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Sábado, 21 de Dezembro de 1996
I Série - Número 22
REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996
Presidente: Ex.mo Sr. João António Gonçalves do Amaral
Secretários: Ex.mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Maria Luísa Lourenço Ferreira
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a .sessão às 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se canta da entrada na i Mesa dos projectos de lei n.os 251 a 254N11 e de requerimentos.
Procedeu-se ao debate de urgência, requerido pelo CDS-PP. .sobre conceito. finalidades e regime jurídico da segredo de justiça em Portugal. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputadas Luís Queiró (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD), Mário Videira Lopes e Osvaldo Castro (PS), Cartas Encarnação (PSD) e António Filipe (PCP)
Ao abrigo do artigo 81.º, n. º 2, do Regimento, o Sr. Deputada Gonçalves Sapinho (PSD), por motivo de suspensão de mandato, fez a apresentação de dois projectas de lei de que é subscritor, um relativo às associações representativas das estabelecimentos de educação, ensina, ciência e cultura não estatais, conferindo-lhe o estatuto de parceira face ao Estado e outro que propõe que seja instituída a Fundação de Cister, coro sede no Mosteiro de Alcobaça, na freguesia e cidade de Alcobaça.
Ordem do dia.- Foi aprovado o projecto de deliberação n.º33/VII Prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito ao acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António
Champalimaud (PAR).
Procedeu-se à apreciação do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão das despesas da FEOCA - Secção Orientação - em Portugal, entre 1988 e 1993 (inquérito parlamentar n.º 2/VII). Após a apresentação do relatório feita pelo Sr. Deputada Nuno Correia da Silva (CDS-PP), usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador, os Srs. Deputados António Germano Sá e Abreu (PSD), Adérito Pires (PS), Carlos Duarte (PSD) e Rodeia Machado (PCP).
Os Srs. Deputados Medeiros Ferreira (PS), Francisco Torres (PSD), Ferreira Ramas (CDS-PP), Carlos Zorrinho (PS). Luís Sá (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Joel Hasse Ferreira (PS) e Jorge Ferreira (CDS-PP) pronunciaram-se, a diverso titula, sabre o projecto de resolução n.º 27/VII Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1995 (Comissão de Assuntas Europeus),. que foi aprovado.
O Sr. Presidente encerrou a .sessão eram 15 horas
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O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
António Alves Marques Júnior.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho. António Soares Gomes.
Arménio dos Santos. Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
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Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Gonçalves Sapinho.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar' Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, começo por referir um lapso no Boletim Informativo que se deve a um erro de computador, pelo que não inclui no período da ordem da ordem do dia o ponto 2.3, que trata da apreciação do projecto de deliberação n.º 33/VII - Prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Acordo Estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud. Este ponto consta da ordem do dia, tal como foi distribuída e anunciada ontem, mas, por lapso, não figura no Boletim Informativo.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e dos requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.º 251/VII - Criação das freguesias de Moinhos da Funcheira, São Brás, Alfornelos e Venda Nova no concelho da Amadora (CDS-PP), que baixa à 4.º Comissão, 252/VII - Cria a Fundação Democracia e Liberdade (PSD), que baixa à 1.º e 2.ª Comissões, 253/VII - Elevação da povoação de S. João, no concelho de Ovar, à categoria de vila (PSD), e
254/VII - Criação da freguesia de Canhoso no concelho da Covilhã (Deputado do PSD Carlos Pinto), que baixam à 4 ` Comissão.
Deram, igualmente, entrada na Mesa vários requerimentos. Na reunião plenária de 18 de Novembro: ao Sr.
Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; ao Ministério ,da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Castro de Almeida; aos Ministérios do Ambiente e da Economia, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; à Secretaria de .Estado dos Desportos, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira. .
Na reunião plenária de 19 de Novembro: aos Ministérios das Finanças e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Miguel
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Ginestal; aos Ministérios da Educação e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Na reunião plenária de 25 de Novembro: ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Beja; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Alberto Santos; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Miguel Ginestal, José Junqueiro, Roleira Marinho e Miguel Relvas; à Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, e à Câmara Municipal de Esposende, formulados pelo Sr. Deputado Martinho Gonçalves; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Castro de Almeida e Gonçalo Ribeiro da Costa; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Gonçalves Sapinho; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; à Secretaria de Estado da Administração Educativa, formulado pelo Sr. Deputado Hermínio Loureiro; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alves Oliveira; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho; aos Ministérios da Educação e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e às Câmaras Municipais de Vila Franca de Xira e do Pombal, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; aos Ministérios da Educação e da Administração Interna e à Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território e à Câmara Municipal do Porto, formulados pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan; às Secretarias de Estado da Comunicação Social e dos Desportos e ao Ministério da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Defesa, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; aos Ministérios da Economia e do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado José Calçada; ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Coelho.
Nas reuniões plenárias de 26 e 27 de Novembro: ao Ministério da Administração Interna, formulado pela Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério para. a Qualificação e o Emprego, formulado Pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Albino Costa; Ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Carvalho Martins; ao Ministério da Educação, à Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações e à Câmara Municipal da Amadora, formulados pelo Sr. Deputado Ismael Pimentel.
Na reunião plenária de 28 de Novembro: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Matos Leitão e Costa Pereira; às Secretarias de Estado da Administração Interna, dos Recursos Naturais e ao Secretário Adjunto do Ministro do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre; ao Centro Regional de Segurança Social do Norte, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Norte e ao Ministério da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Francisco José Martins e Maria da. Luz Rosinha; ao Governo Civil de Lisboa e ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Luís Nobre; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e do Ambiente, formulados pela Sr." Deputada Isabel Castro; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Camilo; ao Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
Na reunião plenária de 3 de Dezembro: ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira; à Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Martinho Gonçalves; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, do Ambiente e à Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada.
Na reunião plenária de 4 de Dezembro: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre; ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulado pelo Sr. Deputado Gavino Paixão; ao Governo e ao Ministério do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Macário Correia.
Na reunião plenária de 5 de Dezembro: ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Camilo; à Secretaria de Estado dos Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado José Junqueiro; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado António Filipe; aos Ministérios da Economia e para a Qualificação e o Emprego, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; aos Ministérios do Ambiente e da Economia, formulados pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia; à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pela Sr.» Deputada Isabel Castro.
Na reunião plenária de 10 de Dezembro: ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira; ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulado Pelo Sr. Deputado António Rodrigues; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Sérgio Vieira e Nuno Correia da Silva; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Relvas; aos Ministérios da Economia e do Ambiente, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Ferreira Ramos e Heloísa Apolónia; ao Ministério do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Moura Silva; às Secretarias de Estado da Produção Agro-Alimentar e da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado.
Na reunião plenária de 11 de Dezembro: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Maninho; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado
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António Reis; aos Ministérios do Ambiente e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Arnaldo Homem Rebelo; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Victor Moura e Manuel Alves Oliveira; ao Governo, ao Ministério da Educação e ao Instituto Superior Técnico, formulados pelo Sr. Deputado Bernardino Soares.
Na reunião plenária de 12 de Dezembro: ao Ministério da Saúde e à ARS de Coimbra, formulado pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida; aos Ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Soares Gomes; ao Ministério do Ambiente, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota; ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulado pelo Sr. Deputado António Rodrigues; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Marta; à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Sr. Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, entramos no período reservado ao debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, sobre conceito, finalidades e regime jurídico do segredo de justiça em Portugal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realização do presente debate de urgência foi requerida pelo meu grupo parlamentar numa altura em que o tema do segredo de justiça andava nas bocas de toda a gente, desde profissionais do foro a meros curiosos, de teóricos a aspirantes a teóricos.
Tratou-se da polémica lançada pela publicação, em livro, de peças processuais da defesa de um conhecido processo criminal, cujo autor, em justificação do seu acto, alegou uma razão que não pode deixar ninguém indiferente: para a mesma guerra, armas iguais.
Foi invocando o princípio da igualdade de armas, que deveria nortear todas as formas de processo - e em particular o processo penal -, que o dito autor publicou as peças processuais onde se continham as razões e os propósitos da defesa, peças ingressas nos autos e do conhecimento dos intervenientes processuais. Nesta polémica, ao longo de várias semanas, não resistiram a participar alguns dos principais intervenientes na administração da justiça, conferindo-lhe uma dimensão pública que justifica plenamente a presente iniciativa do Partido Popular.
A justiça viu-se assim colocada numa situação delicada, a de fiel da balança entre dois interesses conflituantes: o direito à informação e a realização da justiça. De um lado, os fundamentos do segredo de justiça a reclamar a confidencial idade da investigação e a tutela da dignidade e do bom nome das pessoas envolvidas; do outro, razões de prevenção e objectivos de transparência e promoção da confiança na acção da justiça.
Reconhecemos que, no âmbito de uma concepção democrática do processo penal, a publicidade surge como a melhor forma de dissipar quaisquer desconfianças que se possam suscitar sobre a independência e a imparcialidade com que é exercida a justiça penal.
Apesar de isto ser uma evidência, não se pode esquecer que os interesses da comunidade e do arguido podem conflituar, determinando e justificando as limitações ao princípio da publicidade. O que é certo é que a própria comunidade, por vezes, em nome da descoberta da verdade material e da administração da justiça, impõe uma investigação à margem da publicidade, caso em que os interesses do arguido se vêem em conflito com os da comunidade. Mas, por outro lado, o próprio arguido, porque se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença, também ele tem interesse, em certos casos, em afastar a publicidade.
Neste ponto, culmina o conflito entre o secretismo e a publicidade presente no processo penal. É isto que o Partido Popular pretende ver debatido e, sendo possível, esclarecido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito do «segredo de justiça», é usual pôr
a questão de saber quais os valores que ele tutela, ou seja, o que é que o legislador pretendeu salvaguardar com a imposição do dever de confidencialidade a todos os intervenientes do processo - em suma, quais os bens ou interesses jurídicos alvo de protecção.
Parece não haver grandes dúvidas de que, do ponto de vista jurídico-dogmático, o segredo de justiça visa tradicionalmente preservar a qualidade da investigação. Preocupações de salvaguarda de direitos fundamentais, como a reserva da intimidade da vida privada ou o direito à imagem ou ao bom nome, parecem afastadas do horizonte imediato do legislador, .e reservadas a uma perspectiva mais filosófica, se quisermos, desta questão. Mas as duas vertentes do problema não são, entre si, incompatíveis.
Com efeito, o segredo de justiça que juridicamente defende a qualidade da investigação acaba por defender indirectamente, sempre que preservado, outro tipo de bens ou interesses fundamentais que o sistema jurídico não tutela directamente mas, porque o segredo de justiça é preservado, acaba por tutelar também. O segredo de justiça constitui excepção à regra da publicidade do processo.
Princípio constitucional do direito actual e prática corrente nos países livres, a publicidade do processo é uma conquista que o pensamento liberal opôs à justiça de gabinete do absolutismo e às manipulações dos governos, do mesmo passo fortalecendo a confiança do povo nos tribunais e dignificando a instituição judicial.
Mas o segredo de justiça, pese embora o carácter excepcional que denota, sempre se reconheceu como o meio mais adequado à preservação de um certo relictum processual, que deve manter-se à margem da devassa pública, sob pena de males maiores, como as intromissões que perturbam a investigação e a publicitação de factos não provados contra o arguido.
Partindo deste mesmo propósito, embora de perspectiva diferente, propõe o Partido Popular, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aquilo que denominou segredo de investigação.
O segredo de investigação, assim entendido, passa a restringir-se à fase do inquérito, no decurso da qual se investiga a existência de um crime, quais os seus agentes e a medida da sua responsabilidade, e se recolhem as provas - tudo em ordem, como diz o artigo 262.º do Código de Processo Penal, a fundamentar a decisão sobre a acusação.
Entendemos, na verdade, que segredo e justiça são dois conceitos que se devem manter separados. A justiça faz-se em salas de audiências e perante tribunais imparciais, e não à porta fechada.
Quanto ao segredo, ele deve dizer respeito unicamente à investigação penal ou, melhor dito, à fase do processo
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penal que menos se pode identificar com a justiça, porque não é ainda a fase de julgamento.
Entendemos assim que, culminando o inquérito num despacho de acusação ou num despacho de arquivamento, a notificação desse despacho aos interessados deve determinar o momento em que o segredo é levantado. Nem se .mostra já necessário, como faz o artigo 86.º do Código de Processo Penal, esperar a decisão instrutória ou o esgotamento do prazo para requerer a abertura de instrução, quando a ela não haja lugar. A instrução, dado o seu carácter contraditório e a circunstância de ser dirigida por um juiz, é uma fase em que já se não justifica, a nosso ver, a vinculação dos intervenientes processuais ao segredo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, o segredo de justiça pode ser violado por revelação ou divulgação, consistindo a revelação na transmissão do facto para o conhecimento de terceiro, de forma directa ou indirecta, e a divulgação na comunicação do facto a um número indeterminado de pessoas. É do segredo objecto de divulgação que aqui curamos; do segredo externo, do segredo extraprocessual; interessa-nos a violação da proibição de tornar públicos os actos processuais, proibição que impende sobre os cidadãos, partes ou não, que estejam abrangidos pelo segredo num
determinado processo.
Quando ocorre a violação do segredo, quando o conteúdo de uma peça processual, de um documento de prova, de um acto processual, se tornam públicos sem que o devessem, qual deverá ser a conduta apropriada da parte da entidade que preside à fase processual em que a violação ocorre?
O mínimo que podemos dizer é que há várias soluções: em França, o Procurador da República está autorizado a emitir comunicados de imprensa relativamente a factos que determinaram um concreto processo, bem como o Ministério Público a recorrer com frequência a comunicados escritos, a fim de por termo à propagação de rumores e inverdades; na Bélgica, o Ministério Público tem a faculdade de fornecer informações aos órgãos de comunicação social, se estas se justificarem por um interesse superior e geral; também na Suíça, várias leis processuais autorizam os magistrados a dirigir-se à opinião pública quando existir um interesse público consubstanciado em finalidades de tranquilidade, prevenção ou rectificação de notícias falsas.
Defendemos aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma posição muito próxima das acabadas de citar. Perante a propagação de rumores e de inverdades, deverá passar a constituir uma responsabilidade do Ministério Público' a defesa, se necessário através de rectificação pública de notícias inexactas ou incompletas, não só de valores como a isenção, a independência e a eficácia da acção judicial, como a salvaguarda dos direitos fundamentais dos arguidos, e, designadamente, a presunção da sua inocência.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Porém, pode legitimamente questionar-se a fonte deste dever de conduta, no sentido de saber se se trata de um dever oficioso ou dependente de uma manifestação de vontade dos lesados com a divulgação de factos cobertos pelo segredo.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Qualquer das soluções, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é defensável.
A nosso ver, contudo, quando estiver primacialmente em causa o direito à imagem ou ao bom nome dos arguidos, ou a tutela da presunção da sua inocência até sentença transitada em julgado, deve caber aos interessados solicitarem a intervenção do Ministério Público, no sentido mais adequado à reparação e preservação desses seus direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inquestionável a oportunidade deste debate, pois sabemos que este Governo prepara uma revisão do Código de Processo Penal. Será, pois, a altura de também rever o, regime do segredo de justiça, tarefa para a qual quisemos contribuir com a realização deste debate, aqui deixando as nossas propostas, que queremos ver completadas com as demais que no decurso deste debate surgirem. As dificuldades de que hoje padece o regime do segredo de justiça são mais uma manifestação do que propriamente um fenómeno. Com efeito, as novas tecnologias, por si e através das modificações que produziram na mediatização da justiça, alteraram os dados da questão. Por outro lado, a crescente criminalização de condutas e a valorização, em sede penal, da tentativa e da negligência impõem cautelas acrescidas no tratamento da informação relativa aos processos criminais. É neste jogo complexo que tem de equacionar-se e resolver-se a questão do segredo de justiça.
Não ignoramos também que o jornalismo de investigação bebe, com frequência, nas mesmas fontes e cruza-se naturalmente com a investigação oficial. Não somos só nós a dizê-lo, é também o Sr. Procurador-Geral da República, no Relatório da Procuradoria Geral de 1992. Mas é nestes tempos, em que as técnicas de manipulação da opinião pública se refinam e as relações entre o poder político e a administração da justiça se transformam, que urge reafirmar as exigências mais elementares do Estado de direito e, em especial, a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, o princípio da separação dos poderes e o imperativo da igualdade das partes em processo penal.
Para finalizar, queremos relembrar que não temos uma perspectiva tumular do segredo de justiça; antes, julgamos que ele se deve limitar a assegurar, na fase de inquérito, a dupla função de, por um lado, proteger a investigação contra o arguido hipoteticamente culpado e, por outro lado, a de proteger o arguido hipoteticamente inocente contra a investigação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que afirmámos podem parecer minudências, mas para nós não o são. São, neste particular, a face visível daquilo que está mal, daquilo que é caduco, daquilo que foi ultrapassado pela sociedade de comunicação em que vivemos.
Esperamos que o debate possa contribuir para a discussão destas questões, caso em que os contribuintes não darão por mal empregue o tempo que aqui vamos gastar.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme Silva e Mário Videira Lopes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, queria lamentar que, numa matéria desta importância e sendo do conhecimento público que o Governo parece estar a trabalhar na alteração da regulamentação do segredo de justiça, o Governo não esteja presente neste debate.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Luís Queiró, é manifesta a importância desta matéria e a pertinência deste debate. Ouvi V. Ex.ª referir algumas das soluções que o seu partido propõe para uma nova regulamentação da questão do segredo de justiça; confesso, no entanto, que me deixaram algumas dúvidas e preocupações.
Refere V. Ex.ª que deverá o Ministério Público, quando ocorrer violação do segredo de justiça que ponha em causa, designadamente, o bom nome de eventuais indiciados, através de comunicado ou de intervenção pública, corrigir, repor, reparar essa situação. Ora bem, Sr. Deputado, naturalmente que, como V. Ex.ª tem reparado na própria comunicação social, o Ministério Público é uma das entidades que tem acesso ao processo, relativamente ao qual se pode pôr o problema da própria violação do segredo de justiça. Já tem sido colocada essa questão, como pode colocar-se em relação a todo e qualquer interveniente que tenha acesso a ele.
A questão que lhe coloco é no sentido de saber se não será mais adequado que seja permitido, com a intervenção pontual da Ordem dos Advogados, que essa reparação se faça por via da própria defesa, por via do próprio advogado do processo, em termos de garantir a sua efectivação. É que vejo com dificuldade que se possa criar um sistema «coactivo», digamos assim, que imponha e assegure à partida que o Ministério Público vai ter a avaliação correcta dessas situação e que fará essa reparação que V. Ex.ª propõe.
Uma outra questão, em relação à qual não tenho uma posição definida e sobre a qual gostaria de ouvir a sua opinião, é esta: gostaria de saber se o acesso ao processo, que é hoje assegurado ao juiz e ao Ministério Público, dentro do princípio de igualdade de armas, e porque também o advogado está vinculado ao dever de respeito pelo segredo de justiça e pelo segredo profissional, deve ser desde logo assegurado ao advogado nessa primeira fase.
A última questão tem a ver com a nossa intervenção parlamentar nesta matéria. Qual a posição do seu partido em relação a uma proposta que vou anunciar na minha intervenção por parte do Grupo Parlamentar do PSD no sentido de se realizar um conjunto de audições na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de entidades ligadas à justiça e à informação em termos de produzirmos uma reflexão mais aprofundada sobre eventuais alterações nesta matéria?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Como o Sr. Deputado Luís Queiró pretende responder no final dos pedidos de esclarecimento, dou a palavra ao Sr. Deputado Mário Videira Lopes.
O Sr. Mário Videira Lopes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, ouvi com todo o interesse .ª sua exposição introdutória e devo confessar que, pelo menos em nome pessoal e julgo que também em termos de Partido Socialista, estamos basicamente de acordo com as propostas que formulou.
Efectivamente, o segredo de justiça tem que evoluir porque a própria sociedade evoluiu e as regras que regulamentam o segredo de justiça não podiam ficar imutáveis. Falou, e bem, da influência dos novos meios de comunicação social...
Neste momento, verificaram-se anomalias no sistema de som da sala.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa, pois há um problema técnico que tem que ser resolvido de imediato. E que está ligado um telemóvel nesta Sala. O problema que existe com os telemóveis, para além da falta de respeito que há para com o resto das pessoas, é que bloqueiam o sistema de som. Portanto, se não for pelo respeito devido à Assembleia da República, por uma questão funcional, ao menos, pedia que os telemóveis fossem desligados.
Queira prosseguir, Sr. Deputado, e peço-lhe muita desculpa por tê-lo interrompido.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Estava eu a dizer, Sr. Deputado Luís Queiró, que basicamente estou de acordo com as propostas que fez pois os motivos justificativos são pertinentes. Há, no entanto, e na linha do que o Sr. Deputado Guilherme Silva também referiu, duas ou três questões sobre as quais gostaria de saber a sua opinião, já que estudou, como vimos, profundamente o assunto.
A primeira delas é a seguinte: será que basta, quando sai na comunicação social ou é divulgado publicamente que está a decorrer um processo de inquérito contra algum indiciado, algum suspeito, por factos que não são verdadeiros ou por crime que não é o que está a ser investigado, que o Ministério Público emita depois um comunicado desmentindo essa notícia divulgada?
Segunda pergunta: será que a própria divulgação de uma acusação que não tem fundamento, a divulgação de que está a ser investigado um crime, sendo falso que seja esse crime que esteja a ser investigado mas que seja, por exemplo, um outro de muito menor gravidade, não poderá ser objecto de uma investigação sobre as causas que lhe deram origem?
É que muitas vezes o que acontece é que se faz intencionalmente a divulgação de que alguém está submetido a um inquérito por coisas graves ou por um crime grave intencionalmente para prejudicar essa pessoa, já não digo por iniciativa dos próprios jornalistas ou dos meios de comunicação social porque podem não ser eles os responsáveis pela notícia mas por parte de alguém que lhes dá essas informações que visam prejudicar a pessoa atingida, quando não é nada disso que se passa e pode ser uma situação que nem sequer tenha provas nem indícios para ser resolvida.
Daí que pergunte: bastará o simples comunicado do Ministério Público para repor a verdade nesta situação de violação do segredo de justiça, ao mesmo tempo que se avançam com notícias que podem ser caluniosas em relação à própria pessoa?
Terceira questão: dado que o próprio Ministério Público tem acesso ao processo e pode, porventura - e sem fazermos juízos de intenção mas apenas em termos de objectividade -, não estar interessado em fazer esse tal comunicado, deverá ficar apenas cometida ao Ministério Público essa tarefa? Ou, pelo contrário, devem também os advogados do indiciado, do suspeito, terem acesso ao que se está a investigar, se não a todos os documentos em concreto pelo menos um acesso genérico ao processo que lhes seja transmitido pelos próprios serviços do Ministério Público mas com responsabilização de alguém? Julgo que este seria um caminho a seguir, porque não me parece correcto que fique nas mãos da entidade investigante e que, apesar de tudo, conduz o processo a responsabilidade pela divulgação das notícias que possam ocorrer.
Gostaria que V. Ex.ª, dentro do estudo que fez, nos transmitisse as soluções que já pensou sobre este tema.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder sucintamente às questões que me foram colocadas.
Estou inteiramente de acordo com a proposta que o Sr. Deputado Guilherme Silva aqui antecipou no sentido de promover, no âmbito da 1.ª
Comissão, um conjunto de audições às diversas entidades intervenientes, tanto na área da justiça como na da comunicação social, para se aprofundarem estes temas e conseguirmos uma reflexão mais completa sobre esta matéria e, porventura, muitas das respostas que os senhores gostarão de ver aprofundadas, e eu também, aí serão encontradas.
No entanto, não devo deixar de dizer que o que propusemos foi um dever específico do Ministério Público de rectificar ou esclarecer notícias infundadas, incompletas ou inexactas sobre processos, quando esteja em causa, sobretudo, a defesa do bom nome, da honra e da imagem dos indiciados ou dos arguidos. Parece-me que assim fazemos um avanço indispensável até para, digamos, pôr o Ministério Público a salvo das suspeitas que os senhores aqui trouxeram relativamente à fonte, à origem e à intenção da divulgação de factos sujeitos a segredo. Não faço esses processos de intenção, mas não há dúvida nenhuma que procuro colaborar em encontrar soluções que permitam afastar essas intenções.
Aliás, não há situação mais perversa do que a de semi-segredo. Os factos quando caem na praça pública e quando são incorrectamente divulgados e passam a constituir semiverdades são as situações que mais devemos prevenir pois são as que podem ser mais perversas e mais perigosas para os interesses que nos cumpre prosseguir aqui.
Sendo assim e sendo eu também advogado, acho muito bem que a Ordem dos Advogados e os advogados encarregues da defesa nos processos tenham intervenção destinada a completar esta necessidade de preservar o princípio constitucionalmente consagrado da presunção da inocência dos arguidos até trânsito em julgado da sentença.
