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Quarta-feira, 7 de Junho de 1995 I Série - Número
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JUNHO DE 1995
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRIO
Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta dela n.º 134/VI - Altera o Código do IRS Após o Sr Deputado Alberto Araújo (PSD} ter feito a síntese do relatório da Comissão de Ecónomo, Finanças e Plano, intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Matias), os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Rui Rio (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Foi igualmente discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 135/VI - Autoriza o Governo a alterar o Código do Procedimento Administrativo.
Usaram da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa (Isabel Corte-Real), os Srs Deputados Luís Sá (PCP), José Magalhães (PS), Margarida Silva Pereira (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP) e Guilherme Silva (PSD).
Por fim, foi também discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 581/VI - Lei de Defesa do Consumidor (PS), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados José Vera Jardim (PS), Macário Correia (PSD), José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP) e Manuel Queiró (CDS-PP).
Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 20 minutos
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto- Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.
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Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Mana de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta das reuniões das comissões que terão lugar durante o dia de hoje.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, hoje irão reunir durante a manhã a Subcomissão Permanente da Comunicação Social e à tarde as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, de Educação, Ciência e Cultura, de Agricultura e Mar e a Subcomissão Permanente de Indústria e Energia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período da ordem do dia de hoje tem duas partes.
A primeira, que se realizará da parte da manhã, consiste no debate das propostas de lei n.º 134/VI - Altera o Código do IRS - e 135/VI - Autoriza o Governo a alterar o Código de Procedimento Administrativo e a segunda, durante a tarde, em que procederemos à discussão de outros diplomas.
Vamos, pois, dar início ao debate da proposta de lei n.º 134/VI.
Para fazer a apresentação da síntese do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Araújo, que para o efeito dispõe de cinco minutos.
O Sr. Alberto Araújo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A presente proposta de lei visa a defesa dos interesses do Estado na percepção justa dos impostos correspondentes aos ganhos cambiais.
Neste sentido, procede-se à clarificação da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRS, que expressamente qualifica como rendimentos de capitais «os juros e outras formas de remuneração derivadas de depósitos à ordem ou a prazo», em nome da certeza e da segurança jurídicas.
O Sr: Presidente: - Para uma intervenção, na qualidade de autor do diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que, para o efeito, dispõe também de cinco minutos, podendo, depois, usar o tempo atribuído ao Governo.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos fiscais (Vasco Matias): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Também serei breve a fazer a apresentação desta proposta de lei que hoje está aqui em discussão.
Uma das preocupações essenciais do Governo, e também da administração fiscal, consiste em manter & mesmo ampliar a base tributável, condição essencial para; alcançar os objectivos de justiça fiscal e equidade, próprios de um sistema fiscal moderno.
Na realidade, se este enveredar por um estreitamento da sua base tal redundará, a curto prazo, numa inevitabilidade do aumento das taxas como forma de obter a mesma receita. Ora, é isso que este Governo tem evitado mediante a adopção de medidas legislativas que permitam o alargamento da base tributável, sobretudo em áreas ou em relação a sectores com uma maior propensão para fenómenos chamados de arbitragem fiscal.
Por outro lado, as práticas dos agentes económicos implicam uma permanente atenção da parte da Administração e também do Governo em ordem a detectar comportamentos que se não coadunam com a lei ou que pretendam beneficiar de pretensas omissões no quadro legislativo, das quais querem extrair benefícios, de todo em todo injustificados e distorções de uma sã concorrência.
É assim que se justifica a apresentação da presente medida legislativa, basicamente uma proposta de lei interpretativa do artigo 6.º do Código do IRS.
E porquê? Porque nos demos conta de que umas quantas instituições financeiras, adulterando os conceitos básicos do Código do IRS, pretendiam vantagens acrescidas para si ou para os seus clientes, com práticas violadoras de uma sã concorrência, na medida em que se predispuseram a interpretar a lei de uma forma totalmente arbitrária, gerando desigualdades entre aqueles - a maioria - que quiseram continuar a cumprir a lei e os que, ostensivamente, a tornearam.
Em que consiste tal prática? A mesma, basicamente, reside em chamar «ganhos cambiais» a verdadeiras remunerações de aplicações de capitais em depósitos a prazo.
Na verdade, nas situações detectadas verificou-se que as referidas instituições financeiras contrataram com os seus clientes uma remuneração fixa, em que uma parcela mínima da referida remuneração é considerada devida a título de juro, sujeita a imposto, e a outra - de longe a mais significativa - a título de ganho cambial e, nesta medida, isenta de IRS.
Simplesmente, há que não esquecer que os ganhos cambiais, por natureza, não são pré-determináveis, pelo que facilmente se constata que a prática em apreço não mais era do que uma forma pretensamente hábil de tornear a lei.
Na verdade, é de realçar que o legislador fiscal não excluiu da previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRS outras formas de remuneração derivadas de depósitos à ordem ou a prazo em instituições financeiras, considerando-as, inequivocamente, rendimentos de capitais.
Assim sendo, não deixam nem nunca deixaram de constituir remuneração do capital depositado as importâncias asseguradas ao depositante no termo do contrato e que acresçam ao valor do capital depositado.
Nem se diga que a natureza de remuneração é modificada pelo facto de as partes convencionarem denominar de uma outra qualquer forma os rendimentos derivados de um depósito, recorrendo até a conceitos de significado muito preciso quando utilizados no contexto económico correcto.
É o que acontece quando, para tentar modificar a natureza remuneratória do depósito, as partes denominam por «ganhos cambiais» uma remuneração pré-fixada a título de diferença entre uma taxa ajustada para a revenda da moeda e a taxa praticada na compra da mesma moeda, moeda que, para o efeito, permanece depositada e indisponível para o depositante.
A denominação «ganho ou perda cambial», correntemente utilizada, serve para designar os ganhos ou as perdas que se obtêm com a compra e venda de moeda,
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no âmbito das operações cambiais. Só que a expressão «ganho ou perda cambial» deve ser estritamente reservada e preservada para aquelas situações em que o adquirente ou o alienante da moeda suportam, directa ou indirectamente, o risco das diferenças derivadas das flutuações cambiais, continuando a usufruir da disponibilidade dessa mesma moeda.
Não é o que acontece, de todo, quando se está perante uma situação em que, cumulativamente, o alienante da moeda não pode exercer livremente o direito de gozo sobre a mesma porque a tem depositada (quem exerce o direito de gozo é o depositário) e garante, contratualmente, um valor de alienação superior àquele por que efectuou a compra, não estando, assim, a correr qualquer risco de natureza cambial, pelo que o ganho derivado da operação não pode nem nunca poderia ter sido qualificado, quanto à sua verdadeira natureza, como «ganho cambial».
Por ser assim, e porque esse ganho é derivado de um depósito, constitui mera forma de remuneração do capital, devendo, por conseguinte, estar sujeito ao mesmo regime fiscal que o juro enquanto modalidade típica de remuneração de depósitos.
É com este objectivo de clarificação, em nome da certeza e da segurança jurídicas que se pretende fazer o enquadramento fiscal das referidas operações, visando-se, ao mesmo tempo, por um lado, a moralização do mercado no sentido de não serem adoptadas práticas que distorcem a concorrência e, por outro, a defesa dos interesses do Estado quanto à justa percepção dos impostos correspondentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei clarifica, assim, o sentido e alcance do conceito de «remuneração» constante da alínea b) do n.º l do artigo 6.º do Código do IRS e, consequentemente, a assumpção do artigo 2.º da mesma proposta de lei atribui natureza interpretativa ao novo n.º 4 do mesmo artigo do Código que ora está pendente de aprovação.
Aliás, a inovação da previsão da alínea p) constante do texto da proposta de lei insere-se no mesmo sentido de clarificação e a bem da certeza e segurança jurídicas, de modo a que os ganhos derivados de venda de moeda depositada em depósitos à ordem ou a prazo integrem o conceito de remuneração de um depósito.
Como medida preventiva, porém, entendeu-se por bem tipificar a operação e o respectivo ganho.
De referir que nestas operações o depositante efectua um depósito em moeda estrangeira e, nesse momento, ou em momento posterior, contrata com o depositário ou com qualquer outro adquirente a venda dessa moeda mediante uma taxa de câmbio pré-fixada.
Assim, estão reunidas as duas condições cumulativas já referidas para a qualificação do ganho como um rendimento de capitais e não como um ganho cambial, ou seja, o depositante não tem a disponibilidade da moeda depositada e, ao contratar uma taxa de câmbio para a venda dessa moeda, está a garantir um determinado resultado.
Com a presente proposta de lei pretende-se pôr cobro a toda e qualquer ambiguidade interpretativa que venha a ser feita, fixando-se expressamente o verdadeiro sentido e alcance do preceito em questão, contribuindo, como atrás se disse, para uma maior justiça tributária e reforçando, assim, a equidade no sistema fiscal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O presente diploma visa, como já foi aqui dito, corresponder a uma dificuldade sentida na aplicação do Código do IRS relativamente às instituições de crédito.
Com efeito, verifica-se existir uma interpretação abusiva e fraudulenta, que se traduz não só numa prática de concorrência desleal mas, de modo ainda mais grave, numa prática seriamente lesiva do interesse dos contribuintes e do Estado.
Trata-se de remunerar aplicações de capital a taxas globalmente elevadas, que resultam da subtil conjugação de uma taxa de juro reduzida para um depósito a prazo, que vai ser objecto de tributação, com um rédito adicional resultante de uma suposta diferença respeitante a valores cambiais. Como? Através de uma compra formal pelo cliente de moeda estrangeira de acordo com um contrato extremamente atraente, segundo o qual aquele promete revender à mesma instituição, num prazo definido, as divisas a uma taxa de câmbio irrevogável, mais favorável do que aquela que foi utilizada na operação de compra, gerando-se, assim, rendimentos não tributáveis segundo uma interpretação aparentemente literal do Código em vigor. Interpretação aparentemente literal essa que não considera como «forma de remuneração» o rendimento resultante deste subterfúgio.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Código do IRS, no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), já consagra, porém, a exigência de tributação do ganho referido, até porque o contrato, ao fixar uma taxa de câmbio irrevogável, está a impor-se ao mercado, o que denuncia de imediato a verdadeira intenção de fraude. Como foi aqui dito, não se trata de ir ao encontro de um determinado risco mas já há uma fixação prévia de um valor. Afinal, não podem deixar de estar mesmo sujeitos a tributação «os juros e outras formas de remuneração derivadas de depósitos à ordem ou a prazo».
A fértil imaginação fraudulenta encontrou ainda uma outra fórmula para defraudar o fisco através de uma operação triangular - com compra de moeda estrangeira à instituição A, depósito na instituição B e contrato de venda com a instituição C a uma taxa de câmbio superior à que foi praticada na compra inicial.
Manda, porém, a verdade que se diga que neste como noutros domínios o Código do IRS continua a favorecer práticas de fraude, o que obriga não só a que se proceda a um rigoroso levantamento de todos os ensinamentos a retirar da experiência mas também a partir dessa avaliação para uma reforma tributária respeitante ao rendimento pessoal, que ponha termo ao facto de serem os trabalhadores por conta de outrém os principais financiadores de um sistema globalmente regressivo e injusto.
Não basta proceder-se a alterações pontuais do Código, motivadas pelas dificuldades avulsas detectadas: urge ir mais adiante para que a justiça fiscal não seja uma quimera.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Dir-se-á, porém, que os rendimentos sobre os capitais são difíceis de apurar com rigor e de englobar, por regra, no cálculo total do rendimento. Daí ter-se adoptado o método das taxas liberatórias, que apenas não foi declarado inconstitucional ab initio por desconformidade com o artigo 107.º da Constituição, uma vez que
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se veio a consagrar o englobamento voluntário. É. verdade ainda que a livre circulação de capitais e a inexistência de harmonização fiscal comunitária na tributação sobre o rendimento dificulta quaisquer mádidas moralizadoras ou de agravamento das taxas médias nos rendimentos da categoria E.
Todavia, existindo o problema, há que avançar ha sua resolução. Acresce que não têm sido acolhidas as propostas, designadamente as do PS, que visam de modo coerente adequar os abatimentos às necessidades das famílias e dos contribuintes, designadamente quanto às despesas com a educação, ou tornar perfeito o quociente conjugal em nome da igualdade e da equidade. Está em causa, por exemplo, a aplicação do artigo 67.º, n.º 2, alínea e) da Constituição, que sistematicamente tem sido esquecido pelo Governo no domínio tributário. São exemplos que têm de ser postos sobre a mesa, sob pena de estarmos a passar ao lado do que é fundamental.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - Há muito que insistimos nestes pontos e a aplicação da legislação em vigor só nos tem vindo a dar razão. Lembremo-nos, por exemplo, da injusta ligação entre os elementos constantes da declaração do IIRS com a aplicação da legislação sobre propinas e bolsas de estudo no ensino superior. É fácil encontrarmos aí exemplos gritantes de iniquidade, que só servem para demonstrar que a tributação sobre o rendimento tem de ser objecto de alterações a um tempo rigorosas e orientadas para a justiça fiscal e para a eficiência.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!
O Orador: - Numa palavra, e devo reafirmá-lo neste momento já que a iniciativa legislativa do Governo que hoje nos ocupa não é controversa, merecendo a nossa concordância, o IRS exige uma reforma urgente. Temo-lo dito em vários momentos, com especial ênfase, designadamente!, por ocasião da discussão das leis do Orçamento, mas temo-nos defrontado com uma nítida insensibilidade por parte do Ministério das Finanças. Pensamos, assim, que, superando o método das medidas pontuais ou urgentes - coroo esta - há que ir mais além, o que exigirá, neste momento, como dissemos, um estudo rigoroso sobre os bloqueamentos, sobre a ineficiência e sobre as gritantes injustiças;
O Sr. Rui Carp (PSD): - Depois, querem aumentar a carga fiscal em 6 %!
O Orador: - O Sr. Deputado Rui Carp, em aparte, está a invocar uma menor coerência do nosso pensamento neste domínio, mas não tem razão. E não tem razão porque o que eu estou a propor, de uma forma clara, é o levantamento rigoroso do modo como tem sido, e está a ser, neste momento, aplicado o Código do IRS.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A terminar, e regressando ao tema fundamental da nossa ordem do dia, permitam-me que interrogue sobre a invocação do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil que se faz no preâmbulo - a invocação de legislação como interpretativa. Trata-se de considerar a presente lei como interpretativa? Salvo melhor opinião, a técnica legislativa que se usa não
permite, em rigor, considerar este diploma como interpretativo para efeitos do citado preceito do Código Civil. Todavia, e como fica claro do que acima se disse, é nosso entendimento que as práticas que se visam abranger de forma explícita já devem agora, e desde o início da vigência da actual lei, ser consideradas como dando lugar a tributação e, portanto, todas as práticas detectadas traduzem-se em fraude. Para efeitos de interpretação jurídica não deverá, pois, ser invocada a alteração normativa que aqui se faz para, a contrario, se sustentar que não havia fraude nas práticas acima descritas.
O decreto da Assembleia que vamos aprovar e a lei em que se irá transformar visam, pois. explicitar, com objectivos da segurança jurídica e de clarificação junto dos seus destinatários, o que hoje é já a boa doutrina. Afirmo, para efeitos de registo, a fim de, quando este debate for invocado, ficar bem claro que as minhas dúvidas sobre se se aplica neste caso o artigo 13.º do Código Civil - aliás, não invocado no articulado - não prejudica o entendimento de que o Código do IRS já hoje se aplica aos ganhos obtidos em resultado de «contratos de venda de moeda depositada numa conta de depósito à ordem ou a prazo em instituições de crédito». Afora estas considerações jurídicas, que julgo de pertinência neste momento, permita-se-me ainda que invoque, Sr. Presidente e Srs. Secretários de Estado, e que insista no meu ponto: é tempo de fazer um balanço quanto às injustiças e incapacidades do actual sistema de tributação sobre o rendimento para retirar consequências e introduzir mais justiça no sistema.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados Sobre a proposta de lei n.º 134/VI, depois de ouvir o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e o Sr Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, não fica muito mais para dizer, pese embora o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins ter perdido agora algum tempo com matérias que não dizem directamente respeito ao que está em causa e ter terminado de uma forma agradável quanto à bancada do PSD, porquanto diz ser tempo de se fazer o balanço da reforma fiscal.
Tem razão. Por isso é que o Sr. Ministro das Finanças já nomeou, há uns meses, uma comissão para o desenvolvimento da reforma fiscal, presidida por uma pessoa insuspeita nesta matéria, o Dr. Silva Lopes.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Nesta e noutras matérias!
O Orador: - Logo, nesta medida, estamos de acordo. Penso que ainda este ano, talvez no mês de Outubro, teremos um trabalho nos termos do que o PS reclama e que o Governo já há algum tempo vem a verificar ser necessário.
Quanto à proposta de lei em apreço não há muito mais a dizer; não quero repetir aquilo que já foi dito pelos dois oradores anteriores. Trata-se de tentar pôr cobro a um expediente que, classificando autênticas remunerações de capital de uma forma distinta entre juro e ganho cambial, tenta assim fugir à tributação em IRS, porquanto o ganho efectivo que essas aplicações têm permitido tem uma taxa
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de juro real muito superior àquela que é aplicada e é depois tributada em termos de IRS.
Portanto, trata-se de clarificar a lei no sentido de atingir três objectivos, que, obviamente, colhem o apoio da bancada do PSD: a moralização fiscal; o não permitir uma concorrência desleal e, acima de tudo, o alargamento da base tributável, que é a única via para não se aumentar a carga fiscal e, bem pelo contrário, se possa baixar.
Com estes objectivos é óbvio que o PSD dá o seu acordo e vai votar favoravelmente esta proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou, muito rapidamente, dizer duas coisas.
Como é sabido, há muito o PCP defende a necessidade de rever o actual sistema de tributação do rendimento em sede de IRS no sentido de o tornar menos penalizador para o rendimento do trabalho e de garantir uma efectiva progressividade.
Nestes termos, temos feito periodicamente várias propostas, designadamente em sede de Orçamento do Estado, que configuram a ideia, a tese, que acabo de referir.
Por outro lado, somos ainda da opinião que é altura de se fazer um balanço do que tem sido a aplicação da nova reforma fiscal, designadamente em sede de IRS.
Dito isto, queremos também afirmar que a proposta de lei que hoje nos é presente pelo Governo, sendo uma alteração pontual, afigura-se-nos dever ser aprovada por esta Assembleia, por duas razões: a primeira está expressa no próprio preâmbulo da proposta de lei e no seu articulado. De facto, é necessário tributar ganhos que são ganhos indevidos ou que são formas de, através da aplicação de moeda em contratos de transferência de outras moedas em matéria de câmbio, se ganharem certas mais valias com um instrumento que as fazem fugir à tributação em IRS.
