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Sábado, 4 de Maio de 1996 I Série - Número 66

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE MAIO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Maria Luísa Lourenço Ferreira

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
A Câmara apreciou o Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março Institui um novo enquadramento legal das participações de entes comunitários no capital de sociedades reprivatizadas, em processo de reprivatização ou, a reprivatizar (ratificações n.ºs 17/VII (PSD) e 18/VII (PCP)], tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa), e dos Assuntos Fiscais, (António Carlos dos Santos), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Joel Hasse Ferreira (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP), João Carlos da Silva (PS), Octávio Teixeira (PCP), Manuela Ferreira Leite (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) e Rui Rio (PSD).
Foi igualmente apreciada a proposta de resolução n.º 5/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado da Carta da Energia incluindo Anexos, Decisões e Acta Final e o Protocolo da Carta da Energia relativo à Eficiência Energética e aos Aspectos Ambientais Associados, assinados em Lisboa, em 17 de Dezembro de 1994. Produziram intervenções, além do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (José Lamego), os Srs. Deputados Jorge Roque Cunha (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP), Carlos Luís (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
Procedeu-se ainda à discussão conjunta das propostas de resolução n.ºs 6/VII - Aprova para ratificação, as emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, instituição a que Portugal procurou aderir, através da Resolução n.º 303/19, de 18 de Outubro, e 7/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição, aberta à assinatura em 13 de Janeiro de 1995, em Paris. Após a apresentação dos respectivos relatórios pelos Srs. Deputados Nuno Abecasis (CDS-PP) e João Corregedor da Fonseca (PCP), intervieram, a diversa título, além do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, os Srs. Deputados Sérgio Ávila (PS), António Galvão Laças (CDS-PP), Jorge Roque Cunha (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Marques Júnior (PS) e Lino de Carvalho (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís António do Rosário Veríssimo.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges. Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d' Assunção Pimenta Rego.
Rita Maria Dias Pestana Cachuxo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.

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Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Povoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque..
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Manuel Pereira Marques.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação do Decreto-Lei n.º 24/96 - Institui um novo enquadramento legal das participações de entes comunitários no capital de sociedades reprivatizadas, em processo de reprivatização ou a reprivatizar ratificações n.ºs 17/VII (PSD) e 18/VII (PCP).
O Sr. Deputado Carlos. Coelho pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, recordo-me, V. Ex.ª recordar-se-á e os líderes parlamentares que participaram nessa Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares seguramente também se recordarão que houve um momento em que este debate esteve agendado e que, a pedido do Governo, - foi adiado. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares pediu o consenso da Conferência nesse sentido, que aliás lhe não foi negado, e o debate, por essa circunstância, passou para o dia de hoje, com o argumento de que o Sr. Ministro das Finanças se encontrava ausente do território nacional, presumo que nos Estados Unidos.

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares colocou com muita abertura a questão de que o Governo se podia fazer. representar pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais se se decidisse manter o debate para essa data, mas dada a natureza do decreto-lei e o interesse da ratificação, interesse esse que levou a Conferência a conceder-lhe uma grelha alargada como V. Ex.ª muito bem sabe, costumamos ter uma grelha bem mais reduzida para as ratificações, se a Câmara entendesse que a presença do Sr. Ministro das Finanças era necessária, então, teria que dar o necessário assentimento para o adiamento deste debate.
Esta posição do Governo mereceu o consenso de todas as bancadas e, por isso, compreenderá, Sr. Presidente, a nossa estupefacção por constatarmos que, depois de ter havido consenso para o adiamento da discussão desta matéria no sentido de o Sr. Ministro, das Finanças poder participar neste debate, estejamos reconduzidos à situação inicial. Isto é, aparentemente e tendo em atenção os membros do Governo presentes, será o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que participará no debate.
Sr. Presidente, creio que esta situação merecia pelo menos uma explicação perante a Câmara.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares quer dar alguma explicação?

O Sr. Secretário de Estado dós Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como já tive oportunidade de transmitir pessoalmente a todos os grupos parlamentares, o Sr. Deputado Carlos Coelho tem total razão pois é totalmente verdade o que disse. O que lhe posso acrescentar é que ontem, no final do debate, o meu chefe de gabinete informou-me que um adjunto do Sr. Ministro das Finanças lhe tinha comunicado que, por motivo de doença de um familiar, o Sr. Ministro não poderia estar hoje presente.
Está é a única explicação que posso dar, confirmando, embora, a total veracidade de tudo o que disse o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Presidente: - Dadas as explicações, vamos iniciar o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para introduzir o pedido de ratificação apresentado pelo seu partido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros dó Governo, Srs. Deputados: Fruto do desvario político que assolou Portugal nos primeiros anos que se sucederam ao 25 de Abril de 1974, passaram para a posse do Estado as maiores e as mais importantes empresas do nosso tecido económico. Em resultado das opções colectivistas então dominantes, surgiu um sector público empresarial' de dimensão exagerada, sem lógica interna nem qualquer tipo de racionalidade.
As nacionalizações atingiram desde bancos e empresas seguradoras até à produção de fósforos, desde os transportes aéreos, marítimos e terrestres até à distribuição e venda de combustíveis, desde a siderurgia e as indústrias extractivas ou cimenteiras até às produtoras de cervejas e refrigerantes.

Para se ter uma noção das proporções atingidas por este autêntico assalto do Estado ao tecido empresarial, refira-se que o valor acrescentado das empresas directa ou indirectamente nacionalizadas representava, já na década de 80, vinte por cento do produto nacional, situação sem qualquer paralelo no contexto dos países da Europa comunitária a que Portugal por essa altura aderiu.
O processo de reprivatizações tornou-se, claramente, um imperativo para a afirmação de uma verdadeira economia de mercado, baseada na iniciativa privada e num clima de confiança e eficiência empresarial, que permitissem à economia portuguesa enfrentar as exigências da concorrência e competitividade decorrentes da integração europeia e da crescente mundialização dos mercados. Pese embora todas as resistências conservadoras operadas pelos Partidos Socialista e Comunista, foi possível após a revisão constitucional de 1989, realizar um continuado processo de privatizações, que contribuiu decisivamente para a modernização e o desenvolvimento do nosso País.
Por razões politicamente óbvias, entre os princípios consagrados na Lei-Quadro das Privatizações inseriu-se, como objectivo essencial, o reforço da capacidade empresarial nacional. A prossecução dessa política permitiu que ao longo de seis anos de operações de privatização, até 1995, 92% das empresas privatizadas ficassem controladas por entidades nacionais e que 89% do seu capital seja nacional.
Não foi, no entanto, uma política cuja execução tenha sido isenta de obstáculos. Desde logo, teve de haver alguma contenção no ritmo das privatizações, por forma a se ir permitindo a necessária capacidade de resposta dos grupos nacionais e de um mercado financeiro nacional, de início quase inexistente e ainda hoje naturalmente condicionado pela sua menor dimensão face à concorrência externa.
Por outro lado, foi necessário travar um diálogo jurídico e político permanente com as instâncias comunitárias. No cumprimento da função que lhe cabe, a Comissão Europeia cedo suscitou ao Governo português o problema da conformidade do processo de privatizações face à legislação comunitária e, particularmente, ao direito de estabelecimento. É evidente que o Governo português, na defesa dos interesses nacionais, utilizou, como lhe competia, todos os meios e argumentos ao seu alcance para ir preservando o cumprimento dos objectivos políticos inscritos na lei portuguesa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Fez-se notar à Comissão: que, na altura das nacionalizações, apenas o capital português tinha passado para a posse do Estado, tendo havido sempre a expressa salvaguarda dos capitais estrangeiros em todos os processos; que as privatizações constituem um elemento essencial à consolidação de uma estrutura empresarial portuguesa, devastada pelas referidas nacionalizações, estrutura essa que era imprescindível ao sucesso da plena integração de Portugal na Comunidade e ao estabelecimento do mercado único; e de entre os variados argumentos jurídicos então esgrimidos, que a Lei-Quadro resultara de um processo político complexo que implicara a revisão da própria Constituição da República, residindo a competência exclusiva para a alterar no Parlamento, fora, portanto, da vontade directa do governo.

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Tudo isto permitiu, Srs. Deputados, preservar quer a estabilidade das operações de privatização que se foram sucessivamente realizando, quer a prevalência e o primado da legislação nacional sobre todo o processo. Essa foi, como penso que não poderia ter deixado de ser, a leitura e a prática do anterior governo de Portugal sobre qual a melhor forma de salvaguardar o interesse nacional, obrigação de qualquer Governo responsável.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Levou-se a cabo ao longo dos últimos seis anos, penso que com sucesso no essencial, uma política de reforço sistemático da capacidade empresarial nacional e de reconstituição de grupos económicos aptos a responder aos desafios colocados pela internacionalização e interdependência dos mercados.
É completamente inaceitável que o Partido Socialista venha, como seu primeiro acto no âmbito das privatizações, capitular num dos objectivos fundamentais de todo o processo.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De partido conservador e retrógrado, que durante mais de uma década, por todos os meios, se opôs ao reconhecimento da iniciativa privada como motor da economia, os socialistas converteram-se recentemente à economia de mercado, naturalmente que com as inseguranças e exageros que a sua pouco sólida convicção nesta matéria comportam.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vai daí parecem ter achado que não mais era necessário procurar defender os interesses das empresas nacionais nos processos de privatizações, seja em realização, a realizar ou mesmo nas já realizadas. Num passe de mágica, viraram a casaca de pretensos campeões na defesa intransigente do interesse nacional, que tão demagogicamente gostavam de envergar, para cederem em toda a linha e para todas as direcções, inclusive com efeitos retroactivos.
Efectivamente, Srs. Deputados, onde está a coerência de quem ainda há alguns meses se não poupava a esforços para violentamente atacar um processo de privatização por todos conhecido que, por manobras financeiras menos claras, levara ao controle de um banco estrangeiro sobre uma empresa nacional?
O que por este diploma o Executivo faz, Srs. Membros do Governo, é dizer a esse banco, alto e a bom som: «Volta, estás perdoado!».

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além de tudo o que ficou dito, e que por si só desde logo justificaria a recusa liminar de ratificação do Decreto-Lei n.º 24/96, o Governo incorreu neste processo em duas faltas graves para com esta Assembleia:
Em primeiro lugar, violando grosseiramente quer as normas gerais da reserva de competência legislativa do Parlamento, nomeadamente a alínea l) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição; quer a norma especial contida no n.º 1 do artigo 85.º da mesma Lei Fundamental, que inclusivamente confere à legislação sobre as privatizações a forma de lei com valor reforçado, a aprovar por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções e não por maioria simples como habitualmente acontece.
Em segundo lugar, incorreu na falta grave de desconsiderar a posição claramente assumida por esta Assembleia no debate que aqui realizámos com o Governo no passado dia 2 de Março. Discutíamos então a proposta de lei do Governo que prosseguia, no essencial, o mesmo objectivo deste diploma, só que em sede da lei da televisão. Tive oportunidade, nesse debate, de directamente questionar o Governo sobre o sentido político daquela iniciativa, referindo expressamente ser entendimento da minha bancada que o seu único resultado prático seria o abandono, pelo Governo, da política de fortalecimento dos grupos nacionais no processo de privatizações.
Nesse entendimento fomos, de resto, acompanhados pela bancada do Partido Popular e, embora à luz de preocupações diferentes, pela bancada do Partido Comunista
Face à incapacidade então demonstrada pelo Governo em afastar esse nosso entendimento, as oposições votaram em bloco e o Governo viu rejeitada, penso que pela primeira vez nesta legislatura, uma sua lei nesta Assembleia.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Ora, assim sendo, por elementar respeito político pela vontade maioritária do Parlamento de que depende, era exigível ao Governo que daí tivesse sabido retirar as necessárias consequências. O Governo devia ter imediatamente sustido esta sua outra iniciativa legislativa, abrindo um processo de diálogo com a Assembleia da República em que tentasse apresentar aquelas que julga serem as razões para uma eventual alteração legislativa deste teor.
Como não me parece curial pensar que tal só não aconteceu por descoordenação ou incapacidade política dos membros do Governo que estiveram nesse debate em levar o seu resultado ao conhecimento do centro do Governo, sou forçado a concluir que a insistência na publicação do Decreto-Lei n.º 24/96 revela uma atitude de desrespeito, teimosia e arrogância para com a Assembleia da República.

O. Sr. Carlos Coelho (PSD): - Já vai sendo costume!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social Democrata sempre se bateu contra o desmando e o despropósito que presidiram à colectivização da economia nos primeiros anos após o 25 de Abril. Sabíamos, como sabemos, que o progresso e a modernidade de Portugal têm de assentar na aposta e na defesa da capacidade e da iniciativa empreendedora dos portugueses. Não pomos minimamente em causa a necessidade de adaptar os nossos interesses a eventuais compromissos com outros parceiros quando reconhecemos ser esse o caminho que mais interessa ao desenvolvimento do País e ao bem-estar dos portugueses. Mas nunca deixaremos de, em cada momento, procurar conciliar essas adaptações necessárias com a salvaguarda, prioritária, dos nossos interesses imediatos.
Foi isso que nesta matéria soubemos fazer, enquanto tivemos responsabilidade de governação, e é isso que continuaremos a procurar fazer, agora que estamos na oposição.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira, António Lobo Xavier e João Carlos da Silva, bem como o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse, Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Marques Guedes, a minha primeira pergunta é a seguinte: não concorda que devem existir, no quadro de um processo de privatizações com a importância daquele que está em curso, critérios globais quanto à participação de capitais oriundos da União Europeia?
Além disso, queria perguntar-lhe: tem ideia se era secretário de Estado quando foi promulgado o Decreto-Lei n.º 65/94?
Por outro lado, como o Sr. Deputado não estava aqui na legislatura anterior, entendeu pouco ou não entendeu nada do que se passou com o processo do Totta. Conforme ficou demonstrado nos trabalhos da respectiva comissão, o que se passou com esse processo foi uma grosseira violação de toda a legislação e das práticas correntes, em termos de funcionamento bancário, de actividade governamental ao qual o Grupo Parlamentar do PSD fugiu de uma maneira absolutamente inacreditável e pouco corajosa ao dar cobertura a manobras de «testas de ferro» vários no quadro desse processo.
Nós preferimos que se altere a lei, que se cumpra a lei, mas não admitimos é que com uma mão se faça a lei e com outra se defenda o seu incumprimento. Foi isso que se passou no processo do Totta por parte de elementos de um Governo que V. Ex.ª apoiou, suportou e integrou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A quarta questão tem a ver com a sua ignorância. Não gosto de usar esta expressão, mas o que foi dito ali sobre o Partido Socialista é uma coisa completamente absurda e disparatada. O Sr. Deputado é absolutamente ignorante acerca da evolução do Partido Socialista português, bem como da evolução dos partidos socialistas europeus nos últimos 20 anos! Portanto, Sr. Deputado, faça favor, analise as posições, pois a sua responsabilidade intelectual, política e jurídica devia obrigá-lo a isso e, por conseguinte, não venha dizer banalidades absolutamente erradas como as que disse sobre a posição do Partido Socialista em termos económicos e em termos da sua conversão à economia de mercado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Temos que dar uns cursos sobre linguagem parlamentar.

O Orador: - A evolução do Partido Socialista tem a ver com a ver com a realidade política, tem a ver com a adaptação dos nossos princípios à evolução da realidade política e económica e não tem a ver com as cambalhotas que algumas das pessoas do PSD têm dado ao longo do tempo, tomando posições sucessivamente contraditórias. A nossa posição é realista, insere-se na absoluta defesa dos princípios socialistas democráticos, sempre defendemos a economia de mercado, os nossos princípios, a justiça social.

Quanto ao partido que V. Ex.ª integra, muitas vezes ao longo destes 20 anos nem vós próprios sabem o que é que defendem.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Que falta de nível!

O Orador: - Quem é você para o dizer?! Falta de nível é o que foi dito ali ...!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quer responder desde já?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Respondo dois a dois, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a propósito das privatizações e da aplicação das regras comunitárias, entendo que há frequentemente alguma hipocrisia, e nesta Câmara também. De facto, há frequentes exaltações europeístas que oscilam em momentos concretos com exaltações nacionalistas, - que julgo valerem pouco. Não estou a referir-me à sua intervenção, estou a fazer um comentário geral. Aliás, o paradigma dessa incongruência não é de hoje, mas justamente o que se passou aqui na Assembleia da República a propósito do caso Totta.
Concordo fundamentalmente consigo, o resultado da sua intervenção é o mesmo a que chego, só que o Sr. Deputado falou em coerência e preocupou-se em afirmar aqui essa questão. Ora, nessa matéria, julgo que estou muito mais à vontade do que V. Ex.ª porque, por exemplo, quando aqui se discutiu o caso Totta, em que o Partido Socialista tinha então uma posição radicalmente diversa daquela que está por detrás deste decreto-lei que hoje discutimos.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Não, não!