Mais: acho até que, na próxima revisão do Código de Processo Penal, todos nos devíamos bater para que sempre que a divulgação de factos vise a defesa dos interesses dos arguidos, ela seja pré-ordenada para que a defesa desses interesses possa ser obtida e possa ser conseguida, efectuada e realizada pelos próprios advogados de defesa e que isso devia ter consagração legal.
E ainda mais: acho - e respondo ao Sr. Deputado Guilherme Silva - que o advogado deve ter acesso ao processo na fase de inquérito. Porque sou um liberal, penso que deve haver rigorosa igualdade das partes em matéria de acesso aos meios necessários para a correcta defesa de um arguido.
Sr. Deputado Osvaldo Castro, sossegue porque entendo que é preciso encontrar normas que obviamente protejam os interesses da investigação e isto não significa tornar ineficaz a investigação, mas não vejo por que razão é que um advogado é menos digno de conhecer um processo do que um delegado do Ministério Público. O senhor, depois, explicar-me-á!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E indo mais longe - mas isto já é uma perspectiva pessoal -, não vejo razão por que uma pessoa que é chamada a depor num inquérito, seja na posição de declarante seja de testemunha, não seja acompanhada de advogado, por razões que os senhores facilmente compreenderão. Acho que os advogados devem ter a possibilidade de acompanhar qualquer administrado, qualquer cidadão, perante a Administração e também perante a administração judicial seja em que fase for do processo e em que qualidade intervenha nesse processo, porque talvez por aí se começassem a evitar muitos dos abusos que acontecem no inquérito judicial.
Julgo ter respondido em termos gerais às perguntas colocadas. Defendia existência deste dever específico de esclarecer como um primeiro passo e obviamente não restrinjo essa intervenção ao Ministério Público mas, quanto mais o acesso ao processo puder ser alargada a todos os intervenientes, sem prejudicar a investigação, melhor será e assim, penso, estaremos no bom caminho no que respeita à produção de uma justiça eficaz, actual e, perdoem-me o pleonasmo, justa.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A circunstância de ter cabido a outro grupo parlamentar, que não o do PSD, a iniciativa deste debate não nos inibe de reconhecer a sua importância e actualidade. Efectivamente, a relevância das questões que têm a ver com os cidadãos, com direitos fundamentais e que passam pela eficácia da justiça, pelo direito de informar e de ser informado e pelo respeito e salvaguarda da dignidade da pessoa humana, justificam que a Assembleia da República exprima, na sua pluralidade, e perante o País, a reflexão que a delicada problemática do segredo de justiça, que se tem agudizado nos últimos tempos na sociedade portuguesa, dela exige.
Na verdade, não constituiu surpresa que, na sequência da revolução e como reacção a dezenas de anos de repressão e de privação das liberdades, aqui ou ali, se tivesse caído (como se caiu) em excessos e atropelos que, não podendo deixar de ser reprováveis, puderam, então, beneficiar de uma maior ou menor compreensão colectiva.
Não é já, porém, aceitável, ou sequer tolerável, que, passados mais de 20 anos e estabilizada a democracia, valores e princípios essenciais do Estado de direito sejam postos em causa com a frequência e a impunidade com que, no domínio da questão que hoje debatemos, têm ocorrido nos últimos anos em Portugal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Diga-se, porém, que não são de agora as preocupações do Parlamento sobre esta problemática. Recordo que, em Maio de 1991, então na qualidade de presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tive oportunidade de promover, articuladamente com a Subcomissão de Comunicação Social, um colóquio parlamentar subordinado ao tema «Liberdade de informação - segredo de justiça», cujas intervenções foram objecto de publicação e mantêm ainda hoje a maior actualidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho visto ser defendido por juristas dos mais qualificados e até por responsáveis políticos que a actual regulamentação do segredo
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de justiça, que se contém, fundamentalmente, no artigo 371.º do Código Penal e nos artigos 86.º a 90.º do Código de Processo Penal, visa tão-só assegurar a eficácia da investigação e evitar a perturbação da instrução processual. Daqui adviria a ideia de que o segredo de justiça ou, melhor, os normativos que entre nós o regulam não visariam, em nenhuma medida, proteger o bom nome e reputação dos cidadãos, a sua intimidade e vida privada, nem assegurar a presunção da sua inocência ou garantir o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Recuso liminarmente tal interpretação, mas não posso deixar de registar que ela resulta de uma linha geral do actual Código de Processo Penal, que privilegia a acusação em detrimento das garantias do arguido e, designadamente, do princípio da igualdade de armas. Como não posso deixar de salientar que semelhante interpretação não é de todo alheia à frequência com que o segredo de justiça vem sendo violado em Portugal, particularmente em fases processuais em que, já não comprometendo a eficácia da instrução, não deixa, porém, de atentar com a honra e o bom nome dos cidadãos e com o princípio constitucional que assegura a presunção de inocência.
Daí a importância que, em nosso entender, assume a filosofia que se pretenda emprestar à reforma do processo penal em curso, embora ainda em fase de trabalhos preparatórios. As alterações que se entenda dever vir a introduzir na regulamentação do segredo de justiça tenderão, ou não, a ser as mais adequadas a dar resposta às graves consequências da degradação a que chegou aquele instituto e à reposição da dignidade que lhe deve caber, quanto a legislação processual penal evolua, ou não, num sentido mais garantístico do que o actual.
Que ninguém se iluda, porém (nem nos iludamos nós como legisladores), se pensarmos que a questão depende tão-só dos contornos legislativos de que se reveste (ou venha a revestir) a regulamentação do segredo de justiça.
Em termos gerais, e apesar de tudo, a legislação actual não merece reparo de maior. A questão é fundamentalmente de acatamento e observância da lei e até de respeito por elementares garantias constitucionais. E é aqui, neste particular, que temos de encontrar respostas adequadas a assegurar o cumprimento da lei, em termos tais que se compatibilizem e harmonizem os valores, os princípios e as garantias que a Constituição confere a todos os cidadãos.
Importa, igualmente, ter presente que as mais conhecidas situações de violação do segredo de justiça, assumem particular gravidade e amplitude, porquanto envolvem a divulgação de factos ou de actos do processo pela comunicação social. E como aos media pouco importa as envolvências processuais ou judiciais do cidadão comum, os casos mais frequentes de violação do segredo de justiça e da sua publicitação, de um modo geral, respeitam a figuras públicas e em particular a responsáveis políticos.
E por isso também se ouvem algumas insistentes vozes no sentido de que, quanto às figuras públicas, não se coloca a questão do respeito pela intimidade e privacidade que se põe em relação a qualquer outro cidadão.
Não nos repugna aceitar (e é hoje comummente aceite) que as figuras públicas estão mais expostas e as responsabilidades políticas de muitas delas consentem, em alguma medida, a devassa da área de reserva da sua intimidade e privacidade, em nome da transparência, da responsabilização e do direito de informar e de ser informado.
Porém, não nos parece minimamente legítimo que, por via de tal redução do núcleo da privacidade e intimidade dos responsáveis políticos e das figuras públicas, se lhes retire o direito ao bom nome e reputação, à honra, ao respeito pela sua dignidade como pessoa e à presunção de inocência.
O exercício de cargos públicos e a sua projecção social não pode, num Estado de direito, traduzir-se numa capitis deminutio, intolerável numa democracia consolidada.
Nem tão pouco a questão se coloca, ou deve colocar, em termos de prevalência de este ou de aquele direito fundamental em detrimento de outros, designadamente da preterição do direito ao bom nome e ao respeito pela intimidade em favor do direito de informar e de ser informado.
Do que se trata é de compatibilizar direitos e garantias constitucionais não hierarquizáveis. O que se exige é que se tenha sempre presente que, no centro de todas estas preocupações, deve estar (e está) o homem e a sua dignidade. Em nenhuma circunstância é eticamente admissível que o direito de informar muitos possa prevalecer quantitativamente sobre o respeito pelo bom nome de alguns ou até de um só que seja!
Mas por isso, também, o segredo de justiça deve reduzir-se ao estritamente necessário, não apenas à eficácia da investigação mas também ao respeito pela dignidade de cada qual e pela observância da presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença de condenação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pré-condenar alguém, seja quem for, no tribunal da opinião pública sem audição prévia, sem contraditório e de ânimo leve é algo que tem muito de «totalitário». Por isso, e por elementar defesa da liberdade responsável e da democracia plena, não podemos deixar que tal se institucionalize impunemente.
No que respeita aos princípios e valores constitucionais, que importa conciliar no âmbito do segredo de justiça, temos como boa a regra de «que deve haver tanto segredo quanto for necessário e tanta liberdade de informação quanto possível».
Por assim ser, a «liberdade de imprensa» não pode, nem deve, ser minimamente afectada por alegado «segredo de justiça» que não esteja legitimado pelos pressupostos legais. Nem pode estar em causa o jornalismo de investigação, que constitui, em democracia, um meio importante de denúncia de irregularidades que, muitas vezes, de outro modo, não chegariam à luz do dia. Importa é que, em qualquer caso, os princípios e as regras deontológicas sejam por todos escrupulosamente observadas, o que passa sempre pelo respeito pela presunção de inocência e pela prévia audição dos visados.
Igualmente importante é que, em matérias respeitantes à justiça, envolvendo delicadas questões respeitantes a direitos fundamentais, seja assegurada a adequada formação dos profissionais da informação. Aliás, tal afigura-se-nos cada vez mais necessário e indispensável à credibilização dos órgãos de comunicação social.
E bom que todos tenhamos presente que, em matéria de direitos fundamentais, mais importante do que proclamá-los é garantir o seu efectivo respeito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguma reflexão mais temos ainda de fazer sobre a eventual evolução do instituto jurídico-processual do segredo de justiça. Restringi-lo até ao termo da fase de inquérito ou até ao momento em que é possível requerer a abertura da instrução parece-nos elementar. Encontrar mecanismos que,
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sem pôr em causa a liberdade de informação, tornem eficaz o apuramento e a responsabilização de quem o viole é também urgente.
Entendemos, porém, que a nossa reflexão não deve restringir-se a este debate.
Assim, e sem lhe retirar a importância que tem, importa que a Assembleia da República se abra nesta matéria à sociedade civil e estabeleça com ela o mais aprofundado diálogo institucional.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do PSD vai requerer na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias um conjunto de audições sobre o segredo de justiça, que deverão ser gravadas para assegurar a sua posterior publicação, e devem incluir, pelo menos, as seguintes entidades: Conselho Superior da Magistratura; Procurador-Geral da República; Ordem dos Advogados; Comissão de Revisão do Código do Processo Penal; Fórum Justiça e Liberdade; Associação Sindical dos Magistrados Judiciais; Sindicato do Ministério Público; Sindicato dos Jornalistas; e Sindicato dos Funcionários Judiciais.
Pensamos que esta ampla discussão deve preceder a adopção de quaisquer providências legislativas ou outras que venham a ter-se por necessárias.
Não quero deixar de lembrar aqui as preocupações, de há muito, do PSD nesta matéria, que o levaram a propor a constitucionalização do segredo de justiça no projecto de revisão da Constituição que oportunamente apresentou.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se tal tiver acolhimento, como esperamos, é também à luz dessa constitucionalização e do reequilíbrio que ela assegura que temos de repensar as eventuais alterações a introduzir na regulamentação do segredo de justiça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não devemos perder de vista a cada vez mais frequente associação das questões do segredo de justiça, em particular da sua violação, à sociedade mediática em que hoje vivemos.
Por isso, terminaria lembrando as palavras do Presidente Mitterrand, aquando da trágica morte de Pierre Bérégovoy:. «Todas as explicações do mundo não justificarão nunca que se tenha lançado aos cães a honra de um homem e, por fim, a sua vida à custa de uma dupla falta de os seus acusadores em relação às leis fundamentais da nossa República, as que protegem a dignidade e a liberdade de cada um de nós».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Videira Lopes.
O Sr. Mário Videira Lopes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, constato, pelas intervenções já produzidas hoje nesta Câmara, que há amplo consenso entre os diversos representantes das forças partidárias presentes no sentido de que as leis reguladoras do segredo de justiça têm de ser revistas. De igual modo, parece haver um amplo consenso no sentido de limitarmos a fase do segredo de justiça ou segredo de investigação à fase do inquérito, deixando a parte da instrução, onde já existe o contraditório, para a publicidade do processo.
Tendo em conta a iniciativa legislativa que, a propósito, tem de ser tomada e que cabe no âmbito da revisão do Código de Processo Penal que o Governo se apronta a fazer e já anunciou querer fazer, não entendi bem a sua proposta, quando diz que deve ser desencadeado um mecanismo de audição parlamentar de diversas entidades, nomeadamente das que citou. Gostaria que fosse dado um esclarecimento, porque, apesar de estarmos de acordo com essa audição, o Sr. Deputado disse que ela deveria preceder a reformulação do Código de Processo Penal nesta matéria. Ora, Sr. Deputado, julgo que haveria vantagem em que os dois processos fossem simultâneos, isto é, depois de termos um primeiro texto que possa considerar-se um projecto de revisão do Código de Processo Penal, elaborado pela comissão que está a estudar o assunto, deveríamos desencadear o processo de audição parlamentar dessas entidades sobre esta matéria do segredo de justiça e sobre outras que o Código de Processo Penal contempla. Em minha opinião, limitarmos a audição parlamentar prévia àquilo que não existe ainda, pois não se sabe qual é a proposta concreta, ainda por cima restringida à parte do segredo de justiça, parece-me curto.
Por essa razão, solicito-lhe que esclareça melhor o seu pensamento sobre esta matéria. Ou seja, gostaria de saber, em primeiro lugar, se a audição parlamentar é prévia a qualquer projecto ou proposta que vise regulamentar o segredo de justiça e, em segundo, se é apenas limitada ao segredo de justiça ou abrange a própria reformulação, mais ampla, do Código de Processo Penal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Videira Lopes, agradeço a questão que me colocou.
Em meu entender, há dois aspectos que temos de ter presentes nesta iniciativa: o político e o da elaboração legislativa. Admito que a sua observação de que poderia ser mais profícuo, mais útil, realizarmos este tipo de audições quando já estivermos perante um texto concreto sobre esta matéria possa ter pertinência em termos de processo legislativo. Mas já não o admito do ponto de vista político. Estamos perante um problema concreto e penso que a Assembleia não pode ficar «prisioneira» de prazos que o Governo está a gerir e que não sabemos se serão longínquos ou próximos.
Verificaram-se, de novo, anomalias no sistema de som da sala.
Não sei se isto tem a ver com os telemóveis ou com qualquer deficiência da aparelhagem sonora. Eventualmente, estamos a ser mal interpretados pela própria aparelhagem quanto à ideia de segredo, mas não queremos que nos tirem, aqui, a possibilidade de expressão!
Sr. Deputado, creio que devemos avançar, porque a opinião que recolhermos dessas entidades quanto às eventuais alterações ao segredo de justiça poderá ser útil e poderá auxiliar o Governo na própria elaboração dos diplomas que nos enviar.
Parece-nos não haver aqui qualquer prejuízo, tanto mais que é frequente, face a projectos concretos - algumas dessas entidades devem ser obrigatoriamente ouvidas, como sabe -, essas entidades fazerem chegar à Assembleia,
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nomeadamente à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os seus pareceres por escrito. Esta audição, que entendemos dever ser feita o mais rapidamente possível, de preferência já no início de Janeiro, não impedirá que mais tarde estas ou outras entidades sejam ouvidas sobre um texto legislativo concreto.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Antes de mais, quero dizer que a regra de não utilização de telemóveis na Câmara aplica-se igualmente aos jornalistas, porque o problema que há com os telemóveis verifica-se também quanto a eles. Assim, solicito que os desliguem.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente debate sobre o regime jurídico do segredo de justiça antecipa o verdadeiro e magno debate que aqui, faremos, seguramente, nos primeiros meses do próximo ano, a propósito da reforma do Código de Processo Penal.
Na verdade, as questões relativas à publicidade do processo e ao segredo de justiça estão neste momento a ser objecto de apuramento e revisão em sede da Comissão de Revisão do Código de Processo Penal e serão alvo de adequação às novas realidades da sociedade mediática em que hoje vivemos.
Aliás, quem tiver seguido com atenção as palavras do Ministro da Justiça, em 10 de Outubro passado, no decurso do seminário «Justiça e Comunicação Social», organizado pela Procuradoria-Geral da República e pelo Sindicado dos Jornalistas, facilmente poderá intuir que o Governo, designadamente o Ministro José Vera Jardim, tem sobre esta matéria uma intenção ponderadamente reformadora.
De acordo com as palavras do Ministro da Justiça, «Numa fase de duração longa como a do inquérito e a instrução, a defesa, custe o que custar, do segredo de justiça não é uma posição realista». E acrescentava o Ministro José Vera Jardim: «Será necessário encararmos o que tenho chamado de `janela aberta' sobre o processo na fase de inquérito e de instrução». Tal vale por dizer, Srs. Deputados, que, mais cedo do que tarde e em tempo próprio, o Governo apresentará, como, aliás, sempre prometeu, uma proposta de lei que, entre outras matérias, alterará o artigo 86.º e seguintes do Código de Processo Penal, exactamente os que regulam o segredo de justiça, a publicidade do processo é as faculdades de acesso a actos processuais por parte dos cidadãos e pela comunicação social.
Sem embargo, o presente debate poderá constituir - e vê-se que está a constituir, até pela consensualidade expressa - um valioso contributo e uma estimulante reflexão para o apuramento de uma matéria que tem vindo a ser alvo de excepcional controvérsia. Creio mesmo que poderá ser um factor de enriquecimento dos trabalhadores preparatórios que a Comissão de Revisão do Código do Processo Penal tem entre mãos.
Na verdade, Srs. Deputados, é hoje um facto inquestionável que a conceptualização, o âmbito e os limites do segredo de justiça, em confronto com a liberdade de informação e de expressão, se tornaram em matéria de excepcional melindre e delicadeza.
A informação em tempo real e a avidez pelo direito à informação e pelo correspectivo direito a ser informado geraram fenómenos incompagináveis com os tempos e prazos dos ritualismos processuais da justiça. Daí a conflitualidade latente entre os valores que preexistem ao segredo de justiça e à liberdade de informação.
É bem verdade que no nosso direito adjectivo penal a regra é a da publicidade do processo, devendo o segredo ser a excepção, na esteira, aliás, da mais generalizada doutrina constitucional moderna, vazada nas diversas declarações e convenções sobre os direitos humanos.
Não obstante, em nome dos interesses e da defesa do bom nome do suspeito ou do arguido e também em razão dos interesses materiais da qualidade investigatória, o processo penal do nosso país, como na quase generalidade dos países europeus, tem de se conformar com a regra processual do segredo de justiça. E, reconheçamo-lo, tal limitação é necessária, desde que proporcionada e adequada à já mencionada salvaguarda dos valores da dignidade da pessoa humana e à eficácia investigatória em matéria criminal.
Só que, e todos diariamente o constatamos, a regra processual instrumental do segredo de justiça, mesmo na vertente da protecção dos direitos da personalidade ou da presunção da inocência do arguido, tem sido frequentemente violada, dando azo, muitas vezes, a inauditas pré-condenações e a irreparáveis sentenças de opinião pública, tantas vezes infirmadas em sede judicial.
Mesmo nos casos em que, tecnicamente, não se verifica violação do segredo de justiça, designadamente quando a comunicação social acede a factos sem mediação dos intervenientes processuais obrigados a sigilo, inúmeras são as vezes em que cidadãos assistem impotentes a verdadeiros atentados aos seus direitos de intimidade, da vida privada e ao bom nome:
Tais realidades decorrentes da mediatização social e da vertigem informativa carecem, obviamente, de que se encontrem regras proporcionadas que, sem ferir legítimos direitos de informar e de ser informado, acautelem os valores que subjazem, por um lado, ao segredo de justiça e, por outro, à ética de conduta dos profissionais da comunicação social.
É que, em matéria de direitos e liberdades fundamentais, a autolimitação e a ponderação devem ser a regra. E, se os valores da defesa do bom nome e da presunção da inocência do arguido ou da eficácia investigatória, em que radica o segredo de justiça, não podem ser erigidos em direitos absolutos, também o não é a liberdade de informação e expressão, quando, de forma irrestrita, invada ou colida com outros direitos fundamentais de matriz superior.
É também por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que consideramos inevitável que, na futura revisão do Código de Processo Penal, se proceda à efectiva «abertura de janela», na feliz expressão do Sr. Ministro da Justiça, de que este tem vindo a falar.
E assim, em sede de alteração do artigo 86.º do Código de Processo Penal, mercê da actual consagração de uma longa fase de inquérito, a que se pode, em certos casos, seguir uma fase de instrução, entendemos preconizar que esta segunda fase, a de instrução, deverá poder ser pública, desde que tal seja solicitado pelo arguido, embora sujeita a decisão do juiz de instrução e ponderados os interesses investigatórios.
Por outro lado, e visando acautelar os interesses de cidadãos suspeitos ou arguidos, directa ou indirectamente, atingidos por notícias inverdadeiras ou tendenciosas ou, ainda, para acautelar os interesses da tranquilidade pública ou de eficácia da acção de justiça, deverá admitir-se que, em fase de inquérito ou de instrução e a requerimen
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to dos visados ou da defesa, as autoridades judiciárias (o juiz de instrução ou o Ministério Público conforme as situações) possam autorizar ou prestarem elas próprias esclarecimento público sobre factos relativos ao processo, sempre visando repor a verdade ou circunscrever o âmbito e dimensão dos factos à sua efectiva realidade processual.
Tais inovações, Srs. Deputados, que, aliás, parecem vir na linha do consenso já adquirido em intervenções anteriores, podendo embora ser tomadas por tímidos avanços na correcção da funcionalidade do segredo de justiça, poderão, se complementadas com outras reformas do nosso ordenamento jurídico penal, em matéria processual, vir. a apetrechar a nossa sociedade para a necessária resposta a alguns dos mais latentes conflitos a que actualmente assistimos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como ficou dito, não são apenas as janelas do segredo de justiça que se devem entreabrir. A verdade é que inúmeras são as situações que extrapolam o âmbito do segredo de justiça e que nem sequer tecnicamente o violam. Refiro-me ao exercício do direito à informação em casos em que ainda nem sequer existe qualquer processo ou em que o acesso informativo se verifica junto de fontes naturalmente protegidas ou que nem sequer caem na alçada dos intervenientes processuais. E, no entanto, em vários destes casos e situações, vêm a detectar-se situações de violação de conduta deontológica por parte de profissionais da comunicação social. Tais situações, as de abuso de regras deontológicas, além das imanentes violações da Lei de Imprensa, são, aliás, felizmente, reconhecidas e condenadas pela generalidade dos mais qualificados jornalistas portugueses e, designadamente, por alguns dos seus mais lídimos representantes, quer na sua qualidade de membros do sindicato quer do Conselho Deontológico.
Isto é, o problema existe e não há segredo de justiça ou Lei de Imprensa que lhe valha. A competitividade agressiva em busca de audiências ou da ampliação da difusão de jornais tem vindo, em muitos casos, a interferir na realização da justiça e, por vezes, a pisar os trilhos dos julgamentos paralelos. Do tríal by newspaper entramos já na fase do trial by TV, o que é bem sintomático da força e do papel que a comunicação social pode ter em matéria de condicionamento de intervenientes processuais, designadamente de testemunhas e até, temos de admiti-lo, ainda que mais limitadamente, dos próprios magistrados.
E se temos de reconhecer que a mediatização da justiça ou da vida pública tem de ser encarada como normal, também teremos de encontrar regras para enfrentar e moderar os inevitáveis, excessos decorrentes da competitividade noticiosa. Por isso, num momento que debatemos novas modulações para o segredo de justiça, também nos parece adequado retomar a ideia, que eminentes constitucionalistas há vários anos vêm preconizando, da necessidade de instituição de um código de auto-regulação profissional dos meios de comunicação social, que estabeleça um conjunto de regras deontológicas de auto-contenção na área da liberdade de informação e, designadamente, na utilização escandalosa de casos judiciais. Tal é exigido pela defesa dos inalienáveis princípios de salvaguarda e garantia da privacidade, da dignidade dos cidadãos e da presunção da inocência dos arguidos.
Estamos em crer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que também nesta matéria, a da necessidade de auto-organização em matéria de regras deontológicas, os profissionais da comunicação social saberão acompanhar as nossas preocupações de contribuir para a implementação de um verdadeiro consenso social que introduza um novo ambiente cultural em matéria de liberdade de expressão e de respeito pelos valores da dignidade humana.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Queiró e Carlos Encarnação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, relativamente à sua intervenção, vou começar por fazer uma coisa que não queria mas vou ter de fazer - e, sendo o senhor o representante da bancada da maioria que suporta o Governo, tenho de fazê-lo perante si -, que é protestar veementemente e lamentar a ausência dos membros do Governo ligados à Justiça, pelo menos a do Sr. Secretário de Estado da Justiça. Parece que o Governo tem um critério selectivo de diálogo, só dialogando quando lhe convém.
