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Quarta-feira, 8 de Novembro de 1995 I Série - Número 3

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE NOVEMBRO DE 1995

Presidente: Ex.mo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Foi dado a conhecer o pedido de renúncia ao mandato da Sr.ª Deputada do PS Isabel Maria Teixeira Carvalho Pedroto.
A Câmara deu assentimento ao Sr. Presidente da República para permanecer durante mais um dia em Israel.
O voto n.º 1/VII - De pesar pelo assassinato de Yitzhak Rabin, Primeiro-Ministro de Israel, apresentado pela Mesa, foi aprovado, guardando a Câmara um minuto de silêncio.
Após leitura de um relatório da Comissão Eventual de Verificação de Poderes relativo à substituição e à suspensão de Deputados do PS, foi aprovado o respectivo parecer.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres) apresentou o Programa do XIII Governo Constitucional, tendo respondido depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Laborinho Lúcio (PSD), Jorge Loção (PS), Manuel Monteiro (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), João Amaral (PCP), Mira Amaral (PSD), Eduardo Pereira (PS), Calvão da Silva (PSD), Jorge Ferreira (CDS-PP), Maria do Rosana Carneiro (PS), Heloísa Apolónia ( Os Verdes), Amónio Lobo Xavier (CDS-PP) e José Junqueira (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Antero Gaspar de Paiva Vieira.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Domingos de Assunção Cabeças.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Pinto Simões.
José Sampaio Lopes.
José Tomas Vasques.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo Sacadura dos Santos.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Vítor Brito de Moura.

Partido Social-Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António dos Santos Pires Afonso.

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António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Durão Barroso.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Fernando de Mira Amaral.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Pulido Valente.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Alda Maria Antunes Vieira.
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Luís José de Mello e Castro Guedes.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Ao dar início aos trabalhos, a Mesa quer saudar os Srs. Deputados, desejando um trabalho eficaz e que a todos dê plena satisfação. E porque é a primeira vez que temos a honra de ter connosco o Governo, quero saudá-lo na pessoa do Sr. Primeiro-Ministro, fazendo votos para que tenhamos muitas vezes o prazer da sua presença.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, a Sr.ª Deputada Isabel Maria Teixeira Carvalho Pedroto, do PS, apresentou ao Sr. Presidente da Assembleia da República uma declaração escrita a renunciar ao mandato.
Encontra-se ainda na Mesa um projecto de resolução, apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, do seguinte teor:
Tendo Sua Excelência o Presidente da República solicitado atempadamente o assentimento da Assembleia da República para permanecer durante mais um dia em Israel, a fim de poder assistir, em representação do Estado português, às solenes exéquias do Primeiro-Ministro do Governo de Israel Yitzhak Rabin, a Assembleia da Repú-

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blica delibera dar o seu assentimento a essa permanência, ratificando o consenso ontem formado no mesmo sentido pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
O Sr. Presidente: — Está em apreciação o projecto de resolução.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, a Mesa, aliás na sequência de um consenso da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, decidiu apresentar um voto de pesar pelo assassinato de Yitzhak Rabin, Prímeiro-Ministro de Israel, que o Sr. Secretário vai ler.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto n.º 1/VÏÏ — De pesar pelo assassinato de Yitzhak Rabin, Primeiro-Ministro de Israel, é do seguinte teor:
O bárbaro assassinato de Yitzhak Rabin, Primeiro-Ministro de Israel e Prémio Nobel da Paz, enlutou o mundo.
Só um homem que viveu os horrores da guerra pode ter amado tão profundamente a paz.
Condenar o atentado de que Yitzhak Rabin foi vítima é condenar o ódio, a violência, o fanatismo, o racismo e a xenofobia.
A Assembleia da República associa-se à condenação universal desse crime e comunga com o povo de Israel na dor pela perda do seu Prímeiro-Ministro, fazendo votos por que a memória do - seu sacrifício continue a sufragar os valores do Humanismo e da Paz.
O Sr. Presidente: — Está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, porque creio estar no sentimento de todos os Srs. Deputados, mas está, seguramente, no sentimento da Mesa, peço à Câmara que guarde um minuto de silêncio pela morte de Yitzhak Rabin.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
O voto será transmitido às autoridades de Israel, através do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Seguidamente, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão Eventual de Verificação de Poderes.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição e à suspensão de Deputados e é do seguinte teor:
l — Em reunião da Comissão Eventual de Verificação de Poderes, realizada no dia 7 de Novembro de 1995, pelas 11 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de Deputados:
a) Nos termos do artigo 5º, n." 2, alínea b), do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de l de Março):
Solicitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Rosa Maria Correia dos Santos Mota (Círculo Eleitoral do Porto), por Pedro Luís da Rocha Baptista, com início em 2 de Novembro corrente, inclusive.
José Manuel Marques da Silva Lemos (Círculo Eleitoral do Porto), por Sérgio Carlos Branco Barros e Silva, com início em 2 de Novembro corrente, inclusive.
b) Nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de l de Março):
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Isabel Maria Teixeira de Carvalho Pedroto (Círculo Eleitoral do Porto), por José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto, com efeitos a partir de 7 de Novembro corrente, inclusive.
.Na mesma data, em consequência desta renúncia, assume o mandato o Sr. Deputado Fernando Alberto Pereira de Sousa, que já exercia funções em regime de substituição, conforme relatório desta Comissão, de 27 de Outubro de 1995.
2 — O Sr. Deputado José Domingos de Ascensão Cabeças, Círculo Eleitoral de Coimbra, veio declarar existir motivo de suspensão do respectivo mandato, nos termos da alínea c) do n.º l do artigo 4.º e alínea h) do n.º l do artigo 20.º do Estatuto dos Deputados, com início em 28 de Outubro passado, inclusive. Todavia, como simultaneamente requereu o levantamento da correlativa suspensão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 4.º do mencionado Estatuto, tem de ser considerado como Deputado verificado e no exercício de funções.
3 — O Sr. Deputado António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino, do Partido Socialista, eleito pelo Círculo Eleitoral de Setúbal, transitou da situação de suspensão do mandato nos termos do artigo 20.º, n.º l, alínea c), do Estatuto dos Deputados, reportada a 27 de Outubro de 1995 (Relatório n.º I), para a nova situação de suspensão do mandato, nos termos do artigo 20.º, n." l, alínea a), do referido Estatuto, com efeitos a partir de 28 de Outubro de 1995, por ter tomado posse como membro do actual XIII Governo Constitucional.
4 — A Comissão rectifica as substituições indicadas no n.º 2, alínea a), do Relatório n.º 2, de 30 de Outubro de 1995, solicitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e referentes ao Círculo Eleitoral de Lisboa, como a seguir se indica:
Jaime José Matos da Gama por José Tomás Vasques, com início em 28 de Outubro passado, inclusive;
João Cardona Gomes Cravinho por Carlos Justino Luís Cordeiro, com início em 28 de Outubro passado, inclusive;
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho por Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho, com início em 28 de Outubro passado, inclusive;
Alberto Bernardes Costa por Joaquim Moreira Raposo, com início em 28 de Outubro passado, inclusive;
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues por Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho, com início em 28 de Outubro passado, inclusive;
António Luís Santos Costa por Maria Celeste Lopes da Silva Correia, com início em 30 de Outubro passado, inclusive;
Rui António Ferreira da Cunha por Jorge *Manuel Damas Martins Rato, com início em 30 de Outubro passado, inclusive;
José Augusto Clemente de Carvalho por Raimundo Pedro Narciso, com início em 30 de Outubro passado, inclusive.

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5 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelo aludido partido nos concernentes círculos eleitorais.
6 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
7 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 1/VII - Criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa (apresentado pelo Deputado do PS Eurico Figueiredo), 2/VII - Reduz a duração semanal do trabalho normal (PCP), 3/VII - Revogação e alteração das normas mais gravosas do «Pacote laboral» (PCP), 4/VII - Aplica o regime de exclusividade aos directores-gerais e outros dirigentes da Administração Pública (PCP), 5/VII - Altera a Lei n.º 867 89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas) (PCP), 6/VII - Fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos residentes em Portugal têm direito (PCP), 7/VII - Reforça o sistema de fiscalização dos serviços de informações, clarifica os limites das actividades que estes podem desenvolver e revoga as alterações legislativas promovidas no termo da VI Legislatura pelo Governo (PCP), 8/VII - Repõe a idade de reforma das mulheres aos 62 anos de idade (PCP), 9/VII - Revoga a Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto, e a Lei n.º 5/94, de 14 de Março, que estabelecem normas relativas ao sistema de propinas (PCP), 10/VII - Aprova medidas para o desenvolvimento da rede pública de educação pré-escolar (PCP), 11/VII - Aprova medidas de salvaguarda da liberdade de imprensa (PCP), 12/VII - Define as grandes opções da política de segurança interna e adopta um conjunto de medidas imediatas para a defesa da segurança dos cidadãos (PCP) e 13/VII - Fiscalização das empresas públicas e sociedades anónimas de capitais públicos (CDS-PP), que baixam às Comissões que vierem a ser constituídas em razão da matéria; ratificação n.º 1/VII, relativa ao Decreto-Lei n.º 231/95, de 12 de Setembro, que altera o Decreto-Lei n.º 337/90, de 30 de Outubro (Aprova a Lei Orgânica do Banco de Portugal) (PCP); projecto de deliberação n.º2/VII - Definição de um calendário para a regionalização (PCP); e projectos de resolução n.ºs 1/VII - Revisão extraordinária da Constituição (PCP) e 2/VII - Constituição de uma comissão eventual para a fiscalização da utilização de recursos públicos no Projecto Expo 98 (CDS-PP).

Para fazer a sua apresentação, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr.ªs e Srs. Membros do Governo: Permitam-me que, por um momento, se cale o Primeiro-Ministro e possa dizer uma palavra o amigo, para lhe exprimir, Sr. Presidente, a profunda satisfação que sinto ao vê-lo presidir aos trabalhos desta Câmara.

Aplausos do PS.

A esta Casa, ao nosso Parlamento, à defesa do seu papel e do seu prestígio, dediquei o melhor do meu esforço durante mais de um terço da minha vida.
Em nome do Governo que coordeno, quero exprimir o nosso respeito pela Assembleia da República, por todos e cada um dos seus membros, bem como a vontade de completa e leal colaboração.
Há quem defenda que a melhor forma de um governo de maioria relativa se afirmar é governando contra o Parlamento. Rejeito com vigor essa estratégia: queremos governar com o Parlamento defendendo a estabilidade política de que o País necessita e que se preserva com governos de legislatura, por convicção democrática e por consciência do interesse nacional. E governar com o Parlamento implica respeitar o papel das oposições.
Há dois anos, ao abrir os trabalhos da Assembleia Municipal do Fundão, onde os eleitos do PS representam quase dois terços, afirmei que ter maioria não implica necessariamente ter razão. Quero assegurar a todos os grupos parlamentares e a todos os Deputados que as suas iniciativas e as suas opiniões serão sempre vistas por este Governo com total abertura e estou certo de que as iniciativas e as opiniões do Governo serão encaradas com o mesmo espírito construtivo pelos partidos da oposição.
O eleitorado português, desde 1974, sempre deu provas de um extraordinário bom senso e sentido de equilíbrio. Estou certo de que todos saberemos interpretar esse sentimento nacional tão profundamente arreigado.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não vou maçar-vos repetindo aqui as medidas do Programa do Governo: quero, sim, avaliar convosco os desafios que hoje se nos colocam, os grandes objectivos a alcançar, os obstáculos a vencer, as potencialidades a valorizar, as limitações a ter em conta e as estratégias a definir.
Há duas finalidades que nortearão sempre a acção do Governo: criar as condições para que todos possam exercer plenamente os direitos e os deveres da cidadania, sem privilégios nem exclusões, e promover a modernização do País na perspectiva de um desenvolvimento material e ecologicamente sustentável, socialmente justo e regionalmente equilibrado, tomando sempre como referência fundamental as pessoas e a sua realização, para que os portugueses possam triunfar na vida e para que Portugal possa triunfar no mundo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Terminada a leitura do expediente, vamos dar início à apreciação do Programa do Governo.

O Orador: - Estamos muito longe de alcançar estes objectivos. Em alguns aspectos, porventura, estamos mes-

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mo a afastar-nos deles. Temos pela frente dois pesados obstáculos: primeiro, o reduzido nível de qualificação da população portuguesa; segundo, os baixos índices de qualidade, de modernização e de eficiência das nossas organizações, do Estado e da Administração, das empresas e da maioria dos corpos da sociedade civil.
Não é possível aos portugueses triunfar na vida, nem a Portugal triunfar no mundo quando 70% da nossa população adulta não é capaz de identificar o prazo de resposta num simples anúncio de emprego;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... ou quando se perdem meses, às vezes anos, para constituir uma empresa ou aprovar um projecto.
São fragilidades que não se superam no horizonte temporal de uma legislatura mas na perspectiva de uma geração.
Reconheçamos com realismo as nossas fragilidades, mas não alienemos o nosso potencial de esperança. Esperança nas pessoas e no seu valor. Em todas as partes do mundo, os portugueses sempre souberam revelar imaginação, iniciativa e uma enorme capacidade de adaptação às circunstâncias mais difíceis. Por isso nos orgulhamos e é justo o título das nossas Comunidades Portuguesas. Ora, essa capacidade de adaptação é hoje uma das condições indispensáveis para competir no mundo moderno, com mercados cada vez mais exigentes no que diz respeito à flexibilidade e à rapidez de resposta. Se as empresas multinacionais atingem, em muitos casos, em Portugal os seus mais elevados índices mundiais de produtividade, também um dia a generalidade das empresas portuguesas poderá fazer igual.
Há um problema global de organização a resolver. A verdade, permitam-me que o diga, é que raramente as chamadas «elites» nacionais, nos planos político, económico e social, estiveram à altura das qualidades do povo a que pertencem.
Não somos um país rico em recursos naturais, mas temos uma posição geográfica invejável, fomos os criadores originários de uma língua falada por quase 200 milhões de mulheres e homens e beneficiamos, no espaço a que pertencemos, do enorme potencial que nos vem do sol e da amenidade do clima. Saibamos então organizar-nos todos - Estado, empresas e sociedade - para aproveitar tudo isto, criando novas oportunidades de negócio, de emprego, de desenvolvimento: das telecomunicações ao audiovisual, da informática à floresta ou aos produtos agrícolas mediterrânicos, da atracção de investimentos em sectores de ponta ao pleno aproveitamento do turismo.
O turismo de massas de que continuamos a precisar, embora retirando-lhe o carácter destruidor do ambiente e da paisagem, que acabaria por destruí-lo a si próprio, mas também as novas formas de turismo cultural, científico, ligado à natureza, em que as exigências de qualidade se associam a elevados níveis de rentabilidade e de emprego, integrando-se num inovador desenvolvimento local.
Deixei para o fim a riqueza mais esquecida: a nossa forte identidade e tradição. Nas zonas do mundo em tempos colonizadas pelo Ocidente, os países que depois se desenvolveram melhor foram os de mais sólida identidade cultural. Saibamos valorizar os nossos sectores tradicionais, é neles, sobretudo, que temos iniciativa, conhecimento, o saber e o saber fazer. Ajudemo-los a competir nos mercados internacionais e aproveitemos ao máximo o efeito indutor das empresas de excelência que neles existem. História, cultura e tradição, repito, são factores de desenvolvimento, e, como factores de desenvolvimento, têm de ser visto pelo Governo e pelo País.
Por isso sempre me chocou a forma como muitos responsáveis políticos olharam para as gravuras de Foz Côa, como uma dor de cabeça, uma ocorrência infeliz. Pelo contrário, a confirmar-se o seu valor de interesse mundial, elas constituem uma enorme oportunidade científica, cultural e económica para todos nós.

Aplausos do PS.

Há um problema de aproveitamento da valia eléctrica no rio Douro que exige capacidade de armazenamento em território nacional. Acelerem-se então os trabalhos de estudo, projecto e execução de uma barragem alternativa, noutro afluente, que possa desempenhar idêntico papel e para onde se possam canalizar, em parte, os trabalhos em curso.
Consolide-se entretanto o que foi realizado, sem afectar as gravuras, para deixar em aberto todas as opções para o futuro, e aproveite-se essa oportunidade para curar, pelo menos em parte, as feridas ambientais existentes.
Há uma controvérsia sobre o verdadeiro valor das figuras. Peça-se então a entidades acima de toda a suspeita que sintetizem a informação existente e lance-se desde já um plano de intervenção arqueológica do Côa. Plano que faça, serenamente, com o tempo necessário, o levantamento exaustivo do património e determine com segurança o seu verdadeiro valor, e plano a completar com diversas acções de desenvolvimento local em benefício do emprego e da riqueza da região.

Aplausos do PS.

Mas, para que não haja dúvidas, tornemos claro que, se esse plano vier a confirmar, como eu próprio desejo, a excepcional valia dos achados, o projecto da barragem deverá ser definitivamente abandonado.

Aplausos do PS.