Nesse sentido pensamos; de facto, que o ganho resultante dos contratos de venda de moedas depositadas em contas noutras moedas, através dos quais se obtêm ganhos deste tipo, deve ser tributado, a fim de contribuirmos para alguma moralização fiscal de que muito está carente o nosso sistema fiscal, nomeadamente o actual sistema de tributação em IRS.
Por isso, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, sem prejuízo do que começámos por afirmar, a necessidade de uma alteração global da nossa tributação de rendimentos em sede de IRS, no sentido de a tornar socialmente mais justa e efectivamente progressiva, entendemos que esta proposta de lei pontual deve ser aprovada, pelo que iremos dar o nosso voto favorável.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra apenas para dizer que sobre esta proposta de lei, tratando-se de uma medida pontual de justiça fiscal, e depois de os colegas terem escalpelizado a sua razão de ser, nada mais há a dizer a não ser que, da nossa parte, merece também a aprovação.
Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, declaro encerrado o debate da proposta de lei n.º 134/VI - Altera o Código do IRS, cuja votação irá ocorrer, no período regimental para o efeito, na reunião plenária da próxima quinta-feira.
Vamos agora dar início à apreciação da proposta de lei n.º 135/VI - Autoriza o Governo a alterar o Código do Procedimento Administrativo.
Para uma intervenção, como autor, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa.
A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa (Isabel Corte-Real): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 23 de Maio de 1991, foi aprovada a Lei n.º 32/91, de 20 de Julho, neste Parlamento, autorizando o Governo a legislar sobre o procedimento administrativo e a actividade da Administração Pública. Tal autorização legislativa deu origem ao Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, que aprovou o Código do Procedimento Administrativo (CPA). Dava-se assim cumprimento ao preceito constitucional que determina que o processamento da actividade administrativa seja objecto de lei especial, que assegure a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes disserem respeito.
Os cinco objectivos fundamentais do Código eram e são fundamentalmente os seguintes: disciplinar a organização e funcionamento da Administração Pública, procurando racionalizar a actividade dos serviços; regular a formação da vontade da Administração; assegurar a informação dos interessados e a participação nas decisões que lhes dizem respeito; salvaguardar a transparência da acção administrativa e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos; evitar a burocratização e aproximar os serviços públicos das populações.
A aprovação do Código foi um marco fundamental no que à modernização administrativa e às relações da Administração com os cidadãos diz respeito. Contou, na sua elaboração, com o apoio de uma excepcional equipa de administrativistas sob a coordenação do Professor Freitas do Amaral. O seu texto gerou largo consenso, desde logo no que respeita à autorização legislativa, aprovada por uma larga maioria, sem votos contra.
Também foi recebido com aplauso pela Administração, pelos meios académicos e pela sociedade em geral.
As hesitações que tinham tido anteriormente lugar durante décadas até à aprovação do Código e os numerosos estudos desenvolvidos até à data tinham até então conferido àquele texto as características de projecto adiado e alguns receavam que o impacte do novo Código significasse uma paralisia administrativa, face a texto tão inovador, ou uma reacção de rejeição generalizada.
Sabia-se, e sabe-se, que o CPA não é somente um marco no que à evolução legislativa respeita. A sua aplicação exigia e exige uma mudança de cultura administrativa, traduzida em novos comportamentos, práticas e valores.
Não foi, porém, uma reacção negativa o que ocorreu na Administração. O Código foi, em geral, bem aceite e não tendo havido lugar a rejeição, mas apenas, nalguns casos, a lentidão na assimilação de novos procedimentos.
Aos receios que se antecipavam procurámos responder com uma acção sistemática, organizada. O CPA foi objecto de uma campanha de informação e esclarecimento sem precedentes na Administração. Foram elaborados e divulgados milhares de desdobráveis e várias edições do Código. Somente por iniciativa do Secretariado para a
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Modernização Administrativa imprimiram-se largos milhares de exemplares do Código, em duas edições, incluindo estas elementos de suporte ao seu melhor entendimento e aplicação. No meio académico, suscitou o CPA grande interesse, como o comprova o elevado número de edições anotadas que ajudaram também à sua divulgação e entendimento.
Internacionalmente, tem o Código sido objecto de maior atenção e a sua publicação em inglês pela Procuradoria-Geral da República, com base em tradução encomendada pelo Secretariado para a Modernização Administrativa, tem facilitado a partilha da informação com outros países.
Igualmente no domínio da formação foram muito significativos os esforços feitos. Numa fase inicial, organizaram-se grandes seminários, que contaram com a intervenção da equipa que apoiou o Governo na elaboração do Código. Estes seminários destinaram-se essencialmente a dirigentes de topo para sensibilização às grandes inovações do CPA. Mais tarde, foi-se apertando a «malha» da formação profissional, passando-se a englobar outros grupos alvo, quadros superiores, juristas, chefias intermédias e funcionários administrativos. Em 1993 e 1994 realizaram-se mais de 300 acções em sala, abrangendo mais de 7000 formandos, em número superior a 500 000 horas/formando. No ano corrente, a formação prossegue ao mesmo ritmo.
Está em fase de teste uma aplicação informática do CPA, concebida na óptica do utilizador-funcionário, ainda que sem formação jurídica, quer como instrumento de autoformação, quer como suporte à sua aplicação. Permitirá também esclarecer de forma rápida os cidadãos, designadamente nos serviços de atendimento.
Acreditámos sempre que o esforço coerente C sistemático que desenvolvemos para divulgação do Código produziria os seus efeitos e diminuiria resistências; sempre de prever quando as mudanças introduzidas são profundas e não superficiais. A cautela que a aprovação de uma medida de fundo desta natureza aconselhava levou, porém, a que o decreto-lei que aprovou o Código determinasse no seu artigo 3.º que o diploma deveria ser revisto no prazo de três anos a contar da data da sua entrada em vigor. Tendo esta ocorrido em 16 de Maio de 1992, o Conselho de Ministros, em 11 de Maio do corrente ano, aprovou a proposta de lei de autorização legislativa hoje em apreciação no Filamento.
Sabemos que a apresentação da presente autorização legislativa significa, no momento actual, uma sobrecarga para os Srs. Deputados, já na fase final da presente legislatura, mas desejamos que compreendam que é com o objectivo de cumprir um calendário apertado que o fazemos, já que a revisão do Código no prazo previsto, traduz, pelo nosso lado, o empenho na sua revitalização, adequando as soluções do Código à experiência de aplicação entretanto colhida.
A presente proposta de lei de autorização legislativa, preparada com o apoio da comissão especializada que elaborou o Código de 1991, condensa as respostas que se julgam mais adequadas às diversas questões suscitadas durante estes três anos de aplicação e permite, assim o julga o Governo, aperfeiçoar significativamente o Código à luz da reflexão teórica e da experiência prática, respeitando as grandes orientações a que obedeceu o texto de 1991, que se revelaram adequadas.
A fundamentação da proposta de lei e a detalhada descrição das disposições que se pretendem alterar permitem, segundo creio, compreender com rigor o objecto, extensão e sentido das alterações propostas.
Permitam-me, contudo, que destaque os seguintes aspectos: a proposta de lei em apreciação não trata de alterar significativamente o Código mas, essencialmente, aprofundar soluções com sentido evolutivo e de continuidade; embora intencionalmente não exaustivo, o elenco legal dos princípios gerais da acção administrativa revelou-se, no entanto, insuficiente.
Assim, propõe-se a consagração expressa do princípio da boa fé, indispensável, na nossa perspectiva, ao enraizamento da confiança nas relações entre os cidadãos e a Administração.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Divulgámos o Código, em todas as suas edições, folhetos e cartazes, sob o lema «Relação confiante Administração Pública e cidadão», fazendo da «confiança» uma palavra-chave para a acção de modernização administrativa e desburocratização.
Pensámos, pois, ser da maior oportunidade explicitar o princípio da boa fé, o qual, sendo obviamente implícito, não encontrava clara expressão no Código. É para uma nova cultura da relação confiante Administração/cidadão que o fazemos.
Reforçam-se garantias, quando, por exemplo, se prevê regular a fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto. Dá-se um papel mais significativo à figura da reclamação, também aí forçando uma mudança cultural, que o Código pretende introduzir, no sentido de uma administração que deve evolutivamente construir soluções harmoniosas e evitar o conflito.
Aproveita-se a oportunidade para clarificar disposições cuja interpretação tem sido questionada, sanando dúvidas que geram incerteza. Adapta-se, finalmente, o Código à evolução legislativa mais recente, visando que o seu texto continue a ser um instrumento útil, integrador e claro, susceptível de ser aplicado e interpretado facilmente, não só pelo corpo de juristas da Administração mas também por todos aqueles que dele se socorrem no dia-a-dia, sejam especialistas de outras matérias, sejam quadros intermédios e administrativos.
Finalmente, uma palavra sobre a forma como sempre encarámos o CPA. Na nossa perspectiva, foi um importante instrumento para a modernização administrativa, está a sê-lo e vai continuar a dar um contributo significativo para a mudança. Temos baseado a acção de modernização administrativa numa meta e ideia-chave: uma administração dos cidadãos e para os cidadãos. Esta ideia, claramente expressa no Programa do Governo, tem sido orientadora de toda a nossa acção.
Foi inicialmente inspiradora de um conjunto vasto de medidas dê receptividade para o cidadão, melhorando a informação, o atendimento, a cortesia, a desburocratização, a auscultação dos cidadãos e agentes económicos.
Mas em determinado momento quisemos que, para além das múltiplas medidas legislativas, instruções, divulgação de princípios e ideias e acções de formação profissional, se constituísse um sólido suporte legislativo que enquadrasse as relações da Administração com o cidadão. Tal suporte foi alcançado pela aprovação do CPA sobre o qual tem sido reconhecido o papel nuclear que desempenha em termos de eficiência e arrumação jurídica da actuação administrativa e na realização «mais certa, pacífica e harmoniosa das decisões administrativas». Porque sempre encarámos o Código como instrumento de mudança, é importante que a sua revitalização e aperfeiçoamento te-
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nham lugar ainda na presente legislatura, cumprindo o objectivo da revisão a que nos propusemos.
Estou, pois, convicta que o passo que se der, com a aprovação da presente autorização legislativa, é e vai ser um muito significativo contributo no processo evolutivo de modernização administrativa que estamos a construir.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Sá e José Magalhães. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa, ninguém duvida, creio eu, do esforço pessoal de V. Ex.ª Infelizmente, por vezes, o marketing é melhor do que os resultados, como acontece com o que ainda agora foi referido: relação confiante cidadão/Administração.
V. Ex.ª descreveu, e bem, a importância do Código do Procedimento Administrativo. Por alguma razão, a Constituição e, antes desta, a Lei de Meios, desde 1962, falava de um código do procedimento administrativo e só é de lamentar que tenhamos vivido tantos anos numa situação de inconstitucionalidade por omissão.
Porém, o simples facto de V. Ex.ª falar deste problema bem como da sua importância torna ainda mais relevante a questão que vou colocar: perante uma revisão tão importante de um Código tão importante, o que é que leva o Governo a apresentar apenas este conjunto de folhas e a não ter a cortesia de enviar sequer à Assembleia da República o projecto de decreto-lei que pretende aprovar?
Pergunto: porquê agora, porquê assim? Por que razão, estando no poder há tanto tempo, pretende o Governo, no final da legislatura, de sopetão e - tem de dizer-se - sem respeitar devidamente o papel que a Assembleia da República não pode deixar de ter no sistema político, rever simultaneamente o Código do Procedimento Administrativo, o Código do Processo Civil, o Código do Processo Penal, a lei dos loteamentos urbanos, a lei dos tribunais administrativos e fiscais?
Vozes do PSD: - Não!... Não é verdade!
O Orador: - Quanto mais V. Ex.ª exaltava a importância do Código do Procedimento Administrativo mais indesculpável se tornava o comportamento do Governo nesta matéria para com a Assembleia, perante os grupos parlamentares e a própria bancada da maioria, que não pode aceitar este comportamento,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Aceita! Aceita tudo!
O Orador: - ... sob pena de levar a sua subalternidade, o seu apagamento até ao limite do completo absurdo.
De resto, na sua intervenção, V Ex.ª referiu de novo, e já constava do texto da proposta de lei, um estudo técnico sobre a aplicação do Código na Administração Pública, o qual é extremamente importante. Onde se encontra esse estudo, Sr.ª Secretária de Estado? Aproveito para pedir o seu envio ao Grupo Parlamentar do PCP que, se não ocorreu antes deste debate, como era devido, que o seja, ao menos, depois.
A Assembleia não pode ser tratada desta forma seja por que governo for! Não o pode ser!
Sr.ª Secretária de Estado, pergunto-lhe igualmente que entidades foram ouvidas em todo este processo de revisão de um Código tão importante? O Governo ouviu a Associação Nacional de Municípios Portugueses? Qual foi o seu parecer? Ouviu a Associação Nacional de Freguesias? Qual foi a sua opinião? Ouviu a comunidade científica? Onde estão as respectivas opiniões? Recordo-me, por exemplo, de que a equipa que elaborou o Código do Procedimento Administrativo de 1991, designadamente o Professor Freitas do Amaral, fez uma série de críticas por, em determinadas matérias, o Governo não ter adoptado, as soluções propostas.
Neste momento, o que se passa, exactamente, sobre este assunto?
Por outro lado, terei oportunidade de referir ulteriormente que muito do dito e proposto é extremamente vago, para além de desrespeitar o papel que a Assembleia da República deve ter.
Pedia-se mais rigor, da parte do Governo, e, sobretudo, mais respeito por este órgão de soberania, que deveria ser o centro da vida democrática do País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa, gostava de fazer uma proposta política e institucional.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Olá!...
O Orador: - Uma proposta decente,...
Vozes do PSD: - Ah!...
O Orador: - ... como teria de ser inevitavelmente, dadas as entidades e as instituições envolvidas, no sentido de que V. Ex.ª compareça perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e possamos debater nessa sede, com os estudos que V. Ex.ª invocou e que, de resto, vêm rastreadas no preâmbulo da proposta de lei, as questões sérias aí suscitadas.
Apesar de tudo, tem havido por parte da Assembleia um acompanhamento desta matéria, ainda que insuficiente: a Assembleia aprovou, por unanimidade, há poucas semanas, um projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS que visa a instituição, com carácter obrigatório, de um relatório anual sobre o estado da Administração Interna. Esse relatório tem como grande objectivo o de conglobar indicadores de performance e outros elementos estatísticos existentes nesta área que estão hoje difusos; seria extraordinariamente importante que esse trabalho tivesse sequência, fosse preparado e que V. Ex.ª pudesse transmitir-nos, com o enquadramento apropriado, do ponto de vista institucional, os estudos preparatórios.
Para nós, nesta matéria, é condição preliminar para o início de uma conversa, que nenhum membro do Governo venha ao Plenário da Assembleia da República aludir a estudos preparatórios da revisão de uma lei da Assembleia da República não trazendo esses estudos. Por outro lado, V. Ex.ª reconhecerá que também não é institucionalmente correcto trazer-nos uma exposição geral sobre os vários tipos de revisão (já irei ao pormenor das opções que V. Ex.ª propõe) e não se fazer acompanhar do articulado que pretende fazer aprovar em Conselho de Ministros.
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Desde logo, não há qualquer razão para usar uma autorização legislativa como esta nesta fase do trabalho parlamentar, no fim da legislatura e da sessão legislativa. Teríamos possibilidade, Sr.ª Secretária de Estado - e esta é a segunda proposta que deixo -, de aprovar, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, uma lei material que introduza as alterações de eficácia necessárias ao Código do Procedimento Administrativo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esta bancada apoiou a existência de um Código do Procedimento Administrativo, que não chegou cedo à vida administrativa portuguesa; é importante que ele se institua como uma realidade normal e que, devido aos problemas de afinamento de um texto que, aliás, foi preparado por alguns dos melhores especialistas portugueses dirigidos pelo Professor Freitas do Amaral o que é bom lembrar aqui -, tenha uma «rotinização» e seja adequadamente discutido na Assembleia da República.
Queremos aprovar as alterações, uma a uma, sabendo porquê e para quê. É isto pedir muito, Sr. Presidente? É isto pedir muito, Sr.ª Secretária de Estado? Não! Deve ser esta a rotina de uma instituição parlamentar num momento em que, ainda por cima, o desafio europeu nos coloca a necessidade de reinventar a Administração Pública, uma Administração que se tornou distante e, nalguns escalões, demasiado independente da vontade do Parlamento nacional.
Esse esforço deve ser feito; não há qualquer razão para que V. Ex.ª não nos traga aqui um articulado material e as boas e más razões que tem para o defender.
Eram estas as questões e são estes, também, os desafios que, institucionalmente, lhe deixamos em nome da bancada!
Aplausos do PS.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, na qualidade de Presidente da 1.º Comissão, informo a Câmara de que o PSD fará chegar à Mesa um requerimento no sentido da baixa deste diploma à Comissão respectiva, antes da votação na especialidade, solicitando a presença da Sr.ª Secretária de Estado para, nessa sede, o debater connosco.
O Sr. João Amaral (PCP): - É uma posição de transparência!
O Sr. Luís Sá (PCP): - De autocrítica!
O Sr. Presidente: - A Mesa toma nota. Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa.
A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa: - Sr. Presidente, Srs. Deputados Luís Sá e José Magalhães, agradecendo os pedidos de esclarecimento colocados, gostava de dizer que, no essencial, o projecto mantém os princípios do anterior Código, o qual também foi objecto de autorização legislativa e aqui apreciado nessa fase.
Aprofundam-se soluções inovando-se nalguns domínios, nomeadamente, no que diz respeito à boa fé, ao princípio da gratuitidade, ao princípio da fundamentação e da reclamação; clarificam-se interpretações que não eram muito claras e, na minha perspectiva, dá-se um novo passo sem alterar as grandes linhas do Código de 1991.
Compreendo a questão colocada relativamente ao não acompanhamento, desde já, do texto com o projecto de diploma. Na verdade, lutámos contra prazos que, com toda a abertura, expus inicialmente na minha intervenção - estamos em cima do prazo experimental e, em simultâneo, no momento de operar a revisão -, quisemos contar com o concurso de uma equipa de especialistas muito solicitada, razão pela qual ainda não está elaborado o projecto de diploma; todavia, procurámos que o pedido de autorização legislativa fosse acompanhado de um grande detalhe...
O Sr. José Magalhães (PS): - Não é muito!
A Oradora: - ... relativamente às disposições que pretendem alterar-se.
Pela minha parte, estou inteiramente disponível para reunir com a Comissão respectiva, como foi aqui solicitado por todos os grupos parlamentares, e discutir, na especialidade, alínea a alínea, a proposta de autorização legislativa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Código do Procedimento Administrativo constituía, desde há muito, uma aspiração de todos aqueles que pretendem uma Administração Pública não autoritária, baseada na participação dos cidadãos, capaz de garantir os seus direitos, de estimular a democracia participativa e a colaboração activa como instrumento da própria realização dos fins de justiça, de igualdade e de imparcialidade.
