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Quinta-feira, 16 de Novembro de 1996 I Série - Número 6

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE NOVEMBRO DE 1995

SESSÃO SOLENE NO ANIVERSÁRIO DO MASSACRE DE SANTA CRUZ, EM TIMOR LESTE

Presidente: Ex.mo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão, às 12 horas e 15 minutos.
Em cerimónia especial sobre o aniversário do massacre de Santa Cruz, em Timor Leste, usaram da palavra, além do Sr. Presidente e do Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres), os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Ruben de Carvalho (PCP), Nuno Abecasis (CDS-PP), Durão Barroso (PSD) e Eduardo Pereira (PS).
Foi aprovado o voto n.º 2/VII - De protesto pelo massacre perpetrado por forças militares da Indonésia no cemitério de Santa Cruz, em Dili, na passagem do quarto aniversário (PAR) e o projecto de resolução n o 3/VII - Constituição de uma comissão eventual para acompanhamento da situação de Timor Leste (PAR).
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Paris, à República da África do Sul e às Seicheles, entre os dias 15 e 28 do corrente mês.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 14 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 12 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Antero Gaspar de Paiva Vieira.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguei Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro. Carneiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Domingos de Ascensão Cabeças.
José de Matos Leitão.
José Carlos da Cruz Lavrador.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
José Tomas Vasques.
José Sampaio Lopes.
José Pinto Simões.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Mário Manuel Videira Lopes.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Rosário Lopes Amaro da Costa da Maria do Luz
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria do Carmo Sacadura dos Santos.
Maria da Luz Beja Ferreira Rosinha.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Manuel Porfírio Varges.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Alegre de Meio Duarte.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Victor Brito de Moura.

Partido Social-Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
José Carlos das Dores Zorrinho.
António dos Santos Pires Afonso.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
José da Conceição Saraiva.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.

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António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Fernando de Mira Amaral.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Pulido Valente.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Alda Maria Antunes Vieira.
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Luís José de Mello e Castro Guedes.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis. Paulo Sacadura Cabral Portas.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, da ordem de trabalhos de hoje consta uma cerimónia especial sobre o aniversário do massacre de Santa Cruz, em Dili, Timor Leste.
Encontra-se entre nós, conferindo-nos uma enorme honra, uma luzida presença de ilustres representantes diplomáticos acreditados em Lisboa. Interpretamos a vossa presença como um gesto cativante para a Assembleia da República de solidariedade para com o povo e a causa de Timor Leste.

Aplausos gerais, de pé.

Na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares ficou estabelecido que esta sessão se iniciaria com a intervenção do grupo parlamentar mais pequeno, pelo que vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, em representação do Partido Ecologista Os Verdes.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Convidados, Sr.ªs e Srs. De-

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putados: Quatro anos nos separam já do massacre de Santa Cruz, em Dili, e 20 anos de um drama feito de sangue, sofrimento e lágrimas e de uma silenciosa luta de resistência, bela como porventura poucas outras.
A luta do povo de Timor Leste. Daqueles que tiveram as montanhas e a floresta como berço privilegiado e os bancos de coral como as sentinelas primeiras da sua ilha encantada. A luta do povo de Timor Leste, daqueles que sofrem, não de hoje, não de ontem mas de há muito, a dor de uma terra ocupada pelo poder militar Indonésio. Uma ocupação que rasgou a terra, destruiu a floresta, abriu feridas numa tentativa inútil de isolar um povo, apagar a sua memória, destruir a sua diversidade, esmagá-lo culturalmente e impor a sua resignação; uma ocupação criminosa que significou o genocídio de um povo, nos seus mais de 200 000 mortos, e que continua, quotidianamente, a marcar a vida dos timorenses e a ser sinónimo de perseguição, tortura, prisão, medo, violações e morte.
Um sofrimento de um povo por alguns sabido e lembrado. Um sofrimento, hipócrita e vergonhosamente sabido por outros, dele cúmplices, mas silenciado e que só a força das imagens que há quatro anos correram mundo, após uma das chacinas mais cruéis, no cemitério de Santa Cruz, em Dili, obrigou a encarar numa indignação tardia.
Imagens que deram, pela força do seu testemunho vivo, conta da brutal violência da ditadura Indonésia sobre um povo mártir, permitindo o confronto das instituições internacionais, designadamente das Nações Unidas, com os seus próprios limites e contradições e dos estados com as suas ambiguidades, mas também permitiram, sobretudo para a grande maioria dos cidadãos, o despertar para uma realidade até então desconhecida, o consciencializar para uma violência opressora de uma superpotência militar sobre um pequeno povo indefeso e a descoberta de que, algures no planeta, num pequeno território perdido na lonjura, na aparente pequenez que os mapas sugerem, um povo sofria e clamava por solidariedade internacional.
O choque produziu efeitos: a solidariedade brotou espontânea, generosa, múltipla e criativa, sobretudo da parte dos jovens mas também de mulheres e homens que, das mais variadas convicções políticas, religiosas e filosóficas, se organizaram e, de diferentes modos, exprimiram o seu apoio, descendo às ruas para dar testemunho do seu protesto, multiplicando apelos, desdobrando-se em iniciativas, agindo por Timor Leste para que lá longe, nas prisões, nas montanhas ou nas cidades, chegasse aos que heroicamente resistem a voz de muitos que, noutras latitudes, escutaram o seu apelo, recusaram a indiferença e dela fizeram movimento e acção.
É perante isto, Srs. Deputados, que hoje é o momento de dizer que estamos face a um movimento e acção que importa ainda alargar; uma causa que Deputados dos mais diversos países tomaram como sua e que urge transferir para os povos que eles próprios representam.
A verdade é que esta é uma questão que não pode continuar a ser iludida, exclusiva de alguns. A todos importa e responsabiliza, pelo que, como tal, tem de passar a ser diferentemente assumida e partilhada por toda a comunidade internacional.
Esta é uma causa que, ao nível das instituições e dos vários poderes e famílias políticas, não tolera mais hipocrisias nem pode ficar-se pelas vagas declarações de princípio, por diplomacias de circunstância, por solidariedades concretamente abstractas ou meros estados de alma, exigindo uma vontade política feita de medidas concretas.
É precisamente por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que hoje, aqui e agora, nós, Partido Ecologista Os Verdes, afirmamos, em nome de todas as novas gerações de timorenses que crescentemente resistem e lutam nas montanhas ou nas ruas das cidades contra ocupação da Indonésia e pela libertação da sua terra; em nome dos muitos milhares de crianças, mulheres e idosos que, indefesos, continuam a ser presos e torturados, em nome da afirmação dos valores do pacifismo, da liberdade, da afirmação cultural e dos direitos dos povos decidirem do seu próprio destino; em nome de um massacre aqui evocado,
tão próximo da memória mas afinal, já tão distante no tempo, que chegou a hora de reflectir e concluir que é tempo de um tempo novo, que imponha uma nova atitude, um novo envolvimento, uma outra agressividade na afirmação
constante de Portugal e do Governo português no plano internacional, de uma causa que a todos une e que nos tão é cara, uma nova vontade política que nos anime no confronto, no provocar do debate onde quer que ele se torne necessário, uma nova atitude que não dê espaço à resignação, que rompa com o fatalismo sem margens, que quebre a rotina instalada e nos transforme mais do que em
advogados de defesa que temos sido de uma causa que é nossa, na acusação constante de todos aqueles que teimam em ignorar a causa que é nossa do povo de Timor Leste!
É tempo de uma nova estratégia política que nos permita não abdicar do direito de condenar permanentemente dos Estados Unidos da América aos nossos parceiros da União Europeia, todos aqueles que ao primado da vida, dos direitos e da defesa têm sobreposto o primado do lucro, uma nova estratégia que nos não laça abdicar de exigir medidas de penalização económica contra a Indonésia: uma nova estratégia que nos não faça abdicar da exigência de suspensão imediata de venda de armas; uma nova estratégia que nos não faça abdicar de lembrar que as resoluções das Nações Unidas são para ser cumpridas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. A estratégia que propomos - e que estamos certos que é também a vossa não é seguramente um caminho fácil, mas porque continuamos convictos que as grandes -, causas não dependem nem da dimensão dos povos que as protagonizam nem da desigualdade de meios com que as defendem antes acreditamos que na sua pequenez se engrandecem.
É nossa convicção profunda que o poder dos tiranos não é eterno e os valores do pacifismo, da liberdade e da cultura, pelos quais o povo maubere anseia e luta, ao longo de várias gerações são fundamentais para a própria humanidade.
Embora seja certo que os impérios tentam esmagar os povos, certo é também que condená-lo é próprio dos homens livres. Estamos convictos de ser dignos dessa condição.
Afirmamos a necessidade de lazer hoje o que ontem o não foi feito, em nome de uma causa que por novos amanhãs não poderá eternamente continuar a aguardar.

(A Oradora reviu.)

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se também a assistir à sessão, associando-se ao seu significado, um grupo de 80 alunos da Escola Secundária Rainha D. Leonor, de Lisboa.

Aplausos gerais.

Para fazer uma intervenção, em nome do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr Deputado Ruben de Carvalho.

