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Sexta-feira, 23 de Junho de 1935 I Série - Número 911

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JUNHO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n º 598/VI e do projecto de resolução n º 157/VI
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 245 º do Regimento da Assembleia da República, abriu o debate sobre o estado da Nação o Sr Primeiro-Ministro (Cavaco Silva)
Seguidamente, usaram da palavra, a diverso título, além do orador e do Sr Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro) os Srs. Deputados António Guterres (PS), Carlos Carvalhas (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP), André Martins (Os Verdes), Raul Castro e Mário Tomé (Indep), Álvaro Barreto (PSD), Octávio Teixeira (PCP), José Vera Jardim e António Costa (PS), Silva Marques (PSD), Jaime Gama e Carneiro dos Santos (PS), Adriano Moreira (CDS-PP), João Amaral (PCP), Manuel Alegre, Manuel dos Santos e António José Seguro (PS), Fernando Nogueira (PSD), José Lello (PS) e Manuel Queira (CDS-PP)
Encerrou o debate o Sr Primeiro-Ministro
O Sr Presidente deu por finda a sessão eram 22 horas e 35 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
António Costa de Albuquerque de Sonsa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Aforem.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomems.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Moía.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Cosia Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Mana Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar.
Miguel Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.

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Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Mana Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio..
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Mana de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de lei n.º 598/VI - Criação do parque arqueológico do Vale do Côa (PS), que baixou às 5.ª e 7.ª Comissões, e o projecto de resolução n.º 157/VI - Ratificação da Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa reunião plenária de hoje tem por objecto o debate previsto no n.º 2 do artigo 245.º do Regimento, que versa sobre o estado da Nação. Nos termos acordados em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e de acordo com a tradição deste debate, para a sua abertura e pelo tempo de 45 minutos, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD, de pé

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é o terceiro ano em que me apresento perante esta Assembleia para o debate do estado da Nação, cumprindo, com normalidade, uma prática que, com o nosso apoio, se institucionalizou na democracia portuguesa. A normalidade democrática é um bem que nunca devemos desprezar. Não há estabilidade, não há desenvolvimento nem justiça social, não há efectiva afirmação da sociedade civil sem normalidade democrática.
Por isso, aqui estou hoje a marcar a chegada ao fim de mais uma sessão legislativa Mais do que isso, assinalando o normal cumprimento de mais uma legislatura. Mas chegar aqui. não foi tarefa fácil. Se olharmos para o ano político que agora se encerra, ressalta à evidência a acção premeditada que, ao longo dos meses, os partidos da oposição desenvolveram para interromper o curso normal da legislatura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sem qualquer preocupação pelos interesses do País, os partidos da oposição e outras forças empenharam-se em movimentações e manobras, tudo fazen-

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do para promover a instabilidade política e a agitação social numa denodada tentativa de questionar a autoridade democrática e fragilizar o normal funcionamento da democracia. Todo o trabalho dos portugueses para resistir às dificuldades da crise económica internacional ou para reagir positivamente aos sinais de recuperação e toda a evolução que, por força desse trabalho, se foi conseguindo foram sistematicamente ignorados ou desvalorizados, como se de um revés se tratasse para a estratégia da oposição.
Ao mesmo tempo, toda e qualquer ocorrência negativa era invariavelmente imputada ao Governo. Na cidade como no campo, na economia ou na metereologia. Não houve acto de má gestão de uma qualquer empresa privada cuja consequência não fosse atribuída à responsabilidade do Governo. A «destruição criativa» própria das economias de mercado, a que se refere Schumpeter, é grosseiramente ignorada pela oposição Não houve problema na ordem pública que não fosse imediatamente empolado e explorado numa tentativa despudorada de caça ao voto, sem o mínimo sentido de Estado, sem a menor preocupação pelo rigor e pela verdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pouco importava a natureza ou a bondade das questões que estavam na origem do problema, nem sequer contavam a densidade dos sentimentos ou as angústias das pessoas que acabavam por ser tratadas pela oposição como meros joguetes da sua estratégia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com manobras de rua, intrigas de bastidores, compadrios palacianos, manipulações de informação, tudo fizeram para pôr em causa a estabilidade política, inibir a governabilidade do País, destruir a confiança dos agentes económicos e prejudicar a recuperação da economia.
O País não contava. O que interessava era medir forças e afirmar protagonismos no seio da oposição, atacando o Governo, fomentando a instabilidade e tentando minar a confiança, a coesão e a esperança dos portugueses na construção do seu futuro.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olha quem fala!

O Orador: - Uma verdadeira estratégia de terra queimada a que não faltou, sequer, a utilização distorcida e abusiva do instituto constitucional da moção de censura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As moções de censura foram apresentadas pelo CDS e pelo PCP, mas foram sempre sustentadas e apoiadas - contraditória e por vezes desastradamente, é certo - pelo maior partido da oposição.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em ambos os casos, a iniciativa das moções de censura não passou de mais um instrumento gratuito de ataque ao Governo O frenesim foi tal que não hesitaram em utilizar temas que, embora artificiais, beliscavam de uma forma perigosa os superiores interesses de Portugal - como o drama do povo timorense - ou tentavam manipular sentimentos profundos do povo português. Pode dizer-se que valeu tudo. Sempre com o beneplácito, com a concordância, com o seguidismo oportunista do maior partido da oposição, cego pela ânsia da caça ao voto, pela sôfrega ilusão de chegar ao poder.

Aplausos do PSD.

Não estiveram em causa os verdadeiros problemas dos portugueses nem, sequer, as diferentes opiniões sobre as grandes linhas do desenvolvimento e progresso de Portugal Proeurou-se apenas pôr em causa a estabilidade política, a governabilidade do País e a credibilidade das suas instituições.

Vozes do PS: - Eh!

O Orador: - À tentativa de subversão do normal curso da democracia, responderam o Governo e a maioria parlamentar com firmeza e sentido de Estado, lutámos para que fosse cumprida a vontade esmagadoramente expressa pelos portugueses nas últimas eleições legislativas.
Para além de uma razão de ética política, fizemo-lo porque estamos cientes do momento crucial que Portugal atravessa nesta fase da sua História Não podíamos consentir que as profundas transformações estruturais que abriram a Portugal as portas da modernidade fossem interrompidas, pelos seus inimigos de sempre, em plena e decisiva fase da sua consolidação Numa era de globalização, de integração, de mutação tecnológica acelerada e da sociedade de informação, quem despreza as oportunidades, quem se deixa dominar pelos interesses mesquinhos, quem vacila no ânimo reformista, deixa-se irremediavelmente atrasar no comboio da História.
Felizmente, nada quebrou a coesão entre o Governo e a sólida maioria parlamentar que o suporta Felizmente, imperou o bom senso, triunfou a democracia e reforçou-se a credibilidade do País

Aplausos do PSD.

Felizmente, para a história da nossa democracia, esta e a segunda legislatura a ser cumprida até ao fim, segundo as regras da normalidade democrática e respeitando a vontade soberana do eleitorado. À liberalização da comunicação social, às reformas do sistema educativo, do sistema fiscal e financeiro, à reprivatização das empresas públicas, à abertura da economia à iniciativa privada e a tantas outras reformas estruturais operadas na nossa sociedade estamos a acrescentar a reforma das mentalidades que permitiu o triunfo da normalidade democrática, da estabilidade e da governabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo e o partido que o apoia orgulham-se de serem os motores desta nova fase da vida política portuguesa. A oposição, que tudo fez para criar instabilidade, não tem agora autoridade moral e credibilidade política para se arvorar em arauto da estabilidade e em defensor da normalidade democrática.

Aplausos do PSD

A memória dos homens pode ser curta. A coerência pode não ler, para alguns, grande valor Mas os portugueses sabem julgar, sabem estabelecer as diferenças e sabem distinguir entre quem actua por convicção ou por

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conveniência, entre quem cultiva princípios ou quem os troca pela ilusão dos votos.

O Sr Ferro Rodrigues (PS) - Olha quem fala!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde o princípio deste ano que o processo de integração europeia entrou numa nova fase - a da Europa dos 15, que agora se estende do Mediterrâneo à fronteira russa. Portugal encara este novo passo da União como um sinal de vitalidade do processo de integração Por isso apoiámos, desde o início, as adesões dos novos Estados membros, com os quais mantemos estreitas relações de cooperação, cimentadas ao longo dos 25 anos de participação conjunta na EFTA. Foi, aliás, no Conselho Europeu de Lisboa que se fixaram as condições para a sua adesão.
Mas o efeito de atracção que o projecto da União Europeia exerce não se esgotou com este alargamento. Aos pedidos de adesão da Turquia, Chipre e Malta vieram já juntar-se os da Hungria e Polónia, e é previsível que, no futuro próximo, outros países a Leste venham a apresentar as suas candidaturas Portugal sempre defendeu que este processo de integração deve estar aberto a todos os Estados europeus que satisfaçam os princípios básicos da democracia, do respeito pelos Direitos do Homem e da economia de mercado.
Pela sua história recente, Portugal pode, talvez melhor do que qualquer outro país da União, compreender a atracção que a União Europeia representa para os países saídos do antigo bloco de Leste. Após a libertação do jugo socialista e colectivista que durante décadas os asfixiou, a adesão apresenta-se a estes países como um passo decisivo para a resolução dos seus problemas económicos e de desenvolvimento, ao mesmo tempo que significa o apoio às reformas políticas necessárias à construção da democracia.
Todavia, defendemos que a sua adesão deve (ter precedida de uma cuidadosa preparação Se, por um, lado, há que apoiar solidariamente os países candidatos na adaptação das suas economias, de modo a absorverem integralmente o «acervo comunitário», há, por outro lado, que evitar que essas novas adesões possam representar um enfraquecimento da União ou implicar uma descaracterização do modelo institucional que tem sido uma das pedras angulares do edifício comunitário.
Mas a política externa portuguesa não se esgota na União Europeia. Portugal é titular de um importante espectro de laços internacionais e a acção diplomática portuguesa tem vocações específicas que em muito beneficiam da mais valia que nos advém da nossa qualidade de membro da União Europeia Com efeito, uma voz credível e respeitada na União Europeia e fundamental para melhor influenciarmos os acontecimentos em trono do mundo onde temos interesses relevantes a acautelar.
É esse, seguramente, o caso da África de língua portuguesa, onde se registou, ao longo do último ano, uma evolução globalmente positiva, que contou com a nossa solidariedade e cooperação. Assumimos um papel importante nas negociações de paz de Angola e no processo de paz de Moçambique e colocámos à disposição das Nações Unidas forças militares e policiais, tendo em vista garantir o êxito dos delicados processos de transição vividos nesses dois países.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em Moçambique, com a realização das primeiras eleições livres, foi dado um passo de gigante para se entrar numa fase de paz e desenvolvimento, o mesmo parecendo agora em vias de concretização em Angola, onde esperamos que se confirme o silêncio das armas e renasça a esperança na construção de uma paz duradoura

Vezes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A normalidade que caracterizou os processos eleitorais na Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe, a par da autêntica parceria estratégica que estabelecemos com Cabo Verde, são outros testemunhos eloquentes de uma evolução com a qual só nos podemos congratular.
Consolidou-se, neste último ano, toda uma política que faz de Portugal o mais importante e fiável parceiro estratégico dos cinco países africanos de língua portuguesa. Estou certo de que esta política merece o aplauso da esmagadora maioria dos portugueses, embora por vezes não pareça ser esse o entendimento dos que têm do combate político uma visão do vale tudo, não hesitando em se servirem da cooperação portuguesa com África como arma de arremesso na luta político-partidária e de lançarem a suspeição sobre a actuação nacional.

Aplausos do PSD.

É uma atitude que veementemente repudiamos.
A criação de uma comunidade dos povos de língua portuguesa, assente na confiança e respeito mútuos, é para nós um verdadeiro desígnio nacional Ela permitirá valorizar as afinidades culturais e afirmar da melhor maneira na cena internacional os interesses e a especificidade cultural dos sete países e dos 200 milhões de homens e mulheres que falam português. É em obediência a estes valores - da história, da língua e da cultura e do estreitamento das relações entre os povos que falam o português - que Portugal tem hoje consolidada no terreno uma decisão de inegável alcance estratégico: as emissões internacionais de televisão e de rádio para todo o mundo e de forma particular para os cinco Países Africanos de Língua Portuguesa e para o Brasil.

Aplausos do PSD.

Português, que também é falado pelo povo de Timor. A acção diplomática do Governo em defesa dos direitos do povo de Timor tem sido intensa e tem conseguido despertar cada vez mais a atenção e o envolvimento da comunidade internacional. O nosso objectivo é o de colocar a comunidade internacional perante as suas responsabilidades e obrigar a Indonésia a reconhecer a existência de um problema cuja resolução terá sempre de passar pelo livre exercício do direito à autodeterminação por parte daquele martirizado povo
Sr Presidente, Srs. Deputados: Ao lançarmos o nosso olhar sobre o quarto e último ano da Legislatura - Legislatura marcada pela consolidação das grandes reformas que trouxeram progresso e modernidade não comparável com nenhum outro período da nossa história recente -, duas ideias - força sobressaem da actividade governativa e da situação geral do País - cumprimento do Programa do Governo, aprovado nesta Assembleia em Novembro de 1991, e arranque para um novo ciclo de crescimento.
São hoje amplamente reconhecidas as dificuldades conjunturais com que Portugal se confrontou nos últimos dois anos, fruto de uma recessão internacional profunda, unani-

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memente considerada como a mais grave nos países ocidentais desde o final da II Guerra Mundial. A crise europeia e mundial não podia deixar de produzir efeitos negativos sobre uma pequena economia aberta como a portuguesa, para mais apanhada em pleno processo de grandes transformações estruturais.
As dificuldades e os obstáculos que a crise internacional provocou a Portugal podiam ter tido dois tipos de reacção: a capitulação nacional, no fundo preconizada pelos que, descrentes nas suas capacidades e nas dos portugueses, se assanharam no discurso derrotista e do pessimismo e enveredaram pelos apelos ao facilitismo e ao ziguezague das políticas; ou, então, a firmeza na manutenção do rumo traçado, no que diz respeito às grandes orientações da política económica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi esta segunda a nossa opção - e assumimo-la claramente desde o início -, e é hoje claro que Portugal sai deste período difícil mais bem preparado para vencer os desafios do futuro, na sua caminhada para o desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Certas forças políticas, por aquilo que delas conhecemos, teriam seguramente enveredado pela primeira opção - o facilitismo e o ziguezague das políticas.

Aplausos do PSD.

É uma diferença que registamos e uma clara discordância que assumimos com muito orgulho. Mas não tenhamos ilusões! Sem a estabilidade política e a governabilidade, sem a visão de futuro e a determinação que sempre nos animou, não teria sido possível manter o rumo traçado e o País encontrar-se-ia hoje mergulhado numa total indefinição...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É ir-se embora!

O Orador: - ... quanto à estratégia de desenvolvimento. É nas situações difíceis que se torna mais nítida a distinção entre os verdadeiros governantes e os políticos que navegam ao sabor das circunstâncias, simples caçadores de votos, incapazes de remar contra a maré quando os interesses do País assim o exigem

Aplausos do PSD.

É certo que a nossa firmeza e determinação na defesa do rumo traçado e do interesse nacional nos terão, conjunturalmente, provocado algum desgaste e incompreensões. Estamos bem conscientes disso Mas esse é o ónus inerente ao exercício sério e responsável da governação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto pode ser qualquer coisa que alguns políticos não entendem, mas seria, para mim e para o meu partido, impensável proceder de outra forma.

Aplausos do PSD.

Por isso chegamos ao fim desta legislatura com a consciência de ter, mais uma vez, conseguido o cumprimento da quase totalidade das medidas constantes do Programa do Governo

Risos do PS.

Nas suas quatro vertentes essenciais: Modernizar o Estado- Afirmar Portugal; Uma economia de mercado para o desenvolvimento económico e social; Apostar no Homem - Valorizar o futuro; Reforçar a solidariedade e melhorar a qualidade de vida. E nas múltiplas iniciativas legislativas e políticas em que se concretiza, podemos afirmar que o Programa a que nos propusemos se encontra basicamente realizado.

Risos do PS.

Haverá, com certeza, alguns aspectos pontuais em que não teremos conseguido concretizar cabalmente as nossas propostas ou em que o trabalho desenvolvido ainda ficou aquém dos objectivos exigentes e ambiciosos que nos fixámos. Com certeza que haverá! Por exemplo, deliberadamente, não avançámos com a criação das regiões administrativas, opção que se ficou a dever ao projecto de revisão constitucional apresentado pelo meu partido e que na altura eu próprio fundamentei Mas também avançámos em áreas inicialmente não previstas, que se revelaram adequadas ao bem-estar dos portugueses.
A governação é uma tarefa muito exigente, a envolvente internacional evolui às vezes de uma forma que ninguém consegue prever e o permanente pulsar das realidades sociais e económicas fazem dela um desafio constantemente renovado e, por isso, sempre inacabado. Mas não receamos comparações. Desafiamos mesmo a que nos apontem um outro governo de Portugal que se apresente tão à-vontade a contas perante o eleitorado

Aplausos do PSD.

O grau de execução do nosso Programa e a evidencia das transformações e da obra que vem sendo realizadas situam-se a anos luz de qualquer balanço similar que se faça a Executivos da responsabilidade dos nossos adversários políticos. Sabemos, Srs. Deputados da oposição, que a vossa vocação é dizer mal do nosso trabalho e até manifestamos alguma compreensão pelos excessos com que nisso se empenham, principalmente agora que estamos num período de pré-campanha eleitoral

Protestos do PS.

Mas é bom não exagerar, nem perder o contacto com a realidade para que, face a apreciações insuspeitas, nomeadamente aos relatórios de prestigiadas organizações internacionais, a vossa credibilidade não caia nas ruas da amargura.

Aplausos do PSD.

Num período que todos reconhecem ter sido de dificuldades, à clareza que mantivemos nos objectivos e nas orientações de fundo essenciais para não hipotecar o futuro do País, aliámos um realismo e uma preocupação permanentes em atenuar os custos que recaíam sobre os grupos mais vulneráveis O novo ciclo económico de crescimento e desenvolvimento, em que já nos encontramos, prova que agimos bem.
Este novo ciclo é um ciclo de desenvolvimento que aposta nas pessoas, pela educação, pela formação profissional, pela ciência; que fomentará o emprego, pelo reforço da competitividade das empresas, que fortalecerá a coesão social e o equilíbrio regional, garantindo iguais

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oportunidades e uma melhoria da qualidade de vida para todos; que acredita na iniciativa dos portugueses, apostando em menos Estado e mais sociedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade económica do mundo de hoje caracteriza-se por uma elevada complexidade. Confrontada com múltiplas solicitações, interdependências e paradoxos, a acção governativa tem de ser capaz de traçar e procurar seguir uma linha de rumo clara, coerente e segura Uma governação séria e que se preocupe com a realização do interesse colectivo, numa perspectiva que não se confine ao curto prazo, tem de saber resistir à tentação da facilidade,...

O Sr. Manuel Alegre (PS)- - Tem de se ir embora!

O Orador: - .. de ocorrer à satisfação de cada reivindicação conforme ela se apresenta, de dizer «sim» só para fugir aos custos de impopularidade em ter de responder «não».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se a prática política da ilusão e da banalidade, metralhando soluções cor-de-rosa para todo e qualquer problema sem cuidar da sua justeza e, muito menos, do seu resultado, prometendo tudo e o seu contrário, sempre deve ser entendida como uma prática política de duvidosa seriedade, no complexo e exigente mundo de hoje, e reveladora de uma grande incapacidade e incompetência para a governação de Portugal

Aplausos do PSD.

Com a intensa transformação que a partir de 1986 a economia portuguesa teria de sofrer para fazer face à sua integração comunitária, sabíamos que o País não podia fugir a uma multiplicidade de choques, que iriam perturbar vastos aspectos da nossa vida económica e social. Eram os choques exigidos pela modernização de um país que se tinha deixado atrasar, que sofrera os desvarios de um período revolucionário e os custos da governabilidade.
À transformação estrutural juntou-se, nos anos mais recentes, a incidência da profunda crise económica internacional Perante esta complexidade e estes desafios, o Governo traçou uma linha clara para a condução da política económica
O Programa de Convergência definiu as orientações globais para o grande projecto de adesão plena à União Económica e Monetária.
O Plano de Desenvolvimento Regional, por sua vez, definiu os termos da política de modernização e desenvolvimento económico e social que queremos executar até ao final do milénio
Traçado o rumo, exigia-se coragem e determinação para o seguir.
Sabíamos que não faltariam obstáculos nem se calariam as vozes dos que nos queriam ver desistir ou desviar dos nossos objectivos. Mas também sabíamos que o verdadeiro interesse nacional dependia em muito da nossa firmeza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A este propósito, cite-se uma apreciação proferida pela OCDE no seu relatório sobre a evolução da economia portuguesa, datado de Abril deste ano: «A retoma, que começou no primeiro trimestre de 1994, está a ter lugar em bases mais sólidas do que as recuperações anteriores».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, são muitos - na verdade cada vez mais! - os que, na oposição, ainda há pouco se assanhavam a criticar as orientações de fundo do Governo e que agora admitem as boas perspectivas que se abrem à economia portuguesa, antecipando mesmo elevadas taxas do crescimento do produto para os próximos anos.

Protestos do PS.

Tivemos a sabedoria de, nos momentos difíceis, não seguir os seus desastrosos conselhos e temos agora uma ponta de orgulho em observar as suas piruetas, a sua adesão resignada às políticas prosseguidas.

Aplausos do PSD.

Para o bem do País, aqueles que a cada passo se levantaram a criticar-nos, propondo o oposto daquilo que fazíamos, falharam rotundamente nas suas previsões catastrofistas!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, apressam-se a alinhar pelo rumo que traçámos, procurando branquear as suas propostas na tentativa de reganhar alguma credibilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas como seria se tivéssemos irresponsavelmente facilitado, abandonado a linha que definimos?
Como seria se tivéssemos aceite as propostas de quem nos atacava e optado por seguir a sua linha de facilidade e populismo, desertando da coragem nas decisões difíceis?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - «Desvalorizem o escudo», «tirem a moeda do SME», quantas vezes não disseram.
Chamando «política de escudo forte» à opção de estabilidade cambial do Governo e fazendo tábua rasa das leis da economia, anunciaram as mais nefastas consequências para a opção de luta pela estabilidade da moeda nacional, chegando ao ponto de alinhar no jogo dos especuladores contra o Banco de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr Domingues Azevedo (PS) - Olhe os resultados!

O Orador: - Mas se tivéssemos seguido as sugestões dos nossos críticos onde se situariam hoje as taxas de juro e de inflação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As perspectivas de participação plena de Portugal na futura União Monetária estariam já perdidas! E, pior do que isso, a credibilidade externa da nossa política económica, que tão pacientemente tinha sido construída, estaria irreparavelmente danificada, voltando o País a tempos passados mas, felizmente, não esquecidos.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, quando os tempos difíceis estão vencidos e os resultados positivos da opção seguida se tornam claros, vemos os mesmos que defendiam irresponsavelmente a desvalorização do escudo a cantar loas à estabilidade cambial.

Aplausos do PSD.

Muitos dirão que é preciso muito descaramento. Eu direi que nunca é tarde para os críticos retornarem ao bom caminho!

Aplausos do PSD.

«O Estado tem de intervir», «deve distribuir mais subsídios», disseram. Não faltaram as propostas em catadupa para que aumentássemos as despesas públicas, num manancial de subsídios e facilidades.

Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PS.

O Orador: - O Governo, segundo eles, deveria ter-se lançado numa campanha de despesismo, semelhante à de épocas em que eles tinham governado o País.

Protestos do PS.

Não houve empresa em dificuldade que, aos olhos da oposição, não merecesse o bálsamo milagroso do subsídio ou, até, da intervenção estatal.

Protestos do PS.

Face à flutuação no crescimento, logo saltaram a defender as propostas de 1975, as mesmas que juravam ter repudiado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A incoerência ou a incompetência era tal que chegaram a sugerir que era possível subir as despesas e, ao mesmo tempo, descer os impostos e diminuir o défice.

Aplausos do PS.

Tudo fácil, qual milagre da multiplicação dos pães!
Em resultado do desnorte de que foram tomados, as suas raízes socialistas trouxeram, de novo, ao de cima as tentações intervencionistas. Afinal, estala com facilidade o verniz dos recém-defensores do mercado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para eles uma empresa é mais uma peça daquilo que entendem ser o jogo da política, que o Estado pode manipular, apoiar ou esquecer ao sabor da refrega partidária.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está, com certeza, a falar da RTP!

O Orador: - O que interessa não é o normal funcionamento das empresas e dos mercados em economia aberta. São os títulos do jornal, é a caça ao voto

Aplausos do PSD.

Se tivéssemos seguido as suas propostas, as contas públicas entrariam em perigosa derrapagem, com consequências graves na inflação, na taxa de juro, na situação externa do País e, consequentemente, no emprego.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em vez disso, optámos por uma via sustentada e pragmática, traçando uma tendência geral descendente para o défice público, sem esquecer a necessidade de alguma flexibilidade conjuntural mas sem nunca alimentar artificialismos económicos ou substituir a responsabilidade que, para o bem e para o mal, cabe aos empresários numa economia de mercado

Vozes do PSD: - Muito bem'

O Orador: - «Chega de estradas», disseram os senhores da oposição.

O Sr. Vieira Castro (PSD): - É o guterrismo!

O Orador: - Que teria sucedido se tivéssemos seguido a sua sugestão e travado a construção de vias de comunicação? Sem nunca têm saído das cidades, a não ser em caravanas eleitorais,...

Aplausos do PSD.

... e, por certo, desconhecendo o País real, chegaram ao ponto de desdenhar a construção de infra-estruturas viárias.
O isolamento, o subdesenvolvimento, os custos de transporte, a perda de oportunidades de progresso para tantas regiões do País, que conheço bem, impedem-me sequer de contemplar a irresponsabilidade de quem nunca pára para medir as consequências da sua verborreia demagógica.

Aplausos do PSD.

Pense-se só no que seria da competitividade das nossas empresas se não tivéssemos concretizado a revolução tranquila nas vias de comunicação.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está tudo óptimo!

O Orador: - Já para não falar no que ela representa para a qualidade de vida das populações do interior do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agora, quando os resultados da nossa linha de rumo são já claros,.

Vozes do PS: - Vou-me embora!..

O Orador: - .. quando a nossa recusa das suas propostas irresponsáveis começou a dar os seus frutos, mudaram de opinião Mas em que sentido?
Das suas ideias, podemos retirar as mais variadas sugestões.
Querem, simultaneamente, mais défices públicos e menos desequilíbrio das contas, querem mais estabilidade cambial e mais desvalorização competitiva; mais impostos e menos impostos,

O Sr. Vieira de Castro (PSD). - É o guterrismo!

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O Orador: - Querem mais gastos públicos e maior controlo orçamental; querem mais dívida pública e menor endividamento do Estado: querem preços mais altos e menos inflação; querem mais concertação social e boicotam a celebração de acordos;...

Aplausos do PSD.

.. querem mais acessibilidades e criticam a construção de estradas.

Aplausos do PSD.

Afinal, meus senhores, tudo depende da audiência que a cada momento interessa agradar

Aplausos do PSD.

Só é pena que a oposição não queira fazer política com um pouco mais de seriedade e credibilidade A credibilidade em busca desesperada da qual foram recentemente aconselhados a alguma contenção na velocidade das promessas e a mais prudência na formulação irreflectida de soluções

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o seu discurso vira-se agonia para o estudo dos problemas, a análise das realidades, a discussão das soluções, a ponderação das dificuldades. Propõem-se partilhar o poder, dividir responsabilidades ponderar alternativas. Só não se propõem decidir, escolher!

Aplausos do PSD.

Na profusão de propostas e ideias e no chorrilho de afirmações e promessas, uma coisa ressalta com clareza, eles não sabem o que querem para o País.

Risos do PS.

Entretanto, a economia portuguesa segue o seu caminho e o novo ciclo de desenvolvimento e progresso está já em marcha.
A inflação, que se situou em 4,3 % em Maio, está firmemente numa trajectória descendente e definitivamente abaixo do «chão» que muitos declararam inultrapassável.
O défice orçamental, que foi de 5,8 % do produto em 1994. mantém-se sob controlo e segue a linha prevista no Programa de Convergência.
O índice de desconforto social, que era de mais de 17 pontos percentuais ainda há cinco anos, encontra-o em 1995. segundo as previsões da União Europeia, ao nível de 11 pontos percentuais, claramente abaixo da média comunitária.
As exportações, que cresceram já mais de 17,2% no ano passado, preparam-se para mais um ano de grande crescimento, enquanto o investimento, segundo dados recentes da OCDE, cresceu já 3,5 % em 1994 e prevê-se que venha a crescer 7,5 % em 1995.
As taxas de juro no crédito para habitação são as mais baixas dos últimos 20 anos, situando-se 20 pontos percentuais abaixo do que se verificava em 1985.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Só entre Agosto de 1992 e Maio de 1995 a taxa de esforço permitida, que compara o rendimento do agregado familiar e o valor das prestações a pagar, subiu cerca de 90 %

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS). - São só maravilhas!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP) - É o oásis!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs Deputados: Num momento em que os assuntos de segurança são motivo de grande atenção na vida nacional, não posso deixar de falar na droga, esse flagelo que deve envolver o Estado, as famílias, as escolas e a sociedade civil num combate sem quartel e numa conjugação de esforços que a todos responsabilize

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma questão de Estado, que, tal como a segurança em geral, não deve ser envolvida em querelas partidárias ou estratégias eleitorais
A democracia é um sistema aberto e não se pode apresentar dividida e enfraquecida perante os agentes do crime, que não conhecem escrúpulos nem fronteiras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Manuel Alegre (PS)- - Olha a autocrítica!

O Orador: - O combate à droga assenta, no domínio da prevenção, no Projecto Vida, essa referência de esperança iniciada em 1987, e no combate ao tráfico e na coordenação da actuação das forças de segurança no que respeita à repressão. Por outro lado, a cooperação internacional assume uma relevância crescente face à sofisticação e poderio dos meios hoje utilizados pelos traficantes
A entrada em vigor do Acordo de Schengen, assim como a instalação em Portugal do Observatório Europeu da Droga, e os trabalhos desenvolvidos no âmbito do 3 º Pilar do Tratado da União Europeia são sinais de que a União pretende agir concertadamente neste domínio e que Portugal não está à margem desse combate comum.
Falando de educação, é reconhecido que «nos últimos 10 anos Portugal teve progressos consideráveis na melhoria do seu capital humano» A afirmação, Srs. Deputados, não é minha, consta da apreciação isenta que reputadas organizações internacionais fazem da evolução registada no nosso país.
No que respeita à acção governativa, recordo que a partir de 1986 fizemos uma opção política fundamental pela igualdade de oportunidades no acesso ao ensino, realizando um esforço de investimento sem paralelo na expansão do sistema para que esse objectivo, finalmente, se concretizasse.
Hoje, construídas mais de 400 escolas do ensino básico, aumentada a escolaridade obrigatória para nove anos, triplicada a taxa de frequência do ensino superior, entrámos já num novo ciclo marcado pelos desafios da qualidade, da exigência e da competitividade.

Aplausos do PSD

As grandes opções estão tomadas - a reactivação do ensino técnico e profissional, a formação de professores necessária à introdução de novos métodos e novos conteúdos curriculares, a aposta decisiva no ensino superior

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politécnico, são alguns dos passos que proporcionarão um sistema educativo capaz de responder às exigências do País Como disse a OCDE, em Abril último, «as medidas tomadas vão na boa direcção».
No quadro do PDR, o Governo propôs aos parceiros sociais um acordo de concertação social de médio prazo como forma de melhor compatibilizar a realização dos objectivos e reduzir os custos do ajustamento da economia portuguesa aos desafios da integração e da globalização, visando, em particular, a protecção do emprego.
A esse propósito, quero recordar aos Srs. Deputados o que aqui disse no debate do ano passado: «Não posso deixar de fazer um apelo veemente às forças partidárias e outras entidades para que não interfiram no processo de concertação social, resistam à tentação de exercer pressões, respeitem a autonomia sindical e sejam capazes de dar a primazia à prossecução do interesse nacional».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Palavras premonitórias!
Infelizmente, o País acabou por assistir ao espectáculo lamentável do exercício de pressões. Todos lembramos a irresponsabilidade do maior partido da oposição, acusando de incompetência os representantes dos trabalhadores por reclamarem baixos aumentos salariais.

Aplausos do PSD

Era já a manifestação do facilitismo, da demagogia, da ignorância sobre as consequências económicas do que então se propunha.
Apesar das dificuldades irresponsavelmente criadas, o Governo não desarmou e continuou o rumo de uma política activa de criação de emprego, de que destaco as iniciativas de desenvolvimento local e as medidas de incentivo ao primeiro emprego para jovens e de criação de emprego para desempregados de longa duração

O Sr. José Vera Jardim (PS): - É só propaganda!

O Orador: - Quanto à agricultura, importa reconhecer que a sua adaptação ao quadro comunitário, fora do qual não há alternativa viável, obrigou a reformas profundas, algumas custosas mas inevitáveis. Sc às naturais dificuldades da adaptação acrescentarmos os efeitos dos maus anos agrícolas provocados pela seca e pela geada negra, que este ano assumiram particular gravidade, compreende-se melhor a apreensão sentida por alguns agricultores.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Este Governo é muito pior do que a geada negra!

O Orador: - Às situações de crise o Governo respondeu com a tomada de medidas de emergência.
Mas a resposta mais decisiva ao desafio da integração cabe aos agentes económicos, incluindo os agricultores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo apoia-os, quer na formação profissional e na produção quer na construção de infra-estruturas e na comercialização dos produtos.
Não prometemos sol na eira e chuva no nabal.

Vozes do PS: - Pelo contrário, prometem sol no nabal e chuva na eira!

O Orador: - Mas sabemos que o esforço continuado de quem não se deixa desanimar e se recusa a cruzar os braços acabará por produzir os frutos pretendidos.
O aumento da produtividade da mão-de-obra agrícola - 9,5 % em média, nos últimos oito anos - e a melhoria da qualidade dos produtos nacionais são indicadores promissores quanto ao resultado desse esforço.
Em 1993, o Governo lançou o Programa de Erradicação das Barracas de Lisboa e Porto, um projecto arrojado e ambicioso que irá permitir o realojamento de mais de 48 000 famílias, representando um investimento total de cerca de 330 milhões de contos.
Aquando da aprovação do Programa, a oposição, mais habituada a ver as dificuldades como uma fatalidade e não como um desafio, e desprovida da coragem e da determinação necessárias, considerou-o um projecto demagógico e irrealizável.
Os factos falam por si!

Vozes do PSD: - Muito hem!

O Orador: - Estão já celebrados acordos com 26 municípios das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, faltando apenas um para se atingir o pleno das autarquias abrangidas, sendo ainda de registar a adesão da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que tomou nas suas mãos a utilização do programa para o realojamento de uma centena de famílias.
São dados em si eloquentes e que representam um sinal de esperança, espero que irreversível, para mais de 160 000 portugueses na obtenção de uma casa condigna com o modelo de sociedade solidária que queremos para o nosso país.

Aplausos do PSD.

Noutra área de grande relevância para o nosso desenvolvimento sustentado, devo referir a aprovação, pelo Governo, do Plano Nacional de Política do Ambiente. O Plano irá permitir a coerência necessária aos investimentos que serão feitos na área de ambiente e, acima de tudo, contribuir para uma visão integrada das questões ecológicas por todos os sectores da actividade nacional.
Numa questão tão importante para a qualidade de vida dos portugueses, verifica-se um surpreendente desnorte da oposição, em especial do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os recentes acontecimentos de Estarreja demonstram como o interesse nacional ainda não prevalece sobre supostos interesses partidários ou sectoriais, como a caça ao voto se ergueu a critério prioritário de actuação...

O Sr. António Guterres (PS). - Não é verdade!

O Orador: - ... e como a opção pelo adiamento continua a ser a característica forma de decisão socialista.

Aplausos do PSD.

Sr Presidente, Srs. Deputados- Nos últimos anos, Portugal conquistou um activo precioso, que é a credibilidade. Desde logo, credibilidade no plano externo, reconquistando o prestígio e a capacidade de desempenhar um papel activo nas grandes decisões internacionais.

