O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1003

Quinta-feira, 8 de Fevereiro de 1996 1003

I Série - Número 36

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE FEVEREIRO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 20 minutos.

Antes de ordem do dia: Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas e dor requerimentos apresentados.
For aprovado o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 8/VII - Altera a data da entrada em vigor do Decreto. Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (Revisão do Código de Processo Civil).
A Assembleia tomou conhecimento de um acórdão do Tribunal Constitucional sobre a declaração de inconstitucionalidade de normas da lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), que havia sido requerida por um grupo de Deputados do PCP.
O Sr. Presidente leu uma mensagem do Sr. Presidente da República, sugerindo a procura de uma solução consensual para os processar do chamado caso FP-25 de Abril, tendo-se pronunciado ainda os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Octávio Teixeira (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes) e Carlos Encarnação (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) referiu-se ao projecto de revisão constitucional apresentado pelo seu partido e respondeu a pedidas de esclarecimento dos Srs Deputados Alberto Martinho (PS), João Amaral (PCP) e Luís Filipe Menezes (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr Deputado Francisco de Assas (PS) enalteceu o trabalha dos primeiras 100 dias do Governo e criticou a actuação da PSD no mesmo período. Respondeu. depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nuno Abecasis (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD), Carlos Encanação e Luís Filipe Menezes (PSD), Silva Carvalha (CDS-PP) e Francisco Torres (PSD)

Ordem do dia.- Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 68/VII - Criação dos conselhos municipais de segurança das cidadãos (PCP) e 88/VII Conselhos locais de segurança (PS). Após o Sr. Deputado António Filipe (PCP) ter procedido à apresentação do projecto de lei do seu partido e de o Sr. Deputado Júlio Faria (PS) ter lido o respectivo relatório da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, usaram da palavra, a diverso título, além destes oradores, os Srs. Deputados José Junqueiro (PS), Fernando da Encarnação (CDS-PP), Carlos Encarnação (PSD) e João Amaral (PCP).

O Sr Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 45 minutos.

Página 1004

1004 I SÉRIE - NÚMERO 36

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Cardados Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeira Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Santos de Magalhães.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria da Luz Carneiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raul d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Banos e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira

Página 1005

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1005

Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Nunes Liberato.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Pulido Valente.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Fernando Manuel Gomes da Encarnação.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalha.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e dos requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas : projectos de lei n.os 79/VII - Reembolso dos montantes pagos a título de propinas de matrícula ou de inscrição (CDS-PP), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões; 80/VII - Código Cooperativo (PSD), que baixou à 1.ª Comissão; 81/VII, - Criação da universidade de Viseu (PSD), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões; 82/VII - Regime jurídico do contrato de trabalho a bordo das embarcações de pesca (PCP), que baixou à 8.º Comissão; 83/VII - Criação da freguesia de Olhos de Água no município de Albufeira (PS), que baixou à 4.ª Comissão; 84/VII - Criação da freguesia de Ferreiras no município de Albufeira (PS), que baixou à 4.ª Comissão; 85/VII - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do estuário do Tejo (PCP), que baixou à 4.ª Comissão; 86/VII - Criação da universidade de Bragança (PSD), que baixou à 6.ª Comissão, e 87/VII - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS), que baixou à 4.ª Comissão.
No dia 30 e na reunião plenária de 31 de Janeiro, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério das Finanças e ao Sr. Ministro Adjunto, formulado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Antonino Antunes e Manuel Varges; ao Ministério do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Isabel Castro e António Galvão Lucas; aos Ministérios do Ambiente e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; aos Ministérios das Finanças, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas e ao Banco de Portugal, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Educação e ao Conselho de Administração da RTP, formulados pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheiro; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Junqueira, e ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Deu ainda entrada na Mesa o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a proposta de lei n.º 8/VII -

Página 1006

1006 I SÉRIE - NÚMERO 36

Altera a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (Revisão do Código de Processo Civil), que é do seguinte teor:
Artigo 1.º. O n.º l do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, passa a ter a redacção seguinte: O presente diploma entra em vigor em 15 de Setembro de 1996 e só se aplica aos processos iniciados após esta data, salvo o estipulado no n.º 2.
Artigo 2.º. A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há consenso da parte de todos os grupos parlamentares para passarmos imediatamente à votação do texto final da proposta de lei n.º 8/VII, que foi lido, dada a urgência de que se reveste.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recebi um acórdão do Tribunal Constitucional, cuja cópia vai ser distribuída a todos os grupos parlamentares, no qual não é declarada a inconstitucionalidade das Bases IV, n.º l, XII, n.º l, XXIII, n.º 2, alínea d), XXIV, XXV, n.º l e XXVI, n.º l, da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), requerida por um grupo de Deputados do Partido Comunista Português.
Tenho agora o privilégio, para o que peço a habitual atenção da Câmara, reforçada se possível, de dar conta de uma mensagem de Sua Excelência, o Presidente da República, que é do seguinte teor:

Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: De acordo com o compromisso que assumi, desde a minha primeira eleição, como Presidente da República - "unir os portugueses e servir Portugal" - procurei, ao longo dos meus dois mandatos, tudo fazer para pacificar a sociedade portuguesa, contribuindo, na medida das minhas capacidades, para ultrapassar questões da nossa história recente que hajam sido causa de divisão e conflito.
A Democracia é o regime da convivência cívica, do respeito pelo outro e pelo que é diferente, em que cada um diz livremente o que pensa, nos termos da legalidade estabelecida. Mas, por isso mesmo, a Democracia deve ser também o regime que garanta, de forma natural, a Justiça, a unidade entre os Portugueses e a concórdia nacional, o que implica uma atenção vigilante a tudo quanto possa significar o reforço dos factores de integração social e política.
Entendo, e sempre entendi, que é parte essencial do magistério do Presidente da República promover o bem-estar, a tranquilidade e a coesão entre os Portugueses. Fi-lo por diversas formas, nomeadamente através de intervenções junto de outros órgãos de soberania e em contacto permanente com as forças políticas, sociais e culturais e com os meus concidadãos em geral, de todas as origens e condições sociais.
De, acordo com este entendimento das minhas funções, julgo ser de interesse nacional que se procure uma solução, o mais consensual e rápida possível, para os processos do chamado "caso FP-25 de Abril", que se arrastam intermináveis, enredados numa teia judicial complexa, contraditória, sem fim previsível e mesmo potencialmente perigosa, nas suas consequências, para a Justiça. As iniciativas que tomei - e que são do conhecimento dos Srs. Deputados e do público em geral - foram feitas a partir do momento em que adquiri a convicção de que, num clima consolidado de paz cívica, era possível resolver este caso pela via da pedagogia democrática e da generosidade, com a garantia de que não havia qualquer risco de regresso ao uso da violência, com motivação ou pretextos políticos.
Assim, em finais de 1990 e em Maio de 1991, promovi reuniões com o Presidente da Assembleia da República e com os líderes dos grupos parlamentares no sentido de este caso vir a ser abrangido pela lei da amnistia, que, então, estava a ser discutida no Parlamento, embora sendo dela excluídos os autores materiais de crimes de sangue.
Infelizmente, por razões conhecidas, não consegui ganho de causa. Desde então, tenho-me visto obrigado a conceder - como único recurso ao meu alcance e de que assumo inteira responsabilidade - indultos aos réus condenados no âmbito destes processos que, assim, o requereram, por já estarem nas condições legais para tal exigidas. Os resultados são também conhecidos e confirmam a minha profunda convicção inicial de ser possível, pela via do perdão e num clima de paz cívica - que hoje existe -, criar condições para a reinserção social e plena integração dos arguidos no processo de convivência democrática.
Tenho, porém, de reafirmar que o recurso ao indulto pressupõe uma solução com efeitos apenas úteis para cada um dos casos individuais abrangidos, o que não ocorria e continua a não ocorrer, face ao grande número de processos ainda em fase de instrução e que continuam a ser introduzidos, gradual e espaçadamente, no circuito judicial. Daí o perigo e a injustiça, potencial ou efectiva.
Perante este circunstancialismo tive necessidade de conceder, ao longo destes últimos anos, sucessivos indultos aos mesmos réus, ao ritmo do trânsito em julgado das respectivas sentenças condenatórias. Esta prática, a eternizar-se, não pode deixar de contribuir para desvirtuar, aos olhos da opinião pública, uma tão significativa medida individual de clemência como é o indulto presidencial.
Acresce ainda que o arrastamento destas situações não só é factor de desprestígio para os Tribunais - resultaram até hoje infrutíferos os apelos feitos ao Conselho Superior da Magistratura judicial e ao Sr. Procurador-Geral da República, no sentido de se criarem condições para um julgamento rápido e, eventualmente, num só processo, como chegou a ser prometido - como tem consequências graves e irreparáveis no plano da garantia dos direitos fundamentais, às quais não posso nem devo ser insensível. Situação, aliás, que já foi motivo de comentários no estrangeiro, menos agradáveis, para Portugal.
Na Assembleia da República reside a expressão plural da representação nacional e, por isso mesmo, a Constituição lhe confere, em exclusivo, competência para conceder amnistias. Sei que os Portugueses desejam hoje, sobretudo, o reforço da segurança contra a criminalidade crescente e que atribuem efeitos nocivos às sucessivas e pequenas amnistias, com perdões de pena, que têm sido concedidas. O caso de que vos falo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é, contudo, diferente: o que mais me preocupa nele são as consequências que inevitavelmente advirão para um correcto entendimento da nossa Justiça, se não vier a ser resolvido em tempo. Ora, como acima procurei demonstrar, julgo que só o pode ser por via de uma amnistia especialmente dirigida à solução desta questão, que há tantos anos se arrasta, ingloriamente e com manifesto desprestígio para a Justiça.
A poucos dias de deixar o cargo de Presidente da República - e de acordo com o compromisso que assumi perante o País e que procurei honrar durante 10 anos -

Página 1007

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1007

entendo ser meu dever voltar a pôr a questão aos Srs. Deputados, como legítimos representantes do Povo Português. As considerações que vos deixo não têm motivações exclusivamente políticas nem são de ordem conjuntural. Foram ditadas pelo que julgo ser o melhor para a Justiça, num Estado de Direito, e para o prestígio de Portugal. Estou certo de que não deixarão de as ponderar num quadro democrático de responsabilidade e de defesa do que, no juízo de cada um dos Srs. Deputados, entenderem por mais conveniente. Em qualquer hipótese, sempre respeitarei a vossa decisão, por a saber contida por inteiro na vossa exclusiva competência.
Apresento-vos, Sr. Presidente da Assembleia da República e Srs. Deputados, a expressão da minha alta consideração. E os respeitosos cumprimentos do vosso Mário Soares.

Srs. Deputados, ainda que, de acordo com o Regimento, esta mensagem seja objecto de publicação, vai distribuir-se uma cópia a todos os grupos parlamentares.
Como sabem, não há lugar a intervenções nem a debate depois da leitura de mensagens do Sr. Presidente da República, mas quatro Srs. Deputados inscreveram-se para interpelar a Mesa. Suponho que vamos, uma vez mais, desvirtuar essa figura regimental, pelo que qualquer dia será melhor transformá-la numa figura universal de intervenção quando não há outra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Há circunstâncias e circunstâncias, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao tornarmos conhecimento da mensagem do Sr. Presidente da República sobre a matéria respeitante à possibilidade de uma amnistia aos casos envolvidos no chamado caso das FP-25 de Abril, desejo testemunhar ao Sr. Presidente da Assembleia da República e aos Srs. Deputados a circunstância de o Grupo Parlamentar do PS acolher, respeitar e procurar desenvolver as preocupações constantes da mensagem que acabámos de ouvir.
O Grupo Parlamentar do PS também se congratula pela circunstância de o Sr. Presidente da República, como ele próprio refere, em final de mandato, não se escusar a tratar junto da Assembleia de um tema que, por ser delicado à vivência do Estado de direito, por isso mesmo, faz apelo a que o conjunto dos órgãos de soberania possam sobre ele exprimir uma posição responsável.
Nessa medida, Sr. Presidente, gostaria de aproveitar esta interpelação para comunicar à Câmara o propósito do Grupo Parlamentar do PS, através dos seus Deputados na Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias, de suscitar nessa sede a possibilidade de uma audição com o Sr. Procurador-Geral da República para, também à luz do saudável princípio da separação de poderes, podermos conhecer o ponto de vista judicial relativamente ao problema.
Para finalizar, quero sublinhar ao Sr. Presidente da Assembleia da República e aos Srs. Deputados que, da parte do PS, haverá todo o empenhamento construtivo e toda a disponibilidade para o dialogo, de forma a podermos corresponder ao apelo constante da mensagem do Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente:- Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, nesta ocasião, usando a figura da interpelação à Mesa, manifestar à Câmara o facto de o Grupo Parlamentar do PCP acolher positivamente o apelo contido na mensagem do Sr. Presidente da República. Aliás, como é sabido, já havia sido colocada esta questão aos diversos grupos parlamentares, directamente, pelo Sr. Presidente da República. Acolhemo-la positivamente, na medida em que temos a convicção de que o chamado caso das FP apenas tem solução pela via política - não mais terá solução pela via judicial.
Estamos tanto mais à-vontade para ter essa atitude e assumi-la publicamente quanto é certo que sempre condenámos os actos das FP e, como também é conhecido publicamente, as FP nunca "morreram de amores" pelo PCP.
Julgamos, no entanto, tal como diz o Sr. Presidente da República na sua mensagem, que não h3 mais tempo a perder para que este caso seja, definitivamente, solucionado; julgamos que se impõe e que se exige a possibilidade de uma amnistia que, ao fim e ao cabo, seja um acto de clemência política para resolver um facto cujas circunstâncias não permitem que seja resolvido pela via judicial.
É manifestando essa nossa disponibilidade para resolver este assunto e a nossa convicção de que esta solução é a única possível, que estamos - e posso informá-lo desde já - abertos e disponíveis para apoiar e viabilizar a presença do Sr. Procurador-Geral da Republicana Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias, na medida em que temos para nós que essa reunião pode ser um passo importante para que se consiga aquilo que, neste momento, nos parece o mais importante, que é a solução do caso das FP através de uma amnistia política.
Terminando, Sr. Presidente, refiro que, estando o meu grupo parlamentar aberto a esta solução, disponível e empenhado em consegui-la, a hipótese da amnistia só se coloca em termos de uma amnistia exclusivamente virada para a solução deste assunto, destes factos e destas situações e para a solução dos problemas dos homens, muitos, que estão neste momento em liberdade, mas que não sabem qual o dia e a hora em que poderão ser novamente obrigados a regressar às cadeias.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:- Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Ouvimos com a maior atenção, como não podia deixar de ser, a leitura da mensagem do Sr. Presidente da República em que é sugerida à Assembleia da República uma iniciativa no sentido de amnistiar os crimes relacionados com o cidadão Otelo Saraiva de Carvalho. Com o máximo respeito pela figura do Sr. Presidente da República, gostaríamos de fazer apenas dois breves comentários.
Em primeiro lugar, por princípio e por convicção, o Grupo Parlamentar do PP é contra as amnistias relativas a crimes praticados contra as pessoas; em segundo lugar, também por princípio e por convicção, pensamos que é a hora de dizer à esquerda que, de facto, não tem o monopólio do coração - para todos os efeitos, a direita estará sempre do lado das vítimas do terrorismo. Esse é o coração que preferimos!

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador:- É lamentável que algumas perversões ideológicas dos nossos tempos levem certos políticos a es-

Página 1008

1008 I SÉRIE - NÚMERO 36

quecer que o humanismo nos obriga a estar antes e sempre com os mais fracos, com os inocentes e com os indefesos - e são estes as vítimas dos crimes.
Concluo, por isso e para que não restem nenhumas dúvidas, que o PP será contra a amnistia sugerida pelo Sr. Presidente da República e, da mesma forma, queremos deixar desde já claro que discordaremos frontalmente de um eventual indulto a conceder pelo futuro Presidente da República ao mesmo caso. Para o PP, a justiça, o direito e a lei não podem continuar a ser ladeados e contornados por sucessivos actos de pura mas, pensamos nós, condenável oportunidade política.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria dizer, tão-só e também sob a forma de interpelação à Mesa, aquilo que já tivemos oportunidade de dizer antecipadamente, quando o Sr. Presidente da República teve a preocupação de anteceder esta mensagem ao Parlamento de uma auscultação aos diferentes partidos políticos. Para nós, Verdes, que não somos partidários da violência como forma de intervenção política, parece-nos ser o momento de a sociedade portuguesa encarar aquilo que tem e deve ter, quanto a nós, solução política.
Pensamos que este é o momento ideal para o fazer porque nos parece que as razões que estão na origem desta mensagem que o Sr. Presidente da República dirige à Câmara, se encontram fora de um contexto de intervenção política em campanha eleitoral, que este ano propicia, pelo que existem as condições mais adequadas para que, de uma forma desapaixonada, esta questão seja tratada. E, quando dizemos de uma forma desapaixonada, queremos dizer recusando fazer uso desta solução política, que tem de ser encontrada, para dizer ou insinuar que a segurança dos cidadãos - cujas falhas têm razões sociais e outras na sua origem - pode ser ameaçada com este indulto. Não é disso que se trata.
Refiro ainda que somos favoráveis à audição do Sr. Procurador-Geral da República, e pensamos que os diferentes partidos políticos têm de, com frontalidade, posicionar-se acerca desta questão e resolver de vez uma situação que, quanto a nós, não é saudável continuar a perpetuar-se.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Finalmente, para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós não contestamos a legitimidade de Sua Excelência, o Sr. Presidente da República, vir colocar a esta Assembleia um seu problema, que é, fundamentalmente, um problema de consciência. Também não contestamos a legitimidade de o Sr. Presidente da República entender que os indultos que tem concedido ou os que, provavelmente, viria a conceder, não seriam suficientes para resolver, segundo ele, este assunto. Mas, antes de dizer aquilo que tenho a dizer e que é a nossa posição, a do PSD, sobre este assunto, gostaria de lembrar que, quando nos pronunciamos sobre esta matéria, não estamos a fazer qualquer juízo de valor sobre o 25 de Abril. O que estamos a apreciar e com o que estamos confrontados é com crimes de exemplar gravidade.
Seguimos um princípio que penso que os parlamentos devem seguir sempre: quando se trata de amnistias decretadas por parlamentos, nunca podem ser feitas sobre pessoas ou grupos, mas devem incidir sobre crimes em concreto.
Por isso, a posição do Grupo Parlamentar do PSD, de acordo com o respeito que nos merecem a ordem jurídica, os tribunais, o sentimento de segurança dos portugueses, não pode deixar de ser uma posição contrária a qualquer projecto de amnistia. Também no caso particular das FP-25 de Abril, o respeito pelas vítimas desses actos e desses crimes, levam-nos a assumir frontalmente uma posição contrária a essa iniciativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, anuncio que temos entre nós, a assistir aos nossos trabalhos - e acabam de assistir a este momento particularmente significativo - seis alunas do Instituto de Odivelas, 25 alunos da Escola Secundária Maria Lamas, de Torres Novas, 56 alunos da Escola Manuel Cargaleiro, do Fogueteiro, 80 alunos da Escola Secundária de Estarreja, 84 alunos da Escola Secundária Gabriel Pereira, de Évora. Verifica-se, assim, que a nossa democracia, com o decorrer dos anos, em vez de envelhecer, rejuvenesce. Saudemo-los.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos passar agora à parte da nossa ordem de trabalhos prevista para as declarações políticas. Estão registados dois pedidos de inscrição, dos Srs. Deputados Jorge Ferreira e Francisco de Assis.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1976, nesta Assembleia, o CDS foi o único partido que se rebelou contra um texto constitucional excessivamente ideológico, produto de uma esquerda marxista e pouco democrática, então dominante. Era um texto longo para além do aceitável, minucioso até à exaustão, pouco claro, pouco perceptível e tão pouco exequível quanto o eram os "célebres" planos quinquenais da ora defunta União Soviética.
Votámos contra. E fomos os únicos a fazê-lo.
O Partido Social Democrata nem sequer disfarçava, como tenta fazer hoje, a sua verdadeira natureza de partido de esquerda.
Votámos contra. E não apenas pela profunda influência marxista notória ao longo de todo o texto. Mas por, igualmente, entendermos que a Constituição não cumpria a sua primeira e mais relevante função: assumir-se como uma Magna Carta na qual todos os portugueses se revissem; constituir-se como referência e traço de união entre os portugueses, quaisquer que fossem as suas opções ideológicas ou políticas.
As ideologias - e digo-o, correndo o risco de contrariar uma tese hoje tão em voga - são essenciais a uma vida política saudável e criadora. Só que nenhuma ideologia deverá encontrar-se representada num texto constitucional; porque deve ser permitido a qualquer força partidária que, com base no exercício da democracia e do direito de voto, tenha a possibilidade de governar, pondo em prática o seu próprio programa, quaisquer que sejam os fundamentos ideológicos desse programa.
Assim, votámos contra por, entre outras razões, entendermos ser absurdo que um qualquer partido vitori-