Sabemos que há desconfianças compreensíveis. Crie-se uma comissão de acompanhamento composta por representantes dos vários ministérios e das organizações da sociedade civil interessadas. Esta decisão terá um custo, mas não é o custo das gravuras, é o custo da desorganização nacional, que, mesmo com um estudo de impacte ambiental, não deixou ver a tempo o que afinal estava à vista de todos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Procuremos encontrar apoios internacionais, da União Europeia à UNESCO, mas sem deles fazer depender uma decisão que é nacional e que aos portugueses compete assumir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Reafirmo: a defesa do ambiente e a preservação do património, mais do que um custo, têm de ser encarados como uma oportunidade e um instrumento de progresso.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Vejamos, agora algumas das limitações que fortemente nos condicionam.
Com a queda do muro de Berlim e com a abertura do comércio internacional. Portugal deixou de beneficiar da

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protecção da fortaleza Europa e passou a estar cada vez mais inserido num mercado global. Dentro da própria Europa vamos ter de competir com o Leste, com Marrocos, com o Extremo Oriente, onde a mão-de-obra não qualificada tem um custo muito baixo.
Há assim uma maior exigência de competitividade das empresas, de aumento da produtividade global da economia, de abertura a novos mercados e a novas perspectivas de especialização. Uma exigência que afectará, não o nego, as políticas sociais e de emprego.
Não ignoremos essas limitações, fazê-lo seria um suicídio, mas usemos a imaginação para aproveitar ao máximo as novas oportunidades, por forma a que a economia possa crescer a um ritmo tão acelerado quanto possível, para encontrar, em actividades protegidas da concorrência exterior, uma almofada capaz de conter o desemprego, sem pôr em causa a competitividade da economia (por isso falamos do mercado social de emprego e não só) e para agir, com consciência humana e social, face aos dramas daqueles que o progresso mais fragiliza.
A segunda limitação tem a ver com as exigências do processo de integração europeia, associada à situação das finanças públicas.
Até agora, o ajustamento da economia às condições para o acesso à moeda única foi conseguido, sobretudo, à custa das empresas e do emprego. Agora, chegou a vez do Estado, chegou a vez de ser o Estado a suportar o rigor que o ajustamento implica. Quero reafirmar a política de estabilidade cambial e o cumprimento dos compromissos assumidos pelo anterior Governo em matéria de redução do défice orçamental, para 1996 e 1997. Espero que tal conduza — estou certo de que assim será — à diminuição do custo do crédito suportado pelas empresas, embora só com a introdução da moeda única estas passem a dispor definitivamente das mesmas taxas de juro que as suas concorrentes das mais sólidas economias europeias.
Reduzir o défice sem aumento de impostos não é tarefa fácil, imporá inevitáveis sacrifícios. Infelizmente, todos os dias se avolumam as surpresas sobre o verdadeiro estado das finanças públicas algumas delas sem tradução nos números oficiais.
Na saúde, pedi informações à Sr.a Ministra. O actual Governo já contabilizou dívidas acima dos 150 milhões de contos, de que há dias falei numa entrevista.
Não vale a pena falar da CP, da TAP ou da RTP. No Fundo Social Europeu foi o que se sabe. E há défices ocultos, desde o IAPMEI aos serviços sociais de diversos departamentos. De tudo, aliás, infelizmente, se tem de andar à procura, de lupa na mão, porque, na informação transmitida ao Sr. Ministro das Finanças, que incluía a entrega de um projecto de Orçamento rectificativo, muitas destas coisas não constavam.
A situação herdada lança sobre este Governo um enorme ónus político. E como afirmei já, antes das eleições, algumas das medidas de maior custo do Programa do Governo terão, necessariamente, de ter um ritmo mais acelerado de execução, em 1998/99, do que em 1996/97, quando incidirá o maior esforço de ajustamento.
Vozes do PS: — Muito bem! Risos do PSD.
O Orador: — Mas não nos deixaremos intimidar, nem esqueceremos os compromissos assumidos perante o País.
Aplausos do PS.
Disse o que disse na campanha eleitoral por convicção, não como expediente para ganhar votos. Hoje, continuo a ter as mesmas convicções, estando disponível para considerar as razões dos outros, mas continuarei firme nelas até que me provem que estou errado.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Para cumprir faremos do combate ao desperdício uma palavra de ordem constante. Somos demasiadamente pobres para que possamos gastar tanto dinheiro mal gasto.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É neste contexto que compete ao Governo propor ao Parlamento e à sociedade uma nova visão estratégica para o País. Visão estratégica para a plena cidadania, visão estratégica para o desenvolvimento.
Para a plena cidadania em primeiro lugar. Está em causa construir uma relação diferente entre os cidadãos e o poder, que queremos dessacralizar. A confiança entre governantes e governados assenta no primado da lei e na previsibilidade das decisões, em vez do recurso sistemático à arbitrariedade.
Visão estratégica que implica a reforma do sistema político.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Penso hoje a este respeito exactamente o mesmo que pensava na oposição: que só com círculos de um Deputado, compensando-os em termos de proporcionalidade, é possível aproximar os eleitores dos eleitos; que aos grupos de cidadãos independentes deve ser dado o direito de apresentar candidaturas para todos os órgãos directamente elegíveis, acabando com o regime de monopólio dos partidos políticos; e que é indispensável reforçar os direitos dos cidadãos, quanto ao referendo, às iniciativas de propostas de lei e aos recursos para o Tribunal Constitucional.
Tenho confiança na capacidade desta Assembleia para desbloquear o processo de revisão constitucional e conduzi-lo com pleno êxito.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Iremos voltar a apresentar as antigas propostas do PS, para dar maior independência e isenção à RTP e à RDP, face ao Governo.
Aplausos do PS.
Saibamos erradicar uma tradição manipuladora, que todos leremos e terão tido no passado, com maior ou menor intensidade, a sua quota-parte de responsabilidade.
A acção governativa, a eficácia da acção governativa tem de ser compatível com o reforço dos direitos das oposições, com a independência das magistraturas e o aumento dos meios de controlo da legalidade dos actos do Governo. E teremos também de encontrar em conjunto fórmulas que garantam a transparência no financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como o controlo das respectivas contas.
Em todas estas matérias, o Governo está permanentemente à disposição da Assembleia para todas as formas

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de cooperação e de diálogo que esta entenda desejáveis. Em particular eu próprio, estou disponível para aqui vir, ao Plenário, uma vez por mês ou com qualquer outra periodicidade razoável que a Assembleia considerar mais conveniente.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não basta reformar o sistema político, é também preciso reformar o Estado e a Administração, para descentralizar, desburocratizar e humanizar.
Terão todo o meu empenho para que o Parlamento aprove, em tempo útil, a lei da criação das regiões administrativas.

Aplausos do PS.

Com as regiões queremos unir o País, aproximando os cidadãos do poder, garantindo melhor o equilíbrio regional do desenvolvimento, esbatendo as contradições norte/sul e litoral/interior. Elas serão ainda um factor de equilíbrio para as relações entre a República e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, cuja autonomia deve ser consolidada pela clarificação das competências das Assembleias Legislativas Regionais e do quadro de relacionamento financeiro com a República. Descentralizar para as regiões, para os municípios e freguesias, mas também desburocratizar. Não há cidadania exercida em pleno com uma justiça lenta e ineficaz e com uma administração que complica a vida quotidiana de todos nós, por vezes para lá do suportável.
O Governo deseja, em cooperação íntima com o Parlamento, que esta Legislatura se possa transformar num ponto de viragem decisivo nos dois aspectos que foquei.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Uma estratégia para o pleno exercício da cidadania não pode ignorar os que dela estão excluídos. Por isso a pobreza é uma questão política essencial. Atinge o cerne da natureza do Estado democrático, porque afasta da cidadania uma percentagem significativa das pessoas. Hipocritamente, nos países mais evoluídos, a exclusão social é um tema ausente, até porque os excluídos, por definição, raramente votam.
Para o Governo, o combate à exclusão é uma questão política, assumida em nome da consciência democrática e não apenas por afirmação do valor da solidariedade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Daí a importância que o Programa consagra a uma diversidade de medidas de que salientaria o mercado social de emprego, o rendimento mínimo garantido e um esforço acrescido de prevenção, tratamento e reinserção face à droga, outro factor de exclusão da cidadania. E tudo isto entendemos que é perfeitamente compatível com a severidade necessária para um mais eficaz combate à criminalidade.
Disse antes de Outubro, reafirmo agora com idêntica clareza, que seremos duros contra o crime, mas humanos no combate às suas causas sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é também em nome da cidadania que iremos criar um Alto Comissariado para coordenar horizontalmente as políticas da família, que consideramos matriz essencial na visão das políticas sociais, bem como da igualdade entre as mulheres e os homens em Portugal.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Visão estratégica para a cidadania, como suporte de uma visão estratégica para o desenvolvimento, e é o entrecruzar destes dois objectivos que justifica a prioridade das prioridades dada à valorização das pessoas, à educação, à formação, à ciência e à cultura, concebidas como um todo interligado, mas tendo necessariamente particular relevo, no momento presente, a educação pré-escolar e o ensino básico.
Mais um ponto percentual no PIB para a educação no final da Legislatura é, infelizmente, excessivamente pouco. Mesmo que fossem cinco e Portugal continuaria a gastar com cada jovem muito menos do que a Suécia ou a Alemanha gastam com os seus. Não podemos, infelizmente, contornar as fortes limitações financeiras, mas precisamos de contagiar em torno deste objectivo toda a sociedade portuguesa. Por isso o Governo proporá brevemente um pacto educativo, que queremos discutir convosco e com todos aqueles cujo contributo é indispensável, para que tenhamos uma educação e uma formação a sério: os professores, os alunos, as famílias, mas também as autarquias, as empresas, os parceiros sociais e as instituições de solidariedade social. Uma educação para todos, pelo progresso económico e pela igualdade de oportunidades, a qualidade e a justiça no sistema educativo, a participação e o sentido das responsabilidades, como geradores de exigência e rigor, eis os princípios que gostaríamos de ver adoptados por todo o País.
Uma educação coordenada com a formação profissional, que queremos fazer renascer do pesadelo do desperdício e da desorientação.
Uma educação que é produto de uma cultura, mas factor decisivo de valorização dessa mesma cultura e da democratização no seu acesso.
Uma educação que é condição de eficácia para a investigação científica e tecnológica, mas cuja a eficácia exige a qualidade científica do ensino, vivendo paredes meias com a investigação.
Por tudo isto, porque tudo isto é preciso coordenar, se institucionaliza o Conselho de Ministros para a Educação, a Formação, a Ciência e a Cultura, que reunirá regularmente.
Este é um projecto de geração, de cujo êxito depende o futuro das próximas gerações. Mas não tenhamos ilusões, pois ele não resolverá os problemas imediatos que se colocam à nossa economia e à nossa sociedade. Por isso uma nova visão para o desenvolvimento exige ainda, nomeadamente, três outros vectores complementares: o primeiro está no estabelecimento de uma concertação estratégica entre o Estado, os grupos empresariais e as empresas e os parceiros sociais, para que se possa casar a macro com a microeconomia, a economia nacional com a economia das empresas; para que se possa combinar a convergência, dita, real, que tem a ver com o crescimento, com o emprego e com a melhoria progressiva do nível de vida das pessoas, com a convergência, dita, nominal, que tem a ver com a redução da inflação e das taxas de juro e com a solidez financeira do Estado.
Casamentos que exigem eficácia nas políticas estruturais, na agricultura, nas pescas, na indústria, nos serviços, mas exigem também vontade de entendimento entre os parceiros sociais. Para que possamos ter empresas mais modernas, mais flexíveis, mais capazes de competir, mas que dêem a quem nelas trabalha não só melhores condições de vida, como a garantia do exercício dos verdadeiros direitos de um cidadão trabalhador.
O desenvolvimento passa hoje, assim, pela contratualização. E eu apelo aos parceiros sociais para, com imaginação, encontrarem novos equilíbrios, vencendo preconceitos tradicionais em benefício de todos.

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Em síntese, promoveremos a articulação entre as políticas educativa, de formação, de emprego, de apoio ao investimento privado, para a definição das quais serão chamados a participar os parceiros sociais, as associações, os grupos empresariais e as empresas, numa concertação estratégica que permita articular estas políticas com os próprios projectos empresariais, para que todos os esforços sejam combinados e todas as oportunidades do País sejam aproveitadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A concertação social não se destina sobretudo a discutir salários mas, sim, a discutir todo o desenvolvimento do País, em todos os seus aspectos.
O segundo vector de preocupação imediata tem a ver com a justiça social: a reforma fiscal e a reforma do Estado de bem-estar.
Dois princípios essenciais orientarão a intervenção do Governo para alcançar este último objectivo: a prioridade no apoio aos mais desfavorecidos, como condição para promover a igualdade de oportunidades, e a orientação das políticas em função das necessidades das pessoas e não segundo a pressão corporativa das estruturas. É intenção deste Governo promover um amplo debate com o Parlamento e com o País para que as reformas da saúde e da segurança social, em particular, possam dar origem a verdadeiros acordos de regime, cujo efeito estabilizador perdure para além de uma legislatura. Mas sabemos que não é possível uma reforma justa das políticas sociais sem padrões minimamente credíveis de medida dos rendimentos e patrimónios das famílias. Ora, o IRS que temos continua a ser, praticamente, um imposto único sobre os rendimentos de trabalho por conta de outrem.
Não queremos cobrar mais impostos. Queremos, sim, que todos paguem de acordo com aquilo que efectivamente têm e ganham, para que possam pagar um pouco menos as classes médias e os que vivem dos rendimentos do seu trabalho e para que seja possível penalizar um pouco menos os rendimentos do capital reinvestidos na criação do emprego e da riqueza.

Aplausos do PS.

O terceiro vector de preocupação imediata tem a ver com a organização espacial dó desenvolvimento. Assistimos à desertificação do interior, ao abandono significativo dos campos e à crescente concentração do povoamento na faixa litoral entre Braga e Setúbal e, sobretudo, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, que têm vindo a acentuar as características próprias de metrópoles do Terceiro Mundo.
Não defendemos uma nova ruralização do País. As sociedades modernas têm nas cidades um dos seus factores mais decisivos de modernização e não é por acaso que nos chamamos uns aos outros de «cidadãos», seja qual for a terra em que vivamos.
Para evitar a desertificação e garantir os níveis mínimos necessários de povoamento será adoptada uma nova política de desenvolvimento rural. Mas, mesmo com essa política, o país vai continuar a urbanizar-se. Importa é garantir uma urbanização ordenada, com uma nova política para as cidades, uma política de valorização das cidades de dimensão intermédia, vistas como a rede na qual possa assentar o desenvolvimento equilibrado do País, aliviando a actual pressão sobre a Grande Lisboa e o Grande Porto, que importa requalificar. O Governo deseja cooperar intensamente com as juntas metropolitanas e com todos os autarcas na reorganização destas duas áreas em torno de vários centros geradores de actividade e de emprego, que permitam descongestionar o tráfego, melhorar o ambiente urbano e criar condições de enraizamento e novas relações de vizinhança, restabelecendo progressivamente os novos direitos - o direito à privacidade, ao ambiente, à luz, à cultura, à identidade e à memória. É neste contexto que encararemos os projectos da EXPO 98 e do Europarque da cidade da Feira.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quero agora abordar brevemente o relacionamento externo. Quando tomei posse, disse que «há um novo ponto de equilíbrio a encontrar entre a integração europeia e a nossa vocação atlântica e universalista, um ponto de equilíbrio que é afinal um reencontro com a nossa própria identidade». Defender e valorizar a Língua Portuguesa torna-se, assim, um objectivo central da política externa, um objectivo que sairá reforçado com a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e com uma mais eficaz cooperação em África.

Aplausos do PS.

Neste quadro, gostaria que os próximos quatro anos ficassem ligados, pela primeira vez, a uma aposta mobilizadora de toda a sociedade portuguesa para um novo relacionamento com o Brasil, um relacionamento rico no intercâmbio cultural nos dois sentidos e não apenas na importação por nós de telenovelas.

Aplausos do PS e do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

Um relacionamento assente numa estratégia comum de defesa da Língua Portuguesa no mundo e um relacionamento activo nos domínios da economia e da cooperação empresarial nos dois sentidos. Para concretizar estes objectivos com a África e com o Brasil é intenção do Governo promover uma concertação sistemática com a sociedade portuguesa no seu conjunto e, em particular, com as empresas e as organizações não governamentais que para isso se sintam particularmente vocacionadas. As nossas relações com estes países não podem ser desligadas da forma como os seus filhos vivem e trabalham no território nacional. Temos consciência de que as condições económicas e sociais obrigam a uma política de imigração extremamente cautelosa mas não é possível ignorar, até pelos graves riscos de natureza social já existentes, a actual situação das respectivas comunidades em Portugal. O Governo criará um Alto Comissariado para a Imigração;...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... cujo objectivo será o de coordenar uma política de inserção harmoniosa dessas comunidades no seio da sociedade portuguesa, a bem delas próprias e de todos nós.

Aplausos do PS.

É neste quadro de abertura ao mundo que devemos reafirmar, de forma democrática e participada, a nossa opção por um destino europeu. Proponho-me reunir regularmente com os líderes dos partidos da oposição, nomeadamente no quadro da preparação dos Conselhos Europeus. Desejamos que a Assembleia da República acompanhe intensamente todo o processo de integração e o Governo

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está totalmente disponível para esse efeito, e prevemos o recurso à consulta popular nos momentos particularmente significativos da construção europeia.

O Sr José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Governo estará particularmente empenhado em que a adopção da moeda única se faça num quadro de solidariedade com as economias mais frágeis; em que o alargamento a Leste não ponha em causa a coesão económica e social entre os Estados do Norte e do Sul da União; em que a evolução das instituições europeias respeite o princípio da igualdade entre os Estados, repudiando qualquer forma de directório dos grandes países europeus.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não queremos uma Europa centrada sobre si própria ou obcecada com o Leste, queremos uma Europa que assuma a sua vocação atlântica, atenta aos problemas de desenvolvimento e segurança na bacia do Mediterrâneo e capaz de retomar um papel pioneiro no diálogo Norte/Sul, um papel em que Portugal tem uma forte palavra a dizer.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É tempo de terminar. Quero aqui reafirmar o que disse na noite das eleições: entendo que os resultados eleitorais conferem ao PS um mandato para governar mas entendo também que o povo português quis que esse mandato fosse exercido num quadro permanente de abertura e de diálogo, nomeadamente, neste Parlamento, para que haja mais e melhor democracia, para que o imprescindível rigor económico seja temperado pelas exigências de uma consciência social bem formada, para que a sociedade portuguesa estimule a iniciativa e a criatividade mas assuma simultaneamente o valor da solidariedade.
Teremos, seguramente, entre todos nós, em relação a muitos destes aspectos, opiniões diversas e sentimentos distintos, mas estou certo daquilo que nos une: o patriotismo e um profundo amor a Portugal.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Primeiro-Ministro, pelas palavras amáveis que quis dirigir-me no início da sua intervenção.
Srs. Deputados, finda a apresentação do Programa do Governo, segue-se um período para pedidos de esclarecimento e para as correspondentes respostas, que não deverão prolongar-se por tempo superior a três minutos, respectivamente. A este respeito, foram invocadas duas praxes: uma, no sentido de que os pedidos de esclarecimento devem ser ordenados do maior para o menor partido da oposição; outra, a de que devem ser ordenados no sentido inverso, do menor para o maior. Pedi que fosse feita unia pesquisa e verifiquei que há exemplos de praxes nos dois sentidos, o que bem pode significar que não há qualquer praxe. Assim sendo, tenho de remeter-me ao critério supletivo da ordem das inscrições, apenas corrigido pelo princípio da alternância.

Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, antes de formular o meu pedido de esclarecimentos ao Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de pôr à consideração de V. Ex.ª o seguinte: diversamente do que há pouco referiu, a praxe parlamentar, quanto aos pedidos de esclarecimento a intervenções do Sr. Primeiro-Ministro, não determina que não possam exceder três minutos pois, como os tempos estão distribuídos por grupo parlamentar, cada um fará uso deles da forma que entender.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, julguei que o entendimento adoptado pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares tinha sido o que enunciei, mas claro que não sou fanático nem estou agarrado a qualquer espécie de critério em exclusivo. De onde, se todos estiverem de acordo que cada grupo parlamentar administre o tempo de que dispõe como quiser, não me oporei a tal. Havendo assentimento, assim se fará.
Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado por continuar a não ser fanático, Sr. Presidente.
Sr. Primeiro-Ministro, sendo esta a primeira vez que se apresenta nessa qualidade na Assembleia da República, gostaria de, em nome da minha bancada, apresentar-lhe, bem como a todos os Membros do Governo, os nossos cumprimentos.
O Programa do Governo. Sr. Primeiro-Ministro, parte de uma constatação que nos parece realista e que deve ser tida em consideração, a qual aliás, aparece logo na primeira página do Programa: «Em 1 de Outubro, as portuguesas e os portugueses fizeram uma escolha, afirmaram querer uma mudança de rumo na política nacional». Comungamos desta constatação e temos para nós, como entendimento essencial, que tudo deve ser feito pelo Governo e pelas diversas formações políticas para que essa aspiração de mudança manifestada pelos eleitores seja, de facto, concretizada e não haja o perigo de, eventualmente, poder vir a ser defraudada. Pela nossa parte, consideramos que essa aspiração de mudança manifestada pelos eleitores tem fundamentalmente a ver com o desejo de políticas de progresso económico e social, com o desejo de mais justiça, com o desejo de combate ao desemprego e à exclusão social.
É neste quadro, Sr. Primeiro-Ministro, que acolhemos positivamente diversas intenções expressas no Programa do Governo, designadamente, no âmbito social e de incidência social. Estou a lembrar-me, por exemplo, da intenção de criação do rendimento mínimo garantido, que o Sr. Primeiro-Ministro ainda há pouco reiterou, da intenção de combate ao desemprego e da criação de postos de trabalho, do reforço das dotações para a educação, tal como das propostas que surgem no Programa do Governo sobre uma maior justiça fiscal.
Repito: analisamos positivamente estas orientações expressas mas, do nosso ponto de vista - e dizemo-lo firme e sinceramente - existe uma contradição no Programa do Governo entre os meios necessários para cumprir este desiderato de mais solidariedade, de mais justiça, de mais emprego e o princípio há pouco explicitado por V. Ex.ª de continuar a ser dada pelo Governo prioridade ao cumprimento dos critérios de convergência nominal do Tratado de Maastricht. Temos para nós, Sr. Primeiro-Ministro, que esta contradição é grande e que poderá pôr em causa - se bem que tenhamos a convicção de, a ser mantido este último princípio dos critérios de convergência, tudo fazer para que os mesmos sejam cumpridos até 1999 - o cumprimento da parte do Programa relativo à solidariedade, ao aumento do emprego, à justiça social. Temos para nós que o crescimento económico sustentado e acelerado

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é a base essencial em que tem de radicar a própria consolidação orçamental: é com base no crescimento económico acelerado e sustentado que poderemos combater o desemprego criando novos postos de trabalho em número e qualidade suficientes; é com base no próprio aumento dos recursos públicos que advirão desse crescimento económico que será possível dar cumprimento e satisfazer plenamente as funções sociais que ao Estado incumbem; é com base no crescimento económico, no mais emprego e na mais riqueza criada que poderemos aumentar o nível de vida dos portugueses.
Honestamente lhe referimos essa contradição, Sr. Primeiro-Ministro, a qual é para nós essencial neste Programa do Governo. Julgamos que manter a prioridade à moeda única é negativo para o País e pode comprometer toda a parte social do Programa do Governo que está a ser-nos apresentado neste momento. A prioridade à moeda única, Sr. Primeiro-Ministro, tem sacrificado, nos últimos anos, o crescimento, o desemprego, as questões sociais, não só em Portugal como em toda a Europa.
Julgo que para o Sr. Primeiro-Ministro, que, enquanto Deputado, há uns anos atrás criticou fortemente a política do escudo caro, é compreensível que a nossa estrutura produtiva não aguenta uma moeda forte e, mais do que isso, não aguenta uma moeda única que, a ser criada, será provavelmente a moeda mais forte a nível mundial. Nesse sentido, Sr. Primeiro-Ministro, julgo que o grande dilema que o Governo, na sua actuação prática, terá de dirimir se situa entre a questão das propostas expressas no âmbito social e este constrangimento ditado pela União Económica e Monetária, pelos princípios de convergência de Maastricht e pela orientação para a moeda única.
Pela nossa parte, Sr. Primeiro-Ministro, esperamos muito sinceramente que, no momento em que o Governo, em termos práticos, tiver de dirimir esta contradição, o faça, não com o sacrifício social, não à custa dos salários dos trabalhadores ou do emprego mas à custa do sacrifício dos critérios de convergência de Maastricht.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, deseja responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, penso que o diálogo tem a ganhar se as respostas forem individuais....

O Sr. Presidente: - Tem esse direito, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - ... até porque a melhor maneira de não responder às perguntas é agrupar várias delas numa única resposta para que já ninguém se lembre do que foi perguntado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, começo por agradecer as saudações e transmitir-lhe as do Governo para o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Passando agora à resposta propriamente dita. devo dizer-lhe que o problema que colocou é central para o nosso país e tem a ver com as nossas opções de fundo e com as consequências destas em relação ao bem-estar dos portugueses no futuro.
Do meu ponto de vista, o problema colocado deve ser respondido a dois níveis. O primeiro, para dizer que no esforço de ajustamento que agora se torna imprescindível.
O que está fundamentalmente em causa é a redução do défice orçamental. Ora, a redução do défice orçamental não é um mal em si própria e o facto de com isso, libertar mais meios, nomeadamente para o investimento da sociedade civil e das empresas, pode ser um factor determinante de criação de emprego, da mesma forma que a redução das taxas de juro que essa diminuição do défice orçamental pressupõe facilitará o aumento do investimento e do emprego. Há sempre dois pratos em cada balança e quando o Estado impõe a si próprio algum rigor este traduz-se na criação de maior facilidade de actuação daqueles que na economia real. podem criar emprego e desenvolver o País.
Mas a questão central é a seguinte: deve Portugal manter-se no quadro dos países que desejam aceder à moeda única ou deve deixar este mesmo quadro?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Essa é uma questão central para todos nós e que tem de ser ponderada atendendo a todas as suas consequências. Ora, é minha firme convicção de que se Portugal abandonasse o objectivo de integração nos países que querem aceder à moeda única tal traduzir-se-ia numa perda de credibilidade global da nossa economia, com efeitos extremamente negativos sobre as perspectivas de investimento, de criação de emprego e de desenvolvimento e bem-estar dos próprios trabalhadores.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Muitas vezes me manifestei aqui, nesta sede, contra uma política de valorização excessiva do escudo. Não é isso que o Governo detende no seu Programa mas uma política de estabilidade cambial, o que é diferente. No entanto, todos temos de entender-nos sobre uma coisa. É que, quando um Estado desvaloriza a sua moeda para ganhar competitividade, a consequência dessa desvalorização é a perda do poder de compra dos trabalhadores, porque é através da redução dos salários que funciona a desvalorização da moeda.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E por isso, do ponto de vista do Partido Comunista Português, partido que tem e sempre teve, na sua história uma preocupação fundamental com o bem-estar dos trabalhadores, esta análise tem de ser levada até ao fim, na medida em que a desvalorização da moeda, que ocorreria se necessariamente abandonássemos estes objectivos e cuja dimensão os mercados revelam hoje que não poderíamos controlar - o México quis fazer uma pequena desvalorização e acabou por fazer uma grande desvalorização, como sabe -, teria, neste momento, consequências ao nível de uma perda muito gravosa no poder de compra dos trabalhadores. Ora, se essa perda fosse imediatamente compensada pela correspondente elevação dos salários, todas as vantagens da competitividade obtidas pela economia seriam perdidas e entraríamos numa espiral inflacionista.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, penso sinceramente que a melhor forma de defender os interesses dos trabalhadores portugueses neste momento é manter um objectivo de rigor orçamental, bem como as perspectivas de Portugal

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integrar o conjunto de países com acesso à moeda única. Penso que não o fazer seria excelente para este Governo. Diria mesmo mais: permitir-nos-ia uma política de facilidade extremamente atractiva à primeira vista mas, no meu entendimento profundo, teria consequências extremamente gravosas para os interesses dos trabalhadores portugueses. Há duas formas de encarar o rigor económico: com consciência social e sem consciência social...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ora, creio que, tendo nós todos consciência de que o rigor económico faz falta ao País, é imprescindível que todos façamos um grande esforço de imaginação para combiná-lo com a consciência social que leve a que aqueles que mais são fragilizados pelo desenvolvimento sejam os de maior alvo de medidas correctivas e compensatórias e que a própria estratégia de desenvolvimento global do País minimize os custos sociais da integração europeia.
Assim, postos perante duas escolhas, por um lado, a de entrarmos num círculo vicioso que poderia decorrer do abandono do caminho traçado, e, por outro, a da possibilidade forte - não lhe digo sequer a certeza - de podermos entrar num círculo virtuoso com a integração plena de Portugal num conjunto de países de economia sólida, estou certo de que nem o Governo nem o País podem hesitar neste momento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Laborinho Lúcio.

O Sr. Laborinho Lúcio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, ao ter o privilégio de, pela primeira vez, usar da palavra nesta Câmara na qualidade de Deputado, permita-me, Sr. Presidente, que saúde V. Ex.ª, que, em V. Ex.ª, saúde toda a Câmara e que, saudando a Câmara, saúde todo o povo português que aqui representamos.
Sr. Primeiro-Ministro, permita-me também uma palavra de saudação a V. Ex.ª que hoje, pela primeira vez de entre muitas - esperamos -, aqui se apresenta perante nós, uma palavra de voto pelas felicidades políticas do Governo que preside, sendo certo que dessas felicidades resulta a progressiva felicidade do povo português como objectivo que nos irmana a todos...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... e ainda uma palavra, porventura um pouco forte mas, apesar de tudo, de algum lamento pelo facto de V. Ex.ª, ao longo da extensa intervenção que nos apresentou, não ter podido encontrar, através da sensibilidade que todos lhe reconhecem, o pequeno parágrafo discreto, ali, ao dobrar da folha, para, após ter-se dirigido - e bem - ao Presidente da Assembleia e após ter-se dirigido - e bem - à própria Assembleia, reconhecer aquilo que foi a imagem superior da transferência de poderes entre o Governo cessante e o Governo a que V. Ex.ª preside.

Aplausos do PSD.

Julgo que, aí, todos nós, ministros cessantes e os então futuros ministros do Governo de V. Ex.ª, demos uma imagem de maturidade democrática ao País inteiro, porventura com falhas aqui ou ali mas certamente, com uma transparência a que não estávamos habituados e com uma solidariedade institucional sucessiva que todos esperamos faça escola na vida política portuguesa. Sei que V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, não o fez por indelicadeza, que ninguém lhe atribui, mas porventura por um pequeno esquecimento, sempre justificável a quem dá os primeiros passos à frente de um Governo perante tarefas complexas como aquelas que estão diante de V. Ex.ª. Julgo por isso que terá ocasião, humilde como é, de reconhecer publicamente que, de facto, todos juntos demos ao País um exemplo de serenidade, de maturidade e de capacidade democrática de convivência na diferença.
É que, Sr. Primeiro-Ministro, se assim não fosse - e creio bem que não é -, então, a situação transformar-se-ia de mero lamento circunstancial numa atitude de crítica política mais profunda e estaríamos diante de uma atitude de repúdio face à globalidade da acção do governo anterior e, como tal, hoje, estaríamos menos a ouvir com interesse empenhado o novo Primeiro-Ministro antes estaríamos a ouvir com menor interesse o ainda líder da oposição, que já não é.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Justamente porque assim não vai ser, não tomarei hoje a liberdade, que seria porventura leviana, de escalpelizar alguns aspectos mais específicos do Programa do Governo, no qual certamente teríamos gostado de ver - e V. Ex.ª compreenderá que assim é - algum reconhecimento de políticas essenciais que foram iniciadas e que o Governo de V. Ex.ª, responsavelmente, vai seguir, corrigir, melhorar, mas vai manter na sua essência. Seria interessante que pudéssemos tê-lo visto relativamente a vários sectores daqueles em que V. Ex.ª desdobrou o Programa do Governo. Estamos convencidos de que o tempo o comprovará, temos mesmo a certeza de que V. Ex.ª não deixará de reconhecê-lo, em homenagem, por um lado. ao direito de crítica que obviamente tem relativamente à acção do governo anterior, mas, ao mesmo tempo, em homenagem ao exercício da honestidade que todos esperam ver comprovada em V. Ex.ª.
Assim, Sr. Primeiro-Ministro, uma vez que a colocação de questões e de perguntas é justamente o que legitima esta minha intervenção, a questão é a de saber até que ponto podemos contar, ainda que com a crítica, obviamente sempre legítima - repito -, com o reconhecimento das políticas de continuidade que, sendo continuadas, não são trazidas aqui como reconhecimento da qualidade do Governo mas como segurança para os portugueses da compreensão daquilo que foram as políticas adoptadas e do que vai ser o prosseguimento das mesmas pelo Governo de V. Ex.ª.
A segunda questão, Sr. Primeiro-Ministro. prende-se com a metodologia e, uma vez mais, devo dizer que, ao menos por agora, não envolve crítica antecipada, a qual seria, também ela, leviana nesta ocasião.
V. Ex.ª tem dito, repetidamente, tal como o têm feito vários dos membros do seu Governo - e com a minha total concordância -, que o diálogo será permanentemente privilegiado. Por outro lado, juntamente com a preparação do diálogo que V. Ex.ªs privilegiarão, temos assistido a algumas decisões de suspensão: suspensão de diplomas legislativos, de medidas, de projectos em curso. Devo dizer, uma vez mais, Sr. Primeiro-Ministro, que me satisfaz a clara abertura ao diálogo, do mesmo modo que

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devo dizer que, do ponto de vista abstracto, em nada me preocupa a política de suspensão. O que creio fundamental é que nos não fiquemos pelo diálogo e pela suspensão. Julgo por isso que, quanto ao diálogo, que certamente enformará a tomada de posição e a posterior decisão por parte do Governo e que justifica a suspensão nos casos em que o Governo assim entenda, para que esse trajecto possa ser transparentemente acompanhado, nomeadamente pelo Parlamento e pelos portugueses, é necessário acrescentar um dado. pragmático e positivo, essencial: em primeiro lugar, diálogo durante quanto tempo e até que decisão e; em segundo lugar, qual a posição negocial do Governo no início do diálogo face a cada problema. Isto é, não podem os portugueses nem, nomeadamente, o Parlamento aguardar indefinidamente aquilo que eventualmente venha a ser a decisão do Governo após o diálogo para poder criticar a própria decisão do Governo, se for caso disso, nem podem os portugueses aprovar conscientemente o Programa do Governo, visto que se a seguir se vai suceder o diálogo dificilmente podemos ter a garantia de que as medidas discutidas hoje venham a ser aquelas que o Governo adoptará, concluído o diálogo sem se saber quando.
E por isso, Sr. Primeiro-Ministro. que pergunto a V. Ex.ª se, no início de cada processo dialogado para uma decisão posterior, podemos contar com a previsibilidade objectiva por parte do Governo quanto ao tempo durante o qual o diálogo terá lugar e quanto ao momento em que se espera a decisão. De igual modo, seria interessante para nós, se não mesmo essencial, podermos saber qual a posição negocial que, à partida, o Governo vai adoptar e colocar em cima da mesa para, no momento final da decisão, podermos concluir se a convicção do Governo se modificou ou não, se a posição inicial do Governo se alterou ou não, ou se, pelo contrário, aquilo que resulta como posição final é a primeira posição que o Governo teve sobre a matéria relativamente à qual suscitou o diálogo e entabulou as negociações.
Passo à terceira e última questão.
Sr. Primeiro-Ministro, tem sido dito - e devo dizer que não me enfileira nesse grupo, preferindo colocar-me numa posição de expectativa - que V. Ex.ª prometeu demais e que o ter prometido demais, dificilmente cumprirá o que prometeu Eu. com a experiência de governo que tenho, prefiro deixar que seja o tempo a mostrar se se prometeu demais ou não e adianto-lhe desde já que poderá contar com a minha tolerância quanto a algumas promessas não cumpridas. Só que. como é evidente, também aqui o Princípio de Peter tem a sua aplicação e obviamente, há um limite a partir do qual o não cumprimento das promessas põe claramente em causa a credibilidade inicial com que as mesmas foram apresentadas ao povo português.
É por isto que pediria ao Sr. Primeiro-Ministro, ainda que na ausência de qualquer figura regimental que permita a petição directa ao Governo por parte de um Deputado, que pudesse evitar cair na tentação de - e compreendo porventura melhor do que outros o que isso significa -, não cumprindo determinadas promessas, fingir que as cumpre ou cair na aparência do seu cumprimento. Dou apenas um exemplo, para que possamos saber de que falamos.
Li com interesse redobrado o Programa do Governo na área relativa à regionalização administrativa. Como é evidente, não vamos discutir hoje a questão da regionalização pois ela certamente merecerá variadíssimos debates e aquilo que venha a ser a posição final não deixará de ser uma posição resultante de muita convergência, porventura, de divergências anteriores.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, se a solução fosse a do Programa do Governo, então estaríamos já diante da aparência de um cumprimento de uma promessa, porque a regionalização que consta do Programa de Governo, e é exclusivamente a essa que me refiro, não atribui aos órgãos das regiões qualquer poder de decisão. No fundo, o que resulta como perspectiva global do texto do Programa do Governo é que os órgãos das regiões não são' mais do que um conjunto de órgãos tão capazes de proporcionar discussão importante sobre as realidades locais como o são os grupos de associações empresariais; ou seja, aquilo que, do ponto de vista da convergência cívica dos cidadãos é possível que seja feito.
É bem possível atingir exactamente os mesmos objectivos com outro tipo de descentralização e não é, certamente, por esta via que se concluirá pela necessidade da regionalização.

O Sr. Presidente: - Sr Deputado, desculpe a advertência, mas peco-lhe para ter cuidado na gestão do seu tempo de intervenção, dado que se encontram inscritos para intervir mais colegas da sua bancada e existe uma limitação temporal.

O Orador: - Sr. Presidente, termino já. Sendo esta a primeira vez que intervenho como Deputado, não me sentiria plenamente realizado se, depois de tantas vezes ter sido aqui interrompido pelo ex-Presidente da Assembleia da República, não o fosse igualmente por V. Ex.ª.

Risos do PSD.

Sr. Presidente, aceito a sua sugestão de interrupção, visto que não foi uma ordem, e termino como comecei, não sublinhando particularmente o lamento e desejando que nesta parte, o que tenha mais força seja a saudação e o voto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço as referências iniciais que me dirigiu e quero dizer-lhe que a advertência que fiz foi por bem.
Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Laborinho Lúcio, agradeço a saudação que me fez, saúdo-o também, bem como ao grupo parlamentar em que se integra, e direi que verifico - o que já esperava - que a elegância do Deputado Laborinho Lúcio é inteiramente idêntica à que sempre reconheci no Ministro Laborinho Lúcio. Quero sublinhá-lo, porque foi com particular elegância que se processou o mecanismo de transição no seu Ministério. E dir-lhe-ei , com total sinceridade, que se entendi ser omisso em relação ao problema global da transmissão foi em nome da mesma elegância que a si sempre reconheci.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao Governo anterior, procurámos que este Programa não contivesse qualquer crítica. Devo dizer que, na sua redacção final, fizemos o esforço de eliminar alguma frase que inadvertidamente ali continuasse. É que, para nós, o que está em causa não é julgar os anos que passaram - esses anos foram julgados pelo povo português -, mas construir o futuro. E devo dizer-lhe que, eu próprio, durante muitos anos, na bancada do

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PS, vivi permanentemente o espectro de ouvir sempre falar de 1983 a 1985, em vez de ouvir falar dos problemas do futuro do País. Nós não iremos falar sempre de 1985 a 1995, iremos falar do futuro do País.

Aplausos do PS.

Mas, da mesma forma que o Programa do Governo não contém críticas, creio que não seria razoável esperar que contivesse elogios à acção do anterior Governo. O que lhe posso dizer é que, de tudo quanto vem de trás, nas políticas assumidas, manteremos, sem preconceito, aquilo com que concordarmos e alteraremos apenas aquilo em que não estivermos de acordo. E mais: em caso de dúvida, não diria que actuaremos «a favor do réu», mas a favor da continuidade, porque é preferível a continuidade a arriscar uma mudança quando não se está seguro dos efeitos dessa mudança.
Contudo, há de facto, um conjunto de alterações significativas na orientação política do Governo que decorrem do nosso entendimento, das nossas convicções e compromissos, e esses serão mantidos.
O diálogo não serve para atrasar a decisão. Nas sociedades modernas, que são complexas, o diálogo serve para que a decisão a tomar seja correcta, e sem a participação dos agentes na feitura das decisões corremos o risco de ter que as alterar depois de tomadas por a sua aplicabilidade não ser possível.
Teremos sempre presente o critério que referiu, diremos sempre o que pensamos, ouviremos e discutiremos com abertura e não teremos dúvidas em considerar uma vitória do Governo não o facto de se manter a posição inicial mas termos tido a lucidez de a alterar se essa for a melhor forma de, em conjunto, entendermos o interesse nacional.
Permita-me que lhe diga não crer que seja justificável falar-se de atraso. Tivemos um ano sem saber para que lado se ia definir uma estratégia em relação a Foz Côa e bastou-nos menos de um mês para definir com clareza uma estratégia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - «Prometi demais, prometi de menos...». Penso, sinceramente, que prometi muito menos do que desejaria.
Em relação à regionalização, quero dizer com clareza o seguinte, em primeiro lugar, as competências das regiões serão fixadas em lei da Assembleia da República. O meu entendimento de quais devem ser essas competências espelha-se num artigo que escrevi há 10 anos e em tudo o que disse ao longo do período em que estive na bancada do PS e na campanha eleitoral.
As regiões administrativas devem ter, essencialmente, três tipos de competências: participar decisivamente na elaboração dos planos regionais, decidir sobre a aplicação do envelope de investimento público no interior da região e gerir pane dos sistemas de incentivos à disposição do País no quadro regional. Penso que são essas as competências específicas das regiões que permitem o seu exercício sem uma burocracia de natureza vasta, portanto, sem aumento da despesa pública, como é desejo - penso - de todos nós. Se quiser, em síntese, trata-se de um modelo mais próximo do modelo francês do que do italiano. Não entendo que isto seja um esvaziar de funções; antes é atribuir a mais nobre das funções, porque a mais nobre das funções é decidir, não é lançar uma empreitada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é com todo o gosto que tomo o uso da palavra neste momento, mas gostaria de dizer que seria também com todo o gosto que a minha bancada teria podido dar preferência às bancadas da oposição para que os respectivos, líderes de partido ou de grupo parlamentar pudessem, com preferência, ter interpelado o Sr. Primeiro-Ministro.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, desejo, em meu nome e no da bancada do PS, saudá-lo vivamente bem como a todos os Srs. Membros do Governo no momento em que se inicia a investidura política, por parte da Assembleia da República, e desejar-lhe os maiores êxitos pessoais e políticos, a si e a todo o Governo, na convicção de que esses êxitos serão os esperados e necessários ao País.
Congratulo-me vivamente pela confirmação de alternância que a presença do Governo aqui representa e sublinho que, tal como diziam os pensadores do Estado constitucional moderno - o único fim último do poder político é a felicidade do povo -, o único critério de legitimidade desse mesmo poder é, seguramente, o da vontade popular. Por isso, congratulo-me por a vontade popular ter produzido a alternância e viabilizado a alternativa. A alternativa que se acaba de exprimir no Programa do Governo apresentado à Assembleia da República e que consubstancia o essencial do programa político pelo qual nos apresentámos aos eleitores.
Sr. Primeiro-Ministro, em nome de todos os Deputados do PS, quero dizer-lhe que contará com a determinação da bancada da maioria, com a nossa solidariedade empenhada para alcançar os objectivos políticos constantes do Programa do Governo.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Contará também com o nosso espírito de diálogo, diálogo certamente com o Governo, mas diálogo de igual forma com todos os partidos da oposição representados na Assembleia da República e diálogo ainda com todas as forças vivas da sociedade portuguesa, na convicção, como há pouco o Sr. Primeiro-Ministro dizia, de que ter maioria não é necessariamente ter razão e que a procura da razão implica uma partilha de pontos de vista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Essa disponibilidade para o diálogo é igualmente uma disponibilidade de firmeza para que não se voltem a reproduzir as velhas pechas da antiga legislatura. Não queremos a reprodução de um espírito autoritário, de uma prática clientelar governamentalizada e partidarizada da Administração Pública nem, em suma, um Estado clientelar à mercê do partido do Governo.

Aplausos do PS.

Com a mesma firmeza queremos dizer sim. Dizer sim a uma nova cultura democrática que abre todas as portas para a modernização e para a reforma do sistema político; dizer sim ao apelo a uma nova consciência social e dos problemas concretos dos portugueses; dizer sim ao novo sentido de partilha das responsabilidades para que cada um e todos nós assumamos plenamente as competências que nos cabe representar. E, nesse sentido, asseguramos

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ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Governo que seguramente, poderá contar, da nossa parte, com a defesa de um princípio de separação de poderes mas, ao mesmo tempo, de interdependência de poderes.
De acordo com esse princípio, tudo faremos para garantir, também, que a Assembleia da República assuma plenamente a representação nacional. Permito-me, por isso, congratular o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros pela disponibilidade que ontem revelou e que hoje o Sr. Primeiro-Ministro reafirmou, designadamente em matéria de construção europeia, no sentido de que a Assembleia da República será um parceiro permanente do Governo na tomada de posições que ao Estado português incumbirá defender.
Ao mesmo tempo, nessa perspectiva, a bancada do PS empenhar-se-á em tomar iniciativas legislativas e políticas que permitam consolidar plenamente as condições de participação parlamentar, não apenas da maioria mas de todas as bancadas e de todos os Deputados da oposição.
Em síntese, para possibilitar que este novo espírito possa ser partilhado pelo Governo e pela maioria, gostaria de colocar uma questão ao Sr. Primeiro-Ministro. Sabemos que a Assembleia da República não pôde eleger, na legislatura passada, e pelas razões políticas conhecidas, o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, sabemos que temos um compromisso político - o de apresentar uma solução para que esse Conselho que garanta que a fiscalização adequada ao Estado de direito se faça com condições de isenção e de independência - e sabemos, por isso, que é nosso dever assumido apresentar com brevidade um projecto de lei que reveja as atribuições e competências do Conselho de Fiscalização. Nele, Sr. Primeiro-Ministro, vamos prever que os membros que venham a desempenhar as funções de direcção nos Serviços de Informações sejam previamente objecto de uma audição parlamentar para a avaliação do critério de escolha, segundo os princípios fundamentais do Estado de direito e a garantia dos direitos fundamentais do cidadão.
A pergunta que lhe faço consiste, pois, em saber se o Governo pode, desde já. assumir, da sua parte, a intenção de garantir que as direcções dos respectivos Serviços de Informações sejam mediatizadas logo que o projecto possa ganhar forma de lei para que essa audição se concretize e um novo ciclo se abra. justamente de modo a que todos os poderes do Estado passem a ter plena identificação com os princípios fundamentais do Estado de direito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, naturalmente, começo por agradecer a solidariedade expressa pelo Grupo Parlamentar do PS e por manifestar publicamente o meu entendimento de que o papel do grupo parlamentar do partido que suporta o Governo não é o de transformar todos os seus Deputados em simples correias de transmissão do Governo e de que a capacidade de iniciativa de um Deputado de qualquer bancada é um valor que enriquece a democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Concretamente em relação à questão que colocou, dir-lhe-ei que o Governo anseia a aprovação pelo Parlamento de uma comissão de fiscalização que dotada de efectivos poderes, possa regularizar esse aspecto particularmente gravoso, em nosso entender, do não funcionamento do Estado democrático no que diz respeito aos Serviços de Informações.
Por outro lado, o Governo, em relação a um leque de altos funcionários do Estado, para cuja definição creio que o bom senso é o melhor elemento, está inteiramente aberto a que se institucionalize a prática da audição prévia em comissão parlamentar, não para se obter uma decisão sobre essa matéria, a qual se sobreporia às decisões do Governo, mas para uma clarificação plena das orientações a seguir por esses serviços, de particular delicadeza no funcionamento do Estado. Nessa medida, o Governo não porá qualquer obstáculo a que, em relação a alguns altos funcionários do Estado, cuja definição, repito, cabe ao bom senso definir - e todos nós somos mulheres e homens de bom senso -, a efectividade das nomeações possa sei precedida de uma presença em comissão parlamentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - De acordo com o princípio da alternância, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP) - Sr Presidente. Sr Primeiro-Ministro, em nome do partido a que presido, gostaria também de saudar formalmente V. Ex.ª e de lhe desejar o maior êxito e sucesso no cumprimento do seu mandato.
Ouvi atentamente a sua intervenção e confesso-lhe, com sinceridade, que embora soubesse não poder esperar de V. Ex.ª uma intervenção próxima ou aproximada da política defendida e sustentada pelo Partido Popular, esperava que as diferenças em relação à política do passado, do PSD fossem maiores.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Tem razão!

O Orador: - V. Ex.ª disse a esta Câmara e ao País «Queremos manter a união económica e monetária, e na mesma data». Era o que o PSD queria!
V. Ex.ª disse a esta Câmara e ao País. «Queremos a moeda única, e em 1999.» Era aquilo que o PSD pretendia!
V. Ex.ª disse a esta Câmara e ao País «Queremos a política externa e de segurança comum prevista no Tratado da União Europeia». Era o que o PSD queria!
V. Ex.ª disse ou, melhor, permitiu que fosse escuta, seguramente porque concorda com isso, a mesma política de pescas e a mesma política agrícola comum. Curiosamente, também nesta matéria, era o que o PSD queria!
V. Ex.ª veio aqui dizer-nos, a nós e ao País, que não admite o referendo sobre questões europeias, admite, sim. consultas populares sobre questões determinadas e sobre questões que já estejam previstas constitucionalmente. Curiosamente, também neste domínio, era aquilo que o PSD queria!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Com todo o respeito. Sr. Primeiro-Ministro, isto leva-me a dizer-lhe que depois da intervenção de V. Ex.ª, o País sabe que mudou o corredor mas não a corrida e que a corrida de fundo, na política essencial para Portugal, é exactamente a mesma que o PSD desejava e queria.

Sr. Primeiro-Ministro, apesar das diferenças objectivas que, uma vez mais, aqui foram evidenciadas entre a nossa

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posição, a posição do seu Governo e a da bancada que o suporta, o Partido Popular procurará ter para consigo, permanentemente, uma postura de responsabilidade e de verdade. Estou em crer que com essa política de responsabilidade e de verdade existirá, seguramente, um melhor relacionamento, mesmo sabendo que há diferenças como as que hoje aqui foram sublinhadas de forma objectiva.
O Sr. Primeiro-Ministro, em determinado momento - e refiro-o não apenas porque é importante mas porque V. Ex.ª também o referiu - disse que Portugal precisava de um turismo de massas. Permito-me dizer-lhe que Portugal precisa é de um turismo com «massas», porque se Portugal não tiver um turismo com «massas», também nesse sector importante da actividade económica portuguesa dificilmente o país poderá competir.
Gostaria ainda de lhe colocar perguntas concretas, Sr. Primeiro-Ministro.
Em primeiro lugar, foi anunciada a descoberta de um «buraco» de 600 milhões de contos nas empresas públicas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mais!

O Orador: - Se é mais, V. Ex.ª o saberá, eu apenas me limito àquilo que o Governo fez saber.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então já vai ouvir!

O Orador: - Pergunto-lhe concretamente o seguinte: V. Ex.ª vai ou não reconduzir os mesmos gestores públicos, dessas mesmas empresas públicas, que contribuíram para essa situação inquestionavelmente negativa na economia do País?
Em segundo lugar, por que razão, na sua intervenção - para quem está tão preocupado com a modernização e a alteração do quadro da política económica -, não dedicou uma única palavra ao processo de privatizações?
Em terceiro lugar, por que razão fala tantas e tantas vezes de Foz Côa e da barragem de Foz Côa, de acordo com o seu critério e a sua legitimidade, sem que também neste domínio dedique uma única palavra ao plano hidrológico espanhol e às questões que se relacionam com ele e que são vitais para Portugal?
Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria ainda de lhe fazer uma pergunta, também ela muito directa: sendo certo que V. Ex.ª disse que queria dialogar com o Parlamento e respeitá-lo, está ou não disponível, considera ou não essencial apresentar a esta Câmara um voto de confiança para suportar a apresentação do programa do seu Governo?
Trata-se de perguntas concretas e objectivas que, seguramente, interessarão a opinião pública, pelo menos aquela que votou no Partido Popular.
Para concluir, permita-me que, com sinceridade, lhe diga o seguinte: um governo não é apenas um executor de medidas, um governo é um definidor de estratégias e um descobridor de caminhos. E aquilo que importa ao País, seguramente, é saber se os cidadãos vivem melhor, é esperar que acabe a exclusão, é esperar que acabe a droga, a marginalidade, a insegurança e a intranquilidade das famílias. Com certeza que isso é sobejamente importante, Sr. Primeiro-Ministro, para deixar de ser referido na sua intervenção ou num programa de Governo com 246 páginas.
O que importa ao País saber é para onde o Governo de Portugal nos quer conduzir e qual o papel que nos reserva não apenas na Europa mas na mundo, porque é aí que reside a linha essencial de actuação e de mobilização de um povo, nomeadamente da sua juventude. Com certeza, para a nova geração de Portugal é importante ter casa, emprego, melhor acesso à universidade e mais e melhor educação, mas é importante que todos saibamos dizer aos jovens o que queremos para eles e qual o papel que lhes cabe não apenas no seu próprio País mas ao nível internacional, ao nível comunitário e, seguramente, ao nível mundial. Se não soubermos definir a missão, se não soubermos transmitir um sonho, Sr. Primeiro-Ministro, Portugal continuará por se cumprir e, acima de tudo, queremos que Portugal se cumpra.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, permita-me que, em primeiro lugar, agradeça as suas saudações e aproveite também para o saudar, bem como ao seu grupo parlamentar, pelos resultados eleitorais obtidos, os quais representam um acréscimo muito significativo.
Em relação às mudanças, o Sr. Deputado Manuel Monteiro atribuiu-me um conjunto de frases. Algumas dessas frases foram por mim ditas e correspondem ao que penso, naturalmente com uma ou outra alteração em relação àquilo que efectivamente disse; outras não as disse, mas por acaso correspondem ao que penso; outras, não disse, nem penso.

Risos do Deputado do CDS-PP Manuel Monteiro.

Dou três exemplos: disse e penso que Portugal deve estar em condições de integrar a moeda única em 1999; não disse, mas penso, que Portugal deve fazer parte da política externa e de segurança comum; não disse, nem penso, que a política agrícola comum e a política comum de pescas sejam boas.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Está no Programa do Governo!

O Orador: - Não disse, nem o Programa do Governo refere, que a política agrícola comum e a política comum de pescas são boas. Aliás, quem conhece a história da minha participação parlamentar sabe as inúmeras críticas que fiz nesta Casa à política agrícola comum e à sua reforma. Em todo o caso, enquanto fizermos parte da União Europeia, respeitaremos a política agrícola comum, apesar da vontade de a reformar. E consta expressamente do Programa do Governo o enunciado dessa vontade. Digo mais: o próprio alargamento a Leste obrigará a que esta política agrícola comum seja mudada. A única coisa que espero é que a possamos mudar num sentido conforme aos interesses e à especificidade da nossa agricultura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estou inteiramente de acordo consigo, quando diz que precisamos de um turismo com massas.

Risos do Deputado do CDS-PP Paulo Portas.

Estou inteiramente de acordo quando refere que precisamos de um turismo de pessoas que tenham dinheiro para

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gastar. E se disse, na minha intervenção, que, para além do turismo de qualidade, precisávamos de continuar a ter um turismo de massas, foi porque não posso esquecer as centenas de milhar de famílias que fazem desse turismo uma fonte importante de rendimento. Isso também não pode ser esquecido!

Aplausos do PS.

Preocupemo-nos com os hotéis de luxo e com a sua rentabilidade, mas preocupemo-nos também com aqueles que têm uma casa de que alugam uma parte e disso fazem um elemento importante do seu rendimento, porque, infelizmente, com a actividade que exercem, não conseguem ganhar mais.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Os números de que falou em relação às empresas públicas não foram referidos pelo Governo, são uma transcrição pela comunicação social, penso eu, de números já publicados. Como é óbvio, em muitos dos casos referidos, há uma má gestão evidente e, em todos eles, o Governo actuará no sentido da substituição desses gestores, de acordo com o seu próprio critério.
Não referi as privatizações no meu discurso, mas elas estão referidas no Programa do Governo. E quero dizer-lhe, com toda a clareza e sinceridade, que considero mesmo que a política de privatizações é um dos aspectos essenciais que permitirá o êxito da possibilidade de convergência de Portugal para a União Europeia.
A propósito de União Europeia, quando falei de consulta popular usei a expressão como sinónimo de referendo e, aliás, no projecto de revisão constitucional apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS, existe a referência expressa à generalização do referendo nesse domínio. Mas digo-lhe ainda o seguinte: mais do que o compromisso com uma data, que do meu ponto de vista neste momento não faz sentido, porque a nossa intenção é a de que isso se verifique quando for oportuno, vamos mais longe e queremos dar, directamente, ao povo português, para além do Governo e desta Assembleia, o direito de fixar essa data. Esse é, do meu ponto de vista, um compromisso muito mais importante, porque é uma devolução de poderes, do que eu próprio me comprometer com uma data que depende de um mecanismo de aprovação complexo.
Gostaria de dizer que não referi o plano hidrológico espanhol na minha intervenção mas essa é uma preocupação central que temos, e a negociação, no quadro europeu e no quadro bilateral, dessa matéria é uma questão decisiva para o interesse nacional tal como é um plano nacional de aproveitamento dos recursos hídricos. Aliás, há pouco, falava no aproveitamento do sol como um dos nossos recursos naturais, mas só pode produzir efeitos na actividade agrícola se ao sol se juntar a água, porque o drama das agriculturas mediterrânicas é que, quando têm calor para fazer crescer os seus produtos, não têm a água indispensável a esse crescimento. A questão da água, estou certo, irá unir-nos a todos na defesa do interesse nacional.
Questão interessante que pôs é a de saber se um Governo como este deve ou não deve apresentar neste debate uma moção de confiança. Entendo que a apresentação pelo meu Governo de uma moção de confiança nesta Câmara seria uma atitude provocatória em relação aos partidos da oposição na medida em que o nosso figurino constitucional de forma expressa prevê a queda do Governo se uma moção de rejeição for apresentada e aprovada maioritariamente. Considero que obrigar os partidos da oposição a confrontar-se com um voto de confiança seria, do meu ponto de vista, uma atitude de natureza provocatória e não a atitude que sublinhei desde o início, que é a da vontade de cooperar com todos na definição das políticas que melhor interessem ao País.

Aplausos do PS.

