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Sexta-feira, 10 de Janeiro de 1997 925 I Série - Número 24

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE JANEIRO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Anatos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Francisco de Assis (PS) fez uma avaliação da vida política nacional quanto às .suas principais características, perspectivando os ternas, debates e controvérsias que a estruturarão nos tempos mais próximos. Respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Encarnação (PSD). Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), José Calçada (PCP) e Guilherme Silva (PSD).
O Sr. Deputado Bernardino Soares (PCP) criticou a política seguida pelo Governo no que concerne ao medicamento.
O Sr. Deputado Adriano Azevedo (PSD) condenou o Governo por não estar a cumprir as promessas que fez para o distrito de Viseu e respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nuno Correia da Silva (CDS-PP), José Junqueiro (PS) e José Cesário (PSD).

Ordem do dia. - Após o Sr. Deputado Antonino Antunes (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias sobre os projectos de ler n.º 244/VII - Altera a Lei n.º69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), criando um sistema extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que, tendo mais de 17 anos de idade, não venham a completar 18 anos até final do período legal de inscrição (PS) e 262/Vl1 - Reconhecimento do direito de pré-inscrição no recenseamento eleitoral aos cidadãos que completem 18 anos antes do novo período anual de inscrição (PSD), foram os mesmos discutidos na generalidade. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Afonso Candal (PS), Sérgio Vieira e Antonino Antunes (PSD), António Filipe (PCP). Sérgio Sousa Pinto (PS). João Amaral (PCP). Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Ricardo Castanheira (PS), Nuno Correia da Silva (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O projecto de ler n.ºI2/VII - Define as grandes opções de política de segurança interna e adopta um conjunto de medidas para a defesa da segurança do cidadão (PCP) for discutido na generalidade Após terem usado da palavra, a diverso título. os Srs. Deputados
João Amaral (PCP). Luís Queiró (CDS-PP). Strecht Ribeiro (PS).Miguel Macedo (PSD). Osvaldo Castro (PS). Isabel Castro (Os Verdes). Guilherme Silva e Calvão da Silva (PSD) e José Magalhães (PS). foi aprovado um requerimento do PS solicitando a baixa à 1.ª Comissão, sem votação, do diploma.

O Sr Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.

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Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mendes Bota.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e da resposta a alguns outros que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa vários requerimentos. Na reunião plenária de 18 de Dezembro de 1996: aos Ministérios da Educação, do Ambiente e à Secretaria de Estado da Juventude, formulados pelos Srs. Deputados Francisco José Martins, Heloísa Apolónia e Luísa Mesquita; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministro da Presidência, formulado pelo Sr. Deputado Ismael Pimentel.
Na reunião plenária de 19 de Dezembro de 1996: ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Afonso Lobão; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Soares Gomes; ao Ministério da Solidariedade e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alves de Oliveira; ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Sr. Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
Na reunião plenária de 20 de Dezembro de 1996: ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Santos Pereira; ao Presidente do INATEL, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Castro de Almeida e Jorge Ferreira; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Sintra, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados José Calçada e Lino de Carva

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lho; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados, no dia 27 de Dezembro de 1996: Soares Gomes, na reunião plenária de 24 de Maio; Paulo Portas, na reunião plenária de 4 de Julho; Silvio Rui Cervan, no dia 16 de Agosto; Macário Correia, no dia 4 e Comissão Permanente de S de Setembro; Paulo Pereira Coelho e Jorge Ferreira, na reunião plenária de 25 de Setembro; Isabel Castro e Filomena Bordalo, no dia 1 e nas reuniões plenárias de 3 de Outubro e 28 de Novembro; Octávio Teixeira, no dia 8 de Outubro; Maria Celeste Correia e Lino de Carvalho; nas reuniões plenárias de 10 e 11 de Outubro; António Rodrigues, na reunião plenária de 16 de Outubro; Manuel Alves de Oliveira e Rodeia Machado, nas reuniões plenárias de 17 de Outubro e 6 de Novembro; Nuno Correia da Silva; Pacheco Pereira, na reunião plenária de 23 de Outubro; Afonso Candal, Luís Sá e Arnaldo Homem Rebelo, nas reuniões plenárias de 30 e 3 1 de Outubro; Bernardino Soares, na reunião plenária de 7 de Novembro; Albino Costa, no dia 27 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço os bons ofícios de V. Ex.ª e da Mesa relativamente a um problema que tem a ver com a reunião plenária de amanhã, cuja ordem do dia é preenchida com perguntas ao Governo. No entanto, a esta hora, presumo que a Mesa e os grupos parlamentares desconhecem qual o elenco de perguntas a que o Governo está disposto a responder amanhã.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Governo não tem resposta!

O Orador: - Como V. Ex.ª bem sabe, o Governo selecciona, nos termos das regras fixadas, metade das perguntas formuladas pelos diferentes grupos parlamentares - aliás, tem esse direito - e a praxe regimental recomenda que essa selecção seja comunicada à Assembleia com uma semana de antecedência.
No entanto, não levantámos o problema mais cedo porque compreendemos que durante o período do Natal e do Ano Novo estes circuitos não funcionaram com a celeridade desejada, mas estamos na véspera da reunião plenária e não nos parece que seja razoável que só lá para o fim da tarde ou à noite...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Na melhor das hipóteses!

O Orador: - ... é que saibamos quais as perguntas a que o Governo se propõe responder amanhã.
Assim, peço a intervenção de V. Ex.ª no sentido de que rapidamente essa informação; que já devia ter sido fornecida à Assembleia, possa ser distribuída a todos os grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado. O Pai Natal não explica tudo!... Vou fazer as diligências possíveis para que, de imediato, o Governo informe o Parlamento das perguntas que seleccionou para responder amanhã.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O dealbar de um novo ano, cote toda a carga simbólica que a rotura do calendário encerra, constitui momento particularmente propício à promoção de um exercício de avaliação da vida política nacional em ordem à detecção das suas principais características presentes e à antecipação dos temas, debates e controvérsias que a estruturarão nos tempos mais próximos.
O ano que agora se inicia antevê-se, aliás, sob vários aspectos, como um ano decisivo para Portugal e para os portugueses. Tudo indica que virá a ser, simultaneamente, um ano de consolidação de opções, que têm vindo a ser realizadas, e de afirmação de um vigoroso impulso reformista.
Ao ingente desafio do cumprimento dos critérios de convergência nominal, estabelecidos no âmbito da União Europeia como condição indispensável para a passagem para a terceira fase da união económica e monetária, juntam-se outros importantes desafios de natureza estrutural, quer no que concerne à renovação do sistema político, quer no que respeita à vertente relacionada com o reforço da competitividade do tecido económico, quer, ainda, no que se refere à promoção de um combate activo aos processos de exclusão social.
A acção que tem vindo, de há um ano e três meses a esta parte, a ser prosseguida pelo Governo e a natureza das opções consagradas no Orçamento do Estado, recentemente aprovado por esta Assembleia, permitem-nos construir uma expectativa positiva quanto às possibilidades de o País enfrentar com sucesso os desafios que se lhe deparam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A opção europeia, agora materializada no objectivo da participação desde o primeiro momento no grupo de países que aderirão à moeda única, suscitamos, pela sua importância, uma reflexão particular. Os Governos, seja qual for a sua proveniência partidária ou identidade programática, têm a indeclinável obrigação de compreender os desafios e as oportunidades do seu tempo e de adaptar os seus compromissos doutrinários ao necessário tratamento daqueles de modo a não ilidir a História ou correr o risco de permanecer insensível e à margem das possibilidades que ela oferece.
Ora, parece-nos hoje claro que o projecto europeu consubstancia um desses grandes desafios da História e que não só não podemos permanecer imunes como também temos de saber enfrentá-los e aproveitá-los em toda a sua plenitude.
A afirmação de Portugal no mundo passa peia assunção da nossa vocação europeia, o que implica a participação, sem hesitações nem receios, no núcleo mais denso do processo da sua construção institucional. Não apostar nesse sentido, por excesso de pusilanimidade ou por falta de lucidez histórica, significaria pactuar com a visão fatalista de um Portugal paroquial, periférico, subalternizado e condenado a um estatuto miserabilista no concerto das nações europeias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, por todo o continente as forças políticas do progresso, mau grado a diversidade das suas

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proveniências, acentuam a importância do processo de construção europeia como condição e momento imprescindíveis para que se possam lançar políticas de cariz marcadamente solidarista e se possam preservar aspectos essenciais da economia social de mercado que desde o pós-guerra identifica a Europa Ocidental.
Para a esquerda democrática, em particular, na época da mundialização das trocas e da liberalização do comércio internacional, a Europa é uma parte da solução e nunca o problema transporta potencialidades que no futuro não deixarão de ser utilizadas.
Tem sido, pois, justa e correcta a posição adoptada pelo Governo português que, elevando o objectivo do cumprimento dos critérios de convergência à categoria de um verdadeiro desígnio nacional, dá mostras de lucidez na' interpretação do interesse do País.
Foi pela Europa e pela afirmação do destino europeu de Portugal, e não por especial paixão por um qualquer fundamentalismo monetarista, que o Governo estabeleceu o objectivo do cumprimento dos critérios como uma das linhas de separação entre o sucesso e o insucesso da acção que vai levar a cabo no ano de 1997, porque é essa hoje a fronteira tangível de uma Europa que continuamos a desejar, contudo, mais social e atenta à resolução do problema essencial que o desemprego constitui.
De resto, tem o actual Governo dado sobejas provas de não se contentar com a simples convergência nominal, antes apostando numa autêntica convergência real, que tem vindo a consubstanciar-se num ritmo de crescimento económico nacional superior ao da média comunitária e tem suscitado a adopção de medidas conducentes à revitalização do tecido produtivo e ao aumento da competitividade global da economia portuguesa.
Também neste plano, estamos certos, o ano de 1997, na sequência de todo esforço que tem vindo a ser realizado, será pródigo em iniciativas que concorrerão para a satisfação das pretensões enunciadas.
As reformas do sistema fiscal, da Administração Pública e da segurança social, a iniciar e a promover no decurso deste ano, inserir-se-ão, de forma coerente, num propósito sério de modernização da sociedade e da sua progressiva qualificação, tendo em vista os novos desafios que a interpelam.
No mesmo sentido se orientarão as reformas do sistema político e do modelo de organização do Estado e da Administração Pública, que visam aprofundar a democracia, prestigiar o Estado de direito e proporcionar um desenvolvimento regionalmente mais equilibrado e participado.
Esperamos, sinceramente, que se revelem possíveis os grandes entendimentos de regime, necessários para a concretização de algumas destas importantes reformas.
Pelo lado do Governo e do Grupo Parlamentar do PS, estamos, pois, certos de que serão dados todos os contributos necessários para que se alcancem progressos decisivos no tratamentos dos assuntos que mais insistentemente afectam o nosso país.
Infelizmente, é já com preocupação e desalento que observamos o comportamento das oposições e muito particularmente do maior partido que a integra,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ora essa!

O Orador: - ... a quem, de uma forma mais incisiva, incumbe a responsabilidade de constituir uma alternativa de Governo credível e séria.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que nos inquieta no comportamento do PSD é a sua instabilidade, que resulta da inexistência de uma linha de rumo claramente traçada; é a sua volatilidade, que se estriba numa estratégia puramente casuística; é a tendência para o oportunismo, que decorre da anulação de convicções e da suspensão de princípios.

Aplausos do PS.

O PSD parece orientar-se para o acantonamento num hipercríticismo profundamente irresponsável, revelando mais propensão para bloquear do que para propor, animado de uma vontade negativista e dissociado das verdadeiras preocupações quanto à construção do futuro do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A intervenção que ontem o Deputado Carlos Encarnação aqui proferiu exemplifica bem o estado actual do PSD!...

O Sr. António Braga (PS): - É o desnorte!
O Orador: - Inebria-se com uma retórica folhetinesca ao nível da intriga mais primária, confunde o legítimo e imprescindível exercício da oposição com o despudorado exercício de agregação de descontentamentos momentâneos e parece disposto a rebaixar a função de alternativa ao estatuto de uma provedoria que, por demasiado oportunista, nem sequer suscitará qualquer tipo de expectativas na sociedade portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Perdido algures entre a sucessiva reivindicação de referendos e a constante preocupação em secundar todas as críticas dirigidas ao Governo, o PSD não tem arranjado nem tempo, nem espaço, nem inspiração para enunciar uma missão, revelar um projecto ou publicitar uma ideia acerca do futuro de Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mal vai o maior partido da oposição, quando revela não possuir uma identidade política clara e se limita a ser o espelho das naturais insatisfações de alguns sectores da sociedade.
Talvez seja por isso mesmo que já começaram as dissidências - hipotético prenúncio do esgotamento precoce desta nova primavera marcelista, que começa a revestir-se a uma prodigiosa velocidade das baças cores outonais.
Contudo, com tal situação não lucra o País nem beneficia a democracia, pelo que esta interpelação directa e frontal ao PSD constitui tanto uma censura como um estímulo em nome dos superiores interesses de Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É também com sincero desapontamento que constatamos a postura adoptada pela oposição situada à nossa esquerda, que, tendo tido, em tempos, a pretensão de interpretar privilegiadamente o sentido da História, se parece agora deixar arrastar para a sua periferia mais arcaica.