O Orador: - Se quiser, leio-lhe o Diário. Vou ler... Nesse passo a que me refiro, em que se discutia o inquérito pedido pelo PCP ao caso Totta, o Sr. Deputado Manuel dos Santos, que dirigia a intervenção económica do Partido Socialista, increpava-me dizendo se eu não achava que a lei era para cumprir.
O Sr. Deputado Manuel dos Santos e o Partido Socialista achavam, apesar de serem europeístas, então e agora, que as limitações à participação nas privatizações de capitais europeus eram para cumprir, por muito que violassem o direito comunitário. Era essa a posição do Partido Socialista em 11 de Fevereiro de 1994.
Mas a posição do PSD merece a mesma censura, porque o - PSD, à pergunta do Sr. Deputado Octávio Teixeira do seguinte teor: «Sabendo-se que há uma violação da lei, sabendo-se que há uma violação dos limites à participação de estrangeiros nas privatizações, o Governo nada faz porquê?», respondia: «por causa do mercado único». Hoje, assistimos a um discurso - que, aliás, perfilho - preocupado em defender a posição de Portugal em fazer braço de ferro com a Comissão, mes-

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mo que em clara violação das regras e dos princípios comunitários.
Em questões de coerência, Srs. Deputados, julgo que a minha bancada está bem mais à vontade.
Quero perguntar-lhe - e vou já terminar - que informações tem sobre a possibilidade de manter esse braço de ferro com a Comissão, que informações tem sobre a viabilidade de uma política de «escondera cabeça na areia» e de persistir em ignorar...

O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
É que a integração europeia é para as boas coisas e para as más. Ou o Sr. Deputado Marques Guedes pensa outra coisa? Não pensa que, realmente, com verdade, a única possibilidade de evitar a intervenção do capital estrangeiro é ter outras opções em matéria de privatizações, de modelos, de que já falarei, que os senhores, no passado, evitaram por estarem preocupados com o encaixe financeiro?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, pese embora algum nervosismo - é isso que interpreto dada a falta de correcção com que proferiu algumas coisas - na resposta ao que eu, penso que nó uso da minha liberdade, proferi da tribuna, queria dizer-lhe algumas coisas.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado disse que eu não estava cá na última legislatura porque desempenhava as funções de secretário de Estado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Eu não disse isso!

O Orador: - Sr. Deputado, na qualidade de secretário de Estado, eu também trabalhava para servir o País e, como tal, também acompanhava os trabalhos desta Assembleia da República, que é um órgão de soberania.
Vou reler ao Sr. Deputado o Diário da Assembleia da República do dia 28 de Abril de 1994, que diz, a determinada altura: «Tenho falado na desorientação e na falta de transparência do processo de privatizações, que, em vez de fortalecer o tecido empresarial português e os grupos nacionais, tem servido frequentemente os interesses estrangeiros.». E mais à frente diz: «Mas, quando se tratou de vender o Banesto depois de recuperado, o Governo espanhol arranjou maneira de limitar a possibilidade de compra aos outros bancos espanhóis e só a estes. O Governo espanhol não anda distraído, nem brinca com coisas sérias e a Espanha sabe o que quer na União Europeia. Que pena o mesmo não acontecer em Portugal!...». Essas declarações foram feitas pelo então líder do seu partido, Engenheiro António Guterres.
De facto, Sr. Deputado, não percebo como é que os senhores, enquanto oposição, atacavam violentamente este processo, como então faziam e como o futuro veio a demonstrar não terem razão porque o banco Totta, por força da actuação do Governo português, manteve-se em mãos nacionais ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ..., e assim que assumiram responsabilidades de governação o vosso primeiro acto, foi o de virarem-se, eventualmente, para o Banesto e para outras entidades da mesma situação e dizerem alto e a bom som «Voltem, estão perdoados!».
Sr. Deputado António Lobo Xavier, não questiono a coerência que a sua bancada sempre tenha tido quanto às privatizações. Mas, com toda a franqueza, também não me parece muito curial que, ao menos indirectamente, essa sua afirmação possa servir para pôr em causa a coerência e a tentativa permanente e sistemática que o governo do PSD sempre teve na defesa dos interesses nacionais no processo de privatizações.
Relativamente à sua questão concreta no sentido de saber se penso ser possível manter as posições junto da Comissão,- direi, Sr. Deputado, que foi possível ao governo anterior, durante seis anos, fazê-lo. Como disse da tribuna, através de um processo continuado, muito insistente, com o envolvimento de variadíssimos membros do Governo e com toda a força política que o Governo português podia ter, a verdade é que, durante seis anos, conseguimos, junto da Comunidade, ir mantendo em vigor a nossa Lei-Quadro das Privatizações e não apanhar com nenhum processo sequer de pré-contencioso da Comunidade relativamente à conformidade da nossa legislação quanto ao direito comunitário. Penso que isso fala por si! De facto, é possível, desde que se tenha vontade e força políticas. Não é, com certeza- e nisso estaremos de acordo, através da política do «murro na mesa» para o exterior e depois na cedência, em toda a linha, na mesa das negociações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao modelo, de facto, penso ser «revisível» no sentido de que pode optar-se por outros. De qualquer maneira, a actual lei-quadro comporta uma panóplia de modelos ou de alternativas, se quiser, ao modelo de privatizações suficientemente ampla para, em cada circunstância, em cada situação, maximizar os interesses nacionais no processo de privatizações. A demonstrar isso mesmo, como já disse na intervenção inicial, está o facto indesmentível de, em seis anos de privatizações, 92% das empresas privatizadas serem dominadas por empresas nacionais e de 89% do capital privatizado estar em mãos nacionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Guedes, V. Ex.ª acabou por não responder cabalmente à questão colocada no sentido de saber se entende oportuno ou conveniente que o Estado português seja objecto de um litígio com a Comissão Europeia sobre esta matéria.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Essa é que é a questão!

O Orador: - É que tenho conhecimento de uma resposta de um membro do governo do PSD, do Sr. Secretário de Estado Esteves de Carvalho, à Comissão em que referia especificamente que o Governo português não ti-

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nha interesse em ter um conflito sobre esta matéria com a Comissão e que, em tempo útil, comunicou a sua decisão de não utilizar, em relação a investidores nacionais de outros Estados da Comunidade, o mecanismo consagrado no n.º 3 do artigo 13.º da Lei-Quadro das Privatizações. E mais: pediu à Comunidade que sustivesse quaisquer processos contra o Estado português, uma vez que estavam próximas as eleições legislativas, e, portanto, que aguardasse que a situação política que resultasse das eleições legislativas viesse a tomar medidas neste domínio, ou seja, no sentido de passar a respeitar as normas a que Portugal se vinculou em termos europeus.
De facto, o PSD, segundo o Sr. Secretário de Estado, colocado nesta pasta pelo PSD, entendia que havia uma violação das normas comunitárias e que de todo em todo era desadequado manter um conflito com a Comunidade nesta matéria.
Por outro lado - e já que falamos em coerência e de posições do Partido Socialista no passado -, se bem me lembro (e sempre fui um observador muito atento destas matérias, embora não estivesse aqui), o Partido Socialista sempre defendeu que a lei existente no momento em que os factos se estavam a verificar devia ser respeitada. O que se passou foi que o governo do PSD tinha estabelecido limites à participação de residentes noutros países da Comunidade nas privatizações e, perante uma situação perfeitamente reconhecida nos meios financeiros de que o Banesto dominava o Totta e Açores, o governo do PSD e as autoridades de supervisão nada fizeram para prevenir e para se esclarecerem sobre essa matéria. Portanto, tratava-se de uma clara violação da lei por omissão das investigações necessárias a clarificar as situações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isso é muito diferente de dizer-se que os países comunitários não poderiam entrar cá.
Por outro lado - e vou concluir, Sr. Presidente -, quando pretendemos defender a economia nacional e as empresas a privatizar em sectores estratégicos, não é a impossibilidade de limitar a participação de investidores residentes em países comunitários em Portugal que nos vai impedir de salvaguardar os interesses nacionais, porque o Governo, através da Lei-Quadro das Privatizações...

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, porque o Governo, através da Lei-Quadro das Privatizações, tem sempre a possibilidade de, em sectores considerados estratégicos e quando o interesse nacional o determine, recorrer ao ajuste directo em investidores que ele seleccione, de acordo com as normas que vêm nessa lei.
Portanto, Sr. Deputado, o que o Governo pretende fazer é; pura e simplesmente, clarificar regras, na linha, aliás, do que vem fazendo com a aprovação do programa de privatizações, e eliminar o contencioso com a Comunidade.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Não se trata de vender empresas a estrangeiros.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos entre nós um grupo de 40 muito jovens alunos da Escola Primária n.º 2, de Algés, e de 120 alunos da Escola n.º 1, de Odivelas.
Um carinho para eles.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Guedes, ,deixe-me que lhe fale com total frontalidade e clareza.
A sua intervenção e a postura do PSD neste debate são a prova clara de que o PSD entende a oposição numa lógica de «vale tudo» e de puro «bota abaixo»

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso é que é falta de nível!

O Orador: - ..., inclusive, ameaçando pôr em causa a credibilidade do programa de privatizações em curso e ameaçando romper um consenso europeu que, desde 1976, tem unido todos os partidos portugueses, com excepção - honra lhe seja - do Partido Comunista Português.
O Sr. Deputado sabe bem que o que está em causa não é a questão jurídica. Há cerca de um, mês, o Grupo Parlamentar do PSD chumbou uma proposta de lei com idêntico conteúdo relativamente à actividade televisiva Não se tratava, então, de um decreto-lei, não suscitava problemas de inconstitucionalidade orgânica, era uma proposta de lei e os senhores chumbaram-na. E chumbaram-na porque para vocês vale tudo, inclusive romper o consenso europeu.

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado foi secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, V. Ex.ª foi quem, dentro do governo, estava no cerne da actividade legislativa e por isso conhece o Decreto-Lei n .º 65/94, diploma que também não teve autorização da Assembleia da República, que também invocou o n .º 3 do artigo 13.º da Lei n.º 11/90 para, com a mesma base jurídica deste decreto-lei, cuja ratificação vocês querem recusar, vir dizer que a limitação que a Lei-Quadro das Privatizações concede ao Governo se limitasse aos 25%.
O que o decreto-lei hoje em debate para ratificação diz é que o limite não é de 25%, não pode haver limite.
Ou seja, do ponto de vista jurídico, quer pela atitude que tiveram quanto à lei da televisão quer pelo Decreto-Lei n.º 65/94, V. Ex.ª sabe bem que essa questão não se coloca.
Mais: o Sr. Deputado disse aqui que não estávamos em situação de pré-contencioso. Sabe que o que disse só tem um nome na língua portuguesa, o qual, apesar de ser duro, é o que existe: o que o Sr. Deputado disse é uma falsidade, porque, como sabe, desde 1991, Portugal está numa situação de pré-contencioso. O Sr. Deputado sabe que o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. José Manuel Durão Barroso, foi notificado - formalmente pela Comissão, no dia 25 de Maio

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de 1995, para que o Governo português, no prazo dois meses, procedesse às alterações legislativas. O Sr. Deputado sabe que, desde 1994, o Governo português, através de cartas do Ministério das Finanças, nomeadamente dos Secretários de Estado Adjunto e do Tesouro e das Finanças, comprometeu-se a alterar a legislação. E sabe V. Ex.ª que por uma carta de 7 de Setembro de 1995 - repito, de 7 de Setembro de 1995. -, que tenho na mão, o então Secretário de Estado das Finanças disse à Comissão: «Não nos processem agora porque temos eleições em menos de um mês. O próximo Governo fará aquilo que já nos comprometemos a fazer». Isto por carta do então Secretário de Estado António de Sousa, actual Governador do Banco de Portugal, que em Fevereiro de 1994 já tinha dito à Comissão que ela tinha razão, que era efectivamente violador do direito comunitário e não aplicariam para futuro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Foi por isso que V.Ex.as fizeram dois decretos-leis. O Sr. Deputado diz agora: «nós resistimos seis anos».

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - É verdade. Resistiram, como sabem, até ao fim. E o último pretexto que tiveram foi: «há eleições daqui a um mês». O problema é que houve eleições. E vocês perderam e nós ganhámos!

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Agora, podem vender!

O Orador: - Srs. Deputados, o Governo mudou, mas o Estado continuou. As obrigações internacionais de Portugal têm de ter continuidade e, por isso, estamos aqui a honrar as obrigações do Estado português, obrigações que vocês assumiram em nome de Portugal e que nós, em nome de Portugal, temos de honrar.
Para terminar, deixo a seguinte pergunta: acha, em consciência, que vale a pena, para ser oposição a este Governo, pôr em causa tudo? Pôr em causa um programa de privatizações que está em curso...

Vozes do PSD: - Não está em causa isso!

O Orador: - ... e um consenso europeu que é essencial parai que Portugal se mantenha no primeiro pelotão da União Europeia?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Lobo Xavier, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa e formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já formulou o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - O Sr. Secretário de Estado não fez uma intervenção?

Risos do PSD

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, fez um pedido de esclarecimento.

Tem a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, os Deputados do PSD estão a rir-se, mas, a confirmarem-se as declarações do Sr. Secretário de Estado, estamos a assistir a uma cena lamentável. No entanto, não interpelo a Mesa por causa disso mas, sim, para lhe pedir que solicite ao Sr. Secretário de Estado os documentos que referiu, a fim de serem distribuídos aos grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado ouviu o requerimento. Se tem alguma informação a dar à Câmara a esse respeito, tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, farei entrega à Mesa do Decreto-Lei n.º 65/94, de 28 de Fevereiro, de uma informação, datada de Março deste ano, da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia, que relata todo o processo; da notificação formal do Comissário Mário Monti, dirigida ao Sr. Dr. José Manuel Durão Barroso, na sua qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros, com a data de 29 de Maio de 1995, na qual a Comissão da União Europeia deu ao Governo português um prazo de dois meses para proceder ias alterações; a carta de 7 de Setembro de 1995, do então Secretário de Estado das Finanças, Francisco Esteves de Carvalho, na qual o Governo diz que a seguir às eleições o novo Governo e a nova Assembleia legislarão nesse sentido.

Aplausos do PS.

Vozes do PS: - Onde é que está a coerência do PSD?!

O Sr. Presidente: - Esses documentos serão imediatamente fotocopiados e distribuídos pelos grupos parlamentares.
Para responder aos dois pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos da Silva, conheço todo esse processo...

Vozes do PS: - Ah!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quando se pede um esclarecimento, quer-se ser esclarecido. Há pelo menos duas pessoas interessadas no esclarecimento: as que formularam pedidos. Temos o dever de fazer o silêncio necessário para que essas pessoas sejam esclarecidas. Amanhã, serão os Srs. Deputados que estão na mesma circunstância, pelo que peço que não façam alarido.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado João Carlos da Silva, como estava a dizer, conheço todo esse processo, nomeadamente o que o

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Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares agora citou, retirando apenas frases do contexto. Porque o que interessa em todo esse processo e fala por si... Se o Governo entende mostrar à Assembleia todas as cartas, não mostre apenas as que existem desde 1994. O Sr. Secretário de Estado só citou as cartas com data desde 1994. Ora, eu conheço-as desde 1992, pelo menos.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não parece!

O Orador: - Mostre as cartas todas e o resultado falará por si.
O Governo português, como eu disse da tribuna, utilizou todos os argumentos, políticos e jurídicos, e conseguiu, ao longo de seis anos, obter sistematicamente um adiamento, diga-se uma compreensão, por parte da Comissão. Esta foi fazendo sempre o que lhe cabia, que era ir instando o Estado português, até porque pressionado pelos outros parceiros comunitários.
Sr. Secretário de Estado, não somos ingénuos, mas soubemos defender sempre, até ao fim da nossa governação, os interesses portugueses, sem nunca pôr em causa a legislação nacional e o seu primado sobre esta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Devia ter vergonha!

O Orador:- O Sr. Deputado perguntou qual era o meu entendimento sobre a capacidade nacional para manter a nossa posição face à Comunidade. Sr. Deputado, nós mantivemo-la durante seis anos.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Está a ver-se!

O Orador: - Por essa razão, não percebo como é que os senhores, em seis meses, pretendem capitular. Nós, durante seis anos, conseguimos manter a nossa posição. Os senhores, em seis meses, querem capitular. Essa é que é a verdade!

Protestos do PS.

De qualquer modo, o Sr. Deputado nada disse, porque não lhe convinha, quanto ao desrespeito político assumido pelo Governo face ao que aqui se passou há cerca de dois meses, no debate que tivemos - tenho aqui todos esses Diários e o Sr. Deputado também deve tê-los presentes - em que a questão de fundo suscitada por todas as bancadas foi o que estaria em causa como precedente para a Lei-Quadro das Privatizações. Foi indirectamente negado, da bancada do Governo, pelo Secretário de Estado da Comunicação Social, que estava presente, mas o Governo não soube daí tirar lições, nada fez e avançou com a proposta de lei. Eu referi isso e o Sr. Secretário de Estado não foi capaz de apresentar uma justificação a esse respeito.
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para além do que já lhe disse, solicito-lhe que mostre as cartas. Mas mostre-as todas. Não retire frases do contexto. A carta que referiu, datada de 1994, assinada pelo então Secretário de Estado Adjunto e do Tesouro e que hoje é o Governador do Banco de Portugal, é uma carta em que o Governo português defende uma série de argumentos políticos e jurídicos.