O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não diga isso!
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - É uma falta de respeito total!
O Orador: - O Sr. Deputado, assim como o seu colega de bancada, salientou aqui o consenso que sobre esta matéria se está a gerar nesta Assembleia, mas julgo que, se existisse a figura da censura ao Ministro da Justiça, hoje haveria consenso nesta bancada para o censurar e lamentar a sua ausência neste debate.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Porém, compreendi a ausência do Sr. Ministro neste debate quando o Sr. Deputado falou na «abertura de janelas» do processo e me lembrei de uma notícia, cuja fotocópia afortunadamente tinha aqui comigo e que, a propósito, veio publicada no jornal Público do dia 13 de Novembro, altura em que o Sr. Ministro, encontrando-se em Ponte de Lima, julgo que a inaugurar o novo Palácio da Justiça,, anunciou, provavelmente na sequência do nosso pedido de um debate de urgência, que iria solicitar à Comissão Revisora do Código de Processo Penal a revisão também das regras do segredo de justiça. Nessa altura houve, por parte do Sr. Ministro, um comprometimento público - lê-se aqui nesta notícia - de que essas novas regras, que estavam a ser equacionadas, seriam divulgadas até ao final desse mês de Novembro, ao que se seguiria um debate público, que teria lugar até ao final do ano. Percebemos agora a razão por que o Sr. Ministro está ausente: porque nem as regras foram equacionadas até ao fim do mês de Novembro nem qualquer debate ocorreu até ao final do ano, a não ser o promovido pelo Partido Popular.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: - Apesar de tudo, quero colocar-lhe duas questões. Em primeiro lugar, gostaria de saber como V. Ex.ª encara e que modo encontra para resolver o problema da Comissão de Inquérito ao Acidente de Camarate. Como sabe, há provas e documentos que não são faculta-
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dos pelo juiz de instrução do processo à comissão parlamentar de inquérito, precisamente com base no segredo de justiça. Quero perguntar-lhe qual é a posição da sua bancada quanto à resolução desta questão, a fim de permitir que as comissões parlamentares de inquérito tenham acesso a matérias sujeitas ao segredo de justiça, e se deve prevalecer o segredo de justiça - um segredo formal, neste caso - ou a procura da verdade material.
Em segundo lugar, gostaria de conhecer a sua opinião relativamente à fraquíssima expressão estatística existente de crimes de violação do segredo de justiça e de saber qual a razão que, em seu entender, está na origem de serem tão poucos os casos levados a tribunal, relativamente à violação de regras com as quais podemos não estar de acordo mas que efectivamente estão em vigor.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, quero dizer-lhe, muito rapidamente - a minha intervenção tem de ser necessariamente curta -, que julgo ter havido algum excesso por parte do Sr. Deputado Luís Queiró na verberação da ausência do Sr. Ministro, principalmente pelas razões em que ele a fundamentou. Se o Sr. Ministro aqui estivesse, haveria, de facto, um estrago considerável na média de realização do Governo, pois ele teria de confessar que realmente já tinha tomado as medidas que havia anunciado e estragaria a média global da apreciação daquilo que o Governo tem feito, que é quase nada, praticamente. Portanto, é porventura uma razão de solidariedade com o resto do Governo o que leva o Sr. Ministro a não estar aqui.
Quanto à sua intervenção, Sr. Deputado Osvaldo Castro, gostaria de colocar-lhe duas questões que dela relevam. O Sr. Deputado falou muito na defesa do bom nome, nas garantias de privacidade e nos excessos da competitividade noticiosa, aliás, na linha de uma entrevista dada ontem pelo Sr. Presidente da Assembleia da República a uma estação televisiva, em que falou justamente destas grandes questões. Ora, a pergunta que lhe dirijo tem a ver com o seguinte: sei que falou aí de um código de autolimitação. Mas isso tem a ver também com alguma ideia sua de alteração da lei de imprensa? Tem a ver com algum pensamento seu de que, para isto se resolver definitivamente, é necessário que também as obrigações dos jornalistas sejam alteradas? Era isto que o Sr. Deputado queria dizer, ou não?
Por outro lado, o Sr. Deputado certamente não ignora, como todos nós não ignoramos, aquilo que o Sr. Procurador-Geral da República tem dito em relação a esta matéria, ao confessar a sua impotência relativamente a 15, diz ele, inquéritos em curso, que são absolutamente inconclusivos em relação à questão de saber como é que o segredo foi violado e quem o violou. Ora, a pergunta muito concreta, directa e precisa que lhe faço, Sr. Deputado Osvaldo Castro, é a de saber se V. Ex.ª está, ou não, de acordo com a hipótese, sugerida pelo Sr. Procurador-Geral da República, de permitir a divulgação das fontes utilizadas pelos jornalistas na divulgação das notícias.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O . Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, embora seja advogado, não tenho mandato para representar o Governo nesta matéria. Porém, gostava de esclarecer a bancada do Partido Popular - e suponho que isto é absolutamente fidedigno e só tenho pena que o Sr. Deputado Jorge Ferreira aqui não esteja para o corroborar - que, quando isto foi agendado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, o PP sabia que o Governo, concretamente o Sr. Ministro, não podia estar presente. Só que o Partido Popular insistiu que tinha de ser numa sexta-feira, tinha de ser hoje! Agora, o PP estava avisado! Tentou-se encontrar uma outra data que fosse conciliável...
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Mas devia estar presente o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em representação do Governo!
O Orador: - Não, Sr. Deputado! Nesta matéria, o Governo entende que deve fazer-se representar pelo Ministro.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - É a maior falta de respeito que o Governo demonstra para com este Parlamento!
O Orador: - Não se excite, Sr. Deputado Manuel Monteiro.
De todo o modo, Sr. Deputado Luís Queiró, porque V. Ex.ª é uma pessoa sensata - e muito mais do que o Sr. Deputado que se encontra à sua esquerda, ou seja, o Sr. Deputado Manuel Monteiro -, gostava de dizer-lhe o seguinte: a verdade é que, nesta matéria e nos termos em que estamos discutindo, não me parece que a Assembleia precise aqui da tutela do Governo.
Quando se realizar a discussão sobre o projecto de revisão do Código de Processo Penal, em sede das audições...
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Os senhores é que são tutelados pelo Governo!
O Orador: - Não! De modo algum! Nós revelamos a nossa autonomia, porque não precisamos, para este efeito, do Governo aqui para nada. De qualquer maneira, o Partido Popular estava elucidado sobre isso.
Quanto às comissões de inquérito, Sr. Deputado Luís Queiró, somos favoráveis a que haja alterações. Aliás, há um projecto do PSD que visa alterar a posição e os direitos dos Deputados, que estão, aliás, também obrigados a segredo de justiça, nas comissões de inquérito. Parece-nos que esse é um caminho absolutamente inevitável e inadiável.
Em relação ao pequeno número de condenações por violação do segredo de justiça, o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que, nesta matéria, os intervenientes processuais são muitos e a prova é absolutamente difícil. É que há inúmeros funcionários e magistrados que têm contacto com o processo.
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Há inúmeros intervenientes processuais, designadamente testemunhas, que podem ser fontes dos jornalistas, aliás, fontes protegidas, naturalmente.
Portanto, há, como sabe - o Sr. Procurador-Geral da República já o disse publicamente -, um conjunto de participações, mas a prova é, eu também o reconheço, substancialmente difícil.
Quanto ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, queria apenas, muito brevemente, dizer o seguinte: no que se refere ao
problema da divulgação das fontes, penso que o Sr. Procurador o pôs num tom, o literal, que não é esse que está a pretender entender. Mas é evidente que, pessoalmente, entendo que os jornalistas devem manter a protecção das fontes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ah!
O Orador: - Uma coisa que eu ali disse, que, se calhar, é um passo que teremos de dar, é no sentido de que os próprios jornalistas e os profissionais da comunicação social encontrem formas de auto-regulação em matéria deontológica. Aliás, penso que eles também preconizam isso, pelo menos alguns deles já o escreveram.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, no que se refere a alterações à Lei de Imprensa, o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, já várias vezes disse que está ensejando alterações à Lei de Imprensa. Agora, não com qualquer sentido repressivo, como foi o visado anteriormente, até nas palavras de um ilustre Deputado da sua bancada, exactamente nesse debate a que aludiu o Sr. Deputado Guilherme Silva, que, por acaso, era Presidente da Subcomissão de Comunicação Social, o Sr. Deputado Pacheco Pereira, que tinha sobre essa matéria uma visão condicionadora, restritiva e, aliás, até apelidava o então Ministro Laborinho Lúcio de liberal em matéria de relação com a imprensa.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Pelo menos, valha-nos isso!
O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Carlos Encarnação, nós, «para esse peditório já demos»! Defendemos que os jornalistas devem manter intactos os seus direitos e, se possível, ampliá-los,...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Assim, estou descansado!
O Orador: - ... embora entendamos que a auto-regulamentação, em matéria deontológica, é absolutamente necessária e imprescindível.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Já vi que V. Ex.ª também é liberal!
O Orador: - Claro!
O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Osvaldo Castro, sinceramente que não esperava voltar a intervir neste debate, mas V. Ex.ª permitiu-se fazer uma apreciação sobre a sensatez ou insensatez de um colega meu de bancada, que, ainda por cima, é líder do meu partido.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que, ao chamar de insensato um colega meu de bancada está a chamar de insensata toda a bancada e isso nós não lhe permitimos e não lhe admitimos que V. Ex.ª faça acusações dessa natureza sobre uma bancada que está ao seu lado, procurando colaborar num debate que queríamos que corresse com a maior elevação.
Quero também reafirmar que, apesar daquilo que V. Ex.ª disse, não é compreensível que o Governo não tenha feito um esforço para estar aqui presente neste debate, demonstrando, mais uma vez, que tem um critério selectivo, quando se trata do diálogo, quanto mais não fosse através do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Solicitava-lhe, portanto Sr. Deputado, porque tenho muita consideração por si, que não torne a fazer referências desprimorosas, da ordem e da natureza daquelas que aqui fez, porque só lhe ficam mal e revelam insensatez, não da nossa bancada, seguramente.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, obviamente que V. Ex.ª entendeu, mas, enfim, penso que por razões de consumo interno, pretendeu tirar alguns dividendos.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Não estamos no tribunal!
O Orador: - Mas fique ciente do seguinte, porque, nessas coisas, não tenho qualquer problema: tenho o maior respeito pelo presidente do seu partido e por todos os Deputados desta Casa e a insensatez a que me referia, que, pelos vistos, terá sido mal entendida, era de natureza gestual, porque havia um certo incómodo, digamos, por parte do Sr. Deputado Manuel Monteiro, no momento em que V. Ex.ª me interpelava e eu lhe respondia. Foi apenas 'por isso!
Agora, obviamente, como o Sr. Deputado sabe, porque me conhece há anos, não tenho da política nem da minha postura na política uma visão como aquela que V. Ex.ª pretende agora aqui trazer.
Sublinho, uma vez mais, que tenho o maior respeito por todos os Deputados, incluindo os dessa bancada, e, portanto, não podia, de modo algum, ter a intenção que me procura atribuir. Creio que isso fica esclarecido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O SR. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se este debate de urgência tem um tema claramente definido, o conceito, finalidades e regime jurídico do segredo de justiça em Portugal, já não é assim tão claro qual seja o seu real objectivo ou a sua real utilidade.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não se trata de debater qualquer iniciativa legislativa que tenha por objectivo introduzir altera
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coes ao regime do segredo de justiça em Portugal. Várias iniciativas com esse propósito foram já anunciadas mas nenhuma delas está hoje em discussão, nem sequer foi apresentada.
Também não parece que seja função primordial do Plenário da Assembleia da República ocupar-se em dilucidar o conceito de segredo de justiça, tarefa de que muitos manuais, estudos jurídicos e colóquios, como é sabido, se têm ocupado.
Assim, "importa, desde já, deixar claro que, pela nossa parte, estamos inteiramente disponíveis, direi mesmo interessados, em debater qualquer iniciativa legislativa, venha ela de onde vier, que tenha como propósito repensar o alcance e a configuração concreta do regime legal do segredo de justiça, adequando-o a novas situações e fenómenos.
Entendemos que essa reflexão, com base em propostas concretas, se justifica, aqui, nesta sede e que faz todo o sentido adoptar medidas legislativas adequadas para salvaguardar a qualidade da investigação criminal - que, não esqueçamos, é o objectivo primeiro do segredo de justiça - e proteger o bom nome e a presunção de inocência de que gozam todos .ºs arguidos, tendo em conta as exigências que, inevitavelmente, decorrem de uma sociedade crescentemente mediatizada.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é disso que estamos hoje a tratar, pelo que importa dizer, também muito claramente, que o que tem estado na praça pública, sempre que, nos últimos tempos, se tem invocado o segredo de justiça, não é um debate sério e verdadeiro sobre esse tão importante tema, mas antes, com esse pretexto, uma violenta e despudorada ofensiva contra a acção da justiça, contra a independência dos tribunais e contra a autonomia do Ministério Público.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pronunciamo-nos firmemente e sem quaisquer dúvidas contra as fugas de informação que, em violação do segredo de justiça, venham elas de onde vierem, sejam mediaticamente utilizadas, em prejuízo da inalienável presunção de inocência de quaisquer arguidos.
Mas achamos que é um gravíssimo atentado ao Estado de direito democrático que sejam lançadas atoardas, sem qualquer fundamento credível, acusando os magistrados de violar o segredo de justiça para justificar operações destinadas a condicionar de forma inqualificável o desfecho judicial de certos processos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Vou falar mais claro: o objectivo do Dr. Proença de Carvalho, ao violar, de forma assumida e flagrante, o segredo de justiça, ao lançar em livro dados referentes ao processo em que intervém como defensor e que, como se sabe, envolve como arguida a ex-ministra Leonor Beleza, ou o objectivo do Professor Freitas do Amaral, com as acusações infundadas que lançou sobre os magistrados, não é, manifestamente, o de contribuir para qualquer debate sério sobre o segredo de justiça.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O lançamento do livro do Dr. Proença de Carvalho sobre o processo que envolve a sua constituinte e as acusações infundadas do Professor Freitas do
Amaral sobre hipotéticas violações do segredo de justiça por parte da acusação inserem-se numa verdadeira cruzada de uma certa classe política contra a liberdade e a independência do poder judicial.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador:.- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada vez com mais frequência, o País tem vindo a assistir a múltiplas cenas lamentáveis em torno de problemas que envolvem a aplicação da justiça e que são extremamente preocupantes num Estado de direito.
Assistimos à acção de improvisadas milícias, chamadas de populares, que procuram fazer injustiça com as suas próprias armas, e a manifestações à porta de tribunais, com apelo a linchamentos, procurando condicionar a aplicação da lei por quem, de direito, tem a função de a aplicar.
Mas não é menos grave do que estas cenas lamentáveis que uma outra milícia, desta vez aristocrática, arremessando com livros em vez de paus e. pedras mas também com inflamados discursos, se junte numa manifestação de desagravo a uma arguida num processo, usando os seus poderosos meios de mobilizar a comunicação social para denegrir a acusação, desacreditá-la perante a opinião pública e tentar condicionar a acção do tribunal, fazendo «justiça» fora dele e ditando pública e antecipadamente a absolvição.
O que está em causa neste caso, mas não exclusivamente neste caso, é muito claro. É que, sempre que as instituições judiciárias, no seu funcionamento independente, ousam levar à barra do tribunal, como arguidos, altas figuras ligadas aos meios políticos e económicas que detém as rédeas do poder, logo se desencadeiam as mais graves e contundentes operações - sempre com forte cobertura mediática -, destinadas a absolver antecipadamente os arguidos na praça pública, a atacar a independência das magistraturas e a preconizar a sua dependência do poder executivo.
Quem não se lembra ainda dos ataques desencadeados contra o Procurador-Geral da República, mesmo aqui na Assembleia da República, a partir do momento em que este alto magistrado ousou fazer referência pública à falta de meios de que o Ministério Público dispunha para actuar eficazmente no combate à corrupção e às facturas falsas e impedir a prescrição dos respectivos processos?!
Alguém poderá ignorar que os ataques contra a independência do Ministério Público, as tentativas de utilizar como arma de arremesso a questão da limitação do mandato do Procurador-Geral da República e da alteração da sua forma de nomeação, ou o lançamento de «lebres» como esta do segredo de justiça, aparecem e aumentam de intensidade à medida que conhecidas e influentes figuras ligadas aos poderes político e económico vão sendo alvo da actuação da justiça?!
Aliás, o Dr. Proença de Carvalho não podia ser mais claro quando, ao intervir publicamente nesse famigerado acontecimento editorial, que foi o mais escandaloso ataque à independência do poder judicial de que há memória nos últimos anos, defendeu explicitamente a colocação do Ministério Público na dependência do Governo.
Bem se percebe para quê. Para que, em vez de uma magistratura do Ministério Público independente e orientada por estritos critérios de respeito pela legalidade, passássemos a ter um corpo de funcionários dependente do Governo e orientado pelos critérios de conveniência política e partidária que lhe fossem ditados; para que, em vez
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de uma magistratura empenhada em tratar todos os cidadãos como iguais perante alei, passássemos a ter funcionários obrigados a pactuar com a impunidade dos poderosos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que é nosso dever, como democratas, erguer a voz contra estas afrontas ao Estado de direito democrático e pensamos que seria um dever indeclinável de todas as personalidades com responsabilidades públicas absterem-se de atitudes que funcionam objectivamente como formas de pressão sobre o funcionamento da justiça, procurando incutir na opinião pública sentimentos de desconfiança na isenção e na imparcialidade dos magistrados, sempre que estejam em causa figuras de destaque da vida política e do poder económico.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ao intervir neste debate, em nome do PCP, quero manifestar, muito claramente, .º nosso firme empenhamento na defesa da independência do poder judicial e da autonomia do Ministério Público, como travesmestras essenciais do Estado de direito democrático em que vivemos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao segredo de justiça, falaremos mais sobre ele quando for esse verdadeiramente o assunto em discussão.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe, os Srs. Deputados Guilherme Silva e Luís Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, V.
Ex.ª beneficia da atenuante, embora tardia, da confissão expontânea, pois acabou por dizer que não se pronunciava, neste momento, sobre o segredo de justiça, que é a questão que está aqui em debate e V. Ex.ª entende que não é.
Quero tirar daí uma conclusão, que me parece a única legítima: é que a sua bancada não está muito interessada em modificações em matéria de segredo de justiça - o status serve-lhe perfeitamente - e parece-me que está um pouco avessa a qualquer evolução nesta matéria.
Mas quero dizer-lhe que as preocupações que V. Ex.ª manifestou na defesa da independência das magistraturas, da autonomia do Ministério Público e da independência dos tribunais são preocupações que, seguramente, perpassam por todas as bancadas e não apenas pela bancada do PCP. Porém, tenho dúvidas - para não dizer que tenho certezas - em que seja mantendo o status em matéria de segredo de justiça e fechando os olhos às violações constantes do segredo de justiçar que se defende essas magistraturas. Não é, com certeza, dessa forma!
O Partido Comunista é - e bem! - extremamente cioso da nossa Constituição, mas tem de ser consequente em todas as vertentes. Tem de ser consequente na defesa da presunção de inocência dos arguidos, tem de ser consequente na defesa da intimidade e da privacidade das pessoas e tem de ser consequente na defesa da dignidade da pessoa humana. E isto a que assistimos, impunemente, em relação à violação do segredo de justiça, relativamente ao qual a sua bancada se mostra inteiramente imóvel, atenta contra valores e estes princípios. Ora, não é mantendo este status que fazemos a defesa dos valores que V. Ex.ª diz que defende mas não aceita adoptar medidas para a sua efectiva defesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como tem pouco tempo, responde no fim aos dois pedidos de esclarecimento?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.
O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, vou ser o mais sintético possível, até porque não disponho de tempo.
V. Ex.ª entendeu fazer uma intervenção mais política e não tanto virada para o debate que estávamos aqui a ter, centrando, no fundo, as suas preocupações nas questões da independência e da isenção das magistraturas, particularmente do Ministério Público, e dando como exemplo do ataque a essa independência a divulgação pela defesa, em livro, das peças processuais de um caso conhecido, que, aliás, está na base deste nosso debate ou é o seu pretexto próximo.
Queria, por isso, perguntar-lhe se V. Ex.ª não considera igualmente um ataque a essa isenção e a essa independência das magistraturas, particularmente do Ministério Público, a divulgação antecipada da acusação em diversos jornais, na altura em que isso aconteceu, ou se V. Ex.ª aqui tem dois pesos e duas medidas.
E, já agora, com descentrou a sua intervenção do tema em debate, queria perguntar-lhe também se não concorre para a independência e para a isenção das magistraturas o princípio da limitação dos mandatos do Sr. Procurador-Geral da República.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, começaria por esclarecer um equívoco da sua parte. É que a posição que expressei na minha intervenção, em nome do PCP, não foi a de que é nosso objectivo manter tudo como está, pelo contrário. Aliás, na parte inicial da minha intervenção disse que estamos perfeitamente disponíveis para debater iniciativas legislativas que visem adequar o regime jurídico do segredo de justiça à novas realidades que são de todos conhecidas.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ah! Assim está bem!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Estava distraído!
O Sr. José Junqueiro (PS): - Toda a gente ouviu, menos o PSD!
O Orador: - Disse que estávamos inteiramente disponíveis para discutir essa matéria, quando houver iniciativas relativas a ela, e o seu partido, que eu saiba, não apresentou nenhuma. Õ Governo anunciou uma e o Parti
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do Popular também já anunciou que iria fazer o mesmo, por isso aguardamos que essa iniciativas apareçam, pois temos todo o interesse em discuti-las, como tive oportunidade de dizer.
O Sr. Deputado Guilherme Silva, referindo-se às preocupações que manifestei relativamente à independência do Ministério Público, disse que era um objectivo compartilhado por todas as bancadas. Só se é agora, Sr. Deputado, e isso representa uma grande evolução do PSD, porque, quando me referi a iniciativas aqui, na Assembleia da República, pondo em causa claramente a independência do Ministério Público, era precisamente ao PSD que me estava a referir.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Quais foram os partidos que viabilizaram o que está na Constituição sobre a matéria!?
O Orador: - Sr. Deputado Luís Queiró, não é de estranhar que tenha feito uma intervenção política, porque esta é uma Câmara política.- Não estamos aqui numa academia de ciências jurídicas, estamos numa Câmara política. Aliás, até foi o Sr. Deputado que acabou por dizer que o que esteve na base deste debate foi um acontecimento político, a que eu me referi na minha intervenção, que foi, de facto, o lançamento do livro do Dr. Daniel Proença de Carvalho.
Sr. Deputado, queria deixar muito claro o seguinte, e também tive oportunidade de o dizer: é que nós condenamos quaisquer violações do segredo de justiça, venham elas de onde vierem.
Vozes do PSD: - Ah!...
O Orador: - Agora, aquilo a que assistimos foi a acusações, que nunca ninguém provou, de que a acusação teria violado o segredo de justiça. Para justificar o quê? Para justificar que, assumida e flagrantemente, a defesa o tivesse feito. Isso é que é completamente diferente!
Agora, pela nossa parte, condenamos qualquer violação da legalidade, venha ela de onde vier, e condenamos evidentemente acções como aquela a que me referi, que têm como objectivo evidente condicionar a actuação da Justiça e promover absolvições antecipadas na praça pública.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Isso é a menorização dos juízes, o que não interessa!
O Orador: - É isto que é muito grave e profundamente condenável!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - E o mandato?!
O Orador: - Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine, porque já não dispõe de tempo.
O Orador: - Vou ser muito sintético, Sr. Presidente.
Esta é uma matéria que esteve em discussão na revisão constitucional, onde expressámos a nossa posição. Neste momento, o Procurador-Geral da República não tem um cargo vitalício. Portanto, no regime, jurídico que está estabelecido, quanto aos mandatos do Procurador-Geral da República, ele pode ser demitido a qualquer momento, por conjugação de vontades do Presidente da República e do Governo, o que não corporiza uma situação de cargo vitalício e, assim, em nosso entender, não vemos qualquer razão para que ela seja alterada.
No entanto, esta é uma questão que, ciclicamente, tem sido arremessada, quando se trata de pôr em causa o Estatuto e a acção do Procurador-Geral da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi solicitado pelo Sr. Deputado Gonçalves Sapinho, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento, o uso do direito .de produzir uma intervenção no âmbito do período de antes da ordem do dia, na primeira oportunidade possível.
Ora, como houve consenso entre todos os grupos parlamentares no sentido de que o Sr. Deputado pudesse usar da palavra e como a Mesa também está de acordo, até porque o Sr. Deputado, ao que suponho, vai ausentar-se da Assembleia da República, tem a palavra.