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O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro. Sr.ªs e Srs. Membros do Governo, Srs. Membros do Corpo Diplomático, Sr.ªs e Srs. Deputados: Seria, para mim, bem triste se as saudações que a todos transmito ao subir pela primeira vez a esta tribuna se ensombrassem pelo facto de aqui vir falar do sacrifício de um povo. Mas não! Todas as nossas vozes serão talvez poucas, todos os nossos esforços serão talvez insuficientes para denunciar a dimensão da tragédia imposta ao povo de Timor Leste pela ocupação indonésia; mas do que fundamentalmente falamos aqui, isso sim, é da heróica resistência do povo de Timor Leste.
E falar de resistência, de luta pela liberdade, de firme esperança no futuro da Humanidade acolhe-se bem a esta tribuna, acolhe-se bem a esta Casa, dignificada pela democracia, dignificada pelo 25 de Abril.
20 anos depois da invasão indonésia, 19 anos depois da anexação de Timor Leste e sua ilegal integração como província do invasor, quatro anos decorridos sobre o massacre de Santa Cruz, decorridas duas décadas durante as quais quotidianamente a repressão sobre o povo maubere tem vindo a ser denunciada aos quatro cantos do mundo, cabe perguntar: como é possível? Será que a fibra combatente claudicou na resistência?
Se houvesse dúvidas, a gigantesca operação repressiva montada em todo o território timorense nestes dias que recordam o massacre indicia que os 30 000 homens das tropas ocupantes não são suficientes para sequer ocultar a vontade de resistir, quanto mais esmagá-la!
Será que as instituições internacionais e a opinião pública internacional ignoraram a tragédia? Não, isso também não aconteceu!
A 2 de Dezembro de 1975. o Conselho de Segurança aprovou, por unanimidade, a Resolução n.º 384, condenando a invasão e reconhecendo «o direito inalienável do povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência», de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas e da Resolução n.º 1514/XV da Assembleia Geral, de 14 de Dezembro de 1960. Cinco dias depois. a Indonésia invadiu Timor. Leste.
A Assembleia Geral da ONU aprovou unia moção condenatória da invasão em 12 de Dezembro de 1975. O Parlamento Europeu aprovou resoluções sobre Timor Leste em 22 de Setembro de 1988 -, em 27 de Janeiro de 1989, em 27 de Setembro de 1990 e em 21 de Novembro de 1991, condenando a sistemática violação de direitos humanos, que o relatório apresentado na ONU, na 48.ª sessão da Comissão dos Direitos Humanos, em Janeiro de 1992, deu como inteiramente provada.
A Assembleia Paritária dos Países de África, Caraíbas e Pacífico e dos Doze da Comunidade Económica Europeia (ACPCEE) adoptou igualmente uma resolução condenatória, em Fevereiro de 1992.
A 11 de Março de 1993, a Comissão dos Direitos do Homem da ONU aprovou uma resolução, condenando a Indonésia.
A Assembleia Geral da UEO aprovou, em Junho de 1993, uma resolução onde exige ao Governo indonésio que «cesse toda a violência e toda a violação das normas internacionais, garantindo o respeito pelos direitos humanos e o direito dos povos à autodeterminação e à independência e a libertação dos prisioneiros políticos».
Em 18 de Julho de 1994, o Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Doze manifestou-se acerca de novas violações dos direitos humanos.
O Parlamento Europeu tomou, em 14 de Junho de 1995, uma decisão que faz depender as relações com a Indonésia da resolução do problema de Timor Leste.
De 31 de Maio a 2 de Junho deste ano, na continuidade de uma atenção constante dedicada à situação por esta Assembleia, realizou-se em Lisboa, por ela promovida, a Conferência Interparlamentar Internacional sobre Timor Leste, que aprovou a Declaração de Lisboa, contendo sete pontos programáticos que mantêm inteira actualidade.
Tão ou mais importante que tudo quanto ficou dito e haverá que acrescentá-lo - foi a persistente acção de centenas de organizações da mais variada índole, o combativo empenho da opinião democrática em todo o mundo, as manifestações, os actos de solidariedade e de protesto, que prosseguem e perseguem os diplomatas indonésios, que exigem tomadas de posições dos seus países, acções onde a juventude de todo o mundo - e ,muito especialmente, a portuguesa - faz jus a uma tradição de generosa combatividade.
Uma palavra é ainda indispensável para o papel da comunicação social, janela aberta sobre a realidade, revelando, quantas vezes graças ao sacrifício dos seus profissionais, os contornos brutais do anchluss indonésio.
A enumeração podia prosseguir, para tomar mais premente a pergunta que a realidade impõe: se há um povo que resiste e luta pela sua liberdade e independência, se o mundo condena o invasor e opressor, como se explica que o massacre continue, que o arbítrio triunfe, que a violação de todas as normas internacionais se tenha transformado num impune facto consumado?!
O caso de Timor Leste é, só por si, um requisitório implacável para quantos supõem que vivemos hoje um mundo mais seguro e mais justo.
A realidade é que entre as palavras e as acções da política internacional das grandes potências se perfila, cortante e impositivo, o poder económico.
O problema é que as decisões das Nações Unidas desaparecem empapadas nos 900 milhões de toneladas das reservas de petróleo do mar de Java, as condenações da Comunidade Europeia rasgam-se nos rebites dos navios de guerra vendidos à Indonésia, os dois biliões de metros cúbicos de reservas de gás natural das ilhas de Sonda são suficientes para fazer arder condenações e consciências.
O problema é que, ao mesmo tempo que nas instâncias internacionais se vertem palavras de condenação, a real polítik conduz a reconhecimentos de facto da anexação, como o fizeram os Estados Unidos, quando não - e refiro a Austrália e o Japão - ao reconhecimento de facto e de jure. Isto para não recordarmos que o Presidente Gerald Ford e o Secretário de Estado Henry Kissinger se encontravam em Jacarta nas vésperas da invasão e dela tiveram inteiro conhecimento, como publicamente já admitiram, o que correspondeu a uma óbvia conivência.
O problema é que se chega ao ridículo, como sucedeu com o Senado norte-americano, de aprovar um embargo de venda de armas ligeiras à Indonésia e, depois, não o votaram, não o regulamentaram, não o puseram em prática!
O povo de Timor Leste tem um inimigo próximo e sangrento, o exército indonésio, guarda pretoriana de um regime já atolado no sangue de centenas e centenas de milhares de indonésios durante a repressão de 1965, mas, sobretudo, guarda pretoriana dos interesses estratégicos das grandes potências e das transnacionais.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ªs e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Programa do Governo, que foi apresentado a esta Assembleia na passada

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semana, contém afirmações e compromissos que vão ao encontro da mudança que, também face h solidariedade portuguesa para com a luta timorense, o povo exigiu no voto que expressou em 1 de Outubro.
Lança raízes na nossa cultura de luta pela liberdade a afirmação de que «a razão principal do fracasso da política indonésia reside na sobrevivência do espírito de resistência do povo timorense, a qual determina a não aceitação interna ou internacional da anexação do território».
Mas, Sr.ªs e Srs. Membros do Governo, teria sido preferível que, nesse mesmo capítulo, não se tivesse esquecido a palavra «independência», para preferir apenas «autodeterminação» e «respeito pelos direitos humanos».
É disso que se trata e exige-se que, pela nossa parte, Estado português, tenhamos a firmeza - que, aliás, a nossa própria Constituição impõe - de não cair nos tropeços de alguma real politik e antes prosseguir com clareza o que, com clareza, a dignidade nacional e a solidariedade dos homens apontam: prosseguir uma intensa e clara acção em contactos bilaterais e em todos os fora internacionais onde Portugal participa e, tal como se impõe, levar à resistência timorense um apoio material tão desinteressado quanto efectivo.
Temos responsabilidades perante o povo de Timor Leste já que, nos termos da lei internacional, somos a sua potência administrante. Mas temos, sobretudo, a responsabilidade da história comum, o anseio comum, a luta comum, o que permitiu que, há 30 anos, uma portuguesa, Sophia de Mello Breyner Andersen, obreira grande da nossa língua comum, escrevesse sobre o seu povo o que é hoje também verdade para o povo irmão de Timor Leste: :Pois a gente que tem/O rosto desenhado/Por paciência e fome/É a gente em quem/Um país ocupado/Escreve o seu nome/E em frente desta gente/Ignorada e pisada/Como a pedra do chão/E mais do que a pedra/Humilhada e calcada /Nosso canto se renova/E recomeça a busca/Dum país liberto/Duma vida limpa/E dum tempo justo.

Aplausos do PCP, do PS, do PSD e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Centro Democrático Social - Partido Popular, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Num Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados, Srs. Convidados, Srs. Embaixadores: Decorreram quatro anos sobre o massacre de Santa Cruz. A tragédia e o crime estão perpetrados pelo regime indonésio e constituem um dos momentos mais dramáticos na longa tragédia que o povo de Timor Leste tem vivido.
Ao recordarmos esta data trágica, não podemos deixar de realçar o facto de o genocídio, iniciado com a ocupação do território pela Indonésia e que teve na tragédia de Santa Cruz um dos seus mais aviltantes momentos, não ter ainda terminado.
A ocupação continua a manifestar-se violentamente: são feitas transferências forçadas de populações inteiras; há sucessivas agressões aos jovens e às autoridades locais; pratica-se a odiosa política de miscigenação forçada; são comuns as violações; o total desrespeito pela liberdade de culto chegou a conduzir à profanação de igrejas.
A violência a que os timorenses estão sujeitos neste domínio resulta, em larga medida, do próprio confronto entre os ocupantes e as convicções religiosas do povo timorense, que, na sua esmagadora maioria, é católico.
Aliás, a igreja católica tem desempenhado um papel histórico da maior relevância, não sendo demais enaltecer a coragem e a determinação dos seus responsáveis no território, muito em particular essa figura extraordinária que é D. Ximenes Belo.

Aplausos do CDS-PP do PS e do PSD.

