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Quinta-feira, 4 de Abril de 1996 I Série - Número 55

VII LEGISLATURA

1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE ABRIL DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação das interpelações n.os 1 e 2/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP) chamou a atenção para notícias publicadas referentes à manipulação, desde 1991, dos resultados das análises de água efectuadas no âmbito do programa de atribuição de bandeiras azuis às praias do distrito de Leiria, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Henrique Neto (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Rio (PSD) fez a análise dos resultados do 18.º Congresso do seu partido e teceu críticas à acção governativa. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), João Amaral (PCP) e Jorge Ferreira (CDS-PP), tenda ainda suscitado o uso da palavra, em defesa da honra e consideração, do Sr. Deputado Manuel Monteiro (CDS-PP).
O Sr. Deputada Francisco Valente (PS) chamou a atenção da Câmara para carências do distrito de Aveiro, em particular do concelho de Oliveira de Azeméis, e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Roque Cunha, Hermínio Loureiro e Castro de Almeida (PSD).
O Sr. Deputado Carlos Pinto (PSD) defendeu o do voto dos emigrantes em todos os actos eleitorais e condenou a posição do PS expressa no respectivo projecto de revisão constitucional, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Luís (PS).

Ordem do dia. - A Câmara apreciou, na generalidade, o projecto de lei n. º 29/VII - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes (PCP). Além do Sr. Deputado António Filipe (PCP), que também procedeu à apresentação do diploma, e do Sr. Deputado Jorge Roque Cunha (PSD), que fez ainda a síntese do relatório da respectiva Comissão, usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Bernardino Vasconcelos (PSD). Jovita Matias (PS). Ismael Pimentel (CDS-PP). Alberto Marques (PS), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Agostinho Moleiro e José Niza (PS) e Bernardino Soares (PCP).
Entretanto, em votação final global, foi aprovado o texto de substituição, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da proposta de lei n.º l6/VII Estabelece um processo de regularização da situação dos imigrantes clandestinos e dos projectos de lei n.º 19/VII - Determina a abertura de um novo processo de regularização extraordinária de imigrantes (Os Verdes) e 116/VII- Regularização extraordinária da situação dos cidadãos que residam em Portugal sem autorização legal (PCP).
O projecto de lei n.º 64/VII - Permite a constituição como assistentes em processo penal no caso de crime de índole racista ou xenófoba por parte das comunidades de imigrantes e. demais associações de defesa dos interesses em causa (PS) foi debatido na generalidade. Após a Sr.ª Deputada Celeste Correia (PS) ter procedido à apresentação do diploma, intervieram, a diverso título, além daquela oradora, os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Antonino Antunes (PSD). Nuno Baltazar Mendes (PS), Odete Santos (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes. Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rita Maria Dias Pestana Cachuxo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.

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Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira..
José Manuel Durão Barroso.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Carlos Alberto Maia Neto.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Manuel Pereira Marques.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cerva4.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na reunião plenária de 27/03/96, ao Sr. Presidente da Assembleia da República e ao Ministério da Cultura, formulados pela Sr.ª Deputada Jovita Matias; ao Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado José Reis; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Roque Cunha e António Filipe; ao Ministério do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados João Poças Santos e Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Cultura, formulados pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto; aos Ministérios da Administração Interna e da Economia, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Portas.
Na reunião plenária de 28/03/96, ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Alberto Santos e Gonçalo Ribeiro da Costa; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Marques Júnior; ao Ministério da Educação, formulados pela Sr.ª Deputada Amélia Antunes e Luísa Mesquita; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque da Cunha; aos Ministérios da Saúde e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Lino de Carvalho, na sessão de 9 de Novembro; Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 4 de Janeiro; António Galamba, no dia 15 de Fevereiro; Octávio Teixeira, na sessão de 1 de Março; Manuela Moura Guedes, na sessão de 20 de Março; Luís Sá, na sessão de 21 de Março. 
Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidas, as interpelações ao Governo n.º 5 1/VII - Centrada na crise social, nas perspectivas do seu agravamento, nas suas causas e nas políticas necessárias para combatê-la (PCP) e 2/VII - Sobre os temas do combate ao desemprego e das políticas de emprego (CDS-PP).

O Sr. Presidente: - Lembro que hoje, à hora habitual, por volta das 18 horas, proceder-se-á à votação, na

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especialidade e final global, da proposta de lei n.º 13/VII - Limite de endividamento externo para 1996, da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Se entretanto terminarmos a discussão dos projectos de lei que irão estar hoje em debate eles serão votados também nessa altura, a menos que a Mesa marque uma hora para, posteriormente, se proceder à votação destes diplomas.
Srs. Deputados, inscreveram-se, para declarações políticas, os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa e Rui Rio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A opinião pública foi ontem confrontada com notícias sobre a manipulação, desde 1991, dos resultados das análises da água efectuadas no âmbito do programa de atribuição de bandeiras azuis às praias no distrito de Leiria. Os factos afiguram-se tanto mais graves na medida em que teriam sido praticados por entidades oficiais na dependência do Ministério da Saúde. E, como se a gravidade já não fosse bastante, a situação, conhecida da Direcção-Geral de Saúde, pelo menos desde o Verão passado, originou um inquérito, por certo rigoroso, mas que será arquivado.
Ora, a confirmarem-se todos estes factos, estamos perante um atentado à saúde pública e, em simultâneo, perante uma fraude à confiança dos cidadãos numa classificação que, bem ou mal, deficiente ou não, nos habituámos - e nos habituaram - a considerar: a atribuição de bandeiras azuis.
Não há justificação para este comportamento e, a partir de agora, justificar-se-á a perda de confiança dos cidadãos nas informações que lhes são veiculadas pelas entidades públicas e oficiais.
Por seu lado, os agentes económicos que operam nas zonas balneares do distrito de Leiria terão fundadas razões para temerem pelo seu futuro na próxima época, independentemente de se encontrarem instalados e a operar em praias a que seja atribuída bandeira azul. Ou seja, tudo agora pode ser posto em causa.
Há questões incómodas que não podem deixar de ser colocadas, desde logo e em primeiro lugar, quais as razões que estiveram na base deste procedimento fraudulento, quem determinou que eles tivessem sido praticados, quem tinha conhecimento dessas práticas e desde quando.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que acabámos de descrever e que ontem veio a público é suficientemente grave para se esgotar numa reportagem jornalística.
Desafiamos a Sr.ª Ministra da Saúde a avocar as competências que, nesta matéria, cabem aos órgãos desconcentrados do seu Ministério e a rever todo o processo de atribuição de bandeiras azuis, sem se esquecer, no entretanto, de punir os responsáveis por estes factos concretos.
Da nossa parte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estaremos atentos e não deixaremos de voltar ao tema, se não virmos do Ministério, da Saúde coragem e determinação para mudar o sistema.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, também eu tomei conhecimento, nos últimos dias, do que acabou de referir e gostaria de salientar, porque não foi suficientemente aclarado por V. Ex.ª, que esses factos se reportam há um ano e até há mais de um ano, ou seja, ocorreram sob a responsabilidade clara da administração anterior.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, não deixo de lamentar, tal como V. Ex.ª, a grande desorganização e irresponsabilidade que se criou em muitos sectores da Administração Pública - e esse não é o único!-, o que é preocupante na medida em que os cidadãos começam a duvidar e a terem preocupações grandes e graves sobre o funcionamento desses sectores. E isso não pode ser separado do facto de o governo anterior ter cerceado meios e recursos em quase todos os sectores da Administração Pública.
Todavia, gostava de perguntar a V. Ex.ª se pensa que este caso que indicou ter acontecido no distrito de Leiria é imputável simplesmente a esse distrito, o que poderia contribuir para o desprestigio dos serviços no nosso distrito, ou se, pelo contrário, é um indício de que situações deste género poderão acontecer, ou ter acontecido, em muitas outras zonas do País.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Neto, vou começar pela segunda questão porque, apesar de me parecer também grave, poderá ser, eventualmente, menos importante do que a primeira.
Julgo que este caso pode ser considerado um indício de que este tipo de práticas não se circunscreve a uma zona específica do litoral português. Nada nos garante que assim não seja e portanto, como eu disse na intervenção, a partir deste momento tudo pode ser posto em causa e a confiança dos cidadãos nas autoridades oficiais, nomeadamente nesta matéria da área da saúde, está justificadamente diminuída.
Mas vamos agora à primeira parte do seu pedido de esclarecimento. Já é hábito, desde há muito tempo, desde há 4 ou 5 meses, ouvirmos o PS falar em factos que reportam à administração anterior e, depois, colocar um muro entre a administração anterior...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É pura verdade, Sr. Deputado!

O Orador: - Não é verdade, e já vou explicar-lhe como não há muros nesta matéria, pelo menos não há muros entre o PS e o PSD.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Essas análises são de 1994!

O Orador: - Sr. Deputado, se me deixar falar, já lhe vou explicar como não há muros entre o PS e o PSD e que isso começa a ser um hábito.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O que o Sr. Deputado, porventura, não sabe ou não quis ou esqueceu-se de dizer é que o provável responsável por estas manipulações foi nomeado pelo

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Governo PS para a Região de Saúde de Leiria. Ora, como está a ver, não há muros, não há anteriores e actuais administrações, há, isso sim, uma continuação infeliz de práticas anteriores!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É um escândalo!

O Orador: - Portanto, o PS continua a, nesta matéria, ter muitas "telhas de vidro".

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa interpretou indevidamente uma carta recebida do Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Popular, no sentido de uma intervenção no período de antes da ordem do dia da reunião plenária de hoje. Julguei que se tratava de uma declaração política, mas acabo de ser informado de que assim não é. Dei, pois, indevidamente, a palavra para esse efeito ao Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, mas fica entendido que tal não prejudica o direito de o Sr. Deputado Jorge Ferreira fazer uma declaração política na próxima reunião plenária.
Antes de dar a palavra, para uma declaração política, esta sim, ao Sr. Deputado Rui Rio, informo que temos connosco um grupo de 60 alunos da Escola E.B.M. de Vairão, de Vila do Conde, 20 alunos da Escola Secundária Dr. Joaquim G.F. Alves de Valadares e 20 jovens macaenses.
Saudêmo-los.

Aplausos gerais, de pé.

Tem, então, a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realizou-se no passado fim-de-semana, em Santa Maria da Feira, o 18.º Congresso Nacional do Partido Social Democrata.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Até agora é verdade!

O Orador: - Durante os últimos dois meses não faltou quem, quotidianamente, fizesse as mais catastróficas previsões sobre o provável desfecho político do órgão máximo social-democrata. Aquilo que muitos prenunciavam seria o partido sair com uma solução fraca e transitória, incapaz de impor o PSD como uma verdadeira alternativa de poder em Portugal.
A intensa cobertura mediática de que o Congresso foi alvo permitiu que todos os portugueses pudessem ser testemunhas de que, afinal, assim não foi.

O Sr. Carlos Coelho (PSD):- Muito bem!

O Orador: - O PSD não só saiu reforçado como firmemente disposto ao combate político, que a vontade do eleitorado e o estatuto de principal partido de oposição necessariamente lhe impõem.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Durante três dias, o PSD mostrou que está em paz com o seu passado e que se orgulha do muito que fez pelo País. Como tudo na vida, também na nossa governação houve o que correu bem e o que correu menos bem. Só que o que é perfeitamente indesmentível é que, volvidos 10 anos, Portugal é, indubitavelmente, um país mais moderno e mais próximo dos. níveis de desenvolvimento médio dos nossos parceiros comunitários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em Portugal, ninguém de bom senso, por certo, desejará voltar 10 anos atrás.

Aplausos do PSD.

O exemplo mais claro. de que assim é, e de que a empatia entre o conclave social-democrata e .os portugueses foi uma constante, mede-se bem pela completa ignorância em que caíram as múltiplas realizações partidárias e governativas que os socialistas, aflitivamente, levaram a cabo, com o intuito único de tentar diminuir o efeito político deste Congresso.

Voes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O apagamento de tais realizações foi de tal ordem que chegou, mesmo, a assumir o ridículo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No passado fim-de-semana, o País estava interessado naquilo que de verdadeiramente importante aconteceu e não em meras manobras de autêntica diversão mediática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não se compreende, aliás, que o Governo se preocupe mais em combater os efeitos políticos de um Congresso do que em verdadeiramente governar o País.

Aplausos do PSD.

O PSD saiu da sua reunião magna consciente da necessidade de renovação. Renovação que, para que fique claro, não significa refundação. Renovação significa, tão somente, a ,adaptação às necessidades que a sua nova condição de maior partido de oposição obrigatoriamente lhe exige.
A primeira necessidade consistia, desde logo, em eleger para Presidente do partido um político experiente, sagaz e com vontade de vencer. O novo líder que o PSD escolheu não só reúne todos esses atributos como demonstrou que é capaz de ser portador de uma nova relação de confiança com os portugueses.
O novo Presidente do PSD é o líder que o partido procurava e que o País necessita.
Para António Guterres, a partir de agora, só há dois caminhos: ou governa com eficácia ou será substituído por Marcelo Rebelo de Sousa.

Aplausos do PSD.

Mas se ao PSD é fácil conciliar o passado com o presente, ao Partido Socialista tal parece inconciliável.
O partido que apoia o Governo não consegue assumir a sua condição de partido do poder e insiste em conti-

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nuar a fazer o simples papel de oposição, desta feita de oposição ao PSD.
Não é, aliás, de admirar que assim seja! Quem, durante 10 anos, se limitou a prometer. o possível e o impossível e a deixar-se comandar pela lógica da correria desenfreada atrás de tudo que era reivindicação corporativa ou pequeno interesse de grupo, não está, obviamente, nas melhores condições para conduzir uma governação da forma mais eficaz.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o PS chegou ao Governo completamente condicionado por aquilo que foi a sua lógica de oposição.
Por isso, as três primeiras medidas que tomou foram medidas de sinal exactamente contrário ao que efectivamente deviam ser: acabou com Foz Côa, suspendeu propinas e aboliu portagens.
Em lugar de tomar decisões que pudessem gerar expectativas positivas nos agentes económicos e, assim, criar uma nova dinâmica e uma nova confiança na sociedade, as três primeiras decisões deste Governo apenas vieram criar novas dificuldades, cujo custo terá de sair do bolso de todos nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nenhum Governo competente se lembraria de começar a sua actividade de forma tão desastrada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não admira, pois, que seja o próprio Executivo que, ao tomar consciência dos seus próprios erros, assume perante o País que o investimento vai baixar, que o crescimento vai ser menor e que o desemprego vai subir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos um Governo que não só se encontra resignado como impotente perante tal realidade.
Um Governo cujo Primeiro-Ministro, ao mesmo tempo que anuncia medidas de combate ao desemprego, proclama, perante a estupefacção geral, que elas de pouco ou nada servirão.
Um Governo que não assume a sua responsabilidade pela condução política das forças de segurança e tenta iludir infantilmente a opinião pública, ao se desculpar com uma decisão de um tribunal que, obviamente, nada tem a ver com o que verdadeiramente está em causa.
Um Governo que não se cansou de criticar jocosamente a política do betão, mas que agora anda, incoerentemente, de porta em porta, a tentar explicar que afinal as estradas não vão deixar de se fazer.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Um Governo que apresenta um Orçamento do Estado que se esquece de que o combate ao desemprego deve ser a primeira prioridade nacional e que, assim, pura e simplesmente, não o utiliza como instrumento de combate contra esse flagelo.

Aplausos do PSD.

Um Governo que lança o caos nas prisões portuguesas...

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Um Governo, Srs. Deputados, que lança o caos nas prisões portuguesas, no momento em que o partido que o sustenta faz aprovar uma amnistia injusta e perfeitamente desestabilizadora.

Aplausos do PSD.

Um Governo cuja Ministra para a Qualificação e o Emprego ignora os nossos compromissos comunitários e afirma, em completa contradição com as orientações e discursos do próprio chefe do Governo, que se a inflação subir daí não virá grande mal ao inundo.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Um Governo que anuncia que poderá aprovar um decreto-lei que conceda novas facilidades para quem está em dívida com o fisco e a segurança social, sem perceber que, no exacto momento em que fez esse anúncio, desde logo, criou á mais completa desestabilização junto de quem está a cumprir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um Governo que, finalmente, dá perigosos sinais de que julga ser aconselhável resolver os problemas das empresas em dificuldades com constantes intervenções casuísticas por parte do Estado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Antes as casuísticas do que as clientelares que os senhores apoiaram!

O Orador: - Este é, pois, Sr. Presidente, o caminho que o Governo de Portugal não pode continuar a trilhar.
Estas são, pois, as razões pelas quais se tornou urgente um debate entre o líder da oposição e o Primeiro-Ministro de Portugal.

Aplausos do PSD.

Um debate a realizar nos exactos termos em que o Secretário-Geral do PS sempre entendeu que deveria ser realizado. Um debate que, se não for feito, demonstrará, mais uma vez, ao País que aquilo que António Guterres diz não é para levar a sério.

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - No Marcelo é que toda a gente acredita!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, não tenha medo do Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após este Congresso, tudo ficou mais claro!
Por um lado, o PSD não permitirá mais que o Partido Socialista se continue a comportar como oposição ao passado, em lugar de se assumir como Governo do presente.

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Os portugueses votaram para que o País tenha um Governo que governe e não para que passe o seu precioso tempo em permanentes manifestações de hostilização ao passado.
Por outro lado, não adianta ao PS tentar impor a realização da regionalização antes do processo de revisão da Constituição portuguesa.
A criação de regiões administrativas é matéria constitucional. Não tem, pois, qualquer lógica levar a cabo a sua criação antes de encerrado o processo de revisão da lei fundamental do País. Acresce que o processo de criação das regiões administrativas é matéria de regime. E, para nós, matérias de regime jamais poderão passar à margem do PSD, que é o mesmo que dizer à margem de 34% dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Se assim proceder, também aqui o PS estará a actuar à revelia do que prometeu, ao ter afirmado repetidamente que só avançaria para a regionalização em consenso com os outros partidos.
Se o PS quiser fazer a regionalização única e simplesmente com o Partido Comunista Português terá de assumir que a está a fazer contra o Partido Social Democrata.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não admitiremos que ela seja feita contra o PSD, assim como não admitiremos que ela seja feita contra a vontade dos portugueses. Por isso, a criação das regiões administrativas é o exemplo acabado de uma matéria que pode e deve ser sujeita a referendo. Se os socialistas não a sujeitarem à apreciação directa dos interessados, deixarão claro perante o País que a sua única preocupação não é a salvaguarda do interesse nacional mas, sim, a mera satisfação dos seus interesses eleitorais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nova direcção do PSD está, pois, ciente do papel decisivo que o partido tem de ter na vida política do País.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - A anterior não estava!

O Orador: - Cumpriremos as nossas obrigações enquanto maior partido da oposição. Apoiaremos o Governo quando ele nos parecer merecedor desse apoio; criticá-lo-emos sempre que entendermos que os interesses. dos portugueses não estão a ser conduzidos da forma mais consentânea com o que julgamos ser o interesse nacional.
Nem só no Governo se serve o País. Numa democracia que deu já inequívocos sinais de ter atingido a maturidade, não temos dúvidas de que também na oposição se serve Portugal.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Por isso, continuem lá muito tempo!

O Orador: - É, pois, na consciência plena desse dever que seguramente continuaremos o nosso caminho.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Alegre, João Amaral e Jorge Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, não é o PS que tem dificuldades em assumir o seu papel de partido do poder, é, como se vê, o PSD que tem uma grande dificuldade em assumir o seu papel de partido da oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esse é um problema existencial. O PSD teve sempre, e tem, dificuldade em existir fora do poder. O vosso problema é que os senhores, psicológica e culturalmente, ainda se julgam no poder. Pensam que são poder por uma espécie de direito divino, mas o vosso problema é que politicamente perderam as eleições, politicamente estão fora do poder, politicamente estão na oposição, e politicamente têm de aprender a estar na oposição de uma maneira responsável.

Aplausos do PS.

É um problema de reciclagem política, porque penso que o PSD, na oposição, tem de aprender a readquirir um certo sentido de Estado, para não fazer afirmações irresponsáveis como as que o Sr. Deputado fez da tribuna...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - ... relativamente à, situação nas cadeias portuguesas.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

A menos que os senhores...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Quem é o responsável?!

O Orador: - Foi uma decisão democrática desta Assembleia. Passou a ser uma lei e os senhores têm de respeitar a lei, porque este é um Estado de direito democrático. Têm de a respeitar!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Têm de aprender a ganhar e têm de aprender a perder!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Podia era assumir as consequências, Sr. Deputado!

O Orador: - Amenos que os senhores queiram que a opinião pública e o País pensem que é o PSD quem, de certa maneira, está a provocar ou a fomentar a desestabilização que se passa dentro das cadeias portuguesas.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

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Sr. Deputado Rui Rio, o País precisa de estabilidade.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Exactamente! O PS que o diga!

O Orador: - E não há estabilidade sem uma oposição responsável, que tenha a sua própria estabilidade interna. Penso que será muito grave para o País, para o funcionamento do sistema político e também para o próprio PSD se o vosso partido persistir em projectar para fora, no País, a sua própria instabilidade interna. Será grave.
Desejo, pois, sinceramente que o vosso novo líder, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, consiga repor a estabilidade no vosso partido, fazer essa reciclagem e fazer com que o PSD se comporte como um partido responsável da oposição. Desejo-lhe, sinceramente, felicidades no exercício do seu cargo e, sobretudo, que, como dirigente do maior partido da oposição, não confunda esse cargo com o seu anterior talento de criador de factos políticos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, entendo que o PSD se está a comportar como um verdadeiro partido da oposição. Por sua vez, entendo que o PS não se está a comportar como um verdadeiro partido do Governo. E vou provar-lho.

Aplausos do PSD.

Em primeiro lugar, por que é que o PS não se está a comportar como partido do Governo? Quando o Partido Socialista e o Governo promovem, no dia do Congresso do PSD, realizações apenas para ofuscar esse Congresso, não estão a governar o País mas, sim, a comportar-se como oposição!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Em segundo lugar, nós, como partido responsável da oposição, fizemos um desafio claro naquele Congresso. Aceite o Sr. Primeiro-Ministro realizar um debate com o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que está, precisamente, a assumir-se como o líder da oposição!

Protestos do PS.

Aceite esse debate nos exactos termos propostos pelo Sr. Secretário-Geral do PS, António Guterres, quando era líder da oposição! E, mais ainda, aceite não nos prazos...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio para que o Sr. Deputado Rui Rio possa fazer-se ouvir.

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Alegre, aceite o debate não nos prazos que o Primeiro-Ministro quer impor mas, sim, na melhor das hipóteses, nos prazos do diálogo, pois, sendo os senhores os arautos do diálogo, aqui já não querem dialogar.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS):- Essa agora!

O Orador: - Quer isto dizer que os senhores não defendem qualquer diálogo, os. senhores só defendem diálogo quando não têm soluções, substituem as soluções para os problemas pelo diálogo. Se assim não fosse, dialogavam também sobre esta matéria, como sobre muitas outras.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra ou consideração.

O Sr. Presidente: - Da bancada ou pessoal? Tem de ser uma defesa da consideração pessoal, uma vez que o Sr. Deputado não faz parte da direcção do grupo parlamentar.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Faço parte da direcção do Partido Socialista, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mas não faz parte da direcção da bancada.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, de acordo com a questão colocada pelo Sr. Presidente, e sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de dizer que a defesa da consideração é, evidentemente, em nome da bancada, pois basta termos presente o que foi dito sobre a resposta do Sr. Primeiro-Ministro ao chamado desafio do líder do PSD. Portanto, o Sr. Deputado Manuel Alegre pediu a palavra para exercer o direito de defesa da consideração em nome da bancada do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, está entendido que a defesa da consideração da bancada tem de ser feita por alguém que pertença á direcção do grupo parlamentar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Se o Sr. Presidente assim o entende, então exercerei eu esse direito.

O Sr. Presidente: - Não sou eu que o entendo mas, sim, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, Sr. Deputado.
No entanto, logo que termine esta fase do debate, darei a palavra ao Sr. Deputado Manuel Alegre.
Para formular um pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, ouvi a sua descrição do Congresso do PSD. Aliás, todos tivemos um fim-de-semana repartido entre o futebol e o Congresso, portanto, não tivemos alternativa.
A questão é esta: já que o Sr. Deputado traz a descrição do Congresso a este Plenário, chamo-lhe a atenção apenas para dois aspectos que não referiu, mas que era importante salientar e foi pena não o ter feito na sua intervenção.
O primeiro aspecto é este: os senhores conseguiram fazer um congresso que durou três dias e nunca assumi-

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ram as responsabilidades que tinham pela situação em que o País se encontra e que resulta dos 10 anos do governo de Cavaco Silva.

Aplausos do PCP.

O segundo aspecto é o seguinte: é de assinalar o enormíssimo esforço feito pelo Sr. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa em conseguir encontrar diferenças entre as suas propostas políticas e as que o Governo do Partido Socialista vem pondo em execução.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!