O Sr. Gonçalves Sapinho (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço a V. Ex.ª e a todos os grupos parlamentares a compreensão que tiveram para que pudesse usar da palavra nestas circunstâncias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao requerer o uso da palavra ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia da República, fi-lo, entre outras, por duas razões: primeiro, para beneficiar da última oportunidade de que disponho para usar da palavra, nesta passagem efémera mas a todos os títulos gratificante, na VII Legislatura, após os períodos marcantes que aqui vivi e inesquecíveis da Assembleia Constituinte e da I Legislatura da Assembleia da República e, segundo, para apresentar, de forma sucinta, dois projectos de lei, de que sou subscritor.
Convicto como estou de que tais projectos irão merecer, na altura própria, a atenção desta Assembleia e ser objecto de discussão e aprofundamento e de subsequente decisão política, antecipo-me, por força das circunstâncias, a .esse momento político. Na convicção pessoal e profunda de que tal tempo político existirá, espero e desejo, assim, que o meu juízo político seja consentâneo com o juízo político desta Câmara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos projectos de lei que vou apresentar refere-se às associações representativas dos estabelecimentos de educação, ensino, ciência e cultura não estatais, conferindo-lhe o estatuto de parceiro, face ao Estado, e o consequente direito de participação no processo legislativo, através de consulta prévia, pelos órgãos de soberania, em todas as iniciativas legislativas com incidências no sistema educativo, e aprofunda-se tal direito, permitindo a publicação das posições assumidas nos processos de consulta.
Dada a actual dimensão da educação e do ensino não estatais em todos os ramos e níveis de educação e de ensino, o Estado e a ordem democrática, bem como o pluralismo, só ganham quando a sociedade civil se organiza de forma estruturada e se constitui e oferece como interlocutor válido para grandes questões como são, hoje, e vão ser amanhã, o sistema educativo e a qualidade deste.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tudo o que é hoje, expressão de educação, ciência e cultura não estatais, está congregada na
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CEP - Confederação Portuguesa do Ensino não Estatal. A esta confederação aderiram a Associação das Escolas Profissionais, a Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado e a Associação de Representantes dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo não Superior.
Mas tal confederação não tem ainda o necessário enquadramento legislativo e tal lacuna deve ser colmatada com brevidade. É o que se propõe com o referido projecto de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O outro projecto de lei propõe que seja instituída a Fundação de Cister, com sede no Mosteiro de Alcobaça, na freguesia e cidade de Alcobaça.
Que papel desempenharam os monges de Cister e o Mosteiro de Alcobaça? Os monges e o mosteiro são indissociáveis da afirmação e consolidação da nacionalidade portuguesa. A doação de terras a São Bernardo por D. Afonso Henriques para fundação do mosteiro em Alcobaça e o seu subsequente povoamento constituíram um acto político de profundo alcance. As terras doadas por uma e mais vezes chegaram a abranger, total ou parcialmente, os actuais concelhos de Alcobaça, Nazaré, Marinha Grande, Porto de Mós, Rio Maior, Caldas da Rainha, Óbidos, Bombarral e Leiria. Constituía, no dizer de Vieira da Natividade, como que uma «província» do nosso pequenino reino.
A vida do Mosteiro de Alcobaça e a dos seus monges complementam a política adoptada pelos nossos primeiros reis e influenciam-na de forma decisiva. Isto bastaria para conferir ao Mosteiro de Alcobaça e aos monges de Cister um lugar ímpar na historia da pátria e na memória do povo que somos.
Acresce a isto que os monges moldaram, de forma indelével, toda aquela zona geográfica e as suas gentes e projectaram a sua influência e saber para além dela.
Vejamos exemplos: a política de fixação e de atracção de novas pessoas a essa zona geográfica. Os monges davam acolhimento aos aventureiros que procuravam trabalho e asseguravam liberdade aos fugidos das «Justiças do Reino» e que queriam refazer as suas vidas. A implementação de novas técnicas de cultivo; a secagem de pântanos; a escolha de terrenos; a adequação das culturas aos terrenos; a introdução de novas tecnologias agrárias e industriais; a selecção de novas sementes e de novos produtos e o cultivo dos campos, com as suas próprias mãos, ao lado dos camponeses; o lançamento da pastorícia; a extracção de ferro das minas; o fabrico de ferramentas agrárias; o aproveitamento da energia hidráulica; a construção de moinhos e lagares; a instalação das granjas ou quintas, que constituíram verdadeiras escolas agrícolas, de que eram mestres os monges agrónomos.
Preocuparam-se com a produtividade e a qualidade. Lançam as bases das primeiras indústrias, libertam o homem que se sente, pela aprendizagem e pela autonomia de que beneficia, dignificado e compensado na sua labuta diária.
Potenciaram um desenvolvimento tal que transformou esta zona numa das mais ricas do País e onde o bem-estar vive paredes meias com a estabilidade.
Criaram as primeiras escolas públicas em Portugal, domínio em que foram pioneiros, quer em relação ao Estado, quer em relação a outras ordens ou instituições religiosas. Nelas se ensinou a ler e a escrever e ensinou-se latinidade, lógica e teologia. Aliás, Vieira da Natividade disse, e muito bem, que foi aqui que Portugal começou a aprender a ler.
Foram motor da criação da universidade em Portugal, seguindo a corrente dominante na Europa. O abade do Mosteiro de Alcobaça encabeça a lista dos que dirigem as petições ao Rei de Portugal e ao Papa para a criação da universidade, o que atesta uma visão ousada e um poder de liderança aceite a nível nacional e face à Igreja universal.
É ainda decisivo o papel dos monges de Cister quer na manutenção da universidade, quer no recrutamento de professores qualificados, quer também nas preocupações remuneratórias destes. Notável!
Artistas, barristas, pintores, entalhadores, historiadores, cientistas, professores, escritores, os monges elevam-se ao cume da glória da cultura nacional. Projecta-se além fronteiras quando, no século XVI, o Mosteiro de Alcobaça é levado à categoria de Cabeça da Ordem de Cister, que, ao tempo, contava com 742 abadias espalhadas pela Europa, das quais 32 se sediavam em Portugal.
A biblioteca do mosteiro era uma das mais importantes do País. No Scriptorum do mosteiro copiavam-se e traduziam-se obras de inegável merecimento. Os códices aí preparados, com excelentes encadernações e ricas iluminuras, atingiram níveis artísticos inigualáveis.
A Monarquia Lusitânia - 3.º e 4.º partes foi escrita por Frei António Brandão e a l.º e 2.º partes por Frei Bernardo de Brito. A primeira parte desta monumental obra foi impressa na tipografia do mosteiro.
Muito do esplendor e da riqueza do mosteiro era constituído por valiosas alfaias, riquíssimos paramentos, vasos de culto, mobiliário, baixelas de ouro e de prata, bacias e jarros de prata lavrada, louças orientais, tapeçarias persas, quadros, livraria dos mestres iluministas, estatutária de barro, azulejos, presépio anexo à antiga sacristia, etc.
A dimensão do mosteiro, é assinalável, dado que as fachadas poente e norte, têm, cada uma 221 metros de comprimento.
Porém, o que são, hoje, a Ordem de Cister e o Mosteiro de Alcobaça? Para que serviu este nas últimas décadas?
É, ainda hoje, uma maravilha da arquitectura nacional e cistercense a nível Europeu. É, com as suas dimensões, um dos maiores e também dos mais belos monumentos nacionais.
O templo constitui a maior igreja de Portugal, com os seus 106 metros de comprimento, 17,2 de largura e 20 de altura. É uma peça arquitectónica que chegou aos nossos dias razoavelmente conservada, com o .seu refeitório e a sua cozinha que constituiu «o mais distinto templo de glutonaria da Europa».
Nesta maravilha arquitectónica já estiveram instalados, entre outros, o tribunal da comarca, as finanças, a escola preparatória, o quartel, e ainda lá está o lar de mendicidade, hoje chamado de Lar Residencial.
Todo o seu esplendor, riqueza e importância, todo o património arqueológico, artístico, bibliográfico e histórico foram objecto de delapidação, de abandono, de destruição e de pilhagem com a extinção das ordens religiosas, as invasões francesas, as lutas liberais e a implantação da República.
O mosteiro, fica praticamente, reduzido às paredes. Perdeu-se um incalculável património, onde repousavam uma boa parte da alma e da história pátrias. Mas, apesar de tudo isto, o Mosteiro de Alcobaça é, hoje, justamente, Património da Humanidade.
Sabe-se que nele vão ser investidos 1,6 milhões de contos em obras de restauro e recuperação, o que é aplaudido por todos quantos apostam na recuperação e preservação do património.
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Sabe-se que existem mosteiros da Ordem de Cister em Tarouca, Arouca, Montalegre, Moimenta da Beira, Penacova, São Pedro do Sul, Tomar, Santarém, Cernache, Tabuaço, Portalegre e Nelas. Sabe-se que a Ordem de Cister ainda está espalhada por toda a Europa. Sabe-se que os monges de Cister tinham, na Idade Média, uma ideia da Europa, que precisava de se reencontrar e de percorrer os caminhos da unidade. Foram eles que lançaram o fermento da unidade que hoje buscamos.
E no Mosteiro de Alcobaça repousa, na obra mais acabada de toda a escultura tumular do século XIV, a mais real, a mais bela, a mais autêntica, a mais sublime paixão dos eternos amantes que foram Pedro e Inês. Romeu e Julieta são um mito construído pelo génio de Shakespeare. Mundializou-se o mito por quem soube fazê-lo. A história de Pedro e Inês não só não se mundializou, porque nos faltou «engenho e arte» para tal, como até se esqueceu e congelou.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gonçalves Sapinho, peço-lhe que termine, pois já esgotou o tempo regimental.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. .
Congelou-se a mais bela e rica história de amor que, curiosamente, o povo consagrou e nela se reviu.
Com a riquíssima história e o inexcedível papel dos monges de Cister em prol do nosso país, do nosso desenvolvimento e da nossa cultura, com esta realidade que é hoje o Mosteiro de Alcobaça, com este vultoso e necessário investimento em vias de ser concretizado, com este Património da Humanidade, ficam as perguntas do desassossego. O que se segue? Qual é a ideia para aquelas pedras, nuas, frias e sombrias, mas esbeltas, do mosteiro? Pretende-se que este seja apenas uma passiva maravilha da arquitectura nacional e cistercense? Conformamo-nos por ser um dos raros monumentos nacionais classificados como Património da Humanidade? Consolamo-nos por sabermos que, outrora, ali assentaram arraiais...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que termine, pois já ultrapassou o tempo.
O Orador: - ... a glória da cultura nacional, o impulso da criação da universidade, a ideia da criação das primeiras escolas públicas, a revolução agrária, a consolidação da nacionalidade? Aceitamos revermo-nos no passado sem olharmos para o futuro, sem agarrarmos o que temos à mão?
A todas estas interrogações respondo que é imperioso restituir a «alma» ao Mosteiro de Alcobaça, revitalizando energias latentes ou adormecidas. Impõe-se criar condições locais para que uma boa parte do acervo disperso do mosteiro volte ao seu local de origem. Dê-se alento a este ideal. É preciso recriar na zona de influência dos monges de Alcobaça, um pólo que receba, crie e irradie cultura nas artes, nas letras, na investigação, em ligação com outros mosteiros cistercenses espalhados pelo País.
Deve ousar-se na aposta política de não esgotar os meios culturais em Lisboa e no Porto. Na construção da Comunidade Europeia, em que estamos activamente envolvidos e comprometidos, não pode descurar-se a preocupação de se criarem, já, condições para que a cultura portuguesa e identidade nacionais se «agarrem ao chão» e se fortaleçam, saudavelmente, nas pessoas de hoje e de amanhã, por forma a evitar que nos diluamos numa «argamassa» em que nada é identificável.
Alcobaça e o seu mosteiro são um «lugar privilegiado» onde «aconteça» cultura, donde irradie, com espírito universalista, como era o dos monges de Cister, a alma da portugalidade.
Há que «desenterrar» popularizar e universalizar essa ímpar história de amor de Pedro e Inês, que empalidece toda a construção mítica de Romeu e Julieta. Há que encontrar uma solução para emprestar vida ao Mosteiro de Alcobaça, dar-lhe um préstimo valioso ao serviço das populações locais, ao serviço de País e da Europa. Não esqueçamos que os monges de Cister ainda existem em muitos países da Europa.
Temos, nas nossas mãos, - uma oportunidade única, no tempo histórico que vivemos, de vitalizar um pólo de criação e difusão culturais e de promover, - de forma sustentada, a descentralização cultural. Não desperdicemos oportunidades.
Propõe-se que no local - Alcobaça e seu mosteiro seja criada uma estrutura que faça a gestão de tão grandioso espaço, que o dinamize e lhe dê outras utilidades.
Muitas poderão ser as formas de atingir estes deideratos, mas há uma que parece possível e realista: a instituição da Fundação de Cister.
Pretende-se que, nesta fundação, à imagem e semelhança do que se passa com a Fundação do Teatro Nacional de S. Carlos e com a Fundação de Serralves, participem, como fundadores, para além do Estado, as autarquias e as pessoas singulares e colectivas. Terá por finalidade a promoção do desenvolvimento cultural da região e a conservação do património e, por actividades, nomeadamente, a gestão do património imobiliário, mobiliário e Financeiro; a conservação do património imobiliário e mobiliário; a criação e manutenção de um museu de arte, de um centro de documentação e investigação; a formação profissional e o ensino nos domínios da conservação e utilização do património cultural; a promoção de actividades culturais e de divulgação científica e tecnológica; a instalação de uma unidade hoteleira e de restauração; a promoção da investigação no domínio das artes, das letras e das actividades agropecuárias e a dinamização das actividades turísticas.
Temos de ser inovadores e imaginativos para por a mexer o que temos, para tirar proveito do que nos legaram, para animar o que está inerte. É este um contributo a que acrescerão, assim o creio, outros contributos mais imaginativos e criadores.
Desejo a todos um bom Natal, com uma sugestão dirigida aos membros da Comissão de Educação, Ciência e Cultura: antes de deliberarem, revisitem o Mosteiro de Alcobaça, de onde trarão a inspiração para uma deliberação acertada. Se aceitarem esta sugestão, deixo um pedido: convidem-me para vos acompanhar, que eu aceito tão honroso convite.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado será convidado com certeza, se a visita se concretizar.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 12 horas e 30 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como o primeiro ponto da ordem de trabalhos não consta do boletim infor
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mativo mas apenas do resumo das deliberações da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, peço a vossa autorização para passarmos à apreciação do projecto de deliberação n.º 33/VII - Prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito ao acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud (PAR), que suponho ser do vosso conhecimento, porque alguns Srs. Deputados desejam retirar-se.
Devo dizer que, após ter recebido uma carta da respectiva Comissão Parlamentar de Inquérito, eu próprio redigi o projecto de deliberação nos termos que vou passar a ler: À Comissão Parlamentar de Inquérito ao acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud foi, pela Resolução da Assembleia da República n.º 34/96, de 17 de Outubro, fixado um prazo de 45 dias para a apresentação do respectivo relatório.
Em requerimento fundamentado, onde se invoca a circunstância de ter ocorrido, naquele período de tempo, a discussão e aprovação do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1997, solicitou aquela Comissão Parlamentar a prorrogação, até ao próximo dia 31 de Março de 1997, do prazo inicialmente fixado.
Considerando que a concessão deste novo prazo se contém no limite máximo de 180 dias, fixado no n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março, a Assembleia da República delibera:
Conceder à Comissão Parlamentar de Inquérito ao acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud um novo prazo de 100 dias, para a apresentação do respectivo relatório final.
Este é o conteúdo do projecto de deliberação que, se estiverem de acordo, após ser apreciado, votaremos de imediato, pois, como disse há pouco, alguns Srs. Deputados querem ausentar-se.
Visto não haver pedidos de palavra, vamos proceder à sua votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos agora passar à apreciação do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão das despesas do FEOGA - Secção Orientação em Portugal, entre 1988 e 1993 (inquérito parlamentar n.º 2/V1I).
O Sr. Deputado Antunes da Silva, Presidente da Comissão de Inquérito Parlamentar, que pediu a palavra para, numa breve intervenção, prestar um esclarecimento, tem a palavra para esse efeito.
O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Prescindo da apresentação do relatório, uma vez que o Sr. Deputado relator, Nuno Correia da Silva, o fará de seguida, mas permitam-me que aproveite esta oportunidade para suscitar, a propósito das comissões de inquérito, uma questão que tem a ver com a transcrição das actas das reuniões.
No caso desta Comissão de Inquérito, contámos com o esforço e a boa vontade dos serviços, que aqui registamos com agrado, para termos em nossa posse as actas que nos permitiram proceder à discussão do relatório em tempo útil. Porém, ficaram bem patentes as dificuldades sentidas para obtê-las em tempo útil. Por essa razão, deixava esta questão como registo e reflexão para o futuro, pois todos sabemos que as comissões de inquérito têm um prazo de funcionamento e pode acontecer um dia que o Sr. Deputado relator, um Deputado ou um grupo de Deputados entendam não ter condições para respeitar esses prazos, no sentido de poderem concluir os trabalhos por não disporem dos elementos necessários para esse efeito. Era apenas esta a nota que queria deixar, agradecendo terme sido dada esta oportunidade.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem toda a razão. Estou consciente das dificuldades com que os serviços se debatem em matéria de descodificação e de gravação de debates. Tem havido um acréscimo de trabalho fenomenal nesta sessão legislativa em relação a outras anteriores, o que é bom sinal; já foi aberto ou vai ser, não posso garantir, um concurso para obtermos fornecimento exterior de serviços nesta área, a ver se conseguimos o desbloqueamento desta situação, mas nos próximos 15 dias, um mês, provavelmente, continuaremos a lutar com bastantes dificuldades que depois disso serão superadas.
Para apresentar o relatório, por tempo não superior a seis minutos, tem a palavra, na qualidade de relator, o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório tem como objecto averiguar sobre as circunstâncias e responsabilidades nas irregularidades detectadas no Relatório do Tribunal de Contas Europeu, publicado em 22 de Dezembro de 1995, sobre a gestão dó FEOGA - Secção Orientação - em Portugal, entre 1988 e 1993.
Devo recordar a esta Câmara que o mesmo relatório continha as seguintes críticas à gestão do FEOGA - Secção Orientação em Portugal. Primeiro, foram identificadas uma série de deficiências dos procedimentos administrativos e de controlo aplicados pelas autoridades portuguesas; segundo, foi detectado um número significativo de casos em que o financiamento comunitário foi incorrectamente concedido ou inadequadamente controlado; terceiro, em 321 projectos e operações analisados, no período compreendido entre 1988 e 1993, foram detectados 43 casos quê apresentam uma «certa quantidade de erros, que colocam em causa a justificação para os seus respectivos pagamentos»; quarto, em determinados casos foram efectuados pagamentos indevidos; quinto, as deficiências dos sistemas, observadas na maioria dos projectos/operações analisados, levam à conclusão de que não está assegurada a fiabilidade do sistema administrativo subjacente: por último, os erros e as deficiências detectadas podiam ter sido evitados. As autoridades portuguesas e a Comissão Europeia devem partilhar as responsabilidades.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante estas acusações, perante este relatório produzido pelo Tribunal de Contas Europeu, foi constituída uma comissão de inquérito que tentou apurar as responsabilidades e identificar os casos referidos no relatório. Para isso, ouviu um conjunto largo de serviços e de instituições da Administração Pública portuguesa, entre os quais, nomeadamente, foi requerido ao Ministério da Agricultura que diligenciasse junto do Tribunal de Contas Europeu a fim de serem identificados com objectividade e rigor os 43 casos apontados nos quais teriam ocorrido irregularidades na atribuição ou na gestão dos fundos.
A Comissão, nas diligências efectuadas, ouviu o IFADAP, a IGA, responsáveis não apenas da administração central mas também dos serviços regionais. De todas as diligências efectuadas, da volumosa informação que nos foi chegando, que constituiu diversos dossiers, seguramente milhares de páginas, não nos foi possível obter a resposta
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que pretendíamos nem a identificação rigorosa e objectiva dos 43 casos apontados pelo Tribunal de Contas Europeu.
Neste sentido, a Comissão propõe a seguinte conclusão, que está vertida neste relatório: embora todas as diligências e esforços no sentido de apurar estas responsabilidades tenham sido inconsequentes, houve casos em que a identificação foi possível confirmando-se situações de irregularidades. Face ao exposto, recomenda-se ainda ao Governo português que insista junto do Tribunal de Contas Europeu na necessidade de serem apurados os casos que falta identificar.
Em jeito de conclusão, permita-me, Sr. Presidente, que manifeste aqui a falta de respeito que me parece evidente transbordar por parte de uma instituição europeia que faz acusações e que, depois, não responde aos pedidos de informação feitos pela Comissão de Inquérito através do Sr. Ministro da Agricultura, que é naturalmente o responsável português e o intermediário de Portugal junto da Comissão Europeia.
Com este registo, dou por concluída a apresentação do relatório, sem prejuízo do debate que naturalmente irá seguir-se.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Germano Sá e Abreu.
O Sr. António Germano Sá e Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi criada uma Comissão Eventual de Inquérito para análise da gestão das despesas do FEOGA - Secção Orientação - em Portugal, entre 1988 e 1993, que vem na sequência de um relatório elaborado pelo Tribunal de Contas Europeu analisado em devido tempo por esta Câmara.
Relativamente a esse relatório do Tribunal de Contas Europeu, o Partido Social Democrata proeurou fazer sempre uma análise objectiva e justa, tendo em atenção o objecto que, como todos sabemos, consubstancia um dos principais, senão o principal, instrumento comunitário de apoio ao investimento" no sector agrário, destinado, precisamente, ao apoio financeiro dos seus agentes económicos: os agricultores.
Nesta perspectiva, encaramos a actuação do Tribunal de Contas dentro do regular e normal funcionamento das instituições em cumprimento dos fins legítimos para que foram criadas e não na perspectiva da obtenção de vantagens político-partidárias. Esse julgamento, inevitavelmente, revestiria uma acusação generalizada sobre os agricultores.
Não partimos, pois, do pressuposto campo das irregularidades mas, antes, da perspectiva da confiança e da boa conduta, em que as irregularidades, a existirem, seriam a excepção e não a regra. Essa convicção baseia-se no respeito de que os agricultores demonstram ser credores de todos nós, responsáveis políticos, com a obrigação de apoiá-los na sua actividade em prol do desenvolvimento social e económico do nosso país, tarefa que diz respeito a todos em geral.
Tenhamos em conta que o universo potencial em que recaiu a análise é vastíssimo. Essa avaliação traduz uma apreciação mais política do que a verificação da regularidade ou o apontar de ilegalidades.
Não se vislumbra a legitimidade ou a competência de um Tribunal de Contas para avaliar decisões políticas de um governo, no exercício legítimo e democrático das suas funções.
Parece que, nesse tipo de análise, se esquece que o PEDAP se deve inserir no contexto da Política Agrícola.
Comum e, como tal, os incentivos ou apoios nele previstos serão concedidos ao abrigo de condições e requisitos estabelecidos de acordo com os procedimentos previstos no ordenamento jurídico comunitário, os quais foram aprovados por instituições legítimas e competentes, cujas decisões, assumidas e adoptadas em conformidade com a lei aplicável, não deverão ser questionadas por órgãos a que não compete fazer qualquer avaliação política.
Devemos ainda ter em consideração que o Tribunal dá ênfase à falta de recursos humanos da Administração Pública para justificar algumas falhas de eficácia e eficiência da aprovação e fiscalização dos projectos aprovados.
Por outro lado, não refere ilegalidades graves que justificassem o empolamento político dado a este relatório na altura da sua publicação, com o qual se visava, essencialmente, criticar a gestão do governo social-democrata.
As próprias conclusões do Tribunal de Contas Europeu retiram fundamento à polémica político-partidária que alguns almejaram; fazem notar que a concorrência severa que o mercado interno sofreu, aliada a duas épocas fracas por razões climatéricas, configuram razões atenuantes para as irregularidades detectadas.
Pelos motivos referidos, o Partido Social Democrata não pôde concordar, em absoluto, com o relatório elaborado pela Comissão Parlamentar de Inquérito, optando pela abstenção aquando da votação do mesmo em Plenário.
Nesse relatório do Tribunal de Contas está subjacente a sobrevalorização dos aspectos negativos - que infelizmente sempre sucedem - fazendo passar a ideia perversa de suspeição a todo o sector e a todos os seus agentes, a qual não corresponde, nem de perto nem de longe, à realidade existente em Portugal.