Mais do que a capacidade de intervenção dos organismos internacionais com responsabilidades na matéria ou do que os esforços desenvolvidos pelo Estado português, tem sido a coragem inabalável dos timorenses, alicerçada na mais forte convicção, que tem mantido a chama de um povo que mais não pede do que um direito elementar que a sua identidade e cultura sejam respeitadas.
Xanana Gusmão enviou à Conferência Interparlamentar Internacional de Lisboa sobre Timor Leste estas palavras, que escreveu na prisão de Cipinang. «(...) todavia, embora cada ano que passa lhe traga um peso sempre maior para suportar, o povo maubere, no inicio de lágrimas e desapontamento, de reflexão e dores como qualquer outro que lutou pela sua liberdade e independência, nunca se desesperou ao ponto de desistir da luta! (.)». Cabe-nos, ao evocar a tragédia de Santa Cruz, reflectir nestas palavras, bem como naqueles que perderam a vida naquele dia, forçando o mundo a não ignorar o drama de um povo que, rezando em português, e capaz de resistir até à morte.
Timor Leste é um problema de direitos humanos cuja repetida violação exige de todos a memória dos crimes praticados e a sua denúncia, sem hesitação ou tibieza. Mas Timor é também o facto político de âmbito internacional que maior responsabilidade nos pede e que mais violentamente confronta a nossa consciência nacional.
Portugal não pode ignorar Lino, de unia história comum, que cimentaram com o povo de Timor a existência de laços indissolúveis baseados na cultura e numa língua comum, o português. Temos para com os timorenses um indeclinável dever de solidariedade.
Portugal não pode, nem deve, negar a sua quota parte de responsabilidades na questão de Timor Leste. Todos, todos temos responsabilidade que não devemos enjeitar. Os erros cometidos até então e em particular os erros e incapacidade do poder político português em 1975, em plena revolução, envolvido num processo de descolonização cujas dificuldades e falhas a história não pára de nos apontar, levam-nos a concluir que o poder político português não foi completamente alheio ao sucedido naquele território.
Porém, nada pode justificar o cortejo de barbaridades cometidas pela Indonésia a partir da invasão do território, em Dezembro de 75. Nem as deficiências do poder político português da altura, nem as divisões internas existentes no seio do povo de Timor, nem o desinteresse nem a cumplicidade silenciosas de potências com interesses na região ou influência mundial, nada pode justificar anos a fio de violações repetidas direitos dos homens e o esmagamento dos mais elementares direitos dos timorenses feitos pelos indonésios.
Timor Leste não é, certamente um caso único, nem um caso sem precedentes na história da humanidade. Se recordar-mos o Koweit, mais recentemente, os casos da ex-Jugoslávia e o drama dos Bósnios, o caso do Tibete ou tantos outros, temos várias situações em que a nova ordem internacional não permitiu ainda tranquilidade a povos e a nações sujeitos à ocupação por potências estrangeiras.
O que é gritante no caso de Timor Leste é o facto de a ocupação indonésia, potência regional com grande pode-

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rio militar e que largamente o utiliza contra um povo inocente e indefeso, não ter merecido a mesma denúncia e a mesma reacção da comunidade internacional que mereceram tantas outras situações similares.
Não é aceitável que democracias como a da Austrália ou a dos Estados Unidos da América, que são países do Pacífico, admitam e tolerem o genocídio que a Indonésia está a levar a cabo e o façam em nome do pragmatismo que sacrifica ao equilíbrio de interesses na região os próprios direitos humanos - frágil equilíbrio será este que se baseia sobre a destruição do Homem! -, sendo certo que não o fizeram nem admitiram tais situações noutras zonas do globo, onde a sua denúncia foi eficaz e sem reservas porque talvez os seus interesses estivessem em jogo.
A posição adoptada por estes estados é relevante e pode ser decisiva para permitir à comunidade internacional uma atitude que ponha termo ao drama de Timor Leste e assegure ao seu povo o direito à autodeterminação. Apesar dos esforços realizados, Timor Leste continua a ser um fracasso fundamental da capacidade das Nações Unidas em resolver uma questão e um conflito que as opõem directamente à Indonésia. Dizemos «apesar» pois não devemos ignorar a intervenção positiva das Nações Unidas, e em particular do seu secretário-geral, no sentido de promover esforços diplomaticamente úteis na procura de uma solução justa e global para o problema de Timor Leste.
Nos 50 anos da ONU, podemos dizer que esta questão parece finalmente ter ganho, nos últimos tempos, uma atenção mais detalhada. Tal facto, deve-se essencialmente, mais uma vez e em primeiro lugar, à coragem do povo de Timor Leste e daqueles jovens que não hesitam em pôr em risco as suas vidas para chamar a atenção para o sofrimento permanente a que os seus estão sujeitos, jovens cuja audácia se tem revelado crescente, como há pouco dias pudemos verificar com a denúncia feita pelos timorenses que se refugiaram na embaixada japonesa em Jacarta.
Os esforços internacionais realizados estão, no entanto, longe de conduzir ao resultado que esperamos e que desejamos. A propaganda dos agressores, baseada em poderosos meios, continua a mascarar a questão e a desviar as atenções dos excessos e dos crimes cometidos pela Indonésia. E esta propaganda tem arautos em todos os países interessados na questão, incluindo, para nossa vergonha, o nosso próprio país.
Ao recordarmos a tragédia que foi o massacre de Santa Cruz importa reafirmar a nossa determinação futura em, de uma forma unida sobre um ponto de vista nacional, assegurar as responsabilidades que competem a Portugal no processo.
Portugal é reconhecido como potência administrante e, como tal, é o mais legítimo defensor dos direitos dos timorenses. Cabe-nos tomar efectivo este reconhecimento, assegurando para o nosso país a capacidade de promover, conjuntamente com as Nações Unidas, uma solução justa que abra o caminho à autodeterminação. Portugal não tem qualquer interesse próprio a reivindicar em relação ao território de Timor Leste. Todos os nossos esforços se centram na defesa dos interesses legítimos dos timorenses. Timor Leste e o seu povo não podem ser esquecidos nem o que lhes sucedeu pode ser tratado como um acidente incómodo que se passou.
O genocídio contra o povo de Timor tem de parar. Trata-se de um crime contra a humanidade, semelhante aos cometidos na Bósnia e, como tal, deve ser sujeito ao julgamento de uma jurisdição especial para o efeito.
Se o caminho a percorrer ainda é longo, árduo e repleto de dificuldades, isto não deve afectar a nossa persistência nem a nossa tenacidade e temos de continuar a desenvolver esforços em todas as instâncias, nomeadamente junto dos governos e das organizações internacionais. Particularmente, afigura-se-nos importante a nossa capacidade de mobilizar e de concertar solidariedades, designadamente as que podemos obter junto dos estados que connosco partilham o português como língua materna. Estas solidariedades podem revelar-se significativas para tornar efectivo cumprimento das resoluções das Nações Unidas sobre assunto.
Há esforços a desenvolver junto dos estados da União Europeia e das democracias ocidentais que, para lá da sensibilização e da mobilização de vontades, deverão ter presente a necessidade de efectivar o embargo respeitante ao comércio de armamentos com a Indonésia, tal como consta na Declaração de Lisboa, resultante da Conferência Interparlamentar sobre Timor Leste.
A efectivação de uma solução justa passa forçosamente pelo reconhecimento da resistência timorense como interlocutora e como negociadora e, consequentemente, pela libertação do seu líder histórico, Xanana Gusmão.
Ao recordarmos os trágicos acontecimentos de Santa Cruz temos de prestar homenagem a todos os timorenses e à sua inquebrantável capacidade de resistência e de luta, dando-lhes um testemunho inequívoco de que não serão esquecidos nem silenciados. Portugal não deixará de pôr todo o seu empenho num imperativo de dignidade, para que os direitos dos timorenses sejam reconhecidos e se abra decisivamente o caminho para ajusta autodeterminação do território e do seu povo. Nem outro sentido poderia ter esta sessão que estamos a celebrar, todos os partidos políticos portugueses, neste templo da democracia que é a Assembleia da República.

Aplausos do CDS-PP, do PS, do PSD, e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Em representação do Partido Social Democrata, vai usar da palavra o Sr. Deputado Durão Barroso.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Embaixadores. Ilustres Membros do Corpo Diplomático: Reúne-se hoje a Assembleia da República, em sessão especial, para evocar uma data que ficou indelevelmente marcada por um acto terrível contra a humanidade.
Há quatro anos atrás, centenas de jovens timorenses foram massacrados em Dili, Santa Cruz, o nome do cemitério em que ocorreu essa tragédia, lembrará para sempre os jovens sacrificados por não esquecerem aquilo que a sua dignidade lhes dizia que recordassem e por se recusarem a aceitar aquilo que as suas consciências e a sua fé lhes impunham que combatessem.
Ao tomar a palavra nesta sessão em nome do Partido Social Democrata, quero começar por deixar bem claro que consideramos hoje, como considerávamos ontem, que as responsabilidades de Portugal nesta matéria determinam uma política de convergência entre os vários órgãos de soberania Governo, Presidente da República, Assembleia da República de modo a afirmar uma coesão nacional inequívoca na prossecução de princípios e valores que não tolerariam a exibição artificial de clivagens político-partidárias.
É importante, contudo, que esta iniciativa da Assembleia da República e do Governo não apareça como um gesto ritual, uma daquelas celebrações laicas que por vezes

