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Quinta-feira, 11 de Julho de 1996 I Série - Número 94

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE JULHO DE 1996

Presidente: Exmo. Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Exmo. Srs.

Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta
Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.

eu-se conta da apresentação dos projectos de lei n.º 188 a 193/VII, do inquérito parlamentar n.º 4/VII e da audição parlamentar n.º 5/VII.
Foi apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 53/VII - Autoriza o Governo a criar o Tribunal Central Administrativo e a alterar o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), José Magalhães (PS). Odete Santos (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP) e Cláudio Monteiro (PS).
A proposta de lei n.º 52/VII - Altera o Decreto-lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro (Acesso ao Direito e aos tribunais) foi também discutida na generalidade. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes), os Srs. Deputados Helena Santo (CDS-PP), Miguel Macedo (PSD), Odete Santos (PCP), Antonino Antunes (PSD) e Maninho Gonçalves (PS).
Procedeu-se à discussão da petição n.º 175/VI (2.ª), apresentada pela Associação Amigos de Ermesinde», solicitando a criação do concelho de Ermesinde, tendo usado da palavra os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Afonso Lobão (PS) e Manuel Moreira (PSD).
Sobre a petição n.º 231/VI (2.ª), apresentada peta Comissão Concelhia para a Defesa da Construção da Barragem dos Minutos, solicitando a urgente construção da barragem, intervieram os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Paulo Portas (CDS-PP), Domingos Cordeiro (PS) e Manuela Ferreira Leite (PSD).
Foi também apreciada a petição n.º 302/VI (4.ª), apresentada pelo Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado e pela Associação dos Psicólogos Portugueses, solicitando que o Plenário da Assembleia da República proceda à discussão do incumprimento pelo Ministério da Educação do disposta no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 190/91, de 17 de Maio. mantendo uma situação que lesa aproximadamente 300 psicólogos que desempenham funções nos serviços de psicologia e orientação. Pronunciaram-se os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Isabel Sena Lino (PS) e José Cesário (PSD).
As petições n.º 17 e 27/VII (1.º), apresentadas por reclusos de vários estabelecimentos prisionais, solicitando que a Assembleia da República aprove uma lei de amnistia que preveja um perdão parcial das penas, foram apreciadas. Usaram da palavra o Sr. Deputado António Filipe (PCP), Maria do Céu Ramos (PSD), Jorge Ferreira (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), João Palmeira (PS) e Mota Amaral (PSD).
Procedeu-se à discussão do projecto de lei n.º 185/VII - Avaliação de impacte ambiental (Os Verdes), sobre o qual usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Rui Pedrosa (CDS-PP), Natalina Moura (PS), José Calçada (PCP) e Pedro Moutinho (PSD), após o que o mesmo foi aprovado na generalidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 16 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 20 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gradas.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro Jorge.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.

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Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Povoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Costa Pereira.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Maria de Banos Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 188/VII - Reorganização administrativa do concelho da Amadora, com a criação das freguesias de Alfornelos, S. Brás e Venda Nova (PCP), que baixou à 4.ª Comissão; 189/VII - Criação da freguesia de Linhaceira, no concelho de Tomar (PCP), que baixou à 4.ª Comissão; 190/VII - Criação da freguesia de Serra do Alecrim, no concelho de Santarém (PCP), que baixou à 4.º Comissão; 191/VI - Estatuto do trabalhador-estudante (PS), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões; 192/VII - Reorganização administrativa da freguesia de Agualva-Cacém em três freguesias: Agualva, Cacém/S. Marcos e Mira-Sintra (PCP), que baixou à 4.ª Comissão; 193/VII - Elevação da vila de Agualva-Cacém à categoria de cidade (PCP), que baixou à 4.ª Comissão; inquérito parlamentar n.º 4/VII - Averiguação dos pedidos pendentes no Ministério da Educação ou objecto de decisão nos últimos 12 meses para reconhecimento ou autorização de funcionamento de instituições ou cursos do ensino superior particular e cooperativo (PSD); audição parlamentar n.º 5/VII - Actuação do Ministério da Educação no processo de homologação e autorização de funcionamento da Universidade Atlântica (CDS-PP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 53/VII - Autoriza o Governo a criar o Tribunal Central Administrativo e a alterar o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (José Vera Jardim): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É conhecida a situação do contencioso administrativo e fiscal. Trata-se de uma situação que se arrasta há anos e que é extremamente gravosa para os cidadãos. Com efeito, designadamente no Supremo Tribunal Administrativo mas não só, os processos arrastam-se, às vezes por muitos anos, e não podemos esquecer que é no contencioso administrativo e fiscal que os cidadãos defendem os seus direitos perante o Estado e a Administração Pública.
Não pode, assim, o Governo, tal como, naturalmente, esta Assembleia, manter-se indiferente a esta situação, sob pena de poder até ser acusado de a manter em proveito e interesse próprios. Por isso mesmo, logo que tomou posse o Governo, uma das nossas prioridades foi a de encarar de frente a situação do contencioso administrativo e fiscal. Daí que tenhamos encarado uma reforma global, que importa, por um lado, a revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, por outro, uma necessária revisão da lei de processo nesta matéria.
Esses documentos, em relação aos quais, como sabem, havia estudos e projectos - estando mais adiantado o projecto de lei orgânica e menos adiantado, porque não discutido, o projecto de código do contencioso administrativo -, foram revistos por nós e postos à discussão dos vários parceiros há já alguns meses.

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No entanto, acontece que se trata, como os Srs. Deputados compreenderão, de reformas profundíssimas num contencioso já de si complexo e que levanta problemas vários. Daí que tenhamos tido, da parte das entidades que já receberam há bastante tempo os respectivos projectos, pedidos, naturalmente bem fundamentados, para que houvesse uma discussão mais alargada, com mais tempo, que pudesse dar lugar a uma análise mais em profundidade dos referidos projectos.
Como é natural, estamos sempre disponíveis para aceder a uma discussão mais profunda de projectos que representam uma verdadeira reforma de fundo deste tipo de contencioso.
Mas, por outro lado, fomos alertados ao longo deste tempo para a situação verdadeiramente dramática em que se encontra o Supremo Tribunal Administrativo, órgão de cúpula desta jurisdição.
Com efeito, a pendência no Supremo Tribunal Administrativo tem aumentado exponencialmente. Já forneci às várias bancadas um apanhado da pendência nos vários tribunais que constituem o contencioso administrativo e fiscal, mas devo dizer que só no Supremo Tribunal Administrativo a pendência aumentou, segundo os dados provisórios das estatísticas de 1995, de 4979 processos em 1994 para 6089 em fins de Dezembro de 1995. Trata-se de um aumento da pendência de 25% num só ano, o que nos dá a ideia de uma situação que podemos considerar de pré-ruptura, para não dizer mesmo de ruptura. Aliás, muitos dos processos que se encontram pendentes quer na Comissão quer no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, dizem muitas vezes respeito ao contencioso administrativo, o que é, já de si, um sinal da gravidade da situação.
Assim, encarámos de modo muito positivo as iniciativas e os instantes pedidos vindos da jurisdição administrativa e da generalidade dos cultores do Direito Administrativo, no sentido de podermos rapidamente pôr de pé aquilo que é considerado como um dado adquirido e consensual entre os magistrados, por um lado, e os advogados, ou seja, aqueles que habitualmente pleiteiam no contencioso administrativo, e os professores de Direito Administrativo das nossas faculdades, por outro, e que vem referido no relatório - aproveito para frisar que se trata de um relatório, como é usual nesta Assembleia, muito completo e elucidativo, com elementos que permitem uma análise profunda desta proposta de lei -, que é a necessidade de criar uma segunda instância do contencioso administrativo, à semelhança, aliás, do que existe no contencioso fiscal, como VV. Ex.ªs sabem.
Daí que tenhamos entendido como muito positiva uma medida urgentíssima - repito, urgentíssima -, no sentido de salvar o Supremo Tribunal Administrativo da situação em que se encontra, que não honra a jurisdição administrativa nem, naturalmente, o Estado português.
Decidimos, portanto, encarar a criação imediata da segunda instância do contencioso administrativo. É evidente que esta medida, per si, não é suficiente para dar uma nova vida a este contencioso. Outras são necessárias, e já as referi: a lei orgânica dos tribunais administrativos e fiscais e o código de processo administrativo.
Por outro lado, será também necessária, e isto para dar um exemplo, a criação de novos tribunais administrativos de primeira instância em localizações que serão cuidadosamente escolhidas e estudadas, quer no continente, quer nas regiões autónomas, que há muito reivindicam - e com razão - a criação deste tipo de tribunais, que terão de ser acoplados ao contencioso aduaneiro e ao contencioso fiscal. Serão, portanto, tribunais de primeira instância que terão a seu cargo, nas regiões autónomas, o contencioso fiscal de primeira instância, o. contencioso aduaneiro e o contencioso administrativo propriamente dito.
Assim, apresentamos hoje a VV. Ex.ªs um diploma que é simultaneamente uma autorização legislativa e uma proposta de lei, por necessidade, bem visível, de evitar o que se passou na última legislatura, isto é, para evitar que o Tribunal Constitucional venha a declarar inconstitucional parte do diploma, visto que uma parte dele é da reserva absoluta da Assembleia da República.
Em resumo, o que pretendemos com este diploma? Como já disse, e esse é o objectivo fundamental e urgente - repito, urgentíssimo -, pretende-se criar uma instância intermédia entre os tribunais administrativos de círculo e o Supremo Tribunal Administrativo, destinada a receber uma boa parte das competências hoje a cargo deste último, por forma a descongestionar o seu crescente volume de serviço. Devo dizer que, segundo os nossos cálculos, mais de 40% do contencioso administrativo hoje a cargo do Supremo Tribunal Administrativo será, por via das regras de competência desta proposta de lei, desviado para o tribunal central administrativo.
Continua a proposta de lei a admitir que algumas das decisões dos tribunais administrativos de círculo, as consideradas qualitativamente mais importantes, possam ser directamente recorríveis para o Supremo Tribunal Administrativo, num recurso per saltam.
Mantêm-se sempre dois graus na jurisdição administrativa.
Reforçam-se as competências do Supremo Tribunal Administrativo no campo da uniformização da jurisprudência, passando a admitir-se, para esse efeito, recurso das decisões dos plenos das secções, ou que as tenham como decisão-fundamento, bem como das decisões do tribunal central administrativo.
O novo tribunal central administrativo absorve, como secção de contencioso tributário, o actual Tribunal Tributário de 2.ª instância, sendo criada ex novo apenas a secção do contencioso administrativo.
Passa para dois graus, por paralelismo com a jurisdição administrativa, a jurisdição tributária, sendo certo que estamos disponíveis para analisar, nos casos em que estejam em causa direitos fundamentais dos cidadãos, a possibilidade de uma terceira via de recurso.
Parte das competências da secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Tributário de 2.ª instância transitam, respectivamente, para este e para os tribunais tributários de 1.ª instância ou para os tribunais fiscais aduaneiros, sendo certo - e aqui faço um parêntese - que devemos encarar, a curto prazo, a possível eliminação destes tribunais fiscais aduaneiros. Na verdade, se VV. Ex.ªs compulsarem os elementos que tive ocasião de fornecer às várias bancadas, estes tribunais fiscais aduaneiros, por via da adesão de Portugal à União Europeia, têm perdido a quase totalidade daquilo que estava a seu cargo, tendo, hoje, a seu cargo apenas uns centos de acções, pelo que devemos pensar - e o Ministério pensa - na sua extinção e na passagem da sua competência para os tribunais fiscais de 1.ª instância e, depois, com recurso quer para o tribunal central administrativo quer para o Supremo Tribunal Administrativo.
Permite que os tribunais administrativos e fiscais de 1.ª instância funcionem agregadamente. Já dei o exemplo

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das regiões autónomas, em que se imporá naturalmente uma solução deste tipo.
Tendo em vista melhor ponderação das suas implicações no âmbito do recrutamento e formação de pessoal, das instalações, mobiliário e das custas, permite que os tribunais tributários de 1.ª instância e os tribunais fiscais aduaneiros não passem, de imediato - repito, de imediato -, para o âmbito do Ministério da Justiça, mantendo-se transitoriamente no Ministério das Finanças.
Adopta normas transitórias para reforçar o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, admitindo que o respectivo presidente lhe afecte a título exclusivo o número de juizes que entenda necessário, tendo em vista permitir a sua recuperação o mais breve possível. Penso que, com as medidas de reforço que já estão em curso em matéria de nomeação de juizes auxiliares para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como com as medidas, também já em curso, em matéria de reforço de juizes auxiliares para quase todos os tribunais tributários de 1.ª instância, poderemos, a breve trecho, ter uma situação bem diferente, quer no contencioso administrativo propriamente dito quer no contencioso fiscal, onde há situações, como já referi, de ruptura ou, pelo menos, de pré-ruptura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é ainda a reforma global do contencioso administrativo e fiscal que trago a esta Assembleia, mas, muito brevemente, ela será presente aos Srs. Deputados. Está, como já disse, em discussão pública, desde há meses. Essa discussão pública vai continuar e conto que, no último trimestre deste ano, ou seja, com a reabertura dos trabalhos da Assembleia, possamos aqui, finalmente, analisar essa grande reforma do contencioso administrativo e fiscal.
Porém, o que trago aqui é um passo importante e urgente para dar possibilidades de, ao mais alto grau de jurisdição deste contencioso, o Supremo Tribunal Administrativo, sair de uma situação verdadeiramente grave que aí se passa. E grave, repito, para terminar, porque é aí, nesse contencioso, que os cidadãos se defrontam com o Estado e a Administração Pública.
Estou certo de que os Srs. Deputados comungarão comigo destas preocupações e darão o vosso apoio a esta medida urgente para um primeiro passo da reforma do contencioso administrativo e fiscal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva, José Magalhães, Odete Santos e António Lobo Xavier.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, V. Ex.ª traz-nos aqui um diploma, agora, sob a forma mista de autorização legislativa e lei material. Se fosse o Deputado da oposição José Vera Jardim e não se tratasse da transformação de um diploma, que já aqui foi apresentado sob outra forma, perguntar-lhe-ia: «Onde é que está o projecto de decreto-lei para esta Assembleia apreciar detalhadamente?» No entanto, presumo que serão respeitadas, de um modo geral, as normas previstas na fórmula anterior de proposta de lei. De qualquer forma, tratando-se de um decreto-lei a aprovar ao abrigo de uma autorização legislativa, reservamo-nos - e é esse o sentido e alcance desta transformação - o direito de, se for caso disso, pedir a sua ratificação nesta Assembleia.
Sr. Ministro, quero colocar-lhe algumas questões. A primeira tem a ver com a referência feita por V. Ex.ª à solução em princípio prevista para as regiões autónomas, em matéria de contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro.
Como sabe, está criado, mas não implementado nem instalado, o Tribunal Administrativo de Círculo do Funchal, mas penso que, na sua óptica inicial, ficará prejudicado em relação à solução agora adiantada por V. Ex.ª
Efectivamente, parece incrível que, passados 20 anos sobre as autonomias regionais e a implantação da democracia, a Região Autónoma da Madeira tenha, hoje, esta situação caricata em matéria fiscal: o Tribunal Tributário de 1.ª instância competente para a Região Autónoma da Madeira é, pasme-se, o Tribunal Tributário de Évora! Isto é uma coisa realmente espantosa! E mais espantosa é a alteração que conduziu a essa situação: é que, antes disso, era competente o Tribunal Tributário de Santarém. Portanto, a alteração feita também é significativa - mudou-se para Évora! Esperemos que, da próxima vez, não se mude para Faro...
Quanto à solução referida por V. Ex.ª, de concentração dos três tribunais num só órgão com um só titular, penso que ela será eventualmente a adequada. A pergunta que lhe faço é esta: qual a previsão para a concretização dessa solução e dessa medida?
Quero também perguntar-lhe se há uma previsão da parte do Governo, relativamente à criação, referida por V. Ex.ª, do código de processo administrativo contencioso e da lei orgânica dos tribunais administrativos e fiscais.
Por último, gostaria de saber qual é a sua sensibilidade em relação a uma ideia veiculada pela Associação Sindical dos Juizes Portugueses quanto às inspecções dos juizes dos tribunais administrativos, que, como sabe, não é concordante com a solução aqui proposta. Ou seja, se V. Ex.ª tem alguma receptividade a que seja criado um corpo de inspectores no âmbito do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, eventualmente, no caso de magistrados oriundos da magistratura comum, se a sua inspecção não deve ficar a cargo dos órgãos de inspecção comuns.
Eram estas as questões que lhe queria colocar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, agradeço-lhe as questões que me colocou. Efectivamente, como V. Ex.ª sabe, deparamo-nos, hoje, no ordenamento judiciário português, com muitos tribunais criados mas não instalados. À Região Autónoma da Madeira também coube, em parte, uma pane desse quinhão. E tem V. Ex.ª razão ao dizer que é espantoso que, ao fim de 20 anos de autonomia, as Regiões Autónomas da Madeira e dos Adores tenham de vir ao tribunal de Santarém ou de Évora pleitear a parte administrativa e fiscal. Como V. Ex.ª obviamente calcula, desses 20 anos, apenas me poderão ser assacados meia dúzia de meses, porque os restantes terão outros destinatários que não eu.
Só que, Sr. Deputado, quero dizer-lhe algo, que, aliás, já aqui referi: eu não crio seja o que for no papel, sem ter preparado, a breve prazo, a sua instalação.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Devo informá-lo, Sr. Deputado, que o tribunal central administrativo já tem instalações. Ou seja, eu começo ao contrário: primeiro, encontro as instalações, depois, crio. Houve quem criasse e, depois, não instalasse. Não sei, nem me recordo - mas V. Ex.ª recordar-se-á melhor -, quando terá sido «criado» esse tribunal na Região Autónoma da Madeira, mas o que lhe posso garantir é que já encontrei muitas criações, que, depois, nada têm que ver no terreno.
Sr. Deputado, como referi, penso trazer para apreciação da Assembleia, no último trimestre deste ano, os dois diplomas, o código de processo administrativo contencioso e a lei orgância dos tribunais administrativos e fiscais. Naturalmente, depende, depois, do calendário da Assembleia haver disponibilidades para a sua análise. Aí virá também já prevista a criação destes tribunais, que, depois, como sabe, se na Madeira já existe, terá de ser alterada, porque serão tribunais agregados, e, logo que aprovados, penso muito rapidamente poder arranjar soluções para as regiões autónomas com esta agregação.
Relativamente à outra pergunta que me fez, quanto às inspecções, julgo - e a sua pergunta já tem um certo sentido, com que estou inteiramente de acordo - que há que criar, à semelhança do que existe na judicatura judicial, um corpo de inspectores, dependente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que possa desempenhar as suas funções, repito, à semelhança do que se passa no Conselho Superior da Magistratura.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a proposta de lei apresentada pelo Governo merece, desde logo, uma nota introdutória e uma referência especial. Não se trata da proposta originariamente apresentada, mas de uma proposta mista de autorização legislativa e de proposta de lei material, resultante de uma discussão e de um diálogo feitos com os partidos da oposição, em especial com o PSD, como o Sr. Deputado Guilherme Silva sabe, uma vez que participou nesse processo tanto em sede de comissão como noutras diligências. E creio mesmo que é a primeira vez que tal coisa acontece, ou seja, o Governo apresenta uma proposta de lei material...

O Sr. Ministro da Justiça: - E a pedido...

O Orador: - ... e, a pedido de partidos da oposição, aceita transformar aquilo que era uma proposta de lei material, maximizando, portanto, a margem de discussão legislativa, em proposta mista de autorização legislativa. Isso no propósito, que, aliás, está bem sublinhado na exposição de motivos, de garantir que uma matéria de tamanha importância - e cito palavras que não são minhas, mas do Governo - não seja aprovada sem que sobre ela se gere um consenso tão amplo quanto possível relativamente à conformação de cada uma das soluções.
Creio que esse espírito é o correcto - de resto, é o que preside à maioria parlamentar, resultante das eleições de l de Outubro. Mas, neste caso, permita-me que lhe diga, Sr. Ministro, que é com grande alívio que vemos esta proposta apresentada e, presumivelmente, viabilizada a tempo de o Governo poder usá-la na parte em que o tem de ser por decreto-lei. E usá-la, rapidamente - aliás, era sobre isso que gostaria de interrogá-lo. Porquê? Porque, durante anos, estabelecemos aqui, na Câmara, um consenso sobre a utilidade de uma segunda instância, designadamente quanto a essa questão central. É, portanto, uma velha aspiração hiperconsensual. O Sr. Ministro parece estar fadado a consagrar velhas aspirações hiperconsensuais, cujo único demérito era serem só aspirações e se passam agora ao terreno da realidade. Isso parece-nos extremamente importante e de saudar em si mesmo.
A pergunta que gostaria de lhe formular, Sr. Ministro, é sobre a maneira como articula este conjunto de reformas com a reforma a cargo do Ministério das Finanças quanto a um segmento crucial, o da justiça fiscal, cujo desprestígio atingiu níveis provavelmente abaixo do suportável, e, por outro lado, em termos de calendarização, como configura a entrada em vigor destes mecanismos.
O Sr. Ministro aludiu que, naturalmente, é necessário articular a reforma da Lei Orgânica dos Tribunais Administrativos e Fiscais com a parte do processo. Pois bem! Mas só o processo de instalação dos novos mecanismos, da nova arquitectura, quanto tempo é que vai demorar? E como é que se articula com o debate público das outras iniciativas a que o Sr. Ministro aludiu?
Por outro lado, Sr. Ministro da Justiça, a questão dos meios é - suponho - consensual e já há um inventário bastante preciso das carências, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo. Gostava de lhe perguntar que medidas concretas o Governo programa em matéria de meios, de instalações e de equipamentos para que a proposta seja um êxito, transformando em realidade este consenso.
Ainda ontem o Sr. Ministro fez uma reunião, que me parece altamente positiva, sobre as ferramentas informáticas ao serviço do Ministério da Justiça, que são muito importantes nesta área, porque a imagem de lentidão que V. Ex.ª aqui resumiu com números expressivos dá uma ideia de inatacabilidade prática e, logo, de impunidade do poder, que é altamente perigosa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, agradeço as questões que me colocou.
Quero começar por uma questão muito concreta que diz respeito às instalações do Supremo Tribunal Administrativo. Quando cheguei ao Ministério, encontrei esse Tribunal, em matéria de instalações, quase numa situação que podemos qualificar de degradante. Era uma situação que se arrastava há muitos anos - aliás, nós demos com várias situações que se arrastam há anos! E logo numa visita que fiz ao Supremo Tribunal Administrativo, passadas umas semanas da tomada de posse do Governo, tive ocasião de anunciar aquilo que tomei como objectivo fundamental em matéria de instalações deste contencioso, designadamente do seu órgão de cúpula, que era a possibilidade de o Supremo Tribunal Administrativo alargar as suas instalações a um edifício vizinho, situação que se arrastava há anos e anos. Ela não se deu tão depressa quanto eu quereria, pela simples razão de que, encontrando-se aí instalado um departamento de um outro ministério, não era fácil encontrar outras instalações para o instalar. Mas o próprio Ministério da Justiça, já nas últimas semanas, acabou por disponibilizar a esse departamento outras instalações, a fim de dar uma dignidade mínima ao Supremo Tribunal Administrativo,

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que visitei e pude verificar in loco, visto que, como não advogava no contencioso administrativo, não tive ocasião de me deslocar aí muitas vezes. Era, realmente, uma situação muito perto do degradante!
No que diz respeito aos tribunais fiscais, o Sr. Deputado sabe também que o Partido Socialista e a generalidade dos partidos aqui na Câmara têm chamado a atenção repetidamente para uma situação que não é normal, que é haver um contencioso fiscal que está dependente do Ministério das Finanças. Essa situação, repito, não é normal e, por isso, tem de ser revista rapidamente.
Mas todos os Srs. Deputados compreenderão que essa situação abrange um conjunto de medidas respeitantes a funcionários e a instalações que não é fácil de resolver em três ou quatro semanas. Tenho conversado várias vezes com o Sr. Ministro das Finanças sobre esse assunto e ele tem também uma preocupação idêntica à minha. Já fizemos um inventário das instalações e, infelizmente, ele não é muito positivo, como se calcula, porque muitos dos tribunais de 1.ª instância do contencioso fiscal encontram-se, por um lado, instalados junto das repartições de finanças, o que, obviamente, também não é um aspecto muito positivo, e, por outro, em situações que são atentatórias, digamos, do prestígio desta magistratura.
Penso que, logo que eu venha aqui ao Parlamento e aqui seja discutida a Lei Orgânica, poderei apresentar o plano, calculado no tempo, para, durante o ano de 1997, podermos fazer a passagem dos tribunais fiscais de 1.ª instância para a órbita do Ministério da Justiça, visto que a 2.ª passará agora automaticamente, o que já é um passo.
Como já disse, penso apresentar os diplomas, quer dó processo, quer da Lei Orgânica, no último trimestre deste ano, para que a Assembleia os possa discutir logo que possível, naturalmente dentro do seu calendário de obrigações previstas, para podermos ter, no início de 1997, uma nova Lei Orgânica e um novo Código de Processo, que são muito necessários, como todos nós sabemos. Como V. Ex.ª disse, arrastam-se há anos e temos de andar aqui depressa, mas temos de andar ouvindo os parceiros e recolhendo as críticas, para que não dêmos passos em falso nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, gostava de lhe colocar uma questão relativamente ao futuro e que diz respeito a uma parte da proposta de lei, não a da autorização legislativa, porque penso que aí não se colocam discordâncias e há uma uniformidade de pensamento, mas, sim, à outra parte que tem a ver com o Estatuto dos Magistrados, que não tem qualquer fundo corporativo.
Relativamente às regras de recrutamento dos magistrados foram feitas algumas críticas e sugestões, bem conhecidas, penso eu, da Assembleia. Em relação às questões de recrutamento, penso que, quando são feitas sugestões, críticas e propostas no sentido de os magistrados dos tribunais judiciais não aparecerem preteridos no recrutamento, isso tem a ver com uma outra questão que, normalmente, não é equacionada quando se apresenta essa proposta, que é a de saber se, de facto, a justiça administrativa não tem ainda, apesar dos progressos, qualquer coisa de proteccionismo à Administração em determinadas disposições, como, por exemplo, na execução de julgados, pese, embora, o que muito se avançou.

