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Sexta-feira, 21 de Junho de 1996 I Série - Número 84

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIAO PLENÁRIA DE 20 DE JUNHO DE 1996

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmos. Srs.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
José Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da Ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 46 a 48/Vll, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo CDS-PP, acerca da posição nacional sobre o novo plano operacional de pescas proposto pela Comissão Europeia, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Gomes da Silva), os Srs. Deputados Paulo Portas (CDS-PP), Carlos Beja (PS), brio de Carvalho (PCP), José Saraiva (PS), Azevedo Soares (PSD), Carlos Zorrinho (PS), Carlos Duarte (PSD), Rosa Albernaz (PS), Isabel Castro (Os Verdes) e Jorge Valente (PS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Pinto (PSD) criticou o programa apresentado pelo Governo para a recuperação de empresas em situação financeira difícil e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira, Nuno Baltazar Mendes e Henrique Neto (PS).
Ao abrigo do n.º2 do artigo 81.ºdo Regimento, usou da palavra o Sr. Deputado Eurico de Figueiredo (PS) que, a propósito da execução de um processo de penhora contra a Casa do Douro, apelou à intervenção dos poderes públicos para a salvaguarda deste rico património para a região e o País. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP) e Barbosa de Melo (PSD).
Ordem do dia. - Foi aprovado o parecer elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso, apresentado pelo CDS-PP, relativo à decisão de admissão da proposta de lei n.º 40/VII - Altera o regime jurídico relativo à distribuição das receitas do Totobola, tendo-se pronunciado os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP), Miguel Macedo (PSD) e Nuno Baltazar Mendes (PS).
Foram aprovadas, na generalidade, as propostas de lei n.os 31/VII - Revê o Código de Processo Civil, designadamente com as alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 34/VII - Altera o artigo 85.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, e o artigo 112.º da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e do Ministério Público), e os projectos de lei n.os 155/Vll - Associações de família (PS), 156/VII - Lei das associações de família (PSD), 157/Vll - Apoio à maternidade em famílias carenciadas (PSD) e 163/VII - Reforça os direitos das associações de mulheres (PCP).
Mereceram também aprovação os projectos de resolução n.os 23/VI[ - Instituição do cartão família (PS) e 24/VII - Política global de família (CDS-PP), tendo proferido declaração de voto os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP) e Jorge Ferreira (CDS-PP).
Foram igualmente aprovados requerimentos do PS de baixa às respectivas comissões, sem votação na generalidade, para nova apreciação, dos projectos de lei n.os l69/VII - Acompanhamento familiar de deficientes hospitalizados (Os Verdes). 171/VII - Altera a Lei n.º 4/84. de 5 de Abril (Protecção da maternidade e da paternidade) (CDS-PP) e 93/VII - Alteração à Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto (Conselho Económico e Social) (PSD) e um requerimento do PSD no mesmo sentido relativamente ao projecto de lei n.º 133/VII - Garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego (PCP).
O texto final de substituição, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 61/V1! - Reforça as competências e independência do Provedor de Justiça (PS) foi aprovado ria generalidade, na especialidade e em votação final global, bem como foram aprovados, em votação final global, os textos finais de substitução, apresentados pela Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativos, respectivamente, às propostas de lei n.os 21/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de actualização do montante

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máximo das coimas aplicáveis ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/88, de 16 de Maio, e 53/Vll - Altera a lei n.º 113/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Protecção Civil) (ALRM).
A Câmara aprovou ainda o voto n.º 33/VII - De saudação pela passagem do 50.º aniversário do Orfeão de Leiria (apresentado pelo Deputado do PSD João Poças Santos).
Foi também dada aprovação ao parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado do PS.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 154/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Revê a legislação de combate à droga) (CDS-PP), 159/VII - Revisão da Lei da Droga (PSD) e 176/VII - Revê o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (PCP), e da proposta de lei n.º 36/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 15/93. de 22 de Janeiro. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim) e do Sr. Secretário de Estado da Justiça (Lopes da Mota), os Srs. Deputados Nuno Correia da Silva (CDS-PP), José Niza (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), António Filipe (PCP), Bernardino Vasconcelos, Luís Marques Guedes e Carlos Encarnação (PSD), José Magalhães (PS), Pedro Passos Coelho (PSD) e Alberto Marques (PS).
Finalmente, a Câmara apreciou, na generalidade, a proposta de lei n.º 35/VII - Adopta providências relativamente a cidadãos condenados em pena de prisão afectados por doença grave e irreversível em fase terminal, sobre a qual se pronunciaram, além do Sr. Secretário de Estado da Justiça (Lopes da Mota), os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Antonino Antunes (PSD), João Palmeira (PS) e Odete Santos (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Filipe Mesquita Vital.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Calos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição saraiva.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d' Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.

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Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Povoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as propostas de lei n.os 46/VII - Aditamento do artigo 99.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio (ALRA), que baixou à 1.ª Comissão, 47/VII - Altera a Lei n.º 46/88, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), que baixou à 6.ª Comissão, e 48/V1I - Cria um núcleo de assessoria técnica no âmbito dos serviços da Procuradoria-Geral da República, que baixou à 1.ª Comissão.
Nas últimas reuniões plenárias, deram entrada na Mesa os seguintes requerimentos: à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Artur Penedos; ao Sr. Primeiro-Ministro e aos Ministérios da Economia e para a Qualificação e o Emprego, formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr' Deputada Filomena Bordalo; à Secretaria de Estado da Habitação, ao Ministério do Ambiente e à Câmara Municipal de Loures, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados Eurico Figueiredo e Roleira Marinho; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; ao Sr. Ministro Adjunto e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe e Octávio Teixeira; à Secretaria de Estado das Obras Públicas e ao Ministério do Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; aos Ministérios do Ambiente e da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Castro Almeida e Sérgio Vieira; ao

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Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.
Entretanto, o Governo respondeu ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, na sessão de 28 de Maio.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, ficámos particularmente chocados quando vimos, hoje, na imprensa uma notícia nos termos da qual a morte do cidadão ocorrida no posto da GNR de Sacavém não resultou, segundo os resultados da autópsia, de um tiro de pistola mas, sim, de decapitação. Repito, ficámos particularmente chocados ao ler esta notícia, que, como é evidente, não sabemos se é verdadeira ou não.
Dada a extrema gravidade da situação, aquilo que pedimos à Mesa, por intermédio de V. Ex.ª, é que diligencie no sentido de que, com a máxima urgência, o Sr. Ministro da Administração Interna esclareça esta Câmara sobre o que sabe relativamente a este assunto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, farei uma diligência junto do Sr. Ministro da Administração Interna para tentar dar satisfação ao seu pedido.
Srs. Deputados, vamos dar início ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, sobre o novo plano operacional de pescas, proposto pela Comissão Europeia.
Para fazer a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O sentido da intervenção do Partido Popular neste debate é o de fornecer ao Governo os argumentos científicos e de política que permitem contrariar a inaceitável proposta da Comissão Europeia sobre o novo plano operacional de pescas e também o de exigir ao Executivo que faça uma negociação intransigente quanto à questão do abate da frota, lúcida quanto à protecção dos stocks e agressiva para que, finalmente, seja permitido dar um novo impulso às zonas de pesca, às possibilidades de captura e à construção naval.
Sr. Ministro, com a frontalidade a que nos habituámos, quero dizer-lhe que não precisamos de um Ministro espectador mas, sim, de um Ministro lutador. Se V. Ex.ª perder a guerra da sardinha será, certamente, a sua última derrota, se perder esta guerra é porque não serve como Ministro.
A proposta da Comissão Europeia é cientificamente medíocre e isto tem de ser dito com clareza. Assenta, como todos sabem, num relatório - o chamado Relatório Lassen -, que, antes de tudo o mais, é profundamente incompetente. Na verdade, ele não nos apresenta um estudo sistemático, feito mês após mês, sobre a captura das espécies, com uma análise dos ventos e das correntes e com um histórico do desembarque nos portos. Nenhum estudo com essa qualidade poderia concluir pelo abate de 40% da nossa frota, e é por isso que digo que esse estudo não foi feito.

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o relatório é «manhoso», porque confunde deslocação com extinção da espécie quando o que aconteceu foi que houve uma deslocação da sardinha de norte para sul; confunde também conjuntura com estrutura, na medida em que já noutras décadas, sobretudo nas de 50 e 70, houve uma crise nos stocks de sardinha, mas nem por isso houve planos operacionais de pesca, com obrigação de abate da frota, e ela voltou a viver naturalmente, a crescer e a poder ser pescada. A Comissão não quer salvar a sardinha: quer, sim, abater a frota! Estamos, no mínimo, perante o caso clássico, em que o remédio mata o doente.
Em terceiro lugar, o relatório tem mesmo números falsos, na medida em que, por exemplo, neste momento, no Algarve o stock da sardinha está não no seu estado normal mas melhor do que isso. Com que direito é que o Governo português pode impedir armadores e pescadores de pescarem quando em parte das águas portuguesas a sardinha não só não está em crise como está melhor do que muitas vezes já esteve?

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, o relatório faz uma manipulação abusiva de números, o que não podemos aceitar e deixar de denunciar. Como é possível propor uma redução de 21 % nos chamados demersais, como é, por exemplo, o caso da pescada, e 33% nos pelágicos, onde está incluída a sardinha, e, depois, dizer que a média de 21 e 33% é uma redução de 40%? Não há nenhum matemático que possa confirmar que se é preciso reduzir 21% num lado e 33% noutro a média chega aos 40%.
Em quinto lugar, o relatório é mesmo grosseiro, na medida em que a protecção dos stocks não se faz com abates de frota, mas com medidas de planeamento, como o próprio relatório do Comité Técnico e Científico das Pescas da União Europeia admite para a zona ibérica. Faz-se, por exemplo, definindo um tamanho mínimo para a captura da sardinha, o que também tem de ser cumprido pelos espanhóis (o que actualmente não acontece); faz-se não estimulando mais o subsídio à rejeição do pescado, não estimulando mais com dinheiro a morte das espécies; faz-se, designadamente, definindo épocas de defeso e zonas de protecção especial. Não se faz, seguramente, com o abate de 40% da frota nacional.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em sexto lugar, o relatório é parcial e sectário e isto tem de ser dito com toda a clareza. Os cientistas têm Pátria, ao contrário do que muitas vezes se diz. Ora, o relatório foi escrito por um cientista dinamarquês. Pergunto: por que é que o camarão, que é pescado na Dinamarca e que interessa aos dinamarqueses, está em boas condições quando há dados científicos que dizem o contrário? Por que é que o relatório diz que há uma crise dramática nos stocks da sardinha quando há dados científicos que provam o contrário?

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador:- Meus amigos, na política de pescas da União Europeia começa a ser demasiadamente claro que

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os outros pescam, exportam e enriquecem e nós paramos, importamos e empobrecemos!

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, temos de chamar a atenção para alguns lugares comuns que se dizem muitas vezes em Bruxelas sobre a necessidade de reduzir as frotas e as capturas e que são falsos - e há números que demonstram a sua falsidade. Se a política da União Europeia é igual para todos, então por que é que, segundo os números da FAO, nos últimos oito anos em todo o munido capturou-se mais 20% de peixe - na Suécia mais 84%, na Irlanda mais 37%, na Holanda mais 16%, na Inglaterra mais 8% e em Espanha mais 6% - e, pelo contrário, Portugal diminuiu em 35% o seu esforço de pesca?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto, meus amigos, é ingenuidade.
Por que é que no anterior plano operacional de pescas o nosso objectivo era o de reduzir a frota para cerca de 180 000 TAC e nós não só o cumprimos como quisemos fazer de aluno zeloso e reduzimos até 130 000 TAC? Se já abatemos quase tudo o que tínhamos para abater, por que é que nos exigem agora mais 40% de abates? Porque exigem o abate a quem comete a «tolice» de abater o que não é necessário.
Por que é que o nosso Governo sabe que existe uma proposta em cima da mesa dos nossos armadores para que sejam construídos 40 novos navios e não lhes responde, quando desde 1992 não é construído um único navio de dimensão e os navios construídos nos anos 60 e 70 estão a ficar velhos e obsoletos? Não nos venham dizer que não vale a pena construir barcos porque não vai haver onde pescar, porque, então, Sr. Ministro, mostro-lhe o que está a fazer a Espanha, que é público, notório e oficial. Em Abril, a associação da banca privada espanhola assinou com o governo espanhol, com o seu homólogo espanhol, uru convénio para construir 1400 novos navios, barcos novos, 100 000 TAC, o que representa 200 milhões de contos de investimento.
Sr. Ministro, não é mais possível continuarmos assim. Portugal pára e obedece, a Espanha constrói e pesca. Do que é que o Sr. Ministro está à espera para promover a construção e o licenciamento de novos navios?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é preciso concluir que a Comissária Europeia Emma Bonino está a parecer-se demasiadamente com uma serial killer das pescas portuguesas. A Sr.ª Comissária tirou-nos as espécies, a palmeta e o red fish, e agora quer tirar-nos a sardinha. A Sr.ª Comissária abate os barcos: na frota longínqua eram 56, agora só restam 16; já tivemos 300 traineiras para sardinha e se a sua proposta for aprovada ficaremos com menos de 100. A Sr.ª Comissária liquida os sectores. A Sr.ª Comissária liquida os sectores: primeiro foi o da pesca longínqua e, agora, quer liquidar o da pesca do céreo e condenar-nos a uma pesca artesanal feita, muitas vezes, ilegalmente e com destruição dos recursos. A Sr.ª Comissária arrasa tudo à sua volta, porque a proposta sobre a sardinha significa o fim, puro e simples, da nossa indústria de conserva.
Por outro lado, Sr. Ministro, é preciso dizer-lhe que a resistência se faz aqui, porque os portugueses que estão em Bruxelas não resistem. Quero perguntar-lhe, com toda a clareza, o que é que o Sr. Ministro pensa acerca da posição do Comissário português nas negociações de pescas? Quero perguntar-lhe ainda mais e pela primeira vez, Sr. Ministro: de que serve a Portugal ter como único director-geral na União Europeia o Director-Geral das Pescas? De que nos serviu, Sr. Ministro? Não o defenda, só por ser um socialista!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: -- Quero também sugerir-lhe medidas de política, Sr. Ministro: a política da troca por troca, se quiser colho por olho, dente por dente», pois entendemos que o Governo português deve bloquear uma decisão da União Europeia, em que o voto de Portugal seja indispensável, até que a Comissão Europeia retire a sua proposta de redução dá frota portuguesa de pescas. Onde o nosso voto for vital não deveremos deixar passar uma proposta, até que uma decisão que é tomada por maioria contra nós nos seja favorável. Não estou a pedir-lhe, Sr. Ministro, o que fez o Sr. General De Gaulle que abandonou todas as sessões da então Comunidade Económica Europeia até ver satisfeito o seu interesse nacional; não estou sequer a pedir-lhe o «tiro» selectivo do Reino Unido em relação à questão das «vacas loucas»; estou a pedir-lhe que bloqueie uma proposta da Comissão Europeia, até que esta satisfaça Portugal na questão das pescas - troca por troca!
Vou terminar com uma pergunta, Sr. Ministro, já que V. Ex.ª é Ministro da Agricultura, dó Desenvolvimento Rural e das Pescas: se o Reino Unido faz o que faz para defender vacas que são «loucas», porque é que Portugal não faz nada para defender sardinhas que são «saudáveis»?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Paulo Portas, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Beja.

O Sr. Carlos Beja (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, ouvimos atentamente a sua intervenção e não tendo, nem nesta bancada nem certamente na sua, a capacidade de fazermos o milagre da multiplicação dos peixes, não tendo, como outros, a capacidade de trazer Cristo à Terra, gostaria de lhe colocar algumas questões, sabendo que a sua preocupação se estendeu ao diálogo, obviamente, não só com os armadores da pesca longínqua mas também com os armadores da pesca costeira, da artesanal, com os trabalhadores e os sindicatos do sector das pescas.
Estamos confrontados com problemas de stocks; estamos confrontados com problemas que, no passado, por alguma incapacidade até de vigilância, não permitiram renovação de stocks; estamos confrontados com uma política de abate do passado que não queremos nem podemos prosseguir no futuro.
Nesse sentido, acha V. Ex.ª que o diálogo intenso e transparente com as organizações do sector, com todas e não apenas com algumas, colocando em cima da mesa as questões que se colocam às pescas portuguesas é, do seu ponto de vista, uma política a seguir pelo Governo? Acha V. Ex.ª que um maior incentivo na organização do sector, por um lado, e também na implementação dos meios cor-

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rectos que permitam que o período de defeso das pescas seja cumprido, é ou não uma política correcta do Governo? Acha V. Ex.ª que um maior rigor da protecção das zonas onde existam juvenis é uma política correcta do Governo? Acha V. Ex.ª que a redução de perdas, sejam em terra sejam em mar, porque, como V. Ex.ª sabe, hoje, para pescar 300 cabazes de sardinha na costa portuguesa, se perdem, se atiram fora, se matam cinco vezes mais...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - São subsidiados para isso!

O Orador: - Não, subsidiados!
Dizia eu que se perdem cinco vezes mais cabazes do que aqueles que se trazem para terra! Estas questões, do seu ponto de vista, são pertinentes? E, se o são, acha que o Governo as deve seguir?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, não me pronunciarei sobre milagres porque sou temente a Deus e não me envolvo nas Suas competências! Em qualquer caso, algo de parecido com um milagre é o facto de a Espanha ir construir 1400 navios quando V. Ex.ª sustenta que não há pescado para pescar! Aceito as medidas técnicas, muitas das que referiu para defender e proteger a espécie, para melhorar um recrutamento menos bom num ano anterior, mas nunca aceitarei o abate de frota e muito menos um abate de 40% da frota, como medida que pretenda resolver uma incerta e falsa crise em matéria de stock da sardinha.

Aplausos do CDS-PP.

Vozes do PS: - Nem nós!

O Orador: - Além do mais, cuidado com as crises dramáticas em matéria de stocks. Em 1987, creio eu, fez-se um coro nacional a dizer que o carapau tinha desaparecido e, dois anos depois, desculpe o plebeísmo, havia carapau a pontapé! Se pretende abater a frota para resolver um problema que não é verdadeiro e é meramente conjuntural, amanhã, quando voltar a ter a sardinha que queria, não tem frota para a pescar. E sabe quem é que vai pescá-la? Os marroquinos, que não abatem a frota, Sr. Deputado!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Importa, nesta como noutras matérias, um debate sério, sem demagogias. É esta a nossa posição neste debate, como noutros.
A proposta avançada pela Comissão Europeia de redução do esforço de pesca da sardinha e do biqueirão, na costa de Portugal e de Espanha, de 33% em relação ao esforço de pesca médio realizado no período de 1990-1994 levanta ao PCP um conjunto de interrogações que compete ao Governo esclarecer.
Em nossa opinião, o esforço de pesca realizado nos últimos anos pela frota portuguesa (traduzido, no que se refere a Portugal, numa média de capturas de sardinha de cerca de 90 mil toneladas entre 1990-1994) é aceitável, não está acima dos coeficientes de referência de mortalidade por pesca adoptados e aconselhados pela própria Comunidade Europeia e, portanto, não se justifica, no que a Portugal diz respeito, uma decisão no sentido de ser reduzido ainda mais o nosso esforço de pesca.
É verdade que os valores, estimados pelos cientistas, de recrutamento da sardinha nas águas de Portugal e da Espanha, de 1993 a 1995, têm sido fracos; mas não é menos verdade que as medidas de defesa dos recursos aconselhados pelos cientistas nunca foram adoptadas pela Comunidade Europeia. Pelo contrário: nesta matéria, há até posições contraditórias da própria Comunidade Europeia. Chamo a atenção para o facto de que, ainda há bem pouco tempo, em Julho passado, num relatório oficial da Comissão relativo ao mercado da sardinha, era afirmado o contrário do que é afirmado hoje, e passo a ler o que era afirmado em relação à sardinha: «é fundamental criar hábitos de consumo de um produto que não coloca problemas de recurso». Este é um relatório da Comissão de ainda há bem pouco tempo!
Logo, se há hoje preocupações sobre a situação dos stocks de sardinha, não se podem responsabilizar os pescadores pela situação porque nem realizaram esforços de pescas exagerados em anos anteriores nem violaram quaisquer regulamentações nacionais ou comunitárias. Aliás, são os próprios pescadores da pesca do cerco do norte do País que param, voluntariamente, a pesca da sardinha durante dois meses no primeiro trimestre de cada ano. Por isso, nós dizemos que, se tiverem de ser adoptadas agora quaisquer medidas de paragem biológica ou de redução de esforços de pesca, é evidente que a Comunidade Europeia e o Governo português têm a estrita obrigação de compensar pescadores e armadores por prejuízos que venham a sofrer em consequência de eventuais medidas restritivas que sejam tomadas e pelos quais eles não têm qualquer responsabilidade.
Em segundo lugar, é preciso que o Governo português esclareça o País que tipo de acompanhamento realizou aos trabalhos do grupo de peritos que prepararam a proposta da Comissão (e que, aliás, tinha peritos nacionais) e que intervenção teve o Governo português nas 32 consultas regionais que foram efectuadas pelo comité de peritos que preparou a proposta da Comissão. Mais do que isso: não basta debater o relatório e a proposta da Comissão com grandes discursos para consumo mediático; é preciso contrapor aos dados da Comissão dados científicos nacionais; é preciso que o Governo português invista recursos financeiros e meios técnicos e humanos na recolha de informação biológica que permita acompanhar com rigor a evolução deste importante recurso pesqueiro, e já verificámos que a sua evolução é extremamente contraditória e é aleatória em função de épocas, de níveis de temperatura do mar, das correntes, etc.
Nesse sentido, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, aproveitem-se plenamente os cientistas portugueses o IPIMAR e outras instituições científicas nacionais, o que está longe de acontecer.
Em terceiro lugar, importa acentuar que, como a própria Comunidade reconhece no relatório, Portugal é um dos países que, nos últimos anos, ultrapassou os objectivos de redução da frota e do esforço de pesca que lhe tinham sido fixados no Programa Plurianual III, e que países como o

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Reino Unido, a Itália, a França, a Grécia - para só falar naqueles que se dedicam mais particularmente à pesca da sardinha - não só não atingiram esses objectivos que lhes tinham sido fixados, de redução do esforço de pescas, como até, nalguns casos, incrementaram o seu próprio esforço de pesca. Acresce que Portugal e os pescadores portugueses, designadamente da pesca do cerco, têm sido os mais afectados pelos múltiplos acordos comerciais e de associação realizados pela Comunidade, como foi o caso. do Acordo de Associação com Marrocos.
É, por isso, inaceitável que se queira, de novo, sacrificar o País com novos abates e redução do esforço de pescas, lançar no desemprego mais pescadores, contribuir ainda mais para a crise do sector. Se algum país tiver que reduzir o seu esforço de pesca então que se comece pelos que não atingiram os objectivos de redução nos últimos anos, pelos que aumentaram o esforço de pesca em vez de o reduzir, pelos que maior frota têm e mais responsáveis são pela delapidação dos recursos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mais do que declarações mediáticas sem consequências práticas sobre moções de censura à Comissão, que os próprios que agora falam nelas, noutra operação mediática se propuseram fazer mas nunca concretizaram, importa que o Governo assuma políticas e posições de firmeza em três frentes: primeiro, não aceitando nenhuma nova redução de frota e mesmo uma eventual redução do número total de dias de pesca só ser aceite com as devidas compensações para os pescadores e armadores portugueses e com a participação das suas estruturas representativas; segundo, invocando, se necessário, o interesse vital; terceiro, definindo e concretizando uma política nacional de pescas que, ao contrário do que tem sucedido, relance a nossa frota e crie emprego. Este é que é o caminho, e não novos negócios que se traduzam em mais dificuldades para os pescadores, em mais dificuldades para as pescas nacionais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que o debate que o PP hoje pretendeu trazer aqui, se insere num conjunto de oportunidades que o PP procura, sistematicamente, trazer à Câmara e fora da Câmara, para lançar sucessivos, contundentes, persistentes ataques à União Europeia. A questão central é uma questão de fundo: anteontem, a palmeia; ontem, os têxteis; hoje, a sardinha - mas sempre a mesma questão. Todos temos consciência e nos lembramos daquela célebre viagem do Sr. Deputado Manuel Monteiro pelas embarcações, no convívio com os pescadores, na ida ao mar...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Foram várias!

O Orador: - A partir de pequenos focos de discussão, de aprofundamento (e é bom que se saiba que esta matéria não está definitivamente consolidada no seio da União Europeia), o PP procura pôr em evidência aquelas grandes preocupações que o Partido Popular tem, mas que, no fundo, atingem sobretudo ou têm por objectivo único pôr em causa a União Europeia. A intervenção do meu estimado amigo Paulo Portas, que sempre a faz com o brilhantismo que á Câmara e o País lhe reconhecem de há muitos anos - aliás, é para mim sempre gratificante ouvi-lo, quer pelo estilo, quer pela forma que, de certo modo, nos entusiasma e nos prende a atenção - por detrás de todos os clichés que usa, perdoar-me-á, como quem faz um título de jornal apressadamente ou com tempo que obriga a fazer um sucesso, teve como alvo a Comissária Emma Bonino.
O radicalismo das suas palavras e das suas ideias e a contundência das suas palavras são absolutamente dirigidas ao Governo. Ele pediu intransigência e lucidez ao Sr. Ministro, pediu que seja agressivo e sentenciou depois, grandiloquente, como é seu hábito e esta Câmara já o sabe, que se V. Ex.ª não for nem intransigente, nem lúcido, nem agressivo, não serve para Ministro. Foi a única nota que deu ao Governo. O PS, que pensa que Portugal está, para o bem e para o mal, na União Europeia, que acha que é um processo de contratação permanente, entende que este debate suscitado pelo PP é falho à partida - interrogo-me mesmo se não é um debate para dentro do PP, hoje, claramente conturbado por dissidências internas. O PP, que anda à procura de si próprio, não sé encontra na Europa, talvez se queira encontrar cá dentro mas isso que fique com ele.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um interpelação à Mesa, a palavra ao Sr. Deputado Paulo Polias.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, como o meu estimado amigo José Saraiva perdeu claramente a noção do adversário principal, quero chamar a atenção da Câmara de que o adversário principal neste debate não é o PP, o PSD, o PCP ou o PS.
Srs. Deputados, o adversário principal chama-se proposta da Comissão Europeia para abater 40% da nossa frota. E isso não se pode perder de vista, Sr. Deputado José Saraiva! Sobre essa questão nada sugeriu ao Sr. Ministro sobre como fazer, como agir, que ganhos a obter, onde não ser intransigente. Sobre isso nem uma palavra!
E mais uma coisa, meu amigo José Saraiva, quem fez os títulos de jornal foi a Comissária Emma Bonino, foi ela que se lembrou de reduzir a palmeia, o red fish e a sardinha.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Portas, não está a fazer uma interpelação, por isso, peço-lhe que termine. O Sr. Deputado José Saraiva já pediu a palavra para fazer, ele próprio, a igual título, uma interpelação, mas não vou deixar que isso continue.
O Sr Deputado José Saraiva poderá fazer uma segunda intervenção, se assim o entender.

O Orador:- Termino de seguida, Sr. Presidente.
Assim, gostava de lembrar à Câmara que nunca se deve perder a noção do adversário principal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não permitirei interpelações que o não sejam, nomeadamente num dia como hoje em que temos uma agenda de trabalhos terrivelmente carregada.
Sr. Deputado José Saraiva, poderá fazer uma segunda intervenção em nome do seu partido, se assim o desejar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares, para uma intervenção.

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O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dois ou três passeios de traineira, muito orgulho nacional e uma dose pesada de saudosismo são os ingredientes que servem para fundamentar a posição do Partido Popular. Sobre pescas, a política do PP é fazer ficção e demagogia. Para este partido não existe qualquer escassez ou dificuldade nos recursos da pesca. Curiosamente, ou talvez não, o Partido Popular ainda não conseguiu, nem se quer se esforçou, por explicar ao país onde se encontram as quantidades inesgotáveis de peixe que permitiriam aos pescadores portugueses pescar mais e cada vez mais.
Como não existe no entender do PP qualquer limitação à actividade da pesca, pelo lado dos recursos, logo conclui que a frota portuguesa deveria ter-se mantido e até aumentado ao longo dós anos. Se porventura surgisse no plano internacional qualquer oposição a este desígnio nacional, o assunto resolver-se-ia com uma negociação musculada, tão ao gosto do Partido Popular. Seria bom para a pesca portuguesa que, nesta matéria, o Partido Popular fosse mais preciso e facultasse a esta Câmara e também ao Governo os acordos que conseguiria realizar e através de que sofisticadas técnicas negociais.
Mas nada disto interessa ao Partido Popular. O seu objectivo é outro e muito simples: pegar nesta ou naquela dificuldade que surge na actividade da pesca, amplificá-la através do recurso a apelos emocionais e disto fazer uma bandeira de caça ao voto ou de pesca ao voto conforme se entender.
Para o PSD a questão das pescas é outra. No entender do PSD a actividade da pesca tem futuro. É uma actividade económica importante e de um valor social e político excepcionais. Para além da contribuição que dá para o rendimento nacional, a actividade da pesca é responsável pela existência de dezenas de milhar de postos de trabalho, faz parte integrante da forma de viver, desde há séculos, de muitos portugueses e é a garantia de que muitas localidades da costa portuguesa serão protegidas pelos núcleos piscatórios que lhe deram razão de existir.
Mas, pára que a actividade da pesca possa manter-se é crucial atender-se às seguintes condições: têm de ser protegidos os recursos da pesca nas águas nacionais (se deixarem esgotar os recursos acaba a pesca); tem que se garantir que a actividade da pesca seja economicamente rentável para os pescadores (não estamos a falar de pesca desportiva), se os armadores e os pescadores não tirarem o proveito económico adequado deixam de ter interesse em pescar; tem de se garantir que os pescadores, a exemplo de todos os outros trabalhadores, beneficiem do progresso tecnológico e das novas exigências sociais, podendo pescar em barcos que permitam maior segurança, melhores condições de vida a bordo, mais higiene e maior rentabilidade de esforço feito; tem de se trabalhar no sentido da valorização comercial do produto da pesca e garantir que uma percentagem mais elevada desse valor fique nas mãos dos armadores e dos pescadores.
Parecem tarefas fáceis, mas na realidade não o são. Exigem políticas rigorosas, por vezes impopulares, e uma dose enorme de persistência. Exigem também equilíbrio e bom senso, de forma evitar que a aplicação dessas medidas difíceis surja aos olhos dos pescadores como fruto de atitudes meramente burocráticas ou de fundamentalismos ambientalistas inaceitáveis. É nesta base, muito sucintamente exposta, que o PSD encara este debate.
No passado recente, enquanto oposição, o Partido Socialista não se afastou muito das posições simplistas e sensacionalistas do Partido Popular. Agora, no Governo, o PS tem revelado, no mínimo, preocupantes hesitações, derivadas certamente daquela compulsiva vontade de agradar a todos em cada momento. Logo de início, o Governo perfilha a famosa tese do murro na mesa em Bruxelas, mais uma vez aqui pedida pelo Deputado Paulo Portas, que, a propósito do acordo de Marrocos, foi o que se viu! Com a palmeia comprometeu-se a defender uma quota que garantisse o armamento e saiu do Conselho com a quota que a Espanha lhe consentiu. Ao problema da indústria conserveira, agravado pelo acordo de Marrocos, respondeu com 'um bem intencionado, embora mal explicado, programa de apoio e investimento e com a autorização de pescar sardinha dada a um arrastão russo de grande capacidade. Agora, o Governo parece preparar-se para aceitar limites significativos à captura da sardinha.
Em que ficamos, Sr. Ministro? Encorajar, com uma mão, os conserveiros a investir e retirar-lhes com a outra mão a matéria prima indispensável? Incentivar os armadores a modernizar a frota e limitar-lhes depois a actividade?
Sr. Ministro, se houver razões objectivas para reduzir a actividade da pesca em alguns dos seus sectores, qualifique-as, justifique-as, discuta-as com armadores e pescadores e, finalmente, decida com clareza e com coragem. Se não houver razões objectivas, fundamentadas em bases técnicas e científicas seguras e indiscutíveis não aceite que se imponham sacrifícios aos pescadores.
E chego, desta forma, ao que o Partido Popular chama programa operacional das pescas e que julgo ainda continuar a chamar-se Plano de Orientação PlurianuaJ, a ser discutido em Bruxelas. É inaceitável que possam ser impostas a Portugal, nesta altura, novas reduções de frota. Portugal cumpriu e ultrapassou largamente os objectivos fixados no plano anterior, por sua livre iniciativa e porque entendeu que era essa a melhor forma de gerir a sua frota. Outros países assim não procederam. Não faz qualquer sentido político que a União Europeia, ao promover uma genérica redução de capacidade, não tenha em consideração o que entretanto se passa em cada um dos seus Estados membros. Sabe bem o Sr. Ministro que em termos de consequências práticas para a frota portuguesa é totalmente diferente uma redução de capacidade imposta pela União Europeia ou uma redução de capacidade decidida pelos armadores nacionais e apoiada pelo Estado português.
Por outro lado, é fundamental manter grande reserva quanto às recentes indicações científicas que revelam existir uma crise acentuada no stock de sardinha. É entendimento pacífico em todo o mundo que a investigação científica no âmbito das pescas, apesar dos progressos feitos, está longe de produzir permanentemente resultados suficientemente seguros para permitirem decisões políticas acertadas. Manda a prudência que antes de se decidirem cortes dramáticos nas capturas de sardinha se intensifique a pesquisa orientada para esta espécie.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate é de urgência, é urgente que fique por aqui.

Aplausos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E o Governo? O que é que nos diz o Governo? O Sr. Ministro não fala?!...

Protestos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Azevedo Soares, a palavra ao Sr. Deputado Carlos Zorrinho.

O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Azevedo Soares, para além das figuras de estilo, a essência e o balanço político deste debate são que existe um forte consenso entre o PP, o PCP e o PS de que todos estes partidos são contra a proposta da Comissão de redução da frota portuguesa da pesca de sardinha.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E esse consenso é no sentido de que, em primeiro lugar, é preciso objectar a essa proposta com argumentos técnicos e científicos. Pelo contrário, o Sr. Deputado fez uma intervenção que é o espelho do actual PSD, «nem carne, nem peixe, uma no cravo e outra na ferradura».

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Exactamente!

O Orador: - Afinal, em que ficamos? Qual é a vossa posição?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, a palavra ao Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os cravos uso eu.
Sr. Deputado Carlos Zorrinho, de facto verifico que há uma grande preocupação do PP, do PS e do PCP, quanto à Comissão. Mas o problema não é da Comissão, o problema é do Governo português. O problema é de nós próprios Deputados portugueses. Eu não aceito, como Deputado nesta Câmara, estar-me a preocupar excessivamente com uma organização burocrática da Comissão.
Compete ao Governo e aos agentes do Estado defenderem, em Bruxelas, convenientemente, os interesses nacionais. O que me importa nesta Câmara é definir as políticas, defender os princípios políticos que devem nortear, segundo o ponto de vista do meu partido, a posição do Governo português. E não estou aqui disposto, por muita oposição que seja ao Governo - e sou - a levantar suspeitas de falta de capacidade, de diminuição de capacidade do ministro português que vai defender os nossos interesses em Bruxelas.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Nessa parte tem razão.

O Orador: - Nessa parte tenho razão. É assim, é com capacidade em Bruxelas e sem hesitações que o Governo se tem que assumir e tem que defender os nossos interesses. Não discuto aqui comissários europeus.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Portas pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Para defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Terá a palavra na altura oportuna, Sr. Deputado.