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acontecem nas democracias, quando se evocam efemérides dolorosas, para, apressadamente e com tranquila consciência, se mudar de tema e passar a tratar de mais convenientes e prosaicos assuntos.
É com certeza importante que, respeitosamente, honremos os mortos, que testemunhemos ao povo timorense a solidariedade de Portugal e lhe manifestemos como temos bem presentes no nosso pensamento o seu sofrimento e a sua luta.
Mas é também indispensável que analisemos a situação actual em Timor Leste à luz dos mais recentes desenvolvimentos e que ponderemos se deve ou não ratificar-se a orientação que Portugal vem seguindo na defesa dos direitos de um povo perante cujo destino sentimos uma particular responsabilidade histórica, moral, jurídica e política.
Convém recordar que há alguns anos atrás o regime indonésio referia Timor Leste como um falso problema, uma questão com a qual a comunidade internacional não deveria perder tempo e sobre a qual não se justificava qualquer atenção.
Segundo Jacarta, o problema de Timor, a existir, seria essencialmente algo do passado, uma questão que durante algum tempo subsistiria como memória colonial de Portugal, mas que não interessaria aos timorenses e muito menos à chamada comunidade internacional. O tempo, pensava Jacarta, corria a seu favor. Razões de geopolítica, interesses económicos e comerciais, convergências diplomáticas, tudo parecia dar conforto à convicção indonésia de que o passar dos anos, com a ajuda de um sentimento de conformismo e até com a esperança de alguma cumplicidade de Portugal, resolveria um problema que, ao fim e ao cabo, se pretendia que não existia.
Mas não foi assim. A resistência timorense, especialmente dos jovens, veio mostrar que não era de qualquer nostalgia do antigo poder colonial que se tratava. Com efeito, os que mais corajosamente manifestavam a sua revolta não tinham ainda crescido, ou não eram sequer nascidos, aquando da presença portuguesa em Timor Leste. Mais do que afirmar quaisquer direitos passados; os jovens timorenses lembravam ao ocupante que queriam ser senhores do seu futuro.
O massacre de Santa Cruz veio contribuir para tornar claro aos olhos da opinião pública internacional aquilo que até então se procurava esconder atrás de um quase impenetrável muro de silêncio e sob uma estranha teia de cumplicidades e de indiferença: um povo que, contrariando os prognósticos e as conveniências de tão variados interesses, desafiando tantas análises pretensamente realistas, se recusava a aceitar o jugo que o ocupante lhe queria impor.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O regime indonésio, perante a persistente resistência dos timorenses e confrontado com uma crescente pressão internacional, foi obrigado a aceitar nas conversações com Portugal, aquilo que nunca teria sequer imaginado vir a ter que prometer, começa então a duvidar da possibilidade de deixar ao simples passar dos tempos a responsabilidade de resolver o problema que, afinal, não cessava de agravar-se.
Entretanto, a situação internacional também se alterava e muitos conflitos e movimentos de tipo nacional, que o confronto bipolar da Guerra Fria, de algum modo, «congelara», tinham agora campo mais aberto para se manifestarem, o que criava aos indonésios uma complicação adicional. Como se isso não bastasse, desvaneceram-se em Jacarta quaisquer ilusões de colaboração portuguesa para uma solução «cosmética» ou para uma cobertura legitimadora da ocupação ilegal do território. Pelo contrário, embora apostado na via do diálogo directo sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas, Portugal mostrava cada vez maior determinação não apenas no plano diplomático mas também na mobilização da opinião pública europeia, norte-americana e internacional.
E então - e este ponto, permitam-me que o sublinhe, aparece, a meu ver, como decisivo para se compreender os cruciais momentos que se vivem hoje no território que o regime indonésio ou, pelo menos, os sectores militares que nele exercem a hegemonia começam a ensaiar a passagem a uma nova etapa, embora sempre dentro da mesma estratégia de consumar e legitimar a anexação do território. E Jacarta, que, relativamente a Timor Leste, antes sustentava não existir propriamente um problema, procura hoje «resolvê-lo», criando condições para que, daqui a alguns anos, se possa dizer que, afinal, em Timor Leste, não existia verdadeiramente um povo.
São realmente graves todas as notícias que nos chegam de um esforço deliberado, por parte da Indonésia, no sentido de diluir a identidade de Timor Leste e, no fim do percurso, destruir os elementos caracterizadores e definidores daquele povo e da sua personalidade própria.
De algum tempo a esta parte, as autoridades de Jacarta vêm planeando e organizando, sistematicamente, a chamada transmigração. Tal movimento da população configura uma situação de verdadeira invasão, que nem por ser mais silenciosa do que a que foi perpetrada por violentos meios militares em 1975 deixa de ter efeitos potencialmente mais destrutivos para a própria identidade de Timor Leste. No discurso de Jacarta, trata-se apenas de migrações espontâneas causados por razões económicas. Na realidade, estamos perante uma «segunda invasão», que tem por objectivo a descaracterização social, cultural e religiosa de Timor Leste.
O inconfessável fito do regime indonésio é o de, num futuro não muito distante, tornar o povo timorense minoritário na sua própria terra. Só por pretensa ingenuidade ou por mal disfarçada cumplicidade se pode procurar ocultar, em certos meios democráticos e ocidentais, o carácter deliberado deste processo de «indoneização» de Timor Leste.
Quando confrontadas com a questão, as autoridades de Jacarta recorrem ao mais despudorado, cinismo, chegando a justificar a presença de tão elevado número de indonésios em Timor Leste como consequência de acções de cooperação técnica, de apoio ao desenvolvimento e até de ajuda humanitária! Mas não explicam, nem poderiam alguma vez explicar, por que razão a presença desses «Cooperantes» tem de ser acompanhada pelo reforço de ocupação militar e pelo aumento da repressão. De facto, os observadores independentes que recentemente têm visitado Timor Leste não hesitam em afirmar que o ambiente que lá se vive faz lembrar o de um campo de concentração.
A comparação pode parecer excessiva mas não o é, de facto. O povo timorense vive sob uma malha militar e policial extremamente apertada, que instala no território uma omnipresente ditadura de terror. E é hoje tão intenso o controlo da vida dos seus habitantes, tão densa a quadrícula de ocupação, que não podem subsistir dúvidas quanto às intenções de Jacarta: quebrar a vontade dos timorenses através de um clima de medo, de divisão, de suspeição, levando cada habitante a convencer-se de que não pode confiar em ninguém, de que não vale a pena resistir, que é melhor vergar e desistir.
Não satisfeitos com os ataques ao povo timorense no seu conjunto, os militares indonésios são levados, pela

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lógica do seu sistema repressivo, a procurar desintegrar a própria personalidade e dignidade dos indivíduos. Mas a coragem política e pessoal de Xanana Gusmão e o grande exemplo moral de Monsenhor Ximenes Belo aí estão para simbolizar a força da resistência de um povo que não se rende.
Ao mesmo tempo, as provocações e insultos dirigidos contra a fé católica e os incidentes e conflitos gerados em torno de motivos religiosos fornecem aos militares pretexto para o reforço e perpetuação do seu poder, chegando mesmo o regime indonésio a reclamar para si, com criminosa ironia, um papel moderador e pacificador face àquilo que agora designa por «tensões interconfessionais».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes desenvolvimentos da situação em Timor Leste mostram que se entrou numa fase mais aguda do conflito. O facto de Jacarta recorrer à tentativa da supressão da identidade timorense demonstra a falta de confiança que tem numa situação negociada e o receio de se encontrar progressivamente uma posição cada vez mais embaraçosa em termos internacionais.
É inquestionável que, de um ponto de vista diplomático, a situação se apresenta hoje com contornos incomparavelmente mais favoráveis às posições portuguesas e ao objectivo timorense do que aqueles que encontrávamos há alguns anos atrás. Mas este aspecto de modo algum significa que, quanto à questão de fundo da autodeterminação e quanto à própria situação no território, se venham a registar significativos progressos. Pode bem acontecer, e de facto assim parece estar a suceder, que o regime ditatorial, sentindo-se a perder a batalha diplomática, seja tentado a recorrer às puras e duras soluções, ou pretensas soluções, de força.
De qualquer modo, a Indonésia não pode, nas presentes circunstâncias, sem elevadíssimos custos, romper as conversações directas com Portugal, que têm lugar sob os auspícios do Secretário-Geral da ONU. Sendo assim, o que cabe a Portugal fazer, nomeadamente ao Governo, que detém a mais directa competência no plano diplomático?
Considerando que não existe uma solução militar para o problema, o Governo deverá prosseguir na via do diálogo, no quadro das Nações Unidas, reiterando a sua disponibilidade para uma solução de acordo com os princípios da Carta, sem quaisquer concessões em matéria de princípio. De resto, o Governo português não poderá nunca abdicar daquilo que, em rigor, não lhe pertence, pois é intransmissível e indisponível o direito de um povo à autodeterminação.
No âmbito destas conversações, o Governo deverá procurar conduzir a Indonésia para uma discussão séria em torno da identidade cultural e religiosa de Timor Leste e do respeito pelos direitos humanos no território, tomando claro que, enquanto não se verificarem progressos concretos nestas áreas, não existe a possibilidade de aprofundar o diálogo e Portugal se verá naturalmente obrigado a intensificar a denúncia da situação prevalecente no território e a aumentar a pressão internacional sobre o regime de Djakarta.
É particularmente importante que os indonésios entendam que, sem cessarem as transmigrações e os processos de descaracterização da identidade de Timor Leste, sem que se registem melhorias sensíveis no capítulo dos direitos humanos e se alivie a presença militar, continua por demonstrar a sua boa-fé negocial. Por isso, e dado que as conversações sob os auspícios do Secretário-Geral constituem, de algum modo, um exercício assimétrico em virtude da situação de ocupação militar do território, Portugal terá de recorrer à intensificação da acção internacional a favor de Timor Leste, em paralelo com o diálogo no quadro da ONU. Neste, o Governo deverá prosseguir a linha de intransigente defesa do direito à autodeterminação, ainda que podendo mostrar abertura quanto à discussão do modo concreto que revestirá o exercício desse direito.
Do mesmo modo, os timorenses devem ser mais estreitamente associados ao processo de consultas e diálogo, pois são os mais directamente interessados no estatuto do território e na discussão de todos os aspectos atinentes à situação prevalecente em Timor Leste. O chamado «diálogo intratimorense», não obstante todas as ambiguidades que rodearam a sua génese e as tentativas de instrumentalização a que foi sujeito, constituiu um passo indiscutivelmente positivo. Deve encorajar-se o Secretário-Geral a perseverar na via que, apesar das obstinadas resistências indonésias, foi possível abrir. A maior participação dos próprios timorenses no processo, sem prejuízo das responsabilidades de Portugal e da Indonésia e do quadro definido no âmbito da ONU, permitirá, eventualmente, que se explorem caminhos imaginativos que nos aproximem de uma solução global e definitiva, de acordo com a Carta das Nações Unidas e o direito internacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma política de princípios é a única que vale a pena ser seguida. Se alguma conclusão se pode extrair destes 20 anos de ocupação é a de que o povo timorense já mostrou que merece ser consultado sobre o seu próprio destino.
Se um povo, para ser livre, tem de demonstrar a força da sua identidade, do seu querer e da sua vontade, poderemos dizer que o povo de Timor Leste já passou, neste âmbito, mais testes e mais duras provas do que seria humanamente exigível e a sua capacidade de resistência, a sua determinação e a sua coragem são mais do que suficientes para dizer ao mundo que os timorenses não se resignam ao estatuto de «povo sem voz» e que não é justo nem admissível negar a um povo que tanto sofreu o direito a existir, o direito a afirmar a sua própria identidade e a livremente organizar o seu devir.
Não é do passado, é do futuro que se trata. E o povo heróico de Timor Leste, a que nos ligam tantos laços de memória, também estará a nosso lado, espero, na história do futuro.
Assim saibamos nós fazer a parte que nos compete. Assim possamos nós estar à altura do nosso dever.