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Dominado por um exagerado instinto de conservação, em nada adequado aos propósitos que afirma prosseguir, o PCP revela contentar-se com o destino de uma força política petrificada, doutrinariamente obsoleta e socialmente, cada vez mais, isolada.
Esgotando-se numa função tribunícia, que exerce, aliás, através de uma retórica de recorte cada vez mais metafísico e distanciado do mundo concreto dos portugueses no final do século XX, o PCP parece apostado em frustrar as expectativas de quantos ainda acreditam nas suas possibilidades de interpretar novos movimentos sociais e projectar politicamente novas causas socialmente justas e relevantes.
Não é bom para a esquerda portuguesa que uma parte, ainda que claramente minoritária da sua representação política, tenha desistido de avançar, de evoluir, de viver ao ritmo do tempo presente.
Mau grado esta avaliação mais negativa que, sem azedume, fazemos do comportamento de alguns sectores da vida política nacional, encaramos com grande confiança e optimismo o ano que agora se inicia, quer porque confiamos na determinação, na competência e no empenhamento do Governo quer porque acreditamos que, sem renunciar à sua identidade e ao seu papel, antes exercendo-os de forma plena, as oposições saberão entender, como muito bem aqui ontem foi dito por alguém, que há um tempo para divergir e outro para convergir, que há horas de confrontação e outras de cooperação e que de umas e de outras se constrói a democracia e numas e noutras se apuram as soluções que contribuem para o desenvolvimento de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Encarnação, Maria José Nogueira Pinto, José Calçada e Guilherme Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, não vou repetir perante si a crítica que o PCP normalmente lhe faz, porque essa deixá-la-ei para o PCP. Contudo, gostaria de lembrar que V. Ex.ª fala sempre em dias especialmente comemorativos, e hoje é um deles, porque o seu líder e Primeiro-Ministro está em duas reuniões importantíssimas,...

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Ainda bem!

O Orador: - ... nas quais é esperável que o Sr. Primeiro-Ministro dê murros! V. Ex.ª vai salvar-se! Alguém poderá ficar com um olho negro, seja no Governo seja no partido, mas V. Ex.ª escolheu estar aqui, e fez bem, por uma razão de cautela!

Risos do PSD.

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Isso era com o Cavaco!

O Orador: - Devo dizer-lhe uma coisa, Sr. Deputado Francisco de Assis: V. Ex.ª falou aqui substancialmente em matérias de política externa e em matérias europeias. Aliás, é uma boa norma de política, quando se quer fazer esquecer aquilo que é importante do ponto de vista interno de um país, falar de política externa. Foi isso que V. Ex.ª fez!

Aplausos do PSD.

Na verdade, o senhor, na sua intervenção, disse pouco de substancial relativamente à política externa e quanto à política interna era melhor ficar calado, e ficou. V. Ex.ª só teve palavras para me atacar na modestíssima intervenção que fiz ontem, porque entendeu que as críticas que fiz foram mal dirigidas e que não havia razão, do ponto de vista do principal partido da oposição, para estar preocupado com aquilo que acontece com este Governo.
Ora, devo dizer-lhe que aquilo que acontece com a autoridade do Estado, com os sacrifícios que são pedidos aos portugueses tem de ter da sua parte muito mais atenção e dignidade do que a exibida na prosa que agora produziu e que o Sr. Deputado tem sempre de ter em conta que um vice-presidente da bancada do maior partido da oposição não pode deixar de fazer sentir aqui, no Parlamento, aquilo que o povo representa na rua.
Quero ainda dizer-lhe que o que me espanta mais é o entusiasmo que V. Ex.ª põe no anúncio de reformas, que nunca mais vêm. V. Ex.ª é um crente confessado que todos os meses vem aqui dizer a mesma coisa, mas nunca traz uma reforma que seja para nós vermos. Talvez fosse bom combinarmos que, para a próxima vez, V. Ex.ª se munirá do anúncio da prática de reformas que há um ano vem prefigurando no Parlamento.
De uma forma muito séria, e a terminar, Sr. Presidente, para não abusar do tempo, pergunto se V. Ex.ª pensa que as críticas que lhe dirijo são feitas de ânimo leve. V. Ex.ª não acha que só lhe faço essas críticas - e com muita .pena - por sentir que este Governo está doente e que o meu país sofre com ele?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, contrariando as expectativas de que V. Ex.ª introduzisse hoje, aqui, alguma alteração em relação ao estilo e à substância da intervenção que ontem proferiu, V. Ex.ª manteve-se exactamente no mesmo tom, no mesmo registo e em fidelidade à mesma falta de substância, introduzindo agora dois elementos para a conversa, um deles prosseguindo no caminho da intriga e procurando aplicá-la aos acontecimentos internos do Partido Socialista. Tendo V. Ex.ª uma vocação folhetinesca indiscutível, que se tem vindo, progressivamente, a revelar perante esta Câmara, aconselho-o agora a escolher como objecto das suas dissertações e fantasias aquilo que acaba de acontecer no seu partido com a demissão do Vice-Presidente Dr. Pacheco Pereira.

Protestos do PSD.

Verá, Sr. Deputado, que não lhe faltarão motivos, que lhe não faltará a inspiração para produzir um folhetim com um enredo altamente sofisticado em que o Sr. Deputado garantirá uma coisa: ninguém sabe como é que vai acabar.
O Sr. Deputado pode construir um folhetim mantendo permanentemente vivo perante os portugueses um enorme suspense em relação ao seu desenlace final. De modo que, se está empenhado e vocacionado para esse tipo de actividade, que, de uma forma mais ou menos sistemática, tem vindo a levar a cabo no contexto deste Parlamento, não lhe faltam agora motivos inspiradores no seio do seu próprio partido.

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Contudo, uma coisa eu não quero deixar de lhe dizer, até porque já ontem foi objecto de reparo no âmbito da intervenção que proferiu: o Partido Socialista, pela circunstância de ser hoje um partido de poder, não se transformou subitamente, à semelhança de outros partidos, num partido monolítico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No Partido Socialista valoriza-se a livre discussão, no Partido Socialista as pessoas têm a possibilidade de exprimir as suas posições, mesmo quando elas não suscitam a concordância daqueles que compõem a direcção nacional do partido em cada momento histórico.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Por isso é que mandam calar o Deputado António Campos.

O Orador: - Essa é uma diferença profunda de comportamentos e de atitude que radica numa diversidade fundamental ao nível de uma cultura política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que nós temos, e cultivamos uma cultura política verdadeiramente democrática e liberal e não andámos 10 anos a exigir que se vencessem os vícios do autoritarismo na sociedade portuguesa para agora admitirmos que eles pudessem, eventualmente, instalar-se no seu do nosso próprio partido.

Aplausos do PS.

É essa pequena, mas decisiva, diferença de cultura política, democrática e liberal que V. Ex.ª não percebe. E, enquanto não a perceber, o PSD não estará ainda verdadeiramente preparado para reassumir as maiores responsabilidades na condução do governo de Portugal.

O Sr. José Junqueiro (PS): - E ainda bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, depois de ouvi-lo enfrentar, com optimismo, este ano de 1997, gostava de colocar-lhe três questões muito simples.
Sem, obviamente, negar a natureza europeia de Portugal - isso seria negar uma evidência com oito séculos -, pergunto-lhe se não considera que seria possível conciliá-la com uma outra vocação, também histórica, de Portugal - a atlântica - e se isso não implicaria uma política de cooperação que não tem sido feita ao longo destes 20 anos. Qual é a opinião do Sr. Deputado sobre esta questão?
Penso que no seu discurso, para além da afirmação, um pouco redundante, da nossa natureza europeia - que ninguém recusa porque, como digo, é uma evidência -, faltou acrescentar, do meu ponto de vista (e gostaria de ouvi-lo a esse respeito), qual é a política concreta que Portugal pretende ter com os espaços de língua portuguesa, incluindo as comunidades emigrantes e os seus descendentes, que continuam, apesar de tudo e apesar de nós, a falar português. Gostaria de perguntar-lhe se isso não nos levaria a compor, com alguma originalidade a que teríamos direito e alguma imaginação a que teríamos obrigação, um figurino também específico.
Em segundo lugar, pergunto-lhe se os critérios de convergência são um desígnio nacional ou um instrumento. Penso que serão bem mais um instrumento e ficaria muito preocupada se fossem um desígnio nacional. Sendo um instrumento, perguntar-lhe-ia se, do ponto de vista político, não seria mais lúcido explicar aos portugueses para que servem esses instrumentos, porque vai pedir-lhes sacrifícios e eu penso que, neste momento, os portugueses não têm sequer possibilidade de perceber quais serão esses sacrifícios, como vão ser e para que irão servir.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, pergunto-lhe se não acha que da governação também faz parte esta capacidade de explicar os objectivos e se, em nome de desígnios nacionais que não são os critérios de convergência, mas em obediência a instrumentos eventualmente necessários ou, do seu ponto de vista, necessários, essa explicação não era devida aos portugueses e não era, sobretudo, prudente.
Pergunto-lhe: por que é que não fala da coesão cultural, que, penso, seria um elemento fundamental desse seu discurso de transição de Portugal para uma integração plena na Europa? Por que é que não fala da coesão cultural, da sua importância e da maneira como este Governo a tem tratado?
Finalmente, no plano das reformas - isto porque anunciou que 1997 seria o ano das grandes reformas -, pergunto-lhe se considera que irá ser possível dar o salto qualitativo da igualdade para a equidade e dos grandes monopólios estatais em matéria social para as efectivas parcerias com a comunidade e com a sociedade civil.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente, e muito obrigado, Sr.ª Deputada, pelas questões objectivas que me colocou e às quais procurarei responder de forma também objectiva e precisa.
Em primeiro lugar, tendo eu aludido a uma iniludível vocação europeia de Portugal, colocou-me a Sr.ª Deputada uma questão relativa à minha posição sobre uma eventual vocação atlântica e até de natureza mais ecuménica, que também estará, histórica e culturalmente, associada ao destino de Portugal.
Como é evidente, a minha resposta terá de ser no sentido da concordância e no sentido positivo. Também isso faz parte da nossa tradição, também isso está associado à nossa História e, sobretudo, deve fazer parte da nossa vontade conjunta de construirmos o futuro.
O que não vejo é que haja qualquer possibilidade de estabelecer uma confrontação entre uma vocação e a outra. Pelo contrário, estou certo de que elas se associam, de que elas se completam e de que elas se potenciam. Não faria qualquer sentido hipervalorizarmos essa vocação atlântica se ela significasse ficarmos de costas para a Europa, até porque, nos momentos históricos em que estivemos de costas voltadas para a Europa, Portugal perdeu cultural, económica, política e socialmente. Também, como é natural, nada traríamos provavelmente de novo à Europa se não déssemos o contributo dessa nossa vertente e

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dessa nossa dimensão atlântica. Mas aqui estamos perante uma área e uma dimensão em que, provavelmente, é fácil estabelecer grandes consensos no seio da sociedade portuguesa.
Relativamente aos critérios de convergência, pegando nas minhas palavras, a Sr.ª Deputada interrogou-me objectivamente no sentido de saber se, na minha opinião, os critérios de convergência são um instrumento ou se são um desígnio. Sr.ª Deputada, os critérios são sempre um instrumento, mas o cumprimento dos critérios neste momento histórico preciso constitui, no nosso ponto de vista, um relevante desígnio nacional. Mas um desígnio não no sentido fatalista de destino mas, sim, de afirmação activa de uma vontade de influenciar e de construir o nosso futuro de uma determinada forma e obedecendo a um determinado conjunto de princípios.
Aliás, em política nunca podemos permanecer no campo puro das abstracções. Provavelmente, a razão de um certo insucesso de alguns filósofos na política é o facto de terem tendência para ficar excessivamente perdidos no campo das abstracções diáfanas e, depois, não serem capazes de gerir os problemas objectivos e de encontrar soluções e respostas para os problemas concretos com que se confrontam.
Neste momento, a fronteira tangível, objectiva, da Europa, o local onde se está a discutir o processo de integração e de construção de uma nova identidade europeia passa claramente pelos critérios de convergência. Podemos duvidar da bondade desses critérios, podemos ter avaliações distintas em relação aos critérios, mas a verdade é que passa pela capacidade de cumprirmos esses critérios estarmos verdadeiramente dentro do núcleo mais denso do processo de construção europeia ou estarmos arredados desse núcleo, isto é, estarmos submetidos às decisões que são tomadas nesse núcleo sem dartros qualquer contributo activo e positivo para a sua formulação.
De resto, a sua intervenção, Sr.ª Deputada, nesta matéria - sendo certa a minha profunda admiração, do ponto de vista intelectual, pelos seus escritos, que leio habitualmente e que me levam, naturalmente, a estabelecer alguma diferença entre o seu posicionamento político e o de alguns colegas do seu partido -, leva-me a colocar esta questão: qual é, verdadeiramente, a política económica do CDS-PP nessa matéria?
O PP seria, naturalmente, o partido com uma propensão mais natural para adoptar enfaticamente uma política económica de cariz monetarista, como é aquela que, de alguma maneira, tem estado associada, em termos europeus, ao processo de construção europeia.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - A última questão que me colocou foi a de saber se devemos ou não valorizar a coesão cultural da sociedade portuguesa - pelo menos, foi assim que entendi - e a minha resposta é, obviamente, positiva. Agora, se me pergunta se tem sido feito tudo o que está ao nosso alcance cote o intuito de garantir o sucesso dessa aposta, terei de dizer que não terá ainda sido feito tudo, provavelmente haverá sempre novas coisas a realizar,...

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, dê-me só mais um minuto .
... haverá sempre novos instrumentos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas não posso dar-lhe mais tempo.

O Orador: - Nesse caso, terminei, Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, já estamos um pouco habituados a que quando o PS ou o seu grupo parlamentar não sabem o que hão-de dizer ou quando têm de repetir até ao limite do absurdo aquilo que já ouvimos variadíssimas vezes, é preciso que o façam através de alguém e, para isso, têm de encontrar sempre um Deputado. Esse Deputado já é conhecido: é o Sr. Deputado Francisco de Assis, que, sistematicamente, vem a esta Casa fazer grandes discursos sobre o nada ou, em alternativa, sobre o nada fazer grandes discursos.

Risos do PSD.

É sempre assim, tem sido sempre assim e auguramos-lhe um grande futuro neste domínio.

Risos do PSD.

Mas vamos agora a outras questões, essas, sim, mais substanciais e que, apesar de tudo, com algum esforço, diga-se, podem retirar-se do seu discurso, Sr. Deputado Francisco Assis.

Vozes do PS: - Ah!!!

O Orador: - Pode, pode-se sempre. Com certeza está admirado, mas consegue-se!

Aplausos e risos do PCP e do PSD.

É só para lhe dizer, Sr. Deputado Francisco de Assis, o seguinte: é que começou por um autêntico acto de contrição quando disse, quase lamentando-se, que os Governos - disse-o ele e não eu -, independentemente das suas opções ideológicas e programáticas, coitados!, lá têm de saber adaptar-se à História. Ou seja, lá têm de fazer o frete, pelos vistos, a Maastricht; lá têm de entrar numa de demissionismo; lá têm de abrir outra vez a gaveta, para lá meter o socialismo, e voltar a fechar a gaveta; enfim, lá têm de entrar pelas vias do não liberalismo, do pensamento único. Não deixa de ser interessante este acto de contrição, sendo certo que, pelos vistos, o Partido Socialista, particularmente o Sr. Deputado Francisco de Assis, deve andar com gravíssimos problemas de consciência pela sua terrível necessidade de se adaptar à História.
Em contrapartida, diz que o Grupo Parlamentar do PCP, e, em termos mais amplos, o próprio Partido Comunista Português, está obsoleto, não tem criatividade, é incapaz de se adaptar à História.
Sr. Deputado Francisco de Assis, Srs. Deputados do Partido Socialista, o que lhe queremos dizer muito claramente é isto: se ser europeu é ser maastrichtiano - até me custa dizer a palavra -, então, provavelmente, nesse quadro, não somos europeus; se ser europeu é não trazer a esta Casa os problemas concretos dos trabalhadores por-

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tugueses e questões como o desemprego, as falências e os sucessivos encerramentos de empresas, então, confessamos, com alguma amargura, apesar de tudo, que não somos europeus, pelo menos no sentido em que o Sr. Deputado Francisco de Assis entende a palavra; se ser europeu é avançar pela via da desregulamentação das relações de trabalho, encarar o trabalho como um privilégio e não como um direito, para mais, constitucionalmente consagrado, também fazemos um acto de contrição e não somos, de facto, europeus.
Para terminar, quero deixar uma nota final: o Sr. Deputado Francisco de Assis, sendo certo que é capaz de falar sobre tudo o que é necessário e também sobre o que não é necessário, passa a vida a "encher a boca", falando da esquerda portuguesa. Sr. Deputado, com a vossa política concreta, o que lhe peço é isto: por favor, não se meta onde não é chamado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, agradeço-lhe as perguntas que me colocou.
Devo começar por dizer-lhe que fiquei um pouco surpreso face à sua intervenção inicial e, na verdade, não sei como a deva entender.
V. Ex.ª começou por dizer, e creio que sinceramente, que eu era um Deputado que tinha como característica conseguir produzir um discurso enfático tendo como tema o nada. Depois, a partir daí, até me adivinhou um longo futuro parlamentar. Ora, não sei se o Sr. Deputado estava verdadeiramente a fazer-me um elogio, atendendo a que essa é, de facto, a especialização constante dos Deputados do PCP, de há longos anos a esta parte, dado o profundo imobilismo doutrinário que afecta esse partido, a profunda incapacidade de compreender as grandes transformações que vão ocorrendo na estrutura da sociedade e a sua obsessiva recusa em analisar o que vai mudando, os novos desafios, as questões emergentes, e em procurar encontrar soluções realistas e empiricamente aplicáveis aos problemas, que são reais, que existem, que devem ser salientados e chamados ao debate parlamentar mas que nada ganham quando apenas encontram da vossa parte respostas de cariz claramente metafísico, que já nada tem a ver com a realidade e não têm qualquer operacionalidade prática.
Assine, quando ouço um Deputado do PCP salientar noutro Deputado desta Assembleia a sua capacidade de discursar enfaticamente sobre o nada, penso que está a fazer um elogio e, no limite até, quem sabe, poderá estar a fazer-me algum convite para, no futuro, me orientar no sentido da bancada do PCP.

Risos do PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Alto! Não entra!

O Orador: - Por uma questão de sanidade política, digo-lhe desde já que recusarei esse convite se ele, em alguma circunstância, surgir.
Quanto ao resto, o resto é importante e, sendo-o, é lamentável, Sr. Deputado, que o Partido Comunista Português seja o último dos partidos de toda a Europa a compreender a necessidade de promover uma abertura, de introduzir a reflexão sobre novos temas e de procurar encontrar respostas, baseadas na sua própria identidade, transportando, por isso mesmo, uma carga inovadora e específica para os problemas que hoje afectam as sociedades.
Como é natural, as desigualdades não desapareceram, os conflitos não foram erradicados, os movimentos sociais, pura e simplesmente, não desapareceram do mapa das grandes questões do nosso tempo. Mas o que o PCP não tem revelado é capacidade para enfrentar as questões e imaginação e disponibilidade intelectual suficiente para as resolver.
Para terminar a resposta, ainda ontem tive oportunidade de ler uma entrevista do vosso antigo camarada e actual líder do Partido Democrático de Esquerda italiano, que defendia a necessidade de a Itália participar no núcleo mais denso do processo de construção europeia, para depois dar, na perspectiva de uma esquerda renovada, aberta e moderna - a tal esquerda que V. Ex.ª não concebe que possa existir, mas existe de facto e em Portugal é representada pelo Partido Socialista -, um contributo para que a Europa se reoriente em torno de valores mais sociais e dê respostas mais concludentes aos problemas que nessa área se colocam.
Mas, mais, nessa entrevista afirmava o líder do Partido Democrático de Esquerda italiano que a própria Refundação Comunista - o partido que julgo ser o vosso homólogo em Itália - se tinha disponibilizado, em sede parlamentar, no momento decisivo de aprovação da participação da Itália neste processo, para viabilizar as decisões governamentais, tendo, nessa perspectiva, dado uma resposta claramente afirmativa ao tratado que VV. Ex.as tanto contestam, porque também eles perceberam que pelo cumprimento desses critérios passa instrumentalmente, neste momento, a participação mais activa numa Europa que no futuro deve e há-de orientar-se num sentido diferente daquele que a tem caracterizado até agora, ruas que há-de fazê-lo com a esquerda que lá estiver e não com a que, entretanto, tem desistido de estar onde quer que se decida algo em relação ao futuro da humanidade.

Aplausos do PS.

O Sr. José Calçada (PCP): - O que ele sabe!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero anunciar-vos que assiste à reunião plenária um grupo de alunos da Escola Secundária António Inácio de Grândola, da Escola Professor António Sérgio de Setúbal, da Escola Secundária da Moita e da Escola Secundária Aquilino Ribeiro de Lisboa.
É um privilégio tê-los connosco. Saudêmo-los.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, confesso que tive a ingenuidade de esperar outro conteúdo da sua intervenção.
V. Ex.ª, pomposamente, anunciou que vinha fazer um discurso de balanço, neste início de ano, mas verifiquei que fez um discurso que balança e não um discurso de balanço da actividade política do último ano.
Quando esperava que V. Ex.ª, usando da alegada autonomia que persistentemente o Grupo Parlamentar do Partido Socialista insiste ter em relação ao Governo, vies-

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se aqui assumir a crítica, no sentido de reprovar o que tem sido a política de segurança interna e estes negócios do Ministro da Administração Interna com a Associação sócio-profissional da PSP, com o enxovalho de um oficial general; quando esperava que V. Ex.ª viesse fazer a crítica a esta avalanche de aumento de preços e à patética intervenção do Ministro Augusto Mateus, para demonstrar aos portugueses que se estava perante aumentos inferiores à inflação, quando todos viam, sabiam e sofriam na pele aumentos na ordem dos 8%, e mais; quando esperava que V. Ex.ª viesse fazer esta crítica ou assumir o apoio desta política, como membro do partido solidário com o Governo, vejo que vem fazer um discurso de realidade virtual. Assenta as suas baterias em relação ao que chama de oposição mas, sintomática e significativamente, identifica como oposição apenas dois partidos com assento nesta Assembleia da República. Tem um conceito restrito de oposição e lá terá as suas razões para tal.
Sr. Deputado Francisco de Assis, quero dizer-lhe que quem governa não é o PSD, quem governa, e mal, é o Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder; se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, necessito apenas de 30 segundos para responder, porque na verdade o Sr. Deputado não me colocou qualquer questão.
A intervenção que fez apenas veio demonstrar, de uma forma paradigmática, que tudo o que eu disse acerca do PSD correspondia inteiramente à realidade.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - Não houve a preocupação de fazer uma crítica minimamente fundamentada, de apresentar uma ambição, um projecto e uma ideia de Portugal que tenha o cunho do PSD, ou de apresentar algumas indicações que apontassem no sentido da constituição de uma alternativa séria e credível ao Governo do Partido Socialista.
O Sr. Deputado limitou-se a constatar o óbvio, ou seja, que quem governa é o Partido Socialista; procurou apenas seguir o que julga ser instintos eventualmente mais primários da população portuguesa, mas está enganado, porque não a conhece verdadeiramente e acredita que ela é incapaz de compreender a necessidade e o alcance de certos sacrifícios com que é confrontada; e, em matéria de segurança, limitou-se a repetir o que ontem já aqui, com evidente insucesso, o Dr. Carlos Encarnação teve oportunidade de dizer.
Para terminar, e ainda em relação à segurança, a questão fundamental que gostaríamos de colocar, e para essa os senhores não encontraram ainda resposta - não sabemos se estarão na expectativa de convocar também algum referendo nacional para encontrarem solução para o problema -, é a de saber qual é a vossa concepção da segurança pública em Portugal. Gostaríamos de saber se permanecem fiéis à concepção que esteve associada à acção governativa do Ministro Dias Loureiro, à qual, de resto, também esteve ligado o Dr. Carlos Encarnação, ou se compreendem o alcance histórico das reformas, das mudanças e das alterações que, com grande coragem e determinação, este Governo está empenhado em realizar.
É essa a questão fundamental e para essa, verdadeiramente, os senhores não encontram resposta. De facto, se os senhores estão prisioneiros da outra, isso é mau sinal, porque ainda estão prisioneiros de uma concepção exageradamente autoritária do Estado e ainda têm um conceito de segurança pública completamente desadequado, face aos padrões prevalecentes na generalidade das democracias europeias.
De modo que, Sr. Presidente, fiz um grande esforço para procurar responder a uma pergunta que verdadeiramente não existiu, mas tendo eu, como diz o Sr. Deputado do PCP, alguma capacidade de teorizar sobre o nada, tenho tido esta possibilidade e esta ventura de conseguir responder às perguntas dos Deputados do PSD.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de esclarecimento, vamos passar ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos meses têm sido frequentes as notícias relativas a questões da política do medicamento. No entanto, e sendo esta uma área fundamental para o assegurar do acesso aos cuidados de saúde do povo português, nunca os interesses dos cidadãos vêm à baila nesta polémica, nem sequer por parte do Governo, de quem se esperaria um papel activo na defesa desses interesses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é, sem dúvida, uma área onde se movimentam grandes interesses económicos e onde, também por isso, maior atenção e empenhamento se exige por parte do Governo na sua intervenção.
No orçamento do Ministério da Saúde, e do Serviço Nacional de Saúde, em particular, a despesa com medicamentos assume uma particular importância. Na discussão do Orçamento do Estado para 1997, mais uma vez o PCP alertou para a continuação da situação de subfinanciamento do orçamento do Ministério da Saúde, denunciando o desinteresse do Governo em resolver os problemas existentes nesta área. E se o Governo afirmou que se iriam tomar algumas medidas de racionalização da despesa, desde logo foi possível antever que, mais uma vez, seria o cidadão a pagar a factura da contenção orçamental.
Por outro lado, ficou também claro que o Governo apostava em controlar artificialmente a despesa através do alargamento dos prazos de pagamento aos fornecedores, ficando por esclarecer que contrapartidas iriam estes exigir e obter para aceitar tal medida. É mais uma investida para o aumento das margens de lucro, do controle dos mercados, obviamente à custa do Orçamento do Estado e dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Rapidamente se percebeu que, para solucionar parte do problema, eventualmente aumentando as margens de lucro que os interesses económicos nesta área já detêm, uma das soluções que o Governo se apressava a avançar era a da diminuição das comparticipações do Estado nos medicamentos. Isto é, em vez de caminharmos no sentido do alargamento e aumento dos níveis de comparticipação, claramente insuficientes, tendo em conta as necessidades da população, opta-se

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pelo caminho inverso, deixando intocadas as margens de lucro e tentando compensar a despesa à custa do bolso dos portugueses.
Várias hipóteses têm vindo a público para esta diminuição das comparticipações. Uma delas seria a adopção de um preço de referência em cada princípio activo, presumivelmente o mais baixo, sendo a comparticipação percentualmente aplicada a este preço. O valor encontrado seria o valor da comparticipação do Estado para esse princípio activo, independentemente de o medicamento prescrito pelo médico ser ou não mais caro.
Assim, aquilo que parece uma inócua medida de controle da despesa faz, na prática, recair sobre o cidadão, que não tem qualquer influência na prescrição, um acréscimo da sua participação no custo do medicamento.
Seja por este meio ou por alterações nos escalões de comparticipação, a solução final importará sempre em encargos acrescidos para o cidadão que procura ter acesso ao medicamento.
Será a esta postura e a esta actuação que a Sr.ª Ministra se refere, quando fala da necessidade de mudar o sistema de saúde, tendo como centro o cidadão? Será esta a política das pessoas e não dos números?
Mais uma vez, à custa dos lugares comuns da racionalização e da modernização, o que se esconde é a regressão nos direitos dos portugueses e a degradação cada vez maior das suas condições de acesso aos cuidados de saúde, nomeadamente aos cuidados medicamentosos.
Uma política de medicamento moderna e racional seria a que tivesse a coragem de diminuir nos lucros para aumentar o acesso universal à saúde e ao medicamento. E dessa modernidade não temos ouvido o Governo falar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naquilo a que poderíamos chamar a concertação estratégica do medicamento, em que assume papel de mediador o Sr. Ferraz da Costa, a quem todos conhecemos "grandes preocupações" com os direitos dos cidadãos capitalistas, há também uma mão invisível. É a mão invisível que recolhe os lucros do negócio da saúde e que empurra o Governo para as posições que mais lhe convêm.
São claras as pressões e intervenções das multinacionais do medicamento e de outros sectores, impondo uma situação de dependência, que ficou, aliás, perfeitamente clara, quando nesta Assembleia o Governo justificou a sua aceitação dos aumentos de 8% sobre alguns medicamentos com o facto de, a não ser assim, os produtores de medicamentos ameaçarem retirá-los do mercado.
A isto, junta-se a crise da indústria farmacêutica nacional, à mercê das investidas e do poderio do sector multinacional e perante a passividade de quem nos governa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos que os níveis de comparticipações existentes deixam muitas famílias portuguesas arredadas do acesso aos cuidados medicamentosos; todos sabemos quão necessárias seriam as melhorias nesta área. Será que alguém acredita, seriamente, que é justo diminuir as comparticipações do Estado e onerar ainda mais o utente no preço dos medicamentos? Infelizmente, não é isso que se prepara.
Na área da saúde, o Governo chegou a uma encruzilhada e prepara-se para optar por um caminho. Não é o caminho que o País anseia e necessita. A confirmar-se o ataque às comparticipações do Estado nos medicamentos, mais uma vez será ao povo português que o Governo exige os sacrifícios necessários à concretização dos desígnios que o Partido Socialista quer impor ao País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de esclarecimento, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Adriano Azevedo.

O Sr. Adriano Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Teve lugar, no pretérito dia 21 de Novembro, nesta Câmara, aquando da discussão, na especialidade, do Orçamento do Estado para 1997, uma cena elucidativa do modo de fazer política da actual maioria.
Um membro do Governo, no caso o Sr. Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente, foi utilizado consentidamente, ao que consta já arrependido, por um Deputado do Partido Socialista eleito pelo círculo eleitoral de Viseu, para, através de perguntas e respostas combinadas, este Sr. Deputado poder assumir algum protagonismo político local. Não para a resolução de problemas, mas somente para criar confusão e guerra política, dificultando a colaboração existente entre o poder local e o Governo, no sentido da eventual aprovação do projecto do aterro sanitário de Viseu. Os visienses que tirem as devidas conclusões.
Uma outra questão, que merece a reflexão dos visienses, é a do gás natural.
Quando o Sr. Primeiro-Ministro visitou o distrito, no "Governo em diálogo", o PSD, a AIRV e os industriais demonstraram o grande interesse de a rede de gás natural ser alargada a esta região. As razões eram e são óbvias: trata-se de um projecto que possibilita a diminuição de custos de produção, aumento da capacidade regional de atracção de novos investimentos e, consequentemente, a criação de novos postos de trabalho e mais competitividade das empresas, para além dos benefícios do consumidor doméstico.
Em resposta, o Sr. Primeiro-Ministro nada disse. Aliás, passados poucos dias, o Sr. Ministro João Cravinho, nesta Casa, veio afirmar que esta região não será contemplada com a rede de gás natural, porquanto não há parceiros económicos locais que viabilizem e rentabilizem o projecto.
Acontece que, se isto já era grave, mais o é, após o último "Governo em diálogo", no distrito de Portalegre, momento em que foi conhecida a intenção de alargar a rede de gás natural à Beira Alta, através de Castelo Branco e da Covilhã.
Ora, perante tais factos, há claramente "dois pesos e duas medidas" na actuação deste Governo, o que evidencia a discriminação de Viseu.
Parece que para os responsáveis socialistas locais bastam as promessas do Eng.º Guterres! Porém, qualquer cidadão fica esmagado com estas intenções. Para os visienses é preciso acção, equidade de tratamento e medidas concretas, no caso a decisão de alargar a rede de gás natural a Viseu, possibilitando a esta região a continuidade do desenvolvimento, como vêm reivindicando constantemente a Câmara Municipal de Viseu e suai congéneres, através dos seus presidentes.
Até porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sabemos todos que Viseu foi, nos últimos anos, um referencial no contexto nacional, respondendo positivamente ao surto de desenvolvimento sustentado e equilibrado, graças à conjugação de três vontades determinantes: do Governo, das autarquias e do sector privado.
Foram os Governos do PSD que criaram as condições básicas e potenciais na região.
As autarquias fizeram a infra-estruturação nos diversos municípios. Aliás, é de toda a justiça dizê-lo, os autarcas têm dado o seu melhor à causa do desenvolvimento e progresso.

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A iniciativa privada soube compreender e apostar na região, aliando-se, assim, ao poder político e autárquico para dar um forte impulso ao desenvolvimento económico, à criação de emprego e afixação das pessoas.
Estas três vontades, conjugadas com a situação geográfica, possibilitaram que os visienses passassem a ter uma melhor qualidade de vida que há cinco ou 10 anos atrás, atendendo a que os muitos equipamentos hoje existentes são dos melhores do País.
A título de exemplo salientava: a Escola Superior de Tecnologia de Viseu; mais de 50 pavilhões gimnodesportivos; hotéis de qualidade em todo o distrito; centros de saúde; o novo hospital de Viseu; empresas prósperas nos diversos sectores; centros comerciais; o novo balneário das Caldas de Felgueira; parques de exposições; centro de juventude; cooperativas; centros de férias; novas instalações do INATEL; Palácio do Gelo, da Saúde e do Desporto; o IP5 e o IP3; inúmeras estradas nacionais; centros de emprego e formação profissional, e muitos outros exemplos, poderia continuar a verter nesta listagem.
E óbvio que subsistem, porém, assimetrias económicas e sociais, apesar do muito que foi feito para debelar esses males.
Tanto assim que ficaram por solucionar questões muito importantes, das quais destacava: a universidade pública; a auto-estrada A14 e outras ligações rodoviárias secundárias; o parque tecnológico; a rede de gás natural; a reforma da Administração Pública e melhores condições para a fixação dos jovens.
Hoje, e passado mais de um ano, quanto vale a governação socialista no poder? Quantas destas questões resolveu? Nenhuma ou muito poucas! Todos começam a reconhecer que, afinal de contas, a única coisa que mudou no distrito, com o novo Governo, foram as pessoas dos lugares políticos, numa clara contradição com o apregoado enquanto oposição.
Isto até se poderia considerar normal, não fosse a promessa pública do Eng.º António Guterres, perante as câmaras da televisão, de realizar concursos públicos para o recrutamento dos quadros superiores da Administração Pública. Mas, mesmo aí, ainda sou daqueles que pensam que ele, afinal, nada pôde fazer face à sede de poder dos homens do aparelho do seu partido.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, chegar-se, depois destas substituições todas, ao limite de fazer saneamentos desmedidos, com ameaças e mentiras, porque nestes casos é disso mesmo que se trata, verdadeiros saneamentos de simples técnicos, professores destacados ou requisitados, já no corrente ano, que se vêem afastados com desculpas esfarrapadas, autênticas difamações!...
É caso para perguntar: que País é este? Que Governo é este? Que politiqueiros são estes, que preferem que pessoas qualificadas estejam sem fazer nada, pagando-lhes, em vez de cumprirem as suas funções nos serviços onde estavam como funcionários competentes?
Nos Estados Gerais, diziam: "(...) os partidos e, em especial os que estão no poder, não podem usar o Estado para servir clientelas e tentar controlar a sociedade".
Srs. Deputados socialistas, levem a mão à consciência, porque ela pesa-vos, com certeza!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por tudo isto que devemos ser implacáveis na denúncia da demagogia com que o PS iludiu, e continua a fazê-lo, muitos portugueses, nas últimas eleições legislativas.
Veja-se, a propósito, ainda o "Governo em diálogo", em Viseu, e a posterior prova dos nove, no Orçamento do Estado para 1997.
Foi com grande expectativa que todos aguardámos a resolução das muitas questões e promessas feitas. Estranhamente, todos ficaram apreensivos em relação ao futuro, porque muito pouco do que havia sido prometido foi objecto de decisão deste Governo, tanto mais quanto o PIDDAC para 1997 é um mero rol de intenções propagandísticas.
É importante saber o que o Sr. Primeiro-Ministro fez aos milhões que anunciou para: a duplicação do IP5 nos próximos três anos; o novo hospital de Lamego; os novos troços do IP3; a Polícia Judiciária; a recuperação do património; etc.
Com franqueza, poupem a população de Viseu a tanta demagogia!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Voltando às grandes questões já enunciadas, que foram promessas eleitorais, gostava de falar em duas, muito importantes, sobre as quais o PS nada diz.
Em primeiro lugar, a universidade pública. Queremos, sempre o dissemos, uma verdadeira universidade pública, que promova a produção de massas críticas a partir de um investimento na investigação científica, e não um "polozinho universitário", orientado para o ensino de saberes produzidos noutras universidades. Não podemos permitir que os nossos melhores quadros técnicos continuem a emigrar para outras regiões e jamais se fixem aqui.
Em segundo lugar, a fixação dos jovens. Um rápido olhar pela paisagem rural dos nossos dias, dá-nos um quadro onde predomina o idoso, a quase ausência de crianças. Este fenómeno de quase desertificação humana do nosso meio rural revela, de imediato, a falta de condições capazes de prender e fixar pessoas.
São notórias as marcas de progresso no espaço rural, mas estas ainda não se transformaram em elemento fortemente motivador à fixação da população jovem.
Para lá da electricidade, da água, do saneamento básico, da estrada asfaltada e do telefone, há outras necessidades a satisfazer que, em conjugação com as primeiras, poderão despertar o tão ingente estímulo para que os jovens possam principalmente fazer do meio rural um espaço de realização e de vivência apaixonada. Para tal, a cidade deve emigrar para o campo. Dito de outra forma: dos centros urbanos, fortemente avançados em termos infra-estruturais, devemos levar o teatro, a piscina, os gimnodesportivos, os centros de lazer e recreio, as bibliotecas, as escolas profissionais, a formação tecnológica para os pequenos centros. Esta é a verdadeira política de irradiação cultural.
A fixação de pessoas deve ainda contemplar outras formas de apoio, de formação e de sensibilização e creio que os milhões anunciados por este Governo são fictícios, quando badalados e desacreditados, por nada se concretizar verdadeiramente. Se não, vejamos: fala-se em milhões para o Projecto Vidas só se for para pagar concertos musicais onde o Sr. Primeiro-Ministro apareça; para o apoio à criação de pequenas e médias empresas - a burocratização impera com novos diplomas, novos formulários e novos requisitos, ou seja, com tudo o que afasta os potenciais interessados; e para programas de juventude o fosso é cada vez maior entre as associações, os jovens e o IM. Registe-se, a título meramente informativo, a inexistência, hoje, de qualquer política de juventude neste país. Resume-se tudo a meros recortes de outros tempos,

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sem imaginação, sem criatividade e sem qualquer desafio aos jovens. Basta olhar o que se passa nos distritos, aparecendo Viseu como o paradigma de tal processo. Uma casa de juventude nova, a melhor do País, onde, por inércia, não abrem os ateliers, o bar, a pousada e o auditório não funciona regularmente, e onde os horários de funcionamento são os da função pública. Enfim, em vez de se potenciar um equipamento que fosse o motor da dinâmica associativa, temos um nado-morto, por falta de capacidade de gestão.
Estão a subverter a esperança e vontade dos jovens. Estão a encostar os portugueses ao mais terrível dos muros: o muro da desilusão e da descrença. Temo que a expressão sartriana "A vida como paixão inútil" comece a ter tradução soberba deste estado de espírito com que o Governo leva os jovens ao pessimismo demolidor e contagiante, agravado pelo desemprego crescente, a insegurança e a toxicodependência.
E necessário inverter e contrariar, através de medidas concretas, esta situação, mas deixem-se de ilusórias medidas avulsas, de propaganda, com que continuam a afligir-nos.
Deixem-se de desculpas, de olhar para trás, porque o que todos queremos é um presente melhor e um futuro que nos motive a continuar a ter esperança em melhor vida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Azevedo, o Sr. Deputado faz-me lembrar aquela célebre figura de Frei Tomás, em relação a quem se dizia: "Prega, prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz". É que, Sr. Deputado, a situação que acabou de relatar acerca do distrito de Viseu é verdadeira, mas tudo isso não é de hoje nem de ontem, vem de há muito tempo.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - E o acordo?

O Orador: - O acordo que, infelizmente, este país está a viver é o acordo de governação entre o PS e o PSD, que agem e pensam da mesma maneira e se confundem. Portanto, Sr. Deputado, quanto aos acordos, estamos esclarecidos.
Porém, quero colocar ao Sr. Deputado Adriano Azevedo questões muito objectivas. Quando é que Viseu perdeu as ligações aéreas que tinha e que tanto desenvolvimento levaram àquela região? Quando é que Viseu perdeu a estação de caminho-de-ferro e, sem a estação de caminho-de-ferro, praticamente o comboio do desenvolvimento? Em que altura? Quem estava no Governo?

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Muito bem pensado!

O Orador: - Permita-me, Sr. Deputado, que lhe pergunte também o seguinte: onde está a universidade pública que o PSD, durante tantos anos, disse pretender criar, sem, no entanto, jamais ter concretizado aquilo que tantas vezes apregoou, enquanto promessas?
Foi construída uma estrada, como há pouco foi relatado pelo Sr. Deputado, a IP5, uma estrada assassina,...

A Sr.ª Rosa Albernaz (PS): - Mal feita!

O Orador: - ... que, meia dúzia de anos depois, já se considera ser necessário reformular, reconstruir, criando uma nova ligação, por forma a que possa ser cativadora para as unidades produtivas e geradora de emprego e, por via do aumento do emprego e da fixação de empresas, responder às expectativas dos jovens quadros visienses, para que também eles se possam fixar e Viseu não continue a ser uma cidade permanentemente a envelhecer, não apenas no seu património, que esse é riquíssimo, mas, sobretudo, nos seus quadros, nas suas gentes, aqueles que legitimamente têm grandes aspirações e que, para concretizá-las, têm de sair da cidade, do distrito. E de quem é essa responsabilidade? É dos Governo de hoje e de ontem!
Por isso, Sr. Deputado, não queiramos escamotear a realidade, que dói hoje, mas que não é uma doença nova; é uma doença velha e antiga, de que o interior sofre, desde há muito. Portanto, essa responsabilidade não é só do Governo do PS mas, seguramente, também do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Adriano Azevedo, há mais dois oradores inscritos para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Adriano Azevedo (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Azevedo, gostaria de começar por lhe lembrar, uma vez que o Sr. Deputado é de S. Pedro do Sul e na sua intervenção não referiu uma única vez o seu concelho, que esteve, durante tantos anos, à frente do Instituto da Juventude e nunca conseguiu concretizar para a sua terra a promessa de uma pousada de juventude. E veja lá que, em 1996, este Governo do Partido Socialista concretizou a velha aspiração da sua terra e lá está a pousada de juventude!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, V. Ex.ª vem falar aqui no Palácio de Gelo e noutras obras particulares, associando a Câmara a estas realizações. Antigamente, associavam-se as obras da Câmara ao hospital, ao pavilhão do INATEL, ao Instituto de Juventude, àquilo que não era da Câmara e do Estado; agora quer associar-se ao Estado e àquilo que pretensamente não foi a obra do PSD, quer considerar-se como tal aquilo que foram e são as obras dos particulares.
Não comentarei as questões do Orçamento, porque, nesta Câmara, isso, eventualmente, poderia cair até no ridículo, conhecido, de todos como é aquilo que, em plano de investimentos, o Governo apostou no interior, nomeadamente em Viseu.
Em terceiro lugar, no que diz respeito ao aterro sanitário, a Câmara local esteve no núcleo de formação desde o início e participou nesse investimento de 6 milhões de contos, que está agora em concretização, que abrange 16 municípios, alguns dos quais de Coimbra e da Guarda, mas retirou-se dessa associação de municípios, porque, quando chegámos à altura da elaboração dos estatutos, queria ter mais votos do que os outros presidentes de câmara. Vejam bem se assim fosse na Associação Nacional de

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Municípios Portugueses ou se assim fosse na Junta Metropolitana de Lisboa ou na do Porto!... Era um pouco como nas equipas de futebol: quanto mais antigos mais votos!
É evidente que os próprios presidentes de câmara do PSD - e o presidente desta associação de municípios é do PSD - rejeitaram liminarmente esta atitude e esta pretensão, que não tem qualquer cabimento credível.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Depois - e não me poderei referir a tudo, com muita pena minha, nestes três minutos -, dir-lhe-ei apenas o seguinte: no dia 6 deste mês, foi aberto o concurso do estudo de viabilidade para a duplicação do IP5 entre Albergaria e Viseu e os senhores nem sequer tiveram pudor em vir aqui propor apenas o alargamento entre Oliveira de Frades e Viseu. Queremos mais! Fomos mais longe do que os senhores, por isso é que "chumbámos" a vossa proposta!
A Polícia Judiciária está criada, em Diário da República, há nove anos. Pois, muito bem! Tem, inclusivamente, o reforço do PP para esta matéria e ela, depois de nove anos em Diário da República, vai aparecer fisicamente no ano de 1997.

O Sr. Carlos Marta Gonçalves (PSD): - 2000 contos!

O Orador: - Relativamente à GNR e aos tribunais, a mesma coisa.
No que se refere aos cargos públicos, gostaria de dizer que, por mero pudor, Sr. Deputado, não quero referir o que nessa matéria os senhores fizeram, porque, nessa altura, teria de enunciar aqui um conjunto de coisas que ficaria nos nossos ouvidos como o entendimento do mais puro nepotismo que os senhores fizeram nessa matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Adriano Azevedo, antes de mais, deixe-me que o felicite, e o felicite vivamente, sobretudo porque é a primeira vez que faz uma intervenção na Assembleia da República, sendo Deputado há tão poucos meses, sobre as questões da nossa terra. Julgo que isso é um factor de regozijo para todos nós, independentemente do partido por que tenhamos sido eleitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, deixe-me pôr-lhe um conjunto de questões: o Sr. Deputado não acha que os Deputados, sobretudo os que hoje se encontram ligados ao poder, ligados ao Partido Socialista, pensam todas as coisas de Viseu em ponto pequeno?

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Estão a. falar os dois sozinhos!

O Orador: - Repare bem, Sr. Deputado: não acha que é estranho ver os Srs. Deputados do Partido Socialista defender, para onde nós apontávamos uma universidade, um simples pólo e para .onde nós apontávamos uma auto-estrada, um simples alargamento de uma estrada?!

Risos do PS.

Não acha que isto é pensar as coisas em pequeno e, no fundo, transformar as coisas em coisas menores?!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso é combinado!

O Orador: - Depois, deixe-me perguntar-lhe uma outra coisa, Sr. Deputado: não é estranho ver aqui, nesta Câmara, e fora dela um Deputado eleito pelo distrito,...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Está aí ao lado!

O Orador: - ... natural e residente em Viseu, autarca eleito pelo concelho de Viseu, como é o Sr. Deputado José Junqueiro, fugir à sua obrigação natural, à exigência das populações sobre ele de que crie condições ou ajude a criar condições para a criação, em Viseu, de um aterro sanitário que corresponda realmente às necessidades de tratamento de resíduos sólidos de um concelho, que é o maior da região, como é o concelho de Viseu?!
Depois, deixe-me perguntar-lhe mais, Sr. Deputado:...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Pergunte! Pergunte!

O Orador: - ... não acha estranho a posição conformista de Deputados do Partido Popular, face à ineficácia e incapacidade do actual Governo?

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É uma vergonha aquilo que está a fazer!

O Orador: - Olhe, Sr. Deputado, recomendo-lhe apenas, em jeito de conselho, porque estou aqui há mais anos, isto: olhe sempre para a frente,...

Risos do PS.

...: porque os Srs. Deputados, sobretudo os do Partido Socialista, falam sobretudo do que lá vai, olham sobretudo para trás, porque são incapazes de falar do futuro, de falar do que aí vem.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - É uma vergonha! Nunca se viu isto!

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Azevedo, para o que dispõe de cinco minutos.

O Sr. Adriano Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, agradeço as questões levantadas pelos três Srs. Deputados.

Vozes do PS: - As últimas! As últimas!

O Sr. José Cesário (PSD): - Adoraram!

O Orador: - E também as últimas! Por que não?
Respondendo ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, queria dizer-lhe, pura e simplesmente, isto: não sei se o

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Sr. Deputado conhece bem Viseu. É natural de lá, mas penso que já há vários anos que não se encontra por lá.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - O Sr. Deputado também está aqui!

O Orador: - Se, efectivamente, conhecesse bem Viseu, de certeza que reparava que a cidade, nos últimos anos, deu um salto, que foi reconhecido por vários relatórios a nível nacional e internacional. Tanto assim que era apontada como um dos locais privilegiados a nível nacional em termos de grandes investimentos de empresas internacionais e multinacionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Quais?!

O Orador: - É óbvio que este desenvolvimento se deve fundamentalmente aos Governos a que o PSD teve a honra de presidir no País...

Risos do CDS-PP.

Os Deputados do PP parece que estão muito incomodados por não terem estado no Governo e muito menos na autarquia de Viseu, onde não têm participado activamente em questões que têm a ver com o desenvolvimento daquela cidade e daquela região.
Eu lembrava para isso uma das críticas que o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva faz, e que, actualmente, é natural que tenha alguma razão, mas para isso também, no seu devido tempo, foram apontadas soluções, que têm a ver exactamente com o IP5. O 1P5 foi um factor de desenvolvimento inquestionável, foi reconhecido por toda a gente, incluindo os Deputados do PP na altura...

O Sr. José Cesário (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... e o próprio partido, e ainda hoje continua a ser. É graças a essa via de comunicação que um conjunto de concelhos tiveram o desenvolvimento que tiveram e é graças a essa via de comunicação que empresas muito importantes se desenvolveram neste mesmo distrito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É óbvio que o IP5 não era solução para toda a vida, como nenhum itinerário o é, e nesse sentido o IP5 tinha um grande objectivo, que era o de dar origem, numa zona relativamente próxima, a uma auto-estrada, que, infelizmente, o Partido Socialista inviabilizou.
E respondo já a uma pergunta que me foi feita pelo Sr. Deputado José Junqueiro. E óbvio que estamos interessados na duplicação do IP5, mas dissemos, e continuamos a dizer, que a auto-estrada A14 se justificava muito mais do que a duplicação do IP5. Isto não quer dizer que o IP5 não seja duplicado. É óbvio que deve ser. Agora, meus amigos, vamos é deixar-nos de ilusões, porque é isso que o Partido Socialista continua a vender à opinião pública de Viseu.
No "Governo em diálogo", foi anunciada a duplicação do 1P5 nos próximos três anos, com início no corrente ano. Só que não havia qualquer estudo e, na altura, disseram que era possível essa duplicação do IP5. Agora, dizem que o IP5 vai ser duplicado, através de um estudo que não sabem se vai ter ou não viabilidade económica ou em termos de traçado. Ou seja: continuamos a iludir a opinião pública viseense com promessas ilusórias, mas não é disto que eles precisam mas, sim, de obras concretas.
Sr. Deputado José Junqueiro, enquanto exerci as funções de delegado do Instituto da Juventude em Viseu filo com muito gosto e com muita satisfação.

Vozes do PS: - É natural!

O Orador: - E digo-lhe mais: sempre procurei gerir aquela instituição com a maior transparência e com a maior equidade. Por isso não é pelo facto de eu ser de S. Pedro do Sul que devia puxar tudo para aí, tinha a noção das responsabilidades. E mais: nunca prometi qualquer pousada para S. Pedro do Sul!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Nem para lá, nem para lado nenhum!

O Orador: - O Sr. Deputado também foi delegado do FAOJ em Viseu

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - ... eu tive a honra de lhe suceder - e, como sabe, também nunca criou qualquer pousada da juventude em Viseu.

Aplausos do PSD.

Aliás, quem criou a primeira pousada, que é o Centro de Alojamento de Viseu, fui eu próprio, que, como sabe, é o maior centro de juventude do País, e tenho muita honra em que isso tenha acontecido enquanto eu era delegado.
Pesem as contradições que aqui invocou, penso que fiz bastante mais do que V. Ex.ª e à frente daquela instituição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Então, não responde ao Deputado José Cesário?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Miguel Coelho estava inscrito para uma intervenção, mas, como já gastámos 1 hora e 30 minutos, não me leve a mal mas ficará para a próxima reunião. Como sabe, estas intervenções têm uma precedência estabelecida na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, obedeceremos a essa precedência e dar-lhe-ei a primazia na próxima reunião.
Srs. Deputados, está encerrado o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos entrar no período da ordem do dia, com a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º5 244/VII - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), criando um sistema extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos cidadãos eleitores que, tendo mais

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de 17 anos de idade, não venham completar 18 anos até ao final do período legal de inscrição (PS) e 262/VII Reconhecimento do direito de pré-inscrição no recenseamento eleitoral aos cidadãos que completem 18 anos antes do novo período anual de inscrição (PSD).
Para fazer a síntese dos relatórios da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre estes projectos de lei, tem a palavra o Sr. Deputado relator Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 244/VII visa, tal como consta do seu relatório, criar um sistema extraordinário de inscrição no recenseamento eleitoral dos eleitores que, tendo mais de 17 anos de idade, não venham a completar 18 anos até ao final do período legal de inscrição.
Coube-me, na qualidade de membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, elaborar o relatório deste projecto de lei, tal como do projecto de lei n.º 262/VII, cuja discussão se faz hoje conjuntamente e que é da autoria do PSD.
A primeira observação que faço ao primeiro dos projectos de lei é a de que a terminologia usada à cabeça, de criação de um "sistema extraordinário de inscrição" é, no mínimo, imprecisa. Ela vem no arrastamento (ou por inércia) da terminologia usada aqui em 1995, que hoje é imprópria. Penso que se pode e deve falar mais rigorosamente em "sistema de recenseamento provisório".
Questões que foram suscitadas neste relatório: a questão principal está já, neste momento, ultrapassada. Ela prendia-se com a manifesta inconstitucionalidade da norma do artigo 29.º, n.º 1. Como é sabido, o Tribunal Constitucional declarou, já em 1993, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma, constante do artigo 29.º da Lei n.º 69/78. A versão agora apresentada é, no fundo, a mesma, apenas com a alteração da idade de 18 para 17 anos.
A questão deixou de ter interesse para esta discussão, na medida em que,, reconhecendo a pertinência desta observação, os seus autores, numa interpretação, que mereceu a nossa concordância, do artigo 135.º do Regimento, retiraram-na e, tanto quanto se julga saber, ninguém a adoptou. Portanto, esta ,questão está ultrapassada.
No relatório foram ainda feitas três observações, que não vou reproduzir, porquanto elas vão ser objecto de análise mais pormenorizada numa intervenção que vou fazer de seguida, concluindo-se da seguinte forma: o projecto de lei inclui uma norma - a do artigo'29.º -, que é claramente inconstitucional, que é uma questão, como disse, ultrapassada, e, no mais, os restantes preceitos não suscitam questões de inconstitucionalidade, sendo provável que careçam de algumas rectificações e de aperfeiçoamentos e alguns deles de maior reflexão, por forma a expurgar o texto de soluções finais que, possam vir a ser julgadas menos perfeitas do ponto de vista técnico-jurídico.
Sr. Presidente, no que diz respeito ao relatório sobre o projecto de lei n.º 262/VII, referirei apenas que o mesmo dá resposta expressa às principais objecções que foram feitas a propósito do projecto de lei do PS. A diferença que contém é mais de. palavras, porque, no fundo, um refere-se a recenseamento provisório, enquanto o outro fala de pré-inscrição. Trata-se, portanto, de uma questão meramente terminológica.
O relatório e parecer foram também no sentido de esse projecto de lei do PSD não suscitar questões de inconstitucionalidade e de, tal como o primeiro, reunir as condições para ser apreciado e votado neste Plenário.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 244/VII, em nome do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: O projecto de lei que hoje está em discussão no Plenário da Assembleia da República visa a correcção de um inexplicável desfasamento entre as disposições constitucionais e a realidade no que concerne às condições de exercício do direito de sufrágio. Trata-se, pois, de uma proposta de inquestionável aperfeiçoamento do nosso sistema democrático.
A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 49.º, o direito de sufrágio a todos os cidadãos maiores de 18 anos. É esta correspondência entre capacidade eleitoral e capacidade civil que mais precisamente define o sufrágio universal: quem pode reger a sua pessoa há-de poder reger o Estado e vice-versa.
O direito de sufrágio envolve, naturalmente, o direito de recenseamento eleitoral, ou seja, o direito de ser inscrito no competente registo, o qual é, aliás. implicitamente um pressuposto do exercício do direito de sufrágio, só podendo votar quem se encontre recenseado.
O recenseamento eleitoral é condição de exercício do direito de sufrágio. A Constituição restringe, de facto, o direito de voto aos cidadãos recenseados tanto em eleições como nos referendos. Tal requisito decorre necessariamente da função de registo e de certificação do recenseamento e de controlo da regularidade dos actos eleitorais e dos referendos. Não podemos, no entanto, esquecer que o recenseamento ó um requisito processual, enquanto a idade é, essa sim, um requisito substantivo. Na medida em que isso seja tecnicamente possível, há um imperativo constitucional de eliminar os obstáculos processuais ao pleno exercício de um direito fundamental para o qual se reúnem os requisitos substantivos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Destas considerações decorre o cerne da questão que o presente projecto de lei pretende alterara
O exercício do direito de voto exige o cumprimento de dois requisitos essenciais: o direito de sufrágio que é atribuído, nos termos da Constituição da República Portuguesa, aos cidadãos maiores de 18 anos e o processo de recenseamento eleitoral concluído. A actual Lei do Recenseamento Eleitoral (Lei n.º 69/78, sucessivamente alterada em 1978, 1979, 1980, 1988 e 1994) apenas permite aos cidadãos iniciar o seu processo de recenseamento - apenas durante o mês de Maio para cidadãos residentes em território nacional ou nos meses de Abril e Maio para cidadãos nacionais residentes no estrangeiro - após terem completado 18 anos de idade. Desta exigência prévia decorre o desfasamento, já referido, entre o disposto na Constituição e o efectivo exercício do direito de voto. Ilustro com os dois casos limite.
Um jovem que complete 18 anos de idade a 31 de Maio poderá ainda iniciar o seu processo de recenseamento nesse mesmo mês de Maio. Decorridas as formalidades processuais e administrativas, que demoram cerca de dois meses e meio, este jovem estará constitucional e legalmente apto a exercer o seu direito de voto. Terá, então, 18 anos e dois meses e meio de idade.

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Um outro jovem que complete 18 anos de idade a 1 de Junho (um dia apenas após o primeiro) terá de aguardar pelo período legal de recenseamento no mês de Maio do ano seguinte e ainda os dois meses e meio do decorrer das formalidades até à conclusão do seu recenseamento eleitoral. Poderá, pois, exercer o seu direito de voto a partir da idade de 19 anos e dois meses e meio.
Não se trata de um mero problema académico nem tão pouco de menor dimensão. Nas eleições para o Parlamento Europeu, em 1994. 217 000 cidadãos com cartão de eleitor não puderam exercer o direito de voto que a Constituição aparentemente lhes conferia.
Este desfasamento máximo de um ano e dois meses e meio pode ser dividido em dois: o período de um ano (de que o primeiro jovem não sofre), que será corrigido com a aprovação do presente projecto de lei, e os dois meses e meio (de que qualquer cidadão sofre), que só poderá ser encurtado ou, no limite, eliminado, através da modernização dos meios ao dispor das comissões recenseadoras e respectivos serviços centrais, nomeadamente pela sua informatização total.
Ambas as medidas constam do Programa do Governo do PS, no ponto respeitante a "Legislação Eleitoral e sobre Partidos Políticos", no qual se pode ler - e cito -. "C) Reforma e modernização do recenseamento eleitoral, nomeadamente através da generalizada utilização de meios informáticos, com vista à simplificação e desburocratização de processos, à obtenção de uma maior fidedignidade e correspondência com o universo eleitoral real e ao aperfeiçoamento das soluções respeitantes aos jovens que vão atingindo a capacidade eleitoral".
Como prevê então o projecto de lei n.º 244/VII eliminar o desfasamento de um ano ou até um ano, no limite? Simplesmente, permitindo a inverso cronológica do cumprimento dos dois requisitos essenciais ao exercício do direito de voto, ou seja, permitindo que os cidadãos com 17 anos possam iniciar o seu processo de recenseamento de forma a que no próprio dia em que completem os 18 anos, e obtenham assim capacidade eleitoral, possam votar. É este entendimento que deve ser tido das disposições constitucionais, quando estas obrigam ao recenseamento. Exigem o recenseamento para o exercício do direito de voto e consagram este direito de sufrágio aos cidadãos a partir dos 18 anos de idade.
Não poderão, ou não deverão, ser questões burocrático-administrativas a protelar a possibilidade de exercício deste direito constitucionalmente garantido.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As soluções propostas pela presente iniciativa legislativa são, de forma condensada e resumida, as seguintes: primeiro, mantendo-se o processo de recenseamento efectivo para todos os cidadãos com mais de 18 anos (transferências, eliminações, etc.), exactamente idêntico ao que está hoje em vigor, é criado, paralelamente, um processo de recenseamento provisório para os cidadãos que, tendo mais de 17 anos de idade, não venham a completar 18 anos até ao final do período legal de inscrição.
Segundo, estes cidadãos provisoriamente recenseados constarão de um ficheiro próprio, organizado pela ordem etária decrescente, do qual serão transferidos automaticamente para o ficheiro principal (efectivando assim o seu recenseamento) à medida que forem completando 18 anos de idade.
Terceiro, marcado que seja um acto eleitoral, até 60 dias antes da realização do mesmo, serão transferidos para o ficheiro principal (e incluídos nos, cadernos eleitorais), por antecipação, todos os cidadãos que venham a completar 18 anos de idade até ao próprio dia das eleições.
Quarto, os prazos legais para o recenseamento provisório serão os mesmos do actual recenseamento, ou seja, durante o mês de Maio para cidadãos residentes em território nacional e durante os meses de Abril e Maio para os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro.
Com estas soluções ficam salvaguardadas todas as questões fundamentais que se prendem com a presente matéria legislativa, a saber: os cidadãos nacionais residentes no estrangeiro dispõem de prazos mais alargados, como já acontece no recenseamento actual, e todos os cidadãos recenseados provisoriamente, a partir da data em que completem 18 anos, passam a ter capacidade eleitoral activa, sendo eliminados todos os obstáculos decorrentes do sistema de recenseamento à obtenção de capacidade eleitoral passiva.
Fica, pois, provada a eficácia desta proposta na resolução de um problema que afecta todos os jovens que hoje têm menos de 18 anos e que viria de igual modo a afectar todos os vindouros.
Esta proposta encurta, até um ano, o tempo que um jovem com capacidade eleitoral tem de esperar até lhe ser conferida a capacidade de exercício do seu direito de voto.
Esta proposta corrigirá aquele que poderá ser um dos factos que leva os jovens a afastarem-se da política, a frustração da expectativa legítima de poderem votar aos 18 anos.
Vejamos, finalmente, um caso concreto: aceitando desde já que este projecto de lei será aprovado e entrará em vigor antes de Maio próximo, cerca de 120 000 jovens com 18 anos já completos, e que com a actual lei seriam impedidos de o fazer, poderão votar nas próximas eleições autárquicas.
Se a questão da eficácia da proposta é clara e inequívoca, também o é a sua oportunidade, na medida em que estamos a um ano de distância do próximo acto eleitoral.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por tudo o exposto, este projecto de lei, no meu entender, merece o voto unânime desta Câmara. Sendo esta uma proposta incluída no Programa do Governo do PS, que não obteve qualquer manifestação contrária, fosse de que grupo parlamentar fosse, na altura da sua discussão no início da Legislatura, estando esta medida inscrita nas Grandes Opções do Plano para 1997 - documento recentemente aprovado pela Assembleia da República -, sendo esta uma medida de aperfeiçoamento do nosso sistema democrático, concorrendo para um mais efectivo cumprimento do disposto na Constituição da República Portuguesa - pelo que a sua não aprovação manteria uma situação passível de ser julgada como inconstitucionalidade por omissão -, e principalmente por constituir um forte incentivo à participação na vida política do País dos nossos mais jovens concidadãos, qualquer sentido de voto que não o positivo só poderá ser interpretado como uma inaceitável obstaculização ao progresso do nosso sistema político ou então por um profundo receio eleitoral das opiniões, materializadas em votos, dos jovens portugueses.
O PS está tranquilo. Tudo tem feito para melhorar as condições de vida de todos os portugueses, jovens incluídos. Considera-se merecedor da sua confiança, mas se, ainda assim, estes não o entenderem, pois que igualmente tenham o direito de o demonstrar através daquele acto tão simples mas tão importante, em que assenta qualquer sistema democrático: o voto.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para apresentar, em nome do PSD, o projecto de lei n.º 262/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, só para observar que, e com isto não sei se facilitando se aligeirando as regras regimentais, quando fiz a apresentação do primeiro, também me referi, e fiz seguidamente a sua apresentação, ao segundo projecto de lei. Portanto, penso que a apresentação pode considerar-se feita.

O Sr. Presidente: - A apresentação supra substitui o uso da palavra.
Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, a actual Lei do Recenseamento Eleitoral não permite assegurar o exercício pleno do direito de sufrágio a todos os cidadãos portugueses que completem 18 anos. E a limitação ao exercício deste direito constitucional, e fundamental não pode nem deve continuar a subsistir no nosso sistema eleitoral. Neste sentido, Sr. Deputado Afonso Candal, concordo em parte com o projecto de lei que aqui apresentou e do qual é primeiro subscritor, exactamente na parte em que permite .que todos os cidadãos com 18 anos possam votar num referendo ou numa eleição ocorrida em Portugal. Mas, Sr. Deputado Afonso Candal, penso que o projecto de lei que aqui apresenta está incompleto, que deve ir mais longe. E tenho uma dúvida que gostaria que me esclarecesse, por isso este pedido de esclarecimento. Não sei se é uma lacuna, não sei se foi por lapso, não sei se foi por opção política de V. Ex.ª, mas, para mim, não se torna claro no projecto de lei que V. Ex.ª subscreve que um cidadão com 18 anos possa votar e que também possa ser eleito. Parece, Sr. Deputado Afonso Candal, que, mediante o projecto de lei que subscreve, um cidadão, um jovem, de 18 anos pode votar, mas não pode ser votado; pode eleger, mas não pode ser eleito. E se for assim, Sr. Deputado Afonso Candal, torna-se inaceitável e incompreensível que não haja uma concordância entre a capacidade eleitoral passiva e a capacidade eleitoral activa. Assim, pergunto: a criação de um sistema extraordinário, como V. Ex.ª propõe, ou de uma figura de pré-inscrição, como propõe o projecto de lei do PSD, para os jovens com mais de 17 anos deve assegurar ou não, Sr. Deputado Afonso Candal, a coexistência com a capacidade eleitoral passiva, ou seja, poder eleger, mas também ser eleito, poder votar, mas também ser votado? Mais do que isso, os jovens que estão envolvidos nesta questão devem também ser tomados em conta ou não - porque esta é outra lacuna do projecto de lei que V. Ex.ª e apresenta - para a fixação do número de mandatos a eleger e respectiva distribuição pelos círculos eleitorais?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Afonso Candal, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Afonso Candal (PS): - Já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, começo pela questão da capacidade eleitoral passiva, ou seja, a de poder ser eleito. Acontece que esta capacidade eleitoral, a passiva, depende da capacidade eleitoral activa: só é elegível quem é eleitor, dentro do princípio de quem não pode o menos não pode o mais. A própria Constituição da República Portuguesa consagra o direito de acesso a cargos políticos no seu artigo 50.º, sendo a única referência feita à questão da capacidade passiva.
Neste sentido, visto o projecto de lei salvaguardar a capacidade eleitoral activa, salvaguarda igualmente a passiva.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é assim!

O Orador: - No entanto, decorrerá das leis eleitorais diversas saber se se pode ou não usar esse direito, pois, como sabe, há o caso excepcional da candidatura à Presidência da República, para a qual é necessário ter 35 anos, ou seja, não basta ter os 18 anos e estar recenseado. Este é um caso de uma norma excepcional e poderão existir outras. Portanto, não decorre linearmente do recenseamento que haja a capacidade eleitoral passiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não! Isso não é assim!

O Orador: - Quanto à questão do número de mandatos, coloca-se uma questão técnica, que é a de saber da segurança do caderno eleitoral. De qualquer forma, o nosso projecto de lei salvaguarda essa possibilidade, inclusivamente eu digo na minha intervenção que são retirados todos os obstáculos a que estes novos eleitores sejam considerados para efeito de atribuição do número de mandatos, pelo menos naquilo que toca à parte do recenseamento. Obviamente que, se, possível, é importante que possam contar com a atribuição do número de mandatos, mas o essencial da proposta não está aí, não propõe isso. Abre caminho a essa solução, mas não propõe isso. O que propõe de facto é que os jovens possam exercer o seu direito de voto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, antes de entrar propriamente na pergunta que quero fazer-lhe, não posso deixar de fazer uma observação à resposta que acaba de dar.
V. Ex.ª não terá dúvidas, penso que ninguém terá dúvidas de que uma coisa são os pressupostos processuais para se poder votar - e um dos pressupostos processuais para se poder votar é a inscrição nas listas eleitorais - e outra é a alteração substancial, a alteração de fundo à própria lei eleitoral...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... ou às próprias leis eleitorais a que VV. Ex.as ficaram completamente alheios.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é este o momento ideal! Estamos em período de revisão constitucional!

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O Orador: - Mas certamente que ainda vamos voltar a falar nisso hoje.
A pergunta que eu queria fazer-lhe, Sr. Deputado Afonso Candal, é a seguinte: verifiquei, da sua intervenção, que V. Ex.ª leu, apesar de não ter estado cá em 1995, como aliás eu também não estava, as Actas, o Diário Assembleia da República da altura. V. Ex.ª pôde, portanto, aperceber-se de que foram aqui, na altura, nessa época, suscitadas várias questões. Uma dessas questões foi a de se saber se deveria ou não fazer uma extensão da aplicação deste mesmo princípio ao caso dos cidadãos que mudam de residência de locais tão distintos como das regiões autónomas para o continente, ou vice-versa, ou até do estrangeiro para Portugal, e ao caso daqueles que, no período que vai para além do prazo da revisão anual (o da actualização anual do caderno eleitoral), perdem ou adquirem a capacidade eleitoral; se esses não devem merecer efectivamente um idêntico tratamento. É claro que V. Ex.ª não me vai responder dizendo que é jovem e que só se preocupou com a questão dos jovens,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E faz muito bem!

O Orador: - ... porque, além de ser um Deputado jovem, é um Deputado do PS e esta foi uma questão que foi colocada na altura, que interessa e que tem a ver com tudo aquilo que estamos aqui a discutir. Porque, Sr. Deputado, não basta legitimar eleições, formalmente legitimar eleições; é necessário, é fundamental que se assegure a todos os cidadãos o direito de sufrágio nessas mesmas eleições. E eu pergunto: porque é que efectivamente isso não acontece?
É que se há dois anos se podia levantar a questão de dizer que isto é complicado, que a máquina eleitoral ligada ao recenseamento ainda está muito atrasada, também é verdade que em 1995 se falava e anunciava que em 1997 o processo de informatização estaria pronto.
V. Ex.ª falou na informatizarão, mas nós não sabemos qual é a situação da informatização porque o PSD deixou de ser o Governo em 1995. Em 1995, o PSD deixou em curso um processo de informatização que nós, hoje, não sabemos como é que está. Terá sido por causa disso que VV. Ex.as se esqueceram de todas as pessoas que estão na situação que acabo de referir? É que, repare, Sr. Deputado, ainda se pode dizer que o problema não é grave em relação àqueles que mudam de residência - afinal eles têm o direito e podem ir exercê-lo com maior ou menor dificuldade -, mas passa a ser grave em relação aos cidadãos que perderam e que readquiriram a capacidade eleitoral, o direito eleitoral. E isso é muito importante!
Era essa resposta que eu gostaria de ouvir de V. Ex.ª.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, a questão que coloca sobre as leis eleitorais não pode ser trabalhada avulsamente até porque a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional está a tratar das questões ligadas à lei eleitoral. Este projecto de lei pretende é consegue que, em termos de recenseamento eleitoral, e é disso que se trata, de uma alteração à lei de recenseamento eleitoral, sejam eliminados todos os obstáculos decorrentes deste sistema de recenseamento à obtenção da capacidade eleitoral passiva.
Portanto, no que toca ao recenseamento eleitoral, estão eliminados os problemas. Quanto à capacidade eleitoral activa, é claro que é conseguida para estes cidadãos eleitores.
A outra questão que coloca e vai desculpar-me não faz qualquer sentido porque a situação dos cidadãos que mudam de residência e que devem ser transferidos não é paralela a esta, uma vez que aqui trata-se de jovens com 17 que vão fazer 18 anos no mês de Setembro, que se vão inscrever provisória e antecipadamente em Maio e que, em Setembro, transitam automaticamente para o caderno eleitoral e para os Ficheiros efectivos. Ora, não há qualquer paralelo com a situação de alguém que imagina que, em Setembro do próximo ano, vai mudar de residência e faz uma transferência provisória antecipada para, quando de facto mudar de residência, ser actualizada a sua morada. As coisas continuam a funcionar nos moldes normais como tem sucedido até hoje, dentro dos prazos estabelecidos, que se mantêm.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Afonso Candal, na sua intervenção, invocou o Programa do Governo relativamente a esta matéria, dizendo inclusivamente que aquele se propunha resolver este problema. O Governo não está aqui para defender-se nem nos apresentou até à data, que se saiba, qualquer solução concreta para este problema. E se digo que o Governo não está aqui para defender-se é porque ficaria muito espantado se algum membro do Governo viesse dizer que a solução que o Governo propõe para este problema é esta que os senhores propõem.
De facto, este projecto de lei que os senhores apresentam, procurando resolver um problema real - e todos devemos reflectir sobre a forma de conseguir minorá-lo -, não contém qualquer solução porque vem criar muitos problemas e alguns deles dificilmente resolúveis. Enfim, parece mais uma daquelas soluções pensadas cem cima do joelho" que o Partido Socialista ultimamente nos tem apresentado e que, depois, é remetida à Comissão respectiva onde alguém há-de encontrar uma solução.
Há problemas que os senhores não resolvem...

O Sr. José Magalhães (PS): - Quais?

O Orador: - ... e até gostaria de confrontá-lo com alguns deles para satisfazer a curiosidade do Sr. Deputado José Magalhães.
Já agora, à laia de parêntesis, isto lembra-me o que se passou há uns anos atrás quando o PSD apresentou um projecto de lei para reduzir as formalidades do voto dos emigrantes e dizia: "quem for contra isto é contra o voto dos emigrantes". Os senhores têm uma argumentação parecida, pois o Sr. Deputado ainda há pouco dizia "quem não aceitar isto está contra o direito dos jovens de votarem". Sr. Deputado, não é rigorosamente nada disso!
Gostava de confrontá-lo com o facto de, no vosso projecto de lei, ser feita referência ao direito de esses jovens se recensearem mas a questão não pode ser vista assim porque o recenseamento é obrigatório, tendo uma dupla dimensão de direito e de dever. Não é, pois, aceitável a solução que consta do projecto de lei do Partido Socialista. E, para quem não se recensear, qual é a solução?

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Uma outra questão tem a ver com a determinação do universo eleitoral. O Sr. Deputado sabe que, antes de umas eleições, para que sejam determinados diversos aspectos, como, por exemplo, quantos Deputados elege um determinado círculo eleitoral, é necessário fechar o universo eleitoral, o que tem de ser feito com a antecedência prevista na lei. Isso é incontornável porque não pode criar-se uma situação de flutuação e de indefinição quanto ao universo eleitoral exacto para determinação do número de eleitores.
Outra questão ainda que os senhores não resolvem tem a ver com a capacidade eleitoral passiva. O Sr. Deputado desculpar-me-á mas não é verdade que a capacidade eleitoral passiva coincida com a activa e poder-lhe-ia dar dezenas de exemplos de cidadãos que tendo capacidade eleitoral activa não têm a passiva porque há um regime de inelegibilidade, como é evidente. Portanto, não é verdade que pelo facto de se atribuir capacidade eleitoral activa a um cidadão se lhe atribua a capacidade eleitoral passiva.
Estamos inteiramente disponíveis para, seriamente, encontrar uma solução em relação aos jovens que, com 18 anos, ainda não votam, para que o maior número possível desses jovens possa votar, o que, como compreenderá, tem de ser feito com o respeito por um conjunto de regras mínimas a que tem de obedecer o processo eleitoral, mas que têm de ser respeitadas. Para isso, estamos disponíveis, mas, no caso de soluções que acabam por criar mais problemas do que aqueles que visam resolver, parece-nos que a questão deve ser melhor ponderada.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Cendal.

O Sr. Afonso Cendal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, não é o recenseamento facultativo que está em causa de forma alguma. O recenseamento mantém-se obrigatório em todos os termos, pode é ser feito...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas quando é que é obrigatório?

O Orador: - É obrigatório aos 18 anos.
Com este sistema de transição, o recenseamento pode ser feito aos 17 anos porque há pessoas que, nesta fase, têm 18 anos e ainda não estão recenseadas. Mas este regime aplica-se aos jovens com 17 anos. Logo, não há qualquer problema.
O Sr. Deputado não leu o projecto de lei, senão via que não há problema porque quer o eleitor se vá recensear aos 18, entrando directamente para o caderno eleitoral, quer se vá recensear aos 17, sendo depois transferido para o caderno eleitoral, aquele documento tem de estar completamente fechado 60 dias antes de qualquer acto eleitoral.
Os Srs. Deputados não leram nem perceberam o projecto de lei!

O Sr. João Amaral (PCP): - Isto não é um grupo de burros. Se não percebemos é porque está mal escrito.

O Orador: - Também pensava que não...

O Sr. João Amaral (PCP): - Está mal escrito!

O Orador: - Está enganado, mas depois posso fazer uns desenhos.
Segundo este projecto de lei, até 60 dias antes de qualquer acto eleitoral, todos os cidadãos com mais de 18 anos e recenseados constam dos registos, tenham feito o recenseamento aos 18 ou aos 17 anos.

O Sr. João Amaral (PCP): - São obrigados a recensear-se?

O Orador: - São obrigados. Sr. Deputado, isso consta da lei e da Constituição, que não foi alterada agora.
Sobre a questão das capacidades activa e passiva levantada pelo Sr. Deputado António Filipe, tenho a dizer-Ihe que só lançou ruídos de situações que nada têm a ver com este diploma mas com outras leis; portanto, não com a lei do recenseamento eleitoral e é nessa que estamos a trabalhar.
Finalmente, o Sr. Deputado disse que estava disponível para arranjar uma solução que não levantasse tantos problemas. Espero bem que esteja. Está aqui o projecto de lei, pena é que os Srs. Deputados do Partido Comunista Português não tenham tomado a iniciativa de resolver esta questão porque, como disse na minha intervenção, o nosso projecto de lei, depois de aprovado, resolverá pelo menos o problema de 120 000 jovens, que poderão, assim, votar já nas próximas eleições autárquicas. Não tendo tomado essa iniciativa, ainda que estando disponíveis, os Srs. Deputados não tiveram em atenção os direitos constitucionais desses jovens.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Apercebo-me de que há pouco, quando lhe dei a palavra, o Sr. Deputado Antonino Antunes não se apercebeu de que o fazia para introduzir o debate do projecto de lei n.º 262/VII, apresentado pelo seu partido. Creio que se convenceu que lhe dava a palavra para pronunciar-se sobre o relatório, o que já tinha feito.
Para uma intervenção, tem então a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje agendados, para discussão conjunta, dois projectos de lei - um da iniciativa do Grupo Parlamentar do PS e outro da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD -, visando a alteração da Lei do Recenseamento Eleitoral.
Um e outro partem da constatação de que, na prática, tem havido em todas as eleições milhares de jovens com 18 anos de idade impedidos de votar e de ser candidatos por não estarem inscritos nos cadernos eleitorais. Isso porque o período de actualização do recenseamento é muito curto - inicia-se em 2 de Maio para terminar em 31 de Maio de cada ano e só no estrangeiro e em Macau se inicia em 1 de Abril, terminando também no fim de Maio -, mas também porque ninguém pode exercer o direito de sufrágio sem estar recenseado, e porque nenhum jovem pode ser recenseado se não completar 18 anos até ao dia 31 de Maio.
Um jovem nascido em 1 de Junho de 1979 fará 18 anos deidade no dia 1 de Junho do corrente ano. Mas a lei eleitoral que temos não pernoite, por exemplo, que esse jovem possa votar ou ser eleito nas próximas eleições autárquicas que se prevê decorram em Dezembro próximo, como não permite que ele seja chamado a pronunci-

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ar-se directamente através de referendo que aconteça até uma altura em que ele terá já mais de 19 anos de idade.
Essas centenas de milhares de jovens têm capacidade eleitoral, mas é-lhes negado o exercício desse direito fundamental por razões meramente burocráticas. E nada justifica que, no dealbar do século XXI, com o avanço da tecnologia, das comunicações e da informática, isso continue a verificar-se!
Até onde for possível e com a única ressalva do período de tempo estritamente necessário à consolidação jurídica das inscrições, há que acabar - e acabar já! - com essa situação. Por aí passa o respeito que devemos à Democracia. Por aí passa o respeito que devemos à Constituição. Por aí passa o respeito que devemos aos jovens e o caminho, que devemos apontar-lhes, de estímulo a uma participação cívica e política empenhada e enriquecedora.
A História ensina-nos que os jovens são, por natureza, factor de "arejamento" de mentalidades e motor da renovação de ideias e instituições.
Daí que mesmo as Constituições mais conservadoras do mundo venham seguindo o exemplo que começou com a Constituição Francesa de 1793 e ditou a tendência generalizada dos países mais avançados em baixar a maioridade política, às vezes para além dos 18 anos, como acontece em alguns cantões suíços.
Estudos mais recentes sobre a abstenção em França dão-nos conta de uma participação muito elevada dos eleitores mais jovens em todas as eleições. A realidade portuguesa não é diferente e isso só pode - e deve - encorajar o nosso propósito.
Chamando-lhe nomes diferentes ("recenseamento provisório" para o PS e "pré-inscrição" para o PSD), os dois projectos coincidem no caminho da solução: pode e deve ser inscrito no recenseamento eleitoral (a "título provisório" ou "pré-inscrito") todo o cidadão que, tendo mais de 17 anos de idade, não venha completar 18 anos até ao fim do período do recenseamento em curso.
A inscrição definitiva ou a transferência para o recenseamento efectivo far-se-á depois "automaticamente" ou "independentemente de quaisquer formalidades", no dia em que esse cidadão adquira a capacidade eleitoral.
A primeira grande diferença manifestada pelos dois projectos de lei é a de que o do PS só se preocupou com os jovens de 18 anos que estão impedidos de votar, não tendo querido saber do facto de eles estarem também impedidos de ser candidatos.
Ora, o direito de sufrágio compreende as duas vertentes, que são também as duas faces da mesma medalha: os jovens não têm só o direito de votar, têm também o direito de ser eleitos; os jovens não valem só pelo seu voto, valem também pela sua capacidade de ser candidatos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já em 1995, no Plenário, o PSD alertou o Partido Socialista para esta deficiência. Seríamos, pois, ingénuos se nos quedássemos pela contemplação de um mero esquecimento.
Interrogamo-nos sobre quais as razões políticas que levam a que o Partido Socialista continue a comportar-se como se os jovens em causa sirvam só para eleger e não para ser eleitos.
A segunda grande diferença entre os dois projectos de lei demonstra que o do PS não cuidou de saber que, nas eleições legislativas e autárquicas, a atribuição do número de mandatos e a respectiva distribuição pelos círculos eleitorais se fazem em função do número de eleitores recenseados, não assegurando assim que os cidadãos recenseados provisoriamente que adquiram a capacidade eleitoral a tempo de poderem participar no sufrágio sejam tomados em consideração para esse efeito.
E é o projecto de lei do PSD que, mais uma vez, preenche essa outra lacuna, propondo não só a alteração à Lei do Recenseamento Eleitoral mas também à própria Lei Eleitoral.
Como vêem, Srs. Deputados, uma vez mais o PSD se afirma nesta Assembleia da República como oposição atenta e crítica, mas responsável e construtiva.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, as iniciativas legislativas surgem muitas vezes pressionadas pela necessidade de marcar politicamente as de outras bancadas parlamentares. Terá sido este o caso, mas tal facto nem vos fica particularmente mal, Srs. Deputados do PSD, pois umas vezes sois vós, outras somos nós próprios a desempenhar esse papel. Convém é que haja o cuidado de pôr alguma originalidade nos projectos que apresentamos à Assembleia.
Ora, se estes dois projectos de lei, o do PS e o do PSD, coincidem não é por acaso. É porque, de facto, este último limita-se a copiar completamente o outro simplificando-o e, inclusivamente, tornando-o absurdo nalguns aspectos. Portanto, o PSD nada acrescentou, apenas prejudicou a economia dos trabalhos da Assembleia com este projecto de lei, que é "ruído legislativo" em matéria de recenseamento eleitoral e da respectiva reforma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é demagogia!

O Orador: - Não é demagogia! Convém, Srs. Deputados, que - passe o plebeísmo - as coisas não sejam feitas "à falda", mas o vosso projecto de lei foi-o e nada acrescenta a esta discussão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O nosso projecto de lei não tem qualquer inconstitucionalidade!

O Sr. