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Sábado, 14 de Dezembro de 1996
I Série - Número 19
SESSÃO COMEMORATIVA DOS 20 ANOS DE PODER LOCAL
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Após constituição da Mesa, integrada pelos Srs. Presidente da Assembleia da República, Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho), Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa), Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território (José Augusto Carvalho), Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (Mário de Almeida) e Representante da Associação Nacional de Freguesias (Luís Gomes Viana), o Sr. Presidente procedeu à leitura de uma mensagem enviada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração
Local.
Produziram intervenções alusivas ao tema, além do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal de Sines (Carmen Isabel Amador Francisco), em representação de Os Verdes, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Évora (Abílio Fernandes), em representação do PCP, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro (Cecília Gala), em representação do CDS-PP, a Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Baião (Emílio Silva), em representação do PSD, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga (Mesquita Machado), em representação do PS, o Sr. Representante da Associação Nacional de Freguesias (Luís Comes Viana) e o Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (Mário de Almeida).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 20 minutos.
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O Sr. Presidente: - Declaro aberta a Sessão Comemorativa dos 20 anos do Poder Local. Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pinto Camilo Gonçalo
Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.
Partido Social Democrata (PSD):
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
António Costa Rodrigues.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Francisco José Fernandes Martins.
Gilberto Parca Madaíl.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Carlos Barreiras Duarte.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Gama.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
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Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Convidados, chamo para a Mesa o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, o Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses e o Sr. Representante da Associação Nacional de Freguesias.
O Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território também faz parte da Mesa mas teve de se deslocar ao Porto e o avião teve alguma dificuldade em aterrar, pelo que ele chegará apenas dentro de 10 minutos. Quando chegar, ocupará o seu lugar.
Srs. Convidados, começo por ler uma saudação do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local que acaba de me chegar e que diz o seguinte:
20 anos de saudação aos 20 anos do poder local.
O 3.º Congresso do STAL, realizado em Tróia, distrito de Setúbal, nos dias 13 e 14 de Dezembro de 1996, saúda efusivamente os 20 anos de poder local na certeza de que ao fazê-lo presta justiça aos autarcas e trabalhadores das autarquias que, através de acção dinâmica; têm sido os verdadeiros protagonistas no combate aos estados de insuficiência das populações e, simultaneamente, têm contribuído de forma decisiva para o seu progresso e bem estar.
Ao saudar estes 20 anos de poder local é também o momento de dizer basta aos sucessivos anos de, política de direita que conduziram progressivamente o poder local a uma situação de crescentes dificuldades financeiras, de dependência burocrática e à criação de uma asfixiadora teia confrangedora da autonomia municipal e da sua reconhecida capacidade de realização.
Os resultados das eleições de 1 de Outubro de 1995 são também a expressão de uma viva condenação da política de direita contra o poder local e os seus trabalhadores e sobrelevam a inequívoca necessidade da inversão de conceitos, objectivos e orientações prosseguidas pela acção governativa e da administração central face às autarquias.
Ao saudar estes 20 anos do poder local o 3.º Congresso do STAL reclama que ao novo quadro político resultante das eleições legislativas corresponda uma nova política, uma política de dignificação do poder local e de valorização do lugar que ocupa no quadro da Administração Pública do Estado, liberta de imposições e constrangimentos decorrentes das políticas europeias de Maastricht.
Viva o poder local emanado de Abril!
Aplausos gerais.
Srs. Convidados, também eu quero saudar todos os presentes, autarcas, autoridades, Deputados, líderes parlamentares, o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral e demais convidados, por terem querido aceder ao nosso convite e emprestar a dignidade da sua presença a esta cerimónia que queremos tão significativa quanto o poder local o merece.
Enquanto não chega o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, a quem poupo a audição do meu discurso, pois vou lê-lo antes de ele chegar, peço a vossa atenção para as breves palavras que desejava dirigir-vos.
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, Sr. Vice-Presidente da Assembleia da República Mota Amaral, Srs. Líderes dos Grupos Parlamentares e demais Deputados, Sr. Presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, Sr. Representante da Associação Nacional de Freguesias, Srs. Presidentes de Câmaras, Srs. Presidentes de Juntas de Freguesia, demais Autarcas, Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Quero, antes de mais, agradecer de novo a vossa presença e o relevo que ela confere a esta sessão comemorativa do 20.º aniversário do poder local.
É uma honra e um privilégio para a Assembleia da República, o seu Presidente, o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral, os Srs. Líderes Parlamentares, o Sr. Presidente e demais membros da Comissão do Poder local e os Deputados aqui presentes podermos ter a vossa companhia e o significado que ela empresta a este acto comemorativo.
20 anos é muito e pouco tempo: muito, quando se trata de afirmar apreço pelo relevantíssimo papel desempenhado pelo poder local, no quadro da II República saída da Constituição de Abril; pouco - quase uma gota de tempo - quando se toma como ponto de partida uma referência institucional que, no nosso território, vem dos tempos da colonização romana, ou seja, de antes de sermos um Estado independente. Até tão fundo vão, no tempo, as raízes do municipalismo na civilização ocidental e no espaço peninsular que bem pode dizer-se que ele se identifica com a alma lusitana.
Não foi linear o seu caminho. Oscilou, entre avanços, adormecimentos e recuos, mas resistiu às vagas visigótica e muçulmana e reavivou-se com a era cristã, embora forçado a resistir aos constrangimentos da centralização e absolutização do poder real e, mais recentemente, com o autoritarismo concentrado e pessoalizado do meio século da ditadura que a liberdade matou.
Esse meio século nihilizou o mais que pôde essa relíquia do nosso passado histórico, bem consciente de que ela esteve na base das liberdades individuais e da erupção, entre as nações hispânicas, da realidade correspondente ao conceito de cidadania. Inimigo dos homens livres e dos cidadãos conscientes, abafou os anseios de liberdade dos portugueses e feriu, com ódio, uma das matrizes desse anseio, o municipalismo.
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Os municípios foram, durante esse meio século, repartições desconcentradas, mas sempre atentas ao assentimento, quando não ao deferimento, dos «césares» do Terreiro do Paço ou, melhor dizendo, do «césar» único de S. Bento, a cuja vontade era reconduzida, à força, uma suposta vontade colectiva.
O grande Alexandre Herculano, o historiador que mais fundo levou a investigação sobre a origem e a história do municipalismo peninsular, chama ao município, na sua monumental História de Portugal, «a mais bela das instituições que o mundo antigo legou ao mundo moderno».
Citando Tocqueville, também grande entre os maiores, o município «parece ter saído directamente das mãos de Deus». E, mais, informa-nos ele que «em parte nenhuma talvez, durante a Idade Média, teve mais influência no processo da sociedade e foi mais enérgico e vivaz do que em Portugal».
Legou-nos esta profecia: «grandes destinos lhe estão, porventura, reservados no porvir: ao menos é dela que esperamos a regeneração do nosso País, quando a experiência tiver demonstrado a necessidade de restaurar esse esquecido mas indispensável elemento de toda a boa organização social».
Os bárbaros do norte respeitaram, se é que não valorizaram, a instituição municipal. Os bárbaros que abafaram os valores e destruíram a obra da I República tentaram decepar as raízes do baluarte das liberdades que o município havia sido e condenaram-nos a ter de esperar pela II República, que Abril nos legou, para podermos recuperar esse imorredoiro subsídio da alma nacional.
É sabido que o estabelecimento de alguns concelhos no território que é o nosso precedeu a fundação da monarquia, é anterior à própria Pátria.
Lembro tudo isto para que tomemos consciência de que se nos aquietou a consciência um certo grau de reposição do poder local após Abril, ficámos longe, e longe continuamos a estar, de lhe ter assegurando o significado e o prestígio que teve no tempo dos nossos maiores. Às vezes, esquecemo-nos disso e continuamos a praticar, e quantas vezes a defender, excessos, hoje mais do que nunca intoleráveis, de centralismo político e administrativo.
«Antiquíssima e idêntica» - como diria o Fernando Pessoa é também a paróquia, origem da freguesia. De origem religiosa, deveio divisão administrativa e unidade de poder local. É, deste, o primeiro degrau mas vem crescendo em importância e não faltam razões para que essa importância aumente.
Previu a Constituição de 1976 - a previsão manteve-se nas suas anteriores revisões e vai manter-se na que está em curso - um terceiro patamar de poder local, as regiões administrativas. Inicialmente queridas e votadas por todos, como natural extensão do município, viria a tornar-se, com tempo e a demora da sua criação, um relativo pomo de discórdia.
Aconteceu um fenómeno estranho. Durante 19 anos, todos os partidos defenderam as regiões administrativas, talvez com excepções sem grande significado. Nas diversas campanhas eleitorais todos os seus líderes se reclamaram delas, todos as traduziram em promessas eleitorais e todos receberam a paga nos correspondentes votos.
Ao 19.º ano, um desses líderes, que havia nove anos dispunha do poder necessário para garantir a sua instituição, deu, de repente, o dito por não dito e instalou na opinião pública um cisma que engrossou e perdura. Uma vez mais para ganhar votos, mas agora pela operação inversa, arvorou-se em defensor da unidade nacional e passou a incutir nos menos preparados o receio das regiões administrativas, ou seja, da terceira autarquia até hoje inutilmente prevista na Constituição.