Srs. Deputados , Srs. Membros do Governo: temos entre nós um grupo de 42 alunos da Escola Primária de Quintão, Palmeira; um grupo de 14 alunos do Centro de Formação Profissional de Venda Nova; um grupo de 38 alunos da Escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico de S. João da Pesqueira; um grupo de 54 alunos do Liceu Charles Lepierre de Lisboa; um grupo de 37 alunos da Escola Profissional de Educação para o Desenvolvimento, do Monte da Caparica e um grupo de 32 alunos da Escola do 1 º Ciclo do Ensino Básico dos Bairros de Santiago de Bougar.
Aguardamos ainda um grupo de 300 alunos da Escola dos 2.º e 3.º Ciclos de Ensino Básico, Grão Vasco, de Viseu e um grupo de 40 alunos da Escola Primária Bornos e Aires de Vila Real.
Peço que lhes testemunhemos o nosso apreço e a nossa simpatia.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Apalavra, para uma intervenção, ao Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Gomes da Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de entrar no essencial das questões levantadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, penso que será útil esboçar um enquadramento prévio da situação para que se tenha uma percepção mais correcta dos acontecimentos.
Em primeiro lugar, recordemos que, lançados pela primeira vez em 1983, com o objectivo de responder aos sinais de crise patenteados pelas pescas comunitárias, os Programas de Orientação Plurianual (abreviadamente: POP) não tiveram grande êxito, enquanto instrumentos de ajustamento das frotas comunitárias aos recursos efectivamente disponíveis para a exploração pesqueira.
De facto, e independentemente de uma certa indisciplina por parte dos Estados membros, o modelo adoptado com base num sistema de TAC e quotas revelou-se francamente insatisfatório.
Por outro lado, à semelhança do que ocorreu pela primeira vez em 1992, a Comissão recorreu a grupos de especialistas independentes recrutados nos diversos Estados membros, isto é, personalidades que, a título pessoal, convida a darem o seu contributo relativamente à análise desta situação. O resultado desse trabalho que temos neste momento em análise, conhecido por Relatório Lassen (o nome do seu coordenador) é o ponto de partida para a elaboração do futuro programa de orientação plurianual, encontrando-se na sua base o conhecimento dos cientistas que constituíram o grupo, conhecimento esse largamente alicerçado nos estudos de avaliação desenvolvidos tradicionalmente pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (conhecido pelo acrónimo CIEM ou ICES).
É tendo em conta os resultados concretos de todos estes estudos e as consultas feitas directamente ao sector pesqueiro dos Estados membros que a Comissão avança, pela primeira vez e de modo formal, com uma comunicação ao Conselho, em 10 de Junho último, com a finalidade de suscitar um debate em torno das grandes linhas de orientação que deverão servir de enquadramento ao futuro POP-IV.
Na sua breve exposição ao Conselho, a Sr.ª Comissária mostrou indícios de uma intenção de flexibilizar a metodologia proposta para os futuros programas de orien-

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tação, tendo em conta aspectos tão diversos como os que se prendem com especificidades regionais, a pequena frota, ou uma possível maior segmentação das frotas. Ao longo das próximas semanas, a Comissão desenvolverá contactos com cada um dos Estados membros com o objectivo de fixar, no plano bilateral e a prazo não distante, os respectivos programas de orientação - no caso de Portugal, o primeiro encontro terá lugar em 26 de Julho esperando-se que a decisão final possa ser tomada na próxima sessão do Conselho, em Outubro próximo.
Na sua intervenção, e como primeiro contributo para a definição do que deveriam ser alguns dos grandes princípios de orientação, Portugal defendeu as seguintes ideias-chave, tendo em conta o quadro global de situação nas águas comunitárias.
Primeiro, a redução do esforço de pesca não deverá ser conseguida exclusiva nem principalmente através do abate de embarcações, devendo-se, antes, privilegiar fórmulas de regulação da actividade para alcançar o mesmo fim;
Segundo, a adopção de TAC e quotas, como medida de regulação de actividade, terá de ser vista com extrema prudência, tendo presente o tipo de pescaria, o conhecimento científico disponível e, muito particularmente, a fiabilidade dos dados que servem de base à construção desse conhecimento;
Terceiro, a regulação da actividade deve ser feita no estrito respeito do princípio da aproximação cautelosa, condição fundamental para minimizar os impactos sociais e económicos, sem prejudicar a recuperação dos recursos a prazo;
Quarto, o princípio da equidade deverá ter em conta quem cumpriu e como cumpriu os objectivos dos anteriores POP, não implicando, como pretenderia a Comissão, igual taxa de redução de esforço para as frotas dos diferentes Estados que exploram o mesmo recurso;
Quinto, a nova segmentação que vier a ser fixada não poderá implicar a perda de transparência relativamente às reduções efectuadas e, nesse sentido, poder-se-á admitir a criação de um segmento para a pequena pesca, desde que ele seja objecto de um tratamento específico, nomeadamente com a criação de melhores condições de segurança e conservação de pescado neste tipo de embarcações;
Sexto e último, as actuais medidas sócio-económicas não se têm mostrado suficientes para colmatar o impacto negativo da reestruturação do sector, quer por insuficiência de verbas, quer por complexidade administrativa, devendo a Comissão alargar o âmbito de aplicação e eliminar os constrangimentos existentes.
Mais recentemente, depois do Conselho de 10 de Junho, teve-se acesso a uma versão provisória de uma proposta de decisão relativa aos objectivos e modalidades de reestruturação do sector pesqueiro comunitário durante o período que se estende de 1 de Janeiro de 1997 a 31 de Dezembro de 2002. No que se refere às aguas atlânticas de Portugal e Espanha, essa proposta aponta para uma redução do esforço de pesca de 40% na pesca dirigida ao espadarte, pescada, tamboril e sardinha.
É neste quadro global que se inserem as três questões suscitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular.
É sobre elas que me pronunciarei de seguida, desenvolvendo algo mais sobre a sardinha, pela inquestionável importância que essa espécie tem tanto do ponto de vista da actividade de pesca que se desenvolve em águas nacionais, como em termos de matéria-prima para a indústria conserveira especializada (que, acrescente-se, não tem alternativa de abastecimento).
Antes de mais, convirá ter presente que não existe ainda qualquer programa de orientação plurianual; quando muito, pode concluir-se que a Comissão defende uma certa perspectiva do que poderá vir a ser esse programa, partindo de certos pressupostos.
Tendo isto presente, estamos de acordo, e certamente toda a Câmara, ao considerar que seria injusto pedir-se «... a Portugal uma nova redução da frota pesqueira quando é certo que o nosso País [...] não só atingiu como chegou a ultrapassar [...1 as imposições comunitárias relativas ao abate dos barcos», aliás, sempre feitos a solicitação dos armadores.
Um tal pressuposto da Comissão só poderia ser aceite, ainda que, a contragosto, se, e apenas se, a condição em que se encontrassem os recursos fosse de tal modo grave que só o abate constituiria a resposta adequada para evitar a exaustão do recurso e o consequente desastre para o respectivo segmento da economia pesqueira. E tal não é manifestamente o caso.
Mais em particular, e no que se refere à sardinha, a comunicação da Comissão ao Conselho de 10 de Junho refere, no seu anexo, a necessidade de uma redução mínima de 33% para a sardinha, isto é, nas águas atlânticas da Península Ibérica. A posição assumida, na altura, pela delegação portuguesa foi clara:
Primeiro, rejeição liminar da ideia de se estabelecer um TAC, a repartir com a Espanha, desde logo pelas seguintes razões: existiria uma subavaliação de desembarques nas estatísticas espanholas (afirmação feita pela Espanha em Bruxelas); desde há anos, não há informação estatística em relação à pesca no Golfo de Cadiz; o cálculo de um TAC envolve erros que podem ser apreciáveis - se não há estatísticas ou se elas estão subavaliadas, essa margem de erro tende a ser bastante maior (tanto mais quanto se convencionou que a sardinha que se distribui entre a fronteira franco-espanhola e o estreito de Gibraltar constitui uma única população); não se prestou ainda a devida conta ao comportamento cíclico desta pescaria, nem às condições anómalas que se observaram nos últimos anos;
Segundo, fortes dúvidas, fortíssimas dúvidas mesmo, sobre o interesse efectivo de um TAC, enquanto instrumento de regulação da actividade pesqueira, tanto mais quanto a experiência demonstrou, em diversos casos, que ele acabou por potencial comportamentos abusivos na pesca;
Terceiro, rejeição liminar da necessidade de abate no caso da frota de cerco sardinha, defendendo-se, antes, a regulação da actividade, aplicando-se o princípio da aproximação cautelosa e, nessa base, medidas de acautelamento, como sejam, a título exemplificativo, a protecção de juvenis, a regulação do tempo de pesca, a diminuição das rejeições no mar e das perdas por deficientes condições de conservação, a atribuição a zonas de defeso para recuperação do stock.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A posição do Governo português é, pois, bastante clara e será defendida sem qualquer dificuldade, rejeitando posições extremas quando existem alternativas que, com a cooperação consciente e responsável do sector económico, permitem ir ao encontro do objectivo de recuperação dos recursos mais degradados, condição fundamental para a garantia de uma pesca sustentável mas que, mesmo implicando sacrifício, não põe em causa o essencial dos interesses sociais e económicos do sector.
Nesse sentido, tem o Governo desenvolvido, desde Dezembro passado, uma intensa actividade, dinamizando

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a investigação e a procura de soluções credíveis como alternativa às teses da Comissão e mantendo uma relação estreita com o sector dependente da sardinha, informando-o e ouvindo-o.
Se a situação aconselha calma e trabalho, também é necessário que se tenha consciência de que a firmeza na actuação depende de posições sólidas e credíveis assumidas coerentemente nas diversas frentes, não só pelo Governo mas também pela Administração e pelo sector nas suas intervenções a nível comunitário, incluindo ó Comité Consultivo da Pesca (veja-se a posição crítica assumida em 21 de Maio último) e as organizações europeias da pesca.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se seis Srs. Deputados para fazer perguntas ao Sr. Ministro; acontece, porém, que o Sr. Ministro não tem tempo para responder.
Peço aos Srs. Deputados que formulem sucintamente as vossas perguntas e depois veremos em que termos é que o Sr. Ministro há-de responder.
Para formular o pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, inscrevi-me para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro, mas, se me autorizar, farei uma interpelação prévia à Mesa.

O Sr. Presidente: - Claro que sim, Sr. Deputado, se for mesmo uma interpelação.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, tivemos conhecimento de que, no próximo dia 2 de Julho, a Casa do Douro está na iminência de poder ter os seus bens penhorados.
Aproveitando a presença do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, gostaríamos de saber qual a posição que o Governo pensa adoptar em relação a esta situação, de forma a não haver uma penalização para os produtores durienses.

O Sr. António Martinho (PS): - Essa é um bocado forçada, mas está bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro tomará em conta a sua interpelação, quando intervir.
Faça favor de pedir esclarecimentos.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Em relação a este debate de urgência, gostaria de colocar três questões, a primeira das quais se prende com afirmações do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, em reuniões realizadas nesta Assembleia, de que mais preocupante do que a posição da Comissão Europeia era o comportamento de funcionários portugueses nessa Comissão.
Sr. Ministro, no sector das pescas o Director-Geral das Pescas da Comissão Europeia é português, militante do Partido Socialista e foi, durante dois anos, Ministro do Mar. Será que o membro do Governo, Sr. Dr. Seixas da Costa, queria acusar o Sr. Dr. Almeida Serra, actual Director-Geral das Pescas, de não colaboração com o Governo português? Porque no sector das pescas, Sr: Ministro, nos oito meses de Governo do Partido Socialista, os pescadores portugueses e os transformadores de pesca foram penalizados nó acordo de cooperação com Marrocos,...

O Sr. António Martinho (PS): - Negociado pelo PSD!

O Orador: - ... os pescadores portugueses foram penalizados na distribuição da palmeta na zona NAFO,...

O Sr. António Martinho (PS): - Negociada pelo PSD!

O Orador: - ... os pescadores portugueses foram penalizados, no último Conselho de Ministros Europeu de Pescas, na distribuição do red fish, quer na zona NAFO, quer na zona Este do Atlântico, em que as possibilidades de captura são metade ou menos das que foram conseguidas no passado.
Sr. Ministro, qual é a posição do Governo português em relação à colaboração de funcionários portugueses, nomeadamente deste distinto militante do Partido Socialista que, durante 10 anos, colaborou com o governo do Partido Social-Democrata sem qualquer queixume da parte deste?

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Gostaria de colocar mais uma questão ao Sr. Ministro, que se prende com afirmações feitas pelo Sr. Presidente da República na última «Presidência Aberta», no Algarve. O Sr. Presidente da República, na semana passada, garantiu perante pescadores que não iria haver mais nenhum abate de embarcações. No entanto, o Sr. Secretário de Estado, na semana passada, homologou o apoio ao abate de 48 embarcações, ao abate de 272 toneladas de arqueação bruta.
Sr. Ministro, vai deixar o Sr. Presidente da República ficar mal perante este compromisso assumido? Qual é a posição do Governo português em relação a esta matéria?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Albernaz.

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, depois de ouvir com atenção a sua exposição, tenho algumas considerações a fazer, bem como uma pergunta.
Sr. Presidente, penso que todos sabem que há uma crescente diminuição global dos recursos de pesca - isto é real,...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - ... é um facto generalizado e aceite.
O problema dos recursos é hoje, e no futuro ainda mais, a questão mais relevante que exige uma nova aproximação dos problemas e uma atitude mais responsável, o que se pressupõe, por isso, uma ética diferente e uma acrescida vontade de estreita entreajuda e cooperação.
Há necessidade que o homem olhe para os oceanos com um olhar atento, com uma mais viva consciência para a ameaça que representa o facto de serem limitados os recursos naturais.
Quer se queira quer não, a actual geração tem de enfrentar este desafio face ao futuro, se quer preservar a possibilidade de pescar, assegurando que as gerações futuras também o possam fazer.
É necessário, por isso, que as políticas sejam feitas para o homem e não contra ele. Tem de existir, portanto, um

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equilíbrio entre as componentes social, económica e biológica, um equilíbrio entre recursos e exploração nas diferentes áreas de pesca, bem como manter numa base sustentável e em condições económica e socialmente apropriadas, tendo em conta as suas implicações para o ecossistema marinho e as necessidades dos produtores e consumidores.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sabendo-se também, Sr. Ministro, que as frotas dos países mais desenvolvidos têm vindo a sofrer reduções significativas, o que no nosso País, a continuar o abate, seria altamente prejudicial para o sector - e, Srs. Deputados, quer o Governo quer o meu grupo parlamentar já afirmaram aqui que somos contra o abate de navios, não distorçam a verdade, nós somos contra o abate de navios -,...

Vozes do PS:- Muito bem!

A Oradora: - ... dado que, por outro lado, o avanço técnico das embarcações provoca a redução de postos de trabalho no sector e tendo em conta que a vertente social da política comum de pescas é aquela que se tem revelado menos significativa, penso que, nos seus desenvolvimentos futuros, a política comum deve ter particular atenção às questões sociais.
O factor humano será determinante quanto ao tipo de estratégias a adoptar e nesse sentido, independentemente de outros aspectos, é fundamental que aqueles a quem se destina compreendam bem os objectivos e o seu fundamento. A coresponsabilização de todos é um elemento chave para o sucesso dessas estratégias.
Por isso, Sr. Ministro, pergunto: quais as medidas que o Governo português tenciona defender, quer nos encontros bilaterais, quer no Conselho, tendo em vista combater eventuais fenómenos de desemprego e outros impactos sociais negativos nas comunidades locais e regionais mais dependentes da pesca.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que dispõe de 0.3 segundos. No entanto, a Mesa concede-lhe mais 1 minuto.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, permita-me que faça uma leve referência ao que há pouco disse o Sr. Deputado Azevedo Soares e que eu, na altura, não quis interromper.
Sr. Deputado Azevedo Soares, ao contrário do que disse, o nosso adversário, neste caso em relação às pescas, foram as políticas comunitárias e nacionais dos governos do PSD que levaram a, como a própria Comissão afirmou, que Portugal tivesse ultrapassado os objectivos que estavam fixados para a redução da frota e para a redução do esforço de pesca. Não fazemos do Comissário A ou B o grande adversário, porque isso é procurar esconder o essencial que são essas políticas comunitárias e nacionais que não asseguraram plenamente a defesa dos nossos recursos pesqueiros. Essa é que é a grande discussão que temos de ter e não outras que escondem cumplicidades passadas e presentes com a actuação de tal ou tal comissário.
Sr. Ministro, o relatório Lassen foi antecedido de um conjunto de consultas regionais, ao todo 32, com os Estados membros, a propósito da elaboração dos dados que, supostamente, dão suporte à proposta do relatório e da Comissão.
A primeira questão que quero colocar é a seguinte: que intervenção tiveram as autoridades portuguesas, tanto o governo anterior como este, na elaboração desse relatório? De que dados científicos é que o Governo português dispõe e que dados científicos é que foram fornecidos ...

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispõe, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mesmo aquele que lhe foi concedido.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente. Quero apenas terminar o meu raciocínio, nos mesmos termos em que o permitiu aos outros parlamentares.
Perguntava eu: que elementos científicos é que o Governo disponibilizou, de que forma é que o Governo mobilizou o IPIMAR e os cientistas nacionais para contraporem a esses dados científicos, ou pseudocientíficos, da Comunidade dados científicos nacionais que lhe permitam infirmar os elementos na base dos quais a Comissão propõe a redução da frota portuguesa?
Essa é uma questão de fundo, porque não temos, até este momento, essa disponibilidade de dados do Governo português, o que é fundamental para um debate sério sobre esta matéria.
A segunda e última questão é esta: o Sr. Ministro, a certa altura, admite a possibilidade de uma solução através da regulação dos tempos de pesca.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Tal significa, na prática, uma diminuição dos dias de pesca. Se isso se vier a concretizar, está disponível o Governo português para compensar os pescadores e os armadores por essa eventual diminuição dos dias de pesca, que, quanto a nós, não deve ser aceite?

O Sr. Presidente: = Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, algumas das questões que pretendo colocar-lhe têm a ver com o pressuposto que gostaria de saber se o Governo actual tem ou não uma posição de radical crítica à política de pescas da União Europeia. Porque é partindo desse pressuposto que, parece-me, toda a questão deve ser colocada e faz sentido.
Por isso lhe pergunto se assume que, efectivamente, Portugal tem sido penalizado num sector extremamente importante como é o das pescas, com a destruição, em cerca de 10 anos, de 40% da sua frota. Assume-se, como o Sr. Ministro fez na sua intervenção, que as medidas minimizadoras dos impactos sociais extremamente negativos das medidas que têm sido adoptadas são insuficientes? Assumem-se dúvidas quanto à credibilidade de alguns dos estudos científicos que podem estar na origem da

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orientação que se propõe para os próximos anos? Assume-se que os países têm sido diferentemente penalizados pelo cumprimento destas políticas de pescas? Assume-se, como, aliás, o Sr. Ministro acabou por reconhecer em relação à Espanha, pela subavaliação que faz das suas capturas, que há manipulação nos números sobre as quotas de pescado dos diferentes países?
Pergunto se, a este nível, há, efectivamente, uma desigualdade e se para Portugal e este Governo essa é uma posição insustentável, independentemente daquilo que me parece ser uma posição pouco clara do Governo português em relação à aceitação ou recusa do abate da nossa frota, porque me pareceu, de algum modo, que na sua intervenção havia, de modo fatalista, a admissibilidade, embora a contragosto, dessa possibilidade.
A questão que lhe coloco é, independentemente de gostar de saber qual é a posição clara do Governo nesta matéria, se há aceitação ou recusa, efectivamente, da possibilidade de Portugal ter de reduzir as suas capturas, neste caso, em relação à sardinha? Mais globalmente, qual é a estratégia que Portugal e o actual Governo defendem para a preservação ou não de um sector que me parece fundamental na nossa economia, do ponto de vista social e cultural?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas. Uma vez que não dispõe de tempo, a Mesa concede-lhe um minuto, à semelhança do que concedeu a outros Srs. Deputados.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, achei-o tão tecnocrata, tão tecnocrata a discursar que me pareceu que se prepara para limitar os danos em vez de obter ganho de causa, o que, em si, começa a ser uma tendência em matéria de pescas. Como sabe, separo sempre a questão das pescas e da agricultura.
Quero fazer-lhe duas perguntas, a que, manifestamente, não deu resposta na sua intervenção.
Em primeiro lugar, Portugal tem um único director-geral na União Europeia, o Director-Geral das Pescas. É preciso enfrentar esta questão. Serviu-nos ou não de algo ter um director-geral português na União Europeia, no sector das pescas? Os resultados parecem claríssimos. Não serviu de nada.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, acredita ou não ria tese fundamental de que vale a pena construir barcos e retomar um ciclo de crescimento para a nossa produção de pescado aumentar? Qual é a resposta que espera dar aos armadores na proposta, e há muitos anos que não está uma proposta dessas em cima da mesa, de construção de 40 novas embarcações, o que significa 20 milhões de contos de produção?
Para terminar, Sr. Ministro, não pense que é extremista pedir o «troca por troca». Quem cala consente, Sr. Ministro. Se a Comissão Europeia percebe que o Sr. Ministro já aceitou intelectualmente a base daquela proposta, é evidente que estaremos a discutir o grau da derrota e não a possibilidade de vencer.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Valente.

O Sr. Jorge Valente (PS): - Sr. Presidente, permitam-me, em primeiro lugar, felicitar o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e o Sr. Secretário de Estado das Pescas pela firmeza demonstrada na defesa dos interesses do sector da pesca portuguesa, nomeadamente opondo-se à adopção de políticas de novos abates, posições, aliás, assumidas, quer publicamente, quer no Conselho de Ministros das Pescas, realizado no passado dia 10 de Junho.
Portugal dispõe de uma frota de reduzida dimensão, suficientemente pequena e susceptível de se ajustar anualmente aos recursos disponíveis, sem necessidade de recorrer a políticas de abate, salvaguardando-se assim mais eficazmente a capacidade da nossa frota, quer à luz dos interesses do presente, quer na perspectiva de uma eventual melhoria da situação dos recursos e das nossas possibilidades de pescas no futuro.
Sr. Ministro, há medidas alternativas à política de abates. V. Ex.ª teve oportunidade de aqui, enunciar uma boa mão-cheia delas. Recordo, todavia, a fixação do tamanho mínimo para captura e comercialização, a limitação de capturas por embarcação, a interdição de zonas para repouso biológico, a interdição do exercício da actividade durante os fins-de-semana, o estabelecimento de defesos temporários e ainda a adopção obrigatória de malhagem mais adequadas à preservação dos juvenis.
Sr. Ministro, face à actuação com que Portugal se vai confrontar, no quadro da preparação do novo plano operacional de pescas da União Europeia e na certeza de que V. Ex.ª saberá, com a sua tradicional firmeza e sentido de responsabilidade, defender os interesses das pescas portuguesas, opondo-se à adopção de políticas que conduzam a novos abates na nossa frota, permito-me formular-lhe algumas questões.
Em primeiro lugar, prevê ou não o Governo português o estabelecimento prévio de contactos informais com outros Estados-membros, tendo em vista a obtenção de apoios que possam assegurar o sucesso da posição portuguesa no quadro do Novo Plano Operacional de Pescas?
Em segundo lugar, de entre as medidas alternativas à política de abates que antes enunciei, quais as que o Governo português considera mais ajustadas ao caso das pescas portuguesas?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador:- Termino já, Sr. Presidente.
Finalmente, qual é, no entendimento do Governo português, a melhor forma de garantir o futuro de quantos trabalham e vivem da pesca? Será através de um discurso de ilusão, de desvalorização e menosprezo pelo estado dos recursos pesqueiros, aqui assumido principalmente pelo Partido Popular e em certa medida também pelo Partido Comunista Português? Ou será através de uma política de aproximação cautelosa, que assegure 'a continuidade da profissão dos pescadores em Portugal?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das. Pescas. Foram-lhe feitos seis pedidos de esclarecimentos, pelo que a Mesa lhe concede seis minutos.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é evidente que, para responder em profundidade a todas as perguntas que foram feitas, estaríamos aqui não os seis

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minutos que me são concedidos generosamente pela Mesa, mas o resto da tarde e, provavelmente, mais alguns dias.
Estou inteiramente de acordo convosco em que as pescas e a política de pescas merecem um debate e uma reflexão aprofundados. O que vou procurar fazer é apenas, em estilo telegráfico, dar alguns respostas, pedindo ao Sr. Secretário de Estado das Pescas . que complete algumas das respostas dadas por mim.
Em relação à actuação do Sr. Director-Geral das Pescas da União Europeia, ele tem tido para connosco um comportamento perfeitamente rigoroso, não tem agido contra os interesses portugueses...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Era o que mais faltava!

O Orador: - É evidente.

Vozes do CDS-PP: - Mas a favor também não se nota!

O Orador: - Não sei se se nota ou não alguma actuação a favor. Talvez valesse a pena tentar perceber como têm decorrido as negociações, porque chegar à conclusão de que todos os resultados obtidos nas negociações sobre quotas de pesca são uma derrota para Portugal é conhecer mal ou tentar ignorar os valores de que se partiu, as propostas e o resultado que se obteve e querer ignorar também uma realidade: de uma maneira geral, para a Comunidade Europeia, as quotas que estão disponíveis são efectivamente inferiores ao que eram no passado. Portanto, as nossas disponibilidades são também inferiores. Ora, isto não tem a ver com qualquer perseguição ao Estado português feita pelos funcionários, portugueses ou não, da União Europeia.
Aquilo que o Sr. Presidente da República disse em relação ao abate da frota tinha â ver especificamente com o problema da frota de sardinha. Gostaria de esclarecer que a homologação dos abates aqui referida tem a ver com algumas artes depredadoras, tais como a ganchorra e as redes de emalhar, e também com barcos totalmente obsoletos. Quero relembrar um aspecto que aparentemente não está presente quando se fala de abate de frota: não há abates de frota compulsivos mas, sim, solicitados pelos armadores, que entendem que essa é a melhor solução para . a sua actividade empresarial.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Mas eles não podem pescar! Para pescarem têm de Ter licença de pesca!

O Orador: - Não é nada disso, Sr. Dr. Manuel Monteiro. Todos os barcos cujo abate é pedido têm licenças de pesca. Deixemo-nos de elaborar sobre situações menos correctas, porque, dessa forma, nunca chegaremos realmente a ter qualquer política de pesca que valha a pena praticar em Portugal. Os recursos devem ser preservados, as artes predadoras devem ser proibidas e os barcos devem ser orientados para a pesca possível, sob pena de que nós ainda poderemos pescar alguma coisa, mas os nossos filhos e os nossos netos certamente não o farão.
Aproveito para referir o célebre e tão propalado programa de construção de 42 barcos.
Tive há poucos dias, e vou ter logo à noite em Aveiro, um contacto com a associação que fala neste programa.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Até que enfim!

O Orador: - Não é até que enfim. Está muito na hora.
Devo dizer-vos que não há por parte dessa associação, neste momento, qualquer proposta para construção de 42 barcos. É perfeitamente demagógico falar na construção de 42 barcos, principalmente de mais 42 barcos sobre a frota actualmente existente. Não existem recursos disponíveis para 42 novos barcos. E não é por haver ou deixar de haver negociações. É um facto relativo à ocupação de águas territoriais e à distribuição das quotas nas águas internacionais. E não vale a pena fazer invocações de interesses vitais de Portugal ou fazer guerra de palavras, porque com isso as TAC e as quotas não aumentam e os recursos também não. Essa associação está perfeitamente consciente desta situação e na última reunião que tivemos não havia qualquer intenção de construir 42 barcos, mas apenas á de renovar alguns barcos da frota e isso vai ser devidamente organizado com a associação, programando essa construção ao longo dos próximos dois ou três anos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Então, por que é que os espanhóis constróem barcos?

O Orador: - Pergunte-lhes, talvez eles saibam responder.
Quanto aos problemas levantados pela intervenção dos cientistas portugueses nas reuniões e aos dados disponíveis, peço ao Sr. Secretário de Estado das Pescas que confirme uma resposta mais pormenorizada.
Quero, no entanto, referir que tem sido feito um esforço de apreciação de valores obtidos nacionalmente com os recursos que dispomos, que não são evidentemente ilimitados. É exactamente com base nesses valores que podemos, neste momento, dizer que os que são apresentados no Relatório Lassen não correspondem, de facto, à confirmação dos dados disponíveis em Portugal.
Não temos sobre a evolução do stock de sardinha a mesma noção pessimista. Inclusivamente, posso referir que tem havido, aproximadamente a partir de 1970, uma relativa estabilização do stock e que, no passado, existiram já picos mínimos de captura, isto é, valores mínimos de captura, muito mais acentuados do que aqueles que existem neste momento, o que nos leva a concluir que não há efectivamente uma degradação generalizada do stock, mas apenas variações sazonais, que devem ser tidas em conta e que, portanto, não podem servir para basear soluções de carácter reducionista como são apresentadas.
Quero, por último, referir que não existe por parte do Governo português qualquer interesse no abate da frota relativamente à sardinha e que todas as medidas referidas na minha intervenção são para nós consideradas muito mais úteis do que qualquer abate de frota para a regulação do esforço de pesca quando ele tiver de ser feito.
Assim sendo, quanto à vontade do Governo português para o abate de frota, fique muito claro, e de uma vez por todas, que ela não existe e que nós usaremos o abate da frota como medida para a regulação do esforço.

O Sr. Presidente: - Para uma última intervenção, uma vez que mais nenhum grupo parlamentar dispõe de tempo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito brevemente e para utilizar os minutos que nos restam, diria que, independentemente da questão colocada pelo Governo e da resposta que dá a um debate suscitado por um grupo parlamentar, nos parece, apesar de tudo, de muito duvidosa credibilidade a preocupação ambiental da União Europeia - e, neste caso, da Comissão -, que aparentemente poderia estar subjecente a esta proposta.
Parece-nos de duvidosa sinceridade a preocupação em relação à preservação das espécies, mas parece-nos também que, para Portugal, seria fundamental - e continuo a insistir numa questão, que, em debates desta natureza, me pareceu estar ausente várias vezes - haver uma visão de longo prazo, uma visão preventiva, um conhecimento cientificamente sustentado, por parte da comunidade portuguesa, dos nossos investigadores e dos nossos técnicos, acerca daquilo que são efectivamente os nossos recursos - os nossos recursos no continente, nas regiões autónomas - e uma identificação clara, através de uma base de dados, que permita saber qual a evolução havida e o modo como a poluição, particularmente nas águas territoriais, se faz, já que Portugal é uma rota de três quartos do comércio internacional por via marítima, e se reflecte nos nossos recursos naturais.
Julgo que este conhecimento continua a tardar, continua a não haver uma sustentação técnica para termos uma visão correcta sobre os nossos recursos e, para nós, Os Verdes, não havendo esse conhecimento técnico e científico, não pode haver uma utilização racional, uma estratégia de preservação, nem tão-pouco uma acção eficaz em termos de combate às causas de poluição e contaminação, que continuam a existir e que nos passam completamente à margem. Mantém-se, aliás, a visão tradicional em relação à defesa, não se disponibilizando os meios humanos, técnicos e financeiros para salvaguardar as nossas águas não só da pilhagem que outras frotas nelas fazem mas também de outros factores que lhes são externos, causados, designadamente, pela poluição.
Em minha opinião, este é um aspecto que continua a falhar e lamentavelmente continuo a não ver ó Governo preocupado em servir-se do conhecimento das nossas universidades, dos nossos biólogos, da nossa comunidade científica, porventura mais utilizados fora das nossas fronteiras do que em Portugal.
Este é o registo que, no final deste debate, insistiria em sublinhar.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas. Agradeço-lhe, Sr. Deputado, que identifique o Deputado ou o membro do Governo pelo qual se considera ofendido.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Pelo Sr. Deputado Azevedo Soares, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Azevedo Soares, que nos diga que somos nacionalistas, pela minha parte, respondo-lhe, com toda a clareza e sem qualquer problema, que sou nacionalista moderado, com todo o gosto e muito orgulho. Disse-o sempre! Vim para a política em nome desse valor e, portanto, isso não me ofende. Que diga que nós andamos com as traineiras, Sr. Deputado, há uns que vão ver as traineiras e como vivem e trabalham aqueles que lá estão e há outros que abatem as traineiras. Prefiro estar do lado dos que vão nas traineiras e não do lado dos que as abatem.
Mas há uma coisa, essa sim, que considero pouco habitual em si, uma pessoa por quem tenho muita estima e consideração pessoal, e que é injusta, porque não verdadeira, que é dizer que a isso se reduz a política de pescas do Partido Popular. Isso não é verdade, porque defendemos o aumento da produção como princípio essencial de uma política de pescas; não é verdade, porque defendemos o investimento onde é possível modernizar o sector das pescas, na pesca longínqua e na do cerco, para não ficarmos condenados apenas a uma pesca artesanal; não é verdade, porque defendemos a protecção dos recursos com medidas técnicas que o permitam, sem abate da frota; não é verdade, porque defendemos, em suma, algo que é fundamental à tradição portuguesa e à essência da própria identidade de Portugal, que é a trilogia pesca/construção naval/conservas. Isto deve ser defendido, promovido e apoiado.
Inclusivamente, tenho de dizer-lhe que, em termos de política de pescas, houve quem, no passado, contribuísse para transformar o mar numa miragem. Nós queremos retomar o mar e esquecer a miragem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - No Governo da nova maioria, nem há miragem nem oásis!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Portas, não detectei nas suas palavras onde estava a ofensa, mas, em todo o caso, julgo dever responder-lhe.
Não lhe chamei nacionalista, mas sabia, de antemão, que chamá-lo não o ofendia. Também me assumo como um nacionalista, apesar de não ir agora quantificar se moderado, ou de centro moderado, na medida em que gosto do meu país e defendo os seus interesses.
Quanto a essa questão das traineiras, esse jogo de palavras, em que V. Ex.ª é, de facto, competente, entre os que visitam as traineiras e os que as abatem, dá a impressão de que se trata de um problema entre mim e si, quando, na verdade, é um problema com os pescadores. E que visitar uma traineira ou abatê-la vale o que vale. Agora, pensar no que os pescadores trazem da faina da pesca, que rendimento auferem, quais foram as condições de habitabilidade da traineira, que esforço fizeram para pescar aquele escasso peixe ou qual o valor comercial daquele peixe, esse não é um problema seu nem meu, mas nosso, do Governo, dos pescadores e dos trabalhadores.
Talvez seja por isso que o Sr. Deputado Lino de Carvalho, a quem daqui a pouco me dirigirei, ficou preocupado com a minha intervenção, quando pus o acento tónico nos trabalhadores.
Posso dar-lhe o exemplo de um caso, ocorrido em 1993: perante uma crise grave da pesca da sardinha, nomeadamente no norte, em Matosinhos, e depois uma intervenção concertada com os armadores e os pescadores, foi possível abater um conjunto de embarcações, de que resultou a duplicação do rendimento não só das embarcações que foram à pesca da sardinha, mas também dos trabalhadores e dos armadores. Nós não precisamos de ter pescadores desportivos, trabalhadores para o folclore da pesca; devemos ter, sim, trabalhadores que ganhem dinheiro suficiente para levar para casa e que tenham uma vida

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digna de trabalhadores de um país no limiar do século XXI. É isso que queremos e não demagogia.
É que a palavra abate tem uma carga emocional, utilizada pelo senhor e pelo seu partido, mas isso não serve os interesses da pesca. Queremos uma pesca moderna e não uma pesca depredadora, de aumento de produção, como o senhor defende.
Se foi esta a honra que o senhor sentiu ofendida, está agora justificada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares. Agradeço-lhe, Sr. Deputado, que identifique quem o ofendeu.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Foi o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que me citou pessoalmente na sua intervenção, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, compreendo a sua posição relativamente à Comissão Europeia. Aliás, o seu é um partido anti-europeísta, em termos gerais, juntamente com o Partido Popular. Radica, de resto, essa atitude numa posição conservadora, que, hoje em dia, caracteriza o PCP - será mesmo um dos partidos mais conservadores do leque partidário neste Hemiciclo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é a disquete

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Porém, essa raiz conservadora não justificaria que V. Ex.ª, com as preocupações sociais que reconheço ao PCP, não valorizasse a questão que ainda há pouco aflorei na resposta dada ao Sr. Deputado Paulo Portas.
Os senhores insistem em que os abates são uma espécie de dogma, ao considerarem que não se pode abater embarcações. O problema é que se pode e deve abater embarcações, por exemplo, com 40 e 50 anos, Sr. Deputado, que põem em risco a vida dos pescadores, que não dão rentabilidade de exploração à actividade da pesca e que os próprios armadores querem abater, mas cujo abate o Sr. Deputado não quer que as autoridades portuguesas permitam. Os abates são pedidos, não são, ordenados pelo Governo nem pelas autoridades!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Mas não podem ser substituídas?