Página 1009

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1009

oso em eleições democráticas acabasse por ver-se obrigado, por imperativo constitucional, ou a não governar ou, em alternativa, a abdicar do seu programa em prol de um outro a que seria de todo estranho ou até hostil. Em tempo algum deverá uma Constituição ser factor de divisão ou semente de discórdia e, menos ainda, deverá ser um "colete de forças" que limite a expansão da força criativa de todo um povo.
Uma Constituição não é um documento partidário, deve ser uma carta nacional. Uma Constituição não é um ponto de chegada, deve ser um ponto de partida. Uma Constituição não é, nem jamais deverá ser, unta colectânea de dogmas, indiscutíveis e indiscutidos e frente aos quais todo um povo terá, eternamente, de se curvar.
A nossa doutrina constitucional não tem mudado. E apesar das vitórias relativas alcançadas nas revisões de 1982 e de 1989, temos a plena consciência do muito que resta ainda fazer, das alterações constitucionais de fundo a realizar para que o sistema político português possa ser reformado em profundidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além da supressão do preâmbulo da Constituição, tão datado quanto as calças de boca-de-sino que dominam as fotografias de 1974, o nosso projecto assume quatro objectivos principais.
O primeiro é o de introduzir profundas mudanças ao nível do sistema político e que se traduzem numa substancial reforma deste sistema.
O segundo é o de constitucionalizar aspectos fundamentais de defesa da soberania nacional.
O terceiro é o de "dessocializar" o texto constitucional, afastando-o de um modelo ideológico profundamente datado e, o que é bem pior, fechado sobre si próprio e descolado da realidade
O quarto objectivo é o de expurgar do texto constitucional lodo um conjunto de normas de carácter meramente programático ou ideológico e desprovidas, no seu caso particular, hoje como ontem, de qualquer sentido.
Quanto à alteração do sistema político, a reforma constitucional que o Partido Popular propõe visa assegurar uma maior participação dos cidadãos no poder político, evoluindo para uma verdadeira democracia de eleitores, uma efectiva aproximação entre eleitos e eleitores e uma maior responsabilização dos primeiros, dignificar a função política e defender a estabilidade do funcionamento das instituições democráticas.
A tradução e concretização destes princípios genéricos traduzem um vasto conjunto de propostas de que passo a salientar várias: assegurar o alargamento da participação dos cidadãos no processo político, ao permitir a existência de candidaturas de cidadãos independentes aos vários órgãos do poder político: consagrar um sistema eleitoral misto; alargar o direito de voto para a Presidência da República aos emigrantes portugueses, pondo termo a uma discriminação sem sentido; abrir a possibilidade de recurso ao referendo, dando voz aos cidadãos nas questões políticas mais relevantes e, sobretudo, nas que se referem às transferências de soberania. Prever, ainda, um referendo sobre a regionalização do Continente, ao mesmo tempo que, coerentemente, se eliminam as imposições constitucionais prévias quanto à sua obrigatoriedade e modelo; melhorar a credibilidade e a imagem do Parlamento, bem como a sua eficácia e produtividade, alargando o seu período de funcionamento normal, de oito para 11 meses.
Constitucionalizar aspectos fundamentais da defesa da soberania nacional, propondo, concretamente, neste plano: constitucionalizar o português como língua oficial da República; prever expressamente a realização de um referendo sobre tratados internacionais que impliquem transferências de competências de órgãos de soberania do Estado português para organizações internacionais; constitucionalizar o direito de pronúncia da Assembleia da República sobre actos comunitários de natureza normativa que versem matérias da sua competência.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador -"Dessocializar" o texto constitucional: as referências ideológicas socializantes enxameiam ainda a nossa Constituição, quer ao nível da matéria relativa aos direitos, liberdades e garantias quer, em particular, no que concerne à sua parte económica.
Vários institutos referentes a direitos, liberdades e garantias merecem-nos, por isso, um novo tratamento como sejam: o direito à greve, cujo âmbito é definido, retirando-se; ao mesmo tempo, da Constituição a proibição do lock out; a matéria relativa à saúde e à segurança social, na qual se procura privilegiar a efectiva equidade, reforçando o papel que, neste campo, deve caber à iniciativa privada, a par dos serviços públicos.
Relativamente à parte económica, destacamos as seguintes propostas: eliminação do princípio da apropriação colectiva dos meios de produção, solos e recursos naturais; supressão das referências existentes quanto à eliminação dos latifúndios e quaisquer outras, sempre que discriminatórias conca a propriedade agrícola de grandes dimensões; consagração definitiva e inequívoca do direito à propriedade e à iniciativa económica privadas como aspecto fundamental no âmbito económico e social; limitação da tendência para o aumento da despesa pública, reconduzindo a actividade parlamentar nesta área à função fundamental de controle do seu crescimento; expurgar do texto constitucional todo um conjunto de normas de carácter meramente programático ou ideológico e desprovidas, no seu caso particular, hoje como ontem, de qualquer sentido. De facto, o texto constitucional está ainda repleto de normas e expressões de conteúdo programático, prisioneiras de ideologias já sepultadas na História e que o tomam demasiado extenso, regulamentador e, não raro, inaplicável e incumprível.
As alterações que propomos são, basicamente, no sentido da simplificação da Constituição, retirando expressões que não têm alcance efectivo. Ao mesmo tempo, retiramos o que nos parece de conteúdo ou alcance duvidoso na prática constitucional, nomeadamente a definição ao pormenor das políticas industrial, comercial e agrícola, matéria própria dos programas de governo, que não da Constituição.
Há quem levante, legitimamente, a questão da possibilidade de proceder a uma revisão constitucional com revisão simultânea dos seus limites materiais. Lembramos, contudo, que esta Assembleia já o fez, abrindo um precedente no sentido de, simultaneamente e no mesmo processo de revisão (no caso em apreço, o princípio da irreversibilidade das nacionalizações), eliminar um limite material de revisão (o dogma da apropriação colectiva dos meios de produção).
Ora, significa isto que, ao contrário do que muitos pensam, mas de acordo com o que o País pensa e o povo português exige, é jurídico-constitucionalmente possível e politicamente necessário romper o «colete de forças» que ainda amarra a Constituição portuguesa ao passado e que a toma intoleravelmente prisioneira dos dogmas e do sectarismo do Partido Comunista, a que o PS e o PSD, em 1976, nesta matéria também se acorrentaram.

Página 1010

1010 I SÉRIE - NÚMERO 36

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do que se passar neste processo de revisão constitucional que o Partido Popular iniciou, poderão os eleitores retirar importantes conclusões. Porque o povo que nos elegeu espera respostas a perguntas tão relevantes quanto estas: irá o Partido Social Democrata seguir a sua essencial tendência esquerdizante, que sempre aflora nos momentos de poder, ou reiniciar o seu zeloso, especulativo e oportunista investimento nos votos da direita, tão acarinhada nos tempos de derrota, e colaborar numa revisão constitucional que sirva o País?
Irá o Partido Socialista seguir a razão, comportando-se como o partido de esquerda moderna e moderada em que o eleitorado votou e, também ele, colaborar numa revisão constitucional que sirva o País ? Ou, pelo contrário, irá seguir um certo "coração" profundo e refazer, com o Partido Comunista, uma maioria de esquerda na defesa, à outrance, de um esquerdismo de calendário?
Uma certeza existe, contudo. Vinte anos depois, na mesma bancada onde nos batemos contra muitos por uma Constituição boa para o País e para a totalidade dos portugueses, prossegue o combate então iniciado. Combate que só terminará quando tivermos uma Constituição que seja, de facto, o texto fundador e último garante de um povo verdadeiramente livre e soberano.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Alberto Martins, João Amaral e Luís Filipe Menezes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, a sua intervenção sobre o processo de revisão constitucional não pode deixar de merecer, à partida, uma saudação especial da nossa parte.
O processo de revisão constitucional tem uma incidência legislativa de particular importância e significado e é a criação dos alicerces do funcionamento do Estado democrático. Precisamente porque o é, não quero deixar de lembrar ao Sr. Deputado uma pergunta que emerge próxima daquelas que nos deixou no final da sua intervenção. O CDS-PP quer ou não pôr-se à margem do "arco constitucional"? O CDS-PP considera ou não que, quer queira quer não, a Constituição actual é a de 1976 revista e não a de 1933? E que, apesar de todas as revisões, a Constituição que está em vigor é a de 1976 e, assim, o Sr. Deputado tem de responder-nos e deixar dito, de forma clara, se o que pretende na superação dos limites materiais da revisão é uma revisão inconstitucional da Constituição. Há que ser claro nesta matéria.
A Constituição de 1976 serviu até hoje, com as suas revisões, para iodos os partidos governarem sem limites no exercício democrático. Se há um valor fundamental do Estado de direito democrático hoje vigente é o de que esta Constituição foi um seu instrumento, foi uma disposição legislativa fundadora com a qual a democracia viveu e na qual a democracia se fundou. Do que se trata hoje, fundamentalmente, é de um aperfeiçoamento da Constituição, mas sem desnaturar a sua natureza, os seus valores, as suas regras programáticas e os seus princípios. Assim, se for com esse alcance - e nós vamos ajudar o CDS-PP no sentido desse resultado final na revisão -, todos estamos interessados em que haja um aprofundamento da reforma do sistema político, em que haja mecanismos mais aprofundados que garantam a defesa dos direitos fundamentais, em que haja soluções mais expeditas na racionalidade do sistema económico e, naturalmente, em que os meios de controle institucionais sejam mais apurados. Mas, com atenção. É que a Constituição democrática que temos em Portugal é exemplar, nalguns domínios é das mais avançadas do nosso tempo, é uma Constituição que funda uma democracia moderna e não pode ser nunca, nem nunca será, uma Constituição de "marcha atrás".

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, não obstante ter-me colocado algumas questões antes de responder à que eu próprio formulei na minha intervenção, não será por isso que deixarei de dizer-lhe o que penso sobre os problemas que referiu.
Sr. Deputado Alberto Martins, primeiro, perguntou se o Partido Popular quer ou não ser um partido do "arco constitucional". Eu diria que o Partido Popular - o CDS, primeiro, e o Partido Popular, hoje - tem sido a essência do "arco constitucional", porque, desde 1976 até hoje, os senhores têm-se aproximado do que eram as teses do CDS.

Aplausos do CDS-PP.

Por isso, a questão que colocou é reversível: quer o Partido Socialista continuar a aderir ao "arco constitucional"? Esta é que é a verdadeira questão. Na verdade, já não se trata de um problema de actualização da Constituição porque, hoje em dia, há outros problemas na sociedade portuguesa, um dos quais, como sabe, é o da chamada crise de representação das democracias. Este é um problema a que a Constituição tem de dar resposta e para cuja resolução nós temos propostas e soluções concretas: o referendo sobre tratados internacionais que transfiram competências do Estado para organizações internacionais; a possibilidade de os independentes concorrerem a todas as eleições; o referendo sobre a regionalização. Estas são contribuições dadas pelo Partido Popular para a superação da crise de representação das democracias.
Mais uma vez, Sr. Deputado, cá está o "arco constitucional" do nosso lado. Esperamos que VV. Ex.as não demorem 20 anos, como fizeram da outra vez, para virem a concordar com estas propostas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à questão de a Constituição, ser de 1976 ou de 1933, julgo que a minha idade lhe dá a resposta...

Risos do CDS-PP.

Isso talvez tenha sido um "floreado" que o Sr. Deputado teve de arranjar à pressa para tentar dar a impressão a quem nos ouve de que "lá estão outra vez os saudosos que têm 33, 34, 35 anos e que, por não serem nascidos na altura, são uns infelizes pois perderam essa experiência, enquanto o Sr. Deputado a viveu". Portanto, a resposta é simples: não estávamos cá!

Risos do PS.

A nossa Constituição é a de 1976, que é imperfeita, que limitou muitos governos, incluindo alguns do Partido Socialista, ...

Página 1011

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1011

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador:- ... pois quando VV. Ex.as mudaram de opinião e passaram a querer a privatização da televisão...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muita bem!

O Orador: -... depararam com a Constituição que não o permitia e, depois, mudaram de opinião à pressa!
Sr. Deputado, continuamos a ter uma Constituição imperfeita e é possível, desejável e necessário ter uma melhor Constituição em que todos os portugueses se revejam e não apenas alguns.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, creio que, hoje, a questão política essencial que mobiliza a opinião pública e este Parlamento é, para a generalidade dos agentes políticos, a do Orçamento do Estado, do seu conteúdo e dos seus reflexos na vida política portuguesa. Ora, creio que não pode deixar de ser assinalado o sentido de oportunidade com que o CDS-PP apresenta o seu projecto de revisão constitucional, precisamente na altura em que a atenção dos portugueses deveria ser concentrada naquele processo político. O CDS-PP terá as suas razões, mas creio que todos podem entendê-las muito bem.
Ao cozer o processo de revisão constitucional com esta função de obscurecer o processo de debate do Orçamento do Estado, o CDS-PP terá, entre outras razões, uma que é essencial. É que, para o CDS-PP, um processo chamado de revisão constitucional é um processo de marcha contra a Constituição - fazendo lembrar outras marchas! -, com o objectivo essencial de a arrasar completamente.

Aplausos do PCP.

Risos do CDS-PP.

Eu sei que isso vos dá grande vontade de rir, por que é exactamente isso o que pretendem! O que o CDS-PP pretende é arrasar todos os traços característicos da Constituição de 1976,

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Todos os traços característicos!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Desde o princípio!

O Orador: - E agradeço ao Sr. Deputado Manuel Monteiro a frontalidade e a franqueza com que aqui sublinha aquilo que poderia parecer a alguns de vós uma grave insinuação da minha parte. Não! Está confirmado! Eles não querem deixar nem uma pedra do actual edifício da Constituição.

Aplausos do PCP.

E mais! Orgulham-se disso!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Os outros partidos é que votaram a favor!

O Orador: - Mas eu pedi a palavra por uma outra razão.

O Sr. Deputado Jorge Ferreira, que apresenta um projecto completamente inconstitucional e que arrasa e subverte esta Constituição, sendo um processo de refundação de outra Constituição, fá-lo também - e disse-o - em nome de uma Constituição sem ideologia.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, se há Constituição que tem uma clara ideologia é aquela que vocês aqui apresentaram através do vosso projecto de revisão constitucional, se este alguma vez pudesse ser aprovado. Tem a marca clara do liberalismo selvagem e da exploração dos trabalhadores!

Aplausos do PCP.

Protestos do CDS-PP.

Se têm alguma dúvida, posso citar um ponto que é extraordinariamente interessante e que dá a marca de todo vosso projecto. E não me vou referir àquela situação de apresentarem uma proposta para limitar em 39º o excesso da despesa sobre a receita, pois ela pode lembrar Maastricht e eu sei que o CDS-PP fala muito contra Maastricht, mas depois gosta de se aproximar. O que dá a marca clara do que é o CDS-PP é uma norma através da qual querem reintroduzir na ordem jurídica portuguesa, se isso fosse possível, um dos institutos mais perversos, que foi eliminado - e bem - há muito tempo: o instituto do lock out.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um partido que apresenta como proposta reintroduzir o poder patronal de encerrar as empresas contra as lutas dos trabalhadores é um partido que define todo o seu projecto político. que é um projecto que não serve o interesse nacional, que não serve os interesses dos trabalhadores, nem os interesses do nosso povo, servindo, sim, o poder patronal. Esse é o grande objectivo e o grande desiderato do vosso projecto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, em nome do meu grupo parlamentar, agradeço ter-nos lembrado que VV. Ex.as continuam iguais ao que eram.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. João Amaral (PCP): - E VV. Ex.as cada vez mais próximos do que eram! Em marcha-atrás permanente!

O Orador:- Nós, graças a Deus, continuamos fiéis à democracia e à liberdade! Isso é verdade!
Havia quem nos quisesse convencer de que os senhores tinham mudado. Mas não mudaram Estão iguais ao que eram! E antes de responder àquilo que presumo ter sido um pedido de esclarecimento - apesar de o Sr. Deputado ter, abusivamente, dado logo a resposta e, portanto, deduzo que não estará muito interessado na minha resposta, mas, como a sua não é verdadeira, se me permite, darei a minha, pois sou o suposto interpelado -, gostaria de fazer-lhe uma pequena correcção: é que não temos qualquer complexo conca as marchas populares. Gostamos muito das marchas populares de S.to António! Os senhores é que achavam que isso era fascismo!

Página 1012

1012 I SÉRIE - NÚMERO 36

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu estava a falar da marcha sobre Roma!

O Orador: - Os senhores achavam que as marchas populares eram uma manifestação do fascismo! Hoje, se calhar, com o PS na Câmara Municipal de Lisboa, já estão convertidos às marchas populares! Já as organizam!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Que ternura!

O Orador: - Um ponto do lado de cá, por esta vez!

Risos do CDS-PP.

Quanto ao lock out, o Sr. Deputado João Amaral tentou induzir-lhe um sentido que, obviamente, excede aquele que consta do nosso projecto relativamente a essa matéria. É que o lock out nem está proibido nem está permitido. Vai para a lei ordinária.

O Sr. João Amaral (PCP):- Exactamente! Torna-o possível!

O Orador: - E será esta Assembleia, onde os senhores dizem que ajudam o PS a governar, que legislará sobre a existência ou não do lock out. Não desrespeite o sentido do voto do povo português, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é de uma hipocrisia sem limites!

O Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Jorge Ferreira, é ou não um facto que a Constituição, neste momento, proíbe o lock out, como um instituto passado e condenável a todos os títulos, e que o vosso projecto permite a sua reintrodução na ordem jurídica portuguesa? Propõem essa alteração para que ele não renasça ou precisamente para que, depois de aprovada a alteração constitucional, ele seja reintroduzido na ordem jurídica?

O Orador: - Fazemos essa alteração para dar Uberdade de decidir à Assembleia da República.

Protestos do PCP.

Sr. Deputado, nós não gostamos de sequestrar os órgãos de soberania na Constituição! Eu defendo a democracia! O Sr. Deputado é corporativista?! Defende a democracia orgânica?! Eu não! E por isso gostarei que esta Assembleia legisle sobre essa matéria.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Deputado não quer, nós queremos, veremos quem ganha! VV. Ex.as são os chamados reaccionários da Constituição. Sempre que há mudanças, estão contra, porque se agarram a esses pequenos pedaços da história, que é o que vos resta! Já não têm mais nada e todos os anos constatam que cada vez têm menos pedaços a que se agarrar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Pequenos pedaços?! 