Não explicou, nem tentou explicar, porque passava a dizer não onde antes havia dito sim, mas fez apelo a sentimentos nobres e respeitáveis. Com as regiões, a nossa preciosa unidade nacional corria o risco de ser esquartejada. As regiões eram inúteis, dispendiosas, burocratizantes e «cacicófilas». Por sobre isso insinuou-se um paralelismo absurdo entre as regiões administrativas e as regiões insulares. Convicto de que o neonacionalismo voltara a render votos, atacou o projecto constitucional da regionalização do País a partir dessa plataforma requentada e recorrente.
Confesso que não consegui fugir a uma reacção de interior indignação. Eu, desde o início, não militava entre os mais entusiastas da regionalização administrativa, mas por outras e bem diversas razões. A principal, de entre elas, era o meu entranhado apego ao municipalismo. Parecia-me a mim que a experiência municipal ainda não tinha sido levada até à última fronteira das suas virtualidades e queria que os municípios recebessem mais poderes e mais meios, a fim de poderem recuperar todo o prestígio de outrora, e as regiões eram por mim encaradas como um tecto à natural expansão dos seus poderes.
Por outro lado, receava que viesse a acontecer com elas o que, de certo modo, havia acontecido com a província, que nunca ganhou raízes, e na prática não passou de uma divisão territorial, com alguns poderes desconcentrados e nenhum descentralizado, em qualquer caso sem raça de poder autárquico ou autónomo, tanto faz.
Se assim viesse a ser - pensava eu - a repetição do descrédito da prevista autarquia de grau superior acabaria por inquinar o prestígio do poder local, todo ele.
Mas o que eu nunca fui foi favorável a situações de inconstitucionalidade por omissão. Não cumprir reiteradamente a matriz da lei é estimular o espírito de resistência em relação a todas elas. Ora, há 20 anos - tantos quantos os da duração do primeiro e segundo escalões do poder local - que a Constituição aguarda acatamento e isso é mais grave para a saúde da República do que um ou outro episódico risco inerente à criação das regiões administrativas.
Os outros riscos que a estas eram imputados nunca me impressionaram. Eram, todos eles, riscos eventuais, comuns aos próprios municípios e que a instituição destes radicalmente desmentiu. Os municípios também fazem despesa, também implicam instalações, funcionários, burocracia e não «esquartejam» menos o país do que hão-de as regiões «esquartejá-lo», isto é, absolutamente nada.
E confundir as regiões administrativas com as regiões insulares revela tal ignorância que é preciso passar por sobre a distinção abissal entre umas e outras. As regiões insulares não gozam só de autonomia administrativa mas também política. São dotadas de órgãos de governo próprio. Gozam de importantes poderes legislativos e executivos. São dotadas de estatuto próprio, que só pode ser alterado por sua iniciativa. Aparte as matérias de representação exterior, defesa, justiça e pouco mais, o poder central não tem sobre elas quaisquer competências.
Mas as regiões administrativas não são regiões «insulares-menos», são «autarquias-mais». Não serão dotadas de nenhuma espécie de poder político, nem de governo próprio. As competências que para elas se prevêem situam-se predominantemente na área da planificação e da coordenação de realizações e actividades a nível supra-municipal.
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Metem medo a quem? Que impede hoje os municípios de se associarem a partir da liberdade de associação? Pois bem, a região administrativa será basicamente isso, não por via associativa, mas por via institucional.
Mas este é apenas um dos pratos da balança. No outro, a seu crédito, estão realizações e unidades de progresso que mudaram a face do País nas duas últimas décadas, com notáveis exercícios de poupança, na relação custo-benefício, relativamente ao poder central, esse, sim, às vezes
esbanjador; esse, sim, quase sempre burocratizante; esse, sim, responsável por assimetrias e discriminações regionais, geradoras de rivalidades e competições que não raro colocam em causa - não, felizmente, em risco - a nossa preciosa unidade nacional, que tão perfeita e tão una é que, por isso mesmo, não pode ser invocado contra ela o falso risco de uma episódica desagregação.
Acresce que, duas décadas após a sua previsão, o mundo evoluiu para situações políticas, económicas, tecnológicas e civilizacionais que, longe de retirarem justificação à institucionalização das regiões administrativas, reforçaram essa justificação.
Direi, em breve resumo, quais foram essas mudanças.
Primeira: Entrámos para a União Europeia, que se autodefiniu como um espaço regionalizado.
Segunda: Em consequência, instituiu um Comité das Regiões, constituído por membros designados directamente por estas.
Terceira: Afectou verbas do Fundo de Coesão ao desenvolvimento das regiões mais deprimidas, como forma de corrigir as assimetrias regionais.
Quarta: Estabeleceu como princípio básico da sua ainda não escrita constituição material o de que os centros de decisão devem aproximar-se o mais possível daqueles a quem as decisões se destinam.
Quinta: Idem o princípio orientador, a que chamou da subsidiariedade, segundo o qual o Estado e as instâncias intermédias só devem exercer as competências que estas instâncias e as colocadas abaixo delas, em última análise os cidadãos, não possam exercer melhor do que elas.
Sexta: Ressituou em Bruxelas e no Luxemburgo centros de decisão antes localizados em Lisboa, o que, de acordo com aqueles princípios e a natureza das coisas, torna mais irrecusável a instituição de centros de decisão em cascata, até à maior aproximação possível daqueles a quem as respectivas decisões se destinam.
Sétima: A democracia representativa entrou em crise. A horizontalização das informações e dos conhecimentos - em especial via TV - incutiu nos cidadãos uma ânsia de participação política, e até um sentimento de rebelião, que contrapõe a sociedade civil à classe política e os eleitores aos eleitos. Cresce, até limites de fazer recear pela ordem pública e pela autoridade do Estado, o recurso a poderes de facto e outras formas de reivindicação e retoma de prerrogativas de democracia directa. O poder concentrado deixa-se cada vez mais prender no redil do anacronismo. - Um vento de ultra-liberalismo exige que o Estado se retire, deixando que a competição regule os conflitos. É o regresso, em formas subliminares, do pior anarquismo.
Que faz o Estado? Cada vez mais leis! Penas cada vez mais pesadas e cada vez mais inúteis, tudo para continuar a reter 'poderes que deve descentralizar e repartir.
E para quê inventar novas partilhas a benefício de inventário se os municípios e as freguesias - amanhã as regiões administrativas - estão aí, aptos a completar a sua institucionalização, aptos a receber mais poderes, meios e responsabilidades, a aproximar, enfim, as decisões dos destinatários delas, dando a estes um sentimento de autodecisão, ou no mínimo de co-decisão, que é garantia de tranquilidade e de paz?
Caras, as regiões?! Mais caros têm sido os Centros de Coordenação Regional, sem a vantagem da autonomia, ou seja, da natureza participativa do poder autárquico! Mais caro, porventura, é cada município, e são 305, e só os mal informados ou os mal intencionados podem pôr em dúvida que, em regra, os municípios fazem verdadeiros prodígios de gestão, vizinhos do milagre da multiplicação dos pães.
Há excepções? Há erros? Há prevaricações? Onde os não há?! Nos órgãos do poder central?! Nos templos do poder espiritual?! Onde houver homens, existirão o erro e o pecado. Mas é a excepção que confirma a regra e esta é confirmada, por seu turno, pelo apego que o povo tem aos seus autarcas - a nível de concelho ou de freguesia -, expresso na sua frequente, se não habitual, reeleição por uma e mais vezes! Já alguns são rotulados de «dinossauros». Que maior elogio, dada a sua natureza electiva? E que «pegadas» não deixam no teatro das suas funções?
Pois eu quero aqui afirmar que não são as excepções à regra da vossa devoção, da vossa seriedade, do vosso esforço ao serviço dos bens e interesses que vos são confiados que me impede de convictamente reconhecer e sinceramente vos declarar que as duas últimas décadas de poder local foram - não hesito em dizê-lo - o melhor de Abril.
Só os cegos que não querem ver é que podem negar o pulo que o País deu, da mais recôndita aldeia à mais resplandecente cidade, porque a par de um poder central que reflecte as contingências da revolução tecnológica e civilizacional da era moderna - o Mundo a mudar e as instituições e modelos a permanecer - existiu um poder local vigilante, a ouvir directamente os portugueses, a testemunhar o drama das suas vidas e a bater-se por melhoramentos que, sem ele, encontrariam obstáculo nos clássicos «ouvidos moucos» do Terreiro do Paço.
Que sabe Bruxelas do que se passa em Bragança? Que sabe o Terreiro do Paço do que se passa em Vinhais? Conhecem os locais por electrificar? Os alunos sem escola? Os doentes sem apoio médico? As aldeias sem infraestruturas mínimas? As habitações sem água canalizada e sem casa de banho? Os caminhos intransitáveis? As águas inquinadas? Ouvem, por acaso, o coro dos queixumes e dos protestos?
Pois tem sido precisamente nestes e outros domínios que a acção dos nossos autarcas tem conseguido milagres, gerindo bem os escassos meios de que dispõem; reivindicando apoios por fora; denunciando discriminações e injustiças, liderando,
quantas vezes, movimentos de protesto que abalam a pacatez dos burgos.
Se o País do interior é outro é porque também sois outros em comparação com os vossos homólogos de antes de Abril.
Hoje é dia de comemoração mas também de debate. Vamos ouvir-vos e eu não quero monopolizar o tempo desta tão justificada e cativante cerimónia!