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Depois de anos de convulsão e instabilidade política, de descontrolo financeiro, de falta de rumo de adiamento das políticas, foi muito difícil - e é bom que os portugueses não o esqueçam! - recuperar a confiança da comunidade internacional e reganhar uma voz escutado e respeitada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, na Europa. A adesão de Portugal à Comunidade Europeia foi uma decisão histórica que teve de ser completada, ao longo destes 10 anos, por muita diplomacia e por uma negociação firme e permanente.
Hoje, o balanço positivo da opção europeia é uma evidência. Mas é bom lembrarmo-nos de que o sucesso de Portugal na União Europeia é, seguramente, um resultado da credibilidade que soubemos conquistar

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Igualmente no que respeita aos países africanos de língua oficial portuguesa. Construímos com eles uma nova relação nos últimos 10 anos, relação de fraternidade, de respeito mútuo e de grande aproximação que nos permitiu desenvolver uma intensa cooperação, à altura dos laços históricos que nos ligam.
Finalmente, credibilidade em relação a todos os países com os quais Portugal mantém relações diplomáticas.
As comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, em relação às quais guardo a mágoa de não ter conseguido que esta Assembleia reparasse a clamorosa injustiça do texto constitucional que os discrimina como portugueses de segunda na eleição do Presidente da República,...

Aplausos do PSD.

O Sr. António Guterres (PS): - A culpa foi do PSD!

O Orador: - ... repito, é uma mágoa profunda que levo comigo, são as mais fidedignas testemunhas de quanto mudou na consideração, no respeito e na credibilidade que o nome de Portugal hoje merece em todo o mundo.
É este novo estatuto que nos tem permitido uma afirmação crescente no plano internacional e na forma como são olhadas as nossas iniciativas e candidaturas a instituições e à organização de eventos internacionais prestigiados.
Durante o período desta legislatura, Portugal exerceu, com eficácia e qualidade amplamente elogiadas. A Presidência da Comunidade Europeia; encontra-se presentemente a terminar o exercício da Presidência da UEO, de forma considerada digna e eficaz; foi escolhido para a organização da próxima Cimeira da OSCE, a realizar em Novembro do próximo ano, e acolherá no Porto, em 1998, a Cimeira Ibero-Americana, ano em que também se realizará a EXPO 98, a última exposição internacional a ter lugar neste século.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pela primeira vez na nossa história, cidadãos portugueses são escolhidos para altos cargos em organizações internacionais, como foi o caso do Embaixador José Cutileiro, actual Secretário-Geral da UEO, e do Professor Freitas do Amaral, indigitado pelas Nações do grupo ocidental para Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estes factos, entre outros que poderia enumerar, se, por um lado, não deixam de assentar na qualidade pessoal dos nomeados, só se tornaram possíveis pela visibilidade e respeitabilidade que Portugal conseguiu grangear na cena internacional

Aplausos do PSD.

Mas estes anos de renovação nacional, de desenvolvimento e modernização também permitiram que, no plano interno, os portugueses recuperassem a confiança nas suas capacidades e no futuro da sua pátria.
Os portugueses estão, é certo, muito mais exigentes, exigentes perante o Governo, exigentes perante as empresas, exigentes perante a sociedade. Mas a maior exigência dos portugueses é uma confirmação do progresso ocorrido no País.
Hoje, os portugueses estão mais exigentes porque sabem que o podem ser porque ultrapassaram a fase do endividamento externo insustentável, da inflação galopante, das contas públicas descontroladas, da moeda sujeita a uma depreciação imparável Exigência, rigor e qualidade são palavras que definem uma nova atitude e uma nova mentalidade, mais adequadas ao novo milénio em que vamos entrar.
Os últimos anos marcaram mudanças cruciais no nosso país.
Estou convencido de que não mais será possível voltar aos tempos de promessas ocas e não cumpridas, de navegação à vista, da retórica fácil e acção sempre adiada.
O exercício do poder em Portugal tem hoje de obedecer a regras muito mais exigentes, no cumprimento das promessas feitas e dos objectivos enunciados, na demonstração de capacidade efectiva para tomar e fazer executar decisões, na competência exibida no conhecimento dos problemas e na eficácia da abordagem e procura das melhores soluções.
A estabilidade política joga aqui um papel decisivo para o prosseguimento do desenvolvimento de Portugal.
Na última década, a construção do Portugal moderno assentou na governabilidade que a estabilidade política conquistada pelo PSD deu ao País.
Reformas há muito reclamadas e sucessivamente adiadas por governos sem capacidade política ou por governantes sem vontade de romper com a inércia instalada foram realizadas. Foram as tão faladas reformas estruturais empreendidas no Estado, na economia, no plano social e na cultura.

O Sr Presidente: - Peco-lhe para concluir, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - Hoje, essas reformas estão feitas e é-nos mesmo difícil imaginar o que seria Portugal sem a profunda transformação e evolução que elas provocaram no tecido económico e social e nas mental idades dos portugueses.
Portugal cresceu, desenvolveu-se e afirmou-se como nação consciente das suas capacidades e determinada na prossecução de um rumo de progresso e modernidade.
Vou terminar citando o recente relatório da OCDE que atrás referi.

Risos e protestos do PS. Vozes do PSD: - Ouçam!...

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O Sr. Presidente: - Silêncio, Srs. Deputados.
Sr. Primeiro-Ministro, peço-lhe que conclua.

O Orador: - E passo a citar o relatório da OCDE, uma das organizações mais prestigiadas em todo o mundo, acolhida com aplausos em todos os parlamentos do mundo democrático, quer por Deputados do Governo quer por Deputados da oposição:

Aplausos do PSD.

E aí vai a citação: «Após a sua adesão à Comunidade Europeia, em 1986, Portugal reduziu significativamente os seus diferenciais de rendimento e produtividade relativamente aos outros países da União Europeia».

O Sr. José Magalhães (PS): -É só isso?!

O Orador: - Srs. Deputados, provámos que somos capazes. E, se continuarmos a apostar nos portugueses, na sua iniciativa, no seu empenho, na sua capacidade de trabalho, tenho confiança de que seremos capazes de ainda fazer mais e melhor para Portugal.

Aplausos do PSD. de pé.

O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, inscreveram-se vários Srs. Deputados.
Antes de enunciar os seus nomes, quero lembrar as regras que foram estabelecidas na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e que são as seguintes: cada interveniente dispõe, segundo o Regimento, de três minutos para pedir esclarecimentos, mas como esse tempo é considerado exíguo, sobretudo para que os líderes dos partidos, digamos assim, peçam esclarecimentos, eu anunciarei quando se completarem os três minutos e gostaria que cessassem a intervenção aos seis minutos. Dispõem depois de tempo para fazerem as intervenções. Trata-se agora de pedidos de esclarecimentos, para os quais se inscreveram os Srs. Deputados António Guterres, Carlos Carvalhas, Narana Coissoró, André Martins, Raul Castro e Mário Tomé.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Estava à espera de ouvi-lo, hoje, fazer aqui o discurso sobre o estado da Nação, mas vi-o fazer aquilo a que eu chamaria o discurso da desobriga.
Na aldeia onde passei parte da minha infância, as mulheres eram muito religiosas: iam à missa, onde chegavam cedo e enchiam a igreja de cânticos. Os homens eram-no menos: chegavam tarde, saíam cedo, participavam mais nas festas pagãs do que nas religiosas. Mas havia uma coisa que estes faziam sempre, para evitar o escândalo das beatas ou das religiosas mais fanáticas - como compreendo que, hoje, tenha tido de fazer aqui o Sr. Primeiro-Ministro, para evitar que a linha mais «nogueirista» do seu partido ponha em causa a sua candidatura às presidenciais -:...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... na Páscoa, contrafeitos e contravontade, lá iam à confissão fazer a sua desobriga.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, foi essa desobriga que aqui tivemos. E, curiosamente, tal como os homens de então, que me diziam que faziam uma confissão pró-falso, pois o padre não tinha nada que saber o que era a vida deles, também o Sr. Primeiro-Ministro, hoje, falou muito pouco da vida do País...

Aplausos do PS.

e limitou-se, basicamente, a fazer um ataque de uma agressividade verbal imprópria, permita-me que lhe diga,...

Vozes do PSD: - Ah! ... de um verdadeiro homem de Estado...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador - .. em relação a uma oposição leal, patriótica e séria. É essa a posição que, nesta Câmara, sempre temos.

Aplausos do PS.

E eu compreendo que tenha falado pouco da situação do País, porque, quando a apresenta de forma rósea e a compara com as afirmações preocupadas, mas determinadas, que eu próprio faço, as portuguesas e os portugueses dão-me razão

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - E fazem-no porque as portuguesas e os portugueses sabem o que é o desemprego, de que eles ou os seus filhos podem sofrer; as portuguesas e os portugueses sabem o que é a insegurança nas ruas e o que são as dificuldades do poder de compra; os comerciantes sabem que não vendem ou que vendem menos; os empresários sabem bem daquilo que têm de queixar-se em relação às políticas do seu Governo; as pessoas, em geral, sabem que, quando fala do País, dando uma imagem rósea

O Sr. Guilherme Silva (PSD) - Rósea? Rosa!

O Orador: - que não é verdadeira, os engana, e sabem que, quando nós falamos do País, com preocupação mas com vontade de vencer, falamos verdade e vamos ajudá-los a resolver os problemas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora, o que para mim é mais curioso...

O Sr. Presidente: - Completou três minutos, Sr. Deputado.

O Orador: - ... é que, se não falou do País, isso revela que, no fundo, tem consciência de que o seu projecto falhou,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - .. não tanto nos primeiros anos da sua governação...

Vozes do PSD: - Ah'...

O Orador: - ... mas, claramente, nos últimos quatro desta legislatura. De facto, esta foi a Legislatura em que prometeu segurança e tem insegurança, em que prome-

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teu crescer mais depressa do que a Europa e cresceu menos, em que prometeu que a agricultura progrediria e ela retrocedeu, em que prometeu maravilhas à indústria e ela teve as maiores dificuldades, em que prometeu melhor educação e existe o descalabro no sistema educativo, em que prometeu menos pobreza e esta aumentou, em que prometeu mais tranquilidade nas ruas e melhor combate à droga e se deu precisamente o contrário.

Protestos do PSD.

Sr. Primeiro-Ministro, foi por saber que o seu projecto falhou, foi por saber que o seu modelo está esgotado que decidiu ir-se embora.

Aplausos do PS.

E não se vai embora, sobretudo, por ter medo de perder as eleições! Eu diria que se vai embora, sobretudo, por ter medo de ganhá-las, como explicou, de uma forma admirável, naquela sua entrevista ao jornal Diário de Notícias sobre o "n-1", na qual disse que saindo agora ainda podia sair bem, mas se saísse a meio do próximo mandato corria o risco de ser empurrado e sair mal. 0 senhor bem sabe em que estado deixa o País, para se ir embora neste momento!...

Aplausos do PS.

E não é também por acaso que, numa análise que Freud não deixaria de fazer do seu discurso, a palavra "fugir" foi das mais repetidas, a propósito de todos e de todas as coisas. É uma projecção sobre os outros da sua própria realidade psicológica.

Aplausos do PS.

Mas depois, Sr. Primeiro-Ministro, sobre o PS, sobre as oposições em geral, não houve nada que não tivesse dito de mal. Disse mesmo coisas que Maomé jamais se atreveria a dizer do presunto. Disse que o PS "atrasa o comboio da História", que o PS "é incompetente", que o PS "é irresponsável" - ...

Aplausos do PSD.

... esperem até ao fim que vão gostar!

O Sr. Presidente: - Completou seis minutos, Sr. Deputado.

O Orador: - ... que o PS "é desestabilizador".

Vozes do PSD: - É!

O Orador: - Disse que o PS é tudo isso...

Vozes do PSD: - É

O Orador: - Mas, então, se o PS é tudo isso, por que é que o Sr. Primeiro-Ministro disse, e repetiu, acrescentando "sem dúvida nenhuma", que preferiria um governo maioritário do PS a um governo minoritário do PSD?

Aplausos do PS.

Como é possível que o Sr. Primeiro-ministro entenda que é bom para este País um governo maioritário que atrase o comboio da História, que seja incompetente, irresponsável, desestabilizador e que não tenha patriotismo?!...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, de duas uma: ou não soube o que disse hoje ou não tem sabido o que tem andado a dizer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD) - Olha quem fala!...

O Orador: - Por isso, no fim das tais confissões pouco sinceras e pouco convictas, o padre Brito lá das Donas achava que o melhor era não fazer escândalo e lá absolvia os que iam confessar-se, mandando-os em paz.
Sr. Primeiro-Ministro, não é a mim que compete absolvê-1o ou condená-lo. Essa tarefa caberia aos portugueses, se lhes tivesse dado essa oportunidade. Mas, tal como o padre Brito, digo-lhe: Sr. Primeiro-Ministro, vá em paz, nós cá ficamos para tratar dos problemas de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, dou a palavra o Sr. Primeiro-Ministro. Chamo, de novo, a atenção de que aos três minutos avisarei e aos seis minutos pedirei para concluir.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, estamos em período pré-eleitoral e por isso, como eu próprio disse no discurso, é necessário algum desconto e até alguma compreensão.

Risos do PSD.

Por isso, é que até me surpreendeu que V. Ex.ª tenha feito um elogio aos primeiros anos do meu Governo

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Não posso deixar de agradecer-lhe, porque, estando em período eleitoral, só se espera que V. Ex.ª diga mal e de forma agressiva.

Vozes do PS: - 15so é o que o senhor faz!

O Orador: - Sr. Deputado, referi no meu discurso as grandes dificuldades que tivemos de enfrentar ao longo deste anos, mas se tudo é tão negro como o senhor normalmente afirma, se tudo é tão negativo, então, gostaria que o senhor me explicasse como foi possível, apesar de tudo, que, em cada ano e em termos reais, o poder de compra das pensões subisse 9%, que, como sabe, nos tempos dos seus governos socialistas, tinha diminuído.

Vozes do PS: - Nos últimos quatro anos?!

O Orador: - Eu não interrompi há pouco o Sr. Deputado António Guterres.
Também gostaria que me explicasse como foi possível, então, que, em termos médios, o poder de compra dos salários subisse 3%, em termos reais.

Vozes do PS: - Nos últimos quatro anos?!

O Orador: - Como foi possível, no meio disso tudo, que, apesar de tudo, Portugal permanecesse como o país com menos desemprego dentro da União Europeia, para além do Luxemburgo e da Áustria?

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Vozes do PSD: - Boa!

Protestos do PS.

Gostaria de perguntar ao Sr. Presidente da Assembleia da República por que razão os Deputados do Partido Socialista não me deixam responder à pergunta que me colocou o Sr. Deputado António Guterres.

Aplausos do PSD.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Peço também aos Srs. Deputados do PSD que deixem o Sr. Primeiro-Ministro responder.

Risos do PS.

O Orador: - Mas, se as coisas são assim, como foi possível que as taxas de juro, que eram de 30% ou mais, há anos atrás, agora estejam, para alguns segmentos, na casa dos 12%?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E em termos reais?!

O Orador: - E se as coisas são assim, então, como foi possível que esse relatório, de que, pelos vistos, os senhores nem gostam de ouvir o nome, diga que Portugal recuperou, na sua convergência com a União Europeia, 16 pontos percentuais, só sendo ultrapassado pela Irlanda nesse mesmo período? Enquanto que o nosso rendimento per capita, em paridade de poder de compra, representava 53% da média comunitária quando aqui chegámos, agora representa 69%.
Se é tudo tão negro, Sr. Deputado António Guterres, permita-me uma citação, só que esta V. Ex.ª não pode recusar: "Penso que Portugal está em condições de cumprir os critérios de convergência em 1999 e poderá, provavelmente, cumpri-los mais facilmente do que a Espanha e a Itália".

O Sr. Jaime Gama (PS): - Se é assim, porque é que se vai embora?

O Orador: - Quem é que o afirma? Daniel Bessa, do Partido Socialista, no Diário Económico, de 16 de Maio de 1995.

Aplausos do PSD.

Como é possível que um país, tão negro, como o senhor o apresenta, se integre, com esta facilidade, no primeiro pelotão da União Europeia em 1999 e com muito mais facilidade do que esses dois colossos que são a Itália e a Espanha?
0 Sr. Deputado faz críticas com facilidade e promessas com maior velocidade ainda.
V. Ex.ª tem respostas cor-de-rosa para todo e qualquer problema do nosso país...

O Sr. José Magalhães (PS): - Dê um exemplo!

O Orador: - As promessas, sabemo-las, não me force a apresentar as suas próprias citações - tenho-as aqui todas.

Vozes do PSD: - Um calhamaço!

O Orador: - 0 Ministério das Finanças deu-se ao trabalho de calcular o impacto das promessas que V. Ex.ª tem feito.

Protestos do PS.

E, considerando apenas as promessas para a educação, para a saúde, o rendimento mínimo garantido e outras, que estão bem explicitadas em discursos, em entrevistas ou em contrato de legislatura, concluiu que caso o PS quisesse manter a obediência ao défice excessivo permitido, teria de aumentar inevitável e significativamente os impostos, nos seguintes montantes:...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É um abuso de poder!

O Orador: - ... para manter o défice do Orçamento dentro dos limites da terceira fase, de acordo com as promessas do PS - e deixo de lado as promessas de mais dinheiro para as autarquias, por exemplo, pois sempre prometeu bastante -, seria necessário aumentar os impostos, por cada trabalhador português, em mais 80 contos, em 1996, em mais 160 contos, em 1997, em mais 230 contos, em 1998, e em mais 280 contos, em 1999.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - 15so é falso!

O Orador: - Tal significa que as promessas já conhecidas do PS, se fossem cumpridas, implicariam, para cada trabalhador português, no período de 1996 a 1999, um aumento de 750 contos/ano.

Protestos do PS.

Caso não se visse que havia aumento de impostos, teríamos um agravamento brutal do défice, que conduziria ao ciclo infernal de mais inflação, mais desvalorização da moeda, maiores taxas de juro, queda do investimento, agravamento do desemprego e queda do poder de compra das pensões e dos salários, como sempre aconteceu.
Por último, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que prefiro, de facto, a estabilidade política e a governabilidade. 0 que há dias referi foi exactamente o mesmo que disse na campanha eleitoral de 1991, nem uma palavra a mais, nem uma palavra a menos. Sou defensor de maiorias absolutas para Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entendo que Portugal não se pode dar ao luxo de voltar aos tempos de governos de nove meses. A nossa credibilidade iria por água abaixo, os interesses de Portugal não mais poderiam ser defendidos na cena internacional, seria o retrocesso do nível de vida dos portugueses, da qualidade de vida da nossa população.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Por isso, a minha credibilidade resiste desde 1991 até 1995. Às vezes, tenho alguma dúvida se a credibilidade de V. Ex.ª resiste entre a comparação da afirmação de ontem e da que faz hoje.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

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23 DE JUNHO DE 1995 3O97

O Sr. António Guterres (PS): - Para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço à Mesa que informe o Governo de que o dinheiro dos contribuintes não pode ser gasto pelo Governo a analisar propostas dos partidos.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

E aproveito para dizer que os números citados são falsos e que, felizmente, previa este ataque, pelo que lhe responderei na minha próxima intervenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero dizer que, felizmente, Portugal não tem um Governo irresponsável ao ponto de não se debruçar sobre as várias propostas da oposição...

Protestos do PS.

... e as perspective na projecção do futuro de Portugal! Felizmente, Portugal não tem um Governo irresponsável ao ponto de não se debruçar sobre as propostas do maior partido da oposição e as analise, projectando-as no futuro do País! Felizmente que assim é!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço um pouco de atenção para o que vou dizer: a ordem dos debates parlamentares tem uma certa cadência, pelo que vou dar a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro para um comentário muito breve à intervenção do Sr. Deputado António Guterres.

Vozes do PS: - A interpelação é feita à Mesa!

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Primeiro-Ministro pediu-me a palavra para o efeito.
Tem a palavra, Sr. Primeiro-Ministro, para interpelar a Mesa nos mesmos termos em que o fez o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, queria, ao menos, dizer perante esta Câmara, dirigindo-me a V. Ex.ª que não aceito esta concepção de democracia,...

Vozes do PS: - Ah! Pois não!

O Orador: - ... em que o Governo não pode estudar as propostas que a oposição faz.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Vai distribuir-nos o estudo?

O Orador: - Pelo menos, precisávamos de saber se as propostas que o PS apresentava não iriam ser utilizadas para cortar os vencimentos, as pensões, o investimento ou qualquer outra coisa.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O que é que faz o gabinete de estudos do PSD?

O Orador: - Logo, tivemos de utilizar hipóteses razoáveis: ou se aumentam os impostos ou se deixa aumentar o défice. Não há alternativa! Por isso, o que eu pensava era que,...

Protestos do PS.

... sob a forma de interpelação, o Engenheiro Guterres viesse dizer que, afinal, os números não estavam certos, que não tinha prometido isto ou aquilo para a saúde, isto ou aquilo para a educação, o rendimento mínimo garantido ou, então, as propostas para as autarquias locais.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, depois do que disse há pouco, lembro-lhe o meu pedido, mas dou-lhe a palavra, se é, realmente, para interpelar a Mesa.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - É sim, Sr. Presidente.
O Sr. Primeiro-ministro várias vezes citou e confirmou a existência de um estudo, feito pelo Ministério das Finanças, sobre as propostas da oposição. Partindo do princípio, e sem discutir a legitimidade de que esse estudo está visível, solicito a V. Ex.ª que peça ao Sr. Primeiro-Ministro que entregue esse estudo à oposição agora, para o podermos ter em consideração.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Depois de terminadas as interpelações à Mesa, vou dar a palavra, para formular o seu pedido de esclarecimento, ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

Vozes do PS: - Entregue já o estudo!

Srs. Deputados, façam o favor de guardar silêncio.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, parece que está a amainar a tormenta, pelo que lhe dou a palavra para fazer o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Primeiro-Ministro fez uma intervenção, poderíamos dizer, com três vertentes ou andamentos e uma conclusão.
O primeiro andamento foi o da desresponsabilização, da desculpabilização e da inversão de responsabilidades, como se fossem a oposição ou as oposições os responsáveis pelo desemprego, pelo trabalho precário, pelas dificuldades que temos no nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A segunda vertente foi o andamento do estadista e do auto-elogio: "Eu, Primeiro-Ministro, trato da Pátria, as oposições preocupam-se com o poder e tudo fazem para dizer mal, para criarem um clima de terra queimada".

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3O98 I SÉRIE - NÚMERO 91

A terceira vertente foi o discurso do paraíso, de "tapar o sol com a peneira", um discurso autista, para depois concluir que ou se continua com as políticas do PSD, de Maastricht e neo-liberais ou então temos o caos, isto é, o eu ou o caos, o eu ou a desestabilização.
Mas o Sr. Primeiro-Ministro, na sua intervenção, criou algumas dificuldades ao Dr. Fernando Nogueira, que não está presente, mas que, se estivesse, poderia confirmar esta afirmação.
A primeira dificuldade foi quando disse que este Governo estava em melhores condições do que qualquer outro para se apresentar ao veredicto popular. O Dr. Silva Marques ainda levantou as mãos para bater palmas, mas olhou à esquerda e viu que o Dr. Fernando Nogueira se encontrava na mesma, quieto, pelo que resolveu não bater palmas.
A segunda dificuldade que criou ao Dr. Fernando Nogueira foi quando, a certa altura, resolveu dizer uma piada, afirmando que havia alguns que se tinham afastado das suas políticas mas que, depois, deram uma cambalhota e se aproximaram outra vez. E mais uma vez vi o Dr. Fernando Nogueira um pouco atrapalhado.

Risos do PCP.

A terceira, e mais complicada, foi quando disse que se o poder absoluto não for para o PSD, então, que vá para o PS, ou se não for para o PS que vá para o PSD. E, mais uma vez, vi o Dr. Fernando Nogueira um pouco atrapalhado
É que o Sr. Primeiro-Ministro sabe que conseguiu duas maiorias absolutas e que o Dr. Fernando Nogueira está com grandes dificuldades nesse sentido, pelo que dizer isso não é facilitar-lhe a vida nem mostrar solidariedade ao PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não esteja preocupado!

O Orador: - Mas como é que o Sr. Primeiro-Ministro vem aqui fazer um discurso autista, o discurso do paraíso, ignorando que há quase meio milhão de desempregados, aumento do trabalho precário, que se continuam a liquidar empresas, que há salários em atraso, trabalho infantil? Como é que o Sr. Primeiro-ministro pode continuar a ignorar a situação em que vivemos? Como é que o Sr. Primeiro-Ministro pode continuar a ignorar que, nestes últimos anos, nos afastámos da média comunitária, destes últimos crescimentos, mesmo face a este célebre relatório que o Sr. Primeiro-Ministro aqui mostrou à Câmara, em 1995 e nas previsões para 1996? E não venha com as médias estatísticas! Aliás, o meu camarada Octávio Teixeira, na última sessão, já teve oportunidade de explicar a um Deputado do PSD a "média económica das galinhas"! Há muito tempo que conhecemos isso tudo, que sabemos o que é alongar as médias para tirar conclusões.

O Sr. Rui Carp (PSD): - 15so é unia autêntica capoeira!

O Orador: - Vamos falar a verdade, Sr. Primeiro-ministro! Que falta de seriedade e de verdade por parte de um Primeiro-Ministro que deixa ao País a agricultura e as pescas em ruínas, uma indústria desvitalizada, com a substituição da produção nacional pela produção estrangeira! Ou o Sr. Primeiro-Ministro não reconhece que o interior do País está hoje mais desertificado e envelhecido? Um Primeiro-Ministro que introduziu, através do Sr. Ministro da Saúde, a mercantilização na saúde, criando um Serviço Nacional de Saúde caritativo para os pobres. Mas para aqueles que têm dinheiro há saúde! Segundo a velha máxima do PSD, "quem quer saúde que a pague, quem quer ensino que o pague, e se não queres pagar impostos torna-te rico"!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E o Sr. Primeiro-ministro vem falar de ensino, na situação em que ele se encontra, com a mercantilização dos saberes?! Os estudantes vieram aqui hoje, à Assembleia da República, trazer um documento sobre o estado do ensino superior. Vou ter, Sr. Primeiro-Ministro, a oportunidade de lhe fazer hoje a entrega desse documento - e também à Sr.ª Ministra da Educação - para que medite sobre o que aqui está escrito.

Aplausos do PCP.

Que falta de humildade e de verdade por parte de um Primeiro-Ministro que acentuou as desigualdades com a sua política, que criou graves injustiças na nossa sociedade, que governou para clientelas e que deixa um sistema fiscal em que só pagam impostos os trabalhadores por conta de outrem. Falar aqui em despesismo, em aumento dos impostos! Quem é que paga os impostos neste país, Sr. Primeiro-Ministro, senão os trabalhadores por conta de outrem?!
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, que diferença entre a realidade e as promessas que fez há quatro anos, quando proeurou ganhar as eleições e conquistar votos! Vou lembrar-lhes só algumas das que fez por escrito, fora as que fez oralmente: a de uma economia moderna e desenvolvida, a da diminuição da precaridade do emprego; a da redução do horário de trabalho para as 4O horas!
Vejo que o Sr. Deputado Silva Marques baixa a cabeça. Pode estar de cabeça levantada, Sr. Deputado, porque o senhor ontem votou contra. Nós demos a oportunidade ao PSD de cumprir uma promessa do Sr. Primeiro-ministro e os senhores não lhe fizeram esse favor!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, já vos ouvi durante muitos anos! Já tive a minha dose!

O Orador: - Lembro-lhe ainda, Sr. Primeiro-Ministro, a sua promessa do aumento do rendimento dos agricultores! Que diferença entre as promessas e a realidade! Não seria a altura, na hora da despedida, quando o Sr. Primeiro-Ministro pinta isto tudo cor-de-rosa - mas, afinal, não vai submeter-se ao veredicto das eleições -, de assumir as suas responsabilidades, de confessar aqui, perante a Câmara, que a sua política falhou e que o nosso país, hoje, se encontra numa situação de maior vulnerabilidade, com uma economia mais dependente e mais subalterna e com amputações significativas da independência nacional? Creio que sim, Sr. Primeiro-ministro!

Aplausos do PCP.

É este o desafio que lhe deixo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

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23 DE JUNHO DE 1995 3O99

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, há uma diferença de base ente o meu pensamento e o seu. E nem vale a pena estarmos agora a discutir com base nas diferenças ideológicas que cada um de nós partilha.
Contudo, quero dizer-lhe que não fiz o discurso do paraíso. De facto, referi as grandes dificuldades que tivemos de enfrentar em resultado da crise económica internacional mais profunda que ocorreu desde o fim da II Guerra Mundial, e como uma economia pequena e aberta, como a portuguesa, não consegue evitar as incidências negativas de uma tal crise internacional. Até mencionei a agricultura como um sector atingido nos anos mais recentes por intempéries que ninguém consegue controlar e manifestei toda a compreensão em relação às preocupações dos agricultores.
No entanto, quero corrigir alguns pontos que o senhor referiu. Primeiro, o número de desempregados é de 388OOO.

Risos do Deputado do PCP Carlos Carvalhas.

E, como o senhor é economista, se quiser, dou-lhe uma fotocópia do INE, no fim da sessão. São exactamente 388OOO!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Fora os outros 155OOO!

O Orador: - Sr. Deputado, há pouco, não o interrompi! Também devia saber que, desde a minha chegada ao Governo até agora, se criaram 167OOO novos postos de trabalho, isto é, o número dos criados a mais em excesso aos destruídos é de 167OOO.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sectores destruídos!

O Orador: - O que significa que, se não conseguimos criar empregos para todos os que chegaram de novo ao mercado de trabalho, pelo menos criámos 167OOO - e é bom que o Sr. Deputado reconheça isso mesmo!
Não sei quantos outros países conseguiram melhores resultados. Aliás, o senhor até sabe muito melhor do que eu que a Espanha tem 22% de desemprego e a Irlanda, que, por vezes, cita, 16%. Nós, felizmente, temos pouco mais de 7% de desemprego. Deus nos ajude a que, no futuro, continuemos com uma taxa de desemprego dm mais baixas de toda a Europa! Até aqui isso foi possível e penso que, com políticas correctas, teremos possibilidade de continuar a ser um dos países com o mais baixo índice de desemprego.
Em relação à educação, também discordo do que o Sr. Deputado disse. Aliás, o senhor deve estar muito incomodado com aquilo que a OCDE escreveu! Aconteceu que, logo este ano, a OCDE - de que agora o senhor já não gosta, mas, se calhar, no ano passado gostava, tal como o partido que se encontra na bancada ao seu lado - veio dizer precisamente que, nestes últimos 1O anos, o sistema de educação e formação profissional desenvolveu-se rapidamente em Portugal e que o nosso país está no bom caminho. E sabe por que é que refiro a OCDE? Porque a OCDE, ao contrário do senhor, do PS, do CDS-PP e de outras forças, não tem interesse eleitoral dentro do nosso país - os técnicos da OCDE não precisam dos votos de Portugal, do eleitorado português, e, por isso, são isentos, são aquilo que o senhor não é!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

E, no domínio da agricultura, o senhor podia ter reconhecido que se em alguns anos o rendimento dos agricultores caiu também no ano que terminou ele subiu 2O% e a produção aumentou 4%! Se quiser, venha falar comigo no fim do debate, que até lhe ofereço a estatística!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Podemos falar agora, Sr. Primeiro-Ministro!

O Orador: - Quanto à redução do horário de trabalho para as 4O horas semanais, parece que o senhor falou disso para me criar dificuldades. Tenho a impressão de que estava convencido que, ao referir as 4O horas, ia criar-me uma enorme dificuldade. O Sr. Deputado não me cria qualquer dificuldade, porque vim prevenido e, como sabe, "homem prevenido, vale por dois".

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Trouxe o "estudo"?

O Orador: - Vou ler-lhe aquilo que diz o Programa do Governo sobre essa matéria. Diz exactamente o seguinte: "Dar-se-á um incentivo à redução progressiva do horário de trabalho por via negocial (...)"... Sabe o que é a via negocial?

Vozes do PSD: - Não sabe!

O Orador: - E prossegue: "(...) para 4O horas semanais, a par da reorganização dos tempos de trabalho e lazer". E, depois, no Acordo Económico e Social de 1991, que também tenho aqui,...

Vozes do PS: - Só falta o "estudo"!

O Orador: - ... diz-se a mesma coisa, ou seja: "Através da negociação colectiva, visar-se-á, em paralelo, generalizar a duração semanal de 4O horas, em 1995, e a contabilização dos tempos de trabalho, em termos de média, reportada, em princípio, a períodos de três meses, podendo ser fixado na negociação colectiva um período diferente". O Acordo facilita ainda o recurso ao trabalho suplementar, em resposta às necessidades objectivas das empresas.
E não sei se sabem que a Intersindical votou contra este Acordo, não o assinou!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E fez muito bem! Sabia que isso era a "cenoura"!

O Orador: - Significa isso que quer reivindicar, depois, aquilo que não está no Acordo para ficar com...

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, faça favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, o Governo julga que deve facilitar o entendimento entre as partes no Conselho Económico e Social, mas que este não é o momento para legislar, para impor. Devem ser as partes a negociá-lo, tal como se diz no programa do Governo e no Acordo Económico e Social de 1991.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que estimulámos essa negociação, mas as condições ainda não foram propícias a um entendimento entre as partes no Conselho Económico e Social.

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31OO I SÉRIE - NÚMERO 91

Sr. Deputado, este é o Programa do Governo, que foi votado nesta Assembleia.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já passaram 2O minutos e o "estudo" não vem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, devemos todos agradecer a presença de V. Ex.ª. Embora se trate do debate sobre o estado da Nação, o Sr. Presidente da Assembleia da República, conhecendo os usos da Casa, pôs uma nota no Boletim Informativo, dizendo: "Estará presente o Sr. Primeiro-Ministro". 15to significa como nós trabalhamos: a vossa vinda aqui é realmente um caso para ser citado no Boletim "Estará presente o Sr. Primeiro-Ministro".

Risos do Sr. Primeiro-Ministro.

Em segundo lugar, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª era suposto fazer aqui um discurso sobre o estado da Nação. Mas, afinal, o que V. Ex.ª fez foi um discurso acerca do estado de espírito do Primeiro-Ministro sobre a Nação,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Mau estado!

O Orador: - ... o que é algo completamente diferente. E este estado de espírito do Primeiro-ministro em funções sobre o estado da Nação é um estado de espírito de azedume, é um estado de espírito de quem se vai embora com ligeireza, deixando aos outros, os que hão-de ficar que façam melhor do que eu. Efectivamente, ouvimos dizer algumas coisas durante 6O minutos sobre os grandes índices, sobre a OCDE, sobre as grandes conquistas estatísticas sobretudo.
Não vou, pela minha própria preparação, fazer aqui um debate sobre os índices económicos ou as inflações. Mas, por exemplo, no Programa do Governo, uma parte também muito importante diz respeito ao "apostar no homem e valorizar o futuro". E neste capítulo III do Programa do Governo - "Apostar no homem e valorizar o futuro" -, há subcapítulos sobre a cultura, a educação e o apoio social no sistema educativo, o ensino básico, secundário, tecnológico, artístico e profissional, o ensino superior e investigação, a juventude, o desporto, a formação profissional, a ciência e tecnologia, a comunicação social, as comunidades europeias, os descobrimentos e, depois, o reforço da solidariedade com a família, a segurança social, os deficientes, etc., com os quais V. Ex.ª gastou rigorosamente 7,5 minutos. V. Ex.ª tem aí o seu discurso e em toda a economia do seu discurso, sobre a sociedade, a valorização do homem e da cultura, V. Ex.ª gastou apenas o tempo que decorreu entre o minuto 43,3 e o minuto 52,6 da sua intervenção. 15to significa aquilo que é, na sua inteligência e na sua maneira de ser e de conceber o País, a valorização do homem, da sociedade, da cultura e dos direitos de cidadania. V. Ex.ª sacrificou o País aos índices económicos.
Devo dizer a V. Ex.ª o seguinte: naquela vulgata, do tipo sebenta - aliás, bem feita pelos seus assessores -, que V. Ex.ª publicou com o nome de As Reformas da Década, há um último capítulo a que não atribuiu o número e que devia ter o n.º 14, porque V. Ex.ª é, em si mesmo, uma reforma estrutural no País!
Porque a maneira como concebe a democracia, e como efectivamente se desviou do que deve ser um primeiro-ministro, do que deve ser uma visão sobre o País, e a forma como trata o regime, a sua invectivação sobre as oposições e os contrapoderes ou sobre os poderes equilibrantes da nossa sociedade, é uma reforma estrutural.
V. Ex.ª diz, a certa altura, que a expressão "forças de bloqueio" apareceu na nossa sociedade - como se V. Ex.ª não fosse o autor dessa frase! -, apareceu no nosso país, concretizar como o Partido Socialista e os partidos da oposição bloquearem o Tribunal Constitucional, para pararem as reformas, para algumas pessoas - e preferiu não dizer o nome - travarem essas reformas da década. Quer dizer, V. Ex.ª é o tipo de pessoa que pensa que, com a maioria absoluta - que efectivamente deve ser um rolo compressor -, não precisa de diálogo, não precisa das oposições, as oposições são sempre más, as oposições são uma pecha que não devia existir, as oposições são sempre bloqueadoras, as oposições são excrescências do passado, as oposições são coisas que o Parlamento pode dispensar...