Juridicamente, não temos qualquer dúvida, desde o início do processo - por isso é que a Comissão, logo em 1991, começou a questionar o Governo português sobre a matéria -, sobre alguma fragilidade. Só que não são apenas os argumentos jurídicos que estão em causa. Mesmo no plano jurídico, também soubemos utilizar argumentos para rebater a leitura da Comunidade ...

Vozes do PS: - Empataram!

O Orador: - ..., mas, fundamentalmente - essa carta do Dr. António de Sousa é bem explícita, para além de muitas outras cartas do Dr. Catroga, do Professor Miguel Beleza e de outros membros do Governo sobre essa matéria -, todas as posições definidas pelo Governo português foram sempre no sentido de ir conseguindo que a Comunidade não colocasse o processo em tribunal. De facto, o Governo português conseguiu sempre adiar o contencioso e chegou ao final de 1995 sem haver qualquer contencioso comunitário sobre esta matéria, como penso que ainda não há.
De resto, se dúvidas houvesse, remeto o Sr. Secretário de Estado para um documento publicado pela Provedoria de Justiça - portanto, um órgão perfeitamente independente -, em 1995, em que se analisa esta matéria do respeito pelo direito de estabelecimento e onde, a páginas 151, se descrevem, aqui, sim, na íntegra e com bastante minúcia, aquelas que foram, ao longo do tempo, as posições e os argumentos defendidos pelo Governo português junto das Comunidades Europeias quanto a este processo.
Como o Sr. Secretário de Estado pode verificar, o documento é público, é uma publicação da Provedoria de Justiça, o que rebate completamente as suas insinuações de que o posicionamento do Governo anterior quanto a esta matéria foi pautado pelo secretismo, à revelia dos outros órgãos de soberania ou da opinião pública nacional. As posições defendidas pelo Governo português são conhecidas e estão publicadas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Há já um pedido de interpelação anterior ao seu.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Vai pedir fotocópias?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, não vou satisfazer necessariamente o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, mas vou, com efeito, solicitar à Mesa que, dada a importância dos documentos referidos pelo Sr. Deputado e ex-secretário de Estado Luís Marques Guedes, lhe peça para fazer chegar à Mesa cópias desses documentos, de modo á que a Assembleia possa trabalhar com base neles.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes ouviu a interpelação e tomá-la-á em conta.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares também para interpelar a Mesa.

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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, quero apenas dizer que farei entrega na Mesa de mais dois documentos: a conclusão do Sr. Provedor de Justiça no processo n.º R-241/94, onde recomenda ao Governo português que proceda às alterações legislativas, o que foi feito através do decreto-lei em ratificação, fundamentando-se a recomendação na violação do direito de estabelecimento; e uma segunda carta, dirigida ao Sr. Provedor de Justiça, na sequência desta recomendação, assinada pelo chefe de gabinete do então secretário de Estado das Finanças, onde se diz que a seguir às eleições o novo governo tratará de fazer as alterações recomendadas, que correspondem ao diploma agora em ratificação.

Protestos do PSD.

Acrescento apenas, para que não fiquem dúvidas a quem um dia ler este Diário, que o governo anterior às eleições era o governo do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Os documentos serão fotocopiados e distribuídos.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vou usar a mesma figura utilizada pela bancada do Partido Socialista para dizer que é com muito gosto que facultarei esses documentos.
No entanto, não quero deixar de fazer notar ao Sr. Presidente, que muitas vezes toma essa posição no Plenário, que isto mais não é do que uma manobra meramente incidental, porque todos estes documentos são públicos, estão disponíveis para os Srs. Deputados consultarem e isto apenas serve para tentar desviar as atenções do centro do debate.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - As cartas são públicas?! Mostre as cartas! Se as trouxe, mostre-as!

O Orador: - É evidente que, com a citação desses documentos, que são públicos e deveriam ser do conhecimento de todas as bancadas - só não os conhecem se não quiserem, porque estão disponíveis na biblioteca desta Assembleia, tal como os Diários da Assembleia da República e os Diários da República -, a única coisa que se pretende é tentar retirar a ilação de que, com essa carta que o Sr. Secretário de Estado pela terceira vez invoca, datada de Setembro de 1995, o governo português de então queria significar que o novo governo deveria alterar a legislação. Não, Sr. Presidente! O que o governo português queria dizer é que o novo governo deveria, como o anterior, continuar a defender os interesses nacionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Foi por essa razão que deixei o pedido do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira ao critério do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.. Presidente, Srs. Deputados: O início da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes suscita-me a necessidade, ou a vantagem, de começar por fazer algumas referências sobre o processo de nacionalizações, designadamente para recordar que foi para defender e viabilizar o processo de democratização iniciado com o 25 de Abril que em 1975 se tornou totalmente exigível proceder à nacionalização dos grupos económicos nacionais, as chamadas «sete famílias».

Risos do CDS-PP.

Convém recordar que essas «sete famílias», esses grupos económicos na altura existentes, foram durante décadas o sustentáculo económico e político do regime fascista. Convém recordar que, depois do 25 de Abril, esses grupos económicos, essas «sete famílias», fizeram várias tentativas para impedir o avanço do processo de democratização. Esse último e forte aviso foi concretizado no dia 11 de Março de 1975. Foi na sequência desse fortíssimo aviso que foram feitas as nacionalizações.
Por isso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, do ponto de vista estritamente económico, a racionalidade das nacionalizações foi precisamente a mesma que existia nos grupos económicos então constituídos em Portugal.
Depois disso, é sabido que, ao longo de vários governos, boa parte da gestão das empresas públicas, para além de ocorrer, através da intervenção directa do Governo, a interesses de obtenção de divisas para Portugal, foi feita com o objectivo, claro e evidente, de criar condições para poder vir, no futuro, a justificar a «necessidade» das privatizações.
O processo é conhecido e sabe-se também a convergência que houve, desde muito cedo, entre o PS e o PSD para se poder viabilizar o processo de privatizações e eliminar da Constituição o preceito da irreversibilidade das nacionalizações.
Sendo essa convergência muito antiga, é, aliás, estranho que tenhamos assistido agora a uma certa troca de correspondência entre o PS, concretamente o Governo do PS, e o PSD, talvez no afã de cada um deles poder mostrar, com as cartas que apresenta, qual é o mais privatizador, o que mais luta pelas privatizações.
O processo de privatizações, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao longo deste período, tem sido caracterizado, desde logo, por processos, que se podem classificar, no mínimo, como pouco claros. Processos pouco claros, processos escuros, que muitas vezes nesta Assembleia o próprio PS criticou, chegando mesmo a apresentar pedidos de inquérito parlamentar, mas, estranhamente, depois de assumir as funções de Governo, parece que se esqueceu desses processos escuros, porque nunca mais pretendeu clarificar o que quer que seja. Aliás, o caso mais recentemente vindo a público - mas não o mais recente - sobre este processo foi novamente o antigo caso Sotto Mayor.
Quanto ao célebre caso do Banco Pinto & Sottomayor/Champalimaud, pelos vistos, por aquilo que tem vindo a público, o Governo, através do Ministério das Finanças, pretende que o assunto não seja clarificado, mantendo-o como estava, na escuridão absoluta, para

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que não se saiba publicamente o que sucedeu, quem fez, de quem são as responsabilidades e quais são essas responsabilidades. Esta é a posição do PS, que, enquanto oposição, criticava e apresentava pedidos de inquérito, mas, agora, no Governo, nada quer clarificar.
O processo de privatizações foi também acompanhado de um processo de enfraquecimento da possibilidade de haver uma estratégia nacional de desenvolvimento. Foram retirados de uma lógica, que, integrada, poderia ser um sector fundamental para prosseguir uma estratégia nacional de desenvolvimento, através do processo de privatizações. Processo de privatizações que, muitas vezes, apenas conduziu à transferência de empresas para estrangeiros e que, em outro grande número de situações, conduziu não àquilo que afirmava a Lei-Quadro das Privatizações, que era o reforço da estrutura empresarial nacional, mas, sim, à possibilidade de se realizarem grandes e chorudos negócios, com a compra de participações, que, depois, passado meia-dúzia de dias, se vendem ou a outros nacionais ou a estrangeiros, tendo inclusivamente, no caso Banesto, servido apenas para os tais grandes empresários que hoje existem em Portugal - grandes empresários, por terem muitas empresas e muitos lucros e não por criarem uma estrutura produtiva portuguesa - arrecadarem mais-valias de milhões e milhões de contos e se dedicarem, pura e simplesmente, à especulação e à comercialização.
O processo de privatizações tem igualmente sido acompanhado da eliminação de numerosos postos de trabalho, do, aumento do desemprego e do corte de regalias e de direitos substanciais, que tinham sido adquiridos pelos trabalhadores das empresas que foram privatizadas.
Pretende, agora, o Governo, com este decreto-lei, considerar nacionais os capitalistas alemães, franceses, ingleses, italianos, espanhóis, dinamarqueses... - enfim, todos são nacionais. Possivelmente, é a nacionalidade do Governo do PS, uma nacionalidade internacionalista!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Oh!

O Orador: - Internacionalista, no mau sentido do termo, Sr. Secretário de Estado! Só que isto é, pura e simplesmente, um pretexto.
É sabido e é conhecido que, ao longo destes anos, com essas exigências da Comissão das Comunidades Europeias, o Reino Unido fez as privatizações que quis, como quis para quem quis, sem nunca ter de dar resposta positiva, no sentido daquela que o Governo pretende agora dar com este decreto-lei, à Comissão em Bruxelas.

A França fez todas as privatizações e continua a fazer as que quer, como entende e a quem entende, sem Ter de- desculpem-me a expressão - «dar cavaco» à Comissão de Bruxelas. Não sei se o Professor Cavaco deu.
Agora que o Governo está a «dar cavaco» à Comissão de Bruxelas, contrariamente àquilo que sucede em muitos outros países, isso está!
É, de facto, um pretexto o argumento, utilizado e apresentado pelo Governo, da obrigatoriedade perante a Comissão das Comunidades Europeias. É um pretexto para esconder que aquilo que o Governo faz neste decreto-lei é clarificar uma sua opção política. Na realidade, trata-se de uma opção política do Governo nestes termos: «nós queremos considerar que os capitalistas da União Europeia são como os capitalistas nacionais; podem levar o que quiserem, podem ficar com as privatizações que entenderem, mas essa é a nossa opção política». Mas, então, o Governo que o diga e não venha com pretextos de que não é possível, devido à Comissão Europeia. Aliás, é uma opção política, porque, de outro modo, não pode entender-se, por exemplo, por que é que se privatiza ou pretende privatizar o Banco de Fomento Exterior, a Cimpor, a Portucel, etc. Estas só podem ser explicadas não por racionalidades económicas ou qualquer outra razão mas apenas por opções políticas. O Governo do PS tem de assumir essas opções, não devendo esconder-se atrás dos pretextos, que vai arranjando aqui e acolá.
Acresce, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, para além desta opção política, que contestamos, criticamos e condenamos - e, por isso, propomos a não ratificação deste diploma -, este decreto-lei é inconstitucional. O Governo sabe e tem consciência de que ele é inconstitucional, mas pensa que com os votos da sua bancada, a do PS, e os da bancada do PP pode ultrapassar esse problema.

Protestos do Deputado do CDS-PP António Lobo Xavier.

Ó Sr. Deputado António Lobo Xavier, não sei o que os senhores vão fazer; estou só a dizer que o Governo pensa que, com os votos do PS e do PP, pode ultrapassar este problema. Mas pode ultrapassa-lo exclusivamente em termos da ratificação do decreto-lei e não da questão de fundo da manutenção ou não manutenção da inconstitucionalidade, porque essa vai manter-se. Ora, como o Governo é autista e quer ser arrogante, mesmo que faça passar a ratificação deste decreto-lei na Assembleia da República, não se esquiva e não está livre de, no futuro, próximo ou mais longínquo, vir a ter muitos e outros graves problemas. Não está livre, designadamente, de poder haver alguma privatização, com base nisto, que, depois, possa ser contestada em termos constitucionais, a nível dos tribunais. Mas, então, o Governo, depois, verá, quando ela for declarada inconstitucional, que quem investiu 20 milhões de contos vai receber de indemnizações, 50, 60, 70 ou 80 milhões de contos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da bancada do governo.

O Sr. Presidente : - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª, num momento de excesso, o que aliás é raro em si, resolveu pôr em causa a nacionalidade do Governo. É óbvio que não se punha em causa a nacionalidade dos membros do Governo, presumo, mas excedeu-se ao pôr em causa que o Governo português se batesse e defendesse os interesses de Portugal.
Mas o Sr. Deputado tem razão ao dizer que há uma opção política. É entendimento deste Governo que o interesse de Portugal e dos portugueses se defende no quadro da União Europeia. E essa é uma grande diferença entre este Governo e VV. Ex.as. Aliás, o que nos surpreende é a posição do PSD. É que VV. Ex.as são contra a União

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Europeia, como foram contra a adesão de Portugal à CEE. E a liberdade aqui em causa, o direito de estabelecimento, não é uma liberdade nova introduzida pelo Tratado de Maastricht. O direito de estabelecimento é uma das quatro liberdades que já vêm do Tratado de Roma, de 1957. Por isso, VV. Ex.as têm o direito e a legitimidade, reconheço-o, de estarem contra esta medida legislativa. O que me espanta, sinceramente, é que partidos que apoiaram a adesão de Portugal à CEE, como o então CDS e o PSD, venham pôr em causa este decreto-lei.
Estou, por exemplo, a ver agora na bancada do PSD o Dr. Francisco Torres, que é um europeísta convicto...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é português!

O Orador: - ...e não posso deixar de escandalizar-me e horrorizar-me que, na lógica de fazer oposição a todo o custo a este Governo, esteja disponível para procurar sabotar o programa de privatizações em curso e para pôr em causa o consenso europeu.
Ao PCP reconheço essa legitimidade, porque é contra a União Europeia e o processo de privatizações e não teria pedido a palavra se V. Ex.ª não se tivesse excedido. Porém, espero que reconheça - e sei que será capaz de fazê-lo, pelo que vou dar-lhe agora a oportunidade de o dizer, ao dar explicações - que este Governo, apesar de ter uma perspectiva diferente da vossa, que os senhores consideram incorrecta, não é um governo de «vende pátrias» ou coisas do género. Sei também que V. Ex.ª compreende que quando este Governo recebeu este processo como, aliás, está expresso nos documentos, creio que já distribuídos pela Mesa aos grupos parlamentares, onde constam os compromissos assumidos pelo Governo anterior -, ao tomar posse, a questão, em Bruxelas, já não tinha qualquer margem de recuo, e que, portanto, teve de honrar esse compromisso, sendo que há aqui uma opção política, na qual nos afastamos de VV. Ex.as, mas onde presumíamos - e creio que, os senhores também - ser acompanhados pelo PP e pelo PSD.
Veremos, afinal, quem está com quem, se são VV. Ex.as que estão ao lado do PSD ou, melhor, se é o PSD que está ao vosso lado, na lógica do «vale tudo contra este Governo».

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, vou, de imediato, responder à questão que colocou, pelo menos do ponto de vista formal, no seu pedido de defesa da honra.
Relativamente à questão da nacionalidade, a expressão que usei não teve evidentemente a intenção que referiu o Sr. Secretário de Estado sabe-o muito bem e, desde logo, o demonstrou. Teria, talvez, sido mais correcto da minha parte, para não haver essas confusões, dizer que o Governo tinha um conceito extremamente amplo da cidadania europeia e, por conseguinte, nesse conceito extremamente amplo, os capitalistas alemães, franceses ou ingleses seriam iguais aos capitalistas portugueses ou a qualquer cidadão português, no sentido de poder intervir no processo de privatizações.
Agora, o Sr. Secretário de Estado confirmou - e nem me passaria pela cabeça a ideia de não o fazer - que a questão colocada corresponde a uma opção política do Governo. Por isso, critico o facto de o Governo não assumir claramente essa opção política e vir com o pretexto de que isso é imposto pela Comissão Europeia.
É que, tal como há pouco tive oportunidade de referir, é evidente que, quando falei das privatizações, designadamente em França ou no Reino Unido, estava a demonstrar - e não sei se era preciso explicitá-lo - que o problema não vem do Tratado de Maastricht, mas já de anteriormente. Porém, apesar de as regras serem exactamente as mesmas, eles levaram a cabo as privatizações que quiseram, sem dar qualquer satisfação a Bruxelas sobre a forma como as fizeram.
É certo que o PCP é contra esta União Europeia, é contra o Tratado de Maastricht.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Estão bem acompanhados!

