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Sexta-feira, 16 de Junho de 1995

I Série - Número 87

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE JUNHO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião.
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.

Ordem do dia.- Na 1.ª parte, foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 121/VI - Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Civil, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Guilherme Silva (PSD), José Vera Jardim (PS) e Narana Coissoró (CDS-PP),

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a alguns outros entrados na Mesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) condenou os incidentes de carácter racista e xenófobo ocorridos no Bairro Alto, em Lisboa, e a política agrícola e de desenvolvimento do Governo No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado João Maçãs (PSD).
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) analisou as causas dos actos violentos de racismo e de xenofobia no Bairro Alto, tendo feito a sua condenação
O Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD) pôs em destaque a acção do Grupo Parlamentar e do Governo do PSD na Legislatura que agora termina e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Queiró (CDS-PP) e Jaime Gama (PS).
O Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) realçou as tradições de fraternidade nas relações do povo português com outros povos e verberou a política de segurança do Governo. Respondeu, também, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Silva Marques (PSD) - que usou ainda da palavra para defesa da honra e consideração - Mário Tomé (indep.) e António Filipe (PCP).
O Sr. Deputado Rui Rio (PSD) criticou as propostas eleitorais do PS para a área da economia e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Ferro Rodrigues (PS)
O Sr. Deputado Alexandrino Saldanha (PCP) deu conta à Câmara das posições do seu partido relativamente a medidas do Governo quanto à privatização de algumas empresas públicas
Sobre os votos n.º 147/VI - De condenação pelo assassinato de Alando Monteiro por um grupo de skinheads (Deputado independente Mano Tomé), 148/VI - De pesar pelo falecimento de Alando Monteiro em consequência de agressões praticadas por um grupo de "cabeças rapadas" (PS) e 149/V1- De pesar pelo falecimento de Alando Monteiro, vítima da violência racista (PCP), fizeram intervenções os Srs Deputados Mário Tomé (Indep.), Miranda Calha (PS), António Filipe (PCP), Adriano Moreira (CDS-PP) e Sousa Lara (PSD) Procedeu-se, depois, à votação, tendo o primeiro sido rejeitado e os outros dois aprovados, guardando a Câmara um minuto de silêncio

Ordem do dia.- Na 2.ª parte, foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 128/VI - Autarca o Governa a legislar em matéria de princípios, objectivos e instrumentos do ordenamento do território, de regime geral da ocupação, uso e transformação do solo para fins urbanísticos, bem como de regime do planeamento territorial e sua execução. Intervieram, a diverso título, além do Sr Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira ), os Srs. Deputados José Manuel Moía (PCP), Manuel Queiró (CDS-PP), Leonor Coutinho (PS) e Carlos Pinto, João Matos e Manuel Moreira (PSD)
Finalmente, foi apreciada, também na generalidade, a proposta de lei n.º 133/VI - Autoriza o Governo a estabelecer o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto (Castro Almeida), os Srs. Deputados Laurentino Dias (PS), Manuel Queiró (CDS-PP), Miranda Calha (PS). António Filipe (PCP) e José Cesário (PSD).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leilão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abrem.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Alves Marques Júnior.
António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Eduardo dos Reis
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Mana Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.

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Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos c(ar início à primeira parte da ordem do dia, com a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 121/VI- Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Civil.
Para uma intervenção inicial, tem a palavra o Sr, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na área da Justiça, integra o programa do XII Governo a afirmação inequívoca de prosseguimento de uma linha de "desburocratização e de modernização, ao mesmo tempo capaz de responder pela segurança e pela estabilização do quadro jurídico-legislativo, em que se aponta (...) para a revisão (...) do Código de Processo Civil" .
Tal facto levou a que, em 27 de Janeiro de, í992, o Ministro da Justiça tivesse traçado em termos amplos as linhas fundamentais que deveriam presidir à revisão da actual legislação processual civil, de forma a tomar a justiça mais eficaz, mais célere e, portanto, mais justa.
Aí se preconizava a constituição de um grupo de trabalho informal e restrito, integrando magistrados e advogados, que ficou mandatado para elaborar as,"Linhas Orientadoras da nova legislação processual civil".
Findo o trabalho, iniciou-se, como também se preconizava, um debate público, tendo como ponto de; referência o aludido documento, que ocorreu no segundo semestre do ano de 1993.
Sem a preocupação de se proceder, aqui e agora, a uma avaliação exaustiva, sempre se diga que a filosofia que percorre as "Linhas Orientadoras da nova legislação processual civil" mereceu um muito satisfatório acolhimento por parte dos diversos operadores judiciários, o que nos permitiu concluir que o caminho ficou traçado.
Importava, então, materializar a reforma, com a clara intenção de, a prazo, ser erigido um novo Código de Processo Civil
E, assim, no decurso do ano de 1994, a Comissão de Revisão preparou um diploma legal que, percorrendo horizontalmente todo o actual Código de Processo Civil, deu um sinal inequívoco do ideário por que gê optou, sempre com a preocupação de nunca perder de vista o todo, o edifício acabado, que será o novo Código de Processo Civil.
Pretendeu-se com a reforma da legislação processual civil prosseguir uma linha de desburocratização e de modernização, com vista a melhor atingir a qualidade na prestação de serviços ao cidadão que recorre aos tribunais, esforço esse que passa nomeadamente por uma verdadeira simplificação processual.
Pretendeu-se, portanto, construir um novo instrumento legal, moderno, verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários, manifestamente simplificado nos seus incidentes, providências, intervenção de terceiros e processos especiais, e de linguagem clara e inequívoca, não sendo, numa palavra, nem mais nem menos do que uma ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem a rápida, mas segura, concretização dos seus direitos.
Pretendeu-se ainda que se opere uma mudança, que também é uma opção por uma clara ruptura, não no sentido de ruptura com o passado, mas de ruptura manifesta com a actual legislação, com o objectivo de ser conseguida uma tramitação maleável, capaz de se adequar a uma realidade em constante mutação e de ser detentora de uma linguagem clara e acessível, que não prossiga e persiga velhas e ultrapassadas querelas doutrinárias, mas que aponte, a par da certeza e da segurança do direito e da afirmação da liberdade e da autonomia da vontade das partes, para claros índices de eficácia.
Ter-se-á de considerar o processo civil e o futuro Código como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material, pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista, que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.
É, assim, o processo civil um instrumento, ou talvez mesmo uma alavanca, no sentido de forçar a análise, discussão e decisão dos factos e não uma ciência que olvide esses factos, para se assumir apenas como uma teorética de linguagem hermética, inacessível e pouco transparente para os seus destinatários.
Por isso mesmo, na presente reforma se dá especial relevo à garantia da prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio da cooperação, o qual pressupõe uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão.
Tem-se em vista particularmente a. adequação da legislação processual civil, num esforço de modernização e de simplificação, às exigências da realidade social presente, o que permitirá concretizar o princípio constitucional do acesso à Justiça, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República. .
Destacaria, pela sua importância e pelo seu carácter inovador, ao nível dos princípios gerais que enformarão o novo Código de Processo Civil, o princípio da cooperação, que constitui uma referência essencial no modelo que se preconiza Na condução do processo, devem o Tribunal, as partes e os seus mandatários cooperar entre si, de modo a alcançar, com celeridade e eficácia, a justa composição do litígio.
São diversas e importantes as implicações deste princípio, tais como: dever de agir de boa fé, para as partes;

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dever de pontualidade, para o tribunal e para as partes; maior transparência e inteligibilidade no que respeita às notificações; verificação de prévio acordo entre o tribunal e os mandatários judiciais interessados no que respeita à marcação de dia e hora para a realização de diligências; dever de suprimento de obstáculo para o tribunal, sempre que alguma das partes mostre séria dificuldade na obtenção de documentos ou informações susceptíveis de condicionar o eficaz exercício da faculdade ou cumprimento de ónus ou dever processual.
Manifestação relevantíssima deste princípio - da cooperação - é a consagração da fase da audiência preliminar, de natureza marcadamente inovadora, já que, com a sua introdução no processo comum de declaração, a actual fase de saneamento e condensação do processo sofrerá total reestruturação.
O seu objectivo primordial é o de permitir o debate aberto e amplo entre o juiz e os mandatários das partes e, em geral, as próprias partes, removendo, desde logo e sempre que possível, as irregularidades e insuficiências que prejudiquem a instância; também nela deverá ser delimitado, de modo definitivo, o objecto do processo e fixada a respectiva base instrutória.
Poderemos considerar esta fase como a pedra angular de todo o processo e de toda a reforma, já que será neste momento que ocorrerá a primeira intervenção do juiz, liberto que fica do despacho liminar.
Dá-se corpo a uma visão participada e cooperante do processo, ao invés do que hoje ocorre, em que a postura individualista e autoritária são o paradigma do actual Código.
É uma fase processual, pois, que se pretende seja o espelho do novo Código de Processo Civil, pressupondo um debate leal e franco entre o juiz e os mandatários, sem subterfúgios, nem reservas mentais, cuja preocupação primordial é buscar a verdade material, decepando todo o processo do acessório, centrando todas as atenções na procura duma célere, mas conscienciosa, decisão de fundo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Temos, com certeza, a plena consciência que, sobretudo nesta sede, se impõe a renovação de algumas mentalidades, de alguns preconceitos, para darem lugar a um espírito humilde e construtivo, não desvirtuando, no entanto, o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo a produzir o resultado que a todos interessa - cooperar com boa fé numa sã administração da justiça.
Tem-se consciência que, sem esta nova cultura judiciária, facilmente se poderá qualificar de utópica ou mesmo caótica esta nova fase processual e, como tal, pôr em causa um dos aspectos mais significativos da reforma.
Contudo, todos os restantes princípios gerais estruturantes do processo civil densificam, em termos detalhados e específicos, o princípio constitucional de acesso à justiça e aos tribunais. Este direito de acesso envolve, por exemplo, a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, quer esses obstáculos advenham de regras relativas à fiscalidade, quer a regras atinentes às custas judiciais.
Envolve, ainda, um posicionamento mais activo do juiz no processo, providenciando oficiosamente pelo suprimento dos pressupostos processuais, bem como permitindo-lhe a adequação dos diversos trâmites às especificidades da causa que tem entre mãos para decidir.
Por outro lado, o direito de acesso à justiça tem como pressuposto um inequívoco e transparente direito de defesa, que passa, nomeadamente, pela faculdade de deduzir oposição antes que seja proferida qualquer decisão e pela atenuação da rigidez dos prazos preclusivos ou cominatórios e, num manifesto reforço do princípio do contraditório, prevê-se a proibição de serem proferidas
"decisões-surpresa".
Dando também resposta a uma crítica tantas e tantas vezes ouvida e para dar corpo ao princípio da igualdade das partes, cessam os privilégios processuais do Estado, possibilitando-se, em pé de igualdade, que qualquer das partes, se apresentar ponderosas razões, poderá o Tribunal excepcionalmente prorrogar o prazo para, por exemplo, contestar.
Conseguiu-se, enfim, uma justa ponderação entre os princípios do dispositivo e da oficiosidade, podendo-se atender a factos instrumentais não alegados pelas partes e a factos essenciais à procedência da acção ou da excepção que resultem da discussão da causa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei de autorização legislativa prevê, como já tive ocasião de dizer, e como V. Ex.ª já constataram ao analisarem o projecto de decreto-lei anexo, uma ampla reforma que atravessa todo o actual Código de Processo Civil Ser-me-ia impossível, até pelas limitações temporais existentes, dar a conhecer todas as opções tomadas, todas as medidas inovadoras previstas.
Seleccionarei algumas, para melhor documentar a extensão e profundidade da reforma.
Assim, no tocante às providências cautelares, prevê-se a possibilidade de arresto contra o comerciante e caminha-se para uma providência cautelar tipo.
Na intervenção de terceiros, e muito sucintamente, pôs-se fim ao casuísmo e ao excessivo pendor regulamentar, ficando apenas consagrados três incidentes: a intervenção, a oposição e a assistência.
Com efeito, a estrutura e concreta regulamentação processual do fenómeno da intervenção de terceiros no Código do Processo Civil vigente presta-se a críticas fundadas, já que ao intérprete e aplicador do direito se depara uma excessiva multiplicidade de formas ou tipos de intervenção de terceiros, delineados muitas vezes com base em critérios heterogéneos. Tal situação determina a existência de sobreposição parcial dos campos de aplicação de diversos incidentes.
Inovação de tomo é, seguramente, o regime do registo da prova, já parcialmente instituído por diploma legal autónomo, que constitui o colmatar de justas aspirações de há décadas dos advogados portugueses.
Com o registo da prova na audiência de discussão e julgamento efectiva-se um real segundo grau de jurisdição em matéria de facto, possibilitando-se aos Tribunais da Relação uma verdadeira apreciação fáctica do pleito e não tão-só, como hoje sucede, uma reapreciação, as mais das vezes meramente formal, da questão de facto.
Tal medida vai, seguramente, apelar a um grau acrescido de responsabilização dos diversos operadores judiciários, ao mesmo tempo que torna a sua conduta e os seus procedimentos mais claros e transparentes e, por isso mesmo, também mais isentos.
Conexionada com toda a problemática do registo da prova, encontra-se o tema dos recursos, que mereceu, igualmente, uma significativa revisão
Sem pôr em causa, neste momento, a perspectiva dualista do recurso, porquanto se considerou que só quando da elaboração do novo Código tal questão se deverá colocar, para não haver uma profunda mutação sistemática, são de realçar, no entanto, diversas inovações.

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Questão de particular complexidade é a que decorre da criação dos mecanismos processuais adequados à fixação de jurisprudência na área de processo civil, face às dúvidas reiteradamente afirmadas pela doutrina sob a natureza "legislativa" e a constitucionalidade dos assentos e à necessidade de harmonizar o regime do actual recurso para o Tribunal Pleno com o decidido pela jurisprudência constitucional.
A solução encontrada baseou-se, no essencial, no regime da "revista ampliada", solução claramente vantajosa em termos de celeridade, eliminando-se a actual "quarta instância" de recurso, e, consequentemente, o instituto dos assentos.
No que se refere a recursos interpostos, em que estejam em causa questões processuais e em que a jurisprudência dos tribunais superiores seja uniforme, não será lícito interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Ao invés, sempre que a questão a decidir for unicamente de direito, e nisso acordarem as partes e o Tribunal, o recurso a interpor da decisão proferida era 1.ª instância, desde que o valor seja superior à alçada do Tribunal da Relação, será directamente, per saltum, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça.
No que se refere ao julgamento do recurso, amplia-se muito significativamente o elenco das competências atribuídas ao relator, permitindo-se-lhe, inclusivamente,, julgar, singular e liminarmente, o objecto do recurso, nos casos de manifesta improcedência ou de o mesmo versar sobre questões simples e já repetidamente apreciadas na jurisprudência.
No atinente ao processo executivo, introduziram-se igualmente importantes inovações, de que se destaca a ampliação muito significativa do enlenco dos títulos executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias. Ao mesmo tempo, conferiu-se eficácia suspensiva aos embargos de executado, quando, fundando-se a execução em escrito particular com assinatura não reconhecida o embargante alegar a não autenticidade da assinatura.
Tais medidas - a que se adita o processo de injunção já em vigor - fará diminuir drasticamente a instauração de acções de declaração condenatórias.
Profunda alteração mereceu também o instituto da penhora, nomeadamente no que concerne à penhor" de direitos e à penhora a incidir sobre expectativas de direitos.
Aboliu-se a venda em hasta pública, passando a ser o regime regra o das propostas em carta fechada.
Sr Presidente, Srs. Deputados: A presente autorização legislativa, que se destina a balizar e a consubstanciar uma ampla reforma do Código de Processo Civil, é nitidamente profunda e audaz nas opções encontradas.
É de tal forma ampla e profunda - mais de 600 artigos são alterados - que não se compadece com uma justificação e explicação detalhada nesta Câmara, em ,sede de Plenário.
Contudo, e apraz-me sobremaneira explicitar este facto, nunca nenhuma reforma processual foi, nos. últimos anos, tão amplamente debatida, quer na Assembleia da República, pelas oportunas audições parlamentares efectivadas pela l.ª Comissão, quer fora desta Câmara, pelos inúmeros encontros, reuniões e palestras que o Ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados e a Comissão de Revisão potenciou. Ainda recentemente, no IV Congresso da Ordem dos Advogados, que ocorreu no. Funchal, as opções legislativas tomadas nesta sede foram, em termos praticamente unânimes, aplaudidas. Se não estamos perante uma reforma consensual, estaremos, seguramente, muito perto dela.
E, nesse sentido, o decreto-lei anexo ao pedido de autorização legislativa, que hoje se discute nesta Assembleia, mantém-se aberto às sugestões, críticas e observações que nos queiram fazer chegar.
Já muitos contributos nos foram facultados, alguns de grande valia técnica e que irão enriquecer o diploma; outros chegarão e irão merecer a mesma atenção e a mesma análise.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos convictos que a revisão do Código de Processo Civil, que hoje apresentamos a VV. Ex.ªs, aponta o caminho para a elaboração, num futuro, que poderá ser próximo, tal o trabalho já produzido, de um novo Código de Processo Civil.
As opções estão tomadas. Está-lhe subjacente toda uma filosofia que marca a nossa época e que acompanha as legislações mais modernas e que se têm revelado mais eficazes - a procura da verdade material, havendo em tal procura a estrita necessidade de uma real cooperação entre o juiz e os mandatários judiciais
Esperamos que essa leal e sã cooperação seja a imagem de marca dos nossos tribunais e que todos que, de alguma forma, estão empenhados na administração da justiça sejam capazes de acompanhar os novos tempos que se aproximam e os novos apelos que a todos vão ser pedidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs Deputados Narana Coissoró e Odete Santos
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares avisou-me que o Sr. Ministro da Justiça se encontra impossibilitado de comparecer em Plenário por se encontrar doente. Desejo as suas rápidas melhoras.
Apesar do seu valor pessoal, V. Ex.ª não ficaria menosprezado se estivesse aqui presente também o Sr. Ministro da Justiça para debater um problema tão importante com é do Código de Processo Civil
Como V. Ex.ª sabe, porque é magistrado, desde a reforma do Professor Alberto dos Reis que não temos um Código de Processo Civil tão actual como era no tempo em que ele o fez. E, nos últimos 8 ou 10 anos, não se falou de outra coisa que não seja fazer um novo Código de Processo Civil
Nomearam-se professores e operadores de justiça, como agora é vulgar dizer-se, os artífices de justiça, fizeram-se conferências e fizeram-se mil e uma coisas, mas o que é certo é que ninguém foi capaz de fazer o novo Código. Há uma década que se trabalha para fazer um código para o ano 2000. O Professor Alberto dos Reis fez um código para a segunda metade do nosso século e o Governo nem sequer é capaz de preparar um para a entrada do novo século.
Os problemas que os tribunais atravessam são tantos que todos nós, todos os dias, damos conta de que o nosso Código de Processo Civil está velho, anquilosado, e estamos a deitar remendos, mas remendos maus, num tecido que foi bom, mas que agora está gasto.

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Vamos, naturalmente, tratar disso em Comissão, quando discutirmos o projecto de Código de Processo Civil na especialidade e julgo que V. Ex.ª o mandará antes de publicar para, depois, não haver recurso à ratificação, porque existem seiscentos e tal artigos remendados que têm de ser vistos com cuidado.
Gostaria, no entanto, que me esclarecesse sobre o problema da citação. A citação nos processos mais importantes é agora entregue ao carteiro. Este vai à morada do citando, segundo o que reza o novo remendo feito no capítulo da citação, bate à porta, aparece uma empregada doméstica e ele pede-lhe o bilhete de identidade.
Nós já aqui tivemos um grande debate sobre o problema de o bilhete de identidade poder ou não ser exigido, e a esse respeito há até um acórdão do Tribunal Constitucional que os senhores deveriam ler.
Primeiro, o carteiro não pode exigir a ninguém que lhe mostre o bilhete de identidade ou o que quer que seja, e sobre isso já tivemos nesta Câmara um longo debate, mas VV. Ex.ªs querem reeditar agora um novo debate sobre a possibilidade de as empregadas de servir, as mães, os pais ou os filhos serem obrigados a mostrar ao carteiro o bilhete de identidade ou outro documento de identificação. Portanto, por aí, existe um grande buraco porque ninguém vai apresentar o bilhete de identidade ou o que quer que seja.
Depois, mesmo que estas pessoas apresentem o bilhete de identidade, parte-se da presunção de que essa pessoa entregou a citação ao citando. E a formalidade essencial da citação, que é a de avisar o citando da acção, dos seus direitos, do prazo que tem para contestar e do que deve fazer, ou seja, tudo o que consta do Código de Processo Civil, porque aqui nada foi modificado e não pode ser cumprido pelo carteiro. Se o carteiro for um analfabeto ou se a pessoa que recebe a carta registada for iletrada e não souber dizer o que recebeu, o que lhe disseram, veja lá o sarilho em que se mete.
Ora, não satisfeitos com isso e como a formalidade não acaba aqui, chegado ao tribunal o aviso de recepção, o funcionário judicial, passados alguns dias, escreve ao citando outra carta registada a dizer que a citação feita pelo carteiro, por via postal, e que lhe foi entregue, é já considerada definitiva, e como tal citado. Pergunto: como é que esta segunda carta é entregue? Esta segunda carta, enviada pelo funcionário judicial, é também entregue da mesma maneira? O carteiro bate à porta, pede à empregada doméstica que lhe mostre o bilhete de identidade... Toma lá...! Dá cá...! Assina ou não...! E vai o cartãozinho para a caixa do correio para irem levantar a carta. Então, quando é que começa a correr a prazo, a partir da segunda ou da primeira? Afinal, para que serviu a segunda carta, só para aumentar a burocracia, para meter medo?! Veja lá a confusão em V. Ex.ª se meteu!
Para terminar, pois terei de fazer uma intervenção e já só disponho de 4 minutos, gostaria, pelo menos, que nos explicasse, bem explicadinho, como se costuma dizer, o que é isto de uma citação com um duplo aviso de recepção.

O Sr Presidente: - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Odete Santos, quero cumprimentar o Sr. Deputado Narana Coissoró pela sua autolimitação, pois esqueci-me de avisá-lo de que já tinha ultrapassado o tempo regimental.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, vou, muito rapidamente, formular algumas perguntas.
Em primeiro lugar, o preâmbulo do projecto de decreto-lei diz que a Comissão Revisora trabalhou com um limite temporal muito apertado. No entanto, parece que essa ampla discussão, esse amplo debate, não terá sido tanto assim. Apesar de já se vir a debater há muito a necessidade de se proceder a uma revisão do Código de Processo Civil, a verdade é que só a partir de Abril de 1994 é que esta Comissão deu início aos debates, e a Assembleia, embora tenha feito audições - é verdade que as fez, mas também é verdade que, por isto cair num final de legislatura, não se pode comparar o trabalho que ela pôde fazer em sede de alterações do Código Penal com o trabalho que agora se pôde fazer, e não estou a deitar culpas a ninguém, a não ser ao Governo que quer discutir isto, assim, no final de uma legislatura, à pressa-, não pôde dedicar-se devidamente a esta questão E o processo civil é uma matéria, apesar de aborrecida e complexa para as pessoas que não estão dentro do assunto, extraordinariamente importante, e creio que a Comissão Revisora teria desejado ir mais longe. Perante isto, gostaria de colocar-lhe algumas questões.
Em relação, por exemplo, à igualdade de armas, ela não é completa nem total. O Ministério Público é dispensado de fazer alegações em recurso, por exemplo; o Ministério Público renuncia ou desiste, e isso não tem qualquer efeito processual. Portanto, aqui não se avançou tão longe como seria desejável.
Em segundo lugar, relacionado com as perguntas feitas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró acerca das citações, pergunto: não se precludem gravemente direitos por causa de se ter ido à questão das formalidades da citação, mesmo das essenciais, passando-as para nulidades em vez de falta de citação? Têm de ser arguidas no prazo de cinco dias a partir da data da citação? Ora, se a pessoa nem teve conhecimento, e muitas vezes não o tem, de que de facto foi citada- e isso acontece muito nas citações editais-, como é que pode ter esses cinco dias a contar da falta de citação? Creio que, em relação ao sistema actual, o Código piorou no que toca ao direito de defesa do réu.
Uma outra questão, Sr. Secretário de Estado- por que razão se tratam as acções sumárias, mesmo em termos de acções não contestadas, como se fossem umas enteadas? O juiz condena de preceito - e claro que sei que tem um efeito cominatório semi-pleno -, mas não precisa de fundamentar. Porquê? Por que é que os réus, nas acções sumárias, mesmo não contestando, não tem direito à fundamentação da decisão, até para poderem arguir nulidades, por exemplo? Creio que este é também um ponto importante.
Irei tratar de outras questões na intervenção que proferirei dentro em pouco No entanto, gostaria ainda de perguntar: acredita que a organização judiciária, que VV. Ex.ªs criaram, entortando a existente, vai, efectivamente, entrar em vigor, na prática, nas suas maiores virtualidades? Não é verdade que a própria Comissão Revisora desconfia disso, deixando até "as portas abertas" para questões angulares, como a relativa à não realização da audiência preliminar pelo juiz?

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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, começo por agradecer as questões que me foram colocadas pelos Srs. Deputados Narana Coissoró e Odete Santos.
Sr. Deputado Narana Coissoró, a Itália tem em vigor um código ainda do tempo de Mussolini e estão há 30. anos a trabalhar na reforma desse código. Entretanto, há B anos, foi aprovada uma reforma que tem entre 70 a 80 artigos. Isto para dizer que alterar um código de processo civil, nomeadamente os que foram feitos nas primeiras décadas deste século, como é o caso do código português e do italiano, demora, normalmente, muito tempo.
Esta reforma, a nosso ver, tem o condão de tar, percorrido todo o Código de Processo Civil e de ter marcado um ideário muito claro no sentido de se pesquisar com alguma facilidade, como se pretende, o novo código. Posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que, face aos trabalhos produzidos, à revisão feita, em meu entender, é com alguma facilidade - e digo isto com toda a responsabilidade - que se fará um novo código a prazo. É com alguma facilidade! Devo dizer-lhe também que é nosso propósito deixar a comissão revisora em funções, no sentido de ser elaborado um novo código. O próximo governo, obviamente, mandatará, ou não, essa comissão, com esse desiderato, mas é de facto nosso propósito deixar-lhe um mandato claro para elaborar um novo código a partir de um ideário, e da reforma que hoje apresentamos à Assembleia da República.
Sr. Deputado, o facto de a primeira citação ser por via postal é, enfim, uma questão com algum melindre e que nos fez pensar muito no seio da comissão de reforma. É óbvio que o ideal - como toda a gente sabe - é a citação pessoal; é a de ser o funcionário de justiça a citar o réu. No entanto, também todos sabemos, como é extremamente difícil, sobretudo nos grandes meios urbanos. E inviável este tipo de citação. Por isso mesmo, estabelecemos, como ocorre hoje para as sociedades, para as pessoas colectivas, a citação por via postal como
regime-regra, mas abriu-se a possibilidade de haver, de facto, outros tipos de citação, nomeadamente uma, que é muito cará aos regimes anglo-saxónicos - mas que entre nós pode ter alguma receptividade, pelo menos abrimos uma porta:- , que é a citação feita pelo mandatário ou por alguém que o mandatário judicial encarrega de fazer. É óbvio que há alguns riscos, como os apresentados naquelas situações pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, quase parodiando a empregada doméstica e o carteiro, mas eles são de alguma forma colmatados pela ampliação que houve no tocante à falta e à nulidade de citação. Portanto, pretendeu-se dar - e aqui discordo da Sr.ª Deputada Odete Santos - um leque muito mais largo e vasto de mecanismos d£ defesa, por forma a poder haver uma reacção legítima à falta dessa citação. E, por isso mesmo, também foram dados aos juizes poderes de controlo muito eficazes relativamente a uma eventual nulidade ou falta de citação.
Sr. Deputado Narana Coissoró, a carta mandada a posteriori, a que chamaria de carta cautelar, é aquela que o escrivão, o funcionário do tribunal, envia no caso de a citação ser feita por via postal, exactamente por esta forma não ter a fiabilidade absoluta que acentuei, a fim de reafirmar, de confirmar que a pessoa em causa foi citada no dia tal, e, portanto, o prazo da contestação é o do acto dia; citação e não o da carta remetida. E a lei esclarece de facto este mecanismo. Logo, como eu disse, essa carta será tida apenas como uma medida cautelar no sentido de se ter a certeza de que a pessoa em causa recebeu efectivamente a carta. Outras questões foram...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - Então, se o prazo não começa a contar, por que é preciso a segunda?

O Orador: - Para chamar a atenção de que o acto da citação já ocorreu. É apenas uma carta cautelar.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não é correcto; funciona como aviso!

O Orador: - Não! Está a correr o prazo, e os Srs. Deputados, no projecto, no seu articulado, verão de facto o mecanismo previsto.
Sr. ª Deputada Odete Santos, vou responder às suas perguntas de uma forma frontal.
Penso que não se pode, de forma alguma, dizer que se está a discutir à pressa uma revisão do Código de Processo Civil. Há pouco, aquando da minha intervenção, tive ocasião de dizer que esta não foi uma reforma apressada. Iniciou-se em Janeiro de 1992, mais precisamente, quando o Ministro da Justiça mandatou um grupo de trabalho, que, depois, se veio a transformar em comissão, para elaborar as linhas orientadoras da nova legislação processual civil, que constam da reforma.
Essas linhas orientadores mereceram um debate, durante mais de um ano, posso dizê-lo, até fins de 1993; mereceram um amplo debate, não só no seio das magistraturas, da advocacia, dos diversos operadores judiciais. E depois de esse debate estar, de alguma forma, sedimentado, em Abril de 1994, o Ministro da Justiça nomeou a comissão de revisão do Código de Processo Civil, com um mandato muito claro e muito preciso, para, a partir do ideário, das grandes opções, da filosofia das linhas orientadoras da nova legislação processual civil, fazer uma reforma que abordasse todas as zonas de bloqueio do actual Código de Processo Civil. E foi, digamos, cumprindo esse mandato, a partir de Abril de 1994 até ao fim desse mesmo ano - devo salientar este facto, até por ser o coordenador dessa comissão -, que a comissão conseguiu fazer todo este trabalho, com grande esforço, pois, praticamente, não houve férias nos meses de verão, nem se pensou nisso, para se conseguir ter, ao fim do ano, este trabalho. E a partir daí houve outro debate. A edição que os Srs. Deputados receberam em Março foi editada em Fevereiro, e desde essa altura até agora tem havido um amplo debate sobre as grandes revisões.

A Sr.ª Odete Santos (PCP). - E pensa que é suficiente, para quem está aqui a debater tanta coisa!...

O Orador: - Ó Sr.ª Deputada, todos nós temos... De Fevereiro a Junho, penso que é um tempo...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, mas não há tempo! Fico aflita quando vejo que não há tempo!

O Orador: - Se a Sr.ª Deputada me deixar falar .

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, Sr. Secretário de Estado, mas fico aflita quando vejo que não há tempo!

O Orador: - Sr.ª Deputada, todos nós temos, enfim, os nossos afazeres. Há prioridades, e, para nós, era uma

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prioridade apresentar esta reforma de uma forma cuidada, como está apresentada, e discutida, como foi.
Portanto, na nossa perspectiva, demos ao Parlamento, uma vez que veio no princípio do ano, esta edição e, a meu ver, o prazo razoável, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Deputada pode ter de facto muitos afazeres e, por esse facto, não ter tido tempo de a ver com todo o cuidado, no entanto, penso que demos o tempo mais que razoável para a apreciarem. E - e penso que esta é uma nota importante a aditar - o Governo, como a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente, nos termos constitucionais, tinha apenas de pedir autorização legislativa para uma das circunscritas matérias da reserva da Assembleia da República, nomeadamente, direitos de defesa, acesso ao direito, eventualmente penhora e competência dos tribunais. Porém, o Governo optou por apresentar, como, aliás, vem sendo habitual, nomeadamente na área da justiça, um pedido de autorização legislativa para essas matérias da área da competência reservada da Assembleia da República, mas enviou o projecto de decreto-lei, em anexo, para os Srs. Deputados verem qual a amplitude da reforma e para que a discussão que hoje estamos aqui a ter não se circunscrevesse a um mero pedido de autorização legislativa, em que se diria...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso não está em questão!

O Orador: - Está em questão, Sr.ª Deputada, porque a nossa...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não está em questão!

O Orador: - Está, porque a nossa metodologia podia ter sido a inversa, e então, aí, a Sr.ª Deputada estaria a dizer: "Vão alterar o Código de Processo Civil todo e nós não sabemos como"! Mas sabe! Está aqui!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu disse que não estava aqui!? O que eu disse é que tínhamos pouco tempo!

O Orador: - A Sr.ª Deputada fará uma intervenção quando entender.
Relativamente à questão do direito de igualdade das partes, devo dizer que este é de facto um dos grandes princípios, e penso que já se foi muito, muito, longe, tendo em conta a situação que hoje existe. Todos os Srs. Deputados que lidam com as coisas da justiça sabem perfeitamente o que se passa, no que toca, nomeadamente, aos constantes pedidos de prorrogação do prazo para o Ministério Público contestar, e, quanto a essa questão, pomos o Ministério Público em pé de igualdade com qualquer outra parte, em processo civil. Facto que, no meu entender, é um passo extremamente importante e significativo. No entanto, tem de haver algum gradualismo, e a Sr.ª Deputada tem razão naquelas questões que referiu, como se não tivesse estabelecido totalmente o princípio da igualdade. É verdade, mas penso que não se poderia ir, nesta fase, mais além!
Já referi o problema da falta ou da nulidade da citação.
Relativamente ao processo sumário em que uma acção não seja contestada, o que se pretende, quando se diz que não há fundamentação, é que não é necessária uma fundamentação muito minuciosa, até por se ter dado um passo importante no sentido de a cominação ser semi-plena e não plena, como até agora ocorre (os Srs. Deputados sabem-no), para além de dar-se a possibilidade de o juiz conhecer de direito.
A Sr.ª Deputada falou em nulidades de que o juiz não poderia conhecer mas respondo-lhe que não só pode como deve, porque o juiz conhece de direito quando profere a decisão e o que se quer dizer com o facto de não ser necessária fundamentação é que não é necessária uma fundamentação excessivamente casuística. Contudo, como é óbvio, o juiz tem de fundamentar de direito a sua decisão, senão, a sentença seria nula, já que esse é um dos seus pressupostos e requisitos.
A última questão colocada diz respeito à organização judiciária e, Sr.ª Deputada, vou ser muito franco relativamente a este problema: pessoalmente, estou convencido de que a organização judiciária que temos dá resposta a esta reforma do processo civil. Julgo apenas que, para a tornar absolutamente eficaz quando estiver em vigor, em todo o território nacional, o registo da prova, eventualmente necessitaremos de mais dois tribunais da relação. Portanto, na minha perspectiva, quando estiver em vigor, em todo o país - uma vez que, neste momento, apenas vigora nas comarcas de ingresso -, o regime de registo da prova, julgo que a organização judiciária portuguesa necessitará provavelmente de mais dois tribunais da relação.
Relativamente à organização judiciária existente a nível da primeira instância, estou convencido de que poderá fazer-se um ou outro ajustamento a nível do reequilíbrio dos diversos juízos cíveis das grandes comarcas mas não é necessária uma reforma profunda da nossa organização judiciária.
Finalmente, julgo que o problema da audiência preliminar ir-se-á resolver com alguma facilidade no dia-a-dia dos tribunais porque, como se sabe, só naqueles casos em que a acção é complexa será marcada uma audiência preliminar. Na nossa perspectiva, esta pode ser a forma de os processos evoluírem mais rapidamente, uma vez que quer o juiz quer os advogados vão acompanhar essa audiência preliminar conhecendo o processo e com certeza que, com alguma eficácia, o trabalharão e disporão da base instrutória para que o julgamento se realize a curto prazo. Ora, a nível de organização judiciária, era o que tinha para dizer.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tem vindo o Governo, no cumprimento do seu programa, a apresentar à Assembleia da República, ao longo da presente legislatura, um conjunto de diplomas que, não indo nalguns casos tão longe quanto desejaríamos, não deixa, porém, de constituir uma verdadeira reforma da justiça.
Ainda há bem pouco tempo foi aprovado o diploma que procedeu à revisão do Código Penal; na última quinta-feira, votámos a lei que autoriza o Governo a proceder à liberalização do Notariado; temos ainda entre mãos a revisão, embora reduzida, do Código do Processo Penal e as alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que vem criar uma - de há muito desejada - instância intermédia entre os Tribunais Administrativos de Círculo e o Supremo Tribunal Administrativo, ampliando as garantias jurisdicionais dos cidadãos.
Não faltarão vozes a dizer que é pouco e outras ainda a dizer que não têm sido boas as soluções encontradas.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Já surgiram!

O Orador: - É saudável, próprio e enriquecedor do debate democrático que assim seja. Receio, porém, que o ambiente pré-eleitoral que já caracteriza o momento em que debatemos diplomas da importância que tem a proposta de lei n.º 121/VI, que "Autoriza o Governa a rever o Código de Processo Civil", possa desvirtuar a discussão e tornar menos sérios contributos que, nem por serem discordantes, não devem merecer de todos nós menor atenção e ponderação.
As reformas dos grandes Códigos, pese embora a celeridade com que hoje ocorrem as mutações sociais associadas e muitas vezes decorrentes de profundos avanços e transformações tecnológicas, só devem ser lavadas a cabo de muitos em muitos anos.
Se a inflação legislativa é, quase sempre, perniciosa por ser geradora de instabilidade e incerteza, no que toca aos diplomas fundamentais do nosso ordenamento jurídico, ela deve ser a todo o custo evitada. Confesso que, a tal respeito, sou dos que preferem a acusação de omissão do que a censura do excesso. Porém, no que se refere ao Código de Processo Civil, de há muito que todos sentimos ser chegada a hora de fazer-se a sua profunda revisão.
Seria, contudo, de uma profunda ingratidão não reconhecer, com toda a clareza, quanto a justiça em Portugal deve ao insigne Mestre, o Professor José Alberto dos Reis, por uma obra ímpar como o Código de Processo Civil ainda hoje vigente. Mas as coisas são coroo são e não é possível, com as exigências, designadamente de celeridade processual que é legítimo aos cidadãos, verem asseguradas pelos tribunais, manter, ainda que com as alterações que ao longo dos anos lhe foram sendo introduzidas, por mais tempo, a actual lei processual.
Proceder à simplificação do processo e da sua tramitação e à desburocratização dos procedimentos, actualizando e introduzindo uma nova filosofia no velho Código do Professor Alberto dos Reis é ainda uma forma de prestar-lhe, justa e merecida homenagem, dando uma nova alma a um corpo que, apesar disso, continuará a ser o que ele criou.
Sou dos que defendem a reforma gradativa da lei processual e, por isso, aplaudo a opção pela revisão em prejuízo, no imediato, da ideia da elaboração de um novo Código, que não deve, no entanto, ser abandonada.
As reformas graduais permitem a conciliação das soluções experimentadas do passado que se revelam ainda adequadas com soluções novas e de cuja prática e execução havemos de tirar os ensinamentos úteis para, a oportuna elaboração de um novo Código. Mas é bom ter presente que, enquanto profunda alteração da filosofia, esta revisão, não o deixando de ser, conduz praticamente a um novo Código.
Um Código de Processo Civil, sendo um instrumento adjectivo essencial para a garantia e efectivação dos direitos em concreto, é também uma das leis sem a qual não é possível proporcionar aos cidadãos o direito fundamental ao adequado acesso ao direito, aos tribunais e à justiça, com a eficiência, isenção e prontidão que a Constituição pretende assegurar.
Importa, pois, verificar em que medida os princípios que agora se pretendem introduzir e as novas soluções que se vão consagrar contribuem para melhor se atingirem tais objectivos.
A acentuação do princípio da igualdade e do princípio do contraditório, a atenuação do princípio da preclusão, a sanabilidade da falta de pressupostos processuais, o afastamento dos impedimentos fiscais, de preparos e de custas como condição de acesso aos tribunais, a facultativa simplificação da tramitação processual, a atendibilidade de factos relevantes decorrentes da discussão, ainda que não alegados, a flexibilização da citação, a possibilidade de se ultrapassarem mais facilmente questões de litisconsórcio, de coligação e de formas de cumulação, o alargamento dos títulos executivos e uma maior colaboração do tribunal na identificação e localização de bens penhoráveis, a eliminação da venda em hasta pública, a garantia geral da prevalência do fundo sobre a forma associada a um maior poder de intervenção do juiz e a introdução do princípio da cooperação envolvendo uma participação mais activa das partes, e a introdução da audição preliminar com uma amplitude de intervenção do juiz e das partes, que poderá simplificar, em muito, a posterior tramitação processual ou até mesmo permitir pôr termo ao processo, são avanços e inovações da maior relevância.
Todo este conjunto de princípios e alterações, entre outras, vão no sentido de a revisão do Código de Processo Civil, que a Assembleia autorizará o Governo a concretizar aprovando a proposta de lei ora em debate, garantir que, sem prejuízo da certeza e da segurança do direito e do respeito pelas partes e pela sua vontade, se assegure maior celeridade e maior prontidão na decisão e composição dos litígios.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não foi apenas agora que se ensaiaram alguns passos com vista à revisão do processo civil. Já em 1988 e em 1993 foram elaborados anteprojectos que não vieram a ter sequência.
O trabalho agora plasmado nas linhas gerais da presente lei de autorização decorreu das linhas orientadoras da nova legislação processual civil, trabalho este elaborado por um grupo coordenado pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
Tal documento foi posto à discussão pública durante largos meses. Pelo despacho n.º 14/94, de 15 de Abril, o Sr. Ministro da Justiça encarregou o Sr. Secretário de Estado, Dr. Borges Soeiro, de coordenar um grupo de trabalho para elaborar, com base naquele anterior documento, o projecto de revisão do Código de Processo Civil.
Tal comissão integrou os mais eminentes e qualificados juristas cujos nomes me compraz citar, homenageando o seu meritório labor, que a superior qualidade do projecto patenteia. Foram eles o Sr. Juiz Conselheiro Afonso de Melo, o Sr. Juiz Desembargador Faria Baptista, o Sr. Procurador-Geral Adjunto Lopes do Rego, o Sr. Dr. João Correia, designado pela Ordem dos Advogados, e a Sr.ª Dr.ª Márcia Portela, adjunta do Sr. Ministro da Justiça.
Frequentemente ouvimos, da parte dos Srs. Deputados que integram os grupos parlamentares da oposição, críticas ao Governo por não facultar à Assembleia elementos relativos aos decretos-lei que pretende aprovar, como os ouvimos acusar a maioria de impedir o debate aprofundado, designadamente em Comissão, de diplomas mais ou menos relevantes. Espero, apesar do período pré-eleitoral e de quase campanha em que já vivemos, ouvir ecos, das bancadas da oposição, de reconhecimento de quanto ocorreu a propósito da proposta de lei agora em debate neste Plenário.
Na verdade, o Governo enviou conjuntamente com a proposta de lei de autorização o projecto de decreto-lei que pretende aprovar, além de ter entregue à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias vários exemplares, que foram distribuídos, da separa-

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ta com o projecto de revisão do Código de Processo Civil, publicada pelo Ministério da Justiça.
Por sua vez, a 1.ª Comissão realizou um vasto conjunto de audições, em que debateu o projecto de revisão do processo civil. Iniciou tais audições reunindo a comissão de revisão que elaborou o projecto; recebeu, para o mesmo efeito, o Conselho Superior de Magistratura, o Sr. Procurador-Geral da República, a Ordem dos Advogados, a Associação Sindical dos Juizes Portugueses, o sindicato do Ministério Público, a Câmara dos Solicitadores, o Sindicato dos Funcionários Judiciais, o Fórum Justiça e Liberdade e dois ilustres membros da equipa do Prof. Dr. Beja Santos, que elaborou recentemente um estudo sobre a situação dos tribunais. Encerrou este vasto ciclo de audições recebendo, de novo, a comissão de revisão e o seu coordenador, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
Escusado será referir o particular interesse de tais audições nem sempre participadas com a desejável amplitude cie presenças dos Srs. Deputados dos vários grupos parlamentares e cuja gravação vai permitir a sua oportuna publicação.
De não menor interesse se revestem os pareceres escritos que algumas destas entidades nos deixaram e que temos encaminhado para o Governo e para a comissão de revisão, que continuará a acompanhar a preparação do decreto-lei a aprovar ao abrigo da presente autorização, já que, de um modo geral, tais sugestões serão de ponderar nessa sede, não colidindo com as linhas gerais da proposta de lei de autorização.
Como Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, não posso, pois, deixar de expressar aqui a minha gratidão a todas as entidades citadas pela disponibilidade e pelo precioso contributo que deram para um debate melhor reflectido e mais aprofundado da proposta de lei n.º 121/VI,
Naturalmente que há opiniões divergentes quanto a este ou àquele instituto, quanto a esta ou àquela disposição ou solução concreta. Porém, de uma forma geral, as opiniões ali expressas e que as actas registam são de acolhimento positivo da revisão que se pretende agora concretizar e convergentes quanto à sua oportunidade e premência.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se há sectores em que não basta legislar, mesmo consagrando as soluções dominantemente tidas por mais acertadas, para que se operem melhorias significativas no funcionamento da administração ou dos serviços, a justiça é um deles.
É preciso legislar, criar melhores condições de trabalho, instalações e apetrechamento, mas é necessário também a boa vontade e o empenho de todos os operadores judiciários, desde os seus funcionários aos advogados, passando pelos Srs. Magistrados. Todos têm uma quota parte importante no êxito ou no cumprimento das reformas.
Faltaria à verdade se não assumisse aqui a leitura de que algumas sugestões ou reticências, que aqui ou ali foi possível registar, não vinham por vezes marcadas por algum interesse ou óptica de índole mais ou menos corporativa.
Ter-se-á de compreender que quem legisla, seja a Assembleia da República, seja o Governo, ao mesmo tempo que tem o dever de auscultar tudo e todos, também tem o dever de encontrar as soluções que constituam resposta adequada à satisfação dos legítimos interesses dos cidadãos, neste caso dos utentes da justiça e de cujo somatório ou síntese resulta um interesse nacional, que tem de estar sempre acima de todos os demais.
Estou certo de que, para usar a feliz expressão constante da exposição de motivos do projecto agora em discussão, entrar-se-á numa nova era de "leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários" e de que estes compreenderão que o Código de Processo Civil revisto mais não será do que "uma ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem uma rápida mas rigorosa concretização dos seus direitos".