De facto, apesar da ênfase dada às poucas irregularidades existentes no universo de 321 projectos analisados, onde foram detectados 43 com irregularidades, não deixa de ser estranho que ainda hoje as autoridades portuguesas não conheçam em concreto a totalidade dos 43 casos com irregularidades apresentados pelo Tribunal de Contas Europeu.
Mais ainda, naqueles casos decifrados pelas autoridades portuguesas, o Tribunal de Contas das Comunidades fez plágio de algumas das incorrecções já detectadas e identificadas pelos organismos portugueses. «Dos 36 projectos analisados pela IGA - onde se pressupõe estarem incluídos os 43 casos do Tribunal de Contas - utilizando métodos de averiguação diferentes, 14 foram considerados regulares, 11 com indícios de irregularidades e 11 que necessitavam de esclarecimentos adicionais, na primeira fase da análise. Na segunda fase, a IGA analisou 21 projectos, tendo considerado que 12 estavam regulares e que 9 continham irregularidades».
Isto permite assim concluir que, objectivamente, não existe matéria que justifique a polémica que alguns geraram em relação ao relatório do Tribunal de Contas Europeu logo que, sem o analisarem, tiveram conhecimento da sua existência.
Afinal, «a montanha pariu um rato». Afinal, os portugueses não são nenhuns malandros!
A principal diferença que distingue o PSD dos outros partidos é a confiança que deposita nos portugueses, não os olhando preconceituosamente como potenciais criminosos em tudo o que tenha a ver com dinheiros.
Os portugueses são tão ou mais sérios que os demais cidadãos comunitários.
Afinal, a fraude e o escândalo que outros gostariam de ter como conclusão e previram nas afirmações apressadas
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quando o relatório do Tribunal de Contas Europeu veio a público não ocorreu, para bem de Portugal e dos portugueses, embora para frustração daqueles que apenas pretendiam uma guerrazinha partidária, mesmo à custa dos interesses de Portugal e dos agentes económicos nacionais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para terminar, entendemos que há sempre muito a melhorar.
As críticas devem ser encaradas numa perspectiva positiva e de humildade, por forma a constituírem alento, quando justas e fundamentadas, para se fazerem todos os esforços necessários e adoptar todas as medidas conducentes a uma maior eficácia e eficiência na aplicação dos apoios instituídos, por forma a todos contribuirmos para a melhoria sócio-económica do sector agrário.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Deputado António Germano Sá e Abreu, quando o Partido Popular propôs a esta Câmara a constituição de uma comissão de inquérito para apurar as responsabilidades relativamente às acusações feitas no relatório do Tribunal de Contas Europeu mais não pretendíamos do que apurar a verdade e as responsabilidades e, naturalmente, reabilitar o nome de Portugal e do Estado português que, claramente, foi posto em causa e manchado pelo referido relatório. Mas não vamos confundir as coisas.
É que se havia erros era necessário corrigi-los e informar o Tribunal de Contas Europeu e as instituições europeias pelas quais foi distribuído este relatório que denegriu certamente a imagem de Portugal e prejudicou os apoios comunitários à agricultura portuguesa. Portanto, era necessário apurar a verdade. Repito que se havia erros, era necessário corrigi-los e demonstra-lo.
Se, afinal, como veio a verificar-se, os casos apontados pelo relatório do Tribunal de Contas Europeu não continham erros ou, pelo menos, estavam mal fundamentados, então, havia que pedir responsabilidades àquele Tribunal de Contas por esta leviandade permitam-me a expressão - perante o Estado português.
Mas, repito, não confundamos as coisas, Sr. Deputado! Uma coisa foi a apreciação dos 43 casos que eram enunciados no relatório do Tribunal de Contas Europeu, outra coisa foi a gestão do FEOGA - Secção Orientação - entre 1988 e 1993. E quanto a isto, após a informação apurada, verificou-se não ser legítimo que se conclua que «a montanha pariu um rato». E que há muitas irregularidades e todos os programas, sem excepção, que foram objecto da Inspecção-Geral de Agricultura apontam para um deficiente e incompleto controlo de realização por parte das entidades envolvidas e da administração pública.
Tenho comigo os documentos e posso citar-lhe as conclusões, programa a programa. Quanto ao Programa de Acção Florestal, a IGA afirma, perante a análise de projectos da Direcção-Geral de Florestas, que o controle da realização foi deficiente e incompleto. No que respeita ao Programa de Regadio, a IGA afirma que havia necessidade de observar com maior pormenor a actuação dos coordenadores dos projectos. Sobre o programa para benefício de regadios tradicionais e pequenos regadios individuais, as conclusões retiradas da análise da IGA apontam para a existência de pouca profundidade no trabalho de programação e orçamentação. Relativamente ao programa de beneficiação de regadios tradicionais, a IGA conclui da análise efectuada que o controle exercido pelos técnicos das zonas agrícolas não assume um carácter de efectiva fiscalização. E mais poderia citar-lhe igualmente nestes termos, portanto, repito, Sr. Deputado, não confundamos as coisas!
O objecto deste inquérito era o de apurar as responsabilidades nos 43 casos que foram apontados pelo relatório do Tribunal de Contas Europeu e o de repor o bom nome de Portugal junto das instituições europeias. Não queiramos branquear as irresponsabilidades que foram detectadas, a falta de controle, a falta de profundidade que se verificou na aplicação e na gestão dos fundos FEOGA entre 1988 e 1993.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Germano Sá e Abreu.
O Sr. António Germano Sá é Abreu (PSD): Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, se ouviu bem a minha intervenção terá verificado que reconheci que existiram irregularidades e que ninguém o desmente. Mas também disse que o que se passou entre 1988 e 1993 não constituiu uma situação tão grave como os senhores quiseram fazer crer aquando da publicação do relatório do Tribunal de Contas Europeu.
Seguidamente, afirmei que muitas das situações irregulares detectadas por aquele Tribunal de Contas já tinham sido detectadas pelos organismos nacionais, o que, aliás, se confirma no relatório.
Dos 43 casos mencionados pelo relatório do Tribunal de Contas Europeu nem todos continham irregularidades tão vincadas como queria fazer-se crer. Repare que, se bem me lembro, de entre todos, só um dos casos é que poderia considerar-se grave, enquanto os outros continham irregularidades de tipo processual.
Assim, Sr. Deputado, o que eu quis dizer foi que os senhores estavam à espera que os governos do PSD fossem condenados politicamente pela aplicação dos fundos do FEOGA, o que não aconteceu pois as situações não foram tão graves como parecia, e ainda bem.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adérito Pires.
O Sr. Adérito Pires (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório do inquérito hoje em apreciação teve como objecto averiguar sobre as circunstâncias e responsabilidades nas irregularidades detectadas no Relatório Especial n.º 4/95, do Tribunal de Contas Europeu, no que concerne à gestão das despesas do FEOGA - Secção Orientação - em Portugal, no período que decorreu entre 1988 e 1993.
Aqui se afirma que num universo de 321 projectos e operações analisadas foram detectados 43 casos que apresentavam irregularidades.
Apesar das dificuldades que a Comissão de Inquérito constituída para o efeito se defrontou, uma conclusão é inequívoca e resulta claramente do próprio relatório do inquérito em apreço e que quero deixa-la aqui registada: nos casos em que a identificação foi possível, confirma-se a existência de irregularidades.
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Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A aprovação de projectos irrealistas e sem qualquer viabilidade económica, a atribuição de subsídios incorrectamente concedidos, as incapacidades generalizadas para acompanhar e fiscalizar os projectos em curso constituem, em parte, o saldo da gestão das despesas do FEOGA.
Os milhões de contos destinados à agricultura portuguesa para permitir recuperar o atraso em termos de desenvolvimento e aumentar os rendimentos agrícolas através de um acréscimo de produção foram efectivamente mal utilizados.
Graças a políticas incorrectas, desbarataram-se preciosos meios financeiros em autênticos projectos megalómanos, ficando por aprovar outros que traziam o dinamismo necessário para superar as deficiências estruturais básicas da agricultura portuguesa.
E porque foi evocada como uma exploração modelo, como um exemplo de sucesso, recordo o caso Odefrutas, onde se gastaram quatro milhões de contos e que teve como destino a falência, deixando várias dívidas à segurança social e às finanças, para além de deixar várias famílias sem emprego e pondo em causa explorações agrícolas que dela dependiam.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Como se isto não bastasse, não foram pedidas garantias necessárias para o Estado português se ressarcir dos investimentos com dinheiros comunitários e do próprio Estado.
E os resultados estão à vista. A agricultura portuguesa tornou-se mais débil, menos competitiva e mais dependente da importação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nenhum destes factos é novidade para o Partido Socialista.
O PS apercebeu-se atempadamente do fracasso dos objectivos traçados para a agricultura portuguesa. Por vozes autorizadas e por variadíssimas vezes, denunciou e manifestou tais preocupações, alertou para a diminuição da produção agrícola, para o consequente abandono dos campos e desertificação do mundo rural. Alertou, numa palavra, para as oportunidades de ouro que definitivamente se perdiam.
O PSD, distante destas realidades, fez, como sói dizer-se, «ouvidos de mercador».
A este propósito da utilização de fundos comunitários, lembro as palavras do Sr. Deputado António Campos, em 13 de Março de 1993, proferidas nesta Câmara: «Srs. Deputados, estamos a discutir questões sérias e o PSD não tem participado. Todos os dias, [...]» - reportando-se naturalmente àquele momento - «[...] quando abrimos os jornais vemos escândalos de utilização de fundos e dinheiros comunitários. O PSD em vez de procurar prestigiar as instituições joga à defesa e procura paralisá-las».
Com efeito, preferiu propagandear um falso optimismo da agricultura portuguesa - estamos a falar do período que decorreu entre 1988 e 1993.E o «oásis» que então se vivia, também na agricultura, foi aquilo que se viu e é o que está registado no Relatório Especial n.º 4/95 do Tribunal de Contas e, em parte, no relatório de inquérito em apreciação. As conclusões deste inquérito são como que um filho nascido fora de tempo do extinto governo do PSD.
Mas, em nome do rigor e da verdade, interessa registar que quem está em causa neste inquérito, quem está sujeito a este julgamento não são de modo nenhum os agricultores portugueses. É o sistema de permissividade então instalado, que permitiu irregularidades e que alguns se fizessem passar por agricultores recebendo avultadas verbas, não permitindo que elas fossem parar aos seus verdadeiros destinatários. Os agricultores e a sua lavoura foram os grandes prejudicados.
Srs. Deputados, só ao PSD podem ser assacadas responsabilidades políticas. É tempo, pois, de assumir por inteiro essas responsabilidades.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao próximo orador, informo a Câmara que o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva chamou a atenção da Mesa para um erro que consta do n.º 4 das conclusões do relatório da comissão de inquérito. Onde se diz «contudo, nos casos cuja identificação foi possível», o que abrangeria, portanto, todos os casos, deve ler-se «em casos cuja identificação foi possível», portanto, não em todos eles.
Se me permitem, enviarei o relatório ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva e ao Sr. Presidente da Comissão de Inquérito para introduzirem a correcção à mão e rubricarem no local.
Posto isto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Adérito Pires.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adérito Pires, ouvi a sua intervenção e ela não plasma minimamente o que se passou na comissão de inquérito, nem quanto à documentação nem quanto aos depoimentos efectuados.
Há um ano, V. Ex.ª viu publicado um relatório do Tribunal de Contas Europeu que fazia acusações gravíssimas ao Estado português, afirmando que, num universo de 321 projectos, 43 continham irregularidades e eram susceptíveis de devolução de fundos à Comunidade. Passado este tempo, o que verificamos foi que, apesar de ter havido uma comissão de inquérito sobre a matéria, não sabemos quais são esses projectos que eram apontados.
O Governo socialista enviou à comissão de inquérito, por duas vias diferentes, por um lado, uma informação veiculada pelo gabinete do Sr. Ministro, provinda do IFADAP, em que se afirmava que estavam em causa 65 projectos e, por outro lado, uma outra informação passados 15 dias, igualmente do gabinete do Sr. Ministro, provinda da IGA, em que se afirmava que estavam em causa 36 projectos. Ou seja, passado um ano, o Governo não conseguiu, nem a nível interno nem a nível da União Europeia, averiguar a identificação dos tais 43 projectos.
Não lhe parece que é grave esta apatia e esta descoordenação existente no Governo do Partido Socialista?
Que medidas irão ser tomadas no sentido de conferir maior operacionalidade à Administração Pública para poder responder aos desafios que lhe surgem?
Por outro lado, V. Ex.ª diz que no relatório da comissão de inquérito se afirma que existem irregularidades nos casos em que foi possível fazer a identificação. Felizmente, o Deputado relator já corrigiu esta afirmação.
Saiba V. Ex.ª que mesmo nos casos em que a Administração Pública presumiu que havia irregularidades - e só foram identificados 36 projectos nesta situação - só nove as continham. E as irregularidades presentes naque
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les projectos nada tinham a ver com desperdício ou má aplicação de verbas mas eram formais, de enquadramento formal na
regulamentação comunitária.
Assim, o que era importante o Partido Socialista e todos os outros dizerem é que se provou que não houve desvio de verbas, nem favoritismo, nem corrupção a nível da gestão dos fundos. Repito que as únicas irregularidades detectadas foram de enquadramento formal das candidaturas em relação aos regulamentos comunitários.
O Sr. Deputado referiu ainda o caso Odefrutas mas, como sabe, não era objecto de inquérito desta comissão.
No entanto, pergunto a V. Ex.ª: passado um ano de governação, o que fez o Governo do Partido Socialista para que aquela zona de Odemira tivesse um pólo de desenvolvimento agrícola ou um projecto alternativo no sentido da criação de postos de trabalho, do aproveitamento das condições edafo-climáticas existentes para potencializar os recursos disponíveis? O que se vê é que o Partido Socialista assiste impávido e sereno à degradação destas situações e apenas faz uso de alguns casos menos positivos como arma de arremesso político-partidário.
Por falar em irregularidades, pergunto-lhe: o que aconteceu ao caso do Matadouro da Guarda, que era gerido por um distinto militante do Partido Socialista? Estão lá enterrados centenas de milhar de contos, os alicerces da obra estão meio feitos e sabe-se que só 10% das verbas atribuídas à obra é que foram lá investidos. O que fez o Governo do Partido Socialista? O que faz o Grupo Parlamentar do Partido Socialista no sentido de dotar o distrito da Guarda com um matadouro para poder haver condições de abate dos animais e para que possam rentabilizar-se as verbas já investidas e apurar-se as
responsabilidades de quem geriu mal e, eventualmente, terá desviado dinheiros?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adérito Pires.
O Sr. Adérito Pires (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Duarte, diz V. Ex.ª que a minha intervenção não refere o que efectivamente se abordou na comissão de inquérito. Pretende, porventura, dizer que não houve tantas irregularidades como as que são relatadas pelo Tribunal de Contas Europeu. Mas uma coisa é certa, Sr. Deputado - e temos de interpretar habilmente as conclusões deste relatório: efectivamente, refere-se que não foi possível identificar todas as irregularidades mas nem por isso deixa de haver irregularidades naqueles casos em que foi possível a respectiva identificação.
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - E aqui permita-me uma interpretação. Uma coisa seria dizer-se que a comissão de inquérito chegou à conclusão de que as irregularidades que se plasmavam no relatório do Tribunal de Contas Europeu não existiam. E não foi isto que ficou registado mas outra coisa inteiramente diferente.
Vozes do PS: - Bem lembrado!
O Orador: - É inteiramente diferente afirmar, como se afirmou, que não foi possível identificar os 43 casos, mas naqueles em que, efectivamente, foi possível fazer essa identificação, de facto, confirma-se a existência de irregularidades. E, Sr. Deputado Carlos Duarte, sabe por que é que não foi possível identificar todas as irregularidades?
Essa resposta também consta das conclusões do relatório, onde, logo no primeiro item, pode ler-se que a «Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Gestão das Despesas do Fundo de Orientação e Garantia Agrícola - Secção Orientação em Portugal entre 1988 e 1993 face às condições em que decorreram os seus trabalhos não teve oportunidade de ouvir o TCE nem de analisar os projectos em causa». Acrescentaria eu: não teve tempo, nem meios, nem oportunidades para fazer uma rigorosa avaliação ou para acompanhar os processos e fazer uma inspecção in loco. Se isso acontecesse, os resultados seriam, porventura, diferentes.
Vozes do PS: - É verdade!
O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Carlos Duarte, esta conclusão tem de ficar registada. Há, efectivamente, irregularidades.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Ficaram detectadas!
O Orador: - Naturalmente! Portanto, esta conclusão tem de ficar registada.
Por outro lado, imputando algumas responsabilidades ao Governo, o Sr. Deputado Carlos Duarte referiu que houve alguma descoordenação no sentido de não contribuir para essa identificação. Permita-me o à-vontade, mas julgo que tal interpretação será abusiva e, a este propósito, diria que grave é o estado em que VV. Ex.as deixaram a agricultura portuguesa!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O que queria ouvir, da parte do Sr. Deputado Carlos Duarte, é que a agricultura portuguesa e o rendimento dos agricultores portugueses foram melhorados, graças aos fundos que pretendiam uma evolução socio-estrutural. Infelizmente, o Sr. Deputado não pode dizê-lo, porque, como sabe, os rendimentos dos agricultores portugueses baixaram cerca de 35%, nomeadamente desde que tomou posse o Primeiro-Ministro do Governo do PSD.
Com efeito, gostava de o ouvir dizer que os agricultores não abandonaram os campos e que vivem agora em melhores condições. Se fossem estas as conclusões, dir-lhe-ia claramente que não houve irregularidades.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história deste inquérito, mais que a história do objecto do inquérito é a história do próprio inquérito. E dizemos isto porque, pela primeira vez na história desta Assembleia, estamos perante um inquérito em que o partido proponente, ele próprio relator do inquérito, quase corria o risco de pedir desculpa por ter proposto o inquérito, quase corria o risco de se condenar a si próprio.
É que este inquérito, de acordo com os seus proponentes, tinha como objecto apurar as circunstâncias e responsabilidades detectadas no relatório do Tribunal de Contas Europeu, publicado em 22 de Dezembro de 1995, sobre a questão das despesas do FEOGA - Secção Orientação em Portugal entre 1988 e 1993.
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Muitas dessas irregularidades eram já amplamente conhecidas ou, no mínimo, faladas em Portugal, mesmo antes do julgamento proferido pelo Tribunal de Contas Europeu.
O PCP levantou esta questão várias vezes, aqui na Assembleia da República, e propusemos, inclusivamente, na última legislatura, um inquérito parlamentar aos investimentos realizados no âmbito da política florestal, ao processo da rede nacional de abate e da privatização dos matadouros, todos eles inviabilizados pela maioria absoluta do PSD, apesar do elevadíssimo número de provas concretas com que suportámos os pedidos de inquérito.
O próprio sistema, comprovámos aqui várias vezes, propicia a multiplicação de elevadas irregularidades e fraudes. Eram factos amplamente conhecidos, mas o CDS-PP parece que só deu por isso quando tomou conhecimento do relatório de Bruxelas, provavelmente por entenderem, no dia em que propuseram o inquérito, que essa era a questão que maior interesse mediático podia suscitar.
Inclusivamente, o inquérito é proposto em termos particularmente violentos. Apesar da sua extensão, permitam-me que leia alguns dos parágrafos da fundamentação do PP: «As irregularidades detectadas são tanto mais graves quanto é certo que demonstram que, após as autoridades portuguesas terem consentido em antecipar a data planeada para a abertura do mercado português aos produtos comunitários, os fundos europeus disponíveis para o ajustamento estrutural não foram convenientemente aproveitados para minorar os efeitos de um aumento de concorrência inevitável.
Tais irregularidades indiciam a prática de actos menos claros e transparentes por parte da Administração Pública na atribuição de subsídios provenientes dos fundos comunitários para a agricultura, situação essa agravada pela falta de publicidade dos beneficiários e dos montantes atribuídos».
E dizia mais: «O apuramento da verdadeira dimensão das irregularidades ocorridas, dos montantes de subsídios comunitários envolvidos e das responsabilidades políticas nessas irregularidades é fundamental para averiguar a forma como o Governo actuou na atribuição dos referidos subsídios».
O inquérito foi aprovado. Partimos então para os seus trabalhos, e que trabalhos, Srs. Deputados! Desde logo, porque se esperava, como é normal, que o partido proponente trouxesse ao processo elementos novos, para além daqueles que já estavam julgados pelo Tribunal de Contas Europeu. Mas, espanto dos espantos, não só não trouxe como, seguramente por respeitáveis dificuldades internas, o PP mal acompanhou o próprio inquérito, talvez convencido de que bastava ter feito uma operação mediática no dia da sua apresentação, pensando que depois, já fora das luzes da ribalta e longe das primeiras páginas dos jornais, outros que trabalhassem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, chegámos ao absurdo de, muitas vezes, ter dificuldades em definir o objecto do próprio inquérito e de apurar a verdadeira dimensão do que se pretendia com o mesmo. E, também por isso, chegou-se ao absurdo de ter sido apresentado à Comissão, pelo próprio partido proponente do inquérito, um primeiro projecto de relatório em que, apesar das flagrantes irregularidades detectadas nos vários processos investigados, ser proposto que a Assembleia da República manifestasse «a sua maior indignação pela irresponsabilidade revelada.
Não, Srs. Deputados, não é aquilo em que estão a pensar. Não é pela irresponsabilidade revelada pelo Governo português na gestão dos fundos comunitários, mas - pasme-se!- propunha o PP que fosse pela irresponsabilidade revelada pelo Tribunal de Contas Europeu! Claro que o PSD esfregou as mãos de contente, e não foi preciso fazer um grande esforço para que o relatório final acabasse, pese embora insuficientemente, por confirmar a existência de irregularidades.
É uma história que, naturalmente, preferíamos não contar, que não tivesse acontecido e, esperamos, que não se repita, porque não prestigia nem a Assembleia da República, nem a própria instituição do inquérito parlamentar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, até ao final da sessão, vou fazer-me representar pelo Sr. Vice-Presidente João Amaral, mas não queria deixar de vos desejar um muito quentinho Natal e um Novo Ano pleno de realizações e de satisfações. É o que desejo ardentemente a todos vós e aos demais Srs. Deputados que não estão presentes no Hemiciclo.
Até à volta, dia 8 de Janeiro, e gozem umas boas férias de Natal, que bem as merecem.
Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodeia Machado, creio que o discurso que hoje aqui trouxe já estava feito no dia em que o Partido Popular propôs a constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Gestão das Despesas do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola em Portugal entre 1988 e 1993, porque no decurso de todas as reuniões o único objectivo, a única preocupação do Partido Comunista Português não foi contribuir para que fossem apuradas as responsabilidades e as circunstâncias em que o Tribunal de Contas Europeu apontava como situações de irregularidades na afectação e gestão dos fundos FEOGA em Portugal.
Desde o início dos trabalhos, o Partido Comunista sempre teve como objectivo desvirtuar o objecto da própria Comissão, aquele que desde o princípio assumimos, ou seja, o de reabilitar a imagem do Estado Português perante as instituições comunitárias, nomeadamente o Tribunal de Contas Europeu.
Não percebo a indignação do Sr. Deputado, pois agora sou eu que não entendo por que vem aqui chamar de irresponsável o Partido Popular, quando este, através do seu relator - eu próprio -, propôs que constasse, expressamente, nas conclusões do relatório, que o Tribunal de Contas Europeu - e a expressão que utilizei não foi a usada pelo Sr. Deputado - foi ligeiro nas críticas que fez, porque não apresentou fundamentos que justificassem as acusações que nos foram dirigidas.
A nossa preocupação foi sempre a de defender o Estado Português perante as instituições europeias, enquanto os senhores se preocupavam em diminuir a eficácia do trabalho que estava a ser desenvolvido pela própria comissão de inquérito.
O Partido Socialista e o Partido Social Democrata limitaram-se a esgrimir argumentos, um contra o outro: um
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dizendo que a responsabilidade era do passado, outro que a responsabilidade era do presente, porque o Sr. Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas não tinha capacidade para pedir e obrigar o Tribunal de Contas Europeu a ser mais objectivo e mais concreto nos casos que apontava como irregulares.
O Sr. Gavino Paixão (PS): - O Sr. Deputado esteve noutra comissão de inquérito, com certeza!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - O Sr. Deputado Rodeia Machado fez referência à «história» relativa aos acontecimentos que envolveram o decurso dos trabalhos desta comissão de inquérito, quis apontar o dedo ao Partido Popular, mas esqueceu-se de dizer que, se o trabalho correu menos bem, as responsabilidades são, seguramente, também do Partido Popular, mas não apenas deste.
O Sr. Deputado sabe, por exemplo, que a eleição do Presidente da comissão demorou um mês, bem como que os trabalhos de audição dos representantes das diversas instituições e serviços da Administração Pública só se iniciaram, na prática; em Junho, quando podiam ter começado muito antes? E se eu não estive presente, enquanto Deputado relator, no momento em que foram feitas certas audições, nomeadamente do Presidente do IFADAP e do Presidente da Direcção Regional de Florestas de Vila Real, foi porque, nessa altura, o meu partido viveu um momento conturbado.
