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Sexta-feira, 18 de Outubro de 1996 I Série - Número 2
DIÁRIO
Da Assembleia da república
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE OUTUBRO DE 1996
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei
n.os 61 e 62/VII, da proposta de resolução n.º 26/VII, dos projectos de deliberação
n.os 26 e 27/VII e do projecto de lei n.º 231/VII, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando a retoma do mandato de um Deputado do PS.
Deu-se ainda conta do pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado do CDS-PP Silva Carvalho.
Sob a forma de interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) protestou pela forma como o Sr. Ministro da Solidariedade e da Segurança Social respondeu a um requerimento formulado pelos Deputados do PSD eleitos pelo distrito de Viana do Castelo sobre a situação da Santa Casa da Misericórdia de
Vila Nova de Cerveira.
O Sr. Presidente anunciou a presença, na tribuna diplomática, do Presidente da Assembleia da República de Moçambique, acompanhado de uma delegação composta por representantes de todos os partidos com assento na mesma Assembleia, e deu conta
da assinatura de um protocolo entre os Parlamentos português e moçambicano.
O Sr. Presidente informou a Câmara da operação ao coração a que vai ser submetido e os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Luís Marques Mendes (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes) manifestaram, em nome das respectivas bancadas, votos de um rápido regresso do
Sr. Presidente Almeida Santos às suas junções, ao qual se associou o Governo, através do Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino).
Em declaração política, o Sr. Deputado Sérgio Ávila (PS) congratulou-se com a vitória do Partido Socialista na eleição regional dos Açores e respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Lotando Gonçalves e Reis Leite (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) criticou o Governo pela proposta de lei do Orçamento do Estado para 1997, recentemente entregue na Assembleia, bem como pelas medidas tomadas por este de combate à fraude e à evasão fiscais, tendo respondido a um pedido de esclarecimento do
Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira (PS).
A Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia (PS) referiu-se à forma como está a desenrolar-se o processo de regularização extraordinária de imigrantes. Respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Miguel Macedo (PSD) e Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
O Sr. Deputado Duarte Pacheco (PSD) fez, uma análise da actuação do Governo, durante o primeiro ano de mandato, na zona Oeste do distrito de Lisboa. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Cordeiro (PS).
O voto n.º 44/VII - De saudação pela forma como decorreram as eleições nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (PS) foi aprovado, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Sena Lino (PS), Correia de Jesus (PSD), Ruben de Carvalho (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP) e Guilherme Silva (PSD).
Foi também aprovado o voto n.º 45/VII - De protesto contra a realização de uma simulação sísmica ao largo do Porto. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Filipe Menezes (PSD), Jorge Loção (PS), Augusto Boucinha (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), João Amaral (PCP), José Saraiva e Eurico Figueiredo (PS), Nuno Abecasis (CDS-PP), Álvaro Amaro, Manuel Moreira e Carlos Coelho (PSD) e Pedro Baptista (PS).
Ordem do dia. - Procedeu-se à votação do inquérito parlamentar n.º 45/VII - Ao acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champallimaud (PCP), que foi aprovado, do projecto de
Renovação de assinaturas: ver informação na última página
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resolução n.º 30/VII - Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 63/96, de 28 de Maio, que aprova o processo de reprivatização do capital social da Tabaqueira - Empresa Industrial de Tabacos. S. A. [ratificação n.º 21/VII (PCP)], que foi rejeitado, e dos projectos de deliberação n.ºs 24/VII - Prorroga o prazo fixado pela Deliberação n.º 12-PL96, tendo feito declaração de voto o Sr. Deputado Luís
Marques Guedes (PSD), e 26/VII - Prorrogação do funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, ambos da iniciativa do Presidente da Assembleia da República, que foram aprovados.
Os projectos de lei n.º s 173/VII - Utilização do papel reciclado pela Administração Pública (PS) e 216/VII - Regime de promoção do uso de papel reciclado (Os Verdes) foram também aprovados, na generalidade.
A Câmara aprovou ainda um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado a depor como testemunha em tribunal.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 58/VII - Visa criminalizar condutas susceptíveis de criar perigo para a vida e integridade física, decorrente do uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, no âmbito de realizações cívicas, políticas, religiosas, artísticas, culturais ou desportivas e do projecto de lei n.º 222/VII - Altera o regime de uso e porte de arma (PSD). Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa), os Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD), Marques Júnior (PS), Miguel Macedo (PSD), Odete Santos (PCP), Luís Queiró (CDS-PP), Antonino Antunes (PSD) e Osvaldo Castro (PS).
Por fim, foi apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 40/VII - Associações representativas dos municípios e das freguesias (PS). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Rato (PS), Manuel Moreira e Gonçalves Sapinho (PSD), Carlos Sá Correia (CDS-PP) e José Calçada (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobao.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dotes Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.,
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martím Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.
Partido Social-Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
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Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortagua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Herminio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvao da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Gonçalves Sapinho.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luc1ia Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Augusto Torres Boucinha.
Carlos Manuel de Sá Correia.
Fernando José de Moura e Silva.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que foram apresentados à Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.os 61/VII - Alteração dos Estatutos da Radiotelevisão Portuguesa, S. A., e 62/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras), que baixaram à 1.ª Comissão; proposta de resolução n.º 26/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Parceria e Cooperação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-membros, por um lado, e a Ucrânia, por outro, e respectivos Anexos e Protocolos, bem como a Acta Final com as Declarações, assinado no Luxemburgo em 14 de Junho de 1994, que baixou às 2.ª e 9.ª Comissões; projectos de deliberação n.os 26/VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição (da iniciativa do Sr. Presidente da AR) e 27/VII - Regime de promoção do uso de papel reciclado (Os Verdes); e projecto de lei n.º 231/VII - Abertura à iniciativa privada do sector das telecomunicações (PSD), que baixou às 1.ª e 5.ª Comissões.
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Na sessão plenária de 10 de Outubro, ao Ministério da Solidariedade e Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Sérgio Sousa Pinto e Jorge Ferreira; aos Ministérios da Justiça, da Economia e para a Qualificação e o Emprego, formulados pelo Sr. Deputado Gonçalves Sapinho; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, do Ambiente e da Ciência e Tecnologia, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; aos Ministérios da Saúde e da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; e ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis.
Na reunião plenária de 11 de Outubro, ao Sr. Primeiro-Ministro e à Secretaria de Estado do Desenvolvimento
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Regional, formulados pelo Sr. Deputado Victor Moura; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Serrasqueira; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e António Germano Sá e Abreu; e ao Ministério da Solidariedade e Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.
Na reunião plenária de 15 de Outubro, ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado João Carlos Duarte; ao Ministério da Economia e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Macário Correia; e ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Entretanto, o Governo, em 19 de Setembro, respondeu a diversos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Afonso Lobão, na sessão de 2 de Maio; Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 11 de Junho; Heloísa Apolónia, no dia 18 de Junho; Mota Amaral, na sessão de 25 de Junho; Isabel Castro, na sessão de 3 de Julho; Lucília Ferra, na sessão de 11 de Julho; Jorge Ferreira, na sessão de 12 de Julho; Paulo Portas, no dia 23 de Julho; Fernanda Costa, no dia 30 de Julho; e Nuno Correia da Silva, no dia 16 de Agosto.
Srs. Deputados, informo ainda que deu entrada na Mesa um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do seguinte teor:
Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 17 de Outubro de 1996, pelas 14 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte retoma de mandato de Deputado:
Retoma de mandato de Deputado nos termos do artigo 6 º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 11 de Março).
Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS):
Sérgio Ávila (Círculo Eleitoral dos Açores), a partir de 17 de Outubro corrente, inclusive, cessando José Maria Teixeira Dias.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que a retoma do mandato indicada obedece aos preceitos regimentais e legais.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: a retoma do mandato em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deu ainda entrada na Mesa uma carta de renúncia ao mandato, do seguinte teor:
Manuel Maria Mendonça Silva Carvalho, Deputado eleito pelo Círculo do Porto, vem, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, apresentar a renúncia ao mandato de Deputado a partir desta data.
Lisboa, 17 de Outubro de 1996.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, no uso de um direito regimental, os Deputados do PSD eleitos pelo distrito de Viana do Castelo apresentaram um requerimento ao Sr. Ministro da Solidariedade e da Segurança Social sobre a situação da Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Cerveira. Na resposta, o Sr. Ministro refere que um dos Deputados requerentes foi membro da Mesa daquela Santa Casa, insinuando, portanto, que será também responsável pelas dificuldades que aí se verificam.
Sr. Presidente, trata-se de uma acusação falsa e mentirosa, a que o Sr. Ministro não deveria recorrer para esconder a sua impreparação. Aos Deputados assiste-lhes o direito de questionar o Governo e ao Governo a obrigação de responder com rigor e com verdade às questões que lhe são colocadas e não com evasivas e com mentiras, que repudiamos e que contrariam a postura de diálogo que o Sr. Primeiro-Ministro tanto apregoa.
Farei chegar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o assunto, para que o Sr. Ministro faça prova das afirmações que subscreveu.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ª sabe, não fez uma interpelação mas, sim, um protesto, no uso de um direito que o Regimento lhe confere.
O Governo está presente, portanto, se quiser, tem o direito de contraprotestar, mas, se não quiser, aguardarei o seu requerimento e, depois, veremos o seguimento a dar-lhe.
Srs. Deputados, tenho o grato prazer de vos anunciar que se encontra a assistir aos nossos trabalhos Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República de Moçambique, acompanhado de uma delegação composta por representantes de todos os partidos com assento na mesma Assembleia, que estão de visita ao Parlamento português.
Nada me podia dar mais alegria do que ter esta oportunidade de os ter connosco. Tenho a certeza de que todos os Deputados comungam da mesma alegria.
Assinámos hoje um importantíssimo protocolo, que vai ser um valioso instrumento de trabalho no plano da cooperação entre os Parlamentos português e moçambicano e, com base neste instrumento, creio que a cooperação em geral entre os nossos países e os nossos povos poderá também sofrer um incremento e um desenvolvimento.
Espero que a delegação de Moçambique se sinta bem no meio de nós e teremos muito gosto que levem daqui uma recordação agradável. Voltem mais vezes, porque, sempre que vierem, fazemos votos e desejamos, que se sintam como se estivessem em vossa casa.
Moçambique é um país não apenas amigo mas também irmão de Portugal e o futuro das nossas relações de cooperação e amizade vai ficar marcado na história do próximo futuro.
Saudemos a delegação de Moçambique.
Aplausos gerais, de pé.
Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, uma informação que não é tão agradável: cumpro o dever de informar o Parlamento que, após um exame de rotina, contra tudo aquilo que era de esperar, cheguei à conclusão de que preciso de «recauchutar» as artérias que insuflam o sangue no meu velho e cansado coração.
Não é uma operação de alto risco, mas é uma operação de algum risco; é sempre uma operação de peito aberto, embora de coração fechado. Mas estou convencido de que,
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com as técnicas modernas, acabarei por ficar em condições de vos continuar a infligir a minha presença durante mais alguns anos.
Vejam até que ponto eu faço questão de levar a minha solidariedade com o nosso camarada Manuel Alegre e com o meu amigo Jorge Sampaio!
Risos.
Quase chego à convicção de que o político que se preza tem de fazer a sua operaçãozinha ao coração, quando atinge uma certa idade.
Mas não estejam preocupados, porque ainda não é desta que se vão ver livres de mim. E, como dizia, há pouco, o Sr. Deputado Mota Amaral, isto é o preço de quem faz política com o coração. Se calhar, é!
Informo que darei entrada no Hospital da Cruz Vermelha na próxima segunda-feira, serei operado pelo médico Manuel Pedro de Magalhães, de quem tenho a fortuna de ser sogro - ele é um excelente cirurgião torácico, por isso estou em boas mãos -, e espero estar de volta dentro de duas ou três semanas.
Creio que não há mais informações a dar. Sem dramatismo, espero que tudo corra bem, mas, se não correr, bye-bye. De qualquer modo, quero que tenham a certeza de que vou sentir, saudades vossas, pelo menos até ao início da operação. Depois se verá!
Aplausos gerais, de pé.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Meu caro Presidente, meu e nosso querido amigo Almeida Santos, agradecemos a forma extremamente desdramatizada, mas, ao mesmo tempo, tão humanizada, como nos informou da operação a que vai ser sujeito.
Sr. Presidente da Assembleia da República, creia que estaremos inteiramente consigo em todos estes momentos; creia que, da nossa parte, de coração aberto, o acompanharemos em permanência; creia, Sr. Presidente, que sabemos e compreendemos que as instituições da República devem ter um cunho fortemente humanizado e que os titulares dessas instituições, sendo pessoas, devem, por isso mesmo, pelos valores da afectividade e da emoção, para além dos da razão, partilhar também connosco, e todos nós uns com os outros, os momentos difíceis pelos quais algumas vezes na vida temos de passar.
Sr. Presidente, nosso extremo amigo Almeida Santos, vamos estar sempre consigo e queremos que volte rapidamente.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Obrigado, meu querido amigo! Já vi que entro na sala de operações cheio de mimo!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, é também para, de uma forma breve e na linha do que foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, dizer o seguinte: política à parte, em meu nome pessoal e em nome de toda a bancada a que presido, agradecemos a franqueza da informação que transmitiu à Câmara; registamos com muito satisfação a forma tranquila como colocou a questão, o que significa um indício muito positivo; e, sobretudo, desejamos, com a maior das sinceridades, que tudo corra depressa e bem.
Política à parte, e para além de todas as divergências políticas, sempre salutares, registamos com um grande gosto que tudo se restabeleça rapidamente e que, com o coração «recauchutado», continue aqui connosco a prestigiar a Assembleia. Temos muito gosto em voltar a tê-lo cá novamente dentro de algum tempo, ainda com mais sangue novo, mais «recauchutado» e continuando sempre com a mesma disposição de hoje.
As melhoras para V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado!
Aplausos gerais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, permita-me que, com alguma ironia, lhe diga que não é só no Partido Socialista que se faz política com o coração. Eu sou um exemplo de que assim é e por isso também estou em condições de manifestar a minha solidariedade.
Devo dizer-lhe, Sr. Presidente, que não preciso de pôr a política à parte, porque V. Ex.ª é um valor nacional, qualquer que fosse o partido onde estivesse. E é, aliás, porque há riquezas em todos os partidos que a democracia se enriquece.
Não estamos a tratar de política nem de democracia, estamos a tratar de humanidade e de amizade. E com todo o coração lhe quero dizer que vamos rezar por si e temos a certeza de que o teremos de regresso dentro de muito pouco tempo.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, é para, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, desejar que a intervenção a que vai ser submetido corra da melhor forma e, certamente, sem riscos.
Esperamos que regresse muito rapidamente, porque iremos ficar atentos em relação ao período que mediará até ao seu regresso, porque não vamos colaborar para que V. Ex.ª possa aproveitar essa situação para castigar os Vice-Presidentes, obrigando-os a dirigir os trabalhos na altura da discussão do Orçamento do Estado, na especialidade.
Sr. Presidente, descanse, recupere, mas venha a tempo!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Espero regressar a tempo e faço questão de afirmar que sou grande amigo de todos os Vice-Presidentes e, por isso, nunca lhes faria uma partida dessas.
Risos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero também dizer-lhe que espero, sinceramente, que a sua «reciclagem» corra bem, que fique em «bom estado» e que regresse de novo. Não o invejo. Apesar de, eventualmente, estar na moda, para alguns políticos em Portugal, as operações ao coração, ainda não fiz nenhuma e não aspiro a tal, mas desejo vivamente que tudo corra bem e que regresse tão bem disposto quanto hoje está.
Aplausos gerais.
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O Sr. Presidente: - A vossa boa disposição ajuda-me a enfrentar a operação, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.
O Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino): Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Seja permitido ao Governo comungar dos votos que acabam de ser expressos a V. Ex.ª. Fazêmo-lo com a razão e com o coração para que V. Ex.ª, depressa, ponha bom o seu coração, para podermos continuar a beneficiar da sua razão. Nesse sentido, gostaria de formular-lhe, em meu nome pessoal, os melhores votos de um grande sucesso na operação e de uma rápida recuperação.
Uma nota adicional: quis V. Ex.ª comunicar à Câmara o hospital onde vai ser operado.
É uma instituição prestigiada que está sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional.
Risos.
Assim, tem V. Ex.ª a retaguarda completamente protegida!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Presidência, muito obrigado pela garantia institucional - bem preciso dela, como calcula - e, sobretudo, pela sua amizade.
Muito obrigado a todos. Estarei de regresso brevemente, «recauchutado», como dizem, pronto a continuar a impor-vos, repito, a minha presença.
Muito obrigado.
Srs. Deputados, vamos dar início ao período das declarações políticas.
Encontram-se inscritos os Sus. Deputados Sérgio Ávila e Jorge Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ávila.
Aplausos do PS.
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O dia 13 de Outubro de 1996 ficará para sempre mareada na memória dos açorianos como uma data em que se concretizou a mudança, há muito esperada, com a vitória do Partido Socialista. Uma mudança, rumo a uma nova autonomia...
Aplausos do PS.
... que não se conformará com a evolução negativa que se tem vindo a observar nas ilhas, com efeitos nas empresas, na falta de empregos e na progressão de fenómenos de pobreza e exclusão social.
O PS foi durante 20 anos uma oposição séria, construtiva e que se bateu na defesa dos seus ideais e dos interesses legítimos das regiões autónomas. Sempre respeitámos os resultados eleitorais, sabendo assumir as nossas responsabilidades na oposição. Esperamos que o PSD compreenda que o poder não é eterno e saiba respeitar a vontade popular.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O programa eleitoral que o PS propôs e que os açorianos votaram maioritariamente assenta muito claramente em quatro vectores, a saber: criar uma nova relação, restaurando-se a confiança entre o Governo regional, a administração regional e os açorianos; desenvolver um relacionamento entre os órgãos regionais e o Governo e a Assembleia da República baseado na lei, na estabilidade e na cooperação em defesa e aprofundamento das conquistas autonómicas; promover uma nova energia na política económica e social na Região, através da potenciação dos recursos financeiros públicos, da mobilização do sector económico privado e do voluntariado social numa acção conjugada; garantir a igualdade dos açorianos perante a lei, publicitando e fiscalizando as decisões da administração, de forma a assegurar a transparência dos respectivos processos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em suma, os Açores optaram por um projecto que se propõe reconciliar os açorianos com as suas instituições de Governo, enveredando por uma nova autonomia que permita o rejuvenescimento da vida política, social e económica e a consolidação das conquistas autonómicas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A especificidade do sistema eleitoral dos Açores originou que uma maioria muito significativa no número de votos (45,8%) não tivesse a mesma correspondência directa no número de Deputados. No entanto, tal como se demonstrou no continente, esta situação não irá impedir o PS de concretizar as suas propostas, pois o PS é um partido onde o diálogo constitui vector fundamental da sua acção política e esta vitória do PS representa uma vitória dos açorianos e da sua vontade de diálogo.
Aplausos do PS.
Este resultado eleitoral não constitui em si um objectivo final mas é, sim, o princípio de uma longa caminhada na qual se pretende restituir aos açorianos esperança e confiança num futuro melhor. Sabemos que a tarefa não é fácil. Após 20 anos, o PSD deixou os Açores com graves e profundos problemas, sem soluções e estratégia de desenvolvimento, tendo criado uma sociedade inteiramente dependente do poder tutelar da administração regional, uma sociedade onde á dependência e consequentemente o medo limitou a participação activa dos cidadãos na vida política e social.
É este também um desafio do PS: libertar uma sociedade condicionada, promovendo a tolerância e a igualdade de oportunidades, olhando de igual forma todos os açorianos, independentemente da sua cor partidária.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os açorianos sabem que ninguém mais do que os socialistas sofreram os custos da marginalização e que têm valores ideológicos e a coragem de não permitir que façam aos outros aquilo que fizeram a eles.
Aplausos do PS.
É esta a nova forma de estar na política que pretendemos trazer à sociedade açoriana.
O aumento crescente e assustador do desemprego, o défice dos orçamentos correntes progressivamente crescente, o montante verdadeiramente incomportável da divida pública (que neste momento supera claramente o PIB
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regional), o ritmo de crescimento da dívida pública directa (mais de 1800%, de 1985 a 1995), a situação de falência de muitas empresas motivadas apenas pelo incumprimento por parte da administração regional dos seus compromissos, a existência de situações cada vez mais preocupantes de pobreza e exclusão social, são situações que impõem que todos os açorianos se unam em volta deste projecto, pois os desafios são grandes e difíceis e só com a colaboração de todos é possível construir um futuro melhor.
A «onda rosa» que invadiu o País em 1 de Outubro de 1995 chegou agora aos Açores, contribuindo para que se alargue a um maior número de portugueses o espírito de solidariedade, confiança e diálogo que tem caracterizado o Governo do PS; no entanto, esta onda não pára e tenho a certeza de que as autárquicas de 1997 contribuirão para o crescimento desta vaga de tolerância e de solidariedade.
Gostaria de deixar também uma mensagem solidária para com os socialistas da Madeira, afirmando muito claramente que vale sempre a pena batermo-nos pela liberdade, pela tolerância e pela democracia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não posso também deixar de prestar uma homenagem muito sentida a todos quantos durante a sua vida lutaram e trabalharam por este objectivo concretizado a 13 de Outubro, mas que o destino não permitiu chegar com vida a esta data. Foi também o seu esforço e o exemplo que serviu de motivação ao trabalho de todos nós.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quero, por último, homenagear todos aqueles que sonharam que um dia fosse possível um pai não ter de pedir ao seu filho para não se inscrever num partido político por isso poder pôr em causa o seu futuro. Por ter a certeza que esse dia chegou,...
Aplausos do PS.
... sinto-me satisfeito e acredito no futuro dos Açores, que é como dizer no futuro de Portugal.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se inscreveram, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lalanda Gonçalves e Reis Leite.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lalanda Gonçalves.
O Sr. Lalanda Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Ávila, antes de mais, muitos parabéns pela sua eleição como Deputado à Assembleia Legislativa Regional.
Gostaria de dizer-lhe que o seu discurso peca por duas grandes falhas. Começou por congratular-se com a democracia e com a liberdade e terminou o discurso a dizer que terminaram os tempos em que os pais pediam aos filhos para não se inscreverem num partido, a fim de não prejudicarem o seu futuro.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Tal e qual!
O Orador: - Sou cidadão de uma região livre, de um país livre e se alguma coisa existiu na Região Autónoma dos Açores durante os últimos 20 anos, Sr. Deputado, foi liberdade.
Aplausos do PSD.
Segundo erro, Sr. Deputado: sejamos humildes nas vitórias e nas derrotas. O Partido Social Democrata assume com humildade o resultado eleitoral,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Também era melhor!
O Orador: - ... aceita perfeitamente a vitória, em votos, do Partido Socialista, como foi dito na noite das eleições, mas não abdica do projecto que, ao longo de 20 anos, arrancou os Açores de um atraso inacreditável, apesar de todos os problemas de desenvolvimento, para a situação actual da região, que orgulha o nosso país.
Aplausos do PSD.
Gostaria também de dizer ao Sr. Deputado que espero que tenha um comportamento para com o Governo central de relacionamento e cooperação, mas que não seja de abdicação dos valores fundamentais de autonomia regional,...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... sob pena de já começar-se a ver indiciar na questão orçamental o adiar permanente das soluções que o Sr. Deputado sabe que estão a ser encontradas, e consensualmente nalguns domínios, em matéria de finanças regionais e noutras que dizem respeito à região. O que peço ao Sr. Deputado e à sua bancada é que não adoptem nunca o comportamento da abdicação e do aceitar a «onda rosa» ou qualquer outra «onda» do continente.
Sr. Deputado, o mar que bate nos Açores é livre, não é de ondas rosas ou de qualquer outra cor!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Ávila, deseja responder já?
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Não, Sr. Presidente. Respondo depois do outro pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Reis Leite.
O Sr. Reis Leite (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ouvi com atenção e com gosto o discurso do meu colega, Sr. Deputado Sérgio Ávila, e também eu, antes de tecer algumas considerações, começo por felicitá-lo pelo êxito do Partido Socialista nos Açores e pela sua eleição para a Assembleia Legislativa Regional.
No entanto, o Sr. Deputado, ao fazer a sua declaração política, foi pouco cauteloso, porque é bom ter em consideração que a
«onda rosa», como diz, chegou desmaiada aos Açores! É uma onda, mas é uma ondazinha. Nas ilhas, estamos habituados a ondas bem mais fortes do que a conda rosa» que lá chegou!
Risos do PSD.
Gostaria ainda de dizer-lhe que deve ser pela sua pouca idade que diz que o Partido Socialista viveu marginalizado nos Açores. O Partido Socialista, muitas vezes, marginalizou-se dos problemas açorianos,...
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... e, se não se lembra da história e do passado do seu partido nos Açores, um dia poderemos conversar sobre isso e recordar-lhe-ei as várias vezes em que houve marginalização dos problemas açorianos pelo Partido Socialista nos Açores. Mas tudo isto é passado, só falei porque o senhor referiu o assunto. O que é preciso é que a nova maioria socialista nos Açores tenha em consideração duas coisas, se lhas posso dar de conselho.
Primeira, o Partido Socialista tem nos Açores uma maioria relativa, relativíssima, em número de votos, e vai ter de encontrar formas de estabilizar o Governo Regional dos Açores no Parlamento. É para isto que apelo.
O Partido Social Democrata já afirmou que respeita a nova maioria nos Açores e já disse que será uma oposição consciente e construtiva para os Açores. Esperemos que a maioria relativa não seja uma maioria demolidora dos Açores!
Segunda, quanto à maneira como o Partido Social Democrata deixou os Açores, também não posso deixar de dizer-lhe que o PSD o deixou muito bem, deixou não uma pesada herança mas uma belíssima herança para a maioria que vai governar os Açores. Assim saibam os senhores continuar os caminhos de liberdade, de progresso e de construção de uma região autónoma que tem sido exemplo a nível da própria Europa - não se esqueçam disso e não se esqueçam do que são os Açores. Deixem-se de retóricas e governem os Açores como os açorianos o merecem!
Era isto que gostava de dizer-lhe, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ávila, dispondo, para o efeito, de 5 minutos.
O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Reis Leite.
Quanto à herança, não vamos estar aqui a discutir a qualidade da herança, porque ela existe e vamos assumi-la com convicção, fazendo a melhor política que pudermos. Mas não acredito que a herança seja assim tão boa, sob pena de os açorianos se terem realmente enganado.
No que toca à «onda» ser ou não esbatida, não vou estar a discutir cores, mas penso que 45,8% é significativo em qualquer parte do mundo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A terceira questão, que, em meu entender, é a central, tem a ver com as relações com o Governo da República. Desde sempre assumimos a defesa dos interesses da autonomia, sem exageros, com convicção e a acreditar naquilo que defendíamos. E provámos, este ano, que, apesar de estarmos na oposição e de não se estar a identificar qual seria o governo para o futuro, houve aumentos e conquistas sem precedentes na história recente desta Assembleia e do Governo da República.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quando me diz que queria este ano mais, mais e mais, sei que seria sempre pouco para aquilo que os senhores desejavam. Agora, o que temos de fazer é uma comparação clara com o passado e aquilo que pensamos é que o futuro será melhor. E mais: se tivemos, na oposição, capacidade de exigir, perante o Governo da República, determinados compromissos que foram assumidos eleitoralmente, agora, que estamos no poder, teremos muito mais força, muito mais convicção e muito mais representatividade para aumentar cada vez mais essas conquistas feitas, relembro, desde 1 de Outubro de 1995.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente da Assembleia da República, permita-me que comece por desejar-lhe que rapidamente regresse revigorado ao convívio do Parlamento e de nós todos...
O Sr. Presidente: - Obrigado.
O Orador: - ... e que não dê mais relevância ao facto de se submeter a uma intervenção cirúrgica, porque se trata apenas de um breve intervalo e não mais do que isso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do que se julga, o Governo Socialista não entregou na Assembleia da República o Orçamento do Estado para 1997. O que o Governo fez foi entregar um Orçamento do Estado parcial acompanhado de um pacote de autorizações legislativas.
Longe vão os tempos em que o Orçamento do Estado era definido pelos professores de Finanças Públicas como uma previsão anual das despesas e das receitas públicas. O Governo Socialista acaba de revolucionar esta teoria, adoptando a definição segundo a qual um Orçamento do Estado é a previsão anual das despesas públicas e das autorizações legislativas necessárias à criação das receitas públicas, isto é, dos impostos que vierem a revelar-se necessários para cobrirem as despesas que forem sendo efectuadas.
De facto, de uma primeira leitura da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1997, conclui-se surpreendentemente que ela contém cerca de 50 autorizações legislativas a usar se e quando o Governo, política, conjuntural e caprichosamente, entender que o deve fazer. Onde estarão os adeptos do puro parlamentarismo do Partido Socialista? Por outras palavras, para o Governo socialista, o Orçamento não é para se fazer mas para se ir fazendo. Ou seja, o PS está a governar o gerúndio e não Portugal.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - É preciso pôr, desde já, os pontos nos is: ao Parlamento não compete autorizar que o Governo vá fazendo um Orçamento ao longo do ano; ao Parlamento compete, sim, aprovar o próprio Orçamento.
Nunca os governos do Professor Cavaco Silva foram tão longe nos cheques em branco que pediram ao Parlamento em matéria de Orçamento.
Protestos do PS.
Compreendo que isto vos doa, Srs. Deputados da maioria,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Já sangramos!
O Orador: - ... mas vão ter de ouvir a verdade.
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O Governo está a pedir que a Assembleia da República finja ou faça de conta que está a discutir as soluções fiscais que o Governo não quis, não soube ou não pôde encontrar a tempo.
Devo avisar desde já que não contarão com o Partido Popular para alinhar nesta farsa que se pretende montar na Assembleia da República. Que o Governo queira governar à vista, de forma casuística, prosaica, ligeira, é um problema que os portugueses resolverão nas próximas eleições, sejam lá quando forem. Mas pedirem-nos para ser figurantes, ainda que activos, de uma peça tosca e perigosa, cujo guião nem sequer é completamente conhecido, para isso, não contem com o Partido Popular!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, entrou mal o Governo com o Orçamento. Mas as surpresas, ainda e sempre, do lado dos impostos não ficam infelizmente por aqui. É que o Governo socialista acaba de anunciar que os trabalhadores da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e da recém-criada Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros passarão a receber comissões por recuperação de dívidas fiscais.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Exactamente!
O Orador: - Se esta inovação não fosse perversa, daria vontade de rir.
De facto, pensemos no verdadeiro paraíso que séria um sistema de ensino em que os professores recebessem comissões pelas notas dadas aos alunos para, nas palavras de um virtual Secretário de Estado da Educação, «implicar os trabalhadores do ensino no sucesso da escola».
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Ou pensemos até no que seria um hospital em que os médicos recebessem comissões pelo número de doentes atendidos ou curados para, nas palavras de um virtual Secretário de Estado da Saúde, «implicar os trabalhadores no sucesso do combate à doença». Está bem de ver que, a curtíssimo prazo, deixaríamos de ter função pública para passarmos a ter «gula pública». Não haveria país ou povo que aguentasse um sistema destes.
O problema é que não é virtual o Secretário de Estado que hoje afirma a um matutino - e cito - que, para «implicar os trabalhadores de impostos no sucesso do combate à grande evasão fiscal, é preciso criar um sistema persecutório e perverso de funcionamento da administração fiscal».
É necessário combater a fraude e a evasão fiscais. Não temos dúvidas disso e apoiaremos todos os esforços sérios nesse sentido. Mas é preciso que haja governantes com bom senso que saibam combatera fraude e a evasão fiscais através de reformas eficientes e sadias e não de remendos artificiais, doentios ou policiescos. É preciso lembrar que o Tratado de Maastricht não exige tanto! Calma, senhores «maastrichtianistas». Não o sejam com excesso de zelo!
A gravidade desta medida não consente brincadeiras. Basta imaginar um funcionário da administração fiscal que tenha o poder de escolher o montante das multas a aplicar entre um mínimo e um máximo: doravante, é óbvio que o Governo Socialista está a estimular indirectamente os funcionários a aplicarem o limite máximo. Imaginem, Srs. Deputados, o que não seria se alguém nesta Câmara propusesse que os juizes deveriam receber uma comissão por cada pena de prisão sentenciada em processo-crime. Está bem de ver que o Código Penal deixaria de ter medidas legais de pena e passaria a ter penas únicas para cada tipo de crime de forma a receber do juiz a maior comissão possível.
Ainda estão a tempo de evitar esta distorção. Governem e ponham a administração fiscal a funcionar se forem capazes. Foi para isso que foram eleitos e é isso que o país vos exige. Façam-no!
Aplausos do CDS-PP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, compreendo que V. Ex.ª sinta alguma satisfação pelo recente êxito eleitoral e político dos anti-«maastrichtianos» da direita austríaca.
Risos do PS.
Por outro lado, aconselho V. Ex.ª a reflectir sobre o que disse quanto à integração no Orçamento de propostas de autorização legislativa e a compará-lo com outros Orçamentos, bem como com declarações feitas por Deputados do CDS-PP ao longo dos anos, sem esquecer o tempo em que participou no Governo. É que V. Ex.ª, com a acuidade que sempre demonstra ter por estes assuntos, certamente chegará a uma conclusão diferente da que hoje apresentou.
Gostava ainda de saber se não considera que são aspectos positivos deste Orçamento a diminuição do défice, o caminho para a redução da dívida, o não agravamento da estrutura dos impostos, o controlo da inflação, o aumento do investimento e a criação de empregos. Se V. Ex.ª considera que estes aspectos são positivos e, uma vez que fazem parte integrante deste Orçamento, deveriam merecer um elogio da sua parte.