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr Vice-Presidente José Manuel Mata

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Srs. Deputados: Antes de mais, lamento a ausência, já justificada, do Sr. Ministro da Justiça. Efectivamente, o Sr. Ministro da Justiça tem andado um pouco arredado dos nossos trabalhos, mas desta vez com justificação. Aliás, agradeço a V Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, que lhe transmita os nossos desejos de um rápido restabelecimento.
De facto, com o Sr Ministro da Administração Interna na China, é caso para dizer que agora já não se pergunta apenas onde está a polícia, mas onde estão os ministros! Espero, pois, que o Sr. Ministro da Justiça possa, rapidamente, soerguer-se do leito e tomar nas mãos os destinos do Ministério da Justiça, que bem precisado anda de mãos que lhe tomem a rédea
Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, V. Ex.ª, bem como o Sr. Deputado Guilherme Silva, falaram muito dos amplos debates e discussões a que este projecto foi sujeito mas, tendo andado os Governos do PSD, de há 10 anos a esta parle, entretidos a tentar mini-reformas, reformas parciais, maxi-reformas do Código de Processo Civil, naturalmente não podem vir aqui dizer que o facto de terem dado 30 ou 40 dias à Assembleia da República para discutir umas centenas de artigos é algo que está correcto e perfeito. É que não está, Sr. Secretário de Estado! Não está!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não está, não!

O Orador: - E a prova disso está no facto de várias das entidades que se deslocaram a esta Câmara, na primeira sessão, terem dito: "Ainda não tivemos tempo!". E muitos dos trabalhos que foram aqui entregues ressentem-se disso, naturalmente. Mais: até o próprio Governo foi forçado a "dar" prazos suplementares - tinha fixado, inicialmente, o dia 18 de Maio - precisamente para permitir que algumas dessas entidades pudessem ler o projecto de Código.
Portanto, um Governo que anda, há 10 anos ou mais - e digo "mais" porque, como V. Ex.ª bem sabe, a pasta da justiça está há muito mais de 10 anos sob a responsabilidade de ministros do PSD -, embrulhado na reforma do Código de Processo Civil não pode depois vir vangloriar-se de ter dado algumas semanas ao Parlamento para digerir umas centenas de artigos.
Coloca-se, aliás, a seguinte questão: tendo havido alguma discussão e, sobretudo, dadas algumas contribuições muito criticas - e V. Ex.ª conhece, certamente, uma que tenho comigo, com cerca de 150 páginas, das quais 120 são de críticas-, permitia-me perguntar como é que a Comissão e o Governo vão digerir estas críticas e o que

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teremos afinal? O projecto de hoje ou um projecto totalmente novo?

Sr. Secretário de Estado, há dois anos o Partido Socialista apresentou, nesta Câmara, um projecto de lei que pretendia reformar algumas dezenas de artigos do Código de Processo Civil. Hoje esse projecto de lei jaz e arrefece nas gavetas desta Assembleia
Nesse projecto dizia-se, entre outras coisas: "Depois da mini-reforma de 1985, têm-se gorado, sucessiva e ingloriamente, as várias tentativas do Governo do PSD para pôr de pé uma verdadeira reforma do processo civil. O ante-projecto de 1988, elaborado pela mesma comissão que já tinha produzido a reforma de 1985, sujeito a discussão pública, foi metido na gaveta pelo Governo; um outro projecto, aparecido em 1990, nunca foi publicado nem discutido.
Em Janeiro de 1992, o Ministro da Justiça norteia uma comissão - em Janeiro de 1992, Sr. Secretário de Estado! -, presidida pelo Secretário de Estado, para propõe, em 30 dias, as linhas gerais do novo código. Nove meses depois, a comissão fez entrega do seu trabalho. Este consta já de um texto, cuja discussão pública, anunciada pelo Ministro da Justiça em princípios de Fevereiro deste ano," - estávamos então em 1993 - "ainda não se iniciou.
A incapacidade do Governo para levar por diante a urgente reforma do processo civil, de que aliás são tributárias outras formas de processo, ligadas às infelizes reformas que introduziu e em que continua a insistir relativas à orgânica judiciária, agravam cada vez mais a situação dos tribunais". E termino com uma última citação do preâmbulo desse projecto que aqui apresentámos: "Ao ritmo do Governo entraremos no século XXI com uma lei processual própria do século XIX".
Sr. Secretário de Estado, as críticas feitas no preâmbulo desse projecto de lei, aliás nunca citado pelo Governo que, porventura, o desconhece ou faz que desconhece, e onde se propunham muitas das reformas que já podiam ter sido feitas há dois anos e que hoje vêm no projecto de decreto-lei, mantêm-se, em boa parte, de pé. È a pergunta que acabei de fazer há pouco, ou seja, a de saber se entraremos no século XXI com um Código do século XIX, também ainda tem, mesmo perante este projecto de lei, alguma fundamentação.
Por fim, e para terminar as citações, deixe-me agora citar uma frase do preâmbulo do projecto da autoria, certamente, do Sr. Ministro da Justiça ou de V. Ex.ª, ou mesmo solidária, que diz o seguinte: "Não se trata de uma reforma no sentido da ruptura com o passado". Não se trata, pois não! E é pena que assim não seja, porque ficamos sem saber, afinal, para quando a verdadeira reforma do processo civil.
O que se apresenta agora? Uma reforma quo continua dentro do sistema que vigora há mais de 50 anos, Sr. Secretário de Estado. Perguntamos se depois de 10 anos de tentativas não se foi, pelo menos, pouco audaz! Ou não se terá ido demasiado longe para um projecto que mantém duas filosofias completamente distintas e contraditórias? Estamos numa revisão parcial ou a caminho de um código novo, ao deixar intocada a concepção básica e sistemática do Código de Processo Civil?
Nalguns casos, foi-se para novos conceitos pouco trabalhados que poderão dar azo a dificuldades interpretativas, como, por exemplo: factos instrumentais e caso julgado como excepção dilatória. Mas não se foi tão longe noutros aspectos, porventura mais carecidos dê reforma. Refiro-me ao litisconsórcio e coligação, à acção executiva e recursos.
Importava que as alterações a introduzir, e que desde 1983 são objecto de discussão, fossem claramente no sentido de dar conteúdo útil ao preceito constitucional do acesso ao direito e à justiça Este deve dar corpo não só ao direito de acção e à defesa, como ao direito ao tratamento equitativo das partes, ao princípio do contraditório e da igualdade de armas e, também, ao direito fundamental a obter decisão em prazo razoável, sem esquecer, naturalmente, os aspectos que se ligam à especial situação das partes carecidas de meios para pleitear em juízo e ao seu direito ao patrocínio
Teremos, com esta reforma, criado as condições para a realização plena do preceito constitucional'' Para tanto, seria, pelo menos, necessário alargar o seu objecto e ter a coragem de sujeitar a uma reapreciação crítica todo o corpo legislativo que constitui a Lei Orgânica dos Tribunais, nos seus vários aspectos, e de encarar com determinação uma legislação arcaica e injusta em matéria de custas. Neste particular, continuamos a ficar com as promessas repetidas há mais de três anos e, aliás, também repetidas, ainda há dias, por V. Ex.ª em sede de comissão.
Por outro lado, redacções como a do artigo 145.º do projecto, relativo a custas e a multas, deixam-nos as maiores dúvidas. Continua a insistir-se em excessivas penalizações pela simples perda de um prazo ou por um atraso.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas seria também essencial dotar os tribunais de instrumentos de gestão modernos, de funcionários com preparação específica mais adequada para as tarefas que lhe são exigíveis e de tecnologias hoje acessíveis a toda a organização que se queira minimamente adaptada aos ritmos da vida actual.
Seria necessário, em suma, retirar a nota dominante do nosso aparelho judiciário: o arcaísmo dos seus métodos de trabalho, da sua linguagem e dos seus processos de decisão. Era necessário aqui aquilo que o projecto expressamente rejeita, ou seja, era necessário, repito, uma ruptura com o passado. Têm faltado ao Governo, sistematicamente, imaginação e coragem para isso; não era, pois, de esperar que aparecessem agora, nos últimos dias da sua precária governação.
De qualquer forma, a recepção no projecto dos princípios da cooperação, da igualdade das partes, a ampliação do princípio do contraditório e a supressão dos entraves de natureza fiscal, do direito de acesso e uma maior flexibilização de muitas regras, prazos peremptórios e cominações actualmente existentes eram, de si, já suficientes para podermos encarar, de alguma forma, positivamente o projecto objecto da presente autorização legislativa. Trata-se de princípios de há muito reclamados pelos vários intervenientes processuais, mormente pelos advogados, e que consubstanciam o primado da verdade material sobre a verdade formal e situam o processo nas suas correctas coordenadas: como um instrumento ao serviço do apuramento da verdade material.
São dados contributos positivos para uma maior racionalidade e eficácia das normas processuais. E para que o processo seja um modelo de cooperação, baseado na boa fé e na busca da verdade, as alterações introduzidas na noção de justo impedimento, na possibilidade de prorrogação de prazos, na concertação entre intervenientes para marcação de diligências, na redução e simplificação das tarefas do juiz significam, a par de outras, melhorias no iter processual, com vista à aceleração do processo ou à

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não preclusão da apreciação de fundo, por questões meramente formais, a qual constitui, hoje, uma das mais clamorosas deficiências da justiça cível portuguesa.
Em matéria de recursos, a possibilidade do recurso per saltum da primeira instância para o Supremo Tribunal de Justiça e a substituição do assento pela figura do julgamento alargado às secções cíveis constituem duas soluções aceitáveis, as quais, sem afectarem os direitos fundamentais das partes, podem conduzir a um desagravamento dos tribunais superiores e a uma recolocação dos problemas suscitados pela figura do assento em sede de constitucionalidade.
A dicotomia agravo/apelação-revista e, sobretudo, as complexas regras de subida dos agravos mantém-se inexplicavelmente, assim como não se tomam quaisquer medidas para acelerar a expedição do recurso e a descida ao tribunal a quo.
Também neste particular, Sr. Secretário de Estado, continua por fazer o necessário desdobramento dos actuais tribunais de relação, com a criação de novos tribunais que permitam, sobretudo, manter as Relações de Lisboa e do Porto em termos que propiciem uma gestão adequada dos processos. Trata-se de mais uma questão, ligada à orgânica dos tribunais, a demonstrar a ineficácia do Governo neste tipo de situações, as quais acabam por fazer soçobrar as reformas legislativas, por mais bem intencionadas que sejam.
Também no processo executivo se ficou bastante aquém do desejado, embora a ampliação dos títulos executivos, a diferenciação de execuções baseadas em título judicial e extrajudicial, a eliminação do privilégio da moratória forçada e a solução da venda por proposta em carta fechada sejam aspectos positivos que importa realçar e que traduzirão um processo mais célere e, porventura, mais equitativo, em matéria que constitui hoje, na maior parte dos casos, uma completa frustração dos direitos dos exequentes.
Ficam, no entanto, por solucionar problemas como a forma simplificada de processos executivos, a continuação de privilégios creditórios injustificados, as custas na execução e, em geral, todas as disposições que fazem aproveitar ao Estado e a outras entidades públicas a iniciativa do exequente, continuando assim a serem mantidas situações de injustiça e precaridade.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Depois de um processo de discussão que recolheu diversos contributos críticos de extrema relevância, apesar das limitações que já apontei, melhor seria que o projecto, a partir da Comissão que o elaborou e num diálogo aprofundado com as organizações representativas dos vários operadores judiciários, pudesse agora vir a ser melhorado, muito melhorado, em muitas das suas disposições, a partir dos contributos já existentes e dos que ainda possam ser carreados para o debate. Efectivamente, foram questionadas muitas soluções, há omissões claras e preceitos que justificam muitas dúvidas.
Deixámos propositadamente para o fim a questão, porventura, mais debatida e, certamente, uma das essenciais do processo do novo código ou do Código reformado, como se queira: a audiência preliminar, prevista no artigo 508.º-A. Trata-se do novo elemento organizador de todo o processo em que se condensa e ordena tudo o que até aí foi praticado e se relançam as fases subsequentes, isto é, as fases instrutória e de julgamento.
A audiência preliminar, tal como o julgamento, até porque poderá, em certos casos, substitui-lo, vai exigir uma adequada preparação de advogados e magistrados, que deverão, já nessa altura, dominar todas as questões fundamentais, para ali as debaterem, delimitando o objecto e colaborando na fixação da matéria de facto relevante, indicando até, desde logo, os meios de prova.
Levanta-se, no entanto, uma dúvida, que já tive ocasião de expressar em sede de comissão, em especial, no debate com a Comissão Revisora: a redacção da alínea d) do artigo 508.º-A será suficiente para indicar claramente uma visão diversa da do existente e tão debatido questionário? A questão continua a suscitar-se, mas não há dúvida de que a existência da audiência preliminar poderá fazer mudar os nossos processos e sobretudo a prática processual e judiciária, aproximando-a da de outros países europeus com tendências bastante mais modernizantes
Muito haveria ainda a debater, mas não cabem aqui, nesta sede parlamentar, neste Plenário, debates de índole demasiado técnica ou tecnicista, que, aliás, nem o tempo nos permitiria desenvolver.
Não sabemos o que vai suceder a esta proposta ou, melhor, ao projecto que ela sustenta. Por nós, e já o dissemos, o debate não devia terminar aqui, deveria ser continuado, no sentido de assimilar o fundamental das críticas, aperfeiçoar redacções e passar várias soluções por novos crivos de experiência acumulada. Tememos que a pressa eleitoral possa impedir que tudo seja feito como devia. Ter-se-á perdido a oportunidade de encontrar o caminho certo! O rumo, não o temos por errado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, a quem dou, de imediato, a palavra.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, houve alguns aspectos da sua intervenção que, de facto, não compreendi. E não compreendi pelo seguinte ou V. Ex.ª não ouviu com atenção aquilo que disse na minha intervenção inicial ou, então, há qualquer confusão metodológica nos trabalhos. É que aquilo que referi inicialmente, com toda a clareza, em relação ao projecto de decreto-lei anexo ao pedido de autorização legislativa, foi que tínhamos recebido contributos de valia técnica, nomeadamente o que o Sr. Deputado tinha na mão, estávamos a analisá-los, iam enriquecer o decreto-lei e outros chegariam, com certeza, e seriam também analisados.
De qualquer forma, hoje não estamos aqui a aprovar o decreto-lei e julgo que a petição de princípio de V. Ex.ª foi efectivamente a de considerar que estávamos a aprová-lo. Não é isso que estamos a fazer, estamos a aprovar o pedido de autorização legislativa.
Relativamente ao decreto-lei, e como V. Ex.ª sabe, até que seja promulgada e publicada a autorização legislativa ainda decorrem pelo menos dois ou três meses. A Comissão vai ter o trabalho de analisar as propostas, as objecções e as críticas.
Portanto, Sr Deputado José Vera Jardim, de facto, não compreendo onde está a pressa da reforma, a precipitação do Governo e a fúria eleitoral, uma vez que o Governo ainda vai fazer um trabalho sério, nos seus gabinetes, ouvindo quem deve ser ouvido, e só então aprovará o decreto-lei, com toda a legitimidade que tem para o fazer até Outubro.
Efectivamente, não sei onde estão as pressas e era isso que gostava que o Sr. Deputado esclarecesse.

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(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, já expliquei a questão das pressas É que VV. Ex.ªs - e digo VV. Ex.ªs no sentido de governos do PSD e ministros do PSD - andam "embrulhados" nesta reforma do Código de Processo Civil há uma dúzia de anos, mas quando chegam aqui dão à Assembleia 40 ou 45 dias para discutir centenas de artigos!

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Não, não!

O Orador:- Sim! A não ser que V. Ex.ª diga o seguinte: "Isto foi-lhes mandado por deferência e ã única coisa que VV. Ex.ªs têm de discutir comigo é a lei de autorização legislativa". Mas então, se V Ex.ª disser isso, o nosso trabalho em sede de Comissão foi em vão, porque ouvimos as pessoas que lá foram sobre o livro que V. Ex.ª nos mandou e não sobre a autorização. Se era apenas sobre isso, não valia a pena ter ouvido todas as pessoas que lá foram e todas as instituições que gê fizeram representar.
Em todo o caso, Sr. Secretário de Estado, também lhe explico por que razão entendo que o fundamental ainda está por fazer. É muito simples: VV. Ex.ªs apresentaram esta proposta, mas ela tem dezenas de críticas, para não dizer centenas. Assim, pergunto: que projecto vai sair daqui? É que se VV. Ex.ªs - V. Ex.ª, o Sr. Ministro e a Comissão - vão julgar, pura e simplesmente, com o vosso doutíssimo parecer, daqui a três meses poderemos ter um código completamente diferente do que aqui está. E posso dar-lhe já um exemplo, Sr. Secretário de Estado: num documento que aqui tenho, da autoria do Professor Lebre de Freitas, põe-se em causa - e, pessoalmente, devo dizer que não estou de acordo com isso - que, nesta reforma, deva ter lugar o desaparecimento da especificação e questionário. Posto isso, pergunto-lhe o seguinte: vão ou não aceitar esta posição?
Mas como este podia dar-lhe dezenas de exemplos, Sr. Secretário de Estado, e suponha V. Ex.ª que, por acaso, aceitavam... Suponha!
Ora, posso dar dezenas de exemplos, contudo a grande questão que se coloca e a seguinte: os senhores lançam o debate, mas lançam-no amputado, porque nesse debate foram dados contributos, porventura, já eles amputados E V. Ex.ª, certamente, não me quer fazer acreditar que os Srs. Magistrados, se tivessem mais tempo, não produziriam mais do que 12 folhas de papel com meia dúzia de críticas. É evidente que tiveram pouco tempo e, aliás, declararam-no.
Assim, o que pergunto é se VV. Ex.ªs vão ou não aceitar todas estas críticas e o que é que vai sair da vossa proposta. É que, segundo me parece, não está em causa uma discussão, o que VV. Ex.ªs vão fazer é julgar todas as críticas que foram feitas e decidir, sem apelo tem agravo, neste caso concreto, sem agravo nem apelação. E é isso que discuto!
V. Ex.ª, em Outubro - não sei quando, mas disse dois ou três meses -, começa a estar numa zona perigosa, pelo que, se não se apressa, o código, naturalmente, só saíra em finais de Outubro e, nessa altura, é capaz de já não sair...

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Deputado, se me permite, o apelo e o agravo são o instituto da ratificação do decreto-lei.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Era isso que queríamos evitar!

O Orador: - Talvez não!... Mas está bem, Sr. Secretário de Estado! Eu ou outras pessoas, nessa altura, cá estaremos!
Agora, do que começo a duvidar é de que V. Ex.ª, com esse profundo trabalho que vai fazer nos meses de Julho e Agosto, possa, em tempo e sem pressas, absorver, mastigar e digerir todas as críticas que foram dirigidas ao código. E as que aqui fiz, mantenho-as!
Portanto, neste momento, V. Ex.ª deve estar esclarecido sobre aquilo que eu disse.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia)- - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados. A necessidade de revisão do Código de Processo Civil vem-se sentindo já há muitos anos. Pode, no entanto, dizer-se que, antes de uma revisão profunda, a prática e as novas realidades demonstraram que, mesmo sem um novo código, já teria sido possível introduzir algumas alterações que democratizassem as normas processuais ao dispor dos cidadãos para realização do seu direito de acesso aos tribunais e à justiça material.
Não podemos deixar de registar, por exemplo, que chega tardiamente a possibilidade de requerer o arresto contra comerciantes.
Ao longo de muitos anos, depois de uma primeira fase em que os tribunais do trabalho aceitaram a possibilidade de decretar arresto contra comerciantes, para garantia de créditos dos trabalhadores, e tendo sido posteriormente firmada, pelos tribunais superiores, jurisprudência em sentido contrário, por se considerar que estas dívidas eram dívidas comerciais, muitos trabalhadores foram verdadeiramente espoliados dos seus direitos pela proibição inadmissível constante da lei processual.
Mas este é apenas um exemplo, entre muitos,...

O Sr. José Vera Jardim (PS)- - É do século XIX!

A Oradora: - ... daquilo que, em sede de lei adjectiva, já há muito tempo deveria ter sido consagrado.
O imobilismo que se foi justificando pelo anúncio de uma reforma mais ampla levou a que se mantivesse, para além do razoável, um sistema caracterizado pela verdade formal, armadilhando o caminho das mais variadas formas: preclusão de direitos, através, por exemplo, do Código das Custas Judiciais, de proibições de prova, do endeusamento de regras processuais e do efeito cominatório pleno. Tudo conducente a uma decisão espartilhada, relegando para segundo plano o direito material aplicável.
Algumas das soluções a que a Comissão Revisora chegou, no sentido de democratizar o processo civil - e gostaria de registar aqui que o Sr. Secretário de Estado disse que o Ministério da Justiça colocou "balizas" à Comissão Revisora -, eram, pois, reclamadas há muito tempo, sendo, no entanto, de salientar que algumas das tímidas virtualidades que o actual Código contém, no sentido da realiza-

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cão do direito material, não foram aproveitadas na sua plenitude na prática dos tribunais. Tal tem acontecido, por exemplo, com a inquirição de testemunhas não oferecidas por iniciativa do tribunal, e o Código permite que elas sejam inquiridas nos termos do artigo 645.º, tal tem acontecido com a disposição que permite a formulação de novos quesitos e pode mesmo dizer-se que, apesar das especialidades do processo do trabalho, a prática tem vindo a aproximar perigosamente a lei processual laborai da lei processual civil.
E claro que a inércia no uso das disposições do processo civil que abrem a porta à verdade material - e são muito poucas - sucede porque aquelas normas não configuram verdadeiramente um poder vinculado do juiz, mas um poder discricionário.
Ora, a verdade é que o actual projecto, o que estamos a debater, consagrando o princípio de uma maior intervenção do juiz, o qual nos parece correcto, configura de uma forma nebulosa alguns dos poderes, que não aparecem suficientemente caracterizados como deveres, e não poderes discricionários, e consagra, em muitas disposições, estes últimos poderes discricionários.
Concretizando, o artigo 264.º, n.º 3, através do qual se permite que o juiz considere, na decisão, factos essenciais insuficientemente alegados, não configura claramente este poder como um poder vinculado - e, neste aspecto, parece-nos que o Professor Lebre de Freitas tem razão. Por outro lado, parece haver alguma contradição entre este artigo e aquilo que se prevê em relação à audiência preliminar. É que o artigo 508.º-A não restringe a possibilidade de suprimento pelo juiz de insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto, mas o princípio consignado na parte geral conhece limitações: é preciso que a parle manifeste a vontade de aproveitar factos insuficientemente alegados.
Alguma indecisão transparece, pois, dos preceitos em que surge aligeirado o princípio dispositivo, por forma a poder questionar-se validamente sobre a repercussão, na prática, de tais dispositivos.
Adivinha-se que, tal como com o actual Código, se venha a fazer um uso muito parco - ou se possa vir a fazer, nomeadamente pela falta de condições - de poderes que a lei, o projecto, hesitou em caracterizar como deveres, por indicação à Comissão Revisora do Ministério da Justiça.
Parecem-nos ainda excessivos os poderes discricionários concedidos ao juiz. Este pode, ou não, decidir se a audiência preliminar terá como objectivo o suprimento de insuficiências e imprecisões dos articulados, pode nomear um perito substituto em vez da parte, o tribunal de 2.ª instância pode ou não decidir recorrer à gravação da prova feita em l.ª instância, o juiz de execução pode fixar o valor a anunciar para a venda do bem penhorado e é inadmissível recurso do despacho em que se fixe o valor base.
Num sistema processual em que se pretende instituir a cooperação entre todos os intervenientes parece-nos que, em termos teóricos, a generosidade na concessão de tantos poderes discricionários limita ou pode limitar aquela cooperação, engrenando mal aquelas normas com as que apontam para que se privilegie o contacto do julgador com as partes.
Mas, apesar de hesitante aqui e além nas opções sobre questões de fundo - e mais adiante voltaremos a esta questão -, a verdade é que do cômputo global das soluções adoptadas se fica, mesmo assim, com a convicção de que muitas das inovadoras soluções dificilmente ultrapassarão a barreira da organização judiciária, que impede os contactos do julgador com as partes, que dificulta a realização do direito à justiça material.
A verdade é que os tribunais e os magistrados não dispõem hoje dos meios necessários para cumprir muito do que se inscreve na presente reforma - nem os funcionários judiciais.
E talvez porque a Comissão Revisora soubesse isto mesmo - parece que não, parece que é o Ministério da Justiça que sabe e colocou as balizas -, ficou nalguns casos aberta uma grande margem de discricionaridade na aplicação de algumas soluções, mesmo daquelas que constituem autênticos ângulos do sistema que vem desenhado.
Noutros casos, naqueles em que se situam preferentemente os utentes da justiça das classes mais desfavorecidas, a discricionariedade é ainda maior e assinalam-se entorses nos princípios previamente instituídos como norteadores da reforma da lei processual civil.
Por exemplo, a audiência preliminar, uma das inovações com que se quis revolucionar o sistema, pode não se realizar no processo ordinário, não nos casos em que o Sr. Secretário de Estado falou - disse que era apenas quando fosse complexo, mas não e assim no processo ordinário - mas quando se destine exclusivamente à fixação da base instrutória. O conceito "simplicidade da causa", balizador da actividade do juiz, é um conceito demasiadamente vago e relativo. E como não aparece claramente definido como poder vinculado do julgador o de realizar a audiência preliminar, a intervenção do juiz para suprir as insuficiências da alegação de factos e a realização do direito material por esta via surge com possibilidades de ficar seriamente comprometida.
No processo sumário, que e, de facto, aquele que pelos seus valores atinge mais as classes desfavorecidas, a questão é encarada de outra maneira e em prejuízo dessas pessoas. A realização da audiência preliminar é configurada como uma excepção e não como uma regra. E se juntarmos a esta característica da excepcionalidade o facto de não ser necessário fundamentar a sentença no processo sumário, nas acções não contestadas, porque não é, - aqui diz-se que o juiz se limita, na sentença, a condenar o réu no pedido -, concluiremos que, de facto, o processo civil dificilmente se vai despindo das suas características de processo colocado ao serviço das classes mais favorecidas, o que é visível no projecto, pese embora as inovações do mesmo.
É na área das classes economicamente débeis que o contacto do julgador com as partes é mais limitado, é nesta área que se mantêm ainda, embora mitigadamente, algumas consequências do efeito cominatório pleno - algumas e não todas, como a que já apontei.
Ao fim e ao cabo, as reformas permitidas pelo Ministério da Justiça não deixam de trazer a marca de que se tem de trabalhar para as estatísticas do Ministério, ainda que se sacrifiquem direitos dos cidadãos.
Apesar das melhorias que a Comissão - trabalhando num curto espaço de tempo, assinale-se - conseguiu introduzir, a verdade é que a necessidade de acelerar, de qualquer forma, a marcha processual aparece em proibições, no que toca à prova, cerceando o direito de acção e de defesa. Aparece na sujeição ao arbítrio da parte contrária, no que toca à substituição de testemunhas. Surge nas limitações ao recurso de agravo em segunda instância e aparece na manutenção do espartilho da limitação do número de testemunhas para cada facto. Mantém-se naquilo com que se pretende arredar - aliás, bem - o questionário muito pouco próprio de um processo civil democrático.

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Na base instrutória, uma vez que não se conseguiu ir mais longe na que toca ao ónus de impugnação especificada, continuamos a reconhecer o questionário. No objectivo de aceleração processual, mesmo à custa de ,direitos fundamentais, nomeadamente do direito ao contraditório, insere-se também a prestação de depoimentos por escrito, preceito que nos parece inconstitucional.
Naquele mesmo objectivo de aceleração a toda O custo inserem-se outras disposições, como as respeitantes à nulidade de citações Sobre este assunto, a qua já me referi, gostava de dizer apenas que o Sr. Secretário de Estado não me entendeu bem, mas se ler os artigos relativos à falta de citação verificará que as pessoas surgem lesadas da transposição, da preterição de formalidades essenciais, da falta de citação para meras nulidade" a arguir no prazo de cinco dias.
Continuando com alguns reparos e ainda a este respeito do prazo de cinco dias para arguir a nulidade da falta de formalidades essenciais, o Ministério da Justiça não resistiu em insistir aqui no princípio da preclusão, de gravíssimas consequências para a parte de facto não citada. Não resistiu aqui, como não resistiu, aliás, noutras situações. A simples falta de entrega de duplicados e cópias dos articulados dá origem ao pagamento de uma pesada multa e, se essa multa não puder ser paga, as consequências são, como é óbvio, gravíssimas. O réu fica sem qualquer defesa no processo.
Voltando, no entanto, à questão das citações, só é facto que o Código facilita e procura desbloquear a questão das citações, a verdade é que, depois, podem conhecer-se morosidades. Creio que a questão da morosidade! processual não fica resolvida com este projecto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Já falámos sobre as condições em que se realiza este debate. De facto, 40 ou 45 dias para discutir não sei se 700 se 800 artigos, de uma matéria tão complexa e com graves repercussões, para os cidadãos, não são suficientes.
Sabemos, no entanto, que o Sr Ministro da Justiça será insensível, pela pressa que tem em fazer aprovai reformas sobre reformas, a todas as dificuldades deste processo legislativo
Estamos certos que a Comissão Revisora, pela qualidade das pessoas que a integram, teria ido muito mais longe se não tivesse as balizas que lhe foram colocadas pelo Ministério da Justiça. Um Código de Processo Civil novo é uma exigência que e feita há muito, estava dentro das possibilidades da Comissão Revisora, nomeada em Abril de 1994 e, que dispôs de tão pouco tempo. No entanto, cremos que, por estas propostas não terem sido acompanhadas de propostas relativas à organização judiciária, corrigindo o que está mal, muitas destas coisas ficarão no tinteiro, o que é pena em relação a algumas delas.
Esta mudança que hoje aqui discutimos, de qualquer forma, não é a mudança necessária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia). - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, apelando ao seu poder de síntese.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Sobre a proposta de lei n.º 121/VI, que autoriza o Governo a rever o Código do Processo Civil, começarei por dizer que não me surpreendeu, quando, sensivelmente no final do passado mês de Maio, fomos confrontados com o agendamento, em final de Legislatura, de uma matéria que, à partida, se afigurava de uma complexidade que pouco se compadece com a oportunidade escolhida.
A revisão do Código do Processo Civil, há mais de uma década que deixou de ser uma novidade, na medida em que parte substancial dos operadores judiciários que actualmente cruzam as salas de audiência dos nossos tribunais iniciaram o seu curso precisamente a ouvir falar de uma comissão revisora do Código do Processo Civil, cujo louvável labor iria revolucionar completamente as instituições deste ramo do direito, e todos eles se interrogaram sobre qual a razão que lhes determinava que passassem um ano a estudar um código que, com toda a probabilidade, já não estaria em vigor à data em que concluíssem o curso.
A explicação era simples- por mais ilustres que fossem os processualistas, a verdade é que rever o Código do Processo Civil é uma tarefa assaz complexa e as probabilidades de discussão e de ensaio teórico de soluções inovadoras são de tal maneira extensas que a perenidade do código em vigor está quase garantida.
É por isso que, como disse, não nos surpreende que o Governo tenha escolhido o final da Legislatura, numa manhã, dentro de um período de 50 minutos, para
agendar uma discussão de tamanha importância, quando os projectos abundam e o tempo escasseia, pois é certo que este factor corre inegavelmente em desfavor dos grupos parlamentares com a dimensão do nosso, que pode usar da palavra apenas por 18 minutos, diminuindo-se assim substancialmente o valor do contributo que poderíamos dar para a discussão do diploma, feito que certamente não dignificará a função da discussão e feitura das leis que cabe à Assembleia da República desempenhar.

O Sr. José Vera Jardim (PS) - Muito bem!

O Orador: - A obra aqui apresentada, tal como vem descrito na exposição de motivos, transitou já do anterior governo para este e foi sujeita a debate público, cujos resultados se traduziram num bom acolhimento pelos operadores judiciários, fazendo sempre fé na referida exposição de motivos.
O Governo, todavia, titubeia na classificação que há-de atribuir a esta obra - bem ao seu jeito! -, que dá por acabada, dizendo não se tratar de um código novo mas que pouco lhe falta, porque facilita o caminho a um código inovador.
Voltando à exposição de motivos, diz-nos o Governo que estamos perante - cito - "uma clara ruptura, não no sentido de ruptura com o passado, mas de ruptura com a actual legislação", o que nos levou a tomar ânimo com a anunciada revelação de um código novo, esquecendo por momentos a aporia que tínhamos acabado de ler.
Mas a ilusão logo se desfez Trata-se, afinal, de uma reformulação que - cito - "embora substancial e profunda de diversos institutos, não culmina na elaboração de um código totalmente novo", na medida em que não quis o Governo proceder a uma reformulação dogmática ou conceptual das bases jurídico-processuais do nosso código, única e exclusivamente (está também escrito na exposição de motivos) porque tal não se compadecia com o horizonte temporal definido para o encerramento dos trabalhos. Isto é, o Governo guilhotinou o trabalho da Comissão Revisora
Sr. Secretário de Estado, o que é que os Ministros da Justiça andaram a fazer durante mais de oito anos para rever o Código do Processo Civil, se, à última hora, nem

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sequer têm tempo para aproveitar o trabalho da Comissão Revisora e o Governo vir aqui, a correr, apresentar um pedido de autorização legislativa apenas para efeitos de campanha eleitoral?
Que dificuldades é que os especialistas que foram incumbidos desta tarefa encontraram para demorarem tanto tempo a produzir uma simples revisão de um diploma tão importante e, quando poderiam fazer obra nova, fecha-lhe os Governo as portas, dizendo que a terão de concluir antes do fecho desta Legislatura?
Qual a razão, enfim, que justifica que se tenha ficado por aqui, quando o tempo dispendido era suficiente para produzir aquilo que se exigia, para podermos ter um código de processo civil inovador?

Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados; Há bem pouco tempo subiu a discussão parlamentar um diploma cujo objectivo era rever o Código do Processo Penal
A propósito desse diploma, manifestámo-nos também contra a estreiteza dos horizontes do Governo, que se limitou a alterar pontualmente alguns institutos processuais, alguns comprovadamente ineficazes, outros com uma regulamentação imprópria para assegurar a realização dos fins da justiça penal, de punir os culpados mesmo quando estes se queiram furtar ao acto público do julgamento.
Foi-nos explicado que as alterações não se destinavam a produzir um novo diploma, mas tão só a adequar o processo penal à infeliz revisão do código penal substantivo operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
Embora não convencidos, aceitamos a explicação, porque era lógica dentro da lógica do Governo.
Relembramo-la agora para salientar que a mesma tese não pode fazer vencimento no caso da presente proposta de lei. Não se trata aqui de adaptar o Código do Processo Civil a uma revisão de fundo do Código Civil, porque essa não existe. Impunha-se ir mais longe na tarefa de expurgar o Código do Processo Civil do conhecido rigor formal que o marca e que é, muitas vezes, o maior obstáculo à protecção jurídica eficaz e temporalmente adequada aos interesses dos litigantes, que é um dos princípios norteadores da presente revisão.
Sem menosprezo para as soluções consagradas, diremos que o que se apresenta no diploma que vamos discutir é a consagração legal de soluções que a jurisprudência tem encontrado, ao longo dos anos, para atenuar não só o referido rigor formal do diploma mas também algumas lacunas de regulamentação que o marcavam.
Não querendo entrar, para já - até porque já ultrapassei o meu tempo -, na análise pormenorizada de cada uma das alterações propostas, diremos que elas são, de um modo geral, positivas, muito embora algumas se afigurem de eficácia muito duvidosa e outras sejam, em si mesmas, perfeitamente dispensáveis. Por isso mesmo, pensamos que o tempo de que o Governo dispôs para preparar esta revisão era suficiente para repensar profundamente os princípios estruturantes do novo código do processo civil e produzir um código moderno, capaz de melhor cumprir um dos importantes objectivos a que sempre tem estado adstrito- o de, subsidiariamente, integrar as lacunas das outras legislações processuais que nele se vão inspirar para resolver os casos omissos.
Daí a importância de que se reveste o Código do Processo Civil no nosso ordenamento jurídico, cuja versão do Governo nos deixa frustrados e insatisfeitos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate. A votação far-se-á em momento oportuno.
Nada mais havendo a tratar, está suspensa a sessão até aos 15 horas.

Eram 12 horas e 25 minutos.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos no período de antes da ordem do dia e para proceder à leitura do expediente tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas- projectos de deliberação n.05 1077 VI - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República até ao dia 23 de Junho (PAR, PSD, PS, CDS-PP e PEV); e 108/VI- A Assembleia da República delibera mandatar o Governo para que urgentemente constitua uma Comissão independente e especializada, qualificada para proceder à organização de um Livro Branco (PS); proposta de resolução n.º 96/VI - Aprova, para ratificação, o acordo de cooperação e defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, o acordo técnico e o acordo laborai, que está agendada e baixou às 3.ª, 4.ª e 9.ª Comissões; projectos de lei n.ºs 590/VI - Elevação da povoação do Carregado, concelho de Alenquer, à categoria de vila (PSD), 591/VI - Elevação da localidade de A-dos-Cunhados à categoria de vila (PS), que baixaram à 5.ª Comissão; 592/VI - Processo de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (PSD, PS e PCP), cujo texto foi elaborado na Subcomissão de Habitação e Comunicações e está agendado para a próxima quinta-feira; 593/VI - Elevação da povoação de Armais de Baixo à categoria de vila (PS), que baixou à 5.ª Comissão.
Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidos, os votos de pesar n.ºs 147/VI, 148/VI e 149/VI, referente aos acontecimentos no Bairro Alto na madrugada de 10 para 11 de Junho, apresentados pelo Deputado independente Mário Tomé, pelo PS e pelo PCP, respectivamente.
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos, nos dias 1 e 2 de Junho ao Ministério do Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Governo, à Administração do Porto de Lisboa, à Secretaria de Estado da Modernização Administrativa e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, formulados pelo Sr. Deputado André Martins; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota,
Na reunião de 5 de Junho: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Oliveira; aos Ministérios do Comércio e Turismo e da Indústria e Energia, formulado pela Sr.º Deputada Elisa Damião; aos Ministéri-

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os da Administração Interna e das Obras Públicas; Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá;

a reunião de 6 de Junho: ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Marta Gonçalves; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Fialho Anastácio; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha, ao Ministério da Justiça, formulado pela Sr. Deputada Odete Santos; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; aos Ministérios da Agricultura e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Maia; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral, aos Ministérios da Administração Interna e do Comércio 10 Turismo, formulados pelo Sr Deputado Lino de Carvalho;
Na reunião de 6 de Junho: ao Ministério das! Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Fernando de Sousa; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Luís Capoulas Santos; ao Governo Regional da Madeira e a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; aos Ministérios do Emprego e Segurança Social e da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Alexandrino Saldanha; ao Governo, à Secretaria de Estado da Cultura e ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho. Na reunião de 8 de Junho: à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, aos Ministérios do Emprego e Segurança Social e da Agricultura, formulados pelo Sr. Deputado Mendes Bota; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Fialho Anastácio, ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e Paulo Rodrigues; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado* pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Alexandrino Saldanha.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Crisóstomo Teixeira e Mana Julieta Sampaio, António Alves; Lemos Damião; José Lello; José Lamego; Guilherme d'Oliveira Martins; Luís Sá; Isabel Castro e José Manuel Maia; Alexandrino Saldanha; Manuel Alegre, João Amaral; António Murteira e Paulo Rodrigues; João Rui de Almeida; Heloísa Apolínio; e João Carlos Duarte, nas sessões compreendidas entre 23 de Março de 1994 e 28 de Abril de 1995.
Devo ainda anunciar que vão reunir durante esta tarde as Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; de Petições; de Negócio" Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação; de Economia, Finanças e Plano; de Trabalho, Segurança Social e Família e as Subcomissões de Comércio e Turismo; da Cultura e das Obras Públicas e Transportes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da segunda parte do período de antes da ordem do dia constam declarações políticas.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sendo esta a intenção inicial da nossa declaração política, não podemos deixar de começar por referir e manifestar o maior repúdio e a mais firme condenação do Partido Comunista Português às agressões racistas e neo-nazis que se produziram em Lisboa na madrugada do passado domingo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata de meros acontecimentos desculpáveis de jovens turbulentos. Estamos perante uma acção organizada de um bando de skins orientada para o ataque a todos os cidadãos de cor. portugueses ou não, que encontraram pelo caminho, a fazer lembrar as nunca esquecidas noites de cristal e de que resultou a morte de um jovem português de origem cabo-verdiana.
Não podemos nem devemos diminuir a gravidade dos acontecimentos e o que eles representam, remetendo-os para o simples foro criminal. E evidente que os diversos intervenientes nas agressões e no assassinato devem ser exemplarmente julgados e punidos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas o problema é mais fundo. Trata-se de atacar, com energia, o recrudescimento dos fenómenos e organizações de natureza fascista e neo-nazi. Trata-se de interditar e proibir a existência dos grupos e organizações que perfilham a ideologia fascista, tal como a Constituição prevê,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e não criar um sentimento de desculpabilização desviando a questão para a imigração, como temos ouvido ao Primeiro-Ministro Cavaco Silva e ao Ministro Dias Loureiro que, com as suas afirmações irresponsáveis, criam o caldo de cultura onde medram este tipo de fenómenos.
Trata-se de não desligar os crescentes comportamentos e atitudes de cariz racista e xenófobo do quadro da profunda crise económica e social que conduz à exclusão, à marginalidade e à intolerância.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se também de um problema de ordem pública e segurança. E, neste quadro, é incompreensível o atraso com que as forças policiais intervieram para pôr cobro a estes actos de vandalismo, o que traz de novo para a ordem do dia a ineficácia e o fracasso da nova política de segurança do Governo e do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP exige o apuramento de responsabilidades, exige a punição dos criminosos, exige que se saiba das razões da lenta reacção policial, mas exige também o accionamento dos mecanismos legais que interditem os grupos fascistas e neo-nazis, sejam os que actuam no terreno, sejam aqueles que, a coberto das liberdades que o 25 de Abril proporcionou, organizam iniciativas e proferem discursos claramente provocatórios e de incitamento à violência racista e
neo-fascista, como também se ouviu no fim-de-semana

Aplausos do PCP.