O Orador: - É um esforço notável, que mostra que, de facto, uma figura tão imaginativa como ele consegue "tirar alguns coelhos da cartola" nos sítios mais inesperados.
Passemos agora às questões que levantou, nomeadamente. a primeira, sobre os debates a dois. Compreendo que o Sr. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa seja pouco conhecido nas classes média e baixa. Ele é mais conhecido na classe média alta, e tem algumas dificuldades de comunicação com o País. Por isso, compreendo que tenha uma enorme necessidade de aparecer na televisão, que, parece-me, é um local onde não se dá muito bem. Agora, se Sr. Deputado vem afirmar que o seu Congresso localiza o PSD no respeito das regras democráticas, pergunto-lhe: é democrático fazer debates a dois, construindo uma bipolarização artificial? Digo-lhe que não o é, os debates políticos têm de envolver todas as forças políticas e, nesta Assembleia, há quatro, que representam segmentos significativos do eleitorado e têm, em conjunto, de percorrer esses debates e discutir os problemas do País.
Finalmente, Sr. Deputado, a questão mais importante para mim é a da sua posição relativa à revisão constitucional, ou, melhor dizendo, à regionalização. Quero dizer-lhe algo que já aqui ontem disse, mas repito: o que o PSD está a fazer com o processo de revisão constitucional em relação à regionalização é uma operação de baixa chantagem política, totalmente inadmissível e inaceitável, que só pode merecer uma resposta muito clara, um "não" frontal, porque é isso que deve ser dito a operações de chantagem como essa que o PSD está a configurar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, pergunto-lhe se acha legítimo levantar aqui, nesses termos, uma questão que é do interesse nacional. O Sr. Deputado coloca-se nesta posição e essa é a fórmula adequada. O Sr. Deputado diz que se a regionalização for aprovada em certas circunstâncias, isso será feito contra o PSD. E eu digo-lhe: conheço essa teoria, é a teoria muito antiga de "quem não está comigo, está contra mim". Não é uma teoria democrática, Sr. Deputado!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, quanto aos 10 anos para trás, ou, se quiser, aos 22 anos, eu disse na tribuna que este Congresso - não são os dirigentes do partido, é o Congresso, são todos os militantes - mostrou que tem orgulho em tudo aquilo que o PSD fez pelo País. E a ovação que receberam Cavaco Silva, Francisco Balsemão e Fernando Nogueira não deixa qualquer equívoco de que este é um partido orgulhoso do que fez pelo País. Ponto final, parágrafo!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado João Amaral, está em busca das diferenças entre o PSD e o PS. Neste momento, estou em busca das diferenças entre o PCP e o PS, em matéria de regionalização. E essa a busca que estou a fazer neste momento.

Aplausos do PSD.

Deixe que lhe diga, Sr. Deputado João Amaral: se está com tantas preocupações quanto à democracia, acha que há algo mais democrático do que fazer um referendo e perguntar aos portugueses o que eles querem, e não impondo o que os dois partidos da esquerda querem?

Aplausos do PSD.

Digo-lhe ainda mais uma coisa, Sr. Deputado João Amaral: se não se fizer o referendo acerca da regionalização, pode ter a certeza de que o Partido Social Democrata vai fazer uma campanha para que os portugueses percebam por que razão os senhores não quiseram ouvir a voz do povo.

Aplausos da PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, o PSD e o PS passam a vida nesta Assembleia a fazer de conta que são diferentes e querem encontrar à força VV. Ex.ª mais, neste momento argumentos que os diferenciem.
A verdade é que VV. Ex.ª, durante 10 anos, lançaram o sistema prisional num caos e o PS, desde que ganhou as eleições, agravou esse caos, com uma lei de amnistia indescritível.
O fenómeno é o mesmo: quer o PSD quer o PS entendem que a segurança dos portugueses não é uma prioridade e não têm coragem para dizer que o País precisa de uma nova política de segurança.
O PSD passou 10 anos a baixar as penas dos crimes mais graves que afectam a segurança dos portugueses...

Vozes do PSD: Não é verdade!

O Orador:- ... e o PS sempre concordou com VV. Ex.as. Ainda nesta legislatura, o Partido Popular apresentou aqui um projecto de lei, visando introduzir algumas alterações no Código Penal, agravando sensivelmente as penas, sobretudo para combater o grande tráfico de droga e, mais uma vez, VV. Ex.ª, PSD e PS, em uníssono, votaram contra.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Os senhores são de opinião que os limites das penas estão bem como estão, mas o País não é da mesma opinião.

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VV. Ex.as, durante 10 anos, lançaram o sistema educativo num caos, no lascismo, na falta de rigor, de exigência, de qualidade e de perspectivas de futuro pára os jovens portugueses. O PS, no Governo há seis meses, a única coisa que fez até agora foi dizer que, para se entrar na universidade, podem-se ter 9,5 valores, mas também se pode ter zero! Ou seja, agravaram o problema!

Aplausos do CDS-PP.

VV. Ex.as, desde 1991, refundaram a grande vaga de desemprego que Portugal já não conhecia há alguns anos; o PS, desde que está no Governo, agravou o número de desempregados em Portugal, como dizem as estatísticas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - VV. Ex.as, em 1991, venderam a soberania de Portugal quando ratificaram o Tratado de Maastricht e o PS concordou!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - VV. Ex.as, em 1992, proibiram os portugueses de se pronunciar, através de referendo, sobre o Tratado de Maastricht e o PS esteve de acordo, pelo que também gosta dessa política.
Em suma, VV. Ex.as são iguais!
Por isso, compreendo, Sr. Deputado Rui Rio, que tenha tido a necessidade de vir aqui fazer de conta que o PSD é diferente do PS. E, curiosamente, o grande tema que encontra para sublinhar essa diferença é um problema nacional, que, julgo, preocupa os 10 milhões de portugueses: um debate televisivo!
Isto demonstra, Sr. Deputado Rui Rio, que a consciência pesa ao PSD por todos os males que causou ao País nos últimos 10 anos e que o PS encontrou aqui um bom alibi para não ter de discutir os problemas sociais que está a agravar, desde que é Governo, desde o dia 1 de Outubro.
Sr. Deputado Rui Rio, quero fazer-lhe uma pergunta muito concreta: VV. Ex.as dizem que são outros, que mudaram. Diga-me, então, Sr. Deputado, se o PSD, uma vez que as reformas dos portugueses estão ameaçadas pelo agravamento do sistema de segurança social que os senhores geriram durante 10 anos sem fazerem qualquer reforma de fundo, é ou não a favor da extinção das reformas dos políticos, nos termos de privilégio em que elas hoje existem.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador:- Diga-me, Sr. Deputado, "sim" ou "não", para ficarmos a saber se VV. Ex.as, de facto, mudaram em alguma coisa, porque, até agora, creio que não mudaram em coisíssima alguma.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, pensava que, desta vez, VV. Ex.as iam, afinal, dizer o que pensam sobre a União Europeia, uma matéria relativamente à qual estão sistematicamente contra, mas ninguém percebe o que defendem.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Nós explicamos!

O Orador: - Mas como pelos vistos não defendem o que quer que seja, resolveu falar do mesmo que, ainda ontem ou anteontem, o Presidente do seu partido falou, ou seja, das reformas e das férias dos Deputados. Ora, em matéria de férias dos Deputados, se formos analisar bem as listas de presença neste Plenário, verificamos que o Presidente do seu partido é que está muitas vezes de férias, apesar de ser Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Isso é a maior mentira! Sou o único dirigente partidário aqui presente!

O Orador: - V. Ex.ª falou de desemprego. Sr. Deputado Jorge Ferreira, o senhor pode falar de tudo menos de desemprego, pois o seu partido votou aqui o Orçamento a troco de meia dúzia de benefícios fiscais, esquecendo-se de que esse Orçamento nada faz para lutar contra o desemprego! Não tem, portanto, autoridade para falar sobre essa matéria.

Aplausos do PSD.

Finalmente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, em matéria de diferenças, elas existem, de facto, e são diversas entre' o PSD, o PS e o PCP. E em relação ao Partido Popular? Entre o PP e o PSD, nomeadamente naquilo que se passou no Congresso do PSD, há uma diferença fundamental: enquanto nós, como já referi, aplaudimos Cavaco Silva, Pinto Balsemão e Fernando Nogueira, os senhores mudaram o nome ao vosso antigo partido. E, já agora, faço-lhes o seguinte desafio: não enterrem o vosso passado e tenham a coragem de fazer o mesmo que nós, exibindo nas vossas sedes as fotografias de Freitas do Amaral, Lucas Pires e Adriano Moreira! Não tirem de lá aquilo que é o vosso património!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - A do Lucas Pires está na vossa sede, não na nossa!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Rui Rio acaba de mentir relativamente...

Protestos do Deputado do PSD Rui Rio.

Oiça tudo, Sr. Deputado, porque há limites na política!
O Sr. Deputado Rui Rio acaba de mentir à Câmara, aludindo a umas pseudoférias, que o líder do meu partido tem tirado nesta Assembleia.
Solicito à Mesa que faça circular pelos vários grupos parlamentares o registo de presenças, incluindo a suspensão do mandato que ó Deputado Manuel Monteiro já pediu, desde 1 de Outubro, para que seja facilmente provado que o Sr. Deputado Rui Rio mentiu à Câmara, o que é grave, relativamente às pseudoférias do Deputado Manuel Monteiro.

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Aproveito também para dizer ao Sr. Deputado Rui Rio que não tivemos o prazer de ver o anterior líder do seu partido, quando era preciso, como líder do vosso grupo parlamentar, "dar a cara" pelo mesmo. Estava sempre lá dentro, no gabinete, e nunca vinha para aqui, para a bancada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Trate, primeiro, de "arrumar a sua casa", Sr. Deputado, e não minta.
Lembro-lhe também que V. Ex.ª andou por aí a defender a abstenção do PSD na votação do Orçamento do Estado, mas, afinal, o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, mercê de algum dote, fê-lo mudar de opinião, em 360º, apenas no fim-de-semana.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sei se é curial pedir à Mesa extractos de documentos que são oficiais, públicos, e que estão ao alcance de todos vós. Parece-me que todos os Srs. Deputados podem obter esses elementos directamente através dá consulta dos registos de presenças.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Ó Sr. Presidente, isto não pode ser!

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª tem razão quando diz que todos nós temos acesso às listas de presença dá Assembleia da República. Porém, não temos acesso às listas de presença da Assembleia Municipal de Vieira do Minho nem às do Parlamento Europeu. Talvez V. Ex.ª pudesse facultar essas aos Srs. Deputados.
Por outro lado, Sr. Presidente, as críticas que fiz ao Sr. Deputado Manuel Monteiro não foram à luz daquilo que o PSD defende. Apenas quis evidenciar as contradições do Partido Popular, até porque entendo que o Sr. Deputado Manuel Monteiro, muitas vezes, não pode estar aqui.

Vozes do CDS-PP: - Mas está! Mas está!

O Orador: - Portanto, isto serviu apenas para demonstrar as contradições do Partido Popular, para jogar com os argumentos do Partido Popular e não com os do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Rio, os Deputados têm direito a requisitar todas as informações e elementos que quiserem quer da Administração Pública quer da administração municipal. Não me parece que a Mesa, neste caso, deva fazer de solicitador. Não me leve a mal, mas o Sr. Deputado pode formular directamente esse pedido.
Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, devo dizer que estranho um pouco a maneira como está a ser agora exercida a figura da interpelação à Mesa e também o modo como está a ser condicionado o exercício do direito de defesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixe-me dar-lhe o seguinte esclarecimento: o modo como está a ser interpretado o direito de defesa é aquele que foi fixado pela Conferência. O Presidente tem de respeitar os consensos a que aí se chegou.
Quanto à interpelação à Mesa, como sabe, é uma figura universal que serve para todos os Deputados, para todas as bancadas, quando não têm outra de que se possam servir. É um precedente que foi criado. Quando quiserem que ele acabe, terão a minha aprovação, mas deverá ser a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares a fazê-lo.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Rio, o Sr. Primeiro-Ministro declarou-se disponível para um debate com os líderes de todos os partidos parlamentares, porque isso é que é democrático e isso é que é pluralismo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nessa matéria, o PSD está muito mal colocado para dar lições a quem quer que seja.

Aplausos do PS.

De facto, durante 10 anos, os senhores tiveram um líder que recusou debater fosse de que forma fosse: nem a quatro, nem a três, nem a dois! Não houve diálogo, só monólogo, e foi por essa razão, entre outras, que os senhores perderam as eleições. Porém, quando havia monólogo e não havia debate, nenhuma voz aí se levantou para criticar.
Assim sendo, os senhores não estão em situação de dar lições de moral e de política a quem quer que seja.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, lamento dizer-lhe que aquilo que o Sr. Professor Marcelo Rebelo de Sousa propôs é exactamente igual àquilo que o Sr. Eng.º António Guterres, enquanto Secretário-Geral do PS, propôs. Por isso, só posso interpretar aquilo que V. Ex.ª acaba de dizer como um ataque ao Secretário-Geral do partido a que pertence.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da sua honra, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vai sendo hábito nesta Casa, mesmo quando não intervenho, citar o meu nome.

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Estão obcecados!

O Orador: - Gostaria, Sr. Presidente, em nome da minha dignidade, já não política mas pessoal, de esclarecer o Parlamento e aqueles que andam mais distraídos de que sou o único Presidente de partido, o único, que, desde o princípio, salvo a suspensão de 45 dias para assumir um compromisso político com os eleitores de Braga, tenho estado mais vezes nesta mesma Casa, do princípio ao fim...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade! O Sr. Deputado Almeida Santos é Presidente do PS!

O Orador: - Muito bem! O Sr. Presidente, com certeza, sabe que não estou a referir-me nem ao Presidente nem ao Secretário-Geral do PS.
Sou o único Presidente de partido que tenho feito questão de, permanentemente, estar presente nas sessões; mesmo quando só estão aqui quatro ou cinco Deputados; tenho feito questão de assistir aos debates parlamentares até ao fim e de apenas me ausentar da Sala quando tenho algo para tratar.
Sei, Sr. Presidente,...

Protestos do PSD.

O único Presidente de partido! Olhei muitas vezes para a bancada do PSD e o seu Presidente não estava lá! E olhei muitas vezes para a bancada do PCP e o seu secretário-geral não estava lá!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, os senhores são livres de me atacar politicamente. Não podem é mentir, nem dizer que não estou presente nesta Casa, quando sabem que estou! E também não podem vir dizer que não participo nos debates quando o País sabe que participo!
V. Ex.ª, Sr. Presidente, referiu que os registos estavam disponíveis à consulta de todos. Parece que não, porque, pelos vistos, há Deputados distraídos que não vêem que o Presidente do Partido Popular, Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Braga, é, na qualidade de dirigente máximo de um partido político da oposição, aquele que mais tempo passa no Parlamento, aquele que mais tempo passa nas sessões e aquele que mais vezes assiste aos debates parlamentares.
Quanto à questão relativa ao Parlamento Europeu, Sr. Deputado, quando me candidatei, em 1994 - e isto está escrito -, disse duas coisas ao País - e ainda bem que V. Ex.ª lembra isso, porque brevemente, em tribunal, se provará a minha razão em relação a alguns aspectos. A primeira dessas coisas é que participaria nas sessões do Parlamento Europeu que eu considerasse politicamente importantes. Não menti! Tal qual tinha dito ao País, estive naquelas em que disse que estaria. A segunda é que entregaria o vencimento que recebesse do Parlamento Europeu que não fosse gasto em despesas de transporte ou de estadia. Foi isso que prometi ao Parlamento, 'foi isso que prometi ao País e é isso que foi cumprido e será provado ao nível dos tribunais. Até porque, já hoje, Sr. Presidente, tive o grato prazer de assinar uma carta dirigida ao Sr. Deputado Alberto Martins, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pedindo que a Assembleia da República me autorizasse a prestar declarações na Procuradoria-Geral da República.
A terceira questão tem a ver com a Assembleia Municipal de Vieira do Minho. Pode ter a certeza, Sr. Deputado, que não perdi nem nunca perderei o meu mandato por faltas. É verdade que não tenho participado nas reuniões da Assembleia Municipal de Vieira do Minho, mas o povo sabe as razões, porque, também aí, quando me candidatei, disse em que circunstâncias participaria nos debates e nas reuniões. Mentir é dizer que se participa todos os dias e, depois, apenas aparecer lá em alguns.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, em primeiro lugar, para que fique claro, V. Ex.ª, quando fala das férias dos Deputados, sabe perfeitamente que está a fazer demagogia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Mas quem é que falou nas férias dos Deputados?

O Orador: - Quem falou nas férias dos Deputados foi V. Ex.ª. Diz sistematicamente que no projecto de revisão constitucional quer diminuir as férias aos Deputados!
V. Ex.ª não sabe que o que está estipulado na Constituição da República nunca é cumprido à risca?! Não sabe perfeitamente que esta Assembleia nunca fecha a 15 de Junho?! Sabe perfeitamente isso e, ao sabê-lo, está a enganar os portugueses e a fazer demagogia com essa matéria. Não é sensato que o faça.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não diga é que eu não venho cá!

O Orador: - A seguir diz que se candidatou ao Parlamento Europeu, mas que só iria lá aos debates que achasse politicamente importantes. Se calhar, Sr. Deputado, quando olha para a bancada do PSD e critica os Deputados ausentes é porque eles acham que não é politicamente importante estar aqui! O que é politicamente importante? Isso é de um grau de subjectividade que ninguém consegue resolver.

Aplausos do PSD.

Portanto, V. Ex.ª só vai ao Parlamento Europeu se for politicamente importante e a Vieira do Minho em determinadas circunstâncias. É muito vago apresentar-se ao eleitorado com tantas limitações.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Mas eu disse ao povo!

O Orador: - Para terminar, e porque de férias falou já há algum tempo, e não nos últimos dias, mas de reformas falou há pouco tempo, lanço-lhe um repto: por que é que os Deputados do PP, com V. Ex.ª à cabeça, não entregam hoje uma declaração ao Sr. Presidente e renunciam a essas reformas a que têm direito como to-

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dos os outros Srs. Deputados? Aceite este repto, dê o exemplo e entregue hoje a declaração.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Grande ideia!

Vozes do CDS-PP: - Entregamos já hoje!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, é para anunciar que, de acordo com o sugerido pelo Sr. Deputado Rui Rio, o meu grupo parlamentar fará a entrega das declarações a renunciar à reforma antes da idade a que os portugueses a ela têm direito. Entretanto, convido todos os Deputados do PSD a fazerem o mesmo.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, acabou a primeira parte do período de antes dá ordem do dia. Vamos entrar, agora, na segunda parte, ou seja, na que se destina a tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Valente.

O Sr. Francisco Valente (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito de Aveiro, com mais de 650 000 habitantes, é um dos maiores e mais importantes distritos do País, posicionando-se, logo após Lisboa. e Porto, como o mais activo a nível de vários indicadores nacionais, nomeadamente no pagamento de impostos, no emprego,, no total de remunerações, em receitas correntes das finanças locais e na comparticipação do FEF para as autarquias.
Com uma população activa de cerca de 325 000 pessoas, que corresponde a cerca de 7% da população activa nacional, distribuindo-se pela indústria transformadora (cerca de 75%), pelo comércio, construção civil, serviços e agricultura, contribui com mais de 70 milhões de contos para a segurança social e cerca de 40 milhões de contos no pagamento de impostos, ocupando a terceira posição a nível nacional nas receitas fiscais do Estado.
Aveiro é responsável por 12,45% do emprego nacional e é o distrito com a mais baixa taxa de desemprego.
Distrito com uma classe empresarial dinâmica, representa 12% da indústria nacional e ocupa posição cimeira no crescimento económico do País, com destaque para os sectores da madeira e cortiça, calçado, produtos metálicos, pescas e agricultura.
Com cerca de 12 000 empresas, número somente suplantado por Lisboa, Porto e Braga, o distrito de Aveiro, posiciona-se no ranking do volume de negócios em terceiro lugar no nosso país, com um valor de facturação superior a 330 000 milhões de contos, com vantagem clara sobre os distritos de Braga e Setúbal.
Com os seus 19 concelhos e 10 cidades, o distrito de Aveiro tem-se desenvolvido harmoniosamente, sem assimetrias chocantes. Dentro desta progressiva região de Aveiro, o concelho de Oliveira de Azeméis ocupa lugar de destaque, e, fazendo justiça à sua tradição no ensino, pois já em 1922 possuía, por iniciativa privada, o ensino liceal, e um pouco mais tarde, pela mão de Bento Carqueja, teve o então raro privilégio de ver criada a Escola de Artes e Ofícios, pioneira do ensino técnico, tendo sido durante décadas motor de desenvolvimento de toda essa região.
Aliada a esta tradição com a educação e a cultura, junta-se agora uma estrutura empresarial dinâmica e tecnologicamente desenvolvida.
Numa perspectiva de maior ligação da universidade à empresa seria de inteira justiça que o Instituto Politécnico de Aveiro, no seu pólo a norte, viesse a ser sediado em Oliveira de Azeméis.
Também o acesso ao nó da auto-estrada em Estarreja é uma das grandes carências de Oliveira de Azeméis e, inexplicavelmente, os governos do PSD foram deixando esquecer no fundo das gavetas da burocracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do dinamismo económico que evidencia, o distrito de Aveiro, sendo um dos primeiros do País nos diversos indicadores sócio-económicos, mantém, no entanto, algumas carências que dificultam o seu desenvolvimento e que urge solucionar:
Uma rede viária envelhecida, excepção feita às grandes vias que atravessam o distrito, como a A1 e o IP5, mas cujas acessibilidades são de baixa qualidade;
Um porto comercial sem condições e sem capacidade de resposta às necessidades das empresas da região;
Uma universidade pujante e dinâmica, mas que necessita de uma maior ligação às empresas, sendo por isso necessário e urgente a criação de, pelo menos, dois institutos politécnicos, um a norte e outro a sul do distrito;
Uma ria lindíssima, com um enorme potencial de desenvolvimento turístico, mas que tem sido a grande vítima do crescimento industrial, carecendo de uma intervenção pronta e eficaz no domínio do desassoreamento e da despoluição, harmonizando uma vasta área extremamente rica do ponto de vista ecológico, onde se inclui, obviamente, a reserva natural das dunas de S. Jacinto;
Uma costa de vários quilómetros, onde se podem encontrar das mais belas praias do País, que está permanentemente ameaçada e onde os investimentos realizados se limitam a colocar esporões, sendo necessário e urgente uma intervenção de fundo para a defesa dessa mesma costa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito de Aveiro necessita de mais atenção do Governo. Por direito próprio, pode e deve exigir mais. Mas o que sinceramente nos espanta é que o PSD, desta tribuna, venha agora, demagogicamente, reclamar a realização de obras, por não ter sido feito em 6 meses aquilo que o próprio PSD não foi capaz de realizar em 10 anos de Governo e em cerca de 20 anos de poder autárquico neste distrito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que nos espanta é ouvir frases, como estas, que passo a citar: "torna-se necessário explicar às populações da região de Aveiro o porquê do corte tão drástico no investimento, corte este que é praticado, por quem tanto prometeu".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se olharmos com alguma atenção para o Orçamento do Estado de 1996, verificamos a confusão que vai nas hostes do PSD e constatamos que o investimento no, distrito de Aveiro aumenta em relação a 1995:
O PIDDAC/96 da Junta Autónoma das Estradas apresenta um plano de investimento de 6 466 485 contos, valor superior ao orçamentado em 1995;

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O Ministério da Educação vai investir mais no distrito de Aveiro do que em 1995 e inscreve 200 000 contos para o arranque do Instituto Politécnico de Aveiro, pólo sul, localizado em Águeda;
O Ministério da Saúde investe mais 1 755 263 contos, um acréscimo de 81,7% face ao ano anterior;
No sector da pesca costeira de Aveiro investe-se mais 397% do que em 1995;
O porto de Aveiro vê no seu plano de investimento mais 1 282 000 contos, cerca de 40% de acréscimo em relação ao ano anterior.
Em resumo: o PIDDAC/96 contempla para o investimento global no distrito de Aveiro 11 359 952 contos, mais 40% que em 1995. São mais 3 242 718 contos que no ano transacto.
Estes acréscimos do investimento, longe de nos satisfazerem, garantem-nos que estamos a trilhar o bom caminho e são o testemunho do esforço que o Governo faz no sentido de apoiar e estimular os até agora esquecidos agentes económicos da região, cuja capacidade de empreendimento e inovação já têm provas dadas. Com certeza que todos juntos potenciaremos os meios que, com esforço, são colocados ao nosso dispor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso que o PSD aprenda a ser oposição. Sendo um partido fundamental no panorama político nacional, deverá exercer a sua função com idoneidade e responsabilidade.
Estamos certos que o PSD reconhecerá que se precipitou e errou na análise efectuada ao Plano de Investimentos para o distrito de Aveiro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jorge Roque Cunha, Hermínio Loureiro e Castro de Almeida.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Valente, antes de mais quero saudá-lo porque é sempre útil falar-se do distrito de Aveiro nesta Câmara.
Pela primeira parte da sua intervenção, a sua parte substancial, verifico que leu com atenção a que aqui foi feita pelo meu colega Hermínio Loureiro na semana passada. Portanto, talvez como forma de tentar disfarçar a não atenção em relação a esse aspecto, o Sr. Deputado veio cá hoje falar do distrito de Aveiro. Mas, de qualquer maneira, gostaria da saudar esse aspecto.
Agora, o que me parece, mais uma vez pela sua intervenção, é que o Partido Socialista continua com a tendência de querer emitir certificados de boa ou má oposição. O PSD não irá entrar nessa luta e, portanto, não reconhece legitimidade a quem quer que seja para dizer se a oposição é boa ou má. A oposição existe.
Lamento que, particularmente em relação ao distrito de Aveiro, o Sr. Deputado, a quem reconheço preocupações na sua defesa, queira ver uma realidade virtual, porque o que aconteceu, de facto, foi que nos 6 milhões de contos de investimento de que falou com certeza que estaria a incluir os 3,5 milhões que custa a variante de Águeda, adjudicada no ano passado, mas, por atrasos objectivos já atribuídos a este Governo, só vai ser começada agora, e os valores na área da saúde do Hospital de Santa Maria da Feira que, finalmente, está a ser concluído. E esqueceu-se, naturalmente, dós vossos compromissos eleitorais, como a IC1, a despoluição do rio Cértima e da Pateira de Fermentelos e um conjunto imenso de realidades que são dados objectivos.
Em relação a isso, Sr. Deputado, poderá contar com toda a colaboração do PSD para ajudar a convencer o seu Governo, porque acredito que tenha também essas preocupações, da importância da primeira parte da sua intervenção e da força do distrito de Aveiro.
Terminaria fazendo um apelo para que a capacidade de verificar os factos seja real e não venha fazer aqui uma intervenção tentando mascarar aquilo que foi um PIDDAC claramente recessivo para o distrito de Aveiro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Valente.

O Sr. Francisco Valente (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, agradeço as suas perguntas e dir-lhe-ei que se o Sr. Deputado Hermínio Loureiro fez uma intervenção que não correspondia à verdade era óbvio que eu teria de me debruçar sobre ela para tentar explicitar por números, como o fiz, para que não restassem quaisquer dúvidas. .

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - A verdade é objectiva!