Por isso, na ausência de uma crise política que o justifique, não é intenção do Governo apresentar um voto de confiança.
Finalmente, permita-me que sublinhe o seguinte: disse que eu deveria falar de estratégias e de caminhos, e não de medidas - foi de estratégias e de caminhos que falei, não foi de medidas - e disse que lhe era particularmente caro que nos preocupássemos com a nossa posição na Europa e no mundo. Tive o cuidado de sublinhar - e creio que esta é uma diferença fundamental em relação a uma obsessão europeia da política externa portuguesa - que temos de nos reencontrar connosco próprios e que este nosso reencontro passa, em meu entender, por estar na Europa a olhar para o mundo e não por estar na Europa olhando apenas para a Europa, e por explorar fora da Europa todas as oportunidades. Porque há uma alteração qualitativa muito importante: a «fortaleza Europa» desapareceu; o caminho que estava aberto a Portugal como um país menor, de mão de obra barata, num mercado europeu fechado - podia ser bom ou mau, não vou discuti-lo agora - é um caminho que acabou. Vamos ter, na Europa, cada vez mais dificuldades, e esse facto obriga-nos a olhar para o resto do mundo com uma nova e redobrada atenção, porque vai ser no resto do mundo que vamos, porventura, encontrar caminhos e estratégias que nos permitam superar muitas das dificuldades que o caminho europeu, inevitavelmente, nos vai pôr. Sem esquecer que a lógica das coisas, em meu entender, e também a lógica da história, por convicção, faz de Portugal um país europeu e o nosso destino europeu é um destino que devemos assumir colectivamente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente:- Ainda de acordo com o princípio da alternância, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, para começar, quero saudá-lo, em nome de Os Verdes, no exercício das suas novas funções, que lhe advém da expressão do voto dos portugueses e que, em nosso entendimento, é uma expressão de esperança e de um desejo óbvio de mudança em relação àquilo que foram anos e anos de desequilíbrio ecológico, de degradação, de agravamento das condições e da qualidade de vida dos cidadãos portugueses.
No que se refere à sua intervenção, gostaria de pegar em duas questões.
Valorizou, e bem, o Sr. Primeiro-Ministro o papel dos cidadãos, e parece atribuir grande importância a esse papel interventor dos cidadãos individualmente considerados ou das suas organizações. Desde, logo, registo um aspecto que me parece, de algum modo, contraditório com isto e com a vontade expressa de o Governo contribuir para um desenvolvimento ecologicamente equilibrado. Refiro-me àquilo que, durante muitos anos, tem vindo a ser contes-

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tado por nós e por muitos sectores da sociedade portuguesa, que é a separação, na arquitectura do Governo, entre o ordenamento do território e o ambiente. Era esta, em primeiro lugar, uma mudança que nós esperávamos, que lamentavelmente não vemos traduzida e que pensamos ser uma questão preocupante.
Independentemente de estarmos a falar de questões estratégicas, Os Verdes gostam de falar de detalhe e, como tal, sendo para nós que a melhoria das condições e a preservação do equilíbrio ecológico do País é importante, não só do ponto de vista económico - referiu a actividade turística - mas também enquanto garante de um direito constitucionalmente consagrado, dos cidadãos ao ambiente, pergunto-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, retomando a questão dos recursos hídricos e um aspecto do seu Programa, que é o papel do Conselho Nacional da Água, que se admite ser valorizado: como é que entende o Governo vir a proceder e como é que vai exprimir essa valorização?
Mais, relativamente ao planeamento e à gestão dos recursos hídricos e à forma como os planos de bacia, neste momento, estão a ser feitos sem a participação dos diferentes utilizadores e dos municípios - participação efectiva, porque apenas estão como meros elementos consultivos - gostaria de saber se o Governo pensa manter esta situação ou não.
Por último, em relação a um aspecto que, de algum modo, já foi colocado aqui, que é o plano hidrológico de Espanha, gostaríamos de saber, concretamente, como é que o Sr. Primeiro-Ministro entende o garante, na prática, da qualidade e quantidade dos recursos naturais e a sua defesa no quadro em que, neste momento, a situação se encontra.
Mais, parecendo-nos que a cidadania e que o envolvimento e participação dos cidadãos em todas as questões públicas, e particularmente em defesa do meio ambiente, são questões fundamentais, que lhe coloco como interrogação é se, tendo o anterior governo, como é sabido, extinto, de uma forma, quanto a nós, de duvidosa constitucionalidade, o IPAMB, onde os diversos sectores da sociedade civil participavam na elaboração e defesa do meio ambiente e na definição de políticas, vai o Governo dar ou não uma nova dimensão, que, aliás, já consta do texto da Lei de Bases do Ambiente, ou seja, ser aquele espaço não uma mera direcção-geral, como hoje é, perfeitamente dependente do poder político, mas, antes, um espaço onde os diferentes sectores da sociedade sejam parceiros efectivos das políticas de ambiente.
Para concluir, sendo, para nós, a participação só possível enquanto garantido o direito e o acesso à informação, e também na sequência de preocupações manifestadas por V. Ex.ª relativamente à credibilização da lei, pergunto-lhe se a Lei de Bases irá ser cumprida no sentido, designadamente, da publicação do Livro Branco do Ambiente, que está em falta nesta Assembleia da República desde há quase três anos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr.ª Deputada, permita-me também que agradeça a sua pergunta e que a saúde, bem como à sua bancada.
A primeira pergunta que nos coloca tem a ver com a orgânica ministerial: deve haver um ministério do ambiente, deve o ambiente estar ligado ao ordenamento do território. Creio que as duas teses são defensáveis. Não há, nesta matéria, verdades absolutas. Acabámos por optar manter o ambiente como ministério por pensar que essa era a melhor forma de fazer ouvir decisivamente a sua voz em Conselho de Ministros. Mas, como digo, a sua tese é defensável e o modelo que propõe é também um modelo alternativo possível que tem várias vantagens, embora tenha alguns inconvenientes. Não é questão que consideremos uma questão de princípio.
Depois, colocou várias perguntas sobre as «árvores». Iria responder a cada uma delas, mas sem deixar de dizer depois alguma coisa sobre a «floresta». Em primeiro lugar, a valorização de todos os órgãos de participação - seja o Conselho Nacional da Água, os conselhos de bacia, sejam os espaços de parceria no domínio da política ambiental - é, para nós, uma preocupação fundamental. Há, aliás, espalhados pela legislação, no que diz respeito à generalidade dos ministérios e dos departamentos do Estado, inúmeros conselhos que não funcionam. É nossa intenção que passem a funcionar e que a administração passe a ter no diálogo um instrumento fundamental de actuação. Quanto à questão que colocou relativa ao cumprimento da lei, naturalmente que a Lei-Quadro do Ambiente é uma lei exigente que tem, nos aspectos de regulamentação e nos aspectos do seu cumprimento um conjunto de normas fundamentais. Vamos fazer um grande esforço para que o seu cumprimento seja garantido, em muitos aspectos muito depois daquilo que teria sido desejável.
As negociações com Espanha e as negociações no quadro europeu têm naturalmente, que levar a um novo convénio. Uma questão decisiva desse convénio é a garantia dos caudais ecológicos, é a garantia de que a questão ambiental é tida em conta de uma forma clara, não apenas no volume desses caudais como também na qualidade da água. Mas há muitas outras coisas a discutir entre Portugal e Espanha em todos os outros aspectos, desde as valias eléctrica, de regadio, etc.
Finalmente, a «floresta»: penso que o que é importante que todos sejamos capazes de interiorizar é que há uma estratégia de desenvolvimento em que o ambiente é um obstáculo com custos em cada momento e tem de haver uma nova estratégia de desenvolvimento mais moderna que transforme o ambiente num factor de criação de emprego, num factor de desenvolvimento e num factor de vantagem comparativa em relação aos nossos concorrentes. E esta alteração essencial da compreensão do papel do ambiente na estratégia de desenvolvimento que nós procuraremos, com todas as dificuldades, com todos os problemas de inércia, concretizar nesta legislatura.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, é um prazer tomar a palavra com V. Ex.ª na Presidência.

Sr. Primeiro-Ministro. Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Estou um tanto embaraçado e, ao mesmo tempo, emocionado. Embaraçado, porque, talvez por temperamento ou por hábito, tenho mais vocação para a oposição do que, propriamente, para defender um governo.

Risos do PS.

Emocionado, por ver na bancada do Governo alguns dos meus grandes amigos, a começar pelo Sr. Primeiro-Ministro. Emocionado, ainda, por verificar que há um novo estilo, uma outra atitude, outra abertura de espírito, e que algumas das medidas anunciadas, bem como o discurso.

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mostram que o Primeiro-Ministro e o Governo compreenderam que as últimas eleições exprimiram uma vontade profunda de mudança.
Há, realmente, uma grande expectativa de mudança, mas não apenas relativamente à atitude ou ao estilo, não apenas relativamente sequer ao sentido ou conteúdo das políticas; penso que essa expectativa vai mais longe e se refere mesmo a reformas que têm a ver com mudanças no funcionamento do sistema, ou em alguns aspectos essenciais do sistema. Esperam-se reformas que signifiquem um cone com a partidarização do Estado e da Administração Pública, reformas que ponham fim ao clientelismo ou que não permitam que a um clientelismo se substitua outro, reformas que criem as condições concretas para uma maior participação dos cidadãos na vida pública.
A chamada crise do sistema de representação, tão aguda em certos países europeus, exige essas reformas corajosas que vão direitas às causas profundas do divórcio entre os cidadãos e as instituições.
Uma dessas causas, já referida pelo Sr. Primeiro-Ministro, reside no monopólio partidário da vida política e no risco que comporta do sistema degenerar numa oligarquia das direcções partidárias. Os partidos são indispensáveis à democracia, mas não esgotam a intervenção política. O monopólio partidário prejudica o sistema e os próprios partidos políticos.
Por isso, em meu entender, é necessário, por um lado, afirmar sem complexos a dignidade da política e o orgulho da filiação partidária e, por outro, aceitar a competição em todos os actos eleitorais de cidadãos não filiados em partidos políticos. Penso que é por aí que passa a abertura e a renovação do sistema, mas não só. Não basta, por exemplo, falar da necessidade de aproximar os eleitos dos eleitores quando a prática política tem sido precisamente a contrária. Vejam-se as duas últimas eleições: tudo estava personalizado nos líderes e pode dizer-se que os outros candidatos eram dispensáveis.
Ora, a dignificação da política e do Parlamento passa também pela responsabilidade pessoal e política dos candidatos.
Sei que o Sr. Primeiro-Ministro tem consciência desta situação e que durante a campanha pôs o acento tónico num conjunto de reformas para uma democracia com mais qualidade. Por isso, congratulo-me que esteja de acordo com a apresentação de candidaturas independentes a todos os órgãos do poder político de âmbito nacional, local e regional, pois penso que essa é uma reforma indispensável; congratulo-me que esteja de acordo com uma reforma do sistema eleitoral que, sem pôr em causa o princípio da proporcionalidade, permita restabelecer a responsabilidade pessoal dos eleitos perante os eleitores através da criação de circunscrições uninominais de candidatura.
É necessário que seja dada voz aos portugueses, alargando, conforme se anunciou no programa eleitoral, «as condições constitucionais em que pode ser feito recurso ao referendo, nomeadamente nas matérias europeias decorrentes da própria revisão do Tratado da União».
Creio, Sr. Primeiro-Ministro, que um novo ciclo, marcado por outra atitude e por uma nova cultura democrática, passa por certos sinais de mudança.
Quero, pois, colocar a V. Ex.ª uma pergunta concreta, que já levantei na campanha eleitoral, e que é esta: o Governo está disposto a reparar uma injustiça e a conceder à viúva do herói da liberdade, Salgueiro Maia, a pensão vitalícia que lhe foi recusada e atribuída a dois agentes da ex-polícia política?

Aplausos do PS, de pé.

A política, a todos os níveis, tem de ser valorizada e dignificada.
Não deixaremos sem resposta o discurso populista e demagógico de ataque indiscriminado aos políticos e aos Deputados. Sabemos, por triste experiência histórica, que é fora do Parlamento e contra o Parlamento que começam sempre as «gaiolas não douradas» e os regimes dos «pançudos e dos barrigudos».

Aplausos do PS e do PSD.

Pela nossa parte, no cumprimento do programa eleitoral do PS e da nova maioria, seremos uma voz autónoma. Saberemos apoiar com firmeza o Governo, mas também criticar sem subserviência, assumindo um protagonismo que dignifique e dê uma nova vida à instituição parlamentar.
Só assim, penso eu, Sr. Primeiro-Ministro, estaremos à altura do voto que nos elegeu!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel Alegre fez várias considerações e uma pergunta, à qual começo por responder: a resposta é inequivocamente que sim. Essa injustiça tem de ser e será reparada!

Aplausos do PS, de pé.

Faço apenas três brevíssimos comentários.
O primeiro em relação à partidarização do Estado. Todos temos consciência de que não vivemos num mundo de santos; a tendência clientelar não é pertença de um qualquer partido político mas, sim, algo que perpassa ou pode perpassar por toda a sociedade portuguesa. Por isso, é nosso dever, para além de pregar a santidade que porventura pode ter aí muito poucas consequências concretas, alterar as regras para que não sejamos levados a cair em tentação. A regra essencial é a de diminuir drasticamente o número de lugares da Administração Pública que são alvo de nomeação directa por parte do poder político e a de alargar ao máximo o número de lugares em que funciona o princípio da carreira e do concurso.
Como segundo comentário, quero dizer que estas eleições representaram para mim, com surpresa agradável, um renascer do interesse dos portugueses pela política. É importante sublinhar esse renascer naquilo que foi uma importantíssima participação dos cidadãos incluindo nos actos públicos de todos os partidos políticos na campanha eleitoral. E esse aumento de participação política deve-nos levar, por um lado, a tudo fazer para lhe corresponder, prestigiando a acção do Parlamento - e uma das formas de o fazer consiste em valorizar o papel individual dos Deputados (e uma das maneiras de valorizar os Deputados é a de o Primeiro-Ministro dizer ao seu amigo Deputado Manuel Alegre que não tem de se sentir, em nenhuma circunstância, embaraçado) -, e, por outro, a criar a obrigação de corresponder às expectativas que este acto eleitoral gerou.
Depois, referiu um conjunto de alterações que são matéria de revisão constitucional. Cabe à Assembleia da República encontrar no seu quadro soluções para esses problemas. Limitei-me a emitir uma opinião e a oferecer a colaboração do Governo, mas não posso deixar de subli-

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nhar uma questão muito importante e que tem a ver com a reforma das leis eleitorais, nomeadamente da Lei Eleitoral para a Assembleia da República. Se o Grupo Parlamentar do PS tivesse aprovado as propostas de alteração da Lei Eleitoral para a Assembleia da República que se traduziam em reduzir a dimensão dos grandes círculos eleitorais estaria neste momento em condições de governar com maioria absoluta. Poderá perguntar-se se estou ou não arrependido por não termos aceite essas propostas. Quero aqui dizer que não estou, porque entendo que é preferível enfrentar as dificuldades da governação do que distorcer, de forma inaceitável, o voto popular.

Aplausos do PS.

Mas uma coisa é o respeito do princípio da proporcionalidade, que não queremos ver alterado, e outra é a criação de mecanismos que aproximem os eleitores dos eleitos. Estou sinceramente convencido de que a ligação entre o Parlamento e o País, em termos que permitam aos cidadãos sentirem-se verdadeiramente representados, só se verificará no dia em que cada portuguesa e cada português souber que tem uma Deputada ou um Deputado que directamente os representa, para além de um mecanismo de compensação que terá de ocorrer com os círculos regionais ou com um círculo nacional. As duas coisas são combináveis e creio que será muito importante que o Parlamento encontre uma solução que as permita compaginar.
Finalmente, Sr. Deputado Manuel Alegre, quero dizer-lhe que se o monopólio da representação partidária se justificava a seguir à revolução de Abril por aquilo que tinha sido uma pedagogia negativa contra os partidos políticos durante décadas, entendo que hoje a democracia está suficientemente solidificada e que o papel dos partidos está suficientemente enraizado para não ter dúvidas em afirmar que não deve haver qualquer restrição no exercício de direitos políticos daquele de quem dimana a legitimidade, que é o povo, que são os cidadãos, restrição essa em benefício daqueles que são dimanados dessa legitimidade, ou seja. os partidos no exercício das suas funções.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, como o meu camarada Octávio Teixeira já levantou aqui as questões de âmbito económico e social do Programa do Governo, quero referir-me tão só àquelas que têm a ver com o sistema político e com o regime dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Creio que o Sr. Primeiro-Ministro está de acordo com o diagnóstico de que os governos do PSD deixaram nesta área um triste rasto de autoritarismo, de centralismo, de prepotência, um rasto extremamente negativo a todos os níveis, incluindo no campo da violação de direitos, liberdades e garantias (e recordo a este propósito a actuação do SIS), um rasto também de intolerância (e lembro como, a partir da aprovação de certos instrumentos referentes à situação dos estrangeiros em Portugal, foi alimentada a xenofobia na sociedade portuguesa), que implicou uma grande degradação da vida democrática em Portugal.
A vontade de mudança que o Sr. Primeiro-Ministro anota no Programa do Governo como sendo o significado mais profundo das eleições exige uma profunda alteração quanto a esta situação. Quem ler o referido programa encontra, sem dúvida nenhuma, sinais de mudança em relação a alguns aspectos positivos que aí estão claramente inscritos, mas também questões que não estão devidamente clarificadas, algumas omissões e outras que merecem interrogações.
O Sr. Primeiro-Ministro acabou de referir-se a uma delas ao referir-se a quem tem a ver com as leis eleitorais. Esse é o primeiro exemplo que quero aqui trazer. Diz o Sr. Primeiro-Ministro pretender que o princípio da proporcionalidade seja respeitado integralmente, que haja uma aproximação entre eleitores e eleitos e que, nesse sentido, tem de haver uma reforma do sistema eleitoral. Tal como já foi aqui sublinhado - e bem! -, uma das primeiras coisas a fazer para dignificar o Parlamento é a de não fazer os actos eleitorais sob o signo da eleição de um Primeiro-Ministro mas, sim. a de valorizar a eleição dos Deputados. Aliás, devo dizer, Sr. Primeiro-Ministro. que não entendo muito bem o que é que nos sistemas uninominais significa cada português rever-se num Deputado que não é aquele que transporta o seu projecto político. O meu Deputado é um Deputado de um partido em que eu não confio?
Sabemos - e o Sr. Primeiro-Ministro disse-o aqui - que os projectos do PSD distorciam esse princípio da proporcionalidade. Se o Sr. Primeiro-Ministro, se o seu Governo, se a Assembleia da República precisa de dois terços para rever a lei eleitoral, e se para isso precisa forçosamente dos votos do PSD. como é que a quer rever sem distorcer esse princípio? Como é evidente, o resultado inevitável - e ninguém no País acreditará em algo diferente - será o de termos uma lei eleitoral que serve o PSD e o PS como maiores partidos políticos em prejuízo dos restantes partidos. Nunca conseguirá convencer o País de coisa contrária!
Um outro tema que quero abordar, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com a regionalização. É muito positivo que isso esteja inscrito no Programa do Governo como algo de prioritário. Devo dizer que há outras componentes, para além daquelas que referiu e, desde já, saliento uma: sendo a regionalização importante para a reforma da Administração Pública, a questão principal é a de saber como é que ela vai ser feita. Na Assembleia da República há unia clara oposição à regionalização, que tem de ser feita, Sr. Primeiro-Ministro, com quem a quer fazer. Pela nossa parte queremos que o processo de regionalização avance efectivamente. Aliás, no País existe uma clara vontade nesse sentido e a regionalização tem de avançar com aqueles que querem realmente fazê-la.
O terceiro aspecto que quero abordar é um exemplo de algumas omissões, de alguma falta de clareza, e tem a ver com o Serviço de Informações de Segurança também já aqui referido. Acho positivo que seja reformulado o sistema de fiscalização. Sempre o propusemos e, aliás, essa reformulação deve abranger a própria composição do Conselho de Fiscalização. Mas a questão não se põe só a nível da fiscalização, põe-se também relativamente aos limites materiais de actuação do Serviço de Informações de Segurança e sobre isso o Programa do Governo diz muito pouco ou nada.
A questão não é só essa, é também outra, a de quem dirige esses serviços. E digo-lhe uma coisa, Sr. Primeiro-Ministro: com o General Pedro Cardoso como Secretário-Geral, ou com o actual director do SIS seguramente que o Serviço de Informações de Segurança, no seu conjunto, não são reconduzidos às funções que devem ter de combate à alta criminalidade, digamos, à criminalidade organizada. Antes manterão uma função de polícia política que é de todo inadmissível num Estado democrático.