A democracia não pode permitir que aqueles que defenderam a ditadura e sempre se opuseram ao 25 de Abril

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se sirvam agora das liberdades para semear o ódio e a intolerância racial e pôr em causa os próprios fundamentos do 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queremos deixar aqui expresso o nosso sentimento de revolta e repúdio mas também uma palavra de solidariedade aos familiares do jovem assassinado, a todos os agredidos e à comunidade africana.
Para além do voto que já apresentámos, permita-me. Sr. Presidente, fazer aqui, a V. Ex.ª e à Câmara, a proposta de que a Assembleia da República se faça representar por uma delegação oficial no funeral do jovem Alcindo Monteiro.

Aplausos do PCP e do Deputado Mário Tomé.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um mês e meio, por iniciativa do Partido Comunista Português, debatemos aqui a gravíssima situação vivida pelos agricultores portugueses, devido não só à política agrícola mas, em particular, à seca e às geadas.
Apresentámos dois projectos de resolução, recomendando medidas de apoio aos agricultores e às regiões afectadas por aquelas calamidades. Com o seu voto, o PSD rejeitou-os argumentando a sua extemporaneidade e afirmando que não se justificava porque o Governo já tinha essas medidas preparadas e seriam brevemente postas em prática.
Contudo, mês e meio depois, nem novas nem mandados.
Os 30 milhões de contos de apoios anunciados são uma gota de água face à dimensão dos prejuízos, mas nem esses vieram à luz do dia. O Ministro passeou pelo País, prometeu nuns sítios, fugiu dos agricultores noutros, mas, afinal, o que temos hoje é uma mão cheia de nada e duas de coisa nenhuma. O Governo e o PSD prometeram o que não têm ou não querem dar. Em vez de disponibilizarem do Orçamento e negociarem junto da União Europeia um programa claro de apoios, enredaram-se em operações de engenharia financeira e preferiram propor a criação de uns sacos azuis (ou laranja...) para distribuir a seu bel-prazer em vésperas de eleições. A verdade é que estamos em Junho, com os encargos deste ano agrícola a começarem a bater à porta, e de apoios só a miragem. Do pouco que se sabe é que talvez a União Europeia disponibilize 50 milhões de contos para distribuir por Portugal, Espanha e Itália.
E ainda do que se sabe, 2/3 dos apoios aos agricultores portugueses já estão, por obra e graça do Governo e da CAP, destinados aos grandes proprietários do Alentejo produtores de cereais, ficando o pouco que restar para distribuir aos milhares de agricultores que cultivam directamente a terra, pequenos e médios agricultores que viram as suas vinhas, pomares e hortas desvastadas pelas geadas.
Importa, pois, pôr termo a este jogo de palavras e promessas. É necessário que o Governo cumpra os compromissos e crie, de imediato, um programa de apoio aos agricultores e às regiões vítimas da seca e das geadas.
Não há dinheiro no Orçamento do Estado, Srs. Deputados? Então, aqui deixamos uma proposta e um desafio ao PSD e ao PS: em vez de entregarem os 60 milhões de contos aos grandes proprietários do Alentejo, por "lucros cessantes" do período da Reforma Agrária, empreguem essa verba nos apoios aos agricultores e regiões afectadas pela seca e pelas geadas.
Esperamos a vossa resposta.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A violência climatérica que se abateu sobre os agricultores e a agricultura portuguesa e a ausência de medidas efectivas de apoio é, contudo, somente a gota de água que fez transbordar o copo.
Nunca a agricultura portuguesa esteve tão mal como agora no final destes quatro anos de Governo PSD. Nunca os agricultores portugueses estiveram mais desesperançados em relação ao futuro.
O PSD liquidou a agricultura portuguesa- são os próprios documentos oficiais a dizê-lo. Entre 1990 e 1994 desapareceram, segundo o INE, mais de 109000 explorações agrícolas, sendo que o grosso destas explorações são aquelas cujas dimensões não ultrapassa os 5 ha. Isto é, são os pequenos agricultores que estão a ser dizimados.
A única área da superfície agrícola utilizada que aumentou sabem a que respeita? Pois bem, eu cito o que diz o INE: "O pousio é o único que registou uma variação relativa positiva e assinalável". Pudera, Srs. Deputados, a 7000 contos de subsídio por cada 100 hectares de terra abandonado em pousio, não é de admirar que esta seja a única "cultura" que cresce, a "cultura" das terras abandonadas.
O resto, Srs. Deputados, traduz-se numa quebra do rendimento real dos pequenos agricultores portugueses: em 15 % desde 1991 e numa quebra do valor bruto da produção do sector agrícola em cerca de 9 %. O resto é o abandono dos campos, a desertificação e o envelhecimento, a ausência de uma política nacional que oriente e mobilize quem trabalha na terra.
O resto é o fracasso da Rede Nacional de Abate com a falência dos
mega-matadouros, são as crescentes dificuldades do sector leiteiro, são as cedências na política vitivinícola (acompanhado no Parlamento Europeu pelo PS), é a falta de propostas conhecidas para o sector das frutas e legumes, cuja política está em discussão na Comunidade; é a gravíssima crise do sector cooperativo e são as perigosas políticas de desorganização da estrutura institucional da Região Demarcada do Douro; é o desmantelamento do aparelho do Ministério da Agricultura e a sua privatização e entrega em regime de monopólio à CAP, qual nova corporação da lavoura; é a marginalização da agricultura familiar e da sua representante, a Confederação Nacional da Agricultura.
O resto é a falência e a crise que têm levado à ruína, ao abandono e à aflição de milhares e milhares de pequenos agricultores, bem patente nas atitudes desesperadas projectadas no crescente nível de suicídios ou, noutro plano, nos obscenos anúncios da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, pondo à venda para turista comprar as centenas de herdades hipotecadas a que deitaram não sobre o sangue de muitos agricultores.
É esta a obra que o PSD deixa na agricultura É esta a obra por que os senhores serão severamente punidos em Outubro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, há algum barulho vindo das filas do fundo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há, de facto, algum barulho na Sala. Peço, pois, que se faça silêncio.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As dificuldades do sector agrícola percorrem todo o País, mas há

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regiões particularmente afectadas por esta política agrícola. Uma delas e o Alentejo onde se assiste à maior concentração fundiária de toda a União Europeia: 1 % das explorações ocupam 80 % da superfície agrícola útil.
O regresso da economia latifundiária e do sistema de uso da terra, o pousio, o abandono, a fraca utilização de factores de produção e de força de trabalho está, a bloquear todo o desenvolvimento regional: 40 000 desempregados, enormes dificuldades para os agricultores que cultivam a terra, crise nos sectores que a montante ou a jusante estão ligados à actividade agrícola, quebra dos níveis de consumo, estrangulamento do mercado.
E como é que o Governo e o PSD responderam a isto? Não promovendo nenhuma medida de fundo, gerindo os dinheiros públicos com objectivos partidários, procurando manipular os apoios aos desempregados para fins eleitorais, boicotando o investimento na região.
Os programas de apoio aos desempregados, já de si limitados, começavam normalmente em Março. Pois bem, este ano só começaram em Junho para terminarem - sabem quando? - logo após as eleições.
Os subsídios a associações desportivas de Évora são distribuídos depois de acertado o momento e o destinatário entre a Comissão Política Distrital do PSD, presidida pelo Governador Civil, e o Delegado Regional do INDESP, destacado militante do PSD. Milhares de, contos que não chegam aos seus destinatários por razão d0 lutas internas no PSD, outros que não são entregues a associações porque entretanto o PSD perdeu as eleições no respectivo concelho, subsídios para obras que o delegado regional do INDESP gere por administração directa, não os entregando aos beneficiários. Só que, passados tempos, nem obras nem dinheiro.
Mas mais - e o que vou dizer e excepcionalmente grave. Sabe-se como o Alentejo é carenciado de investimentos. Após diligências promovidas pelas autarquias locais foi possível mobilizar para a região potenciais investimentos de centenas de milhões de contos que criariam centenas de postos de trabalho. Falemos só em dois mais recentes, relativos à instalação em Évora e Beja, aproveitando o aeródromo de Évora e a Base Aérea de Beja, de uma unidade de produção de autogiros e uma estação, de lançamento de satélites para telecomunicações, respectivamente, tudo no valor de cerca de 260 milhões da pontos e a criação de cerca de 2000 postos de trabalho. Pois bem, os projectos estão bloqueados há um ano no IAPMEI e no Ministério da Indústria e Energia. Desde o início que o IAPMEI e o Ministro da Indústria levantam obstáculos atrás de obstáculos, dificuldades atrás de dificuldades, com o objectivo claro de fazerem desistir os investidores internacionais que, neste momento, já estão a ser aliciados para o sul de Espanha. Nunca uma palavra de apoio, de incentivo ou de estímulo; só dificuldades. Fontes próximas do Governo afirmam mesmo que os investimentos nunca se farão, porque o Governo e o PSD não estão interessados em investimentos estratégicos no Alentejo.
É um escândalo o que se está a passar! As autarquias, designadamente de gestão do PCP, mobilizam o investimento para o Alentejo e o PSD dificulta, boicota, intimida, faz desistir os investidores, para depois vir dizer que são os comunistas que não promovem o desenvolvimento da região.
É um comportamento de quem nunca se afeiçoou à democracia e à vida política plena. É um comportamento de quem não olha a meios para atingir inconfessáveis objectivos partidários.
É com indignação que aqui trazemos estes casos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se estes investimentos não se concretizarem, o único responsável é o Governo, é o PSD, e deve pagar por isso.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP). - Muito bem!

O Orador: - Exigimos explicações do Governo, exigimos não só o apoio a estes investimentos como a promoção de políticas estruturantes de desenvolvimento para a região.
O Governo e o PSD boicota importantes investimentos para o Alentejo mas não têm pejo em entregar 60 milhões de contos aos agrários e em aprovar mais de 2,6 milhões de contos de subsídios a fundo perdido para os bolsos de um aventureiro, o Sr. Thierry Roussel, que Cavaco Silva considerou ser, em visita à exploração, um agricultor de sucesso que os agricultores portugueses deveriam copiar.
Sr. Primeiro Ministro, e agora que a burla e o fracasso do investimento estão aí já não diz nada?! Não se retraia nem deixa os seus Ministros virem à Assembleia prestar contas?!
Este Governo e este PSD estão, de facto, a mais e os seus discursos, a sua demagogia de feira, o seu comportamento a fingir de oposição, como se assistiu neste fim-de-semana em Matosinhos, já se tornaram insuportáveis.
O único caminho é, de facto, aquele que o povo português lhes indicará em Outubro, a rua e, então, sim, a oposição!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria de lhe colocar uma ou duas questões, muito rapidamente.
O Sr. Deputado, de há uns meses a esta parte, vem batendo na tecla dos 60 milhões de contos de indemnizações, do abaixamento da produção, de uma centena de milhar de agricultores que abandonaram a agricultura há vários anos e de outras situações. Mas o Sr. Deputado não quer dizer a esta Câmara quais são verdadeiramente as razões por que isso aconteceu, como também não quer dizer, no que se refere às ajudas, que, naturalmente, não era possível ao Governo fazer face às situações consequentes da geada e da seca de um momento para o outro.
O Sr. Deputado disse que o Sr. Ministro da Agricultura passeou pêlo País, mas sabe perfeitamente que ele se empenhou e se interessou claramente em visitar todas as regiões do País em que essas situações se verificaram, quer no que diz respeito à seca quer no que diz respeito à geada.
Quando o Sr. Deputado diz que o Governo e o PSD prometeram o que não podiam dar, sabe muito bem que o Governo não prometeu dar, o que prometeu foi desenvolver todos os esforços junto da Comunidade, e também através dos seus próprios meios, no sentido de procurar ultrapassar a situação e fazer com que os agricultores mais lesados, nas regiões mais desfavorecidas, pudessem vir a ser contemplados com essas ajudas para minimizar a situação
O senhor sabe que não foi prometido um bodo aos pobres; a intenção do Governo e do Ministério não era,

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pura e simplesmente, distribuir milhões pelos agricultores. Aliás, foi mandado fazer um trabalho e um levantamento exaustivo às direcções regionais para que, através de uma zonagem, se pudesse saber quem eram os agricultores mais lesados nas zonas mais afectadas, para aí reincidir a ajuda por parte do Governo.
Por outro lado, qual é a garantia que o Sr. Deputado tem, neste momento, dia 14 de Junho, de que o Governo não tem intenção de vir a fazer face a estas situações provocadas pela geada e pela seca? Porventura, já ouviu o Sr. Ministro da Agricultura ou o Sr. Primeiro-Ministro dizer que não vão fazer face a essa situação? Já tem a confirmação que a União Europeia vai desprezar, simplesmente, a situação? Portanto, o Sr. Deputado não pode dar a esta Câmara essa informação.
De facto, não queria falar nos 60 milhões de contos das indemnizações e acho até que é absurdo ligar uma situação à outra. Será que o Sr. Deputado não reconhece minimamente que os 60 milhões de contos são para fazer face a situações calamitosas para que os senhores contribuíram?!
Finalmente, gostaria que me dissesse como é que compatibiliza a necessidade de se proceder no sentido do emparcelamento sem haver redução das explorações agrícolas. O senhor, em sede de comissão e publicamente, disse que defende o emparcelamento, mas, depois, aqui, critica o facto de se terem reduzido substancialmente as explorações agrícolas no País.
Gostaria que o Sr. Deputado fizesse um comentário em relação a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr Presidente, Sr Deputado João Maçãs, reconheço que fez um grande esforço para defender o indefensável.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que, quando se deram os acidentes climáticos e os agricultores começaram a protestar e a reagir, o Sr. Ministro - e há recortes de jornais que expressam claramente isso - deu uma volta pelo País, visitou os sítios onde achou que devia ir e prometeu iniciativas imediatas por parte do Governo. Há, aliás, o célebre telegrama enviado aos fruticultores da Moimenta da Beira a dizer que tinham um seguro agrícola garantido para fazer face a esses prejuízos. No entanto, as companhias de seguro vieram dizer que não era verdade, que esse telegrama do Sr. Ministro não correspondia à verdade, uma vez que elas não tinham qualquer base para fazer esses seguros.
O Sr. Deputado também sabe que, quando foram aqui debatidos os projectos de resolução do PCP a propósito destas matérias, um dos argumentos com que os senhores os "chumbaram" era que essas medidas já estavam em marcha e que, na semana seguinte, seriam concretizadas. Porém, já lá vai um mês, não estão concretizadas e arriscamo-nos a que não se concretizem porque não há nenhumas garantias, nem há nenhum pedido de disponibilização de verbas por parte da União Europeia, o Governo não quer desviar verbas do Orçamento do Estado e não apresentou, até agora, um programa claro de apoio aos agricultores, em função dos respectivos prejuízos.
Como sabe, Sr. Deputado, o que existe é uma proposta de criação de uma verba global sem se saber para quê, a fim de que o Governo a possa distribuir a seu bel-prazer. E como também sabe, embora não tenha feito essa referência, 2/3 dessas verbas já estão orientadas, em virtude das influências da CAP, para os grandes produtores de cereais. Portanto, os milhares de agricultores que viram as hortas, as vinhas e os pomares destruídos dificilmente irão receber algum tostão, como, aliás, tem acontecido anteriormente.
Sr. Deputado, pensava que se ma referir a mais coisas do que essas, que viesse abordar uma questão difícil e intolerável que levantei e que é o bloqueio aos grandes investimentos estratégicos que estão previstos para o Alentejo e que o Governo tem vindo a boicotar, não aprovando os projectos que estão no IAPMEI. Sr. Deputado, porque não se referiu a esses casos? Aliás, como sabe, o presidente da Câmara Municipal de Portalegre, de maioria PSD, está indignado com esta situação e fez parte de uma delegação que veio falar com o Sr. Ministro da Indústria sobre esta matéria.
Por outro lado e em relação à responsabilidade da situação em todo o Alentejo, leio-lhe só uma passagem de um documento que nos chegou através de uma delegação do distrito de Beja que veio contactar os grupos parlamentares, constituída por gente de todas as forças partidárias, a maioria dos quais do PSD. Diz, a certa altura, esse documento: "as medidas governamentais, a manterem-se, levarão inexoravelmente o Alentejo à ruína económica, à destruição, ao desânimo e ao abandono das nossas terras". Isto é dito por destacados militantes do seu partido, em articulação com militantes de outras forças políticas, no quadro das associações que representam, porque percebem e estão de acordo connosco quando dizemos que a situação que, hoje, se vive na agricultura portuguesa e em particular no Alentejo, resulta de facto de uma política de destruição do aparelho produtivo e da ausência de alternativas viáveis. E essa política é da responsabilidade do PSD!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, quero fazer referência a uma lembrança feita pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho no início da sua intervenção. Estão na Mesa, a propósito dos infaustos e lamentadíssimos acontecimentos que ensanguentaram o Bairro Alto há dias, três votos de protesto que serão, nos termos regimentais, discutidos no fim do período - de antes da ordem do dia.
Pessoalmente, já me tinha decidido a participar nas cerimónias fúnebres de Alando Monteiro, mas depois se verá o que Assembleia decide

Tem a palavra, para uma declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Foi de noite. E uma vez mais o terror racista desceu à cidade. Em grupo. Cobardemente! Refugiado na escuridão Invadindo as ruas Agredindo! Insultando! Destruindo! Espancando! Mutilando! Assassinando! Deixando atrás de si um rasto de violência, horror e ódio que se sabia afinal e de há muito não estarem mortos nem enterrados.
Foi de noite. E uma vez mais as vítimas foram, como quase sempre jovens. Seres humanos que respiram. Vivem. Amam. Sonham. Sofrem. Como qualquer um de nós. Em tudo iguais. Diferentes na cor de uma pele que afinal se sabia de há muito deles fazer sempre o alvo preferencial.
Foi de noite. E uma vez mais a polícia tardou. Permaneceu muda e queda. Perante a gravidade de um conflito que não

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quis tomar nas suas mãos, numa cumplicidade que estranha e ciclicamente se repete. Que afinal se sabia de há muito existir. Ninguém cuida de averiguar, mas tão só o Governo e o Ministro benévolo sempre, mas sempre, justificar.
Foi de noite e, uma vez mais, não foi numa noite qualquer. Mas na noite de um dia que, durante anos no Portugal que a desmemoria tenta apagar, foi da raça chamado, e que afinal se sabia de há muito que, mais do que inofensivo e caricato registo passado de uns, é ainda referência que permanece preocupantemente assinalada por outros.
Foi de noite. E uma vez mais ficou provado, afinal, o que provado já estava. Que o racismo e a xenofobia não são ficção Vivem, manifestam-se, já não de modo submerso, mas marcando violentamente o quotidiano, através da intolerância, da marginalização, da violência, da agressão e da morte. Profanando túmulos, perseguindo imigrantes. Espancando refugiados, africanos, ciganos, estrangeiros, marcados pelo estigma único da diferença. A diferença da cor, da raça, da religião, da cultura, do país. Um estigma que os obriga a viver acossados pelo medo da violência.
Uma violência cuja expressão se não pode, de modo simplista, reduzir ou circunscrever aquilo que é a soa face visível mais odiosa - os skin heads -, mas que está presente de forma mais ou menos subtil nas instituições aos mais diversos níveis, nos empregos, nas escolas, nos clubes desportivos, nas próprias forças de segurança e em todas as esferas da vida da sociedade portuguesa.
Uma violência que mergulha na crise profunda que abala o planeta, que se alimenta dos desequilíbrios regionais e sociais, da ruptura ecológica, responsável pelo êxodo de povos que condenados à desertificação, à fome e à opressão, buscaram e buscam noutras latitudes a sobrevivência, o abrigo e, não raro, a liberdade que agora se lhes fecha.
Uma violência que da insegurança, do desemprego, da incerteza quanto ao futuro faz bandeira para bramir, não contra as causas da crise, que ignora, antes para agitar primariamente contra os mais indefesos, aqueles que, porque diferentes, porque não normalizados, se tornam presa fácil e bode expiatório para todos os males.
Uma violência que também agora não surge como fenómeno isolado. Um acto desgarrado. Um desvario sem nexo Um acaso ou mesmo um mero caso de polícia, como porventura alguns com ligeireza julgam poder considerar-se Mas um fenómeno de violência mais global, mais complexo, mais inquietante de uma sociedade em que, como tantas vezes nesta Assembleia tivemos oportunidade de alertar, se não preveniu antes deixou que as sementes de intolerância lançadas germinassem.
Uma intolerância racista que, cada vez mais tentacular, se enraíza, movimenta, ganha novos espaços, insuspeitos aliados e adquire novos ímpetos.
Um fenómeno que não é linear. Mas que coro outros se cruzam, favorecendo terreno à acção de movimentos violentos e à sua instrumentalização. Fenómenos a que não são estranhos um conjunto de factores como a grave situação económica e o consequente desemprego; os desequilíbrios demográficos; o desenraizamento de largos sectores da população; a urbanização caótica; a degradação ambiental; a desumanização do quotidiano; o aumento da marginalização e da marginalidade; o sentimento de insegurança e mal estar generalizados, mas particularmente instalado nos mais jovens face a uma sociedade ;cada vez mais agressiva, desumana e competitiva; a ausência de perspectivas quanto ao futuro, o colapso do sistema educativo, e a falta de conhecimento e valorização das diferentes culturas e de uma pedagogia para a tolerância e a paz; a banalização da violência nos órgãos de comunicação social e também a propaganda a que, sibilina e crescentemente, organizações, partidos e poderes públicos fazem uso ao considerarem os imigrantes como uma ameaça nacional.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados - Os graves incidentes registados no Bairro Alto, no passado fim de semana, que se saldaram pelo assassinato de um cidadão e a perda de uma vida, mais uma vida a juntar a tantas outras, não podem ficar esquecidos. Ser com ligeireza tratados. Arquivados friamente como se de uma rixa qualquer, mais uma entre bandos, cinicamente se tratasse.
Não podem tão pouco ser reduzidos a mero exemplo da falta de resposta, incapacidade e colapso das forças de segurança que a desastrosa reestruturação imposta só veio acentuar. Não podem, muito menos, ficar-se pela mera condenação fortuita para alívio de consciências, pelas solidariedades de circunstância, pela hipocrisia de declarações de princípios tão vagas quanto inúteis.
Os graves incidentes do Bairro Alto exigem do Governo que se confronte com a realidade monstruosa que ajudou a criar. Uma realidade que nestes anos, nós Os Verdes, tantas vezes aqui suscitámos para reflexão, alertando e tentando fazer compreender que era mais importante prevenir do que remediar. Um combate que o Governo não só teimou recusar, como ele próprio contrariou ao adoptar sistematicamente um discurso oficial xenófobo que procura identificar os grupos étnicos como a origem dos males sociais em Portugal. Um estímulo que seguramente não é indiferente à situação hoje criada e para a qual contribuíram objectivamente, de algum modo, também a impunidade com que os protagonistas de múltiplos atentados, agressões e violações contra as várias comunidades residentes no nosso país tem, com ligeireza, sido tratados.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O racismo não e de ontem, é de hoje, de sempre e o seu combate não pode continuar adiado Exige uma estratégia para a igualdade, para a inserção social, respeitadora da identidade e diversidade cultural de cada comunidade. Exige mudanças sociais, mas também de mentalidade e uma nova atitude cultural. Mas é uma lula que não pode ser feita de abstracções, nem de meras boas vontades. Obriga a uma acção determinada do poder, do Governo uma acção coerente com os princípios de solidariedade de que se pretende fazer apanágio.
O anti-racismo não é um estado de alma. Exige que se condene sem tibiezas a organização e actividades de grupos racistas e neo-nazis que da violência fazem uso contra os mais marginalizados Exige que se recusem pactos de silêncio sobre as constantes violações de direitos humanos de alguns elementos das forças policiais contra imigrantes. Mas exige sobretudo uma política, até hoje totalmente ausente, de consagração dos direitos das minorias e de integração das comunidades de imigrantes. Uma política que favoreça a sua integração harmoniosa; que consagre os seus direitos culturais; que estimule, através de uma escola multicultural, o conhecimento e a valorização das diferentes culturas e permita o sucesso escolar das novas gerações de imigrantes; que garanta o direito à habitação e ponha fim ao apartheid social; que assegure o direito de participação das organizações representativas dos imigrantes nas políticas que lhes respeitem e que, naturalmente, não pode consentir que imigrantes em situação irregular, isto é, amputados dos seus mais elementares direitos, entre nós possam continuar a viver.

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O desafio é grande. Há que enfrentá-lo, enquanto o tempo ainda o permite.

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para tratar de assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Encontramo-nos na fase final do mandato que o povo português nos concedeu em Outubro de 1991. Está pois na altura para os partidos e para cada um de nós de prestar contas a quem nos concedeu a legitimidade de aqui estar. Essas contas são prestadas num processo de renovação de confiança - pensamos que cumprimos com o nosso dever e pensamos que o povo português tem todas as razões para manter intacta a confiança que depositou no PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na medida das nossas capacidades e das nossas responsabilidades, eu próprio e cada um dos deputados do PSD, demos a nossa contribuição para um processo de profunda mudança da realidade económica e social de Portugal, realizado pelos Governos do Prof. Cavaco Silva num processo de reformas cuja amplitude e consistência só será inteiramente visível com a distanciação que o tempo dá. É para todos nós, motivo de satisfação e orgulho.

Aplausos do PSD.

A obra dos Governos de Cavaco Silva teve sempre por detrás um consistente e activo apoio parlamentar que não só lhe permitiu as condições políticas de fundo, resultantes da existência de uma maioria, mas também alargar o debate e o combate político contra a oposição. No Parlamento não foi uma maioria passiva que suportou o Governo, mas um grupo parlamentar activo e corajoso - onde a dignidade e a capacidade individual de cada Deputado sempre contou. Até na diferença e na controvérsia sempre houve mais coragem entre nós do que nos grupos parlamentares da oposição, onde as críticas se esgotavam nas conversas de corredor.

Aplausos do PSD.

Longe de qualquer bizarra "ditadura de maioria", o que houve no PSD foi uma comunidade programática com o Governo, uma intensa colaboração, uma obra comum na qual se entrelaça a nossa responsabilidade como Deputados com o cumprimento do programa eleitoral com que fomos eleitos. Nos momentos mais críticos, em que se tentou pôr em causa a responsabilidade e a legitimidade desta Assembleia, contestando a representatividade e a legitimidade da maioria, quando se pretendeu, ao arrepio da nossa Constituição, utilizar a ameaça da dissolução como instrumento de política corrente, os Deputados do PSD souberam sempre defender a sua legitimidade e a sua obrigação face à vontade do povo português e à execução do Programa do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr Presidente, Srs. Deputados: Conscientes da "obra feita" não temos a ideia de que tudo está feito ou quase feito. A ideia que todas as reformas estão realizadas não é, nem pode ser, a do PSD. Muito foi feito nos últimos 10 anos, passos decisivos no nosso desenvolvimento foram dados, mas sabemos que estamos a meio de um caminho começado com a nossa adesão à Comunidade Europeia, ciclo esse que conhecerá apenas o seu termo quando Portugal acompanhar os outros países europeus, quer em condições e qualidade de vida, quer na realização das expectativas dos portugueses, por uma vida melhor, mais feliz, com mais oportunidades e com maior liberdade de realização pessoal Quando Portugal tiver uma sólida e autónoma economia, plenamente integrada na União Europeia, capaz pela sua competitividade de nos libertar dos nossos proverbiais atrasos e desigualdades no concerto das nações europeias, teremos então terminado um ciclo decisivo da nossa democratização: a realização do 25 de Abril no seu terceiro D - o do desenvolvimento

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, para quem não fosse um optimista beato, era previsível, desde há muito tempo, que havia (e há) um momento de todos os riscos: o momento em que abertos a uma competição e a uma mudança sem paralelo na nossa história recente, estaríamos ainda insuficientemente seguros. O momento em que se conhece não só as vantagens, mas também os custos da integração europeia. O momento em que como é humano se hesita face às dificuldades. Esse momento atravessa-se agora e vai coincidir com as escolhas eleitorais de 1995 e 1996.
Os riscos que corremos são todos os riscos da facilidade e a facilidade vai ser o centro da política da oposição: explicações simplistas e preguiçosas para o que corre mal, soluções sem esforços e miraculosas. Tudo isto nos vai bater à porta em Outubro de 1995. E deveríamos, por isso, inscrever em todas as bandeiras a velha máxima anglo-saxónica de que "não há almoços grátis", que nos lembra a todos que o que se tem custa a ganhar e que ninguém vai tomar ou pagar esse custo por nós Ou somos capazes ou então perdemos a oportunidade.

Aplausos do PSD.

E é por isso que nas eleições de 1995 os partidos da oposição vão cavalgar esse momento de todos os riscos e oferecer-nos a todos o almoço que eles esperam ou que alguém nos dê ou que, faltando à nossa palavra, não paguemos. Nas eleições de Outubro de 1995, o Partido Popular dirá isso mesmo, venham a nós os nossos almoços. E, depois de os comermos, gritemos que somos demasiado orgulhosos para ler que os pagar Primeiro, comemos o que não ganhamos e depois, quando nos pedirem a conta, fazemos um ar ofendido e atiramos para cima da mesa qualquer frase grandiloquente do género: "isso não se faz a um país que tem 800 anos de história".

Risos do PSD

O perigo do isolacionismo nacionalista é a facilidade que nos faz projectar as nossas culpas e defeitos nos outros, nos estrangeiros, acusando-os daquilo que não queremos ou não sabemos fazer. A ideia que o mundo inteiro tem a obrigação de nos sustentar, enquanto nós, xenófobos e orgulhosamente sós, pagamos com a exibição da história passada acenando com as glórias do passado para escon-

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der as misérias do presente é não cumprir as obrigações, é uma atitude que só se tem uma vez. Depois é ouvir bater as portas. E bem batidas.
A política do Partido Popular é profundamente hipócrita, porque todos os dias propõe medidas e actos que implicariam a autarcia económica de Portugal, e não tem a coragem de dizer aos portugueses que a verdadeira consequência dessa política seria a saída da União Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tenham a coragem de o dizer e então cá estaremos para discutir as consequências. Ou será que não há consequências?
E exactamente porque todos os riscos que estão à nossa frente são riscos de facilidade, tentações de facilitismo, é que o PS parece emergir do seu torpor habitual e se agita um pouco por todo o lado. O PS entrou num delírio despesista - tudo oferece, a nada põe preço.
Sá de Miranda dizia que "ao cheiro de canelas" o reino se despovoava e fugia para as índias. Ao PS Cheira a canela, bem mais próxima e fácil do que a que eslava nas índias. Cheira-lhe a facilidades ou, dito de outra maneira, a muito dinheiro para gastar. E muito dinheiro para gastar faz crescer como cogumelos as centenas de propostas despesistas em que o PS e exímio. Um balança recentemente publicado revelava que de mais de 100 medidas propostas pelo PS, cerca de 90 % implicam o aumento das despesas ou a diminuição das receitas.
A verdadeira gaffe do Engenheiro Guterres não foi certamente esquecer-se do PIB, número que com certeza conhecia, mas a súbita revelação, em meia dúzia de segundos de cruel televisão, da verdadeira política socialista: promessas sobre promessas, pagas não se sabe por quem nem como. Os socialistas, com alguma caridade, chamaram a essa gaffe "bloqueio" e chamaram bem.
O Dr. Freud tem um ensaio muito interessante sobre estes "bloqueios", sobre o esquecimento de nomes (aqui de números) que estão como se costuma dizer na "ponta da língua" e que estamos quase a dizer e nos esquecemos de dizer. Pois é. O Eng. Guterres tinha, na. "ponta da língua", um discurso sobre as promessas e o seu preço e dali não saiu. Sem querer colocar o Engenheiro Guterres no divã do Dr. Freud, o que aconteceu foi que do seu reprimido "id",- a parte do Engenheiro Guterres em que ele não manda -, onde estava enterrado o preço das coisas que ele promete, veio, à revelia do seu ego e super-ego, ao de cima, à tona da sua voz e para o espanto da sua face num bloqueio imenso, abissal e. absoluto. Ficamos a saber que o Engenheiro Guterres também é humano, e que tem lá dentro, no fundo, escondido o preço das suas facilidades. Só que não o diz e depois bloqueia. O Dr. Freud explica isso muito bem.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Outubro de 1995 a última palavra é a dos eleitores, do povo português. Os portugueses, e muito bem, terão que nos julgar pela obra feita - e está feita obra. Terão que nos julgar pelas nossas escolhas - de políticas e de pessoas. Terão que nos julgar pelo que fizemos de certo e pelos nossos erros - e com certeza que erros cometemos. Terão que nos julgar pelo programa de reformas que iremos de novo apresentar e pelas pessoas que propomos ao seu sufrágio.
Mas a nossa obrigação é sermos claros com os portugueses. Em Outubro de 1995, o que está em jogo para o País não pode ser indiferente a cada um de nós. Apresentamo-nos ao veredicto popular como responsáveis por um mandato cuja responsabilidade não enjeitamos. Mas também nesse momento de escolha, como cidadãos de parte inteira, não nos eximimos de dizer aos portugueses que consequências pensamos irem ter as suas escolhas.
E dizemo-lo com clareza:- das eleições de Outubro de 1995 vai depender uma dupla escolha - a de quem governará Portugal e do modo como Portugal poderá ou deverá ser governado ou se, pura e simplesmente, deixa de poder ser governado. Vai depender dessa escolha saber se o PSD terá a legitimidade de continuar a obra, que tem uma coerência e uma continuidade que deve ser preservada e que tem custos interromper, ou se se experimentam todas as novidades. Sem custos, sem preços, sem garantias, mas com perigos. Os perigos da facilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD propôs-se a si próprio renovar a maioria absoluta que obteve em 1987 e 1991. Propôs-se um objectivo mais difícil, árduo e exigente do que qualquer outro partido, em grande parte porque está convicto de que as dificuldades que atravessamos exigem governos com capacidade para governar e não governos só de nome, e que existem apenas para nomear os amigos. O objectivo da maioria absoluta não é um mero objectivo partidário é uma necessidade exigível pela instabilidade inscrita no nosso sistema eleitoral Que e assim reconhece-o o principal partido da oposição que, envergonhadamente, também pede ao eleitorado uma maioria absoluta.
E também somos claros na recusa de qualquer coligação, antes ou depois das eleições. Sena profundamente desestabilizador para a vida política portuguesa e pouco clarificador, se das eleições de Outubro de 1995 resultassem soluções ambíguas nas quais os partidos de franja - o Partido Popular ou Partido Comunista Português - acabassem por definir as políticas do PSD ou do PS. Seria péssimo ver os grandes partidos, nos quais a maioria dos portugueses votaram, subordinados o PSD a um PP radical e anti-europeu e o PS a um PCP, nos antípodas do pensamento democrático e do capitalista.
O Partido Popular e o PS são partidos do facilitismo e os partidos do facilitismo não devem governar, nem em momentos em que é preciso a capacidade de tomar medidas difíceis- e essa é a verdadeira prova dos nove de um governo -, nem em momentos em que existem oportunidades únicas que podem ser perdidas
Temos toda a confiança que os portugueses também assim pensam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Queiró e Jaime Gama.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, começo por lembrar-lhe que, em Outubro passado, o Sr. Deputado fez aqui um grande ataque ao meu partido, com base nas pretensas críticas que fazíamos à classe política, denunciando essa forma enviesada e condenável de captar os favores do eleitorado.
Tendo em atenção o que aconteceu posteriormente no seu próprio partido, recomendava-lhe algum cuidado com

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os ataques que vai fazendo ao Partido Popular, nomeadamente nesta matéria da Europa.
O Sr. Deputado veio aqui fazer o discurso da exigência, do esforço e da dificuldade, contra o discurso da facilidade. Mas poderá o Sr. Deputado, com verdade, reconhecer que, durante anos, quem sobre a Europa fez o discurso da facilidade e da abundância foi, justamente, o seu partido e os governos do seu partido e que era justamente o Partido Popular, até mesmo antes de ser Partido Popular, quem fazia a crítica desse discurso, chamando a atenção para aspectos importantíssimos da construção europeia, que, depois, o seu partido se viu forçado a ir adoptando progressivamente?
É ou não verdade que, nos debates de 1992, foi o CDS - e isso está nas actas - que invocou os perigos do Estado exíguo, os perigos da formação de um directório na Europa, de um "Estado director", e que é agora o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo que o Sr. Deputado apoia que vem, com três anos de atraso, retomar exactamente estas fórmulas?
O Sr. Deputado quer que digamos, à força, que somos favoráveis à saída de Portugal da União Europeia quando, expressamente, recusamos essa saída.
Ainda há pouco tempo, num debate sobre as pescas, dissemos claramente que era preciso "bater o pé" dentro da União Europeia, recusando a solução da saída e aquilo que pusesse em causa a União Europeia, no seu cerne, mas renegociando os aspectos susceptíveis de serem renegociados, com a força que nos for possível, para defendermos os interesses nacionais.
É isto o que queremos fazer relativamente à renegociação do Tratado de Maastricht! Aliás, dizemo-lo há muito tempo e o seu partido vai ter de seguir esta via, que não é um caminho de facilidade nem de aproveitamento posterior e demagógico de atitudes ou de discursos, o que recusámos na altura própria.
Agora o que o Sr. Deputado não pode é, com esse discurso, impedir que outros tenham posições críticas sobre aspectos que não põem em causa a nossa permanência na Europa nem reduzir tudo ao dilema simplista de que tudo deve ser aceite, sob pena de sermos acusados de estarmos a pôr em causa...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - ... uma Europa liofilizada, que não se pode pôr em causa de forma nenhuma, e fazer o tal discurso da ausência de alternativas, que, por um lado, é o discurso mais totalitário que existe sobre a ideia da Europa e, por outro, é o mais menorizante para a posição de um país pequeno como Portugal.
Era com estas considerações que queria confrontá-lo, porque o Sr. Deputado fez um discurso em que reafirmou, mais uma vez, o primado das maiorias absolutas, o perigo de um Governo baseado em negociações entre partidos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - O Sr. Deputado disse, há algum tempo atrás, que se não for possível ao Partido Social Democrata aspirar a uma maioria absoluta, então será preferível que o povo português a dê a outro partido. Também estaremos atentos para ver se o Sr. Deputado será coerente, dada a força das circunstâncias actuais, e se, face a essa visão, vai fazer apelo ao voto consequente.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, quero deixar apenas três breves notas.
Não basta dizer, nos discursos mais civilizados, algumas trivialidades críticas sobre a Europa Toda a gente as diz e isso não dá qualquer direito genealógico da precedência em relação às críticas que são feitas sobre a Europa
A verdade, Sr. Deputado, é que a consequência prática das propostas que o CDS-PP avança todos os dias em relação às questões de política corrente não é coerente com a pertença de Portugal na União Europeia. E os senhores só não dizem isso porque não têm coragem para dizê-lo, porque querem os fundos comunitários e não querem ter o ónus de dizê-lo com clareza.

Aplausos do PSD

E enquanto não o fizerem a vossa política padece de uma hipocrisia de fundo. O movimento essencial da vossa política é anti-europeu, é anti-União Europeia e o resto são trivialidades que, efectivamente, nada significam na vossa condução concreta da política.
Eu digo-lhes - e desafio-vos - que as vossas propostas não são coerentes com a União Europeia tal como ela existe. Evidentemente, se é uma União Europeia mítica que os senhores constróem, apenas por não terem a coragem de dizer que querem sair desta, o problema é dos senhores.
Registo, ainda, que o grande objectivo estratégico do Partido Popular é fazer negociações com outro partido. De facto, para quem vai concorrer a eleições em Outubro de 1995, não é um objectivo brilhante. Sena também conveniente que o dissessem claramente na campanha eleitoral, ou seja, que divulguem que o vosso objectivo estratégico nas próximas eleições é arranjarem margem de negociação para terem algumas secretarias de Estado num próximo Governo, dadas por um outro qualquer partido.
Por fim, independentemente das posições que o meu partido tomou em matéria de transparência, o PSD não é um partido que considere os Deputados sanguessugas.

Aplausos do PSD

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Pacheco Pereira, que ouvimos sempre com grande apreço nesta Assembleia, veio referir que o PS tinha sabor a canela. É uma visão quinhentista...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Um cheiro.

O Orador: - e nós só podemos responder, dizendo que a intervenção do Sr. Deputado Pacheco Pereira teve sabor de fim de reinado ou de fim de império, o que é bastante mais grave do que o sabor a canela, porque, pelo menos, o sabor a canela tem o mérito de estimular os alimentos, de estimular a felicidade...

O Sr. Silva Marques (PSD): - De estimular a saliva. A canela não é pimenta, Sr. Deputado.

O Orador: - ... e não de regressar às horas tristes do fim de reinado e do fim de império
Eu não diria que a intervenção do Sr. Deputado Pacheco Pereira foi aquilo que o Sr. Deputado Silva Mar-

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quês classificaria, seguramente, como uma intervenção de recolocação, de reabilitação ou de redenção,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu não a classifiquei assim!

O Orador: - ... porque V. Ex.ª é parcimonioso rio uso dos temperos e das especiarias, como nós sabemos.

Risos do PS.