O Orador - Esperamos que desta vez fiquem sem nenhum!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, a sua intervenção começa por cair na tentação de um partido que, sem necessidade, particularmente quando não há eleições à vista, quer avançar tanto para a direita que se arrisca a tocar na esquerda, a qual, normalmente, defende posições semelhantes à que o Sr. Deputado defendeu.
V. Ex.ª caiu na tentação de reescrever a história. O Sr. Deputado sabe muito bem, apesar de ter confessado que era bastante jovem à época, que aquilo que esteve subjacente ao comportamento dos maiores partidos democráticos aquando da discussão e aprovação da Constituição em 1975 teve muito a ver com o colocar em primeiro lugar, de uma forma pragmática, a defesa da democracia possível e a possibilidade de haver eleições no ano seguinte. Nós próprios, com a nossa posição, talvez tenhamos permitido que as eleições se tivessem concretizado e que o próprio CDS tivesse sobrevivido. E faço a homenagem de considerar que talvez mesmo o PS terá prescindido, fruto das circunstâncias, de muitas posições que, à época, em consciência, teria defendido. Esta é que é a verdade histórica!
Mas o actual CDS só apela ao velho CDS quando lhe convém! Porque passa todos os dias a renegar o património histórico do CDS!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do CDS-PP.

O Orador: - VV. Ex.as, que hoje falam tanto contra a esquerda, esquecem-se que foram o primeiro partido não socialista a coligar-se com o PS em Portugal! VV. Ex.as esquecem-se que, durante anos, defenderam a tese da equidistância entre os sociais-democratas e os socialistas! E, então, se os sociais-democratas estão à esquerda, VV. Ex.as também estiveram à esquerda durante muitos anos! VV. Ex.as esquecem-se que, ainda na anterior legislatura, fizeram frentismo no combate político, com o PS e com o PCP, tendo muitas vezes alguns Deputado do CDS dado conferências de imprensa, sentados lado a lado, num protagonismo táctico e assumido, com o PCP, do Sr. Deputado João Amaral e do Sr. Deputado Octávio Teixeira, que, agora, combatem aqui com frontalidade!

O Sr. João Amaral (PCP): - Vendo bem as coisas, eles combatem-vos é a vocês!...

O Orador: - Mas, a seguir a esta incoerência, vem alguma falta de memória, Sr. Deputado Jorge Ferreira. Os princípios que aqui condensou em quatro grupos fundamentais têm a ver com propostas, que, de uma forma sistemática, o PSD, no essencial, defendeu em todas as revisões constitucionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se o PSD continua orgulhoso, por exemplo, dos capítulos que têm a ver com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que foram aprovados logo em 1975, quanto à evolução da parte económica e social da Constituição, que permite sermos hoje uma democracia

Página 1013

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1013

moderna, uma democracia que vive numa economia de mercado como os outros países europeus, também o está, pois ela tem a ver com o combate realizado pelo PSD contra a esquerda socialista e comunista, com o apoio do então CDS, apoio que nos orgulhámos de ter tido em momentos difíceis das revisões constitucionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª esquece-se sempre disso!
E, agora, deixe-me dizer-lhe o seguinte: eu compreendo, cada vez mais, as dificuldades do Sr. Dr. Manuel Monteiro, pois, de facto, é muito difícil ser equidistante entre o Sr. Dr. Jorge Ferreira e o Sr. Dr. Lobo Xavier! Leva-o, por vezes, a ter de tomar posições absurdas e incompreensíveis aos olhos dos portugueses!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, não se admire de detectar diferenças de pensamento entre o Sr. Deputado Manuel Monteiro, o Sr. Deputado Lobo Xavier, eu próprio e os demais. No seu partido, no tempo do Dr. Cavaco Silva, é que, segundo alguns Deputados, ninguém tinha direito a exprimir a opinião!

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - No nosso partido, temos esse direito. Felizmente! E, portanto, exercemo-lo! E não se admire de isso acontecer.

Vozes do PSD: - Estão enganados!

O Orador: - Afinal, V. Ex.ª o que é que quer da Constituição? É que nós não percebemos! Desta vez, não sabemos o que é que o PSD vai querer da Constituição, porque o PSD já quis tudo e já quis o contrário de tudo! O PSD já foi a favor das nacionalizações e já foi contra! Já foi a favor do monopólio da televisão pública, votou-o em 1976- não foi o meu partido que o votou! - e já foi contra!

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Isso é demagogia!

O Orador: - Já teve vários sistemas eleitorais e, especialmente, adopta em permanência aquele que permitiria destruir administrativamente o meu partido na secretaria esse não passará, Sr. Deputado, garanto-lho desde já!
Portanto, não sabemos o que é que os senhores querem, nem o que pensam, qual é o vosso projecto, se são de direita ou de esquerda, se querem o referendo ou não querem o referendo. Definam-se! Assumam-se, porque, se concordarem connosco, serão bem vindos.

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - Parque a verdade histórica é esta, Sr. Deputado: em 1976, havia uma barricada, uma linha divisora, entre aqueles que pactuavam com o PCP e os que não pactuavam.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nessa altura, VV. Ex.as estavam do lado de lá e nós estávamos do lado de cá.

Risos do PSD.

E se o CDS sobreviveu não foi graças à sua acção e à do seu partido, mas graças aos portugueses. Não queira pagar-se de um tributo que não lhe é devido. Não foi o seu partido que salvou o CDS! Foi o País!
Sr. Deputado, a verdade histórica é que o PSD votou a Constituição de 1976 e, na altura, o CDS votou contra! Pela democracia e pela liberdade! E isso é um passado, que, por muito que lhe custe, lerá de carregar às suas costas até à eternidade.
Relativamente às questões que referi, que têm que ver com a substância das alterações constitucionais, resta-me registar e lamentar que, mais uma vez, o PSD «aos costumes diga nada». Não sei se vai querer negociar com o PS alguma coisa para safar outras!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vai ter de negociar!

O Orador. - Convém que VV. Ex.as digam antes os princípios em que acreditam, porque hoje a política é feita de convicções, Sr. Deputado, e quem as perdeu não vai longe, nem tem futuro. Desse mal, felizmente, nós não nos queixamos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cem dias após ter iniciado funções, o actual Governo deixou já um lastro de seriedade, rigor, competência, isenção e fidelidade ao espírito programático que o conforma que nos permite saudar efusivamente o seu comportamento e sedimentar as melhores expectativas em relação ao futuro.
Se não é legítimo ou sequer razoável que ao fim de 100 dias se proceda a uma avaliação definitiva e peremptória sobre a natureza e a amplitude de uma governação perspectivada para um horizonte normal de quatro anos, este período de tempo é, contudo, já suficiente para detectar mudanças, descortinar desígnios, aferir méritos e perceber linhas de rumo e estilos de actuação.
O que hoje, quatro meses depois das eleições legislativas, podemos observar é um Governo seriamente empenhado em dar expressão prática às suas opções programáticas, preocupado com a promoção de consensos alargados, determinado na prossecução das suas políticas, tolerante e dialogante no seu relacionamento com os outros órgãos de soberania e os demais níveis da Administração, aberto à participação activa dos cidadãos na vida pública.
Tomaram-se decisões, prepararam-se outras, desdramatizaram-se assuntos, desbloquearam-se dissensões aparentemente insolúveis, cumpriram-se promessas e concebeu-se o futuro. Tendo o desenvolvimento solidário como objectivo, o esforço de concertação económico-social como método e a rigor como instrumento indispensável, este Governo restituiu a Portugal a confiança necessária para que, se bem que conscientes das dificuldades e adversidades existentes, os portugueses se disponham a enfrentar os desafios do futuro com nova e mais incisiva determinação.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

Página 1014

1014 I SÉRIE - NÚMERO 36

O Orador: - No domínio da prática política quotidiana, temos vindo a assistir à revalorização do Parlamento, a que tem sido restituída a dignidade que nunca lhe deveria ter sido sonegada e agora se manifesta na vinda periódica de membros do Governo a esta Câmara e num novo modelo de relacionamento alicerçado na convicção de que, sendo o Parlamento a verdadeira expressão da pluralidade política da sociedade, é aí que se situa o centro nevrálgico da democracia.
Nesta matéria, temos mesmo assistido à paradoxal situação de ver a oposição, através do seu maior partido, preocupada com a presença assídua do Governo e, em particular, do Primeiro-Ministro neste Hemiciclo, quase lhe suplicando que não venha ou venha menos vezes do que aquelas a que ele se sente política e institucionalmente obrigado.
Respeitando as autarquias, ouvindo-as e discutindo abertamente com elas os principais problemas que as afectam, o actual Governo rompeu com a tradição anterior, caracterizada pelo autoritarismo tecno-burocrático, e estabeleceu novos pontos de contacto com os representantes políticos mais próximos das populações.
Esta abertura para o diálogo e preocupação com a sociedade esteve também na base da celebração do acordo de concertação social, que constituiu, sem dúvida, um dos feitos mais assinaláveis da acção já empreendida e representa um claro corolário do investimento no esforço de concertação na sociedade portuguesa.
Sem pretender diminuir a dimensão do mérito dos vários parceiros sociais que participaram activamente neste processo, haverá que enaltecer a acção do Governo, o qual, compreendendo a importância da ocorrência deste entendimento, dedicou à sua promoção a atenção e o empenhamento necessários. Deu-se assim um enorme passo para a institucionalização de um vasto pacto político-social, que, não anulando as clivagens e os antagonismos, poderá permitir a obtenção de consensos decisivos para que possamos enfrentar vitoriosamente os desafios que espreitam no nosso horizonte nacional.
Se, olhando para trás, é visível a conformidade entre o que se fez e o que se prometeu fazer, olhando para o futuro, revela-se clara a intenção de prosseguir na senda desta orientação, de modo a assegurar a plena satisfação dos objectivos consagrados no Programa do Governo. A proposta de lei de Orçamento do Estado que ontem foi facultada aos diversos partidos e dentro de dias será debatida nesta Assembleia exprime uma firme vontade de dar tradução real a esses mesmos objectivos.
Em fidelidade aos compromissos reiteradamente assumidos pelos Srs. Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças, afigura-se-nos estarmos perante um Orçamento de rigor, o que não é manifestamente o mesmo que dizer um Orçamento de austeridade. De rigor, porque de contenção de despesas supérfluas e de racionalização de gastos com a estrutura da Administração, com a consequente libertação de recursos para financiamento do investimento público e acréscimo de despesas nos sectores sociais. Este Orçamento parece constituir a demonstração de como se pode agir com rigor, garantindo o respeito por adequadas regras de contenção orçamental, sem recurso ao aumento dos impostos e sem com isso prejudicar o investimento e a necessária participação do Estado em matérias de inequívoca relevância social.
Por esta via, o Governo propõe-se promover a convergência estrutural a prazo, apostando na qualificação dos recursos humanos, na modernização do aparelho produtivo e na construção e consolidação de infra-estruturas básicas. Salientamos a opção clara pela valorização de sectores como a educação, a saúde, a segurança dos cidadãos e a habitação dos portugueses, sem deixar de realçar que o investimento público no domínio das estruturas rodoviárias se mantém ao nível do ano anterior, apenas perdendo peso percentual, o que decorre do cumprimento de uma promessa eleitoralmente feita aos portugueses: a de que este Governo não seria apenas o "Governo do betão".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta proposta de lei de Orçamento do Estado contraria todas as críticas e receios inadvertidamente formulados por quantos apostaram na impossibilidade de o Governo permanecer fiel aos seus propósitos. Bem pelo contrário, ela traduz a plena assunção do contrato político estabelecido entre o PS e o País.
Perante tudo isto, é oportuno, legítimo e até adequado questionar, com seriedade e sem arrogância, o comportamento prosseguido pelo PSD enquanto maior partido da oposição. Devemos fazê-lo em nome do equilíbrio e da estabilidade geral do sistema político, para a manutenção dos quais o PSD tem a obrigação de contribuir, tanto pelo seu passado de partido de poder como pelo lugar privilegiado e particularmente responsabilizante que ocupa no seio da oposição.
Essa contribuição para a estabilidade do sistema político nada tem a ver com um eventual abrandamento ou até esquecimento da exercitação de uma função crítica, fiscalizadora e alternativa. Bem pelo contrário, é do pleno e cabal desempenho dessa função que poderá resultar a contribuição de um partido da oposição para a sanidade do regime.
Ora, em face disto, o que seria de esperar do PSD era a prossecução de um comportamento crítico, empenhado em denunciar aquilo que, à luz da sua singular interpretação dos interesses do País, não estaria a ser bem tratado e em enunciar, com clareza, propostas alternativas. Infelizmente, nada disso está a acontecer.
Envolvido numa profunda crise interna, o PSD não tem rumo, nem estilo, nem estratégia que verdadeiramente o caracterizem e identifiquem.

O Sr. José Junqueira (PS): - É verdade!

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - O PS é que está no Governo!

O Orador: - O seu discurso político hesitante e até contraditório reproduz a situação caótica em que se encontra internamente. Não havendo hoje, dentro do PSD, uma instância única que formule um pensamento, elabore uma estratégia e estabeleça um padrão de comportamento, assiste-se à multiplicação dos centros partidários emissores do discurso e da táctica.
A inexistência de mecanismos internos de legitimação e controle do comportamento político conduz à emergência do radicalismo, da irresponsabilidade e até, em alguns casos, do puro desvario. Desta forma, o PSD transformou-se num pólo político que só consegue produzir instabilidade, já que a sua intervenção pública se limita a reproduzir para o exterior a conflitualidade que o percorre internamente. Ora, isto não é bom para o sistema nem para o País.
Daí que seja justo apelar ao PSD para que se concentre na resolução rápida dos seus problemas, de modo a poder fazer o que os portugueses esperam que faça: uma oposi-

Página 1015

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1015

ção credível, séria e alternativa e não uma oposição dividida entre a vacuidade retórica de acusações sem conteúdo prático, como essa do despesismo agora lançada conca o Orçamento, e a baixeza ético-moral de apostas tácticas no achincalhamento de eminentes personalidades da nossa vida pública.

Aplausos do PS.

É preciso que o PSD perceba que o que o País espera dele é que acompanhe, critique e conteste a actuação do Governo com rigor e seriedade e não que se especialize numa espécie de apêndice político-parlamentar da imprensa de escândalos políticos. É preciso um PSD que seja oposição séria e consistente durante toda a semana e não a mera caixa de ressonância parlamentar das suspeitas e calúnias produzidas por alguns jornais de fim-de-semana.
É verdade que, a avaliar pela notícias que nos vão chegando, se afigura complexa e difícil essa tarefa de resolução dos problemas internos, já que no PSD parece haver mais adesão ao apelo da desistência do que ao da vontade e mais espírito de renúncia do que de combate.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Ora, isso também não deixa de ser inquietante e lamentável, e coloca a questão séria de saber até que ponto este súbito despreza pelo poder interno, revelado por algumas das mais destacadas figuras do partido, não resulta, mais do que de qualquer outra coisa, de uma profunda falta de preparação para a luta democrática, que ainda se tolera, mesmo que com dificuldade, quando se está no poder, mas de que se foge "como o Diabo da cruz" quando se está na situação aparentemente menos confortável da oposição.
Por isso, é bom lembrar que para um democrata o combate político nunca é encarado como o subproduto de um calculismo timorato, mas é sempre visto como a decorrência de um irresistível apelo das convicções. Contudo, tenhamos esperança e esperemos que, no PSD, aos 100 dias de desvario se sucedam os dias da resolução das graves questões que o afectam.

O Sr. José Junqueira (PS): - Oxalá!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a escassos dias do início da discussão do Orçamento do Estado, principal instrumento da governação do País. O Governo e o PS têm hoje acrescidas responsabilidades na tarefa de estabilização da vida nacional, as quais têm sido e continuarão a ser assumidas até ao limite da não abdicação da própria identidade. Significa isto que entendemos ser legítimo solicitar ao Governo disponibilidade para uma postura dialogante e aberta à integração de contributos fornecidos por formações políticas da oposição, mas é totalmente ilegítimo que se lhe exija a abdicação dos seus propósitos e convicções mais profundas.
Só um Governo mais interessado em permanecer do que em realizar, em perpetuar-se do que em resolver os problemas do País, é que poderia aceitar ser o gestor dos programas políticos da oposição. O Primeiro-Ministro em nenhuma circunstância pode ser o mandatário da oposição e nem esta pode aspirar ao desvirtuamento dos compromissos do Governo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos certos de que o indiscutível mérito da proposta de lei de Orçamento do Estado nos permite olhar para o futuro político imediato com confiança. O PS tudo fará para contrariar a desestabilização política, mas estará sempre disponível para travar todos os combates necessários, em nome do futuro de Portugal e da ideia que dele temos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente:- Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nuno Abecasis. Guilherme Silva, Carlos Encarnação e Luís Filipe Menezes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, a originalidade da nossa democracia, como várias originalidades que estão a ocorrer neste país, deixa-nos, por vezes, perplexos. Acontece que o Governo, poucos dias depois de fazer o resumo dos 100 dias de governação, vem presentear-nos com os 100 dias de oposição, o que não passa pela cabeça de ninguém. Pergunto-me se dentro de dias não virão os 100 dias "em balão",...

Risos.

... quando for impossível justificar algumas coisas que estão na proposta de lei de Orçamento do Estado.
Ainda agora, quando ouvia o Sr. Deputado Francisco de Assis, tão preocupado com uma parcela da oposição nem sequer é a oposição toda, mas não nego a importância que tem, estava a ver se não continuaria a originalidade. propondo a transferência de algumas das suas "pedras" para o pobre partido da oposição que "não se aguenta nas pernas" e já nem sequer sabe ler um orçamento.
De facto, isto é um espanto. Talvez com isso o Sr. Deputado quisesse desviar a atenção de algo que é particularmente grave. É claro que o partido do Governo presenteou-nos com 100 dias de não governação. Até foi reconhecido quase globalmente, e, para termos também outra originalidade, quase aceite, que não se podia governar enquanto decorria uma eleição presidencial e não havia um Orçamento apresentado, discutido e aprovado.
Na realidade, o Sr. Ministro António Vitorino, que é uma personalidade e um político brilhante, estava um bocado "vendido", apesar de menos do que o Sr. Deputado Francisco de Assis, quando fez a apresentação dos 100 dias de Governo. Parece que o Governo está mais à-vontade quando faz os 100 dias de crítica da oposição.
Sr. Deputado, a verdade é que, com todas as virtudes que possa ter - e com certeza terá - o Orçamento do Estado que nos apresentam, ele não consegue esconder uma coisa contra a qual já o clamor no País se esta a fazer sentir: saber como se compatibiliza o desenvolvimento regional, indispensável para que a justiça seja feita neste país, com um afogamento da capacidade de execução de obras públicas. Isto resulta, em primeiro lugar, da inconsciência com que o Partido Socialista, enquanto oposição, levantou esse brado no País, também um brado incompreensível, de clamar contra aquilo que chamava a "cultura do betão" e que não passava da execução das obras públicas elementares que já todo o mundo civilizado tinha e, infelizmente, o nosso país não tinha. Tanto berraram contra essa "cultura de betão" que hoje estão amarrados pelas vossas próprias palavras e tem de vir o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas dizer que, afinal, o interior

Página 1016

1016 I SÉRIE - NÚMERO 36

não vai ficar tão perto quanto seria desejável dos pólos de desenvolvimento, e não o estará por muitos anos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Talvez valesse a pena, Sr. Deputado, que em vez dessa originalidade nos preparássemos seriamente para dar as respostas que o País espera da discussão do Orçamento. Essas, sim, são problemas sérios e não o é este jogo de habilidade com que vamos escondendo uns dos outros as nossas próprias incapacidades.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.

O Orador: - Penso não ser essa a maneira como queremos estar nesta Assembleia. Gostaríamos também que não fosse a dos outros partidos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Francisco de Assis (PS):Respondo já, Sr. Presidente

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, agradeço-lhe as perguntas que formulou. V. Ex.ª começou por manifestar espanto e até por reagir com algum escândalo à circunstância de, na minha intervenção, ter feito uma avaliação crítica do comportamento recente do PSD enquanto principal partido da oposição. Alegava V. Ex.ª não ser legítimo que alguém associado ao partido que suporta o Governo faça uma avaliação crítica de quem está na oposição. Se o fiz, foi por respeito pela oposição, porque entendo que, do ponto de vista institucional,...

Protestos do PSD.