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Também neste campo das coisas pouco claras quero referir a situação dos direitos fundamentais de algumas categorias profissionais - e cito, por exemplo, o caso dos direitos dos membros das forças policiais. O Programa do Governo diz que «há que aperfeiçoar o quadro de representação sócio-profissional dos membros das forças policiais» e eu acho isso muito pouco, Sr. Primeiro-Ministro. Como há que clarificar o que se pretende, faço-lhe aqui três perguntas muito rápidas.
Primeira pergunta: a questão das polícias coloca-se muito num modelo militarizado. Vai o Governo manter como dirigentes da PSP oficiais-generais das Forças Armadas?
Segunda pergunta: vai o Governo manter a GNR com uma estrutura fortemente militarizada?
Terceira pergunta e muito directa: a situação do presidente da Associação Sócio-Profïssional da PSP é um caso conhecido de perseguição política. O que é que o Sr. Primeiro-Ministro pensa? Acha ou não que ele deve ser arquivado de imediato?
O último assunto que quero colocar-lhe — e com ele terminarei, Sr. Presidente —, como exemplo da História da democracia, tem a ver com uma questão central, a da democracia na empresa. Sobre isto o Governo praticamente nada diz no seu programa e esta é uma questão central, porque não pode haver uma zona como a empresa onde as regras democráticas não entrem. Ora a verdade é que nos últimos anos, com a proliferação dos sistemas precários de trabalho, com a falta de protecção dos dirigentes e delegados sindicais e com outras múltiplas formas de pressão sobre o trabalho, a democracia na empresa está gravemente afectada em prejuízo da parte fraca, que são os trabalhadores. E isso pode agravar-se, Sr. Primeiro-Ministro!
O Sr. Presidente: — O tempo atribuído ao seu partido acabou, Sr. Deputado.
O Orador: — Termino, dizendo ao Sr. Primeiro-Ministro que a situação agravar-se-á inevitavelmente se aquilo que disse sobre a flexibilização das relações do trabalho significar facilitar os despedimentos. Nós, Sr. Primeiro-Ministro, estaremos aqui para lhe lembrar estas questões e também para contribuir de uma forma positiva, através das propostas que apresentarmos na Assembleia, para a solução destes problemas.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral: Se o PS quisesse aprovar com o PSD, no quadro desta Constituição, uma lei eleitoral em benefício dos dois partidos, de que o principal beneficiário teria sido o Partido Socialista, tê-lo-ia feito na passada legislatura. Mas não o fez nem o fará e a questão da proporcionalidade não pode ser confundida com a existência de círculos uninominais. Dou-lhe um exemplo concreto, o da Alemanha, onde existem, simultaneamente, círculos de um só Deputado e um sistema ainda mais proporcional do que o português, porque a compensação é total no círculo nacional.
O que nós dizemos com clareza é que não queremos uma evolução da lei eleitoral que reduza a actual proporcionalidade e que não faremos acordos com outros partidos nesse sentido, uma vez que esse acordo, naturalmente, tenderia a beneficiar o PS e o PSD e a prejudicar o PP e o PCP. Ora nós não entendemos que se deva derrotar o PP e o PCP através de medidas administrativas. Se alguém tem de derrotar o PP e o PCP que o faça através da força do voto, que é a manifestação da vontade popular. Sobre esta matéria não temos qualquer dúvida.
Relativamente à regionalização, nós desejamos que a lei de criação das regiões administrativas seja aprovada o mais depressa possível na Assembleia da República. Como não se trata de uma lei que exija uma maioria qualificada de dois terços, tenho esperança que esse processo possa decorrer sem dificuldades de maior.
Quanto ao Serviço de Informações de Segurança, os limites materiais têm a ver, naturalmente, com o respeito dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, o que, aliás, está expressamente contido no Programa do Governo. Penso que o papel da Comissão de Fiscalização é o de verificar a adequação ao cumprimento desses limites materiais. Como compreenderá, não direi aqui nada sobre a nomeação ou não nomeação de qualquer elemento da Administração, até porque, pura e simplesmente, neste momento, o Governo nem sequer para isso tem poderes, já que não está no pleno desempenho de funções.
Em relação à questão das forças policiais, temos uma visão significativa neste domínio que é a seguinte: as forças policiais devem evoluir numa lógica civilista. Não temos sobre isso qualquer espécie de dúvidas e admitimos fazer evoluir a legislação em consonância com a Assembleia, nesse domínio.
Sobre a questão concreta que colocou em relação ao recurso existente sobre a situação concreta de um cidadão que é polícia, quero dizer-lhe que o Sr. Ministro da Administração Interna tomará a sua decisão dentro do prazo legal e que essa decisão, naturalmente, será assumida pelo Governo. Não me compete anunciá-la aqui, mas tenho plena consciência que o Sr. Ministro tomará a sua decisão no total respeito pelo funcionamento do Estado de direito.
Sr. Deputado, eu não falei de democracia na empresa mas sim de cidadania da empresa e de propósito de cidadania. Fi-lo porque a expressão «democracia na empresa» poderia ser interpretada como um funcionamento da empresa semelhante ao da vida democrática política do País. o que não me parece possível. A questão que se põe é a de garantir a cidadania dos trabalhadores na empresa e ainda bem que colocou a questão da flexibilidade, porque esta é uma questão central no futuro da nossa economia. Um modelo em que Portugal pudesse competir internacionalmente com base nas grandes séries e nos processos de produção massificados é um modelo ultrapassado. Hoje. onde podemos competir é sobretudo em séries de dimensão média, com alto valor acrescentado e com uma grande adaptação à rapidez de mudança dos próprios mercados. É por isso que há regras de flexibilidade na gestão interna das empresas, que seria desejável ver reforçadas, e penso que isso deve ser contratualizado com o reforço dos mecanismos de cidadania dentro da própria empresa, sendo essa uma matéria essencial em sede de concertação social.
Mas devo dizer-lhe também com clareza que o meu Governo, este Governo, não entende que seja necessário liberalizar os despedimentos para conseguir essa flexibilidade e que, em meu entender, ela se aplica no quadro dos mecanismos de gestão interna das empresas e não no quadro da precarização do trabalho.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mira Amaral.

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O Sr. Mira Amaral (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na primeira vez que uso da palavra nesta Câmara na qualidade de Deputado, gostaria de saudar o Sr. Presidente da Assembleia da República e, naturalmente, todos os Srs. Deputados. Gostaria também de deixar aqui os meus sinceros desejos de felicidade e de sucesso ao Sr. Primeiro-Ministro, pessoa por quem tenho grande consideração e estima pessoal, desde os bancos da universidade, como é do domínio público, sentimentos que julgo serem recíprocos. Daí desejar-lhe sucesso e felicidades e, em coerência com aquilo que sempre defendi para o País e pelo que me bato, que o seu Governo seja de Legislatura, porque só assim o País terá a estabilidade política e governativa que necessita para enfrentar os sérios desafios da competitividade internacional no quadro da economia global.
Mas o Sr. Primeiro-Ministro ensinou-me também algo durante a campanha eleitoral, altura em que, hábil e inteligentemente, conseguiu fazer passar a seguinte mensagem: na VI Legislatura, a segunda consecutiva do Governo do PSD, não foram as políticas que estiveram em causa mas sim os homens, por estarem cansados.
Portanto, como aprendi isso, desejo poupar o País e o PS de uma segunda legislatura plena, pois já se viu que isso não é bom.

Risos do PSD e do PS.

Por isso nós, PSD, iremos trabalhar para, ao fim dos quatro anos desta Legislatura, oferecer ao País a alternância de que ele necessita. É este o meu conceito de estabilidade política e governativa.
Relativamente às elegâncias e deselegâncias na passagem das pastas - e esta é uma curiosidade pessoal -, gostava de perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro se, no meu caso, houve elegância ou deselegância.

Risos.

Srs. Deputados, é uma questão pessoal, até por pensar que. Fisicamente, estou um pouco elegante, já que não tenho aquela dimensão que o Sr. Presidente do PP referiu há dias.
Penso que no aspecto da transmissão de pastas fiz o melhor que pude e devo dizer que o meu sucessor, ao ser nomeado, nas declarações públicas que fez me tratou com toda a elegância. Portanto, não mereceria outra atitude da minha parte.
Mas, vamos ao que interessa em termos de política económica. Como é evidente, o Sr. Primeiro-Ministro apontou um conjunto de objectivos no quadro da plena integração europeia de Portugal, com cuja convergência estrutural genericamente estou de acordo, isto é, com a necessidade da simultaneidade das convergências nominal e real.
No entanto, o problema que se põe é o de saber como é que vamos atingir esse objectivo e, aí, Sr. Primeiro-Ministro, tenho muitas dúvidas sobre esta matéria. O Sr. Primeiro-Ministro diz que estamos - e é verdade - obrigados aos critérios de Maastricht. Aliás, devo dizer-lhe que, às vezes, esta questão é mal explicada. No quadro da nossa pequena economia, com liberdade de circulação de capitais, mesmo que não existissem os critérios de Maastricht, era necessária a disciplina financeira, o rigor das contas públicas e a credibilidade da política económica do País. Esses critérios só reforçam a necessidade de o
fazer. O Sr. Primeiro-Ministro disse que se compromete ao cumprimento desses critérios, mas é aí que está a minha dúvida, pois não compreendo como é que pode chegar a 1997 com um défice público de 3%. No entanto, lendo o Programa do Governo fico mais tranquilo, uma vez que, nele, os senhores são mais moderados que nas promessas eleitorais que fizeram. Aí só se comprometem com um aumento de 1% na educação e com um pequeno rendimento social mínimo.
Como é evidente, um aumento de 1% do PIB para a educação significa, como todos sabemos, à volta de 150/156 milhões de contos. Se tivermos uma redução de 1% nas taxas de juro, ignorando, por via disso, o stock da dívida pública, ter-se-á uma redução de 100 milhões de contos nessa despesa, mas nem sequer dá uma para a outra, embora esteja logo ali um pequeno aumento.
Mas o seu problema - ou o nosso problema - é que teremos de passar de um défice de 5,8% para um défice de 3%. Portanto, parece-me que não se pode pensar em aumentos de despesa pública e que, pelo contrário, aquilo em que teremos de pensar é na redução das despesas públicas. No entanto, o que vejo aqui é que, para além de duas despesas já claramente assumidas, há outras que estão implícitas nos vossos objectivos políticos. São elas a da regionalização e a das autarquias. E que ninguém consegue convencer-me que não haverá aumento da despesa pública com a criação de regiões administrativas em todo o Portugal político e parapolítico que lhe está associado.
Sr. Primeiro-Ministro, não percebo. Os senhores prometeram, durante a campanha eleitoral, a duplicação dos meios financeiros para as autarquias. Ora acontece, como o Sr. Primeiro-Ministro bem sabe, que de 1985 para 1995 o Fundo de Equilíbrio Financeiro para as autarquias aumentou de 65 milhões de contos para cerca de 200 milhões de contos. Uma duplicação seria passar, nesta Legislatura, para 400 milhões de contos.
Como é evidente, no vosso Programa de Governo são já omissos sobre essa matéria e eu percebo porquê. É que, se, de facto, formos ver a estrutura do défice público, não há margem de manobra nesta matéria. Em 1995, as administrações regional e local terão contribuído com 1,7% do PIB para o défice público e os fundos dos serviços autónomos com 2,4%, isto é, as administrações regional e local têm uma contribuição decisiva e muito importante para os défices públicos.
Portanto, quando falamos em redução do défice público para atingir os critérios de Maastricht não podemos esquecer também o esforço de contenção orçamental não só nas autarquias, na administração regional, como também na Segurança Social. Esse é um outro problema, que também se põe. Portanto, há aqui uma pressão natural, face às vossas opções políticas, para o aumento da despesa, embora isso não esteja explícito no vosso Programa de Governo. Esta questão vai ser discutida, em termos quantitativos, no Orçamento do Estado, mas aqui há lugar para uma reflexão qualitativa.
Sr. Primeiro-Ministro, como é que tudo isto se compatibiliza? Vão aumentar os impostos? Os senhores dizem que não. Então como é que encaixam o défice dos critérios de Maastricht? Lembro que um estudo saído há cerca de um mês dizia mesmo que, com uma taxa de crescimento do PIB à volta de 3,5% e sem os aumentos de despesa que estão aqui implícitos, era difícil não aumentar impostos. Aliás, dizia-se claramente que seria necessário aumentar os impostos.
Não me venha dizer também que faz isso através de uma reafectação da despesa pública. É fácil explicar porque não será possível fazê-lo dessa maneira. Em 1986, as

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funções sociais eram 9,2% do PIB, em 1995 já são 14,3%. As funções económicas eram 4,5%, em 1995 são apenas infelizmente - e digo infelizmente porque sou muito ligado à economia - de 2,8%. Nós já seguimos esta tendência para que os senhores agora apontam - a reafectação da despesa pública - e lá por isso o problema não está resolvido. Portanto, não percebo a vossa reafectação orçamental para resolver este problema.
Quanto à questão do fisco, Sr. Primeiro-Ministro, há aqui uma coisa que me preocupa. Nós estamos numa pequena economia aberta com liberdade de circulação de capitais e os senhores dizem que a progressividade do IRS se aplica na prática sobretudo aos rendimentos do trabalho e que, em contrapartida, os rendimentos do capital estão na sua maior parte dela excluídos. Ora, o que é que nós vemos? Que a taxa efectiva que foi paga pelos contribuintes no IRS, no modelo 1, que são aqueles que só têm o seu rendimento proveniente do trabalho por contra de outrem, foi 16%; mas a taxa do IRC efectiva sobre os lucros das empresas foi 28%; as taxas liberatórias que taxam os capitais depositados foram da ordem dos 20%.
Assim, aumentar as taxas sobre os capitais, num contexto de liberdade de circulação de capitais, num contexto de economia aberta, acho extremamente perigoso.
Gostaria ainda de comentar, porque não posso deixar de o fazer, aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro disse sobre Foz Côa. V. Ex.ª tem toda a legitimidade para tomar a decisão que entender mas não considero tecnicamente correcto dizer que vão fazer uma barragem alternativa porque a natureza não se repete. Os senhores vão, se tomarem a decisão de não fazer Foz Côa, construir outra barragem que já estava nos planos. Mas é outra, não é alternativa, pois a natureza não se repete e não há outro local igual àquele que permita o aproveitamento hidráulico, hidro-eléctrico daquela água que é essencial em termos de reservatório estratégico. Por outro lado, quando estamos muito preocupados, e bem, com o Plano Hidrológico Espanhol, estamos, afinal, a esquecermo-nos de gerir a nossa água. Ora, sempre defendi e defenderei, como membro do Governo, como cidadão ou como Deputado que existem soluções técnicas que permitem compatibilizar a construção da barragem com a preservação do património. Foi por isso que me bati como membro do Governo e continuarei a fazer o mesmo como Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, muito obrigado pelo seu cumprimento inicial, que retribuo. Tem a palavra, Sr. Primeiro Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mira Amaral, suponho que não é incompatível a divergência política com a amizade pessoal, somos amigos há muitos anos. Tive, aliás, a satisfação de ser seu aluno no Instituto Superior Técnico (teve a gentileza de dizer colega, mas para além de colega fui seu aluno) e sempre tive por si, e continuo a ter, uma enorme estima. Direi mesmo mais: nas contradições graves que existiam no interior do Governo de que V. Ex.ª fez parte sobre política económica dei-me conta de que estava mais perto das suas posições do que daqueles que no interior do seu próprio Governo o contraditavam porque, é bom não esquecer, em matéria de macroeconomia e de microeconomia houve vários discursos no Governo e o seu era, de facto, daqueles que mais se aproximava das nossas posições.
Em matéria de elegância, não posso pôr em dúvida a sua, mas quero dizer-lhe que, por muito esforço que faça nessa matéria, jamais conseguirá superar o nosso colega e Deputado Laborinho Lúcio que, verdadeiramente, devemos assumir um pouco nesta Câmara no papel de Petrónio, de árbitro das elegâncias. De qualquer das formas, em relação ao seu ministério não tenho nenhuma observação a fazer.
Vamos às questões substanciais. Regionalizar e transferir competências e fundos para as autarquias custa mais dinheiro ou menos dinheiro ao Estado? Diria que é mais eficaz a decisão tomada junto daqueles a quem a decisão diz respeito, ou seja, transferir competências e recursos para regiões e autarquias leva a que o Estado realize os mesmos fins com menos dinheiro ou realize mais finalidades com o mesmo dinheiro. E dou-lhe dois exemplos, um com as regiões e outro com as autarquias.
Em primeiro lugar, competir às regiões decidir sobre os investimentos públicos realizados no interior da região. Tenho na minha região um exemplo espantoso da ineficácia da administração central a gerir investimentos de carácter regional: o regadio da Cova da Beira. O desperdício, durante mais de uma década, de mais de 10 milhões de contos num projecto de regadio que esteve paralisado e não serviu para nada, é a prova de que se houvesse uma decisão regional, das duas, uma: ou não se teria gasto o que se gastou ou ter-se-ia concluído o regadio em benefício dos agricultores da região. Esta é a prova de que critérios de decisão regional são critérios que permitirão poupar dinheiro.
Em segundo lugar, transferir competências para as autarquias. Repare que no dia em que o arranjo dos jardins de uma escola for uma competência municipal, no dia em que o município, além de arranjar os jardins do município, arranjar também os jardins da escola, porventura com um pequeno acréscimo de verbas, estas estarão convenientemente ajardinadas, enquanto que para a própria escola poderá ser extremamente difícil encontrar as verbas para esse efeito e fazendo-o isoladamente lhe ficará muito mais caro. Isto é, a integração de parte significativa da educação, da saúde, do ambiente, da acção social nas autarquias permitirá que muito do dinheiro que é hoje mal gasto pela administração central, porque se dirige a finalidades que ela não controla, possa ser bem gasto pela administração local.
Pressão natural para a despesa penso que não existirá nas nossas medidas, pelo contrário, a ideia é de rentabilizar. Assim, estou convencido que com um crescimento razoável é perfeitamente possível reduzir o défice mantendo os nossos compromissos, compromissos esses que, refiro, terão ritmos diferentes em 1996 e 1997 e em 1998 e 1999. Aliás, em todos os textos, desde o texto inicial dos Estados Gerais, sempre se disse que o aumento de 1% para a educação se verificaria no exercício orçamental de 99 e não no exercício orçamental de 96. Isso é a natureza das coisas e é insuperável.
A questão fiscal. A Suíça é, porventura, a economia onde mais capitais afluem. Tomara eu que tivéssemos em Portugal o rigor nos critérios de medida do rendimento e do património que existem nos suíços! Dir-lhe-ia mesmo mais, se quisesse aprovar, em Portugal, legislação semelhante à que existe na Suíça nesse domínio chamar-me-iam do mais perigoso comunista existente nesta sala. Estava a referir-me à lógica de pensamento do PSD neste domínio.

Risos do PS.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Mas há lá referendo sobre impostos.