O Orador: - O PCP manifestou-se contra desde o início. Aliás, fez campanha no sentido de exigir um referendo antes da ratificação do Tratado, referendo que o PS e o PSD recusaram. A posição do PCP mantém-se, fazendo a crítica e a oposição a este tipo de União Europeia que está a criar-se e vamos continuar nesse caminho. Somos claramente contra as privatizações e, por isso, sempre que qualquer Governo pretenda privatizar ou facilitar as privatizações estaremos sempre a criticá-lo e a tentai impedi-lo, e vamos continuar a fazê-lo.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Têm boa companhia!

O Orador: - E se este Governo quer ser ainda mais privatizador do que foi o do PSD, é evidente que, nessa matéria, ainda seremos mais críticos contra ele do que fomos contra o Governo do PSD. Isso nada tem a ver, como é evidente, com eventuais convergências de voto que possam existir, porque muitas vezes essa convergência, a existir, até pode ser por razões diferentes.
Estou convencido de que, neste momento, a existir qualquer convergência em termos objectivos, ela, só poderá ser a de considerarmos - e o PSD considera por aquilo que apresentou - que o projecto de lei é inconstitucional. Mas, enquanto o PSD não aprova a ratificação por razões de inconstitucionalidade, nós fazemo-lo por razões de inconstitucionalidade e por razões de fundo.

O Sr. Presidente: - Para defender a consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, quero defender a consideração da bancada do Partido Popular porque a considero atingida injustamente por um momento de excesso, também raro, de V. Ex.ª
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, acaloradamente, talvez para não nos atermos às questões essenciais e jurídicas, clamou aqui que lamentava que partidos que defenderam a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia viessem agora aqui tergiversar em relação a esse seu ideal. Mas esse ideal não está em causa, Sr.- Secretário de Estado! Nem esse ideal nem esses compromissos estão em causa!

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É injusto que o Sr. Secretário de Estado faça essas afirmações sobre o Grupo Parlamentar do meu partido pela simples razão de que as únicas palavras que eu ainda aqui proferi foi dizer que o processo que o Partido Socialista escolheu foi errado e que se queria, efectivamente, cumprir e evitar ser demandado pela Comissão num processo contencioso ou pré-contencioso teria trazido aqui à Assembleia da República uma proposta para discutir regras diferentes sobre a Lei-Quadro das Privatizações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, não queiramos cobrir uma questão de inconstitucionalidade, uma questão de violação da Constituição, que, a meu ver, me parece evidente, com alegações «rasgando» as vestes sobre a afecto comunitária do partido A, do partido B ou do partido C. Isso não é para aqui chamado.
Podemos discutir isso depois, e tê-lo-íamos seguramente feito se o Partido Socialista tivesse seguido a boa via e o caminho legislativo normal.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, também lhe quero dizer que, no fundo, a verdade é que cumprir as regras comunitárias e, ao mesmo tempo, fazer leilões vai ser cada vez mais difícil e, portanto, em vez desses arrobos de defesa do europeísmo e de querer julgar os outros partidos, seria bom pensar-se em utilizar mais as negociações directas e menos os leilões, porque, essas, sim, se forem transparentes, é que podem ser o único instrumento para que as empresas portuguesas fiquem na mão de empresários portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, é com muito gosto que lhe dou explicações.
Sr. Deputado, o que eu disse, infelizmente, não foi um excesso, pois corresponde à realidade. O Sr. Deputado talvez não tenha dado por isso, mas acerca de dois meses veio aqui à Assembleia da República, exactamente sobre a mesma questão, não um decreto-lei para ratificar mas uma proposta de lei, em que estava em causa a Lei da Actividade de Televisão. O texto era rigorosamente igual a este que está aqui em causa, não havia, portanto, essa questão que o Sr. Deputado agora entende ser a única que poderá motivar dúvidas sobre esta questão. Representou a sua bancada nesse debate a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto. E, talvez para surpresa do Sr. Deputado, essa proposta de lei foi chumbada. E sabe com que votos é que foi chumbada? Com os votos do PCP, o que é natural, cuja bancada - o que foi uma grande vitória - conseguiu convencer o PSD e o PP a chumbarem também essa proposta de lei.

Risos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.

Ora, Sr. Deputado, compreendo e posso aceitar que o PP ou alguns dos seus Deputados tenham dúvidas sobre a forma como a integração europeia se tem vindo a desenvolver a partir do Tratado de Maastricht e por isso é que explicitei que o que está em causa não é qualquer passo que tenha sido dado a partir de Maastricht. A liberdade de estabelecimento está consagrada nos tratados fundadores desde 1957. Portanto, o que está aqui a ser posto em causa é, efectivamente, se Portugal respeita ou não o direito de estabelecimento. E quanto a isso não há dúvidas, porque sendo, como é, um aspecto central da União e, pondo em causa esse aspecto central, obviamente põe em causa isso.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, desde que a Mesa...

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado autoriza, desconta-se no seu tempo. O tempo é seu, Sr. Deputado!

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - O que o Sr. Secretário de Estado me está a querer dizer é que só é possível cumprir as regras sobre a liberdade de estabelecimento violando as regras sobre procedimento legislativo contidas na Constituição! É isso que me quer dizer!?

O Orador: - Não, Sr. Deputado! O que lhe estava a dizer é que a questão não é essa, porque, quando essa questão sobre procedimento legislativo não estava em causa, como foi o caso da lei da televisão, VV. Ex.ªs chumbaram-na. E. chumbaram-na porquê? Porque - e isso, aliás, foi dito nessa altura - era um primeiro passo para esta alteração da lei das privatizações. Portanto, é isso que VV. Ex.ªs põem em causa!
Agora, Sr. Deputado, se é isso, também lhe digo, com toda a franqueza, que, se V. Ex.ª está de acordo com a solução e apenas discorda da forma, tem direito de iniciativa e pode apresentar um projecto de lei.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Eu não disse isso!

O Orador: - Apresente um projecto de lei com este conteúdo e já pode dizer aquilo que tem vindo a dizer.
No entanto, quero perguntar-lhe também; onde é que o Sr. Deputado estava quando o Governo anterior fez publicar o Decreto-Lei n.º 65/94, que este Decreto-Lei que estamos agora a ratificar vem, no fundo, alterar? O Decreto-Lei n.º 65/94 dizia era que o Governo não pode utilizar o n.º 3 do artigo n.º 17.º da Lei n.º 11/90 para mais de 25%. Ora, o que este decreto-lei, que altera o n.º 65/94, vem dizer é que não pode haver qualquer limite, nem 25% nem qualquer outro. Nunca ninguém pôs em causa a constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 65/94. Então, se o Decreto-Lei n.º 65/94 era constitucional, uma alteração a ele não é constitucional? Aí é que, de facto, não consigo perceber!

O Sr. Presidente: - Para defender a honra da sua bancada, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, também eu pedi a palavra para defesa da honra da minha bancada pela afirmação de V. Ex.ª de que o PSD estava a querer boicotar o processo de privatizações.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - É verdade!

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A Oradora: - Penso é muito grave o Sr. Secretário de Estado dizer isso, porque não podíamos boicotar um processo que fomos nós próprios que o iniciámos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E se o Sr. Secretário de Estado considera que estamos a boicotar o processo de privatizações, quer dizer, então, que V. Ex.ª está a dizer a esta Assembleia que o processo de privatizações só pode avançar vendendo aos estrangeiros e não defendendo o processo nacional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E isso é muito grave!

A Oradora: - É isso que estamos a evitar!

Aplausos do PSD.

Sr. Secretário de Estado, não estamos a querer evitar que se mantenha um processo de privatizações, bem pelo contrário terão todo o nosso apoio. Porém, não terão o nosso apoio fazendo um diploma que, para além de inconstitucional, que para mim não é muito relevante, porque não o sei discutir, coloque o problema da venda ao estrangeiro.
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, em defesa da honra da minha bancada, quero dizer também que V. Ex.ª citou apenas a parte de uma carta que lhe interessava do ponto de vista parlamentar. Mas, o final dessa carta diz o seguinte: «O Governo português convida a Comissão a suster a apreciação do processo até que o Parlamento e o Governo, que vão resultar de sufrágio, tenham a oportunidade de se pronunciar sobre as medidas a adoptar neste domínio». O que significa, Sr. Secretário de Estado, que foi mais uma manobra de dilação - não digo que não -, mas queríamos que o próximo governo tivesse a oportunidade de se pronunciar, pensando nós que essa oportunidade fosse no sentido de defender o interesse nacional. Se essa oportunidade for no sentido de não defender o interesse nacional, terão, com certeza, a nossa oposição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, dar-lhe-ei explicações com muito gosto.
Sr.a Deputada, aquilo que disse mantenho. O Governo português, quando apresentou o Orçamento do Estado, debate que V. Ex.ª acompanhou com muita proximidade, aprovou e definiu um programa de privatizações bianual, dizendo claramente, e por antecipação, quais eram as empresas a privatizar, e, como V. Ex.ª sabe, ainda ontem o Conselho de Ministros aprovou os decretos-leis que vão regular a segunda fase da privatização do Banco de Fomento Exterior e a 2.ª Fase da Portugal Telecom.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Finalmente!

O Orador: - A Sr.ª Deputada sabe - e os Deputados da sua bancada também - que, neste momento, o mercado é chamado a intervir num processo de várias privatizações extremamente importante e melhor do que ninguém sabe que sinal é dado para o mercado se é posto em crise o quadro jurídico do processo de privatizações e como é que o mercado reage a um processo de privatizações numa situação de indefinição do quadro jurídico e de quais as regras aplicáveis. A Sr.ª Deputada sabe que se esta Assembleia recusar a ratificação deste decreto-lei, o sinal que VV. Ex.ª s querem dar ao mercado é dizer: «Cuidado! Não invistam! Não se comprometam neste momento, porque os senhores não sabem quais são as regras das privatizações!». Se a Sr.ª Deputada não chama a isto procurar sabotar o processo de privatizações, não sei como é que lhe pode chamar!
A Sr.ª Deputada invocou a parte final - habilidosa - dessa carta do Sr. Secretário de Estado das Finanças, mas leu também, com certeza, o telegrama que é enviado da REPER, em Março deste ano, que diz: «A insatisfação da Comissão, quanto ao teor da resposta de 7 de Setembro de 1995 ...»- essa a que se referiu - «... leva-nos a concluir que o processo judicial está próximo de ser iniciado».
A única estratégia poderá ser procurar, como se está a tentar, sensibilizar o Comissário Monti e o Presidente Santer, para a inoportunidade política do início de um processo judicial. E foi isso que foi feito, Sr.ª Deputada. Agora, depois disso, adiou-se de Setembro até Março, mas não foi possível adiar mais.
Se VV. Ex.ªs querem sabotar ou tentar sabotar o processo de privatizações e se querem romper o consenso europeu, Sr.ª Deputada, já não há argumentos que nos valha! A cada um ditará a sua consciência, e na vossa ficará a pesar a tentativa de sabotar o processo de privatizações e de romper o consenso europeu. Cada um assumirá as suas responsabilidades.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para interpelar a Mesa, os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Maria José Nogueira Pinto e Rui Rio.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, lamento, mas é para informar V. Ex.ª que, numa intervenção que há pouco aqui ouvimos, pairou a ideia de que a minha única preocupação era a Constituição e que, portanto, eu estaria disposto a encarar tranquilamente uma modificação legislativa neste sentido, desde que tivesse a forma legal. A minha resposta é, seguramente, não. Eu estaria disposto a discutir modificações à Lei-Quadro das Privatizações que, por um lado, permitissem respeitar os compromissos comunitários aceitáveis, mas que, por outro, tivessem disposições que permitissem também defender o tecido produtivo português.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Essa é que é a questão!

O Orador: - Era apenas isso que estaria disposto a discutir e não a tratar esta questão, que já vai com este calor e com este tempo, de uma forma, pura e simplesmente, formal.

O Sr. Presidente: - Foi um esclarecimento ao Plenário.

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Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, relativamente à intervenção do Sr. Secretário de Estado, gostaria de esclarecer que, quando aqui foi presente a proposta de lei que alterava a chamada lei da televisão, as observações que, em nome da minha bancada fiz, foram as seguintes - e pedia autorização para ler:
«Assim, o problema da harmonização com as normas internacionais que vinculam o Estado português deverá, em nossa opinião, colocar-se em sede da lei-quadro, porquanto a questão é obviamente genérica. Mais, o artigo 13.º, n.º 3, da Lei-Quadro, utiliza a palavra "poderá" e não "deverá restringir". Logo, fica ao critério do legislador a avaliação do interesse nacional que possa requerer tal restrição».
E depois consideramos inclusivamente que a televisão podia ser um sector, face, nomeadamente, à forte penetração do audiovisual estrangeiro, que requeresse, pela sua natureza, esta protecção. Mas concordamos que havia este problema, que é real, de nos confrontarmos com a impossibilidade, face ao direito comunitário, de a manter.
O que na altura perguntei ao Sr. Secretário de Estado que estava presente em representação do Governo - e ao que ele não respondeu...

O Sr. Rui Rio (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - ... foi se esta alteração da lei da televisão se justificava pela privatização eventual de algum canal público, pela ratificação a posteriori, pela autorização da alteração da composição do capital social de algum dos canais privados ou, então, se isto era uma forma indirecta de alterar o artigo 13.º da Lei-Quadro das Privatizações. E, se fosse este o caso, nessa altura, solicitava-se ao Governo a apresentação de uma proposta de lei que alterasse a Lei-Quadro das Privatizações e não que a alterasse indirectamente através da lei da televisão.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Deputada, pois foi também um esclarecimento à Câmara.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer a V. Ex.ª que irei entregar na Mesa o documento apresentado por Deputados do PS sobre a apreciação do processo de privatização do Banco Totta & Açores e fotocópia da página 17 do discurso do Sr. Primeiro-Ministro, aquando da discussão do Programa do Governo, onde a dada altura diz: «o Estado tem nas privatizações um instrumento de política económica, um instrumento que deve utilizar não apenas para obter recursos mas também para fortalecer o nosso tecido empresarial, para lhe dar condições para competir internacionalmente e garantir a preservação em mãos portuguesas de centros de decisão vitais para o futuro».
Vou entregar na Mesa fotocópia destes documentos e peço ao Sr. Presidente que mande proceder à sua distribuição aos grupos parlamentares, à comunicação social e muito principalmente ao Sr. Secretário de Estado António Costa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, distribuir à comunicação social não é o meu papel, mas fá-la-ei aos grupos parlamentares.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (António Carlos dos Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Grupos Parlamentares do PSD e do PCP requereram, respectivamente, em 20 e 21 de Março, a ratificação do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 daquele mês. O pedido fundamenta-se, num caso e noutro, no facto de entenderem que, integrando a Constituição da República Portuguesa na reserva relativa da Assembleia da República a matéria das privatizações, o Governo deveria ter previamente solicitado autorização legislativa. Assim, o PSD qualifica tal procedimento de grosseira inconstitucionalidade orgânica, invocando para o efeito o disposto no artigo 85.º da Constituição, enquanto que o PCP invoca o artigo 178.º, n.º 1, alínea 1).

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Qualquer um serve!