De qualquer forma, o PSD está em fim de reinado, pois ate os seus ideólogos dizem que o Governo foi constituído por ministros que nem categoria têm para membros de gabinetes e até o próprio Sr. Deputado Pacheco Pereira, na sua longa dissertação sobre a vida política portuguesa, permanentemente invectiva o PSD sobre questões estruturais como o clientelismo, a corrupção, a falta de sintonia entre o partido, o Governo e o País. Sabemos como, nessa altura, o Sr. Deputado Pacheco Pereira sobe, nessa altura ele não tem de fazer as intervenções pouco inovadoras como aquela que hoje produziu, mas as intervenções possíveis, no quadro da conjuntura política, como aquela que hoje aqui realizou.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira referiu a psicanálise e ele foi um exemplo notável dela, porque produziu um enormíssimo recalcamento. Ele falou contra os vários partidos da oposição, porque, na verdade, ele está inibido de poder falar a favor do Governo e do partido que pretendeu representar

Risos e aplausos do PS.

O ataque à oposição é, aliás, a melhor forma de sublimar o recalcamento. E quanto mais ortodoxa e radical é a proveniência política dos oradores - temo-lo vista com o Ministro Durão Barroso, vimo-lo hoje, aqui e de novo, com o Deputado Pacheco Pereira -, mais a função da sublimação do recalcamento se exerce contra os adversários quando se não pode ou se não quer falar a favor.
Na verdade, o que nos disse o Deputado Pacheco Pereira - por aquilo que disse e por aquilo que não disse, que é, aliás, aquilo sobre o qual todos os dias escreve na comunicação social - foi que, enfim, o PS não é um partido do seu agrado, mas que o PSD ainda é pior, ...

Risos do PS.

... que o Engenheiro António Guterres não é um líder político com carisma para galvanizá-lo, mas que o Dr. Fernando Nogueira está longe de satisfazer esses requisitos, que o Professor Cavaco Silva era um político genial, mas que, infelizmente, desiludido com a sua própria política, nos abandonou a todos e, em especial, ao seu próprio partido e ao Sr. Deputado Pacheco Pereira,...

Aplausos do PS.

... colocando-o numa situação de orfandade de que ele tanto se penhora, pelo menos momentaneamente. Veremos, mais tarde, qual vai ser o futuro dessa relação construtiva e carismática.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A canela fez-lhe mal!

O Orador: - Mas, naturalmente,...

O Sr. Presidente: - Sr Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: - ...ª parte mais interessante da intervenção do Sr. Deputado Pacheco Pereira, foi aquela em que, cenarizando as eleições e a campanha eleitoral, veio falar, de forma abstracta, das promessas inócuas, da facilidade, do facilitismo e da demagogia. E, naturalmente, aí não podemos deixar de recortar a figura do Dr. Fernando Nogueira, que, depois de 10 anos de governação "cavaquista", vem prometer férias pagas para os idosos,...

Risos do PS.

... vem prometer polícia nas ruas, vem combater a severidade na Administração Pública, vem prometer aquilo que o Governo do partido dele não foi capaz de realizar enquanto Governo, ou seja, a carapuça da facilidade e da demagogia, traçada pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira, do alto daquela tribuna, é o verdadeiro retrato da actual liderança do PSD sob a égide do Dr. Fernando Nogueira

Aplausos do PS.

Ora, neste caso, não podemos deixar de sublinhar o aspecto interessante da intervenção aqui hoje proferida pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira, porque ele também tem de atacar o PS. Compreendemos que tenha de atacar o PS, porque ele passa todos os dias a criticar e a atacar o PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Deve de estar a delirar, tem de ir ao médico!

O Orador: - Era justíssimo que ele, hoje, desferisse algumas críticas sobre o PS, porque a verdadeira óptica da intervenção política de pessoas como o Engenheiro Álvaro Barreto e o Engenheiro Angelo Correia, vossos Deputados, o Dr. Pacheco Pereira e o próprio Primeiro-Ministro, Cavaco Silva, é esta: já que o PSD falhou, não gostamos disso mas, ao menos, que ganhe o PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, já sabia que seria fácil fazer esse pequeno exercício de terapia de grupo com que o Sr. Deputado se entreteve.

Risos do PSD.

Não é, aliás, difícil de fazer, por um mecanismo que em psicologia e psicanálise se caracteriza como uma espécie de mecanismo esquizofrénico, em que se projecta em outrem aquilo que corresponde ao próprio comportamento. O Sr. Deputado Jaime Gama, autor de uma interessante tese sobre o comportamento do Engenheiro Guterres, a do frenesim, tem, evidentemente, um problema...

Aplausos do PSD.

... de desfasamento ou de diferenciação de personalidade. Por isso, fez aqui um bom auto-retrato, que registámos, mas que, infelizmente, não se me aplica nem aos meus companheiros, por uma razão de cultura política que diferencia os dois partidos.
Por exemplo - vou dar-lhe exemplos concretos -, o Sr. Deputado Jaime Gama disse que, muitas vezes, refiro

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o clientelismo, a corrupção e o compadrio e que me dirijo ao meu partido para lhe lembrar que esses são males que devemos combater. Sr. Deputado, não sou só eu. Os documentos oficiais aprovados no Congresso e o Presidente do partido fazem as mesmas referências e temos no nosso património, como é evidente, essa preocupação. Na verdade, o que nos diferencia é o facto de eu nunca ter visto qualquer Deputado do Partido Socialista a preocupar-se com os fenómenos de corrupção, clientelismo e compadrio,...

Vozes do PS: - Oh!

O Orador: - ... por exemplo, no poder local do Partido Socialista,...

Aplausos do PSD.

... donde, até. sem fazer qualquer imputação concreta, é pressuposto, por razões estruturais e conjunturais, que eles existam. De igual modo, não vemos, sobre muitas matérias, o Grupo Parlamentar e os Deputados do Partido Socialista terem uma linguagem crítica sobre si próprios, que é um bem que, felizmente, o meu partido preserva, mesmo com as extensões e dificuldades que isso gera entre nós, muitas vezes, o que é, em parte, inevitável. Mas é exactamente essa diferença que não nos dá essa esquizofrenia, em termos científicos e técnicos. Isto é, podemos criticar-nos, podemos ter os nossos conflitos, mas eles não perturbam um fundo de cultura comum, que corresponde, aliás, a muitas características da cultura política espontânea do povo português, que os senhores tiveram oportunidade de ver na televisão durante a transmissão do último Congresso do PSD, pelo que não podem alegar ignorância.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Isso foi só depois de Cavaco se ir embora!

O Orador: - Dito isto, fiquei espantado por o Sr. Deputado Jaime Gama não ter feito o que eu previa que fizesse, quanto à citação de Sá de Miranda. Sá de Miranda era conservador em relação à gesta dos nossos Descobrimentos e, neste verso, que é célebre, queixava-se, no fundo, de os portugueses irem para a índia atrás da canela. Os senhores teriam, aí, oportunidade para fazerem um pequeno "brilharete" e dizerem que também querem ir para a índia atrás da canela e, assim, mostrarem a novidade que têm para trazer ao povo português. Infelizmente, não o fizeram, ficaram só pelas virtudes culinárias do cheiro da canela, que era, aliás, o que eu previa que acontecesse, porque, evidentemente, era esse o sentido da minha crítica.

Aplausos do PSD.

Para terminar, já que estamos em tempo de metáforas, aconselho o Partido Socialista, para ter uma boa descrição da sua política sob uma forma um pouco mais literária, a ler o livro Alice no País das Maravilhas.

Risos do PSD.

Já não digo que o Partido Socialista passe para "o outro lado do espelho", onde as coisas são todas ao contrário, mas nesse livro há uma personagem, aliás, trágica, que é um pobre de um cavaleiro, que encontra Alice e se gaba de ter uma armadilha muito eficaz contra os ratos. Se tomarmos como metáfora essa armadilha eficaz contra os ratos, como uma descrição daquilo que é o conjunto das propostas políticas do Partido Socialista, ficamos a saber o que elas são, de facto. Essa armadilha contra os ratos era uma panela virada ao contrário, com a qual ele pensava apanhar os ratos que nela se meteriam. Evidentemente, ficou muito surpreendido quando lhe chamaram a atenção para o facto de que a armadilha não tinha qualquer espécie de eficácia. Ora, o problema da política do Partido Socialista é que é feita segundo o modelo desta armadilha contra os ratos. Ou seja, é uma política que, como o Engenheiro Guterres mostrou na gaffe, não revela que ele não saiba qual é o produto interno bruto, porque ele sabe-o, mas, sim, que ele sabe qual é o custo proibitivo das propostas e das promessas que faz e não tem coragem de o dizer aos portugueses, o que levou ao que os senhores chamaram de bloqueio. Com efeito, isso foi um momento de verdade, o qual, em televisão, foi mortífero para o Partido Socialista, porque foi o verdadeiro retraio do que os senhores têm para propor ao povo português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: André Malraux procurava "esse lugar crucial da alma onde o Mal Absoluto se opõe à fraternidade". Esse lugar é onde o racismo começa. E aí, onde ele nasce, a alma morre. Por isso, muito mais do que um problema de polícia, o racismo e, sobretudo, um problema moral e cultural.
As agressões cometidas pelos "cabeças rapadas" são agressões a uma certa ideia de Portugal, a uma certa ideia que temos (ou tínhamos) de nós mesmos. É particularmente revoltante que tenham sido realizadas, em nome da raça, no Dia de Camões.
Eles não sabem, porque ninguém lhes ensinou, que Camões escreveu um poema de amor anti-racista, onde fez o elogio da "pretidão"
Eles não sabem, porque ninguém lhes disse, que, na sua Carta a D. Manuel, Pêro Vaz de Caminha elogiou a superioridade da beleza física e moral das índias e dos índios do Brasil.
Eles não sabem, porque ninguém lhes explicou, que se há algo de específico e verdadeiramente significativo na cultura portuguesa é essa capacidade de compreender o outro, de admirar a diferença e até de amá-la e misturar-se com ela.
Eles não sabem, porque ninguém lhes fez essa pedagogia, que a mestiçagem é um elemento estruturante da nossa cultura e da nossa identidade.
Esses são os valores de que devíamos orgulhar-nos e não os massacres de Wiriamu, que Kaúlza de Arriaga, o "ultra" da guerra e da supremacia branca, ocultou e proeurou desculpar e encobrir, não a liquidação do outro, como queria Alpoim Calvão, quando assaltou Conakry, para assassinar Amilcar Cabral.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - No dia 10 de Junho, no serviço público de televisão, enquanto estes responsáveis do fascismo e da guerra eram quase promovidos a heróis, o Presiden-

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te da República e outros antifascistas, entre os quais eu próprio, éramos tratados como deliquentes de alta traição.
A violência racista e fascista começa sempre na deturpação da História e na inversão de valores. E quase sempre uma violência moral antes de ser uma violência, física.
O terrorismo assassino, ocorrido no Bairro Alto, é um atentado a uma certa imagem de nós próprios. Não adianta o discurso hipócrita dos brandos costumes Factos assim nunca se passaram em Portugal. Nunca! Em nenhum momento e em nenhum regime! E não é só a complexidade de uma mera situação social provocada pela imigração, a descolonização tardia, a concentração nas grandes cidades, a cultura suburbana, com a sua ausência de valores e referências morais. É também a passividade e a omissão. Como disse recentemente o Professor Boaventura Sousa Santos: "Numa sociedade com forte cultura política autoritária, é crucial exigir do poder mensagens anti-racistas inequívocas".
Ora, é essa a primeira grande omissão. A omissão de uma clara pedagogia anti-racista por parte dos responsáveis do Governo. É possível que alguns se tenham convencido que tal não é eleitoralmente vantajoso. Eu não trocaria a alma por votos. E digo-vos: se para ganhar eleições fosse preciso pactuar com a violência racista, eu, pessoalmente, preferia perdê-las. E não dormiria descansado se, por razões eleitoralistas, tivesse feito - como fez o Ministro Dias Loureiro - um discurso que sistematicamente proeurou relacionar a criminalidade com certos grupos étnicos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim como lá fora a xenofobia e o neonazismo são fruto do revisionismo da História e d3 tentativa de branquear os crimes do passado, incluindo O Holocausto, também aqui certos comportamentos são o resultado do modo como, a pouco e pouco, primeiro subepticiamente e agora já sem vergonha, se foi desculpabilizando e reabilitando essa violência institucionalizada que foi O Estado Novo.
Houve uma omissão de mensagens inequívocas por parte do Governo e de uma política de imigração que tenha em conta a nossa realidade e especifidade. Que não seja a simples aplicação mecânica e acrítica, numa perspectiva exclusivamente policial, de acordos que não têm em conta o País que somos. Portugal é um pequeno país, mas não é um país qualquer e deixará de ser ele próprio no dia em que esquecer a dimensão histórica, afectiva e cultural da sua relação com o Brasil e a África ou no dia em que deixar de tratar como irmãos os africanos que trabalham em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Houve uma omissão de pedagogia, de política e, também, de justiça.
Nos últimos anos, registaram-se oito casos de morte. Só o assassino de José Carvalho foi condenado, e mesmo esse conseguiu fugir, misteriosamente, da cadeia de Linho.
Houve omissão da polícia. A polícia normalmente não está ou, então, chega depois. Foi o que aconteceu na noite do dia 10 para 11, no Bairro Alto. Primeiro, não estava, quando chegou, já praticamente tudo tinha sido consumado. O Secretário de Estado da Administração Interna veio a público não para dizer que ia apurar responsabilidades mas para de antemão justificar e desculpabilizar a polícia.
Ou seja, para se auto-absolver e para proteger o seu Ministro.
No "Estado" em que nos encontramos, parece que a polícia só chega a tempo para carregar, como na Marinha Grande, sobre trabalhadores em luta pelos seus salários, ou para desancar estudantes que contestam a política de educação.
Algo está mal! Algo está profundamente mal no nosso país. Há um clima geral de medo, de suspeita, de insegurança e as pessoas começam a querer fazer por suas, mãos o que compete ao Estado fazer.
Não foi só o terrorismo dos skinheads que veio confirmar a crise da sociedade, que é também uma certa crise do Estado democrático. Nem foram só erros os trágicos acontecimentos que tornaram mais evidente a falência da política de segurança, a sua inadequação, ou, pura e simplesmente, a sua inexistência Todos os dias surgem notícias de milícias que pretendem fazer justiça por sua conta. Pode compreender-se o estado de espírito das pessoas, embora tenha de se reconhecer que há muito desejo de protagonismo, fomentado pela guerra das audiências entre canais televisivos. Pode compreender-se, mas não se pode aceitar nem pactuar.
A emergência de milícias populares só é possível pela demissão e abdicação do Estado. Elas são a negação do Estado de direito, existem porque não há política de segurança e porque, de certo modo, já não há Governo.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - É o paradoxo dos projectos de poder construídos em torno de uma pessoa. De repente, como diria o Eça, o Estado "alui"
Houve um filósofo que profetizou o deperecimento do Estado. Foi uma profecia incumprida. Mas estava longe de imaginar que haveria um dia um país onde, em vez do "deperecimento", se verificaria o desaparecimento do Estado.
É o que está a acontecer em Portugal: o Estado passou à clandestinidade, o Governo não governa, a não ser para inaugurar e, sobretudo, para nomear.

or razões de clientelismo, reforçou-se o Estado onde ele não é preciso. Por razões ideológicas, retirou-se o Estado de onde ele faz mais falta.
Onde está a política de segurança do Ministro Dias Loureiro, que tantas vezes repetiu que tinha os skinheads controlados?
Os portugueses interrogam-se sobre para que serve, afinal, o SIS. É para garantir a segurança do Estado ou só para espiar sindicatos, associações de estudantes e, eventualmente, os partidos da oposição?
Eu podia apontar o dedo, porque é muito fácil, a quem tem as responsabilidades políticas. Mas prefiro dizer que todos somos responsáveis pela tragédia do Bairro Alto. Uma tragédia que nos obriga a olhar para nós próprios, para sabermos afinal quem somos. Uma tragédia que exige uma reflexão sem mistificações, para que o racismo possa ser combatido e erradicado, sem dó nem piedade, nem que para isso seja preciso mudar o Código Penal e agravar as penas para qualquer crime de cariz racista.
O processo de formação de Portugal foi, como ensinou Jaime Cortesão, a convergência de um "conjunto de factores democráticos", entre eles, a mestiçagem, a mistura de raças e culturas Não podemos permitir que se construam dentro de nós ghettos ou bairros étnicos. Seria a destruição daquilo a que Torga chamou "a fisionomia in-

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confundível do Povo Português". Uma fisionomia que está a ser deformada pelo racismo.
A morte de Alcindo Monteiro exige que se ponha fim às omissões, à passividade e à indiferença. Mas não basta o reforço da polícia, é preciso, sobretudo, o reforço da consciência democrática.
É preciso, em primeiro lugar, que o Estado de Direito funcione, que se faça justiça, que não haja contemplações nem cumplicidades, que não se verifiquem, depois, mais fugas misteriosas.
É preciso a coragem de combater o racismo e de fazer uma constante pedagogia dos valores humanistas, da tolerância e da convivência sem discriminações nem distinção de raças, como o tem feito, aliás, a TVI, que merece a nossa solidariedade e o nosso aplauso.
É preciso, finalmente, outra cultura política. Uma cultura que assuma com clareza, sem ambiguidades e com orgulho o 25 de Abril, como matriz fundadora do regime democrático, não apenas no terceiro D mas em todos os seus D! Uma cultura que não volte a tergiversar na condenação sem equívocos dos erros e crimes do passado. Uma cultura de concórdia nacional, mas no respeito da verdade histórica.
E, por favor, não sejam racistas em nome de Camões, porque ele amou o que é diferente e cantou a negritude. Não sejam racistas em nome de Portugal! Não matem a alma portuguesa!

Aplausos, de pé, do PS, de alguns Deputados do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Silva Marques, Mário Tomé e António Filipe.
Tem a palavra, Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, o filósofo que, dificilmente, imaginou um poder como aquele a que se referiu também, dificilmente, terá imaginado um PS como o vosso.
Sr. Deputado, é preciso o reforço da consciência, é preciso o reforço da pedagogia cívica, da tolerância e da convivência, sem dúvida. Subscrevemos tudo isso, mas o Sr. Deputado omitiu diversos aspectos da questão, cuja omissão nos leva a perguntar se essa omissão, ela própria, não constitui um lacuna, para não dizer uma violação, da consciência e da pedagogia da convivência.
Por isso, e sem mais razões, quero perguntar-lhe o seguinte: que pensa das declarações de um tal cidadão Fernando Ká, que foi Deputado do PS, que é Presidente da Associação Luso-Guineense - creio que assim se designa -, as quais foram de uma inconveniência, de uma arrogância e de um estilo provocatório insuportável? O que pensa o Sr. Deputado das declarações do cidadão Fernando Ká, socialista e, pelos vistos, representativo, porque foi vosso Deputado? Que pensa o Sr. Deputado Manuel Alegre não só dessas declarações mas também do aproveitamento político, que está a ser feito por alguns dos seus camaradas, das movimentações dessa Associação? O Sr. Deputado sabe que, pelo menos, um membro do gabinete do seu grupo parlamentar participou nas reuniões dirigentes ou organizativas das movimentações anunciadas?

Vozes do PS: - E depois?!

O Orador: - E o que é que os senhores pensam das declarações do Presidente dessa Associação?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é uma intervenção provocatória?!

O Orador: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, estou a perguntar... O que deseja perguntar, Sr Deputado? Dou-lhe a palavra, e o senhor perguntará o que tem a perguntar.
Agora, cabe-me a mim perguntar e aos senhores responderem, e interpelo directamente o Sr. Deputado Manuel Alegre: o que pensam os Srs. Deputados das declarações prestadas, na televisão, por Fernando Ká, socialista, ex-Deputado do PS, que foram insuportavelmente provocatórias...

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS)- - Quais foram?!

O Orador: - ... para quem as ouviu? Considera que essas declarações pertencem à pedagogia cívica, ao reforço da consciência? O Sr Deputado Manuel Alegre entende que elas estão no caminho da convivência e do anti-racismo ou acha que elas relevam de um sectarismo igual, só que de cor diferente?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS). - Sr Presidente, fiz aqui uma intervenção que proeurou ser séria, sobre um assunto sério, que a todos nos envergonha e responsabiliza!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tive o cuidado de dizer que todos somos responsáveis - é o País que é responsável.
Acho perfeitamente lamentável que, perante um assunto de tal gravidade, tendo até ocorrido uma morte, o Sr. Deputado Silva Marques tenha feito uma intervenção deste cariz e não tenha condenado o racismo e os skinheads, não tenha exigido o apuramento de responsabilidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, pelo contrário e mais uma vez, tenha feito o discurso do "lavar as mãos", da autodesresponsabilização e do ataque à oposição! Não posso acreditar que esta seja a posição do PSD!

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Dar-lha-ei no fim do debate, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.) - Sr Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, quero cumprimentá-lo pela sua intervenção e, já agora, lamentar que o Sr. Deputado do PSD se tenha pronunciado sobre este assunto de uma forma que a todos envergonha
Sr. Deputado Manuel Alegre, quero também dizer-lhe que foi a primeira vez que ouvi o PS, neste tema, ir ao

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cerne da questão, ao relacionamento deste crime bárbaro com a tentativa de exaltação, de preservação e de branqueamento da ideologia do colonialismo e do fascismo do General Kaúlza de Arriaga e de Alpoim Calvão.
Resumindo, porque disponho de pouco tempo, quero apoiar as suas palavras, Sr. Deputado Manuel Alegre, e, mais uma vez, cumprimentá-lo pela sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, agradeço-lhe as suas palavras. Este é um problema gravíssimo, de âmbito nacional, que exige, insisto, uma grande reflexão, porque as causas são múltiplas e complexas.
Quero somente dizer, referindo-me a outras declarações, que, se alguém está a mais em Portugal, não. São os trabalhadores africanos imigrados - e não era o Cidadão Alcino Monteiro, que, ainda por cima, tinha nacionalidade portuguesa. Se alguém está a mais em Portugal, são os racistas e os skinheads, que matam esses trabalhadores.

Aplausos do PS

O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, também muito sinteticamente, gostaria, em primeiro lugar, de saudar o tema que aqui nos trouxe e a sua intervenção e, em segundo, de manifestar, a este propósito, duas ordens de preocupações.
Uma delas, referida de certo modo pelo Sr. Deputado, tem a ver com o discurso oficial, governamental, que, de alguma forma, procura responsabilizar os cidadãos imigrantes por muitos dos males da sociedade portuguesa, designadamente pela insegurança sentida pelos cidadãos e pelo desemprego que afecta um número crescente deles, quando nenhum número oficial permitirá confirmar essas ilações. Isto é, está provado, estatisticamente, que os cidadãos imigrantes não contribuem mais do que os outros cidadãos para esta situação; no entanto, existe um discurso oficial, que radica, de certa forma, nos Acordos de Schengen, numa atitude xenófoba que a Europa tem vindo a assumir e que, de algum modo, procura induzir a conclusão de que os cidadãos africanos serão responsáveis por algo negativo de que efectivamente não o são.
Uma segunda ordem de preocupações diz respeito à impunidade com que grupos neofascistas e de cariz racista se exprimem, se organizam e actuam na sociedade portuguesa E esta preocupação merece ser expressa com toda a veemência, particularmente num momento como este, em que a actuação destes grupos provocou feridos e mortes. Em nossa opinião, é fundamental que os órgãos de soberania, no âmbito das suas competências, tomem medidas para pôr termo, de imediato, à possibilidade de actuação destes grupos

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, começo por dizer que somos pela tolerância em todos os seus aspectos e em todas as suas vertentes e que não fazemos distinções entre aqueles que, de alguma maneira, a ponham em causa
Tive o cuidado de referir que há um discurso perigoso, que é exactamente aquele que, por razões eleitoralistas, procura identificar o aumento da criminalidade com determinados grupos étnicos. E a televisão, que também aí tem as suas responsabilidades, nomeadamente o serviço público da televisão que devia ter preocupações de carácter pedagógico e de rigor na informação, frequentemente faz coincidir imagens de criminalidade com imagens desses grupos étnicos. Isto, ao contrário do que, com grande coragem, clareza e frontalidade, tem feito ultimamente a TVI, devo aqui sublinhá-lo, ao denunciar e fazer uma campanha contra o racismo e a impunidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apenas podemos pedir que a justiça seja célere - como, aliás, o fez ontem o próprio Ministro da Justiça- e que, desta vez, não haja estranhas absolvições e fugas inexplicáveis, não se sabendo, depois e ainda mais inexplicavelmente, para onde foi o fugitivo e não havendo pedidos de extradição desse mesmo fugitivo. É preciso que a justiça funcione, porque ela é um instrumento essencial da estabilidade democrática e do funcionamento da própria democracia.
Porém, alguns destes factos devem ser investigados a fundo, porque é preciso saber se, à semelhança do que se passa em Espanha e noutros países, não há grupos organizados e se estes actos são actos espontâneos, que surgem numa noite de Verão, ou se, pelo contrário, são programados e organizados por grupos em estreita ligação com outros grupos neo-racistas e neofascistas na Espanha, na Itália e noutros países da Europa.

O Sr. Mário Tomé (Indep.) - Muito bem!

O Orador: - É preciso investigar, apurar e punir, porque o racismo põe em causa a própria cultura e a própria identidade nacional portuguesas É uma vergonha para todos os portugueses!

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Terminado o debate, dou agora a palavra ao Sr. Deputado Silva Marques, para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, não esperava que respondesse em termos de acusação gratuita e infundada. Não o acusei, Sr. Deputado, interroguei-o legitimamente sobre um aspecto fundamental do problema do racismo e da resposta a dar a esse problema Perguntei-lhe o que pensava acerca das declarações que referi. Considero que tanto essas declarações quanto as de sinal contrário alimentam igualmente o racismo. Penso que o racismo não pode ser combatido apenas quando ele tem uma cor; o racismo é sempre racismo, tenha ele a cor que tiver. E o seu discurso humanista, Sr. Deputado, é bem o discurso típico que os socialistas têm tido: palavras, mas não actos, ou seja, inconsequência relativamente às respostas para os problemas. Por isso, interroguei-o sobre essa faceta do racismo Porém, o Sr. Deputado respondeu-me com uma acusató-

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ria absolutamente infundada e, devo dizer-lhe, inesperada da sua parte.
O Sr. Deputado sabe muito bem que para nenhuma pessoa de bem o assassinato tem desculpa. Devo dizer-lhe que o assassinato não tem desculpa, esteja ele envolvido por questões de racismo ou por questões ideológicas e políticas. E o Sr. Deputado sabe muito bem que nunca tive contemplações com assassinos, mesmo quando o fizeram a coberto de motivações políticas e ideológicas. O Sr. Deputado sabe muito bem que tem havido uma grande complacência quanto a certos assassinatos de motivação ideológica e política! Lembro-lhe isso, Sr. Deputado, porque achei de toda a inconveniência a sua referência ao meu silêncio face a um assassinato. Não há assassinatos que mereçam silêncio por parte de uma pessoa de bem! Evidentemente, todos nós protestamos e reprovamos! Mas, como não queria referir-me a esse aspecto, para encurtar as minhas razões, interroguei-o sobre uma questão importante do racismo, que é a da cor do racismo. É que os racistas são de todas as cores e não apenas de uma delas! E aquelas declarações a que me referi, em minha opinião - e eu quis apenas ouvir a sua -, contribuem tanto para o racismo e para os conflitos daí decorrrentes quanto as daqueles que têm a cor branca. Não há só racismo com cor branca; há também racismo com cor preta. Gostava de ouvir a sua resposta a essa questão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, o Sr. Deputado fez-me uma pergunta, mas para omitir o essencial, porque sobre isso ainda não se pronunciou. E o essencial de que aqui falei é este caso concreto de racismo, que provocou uma morte também concreta. Por essa lógica, só falta o senhor dizer que o morto é que matou!

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - Não é a primeira vez que o Sr. Deputado me faz uma pergunta para omitir o essencial - e, isto, num caso grave. Recordo-me de ter sucedido o mesmo aquando de uma intervenção que aqui fiz a propósito de uma entrevista dada na televisão por um ex-inspector da PIDE.
Sr. Deputado Silva Marques, não faço discriminações e a minha tolerância também não as faz: condeno todo e qualquer racismo ou violência. O senhor é que ainda não condenou aquela que se verificou na noite de 10 para 11 de Junho! Por isso, se há omissão, ela é sua e não minha!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde há alguns meses a esta parte que o Partido Socialista não tem falado de política económica, neste Hemiciclo.
Esta situação contrasta com a postura altamente critica e politicamente agressiva, que, durante mais de três anos, o principal partido da oposição manteve sobre esta matéria.
O facto é tanto mais estranho, porquanto o Governo e o PSD em nada mudaram o rumo que, desde o início da presente legislatura, tem vindo a ser seguido.
Desde esse início que, repetidas vezes, defendemos e praticamos uma política de articulação da estabilidade macroeconómica com a plena integração na Europa comunitária. Tal opção obrigou-nos a ter de ser muito duros com todos aqueles que, nos momentos mais difíceis, reclamavam medidas expansionistas, que, supostamente, deveriam iludir a crise económica, que, então, a Europa vivia.
As experiências passadas e, acima de tudo, a prioridade que sempre damos ao interesse nacional obrigaram-nos e obrigar-nos-ão a recusar, em todas as circunstâncias, posturas de mero interesse eleitoral que, visem, exclusivamente, ensaiar a nossa própria desresponsabilização.
Mas, para que o tempo não atraiçoe a nossa memória, é bom recordar as solicitações, que o maior partido da oposição nos foi fazendo, em sede de política económica.
Pediram-nos, insistentemente e sem vacilar, que esquecêssemos a luta pela redução da inflação.
Pediram-nos que abandonássemos a estabilidade cambial e chegaram mesmo a insinuar que devíamos sair do Sistema Monetário Europeu.
Pediram-nos que votássemos propostas de alteração orçamental, no sentido de aumentar o défice e a despesa pública, para, assim, sobreaquecer a economia nacional.
Acusaram-nos de não relegar a convergência nominal para segundo plano, proclamando que, com isso, estávamos a prejudicar o crescimento.
Acusaram-nos de insensibilidade social e pediram-nos, despudoradamente, que aumentássemos, de forma irrealista, os salários, para, assim, estimular, artificialmente, o consumo e iludir os próprios trabalhadores.
Acusaram-nos, à falta de melhor, de sermos os bons alunos do Sr. Jacques Delors.
Em suma, pediram-nos, levianamente, que fôssemos de uma inadmissível irresponsabilidade e, perante a nossa recusa, acusaram-nos, historicamente, de tudo o que pudesse render votos.
Mas, como é lógico, o tempo não parou e eis-nos chegados ao momento em que os portugueses podem raciocinar com mais calma e menos emotividade e aferir, realisticamente, os resultados das opções tomadas.
Se tivéssemos sido fracos e cedido às pressões socialistas, estaríamos, hoje, a pagar os efeitos perniciosos de medidas insensatas de crescimento artificial em contraciclo.
Estaríamos, seguramente, a braços com uma inflação elevada, que, inevitavelmente, arrastaria aumentos das taxas de juro, queda do investimento, instabilidade cambial, menor crescimento económico e, obviamente, mais desemprego. Seria o efeito "bola de neve" a funcionar precisamente ao contrário do que, actualmente, assistimos.
Teria sido a reedição daquilo a que, no passado, o País já assistiu sob a batuta de governos socialistas e que, inequivocamente, condenou.
A diferença, aliás, é tão-somente esta: enquanto, hoje, o Fundo Monetário Internacional faz projecções para a economia portuguesa mais optimistas que o próprio Governo nacional, no passado, era chamado para acudir à desgraça e impor, à força, alguma ordem na casa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados - O Partido Socialista "perdeu o pio" sobre política económica e as verdadeiras razões pelas quais isso aconteceu não são difíceis de descortinar.
Porque se enganou redondamente nas suas teses catastróficas e, na presente conjuntura económica, já não é popular dizer mal a qualquer preço.
Porque, embalados por algumas sondagens, deliciam-se com a ideia de que, um dia, ainda podem ser governo e,

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nesse curioso pressuposto, evitam continuar a criticar, de qualquer maneira, as opções seguidas, certos de que tal postura, apenas deixava transparecer uma notória falta de sentido de Estado.
O PS enganou-se, porque o panorama da economia portuguesa, não sendo de grande euforia, está, no entanto, bem longe de ser aquele que o partido da rosa, ainda há pouco, vaticinava.
A inflação continua em queda; o escudo continua credível nos mercados internacionais; o défice público caiu acima do previsto; a taxa de desemprego mantém-se muito abaixo dos níveis europeus; o despertar do investimento é uma realidade, e até o índice da produção industrial (o mais famoso do léxico
cor-de-rosa) está já em subida clara.
É caso para perguntar: que resta do discurso económico do Partido Socialista? Resta, mais uma vez, meter tudo na gaveta e assumir que, também nesta matéria, a sua política se reduziu às medidas avulsas e despesistas que, incoerentemente, continua a lançar para a atmosfera.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E o que é mais grave é que os socialistas, tem sequer conseguem imaginar o efeito devastador que elas, no seu conjunto, teriam sobre o Orçamento do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Ignorância!

O Orador: - Só que, Srs. Deputados, tal procedimento significa que o PS não só nada quer alterar como não tem coragem política para assumir que se enganou.
À excepção do aludido défice democrático da Madeira, que o Dr. Jaime Gama, entretanto, já veio a público reconhecer que, afinal, não era bem assim como ele, em tempos, chegou a pensar, tudo o mais não foi ainda corrigido.
Enquanto o Secretário-Geral do Partido Socialista não disser que estava errado e que, afinal, já defende a redução da inflação, a estabilidade do escudo, o controlo do défice público e uma política salarial de acordo com o combate ao desemprego, o que fica e o que, ao longo dos anos, foi inúmeras vezes repetido;
São afirmações quotidianas completamente desgarradas umas das outras e um eleitorado, necessariamente, desnorteado, quando tenta perceber o que propõe o PS para a economia portuguesa;

Aplausos do PSD

O Sr. Rui Carp (PSD): - Ninguém sabe!

O Orador: - É um PS que diz que vai gastar mais com a educação, mais com a saúde, mais com o rendimento mínimo garantido, mas que diz, ao mesmo tempo, que não vai aumentar o peso da despesa pública no Produto;
É um PS que promete dar mais às autarquias, que defende aumentos salariais para os funcionários públicos superiores aos que a própria UGT propõe, mas que, em simultâneo, promete não agravar o défice;
É um PS que é contra as portagens e contra as propinas e que promete, em paralelo, que tudo se conseguirá sem aumentos de impostos;
É um PS que diz que a política económica foi mal conduzida, mas que, com a mesma descontracção, afirma que as suas propostas só são viáveis se em 1996, houver um forte crescimento económico, que, como todos sabemos, só é possível se a economia, até lá, for bem conduzida;
E um PS que entende que o combate à inflação prejudica o emprego, mas que a convergência e a moeda única também são fundamentais,
É um PS que ora admite que a estabilidade cambial é importante, ora diz que também é preciso desvalorizar o escudo;
É um PS que, com mais dois copos de sondagens, é bem capaz de prometer a paz para a Bósnia, a chuva para o Alentejo e aulas de natação para as gravuras de Foz Côa, tudo isto sem dor, sem contra-indicações e a preços de saldo.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados Se em tudo na vida temos de ser claros e sérios, no que toca à política económica é indispensável que quem se propõe ser Governo apresente propostas de inequívoca clareza ao País.
Os agentes económicos necessitam de saber exactamente qual o rumo que irá ser seguido, para, assim, poderem traçar os seus planos com segurança e sem acidentes de percurso, pois, de outra forma, a confiança fica abalada e a dinâmica desses mesmos agentes reduzida, um quadro que, seguramente, não está de acordo com o interesse de Portugal.
Pela parte que nos toca, ninguém tem dúvidas sobre o que queremos e defendemos para a economia portuguesa. Por nós, respondem 10 anos de governação, em que nos aproximámos dos padrões de vida comunitários e estabilizámos os nossos principais indicadores macroeconómicos. Longe vão os tempos em que a inflação subia aos 29,3 %, o défice público aos 11,1 %, o poder de compra caía sistematicamente e a Europa era uma miragem Hoje, tudo é diferente!
Impõe-se que o Partido Socialista compreenda que tudo mudou e, por mais que lhe custe, tem de dizer, claramente, aos portugueses o que propõe para a gestão macroeconómica do País. Não pode continuar a dizer que a política económica actual não potência o crescimento c. ao mesmo tempo, que as suas próprias propostas só são viáveis com crescimento; não pode deixar transparecer, timidamente, que já aceita opções idênticas às que o PSD sempre defendeu e, simultaneamente, não explicar que se enganou e continuar a fazer demagogia com propostas avulsas e eleitoralistas.
O PS tem de falar claro aos portugueses. Ao período pré-eleitoral tem de corresponder uma clarificação séria das opções em confronto e não uma orgia de propostas incoerentes. Não procedendo dessa forma, ou seja, em inequívoca ruptura com o seu próprio passado, o PS não pode exigir que os portugueses se esqueçam dos tristes anos em que os socialistas lideraram o governo do País. Ou mudam já ou todos somos obrigados a concluir que, se regressassem ao Executivo, tudo seria como dantes
Sr. Presidente, Srs. Deputados. O desafio está lançado Se o PS soubesse estar à altura de lhe responder, estou seguro de que os portugueses ficariam mais esclarecidos e a democracia mais prestigiada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
Tem a palavra para o efeito.

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O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, depois do oásis um, do ex-Ministro Braga de Macedo, e do oásis dois, do ainda Ministro Eduardo Catroga, tivemos hoje aqui o oásis três, do Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rei Carp (PSD): - Essa é nova!

O Orador: - Só que o terceiro é pior do que o segundo e este bastante pior do que o primeiro. Aliás, verifica-se como a bancada do PSD trata este oásis três pela prioridade que lhe deu hoje nas declarações políticas. A própria bancada do PSD não está muito convicta da importância da intervenção do Sr. Deputado Rui Rio, porque ela foi claramente secundarizada em relação à do Sr. Deputado Pacheco Pereira.

Protestos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E, então, a sua é importante?!

O Orador: - Quanto às questões que o Sr. Deputado Rui Rio colocou, a situação do País e a situação das empresas falam por si, o mesmo acontecendo com a desmoralização e a falta de confiança que os empresários manifestam e a queda do investimento privado, em geral, e do investimento estrangeiro, em particular. Aí, Srs. Deputados, não há relatório da OCDE que vos salve nem qualquer Tio Patinhas que vos possa salvar, qualquer que seja o seu apelido.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Vocês são mais do que os Metralhas!

O Orador: - Aliás, o Sr. Ministro das Finanças está para vir à Comissão de Economia, Finanças e Plano há mais de dois meses e tem estado a fugir a essa vinda. O Sr. Ministro das Finanças começou por dizer que vinha à Comissão de Economia, Finanças e Plano em todas as estações do ano, mas deve ter uma estranha forma de avaliar a evolução temporal e a evolução das estações do ano, porque já não o vimos desde há muito tempo. E temos muitas perguntas que gostaríamos de lhe fazer!
Aproveitando esta intervenção do Sr. Deputado Rui Rio, levanto aqui aquelas três questões que já coloquei na semana passada. Como é que o Sr. Deputado Rui Rio avalia o escândalo que é a gestão dos fundos da formação profissional neste ano e a incapacidade total do Governo em responder às solicitações das empresas e dos operadores na área da formação e do Fundo Social Europeu?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso deve ser uma piada ao Torres Couto e ao João Proença!

O Orador: - Como é que o Sr. Deputado Rui Rio justifica que uma empresa, como a Petrogal, depois do começo da privatização, tenha tido, em três anos, um prejuízo de 70 milhões de contos? Como é que explica esse prejuízo de 70 milhões de contos nas contas da Petrogal? Como é que o Sr. Deputado Rui Rio avalia o escândalo que é, ao fim de 10 anos de Governo do seu partido, do PSD, os trabalhadores por conta de outrém pagarem de TRS cerca de três ou quatro vezes mais do que os trabalhadores independentes ou do que os trabalhadores por conta própria?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Vocês querem é acabar com os trabalhadores independentes e proletarizá-los!

O Orador: - Como é que o Sr. Deputado avalia esse enorme fracasso que é a justiça fiscal em Portugal e como é que vê as responsabilidades de Cavaco Silva e do Governo do PSD?
São estas as perguntas que, neste momento, lhe quero colocar. Agora espero que me responda a elas

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, começando pela vinda do Sr. Ministro das Finanças à Comissão de Economia, Finanças e Plano, devo dizer que aquilo que está acordado é que o Sr. Ministro das Finanças vem à Comissão analisar cada trimestre do ano. Se V. Ex.ª, nesta altura, está a reclamar a presença do Sr. Ministro é porque o calendário eleitoral já o confundiu de tal maneira que já não sabe o que e o fim de um trimestre.

Risos do PSD.

Os trimestres acabam no fim de Março, Junho, Setembro e Dezembro. É nessas alturas... Agora, os senhores dividiram isto de outra maneira e já não entendo!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS) - É um compromisso de que ele vem cá até ao fim do mês?!

O Sr. Rui Carp (PSD) - Esteja descansado que vem cá para a semana!

O Orador: - Sr Deputado Ferro Rodrigues, a minha intervenção pretendeu ser um desafio ao Partido Socialista. Esta foi a pergunta que lhe fiz: o que é que o PS defende para a economia portuguesa? Eu esperava que o Sr. Deputado ou o Secretário-Geral do PS viesse dizer se continuam ou não a luta pela redução da inflação É que ninguém percebe, pois já disseram que sim e já disseram que não!

O Sr. Silva Marques (PSD). - Sim. Não. Talvez.

O Orador: - Defendem a estabilidade cambial? Sim ou não? Ninguém sabe!

O Sr. Silva Marques (PSD)- - Sim Não. Talvez.

A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - "Nim".

O Orador: - Querem baixar o défice público? Sim ou não? Ninguém sabe!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sim. Não. Talvez.

O Orador: - Querem a moeda única? Sim ou não? Ninguém sabe!

O Sr. Silva Marques (PSD)- - Sim. Não. Talvez.

O Orador: - Afinal, a política económica do Governo foi coerente ou incoerente? Vai dar crescimento ou não?

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sim. Não. Talvez.

O Orador: - As propostas do PS são viáveis Ou não? Sim ou não? Ninguém sabe!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sim. Não.

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me que lhe diga uma coisa: há uma teoria keynesiana que o PS defende muito, pois diz que é keynesiano e tal, e que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues conhece - e admito que os Deputados que não são economistas não conheçam - , que diz assim: "Quando há um grande desemprego, pegamos nos desempregados e pomo-los a abrir buracos na rua e pagamos para isso e quando os buracos estiverem abertos pomo-los a tapar os buracos e pagamos-lhe para isso. Isso faz andar a economia, desperta a procura e resolva-se o problema do desemprego".
Os senhores são keynesianos, mas só em 50 %. Porquê? Porque os senhores abrem os buracos mas não sabem como os hão-de fechar. Portanto, os senhores são keynesianos em 50 %, pois só sabem abrir buracos mas não os sabem tapar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Sr. Deputada Rui Rio está muito esquecido!

O Orador: - Quanto à questão da formação profissional e do desemprego, deixe-me dizer-lhe, para terminar, que tenho aqui um recorte do Diário de Notícias, de Julho de 1985,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Oiçam! Oiçam!