O Orador: - É preciso, permanentemente, continuar a abater embarcações e a construir embarcações novas! Foi isso que sugeri na minha intervenção. É preciso modernizar a frota da pesca, de maneira a que a actividade da pesca seja rentável, permanente e perene e possa dar perspectivas de futuro aos pescadores portugueses.

Vozes do PSD: = Muito bem!

O Sr. Presidente: - No pressuposto de que o Sr. Deputado Lino de Carvalho não se deixa abater pelas considerações do Sr. Deputado Azevedo Soares, tem a palavra, para dar explicações.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não deixo, Sr. Presidente. Aliás, foram fracas para me deixar abater.
Sr. Deputado Azevedo Soares, o que há pouco referi e o Sr. Deputado se esqueceu de omitir naquilo que considerou ser uma ofensa da honra - e era essa a questão que o Sr. Deputado tinha colocado - foi que mais do que a Comissão e os Comissários, que são os executantes e os responsáveis de políticas, não o esquecemos, os responsáveis em relação aos quais devemos dirigir o nosso debate e a nossa crítica são as políticas comunitárias e nacionais e os governos dos Estados membros que compõem a Comunidade Europeia, a quem cabe definir essas mesmas políticas.
É que, muitas vezes, quando elegemos, como alguns o fazem, o Comissário A ou B como o grande adversário do País, qual Padeira de Aljubarrota, sem desmerecer ou menorizar a responsabilidade desses altos executantes, com isso, estão a esquecer-se os verdadeiros responsáveis, as políticas que estão por detrás, definidas pelos governos dos Estados membros.
Nesse quadro, Sr. Deputado, se alguém aqui é anti-europeu, para usar a sua expressão, esse alguém não é seguramente o PCP, mas aqueles que fizeram, ao longo destes anos, não uma Europa de coesão, do emprego e de melhoria das condições de vida, mas uma Europa com cerca de 20 milhões de desempregados e com mais de 50 milhões de pobres, e que transformaram o nosso país, no quadro dessa Europa, num país com uma estrutura produtiva fragilizada e com mais desemprego. Esses, sim, são os anti-europeus!
Os europeístas são aqueles que defendem uma Europa da coesão e do emprego e um país onde a estrutura produtiva não seja liquidada e o emprego tenha como orientação principal as suas políticas económicas e sociais.
Essa é a grande diferença que há entre nós. Portanto, se alguém aqui é anti-europeu, nessa perspectiva, não somos nós, mas seguramente o PSD e V. Ex.ª.
Sr. Deputado, quanto à política dos abates, a questão central é que, ao longo destes anos, designadamente durante o consulado do PSD, tivemos, e ainda continuamos a ter, uma política que se centrou quase exclusivamente nos abates da frota. E não são abates de navios velhos para substituir por navios novos, Sr. Deputado, porque, aliás, houve alguns destes que foram comprados e, a seguir, abatidos! Não somos nós que o dizemos, Sr. Deputado, é a própria Comissão que,, hoje, reconhece que Portugal é um dos países que ultrapassou os objectivos que lhe tinham sido fixados para o abate da frota e para a diminuição do esforço de pesca.
Sr. Deputado, com que sentido se abandonou, ao longo destes anos, a pesca costeira, a pesca artesanal e o estudo dos nossos recursos nessa área, de que depende o grosso do nosso emprego nas pescas e o grosso dos recursos piscatórios do País? Por que não se investiu aí, Sr. Deputado, quando, na pesca longínqua, perdemos os nossos direitos históricos?
Estas é que são as questões de fundo, isto é, a política nacional de pescas, que não tivemos, mas que podíamos ter tido, no quadro de uma política comunitária que promovesse os nossos recursos, o apoio aos. nossos pescadores e aos pequenos armadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

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O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi apresentada ao País, com pompa e circunstância, pelo Governo minoritário do Partido Socialista a solução milagrosa para a recuperação de empresas em situação financeira difícil.
Depois da fase das facilidades, das hesitações e das suspensões, verifica agora o Governo a necessidade imperiosa de parar esse grave problema, que se está a transformar, cada dia que passa, num verdadeiro flagelo, que é o desemprego.
O Governo não percebeu, ou não quis perceber, que a principal questão que se põe aos agentes económicos é a de ter regras bem determinadas, que não podem ser alteradas ao sabor da conjuntura, assim como os responsáveis pelas políticas hão podem nem devem estar sujeitos aos caprichos da estrutura do Partido Socialista.
A demissão do anterior Ministro da Economia e o desentendimento entre o Ministro das Finanças e os restantes Ministros dás pastas económicas contrariam toda a lógica de estabilidade, fundamental para o investimento e reestruturação empresarial susceptíveis de fortalecerem o nosso tecido empresarial e combater de forma efectiva o desemprego.
Assim, entre querelas governativas e descoordenação de políticas económicas, que levaram a que o próprio Partido Socialista se visse obrigado a chamar a atenção do seu Primeiro-Ministro para uma mais realista coordenação do Governo, perderam-se sete a oito meses, com prejuízos cuja dimensão, infelizmente, o ano de 1997 nos vai evidenciar. Assim, teremos, forçosamente, no próximo ano, um aumento de impostos sobre as famílias e Sobre as empresas, dificultando não só a recuperação de muitas empresas, como assistiremos ao afundar definitivo de outras, com o desemprego a subir de forma preocupaste.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É neste quadro previsível que o Partido Socialista e o seu Governo procuram, desde já, encontrar desculpas para os insucessos que se avizinham.
O diagnóstico feito pelo Partido Socialista e pelo seu Governo em relação ao quadro macroeconómico em que Portugal se encontrava, quando assumiram responsabilidades governativas, é completamente escamoteado, pois é oportuno ocultar as condições excepcionais que este Governo encontrou, para poder actuar a, nível micro, como agora se propõe fazer, embora, em nosso entender, com resultados e objectivos muito duvidosos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apreciação global do plano de recuperação de empresas em situação difícil permite, desde logo, constatar um documento vago, não contendo mais do que um glossário de ideias, nem sempre coerentes entre si, que apelam à burocracia e vão beneficiar os infractores.
O intervencionismo a que o programa faz apelo, bem na lógica socialista, e que nunca poderia ter sido aceite pelo o anterior Ministro da Economia, Dr. Daniel Bessa, permite perceber mais uma das razões pelo qual o mesmo se terá demitido. Este programa cria nos agentes económicos uma maior quebra de confiança do que a que hoje já se verifica, agrava as condições de concorrência desleal no mercado e rigidifica qualquer processo de reestruturação empresarial, aumentando, por essa razão, os custos económicos e sociais que o País, mais cedo ou mais tarde, terá de suportar, através do aumento dos impostos, e, lamentavelmente, originará uma nova vaga de nacionalizações.

Aplausos do PSD.

É nítida a contradição entre o que se recomenda que seja uma política económica de um Estado moderno, competitivo e socialmente mais justo, que deveria apostar na iniciativa privada, criando os necessários estímulos ao reforço da competitividade do país, o que é dizer das empresas, e o papel que o programa destina ao Estado e ao sector público, cometendo-lhes tarefas e impondo-lhes iniciativas que, até agora, têm sido desempenhadas pelos empresários. Esta incompreensível opção irá fazer-se sentir negativamente no crescimento económico e, consequentemente, no emprego, assistindo-se a uma transferência de recursos financeiros públicos para empresas em situação financeira difícil, com aplicações de mais do que duvidosa reprodutividade, e à assunção pelo Estado de responsabilidade pelas garantias prestadas, que terão a devida repercussão, infelizmente negativa, nos orçamentos dos próximos anos, custos que os contribuintes, mais uma vez terão de suportar, sem que, para tal, tenham sido ouvidos nem achados.
Este programa levará, certamente, os agentes económicos que já não pagam a manterem-se com esta prática, que passa a ter, aliás, um estatuto de «dignidade». Os outros, que, apesar das dificuldades o vinham a fazer, certamente que passarão a não cumprir as suas responsabilidades para com a Segurança Social e para com o Estado e esperarão calmamente pela entrada em vigor do «mirífico programa».

Aplausos do PSD.

Estaremos, então, no domínio a que o Partido Socialista nos vem acostumando, em que a permissividade perante os incumprimentos passa a estar prevista e legitimada na própria lei.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um atraso significativo, entre o anúncio do programa e a operacionalização do mesmo, para lá dos sinais perversos que tais medidas transmitirão aos mercados, provocará também efeitos negativos na esfera empresarial, originando um menor empenho nos esforços de reestruturação económica por parte dá iniciativa privada, para além de não ser difícil prever uma maior rigidez no domínio social.
O programa, para além das perversidades já anunciadas, reflecte contradições insanáveis. Diz o Governo na sua proposta: «o Governo não tolerará práticas de desvirtuamento da concorrência e protegerá activamente as empresas cumpridoras, através dos mecanismos ao seu alcance, para impedir que o arrastamento de situações artificiais acabe por atingir o nível de emprego das empresas viáveis». Contudo, as práticas recentes e o próprio programa desdizem, sem dúvida, o bem intencionado texto atrás citado, o que nos leva a admitir que a máxima deste Governo é «de boas intenções está o Inferno cheio».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito ao reforço da capacidade empresarial, para além de domínios de intervenção

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já objecto de exaustivo tratamento no âmbito do PEDIP II, os quais não comportam qualquer inovação, acresce uma inovação, essa sim, muito perigosa. Refiro-me à conversão de créditos do Estado em capital social das empresas.
Com efeito, se este processo não tiver lugar no quadro de negociação entre o Estado e um determinado investidor privado, que adquira de imediato a maioria do capital da sociedade em causa e o controle da sua gestão, iremos assistir, infelizmente, a uma crescente gestão pública em unidades empresariais. Acresce ainda que, se conjugarmos esta medida do programa com o artigo 59.º do Orçamento de Estado para 1996, que prevê um decreto-lei individualizado com as condições correspondentes a cada operação de conversão de créditos do Estado em capital, passamos a ter a configuração de uma nacionalização bem expressa, à qual nem decreto-lei faltou. Estaremos, assim, a entrar no PROVEC (processos revolucionário outra vez em curso),...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... que constituirá, estou certo, uma versão melhorada, ampliada e mais moderna do PREC. E o que acontecerá, após a conversão do crédito em capital e quando, por via disso, resultar a detenção pelo Estado da maioria do capital se não for possível, de imediato, alienar essa posição para a esfera privada? Não será difícil prever que, nessas condições, o Estado terá de capitalizar a empresa, saneá-la financeiramente, assumir os custos sociais e assegurar as decisões de investimento essenciais ao regresso, se possível, às condições de competitividade.

Aplausos do PSD.

Em empresas com tal perfil de risco, não se estranhará que a banca só esteja disposta a financiá-las se dispuser de aval do Estado pela totalidade do crédito. E este dificilmente terá outra saída se quiser evitar a falência de uma empresa recém-nacionalizada, cujas consequências são sempre mais complexas, quer económica quer socialmente, do que no caso em que o capital for privado.
Entretanto, estes processos terão o pseudo-mérito de originar novas necessidades de gestores públicos - boys e girls for the jobs -, continuando, assim, o assalto aos lugares públicos por parte do Partido Socialista, tudo em nome do contribuinte, o qual terá de pagar estes devaneios com mais impostos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Outra das fantasias deste programa tem a ver com a participação da banca na recuperação das empresas em situação difícil. O sistema de garantia do estado a empréstimos bancários - SGEEB - não poderá funcionar nos moldes preconizados pelo Governo. Antes de mais, e por razões compreensíveis, nenhum banco quererá ficar com o ónus de ter de liderar e de se pronunciar sobre qualquer um destes processos. Os argumentos para não assumir tal ónus vão ser numerosos e todos, estou certo, convincentes.
Depois, nenhum banco assumirá novas responsabilidades, que, de resto, se tornarão essenciais ao apoio corrente e ao financiamento do investimento em empresas com este perfil de risco, enquanto o Estado não cobrir os novos créditos com garantia 100% ou, em alternativa, se disponibilize a compensá-las fiscalmente por montante equivalente, assim a garantia de cobertura de apenas 50% na proposta do Governo é manifestamente insuficiente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os próximos tempos vão permitir verificar como este Governo, a partir de um glossário de medidas adaptadas a uma realidade virtual, poderá construir instrumentos concretos aplicáveis à realidade do nosso dia-a-dia e se serão capazes de resolver, de forma duradoura, problemas reais de empresas concretas.
É nossa convicção que não, e, assim sendo, vamos, no ano de 1997, assistir ao aumento das falências em Portugal, ao aumento do desemprego, com tudo o que isso representa de flagelo social, assim como assistiremos ao aumento dos impostos, mais uma vez com sacrifício para as famílias e as empresas.
Termino citando um conhecido empresário do nosso país: «não há dúvidas de que o País não está nos carris».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira, Nuno Baltazar Mendes e Henrique Neto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Pinto, V. Ex.ª pintou-nos aqui um quadro de intervencionismo do Estado, que não é; certamente, tirado do programa que o Sr. Ministro da Economia nos apresentou.
Por outro lado, queremos aqui constatar um aspecto interessantíssimo, é que o Sr. Ministro da Economia esteve aqui a apresentar um conjunto de medidas e VV. Ex.as aos costumes disseram nada, mas, agora, aproveitando a sua ausência, trazem um trabalho mal preparado, para dizerem umas coisas que são, essas sim, feitas num espaço virtual. VV. Ex.as que intervieram onde não deviam e que não foram capazes de intervir onde era necessário, vêm agora gritar contra um intervencionismo injustificado. VV. Ex.as que chegaram a ter um ano em que o produto interno bruto decresceu, em vez de crescer, não têm qualquer autoridade moral, como, há pouco, eu exclamava, quando o vosso «Deputado comandante» intervinha da tribuna sobre as pescas, porque nem Deus vos manda avisar.
É absolutamente necessário, face à situação de descalabro em que VV. Ex.as deixaram conjunto de empresas ou que, por omissão, deixaram lá chegar, apoiar a reconversão significativa de muitas empresas. As medidas que são preconizadas pelo Ministro Augusto Mateus parecem-nos adequadas e VV. Ex.as, em vez de apresentarem quaisquer sugestões de melhoria, vêm «gritar ao lobo», ao intervencionismo e ao colectivismo.
Sr. Deputado Pedro Pinto, pela amizade que tenho por, si, perdoe-me que lhe diga que é um papel extremamente difícil e até um pouco ridículo, dada a situação da economia nacional, pôr as questões desta forma.
Veio, depois, falar do PEDIP. Então, V. Ex.ª não sabe a falta de selectividade que houve em muitos aspectos da actuação do PEDIP?! Como comenta V. Ex.ª alguns dos aspectos ridículos que envolveram a própria missão de Michael Porter em Portugal?
Depois diz: «falem-nos de empresas concretas». Então, falo-lhe do problema, da Renault e da descoordenação que

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houve entre o ex-Ministro Faria de Oliveira e o ex-Ministro Mira Amaral e da solução que este Governo e o Ministro Augusto Mateus apresentaram. Falemos de coisas concretas! Falo da Siemens, pedindo-lhe que nos diga o que é que pensa sobre isso.
Sr. Deputado, compreendemos que VV. Ex.as têm de dizer alguma coisa, porque ficaram calados perante o Ministro Augusto Mateus, fizeram o que fizeram durante estes 10 anos, tendo os últimos quatro anos do cavaquismo declinante sido absolutamente catastróficos do ponto de vista económico, deixando uma situação económica que contribuirá, nos primeiros tempos, para se manterem situações difíceis na área do emprego. Têm toda a legitimidade política para intervir, porque foram eleitos, mas não têm qualquer legitimidade no plano económico para pôr estas questões.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este Governo e este Ministro da Economia estão empenhados em resolver os problemas reais das empresas reais, com um quadro político de referência e sem dogmatismos ideológicos, respeitando as regras vigentes, quer em Portugal, quer na União Europeia, coisa que VV. Ex.as não fizeram e não fazem.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por isso confiamos neles e aguardamos que VV. Ex.as apareçam para discutir, com profundidade, estas questões e não se escudem em vagas afirmações que nada têm a ver com o problema que está em causa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Pinto, responde já ou no final?

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, pela amizade que tenho pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, respondo-lhe já.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, estranho que ponha em causa a legitimidade de me pronunciar neste Plenário. V. Ex.ª ainda não se habituou a ser um Deputado que apoia o Governo e, portanto, continua a actuar nesta Câmara como actuava no passado, quando era Deputado da oposição. E vai talvez ao ponto a que poucos Deputados chegaram nesta Câmara, que é o de não me reconhecer legitimidade para poder aqui defender aquilo que julgo mais correcto para o meu país.
O que está em causa neste momento, Sr. Deputado, não são palavras como as que o senhor disse para me pronunciar sobre a Renault e sobre a Siemens. Alguém com a competência do Sr. Deputado devia saber que o que estava hoje aqui em discussão eram as pequenas e médias empresas. Se o Sr. Deputado quer pôr a Siemens e a Renault no critério das pequenas e médias empresas em Portugal, vai por muito mau caminho.
Mas ainda teremos tempo de falar sobre a Renault, porque quanto à solução que foi encontrada, vir-se-á a provar que, ao contrário do que é dito por este Governo, foi um mau negócio para o País. Desde logo, porque permite aos investidores estrangeiros saber que têm em Portugal um Governo que, sejam quais forem os compromissos, o mercado justificará a não assunção deles e, ainda, porque o prejuízo concreto entre a indemnização que era exigida pelo Estado português à Renault e as compensações que foram dadas pelo Governo estas são claramente deficitárias.
Mas voltemos à questão concreta, Sr. Deputado. A questão que o Sr. Deputado aqui quis levantar foi a do intervencionismo. Disse que eu, provavelmente, não teria lido esse programa, mas eu respondo-lhe que foi V. Ex.ª que não o leu. É que quando se permite transformar os créditos do Estado em capital, desde que eles sejam maioritários, o Estado transforma-se no principal responsável pela empresa e quando se admite, ao mesmo tempo, o prazo de dois a três anos para que essa mesma empresa possa ser transferida para a iniciativa privada, quer dizer que, pelo menos, durante dois ou três anos teremos perfeitamente tipificada uma empresa pública.
Ora, como os senhores têm uma tendência muito grande para a facilidade, como já demonstraram há muito tempo e, agora, com a Abel Figueiredo, com o Bingo do Belenenses e com outros, não são capazes de ter a percepção exacta do que é uma empresa viável e uma empresa inviável. Estamos seguros de que o que irão fazer será entrar por esse caminho, que é o caminho da facilidade, porque, depois, cá estaremos nós, de novo, para pagar a factura.

Aplausos do. PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Pinto, compreendo o desnorte que vai na bancada do PSD.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - E mais: o Sr. Deputado, hoje, deve ter lido com muita atenção o Dr. Pacheco Pereira, que dizia que, nos partidos da oposição - e referia-se concretamente ao PSD, naturalmente -, escasseia a força de vontade para bater o pé ao Governo. Portanto, conhecendo eu o seu posicionamento político dentro do PSD, posso afirmar que ó senhor veio aqui hoje tentar contrariar o que o Sr. Deputado Pacheco Pereira escreveu no Diário de Notícias.
Mas, Sr. Deputado, passando à análise factual das suas palavras, devo dizer que V. Ex.ª não pode desconhecer a realidade que hoje existe em Portugal, nomeadamente nos tribunais portugueses. Os senhores falam sem conhecer as coisas, nomeadamente as centenas e centenas de processos de empresas que recorreram ao processo especial de recuperação de empresas e se vêem completamente paralisadas neste momento, com medidas de recuperação que não têm qualquer sequência, com postos de trabalho a serem perdidos e com uma situação de absoluta afronta no que diz respeito a determinados sectores de actividade. Eu que todos os dias, nestes últimos anos, tenho lidado com essa realidade e vejo empresas que, obrigatoriamente, são declaradas falidas, porque não têm qualquer viabilidade, nem hipóteses de recorrer seja àquilo que for, pergunto o que é que tem sido feito.
Sabe o que é que os advogados e outros agentes da justiça viram nestes últimos anos? Viram o Estado, nas assembleias judiciais, nas chamadas reuniões de credores,

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sem qualquer posição, quando era obrigado a assumir as suas responsabilidades e a dizer se concordava ou não com a proposta de viabilização e, por causa disso, dezenas e dezenas de empresas foram declaradas falidas e muitas centenas de milhares de postos de trabalho se perderam. E, Sr. Deputado, o que é que se fez? Rigorosamente, nada! Quando o Governo tem a coragem de chegar aqui e apresentar um projecto, os senhores, sobre ele, não dizem nada! Os senhores tiveram o Sr. Ministro aqui„ouviram-no e não lhe fizeram uma única pergunta. É essa forma, irresponsável, verdadeiramente irresponsável, de fazer oposição, que nós temos aqui de denunciar.
É por isso, Sr. Deputado, que lhe digo que os senhores não têm em conta a realidade. Os senhores continuam a falar de intervenção como quem fala daquilo que não sabe! Os senhores não sabem daquilo que estão a falar!
Quando o Sr. Ministro veio aqui explicar o que é que ,significava essa acção e essa intervenção do Estado, os senhores, pura e simplesmente, esquecem o que o Sr. Ministro diz e retiram uma conclusão absolutamente diferenciada, colocando na boca do Sr. Ministro aquilo que ele não disse. É isso que os senhores não têm coragem de ver.
Mas, Sr. Deputado, gostaria ainda de colocar-lhe uma última questão. Qual é a vossa contra-proposta? Qual é a vossa proposta, para além da omissão...

O Sr. Presidente:- Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Qual é a vossa proposta, para além da omissão que constituiu a vossa actividade neste domínio nos últimos 10 anos?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Pinto, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no- fim?

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pedro Pinto vem, fora 'do tempo - e digo fora do tempo porque o Sr. Ministro e o Governo estiveram aqui há bem pouco tempo a falar deste tema e nessa altura o Sr. Deputado não fez qualquer intervenção -,tratar desta questão, que é importante e essencial da nossa economia, e fico com a ideia de que, apesar disso, não leu o trabalho elaborado pelo Ministério. Limitou-se a vir agora aqui com os habituais fantasmas, que são sempre os mesmos e são conhecidos, sendo um deles a questão do intervencionismo do Estado. Talvez valha a pena elaborarmos um pouco sobre isto.
Sr. Deputado, não se trata de o Estado intervir na economia, de o Estado querer dirigir empresas, mas, sim, de o Estado querer governar, querer tomar decisões sobre uma matéria que durante anos não foi resolvida. É apenas isto.

O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio!

O Orador: - Trata-se de o Estado querer intervir no sentido de resolver o problema em milhares de empresas portuguesas que os senhores não resolveram. Ou seja, a vossa posição, relativamente às empresas em crise, em Portugal, foi a mais liberal das posições liberais, que é a da preguiça mental de pensar no assunto. Foi o que V.V. Ex.as fizeram durante 10 anos. Não pensaram no assunto! Ou seja, deixaram que se acumulassem dívidas das empresas ao fisco, à segurança social... Não fizeram nada! Sempre da mesma maneira! Em circunstâncias muito piores, no passado, pós 25 de Abril, outros governos tiveram a coragem de intervir, nomeadamente através de algumas instituições de que os senhores não gostam nada, como, por exemplo, do IPE, que não tenho medo de evocar aqui. O IPE resolveu grandes problemas de muitas empresas - conheço algumas, pois são até da Marinha Grande e da minha terra -, que estão hoje nas mãos de privados, porque foram recuperadas e mantidas vivas pela IPE. Infelizmente, do meu ponto de vista, provavelmente, o plano do Sr. Ministro não vai suficientemente longe nessa direcção, não para que o Estado controle as empresas, não para que o Estado seja dono das empresas, mas para que as empresas possam, pelo menos aquelas que tenham viabilidade, vir a ser competitivas na actividade privada, com empresários privados. Não tenha V. Ex.ª, sobre isso, qualquer dúvida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, VV. Ex.as, que durante tantos anos não tiveram ideias, não tiveram estratégia e agora, na oposição, continuam na mesma, porque V. Ex.ª veio aqui, mais uma vez, fazer < o bota abaixo» de tudo aquilo que o Governo fez, não apresentando uma pequenina ideia, uma pequena proposta, uma pequena sugestão. E depois desconhece o que este Governo está a fazer e, hoje, já aqui foram evocadas algumas dessas coisas, mas vou evocar-lhe uma outra.
Ainda ontem, foi assinado um processo de recuperação da Manuel Pereira Roldão com uma entidade privada, o Sr. António Magalhães, onde a única coisa que VV. Ex.as fizeram foi mandar a polícia de choque.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado, pois já ultrapassou em muito o tempo regimental.

O Orador:- Este Governo resolveu o problema não pela intervenção do Estado mas pela entrega dessa empresa a um empresário privado. Este Governo resolveu aquilo que VV. Ex.as não resolveram, e o que aqui trazem é a continuação disso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes, aliás, numa prática que vem sendo seguida pelo PS e que passa por uma coisa que é completamente inadmissível e inaceitável nesta Casa: desde logo, os senhores têm razão! Não basta os senhores dizerem que têm razão, têm de demonstrar que a têm!
Os senhores ficaram preocupados com á minha intervenção, e tanto assim foi que logo se levantaram três

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Deputados do PS para me pedirem esclarecimentos, o que me deixa, de resto, muito satisfeito. Só tenho pena de, realmente, não ter encontrado em vós a capacidade, que não reconheceram na minha intervenção, de serem capazes de defender o vosso projecto. É que os senhores, em resposta à minha intervenção, não o defenderam, aliás, essa bancada deixou de defender o Governo na grande maioria das questões. Os senhores são defensivos, procuram fazer o raciocínio típico, que já está perfeitamente determinado, que é: «o passado», «os senhores do passado que têm de ser julgados» e «têm de ser julgados e agora não podem falar». Comigo, isso não resulta, e não resulta por uma razão: porque o PSD esteve sujeito a julgamento nas últimas eleições e, neste momento, quem está sujeito a julgamento na sociedade portuguesa é fundamentalmente o PS e o Governo.
Portanto, daqui os senhores não podem sair, nem quando tentam, de uma forma que, a meu ver, é até indelicada, para não dizer de baixa política, fazer referências aos escritos de hoje, no Diário de Notícias, do Deputado Pacheco Pereira que leio sempre atentamente, devo dizer-lhes,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Nós já sabíamos!

O Orador: — ... e com os quais estou muitas das vezes em concordância. O senhor não consegue perceber uma coisa: neste partido há o direito à diferença. O senhor está há muito pouco tempo sentado nessa bancada e ainda não percebeu que a lógica política surge exactamente na diferença. É aí que está a riqueza, mas o senhores não percebem. Os senhores querem a igualdade e o que estão a fazer neste momento, com esse vosso projecto, é, mais uma vez, isso.
Os senhores, com este projecto, não se preocupam em incentivar realmente as empresas que são cumpridoras, aquelas que ao longo dos anos, com dificuldades, foram capazes de se manter em funcionamento, de manter os postos de trabalho e de cumprir com as suas responsabilidades para com o Estado. O que os senhores estão sistematicamente a fazer é a beneficiar o infractor, e ficam muito chocados quando venho falar de nacionalizações. Não fiquem chocados, está na vossa tradição. Vocês já tiveram responsabilidades em Portugal, ...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — E os senhores também!

O Orador: —... nas nacionalizações, e agora estão de novo tentados a entrar por esse caminho, porque realmente este Governo do PS, politicamente, acaba sempre nas soluções mais fáceis. É completamente ridículo ouvir a um Deputado desta Casa dizer que não percebe como é que, nas sociedades modernas, há empresas que vão à falência.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Essa é boa!

O Orador: — Este é um raciocínio ultrapassado, é um raciocínio caricato!
Está completamente enganado, Sr. Deputado. Nas socie dades modernas, o importante é que haja sempre mais uma empresa a abrir do que a fechar. Desde que isto aconteça, teremos certamente o problema do emprego resolvido. Mas os senhores, com a política que estão a desenvolver, vão
criar verdadeiros balões de oxigénio ao canalizarem recursos financeiros para empresas que não têm qualquer hipótese de viabilidade.
Mas os senhores estarão cá para serem julgados e, provavelmente, irá ser mais breve do que estão à espera.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): — Isso é uma ameaça?!

O Orador: — A nossa convicção é de que o desemprego vai continuar a aumentar, as empresas vão continuar a falir, os impostos vão subir e os senhores, mais depressa do que esperam, terão aqui, nesta Casa, de voltar a engolir tudo o que eu vos disse agora.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, ao abrigo do artigo 81.°, n.º 2, do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo, por 10 minutos, rigorosamente.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tivemos, recentemente, conhecimento pela imprensa de que algo de insólito e surpreendente se passa com a Casa do Douro.
A Casa do Douro está penhorada, por decisão do Tribunal da Régua, devendo ser postas em hasta pública, no próximo dia 3 de Julho, riquezas que têm a ver com a própria sede da Casa do Douro, vários prédios rústicos e vários prédios urbanos.
Lembramos que, desde 1990, uma polémica esteve ligada à Casa do Douro relacionada com a compra de 40% das acções da Real Companhia Velha, e é ainda por arrastamento desta mesma compra que a Sociedade Financeira COFIPSA exige agora os pagamentos que, não tendo sido feitos atempadamente, conduziram à penhora e a esta hasta pública anunciada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: VV. Ex.ªs sabem que a Casa do Douro é uma instituição que nos anos 30 funcionou fundamentalmente como uma federação sindical. Depois, foi uma organização cooperativa, mas desde 1974 que é uma pessoa colectiva de direito público. A Casa do Douro representa, por direito próprio, os 35 000 vitivinicultores da Região Demarcada do Douro e tem agora, associada com a associação de exportadores, com-petências que têm a ver com o cadastro, com a qualidade e a quantidade de vinhos produzidos na área do Vinho do Porto, mas tem também competências exclusivas em tudo o que diz respeito a todos os outros vinhos produzidos na Região Demarcada do Douro: rosées, brancos ou tintos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está em causa uma instituição de pessoa colectiva de direito público que exerce funções delegadas do poder central no controlo da qualidade do produto, eventualmente, de maior prestígio produzido em Portugal. Está em causa uma instituição que representa 35 000 produtores de vinho. Está em causa uma instituição que representa a base do possível desenvolvimento económico da região de Trás-os-Montes e Alto Douro, com interesses económicos ligados à produção, à exportação e a outros interesses associados. Mas está fundamentalmente em causa também, Srs. Deputados, a confiança que os vinhateiros transmontanos e durienses fazem na Casa do Douro. Está directa e indirectamente em causa a confiança nas instituições, na Assembleia da República e no Governo.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os transmontanos e os durienses não perdoariam à Assembleia da República a indiferença perante uma situação que normalmente poderá produzir uma profunda angústia e uma profunda preocupação na região do Douro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos perante uma situação que poderá produzir uma profunda angústia e preocupação na região do Douro.
No passado, com António Martinho e outros Deputados do Partido Socialista e dos demais, várias vezes exigimos que o Governo exercesse as funções de tutela que lhe competem sobre a Casa do Douro. Tivemos dificuldade em tolerar que só tão tarde o Governo interviesse para tornar nulo um contrato de compra e venda que, no nosso entendimento, iria prejudicar profundamente os interesses dos produtores e vinhateiros do Douro.
Perguntarão: neste momento, o que exige a COFIP5A? Passo a citar: «A COFIP5A, credora e exequente no mencionado processo executivo, exige para a suspensão da praça a apresentação de um plano de pagamento do seu crédito num prazo que poderá ser superior a cinco anos mas garantido por um aval - subsidiário do Estado -, prescindindo do recebimento a curto prazo de qualquer importância».
Sabemos que a Casa do Douro solicitou a 19 de Dezembro uma audiência ao Governo, neste caso particular, ao Sr. Secretário de Estado da Produção Agro-Alimentar, e que muitas das alíneas constantes da agenda proposta tinham a ver com algo que mais tarde se revelou profundamente lesivo para a própria Casa do Douro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, está neste momento em causa o bom nome da Casa do Douro e a tranquilidade de milhares de vinhateiros, a existência de interesses económicos relacionados com questões vastas e profundas do norte de Portugal, o bom nome do produto que mais tem prestigiado Portugal no estrangeiro e o bom nome das instituições democráticas do nosso país.
Daí, faço um desafio, que é também uma interpelação, aos Presidentes das Comissões de Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e de Economia, Finanças e Plano, porque quem está preocupado com esta situação pode resolvê-la rapidamente. Convoque-se o Governo, através do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, e a direcção da Casa do Douro para uma reunião conjunta com estas Comissões e encontre-se, o mais rapidamente possível, uma solução para este problema terrível para o Douro, perigoso para o bom nome do vinho do Porto e para os vinhos do Douro, profundamente desprestigiante para Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente:- Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lino de Carvalho e Barbosa de Melo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, tive oportunidade de ouvir, através do circuito interno de televisão, na reunião da Comissão de Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, a sua intervenção sobre a situação da Casa do Douro, que a todos preocupa. É uma situação que, não sendo nova, periodicamente tem vindo a repor as questões financeiras da Casa do Douro, atingindo agora aspectos de dramatismo com o processo de penhora em curso e cujo prazo de execução é, como o Sr. Deputado referiu, bastante curto.
Aliás, por proposta do Sr. Deputado António Martinho, do Partido Socialista, esta Comissão vai deliberar promover uma audição para ouvir a Casa do Douro e o Governo sobre esta matéria.
A este respeito, gostava de dizer que acompanhamos as preocupações do Sr. Deputado Eurico Figueiredo e, mais do que isso, achamos que o Governo já devia ter dado resposta às sucessivas solicitações de audiência que a direcção da Casa do Douro tem vindo a dirigir-lhe desde Dezembro pelo que não entendemos por que razão o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas não respondeu em tempo útil e célere a essas solicitações. Também somos de opinião de que devem ser desencadeados os mecanismos necessários e adequados para que o património da Casa do Douro não possa ser penhorado.
Não se trata de uma mera questão judicial em curso, mas da defesa de um património que pertence aos durienses, ao país, aos viticultores e a todos aqueles que são da Casa do Douro, de um património nacional e de prestígio internacional. Seria desastroso para os durienses, para os viticultores, para a agricultura nacional e para o prestígio do vinho do Porto se tal se concretizasse.
Nesse sentido, Sr. Deputado, quero acompanhá-lo nas suas preocupações, e deixar uma nota crítica forte por o Governo, desde Dezembro, não ter encontrado tempo para responder às sucessivas entrevistas que a Casa do Douro lhe solicitou e afirmar que, pela nossa parte, estamos disponíveis para, com o Governo, promovermos nesta Assembleia todas as diligências no âmbito de uma audição que permitam rapidamente resolver esta situação e, de uma vez por todas, viabilizar, sanear, e dar um futuro estável à Casa do Douro e aos viticultores durienses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, segui com muita atenção a sua exposição sobre o problema premente dé uma instituição que tem a seu cargo a representação de cerca de 35 a 40 000 famílias de produtores agrícolas ou vitivinicultores, a qual tem sido ao longo do tempo um anteparo da pequena lavoura do Douro contra as apetências daquilo a que pode chamar-se o grande capitalismo agrário e tem merecido daquelas populações a sua confiança permanente.
Mas trata-se de uma instituição que tem atravessado sucessivas dificuldades, desde logo, no momento em que se tratou de extinguir os organismos corporativos. Os anos 70 foram penosos, os anos 80 penosos foram para a Casa do Douro e ela, bem ou mal, tem sobrevivido e realizado as suas funções que são, na verdade, funções públicas de grande relevo no país.
Não é uma questão local mas nacional que estamos aqui a bordejar, porque dela depende muita coisa, a começar, desde logo, como também o Sr. Deputado acentuou, por um produto que é uma das produções de requinte que temos na nossa agricultura. E o grande segredo, porventura, do nosso país, seria saber encontrar meios de preservar no grande mercado europeu as coisas de requinte que aqui produzimos. O Douro é uma dessas instituições.