O Orador: - Exactamente! De forma objectiva o Sr. Deputado encontrou na minha intervenção a explicação mais do que clara e transparente do aumento do investimento na região de Aveiro.
Como também disse, não estamos, naturalmente, satisfeitos, estamos é contentes por trilharmos o caminho certo, porque acreditamos que o PS e o Governo vão fazer muito mais e melhor.
Mas, desculpe que lhe diga, não menospreze este investimento porque nele está incluído o Hospital de Santa Maria da Feira. É ou não uma obra necessária? Se ela não é necessária, foram os senhores que a lançaram! Corresponde a milhões de contos de investimento.
O orçamento da Junta Autónoma das Estradas, Sr. Deputado, contempla as obras que o Governo entendeu que seriam prioritárias. Cabe-lhe esse direito, é uma opção, outras terão necessidade de ser concluídas. Mas penso, naturalmente, que é um direito que assiste ao PS.
Estou de acordo consigo quando diz que precisamos todos de unir esforços para que o distrito se possa desenvolver mais e melhor. Só lamento que, em 10 anos de governação, nunca tivessem pensado dessa maneira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Loureiro.

O Sr. Hermínio Loureiro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Valente, em primeiro lugar, quero dizer a V. Ex.ª que não é correcto aquilo que acabou de dizer, porque a prová-lo têm estado os últimos resultados eleitorais no distrito de Aveiro: que eu saiba, o PSD sempre venceu aí.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Mas está em queda!

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O Orador: - Se o Sr. Deputado quiser intervir, inscreva-se, mas não esteja sempre a fazer comentários, o que já é normal da sua parte. Penso que tem de começar, a ter outra postura.
O Sr. Deputado Francisco Valente disse que o distrito de Aveiro tinha a mais baixa taxa de desemprego, que era, inclusive, pioneiro em termos industriais, e falou num desenvolvimento harmonioso, por isso pergunto-lhe: quem é que fez isso?
O Sr. Deputado criticou o poder autárquico e os anos em que as autarquias têm sido chefiadas por pessoas do PSD, mas, ao mesmo tempo, fala de desenvolvimento. Tem de haver aqui uma conjugação de esforços de toda a sociedade civil, do Governo, dos autarcas, de toda a gente, para que, efectivamente, o distrito de Aveiro tenha estes parâmetros de que muito me orgulho.
Relativamente aos compromissos e a outras questões eleitorais, quero dizer, e mais uma vez relembrá-lo, que os candidatos a Deputados do Partido Socialista nas últimas eleições legislativas iludiram os eleitores do distrito de Aveiro.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Onde é que está o cabeça de lista, Dr. Carlos Candal, o Sr. José Mota e o Dr. Antero Gaspar, que eram os principais candidatos a Deputados do PS no distrito de Aveiro? Onde é que eles estão? Não os vejo aqui!

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Onde é que está o Pacheco Pereira?

O Orador: - Relativamente à questão do PIDDAC, mau era, Sr. Deputado, que não houvesse mais valores e maiores investimentos. Eu não disse isso na minha intervenção. O que lhe pergunto é quais as obras novas que estão no PIDDAC de 1996 - e não me responda com duas ou três obras - que o Sr. Deputado e os seus camaradas prometeram durante a campanha eleitoral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Valente.

O Sr. Francisco Valente (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Hermínio Loureiro, mais uma vez vai dar-me oportunidade de tentar explicar aquilo que é fácil de explicar, mas que vocês não querem entender.
Sr. Deputado, não sou autor das palavras que referi da tribuna e que volto a repetir: "torna-se necessário explicar às populações da região de Aveiro o porquê do corte tão drástico no investimento". Não, fui eu que disse isto, apenas estou a citar as suas palavras. E, quando dei a explicação, demonstrei por números, por a+b, que o investimento cresce 40%.
Portanto, parece-me que aqui estamos conversados, como sói dizer-se, e não vale a pena falarmos mais no assunto, porque factos são factos e números são números e não vamos poder alterá-los.
Efectivamente, congratulamo-nos todos com os indicadores económicos do distrito de Aveiro, mas quem os proporcionou, é óbvio e claro, foram os aveirenses, a sociedade civil e os empresários, que demonstraram ao longo de décadas capacidade empreendedora e de realização, que, infelizmente, muitas das autarquias não foram capazes de demonstrar. Sabemos tudo isso e também que
o PSD tem ganho as eleições, mas cada vez tem ganho menos. E vocês também sabem que o PSD tem vindo a decrescer a ritmo acelerado, porque as pessoas vão entendendo que não há papões e que o PS tem muito melhores quadros, muito mais capacidade de realização e muito mais vontade de trabalhar para Aveiro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Valente, quero felicitá-lo por ter trazido o distrito de Aveiro a este Plenário pois creio que o mesmo ganha sempre cora intervenções desta natureza mas já não posso felicitá-lo da mesma forma por sobre aquilo que me pareceram ser as suas motivações.
O Sr. Deputado tentou condicionar os Deputados do PSD, e porventura os dos demais partidos eleitos pelo distrito de Aveiro, de exercerem nesta Assembleia o direito e a responsabilidade de alertar o Governo e o partido que o apoia para as dificuldades, insuficiências, aspirações da população daquele distrito, o que é irrecusável para os Deputados do PSD. Por mais veementes que sejam os seus apelos, não vamos deixar de chamar a atenção para os anseios e as carências do distrito porque foi exactamente para esse fim que fomos eleitos, tal como o Sr. Deputado. Portanto, o que queríamos era juntar a voz na defesa de interesses comuns.
O Sr. Deputado tenta condicionar os Deputados do PSD com um argumento absolutamente falacioso: "Quem esteve no Governo 10 anos, não tem agora legitimidade para reivindicar mais obras".

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tem pouca!

O Orador: - Não queremos nem ninguém no distrito de Aveiro pretende que o Governo socialista vá fazer alguma das obras já realizadas. Não precisamos que faça nenhuma das estradas construídas, nenhum dos centros de saúde concluídos, nenhum dos hospitais lançados nem nenhuma das escolas acabadas. Temos é de tratar daquilo que falta fazer e qualquer Governo tem essa obrigação. Esperemos que o Partido Socialista - e o seu Governo - use da mesma diligência com que os Governos do PSD trataram das questões relativas ao distrito de Aveiro.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É difícil!

O Orador: - O Sr. Deputado usou diversos números para tentar provar que não era verdadeira a afirmação do Deputado Hermínio Loureiro de ter havido um corte drástico no investimento. Às vezes, os números enganam quando são mal interpretados e vou demonstrar-lhe que houve mesmo esse corte drástico no investimento.
O Sr. Deputado disse daquela tribuna que o investimento na educação, em 1996, é superior ao de 1995. Ora, em 1996 as despesas do Estado em investimento na educação no distrito de Aveiro destinam-se estritamente à conclusão de obras lançadas no ano anterior. Nem uma escola nem um único pavilhão desportivo serão construídos pelo Governo socialista em 1996 no distrito de Aveiro. E ainda é mais grave que obras cujo início estava previsto para este ano pelo anterior Governo tenham

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sido suprimidas. É o caso da escola Carregosa/Pindelo no seu concelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Estava mal informado.

O Orador: - O Sr. Deputado não estava, com certeza, mal informado. Tem um dever de solidariedade para com o seu partido, que registámos e fica-lhe bem, mas também tem de ter lealdade para com a população que o elegeu. Por isso, esperávamos ouvir da sua boca a defesa do cumprimento dos programas estabelecidos anteriormente pelo Ministério da Educação que previam, para este ano, o lançamento de uma escola para servir as populações de Carregosa e de Pindelo no concelho de Oliveira de Azeméis. Não lançaram nenhuma, cortaram a execução das previstas, limitando-se a terminar as que estavam em curso.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar com uma última questão.
No início da sua intervenção, o Sr. Deputado fez um retrato do distrito de Aveiro que a todos orgulha. Ouvi falar de um distrito pujante, dinâmico, com uma grande diversidade e complementaridade territorial, demográfica, física, etc. Ora, sabe certamente que a posição dos Deputados do PSD pelo distrito de Aveiro é a de que, no processo de regionalização de que esta Câmara vai ocupar-se, este distrito sirva de base a uma região administrativa. Apenas lhe pergunto, pois, se, pela sua parte, há a mesma disposição em defender, no processo de regionalização, que o distrito de Aveiro sirva de base a uma região administrativa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Valente.

O Sr. Francisco Valente (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, vou ter todo o gosto em responder-lhe, procurando ser o mais sintético possível. Porém, não quereria avançar desde já essa resposta porque, por esquecimento, não respondi ao Deputado Hermínio Loureiro quando pôs a questão de o Deputado Carlos Candal não estar presente neste Hemiciclo, quando todos sabemos que se encontra no Parlamento Europeu, nem o Deputado José Mota que, actualmente, é Presidente da Câmara de Espinho. Os eleitores sabiam-no pois foi dito claramente durante a campanha eleitoral que não estariam aqui presentes. Agora, gostava de saber muito sinceramente onde está o vosso cabeça de lista por Aveiro que até passou a Presidente da Comissão Política Distrital de Lisboa, a menos que já queira integrar Aveiro numa região de base em Lisboa.

Aplausos do PS.

O segundo ou terceiro da lista - perdoem-me por não sabê-lo exactamente - passou a Presidente da Federação Portuguesa de Futebol porque, provavelmente, irá fazer evoluir muito mais o distrito de Aveiro e acredito nisso.
Passando às questões colocadas pelo Sr. Deputado Castro de Almeida, não quero tirar o direito nem a responsabilidade de os Deputados do PSD ou de quem quer que seja alertar o Governo para as necessidades do nosso distrito. Antes pelo contrário, quero fazer coro convosco.
Mas pretendo que esse alerta seja responsável e idóneo e não enferme de mentiras ou, pelo menos, de inverdades, para ser mais correcto.
Não pretendi, de forma alguma, ser falacioso; apenas não podemos aceitar as críticas de que há menos investimento quando sabemos que os números apontam em sentido contrário. O que o PS e o Governo do PS pretendem fazer é mais e melhor.
Antes de responder a duas questões concretas que me colocou, referir-me-ei a uma outra que, envergonhadamente, não quiseram formular. Trata-se de uma promessa de há longos anos de Ângelo Correia e de Casimiro de Almeida - o acesso ao nó da auto-estrada em Estarreja. Já há muitos anos que vinham prometendo concretizá-lo em cada campanha eleitoral mas não deixaram sair esse projecto das gavetas e, apesar de em Aveiro dizer-se que o projecto iria avançar ou ser adjudicado em Novembro, foi preciso o Governo do PS ir buscá-lo às gavetas da Junta Autónoma das Estradas do Centro onde estava enterrado e, provavelmente, só ficará concluído em Junho ou Julho. Portanto, não vale a pena falarmos dessas coisas.

Aplausos do PS.

O Sr. Deputado Castro de Almeida falou na Escola de Carregosa/Pindelo, o que foi bom pois aproveito para fazer-lhe a seguinte pergunta: como é que os serviços técnicos, na carta escolar de Oliveira de Azeméis, fazem uma hierarquização dando prioridade à Escola São Roque/Nogueira do Cravo e o senhor, na altura Secretário de Estado da Educação e do Desporto, assinou um despacho invertendo as posições? Vou dizer-lho antes que me responda. É que as Juntas de Freguesia de São Roque e de Nogueira do Cravo são do Partido Socialista enquanto as de Carregosa e de Pindelo são do PSD. Se tiver outra explicação, gostava de ouvi-la mas de certeza absoluta que não poderá dar-ma.

Aplausos do PS.

Para terminar, quanto à regionalização, como deve saber perfeitamente, o PS agendou umas jornadas parlamentares para discutir o problema da regionalização. Os Deputados do PS sempre lutaram para que o distrito de Aveiro faça integralmente parte de uma região, o que continuaremos a fazer pois é isso que nos importa. A região vai ser criada e, desde que todo o distrito de Aveiro consiga ser transferido - lutamos para que isso aconteça - para uma região, damo-nos por satisfeitos.

Aplausos do PS.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para, com a sua ajuda, poder responder à pergunta que o Sr. Deputado Francisco Valente me fez. Não vejo em que condições me será permitido mas gostaria muito de poder fazê-lo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não está prevista qualquer figura para esse efeito porém, apesar do seu desvirtuamento, tem a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, tenho o maior gosto em responder a essa questão dizendo que todas as decisões tomadas em matéria de localiza-

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ção de escolas obedeceram a critérios absolutamente definidos. No caso concreto, de que me recordo muito bem, do concelho de Oliveira de Azeméis, a recomendação técnica era no sentido de construir duas escolas sem hierarquizar posições. O despacho a que se referiu era no sentido de construir as duas escolas em anos sucessivos dando prioridade àquelas freguesias em que os alunos tinham de percorrer maior distância...

Protestos do PS.

Os senhores vão fazer o favor de se calar porque não conhecem o concelho de Oliveira de Azeméis!
O Sr. Deputado Francisco Valente, que é de Oliveira de Azeméis, sabe que foi dada prioridade à escola cuja construção permitirá que os alunos percorram uma distância menor para lhe acederem do que aquela a que estão sujeitos actualmente. Mas, para isso, o Sr. Deputado precisa de incentivar o seu Governo a construir a escola de Carregosa/Pindelo porque os alunos percorrem um grande número de quilómetros até à escola que frequentam actualmente. Logo, o critério seguido foi o da distância que os alunos têm de percorrer até à escola.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Francisco Valente (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco Valente (PS): - Sr. Presidente, para conhecimento da Câmara, devo dizer que a distância a que o Sr. Deputado Castro de Almeida se refere não ultrapassa 10 Km: Carregosa/Pindelo dista da sede, no máximo, 10 Km enquanto que São Roque/Nogueira do Cravo ficará a cerca de 5 Km. Porém, há uma diferença enorme no que diz respeito à população estudantil e, como sempre, uma motivação política, e o Sr. Deputado sabe disso tão bem como eu.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira prioridade de uma política para as Comunidades continua a ser a de reestruturar o Estado e as, suas instituições à medida do conjunto de cidadãos que somos, uma nação de comunidades espalhadas pelo mundo. Trata-se de reconhecer a necessidade de criar condições à plena expressão dos direitos dos portugueses que vivem nos cinco continentes.
O princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, consagrado no artigo l3.º da Constituição, não tem expressão prática assegurada, já que a exclusão dos cidadãos não residentes do direito de voto na eleição presidencial constitui uma discriminação inaceitável que viola um direito fundamental definido na Constituição.
Os portugueses que residem no estrangeiro não são portugueses "de segunda" e exigem ser tratados em igualdade de direitos conforme preceitua o texto constitucional. Esta igualdade é ainda um objectivo por cumprir e a recusada "maioria de esquerda," nesta Câmara em aceitar a outorga desse direito de voto alargado aos não residentes significa que, enquanto esta situação se mantiver, estaremos perante uma violação frontal e uma discriminação própria duma democracia imperfeita para o conjunto dos cidadãos.
Estaremos perante uma caminhada democrática a duas velocidades com a divisão entre os que gozam da plenitude dos direitos civis e políticos e aqueles aos quais se nega os meios de exercício da soberania que, segundo a Constituição, reside em todo o povo.
O PSD desde sempre foi claro a este propósito: de par com a defesa das autonomias regionais consideramos, desde 1974, ser imperativo nacional reconhecer a plena expressão da cidadania aos portugueses que vivem fora do território continental, tratados em pé de igualdade e sem discriminações de qualquer espécie.
É nestas circunstâncias que, estando aberto um novo período de revisão constitucional, entendemos ser tempo de se fazer justiça, partilhando a exigência patriótica que já em 1980 o então Primeiro-Ministro Francisco Sá Carneiro sublinhava nesta Câmara e nesta tribuna numa interrogação até hoje não respondida em plenitude. E dizia ele: "Como podem o Estado e a Constituição espartilhar os direitos do emigrante? Como podem estes direitos ser concebidos apenas para os residentes?".
De facto, é este o tempo de restituir aos portugueses residentes no estrangeiro a plena expressão do seu voto em todas as eleições: para a presidência da república, nas eleições legislativas, nas eleições para as regiões autónomas, consagrando a sua representação nas assembleias legislativas dos Açores e da Madeira. Mesmo ao nível autárquico há que considerar a eventualidade de abertura da sua participação, já que seria absurdo termos portugueses a eleger representantes locais no estrangeiro, tendo vedada essa possibilidade em Portugal.
Sr: Presidente, Srs. Deputados: Quem analisasse as últimas posições públicas do Governo do Partido Socialista, designadamente através da Secretaria e do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas sobre estas matérias, julgaria que os socialistas chegavam finalmente às razões que desde sempre defendemos na consagração da plenitude dos direitos dos portugueses não residentes:
Estávamos enganados. Bastou ler o projecto de revisão constitucional do PS para tais ilusões serem desfeitas.
Ao introduzir no seu projecto de revisão constitucional, no artigo 124.º, o texto "...aos recenseados no estrangeiro desde que não sejam havidos também como cidadãos do Estado onde residam e não tenham tido residência habitual no território nacional durante, pelo menos, 5 dos últimos 15 anos...", o Partido Socialista continua como sempre. Reconhece um direito, mas condiciona-o; desconfia, menospreza. E mais: cria uma situação intolerável a todos os portugueses que a lei da nacionalidade, de 1991, da autoria do PSD, encorajou a adoptar a cidadania do país de acolhimento, reconhecendo que tal atitude em nada prejudicava os laços afectivos, o seu portuguesismo e a lealdade à pátria.
O que o PS defende hoje, no fundo, é a discriminação de portugueses no estrangeiro: os que têm dupla cidadania e os que não têm. Ou seja, o PS defende a criação de um sistema que exigiria dois cadernos de recenseamento, menorizando portugueses perante as autoridades estrangeiras, com eventuais riscos para os nossos compatriotas. Do mesmo modo, e segundo o Partido Socialista, dever-se-ia aceitar uma verdadeira presunção de desnacionalização pelo estabelecimento de um prazo limite de residência fora do País.

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Saberá o PS que este preceito, vertido no seu projecto de revisão constitucional, é uma afronta para os portugueses que não aceitam que se avalie o seu amor pátrio pelos anos ou décadas fora de Portugal?
O artigo 124.º do projecto de revisão constitucional do Partido Socialista é pensado para trabalhadores sazonais ou temporários, como se esta fosse a vertente mais dinâmica e significativa de uma política de reconhecimento global dos direitos dos portugueses não residentes no território continental.
O que o Partido Socialista vem fazer em relação aos portugueses não residentes no solo continental é pura demagogia e duplicidade, bem expressa nas últimas posições de dirigentes e governantes. De facto, durante a última campanha eleitoral para a presidência da república, vimos o Governo declarar, à última hora, que esta seria a última eleição presidencial em que não votariam os não residentes. Perante o .texto de revisão constitucional do Partido Socialista, conclui-se, afinal, estarmos perante um engano e uma falsa promessa.
O Partido Socialista habituou-nos a chegar tarde às reformas que o País exige.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E quando pressionado pela opinião pública abdica de posições escandalosas, mas para passar à pura hipocrisia. Quando se aproxima de um tempo em que não mais é tolerável o seu atraso em relação às exigências históricas, fá-lo com reservas e simula passos sem convicção. Acaba por ficar onde está, porque a sua filosofia, nesta como noutras matérias, é a da inércia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No Partido Social Democrata defendemos e reiteramos a defesa de que a participação de todos os portugueses na vida política deve abranger todos sem excepção, quer vivam em Portugal ou no estrangeiro. E ó Partido Social Democrata assume que os portugueses do mundo inteiro devem também poder participar nas eleições para o Parlamento Europeu.
Neste contexto comunitário, entendemos mesmo que se deve ir além da perspectiva estrita do relacionamento entre portugueses do continente e ilhas, no âmbito da integração europeia. Na verdade, a União Europeia procura, no quadro da Conferência Intergovernamental, um enquadramento institucional que congregue uma acção política concertada de todos os povos que a compõem, visando o progresso e desenvolvimento dos europeus, onde quer que se encontrem.
O PSD defende a existência de uma política comunitária dirigida também à ultraperiferia de natureza vivencial e humana que corresponda às comunidades portuguesas residentes nos cinco continentes. A política externa da União Europeia deve assim assumir um conjunto de preocupações, cujo significado não se afigura despiciendo no quadro multilateral. Não é, por isso, aceitável que, por exemplo, a cidadãos portugueses, para se deslocarem aos Estados Unidos é ao Canadá, onde temos fortes comunidades, seja ainda hoje exigida a obtenção prévia de visto, situação claramente discriminatória entre europeus da Comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seis meses decorridos, o Governo do Partido Socialista nada fez para atacar os problemas que preocupam as comunidades portuguesas. O recente Orçamento do Estado é disso exemplo, ao apresentar reduções significativas onde se impunha aumento de esforço financeiro, designadamente para a modernização da rede consular.
Mas noutras matérias o Governo tem também fracassado: na promoção da dupla cidadania, no apoio à preservação da identidade nacional e salvaguarda da presença da nossa língua e cultura no mundo, na defesa activa dos direitos dos trabalhadores portugueses face às autoridades dos países onde residem, no impulso à generalização do recenseamento, no incentivo à comunicação social, no apoio ao movimento associativo. Em todos estes domínios, o Governo socialista caracteriza-se por um turbilhão de palavras sem ligação a uma actuação concreta e inadiável que se torna urgente.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, o PSD não deixará de assinalar nesta Câmara a exigência de uma política efectiva e realizadora para as comunidades portuguesas. É a confiança reiterada ao PSD em sucessivas eleições que a torna imperativa.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pinto, ouvi com atenção a intervenção de V. Ex.ª e já não é a primeira vez que afirmo nesta Câmara que, durante os 10 anos da política do Professor Cavaco Silva, a área mais negativa da governação foi, sem dúvida, a virada para as comunidades portuguesas. E não sou só eu a reconhecê-lo! São os nossos compatriotas, o movimento associativo, os concelhos deste país...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Os eleitores!...

O Orador: - ..., a juventude, os órgãos representativos das comunidades portuguesas.
Sr. Deputado Carlos Pinto, o voto para as eleições presidenciais tem sido uma das bandeiras ou uma pseudo-bandeira que o PSD tem levantado em vésperas de campanhas eleitorais e que V. Ex.ª, uma vez mais, trouxe a este Plenário, agora em vésperas de revisão constitucional. De facto, o Partido Socialista consagrou no seu projecto de revisão da Constituição esse direito aos cidadãos portugueses, como aliás o tinha feito no passado, em sede de comissão especializada para a revisão da Constituição.
Com certeza V. Ex.ª desconhece as recomendações do Conselho da Europa e o direito comparado europeu! Se ler com atenção essas recomendações e o direito comparado europeu, encontrará vertido nos diversos textos a forma como os países membros da União Europeia e os seus emigrantes votam para as respectivas eleições - presidenciais, legislativas e para os demais órgãos de eleição nos respectivos países de origem.
Se perder alguns momentos a estudar como os 15 países membros da União Europeia votam, V. Ex.ª encontrará no projecto do Partido Socialista um sentido de razoabilidade suficiente para colmatar esta grave lacuna, traduzida no facto de os portugueses não terem podido exercer o seu direito de voto para as eleições presidenciais. Mas o direito de cidadania não se esgota neste acto

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eleitoral! Que dizer então do facto de os ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas terem proibido os portugueses que trabalham e residem no Luxemburgo de votar para as eleições europeias? Esse é o único Estado membro da União Europeia onde os portugueses não podem exercer esse direito!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É uma vergonha!

O Orador: - Será que V. Ex.ª não vê nisso a usurpação de um direito de cidadania?
Em matéria de política consular, devo dizer que o Sr. Deputado chegou há muito pouco tempo a esta problemática das migrações e, portanto, desconhece o que foi o passado. Mas outra pessoa mais avisada da sua bancada, como é o caso da Deputada Manuela Aguiar, melhor do que V. Ex.ª conhece e compreende o que foi a tragédia de 10 anos de governação do PSD para as comunidades portuguesas!
Muito em breve, V. Ex.ª terá um novo regulamento consular, instrumento nuclear na política consular, uma vez que o actual, datado de 1920, é obsoleto, irrealista e não obedece à Convenção de Viena em termos nevrálgicos e estratégicos. A verdade é que, durante 10 anos, VV. Ex.as não tiveram a capacidade de alterar e de propor um novo instrumento!
Também no que diz respeito ao Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas, com o Decreto-Lei n.º 101/90, de 21 de Março, VV. Ex. as criaram um órgão governamentalizado que em parte nenhuma do mundo onde existem comunidades portuguesas está em funcionamento. Tem autonomia face ao direito de cidadania, em que os nossos compatriotas se fazem representar através desse instrumento junto dos órgãos de soberania, ao contrário do que fixava o diploma anterior, esse sim, criado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar quando exercia funções de Secretária de Estado, pelo que nunca é de mais tecer elogios a essa governação, que foi positiva, atendendo à disponibilidade de meios existentes na altura.
V. Ex.ª tem de ser crítico ao olhar para, os últimos 10 anos de governação nesta área, porque só assim tem autoridade para criticar o que está bem ou mal.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador:- Termino já, Sr. Presidente.
Também em breve, V. Ex.ª terá um novo diploma e um órgão desgovernamentalizado no que diz respeito ao Conselho das Comunidades.
O que diz o Sr. Deputado do facto de cerca de 60 000 portugueses aguardarem a renovação do bilhete de identidade, cujos pedidos estavam encaixotados no Ministério dos Negócios Estrangeiros há mais de dois anos? E sabe qual é o ponto da situação neste momento? Sr. Deputado, neste momento já foram expedidos mais de 50 000 bilhetes de identidade, restando apenas cerca de 6000.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, já chamei a atenção para o facto de ter de terminar o seu pedido de esclarecimento. Pergunto, por isso, qual é o seu horizonte!