Relacionada com esta questão está uma outra, que é a de constatar que hoje, com as evoluções conseguidas e com as que se vão conseguir, é fundamental já não só os conhecimentos de Direito Administrativo, que são importantíssimos, como é óbvio, mas também os conhecimentos de Direito Privado, de Direito Civil, que às- vezes fazem falta aos juízes demasiadamente especializados, sobretudo no Direito Administrativo.
A pergunta que lhe quero colocar, Sr. Ministro, é se, em termos da reforma global anunciada por V. Ex.ª, pensa ou não, depois de uma discussão pública, acolher determinadas sugestões ou, pelo menos, colocar estas questões à discussão, por forma a que o recrutamento não seja assunto arrumado nesta proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço a sua pergunta porque ela refere-se a uma questão que tem preocupado o Ministério e preocupa também os magistrados. Várias vezes tenho trocado com eles impressões e discutido a matéria que diz respeito ao recrutamento.
Mas, na sua pergunta, também percebi que há um conjunto de conhecimentos que é necessário fornecer aos magistrados desta jurisdição e que, neste momento, não têm estado presentes pela simples razão de que não tem sido, até agora, implementado qualquer curso de especialização para esta magistratura no Centro de Estudos Judiciários.
Tenho, como disse, discutido quer com os Secretários de Estado quer com os magistrados essa questão e, neste momento, está em curso a reforma do Centro de Estudos Judiciários, que também virá a esta Assembleia em devido tempo, e o que pensamos é que é necessário e essencial que o recrutamento e o acesso a esta magistratura se faça a partir de um certo grau, digamos, da judicatura, mas mediante a frequência de cursos de especialização dados pelo Centro de Estudos Judiciários. É essa a nossa perspectiva, mas, naturalmente, teremos ocasião de discutir essa matéria, quando aqui vier a lei de reforma do Centro de Estudos Judiciários combinada com a Lei Orgânica. É esta a minha orientação de momento, mas é evidente que estou aberto a outras sugestões e a discutir a matéria mais em profundidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, em primeiro lugar, registo que a posição do Sr. Ministro quanto à formação específica dos magistrados não é dogmática, pois nuns casos entende que ela é útil e noutros já não a entende necessária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Depois desta nota, quero ainda fazer um pequeno sublinhado: o Sr. Ministro perdoará - e como tem bom humor, com certeza, aceita -, mas esta exposição de motivos é curiosa, porque promete uma lauta «refeição» de transformação do ordenamento jurídico-administrativo, anunciando até as soluções e alguns dos princípios orientadores, e, depois, dá-nos apenas uma pequena questão para tratar. O método não é muito importante, mas coloca-nos uma dúvida.

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Se, de facto, dentro em breve, teremos uma reforma tão ampla, tão útil e tão necessária, uma reforma que, porventura, tocará também neste diploma que hoje é alterado, e, portanto, iremos fazer outra vez, dentro de pouco tempo ou dentro de algum tempo, alterações a este diploma, por que não fazer tudo ao mesmo tempo? Fica-me uma ideia, que o Sr. Ministro desmentiu, de que ainda faltam muitos meses para essa reforma, mas, se não faltam, que se ganha com esta urgência para este aspecto que reputo de essencial e com o qual concordo inteiramente?
A segunda questão tem a ver com o seguinte: o Sr. Ministro disse que, na sua opinião, devia ser garantida na jurisdição fiscal uma terceira via de recurso quando estivessem em causa direitos fundamentais. E também aparece nesta iniciativa que estamos a discutir a ideia de que é preciso garantir o acesso ao Supremo Tribunal Administrativo quando estão em causa questões fundamentais para o desenvolvimento do Estado de Direito. Ora, devo dizer-lhe que compreendo a ideia nos dois aspectos que referi, mas tenho os maiores receios sobre formulações tão genéricas a propósito da competência dos tribunais. Preferiria, nomeadamente em relação àquela que já conhecemos, ou seja, a que diz respeito à garantia do acesso aos Supremo Tribunal Administrativo, quando estão em causa questões fundamentais para o Estado de Direito, que se apertasse mais, porque, se não, todas as questões vão ter atinência ao Estado de Direito e vão gerar-se discussões infindáveis sobre a questão da competência.
Finalmente, uma última questão, à margem do que estamos aqui a tratar: hoje conhecemos com melhor divulgação - eu já conhecia, porque, em representação da Assembleia, estive cinco anos no Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais - as pendências médias dos tribunais fiscais, que são um factor de enorme preocupação. São seis anos para uma impugnação judicial, são às vezes sete e oito anos para tratar de uma execução fiscal... O Sr. Ministro tem medidas pensadas para resolver esse problema, tendo em conta a matéria que está em causa?

O Sc. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, muito obrigado, porque as perguntas vindas de V. Ex.ª, que é profundo conhecedor desta matéria, ajudam-me a poder dilucidar algumas questões.
Começo pela última pergunta, que é sobre uma matéria preocupante e que V. Ex.ª conhece bem. O que posso informar acerca disso é que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais me solicitou, há semanas, o reforço de sete juízes auxiliares para os tribunais fiscais de 1.ª instância, e eu entendi que deviam ser mais. Designadamente, em relação a um tribunal, o de Setúbal, para o qual não me pediam um magistrado auxiliar, disse: «desculpem, mas entendo que deve ser também para Setúbal, tendo em conta os números». Mais do que isto, como o Sr. Deputado compreende, só podemos reforçar em meios e, depois, na reforma do processo, também introduzir alguma coisa que possa mudar esse contencioso, que é, como V. Ex.ª diz, e muito bem - e eu também tive ocasião de o dizer -, fundamental para os direitos dos cidadãos. Isto porque não podemos ter contemplações quanto ao atraso da justiça, até - como eu disse, e V. Ex.ª certamente também reconhecerá - sob pena de o Estado ser objecto de suspeição por não estar a dar os meios suficientes porque está a ser juiz em causa própria. Portanto, neste caso, temos de actuar muito rapidamente.
O Sr. Deputado tem razão quando diz que o preâmbulo desta disposição não é um preâmbulo usual. Tive a preocupação, não sei se errada, embora pense que não talvez, como V. Ex.ª diz, porventura um pouco desajustada -..., não habitual, de fornecer aos Srs. Deputados um pano de fundo sobre as grandes orientações do Governo em matéria da reforma, quer do processo, quer da lei orgânica, precisamente porque - e este é também um ponto de relativa discordância, penso eu - entendi que, havendo uma matéria sobre a qual ninguém tinha dúvidas, sobre a qual havia um enorme consenso, e uma situação que é dramática no Supremo Tribunal Administrativo, não poderíamos esperar uns meses que fossem. Foi uma opção dó Governo, da qual V. Ex.ª poderá discordar.
Como eu já disse, apresentarei á Assembleia da República, até ao fim deste ano, no último trimestre, os diplomas, que, como V. Ex.ª compreende, são diplomas complexos e que darão lugar - assim o espero - a uma ampla discussão nesta Câmara, quer na generalidade, quer na especialidade. E por essa discussão. poder arrastar-se por alguns meses, como é natural, entendi que esperar um semestre que fosse significaria para o Supremo Tribunal Administrativo uma situação de ruptura completa.
Enfim, esta foi a minha opção. V. Ex.ª e naturalmente teria feito uma outra, mas penso que, se olhar para a situação, compreendê-la-á.
Tem, naturalmente, razão quando diz que, depois, estas disposições irão ser integradas na nova lei orgânica. No entanto, penso que, por haver em relação a estas um enorme consenso, o que, aliás, transparece da discussão, devemos aproveitar para as aprovar por forma a podermos iniciar desde já o caminho da «libertação» do Supremo. Tribunal Administrativo de uma situação que não nos honra, não honra o Estado, não honra a Assembleia nem, sobretudo, o contencioso administrativo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Parece ser sina da justiça causar algum aperto nos trabalhos da Assembleia nos finais das sessões legislativas. Será que há algo de intrínseco na área da justiça em matéria de atraso, em matéria de demora? Se há, temos todos de reflectir profundamente nessa questão, porque, estando todos a trabalhar para ganhar alguma celeridade e prontidão na justiça, estamos a trabalhar lenta e atrasadamente.
O Sr. Ministro, nesta ponta final da sessão legislativa, apresentou vários diplomas à Assembleia da República. Ora, devo dizer-lhe que, ao apreciar as iniciativas do Governo nesta matéria, me lembro de uma história que se conta acerca de uma célebre tese universitária, a qual tinha coisas boas e coisas originais, sendo as originais boas e as boas não originais.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Exactamente! Do Professor Martinez!

O Orador: - É um pouco o que acontece com as iniciativas apresentadas pelo Governo à Assembleia na área da justiça.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Veja-se o diploma original, que é o da criação dos tribunais especializados em matéria de falências, que não é uma solução boa; veja-se o diploma que cria os tribunais de turno; e veja-se agora este, que cria o tribunal central administrativo, que, apesar de ser uma solução boa, não é original, pois é a reprodução de diplomas preparados pelo anterior Governo. Aliás, chegou mesmo a ser apresentado à Assembleia um diploma relativo à criação do tribunal central administrativo, mas, por razões que tiveram a ver com um veto por inconstitucionalidade, não foi efectivamente concluído. A verdade é que pouco ou nada há no que toca a alterações em relação a esse diploma.
De qualquer forma, se V. Ex.ª continuar a encontrar nos arquivos do Ministério diplomas com mérito, peço-lhe que não fique diminuído com este meu comentário e que os acolha, os melhore, se possível, e os traga à Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente, a história da jurisdição administrativa em Portugal tem um período negativo, que, como é sabido, é o período da ditadura, em que os órgãos institucionais administrativos eram praticamente órgãos da Administração. A Administração quase que se autojulgava. E ainda há pouco a Sr.ª Deputada Odete Santos referia que, aqui e ali, haverá ainda resquícios deste malfadado sistema.
Foi o Dr. Rui Machete que deu à justiça administrativa, quando ministro da Justiça, dois diplomas fundamentais, que, como sabemos, foram o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos. Foram realmente duas grandes leis na área da jurisdição administrativa que muito valorizaram o contencioso administrativo, que há, aliás, quem ponha em causa, ou seja, se deve haver uma jurisdição própria da área administrativa ou se tudo deveria estar integrado na jurisdição comum. É esta a questão que está colocada sobre a mesa. Aliás, alguns dos próprios projectos de revisão constitucional, não indo tão longe nessa ideia, são, de qualquer forma, portadores de alterações nesta matéria, designadamente o projecto de revisão apresentado pelo PSD, que prevê a extinção ou, pelo menos, a retirada da Constituição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e não propriamente a extinção desta jurisdição.
Mas, como perguntava há pouco o Sr. Deputado António Lobo Xavier, não seria de aguardar pelas reformas mais profundas anunciadas aqui por V. Ex.ª, designadamente a lei orgânica dos tribunais administrativos e o código de processo do contencioso administrativo, para, então, se fazer uma reforma global? Esta questão do tribunal central administrativo e, algumas outras alterações trazidas aqui por V. Ex.ª vêm apresentadas de uma forma que me parece desvalorizadora do tribunal central administrativo, porque a solução existente não é, do meu ponto de vista, correcta mas, sim, de certo modo, aberrante, que é a de haver apenas dois graus de tribunais na área administrativa: os tribunais administrativos de círculo e o Supremo Tribunal Administrativo. Em minha opinião, esta é uma questão que terá de ser aprofundada, designadamente na área fiscal.
V. Ex.ª optou por não introduzir as alçadas e parece-me que, como posição de princípio, é uma solução correcta, mas a verdade é que hoje a secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo perde imenso tempo com questões que são verdadeiras bagatelas fiscais, e tem de ser pensada uma solução porque não faz sentido que esteja um conselheiro a perder tempo com questões menores, com todo o respeito que possamos ter por elas e pelos contribuintes também. Com efeito, há que encontrar uma solução para isto.
Mas, dizia eu, esta forma de apresentar o tribunal central administrativo é desvalorizante. Porquê? Porque a óptica correcta de abordar esta questão é a de sentir que valorizamos a jurisdição administrativa, introduzindo entre os tribunais administrativos de círculo e o Supremo Tribunal Administrativo uma Relação, entre aspas.
Ora, toda a argumentação que a própria exposição de motivos apresenta e a intervenção de V. Ex.ª vão num sentido: o de o Supremo Tribunal Administrativo estar sobrecarregadíssimo de trabalho, sendo necessário criar este tribunal central administrativo, a fim de passar para este algumas das competências retiradas ao Supremo, descongestionando também, eventualmente, alguns tribunais administrativos de círculo.
Esta não me parece ser a óptica correcta de apresentar esta solução, nem o princípio que deve estar na sua consagração.
Criar um tribunal central administrativo com o pretexto de descongestionar a justiça, a montante e a jusante, não me parece, embora haja esse efeito útil, que seja, no domínio dos princípios, a forma mais adequada.
É evidente, todos temos consciência dessa sobrecarga do Supremo Tribunal Administrativo, dos atrasos na justiça administrativa. V. Ex.ª facultou-nos um mapa que é elucidativo e, ainda há bem pouco, o Sr. Provedor de Justiça, que vem, aliás, tendo urna intervenção muito profunda em matérias da área da justiça, também enviou à Assembleia uma recomendação no sentido de ser criado este tribunal, na mesma linha e na mesma óptica de descongestionar o Supremo Tribunal Administrativo.
Sr. Ministro, obviamente que, pela razão dá esta proposta até não ser original, como referi, o meu grupo parlamentar está de acordo com ela e votá-la-á favoravelmente. Vamos aguardar o decreto-lei que o Governo aprovará no uso desta autorização legislativa e da sua análise resultará a decisão de submetê-lo ou não à ratificação da Assembleia. Sinceramente, desejo que isso não seja necessário, isto é, que haja uma fidelidade e um acerto de soluções por parte do Governo no uso desta autorização legislativa que não justifique nem introduza qualquer perturbação no funcionamento, que espero para breve, desta instância do contencioso administrativo, que - repito - preferia ver julgada e apreciada num óptica enriquecedora e valorizante da justiça administrativa e não apenas numa forma de descongestionar o Supremo Tribunal Administrativo.
Há várias discussões à volta, designadamente, do recrutamento dos magistrados para este tribunal e para os tribunais administrativos em geral. O próprio sindicato do Ministério Público reivindica a existência de flexibilidade, de alguma razoabilidade e do aproveitamento da experiência de um Ministério Público que tem funcionado junto dos tribunais administrativos e ainda de alguma permeabilização destas duas magistraturas por esta via, que não é a que está consagrada definitivamente na lei, podendo, portanto, mais tarde, vir a pensar-se numa abertura nesse sentido.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A nossa posição é a de aprovar esta proposta de lei e vamos acompanhar o forcing que está a ser feito na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

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Liberdades e Garantias, que vai estar reunida em sessões contínuas, nas próximas 48 horas, segundo penso, indo, com certeza, corrigir o atraso que o Governo teve na apresentação de propostas de lei na área da justiça à Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): --- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer ao Sr. Ministro as palavras simpáticas que teve para com o relatório da 1.ª Comissão sobre a proposta de lei n.º 49/VII, de. que eu fui autor, e, em segundo, manifestar a minha satisfação por reconhecer que a reforma do contencioso administrativo finalmente aparece como uma prioridade da acção legislativa e também da Assembleia, com a mesma dignidade e a mesma atenção que têm sido dadas às grandes reformas do sistema judiciário, designadamente em matéria processual civil e processual penal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De facto, é uma prioridade que hoje é assumida por todos os partidos e não apenas pelo Governo ou pela maioria que o apoia, como, aliás, agora frisou o Sr. Deputado Guilherme Silva.
Com efeito, é uma condição da conciliação do Estado de Direito democrático que se faça uma reforma do contecioso administrativo, por forma a reforçar as garantias que hoje estão atribuídas pela lei- aos administrados, designadamente as suas garantias contra actuações ilegais da Administração Pública.
É evidente que esta proposta de lei não é ainda a reforma, mas apenas um primeiro passo desta. O Sr. Deputado Guilherme Silva diz que esta proposta, nesta matéria, é boa mas não originai porque já o anterior governo havia proposto a criação do tribunal central administrativo. Eu também lhe diria que o anterior governo tinha tido uma ideia boa mas não original porque, como sabe, em Portugal, em matéria de contencioso administrativo, sentiu-se sempre a necessidade de acompanhar a evolução do contencioso administrativo francês. E, de facto, a proposta do anterior Governo, aliás sugerida em grande medida pela própria doutrina, era também repescada da reforma do contencioso administrativo francês de 1988 que propunha e consumou a criação dos tribunais administrativos de segunda instância é, portanto, se era original em Portugal, não era, apesar de tudo de uma originalidade tão marcada quanto poderia parecer.
Essa proposta, aliás, surge logo em 1990 no projecto de Código de Contencioso Administrativo, que foi elaborado na altura a pedido do governo de então pelo Prof. Freitas do Amaral e por uma equipa de especialistas por ele coordenada, vindo a ser mais tarde retomada em 1985 quando esta Assembleia aprovou o decreto n.º 26/VI que propunha a criação do tribunal central administrativo.
No plano dos princípios, pode questionar-se se é ou não de avançar com um primeiro passo sem avançar globalmente com a reforma. Julgo que não pode menosprezar-se este primeiro passo e é preciso, apesar de tudo, reconhecer que o mesmo não se resume a tratar de matéria orgânica como pode parecer, e por uma razão muito simples. O descongestionamento do Supremo Tribunal Administrativo e a eventual celeridade processual que daí possa advir não tem apenas um significado na orgânica dos tribunais administrativos, tem-no na efectiva tutela que é garantida aos administrados porque a tutela efectiva não é apenas uma boa tutela ou uma boa justiça, é também uma justiça em tempo útil. Nesse sentido, tudo o que possa contribuir para descongestionar os tribunais administrativos e acelerar a justiça administrativa é também um contributo para o reforço das garantias dos administrados por possibilitar a garantia de uma efectiva tutela jurisdicional contra os actos ilegais ou contra a actuação ilegal da Administração.
Agora, é evidente que também não pode querer pensar-se que todos os problemas da justiça administrativa se resolvem dando maior celeridade aos processos e que isso também significa que, se este primeiro passo é importante e decisivo, ele também não pode deixar de levar ao caminho final que é o da reforma global do contencioso administrativo, não apenas na vertente orgânica mas também na vertente processual. Se é verdade que uma justiça célere é mais efectiva, também não é menos verdade que isso não pode fazer-se sem alguma degradação da qualidade da mesma justiça porque nalgumas circunstâncias eu até diria que é preferível uma justiça lenta mas boa do que uma justiça célere mas sofrível para não dizer má.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Essa é, aliás, uma das preocupações que julgo dever presidir à próxima reforma do contencioso administrativo porque, nesta matéria, o que não é admissível e tem-se verificado ao longo dos últimos anos é que os administrados recorram aos tribunais administrativos e tenham de esperai não só muitos anos por uma decisão como, para além do mais, a mesma não tenha qualquer utilidade para a satisfação dos seus direitos e interesses legítimos. Não é admissível, nomeadamente, que não haja uma justiça provisória ou uma justiça cautelar efectiva que permita compensar essa falta de celeridade e, desde logo, garantir uma certa estabilidade à posição jurídica dos administrados; não é admissível que o particular tenha de perder quatro, cinco, seis, às vezes mais anos, para obter uma sentença anulatória de um acto administrativo ilegal e que a mesma se funde em mero vício de forma, permitindo que a Administração renove o acto com o mesmo sentido que tinha anteriormente, obrigando o particular a regressar à justiça por mais um bom par de anos; não é admissível igualmente que um particular recorra à justiça administrativa e que, apesar de obter uma sentença favorável às suas pretensões, não consiga depois executá-la contra a Administração.
Daí que, se este primeiro passo é decisivo, importante, devendo ser saudado, não pode fazer esquecer que o objectivo final é a reforma global do contencioso administrativo e que esta Assembleia, na sequência da proposta que o Governo se propõe apresentar no último trimestre deste ano, deverá dar a atenção e a dignidade que a reforma do contencioso merecem para que, mais do que garantir a existência de uma jurisdição especializada Para julgar os litígios que surgem entre a Administração e os particulares, possa garantir-se que essa jurisdição, sendo especializada, assegure a efectividade da justiça que produz, satisfazendo com isso as pretensões dos administrados.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como consta do preâmbulo, a. presente proposta de lei apresenta-se intercalar relativamente a uma iniciativa de maior fôlego que visará uma nova Lei Orgânica dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a alteração da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Quanto ao tribunal central administrativo há unanimidade a respeito da necessidade da sua criação, não apenas por uma questão de simetria relativamente à organização dos tribunais comuns mas sobretudo, como vimos neste debate, pela necessidade de obviar a uma situação de pré-ruptura do Supremo Tribunal Administrativo e à morosidade da justiça administrativa.
Na verdade, a acumulação processual verificada no Supremo determina delongas insuportáveis para os cidadãos, que, defrontando-se com a Administração e perante esta morosidade, não podem deixar de descrer no Estado de Direito democrático, que, segundo pensam e contra a própria qualidade das decisões do Supremo, tenta adiar a punição da Administração relativamente a ilegalidades cometidas. Desta forma, e por via da morosidade, perpetua-se a desconfiança herdada do passado relativamente aos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A criação de uma 2.ª Instância nos Tribunais Administrativos e Fiscais, prevista, aliás, no projecto de revisão constitucional do PCP, corresponde, pois, a uma necessidade de proporcionar uma célere administração da justiça numa área de extrema delicadeza.
Desta forma, criam-se condições para que a fiscalização dos actos da Administração por magistratura independente, operando-se atempadamente, torne a própria Administração mais transparente, ali, onde a morosidade, impossível de ultrapassar nas actuais circunstancias, dava o seu contributo para uma certa aparência de opacidade.
Parece-nos, pois, que a necessidade urgente de se pôr cobro a uma situação de quase angústia em que vivem administrados e profissionais do foro aconselha a criação deste tribunal, sem que se pudesse esperar pela revisão constitucional para solucionar outras questões, que são resolvidas na proposta de lei dentro do quadro constitucional que temos e sem alterações de monta relativamente ao quadro legal de que dispomos. Estou a pensar no Estatuto dos Tribunais Administrativos é Fiscais relativamente ao qual podem questionar-se algumas das soluções propostas.
Pode questionar-se se, no acesso ao Tribunal Central Administrativo, devem seguir-se regras especiais como as que na proposta dão preferência a magistrados que tenham exercido funções nos Tribunais Administrativos e Fiscais ou se devem seguir-se as regras do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Mais do que uma questão de igualdade que pode colocar-se quando se pensa que os juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais não têm as mesmas restrições no acesso aos tribunais comuns que conhecem os juízes destes tribunais no acesso à jurisdição fiscal e administrativa, penso que se coloca aqui uma outra questão, bem mais profunda, a que já tive ocasião de referir-me, que nada tem de corporativo e referente a normas verdadeiramente excepcionais de cariz substantivo, por vezes, e processual, que continuam, apesar dos progressos, a dificultar aos administrados o acesso ao direito quando se confrontam com a Administração.
Basta ter em conta o calvário - e quem passou por ele sabe-o bem - que representa a execução de uma sentença do Tribunal Administrativo, onde se chega ao ponto de, tendo havido, por exemplo, uma sentença numa acção de condenação, na liquidação em execução de sentença ter de voltar-se ao princípio, não seguindo a execução mas uma outra acção para fixação da indemnização, a que depois se seguirão, então, as normas especialíssimas da execução de julgados. Na área da execução de julgados não se progrediu o devido, pelo contrário ficou-se pela protecção da Administração com prejuízo dos direitos dos cidadãos.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Assim, pensamos que há motivos em matéria de direito substantivo e, mesmo em matéria de direito processual, creio que descobrirão uma dúzia de razões de filosofia do direito para justificar que os tribunais administrativos não possam executar as suas próprias sentenças. Os cidadãos não entendem por que é que, depois de uma sentença, ainda têm em certos casos de recorrer aos tribunais comuns para obter a sua execução. De facto, penso que estas questões devem ser equacionadas porque não o estão de forma correcta na actual legislação.
Estas especialidades que ultrapassam o necessário contribuem para acentuar as especificidades do Direito Administrativo, que, sem dúvida, exige bons conhecimentos e grande experiência mas dão também um grande contributo para ajudar a menosprezar aquilo a que pode chamar-se o lastro insubstituível do direito privado.
Sabendo-se, como se sabe, que hoje chegam aos Tribunais Administrativos muitas acções que exigem profundos conhecimentos de direito privado e de direito processual civil, pode, pelo menos, questionar-se se a Justiça não beneficiará com o acesso. aos Tribunais Administrativos de juízes com larga experiência naqueles ramos de direito.
As questões do recrutamento de magistrados para os Tribunais Administrativos e Fiscais estão longe de ficar resolvidas com esta proposta e terão de ser, como o Sr. Ministro já disse, de novo equacionadas na perspectiva do acesso à justiça administrativa por parte dos cidadãos e não com base em quaisquer outras razões.
Trata-se, no entanto, como a proposta refere, de um diploma ditado por razões de urgência, que aceitamos, o qual, quanto ao estatuto dos magistrados, conhecerá seguramente revisão aquando dó debate do novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Aí teremos de ter em conta uma opinião que perfilhamos e que o Sr. Ministro da Justiça adiantou num outro debate, segundo a qual não seguimos a tradição de termos magistrados estritamente especializados em determinada área, sendo que essa especialização absoluta é nociva. Portanto, deverá ter-se em conta todas essas questões na revisão do recrutamento de magistrados.
Teremos então oportunidade de proceder a uma nova discussão, bem mais aprofundada, sobre a justiça administrativa e de encontrar as soluções que melhor garantam os direitos dos cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de palavra, declaro encerrado o debate desta proposta de lei.