O Orador: - ... que fala nas perspectivas económicas da OCDE para 1985 e 1986 sobre desemprego que apontam para Portugal uma taxa de 12 % de desemprego], próxima da que se prevê para o conjunto da Europa, que é de 11,3 %. Ou seja: as previsões quanto ao desemprego em 1985, antes de o PSD ficar sozinho no Governo, eram superiores à média europeia. É caso para dizer, Sr. Deputado: ainda bem que em 1985 fomos para o Governo, porque, se não, estamos mesmo a ver o que é que acontecia ao desemprego em Portugal! Por isso, a última coisa sobre a qual o PS pode falar é sobre formação profissional e desemprego.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está enganado!

O Sr. Presidente: - Para a última intervenção de período de antes da ordem do dia, tem a palavra o Sr., Deputado Alexandrino Saldanha.

O Sr. Alexandrino Saldanha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo do PSD, aproveitando o tempo que lhe resta antes da sua previsível e anunciada derrota nas eleições para a Assembleia da República, no próximo dia 1 de Outubro, acelera os esbulhos ao Estado e à comunidade, através das privatizações, com a alteração apressada de normas por si elaboradas e a criação de outras, para que o preço das acções seja cada vez mais simbólico, e procede à já denunciada e vergonhosa vaga de nomeações de assessores e outros quadros dos gabinetes ministeriais para empresas de capitais públicos.
Os pregoeiros do "menos Estado" não se coíbem de o utilizar para fins partidários, pessoais, de grupo e de classe, num escandaloso desaforo Vejam-se os últimos desenvolvimentos sobre as pretendidas alterações governamentais aos anteriores mecanismos legais de reprivatização da Petrogal, que consubstanciam um acto de autêntica pirataria, ainda que legalizada, ao património público do povo português.
Porém, o decreto-lei com tais objectivos está dependente da assinatura do Sr. Presidente da República.
Como já se disse, as alterações propostas têm o exclusivo intento de favorecer os grandes grupos capitalistas ligados aos accionistas da Petrocontol.
O Governo do PSD pretende efectuar uma operação de engenharia financeira, em que o Estado procede a uma redução de 70 milhões de contos do capital da empresa, com o que abdicaria de 55 % da sua posição, permitindo, assim, a compra das acções por um valor ainda mais irrisório.
O diploma em análise na Presidência da República, feito à medida dos interesses do grande capital, vem, aliás, na esteira de outro, que permitiu a compra do Banco Totta & Açores pelo grupo Champalimaud sem uma oferta pública de aquisição.
Também o carácter geral e abstracto das leis é uma ninharia sem importância para o Governo do PSD, quando estão em causa os interesses do capital. Tudo serve para justificar o cambalacho. E em todo este processo, os trabalhadores não contam
Segundo a Comissão Central de Trabalhadores da Petrogal, até o Conselho de Administração da empresa, sobre o assunto, só teve conhecimento "do que é veiculado pela comunicação social".
Além das preocupações que manifesta sobre o futuro dos trabalhadores, aquela estrutura considera também que o projecto de diploma do Governo "procura escamotear o fiasco da privatização da Petrogal" e aponta medidas para garantir o desenvolvimento da empresa e para satisfazer os compromissos com os trabalhadores, de que destaca: o necessário investimento na dessulfuração do gasóleo, cujo atraso pode provocar a derrocada da refinaria do Porto, de que, indiscutivelmente, beneficiariam as petrolíferas instaladas em Espanha, e a necessidade de provisões, num valor que rondará os 14 milhões de contos, designadamente para cobrir as responsabilidades do Fundo de Pensões.
Mas não é este o caminho que o Governo trilha, pois o seu interesse é favorecer o grande capital, que algumas fontes já adiantam quererem potenciar a sua posição na Petrogal para a revenderem daqui a 2 anos, quando as acções deixarem de estar indisponíveis, certamente com chorudos lucros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este paradigmático exemplo de esbulho do património público não é único. A concretização da 1 ,a fase de privatização da Telecom Portugal, onde pontifica o comissário político do PSD, Eng.º Luís Todo Bom, também confirma o que sempre denunciámos.
A empresa está a ser vendida por cerca de metade do valor inicialmente apontado (entre 1000 e 1300 milhões de contos) e mesmo 40 % abaixo da avaliação calculada pelo seu presidente, em Dezembro passado: 900 milhões de contos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Um escândalo!

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O Orador: - No entanto, a empresa apresentou, em J994, mais de 23 milhões de contos de lucros líquidos e perto de 120 milhões de contos de cash-flow.
Este escândalo é ainda agravado quando se constata que a avaliação foi feita por um consórcio liderado pelo Banco ESSI, do grupo Espírito Santo, que é, simultaneamente, colocador das acções e parte interessada na sua compra.
Com um saldo tão convidativo da Portugal Telecom não admira, pois, que o «produto» tivesse muitos pretendentes. Mas claro que, no rateio, os pequenos subscritores do exigível número mínimo de 50 acções, enganados no sentido de contribuírem para o «êxito» da operação, foram arredados da mesma.
Em paralelo com a preparação da privatização, a empresa desenvolveu um brutal ataque aos direitos dos trabalhadores, violando imperativos constitucionais, perseguindo e discriminando trabalhadores consoante a sua filiação sindical, com a criação de um autêntico «estado de sítio» na empresa e de um grave conflito sócio-laboral.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta postura, de frontal violação dos direitos dos trabalhadores, está cada vez mais generalizada e as empresas tuteladas pelo Governo do PSD são as primeiras a assumi-lo.
Na TAP, um outro exemplo, também existe uma prolongada violação do princípio constitucional «a trabalho igual salário igual», há pressões e coacções para os trabalhadores aderirem a um determinado contrato e aplica-se um «regime sucedâneo» que se destinou a toda a empresa, apenas aos trabalhadores filiados num sindicato, que, por acaso, é o maioritário.
Agora, a Administração descobriu também uma nova forma de discriminação, não pagar o subsídio de turno, designado H 24, previsto até no próprio regime sucedâneo (artigo 43.º), aos associados naquele sindicato.
Com este Governo do PSD reina a prepotência nas empresas e a exploração desenfreada dos trabalhadores, que têm de lutar para exercerem os mais elementares direitos laborais.
Um outro exemplo actual de tentativa de venda de uma empresa vital para a economia nacional e futuro dos trabalhadores e da região minhota, diz respeito aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Também neste caso é sintomático que o Governo do PSD queira entregar estes estaleiros a um grupo alemão, quando, após os resultados negativos de aproximadamente 2 milhões de contos, em 1994, as previsões para 1995 apontam para um resultado de equilíbrio e um valor de produção de 15 milhões de contos, o maior de sempre nos 50 anos de vida dos estaleiros; e já tem trabalho em carteira até 1997.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A venda dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo trará graves problemas e consequências nefastas para o futuro dos trabalhadores e da região. A maioria de capitais do Estado é essencial à defesa da empresa como garantia para a manutenção dos postos de trabalho (cerca de 1200) e dos direitos e regalias dos trabalhadores, que se empenharam ao longo dos anos em garantir o futuro dos estaleiros. Por que não opta antes o Governo por nomear gestores competentes para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que sigam uma política para o sector que torne rentável a carteira de encomendas, como aconteceu até à passagem destes a sociedade anónima?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sabendo-se a profunda ligação que existe entre as privatizações e o aumento de desemprego, com a consequente miséria, insegurança, marginalidade e exclusão social, consideramos grave que, segundo os órgãos de comunicação social, o Secretário-Geral do PS tenha afirmado, em Viana do Castelo, que a privatização dos estaleiros «é um processo correcto» e referido «a urgência de se encontrar um parceiro estratégico que lhes garanta a sobrevivência».

O Sr. António Filipe (PCP). - Lamentável!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo está moribundo. Mas não pode permitir-se que o seu estertor agrave mais os danos causados aos trabalhadores, ao povo português e à economia nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP tudo fará para que uma política alternativa de esquerda venha a vigorar em Portugal e a corrigir todos os malefícios do Governo PSD e da sua política de direita.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, não havendo mais inscrições, informo a Câmara de que deram entrada na Mesa três votos de pesar pelo bárbaro assassinato do jovem Alcindo Monteiro, com os n.ºs 147/VI, 148/VI e 149/VI, apresentados pelo Deputado Mário Tomé, PS e PCP, respectivamente, que, conforme o Regimento, iremos discutir e, eventualmente, votar
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Mário Tomé (Indep ) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: dado haver três votos com uma mesma base, que é o repúdio do inqualificável crime racista, apenas queria chamar a atenção dos Srs. Deputados para isto, apelar ao voto positivo e ressaltar duas questões.
A primeira questão tem a ver com o facto de aquele crime não poder ser desligado da organização neofascista do nosso país, em relação às organizações fascistas que estão a desenvolver-se na Europa, e que se vêem claramente, nomeadamente, ao nível das eleições, da exaltação do colonialismo, do branqueamento do regime fascista, derrubado no 25 de Abril, do apagamento dos crimes da guerra colonial, e, mais, do insulto ignóbil aos que se bateram, pelas mais variadas formas, nomeadamente pela deserção e exílio contra o fascismo e a guerra colonial, a que, no meu entender, o povo português foi patriota e não traidor, como foram chamados, naquela cerimónia, no monumento aos Combatentes do Ultramar, como eles lhe chamam.
Portanto, esta questão da ligação das duas coisas é, a meu ver, importante, porque considero haver uma responsabilidade moral nos discursos ali proferidos daquela concentração de actos violentos que aconteceram.
Dada a gravidade da questão, que comoveu a consciência nacional e tem implicações ao nível mais profundo da alma do nosso povo e da nossa própria sociedade, para além da condenação cívica e política dos agressores racistas, propomos que o dia de amanhã, que é o dia do

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funeral do jovem Alcindo Monteiro, seja decretado dia de luto nacional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs Deputados: O voto de pesar apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS descreve por si só a razão de ser da iniciativa
Aquilo que aconteceu ao cidadão Alcindo Monteiro, em consequência das agressões praticadas no Bairro Alto, no passado dia 10, e que está certamente na memória de todos os que puderam observar e acompanhar o que se passou nessa noite, é, como dizia ainda há pouco d nosso colega de bancada Manuel Alegre, uma afronta às tradições humanistas do povo português e, naturalmente, um crime que não pode ficar impune. Logo, em termos de justiça, deve haver a maior celeridade em actuar, parti que seja condenado este acto, esta atitude, naqueles que o praticaram.
Por isso mesmo apresentamos este voto de pesar para que a Assembleia da República exprima as suas condolências à família de Alcindo Monteiro, reafirme a sua solidariedade a todos os trabalhadores africanos que, em Portugal, laboram e considere ser um imperativo democrático e patriótico combater e erradicar, através de todas as iniciativas e poderes públicos, o racismo da terra portuguesa.
É este, portanto, o sentido do nosso voto de pesar que pomos à consideração da Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou também dizer algumas breves! palavras relativas ao voto de pesar apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP.
A primeira palavra é naturalmente de consternação, de repúdio veemente pelos actos bárbaros cometidos na noite de 10 para 11 de Junho, no Bairro Alto, de solidariedade para com todas as vítimas e, particularmente, para exprimir as nossas condolências aos familiares de Alcindo Monteiro, que veio a falecer em consequência das Agressões de que foi vítima.
A segunda palavra e para manifestar a nossa profunda preocupação pelo aparecimento, na sociedade portuguesa, de comportamentos desta natureza, de cariz racista e xenófono, que já causaram várias vítimas, ao qual não, são alheios a profunda crise social e económica em que o nosso país se encontra mergulhado, a insuficiência das medidas de integração dos cidadãos imigrantes na sociedade portuguesa, a par de um discurso oficial a que já hoje tive oportunidade de aludir, que procura instigar janto dos cidadãos sentimentos de racismo e xenofobia, procurando falsamente culpabilizar cidadãos imigrantes pelos problemas sociais mais graves com que Portugal se, Confronta. Mas também para manifestar a nossa preocupação pela impunidade com que os bandos, como aquele ,que actuou no Bairro Alto, de carácter neofascista, de carácter racista e xenófobo, se organizam, actuam e fazem, vítimas no nosso país.
Por último, para dizer que consideramos fundamental que cada órgão de soberania, no âmbito das suas competências próprias, actue por forma a que estes movimentos não possam ter lugar e a que a disposição constitucional, que proíbe as organizações e movimentos que perfilhem a ideologia fascista, seja posta em prática, seja uma realidade, a fim de que acontecimentos como este, que agora lamentamos e repudiamos, não venham a ter lugar no futuro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que esta matéria é de uma extrema gravidade e, portanto, merece a atenção que a Câmara lhe dispensou e está a dispensar Mas também suponho que é necessário ter alguma prudência nos termos de referência, porque é uma questão tão grave, do ponto de vista dos Direitos do Homem, da dignidade das pessoas, que a ligação automática com questões de regime ou partidárias não é a atitude mais aconselhável para combater este fenómeno.
Gostaria de lembrar, por exemplo, que foi sob a égide de Jefferson, pai da Constituição americana, que, quando se fez a Declaração dos Direitos do Homem de Filadélfia - "Todos os homens são livre e iguais, com direito igual à felicidade" -, deixaram de fora 3 milhões de escravos, que qualificaram de peculiar institution, e assim ficaram até que uma guerra civil resolveu a questão.
Lembro, por exemplo, que, ainda no século XVIII, um pastor cristão publicou um livro com este título curioso The negro as a beast, que foi acolhido e estudado com interesse.
Recordo-me de que a igreja reformista holandesa ensinava, na África do Sul, que os negros são os danados e condenados de que fala a Bíblia. O que quer dizer que este flagelo precisa de ser apreciado, sem ignorar responsabilidades do Governo ou da Administração, como flagelo que ultrapassa as épocas, os regimes, as adesões religiosas e assim por diante. Recordarei também - talvez esteja a fazer citações demais, mas é que nesta matéria as oposições, quando falam, arriscam-se a só dizer trivialidades, na opinião da maioria, pelo que vou citando alguns documentos mais respeitáveis -, e chamo a atenção para isto, o notável e actualíssimo inquérito da UNESCO sobre os mitos raciais, feito depois da guerra, onde são identificados, e condenados, mitos que abrangem todas as etnias. Recordo-me - e espero não cometer nenhuma omissão - que eles identificam o mito ariano, o mito negro, o mito judaico e o mito do mestiço. Todos têm pecado!
Por isso, é errado, e, a meu ver, não ajuda à clarificação da questão, falar do racismo como se fosse sempre um pecado dos brancos. A geração de Bandung foi racista e estabeleceu o racismo de sinal contrário. Foi por isso que a UNESCO fez o inquérito; é por isso que esse inquérito ainda é actualíssimo e deve ser lido pelo Governo português. E por que é que eu digo que deve ser lido pelo Governo português? Por que as causas do racismo, aí apontadas, são bem independentes das concepções morais e éticas que inspiram a cultura de qualquer povo. As questões do trabalho e das relações sexuais são determinantes do racismo e vencem as, barreiras éticas e culturais que animam a cultura de qualquer povo.
Assim, é preciso prestar atenção, pois não podemos imaginar, quando temos uma força de trabalho clandestina, que nada vai acontecer daquilo que as leis sociológi-

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cãs demonstram que se passa e se passou noutros países. Temos de estar atentos a isso e não podemos responder que, do ponto de vista estatístico, as coisas estão bem. Ou, quando acontece um facto como este, que hoje interessa à Câmara, dizer que se trata de insegurança subjectiva. Não se trata disso mas, sim, de uma gravíssima questão ética, moral e sociológica, que tem leis próprias que não podem ser ignoradas. E, creio, não lhe temos prestado suficiente atenção.
Portanto, em primeiro lugar, no meu entender, é necessário não deixar esquecer É que nós não estamos aqui a erradicar um racismo do povo português. Estamos aqui, em nome do anti-racismo do povo português, a condenar actos que se inspiram num racismo que não queremos ver implantado em Portugal. Isto é o que temos de dizer!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O povo português não é racista! O povo português está a ser agredido e está a sê-lo, em grande parte, porque se tratam com trivialidades evidências sociológicas comprovadas, às quais não seremos imunes se continuarmos a não prestar a atenção necessária a esses factores.
Quando um autor - e espero que não seja trivial -, Jacques Maritain, explicou um dia que a igualdade é uma relação entre coisas diferentes, estava a explicar-nos por que é que devíamos todos sustentar o direito a ser diferente e a ser tratado como igual, mas aceitando a igualdade como uma relação entre duas coisas diferentes. É isto que, em Portugal, temos de defender, e devemos ser tão severos quando o racismo se manifesta em grupos constituídos por membros de etnia branca como quando é qualquer outra etnia que se manifesta, porque também há actos de agressão a brancos cometidos por negros. E por que é que, nessa altura, havemos de dizer que é um racismo diferente?
Aquilo que está a acontecer a toda a Europa já sucedeu aos Estados Unidos e pode verificar-se em Portugal: as nações estão a transformar-se em grupos multiculturais. Os Estados Unidos já não são, hoje, um país nacional mas um país multicultural e bilingue (caminham nessa direcção) e mais importante se torna, então, que os homens sejam tratados com igualdade, que a igualdade seja uma relação entre realidades diferentes, que este valor seja afirmado contra todos os grupos étnicos que violam essa relação de igualdade.
Penso que é nisto que o povo português acredita, que o povo português pratica, o que constitui uma grande responsabilidade sua.
Um homem que muito estimei, estudioso destas matérias - Almerindo Leça -, a quem nos referimos ainda não há muito tempo, definiu o povo português como "um povo responsável pelo enxerto de homens em todas as latitudes" e isto está na base de uma sabedoria que não devemos abandonar.
Independentemente das críticas que tem fundamento em relação à visão puramente tecnocrática e estatística da segurança, em relação a alguma desconsideração pela urgência e gravidade dos acontecimentos, acima disso, não podemos dizer que não é em nome do não racismo português que estamos reunidos para condenar esta atitude.
Por isso mesmo, para que não falte solidariedade neste momento, há um facto que nos reúne. Contudo, para que haja verdadeiramente uma chamada de atenção aos órgãos de soberania no sentido de mudarem a sua perspectiva nesta matéria - porque precisam de a corrigir -, sugeria ao Sr. Presidente que guardássemos um minuto de silêncio e de meditação sobre as nossas responsabilidades colectivas a propósito da morte deste homem porque a injustiça feita a um homem é uma injustiça feita a todos os homens!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de, em breves palavras, expressar o ponto de vista do meu grupo parlamentar.
Começo por mencionar algo que já foi dito e que nunca está por demais repetir: Portugal não existiria sem a miscigenação de povos e de culturas. Somos um país de mestiços quer sob o ponto de vista cultural quer sob o ponto de vista genético e, embora tenhamos tido, ao longo da História, períodos negros de intolerância, de racismo, até de xenofobia, sempre essa matriz pluri-racial, pluricultural se manifestou. Nem o Estado Novo ousou, alguma vez, recusar ou renegar a matriz pluri-racial da nação portuguesa e, por essa razão, talvez coubesse perguntar a estes neo-racistas portugueses de quem eles se julgam descendentes, de quem crêem ser descendentes, apelando ao nacionalismo e à raça portuguesa, se não a esta nação de tolerância, de mestiçagem, de pluriculturalidade que somos e queremos continuar a ser?
Este comportamento é gravíssimo e o nosso grupo parlamentar condená-lo-á votando favoravelmente alguns dos votos apresentados não sem antes fazer uma breve reflexão.
É que, ao contrário do que alguma esquerda pensa, nem as causas nem as consequências residem tão-só no Estado. Esta ideia que quer desculpar a responsabilidade de cada cidadão, remetendo para o Estado a origem e a solução deste problema, é falsa e constitui uma injustiça.
Não é alterando as leis penais ou falando sobre a crise económica ou sobre a emigração que este assunto fica resolvido porque é devido, entre outras, a estas causas que têm a ver com cada um de nós, com a sociedade civil e com os grupos que constituem essa mesma sociedade, que antigamente se chamavam - e bem - "corpos intermédios" e que agora não é correcto apelidar dessa forma, como sejam aqueles que originam a sociedade egoísta e de consumo que estamos a criar e a alimentar, com o défice de solidariedade social que existe ao nível do cidadão e das sociedades menores, com um urbanismo errado, desumanizador, anti-social, que estamos a alimentar, que as nossas autarquias também estão a alimentar, que a especulação fundiária também está a alimentar, com a falta de educação cívica (com a tal educação cívica que a República nos trouxe; onde é que está essa herança da República?), com a destruição da família com a qual estamos a ser coniventes, com o sensacionalismo de alguma comunicação social, com a sociedade que desvaloriza o espírito e a moral.
É neste ponto de vista que se situa, em grande parte e em boa medida, a solução do problema Não vale a pena apontarmos o dedo para o Estado como se este fosse uma pessoa longínqua, que nada tem a ver connosco, uma espécie de "paizinho distante", que tem todas as culpas e todas as soluções na carteira.
A Europa assiste, neste momento, a uma ameaça crescente de racismo, que não existiria se não fosse uma organização- e há que falar dela - militante, neofascista (por que não chamar?), neo-nazi (por que não chamar?) que

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deita raízes por todos os lados e se vai espraiando d$ uma forma assustadora. Este fenómeno não pode ser apenas encarado como próprio de uma revista ou de um noticiário. É um fenómeno grave, que consubstancia um Combate ao qual somos chamados como cidadãos destemais e do mundo.
Neste sentido, votaremos os votos de pesar. Expressaremos a nossa solidariedade para com aqueles que, sofreram na carne, directamente, as agressões, designadamente Alcindo Monteiro, a cuja família desejamos expressar de uma forma muito directa a nossa solidariedade e esperar que a sua morte tenha tido, pelo menos, a faceta de alertar as consciências para que, de uma vez por (todas, se possa fazer vivo aquele grito que era da esquerda e que hoje é de todos os homens de boa vontade, de todos os democratas, de todos os que amam a liberdade: "Racismo, fascismo, nazismo, nunca mais!"

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Vamos agora proceder à votação dos três votos, começando pelo n.º 147/VI, subscrito pelo Deputado independente Mário Tomé.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Era o seguinte:

Voto n.º 147/VI

De condenação pelo assassinato de Alcindo Monteiro por um grupo de skinheads

A Assembleia da República, perante o bárbaro assassinato de um jovem por um bando de skinheads, na madrugada de l O para 11 de Junho, considera:
Tratar-se de um acto inqualificável que fere profundamente os sentimentos do povo português.
Não se tratar apenas de um crime isolado e espontâneo mas configurar organização que permite juntar cerca de 50 energúmenos para a sua perpetração.
Ser, pelas suas características, claramente o resultado do crescimento em Portugal da ideologia neofascista, que procura afirmar-se e organizar-se, como, aliás, vem sucedendo em toda a Europa com preocupantes resultados eleitorais quer em eleições legislativas quer regionais e autárquicas.
Ser o racismo o móbil imediato do bárbaro crime, directamente correlacionado com a ideologia neofascista.
Não poderem desligar-se actos de racismo e o alargamento da pretendida organização do neofascismo de manifestações de exaltação do colonialismo, de branqueamento do regime derrubado no 25 de Abril de 1974, de apagamento dos crimes da guerra colonial e de ignóbil insulto àqueles que se bateram pelas mais variadas formas contra o fascismo e a guerra colonial, nomeadamente pela deserção do exército colonial e pelo exílio.
Foram patriotas e não traidores os que assim procederam.
Condena:
O repugnante crime e todos os actos que se destinem a dar forma organizada à ideologia fascista claramente condenada pelo povo português.
Propõe:
Neste caso de extrema gravidade que comoveu a consciência nacional e tem implicações ao nível mais profundo da alma do nosso povo e da própria sociedade portuguesa, a condenação cívica e política inequívocas dos agressores racistas e, fazendo-se eco dos sentimentos do povo português, que seja decretado dia de luto nacional o dia do funeral do jovem Alcindo Monteiro.
Expressa:
As mais sentidas condolências à família de Alcindo Monteiro, manifestando-lhe total solidariedade no enfrentamento desta dolorosa provação

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segue-se a votação do voto n.º 148/VI, subscrito por Deputados do PS.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Raul Castro.

É o seguinte:

Voto n.º 148/VI

De pesar pelo falecimento de Alcindo Monteiro em consequência de agressões praticadas por um grupo de "cabeças rapadas"
A morte do cidadão Alcindo Monteiro, em consequência das bárbaras agressões praticadas no Bairro Alto. na noite de 10 para 11, a residentes em Portugal por um bando racista de "cabeças rapadas", constitui uma afronta às tradições humanistas do povo português e é um crime repugnante, que não pode ficar impune
A Assembleia da República, profundamente consternada e indignada, exprime as suas condolências à família de Alcindo Monteiro, reafirma a sua solidariedade fraterna a todos os trabalhadores africanos e considera um imperativo democrático e patriótico combater e erradicar o racismo da terra portuguesa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 149/VI. subscrito por Deputados do PCP.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do CDS-PP.

É o seguinte:

Voto n º 149/VI

De pesar pelo falecimento de Alcindo Monteiro, vítima da violência racista
A Assembleia da República, reunida em Plenário pela primeira vez após os trágicos e gravíssimos actos de violência provocados no Bairro Alto por um grupo racista e neofascista de que resultou a morte de um cidadão português de origem cabo-verdiana e ferimentos em muitos outros
Exprime a sua consternação, o seu profundo repúdio e a sua firme condenação dos bárbaros actos cometidos.
Manifesta a sua profunda preocupação pelo aparecimento com frequência crescente na sociedade portuguesa de comportamentos de cariz racista e xenófobo, ao qual não são alheios a profunda crise económica e social por que passa o nosso país, a insuficiência das medidas de integração plena dos cidadãos imigrantes na sociedade portuguesa e a impunidade com que os bandos racistas e neofascistas se organizam, exprimem, manifestam e actuam.
Considera fundamental que todos os órgãos de soberania se empenhem, no âmbito das suas competências pró-

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prias, para impedir a existência de movimentos e organizações que perfilhem a ideologia fascista e efectivar a sua interdição nos termos constitucionais.
Exprime ainda a sua solidariedade para com todas as vítimas da violência racista e apresenta aos familiares de Alcindo Monteiro as suas sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que a Câmara guarde um minuto de silêncio como protesto e meditando no nosso concidadão consanguíneo Alcindo Monteiro.
Neste momento, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 128/VI- Autoriza o Governo a legislar em matéria de princípios, objectivos e instrumentos do ordenamento do território, de regime geral da ocupação, uso e transformação do solo para fins urbanísticos, bem como de regime do planeamento territorial e sua execução.
Para uma intervenção, para o que dispõe de mais cinco minutos para além do tempo global atribuído ao Governo, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos vindo a construir metodicamente a estrutura legal do ordenamento do território no nosso país. Teria sido fácil, há uns anos, designar um grupo de especialistas para preparar um quadro jurídico que orientasse e disciplinasse a prática neste domínio. Cedo se teria chegado à conclusão de que haveria dissonância entre o que a lei proporia e o que a realidade permitiria executar. O ordenamento do território envolve muitos agentes com capacidade activa e, afinal, também todos os cidadãos, numa perspectiva passiva, porque todos experimentamos, mais ou menos directamente, o resultado daquilo que se fizer sobre o território.
Depois de um período em que as poucas iniciativas de ordenamento eram exclusivamente centrais, passou-se a um outro em que o desordenamento foi geral, todos tomando numerosas iniciativas para desarrumar o espaço ou especular sobre ele.
Adquiriram-se, dessa forma, muitos maus hábitos, tendo-se generalizado a ideia de que cada um poderia fazer mais ou menos o que lhe apetecesse ou o que conseguisse convencer as autoridades a deixá-lo fazer.
Estava fora de causa voltar ao ordenamento do território comandado a partir de uma direcção-geral central. Nem nos tempos em que as iniciativas eram poucas isso funcionou, quanto mais nos nossos dias, em que as actividades consumidoras do espaço exibem um grande dinamismo e podem, por essa via, gerar grandes disparidades e injustiças irreversíveis, porque todas as adaptações do espaço são caras para fazer, mas também muito caras a desfazer, mesmo quando tal é possível - na maior parte dos casos é irreversível o que se faz.
Mas, havendo tantos agentes, impunha-se que se começasse por convencer toda a gente acerca da importância do ordenamento do território, como elemento estratégico do seu bem-estar e da sua qualidade de vida, e, por outro lado, tornava-se importante treinar esses agentes para a preparação e para a tomada de decisões. Também aqui "o caminho faz-se caminhando"!
Por isso, fomos definindo instrumentos susceptíveis de aplicação generalizada para ordenar a ocupação do espaço, atribuindo responsabilidades aos que mais próximos estão dos problemas e tomando a iniciativa de o fazer directamente, através dos planos regionais de ordenamento do território (PROT), quando estão em causa espaços de maior sensibilidade ou onde a procura se revela mais intensa e que se estendem por extensões do território que abrangem mais do que um município
Mas, a acção de aprendizagem colectiva que se levou a efeito fez com que as câmaras municipais definissem o seu quadro de ocupação do espaço, comunicando-o às populações, colhendo delas o seu parecer, reformulando as propostas iniciais e propondo para ratificação, pelo Governo, o processo que a tal desenho conduziu.
Estão, na data de hoje, ratificados 167 planos directores municipais (PDM), cobrindo 57 % do território do Continente e abrangendo cerca de 70 % da sua população Nas regiões autónomas, a condução do processo está confiada aos governos regionais e prossegue a bom ritmo.
Chegámos, assim, a uma situação em que os eleitos locais estão familiarizados com o processo de tomada de decisões sobre matéria de ordenamento do território, em que as populações estão conscientes acerca da sua importância, em que se dispõe de um número razoável, de profissionais capazes de preparar e de fundamentar as decisões tomadas e em que o assunto constitui tópico diário da comunicação social.
Estamos, desse modo, num ponto em que se podem ligar as aspirações à prática O ambiente geral está preparado para analisar as implicações das diversas propostas de ordenamento que se oferecem à consideração dos munícipes e de todas as categorias de destinatários; os decisores estão cientes das suas obrigações e os profissionais sabem o que deles se espera e já praticaram em casos concretos. Chegámos, desta forma, ao momento adequado para dar coerência ao quadro geral em que se encaixam os diversos instrumentos de ordenamento do território, começando por explicitar os princípios gerais em que eles assentam e os objectivos fundamentais que eles devem perseguir.
É isso que visa o diploma-quadro do ordenamento do território para cuja elaboração tenho a honra de apresentar ao Parlamento o pedido de autorização legislativa correspondente.
Se o tivesse feito há alguns anos, correr-se-ia o risco de o ver desligado das circunstâncias práticas de aplicação, por não estarem devidamente preparadas as condições de acolhimento respeitantes aos decisores, aos profissionais e ao público em geral Neste momento, há a garantia de que todos entendem a importância do que está em causa e de que todos sabem muito bem o que se espera de cada um. Chegou, assim, o momento adequado para estruturar todo o edifício legislativo respeitante ao ordenamento do território, elaborando um diploma-quadro.
O regime que pretendemos ver aprovado tem de consagrar, por um lado, os princípios, os objectivos e os instrumentos do ordenamento do território e, por outro, deve estabelecer as regras gerais da ocupação, uso e transformação do solo para fins urbanísticos. O diploma-quadro surgirá, assim, como elemento aglutinador dos vários ins-

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trumentos legais já disponíveis, fixando as normas e os princípios gerais que devem orientar a gestão do solo, criando estímulos à sua correcta utilização, assegurando a articulação das diversas políticas sectoriais que note têm influência e fomentando a participação dos cidadãos nos processos de decisão.
Os princípios gerais incluem o princípio da prevenção, o do equilíbrio, o da coordenação, o da solidariedade, o da participação e o da cooperação. Afirma-se, através do seu enunciado: a vontade de antecipar, para redigir ou eliminar os malefícios decorrentes de práticas potencialmente incorrectas; a preocupação de harmonizar a paisagem e o património e de não fazer agressões; a determinação de assegurar a integração da política de ordenamento do território com outras políticas de desenvolvimento ou de conservação da natureza; o imperativo de assegurar paridade de acesso dos cidadãos aos bens da civilização; a convicção da utilidade da informarão e da audição desses mesmos cidadãos para a formulação, aprovação e execução dos planos e outros instrumentos de ordenamento do território e o compromisso de consolidar as relações de cooperação, para efeitos de ordenamento, entre os diversos níveis da administração central, regional e local.
Os objectivos da política de ordenamento do território visam: institucionalizar a sua prática, como actividade corrente em relação a tudo quanto ocupe espaço ou quanto sobre ele possa vir a ter repercussões; evitar os efeitos negativos decorrentes de localizações incorrectas de actividades ou de adaptações do espaço; ao contrário, procurar optimizar os efeitos dessas localizações, tanto em termos individuais como no contexto do sistema que formam todas as actividades; procurar estimular a estruturação de tipos de povoamento que minimizem os efeitos negativos e os custos da edificação dispersa que tão corrente é em muitas partes do nosso país; consolidar aã redes de infra-estruturas e de equipamentos de utilização colectiva que já existem e de que se impõe extrair todas as virtualidades que ainda contêm, antes de se pensar em investir na sua extensão e, naturalmente, em gastar na correspondente manutenção; tudo fazer para que Portugal disponha de uma estrutura urbana de qualidade e competitiva no quadro do sistema urbano europeu, ele próprio objecto de actuações voluntaristas, visando Uma distribuição equilibrada de populações e de actividades' no território da União Europeia; reabilitar e renovar as cidades, fazendo com que cada uma tenha identidade própria e carácter, diferenciando-se pela positiva das demais.
Os instrumentos de ordenamento a que nos parece conveniente recorrer são: o Esquema Nacional de Ordenamento do Território, com implicações para dentro mas também como quadro de referência para as ligações no âmbito do território da União Europeia; as directivas de ordenamento do território; o regime geral de ocupação, uso e transformação do solo; o planeamento territorial e os instrumentos para execução dos planos de ordenamento.
Há que articular os instrumentos directos do ordenamento do território com outros, indirectos, que visando propósitos diversos acabam por ter influência em tudo quanto acontece sobre o território ou são eles próprios elementos condicionadores do seu ordenamento. Tal é o caso das redes nacionais de equipamentos públicos - da educação, da saúde, da cultura -, das infra-estruturas de comunicação e de informação, de saneamento básico e, de energia, da malha de áreas protegidas, das reservas agrícola e ecológica nacionais.
Ficam assim articulados princípios, objectivos e instrumentos directos e indirectos, como convém, para se ter uma perspectiva global da questão.
As inovações a introduzir respeitam, particularmente - e como se compreende -, aos instrumentos específicos da política de ordenamento do território.
As principais são as seguintes.
Em primeiro lugar, a instituição de um regime geral de ocupação, uso e transformação do solo que reconhece a sua função social e que define o que se entende por direito a urbanizar e a edificar, bem como os "deveres urbanísticos", associados aos três tipos de solos que se distinguem: o urbano, o urbanizável e o não urbanizável.
Em segundo lugar, a consagração de regras relativas à qualidade dos centros urbanos com vista, designadamente, a privilegiar as utilizações mistas dos espaços urbanos e urbanizáveis, a evitar o alargamento dos espaços urbanizáveis como forma de resolução dos problemas de congestionamento dos núcleos centrais e a defender o património construído. Nesse sentido, também, prevê-se o estabelecimento de valores mínimos para o dimensionamento de parcelas de terreno destinadas a espaços verdes e de utilização colectiva e para infra-estruturas várias e equipamentos diversos, quando se verifique o caso de não existirem planos municipais de ordenamento do território ou quando estes forem omissos nesta matéria.
Em terceiro lugar, o estabelecimento de regras relativas à reabilitação e renovação urbanas com explicitação dos principais domínios de intervenção.
Em quarto lugar, fixação de regras de actuação respeitantes aos centros históricos, visando impedir a sua descaracterização ou a adulteração dos elementos arquitectónicos ou construtivos correspondentes. Para tal, entendemos ser adequado vedar a instalação de actividades que contribuam para a degradação desses centros e privilegiar a execução de obras de restauro e de recuperação que ajudem a salvaguardar o que existe e a promover uma integração harmoniosa das novas edificações no quadro das construções envolventes.
Em quinto lugar, o estabelecimento de regras relativas aos espaços rurais, com definição das áreas em que elas se aplicam.
Em sexto lugar, a fixação de regras respeitantes à defesa da paisagem rural e urbana, designadamente por via da criação de normas sobre a inserção das construções no meio envolvente e pelo estabelecimento de limites relativos à altura máxima das edificações, a observar no caso de ela não se encontrar definida nos planos municipais apropriados.
Em sétimo lugar, a criação do conceito de "intrusão visual", com interdição das acções que sejam danosas no respectivo âmbito. Particularmente importante parece ser, a este respeito, a alteração do perfil dos centros urbanos e da panorâmica característica de cada um deles; a harmonia visual deve ser também conseguida e. por isso, tem de haver instrumentos de actuação que permitam contrariar as situações dissonantes.
Em oitavo lugar, o estabelecimento de princípios e de regras gerais de ordenamento relativas à ocupação do litoral. Ficará interdita, numa faixa de largura adequada, a execução de operações de loteamento e a construção de edificações, salvo quando elas forem expressamente previstas em plano regional ou municipal de ordenamento do território.
Em nono lugar, a criação de mecanismos para a estruturação fundiária dos solos urbanizáveis, por via da cria-

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cão da figura do reparcelamento e dos respectivos procedimentos de aprovação.
Em décimo lugar, a uniformização dos regimes de planeamento territorial, por via da especificação dos seus objectivos, da definição da tipologia dos instrumentos de planeamento e do estabelecimento do direito de participação e de consulta, por parte dos cidadãos.
Em décimo primeiro lugar, o estabelecimento de uma hierarquia dos planos de ordenamento do território e definição do conteúdo mínimo de cada um deles: planos regionais, planos especiais e planos municipais de ordenamento do território.
Em décimo segundo lugar, o estabelecimento de uma classificação funcional uniforme dos espaços a usar nos instrumentos de planeamento e fixação das regras que devem conduzir à definição de cada categoria.
Em décimo terceiro lugar, a abertura da possibilidade de fixação de normas supletivas de ordenamento do território, para determinadas áreas onde o interesse público tal exija, quer pela inexistência de planos de ordenamento do território, quer pela suspensão de qualquer deles.
Em décimo quarto, a criação de mecanismos que facilitem a execução dos planos de ordenamento do território e que assegurem o encadeamento do processo de planeamento, particularmente no que tem a ver com a elaboração de planos de ordenamento do território de nível mais pormenorizado. Neste contexto, serão criados sistemas de execução adequados, com características distintas e adaptadas à especificidade das relações de cooperação que os proprietários estiverem na disposição de assumir com a câmara municipal respectiva. Será dado particular ênfase ao sistema de execução de génese contractual, traduzido na constituição de associações entre os cidadãos e as câmaras municipais e será criado, igualmente, um regime favorável de isenção e de benefícios fiscais para os terrenos integrados nos sistemas de execução mencionados.
Em décimo quinto lugar, a atribuição aos proprietários de terrenos que fiquem afectos a espaços ou a equipamentos de utilização colectiva do direito à expropriação dos mesmos. Naturalmente, com compensação.
Em décimo sexto, a fixação de regras relativas à fiscalização do cumprimento do disposto na Lei de Bases que se pretende ver aprovada e nos instrumentos de planeamento específico. Para tal, propõe-se que seja definido um regime de sanções muito disciplinador que permita conferir, a particulares e a associações, o direito de promover a prevenção e a cessação das acções que violem os planos de ordenamento do território e considerar crime a realização de operações de loteamento. e de obras de urbanização sem licença e em locais interditos à construção.
Por último, a delegação de competências nas freguesias para o licenciamento de determinadas edificações, ao mesmo tempo que se lhes confere o direito de serem ouvidas em relação ao licenciamento de edifícios de grande dimensão ou de grande impacto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A autorização legislativa que o Governo solicita visa permitir colocar a pedra de fecho num edifício pacientemente construído, olhando tanto à elaboração das normas como às condições da sua aplicação na prática. O País dispõe, hoje, de profissionais treinados e de decisores habilitados para se passar a uma nova fase do processo de planeamento do uso do solo. E, sobretudo, está o País desperto para as implicações decorrentes da ausência de planeamento territorial e de um mau uso do seu solo.
Quer porque se cometeram abusos que serviram de vacina, quer porque se genneralizou uma discussão em que alguns começaram a ver interesse para passar a interessar a quase todos, a verdade é que hoje tem-se, em Portugal, experiência de quase todos os erros que se podem cometer e de algumas coisas certas que é possível fazer.
O ordenamento do território diz muito às pessoas, porque se começa a ter uma impressão generalizada de que, com algum esforço e muita vontade, se consegue vir a usufruir de um quadro de vida agradável se se acautelar o interesse de todos, sem prescindir do benefício da energia dos promotores.
Não queremos, obviamente, contrariar a acção dos que "fazem as cidades". Queremos é que eles façam ou recuperem as cidades de forma certa. Afinal, o que está em causa é a própria noção de "civilização" que tem nas cidades o seu cadinho de preparação próprio.
Não demorará muito a que os portugueses sejam urbanos, em percentagem maior do que 60 % da sua população. Noutros países da Europa não é raro o valor de 80 %. Ò problema do planeamento urbano está, assim, a agudizar-se. Muito já foi feito, mas esta é uma tarefa infindável.
O diploma-quadro que vamos elaborar, ao abrigo da autorização legislativa agora solicitada, representa um passo maior dó processo de planeamento em Portugal. Mas é preciso ter a modéstia de o ver na perspectiva do tempo A dimensão dos problemas que aí vêm vai exigir que nos adaptemos depressa às práticas que queremos ver consagradas, porque irá ser preciso avançar ainda mais no futuro próximo.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Manuel Maia, Manuel Queiró e Leonor Coutinho.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, gostaria que me respondesse às seguintes questões, que passo a formular.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª afirma que a lei, dita, de "bases", de "princípios" ou "quadro" do ordenamento é o corolário de uma reforma instituída pelo Governo. Será que não está tudo ao contrário? Ou seja, será que a estratégia do Governo é, primeiro, o avulso e, depois, os princípios? Os senhores assumem que o que deve ser feito é a produção de legislação avulsa, destituída de orientação estratégica ou de suporte doutrinário clarificado?
O Sr. Ministro, sublinho, veio aqui intitular-se como o educador dos técnicos, dos eleitos e dos cidadãos. Ora, parece-me importante que leve até ao fim ou explicite essa situação! De facto, nos últimos anos, se alguma tendência pode haver, quer em termos legislativos, quer em termos da prática político-administrativa, é, certamente, o da recentralização, aliás bastante acentuada, que limita a autonomia do poder local em matéria do ordenamento do território e em tudo o que com ela se relaciona. Ora, neste contexto, que outro corolário se pode esperar senão uma coisa que não sirva os interesses nacionais, os interesses dos cidadãos?
Em segundo lugar, Sr. Ministro, e visto que o Governo fala muito no esforço do planeamento nos últimos anos, pergunto: que balanço faz ao processo de elaboração dos PDM, lançados em 1982 e relançados em 1990, e, nomea-

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damente, dos processos de ratificação? Refiro-me a um balanço qualitativo e não só ao meramente estatístico. Qual é a avaliação da qualidade dos instrumentos produzidos pela gestão que deles é feita, pela percepção que deles têm os cidadãos, os eleitos e os técnicos locais, das CCR e outros da administração central? Como tem sido p desempenho das comissões de acompanhamento e daí comissões técnicas e que avaliação é que os seus membros fazem à qualidade dos inquéritos públicos, pela eficácia da participação dos cidadãos?
Em terceiro lugar, quanto ao processo de elaboração da REN e da RAN, gostava que me dissesse se há ,mesmo critérios uniformes, de Norte a Sul, para as demarcações. E esses critérios decorrem de orientações estratégicas claras, incorporando preocupações, designadamente, no que diz respeito à gestão das áreas integradas nas reservas? O que fazem, e com que meios, as comissões regionais de reserva agrícola e a Comissão Nacional de Reserva Ecológica?
Já agora, o que está a fazer ou o que se predispõe fazer a ex-Direcção-Geral do Ordenamento do Território, agora com mais duas letras, DU, de Desenvolvimento Urbano, ou seja, que perspectiva existe com esta fundamentada, no meu entender, alteração?
Em quarto lugar, Sr. Ministro, temos PROT's, PMOT's, PDM's, PU's, PP's - PP's, ou seja planos de pormenor!

