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Sábado, 6 de Julho de 1996 I Série - Número 93
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA
1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE JULHO DE 1996
Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Exmos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 53/VII.
Foi lida uma mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que, a propósito da promulgação do Decreto n.º 29/VII (Estabelece a redução dos períodos normais de trabalho superiores a 40 horas por semana), apresenta à Assembleia algumas das suas preocupações sobre a aplicabilidade da lei.
Em seguida a Câmara apreciou, na generalidade, a proposta de lei n.º 51/VII - Aprova a lei de bases do Tribunal de Contas, sobre a qual intervieram, a diverso título, atém do Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco), os Srs. Deputados Liso de Carvalho (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP), Manuela Ferreira Leite (PSD), José Magalhães e João Carlos da Silva (PS) e António Lobo Xavier (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Soares Gomes.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
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Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 53/VII - Autoriza o Governo a criar o tribunal central administrativo e a alterar o Estatuto dos Tribunais á 1.ª Comissão.
Sr. Presidente: - Srs. Deputados, S. Ex.ª o Presidente da República enviou à Assembleia da República uma mensagem, no uso de um direito constitucional, que é do seguinte teor:
Sendo a primeira vez que, no exercício deste meu poder constitucional, me dirijo à Assembleia da República, assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, desejo manifestar-lhe o grande apreço que a instituição parlamentar me merece, como centro vital da democracia e órgão legislativo por excelência.
Acabo de promulgar o Decreto da Assembleia da República n.º 29/VII, que estabelece a redução dos períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas por semana, desenvolve as possibilidades de adaptação dos horários de trabalho e acolhe legalmente o princípio da polivalência de funções dos trabalhadores.
Com a entrada em vigor de tal diploma a duração legal máxima do trabalho normal será, a partir de 1 de Dezembro de 1997, de 40 horas semanais, o que constitui um progresso importante no domínio das condições sociais de trabalho em Portugal.
É bem conhecido que, em 1990, os parceiros sociais e o Governo concordaram quanto à fixação em 44 horas do horário máximo legal e quanto ao objectivo de generalizar, através da negociação colectiva, em 1995, a duração semanal de 40 horas e a contabilização dos tempos de trabalho em termos médios.
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Independentemente da circunstância de o acto de promulgação pelo Presidente da República não ter de resultar da sintonia em que se encontre com a substância
dos diplomas que lhe são submetidos, decidi promulgar o presente diploma porque os seus objectivos globais merecem a minha adesão e porque é manifesto que a
generalização, por negociação colectiva, das 40 horas não se verificou em muitos sectores e empresas.
Portugal precisa de realizar, com o mínimo de custos sociais, algumas mudanças estruturais sem o que continuará anão poder assegurar à generalidade dos portugueses a melhoria do nível e da qualidade de vida a que aspiram.
Como se sabe, entendo que a redução e a reorganização do tempo de trabalho, bem como a inovação no domínio da sua organização e divisão, constituem instrumentos
muito importantes da qualificação dos trabalhadores, da promoção do emprego, da absorção do desemprego e da melhoria das condições de competitividade das empresas.
De resto, é hoje comum nos diferentes Estados Membros da União Europeia que o direito do trabalho e a negociação colectiva consagrem, em modalidades diversas,
quer algumas formas de polivalência funcional, quer a redução e adaptação dos horários de trabalho às necessidades das empresas e dos trabalhadores.
Considero também da maior relevância que o diploma aprovado pela Assembleia da República se baseie numa proposta do Governo que decorre de um acordo de
concertação social pois entendo que o diálogo constitui um dos meios adequados de promoção da participação dos cidadãos na definição das políticas públicas e, portanto, da governação democrática.
E, aliás, de esperar que, por iniciativa de Deputados ou do próprio Governo, eventualmente em resultado de acordos de concertação social, a problemática do tempo de trabalho venha a ser, no futuro próximo, objecto de novas intervenções legislativas.
É neste contexto que julgo, porém, que as razões que justificam a promulgação da presente lei não devem fazer esquecer a necessidade de valorar as alterações legislativas nela contidas em todas as suas dimensões e complexidade, cabendo considerar de que forma foram devida e perfeitamente acautelados direitos de algumas categorias de trabalhadores mais carenciados de protecção e algumas
expectativas legítimas de trabalhadores individualmente considerados.
Neste sentido, entendo ser dever do Presidente da República, no exercício de um mandato que se quer pautado pelos valores constitucionais dos direitos
fundamentais, da igualdade de oportunidades, da coesão social e da solidariedade, chamar a atenção para alguns aspectos particulares que, no novo quadro legislativo aberto pelo diploma agora aprovado, não terão ainda obtido uma consagração plenamente satisfatória.
Refiro-me, por um lado, à conveniência em encontrar, no âmbito da adaptabilidade dos horários de trabalho agora introduzida, uma regulamentação especial que assegure uma protecção efectiva a certas categorias de trabalhadores mais carenciados de protecção, como sejam as mulheres grávida: ou após o parto, os menores com mais de 16 anos, os diminuídos físicos, os mais idosos ou os trabalhadores sujeitos a condições de trabalho especialmente penosas ou
violentas.
Acresce que esta previsão especial não é apenas uma exigência de justiça que integra naturalmente as opções políticas do legislador, mas constitui, também, um imperativo constitucional a que o Estado tem, no domínio
da legislação laborai, procurado corresponder. Veja-se como, entre outras disposições, a legislação em vigor isenta já os menores, as mulheres grávidas ou após o parto e os deficientes da obrigação de prestar trabalho suplementar, sendo que para os menores este tipo de trabalho está mesmo vedado.
Ora, se bem que a intenção orientadora do presente diploma seja a da redução progressiva do horário de trabalho, há que reconhecer que da adaptabilidade de horários pode resultar, para as categorias de trabalhadores mencionadas, um prolongamento do período normal de trabalho por períodos significativos, em circunstâncias objectivamente mais penosas que aquelas que decorrem da prestação pontual e excepcional de trabalho suplementar. Não haverá, portanto, razões para não prever, para as novas situações, a protecção especial que ali tem sido garantida.
De facto, os motivos que justificam o novo regime de adaptabilidade dos horários não podem, em meu entender, servir para legitimar, relativamente a uma grávida, a um menor de 16 anos, a um deficiente ou a um trabalhador com condições de saúde precárias, a eventual imposição de um regime que pode, em certos casos, ir até às 50 horas semanais de trabalho durante várias semanas consecutivas.
Não havendo, na legislação em vigor, normas que assegurem uma protecção efectiva às categorias de trabalhadores referidas face às novas possibilidades de acréscimos temporários do horário normal de trabalho diário e semanal, parece de todo o interesse que se garanta, também aí, a protecção especial que lhes é devida.
Por outro lado, em situações porventura excepcionais, os prolongamentos temporários do horário de trabalho diário e semanal podem inviabilizar os planos de vida que os cidadãos projectaram com base no regime legal de organização dos horários vigente, podendo redundar numa frustração das suas expectativas legítimas ou afectar os seus direitos à saúde, ao ensino ou à sua realização pessoal. Haverá, então, lugar para nos interrogarmos se, tal como já acontece no que se refere à obrigação de prestação de trabalho suplementar, a legislação laborai não deve, também aqui, ser suficientemente maleável para reconhecer aos trabalhadores, havendo fundamento relevante e atendível, o direito de serem pontual e individualmente dispensados de acréscimos temporários de duração do período normal de trabalho permitidos pela presente lei.
São estas as preocupações que, por ocasião da promulgação da lei, entendo dever exprimir.
Contudo, desejo reafirmar que tais preocupações não afectam o meu juízo globalmente positivo sobre o presente diploma, que considero, pelas razões acima enunciadas, um instrumento de progresso social para o nosso País.
Srs. Deputados, vamos aguardar, por breves momentos, a chegada dos membros do Governo, para darmos início à discussão da proposta de lei n.º 51/VII - Aprova a lei de bases do Tribunal de Contas.
Pausa.
Como os membros do Governo já estão presentes, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei, pela matéria extensa e complexa que trata, merece uma reflexão como, certamente, esta Câmara lhe saberá dedicar. Uma reflexão que terá de ter em conta que se trata de um
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diploma de Estado e que, por isso, deve ser analisado acima das pequenas questões, querelas e tricas, que também fazem parte da vida, como tudo, mas que não podem confundir-se com as questões de Estado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Este é um assunto importante.
Sublinho que esta proposta de lei tem uma história textual e cronológica.
A história textual é simples. Verificada a necessidade de substituir um, corpo legislativo disperso e incoerente, de que o diploma mais importante é o Regimento de 1915, surgiu a ideia de que seria útil substituir, globalmente, a Lei n.º 86/89, que foi uma lei de reforma boa no seu momento, mas ultrapassada, porque datada e transitória, por uma lei de bases do Tribunal de Contas que, verdadeiramente, modernizasse a fiscalização financeira num Estado de direito democrático, com separação de poderes e controlo efectivo dos dinheiros públicos através de um órgão independente dos outros órgãos políticos.
Esta ideia deu origem à elaboração de um anteprojecto, de que o então Presidente do Tribunal de Contas - eu próprio - foi autor exclusivo, datado de 5 de Junho de 1995. Esse documento foi apresentado informalmente, como anteprojecto pessoal, aos vários titulares de órgãos de soberania, no âmbito de um relatório sobre a situação do Tribunal de Contas.
Deixei, entretanto, de exercer essas funções e, como se sabe, não tenho hoje, para que isso fique bem claro, qualquer vinculação ao Tribunal de Contas, uma vez que a minha profissão é a de professor universitário e, deixando de ser Presidente, não tenho qualquer ligação à instituição Tribunal de Contas.
Quando o novo Presidente do Tribunal de Contas, Conselheiro Alfredo José de Sousa, foi empossado, eu próprio, falando como Ministro das Finanças, por incumbência do Sr. Primeiro-Ministro, dirigi-lhe o convite do Governo no sentido de elaborar um anteprojecto que servisse de base à substituição da Lei de Bases do Tribunal do Tribunal de Contas, a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro. Com grande presteza e competência, o Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas elaborou esse anteprojecto e apresentou-o ao Governo, num prazo curto, em Abril passado.
Trata-se de uma segunda versão do mesmo texto, evidentemente melhorada, reconheço-o com todo o gosto, nomeadamente pela integração no projecto da totalidade das disposições necessárias em matéria processual e relativas ao regime das secções regionais do Tribunal de Contas, duas questões em que o projecto anterior ainda deixava em vigor alguma da dispersa legislação vigente. O anteprojecto do actual Presidente, e muito bem, visou substituir a totalidade dessa legislação avulsa que só cria confusão e incerteza.
Apresentado ao Governo pelo Ministro das Finanças, esse anteprojecto foi, naturalmente, como qualquer iniciativa legislativa, debatido no âmbito do Governo, dando origem a esta proposta de lei, hoje apresentada à Assembleia da República.
Todo este processo é, pois, simples, claro e cristalino. Trata-se, no essencial, de três versões do mesmo diploma, versões essas que foram sofrendo, na minha opinião, melhorias em cada uma das fases e que, se têm, porventura, alternativas de pormenor, disso não passam, encontrando-se hoje nesta forma como resultado de um
trabalho participado, de pessoas livres que discutiram princípios é chegaram a conclusões, todas orientadas no mesmo sentido.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Há pois, fundamentalmente, um projecto que teve este caminho de elaboração, com três grandes versões: a primeira foi minha, pessoal, como Presidente do Tribunal de Contas; a segunda do actual Presidente do Tribunal de Contas, que melhorou, substancialmente a primeira; e uma terceira elaborada pelo Governo, como equipa e como colectivo que é, que hoje é aqui apresentada. Conheço bem as diferenças entre elas, sou capaz de as explicar, mas o que pretendo sublinhar é que se tratam de três versões do mesmo diploma e, além do mais, três versões inspiradas exactamente pelo mesmo espírito, que tentarei desenvolver a seguir.
A proposta de lei hoje apresentada insere-se, por parte deste Governo, no cumprimento de compromissos. E permitam-me que diga, porque estou perfeitamente à-vontade para o fazer, que é determinante o sentido ético e a vontade de cumprir compromissos assumidos perante o povo português pelo Engenheiro António Guterres, actual Primeiro-Ministro. Foi ele que, como líder da oposição, se empenhou, em circunstâncias difíceis para a instituição Tribunal de Contas, quando era apelidado de «força de bloqueio» e não tinha condições para exercer os poderes de controlo que a Constituição e a lei lhe conferiam, que são exigidos pelo Estado de direito democrático e pelo princípio da separação de poderes, na ideia de dar à instituição o papel devido no Estado de direito democrático, dotando-a de mais poderes e mais meios.
Esse é um compromisso em que tenho tido, como noutros domínios, muito gosto em ajudá-lo, mas que foi, acima de tudo, um compromisso do Primeiro-Ministro, agora cumprido por esta proposta de lei, naturalmente aprovada pelo Governo, mas com o apoio e o empenho muito forte do Engenheiro António Guterres, cumprindo nisso, como no resto, os compromissos que assumiu perante o povo português.
Aplausos do PS.
Essa proposta insere-se, aliás, na ideia genérica de mais poderes e mais meios para o Tribunal de Contas, que tem inspirado neste domínio, que muitos outros há, uma acção do Governo, ao contrário do que alguns dizem, extremamente eficiente. Recordo que, em cooperação com a Assembleia da República e com o próprio Tribunal de Contas, nestes oito meses, já foi possível fazer a aprovação, pela Assembleia da República, com base em propostas do Governo num caso e em projectos de lei do Grupo Parlamentar do PCP no outro, depois integrados na proposta de lei do Orçamento do Estado, de duas leis - as Leis n.ºs 3/96 e 14/96 -, repondo a legalidade democrática num caso e no outro estendendo os. poderes de competência do Tribunal de Contas às empresas públicas, aos processos de privatização e a outras situações de fronteira.
Também na Lei do Orçamento do Estado e no decreto-lei de execução orçamental, procedeu-se a uma redução anual, entre 25 a 35 000, do número de processos de bagatelas, isto é, de processos sem valor suficiente para justificar a fiscalização prévia, sobre um total de 105 000 processos. Ou seja, a ideia de que é necessário evitar a
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fiscalização das bagatelas ou das insignificâncias para concentrar a fiscalização no que tem real significado financeiro também já foi concretizada, reduzindo em cerca de 30% o número de processos insignificantes, por disposições conjugadas da Lei do Orçamento do Estado e do decreto-lei de execução orçamental.
Acresce ainda a publicação do Decreto-Lei n.º 72/96, com o regime de incentivos à fixação e ao exercício de funcionários nas secções regionais dos Açores e da Madeira, que tão importantes são para a defesa da legalidade democrática, no campo financeiro, nas duas regiões autónomas; a fixação de um novo regime de emolumentos, que corresponde à ideia de dar mais meios ao Tribunal de Contas em função da sua actividade, pelo Decreto-Lei n.º 66/96; a atribuição, à semelhança do que acontece com os outros presidentes dos tribunais superiores, de um gabinete ao Presidente do Tribunal de Contas, previsto, mas nunca regulamentado, pela Lei n.º 86/89 e pelo Decreto-Lei n.º 30/96; a inserção do orçamento do Tribunal de Contas na parte do Orçamento do Estado correspondente aos Encargos Gerais da Nação, como deve acontecer com um órgão de soberania autónomo e independente e não, como acontecia nos orçamentos anteriores, dentro do orçamento do Ministério das Finanças.
