devida, votámos contra ele, mas tinha pomposos objectivos proclamados.
Onde ficou a modernização do Estado e a afirmação de Portugal?
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Zero!
O Orador: - Onde jaz o prometido desenvolvimento económico e social?
O Sr José Vera Jardim (PS): - Zero!
O Orador: - Onde pára a aposta no homem e a. Valorização do futuro? Onde se perdeu a solidariedade reforçada e a melhoria da qualidade de vida?
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Zero!
O Orador: - A divergência entre a situação do País e a letra do Programa do XII Governo Constitucional, não podia ser mais impressiva. Tratou-se de um fracasso sem precedentes: a retoma continua em crise; o desemprego aumenta; as expectativas das empresas voltaram a Cair; o consumo mantém-se deprimido.
A economia e a sociedade portuguesas permanecem à espera de melhores dias. À espera de Outubro. E agora o PSD vem propor aos portugueses mais e melhor.. Atendendo à prática, só se for mais exclusão, mais insegurança, mais toxicodependência, mais desemprego e melhor clientelismo, melhor desertificação do interior, melhor concentração da riqueza!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Mais e melhor do mesmo?! Só piora a situação de Portugal! O País quer regressar à confiança, voltar à esperança, afirmar determinação. Portugal quer ter um futuro, e, para isso, é necessário que à extinção da velha maioria, que se quer que seja uma extinção com dignidade, sem golpes nem debandadas, se suceda o arranque de uma nova maioria de alternativa na alternância. Por todo o País percebe-se que o futuro passa pelo PS. A velha maioria do PSD desfaz-se!
A caravana do PS passa!
Aplausos do PS.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Passa e ninguém dá por ela!
O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Carp, Carlos Oliveira e Rui Rio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª acabou muito bem. V. Ex.ª acabou a intervenção dizendo a grande verdade: "A caravana do PS passa!" Passa, mas não fica!
Aplausos do PSD.
De facto, ainda ontem ouvimos o líder do seu partido dizer - são palavras produzidas ontem pelo secretário-geral do Partido Socialista - que o PS não terá muito dinheiro para distribuir, voltando a defender uma partilha de poder, que nada custa. E como já estamos longe do rendimento mínimo garantido, Sr. Deputado! Afinal de contas, já não era para valer, porque toda a gente sabe quanto é que custaria o rendimento mínimo garantido! Ou, se não há dinheiro, onde estão as frases do porta-voz, do PS, para a economia, quando diz que o PS, pela primeira vez,...
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - O Professor Manuel Bessa!
O Orador: - O Professor Manuel Bessa exactamente, Sr. Deputado Manuel dos Santos.
Dizia eu, se não há dinheiro, onde estão as frases do vosso porta-voz para a economia, que, ainda há pouco tempo, disse que o PS, pela primeira vez, vai ganhar as eleições, o que não será realidade, e governar com folga? Quem daria essa folga, se não os governos sociais-democratas!? Ou, então, não se percebe o que quer, afinal de contas, o PS! Que política económica têm os senhores? Será a política económica do vosso porta-voz para a indústria, que diz que a grande medida é criar um conselho de sábios, de 50 sábios, a pensar uns com os outros ou, sabe-se lá, a jogar palavras-cruzadas?! Ou mesmo a criar, pelo País, pequenos IPE flexíveis, que também é uma proposta dele! Como resolverá os salários em atraso, que V. Ex.ª não referiu e que o PSD herdou, quando foi para o Governo, em 1985, e o problema da confiança e da fuga de responsabilidades, pois fala em fuga de responsabilidades. Como poderemos classificar a atitude do PS, quando ainda ontem, em conferência de imprensa, disse que deveria manter os seus autarcas na Câmara Municipal de Albufeira, não obstante todas as irregularidades que sobre eles caem?!
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Isso é mentira!
O Orador: - Isso é responsabilidade?! Como poderemos classificar as declarações do presidente da Câmara Municipal de Fafe, o socialista Parcídio Summavielle sobre a transparência dentro do Partido Socialista?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como devemos classificar as palavras do Sr. Deputado Jaime Gama relativamente à ausência - e muito bem! - do défice democrático na Região Autónoma da Madeira? Afinal de contas, Alberto João Jardim não é Bokassa, como dizia ainda há pouco tempo o Deputado Jaime Gama? Em que ficamos?! Em que ficamos no que toca ao interior e ao litoral, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando, ainda ontem, o Sr. Deputado António Guterres - líder do Partido Socialista -, em Aveiro, defendeu o reforço das verbas para os industriais daquela zona, que, suponho, não é do interior do País? Em que ficamos quanto às medidas dos 90 pensadores do Partido Socialista? Onde é que elas estão? Onde estão todas estas medidas? Onde estão esses pensadores? Serão VV. Ex.as?! Serão outros?! É o Professor Daniel Bessa? É o Dr. Jaime Gama de agora ou é o de há um ano, o que se referia ao défice democrático da Madeira? No fundo, VV. Ex.as nada têm a acrescentar!
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente. Já agora, aproveito para informar a Câmara de que, depois de todas as acusações aqui feitas por Deputados
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do Partido Socialista sobre a política agrícola e o comportamento do Governo perante a CAP, ontem, na reunião da Comissão de Assuntos Europeus, um dos dirigentes da CAP disse-nos, o que me parece perfeitamente extraordinário, que o Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista foi à sede desta Confederação pedir desculpas formais...
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - E muito bem!
O Orador: - ... por aquilo que o PS disse da CAP. Afinal de contas, em que ficamos? Qual é a vossa face? São o Dr. Jekyll ou Mr. Hyde?
Na verdade, o Partido Socialista vai andando na caravana, passará e ainda terá muitos anos para folgar antes de ser governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Oliveira.
O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª assumiu, de forma despropositada, arrogante e sem conteúdo para quem já tinha a obrigação de conhecer os problemas do País o papel de porta-voz do Engenheiro Guterres, que anda entretido na volta a Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quando sei - o que li na imprensa - que, à porta do mercado de Portimão, o Engenheiro Guterres mandou calar o presidente da câmara, seu camarada, dizendo, a instâncias dos comerciantes que reclamavam contra a presença, na entrada, de vendedores ambulantes, que, se dali a um ano o problema não estivesse resolvido, lhe telefonasse, não posso deixar de pensar que esta é a atitude de maior reconhecimento que o Engenheiro Guterres pode ter perante o PSD pois o nosso partido está disponível para resolver, no imediato, os problemas que surgem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª abordou de forma deselegante o tema da regionalização e do plano hidrológico e, porque não tememos o que pensam e assumimos sempre esse tema com a coerência que nos faz ter, hoje e amanhã, a maioria dos votos deste país, deixe-me que lhe diga que desconhece as declarações feitas sobre esta matéria por aquele que, provavelmente, era, até hoje, o primeiro concorrente da lista, pelo círculo eleitoral do Porto, às próximas eleições legislativas. Na verdade, o discurso que V. Ex.ª assumiu aqui, como porta-voz do Engenheiro Guterres, é perfeitamente contraditório com as afirmações do Dr. Fernando Gomes. E passo a demonstrar: em Março de 1994, na sequência de uma reunião das estruturas distritais nortenhas do meu partido, foi suscitada a questão de, eventualmente, ser referendada a matéria da regionalização.
Nessa altura, o Dr. Fernando Gomes disse que iria propor ao PS que abraçasse a belíssima ideia do PSD no sentido de votar um referendo sobre regionalização e o eurodeputado Carlos Lage acrescentava expressamente a sua simpatia por esse processo de referendo. Porém, levantou-se a voz discordante do Deputado José Lello, que, lamentavelmente, não está hoje presente, afirmando, o que gostaria de comprovar, que não é um entusiasta do referendo e que, só aparentemente, o referendo é democrático.
Ora, gostava de confrontar, hoje e aqui, as declarações produzidas pelo Dr. Fernando Gomes e pelo eurodeputado Carlos Lage com o que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues referiu da tribuna.
Mais: a este propósito, passo a ler uma notícia titulada "Partido Socialista pede manifestação na cimeira ibérica", publicada no Jornal de Notícias de 28 de Outubro de 1994: "O Grupo Parlamentar do PS..." - o que suponho ser correcto porque não houve qualquer desmentido - "... acaba de propor a Júlio Meirinhos, Presidente da Associação Europeia Antinuclear de Portugal e Espanha e Vice-Presidente da Associação Ibérica dos Municípios Ribeirinhos do Rio Douro, a realização de uma manifestação de protesto contra os planos hidrológico e nuclear do país vizinho". Em que ficamos, Sr. Deputado Ferro Rodrigues?
Aliás, atenta esta notícia, a manifestação já tinha lugar e data marcados, só faltava a hora. Acrescentava o jornalista: "A manifestação, de acordo com carta enviada por Eurico Figueiredo ao autarca transmontano, deverá ter lugar no dia 26 de Novembro, no Porto, durante a cimeira ibérica".
O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o povo português tem a noção de que a caravana passa e de que há uma voz que se faz sentir. Porém, creia que a voz capaz de resolver efectivamente os problemas deste país não pode, felizmente, ser outra senão a do meu partido!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, V. Ex.ª fez saber que considera a desresponsabilização a primeira característica do actual PSD, razão pela qual gostava de perguntar que noção de responsabilidade tem o Partido Socialista face ao actual delírio pré-eleitoral que temos estado a viver. Que noção de responsabilidade tem o Partido Socialista, quando diz que vai aumentar, em l % do produto, a despesa com a educação, o que representa 160 milhões de contos? Que noção de responsabilidade tem o Partido Socialista que diz ir afectar 0,3 % do produto ao rendimento mínimo garantido, ou seja, cerca de 50 milhões de contos? Que noção de responsabilidade tem o Partido Socialista que diz não aumentar os impostos? Que noção de responsabilidade tem o Partido Socialista que diz ir baixar o défice e, simultaneamente, manifesta a intenção de não aumentar a despesa pública? Estamos à espera de ver aumentar o FEF, terminarem as portagens e, coerentemente, as propinas. E que noção de responsabilidade tem um partido que apresenta propostas desta natureza, que obrigam o eleitorado a sentir claramente que é difícil resistir a tanto charme do Partido Socialista?
Porém, Sr. Deputado, aquilo que propõem é como "o sol na eira e chuva no nabal", pois esquecem que, quando tentam cobrir os ombros, descobrem os pés e que, quando tentam cobrir os pés, descobrem os ombros, mas dizem que não é verdade, que as coisas não se passam dessa forma.
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Talvez tenham razão porque o crescimento económico que vai verificar-se será suficiente para todos estes devaneios do Partido Socialista. É o cúmulo do ridículo, Sr. Deputado, que um partido que, durante quatro anos, avisou que a política económica é mal conduzida, venha agora dar a entender (o que está implícito no £0u raciocínio) que, afinal, foi bem conduzida porque o crescimento económico dará para todas estas loucuras. Em que ficamos? Então, os senhores andaram a mentir durante quatro anos ou só estão a mentir agora?
Mais, afinal, o Governo do PSD foi eficaz ou ineficaz? Digam, por favor, que o Governo do PSD foi eficaz porque é o próprio porta-voz para a economia do vosso partido que refere que as propostas do PS só são viáveis se houver crescimento económico. Logo, se responderem que o Governo é ineficaz, não vai haver crescimento económico e não vale a pena votar no PS porque é inviável. Expliquem esta contradição senão arriscam-se a que o País pense que os senhores andam a vender "banha da cobra".
A conclusão que tiro disto tudo é a de que os senhores não devem cobrir os ombros nem os pés mas, isso sim, devem cobrir a cara de vergonha e ficarem nus perante a opinião pública portuguesa!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, V. Ex.ª disse que a caravana passa mas não fica, o que é evidente, pois por alguma; razão se trata de uma caravana. Em cada local por onde passa a caravana, ficam os eleitores que vão mudar o sentido do seu voto e permitir que, em Portugal, surja uma nova maioria.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Esses continuam a votar no PSD!
O Orador: - Tem graça o Sr. Deputado Rui Carp apresentar a ideia de que partilhar o poder nada custa. Foi o que se viu ao longo destes 10 anos, a começar pela Assembleia da República, palco dos últimos exemplos dessa matéria, e refiro-me, nomeadamente, aos vergonhosos comportamentos adoptados pelos Deputados da bancada do PSD nas comissões de inquérito ao caso OGMA e ao Totta/Banesto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao rendimento mínimo garantido, fique o Sr. Deputado Rui Carp a saber que era, e é, para valer!
A folga do PS para governar vai depender, do meu ponto de vista, da mudança que conseguir imprimir à Sua política e estou convencido de que com o PS haverá maior crescimento e maior riqueza. Difícil será que aconteça o contrário, depois da desastrosa política económica e social do actual Governo.
Quanto aos problemas de natureza autárquica ocorridos em Albufeira, julgo que, talvez mais depressa do que pensamos, o Sr. Deputado Rui Carp terá oportunidade de candidatar-se a uma assembleia municipal e discutir esse tipo de questões na sede onde o devem ser e não aqui.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Essa agora não percebi!
O Orador: - Por outro lado, é mentira que Jaime Gama tenha dito que não havia défice democrático na Madeira e não o pode ter lido de forma alguma. Disse apenas, o que é muito importante, que a agenda política do PS sobre as prioridades na Madeira não depende da vontade do PSD mas da vontade do PS.
O Sr. Jaime Gama (PS). - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Oliveira, o seu pedido de esclarecimento é que podia ser qualificado de forma idêntica à minha intervenção- despropositado e sem conteúdo. Quando, por exemplo, diz que não vale a pena visitar o País pois demonstra-se não o conhecer, tal forma de pensar não entra na cabeça de quem quer que seja e muito menos na de quem esteja na política há alguns anos e tenha uma certa experiência. Aliás, estou convencido de que o Sr. Deputado não acredita, sequer, naquilo que diz!
É totalmente falso que o Grupo Parlamentar do PS tenha, em algum momento, proposto uma manifestação! É totalmente falso!
O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Está escrito! Não foi desmentido!
O Orador: - Acredite naquilo que quiser, mas é totalmente falso. Aliás, gostava que me facultasse cópia dessa notícia contendo declarações do Grupo Parlamentar do PS a propósito da referida manifestação.
O Sr. Deputado Rui Rio falou do delírio eleitoral do PS, no que está em total contradição com o Sr. Deputado Rui Carp. Continuam a não se entender! Já, no Orçamento, um intervém, na qualidade de "especialista", no debate na generalidade e o outro, no da especialidade, e normalmente contradizem-se, sucedendo o mesmo agora. O Deputado Rui Carp veio dizer que o PS já não faz as mesmas promessas de há umas semanas atrás e o senhor veio falar-nos em delírio eleitoral. Vejam se se entendem! No entanto, posso assegurar-lhe que o PS não fará uma única promessa que não tenha a convicção absoluta de cumprir.
Vozes do PSD:- Oh!
O Orador: - Já agora, aos Srs. Deputados que me pediram esclarecimentos, quero dizer que o grande perigo de um poder absoluto é o desespero de, quando ainda tem a maioria, saber que vai ser oposição. Aliás, é um pouco o que está a passar-se com os senhores. Nesta altura, como pode comprovar-se, qual é a prática da maioria? Aprovar, a granel, nomeações, despesas - e vamos ver que surpresas aí vêm, em sede de execução orçamental, para caçar ainda uns votos à função pública e aos reformados e vamos a ver que herança financeira restará a partir de Outubro - e, também, legislação geral contranatura.
O que vale, Sr. Deputado Rui Carp, é que em democracia nada é definitivo, pelo que a nova maioria, com o apoio do eleitorado, governará Portugal de uma forma nova, virada para o futuro e não ficará refém de medidas que os senhores tomem agora, de forma apressada e, nalguns casos, de forma duvidosamente legal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.
O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Subcomissão das Obras Públicas e Transportes concluiu, na semana passada, no âmbito do seu programa de trabalho, uma deslocação no Continente, de acordo' com a competência da Assembleia da República, de acompanhamento e fiscalização da acção do Governo.
Sete dias. Em sete dias apenas, visitámos a linha da Beira Alta, as obras do metropolitano de Lisboa, as linhas de Pinhal Novo-Setúbal e Pinhal Novo-Sines-Faro, a linha do Douro, de S. Bento ao Pocinho, as obras do Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa e do Gabinete do Nó Ferroviário do Porto, a linha da Beira Baixa - Abrantes-Pêgo -, as obras do IP n.º 2, do IP n.º 3, do IP n.º 4, do IP n.º 6, do IP n.º 7, do IP n.º 8 e outras obras da Junta Autónoma de Estradas (JAE) e as obras do metropolitano de superfície de Mirandela.
Reunimos nas Câmaras Municipais de Almada e do Porto, onde nos foram feitas exposições sobre os projectos dos metropolitanos da margem sul do Tejo e da Área Metropolitana do Porto.
Reunimos ainda nos Governos Civis de Setúbal, Faro, Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Viseu, Vila Real e Bragança, com os Srs. Presidentes de Câmara, onde foram feitas exposições pelo Governo, pela JAE e pela CP.
Convenhamos, Srs. Deputados, que quando uma delegação parlamentar realiza este programa em sete dias estamos, de facto, num espaço de território português tão pequeno que se toma ridícula a ideia de regionalização.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A deslocação da Subcomissão tinha como objectivo, no âmbito da competência dos Deputados, fazer uma avaliação global do estado da execução do Plano Rodoviário Nacional, do Plano Ferroviário e a análise da problemática dos transportes ferroviários nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Ousamos afirmar que fizemos um trabalho inédito no Parlamento português, que prestigia os Deputados, a Assembleia da República e a democracia. Inédito porque, pela primeira vez, se fizeram reuniões de uma comissão parlamentar com o Governo e os respectivos departamentos ou empresas públicas por si tuteladas e com as câmaras municipais, sem qualquer impedimento de intervenção e abertas à comunicação social.
É de salientar a ausência, quase permanente, da comunicação social de âmbito nacional, que estaria presente se se tratasse da pequena intriga, mas está ausente quando se discutem e analisam os problemas concretos dos portugueses.
Aplausos do PSD.
Apenas uma nota negativa no programa de trabalho: o CDS-PP votou contra e fez questão de não participar. Ficámos esclarecidos em relação ao interesse e empenhamento do CDS-PP no conhecimento, no debate e na resolução dos problemas dos portugueses.
Srs. Deputados, estamos todos de acordo ao reconhecer que o Governo teve um comportamento exemplar, quer por parte do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações quer, sobretudo, por parte dos Srs. Secretários de Estado dos Transportes - Engenheiro Jorge Antas - e das Obras Públicas - Engenheiro Álvaro Magalhães. Acompanharam sempre os Deputados e estiveram sempre disponíveis para todos os esclarecimentos e para debater publicamente todos os problemas. De igual modo, estamos de acordo em reconhecer a disponibilidade da Junta Autónoma das Estradas e do Grupo CP e a cortesia com que nos trataram.
Igualmente reconhecemos à Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Almada e aos Srs Presidentes das Câmaras Municipais do Porto e de Mirandela a disponibilidade imediata que manifestaram e as gentilezas que connosco tiveram, sem esquecer a recepção que nos fizeram todos os Srs. Governadores Civis, a todos os títulos excepcional, de cortesia, de consideração e respeito para com o Parlamento, e dos quais nos permitimos destacar o de Bragança, pelo repasto e pelo convívio que nos proporcionou com os Srs. Presidentes das Câmaras Municipais do distrito, com jornalistas e o Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados- No entanto, esta não foi uma deslocação de recreio e de gentilezas mas, sim, de trabalho. Importa pois, e sobretudo, tirar conclusões políticas e, nestas, com certeza não estaremos de acordo. Não o fizemos nas diversas reuniões e visitas, mas este é o local em que elas têm de ser retiradas.
O Sr. Silva Marques (PSD). - Muito bem!
O Orador: - Todos tivemos oportunidade de constatar que os discursos, as intervenções públicas e os esclarecimentos feitos na Comissão pelo Governo e pelo Sr. Ministro Ferreira do Amaral só pecam por modéstia.
Efectivamente, a CP, pela primeira vez nos últimos 50 anos, construiu novas vias, electrificou a linha da Beira Baixa até ao Pego e a linha da Beira Alta, que está concluída de obra pública, estará electrificada em 1996. As vias novas da península de Setúbal estão lá, nós vimo-las.