Risos.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, termino já.
Concluo, formulando ao Sr. Deputado Carlos Pinto mais uma pergunta. No Brasil, fui confrontado com a realidade de existirem pedidos de dupla nacionalidade com mais de três anos, e nem, ao menos, um ofício esses nossos compatriotas receberam!
Pergunto, por isso, que política houve no passado, Sr. Deputado. Com que autoridade V. Ex.ª vem criticar três ou quatro meses de governação, quando elenquei problemas básicos e estruturais da política das comunidades portuguesas?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, é extremamente difícil concluir quais foram as questões levantadas pelo Sr. Deputado Carlos Luís, porque se perdeu no entusiasmo de falar de questões de emigração.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não se perdeu, V. Ex.ª é que ainda não se encontrou!

O Orador: - O que não é muito abonatório, porque não significou que V. Ex.ª tenha as ideias muito arrumadas sobre o passado e o presente.
Nesta Câmara, VV. Ex.as não podem estar a reivindicar-se continuamente de uma legitimidade por terem ganho as eleições no dia 1 de Outubro em relação à votação no continente e não retirar conclusões dos resultados que obtiveram nos círculos de emigração!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Nesse círculos VV. Ex.as perderam as eleições! Ora, aplicando o mesmo método de raciocínio, a política de emigração dos Governos do PSD tem razão naquilo que fez até hoje.
O Sr. Deputado Carlos Luís fala dós últimos 10 anos, mas esses anos de governação foram avaliados nessa data, no que se fez e no que falta fazer. E, por amor de Deus, comecem a trazer-nos, a nós oposição, algumas notas sobre o que pensam fazer, sobre o vosso papel didáctico relativamente ao Governo, de forma a transmitirem toda essa sabedoria que V. Ex.ª transpira, no chorrilho de palavras que aqui deixou, ao Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que está a interpretar a função governativa mais de acordo com o modelo excursionista do que com o modelo de trabalho sério, dedicado e efectivo em relação às comunidades.
Além do mais, V. Ex.ª está muito mal colocado na problemática essencial que abordei. Refiro-me ao problema do voto dos não residentes. Uma mão amiga fez-me chegar fotocópia de um documento que, certamente, traduz o pensamento de V. Ex.ª apetecia-me utilizar um termo que estava muito em voga em 1975 e que, certamente, V. Ex.ª imaginará qual é!... - mas que é mais radical do que o próprio texto de revisão constitucional do Partido Socialista.
Com efeito, no texto do projecto de revisão constitucional que deu entrada nesta Câmara, VV. Ex.as condicionam o exercício futuro do voto aos não residentes, dizendo que, por um lado, só poderão votar aqueles que nos últimos 15 anos residiram 5 anos no País, e; por outro

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lado, só poderão votar aqueles que não tiverem dupla cidadania. Mas o Sr. Deputado Carlos Luís contraria esse projecto de revisão constitucional do PS, ao escrever neste texto, com a data de hoje - não apresenta a sua fotografia com o apêndice ocular, mas é V. Ex.ª, certamente! -, que não é de admitir que o órgão constitucional unipessoal, a quem incumbe a garantia da independência nacional e o comando supremo das Forças Armadas, seja eleito e, porventura, a sua eleição determinada por cidadãos que são também, e porventura com maior grau de integração, cidadãos de outros países e, por vezes, também, ao mesmo tempo, eleitores dos respectivos órgãos de soberania e que não se encontram sujeitos ao cumprimento de deveres militares ou cívicos equivalentes perante o Estado português.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Responda às perguntas!

O Orador: - Ou seja, V. Ex.ª, certamente, na reunião do seu grupo parlamentar em que foi aprovado o projecto de revisão constitucional, mobilizou-se contra as ideias da direcção do Partido Socialista, justamente para abrir essa pequena porta, que é uma porta de hipocrisia, Sr. Deputado. O Partido Socialista já nos habituou, neste país, a abrir uma pequena porta, quando a opinião pública não lhe dá saída possível para matérias em que a modernização do País e do sistema político o exigem. Já agora, a talho de foice, quando o País exigia que o sistema financeiro português abrisse, VV. Ex.as descobriram uma "porta" que foi a de umas sociedades de investimento. Com as devidas distâncias, comparo essa situação à vossa posição actual.
Portanto, aquilo que quis denunciar da tribuna foi que o Partido Socialista nada percebe e daí que; de facto, os cidadãos residentes no estrangeiro tenham dado cerca de 80% dos votos ao PSD e a VV. Ex.as não tenham dado representação fora da Europa.
Fala V. Ex.ª na rede consular como exemplo, e bem, pois consideramos que muito mais deveria ter sido feito. Mas, há dias, V. Ex.ª esteve presente numa reunião com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e sabe que, quando lhe foi perguntado qual era a aplicação prevista das verbas orçamentais do Ministério para modernização da rede consular, ele, depois de muito pressionado, acabou finalmente por dizer que destinava essas verbas apenas à rede consular europeia. Por isso, o Sr. Deputado perde a razão, porque, efectivamente, o que este Governo vai fazer é menos do que fazia o Governo anterior, este Governo não vai dar sequência às suas preocupações e às minhas, simplesmente a sua situação é mais grave, porque, neste momento, os senhores estão no Governo e não são capazes de realizar as suas preocupações.
Portanto, Srs. Deputados, inspirem-se na confiança que os portugueses deram ao PSD e naquilo que fizemos durante 10 anos, sobretudo no respeito que continuamos a ter; no plano institucional e operacional, por - aqueles que não residem no território continental mas que são tão portugueses como aqueles que cá estão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Gastaram 1,5 milhões de contos numa empresa fictícia!...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos proceder à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 29/VII - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes (PCP).
Para fazer a apresentação do referido projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O suicídio de três jovens que, há uns meses, em Lisboa, se lançaram do Viaduto Duarte Pacheco sobre a Avenida de Ceuta, por causas que,, ao que tudo indica, se ficaram a dever ao desespero da toxicodependência, foi mais um testemunho chocante daquele que é um dos mais temíveis flagelos com que as sociedades contemporâneas se confrontam e contra o qual é indispensável definir e executar políticas mais concretas e eficazes.
Chamar a atenção para a enorme gravidade social que o consumo e tráfico de drogas assumem no nosso país está longe de ser uma atitude alarmista. Muito pior seria, sem sombra de dúvida, optar pelo silêncio ou por visões falsamente optimistas de um fenómeno cuja gravidade e cujo agravamento não podem responsavelmente ser ignorados.
Apesar de não existirem dados seguros sobre a real dimensão da toxicodependência, não é preciso frequentar os chamados hipermercados da droga para ter uma ideia da sua gravidade. Basta andar na rua. Basta saber da insegurança em que se vive, perante a marginalidade crescente que decorre do consumo e tráfico de drogas.
Sabe-se que não há dia que passe em que não haja mortes provocadas pela droga, seja por overdoses, seja por suicídios, seja por ataques cardíacos. Sabe-se da impunidade com que o tráfico de drogas se processa em locais públicos, de forma muitas vezes assumida e até arrogante. Sabe-se das listas de espera de longos meses para obter uma consulta num centro de atendimento de toxicodependentes. Conhecem-se os casos de autêntica espoliação, e mesmo de charlatanice praticados sob o rótulo de pseudo-clínicas ou comunidades terapêuticas, que prometem tratamentos infalíveis e que, perante a inércia do Estado, ainda se apresentam como virtuosas criações da sociedade civil.

Vozes do P CP: - Muito bem!

O Orador: - E, sobretudo, não há ninguém que não conte, entre os seus familiares, amigos ou conhecidos, alguém que não sinta na sua própria vida as consequências dramáticas da toxicodependência.
Estão, hoje, claramente desacreditadas algumas teses recentes que apontavam para a contenção ou mesmo para o retrocesso do consumo de drogas em Portugal. Tudo aponta, infelizmente, para o contrário. É um facto inquestionável que a droga é hoje em dia, justamente, uma das maiores preocupações para a generalidade dos cidadãos.
Num passado recente, a dimensão do fenómeno da toxicodependência chegou a ser minimizada, com afirmações injustificadamente optimistas acerca de uma suposta contenção do crescimento do consumo de drogas. Tais afirmações, que os factos conhecidos categoricamente desmentem, visavam sobretudo criar a ilusão de que as políticas governamentais de combate à droga eram eficazes e estavam a produzir resultados visíveis, quando a

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verdade é que essas políticas se têm caracterizado sobretudo, até à data, por uma forte presença mediática, a contrastar com uma manifesta insuficiência de intervenção real.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Em todos os anos são prometidos os mesmos centros de atendimento para o ano seguinte, em todas as semanas europeias contra a droga se proclama a contenção do fenómeno e, periodicamente, lá se alteram nominalmente as fórmulas e estruturas do Projecto Vida, reconhecendo o fracasso, por demais evidente, das fórmulas e estruturas anteriores. Entretanto, o tráfico continua a processar-se com larga margem de impunidade a todos os níveis, os centros de atendimento tão prometidos continuam por abrir e continuam a faltar os meios e a coordenação no combate à droga.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A falta de meios acessíveis para o tratamento e a reinserção social de toxicodependentes no nosso país é uma vergonha nacional com que não nos conformamos.
Não podemos permanecer indiferentes perante listas de espera de meio ano para obter uma consulta num centro de atendimento da Grande Lisboa.
Não podemos aceitar que existam em todo o País, em instituições públicas, apenas 50 camas em unidades de desintoxicação.
Não nos resignamos perante a inexistência de centros de atendimento de toxicodependentes nos distritos de Bragança, Vila Real, Guarda, Portalegre e Beja.
Não aceitamos que, ao desespero de milhares de toxicodependentes e das suas famílias, se acrescente o drama da procura, em vão, de soluções de tratamento idóneas e acessíveis.
Não aceitamos que, perante a inércia de Governos que não assumem as suas responsabilidades, o pseudo-tratamento de toxicodependentes apareça como um negócio paralelo ao tráfico de droga.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não aceitamos que milhares de toxicodependentes sejam acantonados em estabelecimentos prisionais por falta de instituições onde possam encontrar soluções de tratamento, e de reinserção social que a própria lei prevê e incentiva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A rede de serviços públicos que propomos integra uma unidade de atendimento de toxicodependentes por cada distrito do País, seis novas unidades de internamento de curta duração e uma rede de comunidades terapêuticas dimensionada na base de uma cama para cada 10 000 habitantes.
Não propomos, portanto, nada de exorbitante, de incomportável ou de difícil concretização, propomos apenas que haja um pouco de vontade política para assegurar algumas das responsabilidades de que o Estado não se pode demitir.
Aqueles que nos acusam de estatizantes e de inimigos da iniciativa privada, por propormos que o Estado assuma as suas responsabilidades no tratamento de toxicodependentes, não estão mais do que a procurar subterfúgios para pactuar com a desgraçada situação existente.
O que propõem, afinal, os que contestam este projecto de lei? Esquecem porventura que, perante a inércia do Estado, o tratamento de toxicodependentes tem sido quase exclusivamente entregue à iniciativa privada, onde se confundem instituições meritórias com autênticas associações de malfeitores? É este o liberalismo que defendem? Esquecem, porventura, que, de entre os milhares de camas para tratamento de toxicodependentes que por aí se diz que existem, nem uma só se encontra devidamente licenciada? É este o papel do Estado que defendem? E quem defende os toxicodependentes e as suas famílias?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Negar o investimento público no tratamento e reinserção social de toxicodependentes é pactuar com aqueles que vivem da exploração do desespero dos toxicodependentes e das suas famílias, num negócio que, por vezes, assume contornos quase tão sórdidos como o tráfico de droga e que, em casos já comprovados, se confunde mesmo com ele.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, não assumam a responsabilidade de pactuar com este estado de coisas. Não ponham o vosso fundamentalismo neo-liberal à frente de valores humanitários essenciais.
Não ignoramos que o combate, à droga tem de ser travado em várias frentes, complementares e indissociáveis. Não é possível desligar o combate primordial ao tráfico de droga da prevenção primária, da prevenção secundária e da reinserção social. Em qualquer destas áreas é necessário actuar mais e melhor.
Porém, sem subestimar a importância das restantes vertentes do combate à droga, para as quais temos vindo a contribuir com a nossa iniciativa, reflexão e propostas, entendemos que esta proposta concreta, num domínio tão gritantemente carenciado como a prevenção secundária, não só se justifica plenamente como é absolutamente urgente.
Para suportar financeiramente a exequibilidade deste projecto de lei bastaria utilizar para esse efeito apenas uma parte das verbas que anualmente são disponibilizadas pelo joker e que são distribuídas sem critérios que se conheçam.
Não podemos permitir que os cidadãos que, por vicissitudes da sua vida, caem nas malhas do consumo de drogas e se tornam dele dependentes, fiquem entregues apenas à sua falta de sorte. É nosso dever assegurar-lhes um mínimo de possibilidades de apoio, de tratamento e de reinserção. Ao apresentar o presente projecto de lei, assumimos as nossas responsabilidades e convidamos cada um a assumir as suas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe, os Srs. Deputados Bernardino Vasconcelos, Jovita Matias, Ismael Pimentel, Alberto Marques e Agostinho Moleiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, há-de considerar que também nós estamos preocupados com o flagelo que é a droga, quer na sua vertente de tráfico, quer na sua vertente de consumo.

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Hoje, o Sr. Deputado foi à tribuna repetir um discurso que havia feito em Fevereiro de 1995. Pelo menos, foi um pouco semelhante. Nessa altura, o Sr. Deputado dirigiu-se muito directamente à nossa bancada, ao nosso Governo, ao Governo sustentado pelo Partido Social Democrata, hoje parece-me que deve estar, com certeza, a dirigir-se à bancada do PS e ao Governo que sustenta, aliás, o epíteto de "neo-liberais" dirige-se, com certeza, a eles e não a nós.
Sr. Deputado, há-de reconhecer que o Estado português, ao longo destes últimos anos, tem travado uma luta sem quartel quer contra a proliferação do tráfico de droga, quer contra o aumento da toxicodependência. E também estamos todos de acordo em que, sob ó ponto de vista técnico e científico, é possível tratar com sucesso os toxicodependentes e, sob o ponto de vista humano e social, é um investimento que vale a pena fazer e que o Estado deve, em primeira mão, assegurar.
Assim sendo, em relação aos toxicodependentes, temos de ter serviços capazes não só de apoiar o seu processo de libertação de drogas mas também de facilitar a sua reabilitação, reintegração social e profissional.
Mas atenção, Sr. Deputado: somos contra o carácter universal e gratuito desses mesmos serviços públicos previsto no artigo 1.º do projecto de diploma que agora apresentam, não só porque esse conceito contraria o disposto no artigo 64.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa como também porque defendemos o princípio da solidariedade e da selectividade quanto à responsabilidade dos custos de saúde.
Sr. Deputado, hoje temos dúvidas sobre se a estatização pura e simples destes serviços não ajuda a fomentar o discurso actual sobre a droga e a sua utilização, que vai mais no sentido de considerar o indivíduo que se droga como degenerado e perigoso para a sociedade, dado que a opinião pública está mobilizada para encarar o problema da toxicodependência mais em termos moralistas e da sua própria segurança. Assim, é necessário inverter esses conceitos e a melhor forma de o fazer é envolver toda a sociedade portuguesa, através das suas instituições, assumindo, em parceria com o Estado e as autarquias, o tratamento dos toxicodependentes mas também a prevenção e o combate ao tráfico da droga.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado António Filipe, a implantação dos CAT e unidades de tratamento em todos os distritos tem sido posta em causa, e o senhor sabe bem que sim, não porque não haja vontade política de as implementar mas porque não podemos aceitar modelos organizativos únicos para todos os distritos, e o Sr. Deputado também o sabe. Em alguns distritos, estes centros são estigmatizantes! Abrir um centro deste género em Beja ou em Portalegre não é o mesmo que abrir um na Área Metropolitana do Porto. Por outro lado, e o Sr. Deputado também sabe disso, é igualmente notória a falta de recursos humanos, de técnicos apropriados, de terapeutas apropriados, que permitam a abertura desses centros com um mínimo de qualidade.
Portanto, Sr: Deputado António Filipe, se o propósito de trazer este projecto de diploma hoje, aqui, a este Plenário, foi o de criar um momento mais de reflexão acerca da droga, e apenas acerca deste magno problema, considero a atitude positiva. Mas se o objectivo é o de preencher alguma lacuna da legislação existente, quero dizer-lhe que este projecto de lei é redundante a não ser que V. Ex.ª veja nele uma mais valia em relação ao que está em vigor e, então, gostaria que se explicitasse melhor, uma vez que o diploma que dá suporte legal à orgânica dos SPTT já contempla, nos mesmos moldes, uma rede pública de serviços para tratamento e reinserção de toxicodependentes.

O Sr. José Calçada (PCP): - Do contemplar ao existir vai uma grande distância!

O Orador: - Mas faço-lhe mais duas perguntas: que tem contra a participação da iniciativa privada e, por exemplo, das IP5S no tratamento de toxicodependentes? Que críticas tem a fazer ao Projecto Vida e aos SPTT?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, antes de mais, quero informar que há pouco, por lapso, não disse que o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva também se inscreveu para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe.
Sr. Deputado António Filipe, responde já ou no fim?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, responderei a cada dois pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Nesse caso, tem a palavra a Sr,' Deputada Jovita Matias.

A Sr.ª Jovita Matias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, é certo que a droga e a toxicodependência é um dos flagelos do final do século que, por respeito a todos os portugueses e portuguesas e fundamentalmente ao futuro dos nossos filhos, deverá ser encarado como um problema de todos nós. Mas também é certo que se trata de um fenómeno incontrolável e que só um plano devidamente concertado e articulado nas áreas da saúde, da educação, da segurança social, da justiça e do trabalho poderá dar os seus frutos - labor que o PS, neste momento, tem em mãos.
Assim, Sr. Deputado António Filipe, em primeiro lugar, o projecto de lei ora apresentado pelo Partido Comunista Português é, em parte, uma antecipação a um projecto muito mais amplo que o Governo está a preparar para esta área. O Sr. Deputado António Filipe sabe-o bem, consta do programa do Partido Socialista e das Grandes Opções do Plano.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, é inquestionável que as IPSS, associações particulares de solidariedade social, familiares e voluntários, têm vindo a desenvolver, ao longo dos anos, um trabalho imprescindível e meritório no apoio, tratamento e solidariedade dos afectados e suas famílias, realizando mesmo algumas tarefas, por vezes, em lugares e circunstâncias a que dificilmente podem chegar as instituições públicas, pela marginalização e complexidade social que implicam.
Para seu conhecimento, Sr. Deputado, há 480 camas licenciadas pelo Estado nas IPSS e há mais 1077 em análise para possível licenciamento.
Sr. Deputado António Filipe, dado que não vislumbro neste projecto de lei qualquer articulação com a rede de instituições particulares de solidariedade social, como pretende, então, o PCP enquadrar esta realidade funda-

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mental e imprescindível num quadro de medidas no domínio da prevenção, tratamento e reinserção social e profissional dos toxicodependentes?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, agradeço as questões que colocou e diria, em primeiro lugar, que não duvido da sinceridade de ninguém, inclusivamente de membros do Governo, deste, do anterior, de todos os Deputados que se afirmam contra a droga e que se afirmam na disposição de a combater por todos os meios que se considerem mais adequados. Do que discordamos, muitas vezes, é quanto à consideração da actuação desses meios, e creio que é precisamente neste ponto que o debate se deve colocar.
Todavia, Sr. Deputado, devo dizer que a minha bancada apresentou, ao longo destes últimos anos, aos debates que tivemos oportunidade de travar sobre esta matéria, profundas divergências relativamente à política de combate à droga que foi seguida pelos governos do PSD em vários níveis. Concretamente, quanto ao Projecto Vida, temos dito por diversas vezes que ele tem privilegiado a componente mediática da sua intervenção à componente da intervenção real no terreno e de combate aos reais problemas da toxicodependência.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - O combate à droga é, pois, um problema não apenas do Projecto Vida enquanto tal mas também da política geral dos vários governos. Confrontámos os governos do PSD com as suas responsabilidades e também estamos aqui para confrontar o actual Governo com as responsabilidades que ele tem nesta matéria. O Governo tem anunciado vários propósitos quanto a .esta problemática e nós cá estaremos para aferir da conformidade entre esses propósitos e aquilo que for efectivamente levado à prática.
Uma outra questão que o Sr. Deputado colocou diz respeito à chamada estatização pura que defenderíamos para estes serviços. O facto de defendermos a existência de uma rede pública não significa que sejamos pela estatização total destes serviços. Já tive oportunidade de dizer que existem instituições que se afirmam de tratamento a toxicodependentes e que, reconhecidamente - e são altos responsáveis do Projecto Vida que o dizem -, são autênticas associações de malfeitores que distingo claramente de muitas IPSS e de outras instituições de idoneidade científica, técnica, que fazem esse tratamento com seriedade.
Agora, creio que o Estado, até por uma razão de acessibilidade dos cidadãos a esses serviços, por razões económicas, não se pode demitir das suas funções de assegurar o mínimo de auxílio de atendimento, de possibilidades de tratamento aos cidadãos toxicodependentes afectados. Não defendemos a estatização pura, mas defendemos um envolvimento do Estado.
A Sr.ª Deputada Jovita Matias, a quem também agradeço a questão que colocou, referiu que o Governo tem intenção de levar a cabo um projecto muito mais amplo do que este que aqui apresentamos. Sr.ª Deputada, aprovemos este e depois o Governo acrescentará o resto!
Nós cá estaremos, com todo o gosto, para discutir aquilo que falta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada referiu ainda que estão licenciadas 480 camas, mas não foi essa a informação que tivemos em sede de Comissão. Foi-nos informado por responsáveis governamentais e do SPTT que não existem entidades licenciadas neste domínio. É, pois, uma situação que tem de ser alterada, porque é extraordinariamente grave que isso aconteça.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Ismael Pimentel.

O Sr. Ismael Pimentel (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, há-de reconhecer que o facto de nos assustar uma quase total estatização destes serviços, que os senhores propõem agora, não significa que não queiramos participar, ajudar e colaborar - e para isso faremos a seguir algumas propostas - no combate à toxicodependência. E um assunto sério, grave e sensível demais para que, eventualmente, se fizessem aproveitamentos políticos e declarações menos claras em relação a esta matéria.
Li com atenção o vosso projecto de lei e confesso que tenho, algumas dúvidas em relação à sua execução prática. E, pois, nessa base que irei pôr algumas questões que me parecem de significativa importância.
Não sei se os senhores contemplaram o facto de termos toxicodependentes que se drogam com drogas injectáveis, o que, como sabe, provoca, em relação a esses mesmos toxicodependentes, um nível de doença ligado à hepatite B, C e ao vírus HIV/SIDA, que têm um tratamento preferencial, um tratamento mais cuidado, uma atenção mais cuidada. Ora, sinceramente, não vi no vosso projecto de lei esta particularidade a ser levada em linha de atenção.
Por outro lado, tanto quanto interpretei do vosso projecto de lei, trata-se quase da criação de um serviço nacional de toxicodependência, o que implicaria, garantidamente, toda uma estrutura a ser criada e que teria custos elevadíssimos. Gostaria de saber se os senhores têm esses números eu não os tenho uma vez que teríamos de começar de raiz, com instalações, com pessoal médico, de enfermagem e administrativo, com viaturas, etc., isto é, todo um processo que, nesta altura, não existe em relação á um serviço que interpreto como sendo a criação de um serviço nacional de toxicodependência.
Desta forma, quando os senhores se referem ao apoio do Serviço Nacional de Saúde será que se referem ao apoio que receberiam nos centros de saúde, que, como sabem, infelizmente, nesta altura, já não conseguem dar conta daquilo para que estão na verdade vocacionados e, portanto, muito difícil será fazer mais trabalho do que aquele que já hoje não conseguem cumprir.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o PS e o Governo da nova maioria têm consciência da gravidade, da dimensão social e de muitos dramas familiares e de sofrimento individual que a droga continua a provocar no nosso país.

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Por isso, quer no Programa do Governo quer nas Grandes Opções do Plano, propõem medidas concretas, pluridisciplinares e específicas; umas destinadas a combater tenazmente o tráfico e a desencentivar o consumo de drogas e outras dimensionadas para o tratamento, reabilitação e reinserção social dos toxicodependentes, que são, nestas circunstâncias, cidadãos doentes, carenciados dos cuidados de saúde á que têm direito.
Uma das medidas específicas programadas pelo Governo é, justamente, a criação de um programa de tratamento e recuperação de toxicodependentes presos.
Sr. Deputado António Filipe, o projecto de lei do PCP, hoje apresentado, ao contrário, não inclui qualquer artigo sobre o tratamento de toxicodependentes em meio prisional. Facto que me surpreende e nos determina afirmar, desde já, com clareza, que, para nós, esta modalidade de tratamento em meio prisional não ficará de fora no âmbito de intervenção da rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção de toxicodependentes.
Assim, gostaria que V. Ex.ª nos esclarecesse das razões de tal omissão no projecto de lei que apresentou.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ismael Pimentel, antes de mais, devo dizer que me chocou um pouco que o Sr. Deputado, perante uma situação grave como a que se apresenta de tantos milhares de toxicodependentes e de uma ausência tão notória de meios e locais de tratamento, venha fazer contas à vida e dizer que é preciso ter cuidado que isto é uma estrutura muito cara.

O Sr. Ismael Pimentel (CDS-PP): - O senhor vive no mundo da lua!