De facto, penso que não lhe fica bem estar a fazer proveito dessa situação, porque a verdade é que, durante quatro dias, fui substituído pelo Deputado efectivo, titular do lugar, portanto não era sequer Deputado da Assembleia da República. Apenas por essa razão não estive presente nessas audições, mas logo que reassumi as funções de Deputado procurei as actas e as informações necessárias para que fosse possível trazer aqui um relatório, relatório esse que mereceu o contributo de muitos Deputados, designadamente dos Deputados Adérito Pires e Carlos Duarte.
Já o Partido Comunista Português esteve, desde sempre, muito mais preocupado em tirar valor, em reduzir aquele que era o objectivo primeiro deste relatório. Refiro-me ao objectivo de dignificar, reabilitar e, naturalmente, recuperar a imagem de Portugal junto das instituições europeias e, quanto a isso, o PCP esteve sempre do outro lado, isto é, contra o Partido Popular.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, em primeiro lugar queria dizer-lhe que estas não são questões pessoais mas, sim, questões políticas. Portanto, como é natural, não fiz qualquer afirmação em relação à sua pessoa, como não fiz em relação à pessoa de qualquer outro Sr. Deputado; fiz, .sim, uma crítica concreta em relação ao PP, que nunca se empenhou na comissão para levar a bom termo o inquérito parlamentar. O Sr. Deputado não pode desmentir-me porque raramente esteve nas reuniões da comissão de inquérito, à semelhança do que aconteceu com os seus colegas de bancada!
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - É mentira, Sr. Deputado, não faltei a uma reunião!
O Orador: - Sr. Deputado, trago-lhe o livro das actas e sou capaz de demonstrar que os senhores raramente lá estiveram!
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Prove!
O Orador: - Não provo! O Sr. Presidente da comissão parlamentar de inquérito está aqui presente e sabe perfeitamente que os senhores não estiveram presentes na maior parte das vezes:
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Não faltei a nenhuma!
O Orador: - Por várias vezes, foram substituídos Deputados.
Naturalmente, o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva não pode vir informar esta Câmara de uma situação que se passou exactamente em sinal contrário. De facto, quem tirou o valor efectivo a esta comissão parlamentar de inquérito não foi o PCP, que sempre se mostrou disponível para participar e ajudar nos trabalhos, mas o PP, porque não fez rigorosamente nada em favor desses trabalhos. Efectivamente, não esteve presente e, para além disso, não aduziu qualquer elemento correcto para podermos chegar a bom termo.
Mais: o Sr. Deputado afirmou que eu disse coisas que não disse, nomeadamente em relação à proposta de relatório. Tenho o seu texto aqui, na minha frente, e posso dizer-lhe que essa parte foi retirada do relatório, porque nós votámos contra essa posição. Pode, contudo, ler-se no relatório que a Assembleia da República manifesta a sua maior indignação pela irresponsabilidade revelada pelo Tribunal de Contas Europeu.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
O Sé. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas referir que o objectivo que, desde sempre, presidiu à proposta apresentada pelo PP para a criação desta comissão parlamentar de inquérito está perfeita e plenamente alcançado e conseguido. Pensamos que, a partir do trabalho efectuado, foi possível fazer com que esta Assembleia tivesse um conhecimento mais pormenorizado e mais autêntico da gestão e fiscalização das despesas do FEOGA - Secção Orientação em Portugal, entre 1988 e 1993.
É verdade que, na feitura dos documentos e informações que nos chegaram das autoridades portuguesas, da Administração Pública portuguesa, houve falta de rigor e, em muitos casos, ligeireza na apreciação dos critérios de elegibilidade dos projectos, bem como falta de fiscalização, nomeadamente de fiscalização física. Todos estamos agora melhor informados e temos uma consciência mais próxima e uma fotografia que, com certeza, retrata melhor a realidade daquela que foi a gestão destes fundos. Agora, não podemos perder de vista o objectivo que tínhamos no primeiro momento e que temos de- continuar a perseguir: foi o Estado português que foi posto em causa! Há quem diga, como o Sr. Deputado sabe e como saberão
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muitos dos Srs. Deputados, que este relatório foi feito com intenções de prejudicar e, eventualmente, perseguir alguém que o Estado português havia nomeado para determinada instituição europeia e de que o Tribunal de Contas Europeu não gostou, ... .
O Sr. Gavino Paixão (PS): - Isso não foi provado!
O Orador: - ... razão pela qual, como sinal de vingança, fez este relatório para denegrir o próprio Estado português: Ora, penso que o Estado português não pode permitir que instituições da União Europeia utilizem este tipo de estratagemas, este tipo de instrumentos. Por isso mesmo, reafirmo que, na minha opinião, nas conclusões deveria estar muito claro que, embora tenhamos detectado várias irregularidades, o Tribunal de Contas Europeu, no seu relatório, não objectiva as irregularidades nem fundamenta as gravosas acusações que são feitas e, portanto, essas acusações são feitas com leviandade e irresponsabilidade. Afirmei-o na comissão e reafirmo-o aqui!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, encerrámos a discussão deste ponto da ordem de trabalhos, o qual não carece de votação, uma vez que não foi apresentada qualquer proposta de resolução. O relatório será dado a conhecer ao Governo, nos termos de uma sugestão constante das suas conclusões.
Passamos à apreciação do projecto de resolução n.º 27/VII Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1995, apresentado pela Comissão de Assuntos Europeus.
Vou dar a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, que, nessa qualidade, fará a apresentação do relatório.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero rectificar que a apresentação do relatório propriamente dita será feita pelo relator, Sr. Deputado Francisco Torres. Pela minha parte vou exactamente fazer uma intervenção na qualidade de Presidente da Comissão, para dar conta do espírito com que este relatório é apresentado à Assembleia e ao Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos hoje discutir, com algum atraso, o relatório governamental sobre o 10.º ano da participação de Portugal no processo da construção europeia, dando assim cumprimento a uma das partes mais relevantes da Lei n.º 20/94, sobre o acompanhamento parlamentar da participação do Estado português na União Europeia.
De acordo com o artigo 5.º, n.º 4, da referida Lei, a Comissão de Assuntos Europeus pediu pareceres a todas as comissões especializadas desta Assembleia. E, como Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, gostaria de realçar o interesse e a importância dos pareceres recebidos, por ordem de entrada, da Comissão de Juventude, que muito significativamente foi a primeira a corresponder, da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, da Comissão de Negócios Estrangeiros, da Comissão de Trabalho, da Comissão de Saúde, da Comissão de Defesa e da Comissão de Economia. Lamento a ausência de parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, mas a sua extrema actividade quotidiana talvez não lhe tenha permitido essa colaboração. Com a importância cada vez maior do chamado 3.º Pilar da Justiça e dos Assuntos Internos -, o seu concurso torna-se, cada vez mais também, indispensável.
A Comissão de Assuntos Europeus elaborou e aprovou o presente relatório tendo em conta esses diferentes pareceres, mas imprimiu-lhe uma feição de recomendação ao Governo, nomeadamente sobre as características de futuros documentos do género, que, no nosso entender, devem apresentar uma «estrutura mais analítica e política, fazendo referência ao objecto pela sua importância para Portugal, pelos interesses em causa ou pelos seus impactos (positivos ou negativos), seguida da posição portuguesa nas negociações».
O relatório do Governo sobre o 10.º ano da participação portuguesa na comunidade europeia foi apresentado em 29 de Março, ou seja, dentro do prazo estipulado pela lei, e tem a particularidade de integrar a acção, de dois Governos diferentes, separados pelas eleições legislativas de 1 de Outubro de 1995. É por isso um bem curioso produto, cujas características não se poderão repetir no relatório sobre o 11 .º ano, ou seja, sobre o ano de 1996 que se aproxima do fim.
Desde já salientamos que o acompanhamento pela Comissão de Assuntos Europeus da integração de Portugal na União Europeia não se resumiu ao presente relatório e projecto de resolução, sendo de assinalar as audições sobre comércio externo com países terceiros e sobre as consequências para o têxtil português do memorando com a índia e o Paquistão, as reuniões conjuntas com a Comissão de Agricultura e Pescas sobre a Organização Comum de Mercados de Frutas e Legumes e outras reuniões com a presença do Ministro da Agricultura.
Também se revelaram muito úteis as reuniões com o Ministro das Finanças, Sousa Franco, após importantes ECOFIN que habilitam a Comissão de Assuntos Europeus a acompanhar mais de perto o objectivo essencial da União Europeia nos próximos anos, que é o da criação de uma moeda única.
A presença mensal do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Seixas da Costa, foi, por outro lado, muito importante para o acompanhamento parlamentar da Conferência Intergovernamental, nesta fase de minuciosa negociação. E, por ocasião do Conselho Europeu de Dublin, tivemos a presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Finalmente, a participação de Deputados da Comissão de Assuntos Europeus nas XIV e XV COSAC. em Roma e em Dublin, saldaram-se por uma presença activa de parlamentares portugueses de diferentes grupos, com diferentes posições, o que tenho por muito positivo para o conhecimento mútuo e real do estado das plurais correntes de opinião pública em Portugal sobre a União Europeia.
A Comissão de Assuntos Europeus resolveu ainda apresentar ao Plenário da Assembleia da República o projecto de resolução n.º 27/VII que recolheu o consenso dos Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares presentes.
É justo assinalar que, neste projecto de resolução, no seu ponto 2, se indica ao Governo a necessidade de se apreciar a aplicação das normas comunitárias e que deve tomar em consideração as iniciativas da Assembleia da República no domínio dos assuntos europeus.
De facto, são os parlamentos nacionais dos Estados membros os órgãos que melhor podem aproximar os cidadãos da construção europeia assim como transmitir à acção da União Europeia aquela legitimidade de base sem
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a qual nada é sólido. Mas também cabe aos parlamentos nacionais demonstrar que querem efectivamente fiscalizar e participar nesse empreendimento histórico que é a integração europeia, por uma aplicação constante e com meios de trabalho ao seu dispor. O futuro papel dos parlamentos nacionais, quer a nível individual, quer a nível colegial, na fiscalização democrática das decisões europeias será um barómetro da representatividade destas. E, Sr. Presidente, se me permite, não será agendando estes debates para o último minuto da última sexta-feira antes das férias do Natal que iremos conseguir essa fiscalização por parte dos parlamentos nacionais.
Aplausos do Deputado do CDS-PP Manuel Monteiro.
Termino, dizendo que, no ponto 3 do projecto de resolução que remata o relatório, salienta-se devidamente «a prevalência de um consenso alargado entre as forças políticas representadas na Assembleia da República quanto à integração de Portugal na União Europeia, sem prejuízo de diferenças quanto à avaliação de alguns aspectos e de algumas prioridades e orientações».
Como Presidente da Comissão, fico tranquilo com um consenso que não signifique nem unanimismo nem a adopção de novas dogmáticas, sobretudo quando se procuram novos caminhos para o futuro da União Europeia, porque a União Europeia fez-se, na origem, para manter o espírito livre.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, Deputado Medeiros Ferreira, este agendamento foi feito pelo Sr. Presidente da Assembleia, de acordo com a deliberação tomada na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. De qualquer forma, anoto a observação que fez, como Presidente da Comissão, e transmiti-la-ei ao Sr. Presidente da Assembleia, que, seguramente, dela dará conhecimento aos líderes parlamentares, para que, na próxima oportunidade, a tenham em consideração.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - A intenção era essa, Sr. Presidente. Muito obrigado!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres, para, na qualidade de relator, proceder à apresentação do relatório. Dispõe, para esse efeito, de 5 minutos, Sr. Deputado.
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, em representação da própria Comissão, já disse aqui matéria substantiva sobre o relatório e mesmo matéria formal, nomeadamente o modo como foi feito, pelo que, como coordenador do grupo de redacção, compete-me lembrar o que está no relatório e que tem a ver com o facto de o ano de 1995 ser um ano sui generis, pois fizemos um relatório sobre um ano de governação de dois partidos: da anterior maioria do PSD e depois, por cerca de dois meses, do Partido Socialista. É por isso um relatório que, na tradição dos anteriores mas sobretudo neste ano, tem pouca substância e é muito descritivo, dado que não faz juízos de valor sobre a matéria em apreço.
A principal conclusão deste relatório da Comissão de Assuntos Europeus, e já tendo em conta os vários relatórios parciais das outras comissões, é a ,de que, no futuro - e julgo que o Governo partilha desta nossa opinião -, este relatório deverá ser mais sucinto, mais analítico e mais político, isto é, não pode ser uma mera descrição de factos, às vezes até de forma desordenada. De facto, por um lado, umas coisas referem-se em anexo, como os actos internos de execução, sem sistematização do próprio relatório e, por outro, também não há grande harmonia de abordagem entre os títulos, capítulos e números, referindo-se, por vezes, razões de ordem comunitária e, por vezes, razões de ordem interna.
É necessário que se faça referência nestes relatórios ao objecto da integração europeia, da matéria em análise no ano em causa, com uma estrutura mais analítica e política, como já referi, mas aludindo aos aspectos que têm uma importância primordial para Portugal.
Sem embargo destas considerações gerais, que, aliás, são partilhadas pelos partidos na Comissão, e por isso estão no relatório, estranha-se também a ausência, em matéria de Conferência Intergovernamental, de uma referência ao trabalho desenvolvido pela própria Comissão de Assuntos Europeus na anterior legislatura, na preparação da Conferência, nomeadamente ao relatório de 29 de Dezembro de 1994 e à própria resolução n.º 21/95, de 8 de Abril, aprovada, aliás, por todos os partidos com assento no Parlamento.
É extraordinariamente importante envolver os Parlamentos nacionais no processo de construção, aliás, isso mesmo está reflectido na Lei n.º 20/94, pelo que também seria bom que nos próprios relatórios do Governo sobre matéria de integração europeia fosse dado um ênfase explícito à participação e às resoluções do Parlamento sobre esta matéria, nomeadamente quando se trata da revisão dos tratados.
Termino a minha apresentação muito sucinta deste relatório com o que consideramos ser objecto de consenso, ou seja, que o relatório do próximo ano, o relatório de 1996, venha a ser um relatório mais sucinto e mais político.
Faço ainda os mesmos reparos relativamente ao agendamento, porque, de facto, conforme já foi dito pelo Sr. Presidente da Comissão, estarmos a fazer este debate numa sexta-feira, na véspera de Natal, quando o relatório é ainda referente ao ano de 1995, é desmotivador para os Deputados e para o envolvimento dos cidadãos, através dos Deputados, no processo de construção europeia. Embora o Sr. Presidente tenha chamado a atenção para a conferência de líderes, é sempre bom lembrá-lo em Plenário, porque devemos envidar esforços para que, no próximo ano, o façamos de forma a envolver os Deputados com mais entusiasmo, numa altura mais próxima da análise do próprio relatório aprovado em Comissão.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS):- Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Já disse ao Sr. Presidente da Comissão e repito ao Sr. Deputado Francisco Torres que transmitirei ao Sr. Presidente da Assembleia as observações que têm sido feitas quanto a este agendamento. Creio, seguramente, que os líderes parlamentares terão em atenção o sentimento dominante da Comissão no próximo agendamento.
Depois da apresentação do relatório pelo Sr. Presidente da Comissão e pelo Sr. Deputado relator, passamos à fase do debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.
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O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-nos hoje pronunciar acerca do projecto de resolução n.º 27/VII, apresentado pela Comissão de Assuntos Europeus, referente «à apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1995».
Uma primeira palavra para o trabalho desenvolvido pela Comissão de Assuntos Europeus e pelo grupo de trabalho que elaborou o relatório da Comissão, bem como para as restantes comissões especializadas que se debruçaram sobre o «Relatório de participação de Portugal no processo de construção da União Europeia - 10.º ano», trabalho esse que culminou na aprovação por unanimidade do relatório final e do projecto de resolução.
Esse esforço e esse resultado também só foi conseguido porque esses documentos são meramente factuais. E, mesmo assim, é possível verificar que continua a existir um défice de informação e discussão em relação às questões europeias por parte dos parlamentos nacionais e, em concreto, do Parlamento português.
É de sublinhar a repetida crítica, feita pelas várias comissões especializadas, de falta de informação ao longo do ano de 1995.
O Partido Popular tem, de resto, a intenção de vir a propor alterações à Lei n.º 20/94, no sentido do reforço da participação do Parlamento, tentando ultrapassar a dificuldade de distinção entre a competência de apreciação e a competência de acompanhamento. É bem necessário reforçar a capacidade de acompanhamento, desde logo transformando em regra aquilo que só acontece excepcionalmente, ou seja, que todas as reuniões do Conselho Europeu sejam precedidas de debates em sessão plenária e também que seja obrigatória a realização de reuniões conjuntas da Comissão de Assuntos Europeus e das comissões competentes em razão da matéria, com a presença do Governo num dos cinco dias úteis anteriores às reuniões do Conselho de Representantes dos Estados.
No que concerne à competência de apreciação, e ultrapassadas que sejam algumas dúvidas de construção, esta passara assim a constituir um processo de análise prévia de todas as decisões de conteúdo normativo sobre as quais o Governo português possa vir a ser chamado a pronunciar-se, transformando-as cada vez mais em posição do Estado. Não estamos, nem estaremos a fazer mais do que a acolher boas soluções aplicadas noutros países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os documentos em análise são meramente descritivos e factuais e contra factos, contra estes factos,. escasseiam, não têm mesmo de existir, argumentos.
Mas já em relação à própria construção europeia, forma como está a ser realizada, ao processo que vem sendo dirigido ao arrepio da vontade dos cidadãos, os argumentos, os nossos argumentos, não escasseiam, reforçam-se e ganham novos adeptos.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!.
O Orador: - Cada vez mais a força da razão das posições coerentes e atempadas do Partido Popular vão e irão substituir a razão da força dos socialistas e sociais democratas, que são, neste como em outros inúmeros casos, faces da mesma moeda.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - É assim em relação ao referendo. Quando o CDS-PP começou a defender a realização de um referendo sobre as questões europeias, foi mimoseado com uma série de adjectivos: radical, demagógico, fora do sistema, extremista e miserabilista. Enfim, adjectivos em tudo semelhantes àqueles com que o qualificavam quando o Partido Popular levantava dúvidas acerca do propalado e prometido autofinanciamento da Expo 98.
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Exactamente!
O Orador: - Há um par de dias recebemos junto das nossas posições o PSD e membros do Governo. Brevemente tê-los-emos, certamente, ao nosso lado na defesa de um referendo europeu.
Vozes do CDS-PP:- Muito bem!
O Orador: - Referendo que, para além de tudo o mais, servirá para reconquistar a opinião pública e reconciliá-la com a União Europeia.
Existem hoje vários sinais de afastamento do ideal europeu, um fosso entre a opinião pública e esse ideal, um desconhecimento crescente e uma desconfiança em relação às instituições.
Não foi, pelas razões que se conhecem, possível o referendo em 1995. Sê-lo-á, certamente, em 1997. E em 1997 ou 1998 estarão certamente já à vista mais consequências desastrosas que desde antes de 1995, e em 1995, temos vindo a anunciar fruto do feitiço, do encantamento da moeda única já em 1999, consequências no sector produtivo, consequências no emprego, consequências no modelo social europeu. Consequências no sector produtivo com a destruição em massa de sectores que não resistirão, que não têm vindo a resistir, à competição desenfreada com quem não tem as mesmas regras que nós. Destruição dos sectores agrícola, da pesca, da indústria.
Aliás. 1995 foi exactamente o ano da OCM/Arroz. O resultado aí está. Quando, em comissão, alertámos para as consequências, ninguém nos quis levar a sério. Os orizicultores do Mondego sabem hoje, por experiência própria e infeliz, do que estávamos a falar.
E o emprego? A diminuição tendencial do desemprego é, certamente, como todos reconhecemos, ilusória e transitória. Todos aqui acreditamos na competência técnica do autor, que pertence a este Governo, do estudo que aponta três cenários alternativos para as taxas de desemprego no
ano 2000 com a moeda única.
E todas elas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, são catastróficas e exigem que as encaremos de frente. Por isso, 13, 14 ou 16% são taxas de desemprego que a nossa idiossincrasia não suportará. Temos, para nós, o que nos preocupa, a noção de que um cenário destes arrastará à explosão de franjas de extremismos à esquerda e à direita, cujas consequências serão imprevisíveis.
E se bem que tenhamos acompanhado com interesse alguma contenção verbal na abertura total do comércio livre, por parte dos responsáveis europeus, o que é certo é que o dilema com que nos defrontamos é o de ter de aceitar a alteração do modelo social europeu, que levou
décadas a construir, com uma degradação desse quadro, ou, em alternativa, ter a visão correcta de que só há concorrência leal com igualdade de quadros competitivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, 1995 foi também o ano da entronização do «Livro Branco» sobre o emprego que, como se sabe, tem vindo a ter uma aplicação reduzidíssima; 1995 foi também o ano do estudo, elaborado pelo
Dr. João Cravinho, hoje Ministro, sobre a evolução do
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desemprego em Portugal com a política da moeda única e que apontava para os números atrás citados. As recentes conclusões da Cimeira de Dublin fazem-nos temer que o emprego tenha vacilado como uma das prioridades fundamentais da União. E, basicamente, apontam para a hipocrisia da desresponsabilização pelas consequências no emprego de quem quer estabelecer os quadros para a produção. Para nós produção/emprego é um binómio que não se pode cindir. Não pode o Partido Popular aceitar que quem estabelece restrições à nossa capacidade de produção se autodemita das responsabilidades geradas pelo aumento do desemprego.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, 1995 foi um ano de mudança e inflexão. Também na estratégia de participação no processo de construção europeia, não obstante o consenso
alargado existente na sociedade portuguesa sobre as opções do País, pudemos assistir, em 1995, a uma clara mutação da atitude e do
posicionamento.
Sob o Governo do Partido Socialista, Portugal abandonou uma atitude subserviente e dependente das instituições europeias e assumiu um comportamento de afirmação responsável e de defesa intransigente dos seus interesses.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Essa postura negociai mais agressiva foi potenciada por uma intervenção activa na elaboração do pensamento europeu e na definição partilhada dos caminhos a trilhar.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Nesse domínio, a Cimeira de Madrid constituiu um marco fundamental. Nela, o Primeiro-Ministro António Guterres propôs, com êxito, que a meta da moeda única constituísse uma âncora mobilizadora de um novo fôlego para o processo de construção europeia. Nela também, o Primeiro-Ministro português colocou, na agenda do debate europeu, o problema do emprego e da necessidade de dar maior atenção à dimensão social do aprofundamento da União.
Não seria razoável esperar resultados surpreendentes de uma nova postura, assumida apenas no último trimestre do ano em análise. O relatório de 1996, que esta Câmara oportunamente elaborará e votará - esperemos que em horário mais nobre -, não poderá, contudo, escamotear
os importantes resultados concretos que dela decorreram.
A atitude da União Europeia, mais ponderada por critérios de equilíbrio social nas negociações sobre as regras do comércio livre; a aceitação consensualizada da inclusão de um capítulo sobre emprego no futuro Tratado revisto; a sedimentação das políticas de coesão como complemento do processo de alargamento, são, entre outros, exemplos marcantes de uma influência concreta de Portugal nas opções comunitárias. Influência concreta que tem permitido também que, nos processos negociais específicos, as posições portuguesas tenham sido maioritariamente salvaguardadas, como, entre outros, o dossier actual das pescas, o dossier dos têxteis ou das redes transeuropeias
bem o demonstram:
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de integrar o pelotão da frente da União Económica e Monetária, o que fará em 1999, Portugal assumiu de pleno direito o seu lugar no pelotão da frente dos países que definiram o sentido da construção europeia.
Em consequência disso, a sua capacidade negociai foi muito acrescida. Uma capacidade negociai que se sedimentou, não obstante o alarmismo infundado das bancadas dos partidos não europeístas - e a intervenção aqui proferida pelo Sr. Deputado Ferreira Ramos demonstra bem que esse alarmismo, a que ele chamou miserabilismo, permanece as tentações de atraiçoamento que perpassaram algumas vezes pela bancada do PSD, pretexto estratégico neste combate, como as declarações proferidas em Bruxelas por Marcelo Rebelo de Sousa, socorrendo a Comissão Europeia contra o Governo português, ou o chumbo da nova Lei-Quadro das Privatizações bem o demonstraram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face a uma atitude mais política e menos tecnocrática, na participação portuguesa no processo de construção europeia, é muito relevante a recomendação constante do relatório e sublinhada no processo de resolução que estamos a apreciar, para que futuros documentos deste tipo assumam uma estrutura mais analítica, dando mais relevo à discussão política da matéria em apreciação.