A modernização nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto dá-nos a certeza de que vamos ter uma rede adequada às necessidades de Portugal no século XXI.
O Sr. Silva Marques (PSD). - Muito bem'
O Orador: - Confirmámos aquilo que o PSD já tinha por certo durante a audição parlamentar que, em dia aziago, as oposições pediram e da qual, envergonhadas, desistiram - mais valia terem partido uma perna.
Nem aquela contestação infeliz dos Deputados socialistas ao encerramento das linhas do Vale do Vouga e do Dão, que teve o pronto protesto das câmaras municipais respectivas, sociais democratas e socialistas, acusando-os de antiquados, irrealistas e desconhecedores da realidade, contestação que os comunistas haviam suscitado na audição parlamentar mas ali habilmente ignoraram, conseguiu pôr em causa a política do Governo e o plano de modernização da CP.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O plano da rede do metropolitano de Lisboa, fruto do trabalho de técnicos portugueses, da sua administração e, sobretudo, do empenhamento do Governo, é uma realidade que, até ao Verão, os cidadãos terão oportunidade de começar a testar.
O metropolitano da margem sul do Tejo, projecto que nos foi brilhantemente exposto pelos técnicos e pela Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Almada, começa por-
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ventura tarde mas de uma forma segura. Pensado pelos Presidentes das Câmaras Municipais de Almada Barreiro, Seixal e Moita, apoiado pelo Governo, que, por acaso, tinha assinado o protocolo no dia anterior, é um projecto com o qual nos congratulamos e ao qual o PSD dá todo o apoio,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... apesar de os Deputados socialistas terem insinuado logo ali que o Governo apoia o projecto por motivos eleitoralistas, por haver eleições em Outubro. Esta insinuação mereceu resposta imediata da Sr.ª Presidente da Câmara Municipal- comunista-, que cito: "Se os Srs. Deputados pretendem insinuar que o Sr. Ministro assinou o protocolo por motivos eleitoralistas, estão enganados. O Sr. Ministro é a pessoa que mais nos tem acompanhado desde o início, há mais de um ano, e seria trágico que, em Outubro, tudo tosse posto em causa- trabalho dos técnicos, investimento efectuado e expectativas das populações. Se há aproveitamento político, só pode ser vosso."
Aplausos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Maia, o que pensa destas palavras da camarada Emília?
O Orador: - O metropolitano da Área Metropolitana do Porto teve, da parte do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto e do Engenheiro João Porto, uma notável exposição do projecto, projecto este que estabelece uma rede adequada às necessidades e que tem sido objecto de polémica que, francamente, não compreendemos nem encontrámos por parte dos nossos interlocutores.
A polémica do Porto só é entendível pelo eterno desprezo que alguns lisboetas dedicam às gentes do, Norte, especialmente, às do Porto, e que nos honram.
O metropolitano de superfície de Mirandela, que tem sido objecto de algum ridículo por parte daqueles que não conhecem o projecto e pretendem continuar ignorantes, a que os "bairristas" de Bragança chamam "vagoneta", está em execução É um projecto inteligente, fruto da capacidade do seu presidente de câmara
Efectivamente, sendo Mirandela uma pequena cidade que se desenvolve nas margens do rio Tua de uma forma longitudinal, em cerca de 3 km, tem dois pólos educacionais com cerca de 4500 alunos nos extremos da via. Aproveitando a estrutura da linha do Tua, encerrada, pretende o Sr. Presidente da Câmara Municipal servir toda a população, basicamente com os custos dos transportes escolares.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Plano Rodoviário Nacional era o principal objectivo da nossa deslocação, especialmente quando alguns intelectuais de pacotilha, e o Partido Socialista, pela voz do seu Secretário-Geral (nesta sede, afirmam que já chega de betão e de estradas. Por isso, nós, PSD, propusemos a visita e a audição dos autarcas, essencialmente os do Interior - de Vila Real de Santo António a Bragança e de Chaves a Faro.
Não contemplámos, assim, a faixa costeira de Lisboa para norte e optámos por visitar aqueles que normalmente não têm voz. Talvez por isso o alheamento da comunicação social.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - No que diz respeito aos itinerários principais, estão basicamente concluídos o IP n.º 1, o IP n.º 5 e o IP n.º 4, em 70 %, com o total de 1047 km, estando o IP n.º 2 (Bragança-Vila Real de Santo António) a 57 %, o IP n.º 3 (Chaves-Figueira da Foz) a 27 %, o IP n.º 6 a 32 %, o IP n.º 7 (Setúbal-Caia) a 34 %, o IP n.º 8 (Sines-Vila Verde de Ficalho) a 45 %, com o total de 1674 km concluídos, 63 % do total da rede nacional, de 2676 km, sendo que 270 km estão em construção e há alguns lanços que o Governo ainda vai inaugurar até Setembro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à rede dos itinerários complementares, do total de 2497 km, estão concluídos 1004 km - 40 % -, estando cerca de 250 km em construção, com alguns lanços ainda a inaugurar em 1995, ficando a rede executada em cerca de 50 %, no final de 1995.
Srs. Deputados, se aliarmos aos IP e aos IC as estradas secundárias temos de reconhecer o esforço gigantesco do Governo, da Junta Autónoma das Estradas e dos seus técnicos - e, aliás, foi reconhecido por todos os presidentes de câmara -, a quem prestamos aqui a nossa homenagem, especialmente quando são objecto de ataques velados e obseuros que o tempo clarificará.
Srs. Deputados da oposição, os senhores votaram contra todos os Orçamentos do Estado que incluíam estes projectos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!
O Orador: - Srs. Deputados socialistas - destaco o Sr. Deputado Ferro Rodrigues que há pouco interveio e a quem quero dar uma resposta-, há, de facto, muita obra para inaugurar. O Governo vai inaugurar todas e nós e o povo vamos fazer a festa, sem qualquer complexo, pelo contrário, com orgulho. E vós ides assistir, meneando a cabeça, como Velhos do Restelo que sois, a não ser que numa atitude patriótica queiram participar, em homenagem às populações que vêem o fim do seu isolamento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A não ser que façam como fizeram no caso do IP n.º 4, uma inauguração "de faz de conta", dizendo até que foi o PS que o pensou. Os senhores fazem lembrar aquele jovem apaixonado que é rejeitado; ela casa com outro e, anos depois, ele mantém a mesma obsessão e pretende que os filhos que ela tem lhe chamem pai.
Aplausos do PSD.
Também vós não vos apercebeis do ridículo, da falta de amor próprio e de dignidade.
No entanto, Srs. Deputados socialistas, prometemos parcimónia e modéstia nas inaugurações. Não fazemos como os senhores quando estiveram no Governo: apenas construíram a auto-estrada de Vila Franca de Xira ao Carregado- 6 km. Grande obra! No entanto, foi inaugurada pelo então primeiro-ministro Mário Soares, por seis Ministros e 14 Secretários de Estado, ...
Vozes do PSD: - Ena! Tantos!
O Orador: - ... da mesma forma que construíram e inauguraram o lanço do IP n.º 5 entre Viseu e Mangualde,
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que foi inaugurado três vezes: primeiro, a ponte, depois, o nó e, por fim, a estrada.
Risos do PSD.
A propósito da inauguração do IP n.º 4 e das posições políticas do vosso Secretário-Geral, que são as vossas, socialistas, de que "já chega de estradas", não resisto á citar, com a devida vénia, um célebre cronista da vossa área socialista, do jornal O Repórter do Marão, Sr. Pires Cabral, que aí escreve: "o Governo tem apostado demasiado em estradas - ouve-se às vezes dizer. Pois eu digo: se tem apostado, que nunca lhe doam as mãos.
Afinal quem é que diz isso? Sujeitos que, depois de fartos a arrotar e a palitar os dentes, acham que as migalhas que outros comem podiam ser convertidas em mais regalias para si próprios."
Engenheiro Guterres, que aqui fez aquela afirmação, não estranhamos que, agora, nas visitas "de faz de conta" diga o contrário. Com o mesmo sorriso vai dizer que é preciso mais estradas, sorri sempre: o que é preciso é convencer, agradar; não anda, desloca-se, arrasta-se, move-se, sorri sempre - no Japão, facilmente seria confundido com uma gueixa.
Srs. Deputados socialistas, das duas uma: ou dizem que está tudo feito e é necessário parar, sintonizando o vosso discurso com o do vosso Secretário-Geral, ignorando a realidade, o País e os portugueses - e tivemos oportunidade de ouvir os seus autarcas nos últimos sete dias - ou dizem que não e que é necessário continuar e, então, estais a tratar o vosso Secretário-Geral de leviano.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Não basta falar, tem de dizer alguma coisa!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD nunca fez nem fará tal discurso. Pelo contrário, entende que é necessário continuar a revolução tranquila e construir a malha viária que ouvimos reclamar aos autarcas, de Faro a Bragança.
O Governo termina o presente mandato e os portugueses sabem que o compromisso, o contrato de legislatura, que o PSD e o Professor Cavaco Silva celebraram com o País, em 1991, será integralmente cumprido.
Os Deputados do PSD que, no início da legislatura, editaram o livro Ao Encontro dos Portugueses - e recordo que há pouco ouvi aqui dizer que "não bastam palavras, é necessário provas" -, em que enunciavam os objectivos que pretendiam atingir nesta legislatura, podem dizer "Cumprimos!". Aconselho-vos a lerem este livro para não sorrirem- aliás, poderemos facilitar um a quem não tenha.
O PSD tem o crédito de quem tem obra feita, de quem cumpriu sempre os compromissos assumidos para com os portugueses, com Cavaco Silva, e tem crédito para continuar a realizar as expectativas no futuro, com Fernando Nogueira.
Vós, socialistas, não tendes crédito porque nada fizestes e, mais grave ainda, afirmais já que não realizareis aquilo que é o anseio da generalidade dos portugueses - a concretização do Plano Rodoviário Nacional e a modernização das linhas de caminho de ferro.
Mais e melhores estradas, Srs. Deputados, mais e melhores caminhos de ferro. Em suma, mais progresso, mais bem-estar e mais solidariedade para todos os portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Manuel Maia, Leonor Coutinho e José Eduardo Reis.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.
O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Martins, que fez a intervenção, e Sr. Deputado Silva Marques, que "mandou as bocas"...
Risos.
Em primeiro lugar, registo como positiva a iniciativa da Subcomissão das Obras Públicas e Transportes que, no fundamental, foi fruto de uma proposta do seu Presidente, Deputado Luís Martins. Sem dúvida que a Assembleia da República saiu prestigiada desta iniciativa, nomeadamente por ter permitido um espaço de diálogo com os vários interessados, tanto a nível local como a nível central.
No entanto, permito-me fazer desde já uma consideração quanto ao que mais se notou relativamente à avidez das intervenções dos presentes: primeiro, quanto interesse teria havido se a Assembleia da República pudesse ter realizado estas visitas, talvez em momento que me permito considerar como mais oportuno e mais eficaz; segundo, a que ponto a Assembleia da República é, na verdade, um órgão importante porque se notou que havia falta de diálogo entre estruturas locais e a Administração Central - a Assembleia da República proporcionou isso, e ainda bem, mas não podemos esquecer esta parte negativa.
Por outro lado, permito-me fazer eco de algumas das questões suscitadas, na medida em que seria difícil falar em todas, tal a dimensão dos problemas e das reivindicações de muitos dos agentes locais, nomeadamente as autarquias, a que tivemos possibilidade de assistir.
Uma das questões mais sublinhadas foi a das estradas nacionais que o Governo pretende "descentralizar" para as autarquias, ou seja, tudo aquilo que é mau passa-se para os outros. Vou abordá-la sem mais comentários, na medida em que é matéria que podia levar-nos longe, tendo em conta a situação financeira da grande maioria das autarquias, se não de todas: está o PSD disponível para reequacionar esta problemática e, nomeadamente, para perspectivar reforços financeiros para que, a contento das respectivas populações e das suas necessidades de mobilidade, as autarquias possam gerir esses largos quilómetros de estradas que o Governo pretende passar-lhes?
Uma segunda questão é a do Metro-sul, o futuro metropolitano que passará por Almada, Seixal, Barreiro e Moita, tendo eu próprio estado presente quando esta matéria foi tratada. A questão que vou colocar dirige-se ao Sr. Deputado Luís Martins, ao PSD e, em particular, ao Sr. Deputado Silva Marques, pela "boca" que "mandou".
A este propósito, faço aqui um parêntesis para dizer que eu próprio também me considero um autarca e, a nível local, juntamente com outros, contribuí para que fosse possível avançar com este meio de transporte que me parece extremamente útil para a margem sul do Tejo e para a coroa norte do distrito de Setúbal.-
Voltemos, então, à questão que eu queria colocar: neste momento, o projecto está adquirido, vai avançar; e quanto ao "após" projecto? Também acredito que, em Outubro e independentemente do resultado das eleições, o Governo não poderá pôr em causa compromissos já assumidos e trabalho já realizado.
A questão que coloco- e recordo que a dirijo a todo o PSD, já que falei no Deputado Luís Martins e também subl-
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nhei o Deputado Silva Marques - é a de saber se, da vossa parte, há disponibilidade no sentido de integrar as verbas necessárias para a concretização da obra no n Quadro Comunitário de Apoio, porque me parece que é neste âmbito que pode avançar-se com o Metro propriamente dito.
Passando a uma outra questão, pela nossa parte, nunca colocámos o problema de haver poucas ou muitas estradas, o que dizemos é que a acessibilidade é importante, que tem de se avançar com ela e ainda que há necessidade da existência de um equilíbrio entre a rede ferroviária e a rede rodoviária. Ora, na verdade, verifica-se é que a rede ferroviária nacional tem sido o "parente pobre" deste Governo. Digo isto porque considero verdadeiro que uma das características mais marcantes do Governo do PSD no sector das acessibilidades e dos transportes é a dependência da sua gestão relativamente aos círculos eleitorais. E é aqui que nos perdemos: o Sr. Deputado fala em cumprir os compromissos,- e considero importante cumprir os compromissos -, mas que maior compromisso é este, em livro, livro que mais não é do que a publicação da modernização e reconversão dos caminhos de ferro que deveria terminar em Í994 e que, como sabe, até tem a assinatura do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro Cavaco Silva? Se bem se lembra, isto, que devia ser terminado em 1994, está, pelo menos, com quatro anos de atraso. O que é que me diz a isto? Sei que me vai dizer que há dificuldades, que são questões orçamentais, mas há um compromisso que não avançou. Lembro-lhe, por exemplo, questões como estas...
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr.º Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Lembro-lhe, pois, questões como estas: este documento, que é um compromisso assumido pelo PSD e pelo Governo, refere que o percurso entre Lisboa e Faro devia ser, em 1994, de 3 horas, mas ainda hoje se leva 4 horas e 20 minutos a fazê-lo, ou o percurso entre Lisboa e Guarda que já devia ser de 4 horas e 10 minutos e ainda é de 5 horas e 30 minutos, etc.
Por outro lado, o Sr. Deputado diz que vamos avançar com a modernização. Penso que é necessário modernizar e reconverter o caminho-de-ferro, mas não se podem encerrar 1000 km de via, como foi feito por este Governo, e mais de 300 estações sem terem sidas criadas alternativas para a mobilidade das populações, permitindo, assim, que as populações do interior continuassem mais isoladas do que aquilo que já estavam. E a verdade é que isto se passou! E mesmo naqueles sítios onde foi criado um IP ou um IC todo aquele património continua a degradar-se. E essa foi uma das reivindicações que foi feita....
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidenta.
Agradeço que o Sr. Deputado esclareça estas questões, reforçando a importância, até para os vindouros, do ponto de vista do Parlamento que continua com essas iniciativas que me parecem ser extremamente positivas, e manifestando o agrado ao Sr. Deputado Luís Martins por ser aquele que impulsionou todo este processo.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.
O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Maia, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe as palavras que me dirigiu, resultantes, porventura, mais do companheirismo que entre Deputados se criou ao nível da comissão e das viagens que fizemos do que propriamente do meu mérito.
Passo a responder objectivamente às questões que o Sr. Deputado levantou, uma sobre o plano rodoviário e outra sobre o plano ferroviário.
Levantou, fundamentalmente, a questão que tem a ver com o cumprimento, em tempo definido no quadro da lei, dos programas rodoviários e ferroviários.
Como sabe, mesmo para quem define e executa é normalmente difícil concluir nos prazos que previamente estabeleceu, como é o caso a que se referiu concretamente do plano ferroviário, que está atrasado quatro anos. E é-o ainda mais para aqueles que fazem o plano, estabelecem o prazo e não fazem nenhuma intenção de ser cies a executá-lo, como é o caso do plano rodoviário.
Como o Sr. Deputado sabe, foi este Governo que definiu o plano ferroviário. Diz V. Ex.ª que ele tem algum atraso, que se considera ser de quatro anos, mas o plano rodoviário está muito mais atrasado, como referiu também. E nem foi o PSD que o definiu: foram basicamente as pessoas que faziam parte do governo do bloco central, de que o PSD fazia parte e do qual saíram em 1985, que definiram esse programa. Assim sendo, essas pessoas ainda tiveram, porventura, uma maior margem de erro.
Às perguntas que fez gostava de dizer o seguinte: é facto que, de uma forma geral, os presidentes de câmaras colocaram a questão de que a Assembleia da República devia fazer estas acções e estas reuniões com os autarcas num momento mais oportuno, isto é, num momento em que isso pudesse ter efeitos mas ainda neste período Como o Sr. Deputado sabe - e disse-o! -, esta foi a primeira iniciativa que a Assembleia da República, desde que V. Ex.ª e eu aqui estamos, tomou desde o início e que contou com as colaboração e o apoio do Sr. Presidente da Assembleia da República. Foi uma experiência que se fez e aquilo que recolhemos, e que pelos vistos o Sr Deputado e todos recolheram, foi útil, agradável e interessante para o Parlamento, até para o seu próprio interesse de se prestigiar e informar. Esperamos que isso também venha a ser feito numa próxima legislatura.
Como o Sr. Deputado também sabe, em relação às estradas nacionais que foram desclassificadas pelo Decreto-lei n º 380/85 haveria de ter lugar posteriormente a sua passagem para as câmaras, com as correspondentes contrapartidas. Houve aqui uma situação sui generis. A Associação Nacional de Municípios, por unanimidade, disse: "Nós não recebemos as estradas sem nos darem uma determinada quantia para fazermos a sua recuperação" e, nessa altura, esta Associação até era liderada por um autarca do PSD. Por unanimidade decidiram assim! Só que os autarcas do PSD e alguns do PS e do PCP, passado algum tempo deram conta de que alguns já tinham furado o esquema através do contrato e da medida 11, que já tinham ido buscar todo o dinheiro e gasto toda essa quantia para os seus concelhos. De facto, essa medida 11 gastou-se rapidamente.
A perspectiva do PSD, dado que se está na fase final de conclusão do Plano Rodoviário Nacional, especialmente dos itinerários principais e complementares, é a de que a prioridade, para além da conclusão, é a rede secundária e, novamente, da reclassificação de algumas estradas, tal como o seu colega que esteve em Beja teve oportunidade de ouvir dizer ao Sr. Secretário de Estado.
Quanto ao metropolitano de superfície do sul do Tejo, a disponibilidade do PSD é a de puxar verbas do II Quadro Comunitário de Apoio.
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O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
A única coisa que posso dizer-lhe, Sr. Deputado, é que, tanto quanto sei, o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações teve há poucos dias uma reunião com a Sr.ª Presidente da Câmara de Almada sobre esse assunto e que tal foi encarado. Da parte do PSD, como disse na intervenção inicial, não há qualquer objecção. Pelo contrário, pensamos que o que é necessário é avançar com o projecto e servir as populações.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, quanto à sua questão final, relativa ao facto de o património da CP estar a degradar-se, especialmente nas linhas que foram encerradas, não posso estar mais de acordo consigo no sentido de que é necessário forçar a CP, através do Governo, a fazer a recuperação daquele património, pois não se trata da degradação do património da empresa A ou B, mas do património do Estado, que está a degradar-se, o que, para lá da imagem estética, não se deve permitir.