O Orador: - Sr. Deputado, efectivamente, é uma estrutura que não é barata, mas sai muito mais cara a situação em que estamos, em que vemos milhares de jovens arredados de ter uma vida digna, arredados da possibilidade de viver a sua vida em termos de liberdade e de dignidade pessoal. Isso sai incomparavelmente mais caro do que aquilo que propomos.
No entanto, importa dizer que essa estrutura, o serviço de prevenção e tratamento tia toxicodependência, existe, não é uma coisa que se tenha de criar a partir do zero. Aquilo que dizemos é que existem alguns serviços públicos - e muitos deles trabalham com todo o mérito - que são notoriamente insuficientes e que há zonas do país, vastas zonas, em que não existe nenhum.
Ora, ao contrário de outras pessoas que têm afirmado o carácter toxicógeno da existência de centros de atendimento, que foi uma tese defendida e, de alguma maneira, aqui referida, há pouco, pelo Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, porque discordamos dessa tese, consideramos que é fundamental que, de uma forma equilibrada, existam locais idóneos por todo o território nacional, tecnicamente apetrechados, a que os toxicodependentes possam recorrer. Este já não é um problema dos meios urbanos é, infelizmente, um problema de todo o País. Verifica-se um agravamento muito significativo da toxicodependência em zonas onde, há uns anos, não se pensava nisso, nomeadamente em zonas do interior.
Portanto, é necessário que haja, também aí, meios onde esses cidadãos possam recorrer. De facto, não se trata de criar nenhuma estrutura paralela. ao SPTT, trata-se de completar aquilo que são as deficiências da rede actualmente existente. Isso é que era importante, para além - é o que propomos no nosso projecto de lei - de se desenvolver a existência de unidades de desintoxicação, que podem funcionar perfeitamente junto dos CAT, como acontece, por exemplo, no Centro das Taipas, onde se associa um centro de atendimento com uma unidade de desintoxicação. Seria possível fazer isso noutros CAT e é importante que se comece a investir, também em termos públicos, na existência de comunidades terapêuticas que estão completamente entregues a entidades privadas, umas com idoneidade, outras nem por isso.
Sr. Deputado, a questão dos centros de saúde coloca problemas complicados, na medida em que o tratamento de toxicodependentes tem especificidades que fogem à clínica geral. Creio que isso é reconhecido e, portanto, é muito importante que os centros de saúde participem ao nível da detecção dos casos de toxicodependência com vista ao seu encaminhamento para serviços que devem ser o mais descentralizados e específicos possíveis.
O Sr. Deputado Alberto Marques referiu-se aos toxicodependentes em meio prisional. Creio que se colocássemos esse problema no nosso projecto de lei, poderíamos ser acusados de estar a repetir algo que está na lei. A legislação referente ao nosso aparelho prisional, designadamente, o Decreto-Lei n.º 15/93, que está agora em processo de revisão, considera especificamente a situação dos reclusos. Existem algumas experiências a esse nível, mas muito poucas, a mais significativa das quais parece ser a do estabelecimento prisional de Lisboa - e espero que a nossa Comissão possa ainda ter oportunidade de a visitar.
Creio que os toxicodependentes em meio prisional merecem uma consideração específica, até porque são uma percentagem muito significativa da população prisional. Porém, convém não confundir os estabelecimentos prisionais com os centros de tratamento, porque os toxicodependentes não se tratam nas prisões; eles estão lá por circunstâncias da sua vida e devem ser acompanhados enquanto estão aí, devem ser encontradas soluções a esse nível que possibilitem o seu tratamento. Aliás, creio que a ausência de centros de tratamento de toxicodependentes faz com que muitos deles fiquem nas prisões quando isso é absolutamente desnecessário, pois poderiam estar em locais onde pudessem ser tratados em condições.
Apesar disso, eles devem ser acompanhados na prisão, embora não seja essa a vocação das prisões. Não podemos confundir as duas coisas: uma situação de reclusão com uma situação de tratamento, unidades de saúde com estabelecimentos prisionais. É importante que as pessoas sejam tratadas com humanidade e dignidade em qualquer dos casos. Todavia, são situações perfeitamente distintas, e só por isso é que não o propusemos neste projecto de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe,, como acabou de dizer, e com toda a razão, os serviços de acolhimento e tratamento de toxicodependentes já existem em Portugal e supostamente já estão a funcionar.

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A questão que se coloca e que penso que nos deve preocupar é a sua eficácia. Se perguntarmos quantos foram os jovens e os menos jovens que passaram por esses serviços e receberam o tratamento devido, mas que, passados alguns meses, lá voltaram, então, objectiva e responsavelmente, apuramos a eficácia com que esses actuam e combatem este problema.
Há instituições responsáveis, que cumprem a sua obrigação e objectivo, reabilitar e ressocializar aquele que, um dia, entrou na droga e que, por isso, neste momento, se encontra afastado da vida activa, e há outras instituições que apenas existem para receber dinheiro do Estado. E com esta pouca vergonha que temos de acabar, porque há instituições boas e más e eu pergunto onde está a avaliação.
Penso que não há melhor avaliação do que aquela que é feita pelos próprios interessados, pelos toxicodependentes e pelas suas famílias. Aliás, uma realidade de que poucas vezes se fala, mas que é um drama que existe, é a transformação da vida familiar causada por um elemento que está com problemas de toxicodependência, do qual temos também de falar.
Por outro lado, o Sr. Deputado, neste momento político, pede a criação de uma rede nacional quando na sua bancada - como na do PS, é verdade, mas este projecto é vosso - se fala da necessidade de descentralizar e regionalizar, tudo ao contrário do que é proposto. Propõem um serviço nacional no mesmo momento em que dizem que é preciso regionalizar, porque os serviços nacionais não têm eficácia, causam desperdício de recursos e não respondem às necessidades das populações!

O Sr. José Calçada (PCP): - Leia o projecto de lei!

O Orador: - Em que é que ficamos, em que é que o PCP acredita? É no serviço nacional e geral - e nas generalidade cabeie muitas injustiças, como sabe - ou é pela via da descentralização, com ou sem regionalização, mas aproximando os serviços das pessoas, daquelas que precisam deles?
Sr. Deputado, agradecia um esclarecimento porque, de
facto, isto está muito confuso.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O PP sempre foi confuso e continua, cada vez mais!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Moleiro.

O Sr. Agostinho Moleiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. . Deputado António Filipe, também nos preocupamos com a situação de doença e autodestruição dos jovens e adultos toxicodependentes, com a trágica perda de identidade familiar, social e profissional que envolve estes nossos concidadãos e com o drama das famílias transfiguradas pela presença de um toxicodependente querido e todos conhecemos a instabilidade social, a insegurança e a ansiedade que nós, pais de adolescentes, com o crescimento dos nossos filhos, sentimos.
Por isso, apreciamos este vosso projecto de lei, cujo conteúdo, apesar de não ser de nossa iniciativa, podeis encontrar no nosso Programa de Governo. Assim, porque somos diferentes, vamos assumira nossa responsabilidade perante este grave problema nacional e desafiamos o PSD a assumir a sua.
Sr. Deputado António Filipe, esta é a terceira vez que apresentam este projecto de lei nesta Câmara, pelo que gabamos a vossa persistência e reconhecemos a preocupação pelo problema que é de todos.
Citando o ditado popular "o cântaro tantas vezes vai á fonte que se quebra" é caso par se dizer que agora não se cumpriu o ditado. De facto, nas duas vezes anteriores, o PSD "partiu-lhes o cântaro", mas nós , socialistas, porque somos diferentes e cumprimos as nossas promessas, achando que todos nunca sermos muitos para promover uma solução para esta epidemia, vamos velar pela integridade do vosso "cântaro". Não aceitamos, no entanto, que se nacionalize a sua "água", pois achamos que ela deve ser servida nas melhores condições, independentemente de quem a sirva.
Assim; gostaria de saber por que propõe o PCP a criação de um serviço vertical, com provável "guetização" dos toxicodependentes, deixando de fora dessa rede de atendimento a articulação e o envolvimento dos centros de saúde, dos hospitais, centrais e distritais, de serviços de psiquiatria e outras instituições. Pergunto também qual o papel que os senhores reservam para os médicos de família neste problema.
Por outro lado, o vosso projecto de lei esqueceu as grávidas, as mães toxicodependentes e os seus filhos, que, em nossa opinião, merecem condições especiais. Por que não os consideram?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder aos pedidos de esclarecimento formulados, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, responderei em primeiro lugar ao Sr. Deputado Agostinho Moleiro, agradecendo-lhe as questões que colocou e dizendo que elas são animadoras quanto ao destino deste projecto de lei, pois mesmo a problemática das mães e grávidas toxicodependentes são aspectos que o poderão enriquecer no debate na especialidade. Seguramente que o seu contributo será importante quanto a este aspecto e, assim, agradeço-lhe o pedido de esclarecimento.
Relativamente à questão concreta que colocou acerca dos médicos de família, creio que eles têm um papel muito importante na detecção de situações de toxicodependência, sendo assim importante assegurar a sua efectiva articulação com os serviços especificamente destinados ao tratamento de toxicodependentes. Infelizmente, na zona de onde é oriundo e no círculo pelo qual foi eleito, não existe qualquer centro de atendimento de toxicodependentes e esperamos que, na sequência da aprovação deste projecto de lei, ele possa ser criado em breve.
Quanto às questões do Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, devo dizer que me deixou perplexo com algumas coisas que afirmou.
Em primeiro lugar, não percebo qual é o problema que o PP vê na consideração desta rede de centros de tratamento como uma rede nacional. Sr. Deputado, estranho muito essa aversão ao termo nacional mas, efectivamente, aquilo que propomos não é o "CAT do Terreiro do Paço"!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O Sr. Deputado não percebeu! Não referi um "CAT nacional", mas a estrutura nacional!

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O Orador: - Aquilo que estamos a propor é que sejam criados centros de atendimento de toxicodependentes na Guarda, em Vila Real, em Bragança, em Beja, em Portalegre! Não há aqui qualquer intenção de centralizar serviços,...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Se são regionalizados não são nacionais!

O Orador: -... pelo contrário, há uma intenção de fazer com que os serviços existam em regiões onde ainda não existem e, de facto,, não temos qualquer intuito de estabelecer uma estrutura burocratizada que, de Lisboa, controle o funcionamento dos centros de atendimento ou das comunidades terapêuticas.
Agora, aquilo que quero salientar é que os Srs. Deputados do PP estão aqui a encontrar todos os pretextos par se oporem a que o Estado invista, tal como lhe compete, no tratamento de toxicodependentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Querem é o lucro!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Isso é mentira!

O Orador: - Deixar as instituições de tratamento de toxicodependentes completamente entregues à iniciativa privada, boa e má, é o que já existe actualmente e não está a dar bons resultados, pelo que pensamos que o Estado tem a obrigação de não se demitir das responsabilidades que tem para com o tratamento de cidadãos que são afectados pela toxicodependência. É isso que os Srs, Deputados não querem, ...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O que queremos é combater o desperdício, o que é diferente!

O Orador: - ... mas devem assumi-lo claramente porque, de facto, estão a procurar encontrar alguns subterfúgios, algumas formas de ataque a este projecto de lei que, efectivamente, não são mais do que esconder essa vossa aversão ao investimento público e ao cumprimento por parte do Estado das responsabilidades que tem para com os cidadãos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado coloca, inclusivamente, o problema da eficácia dos serviços.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Disso é que é preciso falar. Fale disso!

O Orador: - Esteja descansado, Sr. Deputado, que é disso que vou falar!
O Sr. Deputado tem razão num aspecto, o da necessidade de avaliação, em que a opinião e a experiência dos interessados é fundamental. Creio que essa avaliação deve ser feita e o Governo, seja ele qual for - criticámos o do PSD por isso e o do PS tem de assumir as suas responsabilidades -, tem de ter uma postura que não seja a de "esconder a cabeça debaixo da areia" relativamente a este problema.
Parece-nos que é uma situação inadmissível que de todas as instituições que funcionam no tratamento de toxicodependentes nem uma esteja licenciada, o que significa que não há o mínimo de fiscalização sobre o que se anda a fazer.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Tem de começar-se pelo princípio!

O Orador: - Felizmente, nalguns sítios faz-se bem; infelizmente, noutros faz-se mal e entendemos que o Governo não pode desresponsabilizar-se disso.
Mas, Sr. Deputado, importa ainda dizer que o tratamento de toxicodependentes não pode ser avaliado em termos de eficácia como são avaliados outros sectores e serviços, porque um toxicodependente não tem uma gripe!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Ora essa!

O Orador: - O Sr. Deputado não pode contabilizar, relativamente a uma comunidade terapêutica ou a um centro de atendimento, quantos toxicodependentes entraram agora e quantos estão curados daqui a seis meses, porque a realidade não é essa!
A desintoxicação física é algo que se faz, clinicamente, com relativa facilidade; o problema é que depois, se não houver um trabalho, necessariamente longo, de reinserção social ...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - De integração, exactamente!

O Orador: - ... esse toxicodependente voltará ao mesmo e, portanto, esse trabalho é longo, persistente e caro.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): Da responsabilidade das instituições!

O Orador: - Temos de assumir essa responsabilidade e é bom que, efectivamente, os senhores também não fujam à responsabilidade que têm de assumir nesta matéria.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Não, não!

O Orador: - O tratamento de toxicodependentes é, naturalmente, moroso, exige trabalho e meios e é isso que não podemos negar aos cidadãos que estão afectados por esse grave flagelo social.
Como disse aqui, assumimos claramente a nossa responsabilidade e é bom que cada bancada, cada partido, assuma as suas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado Jorge Roque Cunha é também relator e tinha pedido a palavra. Não sei se quer fazer a apresentação do relatório e, depois, usar da palavra em nome do PSD:

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Em primeiro lugar, farei a apresentação do relatório, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 29/VII visa a criação de uma rede de serviços públicos para a desintoxicação física e tratamento de toxicodependentes, bem como para a sua reabilitação social e profissional.
No preâmbulo refere-se que, nos termos constitucionais, cabe ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua situação económica, aos cuidados da medicina preventiva e de reabilitação. Tais objectivos devem ser aplicáveis aos serviços destinados à prevenção, tratamento e reabilitação social de toxicodependentes, que devem ter carácter universal, geral e gratuito.
O projecto de lei compõe-se de 12 artigos, que incluem a rede de serviços públicos, as unidades de tratamento, e internamento, as comunidades terapêuticas, a desintoxicação em meio familiar, a reinserção social e profissional, a tutela, o financiamento e os recursos humanos.
No seu artigo 9.º é previsto que o seu financiamento seja feito através do Orçamento do Estado e ainda por 50% dos bens declarados perdidos a favor do Estado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Está igualmente prevista a utilização de verbas do joker para fazer face aos custos desta iniciativa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Agora para intervir em nome da bancada do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É sempre importante debater as questões ligadas à toxicodependência de uma forma serena. Temos consciência da gravidade deste assunto e, portanto, é de salientar a iniciativa do PCP ao agendar este projecto de lei, já que permite à Assembleia ter mais um fórum para a sua discussão, apesar de iniciativas semelhantes em legislaturas anteriores não terem merecido aprovação.
A dimensão nacional e mundial e a impotência dos poderes públicos face a este problema, coloca-o como um daqueles que mais preocupam as populações. Porém, a frustração face a esta difícil luta e a dificuldade em encontrar soluções rápidas na prevenção, no tratamento e no combate à criminalidade associada ao tráfico não é razão para transformar a liberalização na solução de todos os problemas. Devemos antes procurar respostas adequadas, evitando declarações mais ou menos peremptórias que possam aumentar ainda mais a sensação de insegurança e de confusão na opinião pública.
Neste debate, na generalidade, gostaríamos de referir desde já que encontramos poucas diferenças entre este projecto e um plano de actividades do serviço de prevenção de toxicodependência.
A rede de serviços públicos já existe em Portugal e, quanto muito - e com isso estamos de acordo -, necessita de ser alargada e avaliada. Como no passado afirmámos, o Estado, neste projecto, é omnipresente - promove, elabora, avalia e financia o sistema.
Em nossa opinião, o Estado deverá manter uma estrutura de cobertura nacional e privilegiar a contratualização da prestação desses cuidados com instituições privadas de solidariedade social, garantindo a posterior
avaliação, sendo também tempo de se começar, e há métodos objectivos para isso, a estudar o seu custo/eficácia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a procura de tratamento pelos toxicodependentes não tem resposta total, porque a capacidade das instituições não é suficiente - reconhecemos isso. A intenção de existirem centros de atendimento a toxicodependentes em todas as capitais de distrito, afirmada como possível em 1995, teve claras dificuldades na sua concretização. Divergências ao nível dos técnicos quanto à melhor forma de lidar com o problema, como tivemos oportunidade de verificar nas audiências que fazemos na Comissão respectiva, a necessidade de formar recursos humanos especializados e a pouca flexibilidade das carreiras da função pública em relação a estas novas realidades poderão ser apontadas como as principais razões para que isso tenha acontecido. Não deixa, pois, de ser surpreendente que, no PIDDAC de 1996, estejam previstos unicamente 5000 contos para o centro de atendimento de Bragança e igual soma para o da Boavista, no Porto. É fundamental que se continue a aumentar, quer o número de camas, quer o de internamentos de curta duração, quer para as comunidades terapêuticas, sempre acompanhada da preocupação da qualidade dos cuidados e dos recursos humanos especificamente preparados para tal. A este aumento tem de estar associada a aplicação rigorosa e célere do regime de fiscalização e licenciamento das unidades de tratamento, fazendo as adaptações necessárias para ultrapassar as dificuldades encontradas na sua aplicação. A preocupação não deve ser tanto com as condições de construção mas sim com a qualidade dos recursos humanos e a eficácia do tratamento, combatendo o condenável mercantilismo das curas milagrosas e que todos aqueles que não cumprem devem ser severamente punidos com a inibição da prática dessa actividade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quanto ao financiamento, o PCP prevê que seja feito através do Orçamento do Estado e ainda de 50% dos bens declarados perdidos a favor do Estado, bem como verbas do joker. Parece-nos que este é um aspecto inovador do projecto, mas tem uma dificuldade prática que tem a ver com a exiguidade das verbas que são declaradas como perdidas a favor do Estado, bem como pelo facto de as verbas do joker, para o actual Governo, parecerem ser a resposta para obstar ao subfinanciamento, quer da área da toxicodependência, quer também da área da Sida. Hoje, são já substanciais os montantes dispendidos nas várias áreas de combate à toxicodependência e, independentemente de todos compreendermos a grande dificuldade que existe em pessoas que têm esses problemas, é necessário garantir que esse dinheiro está a ser bem aplicado, e a ser aplicado da melhor maneira.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, finalizaria a minha intervenção com notas breves quanto a alguns aspectos a ter em conta no que .se refere ao tratamento. É fundamental apostar na prevenção primária, onde a escola e a família têm um papel determinante. Especificamente em relação à escola, é fundamental que se reforce o programa de educação e promoção da saúde e a própria promoção da auto-estima dos estudantes das escolas. No tratamento, para além de aumentar a capacidade de resposta no ambulatório, como eu disse também, no internamento de curta duração e nas comunidades terapêuticas, é igualmente importante que se desenvolvam, na prática, os programas de metadona entretanto previstos.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, hoje como no passado, entendemos que este projecto não altera substancialmente a realidade existente e tem o perigo de reduzir o tratamento exclusivamente a cargo do Estado, asfixiando e desresponsabilizando a sociedade civil. O Sr. Deputado António Filipe teve oportunidade de responder a esta questão e eu compreendo a preocupação em relação ias instituições, já que há algumas, neste aspecto, têm um papel perfeitamente idóneo, íntegro e fundamental para esse trabalho.
Terminaria, portanto, dizendo que este combate é de todos, deve ultrapassar as barreiras partidárias, potenciar a cooperação institucional de forma a não nos demitirmos de procurar e propor as soluções mais adequadas para este gravíssimo problema. O PSD continuará empenhado nesta discussão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não há pedidos de esclarecimento. Temos agora inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Niza. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que este projecto de lei, apresentado pelo PCP, podia ter um título diferente daquele que tem, pois podia chamar-se "água mole em pedra dura". Isto, porque é a terceira vez que vem a este Plenário, em anos sucessivos, o que atesta a capacidade de persistência do PCP. Mas há algo que, entretanto aconteceu: é que, em Outubro passado, houve eleições e alterou-se muita coisa, apenas o vosso projecto não se alterou. O Governo, neste momento, é outro, com um novo programa e aproveito para, desde já, dizer uma evidência: é que o Programa do Governo é para quatro anos, que são os da legislatura, e não nos peçam que, ao fim de cinco meses, esteja tudo resolvido.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Deus nos livre! Por este caminho...!

O Orador: - Tenho a impressão de que Deus, aí, não vai colaborar convosco!

Risos do PS.

Ora, como é sabido e foi dito na campanha eleitoral, a questão da droga foi considerada, para o PS, "o inimigo público número um". E penso que, quer a nível parlamentar, quer a nível do próprio Governo, isso está a ser provado. A primeira iniciativa que foi tomada nesta matéria - que tive a oportunidade e a honra de propor ao Grupo Parlamentar do PS - foi a criação da comissão eventual para tratar dos problemas da toxicodependência, que é presidida pelo Sr. Deputado António Filipe, que penso que tem funcionado bastante bem, com boa participação de todos os partidos políticos, com um clima que é de registar em termos de ser exactamente assim que, nestas matérias, as coisas devem funcionar.
Espero, pois, que desses nossos trabalhos da Comissão, antes do fim desta sessão legislativa, por volta de Maio, Junho, esteja pronto um relatório exaustivo que ajude todos a perceber o fenómeno e, o Governo a governar, na medida em que nós próprios teremos a liberdade de fazer recomendações e propostas. Penso que,
neste momento, ao fim de cinco meses, o Governo já fez trabalho na matéria, e vou aqui dar alguns apontamentos.
Em matéria do Orçamento do Estado, foi aqui dito, mesmo há minutos, pelo Sr. Deputado do PSD, que o Governo só tinha atribuído, em termos de PIDDAC, 5000 contos para Bragança e 5000 mil para o Porto. Esqueceu-se o PSD de que o SPTT foi reforçado com uma. verba de um milhão de contos, que é um pouco superior, nesta matéria.

O Sr. Jorge Roque da Cunha (PSD): - Eu falei em PIDDAC, Sr. Deputado.

O Orador: - E eu estou a falar num milhão de contos! Desculpe, mas prefiro um milhão de contos a uma palavra chamada PIDDAC, pois um milhão de contos é mais consistente.
De qualquer das formas, e penso que isto é um pormenor, há um compromisso do Governo, tendo sido reforçadas as verbas orçamentais globais, quer para a área da saúde, como acabei de referir, quer para a área da educação, para a justiça e para a administração interna. E só não foi possível ir mais longe porque a herança é magra e o Eng. António Guterres não pode passar cheques sem cobertura.
Portanto, é esta a situação em que nós trabalhamos. Mas gostaria de dizer ainda que, entretanto, o Governo nomeou uma comissão que já preparou os seus trabalhos, que irão proporcionar a convocação de um Conselho de Ministros especialmente para discutir a questão da droga, envolvendo os sete Ministérios que nela trabalham e donde, naturalmente, a muito curto prazo, irão sair resoluções do Governo.
Por outro lado, o Governo está também a rever os subsídios mensais que atribui às comunidades terapêuticas. Como é sabido, estes subsídios, desde há vários anos, julgo que desde 1992, portanto, há quatro anos, que se mantinham nos 90 contos por mês, pelo que o Governo, logicamente, constatando que é uma verba curta para esse efeito, vai revê-la por cima e brevemente esse. valor será aumentado.
Uma outra questão que já foi aqui referida e que é muito importante é a dos recursos humanos. Há, neste momento, centros de tratamento que não estão a funcionar por falta de psiquiatras. Não é; pois, uma questão de construção civil, mas sim de recursos humanos. Nessa medida, o Governo está a estudar um esquema de incentivos para fixação de técnicos à periferia, designadamente, psiquiatras, para que esses centros possam abrir, como é o caso de Olhão, que já existia mas está fechado, de Abrantes e de outros centros que, neste momento, não estão bloqueados por meios materiais mas sim por falta de recursos humanos.
Por outro lado, voltando a página para outra área, para a do tráfico, também na área da justiça e da administração interna foram reforçados os meios, designadamente, para a Polícia Judiciária, para a investigação do tráfico, e em relação aos serviços prisionais também. Aliás, já foi aqui referida, o que sublinho, a necessidade de se fazer tratamento de toxicodependentes dentro das prisões. Há um programa que já vinha de trás, mas sabendo nós que entra droga nas prisões, que é aí consumida, os toxicodependentes detidos têm de ser tratados nesse local, o que é um encargo do Estado. Se há questão em que não há dúvidas é a de que tem mesmo de ser o Estado a

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fazê-lo, porque não são os privados que vão lá entrar para tratar os toxicodependentes. Aqui, nesta questão, estatização completa! Mas é uma excepção.
Portanto, tendo em conta que passaram cinco meses, o Governo, nesta matéria, tem ido em boa velocidade de cruzeiro.
Vamos agora falar do projecto de lei do PCP, porque é isso o que estamos aqui a discutir. O meu grupo parlamentar pensa que o vosso projecto é convergente com os objectivos do Programa do Governo e com os objectivos do grupo parlamentar. Mas esta questão da convergência tem uma nuance: é que a convergência é relativa aos objectivos propriamente ditos, isto, é, uma cobertura suficiente de todas as necessidades nacionais, mas as formulações e as soluções é que nos oferecem algumas divergências. Aproveitaria, até, para vos dar, talvez, uma boa notícia: é que iremos votar favoravelmente o vosso projecto.
Por isso é que eu disse que "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura" - o que é o caso -, mas na discussão na especialidade vamos propor a introdução de alterações, algumas das quais me permito anunciar desde já.
Penso que há aqui uma característica, que já foi apontada, que é a de um certo pleonasmo do vosso projecto ser já antigo em relação ao Programa do Governo, porque se sente que, às tantas, estão ambos a falar da mesma coisa. Nesta altura, até poderia ser considerado inoportuno ou desnecessário mas, como tem uma componente positiva para resolver um problema, entendemos não inviabilizá-lo, só que, logicamente, dentro de outro sistema de regras que não propriamente as que contém o projecto. Consideramos que é um projecto, efectivamente, estatizante, o que, aliás, não nos surpreende porque é uma lógica filosófica e ideológica que é subjacente ao discurso do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é um chavão! Não venha com essa conversa!

O Orador: - Mas não foram os senhores que disseram que uma verdade muitas vezes repetida acaba por ser verdade?

Risos do PS.

Protestos do PCP.

Bem, deixem-me continuar, se não se importam. Já dissemos que votávamos a favor, por isso, não estraguem a festa!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso, para nós, não serve. Esteja ciente de que isso, para nós, não serve. Chantagem, não!