Cada vez mais, na Administração Pública Portuguesa, a importância da regulação do procedimento administrativo e da sua democraticidade passou a ultrapassar aquela que era classicamente atribuída ao acto administrativo enquanto acto de autoridade da Administração, o qual não assegurava a democraticidade do respectivo procedimento.
Em 1991, ao fim de 16 anos de inconstitucionalidade por omissão e de não ser cumprido o artigo 261.º, n.º 4, da Constituição foi publicado o Código do Procedimento Administrativo. Terá, certamente, defeitos mas não deixou de ser um passo extraordinariamente importante e eu queria recordar que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português optou...
Neste momento, verifica-se burburinho na Sala.
Sr. Presidente, solicito a V. Ex.ª que intervenha de forma a que os Srs. Deputados do PS prestem atenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não posso fazer esse pedido, mas apenas solicitar que guardem silêncio.
O Orador: - De acordo, Sr. Presidente. Dizia eu que, em 1991, tendo sido publicado o Código do Procedimento Administrativo, o Grupo Parlamentar do
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PCP optou por não pedir a sua ratificação; pelo contrário, decidiu, designadamente nas autarquias que administra, empenhar-se no seu cumprimento.
Naturalmente que, como referi, o Código tem defeitos mas também há que reconhecer ter sido um passo extraordinariamente importante, razão pela qual a sua revisão deveria ser participada por todos aqueles que têm de o aplicar.
Entendo que os estudos de avaliação são importantes e que a Assembleia da República deve conhecê-los, como já tive oportunidade de referir, mas releva igualmente que as questões que são agora solicitadas como correspondendo às alterações que o Governo pretende sejam completamente clarificadas.
Há alguns aspectos que consideramos bastante positivos e em relação aos quais a indicação dada desde já, embora insuficiente, é esclarecedora quanto ao que se pretende. Refiro-me, designadamente, a alterações como a possibilidade de requerer a redução a escrito das informações oralmente prestadas, a fundamentação de actos administrativos praticados através de votação secreta, assim como a consagração expressa do princípio da boa fé, relativamente ao qual a doutrina é unânime no sentido de que já fazia parte da ordem jurídica portuguesa, mas não deixa de ser de sublinhar o facto de se pretender incluí-lo agora no Código.
Entretanto, outros aspectos- talvez alguns dos mais importantes - suscitam fundadas dúvidas. Refiro-me, designadamente, ao alargamento por mais três meses do prazo geral de conclusão do procedimento administrativo.
Não tenho qualquer dúvida de que, frequentemente, muitos organismos da Administração Pública, e até autarquias locais, tiveram dificuldades em cumprir aquele prazo, mas também não duvido que, em muitas situações, ele foi altamente estimulador da celeridade da Administração. A dúvida que se me levanta é a de saber se, havendo tantas situações em que há procedimentos administrativos especiais e sendo este um prazo geral, não seria uma via mais adequada a de identificar as situações especiais em que não é possível cumprir o prazo mantendo o actual, isto é, alargando o prazo no que diz respeito a procedimentos administrativos especiais e, simultaneamente, mantendo-o para o procedimento administrativo de carácter geral.
Um outro aspecto que suscita dúvidas é o objectivo de alargar os casos de inexistência de audiência prévia nas situações em que o procedimento se dirige a um muito elevado número de interessados, diz o Governo «por razões de manifesta impraticabilidade». Dado que se sabe que uma das contribuições importantes do Código foi, exactamente, a de garantir a audiência prévia e a participação no procedimento administrativo com carácter generalizado, o problema que se coloca é o de saber se, em vez de reduzir estas situações, não seria melhor, quando há manifesta impraticabilidade, estabelecer o princípio da obrigatoriedade da consulta pública.
Há outras situações em que se refere, por exemplo, que os prazos fixados em matéria de reclamações e recursos administrativos carecem de revisão por forma a garantir a unidade do sistema, mas não se diz que prazos vão ser estes, não se diz o que o Governo verdadeiramente pretende nesta matéria.
Portanto, podemos dizer que, independentemente de algumas indicações no sentido positivo da revisão, o procedimento do Governo neste caso é lamentável, como já ave oportunidade de sublinhar. Assim, isto apontaria para a necessidade de um código de procedimento legislativo democrático que impedisse situações lamentáveis como a que vivemos neste caso concreto que, felizmente, vai ser um pouco limitado pelo facto de a proposta de lei baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. No entanto, este facto não apaga o comportamento defeituoso e lamentável que foi seguido neste caso.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.
A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa bem como os intervenientes neste debate, que produziram pedidos de esclarecimento e mesmo intervenções de fundo, como foi o caso do Sr. Deputado Luís Sá, deixaram claro a que ponto é importante o momento em que a Câmara aprova alterações ao Código do Procedimento Administrativo.
Se é certo que, durante a fase dos pedidos de esclarecimento, deixaram no ar, nesta Câmara, a ideia de uma deslocação do momento político em que estas coisas acontecem, certo é que a própria intervenção do Sr. Deputado Luís Sá foi por demais esclarecedora da importância da concretização deste diploma, do que ele significa quanto à continuação de algo que começou em 1992, ano em que começou uma nova era com a entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo.
Com efeito, o Código do Procedimento Administrativo culmina um trabalho longo, prometido durante 3 anos, desde 1962, por sucessivos governos, e que, finalmente, bem recebido e bem discutido pelos vários sectores interessados, veio conseguir uma maior aproximação dos cidadãos ao conhecimento dos seus direitos face à Administração e, por outro lado, também um apuramento das responsabilidades da própria Administração perante o cidadão que é seu utente.
No momento em que isto acontece, «arrumando-se a casa» provisoriamente no que respeita ao Código do Procedimento Administrativo, não posso deixar de recordar, Sr.ª Secretária de Estado, aquele dia já longínquo, de Março de 1987 - salvo erro, o dia 20 de Março de 1987 -, cerca de 15 dias...
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Eram VV. Ex.ªs muito novas! Apenas umas raparigas!
A Oradora: - ... cerca de 15 dias antes de um acontecimento importante ter cortado cerce uma experiência que se iniciara, também nesta Casa, com a investidura do primeiro Governo minoritário do Professor Cavaco Silva.
Como dizia, não posso esquecer esse dia já longínquo, de Março de 1987, em que a Sr.ª Secretária de Estado, então Directora do Secretariado para a Modernização Administrativa, concedia a sua primeira conferência de imprensa, dando conta dos resultados ainda provisórios do trabalho efectuado pelo serviço que superintendia. São de bom agoiro, Sr.ª Secretária de Estado, os momentos em que V. Ex.ª faz balanço da sua obra: pouco tempo depois, como é sabido, o eleitorado dava ao nosso partido uma maioria absoluta!
O balanço que, hoje, aqui apresenta é o de algo que foi inovador na política da Administração em Portugal. De facto, o Secretariado para a Modernização Administrativa, definido na altura, por V. Ex.ª e pelo próprio Programa do Governo, como uma estrutura leve, flexível, dotada do
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menor número possível de meios humanos e materiais, substituía-se a estruturas pesadas, burocráticas, anquilosadas, semânticas, ao serviço do ideário de governo anteriores que, afinal de contas, não tinham logrado constituir sequer, no tempo da democracia, a modernização da Administração no nosso país.
Aliás, como V. Ex.ª já referiu, com o Secretariado para a Modernização Administrativa era um novo ciclo que, de facto, começava e cujos resultados são hoje bem visíveis. Na verdade, hoje, o utente é melhor atendido na maior parte dos serviços; hoje, o utente viu reforçados) os seus direitos, designadamente com a aprovação deste (Código e, espera-se, com a sua consolidação através das alterações que vão ser-lhe introduzidas, segregadas peja mesma douta doutrina que produziu a versão inicial; hoje, o utente está mais informado, como afirmou, graças da publicação de guias, de brochuras, mas também graças ao que o cidadão comum conhece por INFOCID, um programa de informação ao cidadão; hoje, os cidadãos comunicam mais facilmente com os serviços, através de linhas telefónicas, exclusiva e adequadamente produzidas para esse efeito; hoje, os cidadãos têm um acesso mais dilatado a certos organismos que passaram a estar abertos à hora do almoço - pode parecer espantoso referir este pormenor nesta Casa, mas a verdade é que foi na vigência a destes últimos Governos que assim passou a acontecer; hoje, o cidadão é ouvido com mais regularidade pela Administração - é de sublinhar que, destinado aos próprios agentes económicos, foi criado um órgão para o diálogo entre as empresas e a Administração; hoje, o cidadão sabe que os funcionários da Administração se guiam por um código deontológico e podem, a todo o momento, requerer ou a sua execução ou fazer valer o seu não cumprimento quando tal se verifique pontualmente. Ou seja, paulatinamente, instaurou-se em Portugal uma nova era. As pessoas estão em vias de se apropriarem dos serviços que sempre deveriam ter sido seus porque, em última analiso, de facto, é o cidadão que os paga e esse princípio tem. sido escrupulosamente atendido.
Sr.ª Secretária de Estado, Srs. Deputados: Não queremos dizer que tudo está bem. Na nossa Administração Pública há sectores modernos e outros que o mão são, há áreas mais desburocratizadas e áreas em que o anquilo-samento dos serviços continua a existir. Isto iam conduzido, com a ajuda perniciosa de alguma oposição, a uma desvalorização injusta do que é o trabalho da modernização administrativa.
Sabemos que o que se passa em Portugal hão é único no mundo e sabemos também que a modernização administrativa é sempre uma área a que se imputa má consciência por tudo aquilo que é um trabalho de administração e de governo. Sabemos que, em qualquer país da União Europeia à qual pertencemos a Administração acaba por ser o bode expiatório, através das cada vez mais pequenas coisas que nela correm mal, da própria cultura de oposição e do que pretende imputar-se a dada Governo.
Mas, sendo tempo de «arrumar a casa» relativamente a esta matéria, fica-nos a tranquilidade, por um. lado, para o Membro do Governo que tutela a área mas também para a maioria parlamentar que o apoia, de reconhecer que a filosofia que se imprimiu ao caminho que já desbravámos é a que compete imprimir ao caminho que ainda está por desbravar. Acima de tudo, teremos por inaceitável que, a par de um sector privado que se quer ágil, e competitivo, coexista outro ainda pesado e burocratizado. Ë por isso que a Administração Pública vai continuar a competir para bem do serviço público, vai continuar a rever os seus métodos de funcionamento, os seus sistemas de organização e, sobretudo, os seus princípios de legitimação e deverá, seguramente, adaptar-se aos valores sociais dominantes.
Muito recentemente, era traduzida para português a obra conhecida de Al Gore - e não vou citá-lo directamente porque, além do mais, seria desnecessário fazê-lo nesta Casa, após as amplas discussões que se têm produzido sobre a matéria. No entanto, sempre digo que Al Gore refere dois autores cujo pensamento é absolutamente lapidar nesta matéria como, por exemplo, a obra Prosperar no Caos, em que Tom Peters diz que «as estruturas ultrapassadas tudo farão para que as boas intenções sejam aniquiladas».
Tem-se desenvolvido um esforço estrénuo para que, entre nós, esta profecia não redunde em fatalidade. Esperamos que a oposição, uma vez ouvida a Sr.ª Secretária de Estado em sede de Comissão e analisado o texto das alterações ao Código do Procedimento Administrativo, com mais apuro ...
O Sr. Alberto Costa (PS): - Com mais apuro?!
A Oradora: - Sim, com mais apuro do que aquele que, obviamente, nos é permitido numa sessão plenária, em que o objectivo nem sequer é esse, como o Sr. Deputado muito bem sabe!
Como dizia, esperamos que, nessa altura, tenhamos, de facto, a possibilidade de não deixar cumprir aquela profecia, ainda que vozes difusas, que não interesses, certamente, segundo a linguagem do Código, façam criar a suspeita nesta Sala de que, por aí, alguém, que não, certamente, em representação do povo propriamente dito, não gostaria que as coisas acontecessem assim.
O Sr. José Magalhães (PS): - Vozes difusas não chegam ao céu!
A Oradora: - Esperemos que o Sr. Deputado exare as conclusões dessa expressão «vozes difusas não chegam ao céu» na proposta que apresentar relativamente ao articulado do Código que se refere a essa matéria!
O Sr. José Magalhães (PS): - Quando ele chegar!
A Oradora: - Como dizia, sabemos também que apenas continuando por este caminho poderá a modernização administrativa desenvolver-se em Portugal. Ou seja, sabemos que, apenas através de um trabalho que envolve actuação diária e riscos, é possível continuar a aperfeiçoar a obra que iniciámos.
Da nossa parte, Sr.ª Secretária de Estado, terá o Governo toda a garantia de que, sem complexos, aprovamos, neste momento, independentemente de ser no princípio, no meio, ou no fim da legislatura, a legislação que nos é apresentada porque a mesma nos é apresentada a bem dos utentes e porque é a bem destes que a mesma entrará em vigor.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para uma intervenção.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.ª Secreta-
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ria de Estado: Não é este um radioso dia, similar àquele que a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira aqui evocou, dia ao qual se seguiu aquela «noite» em que vivemos e que vai acabar no mês de Outubro, esperamos nós.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vai ver que se engana!
O Orador: - Este debate poderia ser um bom momento para fazermos uma avaliação do estado da Administração Pública. Não o será, porque não é precedido do conjunto de instrumentos de análise e informação que seriam necessários para instruir esse tipo de debate, nem V. Ex.ª se propôs aqui fazê-lo. O relatório «Renovar a Administração», que é um interessante exercício, em grande parte remetido para a reflexão intelectual, depositado seguidamente na gaveta, não chegou sequer a ser apresentado à Assembleia da República e não foi objecto de qualquer debate quanto à sequência legislativa nem de certificação em relação aos dados que revelava. E esses são dados relevantes e importantes sobre o estado da Administração.
A verdade é que uma vez feito ingressou numa espécie de ataúde - não sei se de glória relativa burocrática, se de esquecimento! -, não foi actualizado, como deveria ter sido, nem seguido da criação de um observatório permanente que permitisse, por exemplo, que a Administração Pública portuguesa respondesse, sem gaguejar, a perguntas do tipo: quantos licenciados em Antropologia existem na Administração Pública e onde é que estão, se é que há? Qual é o nível de habilitação das carreiras de tipo A, B, C e E já não pergunto qual é o nível de habilitação dos membros de gabinetes que agora são colocados em departamentos da Administração Pública, directa e indirecta!
Protestos do PSD.
Não pergunto a habilitação desses, porque seguramente serão sumamente habilitados para todos os destinos, com mandato suspenso até Outubro, quand même, como convém!
Mas em relação à Administração Pública regular, aquela que em sede de alternância fica quando os membros do Governo ingressam no «panteão» da sua glória privada, V. Ex.ª não pode comparecer perante o Parlamento e dizer mais do que diz o inquérito realizado em 1988, a não ser que, entretanto, tenha aparecido qualquer outro inquérito, de que não tenho conhecimento, sobre habilitações.
A mesma coisa pode ser dita quanto ao número, isto é: quantos somos nós, os funcionários públicos? - também o sou, numa outra qualidade, que não no «chapéu» que aqui uso! Quantos somos? Seremos 750 000, 633 000, 555 000? Não se sabe! E ainda há a função pública oculta, ainda há a função pública clandestina, ainda há a função pública atarefada, por ser tarefeira! E ainda outra: a que faz o seu trabalho a troco de recibos verdes e outras invenções de engenharia jurídico-financeira fiscal.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso é na Câmara de Cascais!
O Orador: - Portanto, Sr.ª Secretária de Estado, infelizmente, não foi para esse debate que V. Ex.ª aqui nos convocou.
Com grande prazer, assisti à distribuição, no início da semana, de um relatório que a OCDE produziu sobre o estado da Administração Pública. Devíamos poder apreciar aqui esse relatório, mas não o faremos nesta sede. Aliás, ele foi incensado na imprensa como dizendo o que não diz sobre a Administração Pública portuguesa e como trazendo uma visão gloriosa, e quase diria de litania, sobre o estado da Administração, o que, como V. Ex.ª sabe melhor do que ninguém, também não é verdade. O relatório surge como uma tentativa bastante rigorosa e equilibrada mas, na minha leitura pessoal, permito-me sublinhá-lo, lírica e não rigorosa na parte que diz respeito à situação da função pública, dos funcionários públicos e da dignificação da carreira pública. Porém, nem sequer isso aqui temos!
O que é que temos? Uma proposta de autorização legislativa que não define o seu sentido básico e uma Secretária de Estado que não pode responder pelo Governo, naturalmente. Por isso, não posso pedir-lhe mais do que cabe nas suas responsabilidades. Não posso, por exemplo, acusá-la da proposta do Dr. Laborinho Lúcio, excepto em matéria de reforma dos tribunais administrativos e ficais e excepto na medida em que V. Ex.ª é membro do mesmo Governo. Nesse sentido, deve ser fustigada - entenda-se bem a palavra - com o mesmo rigor político com que o Ministro em causa é fustigado, quando não foge para a China «profunda», como agora é método.
Protestos do PSD.
Dizia, pois, Sr.ª Secretária de Estado, que não pode ser responsabilizada por isso, mas a verdade é que existe uma descoordenação completa.
Vejamos: ontem, o Sr. Ministro Dias Loureiro veio aqui dizer que há polícias que cheguem e o relatório que V. Ex.ª distribuiu ao Conselho Económico e Social e aos parceiros sociais aponta um número de membros da PSP que se situa em cerca de 41 000 elementos; mas, segundo o Sr. Ministro da Administração Interna, esse número é acrescido de mais 2000! A verdade é que ninguém sabe quantos há, mas os cidadãos sabem que não chegam, pura e simplesmente.
V. Ex.ª não pode, de facto, ser responsabilizada pelo que foi dito, ontem à noite, pelo Sr. Ministro Dias Loureiro. Mas que é um dislate, é-o!
Também não há articulação de reformas. A Lei do Processo Administrativo é crucial para enfrentar o bloqueio dos tribunais (TAF), mas a lei capaz de criar um tribunal administrativo central não aparece! O Sr. Ministro Laborinho Lúcio já se esqueceu dessa lei e, por isso, não a inclui no tal «superpacote» de fim de legislatura, com que pretende construir um «panteão» legislativo em que se possa deitar, depois de sair do Governo!... Mas a verdade é que isso faz falta e não nos é trazido aqui por V. Ex.ª.
E o que é trazido? Uma proposta de autorização legislativa. E sobre ela, Sr.ª Secretária de Estado, gostaria de dizer que precisamos dos textos.
A iniciativa de consagrar o princípio da boa fé explicitamente tem todo o nosso aplauso.
A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Os tribunais já o faziam.
Vozes do PSD: - Ah!