Estamos aqui reunidos a propósito de um evento mas também com um propósito claro: o de um reforço de mentalização dos que ainda duvidam de que o futuro do nosso País é, em matéria de localização do poder, a retoma do seu passado: a reafirmação e revalorização do seu poder local.
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Saúdo-vos uma vez mais, de coração «rebobinado», que sempre bateu por vós e bate agora com mais força por vós.
Aplausos gerais.
Darei agora a palavra ao primeiro orador em representação dos grupos parlamentares, a Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal de Sines, D. Carmen Isabel Amador Francisco, representante de Os Verdes.
A Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal de Sines (Carmen Isabel Amador Francisco): - Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Ex.mo Sr. Vice-Presidente da Assembleia da República, Ex.mo, Srs. Membros do Governo, Ex.mos - Srs. Líderes dos Grupos Parlamentares e demais Deputados, Ex.mo Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Ex.mo Sr. Representante da Associação Nacional de Freguesias, Caros Colegas Autarcas e demais Convidados: Comemoramos aqui, hoje, os 20 anos sobre as primeiras eleições autárquicas em regime democrático. Comemoramos aqui, hoje, 20 anos de trabalho árduo junto das populações, em conjunto com as populações, que permitiram que em 1996 estejam cumpridas grande parte das necessidades básicas dos portugueses.
Foi extremamente importante o trabalho das autarquias locais no que concerne ao fazer chegar a água, a electricidade e a recolha de resíduos a toda a gente, tal como foi, e continua a ser, extremamente importante o seu papel no âmbito da habitação, do emprego, da educação e até da saúde.
Uma outra área em que as autarquias se têm mostrado intervenientes é a da cultura e do desporto. Porque estando mais perto do cidadãos, cedo compreenderam que a dimensão cultural e desportiva é fundamental para as pessoas, logo, factor de qualidade de vida e da realização pessoal de cada um.
É nesta relação de proximidade com as populações que está o grande trunfo e o grande desafio para os autarcas. Porque o poder local é o poder mais partilhado, mais participado, mas também o mais fiscalizado, o exercício do poder local, como Os Verdes o entendem, é essencialmente democrático.
O sistema actual, que permite a presença no órgão executivo câmara municipal, por exemplo, como noutros órgãos das autarquias locais, de todos os partidos ou coligações que tenham expressão eleitoral suficiente para aí estarem representados, permite uma expressão directa da diversidade de opiniões e de projectos. Aliando esta característica à possibilidade de intervenção e envolvimento dos cidadãos nas decisões, temos que o projecto de desenvolvimento local é, necessariamente, um projecto partilhado e em que há uma co-responsabilização de todos os intervenientes. Isto é, de facto, uma democracia directa, participativa e de base.
O poder local democrático, apesar dos seus 20 anos, é um poder pelo qual nós, autarcas, temos de lutar quotidianamente e em que contamos com os preciosos parceiros que são a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias.
Os sucessivos governos e maiorias têm tido uma acção extremamente centralizadora do poder, contrariando, na prática, um discursos que é de todos. Esta tendência à concentração de poderes e de meios coloca em situações complicadas as autarquias locais, quer porque lhes diminui a capacidade de intervenção autónoma, quer porque lhes retira meios.
Esta política tem sido igualmente impeditiva de que se concretize um direito que assiste a todos os portugueses desde 1976: o de ter uma regionalização que rentabilize meios, que potencie recursos, que faça uma gestão racional do território.
Teria provavelmente sido bem mais frutuoso o trabalho de todos os autarcas ao longo destes 20 anos se tivessem tido como interlocutores directos os órgãos regionais, conhecedores das realidades locais e regionais, dotados de um plano de desenvolvimento regional no qual se revissem todos os municípios abrangidos, fazendo uma gestão dos fundos comunitários e outros que, de facto, estivesse ao serviço do desenvolvimento.
Ser autarca, actualmente, significa ter de dialogar com uma série infinita de direcções regionais, institutos, empresas, representantes do Estado e dependentes directa ou indirectamente do Governo. Quando estes representantes não têm uma sensibilidade para o problemas locais, o trabalho torna-se complicado. Quando entramos na «dança» de solicitar orientações ao superior hierárquico, que também o vai fazer, e há que aguardar que a resposta, depois, venha por aí abaixo, ou quando dois organismos, que nem parecem ser do mesmo governo , empurram entre si decisões, por vezes vitais, sem a noção da importância local ou regional das questões, ficamos sempre com a ideia de que nos falta um elo na corrente do poder político.
Aliás, o modelo de desenvolvimento que Os Verdes preconizam, centrado nos valores de uma correcta gestão de recurso e do território, da qualidade de vida e da preservação do ambiente e não apenas no mito do «crescimento», terá uma melhor definição e adaptação a cada realidade, assim como uma mais fácil concretização, no momento em que for a própria região a fazê-lo.
Para nós, «ambiente» é sinónimo de «desenvolvimento», de «qualidade de vida», e o nível local é fundamental para que estes benefícios cheguem a todos.
O Partido Ecologista Os Verdes quer deixar aqui uma palavra de reconhecimento aos autarcas pelo trabalho realizado e continuará a trabalhar para que a autonomia do poder local e a sua capacidade de intervenção sejam reforçadas através da regionalização.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Convidados, antes de dar a palavra ao próximo orador, permitam-me que repare uma falta gravíssima. Há pouco referi a presença do Sr. Vice-Presidente Mota Amaral e, por lapso, não referi a presença do meu querido e grande amigo João Amaral, também ele Vice-Presidente desta Assembleia, como sabem.
Isto é particularmente grave porque tenho por ele uma grande e velha estima e admiração. Infelizmente, a memória não cresce com a idade e, portanto, é esta a explicação que lhe dou.
Tem agora a palavra o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Évora, Dr. Abílio Fernandes - que parece que é um dos «dinossauros» que há pouco referi -, em representação do PCP.
O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Évora (Abílio Fernandes): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Caro Colega, Mário de Almeida, Sr. Representante da Associação Nacional de
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Freguesias, Srs. Deputados, Caros Colegas, Srs. Presidentes das Juntas de Freguesia, Minhas Senhoras e Meus Senhores: O dia 12 de Dezembro de 1996 assinalou a passagem de 20 anos sobre a data das primeiras eleições democráticas que abriram espaço à afirmação da autonomia local.
A instituição de um poder local democrático representou um papel essencial na aproximação entre a população e o poder político e constituiu um instrumento fundamental na resolução de problemas concretos.
Logo nessas primeiras eleições foi possível ao PCP, integrado na coligação FEPU, conquistar o apoio expressivo da população, que lhe permitiu obter a maioria em 37 câmaras municipais, que se veio a alargar a 49 municípios actuais, para além da coligação "Por Lisboa", e a maioria em centenas de freguesias, autarquias estas que contaram e contam com autarcas dos outros partidos políticos, num trabalho profícuo no âmbito do poder local.
Foi então definida uma política unitária, assente numa ampla auscultação das opiniões e contribuições de todos os cidadãos, iniciando-se assim uma fase de relacionamento directo com moradores, associações, colectividades.
Esta postura conquistou a confiança do cidadão comum para o poder local e o aprofundamento dessa relação constituiu uma importante contribuição para a democracia participativa no nosso país.
Havia, no entanto, que alterar as estruturas organizativas, técnicas e financeiras existentes, para responder com eficácia e eficiência aos problemas concretos da população. Dessa fase inicial passou-se às preocupações com o planeamento, ao equacionar dos problemas de fundo e à previsão do desenvolvimento futuro das comunidades. Assim surgem os planos directores municipais, os planos de urbanização, os planos de pormenor, elaborados com a participação alargada da população. Por exemplo, o PDM do município de Évora levou dois anos a ser elaborado, em 1978 e 1979, tendo sido ouvidos, por duas vezes, os agentes e a população e valeu a pena pelos resultados harmoniosos de desenvolvimento urbanístico que ainda hoje sentimos.
No caso particular do Alentejo e do distrito de Setúbal, as autarquias, na grande maioria da CDU, asseguraram praticamente a cobertura dos seus municípios em quase todas as infra-estruturas básicas, como a captação, tratamento e abastecimento de água às populações, as redes e estações de tratamento de esgotos, as electrificações domiciliárias e públicas e principais arruamentos das povoações, vilas e cidades; criaram-se novas zonas de expansão habitacional, foi desenvolvida uma política coerente de oferta de lotes e de controle organizado da política de solos; integraram-se urbanisticamente os bairros clandestinos e criaram-se condições para a construção de habitação própria.
A intervenção autárquica alargou-se às áreas sócio-cultural, ao ensino, aos serviços urbanos, às infra-estruturas desportivas, ao equipamento social, ao turismo, com realce para dois outros tipos de intervenção: a criação de parques industriais, indutores do desenvolvimento industrial e económico, e, finalmente, a defesa do património histórico e cultural.
O retrocesso do poder local
Nos últimos dez anos, na sequência de uma política centralista e autoritária, o poder local foi conduzido a uma situação de depauperamento financeiro e à dependência burocrática com que se tentou asfixiar a autonomia municipal e a sua reconhecida capacidade de realização.