Aplausos do PSD, do PS e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em representação do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Sr.ªs e Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, Ilustres Membros do Corpo Diplomático. Minhas Senhoras e Meus Senhores: Em 1995 cumprem-se quatro anos sobre a data do massacre no cemitério de Santa Cruz, que hoje aqui recordamos nesta sessão da Assembleia da República, e 20 anos sobre a data da invasão de Timor Leste pelas forças armadas da Indonésia.
A descolonização constituía uma das maiores preocupações do Programa das Forças Armadas saído do 25 de Abril. Assim, de Setembro de 1974 a Novembro de 1975, Portugal reconheceu, por esta ordem, a independência da Guiné-Bissau, de Moçambique, de Cabo Verde, de S. Tomé e Príncipe e de Angola. Portugal honrava, deste modo, o compromisso assumido em 3 de Agosto de 1974, de co-

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operar com as Nações Unidas e de cumprir a declaração sobre a concessão de independência aos povos e territórios coloniais. Restava Timor Leste.
Neste território apresentavam-se três partidos, que incluíam nos seus programas soluções distintas de governo para a ex-colónia e para o seu futuro, que iam da independência imediata à independência a prazo e à integração na Indonésia.
Em Maio de 1975, o governo português apresentou aos partidos timorenses, para apreciação, o programa de descolonização de Timor Leste, envolvendo a constituição de um governo transitório e de uma assembleia consultiva, corri vista à realização de eleições.
Em Julho, foi promulgada a lei constitucional que apontava para eleições em Outubro de 1976. A FRETILIN continuava, no entanto, a exigir, de Portugal, a imediata declaração da intenção de conceder a independência a Timor Leste. A UDT, que já havia rompido a coligação com a FRETILIN, procurando tirar partido do efeito de surpresa, resolve tomar o poder pela força, desencadeando, em Agosto, um golpe armado contra a Administração portuguesa.
Nesta data, eram já frequentes, importantes e violentas, as incursões de forças militares indonésias em território de Timor Leste, a partir de bases que vinham a ser preparadas há mais de um ano.
Desestabilizada a situação, desencadeada uma guerra civil, onde morreram cerca de 3000 pessoas, a FRETILIN veio a conseguir, até fins de Setembro, o controlo de grande parte de Timor Leste. A 28 de Novembro declara, unilateralmente, a independência, que não é, contudo, reconhecida nem por Portugal, nem pelas Nações Unidas. Timor Leste continuava a ser uma colónia portuguesa em vias de descolonização.
A 7 de Dezembro, as forças armadas indonésias invadiram Timor Leste. Desde a invasão, a Indonésia vem submetendo os timorenses a um genocídio físico, organizado e selectivo, e a um genocídio cultural, procurando destruir a identidade, a cultura, a história e a religião do povo de Timor Leste, sequestrando, torturando e assassinando homens, mulheres e crianças.
Mantendo o território completamente isolado do mundo, os batalhões indonésios que ocuparam o território de Timor Leste mataram, nos primeiros 15 anos seguintes à invasão, para cima de 200 000 timorenses.
Declarações e comunicados da resistência, divulgação das mortes de soldados indonésios em combates com a guerrilha timorense, uma ou outra fuga de informação de jornalistas e de visitantes clandestinos e a luta travada pela igreja local, constituíram sérios revezes para a propaganda indonésia, que não se cansava de afirmar a completa integração de Timor Leste, a 27.º província, na Indonésia.
A necessidade de simular maior abertura, com o fim de descer a pressão das organizações não governamentais, de acabar com as denúncias das associações de direitos humanos e de tirar sentido aos protestos de parlamentares de vários países junto dos seus governos e da sua opinião pública e a acção diplomática portuguesa, levaram o Parlamento de Jacarta a endereçar um convite a uma delegação de Deputados desta Assembleia para visitar Timor Leste.
Por razões que ainda desconheço, depois de mais de 40 meses de difíceis negociações sobre as condições em que a viagem se realizaria e a liberdade de movimentos de que gozariam os Deputados, a visita veio a ser cancelada. A delegação, que se encontrava preparada para partir, tomou conhecimento do facto no dia 26 de Outubro de 1991.
O cancelamento da viagem causou grande consternação em Timor Leste. Havia enormes esperanças depositadas nos resultados da visita. Esperava-se que, com ela, terminasse o isolamento do território e do seu povo; que o mundo viesse a conhecer a realidade do drama timorense; que a ocupação militar abrandasse e que unia solução justa e internacionalmente aceitável para Timor Leste começasse a ser desenhada.
Os militares indonésios sentiram-se humilhados, pois foram obrigados a recorrer a tudo, e até a uma intermediação externa, para evitar a visita que tinha sido indevidamente aceite pelo Governo indonésio e pelo Presidente Suharto, contra a vontade desses mesmos militares. Tais fraquezas governamentais ou diplomáticas não se podiam voltar a repetir. Havia necessidade de endurecer a posição militar em Timor para acabar com quaisquer veleidades futuras.
Na noite de 27 para 28 de Outubro, soldados indonésios entraram na igreja de St.º António de Motael e mataram a tiro o estudante Sebastião Gomes Rangei, de 18 anos, e Afonso Henriques, de 29 anos.
Duas semanas depois, a 12 de Novembro, após assistirem à missa de sufrágio, milhares de timorenses dirigiram-se para o cemitério de Santa Cruz, numa última homenagem aos mortos da igreja de Motael. Os indonésios haviam montado no cemitério um fortíssimo dispositivo militar. Os soldados, que esperavam os jovens, mataram, ali mesmo, mais de uma centena de timorenses.
Posteriormente, a 15 de Novembro, foram fuzilados vários prisioneiros, testemunhas incómodas que tinham assistido ao massacre de três dias antes. A 17 e a 18 de Novembro, voltaram a ser mortos. respectivamente, mais 15 e 7 timorenses. Calcula-se que o total dos mortos neste massacre se tenha elevado a mais de 200 pessoas.
Pelas câmaras, pela escrita e pela voz de jornalistas presentes, a comunicação social americana espalhou, pela primeira vez, pelo mundo, imagens e relatos do mais recente dos muitos massacres ocorridos em Timor.
Só a partir destas 200 mortes, a opinião pública mundial teve consciência da realidade de um genocídio que já tinha feito mais de 200 000 mortos.
Os objectivos que Portugal visa na questão de Timor Leste só serão alcançados se Portugal conseguir mobilizar os maiores apoios da comunidade internacional.
Para este efeito, foi da maior importância a realização da Conferência Interparlamentar Internacional de Lisboa, de 31 de Maio a 2 de Junho, que contou com a presença de mais de 70 Senadores e Deputados de 30 países e de inúmeras personalidades igualmente convidadas.
A Declaração de Lisboa, documento final da Conferência, resume, em 37 pontos, os acordos/conclusões a que se chegou, dos quais me permito salientar os seguintes:
Exigir a libertação imediata de Xanana Gusmão e de todos os presos políticos encarcerados na Indonésia e em Timor Leste;
Apelar ao embargo do comércio de armas, já condenado pelo Parlamento Europeu e pela comunidade internacional;
Envolver Xanana Gusmão e as organizações representativas da resistência timorense nas negociações levadas a cabo pelo Secretário-Geral das Nações Unidas;
Solicitar à ONU que proclame o 7 de Dezembro Dia Internacional de Timor Leste;
Incentivar a criação de um Grupo Internacional de Personalidades, a fim de participar numa solução justa para a luta do povo de Timor Leste.

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Diz-se no Programa do XIII Governo que a solução do problema de Timor Leste só pode ser encontrada pela via diplomática e que Portugal deve estar preparado para continuar uma longa luta até que o direito triunfe e a justiça seja feita.
A política externa deste Governo em relação a Timor Leste assenta em três factores fundamentais: a solidariedade que Portugal deve a um povo com quem partilhou a história durante mais de quatro séculos; a responsabilidade internacional, que deriva do facto de Portugal ser a potência administrante do território; e o imperativo constitucional que obriga Portugal a promover o direito à autodeterminação de Timor Leste. E visará dois objectivos essenciais: criar condições que permitam que o povo de Timor Leste possa exercer livremente o seu direito à autodeterminação e aliviar o sofrimento que o atinge, em resultado da ocupação e da repressão a que ele está presentemente sujeito.
Há já vários anos que a Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste vem chamando a atenção para a vida da comunidade timorense em Portugal. Os timorenses não têm, e deviam ter, um estatuto claro na sociedade portuguesa. Não existe um núcleo de apoio, constituído por agentes oriundos de vários departamentos do Estado, que se preocupe com o acolhimento, o alojamento, o acompanhamento e a promoção sócio-cultural dos timorenses. Pelas últimas declarações do Sr. Primeiro-Ministro, confiamos que, brevemente, esta situação esteja esclarecida e resolvida.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Existem sinais evidentes que nos dão esperança de que haja, a médio prazo, uma evolução positiva na situação de Timor Leste.
A solução última das questões de Timor Leste deve competir aos próprios timorenses e apenas a eles. É portanto, positivo o diálogo intratimorenses, no quadro das consultas levadas a cabo pelo Secretário-Geral das Nações Unidas.
A tragédia do povo de Timor Leste começa a ser para os jovens e para uma parte da população indonésia a sua própria tragédia, vítima do mesmo regime, da mesma violência e da mesma falta de democracia.
Também na Indonésia aumenta, constantemente, o número de viúvas e de órfãos de soldados indonésios mortos em Timor. Começa a ser evidente a preocupação da classe dominante indonésia com o problema de Timor Leste, que se revela, dia após dia, irresolúvel, no quadro político imposto por Suharto e pelos militares.
Não só o tão falado círculo de medo, em que as forças indonésias quiseram fechar cada timorense, se começa a romper, como já se contam, entre os ardentes defensores da autodeterminação de Timor Leste, inúmeros indonésios.
Contribuamos todos os portugueses para que o amanhã sejam dias de esperança para o povo de Timor Leste.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Embaixadores, Sr.ªs e Srs. Deputados: Completaram-se, no passado domingo, quatro anos sobre o dia do massacre de Santa Cruz, dia em que as forças de segurança indonésias provocaram a morte violenta de jovens timorenses que se manifestavam a favor da liberdade e da autodeterminação do seu povo.
As imagens televisivas da tragédia de Santa Cruz, obtidas em difíceis e arriscadas circunstâncias e que correram mundo, abalaram a opinião pública internacional. E a comunidade internacional, muitas vezes adormecida, acordou então para a realidade de um povo vivendo num pequeno território invadido e ocupado por vizinho poderoso e dispondo de vários e importantes apoios e complacências mas que, apesar disso, nunca conseguiu calar a voz desse povo, o qual corajosamente reclamou - e reclama - o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais que lhe assistem.
As imagens da tragédia de Santa Cruz levantaram o véu sobre uma violentação que terá custado a vida a cerca de um terço da população do território, denunciaram uma prática sistemática de violação dos mais elementares direitos do homem, de nada serviu o isolamento imposto pelo ocupante.
O sacrifício dos jovens timorenses na manhã do dia 12 de Novembro de 1991 não foi, assim, em vão. Ao homenagear comovidamente a sua memória e a de todos aqueles que, antes e depois de Santa Cruz, foram vítimas da repressão e da violência em Timor Leste, devemos ter bem presente que, depois do seu sacrifício, nada voltou a ser como antes em relação à questão timorense.
Santa Cruz suscitou entre a comunidade internacional um repúdio quase unânime enquanto brutal violação dos direitos humanos. Mais, obrigou aquela comunidade a interrogar-se sobre as razões que levavam centenas de jovens a desafiar, com desesperada coragem, um poder impiedoso e implacável. Santa Cruz vem lembrar a urgência em eliminar essas razões que são de natureza essencialmente política e permitir recordar que, em Timor Leste, não se tinha parado de lutar, primeiro, por meio da resistência armada, agora, também, pela resistência civil organizada. Santa Cruz veio denunciar a recusa da Indonésia em cumprir resoluções sucessivamente aprovadas pelo Conselho de Segurança e pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e focalizou a crua verdade do desrespeito brutal pelo direito à autodeterminação e à integridade territorial do povo de Timor Leste. Santa Cruz veio, finalmente, lembrar que os anos de ocupação - 16, então - não tinham consolidado a situação de «paz à força» nem apagado as aspirações características de uma entidade própria e distinta do ocupante.
Nem os julgamentos iníquos nem as absurdas penas de prisão impostas a timorenses acusados de organizar a manifestação nem mesmo o subsequente encarceramento do dirigente histórico da resistência, Xanana Gusmão, conseguiram apagar a vitalidade e a determinação dos que lutam pela liberdade em Timor Leste e têm os olhos postos em nós.
A questão de Timor Leste está hoje na agenda internacional, não é mais objecto de silêncio e esquecimento, como pretendia - e pretende - o Governo da Indonésia. As vozes de denúncia e protesto multiplicam-se e, ao aproximarmo-nos da data de 7 de Dezembro, dia em que se cumprem 20 anos da brutal invasão, constata-se o aparecimento de novos e poderosos factores de tensão de natureza étnica e religiosa e instalam-se mesmo, indisfarçáveis, a insatisfação e o desencanto entre aqueles que em número restrito haviam procurado acomodar-se à tentativa de integração. A situação interna é classificada pelos observadores internacionais como sendo explosiva e agrava-se a crescente marginalização económica e social dos timorenses na sua própria terra. Reconhece-se já na própria Indonésia o fracasso da integração, a frustração e a revol-

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ta das populações e a necessidade de revisão das políticas.
A verdade é que nada de sólido ou de duradouro se consegue construir sobre a denegação dos direitos dos povos. Cedo ou tarde, a prepotência acaba por ter de ceder, a história recente fornece-nos disso os mais eloquentes exemplos e é razão de esperança fundamental para o futuro.
A solução justa, global e internacionalmente aceitável para a questão de Timor Leste, que Portugal procura pela negociação sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas, terá de passar, necessariamente, pelo respeito dos legítimos direitos do povo de Timor Leste, em conformidade com a Carta e com as resoluções relevantes das Nações Unidas. Daqueles direitos ressalta, como essencial e em conformidade com a nossa Constituição, o direito à autodeterminação que pressupõe, naturalmente, o direito à independência se essa for a vontade soberana do povo de Timor Leste.
Nos termos da Carta das Nações Unidas, os interesses do povo de Timor Leste prevalecem sobre quaisquer outros eventualmente em causa na questão. Timor Leste é, assim, uma indesejável relíquia de um período ultrapassado em que as imposições - ditas pragmáticas - das confrontações de bloco ou ideológicas prevaleciam inapelavelmente sobre os direitos dos povos e das pessoas. A diplomacia portuguesa sempre defendeu, e bem, que o processo de diálogo a desenvolver no âmbito das Nações Unidas deve envolver os timorenses, verdadeiros titulares dos direitos que o Direito Internacional considera inalienáveis.
Em conformidade com o seu Programa, o Governo manterá o empenhamento da política externa portuguesa na reposição daquela legalidade e fá-lo-á em consulta permanente com a resistência timorense na sua totalidade e dando pleno apoio ao diálogo entre os timorenses.
Quero deixar bem claro que o Governo português considera imprescindível que a situação em Timor Leste, em matéria de direitos humanos, conheça entretanto urgentes e efectivos progressos, os quais, no processo de diálogo, só serão possíveis através da tomada de medidas concretas e verificáveis que conduzam a resultados práticos e inequívocos neste domínio.
Estão claramente por aplicar as deliberações da Comissão dos Direitos do Homem, subscritas pela própria Indonésia. O conteúdo de comunicados e de declarações finais de sessões, precedentes de conversações sob os auspícios do Secretário-Geral, entre Portugal e a Indonésia, aguarda aplicação. Estão ainda, em particular, por esclarecer circunstâncias que rodearam a tragédia do Cemitério de Santa Cruz, o número e a identidade de todos os seus mortos, o destino de alguns ou muitos desaparecidos. Aguardam libertação, que tarda, os presos políticos timorenses e, ao lado dos últimos acontecimentos registados no território, continuam a comprovar o recurso sistemático à tortura dos detidos.
O acesso a Timor Leste mantém-se fortemente restringido, como o demonstra a recente expulsão de várias individualidades estrangeiras que o quiseram visitar justamente por ocasião da efeméride que aqui nos reúne.
Portugal não deixará, em todas as circunstâncias internacionais apropriadas, de continuar a denunciar este estado de coisas. A experiência mostra que a pressão internacional é indispensável como dissuasor ou, pelo menos, como inibidor de actos de maior violência e repressão. A atmosfera de diálogo não se melhora só com contenção nas palavras mas também com comportamentos concretos por parte de quem reprime Timor Leste. São esses comportamentos, mais do que palavras, que exigimos da Indonésia.
A causa dos direitos do povo timorense reúne, clara e inequivocamente, o consenso das forças políticas e da esmagadora maioria dos portugueses. Portugal, para além das suas obrigações jurídicas, tem, sobretudo, um compromisso moral de solidariedade para com Timor Leste - o compromisso de continuar a empenhar-se, com todos os meios ao seu alcance, na defesa do direito do seu povo à autodeterminação e na defesa dos seus direitos humanos e da sua identidade cultural, religiosa, social e histórica.
Estamos cientes de que não podem esperar-se resultados espectaculares a curto prazo mas sustenta a nossa força de ânimo e a nossa perseverança o conjunto de princípios em que nos baseamos até que sejam alcançadas as soluções que melhor possam servir os timorenses e os seus direitos.
Que os últimos anos deste século possam assistir ao fim deste triste exemplo de sacrifício do fraco às mãos do forte. Daqui lanço, uma vez mais, o meu apelo, o apelo do Governo e estou certo de que o apelo de todos os portugueses à comunidade das nações, para que a incoerência com os princípios e valores essenciais expressos na Carta das Nações Unidas e na Declaração dos Direitos do Homem aja no sentido de repor a legalidade internacional e para que não possa haver em Timor Leste um novo 12 de Novembro de 1991.