O Sr. José Manuel Maia (PCP): - O que não sei é se o Sr. Deputado Silva Marques estará também de acordo!
O Orador: - Relativamente às linhas encerradas, todos sabemos quais as razões do seu encerramento. O Governo e a CP não encerraram nenhuma via de caminho de ferro! Quem as encerrou foram os cidadãos! A linha do Vale do Vouga, quando fechou, tinha cinco passageiros por composição, a do Dão tinha três e meio e a maior parte desses passageiros ou eram funcionários da CP ou seus familiares.
Ora, essas linhas trabalham com o dinheiro dos contribuintes e o Governo tinha de optar entre manter essas estruturas, que não funcionam, ou fazer investimentos fortes e grandes, como tivemos oportunidade de verificar nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde esses investimentos se justificam. De facto, se compararmos a utilidade das linhas encerradas com, por exemplo, a linha de Sintra, em que viajam 70 milhões de pessoas por ano, qualquer um de nós não duvidará da opção a tomar ao gerir os dinheiros dos cidadãos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.º Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Martins, devo juntar-me à constatação de que esta visita programada pela Subcomissão dos Transportes e Obras Públicas foi extremamente útil e permitiu todo o interesse na necessidade que há de um maior diálogo entre o poder central e o poder local, o que, conforme verificámos, acaba por ter poucas ocasiões de realizar-se. Daí, o grande sucesso que todas a reuniões que realizámos nos vários distritos granjearam.
O Sr. Silva Marques (PSD): - E a obra foi reconhecida unanimemente?
A Oradora: - No que diz respeito à obra, já me parece que o discurso do oásis ou mesmo do êxtase em que está o PSD não corresponde de todo à realidade.
É evidente que todos sabemos que foram concentradas muitas centenas de milhar de contos e muitos apoios comunitários na realização de um certo número de IP e IC, que constituem a ossatura do Plano Rodoviário Nacional. Como o Sr. Deputado referiu, felizmente que esse plano já tinha sido feito pelo governo do bloco central e felizmente que esse mesmo governo assinou a adesão à CEE, que permitiu o seu financiamento.
Infelizmente, em 10 anos, este Governo, naquilo que diz respeito as estradas, não soube fazer tudo o que não estava previsto no Plano Rodoviário Nacional. Por um lado, as condições de sinalização e utilização das estradas permanecem de tal modo lamentáveis que continuamos a ter não só a maior taxa de mortalidade a nível das estradas europeias como se agravou a distância entre as nossas taxas de mortalidade em relação a todos os países europeus.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não exagere, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - Em segundo lugar, o Governo concentrou, de facto, os investimentos em IP e IC, mas não regulamentou, conforme estava previsto no Plano Rodoviário Nacional, a desclassificação de 15 000 quilómetros de estradas, que foram em grande parte deixadas ao abandono. O prazo de seis meses para regulamentar essa situação, previsto na legislação do governo do bloco central, não foi ainda cumprido.
Daí que as tais contrapartidas de que o Sr. Deputado falou, relativas à transferência das estradas para o domínio das câmaras municipais, nunca tenham sido assinadas pelo Governo. Este apenas se serviu da medida 11 do PRODAC, que aliás teve vigência metade do tempo das outras medidas desse programa- só a partir de 1991 -, para transferir para o domínio das câmaras um certo número de estradas avulsas, que não correspondem a qualquer rede de estradas.
Daí que é a própria Junta Autónoma das Estradas que, na revisão do Plano Rodoviário Nacional, se propõe requalificar como nacionais cerca de 20 % a 25 % das estradas e que uma grande percentagem, que nunca foram consideradas regionais porque este Governo não quis nunca fazer a regionalização, se encontram agora a ser apoiadas, a nível do II Quadro Comunitário de Apoio, justamente ao abrigo de um programa de estradas regionais.
Quanto às grandes obras, o Governo, logo que se afastou do Plano Rodoviário Nacional, na ponte do Montijo e nos contratos indescritíveis que fez para a pagar, fez disparate. No que diz respeito à CP, sabemos que todo o dinheiro foi gasto - os milhões foram gastos -, só que o plano está atrasado quatro anos e, sobretudo, os objectivos de gestão a que o Governo se propunha para a CP, o aumento da utilidade desta empresa quanto aos passageiros transportados, não só não aumentaram ao ritmo correspondente ao atraso, o que seria natural, mas decresceram, diminuíram! O certo é que, em Portugal, tanto na CP como em todos os sistemas de transportes públicos, nestes 10 anos, a mobilidade baixou e o número de passageiros transportados não só não aumentou como diminuiu de 20 % a 30 %.
Trata-se, portanto, do reverso do oásis.
Evidentemente, também fomos ver os projectos relativos aos eléctricos rápidos. Aí, de facto, o projecto de Mirandela é dos poucos que está financiado. Os projectos do metropolitano e de Almada, também projectos de iniciativa camarária, estão avançados - existe, pelo menos,
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o projecto, apesar de ainda dependerem de esquemas de financiamento que não foram definidos pelo Governo -, mas os dois projectos de eléctricos rápidos que dependiam do Governo, o de Loures e da Expo 98, esses, incompreensivelmente, são os que estão mais atrasados, na medida em que ainda nada foi feito para os concretizar. Falar, portanto, de um sucesso do Governo na aplicação dos fundos comunitários para a realização do plano de estradas é capaz de corresponder à realidade quanto aos IP e IC. No que diz respeito a tudo o resto, penso que, infelizmente, o balanço é extremamente negativo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.
O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Martins, não vou tecer elogios à sua iniciativa porque eles já foram feitos.
Quanto à obra que o PSD se propôs mostrar - o Sr. Deputado Silva Marques acabou de perguntar "E a obra?" - o PSD mostrou realmente aquilo que fizeram. Não fizeram mais do que a vossa obrigação e, se calhar, fizeram pouco. Com tantas dezenas ou centenas de milhões de contos da Comunidade Europeia certamente que seriam obrigados a mostrar mais e melhor.
Mas desafio o grupo do PSD a fazer outras, visitas, designadamente às empresas falidas, às pescas, às escolas, ao mundo rural! Essas visitas é que gostaria que o PSD promovesse e que levasse os Deputados desta Casa a ver.
O Sr. Deputado Luís Martins referiu-se nomeadamente a mim quando disse que os próprios autarcas do PS se insurgiram com a ideia que defendi de se manter as linhas do Vale do Vouga e do Dão.
Sr. Deputado Luís Martins, quero dizer-lhe que defendi esse princípio e continuo a defendê-lo. E se o Sr. Deputado diz que, efectivamente, não haveria mais do que cinco passageiros naquela linha, até entendo que cinco passageiros eram demais, porque não tinha condições nem para pessoas nem para animais. Deixaram degradar aquilo e, por isso, não se podia exigir que as pessoas se fizessem transportar naquelas linhas.
No entanto, o que defendo, e já há muito tempo, Sr. Deputado, é que aquelas linhas devem ou deveriam servir para fins turísticos.
A este propósito, quero ainda perguntar-lhe se o Sr. Deputado sabe que uma freguesia do concelho do Viseu vai iniciar uma experiência, com vários quilómetros de percurso, já com fins turísticos, à revelia da própria Câmara, que não pretende a exploração com esses fins.
Em todo o caso, quanto à linha ferroviária, não defendemos apenas aquela região, também defendemos outras, porque os senhores, pura e simplesmente, abandonaram esta área, tendo entendido, quanto a mim, mal, que as estradas eram suficientes para o nosso país. Mesmo assim, o plano rodoviário elaborado há mais de 10 anos já deveria estar terminado e foram levados a cabo pouco mais de 55 %. Aliás, foi o Sr. Deputado o próprio a insurgir-se contra o Governo, há dois ou três anos, quando, numa entrevista a um jornal da sua terra, disse o seguinte: "Se o IP n.º 3 continua parado, como está, interrogamo-nos se vale a pena continuar a votar no PSD".
A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Vale, vale!
O Orador: - O Sr. Deputado deve lembrar-se das suas preocupações de há dois ou três anos. Mas pergunto-lhe: o que é feito do IP n.º 3, que já deveria ter ligado Lamego a Vila Real e a Viseu? Continua em zero. O que é feito do IP n.º 5? Vocês, com a pressa que tinham de inaugurar aquela via, em alturas pré-eleitorais, deixaram o seu traçado numa miséria, saturado e perigosíssimo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não diga isso!
O Orador: - Sr. Deputado Luís Martins, a sua iniciativa traduziu-se num grande show que o promoveu a si e ao Governo e, por isso, dou-lhe os meus parabéns!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.
O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr Presidente, Srs. Deputados, vou ser breve.
Não seguindo a ordem das perguntas, começo por agradecer ao Sr. Deputado José Eduardo Reis o facto de me ter questionado. Pessoalmente - trata-se de uma posição pessoal -, fui sempre contra as deslocações parlamentares, de grupos parlamentares, embora participe nas do PSD, porque sempre me pareceu, tal como ao Grupo Parlamentar do PSD, que numa análise concreta e num debate como aquele que podemos fazer hoje aqui devem participar todos os partidos, mas todos os partidos com informação. Sempre tive esta posição e o Sr. Deputado, com certeza, sabe-o bem. É isso que nos permite fazer este debate.
O Sr. Deputado colocou a questão de visitar escolas e empresas, mas depende das escolas e das empresas que se visitarem. Disse que o PSD deve fazê-lo, mas já o fizemos e, com certeza, os senhores também o farão.
Tradicionalmente, quando o Grupo Parlamentar do PSD desenvolve uma acção partidária, ninguém lhe impõe nem negoceia consigo onde é que se deve ir. No entanto, neste caso, negociámos com o PS e com PCP onde é que devíamos ir e, no final, concordámos que iríamos a x pontos, alguns positivos e alguns, porventura, menos positivos, mas, repito, quando vai apenas um partido, ele só escolhe aquilo que lhe interessa. Ora. nestes casos, o que é que sucede? O PSD, obviamente, como é Governo, escolhe o melhor e vai ver o melhor que há; o PS, como a sua satisfação resulta sempre de os portugueses viverem mal, de haver fábricas falidas e pessoas desempregadas, escolhe essas situações. Esta é a realidade, Sr. Deputado.
A questão que a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho me colocou tem pouco a ver com aquelas que me foram colocadas pelos Srs. Deputados José Eduardo Reis e José Manuel Maia. Nenhum dos senhores ousou contestar as afirmações que fiz na tribuna em relação àquilo que está feito - isto, para esclarecimento do colega que está à frente da vossa bancada.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É esse o ponto!
O Orador: - E nenhum as contestou, porque vimos a realidade! Ela está lá! Suscitaram, porém, alguns aspectos negativos, nomeadamente do Sr. Deputado José Manuel Maia, com os quais concordamos.
Falou no êxtase do PSD, porque entende que não está de acordo com a realidade Com qual realidade?! O êxtase do PSD está de acordo com a realidade que vimos! E vimo-la! Estava lá! Então, percorremos o País inteiro, nos governos civis falámos praticamente com uma centena de presidentes de câmara e todos disseram "O Governo fez
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muito bem, está a trabalhar bem! A Junta Autónoma das Estradas é uma instituição de crédito que nos tem ajudado, mas é necessário continuar, porque queremos mais estradas".
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - É autista em relação aos protestos!
O Orador: - Como é que os Srs. Deputados socialistas - e coloco-me no vosso lugar com alguma solidariedade -, que vão daqui com o discurso do vosso Secretário-Geral, no sentido de que não haverá mais estradas, nem betão para ninguém, ouvem um discurso daqueles, por parte de todos os presidentes das câmaras, nomeadamente dos vossos, dos do Partido Comunista Português e do Partido Socialista?!
A Sr.ª Deputada Leonor Coutinho falou na maior mortalidade nas nossas estradas, mas todos sabemos por que é que isso acontece. Por exemplo, a Sr.ª Deputada pega no seu automóvel, vem de Salamanca para Portugal e, nesse percurso, não passa dos 90 km/hora, porque sabe que, se for apanhada pela polícia, ou tem ali dinheiro para pagar a multa, ou fica lá o seu carro. E todos fazemos isso! No entanto, quando passamos para o lado de cá, aceleramos até ver quanto é que dá mais. Não cumprimos o Código da Estrada! Ninguém o cumpre! A não ser que alguém faça sinal a avisar de que a polícia está mais à frente!
Por isso, a generalidade dos acidentes que ocorrem resulta da falta de cumprimento da lei e das regras de trânsito. Não vale a pena ignorarmos isto!
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Então, para que é que existe a polícia?!
O Orador: - Quando a polícia está na estrada, as pessoas andam devagar, Sr.ª Deputada.
Quanto à questão da reclassificação de algumas estradas, devo dizer-lhe que, embora o Sr. Deputado seja da oposição, durante a nossa viagem, vi que um membro do Governo, por gentileza, lhe facultou um elemento que desconheço completamente, que é o plano de reclassificação de algumas vias.
Em relação as chamadas estradas desclassificadas - e já tive oportunidade de o dizer também ao Sr. Deputado José Manuel Maia - a Sr.ª Deputada sabe tão bem como eu que só com um programa mais vasto é que se pode concretizar aquilo que pretende. Mas, Sr.ª Deputada, vamos ser realistas...
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - São esses disparates que explicam a mortalidade!
O Orador: - Há que separar as coisas!
Como estava a dizer, Sr.ª Deputada, sejamos realistas: quando um Sr. Presidente da Câmara, numa reunião, me vem dizer que no seu concelho há uma estrada, a que ele chamou "estrada de saco" - e eu nem conhecia o termo técnico! -, dizendo que era uma estrada nacional que pretendia ver recuperada pela Junta Autónoma das Estradas, desculpe, mas... É que uma "estrada de saco" vai até uma povoação qualquer e não tem saída, pelo que não pode ser uma estrada nacional.
Em relação ao problema da diminuição dos passageiros na CP, concordo consigo, Sr.ª Deputada. É óbvio que o facto de se verificar um aumento de veículos automóveis de um para quatro, no espaço de 10 anos, permite concluir que as pessoas optaram pelo automóvel.
No entanto, há-de vir o tempo - aliás, a Sr.ª Deputada sabe-o bem, pois já temos discutido essa questão - em que as pessoas que andam de automóvel vão começar a pensar e a fazer a opção de o deixarem em qualquer lado, passando a utilizar o comboio. E parece-me que esse momento está a chegar!
Em relação às estradas desclassificadas, às estradas secundárias, aos itinerários principais & aos itinerários complementares, a Sr.ª Deputada sabe que se trata de uma questão de prioridades. Sucede o mesmo com qualquer cidadão, em relação ao seu orçamento familiar, ou seja, em determinado momento esse orçamento não chega e o cidadão tem de reduzir as despesas, mas vai ter de decidir se corta na educação dos filhos, na alimentação, no tabaco ou na discoteca. Ora, é óbvio que esse cidadão não pode cortar naquilo que é fundamental, isto é, a alimentação e a educação dos filhos. A não ser que seja um mau gestor e um mau pai!...
Quanto à última questão do Sr. Deputado José Eduardo Reis, relativa ao reaproveitamento da linha do Vale do Vouga e do Dão, gostava de lhe perguntar, uma vez que é um homem que conhece a vida, se entende que aquilo é viável.
Em todo o caso, o Governo e a CP já disseram que entregam aquela via a qualquer pessoa que pretenda investir no turismo. Faça-o, Sr. Deputado!
Em relação ao programa do IP n.º 3, se o Sr. Deputado analisar o livrinho, verá que estão lá, sem excepção, todos os compromissos que os Deputados do PSD assumiram cumprir até 1995.
No que diz respeito ao IP n.º 5, tratava-se de um projecto que já vinha de longe. Veja que foi o Dr. Mário Soares que fez o primeiro lanço no I Governo e até o inaugurou três vezes, tem lá três placas, uma na ponte, outra no nó e a última na estrada, tal era a importância que lhe dava! Portanto, aquilo que tem é isto, é aquele projecto. No entanto, só pode testar, em termos de tráfego, o IP n.º 5 quando estiver concluída toda a rede de itinerários principais para saber quais são os fluxos de tráfego que se deslocam pelo país inteiro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a poucas semanas do encerramento dos trabalhos do Plenário e servirão muitas das próximas sessões para que, com a reflexão de cada um de nós, se faça um pouco o balanço daquilo que se realizou, daquilo que foi mais ou menos conseguido, dos sonhos e dos anseios daqueles que nos elegeram e que aqui representamos.
O círculo eleitoral do Algarve conferiu-me mandato para zelar pelos interesses dos algarvios, se bem que a outros dedique muito do meu tempo e esforço, mas é sobretudo das aspirações do Algarve que aqui vos falo hoje, convidando a vossa atenção para a evolução daquilo que foi o salto que o Algarve deu nos últimos 10 anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Algarve de 1985 era uma região onde as dificuldades e os constrangimentos se sentiam um pouco por todo o lado. A Estrada Nacional n.º 125 era uma congestionada rua urbana, onde atravessar Almancil ou Portimão, representava, no Verão, horas de martírio; as carências no domínio do saneamento básico
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eram gritantes; tinha-se avançado com algumas obras de abastecimento de água, mas faltava quase tudo no domínio do tratamento dos esgotos e dos resíduos, polidos urbanos; as acessibilidades eram mais difíceis do que hoje; faltava a ampliação do aeroporto e uma nova aerogare; não havia ponte do Guadiana, a rede de caminhos de ferro estava mais obsoleta que nunca; faltavam centros de saúde, escolas e tribunais, dos quais se falava há muito, mas cujas obras não avançavam.
O tecido empresarial era fraco e pouco organizado - excepção feita à indústria hoteleira, não havia qualquer estrutura associativa relevante; não existia qualquer mecanismo de planeamento e de ordenamento do território eficaz; pouco se falava de PDM; a anarquia urbanística, por vezes, era regra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas de 1985 até hoje vivemos 10 anos que mudaram profundamente a vida do Algarve e dos algarvios. Com a nossa integração na Comunidade, hoje União Europeia, o fluxo de investimentos públicos conheceu novos ritmos, nunca antes observados. Foi assim em todo o país e no Algarve também, felizmente. Nestes 10 anos as câmaras municipais (todas elas) e os serviços públicos regionais, com destaque para a Comissão de Coordenação, empenharam-se activamente no planeamento, no ordenamento e na programação dos investimentos para a modernização da região.
As redes de saneamento básico conheceram um ritmo de investimento relevante em todos os concelhos. As águas, os esgotos e os resíduos sólidos urbanos mobilizaram quase metade das verbas comunitárias nos investimentos conduzidos pelas autarquias. As designadas acessibilidades mobilizaram outra importante fatia. Foram as câmaras municipais os principais beneficiários, construindo e remodelando centenas de quilómetros de estradas pelo interior da região.
Fez-se finalmente o Plano Regional de Orçamento do Território, completaram-se também vários dos planos directores municipais, prepararam-se e executaram-se com êxito os programas operacionais de investimento, tanto a Barlavento como a Sotavento, bem como na Ria Formosa ou no Nordeste Algarvio.
Fez-se mais de metade da auto-estrada regional (Via Infante de Sagres) e, fizeram-se as pontes do Guadiana e do Arade, sonhos de tantas gerações. Ampliou-se e modernizou-se o Aeroporto de Faro. Fez-se a barragem do Funcho e está em obra o sistema hidráulico do Sotavento (Odeleite-Beliche-Tavira).
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Concluíram-se duas dezenas de escolas e uma dúzia de centros de saúde e extensões. Fizeram-se novos tribunais e quartéis para a GNR e para a PSP. Concebeu-se e aprovou-se finalmente um novo Plano Regional de Turismo.
O Sr. Silva Marques: - Muito bem!
O Orador: - Afirmaram-se os eventos comerciais e empresariais. Veja-se o sucesso da FATACIL ou do Centro de Feiras e Exposições de Loulé dinamizado pelo Núcleo Empresarial da Região do Algarve.
Deu-se corpo, dimensão e prestígio a uma nova universidade, a única universidade criada por iniciativa do Parlamento. Fez-se o Centro de Informação Ambiental da Quinta de Marim em Olhão.