... o PSD, enquanto oposição, deve dar um contributo essencial para o equilíbrio de um regime. Se o fiz, foi porque reconheço ao PSD um papel determinante na vida política portuguesa.
A minha posição e a minha avaliação apenas traduzem uma postura claramente democrática, de respeito e valorização da oposição, a quem tenho de solicitar, em nome do PS, que resolva rapidamente os seus problemas, para que se possa concentrar no essencial, que é constituir-se numa oposição séria, frontal, credível e dotada de uma verdadeira dimensão alternativa.
Nós, que sempre defendemos os méritos da alternância, a mais ou menos longo prazo, não esquecemos agora esses princípios nem mudamos as nossas posições filosóficas de fundo pela simples circunstância de termos mudado o nosso lugar na topologia do poder. Hoje, estamos no poder, ontem, estivemos na oposição, mas teremos sempre, em relação à oposição, a mesma atitude que tínhamos no passado.
Por isso, foi mais por respeito do que por desconsideração que me referi tão exaustivamente à situação do PSD, a qual, sinceramente, me preocupa, enquanto cidadão português.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador - Quanto à questão sobre o Orçamento do Estado, quis lambem contribuir para a criação de condições objectivas para que se viesse, nesta Câmara, a travar um debate sereno, tranquilo e elevado em tomo do principal instrumento de governação do País: o Orçamento do Estado.
V. Ex.ª fez já algumas considerações críticas que, permita-me que lhe diga, não têm tradução na realidade. Não há diminuição do investimento público, antes pelo contrário, há um aumento, em termos percentuais, na ordem dos 20%. Em relação ao investimento nas estruturas rodoviárias, também não há qualquer diminuição, ele mantém-se exactamente ao mesmo nível do ano passado. Há uma diminuição, em termos percentuais, no conjunto da despesa pública, que decorre da circunstância de o PS, não desvalorizando este sector, valorizar em simultâneo outros aos quais atribui idêntica prioridade, como a habitação social, tão esquecida no passado e agora claramente objecto de valorização por parte deste Governo, e o apoio à modernização do sistema ferroviário, que se insere noutra percepção e orientação estratégica, em matéria de valorização dos principais investimentos nas áreas dos transportes.
Sr. Deputado, agradeço-lhe as perguntas que me fez e, sobretudo, a circunstância de me ter proporcionado, mais uma vez, a oportunidade de reiterar o meu profundo respeito pela oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, ouvi-o com toda a atenção e creio que o seu companheiro de partido, o seu camarada, Dr. João Soares, tem razão: o PS é melhor na oposição do que no poder.

Aplausos do PSD.

Isto é um presságio de que tem uma vocação e vai retomá-la dentro de pouco tempo.

Pensei que V. Ex.ª viria falar nos 70 dias do Governo como comissão eleitoral do Dr. Jorge Sampaio e nos 30 de Governo, mas decidiu falar dos 100 dias de oposição. Realmente, salientou V. Ex.ª a diferença de estilo que estes 100 dias terão permitido registar. Mas esqueceu-se que lhe competia registar as diferenças de estilo entre a oposição do Partido Socialista, quando estava nessa situação, e a do Partido Social Democrata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Junqueira (PS): - Convém registar!

O Orador: - Vou dar-lhe algumas dessas diferenças. O PSD, quando estava no poder, não prometia, como VV. Ex.as fazem no vosso Programa, a abolição de todas as portagens e depois abolia duas ou três, para fingir que estava a cumprir os compromissos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é falso!

O Orador: - O PSD não assumia mundos e fundos, na campanha eleitoral, para depois vir, quando Governo, sus-

Página 1017

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1017

pender obras essenciais do Plano Rodoviário Nacional, trazendo graves prejuízos a populações do interior,...

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... acentuando as assimetrias, a macrocefalia e a desertificação do interior do País. O PSD não tinha nem tem este tipo de actuação.
De igual modo, o PSD, quando no poder, não tinha, para com a Assembleia, a falta de respeito de andar a divulgar por tudo quanto era sítio as linhas gerais do Orçamento e tardar a sua apresentação à Assembleia da República, fazé-1o tarde e mal,...

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... com um mero projecto de proposta de lei de Orçamento do Estado.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado. V. Ex.ª falou nas vindas ao Parlamento do Governo, nomeadamente do Sr. Primeiro-Ministro, mas esqueceu-se que assumiram aqui, solenemente, o compromisso e fizeram a interpretação da lei de acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia no sentido de que, sempre, antes de todos os conselhos gerais e sectoriais da União Europeia,...

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, permita-me que o interrompa. Os serviços técnicos solicitam que não bata com tanta força na madeira da bancada, pois esta não tem culpa dos erros do Governo...

Risos.

O Orador: - Sr. Presidente, é um hábito, que V. Ex.ª terá tido também, que vem da barra.

O Orador: - Sr. Presidente, é um hábito, que V. Ex.ª terá tido também, que vem da barra.
Dizia eu, que o Sr. Deputado esquece que o Governo assumiu este compromisso e entendeu que a interpretação correcta da referida lei passava sempre pela vinda dos membros do Governo à Assembleia, antes e depois de todos os Conselhos Europeus. lá ocorreram, pelo menos, três Conselhos, um de assuntos gerais e dois de assuntos sectoriais, sem que o Governo tenha dado a menor explicação à Assembleia da República sobre essas matérias e sem que tenha dado uma explicação para aqui não vir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Francisco de Assis, finalmente, queria que V. Ex.ª, se estiver informado, dissesse à Câmara sobre o que se passa com o compromisso ou o anúncio feito aqui pelo Sr. Ministro Adjunto, aquando da discussão da lei das incompatibilidades dos directores-gerais, de que tinha, por telefonema obtido, havido a exoneração do Sr. Dr. Emanuel dos Santos do Conselho de Fiscalização do Instituto Nacional de Estatística quando se sabe que nada há sobre essa exoneração. Gostaria que V. Ex.ª nos desse informações sobre esta matéria.
Queria terminar com um único comentário, Sr. Deputado Francisco de Assis: não mantenha essa identificação tão acentuada com a oposição que o Partido Socialista tem, compenetre-se que agora é o partido que apoia o poder, respeite a oposição e, sobretudo, as questões internas de cada partido. Não se permita fazer comentários sobre problemas internos partidários.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar; tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, V. Ex.ª, no âmbito da intervenção em que pretensamente me interpelou sobre vários assuntos, produziu uma afirmação que gostaria ver esclarecida perante esta Câmara, a de que dentro de muito em breve o PS passará de novo para a oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Significa isto que o PSD pretende levar a cabo alguma iniciativa parlamentar conducente à queda do actual Governo? Era bom que esclarecesse peremptoriamente a Câmara em relação a esta matéria.
Quanto ao resto, o Sr. Deputado fez uma série de considerações que têm sempre como base subjacente aquilo que considero um equívoco fundamental: os senhores continuam a utilizar o refrão de que não assumimos e não adoptamos uma cultura de poder e entendem que continuamos prisioneiros de uma cultura de oposição. Não estamos nem prisioneiros de uma cultura de oposição nem indisponíveis para assumir uma cultura de poder. O que estamos é preocupados em ser sempre fiéis a uma cultura democrática, que tem tradução, quer quando estamos no poder, quer quando estamos na oposição. E este comportamento de respeito pelas oposições, de valorização de todos os órgãos de soberania, de consensualização perante o País, de abertura à participação dos cidadãos na vida pública, de respeito pela sociedade civil, de promoção da concertação, que vos deixa verdadeiramente inquietos, porque, na prática, nunca foram capazes de a levar a cabo. Pelo contrário, tiveram o insucesso que todos conhecemos e que contribuiu decisivamente para que, no passado dia 1 de Outubro, obtivessem o resultado que correspondeu a uma clara condenação do vosso estilo, da vossa orientação, da vossa forma de intervir no plano político.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Mas quero que fique claro que, ao pronunciar-me sobre o PSD, não estava a pretender intrometer-me indevidamente nas questões internas do partido que só ao PSD, como é natural, cabe resolver, mas apenas a analisar os reflexos externos dessa crise e do que daí resulta de abaixamento do nível da intervenção e participação política do PSD na sociedade portuguesa. Não estava a pretender diminuir, achincalhar, denegrir ou pôr em causa um partido que é relevante e essencial no sistema político e do qual se espera, naturalmente, hoje na oposição, como ontem no poder e um dia qualquer de novo no poder, um contributo para o equilíbrio geral do sistema do País. Não sou, nem nunca fui, sectário! Nunca vi o mundo a preto e branco e, se o não vi na oposição, o que instrumentalmente me poderia ser útil, recuso-me agora também a vê-lo no poder, porque isso significaria pactuar com qualquer sensação de prepotência que eventualmente poderia ocorrer.

Página 1018

1018 I SÉRIE - NÚMERO 36

Como já disse nesta Câmara, e reitero, para além de socialista, sinto-me sempre profundamente liberal, no que o liberalismo significa, sem receio perante eventuais prepotências e desvalorização constante do respeito pelas minorias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, volto, por breves segundos, ao comentário feito pelo meu companheiro de bancada Guilherme Silva, que o Sr. Deputado já contracomentou, que têm a ver com o vosso estilo de discurso, ainda arreigado a velhos hábitos de oposição. E só volto a isto para dizer-lhe que, no final da anterior legislatura, um Deputado iminente do PSD fez um grande discurso, daquela bancada, dedicando-o em exclusivo à bancada do maior partido de oposição. Um discurso crítico, muito crítico, e lembro-me de duas intervenções, excelentes, uma do Sr. Deputado Jaime Gama e outra do Sr. Deputado Jorge tacão, que diziam: "o Sr. Deputado, hoje, vem aqui mostrar que já não pode falar do seu Governo, da sua obra e, portanto, que vai a caminho da oposição".

O Sr. José Junqueira (PS): - Estavam nos últimos 100 dias de poder!

O Orador: - Eles tiveram razão, Sr. Deputado. Eles tiveram razão! No entanto, temo bem que, de uma forma precoce, também nós comecemos a ter razão quando descortinamos o refúgio nesse tipo de discurso a que V. Ex.ª já se albergaram, quase desde o início do vosso exercício de poder. Mas, Sr. Deputado, eu dividiria estes 100 dias em três períodos, que caracterizaria do seguinte modo: o primeiro, trinta e tal dias, de suspensão, em que VV. Ex.as não governaram e só tomaram medidas para suspender as medidas do governo anterior; o segundo, cerca de um mês, de confusão, porque, por um lado, VV. Ex.as diziam que o governo anterior tinha deixado uma pesada herança em termos económicos e financeiros e, por outro, o Sr. Ministro das Finanças contraditando aquilo que outros Ministros tinham afirmado; por último, o dos 30 dias de desilusão, porque começa a ser patente o desencanto em relação àquilo que o PS e o seu Governo estão a fazer, quando comparado com o que prometeram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E este Orçamento do Estado já indicia, de uma forma objectiva e indiscutível, que essa desilusão vai ficar clara aos olhos de todos os portugueses. Por exemplo, o Plano Rodoviário Nacional e o investimento público, que V. Ex.ª diz não justificar a crítica do PSD.
Sr. Deputado, como é que os portugueses vão entender que se percam milhões de contos em portagens, de que ninguém reivindicava o seu fim, e depois as populações de Baião, por exemplo, estejam até ao ano 2004 sem terem acesso à auto-estrada... Olhe, no seu concelho, as pessoas de Amarante não vão poder ir rapidamente a Celorico de Basto! Como é que V. Ex.ª vai justificar isto aos amarantinos? Vai ser difícil, Sr. Deputado.

O Orador: - Vai ser difícil. Em Portugal, ninguém reivindicava o fim das portagens, mas há milhares, talvez alguns milhões de cidadãos que vivem no interior e que não se vão conformar com o adiamento da construção de rodovias indispensáveis para o seu bem-estar e desenvolvimento da região.

Aplausos do PSD.

Mas este Orçamento indicia o incumprimento de outras promessas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - No que toca à transferências de verbas para as autarquias, os senhores sabem o que disseram? A duplicação em quatro anos. Como é possível, se VV. Ex.as para duplicarem em quatro anos tinham de começar, por exemplo, por duplicar equitativamente 25%/ano? Não me venha o Sr. Deputado dizer que, aumentando este ano 10 ou 11%, existem condições políticas e económicas nos próximos Orçamentos do Estado, que ainda serão mais rigorosos, visando a convergência com a União Europeia, para fazer aumentos de transferências de 30 ou 40%. V. Ex.ª pode dizê-lo, o Ministro das Finanças pode dizê-lo, o Primeiro-Ministro pode dizê-lo, mas ninguém vai acreditar, a começar pelos autarcas.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Vocês deixaram os encargos todos para este ano!

O Orador: - Sr. Deputado, finalmente, ainda em relação ao Orçamento, devo dizer que estamos a analisá-lo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, peço desculpa, mas tem de terminar, pois já utilizou quase quatro minutos e trinta segundos.

Tem de terminar e tem de respeitar as minhas interrupções.

O Orador: - Estamos a analisar o Orçamento e temos indícios daquilo que devemos fazer, mas VV. Ex.as, que nos acusaram de o não ter analisado, em 24 horas, já estão conscientes de que ele é excelente. Isso tem a ver com a vossa incoerência, que durante 10 anos - 10 anos! -, mesmo com Orçamentos expansionistas, de crescimento económico, VV. Ex.as votaram sempre, mas sempre,...

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - ... contra esses Orçamentos. Não têm, pois, autoridade moral para...

O Sr. Presidente: - Peco-lhe, Sr. Deputado, que termine.

O Orador: - ... nos virem dizer que não podemos, sequer, criticar o Orçamento e tomar em relação a ele a posição que entendemos tomar.

O Sr. Presidente: - Não me obrigue a retirar-lhe o uso da palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, termino...

Aplausos do PSD.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Eu justifico!

O Sr. Presidente: - Já devia ter terminado, Sr. Deputado.

Página 1019

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1019

O Orador: - ... com um comentário final...

O Sr. Presidente: -1á devia ter terminado, Sr. Deputado. A direcção das bancadas tem de dar o exemplo do respeito pelos tempos e, sobretudo, pelas advertências dadas pelo Presidente da Mesa.

O Orador: - Sr. Presidente, quero apenas fazer um comentário final.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Orador: - Quanto à baixeza ética ou política, V. Ex.ª refere-se ao nosso ataque político ao Ministro das Finanças. O Partido Socialista, quando na oposição, por sete vezes, fomentou inquéritos num período de 15 dias a seguir a notícias saídas nos jornais e que não tinham sido confirmadas pelo próprio, como agora aconteceu. Também nesta matéria não recebemos lições de moral.

Aplausos dos PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, agradeço as perguntas que me colocou e começo por salientar quão curioso é hoje verificar que sou aqui acusado de permanecer fiel a um comportamento próprio de um partido de oposição por um Deputado que, enquanto Secretário de Estado, entre outras coisas, nem todas más, se caracterizou justamente por, simultaneamente, ser membro do governo e andar a fazer apelo à realização de manifestações contra a Espanha.

Aplausos do PS.

Protestos do PS.

É indiscutível! É um facto indiscutível e curioso. A vida política tem destas coisas, Sr. Deputado Luís Filipe de Menezes.
Quanto ao resto, tece considerações negativas em relação à actuação do Governo. É um direito que a oposição tem e deve exercer, embora também deva ter a preocupação de o fundamentar, de o alicerçar em factos que sejam o elemento de prova da veracidade daquilo que está a ser afirmado, e não me parece que seja boa política estar permanentemente a refugiar-se numa retórica vazia, sem efeitos e utilidade prática, e na busca de algumas figuras de estilo com o intuito de, assim, pretensamente, retratar aquilo que foi a actuação do Governo nestes primeiro três meses.
Referiu, por exemplo, que, em matéria dos primeiros 30 e tal dias, a governação se traduziu pela suspensão, quando uma das primeiras decisões do Governo foi iminentemente social, a de aumentar as pensões dos portugueses. Isso também foi de suspensão?
Para além domais, fez também, mais uma vez, na linha do que já tinha sido referenciado pelo Sr. Deputado, e seu colega de bancada, Dr. Guilherme Silva, algumas considerações quanto ao Orçamento do Estado, e em relação a uma não posso deixar de emitir, ainda que a meu ver sugestivo, um breve comentário.
O Sr. Deputado acusou-me de ter feito uma análise precipitada do Orçamento, uma análise muito rápida, dizendo: "em 24 horas, já teve capacidade para analisar o Orçamento". VV. Ex.as, nesta matéria, são muito mais capazes do que eu, porque raciocinam por antecedência, visto que antes do Orçamento ser apresentado à Câmara já disseram que iam votar contra.

Vozes do PS:- Claro!

Vozes do PSD:- Não é verdade!

O Orador:- Algumas das mais iminentes figuras do partido já diziam que iam votar contra o Orçamento do Estado e que esse era o caminho que deveria ser seguido.
Não podemos raciocinar com alguma celeridade, mas estamos a milhas de quem raciocina por antecedência e é capaz de antecipar uma análise em relação a um documento, que ainda não foi analisado. Aquilo que em bom rigor lógico deveria ser a consequência de uma análise aprofundada, para VV. Ex.as é uma antecedência, que até se pode divulgar sem conhecimento do documento.
É cevo que eu sei que isso suscita uma grande discussão no PSD e que essa posição não é pacífica, mas nem por isso algumas das vossas mais importantes personalidades, alguns dos vossos mais mediáticos políticos, algumas das personalidades do PSD que aspiram a exercer funções da maior relevância nas estruturas dirigentes do partido, desde há muitos meses, deixam de anunciar a defesa desta intenção, alicerçada não se sabe muito bem em quê e com que fundamento, a não ser o do mero aproveitamento político, o que nos levaria a uma conclusão nada prestigiante para quem tem este tipo de comportamento político, para quem assim pensa: a análise e o debate do Orçamento não são importantes em si mesmos; saber se o Orçamento, que é o instrumento fundamental da governação, se adequa ou não ás necessidades do País não é relevante e importante, pois o importante é transformar a questão do Orçamento numa arrua de arremesso da luta político-partidária e até - agora com novas cambiantes - numa arma de arremesso da luta política interna no interior do PSD. Mas, sobre este assunto, não vou alongar-me para que VV. Ex.as não voltem a dizer que estou a querer envolver-me indevidamente nas disputas internas do PSD, que sigo com atenção e profundo respeito democrático.
Para terminar, gostava de referir-me a uma acusação feita por V. Ex.ª ao Orçamento do Estado, no seguimento da qual se me dirigiu desta forma: "Como é que o Sr. Deputado, que foi até há pouco tempo Presidente da Câmara Municipal de Amarante, vai explicar na sua região que uma obra prometida e até lançada não seja executada este ano e, eventualmente, adiada?" Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, se isso...

O Sr. Presidente:- Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador:- Termino de seguida. Sr. Presidente, mas leria lodo o gosto em explicar ao Sr. Deputado...

O Sr. Presidente: - Teríamos todos muito gosto em ouvi-lo, mas a verdade é que já ultrapassou, em muito, o tempo de que dispunha para responder. Há regras. Sr. Deputado, e, tal como aconteceu no caso do Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, lenho de pedir-lhe que termine.

O Orador:- Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

Página 1020

1020 I SÉRIE - NÚMERO 36

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, depois de ouvir o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, ocorre-me perguntar se porventura já deu entrada na Mesa algum pedido de inquérito, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, que tenha como destinatário o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente: - Que seja do meu conhecimento, não, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, solicito que sejam fornecidas aos diferentes grupos parlamentares e à comunicação social cópias dos inquéritos parlamentares apoiados pelo Partido Socialista na última legislatura para que se verifique que o que afirmei é verdade.

O Sr. Presidente: - Estão publicados, Sr. Deputado, pelo que não é necessário prestar qualquer informação.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Carvalho.

O Sr. Silva Carvalho (CDS-PP): - Sr. Presidente, começo por pedir-lhe um pouco da sua benevolência...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, serei pouco benevolente pois os tempos disponíveis para o período de antes da ordem do dia já se esgotaram.