O Orador: -. Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostava que V. Ex.ª percebesse que eu quis fazer um pouco de humor com a frase que disse. Numa matéria desta natureza não vale a pena estar a acirrar o debate, porque, independentemente das diferenças ideológicas existentes entre nós; no fim de contas estamos todos de acordo.
A falha fundamental da vossa proposta - e aí é que está o cerne da questão! - é a de não considerar a existência de ofertas de instituições particulares de solidariedade social, que são muitas. Para surpresa minha, no sábado passado, o Ministério da Saúde forneceu-me informações que confirmam que neste momento existem, quer em termos definitivos, quer em termos provisórios, 400 camas aprovadas. Portanto, não são 48 mas, sim, 480 - 10 vezes mais -, o que significa que, se essa aprovação foi feita em condições técnicas razoáveis, é uma oferta de que nem sequer suspeitávamos. Mais: para além dessa aprovação das 480 camas, há mais 1077 que estão para ser licenciadas, pelo que a vossa exigência de 1000 camas para cobrir o País na sua totalidade será largamente ultrapassada se forem todas aprovadas. Admito que com as 480 camas já existentes e com metade das outras que vão ser licenciadas poderemos chegar ao universo das 1000. É uma oferta que o Estado não poderia garantir, mas que já existe.
Uma outra questão é a de saber como é que este esquema vai funcionar. Defendemos a complementaridade, isto é, o facto de o Estado ter as suas responsabilidades não significa que não possam surgir da parte do sector privado iniciativas e que estas não sejam apoiadas e subsidiadas. Há 10 anos atrás, no Centro da Comunidade Terapêutica de Coimbra, um toxicodependente custava 150 contos por mês; há dias estive com o Ministro Jorge Coelho e com o Alto Comissário numa comunidade privada de igual qualidade em que cada toxicodependente paga 120 contos por mês. Portanto, há 10 anos pagava 150 contos e hoje 120 contos!
O que digo - e essa foi uma questão que coloquei à Sr.ª Ministra da Saúde - é que vale a pena fazer as contas, porque se o Estado puder garantir esse tratamento, gastando menos dinheiro, mas com uma qualidade idêntica, qual é o problema que pode haver em recorrer a uma colaboração complementar com as instituições privadas? Se isto for verdade temos mais coisas resolvidas do que aquilo que julgávamos.
Foi por esta razão que hoje não fiz nenhum discurso de diagnóstico sobre a situação da droga. Esse discurso está estafado, toda a gente o conhece, faz parte da cultura geral. Não me interessa repetir coisas referidas nos debates que tiveram lugar nos últimos anos, mas, sim, arranjar soluções e um consenso entre todos os Deputados que estão aqui presentes, pois todos temos obrigação de participar e, colaborar. Dentro do equilíbrio possível cada um tem as suas ideias, mas penso que é possível, em sede de especialidade, fazer uma fusão entre todas e, porventura, algumas concessões a fim de podermos elaborar um diploma que seja depois aprovado por unanimidade e que ajude a resolver todas estas questões que temos pela frente.
Finalmente, gostava de me referir ao que o PCP propõe em termos concretos.
Primeiro, que os CAT existam em todos os distritos do país, o que já consta do Programa do Governo. Falta cobrir poucos distritos, mas isso vai ser feito, pelo que não vale a pena estarmos a falar nisso. Só quero dizer que, no âmbito desta cobertura, em Abril, vai ser inaugurado o Centro de Atendimento de Évora, mas que há outros centros que já podiam estar a funcionar e que não o estão por falta de recursos humanos. A questão é esta: é possível fazer um edifício num ano ou dois à custa do Orçamento do Estado, mas não formar um psiquiatra durante esse mesmo tempo.
Segundo, a proposta que o PCP apresenta em relação aos centros de desintoxicação tem a ver com uma questão meramente técnica. Não se compreende que se invente aqui uma espécie de conceito de leprosaria ou de gheto, em que os toxicodependentes tenham todos de ser tratados em sítios diferentes do resto dos doentes, porque a

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toxicodependência é também uma questão de saúde. Como o País já tem uma rede razoável de hospitais distritais, de hospitais gerais, de hospitais psiquiátricos, de centros de saúde e de instituições privadas a questão que se coloca é a de saber se é preciso fazer de novo para fazer o mesmo ou se temos de aproveitar o que já existe, dando meios e fazendo reciclagens. Como já referi há pouco, creio há que fazer o aproveitamento daquilo que já existe no terreno. Por exemplo, o distrito de Santarém vai ter uma excelente cobertura, pois para além de ter dois hospitais excelentes - um em Santarém e outro em Abrantes -, no sábado passado, a Sr.ª Ministra da Saúde adjudicou a construção de um novo hospital, o de Tomar/Torres Novas. Esse hospitais dão resposta mais do que suficiente para os tratamentos de desintoxicação que, como o Sr. Deputado António Filipe aqui referiu, é uma coisa muito simples de fazer - o mais difícil é o que vem a seguir.
Vamos viabilizar este projecto de lei do PCP e apresentar propostas na especialidade. Contamos com a colaboração de todos os Deputados e penso que poderemos chegar a um entendimento, porque esta questão da droga não é uma guerra perdida, embora algumas pessoas tenham tendência para desistir a meio do caminho. Como dizia o nosso antigo colega Salgado Zenha, só é vencido quem desiste de lutar. O PS não vai desistir e penso que os Srs. Deputados também não.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Niza, vamos proceder à votação final global do texto de substituição, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da proposta de lei n.º 16/VII - Estabelece um processo de regularização da situação dos imigrantes clandestinos e dos projectos de lei n.os 19/VII - Determina á abertura de um novo processo extraordinário de imigrantes (Os Verdes) e 116/VII - Regularização extraordinária dos cidadãos que residam em Portugal sem autorização legal (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, apenas para anunciar que o PCP irá entregar na Mesa uma declaração de voto por escrito sobre esta votação.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, gostava de relembrar mais uma vez ao PS que não pode estar constantemente a falar na herança do passado no seu aspecto negativo, quando, na prática, as alterações de fundo que são visíveis nestes seis meses são muito limitadas, quer em relação aos próprios protagonistas, quer quanto à política que tem vindo a ser seguida.
Esta é uma área onde começa a ser necessário, depois de alguns anos de implementação do Projecto Vida, a política de prevenção e de intervenção tomar um novo rumo. Aí estou perfeitamente de acordo consigo.
Fiquei satisfeito quando disse que o Centro de Évora irá abrir brevemente, pois ele não foi certamente construído nestes últimos seis meses.
A questão que quero colocar-lhe tem a ver com aquilo a que chamou "uma coisa de pouca importância": o plano de investimentos e de despesas da administração central. Havendo necessidades em relação a três ou quatro centros de atendimento de toxicodependentes, por que é que estão previstos 5000 contos para Bragança, verba esta que será com certeza para fazer o projecto, e 5000 contos para o CAT da Boavista no Porto, que deve ser para fazer uma intervenção muito limitada? Fala num milhão de contos, mas esquece-se de que verbas dessa dimensão ou próximas desse valor foram no passado propostas pelos responsáveis das áreas respectivas, nomeadamente pelos da saúde.
Portanto, não é nada de novo mas tão só uma questão de reafectação de verbas em relação a um serviço - o SPTT - que não existia há quatro anos. Há três anos o orçamento subiu infinitos por cento em relação àquilo que estava previsto.
Gostava de apelar para que, com a sua grande capacidade crítica e de fiscalização, se não deixe enlevar por alguns destes números que, muitas vezes, são dados só para aparecerem na comunicação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado referiu-se à persistência de que nós demos provas neste projecto de lei. Infelizmente, o problema mantém-se e é essa a causa fundamental que faz com que mantenhamos a nossa persistência nesta matéria que, de resto, iremos manter sempre que for necessário, ou seja, enquanto a toxicodependência tiver os problemas que tem e enquanto a ausência de meios de tratamento for aquela que todos conhecemos.
O Sr. Deputado trouxe aqui informações actualizadas sobre o que é que o Governo se propõe fazer nesta matéria, mas gostava de adiantar dois aspectos.
O primeiro é este: acompanho estás matérias na Assembleia da República há tempo suficiente para saber dar algum desconto às afirmações que o Governo aqui faz. É que, por exemplo, desde que o PSD foi para o governo que se diz que a cobertura de todos os distritos do país com CAT estaria concluída no ano seguinte, em que a conclusão de uma rede nacional de CAT vai transitando de um ano para o outro. Em relação a essa cobertura, temos de ter a postura de S. Tomé: "ver para crer"!
A argumentação que o Sr. Deputado utilizou relativamente a esta matéria tem algo de economicista, postura que critiquei há pouco quanto à proposta do Partido Popular. Perante uma situação tão grave fazem-se contas à vida para encontrar a solução mais barata. Se o Estado não investir tudo fica mais barato e se formos por essa lógica é preferível estarmos todos quietos para não gastar dinheiro nenhum. Não temos nenhuma postura de princípio contrária à iniciativa das IPSS nesta matéria - e é importante que isto fique claro - e pensamos que o Estado não deve negar os apoios àquelas que revelem ter idoneidade para funcionar em condições. Reconhecemos que há IPSS que merecem toda a credibilidade e apoio por parte do Estado e na discussão na especialidade este é um sector que poderá vir a ser considerado em termos adequados, sem excluir o nosso ponto de vista de que o

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Estado deve ele próprio responsabilizar-se por algo que é tão grave e que exige, de facto, uma responsabilização de todos nós.
O Sr. Deputado referiu aqui as intenções do Governo relativamente a esta matéria, mas ainda é cedo para fazer um balanço sobre aquilo que tem sido a actuação do Governo. Já foram feitos vários anúncios, como o da intenção de proceder à revisão de diplomas legais, mas creio que as opções orçamentais não foram as mais correctas, designadamente a nível de tratamento dos toxicodependentes, que ficou muito aquém daquilo que seria necessário. De facto, as dotações previstas no PIDDAC são reduzidas em relação àquilo que seria desejável (inclusivamente, tivemos oportunidade de apresentar uma proposta sobre esta matéria).
O Sr. Deputado disse que o Governo é para quatro anos. Isso é verdade, por isso a vantagem de aprovarmos aqui uma boa lei está em que os governos passam mas as leis são infinitas enquanto duram, como dizia o poeta relativamente às paixões. Daí que tenhamos toda a vantagem em fazer uma lei que vincule este Governo e os que vierem a seguir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Niza, para responder.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, este discurso das heranças do passado é uma coisa que não me interessa muito, que começa a estar estafado.

Vozes do PS: - Muito bem!

Orador: - Agora, há heranças boas e más, ou seja, há sempre uma parte boa e outra que o não é e, logicamente, os herdeiros é que têm de se entender com aquilo que corresponde à herança. Além disso, não sei se já pagámos imposto sucessório, mas tenho impressão que o pagámos... E isto o que há e, neste momento, temos não só intenções, como diz o Sr. Deputado António Filipe, mas um propósito sério.
Durante os últimos 10 anos, trabalhei numa instituição chamada Gabinete de Combate à Droga e, portanto, acompanhei todo o processo, as coisas boas, as más e as lentas, e tive a sensação - digo isto sem qualquer demagogia - que se podia ter feito bastante mais durante esse tempo e é exactamente isso que vou exigir ao Governo. O Sr. Deputado não queira saber as conversas, em termos de certa exigência, que tenho tido com todos os ministros que encontro nos corredores, o Ministro da Justiça, o Ministro da Administração Interna, a Ministra da Saúde, o Ministro Adjunto, ou seja, não perco uma oportunidade, assim como os meus colegas, pois queremos que isto avance e se o Governo precisar de ser estimulado, fá-lo-emos.
Em relação ao Sr. Deputado António Filipe, elogiei a sua persistência mas não a sua rigidez... Ou seja, gostaria que a sua persistência continuasse, mas que a rigidez, em certas matérias, pudesse ser menor...
Porém, há aqui uma questão que interessa a todos, relativa à parte financeira. Se este projecto de lei vier a ser aprovado, ele vai ter incidência apartir do orçamento para 1997. Como será uma lei da Assembleia, o Governo, quando fizer esse orçamento, terá de seguir a vontade aqui aprovada e, portanto, a questão dos CAT será, se assim poderei dizer, "CAT sem espinhos".
Quanto àquilo que é mais barato, creio que teremos de optar pela qualidade e em termos de igual qualidade não me interessa saber se são instituições privadas ou do Estado, mas, sim, que elas sejam boas e com preços razoáveis, para que o Estado não fique despojado de valores que nem sequer tem. Assim, não faço aqui qualquer distinção e, em termos quantitativos, esta é a questão do iceberg, isto é, pois, neste momento já existem 500 camas no privado e vão existir mais. Ora, quando tudo isto existir, atingiremos as tais 1000 camas que pretendiam e ficaremos todos muito satisfeitos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Ismael Pimentel.

O Sr. Ismael Pimentel (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez mais e no âmbito da toxicodependência, estamos aqui a discutir a consequência e não a causa. Porque somos extremamente sensíveis e nos choca a realidade actual, mas também porque somos realistas e temos de preocupar-nos com os custos destes projecto de lei e não estamos dispostos á colaborar na aprovação de leis que depois não passem das gavetas, temos de referir e afirmar algumas coisas.
Todos os anos, o País investe tempo e dinheiro a tentar recuperar toxicodependentes mas, ano após ano, o Governo, seja ele do PSD ou do PS, insiste em não atacar o problema da droga logo pela raiz. Conhecemos a "vacina", mas os senhores continuam a preferir tratar os doentes quando já estão quase na fase terminal.
Enquanto houver tráfico, há consumo, enquanto houver gente a vender droga à luz do dia, impunemente, dentro e fora das escolas, haverão jovens a consumi-la, dentro e fora das escolas. Quem não quer toxicodependentes não pode deixar que se trafique e venda droga impunemente. Ora, isso só se consegue, desde logo, combatendo sem tréguas o tráfico, com mais polícia e penas mais pesadas, mas isso, os senhores não estão dispostos a fazer e já o recusaram, nesta Assembleia, há um mês atrás.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - E bem!

O Orador: - O PP tem dito várias vezes e repete hoje uma vez mais: queremos um Código Penal que assuste e penalize aqueles que vivem à custa do sofrimento e da desgraça alheia, queremos um Código Penal que imponha uma pena de prisão até 35 anos aos traficantes de droga. Enquanto não assustarmos e castigarmos quem trafica, nunca deixaremos de ter quem consuma, quem se torne dependente e quem necessite de cura.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Mas hoje é do tratamento e da recuperação de toxicodependentes que vamos falar e, quanto a isso, importa ter presente que há dois tipos absolutamente distintos de toxicodependentes, aqueles que se querem curar e os que não querem, e quem não reconhece que esta diferença existe e que não há forma de curar aqueles que não desejam a cura, quem não sabe isto, não sabe nem conhece o princípio fundamental da cura do toxicodependente.

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Para os toxicodependentes que querem curar-se não chega uma rede nacional de serviços públicos para a desintoxicação física e tratamento, o aumento das unidades de tratamento de curta duração, em comunidades terapêuticas e em ambulatório, é necessário criar também gabinetes de apoio aos toxicodependentes onde eles estão.
Por isso, o PP defende a criação de gabinetes de apoio aos toxicodependentes ao nível das autarquias, que funcionem em estreita ligação com os centros de saúde e com os centros especializados privados e públicos. Mas defendemos mais, porque sabemos bem que os serviços públicos existentes são insuficientes e que aqui o tratamento só resulta se for o mais adequado e desejado, quer pela família quer pelos toxicodependentes. Assim, sabemos que é importante a criação do "vale" de apoio às famílias dos toxicodependentes.
Porque o Estado não pode acolher todos os que querem tratar-se e porque, mesmo que pudesse, esse não era o melhor sistema, defendemos que seja permitido às famílias escolher o local de tratamento, cabendo ao Estado cobrir os seus custos na exacta medida em que o tratamento ocorresse em estabelecimento público. O que importa é a cura e quem é curado e não quem o faz.
Mas o problema dos toxicodependentes não se resolve só assim. É que para aqueles que não querem curar-se não há tratamento que resulte, como os médicos bem sabem. Por isso, insistimos na necessidade de uma maior e melhor actuação por parte da polícia que, muitas vezes, mais não faz porque não tem meios nem condições.
É também por isso que, uma vez mais, insistimos na necessidade de criação de gabinetes de apoio aos toxicodependentes a nível das autarquias, que mais perto se encontram desses mesmos toxicodependentes. Quanto a nós, é assim que, finalmente, se começa a combater activamente o drama da droga.
Não temos uma solução miraculosa, mas pelo menos não nos pesa a consciência. Porém, aos senhores, àqueles que com espírito laxista declaram não ter vontade de combater o tráfico e o consumo de droga, não querendo aumentar as penas para os traficantes, aos senhores, necessariamente, há-de pesar a consciência!
Meus senhores, hoje, muitos dos que vendem droga "a retalho", à porta e até dentro das escolas, são jovens menores. As redes de tráfico de droga aperceberam-se da falta de capacidade, quando não mesmo de vontade, dos governos em combater o tráfico e penalizar os traficantes e sabem que o nosso sistema penal não é capaz de lidar com esta prática. Por isso, todos os dias há cada vez mais jovens menores a vendê-la a mando de terceiros que seguem impunes. Perante isto, o que é que os senhores fazem? Continuam a afirmar que de nada serve agravar as penas contra os traficantes? Vão dizê-lo às famílias dos toxicodependentes e verão a reacção!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. José Calçada (PCP): - Não brinque com coisas sérias!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ismael Pimentel, começou por dizer que temos estado a discutir as consequências e não as causas e que, portanto, devíamos atentar na discussão das causas e na resolução dos problemas que conduzem a este flagelo social que temos estado a tratar.
Porém, depois, curiosamente, não o ouvi referir as verdadeiras causas deste problema, ou seja, as condições sociais e económicas em que vive a população portuguesa e os jovens em particular, que criam uma situação bastante favorável para que cada vez mais exista um fenómeno de .toxicodependência, com grande preponderância desta questão.
Curiosamente, as causas de que veio aqui falar resumiam-se, pura e simplesmente, à questão das penas.

O Sr. José Calçada (PCP): - Mais nada!

O Sr. António Filipe (PCP): - Não sabem mais!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não perceberam nada!

O Orador: - Esta é, de facto, uma postura que até vem contra aquilo que o Sr. Deputado aqui disse há pouco, nomeadamente num pedido de esclarecimento, isto é, que, no que respeita a este assunto, não devem fazer-se declarações menos claras e aproveitamentos políticos da situação. Ora, parece-nos estranho que, quando estamos aqui a discutir a questão do tratamento dos toxicodependentes e da implementação de um sistema que, de facto, lhes permita acesso ao tratamento, se venha falar apenas da questão das penas, que é muito fácil de abordar e de que se esperam resultados milagrosos que comprovadamente não reconhecemos.
Outra crítica que há pouco fez ao projecto de lei do PCP dizia respeito aos seus custos elevadíssimos, tendo-a fundamentado dizendo que não pode ser o Estado a suportá-los e que a nossa perspectiva é estatizante, não sendo correcta em sua opinião, pois temos de atentar nos custos que toda esta estrutura iria envolver. Depois, curiosamente, propõe que o Estado suporte "vales" de apoio às famílias e centros de atendimento aos toxicodependentes. Então, onde está a diferença?! Por que é que, em termos de investimento do Estado, isto é bom e o projecto de lei do PCP, que prevê a implementação de uma série de centros de atendimento e de unidades de recuperação, não é bom?!
Quanto à questão dos projectos de lei e das iniciativas nesta área ficarem na gaveta, contaremos com a contribuição do PP para que, de facto, este projecto de lei avance, com as proposta de alteração que entenderem apresentar, não ficando na gaveta, e que, da parte dessa bancada, haja vontade de o levar por diante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ismael Pimentel, queria manifestar o meu protesto por estarmos aqui a debater questões relativas ao tratamento e só ouvir falar de penas de prisão. Não podia deixar de colocar este meu protesto perante a Câmara porque é perfeitamente incrível que se estejam a debater questões quanto às várias vertentes do tratamento e se fale exclusivamente de penas, como se estas resolves-

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sem os problemas da toxicodependência! Quem pensa assim, anda muito, muito enganado!
Em segundo lugar, pergunto como é possível que num país que se reconhece que não tem especialistas suficientes nesta área, nomeadamente psicólogos e psiquiatras, a grande solução seja abrir 303 centros de atendimento de toxicodependentes. Gostava que o Sr. Deputado me respondesse a esta questão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ismael Pimentel.

O Sr. Ismael Pimentel (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando pelo fim, direi que ao PSD custará ouvir dizer que votou negativamente o nosso projecto de revisão do Código Penal.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que os senhores sabem perfeitamente que o tráfico e consumo de droga passam pela existência de traficantes e têm de ter a frontalidade de dizer que não têm coragem para acabar com esta situação através de penas fortes e realistas, que é o que se passa.

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - Não é verdade que o PP não tenha feito propostas para o acompanhamento da toxicodependência e só tenha falado em penas. Lamento é que não tenha ouvido que propomos um cheque para famílias de toxicodependentes, porque o importante no tratamento da droga não está na forma como é feito mas no modo como o toxicodependente e á sua família ó querem fazer.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É extraordinariamente importante que a proposta deste "cheque" se concretize!
Por outro lado, é também pena que não tenha ouvido - não sei se, num clima de pré-discussão da regionalização, deixaram de se preocupar com as autarquias que propomos que sejam as autarquias, os poderes que estão mais perto munícipes e dos problemas reais, que criem gabinetes de apoio à toxicodependência, o que é relativamente fácil.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Fala-se aqui de verbas e de nós estarmos preocupados com aquelas que seriam gastas, neste projecto, que temos dúvidas que venha a ser criado na realidade. É pena que os senhores não se preocupem em criar alternativas deste género, porque aquilo que é preciso é estarmos bastante perto dos toxicodependentes.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - É só demagogia!

O Orador: - Ao Sr. Deputado do Partido Comunista, gostaria de dizer que não é só da questão das penas que falamos. No fundo, repetiria aquilo que já, disse duas vezes, há droga porque há traficantes e, se há traficantes, temos de combatê-los e nesta matéria os senhores não tiveram coragem de nos acompanhar, assim como ninguém nesta Câmara. É pena que não assumam esta responsabilidade!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Que todos os partidos assumam esta responsabilidade perante as famílias dos drogados e dos toxicodependentes, nesta altura um flagelo nacional extraordinariamente importante.
Os senhores propõem-nos um serviço nacional de toxicodependência e não nos responderam, há pouco, sobre os gastos que seriam necessários serem feitos para que este projecto avançasse em termos práticos. Nós não estamos dispostos a não ser realistas! É pena que o Sr. Deputado António Filipe me tenha dito há pouco que estávamos a fazer um discurso demagógico, porque, numa questão tão importante como a da toxicodependência, estávamos preocupados com os custo. Estamos, sim senhor, porque não queremos aprovar projectos, nem a ajudar a aprová-los, que depois não passam da gaveta.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É irrealista!

