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Quinta-feira, 9 de Janeiro de 1997

I Série - Número 23

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE JANEIRO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 255 a 262/VII, dos projectos de resolução n.º 37 e 38/VII, da audição parlamentar n.º 7/VII e da apresentação de requerimentos
O Sr. Deputado Jorge Lacão (PS) saudou a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) pela sua eleição para o cargo de Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP, elogiando o trabalho desenvolvido pelo seu antecessor, Sr. Deputado Jorge Ferreira - que viria a agradecer as palavras que lhe foram dirigidas e a felicitar também a sua sucessora -, no que foi secundado pelas Srs. Deputados Luís Marques Mendes (PSD) e Octávio Teixeira (PCP), bem como pelo Sr. Presidente. No fim, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto agradeceu os votos de congratulação.
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a retoma do mandato pelo Deputado da PSD Barradas Leitão.
Em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) falou sobre as preocupações do seu partido relativamente as violações dos direitos dos trabalhadores levadas a cabo pelas políticas governamentais. após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr Deputado Jorge Lacão (PS), que, também usou da palavra para unia defesa da honra.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD) criticou a indisponibilidade do Sr. Primeiro-Ministro para vir à Assembleia participar num debate .sobre a autoridade do Estado, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Jorge Ferreira (CDS/PP). José Magalhães e Manuel Alegre (PS).
Procedeu-se ao debate de urgência sobre o despacho conjunto do Governo, de 10 de Outubro, no âmbito da luta contra a toxicodependência, da iniciativa do PSD. Usaram da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira), os Srs. Deputados Pedro Passos Coelho (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Alberto Marques (PS), António Filipe (PCP), Bernardino Vasconcelos (PSD), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Filomena Bordalo (PSD) e José Niza (PS).

Ordem do dia. - For apreciada e aprovada, em votação global, a proposta de resolução n.º 15/VII - Aprova, para ratificação. o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat, era 30 de Maio de 1994, tendo proferido intervenções, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Seixos da Cosia), os Srs. Deputados Miguel Coelho (PS), Carlos Pinto (PSD), Carlos Luís (PS) e Ferreira Ramos (CDS-PP).
As propostas de resolução n.º 16/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Coreia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, assinada em Seul, em 26 de Janeiro de 1996, e 17/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a Republica Checa para Evitar a Duplo Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal ene Matéria de Impostos Sobre n Rendimento, assinada em Lisboa. em 24 de Maio de 1994, foram igualmente apreciadas e mereceram aprovação em votação global, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, os Srs. Deputados Francisco Valente (PS), Duarte Pacheco (PSD) e Carlos Bela (PS).
A Câmara apreciou ainda a proposto de resolução n.º 18/VII Aprova, para ratificação, a Emenda ao artigo 20.º, § 1.º, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, aprovada pela Resolução n.º 50/202(1995) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 22 de Dezembro de 1995. Após terem intervindo o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus e os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Luísa Mesquita (PCP), Rosa Albernaz (PS) e Maria Eduardo Azevedo (PSD), a mesma foi aprovada em votação global.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Maninho. António
Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Maninho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes. António Costa Rodrigues.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.

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Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, no reinicio dos nossos trabalhos parlamentares no ano de 1997 desejo-vos, sinceramente, que ele seja o mais propício possível, o mais pleno de realizações e satisfações, em suma, o mais feliz que puder ser.
O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e dos requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.º, 255/VII Elevação de Silgeiros a vila (PS e PSD), que baixou à 4 ª Comissão, 256/VII Elevação da povoação de Abraveses, no concelho de Viseu, à categoria de vila (PS e PCP), que baixou à 4.ª Comissão, 257/VII Altera da Lei dos Baldios (PSD), que baixou às 1.ª e 10.ª Comissões; 258/VII - Instituição da Fundação de Cister (PSD), que baixou às 5.ª e 6.ª Comissões, 259/VII - Associações representativas dos estabelecimentos de educação, ensino, ciência e cultura não estatais (PSD), que baixou à 6.ª Comissão, 260/VII Reembolso dos montantes pagos a título de propinas de matrículas ou de inscrição (CDS-PP), que baixou às 6.ª e 11.ª Comissões, 261/VII - Anula o perdão das dívidas dos produtores cinematográficos ao Estado (PSD), que baixou às 5.ª e 6.ª Comissões, 262/VII - Reconhecimento do direito de pré-inscrição no recenseamento eleitoral aos cidadãos que completem 18 anos antes do novo período anual de inscrição (PSD), que baixou à 1.ª Comissão, projectos de resolução n.os 37/VII Isenção de imposto automóvel a veículos importados por trabalhadores portugueses em países terceiros (PSD) e 38/VII - Proposta de referendo sobre a alteração da lei do aborto (PSD), que baixou às 1 ª, 7.ª e 12.ª Comissões, e audição parlamentar n.º 7/VII - Sobre a situação financeira actual da Expo'98 e dos projectos nela envolvidos (CDS-PP), que baixou à 5.ª Comissão.
Entretanto, ao abrigo do artigo 135.º, n.º 1 do Regimento da Assembleia da República o CDS-PP retirou o projecto de lei n.º 79/VII.
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: na reunião plenária de 13 de Dezembro de 1996 e no dia 18 de Novembro de 1996, ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Santos Pereira; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Pinto; ao Ministério da Educação, formulados pela Sr.ª Deputada Jovita Matias; ao Ministério da Educação e à Junta de Freguesia de Sacavém, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.

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O Sr. Presidente: - Para interpelações à Mesa inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Lacão, Luís Marques Mendes e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedia palavra para, sob a forma de interpelação à Mesa e com a compreensão do Sr. Presidente, utilizar esta figura regimental para saudar a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto que acaba de ser eleita líder do Grupo Parlamentar do Partido Popular.
Seja, pois, Sr.ª Deputada, bem-vinda ao exercício das suas novas responsabilidades e creia que, com convicção lho digo, conta sempre na relação com a bancada do PS certamente em muitos momentos com diferenças de pontos de vista, com um duro combate político em que os nossos pontos de vista não vão coincidir com a disponibilidade permanente de boa e leal cooperação parlamentar para mantermos com o seu grupo parlamentar uma relação de abertura e de diálogo, sobretudo e sempre que o interesse nacional o justificar.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, permita-me também que, neste momento e em nome do meu grupo parlamentar, lhe manifeste as nossas saudações no momento em que vai iniciar o exercício do cargo e que exprima ao Sr. Deputado Jorge Ferreira aquilo que foi, da minha parte, o testemunho de uma experiência de excelente cordialidade parlamentar.
Ao longo da 1.ª sessão legislativa e do tempo que já vai desta segunda, a relação entre a direcção dos grupos parlamentares do PS e do PP pôde ser sempre cordial no respeito pelas diferenças de posição política, pelo reconhecimento dos duros combates políticos, que muitas vezes aqui travámos, e sempre na convicção e na certeza de que o pluralismo democrático é, em si mesmo, um valor que todos deveremos saber respeitar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas agora são declarações de amor...

Risos do PCP.

O Orador: - Na verdade, o Sr. Deputado Jorge Ferreira concorreu para esse objectivo e, pela nossa parte, em nome da verdade do pluralismo democrático, aqui o saúdo no momento em que abandona a função de líder do grupo parlamentar.
Termino, desejando à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto muitas felicidades no exercício das suas novas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Marques Mendes também? Também uma declaração de amor...

Risos do PCP.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No início desta primeira sessão do ano de 1997 cumprimento, em primeiro lugar, o Sr. Presidente, todos os Colegas e, sobretudo - e foi essa a razão pela qual pedi a palavra -, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Assim, gostaria de, em meu nome pessoal e no do meu grupo parlamentar, saudar e felicitar a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto pela sua eleição para a presidência do Grupo Parlamentar do Partido Popular.
Neste momento, gostaria também de dar uma palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira, meu colega durante estes meses no exercício destas funções: agradecer-lhe e congratular-me pela forma cordial, civilizada, correcta - para não dizer até de alguma amizade com que partilhámos convivências ao longo destes meses, o que muito me gratifica, pelo que quero deixar-lhe, também em meu nome pessoal e no do meu grupo parlamentar, esta palavra muito sincera.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - À Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, agora eleita para as funções de líder parlamentar, digo-lhe, com toda a sinceridade, em meu nome e no do meu grupo parlamentar, que a felicito pela sua eleição e por ter granjeado este estatuto que, julgo, vai contribuir para a dignificação do nosso trabalho político e parlamentar e desta Assembleia.
Gostaria, assim, de desejar-lhe, na divergência das nossas posições - o que é sempre salutar e saudável -, boa sorte no exercício deste cargo, formulando votos, que vão ser certamente acompanhados pelo desempenho ao longo dos tempo, de uma cooperação frutuosa, profícua, nos momentos de consonância e nos de divergência, bem como para uma boa cooperação no trabalho político que ajude sobretudo a que, pela afirmação dos projectos de cada partido, possamos dignificar a vida política e valorizar o trabalho político e parlamentar e dessa forma podermos estar à altura das exigências que os portugueses esperam de nós.
Sr.ª Deputada, em nome pessoal, desejo-lhe, a si, as maiores felicidades. Não vou desejar-lhe, isso seria hipocrisia, as grandes felicidades políticas; vou, sim, desejar-lhe, naturalmente, boa sorte, bom trabalho, uma boa cooperação e quero que saiba, desde já, que, da nossa parte, há a mesma disponibilidade de cooperação para que saibamos estar, de facto, à altura daquilo que os portugueses esperam de nós neste início de 1997, que é um ano importante para todos nós e para o País.
A si, em particular, Sr.ª Deputada, que tenho vindo a conhecer desde o tempo em que fizemos parte de um governo - não foi muito tempo, mas foi em, alguns momentos, gratificante, digo-o com toda a sinceridade -, quero desejar-lhe, a si, que a aprecio de fornira particular, muitas e muitas felicidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, em nome do Grupo Parlamentar do PCP gostaria de saudá-la nas novas funções que passa a desempenhar no seu grupo parlamentar, acompanhando esta saudação da certeza de que contará sempre da nossa parte com o relacionamento institucional assente na seriedade e na frontalidade. Estamos certos de que da parte de V. Ex.ª também assim será.
Gostaria, ainda, de aproveitar a oportunidade para saudar o Sr. Deputado Jorge Ferreira, que vai continuar entre

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nós, mas agora, com certeza, aparecendo menos vezes naquelas reuniões semanais em que, de vez em quando, havia confrontos bastante acesos entre nós.
De qualquer modo, esses confrontos eram sempre políticos e nunca o relacionamento pessoal foi posto em causa - aliás, nem nunca estiveram em causa a seriedade e a frontalidade do relacionamento institucional entre os nossos grupos parlamentares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conto, desde já, com a benevolência de V. Ex.ª para um pequeno abuso regimental, pois utilizo a figura regimental da interpelação à Mesa para, em primeiro lugar na pessoa do Sr. Presidente da Assembleia da República, saudar todos os Deputados da Assembleia e simbolizar o clima de cordialidade e de bom trabalho que foi possível desenvolver com as várias instâncias parlamentares e com todos os Srs. Deputados, nomeadamente com o Sr. Presidente da Assembleia da República, a quem dirijo esta primeira palavra de saudação.
Em segundo lugar, gostaria de agradecer e saudar as palavras dos Srs. Deputados Jorge Lacão, Marques Mendes e Octávio Teixeira e registar também, pela minha parte, o prazer que foi, independentemente das diferenças partidárias, de opinião e dos acesos combates políticos, que por vezes neste último ano todos nós travámos, a cordialidade parlamentar e a lealdade pessoal com que foi possível desenvolver esses combates políticos nesta instituição parlamentar, tendo por objectivo, julgo que comum, prestar bons serviços ao País.
Assim, quero registar esse clima e agradecer, nomeadamente aos líderes parlamentares do PS, do PCP e do PSD, as palavras que me dirigiram.
Gostaria também de, por último, se me é permitido, saudar a nova líder do meu grupo parlamentar, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, e dizer que fico tranquilo porque, certamente, o meu grupo parlamentar será ainda melhor representado e com isso, penso, ganhará o País, ganhará o meu partido e ganharemos, no fundo, todos os que entendemos que, independentemente dos combates políticos e das diferenças de opinião, é possível conviver democraticamente e relacionarmo-nos num clima de civilização, de democracia, de liberdade e de respeito pelas opiniões uns dos outros.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, Sr. Deputado Jorge Ferreira, Srs. Deputados, a Mesa e o seu Presidente querem associar-se, naturalmente, às felicitações que foram dirigidas à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto e eu já tive a oportunidade de felicitar a primeira mulher portuguesa que, na história do parlamentarismo português, justificou a eleição para a liderança de uma bancada parlamentar. Tenho a certeza de que foi uma distinção inteiramente justificada e merecida, sem prejuízo de me associar às palavras que foram proferidas sobre a actuação e o merecimento do Sr. Deputado Jorge Ferreira como cessante líder da bancada do Partido Popular. O Sr. Dr. Jorge Ferreira foi uma revelação na adaptação vertiginosa aos trabalhos parlamentares, perecendo mesmo, quando aqui chegou, que já tinha uma longa experiência desta actividade.
Quero também realçar a sua cordialidade no relacionamento pessoal com a Mesa, com o seu Presidente e com a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Na verdade, sem quebra de urna grande verticalidade e de uma grande firmeza, imprimiu sempre às suas actuações e intervenções uma cordialidade e uma gentileza que quero realçar.
As minhas felicitações à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto - renovo-as - e os meus cumprimentos ao Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Muito obrigada, Sr. Presidente, já que não poderia deixar de responder às palavras que aqui ouvi.
Dirijo-me a si, Sr. Presidente, à Mesa e aos Srs. Deputados Jorge Lacão, Luís Marques Mendes, Octávio Teixeira e Jorge Ferreira, para dizer que é com muito orgulho que assumo hoje estas funções. Assumo-as com o orgulho de ter dado um passo no meu empenhamento de participação activa na política portuguesa e assumo-as com o orgulho de fazê-lo aqui, nesta Assembleia da República, um forum que, por vezes, não é compreendido no exterior, mas que eu aprendi, ao longo deste ano, a respeitar e a considerar como um dos fora mais importantes do desenvolvimento da política portuguesa.
Queria dizer que tenho muito a aprender - reconheço-o com humildade, porque julgo que é com humildade que podemos fazer as coisas. Aprendi já muito aqui e aprendi com todos: aprendi nas comissões parlamentares, aprendi no Hemiciclo, aprendi com a oposição, aprendi com o meu partido e espero poder continuar a aprender.
Quero dizer-vos que a bancada do Partido Popular estará sempre ao serviço de Portugal. É assim que aqui estamos: ao serviço de Portugal e dos portugueses. Aliás, gostaríamos de poder continuar a conjugar aqui dois deveres: um de oposição, mas também um dever geral de colaboração na persecução dos interesses nacionais.
Estamos certos de que saberemos, como temos vindo a saber, distinguir em cada momento aquilo que é um dever de oposição, aquilo que é uma oposição pura e simples e estéril e aquilo que é um dever de colaboração que nos é pedido e que deve. portanto, ser dado.
Quero terminar dizendo que não penso que tenha sido hoje eleita por ser mulher, mas que acredito - e sempre o defendi - numa crescente participação das mulheres na vida política. Acho que as mulheres trarão talvez um olhar mais plural a estas questões e muitas vezes as questões que aqui se debatem são questões que, antes de mais, tocam a vida das mulheres na sua actividade familiar, das mulheres na sua actividade pedagógica e formativa, das mulheres na sua actividade de gestoras de fracos recursos e de gestoras de conflitos, muitas vezes de natureza familiar.
Portanto, penso que a chegada das mulheres a estes postos pode ser uma vantagem não tanto para elas mas antes para tornar a política portuguesa mais plural e mais feminina, também.

Aplausos gerais.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, quero corrigir uma imprecisão que cometi há pouco. Afirmei que a Sr.ª Deputada era a primeira mulher eleita para a direcção

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de uma bancada parlamentar e esqueci-me, imperdoavelmente, que o Partido Ecologista Os Verdes tem tido mulheres na direcção da sua bancada, mesmo quando o seu grupo parlamentar não era constituído apenas por mulheres. Quero realçar esse facto, o que não quer dizer que não continue a ser um fenómeno verdadeiramente excepcional a reforçar o mérito da eleição da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Secretário Artur Penedos, no início da sessão, anunciou as iniciativas legislativas que mereceram o despacho de admissão de V. Ex.ª e entre elas o projecto de lei n.º 262/VII, que altera a Lei do Recenseamento Eleitoral.
Tendo a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares assumido, por consenso, que os projectos de lei que sobre esta matéria fossem apresentados até ao final do ano passado deviam merecer o chamado «agendamento de reboque» para a sessão de amanhã, quero pedir, nos termos do consenso da Conferência, que o projecto de lei que acabou de ser anunciado seja incluído na ordem do dia de amanhã, juntamente com o projecto de lei n.º 244/VII, da iniciativa do Partido Socialista, sobre a mesma matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há consenso sobre esta matéria?

Pausa.

Como ninguém se opõe, assim se fará.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da 1 ª Comissão.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório n.º 47, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor: «Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 8 de Janeiro de 1997, pelas 10 horas, foi observada a seguinte retoma de mandato de Deputado:
Retoma de mandato de Deputado, nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados: Grupo Parlamentar do PSD, António José Barradas Leitão, círculo eleitoral de Leiria, em I de Janeiro corrente, inclusive, cessando José Gonçalves Sapinho.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que a retoma de mandato indicada obedece aos preceitos regimentais e legais.»
O parecer é no sentido de que «a retoma do mandato em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos votar o relatório e parecer.

Submetido à votação foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Tem a palavra, para uma primeira declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No âmbito das políticas governamentais, o novo ano, que há dias se iniciou, não se anuncia como um ano melhor para os trabalhadores portugueses.
A nível laborai, sucedem-se as situações de prepotência, de arbitrariedade e de ilegalidade. O desrespeito pelas leis laborais em prejuízo dos trabalhadores e a impunidade dos seus infractores crescem diariamente, com a cobertura política do Governo.
É certo que na sua mensagem de Natal o Primeiro-Ministro declarou que o que conta para o Governo «são as pessoas, não as moedas». Mas na mesma ocasião ele próprio não deixou de se desmentir, apresentando o objectivo da moeda única como o grande desígnio nacional para o ano de 1997 e exigindo que a esse desígnio sejam sacrificados os interesses e aspirações legítimos dos trabalhadores portugueses.
É caso para questionar se para o Governo contarão, de facto, as pessoas. Provavelmente sim, mas apenas algumas pessoas.
Para o Governo e para o Primeiro-Ministro contam e pesam, demonstradamente, as opiniões e as vontades do Sr. Ferraz da Costa e dos associados da CIP,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - ... mas não contam, comprovadamente, as opiniões, os interesses, as aspirações e os próprios direitos dos trabalhadores.
Mais do que as palavras, são as acções e omissões da política governativa que mostram, de forma insofismável, que assim é.
Na linha do que já havia acontecido anteriormente com os Orçamentos do Estado e com a concertarão social de curto prazo, mais uma vez, no final do ano, o presidente da CIP apareceu publicamente como o privilegiado interlocutor «social» do Governo, obtendo um acordo dito de concertação estratégica à medida das suas vontades e posicionando-se como um «árbitro» da confiança do Governo para mediar os conflitos de interesses entre o Governo e o sector farmacêutico - sector em que o presidente da CIP, diga-se de passagem, é ele próprio parte interessada.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Os patrões da CIP e o seu «patrão» são tratados pelo Governo como os grandes amigos, os homens sérios e responsáveis, numa palavra, «as pessoas».
Diversamente, esse mesmo Governo encara os trabalhadores como inimigos declarados, cujos interesses podem ser postergados e olvidados e cujos direitos não merecem ser defendidos. Isto é: os trabalhadores e os seus direitos são encarados pelo Governo como as «moedas» objecto de negócio.
Dois exemplos recentes e actuais são paradigmáticos desta reiterada e inaceitável postura do Governo.
No dealbar do novo ano, os pescadores, como os trabalhadores das obras na ponte 25 de Abril, por exemplo, lutam e fazem greves pelo direito ao 13.º mês de remuneração. O patronato respectivo intimida os trabalhadores, despede e procura formas de ilicitamente furar as greves. A tudo isso o Governo e o Primeiro-Ministro mostram-se cegos, surdos e mudos, provavelmente acobertando-se com o pretexto de que o Governo não deve interferir nos conflitos laborais...

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Mas com esta postura de omissão voluntária, e para além do mais, o Governo está a fazer tábua rasa de um dever que indeclinavelmente lhe cabe: o dever de fazer cumprir as leis, de impor a legalidade democrática.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo e o Primeiro-Ministro não podem esconder a cabeça na areia e escamotear que eles próprios fizeram publicar legislação que alarga a todos os trabalhadores portugueses o direito ao recebimento do 13.º mês. E, se há patronato que não quer cumprir a lei, é ao Governo que, em primeiro lugar, incumbe fazê-la cumprir, sem tibiezas, ao contrário do que não faz o Governo do Eng.º Guterres e do Partido Socialista.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e provavelmente a situação mais chocante da ausência de consciência social do Governo e politicamente mais inaceitável da cumplicidade do Governo com o patronato no postergar dos direitos dos trabalhadores -, é o escândalo da interpretação e aplicação que o patronato, designadamente do têxtil e do calçado, está a fazer da malfadada lei dita da flexibilidade e polivalência.
Quando o PCP denunciou, nesta Assembleia e nas empresas, que, nos moldes propostos pelo Governo e defendidos e aprovados pelo Partido Socialista, a alegada redução do horário de trabalho para 40 horas era uma farsa para enganar os trabalhadores, fomos acusados de deturpar e manipular as intenções do Governo e o teor da lei então aprovada.
A prova da verdade dos factos aí está!
Hoje podemos e temos o dever de dizer que aquelas alegadas intenções e a lei que o Governo e o Partido Socialista fizeram aprovar consubstanciam uma autêntica fraude.

Aplausos do PCP.

Aquando da discussão e votação da lei, nunca o Governo ou o Partido Socialista disseram aos trabalhadores que os seus direitos adquiridos ao longo de anos na contratação colectiva, no que concerne à própria definição do trabalho efectivo, seriam anulados e espezinhados pela lei do Governo do PS e deixariam de ser uma defesa dos trabalhadores perante o patronato mais retrógrado.
Bem pelo contrário, Governo, PS e UGT sempre procuraram fazer crer que da lei resultaria uma redução efectiva do tempo de permanência na empresa e do período de trabalho efectivo, nunca a manutenção, e muito menos o aumento, do período normal de trabalho.
Mas a verdade é que a entrada em vigor da lei está a ser aproveitada pelo patronato para pôr em causa direitos legais e contratuais dos trabalhadores, designadamente quanto às pequenas interrupções de trabalho incluídas nas convenções colectivas de trabalho ou acordadas a nível das empresas por livre vontade das partes.
Perante isto, em muitas dezenas de empresas, os trabalhadores desencadearam legítimos e justificados processos de luta para defender os seus direitos e afirmar a sua determinada oposição as arbitrariedades e prepotências do patronato.
Entretanto, que faz o Governo?
Hoje aí temos o Governo conluiado com as confederações patronais e a direcção da UGT numa Comissão de Acompanhamento que se pretende arvorar em nova Câmara Corporativa, arrogando-se o poder de produzir e publicar interpretações oficiosas da lei, como se estivéssemos perante um órgão detentor do próprio poder legislativo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Hoje aí temos o Secretário de Estado do Trabalho, a Ministra para a Qualificação e o Emprego, o Governo, em suma, a afirmar e a defender que «a regra do trabalho efectivo de 40 horas por semana não colide com os limites do período normal de trabalho de 44 horas, que se mantêm em vigor».

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Hoje aí temos o Primeiro-Ministro uma vez mais escondido por detrás do silêncio.
Mas, ao fazer esta interpretação, ao interpretar a lei da forma que mais lesa os direitos dos trabalhadores e melhor satisfaz os insaciáveis e vorazes apetites do patronato, o Governo e o Primeiro-Ministro mostram, de forma insofismável, que a sua opção de fundo no âmbito laborai está claramente tomada: em situações de conflito, o Governo estará sempre ao lado do patronato e da CIP, nunca, mas nunca ao lado dos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

Com esta postura básica, não pode o Governo esperar ter um ano fácil da parte dos trabalhadores. Antes pelo contrário, só pode aguardar um aumento da conflitual idade laborai e social.
Não pode o Governo esperar continuar a usufruir do benefício da dúvida que no último ano lhe foi concedido por grande parte dos portugueses. Diversamente, o próprio Primeiro-Ministro e o Partido Socialista terão já consciência que os sentimentos dos portugueses face ao Governo têm vindo a alterar-se significativamente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nem pode o Governo do PS continuar a ambicionar ser identificado como um Governo de esquerda. Um Governo de esquerda afirma-se pela rotura com as políticas de direita, pela substituição das políticas de direita por políticas de esquerda, por políticas económicas não liberais, por políticas sociais de progresso para os trabalhadores e por acções de permanente e determinada defesa da legalidade democrática,...

Aplausos do PCP.

...inversamente à prática deste Governo, que insiste e persiste em prosseguir e agravar a política de direita anteriormente praticada pelo PSD.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela nossa parte, pela parte do Partido Comunista Português, podem o Governo e o Partido Socialista ficar cientes de que não ficaremos indiferentes aos graves atropelos que se estão a multiplicar contra a legalidade e os direitos trabalhadores.
Podem estar certos de que não aceitaremos passivamente as crescentes acções e actuações do Governo e das confederações patronais no sentido de uma corporativização do regime.

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E não tenham a mínima dúvida de que combateremos, por todos os meios legítimos, a política do Governo de promiscuidade com o grande patronato e crescentemente contra as classes trabalhadoras.
Neste novo ano político, continuaremos a pugnar por uma política de esquerda, por uma política diferente, que dê satisfação às renovadas aspirações de mudança manifestadas pelos trabalhadores portugueses.

Aplausos do PCP, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, pode acreditar que era com alguma esperança-a esperança é sempre a última coisa a morrer que, neste início de ano, aguardávamos da parte do Partido Comunista alguma compreensão política diferente relativamente à leitura que faz dos grandes objectivos nacionais e das causas nacionais pelas quais vale a penas batermo-nos.
O que é que nos disse aqui, no essencial, o Sr. Deputado Octávio Teixeira? Mais uma vez reafirmou que o PCP é contra o desígnio de Portugal de adesão à moeda única. E o que é que está por detrás disso, Sr. Deputado? Por detrás disso está uma lógica que conhecemos, infeliz, de persistente isolacionismo do Partido Comunista, o Partido Comunista, que foi contra a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, o Partido Comunista, que foi contra a possibilidade de aprofundamento político das condições da União Europeia, o Partido Comunista que é contra a possibilidade de Portugal poder colocar-se no centro da decisão do destino europeu.
Sr. Deputado, o que verdadeiramente está em causa é a oportunidade histórica permanentemente perdida pelo PCP, que, a ser seguida neste momento, colocaria Portugal não apenas na periferia geográfica da Europa mas também na periferia da decisão fundamental que vai afectar o destino dos povos europeus nesta transição de século. É nisso que, Sr. Deputado, infelizmente não podemos acompanhar-vos e é pena que, da vossa parte, não haja um esforço para actualizar as vossas posições.
Depois o Sr. Deputado também veio acusar o Governo de ter celebrado um acordo de concertação estratégica envolvendo a esmagadora maioria dos parceiros sociais. O Sr. Deputado Octávio Teixeira nem sabe quanto o Partido Socialista lamenta que, nessa matéria, o Partido Comunista não desenvolva uma pedagogia activa para que aquela central sindical, que do ponto de vista ideológico mais perto está das posições do Partido Comunista, não possa ter um contributo positivo e construtivo no esforço da concertação social em Portugal.
Não foi agora, Sr. Deputado Octávio Teixeira, que essa central sindical e as posições do PCP se manifestaram contrárias a um determinado acordo de concertação em concreto. É desde sempre que assim tem acontecido, ou seja, infelizmente, para além do isolacionismo do PCP, o autismo do PCP é outras das infelizes características que gostaríamos que pudessem superar, porque os senhores desconhecem que vivem no contexto de uma sociedade aberta e que essa sociedade aberta tem o legítimo direito de representação dos interesses económicos e sociais que nela se manifestam e que qualquer Governo, tenha ele a conotação política que tiver, deve procurar, na medida do possível, factores de conciliação entre esses mesmos parceiros sociais. Foi isso o que este Governo conseguiu e quando, pela primeira vez, um Governo consegue um acordo estratégico a médio prazo, isso, Sr. Deputado, é razão de satisfação e não razão de crítica.
Diz-nos que há o risco de que isso se transforme numa lógica de câmara corporativa. Sr. Deputado Octávio Teixeira, por favor, esclareça-me: terá o seu partido, no seu projecto de revisão constitucional, apresentado alguma proposta de alteração. ao artigo 81.º, alínea i), da Constituição, onde se diz que, entre as incumbências prioritárias do Estado, nos planos económico e social, está a de «assegurar a participação das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das actividades económicas na definição, na execução e no controlo das principais medidas económicas e sociais»? Esta, Sr. Deputado, é uma cláusula constitucional que o Governo está a respeitar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Nas conclusões do acordo de concertação estratégica está inteiramente salvaguardado o princípio da separação de poderes e a autonomia de competência e de decisão da Assembleia da República.
Sr. Deputado, é assim que se deve fazer política e convido-o a reconhecer estes objectivos justos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão esperava, segundo afirmou, que houvesse, neste novo ano, uma nova compreensão política, por parte do Partido Comunista Português, face aos grandes problemas e às grandes causas nacionais.
Manifestei há pouco a nossa preocupação, muito séria, sobre um grande problema nacional que está a verificar-se neste momento e que é a quotidiana violação dos direitos dos trabalhadores. Será que para V. Ex.ª, Sr. Deputado Jorge Lacão, e para o Partido Socialista este não é um grande problema nacional?

Vozes do PS: - É!

O Orador: - Não são os direitos dos trabalhadores um problema grande, que deve ser defendido?
Quanto ao que o Sr. Deputado Jorge Lacão define como as grandes causas nacionais, o desígnio nacional da moeda única, o problema é que esse é um desígnio do Partido Socialista e do Governo do Partido Socialista,...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É colocar Portugal no centro da política europeia!

O Orador: - ... mas daí a poder fazer a afirmação clara e peremptória de que se trata de um desígnio nacional vai uma distância muito grande.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - No caso de Portugal, é o desígnio da construção europeia!

O Orador: - Sr. Deputado, iria de, imediato a essa questão.

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O Sr. Deputado Jorge Lacão diz que é um grande desígnio nacional, porque não correremos o risco de ficarmos na periferia geográfica e também na periferia da decisão política. O .Sr. Deputado tem a opinião convicta de que o facto de Portugal eventualmente vir a integrar o chamado núcleo duro da moeda única vai dar mais peso político ao nosso país? Crê que Portugal tem peso político para definir as orientações e decisões no âmbito da União Europeia? E vai retirar esse peso a quem? À França?! À Itália?! À Alemanha?!
Sobre a concertação estratégica e a pretensão a uma nova câmara corporativa, o Sr. Deputado considera que o que foi feito pela Comissão de Acompanhamento do Acordo de Concertação Social, em que participa o Governo, publicando nos órgãos de comunicação social a interpretação autêntica - entre aspas, logicamente - da lei, nada tem a ver com uma tentativa de corporativização do regime? Isso tem algo a ver com o artigo da Constituição que acabou de ler? Nada tem a ver. São coisas completamente diferentes!
Mais, Sr. Deputado Jorge Lacão: quando, no acordo de concertação estratégica, se impõe que a legislação laboral originária no Governo passe a ser feita por um grupo que integra representantes do Governo, das confederações patronais e das confederações sindicais, antes de ser presente à Assembleia da República, demitindo-se o Governo, ao fim e ao cabo, de elaborar e propor as suas próprias leis, atribuindo-as àquela câmara, como é que interpreta isso?
Diz o Sr. Deputado que não estão em causa os direitos da Assembleia da República!

O Sr Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, era o que faltava que no acordo de concertação estratégica previssem que as leis fossem aprovadas na Comissão de Acompanhamento do Acordo de Concertação Social! Era o que faltava! Até aí não foram e não podem ir!
Para terminar, registei que em relação à questão central da minha intervenção, o problema da interpretação e da aplicação da lei das 40 horas, o Sr. Deputado Jorge Lacão e o seu grupo parlamentar preferiram guardar de Cornad o prudente silêncio. Espero bem que isso seja um sintoma de que o Partido Socialista ou, melhor, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista também irá agora exigir do Governo um comportamento diferente e irá fazer aplicar a lei com os princípios que os Srs. Deputados do Partido Socialista aqui reivindicaram quando a aprovaram.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, fez-me algumas perguntas e tenho todo o gosto em responder-lhe.
Perguntou-me, em primeiro lugar, se estou sinceramente convencido de que a possibilidade da participação de Portugal na União Económica e Monetária coloca ou não o nosso País no centro nuclear da decisão política europeia. Sr. Deputado, estou sinceramente convencido disso e é por isso que entendo que estamos genuinamente a bater-nos por um grande desígnio nacional. Sabe. Sr. Deputado Octávio Teixeira, um dos grandes problemas de Portugal foi ter ido demasiadas veres tarde demais ao encontro da História. Esse foi um problema de 50 anos de ditadura. E seria imperdoável para a geração da democracia que nós, com os olhos fechados ao destino europeu, ficássemos, perante a história das novas gerações, responsáveis por uma atitude semelhante. Não será com o Partido Socialista, Sr. Deputado Octávio Teixeira, que isso vai acontecer. Mas digo-lhe mais: tenho pena que possa vir a acontecer assim por efeito das atitudes políticas do PCP.
Perguntou-me depois se não me escandalizo pela circunstância de o Governo aceitar, ao nível do acordo de concertação estratégica, uma consulta regular aos que participaram desse acordo, no âmbito do processo de elaboração das leis laborais. Sr. Deputado Octávio Teixeira, vou responder-lhe também com muita sinceridade: não só não me escandalizo como me congratulo com isso. E sabe porquê? Porque o Sr. Deputado tem, designadamente no Regimento da Assembleia da República, sempre que a Assembleia pretender aprovar matéria legislativa no domínio das leis laborais, uma obrigatoriedade de consulta pública, particularmente a todos os parceiros sociais, para que eles possam participar no processo de elaboração dessas leis. Então o Sr. Deputado Octávio Teixeira entende que isso é legítimo do ponto de vista da consulta institucional do Parlamento mas é criticável do ponto de vista da consulta institucional do Governo? Sr. Deputado Octávio Teixeira, não tenhamos nisto dois pesos e duas medidas!
Agora, percebo o que vos dói: dói-vos o facto de a CGTP/IN ter, voluntariamente, ficado fora do Acordo de Concertação Social e, mais uma vez, ter escolhido para si própria a lógica do isolacionismo.
O que os senhores querem, em matéria de defesa dos trabalhadores, é pô-los muitas vezes nas ruas a protestar. Ora, nós reconhecemos aos trabalhadores, e respeitamo-lo, o legítimo exercício do seu direito de protesto. E queremos, sobretudo, criar-lhe condições para o legítimo exercício do direito de participação. É isso que os senhores não fazem adequadamente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, respondo com todo o gosto às questões que me suscita.
Começo por referir a questão da União Económica e Monetária e do núcleo duro, onde, pelos vistos, o Sr. Deputado Jorge Lacão está convencido de que Portugal passará a ter a palavra primeira, a palavra decisiva.

Vozes do PS: - Também não exagere!

O Orador: - Vá lá! Ainda não lhe chega a palavra decisiva!
Olvidando - e já há pouco o fez - as consequências económicas e sociais para o País e os trabalhadores portugueses, para a Sociedade portuguesa, decorrentes da entrada para esse núcleo, que se reflectem não apenas no presente mas também no futuro, esquece-se o Sr. Deputado de que quem vai começar a mandar na política económi

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ca da União Europeia, com a entrada na moeda única, é o Banco Central Europeu e, aí, pode ter a certeza absoluta de que não terá, nos cinco administradores, um português.
Esquece-se de que não é pelo facto de ter uma moeda única que tem um desenvolvimento equilibrado e se aproxima do nível de desenvolvimento dos outros países. E tem em Portugal o exemplo concreto: Trás-os-Montes ou o Alentejo não têm o mesmo nível de desenvolvimento que têm as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. Na Itália, tem o caso da Sicília, e tem muitas outras situações por esse mundo fora.
No que toca à questão da concertação estratégica, o Sr. Deputado Jorge Lacão trouxe à colação a obrigatoriedade que a Assembleia tem de fazer uma consulta pública sobre legislação laboral. E referiu ainda que tem, em termos regimentais, a obrigação de fazer essa consulta a todos os parceiros sociais. Não é verdade e o Sr. Deputado sabe-o perfeitamente. A Assembleia tem obrigação de fazer a consulta às organizações de trabalhadores. E os senhores, agora, o que fazem? Ou, melhor, o que fez o Governo, no âmbito da concertação estratégica? Não se trata de uma consulta pública. Sr. Deputado Jorge Lacão, a legislação que o Governo pense vir a apresentar à Assembleia da República passará a ser feita não pelo Governo mas, sim, por um órgão tripartido, onde estarão o Governo, as confederações patronais e as confederações sindicais. É essa câmara tripartida que se vai substituir ao Governo na feitura da legislação laboral. E isso nada tem a ver com consulta pública.
Finalmente, diz que bem sabe o que nos dói. E, segundo o Sr. Deputado, o que nos dói é o facto de a CGTP/IN, voluntariamente - palavra sua -,ter querido ficar de fora do acordo de concertação estratégica.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como sempre!

O Orador: - Mas, se o fez voluntariamente, por que razão nos há-de doer?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É a circunstância de não participarem a seguir!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Encarnação para uma declaração política, anuncio que assistem à reunião plenária grupos de alunos da Escola Secundária Rainha D. Leonor, de Lisboa, da Escola Secundária de Mira de Aire, e do Curso de Técnicas Administrativas, de Lisboa; um grupo de 35 pessoas da Escola Profissional de Agricultura de Serpa; um grupo de alunos da Escola Secundária D. Sancho I, de Vila Nova de Famalicão, e outro do Curso de Electricidade de Instalação, da Venda Nova.
O ano começa bem. Saudemo-los.

Aplausos gerais, de pé,

Agora, sim, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para uma declaração política.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro, por incompatibilidade de agenda, não pode vir ao Parlamento discutir um problema que nos preocupa a todos.
Não pode, a pedido do principal partido da oposição. Não pode - o que é pior -, por sua própria iniciativa.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Olha quem fala!

O Orador: - E estamos perante uma ocasião em que seria útil que o Sr. Primeiro-Ministro se mostrasse disponível, mesmo que adiasse alguma deslocação no País, mesmo que adiasse algum Governo aberto, mesmo que adiasse a realização de alguma reunião de um órgão nacional do PS, destinada a discutir uma questão doméstica.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Já se esqueceu do Pacheco Pereira!

O Orador: - Não se compreende que o conflito, mesmo que de grande profundidade moral, que se instalou dentro do Partido Socialista entre o Deputado europeu António Campos e o Sr. Ministro da Agricultura seja mais importante do que uma grande questão nacional que envolve a autoridade do Estado.
O País parece viver suspenso da legitimidade dos históricos em criticar os independentes ou da legitimidade dos independentes em ganhar a confiança do Primeiro-Ministro.
Os noticiários abrem com os pronunciamentos defensivos do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas ou com os pronunciamentos críticos do Sr. Narciso Miranda.
Estes são os ternas que o Sr. Primeiro-Ministro prefere comentar.
O único problema parece ser quem está a atacar por entreposta pessoa o Primeiro-Ministro, mesmo que o atacante pertença consabidamente ao seu partido - até porque está particularmente na moda que o ataque seja do partido que suporta o Governo ao Governo que representa o partido.
É talvez dos primeiros grandes e tristes espectáculos que o Governo da nova maioria nos dá e que nos fazem lembrar como é conturbada a proverbial camaradagem socialista.
Como dura pouco o artificial entendimento interno!...
Os grandes problemas do País reconduzem-se facilmente às grandes discussões internas quanto à ocupação do poder e estes problemas não podem deixar tempo livre ao Sr. Primeiro-Ministro não lhe permitem ver que a autoridade do Estado está pelas ruas da amargura, não lhe permitem ver que todos os portugueses, mesmo os que apoiaram uma solução socialista de Governo, não conseguiram descobrir, num momento de rara gravidade, onde se encontrava, o que fez e por onde andou o Sr. Ministro da Administração Interna.
É que todos os comentadores avisados aproveitam a ocasião para lembrar ao Sr. Primeiro-Ministro que ele não pode ficar surdo, cego e mudo perante um caso de ausência de condições políticas de exercício do poder e de ausência da intervenção de um Ministro, em particular numa área de tamanha sensibilidade política.

Aplausos do PSD.

Mesmo o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, que se sentiu tentado a ensaiar um escrito favorável ao Sr. Ministro da Administração Interna, não escapou a um acto de defesa falhado. Sabe, confessa, «que Alberto Costa não tem virado a cara aos problemas e a um contexto adverso, no qual é obrigado [...] coitado! - «[...] a movimentar-se». Mas, logo a seguir, enumera e identifica os vários nomes que o podem, com vantagem, substituir, não esquecendo gratamente o Deputado Jorge Lacão. Ou seja, o

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Sr. Deputado compreende que o trabalho daquele Ministro não tem eficácia nem futuro e evita identificar o autor dos problemas criados.
Trata-se de tempo perdido, porque o Ministro, a defender, politicamente não existe já há muito tempo.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado defende um fantasma. O Sr. Deputado quer fazer de um pesadelo um sonho.

O Sr. José Junqueira (PS): - Que falta de imaginação!

O Orador: - Tivesse o Sr. Primeiro-Ministro a sagacidade e a intuição do Sr. Deputado Medeiros Ferreira! Não se encerrasse o Sr. Primeiro-Ministro numa obstinação silenciosa, que não abona em favor da sua anunciada sensibilidade!
É que o Sr. Primeiro-Ministro não assiste distanciado, é conivente.
Os portugueses ouviram da sua boca que a segurança era uma das suas grandes prioridades. Os portugueses constatam que a segurança é, hoje, a sua maior confusão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há mais de um ano que os portugueses esperam mais e melhor deste Governo.
Têm, hoje, mais criminalidade; têm, hoje, mais indisciplina; têm, hoje, mais conflitos internos; têm, hoje, mais abandono; têm, hoje, mais problemas a resolver; têm, hoje, mais presos; têm, hoje, mais droga; têm, hoje, mais incerteza.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Quem disse?!

O Orador: - Os portugueses estão, hoje, mais inseguros e mais incompreendidos.
E o Sr. Ministro da Administração Interna fala da Europa e das suas polícias, que se debatem com o terrorismo e os escândalos, como o modelo conveniente, sem se dar conta de que muitos dos modelos são contestados e estão em evolução.
Para o Sr. Ministro, o polícia ideal é aquele que se passeia nas ruas desarmado, munido de uma esferográfica e, talvez, de um manual das Assembleias Gerais do saudoso Roque Laia; para o Sr. Ministro, tudo se resolverá com um diálogo entre os polícias e os ladrões, cada um organizando, porventura, o seu sindicato e discutindo as suas condições de trabalho!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E o Sr. Ministro da Administração Interna fala repetitivamente em virar a página, a página da vergonha que foram os últimos 400 dias do tempo que passou.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Ah, está a contar ao dia!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro ainda não compreendeu que o Governo não se dignifica afastando um General prestigiado, criando um sindicato, negociando e transigindo.
O Sr. Primeiro-Ministro ainda não compreendeu que o «polício-negócio» não pode ser a terceira parte do espectáculo do «totonegócio» e do «cinenegócio».