O Primeiro-Ministro e eu, como Ministro das Finanças, queremos que, também, nesse aspecto, fique claro que o Tribunal de Contas, órgão de controlo e independente, não é controlado pelo Ministério das Finanças mas, pelo contrário, controla-o.
Um despacho do Ministro das Finanças sobre a regularização de atrasos da Conta Geral do Estado permitiu pôr cobro ao atraso herdado e apresentar, ainda a tempo, mas sobretudo com a correcção do sistema, a Conta de 1994, que já está no Parlamento e no Tribunal, apesar dos atrasos que houve, e que comuniquei ao Parlamento na devida altura, na sua elaboração quando este Governo entrou em funções.
O despacho do Ministro das Finanças, que foi publicado no Diário da República, em 3 de Julho passado, resolvendo o eterno problema, em que Portugal era a vergonha dos países da União Europeia, porque era o único em que a Administração negava ao Tribunal de Contas o acesso sistemático a todos os dados de execução orçamental, concede a este o acesso aos dados da execução orçamental em termos acordados entre o Ministério das Finanças e o Tribunal de Contas. Permitiu-se, assim, não apenas ao Tribunal de Contas mas a este Parlamento fiscalizar a execução do Orçamento, nos termos do artigo 110.º da Constituição, que não tem tido qualquer cumprimento, nem por parte do Parlamento nem por parte do Tribunal de Contas, exactamente por recusa do Governo e da Administração em fornecer esses dados ao Tribunal de Contas.
Esta questão terminou. Vamos, pois, cumprir mais um preceito da Constituição.
Aplausos do PS.
Enfim, no plano das acções práticas, pela primeira vez na história, o Governo também pediu ao Tribunal de Contas que procedesse a duas auditorias globais, que estão em curso, à situação do Serviço Nacional de Saúde e aos organismos e entidades nacionais que aplicam dinheiros do Fundo Social Europeu. Estão a decorrer esses inquéritos e foi a primeira vez que essa faculdade legal foi utilizada por parte do Governo.
Para completar esta acção em oito meses, há ainda duas propostas. Uma apresentada também pelo actual Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas ao Governo, que poderá ser aprovada sob a forma de decreto-lei, o que espero que ocorra proximamente, porque tem um processo normal, não dramático, de ajustamento interno e de aperfeiçoamento dentro do Governo sobre o estatuto dos serviços de apoio, Direcção-Geral do Tribunal de Contas e o seu pessoal. Outra é a proposta que está presente neste Parlamento para apreciar e deliberar sobre a Lei de Bases do Tribunal de Contas.
Foi tudo isto que o Governo fez, em oito meses, a fim de criar condições para a fiscalização- externa, independente, do Tribunal de Contas. Em muitas outras áreas trabalhámos com igual eficácia, mas, embora não se deva fazer auto-elogio, acho que é importante sublinhar que esta proposta de lei vem aqui no âmbito de uma acção de conjunto e que essa acção de conjunto representa o cumprimento completo do compromisso eleitoral do Engenheiro António Guterres e do Partido Socialista de dotar o Tribunal de Contas do estatuto que, constitucionalmente, lhe é devido, de poderes e de meios necessários.
Aplausos do PS.
A proposta de lei em debate não é, pois, um exercício de papel, é o corolário, a pedra de cúpula de toda uma acção de conjunto que vai dar a Portugal credibilidade externa, nomeadamente na União Europeia, e ao nosso país, no domínio financeiro, uma instituição importante para que a democracia se cumpra é o Estado de direito tenha efectividade no domínio das finanças públicas.
Apresentarei, agora, muito rapidamente, essa proposta.
Os seus princípios são conhecidos dos Srs. Deputados, mas queria dizer que ela corresponde a necessidades e funções do Estado democrático, vai permitir cumprir melhor e, em consequência disso, reforçar algumas características de modernidade no controlo financeiro externo, independente, exercido pelo Tribunal de Contas.
Quanto a necessidades e funções do Estado democrático, em primeiro lugar, sublinho que, em democracia, em particular nestas democracias com impostos tão pesados como os que temos de pagar nos Estados da Europa e noutros semelhantes, no final do século XX, em Estados que Schumpeter chamava Estados fiscais, é essencial, para que o regime democrático se cumpra na relação representativa entre os contribuintes e aqueles que gerem os dinheiros públicos, em nome e ao serviço destes, que haja uma fiscalização independente sobre a legalidade e a regularidade e também sobre a boa gestão dos dinheiros públicos. Tão criminoso é cobrar a mais ou ilegitimamente dinheiros aos contribuintes como, depois de eles estarem bem cobrados, desbaratá-los em despesas ilegais ou em despesas de puro esbanjamento. E para que haja um julgamento objectivo sobre isso, é necessário um critério jurídico e técnico que só uma instituição independente pode fornecer, cabendo, depois, o juízo político ao Parlamento.
No entanto, o Parlamento só pode emitir esse juízo político, com bom fundamento, se tiver bases técnicas para se pronunciar e, para apreciar a gestão dos dinheiros públicos pelo Governo e pela Administração.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Muito bem!
O Orador: - Do que se trata, pois, é de criar meios para que a democracia representativa funcione em Estados
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nos quais - e não direi que isso é mal, porque por aí passa a satisfação de muitas necessidades da população, em particular dos mais desfavorecidos, necessidades da economia em geral e necessidades sociais, pelas quais passa a igualdade possível, entre os cidadãos - cerca de metade da riqueza de todos os cidadãos é administrada pelo poder político e pelo aparelho administrativo. É muito perigoso que isso se faça sem que ninguém possa denunciar, fundamentadamente, ilegalidades e irregularidades, mas também esbanjamento, desperdício e má aplicação de dinheiros públicos.
Isso, entre nós, não tem sido possível, porque houve uma oposição sistemática para que o Tribunal de Contas exercesse essa competência em relação às instituições nacionais, tal como exercem o Tribunal de Contas da União Europeia e os de todos os países da União Europeia, porventura, com excepção da Grécia, porque isso é próprio da democracia representativa, na sua dimensão de democracia dos contribuintes, da democracia em que o Estado vive fundamentalmente de impostos e administra cerca de metade da riqueza do património de todos os portugueses. Além de ser essencial ao funcionamento do Estado de direito democrático é essencial em termos práticos para a credibilidade de Portugal na União Europeia.
Não foi por acaso que, entre 1986 e 1989, por acção dos governos de então e em particular do Ministro das Finanças, Dr. Miguel Cadilhe, a quem quero prestar homenagem, se iniciou uma primeira etapa de arrancar o Tribunal de Contas da apagada e vil tristeza em que há muitos anos estava. Esse facto coincidiu com a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia e era um elemento imprescindível da credibilidade do País para poder, pela fiabilidade dos sistemas de controlo, beneficiar dos fundos comunitários de que beneficiou.
Se não renovarmos ou reforçarmos esse elemento, em paralelo, que é o que acontece no Tribunal de Contas europeu e na generalidade dos Estados da União, porventura, com excepção da Grécia e de Portugal, por culpa do poder político dos últimos anos, podemos ter a certeza de que a possibilidade de acesso a fundos comunitários, estruturais e outros, será limitada pela falta de credibilidade do País.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Há, pois, a criação de um elemento que é praticamente imprescindível para que Portugal tenha credibilidade e continue a ter acesso a fundos comunitários na União Europeia. Isto é importante para que se saiba que não estamos a «trabalhar para inglês ver» ou para qualquer outro estrangeiro ver, mas estamos a defender, também neste aspecto, o interesse de Portugal. Já nem menciono o argumento, que pode ter o seu quê de nacionalista, que também é claramente chocante, de que ainda hoje - porque com esta lei deixará de ser assim -, em Portugal, no que diz respeito à fiscalização de fundos comunitários, o Tribunal de Contas europeu tem poderes de que não dispõe o Tribunal de Contas nacional. Nesse aspecto, somos um Estado diminuído no plano da fiscalização financeira, mas deixaremos de o ser com esta lei.
Por outro lado, sublinho que a fiscalização financeira, ou seja, o exercício de uma garantia independente da legalidade democrática, é um instrumento importante para assegurar a legalidade na Administração Pública e para prevenir - e sublinho «prevenir» - a corrupção.
Está hoje estabelecida uma ligação forte entre formas múltiplas de corrupção administrativa e o incumprimento de critérios, quer de legalidade, quer de boa gestão financeira. Sabemos que Portugal não é, evidentemente, dos piores países nesse domínio, mas encontramos, hoje, em todos os Estados da União Europeia - e recordo uma intervenção do Presidente Chirac na última Cimeira de Florença, em que a propósito da droga, falava da corrupção das nossas sociedades e também da de todos os Estados pelo poder e pelos interesses financeiros ligados à droga -, em todos os países, riscos de grave corrupção. Preveni-los por todos os meios é imperativo! A legalidade financeira e o controlo da boa gestão dos dinheiros públicos dentro da Administração é fundamental também para isso.
Sublinho, em último lugar - e isto é menos importante -, que se queremos controlar os excessos de dispêndio ou as incorrecções de aplicação de dinheiros públicos temos de o fazer pelo recurso a auditorias. As empresas sabem-no há muito tempo. É a auditoria que lhes ensina, mesmo com a melhor dás intenções, se estão a gerir bem ou mal e o que é que podem corrigir. A nível do Estado é necessária uma auditoria independente, para além das sempre úteis auditorias internas de cada serviço. A auditoria independente do Estado não pode, com 500 funcionários e 16 juízes, supervisar a actividade de mais de 700 mil agentes administrativos. Não é isso que está em causa. O que está em causa é ser uma pedra de cúpula independente e um reflexo crítico de conjunto quanto ao sistema de fiscalização interna da própria Administração Pública e um auxiliar imprescindível do sistema de fiscalização política que o Parlamento deve exercer sempre sobre o Governo, e que sem este apoio não tem condições práticas para exercer, como não tem exercido.
Não estou a fazer uma crítica, estou a verificar uma situação de facto, como VV. Exas. sabem.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - São, pois, estas funções de melhoria e aperfeiçoamento do sistema democrático que estão em causa. Não se trata de favorecer ou desfavorecer uma instituição, trata-se de criar condições para que o sistema democrático, numa matéria altamente sensível para todos os cidadãos, de como é que é aplicado o seu dinheiro, para onde vão os seus impostos, possa funcionar devidamente.
A pedra de cúpula de tudo isto está também nas mãos de VV. Exas. é a fiscalização política. Sem fiscalização política, isto será sempre imperfeito e incompleto, mas sem uma boa assessoria técnica, independente, que o Tribunal de Contas deve dar ao Parlamento, a fiscalização política perder-se-á em generalidades, não tendo capacidade de assentar em bases sólidas.
Por isso, concluo, dizendo que a importância desta lei é a de, pela primeira vez, em Portugal, introduzir princípios de controlo financeiro e de auditoria pública modernos, idênticos aos que vigoram em países como os Estados Unidos da América ou noutros países mais desenvolvidos da América Latina, nos da União Europeia e em outros países com idêntico nível de civilização e desenvolvimento económico e de complexidade administrativa e financeira.
Esta é a primeira lei que nos coloca à altura, se for aprovada pelo Parlamento, como espero, dos tipos e dos níveis de controlo financeiro que se exercem nos Estados mais evoluídos e na própria União Europeia. E não tenham
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Aplausos do PS.
Porém, passo agora a referir quais os princípios ou caracteres fundamentais desta proposta, que é longa e que VV. Exas. bem analisarão, a fim de sublinhar o que nela é importante para realizar os objectivos e as necessidades sociais a que me referi no início.
A proposta, em primeiro lugar, mantém - é isso que a Constituição impõe - um sistema judicial ou, se preferirem, jurisdicional de controlo externo dos gastos públicos. A Constituição impõe-no, e bastaria ficar por aqui como fundamentação - temos de cumprir a Constituição -, mas com bons critérios, porque, na verdade, a melhor maneira que existe em Portugal de garantir a existência de um órgão independente e prestigiado é jurisdicionalizá-lo.
Além disso, o Tribunal de Contas exerce, marcadamente, competências que são claramente jurisdicionais. Exerce também outras que o não são. As competências de auditoria não são jurisdicionais e as competências de auditoria pública tendem hoje, no mundo, a ser predominantes. Muitos países, onde não se dirá que a democracia funciona mal, nomeadamente no domínio financeiro, têm órgãos comparáveis que não são tribunais, que não julgam contas, que são apenas órgãos de auditoria e que funcionam bem. o que sucede na Grã Bretanha e nos Estados Unidos. É um sistema excelente de controlo financeiro, mas corresponde a uma organização do Estado e a uma tradição jurídica diferente da nossa.
Portanto, o que é importante é recolher desse sistema, como tem acontecido em todas as instituições análogas à nossa, em França, em Espanha, depois da Constituição democrática que ela própria consagrou, aquilo que só agora nesta proposta de lei se propõe seja consagrado em Portugal - o Tribunal de Contas controla a legalidade e é ao mesmo tempo uma auditoria da boa gestão financeira ou da economia, eficácia e eficiência dos recursos e gastos públicos.
Este é o princípio fundamental, e ele é novo. Foi possibilitado pela revisão constitucional de 1989, que permitiu, por lei, acrescentar poderes àquilo que o Tribunal tem como núcleo fundamental de competências, mas nenhuma lei deu efectivamente conteúdo e alcance prático ao que, nesta matéria, se dispõe no artigo 216.º da Constituição, depois da revisão de 1989. É a primeira vez que entre nós, por lei, se consagra o que, desde os anos 50, os congressos de auditoria pública das instituições supremas consideram necessário para que a auditoria pública esteja ao serviço dos povos e da democracia, o que a Constituição espanhola, desde os anos 70, por exemplo, consagra e que todos os Estados da União Europeia foram consagrando sucessivamente, o que o Tratado de Roma para a União Europeia consagra, ou seja, que o Tribunal de Contas Europeu, em colaboração com as instituições nacionais, assegura a legalidade e regularidade e a boa gestão financeira ou a economia, eficácia e eficiência.
Há, pois, aqui, pela primeira vez, uma modernização imprescindível, em que se mantém o sistema judicial, mas em que se converte o mesmo órgão em órgão de auditoria pública e em que se combina o critério da legalidade com o critério da boa gestão financeira ou da economia, eficácia e eficiência.
Esta é a primeira proposta de enquadramento legislativo moderno e democrático que temos em Portugal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, sublinhava que a modernidade também aponta num sentido que está claramente desenhado, igualmente pela primeira vez entre nós, nesta proposta de lei: o da substituição progressiva, responsável mas clara, do controlo prévio ou visto pelo controlo sucessivo, quer pelo julgamento de contas, quer pela aprovação de pareceres ou relatórios.
Todos sabem - é uma experiência corrente das Administrações - que o visto é muitas vezes ineficiente, embaraçoso, demorado e formalista, porque em 120 000 processos não é possível fiscalizar bem a substância das coisas, mas é possível cometer erros e embaraçar o funcionamento quotidiano da Administração. A solução está - e também a generalidade dos países próximos do nosso já o descobriram há muito tempo - em substituir o visto pela fiscalização sucessiva, nomeadamente, da auditoria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não é possível fazer uma coisa sem a outra e esta lei aponta para isso. Como? Desde já - e já o sublinhei -, corrigindo as disposições absurdas da Lei n.º 7194, que sujeitavam, nomeadamente em relação às autarquias, a visto os contratos mais insignificantes, independentemente do seu valor.
Aplausos do PS.