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Tive pena de que, há pouco, quando o meu colega de bancada, Deputado Carlos Duarte, perguntou ao Sr. Ministro o que pensava fazer, ele não tivesse respondido a essa pergunta sobre a Casa do Douro.
Vejo que o Sr. Deputado Eurico Figueiredo já tomou a iniciativa de apelar para uma audição a realizar na Comissão de Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas. Acho que é tempo de, também aqui, encontrar-se uma solução estável que beneficie o Douro. Termino com esta nota: o Douro não é protegido fora do Douro, ninguém pense que a qualidade, a quantidade, o cadastro do Douro pode ser devidamente defendido por pessoas a viverem no Porto ou, muito menos, em Lisboa. Gostava, pois, de ouvi-lo sobre o que fazer a seguir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, gostava de agradecer as amáveis palavras que me foram dirigidas, quer da parte do Sr. Deputado do Partido Comunista Português, quer da parte do Sr. Deputado do Partido Social Democrata.
Quero notar sobretudo que, em relação às minhas preocupações, houve da parte deste Parlamento uma ampla empalia, uma ampla compreensão e, nesse sentido, a interpelação que tinha feito; durante a minha intervenção de que os Presidentes das Comissões de Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, e Economia, Finanças e Plano tomassem a iniciativa de solicitar uma audição ao Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e, em colaboração com a Casa do Douro, procurar encontrar a solução para este problema, encontrou nesta Câmara um completo eco, pelo menos, nos dois partidos que se explicitaram. Pena é que os Presidentes dessas duas Comissões não se encontrem neste momento no Plenário, porque poder-nos-iam, desde já, dizer de viva voz aquilo que pretendem fazer.
Lembro, contudo, aos Srs. Deputados e ao Sr. Presidente, o que ontem dizia o Sr. Deputado Fernando Amaral num convívio de transmontanos e durienses a propósito de uma senhora humilde que, tendo-o encontrado há alguns anos e, sendo ele uma pessoa pública e conhecida, disse-lhe: «Sr. Deputado, diga lá por Lisboa, na Assembleia da República, que somos pobrezinhos mas limpinhos». Isto quer dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é preciso ter cuidado com os transmontanos e durienses. Somos gente pacífica e ordeira, mas há excessos que não podemos suportar e estou convencido de que os durienses e os transmontanos, «gente pobrezinha e limpinha», não poderão suportar que lhes destruam uma instituição que, de facto, como disse o Sr. Deputado Barbosa de Melo, tem protegido não só os interesses dos pequenos produtores e viticultores como os tem protegido dos desejos expansionistas e abusivos das grandes empresas que também, pela nossa região, têm o seu poiso.
Nesse sentido, quero fazer um apelo às instituições democráticas para que resolvam este problema do Douro, porque estou convencido de que se a Casa do Douro for à praça e vendida, vamos ter muitas dificuldades em conter o descontentamento dos tais 35 000 viticultores que se multiplicam por muita outra gente quanto a interesses na nossa região vinhateira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos começar pela leitura e discussão do parecer elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso apresentado pelo Partido Popular relativo à decisão de admissão da proposta de lei n.º 40/VIII, que altera o regime jurídico relativo à distribuição das receitas do Totobola.
Para proceder à leitura do parecer, tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o parecer é do seguinte teor:
Não se verificam as inconstitucionalidades apontadas à proposta de lei n.º 40/VII, devendo o recurso do respectivo despacho de admissão ser rejeitado.
Para tanto, deve o mesmo recurso subir a Plenário para que se proceda à sua apreciação e votação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme o acordado, cada grupo parlamentar dispõe de três minutos para pronunciar-se sobre o parecer.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Popular apresentou recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 40/VII relativa à atribuição da totalidade das receitas do totobola aos clubes de futebol para efeitos de pagamento das dívidas ao fisco e à segurança social contraídas até 31 de Maio do corrente ano e baseou esse seu recurso de admissibilidade em vários argumentos que, na nossa opinião, viciam a proposta de lei de inconstitucionalidade.
O tempo que nos foi atribuído para discutir esta questão no Plenário não chega certamente para expender todos os argumentos que estão na origem da apresentação desse recurso pela nossa parte. Limitar-me-ei, por isso, ao mais importante com a ressalva de que, independentemente daquilo que se vier a deliberar na Assembleia da República sobre esta matéria, para nós é sempre mais importante, nesta como em qualquer matéria, a discussão política substantiva das opções que estão consagradas pelo Governo na sua proposta de lei. Devo dizer que não tivemos o intuito de prejudicar essa discussão política que pensamos que o País tem de fazer, já que existe um problema ao qual tem de ser dada resposta.
Em suma, a principal razão pela qual nos parece que esta proposta de lei é inconstitucional é porque trata de forma desigual situações que são iguais, a saber: atribui a um conjunto destacado de pessoas colectivas o privilégio de receberem fundos públicos, concretamente, fundos provenientes das receitas de um jogo de fortuna e azar que é o Totobola, para pagamento de dívidas e não trata de idêntica forma todas as entidades que tenham dívidas ao fisco e à segurança social e que também as tenham contraído até 31 de Maio de 1996. Em nossa opinião, isto viola flagrantemente o artigo da Constituição que prevê que todos

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os cidadãos são iguais perante a lei e que a situações iguais o Estado tem de dar tratamento igual. Esta proposta de lei dá um tratamento desigual aos clubes de futebol, atribuindo-lhes recursos para pagamento das suas dívidas que não são atribuídos nem a cidadãos contribuintes nem a pessoas colectivas que também tenham contraído o mesmo tipo de dívidas.
Assim, quanto a nós, esta proposta de lei viola o princípio da igualdade, neste caso tributária, dos cidadãos perante a lei. Com base neste argumento, o que defendemos é que a Assembleia da República deve julgar procedente este recurso que apresentámos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, para uma intervenção, para o que dispõe de três minutos:

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como acabou de ser referido, o CDS-PP apresentou este recurso de admissão com base em três argumentos relativos à eventual inconstitucionalidade da proposta de lei.
Quanto ao princípio da separação e interdependência de poderes, tal como em relação aos princípios de autonomia da vontade e da liberdade de associação, acompanhamos plenamente o que está expendido no relatório da Comissão. Já quanto à questão do princípio da igualdade e da proporcionalidade, também invocado pelo CDS-PP, não acompanhamos de modo algum a fundamentação do Sr. Deputado Relator.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás; foi esta a razão que levou a que os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP com assento na Comissão se tenham abstido na votação deste relatório e será também esta a razão fundamental que nos levará a manter o mesmo sentido de voto em Plenário.
É que, quanto a nós, o que pode dizer-se é que esta proposta de lei, no que concerne ao princípio da igualdade, ao princípio da não discriminação fiscal, deverá ser apreciada no quadro mais amplo das normas jurídico-fiscais em que vai ser inserida é que Membros do Governo já declararam que está a ser elaborada pelo Governo.
Por isso - e é esta a posição do PCP -, podemos admitir esta proposta de lei enquanto proposta para discussão mas não podemos admiti-la enquanto lei, pelo menos enquanto não estiver claramente definido o referido quadro global jurídico-fiscal aplicável à generalidade dos contribuintes faltosos no qual esta proposta de lei necessariamente terá de inserir-se.
Em conclusão, vamos manter a abstenção em relação ao parecer. Quanto à tentativa, que o Governo parece pretender manter, de transformar em lei esta proposta de lei, aí, a questão será outra e bem diferente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o, Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, vou enunciar a posição do Partido Social-Democrata em relação a este recurso de admissibilidade apresentado pelo Partido Popular.

O Partido Social-Democrata votou contra o relatório da Comissão que admite esta proposta de lei. Fê-lo porque entende que o relatório não fundamentava de forma suficientemente clara uma questão que, desde o início, consideramos crucial nesta matéria, qual seja a de saber se esta iniciativa do Governo viola ou não o princípio da igualdade.
Mantém-se completamente o que dissemos em sede da , Comissão, e que, hoje, aqui repito, isto é, que o relator foi propositadamente tímido no tratamento desta matéria. De facto, no que é crucial para nós na apreciação desta matéria, isto é, saber se há ou não violação do princípio da igualdade entre sujeitos fiscais, o relatório passou à margem de questões essenciais. O relatório ficou-se pelo que é meramente formal, o que, para nós, é insuficiente e, por isso, entendemos que não ficou tratada esta matéria. Daí que, sem espanto para ninguém, face à posição que, desde o princípio, o Partido Social-Democrata tem tomado nesta matéria, tenhamos votado contra a admissibilidade desta proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista acompanha as conclusões constantes do relatório elaborado no âmbito da 1.ª Comissão bem como do respectivo parecer, sendo que o objecto do recurso, tal como foi delimitado pelo CDS-PP, punha em causa o carácter individual e concreto das disposições contidas na proposta de lei n.º 40/VII e apontava também, de alguma, forma a violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição.
Contrariamente a outros, o Partido Socialista entende, neste caso concreto, que não se verifica qualquer violação de qualquer princípio constitucional, nomeadamente no que diz respeito à generalidade e à abstracção, bem como ao princípio da igualdade. Contestamos absolutamente a posição do PSD, já que, no âmbito da própria Comissão, este partido teve um entendimento que, depois, não reflectiu na sua votação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No fundo, entendemos que o princípio da igualdade previsto na Constituição não é violado pela proposta de lei porque, tal como se diz no parecer, a Constituição não proíbe a provisão legal de discriminações positivas sempre que elas se justifiquem pela especificidade da situação dos seus destinatários.
Além do mais, pelo modo como o recurso foi interposto, verifica-se claramente uma imprecisão do seu próprio objecto, no que diz respeito à violação do princípio da igualdade. Na medida em que se verifica essa imprecisão do próprio objecto que, de alguma forma, é referida no relatório, consideramos que, efectivamente, não há uma violação do princípio da igualdade, atendendo à forma como está elaborada a norma do n.º 7 do artigo 3.º - porque é essa que, ao fim e ao cabo, está aqui em causa. Nessa medida, defendemos e sustentamos o parecer apresentado e votá-lo-emos favoravelmente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais intervenções, vamos passar à votação do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso, apresentado pelo Partido Popular, relativo à decisão de admissão da proposta de lei n.º 40/VII - Altera o regime jurídico relativo à distribuição das receitas do Totobola, que é o seguinte: «Não se

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verificam as inconstitucionalidades apontadas à proposta de lei n.º 40/VII, devendo o recurso do respectivo despacho de admissão ser rejeitado.»

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do Deputado do PSD Gilberto Madaíl, votos contra do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos dar início ao período regimental de votações, começando por efectuar a votação na generalidade de várias iniciativas legislativas.
Em primeiro lugar, vamos votar a proposta de lei n.º 31/VII - Revê o Código de Processo Civil, designadamente com as alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor dó PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, esta proposta de lei baixa à 1.ª Comissão para apreciação na especialidade.
Passamos agora à votação da proposta de lei n.º 34/VII - Altera o artigo 85.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, e o artigo 112.º da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e do Ministério Público).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Esta proposta de lei baixa igualmente à 1.ª Comissão para apreciação na especialidade.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 155/VII - Associações de família (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

Este projecto de lei baixa à 8 º Comissão.
Passamos à votação do projecto de lei n.º 156/VIILei das associações de família (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e abstenções do PS, do PCP e de Os Verdes.

Este projecto de lei baixa à 8.ª Comissão.
Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 157/VII - Apoio à maternidade em famílias carenciadas (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes é a abstenção do PS.

O projecto de lei agora aprovado baixa à 8.ª Comissão.
Vamos votar o projecto de lei n.º 163/VII - Reforça os direitos das associações de mulheres (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, o diploma baixa à 12.ª Comissão.
Passamos agora à votação do projecto de resolução n.º 23/VH - Instituição do cartão-família (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Vamos votar o projecto de resolução n.º 24/VII - Política global de família (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP e a abstenção de Os Verdes.

O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, para fazer uma brevíssima declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas declarar que o voto contra do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português não tem a ver, com a orientação das recomendações que o CDS-PP propõe no projecto agora votado mas, exclusivamente com o facto de - e permito-me ler o ponto n.º 5 do despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República - «jurídica e politicamente, o presente projecto de resolução significaria assim, e a ser aprovado, que a Assembleia da República estaria a abdicar da sua competência própria nesta matéria - matéria fiscal -, autolimitando o seu poder legislativo».
É para não criarmos o precedente de a Assembleia da República se autolimitar em matéria da sua exclusiva responsabilidade, em termos legislativos, que votamos contra uma recomendação que manda o Governo fazer aquilo que caberia à Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, de forma muito breve, e respeitando a figura regimental ao abrigo da qual uso da palavra, queria dizer que o projecto de resolução do CDS-PP não visa autolimitar o poder legislativo de nenhum órgão, apenas recomenda que se elaborem estudos, e não decisões, sobre as matérias que constituem o conteúdo do processo de resolução.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do requerimento, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, de baixa à 8.8 Comissão, sem votação na generalidade, para efeito de nova apreciação do projecto de lei n.º 169/VII - Acompanhamento familiar de deficientes hospitalizados (Os Verdes).

Submetido á votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

Vamos votar o requerimento, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, de baixa às 8.ª e 12.ª Comissões, sem votação na generalidade, para efeito de nova apreciação do projecto de lei n.º 171/VII - Altera a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril (Protecção da maternidade e da paternidade) (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.

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Vamos votar o requerimento, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, de baixa à 1.ª Comissão, sem votação na generalidade, para efeito de nova apreciação, até ao final da presente sessão legislativa, do projecto de lei n.º 93/VII - Alteração à Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto (Conselho Económico e Social), (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP e do PCP, votos contra do PSD e a abstenção de Os Verdes.

Segue-se a votação do requerimento, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, de baixa às 1.ª, 8.ª e 12.ª Comissões, sem votação na generalidade, para efeito de nova apreciação do projecto de lei n.º 133/Vll - Garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PS.

Srs. Deputados, passamos agora à votação na generalidade, na especialidade e final global do texto final de substituição, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao projecto de lei n.º 61/VII - Reforça as competências e independência do Provedor de Justiça (PS).

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que o texto anunciado foi votado, na especialidade, na 1.ª Comissão, carecendo apenas de votação final global.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é essa a informação que consta do guião das votações. Diz-me o Sr. Secretário que as indicações de que a Mesa dispõe, e que constam do relatório, vão no sentido de se tratarem de três votações e não apenas de uma. A única questão que se põe é á de saber se podemos ou não realizar as três votações ao mesmo tempo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, tanto quanto me é dado ver pelo guião das votações, a Comissão terá identificado a sua proposta não como documento de especialidade mas como um texto de substituição. Nesse caso, por prudência, parecerá mais razoável V. Ex.ª fazer como tinha sugerido, ou seja, a realização das três votações em conjunto.
Penso que haverá consenso de todas as bancadas nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Na dúvida, parece-me ser essa a melhor solução, Sr. Deputado.
Vamos então proceder à votação na generalidade, na especialidade e final global do texto já identificado.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Passamos, agora sim, à votação final global do texto final, de substituição, .apresentado pela Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, relativo à proposta de lei n.º 21/VII - Autoriza o Governo a legislar em matéria de actualização do montante máximo das coimas aplicáveis ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/88, de 16 de Maio.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, nada tenho contra o texto que acaba de anunciar, mas queria dizer que a situação que se coloca em relação aos textos cuja votação se segue é exactamente a mesma da do anterior. De facto, ou a formulação usada no guião das votações não está correcta, pelo menos em relação ao texto que vamos agora votar, ou então, a tratar-se de um texto final de substituição, teremos de fazer as três votações.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, podemos adquirir que se tratará de um lapso de formulação. Tanto quanto julgo, todos nos recordamos do debate aqui travado, do qual apenas resultou a necessidade de introduzir pequenas alterações, de especialidade, à proposta do Governo.
Trata-se, portanto, de um típico processo de apreciação de especialidade na Comissão, remetido para Plenário para votação final global. E o que acabo de dizer é válido tanto para a proposta de lei n.º 21/VII como para a proposta de lei n.º 53/VII, que carecem apenas de. votação final global

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, um texto de substituição trata de uma substituição na especialidade e não na generalidade.
Conforme já havia anunciado, vamos então proceder apenas à votação final global do referido texto.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Passamos à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo à proposta de lei n.º 53/VII - Altera a Lei n.º 113/91, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Protecção Civil) (ALRM).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Terminadas as votações agendadas para hoje, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de dois textos.
Srs. Deputados, há consenso de todos os grupos parlamentares no sentido de se votar, sem discussão prévia, o voto n.º 33/V1I - De saudação pela passagem do 50.º aniversário do Orfeão de Leiria, apresentado pelo Deputado do PSD João Poças Santos.
Para proceder à respectiva leitura, tem a palavra o Sr. Secretário.

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O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor: .
O Orfeão de Leiria é uma prestigiada instituição de utilidade pública com relevantíssimos serviços prestados à região de Leiria e a Portugal, no campo da cultura e da educação, comemorando-se este ano o 50.º aniversário da sua fundação.
Tendo iniciado a sua actividade com um coral masculino, dispõe hoje, para além deste, de corais mistos, feminino e juvenil, todos de elevado padrão artístico, com direcções profissionais e que têm obtido os maiores êxitos nas sucessivas digressões no País e no estrangeiro, tendo designadamente participado, em 1991, na Europália.
Para além da actividade coral, o Orfeão de Leiria constituiu-se como um pólo difusor de arte, de educação e cultura, tantas vezes suprimindo as lacunas e deficiências de entidades públicas, promovendo o teatro e o bailado, bem como o ensino musical, reconhecido oficialmente nos diferentes graus deste ensino e integrando a Direcção da Associação «Orquestra das Beiras».
Como exponente mais notório da sua actividade, o Orfeão tem vindo a organizar anualmente o Festival «Música em Leiria», este ano na sua 14.º edição, que tem alcançado um grande sucesso junto do público, pela qualidade dos músicos, cantores e bailarinos que tem conseguido trazer a Leiria e concelhos vizinhos, numa manifestação cultural assinalável, até pelo facto de ser levada a cabo fora dos grandes centros.
Assim, a Assembleia da República, associando-se à celebração dos seus 50 anos de actividade ininterrupta, saúda o Orfeão de Leiria, bem como todos os seus orfeonistas e seus corpos directivos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto que acaba de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, por último, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da U Comissão sobre retoma de mandato de Deputado.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma de mandato pelo Sr. Deputado António Trindade, do PS, em 20 de Junho corrente, cessando a Sr.ª Deputada Rita Pestana, também do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos dar início à segunda parte da ordem do dia, com a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 154/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Revê a legislação de combate à droga) (CDS-PP), 159/VII - Revisão da Lei da Droga (PSD) e 176/VII - Revê o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (PCP), e da proposta de lei n.º 36/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Para introduzir a discussão, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, na penúltima conferência de líderes, suscitei a questão de, quando existem iniciativas legislativas do Governo e dos grupos parlamentares, a apresentação respectiva ser feita pela ordem de entrada dos correspondentes diplomas, entendimento que me parece ter sido aceite, por unanimidade, nessa conferência.
Nesse sentido, solicito a V. Ex.ª que dê cumprimento à decisão da conferência.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, normalmente, a ordem de entrada reflecte-se no número dos projectos ou propostas de lei, e a proposta de lei do Governo é exactamente a que tem o número mais baixo. De qualquer forma, como não se tratada mesma numeração, pode acontecer que não seja assim.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Acontece, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, qual terá sido o primeiro diploma a dar entrada? O do seu partido?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Cronologicamente, o nosso projecto de lei foi o primeiro a dar entrada.

O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, em escassos segundos, quero apenas confirmar aquilo que o Sr. Deputado Jorge Ferreira acabou de referir e ajudar a Mesa no seguinte sentido: salvo erro, de acordo com a data de admissão de V. Ex.", deverá ser apresentado, em primeiro lugar, o projecto de lei do CDS-PP, em segundo lugar, o projecto de lei do PSD, em terceiro lugar, a proposta de lei do Governo e, em quarto lugar, o projecto de lei do PCP. É esta a ordem que resulta da data de admissão dada por V. Ex.ª às iniciativas legislativas.

O Sr. Presidente: - É essa a ordem de apresentação que será respeitada, Sr. Deputado.
Assim sendo, para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 154/VII, do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O combate ao trafico de droga, no entendimento do Partido Popular, não é um combate a um crime qualquer, o combate à droga é um combate à destruição, à flagelação, à delapidação física e intelectual de parte de uma geração.
Aqueles que, a troco de dinheiro, matam e flagelam uma fatia da sociedade portuguesa não podem ser entendidos como simples criminosos, são responsáveis pela desgraça de milhares de jovens e de milhares de famílias, pela destruição de milhares de lares e por isso devem e têm de responder.
É a sociedade que está em causa, é o País que está ameaçado, é o futuro que fica hipotecado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Nesta Câmara estamos a representar o povo, mas muitos de nós já conviveram de perto com o

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desespero que assola as famílias que foram violentadas pela toxicodependência.
Srs. Deputados, peço-lhes que se coloquem no lugar dessas famílias, que sintam o que elas sentem, que recordem o desespero em que vivem, que tenham presente a impotência que sentem porque não podem legislar.
Bem sei que o combate à droga não pode limitar-se ao agravamento das penas, envolve, e deve envolver, um conjunto de medidas e de políticas que, desde a prevenção à reparação, devem estar articuladas por forma a serem eficazes.
Mas se o agravamento das penas não serve, por si só, para acabar com a criminalidade, a verdade é que uma pena leve potência o crime e a insegurança.

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - A pergunta que lhes coloco, Srs. Deputados, vai no sentido de saber por onde devemos começar. Para o Partido Popular, a resposta é óbvia e evidente: devemos combater, sem tréguas, os traficantes que, sem quaisquer escrúpulos, aliciam, vendem e distribuem pelas escolas, pelas universidades e pelas ruas substâncias psicotrópicas, vulgarmente designadas por drogas, que corroem parte da juventude portuguesa.
Mais de 80% dos crimes cometidos em Portugal são provocados pela toxicodependência. O proveito dos roubos e assaltos vai descaradamente para os bolsos dos traficantes. Não tenho pejo em afirmar que os traficantes são uma chaga social que merece, e bem, o repúdio de toda a sociedade.
Mas, se não queremos que seja a sociedade a fazer justiça, se não queremos que impere a justiça privada, então, tenhamos a sensatez de abrigar a justiça que a sociedade exige, em leis que penalizem justamente estes criminosos.

Vozes do CDS-PP: - Muito. bem!

O Orador: - O Partido Popular apresentou, em Fevereiro de 1996, um projecto de revisão do Código Penal, onde propunha acabar com o laxismo, com a permissividade e com o economicismo que foram introduzidos pela revisão efectuada pelo Governo do PSD.
Propusemos, em primeiro lugar, um aumento geral das penas e uma redefinição das suas finalidades.
Defendemos um aumento do limite máximo da pena para 35 anos, no caso de concurso de crimes, nomeadamente com o tráfico de droga.

O Sr. António Filipe (PCP): - Vá lá! Julgava que era para 50 anos!...

O Orador: - Infelizmente, a Assembleia da República e o Governo, aliás na senda do Governo anterior, preferiu desprezar deliberadamente o carácter dissuasor das penas e o efeito positivo que o seu aumento pode ter no controle da criminalidade.
As nossas propostas não vingaram, mas as convicções que tínhamos são as convicções que temos e, por isso, Srs. Deputados, apresentamos hoje um projecto de revisão da lei da droga que, bebendo no mesmo espírito que animou a nossa proposta de revisão do Código Penal, propõe um agravamento, sobretudo das penas mínimas, para os traficantes.
Respeitamos os limites estabelecidos no Código Penal que VV. Ex.as quiseram fazer entrar em vigor. Por isso, não vamos tão longe quanto julgamos ser necessário e desejaríamos ir. Mas, em respeito pelas nossas profundas convicções, não podíamos deixar de propor o agravamento das penas para os criminosos que violentam grande parte de uma geração.
Recordo-me de que, no debate sobre o Código Penal, nesta Câmara, vários foram os Deputados das outras bancadas que criticaram a proposta do Partido Popular. Afirmaram que o diagnóstico que fazíamos do problema estava correcto, mas errávamos na cura. Afirmaram que o combate ao narcotráfico se efectivava com mais polícia, com mais celeridade no processo judiciário, com mais prevenção.
E verdade, reconhecemos, que nenhuma lei tem força ou é suficientemente forte para resolver um problema tão vasto como este, mas não é menos verdade que a lei é o testemunho da ideia de sociedade em que queremos viver e onde queremos crescer.
O Partido Popular afirma, perante todos os portugueses: queremos viver num país, numa sociedade onde impere a justiça, onde traficantes sejam severamente, repito, severamente punidos, porque o mal social que causam é incomensurável, põe em causa a segurança dos cidadãos e, pior do que isso, põe em causa a saúde física e mental de uma geração.
Àqueles que apregoavam mais polícias nas ruas, nomeadamente aos Deputados que sustentam o Governo, aos Deputados do Partido Socialista, há razão para perguntar: onde pára a polícia?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não há!

O Orador: - Provavelmente, o aumento do número de polícias que o PS prometeu, e que o Governo assumiu, traduzido, aliás, no Programa do próprio Governo, efectivou-se, eventualmente, através de agentes encobertos ou de agentes infiltrados, porque nós, polícia na rua, não vemos, polícia na rua, desconhecemos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tem de sair à noite, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Abram os olhos!

O Orador: - Talvez precise de mudar de lentes, Sr. Deputado!
Srs. Deputados, uma certeza temos: o consumo e o tráfico de droga, esse, não diminuiu. E agora devolvo-lhe o epíteto, Sr. Deputado José Magalhães: abram os olhos!
A droga passeia-se nas nossas escolas, pavoneia-se nas nossas ruas com um descaramento que atenta contra a dignidade de quem tem obrigação de a combater. E essa obrigação, Srs. Deputados, é nossa! A dignidade que está ferida é a nossa, porque continuamos a assistir com passividade e com muito diálogo à destruição da juventude portuguesa.

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

O Orador: - O Partido Popular não quer partilhar desta irresponsabilidade, o Partido Popular propõe inequivocamente um agravamento das penas para os traficantes

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de droga. Não aceitamos o argumento irresponsável daqueles que contrapõem que as penas não podem ser agravadas porque não há espaço nas cadeias.
Srs. Deputados, a medida da pena não pode ser definida por metro quadrado.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se há falta de prisões, construam-se prisões, aproveitem-se os estabelecimentos públicos que estão votados ao abandono, nomeadamente na instituição militar.
Os juízes não podem confundir-se com gestores de prisões, não podem limitar as suas decisões à disponibilidade das cadeias.
Srs. Deputados, temos de dizer que uma lei forte e pesada não faz, por si só, uma sociedade mais segura e mais justa, mas uma lei branda e permissiva é uma porta aberta ao crime, é um convite à transgressão.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Popular propõe claramente pena máxima para os traficantes de droga. Ao contrário, a proposta de lei do Governo e o projecto do PSD mantêm os 12 anos como pena máxima para o «pai» de todos os crimes, para o crime que é responsável por 80% da criminalidade em Portugal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Errado!

O Orador: - Srs. Deputados, a diferença é evidente: o Partido Popular reclama por justiça, propõe mais dureza no combate ao problema, enquanto o PS e o PSD dialogam com o problema. Mas, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, enquanto o PS e o PSD dialogam com o problema, a sociedade, os jovens, as famílias convivem com o problema.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aos traficantes de droga, o Partido Popular responde e responderá sempre com mão pesada e determinada.
Por último, Srs. Deputados, gostava de deixar um desafio, de pedir resposta para uma pergunta simples e que talvez esteja no espírito de muitos portugueses: como reagiriam VV. Ex.as se a toxicodependência vos entrasse em casa? O que pensariam daqueles que a provocaram e que a continuam a sustentar?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não falou da prisão perpétua!...

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, inscreveram-se três Srs. Deputados.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, aquilo que impressiona na vossa posição em relação a esta matéria é a obsessão com a repressão, que dá a ideia de que os senhores desconhecem o problema na sua quase globalidade.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pois desconhecem!

O Orador: - O Sr. Deputado talvez tenha estado numa reunião da Comissão, numa audição que tivemos com o Grupo de Planeamento e Combate à Droga, onde estiveram representados, ao mais alto nível, a Polícia Judiciária, a GNR; a PSP, etc. Ora, o senhor não teve uma única palavra em relação à criação de instrumentos, de que, por acaso, o Governo e outros partidos se lembraram, para dar ferramentas de trabalho aos polícias que o senhor diz não existirem. Provavelmente, o senhor agarra num martelo, bate na cabeça dos traficantes e resolve o problema automaticamente!... Essa é uma visão completamente ignorante do problema, Sr. Deputado!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É uma visão «marteleira»!

O Orador: - O senhor não percebe nada daquilo de que está a falar!
Acredito que estejam tão preocupados como nós com o problema, mas, primeiro, têm de o estudar e só depois é que podem procurar as soluções.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: =Aquilo que o senhor fez aqui foi um diálogo a que assisti várias vezes nas Nações Unidas, que é o diálogo entre os países produtores e os países consumidores: os países consumidores dizem que, se não houvesse traficantes, eles não consumiam, e os produtores dizem exactamente o contrário. O senhor vem aqui dizer que se tivermos um martelo ou uma metralhadora' e matarmos esta gente toda, acaba o problema da droga. É isso que dá a entender! As pessoas que estão lá fora, menos informadas, é isso que percebem! Mas é evidente que há aqui uma coisa venenosa: é que ó povo português, com a cultura que tem, quando houve falar em polícias e em penas, adere, pelo menos parcialmente, a algumas posições que vão nesse sentido, aliás, na linha do vosso procedimento.
Portanto, aquilo que lhe pergunto é se os senhores querem verdadeiramente colaborar em soluções para o problema e se, para além do agravamento, que, aliás, está proposto por outros partidos e pelo Governo, não entendem que as polícias devem dispor de novos instrumentos. E já nem digo que o senhor não teve uma palavra em relação à prevenção do consumo de drogas, ao tratamento e à reabilitação, quando estamos aqui a rever um decreto-lei que se refere a todas essas coisas.
Sr. Deputado, perderam uma excelente oportunidade de, além de manifestarem a vossa sanha repressiva, darem um contributo positivo noutro sentido.
Gostaria, pois, de saber qual é a sua opinião em relação a tudo isto, que não a do «cacete».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

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O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Niza, em primeiro lugar, escolho os meus professores, aprendo com quem tem para me ensinar e sou eu que reconheço autoridade a quem, de facto, tem autoridade para me ensinar.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Chama-se a isso auto-suficiência!

O Orador: - O Sr. Deputado Osvaldo Castro quer falar?

O Sr. José Magalhães (PS): - Já falou!

O Orador: - Não sou autodidacta e sou humilde! Tenho a noção das minhas limitações.

Vozes do PS: - Nota-se!

O Sr. António Filipe (PCP): - Não parece!

O Orador: - Em segundo lugar, quero dizer-lhe que não é verdade aquilo que afirmou. O Sr. Deputado sabe que não é verdade que eu nunca tenha intervindo sobre estas matérias, nomeadamente sobre a prevenção, o tratamento e a reabilitação, em sede de Comissão da Toxicodependência.
Mas, Sr. Deputado, o Partido Popular, porque entende que, de facto, o tráfico de droga é, hoje, o «pai» de todos os crimes, e são as nossas estatísticas que referem que 80% da criminalidade em Portugal decorre, directa ou indirectamente, do narcotráfico e da toxicodependência, entendemos que devia estar abrigado no Código Penal.

O Sr. José, Niza (PS): - Estamos a falar deste diploma!

O Orador: - E continuamos 'a entender que a prevenção, o tratamento e a reabilitação devem ter um tratamento autónomo, sendo, naturalmente, políticas que têm de estar articuladas, aliás, como eu disse - e o Sr. Deputado talvez não tenha ouvido ou tenha escrito a sua intervenção antes de ouvir aquilo que eu disse -...

O Sr. José Niza (PS): - Não preciso de escrever!

O Orador: - ..., pois falei diversas vezes na necessidade de articular políticas, na necessidade de reforçar a prevenção.
Em todo o caso, Sr. Deputado, não tenhamos quaisquer dúvidas sobre o seguinte: se é verdade que uma lei mais forte e mais pesada não resolve o problema, também não é seguramente menos verdade que uma lei leve, uma lei permissiva só agravará o problema.
Por outro lado, tenho todo o prazer em discutir aqui - aliás, podemos trazer para este Plenário o debate que se tem reduzido à Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga - as formas e os instrumentos de que devem ser dotadas as polícias, para que o combate seja mais, eficaz e efectivo. Se calhar, trata-se de um assunto que merece ser debatido nesta Câmara, mas cada coisa no seu lugar. Não vamos confundir as coisas, para não confundirmos os portugueses.
Quero ainda dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: não alinho nessa ideia de que os portugueses, lá fora, são menos informados e podem tirar conclusões erradas da quilo que é aqui dito.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado Jorge Ferreira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge. Ferreira (CDS-PP): - Para defender a honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Niza, V. Ex.ª tem naturalmente todo o direito de discordar das propostas e das posições que o Partido Popular tem sobre esta matéria, concretamente em relação à repressão, à penalização do tráfico de droga. Mas compreenderá que não me ficaria bem, dirigindo-me a V. Ex.ª, dizer que as suas posições sobre esta matéria tinham uma brandura complacente com este tipo de crime que afecta gravemente a sociedade portuguesa. Não me ficaria bem, da mesma maneira que não lhe fica bem a si qualificar de sanha repressiva, um tipo de linguagem que julgo completamente desadequada, embora tenha verificado nos últimos dias que, perigosamente, começa a contagiar ou a revelar-se, nalguns dos seus colegas de bancada, a propósito de outros assuntos, absolutamente desadequada relativamente à elevação que o debate na Assembleia deve revestir sobre esta matéria.
Por isso, quero protestar veementemente pelo tipo de expressão que V. Ex.ª utilizou e fazer um apelo para que este debate decorra calma, serena e construtivamente, e que todos nos saibamos respeitar, que saibamos respeitar as opiniões uns dos outros sobre este tipo de matéria, porque só assim estamos a ajudar a fazer uma lei melhor do que aquela que temos actualmente.
Agora, Sr. Deputado, se vamos entrar por aí, V. Ex.ª pode ter a certeza de que terá uma resposta desta bancada e, se for preciso, também sabemos fazer debates assim. Porém, não o fazemos porque entendemos que isso é prejudicial à imagem da Assembleia e é inútil do ponto de vista da reformada lei, que é suposto estarmos aqui á discutir.

O Sr Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que não tive qualquer intenção de ofender a honra de bancada alguma.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mas ofendeu!

O Orador: - A minha intenção foi dizer que os senhores nesta matéria são ignorantes. E isto não ofende a honra política de ninguém.

Risos do Deputado do PS José Magalhães.

A verdade é que o seu colega falou de professores, e eu tenho alguma experiência disso, aliás, foi nessa área que trabalhei durante muitos anos, pelo que, logicamente, estarei mais informado do que o Sr. Deputado.