O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Francisco de Assis veio aqui hoje, habilmente, tentar antecipar a discussão do Orçamento, mas devo dizer-lhe que, embora perceba os seus objectivos políticos, nós, Partido Popular, não alinharemos neles. O Orçamento do Estado é para nós um documento sério e não o consideramos bom nem mau pelo facto de ser apresentado pelo PS ou pelo PSD.
O espectáculo a que assistimos entre a bancada do PS e do PSD, durante este debate, é pouco menos do que lamentável. Não entramos, conforme o Sr. Deputado disse no seu discurso, no achincalhamento de personalidades de reconhecido mérito público mas cá estaremos, por exemplo, para ver se o PS, tal como foi veiculado ontem pela comunicação social, vai ou não nomear para cargos na administração de empresas públicas ministros que se demitiram do Governo socialista por problemas fiscais assumidos...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Repito: vamos analisar e estudar o Orçamento do Estado e, do mesmo modo que não compreendemos por que alguns dizem que é mau - embora tenha ouvido um aparte do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira dizendo que era o mesmo raciocínio - ...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não. Disse que era um raciocínio rápido!

O Orador: - ... também não entendemos por que razão o PS afirma tratar-se de um documento de grandes méritos.
Sr. Deputado, o balanço dos 100 dias que procurou fazer é nulo e, excluindo pequenas medidas pontuais, o Governo do Partido Socialista não anunciou o que quer que seja de concreto. Disse, por exemplo, e essa era uma questão que gostava de ver esclarecida, através do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, nosso ex-colega de bancada, que ia suspender a construção da via rápida de Gondomar. Ora, às 3 horas da tarde, um presidente de uma autarquia do PSD berrou alto, ameaçou com a arruaça, e o Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, à meia-noite, fez a seguinte declaração: "Afinal, vou fazer a estrada". Se isto é governar o país, connosco não contem!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, para anunciar que o PSD estava na disposição de conceder l ou 2 minutos ao Sr. Deputado Silva Carvalho mas, manifestamente, não foi necessário.

O Sr. Silva Carvalho (CDS-PP): - Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Carvalho, agradeço a questão colocada, pois permitir-me-á responder à formulada pelo Sr. Deputado Luís Filipe Menezes no final do seu pedido de esclarecimentos.
Há um conjunto de obras que foram lançadas na fase final do ano passado com intuitos meramente eleitoralistas em relação às quais o Governo anterior tinha a clara convicção de que, no ano seguinte, não teria meios financeiros para garantir a sua execução a não ser que sacrificasse outros investimentos a que atribuímos idêntico grau de prioridade. Essa é a razão por que algumas das obras previstas não vão poder realizar-se no período de tempo em que também gostaríamos de vê-las concretizadas, essa é a explicação que há-de ser concedida aos portugueses para eventuais atrasos que ocorram, não querendo agora entrar aqui na discussão particular de cada caso em concreto porque para tal não estou, como é óbvio, tecnicamente preparado.
Há ainda um assunto de que gostaria de falar-lhe, embora V. Ex.ª não me tenha colocado qualquer questão a esse respeito. Já não é a primeira vez, com todo o respeito que tenho pelo PP, que vejo os Deputados do Partido Popular manifestarem a sua preocupação, a sua perturbação, pela simples circunstância de, nesta Câmara, o PS e o PSD promoverem um verdadeiro debate democrático enunciando as linhas de fractura entre o que os separa.
É que, Sr. Deputado, isto é democracia e não "paleio", como dizia há tempos o Dr. Manuel Monteiro. É a exercitação da democracia, a afirmação do combate democrático, sendo que, em relação a essa matéria, o PP também tem de habituar-se, em primeiro lugar, a utilizar uma linguagem política mais consentânea com o local em que nos encontramos e, em segundo, a valorizar os méritos do debate porque há o momento da decisão mas também há o momento do debate e, para um democrata, o momento do debate é tão importante como o da decisão. Debate sem decisão é inconsequência, decisão sem debate é autoritarismo, e é isso que, de uma vez por todas, é preciso que o PP também perceba. Termino, pedindo desculpa ao PSD por, nesta circunstância, também ter advogado a sua causa.

Página 1021

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1021

Risos do PS.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Há-de dizer isso ao Primeiro-Ministro!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, quando o vejo subir à tribuna fico logo preocupado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É natural!

O Orador: - Mas fico preocupado por si, não por mim. É que o Sr. Deputado Francisco de Assis, nesses momentos, invariavelmente só diz bem do Governo do Partido Socialista, é o seu elogiador de serviço e acredita em tudo. Acredita que, por exemplo, quando não se faz uma obra é, pura e simplesmente, por não haver capacidade de execução; quando se atrasa a entrega do Orçamento também acredita que é por estar a repensarem-se os critérios; quando se diz que não pode gastar-se mais, também acredita que é por não poder poupar-se menos: quando se censura a RTP, o senhor acredita que é por os jornalistas falarem demais e, quando acha que nada mais há a dizer, faz um exame à oposição. Foi o que fez hoje.
Mas o Sr. Deputado Francisco de Assis não fala como Deputado mas como porta-voz, e quando intervém na tribuna não sei se se trata do Deputado Francisco de Assis se do porta-voz do Partido Socialista. É um tique seu...
Acho que a sua vida deve ser verdadeiramente um martírio, Sr. Deputado Francisco de Assis.

Risos do PS.

Na sua cabeceira, tem um Programa do Governo, que é a Bíblia dos seus dias; na parede do seu quarto, tem uma fotografia com dedicatória do Sr. Primeiro-Ministro; quando tem fome, espera o milagre da multiplicação dos pães com a ajuda do "Santo António das Finanças"; quando quer ouvir alguma coisa, ouve as gravações dos discursos de campanha do Engenheiro António Guterres; quando vê televisão, pensa que os heróis das telenovelas são os seus Ministros: quando olha para o povo, só vê clientes e votantes alegres do Partido Socialista.
Quando o Sr. Deputado resolver acordar, esfregar bem os olhos e se der conta de que é o Deputado Francisco de Assis e está em Portugal, diga-nos, porque, nessa altura, valerá a pena colocar-lhe algumas questões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, em verdadeiro rigor, V. Ex.ª não me colocou qualquer questão.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Pois não!

O Orador: - Apenas me confundiu com o último dos cavaquistas, o que manifestamente não sou. Enganou-se no endereço, fez o retrato de outrem que não eu por estar a lembrar-se de outros tempos, de outras circunstâncias e de outras pessoas...
V. Ex.ª certamente não levará a mal que eu assuma uma postura de permanente lealdade para com o Governo que tem sustentação parlamentar no partido a que pertenço.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - V. Ex.ª exagera!

O Orador: - V. Ex.ª não levará a mal que, quando tenho alguma contestação a fazer, esta tenha lugar primordialmente nos órgãos próprios do partido e só em última instância na praça pública, porque isso é das regras da democracia.
V. Ex.ª naturalmente não levará a mal que não me demita das minhas obrigações de Deputado e não deixe de fazer aqui a reflexão que muito bem entendo sobre o estado do país, comprometendo-me nessa avaliação e atrevendo-me publicamente a exprimir a minha posição.
Mas V. Ex.ª até tem todas as razões e mais alguma para saber que sempre fui um homem independente pois, quando o senhor era Secretário de Estado e eu presidente da câmara, tratou comigo de um assunto em que preferi valorizar as questões da câmara, dando-lhe razão em detrimento da opinião prevalecente no PS na ocasião.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É verdade!

O Orador: - O senhor sabe que sempre fui um homem independente e que nunca vendi ou hipotequei a minha consciência nem preciso de clamar publicamente contra aqueles que apoio para evidenciar que sou autónomo no meu pensamento. 

O Sr. Carlos Encarnação (PSD):- Permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu não quero é que o senhor se estrague!...

O Orador:- Muito obrigado. Sr. Deputado, pela sua preocupação, que vou levar na devida consideração. Mas também não espere que me aconteça o que, infelizmente, sucedeu à maioria daqueles que, no passado, tiveram o comportamento de que me acusa e que, verdadeiramente, não tenho, que é o de no dia seguinte passar a poder dizer tudo aquilo que não tinha dito até então. Essa atitude caracterizou-vos mas nunca há-de caracterizar um homem livre. Se há algo de que me orgulho e não permito que quem quer que seja o ponha em causa é de ser um homem livre. Ser um homem livre também significa ser um homem solidário e leal, o que permanentemente tenho procurado ser, como V. Ex.ª sabe perfeitamente!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Francisco de Assis, permita-me uma sugestão, dado que fez algumas ao PSD: que o Governo ou o PS não criem expectativas tão elevadas na análise dos primeiros 100 dias de Governo e que olhem um pouco mais para os problemas que têm pela frente. Teria sido uma boa comemoração a apresentação nesta Casa, dentro do prazo legal, do Orçamento do Estado em vez do atraso que caracterizou a entrega dessa proposta de lei.

Página 1022

1022 I SÉRIE - NÚMERO 36

Devo lembrar-lhe - e poderia pensar-se já no Orçamento para 1997, para que .seja elaborado a tempo e entregue nos prazos legais - os primeiros 100 dias do Governo da última legislatura. Durante esse período, em matéria de finanças públicas, o Governo do PSD apresentou atempadamente o Orçamento do Estado no Parlamento, submeteu igualmente a apreciação um programa de convergência, fez a harmonização fiscal e iniciou ainda a presidência da União Europeia. Ora, verificamos que, nesta legislatura, apenas pode falar-se de um documento, do Orçamento, cuja apresentação, que ainda não ocorreu, é tardia e que o Sr. Ministro das Finanças já nem vai às reuniões com os seus parceiros da União Europeia, mas, em seu lugar, o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.
Depois, o. Sr. Deputado falou de rigor e de diálogo. Quanto ao diálogo, devo salientar a simpatia e a abertura dos membros do Governo, mas julgo que tal não basta e que a prova de rigor e de diálogo vai ocorrer no Parlamento durante a discussão do Orçamento do Estado. Por termos sérias suspeitas em relação a esse documento, anunciámos que, provavelmente, votaríamos contra, para o que contribuiu o facto de terem chegado ao nosso conhecimento medidas decorrentes do programa eleitoral do PS com que discordamos. Cremos mesmo que este rigor - tal como o rigor no respeito pelos prazos não foi cumprido - é meramente contabilístico, e há uma diferença entre o rigor contabilístico e o rigor económico.
Por isso, estamos preocupados com a desorçamentação eventual de algumas rubricas do Orçamento, estamos preocupados com o facto de a dívida pública não baixar, ao contrário do que era objectivo do Programa do Governo para cumprir o calendário da moeda única, estamos preocupados com a percentagem do investimento público nas despesas totais deste Orçamento.
Portanto, o Sr. Deputado apelou ao PSD, olhou para o PSD, esteve preocupado com a desistência do PSD. Diria, assim, que este Governo está condenado a aproximar-se das políticas do PSD exactamente porque está sob o escrutínio permanente dos mercados e dos cidadãos - já não vivemos noutros tempos! -, mas julgo que seria bom que o PS e o próprio Governo baixassem as expectativas e não celebrassem já, com (anta «fanfarra», estes primeiros 100 dias pois a melhor celebração seria a análise dos problemas futuros, o porquê dos falhanços imediatos, o porquê, nomeadamente, do falhanço do respeito pelo calendário de apresentação do Orçamento.
Quanto ao espírito de diálogo e ao espírito de rigor, poderão os senhores dar provas deles na discussão do Orçamento do Estado nesta Casa. Não se pode impor um Orçamento do Estado em minoria, ele tem de ser negociado com os outros partidos, tem de haver espírito de diálogo e de rigor na sua discussão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, independentemente das nossas divergências, quero saudar o estilo e a forma como V. Ex.ª colocou as suas questões, as quais se enquadram num ambiente de racionalidade política que me parece mais adequado às discussões que devem ser travadas nesta Câmara do que um ambiente excessivamente emotivo com que alguns dos seus colegas procuram sistematicamente condicionar os debates que aqui vão sendo realizados.
Quanto às questões que colocou, apenas me deterei na avaliação de uma, aquela que, mais marcadamente, tem consequências políticas e que tem a ver com o apelo que V. Ex.ª faz a que o Governo esteja disponível para, em sede parlamentar, integrar algumas sugestões e, eventualmente, algumas críticas, introduzir algumas correcções, indo de encontro ao que poderão ser algumas solicitações, sugestões e apetências manifestadas pelos partidos da oposição.
Aliás, eu próprio referi isso na minha intervenção, mas penso é que, do ponto de vista da evidência política, é fundamental que o Governo estabeleça alguma fronteira entre aquilo em que pode ceder legitimamente, sem desvirtuar a natureza do documento que apresenta à Assembleia e o que, a ser cedido, configuraria um claro desvirtuamento da natureza desse mesmo documento.
Se assim agisse, o Governo estaria a autocondenar-se a ser, no futuro, responsabilizado historicamente por ter abdicado das suas convicções num momento decisivo e, pela simples circunstância de se querer perpetuar no poder, por ter acedido a transformar-se num gestor das propostas da oposição, o que em nada concorreria para a clarificação da vida política portuguesa e ofenderia princípios fundamentais do funcionamento democrático. Ora, V. Ex.ª, como democrata arreigado e convicto que é, e como homem de extraordinário bom senso, que também tem revelado ser, certamente também não concordaria com um comportamento deste tipo que, esse sim, poderia ser classificado de oportunista, poderia levar esta Câmara e o País a pensarem que o Governo estaria mais preocupado em autoperpetuar-se do que em ir de encontro à resolução dos problemas do País, de acordo com o que são as suas convicções em matéria de resolução dos problemas nacionais. Se tal acontecesse, se o Governo aceitasse «travestir-se» programaticamente na oposição com o único intuito de assegurar a aprovação do documento que é um instrumento essencial da sua governação, poderíamos, com legitimidade, acusá-lo de agir de forma falaciosa, pouco séria e nada consentânea com os compromissos que estabeleceu com o País.
VV. Ex.as podem discordar do teor e da natureza dos compromissos que o PS estabeleceu com o País, mas foi na base deles que o País delegou no PS uma representação maioritária nesta Assembleia. Assim, é perante o País que o PS há-de responder pela capacidade de cumprimento do seu próprio Programa de Governo e não pela eventual capacidade de incorporação dos programas da oposição, como é evidente e resulta claro do ponto de vista de uma análise lógica.
Claro que isto não significa que o PS ou o Governo devam assumir, nesta Assembleia, uma atitude de absoluto fechamento ao contributo inteligente que a oposição certamente não deixará de dar, sobretudo na discussão na especialidade das várias matérias do Orçamento. E V. Ex.ª será, com certeza, um dos Deputados que poderá dar um contributo mais qualificado nesse domínio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de antes da ordem do dia, já não havendo tempo para entrar no tratamento de assuntos de interesse político relevante, para o que estava inscrita uma Sr.ª Deputada do PS, cuja intervenção terá de ficar para uma melhor oportunidade.

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, entrando na ordem do dia, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 68/VII - Criação dos conselhos municipais de segurança dos cidadãos (PCP) e 88/VII - Conselhos locais de segurança (PS).

Página 1023

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1023

Para fazer a apresentação do projecto de lei do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde que, em 20 de Outubro de 1992, aqui debatemos pela primeira vez o projecto de lei do PCP sobre a criação de conselhos municipais de segurança dos cidadãos, iniciativa até então inédita no nosso país, esta ideia tem vindo a fazer o seu caminho. Apesar de aqui ter sido recusada por duas vezes pelo PSD, e com isso inviabilizada enquanto lei da República, impunha-se, entretanto, nas autarquias e comunidades, como correspondendo a uma sentida necessidade de participação das populações.
Em Outubro de 1992, o PSD recusou o projecto de lei do PCP porque, prevendo conselhos meramente consultivos, não seria eficaz- era esta a argumentação do PSD. Voltou a recusá-lo em Maio de 1995, desta vez com um novo argumento e abandonando os anteriores de que aumentaria a burocracia. E enquanto o PSD, na Assembleia da República, a mando de um governo atascado na política desastrosa das superesquadras, na militarização das forças de segurança e na repressão sobre os cidadãos, recusava, sem argumentos minimamente válidos, a criação de conselhos municipais de segurança dos cidadãos, o mesmo PSD, confrontado localmente com a adesão que a proposta do PCP suscitou por todo o País, ia votando nas assembleias municipais a constituição de conselhos com estas características.
É, pois, incontornável. Srs. Deputados, que a criação de conselhos municipais de segurança dos cidadãos j5 não é só uma ideia do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português. É, em muitos municípios, uma realidade e uma necessidade sentida por todos os que, efectivamente, se preocupam com os graves problemas que a segurança das populações continua a suscitar. Existem, de facto, conselhos municipais que têm basicamente estas características em Lisboa, em Loures, na Amadora, no Porto, em Leiria e em muitos outros municípios, criados, geralmente, por unanimidade das assembleias municipais. A iniciativa originária do PCP, que sempre que aqui foi debatida contou com o voto contra, solitário, do PSD e com os votos favoráveis do PCP, do PS, do CDS-PP e do PEV, veio, aliás, a juntar-se a iniciativa legislativa do PS sobre os conselhos locais segurança, que também se encontra hoje em apreciação.
Não existem entre ambos os projectos divergências que uma boa discussão na especialidade não possa superar, pelo que estamos confiantes que, desta vez, os conselhos municipais de segurança dos cidadãos obterão a consagração legal que a maioria absoluta do PSD nunca consentiu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de, como referi, várias assembleias municipais terem determinado a criação dos seus conselhos não inutiliza a necessidade da sua criação por via legal. Pelo contrário, acrescenta novas razões para que esta lei seja aprovada. Efectivamente, diversas entidades cuja participação nos conselhos municipais se afigura indispensável - estou a pensar, designadamente, nos magistrados ou nos próprios responsáveis por forças policiais- não podem mais do que, na situação actual, aceitar o convite para participar em reuniões desses conselhos, sendo obviamente problemática, do ponto de vista legal e estatutário, a sua integração em órgãos de âmbito municipal por decisão dos próprios municípios. A aprovação de uma lei sobre os conselhos municipais de segurança superará cabalmente esta dificuldade e, mais do que isso, criará para estas entidades não uma mera faculdade mas um verdadeiro dever de participação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta que, hoje, aqui renovamos propõe-se intervir sobre uma das questões que mais preocupa os portugueses: a segurança de pessoas e bens, perante o crescimento dos fenómenos de delinquência, de marginalidade, do consumo e tráfico de drogas e da criminalidade que lhe está associada, da emergência de actos de violência racista e xenófoba. Reconhecemos e afirmamos a gravidade da situação de intranquilidade em que vivem os cidadãos, e muito especialmente os que habitam as áreas metropolitanas, e criticamos as políticas de segurança interna inadequadas para lhe dar resposta. Mas ao mesmo tempo que criticamos o que pensamos estar mal, apontamos respostas, pensamos soluções e apresentamos propostas concretas para intervir aos diversos níveis.
Esta é uma proposta concreta do PCP para intervir ao nível da participação, vertente que consideramos essencial para uma política adequada de prevenção da criminalidade.
É uma evidência que o combate à criminalidade passa acima de tudo pelo combate às suas causas sociais mais profundas- as desigualdades, as injustiças sociais, a exclusão, a desumanização das sociedades. Mas é um dado inquestionável que não podem deixar de ser tomadas medidas adequadas a garantir a segurança e a tranquilidade dos cidadãos.
Tão demagógicas como as proclamações do ex-ministro Dias Loureiro acerca do sucesso da sua política de superesquadras serão quaisquer insinuações- como a que abre o preâmbulo do projecto de lei do PS - de que com o encerrar do ciclo cavaquista tenha encerrado também o aumento da criminalidade, da intranquilidade e da impunidade. Mal irão as coisas se à apreciação objectiva dos factos se sobrepuserem presunções ditadas pelos ciclos políticos ou eleitorais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os problemas da criminalidade continuam a ser muito graves. As populações e as autarquias mais directamente afectadas continuam a manifestar por múltiplas formas a sua preocupação e continuam justamente a exigir a adopção de medidas mais eficazes contra as principais fontes de insegurança e intranquilidade públicas. Continuam a existir perigos sérios de que, na falta de mecanismos de participação adequada das populações em torno da prevenção da criminalidade, continuem a aparecer manifestações de "injustiça popular" à margem da lei que representam sérios perigos para a democracia e para o Estado de direito em que queremos viver.
Garantir a segurança dos cidadãos, prevenir e reprimir a criminalidade é uma função das forças de segurança. Mas o êxito do cumprimento dessa função depende de factores múltiplos e, designadamente, da colaboração mútua entre a polícia e os cidadãos. Quanto maior for a colaboração entre as polícias e as comunidades locais, as autarquias, as escolas, os cidadãos em geral, maior será a capacidade para prevenir a criminalidade e garantir a segurança e a tranquilidade das populações. Daí a enorme vantagem da criação de estruturas municipais como as que propomos.
Os conselhos municipais serão o espaço próprio para garantir a participação adequada das comunidades locais na solução das questões de segurança à escala municipal.
A enorme pertinência da criação destes conselhos é bem demonstrada, aliás, não apenas pelo facto de muitas assembleias municipais terem tomado já a iniciativa da sua constituição mas também pela atenção que a generalidade