Vozes do PS: - É isso mesmo!

O Orador: - ... e bastava o Primeiro-Ministro e a sua maioria para levar o País aos grandes triunfos.

Aplausos do CDS-PP e do PS.

É esse capítulo do livro de V. Ex.ª que as escolas jamais devem ensinar. porque é uma concepção antidemocrática do exercício do lugar de Primeiro-Ministro. Todas essas pessoas que estão sentadas ao seu lado, e hoje o vêm apoiar, não mereceram uma única referência no seu livro.

Aplausos do PS.

Foram seus ajudantes, mas no livro são entidades anónimas, enquanto V. Ex.ª, nos 1O anos, foi o único autor e actor da História. Todos esses homens foram non entities. Agradecem, porque não querem estar ligados ao fracasso daquilo que está no seu livro.
Finalmente - pelo tempo que me falta -, devo dizer a V. Ex.ª que temos de lamentar aqui a cultura antidemocrática que tem no seu livro das grandes reformas, porque V. Ex.ª quer este livro como legado da sua presença na História, mas é um mau legado para a juventude, para a formação da cidadania e dos homens.
V. Ex.ª citou aqui o caso da lusofonia, de Timor e das nossas opções estratégicas. Porque é que V. Ex.ª, no que diz respeito à lusofonia, esconde que ainda não foi capaz de fazer a Conferência da Lusofonia, depois de duas recusas do Brasil?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Porque é que V. Ex.ª embrulha o problema de Timor, sem falar das OGMA? Porque é que V. Ex.ª não fala aqui, clara e abertamente, dos seus falhanços de política em relação a Angola, depois de Bicesse, em que se viu envolvido nos casos das OGMA, que quer a todo o custo esconder, e em que deixou o seu estatuto de imparcialidade para se pôr ao lado de uma das forças beligerantes?

Aplausos do CDS-PP e do PS.

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23 DE JUNHO DE 1995 31O1

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Qual é a política de juventude que V. Ex.ª tem? É a de dar subsídios à juventude, sem publicar aqueles que foram negados às outras juventudes partidárias? Qual é a política de segurança que V. Ex.ª tem? É a de um ministro voltar as costas ao outro, como foi aquele caso em que o Ministro da Justiça utilizou o tempo destinado ao Ministro Dias Loureiro, enquanto este fumava um cigarro lá fora,...

Risos.

... ou aquele dia em que veio cá o Ministro Dias Loureiro e o Ministro da Justiça ficou em casa para não dizer que o Código Penal nada tem a ver com isso?

Aplausos do CDS-PP e do PS.

O Orador: - E, como professor, V. Ex.ª adoptou a chamada licença sabática para o Governo e, durante essa licença, nem sequer se dá conta de que o seu Subsecretário de Estado tem falado mal publicamente do Ministro da Indústria e Energia, dizendo: "Eu nunca concordei com o Ministro da Indústria e Energia sobre Foz Côa";...

Vozes do PS: - Exacto!

O Orador: - .. de que o Ministro do Comércio e Turismo diz mal publicamente sobre a política de energia em relação à Renault; de que a Sr.ª Ministra da Educação diz publicamente que nada tem a ver com a formação profissional; de que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social diz publicamente que nada tem a ver com o Ministério das Finanças.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - E, neste desconjunto todo, V. Ex.ª vem dizer "o meu Governo fez isto, o meu Governo fez aquilo", em vez de dizer "o meu Governo está de partida, está todo desconjuntado, já não assumo qualquer responsabilidade, aquele homem que ali está sentado à frente que tome conta disto e se cosa com as linhas que tem, porque atrás de mim virá o dilúvio que está à vista"!

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de acabar!

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar.
Fui estudante de Coimbra e lá costumamos dizer que "Coimbra tem mais encanto na hora da despedida", por isso gostaria que, na hora da despedida, V. Ex.ª tivesse tido um pouco de encanto naquele discurso que fez. Desencantou-nos a todos com 6O minutos de uma prosa chata, que o País ouviu.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD, batendo com os punhos nas bancadas.

O Orador: - E vou dizer mais: vai despedir-se, sem deixar a mínima saudade.

Aplausos do CDS-PP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, tivemos agora aqui um bom exemplo do que pode fazer a proximidade de um acto eleitoral.

Aplausos do PSD.

Tivemos aqui o exemplo do que pode ser a descaracterização da pessoa que nós conhecemos do debate normal, aqui, na Assembleia da República, só na tentativa de conseguir agarrar mais um voto.

Risos do PSD.

Principalmente quando se entusiasma, porque até começou bem! Começou bem, mas depois é que as coisas se complicaram!
Mas eu não vou por aí! Até lhe vou responder com todo o respeito, fazendo um esforço para o ajudar a perceber melhor as questões.

Risos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ah!

O Orador: - Primeiro, o Sr. Deputado, apesar do esforço que fiz no meu discurso, não entendeu a importância estratégica para a cultura e para a língua portuguesa que representa a RTP Internacional...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Ah!

O Orador: - ... que hoje é uma das 12 televisões do mundo com cobertura total e a única em...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Aplaudimo-la!

O Orador: - Ó, Sr. Deputado, porque é que se incomoda com as verdades?! Porque é que perde o controlo?! Sr. Deputado, não perca o controlo, porque eu não o vou agredir, vou tratá-lo com simpatia!

Aplausos do PSD.

Porque, esquecendo o seu comportamento de hoje, até acho que o Sr. Deputado é uma pessoa simpática...

Risos.

... e, por isso, acho que merece que eu tenha para consigo uma benevolência especial.

Risos.

Mas a RTP Internacional é, hoje, em países de língua portuguesa, um canal de acesso directo a cidadãos desses países.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Mas a que propósito é que isso vem?!

O Orador: - É talvez a aposta estratégica mais profunda que alguma vez nós fizemos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Nós aplaudimos isso, Sr. Primeiro-ministro!

Protestos do PSD.

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31O2 I SÉRIE - NÚMERO 91

O Orador: - Aplaudiu, mas, pelos vistos, estava distraído quando fiz o meu discurso!

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não! Não!

O Orador: - Então, vamos voltar para outro! A gente compreende! Está esclarecido! Está esclarecido sobre essa matéria!
Passamos, pois, a uma segunda questão de que também falei no meu discurso, que é a da liberalização da comunicação social em Portugal,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Com a RTP na mão!

O Orador: - ... ou seja, a criação de um espaço de afirmação de liberdade, porque, quando chegámos ao Governo, o Estado tinha o monopólio total da televisão e da rádio, tirando a Rádio Renascença, e até os jornais, na sua maioria, pertenciam ao Estado.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Portugal foi o último país da Europa a fazer isso!

O Orador: - E somos o único caso de Governo que, com desprendimento total, e rapidamente, muitas vezes com os votos contra da oposição - lembra-se disso? -, fizemos a liberalização da comunicação social. É uma das reformas estruturais mais profundas! Não sei se sabe o que são reformas estruturais!?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sei! Sei!

O Orador: - Não sabe, mas vou explicar-lhe!

Risos do PSD.

As reformas podem ser estruturais e conjunturais. São estruturais quando tocam nas chamadas relações de comportamento. Ou seja, existem determinadas relações de fundo, que são chamadas relações de comportamento, que, quando se alteram, nós falamos em reformas estruturais. Por exemplo, a relação entre consumidores e produtores, entre trabalhadores e empresários;...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Esqueceu-se disso no livro!

O Orador: - ... entre o cidadão e a comunicação social. Portanto, levam a uma mudança, quer de atitudes quer de mentalidades. 15so são reformas estruturais! E esta é uma das reformas estruturais mais profundas que alguma vez se fez no nosso país, depois de 1985. E, pelos vistos, também contámos com o seu aplauso!
Mas agora falou da lusofonia! Ó, Sr. Deputado, recorda-se da tensão que existia, no campo político, entre Portugal e os países de língua oficial portuguesa africanos por volta de 1985/1986? Tenho um grande orgulho - e isso é dito e reafirmado constantemente pelos líderes dos países africanos que falam português - de ter contribuído para a normalização total das relações com esses países, no respeito mútuo e numa cooperação verdadeiramente fraterna.

Aplausos do PSD.

E o Sr. Deputado, por uma pequena frase, manifestou que nem sabe o que foi o acordo de Lusaka. É que não se chama acordo, chama-se protocolo! E chama-se protocolo porque, nos seus termos, repõe-se em vigor o Acordo de Bicesse.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado, pela sua formação, talvez devesse estar um pouco mais informado nesta matéria. E, hoje, se o senhor não me quer ouvir a mim, pergunte aos dirigentes políticos da Guiné, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, de Angola e de Moçambique qual é o tipo de relacionamento que eles têm com Portugal e quem foi que o criou.
E em relação mesmo à Comunidade dos Sete, não é o momento para revelar tudo, Sr. Deputado, mas com certeza que chegará o dia em que tudo será revelado.
Batemo-nos e continuaremos a bater-nos por criar uma verdadeira comunidade de povos de língua portuguesa, e já demos um passo importante nesse sentido. É que a comunidade está, de alguma forma, já construída ou em vias de ser construída no plano do audiovisual, precisamente no plano da cultura, que o Sr. Deputado tanto nos criticava. Hoje as emissões regulares de televisão já chegam ao Brasil com facilidade; chegam a Cabo Verde com facilidade; e vão chegar, com a mesma facilidade, a todos aqueles que falam a língua portuguesa. Estou convencido de que isso que o senhor desprezou, pelo menos na crítica que me fez, é o mais substancial que conseguimos fazer nos anos mais recentes, pana aproximar toda esta comunidade da língua portuguesa.
Em relação a Timor, nunca quis puxar apenas para nós os louros e sempre procurámos associar quer o Presidente da República quer a Assembleia da República ao combate que havia de travar-se de forma unida contra a Indonésia. Por isso, Sr. Deputado, não aceito, de forma alguma, insinuações de que tenhamos feito menos do que aquilo que devíamos fazer pelo povo de Timor. Se conseguimos alguma coisa de que nos orgulhamos é de termos diplomaticamente dado visibilidade a uma causa que é de todo o povo português. Não me parece correcto que se queiram trazer para a refrega político-partidária as questões de Timor. Por isso me senti chocado, quando aqui foi apresentada uma moção de censura, mas também me senti chocado quando o senhor quis utilizar aqui a cooperação com Angola e falou nas OGMA. Devo dizer que tenho muito orgulho - e digo-o aqui perante todos - pelo que de bom fizeram as OGMA em Angola para defender os interesses superiores de Portugal.

Aplausos do PSD.

Para mim, para este Primeiro-ministro, digo-o com todo o à-vontade, as OGMA sempre defenderam em Angola os superiores interesses de Portugal, e o que me chocou foi o facto de um Deputado, que hoje não está nesta Câmara, por ter ido para outro Parlamento, ter querido utilizar a cooperação com esse país, no plano do Parlamento Europeu, para de alguma forma incomodar,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... em luta político-partidária, o Governo português. 15so chocou-me! 15so chocou-me vivamente!

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado falou de juventude. Ó Sr. Deputado, eu podia ter falado muito de juventude, podia ter-lhe recordado os programas para a criação de jovens empresários,...

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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Podia, não! Devia!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, mas não tenho tempo para lhe recordar tudo. Posso dar-lhe até uma explicação particular...

Risos do PSD

... mas era-me impossível falar aqui de tudo. Podia falar da criação do sistema especial de incentivo de renda de casa, ou dos jovens para a cooperação, ou do sistema de incentivos, há pouco anunciado,...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Primeiro-Ministro, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - ... de emprego para os jovens, o seu primeiro emprego. Eu podia ter falado de muita coisa. Podia ter falado mais da cultura, da lei do mecenato, pois fomos o primeiro Governo a apostar numa lei do mecenato, podia falar no Centro Cultural de Belém que foi tão criticado e que agora é tão...

Vozes do PS: - Foi barato!

O Orador: - ... aplaudido.

Aplausos do PSD.

Podia falar da iniciativa "Lisboa, Capital da Cultura", Sr. Deputado!
Não posso abusar mais da benevolência do Sr. Presidente da Assembleia da República, mas aqui, desde já, me declaro disposto a recebê-lo no meu gabinete para ajudá-lo a clarificar a sua mente em relação às dúvidas incompreensíveis que aqui manifestou.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Deputado Narana vai à explicação!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Primeiro-ministro.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, para que não fiquem dúvidas, queria dizer que aplaudimos e pensamos ser uma orientação estratégica do nosso país a RTP Internacional, no entanto, o que não queremos é que ela transmita apenas os noticiários da RTP nacional, que é manipulada pelo Governo...

Aplausos do PS.

Protesto de Deputados do PSD, batendo com os punhos nas bancadas.

... de forma a que chegue ao estrangeiro não só a voz do Ministro Marques Mendes mas a de qualquer outro.

Vozes do PS e do PCP: - Exacto!

O Orador: - Nós somos pela liberalização da comunicação social. E, em 1991, pedimos que o Canal 2 da RTP fosse dado à Igreja e VV. Ex.ªs, depois de terem prometido, faltaram à promessa. E hoje o Governo está com dois canais, a fazer uma concorrência absolutamente desleal em relação aos operadores privados.
V. Ex.ª veio dizer que foi o seu Governo que restabeleceu as ligações com os países africanos de língua oficial portuguesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, peço-lhe que se circunscreva à figura regimental do pedido de esclarecimento.

O Orador: - Sr. Primeiro-ministro, lembre-se que foi o Governo de Sá Carneiro, o Governo AD, no qual V. Ex.ª foi Ministro das Finanças e Freitas do Amaral Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, pela primeira vez, restabeleceu as ligações de Governo a Governo com Angola e Moçambique, passando por cima do PCP, que era o único partido que mantinha as relações com os governos destes países independentes. V. Ex.ª pode ter muitas coisas positivas, e têm-nas...

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Eu não sou sectário! Não sou sectário, mas não faço parte da maioria...

Vozes do PSD: - Graças a Deus!

O Orador: - ... que bate palmas por tudo e por nada!

Protestos do PSD.

Como dizia o Professor Teixeira Ribeiro, sei admirar e reconhecer, mas V. Ex.ª não ponha "penas" que não merece na sua cabeça, porque efectivamente quem começou com a política de Governo a Governo, passando por cima dos partidos, foi o Governo da AD, com Sá Carneiro como Primeiro-Ministro e Freitas do Amaral como Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Primeiro-Ministro, o meu discurso nada tem a ver com as respostas dadas por V. Ex.ª, porque...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo.

O Orador: - ... o que V. Ex.ª fez foi referir os apontamentos que tinha para um eventual discurso do CDS-PP,...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Muito obrigado.

O Orador: - ... que não teve lugar.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, eu não disse que tinha iniciado relações diplomáticas com qualquer país africano de língua oficial portuguesa mas, sim, que tinha encontrado essas relações numa tensão muito forte e que agora elas são bem diferentes.
Quanto à comunicação social, Sr. Deputado, ninguém o levará a sério se insinuar que hoje não há liberdade total

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de imprensa, de rádio e de televisão em Portugal. Ninguém o levará a sério!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, há ainda três pedidos de esclarecimentos, mas como V. Ex.ª já não dispõe de tempo, peço-lhe que responda no fim, globalmente.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-ministro: V. Ex.ª, ao longo destes 1O anos, escreveu e disse inúmeras vezes aqui, no Parlamento, que a sua grande promessa era o crescimento, o crescimento para tudo. No entanto, nunca falou aqui, e hoje também não, do crescimento da frustração dos portugueses face à política e às promessas feitas ao longo destes 1O anos.
Uma das maiores frustrações que terá ocorrido durante os mandatos dos seus governos terá sido a da criação do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. Basta dizer, aliás, reportando-me ao discurso que hoje aqui fez, que, em cerca de 6O minutos, apenas se referiu uma vez às questões do ambiente, precisamente para dizer que o Governo se empenhou na elaboração do plano do Governo para a política de ambiente. É assim também que nós o designamos, Sr. Primeiro-ministro, porque o plano nacional de política de ambiente, consignado na Lei de Bases desde 1987, como um instrumento de política a que o Governo se deveria ter obrigado, não existe, e não existe porque o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo não estão interessados. Nunca estiveram interessados em elaborar um plano que tivesse em conta aquilo que a própria Lei de Bases estipula para a sua elaboração, designadamente a de uma estratégia nacional de conservação da natureza que tenha em conta as estratégias mundial e europeia, por forma a ser apresentada a este Plenário, o que deveria ter ocorrido há seis anos, e não aconteceu até hoje. Ora, se a estratégia tivesse sido aprovada, então seriam os seus objectivos que enformariam o plano nacional de política de ambiente.
Se o Governo, se o Sr. Primeiro-Ministro quisesse de facto dar direito de cidadania ao ambiente em Portugal seria necessário que não enganasse os portugueses, seria necessário que cumprisse a lei aprovada nesta Assembleia da República em 1987. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, a criação do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais foi, de facto, uma frustração, que começa logo pela sua decisão de criar o Ministério em Janeiro de 199O, quando em Dezembro de 1989 tinha sido aprovado o Orçamento do Estado, na Assembleia da República, e nessa altura o senhor não tinha uma proposta para a criação do Ministério. Por isso, quando o Ministério foi criado, em 199O, naturalmente, considerámos ser uma manobra de propaganda, já que não tinha orçamento nem estrutura orgânica, o que não teve até 1992. Por isso o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais foi uma fantochada, e acontece, Sr. Primeiro-Ministro, que a Sr.ª Ministra do Ambiente, aqui presente, é uma pessoa descredibilizada em termos políticos. É hoje público e notório, aparece escrito na imprensa e dito na rádio, pelas organizações ambientalistas e por nós também, que todas as promessas, todos os compromissos feitos pela Sr.ª Ministra ao longo destes anos, como Secretária de Estado e como Ministra, de facto falharam rotundamente.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, mas V. Ex.ª disse que cumpriu o Programa do Governo quase na sua totalidade, que só umas coisas, aqui e ali, sem importância, é que não foram cumpridas.
Sr. Primeiro-Ministro, no programa de Governo, elaborado e aprovado na Assembleia, em 1991, os senhores comprometem-se a coisas como as que vou citar: "integração da componente ambiental nas várias políticas sectoriais" - diga uma, Sr. Primeiro-Ministro; "problemas ambientais que possam ser detectados e solucionados na sua fonte" - dê um caso, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações não está cá, não sei se estará a inaugurar alguma ponte ou algum aqueduto, mas ele é um bom exemplo da forma como o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo integraram, de facto, a política do ambiente nas políticas sectoriais e como procuraram resolver os problemas na fonte. Também não está presente o Sr. Ministro da Indústria e Energia que esteve sempre à margem de todos os esforços que eventualmente a Sr.ª Ministra do Ambiente terá feito, embora tenha assinado uns papéis, que aparecem publicamente, mas, na prática, tudo funciona como sabemos.
Os rios e as ribeiras deste país, onde muitos portugueses saciaram a sede noutros tempos, estão hoje transformados em autênticos canos de esgoto, Sr. Primeiro-Ministro!
Mas o Sr. Primeiro-Ministro diz ainda outras coisas no programa de Governo, como "necessidade de rever, aperfeiçoar e aprofundar a Lei de Bases do Ambiente".

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de resumir as suas considerações, pois já ultrapassou em muito o tempo regimental.

O Orador: - VV. Ex.ªs nem sequer cumprem a Lei de Bases do Ambiente. Não regulamentaram grande parte das questões mais importantes constantes da Lei de Bases do Ambiente. Não publicam o Livro Branco sobre o estado do ambiente que deveriam publicar de três em três anos. Não publicam o relatório do estado do ambiente que deveriam de publicar, de acordo com uma lei, todos os anos.
Sr. Primeiro-Ministro, o programa de Governo também diz que se deveria rever a lei dos impactes ambientais. Estamos à espera que apresente, neste Parlamento, uma proposta de lei, para rever a lei da avaliação dos impactes ambientais.
O Sr. Primeiro-Ministro diz ainda: "serão incentivadas acções de reciclagem e iniciativas para a recuperação de todos os resíduos que são passíveis de ser valorizados", mas o seu partido recusou aqui, na Assembleia, votar favoravelmente um projecto de lei, apresentado por nós, neste sentido; "no domínio da conservação da natureza será dada prioridade a acções de protecção de zonas sensíveis de elevado valor ecológico e cultural." Sr. Primeiro-Ministro, enumere as iniciativas tomadas no sentido da recuperação do Alviela, do Leça, do Lis. A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, após deslocação recente ao Leça, disse que a promessa, que o senhor também tinha feito, de recuperar e despoluir esse rio, afinal, não seria facilmente concretizável e que já não iria ocorrer.
Noutro ponto diz-se: "Integrar as populações residentes no espírito da protecção das áreas protegidas, dando-lhes alternativas viáveis e tornando-as participan-

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tos nos planos do desenvolvimento e protecção das áreas onde residem".

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - O que é que as populações do litoral alentejano e da costa vicentina, do Parque Nacional da Serra da Estreia, do projectado parque natural do Tejo Internacional, dessas regiões, têm dito do Governo precisamente por não cumprir estas promessas e muitas outras?

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Orador: - Como não tenho tempo, concluo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.) - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dizia Balzac que há duas histórias, uma, verdadeira, outra, ad usum Delphini, e o discurso de V. Ex.ª sobre o estado da Nação é naturalmente uma história ad usum Delphini.
Em vésperas de eleições, o Governo sempre anunciou medidas para combater o desemprego: foi assim em vésperas de eleições autárquicas aquando das 4O medidas do ex-Ministro Silva Peneda, foi assim em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu com as iniciativas do IDL e, agora, em vésperas de eleições legislativas acontece o mesmo com os milhões que vão para o Alentejo.
Contudo, o desemprego não tem parado de crescer. Aquando das 4O medidas, era de 355OOO o número de desempregados, aquando do IDL, era de 39OOOO e, agora, em Fevereiro deste ano, já estamos nos 43OOOO desempregados. Só no Alentejo, há 42OOO desempregados, 2O% da população, dos quais 27OOO (cerca de 67%) não recebe qualquer subsídio; entre Janeiro e Março, segundo o INE, a taxa de desemprego subiu para 7,4%; há 6OOO licenciados no desemprego; no Grande Porto, de acordo com o Banco Alimentar Contra a Fome, a carência alimentar atinge 15OOOO pessoas.
O retrato verdadeiro e não ad usum Delphini do país é este. Portugal, desde 1989, tem recebido 1 milhão de contos por dia e, nove anos depois da adesão, no que se refere ao Produto Interno Bruto per capita, mantém em relação aos países da OCDE o mesmo lugar que ocupava em 197O, ou seja, o vigésimo segundo. São estes os números que deixo para V. Ex.ª comentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.) - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: A sua vinda aqui mostrou como estavam carentes os Deputados do PSD e que V. Ex.ª não devia tê-los abandonado. Porém, não se iluda com estas demonstrações de entusiasmo porque ainda ontem assistimos ao requerem pelo cavaquismo, é verdade que com uma orquestra de serrotes, mas não foram capazes de fazer melhor. O "quero, posso e mando" de 1O anos foi ontem aqui derrotado no meio da mais patética das desorientações do grupo parlamentar e do seu presidente!
Sr. Primeiro-Ministro, nem o seu partido escapou, tão longe foi V. Ex.ª na política com que está a dar cabo do país. Desde 1991, apesar de biliões de contos de fundos, afastámo-nos constantemente dos níveis económicos e sociais da Europa. Convergência, Sr. Primeiro-Ministro? No desemprego, na marginalização dos emigrantes, na droga, na insegurança! Mas V. Ex.ª repete que os índices europeus são mais elevados nestas matérias. Aluno aplicado e zeloso, como V. Ex.ª diz ser, sabemos que não descansará certamente enquanto esses índices não forem alcançados. Será, talvez, um dos empenhos do candidato presidencial Aníbal "Mistério" Silva.
Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª e a sua política são os primeiros responsáveis pelo aparecimento organizado e violento do neofascismo e do seu filho dilecto, o racismo, na medida em que tiveram um discurso xenófobo (neste momento, não está presente o Sr. Ministro Dias Loureiro), em que foram concedidas pensões aos PIDE, em que foi branqueada a guerra colonial, nomeadamente por V. Ex.ª, e na medida em que agravaram a crise estrutural e as suas consequências, escondendo as suas reais causas, que são as da ordem dos ricos, que é a ordem do crime impune para os Financeiros, os corruptos e os traficantes e a ordem do castigo para o povo.
Os 4OO milhões de contos/ano de evasão fiscal, num sistema já de si permissivo para quem tem muito dinheiro, mostram que se acumula grande parte do dinheiro que faz falta ao desenvolvimento do país, paralisado pelo desemprego e pela improdutividade ao ponto de o Secretário de Estado do Turismo, em desespero de causa, já falar em produtos como o sol e as areias. Espantoso!
E, na altura da revisão de Maastricht, que exige um referendo nacional, V. Ex.ª insiste na adequação dos critérios da batota financeira, espoliando quem trabalha e recusando os critérios sociais de convergência europeia, como o pleno emprego e as 35 horas semanais no combate ao desemprego. Mas esses são os critérios dos trabalhadores e dos povos europeus, Sr. Primeiro-ministro, e a eles se há-de chegar!
Deixo-lhe uma pergunta: aquando do bárbaro assassinato do jovem Alcino Monteiro por skinheads, V. Ex.ª queixou-se do SIS por este não ter actuado. Santa ingenuidade! V. Ex.ª não sabe, então, que o SIS se vai organizando como um Estado dentro do Estado e que não serve para neutralizar os bandos neonazis nem para desincentivar as milícias de Serém? Não sabe V. Ex.ª que o SIS serve para espiar e provocar os estudantes, os sindicalistas, as associações democráticas?
Para terminar, pode dizer o Sr. Primeiro-ministro quantos elementos do SIS estiveram ligados aos serviços de informações do regime anterior, nomeadamente à ex-PIDE?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, quero dizer-lhe que o Plano Nacional da Política do Ambiente - designa-se desta forma e não como o senhor referiu - é um documento fundamental da estratégia, que consideramos correcta, em que se conciliam os dois lados de uma moeda, o desenvolvimento e o ambiente. Ora, como a estratégia, em matéria de conservação da natureza, está contida no Plano Nacional da Políti-

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ca do Ambiente, a questão que colocou é burocrática e posso concluir que, afinal, o senhor está muito mais interessado na capa do que no conteúdo dos documentos.
Devo dizer-lhe também que a despoluição de alguns pontos negros em cursos de água, como o Leça, o Ave, o Trancão e o Alviela, está a ser desenvolvida e o senhor sabe muito bem disso.
Pediu que lhe desse um exemplo - mas, como sou tão generoso, vou dar-lhe dois - de integração da política do ambiente nas políticas sectoriais e aproveito para demonstrar, desta forma, a minha consideração em relação aos partidos pequenos, mesmo quando anexados a um partido um pouco maior: primeiro (não sei se quer tomar apontamentos), o acordo entre os Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Indústria e Energia sobre os critérios de apoio do PEDIP, condicionando a realização de auditorias ambientais; segundo, o acordo entre o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, a Confederação da Indústria Portuguesa e a Confederação da Agricultura Portuguesa, sendo que as próprias confederações industriais e agrícolas acordaram na administração de programas de reconversão para que, de uma forma contratual, se consiga reduzir a poluição associada ao processo produtivo.
Portanto, também falhou neste domínio, ao inventariar algumas medidas que o Governo não concretizou. Mas quero dar-lhe uma ajuda,...

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Dê-me exemplos concretos!

O Orador: - ... porque o senhor podia ter sido correcto. Quase que o foi e até o felicito por isso.
O Programa do Governo contém cerca de 5OO medidas que é necessário concretizar. Logo no início, aquando da nossa posse, fizemos um levantamento e todas as semanas acompanhávamos o cumprimento das medidas que constam desse Programa. Ora, dessas, cerca de 4O não foram cumpridas.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Eram todas do ambiente!

O Orador: - Sim, sim, tem razão! Podia ter dito que não reformulámos a lei de bases do ambiente; considerámos que não o devíamos fazer, porque a que está em vigor é uma boa lei. Repito: consta do Programa do Governo a reformulação da lei de bases do ambiente e, deliberadamente, não a fizemos.
Vou dar-lhe outra ajuda quanto ao não cumprimento do Programa do Governo mas já percebi que o senhor, em lugar de ficar agradecido, é mal-agradecido. Podia ter dito que também não modificámos a lei de associações de defesa do ambiente, o que podia ser-lhe muito caro; deliberadamente, também não o fizemos!
Assim, das 4O medidas que não cumprimos, que fazem parte da totalidade de 5OO, tem aqui duas...

O Sr. André Martins (Os Verdes): - E a lei da caça?!

O Orador: - Até reformulámos a lei da caça, ainda que o senhor possa não estar de acordo com ela.
Portanto, para si, a resposta chega!

Risos do PSD.

Depois, o Sr. Deputado Raul Castro fez o seu pedido de esclarecimentos, a que não vou responder pela simples razão de que ele desconhece o número de desempregados e, há pouco, eu já tinha falado nele, na resposta dada ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
Sr. Deputado Mário Tomé, sabe perfeitamente a consideração que tenho por si e aproveito esta ocasião para o cumprimentar - aliás, como Primeiro-Ministro com certeza que é a última vez que o faço.
Sr. Deputado Mário Tomé, dei-lhe uma grande oportunidade, a de o senhor poder falar para as câmaras da televisão. Sabe que só disse absurdos mas o absurdo também passa na televisão, por essa razão, acho que, de alguma forma, o senhor tem de agradecer-me por lhe ter dado a oportunidade de dizer um conjunto de absurdos que passam nos meios de comunicação social e penso que, por isso, também mereço consideração da sua parte.

Aplausos do PSD

O Sr. Mário Tomé (Indep.) - Fica satisfeito com essa resposta?!

O Orador: - Mas, como no fim, falou do SIS, quero dizer-lhe que o SIS é uma instituição do Estado democrático,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Ah é? É contra o Estado democrático!

O Orador: - ... onde eu gostaria que o senhor estivesse plenamente integrado, porque, como sabe, ao SIS compete recolher informações para fazer face à sabotagem, ao terrorismo e à contra-espionagem.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - E a fiscalização?

O Orador: - São funções necessárias num Estado democrático; pode não gostar delas, mas são funções indispensáveis para a defesa da democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - É por isso que esses serviços andaram implicados com o Estado espanhol!
São respostas pavlovianas para o PSD bater palmas!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. futuro ex-Primeiro-Ministro, Sr.ªs e Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A pouco mais de três meses de eleições legislativas, este debate só faria sentido para discutir o futuro. Por isso, não venho aqui dizer mal do passado: o balanço dos últimos quatro anos está feito, as pessoas sabem que Portugal não está bem. E quando o Primeiro-Ministro se elogia a si próprio e à situação do País, considerando invejável a tranquilidade das nossas ruas, quando os ministros afirmam que nada há a mudar na política de segurança ou anunciam todos os meses uma nova retoma, só se desacreditam face à opinião pública, que conhece a insegurança nas ruas, o tráfico de droga, o desemprego e a falta de poder de compra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem não quer ver o que todos vêem, só justifica a necessidade de uma nova maioria e de um governo do PS.

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Aplausos do PS.

Os portugueses estão fartos de ser enganado e de quem os engana.

O Sr. José Puig (PSD): - 15so é verdade!

O Orador: - Não vale a pena insistir no óbvio. Estou aqui, sim, para contribuir para uma nova esperança, para uma nova relação de confiança, tão necessária entre governantes e governados. Uma relação assente na verdade. É possível governar diferente e governar melhor. Mas a verdade obriga a reconhecer os limites em que se move um país pequeno, integrado na União Europeia e num mercado cada vez mais global. Quem o esquecer poderá agitar ilusões mas nada construirá de sólido. Comigo, Portugal irá prosseguir com determinação os objectivas políticos, económicos e monetários da integração europeia,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... objectivos que exigem estabilidade cambial e redução progressiva do défice público e da inflação, que exigem a estabilidade cambial que não tivemos nos últimos quatro anos...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Ora aí está!

O Orador: - ... porque começámos por ter uma valorização nominal e real do escudo que foi excessiva para, depois, em dois discursos lamentáveis, do Ministro das Finanças e do Primeiro-Ministro, termos ajudado a precipitar uma queda brusca do escudo.

Aplausos do PS.

Andámos a subir e a descer, não tivemos estabilidade cambial.

Aplausos do PS.

Sem fundamentalismos desnecessários, mas assegurando o cumprimento das regras que nos permitam aceder à moeda única em 1999, de acordo com as palavras do Dr. Manuel Bessa, que, há pouco, aqui ouvi referir - e muito bem.
Mas, se assim é, são também necessárias quatro linhas fundamentais de renovação no plano político: um poder político diferente, firme e determinado, mas dessacralizado, aberto ao diálogo e à partilha das responsabilidades; uma visão estratégica concertada com a sociedade sobre o futuro da economia, e não só, sobre a capacidade de afirmação da língua e da cultura portuguesas no mundo;...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... uma verdadeira sensibilidade às injustiças e aos problemas sociais; e, porventura acima de tudo, um novo sentido das responsabilidades que faça do Estado uma pessoa de bem e que não permita aos responsáveis políticos fingir que nunca sabem o que lhes diz respeito e que nunca lhes diz respeito aquilo que sabem.

Aplausos do PS.

Em primeiro lugar, quero um poder político que substitua a arrogância pela convicção, o autoritarismo pela firmeza e pela persuasão.
Quero um governo que acabe com o segredo, a manipulação estatística - para começar, seria bom entregar-nos imediatamente o estudo feito sobre as propostas do PS! - ...

Aplausos do PS.

... e a ocultação selectiva dos dados ao serviço da propaganda.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero um governo consciente do risco do abuso de poder, que aceite sem reservas ser fiscalizado e que valorize as oposições em vez de as insultar, na acção política e até na questão simbólica do reconhecimento protocolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nunca quis nada para mim. Mas, se for, como espero, primeiro-ministro - e isto não custa um tostão ao erário público -, ...

Risos do PSD.

... não quero os futuros líderes das oposições colocados atrás do último subsecretário de Estado.

Aplausos do PS.

É uma questão de respeito e de cultura democrática'
Quero um governo que cumpra a lei e respeite a independência das magistraturas, que prefira o princípio das carreiras e dos concursos públicos baseados na competência à lógica partidária e clientelar das nomeações por confiança política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero um governo que dialogue com os cidadãos e que partilhe o poder com regiões e municípios, mas também com as associações representativas da sociedade civil.
Quando, hoje, pretendo saber o que Portugal diz, de facto, nos Conselhos Europeus, tenho de recorrer ao testemunho dos meus colegas socialistas, primeiros-ministros de outros países da União. 15to vai acabar!

Aplausos do PS.

O futuro primeiro-ministro não usará o segredo e a dissimulação para tentar transformar em falsas vitórias o que se passa secretamente em Bruxelas... ou em Madrid.
Quero um governo que os cidadãos se habituem a respeitar, sem medo, e no qual possam confiar, o que requer uma segunda linha indispensável de mudança.
Temos uma economia que, hoje, se arrasta sem estratégia, aos tropeções, a reboque dos parceiros europeus. Fracassou o modelo adoptado nos últimos 1O anos de poder, o de pensar Portugal como o país de mão-de-obra mais barata num mercado europeu fechado.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Bastava construir estradas. O investimento nas pessoas não tinha valor estratégico. O interesse da mão-de-obra estava em ser barata, não em ser qualificada. Foi possível disfarçar as consequências deste modelo

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31O8 I SÉRIE - NÚMERO 91

até ao final da década de 8O. Elas aí estão, na década de 9O, mostrando, de uma forma clara, o seu fracasso.

O Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

O Orador: - É que a queda do Muro de Berlim e a liberalização do comércio mundial mataram este modelo. Nos anos 9O, sem estratégia nem rumo, Portugal começou a ficar para trás, ano após ano, em relação aos seus parceiros europeus, enquanto cá dentro se agravava, e se agrava o desemprego, a pobreza, a insegurança. Perdemos competitividade. A nossa mão-de-obra nem é tão barata como a polaca ou a chinesa - nem poderá sê-lo! - nem tão qualificada como a dos nossos parceiros da União - e terá de vir a sê-lo!