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Agora, em matéria de terminologia, não fui eu que inventei a expressão de que os Deputados eram sanguessugas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado Jorge Ferreira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, para fazer um protesto.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero protestar contra as afirmações que o Sr. Deputado José Niza acabou de fazer. Considero-as absolutamente desajustadas do debate que, responsavelmente -e julgo que todos, menos o Sr. Deputado José Niza -, queremos aqui fazer hoje.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O meu protesto abrange também a atitude do Sr. Deputado José Magalhães que, de uma forma absolutamente incompatível...

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Eu?...

O Orador: - Exactamente! V. Ex.ª!
Na minha opinião, a atitude do Sr. Deputado José Magalhães era a de quem estava literalmente a gozar com a cara dos outros.
Portanto, quero que este protesto fique registado. Aliás, não é a primeira vez, porque, nos últimos dias, o Sr. Deputado José Magalhães tem tido atitudes condenáveis, embora noutras sedes desta Assembleia, e voltou a tê-las aqui hoje.
Quero, pois, que este protesto fique registado porque queremos fazer um debate sério sobre a matéria em discussão.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Quem é que chamou cobarde ao Ministro?

O Orador: - E, para tristeza do Sr. Deputado José Niza, não lhe explicarei hoje aqui tudo aquilo que já tive ocasião de explicar várias vezes relativamente aos «sanguessugas», mas depois, lá fora, amigável e pessoalmente, terei oportunidade de voltar a explicar-lhe.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Ismael Pimentel.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, vou fazer um pedido de esclarecimento que será necessariamente breve.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas com cuidado...!

O Orador: - Com os devidos cuidados...!

É que o projecto de lei apresentado por V. Ex.ª também não tem um conteúdo que justifique considerações muito demoradas.
O Sr. Deputado fez uma série de afirmações, naquela tribuna, sobre a gravidade que tem o problema da droga que nós, naturalmente, compartilhamos. Simplesmente, o projecto de lei apresentado por V. Ex.ª não resolve nenhuma dessas preocupações. E esse é que me parece ser, de facto, o problema, porque o que os senhores demonstram com este projecto de lei que não têm ideia nenhuma sobre como atacar o problema da toxicodependência e do tráfico de drogas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segundo o vosso diploma, parece que o problema da droga se resolverá por mera aplicação matemática - «vamos às molduras penais e multiplicamos» como se com isso fosse possível resolver alguma coisa. De facto, o vosso projecto de lei é apenas isso, isto é, digamos que aponta para uma solução que se encontra com uma máquina de calcular, não sendo preciso apresentar qualquer outra solução.
É, pois, com isso que queremos confrontar VV. Ex.as, pelo que pergunto se não consideram que o combate à droga passa efectivamente por encontrar muitas outras soluções, dado que está provado em todo o lado que não há qualquer relação entre a severidade das molduras penais e a resolução dos problemas substanciais. Isto é, creio que não há em nenhum país qualquer experiência em que se demonstre que uma especial severidade penal tenha uma eficácia prática na dissuasão da criminalidade. Aliás, até mesmo em países que têm a pena de morte isso está suficientemente demonstrado no dia-a-dia, em todas as experiências.
Portanto, o projecto de lei que VV. Ex.as apresentam no sentido de aumentar indiscriminadamente as molduras penais, de cumular penas de prisão com penas de multa, que é algo que não tem qualquer tradição no nosso direito vigente e que foi unanimemente recusado, designadamente pela Comissão Revisora do Código Penal, é uma solução inadequada. Os senhores aumentam indiscriminadamente as penas de prisão como se isso permitisse resolver alguma coisa em termos de combate à droga.
Temos de reconhecer que se a vossa proposta pode ter algum eco na opinião pública, evidentemente que se fosse aprovada não haveria eco algum nos tribunais, na medida em que não é, efectivamente, por falta de penas que os traficantes continuam impunes. Eles continuam impunes por outras razões, por deficiências na articulação, na coordenação do combate ao tráfico de droga, pelas dificuldades que tem, efectivamente, esse combate, por todas as causas que conduzem muitos jovens à toxicodependência. Isto é, falta, de facto - temos de o reconhecer -, uma política que, globalmente, responda de forma eficaz ao tráfico de droga e que previna a toxicodependência, tal como deveria ser feito.
É indiscutível que os senhores não apresentam aqui ideia nenhuma para ajudar a resolver este problema. Deste modo, gostaria de confronta-lo com a seguinte questão: que efeito pensa conseguir com um projecto como o que aqui propõem quanto ao que é essencial para a resolução do problema do combate à droga, designadamente do tráfico de droga e dos problemas da toxicodependência?

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, eu não disse, em momento algum, que a única solução para o combate à droga era o aumento das penas. Referi repetidas vezes que esta é uma via.
E reparo que há um ponto de convergência, um ponto de união entre o Partido Socialista e o Partido Comunista - entre outros, eventualmente, mas há este que se torna evidente: é que se preocupam mais com a reparação do que com a prevenção. E os tostões que poupam na prevenção fazem com que, depois, tenhamos de gastar milhões na recuperação.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Não tenha dúvidas, Sr. Deputado - e aqui poderemos divergir ideologicamente, e divergiremos, com certeza, politicamente -, que para nós a medida da pena e a sanção a aplicar aos infractores e aos transgressores é uma medida dissuasora, é uma medida de prevenção. Entendemos que os traficantes de droga são uma praga social e entendemos que são responsáveis por 80% dos crimes que há em Portugal e que, portanto, devem merecer a pena máxima. É uma questão de princípios. É uma questão de critérios de justiça, não tem nada a ver, Sr. Deputado, com o conjunto de medidas que é necessário implementar no que diz respeito à recuperação dos toxicodependentes!
E, sobre isso, deixe-me dizer-lhe que também é falso que o Partido Popular não tenha falado - não fala neste projecto, não fala porque faz a destrinça -, quando aborda a questão da toxicodependência, noutras medidas mas apenas no agravamento das penas.
O Partido Popular propôs, por diversas vezes, no sentido de recuperar e de diferenciar as instituições que hoje acolhem os toxicodependentes, as instituições de acompanhamento e de tratamento, que lhes seja dada maior eficácia, que se combata o desperdício de dinheiros públicos. E o Sr. Deputado, que é presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga, que recebeu representantes de algumas instituições de entidades que se dedicam ao tratamento e acompanhamento de toxicodependentes, que se, queixam continuamente de que não têm meios financeiros para responder à procura, porque um toxicodependente custa entre 120 a 150 contos por mês e as famílias não podem suportar, ou poucas poderão, um custo desta natureza...

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Não dou, Sr. Deputado! Deixe-me acabar o raciocínio.

O Sr. António Filipe (PCP): - Queria só comentar o facto de ter dito que um toxicodependente custava 150 contos por mês...

O Sr: Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado António Filipe, não pode interromper o orador se ele não o autorizar.

O Orador: - O Sr. Deputado, eventualmente, não está interessado nesta parte, mas vou ter de lhe dizer: o Partido Popular foi precisamente o primeiro a preocupar-se em estabelecer uma fronteira para fazer a destrinça entre o «trigo e o joio», entre as instituições que efectivamente existem e que recuperam muitos dos jovens que cederam à droga e que se tornaram toxicodependentes, e outras instituições que, em nome da toxicodependência, do tratamento dos toxicodependentes, apenas servem para receber dinheiro do Estado, apenas servem para receber fundos públicos, pois aqueles que por lá passam, passados dois ou três meses, estão lá novamente, o que significa que a eficácia dos serviços que prestam não servem à comunidade.
Por isso propusemos que fosse constituído o «vale», um crédito às famílias de toxicodependentes, para que elas próprias pudessem seleccionar a instituição que entendessem mais qualificada, que, técnica e humanamente e do ponto de vista científico, estivesse mais capaz e mais apetrechada para transmitir e conseguir um tratamento eficaz para os toxicodependentes.
Sr. Deputado, não queremos confundir as coisas, não metemos tudo no mesmo saco. Há que falar na prevenção, e quando falamos na prevenção temos de falar na medida da pena, e aí, naturalmente, entramos nos critérios de justiça. Há que falar na recuperação, mas esse é outro debate, que, com certeza, terá lugar noutro momento que não este.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Finalmente, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, o projecto de lei que V.V. Ex.as apresentam aponta sobretudo para um agravamento do quadro penal ou da moldura penal como forma de combate ao tráfico ilícito de droga e ao seu consumo, mas sobretudo ao tráfico ilícito de droga.
Entendemos que, para além de haver necessidade de dar um novo enquadramento, em termos penais, em função do novo Código Penal, o problema principal é 'o da eficácia. E não basta ter penas muito altas se não chegamos ao traficante, isto é, de maneira a que se torne possível essa penalização, de maneira a que se torne possível a aplicação da lei. Como? Com os instrumentos de natureza jurídico-legal que introduzimos no nosso projecto de lei. E são eles: o agente infiltrado e a sua capacidade de intervenção, a busca domiciliária, a possibilidade de retirar com mais celeridade o produto do tráfico desses traficantes e, ainda - o que também é importante -,criar as condições para o cumprimento de facto das penas. E neste campo estamos a falar da liberdade condicional, que o nosso projecto de lei passava a limitar para dois terços, qualquer que seja a pena.
Pensamos nós que, em qualquer alteração da lei da droga deviam ser contempladas estas situações; na tentativa de um combate efectivo sobretudo em relação ao tráfico ilícito.
Gostaria de saber, concretamente, o que pensam VV. Ex.as acerca destes instrumentos de natureza jurídico-legal, porque, a não ser assim, aquilo que propõem não tem qualquer eficácia.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, não fez propriamente uma pergunta mas a pré-apresentação do projecto de lei que o PSD aqui trouxe. Porém, tenho todo o gosto, nomeadamente no que diz respeito aos agentes infiltrados, em lhe dizer que, obviamente, a pena não é eficaz se não tivermos instrumentos que permitam detectar quem são os transgressores e um combate efectivo àqueles que andam a vender droga nas nossas escolas e universidades.
Mas as figuras de que falou já estão instituídas. O agente infiltrado, ou agente encoberto, como agora é designado na proposta de lei do Governo, é uma figura que já estava prevista. Agora os meios de que ele dispõe, a busca domiciliária, por exemplo, parece-me um passo positivo.
Na proposta de lei do Governo, e sem querer adiantar-me à apresentação que vai ser feita pelo Sr. Ministro, penso que são dados passos positivos no sentido de tornar mais eficaz o agente encoberto ou agente infiltrado e estamos plenamente de acordo com isso.
Mas, como lhe disse, entendemos que o combate e a sanção que deve corresponder ao tráfico e ser aplicada aos traficantes de droga deveria ter enquadramento no Código Penal e, nessa medida, na proposta que fizemos de revisão deste Código, introduzimos o crime de tráfico de droga. Infelizmente, a nossa proposta não foi acolhida nesta Câmara e entendemos que, neste momento, deveríamos transportar as propostas que então apresentámos, nomeadamente no que respeita ao agravamento das penas, para a revisão da lei da droga.
Quanto a todos os instrumentos de que falou, estamos de acordo, nomeadamente com a busca domiciliária e que não basta agravar as penas, é preciso torná-las efectivas. De contrário, seguramente que se põe em causa a dignidade e a credibilidade da própria justiça.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Está no bom caminho!

O Orador: - Se calhar é por não ouvir os vossos conselhos, mas continuarei a tentar seguir no bom caminho!
Portanto, Sr. Deputado, quanto a esta matéria não temos divergências, todos os esforços que se possam fazer para dotar de meios mais eficazes os agentes da autoridade no combate ao tráfico e consumo de droga terão o aplauso desta bancada.
Agora, sou honesto: já passaram sete meses, o PS prometeu mais segurança, polícias municipais e, de facto, se houve aumento dos agentes policiais, só podem ter sido agentes infiltrados, ou encobertos, porque os outros não os vemos!

Risos do CDS-PP e do PSD,

Portanto, espero que, de facto, os agentes encobertos tenham meios efectivos para concretizarem os seus objectivos, encontrando e denunciando os traficantes de droga espalhados por esse país fora.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Vamos passar agora' à apresentação do projecto de lei n.º 159/VII, apresentado pelo PSD.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostava de assinalar que, durante algum tempo, os nossos trabalhos foram acompanhados por um grupo de licenciados em Direito pela Universidade de Bissau, que se encontram em Lisboa ao abrigo de um convénio com a Universidade de Lisboa. Já deixaram a Sala, no entanto, em nome da Assembleia, gostava que ficasse registado em acta uma saudação cordial pela sua presença entre nós.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 15/93, aprovado com base numa autorização legislativa que mereceu o voto largamente maioritário desta Câmara, constitui reconhecidamente um importante marco no combate ao tráfico e ao consumo de droga.
Nos seus traços jurídicos essenciais, aquele diploma suscita um consenso generalizado na sociedade portuguesa, o que naturalmente não quer dizer que a experiência recolhida com a sua aplicação não aconselhe o ajustamento de algumas das suas normas, principalmente no que toca aos mecanismos legais mais directamente relacionados com o combate e a repressão do tráfico.
Com efeito, a marcada internacionalização deste fenómeno e a continuada sofisticação e aumento do manancial de meios utilizados na prática destes crimes, exigem uma permanente actualização dos instrumentos legais ao dispor das entidades incumbidas de travar o seu combate.
É certo que, em muitas circunstâncias, o extraordinário poderio exibido pelos traficantes e as organizações criminosas que os suportam aparenta sobrelevar a capacidade de resposta das autoridades repressivas nacionais, e até mesmo das internacionais, levando inclusive alguns a questionar a eficácia e a própria bondade da política de criminalização adoptada por Portugal e pela generalidade da comunidade internacional.
Que fique desde já claro: pela nossa parte, tendo em conta os valores da dignidade e da própria liberdade de afirmação da pessoa humana, somos daqueles que condenam sem hesitações este autêntico flagelo social e apostamos, sem tréguas, no seu combate.
Não propomos, por isso, qualquer despenalização ou sequer um aligeiramento das penas, que sempre terão de ser entendidas como uma aceitação tácita ou um menor juízo de desvalor sobre situações dramaticamente destruidoras dos indivíduos e da própria vida em sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de revisão da lei da droga apresentado pelo PSD tem como objectivo nuclear o aperfeiçoamento e a agilização dos mecanismos jurídicos ao dispor das autoridades, no sentido de lhes proporcionar uma maior eficácia dissuasora e repressiva do tráfico e da criminalidade que está associada ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Como consequência desse reforço, entendemos também necessário acentuar as garantias de defesa e salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos em todas as situações em que os mesmos possam ser colocados em conflito com o esforço de combate eficaz a este tipo de criminalidade.

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No que concerne ao regime sancionatório, para além da actualização da moldura penal do crime mais grave de fundação ou chefia de redes de tráfico, com o propósito natural de manter a sua acomodação no nível mais elevado das penas face à recente revisão do Código Penal, propomos a restrição da possibilidade de liberdade condicional ao cumprimento de um mínimo de dois terços da pena, independentemente da condenação ter ou não sido em prisão superior a cinco anos, e bem assim que o agravamento dos limites máximos e mínimos se opere em um terço e não em um quarto da pena como actualmente vigora.
Ainda no plano da agilização dos meios ao dispor do combate à droga, o PSD propõe, quanto à perda de objectos ou de direitos relacionados com as infracções, o afastamento da possibilidade de se recorrer a expedientes legais que, na prática, têm obviado à sua declaração pelos tribunais, ao mesmo tempo que preconizamos a introdução de um primeiro mecanismo de inversão de ónus da prova relativamente a bens de terceiros utilizados na infracção ou a ela interligados.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O terceiro aspecto a relevar neste esforço de aperfeiçoamento à lei em vigor passa pela consagração de novos instrumentos à disposição das autoridades.
São eles a expressa previsão da realização de buscas domiciliárias e o alargamento das capacidades operativas dos chamados agentes infiltrados, necessariamente que enquadrados num mais apertado controle pelas autoridades judiciais, atendendo à delicadeza destas acções enquanto conflituantes com a esfera dos direitos e liberdades individuais dos cidadãos.
Essa é, aliás, uma alteração que o PSD defende para todos os aspectos desta legislação que potencialmente contendam com matéria de direitos, liberdade e garantias, exigindo sempre a obrigatoriedade de participação da entidade judicial competente.
Sr. Presidente. Srs. Membros do Governe, Srs. Deputados: O problema da droga é, sem dúvida, um dos desafios mais decisivos que se colocam às sociedades modernas, quer em defesa dos valores culturais e civilizacionais que as enformam, quer, sobretudo, da livre expressão e afirmação de identidade das novas gerações que objectivamente lhe são mais vulneráveis.
É, pois, um problema que nos diz respeito a todos, sendo legítimo de todos esperar uma procura séria e desassombrada de soluções, soluções em que todos nos possamos rever, soluções que deixem de lado posições sectárias ou polémicas, que só enfraquecerão o combate difícil que a nossa sociedade e as nossas famílias têm vindo e terão de continuar a travar contra o flagelo da droga.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral):- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, há uma questão importante que vale a pena clarificar.
Há uma grande confusão na comunicação social e na opinião pública em relação a conceitos que são utilizados indiscriminadamente, havendo pessoas que julgam, por exemplo, que legalização da droga é o mesmo que despenalização. A opinião pública faz grande confusão com isto, até porque não tem sido suficientemente informada nesta matéria e, na verdade, há grande diferença entre legalização da droga e despenalização do consumo, pelo que temos de nos entender.
O Sr. Deputado defendeu a posição do PSD, que é legitima, mas a verdade é que o PSD também considera que os toxicodependentes são doentes e, normalmente, os doentes vão para os hospitais e não para as prisões. Assim, queria colocar-lhe a seguinte questão: nas situações de início, em que o toxicodependente ainda está no início do consumo, se ele vai para uma prisão, sai de lá pior do que entrou, o que é um facto consumado, porque as prisões, como é reconhecido por todos, não têm ainda condições para proceder à recuperação e se for ver, estatisticamente, saem mais toxicodependentes das prisões do que aqueles que, entraram. Há alguns que saem para o cemitério, por causa da S)DA, mas os que saem vivos estão mais toxicodependentes do que entraram.
Realmente, isto faz pensar, sem contestar, logicamente, a vossa legítima posição.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Niza, muito obrigado pela questão que me colocou. É evidente que concordo em que tem de haver uma distinção, que muitas vezes não está ciará aos olhos da opinião pública, entre aquilo que alguns defendem como a legalização de algum tipo de consumo e o problema da despenalização.
Quanto à questão concreta que me colocou, devo dizer que eu, pessoalmente, e o PSD, porque esta discussão foi feita dentro do nosso partido, entendemos que, na actual legislação existem mecanismos que, na prática, não conduzem nem têm conduzido, na esmagadora maioria das situações, aos tais efeitos perversos que agora enunciou e que, a acontecer, teriam de ser corrigidos.
Porém, a verdade é que o chamado princípio ou critério da oportunidade é algo que tem vindo a ser praticado, e bem, pelos nossos tribunais e pelo próprio Ministério Público. Portanto, o nosso entendimento ê o de que a legislação tal qual está desde 1993 tem provado conter em si os mecanismos suficientes que levam a uma adequada utilização do tal critério da oportunidade e a que os tais consumidores ocasionais que denotem alguma vontade declarada de se afastarem e anular a toxicodependência em que se encontram envolvidos vejam a sua situação adequadamente ponderada pelas autoridades.
Assim, no nosso entendimento, não existe, de facto, um problema real nesta matéria que seja necessário colmatar. O que contestamos é uma iniciativa legislativa que venha, não a par daquilo que é a necessidade sentida na realidade, apontar para um aligeiramento das penas ou mesmo para uma despenalização total, porque poderia ser entendida pela opinião pública - conforme disse e muito bem, pois nestas matérias, por vezes ela apanha apenas, digamos, o ruído de fundo e não capta a mensagem essencial -, como uma aceitação tácita do consumo ou como um menor desvalor social desse consumo.
Ora, quanto a isso entendemos que este poderá ser um perigo maior relativamente ao drama da droga e do seu consumo, em que muitos jovens são apanhados, e, por-

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tanto, entendemos que a legislação tal qual está contém os mecanismos suficientes para acomodar a ponderada utilização dos tais critérios de oportunidade e mexer nela no sentido de aligeirar as penas ou de as retirar, despenalizando o consumo, pode incutir na nossa juventude a ideia errada de que o desvalor social e o perigo que decorre do consumo da droga deixou de existir, o que constitui, para nós, um maior perigo do que o critério da oportunidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral). - Sr.ª e Srs. Deputados, é agora altura de introduzir no debate a proposta de lei n.º 36/VII, que altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Para proceder à sua apresentação, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. ,Deputados: Quando, há meses atrás, vim a este Parlamento, numa iniciativa que suponho ser praticamente inédita não de apresentação de uma proposta de lei mas de discussão prévia com os Srs. Deputados de um conjunto de princípios que haviam de presidir à elaboração dessa proposta de lei, estava longe de imaginar tão bons resultados que teria essa minha vinda. Como tão bons resultados teve, vou continuar a fazê-lo sempre que se trate de propostas de lei de grande impacto social e, sobretudo, de matérias que, suscitem e mereçam uma discussão alargada, num ambiente porventura mais liberto, sem uma proposta concreta que esteja já presente no Parlamento mas, sim, com os seus princípios já bem expressos e definidos. A verdade é que me congratulei - e continuo a congratular-me! - pelo facto de o maior partido da oposição ter aderido praticamente na íntegra às propostas que nessa altura apresentámos e que hoje aqui renovamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Introduzir alterações substanciais na legislação anti-droga não é hoje tarefa fácil, fundamentalmente por dois motivos: em primeiro lugar, porque os condicionamentos impostos ao País pela ratificação de instrumentos jurídicos internacionais não deixam margem para soluções de grande originalidade, pautadas por visão exclusiva da realidade nacional; em segundo lugar, porque o fenómeno do consumo de drogas para fins não médicos permanece em evolução rápida e os seus contornos e implicações várias, de âmbito sanitário, social, criminológico, económico, continuam incompletamente conhecidos, para não dizer largamente desconhecidos em amplas faixas da sua expansão.
No entanto, e ao mesmo tempo, precisamente pelo carácter mutante do fenómeno, o ajustamento da reacção do Estado em cada momento é particularmente necessário se não queremos deixar degradar a situação, nomeadamente na vertente da contenção da oferta de droga levada a efeito pelos traficantes.
Por isso, sem prejuízo do debate no interior da sociedade e das suas organizações cientificas e sociais com vista a outras soluções, não nos podemos quedar por discussões de resultado imediato mais ou menos imprevisível (para não dizer duvidoso) e dilatar acções políticas consideradas de momento aconselháveis.
No programa do XIII Governo Constitucional previu-se o agravamento das sanções para este tipo de criminalidade, o que evidentemente está a ser concertado com outras medidas em curso nos domínios da prevenção, do tratamento e da reinserção dos toxicodependentes.
Como se sublinhou na exposição de motivos da proposta de lei ora em apreciação, o tráfico e o consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas estão hoje na origem de muito do crescimento da criminalidade e do aumento da insegurança na sociedade portuguesa. Por outro lado, ocorreram, entretanto, alterações ao Código Penal, algumas de sinal agravativo das sanções, pelo que se justificam as adaptações aqui propostas para salvaguarda da coerência do sistema.
Antes de assinalar os pontos que consideramos de mais relevo no diploma em causa, valerá a pena aproveitar a oportunidade para reflectir sobre a amplitude do fenómeno a nível internacional e regional (refiro-me europeu).
As indicações mais recentes do órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes (OICE) não apontam para um abrandamento da produção, do tráfico e do consumo .de droga.
Embora cada vez menos importante a distinção entre países produtores e consumidores - por exemplo, as drogas sintéticas, o grande risco do futuro, são predominantemente produzidas nos países que antes dizíamos apenas consumidores -, é certo que se mantêm as fontes tradicionais abastecedoras das drogas mais vulgarizadas, isto é, a heroína, a cocaína e á cannabis, provenientes, quer dos países do Oriente, quer da América Latina, quer da África, respectivamente, com uma característica nova: a cannabis expande-se por, muitas outras regiões, nomeadamente pela Europa, e a América Latina passou a produzir também grandes quantidades de papoila do ópio e a fabricar heroína, aproveitando-se dó desvio. de precursores que vão da mesma Europa.
Também aqui se caminha para uma espécie de economia global, o que logo significa que são de resultado cada vez mais duvidoso as «receitas» de índole nacional.
Esta característica planetária verifica-se numa outra vertente, a do branqueamento de capitais, onde, apesar de a comunidade internacional ensaiar apenas os primeiros passos, já é bem visível o modo como os «branqueadores» reagem logo que os países implantam sistemas de defesa e detecção, ou seja, deslocando-se para as zonas onde tal ião sucede em busca de «paraísos de branqueamento».
Na região em que geograficamente nos inserimos destacaria dois aspectos.
O desmoronamento do denominado «bloco de Leste» e a desorganização económica subsequente apareciam aos olhos dos observadores menos advertidos como um terreno não propício para a expansão da droga, designadamente pela rarefacção de meios financeiros.
Todavia, sucedeu precisamente o contrário. Aproveitando das condições climatéricas, a cannabis, que cresce espontânea ou cultivada, expandiu-se; a estrutura existente em alguns desses países destinada à produção de precursores ou produtos químicos proporcionou desvios para o mercado ilícito de droga e, como se não bastasse, várias organizações criminosas introduziram-se e dominam hoje áreas económicas e financeiras essenciais.
Diríamos que à desorganização económica substituiu-se a «organização» do mercado da droga como, de um modo mais geral, da criminalidade organizada.
Um outro aspecto diz respeito a países da Europa Ocidental e da União Europeia.

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É sabido que, sob a égide de orientações políticas algo diferentes entre si, países como a Holanda, a Suíça e, mesmo, a Itália e a Espanha têm aplicado medidas de pendor menos repressivo no que toca ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, acentuando predominantemente a vertente sanitária.
Deixando de lado a Suíça, onde está em curso um projecto que passa pela distribuição controlada de heroína a toxicodependentes pesados, com resultados ainda em muitos casos por apurar, constata-se que a Holanda modificou no ano passado algumas orientações da sua política de tolerância de posse de droga para consumo pessoal - que no haxixe podia ir até 30 gramas, a ser adquirido num dos cerca de 2000 cOffee-shops espalhados pelo país -,inflectindo no sentido de apenas permitir a posse de 5 gramas e da redução drástica do número daqueles estabelecimentos, até como meio de diminuir o «narcoturismo» que se instalara. E ainda há dias a imprensa internacional nos deu conta de que se pensa introduzir restrições à frequência daqueles locais que ficaria condicionada à posse de específico cartão de utilizador.
Na Itália e na Espanha as hesitações não têm estado menos presentes que em outros lugares e outras experiências, designadamente de substituição de sanções criminais por sanções administrativas; para além da questão da conformidade com o direito convencional, mostrar-se-ão de momento inconclusivas, sendo certo que ambos os países apresentam uma elevada taxa de prevalência de heroinómanos maior do que a taxa portuguesa.
Para aqueles que clamam, a justo título, por soluções mais eficazes para um problema que põe em cheque primacialmente as camadas mais jovens, afectando de forma grave o harmonioso desenvolvimento físico e mental da humanidade no seu conjunto, diremos que em face da dimensão mundial da questão, medidas mais arrojadas e porventura de melhores resultados têm forçosamente de ser pensadas nessa dimensão mundial.
Vem isto a propósito da motivação que nos levou a não propor a alteração de outros pontos da legislação anti-droga. Pensamos que a sistemática propagação pública de outras soluções, de efeito desconhecido, mas que apontam indubitavelmente para o amolecimento de um certo padrão de valores, que se considera maioritário na sociedade portuguesa, abala a pouco e pouco a convicção de todos aqueles que no dia-a-dia acreditam - e eu acredito! - que é possível conter e reduzir as dimensões do fenómeno.
Quanto à realidade nacional, no nosso país o flagelo da droga não tem deixado de se agravar nos últimos anos. O número de apreensões não parou de crescer de 1658 em 1987 para 4614 em 1995, com uma maior incidência nos últimos anos de heroína e um menor grau de cocaína.
Por outro lado, o fenómeno da droga tem-se estendido progressivamente a várias regiões do País, diminuindo a concentração na área de Lisboa e Porto. O número de processos por tráfico/consumo sobe de 599 em 1987 para 1676 em 1995 (embora, nos últimos três anos, tenha havido uma certa estabilidade no número de processos).
O número de toxicodependentes atendidos em tratamento cresce de 2657 em 1987 para 7460 em 1995 e cresce também de 22 para 193 o número de mortes por overdose entre aqueles mesmos anos, tudo dados que são um alerta e uma confirmação a exigir de todos, Assembleia da República, Governo e, sobretudo, sociedade civil, uma efectiva conjugação de esforços nas várias vertentes da prevenção, tratamento e repressão.
Numa breve síntese, a proposta de lei que apresentámos à Assembleia da República, depois de um debate que aqui suscitámos e onde colhemos sugestões relevantes, a par de um apoio generalizado às propostas então apresentadas, tem como objectivos fundamentais o agravamento das penas para o tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores - e já agora, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, permita-me que lhe faça uma breve emenda, pois quando disse, referindo-se à proposta de lei, que não havia agravamento das penas creio que fez uma leitura porventura apressada; a previsão de um regime de defesa dos direitos de terceiros de boa fé quanto à titularidade de objectos apreendidos em processos por crimes daquela espécie; a reinstauração da possibilidade de não exercício da acção penal em relação a agentes de pequenos crimes de consumo de estupefacientes, evitando a sua etiquetagem; o agravamento dos requisitos de libertação condicional de condenados por crimes de tráfico de droga; o detalhe da regulamentação da figura do «agente infiltrado», em termos mais alargados mas também mais garantísticos; a introdução de um processo mais expedito de utilização pela Polícia Judiciária dos objectos por ela apreendidos, sem menosprezo dos direitos dos legítimos proprietários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Justificar-se-á, para além do que consta da exposição de motivos da proposta de lei, aludir com mais algum pormenor a dois pontos: a figura do agente infiltrado e a denominada inversão do ónus da prova no que toca aos bens apreendidos, provavelmente obtidos com o uso de fundos provenientes do tráfico de droga, e cujo uso não se pretendeu consagrar.
Como é sabido, já existe na actual legislação a figura do «agente infiltrado» ou «agente encoberto», podendo ser desempenhada quer por funcionário de investigação quer por elemento estranho à polícia. Foi usada várias vezes, sem censura, por parte dos tribunais.
Novidades agora introduzidas com a finalidade do reforço da sua eficácia são as seguintes: permite-se o seu uso ainda antes da abertura do inquérito, constituindo a infiltração uma forma de exercer prevenção; em qualquer caso, impõe-se a autorização prévia da autoridade judiciária competente, marcando-se um período determinado para a intervenção, diferentemente do que hoje sucede; tenta-se, finalmente, preservar a identificação do «agente infiltrado» com vista à sua intervenção futura ou à possibilidade da sua intervenção futura.
Neste balanço entre um mais apertado controle judiciário da figura e uma maior possibilidade de penetração nas redes do tráfico pode vir a residir o acréscimo da sua eficácia, sem riscos de abuso, bem pelo contrário, com maior transparência e controle da sua actuação.
Debrucemo-nos sobre a inversão do ónus da prova em relação a bens de terceiros, designação invocada num dos projectos de lei apresentado ao Parlamento.
Para que o terceiro (de boa fé) pudesse afastar a perda dos objectos, direitos ou vantagens em favor do Estado teria de fazer prova de um «legítimo desconhecimento» da fonte ou proveniência ilícita. Na proposta de lei a matéria está especificada em pormenor no artigo 35.º-A e o possuidor de boa fé terá de demonstrar a ignorância desculpável quanto ao facto de os bens apreendidos se destinarem à prática de uma infracção prevista no diploma ou por ela terem sido produzidos.

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Este conceito é o que mais se aproxima da tradição jurídica noutros ramos de direito e, por isso, sistematicamente o mais ajustado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Recorde-se, porém, que a Convenção das Nações Unidas de 1988 preconiza - artigo 5 º, n.º 7 - a possibilidade de ser invertido o ónus da prova no que respeita à origem lícita dos presumíveis produtos ou outros bens que possam ser objecto de perda «na medida em que os princípios do respectivo direito interno e a natureza dos procedimentos judiciais e outros o permitam».
A questão assumirá especial importância quando se trate de bens encontrados na posse do próprio arguido. Inverter 0 ónus da prova - se é que em processo penal se pode falar desta maneira - significaria então deixar para ele a prova da origem lícita dos bens de que era possuidor e porventura não se ajustassem ao seu normal trem de vida.
Só que importaria ter em conta alguns preceitos do artigo 32.º da Constituição da República - os n.os 1, 2 e 5 -, no que toca à presunção de inocência e ao princípio do acusatório, matérias em que logo se depara com grande complexidade e melindre e, por isso, deixadas para melhor estudo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensa o Governo não só ter dado cumprimento a um aspecto fundamental do seu Programa, como ter contribuído seriamente para pôr de pé instrumentos jurídicos com grandes virtualidades na luta contra o tráfico de droga. Naturalmente que é necessário completá-los por medidas de reforço do aparelho policial.
Já aqui referi, noutra ocasião, os avanços feitos em matéria de coordenação da acção dos vários intervenlentes, com criação das unidades de coordenação e intervenção conjunta, actuando quer no campo da partilha de informação quer nas acções comuns a desenvolver - e, nessa altura, tive ocasião de explicar ao Sr. Deputado Carlos Encarnação que nada estava feito nesta matéria pelo anterior governo.
Como também já referi - e V.V. Ex.as foram sempre mestres em fazer leis mas menos em executá-las -, há a vantagem de "um verdadeiro sistema de centralização e tratamento de toda a informação respeitante às infracções neste. domínio.
Trata-se, juntamente com o reforço em meios humanos e técnicos da DCITE, de medidas essenciais para dotar o aparelho judicial de capacidade acrescida de intervenção.
A droga é o inimigo público número um do Governo, é um dos problemas que mais preocupa os portugueses. Tudo o que se fizer para o ataque ao tráfico é o cumprimento de um dever indeclinável para com os nossos jovens, vítimas primeiras do flagelo da toxicodependência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota -Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardinó Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, de facto o tráfico de droga e a toxicodependência continuam a constituir, não só em Portugal como em todo o mundo, um verdadeiro flagelo social. Neste ambiente é fundamental para nós que o Governo e os partidos da oposição assumam, sem expressão política ou ideológica, as suas responsabilidades, unindo esforços na luta contra a droga e as suas consequências sociais.
Embora o objectivo prioritário seja o de proteger os indivíduos, a começar por aqueles que estão em maior risco, designadamente os jovens que ainda não foram tocados pelas malhas da rede de distribuição de droga, entendemos também que prevenir o problema passa pelo reforço da luta contra o tráfico ilícito e o consumo abusivo de droga. É o que estamos aqui hoje a tratar.
Sr. Ministro da Justiça, a proposta de lei e o nosso projecto de lei não são muito diferentes, tendo apenas algumas diferenças de natureza técnica. No entanto, não deixo de colocar a V. Ex.º duas questões, que têm a ver com a opinião emitida em 1992, aquando da discussão do pedido de autorização legislativa pelo governo de então para legislar sobre esta matéria, pelo Sr. Deputado José Vera Jardim. Dizia, na altura, o Sr. Deputado - e cito o seguinte: «Mas a primeira pergunta que queria fazer-lhe, Sr. Ministro, refere-se a algo que V. Ex.ª passou um pouco por cima, isto é, ao exame médico quando houver indícios de consumo. Esse exame médico, de acordo com o diploma, é ordenado pelo Ministério Público e não pelo juiz, observando-se, com as necessárias adaptações, o regime do processo penal. Ora bem, penso que esta disposição do diploma poderá originar algum perigo em termos de excesso de actuação futura do Ministério Público nesta matéria, pelo que gostaria de perguntar a V. Ex.ª se pensa que este esquema de exame médico adequado com meros indícios não devia, em princípio, submeter-se à norma da jurisdição do poder e da decisão do, juiz e não apenas do Ministério Público.» Penso que, nessa altura, o Deputado José Vera Jardim, quando assim falava, pensava nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A segunda questão advém ainda de uma afirmação do Sr. Deputado José Vera Jardim, confrontando-a com o Sr. Ministro Vera Jardim. Permita-me continuar a citá-lo: < Acresce que nos artigos 45.º, 46.º e 47.º vem ainda agravar a questão ao prever no artigo 47 º a pena de prisão até dois anos para quem se recusar a ser objecto de um exame médico. Nesse sentido, gostava de saber onde é que o Sr. Ministro, no nosso sistema jurídico-penal, encontra algo de parecido a esta punição com dois anos de prisão a que ficará sujeita a pessoa que, havendo meros indícios de transportar no seu corpo (fórmula de que desconheço o exacto alcance) estupefacientes se recusar a ser submetido aos exames. Pensamos que este diploma contém algumas fórmulas perigosas e, até me atreveria a dizer, de duvidosa constitucional idade.»
Gostava de saber por que é que o Ministro da Justiça do actual Governo, tendo em conta estas posições anteriores, não entendeu fazer essas mesmas alterações na proposta de lei que agora apresenta.