No ano passado, alguns Deputados que não pertencem ao partido de V. Ex.ª mas a outros, levantaram o problema da não exequibilidade do Orçamento mesmo em termos de receitas fiscais. Acontece que, como certamente sabe, as receitas fiscais cobradas estão globalmente acima das receitas fiscais orçamentadas até este momento. Portanto, não s6 foi exequível como, ainda sem terem entrado em vigor os métodos indiciários, o Orçamento, em termos de execução, avançou mais do que o previsível.
Convinha também que clarificasse o seu pensamento. Será que as reformas fiscais devem fazer-se através do Orçamento ou deste devem constar apenas alguns aspectos urgentes de carácter fiscal, procedendo-se de outra forma em relação à reforma fiscal? Também contamos com o partido de V. Ex.ª para, como fez há um ano, contribuir para a melhoria do sistema fiscal.
V. Ex.ª diz que é contra a fraude e a evasão fiscais. De que forma quer combater a fraude e a evasão fiscais se aparentemente não apresenta qualquer sugestão, limitando-se apenas a fazer críticas vagas e ligeiras sem qualquer ligação com o Orçamento?
Sr. Deputado Jorge Ferreira, esperamos da parte do PP, como em tempos idos, um contributo positivo e sólido para a discussão do Orçamento e que não se sirva de declarações avulsas para sobre elas fazer comentários que nem sempre são os mais objectivos.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, vou abusar mais uma vez da figura regimental da resposta a pedido de esclarecimento, uma vez que não foram pedidos quaisquer esclarecimentos. Em todo o caso, e pedindo à Mesa que me consinta este pequeno abuso, gostava de começar por retomar a parte final das observações do Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
No que diz respeito às nossas contribuições para o Orçamento do Estado para 1996, em devido tempo, informá-lo-emos do seu destino e, portanto, solicito a V. Ex.ª que tenha um pouco mais de paciência e aguarde por esse momento que, não duvide, chegará. Portanto, quanto a essa parte, julgo que não perdemos em aguardar mais alguns dias.
Quanto às sugestões, também pode ficar tranquilo. Pensamos, aliás, pelo que já lemos, que esta proposta de orçamento parcial e de pacote de autorizações legislativas exige muito mais sugestões do Partido Popular do que exigia o anterior Orçamento do Estado. Por isso, também esperamos poder afirmar com segurança que não o desiludiremos em matéria de sugestões e de contribuições para melhorar, eu diria, quase transformar a proposta de lei do Orçamento em algo positivo para o País, o que está longe de acontecer. A seu tempo, quando começarmos a discutir o Orçamento, V. Ex.ª não ficará certamente desiludido com a qualidade e a quantidade das sugestões que vamos apresentar.
Sobre a reforma fiscal, não tenho qualquer divergência de fundo com V. Ex.ª. Se calhar, sobre a carga fiscal, já temos muitas divergências. É que V. Ex.ª, provavelmente, como socialista que é, e coerentemente, acha que a carga fiscal é correcta, eu acho o contrário. A situação piora quando, para garantir a carga fiscal que VV. Ex.as, como apoiantes de um governo socialista, sustentam, descobrem este método inovador, perigoso e perverso de fomentar, através de comissões, a caça à evasão por este meio. Por que é que VV. Ex.as, num ano, ainda nada fizeram para dotar a administração fiscal de eficácia na cobrança. Porquê? Assiste-vos esse poder, elaboraram o Orçamento e tiveram tempo. Nada! E muito mais fácil - e talvez tenha sido essa a razão por que o Governo que V. Ex.ª apoia seguiu esse caminho - tentar estimular os funcionários da Administração com prémios suplementares por adicional de cobrança feita. Porém, esse é um caminho muito perigoso, como V. Ex.ª e o seu partido sabem, o qual não deixará seguramente de reflectir sobre o perigo que esta decisão do Governo representa do ponto de vista da salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos contribuintes.
Se calhar, V. Ex.ª terá mais cedo do que julga, se o Governo persistir neste caminho, de votar favoravelmente uma iniciativa legislativa do meu partido para interditar esse tipo de práticas. Nessa altura, como, coerentemente, V. Ex.ª está preocupado com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e com os abusos da Administração face às garantias dos contribuintes, espero ter o seu apoio e o da sua bancada para uma iniciativa legislativa que não desejamos mas que, se for necessário, não tenha a mínima dúvida de que apresentaremos na Assembleia da República.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para o tratamento de assuntos de interesse político relevante, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O processo de regularização extraordinária de imigrantes, votado por unanimidade nesta Câmara, termina no próximo dia 11 de Dezembro.
Podemos afirmar que tudo está a decorrer com normalidade, não tem sido um oásis mas está longe de ser um caos. Estão a funcionar 46 locais de recepção distribuídos por todo o território nacional, 13 dos quais na região da Grande Lisboa.
Por sugestão do Sr. Alto Comissário dos Imigrantes e Minorias Étnicas e de algumas associações, foram organizadas brigadas móveis que se têm deslocado a vários bairros, instituições e também a dezenas de casas particulares, neste caso, para legalizar pessoas acamadas, idosos e deficientes.
Estão previstas outras deslocações a grandes obras como, por exemplo, à EXPO 98 e à nova ponte sobre o Tejo. Essas equipas móveis estão disponíveis para se deslocarem a outros locais, desde que para tal sejam solicitadas.
No tocante ao número de pedidos entrados, constatou-se ter havido na fase inicial uma fraca adesão por parte dos cidadãos abrangidos, reacção natural de quem, desejando regularizar-se, procura informações mais precisas e prepara o seu processo. No entanto, desde o final de Junho, o número de pedidos subiu e, após um ligeiro decréscimo relativamente ao mês de Julho, esse número estabilizou, atingindo-se hoje uma média diária na ordem dos 200 pedidos.
Assim, até ontem, dia 16, recebidos mais de 20 000 pedidos de legalização, foram recusados 542 que aguardam eventual recurso, nos termos da lei. Como era esperado, Lisboa detém a maior percentagem de pedidos entrados (cerca de 85%), seguida do Porto e de Coimbra.
Na Direcção Regional de Faro, os números não correspondem às expectativas, verificando-se o mesmo na margem sul da Grande Lisboa. De realçar que muitos imigrantes aí residentes entregam o seu pedido no lado norte, onde trabalham habitualmente.
A divulgação do processo de regularização iniciou-se na fase preparatória de elaboração da lei apresentada pelo Governo quando este consultou em inúmeras ocasiões as associações de imigrantes, o que naturalmente provocou uma dinâmica informativa de divulgação do processo.
Esse processo de divulgação foi consolidado numa primeira fase com distribuição de cartazes, autocolantes, panfletos, desdobráveis e publicidade em jornais diários, semanários desportivos e revistas e, numa segunda fase, que está a decorrer desde o passado dia 7 de Outubro, uma campanha de rádio com a presença de spots diários envolvendo quatro rádios nacionais e 12 locais, abrangendo todo o território nacional durante dois meses, com particular incidência nas áreas nas quais se considera que o número de processos entregues não tem correspondido às expectativas.
Como é evidente, numa campanha de seis meses e num processo desta natureza, exige-se uma grande diversificação no tempo e nas modalidades da sua publicitação numa presença contínua ora num media ora noutro, pelo que esta campanha culminará com publicidade nas televisões.
É nossa convicção profunda de que nestas comunidades funciona, de facto, a informação pessoa a pessoa baseada nas relações de vizinhança, de amizade, de família alargada.
Embora um pouco tardiamente por dificuldades várias, as associações de imigrantes, na generalidade, já receberam
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uma tranche de apoio do Ministério da Administração interna através dos governos civis e também tiveram apoio de algumas câmaras municipais, tendo em vista a sua participação activa neste processo de regularização extraordinária.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As principais dificuldades no decorrer do processo de regularização fazem-se sentir, com especial relevo, ao nível dos documentos apresentados pelos requerentes para fazerem prova de entrada em Portugal, recorrendo, na sua maioria, ao atestado de residência para efectuar tal prova. Este pode ser obtido com relativa facilidade, bastando para isso efectuar prova testemunhal por duas firmas ou cidadãos eleitores da respectiva freguesia ou, ainda, em grande parte dos casos, por declaração do próprio interessado
Têm-se verificado tentativas de obtenção fraudulenta de tal documento por parte de cidadãos estrangeiros que, sendo provenientes e residentes noutros Estados europeus, se têm deslocado a Portugal com o objectivo de beneficiarem deste processo de legalização.
Há ainda atrasos na entrega dos processos. Centenas de, imigrantes já solicitaram o boletim mas ainda não o entregaram, não por medo, apesar de o medo ser inerente à condição de clandestino, mas porque, por exemplo, tendo perdido documentação, estão à espera que as suas embaixadas, entretanto sobrecarregadas, lhes forneçam segundas vias.
Estamos ainda preocupados com a situação das crianças, abandonadas ou não, que, tendo nascido em Portugal e possuindo uma cédula, pressupõem, os próprios e os que detêm a sua guarda, que são por isso automaticamente portugueses. Ignorando que são de facto estrangeiras, podem não aproveitar a regularização extraordinária.
Tem sido um combate duro do Governo, das associações de imigrantes, anti-racistas, sindicatos, autarquias, embaixadas e comunidades cristãs. Já o foi na anterior regularização.
Nos últimos dias, alguns órgãos de imprensa escrita e intervenções realizadas nesta Câmara referiram-se a alegados interrogatórios, a que foi atribuído cariz policial e intimidatório.
Não se podem generalizar situações relativas a casos pontuais que foram prontamente resolvidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sempre que as associações as denunciaram. Agora, o que também não se pode é confundir «interrogatórios de cariz policial» com a necessidade de clarificação de dados em caso de dúvida, nomeadamente quando os candidatos compreendem e comunicam mal ou são de todo incapazes de comunicar em língua portuguesa. Isto tem sido reconhecido publicamente pelas associações, designadamente as que fazem parte do SCAL (Secretariado Coordenador das Associações para a Legalização), testemunhas com autoridade, porque estão nos postos diariamente e ao longo de todo o horário do seu funcionamento.
Este é um processo que se quer sério e credível. Não podemos esquecer que, ao entregar o recibo destacável do impresso que permite ao seu titular permanecer em Portugal até decisão final, o nosso país passa a ter um vínculo com essa pessoa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos a completar o que não pôde ser completado no anterior. processo, particularmente no que respeita aos cidadãos oriundos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que são o grosso (mais de 80%) dos nossos imigrantes.
Este processo não é seguramente um mar de rosas, mas não é o apocalipse que alguns teimam em apregoar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, vem trazer à colação uma questão extremamente importante, que nós próprios temos abordado. No entanto, ao contrário do que disse na sua intervenção, o processo de regularização dos imigrantes não surgiu por proposta do Governo mas pela apresentação de projectos de lei na Assembleia da República, designadamente o de Os Verdes, que foi o primeiro, e só depois apareceu a proposta do Governo que veio a culminar numa lei. Mas, como sabe, esta lei não corresponde ao que desejaríamos e, se tivesse sido aplicada correctamente, poderia estar a dar outros resultados.
A primeira pergunta que lhe faço é a de saber se, depois da intervenção que fez, a Sr.ª Deputada admite enviá-la às associações. E que vir dizer hoje, a dois meses do final do prazo de encerramento deste processo, e tendo o Governo dito claramente que não vai prorrogar este prazo e que a lei de estrangeiros vai passar a ser efectivamente aplicada...
O Sr. António Braga (PS): - Não!
A Oradora: - O Governo disse-o! Aliás, refiro-me às vias oficiais e não às oficiosas que não conheço e, portanto, não tenho de ter informação diferente!
Portanto, havendo, neste momento, 20 000 pessoas inscritas, vir dizer que o balanço não é negativo é extremamente grave. Independentemente de o Governo ter assumido aqui o compromisso de lançamento de grandes campanhas de publicidade, vir dizer, nesta fase, que o processo vai culminar com uma campanha na televisão é, no mínimo, bizarro.
Culmina com uma campanha na televisão?! Para quê, Sr.ª Deputada? Para informar que o processo vai ser encerrado? De facto, não me parece ser este um objectivo que vise o que era suposto estar no espírito deste novo processo, que era a criação de condições para a regularização do máximo possível de cidadãos.
Há um terceiro aspecto que eu gostaria que a Sr.ª Deputada explicasse com maior clareza.
Toda a gente tem criticado de forma mais ou menos surda o comportamento perfeitamente vergonhoso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, serviço este que mantém como responsáveis as mesmíssimas pessoas que lá estavam no tempo em que o Sr. Deputado Carlos Encarnação o tutelava, que continua a manter a mesma prática em relação aos imigrantes. Aliás, como a Sr.ª Deputada sabe e muito bem disse, os imigrantes têm o medo inerente à sua condição de clandestinos. Ora, são estes mesmos imigrantes que se dirigem a um Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que a Sr.ª Deputada não só não criticou como ainda tentou branquear, desculpabilizando aquilo que é a exorbitação de funções é uma prática perfeitamente ilegal de um serviço que questiona os imigrantes requerentes de regularização quanto a um conjunto de questões que, manifestamente, não estão nem no espírito nem na letra da lei e que, portanto, mais não visa do que atemorizar e fazer fracassar este projecto.
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Portanto, no fundo, não é bem uma pergunta que lhe faço mas quase um comentário. Ou seja, gostaria de saber se pensa enviar esta sua intervenção às associações e ainda o que pensa dizer-lhes quando, em Dezembro, se chegar à conclusão, como lamentavelmente vai acontecer, de que há muitos milhares de imigrantes que ficaram de fora desta regularização, que há muitos milhares que vão continuar a trabalhar nas obras da ponte e da EXPO 98, que há muitos milhares que vão ser «chutados» quando já não fizerem falta.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, ainda há mais dois pedidos de esclarecimentos. Pretende responder agora ou apenas no final?
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Respondo no final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo, para formular o seu pedido de esclarecimento.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, ainda bem que V. Ex.ª trouxe esta matéria à Assembleia e ainda bem que teve a oportunidade de salientar na sua intervenção que este processo extraordinário de regularização de imigrantes clandestinos tinha sido votado por unanimidade nesta Casa.
No entanto, Sr.ª Deputada, V. Ex.ª, que se tem notabilizado nesta Casa pela preocupação constante em relação a estas matérias - e tem-no feito de forma séria, quero realçá-lo -, deixe-me que lhe diga, hoje, mais não veio aqui fazer do que o discurso do desencanto em relação ao Governo.
Assim, Sr.ª Deputada, vou recordar-lhe quatro ou cinco coisas que antecederam esta famosa e muito debatida abertura de um novo período de regularização extraordinária.
Comecemos, então, por falar na legitimidade que os senhores tantas vezes nos negam. Antes, no tempo do anterior governo, os senhores disseram que 46 000 imigrantes legalizados era muito pouco, porque, segundo afirmavam, em Portugal havia mais de 100 000 imigrantes clandestinos. Ora, se, até agora, os senhores apenas procederam à legalização de pouco mais de 10 000 ou 15 000, estão muito longe de ter conseguido o mesmo que o anterior governo dentro do prazo...
O Sr. António Braga (PS): - Lá estão vocês a, falar do anterior governo!
O Orador: - Os senhores tiveram todas as condições legais para fazê-lo, tiveram a solidariedade da Câmara, mas, pelos vistos, o que a Sr.ª Deputada aqui veio fazer hoje foi «ligar a sirene de alarme» e dizer que «isto não está a correr bem».
Ora, isto não está acorrer bem, desde logo, Sr.ª Deputada, quando vem dizer que - pasme-se!, esta era das matérias mais criticadas peto Partido Socialista
- nos últimos dias da campanha, vai ser dado um alerta geral na televisão para que aqueles que ainda não se regularizaram, isto é, não se inscreveram no sentido de regularizarem á respectiva situação em Portugal, possam fazê-lo rapidamente.
Os senhores não tomaram as disposições que deveriam ter tomado, a Administração não actuou devidamente conforme as disposições legais como deveria ter feito no sentido de regularizar efectivamente estas situações e, hoje, o que os senhores vieram aqui fazer foi dizer o seguinte: «Nós estamos alarmados com esta situação. Afinal, isto não era tão simples quanto nós pensávamos e propagandeávamos no passado e não vamos conseguir desembaraçar-nos nesta tarefa».
Sr.ª Deputada, não sinto qualquer satisfação em dizer-lhe isto, caso contrário não teria votado a favor deste período extraordinário de regularização. Mas o que é preciso é perguntarmos ao Governo, nesta Câmara - e a senhora tem o mérito de tê-lo perguntado da forma como fez -, o que se passa com este processo no qual toda a Câmara mas, sobretudo, os senhores puseram grandes esperanças e, afinal, estamos a verificar que as coisas não vão correr tão bem quanto pensavam.
Na altura em que éramos governo, efectuámos a regularização de 46 000 imigrantes clandestinos e os senhores disseram que era pouco e que havia mais de 100 000 pessoas naquela situação. Ora, agora, estamos a um mês e pouco do fim deste período extraordinário e não se vêem campanhas de publicidade nem se vê um número significativo de imigrantes com a respectiva situação regularizada, pelo menos em relação ao que era esperado.
Assim, a primeira pergunta que lhe deixo é a seguinte: será que os senhores já estão a pensar em prorrogar o prazo?
Eis a segunda pergunta: os senhores têm a certeza de que, após o fim do prazo, vão fazer cumprir a lei e vão tomar as medidas que a lei impõe ao Governo relativamente àqueles imigrantes que não estejam devidamente regularizados?
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, gostaria de manifestar, em nome da minha bancada, a grande preocupação que a sua intervenção suscitou.
Penso que o espírito de concordância que se gerou neste Hemiciclo em torno da necessidade de um novo período de regularização adveio da compreensão de que se trata de um processo complexo e que possivelmente, até pela experiência entretanto adquirida, haveria hoje maior capacidade de rodeá-lo de determinadas cautelas do que quando ocorreram os primeiros períodos de regularização.
Ora, o que se verifica perante a sua intervenção é que os objectivos estão longe de ter sido alcançados. Por conseguinte, se o actual período de regularização falhar quanto aos objectivos, nomeadamente, se ficarmos muito aquém do número de imigrantes clandestinos cuja situação é regularizada, a pergunta que gostaria de fazer-lhe é, mutatis mutandi, a que já foi feita por outras bancadas. Ou seja, gostaria de saber se o Partido Socialista e o Governo têm realmente consciência da gravidade dessa situação e, também, da necessidade de levar até às últimas consequências aquilo a que obriga o novo período de regularização, isto é, a aplicação da legislação em vigor, o que implica á consequência de colocar na fronteira muitas das pessoas que já cá vivem, já constituíram família e cá trabalham.
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Portanto, quanto a nós, este período de regularização tem de ter êxito e penso que o Governo tem consciência disso. Ou seja, quando o Governo propôs a realização deste novo período de regularização e obteve a concordância da Câmara tinha consciência de que não poderia dar-se ao luxo de não obter êxito nos resultados.
Assim, se são estes os resultados avaliados pela própria Sr.ª Deputada, que certamente tem um conhecimento de causa que não ponho em dúvida, pergunto-lhe o que vai acontecer a milhares e milhares de imigrantes clandestinos que continuarão clandestinos. Vamos «disfarçar»? Vamos pedir a realização de um novo período de regularização daqui a dois anos? O que vai o Governo fazer?
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, que dispõe de um máximo de 5 minutos.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não só admito enviar a minha intervenção como as associações já conhecem e apoiam o seu teor, porque antes de aqui a proferir ela foi trabalhada com a Federação das Associações dás Comunidades e várias outras associações.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - A Sr.ª Deputada Isabel Castro, bem como os Srs. Deputados Miguel Macedo e Maria José Nogueira Pinto, referiram-se ao universo dos legalizados dizendo que o número que eu aqui trouxe - os 20 000, até este momento - seria sinónimo do fracasso deste processo.
A esse propósito, gostava de dizer o seguinte: há dias, um elemento do Governo francês, ao perguntarem-lhe quantos ilegais haveria em França, respondeu que poderiam ser 1 ou 1 milhão! Há um tempo atrás, a Obra Católica Portuguesa de Migrações e as associações de imigrantes, com base em projecções, avançaram com um universo máximo de 40 000 pedidos, depois de efectuada a última legalização. Já se falou de um total de 20 000 e de 30 000, mas o número maior avançado foi de 40 000.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas o PS falava em 100 000!
A Oradora: - Estes números, fornecidos pela Obra Católica e pelas associações de imigrantes, como referi, basearam-se no número de pedidos de legalização que deram entrada ao abrigo do artigo 74.º, pedidos esses que cresceram de forma notória, já que em 1994 foram 2045 e em 1995 atingiram os 5120.
Portanto, foi feita uma projecção a partir destes...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Então, e os 80 000 que faltam para os 100 000 são fantasmas?!
A Oradora: - Quais 100 000, Sr. Deputado?!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Os 100 000 de que os senhores falavam!
A Oradora: - Não é verdade, Sr. Deputado. Falou-se num universo máximo de 40 000 pedidos de legalização. Aliás, os senhores não legalizaram 46 000 clandestinos mas, sim, cerca de trinta e tal mil e só entregaram 23 000 atestados de residência. Não sei se sabe disso!
Vozes do PS: - É bom lembrar!
A Oradora: - Como eu disse, vim fazer aqui um balanço sobre como está a decorrer este processo e não falar de um paraíso ou de um oásis! Aliás, falei das dificuldades que existem, com toda a honestidade e clareza.
Relativamente ao comportamento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), compreendo que para alguns Deputados, principalmente para os do PCP...
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Está a falar comigo?
A Oradora: - Não, Sr.ª Deputada, referia-me a alguns Deputados do PCP.
Como eu estava a dizer, para alguns Deputados, principalmente para os do PCP, compreendo que lhes venha à memória o sofrimento sempre que se fala de interrogatórios policiais. Porém, a memória trai-nos e a Sr.ª Deputada Isabel Castro tem de compreender que as coisas vão mudando e verifica-se uma modificação em alguma polícia.
Portanto, vir aqui dizer que no SEF estão a fazer-se interrogatórios não é, completamente verdade. Não vou negar que há dificuldades, mas, nas reuniões que têm lugar todos os meses, as associações apresentam ao SEF todas as dificuldades que se têm levantado nos postos onde elas estão todos os dias e a toda a hora. Ou seja, em resultado dessas reuniões realizadas com o MAI e o SEF, as situações têm vindo a ser modificadas. Daí que, por exemplo, os inspectores dos postos em S. Bento e no Lumiar tenham sido substituídos.
Penso ter respondido às questões...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E a publicidade na televisão?
A Oradora: - Ah, falta-me falar da questão da televisão!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, peço-lhe que sintetize as suas considerações, porque já esgotou o tempo de que dispunha.
A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Miguel Macedo, na minha intervenção eu disse que este processo foi planificado de forma a haver alguma continuidade de publicidade nos diversos media. Primeiro, fizemos publicidade nos jornais, como A
Bola e o Record, e em revistas, como a Maria, etc. - passe a publicidade -, depois procedemos à distribuição de panfletos, de cartazes, etc., e culminamos com uma campanha na rádio, campanha essa que já está a decorrer, e na televisão.
É tudo o que posso dizer-lhe, Sr. Deputado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É pouco, Sr.ª Deputada. É uma espécie de medida «rosa pálido»!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.
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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um ano após a vitória do Partido Socialista e no momento da análise do segundo Orçamento do Governo socialista, é altura de parar e reflectir sobre o que já foi feito ou, melhor, sobre aquilo que não se fez.
A verdade é que geralmente à beleza dos botões de rosa sucede um desfolhar da flor, pétala a pétala, num processo por vezes tão rápido que nos surpreende a todos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é este o processo a que estamos a assistir, quando recordamos o «botão de rosa» de 1 de Outubro de 1995 e observamos a «rosa», já desfolhada, em Outubro de 1996. Esta situação, quê já é visível no País, pode ser sentida por qualquer observador ao analisar com alguma atenção o que se passa, na área Oeste do distrito de Lisboa, em qualquer dos seus seis concelhos.
Na segurança, o Governo socialista até ao momento nada fez, nem sequer responder aos requerimentos que os Deputados apresentaram nesta Casa - e ainda fala este Governo no diálogo e no respeito pela Assembleia da República!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que, enquanto o sentimento de insegurança alastra na população, o aumento desejado de efectivos não acontece e, para as instalações das forças de segurança que reconhecidamente são necessárias, não se vislumbra qualquer investimento. É o caso do quartel da GNR do Carregado ou de Sobral de Monte Agraço, só como exemplo.
Na justiça, o edifício para o tribunal do Cadaval continua a esperar por uma douta decisão do Ministro Vera Jardim; na acção social, são inúmeras as instituições particulares de solidariedade social que, tendo em conta as necessidades da região, desejam fazer investimentos de modo a poderem dar uma resposta às carências dos mais necessitados. Só que, no concreto, não encontram igual vontade por parte do Governo.
Aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1996, a equipa do Ministério da Solidariedade e Segurança Social criticou as antigas equipas de paralisia, anunciando que agora, nos novos tempos, todos os processos teriam um andamento rápido e eficaz. Mera ilusão. Infelizmente, foram só palavras, pois nada aconteceu ao longo deste ano, para infortúnio daqueles que o PS sempre tem na boca, ou seja, os mais carecidos. Estão nesta situação os projectos que instituições particulares de solidariedade social da Lourinhã, Tornes Vedras; Arruda, Alenquer e Sobral gostarão de implementar e, infelizmente, continuam somente a fazer parte dos seus sonhos.
Só que esta situação pode ser estendida a outras áreas. Assim, os agricultores da área Oeste, que na realidade tinham grandes expectativas face ao que lhes fora prometido pelos socialistas, no ano de 1996 só alcançaram desilusões. Até ao momento não surgiram novos apoios aos agricultores, enquanto que atrasos e dilações nas decisões sobre os seus processos de investimento são a regra. Mas mais: o Governo português, aquando do momento mais grave da crise da BSE, não soube salvaguardar os interesses dos produtores de animais bovinos, o que teve consequências negativas para o rendimento dos produtores de gado de todo o Oeste.
Na área da saúde, também a região, até ao momento, só beneficiou dos sorrisos e simpatias da Sr.ª Ministra. Alenquer, Carregado, Sobral e Lourinhã continuam à espera das novas instalações para os seus centros de saúde.
Situação idêntica acontece na área da educação, onde as palavras do Sr. Ministro são amáveis e apresentam projectos por que todos anseiam, mas a sua prática não conduz a qualquer investimento. É o caso de pavilhões gimnodesportivos para as escolas secundárias, que todos desejam, mas nem sequer cartas de autarcas ao Ministério têm merecido resposta. Entretanto, a Escola Secundária de Santo António, em Torres Vedras, já inscrita em PIDDAC, não sai do papel, e a Escola Secundária da Lourinhã não passa de um anseio.
E que dizer da protecção civil, área em que os governos sociais-democratas apoiaram a construção de quartéis de bombeiros em cinco dos seis concelhos da região, mas agora o Governo socialista não consegue comprometer-se com o investimento no quartel que resta construir, ou seja, no Sobral.
O Sr. António Braga (PS): - Já fizeram cinco!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta rosa desfolhada, muitas são as pétalas que já caíram e os espinhos que se evidenciam, mas os maiores situam-se na área das comunicações.
Desenvolvimento da Linha Oeste, nomeadamente a electrificação e duplicação da linha, é algo que não se vislumbra; recuperação das estradas nacionais, na sequência das intempéries do Inverno último, é algo que ainda não aconteceu; situações como as das estradas Cadaval/Vermelha ou Outeiro da Cabeça/Vilar são verdadeiros escândalos.
Mas a situação mais preocupante e onde o espinho da rosa é maior é no caso das vias rápidas do Oeste. A A10, auto-estrada entre Bucelas e o Carregado, passando por Arruda dos Vinhos, está esperando melhores dias; o itinerário complementar n.º 11, entre Torres Vedras e Marateca, nomeadamente no troço entre aquela cidade e a localidade do Carregado, é uma verdadeira miragem e o Orçamento do Estado para 1997 não a torna mais real; a ligação do concelho da Lourinhã à auto-estrada em Torres Vedras, depois de quase um ano em «estudo», começou agora a ter algum desenvolvimento; o troço da A8, entre Malveira e Torres Vedras, foi concluído, embora com atraso, mas com portagens «Rosa», ou seja, com um agravamento significativo face ao que estava previsto, o que gerou forte contestação das populações, incluindo de autarcas socialistas.
Por fim, após meses de paragem, está em construção a continuação do IC1, nomeadamente no troço que vai de Torres Vedras até ao início do distrito de Leiria.
O Sr. António Braga (PS): - Vá lá!
O Orador: - Só que, surpresa das surpresas, depois da euforia de Outubro de 1995, em que o Engenheiro Guterres decidiu acabar com as portagens das auto-estradas por onde tinha passado, em Outubro de 1996 tomou a decisão de lançar portagens nas vias rápidas que já estavam previstas pelo anterior governo, mesmo nas que foram construídas pelo governo do Professor Cavaco Silva e que estão em funcionamento há mais de um ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta situação não é aceitável por ninguém, facto que é evidenciado nas críticas tornadas públicas pelos autarcas socialistas. Permitam-me que vos pergunte o que é que distingue a população da área Oeste das populações da Área Metropolitana de Lisboa, para que se retire as portagens à CREL e se lance
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o pagamento da mesma nas vias do Oeste já projectadas, concluídas e em funcionamento. É um absurdo, uma incongruência, algo de condenável a que o Partido Social Democrata não se calará.
E é assim que, ao fim de um ano de Governo, o botão de rosa está de facto desfigurado. Pela inacção, pela desconsideração dada a toda uma região, por comportamentos que já nem sequer os autarcas socialistas do Oeste conseguem defender.
Neste sentido, deixo um alerta: Srs. Deputados socialistas, nunca é tarde para corrigir uma rota, para reconhecer um erro, para arrepiar caminho. Transmitam este grito, que é de toda uma região, ao Governo que apoiam, de modo a que o Oeste não seja esquecido e possa desfrutar do desenvolvimento que os senhores dizem querer implantar em todo o País. Se assim for, quem ganha não é o partido A ou o partido B mas, sim, todo o Oeste, e afinal isso é que é o mais importante.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Cordeiro.
O Sr. Carlos Cordeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, compreendo que V. Ex.ª sinta, no momento em que se aproximam as eleições autárquicas, a absoluta necessidade de fazer ouvir a voz do seu partido em relação à zona Oeste, na medida em que, em cada eleição, o PSD vai ficando cada vez mais diminuído e mais longe do poder autárquico por que anseia.
Aplausos do PS.
De facto, desde há muitos anos que a Região do Oeste é de maioria socialista em termos autárquicos, por isso compreendo que V. Ex.ª tenha, neste momento, necessidade de uma afirmação pessoal e do PSD.
Curiosamente, V. Ex.ª veio aqui acusar o Partido Socialista de não ter cumprido, num ano de governação, tudo aquilo que o PSD não cumpriu em 10 anos!
Aplausos do PS.
Todas essas carências a que se referiu não nasceram no dia 1 de Outubro do ano passado; são carências que têm vindo a agravar-se durante 10 anos. O Governo do Partido Socialista está em situação de resolver algumas delas; aliás, caso o Sr. Deputado não saiba, posso dizer-lhe que já foi aberto concurso e as propostas relativas ao Palácio da Justiça em Alenquer, que a construção do quartel da GNR da Merceana vai começar brevemente e que o assunto da GNR, no Carregado, está a ser tratado entre o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Alenquer e o Sr. Ministro da Administração Interna.
Podia dizer-lhe muitas outras coisas acerca das carências a que fez referência. De facto, elas são muitas na Região do Oeste e eu comungo com V. Ex.ª todas essas, que aqui apresentou, mas como é evidente elas não nasceram no dia 1 de Outubro mas, sim, há 10 anos! Pergunto, por isso, onde esteve V. Ex.ª todos este anos, em que nunca veio denunciar a maior parte dessas carências.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco. Peço-lhe que sintetize ao máximo, porque o tempo de que dispunha está praticamente esgotado.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, vou fazer esse esforço.
Sr. Deputado Carlos Cordeiro, fico satisfeito por ouvir a sua voz nesta Casa, mas penso que o que disse deriva do facto de não ter cá estado na anterior legislatura porque, se assim fosse, teria tido oportunidade de me ouvir, muitas vezes, como alguns dos seus colegas que aqui estão pela segunda vez, colocar questões do Oeste e exigir do anterior governo a sua resolução. E muitas foram as soluções apresentadas, muita foi a obra feita.
Temos, porém, um novo Governo - não sei se o Sr. Deputado se deu conta, mas já não é o PSD que governa mas, sim, o PS! -, por isso está na altura de os senhores assumirem responsabilidades pelo que fazem ou não fazem. E a tentativa sistemática de dizerem que não fazem porque acabaram de chegar começa a não colher dividendo, uma vez que são Governo há 1 ano!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esqueçam essa simples tecla de dizer que a culpa é dos outros, porque já passou um ano! E se, durante esse tempo, não fizeram nada é bom que comecem a fazer, não para bem do PS ou do PSD mas para bem do País, porque isso é o mais importante. Além de que está na altura de se responsabilizarem.
O Sr. Deputado, porventura, sente a mesma incomodidade de qualquer outra pessoa nesta Casa. Pergunto, pois, como é possível que o Governo, do Partido Socialista venha lançar portagens em auto-estradas e vias rápidas já abertas ao público, onde as pessoas circulam hoje!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso não é verdade!