Assistiu-se à tentativa de substituir a colegialidade pelo centralismo, à subalternização das assembleias municipais e de freguesia, dificultando o exercício das funções de contribuição construtiva, debate, fiscalização e apresentação de alternativas que a lei lhes confere e, paralelamente, à tentativa de romper com a proporcionalidade na eleição das câmaras municipais, transformando maiorias relativas em absolutas, desvirtuando a vontade popular expressa nas umas; à manutenção do estatuto de menoridade dos eleitos das freguesias; à transformação da tutela inspectiva num instrumento de ingerências inaceitáveis, em vez de privilegiar o apoio técnico e interpretativo de uma legislação confusa; ao incumprimento reiterado da Lei das Finanças Locais e à transferência de encargos sem as indispensáveis contrapartidas financeiras; à publicação de legislação avulsa e incoerente, nos domínios do pessoal, da gestão financeira, do regime de empreitadas, licenciamento de obras e urbanismo.
A defesa do poder local
Ao poder local não restou outra atitude que persistir na defesa dos interesses da população, apesar da consciência de que se ficou muito aquém do que é justo e possível.
Por pressão do poder local foram criadas novas freguesias, vilas e aldeias; foi revista a legislação essencial ao trabalho autárquico; foi desenvolvido o espírito associativo e definido o quadro legal pela participação das autarquias na discussão dos grandes temas nacionais, como a regionalização.
Contudo, não foi e não é correcta a pressão que continua a ser exercida sobre as autarquias, no sentido de assumirem responsabilidades relativas à rede viária sem qualquer garantia de obterem os meios necessários para a sua recuperação e manutenção no futuro, como não foi justo forçar as câmaras à comparticipação na construção de escolas do 2º ciclo, apesar de ser clara a competência específica do Governo nesta matéria, e como não é admissível que se mantenha a prática da "pedinchice" das autarquias face à descricionaridade e falta de transparência de critérios no que se refere aos contratos-programa, verbas que, curiosamente, no Orçamento do Estado para 1997, atingem os valores mais elevados.
A situação actual
Com a última mudança do Governo, tudo levava a crer que se rompesse o ciclo político atrás descrito.
Mas, para além das alterações legislativas avulsas, mantém-se a prática de uma injusta repartição de recursos entre a administração central e a local. Não são inscritas no Orçamento do Estado as verbas destinadas às compensações devidas por isenções de impostos como a sisa e a contribuição autárquica, que constituem receitas municipais. Aumentam-se os financiamentos destinados a contratos-programa, mas estes são, como dissemos, concedidos de forma discricionária e sem transparência.
Verifica-se, por outro lado, a intervenção excessiva dos governadores civis, sem competências próprias na área do poder local mas que, como agentes eleitorais do Governo, distribuem verbas, prometem obras e realizações, lançam e promovem candidatos.
As Comissões de Coordenação Regional ultrapassam, com frequência, as suas atribuições e competências, sobrepondo-se aos municípios, instrumentalizando órgãos desconcentrados do Estado.
É nossa convicção que a regionalização é um importante passo no sentido da democratização do Estado e que contribuirá certamente para atenuar as desigualdades de desenvolvimento que prejudicam a coesão nacional. Não
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será decerto para criar mais burocracia ou aumentar a «classe política» mas para estimular a participação e a democracia.
Por isso, pensamos que o adiamento da regionalização terá efeitos perversos no processo de desenvolvimento, em especial no que se refere às assimetrias entre o litoral e o interior.
A política necessária para consolidar o poder local
A confiança da população na Administração Pública passa pela definição transparente das competências entre os órgãos do poder central e do poder local, enquanto não houver regiões administrativas.
Vivemos um momento que exige um reforço de autonomia do poder local, sob pena de continuarmos a ser um País adiado. É tempo de percebermos que a delimitação clara de competências é indispensável à responsabilização dos órgãos de poder e à criação de condições para escolhas conscientes por parte das populações. O poder local, em Portugal, já há muito ultrapassou as diferenças políticas e partidárias em favor da conjugação de esforços pela resolução dos problemas concretos da população.
Após um arranque conturbado, a ANMP transformou-se num espaço de debate e diálogo onde tem imperado o consenso em torno de reivindicações de cumprimento das leis que regulam a actividade autárquica e de definição dos princípios éticos inalienáveis. Tem sido constante a luta pelo cumprimento da Lei das Finanças Locais e a ANMP tem-se mantido unida na denúncia destas situações, registando-se também unanimidade quanto à urgência da criação das regiões administrativas em Portugal.
Estamos convictos de que ANMP perderia a coesão interna que a caracteriza se deixasse de fundamentar a sua actuação em valores objectivos e reivindicações concretas.
Um País com a nossa dimensão, no contexto europeu e até mundial, só poderá afirmar-se pela sua especificidade, pela sua história e pelo seu património humano, construído e cultural, o que implica a mobilização de todos os portugueses, ou seja, uma democracia de qualidade, onde haja participação permanente do cidadão na vida pública.
As autarquias estão em condições excepcionais para darem a sua contribuição para o cumprimento deste grande objectivo nacional. E é bom que ninguém o esqueça, 20 anos depois da instituição do poder local democrático em Portugal.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Em representação do CDS-PP, a palavra ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, Dr. Cecílio Gala.
O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro (Cecílio Gala): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Caros Colegas, Minhas Senhoras e Meus Senhores: É com satisfação que, na minha qualidade de cidadão e de autarca, hoje me encontro neste prestigiado Parlamento, a sede própria de grandes confrontos e debates políticos, para usar da palavra e alinhar algumas ideias sobre os 20 anos do poder local.
Penso, no entanto, que para compreendermos melhor os últimos 20 anos do poder local vale a pena, embora de modo sucinto, fazer uma retrospectiva histórica do que foi o municipalismo desde a origem da nossa nacionalidade.
Alexandre Herculano foi o primeiro historiador português que se dedicou aos estudos sobre a origem do município português, tendo concluído que os vestígios do município romano ainda permaneciam quando se iniciou a reconquista e que teriam sido as condições especiais desta, caracterizada pela inexistência de uma autoridade central, que proporcionaram a rápida expansão da tradição municipal. A concessão de forais, de foros ou estatutos municipais configuravam-se como pequenos códigos ou codex que consagravam normas respeitantes a matérias diversas, tais como: regras processuais, definição de crimes, enumeração de penas, impostos, direitos e deveres dos habitantes, estrutura da administração local, competência dos magistrados, regime agrícola dos terrenos, etc.
Quando eclodiu a Revolução de 1820, as cortes aprovaram, ainda antes da Constituição de 1822, a Lei de 20 de Julho de 1822, que consagrou a primeira reforma dos municípios do século XIX. A Constituição previa a existência de câmaras em todos os povos onde conviesse ao bem público, compostas por vereadores em número a designar por lei, por um procurador e por um escrivão.
Mais tarde, o Código Administrativo de 1878 consagra o respeito pelas tradições históricas e seculares do País, na manutenção da autonomia e foros municipais. A instabilidade política que se viveu até ao fim da Monarquia levou a que a autonomia dos municípios tivesse sofrido sucessivos avanços e recuos.
Apesar de todas essas vissicitudes por que os municípios passaram, Teixeira de Pascoaes, no seu livro A Arte de Ser Português diz: «foi por intermédio da vida municipal que, entre nós, a família começou a existir politicamente.» Acrescenta depois que «os municípios devem ser o ponto de contacto entre a família e a Pátria, dimanando o Estado directamente daqueles.» E conclui dizendo que «o Estado derivaria da própria organização municipalista».
Reportando-me agora ao período da I República, a Administração Pública portuguesa passaria a ser enformada por princípios descentralizadores e de autonomia, merecendo especial referência as eleições dos órgãos locais.
Durante o regime político que ditou os destinos dos portugueses, no período de 28 de Maio de 1926 a 24 de Abril de 1974, os municípios foram asfixiados política, administrativa e financeiramente pelo governo.
A mudança de regime político verificada em 25 de Abril de 1974, além de restituir a liberdade política aos portugueses, fez a ruptura completa, a todos os níveis políticos e administrativos. A autonomia do poder local foi, com certeza, uma das maiores conquistas que as populações viram consagradas na Constituição da República Portuguesa de 1976, em que ficaram consagrados os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública. Os anos de 1976 e 1977 foram determinantes para a fixação do actual regime de organização e funcionamento do poder local.
Com as transformações de carácter institucional verificadas e com a publicação da Lei das Finanças Locais, Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro, do Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março, que definiu o regime de delimitação e de coordenação das actuações da administração central e local em matérias de investimentos públicos, e da Lei n.º 100/84, de 29 de Março, com as correcções que lhe foram introduzidas através das Leis n.ºs 18/91 e 35/95, pensamos que as bases do quadro institucional do poder local se encontram definidas.
É minha convicção que só a partir da publicação da Lei n.º 1/79 passou a haver verdadeiramente poder local em Portugal.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Autarcas, Caros Colegas: Foi com base no quadro institucional atrás referido que uma geração de mulheres e homens bons, com dedicação, espírito de sacrifício, sentido de responsabilidade e de prestação de serviço publico, conseguiram concretizar aspirações que de há muito eram sentidas pelas populações e que alteraram radicalmente para melhor as suas condições de vida.
Testados que estão os princípios fundamentais que enformam as bases do quadro institucional do poder local, criada já uma geração de gestores municipais com formação e experiência políticas, urge reforçar as competências e os meios das autarquias locais, de modo a abrir-lhes novos campos de actuação, bem como proporcionar-lhes melhorias, na sua capacidade de intervenção.