Vozes do PSD: - Muito bem! .

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva. .

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, permita-me a ousadia de louvar a intervenção que fez e de, na minha humilde qualidade de Deputado interessado por estas questões, reconhecer que fez uma descrição da situação que revela uma sensibilida-

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de, um apurado sentido daquilo que é neste momento a dimensão deste problema no nosso país, que, aliás, contrasta com a arrogância que veio da bancada do PS.
Sr. Ministro, a pergunta que quero fazer-lhe decorre de algumas medidas cautelares e também de prevenção que já foram adoptadas em outros países da União Europeia.
Como é sabido, a abolição do controle das fronteiras, que decorreu num decurso de vários equívocos e em que muitos confundiram liberdade de circulação de pessoas e bens com o fim das fronteiras, provocou generalizadamente em todos os países da Europa o aumento do consumo da droga e, portanto, do seu tráfico, o que levou, inclusivamente, a França e o Luxemburgo a retomar o controle de fronteiras.
É sabido que a proveniência dos produtos psicotrópicos é cada vez mais variada, que os agentes, os narcotraficantes têm rotas cada vez mais dispersas, mas a verdade é que a fronteira terrestre continua a ser uma porta aberta e uma das vias privilegiadas de entrada de droga nó nosso país. Pergunto, Sr. Ministro, se não valerá a pena repensar no controle de fronteiras, tal como fez a França e o Luxemburgo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro não conseguiu resistir a acusar, em remoque dirigido à minha bancada, com alguma elegância, reconheço, o facto de o Grupo Parlamentar do PSD se ter antecipado ao Governo na apresentação de um projecto de lei.
O que eu queria relembrar ao Sr. Ministro é que V. Ex.ª esteve nessa reunião, em boa hora - foi uma excelente iniciativa, e espero que o Sr. Ministro possa repeti-la em várias outras matérias -, no dia 20 ou 21 de Fevereiro, salvo erro, e, nessa reunião, em que, como o Sr. Ministro também reconhecerá, o PSD não regateou apoio às propostas que nos formulou, V. Ex.ª anunciou que lá para o final do mês de Março contaria dar entrada nesta Assembleia da sua proposta - nós esperámos, Sr. Ministro. Esperámos até Março e esperámos mais dois meses. E como o Governo não apresentava a proposta, o PSD tomou a iniciativa de formular o projecto de lei que hoje também estamos aqui a discutir, projecto de lei em que nos aproximamos - penso que comungo com o Sr. Ministro que esse é um facto com que todos nos devemos congratular porque o assunto é sério -, e muito, do ponto de vista que o Sr. Ministro e o Governo formulam na proposta de lei, embora com algumas diferenças, diferenças essas que, não fosse o caso de o Governo ter demorado tanto tempo a apresentar a proposta de lei, provavelmente nós teríamos feito apenas em sede de especialidade. As coisas passaram-se como se passaram e é por isso que estamos também aqui a discutir o nosso projecto.
Relativamente a essas diferenças, Sr. Ministro, queria colocar-lhe duas pequenas questões que me parecem ser relevantes: a primeira, prende-se, no fundo, indirectamente, com aquilo que já foi citado pelo Sr. Deputado Bernardino de Vasconcelos relativamente a declarações que o Sr. Ministro, na altura Deputado, formulou nesta Câmara aquando da discussão do pedido de autorização legislativa que deu lugar ao Decreto-Lei n.º 15/93 e que tem a ver com o entendimento - que nós também partilhamos - de que, em determinadas circunstâncias, nomeadamente quando estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais, a intervenção ou o sancionamento das medidas a tomar pelas autoridades, deve ser feita pelas autoridades judiciais.
De facto, as autoridades judiciais é que são órgãos de soberania e são elas que têm, em última instância, de garantir a defesa desses direitos dos cidadãos. O Sr. Ministro pensava assim nessa altura relativamente ao assunto dos internamentos. De resto, recordo-me até que o Sr. Ministro, nessa reunião que teve connosco, no Senado, também expressou, relativamente ao aprofundamento dos artigos relativos ao agente infiltrado, que se tornava necessário prever a intervenção da autoridade judicial, o que não veio a verificar-se na proposta de lei apresentada pelo Governo, que coloca aqui «autoridade judiciária». Nessa matéria, penso que não será - é a primeira questão que coloco - nas situações em que direitos, liberdade e garantias fundamentais dos cidadãos estejam em causa que se torne necessário e adequado num Estado de direito que haja uma intervenção da autoridade judicial.
A segunda questão que queria colocar-lhe, Sr. Ministro, diz respeito à liberdade condicional: de facto, li e reli o artigo 49.º-A da proposta de lei do Governo e não encontro nenhuma alteração no texto que aqui está relativamente àquilo que é a previsão do artigo 61.º, n.º 4, do Código Penal. Nesse sentido, não vejo utilidade no que aqui está. Ao invés, diria que no projecto de lei apresentado pelo PSD também mexemos na liberdade condicional mas num sentido que evolui e endurece os requisitos necessários para a obtenção de liberdade condicional aos condenados por crimes de tráfico de droga. Não consegui ver esse agravamento no artigo 49.º-A. Peço, portanto, ao Sr. Ministro que tente explicar-me qual a diferença deste artigo 49.º-A relativamente ao que está no n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Ainda para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Justiça, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, antes de mais, em nome do Grupo Parlamentar do PS, queremos congratular-nos com a iniciativa que tomou e que vem complementar outras iniciativas do Governo noutras áreas, aliás já anunciadas.
Queria, aliás, constatar que o Sr. Ministro, ao fim de oito meses de estar no Governo, até menos do que isso, foi fazer uma revisão das leis anteriores, e para aqueles que acusam o Governo de lentidão, queria referir que o PSD, quando esteve no governo, só ao fim de oito anos é que fez a revisão das leis anteriores - portanto, há aqui uma diferença de um para dez que convém acentuar porque é verdade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro, na sua brilhante intervenção, fez um diagnóstico de situação interessante e actualizado da droga. Penso que daí resulta um objectivo que é, no fundo, aquele a que se costuma chamar contenção do fenómeno - não é resolver o fenómeno, mas a contenção já é um objectivo, não só realista mas a atingir.
Queria constatar igualmente, como o Sr. Ministro disse, que, tendo aumentado a produção e não tendo baixado os preços, pressupõe-se, logicamente, que o consumo tenha aumentado. Quanto aos números que o Sr. Ministro

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deu em relação a estatísticas nacionais, embora sejam legítimos, permitia-me corrigi-los para cima - e digo porquê, Sr. Ministro: é que há uma estatística encapotada, talvez superior àquela que é oficial, porque, designadamente no número de toxicodependentes em tratamento, o Sr. Ministro não tem as estatísticas das instituições privadas, das ONG, etc. O Sr. Ministro tem aquilo que lhe é dado pelo SPTT e, provavelmente, pouco mais; mas, por exemplo, o Patriarche e todo um conjunto de outras instituições não fornecem estatísticas, pelo que essas, logicamente, não vão parar às suas mãos. Portanto, aquilo que disse, não será a ponta do iceberg mas talvez seja menos de metade do iceberg.
Queria, entretanto, fazer-lhe uma pergunta provocatória sobre o agente provocador. Gostaria que o Sr. Ministro se referisse a essa figura...

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Infiltrado!

O Orador: - Não, não! Eu sei o que estou a dizer! É que há vários tipos de agentes e há um que se chama provocador. Era sobre isso que gostava de ouvir o Sr. Ministro, porque há posições diferenciadas em relação a essa figura. Há países onde isso existe.
Há uma outra questão que gostaria de colocar, mas o Sr. Ministro já se antecipou - era a questão da inversão do ónus da prova que penso que, neste momento, não ficará contemplada mas se, infelizmente, a situação continuar a evoluir internacionalmente, como está, daqui a algum tempo teremos de a contemplar.
Mas quanto à questão do agente provocador, deixo-lhe esta «provocação», Sr. Ministro.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, tenho sempre um enorme gosto em colocar-lhe questões. Devo dizer que, nesta altura, não estaria a pensar em fazê-lo, não fosse a intervenção de V. Ex.ª E a intervenção de V. Ex.ª trouxe-me à lembrança um cenário completamente diferente do de hoje, que eu gostaria de sublinhar aqui só para V. Ex.ª ver como tem sorte na oposição que tem! E tem sorte em o partido maior da oposição ter uma noção daquilo que são as questões sérias do País que VV. Ex.as, quando estavam na oposição (perdoe-me, Sr. Ministro), não tinham.
Para legendar o que acabo de afirmar, tenho de lembrar a V. Ex.ª como é bom que o Ministro da Justiça não se chame hoje Jaime Gama e que, felizmente, o Ministro Jaime Gama esteja nos Negócios Estrangeiros, porque aquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama fez aqui uma vez, num debate sobre a droga e a criminalidade, foi uma perfeita vergonha. E, felizmente, temos hoje, naquela bancada, um homem que sabe o que está a dizer, que é um homem experiente na matéria, que deu uma boa lição ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, que deve tê-la aprendido bem, certamente...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Não, não aprendi!

O Orador: - Não fique complexado! O senhor, ao lado do Sr. Deputado Jaime Gama, não passava de um aprendiz naquilo que disse!

Risos do PSD.

Mas o Sr. Deputado José Niza, fez bem: disse-lhe da sua experiência, chamou-lhe a atenção para as enormidades que, porventura, ele estava a dizer, consciente daquilo que era a melhor das soluções, mas compreendeu também que, na verdade, a posição do PS, em tempos, era demasiadamente fraca em relação a esta matéria e hoje está substancialmente fortalecida, principalmente pela sua intervenção e pela sua consciência.
Aquilo que nós hoje estamos a discutir são questões sérias, colocadas de maneira séria, com projectos, sérios sobre esta matéria que vêm do maior partido da oposição e do Governo. E estamos a fazer uma coisa que (perdoe-me mais uma vez, Sr. Ministro) tem de ser feita assim: em determinada altura, e de acordo com a evolução do tráfico e do consumo da droga em Portugal, houve que alterar o quadro legal. Foi uma profundíssima revolução, que não podia ter sido feita de outra maneira, que, porventura, não podia ter sido feita noutra época e que teve, necessariamente, um período de reflexão, um prazo largo de reflexão, para se saber se aquele era o caminho certo ou se se teria de arrepiai o caminho, se se teria de caminhar noutro sentido.
É por essas e por outras que hoje temos aqui estas propostas e estes projectos, que não são mais do que a reflexão sobre um determinado conjunto de normas que se apresentaram em determinado momento e que tiveram um inegável mérito. E também lhe digo, Sr. Ministro, que aquilo que V. Ex.ª disse há pouco, aquele número de 4600 em 1995, não pode ser lido apenas - e o Sr. Ministro sabe disso - como um aumento de tráfico ou do consumo; tem sempre de ser lido também como aumento de eficácia no combate. Se V. Ex.ª lesse isso de uma só maneira, é evidente que desvirtuaria a realidade.
Por último, queria dizer ao Sr. Ministro que mais uma vez lhe agradeço a referência que fez à legislação publicada no ano passado sobre as Unidades de Coordenação e as atribuições de competências à PSP e à GNR. Uma estava a ser praticada, a outra não estava, como é evidente, porque, como V. Ex.ª compreenderá, legislação inovatória que é feita abrangendo a coordenação entre várias polícias, designadamente tendo a Polícia Judiciária, que de mim não dependia, como entidade coordenadora, não podia ser feita por mim. V. Ex.ª, a única coisa com que teria de se congratular é que a legislação estava criada, a legislação estava feita. V. Ex.ª reconheceu agora que a legislação é boa e que precisava de ser aplicada. A V. Ex.ª o mérito de a aplicar - eu não contesto isto!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, peço-lhe para concluir a sua intervenção, porque ultrapassou largamente o tempo que lhe concede o Regimento.

O Orador: - Concluirei imediatamente, Sr. Vice-Presidente da Assembleia.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, neste momento, estou a exercer a Presidência da Assembleia!

O Orador: - Certamente, a exercer a Presidência da Assembleia, com toda a honra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Portanto, deve dirigir-se-me como Presidente, se faz favor.

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O Orador: - Sr. Presidente da Assembleia, eu não tinha concluído - iria agora designá-lo por Presidente, como não podia deixar de ser.
Sr. Ministro, se eu não peço a V. Ex.ª para me elogiar em relação a esta matéria, tal como V. Ex.ª disse da outra vez erradamente, também não peço que me censure por ter feito uma lei ou por ter contribuído para fazer uma lei que era, em si mesma, boa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, de acordo com o Regimento, os pedidos de esclarecimento devem ser solicitados até ao termo da intervenção que os suscitou. Surgiram dúvidas na Mesa sobre se o Sr. Deputado António Filipe tinha ou não pedido a palavra para este efeito. Assim, dando-lhe o benefício da dúvida, vou conceder-lhe a palavra.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, agradeço a benevolência da Mesa. Tinha, de facto, a intenção de me inscrever para pedir um esclarecimento, mas creio que não o fiz durante a intervenção, pelo que agradeço à a Mesa ter-me concedido a palavra.
Sr. Ministro da Justiça, o meu grupo parlamentar atribui grande importância a este debate porque é a primeira vez que temos oportunidade de discutir aqui, em termos substantivos, o conteúdo da lei da droga, na medida em
que, em 1992, o debate que aqui fizemos foi muito sumário e limitado aos termos da autorização legislativa que nos foi aqui apresentada. Portanto, este é um debate como qual nos congratulamos.
Por outro lado, a reunião que aqui fizemos, creio que em Fevereiro, teve a sua utilidade porque me parece que há aspectos da proposta de lei que resultaram de questões que então foram suscitadas. Estou a lembrar-me da possibilidade que a proposta de lei contém de repor, em termos basicamente semelhantes aos que existiam no Decreto-lei n.º 430/83, da possibilidade de não exercício de acção penal pelo Ministério Público em determinados casos, excepcionais. Penso que tal foi algo que resultou da discussão que aqui realizámos na reunião de Fevereiro, e é positivo que a proposta de lei tenha recolhido esses elementos da discussão.
A questão que lhe coloco, Sr. Ministro, tem a ver com aquela que será, porventura, uma das questões mais delicadas do ponto de vista jurídico-penal, que é a do agente infiltrado. Temos consciência de que conferir maiores possibilidades de acção à figura do agente infiltrado, tal como o Governo propõe, é algo que é reivindicado pela generalidade dos intervenientes no combate ao tráfico de droga; temos consciência disso e temos consciência também de que aquilo que o Governo propõe e o PSD também, em termos basicamente semelhantes, poderá contribuir, de facto, para resolver alguns problemas, designadamente no desmantelamento de algumas redes de tráfico; temos consciência ainda da grande complexidade de que se reveste conseguir combater o tráfico de droga a esse nível. Porém - e é esta a questão que coloco ao Governo -, há reparos muito pertinentes que são feitos, designadamente no parecer enviado sobre esta matéria pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, questões muito pertinentes e que merecem toda a ponderação e toda a reflexão por parte desta Câmara e por parte do Governo.
A minha pergunta tem a ver precisamente com a necessidade de controlar o mais possível a utilização desta figura do agente infiltrado, por parte da autoridade judiciária: .não será de ponderar, em sede discussão na especialidade, o reforço de alguns desses mecanismos de controle? Por exemplo, a proposta de lei fala em «autorização da autoridade judiciária por período determinado» e o que questiono é se não se poderá ponderar a hipótese de haver mesmo uma determinação exacta de por que períodos é que pode ser autorizado, sendo naturalmente prorrogável. Ocorre-me este exemplo: tendo em conta o melindre e as dificuldades de que se reveste o controle dos agentes infiltrados - e também pergunto qual a disponibilidade do Governo para nos ajudar nessa reflexão -, poderão ou não ser ponderadas formas de reforçar o controle, que é inquestionável que deve existir, sobre a figura do agente infiltrado?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça para responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, sinto-me muito lisonjeado pelas citações que fez das minhas intervenções, tanto mais que não é a primeira vez que o PSD cita as minhas intervenções feitas no passado nesta Assembleia da República. Até, se V. Ex.ª não levasse a mal - e este pedido não é feito apenas a V. Ex.ª, pediria que, dado o trabalho que estão a fazer de recolha das minhas intervenções...

O Sr. José Magalhães (PS): - Tornou-se mesmo um hábito!

O Orador:- ..., no fim, com a encadernação a meu cargo, V.V. Ex.as pudessem fazer uma pequena colectânea delas, visto que teria muito prazer, dadas as recordações muito boas que tenho do meu trabalho nesta Assembleia da República, em ficar com um exemplar.

Risos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Terei muito gosto nisso.

O Orador: - Não significará, certamente, mais trabalho para V.V. Ex.ªs visto que andam a coligi-las e, repito, com encadernação a meu cargo.
Sr. Deputado, V. Ex.ª citou uma intervenção minha, no entanto perguntar-lhe-ia se leu todo o debate e se porventura verificou se houve algum voto contra essa proposta de lei. É que, Sr. Deputado, tenho por feitio e critério na vida pôr muitas coisas em causa. Não tenho grandes certezas porque, ao contrário de outras pessoas que vivem de certezas na vida, vivo sobretudo de interrogações, interrogações profundas para mim, naturalmente ligeiras para V. Ex.ª, e daí que tenha posto ao então ilustre Sr. Ministro da Justiça, como geralmente punha quando ele aqui comparecia, interrogações que me pareciam justas e legítimas.
E, já agora, também acompanho o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a quem agradeço o tom da sua intervenção, que, aliás, foi seguido por todos os Srs. Deputados. Aliás, é bom que assim seja, sobretudo numa matéria deste melindre e deste interesse nacional, em que todos temos que pôr grande seriedade nas nossas intervenções e nos nossos objectivos - e foi o caso.
Mas, Srs. Deputados, há uma diferença fundamental. V. Ex.ª terá porventura percebido mal. Quando cá vim, era

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minha intenção falar - se cometi algum erro, dele me penitencio - em autoridade judiciária e não em autoridade judicial. E agora perguntar-me-á V. Ex.ª: «por que é que o senhor tinha tantos cuidados, em certas matérias, em querer uma autoridade judicial e aqui, nesta, vai para a autoridade judiciária?». E muito simples, Sr. Deputado. Trata-se de uma matéria que, por vezes - e é esse o seu interesse -, antecede o próprio inquérito. Levar isto a uma autoridade judicial seria até, porventura, perder a possibilidade de controle do que se passa a seguir. E o que é que se passa? O Ministério Público tem a seu cargo, como V. Ex.ª sabe - e já afirmei nesta Assembleia da República que continuará a ter, para sossego de alguns Srs. Deputados que estavam a colocar interrogações sobre essa matéria -, um inquérito, e daí que nada mais natural, penso eu, que o Ministério Público, entidade que tem toda a autonomia e não depende do Governo nem das suas instruções, seja a entidade mais indicada para, numa fase, aqui sim, de pré-inquérito, visto que o infiltrado pode entrar numa fase anterior ao inquérito, decidir esta questão e depois controla-la até à abertura do inquérito ou não do inquérito pois pode não haver abertura do inquérito.
Penso que poderá haver, às vezes, algum exagero quando nós atribuímos apenas à autoridade judicial, ao juiz, a defesa dos direitos, liberdades e garantias visto que o Ministério Público também é uma magistratura autónoma, independente do Governo, que tem a seu cargo a defesa da legalidade democrática, como está na Constituição. Portanto, sobretudo em matérias como esta, muito diversa da do tratamento compulsivo, em que eu punha efectivamente a questão da constitucionalidade, que nunca se veio a pôr, e ainda bem, a experiência veio mostrar que realmente não havia que temer aquilo que na altura pus como interrogações, mas nesta matéria especial eu preferia que a deixássemos entregue ou ao Ministério Público ou ao juiz. Não está dito que tem de ser, necessariamente, entregue ao Ministério Público, mas dizer que tem de ser necessariamente ao juiz, uma entidade que está afastada do dia-a-dia do inquérito... Parece-me, sinceramente, que poderia ser mais indicado apresenta-la ao Ministério Público.
Penso, portanto, que expliquei a V.V. Ex.as a eventual discrepância- embora pense que não há qui discrepância de posições - entre as minhas posições tomadas na altura e as de hoje em relação a algumas questões.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, sé bem percebi a sua questão, não há alteração do Código Penal, o que há é uma pontualização e clarificação de que no caso destes crimes se aplicam as regras do Código Penal quanto aos 2/3 e aos outros requisitos. É só isso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sempre seria assim!

O Orador: - Sempre seria assim, mas é uma clarificação dessa matéria. Não teria que ser necessariamente assim, achámos útil esclarecê-lo aqui. Se V. Ex.ª achar que é desnecessário pois está no seu direito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Poderia aumentar.

O Orador: - Aumentar já seria porventura exagero.
Os Srs. Deputados António Filipe e José Niza colocaram-me questões na zona do agente infiltrado e do agente provocador e eu respondo a uma pergunta muito concreta que me colocou o Sr. Deputado António Filipe. Como disse na minha intervenção, e, aliás, consta do preâmbulo da proposta, tentámos, e penso que com algum êxito, rodear a figura do agente infiltrado dos necessários meios garantísticos porque isso é que é necessário. Todavia, e dando o seu exemplo, quanto a fixar um tempo, a fixar períodos de tempo, eles vêm cá fixados mas, se bem entendi, a sua pergunta era no sentido de saber por que períodos.
Bem, às vezes, uma investigação deste tipo não pode prever-se com grande facilidade. As vezes - e sabe que é assim -, está-se á espera de um descarregamento de droga num determinado porto e afinal não vem naquela semana mas daí a 15 dias. Portanto, estarmos também a meter umas desnecessárias - quanto a mim complexizações das autorizações poderá fazer perder à figura do agente infiltrado a capacidade de eficácia que queremos. VV. Ex.as têm ainda, naturalmente, a discussão na especialidade, e haverá certas matérias que poderão ser buriladas e aperfeiçoadas. Mas por mim deixaria como está.
Sr. Deputado José Niza, não vamos agora fazer aqui uma discussão sobre as diferenças entre ò agente provocador e o agente infiltrado.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro da Justiça, peço-lhe que conclua pois o seu tempo regimental está esgotado.

O Orador: - Sr. Presidente, era exactamente por isso que não ia fazer a distinção e ia apenas, se V. Ex.ª me permitisse, gastar 20 segundos.
Diria apenas o seguinte: é que o agente provocador provoca o crime; o agente infiltrado entra na cadeia criminosa, mas o crime dar-se-ia mesmo que ele não estivesse infiltrado. O provocador é alguém que chama ao crime, e essa figura, para mim, não deve ser aceite no nosso ordenamento jurídico.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, terei muito gosto em discutir consigo a matéria da droga e da toxicodependência noutra altura. O Sr. Presidente já me chamou a atenção para o esgotamento do meu tempo, que não meu, pelo que terá que ficar para outra altura. Porém, sempre lhe digo que a França já terminou os problemas com a Holanda há cerca de quatro/cinco dias.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Até ao próximo!

O Orador: - V. Ex.ª não esteve a ouvir toda a minha intervenção. É que tive ocasião de explicar que também a própria Holanda está a recuar na sua política de extrema liberalização. Se V. Ex.ª me quiser dar esse prazer, a sós e fora deste contexto, poderei dar alguns elementos para a sua reflexão atempada. Mas também lhe digo que o nosso problema fundamental não são as fronteiras terrestres, são bem outras que nos preocupam neste momento: são as marítimas e as aéreas. Disso estamos a tratar, e também numa outra ocasião, se V. Ex.ª me quiser dar o prazer, porventura com o Sr. Deputado Paulo Portas, poderemos conversar e darei alguns elementos a VV. Ex.as que serão certamente de grande utilidade tanto mais que VV. Ex.as - nesse aspecto, honra lhes seja - têm uma

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enorme sanha contra os traficantes. Saber se com essa sanha chegam aos objectivos que se propõem são interrogações que todos nós temos. Mas em matéria de drogas quem as não tem?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Está inscrito, para defesa da honra, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tomo a palavra em nome da bancada devido a declarações do Sr. Deputado Carlos Encarnação a quem o Sr. Ministro, aliás, não teve ocasião de responder. Não sei se o Sr. Ministro acha que é de responder, mas eu creio que não porque a intervenção do Sr. Deputado foi inteiramente despropositada e dela só considero um aspecto - foi esse que levou a que me erguesse em defesa da bancada - que é aquele em que decidiu agredir, retroactivamente e de forma inteiramente descabida, alguém que liderou com brilho o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e que na interpelação que aqui foi mencionada teve ocasião de questionar aspectos graves da política do Governo de então e, designadamente, aspectos que nós hoje estamos aqui a discutir num outro clima, num outro quadro, como, por exemplo, a descoordenação que nessa altura era crassa e que grassava nas forças policiais, a centralização ou a sua falta, de informação, com graves prejuízos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Podia mencionar uma série de medidas e de situações que na altura ocorriam de forma grave num tempo em que o ministro das polícias e o da Justiça exerciam uma função de subestimação da gravidade do fenómeno, de maquilhagem sistemática da gravidade do fenómeno e quando aqui, nesta Casa, as bancadas da oposição alertavam para aspectos objectivos, não tinham, como agora, uma resposta institucional e uma mão estendida para diálogo, tinham acusações de terem uma posição descabida, ou condenável a qualquer título bastante despropositadamente, ou eram mesmo agredidas e insultadas em termos que hoje, felizmente, não acontecem.
E, Sr. Deputado Carlos Encarnação, é essa diferença, que lhe dói: entre o auxiliar de ministro - na terminologia cavaquista, naturalmente não a nossa - que V. Ex.ª foi e o Ministro da Justiça que temos aqui hoje capaz de reconhecer objectivamente as contribuições da oposição, capaz de não acusar a oposição de plágios quando há consonância de ideias e capaz de levar esse diálogo até ao fim.
Propunha que V. Ex.ª não redarguisse em termos de veemência e que fôssemos para comissão discutir com um sentido institucional não uma lavagem daquilo que V. Ex.ª não fez no passado e de um estilo que não vigorará outra vez, mas dos problemas da droga que é preciso discutir e, sobretudo, que é preciso resolver. É este o nosso espírito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, de auxiliar de ministro para auxiliar de ministro, devo dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que tentei situar a minha intervenção nos termos e nos limite s que V. Ex.ª foi levado a tentar acabar a sua. E expliquei qual era a diferença entre aquilo que os senhores faziam noutro tempo e aquilo que nós fazemos agora...

O Sr. José Magalhães (PS):- Mas mal! Insultou o Jaime Gama inutilmente!

O Orador: - A responsabilidade do clima gerado não era nossa, era vossa. E a responsabilidade do clima de entendimento que se gera agora em relação a uma matéria fundamental é nossa e não é vossa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do Ps.

O Orador: - A situação é tão clara e tão simples que o Sr. Deputado José Magalhães escusava de defender a honra que eu não tinha ofendido porque as palavra ficam com as quem as disse.

O Sr. José Magalhães (PS): - E as acções também!

O Orador: - Aquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama aqui fez e aqui disse no célebre debate ficou registado nas actas da Assembleia da República e eu não preciso de as comentar mais para V. Ex.ª ter vergonha daquilo que foi dito.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não há vergonha nenhuma!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos passar à apresentação do projecto de lei n.º 176/VII (PCP).
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Realizar aqui na Assembleia da República este processo de revisão da chamada lei da droga é um facto a que atribuímos grande importância. Ao contrário do que aconteceu em 1992 em que este órgão de soberania se limitou, aliás, com o nosso protesto, a realizar um debate sumaríssimo para conceder ao Governo uma autorização legislativa para aprovar um diploma basilar do nosso ordenamento jurídico em matéria de combate à droga, o processo agora iniciado, que conta com iniciativas legislativas de vários partidos, permitirá decerto uma discussão mais ampla e um confronto público de ideias e concepções em matéria de combate à droga mais alargado e seguramente mais participado.
Não pondo de maneira nenhuma em causa a pertinência e a importância da revisão da lei da droga, para qual também contribuímos com o nosso projecto de lei hoje em apreciação, temos consciência de que a revisão desse diploma legal não pode ser encarada como uma panaceia que irá resolver todos os gravíssimos problemas que o flagelo social da droga veio criar na sociedade portuguesa. Tão pouco se pode ter a pretensão de só por si resolver as enormes dificuldades com que o combate à droga quotidianamente depara.
Não duvidamos que o enquadramento legal de combate à droga deve ser aperfeiçoado para corresponder me

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lhor aos objectivos que se propõe atingir, mas temos por inquestionável que a luta eficaz contra este flagelo não pode limitar-se à alteração desse quadro, tendo necessariamente que passar pela concretização de políticas globais e coerentes de combate à droga, que alterem as causas mais profundas da toxicodependência e que articulem devidamente as vertentes de prevenção do consumo e de repressão do tráfico de drogas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os pilares jurídicos fundamentais do estatuto legal do tráfico é consumo de droga em Portugal, consagrados no essencial no Decreto-Lei n.º 430/83 e prosseguidos no Decreto-Lei n.º 15/93 agora em revisão, assentam na consagração da ilicitude do tráfico e do consumo de drogas, na consideração da enorme gravidade do crime de tráfico de drogas e na ideia de que os toxicodependentes são cidadãos que, praticando actos ilícitos de consumo de drogas, o fazem, ou por circunstâncias sociais que facilitaram asna atracção pelo consumo de drogas ou em consequência de condições psíquicas que, mais do que repressão, aconselham e exigem meios de tratamento.
O Grupo Parlamentar do PCP não preconiza alterações legais que ponham em causa as bases essenciais do estatuto jurídico do tráfico e consumo de drogas.
O balanço negativo que fazemos das políticas de combate à droga que têm vindo a ser desenvolvidas não resulta do estatuto legal das drogas nem é alterável pela simples alteração desse estatuto. Não temos uma visão estática destes problemas. Bem pelo contrário, estamos disponíveis para considerar todas as ideias e propostas que possam contribuir para o objectivo central de reduzir o consumo de drogas. Mas não acreditamos que a resolução do problema da droga se encontre num qualquer passe de mágica operado por via legislativa; não é uma questão que se possa conter na simples resposta ao dilema «proibir ou liberalizar», tanto mais quanto se sabe que o resultado mais saliente das experiências de liberalização levadas a cabo até ao momento tem sido o aumento alarmante do consumo de drogas pesadas. As drogas não são menos perigosas por serem legais nem o toxicodependente deixa de o ser por serem legais as drogas que consome.
O balanço das políticas de combate à droga, do nosso ponto de vista, é negativo, até ao momento. Não por serem apelidadas de proibicionistas mas por se traduzirem na ausência de medidas adequadas, seja no combate à procura, por falta de medidas articuladas de prevenção, seja no tratamento, por falta de uma rede pública de centros de atendimento e comunidades terapêuticas que seja digna desse nome, seja na reinserção social, seja no combate à ofega, coma notória insuficiência e descoordenação do combate ao tráfico de drogas e ao branqueamento decapitais dele resultante, seja ainda, a outro nível, na ausência de políticas que contribuam para uma sociedade menos toxicógena.
Também não embarcamos em supostas soluções de efeito mediático garantido mas de eficácia comprovadamente nula que consistem em aumentar indiscriminadamente as penas de prisão, como se fosse por falta de penas que a maioria dos traficantes permanece impune.
Por isso nos demarcamos frontalmente do projecto de lei apresentado pelo CDS-PP que não contém nenhuma ideia que vá para além do agravamento de penas a torto e a direito, propondo inclusivamente a aplicação cumulativa de penas de prisão e penas de multa que foi liminarmente rejeitada de forma unânime pela Comissão Revisora do Código Penal, não tendo qualquer precedente no Direito português em vigor.
A proposta do CDS-PP de agravamento geral das penas surge como desenraizada de toda a evolução das molduras penais no Direito português; sem que esteja devidamente fundamentada com base em estudos sobre a evolução da criminalidade em Portugal. De resto, como foi inclusivamente salientado nos relatórios da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias a propósito deste projecto de lei e do projecto de revisão do Código Penal recentemente discutido, não existe qualquer prova de que a um Direito Penal caracterizado pelo excessivo rigor corresponda um abrandamento da criminalidade. Bem pelo contrário, basta reparar na situação dos países que mantêm a pena de morte na sua lei penal.
Mas sempre dissemos e reafirmamos que a lei da droga pode e deve ser aperfeiçoada. Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um conjunto de propostas que considera adequadas para responder melhor aos objectivos para que esta legislação foi concebida, dando particular atenção à problemática do tratamento penal do consumo.
Embora o legislador em 1983 e em 1993 tenha considerado - e bem - que o simples consumidor de drogas (excluindo, portanto, os casos de tráfico e mesmo de tráfico para consumo) não deve ser tratado como um criminoso mas, antes, como um doente que, como tal, carece de tratamento, optou, não obstante, por manter a previsão da aplicação de penas de prisão aos casos de simples consumo de drogas.
Dir-se-á que tal previsão terá um efeito meramente simbólico e que tal pena de prisão se destina tão somente a dissuadir, podendo sempre ser suspensa ou substituída por multa. Dir-se-á também que não se encontrará ninguém nas prisões portuguesas cuja reclusão se deva à aplicação das penas de prisão previstas para o simples consumo. Se assim é, mais inadequada ainda se afigura a solução legal vigente. A lei prevê a aplicação de penas de prisão que o legislador assume não querer ver aplicadas, configurando o que alguém já chamou de bluff do legislador. Com a agravante de se estabelecer, no n.º 2 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, uma moldura penal que vai até um ano de prisão em casos de simples consumo de drogas por força da aplicação de um conceito tão indefinível como é o «consumo médio diário».
Consideramos que o consumo de drogas se deve manter como conduta ilícita. Mas entendemos que os efeitos que o legislador proeurou salvaguardar com esta ilicitude - dissuadir do consumo de drogas e encaminhar os toxicodependentes para soluções de tratamento - serão mais eficaz e coerentemente atingidos se for excluída nestes casos a previsão de penas de prisão e utilizadas, em alternativa, outras formas de reacção penal.
A nossa proposta vai, assim, no sentido de que aos casos de simples consumo de drogas seja aplicável a pena de multa (que, aliás, já se encontra prevista); que essa punição possa ser substituída por dias de trabalho a favor da comunidade (a requerimento do condenado); e, ainda, que o tribunal possa suspender a obrigatoriedade de pagamento da multa se o condenado, sendo toxicodependente, se sujeitar voluntariamente a tratamento adequado, comprovando-o pela forma e no tempo que o tribunal determinar (adaptando assim o regime de suspensão de pena já previsto para os toxicodependentes no artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 15/93.
De igual modo se propõe que seja retomada no essencial a disposição legal constante do Decreto-Lei n.º 430183 e