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Vamos passar à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 52/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro (Acesso ao Direito e aos tribunais).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Matos Fernandes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, apresento a todos os meus respeitosos cumprimentos.
Desta vez e quanto a esta proposta de lei, garanto que não encontrámos nada na «despensa» do Ministério da Justiça. É estranho que não tenhamos encontrado porque algumas das alterações ao Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, há muito que deveriam ter tido lugar, sobretudo quando, tão enfaticamente e muito bem, se fez saber que o cidadão é o vértice de todo o sistema jurídico.
Com efeito, e muito sinteticamente, esta proposta de lei de alteração à vulgarmente conhecida por Lei do Apoio Judiciário vem responder muitíssimo tarde aos sucessivos e unânimes acórdãos do Tribunal Constitucional, através dos quais este se pronunciou sobre a inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 7.º daquele decreto-lei, que já tem nove anos, designadamente quando o mesmo. discrimina contra o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, contra o afloramento ao princípio relativo à igualdade, entre estrangeiros, apátridas e os cidadãos portugueses, que consta do artigo 15.º da Constituição.
No fundo, trata-se da velha, e boa, tradição portuguesa, daquilo a que a doutrina constitucional isto costuma apelidar tratamento nacional, segundo o qual, entre nós e salvo raríssimas excepções, estrangeiros e apátridas devem gozar dos mesmos direitos e deveres que os cidadãos nacionais. Tal não se passava deste modo em casos de particular melindre, designadamente em relação aos requerentes de asilo político nem aos que, consequentemente, requeriam o estatuto de refugiado. É que era absurda a exigência expressa na lei de um certo tempo de permanência em Portugal do estrangeiro ou do apátrida que requer a concessão de asilo político e, em sequência, o reconhecimento do estatuto de refugiado. A inconstitucionalidade desta norma já foi declarada com força obrigatória geral há bastante tempo e, agora, vem reconduzir-se o preceito à sua constitucionalidade material, indo-se mais longe, como, aliás, também é tradição nossa, do que aquilo que consta da Convenção de Genebra relativamente ao estatuto de refugiados que vigora em Portugal desde 1 de Outubro de 1960.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, no tocante ao apoio judiciário, de harmonia com a Constituição e com o direito comparado, procura limitar-se a possibilidade de as sociedades, essa mítica figura que é o estabelecimento individual de responsabilidade limitada que todos conhecem mas ninguém vê, e, por analogia, de os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao seu comércio...
Tanto quanto conhecemos os sistemas jurídicos em que estamos integrados, não existe a figura do apoio judiciário para as sociedades com fins lucrativos. De resto, assim é, não só no domínio da legislação dos países do nosso sistema jurídico como também, lançada um rápida miada sobre o panorama europeu, no regulamento do Tribunal de Primeira Instância da Comunidade Europeia e, ainda, no regulamento de processo do Tribunal de Justiça.
Aliás, ultrapassada, infelizmente e de uma vez por todas, a utopia de uma justiça gratuita, percebe-se mal e é igualmente injusto o «facilitismo», o laxismo da concessão de apoio judiciário a entidades que se movem com intuitos lucrativos, o que acaba por gerar uma grave situação de desigualdade em relação ao comum dos cidadãos, sabido que somos todos nós, ou quase, os que suportamos os encargos elevadíssimos com a administração da justiça.
Se é injustíssimo denegar justiça com base na insuficiência económica é também injusto e chocante facilitar o acesso à justiça a quem tem recursos para acudir a ela normalmente mas que, através de métodos que todos conhecemos da nossa prática quotidiana, é tratado em igualdade quando deveria ser desigualmente tratado.
De resto, tal como a doutrina tem assinalado, o direito de acesso à justiça e aos tribunais é eminentemente um direito individual, da pessoa singular, do cidadão, e é nessa perspectiva que tem sido encarado, na vertente de que ninguém pode ser prejudicado com base na sua insuficiência económica.
Outro dos aspectos relativamente ao qual se propõem alterações à chamada Lei do Apoio Judiciário é no sentido do regresso ao bom caminho da antiga lei da assistência judiciária, uma vez que, incompreensivelmente, este decreto-lei de 1987 permite que o apoio judiciário concedido no processo principal se estenda a todas as fases do processo - recursos, execução, apensos - mas estabelece que o apoio judiciário solicitado num apenso, num procedimento cautelar preventivo - e cito 0 procedimento mais vulgar e mais concreto - não seja, por osmose, extensivo à acção principal, o que é inconcebível e constituiu um recuo em relação à anterior lei do apoio judiciário.
Mais adiante, temos a exclusão da presunção de insuficiência económica dos titulares de direito a indemnização por acidente de viação. A anterior lei da assistência judiciária não os incluía e penso que só uma lei da física que nos governa muito a todos - a lei da inércia - é que fez com que tenha transitado do n.º 7 do artigo 68.º do Código da Estrada para o artigo 20.º da Lei do Apoio Judiciário esta presunção de insuficiência económica. Ela radica historicamente na ideia de que o atropelante é rico e o peão é pobre enquanto, hoje, o que é «bem» e «fino» é andar a pé, fazer jogging, cuidar da saúde e ser-se atropelado por um insuficiente económico que anda a cuidar da vida ao volante da sua carrinha.

Risos do PS.

Não nos atrevemos a sugerir que a presunção de insuficiência económica fosse invertida e passasse para o atropelante mas, pelo menos, sugerimos que se siga a regra geral...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... segundo a qual o titular do direito a indemnização tem de fazer um mínimo de prova que a qualquer um se exige no sentido de, se for caso disso, lhe ser concedido o apoio judiciário na modalidade, na extensão, na percentagem que for ajustada.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Aproveita-se ainda para, interpretativamente, pôr-se cobro a algumas dúvidas que o diploma tem suscitado ao longo do tempo, sabendo nós que o apoio judiciário - e aqui não há que usar palavras meigas - é frequentemente utilizado como instrumento insuportável de chicana processual, como o último dos argumentos para travar um processo, durante meses e até anos. Ora, de facto, a situação não pode continuar assim. Todos sabemos que, muitas vezes, em manifesto desvio de poder, utiliza-se a figura do requerimento do apoio judiciário para perdoem-me a expressão - «empatar» uma acção, com a agravante de que a lei intimida aqueles que se opõem ao pedido de concessão do apoio porque se decaírem na sua impugnação pagam as custas do incidente que não são tão baixas quanto isso. Assim - e penso que posso dizê-lo sem que esteja a divulgar um segredo de Estado -, o projecto de código das custas que está em avançado estado de conclusão no Ministério da Justiça propõe-se isentar de custas o opoente ao pedido de apoio judiciário para tal não servir de manobra intimidatória, como tem acontecido até agora, do género «sei que tu tens meios mais do que suficientes para litigares mas, se não faço prova disso, ainda acabo por pagar as custas pela minha oposição e pelo meu dever de cooperação com o tribunal». Portanto, mesmo em caso de decaimento, está pensado isentar de custas quem se opuser ao pedido de apoio judiciário, o que é uma forma de incentivar a contribuição para que o tribunal possa decidir com mais justiça.
Por outro lado, entende-se, a nosso ver, convictamente, que não só os preparos e as custas devem figurar no âmbito do apoio judiciário, sabendo nós que há encargos, designadamente os que resultam das publicações obrigatórias, bem mais onerosos do que os preparos e as próprias custas em sentido estrito, sem inclusão dos encargos. Daí que se proponha que o âmbito do apoio judiciário abranja também aquilo a que em linguagem das custas judiciais são os encargos dos processos.
Igualmente para surpresa nossa, constatámos que, ao reformar-se o Código de Processo Civil, não se atentou, porque aliquando Homerus também «passa pelas brasas», que essa reforma do Processo Civil implicava mexidas em vários diplomas. O Ministério da Justiça já corrigiu o n . 1 do artigo 1410.º do Código de Processo Civil, já chamou a atenção, com ó devido respeito, para o que resultaria da nova regra de continuidade dos prazos em sede de direitos, liberdades e garantias, no âmbito do Código de Processo Penal. O Ministério da Justiça constata, verifica e procura pôr cobro a essa situação e, eliminada a figura do indeferimento in limine do processo civil, deixa de ser concebível que o requerimento do apoio judiciário deva ser indeferido se a acção não for viável porque não há já juízo vestibular sobre a viabilidade da própria acção. Daí que se procure conjugar este diploma do apoio judiciário com a reforma do processo civil.
Finalmente - e eu diria, last but not the least -, de uma vez por todas, regula-se o regime do agravo no incidente do apoio judiciário, designadamente quando ele denega o apoio, por forma a que se desincentive o recurso só para ganhar tempo e para exasperar a chicana processual. O agravo tem efeito suspensivo, como é óbvio, não do processo em que o incidente é enxertado mas da decisão denegatória do incidente. A acção vai andando, sobe em separado, por forma a que não sofra as vicissitudes graves de uma paragem que pode levar anos devido à discussão do apoio judiciário.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Havia um assento do Supremo que decidia contrariamente, quase com mais votos de vencido do que de vencedor, mas a verdade é que esse assento se tem mantido. Efectivamente, há que inverter a doutrina do assento, há que acompanhar os sinais dos tempos e verificar que a celeridade da justiça tem muito a ver com estas aparentes pequenas coisas e terá menos a ver com a construção de grandes auto-estradas se não houver algumas valetas para desentupir, se não houver alguns pequenos aspectos para corrigir. Ora, de facto, a praxis de quem vive envolto neste tipo de problemas ao longo dos anos ajuda-nos a detectar com alguma facilidade os pontos de estrangulamento.
Srs. Deputados, essencialmente, era isto que tinha a dizer-vos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, congratulamo-nos com algumas das alterações constantes da proposta de lei n.º 52/VII, no entanto gostaria de formular-lhe uma questão concreta que se prende com o seguinte: através da alteração da redacção do n.º 4 e aditamento do n.º 5 ao artigo 7 º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, o Governo vem estender às sociedades comerciais, aos comerciantes em nome individual e aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, nas causas relativas ao exercício do comércio, o benefício do apoio judiciário. Penso, aliás, que é de justiça que assim se faça, uma vez que estas entidades, nomeadamente os comerciantes em nome individual e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, não dispõem de legislação extravagante que lhes permita assegurar este benefício.
Qual é, contudo, a razão por que não se admite, também para estas entidades, o benefício do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário? Parece-me que há aqui, relativamente aos demais cidadãos, uma situação de desigualdade e até de certa injustiça, por isso entendo que se deveria estender a estas entidades o benefício do apoio judiciário na modalidade do patrocínio judiciário.
Uma outra questão refere-se à entrada em vigor da proposta de lei, nomeadamente dos n. os 4 e 5 do artigo 7.º, pois há processos que correm termos nos tribunais, em que os comerciantes em nome individual, talvez «atirando o barro à parede», formularam o pedido de apoio judiciário. Por isso, do nosso ponto de vista, também seria aconselhável a entrada em vigor e a aplicação imediata desta disposição para permitir que, nos casos em que já foi formulado o pedido de apoio judiciário, mas em que não existia, de facto, legislação que permitisse a atribuição desse apoio, os mesmos possam, desde já, beneficiar dele.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Santo, não sei se consegui compreender, certamente por deficiência

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minha, o alcance da questão que V. Ex.ª me colocou. De facto, até hoje nunca ninguém pés em dúvida que os comerciantes em nome individual, os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, contando que existam em termos físicos, e, necessariamente, as sociedades comerciais gozam, como qualquer outra entidade, de apoio judiciário. O que o n . 4 do artigo 7 º da proposta de lei vem dizer é que as sociedades entenda-se, com fins lucrativos -, o estabelecimento individual de responsabilidade limitada e, por analogia, os comerciantes em nome individual, nas causas relativas ao exercício do comércio, não têm apoio judiciário, em princípio.
No entanto, no número seguinte da mesma norma mitiga-se essa não concessão do apoio, prevendo que, em determinadas circunstâncias, aferidas por critérios mais ou menos objectivos, essas entidades que, por regra, deixarão de ter direito a apoio judiciário, mas que têm beneficiado dele até agora, poderão vir a obtê-lo se se constatar que entre a sua situação patrimonial e os custos da lide que propõem ou em que sé têm de defender há, efectivamente, uma desproporção gravame que é necessário corrigir.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, a questão que lhe quero colocar prende-se com o seguinte: sem prejuízo da avaliação positiva desta proposta do Governo, tenho dúvidas se ela não irá aparecer aos olhos dos cidadãos, porventura de uma forma injusta, como uma restrição introduzida de supetão nesta matéria, sobretudo porque a cautela em relação à sua entrada em vigor, designadamente compaginando-a com o que vai ser a entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Civil, também deveria ter em conta uma outra matéria, a das custas, igualmente relevante para esta questão - VV. Ex.ªs as têm uma comissão a trabalhar neste domínio e, como é sabido, a matéria das custas tem uma grande relevância na avaliação global destas questões.
Uma segunda consideração tem a ver com o facto de o Sr. Secretário de Estado ter afirmado - e devo dizer que subscrevo por inteiro essa afirmação, que é, aliás, forte, mas é assim que deve ser no debate parlamentar - que a redução dos casos de apoio judiciário vai conduzir à redução da chicana processual.
Deixe-me dizer, Sr. Secretário de Estado que, a ser verdade, essa é apenas uma parte do problema, porque há uma outra parte, que, aliás, ainda não vi reflectida nesta discussão, relacionada com o facto de, muitas vezes, os beneficiários de apoio judiciário fazerem - e agora vou continuar a usar linguagem forte - pedidos absolutamente exorbitantes ou promoverem causas temerárias, tendo a parte contrária de, pagar preparos sobre os pedidos formulados por pessoas que estão a beneficiar de apoio judiciário. Ora, nesta matéria, não vejo suficientemente ponderada uma solução que possa atenuar verdadeiras barbaridades que todos os dias se encontram nos nossos tribunais, neste domínio.
Sr. Secretário de Estado, não seria também altura de ponderarmos esta questão e de vermos se é ou não possível introduzir algum mecanismo corrector em relação a abusos, porque esses abusos existem, de uso indevido do mecanismo do apoio judiciário?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, muito obrigado pelas questões que colocou. De facto, em sede de alteração do Código das Custas Judiciais - e, como referi, os trabalhos estão bastante adiantados - penso que uma coisa, salvo o devido respeito, não tira a outra, até porque a comissão que se ocupa da revisão do Código das Custas Judiciais tem conhecimento das alterações aqui introduzidas e, por isso, não haverá discrepâncias nem desarmonias. Pareceu-nos que era importante e tão urgente como possível ir avançando com estas pequenas medidas para acelerar a administração da justiça e procurar aquela difícil conciliação, a que nos vincula o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, entre a eficácia, por um lado, e julgamento equitativo, por outro. Além de que, como disse há pouco, encontrámos as «auto-estradas» quase todas feitas e resta-nos esta modesta actividade, que fazemos com a maior humildade democrática.
Quanto à formulação de pedidos excessivos, V. Ex.ª tem razão, estou inteiramente de acordo consigo. De resto, e curiosamente, foi mau que a nossa lei de processo exigisse que a litigância de má fé tivesse de ser dolosa - é, aliás, bem conhecida a discussão que se fez nos anos 30 a esse respeito. Apenas havia uma excepção curiosa que constava do Código da Estrada, mas que foi revogada. De facto, o único caso em que a litigância de má fé poderia ser sancionada com fundamento em negligência era, justamente, nas antigas acções do Código da Estrada, quando o pedido era manifestamente excessivo e exorbitante.
Nos termos da excelente reforma do processo civil, e repito uma vez mais, com todo o gosto, uma reforma da vossa responsabilidade e na qual apenas introduzimos uns ligeiros retoques, a litigância de má fé passa a ser punida com base na negligência grave. As violações dos deveres de cooperação, de probidade e' de lealdade, que, no fundo, não são mais do que a garantia da relação jurídico-processual, passam a ser francamente sublinhadas e espera-se que, na prática quotidiana dos tribunais, este tipo de situações possa ser sancionado. É óbvio que não estou a responder à questão que colocou.
Vejamos: se calculo o dano em 500 e proponho uma acção em que peço 500 000, enquanto não se suscita a complicada questão do incidente da verificação do valor, a parte contrária terá de pagar um preparo brutal e, provavelmente, não terá outro remédio senão, face ao montante do pedido do autor, requerer ela também, porque a insuficiência económica é relativa, o apoio judiciário. Mas esta é uma questão de «limpeza» dos nossos costumes forenses e, sobretudo, de passarmos a advogar e a litigar com mais transparência e claridade, porque há coisas às quais a lei não consegue dar remédio e que só se resolvem através da censura moral e ética de uma prática profissional altamente condenável, como V. Ex.ª bem sabe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um último pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, esta matéria levanta questões muito importantes e não tinha, sequer, a intenção de enveredar por essa área. De qualquer forma, gostaria de

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dizer que a leitura que fez a propósito da revogação da disposição do Código da Estrada pode ser outra. É que, através dessa forma de punir como litigância de má fé, estava-se a pressionar e a coagir os peticionantes do direito à indemnização a pedir menos do que, efectivamente, poderiam, para proteger uma determinada actividade. Esta é também uma leitura possível. Logo, estas questões não são líquidas mas, sim, bastante complicadas.
Concordo com a afirmação feita pelo Sr. Secretário de Estado no final da sua resposta sobre a questão da censura ética a determinadas actuações, porque, se vamos enveredar por outras formas de resolver os problemas, podemos estar, de facto, a prejudicar cidadãos.
Contudo, a questão que gostaria de colocar ao Sr. Secretário de Estado é outra. Não há qualquer dúvida de que a proposta apresentada melhora o actual diploma sobre apoio judiciário - está, portanto, fora de causa a discussão desse ponto. O que quero perguntar, uma vez que sobre essa matéria já há um debate, feito com alguma profundidade embora atrasado, mesmo, creio, no seio da Ordem dos Advogados, é se o Governo, na sua perspectiva, pretende reformular este debate em relação ao apoio judiciário, em termos de uma verdadeira alteração de fundo, que englobe a informação jurídica e a consulta gratuita, através daquilo que a própria Ordem e muitos advogados já defenderam no Conselho Distrital de Lisboa, ou seja, a criação do instituto de acesso ao direito.
Nesta matéria, entendo que a actual lei do apoio judiciário, nomeadamente no âmbito do processo penal, bem como o actual sistema do defensor oficioso, não resolvem os problemas que sobre essa matéria se levantam numa área tão sensível como a do processo penal.
Aliás, o Sr. Presidente da Assembleia da República teve ocasião de tecer algumas considerações, numa das comissões eventuais para a revisão constitucional - ainda há pouco tempo as reli -, sobre a questão da criação da figura do patrono público e a sua importância no ordenamento jurídico português. É que, em meu entender, mesmo nas próprias acções cíveis, o sistema actual de nomeação, pela Ordem, do advogado para uma determinada acção ainda não resolve o problema do acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais. Penso, por isso, que se deveria rediscutir e reequacionar a questão do instituto de acesso ao direito. E não se trata de transformarmos os advogados em eunucos - já ouvi essa afirmação no passado e, por acaso, não foi nenhum dos presentes que a fez, mas veio da bancada do PSD -, nem de eles receberem do Estado, com perda de independência. Aliás, todos conhecem esta arguntentação, que, no fundo, está errada.
O que pergunto é se, de facto, o Ministério da Justiça pensa ou não debater esta questão do apoio judiciário sob a perspectiva de uma reforma verdadeiramente profunda.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da justiça: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, a questão que V. Ex.ª colocou é uma questão com enorme acuidade e interesse.
Todos temos a consciência, e é preciso dizê-lo claramente, de quanto é, muitas vezes, platónico, para não dizer quase inútil, certo tipo de defesa oficiosa, e não por culpa do defensor oficioso mas por culpa de um sistema que chegava a trocar o defensor oficioso pelo primeiro funcionário judicial que estivesse disponível ou até por um senhor que estivesse no fundo da sala.
Devo dizer-lhe que dos muitos pecados que tenha cometido ao longo da vida, enquanto magistrado, esse é o único de que a consciência me não acusa. Posso não direi gabar-me mas dar-lhe a minha palavra de honra que nem na mais vulgar das transgressões consenti que o defensor oficioso fosse um travesti ou um mascarado de defensor oficioso, por muitas dificuldades que houvesse em consegui-lo e embora reconheça que, de facto, o problema é complicado e difícil.
Posso dizer-lhe que, directamente sob a dependência do Sr. Ministro da Justiça, até pela importância do tema, estamos em conversações adiantadas com a Ordem dos Advogados, no sentido de repensar, discutir e reformular todo este sistema, por forma a que o direito de defesa não esteja enfaticamente proclamado na Constituição e se não exerça na prática, por forma a que o direito de defesa não faça vítimas inocentes entre os próprios advogados que se propõem, corajosamente, defender aqueles que têm de defender e por forma a que o direito de defesa oficiosa não seja uma forma injusta de enriquecimento sem causa daqueles que se orgulham, e muito bem, da honra e da glória de serem advogados e que têm efectivamente de agir dentro de constrangimentos orçamentais óbvios. Não pode chegar-se ao ponto, e talvez já tenhamos estado mais longe disso, de ser mais rentável a profissão de defensor oficioso do que a profissão de defensor tout court.
Por ora, é tudo o que posso dizer.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já há alguns anos que se verifica isso! Então naqueles julgamentos no Supremo!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informado de que o Sr. Deputado relator Martinho Gonçalves não deseja ler nem resumir o seu relatório, porque, porventura, o referirá na sua intervenção, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O acesso ao direito e aos tribunais é uma vertente do direito fundamental que é o princípio da igualdade perante a lei, proclamado na Declaração dos Direitos do Homem e consagrado na Constituição da República.
O regime vigente vem do Decreto-Lei n.º 387-B/87, que, pela primeira vez, distinguiu claramente o acesso ao direito do simples acesso aos tribunais: o acesso ao direito, que engloba o direito à informação e à consulta jurídica, constitui inovação daquele diploma; o acesso aos tribunais passou a ser a designação da anteriormente chamada assistência judiciária que, no entanto, só em 1987 começou a ser olhada e tratada como um direito.
Partiu-se, então, do princípio claramente enunciado e anunciado de que à riqueza de direitos havia que fazer corresponder uma série de medidas susceptíveis de acabar com a pobreza de meios que afectava o exercício desses mesmos direitos.
A partir de então, vêm ganhando sentido crescente a informação e a protecção jurídica, esta última desdobrada na consulta jurídica e no apoio judiciário.
O objectivo do sistema ficou claramente definido no artigo 1.º, n.º 1, que se mantém inalterável: «O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da

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sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos».
A Assembleia da República aprovou por unanimidade a lei de autorização legislativa na sequência da qual foi promulgado o Decreto-lei n.º 387-B/87. Aquele objectivo foi conseguido.
Ontem, como hoje, surgiram vozes, a defender que se devia ter ido mais longe. Certo é que o Governo do PSD procurou, em 1987 e em 1988, criar, como criou, um
sistema que fosse simultaneamente ambicioso e realista.
E o êxito foi tal que, só nos últimos cinco anos que precederam 1 de Outubro de 1995, o recurso às medidas de acesso ao direito de apoio judiciário aumentou em mais de 300%.
As alterações ora propostas, como se escreveu no relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
traduzem-se «numa intervenção de carácter bem delimitado, destinado a fazer alguns ajustamentos pontuais em aspectos concretos que vinham a ser uniformemente apontados como susceptíveis de alteração, sem prejuízo do
equilíbrio global do instituto».
Numa primeira análise, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, só um ou outro aspecto da mudança proposta nos suscita discordância, em termos que a seguir irei expor.
Antes, porém, permita-me, Sr. Ministro da Justiça, a seguinte observação: o Sr. Deputado José Vera Jardim, quando, em tempos de oposição, se encontrava neste
Hemiciclo, queixou-se várias vezes de que o Governo apresentava propostas que acabavam por ser agendadas para discussão em Plenário num curto prazo, sem que
houvesse tempo para que os Deputados da oposição se pudessem debruçar sobre elas, estudá-las e, de uma forma mais profunda e consistente, pudessem apreciá-las, criticá-las e contribuir para o seu aperfeiçoamento. É que - diziao Sr. Deputado José Vera Jardim - nem sequer os pareceres e opiniões colhidos junto de entidades chamadas a pronunciarem-se sobre a iniciativa eram proporcionados
aos Deputados da oposição.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - O que lá vai, lá vai!