O Orador: - Ou seja, como que por magia, o Governo faz o que é mais fácil: coloca uma cabina para obrigar as pessoas a pagar portagens, quando as retirou da CREL.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A nossa população não é mais nem menos do que a população da área metropolitana. Se retira portagens a uns, os outros não têm culpa desse erro e agora vão ser obrigados a pagar por isso mesmo!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vou protestar contra essa situação e o seu silêncio significa o mesmo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar à apreciação de dois votos, um de saudação e outro de protesto, que deram ontem entrada na Mesa e cuja discussão e votação foi adiada para hoje.
Começamos pelo voto n.º 44/VII - De saudação pela forma como decorreram as eleições nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, apresentado pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino.
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A Sr.ª Isabel Sena Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realizaram-se em 13 de Outubro as eleições para a assembleia legislativa nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
A autonomia dos Açores e da Madeira surgiu após o 25 de Abril como uma decorrência directa da reconstrução democrática e do redimensionamento do espaço português.
A experiência democrática portuguesa vivida ao longo dos últimos 22 anos consagrou o pleno funcionamento das instituições.
As autonomias regionais são uma conquista do povo açoreano e madeirense, para poderem participar na solução dos seus problemas e serem parte activa na construção do seu futuro.
O desenvolvimento das regiões autónomas deve contar com a solidariedade nacional, com tudo o que isso possa significar de apoio, de colaboração, de reforço, de complementaridade e de implementação dos reais direitos de cidadania. Queremos, numa palavra, que os açoreanos e os madeirenses sejam portugueses de primeira.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - As autonomias são um factor de valorização do princípio da descentralização do Estado e devem ser, igualmente, um factor de reflexão, no momento em que se prepara o lançamento da regionalização no continente.
Os vários programas partidários são unânimes no desenvolvimento e reforço das autonomias, o que revela o sucesso da experiência autonômica nestas regiões.
Paralelamente, ao trabalho das regiões autónomas deverá corresponder um empenho institucional do Governo da República na clarificação dos poderes e competências políticas e legislativas, presentemente em processo de aprofundamento em sede de revisão constitucional.
Na demonstração inequívoca da vontade dos eleitores, quer nos Açores, pela alternância, quer na Madeira, pela continuidade, estão renovadas as condições para o exercício da governação.
Os Deputados do Grupo Parlamentar do PS pretendem, através deste voto, saudar democraticamente os açoreanos e os madeirenses pela forma elevada como responderam ao acto eleitoral e endereçar votos dos melhores êxitos aos Deputados regionais agora eleitos, na certeza de que a todos cabe um papel determinante na pluralidade da representação democrática.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus, a quem peço o favor de sintetizar as suas considerações, uma vez que já não dispõe de tempo próprio mas apenas de 2 minutos concedidos pela Mesa.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas palavras apenas para manifestar a nossa concordância com as conclusões do voto apresentado pelo Partido Socialista, sem que isso nos impeça de fazer alguns comentários sobre a motivação e a iniciativa do Partido Socialista, a propósito das recentes eleições regionais na Madeira e nos Açores.
Esta situação merece-nos um comentário, porque, sendo a sexta vez que se realizam eleições regionais, é a primeira vez que o Partido Socialista aqui apresenta um voto de saudação. Isto tem de ter a sua explicação e, naturalmente, essa explicação é, antes de mais, a de que, perante um voto de protesto pela atitude infeliz e condenável do Governo da República em relação às tarifas da TAP, o Partido Socialista quis apresentar um voto de saudação que seria uma espécie de contraponto a esse voto de protesto.
Em segundo lugar, se os Srs. Deputados lerem com atenção a fundamentação deste voto, verificarão que se trata de um voto ínvio, revelador de um certo oportunismo político, apenas ditado pela necessidade de fazer sobressair e enaltecer a meia vitória que o Partido Socialista obteve nos Açores...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Meia vitória?! Pode formar-se um governo com meia vitória?!
O Orador: - ... e não por qualquer sentimento de sincera adesão ao ideal autonômico. Veja-se, por exemplo, o cinismo da referência à regionalização do continente. Como é que o Partido Socialista faz esta referência sem que se debruce sobre o modo como tem dificultado, entravado e adiado o processo de regionalização do continente?
Também não podemos dar a nossa concordância à constatação feita pelo Partido Socialista, no sentido de que estarão renovadas ou de que se estabeleceram renovadas condições de governabilidade na Madeira e nos Açores. Penso que esta observação vai contra á realidade já que, nos Açores, estão, isso sim, criadas sérias dúvidas sobre a governabilidade futura na região e não criadas novas condições para essa governabilidade, dada a situação de empate de mandatos na assembleia legislativa regional entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Correia de Jesus, chamo a sua atenção para o facto de que o tempo concedido pela Mesa se esgotou.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em todo o caso, o voto apresentado pelo Partido Socialista tem um aspecto que consideramos francamente positivo: ao ler-se a sua fundamentação, fica-se com a certeza definitiva de que o Partido Socialista já «enterrou» a questão do défice democrático nas regiões autónomas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.
O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP subscreve também uma saudação às eleições regionais, porque, naturalmente, nos associamos a qualquer saudação a uma manifestação de vontade democrática e, sobretudo, de vontade democrática do povo português.
Parece-nos, em todo o caso, que o voto apresentado pelo Partido Socialista foi feito com manifesta precipitação. Isso revela-se, desde logo, por um português um tanto ou quanto vítima de tratos de polé e talvez aí se manifestem também, tornando-se mais claros, alguns, pontos de vista sobre os quais temos algumas dúvidas.
Afirma, nomeadamente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que «(...) Ao trabalho governativo das regiões autónomas corresponderá certamente o empenho institucional do Governo da República, por forma a vencer os desafios, de cada vez renovados (...)». A este respeito, gostaria de chamar a atenção do Grupo Parlamentar do
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Partido Socialista para o facto de as eleições se terem destinado à eleição das assembleias legislativas regionais, tal como está a ser discutido na Assembleia da República.
Compreendo que o Partido Socialista se sinta particularmente identificado com o Governo, mas talvez fosse de bom tom que a Assembleia da República se sentisse particularmente identificada com as assembleias legislativas e estas com a Assembleia da República. Será, certamente, o empenho institucional deste Parlamento que poderá ser, e desejamos que o seja, equiparado ao empenho constitucional democrático das novas assembleias legislativas.
Finalmente, quero apenas dizer que, seguramente, a Administração da TAP reconhecerá que sejam saudados todos quantos se empenharam na campanha eleitoral, porque é manifestamente o caso.
Apesar de todos os percalços deste voto, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português votará a favor de uma saudação a um acto democrático.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem, a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diria que, com este voto de saudação, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acaba por escrever direito por linhas tortas. Escreve direito, porque, obviamente, é boa a intenção de saudar os açoreanos e os madeirenses pelo elevado grau de civismo e seriedade com que participaram nas eleições regionais recentes, até por contraposição com o comportamento de alguns políticos, quer na Região Autónoma da Madeira, quer na Região Autónoma dos Açores, que - temos de confessar -, pela sua parte, não ajudaram ao civismo com que os actos eleitorais acabaram, felizmente, por decorrer. Como já tive ocasião de dizer aqui, os açoreanos e os madeirenses merecem, por vezes, melhores políticos do que aqueles que vão tendo.
Esta é a parte boa da proposta do Partido Socialista...
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - São os que o povo quer!
O Orador: - Nem sempre o que o povo quer é bom!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Na Madeira, estamos satisfeitos!
O Orador: - Tenho a minha liberdade, V. Ex.ª terá a sua, reduzida por via dessa consideração! Mas, isso é um problema seu!
Como estava a dizer, esta é a parte boa do voto apresentado pelo Partido Socialista, que, julgo, não terá dificuldade em reunir o aplauso de todos os grupos parlamentares. Pela nossa parte, votaremos favoravelmente este voto, em nome das considerações que acabo de fazer.
A parte má, a parte em que o voto aparece por linhas tortas, tem necessariamente a ver com alguns pressupostos e considerandos que nele são feitos, relacionados com a infeliz comparação, em nosso entender, entre o processo das autonomias regionais dos Açores e da Madeira e o processo da eventual regionalização do continente.
Na nossa opinião, quanto melhor funcionam as autonomias regionais dos Açores e da Madeira mais óbvio se torna que não se deve fazer a regionalização do continente.
Por outro lado, é evidente que a oportunidade em que o voto é apresentado não pode deixar de ter em conta um outro voto, que foi votado ontem nesta Assembleia, por maioria, condenando a prática do PS/Açores e do Governo da República quanto à manipulação de uma empresa de capitais públicos para efeitos eleitorais, nos Açores.
Portanto, vamos perdoar ao Grupo Parlamentar do PS o facto de ter escrito por linhas tortas e vamos sublinhar a parte direita e boa do voto, que é a saudação aos açoreanos e aos madeirenses, na qual todos os grupos parlamentares estão irmanados, segundo o que me parece resultar das intervenções aqui produzidas.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Ferreira, a propósito deste voto, fez duas afirmações que não posso deixar passar em claro.
A primeira observação foi a de que as regiões não terão os políticos adequados, terão maus políticos, na sequência de uma má escolha do eleitorado.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não foi isso que eu disse!
O Orador: - Sr. Deputado, há uma regra de ouro em democracia, que é a de saber reconhecer que o povo tem sempre razão e respeitar a escolha que resulta da vontade popular.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Essa escolha é confirmativa de que o povo sabe escolher os melhores para gerirem os seus destinos.
O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª não teve esse respeito e, por outro lado, insinuou que o processo eleitoral não teria decorrido de harmonia com as regras democráticas. Trata-se de desculpas de mau perdedor e de quem não sabe respeitar a soberana vontade popular.
A escolha que se processa nas regiões autónomas é tão democrática e tem tanta lisura como no continente. Somos escolhidos com a mesma legitimidade com que V. Ex.ª o foi aqui, como Deputado à Assembleia da República. Naturalmente, V. Ex.ª só poderia estar a pensar no seu companheiro Ricardo Vieira, em face do resultado que obteve nestas eleições.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Agora, meteu-se por mau caminho!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não foi aplaudido!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, sinceramente, o que me apetece dizer é que o Sr. Deputado Guilherme Silva deve estar a sentir falta de uma boa briga parlamentar e, como até agora não a teve, tentou iniciar uma comigo, à pressão, mas enganou-se manifestamente no destinatário.
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Em primeiro lugar, não partilho do estilo parlamentar do Sr. Deputado Guilherme Silva e, portanto, nessa medida, não terá da minha parte uma resposta à letra. Mas, em todo o caso, não queria deixar de lhe dizer o seguinte...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É pena, porque teria outros procedimentos!
O Orador: - Sr. Deputado, cada um situa-se no nível em que entende, eu situo-o no meu, V. Ex.ª situar-se-á no seu, portanto, eu respeito o seu e V. Ex.ª respeita o meu.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª não ouviu bem. Não condenei os políticos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, disse, e reafirmo, que alguns políticos, quer da Madeira quer dos Açores, não estão à altura e nem disse quais, V. Ex.ª é que enfiou um barrete. Lá saberá porquê!...
Risos.
Penso que todo o País saberá porquê, não vou perder tempo com isso!
O que eu disse, e reafirmo, é que alguns políticos não estão à altura do comportamento cívico dos açorianos e dos madeirenses nas eleições que tiveram lugar.
Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.
Sr. Deputado, vai habituar-se a não ouvir insinuações da minha parte. Eu não insinuo, afirmo! Não ando por aqui aos ziguezagues, quando tenho alguma coisa a dizer, digo. Portanto, não há insinuação nenhuma...
Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.
Sr. Deputado, não esteja enervado, tenha calma!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Guilherme Silva, tem de deixar o Sr. Deputado Jorge Ferreira exercer o direito de exprimir as suas opiniões.
O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva deve estar muito nervoso porque perdeu as eleições nos Açores.
Risos.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não tem nenhuma razão para isso, outra pessoa é que podia estar nervosa!
O Orador: - Ele não estava habituado a perder eleições nas regiões autónomas e ficou nervoso, preocupado. Mas, Sr. Deputado, tenha calma, não se enerve! Não vale a pena enervar-se, porque há-de perder mais. Portanto, vá-se habituando!
Protestos do PSD.
Ainda agora começou, há-de habituar-se a isso. Uma das coisas que a democracia também nos ensina é a perder eleições. Acredito que seja uma experiência que V. Ex.ª não tenha tido, más passa a ter e, se calhar, vai desenvolvê-la em próximos actos eleitorais, incluindo na Madeira, porque tudo tem um fim, Sr. Deputado. É a lei da vida! Tudo tem um fim e mesmo na Madeira, o seu colega Alberto João Jardim também o terá.
Há-de chegar o dia em que vai perder as eleições na Madeira e devo dizer-lhe que temo o pior. No dia em que o PSD perder as eleições na Madeira,, por esta pequena amostra que o senhor está aqui a dar, não sei o que é que acontecerá, se V. Ex.ª for Deputado, quando chegar aqui ao Plenário. Provavelmente, «pega-se» com toda a gente.
Sr. Deputado, devo dizer que, nesse dia, não terá resposta da minha parte.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, terminámos o debate sobre o voto n.º 44/VII - De saudação pela forma como decorreram as eleições nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Está, pois, em votação.
Submetido à votação, foi aprovado por ,unanimidade.
É o seguinte:
No passado fim-de-semana realizaram-se as eleições para a assembleia legislativa nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
A experiência democrática, de 22 anos, que Portugal leva, já consagrou inteiramente o pleno funcionamento das instituições, cujos resultados se traduzem quer na participação eleitoral dos cidadãos, no uso da sua liberdade de escolha, quer na criação de alternâncias no exercício do poder democrático.
As autonomias regionais, ao saírem reforçadas deste processo eleitoral, coincidente no momento em que se discute e prepara o lançamento da regionalização do continente, constituem-se também como factor de valorização do princípio da descentralização do Estado.
A afirmação eleitoral, quando todos os programas partidários são peremptórios no desenvolvimento e reforço das autonomias, convalida o sucesso da experiência autonómica daquelas regiões do País. A tranquilidade em que decorreram aquelas eleições regionais consolida o princípio constitucional das autonomias dos Açores e da Madeira, em processo de aprofundamento na revisão constitucional.
No balanço dos resultados eleitorais obtidos em ambas as regiões, estabeleceram-se renovadas condições de governabilidade, dada a demonstração inequívoca da vontade dos eleitores, no caso dos Açores pela alternância, no caso da Madeira pela continuidade.
Ao trabalho governativo das regiões autónomas corresponderá certamente o empenho institucional do Governo da República por forma a vencer os desafios, de cada vez renovados, de incremento ao desenvolvimento nos Açores e na Madeira.
A Assembleia da República, reunida em sessão plenária de 16 de Outubro, delibera: saudar democraticamente os açoreanos e os madeirenses pela forma elevada como responderam ao acto eleitoral e a todos quantos se empenharam na campanha eleitoral; endereçar os votos de melhores êxitos aos Deputados regionais agora eleitos, na certeza de que a todos, oposição ou poder, incumbe um papal determinante na pluralidade da representação democrática.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do voto de protesto n.º 45/VII - De protesto contra a realização de uma simulação sísmica ao largo do Porto, apresentado por Deputados de todos os grupos parlamentares, tendo como primeiro subscritor o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
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Para apresentar este voto, no tempo regimental de 3 minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um conjunto de Deputados de vários partidos decidiram apresentar este voto de protesto por várias razões.
A experiência científica que está em causa, que a maioria das pessoas e os Srs. Deputados conhece, e que tem a ver com o rebentamento de explosivos a realizar em pleno oceano, muito perto da cidade do Porto, suscitou, e está a suscitar, dúvidas nos autarcas, receios na população e críticas de sectores alargados e relevantes da comunidade científica. Ora, consideramos que o facto de o Governo, que foi quem, neste caso, a autorizou, não ter sido sensível, até este momento, às dúvidas e às críticas que foram suscitadas justifica a apresentação deste voto de protesto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, em relação a esta experiência, houve uma completa ausência de informação e diálogo com todas as forças regionais e nacionais eventualmente interessadas em conhecer detalhes da experiência.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade!
O Orador: - Nos últimos dias, falámos, por exemplo, com pescadores e armadores de Matosinhos que desconhecem mesmo pormenores, detalhes, que têm a ver com a sua actividade quotidiana, quando, pelo menos, deviam ser avisados de que naquele dia não deveriam ir pescar para uma determinada zona, onde tal experiência se vai realizar, não o tendo sido até este momento.
Por outro lado, não nos parece que tenha havido até ao momento qualquer justificação que demonstre a validade científica do projecto para Portugal e para a sua comunidade científica. Antes pelo contrário, aparecem dúvidas quanto a efeitos ambientais negativos para Portugal e, principalmente, para a região próxima do local onde se vai realizar á experiência, dúvidas que têm a ver com o futuro da fauna piscícola; dúvidas que têm a ver com as consequências, por exemplo, para o centro histórico do Porto e de Vila Nova de Gaia, que, no final deste ano, muito provavelmente, passará a ser, património mundial e cujas fundações ninguém sabe como reagirão a um rebentamento deste tipo; dúvidas quanto ao comportamento, por exemplo, do, abastecimento de água e dos esgotos da Área Metropolitana do Porto, que, em muitos casos, têm cerca de 200 anos.
Mas estas dúvidas ainda se alargam se considerarmos que não houve, até este momento - e isto parece-nos paradoxal -, qualquer envolvimento da comunidade científica local e regional.
Quando o Presidente do Instituto de Geofísica da Faculdade de Ciências do Porto, que é a entidade científica mais relevante da região e que podia apreciar esta matéria, é completamente contra esta experiência, dizendo que ela pode ser mesmo perigosa para a região, para a segurança das populações, não faz qualquer sentido que, até haver um cabal esclarecimento de todas as suas potenciais consequências negativas, ela não seja adiada.
Sr. Presidente, penso que o Governo irá ter bom senso e irá adiar esta experiência, mas este incidente teve, pelo menos, três méritos. O primeiro, foi o de nos mostrar uma coisa que todos nós, apesar da familiaridade que temos com a actividade política, estávamos esquecidos, isto é, de que existia um ministro da investigação científica em Portugal.
Risos.
Deve ter estado na clandestinidade no último ano e só apareceu há dois ou três dias para fazer umas tímidas referências, uma defesa pouco convincente deste projecto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A segunda perplexidade e o segundo resultado eventualmente positivo desta experiência tem a ver com o facto de termos constatado que, afinal, a Ministra do Ambiente não tem qualquer força neste Governo, na medida em que foi completamente arredada das cerimónias públicas que, aparentemente, visavam explicar as consequências dessa explosão. Foi silenciada até agora e, como sabemos que ela discorda desta experiência, é também óbvio que a Sr.ª Ministra do Ambiente não tem força neste Governo, o que todos nós lamentamos.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, queira sintetizar as suas considerações.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente, nos tais três minutos alargados, com a compreensão de V. Ex.ª.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Já vai em 4.5 minutos, Sr. Deputado!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quanto ao terceiro ponto, pelo menos, não é uma perplexidade mas uma confirmação: já tínhamos saudades dos acessos de megalomania do Sr. Dr. Fernando Gomes, já tínhamos saudades dos TGV, do gás, do metropolitano... A última do Dr. Fernando Gomes foi anunciar na Assembleia Municipal do Porto, na segunda-feira, para tranquilidade de todos nós, cidadãos da Área Metropolitana, que vai fazer um seguro da área metropolitana para, assim, prevenir as consequências do sismo experimental.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, iniciámos a apreciação do voto de protesto, ontem apresentado, em que a Assembleia da República deverá protestar pelo facto de não se considerar, neste momento, haver considerações de esclarecimento suficientes em torno da experiência anunciada e que é constante desse mesmo voto.
Sr. Presidente, o PS apresentou hoje um projecto de deliberação, com vista a criarem-se, imediatamente, na Assembleia da República, condições para que a Assembleia possa ser adequadamente informada sobre os aspectos relevantes da experiência referida.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - O PS suscitou igualmente aos demais grupos parlamentares consenso para que esse projecto de
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deliberação, hoje mesmo, pudesse também ser apreciado e votado.
A minha interpelação à Mesa, Sr. Presidente, é no sentido de saber se a Mesa dispõe da posição dos demais grupos parlamentares quanto ao pedido de consenso que solicitámos, para que o projecto de deliberação possa ser apreciado e votado hoje mesmo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Jorge Lacão, respondendo directamente à sua pergunta, comunico-lhe a si e à Câmara que o PSD e o CDS-PP não deram consenso no sentido da votação desse projecto de deliberação.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente!
O Sr. José Magalhães (PS): - Ficamos elucidados!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: São aduzidos pela comunidade científica portuguesa e, sobretudo, internacional, os seguintes argumentos: que Portugal deve apoiar uma iniciativa destinada a estudar - sublinho estudar - os efeitos de um choque telúrico nos antípodas, isto é, na nova Zelândia; que esse estudo permitirá conhecer melhor os fenómenos das deslocações da crusta terrestre; que assim se poderiam prever - sublinho poderiam -, no futuro, os movimentos sísmicos; e que Portugal ficaria bem visto na comunidade científica internacional.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por que é que Portugal deve apoiar uma iniciativa que já foi recusada por outros países?
Quais os efeitos que uma explosão dessas poderá gerar ao nível de edifícios da cidade do Porto e das zonas circundantes, nomeadamente Matosinhos, Gaia e outras localidades com menor densidade populacional? Quais os efeitos sobre os edifícios mais antigos destas cidades?
A estas perguntas nada de concreto foi respondido até agora...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Resulta dos cientistas!
O Orador: - ... o que demonstra bem a total e absoluta irresponsabilidade de um projecto que, creio, servirá apenas para dar nome a alguns senhores da nossa comunidade científica.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, mais grave ainda é o facto de não se saber ao certo quais os danos que essa experiência provocará na população. E volto a perguntar: é seguro que ninguém morrerá em consequência da experiência? É seguro que os edifícios mais antigos não desabem, soterrando pessoas? É seguro que não haverá, em consequência, pelo menos, feridos nas cidades do Porto, Matosinhos e Gaia, para não falar das restantes localidades de uma zona densamente povoada?
E porque estamos a caminho de uma experiência que pode provocar, desabamentos e, eventualmente, mortos ou feridos, chamamos veementemente a atenção do Governo para que proíba terminantemente esta aventura.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Exigimos que o faça nesta Casa de representantes do povo português, que o são para defender esse mesmo povo e não para pôr, gratuitamente, em risco os seus bens e as suas vidas. Já chega de querermos agradar à comunidade internacional! Primeiro estão os interesses dos portugueses e disso o Partido Popular não abdica nem cede um milímetro que seja!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Antes de terminar, quero ainda perguntar aos senhores do Governo e do Partido Socialista se, na melhor das hipóteses, havendo apenas rachas e fendas nos edifícios dessas cidades, o Governo pagará as obras nos prédios eventualmente afectados ou tentará escapar dizendo que isso não é da sua responsabilidade?
Tem o Governo consciência de que se houver danos terá de os pagar com o dinheiro do bolso de todos os portugueses? Isto é, tem o Governo consciência de que está a brincar com os bens dos cidadãos e que, em caso de dano, serão estes, ainda por cima, a pagá-los?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não queremos as casas dos habitantes do Porto, Gaia e Matosinhos colocadas em risco. Não queremos colocar a vida das pessoas em risco. Não queremos, em consequência, que se faça tal experiência.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, serei breve mas não abdicarei do direito de, no essencial, poder expor as razões pelas quais Os Verdes subscreveram este voto.
Em primeiro lugar, pensamos que a questão que se trata com esta experiência da comunidade científica não é estritamente de carácter regional, razão pela qual, aliás, também sobre esta matéria, em 30 de Setembro, fizemos um requerimento.
Efectivamente, sendo, para nós, Os Verdes, inquestionável o interesse e a importância da cooperação internacional e sendo inquestionável a importância de fazer avançar o conhecimento científico, contudo, a experiência não deve ser incompatível com o conhecimento daquilo que se pretende e as garantias de que os testes que se façam não colocam em risco, neste caso, interesses múltiplos.
O problema, para nós, coloca-se porque há um conjunto de questões que não estão suficientemente aprofundadas, do nosso ponto de vista, naquilo que esta experiência pode colocar, questões que, em primeiro lugar, têm a ver com a escolha e a proximidade da costa desta experiência, uma experiência que vai ser feita a cerca de 60 quilómetros de uma cidade para fazer uma verificação de como é que se propagam ondas sísmicas da antípoda Nova Zelândia para o Porto.
A segunda questão que não nos parece suficientemente clarificada é a obtenção de dados sobre experiências análogas: o que é que, em semelhantes situações, se verificou?
Outro aspecto que nos parece ainda insuficientemente tratado - aliás, é uma das questões que o Professor João
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Montenegro, do Instituto de Geofísica do Porto, tem acentuado - é a não suficiente sustentação da componente geológica desta experiência, ou seja, os efeitos que ela poderá vir a ter na estabilidade da crosta terrestre e da plataforma, conhecidas as características daquela região.
Por outro lado, há um aspecto que prevalece em aberto e que, aliás, o silêncio crónico do Ministério do Ambiente também sublinha, a inexistência de uma avaliação ou de uma opinião deste Ministério sobre os hipotéticos resultados ambientais de uma experiência desta natureza, uma simulação sísmica, que, pela libertação de energia, pela temperatura, pela velocidade de detonação, seguramente terá efeitos que importaria conhecer, pelo menos de um modo aproximado.
Outro aspecto ainda que nos parece ainda insuficientemente conhecido - ou, pelo menos, não conhecido do Parlamento, que tem o direito de não passar à margem desta experiência que envolve o nosso país - é a própria posição do IPIMAR, a opinião que tem sobre esta experiência e o modo como pode haver reflexos, negativos ou não, para os nossos recursos piscícolas e para a actividade dos pescadores que deles dependem.
Para nós, esta ausência de conhecimento de uma experiência, que pode ter interesse do ponto de vista científico mas que não está, em nossa opinião, suficientemente sustentada nem divulgada, e, em última análise, se não o vier a estar, justifica a conclusão de Os Verdes (e não somos adversos à investigação científica), que é esta: se não houver outro conhecimento, a experiência para ver como é que as ondas sísmicas se propagam da Nova Zelândia para o Porto, então, que seja feita ao contrário, ou seja, faça-se a explosão nos antípodas, nem que isso custe mais dinheiro e nem que tenham de ser instalados mais postos de medição.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que este caso é um exemplo claro de um duplo fosso que continua a existir no País: um fosso entre o Terreiro do Paço e o País real, que leva a que as decisões se tomem em Lisboa, nos gabinetes, sem terem minimamente em atenção o que é que o País pensa (no caso, toda aquela zona do norte onde o sismo poderia ter efeitos) e um fosso entre a comunidade científica e a sociedade em geral. Não há vias de comunicação seguras, formas de comunicação compreensíveis que levem as pessoas a adquirir tranquilidade quanto ao que é decidido em questões como esta, que afectam aquilo que as pessoas consideram como o seu património.
A experiência chegou a estar decidida, ia ser feita e só não o foi in extremis devido ao movimento de opinião pública que se criou. O que se esperaria, a partir daí, era que a informação entre o Terreiro do Paço e o País, entre a comunidade científica e a sociedade em geral tivesse funcionado em termos que permitissem a compreensão exacta daquilo que se pretendia fazer. Isso não se verificou e não se verificou em relação à experiência em geral tal como não se verificou em relação a esta experiência da experiência que se pretende agora fazer.
Isso são razões mais do que suficientes para que se crie este alarme na opinião pública, que está instalado e que não se resolve por decisões de vontade ou por afirmações de princípio, resolve-se com explicações, mas estas não aparecem!
Evidentemente que, perante uma situação como esta, é legítimo, é necessário, é eficaz protestar. E digo que é eficaz porque só depois de aparecer a palavra protesto é que apareceu a iniciativa de realizar uma audição. Muito bem, a audição far-se-á a seu tempo mas, entretanto, protesta-se! E importante que a Assembleia registe o protesto, ao menos para que a audição se faça mesmo e não fique só no «tinteiro»!
Creio que os pescadores, a população em geral, do Porto e de outras cidades do norte, têm direito a uma explicação clara e têm direito ao protesto que fizeram e ao qual nos associamos desta maneira, na Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.
O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, quando ontem foi apresentado à Câmara este pretenso voto de protesto,...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pretenso?!
Vozes do PS: - Isso mesmo!
O Orador: - ... ele tinha sido já anunciado por um grupo de Srs. Deputados, designadamente pelo Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, na última segunda-feira, quando, numa diligência admissível, visitou o Instituto de Geofísica do Porto. Logo então, o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes alertou os meios de comunicação social de que iria chegar aqui, à Assembleia da República, e tentar, por todos os meios, tirar partido disso. Ora, sendo este um protesto que, segundo alguns, alarma a sociedade nortenha, portuense, ou da Arca Metropolitana do Porto, eu que vivo lá, direi que nunca me dei conta disso.
De qualquer modo, o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes trouxe-nos aqui alguns chorrilhos de inverdades. Já ontem, porventura por má informação, disse à Câmara que eu teria votado na Assembleia Municipal do Porto, de que faço parte, a favor de uma proposta muito mais demagógica do que esta, o que não era verdade. Hoje, voltou a dizer outra mentira, referindo-se ao meu camarada Fernando Gomes; por deficiência de informação, mais uma vez, iludiu esta Câmara com uma não-verdade, já que o Presidente da Câmara do Porto não fez a declaração que o Sr. Deputado afirmou que ele tinha feito.
Vejamos o que é que se passa: quando o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes diz que o Governo não foi sensível à experiência, falta à verdade pois, em Julho, o Governo foi sensível, fez reuniões imediatas com a Junta Metropolitana do Porto, ouviu quem tinha de ouvir,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas tem de ouvir a Assembleia da República!
O Orador: - ... diligenciou junto das autoridades científicas nacionais e internacionais associadas a este projecto, o qual (é bom que se diga, para que a Câmara fique a saber do que se trata) é a tentativa de uma radiografia ao centro da Terra, uma espécie de ressonância magnética ao interior da Terra, uma experiência que será registada em qualquer coisa como dois a cinco mil sismógrafos por todo o Mundo e não apenas num!
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Isto é que um facto!
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O Orador: - São factos de que devemos falar e se a benevolência, a vontade de saber e o espírito construtivo animassem a bancada do PSD ou, pelo menos, o guerrilheiro taliban do Porto, Luís Filipe Menezes,...
Risos do PS.
... teríamos a possibilidade de ser mais esclarecidos. Sr. Presidente, não considero sequer admissível que esta Câmara pense, por exemplo, aquilo que disse o Sr. Deputado Boucinha, ou seja, que um governo qualquer autorizaria uma experiência que causaria morte na cidade! Fosse qual fosse o governo, Sr. Presidente! E V. Ex.ª sabe muito bem do que falo porque é natural de uma zona onde a actividade sísmica é uma constante!
Mas, Sr. Presidente, este projecto não é de agora, tem seis anos, e só foi impedido de ser concretizado porque, na altura, estava em causa - e isto consta de um documento oficial - a explosão do navio S. Miguel, que tanto alarido e tanto alarde tinha causado nas hostes do PSD em vésperas de eleições!
Aplausos do PS.
Vozes do PS: - É verdade! Esta é que é a verdade!
O Orador: - Sr. Presidente, temos um projecto de deliberação e quem, de boa-fé, quer saber o que se passa, aprova a nossa proposta de audição parlamentar, porque há uma comissão independente de técnicos...
Vozes do PSD: - De Lisboa!
O Orador: e de representantes dos vários
ministérios,...
Vozes do PSD: - De Lisboa!
O Orador: - ... presidida por uma autoridade científica portuguesa que honra Portugal, o Professor Mário Ruivo,...
Vozes do PSD: - De Lisboa!
O Orador: - ... uma personalidade acima de qualquer suspeita, que está disposta a vir aqui, hoje mesmo, prestar todos os esclarecimentos possíveis aos Srs. Deputados:
A atitude científica, a atitude séria, a atitude intelectualmente honrada é dispormo-nos a saber e a obter mais informações. A atitude intelectualmente desonesta, assumidamente desonesta do ponto de vista político, que procura apenas retirar réditos políticos, é, votar este protesto. Mas, com isso, já não enganam ninguém, porque são apenas aquilo que um poeta, Alexandre O'Neil, dizia: «sou um país, sou o meu remorso, de Portugal».
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico de Figueiredo.
O Sr. Eurico de Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, muito obrigado por me ter permitido fazer esta interpelação. De facto, o meu camarada e amigo José Saraiva não precisaria de ter, da minha parte, uma confirmação daquilo que disse, mas, de qualquer maneira, como Presidente da 4.ª Comissão, onde certamente todo este processo poderá, legitimamente, ser discutido e apreciado, posso garantir a esta Câmara que, em contactos recentes, de há meia hora ou uma hora, junto do Sr. Professor Mário Ruivo, este se disponibilizou para, hoje mesmo ou quando quisermos, vir à 4.ª Comissão dar os esclarecimentos que os Srs. Deputados pretenderem.
Como VV. Ex.as sabem, o Professor Mário Ruivo é presidente da comissão de controle e avaliação independente respeitante ao projecto Combo e, como tal, é pessoa mais indicada para sossegar os espíritos com informação actualizada.
Nesta perspectiva, gostava de garantir, como Presidente da 4.ª Comissão, que utilizarei toda a minha influência para que esta discussão possa ser feita com proveito para os Srs. Deputados. Certamente que ficarei surpreendido se esta minha diligência e esta minha proposta, obviamente oficiosa, não tiver eco no espírito dos Srs. Deputados e não for por vós aceite.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela disponibilidade que mostrou.
O Sr. Presidente (Mota Amara): - Sr. Deputado Eurico Figueiredo, a Mesa entende que a interpelação consistiu em dar conhecimento à Câmara das suas intenções e, nessa medida, não tem qualquer resposta a dar-lhe.
Tem a palavra, para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa destina-se a prevenir a Assembleia da República da originalidade mundial do ensaio de que estamos a falar e a perguntar à Câmara e à Mesa se se vai instituir, em Portugal, um novo processo de avaliação de impactos ambientais da maior gravidade.
Queria lembrar à Assembleia da República que se têm feito, em Portugal, várias experiências relacionadas com a actividade sísmica com cargas que não excedem os quilos, mas agora estamos a falar de 20t, num país de intensa actividade sísmica.
O meu querido amigo Professor Mário Ruivo, de quem sou colega desde há longos anos, é uma personalidade de grande conhecimento científico mas não em todas as áreas e, nomeadamente, nesta área da sismologia, não tem nenhum conhecimento específico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, ainda que fosse, Srs. Deputados, peço-lhes que recordem os dissabores que Portugal tem tido com problemas bem menos importantes à volta do impacto na ponte Vasco da Gama. Estamos aqui a tratar de coisas muito mais sérias e nesta Assembleia da República há colegas meus que se atrevem a sugerir que a Assembleia da República dê passagem a estudos, que devem ser da maior seriedade, feitos e apresentados perante Deputados que sobre esta matéria são ignorantes, por uma personalidade única, por melhor que ela seja. Srs. Deputados, não mistifiquemos os problemas porque temos a obrigação de os tratar com seriedade e isto não é seriedade para tratar problemas destes!
Aplausos do CDS-PP e do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Álvaro Amaro.
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O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, registámos esta informação que o Sr. Presidente da 4.ª Comissão aqui nos referiu em relação a uma eventual disponibilidade do Professor Mário Ruivo para vir hoje à 4.ª Comissão e quero, em nome do PSD, registar a nossa estranheza por uma diligência tão breve e tão rápida.
Também quero perguntar se a diligência foi feita em termos da Comissão ou em termos partidários, porque a 4.ª Comissão reuniu hoje e nós, do PSD, nada soubemos sobre esta matéria.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, para uma interpelação, o Sr. Deputado Jorge Lacão. Posteriormente, darei a palavra aos Srs. Deputados Luís Filipe Menezes e Eurico de Figueiredo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante uma situação verdadeiramente singular. A Assembleia da República considera-se não esclarecida sobre uma matéria cientificamente relevante e, por isso, quer protestar pela eminência de uma experiência a ter lugar em Portugal.
Ora, um grupo parlamentar propõe que a Assembleia da República crie imediatamente condições institucionais para abrir uma audição que permita, com as entidades cientificamente relevantes, uma avaliação das condições científicas e técnicas dessa experiência...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... e que fazem os Srs. Deputados que querem estabelecer o seu protesto? Os Srs. Deputados que querem fazer o seu protesto, os que se representam nas bancadas do PSD e do Partido Popular, recusam dar consenso para que, hoje mesmo, a Assembleia da República delibere as condições dessa audição parlamentar.
Protestos do PSD.
Srs. Deputados, respeitemo-nos a nós próprios!
Protestos do PSD.
Há, seguramente, nestas bancadas quem tenha inegáveis conhecimentos científicos sobre as matérias em questão mas, provavelmente, a maioria de nós, sejamos honestos, não está em condições de, em boa consciência, fazer essa avaliação. Por isso, pergunto: em que termos de seriedade política a Assembleia da República emite um voto de condenação relativamente a uma experiência científica cujos contornos não conhece suficientemente no exacto momento em que recusa consensualizar a possibilidade de se informar acerca dessas mesmas matérias?
Srs. Deputados, sejamos sérios, estamos aqui para respeitar os portugueses que representamos e se, em nome deles, queremos fazer um protesto sem permitir as condições para ouvir aqueles que, nesta matéria, nos podem esclarecer, então, prestamos seguramente um mau serviço à causa da democracia e da transparência da actividade política.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, faço um apelo ao Sr. Deputado Luís Marques Mendes, Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, e ao responsável da bancada do PP, que neste momento não sei exactamente quem seja, que ponderem...
Protestos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, façam silêncio para que o orador se possa fazer ouvir.
Sr. Deputado Jorge Lacão, peço o favor de sintetizar as suas considerações porque o tempo de que dispunha se esgotou.
O Orador: - Como o Sr. Presidente compreenderá, as considerações são para ser ouvidas pelos Srs. Deputados e não por mim próprio.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Certamente, Sr. Deputado, por isso apelei para que deixassem ouvir as suas considerações.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, particularmente Srs. Deputados responsáveis pelas bancadas do PSD e do PP, não me levarão a mal que insista em suscitar a sua atenção para o que estou a dizer.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, do que se trata é saber se a sua bancada dá ou não consenso para que possamos fazer, no mais curto prazo possível, uma audição parlamentar, ouvindo as entidades idóneas, do ponto de vista científico, sobre a matéria...
O Sr. António Braga (PS): - Exactamente!
O Orador: - ... ou se o Sr. Deputado Luís Marques Mendes, em nome da sua bancada, prefere que a sua bancada vote um voto de protesto, recusando a possibilidade do esclarecimento à Assembleia da República.
Protestos do PSD.
Peço-lhe que torne isto inequívoco porque estamos aqui para fazer um diálogo a sério e eficaz e não para um mero jogo partidário e mera chicana parlamentar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, para uma interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, aproveito para comunicar à Mesa e à Câmara que a comissão criada recentemente, há pouco mais de um mês, em Setembro, para fazer o controle e avaliação do projecto Combo, que é presidida pelo Professor Mário Ruivo, o foi já depois da reunião havida entre os membros do Governo e a Junta Metropolitana do Porto, que ocorreu não em Julho mas no início de Agosto, devo dizer que até ao momento teve apenas duas reuniões.
Vozes do PS: - Não é verdade!
O Orador: - Pena é que ainda não tenha convidado para serem ouvidas não só a comunidade científica regional, desde logo o director do Instituto de Geofísica da Universidade do Porto, bem como um conjunto de
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associações ambientalistas e representativas do sector das pescas, que, naturalmente, conhecem bem a área e estão bastante apreensivas com as repercussões desta experiência sísmica.
Para poder vir falar a esta Câmara e em particular à Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, como disse o Sr. Presidente da Comissão, seria bom que pudesse, primeiro, dialogar e fazer essa avaliação para, depois, comunicar a esta Câmara as conclusões a que chegou, não vindo falar connosco sem ter ouvido directamente a comunidade científica e aqueles que mais directamente podem vir a sofrer com esta experiência, as comunidades locais, através dos seus legítimos representantes, os autarcas da Área Metropolitana do Porto. Como isso não aconteceu e é bom que esta Câmara seja informada, temos de lamentar que isso ainda não tenha ocorrido.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Carlos Coelho, mantém o seu pedido de interpelação à Mesa?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, devo confessar algum embaraço, porque dei mais atenção às palavras finais do Sr. Deputado Jorge Lacão quando ele, de forma veemente, pedia para não haver chicana parlamentar e alguns segundos antes vi-o num número quase de terrorismo parlamentar com insinuações sobre quem dirige as bancadas e coisas no género.
Protestos do PS.
Creio que aqui é necessário termos muita serenidade. E a serenidade que se impõe à Assembleia da República leva a que não joguemos com as palavras nem com as atitudes.
Ontem foi apresentado, por um conjunto de Deputados, de todas as bancadas parlamentares, com excepção da bancada do Partido Socialista, um voto de protesto sobre o problema que já foi suficientemente discutido.
O Partido Socialista, se estamos bem recordados, com legitimidade formal inatacável mas com algumas picardias ,que ontem tiveram lugar e não vamos recordar, requereu, nos termos regimentais, o adiamento da votação para hoje. Durante este debate, houve muitos dados que foram trazidos à colação, designadamente a disponibilidade de personalidades virem fazer declarações à comissão competente, se bem que aparentemente convidadas pelo Sr. Presidente da 4.ª Comissão sem estar mandatado para o efeito, tanto quanto resultou das interpelações que foram feitas...
Vozes do PS D: - Muito bem!
Protestos do PS.
O Orador: - Sr. Deputado António Braga, há que perceber que, em todas as funções, designadamente nas parlamentares mas também nas de governo, os senhores têm de aprender a diferenciar o que são funções de Estado e partidárias.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Carlos Coelho, faz favor de dirigir a sua interpelação á Mesa.
O Orador: - Sr. Presidente, tem toda a razão, estou a interpelar a Mesa para sublinhar, da parte da minha bancada, a perplexidade pela circunstância de o Governo, que, tanto quanto consta, está habilitado com documentos, ainda os não ter facultado à Assembleia da República.
Sr. Presidente, quero ainda apelar à melhor interpretação de V. Ex.ª para me esclarecer o seguinte: tanto quanto recordo, nos termos regimentais, porque temos regras nesta Casa e temos todos de as cumprir, as audições parlamentares decorrem no âmbito das comissões. Gostava de saber se nesta legislatura ou na anterior alguma vez o Plenário da Assembleia da República se sobrepôs à capacidade de as comissões decidirem a realização ou não de audições parlamentares.
Se assim é, o Sr. Presidente encontra alguma explicação para o facto de o Partido Socialista vir agora pedir o nosso consenso para um agendamento de supetão de um projecto de deliberação para fazer uma audição que, em bom rigor, devia ter sido suscitado no local próprio, a comissão parlamentar competente?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E não o fez!
O Orador: - Creio que, no contexto das matérias que foram analisadas no decurso deste debate e das circunstâncias que o precederam ontem e que ocorreram hoje, esta iniciativa do Partido Socialista está longe de ser inocente e de não ter um claro objectivo político.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Carlos Coelho, a sua interpelação à Mesa, na medida em que é o realmente, só pode ter como resposta a confirmação de que as audições são da competência das comissões e, portanto, no seio delas é que devem realizar-se.
Pediram a palavra, para interpelar a Mesa, os Srs. Deputados Nuno Abecasis e Jorge Lacão. Informo que não darei mais a palavra para interpelações acerca desta matéria e apenas para a defesa da honra dos Srs. Deputados que se consideram agravados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, se a memória não me trai, era V. Ex.ª que ontem presidia aos trabalhos da Assembleia quando o PS, salvo erro, pela voz do Sr. Deputado Jorge Lacão, recusou a votação desta mesma moção, em Plenário, usando um direito que lhe era próprio, tendo o Sr. Deputado Jorge Lacão perguntado ainda a V. Ex.ª se estava ou não a exercer um direito parlamentar, ao que V. Ex.ª, muito amavelmente, como é costume, esclareceu a Assembleia que estava a cumprir-se um direito parlamentar, não havendo lugar a reclamações.
Se assim é, Sr. Presidente, não entendo como é que a bancada do PS, que nos últimos dias nos habituou, com frequência, a usar o direito de não discussão no próprio dia de propostas apresentadas, hoje se sente no direito de atacar a minha bancada por ter tido uma atitude semelhante, apenas com uma razão, que tentei explicar na minha intervenção de há pouco: esta Assembleia não pode confundir esclarecimentos que sejam dados por quem for, em lugar de estudos de impacte ambiental da maior gravidade e se o Governo não aprendeu isto, devia tê-lo aprendido, porque tem-se assistido a que aqui venham comissários europeus «chatear-nos», interrompendo obras
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nossas, por causa de qualquer passarinho. Ora, não estamos a tratar de passarinhos mas de vidas de pessoas...
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - ... e parece que o PS é insensível a isto.
Não é a minha bancada que tem de ser atacada e posso invocar razões e conhecimentos técnicos para dizer que isto é da maior gravidade e que não é com argumentações jurídicas que se resolvem problemas da natureza dos sismos.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Abecasis, confirmo que era eu que estava presidindo ,à sessão de ontem e dei, efectivamente, a resposta que V. Ex.ª mencionou, face à interpelação do Sr. Deputado Jorge Lacão.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr.- Presidente, eu tinha pedido a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Baptista, lamento mas dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão e não a darei a mais ninguém, sobre esta matéria.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, porque a questão foi aqui trazida, é preciso recordar que o PS suscitou ontem o adiamento para hoje da apreciação e votação do voto de protesto relativamente à matéria da experiência científica e que, ao mesmo tempo, o PSD suscitou o adiamento para hoje de um voto, apresentado pelo PS, de congratulação pelas eleições nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Tive aqui ocasião de lembrar que, sendo esse um direito potestativo inquestionável, aquilo que era o profundamente lamentável era que, enquanto o PS suscitava o adiamento de um voto para melhor reflexão sobre a posição a tomar acerca de uma matéria relevante, o PSD limitou-se a requerer o adiamento de um voto por retaliação pela posição do PS em relação ao voto que haviam apresentado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Essa era a diferença das nossas posições!
Do nosso lado, uma preocupação genuína quanto à matérias substantivas, do lado do PSD, mero jogo de chicana parlamentar, que não é capaz de fazer a diferença nem compreender a natureza das coisas!
Aplausos do PS.
Mas, Sr. Presidente, pedi a palavra para uma interpelação no sentido de lembrar e manifestar a concordância com o que V. Ex.ª disse, ou seja, que as audições parlamentares decorrem, efectivamente, em sede de comissão, e nem é outro o propósito do projecto de deliberação que apresentámos, para que o Plenário da Assembleia pudesse assumir que essa audição, a ter lugar na competência da Comissão adequada, ocorresse o mais rapidamente possível.
Mas agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão subsiste: há aqui quem queira fazer um protesto em nome da falta de informação à Assembleia e há aqui quem, ao mesmo tempo, recuse que a Assembleia se informe, em momento oportuno, sobre as matérias que são objecto desse protesto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, isto não tem pés nem cabeça e é o acto da maior irresponsabilidade política que tenho visto nos últimos tempos da minha actividade!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, na sua interpelação, dirigiu-se à Câmara e expôs as suas razões, pelo que a Mesa não tem nada a acrescentar àquilo que consta da sua intervenção.
Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, que dispõe de 2 minutos cedidos pela Mesa por os tempos regimentais estarem esgotados.
O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lamento mas não lhe posso dar a palavra para interpelar a Mesa. De outra forma, nunca mais encerraremos este incidente e não conseguiremos chegar à votação.
O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, eu tinha-me inscrito antes!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pediu a palavra para interpelar a Mesa mas eu já tinha avisado que, para esse efeito, não daria a palavra a mais ninguém, a fim de não prolongarmos um incidente.
As posições estão perfeitamente claras, de parte a parte, esta votação tem um significado político, como não pode deixar de ser numa Câmara política como é a nossa, e duvido que a sua interpelação à Mesa traga qualquer acrescento de esclarecimento ao Parlamento.
O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, eu tinha-me inscrito antes de V. Ex.ª fazer esse aviso no sentido de que não haveria mais interpelações à Mesa e queria dizer a V. Ex.ª que pretendia fazer uma autêntica e estrita interpelação à Mesa acerca deste voto de protesto.
Agradecia, portanto, a compreensão de V. Ex.ª porque me inscrevi, através de sinal feito ao Sr. Secretário que está a seu lado, e só depois é que V. Ex.ª fez esse aviso.
O Sr. Presidente: - O que Sr. Deputado, ao usar da palavra, com a benevolência da Mesa, está a deixar numa posição difícil o seu colega secretário, que não me informou do seu pedido de palavra. Mas, enfim, dar-lhe-ei a palavra, por um minuto, pois todos os tempos estão esgotados.
O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, muito obrigado. Não queria pôr em causa o Secretário da Mesa mas há momentos em que têm de se usar todos os recursos...
Risos.
O Sr. Presidente: - Isso já eu tinha percebido!
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O Orador: - Sr. Presidente, trata-se de uma interpretação à Mesa que necessita que, antes, esclareça a minha posição sobre este assunto, que é muito clara.
Desde Julho que defendo, muito claramente, uma posição de oposição a esta experiência sísmica.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Tenho defendido também uma posição em prol de um debate público em torno desta questão, pelo que toda a gente sabe qual a minha posição.
Mas, Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa é para dizer que, infelizmente, esta proposta do PSD não pode ser votada por esta Câmara, porque, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, cuja assinatura vem em primeiro lugar, ela está errada.
O primeiro parágrafo deste voto diz que o Governo decidiu autorizar uma simulação sísmica resultante de uma explosão com uma potência de 20t, mas isto não é verdade? O Governo suspendeu esta autorização!
Risos do PSD.
É verdade é que o governo do PSD, em 1992, autorizou esta explosão! Essa é que é a verdade!
Aplausos do PS.
A verdade é que o Sr. Ministro Cravinho, depois, a suspendeu, ou seja, retirou a autorização para se fazer esta experiência, criou uma comissão de avaliação e...
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo que a Mesa lhe concedeu está esgotado, pelo que lhe peço que conclua.
O Orador: - É que, Sr. Presidente, é uma vergonha para o PSD votar um voto que está errado!
Se VV. Ex.as tivessem manifestado aqui uma posição contra a explosão, no contexto, isso era verdade; agora, isto é mentira, é asneira!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Finalmente, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Saraiva disse, por duas vezes, que eu tinha mentido, ou melhor, uma vez disse que eu menti e outra que eu tinha dito uma inverdade, o que é uma pequena subtileza mas que me permite dar explicações.
Quanto à primeira questão, Sr. Deputado, não menti, pois disse que o PS, através da maioria dos seus Deputados municipais, tinha votado favoravelmente um voto de protesto da Assembleia Municipal do Porto e isso foi verdade.
Sei que V. Ex.ª não votou com o PS e a sua coerência, independentemente de discordar da sua posição, é manifesta, mas o que afirmei foi que os vereadores socialistas votaram favoravelmente na Assembleia Municipal do Porto um voto de protesto.
Quanto à segunda questão, relativa ao seguro proposto pelo Dr. Fernando Gomes, V. Ex.ª tem razão, eu não disse a verdade toda. Realmente, há que uma pequena subtileza, pois o que o Sr. Dr. Fernando Gomes disse foi que quem pagava o seguro era o vosso Governo, não era a Câmara Municipal do Porto! É essa a pequena diferença que faz com que eu não tenha sido completamente verdadeiro.
Mas, Sr. presidente e Srs. Deputados, o facto de o PS ter apresentado hoje este projecto de deliberação é a prova cabal da razão do nosso voto de protesto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se o PS não considerasse, como está a considerar, que foi precipitada a autorização desta explosão, não vinha agora «dar a mão à palmatória», a posteriori e a nosso reboque - vamos falar claro -, e a explosão realizar-se-ia se não protestássemos.
Essa é que é a questão, Sr. Deputado Jorge Lacão, por mais que V. Ex.ª queira branquear a situação, tendo procurado, através de, um artifício regimental, aliás inadequado, alterar uma realidade, ou seja, ia realizar-se uma explosão que poderia pôr em causa património de cidadãos portugueses com a autorização e o beneplácito do vosso Governo, a qual só vai ser adiada - vai sê-lo - porque a maioria dos partidos da oposição vieram aqui protestar.
Esta é que é a questão política e VV. Ex.as têm de habituar-se a aceitar a censura política, porque este voto de protesto é, obviamente, uma censura política, Sr. Deputado, por VV. Ex.as só terem «acordado» para esta causa neste momento.
VV. Ex.as vão assumir as consequências de terem um voto desfavorável nesta Câmara e a seguir fica-vos muito bem a humildade democrática de proporem a audição, em sede de comissão, de pessoas que nos venham dar realmente a certeza de que essas explosões não são perigosas.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Presidente, já excedeu o tempo de que dispunha.
O Orador: - Mas vamos outra vez falar claro: não tragam cá apenas o Dr. Mário Ruivo, tragam também o Professor Montenegro, que se opõe totalmente à explosão, para além de ser da cidade do Porto, e que tem mais credibilidade científica nesta área do que o Dr. Mário Ruivo.
Portanto, não vamos ouvir só aqueles que, à partida, sabemos que são favoráveis à experiência, vamos ouvir todos e hoje, Srs. Deputados socialistas, aguentem com a censura política e assumam uma derrota na votação deste voto de protesto.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, já lhe tinha chamado a atenção para que terminasse as suas considerações. Como li nos jornais que fez uma operação aos ouvidos, pensei que tivesse ouvido o meu apelo.
Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.
O Sr. José Saraiva (PS): - Sr. Presidente, permitia-me lembrar ao Sr. Deputado, que não se sentiu ofendido nem na honra nem na honorabilidade que nos merece, uma passagem de um breve artigo publicado hoje na imprensa matutina de Lisboa, que diz «(...) é a clareza e a seriedade da crítica que `passam' a mensagem, particularmente no combate parlamentar, que é confrontacional no sentido positivo do termo(...)». Quem escreve isto é o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
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Sr. Deputado, se for necessário, poderei facultar-lhe elementos de sumidades ao nível da sismologia mundial, para poder convalidar a sua posição futura face à experiência científica.
Finalmente, sei que sempre que V. Ex.ª vai ao Porto, acorda de manhã com o fantasma do Dr. Fernando Gomes.
Risos do PS.
Vozes do PSD: - Oh!
O Orador: - Todos sabemos que todas as vezes que vai visitar a família, os seus pais, fica aflito, porque o PSD não penetra em Matosinhos; quando vai a caminho de Ovar, sua terra natal, passa por Gaia e fica completamente «maniqueiado» com a impossibilidade de vencer a Câmara Municipal de Gaia. São esses os seus dramas! O seu drama é começar cedo de mais a querer ganhar apenas as autarquias!
Já agora, pois sei que é um homem dedicado ao conhecimento, convido-o a, no final das votações, acompanhar-me à Fundação Mário Soares, para assistir à apresentação de um livro chamado Ciência e Democracia, para ver se consegue compreender melhor essas coisas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, a defesa da minha honra tem a ver com o não aceitar ser mal julgado pelo que eu disse, e fui-o pelo Sr. Deputado Álvaro Amaro, quando referi que fiz uma diligência oficiosa. Oficiosa quer dizer exactamente aquilo que quer dizer, não vale a pena mais explicações.
Quero também considerar incompreensível o comentário do Sr. Deputado Nuno Abecasis, pois não estava habituado a que considerasse falta de seriedade uma intervenção da minha parte junto de quem é presidente da Comissão de Avaliação do Projecto Combo. Quem é que eu deveria, oficiosamente, contactar com seriedade? Só se fosse a Internet!
Protestos do PSD e do CDS-PP.
Risos do PS.
Não compreendo o que é sério e o que não o é!
Em terceiro lugar, parece-me inadmissível que não se aceite o Professor Mário Ruivo, cuja idoneidade científica e pessoal ninguém pôs em causa, começando-se, como fez o Sr. Deputado Manuel Moreira, a atacar o Professor Mário Ruivo, não o querendo ouvir. Isso é que me parece surpreendente, vindo da parte dos Srs. Deputados que se dizem mal informados! Francamente!...
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, vou dar a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro e, depois, ao Sr. Deputado Nuno Abecasis, dispondo cada um de 30 segundos.
Sr. Deputado Álvaro Amaro, tem a palavra.
O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - O tempo de que disponho chega-me, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Eurico Figueiredo, sei distinguir entre o oficioso e o oficial. O Sr. Deputado disse que fez essa diligência oficiosa, mas disse também que a fez na qualidade de Presidente da 4.ª Comissão.
O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Claro!
O Orador: - Não! Podia tê-la feito na qualidade de Deputado do Partido Socialista e não na de Presidente da 4.ª Comissão.
Se o Presidente da 4.ª Comissão diz que faz diligências oficiosas, se o Deputado José Saraiva diz que tem na sua mão pareceres de sumidades da sismologia mundial, pergunto: e nós, os outros Deputados que não são do Partido Socialista, não temos direito a conhecer isso?
Vozes do PS: - Vão à audição!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tudo será conhecido, decerto, na famosa audição.
Para dar explicações, tem a palavra, por 30 segundos, o Sr. Deputado Nuno Abecasis. A seguir passaremos à votação.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, não está habituado - e muito bem - a ser ofendido por mim, porque nunca ofendi ninguém e penso acabar os meus dias sem o fazer. Nem foi essa a minha intenção, pelo que, se se sentiu ofendido, peço-lhe desculpa.
Mas quero lembrar-lhe uma coisa, Sr. Deputado. Suponho que foi já na vigência do seu Governo, se não me engano, que saiu uma lei definindo claramente quais os passos dos estudos de impacte ambiental, para evitar dúvidas, e estamos aqui a discutir quem nos pode esclarecer melhor, esquecendo que o Governo não fez esta coisa elementar: sobre algo que é objectivamente grave, não fez um estudo de impacte ambiental, como ele próprio definiu, como deve ser feito.
Não ponho em causa competência do Professor Mário Ruivo, que, como lhe disse, foi meu colega de faculdade. Conheço-o há longos anos, sou amicíssimo dele, conheço o seu mérito internacional, mas, mesmo assim, não pode, nem ele nem ninguém, substituir um estudo de impacte ambiental nos termos definidos hoje internacionalmente e confirmados pelo seu próprio Governo.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos então passar à votação do voto n.º 45/VII - De protesto contra a realização de uma simulação sísmica ao largo do Porto, apresentado pelo PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PS.
É o seguinte:
O Governo decidiu autorizar uma simulação sísmica resultante de uma explosão com a potência de 20t de TNT, ao largo da costa norte do País, muito próximo da cidade do Porto. A citada experiência será antecedida de um ensaio prévio que visa observar as consequências da explosão de duas cargas de uma tonelada cujos efeitos, pretensamente irrelevantes, legitimariam a detonação de uma carga 20 vezes superior.
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Para lá de declarações superficiais e pontuais por parte de alguns membros do Governo, os autarcas, a comunidade científica e a população em geral ainda não viram cabalmente respondidas um conjunto de questões cujo esclarecimento deve condicionar era absoluto à prossecução do projecto:
Quais as reais vantagens resultantes para Portugal e para a comunidade científica nacional do facto de permitirmos que se concretize nas nossas águas territoriais uma experiência que já foi recusada por outros países da União Europeia?
Quais os equipamentos disponíveis em Portugal de forma a que a experiência tenha um inequívoco sentido útil para a comunidade científica portuguesa?
Quais os estudos que sobre este assunto tem em seu poder o Ministério do Ambiente, nomeadamente sobre eventuais consequências para a fauna piscícola da região, para a estabilidade a curto e médio prazo das construções urbanas que constituem os centros históricos do Porto e Vila Nova de Gaia, para a estabilidade das redes de abastecimento de água e de drenagem de esgotos, que têm em muitos dos casos largas dezenas de anos, etc., etc.?
Quais as conclusões tranquilizadoras que podem ser retiradas de um ensaio prévio concretizado com apenas um vigésimo da potência que irá ser aplicada na experiência final?
Estas interrogações e muitas outras, até este momento sem resposta, justificam que a Assembleia da República associe o seu protesto ao de autarcas, de cientistas e da população do norte do País solicitando, como todos eles têm feito, a suspensão destes ensaios até que existam dados concretos que confirmem a sua inocuidade ambiental e o seu interesse científico.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente (Mota. Amaral): - Tem a palavra.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero anunciar à Mesa e à Câmara que, tendo a Assembleia, hoje, assumido este voto de protesto e, simultaneamente, não tendo querido criar condições para que a Assembleia pudesse, em audição adequada, ser informada sobre a matéria,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essas condições existem regimentalmente!
O Orador: - ... o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai suscitar uma audiência à comissão de controlo e avaliação da experiência sísmica em causa.
Queremos estar informados, queremos saber aquilo que tem a maior implicação relativamente aos problemas do País e à situação científica. Nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não nos demitimos das nossas responsabilidades perante os nossos eleitores.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A Mesa anota a sua informação, que também passa a ser do conhecimento de todo o Parlamento.
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente. Tenho o mesmo direito do Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Dispõe de 30 segundos e retirar-lhe-ei palavra se não for uma rigorosa interpelação à Mesa. Tem a palavra.
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, esta interpelação será feita estritamente nos mesmos termos em que o foi pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.
De uma forma habilidosa, o Sr. Deputado Jorge Lacão deixou cair a audição parlamentar.
Vozes do PS: - Não deixou, não!
O Orador: - Quero declarar à Câmara que, na minha qualidade de Deputado, irei propor à direcção do meu grupo parlamentar que essa audição seja realizada de imediato, em sede da comissão apropriada.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 18 horas e 25 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vamos iniciar a ordem do dia com as votações regimentais pendentes.
Vamos votar o pedido de inquérito parlamentar n.º 5/VII - Ao acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud (PCP).
Submetido à votarão, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.
Passamos à votação do projecto de resolução n.º 30/VII - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 63/96, de 28 de Maio - Aprova o processo de reprivatização do capital social da Tabaqueira - Empresa Industrial de Tabacos,
S. A. (PCP) (ratificação n.º 21/VII).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.
Segue-se a votação do projecto de deliberação n.º 24/VII - Prorroga o prazo fixado pela Deliberação n.º 12-PL/96 (Presidente da AR). É uma deliberação que se relaciona com a regionalização e foi discutida ontem.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, votos contra do CDS-PP, do PCP e de OS Verdes e a abstenção do PSD.
Passamos à votação do projecto de deliberação n.º 26/VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição (Presidente da AR).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
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Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 173/VII - Utilização de papel reciclado pela Administração Pública (PS).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Vamos votar agora o projecto de lei n.º 216/VII - Regime de promoção do uso de papel reciclado (Os Verdes).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Carlos Sá Correia (CDS-PP) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, informo a Câmara que, de acordo com o Regimento, os projectos de lei que acabámos de votar na generalidade baixam à 4.ª Comissão.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pediu a palavra para uma declaração de, voto. Tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vou fazer uma declaração de voto sobre a votação do projecto de deliberação n.º 24/VII.
O Grupo Parlamentar do PSD absteve-se por entender que não deve obstaculizar nem secundar o que aqui é proposto pelo Partido Socialista. É uma posição de coerência. Não foi o PSD que viabilizou este processo, a partir do debate do dia 2 de Maio e, portanto, não deve ser agora o PSD a obstaculizar mais este adiamento proposto pelo Partido Socialista.
Abstemo-nos, ainda, por outra razão: o PSD não quer dar pretextos e alibis ao Partido Socialista para sucessivos adiamentos, em que, nesta matéria, os socialistas têm sido férteis.
O Partido Socialista, para consumo interno e apaziguamento das suas hostes, gostaria de ter o nosso voto como bode
expiatório. Não o teve, não o terá, nem nunca virá a tê-lo.
Já ontem dissemos - e hoje reafirmamo-lo - que se o referendo sobre a regionalização não é feito entre Dezembro deste ano e Janeiro do próximo ano a culpa é toda e só do PS. Foi o PS que não aceitou o calendário proposto pelo líder do PSD e que não quis aceitar a proposta do PSD, feita em Maio do ano passado, para uma revisão extraordinária e rápida da Constituição, apenas confinada ao referendo sobre a regionalização.
Ao não aceitar as propostas do PSD, o PS adiou, adiou, adiou. A responsabilidade é sua e apenas sua. Não seremos nós a dar ao PS, como antes não fomos, mais um alibi para ele fugir à sua responsabilidade e tentar atirar para cima dos outros culpas próprias, dos seus actos e das suas decisões.
O PSD reafirma o seguinte: lutámos pelo referendo e queremos realiza-lo. Se este for adiado, tal não é da nossa conta.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por nós, haverá regionalização no País, se os portugueses, em referendo nacional, expressarem essa como sua vontade.
Gostaria de deixar uma última nota, muito actual. Hoje, o Presidente da Câmara Municipal do Porto afirmou publicamente que o referendo sobre a regionalização deverá ser feito até 25 de Abril de 1997. Esta afirmação merece por parte do PSD um comentário imediato. O Dr. Fernando Gomes deve fazer esta proposta ao PS e convencer o seu próprio partido. Se o referendo não se realizar já em Janeiro de 1997, a culpa não é nossa. Foi o PS que, até agora, adiou todo este processo. E, agora, surge mais um adiamento, proposto pelo PS.
Tudo isto são questões a ser resolvidas dentro do PS. Não contem com o PSD para mais adiamentos, venham eles de onde vierem e tenham eles a forma que tiverem.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, passamos agora à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 58/VII - Visa criminalizar condutas susceptíveis de criar perigo para a vida e integridade física, decorrentes do uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, no âmbito de realizações cívicas, políticas, religiosas, artísticas, culturais ou desportivas e do projecto de lei n.º 22/VII - Altera o regime de uso e porte de arma (PSD).
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo traz hoje a esta Assembleia é apresentada a pensar nos problemas do presente, tal como várias das sociedades actuais os vivem e enfrentam, tal como os vamos também sentindo, mas, sobretudo, a pensar nos problemas do futuro. Nos problemas de hoje e, sobretudo, a pensar na melhor prevenção dos problemas de amanhã.
Como há dias aqui disse, olhando à nossa volta, à vista dos níveis de violência e de utilização de vários tipos de armas que se desenvolvem em várias sociedades, cujas imagens diariamente nos visitam e visitam as nossas famílias, há um desígnio nacional que se nos impõe: o de conjugar esforços para que Portugal não seja arrastado para esse caminho.
Esta iniciativa legislativa é inspirada também por esse desígnio. E é trazida a esta Assembleia a pensar, em primeiro lugar, nas crianças e nos jovens, na vida e na integridade física dos que diariamente frequentam as nossas escolas e constituem também uma parte muito significativa da assistência de manifestações desportivas, espectáculos musicais e outras realizações de diferente natureza, que concentram grandes grupos de pessoas.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Orador: - As sociedades de hoje são, cada vez mais, e são cada vez mais vividas e pensadas como sociedades de risco, sociedades onde as situações de perigo adquirem novas dimensões e onde a percepção dessas situações se generaliza e impõe novas estratégias de resposta.