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Nós percebemos!

O Orador: - ... planos específicos para centros históricos, planos de ordenamento de áreas de paisagem protegida e da orla costeira, planos integrados, de bacia, etc... A questão que coloco é esta: que articulação existe entre todos eles, qual a hierarquia e as respectivas competências? É tudo ao molho e o Governo decide? Qual é Q papel que o Sr. Ministro entende que devem ter os instrumentos municipais eficazes de ordenamento, de planeamento e outros?
Em quinto lugar, o ordenamento do território é apenas uma vertente da política nacional de ambiente ou, vice-versa, é a óptica ambiental que deve subordinar-se à política nacional de ordenamento do território?
Sr. Ministro, pode informar-nos se já acabou a competição, no Governo, entre o ordenamento e o ambiente, que tem tido reflexos a nível legislativo e várias actuações desconcertadas de organismos dependentes de cada um dos ministérios, e, é claro, em prejuízo dos cidadãos? Em que área e como é que aparece a problemática do ordenamento do território no Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações?
Em sexto lugar,...

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em sexto lugar, dizia, sobre o caso concreto do PROT da Área Metropolitana de Lisboa, é verdade que o pretendem impor à revelia dos instrumentos de planeamento e ordenamento eficazes dos municípios dessa área? É verdade que continua a apontar a expansão do Porto de Lisboa para a margem sul do Tejo? E correcto, segundo se diz, que continua a apontar-se o fecho da Golada do Tejo entre a Trafaria e o Bugio,...

O Sr. João Matos (PSD): - Outra vez isso?!

O Orador: - É verdade! Outra vez! Está lá! Veja lá, Deputado João Matos, onde é que este Governo anda!
Como estava a dizer, é correcto que continua a apontar-se o fecho da Golada do Tejo entre a Trafaria e o Bugio, nomeadamente a zona portuária da Trafaria, e, novamente, a instalação da tal fábrica de óleos, tão falada, que é a Copróleo?
Mas o Sr. Ministro veio pedir uma autorização legislativa e até falou em planos especiais de ordenamento Pensa que traduz uma boa relação com a Assembleia vir aqui colocar isso no âmbito desta autorização legislativa, quando tal já foi legislado? Pensa que se trata de uma boa ligação e do respeito que o Governo deve ter para com a Assembleia da República ou estamos, novamente, perante uma descarada governamentalização?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso). - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP). - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, permita-me que comece por dizer que, no que diz respeito a pedras, estamos habituados a ver os ministros aparecerem nos órgãos de comunicação social, nomeadamente na televisão, nos lançamentos das primeiras pedras,...

O Sr. Manuel Moreira (PSD). - E nas obras feitas também!

O Orador: - ... mas o Sr. Ministro vem aqui propor uma pedra de fecho, o que é algo muito diferente.
Começo por estabelecer esta distinção, justamente para chamar a atenção para algo que me parece uma característica da actividade do ordenamento do território em Portugal - e já tive ocasião de a expender aqui em múltiplos debates, no passado -, a qual tem a ver com o seguinte: o ordenamento do território que existe em Portugal é um somatório dos ordenamentos levados a cabo pelos municípios.
Assim, estabelece-se ao longo de todo o País uma grelha de ordenamento do território, no sentido da definição de espaços de diferentes tipos para diferentes usos e ocupação do solo e a essa grelha, que, ainda por cima, não está completa, mas já se estende pelo País fora e já deveria estar completa, tem-se sobreposto uma outra actividade de ordenamento, que é o ordenamento de base regional, os planos regionais de ordenamento do território, alguns dos quais ainda estão por fazer e outros em execução. Ora, eles sobrepõem-se, mas vêm depois da actividade de ordenamento dos planos municipais, dos chamados PDM e, segundo a legislação já existente, têm uma hierarquia superior e uma anterioridade que vincula os planos municipais, quando, em princípio, em boa filosofia, deveriam tê-los precedido, pelo menos do meu ponto de vista, uma vez que os planos municipais de ordenamento do território deviam obedecer às indicações dos planos regionais ou dos planos de ordem imediatamente superior.
Ora, acima desta actividade, surge uma lei de bases do ordenamento do território, que é o que está por detrás desta proposta de autorização legislativa. E não pode ser outra coisa!
Sr. Ministro, a lei de bases do ordenamento do território faz-nos falta há muito tempo. E não se pode dizer que

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ela não tenha surgido por falta de tempo mas, isso sim, com certeza, por uma questão de filosofia ou por outra razão qualquer, dado que o Sr. Ministro conduz esta política há muitos anos. De há 10 anos a esta parte, não temos tido outra orientação, no que diz respeito ao ordenamento do território. É no final desta legislatura que surge a proposta de fazer um "edifício" legislativo que seja a pedra de fecho. Não sei se com isto o Sr. Ministro também está a querer fechar o seu papel na condução desta política ou o papel da maioria política em que se tem inserido,...

O Sr. Carlos Pinto (PSD): Os portugueses vão dizê-lo em Outubro!

O Orador: - .. mas o que é certo é que esta expressão sugeriu a "pedra de fecho" de tudo isso.

uponho que tudo isto apareceu ao contrário ou, pelo menos, segundo os conceitos formais que deveriam estar ou estão em aplicação na política de ordenamento do território, à hierarquia deveria corresponder uma anterioridade. De qualquer forma, uma proposta de autorização legislativa não está obrigada ao debate a que estaria sujeita uma lei de bases.

Vozes do PSD: - Não há tempo!

O Orador: - Dizem-me aqui do lado que não há tempo, mas o que não faltou foi justamente o tempo para fazer um debate sobre uma lei de bases. Aliás, temos recebido dúvidas de entidades que, com certeza, quereriam participar num debate de uma lei de bases,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Quais são?! Diga lá quais são!

O Orador: - ... nomeadamente de câmaras municipais, por exemplo, as quais tentam veicular, por nosso intermédio, as dúvidas que deveriam ter sido expressas justamente no debate que faltou.
Na alínea m), artigo 2.º, da proposta que nos apresentam, consta um tema que, suponho, deveria ser resolvido por uma lei de bases e justifica o meu ponto de vista de que à hierarquia deveria corresponder uma anterioridade temporal.
Em que medida vão ser tratados os problemas da fiscalidade urbanística, nomeadamente no que diz respeito às compensações? Trata-se de uma matéria em que as câmaras municipais têm actuado com alguma latitude e elasticidade, dada a ausência de um enquadramento legislativo que as impeça de sujeitarem as entidades privadas ou os cidadãos particulares a formas de tratamento diferenciadas ao longo do País.
Por isso, as compensações têm sido uma forma de autofinanciamento dos municípios, que as vão retirando do licenciamento urbanístico, dos índices ou das licenças para construir, através de normas aprovadas e ratificadas superiormente, que, na verdade, não são todas iguais, mas impõem ou pretendem impor formas de compensação - aliás, muitas vezes não são ratificadas por causa disso-, mediante taxas de urbanização ou outras vias, as quais traduzem modos diferenciados de tratamento dos particulares. Isto contraria um princípio de igualdade de tratamento perante a lei, que deveria ter sido uma preocupação acautelada por um enquadramento legal geral que já existisse.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, já duplicou o tempo de que dispunha para pedir esclarecimentos.

O Orador: - Vou já terminar. Sr. Presidente.
Sr. Ministro, os tipos e hierarquias de planos que vêm referidos na alínea g) do artigo 2.º vão ou não contrariar ou modificar aquilo que já foi tratado em legislação avulsa, nomeadamente no Decreto-Lei n º 69/90, posteriormente modificado por sucessivas iniciativas complementares?
O plano de delimitação de competências entre os municípios e a administração central tem sido muitas vezes tratado. Como sabe, ainda recentemente o fizemos, a propósito do novo regime sancionatório, que tem justamente a ver com o facto de os planos regionais surgirem depois e necessitarem de um regime sancionatório para que a realidade se adequasse a eles, uma vez que os planos municipais foram feitos na sua ausência.
Ora, esta delimitação de competências, naturalmente, é uma questão que gostaríamos de ver tratada num debate que extravasasse da própria Assembleia da República e envolvesse todas as entidades interessadas.
São estas as questões que gostava de ver esclarecidas.

O Sr. Presidente (Correia Afonso) - Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, V. Ex.ª, no fundo, veio aqui falar um pouco de um "oásis", isto é, de objectivos e de ideias gerais, com o que todos estamos de acordo, pois todos dizemos "sim" à qualidade de vida. Só que a realidade do País desmente-o formalmente, Sr. Ministro, e um exemplo disso são os loteamentos clandestinos, para os quais o Governo ainda não produziu qualquer legislação,..

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Mas vai haver um projecto de lei nesse sentido. Sr.ª Deputada!

A Oradora: - ... apesar da urgência do problema De facto, foi necessário que a comissão parlamentar respectiva viesse legislar sobre a matéria, aliás, por consenso entre os vários partidos, para suprir uma lacuna enorme que afecta centenas de milhares de pessoas e não constituiu uma prioridade nesse "oásis" do Sr. Ministro.
No que diz respeito à autorização legislativa, também me parece haver uma inversão completa de responsabilidades. Apesar de o próprio Programa do Governo se referir à lei de bases como a primeira prioridade, o que é certo é que ela é apresentada no final de uma legislatura, provavelmente para enquadrar actuações de um novo governo,...

O Sr. Manuel Moreira (PSD)- - Que será do PSD!

A Oradora: - ... o que não me parece sequer politicamente ético.

Faço justiça ao facto de o Sr Ministro Valente de Oliveira, logo no início do X Governo Constitucional, em 1987, ter nomeado um grupo de trabalho justamente para trabalhar sobre esta matéria. Sucede que se passaram 10 anos e o diploma que agora se suspeita vir a ser aprovado não tem nada a ver com o anterior.
Mas muito mais grave: um diploma que constitui o enquadramento do ordenamento do território não foi precedido de debate público, não houve consulta às câmaras municipais nem aos milhares de agentes e profissionais que o Sr. Ministro aqui elogiou, mas, na prática, desprezou, pois nem sequer os consultou sobre esta matéria, com a

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excepção, obviamente, da Sociedade Portuguesa de Urbanistas, Esta foi a única entidade que teve a honra de receber um exemplar escrito - sabe-se lá se corresponde às intenções do Governo... mas, pelo menos, é um exemplar escrito - daquilo que o Governo parece querer legislar. Aliás, ainda ontem, falando com os meus colegas do Grupo Parlamentar do PSD, eles até me pediram uma cópia desse documento, porque não o tinham, o que mostra bem a forma como tudo está a ser feito, quando está em causa um diploma tão importante.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - É segredo!

A Oradora: - Isto não parece possível! Não é possível, num país democrático, que uma lei tão importante, como esta não seja precedida de um debate aberto, pois trata-se de uma lei que afecta o direito à propriedade e os direitos fundamentais à participação dos cidadãos e, quanto a mim, do ponto de vista da hierarquia dos planos, é auto-contraditória.
Como é possível que este Governo, a nível dos planos globais, estabeleça uma hierarquia que faz subordinar, e muito bem, os planos directores municipais aos planos regionais, imponha prazos para a execução desses PDM e, na realidade, não os respeite, quando é o próprio Governo que faz os planos regionais de ordenamento do território, como é o caso do PROT de Lisboa?!
Sr. Ministro, a pergunta que faço é a seguinte: para quando o diploma que vai obrigar a que todos os PDM da Área Metropolitana de Lisboa se verguem a ele e que o Governo ainda tem na gaveta?
A segunda pergunta que lhe quero fazer também tem a ver com a hierarquia de planos: é que aquilo que se prevê nesta lei enquadradora não é uma hierarquia de planos mas, muitas vezes, uma conflitualidade de planos. De acordo com o diploma que parece já ter sido aprovado em Conselho de Ministros, mas que ainda não foi publicado - e, esse, sim, já sofreu uma consulta a nível da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, mas não foi trazido à Assembleia da República -, os planos sectoriais especiais previstos nesta autorização legislativa (e que, pelos vistos, já têm legislação) são, obviamente, conflituais, na medida em que não têm competências apenas em matérias sectoriais, como devia acontecer com um plano sectorial, mas competências genéricas e, portanto, conflituais com os outros planos, sobrepondo-se mesmo a feles, a nível de hierarquia.
Concretizando: como é possível, que uma APL, a pretexto de ter prioridade porque está a planear sobre portos, venha determinar qual é a altura dos edifícios que vai fazer para instalar escritórios?

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de mais, agradeço as questões que me colocaram.
Em relação à "pedra de fecho", à ocasião em que vimos submeter esta autorização legislativa ao Parlamenta e à questão do grupo de trabalho de há oito anos, quero dizer o seguinte: se tivéssemos optado por continuar a olhar para este assunto numa perspectiva de hierarquia, começando no grande plano enquadrador, descendo, depois, em cascata, até todos os outros, neste momento, ainda estávamos a discutir os elementos enquadradores e não tínhamos feito nada E, entretanto, o País tinha continuado desarrumado e não teriam sido treinados nem os órgãos decisores nem os numerosos técnicos que era necessário familiarizarem-se com a matéria, metendo a "mão na massa" e confrontando-se com a realidade de tomar decisões sobre a ocupação do espaço.
Gostaria que tudo isto fosse mais simples e que fosse possível, em seio académico e em ambiente fechado, definir-se logicamente uma estrutura muito inteligível, mas, em contacto com o exterior, confrontar-nos-íamos com os inúmeros conflitos e com as inúmeras forças que actuam dentro de um determinado espaço com o fim de o ocupar.
De maneira que, Sr. Deputado José Manuel Maia, efectivamente, a lógica levaria a um encadeamento de planos, começando pelos de mais largo espectro até ao mais minucioso; no entanto, a prática diz que nada disso é verdade, porque o mundo não pode ficar à espera da última palavra e de decisões que vêm de cima, pois as cidades são organismos vivos. Quando as decisões, a nível superior, estivessem afinadas já teria sido ultrapassada a validade dessas mesmas orientações.
E o que é que se deve fazer? Ir fazendo e afinando aquilo que se puder, aos níveis em que for possível actuar-se, tentando encontrar optimizações. Se se pode actuar ao nível do município, fazendo um bom município, então, tente-se fazer um bom plano a nível municipal.
Pode dizer-se que esse plano pode ser contrariado a seguir por um plano regional, mas terá de avançar-se ao mesmo tempo nas duas frentes. Terá de tomar -se decisões que optimizem a ocupação do espaço a nível municipal e fazer-se o mesmo a nível regional, porque, volto a dizer, poderia muito bem acontecer que, se para actuar a nível local estivéssemos à espera daquilo que se definisse a nível regional, quando pudéssemos actuar numa lógica muito perfeita de influências cartesianas em relação aos vínculos superiores, já as condições que tinham definido os parâmetros para o próprio plano regional teriam sido ultrapassadas. As coisas, na prática, são mais complexas do que o exercício académico, pois lidamos com pessoas, com interesses e com as diferentes visões das pessoas ao longo do tempo.
Temos verificado que, em Portugal, tem havido mudanças muito grandes na maneira de olhar para a cidade: há bem poucos anos, havia uma perspectiva de destruição maciça para fazer coisas novas, hoje há já uma muito maior sensibilidade para os aspectos da conservação. Há bem pouco tempo, havia pouco respeito pelas condições gerais, por exemplo, em matéria de espaços verdes, hoje todos pretendem qualificação através desses espaços. Há pouco tempo, havia uma negligência muito grande a respeito dos núcleos centrais das cidades e uma grande facilidade para prolongar os arrabaldes, hoje as pessoas, por terem experimentado na própria pele aquilo que se passa nos subúrbios, são já muito menos abertas à extensão maciça dos subúrbios e muito mais interessadas na ocupação dos centros.
O Sr. Deputado José Manuel Maia pergunta se isto não é uma recentralização. É exactamente ao contrário isto é chamar à participação e à acção toda uma série de agentes, colocados nos diversos níveis e todos eles muito responsáveis pelo resultado final que se pretende.
Quanto à pergunta sobre o balanço que faço dos PDM, quero dizer, em primeiro lugar, que tem sido difícil levar as pessoas a planearem e a estabelecerem regras aos níveis mais adequados nessa acção, aos níveis próximos e

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onde os problemas se põem. Como referi há pouco, felizmente, temos 70 % da população coberta por planos e o que tem acontecido é que temos dado prioridade aos concelhos mais populosos, que têm já feitos os seus planos directores municipais, o que acaba por traduzir-se numa batalha em geral, uma vez que a maioria da população já tem regras.
Se me pergunta - insistiu muito neste particular - pela qualidade, devo dizer-lhe que ela é, de facto, desigual. Já o disse em público e está escrito. E essa desigualdade traduz-se no seguinte: nos municípios onde os autarcas insistiram em participar no processo de decisão, por via de regra, está a chegar-se a bons planos directores municipais; naqueles em que se entregou o processo, sem sequência, sem acompanhamento, a gabinetes externos, sem haver um envolvimento no processo de decisão, habitualmente, encontram-se as maiores complicações e planos de menor qualidade.
Fundamentalmente, estamos a tratar de gerir processos de tomada de decisões, naturalmente informados pela informação possível, tentando trazer ao processo de decisão o maior número de pessoas, de forma a que intervenham nele todos aqueles que têm legitimidade para o fazer.
Quanto à questão que colocou sobre a RAN e a REN, posso dizer-lhe, Sr. Deputado José Manuel Maia, que nesta matéria se tem assistido a coisas muito interessantes, desde certas áreas para as quais foi definida pouco extensão, em que aqueles que as definiram foram tomados de pânico e chegaram à conclusão de que a área era insuficiente e que precisavam de mais defesas e maiores protecções, a constatações de que, afinal, havia razões para excluir da RAN e da REN alguns terrenos pois não eram tão importantes como aquilo que se previa. Estamos também num processo de convergência.
Pergunta-me se há critérios uniformes. Nestas coisas, há uma parte que pode definir-se muito bem através de critérios, mas nesta definição, apesar de tudo, há uma interferência de elementos subjectivos. Aí a minha resposta c: em alguns lugares, há uma margem de subjectividade. Por o sabermos, temos alguma preocupação em fazer com que, quando se chega à fase de utilização, haja, na instância central, uma procura de homogenização e de uniformização Por isso, é em sede de conselho nacional, tanto da RAN como da REN, que se faz essa procura de homogenização.
O Sr Deputado está muito preocupado com quantidade de tipos de planos?! É que há situações muito diversas: há pequenos espaços que têm de ser tratados, a escalas diferentes, para construção imediata e há espaços maiores em que é preciso definir linhas de estratégia de desenvolvimento para uma ocupação que, seguramente, vai ter repercussões, por exemplo, numa matéria que é muito complicada em termos de gastos, ou seja, toda a rede das grandes infra-estruturas, a começar pela das comunicações, mas a atingir também outras, que ficam enterradas e que são muito dispendiosas - todas estas têm de ser articuladas.
Mas volto à questão da hierarquia, que tão cara é também ao Sr. Deputado Manuel Queiró. Estes problemas interligam-se, mas temos de ter muitas frentes ao mesmo tempo e a lógica da nossa actuação foi no sentido de mobilizar ioda a gente, o que estamos a conseguir. Há 10 anos atrás, não se ouvia falar de ordenamento do território nem de planos directores municipais, nem se viam títulos nos jornais tratando de planos directores municipais ou de problemas de urbanização. Hoje, tudo isso acontece e resulta de uma mobilização muito grande de toda a sociedade portuguesa para este aspecto. Portanto, agora, é preciso dar-lhe uma coerência onde cada um saiba onde está e ir avançando não apenas numa frente, nem de cima para baixa ou de baixo para cima, mas todos ao mesmo tempo, procurando, naturalmente, as optimizações que se impõem.
Relativamente à questão do PROT da Área Metropolitana de Lisboa e da sua ligação aos municípios, vai haver, suponho que muito brevemente, uma reunião do Conselho Consultivo e todas as compatibilizações referidas pelo Sr. Deputado José Manuel Maia tem aí o lugar próprio de discussão.
Sr. Deputado Manuel Queiró, fui respondendo a toda esta questão da hierarquia e das ligações entre os diversos tipos de planos, mas uma das perguntas que fez foi no sentido de saber se à hierarquia não deveria corresponder uma anterioridade. Devo dizer que entendo que não, tem de corresponder uma simultaneidade, com vista a uma convergência, que nunca será atingida porque a vida vai trazendo elementos novos e nós não somos capazes de perspectivar todos os elementos, alguns deles bem complexos a nível de utilização do espaço.
Relativamente à questão que colocou quanto à alínea m) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 128/VI, devo dizer que o que com ela se pretende é estabelecer regras no que diz respeito à distribuição e à comparticipação dos terrenos, conforme cada um contribuiu para um determinado lote. Sabemos que há uma divisão da propriedade, sabemos que há operações que reclamam uma agregação dessa propriedade, temos de estabelecer regras para saber como se distribuem os benefícios e os custos.
Gostaria ainda de dizer que se tivéssemos feito uma discussão externa sobre esta matéria sem primeiro a termos aqui apresentado nesta Assembleia, acusar-nos-iam de que não tínhamos tido o respeito de vir primeiro à Assembleia, e digo isto porque tenho experiência de situações semelhantes. Já aconteceu algumas vezes e falo com conhecimento de causa. Agora, teremos de fazer a auscultação, mas só depois de termos cumprido a nossa obrigação de vir à Assembleia dizer qual o sentido daquilo que queremos legislar.
Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, eu não vim aqui falar em "oásis" nenhuns. Eu sou muito realista acerca dos problemas e até já disse na intervenção que acabei de fazer o que pensava dos muito poucos "oásis" e daquilo que queremos fazer, porque entendo que se vive em certos locais com desigualdades grandes. Ora, nós queremos contribuir para haja não um "oásis" generalizado mas para que não haja infernos localizados e, neste momento, sabemos que os subúrbios são, seguramente, os locais menos interessantes e menos agradáveis para formar as novas gerações e para se viver.
Como sabe, existe uma subcomissão que está a trabalhar em matéria de clandestinos e já muito foi feito no que diz respeito à eliminação de barracas. Efectivamente, há ocasiões em que é preciso esperar que o enquadramento esteja maduro para se imporem medidas que são de grande constrição e de grande condicionamento.
Referi-me já à questão da hierarquia de planos. É evidente que tem de haver um diploma de encaixe de todos os PDM, mas sempre na perspectiva da simultaneidade para a convergência, que é o que nos interessa.
Muito obrigado, Sr Presidente, pela sua generosidade.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - E os prazos? Os prazos são só para os outros?

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O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa deste Governo reconhecia como primeira prioridade a necessidade da aprovação de uma lei de bases do ordenamento do território que enquadrasse a gestão e a utilização do solo, assegurando a articulação das políticas sectoriais e a participação dos cidadãos no processo de decisão.
É, no entanto, apenas a poucos meses do seu termo que o Governo vem solicitar à Assembleia da República uma autorização para legislar nesta matéria.
Se a Legislatura terminar com a aprovação do projecto de lei de bases, o próximo executivo será enquadrado num ordenamento jurídico a que o actual Governo se eximiu no decurso do seu mandato, quando não cumpriu atempadamente o seu Programa. Este facto não assumiria uma grande gravidade se o sistema de planeamento urbanístico desenhado pelo Governo reunisse um confortável consenso. Mas não é o caso! Os únicos que tiveram acesso ao documento e que puderam fazer uma reunião' sobre o assunto, distribuíram pareceres aos grupos parlamentares dizendo que a proposta está mal redigida nos: Seus dispositivos, muito provavelmente desajustada da realidade a que se refere, sem suporte visível em qualquer trabalho de índole científica. Diz também, já no seu teor, que "agrava a probabilidade de rejeição social do sistema de planeamento que deseja consolidar"
Portanto, é óbvio que isto demonstra que seria necessária uma discussão pública sobre este assunto, o que não aconteceu, uma vez que nem sequer foi pedido um parecer à Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Para além disso, qualquer diploma destinado a definir princípios que regem o uso do solo e sua transformação urbanística terá obrigatoriamente uma profunda repercussão social, na medida em que afecta directamente o estatuto da propriedade, interfere no exercício de direitos fundamentais dos cidadãos e condiciona a qualidade de vida e o meio em que vivemos.
A seriedade e a prudência exigíveis a um governo da República aconselharia que a aprovação de uma lei de bases do ordenamento do território fosse precedida de um amplo debate público por forma a reforçar a sua legitimidade, a sua compreensão e a garantir a sua aplicabilidade efectiva.
Neste caso, o Governo não só não enviou à Assembleia da República o texto da lei que pretende aprovar como não solicitou parecer nem à Associação Nacional .dos Municípios Portugueses, nem às associações profissionais, nem aos agentes da sociedade civil ou da Administração do Estado que aplicam as leis respeitantes ao ordenamento do território e à gestão do uso do solo.
Trata-se de uma verdadeira lei clandestina...

O Sr Manuel Moreira (PSD): - Que exagero, Sr.ª Deputada!

A Oradora: - ... que o Governo tenta impor sem .sequer assumir o seu conteúdo e, sobretudo, sem ousar iniciar qualquer debate público.
Aliás, o semanário O Independente vem informando, semana após semana, das dificuldades que os sucessivos projectos de lei apresentados sobre a matéria pelo Sr. Secretário de Estado têm tido nos Conselhos de secretários de Estado.
Soubemos, assim, na semana passada, que o Sr. Secretário de Estado teria desistido da obrigatoriedade de edificar. Não sei se é verdade?!

O Sr. Manuel Moreira (PSD)- - E a Sr.ª Deputada tem assistido às reuniões?!

A Oradora: - Tivemos, no entanto, confirmação por este meio de que os terrenos urbanizáveis passavam a pagar contribuição autárquica como urbanos, impondo-se em consequência o aumento do seu valor matricial O que, de facto, interessa a muitas centenas de milhares de portugueses que gostariam de saber se é ou não verdade o que o Governo quer aprovar, porque o Governo não trouxe aqui a lei.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - O Sr. Ministro vai explicar!...

A Oradora: - Só a Sociedade Portuguesa de Urbanistas teve a honra de dispor de uma versão do projecto de lei, que todos fotocopiaram à sucapa, e na base da qual se realizou um debate em que participaram cerca de 40 técnicos. Os tais que deram este parecer negativo Foram os únicos que leram. É tão mau que o Governo nem ousa mostrar!
Todos criticaram o texto a que tiveram acesso, mas ninguém sabe se o mesmo corresponde exactamente ao projecto para o qual o Governo pretende obter a autorização legislativa.
A inexistência de debate público, a incerteza face ao que se pretende instituir, a instabilidade do sistema de planeamento ainda em curso de aprovação (uma vez que a lei dos planos especiais parece que já foi aprovada pelo Conselho de Ministros - que não tem acta e, portanto, não sabemos que se é verdade ou não -, mas ainda não foi publicada), reduzem a legitimidade de um Governo em fim de mandato para aprovar uma lei enquadradora, que obviamente não terá possibilidade de regulamentar nem de implementar. Pode, portanto, prever coisas completamen-te irrealistas, porque não as vai de certeza aplicar.
Pelo que acima se expõe e que define o processo adoptado, a Assembleia deveria rejeitar a autorização legislativa solicitada pelo Governo.
É verdade que em Portugal as leis sobre urbanismo e construção são muito recentes Não esqueçamos que só em 1951 e 1965 foram instituídas as primeiras regras enquadradoras ao direito de construir e de urbanizar, associadas, na altura, a uma prática autoritária e discricionária de planeamento que primava pela não publicação das próprias regras urbanísticas fixadas pelo Governo. Aliás, este Governo teve agora, por este motivo, que publicar os decretos de mil novecentos e cinquenta e tal, que era para, pelo menos, estarem escritos em texto de lei, depois de os ter tentado aplicar sem os publicar!
A primeira reforma global das leis de urbanismo, que ocorreu na década de 70, foi constituída por um conjunto de diplomas avulso, regulamentando em 1970 o regime dos solos e o licenciamento de obras particulares, em 1971 o planeamento urbanístico e em 1973 as operações de loteamento, sem que tivesse sido previamente aprovada qualquer lei enquadradora ou posteriormente publicado o código de urbanismo, de que muito se falou mas que nunca foi feito.
Na prática, o que é que se passou? A explosão urbana teve, então, lugar e demonstrou, por um lado, a ineficiência dos processos de planeamento para o urbanismo legal e, por outro, a proliferação de bairros clandestinos.

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Estas práticas de urbanização de génese legal ou ilegal baseavam-se na iniciativa individual e eram quase inteiramente condicionadas pelos limites da propriedade do solo e pelas estratégias dos promotores, que, entretanto, serviram de intermediários para o parcelamento urbanístico do território.
Estes processos deram resposta a uma procura crescente de solo urbano para o qual o sistema de planeamento não soube garantir níveis aceitáveis de oferta, mas traduziu-se por manchas urbanas irracionais, com elevados custos de infra-estruturação, que prolongam até hoje carências difíceis de aceitar num país europeu e degradam frequentemente as paisagens e a qualidade de vida.
Foi o II Governo Constitucional que inscreveu no seu programa uma lei-quadro do urbanismo, mas caiu antes disso, e foi o Partido Socialista que apresentou em 1980, na Assembleia da República, uma lei-quadro do ordenamento do território, mas a reforma urbanística prosseguiu com a sucessiva actualização de diplomas avulsos - sempre diplomas avulsos sem regime enquadrador, com os resultados que se têm visto até agora.
Com o X Governo Constitucional e a entrada na Comunidade Europeia é atingida a necessária estabilidade - que, pelos vistos, foi desaproveitada - e é criada pelo actual Ministro do Planeamento e da Administração do Território uma comissão que elabora, em 1988, uma lei enquadradora do regime de solos, que o Governo acaba por nunca apresentar, optando, mais uma vez e apesar dos maus exemplos anteriores, pela revisão dos diplomas avulsos de planeamento urbanístico, loteamento e obras particulares, sempre da mesma maneira, sem que qualquer diploma enquadre os direitos e deveres dos cidadãos e da Administração e dê funcionalidade ao sistema de planeamento de Estado.
Aquando da proposta deste primeiro conjunto de diplomas avulsos, o Partido Socialista apresentou nesta Assembleia, em 1989, o seu projecto de lei de bases sobre o regime urbanístico do solo e planeamento municipal, que tive a honra de ser a primeira subscritora e que teria permitido enquadrar, já na altura, a prática urbanística destes anos, se tivesse sido aprovado pelo PSD.
Mas, apesar de o Programa do Governo apresentar esta matéria como sendo de primeira prioridade, passaram-se 10 anos de estabilidade sem que o Governo definisse o processo como se poderia aplicar o planeamento urbanístico, entretanto publicado com todos os defeitos que o bluff da celeridade impôs.
Diz-se que o Governo, entretanto, aprovou o novo regime dos planos especiais de ordenamento do território, já submetido a parecer da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Trata-se de uma lei que contraria a capacidade de planeamento municipal, permitindo, a pretexto de políticas sectoriais legítimas, que sejam impostos planos como o POZOR e que serviços sectoriais do Estado, a pretexto de salvaguardarem políticas sectoriais, se substituam às câmaras municipais para definir o uso urbanístico do solo nos territórios sob sua tutela, ou seja, definir a tal altura dos prédios de escritórios.
Este diploma inscreve-se num contexto de centralização de competências e de arbitrariedade em que qualquer serviço do Estado se pode sobrepor, porque essa sobreposição vem no diploma, a documentos urbanísticos como os PDM, elaborados no âmbito do processo de planeamento municipal - que o Sr. Ministro se gaba de ter instituído, mas que pode ser desfeito por qualquer diploma avulso sectorial -, recentemente instituído e ratificado pelo próprio Governo.
É a instituição de um regime permanente de incerteza, insegurança e arbitrariedade incompatíveis com o Estado democrático em que vivemos.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Que exagero, Sr.ª Deputada! Onde é que leu isso?

A Oradora: - O senhor nem leu o diploma!
É neste contexto que o Governo propõe esta autorização legislativa, sem consultar ninguém, sem consulta pública, sem que seja feito qualquer exercício de discussão que venha permitir a própria aplicação deste diploma, porque o Governo sabe que não o vai aplicar.
Não sabemos bem o que pretende ao promulgar, mas sabemos que o diploma entregue pelo Governo à Sociedade Portuguesa de Urbanistas vem obrigar à cobertura do território com novos planos de urbanismo e de pormenor, fazendo disso depender a aprovação de operações de loteamento e as correspondentes obras de urbanização - alínea d), n.º 2, da proposta de lei de autorização legislativa. Ou, então, quer-se bloquear completamente os loteamentos depois de se ter publicado legislação sobre a matéria.
Para que servem os PDM aprovados?
Este diploma vem também pôr em causa a credibilidade do sistema de planeamento ao prever uma hierarquia de planos, que não respeita os domínios em que cada plano se circunscreve - são os tais planos sectoriais -, permitindo assim ao Governo intervir permanentemente sobre decisões anteriores.
Na alínea n) do artigo 2.º, impõe-se a expropriação de prédios que fiquem afectos a fins de interesse público em planos de pormenor independentemente da sua programação, negando a flexibilidade no tempo dos processos urbanísticos, que foram aqui louvados pelo Sr. Ministro, mas que este tipo de disposições contraria. Aliás, sabe perfeitamente que, por exemplo, a Câmara de Évora já teve que suspender metade dos planos de pormenor, porque as imposições são tais que, de facto, o que isto incentiva é que as câmaras não tenham esses planos. Ou seja, este diploma é auto-contraditório com tudo o que foi publicado anteriormente.
Esta prática irá retrair as câmaras de aprovar planos de pormenor e conduzir à sua revogação - que, aliás, já aconteceu em alguns casos -, em contradição com a intenção do legislador de favorecer a elaboração de planos urbanísticos por parte das câmaras municipais, como elemento de previsibilidade - que é muito importante - da actuação, tanto do Estado como dos particulares.
Também, na alínea p) do artigo 2.º, se vem aumentar drasticamente a contribuição autárquica para os particulares que possuam solo urbanizável ainda que o não utilizem para a construção, nem que a sua transformação em solo urbano esteja programado Não sei para que há depois as programações!
Na alínea z) do artigo 2.º, vem-se impor isenções fiscais aos municípios para o estabelecimento de associações para reparcelamento, afectando, mais uma vez, as receitas municipais e interferindo no processo urbanístico que compete às câmaras conduzir e que, obviamente, aconselha a actuações flexíveis, adaptadas aos objectivos que, em cada caso, são prosseguidos - e não a que o Governo venha impor uma isenção, ainda por cima à custa de outrém, como é costume!

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Em suma, este diploma não só é inoportuno e ilegítimo como revela falta de coerência, subvertendo a lógica do planeamento urbanístico antes que ela esteja consolidada ou mesmo afinada, e denota uma lógica autoritária e centralizadora, para além de afectar a segurança dos cidadãos nos seus direitos fundamentais, tanto no que respeita à propriedade como à participação.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Pinto, João Matos e Manuel Queiró.
Uma vez que a Sr.ª Deputada dispõe de pouco tempo, dar-lhe-ei a palavra, para responder, só no final dos pedidos de esclarecimento.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, ouvi com muita atenção a sua intervenção e estava a aguardar que surgisse uma proposta de ordenamento do território do PS.

Vozes do PSD: - Não têm!

O Orador: - Julgo que era este o momento adequado para apresentarem tal proposta, dado que o ordenamento do território é uma matéria suficientemente importante e todos nós temos sérias reservas quanto à indisciplina, que tem vigorado desde o 25 de Abril.
O PS está responsabilizado nessa matéria, assim como alguns governos em que o PSD participou, e, portanto, seria este o momento adequado para se poder ouvir, da parte do PS, uma nova perspectiva, essencialmente com uma visão de continuação daquilo que tem sido feito nos últimos 10 anos, onde, indiscutivelmente, qualquer cidadão de boa fé dirá que muito se fez, sobretudo, na pedagogia de um ordenamento mais sadio, mais respeitador do ambiente e disciplinador, nomeadamente, da intervenção dos diversos agentes: os loteadores, os construtores e os agentes municipais de desenvolvimento, ou seja, os autarcas.
Por conseguinte, nos últimos 10 anos, fez-se muito e creio que esta é uma boa oportunidade para o Governo vir à Assembleia a fim de poder dotar o País de um fecho de cúpula legislativo, com, aliás, não podia deixar de ser.
Como já foi aqui dito, é óbvio que só quem não conhece, no terreno, os problemas do ordenamento do território é que não elogiaria as intervenções sucessivas feitas por parte dos governos do Professor Cavaco Silva, procurando disciplinar através de muitos instrumentos que já vinham da década de 50, como os anteplanos de urbanização, que ficaram na gaveta e passaram por governos da ditadura, os planos de pormenor e, depois disso, todo o trabalho, diria mesmo, todo o combate por uma boa causa, que é justamente a questão referente aos planos directores municipais. É óbvio que, nesta altura, o Governo vem encerrar todo este ciclo, no tempo adequado, com esta lei de bases do ordenamento.
Eu diria que o Partido Socialista tinha aqui uma grande oportunidade, porque, buscando nós na Carta Magna, que saiu dos Estados Gerais, algo que nos dissesse onde é que os programadores do governo do Partido Socialista se irão inspirar nas próximas semanas, encontramos, por junto, quatro linhas. Ou seja, tudo aquilo que V. Ex.ª se esforçou aqui por teorizar à volta do ordenamento do território mereceu a toda a envolvente dos Estados Gerais quatro simples linhas!... Isto é, de facto, ameaçador, porque, se VV. Ex.ªs alguma vez tivessem responsabilidades de governo, o que aconteceria era a interrupção de uma política de ordenamento do território, que este Governo tem vindo a executar.
Da intervenção da Sr.ª Deputada, também não ouvimos falar das linhas-mestras e maestras sobre o ordenamento do território que querem, referiu-se apenas a questões de lobby, exteriores à Assembleia da República. Fico sempre com muita pena quando vejo Deputados desta Casa questionarem a circunstância de esta não ser a sede para os debates nacionais. Sr.ª Deputada, esta e a sede para debatermos as questões de ordenamento do território, como todas as outras,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Através de uma autorização legislativa?!

O Orador: - ... com os contributos que todas as partes e parcelas da sociedade portuguesa queiram dar. Sendo esta a sede, V. Ex.ª tinha uma boa oportunidade de nos trazer a crítica construtiva que permitisse ao Governo, depois de estar autorizado a legislar nesta matéria, verter alguns aspectos positivos que o PS tivesse. Só que o PS não tem! A vossa ideia sobre ordenamento do território é a de uma visão burocratizada do território, ou seja, igual a zero.
Portanto, o PSD não pode deixar, neste aspecto, de saudar a iniciativa do Governo e de considerar que este fecho legislativo de todo o trabalho produzido é de louvar, pois aponta aspectos positivos para o futuro que, estou convencido, se vão verter em melhorias significativas da qualidade de vida nos centros urbanos

Aplausos do PSD

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

O Sr. João Matos (PSD). - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, com toda a consideração e amizade, tenho que dizer que hoje V. Ex.ª esteve particularmente infeliz na intervenção que fez. Primeiro, porque se limitou a fazer o inventário da legislação existente nos últimos anos sobre urbanismo e ordenamento do território e, segundo, porque se limitou a ler parles do parecer da Associação de Desenvolvimento para o Direito do Urbanismo e da Construção. De facto, é muito pouco para um partido que ambiciona ser poder!
O meu colega, em parte, já referiu algumas coisas que eu gostaria de lhe dizer relativamente àquilo que foram os Estados Gerais e os documentos que produziram sobre política de ordenamento. No entanto, penso que devo hoje citar, porque gostaria de ouvir o seu comentário, um artigo de opinião de uma pessoa que participou nos Estados Gerais, que é insuspeita quanto à sua filiação partidária, pois é independente, o arquitecto Muno Teotónio Pereira.
Num artigo que escreveu, dizia ele só isto: "O urbanismo nos Governos do PSD, nota positiva"
E dizia mais: "Participei nos Estados Gerais do Partido Socialista e assumo com convicção as contundentes críti-

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cas feitas aos governos de Cavaco Silva no contrato de legislatura feito por aquele partido com independentes. Mas não é por acaso que naquele documento são omissos os aspectos que dizem respeito aos urbanismo e ao ordenamento do território. É que a política dos governos do PSD nestas matérias pode ser considerada como bastante positiva, constituindo uma excepção ao que se tem passado noutras áreas da governação. Isto deve-se à prática que tem sido seguida pelo Ministro Valente de Oliveira e pelos Secretários de Estado que se têm sucedido, de que e justo destacar os nomes de Carlos Pimenta, Nunes Liberato e Pereira Reis.
É por isso, creio eu, que, apesar da importância nacional deste tema, os Estados Gerais do Partido Socialista consideraram não ser necessário produzir políticas alternativas. Tem havido uma directriz consequente nesta prática no sentido de dotar o território português de instrumentos de planeamento que se querem eficazes. Efectivamente, os governos "laranja" têm tomado uma série de iniciativas que vieram pôr cobro a décadas de criminosa licenciosidade nesta matéria por parte do poder político e que tiveram como consequência a devastação de grande parte da nossa terra".
Sr.ª Deputada, agora entendo a dificuldade que teve hoje ao fazer a sua intervenção. É que, depois deste artigo escrito pelo arquitecto Nuno Teotónio Pereira, não tenho mais comentários a fazer à política de ordenamento do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manoel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, V. Ex.ª baseou muito as suas críticas num projecto de lei de bases. Porém, o que aqui estamos a fazer é a discutir um pedido de autorização legislativa e não o tal projecto de lei de bases.
A Sr.ª Deputada, a certa altura, disse que um dos defeitos desta iniciativa do Governo era o de ser um instrumento legislativo que não ia com certeza ser aplicado por este Governo e por estes governantes. Bom, a essa previsão - e isto é, porventura, uma suposição ousada - vou associar uma ambição do Partido Socialista em governar e, por isso, vamos fazer, a benefício da argumentação, um exercício de imaginação. Vamos imaginar o PS a governar.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Nem em imaginação! Seria uma desgraça!

O Orador: - Tendo em atenção o que acabei de dizer, vou fazer uma pergunta. Em 1992, aquando da aprovação, por ratificação, dos regimes de licenciamento de obras e das operações de loteamento, houve aqui um grande embate não só entre as oposições e o Secretário de Estado Nunes Liberato mas entre a própria Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, no seu conjunto, e até do seu presidente, Deputado Angelo Correia, com o Sr. Secretário de Estado Nunes Liberato, que representava o Governo, a respeito de uma modificação introduzida que foi a isenção das obras da administração directa e indirecta do Estado do regime de licenciamento e das operações de loteamento que são competência municipal. Foi um embate muito importante entre as competências municipais e as da administração central para a disciplina urbanística e para o ordenamento urbanístico em Portugal, em que cada um definiu a sua filosofia.
Assim, gostava de saber qual seria a posição do Partido Socialista, se estivesse no Governo, sobre esta matéria e o que aconteceria à questão da isenção de obras da administração directa e indirecta do Estado no que diz respeito às operações de loteamento e licenciamento.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pinto, acho estranho que tenha ficado muito admirado pelo facto de o Partido Socialista não ter apresentado uma autorização legislativa. Sr. Deputado, o Partido Socialista não o fez porque não está no governo. Evidentemente que me parece que esta é a sede de discussão desse tipo de diplomas, sobretudo com esta importância; só que foi o Governo que não apresentou aqui a lei! Vamos lá a ver se nos entendemos! Esta é, de facto, a sede, mas nós não podemos apresentar um pedido de autorização legislativa, porque não somos governo.

O Sr. Manuel Moreira (PSD) - Apresentavam um projecto de lei!

A Oradora: - O Governo não apresentou nenhuma lei. No entanto, dou-lhe a certeza de que o Partido Socialista, quando estiver no governo, não vai apresentar uma autorização legislativa mas, sim, uma lei.
Aliás, não sei se se lembra, mas, em 1989, o Partido Socialista apresentou uma lei sobre esta matéria, em que eu fui a primeira subscritora e, portanto, conheço-a bem, tendo sido discutida nesta sede Portanto, o Partido Socialista tem o trabalho muito facilitado.
Talvez não seja uma matéria muito importante e nos Estados Gerais debruçámo-nos sobre diversas matérias,...

Protestos do PSD.

... mas, sobre este assunto, o Partido Socialista foi muito mais longe ao ter apresentado uma lei. Não sei o que poderia fazer mais! Aliás, a própria Assembleia da República, com a participação do Partido Socialista e dos próprios Deputados do PSD e do PCP, apresentou uma lei sobre os clandestinos, em relação aos quais, desde há 10 anos, os vários Governos não legislam. Portanto, já não é a primeira vez que apresentamos leis sobre urbanismo, enquanto que o Governo ou não apresenta nada ou apresenta autorizações legislativas. Isso já se repetiu várias vezes! Repetiu-se, aliás, também no regime de loteamentos em que, quando o Governo apresenta uma autorização legislativa, eu própria apresentei, em 1989, uma lei que correspondia, de resto, a um "borrão" do Governo, mas corrigido em 37 artigos! Nesse caso, era preciso corrigir e, de facto, servi-me do "borrão" do Governo. Agora, nessa minha lei nem sequer é "borrão" do Governo mas do PS.
No que se refere à lei dos clandestinos, o Governo não fez nada, nem borrão tem!
No que diz respeito ao licenciamento de obras, o Partido Socialista exprimiu aqui a sua matéria e evidentemente que, quando apresentar o seu programa de Governo, espero que o Sr. Deputado possa verificar que ele cumpre a sua palavra.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. João Matos (PSD): - E quanto à pergunta sobre o Sr. Arquitecto Teotónio Pereira?

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada já concluiu?

A Oradora: - Sr. Presidente, não gosto de não responder a todas as perguntas e como me foi feita uma que tem a ver com o arquitecto Nuno Teotónio Pereira...

O Sr. Presidente: - Então, peço-lhe que seja breve, na resposta.

A Oradora: - ..., com todo o respeito que me merece o Sr. Arquitecto, desde há muitos anos, devo dizer que é independente, não é do meu partido. Mas o Sr. Deputado João Matos poderá falar com ele e discutir a opinião que ele tem e que, obviamente, não me vincula.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste final de legislatura, o Governo acabou por descobrir que era preciso legislar sobre os princípios de ordenamento do território.
Ora, sendo o ordenamento do território considerado pelo Governo, no preâmbulo da proposta de autorização legislativa que estamos a debater, como um verdadeiro imperativo nacional, não se compreende que só agora, nos últimos dias de funcionamento do Parlamento e a poucos meses de um novo governo, queira elaborar tão importante legislação.
Aliás, tratando-se de matéria de reserva da competência da Assembleia da República e uma lei-quadro, é politicamente inadmissível que o Governo não apresenta uma proposta de lei material, que expresse as medidas que propõe ou que não junte à proposta de autorização o projecto de decreto-lei que tem vindo a ser debatido a vários níveis do Governo e em associação profissional, segundo a comunicação social.
Através da referida proposta de lei, que tem o n.º 128/VI, pretende o Governo definir princípios, objectivos e instrumentos do ordenamento do território, o regime geral da ocupação, o uso e transformação do solo para fins urbanísticos, bem como o regime do planeamento territorial e a sua execução, apresentando como justificação, na exposição de motivos, o "imperativo nacional", o "corolário da reforma instituída", o aglutinar "dos vários Instrumentos já existentes."
Só que em boa parte do articulado da proposta de lei pouco - e por vezes nada - é dito sobre a forma como pretende actuar, não definindo, com suficiente clareza, o sentido e/ou extensão da autorização legislativa, deixando um excessivo espaço de conformação ao Governo, o que contraria o estipulado no n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, como são exemplo os casos das alíneas a), b), g) e j) do artigo 2.º.
Ainda ao arrepio da Lei Fundamental, atente-se à alínea i), ao abrir a possibilidade de edição de medidas restritivas de autonomia municipal e de pendor recentralizador, isto é, de sentido inverso ao programa normativo do n.º l do artigo 6.º da Constituição.
Será, então, que estamos na presença de mais uma peça governamental burocratizante e centralizadora, que não respeita as potencialidades do poder local e o princípio constitucional da autonomia e da descentralização administrativa?
Que opinião têm os municípios e a sua associação sobre esta legislação? Não considera o Governo um imperativo a participação da Associação Nacional de Municípios Portugueses e de associações científicas, técnicas e profissionais, não para o cumprimento de um mero formalismo, mas para que, em matéria tão importante e sensível, tenha um contributo decisivo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Percorrendo o articulado da proposta de lei, tornam-se claras as tendências para a governamentalização do planeamento ou para a ingerência na vida e na competência dos municípios.
Permito-me enunciar mais algumas situações.
Em primeiro lugar, a proposta de limitar as operações de loteamento e as correspondentes obras de urbanização - alínea d) do artigo 2.º - às áreas abrangidas por plano de urbanização ou plano de pormenor (e pergunto se a existência do plano director municipal não é suficiente) é excessivamente redutora e irrealista ao não ter minimamente em conta o estádio do planeamento e provocaria, sem dúvida, entraves acrescidos ao normal desenvolvimento dos aglomerados.
Por outro lado, atendendo aos processos de registo e/ou ratificação dos planos municipais, é notório que está subjacente a esta norma um sentido recentralizador, para que nada passe sem a "chancela" do Governo ou o "crivo" da Comissão de Coordenação Regional ou da própria DGOT.
Em segundo lugar, é mais uma vez clara a intenção do Governo de retirar competências às assembleias municipais, ao negar-lhes a intervenção no processo a que alude a alínea l) do artigo 2.º - a delimitação das unidades de execução dos planos municipais com referente fixação de áreas a sujeitar a intervenções urbanísticas prioritárias -, quando lhes compete aprovar os planos municipais de ordenamento, as medidas preventivas, as normas provisórias e até os próprios planos de actividades.
Por outro lado, face à segunda parte da alínea q) do mesmo artigo, ser-lhes-à também vedada a intervenção na delegação pelas câmaras municipais de competência para aprovação dos projectos de obras de urbanização na direcção das associações dos municípios com os particulares e na execução de acções urbanísticas previstas em plano municipal de ordenamento do território.
O mesmo sentido de apagamento das assembleias municipais é ainda evidenciado pela alínea n) do artigo 2.º, quando, actualmente, todas as delegações de poderes nas juntas de freguesia estão sujeitas à autorização do órgão deliberativo do município.
Em terceiro lugar, ao consagrar a obrigatoriedade da expropriação de prédios que, de acordo com os planos de pormenor, figurem afectos a fins de interesse .público- prevista na alínea n) do artigo 2.º -, provocará estrangulamentos gravíssimos, quer ao nível financeiro quer ao nível da qualificação do meio urbano. A manterem-se os critérios de indemnização consignados no actual Código de Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, tornar-se-ia extremamente penalizante o planeamento à escala do plano de pormenor. E, de duas uma: ou inibilo-ia pura e simplesmente, com graves consequências para

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a necessária qualificação do meio urbano; ou criaria dificuldades financeiras inultrapassáveis para a generalidade dos municípios.
Em quarto lugar, quanto às isenções tributárias, inclusive as taxas municipais previstas nas alíneas s) e z) do artigo 2.º, importa esclarecer, acautelando, as compensações que de direito são devidas aos municípios, previstas no n.º 7 do artigo 7.º da Lei n.º 1/87.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP considera muito importante um correcto ordenamento do território, que tenha como objectivos fundamentais o desenvolvimento sócio-económico equilibrado das regiões, a melhoria da qualidade de vida das populações, a gestão responsável dos recursos naturais, a protecção do ambiente e a utilização racional do território. Ordenamento que se abra à participação das populações e de seus representantes, que coordene e integre políticas sectoriais, que tenha em conta as especificidades e potencialidades locais e regionais e que perspective, em bases sólidas, um desenvolvimento integrado num ambiente qualificado.
Uma correcta política de ordenamento do território não pode omitir a acção da região como o nível mais apropriado. Não haverá uma correcta política de ordenamento e planeamento do território sem a criação e instituição das regiões administrativas, com órgãos democraticamente eleitos, que permitam a conjugação das interligações dos PDM entre municípios vizinhos e que contribuam para eliminar os conflitos actuais de sobreposição dos PROT aos PDM.
É importante - e é uma necessidade sentida desde há muito - que exista uma lei de bases do ordenamento, mas não uma qualquer lei.
Tal como os municípios vêm reclamando e se encontra expresso nas conclusões dos vários congressos da sua associação nacional, a lei de bases do ordenamento deve articular os conceitos de ordenamento do território, da conservação da natureza, da defesa do património, da preservação da paisagem e do desenvolvimento integrado, bem como ter em conta a necessidade de, em Portugal, se adoptar uma consequente política de solos, de habitação e de gestão da REN e da RAN, por forma a permitir resolver os problemas de infra-estruturas e equipamentos, as operações urbanísticas das Áreas de Desenvolvimento Urbano Prioritário, das Áreas de Construção Prioritárias, da reconversão dos loteamentos de génese ilegal, da recuperação dos centros históricos e a implantação de planos eficazes, da responsabilidade dos municípios.
E, numa fase em que os Planos Directores Municipais estão, em geral, concluídos ou em vias disso, mais do que nunca é fundamental que a clarificação legislativa se produza, mas num quadro de efectiva responsabilização das autarquias.
Com os PDM ratificados deixa de fazer qualquer sentido que os licenciamentos referentes a áreas protegidas, parques naturais, grandes superfícies comerciais, etc., continuem a carecer de novos pareceres e de novas ratificações da Administração Central. O mesmo deverá passar-se em relação à declaração de utilidade pública e à posse administrativa, em situações já regulamentadas pelos PDM. Devem ser os órgãos deliberativos dos municípios a assumir tais áreas de competências e a serem por elas responsabilizados.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP propõe que à pressa eleitoral dê lugar um debate profundo e envolvente, na medida em que o ordenamento do território é de vital importância para o bem-estar dos cidadãos e para o desenvolvimento do País.
A lei-quadro de ordenamento do território de que o País precisa terá de assentar num diagnóstico claro da situação nacional e numa orientação estratégica de desenvolvimento sustentável, que não deixará de, certamente, pôr em causa a política dos últimos anos.

r. Presidente, Srs Deputados: Para terminar, permitia-me fazer uma interpelação à Mesa relativamente ao decorrer dos trabalhos e, nomeadamente, quanto à tramitação deste diploma.
A proposta de lei em apreço é uma autorização legislativa, e permitia-me chamar a atenção da Assembleia para o artigo 150.º do Regimento, que foi aprovado por unanimidade nesta Câmara Este artigo refere que, sempre que as propostas e os projectos de lei tenham a ver com as autarquias, a comissão competente deve promover a consulta da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias.
Em função disso, ou seja, porque não tinha havido o parecer destas duas associações, iniciativas nossas não puderam subir a Plenário - e, repito, tal obrigatoriedade está no Regimento e foi aprovada por unanimidade.
A questão que coloco é, pois, a seguinte: o nosso entendimento relativamente a este dispositivo regimental tem sido o de que não e obrigatório que este parecer seja dado até ao debate na generalidade, mas consideramos correcto que até ao debate na especialidade se proceda a esta recolha de opiniões.
Ora, Sr. Presidente, como não houve baixa à Comissão desta proposta de lei não houve a possibilidade de a Comissão fazer tais consultas. No entanto, tendo em conta que ela será objecto, tal como qualquer outra, de debate na generalidade e na especialidade, bem como de votação final global, solicitava a V. Ex.ª o favor de incumbir o Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social. Poder Local e Ambiente de proceder, de acordo com o Regimento, à consulta destas duas associações, porque mesmo no quadro das autorizações legislativas assim tem sido feito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Si. Deputado, assim farei, em nome dessa praxe parlamentar, embora neste caso não haja comissão competente, visto que as propostas de autorização legislativa não são objecto de baixa à comissão.
Mas, como tem sido essa a praxe, assim farei, pedindo ao Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente que tome providências nesse sentido
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD)- - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo submete à Assembleia da República a proposta de lei no 128/VI, de autorização legislativa, que autoriza o Governo a legislar em matéria de princípios, objectivos e instrumentos do ordenamento do território, de regime geral da ocupação, uso e transformação do solo para fins urbanísticos, bem como do regime de planeamento territorial e sua execução.
A política de ordenamento do território tem como objectivo criar e estimular as condições de ocupação, uso e transformação do solo favoráveis ao desenvolvimento coerente, equilibrado e sustentável das várias áreas do País.

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É hoje unanimemente reconhecido que o território .se apresenta, cada vez mais, como um vector estratégica de desenvolvimento.
A institucionalização da União Europeia implicou a fixação de objectivos mais exigentes em termos de competitividade, qualidade de vida e qualidade ambiental. Importa, assim, estimular soluções de ordenamento do território favoráveis à conservação e valorização de recursos, paisagens e patrimónios e capazes de aumentar a competitividade das regiões e do País no seio da União, num contexto de coesão económica e social tanto ao nível nacional como ao nível comunitário.
Ao assumir uma adequada política de ordenamento do território, a sociedade portuguesa estará, no presente, a garantir e a assegurar as condições que viabilizem um futuro colectivo de maior qualidade e solidariedade.
Num contexto em que as preocupações da qualidade do ambiente são constantes, a assumpção de estratégias de natureza preventiva é determinante, não só com vista a evitar situações irreversíveis, mas, sobretudo, porque as limitações macro-económicas inviabilizam a resolução sistemática das questões ambientais à força de investimentos pesados e tornam imperativo o recurso a outras formas mais exigentes de melhoria da qualidade do ambiente.
Por isso, é necessária a aprovação de um regime que, por um lado, consagre os princípios, objectivos e instrumentos do ordenamento do território e, por outro lado, estabeleça as regras gerais da ocupação, uso e transformação do solo para fins urbanísticos.
Assim, o diploma que o Governo pretende elaborar e aprovar, ao abrigo da autorização legislativa, consagrará as bases do ordenamento do território, que constitui o corolário de um processo de reforma, em termos de política de ordenamento do território, que foi prosseguido nos últimos anos.
Esta reforma assentou em três objectivos fundamentais: impedir a continuação do ritmo e extensão da delapidação de recursos que vinha ocorrendo; apostar na cobertura completa do território nacional por planos de ordenamento ao nível do município e assumir , as responsabilidades em parcelas críticas do território, cuja importância justifica uma actuação integrada de nível supramunicipal; criar coerência global em todo o sistema de ordenamento do território, articulando os processos, de transformação do solo com o processo de planeamento.
A insuficiência de instrumentos e orientações que Portugal revelava no domínio do ordenamento do território exigiu actuações específicas e eficazes, de acordo com, uma urgência que não era compatível com a concretização simultânea da política em toda a sua abrangência.
Só assim foi possível a alteração radical de um status quo de quase 40 anos, permitindo atingir um desiderato mínimo em termos de ordenamento do território, promovendo uma política eficazmente orientada para as questões centrais do desenvolvimento sustentável e equilibrado.
A aprovação do diploma que regula as bases do ordenamento do território vai, assim, surgir como elemento aglutinador dos vários instrumentos já disponíveis, fixando as normas e os princípios gerais que devem presidir à gestão do solo, criando estímulos à sua correcta utilização, assegurando a articulação das políticas sectoriais e a participação dos cidadãos nos processos de decisão.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Feitas estas considerações de carácter geral vamos passar agora a analisar mais em concreto a proposta de lei de autorização legislativa, designadamente as alíneas do seu artigo 2.º.
Através do articulado da alínea a), o Governo solicita à Assembleia da República autorização para consagrar princípios, objectivos e instrumentos da política de ordenamento do território.
A consagração, em diploma legal, dos princípios e objectivos da política de ordenamento do território prende-se com a necessidade de congregar, num único diploma legal, toda a filosofia inerente ao ordenamento do território, que já consta dos diplomas avulsos sobre a matéria, mas que se pretende agora "codificar".
Na verdade, todos os princípios e objectivos que se vão consagrar ao nível do diploma a autorizar foram os que presidiram, desde 1985, à elaboração do quadro legal existente e que se podem descortinar em cada um dos diplomas legais em vigor.
Destes princípios e objectivos cumpre realçar a importância que se confere à participação das populações no processo de ordenamento do território e que tem o seu expoente máximo no processo de planeamento.
Na verdade, no quadro desejável de que a tomada de decisões ao nível administrativo se faça com a maior participação possível dos administrados, é fundamental elevar esta participação ao nível de princípio.
De salientar também outras preocupações que, no domínio do ordenamento do território, justificam um tratamento ao nível dos princípios a necessidade de considerar, de forma antecipada, as acções com incidência na organização do espaço, de forma a prever o seu impacto no ordenamento do território; a necessidade compatibilizar a política de ordenamento do território com as políticas sectoriais, por exemplo, nos domínios do desenvolvimento económico e social; finalmente, a necessidade de garantir que a administração actue como um todo, concertando actuações e cooperando entre si, por forma a assegurar o correcto ordenamento do território.
Em relação aos objectivos fundamentais da política de ordenamento do território, podemos afirmar que o seu escopo fundamental é o de criar e garantir condições de ocupação, uso e transformação do solo favoráveis ao desenvolvimento coerente e equilibrado do País.
Através do articulado da alínea b), o Governo solicita à Assembleia da República autorização para estabelecer e delimitar o conteúdo e o exercício das faculdades urbanísticas.
Pretende-se, assim, esclarecer qual é o conteúdo das faculdades urbanísticas (possibilidade de dotar um terreno dos serviços e infra-estruturas fixados em instrumentos de planeamento territorial e/ou com a possibilidade de materializar o aproveitamento urbanístico, erigindo edificações) e esclarecer quais são os actos que conferem a possibilidade de exercício dessas faculdades/direitos.
Na alínea c) pretende o Governo solicitar autorização para estabelecer a classificação do solo para efeitos urbanísticos.
É fundamental dotar o País de regras específicas no que se refere à classificação do solo para fins urbanísticos e estabelecer o regime aplicável a cada uma das categorias criadas.
As regras gerais de classificação do solo destinam-se a estabelecer, parâmetros que permitam, por um lado, que as entidades responsáveis pelo planeamento adoptem critérios uniformes e, por outro lado, a gestão correcta do solo, sempre que não existam instrumentos de planeamento.
Na alínea d) pretende-se circunscrever as operações de loteamento e as correspondentes obras de urbanização às áreas abrangidas pelos planos de urbanização ou de pormenor.

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Na alínea e), verifica-se a necessidade de definir regras de construção e de planeamento para determinadas componentes específicas do território, por se tratar de zonas para as quais há um interesse público especial que as reclama. É o caso, por exemplo, dos centros históricos, do litoral e das áreas sísmicas que são zonas que, pelas suas especificidades próprias, requerem a instituição de regras comuns para todo o território.
Quanto à alínea f), parece-nos clara a intenção que lhe está subjacente. Na verdade, com o avanço do processo de planeamento é necessário dispor de regras que permitam adequar a estruturação da propriedade fundiária aos instrumentos de planeamento, por forma a facilitar a exequibilidade dos mesmos.
Passando a referir-me à alínea g), existem no nosso ordenamento de território diversos tipos de planos, quer da competência do Governo, quer da competência dos municípios. Verifica-se, assim, a necessidade de clarificar e de homogenizar os diferentes tipos de planos existentes e de harmonizar procedimentos.
Relativamente à alínea h) podem tecer-se, em relação à participação dos cidadãos no processo de planeamento, as mesmas considerações que já foram feitas relativamente à consagração da participação dos cidadãos como princípio fundamental da política do ordenamento do território.
A redacção da alínea i) é clara ao dizer que "comete ao Governo competência para fixar, em determinadas parcelas do território nacional, normas supletivas de planeamento quanto à ocupação, uso e transformação do solo, para vigorar nas situações de omissão, inexistência ou suspensão de planos de ordenamento do território.
No que diz respeito às alíneas j),l), m), q), r) e s), os instrumentos de planeamento, designadamente os planos municipais de ordenamento do território, carecem de mecanismos que facilitem a sua exequibilidade.
Uma das formas de execução dos planos, se bem que não única, que se encontra já amplamente prevista e testada em outros países da União Europeia, é a que passa pela associação entre a Administração e os particulares.
Com a disposição constante da alínea l) pretende o Governo cometer aos municípios competências para delimitar áreas para as quais se defende uma intervenção prioritária, através da adopção de um sistema de execução, quer o mesmo revista o carácter de associação ou outro, tal como foi definido no parágrafo anterior.
É evidente que, dentro das áreas abrangidas pelos planos de ordenamento do território, há umas mais carecidas de intervenção do que outras. Por isso, pretende-se conferir aos municípios o poder de decidir que áreas serão prioritárias e quais as formas de execução do plano que pretendem para as mesmas.
A razão de ser da alínea m) parece-nos evidente. Se os particulares se associam às câmaras municipais para executar um plano e beneficiam das vantagens daí decorrentes - as constantes das alíneas q), r) e s) -, também devem suportar o ónus inerente à mesma associação, que é o de ter de custear, com o município, as despesas decorrentes dos actos materiais em que consiste a execução do plano.
Quanto à alínea n), dela consta uma regra de elementar justiça. Se o plano determina que uma zona fique afecta a um fim de interesse público, deve permitir-se que o seu titular, dado que não pode usufruir da mesma para fins urbanísticos ou outros, possa solicitar a respectiva expropriação.
Por sua vez, as alíneas l) e u) definem o regime de prévia audição das freguesias pelos municípios, em matéria de loteamentos urbanos e de licenciamento de obras particulares, e permitem também que as câmaras municipais deleguem nas juntas de freguesia competências no âmbito de licenciamento de obras particulares de pequena dimensão.
Em minha opinião, as alíneas v) e x) são suficientemente claras. As punições e as coimas constantes destas alíneas aplicar-se-ão aos infractores que não respeitem os instrumentos legais do ordenamento do território.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados: O Governo, com a aprovação da proposta de lei n.º 128/VI, fica autorizado a elaborar e aprovar um diploma que consagre as "bases do ordenamento do território", dando assim cumprimento a mais um dos objectivos e compromissos assumidos no seu programa, viabilizado por esta Assembleia da República.
É justo reconhecer - e faço-o com todo o gosto - o trabalho altamente positivo efectuado pelos Governos presididos pelo Professor Cavaco Silva, em matéria de urbanismo e ordenamento do território.
A prová-lo está o facto de as conclusões dos Estados Gerais do PS, em matéria de urbanismo e ordenamento do território, serem um vazio total, sinal claro de que não têm, nem se justifica, uma política alternativa à defendida e praticada pelos Governos do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estas opiniões são reconhecidas e partilhadas por alguém insuspeito, o que já hoje aqui foi dito pelo meu colega João Matos, como o Arquitecto Nuno Teotónio Pereira, em artigo recentemente publicado no jornal Público.
O ordenamento do território é, nos dias que correm, um verdadeiro imperativo nacional. O Grupo Parlamentar do PSD considera fundamental que a Assembleia da República autorize o Governo a, no prazo máximo de 90 dias, elaborar e aprovar um diploma que contemple a matéria em discussão.
Com esse objectivo, o PSD irá votar favoravelmente este pedido de autorização legislativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n º 128/VI, que será votada na altura oportuna.
Informo a Câmara de que comunicarei ao Sr. Presidente da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente que proceda em conformidade com a sugestão feita pelo Sr. Deputado José Manuel Maia.
Vamos agora proceder à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 133/VI - Autoriza o Governo a estabelecer o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto

O Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto (Castro Almeida): - Sr Presidente, Srs Deputados: Foi no final de 1989 que esta Assembleia da República discutiu e aprovou, pela última vez, uma lei relativa ao desporto.
Tratou-se, justamente, da lei de bases do sistema desportivo, a qual, depois de intensa discussão, foi aprovada sem qualquer voto contra nesta Câmara.

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Essa lei de bases representa, por isso, um património muito valioso do nosso sistema desportivo, que importa preservar, em face do consenso que suscitou e que interessa aprofundar, devido às virtualidades que encerra, como trave-mestra do nosso direito desportivo.
Como sucede com todas as leis de bases, a sua eficácia está dependente da regulamentação posterior e, acima de tudo, da sua concreta aplicação.
Incumbindo ao Estado um papel importante na concretização do princípio constitucional do direito do cidadão ao desporto, exige-se-lhe em particular a definição normativa do enquadramento da prática desportiva e do seu desenvolvimento, assegurando soluções coerentes e harmoniosas, que formem um verdadeiro sistema desportivo.
Uma das linhas de força da lei de bases do sistema desportivo traduz-se na clara separação da actividade e das competições profissionais de entre o conjunto das actividades desportivas.
Diferenciar o desporto não profissional da prática, desportiva profissional assegura maior clareza nas relações que se estabelecem entre os agentes desportivos e entre estes e o Estado, permitindo maior rigor na sua acção, em particular na canalização de apoio técnico e financeiro.
Foi no seguimento dessa orientação que se aprovou o regime jurídico das federações desportivas. Nele foi consagrada a criação de um organismo autónomo nas federações que desenvolvam competições profissionais, encarregado de dirigir especificamente as actividades desportivas de carácter profissional, sendo dotado, para o efeito, de autonomia administrativa, técnica e financeira. O organismo autónomo é integrado, obrigatória e exclusivamente, pelos clubes ou sociedades desportivas que participam nas competições profissionais, cabendo-lhe exercer, quanto às competições de carácter profissional, as competências da federação em matéria de organização, direcção e disciplina.
Determinados que foram os termos da autonomia das competições profissionais ao nível federativo, foi dado o passo subsequente ao nível dos clubes desportivos, com a aprovação do decreto-lei que estabeleceu o regime jurídico das sociedades desportivas. Com este diploma; foi aberta a possibilidade de os clubes desportivos, através das respectivas assembleias gerais, aprovarem a criação de sociedades anónimas, especificamente vocacionadas para a participação em competições profissionais. O regime legal ficou criado, permitindo aos clubes optarem livremente pela criação das sociedades desportivas ou pela manutenção de figurino actual.
Para que fique completa a regulamentação da lei de bases, no que respeita ao quadro legal específico de actividade desportiva profissional, resta agora aprovar o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo profissional, que, por envolver normas relativas a direitos, liberdades e garantias, o Governo submete à prévia autorização desta Assembleia.
Para além de corresponder a um imperativo da própria lei de bases do sistema desportivo, o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo é também uma resposta às necessidades sucessivamente manifestadas quer pelos clubes desportivos quer pelos próprios praticantes. É de elementar justiça salientar o grande esforço de concertação que, sobre esta matéria, desenvolveram a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.
Importa agora salientar os aspectos da proposta de lei em análise que, no entender do Governo, revestem maior significado.
Em primeiro lugar, quero realçar a regra que consagra o carácter subsidiário do regime geral do contrato de trabalho, assegurando os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores estabelecidos no regime geral das relações de trabalho. As especialidades do contrato de trabalho desportivo situam-se ao nível do próprio conteúdo do contrato de trabalho e da promessa de contrato, dos deveres especiais da entidade empregadora desportiva e dos praticantes desportivos, da retribuição, do período normal de trabalho, da regulação do direito à imagem dos praticantes e das equipas que integram, do regime de cedência do praticante a outro clube ou sociedade desportiva, do período experimental do contrato e do regime disciplinar.
Uma última palavra para a reafirmação do princípio da liberdade de trabalho, que deverá conciliar-se, mas sempre em prevalência, com a possibilidade de os clubes serem compensados pela formação, promoção ou valorização dos praticantes desportivos, quando estes estabeleçam contrato com outro clube ou sociedade desportiva. E do conhecimento de todos que esta matéria apresenta especial melindre no âmbito da actividade desportiva praticada em moldes profissionais A solução defendida vai no sentido de outorgar a cada federação a possibilidade de regulamentar as chamadas "transferências de jogadores", sem prejuízo do que possa ser estabelecido em instrumento de regulamentação colectiva. Em qualquer caso, o efectivo pagamento de indemnização ao clube de origem não poderá inviabilizar, na prática, a liberdade de contratar do praticante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados É evidente a actualidade desta proposta de lei, em face das alterações que se estão a verificar no nosso panorama desportivo. Na linha dos objectivos preconizados na lei de bases e no regime jurídico das federações desportivas, a modalidade de basquetebol consagrou já a autonomia das suas competições profissionais, estando em curso idêntica adaptação no futebol. Importa, por isso. levar até ao fim o enquadramento legislativo respeitante a esta nova realidade que começa a concretizar-se entre nós.
A proposta de lei que o Governo apresenta a esta Assembleia assegura aos praticantes desportivos profissionais a protecção jurídica necessária à defesa da sua dignidade e condições de trabalho. Mas protege também as legítimas expectativas dos clubes desportivos, que são o primeiro suporte das competições desportivas e levam a cabo o desenvolvimento desportivo do País.
O estabelecimento de relações profissionais entre clubes e praticantes desportivos, alicerçadas em bases jurídicas sólidas e bem definidas, é um passo importante no sentido da dignificação e credibilização social de clubes e praticantes, que são, afinal, os agentes fundamentais do sistema desportivo.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr Presidente, Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto, se eu quisesse ironizar consigo ou com o Governo que representa, dar-lhe-ia, porventura, os parabéns por trazer à Câmara esta autorização legislativa, porque isso significaria relembrar - se preciso fosse, mas V. Ex.ª fê-lo no início da sua intervenção- que, desde o final de 1989, a esse

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Governo, que agora também é seu, porque dele faz parte, mas que sempre apoiou, incumbia trazer à Assembleia este texto. Portanto, ironizaria, certamente, se lhe desse os parabéns, porque estaria a significar com isso que lhe relembrava que mal anda o Governo quando só meia dúzia de anos depois é capaz de trazer aqui este texto.
De qualquer forma, depois de todos estes anos, é justo e razoável que se diga que ao Governo incumbia ter discutido com todos os que são os mais directos intervenientes neste processo e, portanto, ter trazido aqui um texto final que tivesse já ultrapassado aquilo que V. Ex.ª definiu como questões de especial melindre. Refiro-me, em concreto, a uma questão essencial neste diploma e que, se calhar, foi a que, ao longo de todo este tempo, provocou este atraso: é o que vem previsto na alínea f) do artigo 2.º do pedido de autorização legislativa, sobre a consagração da liberdade de trabalho. Ou, dito de outra maneira, o fenómeno das compensações devidas a título de promoção ou valorização do praticante desportivo.
É evidente, Sr. Secretário de Estado, que todos temos boa consciência de que esse princípio que vem definido nessa alínea, e que amanhã será vertido para decreto-lei, encerra dificuldades que não são pequenas de ultrapassar. Em primeiro lugar, ou fundamentalmente, porque elas podem encerrar uma violação clara, objectiva e, às vezes, grosseira dos princípios gerais da legislação de trabalho, no que respeita à liberdade e ao direito ao trabalho dos cidadãos. Quando estamos aqui a legislar sobre o regime jurídico do praticante desportivo, importa que V. Ex.ª, em nome do Governo, depois da aprovação desta autorização legislativa, o que, com certeza, acontecerá com a maioria do PSD, e que vai ter de verter em texto definitivo de decreto-lei, nos diga com clareza se esse especial melindre de que falou se resolve, ou como se resolve, com a formulação que aqui deixou nesta autorização legislativa. Isto é, o que quer V. Ex.ª dizer quando diz que estas compensações ou valorizações serão atribuídas de acordo com o regulamento da respectiva federação, sem prejuízo do instrumento de regulamentação colectiva?
Gostaria de saber como o Sr. Secretário de Estado resolve duas questões concretas. A primeira: quando não houver instrumentos de regulamentação colectiva, como se faz? As federações não podem regulamentar? Ou regulamentam por elas próprias, sem cuidar da participação dos vários parceiros numa matéria deste tipo?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Em segundo lugar, quando se discutem federações, estatutos, utilidades públicas e outras, como pode ser outorgada a uma federação força para dispor sobre estes regulamentos? Ou seja, é evidente que estamos e estaremos de acordo em atribuir a obrigação formal de esta lei conter regras ética e socialmente respeitáveis e dignas. Mas, se não houver o cuidado de fazer incidir sobre a regulamentação colectiva as condições desta compensação, dada a título de promoção ou valorização, é evidente que poder-se-á estar a cair em espaços de mero corporativismo, em que apenas uma das partes interessadas neste processo entre dirigentes e jogadores pode decidir, porque - sabemo-lo bem - "dirigentes de clubes" é o mesmo que "dirigentes federativos" e poderá haver aí um conflito de interesses grave. O bom seria que o texto final da lei não permitisse que esse conflito de interesses fosse decidido apenas por uma das partes.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Secretário de Estado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP)- - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, estamos em dia de autorizações legislativas. Não sei o que se passa com o Governo, porque não consegue trazer-nos propostas de lei, refugiando-se nos pedidos de autorização. Neste caso, as razões por que o Governo não nos traz uma proposta de lei devem ser um pouco diferentes das do caso anterior: talvez pelas razões de especial melindre a que aludia o Sr. Deputado Laurentino Dias.
Na verdade, também ao contrário do que se passou quanto ao pedido de autorização legislativa anterior, o Partido Socialista, embora continue a prever que não venha a ser este Governo ou partido a aplicar estas leis, não lamenta que o Governo as faça neste momento, justamente por causa das questões de especial melindre.
Não prevejo que um eventual governo do Partido Socialista venha a mexer na solução que o Governo actual encontrou para estas questões.
Nomeadamente, a questão da alínea f) do artigo 2.º é um bom exemplo, que ilustra o que terá estado por detrás das fórmulas encontradas e hoje apresentadas, isto é, uma negociação entre as partes envolvidas, a qual, se não obteve o consenso, pelo menos, se aproxima de um compromisso que se tem de respeitar. Da nossa parte, temos uma posição genericamente favorável em relação ao resultado desse esforço de compromisso e assumimos isso aqui, claramente, perante todos. Respeitamo-lo ao ponto de nos empenharmos em dar o nosso apoio às fórmulas encontradas. Em todo o caso, gostaríamos de ver isto vertido em articulado, apesar de admitir que isso viesse a diminuir a capacidade negociai do Governo, porque acredito que o consenso e o compromisso ainda não estejam totalmente estabelecidos e que o que é trazido à Assembleia é apenas uma fase desse compromisso.
Em nossa opinião, é aqui que estará a razão pela qual o Governo avança com um pedido de autorização legislativa e não uma proposta de lei. Desse modo, cumpre o que está estabelecido, a Assembleia é que tem competência para votar esta matéria, mas o Governo ainda fica com alguma latitude para proceder aos ajustes finais a respeito dos compromissos a estabelecer.
Como disse, apesar disso e tendo em apreciação o trabalho já desenvolvido, nesta matéria, vamos abrir um precedente e quase que vamos passar um "cheque em branco" ao Sr. Secretário de Estado. E uma confiança que lhe creditamos, em resultado do esforço já desenvolvido e dos compromissos que, tanto quanto sabemos, já se terão conseguido estabelecer, em ordem a um consenso desejável nesta matéria.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto

O Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto: - Sr. Presidente, naturalmente, começo por

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aceitar os parabéns, que são bem-vindos, enviados pilo Sr. Deputado Laurentino Dias ao Governo, em virtude da iniciativa desta proposta de lei.
Quanto ao atraso que diz existir na apresentação da proposta, tendo sempre a tomar esse reparo também como uma forma, desta vez indirecta, de elogiar o Governo. Isto porque tenho para mim há muito tempo assente que, quando um partido da oposição não tem forma de censurar uma medida ou um projecto legislativo, diz sempre uma de duas: ou que vem tarde, ou que é eleitoralista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desta vez, como não há qualquer manifestação aqui à porta de S. Bento, não irá dizer que a medida é eleitoralista; diz, então, que vem atrasada. Tomo a referência como um elogio, desta vez disfarçado, à iniciativa do Governo.
Mas ainda no que respeita à iniciativa, gostava de lembrar ao Sr. Deputado Laurentino Dias que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não esteve impedido, ao longo de toda esta legislatura, de apresentar um projecto de lei semelhante.

Protestos do Deputado do PS Laurentino Dias.

Julgo que não o fez - até hoje, não o fez seguramente -, mas vai ter oportunidade de poder votar esta proposta de lei do Governo.
O que importa é que ela se faça, e na altura própria, porque, com o devido respeito, Sr. Deputado, creio não haver qualquer atraso na apresentação desta proposta de lei. E vou dizer-lhe porquê.
Do nosso ponto de vista, há que respeitar a ordem natural da construção do edifício legal no que respeita à regulamentação das competições profissionais. Por isso, depois da Lei de Bases, o Governo aprovou o regime jurídico das federações, onde previu a existência do um organismo autónomo para gerir as competições profissionais. Depois de concluída essa fase, o Governo aprovou regulamentação que permitiu a definição concreta de quais eram as competições profissionais no futebol e no basquetebol. Depois dessa medida tomada, o Governo, aprovou um decreto-lei estabelecendo alterações na orgânica dos clubes para permitir que, ao nível dos clubes, se possa autonomizar a competição profissional. Era agora - e só agora - chegada a vez de regulamentar a actividade do praticante desportivo profissional, nos moldes precisamente definidos em legislação anterior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seria "andar com o carro à frente dos bois" ter vindo propor esta alteração legal antes de processar as anteriores.
Sr. Deputado, referi expressamente na minha intervenção inicial o especial melindre que tem a matéria vulgarmente chamada de "transferências dos praticantes desportivos profissionais". E fi-lo não para evidenciar qualquer debilidade ou fraqueza do Governo nesta matéria, mas para pôr em evidência que, apesar do especial melindre, não evitámos as decisões que são difíceis. Exactamente porque a questão é melindrosa é que necessitou de uma grande ponderação e de um grande consenso entre as partes envolvidas. Mas, identificado o ponto de conflito, tinha o Governo de tomar a responsabilidade de decidir
por um dos lados, de tomar uma opção que vem consubstanciada nesta proposta de lei Apesar do período eleitoral que se avizinha e do especial melindre da questão, o Governo está a cumprir a sua missão dentro do período da legislatura conforme se tinha obrigado, não olhando à popularidade das medidas que toma.
Relativamente à própria solução contida na alínea f) do artigo 2.º da proposta de lei, no que respeita à matéria da transferência, a nossa posição, Sr Deputado, para que fique clara, é esta: o Governo gostaria de ver consagrada uma solução em que os termos da compensação a que um clube tivesse direito quando um praticante se transfere para um outro clube fossem definidos por acordo entre os praticantes desportivos e a Liga de Clubes ou organismos autónomos e os clubes desportivos. O Governo gostaria muito de legislar nesses termos, mas isso só seria possível se estivéssemos a partir do zero, do nada. Neste momento, como o Sr. Deputado bem sabe, há regulamentos internos na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga Portuguesa de Futebol Profissional que estabelecem regras sobre as transferências.
Se na lei disséssemos que, a partir de agora, o valor das transferências seria feito por acordo entre as partes, bastaria que uma das partes não chegasse a acordo para ficar sem efeito a regulamentação federativa nesta matéria. Isto quereria dizer, Sr. Deputado, que aquilo que os clubes julgavam possuir no seu património mobiliário, o chamado "passe" dos jogadores, que em alguns atinge milhões de contos e estão, efectivamente, na sua disponibilidade, sendo frequentemente garantia de créditos de terceiros, lhes era, de um momento para o outro, expropriado, atingindo valores importantíssimos, de centenas de milhares de contos e, em alguns casos, mesmo de milhões de contos.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, faça o favor de terminar.

O Orador: - Termino, de imediato, Sr. Presidente.

Isto para concluir que não era possível estabelecer nesta norma que as regras sobre transferências fossem estabelecidas por acordo, porque isso significava directamente, no dia em que esta lei entrasse em vigor, que os clubes se veriam despojados de centenas de milhar ou mesmo milhões de contos.
Em todo o caso, Sr. Deputado Laurentino Dias, depois da sua intervenção - é bem certo que se tratou de um pedido de esclarecimento e julgo ter respondido cabalmente à sua questão -, fiquei sem conseguir captar qualquer orientação ou sugestão do PS sobre a forma de dirimir esta questão.

Protestos do Deputado do PS Laurentino Dias.