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injustificadamente revogada em 1993, que permitia ao Ministério Público não exercer a acção penal nos casos de simples consumo de drogas em que se tratasse do primeiro processo a instaurar por factos dessa natureza e houvesse o compromisso de o agente não repetir factos semelhantes. Registamos também a proposta do Governo de ser reposta a vigência de uma disposição semelhante a esta, facto que, naturalmente, saudamos como positivo.
Entendemos também que devem merecer especial atenção as possibilidades de tratamento dos toxicodependentes. Pouco sentido fará que o legislador deposite justas expectativas nas possibilidades de tratamento e reinserção social de toxicodependentes e depois o Estado não cuide de assegurar os meios que tornem esse tratamento possível e acessível. Depois de ter apresentado o projecto de lei de criação de uma rede pública de serviços de atendimento e tratamento de toxicodependentes, já aprovado na generalidade, o PCP propõe que também ao nível da «lei da droga» se estabeleça a gratuitidade da prestação de atendimento a toxicodependentes pelos serviços públicos competentes; a urgência no atendimento dos cidadãos sujeitos a tratamento no âmbito de processos em curso ou de suspensão de execução de pena; a existência de meios e estruturas adequados de tratamento de toxicodependentes nos estabelecimentos prisionais; e a consideração da reinserção social como um dos objectivos de uma política de prevenção do consumo de drogas.
Finalmente, o PCP retoma a iniciativa, já tomada na VI Legislatura, de propor que a Assembleia da República participe na definição de uma política nacional de combate à droga, designadamente, através da apreciação de um relatório anual a apresentar pelo Governo, contendo uma informação tanto quanto possível pormenorizada sobre a situação do País em matéria de toxicodependência e tráfico de drogas, bem como sobre as actividades desenvolvidas pelos serviços públicos com intervenção nas áreas da prevenção primária, do tratamento, da reinserção social de toxicodependentes e da prevenção e repressão do tráfico de drogas.
As iniciativas legislativas hoje em apreciação, apresentadas pelo Governo e pelo PSD, à parte o agravamento da pena máxima para quem chefiar associação criminosa, que, como bem refere no seu parecer o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, se destina mais à opinião pública do que aos tribunais, contém algumas disposições destinadas a conferir maior eficácia na repressão ao tráfico de droga que merecem ser atentamente ponderadas.
Matéria que merece cuidadosa ponderação é aquela que se refere ao chamado «agente encoberto» ou «infiltrado». Não negamos a importância que a acção de agentes infiltrados pode ter no desmantelamento de redes de tráfico. Temos consciência de que a sofisticação do tráfico de droga exige cada vez maior sofisticação dos meios utilizados para o combater. Mas não podemos também deixar de chamar a atenção para a necessidade de regular cuidadosamente esta matéria. Há que ter em devida conta reparos que têm sido feitos, designadamente pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, quanto às dificuldades em controlar os chamados «homens de confiança». Será aconselhável que, durante o debate na especialidade, sejam ponderadas formas de minimizar estas dificuldades, reforçando, nomeadamente, os poderes de controle das autoridades judiciais sobre a actividade destes agentes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste debate, o Grupo Parlamentar do PCP pretende, acima de tudo, contribuir para melhorar o quadro legal do nosso país em matéria de combate à droga, sem a pretensão arrogante de possuir a verdade toda ou de apresentar soluções inquestionáveis. Mas estamos animados pela vontade de sempre do PCP de unir os seus esforços aos de todos os que, como nós, estejam seriamente empenhados em combater um dos flagelos maiores dos nossos tempos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pedro Passos Coelho e Alberto Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, talvez a minha questão já esteja aparentemente resolvida se eu tiver interpretado bem o sentido da pergunta que há pouco dirigiu ao Sr. Ministro da Justiça e que aqui recordo.
Se bem percebi, o Partido Comunista entende que nesta matéria há realmente uma benfeitoria evidente que quer o Partido Social Democrata, quer a proposta de lei do Governo juntam à lei do combate à droga, mas não prescinde da necessidade de articulação da prevenção e do combate.
Subscrevo essa sua preocupação, ela tem sido permanente até no seu mandato como presidente da comissão eventual, resta, no entanto, que estamos, de facto, a alterar a lei do combate à droga e não a tratar de outras matérias. E, no que respeita ao combate à droga, há evidentemente aqui duas perspectivas antagónicas: uma, que se situa ao nível da eficácia da lei - e julgo que ela, em sede de especialidade, deixará evidente as diferenças entre a proposta de lei do Governo e aquela que o PSD subscreve, mas que não são de todo incompatíveis - e, outra, perfilhada quer pelo Partido Popular, quer, curiosamente, pelo Partido Comunista de fazer propostas acessórias relativamente ao combate à droga.
O Partido Popular, na medida em que não está preocupado com a eficácia da lei, está preocupado com a medida da pena; o Partido Comunista - e corrija-me se esta interpretação não for correcta -, na medida em que diz, de forma conformista, «se nós hoje sabemos que a lei já é relativamente benevolente quanto a um certo tipo de consumo, por que não fixar já em lei essa benevolência de forma expressa, caminhando, portanto, claramente para alguma despenalização de um certo consumo de drogas, em vez de estarmos a melhorar os mecanismos que permitem às forças policiais, às forças de investigação, fazer com que a lei seja mais consequente?».
Pois bem, se estamos a debater melhorias no combate à droga e, portanto, ao nível da repressão, só há dois pontos de vista que podem merecer algum atendimento: ou o problema se resolve aumentando a medida da pena e ele é meramente demagógico, como aqui ficou demonstrado - nós não temos problema no efeito dissuasor da lei, nós temos problema é em aplicar a lei, em condenar, não temos qualquer problema em que os traficantes possam cumprir 12 ou 20 anos -, ou, então, questão diferente, saber se devemos assumir em lei que o desvalor social do consumo de droga, como o meu companheiro de bancada Luís Marques Guedes há pouco referiu, seja desta feita eliminado pela própria lei, e é isso que do nosso ponto de vista resultaria da iniciativa legislativa que o Partido Comunista propõe.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora, sabendo nós hoje que a lei já é extremamente benevolente e já permite ao magistrado e ao juiz agir com grande precaução nesta matéria, por quê vir consagrar na lei aquilo que não resultaria senão num estímulo ao consumo de certo tipo de drogas e, então, estaríamos no absurdo de não estar a melhorar o combate à droga mas a dificultar, por parte até das autoridades de investigação, o combate e a repressão à droga?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, permita-me, antes de mais, que reforce a ideia compartilhada por outras forças políticas desta Câmara de que o combate à droga não pode fazer-se sem prevenção, sem atendimento e sem reinserção dos toxicodependentes.
Para nós, uma revisão da legislação prisional e o estabelecimento de uma política prisional adequada passam, necessariamente, pelo alargamento da cooperação intersectorial da saúde e da justiça, designadamente, em actividades de atendimento e de tratamento dos toxicodependentes presos e da sua reinserção social.
De um modo geral, os serviços prisionais nunca conseguiram responder completa e eficazmente às necessidades em cuidados de saúde dos reclusos toxicodependentes os próprios serviços prisionais hoje o reconhecem.
Se num simples e hipotético exercício de análise estatística alguém projectasse para o ano 2000 a curva de tendência evolutiva da percentagem de reclusos toxicodependentes dos últimos 5 ou 10 anos, pressupondo a manutenção da situação actual, o que felizmente não irá acontecer, no virar do milénio a maioria das nossas prisões seriam verdadeiros depósitos de doentes toxicodependentes com SIDA, com tuberculose, com hepatites e, necessariamente, também doentes terminais em fase muito próxima da morte ou, mesmo, em situação de grande mortalidade nas nossas prisões.
É preciso inverter tal tendência e por isso o Governo está a trabalhar fortemente nesse sentido.
Sr. Deputado António Filipe, não nos custa reconhecer o mérito do vosso projecto de lei no tocante ao atendimento e tratamento dos consumidores, consideramos positiva a vossa proposta de colaboração do SPTT com os serviços da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, especialmente no que diz respeito ao artigo 46.º do vosso projecto de lei.
Pergunto, Sr. Deputado, se essa colaboração institucional está contemplada e corresponde à perspectiva, que também é nossa, de que uma maior interdisciplinaridade e boa articulação no terreno entre os serviços sanitários das prisões e os serviços públicos para o tratamento' e reinserção de toxicodependentes, nomeadamente na rede pública de tratamento, é determinante e oportuna. Se assim for, há que reconhecer a evolução positiva do Partido Comunista relativamente ao projecto de lei n.º 29/VII, que criou uma rede pública de tratamento de toxicodependentes, onde, na altura própria, fizemos reparo de omissão relativamente à articulação com o tratamento em meio prisional.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, relativamente à primeira questão que colocou de fazermos algo a que chamou propostas acessórias no que toca à matéria que nos ocupa, creio que o que acontece é que esta chamada lei da droga é bastante extensa, regula muitas matérias mas, normalmente, as pessoas reparam apenas na aplicação de meia dúzia de artigos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é que é grave!

O Orador: - De facto, quanto à lei da droga olha-se muito para as molduras penais, designadamente para as aplicáveis ao tráfico, aos traficantes-consumidores e aos consumidores, e esquece-se que este é um diploma muito extenso, que regula medidas preventivas, medidas de tratamento, tem uma regulamentação muito extensa. Creio ser importante que, no momento em que se faça a sua revisão, não se perca a oportunidade de introduzir alterações noutros aspectos menos visíveis ou menos lidos da chamada lei da droga, que são também disposições muito importantes.
Daí que tenhamos feita essa opção de não referir apenas as alterações no estatuto legal do tráfico e consumo de drogas mas também de podermos introduzir outras benfeitorias que consideramos adequadas nesta lei.
O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho colocou-me uma questão que compreendo perfeitamente e que é muito relevante. E a de saber se a proposta que fazemos poderá ter algum efeito negativo, mesmo em termos psicológicos, de opinião pública; quanto ao consumo de droga.
Devo dizer-lhe que não é essa a nossa intenção, esperamos que isso não aconteça e tudo faremos para esclarecer os Srs. Deputados quanto ao conteúdo real da nossa proposta.
Não é nossa intenção despenalizar o consumo de drogas. Não acompanhamos algumas teses que têm sido desenvolvidas nesse sentido, tal como não acompanhamos algumas das que vão no sentido de desvalorizar o consumo de drogas, tornando-o um mero ilícito de ordenação social, sujeito a alguma coima. Pensamos que se deve manter, precisamente para prevenir este aspecto que o Sr. Deputado referiu, a natureza de ilícito penal no consumo de drogas. O que pensamos é que aquilo que o legislador sempre proclamou - de que pretende apenas com a consideração dessa ilicitude um efeito dissuasor e não a pretende, de facto, aplicar a casos de simples consumo de drogas penas de prisão - não vai, de maneira alguma, ajudar a resolver o problema da toxicodependência daquele cidadão, podendo, quanto muito, agravar essa situação. Nomeadamente, é conhecida por todos a situação que existe a nível do nosso sistema prisional. O próprio legislador assumiu que aquela pena tem um efeito dissuasor e não se destina a ser aplicada, mas creio que este espírito acaba por não ter correspondência na forma como a lei actualmente está expressa.
Como tive oportunidade de dizer - e não fui eu que inventei esta expressão -, há como que um bluff do legislador: ele estabelece penas de, prisão mas não as quer aplicar. Creio que seria importante que isso fosse assumido, que se mantivesse a sua natureza de ilícito penal, que se mantivesse a pena de multa, que essa pena de multa

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pudesse ser substituída por trabalho a favor da comunidade, que pudesse ser suspensa a sua obrigatoriedade no momento em que o toxicodependente aceitasse sujeitar-se a tratamento em instituição adequada ou a tratamento ambulatório, caso isso fosse considerado clinicamente mais aconselhado. Pensamos que seria um passo importante que o legislador daria fazendo com que às suas convicções correspondesse, de facto, a letra da lei.
Srs. Deputados, este é um debate muito interessante. Aliás, em minha opinião, permitam-me que o diga, é um dos debates mais interessantes que podemos ter nesta revisão da lei da droga. Apresentamos este projecto de lei, não, como disse da tribuna, com a arrogância de pensarmos que temos a verdade toda e que a solução que propomos é a melhor mas por nos parecer que esta é uma questão que devemos discutir. Fala-se muito em tabus e creio que esta questão não deve ser considerada um tabu. Devemos discutir qual é a melhor forma de consagrar na lei aquilo que o legislador há vários anos tem vindo a afirmar como sendo as suas convicções e os objectivos que quer atingir, que se consubstanciam, afinal, no tratamento dos toxicodependentes.
Finalmente, o Sr. Deputado Alberto Marques referiu-se à evolução positiva das propostas do PCP. Também concordo consigo que o PCP tem vindo a evoluir positivamente nas propostas que, ao longo dos últimos anos, tem apresentado sobre esta matéria. Temos feito um grande esforço de estudo, de reflexão sobre as matérias de droga e as nossas propostas vão, naturalmente, evoluindo.
No entanto, devo dizer-lhe que sempre tivemos a ideia de que o combate à droga é interdisciplinar, sendo fundamental a colaboração e a coordenação entre todas as entidades que devem intervir nesta matéria. Daí parecer-nos que, para os serviços prisionais, é indispensável a existência de uma colaboração de técnicos competentes em matéria de combate à toxicodependência, sendo, naturalmente, a contribuição que o SPTT pode dar insubstituível.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muita coisa já foi dita, no entanto, o Partido Socialista, apesar de não apresentar qualquer projecto de lei, não se dispensa de fazer algumas considerações sobre a matéria em discussão.
Começo por fazer duas constatações que me parecem dever ser sublinhadas.
A primeira é a confirmação de que o Governo está efectivamente a cumprir o seu Programa, que foi aqui aprovado, bem como o programa da sua campanha eleitoral. Para além das medidas que hoje foram aqui discutidas - e vai ser também, discutido, ainda hoje, outro diploma -, recordo que o Partido Socialista, em princípios de Maio, anunciou um conjunto de cerca de 40 propostas que vai ser executado ou implementado até ao fim deste ano. Em minha opinião, são propostas muito importantes e vou referir algumas delas.
A primeira proposta vem ao encontro do que acabou de ser dito e relaciona-se com a cobertura nacional, em todos os distritos, por centros de atendimento aos toxicodependentes, o que se articula com o projecto que está suspenso e já foi aprovado na generalidade.
Outra proposta importante tem a ver com o que alguém disse há pouco sobre quanto custava um toxicodependente. Na verdade, o preço não é o da pessoa mas, sim, o do tratamento. Há muitos anos que esse preço, esse subsídio, estava paralisado, tendo sido fixado em 72 contos. O Governo decidiu aumentá-lo para 120 contos/mês para tratamento, valor que permitirá aproximar-se de alguns valores reais, naturalmente com alguma compensação dos próprios. Isto significa um aumento de 60%.
O Governo vai também aumentar de 40 para 100 o número de camas para desintoxicação. É evidente que 100 camas ainda são insuficientes, mas matematicamente isto significa que houve um salto de 150%, que o Governo acabou de anunciar.
Depois - já hoje se falou disso -, estão previstos novos programas de apoio a toxicodependentes reclusos, problema que vai ser, com certeza, abordado a seguir, a propósito da SIDA. Trata-se de um problema gravíssimo e preocupante.
Numa outra área, a da prevenção, prevê-se a realização de programas de férias para 70 000 estudantes. É um programa que abrange muita gente ,e que se insere na área da prevenção primária.
Relacionado com este está um programa interescolas, que se destina a 8000 alunos.
Outra medida que também considero muito importante e que estava completamente a descoberto é a comparticipação do Ministério da Saúde nos medicamentos antagonistas dos opiáceos. Esses medicamentos são muito caros, estavam a ser suportados completamente pelos próprios, nomeadamente por famílias em situação de dificuldade, pelo que esta comparticipação do Ministério da Saúde é decisiva para que essas pessoas possam tratar-se.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de recursos humanos, está previsto o ingresso de 352 funcionários no SPTT. Em relação à dimensão do SPTT, é um aumento - não fiz as contas em percentagem - que corresponderá quase a uma duplicação dos quadros. Na verdade, sem técnicos não se podem fazer tratamentos.
Ainda na área do desporto e da juventude, há muitas outras medidas relacionadas também com a área da prevenção.
Este conjunto de medidas, somado às que o Ministro da Justiça hoje aqui trouxe, significa uma abordagem global do fenómeno que, logicamente, como foi dito, não se esgota só com medidas de carácter repressivo ou agravamento de penas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, é um conjunto de factores muito amplo.
Outro aspecto relevante é que este Governo, ao contrário do que se fez anteriormente, veio aqui discutir connosco estes problemas e não veio pedir uma autorização legislativa, como aconteceu há algum tempo atrás, o que significa que este diálogo é enriquecedor e, como o Governo disse, na própria comissão competente, quando estes diplomas forem discutidos na especialidade, poderemos melhora-los, sem que isso seja um drama para qualquer das partes.
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, gostaria, pois, de me congratular com tudo isto.
Outra constatação que faço é muito agradável e também já foi aqui sublinhada. Trata-se da ampla convergência que se reúne à volta destas propostas, com excepção

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da bancada do PP, que, digamos, se auto-excluiu, em parte, de participar de uma forma mais positiva. A verdade é que, em relação aos outros três partidos, a margem de diferença é mínima e, portanto, chegaremos seguramente a um acerto final, que, no fim de contas, tem grande interesse para o País e sobretudo para a juventude portuguesa, porque, no fundo, é disso que estamos a tratar.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - A Juventude Socialista está cá toda!

Vozes do PS: - Das Gerações Populares é que não está ninguém!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Estou eu!

O Orador: - Há mais jovens aqui, entre os quais eu próprio.
Já foram referidos os aspectos essenciais dos diplomas em discussão, mas quero voltar a sublinhar que, para nós, a questão do agravamento das penas - que seria o título da notícia que os jornalistas, amanhã, se aqui estivessem, poriam na primeira página dos jornais - não é o mais importante. Em nosso entender, as partes mais importantes serão aquelas pequenas coisas mais desconhecidas e mais escondidas, os tais instrumentos de trabalho para os magistrados e para as polícias, nomeadamente, os agentes infiltrados, as buscas domiciliárias, a flexibilidade da aplicação da lei. Tudo isso, que foi aqui referido, são os grandes instrumentos de trabalho, que vão produzir resultados positivos.
Ao longo de alguns anos, ouvi as reivindicações de todas essas pessoas e instituições - da Polícia Judiciária, da Guarda Nacional Republicana, da PSP -, que careciam, como de «pão para a boca», de ter uma margem de actuação mais livre e muitas vezes acontecia que se sentiam bloqueadas porque não podiam chegar onde era necessário - a busca já não se podia fazer por não haver autorização, etc... Penso, pois, que se alguém vai ficar satisfeito com estas medidas são exactamente as forças de intervenção.
Por parte dos magistrados, também assim se clarificam alguns aspectos que, pelo menos, levavam a dificuldades de interpretação quanto às sentenças que eles próprios aplicavam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não vou voltar a referir o que já foi dito nem quais são os aspectos fundamentais destes diplomas, porque já seria repeti-los demasiado.
De tudo isto, resulta o seguinte: quando estiverem em execução estes diplomas e quando as pessoas absorverem e digerirem as alterações das leis, o que leva sempre algum tempo, vamos ter uma frente ampla e diversificada de combate à droga, quer na área da procura, quer na da oferta.
Se a seguir aos legisladores - e essa é uma fase importante -,isto é, à actuação da Assembleia da República, o Governo, através dos seus «braços armados», ou seja, dos funcionários e dos técnicos, conseguir que estas medidas sejam cumpridas tal como foram pensadas, penso que, em termos internacionais, quanto à legislação nesta matéria, estaremos perfeitamente actualizados e a cobrir todos os aspectos que seria necessário cobrir.
Com efeito, há lacunas. O Sr. Ministro, há pouco, referiu uma que é, neste momento, uma prioridade: o tráfico por alto mar e o tráfico aéreo. As coisas já não são como eram e o combate a esse tipo de tráfico requer meios substanciais. No entanto, penso que se deu hoje, e dar-se-á na discussão na especialidade, um bom passo para que Portugal alinhe na frente dos países mais avançados nesta matéria, o que, aliás, já não é novidade, com o que todos nos congratulamos, nomeadamente nós, socialistas, porque o Governo é nosso e vemos o Governo a trabalhar, e a trabalhar bem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos para o debate deste conjunto de diplomas, dou agora a palavra ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva que há pouco a pediu para defesa da honra pessoal.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, o meu pedido de palavra para defesa da honra decorre de uma intervenção feita pelo Sr. Deputado José Niza, em que me apelidou de ignorante.
Sr. Deputado José Niza, gostava de dizer-lhe que «presunção e água benta cada um toma a que quer». Como penso que já tem presunção suficiente, recomendo-lhe muita água benta.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, gostaria de dizer-lhe que tenho boa memória. E se por vezes me esqueço das coisas pequenas, das importantes não.
Assim sendo, ao dizer o que disse - e se for ouvir a gravação, está lá -, quis atacar não a honra do PP ou a ignorância do Sr. Deputado, porque ião o considero ignorante nesta matéria, mas a ignorância científica do PP.

O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 35/VII - Adopta providências relativamente a cidadãos condenados em pena de prisão afectados por doença grave e irreversível em fase terminal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça (Lopes da Mota): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados: Ao usar da palavra pela primeira vez nesta Assembleia, quero, antes de mais, saudar respeitosamente VV. Ex.as, agradecer aos Srs. Deputados resistentes a amabilidade de me ouvirem ainda a esta hora e dizer-lhes do privilégio e da honra que este acto comporta para um magistrado, agora investido nesta nobre função política, que da função legislativa aprendeu a cultivar a perspectiva matricial e conformadora da superior legitimação do Estado de Direito.
Cabe-me proceder à apresentação da proposta de lei n.º 35/VII, que adopta providências relativamente a cidadãos condenados em pena de prisão afectados por doença grave e irreversível em fase terminal.
Como o sumário sugere, trata-se de uma proposta, de lei que, entroncando no pilar fundamental do Estado de

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Direito - a dignidade da pessoa humana -, se fundamenta em razões de natureza humanitária a que o Estado se encontra estruturalmente vinculado.
O tema da libertação antecipada dos reclusos com doenças em fase terminal está na ordem do dia por toda a Europa e nos demais países que se preocupam com os direitos humanos.
Como acaba de ser afirmado no âmbito do seminário «Reclusos em fase terminal: mudar a lei», organizado pelo Observatório Internacional das Prisões, em Aix-en-Provence, nos passados dias 6 e 7 do corrente mês de Junho, com a participação de 32 Estados membros do Conselho da Europa, embora os problemas sejam idênticos, as respostas variam de país para pais, os procedimentos são longos, complexos e aleatórios e o aperfeiçoamento das legislações constitui tarefa imposta à generalidade dos Estados por força dos quadros normativos de direito internacional em que se movem.
Citam-se, designadamente, as normas e recomendações extraídas da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e de Recomendações editadas pelo Conselho da Europa e pela Organização Mundial de Saúde.
A proposta de lei que está na presença de VV. Ex.as vem acompanhada de uma longa exposição de motivos, que procura contextualizar o quadro genético desta iniciativa.
Permitir-me-ão, no entanto, que sintetize aqui o ambiente normativo estruturante e adicione alguma informação complementar, que se afigura pertinente.
A questão da libertação antecipada de cidadãos condenados em pena de prisão afectados por doença grave e irreversível em fase terminal passou a assumir especial visibilidade nos últimos anos, face à emergência e desenvolvimento do fenómeno da SIDA no meio prisional.
Tradicionalmente, os problemas graves de saúde dos reclusos e a avaliação da possível conciliação da doença com a realização das finalidades das penas - fosse a dominante colocada na vertente da retribuição, fosse na vertente da prevenção -, reconduziam-se, na sua análise e relevância jurídico-processual, aos quadros dos institutos clássicos do indulto ou da liberdade condicional.
O aumento explosivo do número de doentes em estado grave no seio dos estabelecimentos prisionais, por virtude da SIDA, veio concentrar a atenção dos Estados, das organizações internacionais e das associações preocupadas com a promoção dos direitos do homem.
O problema da SIDA nas prisões foi objecto de especial atenção dos trabalhos da 8.ª Conferência dos Directores da Administração Penitenciária, organizada pelo Conselho da Europa, em 1987, ocasião em que foram apresentados os resultados de um inquérito sobre a SIDA nas prisões, com referência ao final do ano de 1986, nos Estados membros do Conselho da Europa.
Já então foi possível constatar que, na maioria dos países, se encontrava prevista a possibilidade de transferência de reclusos afectados para um centro penitenciário especializado, se existente, ou para um hospital civil, e que, em alguns deles, era mesmo possível a própria libertação antecipada.
Muito importante, neste domínio, tem sido, desde então, a acção do Conselho da Europa.
O tema da libertação antecipada ou das medidas alternativas à prisão conexiona-se com o estatuto e os direitos dos reclusos e as suas projecções ao nível da protecção da dignidade da pessoa humana e de direitos fundamentais e da sua conciliação com a realização das finalidades das penas e medidas privativas de liberdade.
Embora privado do direito de liberdade, todos o sabemos, o detido mantém a titularidade dos demais direitos fundamentais garantidos pela Constituição, pela lei e pelas normas de direito internacional vigentes nesta matéria.
Enquadrado pelo regime constitucional de tutela da dignidade humana e dos direitos e liberdades fundamentais, de que se destacam o direito à saúde e proibição de sujeição a tratamentos desumanos ou degradantes (artigo 25.º da Constituição), o estatuto do detido encontra-se definido no Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto, em que se proclama o princípio essencial de que o recluso mantém essa titularidade dos direitos fundamentais, apenas sujeito às limitações resultantes do sentido da condenação, da ordem e da segurança do estabelecimento.
Consagra-se também a regra de que a execução das penas privativas de liberdade deve orientar-se de forma a reintegrar o recluso na sociedade e a prevenir a prática de futuros crimes, preparando o recluso para, no futuro, conduzir a sua' vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes.
Assim se reproduzem no direito interno normas de direito internacional convencional de tutela de direitos fundamentais, em que particularmente se destaca a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A Recomendação n.º R 1080 (1988) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa - adoptada na sequência da Resolução n.º 812 (1983), relativa ao Síndroma da Imunodeficiência Adquirida, e da Recomendação n.º R (87) 25 do Comité de Ministros, relativa a uma política europeia comum de saúde pública de luta contra a sida considera a conveniência de se conceder uma atenção particular à população prisional, onde o número de casos de infecção é considerado preocupante, e adopta um conjunto de recomendações aos governos dos Estados membros, entre as quais a de permitir a libertação definitiva dos detidos condenados pela doença, por razões humanitárias.
Em 18 de Outubro de 1993, o Comité de Ministros adoptou a Recomendação n.º R (93) 6, relativa aos aspectos penitenciários e criminológicos do controle das doenças transmissíveis, nomeadamente da SIDA, e aos problemas conexos da saúde nas prisões.
Esta Recomendação veio contemplar especialmente os aspectos referentes à libertação antecipada dos reclusos, incitando os Estados membros a adoptarem medidas, na medida do possível, de modo a possibilitar a libertação antecipada dos detidos afectados pelo VIH, em fase terminal, e a permitir-lhes receber um tratamento apropriado fora da prisão.
No mesmo sentido se tem orientado a intervenção da Organização Mundial de Saúde. Cito, designadamente, as directivas sobre seropositividade e SIDA nas prisões (Genève, Março de 1993), que recomendam a libertação antecipada de reclusos com SIDA avançada, de modo a facilitar o contacto com a família e os amigos, permitindo ao recluso encarar a morte com dignidade e em liberdade.
O direito comparado fornece-nos subsídios á merecer a nossa atenção.
A possibilidade de libertação antecipada encontra-se prevista em sistemas nacionais diversificados como ó argentino, o egípcio ou o polaco ou em sistemas mais próximos como o espanhol, o francês, o alemão, o belga, o italiano, o finlandês, o islandês ou o inglês.

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Convém notar, no entanto, que a seropositividade não é, em geral, considerada, na sua primeira fase, motivo de libertação antecipada ou de liberdade condicional.
Julga-se, porém, justificada a libertação antecipada em caso de doença grave (tuberculose, hepatites B ou C, algumas formas de cancro ou SIDA) e irreversível em fase terminal, por razões humanitárias, desde que não exista perigo para a saúde pública ou para a segurança.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em Portugal, a questão não tem motivado o debate político nem a atenção da doutrina ou da jurisprudência, mas não é de todo estranha ao nosso ordenamento jurídico.
O Código de Processo Penal de 1929, após 1972, veio permitir a suspensão da execução da prisão preventiva em caso de doença constituindo perigo grave para a vida do arguido e, na mesma linha, o Código actual permite a substituição da prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação ou pelo internamento hospitalar, por razões de doença grave do arguido (artigo 211.º).
No que se refere à execução de medidas de segurança de inimputáveis, podemos igualmente detectar a possibilidade de libertação antecipada ao nível da valoração do estado de perigosidade (artigo 92.º do Código Penal).
Porém, não está consagrada expressamente a possibilidade de alteração da pena de prisão quanto a doentes com doença grave e irreversível em fase terminal, por razões humanitárias.
O estudo da situação de doença e a resposta do sistema penal tem-se reconduzido aos quadros e regras gerais do processo de liberdade condicional e de substituição das medidas de coacção e, com alguma boa vontade, aos do processo de indulto.
A especificidade e gravidade do problema, ampliada pelo fenómeno da SIDA no meio prisional, justificam a presente intervenção legislativa, em conformidade com as citadas Recomendações do Conselho da Europa e da Organização Mundial de Saúde, de modo a reforçar e a tornar mais céleres e eficientes os mecanismos de resposta quanto aos doentes em estado terminal - relativamente aos quais, note-se, perde sentido a realização das finalidades de execução da pena de prisão -, de modo a permitir a libertação antecipada, possibilitando, em última análise, o direito a uma morte digna no seio da família e dos amigos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A solução enquadra-se, como se impõe, numa perspectiva de abordagem global dos problemas.
Por um lado, parece claro que a restrição da possibilidade da libertação antecipada aos doentes com SIDA não deixaria de assumir tratamento de favor relativamente a reclusos afectados por outros tipos de doença de idêntica gravidade, de duvidosa constitucionalidade por violação do princípio da igualdade.
Por outro, importa aprofundar a intervenção no fenómeno no seu conjunto, de modo a articular-se a libertação antecipada, enquanto medida excepcional, com soluções administrativas em curso, que visam efectivar o direito à saúde nas prisões, reforçam a prevenção e o controlo da doença e, simultaneamente, garantem a realização das finalidades da execução da pena de prisão, relativamente aos doentes afectados com SIDA ou outras doenças graves em fase terminal.
Esta perspectiva está bem presente no Programa de Acção para o Sistema Prisional, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/96, publicada no Diário da República, de 29 de Abril de 1996.
A presente iniciativa legislativa constitui, aliás, uma das medidas legislativas integradas no processo de efectivação do tal Programa.
Opta-se pela solução que melhor parece harmonizar as antinomias do sistema.
Estabelece-se uma regra geral de verificação judicial, caso a caso, em conformidade com as regras de prova no processo penal, que considera as exigências de prevenção e de ordem e paz social, por um lado, e, por outro, a situação pessoal do recluso e a sua subsunção ao conceito de doença grave e irreversível em fase terminal, a determinar com base em critérios de natureza técnico-científica, presentes por via de adequados meios de prova pericial.
Verificados tais pressupostos, a pena de prisão será modificada em termos que permitam o internamento do recluso em estabelecimento adequado ou o obriguem a permanecer em habitação.
Considera-se, porém, que, em homenagem ao princípio da liberdade individual, a modificação só poderá ocorrer a pedido do recluso ou familiar ou ainda do Ministério Público, no interesse daquele, após a obtenção do consentimento do recluso.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Todos sabemos que a situação dos detidos portadores de HIV é uma situação preocupante.
Não é, infelizmente, uma situação especificamente portuguesa.
As iniciativas de âmbito internacional, levadas a efeito nos últimos anos, têm revelado um mundo idêntico de problemas e uma grande sensibilidade para os dramas individuais dos detidos portadores de doenças terminais.
Trata-se de enfrentar situações inelutáveis de morte próxima, avaliadas numa perspectiva clínica, em que se mostra estar excluída a possibilidade física de o detido praticar outros crimes, ou seja, casos a que não se afiguram oponíveis razões de prevenção ou de segurança judicialmente verificadas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sendo o valor vida em si mesmo, independentemente da expressão estatística, justificação suficiente para se adoptar a presente iniciativa, a sua fundamentação exige a invocação de alguns dados.
Falecem, hoje, nos nossos estabelecimentos prisionais doentes com SIDA declarada há alguns anos.
De 28 casos, em 1994 (num total de 38, ou seja, 73% dos casos de morte), passou-se para 64, em 1995 (num total de 71, ou seja 90%). No corrente ano, estão já registados 46 casos (num total de 47 casos), estimando-se que o valor final de 1996 ultrapasse a centena.
Os valores de detidos portadores de HIV subiram, segundo as actuais estimativas, para cerca de 20% da população prisional, na sua esmagadora maioria constituída por cidadãos toxicodependentes (aproximadamente 80%).
Estes valores fazem razoavelmente prever uma subida substancial, até agora em proporção geométrica, dos casos de SIDA com evolução para fases terminais.
A situação, atenta a sua gravidade e relativa novidade, impõe a todos nós uma serena reflexão.
Estamos certos de que, se viermos a permitir que alguns doentes possam ser acompanhados pelos afectos da

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família e dos amigos, nos últimos dias de vida, por virtude da libertação antecipada, valeu a pena transformar em leia presente proposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se três Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado da Justiça.
Para o efeito, tem a palavra a Sr. Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, é com regozijo que a minha bancada vê ser apresentada neste Parlamento esta proposta de lei. Posso dizer que conheço pessoalmente a situação, nomeadamente a do Hospital Prisional de Caxias, onde, de facto, se encontram vários doentes com SIDA em fase terminal, e não temos qualquer dúvida de que estas soluções aqui esboçadas são as mais humanas, as mais dignas e, além disso, também as mais razoáveis, considerando a situação dos estabelecimentos prisionais.
Sr. Secretário de Estado, quero colocar-lhe apenas duas questões, porque penso que, complementarmente a esta medida, deveriam também ser apresentadas neste Parlamento outras.
Em primeiro lugar, sabemos que muitos dos detidos, quando entram, já estão doentes. Portanto, há, logo à entrada, um grande conjunto de detidos que já estão doentes ou que são seropositivos. Depois, noutros, a doença revelar-se-á durante o período de cumprimento da pena. Ora, considerando o estado dos estabelecimentos prisionais, a sua superlotação, e também a falta de condições que permitam uma convivência na fase em que ainda não é possível ou não faz sentido retirar o detido, gostaria de saber o que pensa fazer para manter nos estabelecimentos prisionais uma população já doente junta com uma população não doente, tendo obviamente em conta que não pretende que, no fim, todos estejam contaminados.
Quero também chamar a sua atenção para- o facto de que, muitas vezes, o exterior para essa população é pior do que o interior. Quando se diz «morrer com dignidade junto da família», é preciso, para já, ter uma família junto da qual se possa morrer com dignidade.
Há também a questão dos hospitais civis, que, infelizmente, não estão, muitas vezes, preparados e equipados para receber estes doentes.
Colocam-se ainda outras questões, relacionadas com a distribuição da droga dentro dos estabelecimentos prisionais, a utilização de seringas, portanto, com todas as formas de contágio. Em relação a isso, ou seja, não já d situação terminal, que, julgo, é pacífica, mas a todo o período de permanência, em que já se está doente ou a doença se revela, quais são as medidas que vão ser tomadas pelo Ministério da Justiça?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Secretário de Estado informou-me de que responderá no fim a todos os pedidos de esclarecimento, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Antónimo Antunes.