O Orador: - Sr. Deputado, infelizmente, nos últimos anos, é verdade que isto tem acontecido, e é verdade que muitas coisas que são boas não têm sido postas em prática.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Estamos preparados para colaborar com os senhores nesta matéria do tratamento e acompanhamento da toxicodependência, mas não deixaremos de ser realistas e teremos sempre aquele discurso que a muita gente não agrada mas que é uma realidade.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Perguntou qual era a diferença entre os custos do "cheque" de apoio às famílias que seriam suportados pelo Estado e os custos da implementação de uma série de centros de atendimento, proposta pelo PCP. Sr. Deputado, a diferença. fundamental, que, aliás, sempre nos separou, é a de que, embora os custos sejam suportados pelo Estado da mesma forma, num caso há liberdade de escolha e noutro estatização.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - Nós defendemos a liberdade das famílias e dos toxicodependentes que, como V. Ex.ª sabe, é o fundamental para o tratamento da toxicodependência.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Defendemos a liberdade de as famílias dos toxicodependentes, escolherem onde querem tratá-los e não a obrigatoriedade de um local para serem tratados.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Isso é alimentar os traficantes!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, terminado o debate deste projecto de lei, passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 64/VII Permite a constituição como assistente em processo penal no caso de crime de índole racista ou xenófoba por parte das comunidades de imigrantes e demais associações de defesa dos interesses em causa (PS).
Para fazer a apresentação do projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acreditamos que, como escreveu o moçambicano Mia Couto, "cada pessoa é uma humanidade individual, cada homem é uma raça" e, por isso, devem ser respeitados a sua dignidade e os seus direitos.
Pensamos também que "contra o racismo, o discurso do anti-racismo não é suficiente". Há que prevenir activamente o racismo assegurando medidas preventivas de índole social, estimulando o diálogo intercultural e o convívio e a solidariedade entre todas as pessoas, independentemente da raça ou da nacionalidade.
Mas consideramos também que, perante a violação de direitos humanos fundamentais com origem em preconceitos raciais ou em atitudes de discriminação, é necessário recorrer a meios jurídicos de combate ao racismo, tendo a preocupação de que esse recurso possa ser eficaz, sob pena de pôr em causa a função reguladora dos conflitos que cabe ao Direito desempenhar.
O alargamento da possibilidade de constituição de assistente em processo penal é tradicional entre nós, variando em função do tipo de crimes em causa.
Recorde-se que, por exemplo, nos crimes de corrupção e peculato, qualquer pessoa se pode constituir como assistente, tal como se prevê na alínea e) do artigo 68.º do Código de Processo Penal.
Esta forma de acção penal popular remonta à Carta Constitucional e, ao contrário do que sucedeu noutros países, em que praticamente desapareceu, ganhou entre nós, nos últimos anos, maior actualidade com o alargamento das entidades legitimadas para se constituírem como assistentes relativamente a certos tipos de crimes. Assim, por exemplo, as associações de defesa do ambiente podem constituir-se, de acordo com o seu âmbito, em assistentes nos processos-crime contra o ambiente e o equilíbrio ecológico, previstos na Lei de Bases do Ambiente e demais legislação complementar (artigo 7.º, alínea d) da Lei n.º 10/87, de 4 de Abril).
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de acção comum contra o racismo e a xenofobia no domínio da cooperação judiciária, em discussão no quadro do Conselho de Jurisdição da União Europeia, visa assegurar a utilização de meios jurídicos mais eficazes nesse controlo.
Está em causa uma obrigação de comportamento. A saber: o compromisso de cada Estado-membro de assegurar uma cooperação judiciária activa em matéria de infracções fundadas em comportamentos, tais como a difusão e a descrição pública de escritos, imagens e outros suportes contendo manifestações racistas e xenófobas, a participação em actividades de grupos, organizações ou associações que impliquem a discriminação, a violência e o ódio racial étnico ou religioso.
Nada disto faz sentido se não houver condições de assegurar que naqueles casos em que a motivação do crime resulte de atitude discriminatória relativamente à vítima possam ficar impunes, criando-se a sensação que tal não aconteceria se tivesse havido a possibilidade de constituição de assistente por parte, nomeadamente, de associações das comunidades imigrantes, de associações de defesa dos direitos humanos ou associações anti-racistas. Aceitamos com isto implicitamente a observação do ilustre Deputado relator, Dr. Laborinho Lúcio, quando, de forma pertinente, nos recorda ser esta a forma de evitar que, com o requerimento de constituição de assistente, tenha de fazer-se a prova dos factos que fundamentam a índole racista ou xenófoba do crime em questão.
No que se refere à caracterização do que se deve entender por associações dás comunidades imigrantes, iremos, em breve, apresentar um projecto de lei no sentido de melhor as definir, tendo em conta a resposta, nomeadamente, dos aspectos referidos no relatório, isto é, os requisitos próprios no que toca à personalidade jurídica, ao fim lucrativo dos seus associados, ao objecto e fim da associação, ao número mínimo de associados, aos seus órgãos e ao sistema de eleição.
O debate na especialidade será o momento adequado para precisar o que se deve entender por associações de defesa dos interesses em causa, mas afigura-se-nos desde logo que as organizações que defendem e promovem os direitos humanos ou têm como fim lutar contra o racismo se englobam no universo das associações que se nos afiguram deva poder-se constituir como assistentes.
Já no que se refere aos crimes em que essa constituição como assistente deva ser admitida, pensamos que a mudança da terminologia adoptada de "crimes de índole racista ou xenófoba" para crimes em que " a motivação do crime resulte da atitude discriminatória" não implica qualquer confusão quanto ao tipo de crimes que se pretendem abranger na previsão da norma. Estão abrangidos claramente crimes como o de genocídio (artigo 239.º) e de discriminação racial (artigo 240.º), homicídio qualificado (artigo 132.º, n.º 2, alínea d) e os de ofensas à integridade física qualificadas (artigo 146.º).
Uma questão que o ilustre relator considerou dever ser melhor classificada prende-se com o alcance da fórmula utilizada "podem constituir-se assistentes em processo penal em nome das vítimas desses crimes". A questão a esclarecer prende-se com o decidir se a constituição de assistente deve ou não estar dependente de apresentação de declaração da vítima nesse sentido, se se considera que o valor violado é de tal forma grave que se opta por uma legitimidade representativa abstracta.
Reconhecemos que a questão, está devidamente formulada e que merece ser serenamente ponderada no debate na especialidade. Inclinamo-nos para considerar que se deve optar por uma legitimidade representativa abstracta, sob pena de reduzirmos o alcance deste projecto.
As mais graves situações em que se nos afigure ser da maior importância a possibilidade de constituição de assistente são aquelas que as vítimas ou os seus familiares têm receio ou estão por qualquer forma impossibilitados de se constituírem assistentes.
A gravidade social de que se reveste este tipo de crimes, a conflituosidade social que pode provocar, leva-nos a considerar que será de optar por uma legitimidade abstracta, clarificando nesse sentido a redacção da norma.
Obviamente que se pretende que o assistente cuja possibilidade de constituição se pretende consagrar com este

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projecto de lei deve ter o estatuto global de assistente que resulta das normas sobre a figura do assistente do Código de Processo Penal.
Estamos certos de que, com este novo projecto de lei e com o importante contributo do relatório que sobre ele foi elaborado, estamos a contribuir não só para melhorar os meios jurídicos de combate ao racismo, que tanto preocupa os responsáveis da justiça a nível da União Europeia, mas, sobretudo, para prestigiar o Estado de direito democrático.
Acreditamos que os princípios constitucionais vigentes em matéria de processo penal são o resultado de uma longa e dolorosa caminhada que procurou eliminar o arbítrio e assegurar os direitos do arguido contra julgamentos apriorísticos e sumários que não resultavam da prova produzida mas de preconceitos.
A gravidade social de que se revestem os crimes racistas ou xenófobos pelos conflitos que são susceptíveis de gerar não nos pode levar a pôr em causa as garantias de que gozam os arguidos em processo penal. Se a isso cedêssemos, não estaríamos a contribuir para que se fizesse justiça, e sem justiça não há paz social duradoura, mas a regredir para patamares mais recuados de civilização.
Assim sendo, é fundamental que não possa haver dúvidas que se determinados comportamentos imputados a um arguido não foram dados como provocados é porque, efectivamente, não havia motivo razoável para essa imputação, já que houve todas as possibilidades de produção de prova, nomeadamente por iniciativa de assistente constituído, como se propõe neste projecto de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para lutar mais eficazmente contra os crimes em que a motivação resulte de atitude discriminatória e para reforço e prestígio do Estado de direito democrático, defendemos a aprovação deste projecto de lei e estamos abertos, em sede de discussão na especialidade, a encontrar a redacção mais adequada às finalidades que com ele pretendemos alcançar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, o Partido Popular quer expressar o seu total acordo com o princípio que está subjacente a este projecto de lei e com os objectivos que ele visa atingir. No entanto, parece-nos que estamos perante um exemplo em como uma boa ideia pode redundar numa má lei. Permita-me que diga que, por aquilo que ouvi na intervenção, concluí que o Partido Socialista, para remendar aquilo que fez, opta por produzir mais, mais e mais leis. Não me parece que esse .seja o caminho adequado. Quando as soluções não são tão boas quanto se desejava, a solução é emenda-las e não produzir cada vez mais diplomas legislativos.
No entanto, tenho algumas questões a colocar, o que não posso deixar de fazer.
Em primeiro lugar, porquê este afã do PS em legislar num regime de conta-gotas, sem antes promover uma reforma do Código de Processo Penal? Afinal, foi quando aqui levantámos a questão da contumácia que ouvimos da parte da sua bancada o argumento de que isso seria matéria para a reforma do processo penal. Ora, estamos exactamente no mesmo âmbito e, portanto, para quando essa reforma do processo penal, incluindo esta e outras matérias?
Em segundo lugar, parece-nos duvidoso aceitar um artigo único de tal forma amplo e genérico, pois tornará impossível determinar os seus contornos. Desde logo, porque perguntamo-nos quais serão as associações admitidas, quais os requisitos de representatividade, quais os requisitos para essas associações, nomeadamente se necessitam ou não de ter personalidade jurídica, qual o fim que elas prosseguirão, qual o número de associados que deverão ter, etc.
Em terceiro lugar, este artigo único refere que podem constituir-se como assistentes, em nome das vítimas desses crimes. Ora, tal não me parece admissível, porque ofenderia a personalidade da vítima. Ou seja, como é que alguém pode agir em nome de outrem - e esta é terminologia do projecto de lei - sem que esse outrem requeira essa mesma intervenção?
Creio que o Partido Socialista teria andado bem melhor se tivesse adoptado, por exemplo, os princípios contidos na Lei n.º 61/91, que prevêem o apoio às mulheres vítimas de violência, onde, de uma forma bem esquematizada, bem delineada e mesmo exaustiva,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Por acaso, sabe que isso era do projecto de lei do PCP, aprovado por unanimidade?!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que abrevie, porque já esgotou o tempo de que dispõe.

O Orador:- A Sr.ª Deputada interrompeu-me e, confesso, perdi o fio do raciocínio, para além de ter gostado de ouvir o aparte.
Dizia eu que teria sido preferível encontrar um esquema de apoio às vítimas dos crimes racistas e xenófobos em vez de andarmos a legislar "às pinguinhas".
Julgo que, em último lugar, seria preferível regular esta matéria na linha do já existente, criando gabinetes junto da PSP, de forma a apoiar as vítimas.
Por último, é muito duvidosa, em nossa opinião, a expressão "crimes de índole racista". Como fazer a prova da índole racista do crime?
Creio que estas questões necessitarão de um cabal esclarecimento por parte do PS, para que o Partido Popular possa definir o seu sentido de voto.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, em primeiro lugar, agradeço as questões que me colocou.
Sr. Deputado, penso ter sido clara. Este projecto de lei pretende reforçar a eficácia de combate ao racismo, dando a possibilidade às associações das comunidades imigrantes e, esperamos também, às associações de defesa dos direitos humanos e às associações anti-racistas de, através da sua constituição como assistente em processo penal, poderem suprir as dificuldades e os obstáculos que se deparam às vítimas daqueles tipos de crime.

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É evidente que é muito difícil definir o que é um crime racista ou um crime xenófobo. Foi por isso que, como disse na minha intervenção, aceitámos o parecer do Dr. Laborinho Lúcio, que propunha que, em vez de "crimes de índole racista ou xenófoba", se usasse a designação "crime que resulte de atitude discriminatória".
O Sr. Deputado colocou várias questões, algumas das quais não percebi, nomeadamente, não percebi o que queria dizer ao afirmar que o PS quer remendar aquilo que fez, que o PS está a fazer mais leis para remendar aquilo que fez. Ora, o PS não está a fazer mais leis, está unicamente a propor um aditamento ao Código de Processo Penal.
O Sr. Deputado disse igualmente que mais valia ao PS fazer a reforma do Código de Processo Penal. Penso que o Sr. Deputado sabe que essa reforma vai ser apresentada e o Ministro da Justiça comprometeu-se a fazê-lo nesta legislatura.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Uma vez que, por ter deixado de ser Deputado, está ausente o relator deste projecto de lei, tem a palavra ao Sr. Deputado Antonino Antunes, para intervir em nome do PSD.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos num País atento à consagração e à defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana. Essa consagração vem do texto constitucional: "Todos os cidadãos são iguais perante a lei". A Constituição dedica, aliás, todo um título aos direitos, liberdades e garantias. A própria Assembleia da República denomina a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias como a 1.ª Comissão.
Na defesa desses direitos, particularmente no que diz respeito à luta contra a criminalidade motivada por motivos étnicos ou raciais, preceitos da nossa lei ordinária prevêem e punem por forma tal que nos podemos considerar numa situação de confortável avanço no contexto mundial e mesmo no seio da União Europeia.
A manifestação crescente da prática de factos envolvendo propósitos e comportamentos racistas e xenófobos passou a acontecer, em maior ou menor grau, por todo o mundo e perdeu o carácter longínquo e distante.
Os media tornaram esses acontecimentos muito próximos de nós.
Razões de natureza variada e complexa potenciaram fluxos migratórios e a Europa tornou-se, ela própria, um destino apelativo para os mais fracos e para os mais desprotegidos.
Portugal não fugiu à regra. A paz social tornou-o ainda mais atractivo. Mas no coração da Europa ressurgiram, nos últimos anos, casos graves e não raros de crimes de índole racista e xenófoba.
Nem mesmo Portugal, país de brandos costumes e de gente hospitaleira, restou imaculado, pese embora a menor dimensão que o fenómeno atingiu entre nós.
Certo é que o poder político em Portugal se tem mostrado atento e preocupado.
Em 1982, Portugal aderiu à Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, das Nações Unidas.
Nesse mesmo ano, promulgou a versão originária do actual Código Penal, onde afloraram disposições tendo em vista a prevenção e a punição de crimes contra a humanidade.
A União Europeia passou também, nos últimos anos, a dedicar particular atenção à defesa dos valores e princípios em causa: foram as conclusões adoptadas pelos Conselhos Europeus de Corfu, de Essen e de Carmes, em 1994 e 1995; foi, em Dezembro último, o Conselho de Madrid e a criação da Comissão Consultiva "Racismo e Xenofobia".
Entretanto, já em Março de 1995, o governo do PSD, no uso de autorização legislativa, levou a cabo a revisão do Código Penal, por forma a dar resposta a quantos se preocupavam com este tipo de crimes. Assim é que foi revista a estruturação dos crimes de genocídio e discriminação racial, aperfeiçoando ás previsões normativas e agravando as penas: o homicídio passou a ser qualificado, se "determinado por ódio racial, religioso ou político" e, nessa medida, a ser punido com prisão agravada até 25 anos; as ofensas à integridade física passaram ser qualificadas e a ser olhadas como reveladoras de maior perversidade, passíveis de uma maior censura e punidas de forma mais grave, se determinadas por idêntico móbil.
No campo do direito substantivo, nenhum país da Europa nos igualou e só dois Estados, a ex-RDA e a Áustria, se aproximaram de nós nas medidas que acolhemos nesta matéria.
Por isso, Portugal é, ainda hoje, o país que, no plano legislativo, mais próximo está dos critérios e padrões para que aponta o projecto da União.
Esse reconhecimento, aliás, está subjacente no espirito que presidiu a esta iniciativa legislativa, a qual visa tão somente uma maior abrangência das pessoas ou entidades com legitimidade para se constituírem assistentes.
Assistente é o sujeito processual que intervém como colaborador do Ministério Público na promoção e aplicação da lei a um caso concreto. A sua legitimação advém-lhe da qualidade de ofendido ou de especiais relações com ele, atenta a natureza do crime.
Nos crimes públicos e semi-públicos, o assistente pode mesmo autonomamente requerer a abertura da instrução, deduzir acusação diversa da do Ministério Público ou oposta ao seu despacho de arquivamento e pode até recorrer, ainda que desacompanhado do Ministério Público e defendendo posições diferentes. Nessa medida, tem como que uma função de controle - quase de fiscalização - da actividade do Ministério Público.
Mas o assistente é, acima de tudo, auxiliar do Ministério Público e, nessa medida, colaborador precioso da justiça.
O conceito de assistente tem também tradições em Portugal, remontando as suas origens ao principio do século XIX. Já Dias da Silva ensinava que o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832, "organizou e muito melhor a instituição dó Ministério Público, ordenou que a acusação fosse exercida por ele, em livre concorrência com os ofendidos ou com alguém do povo que não fosse expressamente proibido por lei".
Por isso, também em Portugal, há muito que a constituição de assistente deixou de ser encarada como "factor de perturbação", ganhou foros de "excelente e democrática instituição" e se revelou de grande utilidade na descoberta da verdade material e na realização da justiça.
Para isso contribuiu também a obrigatoriedade da constituição de advogado e a rigorosa disciplina processual, que foi ao ponto de fixar regras precisas de tempestividade e admissibilidade de constituição de assistente.
Raro é hoje o processo crime em Portugal onde não existe um despacho do seguinte teor: "Porque está em tempo, tem legitimidade e se mostra representado por advogado, admito o requerente a intervir como assistente".

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Daí que, também no campo do direito processual ou adjectivo, Portugal esteja em posição óptima para acolher o projecto da União que convida os Estados membros a pôr em prática as medidas internas necessárias a "reconhecer às organizações de luta contra o racismo um interesse directo para promover acções judiciais, civis ou penais, atribuindo-lhes legitimidade activa nos processos".
Ao contrário do que acontece com a generalidade dos outros países membros, cujos ordenamentos jurídicos desconhecem esta figura, a nós basta-nos alargar o quadro da legitimidade processual para a constituição de assistente em processo penal, em conformidade com o que visa o projecto de lei em discussão.
O Grupo Parlamentar do PSD acolhe e defende a iniciativa, que, de resto, se enquadra na linha de orientação de medidas idênticas já decretadas em tempos de governação social-democrata, a qual assim se mostrou capaz de se adaptar à evolução do conceito de cidadania e sensível à necessidade de criação de condições para o seu efectivo exercício.
Assim é que, designadamente através da Lei n.º 10/87, de 4 de Abril, se passou a permitir a constituição de assistente às associações de defesa do ambiente e, através da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, se permitiu a constituição de assistente a associações de mulheres que prossigam fins de defesa e protecção das mulheres vítimas de crimes.
Razões de coerência e de responsabilidade democrática impõem-nos que, do ponto de vista político e social, aprovemos, na generalidade, este projecto de lei.
Não sem deixarmos de lembrar, porque nunca é demais fazê-lo, que as apontadas revisões e alterações da legislação penal substantiva, consagradas nos anos transactos, visaram todas elas uma eficaz defesa dos direitos fundamentais e a protecção às vítimas de crimes de índole racista e xenofobista.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Orador:- O governo social-democrata construiu e desenvolveu, como nenhum outro fez nem melhor faria, esta sociedade multi-racial, em que vivemos e que ainda é das mais belas, harmoniosas, tranquilas e seguras da Europa e do mundo.
Também não vem mal nenhum, Srs. Deputados da bancada socialista, se continuarem, como fizeram com este projecto de lei, na senda do muito de bom que se fez no anterior governo.
Se continuarem na linha desta iniciativa, podem ser acusados de falta de originalidade e de falta de inovação, mas começarão ao menos, ainda que pontualmente, a suprir as falhas de um Governo que não governa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa aprovação, na generalidade, não nos vai impedir de apontar alguns aspectos menos felizes de formulação técnico-jurídica. Os mais evidentes já os conhece quem leu o relatório e parecer. Começam pela redacção, que contém expressões meramente redundantes e inúteis; passam pela formulação, demasiado ampla, do conceito de associação de comunidades de imigrantes e demais associações com legitimidade para se constituir assistentes, pela falta de definição do objecto das associações, pela falta de alusão ao seu fim não lucrativo; passam também pelo desprezo por questões tão delicadas como a de saber se a admissibilidade da constituição de assistente por essas entidades deve, ou não, depender de declaração expressa das vítimas. Mais do que isso, na medida em que o texto proposto se refere expressamente à possibilidade de constituição de assistentes cem nome das ultimas", inculca a ideia de que se persiste numa vinculação entre a associação e a vítima e, nessa medida, não deveria ser insensível à falta daquela manifestação escrita de concordância. Mas há que não perder a oportunidade rara de dar um salto qualitativo e inovador, em ordem a criar "uma legitimidade abstracta, face ao valor violado".

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Passam ainda pela constatação de que a expressão "crimes de índole racista e xenófoba" se não afigura feliz, não sendo ousado dizer-se dela que se pode tornar perversamente redutora da eficácia prática da constituição de assistente, face à eventual necessidade da prova dos factos que caracterizam essa índole racista e xenófoba.
Preferível nos parece a adopção de uma terminologia equiparada àquela que consta do artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 61/91, que apontaria para a introdução de um preceito do teor seguinte: "O sistema de protecção previsto no presente diploma aplica-se quando a motivação do crime resulta de atitude discriminatória relativamente à vítima, estando, nomeadamente, abrangidos os casos de crimes de genocídio e discriminação racial e de homicídio e ofensas à integridade física motivados por ódio racial".
Por último, cremos que também se perdeu uma boa oportunidade histórica de incluir nesta medida legislativa a admissão de assistente nos casos de crimes determinados por ódio religioso ou político.
Poderá dizer-se que na sociedade portuguesa não sub-jaz uma tão forte necessidade de reforçar a eficácia do combate a esses crimes, mas não foi esse, no entanto, o espírito que presidiu à estatuição dos artigos 132.º, n.º 2, alínea d) e 146.º do Código Penal vigente, onde se agravou a punição dos crimes de homicídio e de ofensas à integridade física se determinados por ódio racial, religioso ou político.
Acontecimentos muito recentes, envolvendo fiéis de algumas igrejas, revelam-nos que o legislador penal esteve bem, quando no plano substantivo legislou nesse sentido, e comprovam que esta nossa observação é pertinente e cada vez mais actual.
Temos, decerto, em sede de especialidade, de fazer o possível por suprir essas e outras manifestações de alguma ligeireza e superficialidade, já reconhecidas, de resto, expressamente pela Sr.ª Deputada Celeste Correia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, V. Ex.ª podia ter terminado tão bem, fez uma intervenção até muito equilibrada, mas... Compreendo que, depois deste fim de semana, tenham de dizer obrigatoriamente determinadas frases em todas as vossas intervenções, mas há uma que foi aqui dita que não ficou aqui bem. O Sr. Deputado veio aqui dizer-nos do alto da tribuna que "o Governo não governa", "não tenham receio de ser originais", "continuem nessa esteira" e coisas parecidas.

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O Sr. Deputado tem de reparar numa coisa - e era importante que isso ficasse registado -, é que o Partido Socialista tomou uma iniciativa legislativa relativamente a este ponto concreto que os senhores nunca tomaram antes. E isso que os senhores têm de registar! A originalidade aqui é realmente nossa e não se trata, de maneira alguma, de ir na esteira seja do que for que os senhores fizeram antes! Não se trata disso! Trata-se de uma iniciativa em concreto relativamente a uma situação de facto que nos parece importante ser implementada neste momento como solução legal. Por outro lado, Sr. Deputado, não vale a pena continuar - e penso que essa mensagem ao Professor Marcelo não ficará mal - com o princípio de tentar dizer nesta Câmara, em todas as vossas intervenções, que o Governo não governa. Não vale a pena! Isso é tanto verdade que os senhores, de repente, repararam que o Governo até governa e lembraram-se de fazer críticas à sua actuação governativa! Isso é que é salutar e de um verdadeiro partido da oposição! Mas não vale a pena continuarem a afirmar aquele principio de que "uma mentira tanta vez dita transforma-se em verdade". Isso aqui não passa. Estaremos atentos relativamente a isso.
Portanto, que fique registado que o Sr. Deputado fez uma intervenção com cujo fundo até estamos de acordo, mas, infelizmente, tinha que se lembrar de alguma coisa que nada tem a ver com a matéria em discussão, para de alguma forma permita-me, com todo o respeito, que lhe diga - comprometer um pouco a sua intervenção.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, antes de mais, agradeço-lhe os elogios que fez à minha intervenção e o reconhecimento Jeque, na realidade, se tratou de uma intervenção bonita e ponderada. Muito obrigado por isso.
Registo que a sua bancada fica sempre muito nervosa quando se fala em questões técnicas e de governação.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Já pedi um calmante ao Professor Marcelo!

O Orador:- No que se refere a questões técnicas, devo dizer-lhe que temos assistido - e a minhas intervenções neste Plenário têm sido um pouco à volta deste assunto, porque sou um técnico e gosto das coisas bem feitas, designadamente, em intervenções relacionadas com outras iniciativas legislativas -, a que, no fundo, o PS traga para este Plenário projectos de lei - e traz, efectivamente, bastantes - que vieram da anterior legislatura e limita-se a "atirá-los" para aqui, ou, então, quando assim não o faz, precipita-se e traz-nos um projecto de lei como este que, salvo o devido respeito, é pobre.

Vozes do PS: - Não é o caso!

O Orador:- Este projecto de lei tem apenas um artigo e justificava-se que pusessem os olhos na lei n.º 61/81, que foi publicada na vigência do anterior Governo, e que se refere precisamente à possibilidade de constituição de assistente por parte de associações de defesa da mulher vítima de maus tratos, etc....

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essa lei resultou de uma iniciativa do PCP!

O Orador:- ... onde se tomam medidas profundas: criam-se campanhas de sensibilização da opinião pública; diz-se que o Governo deve elaborar e fará distribuir, a título gratuito e em todo o território nacional um, guia de mulheres vítimas de violência; criam-se centros de estudos e investigação, centros de atendimento, gabinetes SOS; e, num plano estritamente legislativo, define-se efectivamente o que são associações e quais os seus direitos, diz-se se elas pagam ou não taxa de justiça pela constituição de assistente, ficando, neste caso, isentas, etc.
O PSD fez uma lei com cabeça tronco e membros,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Essa lei resultou de uma iniciativa do PCP!

O Orador:- ... mas os senhores fazem apenas uma medida de cosmética, e já reconheceram isso. Repare que a Sr.ª Deputada Celeste Correia já disse que, a seguir a esta, vão fazer outro projecto de lei para colmatar todas estas lacunas. Quer dizer: por um lado, ela reconhece e diz que aquilo que for possível corrigir-se vai fazer-se em sede de especialidade, e verificamos que acolheram a generalidade das nossas observações feitas em sede de Comissão; por outro lado, vemos que talvez haja certas coisas - e eu citei algumas ali de cima - que não podem já ser corrigidas. Nós andamos aqui a fazer dispersão legislativa.
É que esta coisa de legislar, Srs. Deputados, também se aprende. Estamos todos a tempo de aprender, e nós colaboraremos com os senhores na medida do possível. Estamos todos a tempo de aprender e no futuro, levando algumas referências como estas, talvez vocês aprendam a não fazer, de ânimo leve, projectos legislativos como este.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Como é que o Sr. Deputado está a dizer uma coisa dessas e aprova-o na generalidade! É inconcebível! Daqui a pouco tem de dizer que vota contra!