Página 1024

1024 I SÉRIE - NÚMERO 36

dos órgãos autárquicos tem vindo a dedicar ao debate das questões de segurança, pela grande preocupação que a generalidade dos eleitos locais tem vindo a dedicar a esta matéria, pelas inúmeras moções, petições e tomadas de posição que as comunidades locais e as autarquias têm vindo a aprovar e a tornar públicas em torno dos problemas da segurança.
Os conselhos municipais que propomos terão natureza estritamente consultiva. Não têm qualquer interferência na cadeia de comando das forças policiais nem na definição das suas operações. Destinam-se a promover a articulação, a informação mútua e a cooperação entre as entidades que, em cada município, têm intervenção ou estão envolvidas na prevenção da marginalidade e da delinquência e na salvaguarda da segurança e da tranquilidade.
Cada conselho reunirá eleitos dos órgãos autárquicos municipais e de freguesia, comandantes das forças policiais, magistrados judiciais e do Ministério Público, representantes de escolas, de colectividades, de associações juvenis, enfim, das chamadas forças vivas de cada localidade. O objectivo é sentar à mesma mesa a debater os problemas os que têm por missão garantir a segurança e os que melhor conhecem as realidades locais e que estão por isso em condições de cooperar para que os problemas sejam melhor resolvidos.
Com este mecanismo de participação será possível aprofundar o conhecimento dos problemas de segurança ao nível local, hierarquizá-los, encontrar sugestões e propostas para a sua resolução. Estes conselhos serão seguramente instrumentos da maior utilidade para a definição e aplicação de medidas concretas de segurança pública e de prevenção da criminalidade no âmbito de cada município.
Como referem, aliás, os preâmbulos dos projectos de lei hoje em discussão, a criação de estruturas de participação local em matéria de segurança foi uma experiência já encetada em diversos países europeus e com bons resultados. Várias resoluções da Conferência Permanente dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa foram, inclusivamente, adoptadas sobre esta matéria, designadamente, recomendando às regiões e municípios iniciativas no sentido de promover a cooperação activa com os competentes serviços do Estado, incluindo as polícias, organizando encontros regulares. Inclusivamente, a Resolução n.º 205, de 1989, pede ao Comité de Ministros do Conselho da Europa que recomende aos países membros a instituição, a nível local, de conselhos de prevenção da delinquência. Há mesmo uma recomendação do Comité de Ministros nesse sentido.
Pensamos que esta aproximação entre as forças policiais e os cidadãos é um elemento fundamental para uma política adequada de segurança interna. O contrário disto é a política de superesquadras e de encerramento de esquadras de bairro que o ex-ministro Dias Loureiro pôs em prática com os nefastos resultados que são conhecidos. O contrário disto é a militarização das forças de segurança, a colocação de comandos militares à frente das polícias e a perseguição a todos os que, dentro das forças de segurança, defendem os direitos associativos e de participação cívica dos seus profissionais. O contrário disto é a utilização das forças de segurança para reprimir estudantes e trabalhadores. O contrário disto são actuações violentas e arbitrárias de agentes policiais sobre cidadãos cujas responsabilidades não são, regra geral, devidamente apuradas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nós afirmamos que uma política adequada de segurança interna deve privilegiar acima de tudo a confiança e o conhecimento mútuo entre as forças de segurança e os cidadãos, que a distribuição de esquadras e postos policiais deve ser feita de forma a assegurar a desejável proximidade dos cidadãos e cobrir o maior número possível de localidades, que a distribuição dos recursos humanos deve ser feita de modo a permitir o patrulhamento eficaz e constante das zonas de maior risco de criminalidade, que as forças de segurança devem ser afectadas às suas missões próprias em vez de se dispersarem no cumprimento de diligências judiciais de carácter meramente processual ou em funções de carácter administrativo e fiscalizador, que competem já hoje, nos termos da lei, a serviços municipais de polícia cuja criação concreta se aguarda, que devem ser tomadas as medidas necessárias para assegurar a adequada formação cívica dos agentes e que estes devem actuar de acordo com um código deontológico a elaborar com a participação das respectivas associações sócio-profissionais.
Em matéria de política de segurança interna, impõe-se, portanto, um decisivo virar de página. É preciso abandonar de vez a política de encerramento de esquadras de bairro. É preciso afectar as forças de segurança às suas missões próprias. É preciso desmilitarizar as forças de segurança. É preciso que cessem de vez as perseguições aos dirigentes das associações representativas dos profissionais da polícia. É indispensável uma nova atitude, do Governo face às actuações policiais arbitrárias.
Daí que seja para nós inaceitável que continuem a vir a público notícias de violências praticadas por forças policiais contra cidadãos sem que seja assumida pelo Governo a necessidade do apuramento cabal de responsabilidades por essas acções.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tal como é inqualificável que os processos de perseguição política que o ex-ministro Dias Loureiro mandou instaurar a dirigentes da ASPP, sob a capa de processos disciplinares, prossigam sob a responsabilidade do actual Governo. Não há outra atitude aceitável da parte do Governo em relação a estes processos que não seja determinar o seu imediato arquivamento.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção dos municípios e dos agentes locais nas questões de segurança pública, nos termos em que propomos, é, com toda a certeza, uma componente mais democratizadora do sistema e que permitirá uma intervenção mais eficaz e qualificada das autoridades policiais. Apresentamos, assim, esta iniciativa com a convicção de que a sua aprovação será um passo muito positivo no sentido de uma política de segurança interna mais adequada a responder às justas aspirações da generalidade dos cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, ouvi a apresentação que acabou de fazer do projecto de lei do seu partido e gostaria de colocar-lhe algumas questões.

Página 1024

1026 I SÉRIE - NÚMERO 36

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Se cá estivesse o Deputado Francisco de Assis, não o deixava dizer isso!

O Orador: - ... criou uma situação de insegurança tal que os próprios populares, em locais onde o tráfico de estupefacientes e as situações de vandalismo e assaltos são uma constante dessas populações, se organizaram em milícias populares.
Posteriormente, o PS apresentou o projecto de lei n.º 541/VI, que permitia a criação de conselhos locais de segurança e que regulava a respectiva criação de forma um pouco distinta, podendo mesmo afirmar-se que lhes atribuía um papel mais interventivo e operacional.
Entre o projecto de lei n.º 213/VI e o projecto de lei agora em apreciação existem algumas pequenas diferenças, nomeadamente quando ao conselho municipal é retirada a expressão «órgão» - que já na discussão do diploma anterior levantou alguma polémica por se entender que este iria ser mais um órgão representativo do município e, desta forma, estaríamos perante uma violação do disposto no artigo 238.º da Constituição - para passar a ser designada apenas por «entidade com funções consultivas».
Também nos artigos 5.º e 6.º surgiram algumas diferenças de conteúdo quando, respectivamente, foram reestruturados os objectivos e foi introduzida a faculdade à assembleia municipal respectiva de poder incluir no regulamento a participação de outras entidades.
Do preâmbulo do presente diploma resulta a preocupação de promover formas de combate à insegurança, à marginalidade e à criminalidade, relacionadas com o tráfico e o consumo de drogas aliado ao surgimento de fenómenos racistas e xenófobos. Para tal, entende o PCP ser necessário criar espaços adequados à intervenção das comunidades locais, designadamente no âmbito municipal, que se traduz na criação dos conselhos municipais de segurança dos cidadãos. Estes conselhos constituirão entidades com funções consultivas e de articulação entre todas as entidades envolvidas e funcionarão em todos os municípios. Compete a estes conselhos elaborar pareceres e solicitações a remeter às entidades que considerarem oportunas e garantir uma articulação e cooperação em acções de prevenção no estudo e conhecimento das situações.
O elenco das entidades que compõem estes conselhos é extenso. Abrange, para além de entidades representativas das autarquias, representantes de associações, das forças de segurança e magistrados e, bem assim, vem permitir que a assembleia municipal ainda determine a participação de mais entidades, sendo que o regulamento dos conselhos terá de ser sujeito à aprovação da respectiva assembleia.
Não se esclarece no preâmbulo deste diploma se os signatários procederam à audição da Associação Nacional de Municípios.
Esta iniciativa levanta algumas questões que tive ocasião de colocar ao Sr. Deputado António Filipe, quando fez a sua apresentação, pelo que passo agora adiante.
Resumindo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, diria apenas que a Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente entende que o presente projecto de lei preenche os requisitos constitucionais e regimentais, pelo que está em condições de subir a Plenário e de ser apreciado na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueira.

O Sr. José Junqueira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, durante a campanha eleitoral, fez do combate à criminalidade e delinquência uma das suas bandeiras mais fortes. Reiterou um conjunto de intenções em matéria de segurança dos cidadãos que havia já consubstanciado, na pretérita legislatura, no projecto de lei n.º 541/VI, de 26 de Abril de 1995. Ao retomar a mesma iniciativa legislativa através do presente projecto de lei, n.º 88/VII, o PS mais não faz do que reafirmar as suas convicções, dando significado à sua coerência e consolidando a sua firme determinação em concretizar mais um dos seus compromissos eleitorais. A Assembleia da República é agora outra realidade política, mais aberta, diversa e dialogante.
A segurança é um conceito que emana da condição social em que a vida dos cidadãos acontece. É valor essencial nas sociedades democráticas e a sua força é directamente proporcional ao clima de bem-estar que o Estado, através do governo, é capaz, ou não, de proporcionar às pessoas. Nos últimos anos é comummente reconhecido que os governos PSD agravaram as condições sociais de vida, fomentaram uma política activa de desemprego, desenvolveram a pobreza, afirmaram a injustiça social, ignoraram a desinserção e fecharam os olhos ao combate decisivo e vital ao narcotráfico, estimulando a criação reactiva de milícias populares não consentâneas com um Estado de direito.
Não é, pois, de estranhar que a criminalidade tenha vindo a aumentar a ritmos inaceitáveis, criando um clima geral de insegurança, sem iniciativas de controle e promovendo junto dos prevaricadores um sentimento de impunidade generalizado. A esta situação não é alheio o facto do PSD ter deixado o País com cerca de meio milhão de desempregados, lançando o desespero em milhares de famílias e em milhares de jovens, que não conseguem espreitar em direcção ao futuro com um mínimo de esperança. Acresce a falha na política de imigração que tem gerado tensões sociais graves, humanamente injustas, e que, inexoravelmente, também somam causas aos problemas que vivemos.
Nos últimos anos, estas realidades foram ignoradas, não se investiu nos meios e recursos necessários, sendo, como dizia Henriques Nogueira, no século passado, «a massa dos impostos, repartida por quem não sabe o que eles custam (...) e a menor concessão para objecto de utilidade local considera-se especial favor, e às vezes serve de instrumento para a corrupção das consciências». Foi o resultado de uma política em que, citando o mesmo autor, «as capitais crescem desmedidamente à custa da substância das províncias. Nestas, as principais cidades absorvem toda a riqueza dos campos. O Estado tributa e consome; o país contribui e definha».
Foi assim que o PS decidiu adoptar medidas concretas de actuação tomando decisões que visam sobretudo a prevenção da criminalidade. Para o efeito, de acordo com o articulado nas páginas 21 e 22 do seu programa, definiu a necessidade de aperfeiçoar a comunicação e o relacionamento «entre as polícias e os cidadãos e entre estes e as polícias», incrementou a operacionalidade das forças de segurança «através do reforço e qualificação dos efectivos» (recordo a recente medida do Governo concernente aos 1600 elementos da Escola de Polícia) e da «substituição dos agentes (...) na realização de funções não especificadamente políciais». Sublinho a afectação as secretarias da polícia de 300 funcionários administrativos retirados ao Quadro dos Excedentes Interdepartamentais, facto que, aliás, num outro âmbito, constituiu o sinal concreto do cumprimento de mais uma promessa eleitoral, a de acabar

Página 1025

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1025

Estou de acordo quanto à essência do diploma e penso que se trata de um contributo positivo para, juntamente com o projecto de lei do PS, poder vir a merecer a aprovação na generalidade e para, posteriormente, serem ajustados em sede de especialidade.
Passando às questões concretas, como pensa V. Ex. ª que o conselho municipal pode ser accionado, implementado, já que, de acordo com o articulado do diploma, não me parece que esta matéria esteja clara? Quem preside a tal conselho municipal? Simultaneamente, não será preferível que, em vez de remetermos para o projecto de lei a definição do número de presidentes de junta de freguesia a integrarem o conselho municipal, sabendo nós como é díspar o número de conselhos, também eles com um número díspar de freguesias, remetamos antes para o regulamento a aprovar pelas assembleias municipais a metodologia a seguir para que os representantes das freguesias venham a integrar o conselho?
Aclarada que esteja a questão de saber quem preside, quem cria e acciona o conselho municipal e também a do número de presidentes de junta de freguesia a integrar esse mesmo conselho, penso que a questão do prazo dos 180 dias também poderia ser ultrapassada.
São estas as questões que gostaria de ver respondidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Júlio Faria, a sua intervenção é um sinal muito positivo quanto ao andamento deste processo legislativo na medida em que, ao afirmar a disposição do PS de votar favoravelmente as duas iniciativas agora em discussão aliás, não esperávamos outra coisa, porque o PS, já na anterior legislatura, por duas vezes, votou favoravelmente o projecto que aqui apresentámos e discutimos, dá um sinal muito positivo quanto à disposição de conseguirmos, no debate na especialidade, encontrar soluções adequadas para fazer funcionar estes conselhos.
Creio que as dúvidas quanto à sua implementação estão, de alguma forma, já ultrapassadas por experiências concretas que existem. Há, de facto, municípios que, mesmo sem o enquadramento legal, que é necessário para desbloquear alguns aspectos de composição, já puseram a funcionar estruturas inspiradas nesta nossa ideia aqui apresentada e já conseguiram, no seu âmbito, desenvolver debates interessantes e muito proveitosos sobre a política de segurança interna que é prosseguida à escala de cada município, sobre a detecção dos principais problemas de segurança que aí se colocam.
Portanto, a prática já demonstrou que não há dificuldades de implementação que não possam ser perfeitamente superadas, havendo vontade das pessoas para que isso se faça. E creio que essa vontade não falta. Os autarcas, a generalidade dos eleitos locais e as populações têm demonstrado, nos últimos anos, um grande interesse em participar no debate sobre as matérias de segurança porque, naturalmente, sentem os problemas na pele, conhecem-nos e sabem das dificuldades e necessidades que existem de os superar.
As perguntas que o Sr. Deputado me colocou referem-se a questões que temos toda a abertura para discutir na especialidade. Aliás, há questões que deixamos em aberto na formulação que apresentamos no nosso projecto porque pensamos que, de facto, é importante que sejam debatidas várias ideias sobre elas em matéria de especialidade. Designadamente, devo dizer que, quanto à solução da presidência, alguns municípios têm adoptado a solução de que seja o presidente da assembleia municipal a presidir aos respectivos conselhos municipais de segurança. Conheço um caso concreto de uma assembleia municipal, a que aliás pertenço, onde foi essa a solução adoptada; sendo também admissível, e creio que há soluções nesse sentido, que seja o próprio presidente da câmara a presidir ao conselho municipal de segurança dos cidadãos. Creio que ambas as soluções são admissíveis e que, no debate na especialidade, poderemos discutir abertamente qual será a solução mais adequada a consagrar em termos legais.
Quanto a esta e outras questões que o Sr. Deputado colocou, e que são questões de especialidade com toda a pertinência, estamos perfeitamente disponíveis para debater as ideias que o PS, o PSD, o CDS-PP e Os Verdes tenham para, juntamente com as nossas, podermos encontrar soluções que sejam adequadas.
Creio que agora estão criadas condições para que se dê este passo em frente, que é a criação dos conselhos municipais de segurança, correspondendo a uma aspiração muito sentida pelas populações. E creio que, ao aprovarmos esta lei, estaremos a corresponder a essa aspiração e à confiança que as pessoas depositam no funcionamento deste órgão de soberania, assumindo as responsabilidades legislativas que tem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para proceder à leitura do respectivo relatório da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, depois da apresentação que foi feita pelo Sr. Deputado António Filipe, creio que a leitura do relatório poderá estar prejudicada. No entanto, irei fazê-la.
O projecto de lei apresentado pelo PCP corresponde, na sua quase totalidade, apenas com poucas inovações, ao que, pelo mesmo partido, tinha sido apresentado na VI Legislatura o projecto de lei n.º 213/VI, discutido em reunião plenária de 20 de Maio de 1993 e rejeitado em 26 de Maio de 1993, com os votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS e do Deputado independente Raul Castro. Esse projecto de lei procurou associar as comunidades locais - autarquias, escolas, associações de juventude e as próprias populações - às forças de manutenção da ordem pública, com vista à prevenção da marginalidade e da criminalidade e à resolução dos problemas de segurança e de tranquilidade, tendo sido apresentado na sequência de uma série de acontecimentos que levaram ao encerramento de esquadras, à criação das famosas superesquadras,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E muito bem!

O Orador:- ... com as dificuldades inerentes ao seu funcionamento ....

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com isso não estou de acordo!

O Orador: - ... e à substituição da PSP pela GNR em muitas localidades, situação esta que, ao invés de sossegar as populações,...