O Sr. Antónimo Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, ouvimos com muita atenção a sua intervenção e quero, antes de mais, dizer a V. Ex.ª que, conforme verificará da intervenção que irei fazer - e que, dado o adiantado da hora, pretendo seja breve -, em tese geral, a posição do PSD não está .longe da que aqui foi defendida pelo Governo. Isto porque, em tese geral, entendemos que a iniciativa legislativa não colide com os objectivos de prevenção geral, de prevenção especial e de retribuição, que presidem à aplicação das penas e que não faz sentido equacionar nestas situações extremas.
A proposta de lei contém seis normas, umas de natureza substantiva, outras de natureza objectiva, que, no seu conjunto, também não nos suscitam dúvidas ou questões de maior, nem quanto à forma nem quanto ao conteúdo, salvo uma ou outra pequena excepção, que naturalmente poderá ser apurada em sede de discussão na especialidade.
No entanto, Sr. Secretário de Estado, quero fazer-lhe apenas duas perguntas, pedindo que, na medida do possível, me esclareça.
No artigo 2.º, n.º 2, da proposta de lei prevê-se e diz-se especificamente que «o tempo de duração do internamento ou da permanência em habitação é tido em conta para efeitos de cumprimento da pena, não podendo, em caso algum, exceder o tempo que ao condenado falte cumprir». Trata-se de uma disposição de acerto evidente, talvez até desnecessária, que, no entanto, nos suscita esta pergunta: V. Ex.ª sabe que acontece frequentemente nas prisões, como, aliás, nos nossos hospitais, os pacientes reclusos, findo o cumprimento da pena, não quererem sair, ou, pura e simplesmente, porque não querem, ou porque, por razões mais profundas, não têm para onde ir. Evidentemente, isso pode extravasar o âmbito desta medida legislativa, mas penso tratar-se de uma preocupação que não pode deixar de estar presente, pelo que gostaria de saber se o Governo já pensou nisso e se já previu medidas para esta situação.
A minha outra pergunta relaciona-se com os encargos inerentes a esta iniciativa legislativa. V. Ex.ª sabe que se prevê duas modalidades na execução da decisão de modificação da pena, nomeadamente a elaboração de relatórios mensais e que o Instituto de Reinserção Social preste ou promova diligências no sentido de ser prestado apoio psicossocial ao condenado e à respectiva família.
Sou levado a pensar, Sr. Secretário de Estado, que é razoável, pelo menos, supor-se que, na sequência da aprovação deste diploma, se verificarão encargos acrescidos, que vão para além da compensação que poderá fazer-se com aqueles de que ficam libertos os estabelecimentos prisionais.
Evidentemente, esta preocupação tem um valor menor, na medida em que não se trata de um projecto de lei da Assembleia da República e, provavelmente, o Governo, como autor desta inciativa, irá diligenciar no sentido de desbloquear as verbas necessárias.
De qualquer forma, gostaria de saber se essa preocupação já foi tida em linha de conta e se, na realidade, ela não será bloqueadora do efeito imediato que se pretende com esta medida.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Ainda para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário da Justiça, tem a palavra o Sr. Deputado João Palmeiro.

O Sr. João Palmeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, em primeiro lugar, quero saudar vivamente o Governo por ter tomado esta iniciativa legislativa, nomeadamente porque vem ao encontro de muitas das aspirações que o meio prisional regista hoje em dia, e realçar, neste momento, o facto de estarmos a discutir uma questão que, no fundo, tem a ver com a popu-

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lação prisional e com o enredo que se tem criado à volta da sobrelotação que actualmente existe nas cadeias. Por isso, esta iniciativa constitui em si mesma um grande contributo às aspirações de muitos dos reclusos que hoje permanecem nas cadeias.
Quero também dizer a V. Ex.ª o seguinte: parece que esta proposta, pela sua natureza, é perfeitamente consensual e, por isso mesmo, não vai levantar, em sede de especialidade, grandes questões. De qualquer das formas, quero suscitar aqui o problema da articulação com o Ministério da Saúde, nomeadamente porque este diploma, numas das suas medidas, prevê que se proceda ao internamento dos doentes em estado de doença grave e, desde logo, coloca-se-nos o problema da saber se existem planos específicos e concretos, por parte do Ministério da Justiça e também do Ministério da Saúde, no sentido de, quando se der a notificação da execução da sentença, se conseguir pôr em prática o internamento desses mesmos doentes, sabendo-se, como se sabe, que já é difícil para qualquer tipo de cidadão merecer por parte das instituições de saúde um acompanhamento devido nesse tipo de doença.
Para além disso, e apesar da questão já ter sido levantada anteriormente, gostaria também que o Sr. Secretário de Estado nos desse algumas informações sobre a questão dos custos. que, porventura, poderão advir desse mesmo internamento dos doentes. Não me parece que a questão monetária seja fundamental, atendendo ao assunto que estamos a tratar, isto é, de doentes com SIDA, mas, de qualquer das formas, agradecia que V. Ex.ª pudesse dar a esta Câmara algumas indicações a esse respeito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por fim, gostaria de colocar a V. Ex.ª a seguinte questão, que tem a ver com o acompanhamento desses doentes após o processo da sua libertação: depois do cumprimento da pena, e permanecendo a pessoa doente, como é que o Ministério da Justiça prevê esse tipo de acompanhamento, nomeadamente atendendo à circunstância de o Instituto de Reinserção Social poder vir a fazer esse tipo de acompanhamento, em que poderão exigir-se cuidados médicos que podem extravasar o âmbito desse Instituto?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado da Justiça: - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer as perguntas de VV. Ex.as, a que irei tentar responder de uma forma conjunta, e registar, de uma forma muito significativa, o consenso revelado nesta Câmara em torno desta questão e a sensibilidade demonstrada para este problema tão humano.
A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto colocou questões sobre uma realidade que conhece muito bem.
O problema do acompanhamento e da saúde nas prisões preocupa-nos, efectivamente, a todos e assume dominantemente uma natureza administrativa, mas já estamos a avançar nesta área, no âmbito da execução da resolução do Conselho de Ministros que referi. É uma matéria que tem de ser vista em conjunto como Ministério da Saúde, com quem nos estamos a articular, e já há grupos de trabalho constituídos, por isso pensamos que se vai avançar significativamente, a curto prazo, nesta matéria.
O problema da distribuição das seringas, como V. Ex.ª sabe, é um problema relativamente ao qual importa adoptar muitas cautelas, porque, além do mais, nas condições actuais de sobrelotação e sem que haja novos espaços livres de droga, que estão nos projectos deste Governo, a seringa pode constituir um perigo muito grande dentro dos estabelecimentos prisionais. Temos de agir com muita cautela, no entanto, tudo isto está, neste momento, a ser estudado juntamente com Ministério da Saúde, pelo que penso que poderemos avançar muito brevemente.
Relativamente às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Antónimo Antunes, a quem também agradeço, direi o seguinte: o artigo 2.º da proposta de lei tem uma norma de natureza substantiva, que tem a ver com a própria natureza da modificação da pena, para efeitos de contabilização, se assim quisermos.
É claro que o problema da saída se põe, mas escapa ao Ministério da Justiça, portanto, temos de agir a outros níveis. Pela nossa parte procuraremos dar o nosso contributo. No entanto, relativamente aos detidos em fase terminal, se me permite, dir-lhe-ia o seguinte, com toda a violência que isto envolve: á própria modificação da pena relativamente a estes detidos visa, em princípio, garantir-lhes a morte no seio da família. É violento dizer isto, mas eles saem - permita-me a expressão -, para morrer. Portanto, julgo que os casos em que se poderão pôr esses problemas, depois da reinserção deles na sociedade, são casos absolutamente limite.
Por outro lado, quanto aos encargos acrescidos que a implantação do diploma poderá envolver, eu seria, desde já, tentado a afirmar que, de facto, julgo que eles não têm qualquer significado. A modificação da pena depende sempre do pedido do próprio, da família ou, então, do Ministério Público, no interesse do detido. Vincava muito esta vertente, porque me parece essencial. Sabemos que há sistemas em que o próprio Ministério Público poderá agir no interesse da administração prisional, ou seja, para não haver as tais mortes na prisão. Infelizmente, é assim em alguns casos! Mas isso não acontecerá, necessariamente, entre nós. Penso que estes encargos terão, ao fim de um ano, um peso perfeitamente insignificante nos orçamentos dos serviços.
No que se refere à intervenção do Instituto de Reinserção Social, penso que também não terá um peso significativo, porque ele tem os seus técnicos, está implantado em todo o País, tem equipas em todos os círculos judiciais e, portanto, facilmente acompanhará 10, 20 ou 30 casos. Penso que poderemos contabilizar já por aqui, embora com toda a incerteza que envolve esta matéria necessariamente.
Quanto às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado João Palmeiro, que também agradeço, devo dizer que a articulação com o Ministério da Saúde e as dificuldades de internamento são, infelizmente, um problema de carácter geral. É evidente que este internamento, de que falamos na proposta de lei, só ocorrerá quando ele estiver garantido e a pedido do próprio. Portanto, isto será, necessariamente, acompanhado de um estudo que, à partida, nos dê uma indicação segura de que, efectivamente, o internamento irá acontecer. Se não for possível, ele não acontecerá. Claro que há sempre outra alternativa - e chamaria também a atenção para este aspecto, que queria vincar -, é que esta colocação no domicílio não tem de ser necessariamente no domicílio do próprio. Reparem que falamos deliberadamente em obrigação de permanência em habitação e não na habitação, portanto, quisemos alargar

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ligeiramente o conceito, por isso ele pode ir para casa de um familiar mais afastado, para casa de um amigo, para uma casa de habitação em sentido muito amplo.
No que se refere aos custos resultantes do internamento, há uma norma, que foi expressamente introduzida na proposta de lei, que prevê uma comparticipação em partes iguais pelos Ministérios da Justiça e da Saúde, que também será uma gota de água, julgo eu, e penso que é uma norma que poderá, eventualmente, no futuro, vir a ser alterada, face às novas medidas que julgo que há a adoptar nesta matéria, que têm a ver com a protecção da saúde dos reclusos e a sua abrangência pelo Serviço Nacional de Saúde e pelo sistema normal de protecção da saúde dos cidadãos. Estes problemas estão, manifestamente, em aberto.
Penso que respondi a todas as questões que me foram colocadas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer aos restantes grupos parlamentares o terem dado o seu assentimento para que se alterasse a ordem das intervenções, para que eu pudesse fazê-la desde já.
Por outro lado, quero também dizer que sinto pena que o debate desta proposta de lei se faça nestas condições, ao fim do dia, porque a matéria que estamos a discutir é, a meu ver, extremamente importante e mereceria um debate com outra dignidade, porque, ao fim e ao cabo, estamos a falar de direitos fundamentais dos reclusos e da situação prisional que temos e isso deveria fazer-se, em nossa opinião, noutras condições.
Afirmar que o sistema prisional está em ruptura, tornou-se já, há muitos anos, uma banal afirmação.
Uma vez por outra, as condições em que vivem os reclusos, caracterizadas por vezes por alguma desumanidade e pelo desrespeito de direitos fundamentais, fruto de um sistema que deveria ter sido aperfeiçoado há muito, perpassam por leis de amnistia, que, nesse âmbito, representam, de certa forma, o reconhecimento de que, nas condições existentes, que se mantêm, a ressocialização do delinquente ainda é um mito.
A superlotação das cadeias, a falta de privacidade a que qualquer ser humano tem direito e mesmo as insuficiências no que toca a cuidados de saúde, gritantemente notados, em minha opinião, no que concerne aos toxicodependentes, formam um quadro que não se conforma com os textos internacionais, que o preâmbulo da proposta de lei refere, relativos ao tratamento de reclusos, e que se confronta com o artigo 30.º, n.º 5, da Constituição da República. Na verdade, há direitos fundamentais dos reclusos que não são respeitados e eles não vêem, ao fim e ao cabo, garantida, de uma maneira geral, a reinserção social.
Neste quadro, assume particular dramatismo a situação dos toxicodependentes que, podendo encontrar condições para a desintoxicação física - creio que o relatório do Sr. Provedor de Justiça reflecte isto, pois não tive a oportunidade de o ler todo -, não beneficiam, no entanto, do estritamente indispensável e necessário à erradicação da dependência psíquica, morosa, difícil de debelar, e que, por isso mesmo, exige assistência que não é proporcionada no meio prisional, porque muitas vezes exige assistência para além do próprio período de reclusão.
E, no entanto, ao recluso deve ser garantido o direito à saúde. Sendo de uma questão de saúde de que se trata, é neste âmbito que deve ser encarada a situação dos e das toxicodependentes, que não podem ser deixados praticamente sós, ou mesmo totalmente sós, perante uma doença que mais não é do que o produto de uma sociedade, em que o lucro a qualquer custo, mesmo à custa do direito à vida dos outros, continua a escapar no combate à criminalidade.
No nosso sistema prisional, tal como se assinala no preâmbulo da proposta de lei, assume particular dramatismo a situação dos infectados com o vírus da SIDA. Sem esperança de vida, desesperando, nas condições em que vivem, de ver chegado o momento de uma morte digna e questionando-se sobre o significado para eles da reinserção social, não será difícil antever as situações explosivas que podem surgir no meio prisional, num quadro como este.
O que pode de facto questionar-se, como já há muito tempo se tem feito noutros países, conforme diz o preâmbulo da proposta de lei, é como é que tem sido possível desrespeitar o direito aos cuidados de saúde, quando não estão já em causa exigências de prevenção geral e especial.
A falta de medidas no que toca ao Direito Penitenciário e ao sistema prisional agravou a situação dos reclusos, pôs e põe em risco os próprios trabalhadores que, em contacto diário com o meio prisional, correm permanentes riscos na própria saúde.
A presente proposta de lei, prevendo a possibilidade de modificação da execução da pena de prisão para prisão domiciliária e para internamento em estabelecimento de saúde ou de acolhimento adequado, relativamente aos afectados por doença grave em fase terminal, insere-se, em nossa opinião, na humanização do sistema prisional e enquadra-se na proibição constitucional de penas desumanas, porque em fase terminal de doença, quando o indivíduo se encontra no expoente máximo da solidão, que é a solidão perante a morte, a manutenção da execução da pena de prisão nega um direito, ínsito à própria dignidade da pessoa humana, que é o direito a uma morte digna.
Pode mesmo dizer-se que estas medidas, que há muito tempo deveriam ter sido tomadas, não são mais do que a tradução do princípio constitucional do respeito pelos direitos fundamentais dos reclusos e constituem o desenvolvimento do que no Decreto-Lei n.º 265/79 se consagra, relativamente à garantia da aproximação da execução da pena de prisão das condições de vida livre. Esta será, penso eu, com certeza, uma primeira medida, e muitas outras são indicadas no relatório do Sr. Provedor de Justiça, relativamente à execução de penas de prisão. Mas outras terão de se seguir, nomeadamente no que toca aos menores, que, no Direito Penal, na prática do crime, gozam do estatuto de maioridade, vítimas da degradação evidente das nossas cidades, da desumanização que se alheia da sua má fortuna, que se sentam nos bancos do tribunal, que são atirados para celas ou corredores, que conhecem como internato, onde aprendem, e mal, a vida, sem que lhes seja garantido o direito à reinserção na sociedade. Esta população prisional merece especial atenção, merece ver reconhecidas normas mínimas internacionais, que há a respeito dos menores e que nomeadamente contemplam, por exemplo, a garantia de frequência de estabelecimentos de ensinos no exterior do meio prisional.

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À sua situação refere-se, aliás, um preceito apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP no projecto de revisão constitucional. A garantia dos direitos fundamentais dos reclusos e a garantia de condições que tornem possível a reinserção social um direito penitenciário humanizado são também um importante meio de combate à criminalidade. Negamo-nos a considerar como um mito estes objectivos.

Vozes do PCP: --Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Antónimo Antunes.

O Sr. Antónimo Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já na década de 80 surgiram os primeiros casos identificados de SIDA nos estabelecimentos prisionais. A epidemia alastrou dentro dos muros das prisões, a natureza da doença e a facilidade com que se transmite, a progressiva deterioração das condições de vida nas cadeias, as práticas homossexuais e de toxicodependência, a sobrelotação, a promiscuidade, a falta de higiene, a insuficiente assistência médica e medicamentosa, perfazem um conjunto de «terreno-clima» que favorece e potencia o seu rápido crescimento e a propagação que não para.
Aos casos de SIDA juntam-se os dos reclusos portadores de outras doenças igualmente graves e incuráveis, como a hepatite e o cancro. Centenas deles estão em fase terminal. Razões humanitárias impõem a adopção de medidas com alguma maleabilidade, susceptíveis de viabilizar actos soberanos de clemência para com os condenados que estejam na descrita situação, de modo a possibilitar o direito a uma morte digna, porventura no seio da família, como escreveu na exposição de motivos que acompanha a proposta de lei.
Compete hoje à Assembleia da República discutir e votar em Plenário esta iniciativa legislativa, o que nos conduz à problemática da modificação da pena e da libertação antecipada desses presos condenados definitivamente em prisão.
No sistema prisional português nunca foi, até hoje, consagrada a possibilidade da modificação da pena privativa de liberdade com trânsito em julgado, no sentido ora proposto. Tudo o que a lei prevê é a admissibilidade da suspensão da prisão preventiva, se tal for exigido, por razões de doença grave do arguido. Muito embora pensado em 1972, para situações mais raras que precederam a explosão dos fenómenos epidemológicos ligados à SIDA e à toxicodependência, pode dizer-se que, na sua generalidade e abstracção, algo se previu nesta matéria, não se passou, porém, da fase da prisão preventiva.
No período da execução da pena - excepção feita às medidas de segurança de internamento aplicadas a inimputáveis, conforme aqui foi hoje referido - nem sequer se previu alguma moratória no início do cumprimento da pena.
Iniciada a execução, um doente incurável e em fase terminal só podia, quando muito, beneficiar do processo de liberdade condicional, verificados os condicionalismos respectivos, que passam forçosamente pelo cumprimento de metade da pena. Um outro caso pontual, obviamente sem expressão, resolveu-se através do indulto. Não são conhecidos entre nós relevantes excertos doutrinários ou jurisprudências sobre esta matéria.
Este debate político não vai deixar também de ser incipiente e abreviado. Mas num momento como este, em que as prisões estão a rebentar pelas costuras e em que nelas morrem, em média dois presos por dia, de SIDA e de outras doenças incuráveis e contagiosas, ninguém compreenderia maiores delongas com sabor a bizantinice. O que nos faltou em tempo de reflexão mostra-se amplamente compensado pela recolha de ensinamentos e de experiência de outros países, designadamente de muitos dos nossos vizinhos e parceiros da União Europeia. O que nos falta em tempo e profundidade de debate é sobejamente compensado pelo tamanho da evidência.
Com a adopção das medidas ora propostas, Portugal dá simultaneamente resposta às recomendações e resoluções da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e do Comité de Ministros do Conselho da Europa que, desde 1988 e 1993 até ao presente, vêm incitando os Estados membros a permitir a libertação definitiva dos detidos condenados pela doença por razões humanitárias e contemplando sempre o espectro prisional, recomendando que os presos afectados pela SIDA em fase terminal deverão poder beneficiar de medidas de libertação antecipada e receber um tratamento apropriado fora da prisão. A extensão da medida aos portadores de outras doenças em fase terminal impõe-se por obediência ao princípio da igualdade dos cidadãos, algumas vezes já posto em causa neste Parlamento e nesta Legislatura a propósito de recentes iniciativas legislativas.
Eis, Sr. Ministro da Justiça, abreviadamente expostas as razões pelas quais o Grupo Parlamentar do PSD desde já firmou o seu propósito de votar favoravelmente esta proposta de lei. Eis, Sr. Ministro da Justiça, mais uma manifestação concreta de que V. Ex.ª e o Governo socialista em que se integra podem contar com a colaboração do meu partido e do meu grupo parlamentar, sempre que estejam em causa a defesa séria dos reais interesses do país e da generalidade dos cidadãos portugueses quando definidos de uma forma clara e transparente, pela mesma razão que o Governo, de que V. Ex.ª faz parte, e o partido que o sustenta não tem podido contar, e podem estar certos de que continuarão a não poder, quando esses princípios, esses valores, forem postergados ou se apresentem menos claros.
Por isso, estivemos contra na «amnistia certeira» às organizações terroristas; por isso estamos preocupados com tratamentos privilegiados que se traduzirão em encapotados perdões de dívidas ao fisco. É assim a postura do PSD e do seu grupo parlamentar, numa linha de oposição construtiva, responsável, séria e atenta, por que pauta a sua actuação política.
Mas o sentido da responsabilidade política acrescida, que nos advém do facto de sermos o maior e o principal partido da oposição, não permite que deixemos passar esta oportunidade sem fazer algumas considerações.
Anteontem, Sr. Ministro da Justiça, as notícias deram-nos conta de que mais um jovem se suicidou na cadeia de Monção, na mesma cadeia em que, há semanas atrás, outro recluso pôs termo à vida. Dois suicídios em três semanas, numa cadeia regional, com lotação para 28 reclusos, dá para pensar! Mesmo admitindo que essa cadeia, também ela sobrelotada, esteja a comprimir o dobro da população prisional para que está dimensionada, a frequência desses trágicos acontecimentos estão bem expressas na linguagem fria desses acidentes trágicos.
Temos instalações prisionais para cerca de 8000 reclusos.

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No dia 28 de Novembro de 1995, em reunião com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, V. Ex.ª, Sr. Ministro, dava conta de que a população prisional vinha aumentando de forma exponencial e que havia nas prisões portuguesas cerca de 12 300 reclusos. O número de presos não parou de aumentar.
Em Novembro último entravam por mês 150 novos presos. Hoje, sete meses volvidos, a população prisional aumenta à média de 200 presos/mês. Aproximam-se as férias judiciais e o abrandamento da actividade dos tribunais, mesmo em relação aos presos, o que faz com que se reduza as hipóteses de algumas solturas de detidos que estão a aguardar julgamento, por força de absolvições ou da aplicação de penas alternativas à da prisão efectiva.
O período de Verão que se inicia, arrasta ciclicamente o aumento da criminalidade e de novas detenções. Isto significa que só nos próximos dois ou três meses a população prisional vai aumentar ainda em maior proporção. Prevê-se que a medida hoje em discussão vá abranger de imediato pouco mais do que 200 reclusos, mas o que determina a nossa posição favorável à proposta da lei é a adesão incondicional que fazemos às relevantes razões humanitárias que lhes estão subjacentes. Fazemo-lo conscientes de que se trata de uma medida séria, de que não é uma medida de cosmética, mas também com dúvidas sobre se chega a ser de cirurgia para o sistema prisional ou se se fica no efeito de aspirina.
Há dias o Provedor de Justiça denunciou o estado calamitoso de muitas das nossas prisões. A referida cadeia de Monção, duas alas da prisão de Alcoentre, os estabelecimento de Montijo, a cadeia regional de Coimbra, não reúnem o mínimo de requisitos de habitabilidade e devem ser imediatamente encerradas. Mas o seu encerramento implica a transferência de reclusos par á outros estabelecimentos já de si superlotados, e estes últimos, muitos dos quais raiam igualmente os limites da precaridade, passarão de razoáveis a maus ou de maus a piores.
De uma maneira geral, o espectáculo das nossas prisões degrada-se mais em cada dia que passa. Faltam condições de higiene básicas, a assistência médica e medicamentosa é ainda deficiente, as condições de habilidade e salubridade mínimas não são, em muitos casos, asseguradas. É sabido que 70 ou 80% da população prisional tem problemas de toxicodependência e que a SIDA, a seropositividade, a hepatite B e C, a tuberculose, alastram dia-a-dia sem que sejam ainda claras e consistentes as medidas de fundo já tomadas por este Governo, no sentido de sustar e de diminuir o impacto negativo da situação sanitária de grande parte da população prisional.
Diz a lei que a execução das penas deve ser orientada de modo a respeitar a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afectados pela condenação; diz a lei que, tanto quanto possível, se aproximará a execução das condições da vida livre, evitando-se as consequências nocivas da privação da liberdade; diz a lei que na modulação da execução das penas privativas de liberdade não devem ser criadas situações que envolvam sérios perigos para a defesa da sociedade e da própria comunidade prisional; diz a lei que a execução deve, tanto quanto possível, estimular a participação do recluso na sua reinserção social, especialmente na elaboração do seu plano individual e na colaboração da sociedade na realização desses fins; diz a lei que os reclusos mantêm a titularidade dos direitos fundamentais do homem, ressalvadas apenas as limitações decorrentes do- sentido da sentença condenatória e as impostas em virtude da ordem e da segurança do estabelecimento; diz a lei que o recluso tem direito a um trabalho remunerado, aos benefícios da segurança social e, na medida do possível, ao acesso à cultura e ao desenvolvimento integral da sua personalidade.
De direito, Sr. Ministro, os reclusos estão apenas privados à liberdade. De facto, é preciso garantir que nenhum recluso fique privado dos seus direitos fundamentais e constitucionais ao nível da protecção da dignidade da pessoa humana.
Não podemos perder a consciência de que «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem» - citei o artigo 22.º da Constituição.
Há que encontrar soluções urgentes, porque a situação não se compadece com as delongas, sempre de muitos meses, inerentes à construção, adaptação ou remodelação das instalações prisionais. Daqui a uns meses, quem sabe se as cadeias que temos até acabarão por ser suficientes, porque os excedentes se resolvem através do processo natural da morte e da doença dos reclusos.
Nessa altura, Sr. Ministro da Justiça, pode ser absurdo, mas pode nem se precisar de tantas prisões, porque «pássaro morto, gaiola aberta».
Nessa altura, Sr. Ministro da Justiça, talvez deixemos ironicamente de ser o país da União Europeia com maior percentagem de presos per capita, mas corremos o risco de ser aquele que tem menores preocupações prisionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Palmeiro.

O Sr. João Palmeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Desde que se conhece a humanidade, o conhecimento científico cresce de uma forma que supera todas as expectativas. Contudo, é por todos reconhecido que, quanto maior é o conhecimento, maior é a constatação do desconhecido. Esta evidência parece demonstrar que a natureza abre uma página do seu livro infinito em cada dia que passa.
Assim se percebe que, no estádio de desenvolvimento em que nos encontramos, seja possível simultaneamente que a medicina consiga, por um lado, a «proeza» de criar artificialmente um embrião humano mas, por outro lado, se veja totalmente impotente face a doenças das quais desconhece a cura.
Esta dialéctica suscita no espírito dos mais esclarecidos uma inquietação face aos modelos de desenvolvimento adoptados pela sociedade e especialmente sobre os caminhos trilhados pelo conhecimento científico.
Não será de esperar uma modificação substancial desta realidade, pelo que nos resta procurar soluções que atenuem os efeitos devastadores de determinadas doenças que ciclicamente aniquilam a nossa sociedade.
Muitas das doenças mais graves existentes hoje em dia derivam de uma deficiente organização social, cujo expoente máximo é a toxicodependência. Existem inúmeras causas para o consumo de estupefacientes mas todas elas são paradigma e reflexo da sociedade que temos.

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No papel de organização social, os Estados conseguem simultaneamente promover medidas combativas desse flagelo mas igualmente possibilitar, ainda que por omissão, o incremento de políticas conducentes a essa prática.
As drogas são um produto do homem que possibilitam a autodestruição e têm condicionado o modelo de desenvolvimento social. Desde logo, são notórias as implicações económicas que derivam do tráfico; são igualmente sintomáticas as consequências que os produtos psicotrópicos provocam no ser humano, sendo de salientar que muitas das doenças mais graves hoje existentes têm origem na droga, seja por consequência directa, seja por comportamentos desviantes. A toxicodependência tem destruído gerações de famílias e verifica-se ser um fenómeno que atropela indistintamente não só aqueles que dela dependem mas uma parcela substancial de toda a sociedade.
Essas preocupações devem, no entanto, também ser distendidas para o apoio ministrado às pessoas que padeçam de doenças graves. Estas doenças que assolam a sociedade são na maior parte dos casos uma consequência da droga e, nesse sentido, justificam a existência de planos adequados de sensibilização social que inviabilizem a sua proliferação.
Para além disso, a SIDA e outras doenças graves justificam por si , só o apuramento de iniciativas que possibilitem uma diminuição do sofrimento humano. É sabido que a SIDA é uma doença que afecta simultaneamente o ser humano em termos físicos e psicológicos, para além de constituir em si mesma um forte factor de marginalidade social.
Não será fácil inverter rapidamente estes desideratos. Contudo, enquanto não existirem na medicina soluções mais eficazes no combate da doença, é exigível que paulatinamente se encontrem formas de atenuar a difícil inserção social destes doentes.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, toda a situação descrita anteriormente aparecerá naturalmente enfatizada se a análise se repercutir sobre uma população prisional pois esta, além de partilhar de todos os defeitos de organização social, comunga sobretudo de vectores negativos que catapultam os efeitos das drogas e das doenças graves para níveis muito mais preocupantes.
Relativamente ao modus vivendi da população prisional portuguesa, muito se tem escrito nos últimos dias, normalmente reflectindo posições criticas em relação ao sistema, mas nem sempre essas criticas são acompanhadas de um necessário sentimento de auto-responsabilização.
É público e notório que o sistema prisional português está no limiar da ruptura. É um problema estrutural que denota ter existido uma deficiente política para o sector.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!

O Orador: - As prisões estão, como é sabido, sobrelotadas, registam-se graves carências nesse meio e porventura existirão mesmo casos em que são postos em causa os mais elementares direitos dos cidadãos, correndo-se inclusive o risco de abortar a filosofia penal consagrada no nosso ordenamento jurídico.
De tal forma é preocupante a situação prisional que melhor do que tentar imputar responsabilidades políticas, o que, no caso presente, até seria simples dado ter sido o PSD que conduziu o Ministério da Justiça na última década,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Convém lembrar!

O Orador: - ...será sem dúvida preferível canalizar todos os esforços para que de uma forma célere se possam executar medidas que reponham o cumprimento da pena aos interesses ressocializadores do direito criminal.
Nesse sentido, o Governo, tomando consciência da gravidade do problema, apresentou e implementou já um conjunto de iniciativas que potenciam uma melhoria do sistema. Sem pretender transmitir uma imagem de puro pessimismo nem pôr em causa a bondade das iniciativas já tomadas, parece, no entanto, ser imprescindível que se evite a demagogia política e que este seja considerado um problema de Estado.
O elevado grau de sobrelotação existente no sistema prisional tem incrementado a promiscuidade no interior das próprias prisões e, consequentemente, disparou o número de doenças graves: 210 casos de SIDA, 1146 infectados pelo HIV e 1370 casos de hepatite. Estes indicadores são de tal forma impressionantes que, em última instância, somos levados a concluir, embora de uma forma abusiva, que a pena de morte voltou a ser reintroduzida no ordenamento jurídico português, conclusão que se funda no facto de constatar-se que um detido pode ser duplamente punido se contrair uma doença letal, única e exclusivamente, por se encontrar detido.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, para além de todos os dados aqui aduzidos, importa neste contexto aferir, ainda que sumariamente, das vantagens que a proposta de lei hoje aqui discutida representa para os cidadãos condenados em pena de prisão e que se vejam afectados por doença grave e irreversível.
É de saudar a presente proposta do Governo que institui a possibilidade de modificação da execução da pena de prisão para os cidadãos que sofram de doença grave e irreversível em estado terminal quando tal situação não colida com as exigências de prevenção ou de ordem e paz social.
A proposta de lei em análise permite dar resposta a um dos mais graves problemas que hoje se vive nas prisões portuguesas ao proporcionar aos reclusos em estado de doença grave e terminal a possibilidade de uma morte digna junto dos seus familiares. Os aspectos de ordem humanitária e de saúde que lhe estão subjacentes fazem com que, do ponto de vista dos objectivos pretendidos, esta iniciativa seja inatacável, devendo, por isso, merecer o apoio e consenso generalizado dos vários grupos parlamentares.
Com a presente iniciativa legislativa, para além de dar cumprimento a um dos pontos do seu programa - «a revisão da legislação prisional e o estabelecimento de uma política prisional adequada» -, que passa pelo «alargamento da cooperação intersectorial da saúde e da justiça, com vista à prevenção da toxicodependência, do HIV e hepatite B nas prisões», o Governo da nova maioria contribui para um reforço do estatuto jurídico do- recluso à semelhança do ocorrido em muitos países, designadamente no que concerne ao direito à saúde.
Com efeito, a possibilidade de modificação da execução da pena para reclusos que sofram de doença grave e irreversível em fase terminal, como seja a libertação antecipada, a suspensão da pena ou a detenção domiciliária, desde que não exista perigo para a sociedade, encontra-se já hoje consagrada em vários países como a Bélgica, a Espanha, a França, a Alemanha, a Itália, a Suíça e a Polónia.
A consagração de um regime idêntico no nosso pais permitirá o reforço do estatuto do recluso e a resposta a um problema de carácter humanitário a que, de resto, o nosso

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sistema tradicionalmente se tem mostrado bastante sensível, e veja-se o artigo 211 º do Código Penal, que consagra já a possibilidade de suspensão da execução da prisão preventiva por razões de doença grave do arguido, podendo este ficar em situação de permanência domiciliária ou internado em hospital, e o artigo 104.º do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto, que consagra a possibilidade do Ministro da Justiça autorizar, em casos excepcionais e quando absolutamente necessário, o internamento dos reclusos em qualquer estabelecimento hospitalar não prisional mediante proposta fundamentada do director do estabelecimento prisional instituída com o parecer do respectivo médico.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Embora a proposta de lei em discussão tenha sido despoletada face à gravidade e proporção que o fenómeno da SIDA tem vindo a assumir nas prisões, a possibilidade de modificação da execução da pena aplica-se aos reclusos que sofram de toda e qualquer doença grave e irreversível em estado terminal, como sejam a hepatite B, cancro ou outra, respeitando-se assim o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
E precisamente com vista à protecção da saúde, numa atitude de grande humanidade e solidariedade, que o Governo da nova maioria apresenta esta proposta de lei, que mais ,não significa do que dar o direito aos reclusos a serem acompanhados clínica e psicologicamente durante o estado terminal da doença, o direito ao apoio e acompanhamento familiar e, enfim, o direito a uma morte compatível com a dignidade humana.
Morrer num estabelecimento prisional sem os cuidados clínicos indispensáveis, onde o isolamento e as condições de vida assumem contornos degradantes e longe dos familiares, não se afigura compatível com os direitos fundamentais do homem, com um Estado Social de Direito e com a dignidade da pessoa humana.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Trata-se pois de uma iniciativa legislativa que na globalidade é inovadora, oportuna e adequada às situações de doença grave e irreversível, que deve merecer o apoio de todos, tendo em conta os objectivos preconizados e as razões humanitárias que estão na base da sua apresentação, embora deva ser rodeada dos cuidados que uma medida deste tipo exige.
A par desta iniciativa, outras deverão ser tomadas no sentido da actualização e melhoria da legislação prisional e da resolução dos problemas com que se debate o sistema prisional, designadamente no que respeita ao combate e prevenção da toxicodependência, da SIDA e de outras doenças transmissíveis.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, é pena que o debate de diplomas de tanta importância tenha sido realizado nas circunstâncias que podemos observar. As interessantes intervenções, quer da parte dos Membros do Governo, quer da parte dos Deputados, arriscam-se a não ter eco no exterior, frustrando-se o seu objectivo de sensibilização da sociedade. Fica o valor humanitário das propostas apresentadas, que honra o Governo que as propõe, e o Parlamento que irá aprova-las.
Esgotada a lista dos oradores inscritos, considero terminado o debate, na generalidade, dos diplomas inscritos na ordem do dia de hoje. A sua votação será feita em data oportuna e constará da agenda.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, sendo a ordem do dia preenchida com perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Cláudio Ramos Monteiro.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
Manuel António dos Santos.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Humberto Rocha de Avila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Carlos Alberto Pinto.
José Manuel Durão Barroso.
Luís Carlos David Nobre.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Luís.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Artur Ryder Torres Pereira.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Mendes Bota.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.
Rúben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO da Assembleia da Republica

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