A lei do Orçamento do Estado fez essa redução de 30% no visto de bagatelas, mas esta lei vai mais longe ao estabelecer um sistema permanente que aponta para reduzir o visto por duas vias: nos termos do artigo 48.º, por via legislativa, o legislador, em princípio, em cada lei do Orçamento, ano após ano, reduzirá, de acordo com os critérios aqui propostos, o âmbito do visto, reservando-o apenas para os actos fundamentais, e por via jurisdicional, através da selectividade da programação da 1.ª Secção do Tribunal a que se refere o artigo 38.º aqui previsto.
Por outro lado, sublinho que há a confirmação do alargamento da fiscalização dos dinheiros públicos que foi já operado aqui também com grande luta relativamente a alguns dos lobbies da Administração e do sector empresarial do Estado pela Lei n.º 14/96. Leis com esta têm sempre grande resistência dos, lobbies, não do povo!
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o aumento das garantias individuais, isto é, o contraditório; a representação por advogado, a clarificação da separação entre auditoria na 2.ª Secção e julgamento na 3.ª Secção, as formas de simplificação e responsabilização processual representam um grande avanço na defesa dos direitos individuais. A independência plena do Tribunal e, sublinho eu, a responsável independência do Tribunal através da manutenção do sistema de nomeação do Presidente, que é idêntico ao do Procurador-Geral da República e que introduz um factor de controlo político, sem prejuízo da independência e também, através da publicação das contas do Tribunal, nos termos do proposto artigo 113.º,
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representa a consagração legislativa de algo que já é prática actual, mas que é bom que fique consagrado na lei para não poder desaparecer e também, ainda, através do artigo 11.º, n.º 4, que fornece a base para uma cooperação com a Assembleia da República, o que é extremamente importante para evitar a corporativização e o risco de fechamento de um órgão deste tipo sobre si próprio, assumindo-se como um poder não democrático. A cooperação com a fiscalização política permitirá que a independência jurisdicional atribuída a este órgão seja sempre colocada ao serviço do controlo democrático.
Permito-me sugerir ao Parlamento que, aprofundando este ponto a base está cá e foi proposta pelo Governo, pensasse na criação de fórmulas permanentes. As Cortes espanholas têm uma Comissão Permanente para as Relações com o Tribunal de Contas e, desde a Assembleia Nacional Francesa à Câmara dos Comuns inglesa, as comissões de contas públicas são formas por excelência de estabelecer contactos permanentes entre tribunais de contas ou órgãos de auditoria pública e parlamentos. Este é que é o grande controlo político, não outro, da fiscalização exercida pelo Tribunal de Contas. Isto tem faltado, o que prejudica, simultaneamente, a fiscalização política e a técnica. Recordo que, na anterior legislatura, a Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano tentou criar uma subcomissão de contas públicas, mas também é verdade que a maioria de então impediu o funcionamento dessa subcomissão de contas públicas, como o Sr. Deputado Octávio Teixeira bem sabe.
Aplausos do PS.
É esse caminho que é importante para evitar o risco da corporativização de uma instituição.
Com isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque já me alonguei, concluiria, sublinhando que esta proposta de lei é importante para o Governo, porque com ela se põe a pedra de cúpula num trabalho que, como já disse, foi longo e representou nestes oito meses a tomada de muitas decisões efectivas, não o anúncio de decisões futuras. É já uma obra feita, mas que propomos ao Parlamento que conclua, pondo nela a pedra de cúpula.
Além disso, esta proposta é importante para Portugal, porque pela primeira vez teremos um sistema de fiscalização financeira externa e independente à altura dos nossos tempos, da nossa posição como Estado democrático, moderno 1p da União Europeia, a completar certamente por um incremento da fiscalização política das contas públicas, que é competência fundamental do Parlamento.
Enfim, esta proposta é importante para os portugueses, porque pela primeira vez se aplica a ideia, hoje tão generalizada, de democracia dos contribuintes como peça fundamental do sistema representativo.
Sublinho que nós estamos - importa dizer isto com toda a clareza - numa situação fiscal vergonhosa. E o que é que isto tem que ver com essa situação fiscal vergonhosa em que muitos não pagam impostos e não há meio de fazê-los pagar o que devem, restabelecendo a justiça tributária? Isso tem que ver, em primeiro lugar, com a falta de meios para pôr a funcionar um sistema fiscal justo, mas tem que ver também não só com a falta de compreensão para a situação de contribuintes que, uma vez colocados numa situação de ilegalidade, nunca mais têm maneira de recompor e regularizar a situação fiscal em que estão...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... mas também com a ideia muito fundada que os portugueses têm de que ninguém garante que os dinheiros que pagam pelos impostos sejam bem administrados e de forma responsável. Esta lei dá a resposta final a esta última pergunta. É possível exigir o cumprimento dos impostos porque as despesas públicas estão fiscalizadas de forma independente pelo Tribunal de Contas e pelo Parlamento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É também preocupação do Governo responder à segunda questão. Através do plano de regularização das dívidas fiscais, não mais será possível criar situações em que alguém se vê impossibilitado, para todo o sempre, de regularizar a sua situação perante o fisco e depois disso, então, será uma tarefa importante do Parlamento que, como representante dos contribuintes, é sempre o primeiro órgão em matéria de legislação fiscal e do Governo a quem compete dar execução, criar condições para que o sistema fiscal deixe de ser uma das mais profundas injustiças da sociedade portuguesa e passe a ser uma forma de justiça, como nós programaticamente defendemos desde há muito.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, António Lobo Xavier, Manuela Ferreira Leite e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª começou por dizer que este diploma, pela importância que tem, merece uma reflexão séria em sede de Parlamento. Estamos de acordo com isso e é por assim ser que entendemos que - e estou convencido de que o Sr. Ministro partilha connosco este nosso entendimento -, em sede de especialidade, há que aprofundar, esclarecer, clarificar muitos dos preceitos que a proposta de lei contém, tendo até em conta o pouco tempo que tivemos para estudá-la, assim como a sua complexidade e vastidão.
Como o Sr. Ministro sabe, o PCP sempre se tem manifestado favorável à clarificação e ao reforço das competências, das funções e dos meios do Tribunal de Contas, enquanto órgão de soberania que fiscaliza a boa gestão sobre os dinheiros públicos e que tem como seu encargo constitucional o controlo financeiro dos dinheiros do Estado.
Neste quadro, o PCP encara com simpatia propostas que, promovendo a reforma do Tribunal de Contas, permitam atingir estes objectivos.
Começo por dizer com muita clareza que as propostas do Governo, afirmando prosseguir esses objectivos, são, em muitos casos, dignos de acolhimento. Vou referir algumas: o alargamento das competências, a clarificação das funções jurisdicionais, as próprias relações com a Assembleia da República. Contudo, Sr. Ministro, a proposta enferma, em nossa opinião, de algumas obscuridades e de algumas contradições aparentes que podem acabar por esvaziar ou atenuar muito os propósitos enunciados pelo Governo e pelo Sr. Ministro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - A primeira questão relaciona-se com a responsabilidade financeira dos membros do Governo por actos irregulares ou ilícitos em matéria de desvios de dinheiro. A ideia com que ficamos, depois de ler o diploma em discussão, é a de que, depois do susto que o Sr. Ministro pregou ao Governo, a proposta de lei surge-nos nessa matéria bastante mais atenuada quanto às responsabilidades que são cometidas aos membros do Governo, designadamente, quando a comparamos com a configuração das normas de violação de execução orçamental na lei dos crimes de responsabilidade de cargos políticos. A conjugação das várias normas que estão nesta proposta de lei orgânica é extremamente difícil de se concretizar na prática, o que levará, não direi a um esvaziamento mas, seguramente, a uma grande redução, na prática, da eficácia destas normas. Os membros do Governo ficaram a ganhar seguramente, mas tenho a ideia de que ficaram a perder os funcionários, porque, numa das normas da lei, os funcionários são quase responsabilizados pelo pecado de omissão, isto é, por não informarem os membros do Governo.
Pensamos que é preciso fazer um novo reequilíbrio destas várias normas, Pará não estarmos perante um processo, aparentemente, de passa-culpas dos membros do Governo para os funcionários da Administração Pública.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispõe.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente
Sr. Ministro, tenho outras questões a colocar-lhe, mas deixá-las-ei para a minha intervenção. Quero apenas deixar duas notas.
A primeira tem a ver com aquilo que configura uma menorização dos juízos, ou das secções regionais, dos Açores e da Madeira. Neste momento, deixo só esta nota, desenvolvê-la-ei na minha intervenção.
A segunda relaciona-se com o facto de esta lei não ser acompanhada, no imediato, de outro instrumento, que é complementar mas indispensável, a lei orgânica dos serviços de apoio, que o Sr. Ministro, aliás, bem defendeu enquanto esteve no Tribunal de Contas. Pensamos que este não acompanhamento, ou a sua não concretização imediata, pode limitar bastante a eficácia de qualquer lei de reforma do Tribunal de Contas.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, não tenho pretensões a dar lições sobre o modo como, nesta Câmara, utilizamos o tempo a propósito das diversas questões políticas, mas não é possível deixar de notar que por vezes somos desequilibrados e, portanto, assumo também as culpas em matéria do tempo, da atenção e do nível de conflitualidade que damos a assuntos de importância média, quando, depois, em muitas ocasiões, damos pouco tempo e pouca atenção a questões estruturantes do Estado de direito.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Não torno a culpa sobre o tempo demasiado que damos a certas questões a quem quer que seja. Nesta matéria, sou livre, sou liberal, entendo que o discurso político leva a sua evolução própria e não devem existir limites desse tipo. Mas torno a culpa ao Governo pelo pouco tempo que nos forçou a, dedicar a esta lei tão importante,...
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - ... a esta peça estruturante dó Estado de direito.
O juízo sumário favorável que faço, como se verá de seguida, a esta proposta de lei não atenua, o facto de neste fim de sessão, por razões porventura atendíveis mas não facilmente compreensíveis, sermos forçados a tratar de uma forma tão apressada um diploma que, até do ponto de vista da própria conveniência política do Governo, mereceria outro tipo de atenção. Cinco dias úteis para apreciarmos convenientemente uma peça fundamental da construção de uma democracia moderna é algo a ter em conta, sobretudo quando hoje se fala tanto da dignificação do papel do Parlamento.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Passemos agora às questões concretas.
Não estou muito preocupado com a questão de saber se há diferenças entre a versão final e a proposta de lei ou as ideias do Sr. Ministro das Finanças. Estou, tal como no passado, especialmente preocupado em saber se há diferenças entre a vontade dos juízes do Tribunal de Contas e a versão final que aqui é apresentada. Do meu ponto de vista, esta lei de que estamos a tratar é mais uma questão de Parlamento, de Assembleia da República, do que de Governo. As informações que tenho são as de que esta versão corresponde à vontade, ao consenso alargado dos Conselheiros do Tribunal de Contas, mas gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse se efectivamente é assim ou se foram introduzidas grandes modificações.
Uma das questões que tem sido mais debatida é a da reposição e da repartição da responsabilidade.
Quero perguntar ao Sr. Ministro se entende que a reposição deve ser considerada como uma pena ou, se é, ao fim e ao cabo, apenas um cuidado mínimo com a protecção dos interesses patrimoniais do Estado. Quem vir a questão por esta última perspectiva, como é óbvio, entenderá que sempre que o Estado se enriquece por causa da prática de um acto ilícito a reposição faz pouco sentido. Quem entender que a reposição é uma espécie de pena, verá as coisas de outra maneira.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Por vezes, a formulação da pergunta, utilizando o tempo de debate, facilita as coisas.
O Sr. Presidente: - Eu é que não posso fazer distinções.
O Orador: - Sei que não.
Para terminar, vou colocar uma questão muito breve. A questão abordada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho é importante. O n.º 4 do artigo 61.º da proposta de lei fala da responsabilidade que pode recair sobre os funcionários
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que não foram diligentes na prestação de informações aos membros do Governo. Pergunto, então: isto deve entender-se como uma espécie de responsabilidade objectiva ou a culpa de que se fala neste preceito é dolo e, portanto, os funcionários, nestes casos, só poderão ser responsabilizados quando dolosamente sonegarem informações aos membros do Governo?
O St. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, este diploma também mereceu, por parte da bancada do PSD, a maior atenção e o maior interesse e devo dizer-lhe que concordei com tudo o que disse na sua intervenção.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Mas não. concordei com aquilo que não disse. Isto é, considero que, pela análise profunda que fiz da proposta de lei, no pouco tempo de que dispusemos, há dois pontos essenciais que o Sr. Ministro não mencionou e que penso serem a pedra-de-toque e aquilo sobre que a qual Assembleia se deve debruçar.
Em primeiro lugar, através da comunicação social e dos anúncios do Sr. Primeiro-Ministro na campanha eleitoral, como o Sr. Ministro anunciou, foi sempre criada uma expectativa acerca desta lei, no sentido de que ela viria a acentuar a moralização nos gastos dos dinheiros públicos. Portanto, foi com enorme surpresa, bastante perplexidade e muita apreensão que chegámos à conclusão de que nessa matéria não houve um avanço mas, sim, um enorme retrocesso.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Ministro, não queria que avançasse na responsabilidade financeira, porque, qualquer dia, não há quem queira sem membro do Governo. Não queria que introduzisse algumas normas mais «pesadas» do que as que já existiam, porque, como é evidente, esse não é também o nosso posicionamento. Mas penso que era absolutamente inevitável que tivesse sido aprovada em Conselho de Ministros a proposta que o senhor fez e que era, simplesmente, manter o que existe.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - A sua proposta inicial nada adianta para além daquilo que já existia. Fez uma compilação das leis existentes, mas nada acrescentava. O que penso ser preocupante para uma democracia é que a responsabilidade financeira tenha sido totalmente afastada dos membros do Governo, recaindo apenas sobre os funcionários e que tenha sido totalmente revogada a responsabilidade civil.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Isso é falso!
A Oradora: - É este o ponto essencial que pensamos ser preocupante para a democracia e é um recuo em relação ao que estava anunciado e foi prometido.
Outro ponto que me parece fundamental nesta lei e que o Sr. Ministro, direi, passou muito ao de leve, mas que é a pedra-de-toque e o ponto sobre o qual os partidos, nesta Assembleia, vão ter de se debruçar, é o de saber o que
querem que seja o Tribunal de Contas. Através da leitura feita, aquilo que é o pendor essencial desta proposta de lei é a transformação do presidente, e não o Tribunal de Contas, num auditor e não num juiz.
Sr. Ministro, na minha intervenção explicitarei com mais pormenor esta ideia. Em todo o caso, é evidente que da leitura de todas as normas constantes deste diploma se percebe que, para além de introduzir elementos de auditoria com os quais concordo, na verdade, não estamos no Canadá ou na Inglaterra e o presidente do Tribunal de Contas não pode ser o auditor que, através de um simples relatório que envia à Assembleia da República, pode deitar o Governo abaixo. Penso que este será um excesso que esta Assembleia vai ter de ponderar.
Portanto, Sr. Ministro, faço-lhe duas perguntas muito concretas.
À primeira vista, o Sr. Ministro saiu vencido do Conselho de Ministros quando lhe abandonaram a responsabilidade financeira. Como é que o Sr. Ministro aceitou ou encara a possibilidade de na lei não haver responsabilidade financeira, ao contrário de todos os ensinamentos que constam dos seus livros sobre finanças públicas, que todos conhecemos?
Em segundo lugar, pergunto-lhe ainda se o Conselho de Ministros aprovou esta lei totalmente consciente de que o presidente do Tribunal de Contas passa a ser o auditor e que o órgão colegial perde força, reforçando-se apenas a força de uma pessoa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a oposição cumprimentou-o pelo que disse, concordou com tudo o que disse - milagre, Sr. Ministro das Finanças! -...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A oposição não é só o PSD!
O Orador: - ... e criticou-o pelo que não disse. Ora, eu gostaria, em nome da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, de cumprimenta-lo pelo que disse e também pelo esforço que fez para não dizer determinadas coisas...
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Ah!
O Orador: - ... que poderia ter dito, uma vez que traçou, da evolução dos últimos anos, um retrato contido, prudente, leal e justo, inclusive na apreciação do papel do Ministro Miguel. Cadilhe no arranque do processo de reforma. Mas, Sr. Ministro, permita-me que lhe diga, talvez tenha sido demasiado contido na apreciação do período negro da história do Tribunal de Contas que, legislativamente, a maioria parlamentar antiga, defunta, tentou impor e que passou por momentos tão tristes, tão lamentáveis e tão definitivamente afastados como aqueles que, em Março de 1993, aqui, nos obrigava a discutir uma tentativa de lei ad hominem, visando o então presidente do Tribunal de Contas, e que não passou, graças à acção conjugada das oposições e do Presidente da República.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esses tempos passaram e o Sr. Ministro, de facto, não os invocou. Creio ser uma atitude prudente, reveladora de grande carácter.
Esperámos muito por esta proposta de lei e é por isso que não partilhamos a angústia do Sr. Deputado António Lobo Xavier, que, aliás, teve uma participação muito activa e qualificada nos momentos anteriores de discussão desta proposta de lei, porque a verdade, Sr. Ministro, como todos sabemos, é que ela começou a ser discutida há muitos, muitos anos. Muitos dos aspectos contidos neste diploma chegaram a ser apresentados à Assembleia da República por outros grupos parlamentares que não o da presente maioria.
Noutra legislatura, chegou a ser apresentado um diploma preparado por V. Ex.ª, noutra qualidade, pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, que foi aqui discutido juntamente com uma iniciativa do Governo. Nessa altura, ninguém sentiu em relação a essas soluções, que eram soluções abertas, algumas delas, adiantadíssimas, outras, exigindo afinamentos, qualquer angústia no «rematar», pela razão simples de que as votações na especialidade servem para afinar soluções, desde que haja consenso quanto a princípios.
Quanto a isto, Sr. Ministro, gostaria de sublinhar como para nós todos é importante que haja nesta Câmara consenso no que toca a princípios de democracia financeira do Estado que constam do programa da nova maioria mas que a transcendem. São princípios do Estado de direito democrático, da Constituição da República e são, hoje, princípios largamente europeus, sem os quais não se pode respirar na vida democrática da União Europeia.
O Sr. Ministro sublinhou isso com muita pertinência, como se esperaria, mas gostaria de lhe chamar a atenção para dois aspectos e de lhe fazer algumas perguntas.
Acabou o período em que o Estado dizia aos cidadãos e às instituições aquilo que era próprio do cavaquismo: toda a atenção ao insignificante, à bagatela, deixem passar o elefante da ilegalidade, Centro Cultural de Belém e coisas quejandas. Esse período, de facto, acabou. E também acabou o período em que se dizia: o que incomoda não é a ilegalidade mas, sim, a sua denúncia e os órgãos que a denunciam. O Tribunal de Contas, no novo quadro de pensamento, aliás, constitucional, não é um órgão de bloqueio, e nunca o será na nossa boca, é apenas aquilo que a Constituição quer que seja, nem mais, nem menos.
Há, pois, muita pedagogia a fazer, esperamo-la da Assembleia e, naturalmente, contribuiremos para ela. Mas esperamos também do Governo que essa pedagogia seja feita. Desde logo, quanto ao que é essa realidade que é o Tribunal de Contas. Há dias, um comentarista, que não é inculto nem nada mal intencionado, dizia num comentário analítico da evolução da proposta, hoje aqui apresentada pelo Governo, o seguinte: «Um tribunal a avaliar senão a legalidade! Não pode ser, deixem isso para os políticos e para o povo!» Isto revela não perceber nada sobre a natureza do Tribunal de Contas, do órgão complexo, que não se limita a julgar, mas tem outras funções.
Em segundo lugar, é necessária a reforma da Administração Pública. Gostaria que o Sr. Ministro nos falasse de como concebe esta reforma, no quadro da reforma dos sistemas de controle interno.
O Sr. Presidente: - Faça o favor de terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em, terceiro lugar, a articulação com as reformas da União Europeia e do controle dos dinheiros europeus.
Por último, os meios financeiros e pessoais que imagina que, no exercício de 1997 e seguintes, é necessário para que esta lei, ao contrário das outras, seja uma lei aplicável, exequível e eficaz.
O Sr. Presidente: - Para responder aos quatro Srs. Deputados que formularam pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terei de ser breve, por imposição daquele painel de tempos, mas não queria deixar de agradecer as questões colocadas e o facto de elas se situarem no plano da discussão de Estado em que estamos e não no de discussões de pormenor ou de tricas, nas quais não entrarei. Porém, julgo ser importante, corroborando intervenções aqui havidas, designadamente a do Sr. Deputado José Magalhães, recordar que esta lei teve uma génese longa, por vezes, dolorosa e controversa, o que é bom não esquecer.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Dito isto, vou responder, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, dizendo que, em minha opinião, quanto à posição dos juízes das secções regionais dos Açores e da Madeira, não há propriamente uma menorização, embora reconheça que, em alguns aspectos, é a própria lei originária, que criou as secções regionais, que introduz essa menorização.
Em todo o caso, parece-me evidente que, em sede de especialidade, poderemos discutir essa matéria, ou qualquer outra, com toda a abertura.
Por outro lado, sublinho que a aprovação da lei orgânica dos serviços de apoio, de que o Sr. Deputado e o Sr. Deputado José Magalhães falaram, será uma peça fundamental para dar execução efectiva a esta proposta de lei que não só por forma constitucional mas por natureza, tem de ser geneticamente do Parlamento. Se há lei que tem de ser pensada pelo Parlamento, é esta. Não é uma lei do Governo, nem de todos os autores de anteprojectos, mesmo ligados à instituição; tem de ser uma lei que incorpore uma decisão política conforme aos parâmetros constitucionais nesta matéria, que são muito claros e que, em boa parte, não tem tido execução por falta de poderes e meios adequados atribuídos a esta instituição.
A lei orgânica dos serviços de apoio, também proposta pelo actual presidente e também resultante de um longo trabalho, que vem de 1989, com 10, 11 ou 12 versões sucessivas negociadas com a Administração Pública, poderá, em minha opinião, ser aprovada por este Governo, visto tratar-se de um decreto-lei, e representar um avanço significativo, no sentido de dar meios de execução para isto que se propõe que o Parlamento aprove.
No domínio financeiro, sublinharia um decreto-lei, que referi há pouco, o dos emolumentos do Tribunal de Contas que, ligando o exercício de uma actividade mais intensa de auditoria e a actualização dos emolumentos, vai permitir, em conjugação com o resultado do que foi a boa gestão financeira dos recursos próprios do Tribunal de Contas, nos próximos anos, combinar no Orçamento do Estado rigor orçamental, ou seja, não aumento de despesas com o aumento de receitas por via dos emolumentos e das
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reservas existentes da gestão de anos anteriores que permitirão, quer um equipamento informático, quer a formação de pessoal, quer o recrutamento de pessoal e colaboração qualificada.
Esse aspecto financeiro, que conheço bem das funções anteriores que exerci, foi, agora, resolvido pelo decreto-lei sobre os emolumentos e penso ter uma base sólida para, em três ou quatro anos, não pesar sobre o Orçamento do Estado, mas permitir à instituição, através de receitas próprias, criar condições para se modernizar, sendo aprovada a lei orgânica dos serviços de apoio, como espero, pelo Governo, durante este Verão.
Por outro lado, quero sublinhar, em resposta ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, que, diferentemente do que aconteceu com um anteprojecto anterior, este anteprojecto não foi elaborado em plenário do Tribunal, porque não podia ser. A tal Lei n.º 7/94 suprimiu a competência do plenário geral do Tribunal para apreciar projectos legislativos. Portanto, o presidente só pôde consultar informalmente os juízes conselheiros do Tribunal, o que julgo ter feito; não pôde consultar o plenário, porque a tal lei «antitribunal», que foi revogada, impedia o plenário de apreciar esta matéria. É mais uma das muitas consequências dessa solução, contra a qual a bancada de V. Ex.ª e outras votaram, mas que esteve em vigor até há pouco.
Por outro lado, sublinhava ainda, deixando para o fim o problema da responsabilidade financeira dos políticos, que, quanto ao referido pela Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, é um facto que esta proposta de lei define um estatuto mais claramente diferenciado do presidente do que a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro. Julgo que isso não só é bom como decorre do sistema constitucional e é uma das formas de controle do tal risco de corporativismo que, muitas vezes, as pessoas encontram num órgão, pois sendo único na sua ordem, é dominado por juízes e tem um corpo de apoio de funcionários orientados por esses juízes. Tudo isto está certo, é a única maneira de assegurar a independência, mas tem algum risco de corporativismo, reconheçamo-lo.
Penso que um dos limites - e já apontei outros, nomeadamente a colaboração estreita com o Parlamento - do corporativismo é precisamente o estatuto do presidente, e esse limite está na Constituição. Tal como o corporativismo do Ministério Público é limitado pela forma de designação do Procurador-Geral da República - e não estou a fazer qualquer crítica ao Ministério Público, mas a falar de um risco de qualquer regime de auto regulação de uma magistratura profissional -, no Tribunal de Contas o risco do corporativismo institucional - e também não estou a fazer qualquer crítica ao Tribunal de Contas ou aos seus juízes - é limitado pelo estatuto especial que a Constituição dá ao presidente. O presidente, evidentemente, não passa a ser um político por ser designado pelo Presidente da República sob proposta do Governo, tal como o Procurador-Geral da República não o é, é um magistrado.
Por esse facto, por ter um mandato autónomo relativamente aos outros membros do Tribunal, o presidente deve ter responsabilidades especiais, mas não na função jurisdicional nem na de apuramento da verdade e das orientações correctas em termos de auditoria, porque não há uma única decisão própria do presidente nesse domínio - todos os relatórios e todos os acórdãos são sempre e só aprovados pelos juízes e se o presidente intervier neste
domínio é, como juiz, um entre os outros, não havendo, pois, aí qualquer poder especial do presidente.
Esta é a diferença em relação a sistemas como o norte americano ou o inglês, onde só há um magistrado unipessoal - aí, sim, só há o que seria o presidente - e todos os outros são colaboradores dele. Mesmo no Tribunal de Contas alemão, as coisas aproximam-se deste modelo.
Ora, não é nada disso que está aqui. Os outros magistrados são plenamente magistrados para aprovar acórdãos, relatórios e pareceres, com toda a liberdade e em paridade com o presidente, e, por vezes, em superioridade, porque, em alguns casos, o presidente não intervém nessas deliberações. Esse, sim, é o aspecto substancial e nuclear, é a alma da independência jurisdicional. Nisso, não se toca. Agora, fazer depender decisões de gestão, de impulso ou de orientação - excepto as de grande orientação, como, por exemplo, a aprovação dos programas de actividades, que são todas elas de plenário ou de secções - de um parlamento de 16 ou 18 juízes não é sensato. A responsabilidade do presidente no impulso, na orientação e na representação da instituição e na gestão dos serviços de apoio dos funcionários, equiparada à responsabilidade ministerial, é uma peça fundamental deste sistema.
Enfim, diria duas palavras sobre o problema da responsabilidade financeira dos políticos. Se o Parlamento o quiser, não vejo inconveniente algum em que, por plena transparência, as três versões de anteprojectos - a minha primeira, a do Conselheiro Alfredo de Sousa e a terceira, que já está no Parlamento como proposta de lei - sejam enviadas a este Parlamento. É melhor o Parlamento conhecer as versões de anteprojectos, que nada têm de confidencial - eu e este Governo somos partidários da transparência -, confrontá-las, debruçar-se sobre elas e escolher a melhor do que estar «pendurando» em notícias vagas na imprensa.
Tenho, pois, todo o gosto em enviar os anteprojectos anteriores - no caso do anteprojecto do Conselheiro Alfredo de Sousa, se ele mo autorizar; quanto ao meu, estou a auto-autorizar-me, desde já -, para que o Parlamento confronte as soluções aqui apresentadas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, quanto à responsabilidade financeira dos políticos, não penso que esta lei tenha de regular a responsabilidade civil ou a criminal incidentalmente, podem haver aqui disposições sobre isso, mas não tem de estar aqui, visto não ter a ver com a competência do Tribunal de Contas. A responsabilidade financeira é medida pela jurisdição e pela competência do Tribunal, enquanto que as responsabilidades civil e criminal devem ser apreciadas por outros tribunais, pelo que não têm de estar reguladas aqui, a não ser por incidente ou por arrastamento, e, por isso, se afastaram.
Quanto à responsabilidade financeira dos políticos,...
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, tem de terminar, porque já ultrapassou o seu tempo, incluindo cinco minutos que lhe foram concedidos pelo PS.
O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa por ter excedido o tempo, mas se me desse mais um minuto para acabar a resposta...
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Ministro, mas agradeço-lhe que condense a resposta.
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O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Quanto à responsabilidade financeira dos políticos, sublinho que o que aqui se dispõe, no n.º 3 do artigo 62.º, e que resultou de um longo debate no seio do Governo é uma de várias soluções possíveis. Não acrescenta muito àquilo que é já o regime actual, embora, por exemplo, o governo anterior defendesse, em documentos enviados para o Tribunal pelos seus serviços e com o apoio de membros do Governo, que, em Portugal, vigoraria, ainda hoje, o regime francês, segundo o qual não há qualquer responsabilidade financeira dos agentes políticos. Não é assim. O regime actual corresponde já ao que aqui se encontra.
Se me perguntarem qual é a minha opinião pessoal, direi que iria mais além e que me aproximaria mais de uma fórmula correspondente à do anteprojecto do Conselheiro presidente do Tribunal de Contas. Sou partidário de uma responsabilidade mais alargada dos políticos. Sou contra a atribuição aos políticos, titulares, como membros de classe política, ou na qualidade funcional de responsáveis deste ou daquele órgão, de privilégios. Portanto, sou partidário de que sejam responsáveis, exactamente nos mesmos termos em que os agentes administrativos, pelos actos financeiros que pessoalmente cometam. Esta é
minha posição pessoal, que sempre adoptei.
Penso que este projecto representa uma linha intermédia entre algo que poderá ser mais alargado - e se a Assembleia o quiser fazer, em minha opinião, fá-lo-á bem - e a situação anterior, defendida pela Administração e pelo governo anterior, segundo a qual não havia qualquer forma de responsabilidade dos políticos.
Há aqui uma solução intermédia, que é já um avanço e que representa, de algum modo, o repristinar de um diploma dos anos 30, que a Administração anterior defendeu que não estava em vigor, mas que eu sempre entendi que estava. Esta é, pois, uma fórmula intermédia.
Pessoalmente, creio que o Governo não terá objecção, nisto como no resto, a que a Assembleia trabalhe como entender conveniente e, também pessoalmente, aplicaria à responsabilidade financeira dos, políticos princípios exactamente idênticos àqueles que se aplicam aos outros gerentes.
Aplausos do PS.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que respeite o perfil da figura, sob pena de ter de me autorizar a interrompê-lo.