É sabido que, nas últimas décadas, por toda a Europa, para responder a esta complexidade crescente das sociedades em domínios como, por exemplo, o tráfico de droga, o contrabando de armas, a comercialização de medicamentos e alimentos, o trânsito rodoviário, para só citar alguns, ganhou raízes sérias a orientação de antecipar a tutela jurídico-penal de bens jurídicos eminentemente pessoais. E, isto, perante a insuficiência reconhecida do arsenal das categorias tradicionais de crimes, para responder a novas formas de criminalidade ou agressão, que, pelo seu carácter organizado, violento, insidioso ou ofensivo, exigem o reforço daqueles bens jurídicos.
É esta justificação e esta estratégia de antecipação da tutela jurídico-penal que estão por detrás da criação de crimes de perigo e, em particular, de crimes de perigo comum, pelos quais se visa acautelar uma pluralidade de bens jurídicos, a montante de lesões bem mais graves e irreparáveis.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Na hoje chamada sociedade de risco, esta orientação adquire redobrada pertinência.
A proposta que o Governo apresenta vem prever e punir, nesta linha, novos crimes de perigo, hoje inexistentes ou insuficientemente configurados.
Com a sua aprovação, comportamentos a que até agora não era atribuído relevo que justificasse responsabilização penal passarão a tê-lo.
Todos sabemos que a responsabilização individual não é tudo, nem poderá ser porventura o principal em matéria de segurança. Mas um apelo mais estrito á responsabilidade e aos mecanismos formais de responsabilização é um elemento indispensável para podermos enfrentar os riscos que defrontamos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A responsabilização é justamente um recurso a que teremos de fazer uso crescente, porque, sem a responsabilização, a solidariedade não será por si só suficiente para promover os padrões da qualidade de convivência em que todos estamos empenhados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Três ordens de considerações situam e justificam o âmbito desta proposta.
Em primeiro lugar, é manifesto, é hoje manifesto, que nas sociedades modernas as grandes concentrações de pessoas sobretudo, em jogos de futebol e concertos musicais - constituem alvos privilegiados de manifestações de violência, também elas frequentemente colectivas, que geram elevados riscos para bens jurídicos pessoais. É fácil compreender que, por exemplo, o uso de uma arma num recinto onde se encontrem milhares ou mesmo dezenas de milhar de pessoas cria um risco qualitativamente diferente para a vida e a integridade física.
As razões que, na legislação penal anterior à última revisão do Código, levaram à consagração de determinados crimes de perigo, que não se encontram agora previstos, não desapareceram genericamente, antes adquiriram uma nova acuidade, em determinados contextos de grande relevância para a segurança pública e para a confiança da comunidade na validade das normas.
Em segundo lugar, as escolas representam nas nossas sociedades instituições e espaços fundamentais para a formação das jovens gerações, para a construção do nosso futuro, como sociedade e como nação.
Justificam hoje especial atenção e actuação no domínio de segurança. Na Europa, nos Estados Unidos da América, um pouco por todo o lado.
Das escolas esperam e têm de esperar, não só os pais como os cidadãos em geral - e é esse um sentimento hoje particularmente vivo -, aquilo que se pedia às igrejas durante a Idade Média: que proporcionem aos que as frequentam e, em particular, às crianças e adolescentes, hoje tão facilmente «vitimizáveis», uma verdadeira «trégua de Deus» na voragem da vida contemporânea. O assalto contra uma criança de uma escola constitui uma manifestação de violência que põe imediatamente em causa a confiança das famílias e da comunidade na vigência das normas e na validade dos bens jurídicos.
As famílias, hoje, esperam muito, depositam expectativas muito elevadas nas nossas escolas. E essas expectativas têm também de ser reforçadamente atendidas e protegidas em sede jurídica.
Ao longo da última legislatura, de uma forma insistente, preconizámos aqui um reforço da tutela penal nos casos em que as vítimas apresentassem especial vulnerabilidade, com ênfase particular para as crianças e adolescentes. Várias iniciativas legislativas ficaram a atestá-lo.
Essa orientação tem ainda expressão nesta iniciativa, ao propor-se, como aqui se faz, um reforço da protecção penal para aqueles espaços da nossa sociedade em que, por excelência, as nossas crianças e jovens se preparam para a sociedade do futuro e, de algum modo, a prefiguram.
Estou certo de que os portugueses partilham connosco um sentimento: nada do que nós possamos fazer contra a violência, o crime e as armas é mais importante do que o que façamos para os afastar dos nossos filhos.
Aplausos do PS.
E se há aí um papel obviamente central para educação, há também um lugar acrescido para o rigor e para a responsabilidade, não só mas especialmente sensível nos casos de intrusão nos estabelecimentos de ensino, de que as autoridades escolares e policiais, ao longo dos anos, vêm crescentemente tomando conhecimento, em Portugal como noutras sociedades.
Daí que, em vários países, esteja em prática um programa, com vertentes criminais e vertentes disciplinares, que se tem popularizado através das fórmulas: tolerância zero frente à introdução de armas nas escolas ou tolerância zero frente à violência na escola.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pela nossa parte, propomos que nos associemos a tempo a esta preocupação maior, que já o é de tantas sociedades contemporâneas, e que demos um passo no sentido de reduzir também a zero, em sede legal, a permissividade a armas e a engenhos de perigosidade equiparável nas nossas escolas.
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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ao longo de mais de 20 anos, por várias razões, a vários títulos, tenho tomado constante contacto pessoal com esta problemática, quer no quadro familiar quer também no quadro do associativismo de pais, em relação a várias escolas. É com a consciência de cumprir um dever para com as jovens gerações, para com as famílias portuguesas e para com o futuro que assumo o encargo de sustentar aqui, em nome do Governo, esta proposta.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em terceiro lugar, o problema da detenção e uso de armas, em especial, mas não só, de armas de fogo, requer hoje também uma especial atenção do direito sancionário público. As armas brancas, de par com o volante, são, aliás, hoje o instrumento mais generalizado de crime na sociedade portuguesa. Todos os dados psicológicos e sociológicos revelam que a detenção de armas aumenta exponencialmente o perigo de atitudes agressivas e mesmo os países que no passado adoptaram políticas liberais nesta matéria estão a rever as suas orientações.
É sabido de todos que o Governo anunciou no passado mês de Setembro um processo de revisão da legislação não apenas respeitante a explosivos como também da que regula o uso, porte e circulação de armas. Trata-se de uma disciplina antiga, com trechos fundamentais provenientes dos anos 40, outros dos anos 70, que não foram modernizados, ao longo da última década, e para os quais ainda remete a disciplina do Código Penal revisto em 1995.
O sentido dessa revisão, nos termos em que foi publicamente anunciada há um mês, é o da introdução de novos requisitos e exigências, controles e deveres mais estritos, e ainda de penalidades mais severas do que as actualmente previstas e, em geral, desactualizadas.
É por isso que não só já manifestámos disponibilidade, em termos genéricos, para examinar diplomas, cuja apresentação foi aqui anunciada e efectuada há oito dias pelo Grupo Parlamentar do PSD, como reconhecemos, com idêntica naturalidade, a real convergência de propósitos em relação a muitas das soluções propostas no projecto de lei apresentado, propondo alterações ao regime do uso e porte de arma.
Tal projecto é seguramente resultado da reflexão de um partido que exerceu responsabilidades de governo durante uma década, que, durante esse período, foi lidando com uma legislação carente de modernização e cujo parcial anacronismo hoje expressamente reconhece e que, agora, na oposição, encontrou a oportunidade para fazer culminar essa reflexão numa iniciativa legislativa.
Esta é uma daquelas matérias onde não há lugar para uma lógica adversarial mas para uma lógica nacional de conjugação de esforços para fazer frente aos perigos da violência. Com esta postura, seremos coerentes ao longo deste debate.
Estamos convencidos de que o passo legislativo que propômos, que configura especiais contornos de exigência e de responsabilidade em relação a escolas e recintos onde se concentram grandes grupos humanos, encontrará em sede penal receptividade em quem esteja seriamente identificado e preocupado em prevenir mais intensamente os riscos de agressão e violência em áreas onde eles se colocam com especial perigosidade.
Não propomos apenas contra-ordenações, agravamentos ou actualizações de coimas. Propomos a introdução de novas e próprias incriminações, porque pensamos que os valores em causa nesses espaços o justificam.
Quem conheça o Código e a legislação penal em geral perguntará, fundamentalmente, o que se inova em relação ao que nela já se dispõe, ao que recebemos do ordenamento jurídico que encontrámos. E vale a pena explicitá-lo.
Existe no Código, tal como revisto em 1995, uma norma que incrimina o uso e porte de explosivos e armas, declarando-os puníveis com prisão até 3 e 2 anos, respectivamente.
Porém, a lei penal não abarca aí nem em qualquer outro lugar engenhos pirotécnicos, nomeadamente os do tipo very light, que constituem meios reconhecidamente perigosos e infelizmente já associados a mortes e a amputações, nem outras armas que não integrem a noção legal de arma proibida. No âmbito do Código revisto vigente, só as armas proibidas desencadeiam reacções criminais.
A posse e utilização de armas de fogo de calibre inferior aos fixados na legislação de 1975, mesmo por pessoas que não possuam licença para o efeito, estão, neste momento, fora do alcance do preceito penal. E, identicamente, as armas brancas não qualificadas como proibidas pelo decreto-lei de 1975, na parte que sobrevive.
Esta insuficiência do actual direito penal, tal como configurado na vigência da anterior maioria, é, aliás, também agravada pela circunstância de, na reforma de 1995, se ter tomado a iniciativa de suprimir, entre outros, o crime de tiro de arma de fogo, uso de arma de arremesso e ameaças, que era esse concebido como um crime de perigo abstracto contra a integridade física.
Por outro lado, no direito que vigora e que recebemos também do passado recente, a introdução de instrumentos pirotécnicos em manifestações desportivas só é hoje sancionada com coima de 10 000$ a 50 000$.
É um sancionamento muito mais benévolo, e portanto com muito menor eficácia, a começar pela preventiva, do que o que encontramos em, legislações estrangeiras, como o Código Penal Francês, que, para idêntica conduta, prevê uma pena de prisão que pode atingir 5 anos.
Queremos, pela nossa parte, que se altere este panorama.
A proposta agora apresentada vem, pois, inovar em situações de carência de tutela de bens jurídicos, nomeadamente em relação a armas, que, no momento presente e designadamente em função da revisão de 1995 do Código Penal, não são classificáveis como proibidas, e instrumentos pirotécnicos, cuja detenção, circulação e uso nos locais contemplados na proposta se reveste de comprovada perigosidade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Cumpre dizer, no entanto, que naturalmente não se excluem do âmbito de proposta quer as armas já proibidas quer as substâncias explosivas, porque se pretende dar aos destinatários, como o manda o próprio princípio da legalidade, um fácil e imediato conhecimento entre o proibido e o permitido. Transmitir com clareza essas fronteiras é também uma das responsabilidades do legislador.
Criminaliza-se, pois, o uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, no âmbito de estabelecimentos de ensino ou recintos onde ocorram manifestações desportivas, cívicas, políticas, religiosas, artísticas ou culturais.
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É importante ainda chamar a atenção dos Srs. Deputados para uma regra fundamental de subsidiariedade presente no diploma.
Sempre que a tutela penal, nas situações em que a tutela penal seja assegurada pelo Código, por mais intensa, é ela obviamente que prevalece.
Justiça, finalidade e segurança foram três ideias fundamentais a que o clássico Radbruch recorreu para tentar definir o direito. Até agora, falei sobretudo de segurança e da finalidade da proposta. Ela justifica também algumas palavras no plano da justiça.
As penalidades consignadas na proposta, se introduzem uma nova severidade no ordenamento jurídico, são menos severas do que as previstas no Código Penal, porque essa solução é imposta pelo princípio da proporcionalidade, visto que se trata de condutas comparativamente menos graves (armas não genericamente proibidas e instrumentos pirotécnicos, em vez de armas proibidas e substâncias explosivas).
O sistema de agravações pelo resultado, que depende de negligência, respeitando-se o princípio da culpa, atende, como é natural, às dosimetrias das penas hoje previstas para o homicídio e as ofensas à integridade física negligentes.
Por outro lado, a proibição de frequência de recintos - reacção já prevista, e bem, na legislação vigente - e o regime de buscas e revistas afiguraram-se especialmente adequados para prevenir a prática de infracções e encontram precedentes na legislação penal geral substantiva e adjectiva.
O Governo pretendeu introduzir elementos que, sem inovações ,absolutas, possibilitassem maior eficácia preventiva.
Finalmente, a infracção praticada por quem não anuncie a proibição de armas ou substâncias explosivas e pirotécnicas em recintos constitui necessariamente, neste quadro, um ilícito de diferente natureza, tendente a corresponsabilizar pela segurança as entidades organizadoras das realizações e a elevar os níveis de informação e civismo dos cidadãos em geral.
Mas estas são já soluções de especialidade, que todas ficam abertas à ponderação, a aperfeiçoamento, a correcção, às contribuições enriquecedoras por parte de qualquer dos grupos parlamentares.
O Governo não tem a veleidade ou a presunção de ter apresentado obra completa e perfeita.
O Sr. Presidente da Assembleia da República formulou, aliás, algumas observações, judiciosas, como sempre, em relação a aspectos de eventual inconstitucionalidade na concreta construção da reacção acessória que se propõe, no sentido de habilitar o tribunal a determinar, por um certo período, a proibição de o condenado frequentar um ou mais do que um dos tipos de local em que tenha praticado o crime e a forma de assegurar essa proibição.
Apesar dos pareceres recolhidos pelo Governo, no sentido da constitucionalidade da solução configurada, esta é, sem dúvida - e trate-se ou não de uma verdadeira e própria pena acessória -, uma questão que é acessória na economia da proposta, mas onde são bem acolhidas benfeitorias, sejam elas necessárias ou facultativas. Num combate como este, não queremos confundir o essencial com o acessório, nem fecharmo-nos em torno de soluções passíveis de melhoramento.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por isso saudamos também o sentido do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e manifestamos total abertura para reponderar aquelas soluções específicas que foram questionadas num sentido que elimine dúvidas e reservas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Na especialidade, são bem-vindos todos os contributos que possam sedimentar uma maior consensualização em torno desta inovação legislativa e que, por isso, potenciem a sua influência positiva na sociedade portuguesa, através do reforço da prevenção e, quando for caso disso, das condições concretas de responsabilização individual.
Move-nos, repito, um propósito fundamental, o de assegurar mais forte protecção jurídica à integridade física e à vida das nossas crianças e dos nossos jovens e de todos os que frequentam as nossas escolas, assistem a espectáculos desportivos e musicais ou participem em outras manifestações colectivas. Como em outros países, que sejamos para aí capazes de dizer em conjunto tolerância zero em relação a armas.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao mais - que é bastante estamos também desejosos de conjugar esforços no sentido de criar ou aperfeiçoar condições e instrumentos que ajudem a erguer um cartão vermelho; bem visível, à progressão da violência na sociedade portuguesa. Isso vale para as armas, para os explosivos e também para as condições de cumprimento das penas. Que sejamos todos a erguer esse cartão vermelho à violência!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se, para pedir, esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Encarnação, Marques Júnior, Miguel Macedo e Odete Santos.
Peço aos Srs. Deputados que se cinjam aos 3 minutos que o Regimento lhes concede para o efeito, a fim de terminarmos os nossos trabalhos em tempo útil.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, quero cumprimentar V. Ex.ª pela introdução que fez ao tema e pelo modo como se dirigiu à Assembleia, principalmente pelo modo como se dirigiu à oposição.
Se não tinha sido compreendido pelo Governo aquele que era o nosso propósito de deixar de lado uma lógica adversarial e entrar por uma via, neste particular problema, que é o da violência da sociedade portuguesa, num clima que permitisse chamar a atenção para a possível conjugação de propostas e para á possível aceitação, por parte do Governo, de várias das ideias que expendemos em propostas apresentadas aqui há algum tempo, penso que agora esta situação fica completamente ultrapassada porque o Sr. Ministro é o primeiro a dizer que, realmente, se situa nesse plano, com o que nos congratulamos.
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Sempre o disse!
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O Orador: - A nossa ideia, quando apresentámos um, conjunto de diplomas - dos quais este que V. Ex.ª analisou, ainda que um pouco superficialmente, como é natural - era, justamente, entre outras, a de tentar fazer com que a violência potencial fosse erradicada da sociedade portuguesa.
Penso, por isso, que neste agendamento deviam também estar as nossas duas iniciativas sobre explosivos e sobre a entrega de armas voluntária,...
Vozes do PS: - A amnistia! A amnistia!
O Orador: - ... porque qualquer delas é importante para analisar em conjunto esta questão. E são propostas importantes também considerando a própria iniciativa do Governo, que, embora não trazendo, como o Sr. Ministro disse, inovações fundamentais importantes, mas faz algumas adaptações ao Código Penal, é, todavia, qualquer coisa que merece o nosso aplauso e a nossa concordância.
Assim como, porventura, merecerá o aplauso e a concordância da parte do Governo a revisão, em alguns aspectos, do Código Penal e da execução de penas. Era isto que o Sr. Ministro queria dizer na sua intervenção, penso eu.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já foi anunciado em 12 de Setembro!
O Orador: - Penso que se conseguirmos fazer e analisar isto com grande seriedade e com uma grande consciência das responsabilidades, designadamente ao nível dos trabalhos da Comissão, estamos a dar um contributo positivo.
O problema que levantámos em relação às armas é o que está hoje na ordem do dia em Inglaterra, Sr: Ministro. Como V. Ex.ª sabe, a discussão que existe hoje em Inglaterra é sobre o banimento das licenças de armas. Não é apenas o problema que nós aqui introduzimos, é um problema mais vasto e mais geral, porque se entende que a utilização de armas em recintos fechados está a atingir, na verdade, proporções alarmantes.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua, porque terminou o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, termino dizendo, com toda a clareza e franqueza, que, em relação àquilo que o Sr. Ministro nos veio aqui dizer, estamos nesta altura no mesmo comprimento de onda. Aquilo que V. Ex.ª apresenta como positivo somos os primeiros a reconhecer; aquilo que V. Ex.ª faz de negativo, com toda a certeza, terá o nosso reconhecimento pela via do sinal contrário.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, este proposta de lei vem na sequência de um conjunto de preocupações que o Governo tem manifestado relativamente à segurança dos cidadãos.
Essas preocupações estão consubstanciadas no Programa do Governo, foram referidas nomeadamente em 12 de Setembro e foram também elencadas no debate sobre segurança que teve aqui lugar no dia 9 deste mês.
Esta proposta de lei tem uma relação com um incidente que aconteceu em Maio deste ano no Estádio Nacional, aquando da final da Taça de Portugal, que, naturalmente, recordamos com muita tristeza.
O problema da violência nos estádios e nas manifestações desportivas e outras tem, há alguns anos, uma grande acuidade e é uma grande preocupação. Podemos dizer que a comunidade internacional ficou mais alertada aquando do célebre e trágico acidente de Heysel Park. E ainda ontem, por exemplo, na Guatemala, aconteceu um acidente igualmente dramático, que originou largas dezenas de mortos.
Na altura, isto era uma grande preocupação e, por isso, foram feitas algumas sugestões, inclusivamente pelo próprio Parlamento Europeu e pela União Europeia. Fizeram-se, inclusivamente, algumas investigações aos estádios nacionais, no sentido de se saber da sua segurança. O Conselho Técnico para o Policiamento de Espectáculos Desportivos também tem feito várias sugestões, tendo detectado que há, por exemplo, um problema relacionado com demasiados lugares nas bancadas, poucas saídas de emergência, que a segurança eléctrica é precária, que há riscos de quedas e de incêndios. Portanto, há um conjunto de pequenas ou grandes preocupações relacionadas com este tipo de espectáculos. E há também o problema das claques. Todos sabemos que, desde há mitos anos, têm chegado ao Governo, nomeadamente ao anterior, informações muito precisas e preocupações muito grandes relativamente a este tipo de organizações.
Gostaria, por isso, de saber que outras medidas, para além destas que estão consubstanciadas na proposta de lei, já foram tomadas ou vão ser tomadas em ordem a responder a este conjunto de preocupações.
Gostaria ainda de saber em que estado é que se encontra o inquérito que, na altura, foi mandado fazer aos acontecimentos no Estádio Nacional, sabendo nós - e deixo aqui esta nota - que as forças policiais, incluindo nelas, naturalmente, as forças de segurança e a Polícia Judiciária, actuaram, com os parcos meios de que dispõem, com grande proficiência e conseguiram resultados muito satisfatórios numa fase preliminar das suas investigações.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, queria justamente começar por felicitar V. Ex.ª pelo desassombro com que hoje reconheceu aqui - coisa que, aliás, não se verificou na semana passada - a validade dos contributos do Partido Social Democrata para a discussão destas matérias, através da apresentação de um conjunto de propostas na altura em que fizemos a interpelação sobre esta questão.
V. Ex.ª deixou entender, pela discurso que aqui fez, que já teve oportunidade de ler o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei e de verificar, uma vez que ele foi feito por um Deputado do Grupo Parlamentar do PSD, qual é o nosso entendimento geral em relação ao assunto que estamos aqui a discutir: Entendemos que estas medidas, salvaguardando três ou quatro dúvidas que, depois, ficarão expressas na intervenção que vamos fazer, são no geral positivas, adequadas à situação que nos preocupa e têm em conta a tal questão que o Sr. Ministro aqui explicitou
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de considerarmos como potenciados, quer nas escolas, quer em recintos desportivos, os perigos que advêm do porte
de determinado tipo, de armas e de engenhos, designadamente aqueles que não estão já hoje criminalizados através das disposições do Código Penal.
Ora, já referimos, na semana passada - não sem alguma curiosidade -, que um dos crimes que mais cresceu no 1 º semestre de 1996 foi, justamente, o crime de roubo de armas de fogo. Por isso, não só por essa razão, mas também por razões que são conhecidas, o Partido Social Democrata apresentou um projecto de lei que regulamenta de forma diferente daquela que existia até agora a questão do uso e porte de arma.
O Sr. Ministro tem razão nas preocupações que enuncia em relação às escolas e aos recintos desportivos, mas julgo que isso não basta, porque não podemos assegurar, numa sociedade que seja genericamente ou potencialmente perigosa, a criação de ilhas de segurança, e é justamente por isso que julgo devíamos tentar fazer aqui a compreensão global, através da proposta de lei e do projecto de lei do Partido Social Democrata, no sentido de encontrarmos um enquadramento que, de facto, dê às pessoas uma inversão da tal insegurança subjectiva que perpassa pela sociedade. Muitas vezes é muito mais isto do que propriamente factos concretos que lhe chegam directamente ao conhecimento.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, agradecia-lhe que concluísse, pois esgotou o seu tempo.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por isso, Sr. Ministro, aquilo que queria saber era o seguinte: da sua parte já percebi que havia abertura para a discussão séria das propostas que fazemos no nosso projecto de lei que também hoje está em discussão, mas entende que, no geral, este projecto de lei do Partido Social Democrata, obviamente sujeito às alterações que a discussão ditar, deve ou não merecer a atenta ponderação da Assembleia e do Governo no sentido de, nestes domínios, considerarmos também urgente a alteração das questões relacionadas com o uso e porte de armas?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): -- Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, é óbvio que a intervenção que V. Ex.ª fez focou, de facto, novos fenómenos criminógenos que têm, efectivamente, de ser debelados em defesa da sociedade. Pensamos mesmo que existem condições para se começar a debater, o que, a meu ver, ainda não se começou a fazer, a política criminal que a sociedade de risco deve efectivamente ter.
Devo dizer que concordei com quase toda a sua intervenção, só houve uma frase que me deixou algumas reservas, ou talvez mesmo discordâncias, o que me leva a fazer uma pergunta, que tem a ver com a política criminal, que tem a ver com a legitimação do Direito Penal. E essa frase foi a de que a solidariedade não é suficiente se a responsabilidade individual não existir.
Pergunto-lhe se, de facto, em termos de legitimação de Direito Penal e de fazer parar a violência, não tem de se inverter as questões. Ou seja, se não existirem, de facto, direitos sociais, realizados, efectivados, se o Estado-social não funcionar„ a responsabilidade individual será suficiente para pôr cobro à violência?
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
Peço-lhe que seja o mais sucinto possível.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, também da parte da bancada do Partido Popular há um genérico consenso relativamente à necessidade de abordar os novos fenómenos da criminalidade, que nos associam, infelizmente a todos, a uma sociedade em que impera algum risco acrescentado em relação a tempos anteriores, e também percebemos claramente que a intenção política do Governo foi a de dar uma resposta, por via legislativa, mas uma resposta política, a acontecimentos recentes ocorridos no Estádio do Jamor, aquando da final da Taça, e também, penso eu, aos ocorridos, aqui há uns tempos, numa escola, onde foi colocada uma bomba. Portanto, a intenção do Governo é a de, em sítios onde na verdade possam estar grandes concentrações de pessoas naturalmente indefesas, até, por vezes, em ambiente de festa, conseguir os meios necessários para evitar que se repitam actos como aqueles.
No entanto, já aqui foi transmitida por outra bancada uma ideia que também a mim me é cara: a de que talvez fosse preferível ter enveredado por soluções legislativas que não particularizassem estas situações. Pergunto-lhe se, por exemplo, o cais de uma estação do metropolitano ou um transporte ,público também não são locais, recintos, onde podem acontecer situações destas, pelo que seria necessário contempla-las em medidas legislativas deste tipo.
A segunda questão - e vou ser muito rápido para obedecer ao Sr. Presidente da Assembleia da República em exercício - está ligada à pena acessória, digamos, destinada a impedir o acesso de pessoas ou de criminosos, pessoas condenadas nestas condições, aos recintos onde praticaram os seus actos criminosos ou até a recintos idênticos.
Tendo em conta a medida que aqui foi, em termos legislativos, encontrada para garantir a execução desta medida acessória - a identificação coactiva, que é a obrigação de ir a uma esquadra identificar-se, para, desta forma, impedir o acesso do criminoso ao recinto pergunto-lhe: se, por exemplo, houver jogos de futebol todas as semanas e se, imagine, houver um condenado inibido de presencia-los durante cinco anos, como é que ao terceiro ano o Sr. Ministro resolve o problema da identificação, uma vez que está identificado por natureza, que está pessoalmente identificado? A pessoa em questão é, seguramente, já muito conhecida na esquadra, e .esta identificação, que é pessoal, digamos assim, demora apenas 30 segundos. Pergunto-lhe se esta medida ou se esta forma de garantir a execução da pena acessória é a mais indicada ou se foi a fórmula encontrada para tornear outro tipo de questões jurídicas e até constitucionais.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna. Lembro-o de que, de acordo com o Regimento, dispõe de 5 minutos.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, começo por agradecer as reacções muito construtivas de todos os Srs. Deputados que intervieram em relação à proposta apresentada pelo Governo.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, estas iniciativas estão, naturalmente, a ser preparadas há algum tempo, tendo
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algumas delas sido anunciadas em Maio, e portanto não são e não podem ser, como o Sr. Deputado sabe, pois tem experiência na preparação de medidas deste género, improvisadas de uma semana ou mesmo de um mês para
o outro, e traduzem uma postura que não nasce com acontecimentos recentes.
Sublinho o interesse do Governo numa abordagem nacional nestas matérias, é, não querendo reeditar controvérsias, gostaria de dizer que, no espírito e pelos dados de que o Governo dispõe, esta é uma matéria abordada em espírito preventivo. Os dados de que hoje dispomos - é importante dizê-lo - das forças de segurança indicam que a criminalidade violenta baixou este ano. Uma das forças de segurança di-lo com toda a clareza, apresentando números e percentagens. Não vale a pena discuti-los, mas é para se saber que estamos sobretudo a pensar no futuro. E quando falamos de armas de fogo, é preciso dizer que os balanços feitos dizem que os homicídios voluntários são maioritariamente consumados com a utilização de armas brancas, que há um desagravamento de roubos com arma, que há um abrandamento sensível na tendência de furtos de armas. Mas nós não nos deixamos enganar ou iludir porque estamos de acordo em que há problemas estruturais que se desenvolvem nesta sociedade.
Não poderia estar mais de acordo com um aspecto do artigo hoje publicado no Diário de Notícias, onde o Sr. Deputado Pacheco Pereira diz que problemas estruturais não podem ser apresentados como problemas conjunturais e que não é credibilizante para quem quer que seja vir agora apresentar como sendo conjuntural o que tem raiz estrutural nas nossas sociedades. Aliás, esta é a ideia que no último debate foi aqui muito bem apresentada pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Mas gostaria que isto não perturbasse o espírito com que todos, em conjunto, queremos enfrentar os problemas que reconhecemos existir. Por isso, como eu já disse e reafirmo, estamos convergentes em relação a muitas das soluções e a muitos dos propósitos que subjazem à iniciativa legislativa aqui apresentada.
Os problemas têm aspectos específicos ligados a determinados espaços e a determinados factores de perigosidade, mas existem também aspectos gerais e nós convergimos nessa necessidade. E é essa a postura com que aqui estivemos, porque eu próprio, no último debate, anunciei a total disponibilidade para examinar os diplomas, todos os diplomas, só que na altura não os podia sequer conhecer nem ter lido. Portanto, não era lícito nem responsável que fosse mais longe. Foi agora manifestado o espírito de convergir em torno de soluções que respondem de facto ao sentido dos problemas, porque, como já disse aqui duas vezes, mas gostaria de repetir, o que deve ser o grande desígnio nacional, em matéria de segurança, é unir os esforços de todos os portugueses para evitar que a nossa sociedade siga um caminho que a leve a tornar-se igual às que diariamente, em imagens, nos visitam.
Penso que neste esforço todos convergiremos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Marques Júnior referiu-se a uma investigação que está em curso, em relação a alguns aspectos, aliás, também por iniciativa do Ministério Público, pelo que, a meu ver, seria prematuro nesta altura tentar fazer um ponto da situação, embora me queira associar publicamente ao esforço das nossas forças de segurança, quer tenha sido realizado durante essa prova desportiva, quer ao longo do ano.
Aliás, os números respeitantes à participação de elementos das forças de segurança, que atingem quase os 200 000/ano em relação à totalidade das realizações desportivas, dão bem conta do esforço que é feito para que estas realizações não sejam acompanhadas de problemas, de incidentes e de crimes, o que, infelizmente, nem sempre é possível evitar.
Passo agora à questão colocada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, em relação...
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, peço-lhe que sintetize, pois já esgotou o tempo regimental.
O Orador: - Vou tentar sintetizar, Sr. Presidente.
A Sr.ª Deputada Odete Santos coloca um problema que é de facto crucial nas sociedades actuais, o de fazer articular solidariedade com responsabilidade individual. Sr.ª Deputada, não podemos resolver os problemas de uma sociedade complexa se não apelarmos mais para a responsabilidade dos indivíduos, se não abandonarmos formas de funcionamento em que soluções puramente colectivas, soluções estatais, soluções providenciais, soluções de agregação, davam resposta a problemas que residem hoje também no mais íntimo da capacidade de autodeterminação e de escolha. E é por isso que hoje não é possível enfrentar problemas sem apelar mais à responsabilização individual.
Numa resposta directa, Sr.ª Deputada, precisamos da solidariedade, mas só com a solidariedade não vamos lá. Precisamos também da responsabilidade. Precisamos de combater as causas do crime, mas precisamos também de combater o crime e de pedir responsabilidades aos autores dos crimes.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervir no ,debate conjunto destes diplomas, presumo apresentando o projecto de lei do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, pensei que V. Ex.ª me fosse dar a palavra para uma intervenção, mas, como ma dá para apresentar o projecto de lei n.º 222/VII, do PSD, quero apenas referir que este diploma visa alterar o regime do uso e porte de arma. Não vou entrar em pormenores acerca das medidas propostas, quando muito poderia sumariá-las, mas penso que não valerá efectivamente a pena.
Devo referir que sobre este projecto de lei recaiu um relatório e parecer, que foi hoje aprovado por unanimidade pela 1.ª Comissão e que concluiu no sentido de que: «O projecto de lei n.º 222/VII encontra-se em condições constitucionais e regimentais para subir a Plenário para apreciação na generalidade».
Já agora, Sr. Presidente, se me permite, e já que fui o relator da proposta de lei n.º 58/VII, refeceria e sintetizaria apenas as conclusões a que a mesma Comissão chegou.
As conclusões foram precisamente 'estas: «A proposta de lei inclui preceitos em relação aos quais claramente se não põem questões de (in)constitucionalidade e outros que apontam para a necessidade de maior reflexão, a fazer em sede de especialidade, por forma a expurgar o texto de
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soluções que possam vir a ser julgadas menos perfeitas de um ponto de vista técnico-jurídico ou mesmo inconstitucionais.
Nestes ternos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que a proposta de lei n.º 58/VII pode, nos termos regimentais, subir a Plenário para ser apreciada e votada na generalidade».
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Antonino Antunes, fico na dúvida se V. Ex.ª tem também a intenção de intervir no debate.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Se me permite, Sr. Presidente,...
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado. Não quero, de forma alguma, priva-lo desse direito.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo; Srs. Deputados: Vivemos num momento histórico em que a questão da insegurança dos cidadãos perante a criminalidade violenta se apresenta com foros de acentuada gravidade.
Durante este ano os portugueses assistiram ao súbito aumento da prática de crimes violentos, entre os quais sobressaem os homicídios. Os portugueses sentem-se hoje mais inseguros do que nunca. De repente, demos todos connosco a pensar sobre se Portugal é ainda um país de brandos costumes.