Aplausos do PSD.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Vai-se ver!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro ainda não se deu conta de que não é dando tudo a todos que consolida um país e lhe dá razões de confiança.
O Sr. Primeiro-Ministro ainda não se deu conta de que os portugueses se debatem com um problema que a inconsciência do PS na oposição ajudou a construir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os portugueses não têm confiança no sistema judicial, não têm confiança no sistema prisional e têm pouca confiança no sistema de segurança.
Convirá que o «Governo das sondagens» não feche os olhos à realidade, ouça as pessoas e tire conclusões.
Foram alguns anos do Partido Socialista a lutar, demagogicamente, pelo aumento de penas, pela contestação das sentenças, pela ligeireza do tratamento dos presos, pela luta pelo descrédito dos polícias.
O PS recebeu, como Governo, o resultado do seu trabalho irresponsável como oposição. Pode estar feliz e orgulhoso, não se pode queixar, nem, muito menos, pode acusar quem quer que seja de demagogia barata. Ninguém seria capaz de fazer mais e de a praticar melhor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo do PS morre às suas próprias mãos, com os seus próprios venenos.
Os portugueses assistem à maior crise de autoridade do Estado. Os portugueses assistem à maior das degradações colectivas. E, ao mesmo tempo, perguntam-se onde estão os rios de leite e mel que lhe prometeram.
Já perderam a conta do número de vezes que os combustíveis aumentaram; já lhes custa fazer a conta do que vão pagar a mais no gás e na electricidade; já têm medo de telefonar ou requerer um telefone; já sabem que vão pagar muito mais pelos medicamentos de que necessitam.

Protestos do PS.

Os portugueses começam a perceber como se pode viver pior, sem, como o Governo anunciava, aumentarem os impostos.

Aplausos do PSD.

É que, de algum modo, transferindo com habilidade os custos, eles sabem que o Governo os engana e castiga e temem também que nem os outros preços se mantenham estáveis e que, por isso, os produtos essenciais subam, tornando cada vez mais dura a sua vida.
Os portugueses sabem, hoje, o que significa a suspensão das propinas e do aumento de algumas portagens.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Ah, isto é por causa das propinas?!

Risos do PS.

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O Orador: - Estão a encontrar os custos em todas as outras portagens, que aumentaram brutalmente, ou naqueles aumentos que não puderam combater.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os portugueses começaram a perceber tudo isto. Levou algum tempo, mas começou a perceber-se. É por isso que a fuga rocambolesca para o Algarve não foi um acidente; tratou-se de um acto simbólico, destinado a iludir as dificuldades.
Terminou o tempo da publicidade enganosa, terminou o tempo da política virtual; a realidade impõe-se e a verdade começa a vir ao de cima.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Olhe o Pacheco Pereira!

O Orador: - É o que preocupa o Primeiro-Ministro. É o que, cada vez mais, preocupa os portugueses.
Falar, falar sempre e muito, já não basta! Só há uma solução: governar. É a obrigação do Primeiro-Ministro e é a exigência do País. É tempo de o Governo governar; é tempo de o Primeiro-Ministro perceber que terminaram os alibis, as tentações de crises políticas, as heranças do passado, as desculpas e as fugas em frente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É o aviso que lhe deixamos e é o repto que lhe fazemos, porque há uma legislatura para cumprir, um mandato para respeitar, uma obrigação a satisfazer, uma exigência dos portugueses, que não pode nem deve ser defraudada.
Portugal e os portugueses merecem mais confiança no presente e mais esperança no futuro!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lacão, Jorge Ferreira, José Magalhães e Manuel Alegre.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, nós tínhamos ouvido dizer que o PSD faria, hoje, uma declaração política. Afinal, Sr. Deputado Carlos Encarnação, o senhor subiu àquela tribuna, brindou-nos com um conjunto de rodriguinhos e de intrigas folhetinescas e quis elevá-las à categoria de declaração política.

O Sr. José Junqueiro (PS): - É lamentável!

O Orador: - É lamentável e é mau demais, Sr. Deputado Carlos Encarnação! Não sei se o senhor sabe fazer melhor, mas nós merecíamos melhor da parte do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação começou por insinuar que tinham querido ter aqui o Sr. Primeiro-Ministro para um debate sobre a temática da segurança interna e que ele não vinha por isto e mais aquilo. O Sr. Deputado sabe que, ontem, na discrição da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, todos nós fomos informados, inclusivamente o seu partido, de que o Sr. Primeiro-Ministro faria muito gosto em vir à Assembleia para um debate político, designadamente no quadro do debate mensal com o Primeiro-Ministro, mas que, por razões da sua agenda e nomeadamente por razões particulares, não poderia vir à Assembleia antes dos próximos dias 22 ou 23. e assim se confirmou na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Estranho muito o mau gosto do Sr. Deputado Carlos Encarnação ao vir aqui fazer insinuações artificiosas sobre uma matéria acerca da qual tinha a obrigação de estar plenamente esclarecido.
Depois, o Sr. Deputado Carlos Encarnação ignorou completamente que também ontem, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, perante a intenção anunciada de o PSD querer um debate acerca da temática da segurança interna, interpelámos o seu partido sobre se efectivamente queria esse debate, porque mais importante do que o protagonista do debate é seguramente a substância do debate.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E como o Governo funciona, independentemente do que acerca disso pensa o Sr. Deputado Carlos Encarnação,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Funciona?

O Orador: - ... o PS manifestou-se totalmente disponível para aceitar uma iniciativa de debate sobre matéria de segurança interna no Plenário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E o PSD não quis, porque só queria falar com o Sr. Primeiro-Ministro. Ou seja, afinal de contas, o PSD não quer qualquer debate sobre a natureza essencial dos problemas; o PSD só quer «Estado-espectáculo», conspiração permanente e instrumentalização da opinião pública, sem qualquer seriedade política.

Aplausos do PS.

E a prova mais acabada de que assim é, Sr. Deputado Carlos Encarnação, vai residir certamente na resposta que me dará à pergunta que lhe vou fazer.
Hoje, o Sr. Ministro da Administração Interna veio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias fazer o seu depoimento acerca das orientações do Governo em matéria de segurança interna. Sr. Deputado Carlos Encarnação, o senhor é membro dessa Comissão. Que perguntas fez ao Sr. Ministro para ficar esclarecido sobre essa matéria?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Zero!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, há mais três oradores inscritos para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, vou responder-lhe e vou fazê-lo muito seriamente em relação à sua primeira insinuação. O Sr. Deputado sabe que as minhas relações de amizade com o Sr. Primeiro-Ministro jamais permitiriam que eu fizesse aqui alusão a uma falta do Primeiro-Ministro que eu próprio não pudesse comprovar, falta essa que não devia ter sido feita em relação à Assembleia.
O Sr. Primeiro-Ministro não fugiu a outros compromissos, não deixou de fazer outras reuniões, não deixará, amanhã, de fazer outras reuniões públicas e, todavia, não quis vir à Assembleia.
Estes debates não são «debates em conserva»; devem ser feitos no momento próprio ou já não o são.

Aplausos do PSD.

E devo dizer-1he, Sr. Deputado Jorge Lacão, que, depois da trapalhada feita pelo Sr. Ministro da Administração Interna, a única pessoa que podia vir a esta Assembleia dialogar com ela e esclarecê-la era o Primeiro-Ministro. O Sr. Primeiro-Ministro tinha essa obrigação e não pode esconder-se atrás do Sr. Ministro da Administração Interna, que não existe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não se admire, Sr. Deputado Jorge Lacão, que eu, hoje, não tenha feito qualquer pergunta ao Sr. Ministro da Administração Interna. Eu tinha medo e pena de embaraçá-lo.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Tudo aquilo que o Sr. Ministro da Administração Interna, hoje, disse é perfeitamente o contrário daquilo que o senhor tem vindo a defender dentro do Partido Socialista e nessa bancada. E tenho aqui um texto, Sr. Deputado Jorge Lacão, que disso é um exemplo claro e que não vou ler mas recordar. Em 1989, V. Ex.ª fez uma intervenção nesta Assembleia, que reza exactamente o contrário daquilo que o Sr. Ministro disse, hoje, na Comissão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Leia-o!

O Orador: - Peço ao Sr. Presidente que fique com cópia deste texto e que o faça distribuir à bancada do Partido Socialista, para que esta possa oferecê-lo ao Sr. Ministro da Administração Interna e para que ele, se vier outra vez aqui, tente corrigir aquilo que não sabe dizer por si próprio.

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Macário faz isso melhor!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o texto será distribuído não apenas pelos Deputados da bancada socialista mas por todos os Deputados, porque não posso fazer discriminações.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, a pergunta que quero fazer-lhe não dispensa alguns considerandos prévios, embora breves.
O Partido Popular pensa que há dois grandes equívocos neste problema da política de segurança relacionada com os últimos acontecimentos ocorridos no País.
O primeiro equivoco é que temos um Ministro da Administração Interna que supostamente existe para governar e gerir, tutelar e ser responsável pelas polícias, mas que manifestamente não tem vocação para esse efeito. Este é o primeiro equívoco.
O segundo equívoco tem a ver com o seu partido; não compreendemos como é que um partido, que considera e afirma publicamente que o Ministro da Administração Interna não existe, pede uma audiência ao Ministro da Administração Interna;...

Vozes do PS: - Isso é estranho!

O Orador: - ... não compreendemos como é que um partido, que diz que o Ministro da Administração Interna não existe, faz perguntas em público ao Ministro da Administração Interna; não compreendemos como é que um partido, que diz que o Ministro da Administração Interna não existe, hoje de manhã, numa audiência parlamentar, solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, na comissão parlamentar competente, fez perguntas ao Ministro da Administração Interna.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - É evidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, que compreendo o seu problema em interrogar o Ministro da Administração Interna: V. Ex.ª terá, porventura, ainda o complexo de «ajudante de Ministro»...

Risos do PS.

... e não estará à vontade, certamente, para encarar um diálogo político a este nível com o actual Ministro da Administração Interna, que, apesar de ser péssimo Ministro, existe e é Ministro. Essa é, aliás, a desgraça do País: é que ele existe e é Ministro!
Ora bem, Sr. Deputado, em que é que ficamos? VV. Ex.as querem ilibar politicamente o Ministro da Administração Interna da responsabilidade que ele tem - com certeza que o Governo tem, com certeza que o Primeiro-Ministro tem, mas ele é o primeiro responsável político por isso - na degradação das relações de confiança entre o poder político e os comandos das forças de segurança? Os senhores querem cometer essa bondade política ao Ministro da Administração Interna?
Afinal em que é que ficamos: VV. Ex.as contestam o Ministro da Administração Interna ou não? Discordam da política dele ou não?
Posto isto, Sr. Deputado Carlos Encarnação, a pergunta muito concreta que lhe faço é esta: temos, ou não, o apoio do Grupo Parlamentar do PSD para realizar na Assembleia da República um debate de urgência, com a presença do Ministro da Administração Interna, sobre a política de segurança do Governo? Temos ou não?
É que, apesar das notícias que circularam, VV. Ex as não pediram qualquer debate de urgência sobre política de segurança, pelo menos não o formalizaram - anão ser que o tenham feito nos últimos 10 minutos, não tenho notícia disso. VV. Ex.as limitaram-se a escrever ao Presidente da Assembleia, solicitando-lhe que, por favor, chamasse cá o Primeiro-Ministro para ele vir aqui debater... Ora, o Sr. Primeiro-Ministro vem cá mensalmente fazer debates. E VV. Ex.as não pediram qualquer debate sobre segurança. Quem o fez foi o Grupo Parlamentar do PP.

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Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado Carlos Encarnação, se o Grupo Parlamentar do PP tem, ou não, a garantia de que, na próxima Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, o seu grupo parlamentar apoiará e viabilizará um debate de urgência, na próxima semana, no Plenário, com o Ministro da Administração Interna, sobre política de segurança.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, que VV. Ex.as, de vez em quando, ajudem o Governo, designadamente nas magnas questões do Orçamento do Estado, ainda vá que não vá,...

Vozes do CDS-PP: - O que é que isso tem a ver?

O Orador: - ... agora que V. Ex.ª ajude o Primeiro-Ministro a ilibar-se de uma responsabilidade que tem é que já é ir longe de mais!

Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do CDS-PP.

O Orador: - V. Ex.ª sabe tão bem quanto eu, embora seja um homem mais avisado nestas matérias, mais denso nos conceitos que tem sobre a segurança interna, mais profundo conhecedor desta dinâmica e destes problemas,...

Risos do PSD.

... que se há alguém que não tem política e se há algum governo que não sabe o que é administração interna é este Ministro e este Governo.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, ele existe!

O Orador: - Por isso, Sr. Deputado, é que V. Ex.ª não compreende aquilo que dizemos, que é o mesmo que dizem vários comentadores neste país. Não somos só nós! Este Ministro não tem condições políticas; este Ministro, politicamente, não existe; este Ministro não tem autoridade!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, juntem-se a nós e peçam a sua substituição!

O Orador: - O problema não é nosso, é do Sr. Primeiro-Ministro, que não vê isto, e dos senhores que o ajudam a não ver isto!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, se V. Ex.ª queria, hoje, dar uma contribuição para o aprofundamento do debate sobre a segurança interna em Portugal, francamente, está provado que não a deu e continua a não a dar, mas vamos insistir, com paciência evangélica, até ao último segundo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª, por um lado, tem, manifestamente - isso é claro -, saudades do Ministro Dias Loureiro, que, comprovadamente, já não existe, pois passou com o 1 de Outubro, e isso dói-lhe. Mas a nós não nos dói! Congratulamo-nos e o povo português, certamente, congratula-se com isso.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, aquilo que aqui fez foi um ramalhete - já vem qualificado como tal -, que eu apelidaria de uma visão da vida política portuguesa do tipo «A vida política vista na óptica do Rei do Gado».

Risos do PS e do CDS-PP.

Fotonovelescamente, mas sem imaginação! A outra, às oito horas, tem mais piada, desse ponto de vista!
Por outro lado, não venha com truques, Sr. Deputado! Truques, não vale a pena! Dizer que o Sr. Deputado Jorge Lacão disse, no Ano da Graça de 1989, o que não disse, não cola! O diploma a que o Sr. Deputado aludiu foi uma proposta que o PS apresentou, no sentido da legalização do associativismo sócio-profissional da PSP. Está aqui! Pode ser lida, letra a letra, mas o Sr. Presidente não me deixaria fazê-lo, e muito bem.
De qualquer modo, pode ser lida letra a letra e é uma proposta que nos honra. Sabe porque? Porque foi a proposta que, nos tempos em que o Sr. Deputado, do alto daquela tribuna, impunha uma ordem bastante autoritária, apoiado numa maioria absoluta, permitiu a legalização do associativismo sócio-profissional, alguma descompressão conquistada pelas pessoas das forças policiais e pelos partidos que aqui, honradamente, colaboraram nesse esforço. Não temos vergonha disso, antes nos orgulhamos! Não vale a pena fazer truques!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado não nos dita o formato dos debates e menos ainda o comportamento do Primeiro-Ministro de Portugal. O Sr. Deputado teve um tempo para ajudar a definir o comportamento do Primeiro-Ministro de Portugal, quando ele era Cavaco Silva. Mas, nessa altura, V. Ex.ª riscava pouco, aparentemente, e tem pena de não ter riscado mais. Mas é tarde para isso!
Agora, Sr. Deputado, estamos preocupados. E estamos preocupados porque o PSD revela, cm questões de Estado, flutuações extremamente perigosas.
Primeiro, estamos, de facto, a virar a página - e isso também lhe dói - em relação à política de encobrimento de ilegalidades, de abusos e de violências ocorridas, infelizmente, no seio das forças policiais. A política deste Governo, correctamente, é: nenhum encobrimento; sancionamento no quadro democrático e com estorço de prestigiamento das torças de segurança. Esta linha é correcta, tenho a certeza de que colhe o apoio da maioria desta Câmara e não tremeremos nem nos vergaremos nessa matéria quanto ao cumprimento deste ditame.
Segundo, pela primeira vez as forças policiais têm meios não só financeiros como, inclusivamente, náuticos, que os senhores nunca conseguiram, para realizarem tarefas de segurança, que são uma missão e uma prioridade nacional, em relação à qual o PSD só devia, humildemente, dizer «sim, queremos colaborar» e fazer alguma autocrítica.
Em terceiro lugar, Sr. Deputado Carlos Encarnação, V. Ex.ª revela uma séria tergiversação de princípios quanto a duas questões fundamentais, sendo a primeira relati

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va ao respeito devido às decisões dos tribunais. No caso de Évora, a posição que o Sr. Deputado tem vindo a defender publicamente, aqui e ali, é de acintoso desrespeito pelo poder e pela independência dos tribunais e de aproveitamento oportunístico e extremamente irresponsável de uma determinada situação, tentando cavalgar alguma coisa que vai lamentar a curto prazo.
Gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado, que não aceitaremos a deriva que ponha em causa a autoridade do Estado e dos tribunais e aqui, na Assembleia da República ou fora dela, contribuiremos claramente para isso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - A última observação, Sr. Presidente, é que precisamos do voto do PSD...

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: -... em relação a várias matérias, designadamente na revisão constitucional, para desbloquear o funcionamento dos tribunais e, por isso, as vossas oscilações de princípio inquietam-nos seriamente.

Risos do PSD.

Eu gostaria que o Sr. Deputado, nesta matéria, pudesse tranquilizar-nos. É este o debate que queremos, quanto à vossa posição de princípio.

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, uma última mensagem: vemos na vossa atitude, em relação ao processo de civilização da PSP, no elogio feito ao comandante demitido, uma tentativa muito coxa de instrumentalização da instituição militar e de instabilização. Gostaria de dizer que não toleraremos essa instabilização e que a vossa colagem partidária é um mal, e não um bem, feito à instituição militar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, como tenho saudades de si na oposição!
Risos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro, porque estava no Governo!

Risos gerais.

O Orador: - Não é por isso mas porque V. Ex.ª perdeu qualidades! Nesta altura, já só me responde em termos de Rei do Gado, em termos de telenovela!

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi a sua intervenção!

O Orador: - Penso que é a sua permanência na SIC, naqueles programas, de certa maneira, abastardou a sua relação com a política.

O Sr. José Magalhães (PS): - Deve estar a falar do Pacheco Pereira!

O Orador: - Mas queria dizer, Sr. Deputado José Magalhães, que V. Ex.ª pegou nesse papel que gentilmente lhe dei, sobre a iniciativa do Partido Socialista em 1989, mas esqueceu-se de uma coisa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Diga!

O Orador: - É que eu, por acaso, podia riscar pouco na altura, mas V. Ex.ª ainda riscava menos, porque não estava nessa bancada, estava na do PCP!

Risos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas votei lá!

O Orador: - E a sua posição era a posição do PCP e não a do Partido Socialista, o qual tomava, na altura, uma posição contrária àquela que o Sr. Ministro veio defender na Comissão!

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - O Partido Socialista dizia que queria uma associação profissional com carácter sindical e, hoje, o Sr. Ministro veio recuar e dizer que não quer qualquer associação sindical! É uma das coisas em que o Sr. Ministro está completamente contrário àquilo que foi a posição do Partido Socialista, que V. Ex.ª, se calhar, não sabia. Mas é natural, em 1989!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está aqui o texto!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Leia! Leia!

O Orador: - Sr. Deputado, quero também dizer-lhe duas coisas, em termos finais: V. Ex.ª deve ter sido autor não sei, porque não estive, aqui nesta Assembleia de grandes iniciativas para melhores meios para a polícia. Penso que V. Ex.ª deve ter sido autor de alguma iniciativa para dar meios náuticos à polícia - talvez barbatanas! -, porque,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não brinque com isso! Olhe a questão do contrabando, na qual vocês foram ineptos!

O Orador: - ... na sua posição trauliteira na oposição ao longo do tempo, só vejo possibilidade de o Sr. Deputado fazer uma proposta dessas.
Sr. Deputado, não lhe admito que V. Ex ª tente fazer um número acerca da minha atitude de defesa contra a humilhação de um oficial general de grande prestígio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não quis instrumentalizar ninguém, quis defender um homem digno, que foi humilhado pelo vosso Governo e foi mal humilhado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso não está em causa!

O Orador: - Se V. Ex.ª concorda comigo, então, diga-o aqui, porque colamo-nos todos a essa humilhação, que foi uma vergonha para todos nós!

Aplausos gerais.

O Sr. José Magalhães (PSD): - É uma colagem triste!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, não posso aceitar que se diga que o Sr. Ministro da Administração Interna é um fantasma ou que não existe.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Já são efeitos do jantar de Natal!

O Orador: - O Sr. Ministro da Administração Interna é um homem digno, é um homem de princípios e de convicções, que tem um projecto reformador e civilista e é disso que os senhores não gostam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas há uma acusação que lhe é feita, por vezes insinuada, que já vi escrita e está subjacente a tudo isto, que é infame e incompatível com o espírito democrático: a de que o Sr. Ministro da Administração Interna não teria autoridade para gerir a questão das polícias por ter lutado contra as polícias da ditadura. Ora, isso é que lhe dá autoridade democrática para tratar de maneira diferente o problema da segurança e das polícias em Portugal.

Aplausos do PS.

Essa é uma diferença de fundo e é uma diferença substancial. Não temos uma concepção autoritária do Estado. Não queremos criar um Estado policial em Portugal e o problema do combate à criminalidade e à segurança tem de se fazer no respeito pela lei, no respeito pelos princípios do Estado democrático, e isso passa por uma reforma civilista da polícia. É disso que os senhores não gostam!
Por isso, penso que é uma acusação que não tem fundamento e é uma injúria dizer que este Ministro não existe ou que é um fantasma. Ele é um Ministro que está lá para garantir a defesa da lei e o combate à criminalidade, no respeito pelos princípios e pelas leis de um Estado democrático, não para permitir que, a esse pretexto, se institua, em Portugal, um Estado policial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, vou dar uma resposta muito breve ao Sr. Deputado Manuel Alegre, porque ele, de certeza, não se dirigiu a mim, quando fez a sua intervenção.
O Sr. Deputado Manuel Alegre sabe tão bem como eu que se há alguém que não quer um Estado policial em Portugal, esse alguém sou eu. Se há alguém que não olha para o passado das pessoas e faz qualquer parti pris contra as pessoas em função do seu passado, sou eu. O que eu faço é olhar para o presente, para um Ministro que não sabe ser Ministro da Administração Interna e que põe a autoridade do Estado pelas «ruas da amargura».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E isso, Sr. Deputado, quer o senhor seja socialista e eu social democrata, quer seja outra coisa qualquer, qualquer democrata tem a obrigação, em nome da defesa da democracia e do Estado, de o dizer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou a primeira hora destinada a declarações políticas, não havendo lugar ao eventual tratamento de assuntos de interesse político relevante. Como o Sr. Deputado Miguel Coelho se inscreveu para esse efeito, dar-lhe-ei a palavra amanhã.
Vamos, por isso, iniciar o debate de urgência requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, centrado no tema «Despacho conjunto do Governo, de 10 de Outubro, no âmbito da luta contra a toxicodependência».
Para introduzir o tema, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: O presente debate de urgência solicitado pelo PSD é amplamente justificado pela preocupante situação que atinge urna das mais importantes vertentes do combate à toxicodependência, como é a do tratamento e recuperação dos toxicodependentes.
Na origem desta situação está, como é sabido, o despacho conjunto publicado pelo Governo em 10 de Outubro do ano passado e que vem estabelecer novas regras para o relacionamento e financiamento do Estado às organizações não governamentais, nomeadamente as instituições particulares de solidariedade social, que desenvolvem actividade no âmbito da toxicodependência.
Para que fique claro, desde já, é para nós indiscutível a necessidade de alterar o despacho que anteriormente vigorava, quer no sentido do seu aperfeiçoamento e clarificação, quer pela inevitabilidade de actualização dos montantes envolvidos no Financiamento.
Estava, portanto, o Governo confrontado com esta necessidade, por todos reconhecida, e também com a oportunidade de melhorar e incrementar uma experiência altamente importante e frutuosa que de há alguns anos vinha decorrendo em colaboração e cooperação com instituições da sociedade civil no combate à toxicodependência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Incompreensivelmente, com o novo despacho, onde podia ter melhorado e clarificado, o Governo veio trazer mais dúvidas e problemas; onde teve oportunidade para reforçar e incrementar o papel da sociedade civil, o Governo optou erradamente por mudar de filosofia e andar para trás vários anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se não, vejamos. O despacho em causa, ao estabelecer como condição de financiamento que o internamento de um toxicodependente em qualquer comunidade terapêutica passe a carecer obrigatoriamente do aval e credenciação de um técnico do Estado, neste caso dos SPTT, vem, de facto, trazer uma nova filosofia, de que não comungamos, e trazer também problemas sérios que vale a pena analisar e ponderar.
Quanto à questão de princípio, devo dizer que, até agora, o Estado incentivava e apoiava a iniciativa da sociedade civil no tratamento de toxicodependentes, avalizando por protocolo os seus métodos terapêuticos, premiando o mérito das suas actividades e confiando na sua autonomia, que seguia, naturalmente, a par do reconhecimento pela liberdade de escolha por parte do doente toxicodependente; de agora em diante, o Estado centraliza em serviços seus parte fundamental do processo de tratamento, descon-

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fiando das instituições que até aqui incentivou, desferindo uma séria machadada na sua autonomia e absolutamente pondo termo à liberdade de escolha pela instituição por parte do doente toxicodependente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Trata-se, pois, de uma alteração de política, que traduz um retrocesso de muitos anos na luta pelo envolvimento da sociedade civil neste combate e que institui uma visão estatizante e mais burocrática da luta contra a droga.

Aplausos do PSD.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais importante ainda, trata-se de uma incontroversa desautorização do próprio Governo, que ainda há meio ano reforçava em decreto-lei as competências do Alto Comissário para o Projecto Vida e a intervenção dos seus núcleos distritais neste domínio, para agora, e por simples despacho, as tornar obsoletas, centralizando-as, no essencial, num serviço público na área do Ministério da Saúde.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É uma contradição!

O Orador: - Isto é, o Governo, num curto espaço de tempo, define orientações totalmente contraditórias numa matéria desta relevância.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas quanto aos problemas que esta alteração suscita, e além do que ficou dito, convém relevar, desde logo, a maior demora e até o previsível caos no atendimento e tratamento de toxicodependentes.
De facto, ao obrigar à credenciação, cria-se um entorse que acarreta maior dificuldade quer no atendimento quer no tratamento. Os actuais serviços públicos têm já manifesta dificuldade em atender ao enorme volume de solicitações. Ora, se a credenciação não for um mero pró-forma burocrático (e se o fosse seria de todo incompreensível), as actuais listas de espera irão aumentar e mais toxicodependentes ficarão sem apoio.
Por outro lado, ao exigir às instituições listas nominativas dos doentes em tratamento, dá-se um passo perigoso para a quebra de anonimato, tão importante de defender, até nas circunstâncias que rodeiam a reinserção dos doentes.
Por fim, mas não menos importante, ao obrigar o encaminhamento por parte de serviços públicos, o novo despacho está também, mesmo que implicitamente, a ditar o encaminhamento para certos modelos terapêuticos e não para outros, como se aos serviços públicos coubesse a verdade e o mérito primeiro pelos melhores métodos terapêuticos.
Esta é, de resto, uma opção que vem mais clara quando no despacho se parece impor um valor máximo de tratamento como condição para financiamento do Estado. É certo que o anterior despacho, também aqui, carecia de maior clarificação, mas a prática seguida não era a de privilegiar este ou aquele método em função dos seus diferentes custos financeiros. Porém, a partir de agora e de acordo com a interpretação dos serviços públicos, haverá excelentes métodos e idóneas comunidades terapêuticas que ficarão excluídas do apoio do Estado. Assim, serão também, por esta via, os próprios doentes a não poder optar por esses mesmos métodos, mas a serem encaminhados para outros:
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A acrescer a todo este rol de problemas e de situações, é forçoso notar que o referido despacho, ao não prever ainda qualquer regime transitório, originou uma situação extremamente preocupante para todas as instituições que detinham protocolos com o Estado e que, face às novas regras e à ausência de mecanismos transitórios, viram suspensa a contribuição e apoio financeiro a que o próprio Estado se havia obrigado.
O risco de paralisia de muitas comunidades terapêuticas converteu-se em muitos casos já em situação de facto, com prejuízo dos doentes e das suas famílias, sem que o Governo tivesse dado nota de algo fazer para ultrapassar a situação.
Disto mesmo, de resto, se têm feito eco muitas das instituições particulares sem que, oficialmente, o Governo pareça estar sensibilizado para a situação.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se torna urgente uma clarificação por parte do Governo, que, no nosso ponto de vista, não pode deixar de implicar um novo despacho e a revogação do actual.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Terá o Governo todo o nosso apoio para melhorar os mecanismos de financiamento para o tratamento de toxicodependentes. Mas terá a nossa coerente oposição se persistir numa filosofia errada, que se traduz em mecanismos perversos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto, Alberto Marques e António Filipe.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, a pergunta que gostaria de fazer-lhe prende-se, no fundo, com algo que, a meu ver, é preocupante: saber como é que o Estado deve proceder para, de alguma forma, fiscalizar os serviços das instituições com as quais faz acordos.
Penso que estamos de acordo relativamente ao princípio de que o Estado não tem de ser o único prestador e em que nas áreas como a saúde, a segurança social e a toxicodependência deverá procurar parceiros nas ONG, nas IPSS, etc. Mas isso não inibe o Estado, pelo contrário, obriga-o, do meu ponto de vista, a uma maior fiscalização e, se bem entendi as suas palavras, penso que muitas das suas críticas vão neste sentido.
Por exemplo, no caso do aval e credenciação de um técnico do Estado, entendi que seria para permitir o internamento de qualquer um, para assegurar o pagamento do internamento de qualquer um, o que é substancialmente diferente.
Posto isto, pergunto-lhe: como é que vê o facto de não existir este pró-forma, que, em meu entender, tem alguma importância, apesar de, como é óbvio, também ter dúvidas sobre a capacidade dos serviços, o que é outra questão? Pergunto-lhe se toda a gente poderia entrar em todo o lado, sem qualquer espécie de controle, mandando, depois, no fim, a. conta ao Estado. A ser assim, o Estado deixaria de ser prestador e passaria a ser uma coisa ainda pior, um financiador cego, o que, penso, nenhum de nós deseja.

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Depois, se bem entendi, mas está presente o Governo que é quem melhor poderá responder, que liberdade de escolha, como em tudo, existirá entre os estabelecimentos creditados? Não é uma liberdade de escolha total, nem poderia ser, é uma liberdade de escolha de entre uma rede que se convenciona com a área da saúde e da segurança social.
Assim, considera haver possibilidade, independentemente do aperfeiçoamento destes mecanismos, de existir uma liberdade total de escolha sem uma prévia convenção com a entidade financiadora, à semelhança do que acontece com a saúde? Penso que não, porque, nomeadamente, o Estado tem de saber o que é que está a pagar, se está a pagar um tratamento com resultados ou qualquer outra coisa. que, como sabe, muitas vezes, a nível da parceria com a sociedade civil, temos visto desenvolverem-se situações pouco meritórias, que não merecem, penso eu, a nossa protecção.
Finalmente, as listas nominativas - e aqui lembro que a obrigação de sigilo é extensiva aos funcionários do Ministério da Saúde ou de qualquer outro serviço que trabalham nestas áreas - são também a única forma de comprovar a presença do doente nesse sítio.
Assim, pergunto-lhe: para afastar tudo isto, como é que o Sr. Deputado veria uma fiscalização, que considero que o Estado tem a obrigação de fazer, quer em relação ao efectivo tratamento das pessoas, quer mesmo quanto à existência dessas pessoas nesses sítios, quer ainda relativamente à creditação dos estabelecimentos, porque não é qualquer estabelecimento que se constitui que, por isso mesmo, passa a ser habilitado para este tipo de funções.
Lembro o que se passou com os lares da terceira idade, devendo muitos deles estar já encerrados, e felizmente alguns já estão. Portanto, como substituiria tudo isto por mecanismos que, na mesma, garantissem a função fundamental da fiscalização por parte do Estado?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, antes de formular a minha questão - e estão passados apenas dois meses sobre o último debate que tivemos oportunidade de ter nesta Câmara -, permita-me que lhe diga que esperávamos que o agendamento deste debate nos trouxesse bem mais do que aquilo que foi a justificação apresentada por V. Ex.ª.
O Sr. Deputado fez referência a alguns aspectos relacionados com a interpretação que tanto V. Ex.ª como a sua bancada fazem do despacho conjunto, o que foi, aliás, o mote claramente assumido para o agendamento deste debate e é, permitam-nos que demos a nossa opinião, apenas uma interpretação desse mesmo despacho.
Em nosso entender, muito do que disse poderia e deveria ser explicado se fosse aceite a proposta que, em sede de Comissão, fizemos e recordo que tivemos uma reunião da Comissão, em Dezembro do ano passado, na qual a nossa bancada apresentou uma proposta concreta, em que tivemos oportunidade de concordar com algumas dúvidas e alguma necessidade de esclarecimento por parte do Governo sobre este despacho conjunto e propor às várias bancadas que a Sr.ª Ministra da Saúde fosse solicitada para, em sede de Comissão, nos esclarecer sobre esses aspectos.
VV. Ex.as entenderam que esse esclarecimento deveria ter lugar nesta Câmara e, portanto, há que referir claramente aquilo que dissemos. Mas já que o fizeram, já que quiseram agendar este debate, antes de lhe colocar uma questão, gostaria de lembrar o importante que efectivamente deve ser dito.
Este despacho conjunto, como sabe, alargou de uma maneira notória a oferta e a acessibilidade ao tratamento dos doentes que dele necessitam. Isso é inequívoco, claro e fundamental e quanto a este aspecto fundamental V. Ex.ª não fez referência.
Outro aspecto fundamental é o esforço financeiro das famílias e dos doentes que foi claramente minimizado com este despacho conjunto, uma vez que a comparticipação subiu de 72 000$ para 120 000$. Ora, este é, convenhamos, outro aspecto fundamental.
Não me caberá a mim, certamente, elemento da bancada do PS, esclarecer as questões de interpretação trazidas por V. Ex.ª a este debate mas, sim, a quem de direito, ou seja, ao Governo, pelo que não irei entrar nessa matéria.
Sr. Deputado, durante cinco anos, quase seis, não foi possível, porque não houve vontade da parte do Governo ou por outras razões, efectivamente, uma revisão dos diplomas que, em 1991 e 1992, tinham sido aprovados. Permita-me que lhe pergunte, Sr. Deputado, como é que V. Ex.ª vem agora, passados dois meses da publicação deste despacho conjunto, com tanta pressa, trazer essas suas interpretações, quando, durante seis anos, não foi capaz de interpretar as dificuldades dos diplomas então em vigor, que condicionaram as instituições que promoviam o tratamento, especialmente as IPPS?
Por que é que VV. Ex.ª, durante seis anos, não foram capazes de resolver o que agora, passadas algumas semanas do despacho conjunto, alegam ser dificuldades de aplicação desse diploma? Gostaria de ouvir a explicação em relação a esta incoerência clara da vossa bancada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, depois de ter ouvido a sua intervenção, gostaria que me esclarecesse algumas questões e, nomeadamente, gostaria de conhecer a sua opinião sobre a forma como se deve processar o apoio por parte do Estado ao internamento de toxicodependentes em instituições particulares, pois é esta a grande questão que aqui estamos a discutir.
O Sr. Deputado disse que se tinha perdido uma oportunidade para reforçar o papel da sociedade civil. Pergunto: como é que o Sr. Deputado entende que esse papel deveria ser reforçado, de uma forma idónea? Porque eu fiquei com a ideia de que a contestação feita pelo Sr. Deputado a este despacho conjunto aponta - e o Sr. Deputado esclarecer-me-á se é ou não assim - para uma maior discricionariedade na concessão de apoio a internamentos.
Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, quando defendeu que esse apoio pudesse ser feito através de protocolos individuais, casuísticos, sem que houvesse uma definição

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prévia de que critérios ou limites seriam colocados à celebração desses protocolos, creio que apontava, de facto, para uma solução de maior discricionaridade, que podia efectivamente não garantir a idoneidade de todas as entidades que, por essa via, seriam apoiadas. Portanto, creio que a sua posição não ficou muito clara a este respeito e gostaria que a esclarecesse, porque, como se sabe, a intervenção da sociedade civil em matéria de toxicodependentes é o que há mais.
Infelizmente, muita dessa intervenção não merece grande consideração, como o Sr. Deputado certamente concordará, e se é óbvio que há diversas entidades, IPSS, instituições não governamentais, que intervêm seriamente, com competência, com idoneidade, nesta matéria e que merecem naturalmente ser apoiadas, essa não é a situação geral. Há instituições, como todos sabemos, pois é do conhecimento público, que levam largas centenas de contos aos toxicodependentes e às suas famílias, publicitam tratamentos milagrosos que, depois, não se verificam e são verdadeiras fraudes. Assim, a questão que se coloca é a de saber como é que o Sr. Deputado entende que se salvaguarda que o Estado não apoie, ainda que indirectamente, essas instituições.
A este respeito, o Sr. Deputado não foi claro, isto é, criticou as soluções do despacho conjunto, designadamente o termo de responsabilidade, mas não nos disse como é que, em seu entender, este controlo, esta triagem, deveria ser feita.
Portanto, fiquei sem perceber se o Sr. Deputado contesta a questão de princípio, a de que o Estado, quando aplica dinheiros públicos numa questão tão sensível como no tratamento de toxicodependentes, deve encontrar mecanismos para o fazer com idoneidade (depois, poderemos discutir se as soluções concretas do despacho conjunto conduziram a isso ou não, o que deixo para momento posterior, pelo menos, pela minha parte) ou se entende que a questão é de pormenor e poderiam encontrar-se' outras soluções no quadro de um despacho conjunto como este.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, peço desculpa por não poder responder de forma individualizada mas, neste formato de debate, o tempo distribuído é muito escasso, pelo que procurarei, tão sinteticamente quanto possível, responder às questões que me colocaram.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, não defendo qualquer discricionaridade, como dizia agora o Deputado António Filipe. O Estado tinha, como sabe, perto de quatro dezenas de protocolos com instituições não governamentais, na sua maioria instituições particulares de solidariedade social e, portanto, sem fins lucrativos, convencionando um conjunto de meios de atendimento e de tratamento para toxicodependentes.
Quando esses protocolos eram estabelecidos, o Estado fazia naturalmente uma credenciação evidente e automática. Não passa pela cabeça de ninguém que o Governo, através dos Ministérios para a Qualificação e o Emprego ou da Saúde, avalizasse protocolos com instituições que não lhe merecessem crédito. Saber que mecanismos regulares de acompanhamento e de fiscalização deveriam ter lugar para manter a vigência dos protocolos é outra ordem de ideias. Não me parece, em qualquer caso, que esse fosse o problema.
O principal problema criado devia-se ao facto de estar praticamente obsoleto o valor do financiamento fixado no anterior despacho e que só não, se tornou inultrapassável porque a prática o desmentiu, isto é, o próprio Estado ultrapassou esse problema fazendo uma convenção com as instituições, não apontando para um valor por doente mas convencionando x camas, o que permite, de resto, ao actual Governo dizer que tem 1000 camas. Estamos afalar de camas convencionadas, de serviços prestados por entidades que o Governo considera idóneas e com mérito. Portanto, esse problema não se me põe.
Se a Sr.ª Deputada vier dizer - e aproveito para, do mesmo modo, responder ao Deputado António Filipe - que há muitas outras instituições privadas que podem eventualmente desenvolver actividades mais do que questionáveis, respondo-lhe: com certeza, mas essas não estavam abrangidas pelos protocolos.
Srs. Deputados Alberto Marques e António Filipe, a urgência deve-se ao facto de muitas destas instituições, que detêm comunidades terapêuticas protocoladas e convencionadas com o Estado, terem paralisado em face da interrupção das obrigações que o Estado tinha no financiamento. Ora, sabendo nós que muito desse financiamento já registava atrasos sensíveis e que estas comunidades e instituições não têm fins lucrativos, surge objectivamente aqui um problema que só pode reflectir-se na paralisia dos próprios serviços e em prejuízo dos doentes em tratamento.
Finalmente, com todo o gosto responderia a várias das questões, sendo que, por acaso, o meu interesse e o da minha bancada, em particular, consiste em saber o que é que o Governo tem a dizer e pretende fazer com este despacho. Mas sem dúvida que a liberdade de escolha - e essa é a questão de princípio -, não podendo ser absoluta (de resto, não há uma liberdade absoluta a não ser como meta), existia. Isto é, se algum doente toxicodependente recorresse ao seu médico e fosse internado numa destas comunidades protocoladas ou convencionadas pelo Estado, dependia da opinião do seu médico e da sua vontade optar por esse modelo terapêutico e por essa comunidade e agora necessita do aval de um técnico do Estado, o qual dirá para que instituição ele deve recorrer.
Se, em muitos casos, isto não for assim, ao contrário daquilo que se deduz do despacho, então, o Governo teve tempo, com certeza, de ponderar estas questões e de ter produzido um despacho melhor construído. Foi essa a grande oportunidade, Sr.ª Ministra da Saúde, que o Governo desperdiçou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo a minha intervenção dizendo que partilho da preocupação do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho relativamente às IPSS. Aliás, tenho o gosto de ser associada fundadora de uma IPSS, o que, se calhar, não consta do seu curriculum, cujo objectivo é a reintegração profissional de toxicodependentes. Assim, agradeço a sua preocupação, peço que. me reveja nela e não considere que aquele despacho que hoje se questiona pretende, de alguma forma, atacar a capacidade de intervenção das IPSS e muito menos a sua autonomia técnica.

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Talvez tivéssemos poupado algum do nosso precioso tempo se os Srs. Deputados me tivessem formulado, em termos de requerimento, pedidos de esclarecimento sobre o que pretendem ver clarificado no despacho, a que responderia com gosto responder, embora a resposta não fosse só minha porque o despacho é conjunto. Mas como as questões que especificamente eram objecto deste debate se prendiam com o SM (Serviço de Prevenção e Tratamento de Toxicodependentes), um serviço da área do Ministério da Saúde, tenho todo o gosto em esclarecê-las.
De qualquer maneira, e como questão prévia fundamental, devo dizer que este debate assenta num conjunto de equívocos. Não digo que não possam ser proporcionados pelo texto do despacho, caso em que, o que é comum a qualquer texto jurídico, havendo dúvidas interpretativas, nada melhor do que proferir um novo despacho para esclarecê-las. Só que atravessávamos um período transitório. Assim, este despacho aplica-se a todas as organizações não governamentais e estávamos em sede de negociação com as IPSS de um pacto global de concertação que pressupunha, em função da sua execução, a revisão de todos os aspectos de protocolo e de cooperação com as IPSS. Portanto, esse aspecto será objecto de um protocolo à parte. Algumas das outras dúvidas que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho tem em relação à interpretação do despacho devem ser revistas em sede de um instrumento que possa abranger estas duas realidades, que são, ao fim e ao cabo, diferentes.
Portanto, como as principais críticas feitas se relacionam com a falta de autonomia técnica das IPSS, com a estatização, com o aval e a credenciação de um técnico do SPTT como condição prévia ao internamento, quero dizer-lhe que a intervenção do técnico do SPTT só se põe para efeitos de financiamento já que a decisão de internamento é sempre da instituição particular relativamente ao toxicodependente que a procura.
Porém, a decisão relativa ao pagamento implica a credenciação e o termo de responsabilidade, ou seja, um documento contabilístico do Ministério da Saúde que deve ser emitido pelo SPTT em função e na sequência de uma informação clínica sumária, que permitirá verificar se vai haver lugar a esse financiamento.
Quanto às listas nominativas, também têm a ver com todas estas coisas, na medida em que o Ministério da Saúde, todos os dias, lida, nos seus estabelecimentos de saúde, desde os centros de saúde aos hospitais, com listas nominativas que são, por inerência, confidenciais - e se há técnicos que prezem e saibam o que significa o sigilo profissional são os técnicos do Ministério da Saúde -, e não me venha dizer que estas são dispensáveis, pois são absolutamente necessárias, em termos de estudos epidemiológicos, para avaliação até dos resultados de tratamento e da definição da política que deve ser seguida num domínio onde, como o Sr. Deputado sabe, as incertezas são mais do que muitas e a avaliação de resultados nunca foi feita. Não são dispensáveis mas absolutamente cruciais.
Aliás, aproveito para dizer que me parece extraordinariamente importante fazer um debate para avaliar o impacte do Projecto Vida na resolução do problema da toxicodependência. Nenhum de nós sabe, até hoje, quantos toxicodependentes beneficiaram de programas de desintoxicação, quais foram os resultados que daí advieram, quantos deles beneficiaram desse tratamento e em que períodos, quantos os repetiram. Ninguém sabe nada disso e penso que era extraordinariamente importante sabê-lo mas, sem dados nominativos, nunca o Sr. Deputado saberá alguma dessas coisas.
Não é verdade que alguns métodos ficam excluídos do poder de escolha, Sr. Deputado. Estabelece-se, no despacho, aquilo que tem sido a prática desde há longos anos em todos estes domínios. Só posso financiar lugares relativamente àqueles utentes de estabelecimentos que não pratiquem um preço superior a x para evitar que uns estabelecimentos façam a escolha dos utentes ricos e os utentes pobres fiquem para outros. Para que eu financie, tenho de garantir que é proporcionado o atendimento através de um determinado custo e é isso que o Sr. Deputado vê fazer em relação à segurança social e que, de uma maneira geral, se faz em relação àquilo que se considera que é um preço máximo adequado, que até cobre as despesas feitas com este tipo de intervenção.
Aliás, como o Sr. Deputado também reconheceu, esta solução já vinha detrás, em relação ao entendimento sobre o financiamento que o Estado deve fazer e aquilo que deve ser o investimento e uma adequada rentabilização do investimento que o Estado faz nesta matéria.
Em relação ao regime de transição, a questão, como sabe, está ultrapassada na medida em que, em termos de articulação e de negociação com as IPSS, este é um quadro novo na sequência da assinatura do protocolo do pacto social estabelecido cote a União das IPSS. Aliás, fazia parte de um documento entregue por essa entidade a necessidade de rever determinados protocolos de cooperação, nomeadamente os da área da toxicodependência.
Para terminar esta fase da minha intervenção, quero frisar novamente que tudo isto assenta num conjunto de equívocos que eu poderia ter esclarecido de uma forma mais flexível e ajustada às vossas disponibilidades de tempo. De qualquer maneira, disponibilizo-me para aquele debate de fundo que, esse sim, deve ser conduzido no sentido de avaliarmos que subsídios demos até agora e que instituições tiveram capacidade para pôr de pé os projectos que levaram à atribuição de subsídios, alguns deles superiores a uma centena de milhar de contos, mas que ainda não foram concretizados. Era importante sabermos o que é que falhou, se se deve a erros da nossa parte, se da parte dos outros intervenientes. Importa tentar perceber neste quadro, que já tem alguns anos, aquilo que merece correcção para além do que é uma mera actualização de valores e um relacionamento perfeitamente protocolado, na generalidade, em relação a um conjunto de instituições, umas do sector lucrativo, outras não.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra q Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, mais uma vez V. Ex.ª torneou de uma forma simpática as grandes questões postas inicialmente pelo meu companheiro de bancada, Deputado Pedro Passos Coelho, respondendo-lhe em vez de fazer uma intervenção de fundo explicativa do próprio despacho. Enfim, como, esta é a sua forma de actuar, teremos de aceita-la.
Penso que a Sr.ª Ministra e a bancada do Partido Socialista andam um pouco distraídas, porque esta tomada de posição do Partido Social Democrata de requerer este debate de urgência não tem a ver com a política deste despacho mas, sim, com a posição tomada por todas as organizações que nesta área têm actuado desde há longos anos, desenvolvendo um trabalho meritório e que a Sr. Ministra e os Srs. Deputados do PS deviam bem conhecer.