O Orador: - Haverá um consenso radioso na Câmara e, seguramente, a Administração Pública portuguesa não acordará miraculosamente transformada por isso! Já nem
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falo do aplauso aos quiosques multimedia: haja quiosques multimedia, Sr.ª Secretária de Estado! Faça enquanto pôde! Aliás, ponha-os na Internet, pois isso não merece qualquer objecção da nossa parte. Agora, não nos proponha aquilo que vem escrito, pelo menos, em duas alíneas desta autorização, adivinhando o que ela possa querer dizer.
Beneficiando da sua presença aqui, gostaria de, deixar no ar esta pergunta, que no fundo lhe é dirigida: o que é que se quer dizer quando se propõe estabelecer! «a regra de que a impugnação administrativa das medidas provisórias não deve ter efeito suspensivo, sob pena de se frustrar a eficácia da decisão final que se procura garantir com o decretamento da medida provisória»?
A possibilidade de reacção contra medidas provisórias é um importante elemento e o regresso ao privilégio da execução prévia não é desejado nem pelos elementos mais lúcidos da sua bancada. Não está cá o mais conhecedor nessa matéria, que é, sem dúvida, o Sr. Deputado Rui Machete, que tem forcejado contra o privilégio de execução prévia, mas muitos dos presentes darão testemunho do mesmo ódio ao regresso ao privilégio de execução prévia. Quem pretende e o que pretende com esta redacção que V. Ex.ª aqui veiculou? Não sei! Não gostaria de levantar falsos testemunhos, mas isto não nos satisfaz nem nos acalma.
Um segundo aspecto, ainda mais importante, prende-se com o seguinte: considera o Governo que «importa restringir o acesso à informação administrativa nos casos em que o exercício do direito à informação tenha como consequência a lesão de direitos e interesses juridicamente tutelados (estão neste caso as situações em que os interessados revelam segredo comercial ou industrial à Administração Pública na instrução de procedimentos administrativos, na legítima convicção de que estas informações não serão transmitidas a terceiros que delas possam beneficiar indevidamente).... Com isto, V. Ex.ª pretende que se afeiçoe o Código do Procedimento Administrativo. Não sabemos em que termos, Sr.ª Secretária de Estado!
Mas este foi, sem dúvida, um dos pontos em que o Código do Procedimento Administrativo nasceu geneticamente incompleto, contra a vontade daquele que o tinha arquitectado originariamente. O Código nasceu com um buraco: o da Administração aberta. E o buraco era, na realidade, a Administração secretista que imperava, e impera ainda, sob a batuta de quem sabemos.
Ora, o problema é que, ao nascer assim geneticamente incompleto, o Código esperou o advento de uma lei da Administração aberta. Aqui foi gerada, parturejada, daqui saiu por unanimidade e daqui saiu para a gaveta, onde esperou longos meses pela regulamentação da aspectos cruciais.
Ainda hoje, Sr.ª Secretária de Estado - deixo-lhe isso dirigido à sua consciência crítica e política -, há aspectos da lei da Administração aberta por regulamentar, designadamente quanto a custos burocráticos da impressão e das réplicas de documentos administrativos, além de VV. Ex.ªs não terem reflectido minimamente sobre a abertura que a lei continha para o uso de novos suportes, designadamente de bandas magnéticas, disquetes e outras formas de comunicação moderna que são tão documentos como os de papel clássico ou, seguramente, os papiros, e que não são objecto de tratamento adequado pelo legislador ordinário.
Eis senão quando, no processo de regulamentação da CADA - Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, e por iniciativa do Sr. Deputado Fernando Condesso, que não teve o nosso entusiasmo, bem pelo contrário, foi introduzida uma alteração na lei da Administração aberta que visava salvaguardar uma evidência, ou seja, com a lei da Administração aberta não se quis abolir, de uma penada, nem a lei da propriedade intelectual, nem a legislação sobre segredo comercial e industrial.
Portugal não é, desde Agosto de 1993, um país de «banana intelectual», onde seja possível pilhar livremente as obras completas do Deputado Guilherme d'Oliveira Martins ou os segredos das sociedades do Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto! Esses segredos estão protegidos legalmente, é impossível pilhá-los E muito bem!
Qual foi o alcance da alteração introduzida na lei sobre a Administração aberta? Da leitura que aqui fiz dessa norma, creio que é um alcance relativamente dúbio, pois vem introduzir na reflexão portuguesa o debate que, nos Estados Unidos da América, gravita em torno do Freedom of Information Act em relação, precisamente, a este problema. E a solução que adoptámos, por redacção do Sr. Deputado Fernando Condesso, transporta em si todos os elementos de dúvida que o Freedom of Information Act suscita na jurisprudência e na doutrina norte-americana. Ou seja, o passo que foi dado é mais de vontade do que de clarificação efectiva.
Posto isto, Sr.ª Secretária de Estado, que passo pretende dar agora? De facto, o passo essencial - este passo - foi dado pela Assembleia da República Pergunto: o que pretende meter no Código do Procedimento Administrativo? Pretende copiar a lei da Assembleia da República? Mas a lei da Assembleia legislada está: foi promulgada, referendada, publicada no Diário da República e está a ser aplicada! Quer legislar em sentido mais generoso do que a Assembleia da República? A generosidade nunca é de criticar, mas pode ser mal pensada e infundada se gerar dualidade de regimes em matéria de liberdade, ou seja, mais segredo ou menos segredo conforme se entre na «auto-estrada» de V. Ex.ª ou na «vereda» do Sr. Deputado Fernando Condesso, ou vice-versa.
Sr.ª Secretária de Estado, consideramos que este é um ponto absolutamente capital. A Administração Pública portuguesa está esmagada ao peso do secretismo e está esmagada pela má gestão dos quadros de pessoal, desde logo. E aí V. Ex.ª não manda. Mandam mais os elementos do departamento orçamental do que o SMA, que é uma pequena estrutura de carácter consultivo, cuja função é a de reflexão e de impulsionamento de algumas medidas, uma espécie de «grilo de pinóquio» do Primeiro-Ministro, mas não, seguramente, um pugilista capaz de impor à força aquilo que considera um bom rumo. A verdade é que essa gestão tem conduzido ao pandemónio da Administração Pública.
Esse pandemónio, a instabilidade decorrente da maldita ideia da política dos excedentes e da caça aos funcionários; a instabilidade e a má aplicação dos regimes de carácter pecuniário; as reformas encavalgadas de ministérios, com novas leis orgânicas nos Ministérios da Saúde, da Agricultura, da Segurança Social e da Educação, umas atrás das outras, mal enganchadas e, em alguns casos, não desenvolvidas, com falta de legislação complementar e com suspense na legislação complementar por razões de dinheiro. Não há «massa», não há dinheiro para aplicar as reformas previstas e criar os departamentos respectivos, pura e simplesmente. E, portanto, o Governo recua e coloca em pousio medidas que triunfalmente proclamou e que incharam de orgulho a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira...
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo obriga-nos a entrar «em pousio» na sua intervenção, uma vez que já esgotou o tempo de que dispunha para usar da palavra.
O Orador: - Sr. Presidente, também há pousios virtuosos! E o silêncio vale mais do que 1000 palavras, em certas alturas...
O Sr. Presidente: - Esperemos que o «terreno» descanse para frutificar melhor, a seguir! Queira, por isso, terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Gostaria que o Sr. Presidente me permitisse uma frase final - aliás, até os condenados à morte têm direito a ela...
Risos.
..., que é esta: a Assembleia da República tem o dever de pugnar pela transparência. E a transparência, Srs. Deputados, não pode ficar no molho de bróculos legislativo que o Sr. Deputado Fernando Nogueira aqui impulsionou.
Importa que, em matéria de transparência da Administração Pública, aí onde o acto administrativo nasce no seu relacionamento com a sociedade e onde há risco de ilegalidade, de corrupção, de tráfico de influências, haja mais luz e não mais segredo.
Sr.ª Secretária de Estado, se V. Ex.ª nos traz uma promessa de luz, vê-la-emos em comissão. O segredo, infelizmente, é a realidade de todos os dias. Contra isso, estamos! Contra isso, estaremos! É isso que queremos mudar!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os sete minutos de que disponho são manifestamente curtos para fazer uma intervenção «comicieira», para dizer que tivemos 10 anos gloriosos mas também tivemos erros e, por isso, agora, esses 10 anos vão ser todos contabilizados, para dizer que a Administração, realmente, mudou e a sua face já é outra, ou seja, quando entramos numa repartição pública já não reconhecemos o País antigo, está tudo completamente diferente, todos têm flores na lapela, cada um traz uma etiqueta com o nome, recebem-nos com abraços e beijos e quando não nos dão bombons dão-nos outras coisas doces...
Em todo o caso, haverá tempo para falar de todas as grandes regalias e reformas que estes 10 anos nos trouxeram, porque também é preciso fazer o chamado passivo da modernização administrativa.
Agora, para que a apreciação da autorização legislativa caiba dentro dos seis minutos que me restam, vou analisar, em alguns pontos, as alíneas do artigo 2.º da proposta de lei n.º 135/VI.
Quanto à alínea a), desconhece-se qual o sentido da alteração, mas a verdade é que, sobretudo em matéria de contagem de prazos, a Administração Pública anda, de tal maneira, de candeias às avessas, que não é raro dois serviços regionais do mesmo ministério contarem os prazos de duas formas diferentes. Por exemplo, a Administração Regional de Saúde de Évora conta o prazo para justificação de faltas por doença, previsto no artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 497/88, nos termos do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo, precisamente com fundamento no n.º 6 do artigo 2.º, enquanto a Administração Regional de Saúde de Lisboa conta este prazo em dias seguidos.
Tratando-se do prazo para entrega de atestados médicos para justificação de faltas por doença, sob pena de, mostrando-se excedido, se injustificarem todas as faltas desde o primeiro dia da doença, já se pode ver a importância que terá o esclarecimento da aplicação do Código do Procedimento Administrativo. É que existe uma corrente que entende que, por interpretação a contrario senso, a entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo veio sobrepôr-se á todos os procedimentos especiais que, face ao Código, se mostrassem menos abonatórios para os particulares. Daí a importância desta alínea a) e da matéria que tem de ser revista.
No que diz respeito à alínea b), trata-se de um aspecto de extrema importância, na medida em que vem bulir com o dever legal de decidir e a consequente formação do acto tácito de indeferimento.
A Administração, em princípio, tem o dever de se pronunciar sobre todas as pretensões que lhe sejam dirigidas, a não ser quando, como neste caso, tenha praticado um acto administrativo há menos de dois anos sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular, com os mesmos fundamentos.
O sentido da autorização legislativa deveria ir, neste ponto, mais longe, prevendo uma regra geral que dissesse quando é que se pode entender que a nova pretensão tem os mesmos fundamentos que a anterior, ou, no mínimo, incluindo uma alínea que contemplasse esta matéria no artigo 83.º. Neste domínio, fica-se, portanto, aquém daquilo que é, realmente, exigido.
Em relação à alínea c), pensamos que a alteração deve ser no sentido de o particular poder provar a insuficiência económica por qualquer meio idóneo, tal como acontece no âmbito do apoio judiciário.
Por outro lado, entendemos que no n.º 1 do artigo 11.º devem ser ressalvadas não só as leis especiais mas também os regulamentos.
Quanto à alínea d), o valor vinculativo dos princípios gerais de Direito Administrativo, enunciados no início do Código, revela-se apenas casuisticamente, isto é, a sua importância reflecte-se nos valores ético-jurídicos a ter em conta no momento da aplicação da norma, sendo verdadeiras linhas de rumo que o intérprete deve relevar quando aplica a norma jurídica.
Daí que, dentro destes parâmetros, não seja demais um princípio que se refira expressamente à conduta de boa fé pela qual a Administração deve, em cada momento, pautar a sua conduta.
Em relação à alínea e), a ressalva de aplicabilidade de lei especial deve ser um problema resolvido pelo esclarecimento das relações entre o Código do Procedimento Administrativo e os procedimentos especiais.
No que se refere à alínea f), ressalvamos apenas normas próprias de lei especial, como é, por exemplo, o caso do artigo 80.º, n.º 1, da Lei das Autarquias Locais.
Quanto à alínea h), tanto quanto me parece, o único prazo com duração superior a seis meses é o prazo do recurso contencioso do Ministério Público, cuja contagem se rege por disposições que não as deste Código. De qualquer modo, a consagração da possibilidade de prorrogação do prazo de conclusão do procedimento administrativo, sobretudo quando tem a finalidade de assegurar a audição prévia dos interessados, é de aplaudir.
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Relativamente à alínea f), o direito à informação, como se alcança pelo artigo 61.º, n.º 1, é um direito subjectivo, pelo que a recusa de informação é uma afectação negativa desse direito. O que é preciso igualmente sublinhar é que esta recusa deve ser fundamentada e notificada ao requerente, no mesmo prazo em que a informarão lhe deveria ser prestada, ou seja, em 10 dias.
Quanto à alínea O, coloca-se o problema dos «actos de massas» - «massas», no sentido de pessoas -, nos quais o cumprimento da formalidade de audiência prévia dos interessados pode comprometer o efeito útil da decisão. Parece-nos que esta matéria já se encontra acautelada através da norma do artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), mas, no entanto, não é demais prever uma norma com D sentido que a alteração pretende e, por isso, a aplaudimos.
Em relação à alínea m), entendemos como elementos essenciais os requisitos de validade do acto relativos aos sujeitos - autor e destinatário - à forma e formalidades do acto. Todos estes requisitos se encontram previstos no artigo 122.º, quanto à forma, e no artigo 123.º, pelo que não entendemos qual será o sentido da alteração.
Relativamente à alínea n), não existe nenhuma vantagem em acrescentar o Código com conceitos indeterminados, como este dos «interesses públicos fundamentais». Tanto quanto nos podemos aperceber, o sentido da alteração vai ser o de afastar o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 151.º, n.º 2, quando estejam em causa os tais «interesses públicos fundamentais».
Outra questão é a de saber quem vai definir, em cada caso, quais são os interesses públicos fundamentais em questão e, em caso de colisão de interesses públicos fundamentais, quem vai decidir qual dos interesses colidentes deve prevalecer.
Quanto à alínea p), o Governo, depois de ter recusado liminarmente a proposta que lhe foi feita, nesta matéria, pela comissão que elaborou a terceira versão do Código do Procedimento Administrativo, deu finalmente o braço a torcer, embora não totalmente.
Com efeito, a Comissão tinha proposto que a interposição de reclamação suspendesse os prazos, quer de recurso hierárquico, quer de recurso contencioso, mas o Governo não deu ouvidos a essa proposta.
Três anos volvidos sobre a entrada em vigor do Código, o Governo reconhece que, afinal, a reclamação de actos de que caiba recurso hierárquico necessário ou recurso tutelar necessário suspende os prazos de interposição do recurso, o que representa verdadeiramente um progresso, para quem inicialmente o negou.
Pode ser que, daqui a três anos, o Governo venha a reconhecer que a reclamação de um acto contenciosamente recorrível deve suspender o prazo do recurso respectivo ou pode ser que tal aconteça com a anunciada revisão da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, a qual não será, certamente, da autoria deste Governo mas do que surgir das novas eleições, onde também o PP poderá dizer de sua justiça sobre o procedimento administrativo e algumas modificações que ainda são urgentes no âmbito do respectivo Código.
Como a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa nos vai dar o prazer de tratar destas alíneas connosco, mais em pormenor, em sede de comissão, nessa altura teremos mais tempo para dizer tudo quanto se nos oferece sobre essas modificações pontuais de que o Código do Procedimento Administrativo efectivamente carecia, as quais são de aplaudir em alguns pontos e de rejeitar noutros.
Isto foi o que pude fazer, neste curto espaço de tempo, com a benevolência do Sr. Presidente,...
O Sr. Presidente: - Não pequena, Sr. Deputado.
O Orador: - ... a quem agradeço o facto de não me ter interrompido, porque era realmente útil que não o fizesse.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que raramente acontece!
Risos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa.
A Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, agradeço os comentários que foram feitos e reclamo, para mim, o privilégio da boa fé. De facto, é de boa fé que aqui estou, com um pedido de autorização legislativa muito discriminado e com toda a disponibilidade para discutir cada uma das suas alíneas na especialidade, em sede de comissão.
Parece-me que as questões aqui suscitadas, também em matéria de especialidade, merecem, todas elas, uma análise detalhada e como, eventualmente, não teria tempo para me debruçar sobre cada uma delas aqui, no Plenário, procurarei analisá-las, conjuntamente convosco, em sede de comissão parlamentar.
Em todo o caso, gostaria de partilhar, genericamente, com o Plenário dois aspectos que foram aqui referidos.
Em primeiro lugar, suscitou-se a questão de o Código do Procedimento Administrativo colocar em situação difícil quem tem, por um lado, preocupações de celeridade e, por outro, preocupações de cumprimento dos prazos.
Ora, todas as questões relacionadas com os prazos, nomeadamente a sua suspensão, e as matérias relativas à reclamação levariam a um dilatamento do prazo geral do Código, coisa que não desejamos. Daí a solução prevista, ou seja, caso a caso, especificamente, poder ser autorizada uma dilação de três meses.
De qualquer modo, trata-se de uma questão sensível que foi referida em várias intervenções aqui produzidas e, por isso, entendo que deverá merecer uma posição equilibrada.
A segunda questão que quero abordar tem a ver com o problema da Administração aberta, também genericamente aqui suscitado. Lembro apenas que a versão inicial do Código não incluiu algo mais aprofundado sobre a Administração aberta, porque já existia uma iniciativa parlamentar nesse domínio. O respeito pelo Parlamento e pelas iniciativas parlamentares que, então, se registavam levou-nos a omitir essa matéria no Código, apesar de existirem preocupações no sentido de que os textos estejam bem concatenados.
Não vou entrar nos aspectos da modernização administrativa, a não ser na perspectiva de que o Código também é um instrumento de modernização. Já o disse aqui e, de certa forma, volto a dizê-lo.
A visão da Administração para o cidadão e do cidadão é a visão-chave da mudança, da modernização administrativa. Foi com esta visão-chave que procurámos fazer coisas de natureza estrutural e coisas mais pragmáticas,
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mais óbvias, mais do dia-a-dia da vida dos cidadãos. E procurámos fazê-las quer de uma forma descentralizada, sob o ponto de vista da acção administrativa - não nos arrogámos de realizar tudo por todos -, quer numa perspectiva evolutiva e pragmática.
Esta questão da estratégia evolutiva da reforma administrativa é exactamente a que, no relatório que a OCDE e eu própria tivemos oportunidade de dar a conhecer aqui, em Lisboa, há poucos dias, aquela organização considera como algo de pioneiro e inovador na estratégia da reforma administrativa portuguesa, de acordo com o primeiro case study que fez sobre um país. E isto com a legitimidade que tem uma organização independente como a OCDE.
Em todo o caso, gostava de dizer que a circunstância de o trabalho feito ter tido estas características não desonera, quem pensa nessas coisas, de ter uma visão de futuro. E o relatório «Renovar a Administração» é fundamentalmente uma visão de futuro, apesar de já existir trabalho feito, pois há coisas daquele relatório que já estão feitas. Não se trata, pura e simplesmente, de um relatório mas de um relatório que tem tido divulgação e que procura mudanças que sejam duradouras, pela via da persuasão e da conquista da Administração Pública.