O Orador: - O Sr. Ministro José Vera Jardim depressa se esqueceu do que sentia e dizia o Sr. Deputado José Vera Jardim.
A proposta ora em discussão foi aprovada em Conselho de Ministros no dia 27 de Junho, só mais tarde apresentada nesta Assembleia e só há escassos dias chegou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com uma exposição de motivos sucinta...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito sucinta!

O Orador: - ... e desacompanhada, designadamente, de quaisquer pareceres.
Apreciando-a, Sr: Ministro, com os elementos de que dispomos, estou certo de que o diploma de 1987, ora sujeito a estas intervenções pontuais, dimanado do anterior governo, se revelou uma boa medida legislativa. Mas já não estou certo sobre se, ao fim de cerca de nove anos de vigência, se não impunha agora uma revisão mais cuidada e mais profunda, um trabalho mais ambicioso, nem sobre se V. Ex.ª não tinha a obrigação de, nesta matéria, ter apresentado mais trabalho e melhor trabalho.

Compreendemos que V. Ex.ª, com algumas medidas avulsas como esta, tenha querido compensar a falta de apresentação de outros diplomas que. prometeu para esta sessão legislativa e que não cumpriu, como, por exemplo, o Código de Processo Penal.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mea culpa!

O Orador: - Compreendemos que V. Ex.ª tenha ficado incomodado com os comentários recentes de um semanário que referiu que o Ministério da Justiça continua encerrado para balanço.

Compreendemos também, Sr. Ministro, que o maior recurso aos benefícios do acesso ao direito e aos tribunais se tenha traduzido em encargos financeiros acrescidos, que o Governo de V. Ex.ª os queira reduzir e também que seja esse o principal motivo desta intervenção correctiva e redutora.

Mas já estranhamos que, sendo V. Ex.ª tão pródigo no recurso à constituição de comissões e grupos de trabalho - só nos últimos meses contamos, pelo menos, quinze -, queira agora aprovar este diploma em tempo recorde. Ou seja, VV. Ex.ª não encontraram ainda o ritmo certo da vossa governação e, como se vê,, oscilam entre o 8 e o 80.

O mínimo a fazer, que é também o mínimo exigível,...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não disse nada de substancial!

O Orador: - Estou a dizê-lo agora, Sr. Deputado, se o não ouviu até aqui!

Como estava a dizer, o mínimo a fazer, que é também o mínimo exigível, será compensar, na fase da discussão na especialidade, a ponderação e o diálogo que falharam até aqui.

Na semana passada, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, fomos surpreendidos com a discussão na especialidade da lei de criação dos tribunais de turno, quando a mesma não tinha ainda sido votada na generalidade.
Tenho conhecimento de que para hoje à tarde e para amanhã estão agendadas audições de várias entidades sobre esta matéria, o que indicia a preparação do mesmo cenário.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A pedido do PSD!

O Orador: - Sr. Ministro; a pressa é inimiga do bom!
Com as alterações do artigo 7.º pretende-se eliminar a concessão do benefício de apoio judiciário às sociedades civis e comerciais, aos comerciantes em nome individual e aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.
Apelando de forma vaga e inconsistente para algumas legislações estrangeiras, .passa V. Ex.ª, Sr. Ministro, como «gato por cima de brasas», sobre uma realidade bem distinta e bem característica do nosso direito e da nossa sociedade, onde proliferam os pequenos comerciantes e as pequenas sociedades, nos limites da sobrevivência e na fronteira do desemprego.
Entendemos, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, que esta medida é demasiado drástica. Ainda que a situação existente fosse considerada excessivamente aberta - e temos dúvidas de que o fosse -, o Governo propõe agora uma solução demasiado rígida e fechada que, de resto, se não concilia com a tão apregoada sensibilidade para os

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problemas humanos e para a manutenção do objectivo primordial de permitir a recuperação de empresas viáveis.
Pensamos que, no que diz respeito a essas empresas, haverá que conferir particular atenção às situações de dificuldades financeiras tantas vezes resultantes de incumprimento e dos inerentes direitos que, com o recurso ao tribunal, se pretendem fazer valer.
Nessa ordem de ideias, o meio termo pode ser a melhor solução e esse «meio termo» passa pela imutabilidade do regime vigente para os casos de diferimento do pagamento de preparos e custas.
As razões aduzidas na exposição de motivos poderão valer para os casos de dispensa total ou parcial de preparos e custas e dos serviços de advogados ou solicitadores, mas já não valem para aqueles de simples diferimento.
Uma coisa é, com efeito, a dispensa de pagamento de preparos e custas, outra coisa é permitir o seu pagamento em fase ulterior, por forma a não. prejudicar a iniciativa de acção e o direito de defesa.
Mas, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, esta questão chama-nos à atenção para outras que, de resto, V. Ex.ª, Sr. Ministro, como Deputado e como advogado, também sempre defendeu, uma das quais se relaciona com as custas. A necessidade de reponderar o regime de custas, exigência repetidamente afirmada pelos órgãos próprios da Ordem dos Advogados, deixa-nos na expectativa das conclusões a propor pela comissão que V. Ex.ª nomeou para o efeito.
Outra questão consiste no imperativo de justiça de que as partes não condenadas em custas deverão ter direito à restituição dos preparos, quando a parte vencida é entidade isenta de custas ou litiga com apoio judiciário.
Também os congressos ordinários e extraordinários da Ordem dos Advogados têm alertado sucessivamente para esta anomalia. V. Ex.ª não ignora como são frequentes e injustos casos como um que me passou há dias pelas mãos e que exponho muito sumariamente: o autor instaurou contra o réu uma acção de indemnização, formulando um pedido de 70 000 contos, e litiga com isenção de preparos e custas; o réu defende-se, por impugnação e por excepção, pedindo a absolvição da instância, bem como o apoio judiciário consistente na isenção do pagamento de preparos; na resposta, o autor até reconhece haver lugar à absolvição da instância, mas o juiz não concede o apoio judiciário ao réu, porque entende que este, com as poupanças de alguns meses, pode pagar os preparos, que, no caso concreto, são de cerca de 200 contos; o réu vai pagar esses preparos e nunca mais vai obter o reembolso, porque o autor tem apoio judiciário. Mas o autor vai instaurar uma nova acção corrigida e o réu vai ter de contestar, pagar e perder, novamente, os 200 contos. Esta situação pode repetir-se um sem número de vezes, por culpa ou mesmo por dolo encapotado do autor, porque este litiga com dispensa do pagamento de preparos e de custas.
Com as alterações ora propostas, o Governo está a preocupar-se com as suas receitas, mas o Estado, como pessoa de bem, não pode ter dois pesos e duas medidas: uns para si e outros para os cidadãos.
O Governo apercebeu-se de que as alterações ao n.º 1 do artigo 24.º e ao n.º 2 do artigo 26.º só devem entrar em vigor na data da vigência das alterações ao Código de Processo Civil, que será em 1 de Janeiro próximo. Razões elementares de prudência e de justiça aconselham e impõem que, no mínimo, as alterações ao artigo 7.º não entrem em vigor antes da alteração do Código das Custas
Judiciais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, o pedido de esclarecimentos que fiz era a questão de fundo que gostava de suscitar em relação à matéria do apoio judiciário, da consulta jurídica gratuita, da informação jurídica, que continua a não existir no País, e do patrocínio judiciário.
Efectivamente, pensamos que não foi feita até hoje a alteração legislativa necessária para garantir o acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais.
Logo que tive oportunidade de analisar qual era a proposta do Governo de então para o Decreto-Lei de 1987, apercebi-me de que, de facto, na prática, não resultariam daquele diploma melhorias sensíveis no sistema de apoio judiciário e creio que, inclusivamente, se regrediu em algumas questões. Por exemplo, ainda sou do tempo, em que as citações editais eram pagas pelo cofre dos tribunais. Isso perdeu-se e, portanto, houve retrocesso na questão do patrocínio judiciário. O Sr. Secretário de Estado até já se referiu a alguns desses retrocessos, nomeadamente ao facto de não valer para o processo principal o apoio judiciário concedido, por exemplo, na providência cautelar, o que, de facto, é uma coisa que ninguém entende. Se a providência cautelar até tem preparos inferiores, ninguém entende que sendo concedido para a providência cautelar não possa valer para o processo principal.
De uma maneira global, estamos efectivamente de acordo com a proposta apresentada. Pensamos que introduz melhorias, digamos, num sistema que consideramos minguado de apoio judiciário.
Não há dúvida nenhuma de que as custas têm a ver com esta questão do apoio judiciário, e o PSD sabe-o muito bem, porque é do tempo do Ministro da Justiça Fernando Nogueira o aumento exorbitante, anormal, das custas judiciais, que tantos protestos levantou na sociedade portuguesa e que fizeram aumentar os pedidos de apoio judiciário. Não tenho dúvidas nenhumas acerca disso. Se formos ver a questão da acção dos 70 mil contos, esses preparos de que o Sr. Deputado Antonino Antunes falou, exorbitantes, têm a ver com uma lei de aumento de custas, que foi e continua a ser uma lei absolutamente iníqua e que até faz pensar duas vezes quando se vai para tribunal com uma acção.

O Sr. José Calçada (PCP): - É um obstáculo!

A Oradora: - É, de facto, um obstáculo no acesso à justiça.
Gostaria ainda de dizer, para terminar, duas coisas. Pensamos que, mesmo na especialidade, se deverá equacionar uma questão que, muitas vezes, tem surgido nós tribunais, porque nesse aspecto o diploma de 1987 é pior do que a lei anterior. Trata-se da questão da cobrança das custas à pessoa que litigou com o apoio judiciário. Com certeza, já todos se viram confrontados com execuções por custas que o Ministério Público propõe, com base num artigo que não tem exactamente a redacção do diploma anterior; toda a gente já se viu confrontado, efectivamente, com o facto de ter de deduzir embargos, e nem todos os embargos terão sido decididos de igual forma, face à actual redacção do artigo. Penso que o

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Governo poderia também ter apresentado uma proposta de melhoria desse artigo do actual diploma.
Vamos votar favoravelmente esta proposta, mas devo dizer que o Grupo Parlamentar do PCP irá repensar uma iniciativa anterior, apresentada por duas vezes no Plenário da Assembleia da República, que é um projecto de lei sobre o acesso ao direito e aos tribunais. E embora possa haver outras soluções e possa ser melhorado, pelo menos o fio condutor desse projecto de lei é, de facto, a revolução necessária e urgente no sistema de apoio judiciário, no sistema de acesso ao direito e aos tribunais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Não vou propriamente fazer uma intervenção de fundo, porque, na globalidade, concordamos com a proposta agora apresentada. Mas a resposta dada pelo Sr. Secretário de Estado à pergunta que formulei fez-me crer que não percebeu qual a minha preocupação e, daí, a sazão de ser da minha intervenção.
A questão que para o Partido Popular é relevante, no que diz respeito ao aditamento do n.º 5 do artigo 7.º, é que fica por explicar, em nosso entender, a razão pela qual não se admite, para os comerciantes em nome individual e para os estabelecimentos de responsabilidade, limitada, o apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário. Esta é que é, para nós, a questão relevante, no sentido de que há inúmeros comerciantes e estabelecimentos de responsabilidade limitada individual que vêem a sua situação, muitas vezes, agravada por causas que lhes são exteriores, pelo que não se compreende que, nessa situação, e preenchidos os requisitos propostos agora no n.º 5, não se inclua também a possibilidade de patrocínio judiciário. É que, em nosso entender, com a introdução do n.º 5, fica vedada a possibilidade a essas entidades de recorrerem ao patrocínio judiciário. É, pois, contra isso que estamos e é essa proposta que entendemos ser grave e drástica face à realidade portuguesa, que é formada por inúmeros pequenos comerciantes e por inúmeros pequenos estabelecimentos de responsabilidade limitada e que, em casos concretos, muitos deles deveriam ter acesso à possibilidade de recurso ao patrocínio judiciário.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Desculpar-me-á, mas não está a ler bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje analisamos e discutimos versa sobre um tema da maior relevância dentro do contexto global do nosso sistema judicial.
Com efeito, a consagração e aperfeiçoamento legislativo do acesso ao direito e aos tribunais constitui um elemento fundamental na dignificação da justiça e do próprio homem, ele próprio a verdadeira razão de ser do direito e da justiça, enquanto seu primeiro e último destinatário. Em jeito de retrospectiva histórica, poderemos vislumbrar, no nosso ordenamento jurídico, uma evolução positiva desta temática do acesso ao direito e aos tribunais.

Porém, se, por um lado, urge reconhecer que esses passos nem sempre se deram com a celeridade necessária, impõe-se, por outro, que se diga, em abono da verdade, que a timidez e a excessiva prudência de algumas soluções legislativas impediram-nos da aproximação desejável a sistemas e experiências riquíssimas de outros países, designadamente dos nossos parceiros, europeus.
Na verdade, é certo que rompemos com as concepções que encaravam o acesso ao direito e aos tribunais como um favor que o Estado prestava aos mais carenciados, para o passarmos a configurar como um direito fundamental dos cidadãos. Porém, esse velho e anquilosado sistema de assistência jurídica que o regime democrático herdou, consubstanciado na Lei n.º 7/70, de 9 de Junho, só foi definitivamente abandonado com a aprovação do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, na sequência da decisiva alteração constitucional de 1982 que, no seu artigo 20.º, passou, de forma inovadora, a consagrar o acesso ao direito. Convenhamos que, para matéria tão sensível e tendo em conta as experiências positivas já então conhecidas de outros países, 17 anos de espera foi muito tempo!
O Decreto-Lei n.º 387-B/87, a par deste salto qualitativo decisivo no que concerne à alteração de filosofia de concepção do acesso ao direito, teve ainda, entre outros, o mérito de proceder ao tratamento integrado das questões de informação, consulta; apoio e patrocínio jurídico, as quais passaram a ser abordadas ao mesmo nível.
Porém, se o nível de tratamento passou a ser o mesmo, foi e tem sido visível que o desenvolvimento de cada uma destas questões não tem sido uniforme, sendo evidentes as lacunas e as omissões que se têm observado na abordagem e tratamento da informação e consulta jurídica.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, não leni evoluído satisfatoriamente a implementação real da informação, jurídica junto dos cidadãos através de acções concretas visando o grande público, a par de publicações especialmente vocacionadas para a divulgação dos direitos dos cidadãos no acesso ao direito e aos tribunais, bem como do uso de outros meios de comunicação, designadamente a informática e as ligações à Internet.
Não há justificação para que Portugal não disponha já há muitos anos de uma actividade editorial pública concertada e adequada na difusão de informação básica aos cidadãos que os habilite com orientações concretas sobre o modo como poderão e deverão usar, entre outros, os seus direitos de impugnação, protesto, reclamação e intervenção junto das autoridades administrativas.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - De igual modo, a «recomendável prudência» assinalada no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 387-B/87 não permitiu que, no. âmbito da implementação dos gabinetes de consulta jurídica, se tivesse verificado uma ousadia salutar que se traduzisse na criação de uma verdadeira rede nacional que cobrisse o País de uma forma satisfatória. Ao invés, aquilo que hoje podemos constatar, neste domínio, mais não é do que um enorme vazio, consubstanciado ou na inexistência pura e simples de gabinetes de consulta jurídica ou no seu deficientíssimo funcionamento, como acontece, por exemplo, em Lisboa e no Porto.

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No entanto, manda a verdade que - com a particular satisfação de me referir ao meu círculo eleitoral - aqui faça uma ressalva para pôr em destaque a qualidade e a eficácia que tem demonstrado o gabinete de Guimarães que será, porventura, dos poucos, senão o único, a funcionar em pleno e com resultados concretos e meritórios. Convenhamos, de igual modo, que é pouco, muito pouco!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As insuficiências que se acabam de enunciar, a par de muitas outras que estão identificadas, quer ao nível do apoio e patrocínio judiciário quer ao nível da informação e consulta jurídica, de há muito que justificavam e exigiam que se tivesse avançado para uma grande reforma da temática do acesso ao direito e aos tribunais que os vários profissionais do foro e agentes da justiça vêm reclamando com insistência.
Felizmente, tivemos há poucos meses a boa nova, na palavra do Sr. Ministro da Justiça, de que uma comissão nomeada por este Governo estava já em fase adiantada de trabalho com vista à elaboração dessa grande reforma do acesso ao direito e aos tribunais, a qual se iria processar a par da revisão do Código das Custas Judiciais.
Neste contexto, a proposta de lei que o Governo submete hoje à apreciação da Assembleia da República tem de ser encarada tão-só como uma intervenção intercalar, de carácter bem delimitado e destinado a fazer alguns ajustamentos pontuais em aspectos concretos que vinham a ser uniformemente apontados como susceptíveis de alteração sem prejuízo do equilíbrio global do instituto.
As inovações que nos são propostas situam-se a dois níveis: algumas consubstanciam alterações ao nível do mero procedimento processual, enquanto outras se configuram como mudanças substanciais nos pressupostos de aplicabilidade do instituto do apoio judiciário.
As soluções encontradas pelo Governo e constantes da proposta de lei estão claramente enquadradas em critérios de clareza e certeza jurídica, de luta contra a morosidade da justiça, de adaptação à reforma do Código de Processo Civil e de racionalização dos recursos financeiros disponíveis.
Vejamos então: a alteração do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, representando uma adequação da lei com o juízo de inconstitucionalidade que dela vinha sendo feito, vem conceder ao peticionário de direito de asilo o apoio judiciário, na modalidade de patrocínio jurídico, com vista a impugnar contenciosamente o acto administrativo de recusa de admissão do pedido.
Congratulamo-nos com esta alteração, que é claramente reveladora de uma atenção e preocupação legítima deste Governo e da nova maioria com um grupo populacional bastante desfavorecido e carenciado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - O combate à morosidade da aplicação da justiça é certamente uma preocupação comum a todos e tem sido insistentemente reclamada pelos cidadãos que sentem, melhor do que ninguém, que uma boa e justa decisão só terá uma eficácia plena se for tomada em tempo útil.
Ora, o sistema vigente, no que concerne ao regime do recurso no incidente de apoio judiciário, assente no efeito suspensivo do respectivo agravo, proporciona um injustificado atraso na evolução normal do processo, dando ensejo a que seja usado, muitas vezes, como mero expediente dilatório de quem pretende protelar o mais possível a decisão sobre a causa.

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - A proposta de lei avança com a alteração do artigo 39.º no sentido de que, mantendo o efeito suspensivo da eficácia da decisão que denegue o apoio, o recurso de agravo suba imediatamente e em separado e se limite a uma instância de recurso. Trata-se de uma decisão acertadíssima que, certamente, irá, por um lado, acelerar a aplicação da justiça e, por outro, desincentivar o recurso a expedientes dilatórios.
Por outro lado, as leis deverão ser, desde logo, claras e imbuídas de certeza jurídica que não deixe as partes ao sabor das interpretações, mais ou menos discricionárias, dos aplicadores da justiça, criando situações de flagrante injustiça relativa.
Ora, sendo conhecidas as divergências da jurisprudência acerca da interpretação do n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, com consequências sérias ao nível da preclusão de direitos, afigura-se-nos correcta a alteração agora proposta, no sentido de que o novo prazo corra por inteiro, desde logo em defesa dos legítimos interesses do requerente do apoio judiciário. E o mesmo se diga da justeza da eliminação da suspensão da instância prevista na alínea b) do artigo 24.º, a qual só fazia sentido no quadro do regime preclusivo de direitos processuais decorrente da lei das custas. Eliminadas essas preclusões, por via da reforma do Código de Processo Civil, impunha-se a respectiva adaptação - e ela aí está.
Acresce que o benefício do apoio judiciário deveria ser concedido em função da análise da situação sócio-económica do requerente e não determinada pelo tipo de processo em que é solicitada. Daí que seja compreensível a alteração avançada no sentido de que a concessão do apoio judiciário num qualquer processo apenso seja também extensiva ao processo principal.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - A concessão do benefício do apoio judiciário às sociedades vinha, há muito, a ser questionada na medida em que, por um lado; não é essa a tradição da grande parte dos outros países e, por outro lado, a natureza e os fins estritamente lucrativos da acção das sociedades estão em flagrante contradição com a essência do instituto do apoio judiciário.
Essas razões, aliadas a uma procura de racionalização dos recursos financeiros disponíveis, justificam, a nosso ver, que, conforme aponta a proposta de lei, às sociedades civis e comerciais não seja concedido o benefício do apoio judiciário a não ser naqueles casos em que se verifique que as possibilidades económicas das sociedades sejam consideravelmente inferiores ao valor dos preparos e das custas e nunca para efeitos de concessão de patrocínio jurídico.
Esta alteração terá, por certo, a virtude de, doravante, constituir um forte travão aos manifestos abusos que, em dome de uma crise económica de «chapéu largo», eram cometidos e de limitar aquele tipo de acção simulada para justificar pretensos créditos, com vista a uma evasão fiscal nociva e que urge combater.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Questão, porventura, mais delicada e menos. pacífica será a da aplicação de igual regime aos comerciantes em nome individual, na medida em que a

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sua dimensão é, regra geral, reduzida e todos os seus bens estão afectos ao risco do próprio negócio, não se configurando as mesmas razões e receios que se colocam em relação às sociedades comerciais.
Finalmente, a proposta de lei consagra a eliminação da presunção de insuficiência económica aplicável aos titulares de direito de indemnização por acidentes de viação, na linha do que vem sendo quase uniformemente defendido. São de todos conhecidos os abusos que, em nome desta presunção, têm sido praticados nos tribunais portugueses, onde o proprietário de um potente e valioso automóvel é equiparado no privilégio ao pobre ciclista ou peão que é vítima de atropelamento.
A subordinação ao regime geral da concessão do apoio judiciário, sem qualquer inversão da prova, não afectará aqueles que verdadeiramente dele necessitam e constituirá um indubitável travão aos oportunismos e ao empolamento dos valores das acções.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Também nesta alteração se vislumbra, a par de razões de ordem social e de justiça relativa, uma visível preocupação de racionalização dos recursos financeiros disponíveis, que é justo realçar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei não sendo ainda, como se. disse, a grande reforma da temática do acesso ao direito e aos tribunais, apresenta-se, contudo, como um conjunto de inovações que, com grande rigor e sentido de oportunidade, dão cabal e satisfatória resposta a algumas das questões que têm sido levantadas por todos aqueles que mais de perto lidam com o dia-a-dia dos nossos tribunais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei não sendo ainda, como se disse, a grande reforma da temática do acesso ao direito e aos tribunais, apresenta-se, contudo, como um conjunto de inovações que, com grande: rigor e sentido de oportunidade, dão cabal e satisfatória resposta a algumas das questões que têm sido levantadas por todos aqueles que mais de peno lidam com o dia-a-dia dos nossos tribunais. Daí a naturalidade com que acolherá não só o nosso aplauso como, estou certo, o consenso generalizado desta Câmara. O voto que, nesta hora, formulamos é o de que a prometida reforma global nesta matéria se apresente com a qualidade e o rigor que esta proposta de lei evidencia, de molde a que seja possível, em harmonia, dar o grande e decisivo passo em frente na consagração de um sistema que, definitivamente, garanta ao cidadão o seu inquestionável direito a uma justiça célere e eficaz, da qual não poderá, nunca, ficar arredado em função de razões de ordem social, cultural ou por insuficiência de meios económicos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, registei com agrado a sua intervenção, na pane em que manifestou compartilhar os meus receios no que diz respeito à alteração do regime vigente quanto aos comerciantes em nome individual. A minha pergunta é se V.Ex.ª não entende que, como referi, em Portugal, proliferam as pequenas empresas, na maior pane das vezes de carácter familiar, que têm uma subsistência económica muito periclitante e que, em muitos casos, podem encontrar-se exactamente na mesma situação. Não vejo que se deva fazer qualquer distinção entre o empresário em nome individual - concordo inteiramente consigo - e essas sociedades.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, agradeço a sua questão. Efectivamente, na minha intervenção, pus em questão esse aspecto, relacionado com a retirada de início da concessão do apoio judiciário aos comerciantes em nome individual. A principal justificação que encontro para tal disposição está no facto de sabermos, por um lado, as dificuldades que atravessam - e é uma questão de ordem social e política - os pequenos comerciantes bem como o desejo manifestado por todos, nesta Câmara, ainda há bem pouco tempo, de tomar medidas no sentido de os proteger e, por outro lado, também pelo facto de todos sabermos que, normalmente, o comerciante em nome individual arrisca todo o seu património no desempenho da sua actividade. Equacionarmos melhor a questão dá restrição por inteiro em relação aos comerciantes em nome individual é algo que estamos dispostos a fazer em sede de discussão na especialidade, porque nos parece um assunto que não acolherá a unanimidade, como, aliás, sucedeu no debate. Nessa medida, procurando a melhor solução, que satisfaça, por um lado, os interesses que a proposta de lei visa alcançar e, por outro lado, os interesses - igualmente legítimos e que todos temos o dever de defender - dos comerciantes em nome individual, creio que se justifica o debate. O PS está, naturalmente, aberto a rever a matéria.