O primado da política e da estratégia que este Governo adoptou, em contraponto ao taticismo tecnocrático triunfante na década anterior, obriga também a uma nova perspectiva e a uma nova abordagem na elaboração dos relatórios governamentais de progresso, que deverão ser sobretudo peças para a avaliação política das opções e não suportes a uma análise técnica, que, em última análise, não compete na sua essência à Assembleia da República.
Saliente-se ainda que o projecto de resolução que estamos a apreciar consagrou na sua aprovação, por unanimidade, em sede da Comissão de Assuntos Europeus, um consenso político alargado entre as forças políticas representadas na Assembleia da República quanto ao princípio da integração de Portugal na União Europeia.
É por isso, com entusiasmo e esperança, que o Grupo Parlamentar do Partido Social isto votará favoravelmente o projecto de resolução n.º 27/VII. Com entusiasmo pela mobilização acrescida para a construção europeia que ele indicia e com esperança que o sucesso continuado da participação portuguesa no processo de construção europeia seja um pilar fundamental para a afirmação de Portugal no mundo e para a melhoria do bem-estar dos portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Sá e Francisco Torres
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado referiu o facto de a resolução que está em discussão aludir a que exista um consenso quanto à integração de Portugal na União Europeia. Ele não está efectivamente em causa, mas também é referido no projecto que existem diferenças quanto a alguns aspectos e algumas prioridades, que eu diria serem os aspectos e as prioridades fundamentais.
Creio resultar muito claro, de toda a avaliação do ano em causa, que a intervenção da União Europeia na área
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social foi extremamente restrita. Este facto é importante para nós, por um lado, por convicção e, por outro, porque fazemos parte de um País em que existem centenas de milhar de trabalhadores portugueses, na União Europeia, que tiveram de vender a sua força de trabalho em terra alheia e em que a regulação das relações sociais a este nível, se fosse no sentido previsto nos tratados, na igualização do progresso das condições de vida e trabalho, seria extremamente importante.
Mas não é apenas importante este facto. O Sr. Deputado referiu que Outubro de 1995 representou uma viragem importante. O problema que se coloca nesta matéria é saber em que sentido é que essa viragem foi efectivamente importante. Ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro dizer, por exemplo, que a moeda única era filha da comunidade europeia e que o emprego era enteado. O Sr. Deputado referiu esta questão, aludindo designadamente à Cimeira de Madrid, mas o problema que está em cima da Mesa é saber que resultados concretos existem nesta matéria no sentido de. que, para além das alusões ao emprego, existam medidas efectivamente importantes.
Sabemos que, no ano, em análise, o crescimento económico diminuiu enquanto o emprego aumentou. Então, o problema que se coloca é o de saber quais foram as medidas que a suposta atitude do Sr. Primeiro-Ministro, ao falar com firmeza sobre este assunto, conseguiu, quer em relação à comunidade europeia no seu conjunto quer em relação a Portugal.
Na verdade, quando foi discutido o Acto único, ouvimos falar muito, por exemplo, de uma questão que está praticamente esquecida, a Coesão Económica e Social, mas foi criticado, e muito bem, o facto de o mercado interno ser tratado como algo de absolutamente sagrado, em que as medidas estavam claramente listadas uma a uma e calendarizadas, enquanto as medidas para a coesão não tiveram o mesmo tratamento, estando hoje praticamente esquecidas.
O mesmo se passa em relação a matérias como as relações económicas externas. O Sr. Primeiro-Ministro acusou a comunidade europeia de ter uma atitude fundamentalista, mas o problema é também o de saber que resultados concretos resultam depois destas palavras.
O problema que está em cima da mesa, Sr. Deputado, para além daquilo que se procura que sejam efeitos mediáticos e que correspondam a preocupações que o Partido Comunista, os sindicatos, parte da esquerda, têm manifestado, é saber se se consegue resultados e uma alteração concreta neste plano.
Aquilo que dizemos, desde já, é que as diferenças de prioridades são efectivamente radicais e não vemos que haja, quer da parte do Governo quer da parte da comunidade europeia, uma inflexão que corresponda às preocupações dos trabalhadores portugueses, da esquerda europeia, designadamente da esquerda portuguesa.
Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Havendo outro pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Carlos Zorrinho quer responder de imediato ou no final?
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - De imediato, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, as implicações sociais e, a preocupação com a sua minimização são um património que é comum ao Partido Comunista e também ao Partido Socialista. São nossas também essas preocupações.
Temos, no entanto, a perspectiva realista, e demonstrada na prática, de que as consequências sociais de uma não participação de Portugal no processo de construção europeia seria bem mais gravosa do que as eventuais consequências sociais da sua participação. É exactamente por isso que temos no processo de construção europeia uma atitude ofensiva.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ofensiva?
O Orador: - Queremos estar no centro de decisão do processo de construção europeia para podermos participar na definição das políticas e para podermos fazer inflectir essas políticas, dando substância a esse património político que fazemos nosso património.
Declarámos, e declarou o nosso Primeiro-Ministro também antes e depois da Conferência de Dublin, que estamos insatisfeitos quanto à abordagem do problema do emprego por parte das instituições europeias. Estamos insatisfeitos, mas temos a consciência de que, por nossa influência, alguns passos fundamentais foram dados. O problema foi colocado na agenda política e é a sua abordagem, separando as políticas do emprego das políticas de coesão, que salvaguarda os nossos interesses. É exactamente porque estamos insatisfeitos que nos assumimos como querendo estar no centro da construção europeia e no centro de decisão para podermos continuar a defender os interesses concretos dos portugueses.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Zorrinho, ouvi com atenção a sua intervenção. Como sabe, o PSD partilha, nesta questão, dos ideais europeus com o PS mas pensa, eventualmente, que há maneiras diferentes de chegar à concretização de vários objectivos dessa construção europeia. Porém, partilha de um princípio que enunciou claramente na sua intervenção, que é o do primado da política e do Parlamento, como órgão representativo de participação alargada na discussão do próprio processo de construção europeia.
Não considera, por isso, o Sr. Deputado que, ao defender este princípio, estará de acordo com o PSD, no sentido de que o Governo devia dar mais atenção às discussões que tenham lugar no Parlamento? Que devia, até para justificar melhor a sua defesa do interesse nacional, ouvir com mais atenção o Parlamento, as suas propostas de resolução, as suas resoluções aqui aprovadas? Que devia discutir mais vezes no Parlamento, estar mais vezes presente nestes debates gerais, fazer-se representar por um membro do Governo?
Eu sei que, no Partido Socialista, há quem pense desta maneira, que de facto o Governo devia estar mais entrosado com o Parlamento. E que às vezes a tentação tecnocrática, de que os senhores acusam os governos anteriores do PSD, também perpassa pelas tentações do Governo actual, do Governo do PS.
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Não está o Sr. Deputado de acordo de que é pena que este relatório do Governo não inclua as resoluções tomadas aqui, na anterior legislatura, sobre a participação portuguesa no processo de construção europeia, ou seja, as resoluções aprovadas por todos os partidos, nomeadamente os pontos essenciais para Portugal a defender na revisão do Tratado da União, que assim foram achados por todos os partidos com assento na Assembleia da República?
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Zorrinho.
O Sr. Carlos Zorrinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, de forma muito breve, para dizer que à inflexão política segue-se um processo por vezes menos importante mas mais moroso, que é o enfrentamento à inércia burocrática. Acredito que o Governo terá em boa conta as nossas sugestões comuns e que as suas sugestões serão incorporadas nos próximos documentos.
Penso que, mais importante do que implorarmos que nos oiçam, é assumirmos, nós próprios, a capacidade de nos fazermos ouvir.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Orador: - E o facto de o Governo nos ouvir não é marcado pela presença simbólica de um membro do Governo naquela bancada, é marcado por aquilo que for a consequência concreta das nossas recomendações na análise deste ponto.
Não queria, no entanto, Sr. Deputado, deixar de o saudar em particular pelo papel fundamental que tem desempenhado para que o seu partido tenha uma visão menos operacional e menos minimalista e tecnocrática da perspectiva da integração europeia e por na sua atitude e no seu comportamento não se reflectir aquele que foi o comportamento que pudemos encontrar na prestação do Governo português em 1995, no quadro da construção europeia.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos da Lei n.º 20/94, já aqui referida pelo presidente da Comissão de Assuntos Europeus, este deveria ser um debate particularmente importante. Tratar-se-ia de fazer o balanço de um ano de integração e de, simultaneamente, permitir que a Assembleia da República desempenhasse o seu papel fundamental de forum de debate que contribuísse para definir as próprias orientações fundamentais da integração no futuro. Em vez disso, temos um debate nestas condições, aqui já referidas, um debate que, independentemente do dia em que foi agendado, é um debate claramente fora do tempo. O próprio relatório apresentado, o estilo que adopta, o facto de preferir, frequentemente, listar directivas e medidas de transposição das directivas em vez de avaliar politicamente e do ponto de vista social o que realmente se passou, contribuiu para desvalorizar este relatório.
Neste sentido, o Grupo Parlamentar do PCP acompanha a aplaude a afirmação já aqui feita de que este deve ser o último relatório deste estilo e deve ser igualmente o último debate feito desta maneira. É daquelas matérias em que se impõe uma rectificação, e uma rectificação urgente.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
O Orador: - Nós somos daqueles que entendemos que, muito mais do que o chamado
déficit democrático que tem a ver com a situação do Parlamento Europeu, há um
déficit democrático a outro nível, que é o da participação dos parlamentos nacionais na integração europeia. Há, inclusive, medidas que estão apontadas, em particular a apreciação dos projectos de regulamentos e directivas antes da sua apresentação no Conselho pelos parlamentos nacionais, que temos de pôr em prática. E, em geral, o Parlamento português tem de desempenhar um papel neste contexto, sob pena de estar a apagar o próprio lugar que deve ter no sistema político português num contexto de integração.
Quanto ao que se passou no ano em análise, creio ser significativo que tenha diminuído o crescimento económico e que, ao mesmo tempo, tenha aumentado o desemprego de 7% para 7,2%. E creio ser significativo que, independentemente de encontrarmos mais referências ao problema do desemprego nos documentos da comunidade europeia (ainda recentemente aconteceu, a propósito da Cimeira de Dublin), no concreto, pareça continuar a prevalecer a concepção de que a definição de limites à produção pelos Estados membros é competência comunitária, enquanto que enfrentar o problema do desemprego continua a ser competência, no fundamental, dos Estados.
Por outro lado, creio ser evidente que o problema da avaliação dos custos da moeda única, designadamente no plano social, e dos custos dos critérios de convergência, o problema do balanço, na prática, do que se passou em matéria de coesão económica e social, em matéria de igualização no progresso das condições de vida e trabalho, não tem, no relatório que nos foi apresentado, o lugar que deveria ter.
Parece-nos também evidente ser inteiramente justificada a análise que é feita, designadamente pela comissão parlamentar respectiva, e que aponta para a fraquíssima intervenção da comunidade europeia na área social e, particularmente, dos direitos dos trabalhadores. Julgo que, neste contexto, problemas como a cidadania europeia, o futuro dos 2.º e 3.º Pilares, estando em causa, como está, o núcleo duro da soberania nacional, estando em causa, como está, o problema do alcance efectivo dos direitos fundamentais, não podem deixar de desempenhar um papel importante. Da mesma forma que há um outro
déficit democrático que está em cima da mesa e tem de ser analisado; é que estamos perante uma Europa das élites, uma Europa dos funcionários da comunidade europeia, uma Europa de pequenos grupos, uma Europa a que já se chamou a «Europa Confidencial».
Não se pode resolver este problema da aproximação do cidadão às questões comunitárias entendendo o direito à informação como transformar o cidadão em destinatário da propaganda, entendendo o direito à participação como transformar o cidadão em destinatário de estratégias de marketing. Bem pelo contrário, tem de resolver-se o problema que é o de garantir que o cidadão, em particular o cidadão trabalhador, em particular os jovens, tenham informação, tenham participação, sejam efectivamente protagonistas das políticas comunitárias e não, como até agora, destinatários passivos vítimas de políticas e de orientações nas quais não participam e das quais não têm um controle efectivo.
Pela nossa parte, comprometemo-nos a tudo fazer para que a Assembleia da República participe efectivamente na
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integração europeia e para que debates com base num relatório deste estilo e debates a esta hora e nestas condições não voltem a verificar-se. A Comissão de Assuntos Europeus tem feito um bom esforço, naturalmente tem de ir mais longe, mas creio que temos de ter todos a consciência de que temos um problema: temos de dignificar a Assembleia da República no quadro da integração europeia e temos de contribuir todos para resolver este problema político fundamental, que é um problema da própria democracia portuguesa.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.
O Sr. Francisco Torres (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faço, em nome do PSD, as mesmas críticas que aqui foram feitas quanto à nobreza do debate que estamos a ter e quanto à necessidade de transformar estes documentos em documentos sucintos e políticos que possam ser discutidos envolvendo, de facto, os parlamentares na construção europeia.
É um ponto assente para o Partido Social Democrata que os parlamentos nacionais têm de ter um papel acrescido na construção europeia, não necessariamente em termos institucionais, através da institucionalização da COSAC, mas mantendo, pelo seu controle à intergovernamentalidade, um controle efectivo do processo de construção europeia. que represente e aproxime os cidadãos europeus das várias transformações que se vão operando na União Europeia.
Mas, é necessário mais. A nosso ver, na reforma institucional, é necessário que a Europa evolua por uma maior aproximação aos cidadãos. E, para isso, a vários níveis, é necessário avançar mais. Têmo-lo discutido na Comissão de Assuntos Europeus sobre a responsabilização das instituições, nomeadamente ao nível comunitário ou, se quiserem, ao nível supranacional, a Comissão Europeia e o futuro banco central europeu, mas exactamente, pelo facto de a União Europeia ser uma organização sui generis e não ser um modelo acabado de federalismo, confederalismo ou intergovernamentalidade mantém-se o problema da responsabilização dos governos que actuam em conjunto no Conselho Europeu.
Todos sabemos que um governante ou um governo é responsabilizado perante o parlamento nacional mas as decisões tomadas em conjunto pelo Conselho não podem ser responsabilizáveis perante um parlamento nacional ou perante todos porque eles não se reúnem ao mesmo tempo. O Parlamento Europeu tem um carácter diferente e pode ser o órgão apropriado da responsabilização das organizações supranacionais mas não já do carácter Intergovernamental de algumas decisões da União Europeia.
Em 1995, o Governo do PSD resistiu à facilidade de mudança de rumo. Era muito fácil, no culminar de uma recessão internacional, abandonar alguns objectivos, sobretudo porque estávamos próximos do fim de um ciclo eleitoral. Foi mais difícil mas foi mais sério, mais responsável, não abandonar esses objectivos, prossegui-los e dar hoje condições a um Governo, que não é do PSD, para prosseguir, querendo, esses mesmos objectivos. Foi uma primeira resistência à facilidade.
Mas, em 1996, se se conseguiu obter consenso relativamente aos objectivos que vinham detrás, esse consenso também se ficou a dever à postura do Partido Social Democrata nesta Assembleia. De facto, sempre o PSD resistiu a alterar a sua posição de princípio por estar agora na oposição e já não ser Governo. Lembremos que, de início, o Partido Socialista e o Governo foram titubeantes relativamente a alguns objectivos que hoje afirmam prosseguir com Firmeza. Chegou-se a falar em excesso de fundamentalismo, em não haver necessidade de estarmos entre os primeiros, que não viria mal ao mundo se Portugal não participasse desde o início na moeda única, e esse é hoje um objectivo prioritário, quase único, do Partido Socialista, quase único do partido do Governo. Valha-nos isso porque há aqui uma certa maturidade no tratamento desta questão de regime mas foi preciso tempo para o Partido Socialista lá chegar, para o Governo, com a sua internacionalização, perceber que as coisas eram diferentes, que não se resolviam com a facilidade dos murros na mesa, que era necessário uma postura de negociação, que, essa sim, tinha sido adoptada pelos Governos anteriores.
E aqui, na oposição, quer em comissão quer em Plenário, o PSD resistiu sempre à facilidade e deu sempre apoio quando era necessário dar esse apoio, quando as questões eram primordiais para o País, quando as questões eram de regime, quando os objectivos eram comuns. Não há hoje, por isso, qualquer desculpa para não prosseguir estes objectivos, que são consensuais aos dois partidos principais da Assembleia da República - o Partido Socialista e o Partido Social Democrata -, que vão recolhendo consenso mesmo noutros partidos, que pelo facto de colaborarem construtivamente na discussão do processo de integração europeia se vão também. aproximando da razoabilidade nesta matéria.
É por isso que dizemos que estamos a caminho de alguma maturidade democrática na discussão do processo de integração europeia. As pessoas poderão ter discordâncias de fundo quanto aos objectivos, quanto ao método seguido, quanto ao caminho que é escolhido pelo Executivo para chegar à concretização, de determinados objectivos mas essa discussão tem de ser serena, não demagoga, tem de apostar e salientar as diferenças para que o povo português as perceba e possa participar de forma expressiva no próprio processo de integração em curso.
O Partido Social Democrata pertence hoje a uma das grandes famílias europeias - o Partido Popular Europeu e, como sabemos, tanto o Partido Socialista Europeu como o PPE são dois parceiros que apostam efectivamente na construção europeia de uma forma construtiva. Mas há mais. Por essa Europa fora há outros agrupamentos que não deixam de ser construtivos, embora nem todos o sejam. E aqui, na própria Assembleia da República, as posturas adoptadas pelos vários grupos parlamentares têm vindo a mudar, o que registo com agrado. Há hoje uma participação mais razoável e já não se diz «não importa o quê para fazer manchette no jornal». E isso tanto vale para um partido como para o outro. Vale para o partido do Governo, que entrou um pouco «a matar» nestas questões da integração europeia mas foi adquirindo de facto a prática da governação, e nesse sentido foi percebendo que a negociação política é fundamental e que não se pode romper um processo de negociação, seja na defesa das pescas, seja na defesa dos têxteis, por se afirmar internamente aquilo que não se faz externamente. É necessário uma postura de coerência, de afirmação por determinados objectivos, de, defesa desses objectivos, mas, depois, na prossecução no dia-a-dia, nas instâncias próprias da negociação internacional, essa postura de coerência tem de ser reafirmada porque, a não ser assim, perdem-se os trunfos
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da afirmação dos princípios assumidos internamente e não se consegue para Portugal aquilo que é possível numa fase de constante negociação, não só europeia mas também mundial.
Todos percebemos já que não se altera a liberalização do comércio internacional por meras declarações internas. Todos percebemos que ganhamos força para a nossa voz se actuarmos em conjunção com os nossos parceiros da União Europeia. Todos também sabemos que às vezes temos interesses diversos, até conflituais, dentro da própria União Europeia mas a melhor forma de os afirmar é manter uma postura de coerência interna e externa, é manter aliada à afirmação de princípios sólidos uma negociação também ela sólida, contínua e que não se interrompa com processos políticos internos.
E por isso que pensamos que as bases estabelecidas durante o ano de 1996, nó seguimento da política prosseguida anteriormente nesta Assembleia da República, podem constituir, de facto, uma aproximação dos cidadãos em todo o processo de construção europeia. Mas é necessário que o Governo leve em conta as posições desta Assembleia. Não se trata de fazer ouvir a nossa voz para a Assembleia da República ser ouvida apenas por isso. Os Deputados são, de facto, os representantes do povo português e não é possível que o Governo continue a apostar numa posição negocial muito diferenciada das posições do Parlamento, aqui aprovadas por unanimidade.
Ainda há pouco uma delegação deste Parlamento levou à COSAC de Roma uma resolução sobre a flexibilidade: a cláusula da cooperação reforçada. E se o fez foi porque houve consenso para isso. Não pode o Governo, apenas por táctica negociai, ignorar essa discussão da Assembleia da República, porque enfraquece as suas posições. Seria melhor que tivesse em conta essa discussão, não s6 debatendo com os Deputados mas também tendo em consideração essas resoluções nos seus documentos, quer sobre a Conferência Intergovernamental, quer sobre outros documentos que estejam em negociação na construção europeia, no seio do Conselho da União Europeia.
Termino dizendo que este mês de Dezembro é efectivamente diferente do ano anterior. Há um ano, foi necessário ser mais violento nas afirmações. Agora, estamos a caminhar para alguma maturidade nesta matéria. Já não se ouvem, sequer, os mesmos reparos por parte de algumas bancadas às afirmações aqui proferidas. As reformas em curso são importantes, todos já o entendem, mesmo os que no passado punham tudo em causa. Sabem que isso é importante para Portugal, que se consegue apenas com esforço e que não se faz de um dia para o outro, apenas por um dia se afirmar algo diferente do que se afirmou no dia anterior, ou por se fazerem meras declarações bombásticas à imprensa, em detrimento da discussão frutífera no Parlamento.
É por isso que alguns partidos reajustaram a sua estratégia e aproximaram-se do centro, tentando ser mais construtivos. Espero bem que isso caracterize o ano de 1997 e que o debate em 1997, sobre o ano de 1996, seja um debate político mas construtivo e não um que apele à demagogia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer um pedido de esclarecimento, tendo em conta o espírito sempre muito bem sistematizado do Sr. Deputado Francisco Torres.
Sr. Deputado, como é que interpreta as recentes declarações, de ontem, se não estou em erro, do Sr. Professor Cavaco Silva, no seu múnus professoral, quando referiu as questões relacionadas com o pacto de estabilidade e aquilo que ele antevê como a diminuição dos poderes em matéria orçamental dos parlamentos nacionais? Em que corrente de pensamento, de todas as que descreveu como sendo pretéritas, filia a declaração do Professor Cavaco Silva?
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, não ouvi as declarações que referiu do Professor Cavaco Silva. No entanto, conheço razoavelmente o seu pensamento há muitos anos, pois há 20 anos que o conheço bem, e sei que ele é um empenhado europeísta. Sei também que ele compreende, como poucos, o processo de integração monetária em curso, não só pela sua experiência como Primeiro-Ministro mas também pelo seu saber como académico estudioso destas matérias. Agora, sei igualmente que muitas vezes tenho opiniões diferentes das do Professor Cavaco Silva.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isso é que é notícia!
O Orador: - Não é notícia. Há opiniões muito diferentes e princípios fundamentais parecidos e nunca o facto de haver divergências de opinião foi notícia.
Quanto ao pacto de estabilidade, devo dizer que o vejo com bons olhos. Julgo que Portugal viveu e respeitou o pacto de estabilidade em muitas épocas dos últimos 150 anos, teve défices inferiores não só a 3% mas a 1 %; inclusive, o próprio CDS-PP já apresentou uma proposta de limitação do défice abaixo dos 3% e...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O défice corrente!
O Orador: - E é o que conta, de facto. Aí tem razão!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ora bem!
O Orador: - O que interessa é limitar o défice corrente.
A soberania de um Estado, em termos fiscais, não se mede pelo limite imposto ao défice mas, sim, pela manutenção da possibilidade de escolha da afectação das despesas. É isso que importa manter, para a soberania da Nação estar assegurada.
Assim, se Portugal puder continuar, como espero que continue, a poder escolher o modo como vai afectar os impostos que o Estado recolhe, manterá a sua soberania fiscal. O tecto imposto pelo pacto de estabilidade - 3% é apenas uma garantia de soberania para todos os Estados que fazem parte da União Monetária, para que um Estado que entre a cumprir os critérios de convergência e depois os passe a desrespeitar, tendo, por hipótese, um défice de 10%, não possa, e, a meu ver, bem, determinar qual a política monetária dos outros Estados. Imaginemos que a Itália entra na União Monetária, passa a ter um défice de 10% e, não obstante, continua a decidir a política monetária de Portugal. Isso estaria mal, seria atentatório da nossa soberania. Mas se fizermos um pacto conjunto, em que nos autolimitamos - e isso é um sinal importante para os mercados, porque acreditam mais facilmente em algo que
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é assinado em conjunto, numa declaração conjunta de que não vamos entrar pela via despesista, mesmo que isso possa dar jeito ao ciclo político -, então, poderemos ter grandes vantagens na redução dos juros, na redução do serviço da dívida pública e libertar recursos para o sector privado, para a economia real.
Isso é que ajuda a convergência real. Desse ponto de vista, sempre defendi que a convergência nominal está de mãos dadas com a convergência real e só a pode reforçar. A limitação a uma soberania só teria efeito se houvesse, de facto, um impedimento da escolha da nossa afectação de despesas, se Portugal fosse forçado a gastar na saúde, na educação ou na defesa e não em qualquer outra prioridade. Ora, se mantivermos essa opção, que é também a opção de liberdade das famílias de gastarem o seu rendimento como bem entendem, manteremos a soberania fiscal do nosso país e é isso que é importante.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser muito breve, pois julgo que geraria grande consenso se abdicasse da palavra, dado o adiantado da hera e presumindo que os resistentes estão cheios adiantado fome, mas não gostaria de deixar de fazer alguns comentários, em nome de Os Verdes, a este relatório.