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Segundo algumas dessas manifestações, este despacho é intolerável e gravoso, constituindo uma desconsideração para as próprias IPSS por não reconhecer o trabalho por elas desenvolvido. Penso que, por estarem distraídos, não reconhecem que há aqui um grande problema em que o direito à auto-regulamentação, à auto-organização, não condiz com a forma de prosseguir determinadas actividades convencionadas com o Estado. Penso que é esta a base da discussão que existe entre estas organizações e o Ministério da Saúde.
Sr.ª Ministra, permita-me que lhe pergunte ainda outra coisa. Parece-lhe que a melhor forma de controlar quem é tratado ou quanto o Estado gasta é a da credenciação do utente, deslocando-se este ao SPTT para obter uma credencial antes de ingressar na comunidade terapêutica? Então, a partir de agora, os velhinhos, antes de acederem aos lares de acamados, também vão passar pela segurança social para obterem a tal credenciação para o seu ingresso? Ou as crianças que vão para a rede pré-escolar também terão de ir ao Ministério da Educação buscar a credencial para entrarem nas creches? É assim que o Estado pensa controlar aquilo que gasta? As instituições não são responsáveis? Não são sérias? Se não são, não estabeleça convenções com elas, Sr.ª Ministra! Separe as que são sérias, as que apresentam de facto modelos terapêuticos qualificados, das que não o são!
Desde o momento em que a Sr.ª Ministra estabelece um convénio, um acordo de cooperação com unia determinada instituição é porque verificou a respectiva qualidade e capacidade para exercer uma determinada actividade que está contratualizada. Assim sendo. considera necessário que cada um dos utentes, individualmente, passe pelo SPTT para obter a credenciação?
Mas há mais. Estabelece-se que cada um dos utentes levará a sua história clínica ao SPTT. Então, por quem é analisada essa história clínica? Por um técnico ou por um médico? O utente terá de marcar previamente uma consulta ou não? Ou trata-se apenas de uma verificação técnica burocrática? Penso que isso é tecnicamente reprovável.
Por outro lado, a Sr.ª Ministra falou num valor máximo de comparticipação e disse que havia que estabelecê-lo para que não houvesse empolamento dos preços e porque havia situações menos agradáveis. Assim, pergunto-lhe: como é que obteve esse custo médio de 150 contos como valor máximo de comparticipação? Foi através do valor que custa o tratamento de cada doente nas comunidades terapêuticas do SPTT? Já agora, a Sr.ª Ministra sabe dizer-me quanto custa, por ano, o tratamento de cada doente no SPTT? E quanto tempo costuma lá estar cada doente?

O Sr. Presidente: - Sr.ª Ministra, há mais três pedidos de esclarecimentos. Responde a cada um ou prefere responder no fim?

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, parece-me que não devo ter sido muito clara nas explicações que dei, pelo que prefiro responder aos pedidos de esclarecimentos um por um.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra para o efeito.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, retribuo os seus cumprimentos de simpatia mas não posso deixar de dizer que o Sr. Deputado já tinha as suas perguntas preparadas antes da explicação que dei, pois as questões que me colocou foram as que tentei esclarecer na minha intervenção.
Na verdade, afirmei que não é necessário o toxicodependente ir ao SPTT, que seria enviada uma nota sumária e um processo clínico sumário, isto é, uma informação clínica sumária, para efeitos de registo e de lhe ser passada a credenciação. Portanto, repito que afirmei que o toxicodependente não teria de deslocar-se ao SPTT e que o contrário só se verificaria numa circunstância excepcional e do ponto de vista meramente teórico...

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Essa é uma visão autista dos serviços!

A Oradora: - Imagino que no caso de um utilizador sistemático de vários estabelecimentos, de várias IPSS, e havendo uma concentração de informação para efeitos de estudo que tem de ser efectuado pelo SPTT, tal só possa ser detectado a nível de centralização da informação e, então, terá de haver uma avaliação quanto a saber se, em termos prioritários de intervenção, uma pessoa que se inscreve sistematicamente em n programas e é um frequentador crónico dos mesmos é alguém que se insere nos critérios de prioridade que têm de existir quando é escassa a oferta para uma procura que é crescente.
Devo dizer-lhe ainda, Sr. Deputado, que não há qualquer problema de relacionamento com as IPSS, como, aliás, decorre do facto de muitas destas instituições signatárias dessa exposição ou reclamação, que o Sr. Deputado tem consigo e que eu também tenho, já terem vindo a assinar os respectivos protocolos ao SPTT.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Quantas?

A Oradora: - Quantas? Já vieram sete e há mais 10 que já manifestaram interesse em assinar o protocolo, o que equivale a mais de 50 % de um conjunto de trinta e tal.
O Sr. Deputado fala num problema de relacionamento e respondo-lhe que não tenho esse tipo de problemas, embora possa ter outros.
Conto já afirmei, estas questões das IPSS e de eventuais esclarecimentos a nível de protocolos de cooperação específicos são resolvidas num quadro diferente, que não existia na data deste despacho. Portanto, essa questão está ultrapassada, tal como também o está a questão da transitoriedade, porque também é resolvida no âmbito do mesmo quadro.
Assim, se o problema era o do despacho anterior e a sua abrangência, ele foi ultrapassado nalguns dos seus aspectos pela assinatura do pacto social e, actualmente, há um novo quadro de relacionamento com as IPSS, o que, no entanto, não dispensa as questões cruciais, sendo a primeira a de que quem passa termos de responsabilidade, que são documentos contabilísticos para efeito de assunção de despesa, quem tem capacidade para autorizar a despesa. Não é na privada que se passam termos de responsabilidade para o Serviço Nacional de Saúde pagar!
Uma outra questão é a de que as listas nominativas são indispensáveis e o Serviço Nacional de Saúde certamente responderá pela eventual falta de sigilo que ocorrer, não em relação a estas listas normativas mas às de todos os utilizadores do SNS, de que, obviamente, este Serviço dispõe e que tem de ter. Portanto, há duas questões que são absolutamente adequadas ao que é esta abordagem.
Por outro lado, é importante que se diga que um velho é sempre velho e não vai deixar de sê-lo, pelo menos

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enquanto não se descobrir o regresso à juventude, enquanto que, no que respeita a um toxicodependente, queremos que ele deixe de sê-lo, pois não podemos eternizá-lo na sua toxicodependência. Portanto, a similitude que o Sr. Deputado estabeleceu entre as idades das pessoas, que se comprova através do bilhete de identidade, e uma questão de doença - e estamos a tratar de doença e não só de situações sociais - não tem razão de ser, pois são coisas completamente diferentes e não podemos assimilá-las. Aliás, o Sr. Deputado, na sua qualidade de médico, sabe perfeitamente que o que estou a dizer é correcto.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, penso que este despacho tem efectivamente um aspecto positivo, porque confere uma nova organização e uma distribuição de responsabilidades que me parecem contribuir para uma maior celeridade na resposta por parte do Estado aos pedidos de financiamento que serão apresentados pelas instituições privadas ou pelas organizações não governamentais.
Mas há aqui algo para que tenho de chamar novamente a atenção. Efectivamente, isto já foi explicado por duas vezes mas, de duas uma: ou a dificuldade é minha ou há, de facto, um erro no despacho. É que não consigo entender como é que a Sr.ª Ministra nega que há uma diminuição da liberdade de escolha.
Vejamos o que está explanado no texto do despacho. O artigo 7.º, n.º 1, estipula que é necessário um termo de responsabilidade passado pelo SPTT para admissão dos utentes. O n.º 3 estipula que o termo de responsabilidade é emitido mediante proposta de admissão feita por terapeuta do SPTT para um estabelecimento concreto e declaração de aceitação do estabelecimento proposto. Portanto, é o terapeuta do SPTT que vai indicar qual o estabelecimento, qual o centro onde o toxicodependente é recebido e não é este último quem faz a escolha.
Ora, Sr.ª Ministra, penso que, ao coarctarmos a liberdade de escolha, estamos a abrir caminho à irresponsabilidade e, seguramente, a abrir caminho a que aquelas instituições que eventualmente não estejam a cumprir com as respectivas obrigações tenham mais espaço para continuarem a exercer indevidamente as respectivas funções e a receber dinheiro do Estado, não cumprindo com as equivalentes responsabilidades.
É que, .Sr.ª Ministra, a liberdade de escolha, antes de mais e antes do direito que todos nós gostamos de ver consagrado, é uma garantia de que as instituições vão passar a concorrer entre si pela qualidade. É que aquelas instituições que não apresentarem qualidade, que, sobretudo, não apresentarem eficácia.
E é muito importante que se fale em «eficácia» relativamente ao tratamento, pois já aqui foi dito que, infelizmente, a toxicodependência não é uma doença, não há uma receita para a cura, não há uma «aspirina», há é várias terapias. Na verdade, o principal passo para o sucesso da recuperação do toxicodependente é a descoberta de qual a terapia adequada a cada um. Por isso, há instituições que apresentam um ratio muito estreito entre terapeutas e toxicodependentes enquanto há outras em que esse mesmo ratio é extremamente largo. Ora, as instituições vão ser tratadas por igual embora sendo diferentes e a eficácia respectiva é absolutamente diferente. Assim, ao ser coarctada a liberdade de escolha, quanto a nós, é a eficácia que está a ser questionada.
Portanto, Sr.ª Ministra, se não era essa a intenção do Governo, penso que há que reajustar a redacção do texto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, vou tentar ser o mais breve possível, até para recuperar algum do excesso de tempo que utilizei há pouco.
Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, comecei por referir que este despacho necessita de clarificação em alguns aspectos e que este não está claro. Por isso eu até poderia tê-lo esclarecido na resposta a um requerimento que algum Sr. Deputado tivesse querido enviar-me, na qual diria qual é o verdadeiro entendimento desta disposição concreta.
Efectivamente, o que pretende salvaguardar-se é a questão do pagamento e não a do internamento. Portanto, o que aqui se refere sobre o internamento é para efeitos de pagamento. Assim, a intervenção do técnico do SPTT é unicamente obrigatória a fim de este dar a sua informação favorável no sentido de poder ser financiado e pago o internamento que foi decidido por outrem, de acordo com a escolha do próprio toxicodependente em articulação com o seu técnico de saúde.
Referi ainda, face às dúvidas suscitadas por este despacho, que a, clarificação não foi feita em devido tempo porque, havendo um novo enquadramento para as IPSS e sendo necessário clarificar alguns aspectos, não faria sentido estar a corrigir algo que vai ter de ser corrigido do ponto de vista global face ao referido novo enquadramento.
Penso ter dado os esclarecimentos necessários mas, como diz o Sr. Deputado, é óbvio que, neste domínio, interessa-nos restringir ao mínimo a intervenção dos técnicos, até porque eles são necessários para outras actividades. Mas a intervenção deles tem de existir necessariamente para darem a informação no sentido de que pode ser emitida a ordem de pagamento, porque o SPTT tem de assumi-lo e tem de saber explicar, por exemplo, nesta Câmara, por que razão gastou uma determinada verba.
Aliás, creio que posso aproveitar esta oportunidade para falar sobre a questão dos custos do SPTT, os quais não são comparáveis aos custos do internamento num hospital ou numa clínica privada. Na verdade, o SPTT tem custos de formação que são diferentes, tem custos de internamento de doentes completamente diferentes dos que são assumidos a nível daquelas instituições mas, independentemente disso e de acordo com os custos que o SPTT me fornece, o valor estabelecido neste despacho é suficiente para o tipo de intervenção que faz a estes doentes e esta é que é a resposta adequada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filomena Bordalo.

A Sr.ª Filomena Bordalo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, este despacho que foi publicado já não é o mesmo porque, hoje, a Sr.ª Ministra já aqui lhe introduziu algumas alterações.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - Quanto a mim, este despacho enferma de três grandes pecados, sendo o primeiro o de uma confusão de competências entre o Alto Comissariado e o SPTT, entre o Estado e as ONG; o segundo é o da ausên-

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cia de uma norma transitória e o terceiro o da ausência de auscultação prévia dai organizações não governamentais envolvidas.
Como disponho de pouco tempo, vou limitar-me a formular as perguntas concretas que agradecia ver esclarecidas.
A Sr.ª Ministra da Saúde já aqui referiu que o regime de transição estava ultrapassado com a assinatura do pacto social pelas IPSS. Decerto, o Governo saberá que, neste momento, há instituições particulares - comunidades terapêuticas - que estão em vias de fechar as portas, indo os seus utentes para a rua, uma vez que estão sem qualquer tipo de financiamento desde o fim do mês de Outubro. Ora, o não serem financiadas é também uma forma de pressão para assinarem um convénio com o qual não estão inteiramente de acordo.
Sr.ª Ministra, a fim de esclarecer melhor este despacho, pergunto se ainda é possível aplicar a essas instituições uma norma transitória, de forma a que, em sede do Orçamento do Estado para 1996, o pagamento dos duodécimos, correspondentes aos meses de Novembro e Dezembro, ainda fosse assegurado pelos orçamentos da segurança social e do Ministério da Saúde.
Uma outra questão tem a ver com as competências do Alto Comissariado do Projecto Vida e do SPTT. Será que é através do tal despacho interpretativo que esta matéria será esclarecida ou terão de < rolar cabeças» para resolver esta questão?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, Sr ª Deputada Filomena Bordalo, começaria pela questão final: não uso essa linguagem, a de «rolar cabeças». Discuto, não mato!

Risos do PS.

Discuto claramente com as pessoas as questões e resolvo-as em sede de mesa de negociação, o que não quer dizer que trabalhe com toda a gente e não haja mudança de pessoas. Mas não faço «rolar cabeças», nem essa expressão consta do meu vocabulário. Começo por esclarecer este ponto porque ele tem a ver com a minha postura e é muito importante.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - A Sr.ª Ministra não segue o exemplo do Ministro da Administração Interna!?

A Oradora: - Não tenho nem uso armas brancas, nem de fogo, nem nenhumas! Aliás, tenho-as, porque alguns bisturis são armas brancas, mas como não faço cirurgia, não as uso! Com certeza, alguns dos Srs. Deputados presentes nesta Câmara poderão fazê-lo, mas eu não.
De qualquer forma e em relação aos pecados que enunciou, Sr.ª Deputada, eu não sou padre! Efectivamente, temos à frente do Projecto Vida um padre, mas nunca me falou em nenhum pecado. Aliás, foi numa ida a Fátima, à Pastoral da Saúde, e em conversa com o Sr. Bispo de Santarém que me apercebi que algumas instituições, nomeadamente as ligadas à Igreja, tinham alguns problemas relativamente a este despacho conjunto do Governo e, nesse sentido, logo nessa altura, prometi que iriam ser avaliadas as críticas feitas e, com certeza, todas aquelas que merecessem acolhimento seriam acolhidas.
Não tenho a pretensão de que sou perfeccionista nem de que sou dona da verdade, mas rejo-me por determinados princípios; por isso, logo na altura, ao lado do Sr. Bispo de Santarém, referi que o Estado não abdica do poder de fiscalização e de controle que tem por obrigação assumir.
Portanto, vamos ter de separar estas questões e disso não abdico, porque considero que essa é a prática correcta. Aliás, penso que todos estamos de acordo nessa matéria, uma vez que não podemos continuar a lavrar em mal entendidos e em pontos que não são perfeitamente claros neste domínio.
Quanto ao facto de não ter havido negociação, de acordo com as informações de que disponho, isso não é claro mas, como já disse, em sede de uma nova articulação com as IPSS, de um novo enquadramento para o relacionamento do Estado com as IPSS, existirá...

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Este despacho não é compaginável com isso!

A Oradora: - Dirá o Sr. Deputado, mas digo-lhe eu que não é verdade! Há aspectos dos quais não sei, mas há outros que devem ser clarificados, até no que se refere ao relacionamento com as IPSS, mas não só, também com outras organizações que não têm a mesma natureza jurídica, isto é, uma natureza específica que, por vezes, é confundida e objecto de uma interpretação abrangente e alargada, mas que convém, como é óbvio, clarificar.
Quanto à questão da existência ou não de um regime de transição, também já aqui referi que, relativamente às IPSS, essa matéria é tratada na tal articulação dentro de um novo enquadramento. Como a Sr.ª Deputada sabe, não é isso que está a asfixiar as IPSS, uma vez que no passado, em que o financiamento da parte do Ministério da Saúde era assegurado parcialmente pelas administrações regionais de saúde, pagava-se com imenso atraso, e não estou a falar de um atraso de dois meses!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Era de seis meses!

A Oradora: - Era um atraso de vários meses e, em relação a algumas instituições, chegou a nunca haver o honrar dos compromissos por parte das administrações regionais de saúde. Portanto, não venham agora comparar este atraso de dois meses, atraso que é perfeitamente compatível com uma regularização que venha a entender-se como adequada neste quadro de relacionamento global, com os atrasos reiterados do Ministério da Saúde na assunção das suas responsabilidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Dispõe de dois minutos para o efeito.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, vou procurar não os exceder, mas não podia deixar de colocar duas ou três questões à Sr.ª Ministra da Saúde. De resto, na sua intervenção de abertura, a Sr.ª Ministra procurou esclarecer, desde logo, alguns dos problemas que eu tinha suscitado.
Diz a Sr.ª Ministra que não há problemas de relacionamento com estas organizações. Calculo que a senhora não tenha esse problema de relacionamento, mas é muito pos-

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sível que a Ministra da Saúde o tenha, bem como o Governo, porque foi público e teve suficiente ressonância, justamente, a origem desses problemas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Que a Sr.ª Ministra queira vir aqui, ao Parlamento, desvalorizá-lo, como quem diz «parece que sim, que houve qualquer coisa, mas isso está mais ou menos resolvido», compreendo, só que esse parece ser apenas o seu entendimento pessoal e dificilmente poderá ser o entendimento da Sr.ª Ministra da Saúde, porque o que é público não é o entendimento com as entidades que estavam convencionadas com o Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, também percebo que a Sr.ª Ministra não tenha grandes dificuldades de relacionamento pessoal, atendendo a que, como teve a gentileza de me informar, faz parte de algumas dessas organizações. Mas esse aspecto talvez só releve para provar a sua maior dificuldade em dizer o contrário daquilo que os seus serviços lhe propõem, o que a deixa numa situação embaraçosa. De outro modo, talvez a sua posição pessoal pudesse não ser essa.
Todavia, se bem percebi as suas explicações, Sr.ª Ministra, através deste despacho, o Governo propõe, em primeiro lugar, que os SPTT não façam qualquer avaliação clínica dos utentes para os credenciarem junto de uma instituição, ou seja - e eu não quis acreditar que assim fosse -, o Governo propõe um pró-forma burocrático para fazer o encaminhamento dos doentes, com o expediente de que, sem isso, não pode efectuar os pagamentos. Contudo, eles foram efectuados até hoje, mesmo que com atraso, e nunca esse expediente teve relevância ou alguém deixou de ser tratado por essa razão.
Em segundo lugar, o Governo vem clarificar algo que deveria ter sido clarificado de forma simétrica. De facto, o anterior despacho fixava um valor máximo para o tratamento mas, como sabe, esse valor nunca foi respeitado na prática, o que permitiu que muitas comunidades terapêuticas e métodos terapêuticos bem distintos daqueles que se podem encontrar no Estado e, porventura, mais caros, não fossem excluídos - estou a falar de valores da ordem dos 300 a 400 contos mensais, tratamentos esses que têm a duração de quatro e seis meses, quando, por vezes, o Estado necessita de ano ou ano e meio para fazer a recuperação e o tratamento, o que implica que se gaste muito mais dinheiro. Agora, essas terapêuticas ou métodos terapêuticos ficam excluídos liminarmente de qualquer protocolo com o Estado.
Sr.ª Ministra, excluir métodos terapêuticos e privilegiar aqueles que o Estado hoje oferece e que gozam de tanta ou menos aceitação do que os outros que passam a ser excluídos, é inaceitável do nosso ponto de vista.
Finalmente, Sr.ª Ministra, uma questão muito precisa. Muitas destas instituições não têm fins lucrativos e do despacho intui-se que deve haver, do seu lado, uma comparticipação que pode ir, necessariamente, até aos 20 % do tratamento. Ora, como o Governo desperdiçou a oportunidade de fixar um valor por tratamento, em vez de mensal e por doente, ao mesmo tempo...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Ora, como o Governo desperdiçou essa oportunidade, dizia, e agora vem esclarecer que aquele é mesmo um limite máximo, tal significa que, na prática, as instituições particulares de solidariedade social também têm de pagar para fazer a recuperação e o tratamento desses doentes, o que é incompreensível do nosso ponto de vista.
Muito obrigado pela sua compreensão, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde. Dispõe de três minutos para o efeito, ou seja, o mesmo tempo que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho gastou a mais.