O Sr. Presidente: - Dado não haver mais pedidos de palavra, damos por terminado o. debate da presente proposta de lei.
Vamos passar agora à discussão da petição n.º 175/VI (2.ª), apresentada pela Associação «Amigos 'de Ermesinde», na qual solicitam que a Assembleia da República interceda junto de quem de direito (suponho que, fundamentalmente, junto de si própria) no sentido de Ermesinde ser elevada a concelho.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente. Sr.ª e Srs. Deputados: Com a petição n.º 175/VI, que ora sobe a Plenário, a Associação .Amigos de Ermesinde solicita a intervenção da Assembleia da, República no sentido de Ermesinde ser elevada à categoria de concelho.
Devo dizer que é sempre com apriorística simpatia que acolhemos petições como a que nos é presente neste momento. Isto independentemente, por vezes, da validade das questões de fundo que levantam ou mesmo da sua viabilidade no domínio do concreto. É que, como é costume dizer-se, não há fumo sem fogo e não é nada raro, bem pelo contrário, que cenas aspirações e movimentações pró-concelhias se constituam afinal em válvula de escape de sucessivas insatisfações colectivas, no âmbito da não resolução dos problemas concretos das populações. É assim que muitas destas movimentações se assumem, simultaneamente, se me permitem a expressão, por excesso e por defeito: por excesso, porque radicam na elevação a

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Concelho a solução mágica para os reais problemas de base que invocam; por defeito, porque deslocalizam e desfocam a questão política fundamental, a qual reside na capacidade ou na não de as autarquias, no seu trabalho concreto, darem uma resposta positiva às aspirações e às necessidades das populações que lhes dão corpo.
Constitui assim nossa firme convicção que o poder local democrático deve organizar-se e realizar-se em função das necessidades e aspirações das populações, e é exactamente aí que deve beber a sua legitimidade mais profunda. Disfunções oeste domínio conduzem à insatisfação das populações e, em situações extremas, ao próprio descrédito do poder local democrático. Neste quadro, e precisamente neste quadro, não pode a Assembleia da República ser insensível ou alheia a questões como as que a presente petição levanta e debruçarmo-nos sobre elas, para além de uma obrigação, configura igualmente o reforço do instituto da petição, como elo constitucionalmente consagrado de ligação entre a Assembleia da República e os cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito brevemente, quero, em nome do Partido Popular, fazer duas breves considerações. Tornou-se hoje, mais do que nunca, premente o avançar do processo de revisão constitucional - só dessa forma é possível introduzirmos o instituto do referendo local, o único capaz de, com seriedade, resolver este problema, que, neste caso, nos é colocado por esta petição mas que é similar a outros, o de Vizela, o de Fátima, o da Trofa e outros, que temos entre mãos. Só o referendo local, só a consulta directa aos directamente envolvidos poderá resolver este problema - qualquer outra que seja a solução é imposta de cima, é imposta pela vontade de alguns sobre o desejo de todos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Lobão.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a Assembleia da República é chamada, hoje, a pronunciar-se acerca da petição da iniciativa da Associação «Amigos de Ermesinde» solicitando a intervenção desta Câmara no sentido de a Cidade de Ermesinde ser elevada a concelho. Estamos, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante uma pretensão de largos milhares de cidadãos que vêem na elevação da sua cidade à categoria de concelho a resposta para muitos dos males que os afectam, sejam eles de ordem económica, cultural e social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ermesinde integra hoje o ainda jovem concelho de Valongo, concelho criado aquando da reforma administrativa decorrente do liberalismo e agregando freguesias do extinto concelho de Aguiar de Sousa e do concelho da Maia. Considerada outrora como a Sintra do norte, Ermesinde, cidade periférica do concelho do Porto, não resistiu às pressões vindas da capital do norte e do interior do distrito e viu o seu território devassado por uma construção intensa e nem sempre planeada. O crescimento daí resultante, nas décadas de 60 e 70 fez transportar para dentro da então vila e hoje cidade de Ermesinde uma corrente humana que a enriqueceu, naturalmente, mas que, simultaneamente, gerou problemas que são comuns aos grandes núcleos populacionais, quais sejam a marginalidade, a droga, a insegurança a e, porque não dizê-lo, o caos urbanístico.
É isso que hoje faz mobilizar os cidadãos da cidade de Ermesinde. Com efeito, apesar de tal crescimento, não viram até à presente data concretizadas um conjunto de infra-estruturas de carácter social, cultural e desportivo que afectam a qualidade de vida de mais de 60 000 habitantes. É uma população indignada com o facto de as linhas de água do rio Leça e do rio Tinto estarem contaminadas. É uma população juvenil carenciada de espaços para ocupação dos tempos livres e de estabelecimentos para o ensino obrigatório, nomeadamente a carência premente de uma escola C+S. É uma população que deseja um novo centro de saúde que responda no dia-a-dia às necessidades de cuidados médicos. É uma população que exige instalações condignas para a sede da sua junta de freguesia. É uma população preocupada com a sua segurança e, por isso mesmo, reclama o aumento urgente de efectivos da Policia de Segurança Pública. É uma população que sofre as consequências da poluição atmosférica com origem na Lipor, nas cinzas volantes da Siderurgia e até das poeiras da Cimpor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, que vivemos na cidade de Ermesinde, não podemos nem devemos ficar insensíveis perante a petição que se nos apresenta. Com efeito, o que está em causa é o desejo de um largo conjunto de cidadãos que amam a sua terra, que desejam melhor qualidade de vida, melhoria de serviços e mais descentralização, evitando a todo o custo que Ermesinde se transforme numa terra desumanizada, ou seja um mero dormitório da cidade do Porto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação pela Assembleia da República da Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, faz depender a criação de novos municípios da criação das regiões administrativas, cujo processo está já em marcha. Hoje há certamente populações desejosas de restaurar antigos concelhos ou mesmo criar novos, que viram, durante anos, interrompido um processo visando tão só o desenvolvimento económico e social das suas terras e que, finalmente, começam a ver «a luz ao fundo do túnel». É um desejo fundamentado de populações que pretendem uma nova divisão política e administrativa para o País sobre o que o Partido Socialista não deixará de fazer uma avaliação em tempo oportuno. Também esta Assembleia e o Governo não deixarão de ter isso em conta logo que concluído o processo de regionalização. É então o momento, ouvidos que sejam os futuros órgãos regionais, para que a petição dos ermesindenses seja consequente. Será então o momento em que as gentes de Ermesinde dirão: «Valeu a pena!»

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Associação Amigos de Ermesinde apresentou à Assembleia da República, em 11 de Dezembro de 1992, uma petição, subscrita por 15 346 cidadãos, solicitando a criação do concelho de Ermesinde. Julgo que a razão fundamental para a apresentação desta petição a este órgão de soberania, por vários milhares de cidadãos de Ermesinde, defendendo a emancipação ou a autonomia municipal desta cidade e freguesia, radicou no ostracismo a que foi votada pela Câmara Municipal de

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Valongo, presidida e gerida depois do 25 de Abril, durante 16 anos, pelo Partido Socialista, em que não se investiu condignamente na criação de infra-estruturas e no desenvolvimento global, acompanhando o crescimento demográfico da comunidade local.
Por isso, nas eleições autárquicas de Dezembro de 1993, a população, saturada da má gestão do PS e frustrada pela falta de um projecto de desenvolvimento global deste Partido para o município de Valongo, decidiu exercitar a alternância democrática, apostando no PSD para operar a mudança necessária no concelho de. Valongo e em particular em Ermesinde. Ermesinde era conhecida, no plano regional e nacional, pela falta de água e pelo mau cheiro da LIPOR. Durante este mandato autárquico a Câmara Municipal de Valongo, presidida pelo PSD, já resolveu o problema gravíssimo para a população de Ermesinde da falta de água, realizando as- obras de remodelação e ampliação da rede para um abastecimento regular à cidade e decidiu construir a LIPOR II.
Para demonstrar a diferença e a mudança de política e de atitude da actual Câmara Municipal de Valongo em relação à cidade de Ermesinde, em matéria de investimentos já efectuados e ainda a executar durante o mandato em curso, para a criação de novas infra-estruturas de desenvolvimento local, referirei rapidamente alguns exemplos e números.

O Sr. Afonso Lobão (PS): - Você nem conhece Ermesinde!

O Orador: - No que concerne à construção e beneficiação da rede viária o total de investimento já realizado e previsto é de um milhão e cem mil contos, contra apenas os cerca de 190 000 contos investidos no último mandato do PS na Câmara. No que diz respeito à construção e ampliação da rede de saneamento básico, .ó total de investimento realizado e a realizar é de mais de 900 000 contos. Na remodelação e ampliação da rede de abastecimento de água, foram investidos mais de 700 000 contos. A actual Câmara Municipal de Valongo decidiu criar o Parque Urbano de Ermesinde, sendo investidos para o efeito mais de 500 000 contos. No lugar de Montes da Costa, em Ermesinde, já se iniciou a construção de um complexo desportivo, com circuito de manutenção, dois campos de treino e diversos outros equipamentos: desportivos, no valor de 70 000 contos. A Câmara Municipal de Valongo, em conjunto com o anterior governo do PSD, decidiu construir um Pavilhão Desportivo na Escola C+S D. António Ferreira Gomes. Está em construção um equipamento pré-primário no lugar de Montes da Costa, por 17 000 contos. No Bairro de Saibreiros, em Ermesinde,...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso é em Gaia!

O Orador: - ... a Câmara Municipal de Valongo está a construir um polidesportivo no valor de 8000 contos.
É óbvio que a cidade e a freguesia de Ermesinde, apesar deste importante esforço da Câmara Municipal de Valongo, ainda está carente de muitas outras infra-estruturas, indispensáveis ao seu desenvolvimento global e que assegurem à população uma boa qualidade de vida, que importa prosseguir por parte dos responsáveis autárquicos do município e da respectiva freguesia e ainda com o apoio e solidariedade activa do Governo do País. Julgo que se se continuar, como se espera, esta política de investimentos na criação de infra-estruturas e no desenvolvimento global da cidade de Ermesinde, ficam satisfeitas e atenuadas muitas das lacunas e razões invocadas e subjacentes a esta petição, que justificaram a sua apresentação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é do conhecimento de todos, está em vigor a Lei n.º 142/85 - Lei-Quadro de Criação de Municípios -, que, no n.º 4 do seu artigo 14.º, refere expressamente que «a criação de novos municípios só poderá efectivar-se após a criação das regiões administrativas». Por esta razão, não foi criado nenhum município durante todos estes anos. Existe, é certo, actualmente nesta Assembleia, uma iniciativa legislativa do meu partido para revogar este dispositivo travão da lei-quadro, que aguarda melhor oportunidade para ser votada. Além disso, constata-se que no processo da petição apenas existem os pareceres favoráveis da Assembleia e da Junta de Freguesia de Ermesinde, para a criação do respectivo concelho. A Assembleia e a Câmara Municipal de Valongo ainda não se pronunciaram formalmente sobre tal objectivo, existindo apenas um ofício do Presidente da Câmara, contrário à pretensão. O PSD sempre defendeu o princípio da consensualidade para a criação de novas autarquias em Portugal - municípios e freguesias - por parte das populações em causa, materializado através de pareceres favoráveis dos seus legítimos representantes. Para além desta petição de cidadãos de Ermesinde, que não constitui por si só uma iniciativa legislativa, dado que constitucionalmente só os Deputados desta Assembleia e o Governo têm competência própria para apresentar.
Assim, o PSD reserva a sua posição definitiva sobre o objecto principal desta petição para quando existir - se existir - uma iniciativa legislativa com essa pretensão e se o diploma vier a ser discutido e votado na Assembleia da República, o que não é hoje manifestamente o caso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos discutir a petição n.º 231/VI, apresentada pela Comissão Concelhia para a Defesa da Construção da Barragem dos Minutos, na qual se solicita a urgente construção da barragem dos Minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há investimentos públicos que pela sua manifesta importância nunca são postos em causa por ninguém, por nenhum responsável da Administração Pública. Só que depois entre as declarações de boas intenções e a sua concretização vai toda a distância do mundo. É este o caso da construção da barragem dos Minutos, no concelho de Montemor-o-Novo, a que se refere a petição que estamos a discutir subscrita por 5477 montemorenses cuja delegação está entre nós e que neste momento saúdo.
Numa região tão carenciada de recursos hídricos, como o Alentejo, todas as obras de armazenamento de água são poucas. Os últimos anos de seca vieram mais uma vez demonstrá-lo. Em Montemor-o-Novo, o aproveitamento dos Minutos é a única alternativa sólida para a resolução do problema de abastecimento público de água à cidade e às actividades económicas do concelho, designadamente da agro-pecuária abrangendo aqui uma área de rega de 3300 ha.
Desde 1977 que existe um projecto para a barragem dos Minutos. Por duas vezes, nos Orçamentos do Estado de

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1988 e 1989, teve inscrição em PIDDAC. Nas Grandes Opções do Plano para 1995 aí vinha prometido o seu início para esse mesmo ano. Foi mesmo incluído pelo Governo de então numa primeira lista de projectos susceptíveis de candidatura ao Fundo de Coesão e em 1995 a Direcção Regional do Ambiente comunicava mesmo, que a barragem iria ser inscrita no Programa «Origens da Agua». Em anos de eleições é sempre recordada e prometida e merece sempre as visitas dos Srs. Ministros do Planeamento.
O Partido Socialista fez, ano após ano, da construção da barragem dos Minutos uma das suas grandes exigências e objecto de programas eleitorais. Mas veio o primeiro Orçamento do Estado do Governo PS e da barragem dos Minutos nem «novas nem mandados» a não ser um apressado despacho do actual Secretário de Estado da Agricultura, até há pouco responsável da Federação Distrital de Évora do Partido Socialista e natural de Montemor-o-Novo (de cuja Assembleia Municipal é membro), despacho esse celeremente mandado publicar, curiosamente, não no Diário da República mas nos jornais da terra, dizendo que, ao contrário das suas promessas, ainda não havia barragem neste Orçamento do Estado mas ia haver porque novos estudos estavam em curso embora a responsabilidade não fosse dele mas do Ministério do Ambiente.
Entretanto, Orçamento após Orçamento, umas vezes o PSD, outras o PP e neste último o PS, votaram sistematicamente contra as propostas do PCP de inclusão de verbas para a construção da barragem dos Minutos. E contrariando mesmo o despacho referido e as declarações feitas em tempo de debate orçamental pelo Secretário de Estado Capoulas Santos, um outro Secretário de Estado, este dos Recursos Naturais, Ricardo Magalhães, veio entretanto dizer que ainda nada está garantido não tendo até ao momento realizado a reunião prometida desde Fevereiro para Abril ou Maio com a Comissão de Defesa da Construção da Barragem dos Minutos.
E assim chegamos ao debate desta petição. Sobre a qual já tudo foi dito. Todos estão de acordo. Todos os governos prometem. Nenhum tem cumprido. Por isso, Srs. Deputados lanço-vos aqui uma proposta: que no Orçamento de Estado para 1997, os Deputados eleitos pelo distrito de Évora, subscrevam uma proposta conjunta de inscrição em PIDDAC da verba necessária ao arranque da barragem dos Minutos caso o Governo não tome essa iniciativa na proposta do Orçamento do Estado. Feito este desafio, esperamos a resposta dos Deputados. Montemor-o-Novo e os montemorenses merecem-no.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na apreciação duma petição a única pergunta relevante é saber se a causa é justa ou não é justa. Sucede que na petição favorável à construção da barragem dos Minutos a causa é, manifestamente, justa, tratando-se, como se trata, de uma necessidade vital e funcional. Vital do ponto de vista do abastecimento das populações; funcional do ponto de vista do desenvolvimento da agricultura.
Não construir a barragem dos Minutos significará, como noutros locais e relativamente a outros problemas do Alentejo, somar mais um dado à tragédia que é o problema da água para os alentejanos.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sucede, no entanto, que a barragem dos Minutos é efectivamente uma miragem, não, é uma barragem, é uma miragem. No caso do Alentejo, pior do que não levar a água é secar a esperança e o que aconteceu nos últimos 19 anos foi exactamente secar a esperança.
A petição prova dois princípios curiosos e negativos do funcionamento do Estado português. Em primeiro lugar, o princípio da inércia. Há 19 anos que Montemor-o-Novo espera pela construção da barragem dos Minutos, o que me levaria a dizer' que ao 19.º ano a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo acordou.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Olhe que não!

O Orador: - Se usarmos a unidade temporal que designa a barragem, chegaremos à conclusão que Montemor-o-Novo...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas a barragem não era em Estremoz?!

O Orador: - Calma, Sr. Deputado Lino de Carvalho, porque não é o único Deputado de Évora! Calma, não confunda. Eu sou alentejano, para sua sorte e felicidade...

Risos.

Como dizia, se usarmos a unidade temporal que designa a barragem, chegaremos à conclusão que Montemor-o-Novo espera pela barragem dos Minutos exactamente há 9 975 000 minutos!

Risos.

Esta é a conclusão que podemos tirar do princípio da inércia, mas é também o princípio da ilusão da Administração Pública portuguesa porque, na verdade, sempre que há eleições os governos - e isto já sucedeu com várias cores políticas - apressam-se a prometer um PIDDAC virtual onde cabe tudo e onde depois se acha pouco e isso foi o que sucedeu com a barragem dos Minutos sucessivamente nos últimos orçamentos. Efectivamente, Montemor-o-Novo continua à espera e o PIDDAC continua sem contar com a barragem dos Minutos.
Daí o nosso apoio a esta petição, a nossa simpatia por esta causa e, sobretudo, para citar o meu amigo Lino de Carvalho, não direi «A terra a quem a trabalha!» porque, sendo um princípio justo, o slogan prestou-se a muitos equívocos, mas direi, sobre a barragem dos Minutos, «A barragem a quem a merece!».

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já é uma aproximação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Cordeiro.

O Sr. Domingos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Sras. Srs. Deputados: A barragem dos Minutos, é uma velha aspiração do concelho de Montemor-o-Novo, existindo um projecto para a sua construção que data de 1977, hoje bastante desactualizado. Trata-se de um empreendimento

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estruturante, indispensável à criação de condições ao desenvolvimento do concelho e da região, nomeadamente para actividade agrícola e para o abastecimento público de água, cuja carência se vem acentuando nos últimos anos.
O projecto teve verba inscrita em PIDDAC, no ano de 1987, vindo mais tarde a ser retirada. O Professor Cavaco Silva, então Primeiro-Ministro, prometeu em cerimónia pública o início da obra. O mesmo foi afirmado por mais
de uma vez, pelo representante do Governo de então no
distrito de Évora.
Todavia, nada foi feito. Promessas sucessivamente quebradas levaram a Comissão Concelhia para a Defesa da Construção da Barragem dos Minutos, hoje aqui
presente e que saúdo, à iniciativa que conduziu à petição que ora apreciamos nesta Câmara e cujo relatório e parecer o Grupo Parlamentar do PS, por estar de acordo com a questão vertida na mesma, votou favoravelmente.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Dos elementos disponíveis podemos afirmar que, por iniciativa do Governo da «nova maioria», foi encomendado um estudo, aliás reconhecido como necessário pela própria Comissão
Concelhia para a Defesa da Construção da Barragem dos Minutos, que se encontra praticamente concluído e que visa a actualização do projecto com a consequente criação de condições objectivas para a concretização do mesmo.
O princípio vertido nesta petição é justo e por isso o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dá-lhe o seu apoio.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o problema que estamos aqui a discutir hoje tem a ver não só com uma antiga e justa aspiração das
pessoas de Montemor-o-Novo - também beneficiará muito outras zonas - mas também com o problema com que se debate a região do Alentejo, que é um problema
de deficiente pluviometria, não só deficiente como ainda por cima irregular.
Ora bem, todo o problema da zona alentejana não se resolve apenas com palavras, tem efectivamente que ter construção de muitos tipos de barragens e de albufeiras para que se possa solucionar a questão do fornecimento
de águas não só para o consumo como para as regas. É evidente que este ponto tem sido já de há muito defendido.
Nós estamos conscientes da necessidade de aproximar o nível de abastecimento de água das populações do nosso pais em quantidade e qualidade do nível médio
comunitário, sendo este um dos objectivos principais do plano de desenvolvimento regional no âmbito do actual quadro comunitário de apoio.
Por esse motivo consideramos que se deverá assegurar a contrapartida nacional, quer dos projectos directamente afectos ao Instituto Nacional da Água quer para apoiar autarquias através de contratos programa que venham a possibilitar que essas autarquias assumam directamente iniciativas no âmbito desses programas.
Estou bastante satisfeita com a possibilidade que tivémos na Assembleia da República de debater este problema através da petição que aqui entrou pelo seguinte.
É que eu própria, este ano, na altura da discussão do Orçamento do Estado, apresentei uma proposta para a introdução de um reforço ou de uma dotação a inscrever no PIDDAC no sentido do início da concretização da barragem dos Minutos. Essa proposta não passou a despeito do apoio do Partido Comunista Português, que votou favoravelmente com o Partido Social Democrata, porque o Partido Socialista votou contra (espero que hoje; com a intervenção que aqui ouvi na próxima vez vote a favor). Vejo também com satisfação que o Sr. Deputado Paulo Portas agora se manifestou favorável, apesar de o seu partido se ter abstido aquando da votação da proposta que apresentei, pelo que digo apenas que se atrasou 180 000 minutos na decisão.

Risos.