Para tal, bom será que as autarquias controlem as fontes de rendimento, os sistemas de cobrança, a definição das isenções e de benefícios fiscais, etc., etc.
Em suma, em meu entender, penso que para as autarquias locais passarem a dispor de uma verdadeira autonomia económica e financeira não valerá a pena o legislador ser generoso nas atribuições e competências se o governo for parco nos meios, e isto porque todos nós sabemos que os municípios portugueses ainda estão longe daqueles dos países da Europa, em termos de participação da administração local.
Pelas razões atrás aduzidas, concluímos que os meios de financiamento das autarquias locais até hoje praticados se mostram-se esgotados, pelo que urge adoptar novos modelos, aproveitando as experiências com resultados já comprovados.
Também é necessário assumir e clarificar a relação entre descentralização e aumento das competências respectivas, de modo a evitar que a descentralização se faça à custa das transferências de atribuições que o Estado considera incómodas para si.
Há, no entanto, atribuições a que as autarquias não deverão ser alheias, denominadamente na formação das decisões e sua oportunidade de execução, pese embora o facto de essas atribuições não poderem deixar de ser fins do Estado, e cito, como exemplos, a construção de auto-estradas e a segurança pública, dado que, embora sendo problemas que ultrapassam de longe o mero âmbito municipal, ainda assim, dizem respeito às autarquias.
O reforço da capacidade de intervenção das autarquias e o fomento da articulação entre objectivos locais e nacionais, com o estabelecimento de um novo tipo de diálogo com a administração central, é um caminho que já foi encetado mas que convém melhorar e aprofundar, explorando todas as suas virtualidades.
É precisamente este novo tipo de diálogo que entendemos reservado às associações de municípios, pelo que se torna urgente repensar o seu estatuto actual, de modo a poder dotar as mesmas das capacidades financeira e de gestão que lhes permitam actuar noutras áreas que influenciam de modo directo o bem estar das populações.
Sabemos que existe uma proposta de lei que já iniciou parte do trabalho, nomeadamente através do reconhecimento do estatuto de parceiros do Estado às associações de municípios, com tudo o que isso implica, pelo que se torna urgente a sua publicação.
É também urgente que o Governo aprove o novo regime contabilístico, bem como o quadro legal da criação e funcionamento de empresas municipais e inter-municipais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Autarcas: É minha convicção que a ideia de criação de regiões administrativas, analisada hoje à luz das capacidades de diálogo e de intervenção das autarquias junto dos munícipes, capacidades estas não conhecidas na altura pelos constituintes que elaboraram e aprovaram a Constituição de 1976, pode vir a constituir um erro histórico e levar de novo à asfixia dos municípios.
A criação de regiões administrativas, além do inimaginável tributo que iria cobrar do Orçamento do Estado, não contribuiria para a eficácia da acção dos municípios e das freguesias no terreno nem diminuiria o peso que a burocracia, no seu mau sentido, sempre há-de ter nas relações entre a administração central e as autarquias locais.
Penso ainda que, com a eventual institucionalização de regiões administrativas, se irão criar novos intermediários. políticos, novas facções e novas clientelas, com os inconvenientes daí decorrentes.
O caminho para a modernização político-administrativa de Portugal não deve passar pela criação de uma autarquia supra-municipal, correspondente a um grau intermédio de decisão, mas, sim, pelo início de um segundo ciclo de vida do poder local democrático, alargando-se as suas áreas de intervenção, com renovação e simplificação de métodos de trabalho, de modo a que frutifique em pleno século XXI, correspondendo assim ao íntimo e secular sentir do povo português, unido por uma língua e uma raiz cultural comuns.
O caminho percorrido pela administração local nestes anos de democracia é penhor de que vamos assumir o futuro com êxito. Mas sem o aprofundamento das suas virtualidades, estou em crer que o mesmo pode cristalizar ou retroceder, repetindo-se a história.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Em representação do PSD, a palavra à Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Baião, Dr.ª Emília Silva.
A Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Baião (Emília Silva): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do , Governo, Srs. Deputados, Srs. Convidados, Caros Colegas Autarcas: As minhas primeiras palavras dirijo-as a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, representante máximo do órgão de soberania que melhor representa a diversidade e a riqueza do nosso sistema democrático.
Há três anos, interrompi uma longa carreira médica como cirurgiã para abraçar, como serviço cívico, a actividade política. Por essa razão, tenho legitimidade para falar em nome de uma sociedade civil em que singrei à custa do meu trabalho e tenho autoridade para me colocar do lado dos que devem defender, sem complexos, a nobreza da actividade política, seja ela exercida no governo, no parlamento ou no poder local.
O facto de ter o privilégio de hoje usar da palavra no órgão de soberania normalmente escolhido como alvo preferencial dos que procuram a sua afirmação, denegrindo permanentemente a política e os seus agentes, obriga-me a manifestar publicamente confiança na pujança do nosso sistema político, bem representada na elevação técnica, política e ética com que o Parlamento cumpre a sua missão de órgão nuclear da democracia portuguesa.
Aplausos gerais.
Sr. Presidente, minhas Senhoras e Meus Senhores: Cerimónias solenes como esta devem ser momentos de júbi
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lo e de convívio mas não podem deixar de ser também espaços de reflexão sobre a experiência do passado e da perspectivação de soluções e horizontes para o futuro. Vou pois, de forma sucinta, fazer uma breve aproximação a estas duas vertentes que enquadram o pensamento e a motivação da maioria dos autarcas portugueses.
Começando pelo passado, penso que não é exagero afirmar-se que foi através do exercício do poder local, nos seus diferentes patamares, que melhor se concretizaram os objectivos mais nobres e mais genuínos da revolução do 25 de Abril de 1974.
É no poder local que a convivência democrática entre forças políticas, as mais diferenciadas, se faz de forma mais natural e saudável.
É no poder local que é possível encontrar mais frequentemente plataformas de entendimento, casual ou permanente, entre os vários partidos, visando em exclusivo o bem estar das populações.
É no poder local que, de forma mais rápida e visível, a acção política se transforma em obra desejada e útil para os cidadãos.
Toda esta realidade é tão mais importante e merecedora de elogio quanto todo este enquadramento e os seus resultados foram conseguidos, combatendo contra espartilhos burocráticos e administrativos, contra insuficiências financeiras e sem o apoio dos meios técnicos minimamente adequados..
Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Como forma de confirmar institucionalmente esta realidade, o poder local soube ainda dar o exemplo de se constituir num movimento unitário e partidário, de que são expoentes a Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias.
Os breves momentos, que também os houve, em que as direcções destas associações tiveram a tentação de partidarizar a sua actividade, não esbateram, todavia, o papel positivo e relevante que têm vindo a desempenhar desde a sua fundação.
A presença aqui, hoje, dos seus presidentes obriga-me a transmitir-lhes uma palavra pessoal de apreço e solidariedade mas também a exigir-lhes de forma veemente que sejam cada vez mais os porta-vozes da independência e do apartidarismo que deve pautar o pluralismo destas associações.
Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Agora o futuro, porque o autarca, sendo o político mais próximo do povo, deve ser o que perde menos tempo a visitar o passado, quase sempre só possível através de exercícios de retórica estéreis e inconsequentes.
O futuro significa imaginação, mudança, reforma, esperança, mas principalmente a concretização de medidas e a edificação de obra, ao ritmo do sonho e da exigência dos nossos concidadãos.
O autarca, com o seu sentido prático das coisas, diagnostica com rapidez os problemas e perspectiva com celeridade as soluções. É o que passo a tentar fazer de imediato.
Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: É urgente alterar o sistema de governação das autarquias, principalmente no que diz respeito à constituição dos executivos camarários.
A Assembleia da República, que neste momento revê o texto constitucional, tem obrigação de caminhar no sentido do que é hoje o pensamento da maioria dos autarcas e da opinião pública em geral.
Todos esperamos que a revisão constitucional venha permitir a constituição de executivos municipais maioritários liderados pelo partido vencedor das eleições, independentemente desses mesmos executivos continuarem a traduzir a pluralidade da realidade política local.
Como corolário desta medida estabilizadora da acção política a nível dos concelhos, não nos repugna que seja definido um estatuto justo para as oposições locais, que, por essa via, teriam acesso aos meios indispensáveis ao exercício quotidiano do contraditório democrático. Igualmente não nos repugna um alargamento das competências das assembleias municipais, principalmente em áreas que tenham a ver com o acesso à informação sobre a actividade camarária.
É igualmente prioritário rever o actual regime das finanças locais. É inaceitável que o poder local continue a usufruir de percentagens baixíssimas do bolo orçamental. É inaceitável que a nível local fiquem percentagens insignificantes dos impostos pagos pelos cidadãos.
Por tudo isto, é premente rever o actual quadro de distribuição de recursos, cuja inércia tem acelerado o aprofundamento de assimetrias entre regiões do País e, de forma muito marcada, entre o litoral desenvolvido e o interior atrasado e esquecido.
Fazemos votos para que as forças partidárias que mais têm exibido este discurso não continuem a obstaculizar, como fizeram no passado, uma revisão profunda e justa da actual arquitectura distributiva.
É importante não interromper o movimento de progressiva transferência para o poder local de novas competências e correlativas «mochilas» financeiras. Ficou provado, nestes últimos 20 anos, que todas as atribuições transferidas para as autarquias melhoraram a eficácia da administração, racionalizaram a utilização dos recursos disponíveis e aproximaram, de forma funcionalmente correcta, os mecanismos de decisão dos seus principais destinatários.