Compete ao Governo, e também a nós Deputados, reflectir os sentimentos, os anseios, as necessidades e as preocupações dos portugueses e dar-lhes resposta. E foi com o objectivo de combater a criminalidade, organizada ou não, que o PSD apresentou na Assembleia da República toda uma série de iniciativas legislativas, de entre as quais se destacam: o projecto de lei que altera o regime de uso e porte de arma; o projecto de lei que apela, à entrega de armamento, explosivos e munições ilegalmente detidos; o projecto de lei que altera, tornando mais severo e apertado, o regime de liberdade condicional e das saídas precárias dos presos; o projecto de lei que visa criar núcleos de acompanhamento médico ao toxicodependente, na certeza de que muitos dos crimes que nos afligem estão ligados ao consumo e ao tráfico de drogas; o projecto de lei que visa criar uma guarda dos estabelecimentos de justiça; o projecto de lei que visa alterar as leis orgânicas da PSP e da GNR, por forma a libertar os agentes de tarefas tão simples e burocráticas como são as notificações judiciais e a conferir-lhes disponibilidade e eficácia para operações de policiamento e de rua; o projecto de lei que cria destacamentos antidroga, navais e aéreos, na brigada fiscal da GNR; o projecto de resolução que preconiza a integração da polícia marítima na brigada fiscal da GNR; o projecto de resolução que recomenda ao Governo medidas urgentes sobre a situação dos explosivos em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, foram 10 projectos de lei por nós apresentados num só dia, que integram o chamado «pacote de segurança», que demonstram uma visão global, integrada e coerente, que são o resultado do estudo e cuidadosa ponderação sobre as causas mais profundas desta crise, procurando ataca-la nas várias frentes e atingi-la na sua génese e desenvolvimento.
A proposta de lei n.º 58/VII constitui uma medida isolada e, por isso, faria sentido que a sua discussão se processasse em melhor conexão temporal com aquele conjunto de iniciativas legislativas de conteúdo próximo ou afim porque orientadas para idêntico objectivo.
Apresentada há escassos dias nesta Assembleia, a proposta de lei ora em discussão foi, na semana passada, distribuída à 1 º Comissão para relatório e parecer, com a nota de urgência que dimanava do seu anunciado agendamento para hoje.
A circunstância de se apresentar desgarrada e desinserida de um plano que demonstre por parte do Governo a existência de uma estratégia pensada e de uma política sólida e coerente, bem delineada e definida para o sector, não lhe retira algum mérito intrínseco.
Por empenho muito especial do meu grupo parlamentar, conseguiu-se à última hora agendar para hoje ao menos um daqueles projectos de lei do PSD a que aludimos: o que altera o regime de uso e porte de arma. Digamos que aquela fuga isolada para a frente tentada pelo Governo não resultou de todo e que o corredor isolado, porventura sedento de protagonismo e de auto justificações, não corta hoje sozinho a meta da primeira etapa. Chega lá ao mesmo tempo que o PSD, estimulado pela força do PSD, para não dizer mais uma vez a reboque do PSD e acicatado pelas medidas que este partido previamente anunciou.
Pena é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o pelotão não possa chegar ao mesmo tempo porque, da discussão conjunta ou menos dispersa desse conjunto de diplomas, todos ganharíamos e ganharia sobretudo o país.
V. Ex.ª, Sr. Ministro da Administração Interna, referiu hoje um artigo do Deputado social-democrata Pacheco Pereira. Eu, porque me parece que vem a talhe de foice, lembro que a actualidade é tanta que, mais recente do que esse matutino, num vespertino de hoje, interpretando estes meus sentimentos, se escreve o que passo a ler porque a expressão, feliz e oportuna, não é minha: «Deixemos de matar mosquitos à palmada e procedamos à desinfecção do pântano». É o que importa fazer.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a proposta de lei visa criminalizar condutas susceptíveis de criar perigo para a vida e integridade física, decorrente do uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, no âmbito de realizações cívicas, políticas, religiosas, artísticas, culturais ou desportivas.
Acidentes de má memória ocorridos em estádios de futebol um pouco por toda a parte e ainda recentemente em Portugal bem justificam a tomada de medidas urgentes. O «hooliganismo» não conhece fronteiras e a utilização indevida de very lights matou nos nossos estádios de futebol. No entanto, até hoje, a simples detenção ou distribuição de um very light ou de uma arma não proibida (desde que licenciado o seu uso pessoal) num estádio de futebol, num espectáculo musical, num comício ou numa escola não constituem, como V. Ex.ª, Sr. Ministro, referiu, ilícito penal.
Até hoje, a introdução ou utilização de materiais de natureza pirotécnica no âmbito de manifestações desportivas constitui apenas contra-ordenação punível com coima, de resto, sem grande expressão pecuniária. Urge acabar com isto!
Estamos de acordo com a criminalização. Concordamos igualmente com as molduras estatuídas e com o agravamento das penas pelo resultado quando da infracção
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às normas gerais resultar para alguma pessoa ofensa à integridade física ou a morte.
Nenhuma reserva nos merece, pois, o conteúdo dos artigos l.º e 2.º da proposta de lei, na medida em quê, subjacente ao respectivo enunciado, está o entendimento que perfilhamos de que as respectivas condutas já não se apresentam apenas como socialmente intoleráveis, pois atingiram um tal grau de reprovação social e ética que justificam a sua colocação sob a alçada da lei penal.
Também o conteúdo do artigo 4.º, que respeita à publicidade, não nos suscita qualquer reparo. A obrigação de afixar avisos de proibição em locais visíveis é de aplaudir e nem envolve sacrifício ou despesa significaste para os organizadores. Por outro lado, é avisada essa medida, até por ser de admitir que não haja ainda da parte de muitos dos destinatários, que serão sobretudo jovens, uma particular sensibilidade para o desvalor subjacente à incriminação, o que justifica algo mais do que a mera publicidade, que sabemos mais formal do que real, inerente à inserção da lei no Diário da República.
Já no que diz respeito aos artigos 3.º e 5.º, entendemos dever expressar acentuadas reticências que têm tanto de dúvidas acerca da sua conformidade constitucional quanto de interrogações sobre a necessidade e conveniência das soluções propostas.
No n.º 1 do artigo 3.º, diz-se que «o condenado pela prática de um crime previsto nos artigos anteriores é passível de uma pena acessória de proibição de frequência de um ou mais estabelecimentos de ensino ou recintos (...), pelo período de 1 a 5 anos». E no n.º 3 vai-se ainda mais longe, prevendo-se que, para garantira execução das penas acessórias, possa ser imposto ao condenado a «obrigação de se apresentar nas instalações da força de segurança da área da sua residência, nas quais permanecerá durante o tempo indispensável à respectiva identificação, em dias e horas em que ocorrerem as manifestações cuja frequência lhe é proibida (...)».
Já no relatório e parecer que elaborámos na 1.ª Comissão chamamos a atenção para a forte probabilidade de estar a ofender-se o chamado «princípio da proibição do excesso», já que tais medidas não parecem respeitar a adequação nem a proporcional idade ou exigibilidade.
Alei ordinária só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se às necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nos termos do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. Sr. Ministro, como é que a apresentação numa esquadra durante o tempo indispensável a uma identificação seria eficaz para assegurar a não presença numa manifestação que pode durar duas, três ou quatro horas?! E que mais dizer se, ao fim das primeiras identificações, as restantes já se fazem por simples conhecimento pessoal, ainda mais rápido e fulminante? Chamemos as coisas pelo seu nome e convenhamos que alguma eficácia neste domínio só se conseguiria com uma detenção de duvidosa legalidade, eu diria mesmo, de certa ilegalidade.
A verdade, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, é que, na maioria dos casos a submeter a julgamento - e é bom que este raciocínio se faça! -, a medida concreta da pena permitirá e aconselhará mesmo a sua suspensão pelo período de 1 a 5 anos. E o Código Penal prevê claramente que, nesses casos de suspensão, o tribunal possa impor ao condenado regras de conduta, tais como não frequentar certos meios e lugares ou não estar presente em determinados recintos, etc..
Para os casos mais graves e mais raros de delinquentes por tendência, sempre resta o recurso à aplicação da pena relativamente indeterminada que tem a particularidade de devolver para a fase da execução o quantum exacto da privação da liberdade que o delinquente deve cumprir. Mas não esqueçamos que aqui, quando muito, estaremos mais na presença daquilo a que já se chamou delinquentes associais do que propriamente de delinquentes perigosos, situação que se apresentará manifestamente rara.
E entre uma e outra das situações descritas ou configuradas será mais prudente reduzir a amplitude desse polémico artigo 3.º à simples «inibição» de entrada em recintos onde ocorram as manifestações, associada à cominação de desobediência. De resto, é uma solução em tudo idêntica àquela que ficou consagrada no artigo 16.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 270/89, de 18 de Agosto, que estabelece medidas preventivas e punitivas da violência associada ao desporto.
Sobre buscas e revistas, reconhecemos que é preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre o perigo que pode significar a atribuição pura e simples de um poder à polícia para proceder a buscas e revistas em fase de pré-inquérito e em presença de meras suspeitas e a necessidade de não frustrar os desejáveis fins de prevenção, com vista à segurança dos cidadãos, e de assegurar que as manifestações se desenrolem em ambiente de correcção e de civismo, ainda que animadas por um saudável espírito de competição.
Aqui não estão em causa direitos tão caros como o da inviolabilidade do domicílio quando se trata de buscas. E bem pode dizer-se que uma revista neste particular circunstancialismo não chegará sequer a ser vexatória. Penso que as revistas podem, portanto, «passar».
E quanto às buscas? Tranquiliza-nos o facto de se apresentarem como confinadas aos recintos no texto da vossa proposta de lei e de sabermos que o conceito de recintos, pelo menos, tal como vem sendo entendido, não coincide exactamente com o de complexos. Já o citado Decreto-Lei n.º 270/89, de 18 de Agosto, distinguiu recinto desportivo de complexo desportivo, restringindo o primeiro ao espaço criado exclusivamente para a prática do desporto com carácter fixo e com estruturas de construção que lhe garantam essa afectação e funcionalidade, dotado de lugares permanentes e reservados a assistentes sobre controlo de entrada. Colocamos sérias dúvidas no que diz respeito à extensão indiscriminada e nem sequer previsivelmente regulamentada dessas buscas a estabelecimentos de ensino privados ou públicos ou instalações reservadas que integram nomeadamente os complexos desportivos, onde podem estar instalados, por exemplo, consultórios médicos, relativamente aos quais são asseguradas outras formas de garantia e de controlo jurisdicional.
Em conclusão, desta proposta de lei aproveita-se tudo quanto respeita à incriminação e à publicidade (artigos 1.º, 2 º e 4.º), e aproveitar-se-á parte do que respeita a buscas e revistas (artigo 5.º). Penso que o artigo 3.º deve ser mais para esquecer ou, no mínimo, para alterar profundamente, na certeza de que, no quadro da legislação vigente, já se encontram institutos cuja aplicação concreta urge estimular e que são só por si capazes de dar resposta às preocupações de eficácia e de exequibilidade manifestadas. Digamos que esta proposta de lei tem uma parte de conteúdo válido, que é de subscrever, e tem, mormente o
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artigo 3.º, uma dispensável componente que se resume a algum «fogo de vista», mesmo assim susceptível de atear incêndios que podem e devem ser evitados.
Pode, pois, o Governo contar com a nossa posição, que será a seguinte: no que diz respeito à incriminação e à publicidade, terá o nosso apoio; no que respeita às buscas e revistas, estaremos atentos à necessidade de recortar com rigor e densificar o conceito de «recintos». No que respeita a esse artigo 5.º e ao teor do artigo 3.º, as chamadas penas acessórias, sente-se toda uma necessidade de maior reflexão, por forma a expurgar o texto de soluções que possam vir a ser julgadas menos perfeitas de um ponto de vista técnico-jurídico ou mesmo inconstitucionais. Porém, como isso se fará em sede de especialidade, por agora tenho dito.
(O Orador reviu.)
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, é certo que manteve o tom de consonância a que aqui se tem assistido, embora me pareça que, em certo momento, teve a tentação de seguir a via da especialidade ou mesmo a de perturbar um pouco aquele clima. A verdade é que parece estar assente, tal como disse o Sr. Ministro numa expressão feliz, que, em matéria de armas, a tolerância é zero!
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Isso é o que parece ser importante de momento.
O Sr. Ministro, que ainda tem tempo, provavelmente quererá usar da palavra mas penso que o Governo, embora eu não possa falar na qualidade de seu porta-voz, e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista estaremos dispostos a densificar, segundo as realidades constitucionais, aquilo que eventualmente possa oferecer algumas dúvidas. Porém, no geral, como muito bem se viu e afastando a discussão na especialidade, parece-nos haver indubitavelmente grandes avanços.
Sr. Deputado Antonino Antunes, creio que não vivemos, neste momento, nos tempos mais inseguros. Estes tempos inseguros, tal como já foi dito, são estruturais, vêm de trás e é pena que o pacote legislativo apresentado há uma semana nunca tivesse sido aflorado nos últimos 10 anos. Foi algo muito súbito. De qualquer maneira, o pacote tem virtualidades, mesmo no domínio do uso e porte de arurá, se bem que, a 12 de Setembro, o Conselho de Ministros tenha encarregue os Ministérios da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Justiça de rever num sentido mais restritivo o regime legal respeitante ao uso e porte de arma. O pacote contém algumas medidas oportunas mas houve também algum oportunismo, confessêmo-lo, e sem tentar perturbar o debate.
Sr. Deputado Antonino Antunes, falamos em tolerância zero e parece que estamos de acordo. Mas a verdade é que o projecto de lei n.º 223/VII, apresentado pelo PSD, cujo objecto inaudito é relativo ao apelo à entrega de armamento, explosivos e munições ilegalmente detidos, parece - como, na minha opinião, o disse sabiamente o Presidente da Assembleia da República - configurar materialmente uma verdadeira amnistia.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - Tal diploma foi fruto de noites apressadas pois, para 9 de Outubro, data da interpelação ao Governo sobre segurança, era preciso apresentar um pacote legislativo. Creio que, nessa matéria, o Governo tem andado bem melhor, Sr. Deputado Antonino, Antunes, porque, cautelosa e ponderadamente, tem apresentado propostas de lei como a que hoje apresenta.
Quero deixar-lhe uma pergunta apenas. Gostaria de saber se, em sede do projecto de lei sobre uso e porte de arma que hoje apresentou, o PSD tem ou não disponibilidade para, a nível de especialidade, permitir uma melhor densificação.
Feita a pergunta, Sr. Deputado, passo à apreciação do vosso projecto de lei. É que estamos a tratar da alteração a um diploma que data de 1949 - são muitos anos! - e os senhores propõem que apenas possa conceder-se licenças de uso e porte de arma a quem, nos cinco anos anteriores, não tenha sido objecto de qualquer outra condenação penal. Ora, Sr. Deputado, será que isto equivale a dizer que alguém que, nos cinco anteriores, tenha sido punido por injúrias ou difamação, que é alvo de condenação penal, pode não ter licença de uso e porte de arma? Aspectos como este são imperfeições, que têm a ver com pressa excessiva em apresentar este projecto.
Termino, repetindo a pergunta inicial: há disponibilidade da vossa parte para «acertarmos agulhas»?
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, interrogo-me sobre se, na realidade, V. Ex.ª tem estado atento às nossas reuniões da 1.ª Comissão ou se, de facto, tem estado ausente e distraído.
Queria referir-lhe que não houve grande espaço de tempo - foi uma questão de dias - que decorreu entre a entrada nesta Assembleia, nos últimos dias, deste projecto de lei, agendado à pressa para este dia, e o nosso pacote. É natural que se nós quiséssemos apresentar uma medida isolada a tivéssemos apresentado já há muito mais tempo. Os carimbos de entrada estão aqui. Por favor veja-os, Sr. Deputado.
Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.
Depois, reconheço que, efectivamente, é verdade, é um dado indesmentível que propomos alterar uma lei que tem 50 anos. Com certeza V. Ex.ª sabe que muitas leis foram alteradas nos últimos anos. Pergunto, Sr. Deputado: que contributo é que o PS deu, ao longo destes anos todos, para que esta lei fosse alterada? Que projecto de lei apresentou o PS nesse sentido? Não apresentou com certeza nenhum!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Bem lembrado!
O Orador: - Nós, Sr. Deputado, é que, na oposição como no governo, mostramos trabalho, mostramos
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colaboração. E não é pelo facto de estarmos na oposição que deixámos de, hoje, apresentar todo este pacote que é, afinal, a prova provada de uma grande colaboração e de uma grande responsabilidade.
Não apresentamos medidas isoladas como vocês nem fizeram e como o Governo fez. O Governo que faz? O Governo, já que faiamos em pirotecnia, «atira, de vez em quando, um foguete para o ar», um diploma. «Atira um foguete para o ar» para mostrar que o «festeiro» não morreu, que o «festeiro» não fugiu, que «está por aí»!
O Sr. José Magalhães (PS): - E a amnistia?
O Orador: - Sobre a amnistia, só lhe queria lembrar, Sr. Deputado, o relatório do SIS e só lhe queria lembrar também...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Qual relatório?
O Orador: - O do ano passado.
E só lhe queria lembrar também que a nossa preocupação não é, como talvez seja a de outras bancadas, a de, de uma forma encapotada ou não, retirar alguém da prisão. Nós, pelo nosso procedimento, pelas nossas iniciativas, por todo o comportamento desta bancada, evidenciado ao longo da outra legislatura e desta, vê-se que, efectivamente, estamos atentos às sucessivas tentativas de amnistias camufladas, encapotadas, fiscais ou não fiscais, contra terroristas, que vocês, sistematicamente, querem fazer impor.
Penso, portanto, já que tanto se fala em legitimidade, que a vocês vos falta, aqui, acima de tudo, legitimidade para tocar nessa matéria.
(O Orador reviu.)
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para defesa da honra da sua bancada.
Peço-lhe o favor de ser sintético pois, a estas horas, os «jogos florais» já devem ser reduzidos.
Risos.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não ouvi, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Disse que, a esta hora da tarde, os «jogos florais» devem ser reduzidos.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Também acho, Sr. Presidente.
Ao Sr. Deputado que acusou a minha bancada de, apressadamente, apresentar propostas alternativas e de introduzir ideias congeminadas «à luz da candeia», na última noite de trabalho, quero dizer que não é verdade. Aliás, o Sr. Ministro tinha-o desmentido logo na intervenção inicial e se o Sr. Deputado tivesse estado com atenção ao que disseram o Sr. Ministro e o Sr. Deputado Marques Júnior teria concluído exactamente o contrário.
O Sr. Deputado Marques Júnior disse que, de facto, o Governo reagiu bem e com uma medida oportuna em relação a um acontecimento que teve lugar nutri estádio, há não sei quanto tempo, e do qual resultou uma morte. Foi esta a posição do Sr. Deputado Marques Júnior em relação ao Governo.
Quanto ao Sr. Ministro, disse que «realmente, isto é importante porque há aqui um conjunto de coisas que nos permitem fazer esquecer esta lógica de `adversariedade' e situar-nos numa lógica de tentar adoptar, em conjugação, medidas positivas que beneficiem o País». Ora, foi justamente isso que fizemos.
Para além disso, o Sr. Ministro disse uma outra coisa na sua intervenção que é importante e sobre a qual o Sr. Deputado deveria meditar. Disse o Sr. Ministro que, tanto estando no Governo como na oposição, as pessoas estão sempre a aprender. Quando a criminalidade evolui, quando surgem indevidamente acontecimentos...
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, já ultrapassou o seu tempo. Por favor sintetize a sua conclusão e a defesa da honra da sua bancada para podermos prosseguir o debate.
O Orador: - Terminarei de seguida, Sr. Presidente.
Como dizia, quando há acontecimentos que nos inculcam um determinado procedimento legislativo, nós aqui estamos para o sugerir. Isto é, estando quer no governo quer na oposição, temos a mesma consciência da utilidade. Não é só útil quem está no governo, não se é útil somente estando no governo e tendo ideias, também pode e deve ser útil quem está na oposição e consegue aduzir um conjunto de ideias para que o Governo as aproveite.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro, a quem apelo igualmente no sentido de ser breve.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, vou ser muito breve porque, na verdade, o Sr. Deputado Carlos Encarnação não carece de explicações antes veio dar justificações por, durante 10 anos, o governo do seu partido ter estado tão paralisado. Essa é que é a grande realidade!
Sr. Deputado, em relação ao uso e porte de arma, devo dizer-lhe que há coisas que já estão a ser accionadas, mesmo em sede do Ministério da Administração Interna - digo-lhe o que sei, mas o Sr. Ministro poderá explicar-lhe melhor. Por exemplo, posso dizer-lhe que, no ano passado, foram registadas 1161 novas licenças de uso e porte de arma enquanto este ano e até agora o número de novas licenças concedidas não atingiu sequer metade. Portanto, há também o sentido de dificultar a concessão de licenças, há coisas que, do ponto de vista prático, estão a ser viabilizadas. É que, em matéria de uso e porte de arma, a legislação é antiga mas existe e tem alguma validade.
Ora, ainda bem que existe consonância quanto a esta questão, mas reconheçam - e foi isso que pretendemos dizer - que há uma grande desigualdade no vosso pacote: por um lado, amnistia, criminalização, por outro, restrições, algumas um tanto absurdas no caso do uso e porte de arma; à mistura, estão as notificações; depois, por outro lado, está a liberdade condicional. Quer dizer, há aspectos que são nitidamente ligados à justiça e outros que nada têm a ver.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, meu querido amigo, deixe-me dizer-lhe que penso que alguns dos preceitos normativos - e veremos melhor em sede de especialidade - vão ter de ser corrigidos, se é que vale a pena aproveita-los.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Vale, vale!
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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mais uma vez, a questão da segurança está em discussão na Assembleia da República.
Depois do anúncio feito na Assembleia da República pelo Ministro da Administração Interna, em 09/10/96, de um vasto conjunto de medidas tendentes ao reforço da segurança dos cidadãos - e recordo: 3500 novos polícias já formados ou em formação desde o ano de 1996; mais 7000 agentes durante esta legislatura, todos com funções policiais na rua; participação de forças especiais em missões regulares de segurança, principalmente em áreas urbanas e suburbanas, com problemas especiais de insegurança e violência; reforço da segurança nas escolas, com a disponibilização de 700 polícias durante a legislatura; programa especial envolvendo as forças de segurança no reforço da protecção dos nossos idosos; 12 milhões de contos na proposta do Orçamento do Estado para assegurar a operacionalidade e capacidade de resposta das forças policiais; aquisição de meios de transporte, meios de comunicação e meios informáticos; 3,7 milhões de contos para aquisição de lanchas rápidas para a Brigada Fiscal da GNR; investimento proposto em PIDDAC, na área da Administração Interna e Justiça, atingindo 21 milhões de contos -, está hoje em discussão a proposta de lei n.º 58/VII.
Esta proposta vem na sequência de medidas anunciadas quando do «acidente» mortal no Estádio Nacional na final da Taça de Portugal, em Maio último, das quais se destacam: revisão da legislação, num sentido mais restrito, do regime legal respeitante a uso e porte de armas e circulação de armas e explosivos; propor à Assembleia da República o aumento do número de casos de uso e porte de arma e circulação de armas e explosivos em que haverá punição criminal e reforço das exigências e das formas de controlo de acesso e circulação de armas e explosivos; proceder à análise das actuais condições de aplicação e cumprimento de penas e medidas de segurança, no âmbito da comissão já designada para a reforma do respectivo sistema de execução.
Este conjunto de medidas integra-se numa matriz de segurança que é uma das prioridades deste Governo.
O projecto de lei n.º 222/VII, que o PSD conseguiu agendar com o argumento da sua afinidade com a proposta de lei n.º 58/VII, não me parece correcto pois, na verdade, trata de uma matéria que só nas palavras (em algumas!) é semelhante, sendo no resto completamente diferente.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!
O Orador: - Deveria ser outro o tempo do seu agendamento, tanto mais que o Governo já tinha anunciado, em 12 de Setembro, o propósito de apresentar à Assembleia da República um diploma sobre esta mesma matéria. Aliás, esta atitude do PSD relativa à preocupação com a segurança contrasta com outra iniciativa, o projecto de lei n.º 223/VII, em que é feito um «apelo à entrega de armamento, explosivos e munições ilegalmente detidos» que configura, ou pode configurar, uma ideia de amnistia - ou, pelo menos, uma amnistia sob condição - segundo o despacho de admissibilidade de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, acrescentando, com a fineza que se lhe reconhece, «que não decorre da designação que lhe foi dada, o que assim não traduz sinteticamente o seu objecto principal, artigo 137 º, n.º 1, alínea c) do Regimento da Assembleia da República».
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Naquele dia, no Estádio Nacional, aquilo que deveria ser uma festa transformou-se num drama dificilmente suportável, independentemente das cores clubistas, para quantos assistiam àquele espectáculo desportivo. Todos nesse instante se interrogaram como tinha sido aquilo possível!
Foi preciso um jovem perder a vida num recinto desportivo para todos começarem a pensar na necessidade de tomar medidas tendentes a evitar que tais acontecimentos se repetissem, apesar de há muito se saber que, noutros países, situações semelhantes aconselhavam a tomada de medidas preventivas de vária ordem.
Em termos europeus, destaca-se a Convenção Europeia sobre a Violência no Desporto, aprovada em 1985 na sequência dos acontecimentos de Heysel Park, a qual constitui um marco importante na tomada de consciência, em termos internacionais e nacionais, da gravidade do fenómeno da violência no desporto.
Em 1989, o Conselho da Europa teve a iniciativa de realizar um estudo multinacional comparativo sobre o «hooliganismo» no desporto, em que se pretendia conhecer a especificidade de cada Estado, com vista à adopção de medidas legislativas e preventivas específicas. No que respeita à sociedade portuguesa, concluiu-se que as características da violência registada se distanciavam do fenómeno do «hooliganismo», muito embora os resultados tenham apontado para a identificação de determinados factos e processos que poderiam conduzir a tal violência.
Na verdade, parece que os estádios de futebol em Portugal (variando de estádio para estádio) não têm as condições de segurança adequadas, segundo os resultados de uma inspecção efectuada a pedido da União Europeia. As bancadas têm demasiados lugares, há poucas saídas de emergência, a segurança eléctrica é precária, há riscos de queda e de incêndio e também a existência de objectos espalhados e que podem ser usados como armas.
Neste espectáculo desportivo, como em outros, não foram utilizados os meios tecnológicos de controlo que servem como meios auxiliares importantes na fiscalização a levar a cabo pelos agentes de segurança. Ignoraram-se informações que podiam permitir tomar, em tempo útil, medidas dissuasórias ou outras que poderiam ter impedido o desenvolvimento de certas acções violentas.
Ao reflectirmos agora, obrigatoriamente, verificamos que havia há muito tempo indícios preocupantes, quer ao nível de segurança, quer ao nível da organização, quer ao nível de manifestações mais ou menos violentas, quer mesmo ao nível de certos grupos que eram, ou são, tolerados ou apoiados, muitos deles propiciadores de acidentes mais ou menos graves.
Não estou a fazer acusações a ninguém porque penso que ninguém está verdadeiramente isento de culpa e ninguém tem o exclusivo da responsabilidade.
E se é verdade que todos nós devemos aprender com os erros, pelo menos que este infeliz acidente nos sirva de lição. Lição que terá de ser aprendida desde os mais altos responsáveis até ao simples espectador de manifestações desportivas ou outras.
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A legislação que se pretende aprovar é um dos resultados dessa lição. Esperemos que os cidadãos em geral compreendam que estas medidas são necessárias para garantir a sua própria segurança e tudo façam, ao nível das suas próprias responsabilidades, para que os grandes espectáculos e as grandes manifestações sejam efectivamente o que se pretende que sejam, lugares de convívio, de amizade, de alegria e do exercício correcto da liberdade.
O que se tem passado nos recintos desportivos, em especial nos campos de futebol, de que este acidente é um triste exemplo? O que significa? Porquê esta violência?
«Será isto muito diferente da visão do mundo e dos modelos que diariamente nos são transmitidos como sendo a ordem natural das coisas que regula o meio dos negócios, a disputa pela supremacia entre senhores do universo e os seus agentes secretos, a vida nas cidades transformadas em campo de batalha, para não falar dos estádios?» - interrogava-se Pereira Marques, em artigo intitulado Campo de Batalha, publicado no jornal A Capital.
E respondia: «Não, não é diferente. Nos estádios, onde se concentram paixões e emoções acesas, reflecte-se o que anda por aí, cada vez mais palpável, transmitido por uma cultura que tende a predominar, atrofiando valores fundamentais que nos foram legados por séculos de luta pela dignidade humana. Cultura de predadores que enaltecem o indivíduo para o acabar por negar, na medida em que recusam o cidadão, que argumentam com uma liberdade que é do domínio dos poderosos porque não contempla a compaixão pelo desprotegido nem o inconformismo do oprimido.»
No mundo em que vivemos tem havido, infelizmente, um crescendo de violência que afecta a vida das pessoas e é uma preocupação generalizada dos responsáveis políticos em todo o mundo.
As sociedades modernas, sociedades tecnológicas e da informação, são hoje, fruto de circunstâncias várias, sociedades agressivas caracterizadas por um individualismo e uma concorrência feroz que secundariza a pessoa humana tudo sacrificando a favor de valores materiais que são cada vez mais apresentados como valores supremos. E é este quadro que potencia as manifestações de violência, a vitória a qualquer preço, que se reflecte também no desporto pela actuação dos diversos agentes através de processos nem sempre muito claros e contra as regras do jogo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta do Governo que estamos hoje a analisar visa criminalizar condutas susceptíveis de criar perigo para a integridade física, decorrente do uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, no âmbito de realizações cívicas, políticas, religiosas, culturais ou desportivas.
O uso e o porte de armas e substâncias explosivas ou análogas já são hoje incriminados nos termos do artigo 275.º do Código Penal. No entanto, tal disposição apenas respeita a armas proibidas, excluindo, nomeadamente, pistolas e revólveres cujo calibre não exceda 6,35mm e 7,65mm, respectivamente. Por outro lado, a utilização de material de fogo de artifício ou objectos similares, no restrito âmbito das manifestações desportivas, é hoje sancionada apenas com coimas. É objectivo desta proposta de lei introduzir sanções mais severas e de natureza penal, atendendo ao perigo que potencia para bens jurídicos pessoais.
Por outro lado, passa a ser obrigatório aos organizadores de espectáculos publicitarem a proibição de introduzir no recinto armas ou substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos.
Por último, contempla-se, expressamente, a realização de buscas e revistas tendentes a detectar a introdução e a presença de armas e substâncias explosivas ou pirotécnicas.
Pensamos que esta proposta corresponde, no essencial, àquilo que é uma exigência sentida por todos os cidadãos, independentemente dos necessários aperfeiçoamentos, que por certo a especialidade suscitará, nomeadamente, as considerações feitas por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República no seu despacho de admissibilidade da proposta de lei.
A questão levantada diz respeito à pena acessória prevista no artigo 3.º e ao eventual «risco de restrições de direitos, liberdades e garantias sem rigoroso respeito do princípio da necessidade consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição», a par da exequibilidade ou não da respectiva proibição de frequência de um ou mais estabelecimentos de ensino ou recintos onde ocorram as manifestações referidas no n.º 1 do artigo 1.º; pelo período de l a 5 anos. Estas e outras questões, como as que constam do artigo 5.º relativamente a buscas e revistas, foram igualmente objecto de reflexão no relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Temos consciência de que esta proposta, para ter êxito, necessita de ser acompanhada de outras medidas, como sejam a introdução de meios dissuasores nos recintos desportivos, como a filmagem, a regulamentação específica para disciplinar as claques desportivas e o visionamento dos espectáculos de futebol, assim como, seguindo uma proposta do Parlamento Europeu, a colocação de «detectores de objectos perigosos» à entrada dos recintos desportivos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas temos de ter cuidado!
A resposta a esta violência, que tem muitas e variadas origens, tem de ser encontrada no respeito pelos princípios democráticos, na defesa dos direitos do homem, afirmando nesse combate o primado da fraternidade, da solidariedade, da cidadania.
Mas, para além desta medida, outras há que nos comprometem a todos nós, como seja a educação cívica que começa nos bancos da escola, em casa, nos locais de trabalho e a nível político, de modo a criar as condições de uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais solidária. E essa responsabilidade é em primeiro lugar nossa, dos políticos.
Numa democracia constituem tarefas fundamentais do Estado garantir os direitos e liberdades dos cidadãos, bem como a sua segurança enquanto pressuposto desse mesmos direitos e liberdades. No entanto, o sistema apresenta algumas vulnerabilidades e não está isento de ameaças aos valores fundamentais que se encontram consagrados nas leis que regem os Estados democráticos.
Nos dias de hoje, em que se verifica a internacionalização do crime, estas ameaças acentuam-se, exigindo que se façam profundas reestruturações nos métodos e concepções de combate a todas as formas de criminalidade. A esta internacionalização do crime têm correspondido, de um modo geral, os países europeus, designadamente os comunitários, com o reforço da cooperação policial.
Os Estados democráticos, dadas as suas específicas vulnerabilidades, devem, pois, articular os seus serviços e
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forças de segurança, independentemente das necessárias reestruturações e adaptações internas, de modo a responder de forma cada vez mais eficaz às novas formas de criminalidade que apresentam, por sua vez, uma cada vez maior sofisticação nos métodos utilizados.
É necessário ter presente que estamos num tempo em que, apesar de o homem continuar a ser o elemento fundamental como garantia de segurança, é preciso investir em equipamento que permita ao agente tirar o máximo do rendimento da sua acção. A presença de mais polícias nas ruas é fundamental, mas é insuficiente se não for acompanhada de meios adequados e de uma racionalização do seu emprego, o que, aliás, o Governo anunciou.
A par da formação permanente - outra preocupação central deste Governo -, é também decisivo dar-lhes os meios adequados ao desempenho das suas funções. Esta acção é fundamental para credibilizar as próprias forças de segurança, a par da confiança que é preciso transmitir a todos aqueles que sentem necessidade de recorrer aos seus serviços.
Nesta oportunidade, gostaria de referir que é necessário ainda um grande trabalho, apesar do esforço que este Governo tem vindo a desenvolver, de modo a prestigiar o agente de segurança perante o cidadão. Este objectivo, que não é fácil de conseguir, passa pela conjugação do esforço de todos, desde o Governo ao simples cidadão, passando naturalmente, e em primeiro lugar, pelo próprio agente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Uma dessas condições passa pela capacidade de resposta aos problemas que lhe são apresentados e pela forma como o agente se comporta perante o cidadão.
A este propósito, convêm sublinhar não só a dedicação das forças policiais como a sua capacidade e competência amplamente demonstradas, quer na identificação e captura do autor do lançamento do very light, que provocou o acidente no Estádio Nacional, a que já fizemos referência, quer também na resolução de um conjunto de crimes que ultimamente encheram as páginas dos jornais. Com meios manifestamente inadequados, é de sublinhar o grande êxito alcançado, quer pelas forças de segurança, quer pela Polícia Judiciária, e que são só por si uma, garantia da qualidade a merecer a confiança dos cidadãos.
É, pois, importante estabelecer uma relação de confiança que passa também por considerar o agente não tanto como o elemento que só é conhecido por exercer a autoridade contra o cidadão más, fundamentalmente, deve ser conhecido como o cidadão que, como detentor de autoridade, se dispõe a prestar o auxílio necessário à comunidade, com sacrifício do seu bem-estar pessoal e, tantas vezes, com sacrifício da própria vida.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - As medidas que o Governo já tomou creio serem de molde a criar uma expectativa positiva neste domínio, ao mesmo tempo que originam um quadro de segurança que é uma referência estável de liberdade, de justiça e de defesa da dignidade humana, requisitos fundamentais ao bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos.
Mas não tenhamos ilusões: o combate dos combates é pela justiça social, pela igualdade de oportunidades, pela dignidade da pessoa humana, pela paz, e estes são valores que não são deste ou daquele, de hoje ou de ontem, do passado ou do presente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - São valores de sempre e têm de ser valores do futuro, se quisermos sobreviver como homens verdadeiramente livres.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes. Peço-lhe que seja breve.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, foi um prazer ouvi-lo e queria fazer apenas uma breve observação ao seu discurso. V. Ex.ª falou abundantemente em números, em anúncios e em prioridades, mas o que verificamos é que as prioridades do PS e do Governo, afinal, não se vêem.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não seja injusto!
O Orador: - As medidas não saem mesmo quando são prioritárias. O que seria se elas não fossem prioritárias!
Sr. Deputado Marques Júnior, gostaria muito de aqui ver o Sr. Ministro da Justiça, porque as medidas hoje em discussão têm tanto á ver com o Ministério da Justiça como com o Ministério da Administração Interna. O Sr. Ministro da Justiça devia, por isso, ter aqui uma palavra a dizer.
Temos aqui um elemento em comum, Sr. Deputado Marques Júnior. É que, além de sermos amigos de longa data e colegas dos bancos de liceu, fomos os dois eleitos pelo círculo de Viana do Castelo e, curiosamente, por coincidência, hoje estamos aqui a falar sobre armas e sobre segurança. A diferença entre o seu discurso e o meu é que o seu foi etéreo, celestial, muito bonito, mas não mostra que tem os pés assentes na terra,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Foi rigoroso!
O Orador: - ... enquanto o meu foi um discurso de pragmatismo. Sou um homem prático e, nas intervenções que fiz, mostrei que me preocupo com medidas práticas. E, Sr. Deputado Marques Júnior, os nossos cidadãos elegeram-nos, acima de tudo, para tratar de coisas práticas.
V. Ex.ª sabe que a segurança que hoje se discute também tem muito a ver com o andamento dos tribunais. E o tribunal de Viana do Castelo está entupido: os julgamentos não se fazem, existem seis ou sete juizes, mas apenas duas salas de audiência. Como é que pode haver segurança em Viana do Castelo - o nosso distrito, Sr. Deputado! - se, realmente, o tribunal se encontra nesta situação?
O Sr. Deputado Marques Júnior, também sabe que o Sr. Ministro da Justiça - e por isso gostaria muito de o ver aqui hoje - prometeu-nos uma solução e prometeu-mo a mim, pessoalmente, dizendo: «Sr. Deputado, não garanto em relação a todos os casos, mas garanto-lhe que em Viana do Castelo terão um 3.º juízo a funcionar no dia 15 de Setembro deste ano e que as conservatórias e os notariados ficarão fora do edifício do tribunal para que tenham salas de audiências e os juizes possam instalar-se, permitindo o andamento do serviço».
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Estamos a falar do porte de arma!
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O Orador: - O dia 15 de Setembro foi há muito. Era uma medida prioritária que não saiu, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Qual é a pergunta?
O Orador: - A pergunta, Sr. Deputado José Magalhães, que está impaciente, vai ser rápida e fulminante.
O Sr. José Magalhães (PS): - A esta hora já só anseio pela pergunta!
O Orador: - Srs. Deputados José Magalhães e Marques Júnior, não me admiro nada que a questão da insegurança se acentue e que haja até movimentos...
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Antonino Antunes, V.Ex.ª desprezou completamente o meu apelo, mas não pode desprezar o Regimento. Terei de retirar-lhe a palavra.
O Orador: - Ainda não atingi...
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Já atingiu os três minutos de que dispunha, Sr. Deputado.
O Orador: - Queria apenas fazer uma pergunta, Sr. Presidente. É uma injustiça!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - É que o Sr. Deputado falou de Viana do Castelo, em vez de formular a pergunta!
O Orador: - Sr. Presidente, quero apenas satisfazer a ansiedade da bancada do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tenha a bondade.
O Orador: - A pergunta é apenas esta: Sr. Deputado Marques Júnior, está disposto a ir comigo, já amanhã, procurar o Sr. Ministro da Justiça, que anda tão arredio, e perguntar-lhe por que razão não cumpriu as promessas e, nomeadamente, se nos dá outro prazo e se podemos acreditar nessa dilação?
(O Orador reviu.)
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O pedido é indeferido liminarmente porque não tem a ver com a matéria!
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior. Penso que basta responder «sim» ou «não», isto é, se quer ou não acompanhar o Sr. Deputado Antonino Antunes e, nesse caso, passamos ao orador seguinte!
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, se me permite, a minha resposta vai ser um pouco mais longa.
Em primeiro lugar, agradeço as palavras do Sr. Deputado Antonino Antunes, mas devo dizer-lhe que a questão que me colocou está mais virada para o facto de ambos sermos Deputados eleitos pelo círculo de Viana do Castelo. Portanto, a sua intervenção destina-se a ser publicada no jornal de Viana do Castelo, provavelmente para tomarem conhecimento da sua preocupação relativamente aos problemas dessa cidade!
Aplausos do PS.
Naturalmente, acompanho-o no que diz respeito aos problemas que Viana do Castelo vive.
O Sr. Deputado referiu que tem os pés assentes na terra e que eu fiz uma intervenção um pouco etérea e celestial. Devo dizer-lhe que nunca desistirei de ter esta posição, nem de me orientar, como tenho feito toda a vida, segundo valores que considero essenciais!
Aplausos do PS.
Hei-de aproveitar todos os momentos e oportunidades para fazer fé nesses valores e chamar a atenção dos políticos - que somos todos nós - de que não vale a pena assentar os pés na terra se, efectivamente, não estivermos orientados por valores e princípios que são fundamentais e sem os quais de nada serve ter os pés assentes na terra.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Antonino Antunes, quer mais medidas concretas do que aquelas que o Governo tem apresentado relativamente a todas estas questões? Já as enunciei! Aliás, nos Orçamentos encontram-se medidas que não podem ser mais concretas e um maior conjunto de medidas também não pode haver!
O PS está no Governo há um ano, mas a honestidade intelectual aconselhará, para além desta guerrilha política,...
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Hoje já ouvi isso quatro vezes!
O Orador: - ... que o Sr. Deputado pondere se o facto de os tribunais estarem «entupidos» se deve a este ano de governação do Governo socialista!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ou será que esta situação é que «entupiu» o Governo socialista? Então «desentupam» o Governo socialista e, neste caso, os tribunais - retirem os processos que deram entrada durante este ano e vejam o que fica! Por amor de Deus, temos de ter um bocado de cuidado na forma como abordamos estas questões,...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Pensávamos que a «varinha mágica» chegava a Viana do Castelo!
O Orador: - ... porque é evidente que a «herança» deixada... Os senhores não gostam que se diga isto, mas a verdade é que este Governo, por muito que faça e durante muito tempo, será afectado por esta pesada «herança» que o PSD nos deixou!
O Sr. Deputado Antonino Antunes questionou o facto de o Ministro da Justiça não ter estado presente, mas o Sr. Ministro esteve aqui, à sua disposição, no passado dia 9, fez ontem oito dias...
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - O tema não era este!
O Orador: - Desculpe, mas nessa altura o PSD teceu os maiores elogios à atitude do Ministro da Justiça e às medidas que tem tomado nestas mesmas matérias! Portanto, a observação que fez é perfeitamente desajustada.
É com muita amizade, sublinhando o seu interesse por Viana do Castelo, que também é o meu, que recebemos o
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apoio que nos é dado e oferecemos a nossa disponibilidade para encontrar as tais soluções que permitam que estejamos com os pés na terra, sem abdicar dos valores e princípios que nos devem orientar e corrigir.
Aplausos do PS.
O Sr. Antonino Antunes (PSD): - O Sr. Deputado não respondeu à minha pergunta: vai ou não comigo ao Sr. Ministro da Justiça?
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que, quando se iniciou o debate, tive alguma secreta esperança de a Assembleia da República estar a principiar verdadeiramente um debate sobre o que é necessário para o nosso país em matéria de política criminal. Contudo, as minhas esperanças saíram um tanto defraudadas e apenas se salvaram com partes,
porque não concordo com tudo, da intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior.
Creio que o Sr. Deputado colocou a tónica num ponto que também considero fundamental: as questões de justiça social, de realização dos direitos sociais, da perda dos valores, porque se perderam os valores, dos apelos à crença de que as ideologias certas tinham acabado, o que gerou espirais e ondas de violência que se abatem em toda a Europa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Penso que esse debate está por fazer, porque não teve lugar na interpelação sobre segurança, afinal não protagonizada pelo PSD.
Se nos limitarmos a discutir uma ou outra medida, sem dúvida importantes - aliás, e para que não fiquem quaisquer dúvidas, devo dizer que não só consideramos importante a proposta de lei do Governo como compreendemos o projecto de lei do PSD; já o Sr. Professor Figueiredo Dias disse, aquando da revisão do Código Penal, que era preciso uma boa lei sobre armas, mas também tenho dúvidas que isso se aplique à iniciativa apresentada pelo PSD. Mas, dizia eu, se nos ficarmos pela discussão de medidas pontuais quando uma outra situação de violência se abate na sociedade, estaremos a contribuir para a falta de racionalização do sistema penal e corremos graves riscos de o transformar num instrumento gerador de maior violência porque desacompanhado de políticas debeladoras de fenómenos criminógenos, de políticas de realização de
justiça social, postergadas até agora.
É fundamental que se inverta essa política, que se invista na política social, como forma de travar a reprodução de violência, a destruição de relações horizontais ou comunitárias, com o que o direito penal ganhará em verdade e legitimidade, perdendo em selectividade reprodutora de violência.
Os discursos que se alheiam da função ressocializadora das penas e das medidas de segurança e assumem o vector meramente retribucionista das mesmas contribuem para a deslegitimação do sistema penal pelas espirais de violência
que o mesmo desencadeia.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Talvez seja por isso que o PSD sente necessidade de mexer na lei sobre as armas, porque, efectivamente, há o risco de certos apelos - e não digo que sejam feitos aqui - ao aumento da segurança dos cidadãos corresponderem a espirais de violência, podendo, inclusive, registar-se o perigo do uso de armas numa justiça privada que todos condenamos.
Os discursos neocriminalizadores, que negam a criminalização - e peço licença para chamar a atenção para isto, porque me parece muito importante num sistema penal que se quer coerente - de condutas gravemente lesivas de direitos fundamentais dos trabalhadores e prometem resolver a insegurança pelo terror penal que se abate de uma forma selectiva na sociedade, roubam a coerência de que falei.
Este debate tem de ser feito, mas, de facto, ainda está por fazer e está por gizar o projecto alternativo que remeta o direito penal ao papel que lhe é reservado pelo artigo 18.º da Constituição da República: um papel subsidiário, interventor apenas quando outros meios não sejam suficientes para a salvaguarda de bens jurídicos.
Algumas das soluções propostas pelo PSD, no seu projecto de lei, são efectivamente de ponderar e pensamos que, em sede de especialidade, deveremos analisar bem todas as situações. De qualquer forma, também não vale pegar num molho de artigos do Código Penal - peço desculpa pela expressão - e despejá-los, como sendo todos eles privativos da licença de uso e porte de arma.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Não percebo, por exemplo, por que é que o crime de estupro, que, aliás, deveria ter desaparecido do Código Penal, pode privar o estuprador da licença de uso e porte de arma. A não ser que tenham visto que o sedutor poderá ser um oficial de infantaria ou de cavalaria e, então, justificar-se-á privá-lo da licença de uso e porte de arma!...
Risos.
Este é um exemplo, mas, de facto, foram os senhores que, com o mau cuidado nas soluções, deram origem a esta crítica um pouco jocosa, porque, na verdade, é o que lá está, é o artigo 174.º.
Temos de ponderar essa situação, embora também julgue que deve ser encontrada uma boa lei de armas.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Em relação à proposta de lei, pensamos, e já o dissemos, que, na generalidade, se justificam as soluções de neocriminalização, sem prejuízo de, como o Sr. Ministro disse, e é óbvio, quando os comportamentos forem puníveis de uma forma mais grave, como nas formas de dolo eventual, se aplicarem as soluções do Código Penal.
Há algumas questões que se podem suscitar em torno do artigo 3 º da proposta de lei. Não vou entrar em análises de especialidade, mas o que me preocupa em relação ao n.º 3 do referido artigo, salvo erro, não é bem a classificação - é claro que daí se poderá partir para a classificação - é, antes, saber se o que vem proposto atinge efectivamente aquilo que me parece querer atingir, isto é, garantir a segurança e estabelecer uma medida, a que não darei nome, para impedir que a pessoa viole uma pena em que foi condenada.
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Na verdade, se a pessoa residir muito longe dos recintos onde está privada de entrar, o facto de ser notificada para aparecer na esquadra impede-a de ir aos tais recintos, excepto se fugir, mas, se assim não for, a identificação na esquadra não atinge o objectivo da medida proposta. Por isso, parece-me que a medida proposta não é uma medida que garanta a segurança e também entendo que não se trata de uma medida que garanta a ressocialização. Não vejo que a medida em causa seja efectivamente uma medida de segurança e creio mesmo que, tem um efeito estigmatizador. Se se tratasse de uma medida de segurança, estaríamos perante um sistema dualista ou de duplo binário, contra o qual nada temos, desde que rodeado de algumas cautelas, como a de saber quando se inicia uma reacção - e o Governo respondeu a isso na proposta de lei, indicando quando se inicia a medida de segurança -, mas falta qualquer coisa, sempre na perspectiva de que devemos ter esperança no homem e de que, de facto, as medidas devem ter por efeito a ressocialização. E pode perguntar-se: este homem pode ou não estar ressocializado, em determinado momento, na fase de aplicação da medida, chamemos-lhe, de segurança? É que não estão previstas quaisquer medidas que ponham fim àquela medida.
De qualquer forma, creio que não se trata de uma medida de segurança - e também poderíamos discutir isto, porque há soluções deste género no direito italiano -, a não ser que, a partir da identificação que está prevista, a pessoa fique sob vigilância no exterior da esquadra. Não é isso que vem proposto, mas também é verdade que, na Itália, mesmo depois da reforma penal de 1986, se consagrou, sob outra forma, muito discutível, a medida de segurança de liberdade vigiada. Mas, repito, creio que não é isto que o Governo efectivamente propõe.
Não vou alongar-me nestas considerações, mas julgo que a medida proposta pelo Governo também não é uma sanção acessória, porque não está aqui em causa propriamente a culpa mas, sim, a perigosidade.
Poderemos pensar um pouco sobre tudo isto em sede de especialidade, não só para encontrar uma solução que garanta verdadeiramente a segurança das pessoas e previna a perigosidade mas também que retire a esta medida algumas dúvidas sobre se se tratará ou não de uma detenção à margem do que a Constituição prevê.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há outras questões suscitadas no relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que têm a ver com a constitucionalidade destas sanções acessórias. Pensamos que, efectivamente, grandes dúvidas se colocam, nomeadamente porque podem ser um impedimento à efectivação de direitos de reunião e manifestação e não podemos esquecer que as manifestações cívicas e políticas também podem ter um efeito ressocializador.
Apesar destas questões e das relacionadas com as buscas e revistas, que também nos suscitam preocupações e sobre as quais pensamos que se deve manter o sistema dó Código de Processo Penal, damos, na generalidade, a nossa aprovação à proposta de lei.
Vamos continuar a debater a matéria, vamos ponderar as soluções da lei penal, que, efectivamente, deve ser bem ponderada para que não suscite fenómenos perversos e violentos, por afrontar, às vezes, direitos fundamentais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: O Partido Popular regista, com agrado, a apresentação da presente proposta de lei e congratula-se com a intenção subjacente, naquilo que traduz de firmeza, por parte do Governo, na reacção a fenómenos de violência decorrentes do uso de armas e engenhos explosivos,...
O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... particularmente em estabelecimentos de ensino e, também, em recintos onde se desenrolam eventos sociais da mais variada natureza, cujo mínimo denominador comum é o de implicarem grandes concentrações de pessoas. Tais condutas, infelizmente, estão a assolar o quotidiano da nossa sociedade cada vez com maior frequência, para insegurança e intranquilidade de todos nós.
Existem, contudo, aspectos da proposta de lei que nos suscitam dúvidas, para o esclarecimento das quais esperamos que a discussão, que já está a decorrer neste Plenário e decorrerá, posteriormente, em sede de comissão, venha a contribuir decisivamente.
Pareceu-nos colher, da exposição de motivos, a ideia de que esta proposta de lei vai no sentido de proibir integralmente a entrada de armas e substâncias explosivas ou análogas dentro de estabelecimentos de ensino ou recintos onde ocorram manifestações de natureza desportiva, política, religiosa, cultural, etc. A exposição de motivos, com efeito, transmite a ideia de que o Código Penal será insuficiente, na medida em que apenas se refere a armas proibidas. Fora da sua previsão ficariam, nomeadamente, pistolas e revólveres de calibre permitido, entre outros.
Seria aí que a presente proposta constituiria novidade, ao prever a proibição de entrada de toda é qualquer arma dentro, por exemplo, de um estádio de futebol. O artigo 1.º da proposta de lei veio, passe a expressão, trocar-nos as voltas. Ali se prevê, com efeito, que passará a ser crime transportar, deter, trazer consigo, distribuir ou usar armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos e criminoso apenas quem não estiver autorizado para o efeito. A nossa dúvida situa-se precisamente na determinação do sentido e alcance desta autorização. Como é sabido, por exemplo, eu, Deputado, como, aliás, todos os Deputados e presumo que também V. Ex.ª, Sr. Ministro, temos legalmente a permissão, em certos termos, de usar e transportar armas de defesa pessoal. Será que nos podemos considerar autorizados para o efeito previsto no artigo 1.º da proposta de lei?
Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos que o presente projecto de diploma legal vem colmatar uma lacuna existente no Código Penal, no que ao uso de armas e substâncias explosivas e análogas respeita. Na verdade, o uso e porte não autorizado destes instrumentos já se encontra criminalizado, como a própria exposição de motivos da proposta de lei assinala, no artigo 275.º do Código Penal. Estranhamente, porém, a norma deste Código, que, alguns artigos adiante, prevê a agravação pelo resultado, deixou de fora precisamente este crime. Este projecto de diploma legal parece que vem colmatar essa lacuna e é igualmente inovador quando separa dois tipos diferentes de conduta que, no artigo 275.º do Código Penal, se encontram misturados, fazendo-lhes igualmente corresponder diferentes medidas de pena: de um lado, o transporte, detenção ou distribuição de uma
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daquelas armas ou substâncias explosivas ou análogas, ao qual corresponde pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias; do outro, o uso de um daqueles instrumentos, punido, mais gravemente, com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Em qualquer dos casos, o artigo l.º da proposta de lei fornece logo um critério para dirimir o concurso aparente entre estes crimes e os do artigo 275.º do Código Penal: o agente será punido pela disposição incriminatória que preveja a pena mais grave. Aqui se situa a nossa segunda dúvida, que é a de saber em que posição se coloca o juiz que tiver de decidir este concurso aparente de normas incriminatórias, quando a conduta criminosa ocorrer dentro de estabelecimento de ensino ou de recinto onde ocorra manifestação cívica, política, religiosa, etc.
Diga-nos, então, Sr. Ministro, qual é o contributo que a lei nova vem trazer para o aumento da segurança dos frequentadores de tais recintos públicos, quando se constata que a mais grave das penas previstas na lei nova é igual à pena menos grave prevista no Código Penal. Diga-nos, Sr. Ministro, em que é que este critério de resolução do concurso de normas não representa senão a negação de si próprio.
Relativamente à pena acessória de proibição de frequência de um ou mais estabelecimentos de ensino ou recintos onde ocorram as manifestações desportivas, políticas, culturais, religiosas, etc., a situação mais preocupante prende-se, em nossa opinião, com a ocorrência dos comportamentos que aqui são criminalizados em recintos desportivos, nomeadamente em estádios de futebol.
Queremos dizer que não acompanhamos integralmente o Sr. Presidente da Assembleia da República nas preocupações com a constitucionalidade desta pena acessória. Entendemos, de facto, que uma pessoa que transforma uma festa numa tragédia, como a que ocorreu, por exemplo, na final da Taça de Portugal de Futebol, este ano, no Estádio do Jamor, é plenamente passível da aplicação de uma pena acessória de proibição de frequência de qualquer estádio de futebol e não apenas daquele em que praticou o crime.
Concordamos, não podemos deixar de concordar, até no plano meramente teórico, que uma pessoa que usa uma arma dentro de um estádio de futebol, de um teatro, etc., seja banida, por um longo período, desses recintos. Mas, então, por que razão não optou o Governo por propor a alteração do artigo 275.º do Código Penal, no sentido definido na presente proposta de lei, bem como do artigo 285.º do mesmo Código, no que respeita à agravação pelo resultado? Por que razão não incluiu a pena acessória de proibição de frequência de estabelecimentos de ensino e de recintos onde ocorram este tipo de manifestações no mesmo capítulo onde figuram as demais penas acessórias?
O que se conclui, e com isto termino, é que o Governo está, desta forma, pensamos nós, a contribuir para aumentar a dispersão legislativa das normas penais pelo nosso ordenamento jurídico, não servindo qualquer objectivo útil, sobretudo, não servindo os objectivos da certeza e segurança jurídicas.
Aplausos do CDS-PP.
Ó Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, a quem faço notar que dispõe apenas de 4,5 minutos e peço o favor de se cingir a esse tempo.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero agradecer todos os contributos dados para a melhoria das soluções gizadas neste diploma, indo algumas delas merecer certamente justificado trabalho sério em sede de especialidade.
Em relação à reacção acessória, para não entrar aqui em nenhuma discussão doutrinária, o que importa fundamentalmente é o sentido da nossa opção e o Governo admite um sentido de maior severidade, tal com acabou de ser sugerido, há pouco, e foi apenas por espírito garantista que enunciou uma medida que suscitou aqui algumas críticas. Se for possível criar um consenso no sentido de uma reacção mais forte que dê maior força preventiva à proibição de entrada nestes recintos, nós aderiremos, de corpo e alma, a essa solução.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Luís Queiró suscitou um problema interessante e importante a respeito da dispersão de diplomas e da circunstância de se fazer caminho por áreas sectoriais e não em sede geral. Esse é um problema importante, mas é preciso dizer que, por necessidades contemporâneas, tem sido por esta via que se moderniza o Direito, nomeadamente o direito penal, e que se protege mais. a escola. É assim que em certos países da Europa se criam novos delitos, por exemplo, relacionados com a intrusão de estranhos em estabelecimentos escolares. O mesmo também acontece em relação a outros espaços e nós não podemos esquecer isto, sobretudo quando tratamos de armas. Concentrar-me-ia neste ponto, que é certamente uma das questões centrais aqui colocada.
Quem quer que conheça esta matéria, sabe que tem, existido, desde 1949 até aos dias de hoje, uma relação complexa entre a lei penal geral e as sucessivas legislações avulsas sobre armas. Há leis de 1949, de 1975, vigoraram leis de 1976, o regime mudou em 1982 e voltou a mudar em 1995 com a publicação do Código Penal, que revogou a orientação jurisprudêncial, que tinha solução diferente e mais penalizadora do que aquela que agora vigora. Por isso, temos de ter presente esta interacção de regimes que suscitaram imensos problemas jurisprudenciais e retiraram força preventiva e segurança ao Direito ao intervir na matéria das armas.
Dirijo-me, neste momento, ao PSD para suscitar particular ponderação de algumas incursões, também elas isoladas, numa legislação complexa que, durante 10 anos, não foi mexida exactamente em virtude da sua viscosidade e da sua complexidade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem lembrado!
O Orador: - Haverá, portanto, que ponderar todas essas soluções e o Governo dará, pela sua parte, até ao final do ano, um contributo sério e genérico nessa matéria, para que certos problemas não sejam levianamente resolvidos. Por exemplo, quando se baixa a fasquia dos 21 para os 18 anos para o licenciamento de uso e porte de arma, estar-se-á a fazer bem? Estar-se-á a fazer seguindo alguma directiva que se imponha nesta matéria? Nós não iríamos facilmente nesse sentido. E essa questão tem de ser ponderada.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
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O Orador: - O PSD propõe 18 anos, em vez dos 21 que agora constam da legislação. Pense seriamente nessa matéria e reveja-se no melhor sentido.
Por ,outro lado, o diploma do PSD mantém em vigor certos aspectos da legislação de 1975 - e digo «certos aspectos», porque o essencialmente desse diploma fica revogado -, que são aqueles que estão mais carecidos de modernização e que, na sua combinação com o Código Penal, aprovado pelo PSD em 1995, geram este efeito restritivo da penalização que aqui foi anunciado.
Portanto, justifica-se muita atenção no exame interactivo, como diria o Sr. Deputado José Magalhães,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!
O Orador: - ... entre o Código Penal e a legislação avulsa, para que o resultado não seja, mais uma vez, insatisfatório.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo. Peço que termine.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente, fazendo votos para que, em sede de especialidade, todas estas questões sejam ponderadas e saiamos daqui com uma boa lei de armas, porque em 1995 essa situação foi negativamente agravada. Será bom que agora olhemos em conjunto para esta matéria.
Finalmente, em relação a uma das questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Queiró, gostaria de dizer que não podemos converter, nesta matéria, o Direito numa proibição absoluta. Por exemplo, em relação a profissionais, há agentes de forças de segurança que não podem ficar inibidos por uma regra absoluta. Portanto, é justamente no sentido de poder prever situações dessa natureza que não pode ser editada uma norma absoluta nesta matéria. Esta é, aliás, uma questão de especialidade que poderá ser apurada, afinada, no sentido de se criar uma solução consensual que tenha o apoio de todos os grupos parlamentares.
Saio desta discussão confortado com a circunstância de, na sociedade portuguesa, se poder gerar um consenso em relação a uma resposta mais exigente, uma resposta que possa combinar, indo ao encontro de questões aqui suscitadas, mais solidariedade com mais rigor. É também disso que precisamos em matéria de armas. Por isso, apelo ao PSD para que aceite um exame em profundidade e não se precipite nalgumas soluções, que são passíveis de melhoria, que são passíveis de crítica e onde é possível também encontrar melhores soluções consensuais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, terminada a discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 58/VII e do projecto de lei n.º 222/ VII, passamos à discussão, também na generalidade, do projecto de lei n.º 40/VII - Associações representativas dos municípios e das freguesias (PS).
Devo ainda comunicar que há um entendimento, preestabelecido, no sentido de se procurar sintetizar as intervenções, a fim de podermos terminar os trabalhos a uma hora aceitável.
Para fazer a apresentação do projecto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.
O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Encontra-se hoje em discussão o projecto de lei n.º 40/VII sobre associações representativas dos municípios e das freguesias, da iniciativa do Partido Socialista.
Como consta do preâmbulo deste projecto de lei, «A experiência da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), constituída na sequência do Decreto-Lei n.º 99/84, de 29 de Março, e bem assim da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), constituída em 1988 mas ainda sem o devido enquadramento legislativo, e as disposições da Carta Europeia de Autonomia Local, adoptada pelo Conselho da Europa e ratificada por Portugal em 1990, aconselham vivamente que se encare o estabelecimento do regime jurídico das associações representativas dos municípios e das freguesias.».
Muito embora tenham uma origem anterior aos próprios municípios, e por força da sua menor importância na organização político-administrativa do Estado, as freguesias tiveram, até há bem pouco tempo, um peso político pouco significativo que as foi relegando para um papel secundário. Ao nível legislativo, assistiu-se desde sempre à diferenciação em exagero entre municípios e freguesias, tendo-se produzido legislação dirigida aos primeiros em que se omitia os segundos.
Contudo, como refere o Dr. Aires Ferreira Pinto no seu livro A Freguesia, e passo a citar, «(...) num sistema de divisão vertical de poderes pelos níveis central, regional e local como é o sistema político-administrativo português, consagrado na Constituição da República Portuguesa de 1976 e preservado nas revisões constitucionais subsequentes, a freguesia assume uma importância institucional inquestionável e insubstituível na realização das complementaridades de dimensão individual e colectiva dos cidadãos, projectadas na convivência comunitária dos vizinhos (fregueses) institucionalmente ligados a cada freguesia».
Atento a esta realidade, consciente de que uma política humanizada dirigida às pessoas passa igualmente pela dignificação das instituições representativas das comunidades locais, o Partido Socialista, no Programa Eleitoral de Governo do PS e da Nova Maioria, assumiu o compromisso de rever ó regime jurídico das associações representativas dos municípios e das freguesias.
Assumiu igualmente o compromisso de assegurar aos municípios e às freguesias «(...) capacidade autónoma de participação, diálogo e colaboração com os órgãos de soberania, bem como o reconhecimento de jure da sua participação em organizações internacionais congéneres.», e de conferir às associações nacionais de municípios e de freguesias o estatuto de parceiro, relativamente ao Estado, para as questões que directamente lhes interessem. É esta promessa eleitoral que se concretiza no momento em que este projecto de lei, subscrito pelo Partido Socialista, sobe a Plenário para discussão na generalidade.
Basicamente, este projecto de lei revoga o Decreto-Lei n.º 99/84, de 29 de Março, construído especificamente para os municípios e estabelece um articulado em cujo âmbito de aplicação se encontram igualmente as freguesias. Passa assim a ser reconhecido aos municípios e às freguesias o direito de se associarem como pessoas colectivas privadas, nos termos da lei civil, e estabelecem-se as condições em que estas associações assumem carácter nacional.
O projecto de lei em discussão estabelece o direito de representação, de colaboração e de parceria. Representação, porque reconhece às associações de municípios e de
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freguesias a representação destes junto dos órgãos de soberania e da administração central; colaboração, estabelecendo a possibilidade de celebração de acordos de colaboração entre estas e o Governo relativos quer a acções de âmbito interno, quer de representação em organismos internacionais; parceria, ao reconhecer-lhes o estatuto de parceiro relativamente ao Estado, conferindo-lhes um conjunto de direitos, nos termos da lei em vigor.
Conforme se poderá concluir dos pareceres que sobre o diploma em discussão foram emitidos pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e pela Associação Nacional de Freguesias, este projecto de lei vem ao encontro dos anseios das duas associações representativas das autarquias locais existentes, muito embora se possa reconhecer que o seu conteúdo pode e deve ser melhorado, em sede de discussão na especialidade, na Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste sentido, o Partido Socialista manifesta, desde já, a sua disponibilidade e a necessária abertura para equacionar na discussão na especialidade as propostas constantes dos referidos pareceres, no sentido de dotar esta iniciativa legislativa dos contornos mais adequados ao fim a que se destina.
O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!
O Orador: - Merece, contudo, um especial destaque o problema levantado pelo parecer da ANMP sobre a eventual inconstitucional idade da constituição de associações de freguesias.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 253.º, permite a constituição de associações e federações de municípios, sendo omissa no que se refere a igual prerrogativa atribuída às freguesias. No entanto, o facto de não se encontrar disposição semelhante no texto constitucional, que consagre inequivocamente a possibilidade de livre associação de freguesias, não parece que deva constituir qualquer obstáculo para o seu reconhecimento por parte do Estado e dos partidos representativos na Assembleia da República.
Isso mesmo se pode concluir do próprio Regimento da Assembleia da República quando, expressamente, se determina a promoção de audição à ANAFRE de todas as iniciativas que directamente lhe digam respeito.
O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!
O Orador: - É este o sentimento patente pelos próprios autores da Constituição da República Anotada, que referem nas anotações ao artigo 253 º: «A Constituição prevê a possibilidade da existência de associações de Moreira. autarquias apenas no que diz respeito aos municípios, sendo omissa quanto às associações de freguesias e às associações de regiões. Mas não se vê razão para ver neste silêncio uma proibição constitucional».
Finalmente, cabe aqui fazer um balanço daquilo que têm sido as reivindicações das associações nacionais representativas das autarquias locais e aquilo que tem sido a produção legislativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, do Governo do PS e da Nova Maioria.