Devo dizer, Sr. Deputado Lino de Carvalho, que a sua proposta, à qual o PSD adere porque já tomou essa incitava aquando do Orçamento do Estado de 1996, tem o apoio explicito de todas as bancadas pelo que vamos ter uma boa vitória em Évora, nós que somos os dois Deputados por esse círculo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão da petição n.º 302/VI apresentada pelo Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado e pela Associação dos Psicólogos Portugueses na qual se solicita que a Assembleia da República proceda à discussão do incumprimento pelo Ministério da Educação do disposto no n.º. 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 190/91 mantendo uma situação que lesa 300 psicólogos que desempenham funções nos serviços de psicologia e orientação escolar.
A palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Com a petição n.º 302/VI que hoje sobe a Plenário pretendem a Associação dos Psicólogos Portugueses e o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado que a Assembleia da República proceda à discussão do incumprimento por parte do Ministério da Educação do disposto no n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 190/91, de 7 de Maio, que lesa gravemente os legítimos interesses e expectativas socio-profissionais dos cerca de 300 psicólogos que desempenham funções nos serviços de psicologia e orientação escolar.
E o que diz o n.º 2 do artigo 14.º desse decreto-lei? Diz que «os psicólogos deverão estar providos em lugares da carreira de psicólogo para o que deverá ser publicado no prazo de 90 dias o diploma de criação e definição da respectiva carreira no quadro do pessoal do Ministério da Educação». É claro que o Governo do então Primeiro-Ministro Cavaco Silva deixou que os 90 dias se escoassem e nada do diploma de definição e criação da carreira. Pacientes ou mais do que isso, os psicólogos foram aguardando e não se pode dizer que não tenham sabido esperar pois só passados quase três anos e meio se decidiram a apresentar esta petição na Assembleia da República! É claro que toda esta negligência do anterior governo onera de modo substancialmente negativo a carreira destes profissionais mas, bem pior, é a carga que recai sobre a generalidade das crianças e dos jovens que frequentam as nossas escolas e que se vêem privados, particularmente aqueles mais necessitados, de serviços de psicologia e orientação competentes e com real capacidade de resposta porque, na verdade, não é possível a existência de serviços eficazes e competentes na ausência de um

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estatuto da carreira que integre, dignifique e motive os respectivos profissionais.
Já passaram muito mais de 90 dias desde que o actual Governo tomou posse; já passaram mesmo mais de 180! Depois da inacção cavaquista os sinais até agora provenientes da pedagogia «Anabenaventista» não auguram nada de particularmente bom no que se refere aos serviços de psicologia e orientação escolar. Aliás, fomos levados recentemente a descobrir que o cavaquismo foi um «anabenaventismo avant la lettre», sendo que hoje ele se expressa no já famoso «despacho 22», despacho que, provavelmente, nunca teria existido se, por exemplo, entre outros factores, os psicólogos já possuíssem um estatuto de carreira digno e dignificador e se a sua capacidade de intervenção estivesse desse modo devidamente definida e potenciada.
Estamos, pois, perante uma reivindicação que, longe de se assumir como um corporativismo sem sentido, tem a ver com a inadiável necessidade de o nosso sistema educativo e as nossas escolas estarem em condições de darem resposta ao desenvolvimento equilibrado dos nossos jovens e das nossas crianças, pelo que merece o nosso apoio e o nosso aplauso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Esta petição tem como objectivo o cumprimento do Decreto-Lei n.º 190/91, portanto já com 5 anos, que criou os serviços de psicologia e orientação no âmbito do Ministério da Educação.
Penso que interessa chamar a atenção para um facto que não é novo, infelizmente, na Administração Pública portuguesa é que é o seguinte: em regra geral, a criação dos serviços é acompanhada pela obtenção dos meios necessários ao funcionamento desses serviços. Entre os recursos necessários obviamente estão os recursos humanos e tratando-se de serviços permanentes esses recursos humanos têm de ser contratados de forma permanente. Por isso, o mesmo decreto-lei previa, por um lado, a criação da carreira dos psicólogos e, por outro, o provimento dos psicólogos nas vagas dos quadros do Ministério da Educação.
Ora, nada disto aconteceu e foram contratados 300 psicólogos - confesso que não sei como, mas presumo que por portas e travessas que, muitas vezes, o funcionalismo público utiliza.
Penso que aqui convém ressaltar dois aspectos importantes: primeiro, que 300 psicólogos com um vínculo precário ou com uma forma de contratação possivelmente pouco clara não rendem, não produzem, não têm o grau de satisfação no desempenho das suas funções que seria de desejar; segundo, o Ministério da Educação criou 300 factos consumados, o que significa que agora, ao criar a carreira, vai atender a admitir nas vagas dos seus quadros nestas novas vagas criadas os 300 psicólogos que já estão a prestar serviço há cerca de 4 anos.
Portanto, é mais uma situação em que o Estado se arroga o direito de, por um lado, ser um empregador faltoso e incumpridor das próprias leis que cria e, por outro, ter um mau sistema de selecção e de gestão de recursos humanos.
Por conseguinte, o Partido Popular considera que, afinal, esta petição não é mais do que a exigência do cumprimento do disposto no Decreto-Lei n.º 190/91, coisa que deveria ter ocorrido há cerca de 5 anos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino.

A Sr.ª Isabel Sena Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a presente petição, pretendem os psicólogos que desempenham funções nos serviços de psicologia e orientação, criados no âmbito do Ministério da Educação, que o Plenário da Assembleia da República discuta o incumprimento do disposto na lei em vigor.
Trata-se, pois, de uma pretensão justa e legítima de um grupo profissional, que presta um serviço que assume grande importância no desenvolvimento psico-sócio-pedagógico e também no que respeita às trajectórias educativas e profissionais posteriores.
Aquilo que os psicólogos que desempenham funções nos serviços de psicologia e orientação vêm pedir é somente o cumprimento da legislação já em vigor, no que respeita à definição de uma carreira profissional integrada no quadro de pessoal do Ministério da Educação, situação essa que o Governo do PSD, não obstante as insistentes reivindicações dos profissionais envolvidos e das promessas feitas, nunca logrou resolver, mantendo estes profissionais, cujo papel no processo educativo é indiscutível, numa situação jurídico-laboral precária, defraudando as suas legítimas expectativas.
O Decreto-Lei n.º 190/91, que criou os serviços de psicologia e orientação no âmbito do Ministério da Educação refere que os psicólogos «deverão estar providos em lugares de carreira de psicólogo, para o que deverá ser publicado, no prazo de 90 dias, o diploma de criação e definição da respectiva carreira no quadro de pessoal do Ministério da Educação».
Passados cinco anos sobre a entrada em vigor do referido diploma legal, nada justifica a inércia legislativa ocorrida neste domínio, tendo já o Governo da nova maioria desencadeado um processo negociai com as organizações representativas dos psicólogos, com vista a dar cumprimento àquilo que o governo do PSD, embora tivesse legislado, nunca teve intenção de fazer cumprir.
O Governo do Partido Socialista, reconhecendo a educação como uma das grandes prioridades e eixo da acção governativa, inseriu no seu Programa a criação de condições para o efectivo funcionamento dos serviços de psicologia e orientação escolar. Neste contexto, não poderíamos deixar de reconhecer a legítima pretensão dos peticionantes e actuar em conformidade com a mesma, designadamente através da via do diálogo social.
Com efeito, face ao que hoje está aqui em debate já o Governo do Partido Socialista deu provas de empenhamento em querer resolver, na medida em que desencadeou um processo negociai com os representantes dos psicólogos, encontrando-se já em discussão um projecto de diploma da iniciativa governamental sobre a definição e criação da carreira de psicólogo integrada nos quadros do Ministério da Educação.
Entendemos que, estando criadas as condições para dar satisfação às justas aspirações dos psicólogos que desempenham funções nos serviços de psicologia e orientação do Ministério da Educação, deve a Assembleia da República aguardar os resultados da negociação entre o Governo e os demais parceiros envolvidos, por forma a

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que o quadro legal a aprovar resulte do consenso e do diálogo social.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode deixar de congratular-se pela abertura do Governo na resolução de uma situação que tem vindo a lesar centenas de profissionais da educação e que não se compagina com o papel e com a importância que estes profissionais desempenham no sistema educativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: Discutimos hoje uma petição apresentada em finais de 1994 pelo Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado e pela Associação dos Psicólogos Portugueses em que nos solicitam que apreciemos o incumprimento do Governo relativamente ao n.º 2 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 190/91, que previa a criação da carreira dos psicólogos no quadro de pessoal do Ministério da Educação.
É hoje inquestionável o papel do psicólogo na escola, é inquestionável, efectivamente, que a escola não se pode limitar a uma simples relação entre professor e aluno. Muito mais do que a instrução, está em causa um processo educativo global em que a orientação vocacional, ó acompanhamento do aluno sob o ponto de vista psicológico é determinante para o rendimento escolar. Isso é um dado adquirido, não só hoje como desde há muito tempo. Foi exactamente por essa razão que, em 1991, o governo criou os serviços de psicologia e orientação escolar.
Sucede, porém, que a reforma educativa teve valências extremamente vastas. Foi preciso estabilizar a vida escolar, foi preciso dar expansão ao próprio sistema, foi preciso alargar o número de alunos do sistema, foi preciso estabilizar as carreiras docentes. Exactamente por isto entendemos que este processo se tenha atrasado. Mas, porque consideramos, que é importante, porque consideramos que é determinante para o sucesso educativo a carreira dos psicólogos e a sua presença nas escolas, recomendamos vivamente ao actual Governo que, em diálogo com a Associação dos Psicólogos Portugueses e com os sindicatos representativos do sector, possa, com a brevidade possível, alterar, de uma forma decisiva, esta situação e regulamentar a sua carreira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral._

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, passamos à discussão conjunta das petições n.ºs 17/VII (1.ª), apresentada pelos reclusos dos estabelecimentos prisionais de Vale de Judeus, Coimbra, Caxias e outros, na qual solicitam que a Assembleia da República aprove uma amnistia que preveja um período parcial das penas, e 27/VII (1.ª), apresentada pelo Sr. Helder Lima Duarte e outros reclusos de vários estabelecimentos prisionais, na qual solicitam que a Assembleia da República aprove uma lei de amnistia que preveja um perdão parcial das penas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje em debate várias petições que, ao longo deste ano, foram chegando à Assembleia da República, apresentadas por um número muito significativo de reclusos e por outros cidadãos, solicitando a aprovação de uma lei que preveja um perdão parcial de penas.
De entre as razões apontadas para justificar esta reivindicação, avulta a situação de verdadeira ruptura em que se encontra o sistema prisional e que torna verdadeiramente desumanas as condições que muitos reclusos são obrigados a suportar em diversos estabelecimentos prisionais.
Esta é uma questão que nos preocupa profundamente. Um sistema prisional a rebentar pelas costuras, com 12 800 reclusos quando tem lotação para 8600, com prisões sobrelotadas em 247%, com 20% da população prisional seropositiva, com carências de toda, a ordem a nível das condições de habitabilidade ou do acompanhamento médico dos reclusos, com experiências pontualíssimas de tratamento de toxicodependentes numa população prisional largamente afectada pelo consumo de drogas, com um quadro de pessoal insuficiente e com muitos lugares por preencher e com uma total ausência de condições para promover uma reinserção social dos reclusos minimamente adequada, é um sistema prisional insustentável, que não passa de um depósito de reclusos e que, em vez de contribuir para a reabilitação social de cidadãos, contribui para o aumento do crime e da marginalização.
Esta situação tem vindo a arrastar-se ao longo dos anos e, esgotado o efeito efémero de alguns paliativos com que ciclicamente se têm aliviado os momentos em que a ruptura se torna mais evidente, o estado das prisões torna-se insuportável.
A resolução minimamente satisfatória deste problema exige medidas urgentes e de fundo. O Ministério da Justiça tem vindo a anunciar recentemente algumas medidas, que esperamos se tornem realidade. Pela nossa parte, estamos inteiramente disponíveis para viabilizar as medidas legislativas que se revelem adequadas para acelerar os, procedimentos necessários ao melhoramento significativo das condições do sistema prisional.
Temos perfeita consciência dos gravíssimos problemas que este sistema enfrenta e de que esta situação exige que sejam tomadas medidas urgentes que alterem profundamente as condições de vida nas prisões.
Aceitamos com naturalidade a reivindicação de uma medida de clemência por parte da generalidade dos reclusos. Mas temos também consciência de que a concessão de amnistias ou perdões, genéricos não pode ser encarada como uma medida de política criminal destinada a ocultar a falta de resolução dos problemas do sistema prisional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E, portanto, não encaramos favoravelmente a concessão de uma amnistia ou perdão genérico, nem tencionamos apresentar qualquer iniciativa nesse sentido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Claro que, se algum grupo parlamentar tomar a iniciativa, não deixaremos de a analisar (como é, aliás, obrigação de todos os grupos parlamentares), tendo, no entanto, em conta a apreciação global que fazemos

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sobre a matéria das amnistias e perdões genéricos e que acabei de enunciar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, intervenho em nome do Grupo Parlamentar do PSD, mas quero desde já comunicar ao Sr. Presidente e à Câmara que, de entre os Deputados do PSD, há um, o Sr. Deputado Mota Amaral, que tem uma posição individual, pessoal e de consciência sobre a matéria que estamos a discutir e que, como tal, respeitamos.
A questão que neste momento discutimos tem a ver com as petições que solicitam a aprovação de uma lei de amnistia que preveja um perdão de penas.
Como consta do relatório que a 1.ª Comissão aprovou sobre este assunto, estas petições individuais ou colectivas solicitam a aprovação de uma lei de amnistia que preveja um perdão de penas, tendo fundamentalmente como causas de pedir a recente aprovação da lei de amnistia às FP-25 e a tradição de aprovar uma amnistia coincidente com a tomada de posse do Presidente da República. Estes são os dois fundamentos essenciais em que radicam as petições.
Um terceiro fundamento se lhes veio juntar, que tem a ver com a situação vivida actualmente no sistema prisional. Sobre este terceiro fundamento, a posição do PSD é, obviamente, de sensibilidade para a necessidade de tomar medidas que tornem mais humano o cumprimento de penas nas prisões, que possam obviar à situação actual de sobrelotação e que promovam as necessárias medidas de reinserção social.
Com serenidade, o PSD encarou a agitação vivida nas prisões e, com sentido de Estado e de responsabilidade, não se juntou às vozes que tentaram tirar partido e dividendos políticos da situação vivida entre os reclusos.
Um dos principais fundamentos invocados tem a ver com a tradição criada de aprovar uma amnistia, um acto de clemência pela tomada de posse do Presidente da República. Foi clara a posição do Sr. Presidente da República ao remeter para a exclusiva e própria competência da Assembleia da República o debate e a decisão sobre a matéria, sem que se possa interpretar qualquer sinal de que veria com agrado esta decisão da Câmara.
Mas o principal fundamento, a primeira das causas deste pedido dos peticionários, tem a ver com a situação ou o precedente criado pela recente aprovação da Lei n.º 6/96, de 23 de Março, vulgarmente chamada de amnistia às FP-25.
O Partido Social-Democrata alertou, aquando do debate nesta Câmara, para o precedente grave que se iria criar,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - ... para as consequências gravosas que poderiam advir da aprovação de uma lei que denunciámos como inconstitucional, porque viola o princípio da igualdade entre os cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Trata-se de uma lei que cria situações de discriminação, particularização e personalização, valorizando, ainda por cima, situações que só por agravamento poderiam ser discriminadas.
Mais do que inconstitucional, esta lei é injusta e iníqua. Por isso, teve a consequência previsível de criar agitação e gerar o sentimento de injustiça entre os reclusos, dando origem às petições que hoje discutimos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E a agitação nas cadeias em 1994?

A Oradora: - Era previsível que isto viria a acontecer. O PSD chamou a atenção dos Srs. Deputados para a previsibilidade desta situação. Mas o Partido Socialista e o Partido Comunista Português ou não previram esta situação, alheando-se da realidade da vida social e da vida no sistema prisional, ou, se a previram, revelaram incapacidade política e cederam às pressões da conveniência e do oportunismo político.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A sobrelotação vem de há muitos anos!

A Oradora: - Ao longo do tempo, várias personalidades foram juntando a sua voz e o peso institucional que têm na sociedade portuguesa às posições do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - O Sr. Bispo de Setúbal disse que esta lei de amnistia era uma coisa de compadres. O Dr. Rodrigues Maximiano disse que a lei de amnistia às FP-25 viola tudo quanto aprendeu nos livros de direito.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça o favor de concluir, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - E o Sr. Ministro da Justiça, revelando sentido de Estado, como lhe reconhecemos, disse que não pode deixar de reconhecer que a lei de amnistia criou, em boa parte, as situações que vieram a viver-se nas prisões.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, já...

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Já é a terceira vez que falo consigo e ainda não tinha obtido resposta.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente, dizendo apenas que a posição do PSD se mantém firme...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Ou seja, não é nenhuma!

A Oradora: - ... e que não aprovaremos a medida de amnistiar os presos de delito comum. Em qualquer caso, lembramos que a nossa coerência passou também por um pedido de declaração de inconstitucionalidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como todos sabemos, as amnistias, nos

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últimos 10 anos, têm constituído um princípio base da política criminal portuguesa, tendo sido utilizadas para resolver artificialmente um problema real que o País tem, relacionado com a superlotação das cadeias portuguesas. Posso recordar que o sistema prisional foi aliviado de 1962 reclusos com a lei de amnistia de 1986, de 1384 reclusos com a de 1991 e de 1807 reclusos com a de 1994, num total de 5153 reclusos.
Sempre pensámos que é má política tratar o problema da segurança, da criminalidade e do sistema prisional com este tipo de artifícios legais. É evidente que o País tem um problema prisional, mas é também evidente que não pode dar-se uma resposta a esse problema à custa do aumento do sentimento de insegurança dos cidadãos e da imagem de um certo laxismo do Estado na execução das decisões dos seus tribunais.
Por isso, o Partido Popular defende, de há quatro anos para cá, uma severa limitação das leis de amnistia, porque pensa que as consequências de nos últimos 10 anos se terem utilizado estas leis como artifício para o esvaziamento das cadeias demonstram duas coisas: a primeira, que o poder político não tem sabido encontrar resposta para este problema concreto com que a sociedade portuguesa e a segurança dos cidadãos se defrontam; a segunda, que tem respondido patologicamente aos problemas que tem, em vez de os resolver pela raiz.
O parecer do Partido Popular sobre as petições que estamos a analisar é o de que a Assembleia da República não deve aprovar qualquer amnistia nem perdão de penas. É uma posição coerente com o que sempre defendemos. E temos também presente que, apesar de tudo isto, a causa política próxima - a qual, aliás, como já foi dito, é reconhecida pelo Ministro da Justiça - destas petições radica na lei de amnistia que o PS e o PCP aprovaram para as FP-25. Esta causa Política foi expressa pelos peticionários em diversas circunstâncias, tendo sido até invocada por alguns deles a desigualdade de tratamento que a aprovação dessa lei de amnistia causava em relação a outros crimes e a alguns reclusos que cumprem pena por esses crimes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este é um problema de quem aprovou a lei de amnistia, é um problema do Partido Socialista e do Partido Comunista Português. A responsabilidade política pela gestão política das expectativas que os reclusos peticionários criaram a partir da aprovação da lei de amnistia...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E em 1994?!

O Orador: - ... deve ser assacada a quem aprovou essa lei, que está na origem da expectativa que estamos aqui a discutir.
É por isso que o Partido Popular, que continua a defender a não aprovação ou a inoportunidade de aprovação de uma amnistia e de um perdão de penas, espera ouvir uma postura responsável, por parte do PS e do PCP, na satisfação a dar a estes peticionários.
É isto que esperamos da responsabilidade política dos partidos que criaram o problema e levaram o Ministro da Justiça do Governo do PS a reconhecer que toda a agitação que as prisões portuguesas têm conhecido desde essa altura radica na aprovação dessa lei. O que dizemos é que é preciso fazer um debate sério...

O Sr. António Filipe (PCP): - E como é que o faz?!

O Orador: - ... sobre a gestão do sistema prisional e que a seriedade desse debate tem de partir do princípio de que os problemas não se resolvem com uma «borracha legislativa» mas, sim, com políticas capazes.
Assim, faço um apelo ao PS e ao PCP para, com o seu sentido de responsabilidade, ajudarem a Câmara a encontrar uma resposta, tendo em conta a atitude que adoptaram no caso da lei de amnistia e as legítimas expectativas que criaram nestes peticionários.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As petições individuais e colectivas que hoje estamos a discutir deveriam, em nosso entendimento, ser colocadas nos seus exactos termos. Ou seja, aquilo que é apresentado à Assembleia da República para discutir e optar não tem como fim a anulação de crimes mas, sim, eventualmente, se fosse essa a vontade majoritária da Assembleia em relação a cidadãos que se encontram a cumprir penas, privados de liberdade devido a crimes cometidos na sociedade, ver esse cumprimento de penas ou pagamento de dívida à sociedade encurtado.
Julgo que seria bom colocar as coisas nestes termos, porque me parece que o estabelecimento de paralelismos com outras situações de carácter estritamente político não deve fazer-se nesta discussão.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A segunda questão que me parece importante colocar numa discussão desta natureza é o facto de não estarmos a discutir um problema estritamente prisional mas, sim, um problema social. Se o número de pessoas que em cada mês entra nas cadeias é de 200 ou 300, como se diz, se estes cidadãos - porque não deixam de ser cidadãos pelo facto de estarem privados de liberdade - se encontram em condições sub-humanas, sem assistência médica, sem condições de higiene, em estabelecimentos cuja capacidade é talvez de cerca de metade da população que neles há, este é um problema da sociedade que, em nosso entendimento, deve ser visto em dois aspectos.
Por um lado, se há aumento dos níveis de criminalidade e de marginalidade, é porque há algo doente na nossa sociedade, e é importante discutir o que é.
Por outro, se estes cidadãos estão privados de liberdade, e devem estar em função de crimes cometidos, e a sua detenção tem dois objectivos - a punição e a criação de condições de reinserção social -, no fundo, há um contrato que é quebrado, resultando, em última análise, na sua detenção. É um contrato que eles quebraram, que pagam à sociedade, mas que nós também temos de pagar para com eles, o que não se verifica quando a punição é mais gravosa nos termos em que actualmente é feita ou quando não criamos condições para que a reinserção social se faça. Este é um problema sério e que, pensamos, tem de ser colocado.
Não diria que para nós, Os Verdes, a questão tenha de ser colocada porque há um ritual de clemência. Os rituais são o que são, alguns são bons, outros nem tanto, e não é porque ciclicamente há o uso de conceder perdões que entendemos que ele tenha de voltar a repetir-se. No

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entanto, há uma situação explosiva, há um problema por resolver, e o horizonte temporal de resolução deste problema, que foi durante anos arrastado, não se avizinha curto. Assim, julgo que a Assembleia da República deveria ter uma responsabilidade não estritamente mecânica de colocar a questão, não de estabelecer paralelismos que não existem, mas de analisar um problema que é social, que é humano.
Para concluir, quero dizer que, não tendo Os Verdes optado por apresentar qualquer iniciativa legislativa que vá ao encontro dos direitos destes cidadãos, votaríamos favoravelmente as iniciativas que sobre essa matéria pudessem ter sido apresentadas.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Palmeiro.