A Sr.ª Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, muito obrigada pela sua benevolência e generosidade. Vou tentar ser telegráfica.
Em primeiro lugar, no Ministério da Saúde não são os serviços que mandam em mim, sou eu que mando nos serviços e faço-o de acordo com a minha forma de estar e de fazer. Não é um mandar autocrático!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Ninguém disse o contrário!

A Oradora: - O Sr. Deputado sugeriu que, por causa da minha história, do meu passado com as IPSS, eu teria alguma dificuldade em fazer face a eventuais posições anti-IPSS da parte dos serviços, posições que não verifico que existam. Mas, de qualquer forma, aproveito para informar que no Ministério da Saúde quem manda nos serviços é o Ministro e não os serviços no Ministro - neste caso, uma Ministra!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Fica alguma dúvida!

A Oradora: - Em segundo lugar, em relação àquele valor máximo que estava previsto no despacho anterior mas que não era praticado, devo dizer que também não é assim que gosto de estar, porque se existe um valor máximo é para ser cumprido. Penso que todos devemos reger-nos por regras claras, objectivas e transparentes, que possam ser cumpridas.
De facto, todos aceitavam essa situação porque havia alguma desvalorização, mesmo em relação aos preços praticados, etc., era um fazer de conta! Ora, se este despacho tem algum mérito é, precisamente, o de se deixar de fazer de conta, aspecto que deve ser valorizado. Aliás, o Sr. Deputado reconheceu que se fazia de conta,...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - E bem!

A Oradora: - ... porque existia um limite máximo que não era praticado. Eu prefiro não fazer de conta e, em vez disso, ajustar as regras; se estas não forem as adequadas, tenho toda a humildade para as alterar, dentro do respeito adequado, correcto e claro pelos princípios que devem ser salvaguardados por todos.
Em terceiro lugar, o Governo não desperdiçou nenhuma oportunidade para fixar um valor máximo para tratamentos, porque se assim fosse, hoje, estaria a ser interpelada pelos Srs. Deputados por retirar a capacidade de livre escolha aos doentes, pondo em causa até métodos de tratamento que, em si, poderiam ser diferentes dos outros, com uma capacidade e resultados óptimos, ou seja, com a

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fixação de um preço máximo limite iria retirar às pessoas com menos posses a capacidade de optarem por um método de tratamento que, se calhar, era mais caro e não estava a proporcionar iguais resultados.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Dependia do valor, Sr.ª Ministra!

A Oradora: - Da maneira como está redigido, este despacho é muito mais defensor da liberdade de escolha daquelas pessoas que podem optar por um outro método de tratamento, desde que as entidades que o prestam contratem connosco um preço máximo para que o Estado o financie, o que constitui uma situação muito mais clara e correcta.
Por fim, não queria deixar de dizer que concordo com a importância das instituições não lucrativas, mas dentro destas vamos ter de distinguir entre aquelas que, efectivamente, se comportam de forma adequada e correcta e aquelas que não são lucrativas porque distribuem os seus lucros através de uma remuneração aos seus técnicos que está muito para além daquela que é praticada pelo Estado, e isso é extraordinariamente preocupante.
Esse é, aliás, um aspecto já abordado pela bancada do PSD, ou seja, o de tentarmos distinguir entre instituições lucrativas e não lucrativas neste conjunto ou panóplia global a que se aplica este «rótulo», o que, por vezes, apenas tem, a ver com a distribuição de resultados, de uma maneira ou de outra, e não, propriamente, com a natureza intrínseca, a verdadeira natureza jurídica, a vocação e missão destas instituições, vocação que é, obviamente, de valorizar.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Devo dizer-lhe que há casos em que se paga a técnicos, por algumas horas de prestação de serviços, mais de 800 contos por mês. Com certeza, o Sr. Deputado não ganha isso na Assembleia da República, por muito mais horas de trabalho. Como é óbvio, temos de estar atentos a estas situações, porque se se praticarem estes ordenados não há, efectivamente, actividade lucrativa que resista.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Não é essa a questão!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de sublinhar um aspecto que a Sr.ª Ministra já referiu. Com efeito, quando surgiu esta questão, suscitada por alguns representantes de ONG e de IPSS, em sede da Comissão Eventual para Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga, eu próprio tomei a liberdade de sugerir ao Sr. Presidente da Comissão que aproveitássemos para esclarecer algumas dúvidas que nos tinham sido formuladas em reunião da Comissão, com a presença da Sr.ª Ministra da Saúde. Ou seja, não seria necessário, com esta pompa e circunstância, promover um debate que se esvaziou ao fim de 10 minutos, sobretudo um debate de urgência.
Aliás, em relação à questão da urgência, vou fazer um comentário, pois penso ser o momento de o fazer.
Tomei conhecimento da realização deste debate, através de um documento assinado pelo líder parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Marques Mendes, que, por acaso, foi Ministro da tutela das questões da droga durante vários anos. Como o debate era de urgência, a propósito da urgência, lembrei-me de um episódio interessante que tem a ver com algo que se passou há uns anos atrás.
O antecessor do Padre Feytor Pinto foi o Dr. Armando Leandro, aliás, director do Centro de Estudos Judiciários. O Dr. Armando Leandro tomou posse num determinado dia, posse dada pelo Sr. Primeiro-Ministro e onde tive a oportunidade de estar presente, e a seguir a esse dia esteve 13 meses, repito, 13 meses - exactamente o tempo de duração do actual Governo - à espera de ser recebido para despacho. Bom, como era uma pessoa educada e paciente, acabou por sair. A seguir, veio o Padre Feytor Pinto, que, durante o primeiro ano, também teve muita dificuldade em ser recebido e em dialogar com o Governo, designadamente com o Ministro da tutela. Com isto tudo somam-se dois anos de omissão e «hibernação» das relações entre os altos e maiores responsáveis do Projecto Vida com o Ministro da tutela e, eventualmente, com o Governo.
Tenho pena de que não se encontre presente o Sr. Deputado Marques Mendes, pois gostaria de saber qual é, realmente, o conceito de urgência que tem, quando se permitiu estar mais de um ano sem falar com o coordenador nacional do Projecto Vida e quase outro ano sem falar com o Alto Comissário. Aliás, referi esta matéria por ser o Sr. Deputado Marques Mendes a subscrever o pedido deste debate, porque se fosse outro Deputado, logicamente, não o teria feito. Se o fiz, foi porque se tratou de uma pessoa com responsabilidades, designadamente foi o ministro da tutela de toda esta área durante vários anos.
Referindo-me mais especificamente à questão em debate, gostaria de sublinhar também que se trata de uma questão menor, a qual, como se disse, poderia ter sido resolvida noutra sede. O que não é menor e que me permito sublinhar aqui é que fizemos um debate nesta Assembleia, no dia 30 de Outubro, com a presença do Governo, onde foi feita uma espécie de balanço da actividade do Governo nos últimos meses. E aquilo que ficou provado foi que, efectivamente, o Programa do Governo era modesto, isto é, naquilo que era especificamente prometido, designadamente para a área que estamos hoje a abordar, que é a área do tratamento, ao fim de um ano ficaria esgotado, em termos de compromisso do Governo na criação da rede que efectivamente já existe.
Quero recordar aos Srs. Deputados, e peço desculpa de voltar a isto, que, de facto, ainda em 3 de Abril deste ano, um Sr. Deputado do PSD meu amigo e por quem tenho muita consideração, o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, dizia aqui, nesta Assembleia, que, por exemplo, criar CAT em distritos como Portalegre ou outros era estigmatizante para os toxicodependentes. Tenho aqui o Diário da Assembleia da República em que isso está referido!
Ora, importa colocar aqui uma questão: ou o PSD exige que haja uma resposta terapêutica nacional para os toxicodependentes de todo o País - e, logicamente, terá de concordar com as medidas que o Governo tem vindo a tomar - ou, então, defende que há pessoas, como os alentejanos e os beirões, que não têm direito a este tratamento e estão proibidos de ser toxicodependentes, o que, pela realidade, infelizmente, não se prova.

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Portanto, o Governo cumpriu a cobertura nacional em matéria de CAT e, neste momento, já está a duplicá-los em alguns locais onde a resposta é mais fraca e mais necessária, como é o caso de Lisboa, do Porto, etc.
Por outro lado, o que é importante nesta matéria é que de 1991 a 1996 ninguém mexeu nos subsídios às instituições privadas - que foram, durante seis anos, de 72 contos - e, de repente, este Governo colocou a fasquia ao nível dos 120 contos. Isto é que é importante, porque este dinheiro é que vai proporcionar o tratamento das pessoas, não é a questão administrativa e regulamentar de eventuais más interpretações. E reconheço que também tive dúvidas, em termos de interpretação, em relação a este despacho conjunto, mas, neste momento, as minhas dúvidas estão totalmente esclarecidas, sobretudo depois de uma conversa que tive com a Sr.ª Ministra da Saúde, em que fiquei totalmente esclarecido e até convencido de que isto nem sequer foi uma tempestade - talvez tenha sido um copo de água mas, realmente, não havia proporção entre a causa e o efeito.
Aquilo que fica claro é que, efectivamente, o Orçamento do Estado subiu a fasquia para os 120 contos por mês e isso é que é importante para as pessoas que necessitam desse apoio.
Depois, o Governo fez uma coisa que o PSD nunca tinha feito - é verdade! -, e podia tê-la feito, que foi o financiamento a 40 % dos antagonistas da heroína, que, como se sabe, são medicamentos caríssimos. Até este Governo entrar em funções esses medicamentos eram totalmente pagos por quem tinha necessidade deles, e à semelhança do que fez noutras áreas da saúde, o Governo subsidiou-os em 40 %.
Relativamente ao número de camas, quer na área privada, quer na área pública, há informações recentes, e já foram aqui debatidas, pelo que não vou repeti-tas, de que, realmente, houve um crescimento muito grande em relação à disponibilidade e resposta, em ambas as áreas. Como a área privada está a ser apoiada pelo Governo, logicamente é uma área que existe, que funciona e que, obviamente, também cria esse tipo de resposta. O mesmo se passa na área da desintoxicação, porque nesta área, cujo limite-referencial é de 100 camas, estamos no bom caminho, uma vez que, neste momento, já existe uma disponibilidade de oitenta e muitas.
Houve ainda uma outra coisa que podia ter sido feita antes e que se fez agora, que foi a integração, nos quadros do SPTT, de 352 funcionários, que, neste momento, têm a garantia do trabalho e do vínculo ao Estado e, fundamentalmente, estabilizaram os serviços, porque as pessoas em situações precárias não rendem nem produzem aquilo que normalmente acontece com as pessoas que têm mais garantias.
Realizaram-se também programas mais específicos dirigidos, por exemplo, às grávidas, a situações de risco em distritos como Lisboa, Setúbal, Porto, etc.
Não estou a querer ser exaustivo em relação à actividade do Governo, o que estou a dizer é que, pessoalmente, e enquanto membro do grupo socialista, me congratulo com aquilo que tem vindo a ser feito. É evidente que existem questões às vezes de alguma margem de discordância, mas temos a preocupação de discutir bilateralmente com o Governo e temos muito gosto em discutir com os partidos da oposição. Por exemplo, não é segredo de Estado que, diga que, na maioria das soluções e das conversas que temos, quase sempre estou totalmente de acordo com o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, e ele comigo.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Hoje nem tanto!

O Orador: - É uma verdade que se pode afirmar aqui, logicamente com a margem de diferença que nos separa, que é esse meio metro entre as nossas bancadas.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes está a ficar preocupado!

O Orador: - Vou terminar a minha intervenção, congratulando-me, em nome da bancada do Partido Socialista, com a presença da Sr.ª Ministra da Saúde neste Plenário, com a forma como esclareceu as pessoas e desvaneceu as suas dúvidas. Aliás, estranho a ausência das tais instituições privadas. Não as vi e estava à espera de as ver, como é costume, em certas ocasiões, nas galerias deste Parlamento. Deveríamos contar com a presença das pessoas que estariam efectivamente interessadas em ouvir este debate para fazerem contas à vida e, realmente, não vi grande participação, o que também tem algum significado.
Finalmente, Sr.ª Ministra, quero solicitar-lhe que, tanto quanto possível, em bom português e em boa terminologia jurídica, o novo despacho, a revisão do despacho ou o despacho interpretativo não crie dúvidas a ninguém. É que, realmente, enxertou-se aqui um problema que era muito simples de esclarecer, mas, como as coisas não são esclarecidas imediatamente, alimentam-se dúvidas e preocupações.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - E interpretações autistas dos serviços!

O Orador: - Chegamos agora à conclusão de que tivemos aqui, não direi um final feliz, mas um final esclarecedor e que, logicamente, espero que o Governo resolva o mais urgentemente possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria sobre que incide este debate de urgência - o tratamento de toxicodependentes - reveste, do nosso ponto de vista, enorme importância. Não nos parece que seja um debate que esteja esvaziado, nem um debate irrelevante para ser realizado aqui, em Plenário.
Temos afirmado repetidamente nesta Assembleia que ao drama de largas dezenas de milhares de toxicodependentes e das suas famílias se soma um outro drama, que é o da insuficiência de meios de tratamento acessíveis à grande maioria. Ao drama da toxicodependência junta-se o conhecido drama das célebres listas de espera ou, pior do que isso, o drama da espoliação e da vigarice, de instituições que publicitam soluções mágicas por largas centenas de contos mensais e que, assim, exploram o desespero dos toxicodependentes e das suas famílias.
Foi por não querer pactuar com esta situação que o PCP apresentou, por diversas vezes, nesta Assembleia, uma iniciativa legislativa visando precisamente alargar a rede pública de centros de atendimento de toxicodependentes, de unidades de desabituação e de comunidades terapêuticas, por forma a cobrir de modo adequado o território nacional e a garantir meios de tratamento acessíveis e gratuitos a quem deles careça.

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Temos o maior apreço por todas as instituições particulares que, com seriedade e competência, se dedicam à prevenção secundária da toxicodependência. Entendemos que o Estado não deve negar-lhes apoios, mas entendemos que o Estado não deve alienar as suas próprias responsabilidades neste domínio, limitando-se a funcionar como uma mera agência financiadora de serviços privados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O despacho conjunto relativo à comparticipação do Estado no internamento de toxicodependentes em instituições privadas, que hoje discutimos, suscita uma questão prévia e tem suscitado, quanto ao seu conteúdo, duas ordens de problemas que irei abordar.
A questão prévia é a de que esta matéria deveria ser objecto de um diploma legal que permitisse uma participação mais alargada na sua elaboração e, eventualmente, a intervenção da Assembleia da República, ainda que em sede de ratificação. Este despacho é um acto administrativo que deveria ter uma habilitação legal que não vislumbro.
O primeiro problema, quanto ao conteúdo, diz respeito ao estabelecimento de um limite máximo ao montante das mensalidades a praticar pelas instituições privadas, para que os respectivos internamentos sejam comparticipados pelo Estado. Concretamente, o Estado comparticipa em internamentos até ao montante de 120 contos mensais, mas é preciso que a totalidade dos encargos a suportar não seja superior a 150 contos mensais.
Temos como inquestionável que nem todos os internamentos devem ser comparticipados. Infelizmente, não faltam exemplos de instituições que exploram a gravíssima situação da toxicodependência para desenvolverem sórdidos negócios de pseudo-tratamento, que são quase tão graves como o próprio tráfico de droga e que, por vezes, até se relacionam com ele, como comprovadamente se verificou pelo menos num caso concreto. Não temos dúvidas de que instituições como essas não podem ser apoiadas. O Estado não pode pactuar com fraudes e espoliações, designadamente incentivando-as com a concessão de dinheiros públicos. É justo e adequado, portanto, que sejam estabelecidas limitações, nomeadamente em função dos preços praticados pelas instituições. A questão que fica é a de saber se não existirão entidades que reunam condições de seriedade, competência e idoneidade que justificariam o apoio aos respectivos internamentos e que não possam ser apoiadas pelo único facto de as respectivas mensalidades poderem exceder, ainda que por pouco, o limite estabelecido no despacho conjunto. A questão que fica, em suma, por saber é se não seria mais justo e adequado ter estabelecido um critério um tanto mais flexível e que, sem implicar o aumento das comparticipações em termos absolutos, pudesse contemplar situações que possa ser injusto excluir liminarmente.
Uma segunda ordem de questões diz respeito ao termo de responsabilidade assumido por técnicos do SPTT como condição indispensável para que os internamentos em instituições particulares sejam comparticipados pelo Estado. É compreensível, do nosso ponto de vista, que o Estado não financie actividades particulares sem cuidar de averiguar que entidades está a financiar e sem que alguém assuma a responsabilidade por isso. Está em causa a correcta aplicação de dinheiros públicos, mas, mais importante ainda, está em causa a garantia que tem de ser dada aos toxicodependentes de que estão entregues a entidades cujos métodos de tratamento merecem confiança e credibilidade. Importa, no entanto, salvaguardar um outro valor essencial, que é o da independência e isenção dos avalizadores perante as entidades que, por esta via, sejam avalizadas. Entendemos que não podem ser criadas situações de promiscuidade de interesses, não podem ser criadas situações que permitam que, ao nível do SPTT, alguém possa vir a assumir a responsabilidade por internamentos em instituições em que possua algum interesse próprio. Entendemos que, a este nível, deve ser garantida absoluta transparência.
Em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela nossa parte, não compartilhamos muitas das críticas que têm sido feitas a este despacho conjunto, mas temos a convicção de que o processo de determinação dos critérios de apoio ao internamento de toxicodependentes deveria ter sido outro e que alguns desses critérios deveriam ter merecido, porventura, melhor ponderação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe inscreveu-se o Sr. Deputado José Niza.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, aproveito esta oportunidade de lhe poder formular uma pergunta, porque há pouco me esqueci de referir um aspecto importante que se passou aqui, nesta Assembleia, recentemente, salvo erro no dia 17 de Dezembro.
De há três anos a esta parte, o Partido Comunista apresentou sucessivamente um projecto de lei sobre a criação de uma rede nacional de tratamento. Da primeira vez que esse projecto de lei aqui chegou foi rejeitado, embora o Partido Socialista tivesse votado favoravelmente, da segunda vez aconteceu o mesmo e à terceira foi de vez, isto é, o diploma foi aprovado na generalidade e, depois, discutido e debatido na especialidade. Aquilo que resultou desse debate e do documento que foi produzido tem muito a ver com o debate de hoje, na medida em que os objectivos são comuns. O Ministério da Saúde, logicamente, vai ter de adoptar, adaptar e cumprir essa lei da Assembleia, mas não é nada a que seja obrigado por imposição, apenas será obrigado no sentido de que o Orçamento do Estado terá de criar condições para que o Ministério possa fazer aquilo que está previsto e que tem a ver, digamos, com os objectivos iniciais do Partido Comunista.
A votação final global da referida lei foi feita durante a discussão do Orçamento, eu não estava presente na sala e foi com muita surpresa que soube, a posteriori, que, em face de um diploma da sua iniciativa, embora não fosse respeitado todo o seu conteúdo, o Partido Comunista se havia abstido. Não queria acreditar e até perguntei à minha secretária se não havia engano! Lá que isso tivesse acontecido com o PSD e o PP, tudo bem, já sabia, mas fiquei realmente...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Vocês fizeram tantos cortes!...

O Orador: - E não estou a dizer isto com mais nenhum sentido que não seja o da minha surpresa, porque, afinal de contas, andaram três anos a tentar que o diploma passasse e, no momento em que passou, abstiveram-se. Ainda não consegui perceber porquê e é este o sentido da minha pergunta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Niza, agradeço-lhe que tenha colocado esta questão, até pela seguinte razão: efectivamente, a votação final global do texto que foi aprovado com base no projecto de lei do PCP foi feita numa sessão plenária em que houve muitas votações e, como se sabe, as declarações de voto têm de incidir globalmente sobre a generalidade das votações. Daí que a opção que nos pareceu mais adequada foi a de apresentar uma declaração de voto por escrito, a qual constará dentro de dias, provavelmente, no Diário da Assembleia da República, pelo que aconselho, desde já, o Sr. Deputado a poder consultar, circunstanciadamente, as razões que levaram o PCP a abster-se na votação dessa iniciativa.
De qualquer forma, já que a questão foi colocada, tenho todo o gosto em explicar que, efectivamente, houve duas razões fundamentais para que o PCP considerasse que não poderia votar favoravelmente o texto, tal como ele foi aprovado na comissão, depois da aprovação de diversas propostas de alteração apresentadas pelo Partido Socialista.
A primeira das duas razões é a de que onde propúnhamos uma rede de serviços públicos, garantida pelo Estado, o PS impôs uma solução que passa pela adopção de serviços próprios ou convencionados, o que faz com que o Estado possa funcionar também como uma mera agência financiadora de serviços criados por outras entidades. Manifestamente, o nosso objectivo não era esse, mas sim o de que o Estado assumisse, ele próprio, a responsabilidade de assegurar aos cidadãos uma rede de centros de atendimento, de unidades de desabituação e de comunidades terapêuticas.
A segunda questão, e de maior importância, tem a ver com o facto de o PS não ter aceite que a gratuitidade do atendimento e do tratamento fosse consagrada expressamente neste diploma legal.
O Sr. Deputado ficou surpreendido pelo facto de o PCP não ter votado um texto que não consagra a gratuitidade. Mas mais surpreendidos ficámos nós quando verificámos que a gratuitidade consta expressamente do Programa do Governo, que a gratuitidade do atendimento consta também expressamente das alterações à lei da droga que há poucos meses aqui aprovámos. Creio que quem fica surpreendido é quem verifica que há uma desconformidade tão grande entre o que está escrito no Programa do Governo e aquilo que o PS não quis aceitar. Provavelmente, até os membros do Governo aqui presentes poderão ficar legitimamente espantados com esta situação, mas, de facto, a realidade foi essa.
Como afirmámos na nossa declaração de voto, o texto que aqui foi aprovado não legitima retrocessos nesta matéria, não legitima que se diga que aquilo que agora é assegurado gratuitamente passe a ser pago. Não é isso, nunca o dissemos. Aquilo que verificámos é que o texto aqui aprovado nada adianta quanto a uma melhor garantia dos cidadãos toxicodependentes em termos de acessibilidade ao tratamento. Por isso é que não lhe demos o nosso voto favorável, com muita pena nossa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais intervenções, damos por encerrado o debate de urgência e com ele o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Entramos no período da ordem do dia com a discussão da proposta de resolução n.º 15/VII, que aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat, em 30 de Maio de 1994.
Para fazer um resumo do respectivo relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Coelho.

O Sr. Miguel Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se da ratificação de um Tratado assinado entre Portugal e o Reino Unido de Marrocos, ainda em 30 de Maio de 1994.
Este Tratado justifica-se por factos que me pareceram importantes realçar: a convergência de interesses devido à situação geográfica privilegiada de ambos os países, quanto à posição que ocupam, respectivamente, do espaço de junção entre o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo; os laços históricos comuns, pelo contributo para a paz e estabilidade da região que este Tratado pode potenciar; pela importância económica e política a nível regional de cada um destes países, que tanto Portugal como Marrocos representam na Comunidade Europeia e na região do Magreb e, obviamente, pela incrementação de um clima de diálogo numa zona sensível e fronteiriça.
Estão, neste Tratado, institucionalizados três tipos de contactos: uma reunião anual, de alto nível, de chefes de governo de ambos os países; uma reunião anual de avaliação dos respectivos Ministros dos Negócios Estrangeiros e consultas regulares entre os membros do Governo c altos funcionários.
Foram consignadas neste Tratado as seguintes áreas de cooperação: a cooperação económica e financeira, nomeadamente ao nível dos sectores de produção de serviços e projectos concretos de investimento; cooperação no âmbito da defesa; cooperação cultural, cooperação jurídico-consular, isto é, com a própria cooperação dos serviços consulares de ambos os países; cooperação nos sectores das pescas, agro-alimentar e de protecção do ambiente, no sector sanitário e no sector do turismo.
É, obviamente, um Tratado - e com isto falarei no parecer e na proposta que propus - que pode contribuir para o reforço da cooperação portuguesa na região do Magreb, sendo por isso um Tratado que está em condições de ser ratificado neste Plenário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para introduzir o tema, em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Seixas da Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Tratado de Amizade, Boa Vizinhança c Cooperação foi assinado em 1994 e corresponde, genericamente, a um quadro global de inserção das várias dimensões de relacionamento bilateral. Para Portugal é algo da maior importância, tratando-se do primeiro vizinho não europeu do País.
Pensamos que a estabilidade do nosso relacionamento com o Magreb e muito em particular com Marrocos, a

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criação recente e institucionalizada de uma relação privilegiada com o Governo de Rabat, que vai criar uma cimeira anual a nível de chefes de governo, a criação de um conjunto de relações a nível ministerial, que praticamente leva à deslocação ou a Rabat ou a Lisboa de um membro do Governo de cada um dos países, praticamente, todos os meses, como eu disse, significa que está criado um relacionamento entre os dois países extremamente integrado. Pensamos ainda que, por parte do Governo marroquino, Portugal tem sido visto também como uma porta para o seu relacionamento com a União Europeia, e esse aspecto não é despiciendo na importância da nossa visibilidade em Marrocos.
Diria que este Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação, no plano substantivo, não traz nada de novo ao nível dos grandes princípios mas traz alguma coisa de muito importante ao nível da definição de várias áreas prioritárias, como o Sr. Deputado teve ocasião de sublinhar.
Julgo que a aprovação do Tratado por parte desta Câmara assumirá a maior importância e será visto, por parte de Marrocos, como um sinal da importância que damos ao relacionamento entre os dois países.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos a assinatura do Tratado de Amizade. Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos como uma resposta clara ao desafio euro-mediterrânico neste final de século.
Portugal e Marrocos dão um passo significativo numa estratégia regional de desenvolvimento, preservando a paz e a estabilidade e dando, assim, razão a Fernand Braudel, para quem o Mediterrâneo era «contacto e berço».
Este Tratado, ao sublinhar a vontade das partes em constituírem-se promotoras «de um processo que tenta instaurar unia ordem de diálogo e cooperação», é, em larga medida, percursor da Conferência Euro-Meditetrânica de Barcelona, realizada em Novembro de 1995.
Na sua declaração final, podemos ler: «vincando a importância estratégica do Mediterrâneo, movidas pelo desejo de forjar as futuras relações numa nova dimensão, mantendo os laços privilegiados tecidos pela vizinhança e pela História, as partes acordam em estabelecer uma parceria euro-mediterrânica reforçando o diálogo político, o desenvolvimento da cooperação económica e financeira, dando especial ênfase à dimensão social, cultural e humanitária».
Assim, o PSD congratula-se por este Tratado, hoje em fase de ratificação, institucionalizar um quadro de contactos bilaterais ao nível de chefes de Governo e de ministros dos negócios estrangeiros e favorecer o diálogo entre os respectivos parlamentos e a sociedade civil.
Congratulamo-nos, ainda, pela cooperação no âmbito da defesa, pela cooperação económica e financeira, que visa estimular as empresas para o desenvolvimento de acções comuns, donde se destacam os projectos de infra-estruturas de interesse comum nos sectores da energia e dos transportes e comunicações.
Entre outros domínios referidos no Tratado, salientamos também a cooperação no sector das pescas e actividades conexas, no combate à poluição, na gestão dos recursos hídricos e hidráulicos, no sector do turismo e na formação de recursos humanos, através de um intercâmbio de estudantes e investigadores universitários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É de relevar a disposição referente ao ensino da língua e da civilização árabe em Portugal e da língua e da civilização portuguesa erre Marrocos, a concretizar pela instalação de centros culturais nos dois países.
O texto do Tratado focaliza a cooperação jurídica e consular e enfatiza, por último, o propósito de se alcançar uma maior compreensão entre os povos de Portugal e Marrocos.
São estas, basicamente, as razões que levam o PSD a votar favoravelmente a ratificação do presente Tratado no pressuposto de que ele contribuirá decisivamente para a construção de um relacionamento mais íntimo entre uma Europa e uma África inspiradas na cultura mediterrânica que importa reafirmar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O presente Tratado, embora datado de 30 de Maio de 1994, e que só agora mereceu especial atenção, foi já antecedido por diversos outros acordos e protocolos assinados entre os dois Estados e pretende reafirmar os laços de solidariedade institucional já existentes em diversas áreas, como sejam, a cooperação no domínio do turismo, no domínio da cultura c da ciência, na luta contra o terrorismo, cooperação em matéria de protecção civil, na defesa que ao longo dos tempos se tem vindo a estabelecer, motivado até, por razões históricas, geográficas, políticas, económicas, sociais e culturais.
Salvaguardando e procurando assumir os objectivos propostos na Declaração do Conselho Europeu de Lisboa, sobre as relações euro-magrebinas, surge, assim, o presente acordo, que visa, entre outras: a promoção e a cooperação no âmbito económico e financeiro, envolvendo diversos sectores, como transportes, comunicações e energia; a defesa, mediante a execução de programas de formação das respectivas Forças Armadas e troca de informações relativamente aos equipamentos e armamentos utilizáveis, na sequência, aliás, de um anterior acordo já celebrado em Outubro de 1994 e ratificado pela Assembleia da República em 21 de Janeiro de 1995, e, ainda, nos sectores primário, secundário e terciário, envolvendo, entre outras, a cooperação nos sectores das pescas, agro-alimentar, do turismo, da utilização racional da energia, cultural (mediante apoio ao ensino, intercâmbio cultural e criação de um espaço cultural comum, atendendo aos laços históricos e humanos já existentes) e, por último, no domínio da cooperação jurídico-consular.
Finalmente, no, quadro das relações políticas bilaterais procede-se ao compromisso de se estabelecerem relações anuais entre os chefes de Governo de ambas as partes contratantes e entre os respectivos Ministros dos Negócios Estrangeiros, para procederem à avaliação da cooperação bilateral, implementando-se, ainda, consultas regulares entre membros do Governo e altos funcionários de ambos os países.
Prevê-se, ainda, a existência de uma comissão mista para cada um destes domínios.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PS vai votar favoravelmente esta proposta de resolução.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 15/VII, que aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos é elucidativa, bem como o seu relatório, aprovado por unanimidade, das vertentes que visa abordar e implementar no relacionamento entre os dois países.
Aliás, os Srs. Deputados que me antecederam já escalpelizaram sobremaneira tal Tratado.
Dir-se-ia que esta proposta é a consolidação e a formalização, ao fim e ao cabo, daquilo que, substancialmente, já tem vindo a materializar as relações dos dois países. Dois países e dois povos que têm um lastro comum secular de percurso histórico, com fases de maior ou menor intensidade e numa altura em que Portugal está envolvido numa nova aventura - a aventura europeia.
É de extrema importância que saibamos, junto dos países com quem iniciámos a nossa primeira aventura ultramarina, retomar e potenciar alguns dos conhecimentos - aliás, já referidos pelo Sr. Secretário de Estado -, aproveitando a ligação histórica que temos com alguns países, no sentido de sermos, também dentro da Europa, uma voz que possa facilitar relacionamentos aos mais variados níveis, quer económicos, quer culturais.
Marrocos assume aqui uma importância determinante em certos sectores económicos, especificamente no das pescas, com algumas questões que ocorreram no passado e que, se calhar, este Tratado pode também, de alguma maneira, ajudar a obviar, com o relacionamento de parcerias entre empresários de ambos os países mas também prevenindo e precavendo sempre a nível de segurança nesta zona europeia e com ligações a África, nesta zona do Magreb, e podermos, ao fim e ao cabo, ter uma participação e ajudar, para que se mantenha uma zona de paz e de segurança onde os conflitos religiosos que alastram noutros pontos do planeta não possam fazer perigar a segurança desta zona.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feita a discussão, o Regimento manda que se proceda à votação global da proposta de resolução.
Vamos, pois, passar à respectiva votação, a menos que entendam que podemos saltar por cima do Regimento e, adiar a votação para amanhã.
No entanto, penso que nada impede que se faça, desde já, a votação.
Vamos, pois, proceder à votação global da proposta de resolução n.º 15/VII - Aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, assinado em Rabat, em 30 de Maio de 1994.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos, agora, proceder à discussão ,conjunta das propostas de resolução n.os 16/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Coreia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, assinada em Seul, em 26 de Janeiro de 1996, e 17/ VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Checa para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, assinada em Lisboa, em 24 de Maio de 1994.
Tendo sido relator o Sr. Deputado Francisco Valente, concedo-lhe a palavra para resumir o respectivo relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, no tempo regimental de 6 minutos.

O Sr. Francisco Valente (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No actual contexto de abertura das economias às trocas internacionais e à livre circulação de capitais, a cooperação entre Estados é fundamental de forma a evitar os riscos de dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal. Efectivamente, quando as entidades residentes num Estado exerçam a sua actividade económica noutro Estado, auferindo os competentes rendimentos, estão sujeitas a pagar impostos no país onde os obtiveram e, simultaneamente, a pagar impostos no país em que são residentes.
Por outro lado, é também possível situações em que os ordenamentos jurídico-tributários de cada Estado remetem para outro a tributação de uma determinada realidade, que, afinal, acabará por ficar sem sujeição a qualquer incidência fiscal e levará a situações que são rapidamente exploradas pelos agentes económicos, que se colocam de forma deliberada em situação de evasão fiscal.
É, pois, absolutamente necessária e desejável a cooperação entre Estados para a criação de instrumentos e mecanismos de troca de informação entre Estados, como forma de prevenir a evasão fiscal internacional. Não deixa, contudo, de ser também necessário que os agentes económicos disponham de normas claras e que sejam criados mecanismos e instrumentos que visem a instituição de um sistema fiscal justo, em que o mesmo rendimento não seja tributado duas vezes.
Assim, a celebração de convenções bilaterais destinadas a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal, em matéria de impostos sobre o rendimento, é não só louvável como deverá ser incrementada. Estas convenções facilitam a existência de relações internacionais privilegiadas, incentivando o investimento português no estrangeiro e fomentando o investimento dos agentes económicos dos Estados estrangeiros em Portugal.
É finalidade da política portuguesa a celebração deste tipo de instrumentos normativos com outros Estados, relativamente aos quais Portugal pretenda incrementar as suas trocas comerciais e a sua estratégia de internacionalização, como é o caso da República Checa sobre o qual nos debruçamos. Aliás, a República Checa é um país preferencial para o futuro alargamento da União Europeia; pelo que em tudo se justifica que Portugal disponha, desde o início, de um instrumento desta natureza para potenciar as relações económicas com este Estado. As suas regras integram-se, como é hábito, no modelo da OCDE, internacionalmente aceite, configurando-se genericamente nos modelos adoptados por Portugal e pelos restantes países da União Europeia nas suas negociações bilaterais.
Esta Convenção com a República Checa, sendo aprovada pelos dois Estados, entrará em vigor em 1 de Janeiro de 1998 e certamente irá fomentar o investimento entre os dois países. A Convenção prevê a incidência fiscal' no Estado onde os rendimentos são gerados, seguindo o

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princípio genérico de tributação na fonte, salvaguardando a equidade e os legítimos interesses dos Estados contratantes. Os métodos para eliminação da dupla tributação, ora estatuídos, traduzem-se num sistema de deduções dos impostos que tenham sido pagos pelo sujeito passivo, ao abrigo da Convenção, no Estado onde não são residentes. Está salvaguardado o direito de cada Estado à sua soberania no sentido de não poder ser imposto a qualquer contraente a tomada de medidas administrativas contrárias à legislação, à prática ou à ordem pública de cada Estado. Foi previsto também que quando uma pessoa considerar que as medidas tomadas por qualquer dos Estados contratantes poderão conduzir a tributações não conformes com o estipulado na convenção, poderão reclamar directamente para o Estado em que são residentes ou nacionais, independentemente dos procedimentos ou prazos estipulados na legislação nacional do Estado em que foi aplicada a pretensa ilegalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, as regras estipuladas na presente Convenção contribuem para o desenvolvimento, na perspectiva de internacionalização, do nosso tecido económico e contribuem para a consolidação do nosso ordenamento jurídico-fiscal. Por isso, a Comissão de Economia, Finanças e Plano aprovou a proposta de resolução n.º 17/VII, que se encontra em apreciação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a apresentação que foi feita pelo Sr. Deputado relator esgota, no essencial, as virtualidades do diploma bem como deste instrumento. Penso que é perfeitamente claro que este tipo de instrumentos internacionais criam um quadro de relacionamento e de condições favoráveis para o desenvolvimento da actividade económica portuguesa no exterior e, particularmente, dão uma segurança aos investimentos portugueses no exterior e à acção dos agentes empresariais portugueses, que é da maior importância.
Como sabem, grande parte dos instrumentos bilaterais que Portugal tinha com vários países acabaram por ser anulados à medida que a própria entrada na Comunidade Económica Europeia e, posteriormente, na União Europeia os substituiu. Esta é uma das áreas em que subsiste a necessidade de acordos bilaterais e, por isso, há, neste momento, um esforço no sentido de avançar com vários destes acordos naqueles mercados que são importantes para a acção de internacionalização da economia portuguesa, nomeadamente no Leste europeu, ,pelo que temos neste momento já em preparação os acordos com a Polónia, a Hungria, a Roménia e a Eslováquia, para além dos que são hoje aqui presentes, e, fora da área europeia, também com Singapura, com a índia e com o Japão.
O quadro de protecção jurídica que estes acordos concedem, aliás no quadro dos modelos que a OCDE propõe, traduz, no essencial, aquilo que é importante para as empresas portuguesas em termos da sua afirmação nesses mercados. Presumo, por isso, que estes acordos deverão merecer, por parte desta Câmara, a sua aprovação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Governo apresentou à Assembleia da República, nos ternos do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição, as propostas de resolução n.os 16 e 17/VII, que visam a ratificação, respectivamente, de uma Convenção com a República da Coreia e de uma Convenção com a República Checa para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento. As convenções que estão a ser analisadas por esta Câmara incluem-se num conjunto mais vasto que o Estado Português celebrou já com países com quem desenvolve actividades económicas que mereceram ratificação da Assembleia da República, ratificação essa unânime por parte desta Câmara.
Num mundo cada vez mais sem fronteiras, de onde resulta um reforço do comércio internacional e uma cada vez maior globalização da economia, surge como fundamental este instrumento do direito internacional, de modo a evitar quer a dupla tributação quer a evasão fiscal. Quando os agentes económicos desenvolvem as suas actividades em mais de um Estado, os perigos já referidos têm maior possibilidade de se concretizar - o que não é aceitável em Estados de direito.
A proposta de resolução n.º l6/VII, que aprova, para ratificação, a Convenção com a República da Coreia, incide sobre os imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares e das pessoas colectivas, respectivamente IRS e IRC, e ainda sobre as derramas em Portugal, e sobre o imposto de rendimento, imposto de sociedades, imposto sobre os habitantes, imposto especial de desenvolvimento rural, na Coreia; - a proposta de resolução n.º 17/VII, que aprova, para ratificação, a Convenção com a República Checa, incide sobre os mesmos impostos da anterior, no caso português, e sobre os impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e dos impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas, no caso checo. São assim regulados por esta Convenção os rendimentos provenientes de diversas situações, nomeadamente os rendimentos dos bens imobiliários, os lucros das empresas, as empresas associadas, os dividendos, os juros, os royalties, as mais-valias, as profissões dependentes, percentagens de membros de conselhos, os artistas e desportistas, as pensões, as remunerações públicas, os professores, outros rendimentos, e ainda os agentes diplomáticos e funcionários consulares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, dada a indispensabilidade de este tipo de instrumentos do direito internacional, na economia global em que nos inserimos, dada a crescente intensidade das relações económicas entre Portugal e a República Checa e a República da Coreia - o que saudamos - e ainda porque as normas incluídas em ambas as convenções são similares às normas incluídas em outras que o Estado português já contratou com outros Estados, aliás porque foi seguido o modelo da OCDE. o que é internacionalmente aceite, o Partido Social Democrata votará favoravelmente as propostas de resolução n.os 16 e 17/VII, presentemente em discussão no Plenário da Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Beja.

O Sr. Carlos Beja (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Governo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição da Repú-

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blica, apresentou à Assembleia da República, para ratificação, as Convenções celebradas entre a República Portuguesa e a República da Coreia e a República Checa, com o objectivo de evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento.
As convenções funcionam, para os Estados, como um instrumento assaz importante no âmbito das suas relações internacionais. É através delas que os Estados harmonizam políticas e decisões contribuindo assim para um enriquecimento das suas relações externas. É, pois, de saudar a celebração destas Convenções entre os países contratantes envolvidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que a internacionalização da economia faz com que empresas e indivíduos se relacionem, com frequência, com ordens jurídicas nacionais diferentes, nas quais se inserem as respectivas legislações fiscais. São estas situações que dão origem a conflitos de jurisdição tributária. Conflitos positivos (dupla tributação) que se traduzem na possibilidade de os Estados contratantes tributarem o mesmo rendimento, a uma pessoa singular ou colectiva, no país de origem e no país de residência: ou conflitos negativos (evasão fiscal) que se desencadeiam quando as legislações de ambos os Estados criam, de forma conjugada, situações em que nem o país de origem, nem o país de residência tributam o rendimento, originando verdadeiras situações de evasão fiscal, rapidamente aproveitadas pelos agentes económicos que se colocam de forma deliberada nessas situações.
É um facto comummente aceite que a dupla tributação levanta graves problemas nas relações económicas internacionais, sendo também verdade que o problema ainda não se encontra resolvido ou verdadeiramente sanado. É, pois, no sentido de evitar divergências legislativas, no âmbito da sua aplicação, entre os diferentes ordenamentos jurídicos, que os países acordam entre si soluções que, para além de evitarem situações de injustiça fiscal, procurem clarificar as regras de mercado entre os Estados, intensificando, assim, as trocas comerciais e incentivando o investimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o objecto destas convenções constitui também uma preocupação no cerne da União Europeia. Adoptando políticas de harmonização fiscal, os Estados membros esforçam-se por fazer convergir medidas que contribuam para os dotar de uma economia forte e competitiva, fazendo jus do conteúdo normativo do artigo 220.º do Tratado da União Europeia, quando refere que «os Estados membros entabularão entre si [...] a eliminação da dupla tributação na Comunidade».
É finalidade da política portuguesa a celebração destas convenções, sejam estes países integrantes do espaço comunitário, sejam países de outros continentes. Por estas razões, o Partido Socialista votará favoravelmente as propostas de resolução n.os 16/VII e 17/VII, agora em apreciação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado que não há mais inscrições, vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 16/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Coreia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, assinada em Seul, em 26 de Janeiro de 1996.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 17/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Checa para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento, assinada em Lisboa, em 24 de Maio de 1994.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão da proposta de resolução n.º 18/VII - Aprova, para ratificação, a Emenda ao artigo 20.º, parágrafo 1, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, aprovada pela Resolução n.º 50/ 202(1995) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 22 de Dezembro de 1995.
Para apresentar o respectivo relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Governo remeteu à Assembleia da República, para efeitos de ratificação, a proposta de resolução n.º 18/VII, que visa a ratificação de uma emenda ao artigo 20.º da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, tendo sido distribuída à Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação para a elaboração dos respectivos relatório e parecer.
Ao apreciarmos esta proposta, deve assinalar-se, desde logo, que a Carta das Nações Unidas estabelece a igualdade dos direitos dos homens e das mulheres e assume como preocupação dominante o respeito pelos direitos fundamentais do Homem e da dignidade humana. Estes são princípios pelos quais a humanidade deve sempre reger-se, pelo que os Estados membros da ONU, perante as dramáticas circunstâncias em que viviam e, em grande parte, ainda vivem tantas mulheres, decidiram adoptar uma convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, que entrou em vigor há precisamente 15 anos e foi aprovada por 130 países mas com a abstenção de onze outros. Nesse relevante documento, que se pretendia fosse eficaz e cumprido em todo o mundo, o que, infelizmente, não se verifica na sua totalidade, faz-se alusão à Declaração Universal dos Direitos do Homem, que consagra o princípio da não discriminação e onde se proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Daqui se extraia conclusão de que as mulheres devem assegurar o exercício de todos os direitos, sejam eles económicos, sociais, culturais, civis ou políticos. Não pode haver distinção ou discriminação em função do sexo - estas são normas que devem ser imperativas e sobre as quais não pode haver qualquer contestação.
Não obstante as convenções internacionais e as múltiplas resoluções, declarações ou recomendações aprovadas na ONU, a mulher ainda sofre, em todos os continentes, tratamentos desumanos, diferenciados e discriminatórios, dificultando-lhe a assumpção plena dos seus legítimos direitos de cidadania. Mesmo em sociedades consideradas como mais avançadas e civilizadas, a mulher continua sujeita a atitudes vexatórias e desrespeitadoras daqueles princípios e direitos.

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Cada Estado subscritor da Convenção comprometeu-se a inscrever na sua Constituição nacional ou em qualquer lei apropriada o princípio da igualdade entre homens e mulheres e a assegurar, por via legislativa ou por outros meios, a aplicação efectiva desse princípio.
Para uma melhor compreensão do objectivo prosseguido com a presente proposta de alteração, é conveniente relembrar alguns preceitos que constam daquele instrumento diplomático adoptado nas Nações Unidas. Assim, cita-se, nomeadamente, a obrigatoriedade de os Estados-partes tomarem medidas para modificar os esquemas do comportamento socio-cultural dos homens e das mulheres, com vista a alcançar-se a eliminação dos preconceitos e dás práticas costumeiras ou de qualquer outro tipo que se fundem na ideia de inferioridade, ou de um ou de outro sexo, ou de um papel estereotipado dos homens e das mulheres.
Foi criado um comité pára eliminação da discriminação contra as mulheres e os Estados-partes comprometem-se a enviar ao Secretário Geral da ONU, para exame no comité, um relatório sobre as medidas de ordem legislativa, judiciária, administrativa ou qualquer outra que tenham adoptado para dar aplicação às disposições da Convenção e sobre os progressos realizados a este respeito. Segundo o artigo 20.º, que está em causa nesta proposta de resolução, o comité reúne apenas durante um período máximo de duas semanas em cada ano para examinar os relatórios apresentados e prestar contas, anualmente, à Assembleia Geral das Nações Unidas através da ECOSOC e para formular recomendações ou sugestões a partir do exame dos relatórios e ainda das informações que cada Estado-parte forneça.
Ora acontece que, desde há muito tempo, se considera como francamente limitado o período de apenas duas semanas em que o comité reúne, uma vez que tem originado grande atraso na evolução dos respectivos trabalhos, pois em tão curto prazo não se torna possível avaliar convenientemente todos os relatórios. Daí a falta de eficácia do comité, que propôs a alteração da citada cláusula de forma a possibilitar o alargamento do prazo da reunião anual a fim de se poder cumprir com eficácia a análise dos relatórios, tarefa essa essencial para uma boa interpretação das situações detectadas e, possivelmente, sugerir actuações ou elaborar recomendações.
A ser ratificada a emenda, a duração das sessões do comité passa a ser determinada por uma reunião dos Estados-partes na presente Convenção, sujeita a aprovação na Assembleia Geral. Dá-se, assim, satisfação a uma antiga aspiração do comité, o que facilitará, por certo, um estudo mais aprofundado de uma complexa problemática, longe de estar regularizada em todos os países do mundo.
As Nações Unidas estão preocupadas com a situação das mulheres, e tanto assim é que organizou, há cerca de um ano e meio, em Pequim, mais uma - a quarta - Conferência Mundial sobre a Mulher, na qual o nosso país se fez representar por uma delegação governamental. Também - recorde-se - na altura, deslocaram-se à capital muitos milhares de mulheres de todo o mundo, quer individualmente, quer integradas em organizações não governamentais, nomeadamente portuguesas, que promoveram uma série de iniciativas paralelas de grande impacto. A Conferência constatou que, embora a situação tenha avançado positivamente no último decénio, subsistem desigualdades entre homens e mulheres, continuando a haver obstáculos e muitos motivos que determinam, em vários pontos do globo, actos discriminatórios e uso de violência sobre as mulheres - situação esta agravada por uma pobreza cada vez maior que afecta a vida da maior parte da população do mundo. Em relação à Declaração de Pequim, salientam-se ainda dois pontos, nos quais os governos se manifestam decididos a prevenir e eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e as meninas, e a promover e proteger todos os seus direitos humanos. Em Pequim, foi aprovada uma plataforma de acção para o período compreendido entre os anos 1996 e 2000, o que vem demonstrar como este problema continua a ser preocupante e a dominar as atenções gerais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que, à primeira vista, pode parecer apenas uma superficial alteração do articulado da Convenção, revela-se de particular importância, já que radica em razões bem sérias e profundas. O objectivo da emenda que o Governo propõe à ratificação por parte da Assembleia da República está plenamente justificado pela premência de um aprofundamento da avaliação dos relatórios, que não se compadece com a imposição de prazos muito curtos para a actividade do comité para a eliminação da discriminação contra as mulheres, que têm o direito à igualdade, ao desenvolvimento e à paz. Nesse sentido, a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, apreciada a emenda ao artigo 20.º, é de parecer que a proposta de resolução n.º 18/ VII reúne todas as condições regimentais para ser apreciada e votada nesta presente sessão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresenta à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 18/VII, que enuncia o texto de Emenda ao artigo 20.º, parágrafo, 1 da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres.
Este enunciado foi adoptado em 22 de Maio de 1995, pela oitava reunião dos Estados-partes e aprovado pela Resolução 50/202 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 22 de Dezembro de 1995. A redacção actual do artigo 20.º define que o Comité Convencional, previsto pelo artigo 17.º da Convenção reúna uma vez por ano, durante um período de duas semanas no máximo. A adopção da Emenda proposta equaciona o alargamento do prazo anual da reunião.
Segundo a proposta de resolução, a alteração justifica-se pelo «grande atraso que se verifica nos seus trabalhos». O texto que agora se analisa recomenda ainda, no ponto 2, que «a Assembleia Geral, na sua quinquagésima sessão, tome nota da emenda da aprovação», e no ponto 3 determina as condições da referida emenda. Finalmente, a nota justificativa anexa à proposta de resolução afirma que esta alteração «não acarreta encargos adicionais para o Estado Português [...]» dado que não existe actualmente qualquer perito português no Comité Convencional.
Como se verifica, o texto em debate equaciona tão-só uma questão de periodicidade temporal que é justificada por pressupostos de natureza operacional. E no que a esta matéria diz respeito o nosso voto é favorável.
No entanto, não podemos deixar de registar que medidas de carácter meramente temporal são demasiado ineficazes perante a urgência de actuação no combate a práticas discriminatórias, violadoras de princípios e valores da dignidade da pessoa humana. De facto, não é por si só sinónimo de qualquer mais valia um eventual alargamento

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do tempo de reunião de mais uma instância de discussão se simultaneamente as práticas governamentais questionarem o que subscrevem e afirmam defender.
De facto, uma sociedade construída e gerida por princípios de desigualdade cada vez mais sofisticados e por isso mesmo cada vez mais cruéis e que veste cada vez mais no feminino a pobreza, a miséria, a prostituição, o analfabetismo e as mais inusitadas e simultaneamente mais desgastadas, formas de exploração, não parece pretender na verdade configurar decisões capazes de estagnar o agravamento das desigualdades e o desfiguramento do regime democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As condições políticas, económicas e sociais do nosso país não só não permitem igualdade de oportunidades como seleccionam a mulher para primeira vítima do sistema. Reconhecem-se, nacional e internacionalmente, os princípios e leis que garantem formalmente o estatuto de igualdade à mulher portuguesa mas em simultâneo constroem-se obstáculos que limitam essa igualdade. Confunde-se intencionalmente igualdade e igualitarismo, facilitando a incompreensão de algumas derrogações e discriminações positivas que o combate contra a desigualdade social exige.
Só assim foi possível que esta Assembleia tenha rejeitado o nosso projecto de lei n.º 8/VII, que repunha a idade de reforma das mulheres aos 62 anos de idade, esquecendo que o artigo 117.º do Tratado de Roma afirma o princípio da igualização no progresso, o que obviamente impediria que fosse a idade da reforma das mulheres a aproximar-se da idade de reforma dos homens, quando ela é mais favorável, numa aproximação no regresso capciosamente dissimulada em argumentos de igualitarismo, mas sim o contrário, porque só assim se igualizaria socialmente no progresso.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - No que se refere à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego a situação é similar. A partir de meados dos anos 80, as mulheres constituem a principal fonte de crescimento da mão-de-obra nos países europeus. Todavia, este influxo não foi acompanhado de uma natural diversificação. Paradoxalmente, os sistemas de segregação e de marginalização das mulheres no âmbito de certos sectores económicos e categorias de postos de trabalho sobreviveram à feminização global do emprego.
Com base no artigo 119.º do Tratado de Roma afirma-se no programa de acção para a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens que a Comissão consolidou em 1.º lugar o princípio jurídico da igualdade de tratamento na vida profissional e, em grande medida, em matéria de segurança social». No entanto, o projecto de lei do PCP n.º 133/VII, que garante este direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, apresentado a esta Assembleia em 1992, foi rejeitado pelo PSD em 1995, voltou em 1996 e por proposta do PS e os votos do CDS-PP baixou à respectiva comissão, sem votação, onde espera, quem sabe, algum alargamento temporal do período de reunião para colmatar eventual atraso dos trabalhos.
O facto desta iniciativa ter nascido como resposta à prática discriminatória de uma entidade bancária, questionadora da legislação portuguesa, da legislação comunitária, e pretender configurar o parecer da CITE e o relevante parecer do Sr. Provedor de Justiça não foi ainda considerado suficiente por esta Assembleia e daí o uso de processos formais para o adiamento da discussão e posterior decisão. Vejamos se o dito agora não poderá ser reafirmado amanhã relativamente a outras matérias.
Na declaração de Pequim, em Setembro de 1996, afirma-se que «o reconhecimento explícito e a reafirmação do direito de todas as mulheres de controlarem todos os aspectos da sua saúde, em particular a sua própria fertilidade, é condição básica para a sua afirmação e autonomia». Aguardamos que esta vontade tão claramente explicitada na IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres seja claramente expressa nesta Assembleia pelo voto favorável no projecto de lei n.º 177/VII, do PCP, sobre interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do PCP: - Muito, bem!

A Oradora: - A nossa iniciativa legislativa representa, não a liberalização do aborto, como alguns fazem questão de falaciosamente afirmarem, mas, pelas condições a que sujeita a realização não punível da interrupção voluntária da gravidez, a defesa da saúde da mulher. Como afirmamos no preâmbulo do nosso projecto é um texto que pretende dar «voz às mulheres que continuam a percorrer o calvário do aborto clandestino», vítimas muito mais de carências alheias que de carências próprias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A teoria e a prática, as intenções e as acções nem sempre percorrem o mesmo caminho. A justiça social e a democracia continuam a constituir para alguns governos e para alguns parlamentares itens de discussão só teoricamente, admissíveis. Mas ao povo e neste caso, concretamente, às mulheres cabe inúmeras vezes o acelerar das acções que as instituições imbuídas de um fazer, quantas vezes sem tempo, frequentemente vão esquecendo.
Digamos que hoje, nesta Assembleia, estamos dando tempo ao tempo para que a sua eventual limitação não possa constituir, posteriormente, motivo de despenalização perante alguma ineficácia, alguma passividade e até alguma cumplicidade na sobrevivência de práticas que ignoram que não há seres humanos assexuados mas homens e mulheres com iguais direitos, apesar de identidades próprias e por isso mesmo actores comuns na construção de uma sociedade mais justa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rosa Albernaz.

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Portugal assinou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, em 24 de Abril de 1980. Em 26 de Julho de 1980 foi publicada a Lei n.º 23/80. A este propósito e em reunião plenária de 12 de Março de 1980 a então Deputada Teresa Ambrósio, do Partido Socialista, teceu as seguintes considerações:
«A Comissão Parlamentar da Condição Feminina, tendo analisado na reunião de 27 de Fevereiro passado a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, aprovada na 35.º Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, e reconhecido o interesse, a oportunidade e o valor dos princípios que nela se consagram, deseja assinalar o Dia Internacional da Mulher, que se comemorou no dia 8, apresentando à Assembleia da República um projecto de resolução com o objectivo de solicitar ao Governo o início do processo de ratificação da presente Convenção».

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - «Tal Convenção representa um novo pacto de direitos humanos aprovado na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Dezembro de 1979, pacto de direitos humanos agora aberto à ratificação por parte de todos os países membros. Nela se consagram os princípios e as orientações políticas tendentes a promover a igualdade dos homens e mulheres no campo dos direitos políticos, cívicos, económicos e sociais.
Correspondendo a uma fase de evolução das anteriores disposições tomadas pelas Assembleias das Nações Unidas na defesa dos direitos políticos e cívicos das mulheres - e justo é acentuar as já adoptadas nas leis fundamentais por Portugal após o 25 de Abril, - a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres dá agora especial ênfase aos direitos económicos e sociais que nomeadamente estão em jogo no sector da educação, do emprego e da saúde».

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Ficou patente nesse debate que a presente Convenção constitui um passo positivo não apenas no domínio da igualdade dos direitos, mas da visão de uma sociedade mais humana, igualitária e criativa, verdadeiro progresso sensível das mentalidades que está subjacente a todo o texto da referida Convenção.
A Convenção não consagra apenas orientações de protecção e apoio à mulher nos diferentes papéis que desempenha na sociedade, mas sim uma política de eliminação de todas as discriminações de facto e dos meios que as veiculam, de forma a atingir uma plena igualdade de estatuto social entre homens e mulheres.
Dispõe o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa que todos os cidadãos, independentemente do género, têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Estabelece-se também que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
Tal como doutamente observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialecticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social (artigo 2.º).
Na sua dimensão liberal, o princípio da igualdade consubstancia a ideia de igual posição de todos os cidadãos, independentemente do seu status, perante a lei, geral e abstracta, considerada objectivamente universal em virtude da sua impessoalidade e da indefinida repetibilidade na aplicação. Na sua dimensão democrática exige a explícita proibição de discriminações (positivas e negativas) na participação do exercício do poder político, seja no acesso a ele, seja na relevância dele, bem como no acesso a cargos públicos. A dimensão social acentua a função social do princípio da igualdade, impondo a eliminação das desigualdades fácticas (económicas, sociais e culturais), de forma a atingir-se a «igualdade real entre os portugueses.
Tal como podemos constatar, o texto constitucional consagra já há muito de forma inequívoca a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Podemos, no entanto, alegar que as normas referidas são semânticas e programáticas e que, na prática, as mulheres são vítimas ainda de discriminação.
Conscientes dessa situação, os Deputados do Grupo Parlamentar do PS apresentam no respectivo projecto de revisão constitucional uma proposta de alteração ao artigo 48.º que poderá contribuir para uma melhoria significativa da participação política das mulheres.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A nossa proposta diz: «A lei assegurará a não discriminação em função do sexo aos cargos políticos visando um equilíbrio justo de participação entre homens e mulheres».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Oradora: - Por estas razões, o Partido Socialista irá votar favoravelmente a proposta de resolução n.º 18/VII.
Aplausos do PS e do Deputado do PSD Vieira de Castro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Reconhecendo que ao longo de séculos o estatuto das mulheres foi tradicionalmente considerado inferior ao dos homens em todas as áreas da vida cívica, política, económica, social e cultural dos povos, tanto a Carta das Nações Unidas, como os principais instrumentos de direito internacional dos Direitos Humanos erigiram o princípio da igualdade como valor fundamental, proclamando direitos iguais para homens e mulheres e proibindo a discriminação com base no género.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adoptada pela Assembleia Geral da ONU, em 1979, enunciou assim um conjunto de princípios e de medidas especificamente destinados a alcançar a universalidade da igualdade de direitos para as mulheres. Paralelamente, procurou vincar de forma indirecta, mas clara, o carácter falacioso de pretensas considerações justificativas de comportamentos contrários, alicerçadas em argumentos de natureza espacio-temporal, culturais ou religiosos.
No entanto, não obstante tais instrumentos internacionais vincularem os Estados signatários, verifica-se que é ainda grande o fosso entre o direito proclamado e a prática vivida, mesmo em Estados de Direito Democrático. Os níveis de evolução no respeito pelos Direitos Humanos, em geral, e em particular neste domínio, têm variado significativamente. Contudo, nenhum país pode arrogar-se o estatuto de ter atingido a perfeição, mesmo entre aqueles que são histórica e sociologicamente considerados e apontados como referência. E se outros índices e fenómenos não houvesse, bastaria atentar na situação de desvantagem e de subrepresentação em que continuam a viver as mulheres em todas ás sociedades, sem excepção, como resulta, aliás, do Relatório sobre o Desenvolvimento Humano elaborado pelo PNUD, em 1995.
Até há pouco tempo predominou a nível internacional uma visão redutora da condição e dos direitos humanos na sua titularidade feminina, equiparadas que eram as mulheres a um grupo social minoritário e desfavorecido.
Durante anos, o Comité responsável pela aplicação da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Comissão do Estatuto da Mulher funcionaram, na prática, quase em circuito

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fechado, relativamente ao conjunto das actividades da ONU. Só a partir da Conferência de Viena (1993) é que os Direitos Humanos na sua titularidade feminina ganharam reconhecimento como parte integrante, inalienável e indivisível dos Direitos Humanos universais. De imediato, e em conformidade com as decisões de Viena, a Assembleia Geral da ONU adoptou a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres e a Comissão dos Direitos Humanos da ONU, na sua 50.ª sessão, em 1994, por proposta de um grupo de países, entre os quais Portugal, decidiu por consenso criar um mecanismo especial para se dedicar à questão.
Tratando-se do primeiro mecanismo do sistema de protecção dos Direitos Humanos da ONU a ocupar-se especificamente de situações de desrespeito dos direitos humanos na titularidade feminina, a sua importância e força foram devidamente sublinhadas no enquadramento propiciado pela Conferência de Pequim, de 1995. Neste particular, cumpre enfatizar que a Plataforma de Acção aprovada na 4.ª Conferência Mundial da ONU sobre as Mulheres reiterou que aos Estados não cumpre apenas o dever de não violar os direitos humanos na titularidade feminina, mas também a obrigação de promover e proteger tais direitos.
Ora, foi precisamente face aos novos ventos de mudança que a ONU resolveu, finalmente, aprovar a Emenda ao artigo 20.º, parágrafo 1, da Convenção sobre Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Ficou assim consubstanciada uma alteração há muito solicitada e que, adoptada em Maio de 1995, veio a ser aprovada no final do ano transacto. Através dela foi, pois, dado acolhimento a uma antiga aspiração do Comité incumbido de avaliar os relatórios de cumprimento da Convenção em causa, no sentido de aumentar a duração das respectivas reuniões de modo a garantir não apenas a respectiva operacionalidade prática, mas também a correspondente eficácia e legitimação perante os propósitos visados pelas funções originariamente cometidas.
Pelo papel desempenhado pelo XII Governo Constitucional na promoção prática, e não somente legal e teórica, de um estatuto mais igualitário entre mulheres e homens, pelo empenhamento na difusão e sensibilização dos resultados da Conferência de Viena e, ainda, pela preparação e representação na Conferência de Pequim, não pode, hoje, o Partido Social Democrata deixar de se congratular com a presente iniciativa legislativa a que apenas se pode imputar um défice de celeridade.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Sociais: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava apenas de referir que as intervenções aqui proferidas contribuíram, na opinião do Governo, para o alargamento do debate para além da mera questão processual que estava em análise. É claro, e nós não desconhecemos, que a realidade em Portugal está longe de ser exemplar em matéria de não discriminação da mulher portuguesa mas o Governo afirma o seu empenho na proposição de medidas que entenda adequadas, naturalmente na perspectiva e na leitura que faz do quadro dessa mesma luta, contra a discriminação. Porém, isso não significa a assumpção por parte do Governo de propostas cuja forma e substância entenda não corresponderem à leitura que fazemos da situação e das realidades económico-sociais a que cumpre o Governo estar atento.
Assim e neste campo específico e para me limitar relativamente à alteração proposta, penso que ficou claro que a flexibilização da regra da anualidade das reuniões do Comité da Convenção da Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres é algo que pode, de facto, no quadro de uma alteração processual, dar maior eficácia aos trabalhos daquele órgão que deixa de estar sujeito a limites temporais que nos parecem um pouco ridículos e que levaram os Governos da Dinamarca, Islândia, Finlândia, Noruega e Suécia a apresentar à Assembleia Geral das Nações Unidas esta proposta.
Trata-se, portanto, de dar uma maior agilidade ao funcionamento desta Convenção e pensamos que por esta via também se poderá fazer algum trabalho no sentido de a pôr em prática de forma mais eficaz.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação global da proposta de resolução n.º 18/VII Aprova, para ratificação, a Emenda ao artigo 20.º, parágrafo 1, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra ase Mulheres, aprovada pela Resolução n.º50/202(1995) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 22 de Dezembro de 1995.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje.
Reuniremos de novo amanhã com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia sem prolongamento e da ordem do dia consta a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.os 244/VII e 12/VII.
Srs. Deputados, estão encerrados os nossos trabalhos:

Eram 19 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Fernando Antão de Oliveira Ramos.
José António Ribeiro Mendes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Santos de Magalhães.
Manuel António dos Santos.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.

Partido Social Democrata (PSD):

António de Carvalho Martins.
Arménio dos Santos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José Macário Custódio Correia.
Manuel Acácio Martins Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.

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Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Mendes Bota. Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

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