Quanto à ANMP, a constituição de associações de municípios de direito privado, objecto do projecto de lei em discussão, vem ao encontro de um dos principais anseios manifestados nas conclusões do seu X Congresso, realizado em Ponta Delgada, em Março do corrente ano.
Quanto à ANAFRE, a constituição de associações de direito privado tem sido, a par da constituição de associações de direito público, uma reivindicação muito antiga, a que em parte este projecto de lei dá resposta. Contudo, cabe acrescentar que, no que concerne às associações de freguesias de direito público, a sua abertura legal está consignada no projecto de lei 41/VII, da iniciativa do PS, já aprovado na generalidade pela Assembleia da República e em fase de apreciação na especialidade, em sede de comissão, e de onde consta um novo quadro de atribuições e competências das freguesias, outra das reivindicações da ANAFRE.
A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ainda quanto à ANAFRE, o Partido Socialista deu célere resposta às suas aspirações no que concerne ao regime de permanência lios membros das juntas de freguesia, como, aliás, se prova pela publicação da Lei n.º 11/96, de 18 de Abril.
Finalmente, e apesar de não se poder concretizar em 1997 o almejado patamar dos 15% de transferência do Fundo de Equilíbrio Financeiro para as freguesias, o Governo fez incluir, na sua proposta de Orçamento do Estado, uma transferência de 2,5 % adicionais aos 10% actuais, com o compromisso de vir a transferir mais 2,5% em 1998.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Para além do cumprimento, mais uma vez, da Lei das Finanças Locais, nomeadamente quanto ao rigor no cálculo dos valores em que incide o FEF, cabe ainda referir que a forma encontrada para aumentar as transferências correntes para as freguesias não significará diminuição do FEF a atribuir aos municípios.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Após uma década de alheamento do Governo e do Estado para com as associações representativas das autarquias locais, década em que o diálogo de surdos foi apanágio do relacionamento entre estes dois níveis político-administrativos do Estado, o Partido Socialista e o Governo da Nova Maioria reafirmam, na prática, uma nova postura institucional de relacionamento com os diversos agentes do Estado e comprovam, mais uma vez, que as promessas eleitorais que assumiu com o eleitorado, em Outubro de 1996, são para cumprir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, julgo que estamos todos de acordo quanto ao objectivo positivo e nobre desta iniciativa legislativa do PS. Pensamos que, ao querer legislar sobre a possibilidade de haver associações de municípios e de freguesias, é uma forma de procurarmos colmatar uma lacuna que existe no nosso ordenamento jurídico, na medida em que, se existia essa legislação enquadradora para a Associação Nacional de Municípios Portugueses, não existia em relação às freguesias.
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Por isso, procura-se, com esta iniciativa, dai uma equidade em relação ao tratamento que deve existir em relação aos municípios e às freguesias do nosso país. Considero igualmente inovador e mais positivo porque se procura aprofundar o estatuto de parceiro face ao Estado por parte das associações de municípios e de freguesias. E, dado que estamos, neste momento, em sede de revisão constitucional, creio que, na Constituição da República pode e deve ser consagrada a possibilidade - que já existe em relação aos municípios - de poderem associar-se também as freguesias, no fundo, dentro do espírito da tal equidade que deve existir entre municípios e freguesias.
Esta experiência das associações de municípios e de freguesias, concretamente da ANMP, Associação Nacional de Municípios Portugueses, e da ANAFRE, Associação Nacional de Freguesias, tem sido positiva. É verdade que o PSD - tal como todos os partidos - reivindica, naturalmente, a sua quota-parte de responsabilidade no lançamento e na fundação da ANMP em 1984, que teve e tem tido um papel relevante na representação dos municípios portugueses e em dar voz aos autarcas municipais, na defesa dos seus interesses e no das populações dos municípios; mas foi descurada, e penso que bastante, a voz e a representação dos autarcas das freguesias. Foi por isso que (e, a meu ver, bem), em 1988, os autarcas das freguesias, porque não se sentiam suficientemente representados e defendidos pela ANMP, decidiram avançar com a criação da sua própria associação - e temos aqui connosco, hoje, um colega, o Deputado Gonçalves Sapinho, que foi - teve a honra de ser - o primeiro presidente da ANAFRE. Aí, também o PSD tinha a maior representação das autarquias locais e hoje, apesar de não sermos já considerados o maior partido do poder local, continuamos a ser o maior partido das freguesias porque detemos o maior número de presidências de juntas de freguesia do nosso país.
Efectivamente, tem sido feita uma caminhada progressiva no sentido da afirmação, da valorização das freguesias, das suas competências, das suas atribuições, dos seus meios para poderem corresponder às aspirações das populações das mais de 4200 freguesias que existem no País. Mas estes autarcas não têm sido suficientemente ouvidos. Por isso, é importante esta iniciativa legislativa, para que o Estado, a Administração Pública e nós próprios, Deputados, que somos o poder legislativo por excelência, possamos ser mais sensíveis às reivindicações justas e sensatas da ANAFRE.
Sr. Presidente, vou concluir, com a pergunta ao Sr. Deputado Jorge Rato: já que este projecto não é uma obra-prima, uma obra acabada - naturalmente que é uma base de partida e não uma base de chegada - e penso que é possível fazer algumas benfeitorias, melhorias no próprio texto, até em termos da técnica legislativa, tendo em consideração os pareceres da ANAFRE e da ANMP, está o PS disponível para que, depois de votado na generalidade, esta projecto baixe à Comissão para ter os contributos de todos os partidos e para que possa obter o consenso unânime desta Câmara? E esta a pergunta que gostava de ver respondida, porque, na sua intervenção, não verifiquei isso e julgo que era importante que houvesse consenso da Assembleia da República sobre um diploma tão importante como este.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.
O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, queria começar por agradecer a sua perguntar e folgar pelo facto de ter reconhecido interesse e importância à esta iniciativa legislativa do PS.
Penso que esta iniciativa, de facto, peca pelo atraso, porque a ANAFRE foi constituída em 1988 e, desde essa altura, ainda sob a presidência do Dr. Sapinho, várias vezes foram feitos contactos com a Assembleia da República no sentido de ver legalizada a ANAFRE, facto que foi negado pelo partido de que V. Ex.ª é Deputado.
Quanto à pergunta que colocou, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que estava distraído, seguramente, durante a intervenção que fiz porque incluí um parágrafo em que referi que o PS tinha consciência da importância de que este texto fosse consensualizado com todos os partidos, com a ANAFRE e com a ANMP, por forma a que desse a resposta mais eficaz àquilo que é o seu objecto, isto é, dar resposta correcta, a melhor possível, às associações representativas dos municípios e das freguesias.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves Sapinho.
O Sr. Gonçalves Sapinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «mais vale experimentá-lo do que julgá-lo, mas julgue-o quem não puder experimentá-lo». Comecei esta minha intervenção, por citar dois versos de Os Lusíadas, para exprimir a incontida satisfação e o estado de espírito que me animam, que não podem ser experimentados por ninguém, mas que podem ser «julgados» por todos.
Quis o acaso, por conjugação de várias circunstâncias, que tivesse assento nesta Assembleia no momento em que é discutido e apreciado o projecto de lei n.º 40/VII Relativo às associações representativas dos municípios e das freguesias. Sempre sonhei com o momento, próximo ou longínquo, em que esta matéria, teria honras de projecto de lei e, subsequentemente, de lei da Assembleia da República. Era inevitável. Mas sempre pensei que a concretização do meu sonho seria vista do exterior e não por dentro.
Perdoem-me o tom pessoal, desculpem-me a eventual imodéstia com que abordo este tema, mas quando estamos perante convicções muito fortes, quando a nossa alma está cozida com a racionalidade tudo será tolerável, mesmo que se peque por excesso, dentro dos limites do razoável.
Esta introdução carece de uma explicação, que terá de recuar cerca de 10 anos. Desempenhava, então, as funções de Presidente da Assembleia de Freguesia da Benedita. No exercício dessas funções, em ligação estreita com a junta de freguesia e demais autarcas, constatei que, quer a assembleia de freguesia, quer a junta de freguesia, estavam esvaziadas de competências, de atribuições, de meios humanos, de meios financeiros e de meios técnicos que lhes permitissem exercer com o mínimo de autonomia o seu mandato. E, desta constatação, nasce a primeira congeminação da imperiosidade de fazer algo para mudar o que estava, e ainda está, errado, mau grado algumas tímidas intervenções legislativas nesta matéria.
O primeiro passo foi criar, em Maio de 1987, a ANAVIL - Associação Nacional de Vilas Não Sede de Municípios - que foi a percursora da ANAFRE, em que desempenharam papel importante os autarcas das freguesias
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de Benedita, Costa da Caparica, Paço de Arcos, Pampilhosa; Minde, Mira de Aire, Fátima, Pataias, Luso, Sangalhos e Aveiras de Cima, entre outras.
Fundada a ANAVIL, a maioria das vilas, incluindo as dos Açores, aderem à nova associação. Realizado o 1.º Encontro Nacional de Vilas, na vila da Benedita, logo ali é colocada a questão de a ANAVIL aceitar a adesão de outras freguesias com o estatuto de observadoras. Tal questão não caiu em «saco roto». Gerou-se uma dinâmica tal que, um ano depois, em Maio de 1988, o Conselho Directivo da ANAVIL, a que tive a honra de presidir, decidiu realizar uma assembleia para que foram convidadas todas as freguesias.
Em 25 de Junho de 1988, realizou-se, em Coimbra, no Teatro Avenida, a primeira Assembleia Informal de Autarcas das Freguesias de norte a sul do país e das regiões autónomas. Tal assembleia, pelo seu entusiasmo, constituiu um momento histórico e inesquecível. Logo ali foi deliberada a realização de um congresso nacional e a composição da comissão organizadora, que integrou autarcas das freguesias de Benedita, Costa da Caparica, Aveiras de Cima, Vizela, Olivais de Coimbra, Fão, S. Martinho do Bispo, Paço de Arcos, Senhora da Hora, Caldas da Rainha, Pampilhosa, Figueiró dos Vinhos, Estombar e Lavra. E, em 18, 19 e 20 de Novembro de 1988, realizou-se o 1.º Congresso Nacional de Freguesias, no Palácio de Cristal, do Porto, nascendo, assim, a ANAFRE, por vontade clara e unânime de mais de 1000 freguesias, a quem presto aqui a minha homenagem.
Adquiriu-se, meses depois, a sede nacional, equipou-se, contrataram-se funcionários, fez-se doutrina, realizou-se no Auditório Grão-Pará, em Lisboa, um debate sobre o Papel das Freguesias na Administração Portuguesa, em que participaram, além de eu próprio, na qualidade de Presidente do Conselho Directivo da ANAFRE, personalidades como Sérvulo Correia, Luís Sá, Freitas do Amaral, António Barreto, João Amaral, Magalhães Mota, António Vitorino, Sousa Franco e Jorge Miranda. Apresentou-se uma cuidada petição à Assembleia da República, para «forçar» a discussão pública e política do papel das freguesias na Administração Portuguesa. Editou-se um livro, intitulado Papel das Freguesias na Administração Portuguesa, que mereceu a honra de ser prefaciado por Francisco Pinto Balsemão. Seguiram-se sempre caminhos civilizados, legais e institucionais que permitissem a acreditação da novel associação. Ousava-se, para que as freguesias e a ANAFRE entrassem na agenda política.
Feita esta resenha histórica, Sr. Presidente, Srs. Deputados, neste momento histórico, direi hoje o que disse, há 7 anos, no Auditório Grão-Pará, em Lisboa, porque tudo é ainda bastante actual, mau grado as iniciativas legislativas que já estão apresentadas na Assembleia da República, da iniciativa do PS. Com a criação da ANAFRE pretendem as freguesias contribuir, de modo dialogante e civilizado, no mais estrito respeito pela legalidade, pelos órgãos de soberania e pela posição institucional dos municípios, para que o estatuto das freguesias enquanto autarquias, e dos seus autarcas, sejam reexaminados a luz da Constituição da República, da lei, da Carta Europeia de Autonomia Local do Conselho da Europa e das novas realidades que são hoje as freguesias.
É inquestionável a classificação constitucional da freguesia como autarquia, com todas as consequências que advêm de tal classificação. Com efeito, o quadro constitucional e jurídico é claro: institui para as freguesias um órgão executivo e outro deliberativo, em que o primeiro é exclusivamente responsável perante o segundo; eleição dos órgãos deliberativos por sufrágio universal, directo e secreto; limitação da intervenção do Governo e da Administração Central pelo exercício de uma tutela de mera legalidade, e, como mais importante de todo este quadro, a independência funcional das freguesias face aos municípios e de ambos face ao Estado. Isto é, aquelas preparam e aprovam os seus planos de actividades e os seus orçamentos e desenvolvem a sua acção com total autonomia face ao município e face ao Estado. A Constituição valida ainda os princípios da autonomia autárquica e da descentralização administrativa.
Posto assim o problema, dir-se-á que o nosso quadro jurídico e constitucional é quase completo e perfeito e vem de encontro às pretensões das freguesias, se a isto acrescentarmos que as atribuições das freguesias são as mesmas dos municípios, em conformidade com a Lei das Autarquias Locais. Só que, apesar disto, os autarcas das freguesias sentem que, de facto, o seu papel funcional foi gradualmente esvaziado e a sua capacidade de acção autónoma reduzida. Na verdade, a sua capacidade funcional e administrativa pouco ultrapassa os atestados de residência e pobreza e o recenseamento eleitoral, sem prejuízo de reconhecer que há experiências notáveis que vão muito mais além.
Do mesmo modo, a escassez dos meios financeiros, técnicos e humanos coloca os autarcas das freguesias em meros intermediários entre as populações que os elegeram e as câmaras municipais e o Estado, o que consideramos diminuto e pouco dignificante para quem se apresenta e é eleito democraticamente pelo voto popular. Os planos e os orçamentos das juntas constituem, na maioria dos casos, meros arremedos daquilo que elas podem, devem e querem, porque a concretização dos primeiros depende da boa vontade dos detentores das verbas inscritas nos segundos. Ou seja, pela via financeira, é retirado às freguesias tudo aquilo que a Constituição lhes atribui. As populações querem mais das suas juntas de freguesia, também por julgarem que podem mais, e estas, porque dotadas só de esperanças e da sã vontade de servir as populações, vão gerindo aquele querer sem poder, até se atingir muitas vezes a desesperança e a frustração.
Porque quero ser breve, deixo, neste ponto, apenas as seguintes interrogações: a não participação das freguesias nas receitas provenientes da contribuição autárquica, da sisa e da publicidade, que são receitas geradas nas próprias freguesias, não constitui um sintoma claro de que convém esquecer, de facto e de todo, as freguesias e mantê-las na posição prática de total subordinação e até de esvaziamento funcional, num sistema tendencialmente centralizador? A actual Lei das Finanças Locais não constituirá uma «traição», ou, mais moderadamente, a negação total da autonomia e da descentralização preconizadas pela Constituição, ou ainda, a forma subtil de negar, em termos práticos, a freguesia como autarquia?
Se, no plano interno, é inquestionável tudo quanto fica dito, vale a pena salientar o que estatutariamente é a autarquia local na Carta Europeia da Autonomia Local. Logo no preâmbulo, refere que as autarquias são um dos principais fundamentos de todo o regime democrático; que o direito do cidadão de participar na gestão dos negócios públicos faz parte dos princípios democráticos comuns a todos os Estados membros do Conselho da Europa; que a existência de autarquias locais investidas de responsabilidades efectivas permite uma administração eficaz e próxima do cidadão; que a defesa e o reforço da autonomia
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local representam uma contribuição importante na constituição de uma nova Europa, fundada sobre princípios da democracia e da descentralização do poder, e que isto supõe a existência de autarquias dotadas de órgãos de decisão, beneficiando de uma larga autonomia quanto às competências, a sua modalidade de exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão.
Do articulado da Carta Europeia, é forçoso destacar o conceito adoptado de autonomia local, como sendo: «o direito e a capacidade efectiva das autarquias locais de regular e gerir, dentro do quadro da lei, mas sob a sua própria responsabilidade e em proveito das suas populações, uma parte importante dos negócios públicos».
Mas é importante, também, citar outros pontos do articulado, conferindo às autarquias «toda a latitude para exercer a sua iniciativa para toda a questão que não é exclusiva da sua competência e atribuída a outra autoridade. A atribuição de uma responsabilidade a outra autoridade deve ter em conta a amplitude e a natureza da tarefa e das exigências de eficácia e de economia. Um estatuto para os eleitos locais de modo a assegurar o livre exercício do seu mandato e a permitir a compensação financeira adequada aos recursos necessários para o exercício do mandato. O direito, no quadro da política económica nacional, a recursos próprios suficientes de que possam dispor livremente no exercício das suas competências, os quais devem ser proporcionais às competências previstas pela Constituição e pela lei. O direito das autarquias locais de aderir a uma associação para a protecção e promoção dos seus interesses comuns, e o de aderir a uma associação internacional de autarquias locais deve ser reconhecido dentro de cada Estado e o direito de cooperar com as autarquias de outros Estados.»
Para além destas referências, sucintas, à Constituição, à lei e à Carta Europeia de Autonomia Local do Conselho da Europa, importa também referir sucintamente as novas realidades que são hoje as freguesias. A partir dos anos 60, e muito mais acentuadamente a partir da instituição do regime democrático, as freguesias, por força da descompressão política e de todos os condicionamentos que se esboroaram, ganharam nova vitalidade nos campos económicos, cultural, social e político e uma nova consciência dos seus direitos.
As freguesias não são mais as localidades que vegetaram ao longo da maior parte do tempo que durou o regime do Estado Novo. Há freguesias em que a população cresce a um ritmo imparável, há freguesias cuja capacidade económica, dinamismo e desenvolvimento carecem de soluções rápidas e de respostas adequadas à nova situação. Há freguesias que nasceram e cresceram já neste século, com uma dimensão e uma pujança que não podem ser ignoradas. Há freguesias que já são e podem ser potenciadas como novos pólos de desenvolvimento local e regional. Mas também as populações, em todas as freguesias, estão despertas e enquadradas nas novas realidades. Todas elas esperam e reclamam das suas autarquias uma intervenção mais activa na satisfação das suas múltiplas necessidades; todas elas reclamam e esperam legitimamente das suas autarquias melhores condições de vida, sobretudo nas zonas mais carenciadas.
Estas novas realidades, que são evidentes, mostram que o actual sistema está caduco e inadequado e é de todo irracional. O dinamismo e o espaço de manobra de uma junta de freguesia estão limitados por escassíssimas verbas, que se destinam a despesas praticamente fixas. Cabendo-lhes a administração do cemitério, não têm, até agora, capacidade própria para o ampliar ou reduzir. No fundo, com este exemplo, pretende-se apenas dizer que as atribuições dos órgãos autárquicos da freguesia não passam de mera aparência. No entanto, as populações ainda é às impotentes juntas de freguesia que recorrem para a solução de todos os seus problemas, os mais diversos, que as afligem.
No plano administrativo, a situação é, da mesma forma, aberrante, quer para os autarcas quer para as populações. Na maioria dos casos, muitos dos problemas podem ser resolvido ali à mão, pelas populações, nas suas juntas de freguesia, de forma mais humanizada, com pessoas que conhecem, que vivem intensamente as relações de vizinhança e de entreajuda. Podem todas estas evidências demorar tempo a ser compreendidas, mas acabarão por determinar a reforma de um sistema caduco quase de um século.
A Constituição «abriu a porta» a um novo poder local; o Conselho da Europa preconiza «uma porta ainda mais aberta»; mas a Lei das Finanças Locais fez recuar todo o sistema, levando a descentralização só até ao nível do município e «fechando as portas» que a Constituição e o Conselho da Europa abriram.
Por sua vez, a Lei das Autarquias Locais, definindo as mesmas atribuições para o município e para a freguesia, permitiu a confusão do exercício das atribuições, dado que estas, na prática, acabam por ser exercidas, apenas, pelo município, que intervém em todos os domínios, remetendo a freguesia para intervenções meramente residuais, sem honra e sem mérito. É aviltante para um autarca de uma freguesia ver a sua função reduzida, na prática, a mero pedinte e, na melhor das hipóteses, a mero intermediário. Exige-se do autarca da freguesia um esforço inaceitável nos tempos actuais, com escassa compensação, quer durante, quer após o exercício do seu mandato. Parca é a remuneração e a segurança social, sem compensação para prejuízos sofridos, sem reforma, sem... etc.
Apesar deste quadro, a esperança ainda se mantém. A definição clara dos níveis e patamares autárquicos freguesia e município - na unidade do todo nacional, a enumeração exaustiva das atribuições exclusivas de cada tipo de autarquia, a obtenção dos meios financeiros próprios adequados a tais atribuições, a dignificação do papel dos autarcas da freguesia, constituem a pedra de toque da debilitada esperança das freguesias e dos seus autarcas.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo, tem de terminar a sua intervenção.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Este projecto de lei vem dar Carta de Alforria a duas associações de níveis ou patamares autárquicos diferentes; vem clarificar e aprofundar um dos mais notáveis capítulos da Constituição da República, que é o do poder local; vem dinamizar o poder local; vem desafiar as associações representativas de graus diferenciados de autarquias; vem exigir para as suas representadas uma redistribuição de competências e de articulação de níveis de decisão; vem tornar mais autêntico o poder local; vem reforçar o poder local; vem dar um novo sentido às comunidades locais, como espaço, e à sua capacidade de ser um lugar de democracia; vem conferir maioridade às comunidades que dela careciam; vem complementar a actividade meritória já desenvolvida pela Associação Nacional de Municípios Portugueses; vem dar voz legitimada à ANAFRE; vem dar
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um passo decisivo para a reformulação do sistema para que a sua coerência interna e a sua vitalidade sejam profundas e robustecidas; vem reconhecer um movimento que nasceu de baixo para cima e que não claudicou perante as dificuldades, as dúvidas, as incompreensões de que a ANAFRE sofreu; vem consagrar a vitalidade da nossa sociedade.
Para finalizar, não me deterei no exame do projecto na especialidade, direi apenas que é indispensável que a definição, no futuro, das atribuições autárquicas venha a ser feita por enumeração de modo a delimitar com suficiente precisão quais as matérias que dizem respeito às autarquias e a qual delas. A definição de atribuições deve delimitar com rigor as atribuições exclusivas, as partilhadas, as obrigatórias e as facultativas, bem como as complementares em que as autarquias podem e devem colaborar entre si com o poder central.
Nasce hoje uma nova dinâmica para o poder local. Saibam as associações namorar entre si, evitem o casamento, optem pela união de facto a bem das populações.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Gonçalves Sapinho, o seu tempo foi largamente excedido mas a validade do seu depoimento, como autarca de freguesia dos mais humildes, mas nem por isso dos menos válidos, para além da sua tradição de constituinte, justificou a tolerância que, espero, seja compreendida pelos outros partidos, porque, além disso, a sua intervenção foi em favor de um projecto de outro partido, do Partido Socialista.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Carlos Sá Correia.
O Carlos Sá Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo o poder local um dos pilares do nossos regime democrático, que muito contribuiu para a consolidação da democracia do nosso país e resultando à evidência que tem sido através da acção desenvolvida pelos municípios e pelas freguesias que os portugueses têm visto satisfeitas muitas das suas necessidades, não poderão deixar de merecer o apoio do partido popular todas as iniciativas que contribuam para o reforço do poder local.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Embora o diploma aqui em discussão não aborde os problemas que estão na primeira linha das preocupações dos autarcas, tem o apoio do Partido Popular, na medida em que contribui para o reforço do poder local e corresponde à vontade dos nossos autarcas.
Com efeito, os municípios já constituíram a Associação Nacional de Municípios Portugueses, na, sequência do Decreto-Lei n.º 99/84, e as freguesias a sua própria associação, a ANAFRE, embora esta sem enquadramento legislativo, manifestando-se assim a importância que os autarcas reconhecem na institucionalização de uma representação dos municípios e das freguesias a nível nacional, que seja o interlocutor válido sobre o poder local face à administração central e a nível internacional.
O presente projecto de lei, ao estabelecer o regime jurídico para as associações representativas das freguesias, constituindo nesta matéria uma inovação, vem preencher uma lacuna que se fazia sentir, contribuindo para o reforço do, poder das freguesias e para a sua dignificação, pois de pouco vale a existência de associações de freguesias, como actualmente existe a ANAFRE, se não houver um quadro legal que defina os direitos e os benefícios que podem ser assegurados a essas associações na prossecução dos seus objectivos. Bem merecem as freguesias o reforço do seu papel, pois que muito têm feito para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses.
Se o presente projecto de lei merece o apoio do Partido Popular, não poderá contudo deixar de se tecer algumas críticas ao mesmo.
Desde logo no artigo 1.º, ao estabelecer-se «Os municípios tal como as freguesias podem associar-se para efeitos da sua representação institucional», parece querer traduzir uma subalternização dos municípios face às freguesias, podendo contribuir para um mal-estar entre estas duas categorias de autarquias locais, contrariando o equilíbrio e a sã convivência que sempre existiu entre os municípios e as freguesias, como de resto prova a existência de representantes, das freguesias nos órgãos da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Por isso, mais correcto seria que o artigo l.º dissesse, «Os municípios e as freguesias podem associar-se para efeitos da sua representação institucional».
Relativamente ao artigo 3.º, quanto aos critérios a utilizar para a qualificação das associações como de carácter nacional, seria mais aconselhável, de forma a assegurar uma maior representatividade das associações, que estas só fossem consideradas de âmbito nacional caso representem um número superior a 50% das autarquias respectivas existentes.
Quanto ao estabelecido no artigo 4.º, relativamente ao «estatuto de parceiro» das associações de carácter nacional representativas dos municípios e das freguesias, impõe-se que se regulamente a audição destas associações, sob pena de continuarmos a assistir ao mero cumprimento de formalidades legais, no processo legislativo, sem qualquer efeito útil e que pouco contribuem para a dignificação do papel das autarquias locais.
Concluindo, direi que se o presente projecto de lei constitui mais um passo para o fortalecimento das freguesias e dos municípios, deverá continuar a caminhar-se no sentido de abolir algum paternalismo, ainda existente, do poder central face ao poder local, e assegurar-se uma estreita colaboração entre a administração central e a administração local.
O reforço do poder local é uma preocupação constante do Partido Popular e um desejo dos autarcas e daqueles que os elegeram e, por isso, o nosso partido assumirá sempre a sua quota parte na dignificação do papel das autarquias locais.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do adiantado da hora, e com este «apesar» podem ficar tranquilos, pois não é nenhum tipo de ameaça quanto à extensão do meu discurso. O que quero dizer é que, apesar do adiantado da hora, não posso deixar de relevar aquilo que, no entendimento do meu grupo parlamentar, é uma tónica subjacente ao projecto de lei apresentado pela bancada do Partido Socialista, que é a
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de que as coisas não «caem do céu aos trambolhões», as coisas ou se conquistam ou de todo em todo não surgem.
Independentemente de algumas objecções que poderemos levantar ao projecto do Partido Socialista, há que reconhecer que, no essencial, ele representa, antes de tudo, o resultado de uma luta longamente assumida pelas freguesias no quadro constitucional, nomeadamente pela ANAFRE.
Aliás, não deixa de ser interessante que do mesmo grupo parlamentar tenham surgido hoje, por um lado, um excelente exemplo do que foi essa luta, pela voz do Sr. Deputado Gonçalves Sapinho, a quem saúdo em função da lição que aqui nos deu nesse domínio e, por outro, pela voz do Sr. Deputado Manuel Moreira, tenha surgido, de repente, uma autêntica descoberta da ANAFRE, como se ela não existisse desde 88 e não tivesse vindo a encontrar, nomeadamente da parte dos anteriores governos, os obstáculos que aqui me escuso de citar, porque todos os conhecemos.
Porém, não quero deixar de saudar esta mudança de atitude do Sr. Deputado Manuel Moreira, pois é sempre bom que possamos aprender com a história e verificar que, afinal, há causas contra as quais não vale a pena opormo-nos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também lembrar que ainda não há muito tempo duas iniciativas legislativas sobre esta matéria, uma do meu grupo parlamentar e outra do Grupo Parlamentar do PS, mereceram o destino que todos conhecem por parte da então bancada maioritária do Partido Social Democrata. É que não vale a pena, nestes momentos de excessivos mas também de agradáveis consensos, «passar uma esponjar por cima da história e sermos levados a supor que tudo
o que aconteceu antes não tem nada a ver com o que acontece hoje e que as coisas aparecem (se me permitem, eu que vivi 11 onze anos nos Açores, em Angra, e o Sr. Presidente melhor entenderá, a expressão) «por obra e graça do Divino Espírito Santo», porque sabemos que não aparecem.
Daqui quero saudar a ANAFRE, também e apesar de tudo, na pessoa do Sr. Deputado Gonçalves Sapinho.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Apesar de tudo?!
O Orador: - Srs. Deputados, o presente projecto, de iniciativa do Grupo Parlamentar do PS, pretende, no entendimento dos subscritores, assegurar aos municípios e às freguesias capacidades de intervenção, diálogo e colaboração com os órgãos de soberania e a participação em organismos internacionais, através de associações às quais é expressamente conferido o estatuto de parceiro, relativamente ao Estado, para assuntos que sejam do seu interesse.
Todavia, não posso deixar de levantar aqui uma questão que se prende com dois pareceres que recebemos, um da ANAFRE e outro da ANMP, sendo que o da ANMP referia a eventualidade de «existir, uma proibição constitucional de existência de associações de freguesia». No entanto, salvo melhor opinião e como não perito em Direito Constitucional, sou de entendimento que esta vertente do parecer da ANMP não possui fundamento bastante, uma vez que, por um lado, a Constituição da República Portuguesa não proíbe as associações de freguesias, apenas é omissa nesta matéria, e, por outro, o presente projecto de lei possibilita a criação de associações de freguesia no âmbito do direito privado e não no do direito público, no qual, eventualmente, melhor se enquadraria a chamada de atenção da ANMP.
Permita-se-me, no entanto e apesar de entendermos que esta discussão deve ir para o domínio da especialidade e não deve ter lugar neste Hemiciclo, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, fazer duas pequenas observações.
Em relação ao artigo 1.º do projecto de lei em apreciação não seria mau um esforço de clarificação e que, onde consta «podem associar-se para efeitos...», constasse apodem associar-se a nível nacional para efeitos...». Em relação ao n.º 2 do artigo 3.º talvez não fosse despicienda uma adenda do tipo «sendo consideradas de carácter nacional desde que tenham associadas, em pelo menos 15 dos distritos do continente e nas regiões autónomas», de modo a garantir, sem maximalismos absolutistas, uma efectiva abrangência do território e um carácter inequivocamente nacional, como é, aliás, preocupação legítima do proponente.
Porém, sem dúvida que este projecto de lei, para além da discussão em especialidade e eventuais futuros contributos da parte de todas as bancadas, merece desde já o nosso acolhimento.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado Manuel Moreira sentiu-se agravado por uma consideração feita pelo Sr. Deputado José Calçada, pelo que tem a palavra, por um minuto.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, o senhor não foi justo e não foi verdadeiro naquilo que referiu em relação à minha pessoa na medida em que desde o primeiro momento conheço bem a génese da ANAFRE, participei até, enquanto secretário-geral adjunto do meu partido para as autarquias locais, em muitos diálogos com os autarcas das freguesias para a sua própria fundação. É verdade que o meu partido teve algumas reservas na criação da ANAFRE...
Risos do PCP.
... mas isso não impediu e não impede, e julgo que todos têm que o reconhecer, que o PSD sempre tenha sido um defensor acérrimo do poder local, dos municípios e das freguesias, de uma descentralização efectiva e progressiva do poder central para as freguesias e para os municípios. É evidente que se trata de uma caminhada dinâmica e ainda não conseguimos alcançar aquilo que certamente é o desejo natural de todos os municípios e freguesias.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, está desagravado.
O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir a minha intervenção.
Não descobri hoje a ANAFRE porque tive a honra de participar em vários congressos, no último dos quais a seu lado, Sr. Deputado, pelo que não foi justo na referência que me fez. Sou defensor da ANAFRE e acima de tudo das freguesias, tal como o meu partido.
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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado José Calçada quer dar explicações?
O Sr. José Calçada (PCP): - De modo nenhum, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, dos diplomas que constavam da ordem do dia de hoje e que serão objecto de votação em data oportuna.
Reuniremos amanhã, às 10 horas, hora regimental, para uma sessão de perguntas ao Governo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 25 minutos.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa ao projecto de deliberarão n.º 24/VII.
Abstive-me na votação do projecto de deliberação que preconiza um alargamento do prazo dado às assembleias municipais para se pronunciarem sobre os projectos de lei sobre a regionalização, em debate na Assembleia da República, porque entendo que não se deve inviabilizar a continuação deste processo.
Não votei a favor por ter discordado na devida altura do caminho que o Partido Socialista e o Partido Comunista impuseram nesta Assembleia para o processo de regionalização e que está a dar os resultados de paralização que estão à vista.
Mais declaro ser a favor do avanço imediato para uma consulta nacional ou portugueses, que defina, de uma vez por todas, qual é o verdadeiro sentido da vontade do povo português, acabando com este jogo táctico, de promessas incumpridas e de engano do eleitorado.
O Deputado do PSD, José Mendes Bota
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António Bento da Silva Galamba.
Cláudio Ramos Monteiro.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Joaquim Moreira Raposo.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Partido Social Democrata (PSD):
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Macário Custodio Correia.
Luís Carlos David Nobre.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados
Partido Socialista (PS):
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Joel Maria da Silva Ferro.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Manuel Durão Barroso.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Rui Manuel Pereira Marques.
Partido Comunista Português (PCP):
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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