Página 1026

1026 I SÉRIE - NÚMERO 36

gra, vertical, de profundo espírito democrático, avesso a todos os totalitarismos, foi ainda um advogado prestigiado. E tanto mais se justifica, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta minha pequena intervenção quando, a exemplo daquele espírito livre e democrático, hoje se encontram aqui, neste Plenário, três Deputados ex-estagiários daquele escritório: o Dr. João Poças Santos, o Dr. Osvaldo Castro e eu próprio.
Sr. Presidente, este debate tem de ser inserido numa discussão mais ampla sobre a política de segurança interna e forças policiais, e sobre a sua filosofia e modelos de enquadramento e reestruturação. Não obstante serem estes temas bastante actuais e prementes, ninguém conhece, por exemplo, a posição do PCP sobre haver ou não mais polícias na rua, haver ou não uma política penal mais rigorosa. É a estas questões, como a outras similares, que o PCP sempre se esquiva a pronunciar-se de uma forma cabal, clara e definitiva, de maneira a que os portugueses conheçam quais as suas vontades relativamente a estas matérias.
Por outro lado, enuncia o PS, no preâmbulo da sua proposta, a criação das polícias municipais. Com que competências? Com que funções? Com que articulação com a PSP e a GNR?
Srs. Deputados, verificamos a existência de pressupostos correctos na apresentação destes diplomas, mas o certo é que muitas das soluções preconizadas nos parecem ou excessivamente institucionalizadas ou demasiado interventivas. Aguardaremos a discussão na especialidade.
Queria, no entanto, solicitar alguns esclarecimentos ao Sr. Deputado José Junqueira em relação a questões concretas do projecto de lei do PS, que refere, no seu artigo 3.º, quanto ao objectivo - vou ler a expressão utilizada: «Constitui objectivo de cada conselho local de segurança o combate contra a criminalidade e a exclusão social do município». Ora, tal expressão parece-nos indicar que o órgão a criar terá funções efectivas de execução e implementação de políticas locais tendentes à erradicação daqueles problemas, quando, no nosso entendimento, esta entidade tem natureza meramente consultiva, não podendo pois ter tais funções de efectiva execução. Assim, a enunciação dos objectivos do conselho a criar deverá ser reformulada, sob pena de induzir a interpretações erróneas dos seus fins.
Outra questão que gostaria de formular ter a ver com o n.º 4 do artigo 5.º. Refere este número que «...os pareceres emitidos ao abrigo do n.º l do artigo 4º não são vinculativos». Ora, este n.º 4 não tem n.º 1; tem sim diversas alíneas que vão da a) à f).
Gostaria ainda que me fosse esclarecida uma outra questão, que tem a ver com a expressão «vereadores do pelouro». O Decreto-Lei n.º 100/84 refere tarefas específicas de cada vereador, mas essa figura não existe. Dado que ao legislador compete ser claro, deveria ser também rectificada tal expressão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, atendendo a que a composição do órgão ser efectivamente extensa, pergunto: por que não acrescentarmos-lhe também ou o próprio governador civil do distrito ou um seu representante, sendo um representante do Estado nestas competências, e por que não fazer referência a um representante dos organismos religiosos?

O Sr. José Junqueira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando da Encarnação, agradeço-lhe as questões que me colocou e responder-lhe-ei de uma forma sintética. Relativamente ao artigo 3.º, que refere concretamente a expressão «combate contra a criminalidade», devo dizer que esse combate não se faz só de pistola na mão. Faz-se pela palavra, com reuniões e com o levantamento das situações. Portanto, ninguém pode entender como extraordinário que se utilize a expressão «combate à criminalidade» relativamente a um órgão que é meramente consultivo e, em meu entender, tal não induz em erro algum.
Quanto à questão das alíneas e dos números, aceito o seu reparo, lapsus calami, e em relação aos vereadores do pelouro estes são distribuídos, havendo funções que podem ser atribuídas pelo próprio presidente da câmara. Será tudo devidamente enquadrado e, portanto, penso que também aí não há qualquer problema.
Relativamente ao governador civil e ao representante da hierarquia religiosa é uma questão que poderemos discutir na especialidade com toda a tranquilidade, mas penso que não é um problema por aí além e não me parece que o que acabei de expor lhe tenha suscitado alguma dúvida em particular.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui a discutir este tema, agora num ambiente bastante mais distendido, uma vez que já acabaram as campanhas da anterior oposição - agora parte do Governo sobre a insegurança no país. De Outubro para cá, por qualquer milagre que desconheço, já não há insegurança Acabou tudo! Está tudo sossegado, calmo e tranquilo e já não há nenhum problema! Toda a gente pode sair à rua!

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - O Sr. Deputado Vasco Pulido Valente diz que o mundo está perigoso!

O Orador: - Eu até sou levado a crer que, se calhar, isso acontece porque as medidas que nós pusemos em prática deram resultado. Ainda não houve tempo para o PS adoptar novas medidas, nem para formar os polícias, que na sua maioria só estarão prontos em 1997, ainda não houve tempo para transferir os tais 300 cidadãos, que não sei o que são profissionalmente mas que agora irão obrigatoriamente para polícias, ainda não houve tempo para variadíssimas outras coisas, nem para discutir outra vez e dar uma nova solução ao esquema policial, mas, no entanto, já se notam melhorias!

O Sr. José Junqueira (PS): - Exactamente!

O Orador: - Ora bem, das duas uma: ou esta é uma melhoria psicológica ou é uma melhoria real. E se é uma melhoria real. então, advém do antigamente e não do que agora foi feito.
Dispensar-me-ei de fazer agora uma intervenção sobre a questão fundamental da segurança - reservá-la-ei para mais tarde, talvez para Março ou coisa que o valha - e pronunciar-me-ei o mais possível e só sobre esta matéria.

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é uma ameaça à nossa segurança!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueira.

O Orador: - Na altura em que for elaborado o relatório de segurança interna relativo a 1995, como o Sr. Depu-

Página 1027

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1027

com os excedentes na Função Pública, dignificando a vida dessas pessoas e dando forma a um dos itens que viabilizou o acordo de trabalho com todos os sindicatos da Administração Pública.
Foi neste contexto, cumprindo igualmente mais uma promessa, feito um protocolo de cooperação entre os Ministérios da Administração Interna e da Educação, no sentido de aumentar a vigilância junto das escolas.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso já tem três anos!

O Orador: - A esta filosofia de actuação subjaz também um conjunto de princípios consignados na Carta Urbana Europeia, aprovada na Resolução da Conferência Permanente dos Poderes Locais e Regionais da Europa, em Estrasburgo, a 30 de Março de 1992, e cujo enunciado refere: primeiro, que "uma política coerente de segurança e de prevenção da delinquência deve basear-se na prevenção e solidariedade"; segundo, que "uma política local de segurança deve repousar em estatísticas e informações detalhadas e actualizadas"; terceiro, que "a prevenção da delinquência diz respeito a todos os membros da cidade"; e quarto, que "uma política eficaz de segurança urbana assenta numa cooperação estreita entre a policia e a população local".
Foi com base nestes dois últimos princípios que o PS desenvolveu a constituição dós conselhos locais de segurança, envolvendo os membros da cidade numa cooperação estreita entre si e a polícia. Assim, a Assembleia da República cria a figura do conselho local de segurança, no âmbito municipal, que acompanha realidades europeias afins, entre as quais, a título de exemplo, podemos sublinhar: o conselho de prevenção da delinquência, na Alemanha; o conselho distrital de juventude, na Bélgica; os comités locais de segurança, em Espanha; os conselhos comunais de prevenção da delinquência, em França; ou, finalmente, os conselhos de prevenção, em Inglaterra.
A ausência de combate ao narcotráfico, como referi no início, permitiu a proliferação incontrolada da toxicodependência, e a este flagelo social, que há bem poucos dias vitimou em Lisboa mais três jovens de forma trágica e dramática, o PS prometeu um combate sem tréguas dirigido, sobretudo, às suas causas mais profundas. Neste sentido, em conformidade com as páginas 95 e 96 do seu Programa, e cumprindo mais promessas, o Governo já tomou iniciativas conducentes a "um grande movimento de prevenção da toxicodependência", quer através do relançamento mais sério e eficaz do Projecto Vida, quer pela atribuição, neste domínio, de mais competências aos governadores civis, quer ainda pela decisão de agravar as penas aos traficantes, tal como pudemos ouvir ao Sr. Ministro da Presidência durante o balanço dos primeiros 100 dias de Governo.
Por outro lado, e também neste particular, o PS dá expressão ao articulado na Carta Urbana Europeia, a qual enuncia, nos seus princípios, que "deve ser posta em execução uma luta contra a toxicomania".

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muita bem!

O Orador: - Com base no seu ideário, no seu programa, nos seus valores e nestes princípios, o Partido Socialista apresenta e defende este projecto de lei n.º 88/VII, que define o conselho local de segurança como um órgão municipal (não como órgão representativo do município, mas num sentido bem mais lato), com "carácter consultivo, cujo objectivo, atribuições, competências, composição e funcionamento" são regulados pelos nove pontos do seu articulado. O projecto do PS estabelece, desde logo, várias atribuições dos conselhos locais referentes a um estudo e avaliação concreta e objectiva da situação de insegurança e do tipo de criminalidade existente no município. Esse estudo terá em conta, e com particular atenção, o levantamento das situações sociais nos locais onde a delinquência e a toxicodependência são factores de risco.
Este é um projecto ambicioso e determinado, uma vez que, apesar de se criar um órgão de carácter consultivo, o seu papel se revela activo e interventivo. As suas competências incidem sobre a emissão de pareceres relativos à avaliação do índice de criminalidade, actuação das forças de segurança, da assistência social, apoios a prestar aos jovens, sobre a situação económica e social no município e sobre a política municipal de protecção civil e de combate aos incêndios. Estes pareceres, de natureza não vinculativa, terão a regularidade que for aprovada em regulamento e serão sempre apreciados pelos órgãos municipais.
Quanto à composição, formam o conselho um conjunto de cidadãos de reconhecida idoneidade, designados pela respectiva assembleia municipal, os responsáveis das diferentes associações que constituem o tecido económico e laboral, os responsáveis pelos estabelecimentos de ensino do município e pelos organismos de assistência social, os comandantes das forças nacionais de segurança presentes no território do município e da Polícia Municipal, quando existe, bem como presidentes de junta, o presidente da assembleia municipal, o vereador do respectivo pelouro e o presidente da câmara municipal, que, obviamente, presidirá.
Com este modelo socialmente envolvente, o Parido Socialista acredita no relançamento do espírito de confiança e cooperação entre as pessoas do todo local e do todo nacional, encetando um novo ciclo de exercício cívico, mais solidário e mais humano, capaz de erradicar da sociedade portuguesa o clima de insensibilidade e egoísmo que o PSD gerou.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando da Encarnação.

O Sr. Fernando da Encarnação (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a minha primeira intervenção nesta Câmara, tão prestigiada...

O Sr. João Amaral (PCP): - Tem estado no estrangeiro?

O Orador:- Não! Por acaso, ando por aqui e tenho verificado o excelente trabalho que o PP tem feito, a exemplo do que tem acontecido...

O Sr. João Amaral (PCP): - Desculpe, desculpe!

O Orador: - Dizia eu, Sr. Presidente, que, nesta minha primeira intervenção, não queria deixar de saudar V. Ex.a, símbolo máximo do primado do regime democrático o Parlamento e queria aproveitar ainda para, nesta Câmara, local privilegiado do debate livre e participado, homenagear a figura do leiriense ilustre, Dr. José Henriques Vareda.

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Muito bem!

O Orador:- Lídimo paladino do combate pela liberdade, tanto antes como depois do 25 de Abril, pessoa ínte-

Página 1028

1030 I SÉRIE - NÚMERO 36

tiveram o cuidado de apreciar e estudar cada um dos sistemas de luta contra a criminalidade e de organização das forças de segurança em cada um dos países que referem. Falam em coisas tão grandes e tão pequenas como o Estado de Schleswig-Holstein e a Inglaterra. Referem o conselho de prevenção da delinquência, o conselho distrital da juventude, a concertação pentagonal e os comités locais de segurança. Citando o caso da Inglaterra, atingem o paroxismo, porque concluem como exemplo a seguir na criação destes conselhos: «(...) existem cinco modelos de conselhos de prevenção: o modelo independente; o modelo baseado nas autoridades municipais; o modelo sob controle policial; o modelo centrado na polícia e o modelo indeterminado». Não percebo qual deles acham que é próximo do vosso, mas tenho a impressão de que é o último, o modelo indeterminado.
A seguir dizem que, afinal, o conselho municipal é um órgão municipal consultivo - interessante! - com elementos estranhos ao município. Portanto, é um órgão do município, constituído por elementos estranhos a ele. Dizem ainda que o seu objectivo é o combate à criminalidade e à exclusão social no município.
Depois, fazem uma lista de atribuições verdadeiramente tentacular. O artigo 4.º deste projecto de lei é um «monumento» e citarei apenas duas atribuições que são importantes: «Promover o levantamento das situações sociais que pela sua particular vulnerabilidade se revelem de maior potencialidade criminógena e mais carecidas de apoio à inserção», o que é uma tarefa incomensurável, e «Conhecer os dispositivos gerais de segurança, designadamente para efeitos de vigilância pública, bem como de controle de acesso, permanência e circulação de pessoas em meios de transporte ou instalações, edifícios ou recintos fechados, vedados ou de acesso condicionado», o que é uma tarefa ciclópica. Nem um milhão de fiscais conseguiriam levar a cabo esta tarefa impossível!
Segue-se a lista de competências, onde se fala na política de segurança dos municípios, o que significa prever a existência das polícias municipais, mas essa é uma questão que abordaremos daqui a pouco. Mesmo aqui, a única melhoria que introduzem em relação ao projecto existente na legislatura passada tem a ver com o facto de deixar de haver a intenção de dar parecer sobre a situação sócio-económica municipal, que era, de facto, uma prerrogativa estranha deste conselho.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso foi retirado!

O Orador: - Certamente, foi intervenção do Sr. Deputado Osvaldo Castro, que fez este aperfeiçoamento técnico de grande valia.
No fim de contas, o que fazem com esta iniciativa legislativa? Criam uma nova assembleia ou recuperam o conselho municipal para este fim, entidade que já tinha acabado. Porquê? Porque só a opinar sobre estas matérias, a discutir, a preocupar-se e a tornar deliberações sobre elas são mais de 50 pessoas. Se o objectivo é o de distribuir a preocupação pelo maior número de pessoas possível, foi atingido, mas se é o de encontrar soluções, o objectivo não foi atingido. É impossível que mais de SÓ pessoas participem e encontrem soluções sobre estas matérias e desta forma.
Em suma, para não perdermos mais tempo e abreviarmos razões, este é um projecto ancorado numa errada interpretação da Constituição quanto ao âmbito das forças de segurança. VV. Ex.as sabem que as polícias municipais não podem ser constituídas. Variadíssimas vezes alertei para isso na legislatura passada e, depois, em plena campanha eleitoral, vieram dar-me razão, dizendo: «de facto, pensámos mal, isto só é possível depois da revisão da Constituição». Agora, voltam, teimosamente, a apresentar um projecto de lei onde se referem as polícias municipais. Portanto, há uma inconstitucionalidade gritante na forma de conceber este diploma e na alusão feita às polícias municipais e às capacidades de segurança dos municípios que VV. Ex.as deveriam ter em conta aquando da sua elaboração e não tiveram. Foi distracção, Sr. Deputado Osvaldo Castro, foi distracção! Nem V. Ex. ª, autor da brilhantíssima eliminação daquela alínea,...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade!

O Orador: -... agora valeu ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Poderia ter ajudado melhor o Sr. Deputado José Junqueiro.
O projecto de lei apresentado pelo PCP também é uma repetição do que elaboraram na última legislatura, verdade seja dita. Também ele apresenta a criação de um novo órgão municipal com a introdução e a permanência de entidades estranhas ao município. Mas tem a vantagem de a sua institucionalização ser opcional. Ou seja, é um órgão criado, no geral, como figura, e os municípios podem criá-lo ou não, de acordo com o seu próprio querer.
Neste projecto de lei, esta entidade é mais limitada nos seus objectivos, porque, na verdade, o PCP percebeu bem a questão das polícias municipais. Só não percebo bem é como é que o Sr. Deputado João Amaral, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, ainda não conseguiu explicar à Câmara Municipal de Lisboa a sua posição, porque, quando o fizer, certamente as pessoas entrarão no bom caminho. Até lá continua a maioria da Câmara Municipal a pensar de uma maneira e o Sr. Deputado - teimosamente, e bem! - a pensar de outra. O Sr. Deputado João Amaral deveria ter dito: «atenção, não podemos fazer mais do que isto, porque é o que permite a Constituição, não queiram ser mais papistas que o Papa». Vários argumentos poderiam surgir à sua brilhante cabeça para acabar com esta barafunda total.

O Sr. João Amaral (PCP): - Se me permite uma interrupção, quero dizer-lhe que o Sr. Deputado tem estado muito desatento, porque já tive oportunidade de dizer ao vereador responsável pelo pelouro que a transformação da polícia de Lisboa numa polícia municipal, com as características que ele quer, não cabe no quadro constitucional. Tive esse cuidado, ele ouviu-me com muita atenção e está disposto a acreditar que falo verdade.

O Orador: - Faça-se luz, Sr. Presidente, e ainda bem que o Sr. Deputado João Amaral fez agora este esclarecimento, porque, se não, de duas, uma: ou o vereador é surdo, ou não quer ouvir, o que é terrível. Mas penso que agora o assunto está resolvido, VV. Ex.as chegaram a um entendimento aliás, têm chegado a entendimento em outras coisas, porque não nesta, que é muito mais simples? -...

Risos.

... e certamente a questão está ultrapassada.

O projecto de lei do PCP tem dois pequenos problemas, e são apenas os que refiro,...

Página 1029

B DE FEVEREIRO DE 1996 1029

tado João Amaral sabe muito bem, pois é dm homem mais experiente nestas andanças, certamente terei oportunidade de vir aqui falar sobre segurança. Até lá, quase que fiz uma jura de não me pronunciar sobre isso e, não fora este conjunto de projectos, francamente não falaria sobre o tema.
Mas, sobre esta matéria, quero começar por referir aquela obsessão com a insegurança, que tanto cativou, aliás de uma forma altamente irresponsável, grande parte da oposição nesta Câmara, e que levou àqueles exageros do Sr. Xerife..., perdão, do Sr. Presidente Fernando Gomes sobre a segurança privada, sobre a questão do aproveitamento das milícias populares e a questão das polícias municipais, todas essas loucuras que passaram no espírito de algumas pessoas e que foram, de facto, a vez e a voz de intervenções sobre a segurança ou a insegurança que eu não achava críveis neste país, dentro da conformação constitucional que tínhamos e dentro do Estado de direito que somos.
Não achava possível - e agora estou à vontade para o dizer - que intervenções daquele jaez fossem produzidas. Por vezes, até tinha algum pejo em as criticar, pois pensariam sempre que estava a exercer a prerrogativa, que aliás tinha, de defender o Governo e de atacar as oposições, por qualquer direito de desforço em relação às oposições. Francamente não era. O que me preocupava de facto era a segurança das pessoas, o ambiente de insegurança em que estavam a ser colocadas, a intranquilidade geral que era apanágio da criação das oposições, designadamente do PS e do PCP, e preocupava-me muito com o seu futuro.
Na altura, verifiquei que as oposições, que, segundo a sua própria qualificação, não eram radicais, como agora é qualificada esta oposição do PSD ao Governo do PS, nunca tiveram uma palavra de apreço, de consideração, de aquiescência ou de concordância em relação a variadíssimas coisas que nós entretanto fizemos e que, penso, melhoraram substancialmente o panorama da segurança em Portugal.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Convém lembrar, porque nós não sabemos!

O Orador: - Nunca o PS se pronunciou a favor das brigadas anti-crime, nem a favor das polícias ferroviárias, nunca se pronunciou a favor dos serviços municipais de polícia, antes os contrariou. Nesta altura, eles estão em vigor, já não existem polícias municipais, mas o PS continua a falar, no seu projecto de diploma, em polícias municipais, não sei como nem porquê. Estando já pronto, inclusivamente, o decreto regulamentar - já está tudo pronto, estes serviços municipais de polícia não foram criados e o PS e as autarquias do PS, apesar de terem votado favoravelmente este diploma, ainda não se sentiram impelidos, pela sua grande preocupação sobre a segurança, a criá-los!

O Sr. João Amaral (PCP): - É uma boa pergunta!