Por isso mesmo, entendo que essa visão de futuro também tem significado em termos de acção de modernização administrativa e foi com esse sentido evolutivo, com esse sentido de dar mais um passo, que viemos hoje aqui apresentar este pedido de autorização legislativa.
Para nós, trata-se de mais um passo com sentido de continuidade e, nessa medida, permito-me ler aquilo que disse aqui, há uns anos, aquando da apreciação da autorização legislativa para aprovação do Código e, portanto, em 1991: «Fica-nos, porém, a satisfação de, com muita perseverança e modéstia, sermos capazes de ir construindo e aprovando os instrumentos que o viabilizem (...)» - e referia-me a um parágrafo anterior. «(...) Colocar o Estado ao serviço dos cidadãos é ganhar a confiança destes face às mutações presentes e futuras e é, sem sombra de dúvida, missão difícil e permanentemente inacabada, mas justamente por isso mais estimulante e responsabilizadora.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Temos vindo a dar passos seguros para vencer estes desafios, mas o futuro exige-nos que se faça mais e melhor.
A construção da perfeição e das utopias é, porém, trabalho de deuses que os homens não se devem arrogar, pois está para além da sua dimensão. Cabe, antes, ao poder político e aos homens e mulheres que o exercem uma postura de modéstia e de Estado, dinamizando medidas como a que hoje discutimos, as quais reforçam decididamente os direitos e garantias da pessoa humana».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ouvi as intervenções dos vários grupos parlamentares sobre esta proposta de lei de autorização legislativa e pareceu-me que algo de injusto se encerrou em todas elas. É que, na minha opinião, não se pode ocultar que o Código do Procedimento Administrativo foi o instrumento mais importante da reforma da Administração nos últimos 50 anos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Não se vê! Mas...
O Orador: - Que ninguém tenha dúvidas a este respeito!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não exagere, Sr. Deputado!
O Orador: - É importante ter presente que foi este Governo que fez esse diploma e, no seio do Governo, a sua dinamização coube, em particular, à Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas na Madeira não deixaram!
O Orador: - .. a quem presto a homenagem devida não só por este trabalho mas também pelo trabalho que tem tido no acompanhamento da sua divulgação e execução.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, reparei alguma incomodidade da parte dos vários grupos parlamentares, com um certo desvio das questões essenciais Esta fase da vida parlamentar é complicada, dada a proximidade do acto eleitoral, e se é difícil, em quase todas as circunstâncias, a oposição reconhecer o mérito das coisas boas do Governo, nesta ocasião essa dificuldade é maior Daí que tenha havido da parte dos vários grupos parlamentares alguns desvios das questões essenciais.
O Sr. Deputado Luís Sá falou na omissão constitucional de 16 anos, mas não, em bom rigor, das virtudes e defeitos do diploma e destas alterações.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Estava surdo!
O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães falou de questões noutras áreas da Administração, dizendo mesmo que a Sr.ª Secretária de Estado não é responsável, é o seu colega... E foi por aí adiante o espectáculo que aqui assistimos.
Protestos do PS e do PCP
Em relação ao momento em que este diploma vem à Assembleia da República, não tenho pejo em reconhecer que alguns diplomas deveriam ter vindo há mais tempo...
Vozes do PS: - Ahh...!
O Orador: -... e vêm no termo desta legislatura. Mas VV. Ex.ªs aprendam também a ter esta atitude de reconhecimento das coisas que estão mal.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Está no bom caminho!
O Orador: - Não posso negar que isso possa acontecer aqui, mas não aceito que se faça essa crítica em relação a este diploma.
O Sr. José Magalhães (PS): - Aceita!
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O Orador: - E não aceito por uma simples razão: como VV. Ex.ªs sabem, o decreto-lei que aprovou o Código previa que, no prazo de três anos sobre o início da sua execução, o diploma seria revisto. Logo, o Governo não poderia obviamente apresentar esta proposta de lei antes de decorrerem esses três anos, o que aconteceu há poucos dias. Se o Governo não o fizesse, VV. Ex.ªs estariam a fazer uma outra crítica, isto é a dizer que o decreto-lei de aprovação do Código do Procedimento Administrativo impunha que, passados três anos, fosse revisto e, que o Governo o não tinha feito. E teríamos aqui já não uma omissão constitucional mas uma omissão legislativa, que o Deputado Luís Sá não deixaria de fazer referência na primeira oportunidade.
Ora, o Governo não podia trazer o diploma antes de decorrido o prazo que a lei impunha para a revisão, mas também não podia deixar de, ainda nesta legislatura, trazer aqui estas alterações.
Tendo em conta a abertura que a Sr.º Secretária de Estado já manifestou, vamos debatê-las em sede da comissão e peço-vos que façam um esforço para que, embora num período de campanha já desencadeada, estas questões, que são de Estado e importantes para o nosso futuro colectivo e para o aperfeiçoamento da Administração Pública, sejam vistas na Comissão sem preocupações partidárias, mas com as preocupações de aperfeiçoar, um instrumento tão importante como é o Código do Procedimento Administrativo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, também peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Uma vez que, regimentalmente, o protesto tem precedência, vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, lembrando-lhe que só dispõe de dois minutos.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, protestamos porque o PSD, nesta matéria, percebeu tardiamente que a forma como o Governo se apresentava à Câmara era inapropriada, designadamente por, hão vir acompanhado dos instrumentos que nos expliquem exactamente o sentido das reformas pretendidas, reformas essas necessárias, fruto de um labor alargado que não é do PSD. O PSD comporta-se como se fosse «pai» ida reflexão administrativa portuguesa, e não é! Ela é mais alargada, sempre tivemos o mérito de impulsionar reformas, por exemplo, sobre a Administração aberta, sobre ò, combate à burocracia, numa altura em que o PSD não dedicava a essa matéria nenhum, mas nenhum, interesse, não tinha nenhuma, mas nenhuma, iniciativa.
Protestos do PSD.
Portanto, a alusão feita ao incómodo é a atitude de quem chegou tarde à «batalha» da transparência e agora a considera toda sua, toda dele, toda boa ou «Todo-Bom» e de quem não aceita a realidade que é mais simples, mais complexa, mais modesta e em que nós desempenhamos um papel, que é reconhecidamente útil, propulsionador relevante.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Guilherme Silva, se V. Ex.ª imitasse a tirada simpaticamente utópica terminal, algo poética, que não ofende, da Sr.ª Secretária de Estado e nos garantisse que fazíamos um trabalho sério na Comissão, isso não nos levaria a qualquer protesto. Porém, a arrogância infundada, quando V. Ex.ª está apenas a disfarçar, pois o Governo vai ser obrigado - e ainda bem! - a ir à Comissão discutir, artigo a artigo, a norma e, mais ainda, quando V. Ex.ª se recusa a fazer o que devia fazer, que era exigir que o Governo nos traga uma proposta de lei material, que dê origem a uma lei material que altere o Código - devia ser uma lei material da Assembleia da República -, ou seja, quando V. Ex.ª se apresenta com um traje exíguo, que não cobre sequer tudo o que devia cobrir, não se comporte como se viesse de traje de noite e vestido de lamé, porque não é verdade. Não é verdade! Portanto, não aceitamos e protestamos com a utilização dessa metodologia.
Agora, tem-nos completamente disponíveis para, em sede de Comissão, trabalhar em conjunto, institucionalmente, com a Sr.ª Secretária de Estado, avaliando uma a uma as questões, até porque ela não respondeu à questão essencial sobre a transparência e contra o segredo, que aqui tínhamos deixado equacionada.
Pois bem, queremos essa pergunta respondida e fazemos depender dela o voto favorável ou contra da iniciativa legislativa governamental.
E não nos venha com o sentido de Estado. Para o segredo, não há acordo algum da nossa parte, não daremos o mínimo consenso à Administração de segredo!
Para a Administração aberta, terá o nosso voto, como teve, na lei aprovada por unanimidade e incumprida pelo Governo de V. Ex.ª.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - A Mesa não foi tolerante errante, quando disse que o Sr. Deputado José Magalhães tinha dois minutos. Segundo o Regimento, dispunha de três e não os esgotou.
O Sr. José Magalhães (PS): - Eu sabia Fui eu tolerante. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para fazer o contraprotesto, agora, sim, no tempo de dois minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª não é a pessoa mais indicada para falar de questões de paternidade.
O Sr. Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sou, sou!
O Orador: - Mas nós não renegamos a paternidade deste Código. V. Ex.ª, nesta matéria, comporta-se como um filho ilegítimo!
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é um conceito ultrapassado! Isso nem na Madeira!
O Orador: - Sr. Deputado, não é correcta a sua acusação de que estamos aqui numa corrida tardia a provi-
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denciar para que este diploma baixe à Comissão e para que a Sr.ª Secretária de Estado esteja presente. Quero dizer-lhe que a Comissão tem um requerimento, apresentado pelo PSD, solicitando a vinda da Sr.ª Secretária de Estado à Comissão. Aliás, tem sido o PSD a requerer, nesta última fase dos trabalhos, o debate em comissão dos diplomas que o necessitam. Fizemo-lo em relação ao estatuto do notariado, fizemo-lo em relação ao Código de Processo Penal, e fizemo-lo agora...
O Sr. José Magalhães (PS): - Agora?
O Orador: - Agora, porque é agora que se está a tratar deste diploma. O Regimento tem os seus momentos.
Como a Sr.ª Secretária de Estado referiu há pouco, vamos introduzir no Código do Procedimento Administrativo a consagração expressa do «princípio da boa fé» por parte da Administração. Temos também de pensar, para além das figuras regimentais de que já dispomos e em relação às quais VV. EX.ªs, de forma deturpada, por vezes, recorrem, em criar o «princípio da boa fé parlamentar».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente, cada Deputado tem o direito de gerir o tempo como entende; contudo, não tem o direito de se referir às intervenções dos outros dizendo o contrário do que disseram e esvaziando, inclusive, o seu conteúdo fundamental.
De resto, o Sr. Deputado Guilherme Silva entrou em contradição com o conteúdo da intervenção da Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, que se referiu à minha intervenção como tendo abordado exactamente a questão do Código do Procedimento Administrativo e da sua importância.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Já trazia escrito!
O Orador: - Provavelmente, estava distraído quando eu e a sua colega de bancada usámos da palavra, o que é inteiramente lamentável!
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É o costume!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Estava a pensar no «Jardim»!
O Orador: - Agora, o que o Sr. Deputado não pode escamotear em matéria de paternidade é que as primeiras versões do Código do Procedimento Administrativo foram de 1982 e demorou até 1991 a ser aprovado.
Mais: o presidente da comissão que procedeu à alteração do Código lamentou, por exemplo, que não fizessem parte dele normas sobre a Administração aberta...
A Sr." Margarida Silva Pereira (PSD): - Isso está explicado!
O Orador: - ... que, na opinião da comissão, deveriam lá estar.
Lamentou, igualmente, alterações de redacção «nem sempre para melhor» - e estou a citar o Professor Freitas do Amaral, numa intervenção sobre o Código do Procedimento Administrativo - e, inclusive, que normas sobre o debate público obrigatório dos regulamentos não estivessem plenamente asseguradas.
Portanto, pode dizer-se que a paternidade não é do PSD e, quando o foi, foi para piorar. Esta é uma verdade incontestável!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, a outra questão que importa sublinhar é a seguinte: sem dúvida alguma que a revisão estava prevista no prazo de três anos a contar da data da entrada em vigor do Código, mas nada impedia que, há seis meses, há um ano, tivesse começado a ser fornecido pelo Governo a esta Câmara o estudo que este fez sobre a aplicação do Código.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Nada impedia que tivesse começado a ser ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Nacional de Freguesias, as estruturas representativas dos trabalhadores da função pública, os técnicos e a comunidade científica e que o Governo se apresentasse aqui mais cedo com uma proposta de lei material, após ouvida toda a gente e com a devida ponderação. Três anos para rever não significa chegar aqui com isto nestes termos e desta forma, em que até a bancada do PSD se envergonha, porque senão não teria apresentado um requerimento no sentido de a proposta de lei baixar, sem votação, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Muito bem! Aplausos do PCP, do PS e do CDS-PP.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem! Quem fala assim não é comunista!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, a sua defesa da consideração veio confirmar a crítica que fiz aquando da minha intervenção. Ou seja, V. Ex.ª continua a pôr o acento tónico nas questões laterais e relega para um plano secundário as questões do conteúdo desta alteração.
A sua defesa da consideração foi a confirmação de que foi este o tom que V. Ex.ª emprestou à sua intervenção - manteve-o agora, mantém e repete. E é essa crítica que sou obrigado a manter e a repetir, mesmo que a sua sensibilidade possa julgar que isso atenta contra a sua consideração.
Lamento que V. Ex.ª tenha, em termos parlamentares, essa interpretação porque me parece que é próprio do debate parlamentar a existência de flexibilidade. V. Ex.ª é demasiado sensível! Eu não sabia mas, para a próxima, vou ter o cuidado de tentar, sem prejuízo da minha liberdade de apreciação, «dourar um pouco a pílula» para que V. Ex.a, na sua sensibilidade de «flor de estufa», não ouça nas minhas intervenções qualquer ofensa à sua consideração, que já vi que é super e hiper-sensível!
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que me cumpre dar por encerrado o debate da proposta de lei n.º 135/VI.
Por outro lado, embora tenhamos esgotado a ordem de trabalhos desta manhã, os Srs. Deputados irão, certamente, trabalhar nos seus gabinetes e os Srs. Representantes dos Grupos Parlamentares vão trabalhar comigo, de imediato, em Conferência de Líderes, para a qual peço também ao Sr. Secretário de Estado a sua comparência.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 15 horas e 50 minutos.
A segunda parte da ordem de trabalhos abrange uma marcação do PS e incide sobre o projecto de lei n.º 581/VI - Lei de Defesa do Consumidor.
Para a intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, conhecida pela Lei de Defesa do Consumidor, representou entre nós um marco importante, digamos mesmo histórico, na institucionalização da problemática do consumidor na ordem jurídica portuguesa. Foi aí, pela primeira vez, que foram sistematizadas um corpo articulado de normas con-formadoras de uma política de defesa do consumidor. Foi aí, portanto, que, em Portugal, pela primeira vez, existiu um estatuto jurídico do consumerismo - movimento que, como sabemos, nascido fundamentalmente, não, Estados Unidos da América, na década de 50, veio, paulatina mas rapidamente, a alargar-se à generalidade dos países europeus e também a Portugal.
Só que, volvidos mais de 14 anos sobre a entrada em vigor daquele diploma, a sua desadequação às novas condições económicas em que vivemos é já flagrante.
Na verdade, vivemos, hoje, numa economia aberta, numa economia com uma crescente internacionalização dos mercados, numa economia global. Mas vivemos também numa época em que surgem novas tecnologias da informação, com um crescimento e um desenvolvimento exponencial da publicidade, do marketing, e com o lançamento, a um ritmo sempre crescente, de novos produtos e serviços nos mercados - serviços e produtos esses também eles apoiados em estratégias de venda e de comercialização sempre e cada vez mais importantes, mais bem tratadas, mais sofisticadas.
Efectivamente, hoje, há novos métodos de- venda de produtos e serviços ao domicílio, por catálogo e até em suporte audiovisual e à distância, pelo que urge salvaguardar aquilo que qualquer lei do consumidor deve salvaguardar, que é a decisão livre, esclarecida e ponderada de contratar por parte do consumidor.
Há hoje, portanto, entre nós, já um défice, ao nível dos textos legais, de instrumentos capazes de defender o consumidor perante esta nova organização dos mercados. Aí está também, como todos sabemos, o problema das grandes superfícies, o problema das lojas de conveniência, enfim, toda uma nova rede de comercialização, com novas técnicas que, em muitos casos, se impõem foi o consumidor e impõem também que a lei possa trazer novos contribuas à defesa destes princípios da liberdade de esclarecimento e da decisão de contratar, da decisão de comprar, da decisão de adquirir por parte do consumidor.
Reflexo desta tendência e desta evolução é também o conjunto, já muito importante, do direito comunitário do consumidor, traduzido em variadíssimas iniciativas de grande relevância, algumas delas até objecto de críticas por não terem sido feitas de acordo com princípios de subsidariedade que seriam aqui impostos com clareza. Em muitos casos, o direito comunitário, na ânsia de defender uma standardização de produtos e serviços, impõe-se, às vezes até, convenhamos, com algum ridículo, às normas, aos hábitos, aos usos e costumes da produção e do comércio dos países.
Mas a verdade é que toda esta mudança na vertente do direito do consumo teve também já reflexos na revisão constitucional de 1989, que fez deslocar a matéria dos direitos do consumidor do artigo 110.º. então incluída na parte da organização económica da Constituição, para o artigo 60.º, fazendo assim outorgar aos direitos dos consumidores a dimensão de direitos fundamentais. Aí se determinando, nesse preceito constitucional, que os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.
Este recolocar da disposição constitucional no artigo 60.º não é sem consequências para a temática dos direitos dos consumidores. Eles passaram, então, a estar integrados e defendidos pelo estatuto próprio dos direitos e deveres fundamentais, tratando-se, obviamente, de um direito fundamental, económico, dos consumidores.
Por isso, por julgarmos esta Lei n.º 29/81 - que, como já tive ocasião de referir, representou na altura um passo importante e histórico na institucionalização do direito do consumo em Portugal - desadaptada às novas condições, trazemos hoje aqui o projecto de lei de defesa do consumidor, que altera em muito e, naturalmente, a nosso ver, para melhor, o estatuto jurídico dos consumidores em Portugal. Desde logo, na própria definição do consumidor, hoje, essa definição deve alargar não só aos produtos e serviços que são, normalmente, comercializados pelos sectores comerciais privados, a defesa dos direitos do consumidor mas também - e eu diria até quase sobretudo - aos produtos ou serviços fornecidos a título oneroso pelos organismos da Administração Pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidas maioritariamente pelo Estado ou pelas autarquias locais.
Trata-se de uma importante recolocação do problema dos direitos dos consumidores, que não se afirmam apenas numa concepção demasiado tradicional, clássica e já ultrapassada perante o comércio - comércio tradicional ou comércio moderno - mas que se afirmam, sobretudo, no sector dos produtos e serviços essenciais, e dos produtos e serviços que são fornecidos pelo Estado, pelas autarquias, pelas pessoas colectivas públicas. É, desde logo. esta recolocação algo que julgamos importante no nosso projecto de lei.
Em sede de definição dos direitos do consumidor, seguimos de perto a sistemática do artigo já citado, o artigo 60.º da Constituição, dando no nosso projecto de lei uma especial relevância aos interesses económicos do consumidor, mas também à segurança geral dos produtos e serviços.