Faça favor.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro das Finanças disponibilizou-se - e bem - para enviar à Assembleia os vários anteprojectos antecedentes desta proposta final que foi apresentada na Assembleia. Partindo do princípio de que esta disponibilização é não só do Sr. Ministro mas de todo 0 Governo, peço ao Sr. Presidente que faça as diligências necessárias para que esta disponibilidade se concretize e, em termos oficiais, esses anteprojectos cheguem rapidamente à Assembleia.
O Sr. Presidente: - A diligência está feita na forma do seu pedido, que o Sr. Ministro das Finanças registará e cumprirá na medida do possível.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, vou evidentemente tratar deste tema com a máxima seriedade que ele exige, mas não posso deixar de, no início, registar um facto que para a nossa bancada é, de alguma forma, bizarro.
Como é evidente, é ao Governo que compete o envio de diplomas à Assembleia da República para com ela os discutir, mas não deixa de ser de alguma forma, direi, engraçado que, na última semana, tivéssemos discutido um problema rigorosamente fiscal com o Ministro da Presidência e que, hoje, estejamos a discutir um tema que é rigorosamente da Presidência com o Ministro das Finanças.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A. Oradora: - Este ponto é interessante, porque o Sr. Ministro disse na sua intervenção...
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Falta argumento. Não tem nada para dizer!
A Oradora: - ...«na altura em que o Tribunal de Contas estava na dependência do Ministro das Finanças», o que neste momento não acontece.
Sr. Ministro, como um mero apontamento, uma mera constatação, devo dizer que, como é evidente, quando for a discussão na especialidade, o PSD não deixará de querer dialogar com outros ministros que têm a ver com esta matéria, com ,a tutela, no fundo, até porque, em termos institucionais, o Tribunal de Contas não depende realmente do Ministro das Finanças. O Sr. Ministro, disse há pouco, e muito bem, que o Ministro das Finanças não controla o Tribunal de Contas, que é o Tribunal de Contas que controla o Ministro das Finanças. Assim, até em termos políticos nos parece desadequado discutir apenas com o Ministro das Finanças. Mas nós, não desconhecemos...
Protestos do PS.
Ó Srs. Deputados, vou tentar discutir este tema com a máxima das seriedades.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Ainda não vimos isso!
A Oradora: - Se os senhores continuam a insistir em piadas mais ou menos brejeiras sobre um tema que o Sr. Ministro disse e que eu considero ser de Estado, sento-me, não digo absolutamente mais nada; e aquando da discussão na especialidade direi tudo o que tenho a dizer.
Aplausos do PSD.
Sr. Ministro, relativamente às propostas, começo por agradecer-lhe a disponibilidade que manifestou em as enviar. O meu colega Deputado Lino de Carvalho já solicitou esse envio e teve o cuidado de dizer «envio oficial», porque, como é evidente, todas as bancadas dispõem de todas as versões enviadas. Foi pena que não tivesse havido essa disponibilidade no momento em que foi enviado oficialmente à Assembleia, porque nos teria poupado com certeza o trabalho de andarmos à procura
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das versões anteriores. E, Sr. Ministro, não foi inútil termos visto as versões anteriores, porque, é evidente, tudo tem alguma história, e para compreendermos o objectivo e as conclusões do diploma é bom que se conheça essa história.
Sr. Ministro, devo dizer que, no que toca ao objectivo, considero um bom diploma o primeiro que V. Ex.ª apresentou a Conselho de Ministros. Esse diploma tenta juntar, agregar, num só diploma toda a dispersão legislativa que havia sobre esta matéria. Nele tenta-se introduzir um ponto importante, que é toda a tramitação processual, coisa que não havia na legislação do Tribunal de Contas, e é um ponto muito importante para as duas partes, não só para quem julga como para quem é julgado. Nesse diploma era fácil detectar a responsabilidade de cada um dos intervenientes no sistema financeiro, ponto fundamental para se perceber depois a segunda versão, porque nessa segunda versão, talvez por problemas de corte e recorte, a responsabilidade financeira diluiu-se, é complexa, chegando mesmo a ser contraditória em alguns pontos e é fundamentalmente discriminatória, por tratar de forma diversa problemas relacionados com membros do Governo é problemas relacionados com funcionários.
O Sr. Ministro, na resposta que deu à pergunta que há pouco lhe fiz sobre o problema da responsabilidade financeira, disse que a responsabilidade financeira não era um ponto muito importante, que poderia ser julgado noutras sedes que não na do Tribunal de Contas - pelo menos foi isto que entendi. Mas o Sr. Ministro introduziu - e bem, na minha perspectiva -, repondo a legislação que existia dispersa por vários diplomas, a responsabilidade financeira na sua proposta inicial,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
A Oradora: - ... na que sai do Conselho de Ministros.
Portanto, tenho um pouco a sensação de que o Conselho de Ministros se assustou com o problema da responsabilidade financeira, desconhecendo que ela já existia, talvez pensando que era alguma coisa nova, inovatória, mas não era. Era rigorosamente o mesmo que existia, nomeadamente na legislação de 1933, legislação essa que é revogada. Assim, ao ser revogada e ao não ser introduzido qualquer elemento, onde havia responsabilidade civil deixa de haver.
Admito que este seja um assunto que possa ser tratado noutras áreas que não na do Tribunal de Contas, mas não a da responsabilidade financeira.
Sr. Ministro, quando no artigo 61.º do diploma se diz que a responsabilidade, neste caso financeira, só recai sobre o membro do Governo se ele for o autor do acto ilegal, é evidente que é abandonar a responsabilidade financeira, porque, como bem sabe, porque é ministro, o Sr. Ministro praticamente nunca pratica actos. Quem pratica actos são os serviços da administração, pelo que não há hipótese de algum ministro praticar actos ilegais. Por isso, a responsabilidade financeira, como o Sr. Ministro bem sabe, não era pelos actos praticados mas pelas ordens, pelas instruções, pelas sugestões, desde que elas fossem feitas à revelia dos pareceres ou sem sequer pedir esses pareceres. E, portanto, essa era a responsabilidade.
Por outro lado, Sr. Ministro, existem mesmo alguns pontos sobre os quais admitiria a hipótese de serem quase que um lapso, devido a este corte e recorte, e que têm a ver com o problema dos alcances e dos desvios de dinheiro. Será possível que o Sr. Ministro tenha defendido
ou tenha aceite que quando há um alcance, por parte de um membro do Governo, não haja lugar a reposição quando o respectivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos? Quer isto dizer, Sr. Ministro, que se houver algum funcionário ou membro do Governo que, por qualquer motivo, faça algum desvio e que com isso tenha, por exemplo, evitado a criação de um serviço para a cobrança de determinada receita, até ao montante da despesa o Estado fica sempre a beneficiar.
O Sr. Ministro das Finanças: - Não!
A Oradora: - É o que cá está, Sr. Ministro.
Portanto, ou o Sr. Ministro retira isto daqui ou dir-lhe-ei que, por exemplo, em determinados casos de cobranças de receitas muito débeis, cujo processo administrativo de cobrança tem uma despesa superior à receita cobrada, não se criando o serviço e sendo o funcionário a cobrar e a meter ao bolso, há enriquecimento por parte do Estado, e este acto não é considerado ilegal por esse motivo.
Vozes do PSD: - Não pode ser!
A Oradora: - Sr. Ministro, o ponto que mais nos preocupa neste diploma é realmente o do afastamento da responsabilidade financeira, e, como disse, não propomos qualquer reforço da responsabilidade financeira mas, apenas, a reposição da sua proposta, já que ela não era mais do que a manutenção da situação que actualmente vigora para os membros do Governo. Realmente existe aqui uma enorme discricionaridade quando essa responsabilidade é atribuída aos funcionários e não aos membros do Governo. Eu sei que o Sr. Ministro - e fê-lo ainda há pouco quando interveio para responder - deu abertura para que os funcionários tivessem o mesmo tratamento, o que, em meu entender, é absolutamente indispensável que aconteça. O que me parece não ser possível manter-se é a ideia de haver, através deste diploma, um acentuar de uma certa moralização, que dava a sensação de que não existia, para, afinal de contas, nesse recuo e nessa responsabilização ninguém ser responsável. Isto parece-me absolutamente inaceitável.
Também não é indiferente o que é proposto no diploma que estamos a discutir para a função do Tribunal. Como eu já disse há pouco, pretende-se que o Tribunal passe a ter funções de auditoria, com o que concordo, na medida em que a auditoria é actualmente um importante instrumento de análise de gestão financeira - e, como tal, é indispensável para qualquer análise de natureza financeira -, desde que, Sr. Ministro, essa não seja a função primordial do Tribunal. O Tribunal, enquanto tal, é na realidade um órgão independente, um órgão de análise fundamentalmente jurisdicional e a sua composição tem de reflectir esse papel.
Por outro lado, não deixo de reparar que este diploma está de alguma forma feito, provavelmente, à imagem e semelhança do seu autor, e que, nesse sentido, ele se dirige a um reforço da autoridade e do poder do presidente. O Plenário Geral, que, como o Sr. Ministro sabe melhor do que eu, era o órgão mais importante do Tribunal, passou a ser secundarizado. Neste momento, é o presidente o órgão mais importante.
Devo dizer que tive o cuidado de analisar, como é evidente, quais eram as competências do presidente, e ao
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fazê-lo analisei o artigo 74.º da proposta de lei. Ora, devo dizê-lo, não fiquei admirada com as atribuições estabelecidas no artigo 74.º, pois são normais para um Presidente do Tribunal de Contas. O problema, Sr. Ministro, são as competências que não estão no artigo 74.º e que vão estando ao longo de todo o diploma, em outros artigos. Isto porque em outros artigos vai-se dizendo o que é possível ao Plenário fazer mas compete ao presidente fazer mais isto, compete ao presidente fazer mais aquilo, competências essas que não estão no artigo 74.º. Posto isto, analisado o diploma, as competências do presidente são totais, e cito-lhe, como exemplo, os artigos 73.º, 77.º e 78.º, onde há competências do presidente fora das competências constantes do artigo 74.º
Sr. Ministro, esta importância, do meu ponto de vista excessiva, dada à figura do presidente manifesta-se em várias outras situações, nomeadamente no facto - é um sintoma externo, mas deixa de o ser - de este diploma propor que apenas o presidente tenha um gabinete do qual se servirão todos os juízes, quando actualmente todos os ministros têm um gabinete. Não sei muito bem qual é a reacção dos juízes sobre esta matéria, mas, em meu entender, seria bom que a Assembleia os ouvisse sobre este ponto, para que soubesse exactamente qual é a ideia deles nesta matéria.
O reforço da função de auditoria, Sr. Ministro, manifesta-se ainda num outro ponto, do meu ponto de vista preocupante, que é o de se concluir, pelas regras de concurso que são feitas neste diploma, que por cada cinco juízes apenas um é magistrado, os outros quatro não o são. Ou seja, o Tribunal vai ter uma tendência não para a sua acção jurisdicional, porque, se não, quereria magistrados, mas para a sua função de auditoria, até porque mete economistas e gestores.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é grave!
A Oradora: - E este é um ponto que, a meu ver, é mais uma das características que leva a que o Tribunal se venha a transformar num órgão de auditoria com a força no seu presidente, sendo ele o auditor que controla um conjunto de assuntos muito graves para o funcionamento da Administração.
Há ainda um outro ponto que não posso deixar de referir. Nesta proposta de lei existe, em vários pontos, uma clara invasão do poder do Tribunal na área governamental. A separação de poderes, como o Sr. Ministro bem sabe, é essencial na nossa democracia, ou em qualquer outra, e aqui violam-se princípios básicos dessa regra. O Tribunal pretende, nalguns pontos, introduzir o cenário do Governo ao legislar, nomeadamente, na questão dos vistos.
O sistema e os organismos sujeitos a visto são estabelecidos pela lei do Orçamento, como o Sr. Ministro disse. Mas, de acordo com este diploma, mais concretamente com o plano de actividades, o Tribunal pensa poder esclarecer quais são aqueles que estão ou não sujeitos a visto para além dos estabelecidos pela lei do Orçamento. Por este motivo, o Tribunal de Contas está a introduzir-se na acção legislativa, tentando determinar que organismos estão sujeitos a visto quando isso é feito pela lei do Orçamento.
Pausa.
Parece-me que o Sr. Ministro está a acenar negativamente, o que significa que o Governo não vai ser
contrário à eliminação deste tipo de normas que estão a prejudicar o diploma em apreço, que, por ser realmente importante, não pode deixar ficar qualquer espécie de dúvidas sobre ele.
O Sr. Ministro falou há pouco de formas directas e indirectas da actuação do Tribunal de Contas e chegou a referir a ideia da força de bloqueio. Penso que este é um diploma de Estado que deve merecer a atenção dos partidos desta Assembleia, especialmente daqueles que têm vocação de poder, porque não devemos ser irresponsáveis e pensar que «como não estamos no poder aprovem o que entenderem». Podemos um dia vir a estar e devemos fazê-lo com toda a consciência. Temos o direito de alertar o actual partido que suporta o Governo para os perigos de alguns aspectos dele constantes relativamente à actual possibilidade de serem intrometidos esquemas impróprios de um Tribunal de Contas.
O Partido Social Democrata irá, com certeza, viabilizar este diploma porque o considera importante mas não deixará de, em sede de especialidade, propor dois tipos de alterações sem os quais não poderá viabilizá-lo: primeiro, retomar a ideia e o poder do Tribunal de Contas relativamente à responsabilidade financeira nos mesmos termos que vigora agora - não queremos mais nem menos pelo que, no fundo, trata-se de repor a proposta inicialmente apresentada ao Conselho de Ministros; segundo, não deixaremos de alertar o Partido Socialista para a perigosidade de um Tribunal de Contas cujo presidente passará a ser o auditor, deixando de haver uma força de bloqueio para passar a haver a força, que, com um simples relatório, deita abaixo um Governo, e o Sr. Ministro sabe que é assim. Todo o poder que o presidente tem sobre os relatórios - e, mais uma vez, é um poder que, este evoca ao longo de vários artigos sobre os relatórios elaborados pelos juízes - dá-lhe uma possibilidade de intervenção na área governamental que nos parece, a todo o título, indesejável.
A figura do Tribunal de Contas só pode ser prestigiada se não merecer uma atitude de desconfiança da sociedade e do próprio Governo relativamente à possibilidade que tem de intervenção.
Por essa razão, Sr. Ministro, apesar de considerarmos este diploma muito importante, cremos que o mesmo só poderá ser viabilizado se introduzirmos alterações no sentido de serem retiradas algumas soluções dele constantes. Mais uma vez reafirmo que solicitaremos a discussão destes temas com o ministro que tutela o Tribunal de Contas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, gostaria de sublinhar, em primeiro lugar desde logo, que teve talvez um lapso na forma como se exprimiu agora e como já se tinha expresso anteriormente ao aludir ou ao dar grande ênfase ao ministro que controla o Tribunal de Contas. É um problema de formação, ainda é - digamos - um tique cavaquista porque o ministro que controla os tribunais é uma coisa tão impossível como o ministro que controla a RTP. Aliás, o Deputado que está sentado ao seu lado foi-o no passado, já não o é. Os ministros não controlam o Tribunal de Contas. Nenhum, nem este nem outro qualquer, no quadro deste regime e da nova maioria.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os tribunais controlam sem dúvida alguma este ministro, os outros ministros, e até estes Deputados e quaisquer Deputados. É um facto, é essa a regra, mas acho que isso terá sido um lapso porque V. Ex.ª, além do mais, não é jurista mas já foi governante.
Em segundo lugar, prolongou o terrível, quase diria, lamentável e inútil estilo de 1989 e de 1994, o da famosa lei que tinha nome, ad hominem, e que não passou na sua versão.
Agora, V. Ex.ª não pode fazer o impeachment do Presidente do Tribunal de Contas por ser Ministro. Já o tentou por outras vias mas neste momento rejeita o seu interlocutor se bem que, há tempos, berrasse na sua bancada pela presença do Ministro das Finanças. Agora quer outro, não este, e amanhã quererá outra coisa qualquer que não esta. É o espírito do contra, pura e simplesmente.
E não lhe basta questionar este Ministro deste ponto de vista; precisa de questionar este presidente do Tribunal de Contas como arauto de um poder unipessoal - veja-se o horror, já tremo de medo - e descontrolado, deitando abaixo não sei o quê com a ponta da pluma ou o teclado do computador.
Sr.ª Deputada, já é temor a mais num Estado de Direito Democrático onde há checks and balances, formas de controlo recíproco, e em que o «atirar abaixo» se faz por eleições livres como aconteceu em 1 de Outubro. Aliás, é boa e saudável essa possibilidade.
Porém, verifico haver um grande consenso. V. Ex.ª não só viabiliza a proposta, o que nos apraz sublinhar e aplaudir, como, no fundo, restringe a sua área de dúvida basicamente a três questões. Talvez haja na sua boca uma fixação excessiva à legislação e ao quadro de 1933. O quadro de 1989, percebo, o de 1993, nem tanto. Se há dúvidas, estamos aqui para, na Comissão, discuti-las com todo o gosto e com todos os dados, naturalmente no quadro da Constituição.
Mas e o que pensa V. Ex.ª de outras questões concretas? Há consenso quanto ao papel do Tribunal de Contas no sistema geral de. controlo e no que diz respeito à sua articulação com os controlos internos e externos? O que pensa sobre a articulação entre esse controlo e o controlo político da Assembleia da República, que esteve bloqueado largamente durante o ciclo cavaquista, e que procuramos agora retomar por consenso alargado - espera-se -, uma vez que o PSD já não tem os interesses que teve enquanto partido de Governo e pode retomar com mais distância, talvez, uma perspectiva isenta sobre ó papel dos mecanismos de controlo? O que pensa sobre a selectividade do controlo? Está de acordo ou não com a necessidade de tornar esse controlo mais selectivo. para desimpedir o Tribunal de bagatelas e permitir discutir aquilo que é crucial?
Por outro lado, o que pensa a Sr.ª Deputada sobre o alargamento da jurisdição que hoje é - e até choca um pouco - banal? Ou seja, na reflexão sobre esta matéria no exterior, tanto a promovida pelo INTOSAI como por outros órgãos, é normal. a ideia de que esse controlo deve ser alargado e acompanhar o dinheiro público que é nosso, dos cidadãos, onde estiver, independentemente da fórmula jurídica. Adere o PSD agora a esse pensamento? Deixa de bloquear esse tipo de controlo, que é tão importante para a saúde das finanças públicas? Se V. Ex.ª responder a estas perguntas, terá seguramente ajudado a clarificar o
pensamento do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª .Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, não sei se lhe agradeça ou não o seu pedido de esclarecimentos porque começou por ser próprio de alguém que não conhece o diploma ou não ouviu o que eu disse. Aliás, faz referência a ministros que tutelam determinado tipo de instituições pelo que peço desculpa se falei em controlo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não há tutela!
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Tutela entre aspas...
O Sr. José Magalhães (PS): - Sou jurista, tenho esse pequeno problema de rigor.
A Oradora: - Não se trata de um problema de jurista. Disse há pouco que as minhas intervenções se tinham restringido a duas áreas muito pequenas. Peço desculpa, mas o senhor não leu o diploma da forma como o li nem o comparou com o regime actualmente existente nem ainda com esta proposta de lei. Não o pode ter feito porque se assim fosse, e, sendo membro de um partido que neste momento apoia o Governo, teria percebido que as duas questões que levantei não são pequenos pormenores mas o cerne da questão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Os senhores, que apoiam o Governo, têm de saber se este...
O Sr. João Carlos da Silva(PS): - A Sr.ª Deputada esteve a fazer demagogia e já vou demonstrar-lho.
A Oradora: - Então, demonstre-o.
Os Srs. Deputados. vão aperceber-se de que o problema, actualmente, é mais vosso do que nosso. Aliás, estou genuinamente interessada em ajudar na medida do meu possível a esclarecer esta situação e creio não ser possível que o Conselho de Ministros tenha tido consciência daquilo que aprovou porque, caso contrário, teria sido ridículo que apenas se tivesse preocupado com o problema da responsabilidade financeira, e esta é a diferença existente entre um diploma e o outro. Não se preocupou com o cerne da questão, ou seja, sobre qual vai ser o papel do Tribunal de Contas, o que é muito pior do que a referência à responsabilidade financeira que constava.
O Sr. João Calos da Silva (PS): - Pior, não. Melhor!
A Oradora: - Muito pior! Santa ingenuidade!
Contudo, Srs. Deputados do Partido Socialista, se entenderem que este é o modelo ideal de Tribunal de Contas, se entenderem que, em vez de um órgão colegial como ó Tribunal de Contas, deve haver um poder pessoal, mantenham um presidente que nem sequer pela Constituição pode ser substituído, e que lhes faça muito bom proveito. Mas, se estamos a discutir uma questão de Estado, o Sr. Deputado José Magalhães não pode dizer que os pontos que levantei são pormenores porque trata-se dos dois pontos fundamentais desta proposta de lei: retirar a responsabilidade financeira e atribuí-la apenas a uma pessoa, já sem falar noutro aspecto muito importante, o
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de que os magistrados são independentes enquanto que os auditores não o são.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.
Pausa.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Não pode intervir. Está ao telefone a receber instruções do Sr. Ministro.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Trata-se de um diálogo institucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostava de dar os meus parabéns ao Governo pelo alcance desta profunda reforma e pelo rompimento definitivo da tradição antiga, o que tem vindo a ser uma tónica deste Governo. Finalmente, temos um Governo que não se preocupa, pelo contrário está empenhado em criar os mecanismos necessários ao controlo da sua própria actividade e este é o cerne da questão, aqui reside a diferença de políticas.
De facto, nestes tempos, o PSD tem andado completamente desorientado no tipo de oposição que tenta fazer porque assumiu uma postura de negação e de obstrução sistemática e, quando não consegue atacar o mérito dos diplomas, opta por uma de duas coisas: ou se agarra a questões laterais perfeitamente despiciendas e fica enquistado nas mesmas para tentar obstruir a modernização do nosso sistema político ou, então, utiliza pequenos faits divers, tentando iludir a opinião pública com afirmações que não correspondem à verdade.
Na intervenção anterior, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite fez, em nome do PSD, dois tipos de críticas a este diploma, para além dos iniciais faits divers de intriga: por um lado, referiu-se à responsabilidade financeira querendo dar a ideia de que este diploma pretende atenuar a responsabilidade financeira que anteriormente existia para os membros do Governo. É falso!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!
O Orador: - É falso! Sr.ª Deputada, o anterior diploma apenas estabelecia que, em caso de alcance ou desvio, a responsabilidade financeira recaía sobre o agente ou agentes do facto e nada mais. Esta proposta de lei estabelece uma coisa semelhante: a responsabilidade recai sobre o agente ou agentes da acção e, em seguida, determina que a responsabilidade prevista no número anterior recai sobre o membro do Governo se este for o autor do acto ilegal.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Porquê?
O Orador: - O diploma anterior não continha qualquer menção de responsabilidade de membros do Governo, não a previa sequer, apenas mencionava o agente e, como VV. Exas. sabem, em matéria sancionatória deste tipo não é possível a interpretação analógica e, eventualmente, a interpretação extensiva também não. Assim, é muito duvidoso que o diploma actualmente em vigor faça recair responsabilidade sobre os membros do Governo. Portanto, Sr.ª Deputada, a sua intervenção quanto a essa parte foi perfeitamente falaciosa.
Em segundo lugar, referiu-se ao que considera ser o excesso de poderes previstos para o Tribunal de Contas. Disse a Sr.ª Deputada que os poderes que estão previstos no artigo 74.º até lhe pareciam normais mas que o que a espanta são os poderes avulsos consignados no diploma, tendo apontado os artigos 73.º, 77.º e 78.º como sendo os grandes escândalos que a preocupam a título de reforço dos poderes do Presidente do Tribunal de Contas.
Ora, vejamos quais são esses grandes «escândalos»: o artigo 73 º estabelece que, na falta de quórum do Plenário de uma secção, o Sr. Presidente designa os juízes que faltam para obter quórum; o artigo 77 º estabelece que, no que respeita aos relatórios de auditorias, o Sr. Presidente do Tribunal de Contas poderá alargar a discussão ao Plenário quando pretenda uniformizar critérios e, ainda, que definirá quais os juízes de turno que, em cada semana, se reúnem para sessão diária de visto: São estes os grandes «escândalos» quanto ao reforço de competências do Presidente do Tribunal de Contas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está perfeitamente demonstrado que as críticas que o PSD faz sobre esta matéria são, salvo o devido respeito, críticas de má consciência, de quem não sabe o que há-de dizer, fruto do embaraço de quem quis destruir a competência fiscalizadora do Tribunal de Contas e que, agora, se vê aflito perante um governo que quer reforçar e conferir ainda maior força à fiscalização externa dos actos do Governo, não só sob o ponto de vista da legalidade mas também sob o ponto de vista da eficácia da gestão do Governo. Este é que é o no górdio da questão que a Sr.ª Deputada suscitou, este é que é o facto que, de acordo com a Sr.ª Deputada, faz com que este diploma seja ainda pior. E os Srs. Membros do Conselho de Ministros nem viram que o que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite considera ainda pior é o facto de se alargarem as competências do Tribunal de Contas a competências de auditoria e de eficácia de gestão. Isto é que é o «ainda pior»!
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Eu não disse isso!
O Orador: - Não disse mas, perante a sua actuação passada enquanto esteve no governo, certamente o pensa! A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite certamente está embaraçada face ao sentido de Estado manifestado neste diploma e à impossibilidade de o PSD criticá-lo de forma coerente. Faria bem o PSD em assumir algum sentido de Estado, evidenciado pelos outros partidos da oposição, a fim de disponibilizar-se para aperfeiçoar ainda mais as matérias contidas neste diploma.
A propósito, Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou enunciar as matérias contidas neste diploma, com as quais o Partido Socialista está completamente de acordo.
Em primeiro lugar, um controle de auditoria sobre a eficiência da gestão do Governo e de outras entidades públicas. Em segundo lugar, a simplificação da questão do visto prévio e algo que ainda não foi falado aqui que é a restrição dos fundamentos da recusa do visto prévio. Como diz a exposição de motivos deste diploma, e muito bem, nem todas as ilegalidades devem ser fundamento da recusa de visto prévio pelo que esta é uma questão que será julgada posteriormente. Neste diploma, a recusa de visto prévio é restringida às questões de nulidade dos actos da Administração Pública ou de graves ilegalidades em certos contratos. Por outro lado, há que sublinhar a clareza e a
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regulamentação de certas matérias que tinham ficado em aberto ad aeternum quando da reforma do Tribunal de Contas, isto é, em relação às quais tinha ficado previsto que seriam desenvolvidas mas que nunca o foram, durante os 10 anos de governo do PSD.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Exorto o PSD a assumir uma postura de Estado sobre esta matéria e a não tentar manter-se enquistado nas suas posições anteriores em que fazia todo o possível para retirar eficácia e operacionalidade ao Tribunal de Contas, eventualmente não porque tal lhes interessasse sob o ponto de vista político mas porque, no passado, sempre encararam esta questão como de perseguição pessoal, como uma questão de afronta em relação a certos profissionais independentes que pretendiam moralizar a vida pública.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de esclarecer que não pretendo fazer um pedido de esclarecimento mas, sim, exercer o direito de defesa da honra da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para o efeito, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos da Silva, acabei de ouvi-lo mas não tenho nenhuma pergunta a fazer-lhe, razão pela qual não lhe dirijo um pedido de esclarecimento.
Apenas tenho a dizer que o Sr. Deputado João Carlos da Silva fez uma intervenção em nome do Partido Socialista. Aliás, chego à conclusão de que se não tivesse falado, não haveria intervenção por parte da bancada do Partido Socialista porque o Sr. Deputado João Carlos da Silva não fez rigorosamente mais nada se não falar sobre q que tenho dito. Ora, certamente não seria esse o teor da intervenção da bancada do Partido Socialista até porque, como o Sr. Presidente sabe, a proposta de lei não é do PSD. Portanto, pensei que a bancada do PS teria alguma coisa a dizer e não apenas falar sobre mim própria.
O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Mesmo assim, Sr. Presidente, fico bastante satisfeita porque contribuí para o Partido Socialista ter algo para dizer, pois penso que ninguém leu esta proposta de lei, caso contrário o Sr. Deputado João Carlos da Silva certamente não teria dito metade do que disse. Aliás, diria que ele terá falado sobre algumas coisas que provavelmente não leu,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Enormidades!
A Oradora: - ... tendo-se limitado a ouvir a minha própria intervenção.
Sr. Deputado João Carlos da Silva, quero dizer-lhe apenas uma coisa mas não vou fazer-lhe uma pergunta e por isso pedi a palavra para defesa da honra da minha bancada.
Há aqui simplesmente um problema de natureza política. Quando os senhores estavam na oposição queriam ir mais além na questão do controle e da responsabilidade
financeira. Ora, esse «mais além» ficou aquém, de acordo com as palavras do próprio Sr. Ministro das Finanças. Não precisava ele de o ter dito porque nós vimos a proposta que o Sr. Ministro apresentou em Conselho de Ministros e a proposta de lei que está na Assembleia para apreciação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Repito que o Sr. Ministro disse que a proposta ficou aquém do que ele pretendia mas não precisava de tê-lo dito porque nós já o sabíamos.
Em termos políticos, quando estavam na oposição, os senhores queriam mais, agora que estão no Governo querem menos. Foi exactamente isso que não passou em Conselho de Ministros.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Deputado João Carlos da Silva, eu já disse aqui mais do que uma vez que o Partido Social-Democrata viabilizará esta proposta de lei.
No entanto, em sede de especialidade é que vamos ver quem é que está interessado na moralização e quem está interessado numa posição de Estado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva para dar explicações, querendo.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, que defendeu a honra da bancada do PSD, acusa-nos de não termos lido a proposta de lei e de nada termos a dizer sobre ela. Ora, iniciei a minha intervenção, dizendo, precisamente,...
O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Nada!
O Orador: - ... que quem nada tinha a dizer sobre o mérito da proposta era o PSD que estava agarrado a problemas laterais, a intrigas e a questões falsas. Depois, disse qual era a posição do Partido Socialista sobre esta matéria.
A Sr.ª Deputada vem acusar-nos de não termos lido a proposta. Nós lemo-la, Sr.ª Deputada, mas percebemos aquilo que lemos, enquanto VV. Exas. - perdoem-me - leram-na mas não terão percebido ou não terão querido perceber o que estavam a ler!
Sr.ª Deputada, é lógico que eu tinha de referir-me à sua intervenção até porque, salvo o devido respeito, não foi uma intervenção séria como este debate merecia. Aliás, não é só no caso deste debate pois o PSD está a habituar-nos a não proferir intervenções sérias sobre qualquer matéria. Nos últimos tempos, o PSD tem vindo a habituar-nos a um tipo de oposição perfeitamente bizarra, que não faz qualquer sentido.
A Sr.ª Deputada afirma que o Sr. Ministro das Finanças tinha dito que esta proposta fica aquém do que, eventualmente, poderia ter sido feito. Com certeza! Mas a Sr.ª Deputada estava muito mais aquém do que isto e o PSD ainda mais! O PSD teve 10 anos para fazer moralizações. Ora, que moralizações fez? Gostava que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite respondesse, dizendo qual foi a moralização que o PSD introduziu nesta matéria. Qual é a moralização que a lei, revogada por nós em Março deste ano, introduzia no funcionamento do Tribunal de Contas?
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O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Era um aleijão!
O Orador: - Sr.ª Deputada, se esta proposta de lei que estamos a discutir existisse na altura em VV. Exas. eram governo com certeza teria havido uma muito maior responsabilização, até criminal, dos então membros do governo, nomeadamente em adjudicações de obras públicas feitas à pressa para «pagar» eleições, como é o caso - e já aqui foi referido - de obras como a da Ponte do Freixo e outras.
Portanto, Sr.ª Deputada, no que respeita à defesa da honra da sua bancada, não retiro uma palavra ao que disse. Pelo contrário, diria que a intervenção da Sr.ª Deputada em defesa da honra da bancada até a terá maltratado ainda mais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, olhando para o painel electrónico dos tempos, tenho a sensação de que nos foi descontado tempo...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, infelizmente, tenho de reconhecer que quem está hoje a presidir às alterações no painel dos tempos ou está muito distraído ou é muito pouco competente. Parece que terão ocorrido factos que poderão justificar isso. Vou averiguar porque não podemos continuar a assistir a este «saltitar» de tempos no painel. Eu próprio também tenho ideia de que o seu partido tinha mais tempo disponível, salvo erro 8 ou 9 minutos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Infelizmente, hoje, estamos sujeitos a este sistema, a um «bailado» comandado não se sabe bem por quem. Vou providenciar no sentido de que pessoas mais competentes e mais cuidadosas comandem o painel dos tempos. Lamento ter de dizer isto, mas já tinha reparado nesse facto.
Entretanto, já foi restabelecido o tempo disponível para o seu partido.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Promover uma reforma do Tribunal de Contas que reforce as suas competências e as condições da sua independência e autonomia e dote este órgão de soberania com os meios que lhe permitam exercer com eficácia a função constitucional que lhe está cometida de «órgão supremo de fiscalização de legalidade das despesas públicas» é um objectivo que o PCP tem defendido e pelo qual tem lutado, inclusivamente com a apresentação de projectos de lei em anteriores legislaturas.
A proposta de lei que o Governo apresentou parece querer abrir caminho nesse sentido, e nos aspectos em que o faz saudamo-lo. Mas só o abrirá, efectivamente, se em sede de especialidade puderem ser clarificados e melhorados alguns dos dispositivos legais que são propostos.
É que se no passado o PSD procurou condicionar, limitar a actividade autónoma e independente do Tribunal de Contas e bloquear a sua actividade, não lhe atribuindo os meios orgânicos, humanos e financeiros minimamente indispensáveis ao seu funcionamento, não é menos verdade que esta proposta, sendo sem dúvida um passo em frente, aparece-nos, nalguns aspectos, bastante atenuada em relação a propósitos inicialmente divulgados. Passo a citar alguns exemplos, sem prejuízo de um maior desenvolvimento em sede de especialidade.
Parece evidente que, em matéria de responsabilidade financeira dos membros do Governo, a redacção imposta pelo Conselho de Ministros pode reduzir muito, na prática, a eficácia das normas propostas. O membro do Governo só é responsável pela reposição de dinheiros desviados ou ilicitamente utilizados se for o autor do acto ilegal, se o tiver feito intencionalmente, com culpa grave, se tiver agido com culpa. Ora, a conjugação destas condições só muito excepcionalmente se poderá verificar.
Nesta matéria, a proposta parece ficar aquém da configuração da filosofia prevista na actual lei que define os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, no que se refere à violação das normas de execução orçamental. Além do mais, ao contrário do que referiu Sr. Deputado João Carlos da Silva, parece-nos que ela fica mesmo aquém do que está actualmente previsto num dos decretos revogados, o Decreto n.º 22 253, no seu artigo 36.º, onde se prevê a responsabilização dos Ministros quando praticam, ordenam, autorizam ou sancionam determinado tipo de actuações.
Em contrapartida, a responsabilidade pode recair nos funcionários que cometam um simples erro de omissão. Isto não nos parece equilibrado, como já tivemos ocasião de referir na pergunta que formulámos ao Sr. Ministro das Finanças.
Em segundo lugar, quanto à competência do Tribunal de Contas, entendemos que se pode e deve ir mais longe, designadamente quanto à competência de fiscalização dos subsídios concedidos pelo Estado ou créditos que este avalize, verificando se os mesmos foram aplicados para os fins a que se destinavam e de acordo com o respectivo regime legal, tal como o PCP propôs há já três anos.
Em terceiro lugar, em matéria de alívio dos mecanismos de fiscalização prévia, esperávamos que se fosse mais longe desde já, privilegiando já nesta lei os caminhos do reforço da fiscalização sucessiva, embora reconheçamos que o artigo 48.º da proposta dá um passo positivo nesse sentido, embora para os próximos orçamentos.
Nesta matéria importa também fixar um prazo máximo para o Tribunal de Contas pedir esclarecimentos e elementos adicionais para a concessão do visto. Não é aceitável, funcionando o visto tácito se o Tribunal não se pronunciar no prazo de 30 dias, que se permita que o Tribunal possa, por exemplo, no 29.º dia pedir elementos adicionais, suspendendo só então o prazo para o visto tácito, com todas as complicações que isto cria, designadamente ao nível da administração local.
Em quarto lugar, e embora mais atenuado que nas primeiras notícias que houve sobre o assunto, em nossa opinião a proposta parece sofrer ainda de alguns excessos de presidencialismo que devem e podem ser revistos Alguns já foram referidos, mas acrescentava outros. Assim, por que é o Presidente, ele sozinho, tem a competência de nomear, por escolha, o pessoal dirigente dos serviços de apoio? Até onde vai o conceito de pessoal dirigente? Como é que esta opção se compatibiliza com o recente
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projecto chamado dos directores-gerais? E por que é que essa nomeação, a existir, não se faz por um órgão colegial, por exemplo a Comissão Permanente? Estas são questões que deixamos para a discussão na especialidade.
Em quinto lugar, também não compreendemos os dispositivos para as secções regionais das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, que configuram uma menorização do seu estatuto e desconfiança no respectivo corpo de magistrados. Pôr o Ministério Público a recorrer obrigatoriamente da sentença do juiz, independentemente da bondade desta, só porque o juiz no seu acórdão não «copiou» o parecer do Ministério Público é pôr, na prática, o Ministério Público a julgar.
Como também não se percebe porque não hão-de continuar a ser os juízes das secções regionais das regiões autónomas a terem poderes de julgamento, como têm hoje pela Lei n.º 23/81. Por que razão se ressuscita a antiga e polémica figura dos Corregedores da Coroa, que Eça de Queirós tanto satirizou, isto é, os juízes que vão obrigatoriamente de Lisboa para julgar nas regiões autónomas? Esta é uma questão que tem de ser repensada e enquadrada no actual figurino da própria autonomia político-administrativa das regiões autónomas.
Em sexto lugar, e por último, Srs. Deputados, esperávamos que o Governo fizesse acompanhar hoje a sua proposta de uma outra, indispensável ao funcionamento do Tribunal de Contas. A lei orgânica dos serviços de apoio, tantas vezes reclamada pelo então Presidente do Tribunal de Contas, e actual Ministro das Finanças - e que já foi alvo da pergunta que fiz ao Sr. Ministro -, é urgentíssima, sem a qual o Tribunal continuará com o seu quadro insuficientemente preenchido, sem estabilidade e segurança nas carreiras e sem os meios humanos indispensáveis ao seu funcionamento.
Em sede de especialidade, Sr. Ministro das Finanças, é preciso apreciar estes e outros aspectos. Caso o resultado final se traduza numa boa lei, teremos então a reforma do Tribunal de Contas de que o País necessita. É esta a expectativa do PCP nesta fase do debate na generalidade, em que, como é óbvio, contribuiremos para viabilizar a proposta de lei.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Um analista, conhecido e lido, lembrava há pouco alguma confusão a que por vezes se assiste na vida política portuguesa entre os diversos papéis dos agentes políticos e lembrava que o Governo deve governar e que a oposição deve opor-se, salvo nos caos, raros, de necessidade de um consenso interno.
Julgo que errará quem pensar que, neste momento, a questão do estabelecimento das regras sobre o Tribunal de Contas é uma questão que suscita uma divisão entre oposição e Governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Já o foi no passado,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - ... mas hoje não é uma questão que divida ou suscite divisão profunda e verdadeira entre a oposição e o Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Embora, durante este debate, surgissem concepções diferentes sobre o significado e o papel do Tribunal de Contas. E julgo que alguma divergência, nomeadamente entre o PSD, o PS e as próprias convicções do meu partido, sobre a iniciativa que está em causa deriva, muitas vezes, do facto de não estarmos totalmente esclarecidos sobre a função de um Tribunal de Contas no Estado de Direito moderno. E não se justifica essa separação porque errará quem não entender que o Tribunal de Contas é uma peça fundamental para que o próprio Parlamento possa exercer a sua função.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, o que aqui está em causa é sobretudo a Assembleia da República e é sobretudo saber se as novas regras sobre o Tribunal de Contas permitem ou não melhorar a nossa função de fiscalização da actividade financeira; se permitem ou não melhorar o acesso aos meios de fiscalização dessa actividade financeira; se permitem ou não respeitar a nossa iniciativa em termos que compensem uma degradação notória do nosso papel nessa fiscalização, que não é caso particular de Portugal, mas caso geral, tratado há muito tempo. Refiro-me à degradação do sentido e do significado prático das competências financeiras do Parlamento.
As velhas regras e o velho princípio da legalidade financeira, a ideia de que basta para o Parlamento controlar a legalidade da receita e da despesa e a legalidade orçamental já deveria ter sido abandonada há muito e já as deveríamos ter substituído por outras regras do tipo daquelas que hoje aqui estão presentes.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Engana-se quem pensar que esses velhos critérios de fiscalização da legalidade permitem algum controlo do Parlamento, sobretudo no domínio da legalidade da despesa, quando se sabe que, de facto, o que está hoje em causa, para a defesa do contribuinte - o papel fundamental e o ex-libris dos Parlamentos -, é a possibilidade de medir a eficiência da despesa e não, simplesmente, as questões da legalidade que são bastante evanescentes na vida moderna de um Estado deste tipo.
Quanto a essa questão, o Partido Popular não foge à resposta a uma interrogação que se impõe: a de saber se, nesta perspectiva, esta iniciativa representa ou não um avanço no sentido, em primeiro lugar, da dignificação e do aperfeiçoamento do exercício da função de controlo da actividade financeira pela Assembleia da República. E a essa pergunta nós respondemos claramente que sim. É visível que as novas regras, em confronto com as antigas, representam um profundo avanço para o desempenho da nossa função de Deputados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esse avanço analisa-se especialmente no modo como é tratada a questão da colaboração, no reconhecimento da nossa iniciativa de solicitação de várias
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questões ao Tribunal de Contas, no modo como se trata, transparentemente, a questão da transmissão da informação, o direito que nos assiste de suscitar ou de pedir relatórios intercalares e a possibilidade de, nós próprios, desencadearmos auditorias. E quem esquece que, neste domínio, existe um avanço fundamental não entende que o Tribunal de Contas é, de facto, a peça essencial para o desempenho da nossa função de controlo da actividade financeira.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, e digo-o sem qualquer espírito de conflito partidário, porque entendo que o consenso possível à volta de uma lei sobre o Tribunal de Contas não é um consenso de partidos, é muito mais do que isso: é um consenso do Parlamento que deve ser formado sobre essa matéria.
Queira ainda dizer que verificamos que o Tribunal de Contas desce, finalmente, todos os degraus do controlo financeiro. Não só controla e fiscaliza o Orçamento, a Administração Pública, como já conseguimos que passasse a ter um controlo sobre os novos instrumentos de intervenção económica, como sejam as sociedades de capitais públicos e outras congéneres, fechando-se hoje o círculo na medida em que se aceita e admite também o controlo de outras entidades pelo simples facto de utilizarem recursos públicos.
Este encerramento do progressivo avanço da competência do Tribunal de Contas tem de ser saudado. Descemos enfim, realmente, todos os degraus necessários para um efectivo controlo.
Mas esta iniciativa tem ainda o mérito, ao contrário do que acontece noutros países, tendo o nosso Tribunal de Contas uma função jurisdicional, de a manter e organizar em termos mais perceptíveis e mais eficazes. A separação entre a fiscalização e o controlo das competências jurisdicionais de efectivação de responsabilidade é por nós saudada por a considerarmos da máxima utilidade.
Por outro lado, este avanço das auditorias e da fiscalização sucessiva concomitante atribuída ao Tribunal de Contas é decisivo para o combate à corrupção e à dissipação dos dinheiros públicos. Poderão sugerir vários instrumentos de combate à corrupção, mas se o Tribunal de Contas, com as suas competências, não tiver a possibilidade de medir, de produzir relatórios sobre a eficiência dos gastos públicos, o mero controlo da legalidade tapará completamente o nosso conhecimento e a nossa possibilidade de controlar a corrupção e a dissipação, que são os grandes males da actividade financeira do nosso tempo.
O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Diria ainda que, do nosso ponto de vista, convém afinar algumas regras sobre a responsabilidade. Não temos a ideia de que a questão da efectivação da responsabilidade relativamente aos membros do Governo tenha significado um recuo, mas estamos abertos, de facto, a que essa questão se esclareça e se dissipem todas as dúvidas que perpassaram aqui, neste debate, com certeza com toda a legitimidade.
Agora, não podemos deixar de afirmar que, nesta matéria - e nós, julgo eu, somos insuspeitos dificilmente podemos aceitar uma distribuição da responsabilidade financeira exactamente como é distribuída
a responsabilidade política; o que não podemos é admitir que a responsabilidade financeira se efective completamente em termos de responsabilidade objectiva. E não deixa de ser curioso que alguns daqueles que reclamam agora uma responsabilidade financeira quase com as características da responsabilidade objectiva, no passado tenham deixado passar a recusa de que a própria responsabilidade política fosse objectiva, o que quer dizer que parece-nos ouvir aqui vozes que entendem que a responsabilidade financeira deve ter uma distribuição com carácter mais objectivo do que a própria responsabilidade política que tivemos no passado.
Também não deixa de ser curioso que, sem qualquer espírito de conflito, o PSD queira a proposta do Ministro Sousa Franco para a questão da repartição da responsabilidade ou para o tratamento da responsabilidade e que, por outro lado, avise o PS de que o Conselho de Ministros esteve distraído...
Risos do Ministro das Finanças.
... com respeito a outras matérias, quando o Ministro das Finanças apresentou e discutiu a proposta.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Agradeço que conclua.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
De facto, a verdade - e é legítimo - é que continua a haver diferenças em matéria de concepção fundamental do Tribunal de Contas, continua a não se perceber, mesmo quando se está na oposição, que o Tribunal de Contas é fundamental para a nossa actividade e que faz pouco sentido, quando pretendemos ter mais poderes e tornar efectivo o nosso controlo, advertir o próprio Governo para o avanço dessa possibilidade e da efectivação desse controlo.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, mas o CDS-PP já não dispõe de tempo.
Entretanto, o PS acabou de ceder 3 minutos para o Sr. Deputado poder responder.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, gostaria de sublinhar como consideramos positivo que tenha colocado a questão nos termos em que teve ocasião de a equacionar. Não me surpreende. Tenho à minha frente a intervenção que o Sr. Deputado fez aquando dos debates em 1993, em que teve ocasião, para além de se distanciar da medida inconstitucional que visava atingir pessoalmente o Presidente do Tribunal de Contas, de exprimir essa filosofia que agora aqui renovou. Ou seja, os tribunais de contas têm de se renovar no quadro de uma Administração que mudou totalmente; sem isso, não conseguiriam dar resposta às novas condições em que os dinheiros públicos são gastos.
De facto, seria muito importante que, nesta Câmara, houvesse consenso e que enterrássemos o passado naquilo que ele tem de nefasto, em torno de alguns princípios simples: a ideia de que os dinheiros públicos são dos contribuintes e, portanto, têm de ser fiscalizados rigoro-
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samente, não numa óptica contabilística, não numa óptica de estrita legalidade, mas numa mais vasta; a ideia simples de que o controlo financeiro é um pressuposto da democracia financeira como componente integrante da democracia, ela própria, e fundamental para dar aos cidadãos a ideia de que vale a pena pagar impostos; e, por outro lado, a ideia de que o esbanjamento é inimigo público número um não de um partido, o que governa, mas de todos e dos cidadãos.
Nesse sentido, a fiscalização tem de ser não só implacável como pedagógica, isto é, tem de não apenas reparar mas de ensinar a não prevaricar e ter um efeito de conformação da actuação dos órgãos públicos, que também pode ser sucessiva e que não tem de ser obsessivamente preventiva, mas tem de ser, sobretudo, adequada à complexidade da própria Administração Pública moderna.
Suponho que, nestas ideias, não teremos divergências, não as. tivemos no passado, curiosa ou não curiosamente pelo que acabei de expor, e suponho que não há razão para que as tenhamos no futuro.
Gostava, pois, de lhe perguntar como é que o CDS-PP encara este processo de reforma, porque, verdadeiramente, o Governo traz-nos hoje aqui uma peça a que o Sr. Ministro chamou «pedra de topo», «pedra de cúpula». No entanto, há medidas em concreto já em execução, houve medidas revogatórias de eliminação de restos do passado e de pedras de construção do futuro e há medidas complementares, algumas das quais o Governo já pôs em marcha.
Mas, em relação ao que nos diz respeito, gostava de lhe perguntar o que é que acha de especialmente insatisfatório nos controlos de que já dispomos na Câmara, na Assembleia da República, que é beneficiada naturalmente por esta medida, mas, quiçá, precisa de outras e tem défices de outras medidas para exercer esse controlo. Aliás, notei, com muito cuidado, que o Sr. Deputado acentuou um aspecto crucial, que é o da erosão, que aconteceu ao longo dos anos - e diga-se, com justiça - não apenas em Portugal. É um problema das democracias modernas, em que a Administração Pública se transforma enormemente e se complexifica e em que as máquinas de controlo não se transformaram à mesma velocidade nem com os mesmos meios que, hoje, as administrações têm e empregam quotidianamente.
Já teremos formas de acesso ao famoso banco de dados da execução que, durante anos, foi motivo de polémica - e estão aqui sentados protagonistas dessa polémica, do lado do «corte».
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Cuidado! Depende da cor!
O Orador: - Por outro lado, haverá medidas de carácter outro, que permitam ao Parlamento exercer plenamente as suas competências. tanto em relação aos fluxos internos como os relacionados com a União Europeia, questão crucial em termos de credibilidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, de facto, é verdade, a minha preocupação sobre estas questões e a posição que tenho não é de agora. Mas, para responder às questões que colocou, dir-lhe-ia que talvez entenda que há uma iniciativa legislativa que poderia ter tanta importância como esta para a recuperação ou para o aumento da nossa capacidade de controlo financeiro. Essa iniciativa seria uma reforma total do procedimento de discussão e votação do Orçamento. Uma iniciativa que simplificasse e aumentasse, ao mesmo tempo, o controlo efectivo e que nos poupasse, aqui, a certos actos desse procedimento orçamental, teria porventura para mim tanta importância como este diploma sobre o Tribunal de Contas.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, para justificar o voto que vou propor e que o meu partido levará a cabo, ainda poderia dizer que me parece bastante adequado o equilíbrio conseguido entre a reformulação da fiscalização prévia e um certo recuo no modo de funcionamento, na aplicação prática dessa fiscalização prévia e no avanço mais ousado da fiscalização sucessiva, sobretudo sobre aquelas formas específicas que já referi.
Não conseguimos transmitir aos cidadãos uma adesão à repartição dos recursos se não tivermos a possibilidade de ter acesso a estas auditorias, se não tivermos a possibilidade de as suscitar. Não conseguimos, com as clássicas competências dos Parlamentos, tal como elas estão estabelecidas na Constituição, com os nossos simples poderes, suscitar essa adesão e, desse modo, promover a diminuição da fraude fiscal.
Portanto, entendo que este novo quadro de relações - e não se falou dele, mas entendo que está aqui um novo quadro de relações entre o Tribunal de Contas e a Assembleia da República - é um passo decisivo nesse sentido. Devo até dizer-lhe que, do meu ponto de vista - e explicarei melhor em sede de especialidade -, nem sequer me repugnaria um avanço ainda mais significativo das competências do Presidente do Tribunal de Contas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças, que, para o efeito, dispõe de 15 minutos, 5 deles cedidos pelo PS.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma brevíssima declaração em nome do Governo, não como Ministro da tutela do Tribunal de Contas, porque, graças a Deus, não há nenhum - e aquilo que se poderia chamar o equivalente à tutela do Tribunal de Contas devia, sim, ser cada vez mais o Parlamento - , mas como Ministro a quem o Sr. Primeiro-Ministro pediu que viesse aqui defender esta proposta, o que o faço com muito gosto e muita honra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer apenas três coisas. A primeira, que o Governo se congratula muito com o acolhimento que esta proposta aqui teve e com as ideias que foram expendidas, quer na medida em que podem representar melhorias dentro do espírito da proposta em sede de especialidade, quer porque representam, diria, a construção de um consenso sobre o papel do controlo financeiro num Estado moderno, tanto o independente, jurisdicional e de auditoria, como o político. Por isso, esta é, por essência, uma matéria do Parlamento.
Permitam-me o comentário, que não tem outra intenção que não seja a de comentar, de que, pela primeira vez, se verificou este consenso. De facto, é mais uma das
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vantagens da mudança de Governo. O PS continua a defender o que sempre defendeu e o PSD passou, pela primeira vez, a defender estas ideias. Ainda bem.
Aplausos do PS.
Quanto ao Partido Popular e ao Partido Comunista, tiveram intervenções que correspondem a uma doutrina de sempre dos dois partidos. Por conseguinte, chegámos, finalmente, a um bom consenso sobre o controlo financeiro externo, político e jurisdicional. Ainda bem.
O Governo congratula-se com isso e, naturalmente - Governo em geral e Ministro das Finanças em especial -, não o faz por interesse próprio.
Ainda uma advertência, que escapou, quanto às «distracções» do Governo ou do PS com a força de bloqueio, que seria não sei se o Tribunal de Contas se o seu presidente. A nós não nos atinge. Acho que, em termos de responsabilidade democrática, um governo, e dentro dele certamente o Ministro que tem de ser mais controlado pelo Tribunal de Contas, que é o das Finanças, aceita e promove que esse controlo seja efectivo e que não aconteça como no passado.
Aplausos do PS.
O Governo está, pois, inteiramente à disposição do Parlamento, dos grupos parlamentares que o integram, para colaborar com informação ou com reflexões neste trabalho, que é vosso, mas que pode ser ajudado por nós.
Pedia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma outra coisa: que não perturbássemos esta discussão com a incidência, ainda que um pouco subliminar ou, pelo menos, implícita de telenovelas ou de questões de realidade virtual.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Muito bem!
O Orador: - Já disse que há três redacções que serviram de base à proposta aqui presente e que tomei, com toda a transparência e com toda a abertura, como costumo fazer, posição em relação a vários pontos que constam dessas redacções. A busca de um texto que corresponda melhor aos desideratos da responsabilidade financeira ou mesmo da responsabilidade financeira dos políticos, que é um dos muitos pontos aqui tratados, é certamente algo em que o Parlamento contará com toda a colaboração do Governo, mas, por amor de Deus, não substituam a discussão de um tema sério e de um tema de Estado por uma telenovela, tal como - e permitam-me o desabafo, mas aqui, perante o Parlamento, será o momento próprio - eu nunca me demiti, mas já me vi demitido nos jornais por 12 vezes, e também neste ponto nunca houve nenhuma guerra interna do Governo nem haverá, houve uma busca de soluções comuns.
O que sublinho é que, de facto, depois da lei dos anos 30, que foi aqui mencionada, cujo regime não é restringido - é até ligeiramente alargado nesta proposta, mas, de todo o modo, poderá ser repensado de uma maneira globalmente mais correcta -, a maioria e o governo anteriores nada fizeram, mas defenderam interpretações no plano administrativo inteiramente bloqueantes da responsabilidade financeira dos políticos. A doutrina anterior era zero neste domínio!
Aplausos do PS.
O PSD não pode aparecer agora, em particular neste domínio, a defender a força de bloqueio e a responsabilidade financeira dos políticos, quando durante 10 anos defendeu zero nesse domínio.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O que está em causa são alternativas de redacção, propostas por este Governo, para definir, de forma correcta, a responsabilidade financeira dos políticos. Não venham inventar uma luta interna do Governo, que não existe, a partir de uma iniciativa em que o Governo está inteiramente de acordo em corrigir, mais uma vez, a irresponsabilidade anterior.
Aplausos do PS.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi mencionado aqui, por vários Srs. Deputados e, por último, pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, que era muito importante o projecto relativo aos serviços de apoio do Tribunal de Contas. É efectivamente! Há um projecto que também me foi entregue pelo Presidente e baseado em n diligências anteriores, feitas pela instituição desde 1989, o Governo tem-no entre mãos e penso que poderá ser vantajoso que o aprove por decreto-lei, como neste momento está estabelecido, mesmo que mais tarde esse decreto-lei possa vir a sofrer ajustamentos e aperfeiçoamentos, como todas as lei orgânicas e de carreiras podem e devem sofrer. Devo dizer até que poderia simpatizar muito com a ideia de que, mais tarde, os ajustamentos que fossem considerados necessários, precisamente pela íntima ligação entre o Tribunal de Contas e o Parlamento, pudessem ser introduzidos pelo Parlamento. Mas é capaz de ser mais eficiente para a própria instituição que durante as férias, em que o Governo trabalha, possa ser aprovado o decreto-lei dos serviços de apoio, sem prejuízo de melhorias ou aperfeiçoamentos que o Parlamento pode sempre introduzir em legislações posteriores.
Queria sublinhar que, de facto, não apenas o atendimento de pretensões profissionais, legítimas, dos funcionários dos serviços de apoio, como o enquadramento adequado à responsabilidade que lhes cabe, a criação do estatuto de auditor, fundamental para que o Tribunal, só com 16 juizes na sede e mais dois nas secções regionais, possa exercer com independência, autonomia e competência a sua função de fiscalização e estatutos adequados de carreira ou de outras características profissionais, são necessários serem aprovados. É uma velha pretensão do Tribunal, que, naturalmente, é também partilhada como aspiração pelos seus trabalhadores e é elemento fundamental para que tudo isto tenha alguma execução.
Queria prestar homenagem aos trabalhadores do Tribunal de Contas e dizer que o Governo não só tem entre mãos um projecto nesse sentido como dá a maior importância a que essa outra peça, que parece caber na competência do Governo, seja também aprovada.
Espero ter entendido nas palavras dos Srs. Deputados um assentimento à urgência desse diploma e naturalmente que o conteúdo será da responsabilidade do Governo, que terá de o aprovar. Recordo, aliás, que aqui, na Assembleia da República, em 1990 ou 1991, foi dito pela Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, então Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, que uma versão anterior desse diploma estava em consideração, mas que tinha coisas anómalas, nomeadamente um estatuto privilegiado dos trabalhadores em relação à função pública em geral e - pasme-se! -, o gabinete dos juizes, que V. Ex.ª aqui
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reclamou hoje e que, na altura, era um obstáculo à aprovação deste diploma.
Espero que consigamos aprová-lo a tempo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção é muito rápida. É apenas para deixar esclarecida, mais uma vez, a posição do Partido Social Democrata sobre esta matéria,...
O Sr. José Junqueira (PS): - Vai ser difícil!
O Orador: - ... já que, mais uma vez, fomos nomeados, digamos assim, nas intervenções anteriores.
O Sr. Ministro das Finanças acabou a sua intervenção a dizer que nós, sobre responsabilidade financeira, enquanto governo, nada fizemos. Direi, Sr. Ministro, que nós nada fizemos para acrescentar, mas também nada fizemos para retirar. Acontece que neste momento vivemos com determinada legislação, que este diploma revoga e que não substitui por outra.
Sr. Ministro, eu já disse, mais do que uma vez, que o controle financeiro é essencial, que estamos de acordo com a introdução da auditoria, mas se ao controle financeiro não corresponde nenhuma responsabilidade financeira, então quer dizer que o controle financeiro é simplesmente um instrumento de combate político, com o qual estamos em total desacordo.
Sr. Ministro, não deixo também de referir que, quanto à questão do estatuto dos funcionários a que aludiu há pouco, espero que, a despeito de não ter a tutela da Administração Pública, intervenha nessa matéria como Ministro das Finanças e não como antigo presidente do Tribunal de Contas. Se o fizer pensando que poderia ter a tutela da Administração Pública, o Sr. Ministro talvez compreenderá a posição da Secretária de Estado do Orçamento de então.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva, que dispõe de meio minuto, como sabe.
O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta intervenção de meio minuto é apenas para fazer uma observação relativamente às palavras da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite que disse, mais uma vez, que o governo anterior e as maiorias do PSD nada fizeram - e reconhece-o! - para acrescentar eficácia ao Tribunal de Contas ou à sua capacidade de controle, mas que também nada fizeram para retirar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E os senhores retiraram!
O Orador: - Gostaria de perguntar o que é a Lei n.º 7/94, de 7 de Abril.
Vozes do PS: - Exactamente!
O Orador: - Gostaria de saber o que é que a maioria absoluta do PSD aprovou na Lei n.º 7/94, de 7 de Abril.
Foi ou não uma lei celerada, como já foi aqui dito pelo meu colega António Lobo Xavier, uma lei precisamente para retirar poderes, para retirar eficácia e para fazer uma capins diminutio ao Tribunal de Contas?
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, mais uma vez, pretende branquear o passado com uma esponja que, peço perdão, não tem qualquer capacidade de absorção do passado.
O Sr. José Junqueira (PS): - Foi distracção!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece que chegámos ao fim dos trabalhos. Regressaremos na próxima quarta-feira, com a seguinte ordem de trabalhos:
A partir das 10 horas, teremos a discussão, na generalidade, das propostas de lei n.08 53/VII e 52/VII, bem como a apreciação das petições n.ºs 175/VI (2.º), 231/VI (2.º), 302/VI (4.º), 17/VII (1.ª) e 27/VII (1.ª).
A partir das 15 horas, proceder-se-á à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 185/VII (Os Verdes).
Um bom fim-de-semana para todos.
Eram 13 horas e 15 minutos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
José da Conceição Saraiva.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Partido Social Democrata (PSD):
Antonino da Silva Antunes.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
João Calvão da Silva.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rui Fernando da Silva Rio.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
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