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aqui radica a prioridade estratégica ao conjunto educação/formação para o governo da nova maioria. Não podemos perder um segundo nem desperdiçar um tostão. Temos de fazer as pazes com os professores, os jovens, as famílias, desiludidos, desorientados, aturdidos. Temos de fazer da escola, de cada escola - porque é na escola que estão os nossos filhos, não é na burocracia do Ministério da Educação -,...

Aplausos do PS.

... temos de fazer da escola a paixão galvanizadora do poder político e da sociedade portuguesa.
Como disse Fernando Pessoa: "(...) Ser inteiramente patriota é, primeiro, fazer o possível para que se valorizem os nossos compatriotas".

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Já estamos mal e partimos tarde. O nosso esforço vai levar tempo a produzir os seus efeitos. Até lá, temos de aproveitar ao máximo o potencial produtivo, na agricultura e nas pescas, na indústria, no comércio e no turismo.
Só trabalhando todos juntos na mesma direcção, sem despotismos iluminados, poderemos resistir. Quero um novo contrato entre o Estado e o mercado, um governo que apoie quem produz e quem trabalha, capaz de estabelecer um processo inovador de concertação estratégica entre poder político, grupos empresariais e empresas, parceiros sociais. Também isto não custa mais dinheiro, mas permite pôr em comum saberes e recursos, articulando as políticas do Estado - e tão divorciadas têm andado! - com as estratégias de desenvolvimento do próprio mundo empresarial, para que todas as oportunidades sejam aproveitadas, sabendo que o objectivo último de qualquer política económica, por mais difícil que seja, tem de ser a solidariedade e o emprego.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tudo isto implica uma nova confiança, confiança esta que exige três atitudes diferentes.
Em primeiro lugar, o combate implacável à burocracia, que mata e continua a matar a iniciativa, para eliminar dificuldades que só foram criadas para vender facilidades, e actuando sem aquelas reformas globais da Administração Pública que a nada levam, mas pragmaticamente, caso a caso, papel a papel, processo a processo, simplificando a vida aos cidadãos e às empresas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, fazer do Estado uma "pessoa de bem", um Estado que cumpra a lei, que respeite os contratos, que pague àqueles a quem deve da mesma forma que exige o que lhe é devido.

Aplausos do PS.

Finalmente, acabar com a subserviência em relação a interesses estrangeiros. Tanto como os outros, respeitaremos as regras, mas não permitiremos que empresas estrangeiras, por exemplo, nas obras públicas, utilizem formas de concorrência desleal para pôr em causa as nossas, nem que Portugal seja, nomeadamente no domínio dos produtos alimentares, o "caixote de lixo da Europa comunitária".

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, uma terceira linha de inovação para um governo da nova maioria: uma forte consciência social, para acabar com a indiferença face às injustiças, às desigualdades, à pobreza e ao desemprego, indiferença profunda, que nem as propagandas eleitorais de última hora conseguem esconder. E é particularmente chocante ver recusar um rendimento mínimo garantido às famílias portuguesas - esta, sim, uma promessa que fiz e manterei! - capaz de combater as mais revoltantes situações de miséria, por aqueles que fomentaram o luxo, o desperdício e o despesismo, o dinheiro mal gasto e as obras de fachada.

Aplausos do PS.

Talvez o estudo do Ministério das Finanças nos revele porque custou o Centro Cultural de Belém três vezes mais do que o previsto!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Talvez o estudo do Ministério das Finanças nos revele quantas dezenas, ou centenas, de milhões contos foram e vão ser consumidas pelo abandono e pela negligência a que o Governo votou a CP e a TAP!

Aplausos do PS.

Qual será - talvez já o saiba o estudo do Ministério das Finanças! - o verdadeiro buraco suportado pelo País, com o gigantesco conjunto de infra-estruturas à volta da EXPO 98? E quanto vai custar a mais do que o previsto a Gare do Oriente? Quanto do dinheiro do Fundo Social Europeu foi verdadeiramente deitado à rua? Quantas centenas de milhões de contos se gastaram em pura perda na agricultura, ao serviço de uma política errada e sem futuro?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Porque tem o Orçamento do Estado mais de 6O milhões de contos para gabinetes ministeriais?
Seria bom que o Ministério das Finanças, em vez de produzir falsos e fantasiosos relatórios sobre o que não existe, calculasse os custos das promessas e do despesismo do Governo a que pertence!

Aplausos do PS.

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23 DE JUNHO DE 1995 31O9

Mas indiferença mais geral e mais grave: várias vezes - e recordo, desde logo, uma intervenção minha em Outubro de 1992, outras anteriores e outras posteriores - aqui alertei o Governo para as consequências da ausência, que persiste, de uma política de integração harmoniosa das comunidades de imigrantes africanos em Portugal,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... ausência que, na altura, referi ser potencialmente geradora de racismo e de conflitos étnicos.

Aplausos do PS.

É necessário ter uma política cautelosa de imigração, mas não basta. É preciso que ela seja acompanhada de uma política de integração das comunidades em Portugal.

Aplausos do PS.

Protestos dos Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

É a terceira vez que digo...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - É uma hipocrisia!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ...
Sr. Deputado António Guterres, peço-lhe que suspenda a sua intervenção por uns momentos.

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, fazem favor de se calar!

Protestos dos Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ...

Protestos dos Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

O Orador: - É a terceira vez que digo, neste Plenário, que Portugal tem de ter uma política de emigração cautelosa...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - É uma hipocrisia!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Cautelosa como? Diga como!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, peço-lhe para não prosseguir já.
Srs. Deputados, todo o Deputado tem direito a expor os seus pontos de vista e os Srs. Deputados devem guardar silêncio!
Sr. Deputado António Guterres, peço-lhe para continuar, se puder.

O Orador: - É a terceira vez que digo, neste Plenário, que Portugal tem de ter uma política de imigração cautelosa. E compreendo que isso vos liquide e à vossa propaganda! Porque a vossa propaganda insidiosa é a de tentar dar a entender, contra toda a ética, que, em Portugal, há um "partido dos portugueses", que sois vós, enquanto os outros são "partidos dos estrangeiros"! Que fique claro, de uma vez por todas, que isto não é verdade!

Aplausos do PS.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Já ninguém acredita em si!

O Orador: - Todos os alertas, todas as propostas, todos os apelos caíram em saco roto. Até os alertas do SIS e da Polícia Judiciária, a que o Primeiro-Ministro respondeu com chocante indiferença, como se nada tivesse a ver com isso.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A indiferença que semeou ventos, colhe tragicamente tempestades. É uma indiferença que foi fatal, que é fatal e que não se repetirá.
Em política social, mudaremos prioridades, estratégias e orientações, mas sabemos que ir mais ou menos longe depende dos recursos disponíveis e dos limites impostos pela economia. O que não pode é haver limites à vontade firme de combater injustiças e a tragédia humana de tantas portuguesas e portugueses.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Porque essa vontade é o fundamento ético do exercício do poder e da autoridade do Estado democrático,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... autoridade do Estado que o futuro Governo terá de restabelecer, desde logo combatendo com firmeza a criminalidade e a insegurança nas ruas com o preenchimento total dos quadros das actuais polícias, onde faltam milhares de elementos; com a plena utilização, contra o crime, da Polícia de Intervenção bem como dos esquadrões a cavalo da GNR; com a substituição por outros trabalhadores da função pública, que nada tenham que fazer, dos agentes afectos à burocracia dos tribunais, libertando-os para o combate ao crime - assim se poupa dinheiro e se ganha eficácia; ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... com a criação das polícias municipais; com o necessário agravamento de algumas penas; com a resposta mais rápida dos tribunais; com a reforma das prisões, tão prometida mas tão adiada, para que um pequeno delinquente, ocasionalmente preso, se não transforme, para o resto da vida, num "doutorado" em acções violentas.

Aplausos do PS.

Da mesma forma poderia falar da droga, da necessidade de vigilância da nossa costa, um verdadeiro passadouro, da necessidade da articulação, a sério, das políticas de repressão e da criação de uma autoridade que coordene as diferentes polícias nela empregues, bem como da necessidade de ligar e de coordenar prevenção, tratamento e reinserção dos toxicodependentes.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Todo um programa de acção, global e coordenado, para dar mais segurança às pessoas, sobretudo nas zonas urbanas.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quarta inovação, a vontade firme de assumirmos as nossas responsabilidades sobre o que fazemos ou é feito sob a nossa autoridade.

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311O I SÉRIE - NÚMERO 91

Não quero ministros e secretários de Estado que nunca sabem nada, que nunca se responsabilizam por nada e que utilizam a maioria parlamentar para impor o segredo e ocultar a verdade.

Aplausos do PS.

Em Portugal, há uma velha tradição com que temos de acabar - é velha, não se refere apenas aos últimos anos: se um trabalhador eventual cometer um erro é despedido, se um membro do Governo, um alto funcionário, ou um gestor público cometerem um erro são, muito provavelmente, promovidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero na vida política portuguesa uma nova cultura de responsabilidade, contra o laxismo, a facilidade e a ocultação.

O Sr. Rui Carp (PSD): - E Albufeira?

O Orador: - Foi, e bem, desautorizado por mim. Gostaria de vos ver, e bem, desautorizarem os que entre vós prevaricam!

O Sr. Rui Carp (PSD): - E a Nazaré?

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Perante um PS que fala do futuro e apresenta ideias e propostas para enfrentar de novo os problemas nacionais, os membros do PSD, no essencial - vimo-lo, hoje, uma vez mais -, têm-se resumido a dizer mal do PS, nos intervalos, que felizmente não são muitos, em que não dizem mal uns dos outros!

Risos do PS.

O PSD é hoje o partido de maledicência, uma espécie de sessão contínua da Noite da Má Língua!

Risos do PS.

A primeira obsessão maledicente do PSD é a de tentar convencer os portugueses de que o PS estaria sempre a fazer promessas e que essas promessas obrigariam ao aumento dos impostos e da despesa pública.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Oiçam! Oiçam! Oiçam e esclareçam-se!
O truque é bem conhecido: repita-se uma mentira vezes sem conta, até que as pessoas acreditem que é verdade!
Para ilustrar as coisas, dou-vos quatro exemplos concretos.

Uma voz do PS: - Tomem nota!

O Orador: - Primeiro exemplo: no dia do famoso lapso sobre o PIB, ...

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - ... que gostosamente aqui assumo, estava eu a explicar que, infelizmente, as dificuldades financeiras do País não permitiam aplicar a curto prazo o nível desejável de despesa pública com a saúde - os tais 6% do PIB. Logo, todos os meus adversários passaram a alardear por todo o lado exactamente o contrário: que eu tinha prometido gastar com a saúde exactamente a verba que, expressamente, eu afirmara não ser possível despender de imediato.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

Lá chegará o dia, Srs. Deputados, infelizmente, não a curto prazo, mas lá chegará o dia em que poderemos gastar com a saúde aquilo de que os nossos doentes precisam e merecem.

Aplausos do PS.

Compreendo que o não queiram! Nós fá-lo-emos logo que pudermos!

Aplausos do PS.

Segundo exemplo: Visitei recentemente uma feira de calçado. Tive uma agradável troca de impressões com os industriais do sector. Nada prometi.

Vozes do PSD: - Foi excepção!

O Orador: - No Telejornal do Canal 1, lá vinha a mensagem: "Guterres fez hoje promessas aos industriais do calçado". Não diziam quais nem isso importava...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É uma vergonha!

O Orador: - O que se pretendida era acentuar, de forma insidiosa mas falsa, que ando sempre a fazer promessas!

Aplausos do PS.

São essas, evidentemente, as instruções do "Ministro da Propaganda" ao Canal 1 da RTP!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Exactamente!

O Orador: - Terceiro exemplo: estive, há tempos, numa suinicultura e almocei com empresários do sector.

Risos do PSD.

Estejam descansados, Srs. Deputados do PSD, que tenho a elegância suficiente para não ir embaraçar o vosso Primeiro-Ministro!

Aplausos do PS.

Como dizia, almocei com empresários do sector, ouvi os seus problemas e, no final, para entender bem, procurei fazer um resumo das suas reivindicações, dizendo-lhes que iria estudá-las e combinando uma futura reunião.

Vozes do PSD: - Já estudou?

O Orador: - Com certeza! Se estou há quatro meses à espera que o Dr. Fernando Nogueira acabe de estudar, também eu tenho o direito de estudar alguma coisa!

Aplausos do PS.

Qual não é o meu espanto, quando ouço o próprio Primeiro-Ministro dar, como elemento gerador da tal derrocada orçamental - que o Sr. Ministro das Finanças está a

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23 DE JUNHO DE 1995 3111

calcular -, o custo das promessas, que não fiz, na visita à tal... digamos, suinicultura.

Risos do PS.

Quarto exemplo, já hoje aqui referido: transferir competências e verbas para as autarquias não implica gastar mais. Permite é gastar melhor o mesmo dinheiro, porque se está mais próximo das pessoas e dos problemas.

Aplausos do PS.

Afinal, o estudo fantasma do Ministério das Finanças, mesmo fantasma, até está errado nos seus pressupostos!
A verdade, Srs. Deputados, é que, infelizmente, para o que gostaria, tenho feito poucas promessas. E as que fiz estão quantificadas...

Risos do PSD.

É verdade! Muitas vezes tenho sido procurado por gente desesperada que me pede que lhes prometa o que, em consciência, não sei se poderei dar.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - E já disse, muitas vezes, em intervenções públicas, que prefiro não prometer agora para poder um dia, eventualmente, dar o que não prometi.

Aplausos do PS.

As promessas que fiz, dizia, estão quantificadas e correspondem a prioridades absolutas.
Em relação ao resto, agiremos em função das possibilidades, com novas estratégias, reorientando despesa pública mal gasta, a nacional e a europeia, e com outro rigor em relação ao desperdício e ao despesismo, mas, que fique claro, respeitando duas balizas fundamentais: a primeira é que o novo governo vai acabar com o aumento sucessivo do peso dos impostos no rendimento nacional,...

Risos do PSD.

... aumento forte nos últimos 1O anos!

Protestos do PSD.

A carga fiscal não vai aumentar mais e o "tiro ao bolso do contribuinte" - chegou a cobrar-se dois impostos no mesmo ano - vai terminar, em Portugal.

Aplausos do PS.

Vamos ter mais justiça e equidade do que no passado. Não nos resignamos a que sejam os trabalhadores por conta de outrem a suportar a quase totalidade dos impostos directos em Portugal, nem nos resignamos com o laxismo face à fraude e evasão fiscais.

Aplausos do PS.

Segunda baliza: o despesismo sem limite do "poder laranja" fez a percentagem da despesa pública no Produto Interno crescer nos últimos 1O anos. Esse crescimento será travado e vamos mesmo reduzir esse peso o suficiente para que Portugal esteja em condições de aderir à moeda única em 1999.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Que fique claro e de uma vez por todas: o partido das promessas não cumpridas, do aumento constante dos impostos e do despesismo, revela-o a história, ...

Vozes do PSD: - É o PS!

O Orador: -... é o PSD, não é o PS!

Aplausos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, a segunda linha de maledicência fundamental do PSD consiste no ataque ao bloco central, de 1983 a 1985. Maledicência exagerada e injusta, perante a qual, eu próprio, sempre assumi o passado do meu partido, mesmo naquilo em que não participei. Aliás, a acção patriótica desse Governo é hoje internacionalmente reconhecida, até pela tão falada OCDE.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas a insistência das acusações sobre o bloco central, quer do Primeiro-Ministro, quer do novo líder do PSD, obrigam-me a fazer aqui uma clarificação, até porque, para o PSD, o que está sempre em causa numa eleição legislativa é, sobretudo, a escolha do primeiro-ministro.
Façamos então o exercício de admitir como supostamente válidos os ataques dos dois opositores referidos, ou seja, que o Governo do bloco central tenha deixado o País num caos, tenha sido o tal símbolo da inflação, do desemprego, da quebra do poder de compra, dos salários e das pensões e reformas.
Entendamo-nos: se assim é, o co-responsável por todos esses malefícios é o líder do PSD, não sou eu.

Aplausos do PS.

Como consta da sua biografia, ele esteve no Governo do bloco central, desde o princípio ao fim, sem ninguém lhe ter ouvido qualquer protesto.

Aplausos do PS.

Ao contrário, quer queiram quer não queiram - é a verdade histórica -, eu estive fora, regressei mesmo à minha vida profissional e são, aliás, conhecidas as críticas públicas que, na altura, apresentei a vários aspectos da sua política, nomeadamente no congresso do meu partido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - 15so, independentemente de hoje ter a hombridade de assumir toda a herança do PS, mesmo aquilo que o PS fez no Governo do bloco central.

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Dr. Soares vai gostar!...

O Orador: - Na lógica do discurso e dos valores do PSD, o único sentido útil das declarações do Primeiro-Ministro e do actual líder do PSD sobre a tragédia que teria sido o bloco central é dizerem aos portugueses que votem em mim para primeiro-ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e nunca no meu competidor, co-responsável nessa lógica: na criação do caos, da inflação, do

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desemprego, em menos poder de compra e pensões de reforma. Esta é a vossa lógica e é nome dela que sereis condenados.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Olha o juiz!

O Orador: - A minha lógica sempre foi a de assumir as responsabilidades do meu partido, mesmo naquilo em que não estive ou estive contra!

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Há, na maledicência do PSD em relação ao PS, uma inveja mal escondida. Como os seus dirigentes confessam, a grande obsessão do PSD é copiar as propostas do PS,...

Risos do PSD.

... é fazer vossas as nossas bandeiras. Querem que vos recorde quem o disse?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só que as cópias são sempre piores que os originais. As propostas do PSD são normalmente tardias, incompletas e, às vezes, atabalhoadas. Mas são um sinal: o sinal de que reconhecem que nós temos razão. Elas são o tributo que a velha maioria presta à nova maioria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Chamam-nos irresponsáveis, dizem que um governo PS seria o fim do País,...

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - ... mas ao mesmo tempo sentem por nós uma irresistível sedução política.

Risos do PS e do PSD.

A sedução política, permitam-me que o repita, que leva o Primeiro-Ministro a reconhecer que mais vale dar uma maioria absoluta ao PS do que uma relativa ao PSD.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Ninguém, em seu juízo, admitiria dar uma maioria absoluta a um grupo de irresponsáveis. Estando, seguramente, o Primeiro-Ministro no seu juízo, é ele próprio quem deita por terra todos os ataques do PSD ao PS.

Aplausos do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, estou convencido que, com a liberdade de espírito que vai passar a ter, depois de tudo o que me ouviu, ficou severamente abalado...

Risos do PSD.

... e, porventura, poderei contar com o seu voto,...

Vozes do PSD: - Está-se mesmo a ver!

O Orador: - ... em mim e no PS, para bem de Portugal.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Álvaro Barreto, Octávio Teixeira, Silva Marques e o Sr. Ministro da Administração Interna.

Vozes do PS: - Esqueceu-se do Deputado Fernando Nogueira!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes silêncio!
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, Sr. Líder da antiga e da nova minoria,...

Aplausos do PSD.

... ouvi com toda a atenção a sua intervenção, como, aliás, é meu hábito.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E não gostou!

O Orador: - Sabe a elevada consideração pessoal que tenho por si e não posso deixar de reconhecer que o seu discurso é bem estruturado, na medida em que apresenta um conjunto de boas intenções, intenções essas que qualquer partido político nesta Casa poderia subscrever.

Protestos do PS.

V. Ex.ª propõe melhor nível de vida para os portugueses, melhor educação, melhor saúde... É verdade que o faz, mas diria que a parte mais fácil da vida de um político é prometer generalidades e boas intenções. Onde a "porca torce o rabo", como diz o povo, é quando passamos às propostas concretas e, na realidade, muitas das propostas que V. Ex.ª faz são incoerentes entre si. Aliás, terei oportunidade de explicar alguns casos em que elas são completamente contraditórias.
Começo, por exemplo, pelo rendimento mínimo garantido, que V. Ex.ª assumiu hoje como um dos objectivos que irá cumprir. Lembro-me de já o ter estimado em cerca de 5O milhões de contos, mas, sinceramente, penso que será de valor muito superior, devido à dificuldade que haverá em controlar a atribuição desses rendimentos.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - São maus em contas!

O Orador: - Por outro lado, quando esteve com os estudantes, o Sr. Deputado disse que o governo do Partido Socialista iria suspender o pagamento de propinas, porque entendia que, embora o princípio das propinas pudesse estar correcto, a base de cálculo da sua atribuição era imperfeita e dada a grandes injustiças.

Vozes do PS: - E é verdade!

O Orador: - Ora, a questão concreta que coloco é a seguinte: se o Sr. Deputado António Guterres vier, eventualmente - penso que a probabilidade é mínima -, a ser primeiro-ministro, em que critério irá basear a atribuição do rendimento mínimo garantido? Penso que o único critério é aquele que existe: ou ele é mau para as propinas ou é bom para ambas as coisas!

Vozes do PS: - 15so é desconhecimento!

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O Orador: - Em segundo lugar, assumindo que é verdade que o Sr. Deputado não terá feito todas as promessas que têm sido veiculadas pela comunicação social, fez, pelo menos, a do rendimento mínimo garantido e a de que iria atribuir mais 1% para a educação. Ora, 1% para a educação, como V. Ex.ª hoje já sabe, ...

Risos do PSD.

... são 15O milhões de contos. Portanto, a soma das duas verbas, mesmo assumindo que estamos a falar em 5O milhões de contos para o rendimento mínimo garantido, atinge um valor na ordem dos 2OO milhões de contos, que é um valor, por si próprio, substancial.
Ao mesmo tempo, o Sr. Deputado tem dito que irá trabalhar no sentido da redução do défice. Com esse objectivo e fazendo uso da experiência que adquiri ao longo de 11 orçamentos do Estado, ontem dei-me ao cuidado de ver, verba a verba, onde seria possível ir buscar outras para compensar os 2OO milhões de contos, uma vez que o Sr. Deputado já disse que não ia aumentar o défice mas apenas usar melhor o dinheiro.
Sobre isso, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que as principais verbas do Orçamento do Estado, na sua quase totalidade, são de difícil transferência. Vejamos: os juros da dívida pública envolvem 8OO milhões de contos; a Caixa Geral de Aposentações 44O milhões; a saúde 875 milhões de contos; a educação 8O2 milhões de contos; a segurança social 6OO milhões de contos. Pergunto: onde ou que verbas é que o Sr. Deputado António Guterres se propõe reduzir para cumprir as promessas que fez? Para mim, é claro que a total ausência de experiência governativa é a razão base pela qual apresenta propostas que, na realidade, não vai poder concretizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estou convencido que V. Ex.ª não irá ser primeiro-ministro, mas se por acaso o País tivesse essa pouca sorte, ...

O Sr. Jaime Milhomens (PSD): - Deus nos livre!

O Orador: - ... diria que seria a primeira vez que, dentro da estabilidade constitucional, haveria um primeiro-ministro sem qualquer experiência governativa e sem nunca ter passado...

Protestos do PS.

Srs. Deputados do Partido Socialista, sei que quer o General Vasco Gonçalves, quer o Almirante Pinheiro de Azevedo também não tiveram, mas não queria ofender...

Aplausos do PSD.

Gostaria, e falo sinceramente, com todo o respeito que tenho pelo Sr. Deputado António Guterres, de considerar que parte importante das incoerências e das contradições que V. Ex.ª tem feito na apresentação das suas propostas advém, pura e simplesmente, do facto de V. Ex.ª não ter qualquer experiência governativa, o que será uma fraqueza enorme para Portugal, pois considero-o indispensável no momento difícil que o País e a União Europeia vão atravessar.
É, pois, preciso que o País tenha um primeiro-ministro com experiência governativa, com capacidade e com currículo nessa matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Barreto, como sabe, tenho por si estima e amizade pessoal e custa-me muito vê-lo fazer aqui o número do arrependido.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Não é por acaso que a direcção da sua bancada escolheu para me atacar o elemento do PSD que mais fortemente tem contestado o próprio PSD e a sua nova liderança ...

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

... e não me obrigue a ler aqui as inúmeras situações que o demonstram!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não gostaria de o fazer porque, sinceramente, entendo que o Sr. Deputado Álvaro Barreto é melhor, ...

Vozes do PSD: - Responda!

O Orador: - ... vale mais e merece falar aqui noutra qualidade, sem ser para fazer o "frete" a uma direcção da bancada e do partido que decidiu não me atacar.

Aplausos do PS.

Em relação ao rendimento mínimo garantido e propinas, Sr. Deputado, é claro que o rendimento mínimo garantido é mesmo só para quem não tenha nada e, portanto, nem sequer faz declarações de IRS.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - E a sua distribuição não vai ser feita pelo Estado, centralizadamente, mas através do reconhecimento do papel das instituições de solidariedade social a nível local,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... para evitar burocracias, bem como que o dinheiro seja desviado para aqueles que, efectivamente, não precisam.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Depois, Sr. Deputado, é evidente que há, hoje, gente muito rica que, à face da nova lei, não só pediu isenção de propinas como bolsas de estudo para os seus filhos, aproveitando a embalagem. É por isso que a reforma do IRS é uma condição imprescindível para a justiça fiscal e para a justiça na contribuição dos cidadãos para o pagamento das prestações sociais.

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3114 I SÉRIE - NÚMERO 91

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - 15so já é pior que demagogia!

O Orador: - Em matéria financeira, esteja tranquilo! Ao contrário do Ministério das Finanças, nós fazemos contas e vamos, aliás, em breve, apresentar as projecções macroeconómicas, desde 1995 até 1999, com a afectação da despesa pública a todas as suas finalidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E apesar da sua experiência governativa, confrange-me que não tenha compreendido que, entre 1995 e 1999, por simples efeito do crescimento económico, por pequeno que seja - e connosco será maior -, haverá...

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - ... um aumento natural da despesa pública muitíssimo superior, mesmo reduzindo o PIB em 2 ou 3 pontos, para ter em conta a convergência...

Vozes do PSD: - Cá está o PIB!

O Orador: - Srs. Deputados, não tenho qualquer problema por ter tido um lapso, mas devo dizer-vos que a vossa sedução pelo PS é tal que, a partir do momento em que tive um lapso, "desataram" todos a ter lapsos.

Aplausos do PS.

O Ministro do Mar já não sabe nada e até o Sr. Primeiro-Ministro já não sabe quantos cantos tem Os Lusíadas!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É mais grave!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP) - Nem onde fica Timor!

O Orador: - Ora, se não sabem, gostaria de vos dizer o seguinte: o PIB muda todos os anos e pode ser calculado de vários modos. Agora, Os Lusíadas tem os mesmos 1O cantos desde o século XVI.

Aplausos do PS.

Adoro ver-vos brincar com o meu lapso, que se transformou numa prática corrente para toda a vida política portuguesa, mas é fácil fazer contas.
Se o produto crescer 3 a 3,5%, para sermos consentâneos com as propostas da OCDE,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Quanto é que crescerá convosco?!

O Orador: - Connosco será mais!
Como estava a dizer, se o produto crescer 3 a 3,5%, para sermos consentâneos com as propostas da OCDE, ao fim de quatro anos isso representará entre 13 e 15% do produto, como sabe.
Ora, como a despesa anda por metade do produto, se a despesa crescesse sem alterar a sua percentagem, teria crescido entre 6,5 e 7,5% do produto. Se lhe tirar 2% para a convergência,...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Escrevam, escrevam!

O Orador: - ainda fica com mais do que o suficiente para acomodar o 1,3% exigido pela educação e pelo rendimento mínimo garantido, sem ter de tirar mais nada a coisa nenhuma, reduzindo o ritmo de crescimento dos outros sectores.

Protestos do PSD.

Aplausos do PS.

Agora, há duas situações fundamentais: uma coisa é ter um lapso - quem tem um lapso corrige-o -, outra coisa é ser ignorante, pois quem é ignorante nunca corrige os lapsos!

Aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Deputado, em relação à experiência governativa também lhe digo que aquela que gera o caos, a inflação, o desemprego, enfim, todas essas coisas,...

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Está a falar do PS!

O Orador: - ... não é experiência governativa que me interesse, quer tenha sido exercida no Governo do bloco central - que, honra lhe seja feita, nunca atacou, ao contrário do seu líder -, quer tenha sido exercida posteriormente, com outros defeitos.
Em todo o caso, devo dizer-lhe que os melhores primeiros-ministros que a Europa conheceu...

Vozes do PSD: - Já sabemos o que vai dizer!

O Orador: - ... não tinham experiência governativa e o homem que o Dr. Cavaco Silva mais admira na Europa, o Presidente do Governo espanhol, Felipe Gonzalez, nunca teve qualquer experiência governativa antes de exercer as suas funções.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Tomem nota! Ponham na lista!

Vozes do PSD: - Não sabem dizer mais nada!

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, lamento que o Sr. Deputado António Guterres tenha usado expressões que considero, eticamente, menos correctas, ao atacar-me dizendo que estou algo arrependido. Aliás, recordo que já em debate anterior em que aqui intervim, ele fez exactamente a mesma acusação, o que demonstra que não tem grande imaginação.
Gostava, no entanto, de esclarecer que, embora tenha lutado no congresso do meu partido por outro candidato à liderança, sempre afirmei que, a partir do momento em que o Dr. Fernando Nogueira fosse líder do partido - e fi-lo no próprio dia do congresso -, contaria sempre com a minha leal colaboração. Fi-lo publicamente e tenho muita honra em repeti-lo hoje, aqui, outra vez.
Em segundo lugar, gostaria de chamar a atenção para o seguinte: V. Ex.ª referiu-se a um lapso seu acerca do PIB, mas, propositadamente, não quis levantar essa questão. No entanto, constato, e peço-lhe para tomar nota, que a despesa pública é de 4,7 milhões de contos, ou seja, é de 1/3 do PIB e não metade, como acabou de dizer.

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23 DE JUNHO DE 1995 3115

Aplausos do PSD.

Consulte o Orçamento do Estado para 1995 e verificará que a despesa pública é de cerca de 1/3 do PIB.
Finalmente, em relação à sua piada sobre o bloco central, já tive ocasião de dizer nesta Câmara, e faço-o hoje outra vez, que pertenci ao Governo do bloco central, assumo todas as responsabilidades desse Governo...

O Sr. José Magalhães (PS): - Há quem não assuma!

O Orador: - ... e nunca ninguém me ouviu dizer o que quer que fosse contra o bloco central.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres, a quem peço a mesma brevidade.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, com toda a simpatia verdadeira, quero dizer ao Sr. Deputando Álvaro Barreto que, na minha formação moral, o arrependimento não é um vício é uma virtude. Era, aliás, a falta de arrependimento que levava o Padre Brito a mandar em paz os que se iam confessar, no fundo, para evitar o escândalo, em vez de, no cumprimento rigoroso das suas funções. Se o seu arrependimento é sincero, isso é, para mim, uma virtude que só devo elogiar.
Quanto à despesa pública, ela é a despesa do sector público administrativo em sentido lato, que é hoje ligeiramente inferior a metade do PIB, porque, como sabe, mudaram as séries do PIB.

Vozes do PS: - Ora bem!

O Orador: - Antes de terem mudado, era ligeiramente superior. Mas terei todos estes elementos à sua disposição, Sr. Deputado, se os quiser consultar.

Aplausos do PS.

Vozes do PS: - Então, e o tal estudo?!... O estudo do Ministério das Finanças?!...

O Sr. Primeiro-Ministro: - Eu ensino-os a fazer as contas, Srs. Deputados, porque é muito fácil! Até de cabeça as faço! É muito fácil, para um economista!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço silêncio, para que o Sr. Deputado Octávio Teixeira possa usar da palavra, como é seu direito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, julgo que o Sr. Deputado estará, neste momento, a sofrer de uma nova doença. Ouvindo a sua intervenção, o seu discurso, estará, neste momento, a ser atacado por "eutismo". É que o seu discurso é todo na primeira pessoa "eu", "eu", "eu", "eu"!...

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Onde é que já ouvi isso?!...

O Orador: - Não vou responder ao aparte do Sr. Deputado Narana Coissoró, mas julgo que é um sintoma que pode ser complicado e perigoso. Estou convencido que o Sr. Deputado António Guterres estará, com certeza, de acordo com isso e não deixará de tomar em conta este meu alerta.
Mas, Sr. Deputado, a grande questão que se me colocou, em face do seu discurso, consta da página 2 e era sobre ela que gostaria de lhe fazer uma ou duas perguntas.
A afirmação do Sr. Deputado é a seguinte: "Comigo, Portugal irá prosseguir com determinação os objectivos políticos, económicos e monetários da integração europeia".

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Prosseguir!... Muito bem!

O Orador: - Aliás, isto é depois complementado mais à frente, na página 17, com a seguinte frase: "Vai mesmo reduzir esse peso (...)" - o peso da despesa pública em relação ao PIB - "(...) o suficiente para que Portugal esteja em condições de aderir à moeda única em 1999".
Ora, este parece ser o aspecto central daquilo que o Sr. Deputado António Guterres aponta como sendo o essencial da política económica que o Partido Socialista defende.
Espero que não interprete de forma incorrecta a questão que lhe vou colocar, mas, em relação à sua primeira afirmação, a pergunta que lhe faço é a seguinte: não é exactamente isso que diz o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva? Se, por acaso, o Dr. Fernando Nogueira visse cumprida a sua ilusão de chegar a Primeiro-Ministro - não se sabe como -, não diria exactamente a mesma coisa?
Agora, o problema não é apenas o aspecto formal de o dizer, é o conteúdo substantivo. É que não há dúvidas - e julgo que isso é inequívoco - que, independentemente de haver algumas diferenças em alguns aspectos da evolução e da determinação da política económica, cumprindo e tendo como prioridade essencial para a política económica os objectivos, orientações e critérios de convergência nominal da união económica e monetária, não é possível fazer grandes coisas ou registar grandes diferenças. Não é possível haver políticas económicas com grandes diferenças, porque isso trava tudo.
Posto isto, a questão que lhe coloco é a seguinte: como é que, desenvolvendo, no essencial, a mesma política económica, porque isto tem todas as baias de qualquer política económica, consegue fazer uma política social diferente?

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Tem de sair da União!

O Orador: - É quê não é possível, Sr. Deputado, e mostrar-lhe essa contradição que existe no seu discurso era o que eu pretendia, pedindo-lhe que esclareça.

Aplausos do PCP, do PSD e do Deputado independente Raúl Castro.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, uma resposta rápida, porque a sessão vai longa.

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Em primeiro lugar, sobre a questão do "eu", não sei se se deu conta de que fui eu próprio que falei!... Noto que o Partido Comunista Português aderiu agora ao plural majestático, mas eu, quando as coisas se me referem, costumo usar a primeira pessoa. No entanto, acredite que isso não revela nenhuma arrogância e não haverá qualquer perigo de o "eutismo" se transformar em autismo, esse, sim, extremamente perigoso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A questão que o Sr. Deputado colocou é, de facto, a divergência central entre os nossos dois partidos. E pode haver diferenças de estratégia, pode haver diferenças nas medidas a adoptar, mas há uma coisa de que não tenho dúvidas: qualquer pessoa que, neste momento, queira, responsavelmente, ser primeiro-ministro de Portugal, seja o Dr. Cavaco Silva, se se arrepender, seja o Dr. Fernando Nogueira, se prosseguir na sua intenção, seja eu próprio, terá de dizer, responsavelmente, que deve prosseguir os objectivos da integração política, económica e monetária na Europa.

Aplausos do PS.

Vozes do PCP: - Têm de dizer todos o mesmo!

O Orador: - 15so, do meu ponto de vista, é evidente, porque não o fazer seria abandonar um caminho, o que teria consequências trágicas para um país pequeno e periférico como o nosso,...

Vozes do PCP: - 15so é falso!

O Orador: - ... condenado ao isolamento, vítima, então, prioritária da especulação dos mercados - que existe, quer queiram, quer não -, e conduziria, no nosso entender, a um suicídio da nossa economia e das nossas políticas sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Dito isto, há margem de manobra para estratégias diferentes e isso em nada invalida ter políticas sociais diversas,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Conversa!