Aplausos do PS, de pé, do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ªs e Srs. Membros do Governo: Uma vez mais, a gratidão desta Assembleia por terdes querido estar connosco nesta cerimónia tão significativa.
Srs. Embaixadores e demais Representantes do Corpo Diplomático: Uma vez mais, o nosso reconhecimento pela vossa presença e pelo significado dela.
Sr.ª e Srs. Deputados: Raro será - se é que existe um só português que não sinta, hoje, como seu o drama do povo de Timor. Como Assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses - os que em Timor vivem o drama e os que em Portugal o sentem -, a Assembleia da República, mapa da Nação em ponto pequeno, não podia deixar de associar-se aos muitos que, dentro e fora do País, não quiseram deixar de assinalar, com um acto de firme indignação, a passagem de mais um aniversário do massacre ocorrido no cemitério de Santa Cruz, em Dili, perpetrado por militares da Indonésia.
Quatro anos passaram sobre a profanação desse lugar sagrado pelas botas cardadas de assassinos a soldo de Suharto e o fuzilamento a frio de duas centenas de pacíficos e indefesos seres humanos em recolhimento e oração.
Fortuitamente filmada, a bárbara carnificina emocionou o mundo. A hipocrisia e as mentiras da propaganda indonésia encontraram aí o seu enterro. Durante quase duas décadas haviam podido disfarçar o crime de genocídio contra o povo de Timor, ocorrido em 1975, aquando da ilícita invasão e anexação pela força das armas do território daquela ex-colónia portuguesa. Assassinaram, nesse então, 200 000 indefesos cidadãos timorenses, segundo a insuspeita Cruz Vermelha Internacional. Foi, sem dúvida, um dos mais repugnantes e gratuitos genocídios da história moderna. Só que não foi filmado e o invasor assassino conseguiu suster o generalizado conhecimento do seu crime.

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Foram muitos os que interessadamente engoliram o disfarce: os que à Indonésia vendiam e vendem armas e outras veniagas; os que com ela compartilharam a bem sucedida prospecção de petróleo na plataforma de Timor; os que fizeram com ela suspeitas parcerias estratégicas; os que tão-só a receiam, como grande potência militar que é, ou praticam o maquiavelismo em política e a hipocrisia nos comportamentos. Todos esses deram em considerar que mais 200 menos 200 000 seres humanos, e mais violação menos violação dos direitos do homem e dos fundamentalíssimos direitos à vida e à autodeterminação do povo de Timor se dissolviam na sedução de interesses recíprocos, no exotismo identitário dos invadidos, saqueados e mortos, ou na singularidade da distância a que se encontram dos centros civilizacionais em que a iniquidade resiste mal no confronto com o direito. Timor era longe, a nação pequena, o país atrasado e pobre. Palpitantes eram as perspectivas monetárias das trocas. Mais vezes do que seria desejável, a hipocrisia insinua-se nas relações entre os povos.
A partir daí foi-se tendo notícia de que a ocupação violenta se traduzia, no dia a dia da posse, em sucessivos actos de expurgo da língua, da religião, da identidade e da alma do povo de Timor, no esforço inútil de uma aculturação bastarda.
Mas o «polegarzinho» estava longe de ser assustadiço. Esquecido do heroísmo com que Timor se bateu ao lado das forças holandesas e australianas contra as hordas invasoras de Hitler - apesar da traição da postiça neutralidade de Salazar -, Suharto julgou que a invasão era um passeio. E não!
Refugiado na montanha, providencialmente inóspita e quase inacessível, um punhado de bravos, em quem Xanana Gusmão - hoje preso mas herói - incutiu a mística da guerrilha patriótica, bate-se há duas décadas contra um exército, poderoso mas vulnerável, tão-só com as armas da razão, além de uma ou outra que consegue capturar ao próprio inimigo. São poucos, mas bravos, os guerrilheiros. São muitos, e determinados, os resistentes. Em manifestações de rua - estudantis e não apenas -, aproveitam oportunidades e efemérides para gerar incomodidade. Em pano de fundo, a gerar confortos de alma, um sacerdote: Ximenes Belo. E nessas alturas que os gendarmes indonésios prendem, torturam e matam, negando, inclusive, àquele povo mártir o direito de chorar os seus mortos. Mas, tudo isso, sem um só sucesso em termos de resignação ou de medo.
Que mais espera a comunidade internacional para, enfim, reconhecer que o povo de Timor não só rejeita o invasor como não abdica de exercer o seu irrecusável direito a autodeterminar o seu destino? Melhor dizendo, que já o determinou, optando pela independência e a liberdade?
Mas se todos os portugueses sentem hoje como seu o drama do povo de Timor, poucos como eu próprio o transportam como um peso no coração. É que tive não sei se a dita se a desdita de ter sido o primeiro ministro de um governo português (há quem pretenda, com dúvidas, que terei sido o segundo!) que, nessa qualidade, visitou Timor em séculos de presença e de história. A tal ponto foi longe o desinteresse oficial pelo território...
Mas nem isso teria agora particular sentido se não tivesse podido testemunhar - já na perspectiva da descolonização de Timor - comoventes sentimentos de afectividade para com Portugal e de idolatria para com a bandeira portuguesa.
Nada havíamos feito - ou quase nada - que justificasse uma coisa e outra, salvo talvez deixar que os timorenses vivessem a sua vida como queriam vivê-la, falassem a sua língua, preservassem a sua identidade, guardassem a sua fé. Aparte isso, preservámos nós (ai de nós!) o seu primitivismo e a sua miséria.
Porquê, então, aquela afeição sem medida? A irracionalidade dos sentimentos? O deslumbramento perante as primeiras naus e os ocasionais lampejos de uma civilização superior que curava os doentes e sufragava as almas? O sentimento de uma, se bem que frouxa mas ainda assim secular «garantia administrativa» e tutelar contra o desde sempre indesejável vizinho da outra metade da ilha? Não sei. Sei, sim, que a nossa bandeira era idolatrada como um ícone. E muitos ícones terão merecido menos essa idolatria. Sei também que os timorenses, que ainda não haviam sido vacinados pelas originalidades da conjuntura, repeliam como coisa maligna a ideia de uma emancipação política total. Obrigaram-me a prometer-lhes que Portugal os não abandonaria.
Mas a mesma comunidade internacional que agora se mostra indiferente à violação do direito à autodeterminação do povo de Timor, impelia, então, o nosso país a reconhecer a Timor esse direito.
Patrocinei, negociei, praticamente redigi e subscrevi, nesse sentido, o Acordo de Macau, pelo qual foi reconhecido ao povo de Timor o direito a escolher livremente o seu destino, decorrido que fosse um dilatado e prorrogável período de transição, este destinado a assegurar a Timor condições mínimas de auto-suficiência económica, sem as quais se não podia cogitar de uma sustentável independência política, se viesse a ser essa a opção final, por referendo, dos cidadãos timorenses.
Mas o destino tinha reservado para o povo de Timor uma tragédia grega. Eis que deflagra uma guerra civil que as forças militares portuguesas não podem ou não querem controlar. O movimento que a detona perde-a. O que a ganha é de esquerda e esse facto intranquiliza a Indonésia, despertando nesta apetites imperialistas.
É nesta altura que, já autodemitido do IV Governo, aceito deslocar-me a Nova Iorque, a Djakarta, a Camberra e a Timor para organizar uma força multilateral de intervenção pacífica. Vivi o rescaldo da guerra civil e os seus horrores. Mas a Indonésia inviabiliza essa intervenção. Já tinha em mente a que veio a ocorrer depois, perpetrada por ela própria, com propósitos de anexação. Massacrou populações e declarou Timor província indonésia. Julgou que o assunto estava arrumado, mas enganou-se. O seu acto criminoso está cada vez mais na agenda da ordem internacional.
Fazia parte do drama, nos desígnios do supremo dramaturgo, que tudo isso se passasse durante o chamado «Verão quente de 1975» em Portugal. Praticamente sem governo, sem autoridade e sem vontade de desviar atenções da intentona nossa de cada dia para a fogueira que lavrava nos antípodas, as autoridades portuguesas consideraram-se impotentes para enviar reforços militares ou tentar qualquer outra saída e como tal se declararam.
Não podemos nós fazer o mesmo. A história, os valores a que devemos respeito e a qualidade jurídica de cidadãos portugueses que os nascidos em Timor até à entrada em vigor da Constituição vigente e seus descendentes ainda têm, impõem-nos o dever indeclinável de secundar a sua luta por todos os meios ao nosso alcance.
Já as autoridades indonésias denotam nervosismo. Já aceitaram negociações com Portugal, reconhecendo implicitamente ao nosso país a qualidade de potência administrante. Fazem-no, por enquanto, com reserva mental, aceitando discutir o que têm por inegociável. Mas acabará por não ser assim.