O Orador: - Quando é um facto que grande parte dos municípios que tinham as antigas polícias municipais, agora serviços municipais de polícia, se apressaram a concordar com o governo na criação deste diploma e destes serviços, bem como na sua regulamentação.
Na altura, o PS não falou sobre aquilo que o Sr. Deputado José Junqueiro, com uma grande pesporrência, vem agora dizer aqui já o tinha repetido na televisão há tempos, ou seja, o anúncio extraordinário do protocolo entre os Ministérios da Administração Interna e da Educação sobre a segurança nas escolas. Esse protocolo, Sr. Deputado, tem três anos! É um protocolo gradativo, que vai sendo aumentado e vai abrangendo tantas mais escolas quantos anos passam, de acordo com as disponibilidades e as possibilidades das forças de segurança.
O Sr. Ministro Alberto Costa descobriu a pólvora - estamos a falar de segurança, mas, realmente, em relação a esta matéria, esqueceu-se de dizer o que devia quanto ao governo anterior e à sua iniciativa, porque todos perceberam que, relativamente aos estabelecimentos de ensino, houve uma nítida melhoria das condições de segurança de há três anos a esta parte. Não quero dizer que os problemas estejam todos resolvidos - por isso há escolas-problema, que estão qualificadas e entendidas como tal -, mas há, pelo menos, um mecanismo rápido de resposta a estes problemas de insegurança.
E quanto a estas considerações essenciais, por aqui me ficaria. Farei apenas uma ponte entre estes dois projectos, dizendo que é evidente que concordo haver um problema que teremos de encarar no futuro e cada vez com mais interesse de todos em relação à segurança em geral e, em especial, designadamente em relação ao tráfico de droga, que são problemas que nenhum governo pode resolver de uma penada.
Fica até mal aos governos dizerem que os vão resolver imediatamente, pois parece, de facto, uma presunção inexcedível e inultrapassável que cai nas raias do ridículo. São questões que têm a ver com a sociedade e que, muitas vezes, Sr. Deputado, não têm a ver com a pobreza, dado que, normalmente, o consumo de drogas está ligado até a quem possui mais bens e não a quem possui menos. Não é um problema de pobreza, mas de criação de uma mentalidade consumista em relação a áreas em crise dentro da família ou dentro da sociedade.
O problema da crise da família não é apenas provocado por falta de recursos, mas por falta de princípios, falta de regras e de estabilidade da própria relação familiar - mas não vamos entrar nessa discussão porque V. Ex.a, eu e muitos camaradas seus teríamos eventualmente posições contrárias em relação às que defendo quanto a essa matéria. A sociedade é o que é, e temos de a encarar dessa forma. Temos de estudar as reacções da sociedade e as respostas que o Estado vem dar em função da sociedade que criámos.
Mas, concretamente em relação a esta matéria, do que é que estamos aqui a falar? Temos perante nós dois projectos, um dos quais é uma completa confusão: o do PS. Este projecto é, de facto, uma coisa extraordinária! Nunca vi um projecto assim! E só é passível de ser apresentado naquela pressa e naquele ar que o PS tem agora de apresentar projectos para mostrar que o PSD não os apresentou. E, então, vão buscar os projectos da legislatura anterior, mal feitos, cortam-lhes algumas coisas - às vezes ainda ficam piores - e tomam a apresentá-los aqui e agora, com uma falta de vergonha extraordinária, pois na verdade parece uma produção legislativa ex novo e é uma produção legislativa requentada, em segundas núpcias, já vinda do anterior e já aqui discutida. De facto, têm a falta de vergonha clara de voltar a apresentar e a discutir exactamente da mesma maneira, como se o tempo não tivesse passado e como se a reflexão sobre esta matéria não pudesse dar novas pistas para serem feitos uns pequenos arranjos!
Isto é tão interessante que - vejam bem - começa logo a nota justificativa por ser exemplar, falando de sistemas e soluções que são completamente diversos entre si. Nem

Página 1030

1032 I SÉRIE - NÚMERO 36

PSD não se tivesse apresentado nesta Assembleia, durante estes anos, arrogantemente, a defender a política de segurança interna errada que estava a ser seguida, já poderíamos ter esta iniciativa legislativa aprovada e teríamos ganho tempo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ora, ora! Muito bem!

O Orador: - Portanto, creio que este debate está a ser muito diferente, mas, felizmente, para melhor.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, vou referir-me à questão da regra do consenso, para explicar qual era o objectivo que procurávamos atingir com ela. A questão central que nos levou a adoptar o princípio da necessidade de consenso para as actividades do conselho municipal foi uma separação muito clara e nítida, que quisemos houvesse nesta lei, entre a estrutura de segurança interna, que é da responsabilidade do Governo, e uma função municipal, que é a de abrir um espaço de diálogo sobre questões de segurança interna. E por isso não quisemos que, de alguma forma, as forças de segurança com assento no conselho pudessem ser sujeitas a uma espécie de dotação, em que a sua opinião ficasse em minoria.
Advogamos o princípio do consenso porque entendemos estes conselhos como um sítio, que não existe actualmente, onde os responsáveis judiciais, policiais, autárquicos e as correntes de opinião local se encontram para identificar problemas e apontar soluções, mas,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado João Amaral?

O Orador: - Se o Sr. Presidente permitir...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, a interrupção agora complica. A seguir dou-lhe a palavra para dizer o que pretende.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é para uma brevíssima interrupção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, assim é difícil gerir o tempo. Entramos na anarquia, e eu não vou deixar que isso aconteça.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É no tempo do Sr. Deputado João Amaral, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, faça favor.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Queria apenas dizer, neste momento, ao Sr. Deputado João Amaral que por isso mesmo é que eu entendia que, se calhar, não são pareceres nem deliberações. Pode haver discussão, mas pode não haver pareceres ou deliberações. Pode haver actas, pura e simplesmente.

O Orador: - Sim, pode haver actas. No fundo, a situação para que aponta o conselho não implica medidas ou iniciativas estritamente das forças de segurança. O exemplo clássico é o de a polícia se queixar nesse conselho de que determinada rua não está devidamente iluminada. E aí a iniciativa é da câmara, que deve... Portanto, o conselho apura situações e aponta soluções, mas não vincula, nem quer vincular, porque queremos deixar essa linha de separação muito clara. E é essa mesma linha de separação que marca a nossa posição sobre as polícias municipais.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação trouxe aqui uma questão que não vem ao caso discutir mas que é muito importante, a de saber por que é que os serviços municipais de polícia, que seria uma instituição com grandes virtualidades para libertar a polícia, nomeadamente a PSP e a GNR, para as funções de segurança interna, se exercesse as funções de fiscalização de estacionamento e de todo esse tipo de situações, não são instituídos, principalmente em certos municípios onde tudo apontaria para que isso fosse feito.
Penso, e com isto concluiria, que toda essa questão dos serviços municipais de polícia foi rodeada de alguma discussão na legislatura passada, mas se esta Assembleia refundasse a legitimidade destes serviços municipais, ao menos, com uma declaração de princípio, apoiando a sua criação, talvez se apontasse na direcção certa, a de que eles fossem levados à prática.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pergunto-lhe, Sr. Deputado João Amaral, se o Grupo Parlamentar do PCP concede algum tempo, e quanto, ao Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Podem ser 4 minutos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Carlos Encarnação, dispondo para o efeito de 5 minutos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, essa é uma dádiva dos céus, mas vou tentar não utilizar os 5 minutos.

Risos.

Começo por dizer que não vou fazer agora o debate sobre a questão da segurança ou insegurança, não vou responder aos argumentos do Sr. Deputado Júlio Faria, porque, a seu tempo, faremos isso aqui ou onde quiser e em qualquer debate, quando quiser fazer o favor de defrontar as suas opiniões com as minhas.
Penso, todavia, que o Sr. Deputado, não deve estar muito feliz por este Governo também dizer que vai conter as despesas correntes. De maneira que veja lá se não lhe «sai o tiro pela culatra», se depois não vai ter o que o senhor queria, o aumento das despesas correntes para ter mais efectivos nas forças de segurança. Não vai ter condições para o fazer. Aquilo a que o Sr. Ministro da Administração Interna referiu foi à aplicação de um despacho que nós já tínhamos feito e que significa que, na verdade, entrariam 1 500 polícias, 800 este ano e 700 para o ano, porque...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Está enganado!

O Orador: -... a Escola de Polícia só tem capacidade para formar 800 polícias/ano e cada incorporação tem 8 meses de preparação, pelo que só para o próximo ano é que está pronta a segunda incorporação. Bom, é um pequeno aparte.

Página 1031

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1031

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Está a esgotar o seu tempo para depois não poder responder às perguntas?

O Orador: - O Sr. Presidente sabe que nesta Assembleia h5 santos e há pecadores. Normalmente, os pecadores excedem o tempo e os santos concedem o que está em falta.
Dizia eu que este projecto de lei tem apenas dois pequenos emblemas, e gostaria de chamar a atenção do PCP para eles, porque penso que em sede de comissão poderemos trabalhar este texto e chegar a outro francamente melhor.
Se em relação ao projecto de lei subscrito pelo Partido Socialista a minha oposição é total, pois ele não tem sentido, não tem pés nem cabeça, quanto ao do PCP, creio que, com algumas melhorias, podemos chegar a um texto aceitável. Refiro-me ao facto, que me parece importante, de se dar aos municípios uma opção, e não uma ordem, de constituir estes conselhos.
Mas falemos dos problemas que referi. Os pareceres e as solicitações deste órgão são feitos por representantes das forças de segurança - são elementos constitutivos do conselho municipal - às forças de segurança. Temos aqui uma dupla condição, em que os comparticipantes na emissão dos pareceres e das solicitações pertencem também às entidades destinatárias. É necessário fazer aqui qualquer alteração, porque isto não me parece correcto.
H5 ainda algo que vai impedir o funcionamento destes órgãos: a regra do consenso. A aplicação desta regra significa que nunca mais estes conselhos decidirão qualquer coisa, porque, se vamos exigir a uma assembleia constituída por mais de 50 pessoas que qualquer decisão se estabeleça com base no consenso, então, mais vale que não haja decisão e que apenas se discutam os problemas.

O Sr. Presidente:- Terminou o tempo de que dispõe o seu grupo parlamentar, Sr. Deputado.

O Orador: - Agora é que estava à espera...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já há uma inscrição para lhe pedir esclarecimentos, pelo que tenciono dar-lhe dois minutos para responder. Não posso favorecê-lo além decerto ponto, até porque gastou 18 minutos, durante os quais teve tempo de condensar um pouco os seus argumentos.

O Orador: - Compreendo, Sr. Presidente, mas na verdade não o consegui. Mas respeito a decisão do Sr. Presidente e termino a minha intervenção, reservando todas as outras apreciações para os pedidos de esclarecimento, que, certamente, me farão.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, utilizando os adjectivos que gosta de empregar - brilhantíssimas intervenções, brilhantes cabeças -,tenho pena de não poder dizer a V. Ex. ª que, como anterior responsável por esta área da segurança, a sua intervenção foi brilhante. Com efeito, foi a constatação de que ela não foi brilhante que levou na altura própria, na anterior legislatura, o PCP e o PS, com o apoio de todo 0 Plenário, com excepção do PSD, a apresentarem projectos de lei visando criarem condições para se reflectir sobre uma crescente incomodidade da população no que respeita à insegurança e ao aumento de criminalidade e de tráfico de droga, sem que tivéssemos sido capazes, nomeadamente o Governo de que V. Ex. ª fazia parte, de responder a este flagelo. Foi isso que os autarcas sentiram no terreno. É por isso que muitos autarcas, nomeadamente do partido a que V. Ex. ª pertence, avançaram, mesmo sem legislação de enquadramento, para a criação de conselhos municipais de segurança, como foi o caso do município de Paços de Ferreira, como sabe, em que essa experiência avançou, e com boas provas.
É evidente que isto não vai resolver os nossos problemas, como também não o resolveram as famosas superesquadras e a eliminação de esquadras da PSP, trocando-as por postos da GNR. Sabe V. Ex. ª que - porventura era essa a sua vontade - se tivéssemos criado condições para aumentar os efectivos das forças de segurança sediadas nos nossas concelhos, poderíamos ajudar a combater alguns destes problemas. Mas a política do anterior governo, de conter a todo o custo despesas correntes, levou a que os quadros, quer da PSP, quer da GNR, estivessem cada vez mais longe de corresponderem às necessidades das populações. E é isso que se sente.
Nestes projectos de leia preocupação primeira é a de pôr as comunidades locais, integrando as diversas entidades, a reflectir sobre problemas concretos que as preocupam, tentando, em conjugação com as forças responsáveis pela segurança, criar condições para que se passe das palavras aos actos, de modo a que este flagelo, que a todos aflige, possa ser superado.
Gastaria que fosse possível fazer o que o Sr. Deputado
refere como sendo um contributo para, em sede de especialidade, os projectos de lei serem aprovados, sobretudo para que os conselhos municipais de segurança dos cidadãos ou conselhos locais de segurança possam ser uma realidade, porque é isso que a população espera de nós.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, peço-lhe que condense as suas respostas no fim, para podermos gerir melhor a sua falta de tempo.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, perante a sua intervenção, através da figura do pedido de esclarecimento não posso deixar de fazer uma observação. O Sr. Deputado referiu-se ao projecto de lei do PCP como uma repetição do anterior. É, de facto, uma reapresentação da iniciativa anterior, com algumas alterações, como nós próprios dissemos, mas o debate aqui realizado está a ser muito diferente dos anteriores.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente. E ainda bem!

O Orador: - Sobretudo, é notória a diferença entre os argumentos disparatados que o PSD utilizou nos dois últimos debates para recusar o projecto de lei...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não fui eu, pois não?!

O Orador:- ... e a intervenção que o Sr. Deputado Carlos Encarnação agora fez.
Não foi o Sr. Deputado Carlos Encarnação que utilizou esses argumentos porque estava no Governo, mas se o

Página 1032

1034 I SÉRIE - NÚMERO 36

A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, às 15 horas, terá como período de antes da ordem do dia o debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento e como ordem do dia a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 20/VII - Transferência de jurisdição de bens imóveis do domínio público para os municípios (Os Verdes), 85/VII - Delimita as competências e jurisdição sobre a zona ribeirinha do Estuário do Tejo (PCP) e 87/VII - Gestão das zonas ribeirinhas em meio urbano (PS).

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Durão Barroso.
Luís Carlos David Nobre.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Agostinho Marques Moleiro.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Pinto Simões.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
António de Carvalho Martins.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Fernando Araújo Calçada

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

1 - Preço de página para venda avulso. 9$00 (IVA incluído).

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - O texto final impresso deste Diário 6 da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 288$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Página 1033

8 DE FEVEREIRO DE 1996 1033

Sr. Deputado António Filipe, errada ou certa, também vamos discutir, na altura própria, a política que eslava a ser seguida. Em minha opinião, estava certa, continuo a dizer que estava certa, e os senhores verão os resultados quando discutirmos o relatório de segurança interna, porventura. Nessa altura veremos isso com mais pormenor.
Sr. Deputado João Amaral, quanto à questão da polícia administrativa, ou melhor, dos serviços municipais de polícia, porque é a verdadeira polícia administrativa e esta lógica não foi, ou não quis ser, percebida pelo Partido Socialista, queríamos compartir as duas realidades em duas coisas distintas: que a polícia administrativa fosse a polícia municipal ou os serviços municipais de polícia e que a segurança pública fosse a Polícia de Segurança Pública ou a Guarda Nacional Republicana, porque, na verdade, uma lógica é para um objectivo e a outra lógica é para outro objectivo. E se retirarmos à Polícia de Segurança Pública e à Guarda Nacional Republicana a carga administrativa que tem. então estamos a criar um benefício de imediato, estamos a libertar agentes para fazerem aquilo que devem fazer e não o que não devem.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Foi o que fizemos agora!

O Orador: - Alguma vez pensaram que os homens da polícia municipal de Lisboa, polícias. fardados de polícias, formados como polícias, andassem agora a verificar o que os cãezinhos fazem nos passeios?! Francamente. Srs. Deputados, é por estas e por outras que entendo que nesta altura devemos pôr um ponto final nessa matéria e dizer: polícias administrativas são uma coisa, polícias de segurança pública são outra. Esta foi a lógica que aqui aprovámos. A Assembleia aprovou-a apenas com a abstenção do PCP, e por uma razão particularíssima, por uma emenda de última hora, introduzida pelo PS. a ampliar as funções admissíveis para as polícias municipais,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Que já não é polícia administrativa!

O Orador: - ... quais fossem a da guarda das instalações municipais. Ainda se admite, ou pelo menos admitiríamos, que fosse possível fazer isto.
De maneira que, pondo ponto final neste assunto, entendo que há aqui muita matéria a discutir.
Em relação à parte da intervenção dos municípios, temos de compartimentar as áreas sob pena de, criando a confusão e fazendo-os intervir em áreas que constitucionalmente lhes estão vedadas e onde não devem sequer, em nome da eficácia, intervir, estarmos mais a criar problemas para o futuro do que a tentar resolver os do presente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Carlos Encarnação, sobretudo pela contenção no tempo.
Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra apenas para esclarecer alguns pontos e fazer um primeiro agradecimento pela oração de sapiência do Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Como é óbvio, fiquei deliciado com as informações que nos deu, mas gostaria, relativamente à insegurança, de dizer que, de tacto, no dia 1 de Outubro, de repente, as pessoas sentiram mais segurança, e não uma segurança virtual mas real. E pelo simples facto de ter sido exactamente nessa data que os eleitores mandaram o PSD de férias para casa, entrou-se num clima de urna maior normalidade e tranquilidade. Daí que o facto de nunca mais se ter ouvido falar, de forma tão intensa, nesse problema se deverá certamente a VV. Ex.as, considerando-se que, na altura, tal como agora o querem ser, eram, se calhar, o principal motivo dessa insegurança.
Entretanto, um conjunto de considerações que fez advém de facto da sua intranquilidade de consciência, tendo mesmo caído na tentação de fazer um pequeno resumo dos últimos 100 dias do ex-Governo do PSD, para que não fosse alguma coisa ter passado em claro.
A minha terceira consideração é relativa ao tráfico de droga, em que, de facto, a desculpa do ex-Governo do PSD - diz V. Ex. ª - é a de que havia uma mentalidade consumista - então, quem é que a criou?-, que o combate é difícil - então, que medidas foram implementadas no terreno?-, que não é um problema de pobreza, mas de riqueza. De facto, isto é suficientemente ridículo! Compreendo que tenha jogado esta argumentação para esconder as lacunas que o seu próprio ministério assumiu durante os tempos em que governou.
Por outro lado, a questão técnico-jurídica do conteúdo. do projecto, que aqui é apresentado, causa-lhe alguma perturbação

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muita!

O Orador: - O Sr. Deputado diz que é um projecto feito à pressa, que não tem consistência técnica e jurídica, que é uma vergonha, exactamente para tapar a vergonha que é o facto de o PSD estar aqui nesta Assembleia a reagir negativamente ao que diz o PP, o PCP, o PS. Mas coisas concretas e construtivas, como propostas e projectos, não aparecem. VV. Ex.as andam extraordinariamente ocupados com questões internas, de que não vou falar para não o preocupar mais.
Uma outra questão tem a ver com aqueles modelos, quais realidades apontadas, dos outros países. Sr. Deputado, não seguimos qualquer desses modelos, eles foram apontados apenas para dizer que nesses países existem preocupações e que para fazer face a elas foram criados órgãos, órgãos esses e preocupações essas que não tínhamos. Quer dizer, os senhores não tinham essas preocupações nem queriam criar este órgão com idênticas funções, e por isso é que, quando foram maioria absoluta, rejeitaram esmagadoramente a proposta, que agora elogiam, do PCP. Enfim, são evoluções, que registo com algum agrado. Não há dúvida alguma de que se oura virtude não tivesse tido este resultado eleitoral terá tido pelo menos a de o tornar mais flexível, mais compreensivo e até, veja-se, mais dialogante, o que nos agrada registar neste momento.
Gostaria ainda de dizer-lhe, para terminar, que as restrições orçamentais não atingem matéria de segurança. Em matéria de segurança, vai haver um investimento superior, e foi exactamente isso o que os senhores não fizeram no passado. Daí que eu compreenda esta aflição, estes disparos laterais, exactamente para fazer cobertura àquilo que não realizaram e, sobretudo, àquilo que neste momento, pelo vosso trabalho, que não têm feito, ainda não resolveram apresentar a esta Assembleia como solução para esses problemas.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminada a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei nos 68/VII e 88/VII.

Páginas Relacionadas
Página 1031:
8 DE FEVEREIRO DE 1996 1031 O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Está a esgotar o seu tempo para de
Página 1032:
1034 I SÉRIE - NÚMERO 36 A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira,

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×