A propósito desta temática, os autarcas não podem ficar de fora de uma discussão que toca os seus interesses e que poderá influenciar a sua acção futura: o debate sobre regionalização.
Os autarcas não deverão deixar de exigir um rápido encerramento deste contencioso, que só poderá ser atingido através da breve realização de referendos nacionais e locais que apurem, em definitivo, a opinião dos portugueses sobre este assunto.
Seja qual for a vontade dos portugueses e seja qual for a forma encontrada para lhe dar expressão, é fundamental não tomar decisões que coloquem em causa a estabilidade do municipalismo, cujas raízes seculares e os resultados obtidos nas duas últimas décadas demonstram ser a fórmula mais sensata e mais eficaz de governação das comunidades locais.
Finalmente, porque a honra que hoje me é concedida acarreta também o inevitável silêncio de muitos milhares de autarcas que também gostariam de fazer ouvir a sua voz, não posso deixar de lembrar a obrigação que todos temos de cumprir nossos compromissos.
Na situação de interfuncionalidade que caracteriza o equilíbrio de poderes em Portugal, não podemos ignorar que as promessas de uns levam à assunção de responsabilidades por parte de outros, que nelas acreditaram. Muitos dos autarcas portugueses desenvolveram a sua acção no último ano partindo do pressuposto que os seus orçamentos e as suas competências seriam substancialmente alargados.
Exorto, pois, o Governo e a Assembleia da República a darem concretização aos compromissos eleitorais com tradução no programa do actual Executivo e que apontam
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para a duplicação das verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro, para a ampliação das competências dos municípios e das freguesias e para a valorização do estatuto de todo os autarcas e, de uma forma muito particular, dos que são sistematicamente esquecidos porque exercem funções no anonimato das juntas de freguesia.
Sr. Presidente, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Reitero a satisfação e a honra que me foram concedidas pela possibilidade de falar para todos vós. Julgo também poder reiterar o meu respeito por este órgão de soberania e manifestar o meu desejo de que a diferença de cores partidárias não impeça a continuidade de um relacionamento sério e solidário entre o Governo, o Parlamento e o poder local, a bem de Portugal e dos portugueses.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Baião, muito obrigado pelas palavras amáveis que quis dirigir à Assembleia da República e ao seu Presidente.
Darei agora a palavra ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga, Engenheiro Mesquita Machado, em representação do PS.
O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga (Mesquita Machado): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Sr. Representante da Associação Nacional de Freguesias, Srs. Vice-Presidentes da Assembleia da República, Srs. Líderes dos Grupos Parlamentares, Srs. Deputados, Caros Colegas: Ninguém tem dúvidas que o poder local, cujos 20 anos agora comemoramos aqui, neste bastião da democracia, constitui um dos mais valiosos patrimónios do sistema político da III República.
Além de pilar fundamental do regime democrático implantado em Portugal no 25 de Abril de 1974, o poder local desempenhou, e continua a desempenhar, um papel de grande relevo no desenvolvimento e na promoção sócio-económica e cultural do nosso país. Após longos anos de convívio quotidiano com graves carências, as populações começaram finalmente a ver concretizadas muitas das suas legítimas aspirações.
A proximidade dos eleitos locais aos cidadãos eleitores e às organizações associativas que foram surgindo um pouco por todo o lado é uma das principais virtudes de que o poder local é portador e que potencia as suas enormes capacidades de realização. E atrevo-me a dizer que essa aproximação entre eleitor e eleito foi o primeiro e grande exercício de aprendizagem política que todos tivemos.
Sem pretender minimizar o trabalho desenvolvido a outros níveis da Administração, sempre direi que servir o País nas autarquias é tarefa bem diferente do que servi-lo em órgãos do poder central. A política é uma actividade nobre, de dedicação e serviço, que por força da maior proximidade com os cidadãos e os seus problemas adquire grande expoente ao nível das autarquias. É também por essa razão, por poder intervir directamente, protagonizando a mudança, enfim, pela satisfação de ver definitivamente ultrapassadas as carências mais elementares, que o exercício de funções autárquicas se torna tão aliciante.
Mas não se pense que o trabalho dos autarcas portugueses tem sido tarefa fácil. Bem pelo contrário!
As naturais dificuldades da função agravaram-se, logo nos primeiros anos, com questões que se prendiam directamente com o período pós-revolucionário que então se vivia. Foi uma época extraordinariamente difícil, caracterizada pela existência de enormes carências praticamente em todas as áreas de intervenção municipal. Nesses primeiros anos, os autarcas defrontaram-se com a forte pressão reivindicativa das populações, sentindo-se quase impotentes para dar resposta adequada às solicitações que justamente lhes eram apresentadas, a agravar as dificuldades, os entraves de toda a ordem, mesmo ao nível do
enquadramento jurídico-financeiro. A título meramente exemplificativo, devo lembrar a propósito que só em Janeiro de 1979, mais de dois anos depois, é que foi publicado a primeira Lei das Finanças Locais.
Nestes primeiros passos da jovem democracia portuguesa, o empenhamento dos autarcas foi determinante para suprir as dificuldades. Afirmo-o claramente, sem falsas modéstias, por conhecimento próprio!
O atraso que então se verificava ao nível do saneamento básico, do abastecimento domiciliário de água, do parque habitacional, da rede viária, da rede escolar, de equipamentos culturais e desportivos impunha uma intervenção urgente e decidida que pudesse minimizar as condições de vida degradantes de uma boa parte da população portuguesa. A verdade, porém, é que mesmo sem se tratar de atribuições directas das autarquias, era a estas que as populações se dirigiam - e ainda continuam a dirigir-se para reivindicarem a satisfação dos seus anseios.
É nesta linha de pensamento que o papel dos autarcas deve ser entendido e valorizado, porquanto são eles, enquanto representantes das populações, que sofrem o primeiro embate e, consequentemente, interpretam quase sempre o ingrato papel de muro das lamentações dos cidadãos.
Também por estas razões é imperioso prosseguir com a acção descentralizadora que faculte aos autarcas a capacidade de intervenção que lhes permita atender em tempo útil às diversas solicitações, de resto conforme tem sido insistentemente reclamado, designadamente através da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Os autarcas deste país já deram suficientes garantias de estarem aptos a assumir novas responsabilidades e os exemplos que nos chegam dos nossos parceiros europeus confirmam a necessidade de se avançar nesse sentido.
É certo que se registaram, ao longo deste 20 anos, alguns avanços nesta matéria, mas quando comparamos a situação portuguesa, a esse nível, com o que se passa no espaço europeu em que nos inserimos facilmente concluímos pela existência de um enorme défice em matéria de descentralização.
A título de exemplo, veja-se o que se passa quanto à participação dos municípios na despesa pública que, em Portugal, representa menos de metade da média europeia. Os municípios portugueses são responsáveis por cerca de 7 % da despesa pública enquanto que os seus parceiros europeus assumem, em média, cerca de 15 % daquela rubrica.
Por outro lado, é consensualmente aceite que com as verbas directamente aplicadas pelas autarquias se obtêm resultados mais favoráveis, o que quer dizer, por outras palavras, que o dinheiro acaba por ser melhor rentabilizado quando administrado pelo poder local.
Esta será mais uma razão de peso para o reforço das competências das autarquias, o que passa pela efectiva descentralização das decisões que se inscrevem perfeitamente no âmbito da actuação e intervenção dos municípios.
É, pois, chegado o tempo de reformas. E neste capítulo assume particular relevância a publicação de uma nova lei das finanças locais, uma lei que seja um instrumento
ade-
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quado às novas realidades e responsabilidades dos municípios, num quadro de desenvolvimento harmónico do todo nacional.
Há que corrigir critérios ultrapassados de atribuição de dinheiros dos contribuintes, garantindo uma maior participação dos municípios na administração das receitas geradas localmente. Esta é uma questão de fundo que passa, necessariamente, pela reformulação dos critérios que enformam o Fundo de Equilíbrio Financeiro.
É urgente a aprovação de uma nova lei de finanças locais que atribua aos municípios uma parcela dos impostos pagos localmente e que considere a existência de um Fundo de Equilíbrio Financeiro destinado exclusivamente aos municípios economicamente mais débeis. O que o espírito solidário que preside à actuação dos autarcas aconselha é uma actuação mais cuidada para esta matéria, por forma a contribuir para a correcção das assimetrias ainda existentes.
Do ponto de vista fiscal, é urgente definir claramente a política de isenções, conciliando-a com os legítimos interesses e expectativas dos municípios, que em nenhum caso podem ser prejudicados. Há, pois, que pôr em prática formas de compensação da perda de receitas municipais, sem prejuízo, obviamente, do interesse do próprio contribuinte.
Só desta forma se poderá garantir um maior respeito e dignificação do poder local e potenciar todas as suas virtualidades, aliás já demonstradas, em grande parte, desde 1976.
Defendemos, de facto, o reforço do poder local. Estamos empenhados numa descentralizarão mais ampla e efectiva. Tal não obsta, no entanto, que consideremos que o edifício democrático, em Portugal, ainda não se encontra plenamente concluído.
A criação das regiões administrativas é a derradeira etapa da construção do nosso edifício jurídico-administrativo, mas, não obstante ser um imperativo constitucional, a sua concretizarão tem sido sucessivamente adiada.
O vazio existente entre o poder central, geralmente enformado por concepções centralizadores do Estado, como sucedeu nos últimos tempos, e o poder local, dinâmico e interveniente, tem obstaculizado a modernização e eficiência administrativa. Provoca, além disso, um indesejável distanciamento dos centros de decisão relativamente à sociedade civil e às próprias autarquias, causando prejuízos irremediáveis ao progresso das diferentes partes do todo nacional.
É minha convicção que as regiões administrativas serão um factor de reforço da coesão e da solidariedade nacionais e que gerarão dinâmicas capazes de promover as potencialidades existentes, além, obviamente, de contribuírem para um combate mais eficaz das assimetrias.
O País real exige que se cumpra este imperativo constitucional. Estamos conscientes que determinada classe política, com medo de perder protagonismo, tem vindo, através dos meios ao seu alcance, a impedir a sua concretização. Esta classe política terá de fazer um esforço, num exercício de humildade, para, de uma vez por todas, deixar de pertencer a um país imaginário e passar a pertencer ao Portugal real.
Com o reforço das competências das autarquias locais e com a criação destas autarquias regionais, que assumirão as competências que não se inscrevem no âmbito daquelas, teremos um importante instrumento de desenvolvimento sustentado e de funcionamento harmonioso do conjunto da administração pública.
Sr. Presidente, ao comemorarmos esta efeméride de tão elevado significado político, permitam-me que me congratule pelo facto de o processo de regionalização do País não caber nas gavetas do actual Governo e em breve a esmagadora maioria dos Srs. Deputados, interpretando a vontade inequívoca do povo português, irá proceder à sua aprovação.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - É meu privilégio dar agora a palavra ao Sr. Representante da Associação Nacional de Freguesias, Sr. Luís Gomes Viana.
O Sr. Representante da Associação Nacional de Freguesias (Luís Gomes Viana): - Estou aqui em representação do Sr. Presidente da ANAFRE, Marçal Pina, em virtude de ele não poder estar presente, pois está a tratar de assuntos, aqui, na Assembleia da República, referentes às freguesias. Assim, apesar de ter sido apanhado de surpresa, não podia deixar de dizer algumas breves palavras.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, Srs. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr. Secretário de Estado do Planeamento e Ordenamento do Território, Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios, Srs. Deputados, Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Não poderia de maneira alguma deixar de dizer algumas palavras, pois é motivo de grande satisfação para mim estar aqui presente a comemorar os 20 anos do poder local democrático, instituído no nosso país nessa data histórica que foi o 25 de Abril.
Se não fosse essa data, tenho a certeza que muitos de nós não estariam aqui. Não há dúvida alguma que foi essa data que deu e instituiu no nosso país o à-vontade para expressarmos, com respeito, as nossas opiniões acerca de tudo o que ele respeita.
Como representante da Associação Nacional de Freguesias queria ainda dizer que esta Associação foi fundada não para ser um grupo de guerra contra as câmaras municipais, contra a Associação Nacional de Municípios ou contra o Governo. Foi fundada para poder trabalhar de mão dada, em complemento, com as câmaras municipais.
Não há qualquer dúvida de que, no princípio, alguns presidentes de câmara julgavam que a ANAFRE era um «papão» que lhes queria tirar poder. Isso não aconteceu! A ANAFRE quer, sim, trabalhar em complemento com todos os órgãos instituídos, para bem das populações que nos elegeram,
A ANAFRE é, pois, uma Associação que tem lutado pela dignificação dos autarcas de freguesia e não poderia deixar de dizer que não há qualquer dúvida de que se não fosse o 25 de Abril principalmente os autarcas de freguesia seriam e continuariam a ser muito mal tratados e, assim, a ANAFRE quis estar ao lado de todos esses autarcas, para que a sua dignificação fosse instituída no nosso país.
Não é por acaso que - e desculpem alguns presidentes de câmara, pois isto não acontecia com todos, muitos sempre receberam a ANAFRE de mãos dadas -, talvez com medo que lhes retirassem algum poder, alguns presidentes de câmara tratavam os presidentes das juntas de freguesia muito mal e quero dizer que muitas freguesias nem recebiam os duodécimos que lhes cabiam porque o presidente da respectiva câmara intimidava os seus presidentes e eles calavam-se, apesar de nem terem dinheiro para papel!
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Graças a Deus que esses momentos estão banidos!
Também não é mentira nenhuma que alguns presidentes de câmara faziam dos presidentes das juntas de freguesia «moços de recados». Isso já acabou ou tem tendência a acabar mas isto é pura realidade!
Felizmente que agora, quando comemoramos os 20 anos, tudo mudou já e certamente ainda há-de mudar mais!
Temos lutado com dignidade, fazendo guerra quando é preciso, mas guerra salutar, pois as freguesias lutam, pura e simplesmente, por meios para poderem trabalhar e melhor servir o próximo.
Se uma junta de freguesia fizer um bom trabalho, não há dúvida alguma que está a dignificar e a dar valor ao seu presidente da câmara, como não há dúvida alguma que os dinheiros que são transferidos para as juntas de freguesia são bem empregues porque uma freguesia, com 200 contos, é quase capaz de fazer uma estrada quando a câmara municipal é capaz de gastar 2000 ou 3000!
Vou dar um exemplo que tem sido apresentado em vários locais. Muitas vezes, um vidro de uma escola, se for mandado colocar por uma câmara municipal, é capaz de custar 20 contos; se for mandado colocar pelo autarca da junta de freguesia é capaz de ficar por 1000$. Isto porque o fiscal vai tirar a medida, de carro, leva consigo um outro e, depois, tem de ir ao vereador encarregado, andando de um lado para o outro e, no final, feitas as contas, o vidro é capaz de ficar em 20 contos.
É por isso que a ANAFRE tem lutado, ou seja, tem lutado pelo bem do País e pelo bom trabalho das freguesias em prol do País. Assim, faço um apelo a todos os Srs. Deputados e a todos os Srs. Ministros para que não se guerreiem no Parlamento, porque tudo o que fizerem a bem da ANAFRE é bom para o País e só assim ele ficará bem visto e terá boas obras e bons serviços.
Viva os 20 anos que estamos a comemorar!
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - É meu privilégio dar a palavra ao Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Engenheiro Mário de Almeida.
O Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (Mário de Almeida): - Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República, Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, Srs. Secretários de Estado da Administração Local e dos Assuntos Parlamentares, Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares, Srs. Deputados, Sr. Representante da ANAFRE, Srs. Membros das Juntas Metropolitanas de Lisboa e Porto, Caros Colegas dos Municípios e das Freguesias, Sr. Dr. Artur Torres Pereira, meu caro amigo e primeiro presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Srs. Representantes dos Trabalhadores da Administração Local, Minhas Senhoras e Meus Senhores: As autarquias portuguesas, orgulhosas da obra desenvolvida pela gestão descentralizada mas seguras do muito que ainda falta concretizar, estão a comemorar, sob a égide da sua entidade aglutinadora, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, os 20 anos de poder local democrático.
Órgão por excelência da democracia portuguesa, a Assembleia da República, atenta à relevância do papel das autarquias na caminhada para cada vez mais consolidados padrões de qualidade de vida das populações, não quis alhear-se da efeméride, antes deliberou promover, com a sessão especial que hoje protagonizamos, um acontecimento que historicamente se constitui em referência incontornável na nossa vida colectiva.
Saudando a decisão que honra quem a assume e distingue, justamente todos quanto ao poder local têm vindo a dedicar o melhor das suas capacidades em prol do desenvolvimento económico e social dos portugueses, queremos, na pessoa do seu ilustre Presidente, cumprimentar todas as formações partidárias representadas no Hemiciclo bem como, individualmente, cada um dos Srs. Deputados da Nação.
O dia 12 de Dezembro, que ontem ocorreu, é, efectivamente, para aqueles que nos municípios e freguesias do País servem, com interesse e dedicação visíveis, as suas comunidades, uma data muito cara. Por isso, estamos a celebrar, de consciência tranquila, o 20.º aniversário das primeiras eleições locais livres, no que queremos ser acompanhados pelas mais altas instâncias nacionais e pelos portugueses em geral.
Numa autêntica autonomia político-administrativa e financeira residem, indubitavelmente, os mais importantes vectores da dignificação do poder local. Confrontados com o largo caminho que em Portugal ainda nos falta percorrer até atingirmos níveis de intervenção que são hoje já uma consoladora realidade em muitos países da Europa, queremos ir mais além.
Têm sido inúmeras, e repetidas, as promessas e as garantias que de todos os quadrantes temos vindo a receber. Por tal, cansados de esperar, reafirmamos, nesta Câmara e por esta ocasião, uma consciente petição: a de que nos sejam atribuídos, de pleno direito, todos os instrumentos legais imprescindíveis para melhor cumprirmos os mandatos populares legitimamente recebidos.
Tendo por indeclinável o direito dos cidadãos de participar na gestão dos assuntos públicos, torna-se imperativo que seja de facto reconhecida a valia do poder local enquanto nível que, no correcto e aprofundado entrosamento com as comunidades em que se insere, se afirma como uma das melhores formas organizativas de bem gerir o interesse comum. A sua proximidade com as pessoas e com os problemas e a inigualável capacidade de adaptação daí advenientes, são factores que lhe trazem vantagens acrescidas e que bem o dotam para enfrentar os desafios da modernidade.