O Orador:- Nós aprovamo-lo na generalidade, porque isto é um mal menor!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Aprovamos na generalidade para tornar irreconhecível este projecto de lei!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: António Gedeão, em passado muito recente, abordando a ciência com os seus olhos de poeta, que vê para além das fórmulas, tratou o fenómeno racista na Lágrima de Preta, afinal composta, como a lágrima de qualquer outra pessoa de outra cor, de água e cloreto de sódio.
Esta forma de combater o fenómeno racista reúne as virtualidades dos argumentos científicos contra o uso da própria palavra raça - que a respeito do ser humano devia ser banida -, e dos argumentos baseados no sentimento, que também é preciso usar contra o discurso demagógico e emocional do racista.
No tempo em que Gedeão, afinal com um extraordinário sentido de futuro, punha em verso a advertência sobre a subsistência do fenómeno racista, em consequência da exploração do ser humano, corria mais ou menos

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a ideia, que hoje vi aqui veicular pelo Sr. Deputado do PSD e com o qual não estou de acordo, de que o fenómeno racista era avesso à maneira de ser dos portugueses. A questão é muito mais complexa e não em especial em relação aos portugueses, mas em relação a todos os povos, e é por isso que não estou de acordo com essa afirmação.
A esta ideia não será estranha a ideologia, então reinante - antes do 25 de Abril - da defesa da guerra colonial, para inculcar que seria uma profunda injustiça contra o povo português a luta dos movimentos de libertação das colónias.
Mas, de facto, Gedeão sabia que o racismo é uma experiência vivida, socializada, desenvolvendo-se em determinados contextos sociais, secando aqui, para ressurgir noutro sítio, e irrompendo sempre que se desenvolvem rapinas à escala de grupos - para usar uma expressão de Alberto Memmi -, para prossecução do objectivo do lucro, presente no fenómeno racista como resultante da desvalorização de outrem. Outrem que, aliás, não teve sempre a cor negra, pois, como disse o pensador José Martí na sua luta contra o colonialismo na América Latina, também os povos brancos, de olhos azuis e cabelos de ouro se venderam como escravos nos mercados de Roma. Ò discurso do racista, neste final do século XX, deveria estar ultrapassado. Ultrapassado estava seguramente, por exemplo, para Camões ao usar nos Lusíadas, como explicação para a cor dos africanos, a alegoria da mitologia clássica do Deus Apolo a aproximar-se demasiadamente da terra no continente africano crestando com os seus raios solares a pele dos seus habitantes.
E, no entanto, é na sua própria época que obras como Pranto de Maria Parda, de Gil Vicente, que, afinal, é uma mestiça bêbeda que chora o aumento do preço do vinho, e Frágua do Amor, do mesmo Gil Vicente, descrevendo a tortura de um personagem negro apaixonado por Vénus, saindo da frágua onde pretendia ascender a outra condição social do agrado da sua amada através da remoção da pigmentação da sua pele, e em tantas outras da literatura de cordel que podemos encontrar o fenómeno racista nascido da apropriação de recursos naturais de outros povos, da exploração de outros homens através do sistema esclavagista que atirou os espoliados para as classes mais baixas da cidade de Lisboa.
Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o racismo é um fenómeno arcaico que se mantém tenazmente porque subsiste a tal rapina, à escala de grupos, que se abate sobre os recursos naturais de outros povos e a exploração de seres humanos.
Esse fenómeno arcaico, que envergonha qualquer democracia, aí está bem vivo, como o predizia afinal António Gedeão, alimentando-se de medos e de interesses, generalizando-se já não em função da cor da pele mas da desconfiança perante a diferença. O racismo como fenómeno colectivo alimenta-se do medo individual da competição perante um emprego, do terror de ver a sua habitação fugir para outrem.
O combate à xenofobia e ao racismo passa, em primeiro lugar, pelo combate às suas raízes: a insegurança, a avidez económica de grupos poderosos, a degradação dos direitos económicos, sociais e culturais. Passa, afinal, pelos mecanismos que garantam a dignidade do ser humano, muito para além da sua consagração no papel.
Estando em causa a dignidade do ser humano e as mais fundas raízes da democracia nos crimes de motivação xenófoba e racista, pensamos que se justifica a proposta constante do projecto de lei. No entanto, não prescindimos da introdução de aperfeiçoamentos na especialidade, porque as questões suscitadas no relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a este propósito, têm toda a pertinência mesmo a relativa à índole racista ou xenófoba que a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia não aceitou e, que, portanto, não nos satisfaz pelo que a sugestão apontada pelo relator, o então Deputado Laborinho Lúcio, deveria ser em tida conta.
Em relação a esta matéria, gostava de dizer ao Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa que há pouco, num aparte, estava a aplaudi-lo quando elogiou uma lei de 1991, porque a mesma nasceu de um projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português que não, sofreu uma única alteração no Plenário da Assembleia da República. Ou seja, o seu texto foi publicado na íntegra no Diário da República, depois de aprovado por unanimidade e, hoje, já por várias vezes essa lei foi elogiada.
Até já ouvi dizer num programa de televisão que aquela lei tinha sido elaborada pelo Governo para obedecer a uma directiva da União Europeia. Podem perceber como isto me deu uma enorme vontade de rir, mas também de amargura. Suponho que o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa não conhecia esta história, mas desconfio de que, se a conhecesse, teria a mesma reacção.
Quero no entanto dizer que, em relação à constituição de assistente em processo penal nestes casos, deve haver uma diferença em relação à lei que tem vindo a ser citada, porque os interesses em causa e a sua importância devem justificar uma formulação diferente no sentido de a constituição como assistente não ser em nome da vítima e, portanto, a solução deverá ser diferente da consagrada na lei. As associações devem poder intervir sem ser necessário que a vítima assine qualquer documento, dizendo que não quer constituir-se como assistente. Esta é a nossa opinião. De qualquer maneira, há uma diferenciação, quanto à importância das questões, entre essa lei e este problema do racismo e da xenofobia.
Penso que o artigo único do projecto de lei apresentado pelo PS contém uma limitação por consagrar a solução de as associações agirem em nome da vítima. Entendemos de modo diverso, que as associações devem agir em nome do interesse público, gozando, para o efeito, de legitimidade.
Por outro lado, temos de aprofundar esta matéria em relação às associações porque, quando a lei relativa à protecção das mulheres foi aprovada, existia uma lei-quadro das associações de mulheres, pelo que, nessa altura, por já existir essa lei-quadro, era possível apresentar este projecto de lei.
Mas, enfim, pensamos que, em relação a estas questões, na especialidade, é fácil chegarmos a consenso se bem que, em nossa opinião, esta matéria possa ser regulamentada num diploma avulso porque os casos em que se justifica esta legitimidade natural de associações irão surgindo e não será necessário esperar por uma revisão do Código de Processo Penal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque o racismo e a xenofobia, de fenómeno individual nascido do medo perante a insegurança, se transformam em fenómenos colectivos apadrinhados pela avidez económica em larga escala, e porque estes fenómenos degradam, quando não destroem, a democracia, a acção penal popular tem inteira justificação, acompanhada, sempre, como deve ser,

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da erradicação dos verdadeiros factores do fenómeno opressor do racismo.
Fenómeno que se abate, ele mesmo, sobre os vários patamares da chamada pirâmide de tiranetes que, sendo eles também oprimidos, encontram uma triste consolação para a exploração da miséria de que são vítimas numa desforra perante outrem ainda mais desfavorecido com o que não fazem mais do que prolongar a sua própria exploração.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, Risos para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria Celeste Correia e Gonçalo Ribeiro da Costa.
Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia e para efeitos de registo no Diário da Assembleia, tenho de comunicar à Câmara que, encontrando-se ausentes os Secretários e Vice-Secretários que constituem a
Mesa por estarem ocupados em reuniões exteriores ao Plenário, tive de nomear, ao abrigo do n.º 5 do artigo 22.º do Regimento, a Sr.ª Deputada Natalina Moura para
composição e exercício de funções na Mesa.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, gostava de começar por dar-lhe os parabéns pela sua intervenção - estamos de acordo com algumas considerações sobre o fenómeno
racista que expôs -, bem como pelos exemplos literários que trouxe, até porque é sempre bonito ouvirmos citar o nome dos nossos maiores escritores, principalmente quando atestam o espírito universalista do povo
português.
Sr.ª Deputada, ao contrário do que referiu, na minha intervenção defendi, no que se refere aos crimes em que a constituição como assistente deva ser admitida, a mudança da terminologia adoptada de crimes de índole racista ou xenófoba para a de crimes em que a motivação do crime resulte de atitude discriminatória.
Disse, na minha intervenção, que estava de acordo com a proposta avançada pelo relator!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, percebi mal!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP); - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, o Partido Popular não segrega as ideias, as opiniões e o trabalho
de cada um em função dos seus autores. É isso que nos distingue do Partido Comunista Português. E a prova disso, Sr.ª Deputada, é que não posso deixar de elogiar a sua intervenção que, embora não tenha trazido nada
de novo ao debate, constituiu, pelo menos, um bom trabalho de recolha e de citação de autores portugueses e estrangeiros.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É só, Sr. Deputado?!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, peço desculpa, mas tinha entendido, erradamente, que aceitavam todas as, outras sugestões, menos a referente à mudança de terminologia. Fica, portanto, a correcção.
Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, sobre as citações que aqui trouxe, de "autores estrangeiros e portugueses", não sei se já ouviu falar em Gil Vicente...!? Ouviu...? Creio que Gil Vicente é português...! Também ouviu falar em Luís de Camões...!? Que eu saiba, é português...!

Falei apenas de um estrangeiro, Alberto Memmi, que é um cientista que estuda os fenómenos do racismo e que tem uma obra publicada na Editorial Caminho...

Vozes do CDS-PP: - Pois!

A Oradora: - Disse-o para ouvir a sua resposta! Quem é que segrega, Sr. Deputado?... Aí tem a resposta à questão da segregação!.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Eu leio livros da Editorial Caminho!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Eu mostro-lhe a minha biblioteca!

A Oradora: - A obra que referi chama-se O Racismo. Devo dizer-lhe que não se trata de uma obra marxista, pois se, a certa altura, faz uma análise das teses marxistas sobre o racismo e diz até onde concorda com essas teses, a partir de certo momento, não concorda e opta por outras concepções. Não é isso, porém, que me impede de citar a sua obra e as opiniões que considero válidas, nem de ler o livro! Aliás, nem foi isso que impediu essa editorial de editar o livro. Creio que a resposta à questão da segregação está dada, Sr. Deputado.
As questões que aqui trouxe, e que o Sr. Deputado disse não terem nada a ver com o assunto - e peço desculpa por discordar! -,têm cabimento, porque se põe a questão de saber se se justificava essa tal legitimidade abstracta das associações. Se estivéssemos numa sociedade sem fenómenos racistas, se o povo português fosse uma excepção em relação aos demais e não estivesse afectado por esta doença que, de vez em quando, se esconde, mas depois irrompe, então poderia dizer que não há necessidade de um diploma deste tipo.
Com as considerações que fiz, pretendi demonstrar que existe, em nossa opinião, a ideia errada de que os portugueses não são racistas, ideia que já ouvi variadíssimas vezes. Quis, de facto, provar que havia justificação para a constituição de assistente nesse tipo de crimes, bem como que o fenómenos racista tem razões sociais, económicas e políticas; razões essas que assentam na exploração de alguns povos do mundo, determinada pelo facto de esses povos procurarem melhores condições de vida onde julgam poder encontrá-las, o que suscita uma oposição entre o racista e o anti-racista, em fenómenos individuais que, não raro, como está demonstrado na sociedade portuguesa, se tornam em fenómenos colectivos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o essencial do projecto de lei em discussão está definido e a importância que lhe atribuímos resulta, desde logo, da constatação que fazemos de que efectivamente o racismo é uma doença a que os portugueses não estão imunes, é um fenómeno que existe, que tem adquirido uma dimensão preocupante e, como doença que é, importa tratá-lo. Aliás, se não foi prevenido, como, em nosso entendimento, teria sido positivo, pelo menos curá-lo e compreendê-lo é, quanto a nós, uma questão essencial.
Defendemos esta posição, porque, efectivamente, não temos para nós que os portugueses sejam diferentes dos cidadãos dos outros países do planeta e os estudos que têm sido feitos recentemente sobre os vários comportamentos e as atitudes manifestadas em grupo, mesmo em escolas da Área Metropolitana de Lisboa, vieram suscitar a existência do problema, com grande clareza.
Julgo que não podemos, tão-pouco em relação ao passado, falar hipocritamente de um encontro de culturas mas, sim, de uma relação que os portugueses tiveram noutras latitudes, a qual foi marcada pela aculturação, pela humilhação e, portanto, não é, manifestamente, um património que possamos reivindicar, com grande orgulho.
Por isso, em primeiro lugar, quero dizer que este projecto de lei nos parece importante, pois regula um problema que resulta da constatação óbvia, dos vários relatórios feitos, designadamente pela União Europeia, e dos vários estudos que têm sido desenvolvidos sobre o fenómeno do racismo e da xenofobia nos vários países da União Europeia. Trata-se de um problema que existe em Portugal e que tem aumentado, de acordo com os, números identificados e com muitos outros que não são silenciados.
Naturalmente, aliás, já temos trazido esta questão, várias vezes, a este Plenário, o racismo ou as atitudes discriminatórias, lamentavelmente, também têm sido protagonizados por entidades de quem era suposto esperar, antes, uma garantia dos direitos dos cidadãos, mas estas situações têm sido arquivadas, têm sido remetidas ao silêncio e, portanto, é efectivamente perante esta realidade que importa agir.
Assim, a possibilidade que este diploma vem abrir, ao estabelecer um paralelo core aquilo que já hoje é possível em matéria de direitos dos consumidores e de apoio às mulheres vítimas de crimes de violência, é um bom caminho. De qualquer forma, gostaria de sublinhar que, em termos de discussão na especialidade, me parece importante vir a modificar alguns pontos, designadamente um que já foi suscitado por outras bancadas, não me lembro exactamente por quais, e que se traduz na possibilidade de as associações se constituírem em nome dos agredidos. Trata-se de um aspecto que limitaria a possibilidade de intervenção e desvirtuaria aquele que é o sentido deste projecto.
Além disso, parece-me também importante complementar este diploma com outros aspectos que têm a ver designadamente com o apoio jurídico, o apoio às associações e a criação de gabinetes de apoio às vítimas de racismo, tal como sucede no projecto relativo às mulheres ultimas de violência.
Para terminar, e comentando aqueles que entendem que a modificação se deveria fazer em sede de Código de Processo Penal, pensamos que a intervenção construída com pequenos passos, a intervenção que responde aos problemas de uma forma célere, é um bom caminho. Não consideramos que sejam sempre e só as grandes pseudo-soluções a resolver os problemas, porque, essas, normalmente, são um alibi para a perda de tempo e para que os problemas não sejam atacados quando é útil fazê-lo.
Por isso, e como não me parece que esta questão concreta deva ser retardada, saudamos positivamente esta iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista que, enfim, já foi adiada e não chegou a ser discutida na data que esteve inicialmente prevista. Pensamos que se trata de uma iniciativa que pode e deve ser melhorada, mas iremos votá-la favoravelmente.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Obrigada!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, terminámos o debate. A votação deste projecto de lei, tal como a votação do projecto de lei n.º 29/VII, será efectuada na próxima reunião plenária em que haja lugar a votações.
A próxima reunião plenária realiza-se no dia 11 de Abril, às 15 horas, terá um período de antes da ordem do dia e na ordem do dia procederemos à apreciação das propostas de lei n.os 17/VII - Estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores e revoga a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto e 20/VII - Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.
Srs. Deputados, desejo a todos uma boa Páscoa.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Declarações de voto enviada à Mesa, para publicação,
sobre a votação final global do texto de substituição, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da proposta de lei n.º 16/VII - Estabelece um processo de regularização da situação dos imigrantes clandestinos e dos projectos de lei n.os 19/VII - Determina a abertura de um novo processo extraordinário de imigrantes (Os Verdes) e 116/VII - Regularização extraordinária dos cidadãos que residam em Portugal sem autorização legal (PCP).

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português votou favoravelmente, em votação final global, o texto aprovado sobre o novo processo de regularização extraordinária da situação dos cidadãos que residem em Portugal sem autorização legal
A aprovação desta lei é motivo de justa congratulação. Face ao fracasso do processo de regularização realizado em 1992/1993, que manteve em situação ilegal várias dezenas de milhares de cidadãos imigrantes, tornou-se inquestionável a necessidade de levar a cabo um novo processo de regularização extraordinária.
No debate realizado, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português criticou frontalmente a proposta de lei do Governo, por omitir questões essenciais e por conter opções inadequadas para garantir a realização bem sucedida do futuro processo de regularização. Durante o debate na especialidade, o PCP empenhou-se fortemente no sentido de ver consagradas algumas das soluções que propôs e de limitar os aspectos mais negativos da proposta governamental.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português congratula-se com o facto deter sido possível

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introduzir no texto final aprovado algumas disposições constantes do projecto de lei do PCP que consagram melhoramentos substanciais face ao conteúdo da proposta de lei do Governo. É de salientar, designadamente, a introdução dos seguintes aspectos:

a) A possibilidade de regularização de cidadãos originários de países de língua oficial portuguesa que tenham entrado em Portugal até 31 de Dezembro de 1995;

b) A consagração de uma discriminação positiva a favor de cidadãos originários de países de língua oficial portuguesa, permitindo a sua regularização sem necessidade de comprovação de condições económicas de subsistência, desde que a sua entrada no país tenha ocorrido em data anterior a 1 de Junho de 1986. Esta disposição, ficando muito aquém da proposta do PCP que previa a sua aplicação a quem tivesse entrado em Portugal até Outubro de 1992, constitui ainda assim um melhoramento face à proposta de lei;

c)A consagração expressa da gratuitidade do processo de regularização;

d) A consagração expressa da possibilidade de serem os sindicatos a atestar a prestação de uma actividade remunerada por parte dos trabalhadores a regularizar, suprindo assim a falta de declaração da entidade patronal;

e) A extensão dos efeitos da regularização ao agregado familiar do requerente, embora em termos mais restritivos do que os propostos pelo PCP; 

f) A consagração da incumbência ao Governo de designar locais de apresentação dos requerimentos que assegurem a acessibilidade aos interessados;

g)A consideração do recibo comprovativo da admissão do pedido de regularização como autorização de residência até à decisão final;

h) A consagração de uma norma que prevê a adopção por parte do Governo de medidas
tendentes a - assegurar a participação das organizações representativas dos cidadãos originários dos países de língua oficial portuguesa residentes em Portugal na divulgação, informação e acompanhamento do processo de regularização extraordinária;

i) A consagração da eficácia suspensiva do recurso que seja apresentado de decisão de indeferimento da regularização;

j) A aplicação do processo de regularização extraordinária a todos os processos de autorização de residência cuja resolução se encontre pendente.

Porém, em diversos aspectos, as soluções constantes da proposta de lei do Governo tiveram acolhimento majoritário (apesar da oposição do PCP na especialidade), podendo mesmo pôr em risco o sucesso desejável do processo de regularização. Importa destacar, como negativos, designadamente os seguintes aspectos:

a) A obrigatoriedade dos requerentes terem de provar a sua residência continuada em território nacional para obtenção de regularização, o que apresenta consideráveis dificuldades já salientadas quando do processo de regularização realizado em 1992/93;

b) A discriminação negativa sobre os cidadãos não originários de países de língua oficial portuguesa que consiste na inviabilização da sua regularização caso tenham entrado em Portugal após a entrada em vigor dos Acordos de Schengen (25 de Março de 1995);

c) A inviabilização da regularização a qualquer cidadão que tenha sido indicado para efeitos de não admissão por qualquer das partes integrantes do Sistema de Informações Schengen, pondo em causa o direito fundamental dos cidadãos a ver os seus casos concretamente analisados;

d) O reforço dos poderes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras face aos de que este Serviço dispunha no processo de regularização de 1992, em prejuízo dos poderes que deveriam ser conferidos à Comissão Nacional para a Regularização extraordinária. É particularmente preocupante que o SEF disponha de poderes discricionários para nem sequer enviar à Comissão requerimentos que lhe tenham sido apresentados, desde que, por exemplo, considere que estes contém falsas declarações ou estejam instruídos com documentos falsos ou alheios;

e) A exiguidade dos prazos para recorrer de decisões desfavoráveis aos requerentes, que não deixará de se traduzir na inviabilização pura e simplesmente administrativa de muitos processos de regularização, agravada ainda pelo facto insólito das propostas de indeferimento por parte do SEF serem notificadas ao interessado através de edital;

f) A obrigatoriedade de renovação anual da autorização de residência concedida ao abrigo do processo de regularização extraordinária durante os primeiros três anos, colocando os cidadãos visados sob uma injustificada suspeição.

Importa, ainda, salientar negativamente o facto de não terem obtido acolhimento maioritário - e, portanto, não terem sido consagradas - disposições constantes do projecto de lei do PCP que se reflectiriam de forma muito positiva no processo de regularização. Assim, é de lamentar, nomeadamente:

a) A não consagração do envolvimento - devidamente contratualizado - das autarquias locais no âmbito do processo de regularização, designadamente tendo em vista a abertura de locais descentralizados e acessíveis para recepção de requerimentos e o trabalho de esclarecimento das populações abrangidas pelo processo. Não beneficiar do conhecimento ímpar que as autarquias têm das respectivas populações pode pôr seriamente em causa o alcance prático do processo de regularização;

b) A não concretização do tipo de apoios a conceder às associações representativas dos cidadãos originários dos países de língua oficial portuguesa com vista à sua intervenção directa no processo de regularização, nem do tipo de acções concretas em que se traduzirá a respectiva divulgação, designadamente junto da comunicação social;

c) A não criação de uma comissão consultiva, com
participação das associações representativas dos

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imigrantes, tendo como objectivo proceder ao acompanhamento do processo e propor, no seu decurso, as alterações que se revelassem convenientes.

Em síntese, o PCP congratula-se com a abertura de um novo processo de regularização extraordinária de imigrantes e com algumas soluções legislativas aprovadas para a sua realização, mas não pode deixar de chamar a atenção para o carácter inadequado e em alguns casos mesmo negativo de soluções consagradas ou omitidas que poderão pôr em perigo o sucesso tão desejado desse processo.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português continuará a acompanhar este processo com a maior atenção e continuará a actuar na Assembleia da República por forma a tudo fazer para evitar que este processo termine com os resultados frustrantes do anterior.

O Deputado do PCP, António Filipe.

O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes votou favoravelmente o texto de substituição, apresentado pela Comissão da Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, dos projectos de lei n.os 19/VII, de os Verdes, 116/VII, do PCP, e da proposta de lei n.º 16/VII, do Governo, por entender que a integração harmoniosa dos imigrantes na sociedade portuguesa é não só um imperativo ético e de justiça, mas também um factor para contrariar os fenómenos de intolerância, racismo e xenofobia que inquietantemente no nosso país se enraízam.
Uma integração que, respeitadora da identidade cultural dessas comunidades, pressupõe uma política integrada de imigração (até hoje inexistente) para a qual a regularização agora aprovada é indiscutivelmente uma etapa essencial.
Contudo, e de acordo com este objectivo que nos levou logo no início da presente legislatura a apresentar um projecto, Os Verdes não podem deixar de manifestar a sua séria reserva por algumas das medidas e soluções que o texto adoptado acabou por preconizar.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes lamenta que o texto final aprovado tenha mantido, apesar das críticas que formulámos e que, aliás, outros partilharam, aspectos negativos que nos levaram, na especialidade, a votar contra alguns artigos e que no fundamental passamos a enumerar:
Tratamento discriminatório para cidadãos não originários de países de língua portuguesa, cujo problema como estrangeiros fica por solucionar, ao inviabilizar-se a sua regularização após a entrada em vigor dos acordos de Schengen em 25 de Março de 1997.
Dupla penalização para cidadãos que tenham sido condenados por sentença transitada em julgado, e que assim pagam à sociedade á sua falta não só com privação de liberdade mas também com a sua exclusão deste processo.
Exclusão arbitrária deste processo de pessoas, pelo simples facto do seu nome poder constar para efeitos de não admissão, mesmo que por lapso, do Sistema de Informações Schengen.
Exigência de prova de residência continuada no território nacional para efeitos de regularização, o que constitui um sério obstáculo que o processo anterior demonstrou ser difícil de transpor, e um dos factores do seu insucesso e exclusão de imigrantes.
O reforço do papel e poderes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mesmo em relação ao que a proposta do PSD no passado - em 1992 - consagrava. Esta medida é inquietante, já que ao invés de reforçar a intervenção da Comissão Nacional para a Regularização Extraordinária, na qual e bem os representantes das associações de imigrantes e do Alto Comissário para a Imigração passam a estar integrados, deixa nas mãos de uma entidade de duvidosa credibilidade, o SEF, poderes totais e discricionários, nomeadamente o de decidir da aceitação ou recusa de requerimentos neste delicado processo.
O prazo irrisório concedido para recurso de decisões desfavoráveis - 10 dias - é manifestamente insuficiente, tendo em conta as condições de vida e de trabalho destes imigrantes, assim como o modo como são notificados, através de edital, o que na prática vai pura e simplesmente eliminar a hipótese de utilizar este direito.
Por fim, como aspecto particularmente negativo, que também na discussão na generalidade sublinhamos, o facto de as autorizações de residência anuais a conceder serem durante três anos provisórias, o que é inadmissível num quadro que se esperaria de confiança e não gerador de insegurança e incerteza entre as comunidades de imigrantes sobre os quais fica a pesar a sombra de uma lei de estrangeiros de duvidosa constitucionalidade, e o medo quanto ao futuro.
São aspectos que a não ponderação dos erros do passado e as causas de falhanço anterior poderão eventualmente vir a acentuar, e que aceitação das nossas propostas nesta matéria poderia certamente em muito ter atenuado, através, nomeadamente: da existência de uma ampla campanha de informação na comunicação social, em especial na televisão; do envolvimento directo das associações de imigrantes nessas campanhas de informação; da institucionalização da participação das autarquias locais neste processo, em particular das juntas de freguesia; da definição clara da diversificação de locais de recepção, informação e recepção de documentos; do estabelecimento de períodos de funcionamento para recepção dos documentos em horários pós-laborais e aos fins de semana; da criação de um clima de confiança entre os destinatários deste processo, o que implicaria um maior envolvimento das associações de imigrantes e nunca do SEF; do apoio às associações de imigrantes, anti-racistas, humanitárias e outras interessadas neste processo.
Assim, o Grupo Parlamentar de Os Verdes, considera, apesar de tudo, positiva a melhoria que a proposta de lei do Governo inicialmente apresentada registou com a adopção de algumas das propostas e soluções constantes do nosso projecto de lei n.º 19/VII e de outros - efeito suspensivo de recursos, meios de prova, locais de recepção dos requerimentos, agregado familiar, carácter gratuito do processo -, mas mantém o compromisso de, dentro e fora da Assembleia da República, manter o acompanhamento deste processo e de nele colaborar, reservando-se contudo o direito de tomar todas a iniciativas que julgue, tal como no passado, necessárias para garantir o seu bom êxito que vivamente desejamos e que as comunidades de imigrantes há tanto esperam!

As Deputadas de Os Verdes, Isabel Castro - Heloísa Apolónia

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
Fernando Garcia dos Santos.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissau Barreto.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
Luís Carlos David Nobre.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Daniel Bessa Fernandes Coelho.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Social Democrata (PSD):

António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
Joaquim Fernando Nogueira.
José de Almeida Cesário.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

António Afonso de Pinto Gaivão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Paulo Sacadura Cabral Portas.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

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