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O caminho está encontrado: saturar de incomodidade a consciência universal; acusar de hipocrisia os que se dizem defensores do direito à autodeterminação mas não praticam; empunhar a bandeira dos direitos humanos e ajudá-los a cumprir o seu dever. Já derrubaram ditaduras e apearam ditadores. Acabarão por derrubar e apear a ditadura de Suharto e o próprio ditador.
Teremos nós feito tudo quanto estava ao nosso alcance? Sinceramente, tenho dúvidas, apesar dos passos positivos dados nos últimos anos. Há todo um trabalho de sensibilização internacional que apenas foi começado. A qualidade que a maioria dos timorenses conserva, de cidadãos portugueses, confere, talvez, a Portugal o direito de encarar novas vias de apoio à resistência timorense. O facto de sobre o território não termos outra pretensão que não a de libertá-lo, reforça a autoridade moral de novos gestos que venham a ser tentados.
Sou testemunha de até que ponto grande parte da comunidade internacional vive ainda no desconhecimento do real melindre, da questão de Timor. Há mais de dez anos que, na União Interparlamentar, em que têm assento mais de cem delegações de parlamentos democráticos - alguns, infelizmente, só supostamente o são -, denuncio veementemente a ocupação de Timor pela Indonésia e o genocídio físico e cívico por esta perpetrado. A princípio, os delegados estranhavam a indignação subjacente às minhas objurgatórias. Timor onde era? Tinha acontecido o quê? Qual a raiz da minha indignação contra a Indonésia.
Com o tempo, o caso foi sendo conhecido. Mas mais ali e, infelizmente, não por todos.
Sempre a delegação indonésia ripostou, alegando que em 400 anos nada tínhamos feito e que eles, em apenas alguns, haviam construído não sei quantas obras públicas, ripostei sempre, indignado, como é óbvio, chamando a atenção do plenário para a troca impossível entre direitos humanos e betão armado.
Mas não me iludo. No espaço da UIP, e talvez não só nesse espaço, a Indonésia continua a ser respeitada e até vedeta! Curiosamente, ainda beneficia do facto de ter sido o país hospedeiro da Conferência de Bandung, onde Sukarno brilhou na defesa dos princípios que Suharto despreza.
As causas justas acabam sempre por vencer. O que é preciso é não perder a esperança. O povo de Timor recusa-se a perdê-la. Não a percamos nós por ele, que a actual legislatura começa bem, reeditando este ritual de indignação e de protesto.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, terminadas as vossas intervenções, e também da minha, a Mesa tem a honra de vos submeter à aprovação, na sequência de um consenso estabelecido na conferência de líderes, o voto n.º 2/VII - De protesto pelo massacre perpetrado por forças militares da Indonésia no cemitério de Santa Cruz, em Dili, na passagem do quarto aniversário, que eu próprio tenho a honra de subscrever e ler.
«A Assembleia da República, na sua primeira reunião plenária posterior à passagem de mais um ano sobre o horroroso massacre perpetrado por forças militares da Indonésia no cemitério de Santa Cruz, em Dili, sobre 200 indefesos cidadãos de Timor Leste postados em atitude de recolhimento e oração, aprova o seguinte voto de protesto:
1. Evoca com profunda indignação o acto de assassínio a frio e repugnante barbarismo que revoltou e enlutou a consciência universal por ter podido ser filmado por um
2. Recorda que esse hediondo crime foi precedido da invasão do território de Timor Leste por forças indonésias, no momento em que Portugal já tinha definido, por acordo político confirmado por lei, o processo e o calendário da respectiva descolonização, que assegurava ao povo de Timor o direito inalienável à autodeterminação do seu próprio destino.
3. Recua, com indignação, até ao primeiro acto de genocídio perpetrado pela Indonésia contra o povo de Timor Leste, que viria a traduzir-se no assassinato de 200 000 cidadãos indefesos e inocentes - número certificado pela insuspeita Cruz Vermelha Internacional - e pela arbitrária anexação de Timor Leste ao território da Indonésia.
4. Regista o heroísmo do povo de Timor Leste, que, sem contactos com o mundo exterior e sem meios de defesa, tem, ainda assim, mantido, vai para duas décadas, heróica resistência militar às forças invasoras, entrincheirado na montanha sob o comando físico e moral do seu herói Xanana Gusmão, hoje preso nas masmorras do inimigo - e civil através de manifestações estudantis e outras, num atitude reiterada e global rejeição da presença do invasor, obrigando este a manter e, sucessivamente reforçar, os contingentes militares com que em vão tenta impor o medo e a resignação.
5. Chama a atenção da comunidade internacional para a sistemática política indonésia de expropriação da identidade, da língua, da religião e da alma do povo dê Timor Leste, tentando impor a este uma bastarda aculturação que os timorenses teimosamente repudiam.
6. Condena a repugnante duplicidade com que as autoridades da Indonésia tentam fazer passar o prestígio internacional do seu país, ao mesmo tempo que, em Timor Leste e no seu próprio território, o inviabilizam através de políticas e práticas violentas e amordaçantes, antípodas das mais elementares exigências civilizacionais.
7. Inquire-se sobre até quando a motivação dos interesses vai continuar a entorpecer um universal concerto de eficaz condenação da ocupação ilegal e violenta de Timor Leste pela Indonésia, como que resignado à situação de facto criada e somando à morte e tortura de cidadãos daquele heróico país a morte de princípios e valores que são penhor de justiça e dignidade.
8. Endereça um veemente apelo à comunidade internacional e à consciência universal para que se conjuguem esforços no sentido de que o direito fundamental dos povos à autodeterminação se não detenha na fronteira de Timor Leste e para que os ditames da humanidade, da justiça e do direito não receiem confrontar-se com a força das armas ou a ditadura dos interesses.
9. Saúda o povo de Timor Leste, os seus cidadãos e os seus heróis, exortando-os a não perderem a esperança; curva-se comovidamente perante a memória dos seus mártires e assegura-lhes o empenhamento de Portugal - dos órgãos de soberania ao mais modesto cidadão - em secundar a sua luta pela conquista da liberdade, da paz e da efectivação do seu direito à autodeterminação e independência.»

Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, ainda integrado no programa e no significado desta sessão, foi também acordado em conferência de líderes que submetêssemos à votação, hoje e agora, o projecto de resolução n.º 3/VII, relativo à constituição

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de uma comissão eventual para o acompanhamento da situação em Timor Leste.
O Sr. Secretário vai proceder à sua leitura.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto de resolução é do seguinte teor: Srs. Deputados, o projecto de resolução n.º 3/VII é do seguinte teor:

A Assembleia da República, na sua reunião de 15 de Novembro, dedicada à evocação da passagem do quarto aniversário do massacre ocorrido no cemitério de Santa Cruz, em Dili, Timor Oriental, perpetrado por soldados da Indonésia, que vitimou duas centenas de timorenses indefesos, postados em recolhimento e oração, resolveu, nos termos dos artigos 169.º, n.º 5, e 181.º, n.º 1, da Constituição, e do artigo 40.º do seu Regimento, constituir uma comissão eventual para o acompanhamento da situação em Timor Leste, na sequência da anteriormente constituída com o mesmo objectivo, com a duração da legislatura e a seguinte composição: PS - 14 Deputados; PSD 10 Deputados; CDS-PP - 2 Deputados; PCP - 2 Deputados; Os Verdes - 1 Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Já fora da ordem de trabalhos de hoje, mas dada a sua urgência, passo a ler duas mensagens do Sr. Presidente da República relativas a deslocações ao exterior.
A primeira mensagem é do seguinte teor:

Está prevista a minha deslocação à República da África do Sul, em visita de Estado, a convite do Presidente Nelson Mandela, entre os próximos dias 17 e 24 de Novembro.
Na sequência desta visita, deslocar-me-ei, em visita de Estado, às Seicheles, a convite do Presidente France Albert René, entre os dias 25 e 28 de Novembro, estando previsto o meu regresso a Lisboa no próximo dia 28.
Assim, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.

A segunda mensagem é do seguinte teor:

Estando prevista a minha deslocação a Paris, entre os próximos dias 15 e 17 de Novembro, para participar, a convite do Director-Geral Federico Mayor, nas cerimónias comemorativas do 50.º aniversário da UNESCO, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.
Tendo S. Ex.ª o Presidente da República solicitado o assentimento da Assembleia da República para a sua deslocação a Paris entre os próximos dias 15 e 17 de Novembro, para participar nas cerimónias comemorativas do 50.º aniversário da UNESCO, e à República da África do Sul, em visita de Estado, entre os próximos dias 17 e 24, bem como para se deslocar em visita de Estado às Seicheles, entre os dias 25 e 28 de Novembro, com regresso a 28, a Assembleia da República delibera dar a S. Ex.ª o solicitado assentimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, agradeço a vossa presença e colaboração.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, pelas 15 horas, tendo um período de antes da ordem do dia destinado a declarações políticas e a tratamento de assuntos de interesse político relevante e uma ordem do dia que compreende a eleição do Vice-Presidente e Secretário da Mesa da Assembleia da República propostos pelo CDS-PP, bem como a discussão conjunta dos projectos de lei n.ºs 7/VII e 17/VII.
Está encerrada a sessão.

Eram 14 horas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Jorge Mammerickx da Trindade.
António Manuel Carmo Saleiro.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.

Partido Social-Democrata (PSD):

António Roleira Marinho.
Carlos Alberto Pinto.
João Bosco Soares Mota Amaral.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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