O Orador: - Esta questão, que é o principal fundamento comum invocado nos dois pedidos, sendo política, é mediada evidentemente por preocupações jurídicas e técnicas. E é neste sentido que importa sublinhar que sobre uma identidade formal das duas propostas existem, de facto, diferenças de substância. Como já foi anteriormente dito, o PCP tem, em relação à Comunidade Europeia e ao processo de privatizações, posições das quais podemos discordar, mas que demonstram coerência na forma como fez a interpelação. Já o mesmo não se passa com a bancada do PSD por razões que vamos indicar. E as razões são duas.
Em primeiro lugar, não estamos de acordo que haja qualquer inconstitucionalidade orgânica, mas, se, eventualmente, existisse - sejamos claros -, era o Tribunal Constitucional que devia pronunciar-se, uma vez que tal apreciação já foi pedida por parte da própria bancada do PSD, a 27 de Março do corrente ano. Digo isto pela simples razão de que, se não houver ratificação do diploma, por os Deputados dos diversos grupos de oposição conjugarem as suas forças nesse sentido, o Tribunal Constitucional fica obviamente impedido de verificar a existência ou não de inconstitucionalidade orgânica. Mas, se a ratificação existir, não significa a confirmação do diploma e o Tribunal Constitucional vai, obviamente, poder continuar a apreciar a questão da inconstitucionalidade orgânica. E por que é que julgamos não haver aqui qualquer inconstitucionalidade orgânica? Entendemos que a Constituição da República Portuguesa obriga a que a forma de lei ou de decreto-lei sobre a autorização legislativa seja usada em matéria de meios e formas de privatização dos meios de produção e que a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção nacio-

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nalizados após o 25 de Abril seja efectuada em termos de lei-quadro aprovada por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções. Isto é, coloca-se aqui a questão da natureza jurídica de uma lei-quadro desse tipo e, sendo uma questão complexa, porventura, doutrinalmente, não consensual, somos da opinião que, quanto a esta matéria, a melhor doutrina é a subscrita pelo Professor Jorge Miranda.
Segundo este eminente constitucionalista, a lei-quadro constitui, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, uma categoria jurídica próxima das lei de enquadramento e das leis de base, podendo considerar-se uma lei de base especial devido ao seu modo de aprovação e à existência de uma reserva constitucional de competência legislativa.
Assim sendo, uma lei-quadro, e, consequentemente, a lei-quadro das privatizações, pode ser objecto quer de diplomas de concretização, no caso dos decretos-leis que operam a transformação das empresas públicas em sociedades de capitais públicos, quer de diplomas de desenvolvimento, no caso dos decretos-leis através dos quais o Governo estabeleça parâmetros gerais de actuação em relação a opções, cujo preenchimento é reconhecido na própria lei-quadro como uma faculdade e não um dever do Governo.
Aqui, o decreto-lei de desenvolvimento apresenta-se como uma forma de racionalização de procedimentos comuns, através da definição de um enquadramento geral, como a forma de sufragar uma determinada interpretação da lei, sendo este, aliás, um dos meios mais eficazes de o fazer, quando se trate de operar uma interpretação vinculada, decorrente de outros normativos, no caso uma interpretação conforme a normativos comunitários.
Cremos ser este, aliás, na sua essência, nos seus efeitos, um entendimento que não contende com aquele que ressalta da jurisprudência do Tribunal Constitucional até agora proclamada nestes domínios. Com efeito, nos três acórdãos que já produziu sobre a matéria, este órgão de soberania sustentou que a Lei-Quadro das Privatizações é uma lei sobre a produção normativa que visa precisamente conferir poderes ao Governo para definir, por decreto-lei, as operações concretas de privatização e para, caso assim o entenda, limitar o montante das acções a adquirir ou a subscrever pelo conjunto das entidades estrangeiras. Poder que é claramente configurado como uma faculdade e não como um poder/dever.
Dispõe expressamente o artigo 13.º, n.º 3, da Lei-Quadro das Privatizações, que os decretos-leis reguladores de operações de reprivatização poderão - sublinha-se - limitar o montante das acções a adquirir ou a subscrever pelo conjunto das entidades estrangeiras. E, assim sendo, nada obsta, no plano jurídico, a que o Governo, no exercício das competências legislativas que lhes são atribuídas pela lei-quadro, aprove diplomas de desenvolvimento, onde constem regras que se convertem em orientações, princípios, procedimentos ou interpretações comuns a todos os processos de reprivatização, como nada obsta a que defina, como entender, o nível global daquele limite.
Não existe, pois, qualquer inconstitucionalidade orgânica que fira de morte - o Decreto-Lei n.º 24/96, e, aliás, isto mesmo é também, como já aqui foi sublinhado, reforçado pela prática da própria Assembleia da República e do próprio governo anterior. Diria que o governo anterior publicou dois diplomas de desenvolvimento da Lei-Quadro das Privatizações de natureza similar ao que actualmente contesta, dando origem a uma praxis constitucional, que nunca foi posta em causa por qualquer órgão de soberania, nomeadamente por este, e em particular por aqueles a quem especificamente a Constituição da República atribui competência para o efeito, os tribunais. Referimo-nos aos Decretos-Leis n.ºs 380/93, de 15 de Novembro, que estabelece regras relativas à aquisição de acções representativas do capital a reprivatizar e 65/94, de 28 de Fevereiro, já aqui citado, que estabelece limites à participação de entidades estrangeiras no capital das empresas que foram sendo transferidas para o sector privado, e que, tanto quanto sabemos, não foram alvo de pedido de ratificação por inconstitucionalidade orgânica de nenhum grupo parlamentar.
Acresce-se que, tendo sido requerido, como disse, ao Tribunal Constitucional, pelo PSD, a apreciação da eventual inconstitucionalidade orgânica, quanto a nós inexistente, cremos ser lógico que se deveria aguardar com confiança a decisão desse tribunal, retirando para o efeito o pedido de ratificação ou abstendo-se aquando da sua votação e não antecipar-se, procurando torná-la inútil, através da utilização de um mecanismo de controlo político - a ratificação -: que não é, no quadro da separação de poderes existente, o mecanismo mais indicado para julgar uma questão de constitucionalidade ou inconstitucionalidade orgânica.
Quanto à questão de saber qual o fundamento jurídico e político do Decreto-Lei n.º 24/96, segundo o qual «não se aplica a entidades nacionais de Estados membros da União Europeia ou aí residentes qualquer limite quantitativo relativo à participação de entidades estrangeiras no capital de sociedades reprivatizadas, em processos de reprivatização ou a privatizar», devo dizer que a análise deste diploma implica duas coisas. Uma já foi feita, pelo que não vou pronunciar-me de novo sobre ela, que é a história recente das relações entre o anterior Executivo e as Comunidades Europeias, nomeadamente a Comissão. Desde 1991, e em particular a partir de 1992, começou todo um sistema de troca de informações e de cartas entre a Comissão e o governo anterior. Na base dessas cartas esteve, como, aliás, foi reconhecido, um processo de dilação, utilizando fundamentalmente argumentos políticos e não jurídicos. Isto passou-se não apenas com o Estado português mas também com outros Estados. Sejamos claros, essa trégua política foi estabelecida entre os diversos Estados membros e a Comissão e não foi só o governo anterior que fez isso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Onde é que está o processo?!

O Orador: - Em relação a situações dessa natureza, o que acontece é que essa trégua acabou há bastante tempo, sobretudo a partir do momento em que não existe qualquer regra idêntica àquela que temos em qualquer outra legislação comunitária. Este é o problema. Foi isto o que a Comissão fez sentir e fê-lo através de um parecer fundamentado e da pressão feita ultimamente no sentido de pôr uma acção em Tribunal no caso de Portugal não alterar a legislação existente. Porque não basta para o efeito...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Deixem pôr a acção!

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O Orador: - Não a pôs exactamente porque publicamos o decreto-lei.
Exactamente por isso; se tal não tivesse acontecido, teria posto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas deixem par!

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me acabar. Depois terá oportunidade de contestar tudo o que digo.
Ora bem, diríamos ainda que, no plano jus comunitário, esta questão é claramente pacifica. Não há quaisquer dúvidas sobre ela. Isto é, os actuais decretos-leis e a própria interpretação que se dá, através deles, da Lei-Quadro das Privatizações violam claramente o direito comunitário. E não é apenas o direito de estabelecimento, mas também o princípio da liberdade de capitais; é também o acto de adesão de Portugal às Comunidades e o artigo 221.º do Tratado de Roma. Violam, pois, um conjunto de normativos que têm na sua base um princípio estruturante do próprio direito comunitário que toda a gente sabe e conhece: o princípio da não discriminação, consagrado no artigo 6.º do Tratado de Roma desde o seu início.
Todas estas normas gozam da aplicabilidade e efeito directo; primam, segundo o Tribunal de Justiça das Comunidades, sobre o direito interno e, primam, repare-se, enquanto direito internacional, nos termos do artigo 8.º da Constituição Portuguesa. E é esta a questão que aqui está em jogo.
Ora bem, digamos que, no plano jurídico, estes fundamentos são inquestionáveis, mas, no plano político, o que se fez até agora foi adiar o problema.
Como há pouco dizia, essa trégua terminou a partir do momento em que houve um parecer fundamentado, a partir do momento em que a Comissão, no ano passado, accionou o processo do pré-contencioso e a partir do momento em que as respostas dadas anteriormente não foram satisfatórias. Portanto, urgia pôr esta questão no seu devido lugar.
Fez-se aqui referência ao Provedor de Justiça. Sem dúvida, o Provedor de Justiça fez uma recomendação endereçada ao então Ministro Dr. Eduardo Catroga, onde diz que a existência de preceitos limitadores da participação de cidadãos ou sociedades estrangeiras no capital de empresas reprivatizadas, sem excepcionar os residentes da União, é uma situação inaceitável e violadora dos compromissos assumidos por Portugal aquando da adesão às Comunidades, sendo, portanto, de toda a urgência a compatibilização dos diplomas relativos às reprivatizações de empresas nacionalizadas - em Portugal, quer respeitem a investimentos directos, quer respeitem a investimentos de carteira, com o direito comunitário. Isso propõe a revogação de todas as normas constantes dos diversos diplomas existentes que nesta matéria contrariem a legislação comunitária».
Nada disto é novo, pelo que limitar-me-ia a sublinhar que este foi o objectivo que o Governo tentou prosseguir através do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março.
Resta-me sublinhar dois ou três aspectos. Primeiro, continua a haver a adopção de mecanismos restritivos em relação à intervenção de cidadãos não comunitários ou de residentes em países terceiros. Segundo, o mecanismo existente na lei portuguesa já era ineficaz e chamo a atenção para o estabelecimento de um compromisso político do Governo anterior no sentido de, em cada operação concreta de privatização, não fazer accionar o mecanismo da lei-quadro de privatizações, porque a existência de um mecanismo desta natureza também impede a reciprocidade da posição das empresas portuguesas no estrangeiro, dando origem a possíveis retaliações por parte da legislação e de entidades estrangeiras em relação ao Governo português.
Estamos, pois, confrontados com a seguinte situação: ou se procede a uma ratificação, porque não há inconstitucionalidade orgânica, ou não. Neste caso, não é o Governo que sai derrotado mas o Estado português e certamente deverá haver uma iniciativa legislativa da Assembleia no sentido de repor a legalidade interna e comunitária.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Carlos da Silva, António Lobo Xavier e Luís Marques Guedes.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, gostava de perguntar-lhe se é ou não verdade que há grandes diferenças na postura do Governo do Partido Socialista e da nova maioria em relação a todo o processo de privatizações e se a recusa de ratificação deste diploma não vai criar graves perturbações na clareza, certeza e direcção correcta do processo de privatizações.
Aliás, há quem nesta Câmara tenha um perfeito conhecimento prático de todo o processo de privatizações no passado e do que foram os recuos, os erros e as quebras de compromissos do Governo anterior relativamente ao folhetim do BPA.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Está em mãos de portugueses!

O Orador: - Diz que está em mãos de portugueses mas com certeza que o Sr. Deputado não leu o relatório de contas do BCP.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Qual é a percentagem?

O Orador: - Sr. Deputado, tenha calma e não isso diga com tanta certeza.
O que se passa é que o «fantasma» dos estrangeiros no capital social das empresas é uma questão de domínio, porque, quanto a mim, o problema não reside na detenção do capital mas em saber se a gestão é ou não feita por nacionais e ao serviço dos interesses nacionais.
Mais, no passado, com as vossas iniciativas legislativas e intervenções administrativas puramente discricionárias e casuísticas prejudicaram profundamente os investidores nacionais,- desde logo, porque os colocaram numa situação de menoridade. È inegável que os investidores nacionais, só por si, não têm capacidade financeira suficiente para recuperar e aceder a muitas das privatizações.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD):- Olhe o Champalimaud. Também diz que não tinha?

O Orador: - Não pode entregar tudo nas mãos do Sr. Champalimaud, Sr. Deputado, porque é necessário um tecido empresarial nacional apoiado em parceiros

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credíveis, nomeadamente em parceiros comunitários. Se os senhores colocam limites administrativos e ilegais nalguns dos tratados internacionais a essas participações Joint ventures e associações, vão fazer com que os investidores nacionais peçam o auxílio desses investidores internacionais numa postura de chapéu na mão, de subserviência, sujeitando-se, muitas vezes, a fazer fraude à lei com mecanismos contratuais,- como no caso do Banco Totta & Açores, extremamente prejudiciais à clareza dos mercados e aos interesses de investidores nacionais.
É preferível haver regras claras com a possibilidade de intervenção dos investidores comunitários desde que se saiba bem quem são os investidores comunitários que estão a intervir nas empresas nacionais. O Governo terá sempre a possibilidade de, em sectores estratégicos onde o interesse nacional esteja em causa, salvaguardá-lo não privatizando, privatizando parcialmente ou recorrendo ao ajuste directo. Portanto, não é este decreto-lei que vai colocar as empresas nas mãos dos estrangeiros.

O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de três minutos para o efeito, dois dos quais cedidos pelo PS, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos da Silva, creio que há algumas diferenças importantes entre o actual e o anterior programa de privatizações.
Em primeiro lugar, este programa está integrado num plano efectivo a cumprir em dois anos. Em segundo, não pretende abrir litígios com a Comunidade Económica Europeia porque os mesmos, nesta altura do campeonato, seriam completamente inúteis e contraproducentes. Em terceiro, ainda, creio tratar-se de um programa que se afirma fundamentalmente por razões programáticas e não ideológicas como o inverso do processo de privatizações/nacionalizações. Penso que isto é suficiente para mostrar as diferenças.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assiste à sessão um grupo de 60 alunos da Escola E/B 1, 2, 3 de Pombal para o qual peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, da parte da bancada do Partido Popular, não há qualquer interesse em prejudicar privatizações nem planos de privatizações; pelo contrário, se precisa da nossa colaboração para acelerar o seu plano de privatizações é só dizer.
Sem dúvida que há uma preocupação em manter as empresas portuguesas em mãos nacionais, de acautelar que, no processo de privatizações, o tecido a privatizar fique, tanto quanto possível, na mão de empresários portugueses, mediante regras claras e transparentes. É que, do meu ponto de vista, não haver regras claras nem transparentes, como não houve no passado, prejudica o investimento estrangeiro, o processo de privatizações e impede uma rotina de investimento estrangeiro. Impediu no passado e impedirá no futuro se não existirem essas regras claras. Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, perdoe-me que lhe diga mas não o posso acompanhar na questão constitucional. Vejamos: o que é que a Comissão pede ao certo ao Governo português? A Comissão pede que seja alterada a lei-quadro das privatizações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Ora, se esta hão é uma alteração da lei-quadro das privatizações, então, os senhores também não se salvam do tal receio do processo de pré-contencioso e isto é que me parece importante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para mim, é óbvio que a Comissão quer a alteração dessa lei-quadro e não pode deixar de ver-se como uma alteração da lei-quadro o facto de retirar-se um conjunto enorme de países, entidades e cidadãos do âmbito de uma possibilidade por ela estabelecida. Isto parece-me muito importante e difícil de contrariar porque, nos documentos que recebi por gentileza do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o que está em causa é a lei-quadro das privatizações. Ora, quer compelir-se o Governo português para uma alteração da lei-quadro das privatizações bem como para uma alteração de todos aqueles decretos-leis que estabelecem limites contrários, o que me parece insofismável.
Agora, o que parece avultar neste debate - e estou mais a olhar para o lado -, retirando autoridade a alguns dos argumentos aduzidos, é o facto de o PSD saber que este braço de ferro com a Comissão das Comunidades se encontrava no limite e querer exigir-se seja ao Partido Socialista seja a qualquer outro partido que mantenha, num sector tão importante, uma política de mentira, de avanços e recuos (no fundo, é o significado das cartas enviadas à Comissão dizendo que a legislação vai ser alterada) pretendendo-se depois que o Governo não cumpra, não faça nem mude essas leis. Trata-se de argumentos que o meu partido não aceita.
Aceitaríamos, sim, discutir uma alteração da lei-quadro das privatizações tendo conhecimento de um compromisso sério do Governo no sentido de conduzir as privatizações com atenção não só pelo encaixe financeiro mas pela manutenção de empresas em mãos nacionais, o que, do meu ponto de vista, significa privilegiar as negociações directas. Se isso se verificar, poderemos discutir e pensar em soluções.

O Sr. Presidente: - Para responder, em dois minutos cedidos pelo CDS-PP, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, pensamos que havia duas formas possíveis de levar a cabo este processo, designadamente, propondo a revisão da lei-quadro de privatizações. Não consideramos, no entanto, que esse processo fosse obrigatório e que, tratando-se de uma possibilidade, nada nos impedia de agir da forma como fomos agindo através da publicação do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março, nem tal formalmente nos foi comunicado por alguma instância comunitária. Bastaria, para satisfazer os compromissos que temos, segundo sempre nos foi dito, uma

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declaração interpretativa de que estaríamos conformes ao direito comunitário.
Achamos que o outro processo teria sido mais lento, moroso e complexo e essa foi a razão que levou o Governo português a enveredar por este tipo de solução.
As duas soluções são possíveis se houver abertura para se discutir uma alteração da lei-quadro de privatizações e, se isso ficar desde já muito claro e houver esse compromisso público, penso que o Governo irá trabalhar nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, num minuto cedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, gostava de fazer duas observações a propósito da sua intervenção. Na primeira parte, o Sr. Secretário de Estado estendeu um rol muito alargado de argumentos jurídicos, pretendendo justificar o que não me parece justificável porque, com toda a franqueza, se o Governo pretendia dirimir opiniões jurídicas controvertidas sobre esta matéria, como sabemos existirem e, aliás, o Sr. Secretário de Estado citou vários documentos, então, pedisse um parecer. Não faça experiências legislativas para depois ver se o tribunal concorda ou não com elas porque os assuntos em causa agradecem-no.
Por outro lado, penso que o Sr. Secretário de Estado utilizou mesmo a frase «terminou a trégua». Ora, a palavra trégua refere-se a uma batalha política porque não é de outras batalhas que falamos e, se terminou a trégua política, então, que o Governo português lute politicamente pelos nossos interesses, levando, se necessário, às últimas instâncias a defesa dos interesses nacionais pois é o que dele se exige.
Finalmente, coloco-lhe a questão de saber por que é que o Governo não continua a esgrimir esses argumentos - e repare que são muitos os que foram utilizados no passado - na defesa dos interesses das empresas e dos grupos nacionais e, se necessário, não aguarda o processo contencioso para, então, apresentar nesta Assembleia, que é a entidade competente, uma eventual proposta de revisão da lei-quadro das reprivatizações, conforme já aqui foi requerido no debate de Março. A competência é desta Assembleia e o Governo não pode fazê-lo fora ou contra a opinião da mesma.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, fez duas observações mas, se não se importa, peco-lhe que repita a primeira questão que me colocou pois não tomei a devida nota.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Secretário de Estado, fiz duas observações mas apenas lhe coloquei uma questão.