Outros aspectos se poderiam referir, mas estes só por si, mostram quanto o Algarve mudou em 10 anos. Foram 10 anos de estabilidade política, 10 anos de serenidade na condução do Governo e da Administração Pública, sem a qual nada teria sido possível. Nós, os que assistimos com entusiasmo, no exercício de missões públicas, ao concretizar progressivo destas aspirações sentimos obviamente uma legítima satisfação. Fez-se obra. Ganhou o Algarve e ganharam os algarvios. E ganhamos todos, de todos os quadrantes políticos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estão de parabéns os autarcas de todos os partidos, os dirigentes da Administração Pública que nisto se empenharam e os líderes empresariais que organizaram o tecido empresarial regional. Todos fizeram, estou seguro, o melhor que puderam e souberam por esta nossa região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos, contudo, ficar adormecidos com a obra conseguida. Muito falta fazer. Um povo sem ambições é um povo vencido, mas os algarvios são ambiciosos, imaginativos, empreendedores e, por isso, certamente capazes e merecedores de muito mais.
O nosso futuro tem outras ambições, entre as quais a conclusão da auto-estrada Lisboa-Algarve, de que ainda falta mais de metade. Os troços concluídos e em concurso já passam de Grândola, falta atravessar o resto do Alentejo e a serra do Algarve. A ligação do Algarve à rede do gás natural, eventualmente a partir de Espanha, é outra ambição que queremos conseguir. Recorde-se e veja-se como através destes dois tipos de infra-estruturas (rede de auto-estradas e o sistema de gás natural) o Algarve e o Alentejo ficam ainda na periferia real de Portugal e como serão as últimas regiões de Portugal a beneficiar desses melhoramentos.
Queremos ver o pólo estratégico Faro-Olhão com a ambição própria de uma média aglomeração urbana capaz de atrair investimentos, aplicar as tecnologias e possuir a dinâmica própria dos centros urbanos modernos.
Deseja-se obviamente também que a travessia ferroviária do Guadiana, com o consequente fecho da malha ferroviária no sul da Península Ibérica, aproveitando a ligação à rede de alta velocidade em Sevilha, se concretize a breve prazo. É urgente a ligação ferroviária ao Aeroporto de Faro permitindo uma articulação entre os diferentes modos de transporte.
Queremos também e ambicionamos que o Hospital Distrital de Faro, remodelado e reequipado, possa enquadrar novas valências e vir a ser um dia, de facto, um novo hospital central.
Queremos ainda chegar ao final do século XX com níveis de atendimento da ordem dos 90 % no domínio do saneamento básico. Sem isso o Algarve não conseguirá manter e reforçar a imagem de qualidade. É preciso avançar para sistemas de tratamento secundários nos efluentes para garantir essa melhoria de qualidade e até em obediência a novas directivas comunitárias.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Terá de estar concluído em breve o sistema regional de tratamento de resíduos sólidos urbanos de que, no passado sábado, o Diário da República refere uma nova empresa, a Algar, S.A, que vai ser uma empresa com capital público das câmaras municipais e em-
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presas de capital público mas de direito privado, como a Empresa Geral de Fomento, e que irá conceber e pôr em prática esse novo sistema. Aspiramos a ver concluídos dentro de dois/três anos o sistema de recursos hídricos do Sotavento e em arranque as obras da barragem de Odelouca.
Mas para a evolução e melhoria do tecido económico regional é fundamental também que se criem localizações industriais de forte tecnologia e concentração de massa cinzenta, actividades que atraiam bons quadros ao nosso clima, que é bom, e que não provoquem poluição, que essa não queremos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Queremos avançar com o emparcelamento dos campos, ganhando uma estrutura fundiária de dimensão empresarial, condição obrigatória, sobretudo, para o desenvolvimento da serra do Algarve.
Queremos também adaptar a actividade piscatória ao novo quadro internacional com o devido cuidado na gestão dos recursos e queremos, obviamente, fomentar a unidade e o reforço do associativismo empresarial regional que é de facto fundamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se têm muitas ambições, há que definir prioridades e distribuir tarefas. O nosso Programa de Desenvolvimento Regional/II Quadro Comunitário de Apoio é uma excelente base de trabalho A rede de infra-estruturas não pode sofrer atrasos nem deslizes na sua concretização pois ela é fundamental para que depois os agentes económicos possam investir, criar empregos e desenvolver.
Assim, cabe aos agentes políticos, nós também, manter as populações confiantes no progresso e no desenvolvimento, incutindo-lhes a pedagogia da vigilância em relação aos nossos atrasos e ao cumprimento das promessas. Temos de saber envolver nestes desafios do final do século o orgulho e a alegria de todos os portugueses e para isto os Fundos Europeus negociados até 1999, a Exposição Universal de 1998, que vai ter lugar em Lisboa, e os projectos regionais atrás citados são suficientemente mobilizadores para que tenhamos pressa e alegria de vencer o futuro. Os algarvios darão certamente o seu contributo como sempre fizeram ao longo da história e os portugueses, estou seguro, mais uma vez, vencerão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Difícil situação a sua, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira!
O Orador: - ... apesar do trabalho esforçado do Deputado Silva Marques, consegui ouvi-lo. O Deputado Silva Marques tentou distrair-me, mas como tenho dois ouvidos consegui ouvir o Deputado Silva Marques por um lado e o Deputado Macário Correia por outro. Digamos que ganhei com os dois. Com o Deputado Silva Marques aprendi a técnica dos apartes, com o Deputado Macário Correia aprendi a técnica do "querias". Isto é, aquilo que o PSD queria fazer e não fez elencou aqui o Sr. Deputado! Ao fim de 10 anos o PSD vem reconhecer que deixou o Algarve com todas essas carências, e se tivesse mais 30 talvez conseguisse resolver algumas delas! Aliás, pelo que ouvi, foi pouco exaustivo - lamento imenso, mas quando entrei na Sala já a sua intervenção tinha sido iniciada e receio ter perdido o melhor das "pérolas", mas ainda apanhei aqui uns "âmbares".
O Sr. Deputado falou de hospitais... Mas porque é que em 10 anos o objectivo de o Hospital de Faro ser hospital central com todas as valências não foi conseguido? O que é que o impediu? Porque é que não se fez o novo hospital do Barlavento? Não me venham falar nos terrenos...
O Sr. Álvaro Viegas (PSD): - Falo-lhe na Câmara de Portimão!
O Orador: - Não me venham falar nos terrenos porque quando o Governo quer fazer expropria à força, como foi o caso da cadeia do Algarve onde não houve problemas de terrenos! Quando o Governo não quer fazer endossa para as autarquias.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E quanto ao sistema hídrico, o que é que fizeram para recuperar a barragem do Beliche? Esqueceu-se disso?
O Sr. Macário Correia (PSD): - Não me esqueci. Não ouviu?
O Orador: - Não se esqueceu, foi apenas lapso!
E sobre a regionalização? Afinal, em que é que ficamos. Sr. Deputado? É a favor da regionalização, como era há quatro anos atrás em campanha eleitoral ou é contra a regionalização como é agora (já não sei se é se não é, pelo menos era há pouco tempo) o discurso oficial do PSD? Qual é a sua posição, enquanto deputado eleito pelo Algarve, sobre esta matéria? E sobre o tribunal da relação do Algarve que o senhor incluiu na agenda de trabalho dos Deputados do PSD pelo Algarve e cuja criação foi reprovada por duas vezes em Plenário?
Aliás, também se esqueceu do caminho de ferro! Curiosamente, ainda há uma linha para o Sul e uma linha do Sado que passa pela Funcheira, só que nem para Far west já serve! O Sr. Deputado regozija-se e orgulha-se de ver que os algarvios são tratados assim? Ou o senhor faz a distinção entre algarvios e portugueses? Terão os portugueses direito a caminho de ferro electrificado, com duas vias, comboios rápidos, e os algarvios direito ao "arre mula"? Como é, Sr. Deputado?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, meu prezado colega e conterrâneo, foi com prazer que ouvi os seus comentários e desculpo tudo o que disse uma vez que afirmou que entrou a meio da intervenção e, para mais, ainda assim, ouviu só com um ouvido.
Risos do PSD.
Em primeiro lugar, as obras do hospital do Barlavento vão iniciar-se dentro de semanas e, nos últimos anos, o hospital de
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Faro conheceu obras relevantes, com o novo aparelho de tumografia axial computorizada e várias ampliações.
Sobre a regionalização, o Sr. Deputado sabe o que penso, até porque já o disse várias vezes. Aliás, há dias, tivemos o prazer de estar os dois no maior congresso regional do Algarve e ambos falámos dessa matéria muito claramente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No que respeita ao tribunal da relação do Algarve, o Sr. Deputado também conhece qual é o voto dos Deputados do PSD eleitos pelo Algarve, já aqui traduzido. Oxalá todos os Deputados do PSD eleitos pelo Algarve também tomassem posições e fossem ao Algarve, pelo menos uma vez, durante a legislatura!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Há uma última questão que o Sr. Deputado se esqueceu de abordar para a qual eu pensava que iria chamar a atenção, uma vez que a omiti na minha intervenção. Refiro-me à questão de Albufeira e, desde já, peço desculpa ao Sr. Deputado por não a ter mencionado.
Em primeiro lugar, penso que se trata de um concelho central do Algarve, onde desembocam todos os caminhos: o turismo, a via do Infante, neste momento - ó! o ponto de chegada quando entramos no Algarve. E, apesar de ser o concelho fundamental do turismo e do desenvolvimento, neste momento não tem presidente de câmara!
O Partido Socialista vive, por isso, um drama interno que temos de ajudar a resolver com dignidade. Com efeito, de manhã o presidente da câmara é um e à tarde é outro! Depois, os órgãos distritais do partido dizem que é um outro, mas no dia seguinte já não é verdade, porque houve um que deu uma conferência de imprensa a dizer que, afinal, não é assim. Esta é uma situação que me preocupa.
Peço desculpa, mais uma vez, por não ter referido esta matéria na minha intervenção, mas quero dizer-lhe que todos nós, cidadãos responsáveis e com cargos públicos no Algarve, temos de ajudar o Partido Socialista...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - É verdade!
O Orador: - ... para que, com dignidade, possa terminar o mandato e resolver este problema.
Estou firmemente preocupado, pelo que. não queria deixar de manifestar a disponibilidade do PSD e dos Deputados do PSD eleitos pelo Algarve para contribuírem, com o que estiver ao seu alcance, para a resolução deste problema, a bem da democracia, do prestígio dos cargos públicos, do respeito pela legislação, por aquilo que é a dignidade e a transparência no exercício dos cargos públicos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque o que está aqui em jogo é uma questão de transparência. Há uma opacidade imensa em Albufeira que nos impede de ver o que lá se passa. Se nem os dirigentes do Partido Socialista conseguem fazer luz nesta questão, como é que eu poderei fazer? Em todo o caso, estou disponível para ajudar, no que estiver ao meu modesto alcance. Fica, pois, registada esta minha afirmação e vontade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra da bancada do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, por um período de 3 minutos.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, na verdade o senhor desiludiu-me com a parte final da sua resposta.
Vozes do PSD:- Oh!
O Orador: - Inicialmente, o Sr. Deputado fez um discurso partidário e analisou questões do Algarve com um tom que pensei ser sério. Contudo, no final descambou para uma questão que, peço desculpa, não é sério da sua parte colocá-la. Aliás, nem estou habituado a vê-lo tecer esse tipo de considerações.
Se o Sr. Deputado Macário Correia estivesse empenhado..., porque há, de facto, um problema em Albufeira - não o escondemos - que vai ser resolvido.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Já devia estar!
O Orador: - Se o Sr. Deputado, em vez de chorar lágrimas de crocodilo, estivesse, de facto, preocupado em que o poder autárquico resolvesse os seus próprios problemas como deve ser, estava calado e não vinha para aqui chorar lágrimas hipócritas! Isso não lhe fica bem no fim de um discurso sério.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD). - Sr. Presidente, muito obrigado pela compreensão regimental e por nos permitir culminar esta troca de impressões.
Quero apenas dizer o seguinte ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira: tive o cuidado de não criticar ninguém na intervenção que fiz, porque entendo que na política é possível e, naturalmente, desejável que sejamos capazes de nos afirmar pela positiva para enaltecer os valores de uma região, as qualidades da sua população e dirigentes. Foi o que fiz na minha intervenção, ao enaltecer os autarcas de todos os partidos pela obra que se realizou, ao longo de todos os anos. É o que está escrito, disse-o e o Sr. Deputado não ouviu. Parece-me relevante que não tenha ouvido essa parte, porque corresponde à forma como entendo que se deve fazer política, seja aqui, no Algarve ou em qualquer outra circunstância.
Naturalmente, o que se passa em Albufeira tem uma importância muito relevante, porque está envolvido um concelho vital para a política de turismo e economia regionais e não apenas um modesto concelho do Algarve, como já o foi no passado.
Esta matéria tem importância nacional e política, não é uma questão menor de uma qualquer junta de freguesia esquecida, pelo que merece uma resposta clara. Falar aqui, com as qualidades e defeitos próprios de cada um, neste contexto e neste momento, do caso político de Albufeira é um acto de dignidade, de seriedade e de procura da verdade, da legalidade, da transparência e do prestígio que é devido aos titulares de cargos públicos.
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Perdurar uma situação destas é uma vergonha para o Algarve, para os algarvios, para o partido político envolvido e, também, para toda a classe política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não me sinto bem como Deputado de um partido político, como autarca e como algarvio com a manutenção desta situação. E quando digo que quero ajudar a resolvê-la, falo com sinceridade. Não faço demagogia nem pretendo brincar com coisas sérias.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Este assunto tem de ser resolvido, razão pela qual desafio, com muita dignidade, o Partido Socialista a arrumar esta questão. Estamos num período quente 'da vida política, à beira de eleições e a situação prejudica a nossa imagem e prestígio perante o eleitorado. O que vos peço, com todo o favor e com o sentido de responsabilidade das minhas palavras, é que resolvam esta questão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Leis Filipe Madeira (PS): - Esse discurso já é diferente!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de encerrar o período de antes da ordem do dia, queria informar que deu entrada na Mesa o voto de pesar n.º 146/VI- De pesar pelo falecimento do crítico literário e tradutor José Palia e Carmo, apresentado pelo PS.
Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.
É o seguinte:
Faleceu, no passado 16 de Maio, o crítico literário, tradutor e ensaísta José Palia e Carmo.
Figura de relevo na nossa vida cultural, foi considerado um dos mais importantes conhecedores das literaturas inglesa e norte-americana durante os anos de 50 e 60, sendo ainda tradutor reputado de autores como T.S. Elliot e Ezra Pound.
Entre outros ensaios, publicou, em 1972, Do Livro à Leitura, contributo considerado indispensável para o conhecimento da literatura portuguesa contemporânea. Mais recentemente reuniu em livro, sob o título Obra Antuma, muitos dos textos que publicou no JL desde a fundação deste jornal.
Foi também colaborador, enquanto crítico literário, de publicações como Ler, O Tempo e o Modo e Almanaque. Pertenceu aos órgãos dirigentes da Sociedade Portuguesa de Autores.
A Assembleia da República manifesta assim o seu pesar e expressa as suas condolências à família enlutada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 50 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 127/VI - Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Penal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aprovada que foi a revisão do Código Penal por esta Câmara, na qual se explicita a preocupação de dar especial ênfase à tutela penal das pessoas, não só agravando as penas dos respectivos tipos legais de crime, mas criando, de igual modo, novos ilícitos, já que há muitos mais valores pessoais, quase todos recondutíveis a formas concretizadas de liberdade pessoal que aparecem agora com a categoria de bens jurídicos; ao mesmo tempo que se previram outro tipo de penas ou de sanções alternativas à pena de prisão, como sejam a suspensão da pena de prisão com deveres, a suspensão com regime de prova, o trabalho a favor da comunidade, agora com requisitos que vão tornar menos exigente a sua aplicação, a admoestação e os novos contornos para a decisão sobre a liberdade condicional, urge adaptar o Código de Processo Penal à lei substantiva, isto é, ao Código Penal.
Nesta oportunidade, optou-se por proceder aos ajustamentos indispensáveis ditados pela revisão do aludido Código Penal.
Assim, e com vista a tornar a justiça penal mais expedita e, portanto, mais eficaz, pretende-se alterar a competência do tribunal singular e do tribunal colectivo, aferindo-a à moldura penal abstracta, por forma a que este último venha a intervir nos processos de maior gravidade. Nesta linha, o tribunal singular terá competência para o julgamento dos crimes puníveis com prisão até 5 anos, sendo certo que se tornou por referência a nova dosimetria das penas, nomeadamente no tocante aos crimes contra o património.
Esta medida inovadora é, na nossa perspectiva, extremamente significativa, porquanto desonerando o tribunal colectivo de muitos julgamentos vai, consequentemente, também libertar o Supremo Tribunal de Justiça de muitos recursos que até agora, e de alguma forma, estavam a massificar este tribunal superior sem que apresentassem relevância e dignidade para serem por si apreciados, o que trazia consigo uma muito elevada distribuição de processos pelos Srs. Juizes Conselheiros da secção criminal.
Ao invés, os tribunais da relação, na maioria dos casos, estavam manifestamente subaproveitados, dedicando-se, em termos muitos significativos, a julgar verdadeiras bagatelas penais.
Com a alteração proposta no Código de Processo Penal consegue-se, em nossa opinião, um justo ponto de equilíbrio entre os recursos que irão ser interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça e para os tribunais da relação, como forma de tornar a justiça penal mais eficaz e mais dignificada.
Outra das grandes inovações que trouxe consigo a reforma do Código Penal foi, seguramente, a de privilegiar o recurso às penas alternativas à pensão, na qual avulta a reformulação do instituto da execução da pena suspensa, onde o regime de prova deixa de ser uma medida autónoma. Assim, na execução da pena suspensa, pode haver lugar à enunciação de deveres ou regras de conduta e outras obrigações, ou ao regime de prova.
Também se alterou a tramitação, em matéria de liberdade condicional, por forma a adequá-la à revisão do Código Penal; ao mesmo tempo que se integraram algumas lacunas e se decidiram questões, até agora controversas na jurisprudência, como, por exemplo, estatuíndo-se que o tribunal da última condenação é o competente para
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a realização do cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente do concurso.
De igual modo, no atinente à execução das penas acessórias, acolheu-se na alteração que ora se propõe â inovação decorrente da previsão, no Código Penal, da proibição de conduzir veículos motorizados. E, em sede das medidas de segurança não privativas de liberdade, passou a regular-se tanto a cessação de licença de condução de veículo automóvel como a interdição de concessão de licença
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a presente proposta de autorização legislativa entronca com naturalidade no actual Código de Processo Penal, o qual permanece e se consolida como referência de um sistema de valores e de um programa político-criminal, segundo o qual "o processo penal tem por fim a realização da justiça no caso, por meios processualmente admissíveis e por forma a assegurar a paz jurídica dos cidadãos".
É, no entanto - e conforme sempre foi dito -, uma alteração legislativa pontual, com vista, nomeadamente, a que ocorra uma consonância entre a lei substantiva e a lei adjectiva.
Sintomaticamente, não surge no rol das alterações legislativas a empreender na presente legislatura, consignadas no Programa do XII Governo, qualquer referência à reforma do Código de Processo Penal. E não surge, fundamentalmente, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque, de uma forma global, pode-se constatar que o actual código tem cumprido, em termos bastante satisfatórios, os seus fins fundamentais.
ncontram-se, com efeito, devidamente acautelados quer os direitos do arguido quer os direitos das vítimas.
A justiça penal é, neste momento, bem mais célere do que na altura em que o actual Código de Processo Penal começou a dar os seus primeiro passos.
Assim, enquanto que, em 1993 - e, provavelmente, pelos dados disponíveis, em 1994 -, a duração média dos processos penais findos, em fase de julgamento, nos tribunais de 1.º instância, era de 11 meses, em 1988 era de 14 meses e em 1989 era de 16 meses, não obstante ter sido o sistema judiciário penal, nesse lapso de tempo, isto é de 1988 a 1993, chamado a apreciar mais 200 000 processos, o que revela, em termos significativos, b seu grau de eficácia.
Sabemos, no entanto, que o aludido Código de Processo Penal merecerá ajustamentos mais alargados. Matérias como as do julgamento sumário, da contumácia, da revelia, da responsabilidade civil conexa e dos direitos da defesa, justificarão a reapreciação de um diploma que, tendo introduzido inegáveis melhorias no sistema de justiça penal, merece agora, colhida a necessária experiência, um esforço de adequação nos domínios onde se revelou menos ajustado à realidade social e à dó fenómeno criminal.
Cremos, todavia, que o correspondente processo de revisão não se compadece com apressadas intervenções legislativas, mais ditadas por conjunturas nem sempre correctamente apreendidas do que por razões de fundo, que, no caso, não podem deixar de ser as únicas determinantes.
Nesta linha, merece ponderada reflexão toda a problemática que se prende com a ausência do arguido na audiência de discussão e julgamento, conhecida que é a posição firme do Tribunal Constitucional. E foi com essa intenção - a de potenciar a reflexão - que o Senhor Ministro da Justiça deixou, já lá vão uns meses, nesta Câmara, um documento em que, na sua perspectiva, não obstante ter consciência dos comandos e da praxis constitucional, se propunha superar a situação de verdadeiro bloqueio que existe.
Contudo, não recebeu qualquer resposta.
O Sr. José Magalhães (PS): - Recebeu, recebeu.
Apresentámos um projecto de lei.
O Orador: - Ou talvez a tenha recebido duma forma enviezada e assaz superficial, quando se viu o Partido Socialista a apresentar um projecto de lei que visava tão somente sindicar os atestados médicos apresentados em audiência.
Ora, o caminho que deve traçar-se passa, antes, pelo cultivo de uma verdadeira consciência cívica, em que para qualquer cidadão é um dever deslocar-se ao tribunal, tal como acontece na grande maioria dos países civilizados.
O Sr. José Magalhães (PS): - Onde há ministros da Justiça que vão ao Parlamento, em vez de fugirem.
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, aditaria mais duas razões objectivas que levam a que seja de afastar liminarmente uma qualquer reforma apressada a empreender em sede do Código de Processo Penal.
Refere o artigo 104.º, n.º 1, deste diploma legal, que se aplicam à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil.
Como é sabido, encontra-se já agendada nesta Câmara a discussão e a eventual aprovação de um pedido de autorização legislativa que visa rever, de uma forma bastante profunda, a legislação processual civil - o Código de Processo Civil.
Nesta reforma, no tocante à contagem dos prazos de actos processuais está previsto que eles venham a ser contínuos, ao contrário do que sucede hoje.
Assim, se a reforma do Processo Civil vier a ser aprovada, como se espera, terá, posteriormente, de haver uma adaptação, nesta sede - o da fixação de prazos - relativamente ao Código de Processo Penal.
A título de exemplo, verifica-se, caso os prazos venham a ser contínuos, a sua manifesta desadequação, como no artigo 284.º - prazo de 5 dias para o assistente deduzir a acusação -, no artigo 287.º - prazo de 5 dias para ser requerida a abertura da instrução -, no artigo 315.º - prazo de sete dias para ser apresentada a contestação e o rol de testemunhas.
Verifica-se, pois, que terá de haver, por força da revisão do Código de Processo Civil, uma complexa adequação de todos os prazos de actos processuais hoje previstos no Código de Processo Penal.
Ora esse trabalho de análise terá de ser cuidado - e, consequentemente, moroso -, pelo que não se compadece com voluntarismos legisferantes, sob pena de se empreender não uma verdadeira reforma mas alterações que facilmente se poderiam considerar desconexas por não terem a visão do conjunto.
Uma segunda razão radica no facto de ser especialmente vantajosa, quando não imprescindível ou mesmo legalmente obrigatória, a audição de diversas entidades antes de se dar por concluída uma alteração legislativa.
Com efeito, no momento em que vier a ser encetada uma reforma lata do Processo Penal, é necessário colher as sugestões e os contributos daquelas entidades, analisá-los e concluir ou não pela sua pertinência.
Ora, no IV Congresso dos Advogados Portugueses que ocorreu no passado fim de semana no Funchal, só em sede
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de uma futura reforma do processo penal o referido Congresso aprovou 54 conclusões!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dada a importância e relevância das conclusões que foram, há quatro dias, aprovadas pelo Congresso da Ordem dos Advogados Portugueses, há que analisar com serenidade e prudência essas conclusões, que poderão, estou certo, ser um contributo importante para uma reforma mais global do Código de Processo Penal, sendo, como é óbvio, manifestamente impossível na actual conjuntura proceder a esse moroso trabalho.
Consequentemente, afigura-se-nos que o pedido de autorização legislativa, tal como é apresentado a VV. Ex.as, é o mais adequado - visa apenas, como se disse, adequar a lei adjectiva, o código de Processo Penal, à lei substantiva, a revisão do Código Penal.
Uma reforma mais global será - e terá de ser - feita, mas não de forma apressada. Terá antes de merecer a maior ponderação, já que não poderá desvirtuar um diploma legal - o actual Código de Processo Penal -, que foi,, muito justamente, saudado como uma excelente obra jurídica, que vem servindo de exemplo e de paradigma noutros países que nos são próximos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Alberto Costa, Odete Santos, José Magalhães e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Justiça, quando o Governo, há algumas semanas atrás, pediu o agendamento desta matéria para o dia de hoje, ficou-nos alguma curiosidade e expectativa em relação à justificação que o Sr. Ministro da Justiça traria a esta Casa, em sede de Comissão ou de Plenário, para uma proposta tão minimalista e tão decepcionante.
Sem que isto represente qualquer desconsideração ou menos apreço por V. Ex.ª - e refiro que temos a indicação que o trabalho que desenvolveu em relação à reforma do Código de Processo Civil é bastante meritório -, até porque a nossa concepção sobre os secretários de Estado não coincide com a concepção de "ajudantes" que o Sr. Primeiro-Ministro do Governo de que V. Ex.ª faz parte há vários anos tem publicamente defendido, quero dizer que estamos sinceramente decepcionados pelo facto de o Sr. Ministro da Justiça não estar nesta altura em condições de vir ao Plenário, o que, suponho, o Governo já sabia na altura em que provocou o agendamento, e de nem sequer ter encontrado oportunidade de vir à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Realmente é uso, é a mínima exigência, é o mínimo requisito de uma actividade normal, que o ministro venha apresentar e justificar tão decepcionante proposta.
Na verdade, esta proposta, cujo minimalismo todos sublinham - já passou a ser conhecida como a versão minimalista da revisão do Código de Processo Penal -, é decepcionante. Diria mesmo, pensando as palavras, que é uma vergonha que, depois de se ter podido constatar, ao longo de quatro anos de legislatura, as consequências negativas e as insuficiências de tantas soluções, o Governo venha aqui, neste fim de tarde de Maio deste fim de legislatura, com tão pouco para enfrentar os tão grandes problemas da justiça criminal em Portugal.
É uma grande decepção e uma vergonha do ponto de vista das vítimas a sua ida ao tribunal uma, duas, três, quatro, cinco, quinze vezes - e até mais -, à espera de julgamentos que não se realizam, é a frustração e o descrédito mais e mais na acção da justiça.
É um balde de água fria para as testemunhas que fazem essa Via Sacra vezes sem fim e que, quando, finalmente, à sexta, sétima ou oitava vez, faltam, são punidas com multas só porque, desesperadas, não apareceram, depois de terem aparecido meia dúzia de vezes sem que houvesse julgamento.
É uma vergonha para as vítimas, que não recebem indemnizações por não terem cumprido os curtos prazos nos termos em que eles estão previstos num Código que, manifestamente, tem uma solução pior, neste domínio, do que o Código anterior.
É também uma decepção - e digo-o de caso pensado - para os elementos das forças de segurança que, perante o espectáculo dos adiamentos, da justiça que se não faz e de toda a frustração, ficam mais desmoralizados e reflectem esses sentimentos na sua acção, nos seus relatórios e, nomeadamente, em textos que recebemos na Assembleia da República.
Mas é também uma enorme decepção porque representa uma nova moratória e um novo bónus para os autores de crimes, que se furtam às notificações de uma forma profissional e cheia de sucesso. Na verdade, há dezenas de milhar de pessoas que, ao longo destes anos, se têm subtraído, com êxito, à acção da justiça. É importante dizê-lo e reafirmá-lo, e nós esperávamos que o Sr. Ministro da Justiça viesse, ao menos, informar-nos quantas pessoas a ela se têm furtado com êxito, no âmbito do mecanismo da contumácia, porque já lhe perguntámos uma, duas e três vezes, tendo a penúltima sido quando ele veio aqui discutir a criminalidade e depois quando veio discutir a ratificação do Código Penal. No entanto - e isso é uma falta imperdoável para com o Parlamento - nunca ninguém nos disse esse número.
É também um bónus para aqueles que adiam vezes sem conta os julgamentos, juntando um, dois, três, quatro, cinco e seis atestados médicos, como, repetidamente, o relatório do Conselho Superior de Magistratura aponta. E é um bónus para todos quantos se furtam aos efeitos desse instituto de contumácia, que é um enorme fracasso, uma enorme decepção, e em relação ao qual o Governo não apresenta aqui, quatro anos decorridos da legislatura e cinco anos decorridos desta equipa governativa, uma alternativa formal. É que, Sr. Secretário de Estado, vir aqui o Sr. Ministro da Justiça, no termo de um debate, distribuir uma fotocópia de umas páginas numeradas, cento e qualquer coisa, de um conjunto textual mais vasto, que não é conhecido, não é rigorosamente nada! É brincar com as pessoas!
Nós aguardámos que, posteriormente, fosse aqui apresentada qualquer proposta, mas, como isso não aconteceu, temos de denunciar essa atitude de desrespeito para com o Parlamento.
Mas estamos, sobretudo, magoados e decepcionados com o facto de o Sr. Ministro da Justiça não ter vindo aqui "dar a cara", e de o Governo ter escolhido a data própria para ele não o fazer, pela justiça criminal em Portugal. O estado da justiça criminal, em Portugal, é extraordinariamente decepcionante. Desenvolve-se, em Portugal, uma cultura da revelia, do desrespeito e da subtracção aos tribunais! É preciso que alguém responda por esta situação! É preciso que alguém "dê a cara"!
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Cumprimento-o, Sr. Secretário de Estado, por vir aqui hoje, porque, de qualquer maneira, V. Ex.ª responde por essa situação. E os portugueses sabem do que estou a falar - sabem-no os advogados, as testemunhas, as vítimas, os elementos das forças de segurança. Portanto, V. Ex.ª merece cumprimentos por estar aqui hoje a defender esta proposta minimalista, que não vem resolver qualquer problema importante.
Porém, pergunto-lhe o seguinte: por que é que o Governo, ao fim de todos estes anos, em que nomeou comissões com vários elementos, que trabalharam um, dois, três anos, de 1990 a 1992, parece-me, e fizeram Coisas mais ambiciosas, não está preparado, no termo da legislatura, para fazer melhor?
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem, não! Muito mal!
O Orador: - Será que o Governo não tem condições para comparecer perante esta Assembleia com mais alguma coisa? Que grande frustração, Sr. Secretário de Estado!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua. Só dispunha de três minutos e já utilizou oito.
O Orador: - Concluo, de imediato, Sr. Presidente.
É uma grande frustração e um grande risco, Sr. Secretário de Estado! É o risco de que continue a alastrar esta situação e de que o Governo esteja neste domínio, com a sua inércia, a atirar fogo para cima de gasolina.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, parafraseando-o, direi que a sua intervenção ,foi uma frustração e uma decepção. De facto, estou habituado a algum brilho parlamentar da sua parte, mas, Hoje, V. Ex.ª não saiu do círculo vicioso decepção, frustração, de vez em quando, vergonha, e, depois, novamente a frustração, para voltar a cair na decepção, e pouco mais adiantou.
No entanto, vou responder àquilo que me pareceu que quis perguntar, porque, de facto, o seu discurso não teve muita sequência lógica.
Sr. Deputado, o Sr. Ministro da Justiça não veio hoje aqui, porque já estava prevista, há algum tempo, uma visita oficial à China, onde se encontra neste momento. E é óbvio que não estou aqui com o brilho que o Sr. Ministro empresta a estas sessões parlamentares, mas nem por isso o Governo deixa de estar representado. E julgo que, como membro do Governo, tenho mais do que legitimidade para defender esta proposta de lei. Aliás, não é a primeira proposta de lei que defendo e, com certeza, não será a última nesta legislatura.
Sr. Deputado Alberto Costa, o nosso Código de Processo Penal, como sabe, entrou em vigor em 1988. Portanto, há sete anos de aplicação no terreno: deste Código. Eventualmente, pode dizer-se que estes sete anos foram
o tempo suficiente para testar o Código. Talvez sejam. Agora, o que se verifica, como tive ocasião de dizê-lo há pouco, é que não há ainda um levantamento exaustivo por parte, nomeadamente, de todos os operadores judiciários - è "estou a pensar na Ordem dos Advogados, no Conselho Superior da Magistratura e na própria Procuradoria-Geral da República - dos bloqueios que existem neste Código de Processo Penal. Há alguns apontados, é óbvio, como ancontumácia, o julgamento, a ausência do arguido, mas, pôr exemplo, a questão dos prazos dos actos processuais, que referi na minha intervenção inicial, é extremamente importante. Há queixas e queixas, legítimas, de que há prazos extremamente apertados. Ora, se a Assembleia da República aprovar o pedido de autorização legislativa que visa rever o Código de Processo Civil, vai acontecer que os prazos passam a ser contínuos. E, como sabem, os prazos contínuos no processo civil aplicam-se, por ser lei subsidiária, ao processo penal. Portanto, estes prazos que, hoje, temos no Código de Processo Penal de cinco, sete dias, com a aprovação da legislação processual civil, são prazos ainda mais curtos. Assim, aquando da aprovação da reforma do processo civil, é absolutamente urgente "pegarmos" no Código de Processo Penal e revermos tudo aquilo que diz respeito a prazos.
A minha pergunta é esta: faria algum sentido estarmos hoje a alterar, por exemplo, o instituto da contumácia ou o da revelia, para, daqui a dois ou três meses, termos forçosamente de alterar tudo aquilo que tem a ver com prazos? Quer dizer, estávamos permanentemente a fazer remendos num Código novo, como é o do Processo Penal. De facto, o nosso modo de actuação não tem sido o de fazer alterações legislativas em grandes diplomas legais, como são os códigos, através de uma série de remendos que se vão arrastando no tempo.
Por outro lado, Sr. Deputado Alberto Costa, todos nós sabemos - e convém dizê-lo olhos nos olhos - que a presença do arguido nas audiências de discussão e julgamento, em processo penal, é obrigatória face à Constituição. Relativamente a isso, até tenho aqui comigo um dos muitos e muitos acórdãos do Tribunal Constitucional, de que lhe vou passar a ler dois parágrafos da autoria do Professor Eduardo Correia, aqui transcrito: "O princípio da imediação da prova e com ela a averiguação da verdade material, que só se consegue com a presença do arguido na audiência (...)". E, mais à frente, diz-se "o arguido, como corolário ou pressuposto da necessidade de averiguar a verdade material, deve estar presente ao menos na audiência de discussão e julgamento".
É sabido que a jurisprudência do Tribunal Constitucional é firme, não havendo praticamente qualquer excepção a estes princípios. Portanto, não tendo havido, como não houve, uma revisão constitucional, que pudesse, de alguma forma, mitigar o artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, onde está previsto o princípio do contraditório e da imediação, pergunto qual seria o sucesso de uma intervenção de alteração da lei ordinária do processo penal, na fase do julgamento. Temos de assumir, com franqueza e honestidade, que, a intervir neste campo, haveria um risco, e muito sério, de o Tribunal Constitucional vir a declarar inconstitucional a intervenção nessa área, que, na nossa perspectiva, é a mais nevrálgica do processo e a que está a necessitar evidentemente de uma reforma e de uma alteração, mas, também na nossa perspectiva, só depois de uma revisão constitucional.
O Sr. Deputado referiu-se ainda às faltas das notificações e à fuga às mesmas, de que todos se queixam. Que-
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ro recordar que, hoje - e pode acontecer que alguns juizes não façam uso dessas providências -, o juiz tem a possibilidade de, nos termos dos artigos 116.º e 254.º, alínea h), do Código de Processo Penal, notificar qualquer pessoa sob custódia para estar presente em julgamento. Portanto, pode acontecer que haja juizes que não utilizem essas providências, mas têm à sua disposição esses normativos. Ora, o problema sério, que, de alguma fornia referi, é o da necessidade de o arguido estar presente no julgamento.
Assim, Sr. Deputado, embora o Governo tenha, neste momento, um manancial de elementos ao seu dispor, não está preparado para fazer uma reforma global do processo penal, porque, em minha opinião, ela não se justifica. Justifica-se, sim, uma reforma que ataque um ou outro ponto de bloqueio do sistema.
Temos um Código novo, que foi extremamente aplaudido por especialistas, técnicos de direito e professores, que está a servir de matriz não só a alguns países da Europa mas também, e fundamentalmente, aos países africanos de língua oficial portuguesa e a Macau, e que, de alguma maneira, tem dado - salvo uma ou outra excepção - boa conta do recado.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª esforçou-se abnegadamente por justificar o facto de, estando o Código em vigor desde 1987, portanto há cerca de oito anos, e tendo sido detectadas já e ainda aquando da discussão do mesmo Código algumas soluções erradas, durante oito anos, não se ter apresentado aqui qualquer remédio para situações como a da indemnização às vítimas de crimes. Com efeito, desde o início, ainda durante os debates do Código de Processo Penal, se disse que a nova solução era errada e que a que se encontrava em vigor no anterior Código é que permitia, de facto, a verdadeira reparação das vítimas. Este é um exemplo, mas há também conflitos relacionados com o artigo dos adiamentos da audiência - e, neste caso, nem sequer me estou a referir à contumácia - e com a questão da apensação de processos, que este Código quase veda absolutamente, que leva, muitas vezes, ao eternizar de prisões preventivas, como já tem sido denunciado.
Esforçou-se alegando até o 4.º Congresso da Ordem dos Advogados, mas esqueceu-se de referir que, entre 1987 e este ano, já houve outros congressos, tanto da Ordem dos Advogados como das várias magistraturas, onde estas questões do processo penal e dos afunilamentos a que ele leva foram discutidas.
Esforçou-se, mais uma vez, por falar na duração média dos processos, que é uma coisa que já está desmistificada, porque isso não justifica as críticas que têm sido feitas sob a morosidade do processo penal, que é um facto.
Se V. Ex.ª quiser, reconhecerá que a questão da eficácia da justiça penal reside mais na lei processual penal...
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
A Oradora: - ... do que propriamente em aumentar cinco anos certas medidas das penas - e essa eficácia é muito importante para criar nos cidadãos a segurança e o convencimento de que a lei penal os defende. Por isso, pergunto porque é que o Governo foi tão célere em aprovar a alteração à lei penal e não quis saber, absolutamente nada, desde 1987 até hoje, do Código de Processo Penal e das críticas que, de toda parte, se dirigem contra ele? E porque é que vem hoje com uma proposta destas, tão minimalista?
E não me venha falar em remendos, porque, assim, o que acontece é que, no futuro, terá de haver um remendo maior,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
A Oradora: - ... ao passo que, se agora trouxesse uma proposta global de revisão do Código de Processo Penal, pelo menos no grosso das questões, depois teria um remendinho pequeno, em relação aos prazos! Mas dois remendos haveria sempre! Portanto, Sr. Secretário de Estado, isso não é justificação!
Gostava que nos explicasse porque é que, no Governo, se entendeu que era mais urgente a alteração da lei penal do que a alteração da lei processual penal?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, vou fazer uma pergunta bastante breve, até porque não poderei estar aqui presente, pois tenho de ir para uma comissão, onde não posso ser substituído, que está parada por falta de comparência do CDS-PP.
Pode parecer a V. Ex.ª que há uma manifesta má vontade da oposição para com os diplomas que o Sr. Ministro da Justiça aqui apresenta. Isso podia ser assim, porque, realmente, o papel da oposição é sempre o de criticar, o de mostrar o que é que está mal e onde é que há falhas, porque é que não concorda com certas soluções e apresentar outras.
Mas, Sr. Secretário de Estado, o que sucede neste caso é que, à revelia do Sr. Ministro da Justiça - que não é contumaz, porque ele costuma vir, mas desta vez foi revel e nós não o podemos trazê-lo sob custódia -, de todos os operadores judiciais que vieram cá, sem excepção, como sejam, a magistratura judicial, o Sr Procurador-Geral da República, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a Ordem dos Advogados - e não julgo que sejam da oposição ou forças de bloqueio ao Ministério da Justiça - não houve um único desses operadores que dissesse: "esta revisão minimalista está bem". Posso dizer isto aqui diante os meus colegas do PSD, que também eles estiveram presentes!
O Sr. José Magalhães (PS). - Exacto!
O Orador: - Todos, Sr. Secretário de Estado! Se todos eles, unanimemente, vêm dizer que o que aqui está nem um feto é, quanto mais esperar pela continuação da gravidez e ver o que é que vai sair, o que é que isso vai ser!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas um feto merece protecção!
O Orador: - Vamos protegê-lo! Vamos protegê-lo! Vamos protegê-lo, mesmo que daí saia um ser deformado ou sabendo que vai nascer um monstro!
De qualquer modo, Sr. Secretário de Estado, o que é que todos eles disseram? Em primeiro lugar, disseram que.
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apesar de ser minimalista, para que o Código: Penal entrasse em vigor no dia l de Junho, havia qua fazer alguns ajustamentos e que, sem eles, não seria possível a sua entrada em vigor. Até aí estamos de acordo". Mas reduzir a meros aspectos formais, a alguns aspectos que, realmente, não têm grande aplicação na vida dos tribunais, como, por exemplo, a prestação de trabalhos a favor da comunidade ou a prisão no domicílio, etc., que podiam esperar, porque a jurisprudência mostra que cuias penas são raríssimas vezes aplicadas! Não haveria assim tanta pressa em adaptar o nosso Código Penal para' aplicação destas penas porque, nos tribunais, elas não têm. sido aplicadas com a regularidade ou com a frequência que, naturalmente, o legislador penal previa!
Em segundo lugar, os chamados bloqueios mais evidentes que os tribunais suportam e que podiam ser resolvidos mesmo nesta revisão minimalista não o têm sido, como seja o problema das notificações, da contumácia, de que aqui já se falou, da admoestação, que está aqui previsto, mas sobre a qual existe uma dúvida, e os juizes interrogam-se neste sentido: "No fim da sentença, vou fazer uma prédica ao réu. Isto é tomado como uma admoestação? Estarei eu a incorrer em erro, aplicando duas penas ou, então, tenho de suspender o julgamento, aplicar uma pena e, depois, passados uns dias, chamar o réu para lhe fazer a admoestação, para que, na mesma decisão, não haja duas penas, uma de admoestação e outra a pena verdadeiramente aplicada?
Em terceiro lugar, o problema da pena de cinco anos e o relacionado com os recursos Hoje há recursos per saltum, directamente para o Supremo Tribunal de Justiça e muitos deles poderiam ser transferidos para o Tribunal da Relação, dada a gravidade da pena. Este é um problema que podia ser rapidamente resolvido, mesmo nesta visão minimalista, porque, a partir de 1 de Outubro, pelo menos, o Supremo Tribunal de Justiça ficaria mais aliviado de muitos recursos que lhe chegam, muitos deles dilatórios.
Em quarto lugar, os chamados órgãos auxiliares, que, neste momento, não funcionam - os exames periciais, os peritos...
O problema do registo criminal. Há quem diga que é inconstitucional mandar vir o registo criminal e lê-lo num julgamento, como, por exemplo, a Dr.ª Fernanda, Palma.
Um outro problema que também se coloca é o do debate instrutório. Porque repetir-se outra vez toda a prova feita no inquérito não é senão uma providência dilatória. Há muitos advogados que, para adiar a resolução do: processo, requerem o debate instrutório, ao qual trazem outra vez tudo o que foi carreado para o processo no inquérito.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não!
O Orador: - É o que têm dito os juizes!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Concorda!
O Orador: - Estou a dizer o que foi dito pelos juizes!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O debate introdutório pode ser muito importante!
O Orador: - É importante, mas também pode ser uma técnica dilatória de trazer para o debate instrutório muito do que foi apurado na fase de inquérito.
Em quinto lugar, a presença obrigatória dos advogados em todos actos que se relacionam com a presença do arguido, seja em que fase for.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, o problema geral de saber se efectivamente havia, pelo menos quanto aos prazos, uma providência que urgia tomar: é aplicar- não se aplica supletivamente, pelo menos os tribunais não têm entendido assim - o princípio de que, com o pagamento da multa, se pode exceder em dois ou três dias o prazo, como tem sido o caso, no processo civil.
Eram estas as principais perguntas que queria fazer-lhe, porque, mesmo minimalista, esta reforma ou remendo, como V. Ex.ª disse, poderia ter sido um bocadinho mais extenso do que foi.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS)- - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, a cara de V. Ex.ª já foi falada, mas foi falada por más razões. Compreendo que o Sr. Ministro da Justiça esteja na China profunda, mas a proposta é uma proposta das Arábias, tal como está desenhada, e, desde logo, na metodologia, como aqui ficou exuberantemente sublinhado. É absolutamente incompreensível que V. Ex.ª se apresente aqui, a esta hora do calendário, dizendo que o fasto tem de ser e que é a melhor solução. Não é! V. Ex.ª é "remendão", porque entende que "sim", porque o Governo planeou mal a sua actividade legislativa, articulou mal a reforma do Código de Processo Penal e a reforma penal, articulou mal estas duas reformas com a reforma da modernização judiciária. Portanto, o sistema que estão a tentar pôr em pç está geneticamente mal concebido, logo, é susceptível de originar problemas.
V. Ex.ª não se preocupa com isso, está muito pouco preocupado com a situação pós-Outubro, considera rés inter alius acta, ou a ser feita entre outros, mas isso não o deve levar a desresponsabilizar-se ao ponto, rés inter alius agenda, de se desinteressar por uma versão que seja realista e verdadeira dos acontecimentos.
Primeiro aspecto, como é que V Ex.ª é capaz de dizer que estão por diagnosticar os estrangulamentos? Nós pagámos a uma comissão que reuniu meses a fio sobre esta matéria, composta pela mais ínclita geração imaginável de especialistas, que produziu o que produziu. VV. Ex.as agarraram no produto, esquartejaram-no, debitaram uma versão não minimalista mas anã, torta, incorrecta, condenada por todas as entidades que passaram pela Assembleia da República, unanimemente, e V. Ex.ª diz-me que não conhece o diagnóstico?! O Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias terá todo o prazer em remeter-lhe 300 sólidas páginas de actas, onde V. Ex.ª pode ler, pelo dinheiro que custa ao funcionamento da Assembleia da República, que é nada comparativamente com aquele que VV. Ex.as gastaram, o produto do labor reflexivo de várias personalidades que passaram pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, nos últimos dias e não nos últimos meses. Foi um esforço ad hoc positivo, que gostaria, aliás, de sublinhar, feito, de resto, neste novo clima em que o Sr. Presidente da Comissão vem gerindo a Comissão e que permitiu carrear documentos e contributos que revelam o quê? Primeiro, rapidamente, então o Sr. Secretário de Estado não está consciente da crise do modelo de processo penal constante do Código? V. Ex.ª nada conhece do que disse o Sr. Procurador-Geral da República aqui, na Sala do Senado, sobre a crise desse modelo processual e as conse-
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quências do défice de meios - culpa do Governo - que neste momento marcam a actividade do Ministério Público e comprometem o exercício das suas competências?! V. Ex.ª não conhece o discurso salomónico do seu tutor hierárquico, Dr. Laborinho Lúcio, perante a Polícia Judiciária, com a salomónica repartição de competências Polícia Judiciária/Ministério Público que só foi fonte de desaguisados! conflitos e é impotente na prática?! Não conhece isso? Qual é o seu juízo sobre o funcionamento do modelo do Código de Processo Penal? V. Ex.ª é juiz, &um profissional de Direito, é governante por acréscimo, qual é o seu juízo sobre esta matéria? Não o tem?! Precisa de um assessor, de um subassessor, de uma comissão dei auxílio para ter um juízo? Damos-lhe uma comissão de auxílio para ter esse juízo, mas tenha o juízo, que há-de ser próprio; não podemos dar-lhe uma prótese nem aquilo que lhe falta eventualmente.
Segundo aspecto, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª não sabe que mecanismos actuais de funcionamento desta" estrutura conduzem à conclusão de que faliu o sistema que visava despachar para processos simplificados aquilo que agora continua a correr pelo processo comum, inutilmente, com dispêndios, com fracasso, com impotência do sistema?! V. Ex.ª não sabe quais são as razões pelas quais na Polícia Judiciária não são feitas investigações?! Mas eu explico, Sr. Secretário de Estado! Leia, por exemplo, o Público de hoje! Leia o Diário de Notícias! Leia o comunicado da Polícia Judiciária neles publicados! Leia os jornais, já que não fala com os homens! Leia os jornais! O que é que aí encontra? Encontra a descrição da situação grave da Polícia Judiciária, que neste momento é insensatamente perigosa.
O Sr. Secretário de Estado sabe o que é isto que tenho aqui? Isto é um recorte de um pacífico jornal de Domingo, de uma peça assinada por uma senhora chamada Isabel Stilwell. O que é que esta senhora sabe de Direito Penal? Nada! É, no entanto, uma cidadã. E esta cidadã, que é sensata, o que é que diz? Apela, contra o aumento da criminalidade, ao debate do assunto. Sabe onde? No Fórum Picoas. Apela a que os cidadãos apareçam e se organizem no Fórum Picoas, sexta-feira, 30 de Maio, pelas 21 horas. Para garantir lugar, para se inscrever, telefonar para o telefone tal, tal, tal.
Sabe o que é que isto significa? Significa que a preocupação com a crise da justiça, com a crise da insegurança é tal que, além da justiça popular à bofetada e ao pontapé, também há a organização cívica, por jornais, de fóruns de debate sobre criminalidade. Isto é bom, naturalmente, para aumentar a democracia e o debate, mas é o sinal de que há um défice de meios de segurança e de funcionamento dos mecanismos normais, através dos quais estes debates se podem fazer. Designadamente, há um défice de transparência por parte do Governo, que começa por nem ouvir os juizes, os advogados, os magistrados do Ministério Público, os funcionários! Acho isto espantoso, inimaginável! A primeira medida que um governo pode tomar nesta matéria é a de não ser surdo, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E não ouve os Deputados!
O Orador: - Já nem falo na audição dos Deputados, porque somos soberanos. Quer o Governo viesse ou não, quer mandasse o Chefe de Gabinete, nós diríamos o que quiséssemos. Ninguém nos calaria, nem cá dentro, nem lá fora!
Portanto, que o Governo nos consulte ou não, é-me inteiramente indiferente e acho que é seu timbre ser antiparlamentar ou desprezar a instituição parlamentar, enviando à Assembleia um ministro fazer uns dribles enquanto acha que é melhor fugir para a China, num instante, para se furtar ao juízo e, designadamente, às notícias dos jornais.
Não tínhamos nós todos lido, Srs. Deputados, no Expresso da passada semana, que o Sr. Ministro Marques Mendes tinha ele próprio zagunchado valentemente o Sr. Ministro Laborinho Lúcio em Conselho de Ministros e que o mesmo, em fuga, tinha ido a correr para a China?!... Não sabíamos nós tudo isto?!
O "Rei vai nu", Sr. Secretário de Estado! V. Ex.ª está nu, não tem uma tanga brasileira, sequer! Está nu e, portanto, as razões do Governo, de fuga, são absolutamente transparentes. Mas isso, Sr. Secretário de Estado, é irresponsável, porque os cidadãos exigem justiça rápida, rigorosa e pronta e, ao mesmo tempo, melhoria das garantias de defesa.
Talvez o Sr. Secretário de Estado não compreenda que, para nós, as duas coisas fazem parte do mesmo todo. Ou seja, somos capazes de conceber um sistema - leia o contrato de legislatura, já agora, durante as férias, que lhe faz bem -, somos capazes de cumular o aumento das garantias de defesa com o aumento da rapidez.
As minhas perguntas, Sr. Secretário de Estado, são muito concretas. Primeira: o que é que o Sr. Secretário de Estado, nos diz sobre a medida que na proposta do Governo...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que termine, pois já há muito esgotou o tempo regimental.
O Orador: - Sr. Presidente, esperei pacificamente que o Sr. Deputado Narana Coissoró concluísse as suas perguntas e, se me permitir, formularei três questões rapidamente.
O Sr. Presidente: - Peco-lhe que seja rápido, Sr. Deputado.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Primeira: qual o alcance da norma sobre segredo e quebra do segredo dos jornalistas contido nesta proposta? Os senhores aprovaram uma proposta de lei de auto-estradas de informação punitivas, para os jornalistas, mas qual é o significado desta norma?
Segunda: o que diz o Sr. Secretário de Estado do comunicado publicamente divulgado esta semana a propósito do caso Camarate, em que o Governo é acusado de boicotar o exercício das competências do Ministério Público pela sonegação de meios de investigação?
Terceira: o que diz do bloqueamento das perícias médicas, designadamente, daquilo que o Bastonário da Ordem dos Advogados ontem qualificou como a "catástrofe das autópsias e das perícias médicas" e o que está programado neste domínio?
Obedecendo ao ditame do Sr. Presidente, perguntar-lhe-ei, por último, o que vai fazer em relação à vergonha da expressão pública das queixas, em larga parte, justíssimas, da Polícia Judiciária, vazadas hoje em vários jornais?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, responderei
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conjuntamente aos pedidos de esclarecimento! formulados porque, para além destes, houve muito ruído.
O Sr. José Magalhães (PS): - Bem se percebe!
O Orador: - Começo por dizer que é ao Governo, nomeadamente quando elabora o seu programa, que cabe calendarizar as medidas e reformas que vai encetar na Legislatura e no Programa do XII Governo não é feita qualquer referência - insisto nesta ideia - à revisão do Código de Processo Penal.
O Sr. José Magalhães (PS): - É sonegada pelo Ministro da Justiça!
O Orador: - Sr. Deputado, agradeço que não me interrompa.
Refere-se, sim, que continuará a revisão do Código Penal e que será elaborada legislação conexa mas nunca se fala em qualquer revisão do Código de Processo Penal, porque considerou-se haver necessidade - e aproveito para responder ao pedido de esclarecimento formulado pela Sr.ª Deputada Odete Santos - de reformular, reanalisar e reequacionar certas questões que se colocavam, sobretudo a nível dos crimes contra as pessoas, do Código Penal, de, na parte geral, dar maior ênfase às medidas não detentivas e de conferir alguma proporcionalidade à nova dosimetria das penas em virtude de algumas situações menos adequadas. Por estas razões, era Ingente uma reforma do Código Penal!
Ora, só depois da reforma do Código Penal de 1982, em vigor há 13 anos, poderá alterar-se a lei adjectiva porque, senão, andamos ao contrário: se começamos pela lei adjectiva e depois alteramos a lei substantiva, ninguém se entende.
A Sr.ª Deputada Odete Santos refere que deveria começar-se pela revisão do processo penal porque, esse sim, é a marca da eficácia da justiça, e, depois, alterar o Código Penal. Contudo, não concordo minimamente com tal solução por entender que as coisas devem ordenar-se de forma contrária.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não concorda por questões de demagogia eleitoralista!
O Orador: - Em primeiro lugar, devem sei alterados os grandes quadros, os grandes princípios, as grandes linhas, ou seja, a lei substantiva e só depois a lei adjectiva.
Efectivamente, o Governo não tomou a opção de fazer uma reforma ao Código de Processo Penal; aliás, o diploma em discussão não visa operar qualquer reforma ao Código de Processo Penal!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!'
O Orador: - Trata-se de uma alteração pontual para que o Código Penal entre em vigor no dia 1 de Outubro. Nada mais! Neste momento, não queremos mais nada!
Não sendo uma reforma, trata-se de uma mera adequação. Assim, as questões formuladas - designadamente, por que é que não se alterou o sistema da notificação, por que é que não se clarificou a admoestação (mas esta distinguiu-se claramente da exortação final do juiz não só no pedido de autorização legislativa mas fundamentalmente no decreto-lei), por que razão o recurso per saltum não existe em certas situações para a Relação - teriam razão de ser partindo do pressuposto de que estamos a discutir ...uma reforma mas não é esse o caso! Assim, penso que a questão deve ser balizada no facto de estarmos a proceder à elaboração de um instrumento jurídico que nos dará a possibilidade de, no dia 1 de Outubro, o Código- Penal entrar em vigor. Quanto às questões quase de algibeira colocadas pelo , Sr. Deputado José Magalhães, para além do ruído que se fez sentir, é óbvio que a matéria do segredo remete para a preponderância do interesse previsto no artigo 185 º do Código Penal. Como se procedeu a essa alteração do Código Penal, o Código de Processo Penal fez uma mera adaptação a essa alteração.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas faz mal! Dizem os magistrados, os advogados, toda a gente!
O Orador: - Faz bem porque não havia outra solução; caso contrário, na nossa perspectiva, não haveria execução normativa.
Sobre Camarate, nunca o Governo sonegou qualquer informação e ainda há poucos dias o Sr. Ministro da Justiça prestou declarações nesse sentido, dizendo que colaboraria sempre à outrance para que a investigação atinja o seu termo e seja averiguado tudo o que for relevante. Nesse domínio, Sr. Deputado, na perspectiva do Governo, nomeadamente do Ministério da Justiça, é completamente inexacto, para não dizer outra coisa, que haja sonegação do que quer que seja à Comissão e a quem está a investigar o crime.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr Secretário de Estado, permite-me que esclareça o âmbito do que disse?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Secretário de Estado, exprimi-me mal certamente. O que sublinhei foi que V. Ex.ª deveria emitir um juízo sobre o facto de o Governo ter sido acusado esta semana, em torno do caso de Camarate, de regular, através da Administração e da concessão ou não de meios para a investigação, a gestão, o rumo e o sucesso de determinados processos.
Assim, os processos atinentes às redes bombistas não progrediram por falta de meios e, todavia, outros avançaram; casos como os de afundamentos de navios e outras irregularidades não dispõem de meios de investigação porque o Governo não os fornece e todas estas afirmações foram feitas publicamente sem qualquer comentário do Governo. Qual é o seu comentário? E que os meios são cruciais e o Governo gere-os!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É que não se comentam disparates!
O Orador: - Sr. Deputado, normalmente, sob o pretexto da falta de meios, faz-se e diz-se tudo e mais alguma coisa
O Sr. José Magalhães (PS): - Acha que a culpa é dos magistrados?
O Orador: - Não! Não acho que a culpa seja dos magistrados. Julgo que os magistrados têm na sua disponibilidade os instrumentos necessários para conduzirem qualquer investigação criminal e se, por acaso, não for esse o caso, as forças ou os órgãos de polícia criminal que
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os assessoram nas investigações dispõem desses meios. Portanto, quando se fala em falta de meios, por vezes, talvez seja preferível falar em falta de vontade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Há falta de vontade dos magistrados?
O Orador: - Não digo que haja falta de vontade dos magistrados mas de todos os operadores que intervêm directa ou indirectamente no mundo da investigação.
O Sr. Deputado conhece perfeitamente - trata-se de um dado público e com certeza que dispõe de documentação sobre essa matéria - os investimentos que têm sido feitos na Polícia Judiciária, não só relativamente ao departamento da droga, como ao dos crimes económicos, já sem falar nos imóveis adquiridos, nos descongelamentos de verbas afectas ao pessoal. Enfim, refiro-me a um manancial de meios que têm sido postos à disposição da Polícia Judiciária.
Ora, é absolutamente injusto dizer-se que, neste momento, o Ministério da Justiça não fornece meios à Polícia Judiciária. Pode haver questões sindicais por detrás dessas afirmações mas não corresponde minimamente à verdade dizer-se que o Governo e o Ministério da Justiça não dão meios à Polícia Judiciária.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não apoiado!