O Sr. João Palmeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os direitos fundamentais dos cidadãos constituem desde sempre uma preocupação fundamental do Partido Socialista, por isso estaremos sempre empenhados na defesa intransigente desses valores.
Na senda dessa preocupação, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista contribuiu decisivamente para o agendamento em Plenário desta petição, pretendendo que da discussão possam emergir e ser acolhidas soluções que garantam e reforcem o direito de cidadania.
Muito se tem opinado, nos últimos tempos, sobre as deficientes condições de gestão do sistema prisional português. Das várias afirmações expendidas, retira-se inevitavelmente uma conclusão: a de estarmos perante um problema estruturante indiciador da deficiente política de justiça prosseguida pelo PSD, na última década.
Conscientes das dificuldades que o sistema encerra, sabemos que não há soluções fáceis que possam colmatar e suprir as enormes lacunas que herdámos nas diversas áreas de política criminal.
Será, sobretudo, difícil, porque se pretende inventariar soluções que definitivamente reponham uma reclusão humanizada e que estejam de acordo com os princípios estabelecidos na ordem jurídica.
Sem prejuízo de se diagnosticar outras causas, o problema da sobrelotação parece constituir o verdadeiro factor que prejudica fortemente os objectivos pretendidos com a reclusão.
Sabe-se que, nos últimos meses, se tem registado um aumento de 200 reclusos por mês nos estabelecimentos prisionais. Esta constatação é, no mínimo, merecedora da apreensão de todos nós, nomeadamente se pensarmos que já estão detidos mais 4000 reclusos do que o sistema normalmente comportaria.
A sobrelotação prisional indicia, de forma indelével, a tendência de os operadores da justiça portuguesa penalizarem os infractores criminais com penas privativas de liberdade, em parte por défice de medidas concretas que viabilizem penas alternativas, previstas na lei, mas inexequíveis.
É sintomático - e, porventura, susceptível de análise noutro momento - o grande número de presos preventivos existentes nas cadeias portuguesas (34% da população), designadamente quando se constata que o grande número dessas detenções não são mantidas. Em 1993, 5149 prisões preventivas não foram mantidas e, em 1994, 2678.
A sobrelotação pode também ser entendida como a principal causa de agravamento de certos males do sistema prisional. Sem dúvida que o contacto contínuo e promíscuo dos presos estimula e ajuda a propagar doenças e hábitos de toxicodependentes.
Registe-se que 20% da população prisional é seropositiva, sendo que aproximadamente 300 reclusos contraíram o vírus da SIDA. O Grupo Parlamentar do PS apoiará e acompanhará a campanha em prol da melhoria da saúde pública, prevista pelo Governo para o sistema prisional. Saudamos também a disponibilidade, ontem revelada pela Ordem dos Médicos, para participar nesse esforço.
A sobrelotação, não sendo a única causa para as debilidades que o sistema prisional regista, constitui, no entanto, factor que objectivamente prejudica o encontrar de soluções para outro tipo de problemas. Ciente desta dificuldade, o Governo anunciou publicamente a adopção de um conjunto de medidas que representam um grande esforço financeiro e organizativo, de modo a possibilitar um aumento significativo da lotação das instituições prisionais. Prevê-se que essa capacidade possa aumentar, a médio prazo, em cerca de 4500 lugares.
É necessário, no entanto, sublinhar que seria demagógico pensar que tal aumento se possa fazer num curto espaço de tempo, pois é irrealizável para qualquer Governo. Atente-se na dificuldade que é realizar obras em estabelecimentos prisionais sobrelotados, onde se exigirá necessariamente um esforço de cooperação dos próprios reclusos.
Esta iniciativa do Governo deve ser entendida de forma muito positiva, dado que as medidas anunciadas não aparecem como um conjunto vago de intenções. Pelo contrário, são definidos objectivamente os investimentos que se irão realizar, seja pela remodelação de instalações já existentes seja pela construção de novas unidades.
Tecemos estes comentários sobre o sistema prisional, no contexto da discussão de uma petição que solicita uma amnistia, porque entendemos que estão na génese daquele pedido, para além das causas invocadas, as condições de vivência nas prisões e porque, na oportunidade de aprovação de medidas de clemência, está sempre o reflexo do próprio sistema.
A amnistia e mesmo o perdão genérico são actos puramente políticos. A sua concessão ou não concessão devem, por isso, ter por base objectivos de política criminal. A amnistia é um acto de clemência que impede o procedimento punitivo. Este esquecimento opera pela extinção da pena aplicável e pela destruição dos efeitos da infracção. Estes pressupostos possibilitam uma libertação incriteriosa de reclusos, não podendo submeter-se qualquer razão de segurança na definição da sua incidência.
Tendo em atenção o evoluir da população prisional em momentos coincidentes com a publicação de leis de amnistia, regista-se que, em 1986, a população desceu de 1224 reclusos, em 1991, de 1004, e, em 1994, de 941, o que significa que, embora possam ter sido amnistiados e, consequentemente, libertados cerca de 2500 reclusos por amnistia, o número de novas entradas e reincidências depressa faz descer para metade ó impacto directo dessas medidas nas prisões. Isso, logo em 1995, levou os Estados Gerais para uma Nova Maioria a concluir que a amnistia não constitui uma forma adequada de solucionar o problema da sobrelotação.

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Por outro lado, se atentarmos nas razões de segurança e tivermos presente que 46% dos reclusos são reincidentes, a publicação de uma amnistia poderia acentuar o sentimento de insegurança que perpassa na sociedade portuguesa.
O Partido Socialista, fazendo uma avaliação negativa das experiências anteriores, incluiu, desde logo, no seu Programa de Governo, que não podia admitir-se que as insuficiências do sistema continuassem a actuar como um elemento de pressão em torno do instituto da amnistia, fazendo-o intervir ciclicamente como elemento desarticulador da política e da justiça criminais.
Similar conclusão, extraída também por outros partidos, explica o facto de não haver hoje na Assembleia da República qualquer: projecto de lei tendente a adoptar medidas de libertação excepcionais de presos de delito comum.
Estaremos, no entanto, sempre disponíveis para encontrar soluções que reponham os direitos fundamentais dos cidadãos que se encontram reclusos e melhorem significativamente as condições de vida e de saúde nas prisões portuguesas.
Permanentemente abertos ao diálogo, atribuiremos a estas medidas alta prioridade e seremos exigentes na sua fiscalização.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há questões de tal modo ligadas aos mais altos interesses do Estado que, pela sua própria natureza, exigem ser tratadas acimada habitual confrontação político-ideológica e partidária.
Hoje, abordamos um tema também especialmente delicado, cujo sentido e repercussão humanitária a todos nos obriga a abater bandeiras. E lamento não ter tido ocasião de falar antes do debate, porque, assim, o meu apelo fica no vazio.
Não é hora, pois, de críticas, de censuras, de recriminações... O silêncio pesado das prisões, onde o remorso rói e o arrependimento redime, onde os reclusos se enfrentam consigo próprios e com os abismos da fraqueza e da miséria, que marcam a condição humana, e lutam, no meio do sofrimento, por refazer a sua personalidade e definir um novo projecto de vida, esse silêncio tem de focar-nos agora e pôr-nos sérias interpelações.
Uma concepção personalista do Homem e humanista da sociedade, que, afinal, em grandes linhas, todos partilhamos, defende-nos de olhar os prisioneiros com desprezo, menos ainda com qualquer sentimento de vingança.
Perante nós, representantes legítimos do povo português pleiteiam, hoje, a sua causa cidadãos com dignidade e direitos iguais aos de todas as portuguesas e todos os portugueses.
À Assembleia da República pedem uma medida de clemência, invocando o uso da graça, que, tradicionalmente, tem acompanhado a inauguração de um novo mandato presidencial.
O Parlamento não pode, e não deve, fazer-se surdo a este apelo, formulado mediante o uso legítimo do direito cívico fundamental de petição, menos mediatizável e patético do que um motim ou um sequestro ou o pôr a vida em risco por greve de fome, mas decerto, por isso mesmo; mais digno ainda de atenção e de escuta.
Conhece a Câmara a grave situação dos estabelecimentos prisionais do nosso País, em chocante sobrelotação, povoados maioritariamente por gente jovem, ultimas directas e indirectas do temível flagelo da droga. A aflição daí decorrente não pesa apenas sobre os que cumprem pena, mas estende-se e humilha os respectivos familiares e amigos.
O recente relatório do Provedor de Justiça confrontou a sociedade portuguesa com um panorama chocante, de degradação, de promiscuidade, de carências sanitárias, de todo incompatível com as tradições humanistas de Portugal em matéria de crimes e de penas.
Nestas condições, o cumprimento dos castigos, decorrentes de uma moldura penal pensada para um sistema prisional a funcionar normalmente, acaba por ser muito mais penoso.
Esta consideração, desapaixonada e objectiva, justifica, em meu entender, que a Assembleia da República, afirmando o seu poder próprio e exclusivo, responda à petição em apreço, não com uma amnistia, que apagaria crimes que foram cometidos e perturbaram a ordem jurídica e os legítimos direitos de outros cidadãos e por isso devem ser castigados, mas com um perdão parcial das penas de prisão.
Atrevo-me a dizer que se deveria ir mesmo ainda mais longe, modificando o regime da liberdade condicional, de modo a permitir que a ele acedam os reclusos com bom comportamento e perspectivas sólidas de reinserção social, uma vez cumprido um terço da pena de prisão efectiva.
Julgo que esta solução genérica deveria ser decretada para vigorar temporariamente, em relação a todos os crimes que não fossem de violência sobre as pessoas, até ter sido dado cumprimento aos programas já apresentados pelo Governo, tendo em vista a modernização e a melhoria da eficácia dos estabelecimentos prisionais.
Um pequeno esforço de consensualização sobre esta matéria permitiria, com certeza, trazer à votação da Assembleia da República um diploma breve, antes do termo da sessão legislativa.
Ao erguermo-nos para dar resposta, de compreensão e estímulo, ao pedido dos nossos concidadãos reclusos, não fechamos os olhos às suas faltas, nem deixamos de censurar os seus delitos.
Com o coração aberto em nome das portuguesas e dos portugueses que nos escolheram para, em sua representação e no âmbito das competências do Parlamento, governarmos Portugal, porque não ir ao fundo do problema, vencendo o impacto de meras impressões volúveis e estender aos prisioneiros uma providência de graça e de perdão?
Assim, em nome do interesse do Estado, sem ceder a pressões de qualquer tipo e à luz de uma ordem superior de considerações, faríamos justiça com misericórdia.
Convém que cada um de nós, per si, e a comunidade a que com tanto brio pertencemos nunca esqueçamos que só quem é capaz de perdoar pode aspirar a ter perdão.

Aplausos de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, está concluída a discussão conjunta das petições n.ºs 17/VI, apresentada pelos reclusos dos estabelecimentos prisionais de Vale de Judeus, Coimbra, Caxias e outros, na qual solicitam que a Assembleia da República aprove uma

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amnistia que preveja um período parcial das penas, e 27/VII, apresentada pelo Sr. Helder Lima Duarte e outros reclusos de vários estabelecimentos prisionais, na qual solicitam que a Assembleia da República aprove uma lei de amnistia que preveja um perdão parcial das penas.
Srs. Deputados, por acordo de todos os líderes dos grupos parlamentares, os nossos trabalhos reiniciar-se-ão, de tarde, às 15 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão.

Eram 14 horas.

Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Vamos dar início à discussão do projecto de lei n.º 185/VII - Novo regime de avaliação de impacte ambiental (Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados: A preservação do património natural da nossa terra, a qualidade de vida dos cidadãos e a defesa dos seus direitos, a necessidade de garantir o equilíbrio dos ecossistemas e de todo um conjunto de bens e valores que não são passíveis de troca, a solidariedade entre gerações, o desenvolvimento sustentado e a visão implícita que tem do envolvimento e da participação dos cidadãos na tomada de decisões que influenciam o seu presente e condicionam o seu futuro impõem hoje, mais do que nunca, a adopção de medidas que se revelem eficazes na concretização destes propósitos.
Medidas no plano político e no quadro legislativo nessa óptica considerado face, à acelerada degradação do ambiente a que quotidianamente assistimos e à destruição da paisagem e ao somatório de erros que o Homem com a sua insensata actividade fez acumular a que, impotentes, vimos assistindo e a que urge pôr cobro e dar resposta adequada.
Razões, pois, Srs. Deputados, para o Partido Ecologista Os Verdes ter optado por fazer do seu agendamento potestativo a apresentação do projecto de lei n.º 185/VII e assumido a responsabilidade de trazer para discussão na Assembleia da República e de dar aos partidos nela representados a oportunidade d8 alterar um dos mais importantes, sem dúvida, mas actualmente mais inúteis, instrumentos da política de ambiente, precisamente o diploma sobre a avaliação dos impactes ambientais:
A avaliação do impacte ambiental como processo profilático que tem por objectivo não como alguns julgam «empatar as obras» mas, sim, a minimização dos danos que qualquer grande projecto possa exercer sobre o meio ambiente ou a decisão da sua não realização, caso os impactes daí resultantes sejam considerados muito significativos.
Um instrumento pois, é óbvio, pelo seu carácter global, participativo e preventivo, essencial em qualquer política que de ambiente se reclame e que para nós, Os Verdes, de há muito, importava credibilizar, alterando a lei.
Um diploma (Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de Junho) que resulta da transposição, há cerca de seis anos, da Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, transposição essa, lembre-se, feita tarde e a más horas para o direito interno, já que, de acordo com a mesma Directiva, ela deveria, no limite, ter ocorrido até Julho de 1988, isto é, três anos após a notificação e não em meados de 1990.
Mas um diploma, sobretudo, que, se consenso, desde logo, reuniu, foi o da necessidade de rapidamente a modificar! Consenso dos cidadãos, das associações de defesa do ambiente, das autarquias, dos partidos.
Uma evidência que o PSD e o seu governo, no plano formal, reconheceram, traduzida nas múltiplas declarações do então titular da pasta, nos compromissos públicos, várias vezes assumidos, de alterar a lei, na constatação do carácter prioritário dessa medida - aliás constante do capítulo do Ambiente do Programa do VI Governo então submetido à Assembleia da República -, no anúncio, várias vezes repetido, da sua apresentação próxima.
Mas um compromisso que nunca das palavras passou.
Uma inércia que, decerto, grupos de interesse instalados não deixaram de agradecer, das celuloses às grandes imobiliárias e cujas consequências estão à vista, pois resultam de uma legislação que, porventura, se pode afigurar algo árida e complexa, mas cuja falta de credibilidade tem como consequência casos que continuam a apaixonar a opinião pública e erros de cujos efeitos não é possível anular nas marcas, avaliar na dimensão nem quantificar nos custos que não mais deixaremos de pagar!
Os custos nos mil e um traçados do Plano Rodoviário Nacional, feitos de qualquer maneira, nas marinas consentidas, no património delapidado, no litoral, que se betonizou, nos recursos hídricos, que se deixaram contaminar, nos solos agrícolas e floresta autóctone que se permitiram destruir.
Bens patrimoniais de que só ficará, em alguns casos, o registo da memória.
Histórias feitas da história, para todos presente, certamente, da Via do Infante, no Algarve, da Herdade do Brejão, no Alentejo, da chamada regularização do Mondego, da barragem de Foz Côa, do túnel da Gardunha, em Alpedrinha, da eucaliptização indiscriminada, do troço da auto-estrada do Norte, designadamente na Serra d'Aires e Candeeiros, da ponte do Freixo, no Porto, da incineradora de Estarreja, do famigerado atravessamento da nova ponte sobre o rio Tejo, entre tantos e tantos outros...
Tudo consentido por um poder político para o qual a lei servia plenamente como chatice burocrática, é certo, mas, apesar de tudo, ultrapassável por estudos de duvidosa qualidade que os próprios promotores da obra se encarregavam de fazer e por uma consulta pública hermética, transformada em mera formalidade, feitas, uma e outra, para justificar aquilo que se tinha previamente determinado e que, assim, finalmente, permitia não raro o tão desejado acesso aos financiamentos comunitários.
Já para não mencionar, é óbvio, o não acatamento por parte dos promotores das obras de eventuais condicionantes ou concretização de medidas minimizadoras, que, a existirem, ninguém cuidava de obrigar a fazer cumprir.
Um diploma, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de há muito sabido, por demais discutido, analisado, testado e identificado nos seus vícios, que não carece genericamente, em nosso entender, de novos estudos, adiamentos ou reflexões, que, aliás, a longa e desastrosa prática se encarregou de evidenciar, que o próprio PSD não negou e que o presente projecto de lei de Os Verdes visa, finalmente, ultrapassar.

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Um projecto de lei, que, no essencial, alarga o âmbito das intervenções sujeitas a avaliação de impacte ambiental, não só projectos, mas planos e obras, que passam, particularmente pela sua dimensão, características e efeito cumulativo com outros projectos e obras, a poder, pelos efeitos que possam ter em relação ao ambiente e à qualidade de vida dos cidadãos, ser objecto de estudo, nos termos, aliás, que a própria Lei, de Bases do Ambiente, desde 1987, consagrava;
Determina, com clareza, que a aprovação de, projectos é obrigatoriamente precedida de avaliação de impacte ambiental e da sua aprovação, pondo fim à, hipocrisia dos estudos como formalidade protocolar e à política do facto consumado;
Atribui um carácter vinculativo ao parecer do Ministro do Ambiente, responsabilizando-o directamente no processo decisório e pondo fim ao seu papel meramente acessório e secundário face aos seus demais colegas;
Credibiliza o processo que passa a ser, nas suas, várias etapas processuais - da delimitação do âmbito do estudo, à sua realização, à organização do processo de consulta pública, à elaboração do relatório final, à divulgação e ao posterior acompanhamento das medidas minimizadoras eventualmente aprovadas -, acompanhado por, uma comissão independente, a Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental, entidade que aglutina associações de defesa do ambiente, associações profissionais, universidades e autarquias e que o Ministério do Ambiente tutela;
Põe fim ao arbítrio que tem permitido a dispensa de avaliação de impacte ambiental por parte do Governo; sempre que lhe convém, de projectos, estabelecendo normas claras para a sua execução;
Promove todo o processo de acesso à informação e consulta pública, de modo a efectivar e garantir a escolha das diferentes opções e o envolvimento dos cidadãos nas tomadas de decisão, através de um processo de consulta pública, aberto, que favoreça a autêntica participação das autarquias, das associações e dos cidadãos individualmente considerados.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Propostas, hoje como ontem, para ultrapassar uma situação insustentável, que, no passado, outros tentaram fazer aprovar e que o PSD e a sua maioria, pesar de dizerem subscrever as críticas, de modo prepotente e com a usual reserva intelectual, inviabilizaram, chumbando, em Maio de 1992, os projectos de lei dos partidos da oposição - no caso, então, as iniciativas do PS e do PCP -,com a tradicional desculpa de que, sobre essa mesma matéria, estava precisamente o Governo a ultimar uma iniciativa legislativa.
Uma desculpa e um alibi bem esfarrapados ao que se viu e que - é nossa convicção - o PS e o Governo, dele tão justamente críticos, não irão imitar!
A proposta está, pois, feita. A responsabilidade que era nossa passou, a partir de agora, a ser também vossa e por vós partilhada. Há que assumi-lo!
Mas há que compreender, sobretudo, que o ambiente é uma coisa muito séria, que há só uma terra e que o tempo, também ele, é um recurso escasso e finito que não pode continuar a ser desperdiçado.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rui Pedrosa.

O Sr. Rui Pedrosa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos os partidos com assento nesta Câmara assumem como uma das suas prioridades a defesa do ambiente.
A defesa do ambiente é, antes de mais, um valor, uma cultura e uma sensibilidade que deve começar na educação dos cidadãos.
Num momento em que sistematicamente se fala em desenvolvimento sustentável e na, ligação necessária entre desenvolvimento e ambiente, há que referir que a salvaguarda do ambiente pressupõe sempre uma atitude de cariz preventivo.
Em política de ambiente é sempre melhor prevenir do que remediar.
Esta atitude é consubstanciada na avaliação do impacte ambiental, cujo processo é um instrumento generalizado, recomendado e mesmo exigido pôr vários organismos internacionais.
A comunidade europeia instituiu o processo de avaliação de impacte ambiental, através da Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho de 1985, transposta para a ordem jurídica portuguesa, em 1990.
Em Portugal, a importância da avaliação do impacte ambiental, como instrumento preventivo de política de ambiente, fora já reconhecida, em 1987, pela Lei de Bases do Ambiente.
É ponto assente que um desenvolvimento verdadeiramente sustentável das actividades produtivas exige, mais do que nunca, o respeito e o incentivo dos processos de avaliação do impacte ambiental.
Mas se as leis estão feitas, a realidade está longe de lhes obedecer! É que temos indícios fortes no sentido de se concluir que á aplicação da legislação em vigor não tem sido muito positiva.
É muito frequente ouvir-se mesmo que a legislação existente não tem sido respeitada.
Ora, um erro, em matéria ambiental, pode reverter em benefício de alguns, iras terá certamente custos que, no futuro, irão ser suportados por todos nós.
O ambiente que não se defende hoje é o mau ambiente em que viverão as gerações de amanhã.
Seis anos após a introdução da referida legislação, urge fazer um balanço detalhado, sério e credível do que tem sido a sua vigência e aplicação.
A presente iniciativa legislativa do Partido Ecologista Os Verdes poderá ser uma oportunidade para que se promova, em sede de comissão especializada, a discussão destas questões.
Pela nossa parte, não temos intenção de inviabilizar esse debate.
Mais, pensamos que nesse debate é indispensável a presença do Governo e o empenhamento activo da Administração Pública, sem os quais será impossível fazer a avaliação daquilo que se tem passado e a determinação dos objectivos que se pretendem atingir.
Sem embargo da referida discussão, a análise do projecto de lei e a sua comparação com a legislação em vigor permitem-nos levantar algumas interrogações.
Desde logo, se um dos grandes problemas reside na aplicação da legislação existente, então, o que urge é avaliar o que está mal e, com base no rigor técnico, emendar as falhas.
Alargar o âmbito das actividades sujeitas a avaliação de impacte ambiental, por si só, não resolve o problema de fundo, que é o da própria avaliação.

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Por outro lado, a tendência do presente projecto de lei para tornar os critérios mais restritivos poderá levar a que sejam tratadas igualmente questões que exigem um tratamento desigual.
Em nosso entender, não parece razoável que estudos relativos a pequenos projectos tenham um nível de elaboração e sofisticação semelhante a iniciativas de grande porte e de natureza estrutural.
Não se peça demais na lei quando a realidade suporta o menos.
Não esqueçamos que a avaliação do impacte ambiental constitui um processo oneroso e, neste projecto de lei, não se explica como é que serão distribuídos os respectivos encargos.
Fazemos outra prevenção: se há uma tendência algo repressiva, ela não ajudará a ideia, que nós defendemos, segundo a qual o ambiente é essencialmente um valor acrescentado.
Noutro plano registamos com agrado a regulamentação de um período de consulta pública, como fase verdadeiramente constitutiva do processo decisório e não como mera formalidade a cumprir.
Na verdade, torna-se necessário o envolvimento das populações afectadas e a mobilização transparente de todos os grupos de interesse envolvidos, de forma a estimular-se uma discussão serena e atempada das implicações ambientais e económicas dos projectos e planos em análise.
Outro ponto é a competência para designar as entidades avaliadoras do impacte ambiental, cuja decisão cabe, actualmente, à Sr.ª Ministra, mediante uma análise que se poderá considerar casuística.
No entanto, nem «oito nem oitenta». Não podemos cair na tentação de criar uma comissão que, não sendo exclusivamente técnica, mas político-administrativa, se poderá transformar numa entidade centralizadora e estatizante, em que se estimule, ainda mais, a teia burocrática que, no limite, é adversária do desenvolvimento saudável.
Por último, parece-nos essencial que todo o processo de consulta pública, que se pretende estimular, deva estar sujeito a uma regulamentação rigorosa, designadamente no que concerne às informações que terão de ser dadas ao dono da obra e aos prazos, de forma a evitar que um novo procedimento se assuma como um funil de toda a actividade económica.
O que queremos é um país com crescimento económico e ambiente equilibrado. Não queremos, certamente, que a economia pare, porque, nesse dia, o primeiro agente do ambiente, que é o homem, também sofrerá.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Pedrosa, ouvi a sua intervenção e pareceu-me extremamente interessante a forma como colocou as questões. Aliás, devo dizer-lhe que há uma afirmação sua que julgo ser extremamente importante em termos dos direitos ambientais e que, de algum modo, é muitas vezes pouco compreendida ou esquecida, que é a de que, quando, efectivamente, não há cuidados e se quer beneficiar uns poucos, toda a comunidade é prejudicada em relação a bens e valores que não são passíveis de troca. Esse é um aspecto que tem de pautar a compreensão de que as questões têm de ser vistas diferentemente.
O Sr. Deputado coloca várias questões, designadamente a sua reserva relativamente à composição desta comissão ou, pelo menos, a sua reocupação de que ela não se torne um peso burocrático. E uma preocupação que partilhamos inteiramente, mas julgamos que esse risco não acontece, porque, efectivamente, estabelecendo algum equilíbrio entre o peso da Administração, quer central quer local, das universidades e das associações de defesa do ambiente, a sua composição pode permitir resoluções equilibradas.
Quero dizer-lhe que Os Verdes não são partidários da banalização dos estudos de impacte ambiental, até porque eles são um bom negócio. Estes estudos, para serem credíveis, exigem tempo e capacidade técnica e não temos um universo tão alargado de técnicos para que as coisas possam ser pensadas diferentemente.
Mas, como falou de estudos sobre projectos de pequena dimensão, gostava de ouvir a sua opinião sobre um aspecto que referi na minha intervenção. Nós propomos, aliás nos termos da revisão da directiva, que não só os grandes projectos mas também, eventualmente, os planos e as obras possam ser objecto de estudos, desde que se conjuguem, se articulem ou estejam em diálogo com outras obras que, pelo efeito cumulativo e pela sua dimensão e características, possam, não por si, mas como parte integrante de um todo, ser passíveis de processo de avaliação prévia.
Portanto, a questão que coloco é se o Sr. Deputado entende ou não que, independentemente de estarmos totalmente de acordo que não é para banalizar os estudos, não é para os fazer por tudo e por nada, há pequenas obras que, quando conjugadas com outras, podem ter impactos significativos e por isso há que ter em conta essa conjugação.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pedrosa:

O Sr. Rui Pedrosa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, teremos oportunidade, espero eu, de, em sede de comissão especializada, discutirmos melhor esta questão. Mas a tónica da minha intervenção nesse ponto concreto assentou fundamentalmente no seguinte: temos de tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual. Um estudo de avaliação do impacte ambiental para uma central termonuclear não pode ser igual ao estudo de avaliação de impacte ambiental que poderá ser feito para um projecto de emparcelamento rural.
Penso que respondi à sua pergunta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Permita-me, Sr. Presidente, que aproveite a oportunidade para saudar V. Ex.ª, com a elevada estima de quem, há muito, lhe reconhece uma verticalidade ímpar, uma nobreza de postura e uma incansável luta em prol da democracia.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Deputada. É muito amável!