Efectivamente, encaramos e sistematizamos o direito à qualidade, eficácia e segurança de produtos e serviços, o direito à formação e educação para o consumo, o direito à protecção da saúde e da segurança face aos consumido-
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rés, o direito à protecção dos interesses económicos dos consumidores.
Pensamos que, com este elenco dos direitos dos consumidores, fizemos uma aproximação importante a tudo o que é o contributo mais moderno da teoria do direito do consumo na Europa, relevando, naturalmente, e no que diz respeito aos interesses económicos dos consumidores, tudo o que diz respeito não só aos contratos sobre produtos e serviços essenciais, como já referi, mas também aos abusos resultantes dos contratos pré-elaborados, dos chamados contratos-tipo ou, ainda, das cláusulas gerais contratuais, e relevando também a especial defesa que merecem os consumidores perante os métodos mais agressivos de vendas, as vendas ao domicílio, as vendas por catálogo, as vendas em cadeia, as vendas em pirâmide, enfim, uma série de novas técnicas de vendas que se impõem hoje no mercado e perante as quais, em muitos casos, o consumidor está ainda desprotegido.
É assim que criamos dois princípios fundamentais em relação a esta matéria: um é o princípio da garantia mínima dos produtos e serviços, atribuindo uma garantia mínima de cinco anos - aliás, já hoje, depois da revisão do Código Civil, tem assento em relação a algum tipo de contratos - no que diz respeito às coisas imóveis e de um ano no que diz respeito às coisas móveis duradouras.
Mas, tão importante ou mais do que isto, atribuindo um chamado direito de arrependimento, um direito de resolução do contrato em todos os contratos de consumo celebrados fora dos estabelecimentos comerciais, que fixamos em 14 dias.
É, hoje, uma tendência, também, do direito do consumo, perante as novas técnicas de venda, perante esta agressividade da venda, a necessidade de proteger o consumidor, sobretudo, de decisões precipitadas, de decisões não ponderadas, de decisões que, muitas vezes, lhe foram praticamente impostas pelo marketing e por essas regras agressivas do mercado.
Especial atenção damos também ao direito à segurança. É hoje uma das garantias mais importantes dos consumidores, é hoje um dos direitos fundamentais dos consumidores que os produtos e serviços não tenham perigosidade, que não tenham risco para a sua saúde e segurança física. Daí que, num longo artigo, o artigo 5.º do nosso projecto de lei, tratemos com especial cuidado este direito à segurança.
Propomos também a criação da comissão para a segurança dos produtos e serviços de consumo, revendo a comissão já existente mas com outro nome e porventura com outra composição que não a melhor, para que ela possa desempenhar cabalmente uma função genérica quanto à segurança de produtos e serviços, uma função horizontal, independentemente das funções dos vários organismos públicos que também têm que ver com a segurança dos produtos e serviços de consumo.
Damos, ainda, no nosso projecto de lei, um relevo ao direito à informação e à formação, que estes hoje não têm.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - A formação do consumidor é hoje um aspecto importantíssimo, que, em boa parte - diria que quase na totalidade -, está ainda por fazer, de comercialmente tão agressiva? Que programas há nas nossas televisões e nas nossas rádios que dêem aos consumidores um mínimo de preparação para enfrentarem essas condições novas do consumo?
Pois bem, neste projecto de lei, quer nos artigos 6.º e 7.º quer no que diz respeito à formação e ainda à informação, procuramos envolver todas as entidades, a começar pelos municípios, pelas autarquias locais, pelo Estado, pelos estabelecimentos de ensino, nesta tarefa enorme e, repito, ainda em boa parte por fazer, da formação, da educação e da informação dos consumidores.
As associações de consumidores têm representado no nosso país, mau grado as dificuldades da sua actuação e a relativa pouca ajuda que, como é sabido, têm tido por parte das entidades oficiais um relevantíssimo papel na defesa dos direitos dos consumidores. E, aliás, através das associações de consumidores que, um pouco por toda a Europa, se realiza no terreno a defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores.
Mas é evidente que, para isso, há que atribuir às associações de consumidores novos estatutos e novos direitos. Desde logo, direitos de antena, para que essas associações possam fazer ouvir a voz dos consumidores nos grandes meios de comunicação social. Mas não só! Sobretudo, é preciso dar-lhes instrumentos de actuação jurídica, que hoje são muito limitados.
Assim, no nosso projecto, para além da afirmação do direito genérico de representação que as associações de consumidores têm em relação aos consumidores em geral, atribuímos-lhes direitos que elas até agora não têm, para que possam desempenhar cabalmente e no terreno as funções para que estão destinadas. Trata-se de lhes atribuir legitimidade processual em acções cíveis ou administrativas, tendentes à tutela de direitos individuais homogéneos, de direitos colectivos ou de interesses difusos, em representação dos consumidores.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Aliás, neste ponto, o nosso projecto de lei está em paralelo com o projecto de lei sobre o direito de acção popular, que esperamos, finalmente, ver aqui aprovado ainda antes do final desta legislatura.
Atribuímos também às associações de consumidores um direito de acção inibitória, destinado à condenação, à abstenção, do uso de condições gerais contratuais quando elas se mostrem e sejam legalmente contrárias aos interesses dos consumidores.
Nesse sentido, para além da atribuição deste direito de acção inibitória em relação a cláusulas contratuais, propomos a revogação de uma cláusula do decreto relativo às cláusulas contratuais gerais, fazendo desaparecer a limitação, que hoje ainda existe, de que não pode ser posta em causa a validade de cláusulas contratuais gerais quando estas tenham sido aprovadas por entidades oficiais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É que, Srs. Deputados, é nesse particular, nesse tipo de contratos de fornecimento de produtos essenciais - água, luz, gás, transportes e outros serviços - que hoje é necessário e é mais evidente que é necessário haver uma protecção dos consumidores face a cláusulas aberrantes e injustas, apesar de muitas vezes, para não dizer na maioria ou na totalidade dos casos, elas terem sido sujeitas à aprovação das autoridades administrativas competentes.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Todos nós sabemos dos casos dia Telecom, dos abusos de facturação, do tipo de cláusulas que aparecem em contratos para fornecimento de telefones, de água e de electricidade, que são cláusulas muitas vezes abusivas, que violentam a vontade dos consumidores e que significam um desequilíbrio total entre os interesses do fornecedor, por um lado, e os interesses do consumidor, por outro. É nessa zona que tem de ser feito um esforço especial por parte das associações de consumidores, mas para isso há que atribuir-lhes poderes e direitos e há, sobretudo, que revogar a cláusula do decreto-lei relativo às cláusulas contratuais gerais, que está hoje ultrapassado por completo.
Apontamos ainda no nosso projecto de lei para criação de um conselho nacional de consumo, como expressão dos interesses e posições da sociedade civil t, designadamente, das suas associações representativas. Até agora não tem sido possível, mau grado toda a boa vontade demonstrada pelo Instituto de Defesa do Consumidor, que a voz destas associações se tenha feito ouvir com eficácia junto desse instituto. Há, portanto, que mudar. A experiência está feita e entendemos que a criação de um conselho nacional de consumo, onde tivessem assento as associações representativas dos consumidores, será um passo em frente para dar uma voz importante a este tipo de associações.
Aplausos do PS.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazemos, em matéria de litígios de consumo, duas propostas, que nos parecem importantes: a criação de tribunais de competência especializada, para a rápida resolução de conflitos de relações jurídicas de consumo, e a extensão da experiência já feita e com êxito, que é a expansão de comissões arbitrais para resolver conflitos de consumo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Julgamos que os problemas dos direitos dos consumidores, os problemas dos conflitos de consumo, têm toda a vantagem em serem resolvidos fora do âmbito do processo civil normal e fora do âmbito dos tribunais ordinários. E as experiências já feitas, no que diz respeito às comissões arbitrais de conflitos, dão-nos aqui inteira razão.
O Grupo Parlamentar do PS pensa, assim, contribuir, de forma decisiva, para recolocar no debate político e na iniciativa legislativa os problemas do consumidor, que, aliás, nos últimos anos, e mercê, por um lado, da actuação das associações de defesa dos consumidores e, por outro, do interesse dos media perante este tipo de problemática, vêm ganhando um relevo cada vez maior na opinião pública.
Esperamos que de todas as bancadas - todos somos consumidores! - venha um apoio claro a este passo em frente que hoje aqui damos no aprofundamento dos direitos dos consumidores.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui hoje para discutir este projecto de lei sobre a defesa do consumidor ou, como mais correctamente se deveria chamar, a promoção dos direitos dos consumidores.
Trata-se de matéria sobre a qual o PS apresenta um projecto que, em grande parte, segue um documento que em tempos o Governo divulgou e discutiu com várias associações. Todavia, na parte em que não segue esse texto, o documento do Partido Socialista apresenta algumas contradições relativamente àquele que tem sido o discurso de alguns dos seus dirigentes e chega a anunciar como novidade coisas que existem há vários anos. Porventura, o conjunto de autores deste projecto não terá tido ocasião de ouvir os seus próprios militantes especialistas nesta matéria e, no âmbito da defesa do consumidor, terão eventualmente ouvido apenas uma única associação, esquecendo outras que têm opiniões que seria importante tomar em conta.
É curioso que na conferência de imprensa de ontem tenham induzido em erro os Srs. Jornalistas, que mereciam naturalmente mais respeito e mais consideração - a menos que o que aconteceu tenha sido por mero lapso e se possa dar a benevolência de alguma dificuldade de carácter tecnológico que possa ter criado uma dificuldade de interpretação entre quem comunicou e o autor das notícias -, pois leio na comunicação social de hoje que o PS propõe duas coisas fundamentais: a criação de uma comissão para a segurança de produtos e serviços de consumo e a criação de um conselho nacional de consumo, que foram divulgadas como novidades.
Há oito anos, através do Decreto-Lei n.º 213/87, foi criada a Comissão para a Segurança de Serviços e Bens de Consumo, que tem funcionado regularmente desde então até esta data, com a participação de diferentes especialistas, pelo que não entendo - li e reli o texto várias vezes - como se pode anunciar o que já existe em decreto-lei e funciona desde há oito anos! Se eu fosse jornalista e fosse induzido neste erro sentir-me-ia ludibriado.
Depois, há uma outra circunstância que me deixa também preocupado, qual seja a de que existe, por legislação de há 13 anos, um Conselho Geral do Instituto do Consumidor que configura as características de um conselho nacional de consumo - é apenas uma questão de semântica -, na medida em que integra diferentes opiniões de organizações não governamentais e diferentes departamentos que têm a ver com esta política no quadro da Administração Pública.
Ainda há exactamente dois anos, através de um diploma que é certamente do conhecimento dos autores deste projecto apresentado pelo PS, o Decreto-Lei n.º 195/93, no seu artigo 6.º, ampliou e desenvolveu a composição desse conselho nacional do consumo, no qual têm representação os municípios portugueses, as associações de consumidores, as cooperativas de consumo, as associações de família, as associações representativas dos direitos e garantias dos cidadãos, a área empresarial, as confederações sindicais e a juventude. Está em decreto-lei, funciona há mais de dois anos! Assim, quando se dá uma conferência de imprensa para dizer que se vai criar isso, fico preocupado, mas compreendo que assim seja, com dificuldade mas compreendo, embora veja que há por vezes alguma precipitação e não se tomam em conta coisas que se disseram ou fizeram no passado.
Tenho pena que o Sr. Deputado José Magalhães tenha saído da Sala momentaneamente - porventura, através da televisão poderá ter acesso a esta minha observação - porque, como ele é o segundo subscritor deste
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diploma, quero assinalar, pela positiva, a profunda evolução para a democracia e para defesa do consumidor deste nosso prezado colega porque há quatro anos atrás, tal como consta do Diário da Assembleia da República, manifestou opiniões contrárias àquilo que hoje assina no texto deste diploma.
A lei de defesa do consumidor, que hoje neste texto é considerada um marco fundamental, um documento relevante da política de defesa do consumidor, era, nas suas palavras de há quatro anos, um quadro vago, desnecessário e sem sentido. Registo essa evolução no sentido positivo pois o Sr. Deputado José Magalhães evoluiu para o sistema democrático e evoluiu para a defesa do consumidor, o que me faz desculpar e perdoar este tipo de contradições.
No entanto, há outros aspectos que gostaria de referir. Não vejo no texto preambular do projecto, nem na intervenção do nosso prezado colega José Vera Jardim, considerações que poderiam ser relevantes e enriquecedoras deste debate acerca daquilo que se fez nos últimos anos em matéria de defesa do consumidor. Ou seja, de 81/82 até hoje, nos 13/14 anos que passaram muita coisa aconteceu, e de carácter positivo.
É facto que durante a presidência portuguesa da União Europeia, em 1992, Portugal orgulhou-se de ser elogiado pela sua actuação nessa matéria e pela acção relevante que tinha tido no período anterior no relançamento da política de defesa do consumidor. Conseguiu-se, durante esse período, a criação do chamado «documento de relançamento»; conseguiu-se criar uma resolução com a introdução dos programas trienais que tinham «caído» há muito tempo; conseguiu-se a aprovação de uma directiva sobre cláusulas gerais dos contratos; conseguiu-se uma coisa fundamental, que tem paralelo com a revisão constitucional de 89, que foi o facto de os direitos dos consumidores, no Tratado de Maastricht, terem direito a tratamento autónomo - aliás, assisti a essa discussão «por dentro» e sei quão difícil foi conseguir esse objectivo; de realçar ainda a conferência que teve lugar sobre o acesso à justiça, matéria que é sensível a um dos autores deste projecto e que não foi referida na sua intervenção, mas que merecia ter sido.
Há ainda um conjunto de aspectos que têm sido prosseguidos nos últimos anos e que por serem positivos não devem ser ignorados. A própria orgânica do Instituto do Consumidor foi revista e aperfeiçoada há cerca de dois anos, criando-se delegações regionais com competência nesta matéria. Por outro lado, e ainda bem, no próprio Conselho Económico e Social conseguiu-se a presença das associações de consumidores, tal como no Conselho Nacional da Qualidade. Criou-se a Agência Europeia de Informação sobre o Consumo, no norte de Portugal/Galiza e um outro projecto semelhante está em marcha nas regiões do Algarve e de Andaluzia, projectos transfronteiriços com apoio comunitário. Também se avançou na criação dos centros de arbitragem, não só naquele que aparentemente é citado pelos autores do projecto - Lisboa - mas outros que são relevantes, no Porto, em Coimbra e na região do Vale do Ave.
Vozes do PSB: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, criaram-se dezenas de centros de informação autárquica ao consumidor em protocolos que unem o esforço das autarquias com a administração central e também na Região Autónoma dos Açores em colaboração com a Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia e articulação com o Instituto do Consumidor, se deram passos nesta matéria que não eram habituais.
Além disso, um vasto conjunto de legislação de que apenas cito, sinteticamente, alguma, foi produzida nos últimos anos e deve ser referida: sobre a segurança de brinquedos, sobre a comercialização e uso de substâncias perigosas, sobre a disciplina para a publicidade na venda de automóveis, sobre a questão dos direitos "reais de habitação periódica, sobre práticas individuais restritivas do comércio, sobre o problema do regime geral de defesa e de promoção da concorrência, sobre a questão das vendas em grupo, as vendas a prestações, sobre os serviços de valor acrescentado de telecomunicações, sobre os ilícitos publicitários em embalagem e rotulagem de substâncias perigosas. Várias outras matérias foram objecto de atenção legislativa por parte do Governo, além daquilo em que temos sido elogiados a nível comunitário - o programa EHLASS, que é o sistema europeu de vigilância de acidentes domésticos e de lazer - além do bom funcionamento da Comissão para a Segurança de Serviços e Bens de Consumo que o projecto em apreço anuncia que vai ser criada quando ela funciona, e bem, há oito anos a esta parte! Tudo isto foi omitido por razões difíceis de compreender.
Por outro lado, é de referir que o programa do Governo nesta matéria está cumprido. Desafiava-vos mesmo a indicarem-me algum aspecto do programa de Governo aqui aprovado há quatro anos que nesta matéria esteja por cumprir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Além disso, gostaria de reflectir convosco sobre aquilo que é a Lei n.º 29/81, que aqui foi objecto de referência particular. Esta é uma boa lei, é uma lei que fez história, é uma lei que deve ser preservada no essencial, todavia deve ser aperfeiçoada nalguns pontos. E nessa matéria é do conhecimento do Partido Socialista, das associações de consumidores, daqueles que seguem com o mínimo interesse esta matéria, que há projectos próprios do Governo neste momento em fase final.
O Sr. José Magalhães (PS): - Há?
O Orador: - Talvez não seja por acaso que, sabendo-se disso, neste momento surge aqui este projecto. Não é por acaso que este projecto surge aqui hoje. E sabe muito bem o Partido Socialista, mas talvez não saibam muitos outros colegas que aqui estão, que o Governo está a legislar. Há propostas, que são públicas e do vosso conhecimento, no sentido de avançar no que toca aos direitos dos consumidores, à qualidade dos bens e serviços, à definição de questões de segurança aplicada aos produtos e aos bens de consumo, bem como em relação à prevenção e reparação de danos, à informação pré-contratual, aos direitos das associações e a direitos concretos como o direito de antena e à legitimidade para a representação em juízo.
São estes os aspectos que gostaria de ter ouvido referir e que não ouvi. Mas há coisa mais graves e que me preocupam muito mais.
Vozes do PS: - Quais?
O Orador: - É que estava à espera que o Partido Socialista tivesse contado com a boa opinião de alguns dos
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seus especialistas nesta matéria e que os tivesse ouvido. Porém, não fez isso, ouviu apenas alguns e naturalmente que outros deveriam ser ouvidos e este projecto. Com esse enriquecimento, teria ficado mais perfeito e da outra qualidade.
Gostaria de ter ouvido também o Partido Socialista penitenciar-se de algumas questões que são atropelos à lei e à ética promovidos por associações ou por um associação que o Partido Socialista também tem nos seus carinhos, para não dizer que, eventualmente, até poderá influenciar em demasiado, pondo em causa a independência, a imparcialidade e o carácter apartidário dessa associação.
Vozes do PS: - Qual é?
O Orador: - Vou responder, muito claramente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é indecoroso, Sr. Deputado!
O Orador: - Recordo-lhe, Sr. Deputado José Magalhães, aquilo que o senhor disse num debate aqui ocorrido no dia 3 de Junho de 1991. Aconselho-o a consultar o Diário da Assembleia da República desse dia e...
O Sr. José Magalhães (PS): - E o quê?
O Orador: - ... só espero que não core de vergonha.
Aliás, Sr. Deputado José Magalhães, o senhor disse no texto deste diploma que era contra as vendas em cascata, as vendas por correspondência, as vendas agressivas..
O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, você é a favor!
O Orador: - Disse-o neste texto preambular e aqui faço menção à sua coerência porque disse-o também há quatro anos atrás. Nessa matéria foi coerente, noutras não, e os dois documentos provam-no melhor do que as minhas palavras.