O Orador: - No que diz respeito às perícias médico-legais, o Ministério da Justiça firmou, há meses, um protocolo com o Ministério da Saúde no sentido de as perícias médico-legais dos tribunais passarem para os centros de saúde e para os hospitais de todas as comarcas do país.
O Sr. José Magalhães (PS): - O que não funciona!
O Orador: - Sr. Deputado, está a começar a funcionar e a ser implementado.
O Sr. José Magalhães (PS): - As autópsias são uma vergonha!
O Orador: - O serviço de tanatologia - julgo que, quando fala em autópsias, quer referir-se a essa realidade - está rigorosamente em dia no Instituto de Medicina Legal do Porto e de Coimbra; em Lisboa, há um ligeiro atraso nos relatórios mas não na feitura do serviço de tanatologia...
O Sr. José Magalhães (PS): - Registamos!
O Orador: - Sr. Deputado, há um ligeiro atraso porque a metodologia foi alterada: em vez de se fazer um relatório circunstanciado, passou a elaborar-se as conclusões sucintas mas posso dizer-lhe que está praticamente em dia.
O Sr. José Magalhães (PS): - E os conselhos médico-legais funcionam?
O Orador: - Funcionam! O Conselho Superior de Medicina Legal, entidade que define as grandes linhas de actuação e caixa de ressonância de todos os serviços médico-legais, tem reunido com alguma regularidade no Ministério da Justiça.
Aliás, dentro de 10, 15 dias, vamos elaborar um protocolo com a Região Autónoma da Madeira no sentido de, por força do protocolo estabelecido com o Ministério da Saúde, ser dada pelos serviços de saúde da área de Medicina Legal dessa região uma resposta absolutamente integrada, que passe pelo hospital e pelos centros de saúde locais. Estão igualmente em vias de ser concluídos protocolos, por exemplo, com o Hospital Garcia de Orta, com o Hospital Egas Moniz e com o novo hospital da Amadora. Portanto, relativamente aos serviços médico-legais, julgo que poderemos falar com mais detalhe noutra ocasião porque, nessa área, talvez o Sr. Deputado esteja carecido de informação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Vou fazer uma breve intervenção em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata acerca de uma proposta de lei que está sobre a mesa e não acerca de metafísica. Digo isto porque o Partido Socialista e os demais partidos da oposição não têm discutido a proposta de lei em causa mas, sim, as propostas que não estão em causa, o que nos coloca numa dialéctica difícil, entre ser e não ser, em dúvida sobre se haveremos de discutir o que não existe. Nós vamos discutir aquilo que é ...
O Sr. José Magalhães (PS): - Uma questão de bom senso?
O Orador: - ... uma proposta de lei tendente a alterar o Código de Processo Penal na medida exigida pela alteração do Código Penal.
O Governo, que apresentou esta proposta de lei, e esta Assembleia, que, seguramente, vai aprová-la, têm consciência da relação de complementaridade funcional que há, pelo menos nos sistemas continentais, entre o direito penal substantivo e o direito penal adjectivo. Não é assim em todos os sistemas. Não é, por exemplo, assim na nossa vizinha Espanha, onde há uma grande autonomia entre o direito penal substantivo e o processo penal. Não é por acaso que naquele país, nas faculdades, o processo penal é um subcapítulo da cadeira de Processo Civil, não existindo o processo penal como uma cadeira complementar do Direito Penal.
Portanto, em bom rigor, pode dizer-se que este conjunto de normas que temos perante nós poderia perfeitamente fazer parte do decreto-lei que aprovou o Código Penal, dizendo-se que "em consequência destas alterações, onde se diz 'isto' no Código de Processo Penal, deve passar a dizer-se 'aquilo'". É porque se atentarmos bem, na sua esmagadora maioria, estas propostas são puras adaptações sistemáticas exigidas pela alteração ao Código Penal.
Nem o Governo, nem o Partido Social-Democrata, nem os demais colegas da Assembleia, que, seguramente, irão aprovar esta proposta de lei, enfim, nenhum de nós tem a consciência de estar a fazer uma reforma do Código de Processo Penal. Essa reforma já foi iniciada, já foram feitos trabalhos preparatórios aturados e, naturalmente, exige ainda muito mais reflexão e debate, mas da qual não deve abusar-se. Os grandes diplomas, os grandes códigos devem ter o tempo suficiente de maturação e de dinamização de uma certa cultura jurídica para que se tornem viáveis e aplicáveis, na certeza de que - e este é um vício do nosso século, o século do positivismo do direito,
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que tem muitas virtudes mas tem, também, o defeito de criar entre nós uma certa concepção narcisista do lado do legislador -, através de "golpes de caneta", conseguimos resolver todos os problemas que a vida coloca, mesmo os que a tramitação processual coloca. Devemos desistir desta aspiração Esta aspiração e irrealizável. Portanto, muito mais importante do que estar permanentemente a alterar os grandes códigos é criar uma cultura jurídica em torno dos diferentes códigos
anterior Código Penal vigorou 100 anos 0, nas últimas décadas, era aplicado, em rigor, em termos que já nada tinham a ver com a letra do próprio Código. mas era uma cultura jurídica que se foi criando. O mesmo vale no que diz respeito ao Código Civil de Seabra, o mesmo valia em relação a outros códigos. Portanto, devemos dar tempo ao tempo e não ter pressa, até porque a grande reforma do Código de Processo Penal - tenhamos consciência disto, Srs. Deputados da oposição - também não se resolve com mais ou menos alterações a nível das notificações ou de um prazo aqui e além. A grande alteração do Código Penal, a vir, será uma reforma de paradigma processual penal completamente diferente daquele que temos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Proponha!
O Orador: - Pessoalmente, estou à vontade para admitir esta hipótese e para trabalhar na base dal mesma porque sou adepto fervoroso do paradigma que temos, ...
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não da realidade que temos!
O Orador: - ... no entanto, tenho de ter consciência que outros podem ter outro paradigma, mas é preciso trabalhar nele.
Sr. Deputado José Magalhães, em vez de interromper tantas vezes, em vez de gritar tanto, podia ir trabalhando nesse projecto e apresentá-lo aqui, com grandes alterações significativas a nível dos modelos de instrução e de investigação, a nível dos recursos, onde há muito a alterar, a nível dos modelos de contumácia, etc. Essa é que seria a grande reforma do Código de Processo Penal, mas efectivamente não está em agenda. O que está em agenda é a adaptação do Código de Processo Penal em vigor a um direito penal substantivo que já é lei
Ora, se houvesse um certo sentido democrático e de respeito pelas deliberações desta Assembleia e uma vez que todas estas alterações decorrem de uma lei aprovada nesta Assembleia - não há nenhuma destas alterações que não esteja implícita, direi mesmo explícita, numa lei em vigor -, penso que para iodos nós, até para os que foram vencidos aqui (uma lei da Assembleia da República e uma lei da Assembleia da República, é de todos, dos que votaram a favor e dos que votaram contra), a fidelidade, na prática, às convicções democráticas levar-nos-ia apenas a fazer a seguinte pergunta: estas inovações são ou não pedidas pela alteração do Código Penal? Se á resposta for afirmativa, como me parece inequívoco, ...
O Sr. José Magalhães (PS): - Não chega!
O Orador: - ... então, deveríamos aprová-las. De resto, podemos gritar e "rasgar as vestes" nos altares da democracia mas, em rigor, não somos verdadeiramente democratas porque estamos a desrespeitar uma liei aprovada por esta Assembleia.
Não se trata de votar coisas diferentes, trata-se de actualizar, de projectar sobre o Código de Processo Penal as soluções que já fazem parte da ordem jurídica portuguesa Todas as soluções contidas nesta proposta de lei. à excepção, talvez, da do artigo 16º que, essa sim, tem um conteúdo inovatório. são já soluções da ordem jurídica portuguesa. Portanto, do meu ponto de vista, não têm razão as posições assumidas pela oposição
Dir-nos-ão: "nós queríamos outra coisa!" Vamos a ela O tempo aí vem, nós cá estaremos para receber proposta de da oposição - que, seguramente, continuará ã sê-lo depois de Outubro -, para receber propostas desse novo paradigma de Código de Processo Penal. Mas, até lá, os senhores não têm grande legitimidade para criticar os grandes problemas da justiça quando em alternativa trazem nada, isto é, quando, como alternativa, trazem pequenas melhorias dentro de um sistema que os senhores contestam. Portanto, penso que a oposição não tem razão.
Posto isto, a posição do Partido Social-Democrata confronta-se com esta proposta de lei nos termos que enunciei: são estas soluções reclamadas pelo Código Penal que acaba de entrar em vigor? A nossa resposta é univocamente afirmativa, ressalvada, talvez, a proposta relativa ao artigo 16.º, que tem algum conteúdo inovatório, que nos parece boa e que aprovamos
No entanto, perante uma leitura mais atenta- enfim, parece-me que, felizmente, o texto vai baixar à Comissão-, há um ou outro pormenor de carácter técnico, porventura lapsos, que convém corrigir Tal e o caso, por exemplo, quando, a propósito do artigo 281 º. se fala na aplicação de injunções e regras de conduta ao "condenado", e óbvio que não é ao "condenado" mas ao "arguido" De certeza que se tratou de um lapso e, mesmo que não tenha sido, tem de corrigir-se e escrever "arguido" porque no arquivamento, quanto a injunções e regras de conduta, não há condenado, há é arguido
Quanto à fórmula relativa ao segredo profissional, também parece que, eventualmente, a redacção pode ser discutida e melhorada nalguns aspectos, mas a substância está certa. Aquela fórmula e a substituição, no Código de Processo Penal, da lacuna deixada pela eliminação, no Código Penal, do artigo 185 º, que representava a concretização do princípio da ponderação de interesses e a da prevalência do interesse dominante em matéria de segredo profissional. Uma vez que se eliminou esse artigo tinha de inserir-se aqui esse princípio da prevalência de interesses e o do interesse dominante, com estas ou outras palavras- e as palavras são sempre questionáveis! Creio que a solução e rigorosamente correcta do ponto de vista material.
Penso que, no rigor dos princípios, no que toca ao artigo 187.º, onde se fala em violação do domicílio integrado no problema das escutas telefónicas, e evidente que não há violação do domicílio por telefone O que há é violação da paz e do segredo, mas como no Código Penal a violação deste bem jurídico está inserida no mesmo artigo da violação do domicílio há aqui um certo contágio de carácter sistemático Penso que deveríamos modificar a expressão, porque isto pode criar mais inconvenientes do que vantagens na medida em que a violação do domicílio implica sempre a entrada de uma pessoa na fronteira de uma casa ou de um espaço equivalente a uma casa Portanto, o crime de perturbação da paz pública através do telefone é um crime contra o sossego doméstico, que. por acaso, no Código Penal, está regulado no crime de violação do domicílio Talvez, pelo menos, a nível linguísti-
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co - e a intenção do legislador parece clara - se consigam aperfeiçoar as coisas.
Eram estas, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, as considerações que, em nome da bancada do Grupo Parlamentar do PSD, me proponho fazer sobre a proposta de lei em epígrafe.
Aplausos do PSD.
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Ministério da Justiça apresenta-nos hoje uma proposta minimalista para alterar o Código de Processo Penal. No próprio preâmbulo confessa-se, aliás, a sua pequenez.
Creio que a revisão do Código com alguma profundidade já se impunha há muito tempo. Pensamos mesmo que era mais urgente fazer essa reforma do que a alteração da lei penal a que o Governo procede neste momento. De facto, quando se trata de situações normais, entendemos ser sempre preferível haver alterações simultâneas da lei penal e da lei processual penal. Quando alguém sofre, por exemplo, um acidente de viação e tem uma veia completamente esfrangalhada, podendo vir a precisar de uma prótese para substituir a parte destruída, não é isso que evita, na altura do acidente, que se ponha imediatamente um garrote.
Em nosso entender, é isso que se impõe fazer com urgência com o Código de Processo Penal. E é urgente porque a própria eficácia da justiça penal está mais dependente da lei processual do que da lei substantiva. É claro que a alteração da medida da pena e o agravamento das punições em época de aumento da criminalidade e de tensões causadas pela insegurança dos cidadãos dá, como é óbvio, mais votos do que a alteração da lei processual penal, cujos resultados são mais dilatados no tempo e cujas alterações são menos perceptíveis para o comum dos cidadãos - aliás, estes nem sequer se aperceberam de que, também, neste aspecto, o programa do Governo não lhes servia, pois não continha nada sobre a alteração da lei processual penal.
Como a alteração da medida da pena dá mais votos, o Governo, nas suas prioridades, optou por alterar a lei penal, ainda que esta contribua menos para a eficácia da justiça penal. Porque pelas deficiências desta justiça, ainda que causadas por soluções incorrectas do Código de Processo Penal, são os outros que pagam e não o Governo: os magistrados, os funcionários e os advogados. Foi por isso que o Governo teve mais pressa em fazer a alteração do Código Penal do que a revisão da lei processual penal.
Que importa se as vítimas de crimes não vêm uma indemnização arbitrada pelo juiz? É contra este que as vítimas se insurgem, porque não compreendem que não possa, oficiosamente, sem um pedido de indemnizatório, fixar a reparação do seu direito ofendido.
A represtinação do "velhinho" Código de Processo Penal, no que respeita à protecção das vítimas, foi reclamada ainda durante os trabalhos preparatórios do actual Código de Processo Penal. Passaram já oito longos anos, durante os quais muitos e muitos ofendidos ficaram sem direito à reparação do dano sofrido, por culpa, única e exclusiva, do Governo e do legislador do PSD.
Mas disso não se cuida nesta proposta de lei, porque lá estão os magistrados e os tribunais para arcar com as culpas. Que importa ao Governo a perpetuação dos adiamentos sucessivos de julgamentos devido a uma errada formulação do respectivo artigo, se quem paga as culpas perante a opinião pública são os magistrados judiciais que passam por degenerando justiça?
Aí não se perdem votos, pensará o Sr. Ministro da Justiça.
Que importa que, perante a opinião pública, perante ofendidos e arguidos, a justiça penal apareça sem eficácia, por culpa do instituto da contumácia, da qual se nem os arguidos? O público não vê julgar os contumazes, mas vê-os a passear, a fazer normalmente a sua vida, como se não estivessem mortos civilmente.
Mas que interessa isto ao Sr. Ministro da Justiça, se são os tribunais - magistrados, advogados, funcionários - que pagam as culpas desta ineficácia?
Que importa ao Ministério da Justiça que um arguido possa estar indefinidamente em situação de prisão preventiva, anos e anos, por culpa do legislador do actual Código de Processo Penal e da quase impossibilidade de apensação de processos em relação a vários crimes cometidos pelo mesmo arguido? Que importa isto, se quem suporta o odioso são os magistrados, safando-se o Governo, com ligeireza, da crítica que, certeiramente, se lhe devia dirigir?
Tudo isto não tira votos, cogitará o Sr. Ministro da Justiça.
E porque assim é, numa matéria urgente, o Governo marcha com lentidão e apenas se preocupa em fazer as alterações estritamente necessárias à aplicação da legislação penal, que pode mais facilmente brandir em termos eleitoralistas, para querer convencer, aliás, hipocritamente, de que deu resposta aos sentimentos de insegurança das populações.
Que importa ao Governo que muitas das absolvições nesta área, nomeadamente do narcotráfico, se devam à consagração no actual Código de Processo Penal, de uma solução inconstitucional, que é a de atribuir a direcção da investigação criminal ao Ministério Público?
A opinião pública não percebe destas coisas e lá estão os magistrados para pagar as culpas, suportando o odioso das revoltas populares, sofrendo as críticas das forças policiais vazadas no Relatório da Segurança Interna. E o Governo continua a sair ileso!
Ora, a verdade é que todos os maus resultados que se enunciaram se devem a soluções erradas da lei processual penal, soluções cujos erros se detectaram logo no próprio debate sobre o actual Código e que a prática imediatamente confirmou.
Há anos que se impunha uma revisão urgente do Código de Processo Penal - há oito anos mais exactamente. Não pode, portanto, deixar de cheirar a demagogia eleitoralista a apresentação desta proposta minimalista. O que o Governo quer é empolar e manipular algumas das soluções da lei penal que fez aprovar apenas com os votos da sua maioria.
O regime de contumácia criticado pelo mundo forense é alargado nesta proposta de lei. Outras soluções são inócuas e consagram a prática e a jurisprudência seguidas. Outras são erradas: veja-se, por exemplo, o que a proposta contém relativamente à competência do tribunal colectivo em caso de concurso de crimes. A solução vai ainda estrangular mais os tribunais colectivos e com assuntos que poderão vir a revelar-se quase umas bagatelas penais.
Por outro lado, a proposta, alterando um dos artigos polémicos do Código de Processo Penal - o artigo 16.º -, não clarifica aquilo que devia ser clarificado e que resulta da única leitura que torna possível constitucionalizar o preceito.
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O magistrado judicial dotado de funções jurisdicionais nos termos da Constituição não pode estar vinculado, por gozar do estatuto de independência, ao princípio de oportunidade que o artigo 16.º consagra; não pode estar submetido ao juízo do Ministério Público relativamente à pena concreta; e, se o magistrado judicial entender que a pena concretamente aplicável atinge o nível que impõe a intervenção do tribunal colectivo, não pode estar submetido à apreciação formulada pelo Ministério Público e deve remeter os autos para julgamento em tribunal colectivo.
Mas, se tivéssemos em discussão um anteprojecto mais global da Comissão Revisora do Código de Processo Penal, veríamos que nem sempre se cuidou do acerto constitucional de alguns preceitos, nomeadamente quando se atribui funções jurisdicionais ao Ministério Público. Refiro-me à competência para aplicar multas sujeitas a sindicação do juiz. Aqui é também o próprio princípio da autonomia do Ministério Público que está em causa. Necessário é, de resto, repensar o Código de Processo Penal à luz dos princípios que orientam a actuação do Ministério Público.
Relativamente à aplicação do artigo 16.º do Código de Processo Penal, com o qual, aliás, apenas se pretende aliviar os tribunais colectivos, face aos dados do relatório do Sr. Procurador-Geral da República - e apenas 3,4 '•% do total das acusações são proferidas ao abrigo daquele artigo -, torna-se necessário avaliar os meios técnicos e humanos colocados ao dispor desta magistratura, que, pela sua insuficiência, podem determinar actuações diferentes do Ministério Público, de acordo com a área da. sua actuação.
E é necessário, sobretudo, avaliar as graves consequências resultantes da atribuição pelo actual Código de Processo Penal da direcção da instrução ao Ministério Público- e as consequências são graves. E quando falo em instrução, isso não se deve ao desconhecimento de que o Código optou pelo uso da terminologia "investigação", mas tão só para, aparentemente, cobrir de constitucionalidade aquilo que é verdadeiramente inconstitucional.
É que a investigação criminal é rigorosamente instrução. E a instrução pertence, nos termos da Constituição, a tribunais de instrução, a juizes de instrução. Juizes que não têm, nos termos da Constituição, uma função meramente garantística; a eles cabe, efectivamente, dirigir aquilo que o Código chama investigação, mas que é verdadeiramente instrução.
Desta entorse aos princípios constitucionais resultaram, na prática, consequências graves, a que, de resto, já nos referimos, embora de uma maneira geral: a absolvição, com escândalo público de arguidos, nomeadamente nos casos de narcotráfico.
E porquê? É que o Código, entregando a instrução ao Ministério Público, consagrou o contrário do princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa, princípio que se encontrava consagrado na autorização legislativa para o Código. E subtraiu ao princípio do contraditório fases da instrução. Chegou ao ponto de criar um mecanismo para que o Ministério Público pudesse interrogar um arguido sem a assistência de um defensor - estamos a referir-nos ao n.º 3 do artigo 142.º do Código de Processo Penal.
E, depois de tudo isto, é óbvio que tenho de dizer que a instrução é muito importante, dirigida por um juiz de instrução, porque eu, mesmo que saiba que essa instrução vai confirmar a acusação, terei de a requerer e, se quiser, em audiência, valer-me de eventuais contradições, que existam entre depoimentos das testemunhas e depoimentos prestados na audiência.