Creio que a primeira observação que ele suscita - e ela é comummente assumida, parece-me - é a de que não é, seguramente, este o tipo de informação sistematizada que este Parlamento precisa de analisar. O processo de acompanhamento da participação de Portugal na construção europeia tem de ter uma visão crítica, tem de ser interrogativo, tem de ter em conta as consequências que advêm das múltiplas directivas e das múltiplas aplicações das decisões da União Europeia que interferem com o nosso país e esse é um processo diferente, que, do nosso ponto de vista, urge iniciar. Isso não aconteceu no passado e já alguns Srs. Deputados, mesmo do PSD, assumiram implicitamente o seu desagrado pelo papel secundário e periférico que sempre foi atribuído ao Parlamento nacional em termos do processo de construção europeia. Julgo que é uma crítica que continua a ter toda a actualidade, porque não. temos para nós, como o Sr. Deputado Carlos Zorrinho quis fazer crer, que o Governo é tão dispensável quanto isso na sua presença neste Parlamento. Por muito antipoder que possamos ser, a presença, de um Primeiro-Ministro num debate de acompanhamento do processo de construção europeia, como o deveria ter sido antes e depois da Cimeira de Dublin, não é uma coisa de somenos importância mas um aspecto relevante, como não deixa de ser a leitura feita da sua ausência.
O segundo aspecto que nos parece estar claro neste debate é este: o processo de construção não é propriamente um processo apaixonante, porventura pela falta de informação efectiva que, sobre ele, tem existido, o que não é um problema só deste Parlamento mas da opinião pública portuguesa e europeia. Em nossa opinião, essa falta de interesse tem a ver coma forma, ou seja, com o processo em que se desenvolve toda a construção europeia, totalmente à margem dos cidadãos, portanto, sem possibilidade de os cidadãos serem parte activa, serem parceiros, fiscalizarem e acompanharem o processo de construção, sendo o acesso à informação um entrave, não existindo. Mas, mais do que isso, o facto de as pessoas não se identificarem com este processo de construção europeia, não se reverem nele, deve-se fundamentalmente, na opinião de Os Verdes, ao facto de ele não ter a ver com uma visão solidária, com uma perspectiva de desenvolvimento equilibrado, com a satisfação de direitos ambientais e sociais dos cidadãos, enfim, com aquilo que era suposto estar implícito num processo de construção, fosse ele qual fosse, ou seja, o bem-estar, o progresso, a libertação das mulheres e dos homens daquilo que o acumular de gerações deve trazer cada vez mais de níveis de bem-estar e felicidade e não o contrário.
Nós vivemos uma evolução tecnológica, vivemos mudanças muito radicais, mas essas mudanças não geram qualquer património de bem-estar, nenhuma evolução no sentido libertário, que julgamos dever estar implícito a isto.
E, se nos lembrarmos o processo que hoje estamos a analisar, chegamos à conclusão que não é um processo que efectivamente tenha introduzido, naquilo que é a passagem do PSD para o PS, modificações significativas. A postura que se quis dizer diferente não existe: os cidadãos continuam à margem - estiveram-no e vão está-lo em relação à adesão à moeda única, pois não vão ter livre escolha, não" vão pronunciar-se por referendo - e essa é uma posição clara, tal como o foi no passado. Mais do que isso, toda a lógica, em termos do que aconteceu no ano passado, dos acordos hortofrutícolas, do desenvolvimento para a nossa floresta, do modelo de crescimento imposto para o nosso país acentua a nossa dependência do exterior, anula a nossa diversidade, rompe e põe cada vez mais em causa a nossa própria relação com aqueles que deveriam ser os nossos parceiros privilegiados. Refiro-me aos países de língua portuguesa, refiro-me, no ano também que acabou, à entrada em vigor da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, que tem e vai continuar á ter, seguramente, mais efeitos extremamente negativos naquilo que deveria ser uma relação privilegiada do nosso país com outros que partilham a nossa língua.
Por isso, o importante, com as diferentes perspectivas que temos do processo de construção europeia, era que, no futuro,. tivéssemos outros meios, outros instrumentos e outras formas de análise, mais do que, de forma acrílica, remeter-nos com resignação a uma lógica que, de novo, nada introduziu. No fundo, as modificações que o novo Governo trouxe são concretamente abstractas; pode-se ter falado mais alto, mas, de modo algum, o papel periférico de Portugal se modificou. Em nossa opinião, aquilo que interessava discutir, pôr em causa e saber era se este é, em nosso entendimento, o modelo que melhor se adequa aos cidadãos em Portugal, aos cidadãos da Europa, numa perspectiva de paz e de segurança, que, do nosso ponto de vista, de modo algum, por esta via se consegue alcançar.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu tinha-me inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Francisco Torres.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, faça o favor de aguardar um momento.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, quando o Sr. Deputado se inscreveu, a Sr.ª Deputada Isabel Castro já estava a fazer a sua intervenção.
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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, inscrevo-me para uma intervenção, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, pretendia encerrar este debate, mas este equivoco em torno do desejo do meu «primo» Jorge não me deixa fazê-lo. De qualquer maneira, não vamos seguir pela Via Verde; vamos, sim, apresentar as nossas propostas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem esta Assembleia procurado, nos últimos anos, acompanhar com empenhamento, rigor e elevado sentido político a participação de Portugal no processo de construção europeia. É disso exemplo a aprovação oportuna, após aprofundada discussão na legislatura anterior, da Lei n.º 20/94, a qual constitui, hoje, um claro quadro de referência para a nossa actividade de acompanhamento e de participação no processo de construção da unidade da Europa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que a intervenção da nossa Assembleia da República neste quadro legal e nesta fase em que nos encontramos terá de vir a exigir, como já foi sublinhado, um outro trabalho de aprofundamento e síntese e outras formas complementares de análise, vertidas por ora no quadro legal adoptado e, em nosso entender, ainda não totalmente explorado.
Sr. Presidente, a problemática europeia deixou de ser gradualmente uma questão distante e de especialistas para se tornar numa envolvente fundamental de todo o processo político e económico. Quando, por exemplo, alguns noticiários da manhã abrem com uma informação sobre a questão das sardinhas, como hoje se verificou, tal facto revela não uma qualquer deformação jornalística mas a relevância que este assunto assume no quadro europeu e a importância concreta que o problema assume para o cidadão comum, para o pescador, para o armador, para o consumidor.
Cada vez mais se entende que um pais como Portugal, membro, há uma década, da União Europeia, não é necessariamente sofredor de decisões bruxelenses, antes tem de participar activamente em tais processos. E nestes processos decisórios vai também ganhando relevo a problemática das negociações económicas internacionais.
O combate ao fundamentalismo liberal, tão influente em determinados serviços e sectores da Comissão Europeia, aparece, assim, associado aos ganhos de eficácia que se pretendem na defesa das economias dos países gozando de sistemas de protecção social, face ao dumping social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgamos que a participação das várias famílias políticas no processo de integração europeia é cada vez menos uma opção e cada vez mais um dado. Hoje, o que se discute são mais os processos e as formas de participação e de intervenção.
Entre as grandes famílias políticas, podemos identificar os euroconvictos, mais ou menos eficazes, e os euro-reticentes, provenientes do anti-europeísmo. Mas começa a ser cada vez mais evidente a vantagem de, nas questões concretas, se poder criar uma vasta frente de apoio às posições governamentais, expressando estas, obviamente, o interesse nacional.
Nestes termos, a resolução aprovada ontem mesmo nesta Assembleia sobre a olivicultura nacional foi um bom exemplo dessa convergência real no plano político-partidário, exprimindo a defesa adequada e equilibrada dos interesses nacionais no plano europeu, e reforçando, assim, a própria posição do Governo português no plano
negocial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já terá sido decidido, entre ontem à noite e hoje, de acordo com as informações disponíveis, que foi rejeitada a proposta que estava inicialmente em cima da Mesa sobre a questão da sardinha e que se adoptaram outras medidas, que, criando algumas limitações de zonas e de datas, mantêm a nossa capacidade pesqueira nesse importante sector e garantem a possibilidade de renovação dos stocks.
Aí está um exemplo, profundamente actual, de como o falar com firmeza e de forma inteligente pode ter efeitos positivos. Se estas negociações tivessem corrido mal, o que não estaríamos, hoje, a ouvir aqui dos euro-reticentes, dos eurocépticos ou dos anti-europeus!
Aplausos do PS.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E os europatetas!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste processo de comunidade política e económica europeia, inserem-se os movimentos no sentido dá convergência real e da convergência nacional. Nesse sentido, não podemos deixar de saudar o ano de 1995, obviamente o seu final, como o início da viragem no sentido de se assegurar uma convergência real. O facto de se atingir em 1996 e se preverem para 1997 taxas de crescimento superiores às médias da União Europeia demonstra não só o empenhamento deste Governo como a sua eficácia num percurso real de desenvolvimento económico, utilizando das formas mais adequadas as vantagens da participação na Europa, na União.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No decurso destes debates, foi aqui suscitada a questão referendária. Convém que fique claro que não referendamos a Europa, à qual pertencemos desde sempre e de cujo processo de comunidade política e económica não abdicamos. Mas estamos disponíveis, como já foi anunciado, para referendar questões concretas concernentes ao desenvolvimento e aprofundamento do processo da União Europeia, nomeadamente quando as conferências intergovernamentais clarificarem alguns dos pontos em análise e se colocarem com clareza as opções institucionais a adoptar, que .compatibilizem o alargamento com o aprofundamento da actual União Europeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um ponto importa esclarecer: sobre a questão do desemprego e o célebre estudo do Eng. João Cravinho, convém que fique claro que a actuação deste Governo, que o próprio Ministro João Cravinho integra num lugar absolutamente central para o desenvolvimento económico, está a alterar os pressupostos que conduziriam aos cenários indicados no estudo. Assim, a contenção do desemprego, que já se verifica, e o esforço de inserir o problema do emprego no centro das preocupações da União Europeia, associado ao equilíbrio financeiro obtido em Portugal, à estratégia de desenvolvimento económico em curso e à política de recuperação das empresas e de renovação do tecido económico nacional, encontram-se em curso e darão os seus frutos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aqui emerge um outro problema. O Sr. Deputado Luís Sá, profundo conhecedor das matérias
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europeias, exemplo. vivo de como o seu estudo aprofundado e de conhecimento directo reforça o seu europeísmo, defendeu que o emprego passasse a ser tratado ao nível da União Europeia. Mas, sendo assim, teremos de reflectir sobre se, no plano europeu, não será também de ser esboçada e tratada de outra forma a coordenação das políticas macroeconómicas. Então, e nesse quadro, como se conceberá que não haja um reforço da unidade político-institucional e como se entenderá que não participemos no centro da zona de estabilidade monetária?!
Convém que os eurocomunistas ou os comunistas convencidos do europeísmo levem a sua coerente atitude até ao fim! Cá estamos para continuar e aprofundar o diálogo com eles e com os outros.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do claro europeísmo, globalmente responsável, do Sr. Deputado Francisco Torres, que saudamos, europeísmo esse na prática nem sempre acompanhado pelo seu partido - vejam-se as questões do défice orçamental, das privatizações do quadro europeu -, convém que também para ele fique claro, e também para todos nós, que o PS é pela moeda única, mas não tem isso como objectivo único. Somos pela moeda única, mas somos contra o pensamento único, como sempre fomos, coerentemente, contra o partido único. A moeda única é para nós não um fim mas um meio para um maior desenvolvimento, para uma participação acrescida no processo de construção da União Europeia e para uma maior solidariedade e protecção social. A moeda única é, para nós, não o oposto mas um caminho para a solidariedade europeia e para o desenvolvimento económico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em síntese, diria que a evolução dos trabalhos relativos às conferências intergovernamentais, embora até agora com magros resultados, o processo de alargamento da União Europeia, envolvendo toda a problemática da segurança e do desenvolvimento económico, quer a Sul quer a Leste, e o aprofundamento da União Económica e Monetária, nomeadamente no caminho adoptado de criação de uma forte zona de estabilidade monetária, centrada numa moeda única - o euro -, criam especiais responsabilidades para a nossa participação em todo este processo.
Assim, as intervenções dos parlamentos nacionais no processo de construção europeia e o acompanhamento e controlo de toda a actividade governamental nesta área não é só um direito mas é um dever indeclinável.
Trabalhemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por um aperfeiçoamento e aprofundamento da intervenção parlamentar, no plano nacional e no plano europeu, na construção democrática e participada da União Europeia.
A terminar, diria que resulta claro deste debate que o processo de convergência político-partidária, no âmbito das posições face à União Europeia, se reforça. Estamos convencidos de que, não se verificando actuações irresponsáveis ou inoportunas que dificultem o cumprimento por Portugal das próprias regras de participação no processo de construção europeia, este se reforçará. Mas é, de facto, necessário dar a este tipo de debates, a este envolvimento parlamentar no processo de construção europeia, outra importância e outro relevo. Só assim também Portugal e a Assembleia da República dignificarão a nossa participação no processo de construção da União Europeia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, já que ultrapassámos a hora de almoço, penso que podemos, com a sua benevolência, aproveitar bem a parte da tarde que nos resta para discutir estas questões.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Podemos ir até ao jantar!
O Orador: - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, naturalmente far-lhe-ei o cumprimento, por parte do PSD, de reconhecer o trabalho construtivo que fez, quer na anterior, quer na presente, legislatura, em relação a todas estas matérias de construção europeia.
Agora, o Sr. Deputado, por ser o apoio da maioria que suporta o Governo, não quer explicar que os dois últimos meses de 1995 explicam a convergência real, ou seja, que começámos a crescer mais do que a média europeia em 1996 devido aos dois meses do Governo PS em 1995. Penso que não faria tal afirmação e dará, com certeza, explicações sobre ela.
Estou também contente, muito contente, em reconhecer que o PS percebeu, finalmente, que o emprego é para resolver primordialmente ao nível nacional. Lá está: as coisas menos importantes, as coisas que são apenas uma via, como a moeda, que servem para comprar coisas, para gerar estabilidade, podem ser determinadas a nível comum, mas aquilo que é verdadeiramente importante, o que releva da soberania das nações, fica para os Estados. E é aí que está o modo como cada Estado quer ter uma política de emprego, que pode ser mais ou menos activa. A nossa preocupação foi sempre a de assegurar que seria cumprido e exercido o princípio da coesão económica e social, que os fundos teriam um carácter eminentemente estrutural para ajudar a aproximação dos povos europeus e que eram expressão dessa solidariedade infra-europeia. Não desviemos, por isso, os fundos estruturais para fundos conjunturais, para Portugal estar, porventura, a subsidiar os desempregados em Espanha ou em França. Porém, vejo que o Governo vem agora reconhecer que essa preocupação do PSD era justa, tinha sentido e que poderíamos perder se enveredássemos pela defesa dos fundos conjunturais relativamente aos fundos estruturais.
Quanto ao meu partido, apesar de os presentes serem poucos, estamos firmes nestas convicções. E isso não depende de A ou de B mas, sim, de uma posição clara do partido que vem dos seus fundadores, que foi continuada e que, como o Sr. Deputado reconhecerá, esteve bem presente nas atitudes aqui demonstradas quando era presidente do partido e líder do grupo parlamentar o Dr. Fernando Nogueira e agora com o Professor Rebelo de Sousa na liderança do partido. Foi com ele, aliás, que entrámos para o Partido Popular Europeu e tem sido ele a falar, como outros Deputados do PSD, em questões de regime nesta matéria. O PSD tem tido, na oposição, uma postura responsável, como nem sempre foi possível ver da parte do PS, o PSD tem mantido, ao longo da presente legislatura, uma postura de Estado nas questões europeias, o que tem dado azo a que o Governo não tenha alibis e possa prosseguir, de facto, os objectivos que nos são comuns.
Manteremos, com certeza, as criticas quanto à maneira de lá chegar. Também não somos fundamentalistas da moeda, pensamos que ela é um meio de tornar as coisas mais transparentes para que nos preocupemos mais com
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as pessoas. A moeda é apenas um meio e, portanto, nesse ponto estamos de acordo. Quanto ao meio de lá chegar, podemos ter algum desacordo, e, seguramente, continuaremos a tê-lo.
No entanto, espero que possamos continuar, com a benevolência do Sr. Presidente, a discutir pela tarde fora.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Se o Sr. Presidente me autoriza, com a sua tradicional benevolência liberal e moscovita, citando o poeta,...
Risos do PS.
... começo por dizer que achei extremamente interessante que o começo Deputado Francisco Torres tivesse usado da palavra no tempo do PP, já que o seu partido pouco o acompanha...
Risos do PS.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O Sr. Deputado Francisco Torres já discorda do Professor Cavaco. Mais dia menos dia, passa-se para a minha bancada!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, posso ser muito liberal, mas tenho limites. Portanto, se quiser usar da palavra, faça favor, senão sente-se.
O Orador: - Se o Sr. Presidente me autoriza, uso da palavra.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor.
O Orador: - Em primeiro lugar, quero dizer que a Comissão de Assuntos Europeus e o seu presidente, que se encontra ao meu lado, têm desenvolvido um excelente trabalho no sentido de procurar dar uma grande consistência aos trabalhos desenvolvidos na anterior legislatura. É que, apesar de ter havido vários acidentes de percurso, por razões várias - a Comissão conheceu três presidentes, portanto houve várias inflexões -, mesmo assim, conseguiu-se fazer aprovar a Lei n.º 20/94 e foi com muito gosto e honra que participei nestes trabalhos. Mas, como eu estava a dizer, a Comissão de Assuntos Europeus tem feito, efectivamente, um trabalho sólido e tem também, em geral, representado bem, nas reuniões da COSAC, o esforço desenvolvido de acompanhamento deste processo.
Quanto às questões da política, vou explicar com mais clareza. Já aqui foi dito, mas vou ser extremamente claro, que este não é o relatório que sirva para este tipo de seriedade. Dou um exemplo: um dos relatórios anteriores, ainda da responsabilidade do Dr. Vítor Martins, chegou a mencionar a Albânia como um dos Estados bálticos. Este relatório já não tem esses lapsus calami, mas, apesar de tudo, é um relatório muito vindo dos serviços e com pouca análise política. Em nosso entender, podemos ter outro tipo de relatório, como já aqui foi dito quer pelo Presidente da Comissão, quer por vários Srs. Deputados, nomeadamente o Deputado Carlos Zorrinho.
Bom, o que é que se passa? Passa-se que este foi o ano da viragem e é no final de 1995 que se criam as condições políticas para alterar o processo que estava a ser seguido. O Sr. Deputado Francisco Torres conhece tão bem como nós o relatório, que o Sr. Governador do Banco de Portugal distribuiu há dias e que analisámos, do Instituto Monetário Europeu - aliás, fomos dois participantes activos nessa reunião da subcomissão - ...
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Exactamente!
O Orador: - ... onde se vê, por um lado, que estão criadas as condições essenciais para a participação de Portugal na grande zona de estabilização monetária, pelo que toda esta polémica em torno do curo, etc., é, de facto, absurda e é bom que as pessoas sejam esclarecidas, e, por outro, que, tendo em conta a forma como este Governo está a desenvolver a sua estratégia política e económica, se consolidará o processo de convergência económica. Em meu entender, o Governo do Professor Cavaco Silva, nomeadamente na última legislatura, não conseguiu fazer isso, o que terá sido uma das razões do seu fracasso eleitoral!
A questão económica e social é uma matéria extremamente séria. Penso que houve algumas tentações e algumas práticas no anterior Governo, na equipa do Professor Valente Oliveira e da Dr.ª Teresa Mota, de considerar a Europa um pouco como uma «vaca leiteira», uma espécie de cash cow que a gente mugia... A política deste Governo é radicalmente diferente e temos uma vontade de participar neste processo de integração europeia, que não pode ser posta em causa. E não nos venham dizer que nos convertemos. Está aqui, ao meu lado, um dos homens que assinou o pedido de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia. Portanto, isto é um trajecto de coerência.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado...
O Orador: - Ainda o PSD não existia e já Mário Soares era pró-europeu e partidário do reforço da União Europeia. Portanto, há aqui um trajecto de coerência.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, pois, certamente, vamos ter mais debates.
Para terminar, quero desejar-lhes as melhores felicitações, um bom Ano Novo no seio do PPE e espero que o facto de terem assegurado um vice-presidente, algumas secretárias e alguns recursos vos dê boa sorte. Quanto ao acordo político-ideológico, estamos para ver!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda que muito breve, não posso deixar de fazer esta intervenção porque pensamos que foram feitas afirmações que não podem passar em claro.
Sempre que o Sr. Deputado Francisco Torres fala sobre a Europa, sobre a moeda e sobre os critérios de convergência, faz-me lembrar o ditado popular: «quanto mais fala, mais se enterra!». Isto porque o Sr. Deputado acaba de fazer duas afirmações essenciais, a primeira é a de que a convergência nominal é a irmã siamesa da convergência
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real e que a convergência real depende do cumprimento da convergência nominal, e a segunda é a de que o problema do combate ao desemprego depende essencialmente das políticas nacionais. Ó Sr. Deputado, já nem as instituições europeias pensam assim!
O Sr. Deputado talvez não saiba mas esta semana o EUROSTAT e creio que V. Ex.ª dará crédito a este serviço que depende da Comissão Europeia, pelo que, do seu ponto de vista, será, penso, absolutamente insuspeito -, ao fazer a avaliação do cumprimento dos critérios de convergência e da taxa de desemprego, reconheceu que esta taxa, nos últimos meses, caiu no Reino Unido, na Irlanda, na Suécia, na Finlândia e na Dinamarca, ou seja, nos países que mais violam, com as suas políticas nacionais, os critérios de convergência e que precisamente nos países que mais tentam respeitá-los o desemprego aumentou, ou seja, na Alemanha, na França, na Espanha, isto para não falar em Portugal. Aliás, sei que V. Ex.ª, Sr. Deputado Francisco Torres, tem alguns problemas em analisar as políticas internas porque já está naquele ponto em que tem de discordar do Professor Cavaco Silva e, apesar de não estar presente nenhum jornalista, não quero forçá-lo a outro acto de discordância com o Professor Cavaco Silva, embora deva fazer-lhe uma pequena advertência: no futuro, tenha cuidado quando tiver de discordar das orientações do PPE. Pode ser que receba a visita de um dirigente do PPE num hotel de Lisboa e tenha de ser expulso, se quiser preservar a sua opinião!
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Não costumamos receber visitas em hotéis!
O Orador: - De qualquer modo, Sr. Deputado, queria deixar aqui expresso que V. Ex.ª acredita numa Europa virtual, a qual já não existe. Toda a gente está «noutra onda», como costuma dizer-se, e nem as instituições europeias que, no seu critério, são insuspeitas, porque são serviços que dependem da Comissão Europeia, acreditam naquelas ideias que o Sr. Deputado veiculou. Pelo contrário, desmentem-nas e provam-no estatisticamente.
Portanto, V. Ex.ª está enganado pois a política da convergência nominal não reforça a convergência real. V. Ex.ª tem todo o direito de preferir a primeira à segunda, nós continuamos a preferir a segunda à primeira.
O Sr. Francisco Torres (PSD): - Não é uma questão de preferência!
O Orador: - Também está enganado relativamente à questão do combate ao desemprego, que está intimamente ligada à maior ou menor intensidade com que os vários Estados da União Europeia prosseguem a política de convergência nominal, ao contrário daquilo que V. Ex.ª ainda acha. Mas essa distância que existe entre aquilo que V. Ex.ª pensa sobre. estes assuntos e a realidade, com o tempo, como já, hoje se demonstrou, vai atenuar-se, pelo que vamos esperar ansiosamente o momento em que acabará por concordar mais connosco do que com eles.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate, pelo que vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 27/VII - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1995, apresentado pela Comissão de Assuntos Europeus.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se no dia 8 de Janeiro de 1997, a partir das 15 horas, constando do período de antes da ordem do dia declarações políticas e um debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do PSD, sobre o despacho conjunto do Governo, de 10 de Outubro, no âmbito da luta contra a toxicodependência e da ordem do dia a apreciação das propostas de resolução n.º 15/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat, em 30 de Maio de 1994, 16/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Coreia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, assinada em Seul, em 26 de Janeiro de 1996, 17/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Checa para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, assinada em Lisboa, em 24 de Maio de 1994, e 18/VII - Aprova, para ratificação, a Emenda ao artigo 20.º, parágrafo 1, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, aprovada pela Resolução n.º 50/202 (1995) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 22 de Dezembro de 1995.
Desejo a todos um bom Natal e um bom Ano Novo. Está encerrada a sessão.
Eram 15 horas.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Martinho.
Carlos Manuel Luís.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Vital Martins Moreira.
Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António de Carvalho Martins.
António Paulo Martins Pereira Coelho
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
José Augusto Gama.
José Carlos Pires Póvoas.
José Guilherme Reis Leite.
José Mendes Bota.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Castro de Almeida.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
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