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A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste final de século temos assistido ao surgimento da «sociedade ecológica», com uma crescente consciencialização dos problemas ambientais, tornando-se estes um importante e determinante factor, com influência na sociologia, no direito, na economia e na política.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A legislação comunitária sobre o meio ambiente começou a ser elaborada durante os anos 70, mas só nos anos 80 é que os políticos começaram a interessar-se pela sua aplicação. Se as orientações comunitárias não forem eficazmente aplicadas perderão credibilidade e o meio ambiente não será salvaguardado e protegido, contrariando o desvelo pretendido pelos responsáveis comunitários, e não responderão aos anseios do público em geral.
Os três primeiros programas de acção relativos ao ambiente, de 1973, 1977 e 1983, respectivamente, não reconheciam a importância e a observância da legislação. Só quando desapareceram uns contentores de resíduos tóxicos, que se supunham conterem dioxina, provenientes de Seveso, em Itália, e que, mais tarde, foram localizados em França, é que o Parlamento Europeu nomeou uma comissão de inquérito. A partir desse momento passou a dar-se a máxima importância à aplicação da legislação.
Serve este exemplo, tão-só, para ilustrar que, se não fora a situação de perigo vivida, a aplicação da legislação ficaria, eventualmente, esquecida ou desvalorizada.
Torna-se necessário trazer aqui e agora o debate político sobre a importância da aplicação da legislação, que ocorreu ao mais alto nível dentro da Comunidade, no Conselho Europeu, através dos chefes de Estado e do Governo dos respectivos Estados-membros, ao assinarem a Declaração sobre o Imperativo Ambiental, em Dublim, em Junho de 1990, a qual passo a citar:
«A legislação ambiental comunitária só poderá ser eficaz se os Estados-membros a aplicarem integralmente. Por conseguinte, renovamos o nosso empenho nesse sentido. Para garantir a transparência, a equivalência dos esforços e a completa informação do público, convidamos a Comissão a efectuar estudos sistemáticos e a publicar relatórios pormenorizados com as suas conclusões. Deviam, igualmente, ser levadas a cabo avaliações periódicas das directivas existentes, para garantir a sua adaptação permanente à evolução científica e técnica e para resolver os problemas persistentes ligados à sua aplicação; estas análises não deverão, como é evidente; conduzir, em caso algum, a uma redução dos padrões de protecção ambiental.» Foi ainda realçada, na Declaração de Dublim, a necessidade da aplicação da lei exigir o máximo de transparência.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando as alterações à legislação existente forem consideradas necessárias e oportunas, a atenção deve centrar-se na qualidade, na simplicidade e na clareza. A aplicação eficaz estará sempre ligada à qualidade da legislação ou à sua redacção clara, exacta e sem ambiguidades.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Após a transposição da Directiva n.º 85/337/CEE para o Direito português, através do Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de Junho, e do Decreto Regulamentar n.º 38/90, de 27 de Novembro, passou a contar-se com um quadro legal que permitiu que a realização de determinadas obras tivessem uma avaliação prévia do seu impacte ambiental.
A prática destes últimos cinco anos na implementação dos processos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), mostrou que as dificuldades de cumprimento da legislação assentam essencialmente em: lacunas da própria legislação; falta de técnicos da área do ambiente nos organismos responsáveis pelo licenciamento de projectos; falta de meios materiais e humanos pára um adequado funcionamento das comissões de avaliação; deficiente participação do público nos processos de consulta pública; e falta de cumprimento dos prazos legais por parte da comissão.
Pese, embora, estas dificuldades, alguns processos decorreram de modo a conciliar os empreendimentos com a preservação da qualidade ambiental.
É de salientar que o facto de as candidaturas a fundos comunitários passarem pela realização de Estudos de Impacte Ambiental (EIA) e sua aprovação por parte do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais (MARN) teve alguns aspectos positivos, nomeadamente no que diz respeito à responsabilização dos técnicos que elaboraram os estudos ambientais, daqueles que os avaliaram e que os aprovaram ou não, assim como dos promotores que, para receberem os financiamentos, se sentem coagidos à execução dos empreendimentos, obedecendo a critérios de protecção ambiental. Porém, falhou com frequência o controle e fiscalização da implementação das medidas de minimização e a obrigatoriedade de programas de monitorização ambiental.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Considerando que está em fase final de revisão a Directiva n.º 85/337/CEE, não se nos afigura ser este o melhor dos momentos para apresentação de um projecto de lei, a não ser que já fosse conhecido o texto final de tal revisão.
Apurámos do andamento da revisão da Directiva e foi-nos dito que a mesma estará pronta em Novembro.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Ministério do Ambiente lançou, em Junho, um documento de trabalho sobre «O Processo de Revisão do Quadro Legal dos Estudos de Impacte Ambiental (EIA) e Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).
Optou o Ministério do Ambiente por um processo participado, procedendo à recolha de contributos vários - sectoriais, especiais, públicos e privados. É de esperar que o envolvimento de tantos agentes permita a produção de um documento equilibrado, enriquecido e eficiente.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Poderia, eventualmente, o Ministério do Ambiente ter seguido outro trajecto. Por exemplo, ter posto à discussão uma proposta de diploma. Se a metodologia usada fosse esta última, a discussão seria, à partida, balizada.
A opção feita facilita, em nosso entender, uma abordagem aberta de diferentes experiências e conhecimentos adquiridos nesta matéria. O Ministério do Ambiente estará, assim, em Setembro, melhor habilitado para a elaboração do novo diploma.
É necessário que este processo de revisão seja um processo exemplar.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Não se pode perder de vista a sua sensibilidade, complexidade e visibilidade.

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O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No projecto de lei agora em apreço preconiza-se, no seu artigo 4.º, a criação de uma Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental (CAIA), sendo que, em nosso entender, uma comissão com a composição e as competências que lhe são definidas necessitaria, para poder responder em tempo útil e com eficácia, de uma pesada estrutura logística de apoio.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É também nosso entendimento que a fase do desenvolvimento dos Estudos de Impacte Ambiental (EIA) só deverá ser acompanhada em algumas situações de grande sensibilidade ambiental que importa salvaguardar.
No que respeita ao Anexo I são introduzidos limiares para as vias de comunicação rodoviárias que não fazem sentido neste tipo de infra-estruturas, considerando apenas a sua extensão ou o seu perfil transversal.
Com efeito, o maior ou menor impacte que uma infra-estrutura rodoviária pode provocar terá a ver fundamentalmente com o meio em que se insere. Uma estrada com 2 km, numa área ecologicamente sensível, poderá induzir mais impactes que outra de muito maior perfil e extensão que atravesse zonas de muito menor ou de nula sensibilidade ambiental.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É um dado adquirido que a política de ambiente tem de se preocupar, acima de tudo, com as acções preventivas e estas assentam necessariamente em estudos de impacte ambiental e na avaliação do mesmo, pondo em execução e dando resposta aos princípios enunciados nos artigos 30.º e 31.º da Lei de Bases do Ambiente - Lei n.º 11/87, de 7 de Abril.
Os aspectos da política de ambiente directamente relacionados com a avaliação de impacte ambiental são demasiado vastos, multidisciplinares, multifacetados e complexos para serem esgotados numa curta intervenção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Entendemos como positivos todos os contributos que valorizem e viabilizem a necessidade de se preservar os valores essenciais do ambiente, no entanto, consideramos que na especialidade teremos oportunidade de fazer o aprofundamento destas matérias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Moura, penso que, no essencial, não discordou da urgência e da necessidade de alterar a actual legislação sobre impacte ambiental - aliás, estranho seria que assim fosse tendo em conta aquelas que eram as posições do Partido Socialista nesta matéria. Permito-me, apesar de tudo, dizer que, independentemente de não haver a versão final revista da directiva, o essencial do seu articulado está definido; independentemente de a transposição poder ser feita até ao limite, até Dezembro de 1997, penso que os exemplos que temos, somados, são por demais elucidativos para que, sobre esta matéria, nos limitemos ao cumprimento do limite máximo da transposição e não antecipemos aquilo que é um instrumento fundamental de prevenção da política de ambiente. E digo isto porque, para mim, não está adquirido que todas as intervenções no País parem.
Ouvimos falar de megaprojectos em áreas extremamente sensíveis. Há traçados de vias rodoviárias que vão continuar a fazer-se, presumo eu. Há, por exemplo, um processo, extremamente polémico, de instalação de aterros que visa pôr fim às lixeiras. Tudo isto, parece-me, são situações onde haveria vantagem, para o próprio Governo se quiser, em ter instrumentos que permitam defender o meio ambiente não repetindo os erros do passado e conseguindo até um melhor envolvimento das populações e das comunidades locais na concretização e adopção de soluções, que, não sendo por natureza fáceis, se forem sustentadas por estudos credíveis, bem mais facilmente se concretizarão.
Apesar de tudo, tem sentido a avaliação e os estudos para começar a trabalhar, na especialidade, na elaboração deste diploma por forma a concluí-lo não em cima do joelho mas sem grande perda de tempo, na medida em que, relativamente à questão muito polémica da alternativa à EN10, o Sr. Ministro João Cravinho ainda a semana passada assumia que o estudo que estava na base da grande polémica assentava em dados falsos.
Portanto, continuamos a ter de decidir sobre questões cujos estudos são de pouca credibilidade e por isso mesmo penso que há toda a vantagem em dar eficácia a este instrumento, que tem sido inútil, colocando-o nos exactos termos para o qual foi criado.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, penso que ficou claro da minha intervenção que comungamos das mesmas preocupações e inquietações, em matéria de ambiente.
A meu ver, teremos de reequacionar este problema, mas ele terá de sê-lo em função não só das políticas mas também das pessoas que fazem a política. Estará certamente de acordo comigo quanto à importância da lei, mas, como sabe, qualquer lei tem um corredor de liberdade que pode ou não ser usado, que permite ou não a sua humanização, em função de quem a aplica.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - No entanto, no fundamental, penso que não me colocou qualquer questão de fundo, mas permito-me dar-lhe tão-só esta resposta: aguardemos pelas pessoas que estão de novo a trabalhar e pelo modo como utilizam o corredor da liberdade que qualquer lei contém.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Teve hoje início em Genebra uma conferência internacional que, prolongando-se por duas semanas, irá discutir o chamado efeito de

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estufa ou aquecimento global do planeta, questionando quer a sua própria existência quer as suas causas e consequências e procurando encontrar para eles soluções condizentes com a nossa sobrevivência.
Numa coincidência feliz sobe hoje a Plenário um projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes sobre o novo regime de avaliação do impacte ambiental. Para além da feliz coincidência, o projecto de lei ora em apreço transporta consigo uma elevada pertinência, conhecidos como são os tratos-de-polé que esta matéria tem vindo a sofrer no nosso país. Salvo muitas raras excepções, sucessivos governos têm usado e abusado da chamada política ambiental como mero efeito decorativo, ou como cenário, ou como moda, ou como marketing político, atrás dos quais se esconde o que realmente se faz ou a mais total inacção.
Anunciam-se muitas coisas; volta-se a anunciar as mesmas coisas sob novas formas; divide-se e subdivide-se um único projecto para que pareçam muitos; apregoam-se milhões de contos uma, duas, três e as vezes que forem necessárias; e, na sua vida concreta, quotidiana, o cidadão continua a ser agredido por tudo aquilo que todos os dias lhe dizem estar em vias de ser solucionado. É preciso que, de uma vez por todas, se entenda que nada de substancial, absolutamente nada, pode ser desenvolvido com segurança e respeito pelo futuro se não for submetido a uma avaliação de impacte ambiental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata aqui de qualquer forma de maximalismo, a não ser que maximalismo seja preocuparmo-nos com o mundo que vamos deixar aos nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos. Não se trata também de uma questão essencialmente técnica mas de uma opção política de fundo.
A destruição da natureza está inequivocamente ligada a um determinado modo de produção e à deificação de lucro, ao imediatismo e ao consumismo, cujo lema preferido é: «quem vier atrás que feche a porta, por mim, já me governei». O lucro justifica tudo, mesmo o progressivo desaparecimento do futuro. Na verdade, é em nome do futuro ou em nome de políticas com futuro que o projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes, em nosso entendimento, melhor se justifica.
Este projecto de lei sonha, mas sonha com a realidade, e dá um contributo sério e fundamentado para que a avaliação do impacte ambiental deixe de ser o que até agora geralmente tem sido, ou seja, uma capa que tem servido para dar cobertura a autênticos factos consumados, e, normalmente, mal consumados. A avaliação do impacte ambiental não pode constituir-se nem ser perspectivada como mais um empecilho na consecução dos projectos ou na via do desenvolvimento e da qualidade de vida dos cidadãos mas, antes, como integrando de pleito direito 0 seu núcleo duro, de maneira participada e democrática.
É assim que no projecto de lei em apreço o parecer do Ministério do Ambiente passa a ter força vinculativa, deixando de se limitar a uma mera declaração de boas intenções quase sempre inócua, como até agora; é determinado que a aprovação dos projectos seja obrigatoriamente precedida da respectiva avaliação do impacte ambiental; e cria-se, sob tutela do Ministério, do Ambiente, uma comissão de avaliação do impacte ambiental de onde se afastam ou se minimizam hipóteses de governamentalização, uma vez que, para além da administração centeal, nela se encontram representadas autarquias, universidades, associações profissionais e de defesa do ambiente.
A credibilização das políticas do ambiente não passará apenas por este projecto de lei mas certamente por ele. Por nós, estamos disponíveis para dar o nosso contributo, porque uma política, qualquer que seja, ou é credível ou, simplesmente, não é. E este projecto de lei parece-nos um bom instrumento de credibilização.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Relativamente ao diploma hoje em apreço nesta Assembleia, vale a pena constatar que a sua elaboração ocorre num momento em que decorre a revisão do normativo comunitário no que toca a esta matéria, que, como já foi referido por outro parlamentar, ainda não está concluído, calculando-se que só pára meados de Novembro se possa conhecer, com mais detalhe, o resultado desse trabalho. Mas o Partido Ecologista Os Verdes entendeu ser oportuno - está no seu direito - avançar com um projecto de lei que pudesse trazer algo de inovador à actual legislação em vigor.
Tendo em conta o longo historial do PSD no que toca a toda a legislação que tem sido produzida nos últimos anos relativamente ao ambiente; não só na sua introdução, na lógica política, mas, sobretudo, no direito de as populações e em geral a sociedade participarem naquilo que é o seu presente e também na prevenção do seu futuro, que é não só desses mesmos cidadãos mas sobretudo das gerações vindouras, o PSD não pode deixar de acolher e entender que este projecto de lei, apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes, tem algumas virtualidades que não pode deixar de equacionar e também algumas perversidades na sua formulação que, apesar de poderem, eventualmente, ser acauteladas em sede de comissão, não deixam de ser objecto de alguma referência neste Plenário, sobretudo por poderem não ir ao encontro do objectivo proposto pelo Partido Ecologista Os Verdes neste projecto de lei, conduzindo a soluções que não favorecem esses mesmos objectivos. Quero salientar alguns destes aspectos.
O primeiro tem a ver com a Comissão de Acompanhamento da Avaliação do Impacto Ambiental, porque se trata de criar uma superestrutura dependente do Ministério do Ambiente que provavelmente não teria as condições ideais para poder corresponder ao conjunto amplo de exigências que a evolução da legislação sobre o impacte ambiental irá permitir e também, provavelmente, de inculcar interesses contraditórios numa solução, que não vai no sentido de as decisões serem deferidas por maioria, ou por maiorias qualificadas, ou simplesmente por unanimidade. Há aqui interesses relativamente contraditórios que, porventura, poderão ser matéria de relevo numa decisão em matéria de impacte ambiental.
Vale a pena também salientar a questão dos pareceres não só das associações ambientalistas mas, sobretudo, o da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Esta é uma área que esta lei de impacte ambiental irá, sem margem para qualquer dúvida, envolver, porque é também a nível autárquico que muitos destes procedimentos ocorrem, pelo menos no alargamento que o Partido

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Ecologista Os Verdes prevê. É natural que a Associação Nacional de Municípios Portugueses tenha uma opinião clara e inequívoca sobre este mesmo diploma, e, neste aspecto, consideramos fundamental que possa pronunciar-se com alguma oportunidade, de modo a dar um contributo válido para esta discussão.
Por isso, sabendo nós que já foi entregue um requerimento na Mesa da Assembleia da República, sugerindo e suscitando que seja feita a votação, ainda hoje, no final da discussão deste diploma, não podemos deixar de suscitar ao Partido Ecologista Os Verdes a eventual ponderação de este diploma descer à 4.ª Comissão, sem votação. Mas, como é óbvio, é um direito que se lhes assiste e, se entenderem fazer a votação, iremos, com certeza, respeitar essa decisão.
Há ainda mais dois ou três elementos que gostaria de salientar sobre esta mesma matéria.
Dá-se um poder excepcional ao Ministério do Ambiente com o parecer final em relação a todas as matérias da avaliação do impacte ambiental. Há uma evolução significativa sobre isto, mas não está aqui ponderado um amplo conjunto de situações que mereceriam a devida reflexão.
Apesar de ser importante discutir a questão de alargar a outro conjunto amplo de projectos a aplicação da avaliação do impacte ambiental, é também importante verificar que, no pormenor, poderíamos estar a entrar em grandes contradições no que toca a situações que, com certeza, nuns casos serão relevantes e noutros, porventura, não merecerão, da avaliação do impacto ambiental, essa relevância.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, para pedir esclarecimentos, informo a Câmara de que, dentro de 10 ou 15 minutos, procederemos à votação requerida potestativamente pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, a primeira questão que quero colocar-lhe não será em jeito de pedido de esclarecimento mas de comentário.
É nosso entendimento que a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a ANAFRE devem ser ouvidas - e tivemos oportunidade de dizê-lo esta manhã na Comissão - bem como outros destinatários deste processo, designadamente as associações profissionais de carácter científico, os biólogos, os engenheiros do ambiente, a Associação Portuguesa de Recursos Hídricos e as associações de defesa do ambiente. E julgo que faz sentido a realização dessa audição depois da apreciação, na generalidade, deste diploma, por a discussão em sede de Comissão ficar enriquecida com esses contributos.
De qualquer modo, gostava de sublinhar que não estamos a falar de uma legislação recente mas de uma legislação cujo percurso muito cedo todos reconheceram ter de ser modificado. Aliás, referi na minha intervenção que o Partido Social Democrata, poucos meses depois de ter transposto a directiva visada, reconhecia, tendo colocado essa questão a nível do Programa do Governo, a prioridade que importava dar à alteração da lei. Portanto, em relação a esta matéria não há, em termos genéricos, grandes dúvidas quanto aos problemas existentes pelo que, na especialidade, poderemos encontrar melhores caminhos para chegar a uma lei clara e eficaz que sirva os objectivos em função dos quais foi criada.
Registo como um dado extremamente positivo desta discussão o consenso generalizado de que é má a lei que temos e que os estudos de impacte ambiental, sobretudo o processo de avaliação desse impacte ambiental, têm sido totalmente ineficazes quer do ponto de vista da sua falta de credibilidade pela não delimitação do respectivo âmbito e pela não clarificação das balizas pelas quais devem ser elaborados e orientados, quer do ponto de vista do processo, que é fechado, hermético, com uma linguagem que não permite a participação dos cidadãos individualmente considerados ou das associações, quer ainda pela falta de cuidado na concretização de obras para minimização dos impactes de alguns destes projectos. Logo, a minimização dos impactes não tem sido levada à prática nem acompanhada ou fiscalizada pela Administração Central como lhe compete fazer.
Em relação aos municípios, a que o Partido Social Democrata se referiu, estou de acordo que os mesmos têm de ser envolvidos. De qualquer modo, lembro-lhe, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, que os municípios, com este projecto de lei, passam a ser parceiros mais próximos de projectos em relação aos quais têm sido, contra sua vontade, alheados. Isso não se operará apenas de acordo com o nosso projecto de lei desde que seja concretizada, na especialidade, a comissão de avaliação de impacte ambiental mas em termos do próprio processo de consulta e do seu envolvimento em relação a questões que têm a ver com a responsabilidade política daqueles que têm de responder perante os cidadãos em relação ao território que administram. Assim, faz todo o sentido, em nossa opinião, que os municípios sejam parceiros privilegiados de todo este processo.
Em conclusão, diria que a lei que temos é má. Não há dúvidas sobre isso nem sobre a necessidade de alterá-la e julgo que os caminhos a seguir encontrar-se-ão na especialidade. Para nós, para todos os efeitos, há que não retardar este processo, não com prejuízo do não envolvimento de todos mas por termos consciência, em cada dia que passa, de um novo projecto, de um novo atentado, de mais uma malfeitoria, o que se paga caro. É isso que não queremos porque as lágrimas de crocodilo não servem para grande coisa e porque pensamos no futuro, sobre o qual há que agir.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Apesar de a Sr.ª Deputada Isabel Castro não ter formulado um pedido de esclarecimento mas uma intervenção, se o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho quiser, numa segunda intervenção, prestar qualquer esclarecimento, faça o favor.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a sua intervenção resumiu-se a um conjunto de questões genéricas relativas à formulação desta lei. Gostava de responder apenas a duas que não foram suscitadas directamente mas que merecem algum reparo.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Isabel Castro disse que a lei é má. A lei será má como todas as leis portuguesas o são no momento da sua revisão. Ou seja, não se trata de um elemento valorativo nem de tirar das leis ilações a posteriori quando tiveram um período de

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vigência importante na sociedade portuguesa e constituíram uma oportunidade para todos aqueles que se preocupam com o ambiente de poder contribuir dessa forma para uma evolução do Direito Constitucional português bem como da legislação ordinária que tem sido produzida relativamente ao ambiente.
Nesse aspecto, a lei não é má, foi antes precursora de um conjunto de informações pertinentes obtidas em relação, ao ambiente e, dessa forma, podemos também, em termos gerais, considerar que o ambiente em Portugal está razoavelmente melhor protegido hoje em dia do que o estava há 10 anos.
Vale a pena fazer outra referência: a Sr.ª Deputada Isabel Castro defende a oportunidade de os municípios serem melhor contemplados e protegidos do que no actual projecto de lei. Veremos se assim é ou não em função do parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Por essa razão é que nós, no PSD, consideramos pertinente conhecer a sua opinião relativamente a essa matéria e saber se esta é a melhor forma de a referida Associação intervir neste assunto. Do nosso ponto de vista, provavelmente, haverá outras soluções a adoptar, razão pela qual gostaríamos de conhecer melhor a opinião daquela Associação mas com certeza que, em sede de especialidade, evoluiremos nesta matéria.
Contudo, não posso deixar de enfatizar a importância de este diploma, não sendo agora votado, baixar à respectiva comissão especializada porque penso que o ambiente ganharia se todos os partidos políticos se pudessem pronunciar nessa comissão relativamente a esta matéria e não fosse necessário citar, em função do projecto de lei de Os Verdes, uma opinião de partida, pois vamos ser obrigados a pronunciar-nos na globalidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de fazer apenas dois comentários ao que o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho acabou de dizer. Diferimos na apreciação que fazemos pois entendo que a lei que tínhamos não é boa. Em relação a grande parte da legislação produzida, posso aceitar que, globalmente, seja positiva mas a ausência de qualquer preocupação por parte do anterior Governo em levá-la à prática tornou-a totalmente inócua e ineficaz e essa é também uma forma de dar cabo das leis, na realidade.
Por outro lado, os municípios serão ouvidos mas, se não quiserem ser parte integrante deste processo, não temos da sociedade nem da resolução dos problemas a visão autoritária de obrigar os outros ao que quer que seja. Logo, se não quiserem ser parceiros deste processo ou se entendem que devem estar de fora, obviamente que o estarão.
O Sr. Deputado sugeriu que este diploma não deveria ser votado agora mas há condições para que o seja e faremos uso do direito regimental que temos, ó que não inviabiliza de modo algum aquela que me pareceu ser a sua preocupação de melhorá-lo com contributos diversos - as associações de defesa do ambiente são parte integrante desse contributo, as associações profissionais também o são, as universidades terão igualmente algo a dizer - e julgo que esse processo não será beliscado pela votação, na generalidade, deste projecto de lei.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados já foram informados de que o Grupo Parlamentar Ecologista Os Verdes requereu, exercendo um direito potestativo, a votação deste diploma. Terminou o debate e há condições para esse efeito.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 185/VII - Novo Regime de Avaliação de Impacte Ambiental(Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS, do PSD e do CDS-PP.

Informo os líderes parlamentares de que a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, convocada para as 17 horas e 30 minutos, havendo consenso, pode ter lugar desde já.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, presumo que este projecto de lei baixa à 4.º Comissão, não é assim?

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado. Obrigado por lembrá-lo.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 15 horas, e, terá como ordem do dia o debate sobre o estado da Nação.
Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
António Bento da Silva Galamba.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Raimundo Pedro Narciso.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís Carlos David Nobre.

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Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Castro de Almeida.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
João Calvão da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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