Depois de tudo isto é que teriam de surgir proibições de prova, como as que constam do artigo 356 º do Código de Processo Penal É que depoimentos de testemunhas prestados perante a parte acusadora, e só perante ela, sem a presença do defensor do arguido, não respeitam o princípio do contraditório. Daí que os juizes estejam impedidos de utilizar as contradições de declarações e depoimentos prestados perante a acusação com as declarações e depoimentos prestados nu audiência.
Mais do que se pensa, na área do narcotráfico, esta solução, a da direcção da instrução pelo Ministério Público, tem dado origem, e muito bem - nisso o Sr. Deputado tem razão -, a absolvições a que os juizes são forçados, e que não o seriam se a solução do Código de Processo Penal fosse a que consta da Constituição Aliás, essa solução é a que preserva a autonomia do Ministério Público, que queremos que seja mantida.
Não podemos deixar de recordar uma afirmação de um procurador num congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: "Há que desconfiar sobre o que se passará relativamente à autonomia, quando nos entregam a direcção da investigação". E exemplos disso já os temos
Agradeço ao Sr. Presidente a sua boa vontade, porque, de facto, já ultrapassei o tempo, e termino, dizendo que, de vários quadrantes, surgem afirmações sobre a necessidade de retornar, na lei ordinária, à solução constitucional dos tribunais de instrução criminal.
Se o Governo se preocupasse com os bloqueios da justiça penal, estaríamos hoje a debater todos estes temas com maior profundidade. Mas a proposta de lei que hoje discutimos é uma saída de sendeiro que, por mais que o tente, não consegue apropriar-se das asas de Pégaso.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está condenado a fazer esta intervenção!
O Sr. Alberto Costa (PS): - Exactamente. Sr. Deputado!
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: Estamos aqui a tratar de questões muito sérias e a conclusão que tem de se tirar é a de que o Governo está politicamente impreparado para decidir sobre a própria amplitude da reforma que quer ou não neste domínio. É que há aspectos básicos de lacto que não são, sequer, esclarecidos.
Tinha a sensação de que o Sr Secretário de Estado aproveitaria para esclarecer quantos contumazes existem, afinal, em Portugal, depois de sete anos de vigência deste Código. Sobre esta matéria, V Ex.ª foi silencioso. Afinal, quantos contumazes existem! Continuamos mais uma vez sem saber?!
Esperava, também, que o Sr. Secretário de Estado viesse aqui munido com dados sobre a quantidade de adiamentos de julgamentos que se verifica em Portugal.
Os magistrados dizem-nos: "Em 400 marcações, num trimestre, fizemos 37 julgamentos" Aliás, ainda ontem um magistrado nos disse o seguinte- "Tenho 800 julgamentos marcados até Outubro. Não espero fazer mais do que 50"
Ora, gostávamos de receber dados do Ministério da Justiça, para que esses diagnósticos sobre a situação tivessem um mínimo de credibilidade, mas VV. Ex.as, em matéria de números e de dados, não dizem nada. E, em con-
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sequência disso, fazem um diagnóstico leviano e errado sobre a situação actual. ...
V. Ex.ª disse que, hoje, a justiça é mais célere, mas encomendou estudos que mostram que, em Portugal, o tempo que medeia entre a prática do crime e o julgamento não diminuiu.
V Ex.ª isola a fase de julgamento para dizer que, estatisticamente, diminuiu, mas, na verdade, está ao nível da duração que tinha há 10 anos atrás.
Além disso, V. Ex.ª não pode ignorar - e também escamoteia esse dado - que, desde que este Código de Processo Penal entrou em vigor, mais de metade dos processos entrados na fase de julgamento não foram concluídos por julgamento Isto significa que, por cada julgamento em 1.ª instância, descontando a fase de investigação e a própria fase de recurso, ocorrem 22 meses de processado, o que é, realmente, uma "maravilha" que VV. Ex.as gostam de omitir.
Mas os senhores omitem ainda que, em torno da justiça criminal, se está a criar uma situação extremamente negativa e preocupante entre todos os operadores que aqui ouvimos e junto da opinião pública. VV. Ex.as têm o dever de enfrentar e responder por esta realidade, mas não o fazem Além disso, também não são capazes de reconhecer que o paradoxo do sistema português é o de que é um sistema lento, muito lento - vejam o estudo que encomendaram!... -, mas não assegura muitos direitos dos arguidos ou, melhor, também paradoxalmente limita direitos dos arguidos que respondem perante a justiça e é tolerante e laxista perante aqueles que não respondem. Esses acabam por beneficiar de uma série de soluções de incapacidade e inércia da política ministerial desenvolvida nos últimos anos, para, com êxito, se furtarem, ao longo de anos e anos, à acção da justiça.
Ora, sem diagnóstico não pode haver reforma. O vosso diagnóstico e profundamente errado. VV. Ex.as aplicaram a esta área um método e uma definição de prioridades completamente errados, pois privilegiaram o Código Penal e deixaram para o fim da legislatura, como uma miudeza, como uma bagatela, a reforma do processo penal. Ora, o que era crucial para introduzir melhorias na resposta da justiça criminal era mexer no processo penal e mexer ainda noutras áreas, mas não era prioritário o Código Penal.
VV. Ex.as revelaram aí um espírito clássico e, se me permitem, um espírito extremamente demodé. VV. Ex.as não estão ao corrente do modo como noutros países, nomeadamente, na França, na Itália, na Espanha, estas matérias do processo penal têm sido muito discutidas nos últimos anos, não estão ao corrente da consciência hoje sentida de que o processo penal não é um processo para professores, não é um processo para satisfazer projectistas, e um processo para dar satisfação aos problemas e para lhes dar satisfação em tempo útil. Por isso, esses países revêem as leis processuais com grande rapidez, e tentam acertar VV. Ex.as cultivam a seguinte ideia: "temos um Código com sele ou oito anos, não se pode mexer já nele", mas essa mentalidade não é uma mentalidade própria de governantes, e uma mentalidade de projectistas, é uma mentalidade de autores, é uma mentalidade de quem desenvolve uma indústria de pareceres em torno de soluções fixas.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Muito bem!
O Orador: - Assim, cada vez que muda a lei têm que alterar a doutrina, mas não pode ser essa perspectiva que pode comandar a política de quem governa No entanto, é isso que se verifica para não falar no argumento de que seria mau mexer já no Código porque os países lusófonos estão a utilizar esta matriz Sr. Secretário de Estado, não interessa exportar soluções que não funcionam. V Ex.ª invocou também o caso de Macau, mas exportar soluções que não funcionam e a maneira de condenar ao insucesso toda a comunicação em termos jurídicos.
Portanto, esse exemplo, que aliás conheço relativamente bem, condena essa política de exportar produtos acabados que não têm essa particularidade da operacionalidade.
Dentro de uma perspectiva de grande e irresponsável autismo VV. Ex.as neste arremedo de reforma, - o Sr. Deputado Costa Andrade diria que isto não é reforma e de facto não é reforma nem é nada- não enfrentam nenhum dos problemas. Já há pouco falei, e talvez demais, sobre o problema dos adiamentos, mas sobre isso VV. Ex.as não dizem nada. Sobre o problema da contumácia, nada, a não ser alargar o campo da dita contumácia! Nada sobre processo sumário e processos simplificados que é um fracasso que ninguém contesta hoje! Recursos, nada! Défice de garantias dos réus que respondem e que têm uma posição mais onerosa que os réus que não respondem, nada!
Portanto, a sensação que fica é a de que terminou o prazo de validade da vossa fórmula para enfrentar os problemas da justiça. Terminou, não há números, não há diagnóstico, não há opções, tudo isso é muito demodé. E pena não estar aqui o Sr. Deputado Costa Andrade que gosta muito de recordar as concepções dos anos 60 sobre ioda esta matéria, mas isto hoje é um bocadinho diferente.
Olhando para todos os países à nossa volta verifica-se que aqueles que têm uma preocupação de modernização vêem estes problemas de uma outra forma
Por isso, terminaria pedindo a V. Ex.ª que notificasse o Sr. Ministro da Justiça que deve comparecer com urgência nesta Assembleia.
A Sr.ª Julieta Sampaio (PS) - Muito bem!
O Orador:- Deve comparecer com urgência na 1.ª Comissão; deve comparecer com urgência no Plenário; deve responder directamente por esta situação lastimável e por esta decepcionante proposta minimalista.
VV. Ex.as saíram daqui com uma revisão do Código Penal que apenas teve o vosso voto, o que é muito mau em democracia. VV. Ex.as arriscam-se a sair daqui com esta mini-reforma do Código cê Processo Penal só com o vosso voto. Isso e mau. Essa incapacidade de obter consensos alargados nesta matéria, e muito má e mostra a enorme redução dos vossos pontos de vista, dos vossos apoios e da vossa possibilidade de compreenderem.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, notifique o Sr. Ministro da Justiça de que, caso não se apresente na Assembleia da República, com urgência, terá de ser declarada a anulabilidade das suas reformas legislativas, com efeitos a partir do dia l de Outubro, que é, paradoxalmente, o mesmo dia em que ele quer fazer entrar em vigor a sua revisão do Código Penal
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente e Srs Deputados, por muito
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respeito que tenha pelos oficiais de justiça e de diligências, não está nas minhas funções notificar quem quer que seja, muito menos o Sr. Ministro da Justiça!
Como é sabido, o Sr. Ministro da Justiça tem vindo amiúdes vezes à Assembleia da República, nomeadamente à 1.ª Comissão, e se for convidado pelo Sr. Presidente ou pelos Srs. Deputados, com certeza prestará os esclarecimentos, como faz sempre, quer em sede de Comissão quer em Plenário. Mas, como é óbvio, não vou notificar o Sr. Ministro da Justiça, porque não me compete fazê-lo.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Certidão negativa!
O Orador: - Queria insistir naquilo que disse, há pouco, sobre as opções do Governo, nomeadamente quando prepara o seu programa de actividades ou de actuação. De facto, pareceu-me um bocado tardio o discurso do Sr. Deputado Alberto Costa, sobretudo porque a, intervenção de hoje devia ter sido feita há quatro MIOS atrás, aquando do debate do Programa do Governo. Nessa altura, estava bem firmado, na área da justiça, que se ia rever o Código Penal, mas não estava pressuposta ou prevista qualquer revisão do Código de Processo Penal, se bem que se refira legislação complementar avulsa.
De facto, prevê-se a alteração do Código Penal, do Código de Processo Civil, da parte comercial, alimentar etc., mas não do Código de Processo Penal. Houve, portanto, uma opção do Governo, no sentido de não haver uma reforma de fundo do Código de Processo Penal.
Todavia, essa opção não significa que não tenham sido feitos estudos - e foram-no - no Ministério da Justiça durante estes anos. Aliás, posso dizer-lhe que, se estivermos em Outubro, como esperamos estar, nas mesmas circunstâncias políticas, temos praticamente preparado um processo do enquête rapide, a nível de aceleração e de simplificação do processo penal.
Agora, não nos pareceu bem - e esta é uma questão de prioridade por opção política do Governo- estar a acelerar esses trabalhos na fase final da legislatura para, à trouxe-mouxe, sem o mínimo de ponderação e de debate com os diversos operadores judiciários, apresentar à Assembleia da República, em fim de festa, esses diplomas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Em fim de festa do PSD!
O Orador: - Se me permite, Sr. Deputado" faço aqui um paralelo com o que aconteceu, por exemplo, com a reforma do processo civil, essa, sim, prevista no Programa do Governo, onde se está a trabalhar há mais de dois anos - tem havido encontros com a Ordem dos Advogados e com os magistrados, por esse País fora. É assim que pensamos que deve ser feita a reforma de um grande código. É que não estamos a alterar um mero decreto-lei avulso mas, sim, um Código recente e, portanto, julgo que tem de haver um diálogo e um consenso alargados.
A propósito de consensos, o Sr. Deputado referiu que o Sr. Ministro da Justiça entregou à Assembleia uns papéis, há uns meses atrás, mas que não sabia bem o que constava deles. Ora, o que o Sr. Ministro da Justiça entregou, e o Sr. Deputado sabe isso perfeitamente, foi uma proposta concreta para resolver o problema dos adiamentos de julgamento, alterando uns quantos normativos! Em contraponto, o que é que fez o Partido Socialista? Apresentou algo de ridículo, desculpe que lhe diga,, ou seja, um projecto de lei em que comina com falsas declarações, desobediências, o atestado médico falso ou que não corresponde à verdade! Sr. Deputado, isso seria matar, eliminar ou tentar superar uma grandíssima infecção com uma aspirina! Aliás, como sabem, o diploma em causa mereceu alguma crítica jocosa, até da parte de instituições honoráveis que merecem a nossa respeitabilidade.
Portanto, Sr. Deputado, apresentámos não uns papéis mas um compromisso político, com a consciência de que estávamos a apresentar um compromisso político face aos constrangimentos constitucionais que temos.
O Partido Socialista não respondeu e apresentou um diploma avulso que não responde, minimamente, às necessidade do constrangimento, do bloqueio que a fase de audiência, discussão e julgamento tem no nosso Código de Processo Penal.
Portanto, julgo que da parte do Governo houve, até aos últimos momentos, a intenção clara de superar essa dificuldade. Não houve resposta, o que lamentamos. Assim, ficará para o início da próxima legislatura, porque, tal como disse, os trabalhos estão bastante adiantados para que, nessa altura, possamos começar a resolver os bloqueios que existem no Código de Processo Penal, não só nas notificações mas, eventualmente, nos recursos, na audiência de discussão e julgamento, na revelia e na contumácia, porque, embora os trabalhos estejam adiantados não estão em condições de serem presentes a esta Assembleia, até porque, tal como também disse inicialmente, não está no nosso programa cumprir esse desiderato.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado fez, pela segunda vez, uma alusão leviana e incorrecta a um projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, referindo a matéria de atestados médicos. Como V. Ex.ª disse que mencionou outros aspectos constantes desse diploma, pergunto-lhe se o estudou ou se a ele se refere apenas pelo que leu nos jornais.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, é óbvio que não profiro nesta Casa, nem em nenhum outro local, afirmações levianas ou com ligeireza. Como é evidente, analisei o projecto do diploma e não retiro uma palavra ao que disse.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Estamos numa fase da nossa vida política em que todos os pretextos são bons para fazer pré-campanha. Daí que, hoje, tenhamos assistido nesta Assembleia a uma discussão em que praticamente as únicas intervenções que se fixaram na proposta de lei agendada para discussão no Plenário fossem as do Sr. Secretário de Estado e a do meu colega de bancada, Deputado Costa Andrade. De resto, deambulou-se por questões várias da justiça, por acusações constantes na área da justiça ao Governo e à maioria, sem que os
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grupos parlamentares se debruçassem sobre esta proposta em concreto. Obviamente, isto desvirtou e desfocou todo este debate. Esta estratégia obedeceu a uma determinada intenção, mas não há dúvida nenhuma de que tal intenção é integralmente desvirtuadora do debate parlamentar, tendo por base textos concretos.
Na intervenção do Sr. Secretário de Estado ficou claro que o que está em causa é uma alteração pontual ao Código de Processo Penal, mas é óbvio - e o Sr. Deputado Narana Coissoró observou há pouco que há situações previstas nalgumas alterações do Código Penal que acontecem muito raramente - que não se pode legislar na perspectiva de tais situações serem muitas ou serem poucas. O que tem de se legislar é que há uma lei substantiva que é alterada e precisa de alterações adjectivas da lei processual para poder funcionar e ser aplicada com rigor, venham ou não essas normas contemplar um maior número de casos. Assim, esse argumento não tem qualquer sentido.
rs. Deputados, tenho pena que já não esteja aqui presente o Sr. Deputado José Magalhães, que fez uma referência louvatória, mas venenosamente louvatória, na medida em que se referiu à 1.ª Comissão e ao seu Presidente em termos de uma nova actuação do ponto de vista da abertura à audição de várias entidades no âmbito dos diplomas, particularmente da área da justiça, que temos para apreciar.
Quero dizer que não é a circunstância de a 1.ª Comissão ser presidida por um Deputado da maioria que minimamente retira a abertura para ouvirmos toda a gente, todas as entidades, como sempre temos feito, sobre estes diplomas. Não me choca absolutamente nada a multiplicidade de opiniões que recolhemos das entidades ligadas à justiça, desde o Conselho Superior da Magistratura à Ordem dos Advogados, às associações sindicais e fazermos chegar ao Governo os elementos que nos chegam, muitas vezes de discordância com estas matérias, que muitas vezes são alteradas em função desse debate. É esta a essência do nosso trabalho e é nessa linha que - e não é novidade -, tanto eu como a Comissão, nos temos comportado nesta matéria.
Estamos perfeitamente conscientes de que, em termos de justiça, há muito para fazer, há muitas falhas e de que a legislação processual penal tem de ser revista em muitos dos seus aspectos. A questão que se coloca é a de que se o Governo tivesse mandado agora, nesta fase, um projecto de revisão do Código de Processo Penal, teríamos aqui hoje um coro de críticas por essa actuação a dizer: "Agora, no fim da legislatura, à pressa, o Governo quer impor o seu Código de Processo Penal? Isto é perfeitamente inadmissível, etc."
Este era o coro que teríamos ouvido hoje, aqui, dos Deputados da oposição sobre esta matéria.
Mas há algo que queria registar e que está implícita na atitude que a oposição tomou neste particular.
Primeira questão: parece que a oposição está preocupada, porque reconhece a este Governo particular capacidade para rever os grandes códigos e lamenta que este também não tenha sido feito.
Segunda questão: nesta posição do PS está implícito que, ao contrário do que tem vindo a fazer crer, este partido não está nada convencido da sua próxima vitória eleitoral, porque, se estivesse, vinha aqui felicitar-se pelo facto de o Governo não ter apresentado uma reforma global do Código de Processo Penal, para ser ele, PS, a fazê-lo. Esta confirmação e este pesar aqui adiantado é efectivamente um reconhecimento de que não vai ser governo, de que não está crente de consegui-lo.
Isto só quer dizer uma coisa, Sr. Deputado Alberto Costa: o seu lamento por este Governo não apresentar, ainda nesta legislatura, a revisão do Código de Processo Penal é transitório, porque o novo governo do PSD, uma nova maioria, a partir de Outubro deste ano, vai apresentar, com certeza, a esta Assembleia um projecto de revisão do Código de Processo Penal. Assim, V. Ex.ª vai ter tempo de satisfazer-se com uma boa obra e todos nós vamos reconfortar-nos com essa revisão e com esse melhorar da justiça também nessa área.
Por fim, gostaria de dizer que tenho visto com muita satisfação os Srs. Deputados da oposição recorrerem, com muita frequência, ao estudo sobre a justiça em Portugal, efectuado pelo Professor Boaventura Sousa Santos e a sua equipa. Porém, não tenho visto - e isto tem de ser dito - qualquer dos Srs. Deputados da oposição fazer o elogio merecido ao Governo e, designadamente, ao Sr. Ministro da Justiça, por ter tido a coragem de encomendar este estudo, antes nunca elaborado em Portugal, e tê-lo feito a uma equipa cuja isenção, imparcialidade e qualidade é indiscutível. Ora, só quem tem um sentido superior de Estado e de democracia faz isto.
Aplausos do PSD
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate relativo à proposta de lei n.º 127/VI - Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Penal. Este diploma, que será votado amanhã, na generalidade, está já acompanhado de um requerimento subscrito por Deputados de várias bancadas, para que desça à Comissão e aí seja votado na especialidade.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas, tendo como ordem do dia a interpelação n.º 24/VI - Debate sobre política geral centrado no estado dos direitos laborais, sociais e económicos dos trabalhadores (PCP). No final do debate, efectuar-se-ão, por aquiescência do partido interpelante, votações.
Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
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Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Oliveira Costa.
José Leite Machado.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel de Lima Amorim.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de
Sousa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ra vara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel António dos Santos.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
Maria Odete dos Santos.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Carlos Alberto Pinto.
Domingos Duarte Lima.
Joaquim Manuel Barros de Sousa.
José Guilherme Reis Leite.
Manuel Antero da Cunha Pinto
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Partido Socialista (PS):
António Alves Martinho.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo
Fernando Alberto Pereira de Sousa
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Deputado independente:
Raul Fernandes de Morais e Castro.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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Depósito legal n.º 8818/85
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