Mas é curioso que quem vem aqui arvorar-se em paladino de uma relação privilegiada com uma associação, que é a DECO, quem vem aqui defender em especial uma associação, esqueça uma coisa que é grave: é que estar contra as vendas por correspondência, estar contra as vendas por catálogo e as vendas em rede implica condenar atitudes de algumas associações.
Um sócio duma associação de consumidores, como eu sou, sente-se humilhado que uma associação, em cuja vontade tanto impera o Partido Socialista, lhe tenha enviado quatro envelopes sucessivos desafiando-me à compra por correspondência de livros de decoração - e trecho que responder em 15 dias - de agendas, de catálogos, de tradutoras electrónicas, de máquinas de calcular como prémios dessas vendas agressivas! Estes casos costumo endereçá-los ao Ministério Público, e tenho endereçado vários.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Com grande sucesso, aliás...!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sucesso como o que teve com a Câmara Municipal de Lisboa...!
O Orador: - Como os Srs. Deputados estão preocupados, abro um parêntesis para os sossegar. Em matéria de Câmara Municipal de Lisboa, registo a vossa preocupação...
O Sr. José Magalhães (PS): - Nenhuma!
O Orador: - ... e registo o fado de o presidente da Câmara Municipal de Lisboa- que não está aqui para o confirmar, mas a imprensa alista-o - ter desmentido informações da Procuradoria Geral da República dizendo peremptoriamente, para título de capa de um semanário, «Há corrupção na Câmara de Lisboa», facto que registo.
O Sr. José Magalhães (PS). - E a sua vergonha!
O Orador: - Permita-me que continue para lhe dizer que tenho endereçado ao Ministério Público várias queixas relativas a atropelos aos meus direitos como consumidor porque, tal como o Sr. Deputado José Magalhães, sou contra estas atitudes. E a situação e tanto mais grave quando uma associação de consumidores, da qual sou sócio, em vez de defender os consumidores faz vendas agressivas por correspondência, insistindo com um envelope atrás do outro para que responda automaticamente, da pior maneira. Aliás, alguns desses envelopes não os abro porque atentam contra a minha dignidade enquanto sócio duma associação. E penso ser grave que isto venha assinado por quem é dirigente de uma associação de consumidores.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mas isto não é uma assembleia geral da DECO!
O Orador: - Vou-lhe explicar. Eu irei à assembleia geral da DECO onde o senhor talvez tenha ido menos vezes do que eu.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Nunca lá o vi!
O Orador: - Aquilo que lhe digo é o seguinte: o que é grave é que venham aqui tomar como exemplo uma associação que hoje em dia não o é porque vender uma associação de consumidores a uma multinacional de vendas comerciais por correspondência é grave. Não é assim que se faz política de defesa do consumidor! O PSD nunca fará isso, nunca fará isso. De maneira que espero bem ter o vosso apoio, a vossa coerência e a vossa palavra, em sintonia com o texto que assinalou o diploma e com aquilo que disseram, e se associem à minha indignação - e tenho aqui, como compreenderão, o meu direito à indignação -, que é associar-me aos vossos princípios e aos vossos conceitos, para dizer que estou contra estas atitudes e que temos de as condenar.
Naturalmente que, nestas matérias, como compreenderão, o PSD regista com apreço o interesse que alguns Srs. Deputados têm por elas, alguns, diga-se em abono da verdade, desde há muito tempo - registo o entusiasmo e o contributo do Sr. Deputado José Vera Jardim - e quero aqui repetir aquilo que disse há pouco, na ausência do Sr. Deputado José Magalhães, isto é, que registo a sua evolução positiva para a democracia, para os valores do regime democrático e, em particular, porque é esse o assunto que está na agenda de hoje. a sua evolução positiva, entrando em contradição com declarações anteriores, na altura em que estava num período delicado da sua fase transitória, como Deputado independente, dizendo agora, de sua justiça e com a sua assinatura, quanto lhe são caros estes valores e estes princípios É de assinalar quando alguém evolui e se aproxima do bom caminho, por isso quero registar e enaltecer aqui esse facto.
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Aplausos do PSD.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O melhor é mandar isso tudo para a Procuradoria!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, até quase ao fim da sua intervenção tinha apenas uma ou duas perguntas para lhe colocar, mas, perante o que disse na parte final, naturalmente que acrescentei mais algumas e substituí outras.
Não sei o que o Sr. Deputado Macário Correia entende por relação privilegiada de um partido político com uma associação. Perante uma afirmação destas, que tem alguma gravidade, V. Ex.ª deve estar consciente dessa gravidade, pois teria que a provar.
Eu, como V. Ex.ª referiu, sou membro da DECO desde a sua fundação - sou o membro n.º 16, ou 11 ou coisa assim do género - e continuo a ser o presidente da assembleia geral, conforme o livro que o PS publicou sobre os interesses dos Deputados. Portanto, quando aqui estou a votar e a fazer alguma coisa, devo declarar que sou membro da DECO. Mas, sou-o com muito gosto e com muita honra.
Não posso, no entanto, admitir nem deixar passar em claro algumas afirmações de V. Ex.ª, que são - repito - graves. A primeira é a de que há uma relação privilegiada do Partido Socialista com essa associação, que V. Ex.ª terá de provar na altura própria; a segunda, mais grave, é a de que a DECO se vendeu ao capital estrangeiro e que recebe pelo correio determinadas coisas da DECO, que, como V. Ex.ª muito bem sabe, não vêm de lá.
A explicação é esta: a DECO tem uma participação minoritária no capital de uma empresa que publica uma revista, que é a Proteste. Essa empresa é dominada não pela DECO mas por outras pessoas, por outros titulares de capital, que são maioritários. Nunca essa empresa comprou nada na DECO, nem esta associação tem algo para vender, a não ser o seu bom nome, e vende-o aos consumidores pelo preço zero.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - O que tem, isso sim, é uma participação minoritária, como V. Ex.ª bem sabe, e, portanto, as suas afirmações são mais graves. Se não soubesse, levava-se à conta de ignorância, mas não, V. Ex.ª sabe que é assim! É uma participação minoritária na EDIDECO, que é a editora da revista Proteste.
E devo até explicar-lhe - e V. Ex.ª também sabe isso - que a DECO já várias vezes protestou contra algumas formas de comercialização que a EDIDECO vem usando, mas é evidente que, como accionista minoritária que é, os seus poderes são muito limitados nessa matéria.
É evidente que também estou com V. Ex.ª quando repudia que uma empresa que publica uma revista para consumidores possa seguir alguns métodos parecidos com vendas agressivas. Mas isso é outra coisa! V. Ex.ª não pode dizer que é a DECO que o faz, porque não é!
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, ponhamos as coisas nos seus exactos termos!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ele sabe! Ele sabe!
O Orador: - Quanto à relação privilegiada, Sr. Deputado Macário Correia, embora com o protesto do meu colega Ferro Rodrigues, eu diria que o seu partido tem uma relação privilegiada com o Boavista, com o Sporting, etc., mas não me atrevo a dizê-lo. Eu também sou sócio do Sporting, Sr. Deputado Macário Correia, mas, ao menos, vou à bola, enquanto nunca vi V. Ex.ª na DECO! V. Ex.ª será sócio da DECO, mas nunca o vi lá nas assembleias gerais!
O Sr. José Magalhães (PS): - É correspondente!
O Orador: - Sr. Deputado Macário Correia, gostava que V. Ex.ª, do alto daquela tribuna, não tivesse vindo fazer os costumados elogios ao Governo - isso cai-lhe bem, porque, com deve calcular, não me cabe a mim fazê-los! -, mas antes tivesse vindo dizer se concorda ou não com este projecto de lei. Era isso que eu gostava que V. Ex.ª tivesse dito, mas, afinal, foi fazer o número do costume do PSD.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Pior!
O Orador: - Ou seja, há um projecto de lei, mas V. Ex.ª, em vez de se debruçar sobre esse projecto de lei, sobre o qual fez cair duas críticas, «chuta para o lado» e diz assim: «O Governo anda a pensar!». Andará?!... Nós é que já nos habituámos a que os pensamentos do Governo nem sempre levam a bom resultado. Direi mesmo mais: nestas matérias, na maior parte dos casos, não levam a grandes resultados.
Mas que culpa tenho eu disso, Sr. Deputado Macário Correia? Nós apresentámos um projecto de lei e o que lhe é exigido, como Deputado desta Casa, é que V. Ex.ª diga se ele serve ou não os direitos e os interesses dos consumidores. E V. Ex.ª sobre isso disse nada! Disse zero.
Limitou-se a dizer que já existia uma comissão, mas talvez nós não queiramos essa comissão em que V. Ex.ª está a pensar, e falou no Conselho do Consumidor, que V. Ex.ª sabe que não funciona porque está dentro do Instituto do Consumidor e não é isso que queremos. Leia o nosso projecto de lei como deve ser e verá que chega lá!
Sr. Deputado Macário Correia, insisto: gostava de saber de V. Ex.ª, que tem dedicado muito do seu esforço - não lhe nego isso - aos problemas do consumidor, se acha que este projecto de lei merece ou não a aprovação da Câmara!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa é que é a questão!
O Orador: - E isso que eu gostava de saber! Mas, afinal de contas, sobre isso V. Ex.ª disse nada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, é pena que uma conversa tão interessante entre consumistas - e todos são distintos consumidores -,...
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Todos são, mas poucos ligam!
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O Orador: - De facto, é verdade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não é por falta de público...
O Orador: - Com certeza!
Em relação à questão que tanto tornou polémica esta nossa conversa, que tem a ver com DECO, com a EDI-DECO e com a Proteste, não vamos, certamente, esgrimir aqui argumentos muito desenvolvidos, mas há questões que se passam na sociedade que, apesar de serem do foro do direito privado das associações, a Assembleia da República, por uma questão de postura e de ética, deve comentar, porque temos cargos políticos para isso.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mas quem é que puxou essa conversa?
O Orador: - Puxei eu e vou colocá-la nos devidos termos até àquele...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mas agora tem de ir à Assembleia Geral da DECO explicar!
O Orador: - Por uma questão de ética, enquanto os senhores falaram, eu estive calado, portanto, pedia-lhes que, no mínimo, tivesse igual tratamento.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado José Vera Jardim, que nós, os sócios da DECO, recebíamos uma revista, que é a Proteste, e, sem que tenhamos manifestado qualquer opinião acerca de querermos continuar a receber nestas ou noutras condições, continuamos a recebê-la, tendo, todavia, mudado a sua editora, que deixou de ser uma associação para passar a ser uma empresa comercial, onde a DECO tem 25 % e uma empresa comercial multinacional, que não é uma associação de consumidores e por isso não tem por interesse o fim público, tem 75 %. Ou seja, pegou-se em interesses dos consumidores portugueses e, de algum modo, alienaram-se esses interesses a outros que são do foro privado e que não têm a ver com os fins públicos de uma associação de consumidores.
Obviamente que esta é uma matéria delicada, porque pode colocar uma questão, que, do ponto de vista ilegal, até é curiosa: alterou-se uma condição contratual de um assinante sem que ele tenha sido ouvido.
Por muito menos, enviei para o Ministério Público - e foi-me dada razão - a questão do ponto 6,3 das cláusulas da «via verde» da BRISA, porque é dito que, sem a reacção do assinante no prazo de 15 dias, por vontade de um dos contraentes, alteram-se as condições. Isto é ilegal!
Quero chamar a atenção dos Srs. Deputados de que sei muito bem distinguir entre :os interesses públicos, não lucrativos, de uma associação de consumidores, uma vez que sou sócio de várias e não apenas de uma, por isso conheço a complementaridade...
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Por isso é que não tem tempo de ir às assembleias gerais!
O Orador: - Mas, não se preocupe com isso! Eu vou explicar: eu sei até onde é que deve chegar a minha postura e a minha ética perante as associações. E digo-lhe mais: sou «ócio de muitas associações - não lhe vou dizer quais são - ...
O Sr. José Magalhães (PS): - Algumas são secretas!
O Orador: - Não sou sócio de nenhuma secreta, mas talvez o Sr. Deputado já tenha evoluído nesse sentido! Eu estou à vontade e de consciência tranquila para lhe dizer que não sou sócio de qualquer sociedade mais ou menos secreta. Não é o seu caso, certamente!
O Sr. José Magalhães (PS): - Quem é que lhe disse isso? Foi o detective Correia?
O Orador: - Não sei! Nunca o disse em contrário! Deixou a suspeita! A sua afirmação deixa a suspeita!
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é totalmente absurdo!
O Orador: - Se me permite concluir, dir-lhe-ia que, nessa matéria, tenho um cuidado curioso: é que sou sócio de muitas associações, pago as quotas em muitas, mas em alguns casos entendo não participar, por uma questão de ética pessoal, nas suas decisões internas, porque, enquanto tenho poder de intervenção noutros locais ou tive, em alguns momentos, poder especial de atribuição de alguns aspectos pecuniários ou outros a essas associações, não devo participar em assembleias gerais ou em qualquer outro acto e limito-me a pagar. É uma postura minha! Pago as quotas e recebo as revistas, mas não me imiscuo nas questões internas.
Se me permite concluir, Sr. Deputado,...
O Sr. José Sócrates (PS). - Quem é que quer saber das quotas! Vamos à matéria!
O Sr. José Magalhães (PS): - O que é que isso tem a ver?
O Orador: - Não fique nervoso, Sr. Deputado!
O Sr. José Magalhães (PS): - Vamos à lei!
O Orador: - Vamos à lei. Em matéria de lei...
O Sr. José Magalhães (PS): - Finalmente!
O Orador: - Finalmente, quero registar o seguinte: o Sr. Deputado José Magalhães - e repito aquilo que disse da tribuna -, pelo muito interesse que tem por estas matérias, que se entrecruzam com outras, não conseguiu ouvir aquilo que eu disse. Não esteve cá. Apesar de ser subscritor do diploma não esteve cá...
O Sr. José Magalhães (PS): - Ouvi-o através do circuito de vídeo!
O Orador: - Eu sei!... Eu sei do seu apreço!...
O Sr. José Magalhães (PS): - Gastaram-se milhares de contos em câmaras para quê, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Presidente, quando os meu prezados colegas do Partido Socialista me permitirem, concluirei a minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Macário Correia, tem influência a insistência com que se fala, portanto, continue a sua resposta e os Srs. Deputados calar-se-ão.
O Orador: - Os Srs. Deputados sabem, porque conhecem os documentos, que nas questões gerais desta matéria estamos de acordo.
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Vozes do P§: - Ah! Finalmente!
O Orador: - Queremos evoluir nesse sentido.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Vão votar a favor?
O Orador: - Os Srs. Deputados conhecem aquilo que eu disse daquela bancada há quatro anos atrás, que era muito diferente daquilo que o Sr. Deputado José Magalhães dizia na altura, porque circulava ainda noutra bancada, embora já com o estatuto de independente, mas...
O Sr. José Magalhães (PS): - Que aspecto em concreto!? O Orador: - Leia o Diário da Assembleia da República.
O Sr. O Sr. José Magalhães (PS): - Ajude-me!
O Orador: - Eu vou ajudá-lo, se quiser
O Sr. Deputado hoje diz e subscreve que a Lei n.º 297 81 é um marco fundamental da história do consumismo, mas há quatro anos atrás disse que este documento era vago, com muito pouco interesse, e que não era por aí que se fazia a política da defesa do consumidor. E disse outras coisas mais, Sr. Deputado.
Concluindo, direi que, no essencial, em muitas destas matérias estamos de acordo, podemos é não estar de acordo com algumas questões que, de resto, já enunciei. Não vamos dizer que criamos uma comissão, porque ela já existe, não vamos dizer que criamos um conselho geral, porque ele já existe, vamos antes aperfeiçoar aquilo que funciona e que pode funcionar melhor, mas vamos, sobretudo, ter uma outra atenção especial: em relação ao calendário, em relação aos momentos.
Como é sabido, o Governo está a legislar neste sentido, e eu acredito e confio na palavra do Governo. Sei - e os senhores também sabem - que o que está a ser feito está a ser bem feito, pois deriva de um trabalho que vem de há muito tempo, que foi continuado por muitas pessoas que a ele se dedicaram e teve contributos vários de associações, das quais alguns dos senhores até são sócios. Portanto, acredito nesse trabalho, que é aquele que espero ver entrar em vigor brevemente.
No entanto, compreendo a vossa atitude de hoje, neste Plenário, onde, do ponto de vista político, conseguiram não só mostrar que também se preocupam com esta questão, mas também chamar a atenção da comunicação social para algumas notícias e darem um contributo político para o debate. Naturalmente, faço essa referência, mas, como é lógico, havendo uma legislação que vem sendo elaborada desde há algum tempo, que tem outras raízes, outros fundamentos e outro percurso, é essa que eu respeito.
Sem pôr em causa a legitimidade da vossa iniciativa e do debate que aqui tivemos, naturalmente acredito ser esse o caminho, ser essa a via E, como é um bom caminho, eu acredito nele, como acredito que é nesse que a legislação evoluirá.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Portanto, vai votar a favor!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães fez sinal à Mesa para intervir. Insiste, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - Insisto sim, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, agradeço que me tenha permitido dizer algumas palavras, para congratular-me com o facto de o Sr. Deputado Macário Correia, no fim da sua intervenção, ter, em parte, desagravado aquilo que tinha suscitado no início.
De facto, não faz nenhum sentido - absolutamente nenhum - abrir uma espécie de guerra de brios ou um exame curricular de zelos para criar uma espécie de top ten de quem ama mais os direitos dos consumidores na Assembleia da República.
Aliás, nessa matéria, Srs. Deputados, gostaria que não deixasse de ser pronunciado aqui o nome de uma pessoa, que nem sequer é da nossa bancada, que teve um papel destacado na elaboração da legislação de 1981, o então Deputado Dr. Mário Raposo,...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... que, desde então, participou em esforços vários para definir o direito dos consumidores e cuja mão esteve presente em vários aspectos meritórios do articulado em causa. Nós, nessa matéria, não cultivamos nenhum sectarismo e, ainda que eu fora o último dos filhos pródigos a aderir à causa dos consumidores,...
O Sr. Rui Carp (PSD): - E é!
O Orador: - ... a única coisa que nessa matéria se poderia dizer era: «Bem vindo filho pródigo, senta-te à mesa e trabalha na defesa dos direitos dos consumidores».
Mas nem é assim, Sr. Presidente, como evidenciam as actas. A participação neste trabalho é por isso, Sr. Deputado Macário Correia, um grande prazer, sobretudo se tivermos a certeza de que V Ex.ª, em vez de vetar, vota este projecto que apresentamos, sem ciúme pelo facto de o Sr. Deputado José Vera Jardim, hoje, aqui, com razoabilidade, com cultura «consumarista», ter trazido à Assembleia da República uma iniciativa que tem o mérito de ser apresentada no tempo certo - ainda não chegámos ao fim da legislatura -, para ver se conseguimos aprovar, até ao último dos dias possíveis - uma melhoria concreta na legislação. E o Sr. Deputado passou o tempo todo a discutir a revista Protestei... Gostaríamos muito de tê-lo ouvido pronunciar-se sobre as 80 questões suscitadas pelo nosso projecto de lei.