O Orador: - Mas qual foi a primeira observação?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A primeira observação foi quanto à primeira parte da intervenção do Sr. Secretário de Estado em que relatou a argumentação jurídica que está subjacente a este processo, tendo eu referido que se o vosso problema era saber quais são as opiniões definitivas, então que pedissem pareceres.

O Orador: - Muito obrigado.
Sr. Deputado, em relação à questão da inconstitucionalidade orgânica, nunca nos passou pela cabeça que o Partido Social Democrata, que fez dois diplomas do mesmo tipo que, na prática, são decretos-leis de desenvolvimento da lei-quadro - o Decreto-Lei n.º 380/93 e, sobretudo, o n.º 65/94, que tem uma estrutura exactamente igual à do diploma agora apresentado -, viesse argumentar com a inconstitucionalidade orgânica quando não o fez anteriormente. Repito que nunca tal passou pela cabeça de ninguém e, portanto, parece-me haver aí uma franca incoerência.
No que diz respeito à segunda questão, essa mais de fundo, toda a gente sabe que a Comissão concedeu uma tolerância, não só em relação ao Estado português como a vários outros que tinham problemas de privatizações, «fechando os olhos» durante um certo tempo, no sentido de essas privatizações terem sido efectuadas. No decurso desse processo posso dizer que muitas privatizações foram efectuadas por outros Estados, salvaguardando interesses da respectiva capacidade empresarial nacional sem o recurso a formas de violação do direito comunitário como estas. E não foi apenas através de mecanismos de ajuste directo ou de outros como, por exemplo, a dispersão de capital ou a manutenção de uma golden share e ainda de outros como, por exemplo, a nomeação de administradores por parte do Estado com direito a voto qualificado. Neste domínio pode dizer-se que a imaginação dos diversos Estados não tem limites e é sempre possível fazer uma defesa da capacidade empresarial nacional de outras formas juridicamente mais correctas do que aquela que viola um princípio da discriminação. Inclusive, é possível fazê-lo por outros processos não estritamente jurídicos mas políticos, que não têm a ver com um afrontamento directo das instâncias comunitárias.
Quanto a isso, em minha opinião, creio que vale a pena afrontar as instâncias comunitárias - e devo dizer, desde já, que não sou nenhum fundamentalista do europeísmo - quando temos mínimas possibilidades de êxito. Ora, o que se passa é que, neste caso, se a questão vai para tribunal não temos nenhuma possibilidade de êxito, e há que ser claro quanto a isto. Portanto, não vejo qualquer motivo para estarmos a abrir um litígio relativamente ao qual sabemos antecipadamente que vamos perder, com todo o desprestígio que daí resulta para o Estado português e para os diversos órgãos de soberania nacionais.
É esta questão que de forma nenhuma podemos escamotear. Assim, se se chegar à conclusão de que o meio técnico preferencial será outro, então, tudo bem. Do nosso ponto de vista, o meio técnico utilizado não é inconstitucional, seria perfeitamente suficiente, seria o mais expedito, «poria uma pedra» na «batata quente» que nos foi legada e seria escusado preocuparmo-nos mais com isto. Claro que se a Assembleia entender que o meio técnico a ser seguido deverá ser um outro, então, veremos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A finalizar o debate destes pedidos de ratificação, gostaria de tecer algumas breves considerações.

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Por um lado, quero comentar a posição do Partido Comunista que nos apareceu coerente com as suas atitudes habituais e as orientações nestas questões, dentro do quadro de evolução moderada que tem sofrido ao longo do tempo. Portanto, não nos surpreendeu a posição do Partido Comunista que, em coerência com a sua estratégia política e económica, apresentou aqui um discurso do qual divergimos mas que compreendemos.
Por outro lado, ponderamos as diferentes reflexões que o Sr. Deputado António Lobo Xavier aqui trouxe sobre o enquadramento económico, político e jurídico desta matéria das reprivatizações.
Posto isto, vou falar não só dos maus como dos péssimos...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Lá vêm os «atestados»!

O Orador: - Sr. Deputado, oiça para ver se compreende!
No seu caso, é um bocado difícil neste domínio, embora noutros compreenda bem!
Como dizia, o que queremos condenar vivamente é a tentativa irresponsável de sabotagem do processo de reprivatizações conduzida por um partido que, quando esteve nó Governo, defendeu orientações totalmente diversas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com muito orgulho!

O Orador: - O actual PSD, especialista em cambalhotas políticas e mergulhos nas águas mais pantanosas, ...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Está-se a ver ao espelho!

O Orador: - ... conseguiu, na fase final do anterior governo,, no fim do cavaquismo declinante, empatar algumas questões, tentou «varrer para debaixo do tapete» alguns problemas complicados que ficaram para ser resolvidos. Entretanto, no quadro dos processos de reprivatizações, o PSD deu cobertura aos mais variados atropelos e ilegalidades que foram denunciados nesta Câmara. Aliás, os meus camaradas Manuel dos Santos e Ferro Rodrigues e outros, então Deputados, tiveram a coragem e o denodo de levantar questões graves naquela altura, nomeadamente a do processo de reprivatização do Banco Totta & Açores.
Outro tipo de questões que foram consideradas na legislatura anterior mereceram dos então Deputados do PSD e do respectivo governo uma atitude completamente diferente. Ora, hoje em dia, já não sabemos quando é que esse partido, que aparecia como europeu enquanto estava no governo, é pró e quando é que é antieuropeu.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, trata-se de um partido que, relativamente ao processo das reprivatizações, defendia determinadas orientações que, depois, na prática, não fazia cumprir, mas que, agora, aparece a tentar pôr em causa este processo.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - É verdade!

O Orador: - É com actuações destas que se compromete, o interesse nacional. É preciso que os portugueses percebam que, do ponto de vista do que deveria ser o centro-direita em Portugal, não há, de facto, uma alternativa política ao actual Governo.
Assim, numa situação deste tipo, dizemos que manifestamos o maior respeito pelos adversários leais que apresentam as respectivas considerações políticas e se inserem numa estratégia política clara e condenamos as cambalhotas que, sem respeito pelo interesse nacional, põem em causa um processo de reprivatizações, rompem com o que era o consenso europeu, levantando sérias dificuldades aos eleitores do PSD e aos seus Deputados que, no interior do partido, estavam convencidos de que o PSD era um partido pró europeu.
Portanto, seja quais forem as virtualidades dos diplomas de ratificação que estão em apreciação; a conclusão política que temos de tirar é a de evidenciar perante os portugueses que há quem seja coerente com as suas orientações e há quem não o seja.
Pela nossa parte, Grupo Parlamentar do PS, estaremos de acordo, seja qual for o processo, no respeito pela Constituição e pela legislação em vigor, no quadro dos compromissos estabelecidos no âmbito da União Europeia, para defender o prosseguimento correcto do programa de reprivatizações e para trabalharmos a fim de que esse programa respeite não só os compromissos europeus como também os interesses da economia nacional, das empresas nacionais, que aquele seja completamente transparente perante os cidadãos e não se preste a «negociatas» e ao aparecimento de «testas-de-ferro» como no passado. Nesse sentido, defendemos aqui as nossas posições e manifestamos a mais viva condenação das cabriolas políticas que aqui foram feitas por alguns Deputados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate. A votação das duas propostas de resolução, apresentadas respectivamente pelo Partido Comunista e pelo Partido Social Democrata, terá lugar na sessão da próxima quinta-feira, à hora regimental.
Tem agora a palavra o Sr. Secretário para dar conta de diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: projecto de lei n.º 146/VII - Assegura o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, combatendo práticas lesivas da saúde dos trabalhadores (PCP), que baixou às 7 º e 8 º Comissões; projecto de lei n.º 147/VII - Regime de controle da legalidade no poder local (PSD), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão da proposta de resolução n.º 5/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado da Carta da Energia incluindo Anexos, Decisões e Acta Final e o Protocolo da Carta da Energia relativo à Eficiência Energética e aos Aspectos Ambientais Associados, assinados em Lisboa, em 17 de Dezembro de 1994.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Debatemos

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hoje a ratificação do Tratado da Carta da Energia e do Protocolo da Carta da Energia relativo à Eficiência Energética e aos Aspectos Ambientais Associados.
Estamos perante um dos instrumentos concretos que, por um lado, poderá contribuir para o desenvolvimento económico dos países da Europa Central e Oriental e, por outro, para uma maior segurança dos países consumidores, diminuindo a sua dependência energética dos países do Norte de África e do Médio Oriente. Foram igualmente negociados protocolos anexos sobre eficiência energética e segurança no domínio da energia nuclear.
A situação catastrófica legada pelo socialismo soviético e os respectivos satélites, quer em termos de infra-estruturas quer em termos ambientais, escondida durante décadas, obriga a uma atenção especial a nível planetário. A dificuldade em ultrapassá-la é acrescida pela grave situação económica que atravessa a generalidade dos países da Europa Central e Oriental. Todos temos presente a situação de extrema perigosidade das centrais nucleares nesses países de que Chernobyl é só um dos muitos exemplos. Esta situação é agravada pela grande dependência que muitos desses países da Europa Central e Oriental têm da energia nuclear.
É, pois, essencial que este facto mereça a atenção dos países mais desenvolvidos, quer no plano tecnológico quer no plano económico e financeiro, não numa perspectiva meramente assistência!, mas, fundamentalmente, na preservação de interesses estratégicos de toda a humanidade.
Gostaríamos de salientar o objectivo de liberalização do comércio internacional e o princípio da abolição da discriminação no comércio mundial, no campo da energia. Gostaríamos ainda de, rapidamente, recordar um pouco da história deste Tratado.
Estas negociações, que tiveram lugar a partir do Conselho Europeu de Dublin e em que participaram todos os países europeus, foram ratificadas na Conferência de Segurança e de Cooperação da Europa, que reuniu em Paris, em Novembro de 1990. A partir de 1991, e a seu pedido, os Estados Unidos e os restantes países não europeus da OCDE também participaram nestas negociações.
Infelizmente, nem os Estados Unidos nem o Canadá fazem parte dos 42 países que assinaram este Tratado. Mesmo assim, e até porque o Tratado tem força de lei, contrariamente à Carta de Energia que constitui uma mera declaração de intenções políticas, é essencial que existam os instrumentos financeiros e a iniciativa privada que as possam concretizar.
Recordamos ainda a importância do trabalho desenvolvido pela presidência portuguesa da Comunidade Europeia que culminou com a escolha de Lisboa como local de assinatura do Tratado, trabalho esse reconhecido pela atribuição, a par da Rússia, da vice-presidência do burreau político da Conferência da Carta.
O PSD irá, pois, votar favoravelmente esta proposta de resolução.
Terminaria recordando que, para além das questões relacionadas com a infra-estrutura das instalações de produção de energia, é fundamental que se encontrem soluções para a eliminação de resíduos radioactivos e que se evite o incremento da utilização deste tipo de energia nuclear.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo envia a esta Assembleia, para ratificação, um conjunto de documentos relacionados com o Protocolo da Carta de Energia, onde se estabelecem regras e definem qualidades, abrindo-se a possibilidade ao comércio internacional na área da energia.
Esta é uma área em que Portugal já teve uma importância relevante, e não é demais recordá-lo aqui, porque seria bom que o nosso país não perdesse as oportunidades que lhe são abertas pela adesão a este Protocolo da Carta de Energia, quer no sentido da importação de energia, a que recorremos com alguma frequência, quer, principalmente, no que diz respeito à capacidade nacional de produção de equipamentos relacionados com a energia e com a própria construção de infra-estruturas energéticas, tanto para a Europa como para outros continentes, de uma forma muito particular para África, onde seria bom ver Portugal envolvido, à semelhança de outros tempos, com benefícios para nós, certamente, mas também para muitos dos países que connosco fizeram um caminho histórico.
É evidente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que seria uma prova de irracionalidade e de isolacionismo estúpido do nosso país se esta Assembleia recusasse a ratificação que lhe é pedida. Penso que não há muito mais a dizer sobre esta matéria, mas recordava ao Governo que há muitas coisas mais a fazer, para que não nos limitemos a assinar um tratado, mas sejamos também capazes de tirar todos os proveitos a ele inerentes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 5/VII, apresentada pelo Governo, visa a ratificação pela Assembleia da República do Tratado da Carta da Energia relativo à Eficiência Energética e aos Aspectos Ambientais Associados, assinado em Lisboa em 17 de Dezembro de 1994.
O Tratado da Carta de Energia é o corolário dos debates ocorridos durante o Conselho Europeu em Dublin, em Junho de 1990, a que se seguiram negociações que se concluíram numa conferência realizada em Haia, a 16 e 17 de Dezembro de 1991.
O Tratado, procurando estabelecer o enquadramento necessário para a realização dos princípios enunciados na Carta, executa, essencialmente, o conceito de liberalização do investimento e das trocas comerciais no domínio da energia como catalisadores do crescimento económico.
No mesmo sentido, enquadra-se no objectivo de liberalização progressiva do comércio internacional, assegurando, por outro lado, o tratamento nacional integral e o tratamento de nação mais favorecida nos termos de um tratado complementar.
O Tratado prevê a futura adesão ao Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio das partes contratantes que nele ainda não participam e o estabelecimento de regimes comerciais provisórios que as ajudem e não prejudiquem os seus processos de preparação para a referida adesão.
São preocupações do Tratado o impedimento de práticas anticoncorrenciais e de abuso de posições dominantes, os princípios constantes no Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares e nas Orientações Gerais para os Fornecedores de Energia Nuclear, bem como as

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de uma mais eficiente exploração, produção, conversão, armazenamento, transporte, distribuição e uso da energia.
O Tratado tem em conta a Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, a Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Grande Distância, bem como um conjunto de acordos internacionais que abordam as matérias ambientais e energéticas.
Finalmente, o Tratado afirma reconhecer a necessidade urgente de medidas e da definição de critérios internacionais de protecção ambiental, quer na desactivação de instalações de produção energética, quer na eliminação dos resíduos.
A Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação considera que a proposta de resolução n.º 5/VII preenche os requisitos constitucionais e regimentais, pelo que está em condições de subir ao Plenário e ser apreciada na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e independentemente do adiantado da hora, optaria por não misturar as questões em discussão, porque me parece ser esse o método mais racional, sobretudo para os partidos que têm um único Deputado - neste caso, uma única Deputada - a intervir sobre esta matéria.
Desde logo, entendo que a Carta Europeia da Energia trata uma questão suficientemente importante e abrangente que justificava que se optasse, eventualmente, por a discutir num outro dia, já que envolve uma discussão muito vasta e multidisciplinar.
Começo por me referir ao que, do ponto de vista histórico, está na origem deste documento, e que não é, lamentavelmente, uma preocupação de utilização racional dos recursos nem, propriamente, de segurança. Com efeito, não está em causa a utilização racional de recursos que têm, efectivamente, um carácter finito nem, tão pouco, uma abordagem na óptica da segurança, do bem-estar e do equilíbrio ecológico. Trata-se, sim, de uma questão que é suscitada, e tão só, pela necessidade de promover o mercado e de favorecer uma recuperação económica. Ora, este é um aspecto que nos parece, desde logo, condicionador de tudo aquilo que é a visão filosófica implícita neste documento.
Como alguém já referiu, 10 anos depois de Chernobyl e outros tantos depois de muitos outros acidentes ocorridos não só na Europa Oriental como nos Estados Unidos e em países com nuclear, situações que deveriam fazer com que a humanidade tivesse sobre esta matéria uma reflexão diferente, um dos aspectos que me parece extremamente preocupante é a forma totalmente aligeirada como este documento é concebido.
Coloco esta questão, porque as preocupações ambientais são afloradas de uma forma muito vaga, muito frágil e muito débil no articulado deste Tratado e, portanto, todos os dispositivos de protecção ambiental que o percorrem são abordados, e tão só, na simples perspectiva de eventuais hipóteses ou de meras referências que não têm qualquer carácter normativo e, nesse sentido, não vinculam os Estados signatários deste documento.
Assim, mesmo em relação ao recurso à energia nuclear, colocam-se questões em termos de grande ambiguidade. Com efeito, fala-se da questão da remoção e eliminação dos resíduos de infra-estruturas várias que se encontram tipificadas, designadamente as nucleares, mas em matéria de desactivação desses equipamentos nada é dito. Portanto, nessa óptica, o documento é totalmente omisso.
Pensamos que este documento poderia e deveria ser um pretexto para uma reflexão alargada sobre as questões da energia tal como elas hoje se colocam, designadamente da parte da União Europeia e, em particular, da parte de um país como Portugal que, através de um documento como este, se torna mais vulnerável e fragilizado quando se facilita o trânsito e a circulação de todas estas substâncias, uma vez que as suas características geográficas colocam-no sempre como uma preferencial rota de resíduos nucleares.
Portugal é um país que não tem qualquer capacidade de fiscalizar as suas águas territoriais e que, permanentemente, é susceptível de ser alvo, designadamente nas águas profundas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, de utilização para armazenamentos e descargas clandestinas de resíduos radioactivos; um país que não tendo nuclear é fronteira com outro que projecta, junto dele e de uma bacia de um rio internacional, o armazenamento de resíduos de alta densidade, designadamente em Aldea-dávila, que já tem problemas com as fábricas de enriquecimento de urânio, também da vizinha Espanha; um país que, relembro, há poucos anos, nas suas águas, teve a passagem de plutónio proveniente de França e que agora, através desta Carta, se torna ainda mais vulnerável.
Esta é uma Carta que, podendo indiciar um percurso interessante do ponto de vista da utilização racional dos recursos e da aposta nas energias alternativas, de que Portugal poderia fazer bom uso em virtude das condições climáticas de que beneficia, aparece-nos como um documento incipiente e frágil, que não equaciona as questões, razão pela qual não o votaremos favoravelmente.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (José Lamego): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar das observações críticas, que registo, da Sr.ª Deputada Isabel Castro, e tendo em vista os relatórios das comissões especializadas, penso que esta não é uma matéria polémica. Trata-se de um Tratado que incide sobre um compromisso político que envolve não apenas os países da União Europeia mas também os da Europa central e oriental e ainda os da ex-União Soviética. Para além disso, esta Carta da Energia suscitou a adesão de países não europeus da OCDE.
Este Tratado tem, fundamentalmente, como objectivos os princípios da soberania, do direito soberano dos países sobre os seus recursos naturais: o princípio da não discriminação, o princípio da formação de preços em conformidade com as orientações do mercado e o princípio da minimização dos problemas do ambiente.