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O Orador: - Reconheço a razoabilidade da sua observação.
A verdade é que não há nenhum problema, do meu ponto de vista, em que os mecanismos que neste momento existem em relação às taxas liberatórias, possam ser corrigidos desde que se mantenha um princípio de justiça fiscal. Porque, devo dizer-lhe, há uma coisa que considero dificilmente aceitável: é que o Deputado Mira Amaral, com o salário que aufere como deputado, tenha uma taxa que não é de 14 ou 16% mas de 40% a taxa marginal que paga com um nível de rendimento que é relativamente médio, enquanto haja fortunas significativas que pagam uma taxa muito menor.
Penso que isto não é justo, todos compreenderão que com sentido de equilíbrio poderá ser corrigido, que é bom que seja corrigido a bem do interesse nacional e que não é necessário tomar medidas de arbitrariedade que ponham em causa os movimentos de capitais.
Finalmente, em relação à água, qual é a questão central do Douro? É que o Douro tem um conjunto de barragens que representam um volume de potência considerável e que têm uma limitada capacidade de armazenamento. Por isso, o que é necessário, para não ficarmos na inteira dependência de Espanha, é garantir uma capacidade de armazenagem em território nacional que permita aproveitar o potencial instalado ao longo das sucessivas barragens do rio Douro. Devo dizer-lhe que há soluções alternativas em relação à colocação dessa barragem no rio Côa, nomeadamente, colocando-a, como sabe e de acordo com os planos da própria EDP, no rio Sabor.
Por outro lado, gostaria de lhe dizer com clareza que para nós não está em causa destruir, está em causa, em matéria do Côa, consolidar. Os nossos sucessores poderão um dia ter em relação a estas matérias o entendimento que quiserem mas o entendimento que tenho neste momento e que, de acordo, aliás, com o testemunho transmitido pelo anterior Governo, não havendo necessidade da barragem de Foz Côa para o Plano Hidrológico Nacional (o que foi reafirmado já depois da mudança de Governo pelo presidente do Instituto da Água) e havendo soluções alternativas para garantir o potencial eléctrico do rio Douro, entendo que sendo a valia das gravuras a que se pensa que é ela não deve ser sacrificada. Além disso, quero dizer-lhe que não gostaria de enfrentar a História como o homem que teria destruído gravuras com aquele valor de património mundial.

Aplausos do PS.

Porque se é contestável e discutível qual é o verdadeiro valor daquelas gravuras - e essa discussão terá de ser levada até ao fim -, há uma coisa sobre a qual já não tenho qualquer espécie de dúvida: é que nenhuma solução que passe por retirar gravuras é compatível com a preservação do património no seu exacto significado.
E, por isso mesmo, a opção que tem de ser feita é mesmo entre a barragem e as gravuras, e é uma pura ilusão, que não tem qualquer sentido, pretender convencer os portugueses de que podem, simultaneamente, ter o melhor de dois mundos. Não podem, têm de fazer uma opção, convém é fazê-la com as precauções suficientes para não comprometer indefinidamente opções que um dia os portugueses terão o direito de fazer de forma diferente daquela que hoje, em meu entender em consciência, estamos a fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permita-me, Sr. Primeiro-Ministro, que o questione sobre algumas paixões externas.
Refere-se o Programa do Governo à nova situação mundial e às respostas que se esperam da Comunidade internacional para fazer face ao actuais desafios. Considero adequadas e da maior urgência, a maioria das medidas que são propostas no programa e, sobretudo, as que se referem ao apoio às comunidades portuguesas, ao desenvolvimento de uma diplomacia económica e uma efectiva promoção de uma diplomacia cultural activa , à participação nas instituições de defesa e segurança nas organizações internacionais, à defesa do legítimo direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação.
Quanto à participação de Portugal na construção europeia, o programa refere-a como um dos vectores essenciais da acção externa do Governo e eu estou de acordo. Aponta-se para a necessidade de assegurar a maximização do poder e da capacidade de influência do Estado português na partilha da soberania que a União Europeia representa para a defesa intransigente do princípio de igualdade dos Estados e para o respeito da expressão das comunidades nacionais na formulação dos respectivos mecanismos decisórios e eu estou de acordo. Portugal está na União Europeia, em minha opinião, para partilhar um projecto de solidariedade, de estabilidade, de bem-estar estabelecido e para aproveitar o espaço alargado da União para afirmação das grandes decisões colectivas exigidas pelos desafios deste fim de século, o que não seria possível a um pequeno país actuando isoladamente com escassos recursos e na periferia da Europa.
Assim, gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro nos esclarecesse sobre o real sentido que o programa dá ao enunciado aprofundamento da nossa participação na União Europeia.
Finalmente, as referências feitas no Programa ao diálogo bilateral e à cooperação a nível político, económico, social e cultural com os países africanos de língua oficial portuguesa e com o Brasil não me pareceram suficientes para expressar o quadro de grande solidariedade que deve ser criado com os primeiros. De igual modo, não me parece que as referências às acções mais ambiciosas de um novo relacionamento com o Brasil não sejam estendidas aos países africanos. Uma palavra especial deveria ter sido dita em relação aos casos da Guiné, de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe. Poderia o Sr. Primeiro-Ministro aprofundar o seu pensamento em relação às referências e omissões do programa nesta área?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, tentarei responder telegraficamente.
Sr. Deputado Eduardo Pereira, como é óbvio, o aprofundamento da nossa participação na União Europeia decorre da própria evolução da União Económica e Monetária, do aperfeiçoamento da política externa e de segurança comum e daquilo que será, espero, o resultado da Conferência Inter-Governamental, no sentido de uma União Europeia mais democrática e com uma maior valorização dos direitos dos cidadãos.

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Em relação à cooperação com África, ela tem uma enorme tradição na acção governativa portuguesa dos últimos anos. Podemos discordar de muitos dos seus aspectos, mas ela esteve sempre presente nessa acção governativa. O que teremos de fazer será desenvolvê-la e aperfeiçoá-la. É particularmente gritante a situação que se verifica em alguns dos países que referiu e noutros.
Quanto ao Brasil, este tem sido o elemento esquecido na prática do nosso relacionamento externo, desde sempre, eu diria, desde a independência. No momento em que o Brasil pertence a uma área - o MERCOSUL - e Portugal pertence a outra - a União Europeia -, em que se globalizam os mercados, em que o Brasil se abre e em que os dois espaços vão negociar entre si (permitam-me repetir o que disse no discurso de tomada de posse), depois do que foi a história da presença portuguesa no Brasil, em relação a franceses, holandeses e espanhóis, seria inaceitável que redescobrissemos agora o Brasil pela mão de franceses, holandeses, espanhóis ou quaisquer outros membros da União Europeia. Por isso, temos de fazer um esforço prático para dar conteúdo efectivo à cooperação entre os dois países.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Calvão da Silva pediu a palavra, mas já não dispõe de tempo para tal. Em todo o caso, uma vez que tinha a expectativa de usar da palavra, o Regimento dá-me a faculdade de lhe conceder algum tempo, necessariamente restrito, o que farei também em relação a outros Deputados que se encontrem nas mesmas circunstâncias, para produzirem breves comentários.
Assim, dispõe de dois minutos para fazer o seu pedido de esclarecimento, Sr. Deputado.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Antes de mais, uma saudação especial para o Sr. Primeiro-Ministro e os elementos do Governo e muito especial, sobretudo, para esta Câmara, que considero o centro nervoso da democracia.
O tempo é pouco, mas devo dizer-vos que ao ler o Programa do Governo e ao ouvir a apresentação feita pelo Sr. Primeiro-Ministro fiquei com sensações contraditórias. Por um lado, perpassam boas intenções, generosidades, muito voluntarismo. Por outro, nota-se que o sentido da medida e o critério da responsabilidade não abundam. Direi mesmo que se nota ser insuficiente um critério de Estado, nota-se uma ausência de pensamento estratégico de Estado. Há uma retórica e uma fraseologia grandiloquentes, mas há conteúdo estratégico a menos e, nessa medida, o meu sentimento contraditório tem aí a razão de ser.
Há bandeiras eleitorais que o PS brandiu e deve honrar, tal e qual à saída de Belém o seu Primeiro-Ministro o garantiu, condenando mesmo - e fez bem - a hipocrisia política dos que prometem e depois não cumprem. Eu partilho desse juízo valorativo, porque acho que, de facto, um partido honesto é um partido que é, obviamente, coerente entre o que promete e o que cumpre. Assim, custa-me ver que alguns problemas que foram grandes bandeiras sejam tratados lateralmente, usando-se até subterfúgios que me parecem remetê-los para as calendas gregas.
É evidente que a regionalização foi um dos grandes temas no País, tendo sido brandido pelo Partido Socialista. Na minha zona, na região centro, foi das grandes bandeiras do Partido Socialista. Prometeram mesmo que em 1997 haveria eleições simultâneas pura uma e outra coisa, isto é, eleições autárquicas e regionais. Agora, o que se vê no programa? Remete-se para a Assembleia. Mas como é algo que não exige a aprovação por dois terços dos Deputados - e muito bem -, pois é da competência da Assembleia mas não é uma lei orgânica, pergunto: é este o pretexto para que se passe aqui por um consenso muito alargado, sabendo-se que a coerência do partido do Governo não deve ser maior do que a do partido, ou dos partidos, da oposição?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
É que o Partido Social-Democrata foi sufragado em 34% e, nessa medida, também tem de ser coerente consigo próprio na defesa das suas bandeiras, dos seus interesses. O Partido Socialista terá de ser muito eloquente e muito convincente para fazer o PSD mudar de posição.
O mesmo se pode dizer em relação a outras bandeiras. nomeadamente quanto às polícias municipais, bandeira brandida, que agora tem de passar por uma revisão constitucional, a qual, claramente, terá de ser feita nesta Câmara, como lhe compete. De novo, estamos também perante uma das bandeiras que, possivelmente, quer dizer a não realização, a não concretização: é evidente que Foz Côa não é decisão, é um adiar da decisão, para que se encontre uma solução.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe de novo que termine o seu raciocínio, Sr. Deputado. Temos de respeitar os tempos.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por último, Sr. Primeiro-Ministro. uma pergunta quanto à política salarial. A falta de sintonia já é muito grande: o Sr. Secretário de Estado diz uma coisa, o Sr. Ministro das Finanças diz outra, o Sr. Primeiro-Ministro, porventura, deve dizer outra. Em que vamos ficar, se é que nos pode adiantar essa informação?
Para terminar, vou fazer um reparo: penso que é uma lacuna não ter dito uma palavra sobre Timor-Leste. mas penso ser uma lacuna...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não me obrigue a tirar-lhe a palavra. Vamos respeitar-nos mutuamente.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente. Penso que é uma lacuna involuntária, porque sei que no Programa do Governo se lhe dedica a devida atenção.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, fico felicíssimo por já ter conseguido criar em si sentimentos contraditórios.
Risos do PS.
É um passo decisivo para criar em si, a prazo, sentimentos de apoio. Contraditório é, de alguma forma, o facto de. depois de eu ter sido nesta Câmara zurzido por excesso de medida e de responsabilidade, vir agora o Sr. Deputado dizer que este Programa peca por defeito em matéria de medida e de responsabilidade.
Quanto à regionalização, as questões são muito simples: o Partido Socialista elaborou um projecto de lei na

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última Legislatura, a este respeito há também projectos de lei de vários outros partidos, e esta Câmara estará em condições de, no diálogo entre todas as forças, fazer aprovar uma lei. Não é necessário, para esse efeito, uma maioria de dois terços e não é sequer evidente que não se consiga reunir os dois terços nesta Câmara, porque é sabido o facto de diversos Deputados do PSD terem apresentado a sua candidatura em nome da regionalização nas respectivas áreas. Por isso, talvez se reunam os dois terços, nesta Câmara, mesmo em matéria da regionalização.

Aplausos do PS.

Quanto às polícias municipais, elas constam expressamente do projecto de revisão constitucional que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou na última Legislatura, pelo que não há qualquer contradição com o que agora se diz.
No que toca aos salários, devo dizer que a nossa posição é clara e não creio que haja falta de sintonia, há, por vezes, isso sim, leituras diferentes. Nós entendíamos que era desejável um crescimento dos salários reais e entendemos hoje que a situação presente torna as possibilidades desse crescimento extremamente moderado.
Finalmente, gostaria de dizer uma palavra sobre Timor-Leste. Foi matéria a que dei grande relevo no discurso da tomada de posse e procurei hoje enfatizar outras temáticas. Posso garantir-lhe que este Governo manterá e, se possível, aperfeiçoará, sobretudo no clima de unidade nacional em que sempre foi vivido o tratamento desta questão, todo o esforço que o Governo anterior vinha fazendo no sentido da salvaguarda não apenas dos direitos humanos do povo de Timor-Leste mas também do seu direito à autodeterminação. Tive ocasião de dizer, no discurso de tomada de posse, que muito gostaria, e seria para mim uma enorme satisfação, que, se por circunstâncias que em grande parte escapam à nossa vontade, visto que têm a ver com o que se pode passar em outras áreas do Mundo, fosse possível que durante esta Legislatura, finalmente, esses direitos fossem inteiramente reconhecidos ao povo de Timor-Leste.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de começar por saudar o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo e desejar que tenha sucesso no governo de Portugal, porque, se o tiver, é sintoma de que os problemas dos portugueses são resolvidos e julgo ser esse o objectivo que nos reúne na Assembleia da República.
V. Ex.ª, na sua intervenção, assinalou - e bem, do nosso ponto de vista - que cada vez mais teremos maiores dificuldades na Europa, que o nosso país, dadas as suas condições, cada vez mais enfrentará obstáculos que é preciso saber vencer e para os quais temos de estar preparados. Concordamos com essa opinião, mas parece-nos contraditório que a esse problema, que é real e verdadeiro, o Governo nos pretenda responder com mais Europa, mais União Económica e Monetária, cumprimento rigoroso, cego e obsessivo dos prazos da convergência e entrada, sem hipótese de recuo, na moeda única, na data que está definida. Permita-me até, Sr. Primeiro-Ministro, recordar que, se hoje V. Ex.ª comunga em absoluto da posição do PSD sobre essa matéria, nem sempre foi assim. Recordo que V.Ex.ª, em 1992, discordava dos critérios e dos prazos de convergência estabelecidos no Tratado de Maastricht. Resta-nos saber hoje se, na altura, V. Ex.ª dizia que discordava e, de facto, pensava discordando, ou se, pelo contrário, dizia que discordava, na esperança de um dia vir a concordar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, vou colocar-lhe uma questão concreta, porque penso ser do interesse do País ter uma resposta mais clara do Primeiro-Ministro de Portugal relacionada com a questão do referendo.
No Programa do Governo está escrito que o Governo defende referendos sobre questões concretas relativas a alterações de fundo resultantes da revisão dos Tratados. É preferível, Sr. Primeiro-Ministro, dizer-nos claramente: é a favor ou contra um referendo sobre a moeda única? É a favor ou contra um referendo sobre uma política externa da Comunidade que seja uma política comunitária e, como tal, decidida por maioria qualificada? É a favor ou contra - o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo - um referendo sobre a eventual criação de um exército europeu? É melhor concretizarmos as questões sobre as quais V.Ex.ª admite o referendo, para podermos, nós próprios, saber que posição havemos de tomar, de crítica ou de aplauso, quanto a essa sua evolução em matéria de referendos. Em 1992, o povo português não teve o direito de se pronunciar em referendo sobre o Tratado da União Europeia porque V. Ex.ª, como líder do então maior partido da oposição, e o PSD, então no Governo, se uniram para o impedir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, agradeço-lhe a saudação e aproveito também para o felicitar pela sua eleição como novo líder parlamentar do PP.
Certamente que a Europa é um caminho com dificuldades, mas é um caminho que devemos percorrer. É um pouco como os nossos filhos quando crescem. À medida que vão crescendo, vão criando mais dificuldades, mas não é por isso que deixam de. ser nossos filhos e que deixa de ser admirável vê-los crescer. Penso que o caminho na Europa vai ser difícil, mas também penso que é bom para o mundo que a Europa cresça, porque há hoje no mundo uma competição tripolar muito complexa entre o Japão e a sua zona de influência, os Estados Unidos e a sua zona de influência e a Europa e a sua zona de influência. E seria extremamente grave que a Europa se enfraquecesse nesta competição tripolar, porque isto, em minha opinião, seria dramático para toda a Europa, em particular para as zonas mais pobres do espaço europeu, como Portugal.
Agora, devo dizer que tudo tem sempre hipótese de recuo! O povo português é soberano e tem o direito de, em qualquer momento, sair de tudo e de pagar as respectivas consequências, mas não pode estar em causa o princípio de abdicação da nossa soberania. Nós, em qualquer momento, se quisermos, saímos da União Europeia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas outra questão é saber se devemos ou não fazê-lo e qual o preço que pagamos por isso.

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Agora, o princípio da nossa soberania não está nem pode ser posto em causa. As opções que tomámos são as opções que tomámos e sou defensor de termos tomado essas opções, mas tudo tem sempre hipótese de recuo.
Devo dizer que se Portugal evidenciasse hoje uma política diferente em matéria de moeda única teria graves consequências para a credibilidade externa da nossa economia e que as empresas e os portugueses o pagariam de forma muito forte. Esta é a minha opinião, mas é perfeitamente legítimo que o CDS-PP tenha uma opinião diversa.
Não altero uma vírgula ao que disse sobre a natureza dos critérios. Uma coisa é dizer que Portugal está num caminho e que o deve percorrer e outra é estar de acordo com a configuração de todas as pedras desse caminho. Agora, há um partido nesta Câmara que tem, por tradição histórica, por posição ideológica e pela afirmação que sempre fez, a obrigação de estar de acordo com o único critério que considero contestável do ponto de vista técnico, que é o critério do défice orçamental. Esse partido é o CDS-PP. Isto é: se há um partido nesta Câmara que deveria aplaudir o facto de Portugal, neste momento, se propor cumprir o critério fundamental que está em causa, que é o critério do défice orçamental, esse partido deve ser o CDS-PP. Por isso mesmo a política que o Governo vai adoptar neste domínio é uma política que, em meu entender, e de acordo com aquilo que ele sempre disse em matéria de défice orçamental, deverá ser aplaudida pelo CDS-PP.
Sobre o referendo, devo dizer o seguinte: quando e a respeito do que, em concreto, vai este Governo propor referendos é uma matéria que ainda não ficou decidida. Mas respondo, como já respondi ao Sr. Deputado Manuel Monteiro: mais importante do que saber quais as intenções deste Governo é saber onde está a soberania. A soberania está no povo. E o que este Governo entende - e consta do projecto de revisão constitucional apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS - é que ao povo deve ser dado o direito de tomar iniciativa de propor referendos sobre as questões que entenda e no momento que entenda, desde que de acordo com o figurino constitucional que nós próprios propomos.
Nesse domínio, aliás, há uma evolução da posição do PS. E se, relativamente à natureza técnica de alguns critérios de convergência, a minha opinião não mudou, devo dizer-lhe que, em matéria de referendo, a minha opinião mudou. Há 10 anos seria contrário a qualquer referendo em Portugal; hoje reconheço que, com a actual Constituição, se torna praticamente inviável fazer qualquer referendo relevante e reconheço que a evolução dos sistemas democráticos justifica uma maior participação popular e que o referendo é uma das formas de participação popular que pode estar indicada.

Vozes do CDS-PP: - Seja bem vindo!

O Orador: - É uma matéria na qual não tenho dúvidas em dizer que a minha posição evoluiu...

Aplausos do CDS-PP.

...e, ao dizê-lo, entendo que não tenho de que me envergonhar por isso, porque acho que, em matéria de evolução do sistema político, todos temos consciência de que o sistema político representativo que temos foi concebido num período em que as tecnologias eram diferentes, a lógica da comunicação era outra, as relações entre governantes e governados eram muito diversas e de que todos temos de fazer um grande estorço de adaptar o nosso sistema político, para conseguir prestigiar as instituições e ligar cada vez mais os cidadãos ao exercício da democracia e à convicção profunda de que ela é a única forma de os cidadãos se poderem governar a si próprios.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a sua paixão é a educação e a nossa, como pais, são os nossos filhos, a sua felicidade. o seu sucesso e a sua segurança.
Sr. Primeiro-Ministro, quero colocar-lhe três questões muito concretas. A primeira é a de que não há qualidade educativa em situação de insegurança. A violência física e moral que grassa nas escolas todos os dias é uma ameaça constante à integridade física e moral dos nossos filhos. Violência física, assalto e droga, fazem-nos, todos os dias. perguntar se os nossos filhos regressarão ilesos a casa. Que soluções encontrar para tentar solucionar esta questão, que é básica para o sucesso educativo?
A segunda questão relaciona-se com a origem da violência, violência que tem por base grupos segregados, geradores de ódios intergrupais, interculturais, interétnicos. Não queremos para amanhã uma escola para os nossos filhos que represente ghettos, ghettos culturais, ghettos étnicos, e que seja de novo sede de violência e de insegurança para as crianças portuguesas.
E, finalmente, também não há projecto de sucesso educativo sem clima de estabilidade afectiva. Sabemos que existe uma percentagem elevadíssima de crianças classificadas em situação de risco nas escolas portuguesas: 30% das crianças são oriundas de famílias em situação instável, do ponto de vista familiar - são as novas situações familiares, a monoparentalidade, etc. -, e além destas temos as oriundas de famílias tão ou mais degradadas do ponto de vista física e moral ou em situações de extrema pobreza, sem capacidade para assegurar aos seus filhos os mínimos vitais de interesse por qualquer coisa que ultrapasse a mera sobrevivência física quotidiana. Isto é. ideais como o desenvolvimento psicológico e intelectual estão arredados do quotidiano destas famílias.
Pergunto, Sr. Primeiro-Ministro, que política de família se articula com esta paixão pela escola, com este propósito tão claro de se conseguir o sucesso educativo?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro, começo por agradecer as questões que colocou, para as quais ninguém tem resposta fácil e seguramente não serei eu a tê-la.
Estas questões prendem-se com a forma global de evolução das nossas sociedades, das sociedades modernas, que é uma evolução profundamente desumanizadora e em que os que são marginalizados se vêem em posições dramáticas, para as quais, como disse, não há resposta fácil, porque mais do que numa nova política a resposta estaria numa nova forma de organização da própria sociedade.
Há naturalmente, em relação ao combate à insegurança, medidas a tomar, desde o reforço do policiamento nas ruas à questão das polícias municipais, de que há pouco

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falávamos e que em minha opinião, está muito ligada à própria segurança nas escolas, ao agravamento de cenas penas e sobretudo à prevenção, em relação às questões da pobreza e da droga, por forma a reduzir o impacto da violência, que cada vez mais grassa nas nossas ruas. Mas também não tenho dúvidas de que, por muito eficazes que sejamos em todas estas reformas e por muito eficaz que seja a própria política social e de prevenção, haverá sempre problemas neste domínio. Já me parece essencial trazer para o debate político, com sinceridade, a questão dos grupos segregados, e, em particular, há uma matéria que me preocupa profundamente.
Há pouco anunciei que queremos criar dois Altos Comissários, um para as questões da família e outro para as questões da imigração. E porquê? Por que são duas questões que nunca tiveram ao nível do funcionamento dos governos um tratamento integrado e em que é necessário coordenar esforços de várias áreas, desde as áreas jurídicas às económicas e sociais, para poderem ter impacto nessa mesma sociedade.
Sejamos, honestos connosco próprios: não temos na actual estrutura do Estado qualquer instrumento de actuação virado para a inserção das comunidades de imigrantes em Portugal. E a situação das comunidades de emigrantes em Portugal, dos que cá estão, é propiciadora de gravíssimos conflitos de natureza social e étnica. Por isso é que consideramos indispensável promover a legalização das pessoas, que corresponde a dar-lhe um direito de cidadania, como nos parece indispensável que nos domínios do emprego, da habitação e da escola se criem medidas integradoras. Uma das questões que mais me preocupa pessoalmente tem a ver com a integração dessas crianças nas escolas portuguesas.
Em visita ao bairro da Pedreira dos Húngaros, perguntei uma vez a um conjunto de crianças, entre os 10 e os 15 anos, se iam ou não à escola. Verifiquei que a esmagadora maioria dessas crianças não só não ia à escola como entendia que a escola era má. Com a simplicidade desta linguagem, elas queriam dizer que a escola, tal como existe, não está preparada para as acolher. Não temos, no domínio pedagógico de organização, capacidade para oferecer a essas crianças a mesma qualidade de ensino de que necessitam e que exigimos para as crianças portuguesas que vivem noutros países, nomeadamente, no quadro da União Europeia.
Penso que é indispensável um enorme esforço do Estado e da sociedade civil para a criação de condições de integração harmoniosa, sob pena de se generalizarem situações de marginalidade, de frustração e de, com elas, se generalizarem situações de conflito que vão pôr à sociedade portuguesa, com frequência, problemas como os que ocorreram há alguns meses e que eu desejaria que nunca mais viessem a ocorrer.
Em relação à questão da família, há um conjunto de medidas no Programa do Governo, em vários domínios, desde acabar com as segregações em matéria fiscal até à unificação em matéria de política social. Há famílias com situações diversas como aquelas que descreveu, pelo que a atenção das políticas sociais tem de ser tanto maior quanto maior for a situação de risco em que a família e a criança se insere. Mas penso que a grande questão está em reorientar o conjunto das políticas sociais que, até agora, teve como base conceptual o indivíduo e procurar que muitas dessas políticas sociais tenham como base conceptual a resposta a situações agregadas ao nível familiar, seja na família tradicional, seja nas formas que referiu.
De alguma forma, foi isso o que se pretendeu simbolicamente com a maneira como se concebeu o projecto do rendimento mínimo garantido, mas creio que temos de ir mais longe em muitos outros instrumentos de política social. Dou como exemplo, que não faz qualquer sentido o abono de família tal como hoje existe em Portugal, e não quero agora discutir a constitucionalidade desta medida nem saber se há ou não um número suficiente de Deputados nesta Câmara para conseguir esta alteração, mas gostaria de reafirmá-lo. O que faria sentido é que, porventura, nenhum de nós tivesse de receber abono de família para os seus filhos, mas que as famílias em situação de risco, sobretudo com um número elevado de crianças e com baixos rendimentos, tivessem um abono de família significativo que se traduzisse na criação de condições materiais para a verdadeira educação dos filhos.

Aplausos do PS.

Isto põe problemas jurídicos complexos: porá, porventura, alguns problemas constitucionais, porque todo o nosso ordenamento jurídico está pensado na lógica dos direitos do cidadão e do indivíduo e não está pensado na lógica dos direitos de um agregado tão importante como é a família. É um trabalho que teremos de fazer em comum e em que, porventura, para além do que já existe nos projectos de revisão constitucional que foram depositados na legislatura passada, haverá um esforço a desenvolver em comum e em relação ao qual seguramente o Governo está aberto a todas as sugestões que possam ocorrer, porque esta é uma matéria em que todos os esforços serão pequenos face à magnitude dos problemas sociais enfrentados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. Como o seu grupo parlamentar esgotou praticamente o tempo de que dispunha, a Mesa concede-lhe dois minutos, tal como aconteceu no caso do Sr. Deputado Calvão da Silva.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que queria colocar tem directamente a ver com um tema que a Deputada Isabel Castro também abordou, relativo à participação dos cidadãos e, mais concretamente agora, à participação dos jovens.
Sabendo da dificuldade que o associativismo juvenil tem enfrentado em Portugal, em matéria de participação e de definição da política de juventude, nomeadamente pela falta de reconhecimento e de respeito que o anterior governo teve perante as organizações de juventude, o Programa do novo Governo fala agora no reforço do diálogo com os jovens, valorizando as suas estruturas representativas.
Gostaria de saber se aqui se tem em conta, também, a única plataforma nacional de organizações de juventude em Portugal, o Conselho Nacional de Juventude que foi criado e existe por vontade das associações juvenis e se é desta que se assume de vez o Conselho Nacional de Juventude como parceiro do Governo em matéria de política de juventude.
Refere o Programa logo de seguida, como exemplo das estruturas representativas, o funcionamento de um órgão de consulta e acompanhamento da acção do Governo, naturalmente, um órgão criado pelo Governo, que - temos esperança - não será em nada semelhante aquilo que, apenas por duas vezes, foi o Conselho Consultivo de Juventude.
Ora, porque a composição desse órgão traduzirá a sua acção e o seu significado, a pergunta que lhe coloco é a

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de saber como será, em termos de princípio, constituído este órgão consultivo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, há uma questão que gostaria de deixar muito clara: pretendemos reforçar o diálogo com o movimento juvenil no seu conjunto, pretendemos que o apoio ao associativismo juvenil seja «asséptico», isto é, que dele seja extirpada qualquer lógica manipuladora ou clientelizadora. No entanto, um aspecto no qual o Governo não se substituirá aos próprios jovens, aos seus movimentos e às suas associações é em relação à vontade de estes últimos participarem ou não nuns ou noutros órgãos e em relação à representatividade dos mesmos. Ou seja, teremos de aceitar que os próprios jovens e as suas associações têm de decidir qual o grau de representatividade que conferem aos diversos órgãos que a lei prevê.
No que diz respeito à consulta pelo Governo e a órgãos de consulta criados por este, procuraremos, em diálogo com o movimento juvenil, evitar formas de atrito e de fricção e encontrar soluções consensuais que impeçam que esse diálogo seja prejudicado pelo facto de eventuais contradições no seio dos movimentos juvenis complicarem a constituição desses mesmo órgãos. A nossa intenção - repito - é a de não interferir no interior dos movimentos juvenis e de não arbitrar eventuais conflitos entre as diversas associações de jovens, porque esse não é o papel do Governo no que diz respeito à sociedade civil.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, perdoe-me a primeira palavra não ser paru si É que o PSD gastou algum tempo a pedir conforto sobre a forma como se procedeu à transição de poderes e eu queria dizer, em nome de um partido que não entrou nem saiu do Governo, que nós próprios também estamos agradecidos ao PSD por ter deixado a documentação em boa ordem e os arquivos ordenados.

Sr. Primeiro-Ministro. a questão que vou colocar-lhe diz respeito às questões fiscais.
Não é justo que, neste dia, lhe digam que não vai cumprir as promessas, mas é justo, ou é compreensível, que lhe peçam que clarifique algumas das promessas.
Ora, uma das promessas que o Sr. Primeiro-Ministro faz tem um alcance de tal forma importante que é preciso entendermo-nos sobre a linguagem. A promessa é a de que não vai aumentar os impostos e insere-se num programa que vale para uma legislatura.
Assim, a primeira pergunta que lhe faço é no sentido de saber se o Sr. Primeiro-Ministro tem a noção de que se apresenta na Câmara, dizendo que o seu Programa para a Legislatura não prevê o aumento dos impostos.
Posto isto. passo à segunda questão que tenho para colocar-lhe sobre a mesma matéria.
A História está cheia de promessas não cumpridas quanto ao aumento dos impostos, portanto, entendamo-nos quanto ao significado disto. Para o governo anterior, não aumentar os impostos significava simplesmente actualizar os escalões do IRS segundo a taxa de inflação prevista para o ano seguinte. Como os senhores próprios aqui disseram várias vezes, tal não significa não aumentar os impostos, antes, em muitos casos, significou aumentar o próprio IRS e também não equivale a não aumentar os impostos em geral do sistema fiscal. Não lhe peço pormenores, já que chegará a altura própria para os discutirmos, mas esta sua ideia de justiça supõe uma reforma que tem por detrás uma ideia de soma zero. Ou seja, uns vão pagar para outros pagarem menos. Se for assim, alguém vai pagar mais.
Em segundo lugar, quando o Sr. Primeiro-Ministro diz que os impostos não vão aumentar tem a noção do que. de facto, está a referir-se também aos impostos sobre o consumo e, portanto, àqueles que se repercutem nos preços e na vida normal das famílias. Também estes últimos não vão aumentar? Também estes, na medida em que tal dependa da sua competência, não vão aumentar?
São estas as questões que gostaria que clarificasse, para que possamos entender-nos e para que, hoje, não digamos que não vai cumprir a promessa e para que, amanhã, possamos confirmar se a cumpriu ou não.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente. Sr Deputado António Lobo Xavier, nada melhor do que dai um exemplo para que nos entendamos.
Uma das áreas em que desejaria que se inovasse mais radicalmente é a relativa aos impostos sobre a propriedade imobiliária. O que temos hoje neste domínio? Temos uma situação de profunda injustiça. Isto é, quem disponha de uma casa avaliada recentemente paga uma taxa expropriatória sobre o valor da mesma, quer tenha uma casa igual, avaliada há 30 ou 40 anos, paga idêntica taxa expropriatória, só que esta nada tem a ver com a realidade do valor dessa casa. Qual é, então, o contrato que gostaria de fazer com esta Câmara e com o País? É o de ser aceite que simultaneamente, se procedesse à reavaliação do património e que o montante global a cobrar nos impostos sobre a propriedade urbana correspondesse à mesma taxa de esforço em relação à economia nacional e, que por isso, uma vez reavaliados os patrimónios que hoje valem menos, a taxa que viesse a ser aplicada fosse muitíssimo reduzida, na medida em que - note que estou a falar de 0,8% a 1 %, enquanto a laxa actual vai de 1% a 1,3% - a diferença seria porventura de 0,1% ou de 0,2%, como poderá calcular, embora eu deva dizer que nós próprios ainda não temos essas contas feitas (nem ninguém poderia ter!). Ou seja, a ideia é a de que o mesmo esforço global seja repartido de forma diferente entre as famílias, mas é evidente que, nestas condições, alguns vão pagar um pouco mais.
No entanto, com a situação presente, ao existir uma profunda consciência de iniquidade, aqueles que têm de pagar mais refugiam-se na fraude sempre que podem. O drama da iniquidade fiscal é o de que aumenta a fraude e a evasão porque, de alguma forma legitima interiormente a atitude de não cumprimento dos deveres cívicos. Aquele que tem de pagar muito olha para a situação daqueloutro que, a seu lado, praticamente nada paga, questiona-se porquê e, depois, todos sabemos o que por aí vai em matéria de avaliação das transmissões de propriedade para aplicação da sisa, etc.
Ora, o que desejaríamos era que, aumentando a equidade, fosse garantido que o cidadão se sentiria ele pró-

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prio estimulado ao cumprimento dos seus deveres cívicos e que, por isso mesmo, também o combate à fraude e à evasão fiscal fossem muito mais eficazes. Estamos convencidos de que combater a fraude e a evasão é muito mais útil ao País do que fazer aumentar a taxa de esforço sobre as famílias, tal como ela é hoje sofrida, sobretudo por aqueles que não podem escapar-lhe. E é isso que desejaríamos que não acontecesse.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Junqueiro, já praticamente não dispõe de tempo. Assim, concedo-lhe dois minutos para fazer o seu pedido de esclarecimentos, tal como já concedi a outros Srs. Deputados.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a primeira palavra é de saudação a V. Ex.ª e de votos de êxito na governação por parte de quem está nesta bancada também pela primeira vez.
A pergunta que lhe desejo colocar diz respeito à regionalização, uma vez que, da parte do Grupo Parlamentar do PSD, vários foram os apontamentos aqui colocados sobre essa matéria. Um deles afirmava mesmo um aumento e um certo despesismo em matéria da realização desse projecto concreto de regionalização. Mas aquilo que aqui não foi dito é que essa regionalização está em curso, é «noctuma» e tem sido promovida pelo PSD. E não me admira que uma opinião de 20 anos pudesse ter sido modificada de sábado para domingo, repentinamente; nem tão pouco me admira que alguns discursos recentes pudessem tentar inflectir ou colocar dúvidas nesse novo reposicionamento deste grupo parlamentar. O que me admira é que não tenham aqui assumido essa regionalização que criou novas centralidades, que promoveu a desertificação dos serviços e de pessoas e que fez com que pessoas de diferentes distritos e de diferentes pontos do País tivessem, para resolver os seus problemas, de se deslocar a dois, três distritos para esse mesmo efeito. Ignorou-se, portanto, essa matéria e ignorou-se aquilo que é o papel fundamental dos cidadãos na decisão destes acontecimentos, substituindo-se a opinião dos cidadãos por um organismo administrativo com várias recolocações ao longo do País - as CCR -, onde funcionários, independentemente do seu zelo profissional, decidiram e continuam a decidir o futuro que só as pessoas dos próprios distritos e das futuras regiões devem decidir numa perspectiva de exercício democrático.
É nesse sentido, Sr. Primeiro-Ministro, que coloco a questão de saber que metodologia deve ser seguida para dar voz a estes cidadãos, para valorizar aquelas cidades em que eles se inserem, e que aparecem no Programa do Governo como cidades de média dimensão, e que ritmos de desenvolvimento se propõe o Governo proporcionar a essas mesmas cidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, colocou-me duas questões diversas. A primeira não foi uma pergunta ao Governo, por isso abstenho-me de responder, e a segunda tem a ver com o desenvolvimento das nossas cidades de dimensão intermédia.
Estou inteiramente convencido de que a única forma de, no futuro, evitar o congestionamento excessivo das áreas metropolitanas e de certas zonas do litoral que hoje já têm gravíssimos problemas de ordenamento, é garantir, se possível em articulação entre o poder central e local, que se olhe não apenas a cidade, mas a cidade em rede, até porque com o esforço de infra-estruturas feito pelo Governo anterior é hoje mais rápida a deslocação entre várias cidades próximas umas das outras - e esse esforço continuará, seguramente, a permitir essa rapidez. Mas, como dizia, olhando-as em rede, penso que é muito importante dotar as nossas cidades, nomeadamente os conjuntos de cidades do interior, dos equipamentos que ofereçam condições de saúde, de educação, de cultura e de ambiente que as tornem atractivas à fixação dos agentes de desenvolvimento: dos empresários, dos quadros de acção cultural, social ou económica.
O drama de hoje é que muitas empresas que poderiam instalar-se em cidades do interior do País, quer de investimento interno, quer de investimento estrangeiro, acabam por vir para a periferia de Lisboa ou para a periferia do Porto, precisamente porque os decididores, os quadros que tomam as decisões, querem ou ficar perto de um hospital central, ou ter melhores oportunidades de educação para os seus filhos, ou ter uma oferta cultural mais diversificada.
É esta questão de alteração da natureza do papel do tecido urbano no nosso país que temos de resolver em conjunto, com o poder central, o poder local e a sociedade civil, na medida em que haja capacidade para a criação de instrumentos que são os equipamentos, mas também animando o software destas coisas, ou seja, a sociedade civil para que, ela própria, possa suprir um conjunto dessas necessidades.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de pedidos de esclarecimento à intervenção inicial do Sr. Primeiro-Ministro. O debate sobre o Programa do Governo terá início na reunião plenária de quinta-feira, às 10 horas, com continuação às 15 horas, e na reunião plenária de sexta-feira, também às 10 e 15 horas.
Peço aos Srs. Deputados que imponham a si próprios o sacrifício ou o dever da pontualidade, porque a impontualidade é, talvez, a forma mais danosa de desperdício e parece que está na hora de combater os desperdícios. Muito obrigado e muito boa noite.

Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Mário Manuel Videira Lopes.

Partido Social - Democrata (PSD):

Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
João Calvão da Silva.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Manuel Nunes Liberato.
Manuel Acácio Martins Roque.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP)

Paulo Sacadura Cabral Portas.

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social - Democrata (PSD):

António Roleira Marinho.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Álvaro Poças Santos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Manuel da Silva Viana de Sá.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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