Sr. Deputado, vamos para a especialidade, para o que precisamos do seu voto na generalidade, e é esse voto para que eu apelo que tenha a coragem de ter aqui, dando consenso à aprovação desta iniciativa, que é boa, que é uma boa base de trabalho. Melhore-a.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Macário Correia - e peco-lhe que atenda ao que vou dizer -, o Sr. Deputado José Magalhães desafiou-o a pronunciar-se sobre 80 questões. Eu só queria que se pronunciasse sobre uma e durante um minuto.
O Sr. José Magalhães (PS): - Oitenta é modéstia Há mais!...
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, se o Sr. Deputado não interromper eu nem sequer gasto um minuto.
O Sr. Deputado José Magalhães subscreve, no texto que, neste momento, aqui está em discussão, duas linhas
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que dizem apenas o seguinte: «A Lei n.º 29/81 tem sido unanimemente reconhecida como um marco histórico na institucionalização do consumarismo».
O Sr. Deputado José Magalhães, no dia 4 de Junho de 1991, a fls. 2833 do Diário da Assembleia da República, dizia: «Não é a Lei da Defesa do Consumidor, (...) - esta mesma, a n.º 29/81, este quadro vago - «(...) que tem servido o consumidor. O que é que se pretende mais nesta matéria para além daquilo que já está legislado?»
Risos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Era uma crítica a si!... Leia tudo!
O Orador: - Eu vou concluir, Sr. Deputado.
Depois, numa fase delicada, em que o Sr. Presidente Victor Crespo chamou a atenção - não vou citar em que termos o fez, porque acho que devemos manter um nível adequado nestas coisas -, em dado momento o Sr. Deputado José Magalhães, para fechar o debate, reagiu' e disse: «Sr. Presidente, não vejo qualquer razão para tanto melindre, tanto receio, tanta suspensão. Eu não mordo, Sr. Presidente.»
Risos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - E contínuo a não morder!...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não tem mais inscrições para este debate.
O Sr. Deputado Luís Sá inscreve-se?
Como já se falou do filho pródigo, espero que ninguém venha agora mandar matar o vitelo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ou morder o vitelo!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A defesa do consumidor é parte integrante da qualidade de vida e, por isso, não pode ser separada de outros valores humanos e da própria qualidade do ambiente.
Sobretudo a partir dos anos 80, em Portugal, os consumidores viram consagrados importantes direitos, nomeadamente no plano legislativo, no plano da criação de organismos próprios, em algum apoio a associações de defesa dos consumidores.
Porém, a verdade é que não receberam respostas satisfatórias, que acompanhassem a evolução que as novas circunstâncias económicas vieram trazer.
Consideramos, por isso; que não estão devidamente assegurados, na prática, os direitos fundamentais relativos à protecção da saúde e à segurança dos consumidores, à protecção dos interesses económicos, ao direito dos consumidores à informação e à formação, ao direito à indemnização, à representação e participação dos consumidores em diversas estruturas públicas.
Por outro lado, não se complementaram nem se concretizaram aspectos legais e institucionais em algumas situações por falta de regulamentação, noutras por incúria e ineficácia ou até por incapacidade dos serviços oficiais afectos à defesa do consumidor, como acontece com o Instituto do Consumidor ou com a Inspecção Económica.
Quem, por exemplo, assumiu a defesa do consumidor em aspectos que tão gravemente os lesaram, como o da agressividade das empresas públicas fornecedoras de serviços, como é o caso da EDP, da EPAL e da Telecom, que, sistematicamente, aumentaram os custos dos contratos, os consumos e outros tipos de encargos ao consumidor, na grande maioria das situações com prejuízo dos serviços prestados, porventura preparando-nos, com essas medidas altamente lesivas dos interesses dos consumidores, para as privatizações anunciadas ou em vias de concretização?
Quem defende os consumidores da publicidade enganosa a que todos os dias são submetidos, nomeadamente através, por exemplo, da publicidade bancária? Nesta área é quase certa a falsidade dos índices de remunerações dos depósitos ou dos juros de empréstimos e ainda o acesso ao crédito, que sobre a cor da gratificação tem vindo a constituir uma fonte de individamento e de insegurança para muitas famílias.
Quem, por incapacidade e incúria, foi incapaz de levar à prática o tímido e imperfeito Código de Publicidade existente, sem sequer ter constituído o Conselho de Publicidade nele previsto? Na prática, na publicidade a lei que se pratica é a do «salve-se quem puder», como se vê no dia a dia. Nem as crianças são poupadas à propaganda dos mais variados produtos, inclusive de alguns que lhes são directamente prejudiciais.
Quem fiscalizou eficazmente as situações de especulação, as normas de higiene e de durabilidade dos produtos, quando é drástica a redução do número de quadros e da fiscais da Inspecção Económica?
Quem permitiu a existência de um Instituto do Consumidor tão ineficaz? A consciência da ineficácia era tão grande que o Governo retirou-lhe do nome a palavra «Defesa», certamente por entender que o Instituto do Consumidor não se destinava mesmo a defendê-lo.
O Grupo Parlamentar do PCP entende que a defesa do consumidor passa pela assumpção efectiva dos direitos fundamentais dos consumidores, de modo a que seja possível: a informação e a formação; a efectiva representação dos consumidores, nomeadamente através do apoio às associações que existem e ao fomento de muitas outras, que levem a defesa do consumidor ao maior número possível de regiões do País; uma política de consumidor nas escolas, que mostre a intercomplementaridade das matérias próprias das disciplinas ministradas com a vida concreta sócio-económica.
O Grupo Parlamentar do PCP manifesta-se ainda por uma urgente, eficaz e contínua informação, de modo a que seja assegurado o direito à contrapublicidade, o direito à informação para a saúde, o direito à desmistificação da publicidade abusiva, a obrigatoriedade do alargamento do conceito de parceiro social, de modo a que nele sejam incluídas as associações de defesa do consumidor, permitindo-lhes, entre outros, o acesso ao direito de antena nos órgãos de comunicação social.
O projecto de lei do PS tem, naturalmente, boas intenções e merece o nosso apoio na generalidade. Mas queremos também dizer que, nalguns aspectos, a publicidade que dele é feita é melhor do que o produto. Algumas inovações do projecto, designadamente, já constam de iniciativas do Grupo Parlamentar do PCP. Refiro-me, designadamente, ao projecto de lei n.º 434/VI, sobre a protecção dos consumidores em contratos submetidos a normas de direito público ou com entidades públicas.
Nesta matéria, já tivemos a oportunidade de, ainda recentemente, ouvir o PSD, por via do Sr. Deputado Macário Correia, afirmar que a Directiva 93/13/CEE estava
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transposta para o direito português, designadamente através do Decreto-Lei n.º 446/85. Parece-nos manifestamente que não e congratulamo-nos por, nesta matéria, o PS prever no seu projecto de lei normas que correspondem ao projecto de lei que, oportunamente, apresentámos.
Por outro lado, as normas sobre direito de acção popular, que estão em preparação na sequência de várias iniciativas, designadamente do Grupo Parlamentar do PCP e de outros, vão, certamente, satisfazer o objectivo, que também temos, de assegurar os direitos dos consumidores - e, em particular, das associações de consumidores - nesta matéria.
Há, entretanto, algumas perplexidades que não podemos deixar de apresentar. Uma delas diz respeito à própria definição de consumidor.
Na Lei n.º 26/84, de 19 de Julho (espanhola), para a defesa dos consumidores, aparecem, por exemplo, expressamente incluídas na definição de consumidor «as pessoas colectivas», já que elas também são consumidores.
De algum modo, na Lei n.º 29/81 também é utilizada uma fórmula que inclui as pessoas colectivas, através da expressão «todo aquele que», mas não encontramos neste projecto aquela definição que procura aproximar-se da definição comunitária, contemplando igualmente, de forma autónoma, as pessoas jurídicas colectivas enquanto consumidores, pelo que não vemos vantagem nesta alteração.
Quanto à Comissão para a Segurança de Serviços e Bens de Consumo, criada pelo Decreto-Lei n.º 213/87, tem de dizer-se que ela foi criada na sequência de uma imposição comunitária. Portanto ela não nasceu por mérito do Governo, mas sim porque este foi obrigado a criá-la. Trata-se, eventualmente, de uma questão que ganharíamos em ver reformulada e ser objecto de uma maior operacionalidade, mas temos também de referir que o PS, nesta matéria, limita-se a citar a Comissão e a remeter para regulamentação por parte do Governo.
Como é natural, há a preocupação de intercomplementaridade e interdisciplinaridade entre os vários serviços, da qual partilhamos, mas o projecto de lei é muito limitado em relação à realidade existente, que não é propriamente satisfatória - longe disso - apesar de não ser esta forma de legislar que a tornaria mais satisfatória.
Quanto ao Conselho Geral do Instituto do Consumidor, creio que não tem sido uma forma suficiente de participação, designadamente das associações de consumidores e de outras estruturas, na política de consumo. Em minha opinião, este Conselho Geral, criado pelo Decreto-Lei n.º 195/93 na sequência de estruturas anteriores, precisa de ser dinamizado e de ter um protagonismo maior.
Em relação ao Conselho Nacional do Consumo, que também neste projecto de lei é remetido para regulamentação ulterior, não vemos o que venha a acrescentar de concreto, de positivo, de verdadeiramente inovador neste plano.
Uma outra questão que se coloca tem a ver com os serviços municipais de informação ao consumidor. Creio que estamos todos de acordo em que os municípios e as regiões administrativas deveriam ter um maior papel nesta matéria. Uma política, que entendo não ser a melhor maneira de proceder, de assinatura de protocolos, caso a caso, entre a administração central e os municípios é diferente de uma situação em que a lei prevê serviços municipais de informação ao consumidor mas sem garantir o suporte financeiro que assegure que este não seja um custo adicional para os municípios. De resto, a própria Lei das Finanças Locais prevê que os encargos adicionais para as autarquias locais sejam acompanhados das correspondentes verbas.
Naturalmente, tendo ainda há pouco o Grupo Parlamentar do PS inviabilizado o debate parlamentar de um projecto sobre loteamentos ilegais, porque não tinha sido previamente ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses, cabe perguntar- não obstaculizámos o debate na generalidade deste projecto, mas essa Associação foi ouvida quanto a esta matéria, como, aliás, é obrigatório, nos termos do artigo 150.º do Regimento? Neste plano, que opinião tem?
A este respeito, o nosso entendimento é o seguinte: «sim» à intervenção municipal neste plano, com suporte financeiro adequado e, naturalmente, com a consulta prévia da Associação Nacional de Municípios Portugueses, como, julgamos, se impõe.
De tudo o que referi decorre que votaremos a favor, na generalidade, este projecto de lei, mas não deixaremos de intervir, se tal for consentido, através da introdução de correcções que permitam melhorar o projecto na especialidade, de modo a que ele seja, com efeito, um passo no direito do consumo e na protecção dos direitos dos consumidores e não apenas algo que se apresenta à comunicação social e que não corresponde inteiramente às declarações com as quais é apresentado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, recebi há pouco um fax do Dr. António Neto da Silva, que foi Secretário de Estado do Comércio Externo ainda não há muito tempo, onde expõe uma situação que, pela gravidade que lhe atribuo, gostaria de comunicar à Mesa.
No dia 31 de Maio p.p., o Dr. António Neto da Silva tomou, no Aeroporto de Lisboa - portanto, não vinha de qualquer outro país -, um avião da TAP para o Porto, localidade por onde esse voo passava. Tendo chegado ao Porto, o Dr. António Neto da Silva quis sair do aeroporto e foi-lhe exigido que apresentasse o seu bilhete de identidade. Como se recusou a apresentá-lo, por não aceitar que existam fronteiras internas em Portugal, esteve retido durante uma hora no Aeroporto Sá Carneiro.
Sr. Presidente, como considero esta situação grave e esta exigência feita ao Dr. Neto da Silva ilegal, solicito - e é este o sentido útil da minha interpelação à Mesa - que a Mesa, designadamente o Sr. Presidente, obtenha, junto do Ministério da Administração Interna, razões e justificações para a exigência do bilhete de identidade a cidadãos portugueses nestas circunstâncias.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, este período da ordem do dia resulta de uma marcação do PS e vou respeitar o objecto da nossa discussão de hoje, que é o direito do consumo.
Que um cidadão português, em qualquer parte do território nacional, possa ser interpelado por funcionários que zelam pelos edifícios públicos, pela Polícia, etc., que lhe pede que mostre o bilhete de identidade, parece-me não ofender a dignidade de quem quer que seja, mas vou providenciar no sentido de o Ministério da Administração Interna me dar uma explicação sobre esse acontecimento.
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7 DE JUNHO DE 1995 2693
Vozes do PCP: - Para entrar no Porto?! Em território nacional?!
O Sr. Presidente: - Para entrar num edifício ou no Porto, para desembarcar de um avião, para «mirar no autocarro, para entrar no comboio, em qualquer sítio, podem perguntar-nos: «Quem é o senhor? O que anda aqui a fazer?». Mas, Sr. Deputado, não vou abrir um debate sobre isto. Vou encaminhar a questão para Q ministério competente, para que nos explique a todos nós, e não apenas a mim, se isso aconteceu e o que aconteceu.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa breve intervenção, quero justificar a nossa posição sobre este projecto de lei do Partido Socialista, que vai ser favorável, pois somos a favor da sua aprovação na generalidade, para que se inicie rapidamente um trabalho de discussão e de debate na especialidade, a fim de desfazermos as nossas dúvidas e as de quem as tiver e podermos melhorar este projecto, sob todas as perspectivas que possam aparecer, de modo a, com celeridade, chegarmos a uma nova lei de defesa do consumir. Porquê? Porque, de 1981 para cá, a sociedade alterou-se muito, transformou-se numa sociedade de consumidores. Hoje em dia, os cidadãos são, quer queiram, quer não, consumidores, e uma lei de defesa dos consumidores é, assim, uma lei de defesa do cidadão, perante todos os abusos que possam surgir na área do consumo e também por vias muito diferenciadas, cada vez com mais poder de interferência na esfera da autonomia e liberdade individuais.
Em nosso entender, a defesa do cidadão, nesta perspectiva, é importante, o contributo que este projecto de lei do PS traz parece-nos um bom ponto de partida e sobre ele podemos colocar algumas dúvidas mas nenhuma delas pode invalidar a nossa posição genericamente favorável e de elogio a esta iniciativa.
De tudo o que já foi dito sobre este projecto, pretendo relevar um aspecto que, a meu ver, é importante e constitui, porventura, a mais importante novidade deste projecto de lei.
Logo no seu artigo 2.º, n.º 2, a definição de consumidor inclui «(...) os produtos ou serviços fornecidos a título oneroso pelos organismos da Administração Pública, por pessoas colectivas públicas, e por empresas de capitais públicos (...)». Esta definição alarga a defesa do cidadão consumidor à área dos abusos do poder público, que por diversas vias se podem exercer.
Trata-se de um aspecto extremamente importante, que é tratado de uma forma que nos suscita algumas dúvidas, as quais talvez devêssemos ter colocado ao Sr. Deputado José Vera Jardim, após a sua intervenção inicial, para que ele as esclarecesse. Porventura, neste debate, já não vai haver ocasião para tal, mas com certeza que da discussão na especialidade nascerá alguma luz.
Do nosso ponto de vista, poderemos até dar algum contributo, porque o Partido Socialista trata esta questão, como foi dito na intervenção inicial, através da ampliação dos direitos das associações de consumidores, entre eles o direito de «(...) participarem nas convenções de preços, nomeadamente nos domínios da água, energia, gás, transportes e telecomunicações e a solicitar os esclarecimentos (...)». Ora, quanto a este direito, a questão, tal como está colocada e foi genericamente introduzida pela intervenção do Sr. Deputado José Vera Jardim, suscita-nos, à partida, algumas dúvidas, pois podemos perguntar: com que poder vão participar na convenção de preços?
Dessa resposta decorrerão outras questões. Com que poderes e consequências participarão todas as associações a nível local e regional, em todas as ocasiões - não se trata apenas da EPAL mas, sim, de todas as empresas municipais que tratam de fornecimentos de serviços essenciais por esse País fora -, nessas convenções de preços? Na realidade, esta é uma questão complexa, que gostaríamos de ver tratada na especialidade, também com a nossa contribuição, porventura, para participar na procura de uma redacção que não nos deixe quaisquer dúvidas sobre os mecanismos em causa e as suas consequências.
Eis, portanto, um exemplo que serve para documentar a afirmação que fiz logo de entrada. Temos algumas dúvidas, outras se nos colocam, mas, de um modo geral, temos uma apreciação positiva sobre este projecto de lei, o qual vem responder a uma realidade em mutação acelerada, em que os problemas da protecção do consumidor, do seu direito à informação, da segurança, da representação dos consumidores na defesa dos seus direitos, se colocam hoje numa perspectiva muito diferente e a que a actual legislação já não consegue responder com total eficácia.
Em conclusão, temos uma perspectiva favorável, de aprovação desta iniciativa, apesar de algumas dúvidas, as quais colocaremos em sede de discussão na especialidade, se ela ocorrer.
Gostaria de encerrar esta intervenção com um apelo ao Grupo Parlamentar do PSD, para que possibilite este aperfeiçoamento da lei e, através da sua aprovação final, do aparelho legislativo do Estado português, de modo a responder a estas novas necessidades, que dizem respeito a todos nós e são, como todos vimos, muito importantes.
Vozes do CDS-PP e do Deputado do PS José Vera Jardim: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições e o grupo parlamentar que marcou esta ordem do dia não requereu, conforme era seu direito, a votação na generalidade, ela terá lugar na próxima quinta-feira.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quarta-feira, às 10 horas. A primeira parte do período da ordem do dia compreende o debate sobre o tema «Cooperação e Política de Cooperação», agendado pelo Presidente da Assembleia da República ao abrigo do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento. Retomaremos a sessão às 15 horas, com um período de antes da ordem do dia, dedicado a declarações políticas. Na segunda parte do período da ordem do dia procederemos à discussão na generalidade, na especialidade e à votação final global dos textos de substituição apresentados pela Comissão Eventual para Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares dos Cargos Políticos relativos a esta matéria.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão
Eram 17 horas e 20 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adriano da Silva Pinto.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
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I SÉRIE - NÚMERO 84 2694
António Augusto Fidalgo.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António José Barradas Leilão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Maria Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Maria Moreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Mui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Carlos Alberto Pinto.
Domingos Duarte Lima.
João Álvaro Poças Santos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Ana Maria Dias Bettencourt.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Leis Filipe Nascimento Madeira.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Deputado independente:
Fernandes de Morais e Castro.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
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