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Apesar de não ser directamente objecto da discussão que aqui nos traz, não poderia deixar de responder a uma preocupação suscitada pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis, em matéria de coordenação de políticas energéticas no conjunto da nossa política de cooperação com países africanos.
Quero lembrar que isso merece a maior atenção deste Governo e quero também deixar aqui a informação de que o pool energético do SADEC é coordenado por Angola, aliás, uma das acções de cooperação que temos é precisamente a do apoio a essa acção de coordenação do pool energético dos países da África Austral. Além disso, as nossas acções de cooperação visam também reforçar o potencial energético tanto em termos de prospecção como, eventualmente, em termos de projectos, sobretudo em Angola e Moçambique. Esta informação é meramente lateral, mas não queria deixar de responder à observação do Sr. Deputado.
O que pedimos a esta Câmara é que aprove este Tratado que incide sobre a Carta Europeia da Energia e que consubstancia um compromisso político a nível da Europa, o qual compreende não só os países da União Europeia como também alguns que estão fora dela.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou a discussão da proposta de resolução n.º 5/VII. A sua votação far-se-á na próxima quinta-feira, à hora regimental.
Com o assentimento de todos os grupos parlamentares, passamos à discussão conjunta das propostas de resolução n.ºs 6/VII Aprova, para ratificação, as Emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Instituição a que Portugal deliberou aderir através da Resolução n.º 303/79, de 18 de Outubro, e 7/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição, aberta à assinatura em 13 de janeiro de 1993, em Paris.
Dispomos, necessariamente, para esta discussão, do tempo correspondente a ambas as propostas.
Para uma intervenção, inclusive na qualidade de relator do relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, sobre a proposta de resolução n.º 6/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 6/VII, que nos é enviada pelo Governo, pede a nossa aprovação das Emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ao qual aderimos em 18 de Outubro de 1979.
É evidente que se mantêm todas as razões que nos levaram a aderir ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e, por isso, não faria sentido que não procedêssemos à ratificação de uma alteração menor que visa exclusivamente a forma de tomar decisões no interior do Banco, muito provavelmente devido ao alargamento a países que, entretanto, a ele aderiram. Não é, portanto, o problema da ratificação ou não que nos preocupa, aliás, no âmbito da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, isso foi dado como assente, mas um outro, que se nos colocou e para o qual peço a resposta do Sr. Secretário de Estado da Cooperação, eventualmente não hoje, porque não terá aqui forma de responder a isso, mas num futuro próximo.
Na Comissão suscitei uma dúvida que julgo ter sido aceite pelos restantes membros: se bem sei, a razão que nos levou a aderir ao Banco Interamericano foi o desejo de internacionalizar a economia portuguesa na direcção da América do Sul e Central. No entanto, pouco ou nada se tem ouvido dizer sobre as vantagens ou a utilização que, em termos nacionais, tem sido dada a esta nossa adesão ao Banco Interamericano de Desenvolvimento. Nomeadamente numa deslocação recente ao Brasil, com uma numerosa comitiva de empresários, não houve qualquer nota que se relacionasse com a nossa participação neste Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Sr. Secretário de Estado, aproveito a circunstância da sua presença para lhe pedir que, quando responder a esta minha pergunta, diga também qual tem sido a utilização portuguesa retirada da nossa participação em inúmeros bancos internacionais dedicados ao desenvolvimento, alguns para a Europa, outros para África, outros para o Extremo Oriente, e este para a América do Sul e Central.
Parece-me que a Assembleia da República estará, certamente, interessada em saber como temos utilizado nacionalmente estes instrumentos, que são úteis, que são utilizados por outros países e que, de algum modo, nos custam anualmente recursos consideráveis para neles nos mantermos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, na qualidade de relator do relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, sobre a proposta de resolução n.º 7/VII, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção que se aprecia é um longo documento de mais de 170 páginas, onde os Estados manifestam a sua determinação em progredir no sentido de contribuírem para um desanuviamento geral e completo, sob um controlo internacional eficaz. Com essa intenção, inclui-se a proibição e a eliminação de todos os tipos de armas de destruição maciça.
Convém referir, Sr. Presidente, que a Carta das Nações Unidas exprime princípios claros que visam atingir a paz como bem supremo da humanidade. E vários têm sido os instrumentos aprovados no seio daquela Organização, assim como a Assembleia Geral das Nações Unidas tem condenado as acções que violam os princípios e os objectivos do Protocolo de Genebra, relativo à Proibição da Utilização em Guerra de Gases Asfixiantes, Tóxicos ou Similares e de Métodos Bacteriológicos de Guerra, assinado em Junho de 1925. Aliás, o Protocolo de Genebra surgiu da necessidade de pôr cobro à utilização de gases mortíferos ou outros, ocorrida principalmente durante a I Grande Guerra.
A preocupação perante o uso indiscriminado deste tipo de arma por beligerantes, não obstante a existência do referido Protocolo de Genebra, conduziu a que, em 1972, fosse assinado em Londres, em Moscovo e em Washington, um novo instrumento diplomático uma convenção que proibia o desenvolvimento; produção e armazenagem de armas bacteriológicas ou à base de toxinas e previa a sua destruição.

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Reconhecem os Estados partes a necessidade de se excluir completamente a possibilidade de utilização de armas químicas, complementando as obrigações constantes do Protocolo de Genebra de 1925, com a aplicação de novas disposições assumidas na presente Convenção.
Entende-se, e bem, que os avanços tecnológicos do sector da química só devem ser utilizados em benefício da humanidade, promovendo-se o seu livre comércio, a cooperação internacional e o intercâmbio de informações científicas e técnicas sobre actividades químicas não proibidas, pelo que, para se atingirem os objectivos comuns em prol da paz, acordou-se em Paris, em 1993, na aprovação de disposições que demonstram grande firmeza, as quais, se forem respeitadas por todos os Estados, como se deseja, contribuirão decisivamente para o aprofundamento da paz.
A Convenção contempla obrigações gerais, as principais das quais são as de não desenvolver, produzir, obter de outra forma, armazenar ou conservar armas químicas, nem transferir essas armas para quem quer que seja, directa ou indirectamente.
Na Convenção, há ainda a considerar determinado tipo de obrigações dos Estados, nomeadamente no que diz respeito às declarações que cada um é obrigado a apresentar à «Organização para a Proibição de Armas Químicas», criada de acordo com a Convenção.
No prazo máximo de 30 dias após a entrada em vigor da Convenção, cada Estado apresentará uma declaração sobre se possui armas químicas ou se existem em locais sob a sua jurisdição ou controlo. Cada Estado indicará, ainda, a localização exacta, quantidade total e o inventário pormenorizado de armas químicas de sua propriedade ou que tenha na sua posse, notificando da existência no seu território de armas químicas de propriedade ou na posse de um outro Estado. É ainda obrigado a declarar se recebeu ou transferiu, directa ou indirectamente, quaisquer armas químicas desde 1 de Janeiro de 1946 e, por fim, facultará o plano geral que adopta para a destruição de armas químicas suas ou que estejam sob a sua jurisdição.
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, em face desta proposta de resolução, deliberou emitir o parecer que passo a resumir: a Convenção revela-se de particular importância para se cri um ambiente mais propicio à paz, desde que todos os Estados cumpram com as suas determinações.
A Comissão Parlamentar, depois de apreciado o teor da proposta de resolução, entende que preenche os requisitos constitucionais e regimentais em vigor, pelo que considera estar em condições de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as, suas posições políticas para o debate agendado sobre a matéria.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ávila.

O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas fazer uma observação muito curta, no sentido de que estamos plenamente de acordo com a proposta de resolução n.º 6/VII, concretamente com as emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que se referem à supressão do anterior artigo II - A dó Convénio que regulamenta o capital inter-regional do próprio Banco.
Consideramos que estas alterações em nada modificam os objectivos e funções do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o qual tem contribuído para acelerar o processo de desenvolvimento económico-social individual e colectivo dos países membros regionais e em vias de desenvolvimento.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 7/VII, que aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição, aberta à assinatura em 13 de Janeiro de 1993, em Paris, merece, da parte da nossa bancada, um voto totalmente favorável.
O facto de ter sido o relator desta proposta, no que à Comissão de Defesa Nacional se refere, coloca-me na posição privilegiada de a ter analisado exaustivamente e de, em pormenor; ter tomado consciência da sua profundidade e do seu alcance.
Tal oportunidade dá-me a possibilidade de poder dizer a VV. Ex.as, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a proposta de resolução em análise é de um mérito inquestionável, deixando claramente definidas as obrigações gerais a cumprir pelos Estados signatários, especificando os diversos conceitos envolvidos e obrigando os Estados partes a declarar em prazo curto - 30 dias - se têm em propriedade, seja onde for, armas químicas ou instalações destinadas à sua fabricação.
Por outro lado, cria a Organização para a Proibição de Armas Químicas, definindo-lhe as funções, e clarifica as medidas nacionais de implementação para cada Estado.
Prevê ainda as medidas necessárias à assistência e protecção contra armas químicas, bem como define os procedimentos visando consultas, cooperação e inquéritos.
Vem também proteger o desenvolvimento económico e tecnológico da indústria química não bélica e prevê, finalmente, a resolução de diferendos.
Embora pretender graduar os efeitos de armas bélicas seja algo totalmente perverso, porque todas elas são condenáveis, as armas químicas são, no entanto, de um efeito tão devastador e, ao mesmo tempo, tão traiçoeiro, em tudo o que a palavra contém, que as elegeríamos como as que importa definitivamente erradicar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Nestas circunstâncias, esta Convenção torna-se particularmente necessária e oportuna e, porque reúne as características de um documento preparado com cuidado, rigor e conhecimento, é merecedora do nosso aplauso e consequentemente do nosso voto favorável.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

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O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de não ser uma das principais prioridades da nossa política externa, Portugal tem defendido um relacionamento mais significativo e actuante com os países latino-americanos. A demonstrá-lo está o impulso que o nosso país deu, no quadro do relacionamento União Europeia/América Latina, a um diálogo institucionalizado, nomeadamente com o grupo de São José e o grupo do Rio.
A estabilidade do continente sul-americano passa pela consolidação da democracia e da paz num quadro económico de prosperidade. Encaramos o Banco Interamericano de Desenvolvimento como um «instrumento» capaz de contribuir para o desenvolvimento económico e social daquela região do globo.
Tal como, em 1979, aquando da discussão da nossa adesão ao Banco, concordámos com o fundo do Tratado e, se tal como vem expresso no relatório - da Comissão de Negócios Estrangeiros as alterações introduzidas se referem ao processo decisório, continuaremos a apoiar esta instituição financeira. Até porque a nossa participação pode potenciar a cooperação económica com a América Latina. Se tem potenciado ou não, é matéria que pretendemos ver esclarecida pelo Governo noutra ocasião, e esse esclarecimento é tanto mais necessário quanto o Conselho de Madrid manifestou o desejo de reforço de cooperação, no sentido de que fosse executado mais firmemente.
É, pois, fundamental que, quer a opinião pública, quer a classe empresarial, tenham dele um maior conhecimento e, naturalmente, o PSD vai votar a favor da ratificação das emendas ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em relação à proposta de resolução n.º 7/VII, o PSD vai igualmente votar a favor, pois estamos a falar de um conjunto de armas que, para além de terem causado destruição e mortes na I Grande Guerra, hoje, dado o seu baixo custo e pelo facto de serem utilizadas, um pouco por todo o mundo, nos conflitos regionais, poderão criar problemas, se não se adoptarem as medidas cautelares devidas, as quais vêm previstas na proposta de resolução.
Portanto, vamos votar a favor da proposta de resolução n.º 7/VII e esperamos que o caminho que se iniciou em relação a um outro tipo de armas igualmente letais e que todos os dias atingem algumas dezenas de pessoas, um pouco por todo o mundo - refiro-me às minas -, também possa ter, a breve prazo, um desenrolar ou um desenlace semelhante.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à proposta de resolução n.º7/VII, que submete a aprovação, para ratificação, da Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição, começaria por dizer que, aprovando nós a discussão deste diploma, lamentamos que o anterior governo não o tivesse submetido mais rapidamente a ratificação.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Tem toda a razão!

A Oradora: - E isto porque nos parece que a questão é extremamente importante. É, pois, fundamental saber como não produzir, como não induzir outros a produzir e destruir aquilo que são instrumentos de não desenvolvimento, de não progresso, de não equilíbrio ecológico, mas de insegurança para o planeta.
E, nesta medida, sendo este documento extremamente importante, aquilo que nos parece também útil associar a esta discussão é a ideia de que a questão da segurança não é exclusiva nem prioritariamente um problema de ordem militar, é um problema que tem a ver com a igualdade nas trocas entre as várias regiões do planeta, que tem a ver com a utilização racional dos recursos, com o respeito pelos direitos humanos, pelas convicções étnicas e religiosas dos povos e, numa perspectiva que nos parece importante para uma utilização racional dos recursos e por uma partilha socialmente justa, que não facilite e não estimule conflitos entre os povos.
Esta reflexão é também importante, na medida em que, se se verificar como é que a relação entre os países ditos mais desenvolvidos e os países em desenvolvimento se tem processado, aquilo que se verifica é que, independentemente de grandes modificações em termos da arrumação e da não existência actualmente de blocos político-militares, a troca com os países em desenvolvimento, fundamentalmente o sul, continua a ser feita em termos de aumentar a sua dependência económica, continua a ser feita em termos do aumento da exportação de armas.
Julgo que esta é uma questão importante, porque cada dólar que se gasta em armamento é seguramente dinheiro que se não gasta em alimentação, água, saneamento e saúde.
Concluiria dizendo que, ao sermos favoráveis a este documento, é importante reflectir também sobre outra matéria, designadamente a interdição total do armamento nuclear, que é uma questão que já foi referida e que, hoje, tem de ser equacionada. Portanto, talvez fosse interessante que o Governo nos desse informações actualizadas sobre a Conferência do Desarmamento que decorreu em Genebra. Era uma boa oportunidade e um bom pretexto para discutir esta questão, porque, efectivamente, a eliminação das armas químicas é um assunto importante. Sendo as armas químicas o nuclear dos pobres, era importante falar do nuclear dos ricos. Pensamos que esta discussão deve ser associada. E a eliminação das armas químicas, também numa perspectiva de equilíbrio e de segurança global e planetária, deve ser colocada nos dois patamares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 7/VII, que está em discussão, visa a ratificação da Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição, aberta à assinatura em 13 de Janeiro de 1995, em Paris, que incorpora vários anexos sobre produtos químicos, sobre implementação e verificação e sobre a protecção de informações confidenciais.