O Orador: - ... invalida um tecto global em relação à despesa pública, mas permite ter outras prioridades e orientações em relação a essa mesma despesa, de acordo com aqueles que forem os projectos políticos de cada partido.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, ouvi-o com toda a atenção e compreenderá que, tendo mantido aqui, ao longo dos últimos quatro anos, muitos debates com o Partido Socialista sobre a política de segurança do nosso país, não tenha deixado de apreciar algumas palavras que disse, mas também compreenderá que tenha de fazer alguns comentários em relação a elas.
Ainda recentemente tive oportunidade de ler as actas de todos os debates que aqui fizemos e poderia dizer que a política do PS nesta matéria tem duas fases muito distintas. Numa delas, que durou três ou mais anos, o PS contrapôs à política do Governo uma coisa extremamente simples: nós dizíamos da importância da segurança e definíamos uma política em relação a ela e o PS, em relação a esta matéria, acentuava a liberdade.
Nas actas de todos os debates que foram feitos - pode consultá-las, Sr. Deputado - encontrará isto, pois está lá escrito em letra de forma. Lembro-lhe aqui o debate sobre o asilo político e, mais tarde, sobre a imigração. No debate sobre a imigração, quando nós dizíamos que é necessário controlar os fluxos porque é preciso integrar os cidadãos imigrados em Portugal e não haverá integração se não houver controlo dos fluxos, o PS dizia: "fronteiras abertas".

Protestos do PS.

Sr. Deputado, leia as actas!

Protestos do PS.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Leia-as agora! Leia as actas!

O Orador: - Deixem-me acabar de falar! Está nas actas, Sr. Deputado!

Protestos do PS.

E no debate sobre o asilo, o PS dizia, ainda do lado da liberdade e do humanismo, que nós éramos anti-humanistas. Seguramente, lembra-se disso, assim como se lembrará que tive de recordar aqui o que disse o Deputado Almeida Santos sobre o asilo humanitário, num debate que ocorreu em 198O. Tive de me socorrer dele para me defender disso.
Depois, como, aliás, lhe recordou agora o semanário Expresso na entrevista que lhe fez - esta lá escrito, é uma pergunta que lhe fazem os jornalistas -, o PS dizia que havia polícias a mais.
Mais tarde, o PS dizia que era saudável - aqui foram menos claros - a fusão da GNR com a PSP e em seguida foi uma história de três anos de ataque constante às polícias e de desprestígio da instituição policial.

Protestos do PS.

Srs. Deputados, foram três anos, constantemente, nesse ataque...

Protestos do PS.

Foi, também, a defesa do sindicato da polícia. Tudo isto ideias de liberdade contrapostas a uma política de segurança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi esta a primeira fase do PS e significou um desprezo total em relação às questões de segurança. O Sr. Deputado poderá ler o discurso que aqui fiz e o debate que travámos em 1993 acerca do relatório de 1992. É um debate exemplar do que era a nossa preocupação e a nossa política e do que eram as vossas preocupações. Basta ler as actas deste debate para compreender quão diferentes são as nossas políticas!
Repito: esta foi uma primeira fase em que o PS desprezou completamente as questões de segurança.

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De um momento para o outro, o PS descobriu que a história do crime em Portugal começou há seis meses. Não é mais do que isto: o PS descobriu agora que, em Portugal, a criminalidade começou a existir há seis meses - não há história para trás disso! - e, então, mudou o seu discurso: onde dizia que havia polícias a mais, começou a dizer que havia polícias a menos! Tem sido o essencial do vosso discurso: mais polícias, sejam municipais, seja a nível nacional.
Agora, chegados ao debate de hoje, o Sr. Deputado vem defender uma política cautelosa de imigração, o que significará seguramente que o Sr. Deputado vem aqui renegar tudo aquilo que o PS disse e fez em relação a esta matéria. Temos de nos entender sobre isto.
Sr. Deputado, nesta matéria, até aqui, o que o PS disse foi: primeiro, fronteiras abertas e, depois, legalização extraordinária em cima de outra legalização. Lembro-lhe o caso Vuvu e o que o PS disse nessa altura e por aí já fica a saber.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - O que é que o PS disse?!

O Sr. José Magalhães (PS): - O que é que disse a Igreja Católica?

O Orador: - Esse é o melhor exemplo que pode ter! Pergunte ao Deputado José Vera Jardim e ao Deputado António Costa o que disseram nessa altura e aí tem o melhor exemplo do que era a política do PS nesta matéria.
Sr. Deputado, aquilo que queria perguntar-lhe é muito concreto e V. Ex.ª devia dizê-lo aqui: em que é que se traduzem as cautelas que agora o PS, diferentemente do passado e renegando a sua história dos últimos três anos sobre esta matéria - isto tem de ser dito -, quer ver concretizadas em relação à política de imigração? Peço-lhe, Sr. Deputado, que seja muito concreto relativamente a esta matéria. Dito de outro modo: qual é a nova política que, ao arrepio do que sempre disseram, vão passar a defender a partir de agora em relação à imigração e ao asilo?
Sr. Deputado António Guterres, tenho o máximo respeito por si mas o que tudo isto revela - tenho de o dizer com estas palavras - é um grande despudor e uma grande hipocrisia, perante a qual não me posso calar.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - É mentira!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, começo por rejeitar, de forma indignada, as palavras "despudor e hipocrisia", ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... devo dizer-lho, Sr. Ministro, para ser inteiramente sincero não só relativamente ao conteúdo das suas palavras como também a quem as proferiu.
Mas vamos ao que importa: liberdade?! Com certeza! Liberdade acima de tudo e sempre! E essa é uma questão decisiva.

Aplausos do PS.

É a liberdade que legitima a autoridade e é a autoridade que impõe a segurança, desde que vivida em liberdade pelos cidadãos.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Mas isso é novo no vosso discurso! 15so é novo!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não é nada!

O Orador: - Não, isto não é novo! 15to é de sempre! Nunca pensei de outra maneira. Nunca disse, eu próprio, outra coisa.

Protestos do PSD.

São outros que aqui negam as suas afirmações.
Mas vamos admitir, por princípio, que, dentro do PS, há alguém que entende que as fronteiras devem ser abertas.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Vamos admitir isso, por princípio. No vosso partido não há também quem proponha, contra a vontade do Governo, uma manifestação contra a Espanha?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É legítimo, nos partidos, que existam pessoas com opiniões diferentes. Mas, se me permite, compete-me a mim definir a política do partido neste domínio, como compete ao porta-voz oficial do PS, que neste domínio tem sido de uma coerência exemplar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - E quem é o porta-voz?

O Orador: - E, agora, vamos ao que dói!

Protestos do PSD.

Devo dizer que distingo a imigração do asilo, porque o problema fundamental que temos é o da imigração e não o do asilo. Podemos ser mais generosos no asilo, o que é natural num partido como o meu - e estou à vontade porque nunca fui perseguido pelo antigo regime, nem nunca fui exilado, mas tenho no meu partido quem o tenha sido -,...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Mas não é isso!

O Orador: - ... pelo que compreendo a necessidade de uma política generosa de asilo.

Aplausos do PS.

Compreendo essa necessidade, mas aí estamos a falar dos "trocos".
A questão fundamental é a imigração, e dentro desta a económica, e sobre isso eu sempre disse que a inconsciência deste Governo - disse-o há três anos e não agora! - está no facto de ter praticado uma política cega de fronteiras abertas. Fiz essa acusação aqui!

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3118 I SÉRIE - NÚMERO 91

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem praticou uma política cega de fronteiras abertas foi este Governo - de mão-de-obra barata e ilegal para as obras públicas! Foram os senhores que praticaram essa política! Não fomos nós!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Nós já nessa altura dizíamos que a política de imigração tinha de ter em conta a capacidade - e as palavras são tiradas do meu discurso de 1992, repeti-as hoje aqui - de integração harmoniosa dos imigrantes...

Vozes do PSD: - Esse é o nosso discurso!

O Orador: - É o vosso discurso, mas não é a vossa prática,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... porque não o fizeram na educação das segundas gerações, não o fizeram no emprego, nem na habitação! E, pior do que isso, em matéria de registo usaram a pior de todas as soluções: enquanto que nós defendíamos que era necessário registar todos os que hoje estão em Portugal e que essa era, aliás, uma das razões que justificava a necessidade de termos fronteiras muito fechadas neste momento, os senhores fizeram o pior de tudo, porque registaram apenas uma parte.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Eu perceberia essa solução num governo de ferrabrás, que tivesse o objectivo de expulsar os outros. Mas não! Os senhores não queriam expulsar os outros! O que queriam era manter um volume de população ilegal, uma reserva de mão-de-obra barata...

Aplausos do PS.

... que é aquilo que está a criar em Portugal condições de marginalidade e de criminalidade! Foi isso o que os senhores quiseram! Porque foi essa a lógica de uma política de registo, com uma burocracia ineficaz e sem ter em conta...

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, este debate é já um debate totalmente viciado a vosso favor! Não queiram viciá-lo mais!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Viciado?! Essa é boa!

O Orador: - Srs. Deputados, completamente viciado nas suas regras.
Mas, como estava a dizer, foi uma política de registo com uma burocracia ineficaz e sem ter em conta a situação sociológica das pessoas no território português. E são essas políticas de educação da segunda geração, de não discriminação no emprego e na habitação que fazem com que hoje haja, objectivamente, em Portugal uma situação potencialmente explosiva, que eu há três anos denunciei e que considero da maior gravidade para o futuro.
E quando me refiro a fronteiras fechadas, isso envolve abrir excepções...

Protestos do PSD.

O Sr. Ministro da Administração Interna, agora, está a falar com o Sr. Primeiro-Ministro e não me ouve.
Sr. Ministro, oiça! Oiça só um pouco! Oiça lá só um bocadinho!

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Eu oiço-o!

O Orador: - Tive de dizer três vezes para me ouvir - como vê, estava bastante distraído.
Mas, como dizia, há excepções, como os casos de reagrupamento familiar, nos quais tem de pensar-se.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sou eu que tenho de pensar!

O Orador: - E, uma vez definida, em condições sociais, uma capacidade de integração de novos imigrantes, esta tem de ser orientada, prioritariamente, para os dos países africanos de expressão portuguesa.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - 15so é o que eu digo há três anos!

O Orador: - E aí reconheço que, pela primeira vez em todo este debate, estamos de acordo naquilo que dizemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Deputado José Vera Jardim pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, como o Sr. Ministro da Administração Interna se referiu à minha pessoa em especial, queria defender a minha consideração.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, de acordo com o Regimento, terá a palavra no fim do debate.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, pretendia exercer a prerrogativa de o exercer já sob a forma de interpelação à Mesa.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, vou dar-lhe a palavra, mas peço que use realmente a forma de interpelação à Mesa.

O Sr. Vera Jardim (PS): - É que as duas coisas estão relacionadas, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro permitiu-se citar-me, como tendo defendido uma política de imigração de portas abertas e eu desafio o Sr. Ministro - como já desafiei o Sr. Primeiro-Ministro, que invocou um estudo que ainda aqui não apareceu - a apresentar prova, ainda hoje, de que eu ou alguém do PS alguma vez tenha defendido uma política de imigração de portas abertas.

Aplausos do PS.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, fazendo meu o pedido que o Sr. Deputado José Vera Jardim fez relativamente a todos os Deputados do PS, gostaria de pedir à Mesa que informasse o Sr. Ministro do Seguinte: como tem sido público e se tem lido nos jornais, o Sr. Ministro está há dois anos a fazer o frete de ser Ministro da Administração Interna e, por estar a fazer esse frete, não está bem informado do que se passa nos serviços da sua dependência.
Como o Sr. Ministro invocou a minha pessoa relativamente ao chamado caso Vuvu, peço também à Mesa que informe o Sr. Ministro de que a Sr.ª Vuvu e a filha se apresentaram em Portugal portadoras de um visto emitido por um consulado português e invocando o agrupamento familiar. Foi impedida a sua entrada em território nacional porque se disse, na altura, que, respectivamente, o marido e o pai das duas pessoas que se apresentaram no aeroporto para entrar em Portugal estava em Portugal em situação ilegal e tinha falsificado documentos, tinha cometido crimes e deveria ser expulso de Portugal. Depois de isto ter sido dito, o Sr. Ministro deve ignorar que os serviços do Ministério da Administração Interna não só não expulsaram esta pessoa, como, pelo contrário, já lhe renovaram, por duas vezes, a autorização para estar em Portugal e a única coisa que o Ministério fez foi impedir a mulher e a criança de se poderem juntar àquele homem, a que, já depois disto, renovaram por duas vezes a licença para estar em Portugal!

Aplausos do PS e do Deputado independente, Mário Tomé.

Vozes do PS: - É uma vergonha!

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, peço a palavra para um interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: Sr. Presidente, pedi a palavra para que também a Mesa possa pedir aos Srs. Deputados José Vera Jardim e António Costa que leiam as intervenções que aqui fizeram.

Protestos do PS.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Sr. Ministro é que deve ler!

O Orador: - E que peçam à SIC uma cassette do debate que lá mantivemos aquando do caso Vuvu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, já agora - um assunto mais sério -, peço-lhe, Sr. Presidente, que peça ao Sr. Deputado António Guterres que dê um exemplo, a esta Câmara e ao país, de um caso de um cidadão imigrante indocumentado que tenha alguma vez, durante o processo de legalização extraordinária, ido ao serviço respectivo - o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras -, pedido para entregar os seus documentos de legalização e que lhe tenha sido recusado o seu recebimento ou sequer a análise do seu processo.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O senhor é que tem de provar as acusações que faz!

O Orador: - Ou que pergunte às associações, aos imigrantes ou a quem quer que seja, qual foi a entidade oficial - organismo do Governo ou não - que lhes sugeriu alguma vez que não se legalizassem.
O contrário é que aconteceu! Ao contrário, em Portugal e naquela altura, legalizou-se quem quis legalizar-se - dentro do prazo, como é evidente.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - O prazo foi curto!

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, na forma de interpelação à Mesa, em 1O segundos, queria dizer ao Sr. Ministro da Administração Interna que eu disse expressamente que este não era um Governo de ferrabrás que expulsou metade dos imigrantes. O que disse foi que faltou uma política activa que levasse pessoas em condições difíceis a legalizar-se. Foi só isso que eu disse, e isso é verdade. É indesmentível e é isso que conduz a uma bolsa potencialmente geradora de situações de marginalidade extremamente perigosas para o futuro.

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - 15so é mentira!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

Protestos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, Srs. Deputados socialistas, estejam tranquilos, confiem no vosso líder! Ele vai aguentar-se! Mas terá que fazer um esforço, sobretudo no domínio que faz a diferença, que é o domínio moral e da coerência. O Sr. Deputado António Guterres, que é um engenheiro que domina, ou passou a dominar, ao longo dos anos, as matérias económicas e orçamentais, surpreende-me pela série de deslizes que tem quando aborda a matéria.

O Sr. Ferro Rodrigues: - Olha quem fala!

O Orador: - Mas eu não sou um especialista na matéria! A não ser que os senhores considerem que eu, no fundo, seria um melhor Primeiro-Ministro: o mais desconhecedor da matéria!

Risos do PS.

O Orador: - Mas eu não sou candidato a Primeiro-Ministro, embora agradeça muito a vossa confiança!

Vozes do PS: - Imaginem um governo presidido pelo Silva Marques!

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312O I SÉRIE - NÚMERO 91

O Orador: - Srs. Deputados, hoje é dia de serem democratas!

O Sr. António Guterres (PS): - Nós somos sempre!

O Orador: - Por favor, só quinze minutos de democracia! Façam um esforço!...
O Sr. Deputado António Guterres surpreende-me com os seus deslizes: há pouco, abordou a questão orçamental, os 6O milhões de contos para os gabinetes dos Ministros. V. Ex.ª não sabe que a maior parte desses 6O milhões de contos não são para os gabinetes dos Ministros?

O Sr. António Guterres (PS): - Sei!

O Orador: - Ah, se sabe, devia ter dito!

O Sr. António Guterres (PS): - Sei, mas quero que discriminem!

O Orador: - Se é assim, peça perdão! Então, V. Ex.ª tentou fazer passar "gato por lebre"! Por isso é que eu vou, muito rapidamente, à questão moral.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - E então, não nos diz para que é que serve a verba?

O Orador: - Eu já lá chego!
Sr. Deputado António Guterres, tem de se desenvencilhar na questão moral, porque eu vou colocá-la! Já lhe perdoo os lapsos em matéria de asilo político, porque sei que não conheceu essa situação - portanto, aí está perdoado de antemão. Mas os seus colegas não estão, e informaram-no mal. Só não o informo em pormenor porque não quero prejudicar o debate, mas eu fui um asilado político!

O Sr. Artur Penedos (PS)- - E agora está asilado no PSD!

O Orador: - Tive estatuto de asilado político! Mas só para que tenha uma ideia, embora seja apenas um esboço, digo-lhe: para viver em França, tive de encontrar, eu próprio, os francos! O governo francês deu-me uma coisa preciosa, que agradeci, que foi o estatuto de asilado político mas, a partir daí, quem teve de andar fui eu! Aliás, alguns dos seus colegas também, e fizeram trabalhos difíceis - veilleur de nuit, por exemplo. Enfim, os trabalhos que os franceses não queriam: os recepcionistas franceses trabalhavam de dia e nós de noite, à hora dos negros!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Estou quase a chorar!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, para quê falar-lhe disto? Já é tarde e, também aí, V. Ex.ª não terá dificuldade em compreender.
Vamos à questão moral, Sr. Deputado António Guterres, que, devo dizer, é a que mais me choca em todos os debates. V. Ex.ª ainda hoje foi terrivelmente deselegante para alguns companheiros meus,...

O Sr. António Guterres (PS): - Deselegante, eu?

O Orador: - ... nomeadamente para o Eng. Álvaro Barreto, já para não dizer relativamente ao Dr. Fernando Nogueira, ou para não dizer relativamente ao Sr. Primeiro-Ministro, porque V. Ex.ª começou o seu discurso por se imiscuir nas nossas questões.

Protestos e risos do PS.

Aguardem! Vão ter oportunidade de responder, aliás, quem vai responder é o Sr. Deputado, Eng. António Guterres. V. Ex.ª chegou mesmo a dizer que nós dizíamos mal uns dos outros.

Vozes do PS: - Não!...

O Orador: - Sr. Deputado, sei que V. Ex.ª fez isso! V. Ex.ª confunde dizer mal com liberdade de divergência, e não com insulto. E, Sr. Deputado, embora não querendo entrar pelo seu caminho, de qualquer modo, apenas para testar a questão moral, pergunto-lhe: neste momento, quem é o arrependido? É V. Ex.ª ou o Sr. Deputado Jaime Gama? Um de vós é o arrependido e um de vós vai dizer, levantando a mão, "sou eu!".

Risos do PSD.

Portanto, espero que um de vós levante a mão. Qual é, de vós, o arrependido, tendo em conta o que um disse do outro, e num passado recente?

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Pacheco, volta! Estás perdoado!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado António Guterres vai sair positivamente do teste moral, que é o primeiro teste de qualquer político, sobretudo de qualquer político que pretende governar a Nação: o que é que V. Ex.ª, que diz que nós dizemos mal uns dos outros, pensa do que disse de si o seu camarada Parcídio Summavielle? Tem de responder! Eu nunca lhe colocaria esta questão se V. Ex.ª não viesse dizer que o meu companheiro de partido, Eng. Álvaro Barreto, era um arrependido! Porque V. Ex.ª foi de uma deselegância grosseira! Tenho pena, mas tenho de lhe dizer isto: V. Ex.ª foi de uma deselegância grosseira! E quem é grosseiramente deselegante, devo dizer-lhe, não deve ser Primeiro-Ministro!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Você é que é deselegante!

O Orador: - E estou certo de que os portugueses não o vão fazer Primeiro-Ministro!

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, sei que estou a exceder o meu tempo, mas já outros o fizeram. Depois, estou a dar uma oportunidade ao Sr. Deputado, Eng. António Guterres, para responder a este teste moral e decerto que o grupo parlamentar socialista nem sequer vai pôr a questão do excesso do tempo, porque estou a questionar de forma incisiva e frontal o Sr. Deputado António Guterres!

Risos do PS.

Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª acabou por recusar a contabilização das suas promessas, feita pelo Sr. Primeiro-Ministro...

Protestos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - E onde é que está o estudo?

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O Orador: - Não se amofinem! Não está!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas nós é que pagamos!

O Orador: - Mas o problema não é esse!

Vozes do PS: - Então qual é?

O Orador: - Srs. Deputados, a contabilização das promessas de um governo que não vos merece confiança, que interessa?

Vozes do PS: - Interessa! Interessam as contas!

O Orador: - Agora, interessam as vossas!

Vozes do PS: - Não! As vossas! Interessa ao País!

O Orador: - Não, Srs. Deputados, não! Ao País, neste momento, o que interessa são as vossas! Eu venho perguntar-vos pelas vossas!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Queremos o estudo!

O Orador: - Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª não pode sair daqui hoje sem dizer, em termos numéricos, a sua contabilização: quanto é o seu 1% do PIB para a saúde a mais, e, como fez da educação a sua paixão, queremos saber quanto custa a sua paixão! Não vai sair daqui sem dizer quanto custa a sua paixão!
Mas tenho ainda uma outra questão muito concreta para lhe colocar - eu quero ajudá-lo! Quero que o País hoje saiba quais são as suas propostas concretas! V. Ex.ª tem tido dificuldade em sair do seu verbalismo mas hoje vai sair porque vai responder a uma outra pergunta concreta.
Há meses, V. Ex.ª e os socialistas disseram que as regiões são urgentes para o País e que, se não fosse o PSD, elas estariam criadas dentro de um mês! Mas V. Ex.ª, numa entrevista dada a um semanário na semana passada, disse que "é preciso cautela!" E eu pergunto-lhe porquê, se os senhores as criavam num mês? Ou o Sr. Deputado António Guterres ainda não escolheu que regiões vai criar? Se as do seu camarada Fernando Gomes, se as do seu camarada Jorge Lacão? Mas hoje vai dizer-nos aqui a sua escolha!

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Vamos criar as do PS!

O Orador: - E, para finalizar, vai dizer-nos quais são, de facto, as suas diferenças em matéria de imigração, porque V. Ex.ª fugiu à questão que foi colocada pelo Sr. Ministro mas, como vai sair positivamente no teste moral (só não respondeu porque estava distraído - mas agora não está!), vai responder-me!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, esta interpelação, verdadeiramente, não merecia resposta!

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

Apesar de tudo, o respeito que tenho pelo Sr. Presidente e pela Casa levam-me a responder.
Em primeiro lugar, sobre lapsos acerca do que é a despesa pública. Para começar, o relatório da OCDE - gostam?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Gosto!

O Orador: - Diz aqui, na página 34: "despesas correntes, 6,4795 mil milhões de contos; despesas de capital, 1,1643 mil milhões de contos".

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas eu não o questionei sobre isso! Responda ao que eu perguntei!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Espere aí!

O Orador: - Ou seja, praticamente metade do PIB, o que prova que, ao contrário daquilo que V. Ex.ª dizia, a sacrossanta OCDE do Sr. Primeiro-Ministro me dá razão, a mim, e não aos senhores.

Vozes do PS: - Pois claro!

O Orador: - Segunda questão: moral e coerência - é uma lição que recebo do meu pai! Devo dizer-lhe, com sinceridade: estou longe de pretender recebê-la de si, para que fique claro à partida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar: deselegante, eu? Depois de o Primeiro-Ministro aqui ter dito que eu e os meus camaradas éramos irresponsáveis e desestabilizadores, então, a deselegância é geral! Tenho, infelizmente, de constatar que enfrento um grupo parlamentar que, em matéria de moral e de coerência, será condenado pelo Deputado Silva Marques, seu líder!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Então, depois de os senhores terem feito tempos de antena a insultar-me e a manipular as minhas intervenções da forma mais inaceitável do ponto de vista moral, ainda têm a ousadia de dizer que a palavra arrependido é uma palavra deselegante? Ou que a simples enumeração de factos sobre a vida portuguesa, sem comentários, é deselegante? São deselegantes todos os factos que não vos convêm? Não! São a verdade! E a verdade dói, dói muito mais do que a deselegância. Porque, se fosse deselegância, não doía! Se dói, é porque é verdade e porque a verdade vos mata, nos vossos argumentos e na vossa prática política!

Aplausos do PS.

Quanto custa a educação? Em 1999, a preços correntes de 1995, 1% do PIB serão cerca de 15O milhões de contos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que seja mesmo uma interpelação. Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, com certeza que foi criado um equívoco de comunicação entre mim e o Sr. Deputado António Guterres, pois ele não respondeu a nenhuma das questões que coloquei. Em vez disso, proeurou reverter sobre mim o ónus moral, quando eu não me referi a ninguém da sua bancada, antes dele, enquanto arrependido. O que eu disse foi que, quando ele se referiu ao meu companheiro, Eng. Álvaro Barreto, como arrependido, cometeu uma deselegância para não dizer uma inocuidade no domínio do debate político.

Vozes do PS: - Uma inocuidade?

O Orador: - Inocuidade, sim! Porque se, então...

O Sr. José Magalhães (PS): - Será que não quer dizer iniquidade?

O Orador: - Inocuidade! De inócuo! Porque inócuos são os senhores! Os senhores não são apenas iníquos, são inócuos, o que é muito mais grave! Só que, a vós, escapa-vos esse termo! Aos senhores, escapa-vos a ideia de inócuo, porque não se reconhecem...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Inócuos?!

O Orador: - Sim, inócuos!
Então, de duas, uma: se o Sr. Deputado António Guterres considera que é útil para o debate referir-se ao meu companheiro, Eng. Álvaro Barreto, como arrependido, então há-de aceitar a utilidade da minha pergunta e de perguntar a cada um de vós qual de vós é o arrependido. Ora, V. Ex.ª não respondeu, nem sequer com uma graça! V. Ex.ª amuou! Senão, responda-me, em vez de dizer que não recebe lições de mim! Meu Deus, é claro que não, mas então, não me desse nenhuma lição! De qualquer modo, se me desse boas lições, devo dizer-lhe que até as aceitava.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Silva Marques tem razão: houve três questões a que não respondi, porque achei que o principal estava dito. Mas vamos às três questões, porque nestas coisas gosto de "deixar tudo posto em pratos limpos".
A primeira questão é sobre a regionalização. É muito simples. Aquilo que disse e mantenho é que um Governo do Partido Socialista apresentará imediatamente à Assembleia da República o projecto de lei que o Partido Socialista apresentou com a divisão regional que lá está e que será discutida e votada pelos Srs. Deputados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Naturalmente que o tempo que levará a regionalização a concretizar-se será diferente se tivermos maioria absoluta ou relativa, sobretudo pela fraca ajuda que receberemos do vosso lado...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Depois, perguntou o que penso acerca do que possa ter dito de mim - mal um ex-camarada meu.

É evidente que não estou de acordo com o que ele disse, mas não abri qualquer polémica, ao contrário do que os senhores fazem.
Também me perguntou em relação ao arrependimento e aí a minha opinião é que ele é virtuoso, talvez não o seja para V. Ex.ª, mas na educação que recebi o arrependimento é uma virtude não é um vício. É bom ter isso em conta, porque quem nunca se arrepende, corre para a perdição. É bom não se esquecerem disso

Risos do PS.

Em relação ao arrependimento, devo dizer-vos que uma das coisas essenciais nos homens de bem e nos homens que têm objectivos comuns é saberem reconciliar-se sem sequer ser necessário pedirem desculpa um ao outro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, estou muito interessado em que o PSD saia derrotado das próximas eleições legislativas e, por isso, não posso deixar de manifestar a minha preocupação e de lhe colocar algumas questões.
Primeiro, o que VV. Ex.ªs estão a discutir com o PSD é a melhor forma de levar à prática a mesma política.
Segundo, pela forma como correu o seu discurso, queria perguntar-lhe se V. Ex.ª está a dizer ao eleitorado "votem no PS porque os Deputados do PSD e o Primeiro-Ministro gostam do PS"?

Protestos do PS.

Está no discurso.
Terceiro, V. Ex.ª trouxe à colação várias vezes a questão do bloco central passado. Será que V. Ex.ª entrevê a possibilidade de vir a fazer mais à frente, depois das eleições, um bloco central com o PSD?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, telegraficamente a minha resposta.
A mesma política, obviamente, que não. Políticas diferentes sim, mas aceitando alguns condicionantes que todos temos de aceitar sob pena...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Vão lixar o país?

O Orador: - Não vamos. Esteja descansado que há muitas maneiras de, apesar dos condicionantes que existem e que são reais, o país se poder desenvolver melhor, com mais emprego e com melhor política social.
Não tenho ilusões, mas terá compreendido que a minha alusão ao Primeiro-Ministro votar no PS foi uma ironia, embora seja verdade que o PSD tenha passado a ser durante algum tempo partido da oposição, se bem que depois se tenha arrependido. As coisas não correram bem e agora voltaram a colar-se, mas não há grande perigo do Primeiro-Ministro votar no PS. No entanto, ouvindo-o em algumas coisas e para ele ser inteiramente coerente com algumas coisas que diz, em contraste com outras, se calhar deveria fazê-lo.

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Quanto ao bloco central, aí invoco a minha própria experiência e o meu exemplo: não estive no primeiro, não conte comigo para fazer o segundo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Membros do Governo (ausentes), Srs. Deputados: Com o encerramento dos trabalhos do Plenário e as eleições a realizarem-se dentro de curto espaço de tempo, este debate adquire o tom de umas exéquias, tanto mais que estamos perante um Governo derrotado, cuja acção vai ser julgada pelo povo português no próximo dia 1 de Outubro e perante um Primeiro-Ministro que já tratou de se resguardar fugindo ao julgamento das eleições.
Este balanço da legislatura que agora a Assembleia faz é não só o julgamento do Governo e do seu Primeiro-Ministro como exactamente da mesma forma o julgamento do seu até há pouco tempo Ministro da Presidência, Deputado Fernando Nogueira, este tão responsável como V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, pelo fracasso da acção do Governo e pelos altos prejuízos que causou ao País, às portuguesas e aos portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É, aliás, altura de lembrar que o Sr. Dr. Fernando Nogueira só não está no Governo neste momento porque os partidos da oposição denunciaram o significado manobrista e eleitoralista da sua pretendida promoção a Vice-Primeiro-Ministro e porque o próprio Presidente da República entendeu que tal não era aceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As responsabilidades que aqui se julgam são tanto de Cavaco Silva, Primeiro-Ministro e hoje n.º 1 do PSD na reserva, como o são de Fernando Nogueira, ex-Ministro da Presidência, ex-número 2 e hoje o n.º 1 em exercício.

Aplausos do PCP.

O PSD, e com ele, tanto Cavaco Silva como Fernando Nogueira, têm de responder perante o País pelas consequências de uma política que tolheu a economia, promoveu a corrupção, degradou as condições de vida, aumentou o desemprego e a pobreza, espartilhou liberdades fundamentais, causou insegurança e instabilidade, atentou contra os interesses do País no quadro internacional. Estas responsabilidades estendem-se a todos os campos mais significativos da acção governamental, e elas não se apagam com a postura de Pilatos do Dr. Fernando Nogueira para procurar dar a falsa ideia de que a alternativa ao PSD está no PSD. Da nossa parte queremos acentuar aqui oito desses campos específicos.
Em primeiro lugar, o PSD degradou o estatuto da democracia e das liberdades. O caso das actuações do SIS é paradigmático. E se há quem fale da necessidade do SIS perante acontecimentos como os do Bairro Alto, a verdade é que esses acontecimentos mostram mais uma vez que o SIS não anda preocupado com a criminalidade mas com a perseguição e ingerência em legítimas actividades cívicas, portando-se como um serviço de informações políticas ao serviço do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD degradou a vida democrática quando memorizou e governamentalizou esta Assembleia, ou quando erigiu em inimigos, em "forças de bloqueio", as instituições do Estado que têm a missão legal e constitucional de fiscalização dos actos do Governo. O PSD degradou a vida democrática quando forçou alterações à Lei de Imprensa para coarctar a liberdade de imprensa.
Em segundo lugar, o PSD conduziu a economia portuguesa a uma situação preocupante. O liberalismo conservador das políticas do PSD, as políticas de Maastricht e a sua estratégia de reconstituição monopolista levaram à desorganização do aparelho produtivo, à queda do investimento, ao aumento das dificuldades das pequenas e médias empresas, ao estrangulamento do comércio tradicional, à recessão, ao desemprego crescente.
Nomeadamente, a indústria, a agricultura e as pescas nacionais estão hoje mais débeis. Aumentou a taxa de penetração das importações no mercado interno, o sector exportador tornou-se mais passivamente dependente da subcontratação, agravaram-se as fragilidades e dependências da economia portuguesa.
Paradigmático desta política destrutiva é a quebra brutal do valor da produção agrícola, é a cada vez maior substituição da produção nacional pela produção estrangeira, é o desaparecimento, só nos últimos quatro anos, de mais de 1OOOOO explorações agrícolas, resultado não de quaisquer medidas de emparcelamento e racionalização da estrutura fundiária mas, pura e simplesmente, o resultado da enorme hemorragia e abandono dos campos onde a única coisa que cresce, como afirma o próprio INE, é a cultura do pousio, das terras abandonadas, é a desertificação e o envelhecimento do mundo rural.

Aplausos do PCP.

Simultaneamente, o PSD aumentou a concentração de riqueza nas mãos de uma minoria, alimentou a especulação e a corrupção, de par com a delapidação de milhões dos fundos estruturais e com a promoção de um processo de privatizações, que, entre outros escândalos, incluiu a entrega de empresas por metade do valor da avaliação (como na Telecom), manobras de engenharia financeira para diminuir, a favor dos grandes interesses privados, o preço das acções já vendidas (como na Petrogal) e a publicação de decretos uninominais (como no BTA). Exemplos paradigmáticos de escândalos que o futuro Governo terá, necessariamente, de escalpelizar e tornar públicos em toda a sua verdadeira dimensão.

Aplausos do PCP.

Em terceiro lugar, Cavaco Silva e Fernando Nogueira comportaram-se no Governo como se os trabalhadores fossem inimigos do País. Os Governos do PSD conduziram a uma política profundamente injusta de ataque ao direito ao trabalho como fonte de realização e valorização do ser humano, de permanente ofensiva contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores, de violentação da dimensão plena da cidadania.
Temos hoje quase meio milhão de desempregados! Sr. Primeiro-Ministro, quase meio milhão de desempregados, faça as contas, veja as estatísticas, veja os dados oficiais e não se socorra só daquilo que lhe interessa dos valores do INE. Estes valores estão publicados, não é preciso fazer mais mistificações temos hoje quase meio

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milhão de desempregados, fora os que tiveram que emigrar e os que não são contabilizados por trabalharem uma ou duas horas por semana! Mais 45% do que em 1991, 6O% dos quais não têm qualquer subsídio ou apoio social. Aumentou de nove para 15% o peso do desemprego entre os jovens em relação ao desemprego total - e isto devia preocupar qualquer membro do Governo. A erosão do poder de compra de muitos trabalhadores e reformados é uma amarga realidade. O agravamento das injustiças e desigualdades sociais marcam o consulado do PSD, caracterizado por uma inqualificável insensibilidade perante os problemas sociais, conduzindo ao maior crescimento de sempre dos fenómenos da marginalização, da exclusão, da desprotecção social e, infelizmente, da pobreza.
Um dos mais significativos compromissos eleitorais do PSD, a redução do horário máximo de trabalho para as 4O horas semanais, ficou "em águas de bacalhau". Importante medida de ordem social e de criação de emprego não passou, como muitas outras, disso mesmo: uma promessa eleitoralista que o PSD nunca quis, nem quer, honrar. E o Sr. Primeiro-Ministro não pode vir aqui apresentar o Programa do Governo porque tentou captar votos com promessas feitas em discursos e até escreveu, "preto no branco", que a redução do horário de trabalho para as 4O horas seria um dos grandes objectivos do seu Governo. Depois de ter aqui a sua maioria, não apresentar aqui essa redução quando sabia que o poder absoluto a votaria, essa é outra mistificação que não lhe fica bem.

Aplausos do PCP.

Em quarto lugar, os Governos do PSD, de Cavaco Silva e Fernando Nogueira, conduziram uma política de degradação da educação e da saúde. A escola e todo o sistema educativo foram eles próprios lançados na crise em resultado de uma política de desresponsabilização do Estado e da mercantilização dos saberes. O PSD deixa ao País uma pesada herança, com um sistema educativo desorganizado, com um ensino superior público marcado pelo desinvestimento e pelas dificuldades de acesso, a par do negocismo em muitos estabelecimentos do ensino superior privado, pela não concretização da rede de educação pré-escolar, pela marginalização a que foi votada a educação especial, a alfabetização de adultos ou o ensino do português no estrangeiro, por um corpo docente marcado pela desmotivação, pela generalização da insatisfação dos estudantes, dos pais e educadores.
Igualmente, a política dos Governos do PSD conduziu a uma situação de deterioração de muitos serviços de saúde, afectando a sua qualidade e, em algumas situações, os seus níveis de segurança. A política de saúde dos Governos PSD dirigiu-se fundamentalmente para a destruição do Serviço Nacional de Saúde e a sua substituição por um sistema puramente residual e caritativo de prestação dos cuidados de saúde aos mais pobres. E tudo isto quando é cada vez mais reconhecido que as políticas assentes na lógica da mercantilização e da privatização da saúde conduzem, como tem acontecido, a gravíssimas desigualdades dos cidadãos, ao aumento dos custos, a mais desigualdades, discriminações e injustiça sociais.