Justamente consideradas como elo fundamental no aparelho político-institucional estabelecido, a existência de autarquias locais investidas de responsabilidades efectivas permite, simultaneamente, uma administração eficaz e mais humanizada. E se tanto é generalizadamente reconhecido, porque tardam, afinal, os meios dignificadores da sua acção?
Ao recusarmos o poder pelo poder, não queremos, sobretudo, mais protagonismo. O que pretendemos, em substância, e com o espírito de serviço que nos enforma, é uma maior capacidade de intervenção para melhor podermos responder aos anseios e desideratos de quem nos elege, continuando a obra que nos orgulha e motiva. Estamos certos que podemos fazer mais e melhor, pelo que se justifica uma dignidade .reforçada para servirmos mais amplamente.
No poder local, hoje inquestionavelmente sedimentado no Portugal que somos, repousa muito do essencial por que tem de passar, necessariamente, uma outra visão, mais dinâmica e participada, da Administração Pública.
A parceria e a subsidiariedade são, na sociedade de informação que caracteriza os dias de hoje, a mais adequada resposta perante as justas e crescentes exigências
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das comunidades. Só aproximando os centros de decisão dos cidadãos alcançaremos uma mais participada governação dos interesses comuns. E que nível da administração melhor colocada para o alcançar do que o .poder local?
Fundados nas raízes históricas de um municipalismo riquíssimo, certos do valor acrescentado que as autarquias propiciam aos portugueses nos quatro cantos do País. seguros da legitimidade indesmentível que nos iguala aos demais órgãos eleitos da Administração Pública, estamos conscientes da nossa capacidade e, mais, da importância quede forma sempre permanente sobre nós recai.
Assoberbado por uma evidente falta de meios para cumprir integralmente as missões de que está incumbido, tolhido nas suas limitações financeiras, manietado por um quadro legislativo ainda cerceador, são enormes as dificuldades com que se debate o poder local democrático português.
Mau grado os avanços que o processo institucional tem conhecido, apesar dos laivos de modernização que têm atingido o todo colectivo e de alguns sinais de descentralização por ora não concretizados, a verdade é que o poder local, com toda a sua panóplia de potencialidades, ainda não foi inteiramente aproveitado por aqueles que vêm detendo as maiores responsabilidades políticas da Nação.
Parecendo recear-se a sua indesmentível influência, prefigurando-se mesmo algum estranho e incompreensível temor pela real capacidade de gestão que os autarcas evidenciam - traduzida numa profunda alteração dos quadros devida das populações -, nunca as instituições políticas mostraram suficiente abertura para a optimização dos recursos Jeque, desconcentradamente, o País dispõe nos 305 municípios e nas 4221 freguesias em que administrativamente se suporta.
Sem cuidarmos de saber de experiências em que a Europa é fértil, sem procurarmos os exemplos que além fronteiras não escasseiam, a nossa postura radica, em exclusivo, no sentir do povo português e no pulsar vivo do País, que nos indiciam, sem subterfúgios, a via da descentralizarão como forma de avançarmos rumo ao progresso.
Cientes da força da nossa razão, apoiados na população com que nos identificamos e connosco se identifica, firmes na inteira legitimidade que nos advém de eleições universais e directas, elevamos e continuaremos a elevar a nossa voz até alcançarmos os níveis de autonomia político-administrativa e financeira que garantam ao poder local a sua inteira dignificação.
Empenhados e disponíveis, voltamos a garantir, plenamente, a nossa total entrega ao serviço da causa pública. Mas mantemos também a determinada exigência, em nome das mulheres e homens que representamos, da clarificação definitiva das nossas obrigações e das nossas competências, que ousamos querer devidamente salvaguardadas.
Não pretendemos situações de privilégio mas não pactuaremos jamais com a errada partilha de recursos nacionais de que enferma a nossa Administração, sobretudo quando se sabe - convém sempre recordá-lo - que os autarcas portugueses, com apenas 7 % da despesa pública nacional, garantem 25 % do investimento público e 18%
do emprego público.
Portugal, evidenciando ter bem percebido modelos inadiáveis, rubricou os textos de direito internacional que conformam as teorias dos princípios da subsidiariedade e da parceria. Só que, mau grado nosso, tem vindo a ser protelada a concretizarão prática interna do que está reduzido a letra nos tratados.
O municipalismo português, na procura incessante de mais dinâmicas respostas às necessidades colectivas dos portugueses, mantém o absoluto convencimento da premência de uma profunda reforma político-administrativa que conduza, em essência, a uma maior participação dos cidadãos nas decisões que a todos respeitam.
Nesse sentido e a par da permanente valorização do poder local, é antiga, de muitos anos, da parte da ANMP, a defesa da regionalização como veículo privilegiado para o aprofundamento da democracia, de onde resultará, sempre o afirmámos, um enriquecimento do edifício institucional, com a criação de um nível intermédio de Administração que melhor solucione as disparidades existentes entre, em algumas circunstâncias, a pequena dimensão concelhia e, noutras situações, a grandeza demasiada do todo nacional.
Mas é também nossa convicção plena que a regionalização, para além de todas as outras vantagens que acrescidamente trará aos portugueses, é instrumento insubstituível de planeamento e de desenvolvimento harmónico do País, posto que, na diversidade dos contributos, repousa a certeza de um aumento da riqueza e do nosso bem estar colectivo.
Porque queremos, sobretudo, estar preparados para melhor responder aos desafios do amanhã, desejamos a regionalização administrativa do continente e dificilmente compreendemos as vozes que, em defesa da tradição histórica ao municipalismo e sem que encontrem qualquer fundamentação nas nossas posições oficiais, esgrimem fantasmas de perda de influência do poder local.
A regionalização objectiva a transferências de poderes do nível central para as regiões e nunca o esvaziamento de atribuições ou competências das autarquias locais em favor desse nível intermédio da Administração. Recear o inverso é subverter, numa postura arreigadamente conservadora, a essência de um processo político-administrativo que materializa não qualquer concentração, antes a efectiva e inadiável afirmação do princípio da subsidiariedade.
Portugal, a mais antiga Nação europeia, firmado nas suas fronteiras com quase nove séculos de consolidação, não procura na regionalização a unidade que, precioso legado da nossa História, indiscutivelmente possui. Pelo contrário, busca na descentralizarão administrativa a potenciação das partes, o inteiro aproveitamento das sinergias e riquezas endógenas capazes de tornarem mais coeso e mais forte o todo nacional.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses, casa comum de todos quantos servem a vida autárquica, volta a alertar para os perigos de delongas que podem pôr em causa o colher das vantagens acrescidas que uma gestão desconcentrada deve propiciar, pelo que urge uma efectiva união de esforços que congrace não apenas o poder local e o Governo mas, afinal, todas as sedes de poder instituído, onde ganha natural relevo esta Assembleia da República.
Na procura de uma inequívoca dignificação das instituições municipais, importa recordar, nesta sede do poder legislativo, a imperiosa necessidade de algumas leis estruturantes do poder local passarem a ser de valor reforçado, reafirmando a inadmissibilidade da autonomia autárquica estar dependente, ao sabor das conjunturas, de circunstâncias variáveis de ano para ano, de Orçamento do Estado para Orçamento do Estado.
Se se reconhece - como generalizadamente temos ouvido - avalia do nível de administração mais próximo das populações, se politicamente se afirma o inadiável.
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reforço do poder local, então, em sede de revisão constitucional, é premente a satisfação de reivindicações que mais não visam, da nossa parte, do que a prestação de um melhor serviço aos cidadãos a que nos dedicamos.
A aprovação de uma nova lei de finanças locais, pela qual tanto e tão justificadamente nos temos batido, já no início do próximo ano, será, sem dúvida, sinal seguro de que as instituições portuguesas querem, com confiança, enfrentar os desafios que o novo milénio a todos implicará. Estou convencido, face aos últimos desenvolvimentos, que existem condições e vontade política para que tal aconteça.
Festejemos hoje o passado histórico que nos honra mas olhemos, também hoje, o futuro que nos responsabiliza.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, Srs. Secretários de Estado, Srs. Presidentes das Associações Autárquicas, Sr. Vice-Presidente da Assembleia da República João Amaral, Srs. Líderes Parlamentares, Srs. Deputados, Srs. Autarcas, Minhas Senhoras e Meus Senhores, não vou fazer outro discurso mas apenas dizer que chegámos ao fim dos discursos, que é sempre um momento agradável, também, embora tenhamos aqui ouvido excelentes intervenções, com as quais aprendemos muito e a que não faltou sequer o suplemento de alma de alguma divergência, que é sempre salutar.
A Assembleia da República sente-se muito honrada por ter podido honrar-vos. Temos consciência de que apenas amortizámos minimamente a grande dívida que temos para com os autarcas do nosso pais e saímos daqui com as nossas responsabilidades acrescidas para pensarmos mais em vós e para corrigirmos, tanto quanto o possamos fazer, as injustiças e erros cometidos no passado e que foram, parte deles, aqui denunciados.
Muito obrigado a todos, ficamos muito honrados e agradecidos pela vossa presença e a todos desejo um bom
fim-de-semana.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 20 minutos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Maria Teixeira Dias.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Nelson Madeira Baltazar.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Antonino da Silva Antunes.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João dó Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Gonçalves Sapinho.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Costa Pereira.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
António Afonso de Pinto Gaivão Lucas.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
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Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
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