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Desejando contribuir para a realização dos fins e princípios da Carta das Nações Unidas, e considerando que os progressos na área química devem ser utilizados exclusivamente em benefício da humanidade, os Estados signatários da presente Convenção, determinados a agir com vista a realizar progressos objectivos para o desarmamento geral e completo, incluindo a proibição e eliminação de todos os tipos de armas de destruição em massa, bem como promover o livre comércio de produtos químicos, cooperação internacional e intercâmbio de informações científicas e técnicas na área das actividades químicas para fins não proibidos na presente Convenção, comprometem-se a: não desenvolver, produzir, armazenar ou conservar armas químicas nem a transferir essas armas para quem quer que seja, directa ou indirectamente; não utilizar armas químicas; não auxiliar, encorajar ou induzir outrem, por qualquer forma, a tomar parte em qualquer actividade proibida aos Estados partes ao abrigo da presente Convenção; destruir as armas químicas de sua propriedade, ou na sua posse, ou que se encontrem em qualquer local sobre a sua jurisdição ou controlo, em conformidade com as disposições da presente Convenção; destruir todas as armas químicas que tiver abandonado em territórios de Estado Parte; destruir todas as instalações de produção de armas químicas de sua propriedade, ou na sua posse, ou que se encontrem em qualquer local sob a sua jurisdição ou controlo, em conformidade com a disposição da presente Convenção; não utilizar agentes antimotins como método de guerra.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Convenção que estamos a analisar é um longo documento em que os Estados manifestam o desejo de contribuir, de forma decisiva, para um desanuviamento geral sobre um controlo internacional que se pretende eficaz. Neste sentido, é manifestada a intenção de eliminar e proibir todos os tipos de armas de destruição maciça. Deve sublinhar-se que, ao longo dos anos, têm sido vários os instrumentos aprovados com esse mesmo objectivo e, infelizmente, nem por isso, deixaram de ser usados, o que justifica a assinatura de novos instrumentos como este que estamos a analisar. Por outro lado, o avanço tecnológico do sector da química implica, por si só, o aperfeiçoamento de novos instrumentos.
Reconhece esta Convenção, como não podia deixar de ser, que esses avanços tecnológicos só devem ser utilizados em benefício da humanidade. Fazemos votos para que assim seja, numa época em que aparece cada vez mais generalizado, inclusive por organizações marginais, o uso de certos produtos químicos com fins terroristas e em que é manifesto nalgumas áreas do globo, a falta de controlo por parte dos Estados desses verdadeiros, cruéis e traiçoeiros instrumentos de morte.
Numa altura em que, em muitos locais, se desconhece a localização dessas armas e se admite algum descontrolo, é de sublinhar que esta Convenção prevê que os Estados devam apresentar uma declaração sobre se possuem armas químicas ou se estas existem em locais sob sua jurisdição ou controlo; devam indicar igualmente a localização exacta, quantidade total e o inventário pormenorizado de armas químicas de sua propriedade ou que tenha na sua posse, devendo igualmente indicar da existência no seu território de armas químicas de sua propriedade ou na posse de outro Estado. Também é obrigado a declarar se recebeu ou se transferiu, directa ou indirectamente, quaisquer armas químicas desde 1 de Janeiro de 1946. Por fim, facultará o plano geral que adopta para a destruição de armas químicas, suas ou que estejam sob a sua jurisdição.
Parece-nos, pois, que o conjunto de exposições da presente Convenção, e seus anexos, se forem cumpridos, se uma certa hipocrisia política estiver, por uma vez, arredada das relações internacionais, podem garantir alguma base de segurança para a humanidade.
É bom que assim seja, porque os perigos são reais e a segurança dos povos um bem inestimável!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós preferíamos que estes debates se tivessem iniciado com a intervenção do Governo, na medida em que poderia permitir que tivéssemos já, nesta fase, uma ideia do que é que o Governo se propõe e das justificações e motivações que o levam a avançar com as propostas de resolução:
Por exemplo, no que toca ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, importaria conhecer, uma vez que aderimos a este Banco em 1979, ter aqui dois elementos de reflexão, um dos quais já foi avançado pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis. Ou seja, que balanço faz o Governo da nossa participação nesta instituição financeira, designadamente como é que o Banco tem intervindo, se a nossa participação tem favorecido o reforço das nossas relações de cooperação com os países latino-americanos e como é que essa nossa participação pode ou não ter ajudado a um reforço da cooperação e da própria internacionalização das empresas portuguesas.
Portanto, era útil haver um balanço desta natureza quanto a estes e outros instrumentos, como também era útil uma reflexão sobre o balanço que se faz da actividade global do Banco, porque, ao contrário do que foi aqui dito, é tudo menos pacífica, em matéria de desenvolvimento regional latino-americano, a actividade do Banco Interamericano de Desenvolvimento, cuja actividade está estreitamente ligada ao Fundo Monetário Internacional e estreitamente dependente das prioridades estratégicas dos Estados Unidos da América, em particular.
Por isso, a forma como tem intervindo na concessão de empréstimos nos apoios e ajudas ao desenvolvimento tem sido largamente discutida em toda a economia regional latino-americana, na medida em que o Banco não se tem assumido como um instrumento de apoio ao desenvolvimento, mas, em muitos casos, tem-se assumido como um instrumento de condicionamento ao desenvolvimento das economias sul-americanas. Sabemos mesmo que, em muitos casos, tem sido um instrumento ao serviço dos interesses comerciais, designadamente dos Estados Unidos que, como sabem, tem a maioria do capital e das acções do Banco e é ele quem define e decide as estratégias de intervenção. Aliás, esta questão do Banco Interamericano enquadra-se, num aspecto mais geral, no que são as políticas de ajuda ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, sabendo como essas ajudas ao desenvolvimento têm levado, ao contrário do que seria pressuposto nos objectivos para que estes instrumentos têm sido criados, a um alargamento do fosso entre os países mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos, e, dentro do quadro de

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países desenvolvidos, têm levado ainda a um alargamento do fosso entre os países estes e o resto da comunidade desses países.
É por isso que comecei por dizer que a actividade do Banco Interamericano de Desenvolvimento merece, da nossa parte, enquanto parlamentares e enquanto Governo português, a necessidade de uma reflexão sobre o balanço da nossa participação, no quadro do reforço das relações de cooperação com 'os países latino-americanos. Além disso, importaria também fazer uma reflexão global sobre a actividade e a eficácia do Banco enquanto tal, tendo em vista os objectivos estatutários. Refiro o caso do apoio ao desenvolvimento regional, uma vez que esta actividade tem sido fortemente contestada e os indicadores que existem de desenvolvimento dessas regiões e da intervenção do Banco, de algum modo, justificam e fundamentam a polémica, o desacordo de muitos países. É que, segundo a forma como o Banco tem desenvolvido as suas actividades, estas não são viradas para a ajuda ao desenvolvimento nem, muitas vezes, para o apoio humanitário, mas, como disse, para servir a estratégia comercial dos Estados Unidos. É nesse quadro que temos reservas, relativamente à actividade do Banco, embora possamos acordar naquilo que pode ser um pequeno instrumento ou um dos vários instrumentos que possa reforçar a actividade de cooperação, de Portugal com os países latino-americanos.
Assim, nesse quadro, manteremos a nossa votação no sentido da abstenção.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): Sr. Presidente, a arma química, como todos, infelizmente, sabemos, tem sido utilizada em conflitos diversos, nomeadamente contra populações civis de países que lutavam e lutam pela sua autonomia, autodeterminação e independência. Exemplos destes não faltam, infelizmente!
A presente Convenção constitui um documento importante para a criação de um ambiente de paz e de segurança em todo o mundo- e convém referir que uma Convenção deste teor deve obrigar todos os Estados e não só alguns. Esperemos, Sr. Presidente, que não se trate de um documento certeiro, visando certos países e não todos, nomeadamente os que dispõem de tecnologia mais avançada e que são mais poderosos economicamente.
A Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização refere-se às armas químicas. Já no que diz respeito às armas nucleares, que existem e ele sabe que várias potências são detentoras de tal armamento, em quase todos os continentes, permanece a ameaça de fabrico, armazenagem e utilização, mesmo em ensaios, como ocorreu na Guiana, por iniciativa da França, como todos estamos recordados.
Há conhecimento de que existem armazenadas demasiadas armas nucleares, apesar dos tratados existentes. Por isso, é importante que todos os Estados, e não apenas alguns, como acabei de dizer, obedeçam às normas constantes de uma Convenção desta natureza, que visa não desenvolver, não produzir ou obter de outra forma, armazenar ou conservar armas químicas, que proíbe a sua transferência, a sua utilização para preparativos militares, o auxílio, encorajamento ou indução de algum país, por qualquer forma, a tomar parte em qualquer actividade proibida pelos Estados partes, que se comprometem a destruir as armas químicas na sua propriedade ou na sua posse.
Finalmente, o Grupo Parlamentar do PCP, que represento, espera que tal Convenção seja ratificada por todos os países da Europa, da Ásia, do Médio Oriente, da África e do Continente Americano, do sul ao norte, pois só assim ela poderá ser eficaz para tranquilizar os povos que têm direito a viver em segurança.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero apenas dirigir duas perguntas ao Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, que poderão ser respondidas na sua intervenção, sendo que a primeira tem a ver com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Assim, pergunto se, na opinião do Governo, as ajudas devem ser condicionadas à limitação das despesas militares. Já que irá, provavelmente, falar do balanço, pergunto qual a sua opinião sobre esta matéria.
A segunda questão que gostaria de ver respondida pelo Governo, já que falámos em desarmamento, é em que medida lhe parece saudável ou não, numa perspectiva de limitação do controlo de exportações e numa perspectiva de fiscalização e controlo parlamentar, que esta Assembleia passe a ser informada regularmente sobre a venda de armas pelo nosso país.

O Sr. Presidente: - Apalavra ao Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, para uma intervenção.

O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As emendas que se propõem ao Convénio Constitutivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento têm a virtualidade de permitir a duplicação do poder de voto de Portugal sem acarretarem aumentos globais ou encargos adicionais aos já decorrentes da participação portuguesa nesta instituição. A este propósito, foram levantadas questões, que reputo interessantes, pelos Srs. Deputados Nuno Abecasis e Lino de Carvalho.
Diria que a nossa participação no Banco Interamericano de Desenvolvimento e, no conjunto, a nossa relação com a América Latina, se pauta por um défice.
Penso que um dos défices de direccionamento da política externa portuguesa é, efectivamente, a América Latina e também a região do Magrebe.
Relativamente à primeira, penso que, para além de algum simbolismo, terá algum efeito o facto de o Sr. Primeiro-Ministro ter realizado a sua primeira visita ao Brasil, o que tem não só o efeito de direccionarmos melhor a nossa relação como o MERCOSUL, para além do reforço da relação bilateral, mas também o objectivo claro de procurarmos «ancorar» melhor, numa parceria

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estratégica com o Brasil, o projecto comum da CPLP, que, do ponto de vista do equilíbrio relativo das políticas externas de cada país, tem um peso relativo maior na estratégia de política externa portuguesa do que na do Brasil, que tende a conceber-se cada vez mais como um global trader, dialogando com as potências emergentes.
Assim, o espaço da África Austral é importante mas secundarizado no conjunto de prioridades estratégicas da política externa brasileira, filosofia essa que se acentuou até com a equipa do novo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Reconheço que há, efectivamente, um défice de relação na política externa portuguesa com a América Latina, o qual é tão mais lamentável quanto se trata de uma área onde temos relações culturais e de afectividade, sendo para além disso uma área emergente à escala mundial.
Quanto a este aspecto, faria alguns reparos às observações do Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Não podemos interpretar a realidade de acordo com esquemas ideológicos. Glosando a XI Tese sobre Feuerbach, diria que, para mudar o mundo, é preciso interpretá-lo primeiro correctamente e o que tem acontecido na América Latina - não me refiro ao continente no seu conjunto mas à América Latina -, sobretudo no Brasil, na Argentina e no Chile, são êxitos de políticas baseadas em estabilidade cambial e privatizações. Quer queiramos quer não, através de políticas de ajustamento macro-económico, que deram grande ênfase ao processo de estabilização cambial e ao processo de privatizações, conseguiram-se taxas de crescimento notáveis, à base de 6, 7, 8%, às vezes mais.
Obviamente que o crescimento não é desenvolvimento e os problemas de dualismo social permanecem nessas sociedades,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Agravaram-se!

O Orador: - Nalgumas podem ter-se agravado, mas, de qualquer modo, o Plano Real está a ser um êxito e as taxas de crescimento no Chile são notáveis. Penso que não devemos contrariar a criação de riqueza, devemos é contribuir para a sua melhor distribuição.
Por outro lado, é também um pouco simplificador ver a relação com esses países de um ponto de vista de mero instrumento de estratégia externa dos Estados Unidos.
O que caracteriza o novo globalismo é, de facto, a perda de uma relação clientelar de algumas potências regionais com os Estados Unidos. Hoje, a relação de potências emergentes, como o Brasil, não é uma relação clientelar, o que é até preocupante, do ponto de vista estratégico de algumas potências na área da Ásia/Pacífico, havendo contradições de estratégia entre os interesses dessas potências emergentes, ou subpotências regionais, e os interesses dos Estados Unidos.
Se se mantiverem as taxas de crescimento actuais, cerca de 60% do comércio mundial, no ano 2025, será feito entre os países do Sul. Portanto, a nossa análise da relação Norte/Sul tem a ver com essas novas realidades e com um novo globalismo, que não assenta nas mesmas premissas com que o globalismo actual foi estruturado, a partir de 1945, com a instituição quer das Nações Unidas quer do Breton Woods.
Há, portanto, uma nova realidade e o debate sobre a reforma das Nações Unidas tem a ver com ela.
De qualquer modo, quero ainda dizer- ao Sr. Deputado Nuno Abecasis que se temos, de facto, um défice de relação com a área latino-americana, em matéria de participação em instituições financeiras que têm a ver com a África Subsariana, quer no BAD, quer, sobretudo a nível de União Europeia, no Centro de Desenvolvimento Industrial (CDI) e no Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), somos os maiores utilizadores do CDI e tivemos no VII FED uma taxa de retorno bastante elevada. Portanto, nessa matéria, podemos melhorar mas temos já uma presença e visibilidade razoáveis.
Passando ao outro ponto em discussão - a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Armazenamento e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição -, registo com muito apreço o consenso e quero sublinhar aos Srs. Deputados que temos compromissos assumidos ao nível da PESC e seria altamente prejudicial se não figurássemos nos primeiros 65 países a ratificar esta Convenção. Aliás, a condição da sua entrada em vigor é a ratificação por 65 países e, neste momento, já 44 países a ratificaram.
O facto de não a ratificarmos impedir-nos-ia de ter pessoal na organização para a proibição de armas químicas' e, sobretudo, o que é mais importante, porque tem implicações económicas muito directas, se Portugal não a ratificasse em dois anos - a matéria que está superada, uma vez que há consenso dos grupos parlamentares -, podíamos ser impedidos de exportar produtos químicos e farmacêuticos para países neutros.
Portanto, se não ratificássemos esta Convenção, incorríamos numa grande dificuldade, que afectaria a nossa indústria química e farmacêutica e esta não seria uma questão de somenos importância, para além das questões humanitárias relativamente às quais se regista um consenso.
Quanto às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, sobre se as ajudas devem ou não ser condicionadas às despesas militares, devo dizer que, do ponto de vista dos princípios, sim, sem dúvida! Porém - a senhora e eu próprio registamos isto até com alguma dificuldade pessoal -, os países com quem nos relacionamos mais directamente em termos de ajuda pública ao desenvolvimento, nomeadamente um, que atravessa ainda um conflito não resolvido, teriam grandes dificuldades em conter as despesas militares nesta fase. É nosso desejo que o façam, mas, se condicionássemos, estaríamos a abrir uma ressalva que, do ponto de vista dos interesses a curto prazo da política externa portuguesa, nos seria penalizadora.
Quanto à informação ao Parlamento sobre a venda de armas, tem todo o sentido que isso seja feito ao nível da Comissão de Defesa Nacional, porque, de facto, as comissões parlamentares especializadas têm um grau de rigor, de informação e de fiabilidade que nenhum informação fundamental lhes deve ser ocultada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Secretários de Estado, chegámos ao fim do debate das propostas de resolução n.ºs 6 e 7/VII, as quais serão votadas na próxima quinta-feira, à hora regimental.
A próxima reunião terá lugar na quarta-feira, às 15 horas. Haverá período de antes da ordem do dia e do período ordem do dia constará a discussão conjunta do projecto de lei n.º 113/VII - Novo regime da tutela administrativa(PCP) e da proposta de lei n.º 22/VII - Estabelece o regime jurídico

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2166 I SÉRIE - NÚMERO 66

da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas.

Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 40 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Joel Maria da Silva Ferro.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
José Manuel Nunes Liberato.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Paulo Sacadora Cabral Portas.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

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