Aplausos do PCP.

Sobre isto não teremos, com certeza, nenhuma palavra do Ministro Paulo Mendo, que está muito preocupado com a privatização da gestão do Hospital Amadora/Sintra!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em quinto lugar, o PSD atentou contra os interesses do País no quadro internacional. Exemplo flagrante desta actuação do Governo PSD é o do posicionamento na União Europeia, caracterizado pela cega submissão aos objectivos e orientações monetaristas da União Económica e Monetária - e, pelos vistos, tem companheiros não só recentes mas também passados - e pela insuficiência na defesa das especificidades e interesses próprios de Portugal nas negociações de políticas e orientações comunitárias, nomeadamente no âmbito da PAC e da política comum de pescas.
São ainda exemplos as irresponsáveis antecipações dos prazos de transição, a extemporânea e inadequada integração do escudo no mecanismo das taxas de câmbio e a assinatura dos Acordos de Schengen.
As Conferências intergovernamentais de 1996 para a revisão do Tratado de Maastricht são uma oportunidade para se rectificarem políticas que não servem os interesses nacionais e para uma viragem de rumo do processo de integração, rompendo com as políticas de orientação de Maastricht. Mas tal não pode ser feito no segredo das negociações de gabinete entre PSD e PS. É necessário um grande debate nacional, é necessário que o povo português seja chamado a pronunciar-se em referendo acerca de um eventual tratado de revisão do Tratado da União Europeia.

Aplausos do PCP.

Não há nenhum pensamento nem nenhum caminho único!
Em sexto lugar, o PSD, com a sua política, desertificou e envelheceu o interior e obstruiu a regionalização, impedindo a concretização de uma determinante reforma do Estado, sem a qual não é possível uma justa descentralização nem o necessário desenvolvimento regional. Esta obstrução corresponde, aliás, a uma afrontosa e chocante quebra de um solene compromisso eleitoral por parte do PSD, uma das muitas promessas eleitorais com que o PSD construiu a sua votação em 1991. Contra as promessas eleitorais, o PSD assumiu-se como um partido centralista, que atacou o poder local e atingiu em momentos determinantes a sua capacidade financeira e a sua autonomia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: Em sétimo lugar, o PSD é responsável, directo e indirecto, pelo alastramento do clientelismo, do tráfico de influência e da corrupção. A operação de marketing em torno da transparência não altera uma realidade que atinge a credibilidade do Estado e o prestígio das instituições e da Administração. Um exemplo bem significativo é o que se passou com as privatizações. Insuspeitos comentadores escreveram nos jornais, sem disfarces, que muitos processos de privatizações foram manchados pelo favoritismo e pela distorção das regras mínimas de transparência. Houve quem dissesse, preto no branco, que se tratava de um monumental cambão. O Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Deputado Fernando Nogueira sabem perfeitamente que o PCP tentou, por várias vezes, que a Assembleia da República realizasse um inquérito parlamentar. Como sabem, por vossa oposição, esse inquérito nunca se fez!
Não há manobra de última hora nem marketing apressado que faça esquecer a opacidade e a instrumentalização do Estado que marcou a vossa governação.

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Aplausos do PCP.

Em oitavo lugar, o Governo do PSD, e com ele o Primeiro-Ministro e o Dr. Fernando Nogueira, é responsável pelo aumento da criminalidade e da insegurança que afecta cada vez mais os portugueses. É responsável pela desastrosa política das super-esquadras e pelo encerramento das esquadras de bairro, política que, afinal e infelizmente, o PS também perfilha; são responsáveis pelas restrições orçamentais que deixam as forças de segurança sem meios e sem quadros de efectivos devidamente preenchidos; são responsáveis por privilegiarem os corpos de repressão social em prejuízo das missões correntes de prevenção da criminalidade; mas, muito particularmente, são responsáveis por uma política económica e social que fomentou a exclusão, conduziu milhares de jovens à desesperança e criou o caldo de cultura onde cresceu a droga e o crime.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal não está condenado à subalternização e à crescente dominação; não está condenado a seguir cegamente as políticas de Maastricht; não está condenado ao liberalismo na política económica e à verborreia social sem qualquer efeito prático.
A Dinamarca não aceitou a União Monetária, a moeda única e o Banco Central. E, como o PS deve saber, a Dinamarca não está isolada!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não há um pensamento nem um Caminho único!
Temos uma grande confiança no futuro, no povo português e na sua capacidade, trabalho e criação. Portugal tem recursos e potencialidades. Podemos ter uma mais justa distribuição do rendimento nacional, um melhor nível de vida e uma economia mais moderna e robusta assente na defesa e valorização da produção nacional. Podemos e devemos ter mais democracia! É pela concretização destes objectivos que nos batemos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É nesse sentido que vão as nossas propostas, projecto e programa, levantando, sem subterfúgios, a bandeira dos valores de Abril, a bandeira dos valores da esquerda, a bandeira da firme e intransigente defesa da soberania e independência nacionais, empenhados na construção de um Portugal de progresso e justiça, numa Europa de paz e cooperação.

Aplausos do PCP.

Neste debate sobre o estado da Nação dizemos alto e bom som: Viva Portugal!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e de os Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, ouvimos o discurso de V. Ex.ª, mas há um ponto que gostaríamos de ver sublinhado neste debate e que é o que tem a ver com a questão europeia.
Este debate é um debate sobre o estado da Nação, mas é também um debate sobre o posicionamento das forças políticas em relação a diversas questões nacionais, inclusivamente sobre a questão europeia.
Há alguns anos o Sr. Deputado liderou a lista do seu partido para o Parlamento Europeu. Nessa altura, o PCP assumiu, numa postura renovadora, grandes compromissos em relação à Europa. Os autarcas do seu partido têm também tido oportunidade de beneficiar de transferências oriundas da União Europeia para melhoramentos nas suas áreas municipais, a Intersindical aderiu recentemente à Confederação Europeia dos Sindicatos e o PCP mantém alguns Deputados activos e intervenientes no Parlamento Europeu. Para além disso, o Sr. Deputado Luís Sá, na sua capacidade académica, é um notável teórico sobre a Europa como espaço de sociabilidade e de liberdade.
A questão que quero colocar-lhe é esta: qual é, afinal, o doseamento do PCP relativamente à problemática europeia?
Pergunto isto porque, por um lado, o PCP é uma formação política que ingressa nas instituições que globalmente convalidam o projecto europeu e a União Europeia mas, por outro, mantém algumas reservas pontuais, que em alguns dos seus discursos são mais sublinhadas do que a integração estrutural.
Todos sabemos que V. Ex.ª não advoga a retirada ou a saída de Portugal da União Europeia, o que não é assumido publicamente pelo PCP. Assim sendo, ou seja, advogando V. Ex.ª a permanência e a continuidade dos compromissos de Portugal com a União Europeia, qual é, então, a diferença específica que vos distingue? Uma vez que não advogam a saída de Portugal da União Europeia, qual é a vossa ideia sobre o seu futuro? Aliás, decorre um debate muito interessante entre partidos comunistas continuistas, reformistas ou evolucionistas no âmbito da União Europeia sobre esta temática.
Qual é a posição do PCP sobre o futuro das instituições europeias? Como é que V. Ex.ª, que já foi um distinto líder eleitoral do seu partido em disputa de eleições europeias, assumindo nessa ocasião um discurso de forte cunho europeísta, vê hoje a problematização destas questões?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe a pergunta importante que colocou.
Creio que a questão da problemática europeia deverá ser objecto de um grande debate nacional. Esse debate já teve lugar na Assembleia da República, mas, infelizmente, teve pouca participação por parte dos Srs. Deputados, tendo tido também pouca expressão na opinião pública.
Tal como foi aqui referido por diversas bancadas, creio que se ficarmos metidos nas baias, no colete de forças dos critérios de Maastricht as políticas económicas, monetárias, cambiais e fiscais ficarão muito limitadas. O grau de flexibilização é muito pouco!
Para um país como o nosso, penso que a posição que devemos ter - e que é aquela que temos adoptado no Parlamento Europeu - é a de procurar diminuir, limitar tudo aquilo que é negativo e potenciar o que é positivo.
Como sabe, ainda recentemente colocámos no Parlamento Europeu a questão das geadas e da seca que assolaram e assolam o nosso País, procurando obter a assinatu-

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ra de todos os Deputados, e tivemos um encontro com a própria Comissária responsável por estas matérias.
Levantámos a bandeira nacional, e não a bandeira partidária, para dar reforço e potencialidade à negociação do próprio Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há que reforçar o poder negocial do Governo.
Esta tem sido, pois, a nossa postura.
Quanto às políticas de Maastricht, pensamos que elas servem os países que têm uma economia mais desenvolvida e uma política monetária mais estável, nomeadamente a Alemanha e a França, o eixo franco-alemão. Essas políticas não servem o nosso País, o que não significa que Portugal não deva ter uma estabilidade monetária e cambial. Só que, em primeiro lugar, deve procurar obter um desenvolvimento económico, aproximar-se da Europa, isto é, dar concretização ao princípio da coesão económica e social. As actuais políticas, que são monetaristas, levarão o nosso País a aproximar-se de um estádio para aderir a uma moeda única, criando extremas dificuldades ao desenvolvimento económico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, com a abertura das fronteiras técnicas, fiscais e alfandegárias, temos hoje a entrada no País de produtos estrangeiros que vão liquidando a nossa produção. Na realidade, a produção nacional é constantemente substituída pela produção estrangeira: veja-se, por exemplo, o que acontece com o leite, em que o Governo distribui às escolas leite importado, que entra aqui mais barato; veja-se, por exemplo, o que acontece com os lacticínios, caso em que a situação é ainda agravada por uma política errada do Governo, a que o Sr. Ministro das Finanças devia estar atento, aplicando o IVA a produtos lácteos como, por exemplo, os iogurtes e os queijos, contra os quais não há qualquer possibilidade de competição. Assim, um vendedor da raia, da fronteira, ou um supermercado, não compram queijo português, pois podem comprá-lo em Espanha muito mais barato. Sabe o Sr. Primeiro-Ministro que o queijo flamengo, aquela bolinha de queijo, chega mais barato a Portugal e é-lhe aplicado um IVA de 6%, enquanto o queijo produzido no nosso País paga um IVA de 17%?

Aplausos do PCP.

O Sr. Primeiro-Ministro não sabe isso?! Acha que isso é correcto, que isso é justo?! Não é, com certeza!...

O Sr. Primeiro-Ministro: - Acha que os portugueses são piores que os espanhóis?!

O Orador: - 15to é liquidar a indústria de lacticínios.
Por outro lado, Sr. Primeiro Ministro - e também Sr. Deputado Jaime Gama -, não é possível continuarmos a aceitar uma política de abate dos nossos barcos, quando temos, como sabe, um défice em relação ao próprio abastecimento pesqueiro.
Não podemos deixar de recordar que, quando aderimos à Comunidade Europeia, importávamos 5O% daquilo que consumíamos no plano agro-alimentar e que, agora, importamos 7O%,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - ... que não podemos continuar a ter subsídios para que a nossa agricultura deixe de cultivar e de produzir.
É por isso que advogamos a necessidade de defender e valorizar a produção nacional e sustentamos que, tal como a Dinamarca e a Inglaterra beneficiaram de cláusulas de exclusão, também Portugal deve defender tal benefício.
Aliás, em relação às pescas devíamos fazer um debate e ver esta questão: será mais vantajoso termos uma política comum de pescas com o argumento - é esse o apresentado - de que, estando na União Europeia, temos mais potencial de negociação? Naturalmente, quando a União Europeia negoceia com Marrocos ou com o Canadá, tem muito mais poder negocial! Mas, Sr. Deputado, esta é uma falsa questão, porque vamos sempre "encostados" à Espanha e quando o Canadá diz: "bom, em relação aos vossos 3O barcos-fábrica, a questão não era muito complicada! O pior é vocês não aparecerem cá com os 3O barcos, aparecem com 3O mais os 2OO espanhóis!" O mesmo acontece com Marrocos!
Ora, pergunto se não seria possível estabelecer aqui uma cláusula de exclusão para podermos negociar bilateralmente, porque com a nossa fraca potencialidade nas pescas certamente poderíamos, em relação a esse país e num clima de trocas mutuamente vantajosas, obter aquilo que não temos obtido.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Eu creio que isto é possível e que este é o caminho que temos de seguir.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Se não seguirmos esse caminho, vamos continuar a assistir à liquidação da nossa indústria, da nossa agricultura e da nossa pesca.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma outra questão central é a concretização do princípio da igualdade no progresso, da qual não podemos também fazer tábua rasa.
Como é sabido, do articulado do Tratado nem sequer faz parte a questão aplicável à dimensão social do desenvolvimento, quando esta dimensão deve ser uma questão central na integração europeia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Bom, deixemos as pescas e todas as outras políticas, tais como o problema do desemprego e toda a política social da Comunidade Europeia ou da União Europeia, como queira chamar-lhe. Como é sabido, estas políticas têm levado ao desemprego e a que os países periféricos se encontrem hoje numa situação mais difícil e mais vulnerável e, portanto, é necessário defender os interesses nacionais.
Sr. Presidente, vou acabar agradecendo-lhe ter-me permitido ultrapassar o tempo de que dispunha, mas creio que era muito importante...

Vozes do PSD: - Era mesmo muito!

O Orador: - ... que, nestas questões centrais para o nosso país, houvesse um referendo, a que esta Câmara

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também desse o seu assentimento, para que o povo português fosse chamado a assumir o seu próprio futuro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este é um desafio que faço ao Sr. Primeiro-Ministro, ao PSD e ao Partido Socialista.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Gameiro dos Santos pede a palavra para que efeito?

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, ouvimos aqui o Sr. Primeiro-Ministro avançar...

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas tem de fazer uma interpelação à Mesa.

O Orador: - É mesmo uma interpelação, Sr. Presidente.
Dizia eu que ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro referir números e contestar as palavras do PS com base num estudo elaborado pelo Ministério das Finanças.
A interpelação que quero fazer à Mesa e ao Sr. Presidente é no sentido de saber se esse estudo já deu entrada na Mesa da Assembleia. Se, porventura, ainda nela não entrou, peço-lhe que pergunte ao Sr. Ministro das Finanças se pensa apresentá-lo ainda hoje, porque, sinceramente, gostava de conhecer esse estudo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - É que acho que não faz sentido nenhum virmos, eventualmente, a conhecer esse estudo amanhã ou depois, porventura através do jornal Povo Livre ou de publicidade paga em qualquer jornal diário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E a resposta, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Mas VV. Ex.ªs têm dúvidas sobre a minha resposta? Se eu tivesse esse estudo na Mesa já o tinha distribuído!...
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Calculo que o estado da Nação, neste momento, é igual ao do Governo e ao da Assembleia, ou seja, estamos todos cansados. Mas vou fazer um esforço para não gastar excessivo tempo.
A importância dos factores externos no sistema português de governo, os quais excedem, em muitos aspectos, a liberdade da jurisdição interna, continua a recomendar que a tentativa de avaliação do Estado da Nação lhes preste atenção especial, a começar pela questão da alternativa europeia entre a segurança colectiva e a defesa colectiva, num continente ao mesmo tempo dotado dos instrumentos mais qualificados de gestão das crises e conflitos, mas gerindo mal os problemas da segurança.
Pelo menos, duas nomeações de portugueses - para o secretariado da União da Europa Ocidental e para a presidência da Assembleia Geral da ONU -, recompensaram uma importante recuperação do prestígio de Portugal na cena internacional, êxitos que alinham, entre os factos que os tornaram possíveis, o esforço partilhado para manter um consenso alargado das forças políticas sobre as questões internacionais, incluindo a segurança e a defesa. Um consenso precioso em todas as épocas, mas que não admite qualquer desorientação neste fim de legislatura, que ainda assistiu ao facto mais perturbador das esperanças concentradas numa ordem nova que seja pacífica e justa: o anúncio do recomeço dos ensaios nucleares pela França, o qual abalou a política mundial da não proliferação e de redução dos arsenais nucleares.
Nenhuma instância pode ficar indiferente nem silenciosa a tão grave regresso ao exercício da excepção francesa, mas é inevitável tentar uma percepção do facto em relação com inoportunos projectos relativos à hegemonia na Europa, uma questão sempre inquietante.
Trata-se, evidentemente, de uma desaconselhada oportunidade para quebrar os consensos nacionais nesta área, exactamente aquilo que, lastimavelmente, se verificou nesta Casa com a lei de bases da justiça militar. Um exercício que mostrou, em fim de legislatura, que não são as maiorias absolutas, que todos os partidos ambicionam, que devem ser repudiadas, mas antes que o perigo do absolutismo das maiorias não pode ser ignorado quando leva a esquecer os valores e interesses que estão em causa em favor de uma - neste caso falhada - demonstração simples do poder. E, por isso, se não é aceitável ignorar o
progresso inegável de uma década de reformas estruturais, lembrança que o Governo legitimamente exercita, é muito urgente, em época de renovação dos órgãos de soberania, avaliar o passivo, desde a situação do regime às feridas da sociedade civil, frequentemente esquecida.
E, quanto ao regime, é evidente que a personalização do poder, exercida com automatismo aprovador da maioria, atingiu, de maneira severa, o prestígio, a autoridade e a função da Assembleia da República, pondo entre parênteses o princípio do parlamentarismo.
A maneira como o Governo se relacionou com o Parlamento, desenvolvendo um conceito tribal de maioria e oposições, dedicando esforços, largamente documentados por intervenções feitas sobretudo pelos sucessivos ministros das Finanças, no sentido de demonstrar a falta de alternativas das ideias, dos programas e das pessoas, pôs em causa não apenas o facto mas a validade do princípio da alternância. E fê-lo, mais uma vez, esquecendo que a articulação do País com a sociedade internacional se faz, em importante medida, pela via parlamentar, nas várias assembleias parlamentares em que participamos, no Conselho da Europa, na União da Europa Ocidental, na NATO, na CSCE.
À medida que a evolução do regime personalizado foi tornando evidente e crítica a questão da distância existente entre os Deputados e os eleitores e entre o Parlamento e a Nação, também se tornou visível e preocupante a total distância do Parlamento Europeu na percepção do eleitorado, sobre o sistema a que está submetido.
É difícil, nas inevitáveis racionalizações do passado a que os períodos eleitorais obrigam, reorganizar agora o utilizado conceito das "forças de bloqueio" que atingiu partidos e instituições, atrevidos a reivindicarem a sua autonomia de juízo e de decisão e que serviu a consolida-

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ção do presidencialismo do Primeiro-Ministro, forte no seu entendimento proclamado de que, em relação às oposições, lidava "com políticos desfasados no tempo, com mentalidade de pré-sociedade de informação, incapazes de entenderem os fenómenos da integração, da globalização, da polarização, da mutação tecnológica, da competitividade internacional e das mudanças estruturais". Uma fadiga tribal, que acrescentaria à crise ocidental dos sistemas políticos, à emergência de novos poderes em que avultam, a informação e o novo perfil do poder judicial, esta nossa debilidade indígena para entender a dádiva de uma liderança actualizada. Esta liderança, a despedir-se hoje, terá, certamente, um intervalo de bondade para admitir que existe no País e nesta Casa quem não lhe aceita as inoportunas adjectivações e os fracos conceitos,...

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... embora sem lhos devolver, por respeito para com os factos, os princípios, as pessoas, e o desempenho positivo, que não hesitamos em lhe reconhecer.
Tal concepção do poder, que deixa o sistema político em grave crise de credibilidade do Parlamento, tem revelado, entre os seus efeitos, quando foi instaurada a novidade de separar a liderança da maioria da liderança do Governo, que a coordenação do Governo e a garantia de que a responsabilidade por essa coordenação será exercida vai precisar de revisão.
Tivemos dois exemplos recentes e preocupantes. Foi possível que a questão da pesca longínqua ficasse nos anais da governação como a questão da palmeta, recentemente ridicularizada perante a opinião pública portuguesa pela comissária europeia, passando inteiramente em claro que se tratava de um incidente entre aliados na NATO, que o problema é realmente o das águas territoriais e zona económica exclusiva reivindicadas pelo Canadá, que era necessária a intervenção de mais de um dos Ministros do Primeiro-Ministro e que a intervenção coordenadora tinha de ser publicamente assumida.
Outro grave alarme foi dado pela questão do plano hidrológico espanhol, cujo processo não é um exemplo de percepção rápida do tema pelo Governo. Vimos a questão finalmente assumida pela Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, com serenidade, preserverança e força de vontade. Mas não a vimos publicamente acompanhada, designadamente neste Parlamento, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, pois trata-se de uma questão que afecta as relações bilaterais com o nosso vizinho e as relações comunitárias noutros sectores como o da política agrícola comum e de uma questão que aponta para uma internacionalização urgente e mundial da gestão dos recursos hídricos para além da navegabilidade. Não vimos que os responsáveis pela teoria e prática da segurança nacional e europeia dessem sinal, neste caso, de que perceberam o alcance da mensagem, pelo que não foi conhecida pelo País a intervenção do responsável pela orientação e pela coordenação do Governo em domínio de tanto melindre.
Esta sequela da crise do regime exige uma séria meditação e respostas apropriadas e convincentes por parte de quem pretenda assumir o poder nas próximas eleições. Por sua vez, a revisão constitucional terá de acrescentar cautelas contra uma clara debilidade dos normativos constitucionais, enquanto os factos insistirem em demonstrar a dependência crescente do País em relação aos factores externos e a integração se demonstrar, progressivamente, como uma imposição sistémica, que não deixa alternativa aos pequenos países, em relação aos quais a política furtiva continua a ser adoptada.
Tivemos notícia recente de que o Governo finalmente adoptou a legitimidade do referendo, a recusa pública de um Estado director, de um directório, de uma hierarquia das potências europeias, tudo factos que sempre puseram em causa a paz da Europa e sobre os quais vinham insistindo alguns dos acusados pelo Governo de não compreenderem os fenómenos "da integração, da globalização, da polarização".

Aplausos do CDS-PP.

Mas fomos informados pelo comissário português de que, em relação à Conferência Intergovernamental que fará a revisão do tratado de Maastricht, "Portugal tem tido uma posição extremamente correcta, isto é, definiu alguns princípios sem se comprometer com as soluções". Mais um golpe em Descartes, no pelotão da frente, com António Damásio, a demonstrar que os mesmos princípios admitirão alinhar com a tendência conservadora de Tatcher, com a tendência tecnocrática de Delors, com a tendência federalista alemã e, se necessário, com o regresso francês à tradição gaulista.
Segundo o nosso comissário, "estar neste momento a abrir o jogo seria tacticamente mau. Tenho (...)" - acrescenta e, obviamente, recomenda - "(...) muita confiança na capacidade de definição das posições governamentais". Foi o actual Presidente da Comissão que, no fim da presidência luxemburguesa do Conselho, veio aqui recomendar que a opinião pública fosse mantida afastada da política conducente ao conceito de Maastricht.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Uma vergonha!

O Orador: - Dizia Eça de Queirós, no seu tempo, que a Europa lhe chegava pelo comboio e este perito veio aconselhar-nos agora que nos chegue pelo correio.
Os europeístas que não esperaram pelos tecnocratas de agora para defender a construção de uma unidade política europeia que finalmente preservasse a paz, aqueles de nós que estivemos com Coudenhove-Kalergi, que foi inspirador dos inspiradores e os raros que pediram o debate público aquando do Acto único repudiam esse secretismo e querem que as opiniões públicas europeias sejam responsavelmente informadas e envolvidas em projectos que apenas serão viáveis se os adoptarem com convicção.
Em primeiro lugar, porque os factos demonstram a consolidação de uma sociedade civil que ultrapassa a jurisdição dos Estados e que exige ser ouvida, como estão a demonstrar, com o seu crescente protagonismo, as Organizações Não Governamentais, no Rio, no Cairo, em Copenhaga e, dentro em breve, em Pequim.
Depois, porque é indispensável que a mais restrita sociedade civil de cada país ponha um ponto final no arbítrio da tecnocracia, que se arroga o poder de lhe impor coisas que vão desde violentar a adaptação dos ritmos vitais, dos usos e costumes e do processo integrador das crianças à desregulada hora oficial, que arbitrariamente lhes apeteceu, até ao descaso pelo passivo que deriva da própria modernização da economia e das estruturas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Quando os agricultores, os pescadores, os mineiros, se encontram com a agricultura destruída, com a frota caminhando aceleradamente para a extinção e as minas para o encerramento, não é suficiente invocar a tendência europeia, o trend, as estatísticas ou a comparação com países terceiros, do alto de uma tecnologia de mercado que acata as decisões da mão invisível.
Um humanismo responsável tem de vir assumir o amparo desse passivo humano, ferido inevitavelmente por reformas estruturais de que não tem percepção salvo dos efeitos, o qual, entre nós, é largamente tributário de uma condição etária e cultural incompatível com qualquer reconversão.

Aplausos do CDS-PP.

Fala-nos hoje a maioria do regresso ao Estado regulador e esperamos que a proposta intervenção seja a da responsabilidade humanística, com repúdio da insistência num regulador intervencionismo estadual, que temos na vida privada e está a substituir a curiosidade que levou o País à Índia pela curiosidade que leva a espreitar pelo buraco da fechadura dos cidadãos.
Em lugar dessa prática, teria sido mais oportuno olhar para as modificações que se deram na sociedade civil, à revelia da atenção do Estado, e que agora estão a pôr gravemente em causa a sua credibilidade executiva. Não se trata apenas da degradação que se mostra na periferia das cidades mas também nas ruas das cidades grandes e pequenas, onde uma crescente exibição da prostituição, da mendicidade e da suprema derrota dos sem abrigo desmente os optimismos oficiais. Trata-se da mudança que se verifica em toda a Europa, exigindo novas políticas e novos instrumentos, e que entre nós se desenvolveu com algum descaso oficial e proveito do programa das obras públicas.
A questão das minorias culturais, ou étnico-culturais, volta a atingir níveis de risco que a Europa sofreu frequentemente e que agora dizem respeito, em particular, às migrações do Sul para o Norte. Quando a França tem 1O milhões de muçulmanos, vários países da comunidade europeia atingem os 5OOOOO, Londres abriga dois milhões de emigrantes do terceiro mundo e em Roma se ergue uma imponente mesquita em face do Vaticano, é preciso dar atenção aos estudiosos que advertem para a crescente importância do multiculturalismo em face da antiga ambição de generalizar o Estado nacional.

Aplausos do CDS-PP.

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, instituído em 1951, tem, por isso, alargado os seus conceitos da área de intervenção e responsabilidades.
Em Portugal, as Ordenações do Reino mantiveram em vigor o capítulo que, discriminatoriamente, definia as minorias, mas a questão desapareceu das percepções metropolitanas desde as intervenções de Sá da Bandeira como Ministro e do Visconde de Seabra como legislador, porque no seu Código Civil apenas o ultramar foi considerado e por ali reinou o Estatuto dos Indígenas até 1961.
Mas a descolonização desencadeou uma emigração dos antigos territórios coloniais em direcção aos mercados de trabalho do Norte, sem que isso impedisse os europeus do Sul de continuarem a emigrar. Entre nós, criaram-se comunidades étnico-culturais que repuseram em alguma medida a colorida paisagem humana oitocentista. Graves incidentes recentes suscitaram um debate sobre o racismo, que ou fez apelo à tradicional maneira portuguesa de lidar com etnias diferentes, ou apelou para uma categoria de crimes contra a portugalidade, ou incriminou a intolerância dos brancos. De facto, o trabalho da UNESCO sobre os mitos raciais, publicado na década de 6O, volta a ser um texto recomendável à leitura dos governos, de modo a evitar que a questão fique centrada em planos ideológicos ou dogmáticos.
Não há que discutir ou diminuir um património português que, certamente com passivos, apresenta realizações como Cabo Verde, exemplo de integração étnica e cultural. Mas não se pode ignorar que existem leis sociológicas que desencadeiam acções violadoras desses códigos; mercado de trabalho e as relações sexuais são os factos que merecem maior atenção da UNESCO.
Entre nós, foi instituída uma comunidade africana que nos dizem atingir, em Lisboa, 1OOOOO pessoas, das quais um terço constitui uma força de trabalho clandestina, explorada até em áreas de obras públicas. Esta força jovem, tal como aconteceu com os europeus que miscigenaram os trópicos, em regra não tem mulher, e sobre isso adverte a UNESCO. No caso, inevitável, de o Governo português aplicar a directiva comunitária que manda proporcionar a reunião das famílias dos trabalhadores emigrantes, a comunidade crescerá apreciavelmente. Os desbordos desta questão para a marginalidade estão à vista e a cadeia de reacção está em curso.
O fenómeno avolumou-se, sem qualquer advertida política de legalização, integração e assimilação, que deve incluir a instrução escolar. E necessário que qualquer governo reconheça que este fenómeno exige assumir uma política multicultural responsável, que esta questão não é de super-esquadras nem de tranquilização dos portugueses pelo exame comparativo das estatísticas, que todos os passivos e marginalidades concorrem para o crescimento da criminalidade que aflige a população e que a tranquilidade não regressa com a cuidadosa distinção entre insegurança subjectiva e objectiva.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O que se passou, na área dos conflitos raciais, é um aviso sério e um sintoma preocupantíssimo. Mas essa preocupação aumenta quando a população desespera, organiza a prevenção e a repressão privadas, cria milícias e pressiona os autarcas no sentido de criaram polícias privativas. Tudo coisas de repudiar, mas todas alarmantemente significativas da quebra de confiança no Estado, um estado de espírito da Nação que não adianta amenizar por via semântica.
O projecto de uma comunidade dos países de expressão oficial portuguesa, que umas vezes parece acarinhado e, outras, posto em dúvida, será necessariamente afectado por estas questões. E tudo mais uma vez nos reconduz à prioridade da educação.
A série de ministros que se sucederam sob a regência do mesmo Primeiro-Ministro são demonstração suficiente de que maioria absoluta e estabilidade não são coincidentes.
Desde sempre, houve quem notasse que, para além da importância e gravidade da questão sobre cuja prioridade todos concordam, o instrumento que se chama Ministério da Educação não é adequado, não é manejável, não é ele próprio facilmente governável. Por isso, antes e depois de 1975, nunca se conseguiu fazer coincidir um bom discurso educativo com uma boa intervenção no aparelho e sem ambas as coisas não se obterão resultados animadores. A década não conseguiu essa convergência, embora

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tenha de reconhecer-se que a actual Ministra responsável está a encarar a questão e a ser frustrada com honra.
Estamos em véspera da livre circulação dos diplomas, da internacionalização da formação de ensinar e aprender, e isso diz sobretudo respeito ao ensino superior. A degradação comparativa da condição de docente e de investigador, para a qual tantas vezes foi pacificamente chamada a atenção, ameaça ter a segunda quebra de resignação nesta década, o que significa que, mais uma vez, num sector prioritário, se verifica a quebra de confiança.
Todavia, não existem programas de desenvolvimento, planos de modernização, competitividade acrescida ou devoção cívica sem que a confiança dê uma base sólida tanto à continuidade como à alternância, porque é a base da esperança e, sem esta, não conseguiremos encontrar o novo conceito estratégico nacional que nos falta, que consolide a nova definição das nossas múltiplas fronteiras (físicas, de segurança, económicas e culturais), que ainda não foram interiorizadas pela Nação, que consinta a formulação e uso de uma moderna soberania de serviço que garanta à Nação uma intervenção digna e igual na comunidade internacional cuja estrutura se mundializa. Não estamos na Península, na Europa, no Atlântico. Estamos, como todos os povos e finalmente, no Mundo.

Aplausos do CDS-PP, de pé.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado já não dispõe de tempo para o efeito, mas, face à tolerância generalizada e equitativamente distribuída, tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, muito obrigado por reconhecer que o espírito que hoje reina aqui, em matéria de tempos, é de grande tolerância e que, por isso, tenho essa possibilidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho contabilizada a proporcionalidade das "infracções". Portanto, pode infringir o seu tempo durante um pouco.

O Sr. João Amaral (PCP): - Olhando para o quadro electrónico, ainda tenho um largo espaço de tolerância, de acordo, é claro, com o princípio da proporcionalidade.

O Sr. Presidente: - Tem três minutos para fazer o seu pedido de esclarecimento, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Moreira, creio que o Sr. Deputado trouxe um elemento a este debate sobre o estado da Nação, que nele não tinha estado presente até agora e que é, designadamente, toda a área da política externa e de defesa nacional.
Penso que o Sr. Deputado Adriano Moreira, quando abordou a questão, fê-lo por ângulos que marcaram de forma definitiva a política do Governo e em relação aos quais, em diferentes momentos e componentes, se pode dizer que o Governo ilustrou com a sua prática política aquilo que foram as acusações que aqui formulou. Quero trazer à colação algo que me parece extremamente importante e que o Sr. Deputado não referiu, embora pudesse estar subjacente à sua intervenção, que é a questão da afectação de um corpo militar português a um conjunto de forças da NATO que têm missão na Bósnia-Herzegovina.
Pergunto, Sr. Deputado Adriano Moreira, se essa situação, de que temos conhecimento remoto e condicionado desde Dezembro, não ilustra, de forma muito clara, aquilo que caracterizou muito bem como a política furtiva que, em toda esta área, sempre foi seguida pelo Governo.
Veja-se: a notícia começa a ser dada por via telefónica e com a condicionante de não ultrapassar as paredes da comissão; segue-se uma outra lógica, que é a de um ofício só poder ser lido e não fotocopiado, e depois de tudo isso, ao fim e ao cabo, a resposta aqui, em sede parlamentar, à questão de saber qual é o alcance dessa operação, qual é o número de forças envolvidas por parte de Portugal, qual é a missão e qual é o quadro em que essa operação se desenvolve, nomeadamente o quadro legal, isto é, a componente do Tratado que o permite, a resposta a tudo isso não foi dada pelo Governo, que a tal sempre se recusou.
15to é, ou não, a política furtiva?
Só que isto coloca uma outra questão, que o Sr. Deputado também focou.

Protestos do PSD.

Pausa.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não pode calar-se, tem de continuar e formular o seu pensamento.
O Sr. Deputado tem a palavra, não tem o silêncio.

O Orador: - A questão que se coloca, no fundo, é esta: o Sr. Deputado, na questão europeia, colocou em antinomia o desenvolvimento de um sistema de defesa europeia e de um sistema de segurança europeia? 15to é, a antinomia entre defesa colectiva e segurança colectiva.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
A questão que se põe em todo o problema que aqui foi colocado em torno deste processo é, ao fim e ao cabo, se a lógica deste processo é a de um sistema de defesa colectiva ou a de um sistema de segurança colectiva. Em minha opinião, é a lógica de um sistema de defesa colectiva e, por isso, é uma lógica abusiva e inaceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que, aliás - e peço ao Sr. Deputado que reflicta sobre isso -, suscita uma outra questão, que é esta, em que quadro de desenvolvimento e de perspectivas de desenvolvimento para a ONU e para a sua necessária reforma é que uma actuação deste tipo pode colocar-se?
Uma outra questão...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço-lhe a meia tolerância, embora tivesse mais gosto em agradecer-lhe uma tolerância inteira.

O Sr. Presidente: - Já foi uma boa tolerância!

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O Orador: - Ficamo-nos, então, por esta meia tolerância...

O Sr. Presidente: - A outra meia fica, agora, para uma resposta muito curta do Sr. Deputado Adriano Moreira.
Tem a palavra.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou talvez abusar um pouco da tolerância, por esta razão muito simples: é que, creio, esta vai ser a última vez que vou ter a ocasião de conversar com o Sr. Deputado João Amara] neste Parlamento.
Aplausos do CDS-PP e do PS, de pé.

Gostaria de testemunhar, em questão de tanto melindre, que o esforço de definição de um consenso por parte de todas as forças políticas, ao longo deste período, foi notável e teve uma demonstração repetida no grupo de reflexão estratégica, organizado pelo Ministro Fernando Nogueira. Nunca houve motivo de queixa sobre divulgação de qualquer facto que fosse confiado ao grupo de reflexão estratégica. Foi um exemplo notável de se conseguir convergir em relação a uma questão de interesse nacional. Por isso, lastimei tanto que tivesse ocorrido este incidente com a Lei de Bases de Justiça Militar e de Disciplina das Forças Armadas, o qual veio quebrar essa atitude, que espero venha a ser reconstituída para bem do País e do desenvolvimento desta política do Estado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Justamente esta alternativa da política europeia entre a segurança e a defesa tem expressão na série de combinações, neste momento em curso na Europa, de que posso dar-lhe um exemplo. Há uma actividade conjunta, em relação à antiga Jugoslávia, das Nações Unidas e da NATO, tentando aplicar a Agenda para a Paz do Secretário-Geral; da ONU, da NATO, da UEO, da CSCE e da União Europeia, tentando controlar a aplicação das sanções; da ONU e da União Europeia, em busca de uma solução política, e da ONU e da CSCE, desenvolvendo a diplomacia preventiva.
O esforço não pode ser mais complexo. A perplexidade não pode ser maior.
Naturalmente, inclino-me para o desenvolvimento de uma política de segurança, como penso ser a atitude generalizada dos comentadores internacionais neste momento, e, por isso mesmo, considero um desvio que o acento tónico possa ser posto numa política de defesa, que ignore a segurança.
É um tema para o qual vai levar tempo a encontrar uma solução, mas aquilo que realmente não pode levar tempo é cultivar o consenso como informação atempada e exacta sobre as obrigações que o Estado português vai ter de desenvolver, em função, por exemplo, da pertença a organizações em que internacionalmente está obrigado. Portugal, se assumir obrigações na NATO, vai ter de executar as decisões que forem tomadas pela NATO, porque é um país honrado que cumpre as suas obrigações. Mas isso não justifica que não haja uma participação de todas as forças políticas no conhecimento dessa atitude e na definição da política a seguir.
Como o Sr. Deputado sabe, fui responsável pelo primeiro projecto sobre o segredo de Estado. Levei algum tempo a convencer o Governo de que era preciso ter uma lei de segredo de Estado, para que não tivesse de viver em segredo, sem lei. Estou, portanto, habilitado a reconhecer a necessidade do sigilo, quando ele é necessário,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda está por regulamentar a lei!

O Orador: - ... mas, por isso mesmo, entendo que ele tem de ser exercido com grande sentido de Estado e que, neste ponto, há valores fundamentais do País que estão em causa, há definições de valores que não foram feitas, tornando menos aceitável qualquer desatenção em relação ao consenso que foi estabelecido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Espero que seja mesmo para uma interpelação à Mesa,...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É uma interpelação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - ... sob pena de estarmos a perverter por completo o ritmo do nosso trabalho parlamentar.
Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, quero trazer aqui o meu protesto pelo facto de ainda não ter sido distribuído aos partidos o estudo do Ministério das Finanças.

O Sr. Presidente: - Já é a terceira vez que se fala nisso, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente, é uma questão séria!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - É a terceira vez que se fala nisso!

O Orador: - É uma questão séria, Sr. Presidente, porque de duas uma: ou o estudo existe ou não existe! Se existe, não pode ser secreto e tem de ser entregue à Mesa para ser distribuído;...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nada tenho a responder à sua pergunta.

O Orador: - ... se não existe, tenho de tirar a conclusão desagradável de que se tratou de uma mera afirmação de propaganda,...

Protestos do PSD.

... a menos que se trate de um repositório de informações que o Sr. Primeiro-Ministro se reserva para utilizar na sua última intervenção, quando já não há possibilidade de resposta, e isso seria extremamente deselegante. Recuso-me a acreditar que isso seja possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vou dar mais a palavra para interpelações à Mesa, sob pena de estarmos a prolongar indefinidamente o debate.

Protestos do PS.

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Srs. Deputados, tenho mais três pedidos de interpelação à Mesa. Será que VV. Ex.ªs podem acertar entre vós a quem vou dar a palavra, e será a um só?!

O Sr. António José Seguro (PS): - Siga a ordem!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim, tendo para o efeito um minuto.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro Dias Loureiro, durante o debate, fez uma séria acusação ao PS e eu desafiei-o a prová-la. O Sr. Ministro disse que constava das actas - que já deve ter tido ocasião de consultar - que o PS tinha defendido a política da porta aberta em matéria de imigração.

Aplausos do PS.

O que quero perguntar, através da Mesa, é se o Sr. Ministro Dias Loureiro já confirmou essa afirmação grave que aqui fez e se está em condições de nos mostrar as actas que a provam.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa nada tem a responder.
Para fazer uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos, dispondo para o efeito de um minuto.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é mera coincidência falar na ordem em que vou falar e, portanto, quero que V. Ex.ª tenha isso em consideração e, sobretudo, desejo que o PSD não me faça perder tempo, pois quero ser muito rápido.
Na qualidade de Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, estou a ser insistentemente procurado por Deputados desta Comissão...

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para formular a pergunta.

O Orador: - Estava eu a dizer que estou a ser insistentemente procurado, no sentido de, aqui, tomar uma posição acerca de um estudo que o Sr. Primeiro-Ministro anunciou, que terá sido feito pelo Sr. Ministro das Finanças.
Como o instituto da interpelação engloba, seguramente, um pedido de ajuda à Mesa, na qualidade de Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, solicito a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que peça ao Sr. Primeiro-Ministro para ele, por sua vez, pedir ao Ministério das Finanças que me entregue, com a rapidez possível, o referido estudo, a fim de o poder fornecer aos Deputados da Comissão que já mo solicitaram.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Mesa agradece a boa vontade, mas dispensa o seu serviço.
Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, pretendo usar da palavra para pedir um esclarecimento a V. Ex.ª,...

O Sr. Presidente: - Peça o esclarecimento!

O Orador: - ... enquanto Presidente desta Câmara.

O Sr. Presidente: - Faça favor!

O Orador: - O Sr. Presidente da Assembleia da República foi questionado várias vezes por colegas meus desta Assembleia para que pudesse ser distribuído a esta Câmara o estudo...

Risos e protestos do PSD.

... que foi aqui afirmado que existia, não por qualquer Sr. Deputado mas, sim, pelo Sr. Primeiro-Ministro, pelo Primeiro-Ministro de Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A pergunta que quero fazer ao Sr. Primeiro-Ministro de Portugal, na pessoa de V. Ex.ª, porque tenho esse direito, é a de saber se há ou não esse estudo e, se há, que o mostre.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Nogueira.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Fernando Nogueira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados. Como Deputado da Assembleia da República, gostaria de começar por dizer que tenho muitas dúvidas, fundadas dúvidas, de que a instituição parlamentar se tenha prestigiado com as habilidades regimentais a que houve lugar.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS, batendo com os punhos nas bancadas.

Vozes do PS: - É falso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que criem as necessárias condições, porque está no uso da palavra o Sr. Deputado Fernando Nogueira.

O Orador: - Srs. Deputados do Partido Socialista...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes silêncio. Todo o Deputado tem direito a usar da palavra, com o silêncio dos demais Deputados.

Vozes do PS: - Mas não tem o direito de ofender os outros!

O Sr. Presidente: - Pode continuar, Sr. Deputado Fernando Nogueira.

O Orador: - Srs. Deputados do Partido Socialista, sei que há verdades que custam a ouvir, mas têm de as ouvir!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com este debate, encerra-se mais uma sessão legislativa, e com ela o final de uma legislatura.

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Registe-se, porém, que esta é apenas a segunda vez que, no nosso regime democrático, uma legislatura chega ao fim, o que significa que só agora estamos a substituir a excepção pela regra, vencendo a instabilidade e apostando na normalidade democrática. E este é um primeiro dado positivo do Estado da Nação.
É um importante ganho da democracia portuguesa e, nesse plano, é mérito de todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas seria injusto não assinalar que, para a obtenção deste importante património político, o contributo maior e mais decisivo foi dado pelo PSD e gela bancada do PSD,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - .. pela aposta sempre feita na estabilidade, pelo combate travado contra a instabilidade, pela capacidade de mobilizar os portugueses para um dos traços mais impressivos da vida democrática - a regra dos governos com apoio parlamentar maioritário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, social-democratas, a regra de ouro da democracia é a regra da maioria.
Para nós, social-democratas, os governos de maioria são a solução normal da democracia.
Para nós, social-democratas, ao contrário de outros, maioria absoluta nunca foi sinónimo de poder absoluto, vontade maioritária nunca significou qualquer ameaça à liberdade,...

Vozes do PS: - Não!...

O Orador: - ... governos de maioria nunca corresponderam a desvios ao funcionamento das instituições democráticas.

Aplausos do PSD.

Ao contrário de outros, pensámos sempre assim. Ao contrário de outros, não tivemos de mudar ou adaptar o nosso discurso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ai não, não!

O Orador: - Ao contrário de outros, não demos o dito por não dito, não desdizemos hoje o que dissemos ontem, não mudamos de opinião ou de posição consoante as circunstâncias.

Vozes do PS: - Pois não! E a transparência!...

O Orador: - É esta a verdade dos factos. Como verdade é recordar que, se chegamos agora ao fim desta legislatura, tal não se ficou a dever à vontade, ao desejo ou ao mérito dos partidos da oposição e muito menos ao desejo ou por vontade do Partido Socialista.
Há quatro meses apenas, o Partido Socialista reclamou a antecipação das eleições. Há quatro meses apenas, o Partido Socialista advogou a instabilidade. Há quatro meses apenas, em momento crucial, o Partido Socialista hesitou, tergiversou e não foi capaz de assumir o valor da estabilidade.

Aplausos do PSD.

Quem assim agiu, quem assim actua, não tem hoje - quatro meses volvidos - autoridade moral e credibilidade política para se apresentar como arauto da estabilidade e advogado da governabilidade do País.

Aplausos do PSD.

Este é também um dado do Estado da Nação. Um dado negativo por certo. Um dado que mostra que o principal partido da oposição não tem coerência e tem uma visão chocantemente utilitária dos valores essenciais da democracia.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Com o termo dos quatro anos da presente legislatura, encerra-se um importante ciclo político em que se devolveu confiança a Portugal e esperança aos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi um período em que, a par das preocupações conjunturais, se apostou sobretudo e decisivamente na modificação estrutural da sociedade portuguesa. Portugal mostrou ser capaz de enfrentar o desafio europeu, sem complexos e inibições, assumindo as responsabilidades de uma competição exigente, mas aproveitando, com inegável valia colectiva, as potencialidades de um alargado espaço de oportunidades e motivações.
Perante conjunturas externas favoráveis, logramos fazer melhor que outros parceiros europeus e assim ganhar terreno no quadro da competição internacional. Perante a mais grave recessão económica europeia dos últimos 5O anos, conseguimos aguentar melhor que em idênticos períodos de crise no passado e manter inalterado o rumo do futuro e o objectivo do desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os portugueses fizeram por si e decidiram por si, sem tutelas do exterior e sem determinações impostas por organizações internacionais, na plenitude das suas opções próprias e da sua vontade soberana.

Aplausos do PSD.

Os portugueses mostraram ser tão capazes como os mais capazes - capazes de vencerem a adversidade, capazes de acreditarem em si próprios, capazes de navegar em mar calmo, mas também em mar tormentoso.
Em nenhum outro período histórico recente, em clima desfavorável, Portugal se bateu tanto ao nível dos mais desenvolvidos países europeus e soube suportar tão bem, como a maioria deles, o embate da crise que a todos assolou! A prová-lo está o facto de, como aqui já foi citado, o porta-voz do PS, da oposição, para a área das finanças, ter reconhecido, há pouco mais de um mês, que Portugal poderá cumprir, provavelmente, mais facilmente que a Espanha e a Itália os critérios de convergência de Maastricht. É a melhor prova do que acabo de afirmar.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Sabe-o o Professor Daniel Bessa, como o sabem os portugueses e os partidos da oposição. Portugal venceu a
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crise à custa do seu próprio esforço, do talento e do trabalho dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Na verdade, o crescimento económico, apesar da recessão ocorrida, está garantido - o próprio líder do partido da oposição reconhece-o -,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: -... a inflação foi contida a um nível já próximo da média comunitária - o que dizia a oposição há três ou quatro anos atrás - e a taxa de desemprego, apesar de um ligeiro agravamento nos dois últimos anos, continua a ser, quer queiram ou não, a segunda mais baixa da Europa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No domínio das acessibilidades, da educação ou da saúde, o País hoje está modernizado, numa aposta que era imperioso vencer para aproximar os portugueses, para acentuar o princípio da igualdade de oportunidades e para garantir mais solidariedade a todos os cidadãos. A fortíssima aposta feita nas infra-estruturas básicas do desenvolvimento constitui, só por si, um marco do presente século e uma ponte segura para o século XXI.

Aplausos do PSD.

Mas o desenvolvimento, Srs. Deputados, não ficou por aqui, porque ao mesmo tempo diminuíram as desigualdades sociais e acentuou-se a solidariedade, quer pelos avanços registados ao nível dos índices de conforto, quer pelas decisões tomadas ao nível do apoio aos idosos ou à integração social dos mais jovens. Tem assim vindo a ser cumprido permanentemente, e de forma continuada, o ideal que Francisco Sá Carneiro nos legou: Portugal, dizia ele, tem de ser um País em que os mais velhos tenham presente e os mais novos tenham futuro. E Portugal hoje é esse país.

Aplausos do PSD.

E se isto é assim no plano interno, também no plano externo Portugal hoje é um país radicalmente diferente do passado. Um País com uma voz respeitada e escutada, um País considerado, ouvido e prestigiado no seio da União Europeia e da Comunidade internacional.
Seguramente que temos problemas. Seguramente que existem dificuldades. Seguramente que há portugueses ainda insatisfeitos, ansiosos e com legítimas aspirações por realizar.
Os problemas que temos, Srs. Deputados, resultam, do esforço despendido durante este tempo para vencer os atrasos acumulados. Os problemas que temos, Srs. Deputados, são residuais, decorrentes dos efeitos de uma crise económica internacional de proporções gravíssimas. Os problemas que temos, Srs. Deputados, são inerentes a uma sociedade em mudança e em transformação estrutural.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Ir ao fundo!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por entre estes problemas é possível vislumbrar dois factos, que são verdades indiscutíveis.
O primeiro é que os problemas de hoje já não são os do passado, de há cinco, 1O ou 15 anos atrás, o que significa que não acumulamos problemas e que fomos capazes de os ir resolvendo, de forma dinâmica e continuada.

Aplausos do PSD.

O segundo, ligado àquele, é que cada vez menos temos problemas próprios das sociedades subdesenvolvidas e cada vez mais os nossos problemas são os dos países mais evoluídos, das nações mais avançadas da Europa e do mundo. E este, Srs. Deputados, é um outro dado a reter sobre o estado da Nação.
O que discutimos hoje não são os velhos problemas nem a forma de os ultrapassar, o que prende hoje a nossa atenção são os problemas novos, as dificuldades que uma mudança, ainda que conseguida, arrasta sempre consigo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apostando claramente no desenvolvimento e fazendo-o em competição aberta já não no grupo dos pobres, com os quais nós comparávamos sempre, mas, antes, integrando o grupo restrito dos países industrializados, a que agora nos juntamos, Portugal teve de se afirmar em prestígio, vencer o tradicional espírito de improviso, ganhar credibilidade, garantir rigor e, sobretudo, mostrar capacidade no cumprimento dos compromissos assumidos.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, tudo isso foi conseguido. Poucos acreditariam em que, apenas 1O anos volvidos, tanto e tão bem fosse possível fazer-se para Portugal. E isso, por muito que custe aos nossos adversários, a grande, a esmagadora maioria dos portugueses não deixará de o reconhecer ao Partido Social Democrata e aos Governos de um homem com a dimensão e a estatura do Professor Aníbal Cavaco Silva.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Mas o julgamento dos portugueses não será apenas um julgamento do PSD e do seu Governo. O julgamento dos portugueses recairá também sobre as acções, os comportamentos e as omissões dos partidos da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não se faz o julgamento de um cicio político sem o julgamento dos seus protagonistas, os que lhe deram forma, corpo e realidade e os que por todos os meios, de forma permanente e sistemática, tentaram comprometer ou inviabilizar a sua concretização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O País levou a cabo, durante estes anos, profundas reformas estruturais, necessárias, indispensáveis e urgentes. O que fizeram, então, os partidos da oposição, em particular o PS? Votaram praticamente contra todas essas reformas, tentaram impedi-las, adiá-las ou inviabilizá-las.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Quais?!

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O Orador: - Hoje, o PS arvora-se em grande defensor do mercado, das privatizações ou da televisão privada. E o que fez na altura própria, no momento das decisões? Inviabilizou, até 1989, a revisão constitucional, que havia de permitir a abertura da televisão à iniciativa privada, a diminuição do exageradíssimo e pernicioso peso do Estado na economia, o início do processo de privatizações. Curiosamente, Srs. Deputados, foram alguns dos principais dirigentes do actual Partido Socialista que mais dificuldades criaram à vontade de consensualizar posições do então líder socialista.

Aplausos do PSD.

Decididamente, o PS chega sempre tarde e chega sempre sem convicção em relação à história, à modernidade e à mudança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi sempre assim no passado, continua a ser assim no presente. E o que fez o PS quando o País estava a lutar arduamente contra os efeitos de uma grave recessão económica internacional? Quando o Governo tentava incutir confiança e determinação para vencer a crise? O PS lançou mão de tudo e de todos os expedientes para semear a descrença, para alimentar o pessimismo, para agravar o alarmismo e as legítimas angústias dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Falavam em crise para empolar e agravar a crise;...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Foi apenas a maior recessão!

O Orador: - ... faziam política utilizando as angústias das pessoas; nunca tiveram uma mensagem positiva ou uma palavra de confiança; rejubilavam com os males da economia, o mesmo é dizer com os problemas dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Portugal viveu mais de um ano sob a ameaça da dissolução do Parlamento, quando a estabilidade política era vital para a recuperação da economia. E o que fez, então, o PS? Alimentou a dúvida até à exaustão, a especulação e a incerteza. Para quê? Para aumentar a incerteza nos agentes económicos, para adiar a recuperação, para prolongar a crise e a recessão.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Falamos mal, não houve crise!

O Orador: - Foi para isso que eles o fizeram.

Aplausos do PSD.

Ainda há dias, perante o relatório, já aqui referido, da OCDE, que anuncia boas perspectivas...

Vezes do PS: - Outra vez!? Essa já ouvimos!

O Orador: - Ainda não ouviram esta, Srs. Deputados.
Perante o relatório da OCDE, que anuncia boas perspectivas para a economia portuguesa, o que disse o PS? Pela voz de um seu dirigente, em vez de se congratular, vem, de forma grotesca e despeitada, afirmar que aí deve ter havido "mãozinha do Governo".

Risos do PSD.

Digo a esse dirigente do Partido Socialista: pois há! É o mérito da obra feita! É o acerto da política seguida e é, sobretudo, o não termos acolhido o que os socialistas sucessivamente reclamavam que se fizesse e que seria trágico para Portugal.

Aplausos do PSD.

Quanto à defesa do emprego e ao combate ao desemprego, o que fez o PS? Tão simples quanto isto: ou inviabilizou os acordos de concertação social ou, quando o não conseguiu, nem sequer salvou as aparências.

O Sr. José Magalhães (PS): - Outra vez?! 15so já foi dito!

O Orador: - Mesmo aí, mesmo quando as suas pressões não foram suficientes para impedir a concertação social, as palavras foram sempre de condenação ou de censura pela actuação dos sindicalistas do seu próprio partido.
Onde está a preocupação séria do PS pelo emprego quando actua deste modo?

O Sr. José Magalhães (PS): - 15so já foi dito pelo Primeiro-Ministro!

O Orador: - Onde está a seriedade de propósitos quando se chega ao limite de reivindicar mais aumentos salariais do que os exigidos pelos sindicalistas do seu próprio partido?

O Sr. José Magalhães (PS): - Também já foi dito pelo Primeiro-Ministro! Já está dito desde as 15 horas!

O Orador: - Nós estamos a fazer o debate sobre o estado da Nação, Sr. Deputado.
E o que dizer quando, ainda há um ou dois anos, o PS defendia a desvalorização do escudo contra a estabilidade cambial preconizada e praticada pelo Governo? E o que dizer quando agora, próximo de eleições, vem apregoar as virtudes da estabilidade cambial? Esta recente conversão à defesa do escudo é uma opção de convicção ou meramente uma questão de imagem e de inconveniência?

Vozes do PS: - Já foi respondido! É uma intervenção muito tardia!

O Orador: - A dúvida é mais do que legítima.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Foi respondido às 4 horas da tarde!

O Orador: - Vou citar outro autor. Como alguém dizia, "aos dois momentos em que o PS passou pelo Governo estão associadas trajectórias de desvalorização cambial muito intensa. Agora, o PS tem de libertar-se de qualquer imagem que vá no sentido de ser um partido disposto a usar a desvalorização cambial como remédio para os problemas estruturais da economia portuguesa". Esse alguém só avoluma as nossas dúvidas ou, melhor, dá-nos certezas. É que esse alguém, que fez tal afirmação,

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clara e frontal, é nem mais nem menos do que o porta-voz do PS para a economia, o Professor Daniel Bessa.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Orador: - Eu não sabia que o Professor Daniel Bessa era tão contestado na bancada socialista!

Aplausos do PSD.

E o que dizer de um partido que, em pleno período de recessão, negava a existência de empresas de sucesso, que tentava ridicularizar o PSD por visitar algumas delas, que se negou sempre a aceitar os desafios e os convites do nosso Grupo Parlamentar para nos acompanhar nessas visitas e que, a poucos meses das eleições, descobriu que, afinal, existem empresas de sucesso e desata a visitá-las freneticamente com pompa e circunstância?

Aplausos do PSD.

A conclusão, Srs. Deputados, é simples, mas é grave: as empresas de sucesso já existiam, só que não convinha ao PS reconhecê-las publicamente, porque a única coisa que então interessava ao PS era tentar avolumar e generalizar a crise, desqualificando o esforço dos que tinham sucesso, para continuar, apenas e tão-só, a atacar cegamente o Governo.

Protestos do PS.

Quem assim actua pode ser exímio na perfídia mas não tem seriedade de propósitos nem cultiva a honestidade política.

Aplausos do PSD.

E é a mesma forma de proceder e o mesmo tipo de métodos que o PS agora utiliza para abordar as questões de segurança. Primeiro, fala de insegurança para gerar mais insegurança, com uma leviandade e uma ligeireza absolutamente inaceitáveis. É a minha opinião!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É falso! Essa é uma opinião muito alarve!

O Orador: - Segundo, não hesita, como tantas vezes tem sucedido, em atacar violentamente as forças de segurança e os seus agentes...

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador: - ... quando estes cumprem a sua missão em termos tais que, muitas vezes, são prejudiciais ao seu prestígio e moral.

Aplausos do PSD.

Nunca se ouviu do PS uma palavra de apreço pelas actuações das forças de segurança, quando estas são constituídas por agentes, que são cidadãos, que também têm sentimentos e se moralizam ou desmoralizam, e que exercem uma função de elevado risco e de interesse colectivo, para a qual têm de ser motivados.

Aplausos do PSD.

Em terceiro lugar, a obsessão é tão grande e tão visível que já quase fazem passar a ideia de que em qualquer crime de rua a eventual não presença de um agente de segurança é mais condenável do que a atitude de um delinquente ou do criminoso.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, sejamos razoáveis e tenhamos sentido de Estado. A segurança dos portugueses é demasiado séria para ser tratada de maneira tão leviana como tem vindo a ser. As eleições podem ser importantes mas não justificam tudo!
Importa, a este respeito, acrescentar que o líder do principal partido da oposição não veio hoje aqui fazer um discurso sobre o estado da Nação, o líder do principal partido da oposição veio aqui fazer um discurso de estado de necessidade: necessidade de dar o dito pelo não dito, necessidade de dizer que não prometeu quando tinha prometido, necessidade de mostrar que já estudou e sabe o que é o PIB, necessidade de negar que vai subir os impostos, necessidade de negar que vai aumentar o défice, necessidade de negar o despesismo que foi a sua conduta habitual até há bem pouco tempo. O líder do principal partido da oposição foi hoje aqui, em minha opinião, a negação de si próprio!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos uma concepção dinâmica da vida e da sociedade. Apreciar o que se fez, com espírito construtivo e dinâmico, exige perspectivar o que se vai fazer no futuro. A obra feita é, para nós, motivo de satisfação mas, sobretudo, garantia de poder pensar o futuro em bases sólidas e consistentes. Esta é a preocupação e a vontade do PSD. Há muito a fazer e muito esforço a realizar, mas governar é fazer opções e definir prioridades de uma forma clara e perceptível para os cidadãos.
Falar de tudo não é nosso hábito, dissertar sobre tudo, sem hierarquização de ideias e definição de prioridades é tarefa que deixamos a outros porque nisso são melhores do que nós; pela nossa parte, queremos ser claros e directos.
O futuro, para nós, assenta em três ideias-chave: competitividade, solidariedade e responsabilização.

O Sr. José Magalhães (PS): - São ideias novas...!

O Orador: - Competitividade, porque temos um objectivo estratégico: fazer com que Portugal acompanhe o grupo de países mais desenvolvidos da Europa integrando, em pleno, a terceira fase da União Económica e Monetária sem tergiversações nem dúvidas, com certezas e de forma clara.

Aplausos do PSD.

Este objectivo exige de nós que continue o combate à inflação, que se prossiga com a descida das taxas de juro, que se aumente a produtividade, que se faça o controlo rigoroso das contas públicas e do défice orçamental.
A este respeito, somos claros e directos: connosco não há hesitações; connosco não haverá cedências à facilidade; connosco não existirá, alguma vez, a tentação de trocar o que é estrutural pelo que é efémero e de conjuntura.

Aplausos do PSD.

Apostaremos, pois, no crescimento económico. Queremos crescer acima da média comunitária e temos condi-

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ções para o conseguir. Queremos desenvolver o país apostando em empresas sólidas e competitivas, revigorando o tecido produtivo e incentivando a iniciativa dos cidadãos.
A classe média e as pequenas e médias empresas têm aqui um papel decisivo a desempenhar sem paternalismos nem cedências a medidas proteccionistas, mas estimulando e desenvolvendo aqueles que são, sobretudo em tempos de mudança, os sectores mais dinâmicos e empreendedores da sociedade.
Solidariedade porque, para nós, desenvolvimento não é apenas crescimento económico. Nunca o foi no passado, nunca o será no futuro!

A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A outra ideia chave, a solidariedade, implica a prioridade no combate ao desemprego, o que é, para nós, uma prioridade indiscutível. Não o fazemos nunca em função de políticas que subsidiem a inactividade; a nossa orientação é a de que o combate ao desemprego se faz por políticas activas de emprego, por incentivos - fiscais, financeiros e de segurança social - à criação de postos de trabalho, pela acentuação estável e continuada do progresso económico.
Queremos portugueses activos, dinâmicos e com iniciativa. Não queremos portugueses resignados ou acomodados. O emprego não é, apenas, factor de sobrevivência, constitui sobretudo condição de afirmação do cidadão perante si próprio, perante o seu talento e perante a sociedade.

Aplausos do PSD.

A solidariedade implica o combate à exclusão social. Todos sabemos que há efeitos perversos do desenvolvimento pelo que importa atenuá-los e combatê-los pelas medidas sociais correctas, pela protecção social indispensável, mas igualmente pelo recurso à educação e à formação. Uma vez mais, também aqui, os métodos e os instrumentos são decisivos para que o resultado seja uma sociedade viva e dinâmica, integrada e motivada.
A solidariedade implica uma particular atenção aos grandes centros urbanos e suburbanos. Aí existem hoje alguns dos fenómenos mais graves e angustiantes para as pessoas e para a própria sociedade. Uma parte por culpa e responsabilidade de algumas autarquias...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está a falar de Gondomar, de Oeiras, certamente!

O Orador: - ... - mais preocupadas com a luta política do que com a vida das pessoas - ...

Aplausos do PSD.

... que deixaram avolumar e agravar falhas que hoje contribuem para a insegurança, a descrença e a marginalização de muitos portugueses.
O terceiro objectivo ou linha de força é a responsabilização porque, a par de uma sociedade mais competitiva e solidária, queremos um país mais participativo e um poder público ainda mais responsável e mobilizado.

O Sr. António Guterres (PS): - Essa agora!

O Orador: - Duas tarefas essenciais concentrarão as nossas energias: a revisão do sistema político e a descentralização.
Lutámos pela transparência, temos agora de lutar por uma revisão profunda e coerente do sistema eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Reduzir o número de Deputados...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E os directores-gerais?!

O Orador: - ... e responsabilizar eficazmente eleitos perante eleitores é o nosso objectivo.

Aplausos do PSD.

Lutamos pela transparência e iremos prosseguir este objectivo com a mesma força e determinação. O país não pode esperar mais tempo por uma reforma que muitos prometeram mas que a obstinação de alguns não permitiu ainda viabilizar.
Acentuar a descentralização é outra meta a prosseguir. Mas aqui não vamos fazer experiências ao acaso, não vamos fazer de Portugal um tubo de ensaio, não vamos fazer dos portugueses cobaias seja do que for. A nossa aposta, em termos de descentralização, é a de aprofundar e desenvolver a tradição municipalista portuguesa e fomentar o associativismo municipal.

Aplausos do PSD.

Os municípios podem ter mais competências e responsabilidades, as associações de municípios devem ser estimuladas e passar a dispor de atribuições e competências próprias. Os domínios do municipal e do intermunicipalismo são importantes vias a desenvolver, sem traumas, com vontade e determinação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, só é pequeno aquele que pensa pequeno. Portugal é uma grande Nação porque tem ambição, ousadia e capacidade para pensar em grande, com dignidade, com responsabilidade e com visão de futuro.
Foi assim nos últimos 1O anos. Portugal reganhou o espírito português porque há um espírito português, o espírito do universalismo, da abertura ao mundo, do diálogo com outras culturas, do cruzamento com outros povos e civilizações.
Portugal reganhou o orgulho de ser português, a confiança em si próprio, a crença nas suas capacidades, a esperança no futuro. Hoje, os portugueses já não se revêem apenas na sua história e no seu passado; hoje, os portugueses têm também orgulho no seu presente e muita vontade de desafiar o futuro.

Aplausos do PSD.

Portugal é um país com memória, uma memória de história, de cultura, de valores, de experiências e de credibilidade que constitui um património rico e indestrutível. Um país com esta memória merece e exige um projecto, um projecto de futuro, um projecto com futuro.
E esta a causa pela qual vamos lutar, apostando nos portugueses, tirando partido da experiência que temos (e outros não têm), aprofundando e desenvolvendo a obra notável do ciclo que agora encerra, com os olhos postos no próximo século e nos desafios do próximo milénio.
Importa fazer mais e melhor, importa trilhar um caminho seguro, importa apostar nos portugueses, importa ganhar Portugal. E isso que faremos!

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Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Carvalhas, André Martins, Jaime Gama e Mário Tomé.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para, em nome da minha bancada, fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, com toda a estima que tenho por si, devo fazer um protesto veemente pela forma como iniciou a sua intervenção. Não só ofendeu a nossa dignidade de parlamentares...

Protestos do PSD.

... como revelou uma insuficiente compreensão sobre o que é o funcionamento de um Parlamento.
Sabemos que tudo estava preparado e manipulado para V. Ex.ª intervir no horário nobre dos telejornais.

Aplausos do PS.

Daí o seu nervosismo, o nervosismo do PSD e, sobretudo, o nervosismo do Sr. Ministro Marques Mendes que, durante muito tempo, não largou o telefone.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que façam silêncio!

O Orador: - Têm vontade de restringir o direito de expressão, mas não nos calamos. Querem pôr-nos uma rolha na boca mas não o conseguem. Eu falo!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados devem permanecer silenciosos e não podem usar expressões, como uma que ouvi, inadequadas ao Parlamento.
Sr. Deputado Manuel Alegre, faça o favor de continuar.

O Orador: - Sr. Presidente, essas expressões também são reveladoras da formação cívica de quem as profere.
Sr. Deputado Fernando Nogueira, compreendo que V. Ex.ª esteja hoje aqui numa situação extremamente ingrata porque, apesar de esforçar-se por ser o número um, dificilmente conseguiu deixar de ser o número dois que foi do Governo durante muito tempo. É que, quem veio hoje aqui falar na qualidade de líder partidário - não fez um discurso sobre o estado da Nação -, foi o Sr. Primeiro-Ministro, que, não o sendo, parece que ainda é. V. Ex.ª faz-me lembrar um fenómeno heteronímico: fez um grande esforço para ser "Fernando Nogueira, ele próprio", mas o que se viu hoje é que, mesmo sem querer, nasce dentro de si um heterónimo chamado Aníbal Cavaco Silva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Nos termos do n.º 4 do artigo 93.º do Regimento, tem de imediato a palavra o Sr. Deputado Fernando Nogueira para o contraprotesto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas quem fala agora é o heterónimo ou o próprio?

O Sr. Fernando Nogueira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, quando pediu a palavra julguei que era para perguntar de novo se o Governo já tinha ou não entregue o estudo do Ministério das Finanças...

Risos do PSD.

Vozes do PS: - E ainda não entregou!

O Orador: - Sr. Deputado, posso ter uma insuficiente compreensão de muitas coisas, mas há uma em relação à qual não tenho insuficiente atenção e compreensão que é o exercício da actividade política e os expedientes que foram utilizados pela sua bancada durante este debate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Lello tinha-se inscrito para uma interpelação à Mesa. Tem a palavra para o efeito.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, de modo algum quero ser impertinente, mas apelo à consideração e bondade de V. Ex.ª no sentido de perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se, efectivamente, nos poderia proporcionar o tão malfadado estudo, a menos que a saída do Sr. Ministro Catroga...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lello, está feita a sua interpelação...

O Orador: - Não fiquem tão nervosos! É-me muito difícil conseguir formular a minha interpelação...

O Sr. Presidente: - Está feita! Já percebi, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente, como dizia, a menos que o Sr. Ministro Catroga tenha saído da Sala para ir buscar o tal estudo. Assim sendo, disponibilizar-nos-iamos para esperar pela entrega de tal documento o tempo que fosse necessário.
No entanto, repito o meu pedido ao Sr. Presidente no sentido de perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se o estudo está ou não está...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado José Lello.
Salvo erro, esta é sexta vez que sou interpelado sobre essa matéria. VV. Ex.ªs insistem em fazer de mim um omnisciente e eu não o sou. Já revelei que nada sabia a tal respeito. VV. Ex.ªs é que são os perguntantes e não eu.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas o Ministro não responde!

O Sr. Presidente: - Com vista ao regular funcionamento da instituição parlamentar, peço-vos que dêem por encerrado este assunto.
Passo a dar-vos conta da seguinte questão: prevaricadores, quanto aos tempos, foram todos, mas como há inscrições para pedidos de esclarecimento que ainda não fo-

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ram formulados, peço aos Srs. Deputados que estão inscritos para esse efeito que se atenham ao Regimento e os formulem em apenas 3 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, ouvi com atenção a sua intervenção. Pareceu-me que veio assumir aqui a governação e a continuação, portanto, do "discurso do paraíso".
Há dias, lendo uma entrevista sua, em que afirmava e defendia que houvesse mais polícias na rua, pareceu-me que estava a utilizar aquela técnica - velha, no PSD - que é a de ser simultaneamente governo e oposição, para dar à opinião pública a ideia de que a alternativa à nefasta política do Governo existe dentro do próprio PSD. E a questão das polícias pareceu-me até uma crítica ao Ministro da Administração Interna ou, então, a todo o Governo e, nesse caso, também estaríamos perante uma crítica ao Primeiro-Ministro e ao próprio Dr. Fernando Nogueira, na altura Ministro da Presidência. Seria, portanto, uma autocrítica.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Não ouviu bem!

O Orador: - Mas as questões que quero colocar-lhe são sobre dois temas da sua intervenção: a primeira tem a ver com o despesismo e também a ética, sobre o que o Sr. Dr. Fernando Nogueira fez alguns sublinhados.
Assim, pergunto-lhe como classifica, em termos de ética e de despesismo, por exemplo, o facto de vários Ministros e Secretários de Estado terem "sacos azuis" que estão a ser utilizados em campanha eleitoral. E não me diga que não é assim!
Sei que, já há pouco, o Presidente do seu grupo parlamentar se insurgiu contra isto, mas tenho comigo um exemplar de um jornal em que se noticia que o Sr. Dr. Álvaro Amaro, acompanhado de serviços de segurança social, tem andado a distribuir cheques em Seia...

O Sr. João Amaral (PCP): - Exactamente!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É uma vergonha!