Espero bem, Sr. Deputado, que ainda nesta sessão tenhamos a oportunidade de conhecer a posição precisa do PS sobre esta matéria.
Sr. Deputado Manuel Queiró, em nome do Governo, agradeço-lhe a confiança que me creditou. Quero assegurar-lhe que, aprovada que seja a proposta de lei de autorização legislativa, o Governo irá ainda fazer um último esforço de concertação, de aproximação das partes, no sentido de chegarmos a uma solução mais equilibrada. Não podemos, evidentemente, garantir esse acordo porque não mexemos com a vontade das pessoas, mas, da nossa parte, fica a garantia da tentativa de aproximação

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entre profissionais e clubes desportivos para chegar a um resultado que seja o mais equilibrado possível.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, tendo havido consenso nesse sentido, vamos de imediato passar à apreciação e votação do projecto de deliberação n.º 107/VI- Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República (Presidente da Assembleia da República, PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes), cujo teor é o seguinte: A Assembleia da República, tomando em consideração os trabalhos pendentes nas comissões e ainda o propósito de apreciação de diplomas e outras iniciativas agendadas para discussão em Plenário, delibera, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 177.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 1 do artigo 48.º do Regimento, prosseguir os seus trabalhos até ao dia 23 de Junho de 1995.
Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.
Em continuação do debate que interrompemos, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto, Srs. Deputados: Há pouco, ouvi uma pergunta de um meu colega de bancada acerca da questão do atraso relativamente à legislação em causa E preciso notar- e lembrava isto ao Governo - que era mesmo uma imposição da Lei de Bases o Governo legislar sobre um conjunto de matérias no prazo de dois anos, ou seja, em Janeiro de 1992, o Governo devia ter apresentado um pacote de iniciativas legislativas sobre essa matéria, pois a lei era clara nesse ponto, estando lá referido o que o Governo deveria fazer. Portanto, tudo o que se diga para além disto, em relação ao atraso na apresentação de legislação, não passa de uma ilusão de óptica.
Aliás, têm sido essas as características dos governos presididos pelo Sr. Prof. Cavaco Silva: o atraso constante relativamente ao ordenamento jurídico desta área de actividade e as sucessivas alterações de percurso sobre componentes importantes do sistema, desportivo.
Sobre o primeiro aspecto, já se falou. Quanto às alterações, ou seja, o segundo ponto, basta referir as recentes medidas de alteração ao regime de apoio à alta competição, com a retirada de direitos ao praticante no percurso de alta competição e até retirada de direitos aos ex-praticantes, bem como a reinserção do desporto escolar, de novo, na área do sistema desportivo, depois de, nos últimos anos, se ter constituído essencialmente no sistema educativo. Portanto, andamos sistematicamente aos ziguezagues, consoante o responsável do sector - e já foram muitos.
Decididamente, não se tem feito muito em relação a esta área e são inumeráveis os casos ilustrativos daquilo que tem caracterizado a actuação governamental no sector.
No entanto, o Governo quer, hoje, já em final de Legislatura, uma autorização legislativa sobre o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo. Ora, esta questão coloca, à partida, algumas considerações essenciais.
A relação laborai entre os praticantes desportivos e as respectivas entidades patronais, não constituindo um tipo de contrato subordinado a legislação especial, tem vindo a ser regulado pela lei geral de trabalho, cabendo aos tribunais de trabalho a apreciação dos litígios entre as partes.
Em complemento da lei geral, foi publicada, em 1975, uma portaria de regulamentação de trabalho para os jogadores de futebol, tendo, mais recentemente, sido celebrada uma convenção colectiva de trabalho entre o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional
Inserindo-se numa perspectiva diferente, a Lei n.º 1/90, citada pelo Sr. Secretário de Estado, no seu artigo 14.º, n.º 4, veio apontar para a publicação de um diploma próprio, estabelecendo um regime jurídico contratual específico dos praticantes desportivos profissionais. Simultaneamente, no n.º 3 da mesma disposição legal, o legislador apontou para a definição do estatuto do praticante desportivo, de acordo com o fim dominante da sua actividade.
Por outro lado, a mesma Lei de Bases, no seu artigo 4.º, estabeleceu princípios gerais, a serem desenvolvidos, em matéria de formação de agentes desportivos, categoria em que se incluem evidentemente os praticantes.
Sucede, no entanto, que o próprio Decreto-Lei n.º 351/91, que veio estabelecer o regime de formação dos agentes desportivos, exceptuou expressamente do seu objecto a formação dos praticantes desportivos.
Em resultado de tudo isto, continua por definir quer o estatuto do praticante profissional e não profissional quer, o que não é menos importante, o seu regime de formação.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo, ao propor-se disciplinar o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo sem a definição prévia e o devido desenvolvimento em articulado legal de questões tão importantes como o estatuto do praticante profissional e não profissional e o respectivo regime de formação, dificilmente poderá regular, adequadamente, a especificidade desta relação laborai.
Deste modo e na sequência do referido, o facto de não se encontrar regulada a formação dos praticantes constitui um impedimento de vulto à consagração de soluções adequadas para a matéria em apreço.
Por outro lado, nas regras apresentadas no pedido de autorização legislativa não se esclarece a noção de praticante desportivo profissional.
A mera percepção de uma retribuição não pode constituir fundamento para a qualificação de um praticante desportivo como profissional. A eventual adopção desta noção acabaria por resultar na aplicação do diploma que, em rigor, se destinaria apenas a profissionais, a todo um universo de praticantes que auferem algumas retribuições de reduzido montante ou sem carácter de regularidade e que, de modo algum, se poderiam considerar profissionais.
Ora, segundo parece, a pretensão do Governo é fundamentar e justificar a adopção de um regime especial - no pressuposto, certamente, de que a lei geral é insuficiente-, em virtude precisamente dos problemas próprios dos profissionais.
Também a inexistência de um regime de formação - e insistimos neste ponto - poderá dificultar fortemente a adopção de soluções justas e equilibradas em relação a algumas matérias, como a relacionada com a liberdade de trabalho.
Na verdade, a "justa compensação", a ser estabelecida após a cessação do contrato de trabalho, a título de promoção ou valorização do praticante, só será bem resolvida se se distinguirem os casos em que foi ministrada formação ao praticante das restantes situações.

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Esta matéria é, obviamente, de extrema importância, parecendo que a regulamentação da matéria devesse constar exclusivamente de instrumento de regulamentação colectiva, resultando, deste modo, da expressão dos representantes das partes envolvidas sem intervenções terceiras.
Também a ideia de consagração de um período experimental do contrato, como também está previsto numa das regras do pedido de autorização, tem de merecer uma definição clara, que, neste momento, não é indiciada. Tal período, sem a devida clarificação, poderá originar os maiores prejuízos, nomeadamente para o praticante desportivo.
Ainda no enumerado do pedido de autorização, não me pareceu estar referenciada a questão eventual da existência de seguros, de regimes de apoio social, a situação de fim de carreira, que é um aspecto muito importante nesta matéria, as questões relacionadas com a admissão de praticantes desportivos por nacionais de outros países, para já não mencionar mais alguns pontos que todos temos presentes, mormente' uma questão já aqui mencionada relativa às transferências.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A proposta de lei é, pois, muito genérica na sua formulação, pouco nos dizendo do que poderá vir a ser a lei propriamente dita.
Conhecendo-se a prática do Executivo nestas matérias, só com uma maior clareza do pretendido e do seu conteúdo poderíamos emitir uma opinião favorável. Não sendo assim, como se verifica, pela nossa parte não daremos o sim a este pedido de autorização legislativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também fiquei espantado quando ouvi o Sr. Secretário de Estado iniciar a sua intervenção referindo-se à necessidade de regulamentar a Lei de Bases do Sistema Desportivo. É que a Lei de Bases do Sistema Desportivo data de Janeiro de 1990! Aliás, já nem referiria o atraso enorme que existe na regulamentação desta matéria, dava-o por adquirido, não fosse o Sr. Secretário de Estado ainda vir cá invocar a necessidade de regulamentar a Lei de Bases do Sistema Desportivo, usando isso; a favor deste diploma. Creio que isto não pode ser usada a favor deste diploma; quanto muito, poderá ser utilizado contra ele! O que é que o Governo tem andado a fazer todos estes anos, quando diversas matérias - e não são poucas como isso -, cuja regulamentação é exigida pela Lei de Bases do Sistema Desportivo, ainda não estão regulamentadas, tal como acontece com esta?
O Governo invoca muitas vezes - e, por vezes, abusivamente - o consenso em torno da Lei de Bases do Sistema Desportivo, mas parece que esta matéria não será tão consensual como isso, na medida em que é preciso todo este tempo para regulamentá-la.
Por outro lado, o Governo aparece aqui com uma proposta de lei de autorização legislativa, se quiséssemos usar uma formulação mais ou menos desportiva, praticamente em fim de época, com o pano a cair sobre a época, o que naturalmente prejudica o debate sobre esta matéria, que poderia ser interessante, conhecida como é já a pressão da agenda nestes dias, por força das autorizações legislativas que o Governo quer levar para férias Assim, o debate é claramente prejudicado pela inserção que teve na agenda da ordem de trabalhos.
Creio que este diploma - e já me referirei mais em pormenor ao seu conteúdo - enferma de uma perspectiva que o Governo, nos últimos anos, tem vindo a dar à legislação que elabora em matéria de desporto, que é a "futebolização" dos diplomas legais que são emitidos sobre matéria desportiva.
Os diplomas que o Sr. Secretário de Estado reivindica como antecedentes deste são o das sociedades com fins desportivos e o do regime jurídico das federações desportivas. São diplomas que, de facto, revelam que este Governo não está preocupado com o desporto nacional, está sobretudo preocupado com os interesses que se movem à volta do futebol. Isso é que é muito negativo! Ou seja, o Governo apresenta-os como diplomas que supostamente se aplicarão a todos os desportos quando são diplomas exclusivamente talhados à medida ou para determinados interesses ligados ao futebol.
Este diploma tem, claramente, uma perspectiva patronal

O Sr. José Cesário (PSD): - Está enganado!

O Orador: - O Governo encara este fenómeno como se aqui estivessem vários interesses ligados exclusivamente às entidades patronais - neste caso, clubes - e esquece-se que esta é uma relação onde estão várias pessoas envolvidas, designadamente jogadores profissionais.
Porque, efectivamente, este diploma não é um estatuto do praticante desportivo profissional. Há imensos aspectos de grande importância que poderiam e deveriam ser regulados em termos legais, designadamente problemas relacionados com a formação do jovem desportista e toda a problemática relacionada com a detecção de talentos antes de chegarem à fase profissional.
Mais do que à autorização legislativa, vou referir-me ao texto que foi publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego que serviu à consulta pública. Aliás, é até um pouco ridículo que estejamos aqui a discutir um pedido de autorização legislativa com alíneas a), c), d), etc., quando, no Boletim do Trabalho e do Emprego já foi publicado o projecto de decreto-lei e é evidente que, do ponto de vista do nosso trabalho, é muito mais importante saber o que é que o Governo está a pensar em termos de decreto-lei do que propriamente a formulação que aqui apresenta para servir de base à autorização legislativa. Por isso, também não custava nada, creio eu, anexar o projecto de decreto-lei, porque ele existe, uma vez que foi publicado. Isto é um parêntesis, porque, de qualquer forma, tivemos acesso a ele por outra via.
Aí o Governo limita-se a dizer que o contrato de desportista profissional não pode ser celebrado por menores de 16 anos. Só que, a meu ver, isso não chega; era necessário prever aspectos relacionados, designadamente, com a compatibilização entre a actividade desportiva e a existência de uma escolaridade básica dos jovens, deveria ser dito algo relativamente à formação profissional dos jovens, mesmo enquanto desportistas, e deveria ser previsto algo relativo ao fim da carreira dos desportistas profissionais, sabendo-se, como se sabe, que existem situações chocantes do ponto de vista de desprotecção social de pessoas que, inclusivamente, uns anos antes tinham sido brilhantes desportistas.
Creio, portanto, que há uma série de aspectos que não são rigorosamente tratados, já que o Governo limita-se a regular alguns aspectos relacionados com a problemática da contratação do futebolista profissional, ou melhor, do desportista profissional - "foge-me a língua" para o fute-

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bolista, na medida em que o diploma é, todo ele, talhado como se fosse só para o futebol e acaba por nos contagiar.
Julgo que a grande questão que está aqui - e essa é a crítica fundamental que faço a este diploma - tem a ver com o facto de se dar cobertura aos chamados regulamentos de transferencias e também por isso, mais uma vez, é feito a pensar no futebol profissional.
O Governo prevê, de facto, a existência de uma compensação, prevista no artigo 12.º do projecto do decreto-lei, que diz o seguinte: "A entidade empregadora desportiva que contrate praticante desportivo profissional após o termo do anterior contrato, pode ser vinculada a pagar a esta uma justa compensação, a título de promoção ou valorização do referido praticante, de acordo com os regulamentos da respectiva federação, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva".
Ora bem, creio que há uma série de eufemismos neste texto. O primeiro é este: que sentido é que faz referir a contratação colectiva quando se refere que a matéria é objecto de um regulamento federativo? É evidente que a contratação colectiva fica, desde logo, limitada pelo facto de existir um regulamento federativo.
A nossa posição não é a de excluir, à partida, que possa haver uma compensação, a título de formação ou de valorização profissional de um desportista, aquando da sua transferência. Não é isto que se contesta mas, sim, que não seja objecto de regulamentação colectiva e que não seja acordado entre os vários interessados.
Ora, quando o Governo admite que isso seja objecto de regulamentação federativa, está a limitar, desde logo, as possibilidades desta matéria ser regulada por via de contratação colectiva.
A questão de princípio que aqui se coloca é a limitação que isto representa à possibilidade de um cidadão exercer a liberdade de trabalho que lhe é constitucionalmente consagrada.
Dizia o Sr. Secretário de Estado que, nas transferências entre os vários clubes, estão em causa milhões de contos e que isto poderia implicar, a não ser assim, um prejuízo de milhões de contos. Esse é que é o problema! É que o Sr. Secretário de Estado dá mais importância aos milhões de contos do que às pessoas que estão envolvidas neste sistema e creio que aquilo que é importante salvaguardar aqui é o princípio da liberdade contratual, porque recusamos um sistema desportivo em que as pessoas deixam de ser pessoas para serem uma mercadoria que se compra e se vende. Nós recusamos isso!
Portanto, pensamos que é fundamental que a um cidadão que exerce uma actividade profissional desportiva ao serviço de uma entidade patronal seja assegurada, findo esse contrato, liberdade de poder celebrar outro contrato com outra entidade patronal.
Estabelece-se aqui uma compensação, aliás dependente da existência de centros de formação, sem que se defina minimamente na lei quais são os requisitos mínimos para o funcionamento desses centros de formação, abrindo claramente a porta para que qualquer estrutura possa ser considerada um centro de formação, permitindo-se aí uma permissividade completa.
De facto, há aqui uma petição de princípio para nós: é que a liberdade de um cidadão escolher o seu próprio trabalho está aqui completa e radicalmente posta em causa.
Por outro lado, e para concluir, creio que há outros aspectos que seria importante consagrar. Designadamente no artigo 7.º, seria importante que, com o registo do contrato de trabalho, fosse obrigatório também fazer prova do seguro de acidentes de trabalho, uma questão que para os desportistas é fundamental, na medida em que alguns deles têm visto a sua carreira inviabilizada precocemente por lesões e acidentes e, depois, ficam numa situação de total desprotecção social, em alguns casos.
No que diz respeito ao período experimental dos desportistas, creio que não deveríamos ficar por aqui, porque o Governo limita-se a propor, na alínea h), a fixação de um período experimental de 15 dias. O problema, como, aliás, o Governo já foi alertado em documentação que foi emitida pelo próprio Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, cujo contributo neste processo legislativo é importante salientar, pela reflexão com que tem contribuído para a discussão destas matérias, é que, se um praticante desportivo profissional está no período experimental, participa numa competição oficial e sofre uma lesão, a entidade patronal rescindirá de imediato o contrato, na medida em que ele está lesionado e, portanto, já não irá ser útil ao clube.
Creio, por isso, que é fundamental que se consagre que, a partir do momento em que se participa numa competição oficial, cessa o período experimental. Não vejo que possa ser de outra maneira!
Mas isto já são pormenores que, creio, seria importante que o Governo consagrasse, já que terá a autorização legislativa, na medida em que, previsivelmente, a maioria lhe dará aprovação.
Fica da nossa parte o compromisso de, caso os aspectos que consideramos essenciais não sejam consagrados no decreto-lei, virmos a chamar esta matéria a ratificação na próxima Assembleia da República, após as eleições de Outubro.
Para concluir, devo dizer que este diploma, para além de tardio e deficiente, aponta para uma solução inaceitável do ponto de vista da liberdade de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, dado que o artigo que se refere precisamente à liberdade de trabalho visa, pura e simplesmente, a negação dessa liberdade fundamental para qualquer cidadão e também, evidentemente, para um praticante desportivo profissional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados. Voltamos hoje a discutir nesta Câmara questões de política desportiva.
Antes do mais, cumpre que se diga que o fazemos na sequência da iniciativa legislativa do Governo, que, por sua vez, resulta do desenvolvimento da magna carta do desporto português, a Lei n.º 1/90, Lei de Bases do Sistema Desportivo, que envolveu a Assembleia da República numa profunda reflexão acerca da problemática do desporto português no que concerne à necessidade, então por demais evidente, do seu enquadramento legal.
Com a aprovação de tal lei, em 1990, quebrámos o ciclo da governação casuística e de circunstância, tão ao jeito dos ex-governos socialistas, e iniciámos, também neste sector, uma política sistemática, com um tronco base, a partir do qual tudo se passou a desenrolar.
A partir daí, o Governo iniciou o processo de aprovação de toda uma série de diplomas regulamentadores, que vieram, indiscutivelmente, trazer novas perspectivas ao desporto português. Podemos, com à-vontade, referir que, também aqui, se iniciou um período de reforma no senti-

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do da eficácia organizativa e, sobretudo, da transparência de um sistema que, assentando fundamentalmente na valor do associativismo, tem uma envolvente pública e educativa de enorme significado.
Foi assim na sequência de tal esforço regulamentador que vimos surgir novos enquadramentos legais para as federações desportivas, para o próprio estatuto de utilidade pública no domínio desportivo, para o desporto escolar e, mais recentemente, que se desenvolveram os trabalhos em torno de questões como as sociedades com fins desportivos, as competições profissionais, a violência no desporto e o estatuto dos dirigentes e dos atletas de alta competição, para só referir os mais significativos.
Tudo isto visa - cumpre repeti-lo - dar coerência ao sistema desportivo português, reforçando a sua componente educativa e tornando-o num amplo espaço de realização do cidadão, privilegiando-se a sua iniciativa, o seu espírito associativo e agregador, fazendo-se definitivamente do Estado uma entidade meramente acompanhadora e incentivadora, a quem cumpre apenas velar pelo cumprimento da lei e apoiar as iniciativas socialmente mais válidas.
Também nesta vertente o Governo soube desenvolver outros aspectos da política desportiva, como é particular exemplo o da construção de infra-estruturas. Neste domínio, apostou-se decisivamente na eliminação das carências dos pavilhões desportivos a nível das escolas do ensino básico e secundário, lançando-se um programa de enorme significado e impacto, que tem, neste momento, em desenvolvimento 111 novas obras, num investimento, só este ano, de cerca de 10 milhões de contos.
É o maior investimento do género desde sempre realizado em Portugal, que tem como objectivo criar condições para uma efectiva igualdade de oportunidades no acesso à educação e ao desporto, mantendo a ideia, já incrementada no programa RIID, de simbiose entre a escola e a comunidade educativa, para quem estas infra-estruturas devem ter as portas abertas.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, são obras e não meras palavras ou intenções. É isto que nos distingue dos nossos adversários! À sua demagogia, à sua megalomania e ao seu espírito esbanjador, contrapomos trabalho, realismo e obra necessária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi neste estilo e neste ritmo que mudámos radicalmente Portugal e é com a mesma vontade e com um espírito de ainda maior exigência, de maior crítica, de serviço à comunidade e de absoluta transparência que prosseguiremos nos próximos anos com o apoio dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PS.

O Orador: - Não estava à espera que os Srs. Deputados gostassem, evidentemente!

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para além de todas estas considerações sobre as linhas mestras da política de desporto, estamos aqui hoje para analisar um pedido de autorização legislativa do Governo, para legislar sobre o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.

O Sr. António Filipe (PCP): - Vai começar a intervenção!

O Orador: - Assim, a proposta agora colocada à nossa consideração, baseia-se no texto de um projecto de decreto-lei, colocado em discussão pública durante o período de um mês, no passado dia 9 de Fevereiro, assentando nas seguintes questões fundamentais:
O regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo considera-se específico no contexto mais vasto do regime geral de contrato de trabalho, que se assume subsidiário daquele;
A sua formulação é necessariamente genérica, remetendo as diversas especificidades para a legislação geral do direito do trabalho, para a via contratual e para a autoregulamentação do próprio associativismo desportivo;
O contrato de trabalho desportivo tem obrigatoriamente uma forma escrita, devendo conter todos os elementos que salvaguardam devidamente os interesses e as obrigações das partes contratantes;
Estabelece-se uma idade mínima para a celebração de contrato desportivo;
Regulam-se as condições de celebração de contratos promessa, com a obrigatoriedade de pormenorização do período de validade do contrato prometido;
Assume-se o direito à compensação à entidade empregadora desportiva no termo do contrato do praticante, considerando a formação e a valorização entretanto adquiridos;
Procura-se salvaguardar a liberdade de contratar do praticante bem como o princípio da exclusividade da profissão desportiva;
Ressalva-se o direito à imagem do praticante desportivo,
Estabelecem-se as linhas mestras do regime disciplinar do praticante desportivo, no respeito pela legislação geral da cessação do contrato individual de trabalho.
Porém, e para além de todas as intenções expressas no texto agora colocado à nossa consideração, julgo ser necessário particularizar alguns aspectos que, no futuro, deverão ser considerados como forma de salvaguarda absoluta dos direitos dos praticantes e defesa da própria actividade desportiva, com a função educativa de que hoje se reveste.
Assim e em primeiro lugar, e indispensável enquadrar, de forma definitiva, todas as formas possíveis de acautelar a reinserção profissional do praticante desportivo em termo de carreira, evitando-se, num esforço conjugado entre o Estado e o associativismo, situações dramáticas que ferem a opinião pública mais sensível
Por outro lado, deve-se ter em consideração a necessidade de implementar a obrigatoriedade de celebração de seguros de acidentes de trabalho, como forma de salvaguardar todos os direitos do praticante, criando condições psicológicas de estabilidade profissional, com óbvios resultados no rendimento desportivo.
Para além disto, a criação de um período experimental, durante o qual a entidade empregadora pode denunciar unilateralmente o contrato, deverá ter, sempre e em qualquer circunstância, como limite, o momento da entrada do praticante em competição.
Finalmente, a questão porventura mais polémica deste quadro legal, com uma envolvência muito vasta no plano dos direitos e das liberdades individuais, é a que se refere à compensação no termo do contrato.
A solução encontrada visa estabelecer um compromisso entre o actual regime dos regulamentos federativos e a eventual evolução para soluções no quadro da negociação colectiva, o que implicará sempre uma profunda negociação e consequente acordo entre as partes envolvidas. Daí que nos pareça razoável a actual formulação,

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prevendo a compensação, na nossa opinião, sobretudo na óptica da formação e promoção, não podendo, porém, deixar de me manifestar no sentido de desejar ver, a prazo, acordado, entre empregador e praticantes, um regime mais aberto no quadro da negociação contratual dos desportistas profissionais e dos interesses legítimos das entidades associativas e clubísticas que estejam na disposição de, efectivamente, investirem na vertente formativa.
Em síntese, pensamos que, com este diploma, o Governo dará mais um passo significativo no sentido da definição da estrutura do sistema desportivo nacional, numa linha de seriedade e transparência, com que nos congratulamos especialmente.
Seria, porém, injusto terminar esta intervenção sem uma palavra particular para um antigo Deputado desta Casa, a quem se deve, no essencial, este grande esforço de organização legislativa e de desenvolvimento de uma política concreta em prol do desporto português, o Dr. Castro Almeida, que merece, pelo que fez e pelo que vai continuar a fazer, esta nota de especial realce.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Duas (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Cesário, vou ser muito breve.

Sr. Deputado José Cesário, se tivesse, porventura, intervindo neste debate o Sr. Deputado Adriano Pinto ter-lhe-ia perguntado, com facilidade: esta lei pretende dar um jeito a quem? E ele ter-me-ia respondido, provavelmente, também com facilidade. Mas ele não interveio...
Penso que do Sr. Secretário de Estado já obtive a resposta que não queria, mas que pedi para ouvir, a de que entre os interesses em confronto nesta lei ou naquilo que antecedeu a feitura deste pedido de autorização legislativa, o Governo fez uma opção, optando por um dos lados, como o Sr. Secretário de Estado disse. Porém, eu gostaria de ouvir a sua resposta e gostaria de a ouvir a um nível que o senhor já quase deixou claro nas últimas palavras da sua intervenção.
Sr. Deputado, não vai haver regulamentação colectiva, como o senhor sabe, entre os profissionais de qualquer modalidade, nomeadamente do futebol, e os dirigentes de clubes ou federativos nesta matéria, ou seja, em matéria de compensações ou de indemnizações por virtude de transferências.
Nesta matéria, nunca irá haver qualquer regulamentação colectiva porque os interesses são, de facto, aqueles que o Sr. Secretário de Estado falou: milhões e milhões de contos, activos e não activos, em carteira, ou quaisquer outros. São de facto interesses muito grandes, logo, como nunca haverá qualquer regulamentação colectiva, o decreto-lei que irá de nascer deste pedido de autorização legislativa irá obviamente estabelecer ad eternum. E vai estabelecer o quê? Vai incumbir as federações - e as federações não são outra coisa a não ser dirigentes de clubes -, ou seja, uma das partes, um dos lados, da decisão sobre quando, como e a troco de que quantias ou compensações é que um cidadão, que acaba, por exemplo, um contrato profissional de trabalho no dia 30 de Junho, pode, no dia seguinte, ir para qualquer outro sítio continuar a exercer a mesma profissão.
É evidente que sei, como todos nós aqui sabemos, suponho, que há regulamentações específicas, em diversos países, ligadas a estas matérias, as quais têm a sensibilidade ou o melindre de que tanto o Sr. Secretário de Estado como V. Ex.ª há pouco falavam. Mas também se sabe que deixar isto escrito deste modo, em forma de lei, porventura, provocará distorções gravíssimas a valores essenciais e a princípios básicos, o que nesta Casa, quando se discute a feitura de uma lei, importa ter em atenção, importa acautelar.
Portanto, o meu pedido de esclarecimento é só este Sr. Deputado José Cesário: não se dá conta de que esta opção por um dos lados, de que o Sr. Secretário de Estado falou, encerra ou encerrará de futuro, a questão de ficar nas mãos de uma das partes, por muito que digam que se houver regulamentação colectiva isto poderá ser diferente? Mesmo sabendo, como sabemos - e o senhor também o sabe -, que nunca haverá regulamentação colectiva sobre esta matéria porque os interesses são grandes e muitos para ser possível conciliá-los, vai ou não o PSD e V. Ex." deixar que isso fique, pura e simplesmente, nas mãos de uma das partes? Lembro-o de que estamos a tratar do contrato individual de trabalho que tem dois contraentes: de um lado, dirigentes de clube e, do outro, profissionais?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Laurentino Dias, meu caro amigo, é o Sr. Deputado que afirma que nunca haverá negociação colectiva, com o seu conhecimento do panorama clubístico e associativo nacional.
No entanto, devo dizer-lhe que, pessoalmente, acredito que assim não será, até porque as associações e os clubes são também constituídos por pessoas e não podemos falar das federações e dos clubes como entidades abstractas, desligadas de uma realidade concreta que tem muito a ver com colectividades claramente imbuídas de um espírito popular e entranhadas no espírito do povo português.
Trata-se de pessoas e acredito, devo dizer sinceramente, que poderemos vir a ter negociação colectiva. Mas na lógica apresentada pelo Sr. Deputado, de que não haverá negociação colectiva - e a lógica é sua, Sr. Deputado -, acha que seria possível o Governo, de repente, de um dia para o outro, adoptar um modelo legislativo que, pura e simplesmente, quebrasse de forma radical o regime actualmente existente e deixasse es clubes perfeitamente desprotegidos, clubes esses que, como sabe, fizeram grandes e significativos investimentos? O Sr. Deputado acha que, na realidade, pode ser encarada uma solução radical deste género? Eu, Sr. Deputado, francamente, penso que não!
No entanto, digo-lhe, com toda a franqueza, com toda a transparência, que o meu desejo claro e inequívoco é com certeza, e não tenho dúvida alguma disso, igual ao seu. Mas, Sr. Deputado, os limites da política são os do realismo e é em nome desse realismo, fundamentalmente, que aqui estamos hoje.
Por outro lado, Sr. Deputado, o Partido Socialista tem-nos habituado, nestas matérias, sobretudo na de política desportiva - permita-me que lho diga, pois não é uma critica pessoal mas política -, a uma profunda falta de clareza.
Discutimos aqui a Lei de Bases do Sistema Desportivo, que foi aprovada durante o ano de 1989, mas o Partido Socialista não foi capaz de apresentar uma proposta concreta neste domínio; variadíssimas vezes, os últimos gover-

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nos têm regulamentado, em diversos momentos, estai Lei de Bases, no que toca a aspectos polémicos, como o regime jurídico das declarações, o estatuto de utilidade pública e tudo o que tem a ver com a competição desportiva; no entanto, o PS tem sido incapaz de formular uma única proposta concreta.
Também nesta matéria, Sr. Deputado, penso que seria bom que, de uma forma clara, o PS assumisse publica e exactamente aquilo que pretende, que é, pura e simplesmente, liquidar, de um dia para o outro, os actuais clubes no âmbito do panorama desportivo nacional. Dir-lhe-ia, Sr. Deputado, que os senhores estão, de facto, profundamente imbuídos do espírito do Engenheiro Guterres, pois limitam-se a tergiversar, a falar pela rama sobre situações menos claras, a emitir umas opiniões, mas, quando se trata de se ir ao concreto, de arranjar soluções realistas para os problemas verdadeiros, os Srs. Deputados são, efectivamente, incapazes de as apresentar. Zero absoluto é aquilo que os Srs. Deputados do PS hoje apresentam em termos de formulações alternativas concretas para a resolução dos verdadeiros problemas portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação e Desporto.

O Sr. Secretário de Estado da Educação e Desporto: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tencionava voltar a intervir mas houve, de facto, aqui algumas afirmações que, quase por uma questão de honra, me obrigam a voltar a usar da palavra.
Há pouco, o Sr. Deputado António Filipe dizia que o Governo não estava preocupado com o desporto nacional, mas apenas com o futebol. Sr. Deputado, pode haver algum exagero na retórica parlamentar, pode haver algum exagero em período eleitoral, mas não se pode passar o branco a preto e o preto a branco.
Sr. Deputado, em 1994, o Governo atribuiu às federações desportivas 4 milhões de contos de apoio financeiro. Sabe quanto foi para o futebol? Zero! Em 1995, o Governo atribuiu às federações desportivas 5 milhões de contos de apoio financeiro. Para o futebol foi zero! Em 1995, o Governo dirige 90 % dos recursos destinados a investimentos em infra-estruturas desportivas à construção de infra-estruturas dentro das escolas, para promover o desporto escolar. Perante isto, o Sr. Deputado vem dizer que o Governo está preocupado com o futebol e não com os elementos do desporto nacional?!
Gostaria muito que o Sr. Deputado pudesse tomar a minha defesa quando os homens do futebol dizem que o Governo está pouco atento a este desporto, não lhe dando o apoio que ele merece em função da implantação que tem no panorama desportivo nacional Penso que foi uma precipitação da sua parte, foi alguma emoção do debate que o fez dizer uma coisa que está exactamente nos antípodas da realidade que acabei de descrever
Depois, Sr. Deputado, relativamente à questão do diploma que hoje está em apreciação, V. Ex.ª diz que ele está feito numa perspectiva patronal. Compreendo que o PCP tenha dito, quando olhou para esta matéria e viu que, de um lado, estão patrões e, do outro, empregados: "vamos estar, evidentemente, ao lado da classe operária, escravizada, mal tratada, que são os jogadores de futebol, porque estão a ser explorados por esse bando de malfeitores, que são os clubes desportivos, que estão a enriquecer à custa dos desgraçados dos jogadores de futebol"!
Sr. Deputado, é claro que a nossa opção leva isso em conta. Os clubes desportivos não estão a enriquecer, não estão a distribuir dividendos aos seus sócios, estão a promover o desporto não profissional nas camadas jovens, aos nível dos deficientes, ao nível de diversas actividades não lucrativas, com recursos que retiram das competições profissionais. Não podemos encarar esta relação entre os trabalhadores do desporto, os profissionais do desporto, os praticantes desportivos e os clubes como uma normal relação entre patrões e empregados, como se os clubes desportivos estivessem a explorar mão-de-obra barata, como se estivessem a enriquecer, a distribuir lucros chorudos aos seus associados a troco da exploração dos praticantes desportivos.
Porém, faço-lhe justiça de dizer que ficou claro o pensamento do PCP sobre esta matéria Ficou claro que o PCP, no conflito de interesses que opõe clubes a praticantes desportivos, se coloca do lado dos praticantes, obviamente em prejuízo dos clubes desportivos.
O mesmo não posso dizer em relação à posição aqui transmitida pelo PS, pois fiquei sem saber qual era de facto a sua posição. Perguntado se "sim" ou "não", disse "mm", e a expressão que pude recolher da intervenção do Sr. Deputado Miranda Calha foi a de que o diploma não é suficientemente preciso para poder justificar a aprovação do Partido Socialista
O Sr. Deputado António Filipe mostrou conhecer o boletim oficial, do Ministério do Emprego, de 3 de Março de 1995, que publica o projecto de decreto-lei que o Sr. Deputado Miranda Calha disse que, se conhecesse, poderia justificar um voto favorável. Mas, constando de uma publicação oficial, era suposto o Sr. Deputado estar inteirado do seu conteúdo e não me passou pela cabeça que não fosse conhecido de todos os Deputados que, no Partido Socialista, se dedicam a esta matéria. Porém, como errar é humano, V. Ex.ª está a tempo de poder apreciar o projecto de decreto-lei publicado nesse boletim e, nessa conformidade, aprovar este projecto Ou então, se não o quiser fazer, e tem obviamente esse direito, apenas gostaríamos de saber e de ser esclarecidos sobre as razões por que o Partido Socialista não vai votar a favor desta proposta de lei, já que não pude retirar qualquer oposição às normas contidas no diploma.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Não ouviu bem!

O Orador: - Se quiser, pode usar o tempo do Governo e repetir o que disse tentando explicitar qual é, das normas da proposta, aquela com que está em desacordo.
Finalmente, Sr. Deputado António Filipe, gostava de dizer-lhe que o Governo é sensível à questão da liberdade de contratar e da liberdade de trabalho Assim, proeurou acautelar, quer nesta proposta de lei, quer no projecto de decreto-lei, que é conhecido, algumas áreas que lhe parece serem compatíveis com o não esbulhamento dos clubes desportivos. Ou seja, fica claramente dito no texto que "o praticante desportivo não pode ser impedido de praticar noutro clube para que queira transferir-se por causa do valor da indemnização que tiver de ser paga ou do seu efectivo pagamento".
Eu compreenderia que, se a ausência de pagamento da indemnização entre o clube originário e o de destino impossibilitasse o praticante desportivo de praticar num outro clube, estaria efectivamente em causa a liberdade

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de trabalho, a liberdade de escolher a entidade patronal. Mas, Sr. Deputado, a alegação de que está a ser atacada a liberdade de trabalho do praticante desportivo tem apenas motivações financeiras. Poderá dizer: "se o clube desportivo que pretende contratar tiver de dar 50 000 contos ao clube originário, vai porventura pagar menos ao praticante desportivo e, nessa medida, a liberdade de contratar, a liberdade de definir o montante do salário, fica afectada". Nesse ponto reside a nossa divergência, Sr. Deputado. É porque, estando nós, nesta matéria, a tratar estritamente de dinheiro que está no movimento desportivo, nos clubes desportivos, este pode ter dois destinos: ou se destina ao praticante desportivo ou a outro clube desportivo.
Que fique claro que a liberdade de contratar fica afectada se se considerar que o praticante desportivo, o jogador de futebol, que porventura só vai ganhar 1000 ou 2000 ou 5000 contos por mês, ganharia o dobro se o clube de destino não fosse obrigado a pagar uma indemnização ao clube de origem. Agora - e esta é a nossa divergência -, se estes 1000 ou 2000 contos por mês, hão-de destinar-se ao praticante desportivo ou ficar nos clubes desportivos, a nossa opção, salvo acordo em contrário, é que devem ficar nos clubes desportivos porque - creio - o problema do desporto, em Portugal, não é o dos baixos salário dos jogadores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, permitia-me chamar a vossa atenção para o facto de podermos estar perante um acto antidesportivo ao gastarmos reservas energéticas, o que nos pode levar ao pleno esgotamento. Contudo, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Filipe e Laurentino Dias, a quem a concederei.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que aproveite o pouco tempo que me resta para um pequeno prolongamento.

Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto, desta vez e tirando algumas caricaturas iniciais que fez, designadamente quando disse que não está demasiado preocupado com o futebol porque não atribuiu dinheiros à Federação Portuguesa de Futebol - se nem sequer lhe atribuiu o estatuto de utilidade pública desportiva, como é que havia de atribuir-lhe dinheiros? -, se bem que não seja essa a questão, pôs o dedo nalgumas feridas, razão pela qual importa clarificar posições relativas a essa matéria.

O Sr. Secretário de Estado disse que os jogadores de futebol não são escravizados (pois não!) e que têm vencimentos elevados (em muitos casos, assim será), exageradamente elevados nalguns casos (estaremos todos de acordo relativamente a isso). Simplesmente, uma divergência fundamental entre nós é que o Sr. Secretário de Estado disse estar em causa o dinheiro, mas o que está em causa não é só o dinheiro. Está em causa muito dinheiro, infelizmente, está demasiado dinheiro em causa, mas creio que também estão em causa pessoas, princípios, e não aceitamos abdicar deles em nome do dinheiro. Ora, aqui está uma divergência de fundo que temos nesta matéria.
Se se parte do princípio de que os clubes que não poderem limitar a liberdade contratual dos praticantes profissionais estão a ter prejuízo, creio que também poderemos fazer a afirmação contrária: limitando a liberdade contratual dos jogadores, eles também poderão ter prejuízo.
Contudo, a questão fundamental não é a do prejuízo económico que aqui possa estar em causa, como o Sr. Secretário de Estado referiu; o que está em causa são liberdades de pessoas que a nossa Constituição consagra e é o direito de aos profissionais do desporto, em nome dos direitos que a Constituição lhes atribui e da sua cidadania, sendo cidadãos livres deste País, gozando dos mesmos direitos e deveres dos outros cidadãos, não lhes dever ser limitada desta forma a liberdade contratual, a liberdade de escolherem a entidade patronal para a qual vão exercer uma actividade laborai subordinada.
Parece-me importante que o Governo, em vez de pender para a entidade patronal, tivesse aceite o princípio de que esta matéria faz parte do âmbito da contratação colectiva, possibilitando o entendimento entre as várias partes em presença. A coberto disso, o Governo opta claramente por uma das partes, que é a patronal mas, como o Sr. Secretário de Estado disse - e bem -, as posições e as diferenças estão claras, o que é importante.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia) - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS) - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o meu pedido de esclarecimentos destina-se essencialmente a dar-lhe a possibilidade de rectificar uma afirmação que fez, que me parece profundamente descabida numa discussão desta natureza.
Estamos a discutir o regime jurídico de um contrato de trabalho, o que se afere por princípios, regras básicas de direito em termos de ética, de formulação, e o Sr. Secretário de Estado proferiu, na intervenção final que fez, muito simplesmente, uma frase destas: "O que aqui está em causa é muito dinheiro e a nossa decisão tem a ver com o entendermos se o dinheiro deve ficar nos bolsos ou nas mãos destes ou passar também para os bolsos daqueles", ou seja, se o dinheiro deve ficar nos bolsos e nos cofres dos clubes e dos dirigentes ou se deve passar para os bolsos dos jogadores.
Sr. Secretário de Estado, certamente não foi este aspecto da questão que o influenciou e ao Governo na elaboração desta autorização legislativa. Espero que tenha havido outros princípios bem mais importantes e dignos de reserva e de salvaguarda que presidiram à elaboração desta autorização legislativa, a propósito do que gostava de o ouvir.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto.

O Sr. Secretário de Estado da Educação e do Desporto: - Sr. Presidente, não percebo por que é que o Partido Socialista há-de ficar incomodado com as verdades. A matéria relativa à transferência constante da alínea f) do artigo 12.º do projecto de decreto-lei divulgado afecta a liberdade de contratar, na medida em que, quando o contratante empregador tem de indemnizar o clube originário, provavelmente, vai dedicar ao seu empregado um volume de recursos financeiros inferior porque tem de repartir os seus recursos com o clube originário. Nessa medida, a liberdade de estabelecimento do contrato de trabalho bilateral fica limitada porque há uma terceira entidade envolvida.
Por isso, a restrição à liberdade cifra-se na questão de saber para onde vai o dinheiro que o clube contratante está disponível a pagar por ter ao seu serviço um determi-

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16 DE JUNHO DE 1995 2903

nado praticante. E faço notar uma questão que ainda não foi aqui invocada.
Hoje, neste momento, independentemente da aprovação da proposta de lei em apreço, está estabelecido um regime de transferências. Por que razão, em obediência a que princípio, deve o Governo ou a Assembleia da República estabelecer, a partir de agora, que a parcela de recursos que o clube contratante destinava para a contratação de um determinado jogador deve ser aumentada para o lado do praticante desportivo e diminuída ou, porventura, eliminada para o lado do clube originário? Arranjem VV. Ex.ªs um argumento consistente que Considere que os praticantes desportivos estão mal pagos, que os clubes desportivos têm dinheiro a mais, que estão excedentários de dividendos e a distribuí-los por todos os seus sócios, que, em abono da justiça, da equidade, procuraríamos rever este critério
Ora, não é esse o caso! Por isso, sejamos claros! Isto nada tira nem põe. Afirmei já há pouco que o Governo pretenderia levar mais longe a via da negociação colectiva por motivos que terei oportunidade de explicar. Se a versão fosse outra, se disséssemos que esta matéria era objecto de regulamentação por acordo, ficavam imediatamente ilegalizados os regulamentos em vigor na federação e na liga e estaríamos a expropriar os clubes desportivos de milhares, de dezenas de milhar, de centenas de milhar ou de milhões de contos. Pergunto se alguém, nesta Câmara, tem consciência do alcance desta medida.
Como disse há pouco, na formulação do decreto-lei resultante desta autorização legislativa que há-de ser aprovada, o Governo vai fazer um esforço de concertação entre representantes dos clubes e representantes dos praticantes desportivos. Há ainda matérias que podem ser objecto de acordo e garanto que, se houvesse forma de garantir um acordo prévio que substituísse a regulamentação actual, não tenham dúvidas de que, pelo lado do Governo, preferiríamos a via do acordo à da regulamentação exclusiva por parte da federação. O problema é que, se considerarmos na lei que as indemnizações são estabelecidas por acordo, estaremos a ilegalizar o regulamento das transferências que vigora neste momento e a espoliar os clubes de montantes importantíssimos sem os quais, aliás, estou convencido de que estes não poderiam viver. Por esta razão, parece-nos ser este o ponto de equilíbrio, a solução possível no momento, em face de uma situação em que esta matéria está a ser definida por regulamento federativo sem qualquer requisito relativo, quer à formação dos profissionais, quer à garantia do efectivo direito à escolha do contratante por parte dos praticantes profissionais

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre a proposta de lei n.º 133/VI - Autoriza o Governo a estabelecer o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.
A próxima reunião plenária realiza-se sexta-feira, dia 16, às 10 horas, com recomeço às 15 horas, e terá como o ordem do dia o que consta da agenda, oportunamente distribuída.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adriano da Silva Pinto.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António Esteves Morgado
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral
Francisco João Bernardino da Silva
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Leite Machado.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS).

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt
António Alves Martinho.
António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart

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2904 I SÉRIE - NÚMERO 87

José Carlos Sena Belo Megre.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rego.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Augusto Teixeira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queimo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Jaime Gomes Milhomens
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Angelo Ferreira Correia.
Manuel Amieiro da Cunha Pinto
Manuel da Costa Andrade.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS)

Aníbal Coelho da Costa.
António de Almeida Santos.
António Poppe Lopes Cardoso.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Deputado independente:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

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