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384 I SÉRIE - NÚMERO 12

A Oradora: - A Sr.ª Deputada fez-me um grande favor porque me permite dizer hoje, desta tribuna, que não há dúvida alguma de que os debates nesta Casa estão desigualmente distribuídos. O Orçamento não é um assunto só para economistas, como poderá conceder, pois diz respeito a todos os cidadãos e nem todos nós temos a linguagem dos economistas, o que também não é obrigatório, nem tão-pouco a dos juristas, que é a que, com mais facilidade, se desenvolve nesta Casa.
Sou arquitecta, Sr.ª Deputada, de maneira que tenho o "vício" profissional de, quando estudo um assunto, procurar primeiro ver a imagem de conjunto e só depois o pormenor. Tenho a sensação de que, neste debate, que é suposto ser na generalidade, estão todos a ver o puxador da porta e o aro da janela e não querem apreciar a arquitectura do edifício. Mas é sobre a arquitectura do edifício que é o Orçamento do Estado, que quero falar e com linguagem de arquitecta.
Tenho muita pena de que este Parlamento, como quase todos os parlamentos do mundo, ainda esteja muito marcado por uma linguagem oral que vem do século XIX, pelo uso de expressões como "V. Ex.ª", de uma certa deferência e lentidão de expressão. Sonho com um Parlamento em que possamos mostrar gráficos, desenhos, quadros, música, som, "multimedia". Tenho muita pena de que este Parlamento seja sempre a preto e branco, ou talvez a cinzento, e que nem sequer uma fotocopiadora a cores exista nesta Casa, quando há milhares de fotocopiadoras em todos os corredores. Há um desfasamento de linguagem.
Serve isto para dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que fiz uma análise gráfica do Orçamento que, aliás, tenho muito prazer em distribuir a todos os Srs. Deputados e jornalistas.

Aplausos do PS.

Os meus colegas estão a bater palmas porque já a apreciaram e espero que os senhores, depois de verem esta espécie de "banda desenhada", percebam onde quero chegar.
Estamos perante um instrumento que não é neutro. Os orçamentos do Estado não são neutros. Enquadram os deveres do Estado e dos cidadãos, com base numa certa política económica.
O que pergunto é se este Orçamento é consistente com a política económica do Governo e se é credível e sustentável. Comecemos pela política económica. Os grandes objectivos que devemos prosseguir, julgo que estamos de acordo, deverão ser o crescimento, o emprego, a estabilidade dos preços e o equilíbrio orçamental. Ainda que com variantes - uns defenderão mais umas coisas e menos outras - andamos à volta disto e sobre estes objectivos haverá um certo consenso. O grande problema é que é muito difícil defender os quatro ao mesmo tempo.
Aqueles que se assumem como monetaristas, aqueles que privilegiam a convergência dita nominal, como é conhecida a expressão, aqueles que acham que, mais importante do que tudo, é controlar a estabilidade de preços e o equilíbrio das contas públicas (e até diminuir a despesa do Estado) - os que, no fundo, defendem o "Estado mínimo", que sustentam que o Estado não deve interferir porque, em termos de crescimento e de emprego, é a sociedade civil que se encarrega disso, que dizem mesmo que há uma "taxa natural de desemprego" que a sociedade se encarregará de encontrar - esses, em relação a este Orçamento, estarão naturalmente frustrados. Quereriam um Orçamento com menos despesa, um Orçamento mais pobrezinho, um Orçamento mais contido, um Orçamento menos ambicioso. De resto, este foi o discurso feito ontem, em parte, pela bancada do PSD.
Quando eu interrogava a bancada do PSD sobre as mudanças nos partidos, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite respondeu que, quem mudou, fui eu. Pois mudei e por todas estas razões. Ainda hoje li nos jornais que o PSD se vai sentar, de armas e bagagens, na bancada dos Populares Europeus, o que também significa que está a tornar clara e transparente uma postura ideológica, que vinha de há uns anos a esta parte, que já não é sequer apenas de liberalismo mitigado, mas de liberalismo desenfreado. Como essa não é a nossa postura, não esperem, da nossa parte, um Orçamento sujeito às regras do liberalismo desenfreado e às teorias monetaristas.
Não queremos um Orçamento que dê prioridade à convergência nominal. Mas os Srs. Deputados do PP, que são contra a moeda única e passam a vida a dizer que se trata de uma imposição do exterior e de uma perda de soberania, estão sempre a afirmar que nem sequer valia a pena cumprir a convergência nominal. Só chamo a atenção para este raciocínio, que é elementar, Sr. Deputado Manuel Monteiro: o seu partido várias vezes tem defendido a ideia do referendo sobre a moeda única, e está no seu direito. Porém, se, neste Orçamento, o Governo não tivesse cumprido os critérios de convergência, o vosso referendo era inútil - porque ficávamos fora da moeda única, sem ninguém se ter pronunciado, por incapacidade da equipa governamental.

Aplausos do PS.

Ou seja, se o Governo consegue apresentar um instrumento que cumpre os critérios de convergência (mas que também quer outras coisas e não apenas essa), tal permite ao poder político democrático tomar soberanamente a decisão sobre entrar ou não na moeda única. Não vamos é trocar os planos das coisas, nem dizer que deveríamos fazer um Orçamento sem convergência nominal, porque ficávamos eliminados da corrida.
Agora, o ponto é este, Srs. Deputados do PP, que contestam a moeda única (os Srs. Deputados do Partido Comunista também a contestam): acho muito engraçado o vosso encarniçamento contra a moeda única, mas nunca vos vejo contestar o pensamento único. E o que é o pensamento único? É o que se está hoje a passar no mundo, depois da queda do muro, depois do colapso do bloco dos países de Leste e do pensamento comunista. Há hoje um pensamento dominante no mundo, que é o pensamento liberal, que domina os mercados financeiros, que dita as regras da mundialização, da globalização, de instituições como o Fundo Monetário Internacional, a que o Sr. Ministro das Finanças se opôs. Recordo o noticiado relatório "secreto" do FMI, antes da apresentação deste Orçamento do Estado, pondo em causa algumas das suas medidas, dizendo que não eram muito credíveis e que o Governo português não deveria enveredar pelo Rendimento Mínimo Garantido, nem pelo Plano Mateus...
Não ouvi os Srs. Deputados do PP, tão ciosos da soberania, apoiarem o nosso Ministro das Finanças, quando ele disse, com muita calma, "não aceitamos receitas de manual". Este não é um Orçamento de cartilha. Portanto, os senhores, que estão muito preocupados com a moeda única, continuam muito distraídos em relação ao pensamento único e nem sei mesmo se já estão todos colonizados por ele. Cuidem-se, porque é uma colonização que pode vir