O Orador: - Está cá escrito: "5OOO contos"...
Ora, creio que o Sr. Deputado Fernando Nogueira não está de acordo com isto. Aliás, não pode estar à luz do discurso que fez há pouco...

O Sr. José Magalhães (PS): - Agora já não está de acordo!

O Orador: - Então, isto não é despesismo? Creio que é!
Como é que o Sr. Dr. Fernando Nogueira classifica, em termos de despesa orçamental, por exemplo, o facto de vários Ministros já se terem deslocado ao local da futura Barragem do Alqueva, dizendo que "agora é que vai ser o arranque"?
No que respeita, por exemplo, à Barragem do Sabugal, sabe quantos membros do Governo já lá se deslocaram para anunciar a construção da mesma? Cinco! Três deles anunciaram que "agora é que vai ser o arranque", dois outros foram anunciar a adjudicação da obra. Não é isto despesismo, Sr. Deputado Fernando Nogueira?
E quantos milhões foram gastos, por exemplo, nos matadouros, nas célebres empresas PEC?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - E com o helicóptero?

O Orador: - Sabe contabilizar quanto foi gasto em matadouros que não estão a servir para absolutamente nada, a não ser para importar carne, criando assim dificuldades aos agricultores portugueses? 15to não é despesismo, Sr. Deputado Fernando Nogueira?
Esta era, então, uma das questões que gostaria de ver respondida.
A segunda questão prende-se com a afirmação que fez de que Portugal já está a vencer a crise.
Sr. Deputado Fernando Nogueira, pensa que já estamos a vencer a crise relativamente à agricultura? Às pescas?
Tem o Sr. Deputado ideia dos problemas que, hoje, estão consagrados em relação à indústria do calçado? Sabe que há várias empresas, por exemplo em Felgueiras, que estão a exportar com prejuízo? Sabe que o mesmo se passa na indústria têxtil?
Como pode falar em "vencer a crise" quando, simultaneamente, verificamos que aumenta o desemprego e o trabalho precário, que continua a haver uma gravíssima crise na agricultura, nas pescas e no que toca à desvitalização da indústria?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Só com dados gerais, abstractos, ou com palavras de retórica?
São estas as questões que queria colocar-lhe e repito desde já que ouvi com atenção a sua intervenção e que as perguntas que lhe coloquei foram feitas com seriedade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Tenha paciência, mas isso já vinha na página 4 do Avante há 15 anos atrás!

O Sr. Presidente: - Estou informado de que o Sr. Deputado Fernando Nogueira responderá no fim a todos os pedidos de esclarecimentos.
Assim, para formular o seu pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins, do Grupo Parlamentar de Os Verdes, que é o único que ainda tem tempo disponível para o efeito.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, V. Ex.ª é conivente - e por isso não está imune - com as maiores responsabilidades que são atribuídas aos maiores erros cometidos pelos sucessivos Governos do Professor Cavaco Silva e do PSD.
Digo isto porque, na vigência dos referidos governos, V. Ex.ª foi Ministro da Justiça, Vice-Primeiro-Ministro, Ministro da Defesa Nacional, Vice-Presidente do PSD e, portanto, não está imune a nenhum dos erros cometidos, pelo que é co-responsável pela situação de frustração a que, há pouco, aludi. Aliás, a mesma ficou bem demonstrada, apesar de o Sr. Primeiro-Ministro, um pouco à última hora e não esperando as questões que lhe coloquei, ter procurado arranjar uma maneira de dizer que até no Plano Nacional de Política de Ambiente estava integrada a estratégia nacional de conservação da natureza! 15to demonstra que o Sr. Primeiro-Ministro está um pouco desligado destas matérias, que certamente tem recolhido a sensibilidade que a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais tem relativamente a estas questões, as quais, simultaneamente, lhe são transmitidas pela relação muito íntima que tem com os ambientalistas e as associações ambientais.

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Ora, certamente, tanto os portugueses como os próprios Srs. Deputados compreendem que, em matéria de ambiente, de conservação da natureza e, também, de ordenamento do território este é um instrumento fundamental, previsto na Lei de Bases do Ambiente, considerado até, no Programa do Governo, como um instrumento fundamental para prosseguir a política do Governo e o desenvolvimento do País. É o que está expresso no Programa do Governo.
O que acontece, porém, é que nem sequer há uma lei de bases do ordenamento do território, ou melhor, só agora, muito apressadamente, nos últimos dias da sessão legislativa, é que ela foi votada, naturalmente sob a forma de pedido de autorização legislativa, porque o Governo se sente incapaz de vir aqui discutir com os Deputados uma verdadeira lei de bases do ordenamento do território.
Sr. Deputado Fernando Nogueira, V. Ex.ª, agora já como Presidente do PSD, deu nas vistas - e fez muito por isso - em matéria de transparência, assumindo-se como o verdadeiro paladino da transparência em Portugal. Fê-lo à última hora, desligando-se das posições que muitos dirigentes do grupo parlamentar e até do Governo tinham tomado sobre as várias matérias aqui envolvidas.
A questão que coloco, Sr. Deputado, é a seguinte: como é que podemos acreditar nessa vontade tão forte que quis demonstrar em relação às questões da transparência se V. Ex.ª, enquanto Ministro da Defesa Nacional, tratou com tanta opacidade questões de extrema importância, não informando o País quando estavam em causa interesses fundamentais, como é o equilíbrio ecológico e a defesa dos recursos naturais da nossa zona económica exclusiva?
Refiro-me, como é óbvio, ao processo que o senhor desencadeou, de afundamento do navio S. Miguel e que, em conjunto, envolveu mais de 2OOO toneladas de material de guerra, mas que a Sr.ª Ministra do Ambiente e dos Recursos Naturais dizia, em resposta a um requerimento que fiz, tratar-se de sucata. 15to demonstra que ela própria e o Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais não sabiam do que se tratava. Veja bem a tamanha opacidade de todo este processo, Sr. Deputado!
Sobre este assunto, o Sr. Deputado primeiro veio dizer que tudo seria feito em conformidade com a Conferência internacional de Oslo e, portanto, de acordo com os direitos do mar e da não poluição - estaria, assim, garantida a defesa do direito internacional. Mais tarde, veio a concluir que, afinal, muitas das substâncias que foram afundadas por sua decisão eram toxico-perigosas e estavam proibidas pela Convenção de Oslo.
Por isso, Sr. Deputado, como é que podemos acreditar que V. Ex.ª é uma pessoa que defende com convicção a transparência se, de facto, escondeu questões gravíssimas para o interesse dos portugueses e para o interesse nacional?
Infelizmente, todos tivemos oportunidade de assistir à chegada, ao longo da costa portuguesa, das caixas de munições, o que o levou a mobilizar os Serviços de Protecção Civil e as Forças Armadas para estarem atentos e, dessa forma, evitar qualquer acidente grave. Houve, de facto, uma explosão, uma grande explosão, do navio S. Miguel antes do seu afundamento, que V. Ex.ª sempre quis esconder aos portugueses!
Por outro lado, Sr. Deputado Fernando Nogueira,...

Protestos do PSD.

... como é que podemos acreditar na sua convicção de transparência, se V. Ex.ª, ao longo de dois anos, nunca respondeu a nenhum requerimento dos Deputados de Os Verdes sobre o que se estava a passar relativamente ao processo de afundamento do navio S. Miguel e das munições?
Gostaria de obter estas respostas do Sr. Deputado, para que os portugueses possam averiguar da justeza, da convicção e da razão do processo de transparência que quis transmitir aos Deputados e aos portugueses.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD revelou hoje, nesta postura parlamentar, os mesmos problemas do império alemão: o material era do melhor, o pessoal era imenso, o equipamento era bom, o planeamento era perfeito. Só que o planeamento perfeito nem sempre funciona na prática e, por isso, esta grande operação fracassou por completo!

Risos do PS.

Fracassou como tinha de fracassar qualquer operação planeada com tanto centralismo e minúcia. E V. Ex.ªs aprenderão, no futuro, a virtude destas lições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta operação, repito, nunca poderia resultar e era em si mesma impossível, porque o que esteve em causa, neste debate sobre o estado da Nação, foram duas coisas simples. Em primeiro lugar, um Primeiro-Ministro que falou longamente e se elogiou exaustivamente,...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Exaltou a obra feita!

O Orador: - ... mas que vai embora!

Risos do PS e do PCP.

Deixou de ser o líder do vosso partido e vai deixar de ser Primeiro-Ministro! Agora só é capaz de fixar metas para o futuro e para os outros, porque não foi capaz de as realizar.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - 15so é mentira!

O Orador: - O balanço sobre o desemprego, a agricultura, o défice das empresas públicas, a insegurança, a transparência e o clientelismo é muito desfavorável ao PSD. Mas o Primeiro-Ministro vai-se embora! Deixou de ser parte neste jogo, porque ele próprio concluiu que, apesar de tanto mérito autoproclamado, mão tinha condições para continuar e ser o vosso líder na disputa eleitoral que se avizinha. Ele confessa que a obra não foi grande.

Vozes do PSD: - Ouviu mal!

O Orador: - E V. Ex.ª, Dr. Fernando Nogueira, num debate para si difícil, com um arrumo de espaço altamente complexo, tinha aqui hoje a grande oportunidade da sua vida para marcar a diferença!

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

Tinha a grande oportunidade para dizer como é que se faz mais e melhor; mais e melhor do que o Governo a que V. Ex.ª pertenceu,...

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Aplausos do PS.

... o Governo cujo Primeiro-Ministro vai abandonar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado está a falar sozinho!

O Orador: - Mas V. Ex.ª não aproveitou a sua intervenção para fazer isso! Aproveitou-a para se constituir no partido líder da oposição ao PS,...

Aplausos do PS.

... isto é, para denegrir, para fazer política negativa em relação a outra força política, que, aliás, não o tratou nem o tratará dessa forma, sistematicamente negativa.
Mas há aqui dois pontos neste processo de passagem do PSD a oposição que V. Ex.ª não pode referir com o à-vontade com que o fez.
O primeiro ponto refere-se à questão da reforma do sistema político eleitoral: então, VV. Ex.ªs estiveram 1O anos no poder sem fazerem qualquer reforma no sistema político eleitoral...

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Vocês não deixaram!

O Orador: - ... e vêm agora com propostas novas, como se renascessem das próprias cinzas?!
O segundo ponto é o seguinte: depois de tudo aquilo que se passou com o caso do navio S. Miguel e com o inquérito às OGMA, V. Ex.ª devia ser mais parcimonioso na forma como refere o problema da responsabilidade política.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado parece o Engenheiro António Guterres! Assim, o Parcídio tem razão!

O Orador: - A conclusão deste debate é a seguinte: o Primeiro-Ministro sai, abandona e V. Ex.ª não está à altura do desafio da etapa seguinte.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Está, está!

O Orador: - Peço a compreensão do Sr. Presidente, mas - e perdoe-me, Sr. Deputado - quero ainda dizer-lhe que isto me faz lembrar um concurso de bandas de música: todos tinham de disputar com músicas diferentes, mas uma banda descobre que aquela que a antecede tinha treinado precisamente a mesma música. Quando o seu regente entra em cena, depois de ter descoberto esse plágio antecipado, recomenda aos músicos o seguinte: "O mesmo e mais forte!". Ora, V. Ex.ª, depois da intervenção do Professor Cavaco Silva, recomenda à sua bancada o mesmo e mais fraco.

Risos do PS e do CDS-PP.

É essa a conclusão deste debate.
Por isso, nesta sessão parlamentar de despedida política ao Primeiro-Ministro Cavaco Silva, quero dizer que, na verdade, há um ponto em que estou profundamente de acordo com ele. Ele, que é um homem com vocação de maiorias, certamente a pensar em outro homem com vocação de minorias, disse com toda a frontalidade que "mais vale um Governo de maioria PS, do que um Governo de minoria PSD".

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, a quem peço a maior brevidade.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, ouvi o discurso de V. Ex.ª, que é um discurso voluntarista e de esperança, mas, do meu ponto de vista, é o discurso da impotência.

Risos do PSD.

Quando se apela à esperança e ao voluntarismo é porque não se sabe como fazer. Aliás, o discurso de V. Ex.ª foi a reprodução de muitos que o PSD aqui proferiu durante estes quatro anos, nomeadamente através do Primeiro-Ministro, ou seja, foi um discurso de falsas promessas e de apelo à iniciativa, mas tendo sempre subjacente uma travagem e um impedimento à participação democrática dos cidadãos. Foi isso que aconteceu durante quatro anos!

Protestos do PSD.

E isso vê-se, desde logo pela sua afirmação peremptória de que quer menos Deputados. Faltou-lhe apenas dizer que os quer muito mais bem pagos - como apontou toda a transparência de VV. Ex.ªs -, que quer um jackpot da direita. Ou seja, o pessoal passará a ser bem pago, esta Câmara deixará de ser uma câmara política, de confronto e polémica política e os senhores passarão a ter maiorias mais facilmente, pois precisarão de menos votos e estes valerão menos.
É este o vosso objectivo e, pelo discurso que ouvi da parte do PS, espero que não comece já a forjar-se o tal bloco central que suscitei, há pouco, ao Sr. Deputado António Guterres.

Protestos do PS.

Vozes do PSD: - Não tenha receio!

O Orador: - Sr. Deputado Fernando Nogueira, por aqui não haverá mais democracia, a não ser que, como espero, V. Ex.ª perca as eleições e, perdendo-as, não possa ter uma mão estendida da parte do Partido Socialista.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, quando, ao fim de 1O anos de exercício solitário do poder, os quais se seguem a vários anos de permanência no poder, um partido aproveita um debate sobre o estado da Nação para gastar a maior parte do seu tempo num exercício legítimo mas que não pode deixar de ter as motivações eleitorais de disputa directa, com crítica sistemática a um partido da oposição, que é o maior partido da oposição, é caso para pensar e reflectir.
Será que, em debates como este, na instituição democrática mais prestigiada do País, onde se discute justamente o País, um partido, após 1O anos de permanência solitá-

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ria no poder, repito, não tem mais nada para transmitir ao povo português?!...
Estive a ouvir o Sr. Deputado Fernando Nogueira, líder do maior partido, do partido da maioria absoluta, do partido do Governo, e, ao fim de meia hora, o Sr. Deputado ainda não tinha dito nada de diferente do que diria num daqueles comícios que o Secretário de Estado Luís Filipe Menezes lhe anda a arranjar no distrito do Porto.

Risos do PS.

Poderia ter dito exactamente tudo o que disse sobre o Engenheiro António Guterres e sobre a falta de credibilidade do Partido Socialista, as suas incoerências e contradições, em Baião, em Amarante, em Matosinhos. Num debate sobre o estado da Nação, na Assembleia da República, considerei o seu discurso muito pobre.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A encerrar, o Sr. Deputado Fernando Nogueira quis mostrar, então, o tal "pózinho" de diferença em relação ao Sr. Primeiro-Ministro, que tinha prometido na comunicação social e que era o de um discurso virado para o futuro,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Poesia!

O Orador: - ... tendo apontado as três grandes linhas de rumo: competitividade para o desenvolvimento, solidariedade e responsabilização.

Vozes do PS: - Três banalidades!

O Orador: - Nesse momento, pensei: "Cá está, finalmente, a diferença em relação ao Partido Socialista". A solidariedade, o desenvolvimento, etc., tudo, ainda por cima no quadro dos grandes objectivos da união económica e monetária, jurados pouco tempo antes justamente pelo Sr. Deputado António Guterres! Cá está a grande linha da divisão completa, da bipolarização partidária com o tal grande partido que é o grande objectivo da crítica do partido do Governo!
Sr. Deputado Fernando Nogueira, competitividade no quadro da união económica e monetária da União Europeia?!... Como? Vai modificar o quadro em que a agricultura e a indústria portuguesas têm sido sujeitas à abdicação dos instrumentos que um país soberano costuma utilizar para assegurar essa competitividade, na política cambial, na política financeira e na política orçamental?! Como é que vamos compatibilizar as duas coisas? Solidariedade e responsabilização num quadro de ausência de reforma da educação nas nossas escolas?!... Solidariedade para com aqueles que são forçados a abandonar o sector agrícola para virem "mergulhar" no desemprego das grandes cidades?!... Como é que vamos fazer isso tudo?
Depois, às tantas, o Sr. Deputado Fernando Nogueira disse uma frase que pretendeu marcante no seu discurso: "Ao contrário de outros, não alterei uma linha, uma vírgula no discurso do meu partido".

Risos do PS.

Protestos do PSD.

Nesse momento, pensei que ia dar exemplos, mas não os deu. Mais à frente lembrei-me dessa frase a propósito de outros exemplos que foi dando, através...

Protestos do PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Qual é a pergunta?!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não tem nada para perguntar!

O Orador: - Os Srs. Deputados do PSD tenham calma, porque eu não tenho muito tempo e, assim, não consigo concluir...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado não deu exemplos, mas falou mais à frente em exemplos que me lembraram esta sua frase de que "não tinha alterado uma linha ou uma vírgula no discurso e na prática do seu partido". O Sr. Deputado fez uma doutrina sobre a regionalização e eu pergunto-lhe: nessa matéria, o Sr. Deputado não alterou uma linha ou uma vírgula dos seus discursos?
O Sr. Deputado encerrou a sua intervenção com a proclamação dos valores de Portugal, de valores do patriotismo, tudo frases que na boca do Dr. Manuel Monteiro seriam criticadas pelo PSD como expressões de patrioteirismo reaccionário e de nacionalismo agressivo. E, no entanto, o Sr. Deputado, agora, "agarra" nessas frases e repete-as com grande vigor. Também aqui não alterou uma linha ou uma vírgula do discurso do seu partido?!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Eram estes esclarecimentos que pretendia que me desse e, já agora, pedia que os desse dentro do espírito de um debate sobre o estado da Nação - nas versões que temos tido aqui, ao longo dos três últimos anos, de debates sobre o estado da Nação, esse espírito só tem sido registado através das intervenções proferidas em nome desta bancada, deste partido -, e não para uma instrumentalização de política-espectáculo de vocação eleitoral, que essa, sim, é a degradação da imagem da Assembleia da República.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Nogueira.

O Sr. Fernando Nogueira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, devo dizer-lhe que não consegui descortinar qualquer pergunta na sua intervenção.

Risos do PSD.

Foi um comentário, que naturalmente respeito, mas a que não tenho de acrescentar absolutamente nada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado André Martins disse que eu era conivente com o Governo. Ora, devo dizer-lhe que não sou conivente com o Governo mas, sim, co-responsável com o Governo do PSD.

Aplausos do PSD.

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Sou co-responsável e desde sempre tenho dito e afirmado que pretendo apresentar-me aos portugueses como candidato a primeiro-ministro, portador da obra feita pelo Governo e com as minhas propostas para o futuro. É isso que vou fazer, porque tenho um sentido da responsabilidade que me obriga a assumir aquele que é o património do meu partido e o meu próprio património, enquanto agente político que dedicou o melhor que pode e soube as suas capacidades ao serviço do País, de Portugal.

Aplausos do PSD.

Em relação à questão da política do ambiente e do ordenamento do território, penso que agora não será altura de fazer a discriminação de todas as acções, propostas e medidas que foram executadas pelo Governo, mas quero dizer-lhe que se há política de ordenamento do território em Portugal pode ter a certeza de que se deve aos governos do PSD.

Aplausos do PSD.

Quanto à política de transparência, aquilo que eu disse, depois de aprovadas as leis sobre a transparência nesta Assembleia, foi que partilhava os méritos daquilo que foi conseguido com todos os partidos deste Parlamento. Não invoquei nem invoquei para mim os méritos dessa iniciativa, porque quando a tomei foi determinado pela minha convicção profunda de que é indispensável e imprescindível que todos nós possamos dar o nosso contributo para que a classe política seja credibilizada, porque não há desenvolvimento nem progresso nem futuro para Portugal se os portugueses não acreditarem nos políticos que têm e os políticos que têm somos todos nós que aqui estamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado Mário Tomé viu nas minhas palavras uma atitude voluntarista e de esperança. Voluntarista não sou, mas sou voluntarioso: tenho vontade interior e determinação para fazer as coisas em que acredito.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não faça auto-elogios, porque não é nada disso!

Protestos do PSD.

O Orador: - Esperança também a tenho, porque acredito no futuro de Portugal, mas uma esperança que deve ser concretizada com realismo, com rigor e com credibilidade, que constituem o conjunto de qualidades...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - 15so é que falta!

O Orador: - A V. Ex.ª, porque tem muito menos votos do que nós!

Risos do PSD.

Sr. Deputado, não se substitua aos eleitores e aos portugueses; no dia 1 de Outubro veremos quem é que tem credibilidade! A minha convicção é que é a bancada do PSD, que vai mostrá-lo e os portugueses vão apoiar-nos no sentido de renovarmos uma maioria para continuarmos a construir o País, no qual tenho tanta esperança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Os senhores já diziam isso em Setembro de 1991 e viram-se os resultados!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Sr. Deputado Carlos Carvalhas, verifico e constato, com agrado, que lê as minhas entrevistas - registo a ocorrência. Mas talvez o Sr. Deputado só tenha tido oportunidade de ler os títulos da entrevista, porque aquilo que eu aí disse foi exactamente o que o Governo tem dito, ou seja, que é desejável que haja mais polícias na rua, de forma gradual, e por isso é que estão a fazer-se reformas estruturais de organização da própria polícia. E as políticas que estão a ser desenvolvidas são, justamente, para conseguir que haja mais polícias de giro, mais polícias a fiscalizar e controlar as artérias das nossas cidades, em vez de estarem afectos a tarefas administrativas que não têm a ver com a preservação directa da segurança dos cidadãos.

Aplausos do PSD.

Em relação aos subsídios, o Governo tem programas, linhas de acção e inscrições orçamentais que permitira a atribuição de subsídios. Não sei exactamente a que caso é que V. Ex.ª se referiu, mas não vejo que o facto de algum membro do Governo ter procedido à atribuição de subsídios constitua qualquer anormalidade no regime democrático ou qualquer violação do direito orçamental português e daquilo que é a execução do Programa do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - É evidente!

O Sr. José Magalhães (PS): - É o "saco azul"!

O Orador: - Quanto ao vencer ou não a crise, o Sr. Deputado sabe que, mesmo nos períodos de maior progresso económico e desenvolvimento, é sempre possível encontrar empresas em dificuldade. Portanto, não se pode generalizar. Não se pode, a partir de um exemplo, fazer generalizações que são abusivas, porque a verdade é que a crise económica, em Portugal, está a ser ultrapassada, porque as indústrias de calçado, que V. Ex.ª referiu, estão a aumentar as suas exportações e Portugal tem aumentado as suas quotas em volume de exportação nos últimos dois anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Guterres (PS): - Não é verdade, estão a baixar este ano!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Sr. Ministro está mal informado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Fale com o Daniel Bessa!

O Orador: - Sr. Deputado Jaime Gama, o Secretário-Geral do seu partido também fez umas perguntas, contando umas histórias, essas, de sacristia. No seu caso, V. Ex.ª preferiu contar histórias de guerra e de bandas de música!

Risos do PSD.

De resto, V. Ex.ª, a páginas tantas, quando estava a falar das forças armadas do império alemão, fez-me lembrar o contador de histórias que está no barco e vai ao fundo.

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Aplausos e risos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Silva Marques está no Titanic!

V. Ex.ª diz que eu perdi a grande oportunidade da minha vida aqui. Sr. Deputado, não se preocupe com a minha vida, preocupe-se com a sua, porque as minhas oportunidades hei-de encontrá-las!

Aplausos do PSD.

V. Ex.ª foi ministro sombra do PS para a área da defesa, mas agora está eclipsado, porque o programa da defesa está cumprido.

O Sr. José Magalhães (PS): - E V. Ex.ª é o ministro sol, mas agora está eclipsado!

O Orador: - Mas, como dizia, V. Ex.ª, que foi ministro sombra do PS, lamentavelmente, não conseguiu, a meio da sua intervenção, ultrapassar a imaginação do Sr. Deputado André Martins, que também me falou do S. Miguel. Acho que esse assunto está esclarecido e o S. Miguel foi ao fundo porque estava deliberado e determinado que ia ao fundo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Só que foi mal ao fundo!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Os senhores é que vão ao fundo sem quererem!

O Orador: - Sr. Deputado, depois de dizer que eu tinha perdido a grande oportunidade da minha vida, também disse que não sabe se eu estou ou não estou à altura de ser primeiro-ministro. Devo dizer que não é V. Ex.ª que tem de saber. Quem vai saber se estou à altura de ser primeiro-ministro é o eleitorado, são os portugueses, e eu tenho muita confiança na opinião dos portugueses e no apoio que eles não deixarão de me dar para esse efeito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado, falou na reforma de política eleitoral e perguntou porque é que não foi feita. Sr. Deputado, não houve a redução de Deputados que o PSD sempre defendeu porque o seu partido, na revisão constitucional, se opôs a que a redução fosse maior do que aquela que foi!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, inscreveu-se o Sr. Deputado Almeida Santos. Tem a palavra.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Deputado Adriano Moreira: A vida, às vezes, premeia-nos com sentimentos contraditórios e hoje é um desses dias. Para o Sr. Primeiro-Ministro, é a última vez que intervém neste Parlamento e não posso dizer que tenho pena que se vá embora. Não posso dizê-lo. Sem hipocrisia, não posso! Mas tenho de dizer, com sinceridade, que tenho muita pena que o Sr. Deputado, Professor Adriano Moreira, se vá embora.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fui, nestes anos, um dos mais constantes críticos do Sr. Primeiro-Ministro e tenho agora a esperança de que possa dar alguma paz à minha pena. O líder do meu partido desejou a V. Ex.ª que fosse em paz; eu não tenho a certeza disso, mas apresento-lhe os meus cumprimentos de despedida.
Sr. Deputado, Professor Adriano Moreira, devo-lhe nós devemos-lhe alguns dos momentos de maior prazer intelectual dos tempos modernos deste Parlamento. Devo-lhe um importante apoio à jovem democracia portuguesa e devo-lhe também alguns ensinamentos porque, quem é mestre, é mestre, e mestre sempre ensina mesmo quando não concordamos com ele.
Passaram por aqui grandes parlamentares, grandes oradores, como António Cândido, António José de Almeida, José Estevão de Magalhães... Meu Deus, tantos! Modernamente, Mário Soares, se quiserem, Sá Carneiro, se quiserem... Mas, em breve, terá passado por este Parlamento mais um grande Deputado e grande orador, o Professor Adriano Moreira!
Vamos deixar de ter o prazer da sua companhia, o que não vai preceder de muito o meu próprio afastamento; porém, enquanto não me afasto, vou sentir a sua falta e a falta do prazer intelectual de o ouvir. Infelizmente, já não tenho idade para me inscrever na sua universidade para continuar a aprender consigo, mas espero continuar a receber os seus ensinamentos através dos textos que fizer chegar até nós.
Acho que é uma hora triste e o sentimento, neste caso, é de sincera tristeza e de sincera pena, mas chega sempre o momento de dizer adeus. Portanto, quero dizer-lhe um adeus muito sentido, muito amigo, de quem muito o estima, muito o admira e de quem muito vai sentir a sua falta.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, devo dizer que vou, certamente, guardar a recordação deste momento como uma das mais valiosas da minha memória.
A Câmara, provavelmente, não avalia o significado que tem, para mim, a intervenção do Deputado Almeida Santos. Tivemos uma experiência, de que nem todos puderam, aqui, partilhar, no período gravíssimo de mudança da história de Portugal, entendendo em comum muitas das circunstâncias, divergindo profundamente em muitos dos caminhos. Mas foi nessa altura que nos tornámos amigos e julgo que contribuímos para fazer entender que a divergência pode ser um sólido ponto de partida para a construção de um futuro comum.
Vivi com apreensão, sacrifício e tristeza o processo da mudança, mas senti-me recompensado com a entrada neste Parlamento, com a maneira como fui recebido, a autenticidade que verifiquei quer nos que concordam quer nos que se opõem às minhas intervenções e, sobretudo, o prazer, a alegria intelectual da contradição, do diálogo, do exercício da razão, que é a força em que sempre acreditei como capaz de animar a mudança que esteja ao nosso alcance.
Foi por isso que, na intervenção de hoje, me preocupei com o prestígio do Parlamento. Julgo que é uma instituição que convém ao País prestigiar. E uma instituição que interessa à comunidade internacional, à segurança da Europa, à participação de responsabilidades que temos nas várias assembleias parlamentares do mundo, interessa que ela própria seja um elemento sólido dessa cadeia nova que está a ser desenvolvida.
Conheci aqui pessoas de uma indiscutível categoria intelectual, dedução cívica e capacidade de contribuir para o bem do País. Não me atrevo a mencionar nenhuma, por-

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que excederia toda a benevolência do Sr. Presidente com o tempo que teria de utilizar. Mas, se me permitissem, neste momento em que, por decisão minha, vou abandonar a actividade política, com a convicção de que todos nós devemos lucidamente medir o nosso tempo e escolher a nossa intervenção, gostaria de, na pessoa do Sr. Presidente da Assembleia da República, que é um modelo de intelectual, que é um modelo de cidadão e que tem exercido uma magistratura impecável nesta Casa, simbolizar todo o meu respeito pela instituição, toda a minha gratidão pelos anos enriquecedores que aqui passei e toda a esperança de que a estrutura política portuguesa, finalmente, se consolide para responder aos desafios de um futuro que não podemos definir completamente mas que podemos enfrentar com decisão, com determinação e com esperança.

Aplausos, de pé, do CDS-PP, do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Chega ao fim o debate sobre o estado da Nação, o último desta Legislatura. A oposição, no seu papel, atacou o Governo, criticou as nossas políticas. Penso que criticou as nossas políticas com pouca convicção porque, de alguma forma, no seu íntimo, está convencida que trabalhámos seriamente para cumprir a esperança que prometemos aos portugueses e também porque, de alguma forma, está convencida que apesar de tudo, apesar mesmo dos erros, o País avançou bastante e progrediu nos caminhos do desenvolvimento e do bem-estar.
Assim, ficaram para trás, espero que definitivamente, os tempos da inflação galopante, da desvalorização continuada do escudo, do descontrolo das contas externas, da queda do poder de compra dos salários e das pensões. Penso que, apesar de tudo, se reconhece que demos um importante salto em frente em domínios como a educação, a saúde ou a protecção social. Estes avanços são hoje unanimemente reconhecidos pelas instâncias internacionais e penso que, honestamente, todos podemos concluir que Portugal está mais bem preparado para enfrentar os desafios do futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesta Legislatura que agora se encerra, confirmou-se um novo estilo de exercício do poder, que muito me apraz registar, um estilo com menos retórica - ficou para trás, podemos dizê-lo, um estilo palavroso, sem conteúdo -, e em que a prioridade é claramente voltada para a resolução dos problemas concretos dos portugueses. Penso que este novo estilo não está mais de acordo com amadorismos, com superficialismos, com falta de conhecimentos dos dossiers ou com a incapacidade de decisão. Penso que este novo estilo dignificou o exercício do poder em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesta Legislatura que agora termina, penso que se confirmou o papel vital que na nossa democracia cabe à Assembleia da República e pôde esta Assembleia da República exercer plenamente a sua acção fiscalizadora do Governo. A presença dos membros do Governo no Plenário ou em comissão foi uma constante; quase não houve dia em que membros do Governo não passassem pelas comissões ou pelo Plenário. Nunca recusámos qualquer debate. Nunca tanta informação foi fornecida aos Srs. Deputados. Penso que às vezes, com tanta informação, acabámos por provocar alguma indigestão.
Compare-se, por exemplo, a informação que hoje é fornecida, a propósito do debate do Orçamento do Estado, com aquilo que acontecia há anos atrás!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que esta Câmara deve reconhecer que também nesse domínio foi feito um grande esforço, e um esforço sério, para dignificar o trabalho da Assembleia da República. Mas também penso que, nesta Legislatura, a Assembleia da República avançou muito na profundidade e na importância dos temas que tratou. Esta Assembleia fica ligada a uma acção legislativa da maior importância nos mais variados domínios: na defesa, na administração interna, na economia, no ordenamento do território, na justiça, na agricultura, no trabalho, na habitação e muitos outros domínios.
O papel da Assembleia da República, podemos agora dizê-lo, sai reforçado com governos de maioria, pois a instabilidade, em minha opinião, não conduz ao prestígio do Parlamento. Sempre respeitámos o princípio constitucional da separação de poderes e tudo fizemos para assegurar um correcto relacionamento com este órgão de soberania. Com certeza que nem sempre foi possível alcançar o consenso. É normal, em democracia, que, algumas vezes, o consenso não seja possível e deve então imperar a vontade da maioria, mas sempre com os limites que resultem da própria democracia, desde logo os que resultam da obediência à lei mas também aquele que resulta do carácter sempre relativo que é o exercício do poder num regime democrático.
Quando discordámos, procurámos fazê-1o com elevação e penso que muitas vezes conseguimos, tendo o debate sido digno. Esse facto muito se deve, Sr. Presidente da Assembleia da República, à grandeza e à autoridade como V. Ex.ª tem exercido as suas funções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados da oposição, do Partido Comunista Português, de Os Verdes, do Partido Socialista, do CDS-PP, VV. Ex.ªs procuraram desempenhar o papel que lhes cabe em democracia de forma frontal, de forma aguerrida, mas oposição frontal e aguerrida é própria da democracia. Como é natural, pensamos que às vezes exageraram, que às vezes foram injustificadamente agressivos e que às vezes até foram radicais, mas VV. Ex.ªs merecem da minha parte todo o respeito.
Provocaram o indispensável confronto de ideias, de opiniões e de propostas, sem o qual a democracia é um simulacro. Deram voz aos pontos de vista que não mereceram o apoio maioritário dos portugueses nas últimas eleições, mas, Srs. Deputados da oposição, a vossa experiência, a vossa exigência, o vosso trabalho, a vossa combatividade, o vosso ataque estimulou, de alguma forma, o nosso trabalho, reforçou o nosso ânimo, confirmou a nossa coragem e a nossa determinação para fazer mais e melhor no cumprimento do nosso programa.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Então, a oposição não foi uma força de bloqueio?

O Orador: - Srs. Deputados da maioria, VV. Ex.ªs ficam associados às mudanças históricas que ocorreram, nos últimos anos, no nosso país. A vossa acção foi decisiva. Convosco ficou provada a importância de uma maioria homogénea para Portugal.
Todos sabemos que a mudança é difícil, que é sempre difícil vencer a inércia, as resistências, os interesses instalados. É difícil mudar tudo, sobretudo depois de 5O anos de paternalismo do Estado e dos desvarios totalitários que se seguiram ao 25 de Abril. Mas com a vossa acção ficou

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provado que é possível mudar e que é possível fazê-lo no sentido do progresso e da modernização do País. O vosso trabalho foi decisivo!
Se hoje se ouve dizer, não só da parte do partido do Governo mas também dos partidos da oposição, que Portugal pode legitimamente ambicionar a integrar o primeiro pelotão da União Europeia, isso deve-se em muito à determinação e coragem dos Deputados da maioria.
O Governo, o Primeiro-Ministro está satisfeito com a colaboração que foi possível manter com o Grupo Parlamentar do PSD. A confiança, a cooperação política intensa que estabelecemos durante estes anos foi, em minha opinião, decisiva para a modernização e progresso de Portugal.
Estamos de consciência bem tranquila. Em conjunto, Governo e maioria, tudo fizemos para cumprir a esperança que os portugueses em nós depositaram em 1991.
Srs. Deputados da maioria, foi para mim um grande privilégio trabalhar com o vosso grupo parlamentar, foi para mim uma grande honra servir Portugal com todos vós.

Aplausos, de pé, do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitam-me que, em primeiro lugar, agradeça ao Sr. Primeiro-Ministro as palavras que acabou de me dirigir.
Para mim, foi também uma honra dirigir os trabalhos da Assembleia da República durante o período em que V. Ex.ª foi Primeiro-Ministro. Ouvi aqui grandes debates, participei interiormente em intervenções que muito me consolaram como português e político que sou.
Aos Srs. Deputados que na próxima sessão legislativa aqui não estarão deliberadamente, para esses, guardo a minha palavra para amanhã.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, dia 23, às 11 horas, tendo como ordem do dia a comemoração do 2O.º aniversário do início dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
Está encerrada a sessão.

Eram 22 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Álvaro José Martins Viegas.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Borregana Meireles.
José Pereira Lopes.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Alves Martinho.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Rui António Ferreira da Cunha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Carlos de Almeida Figueiredo.
Domingos Duarte Lima.
Francisco João Bernardino da Silva.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Nunes Liberato.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

Júlio Francisco Miranda Calha.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

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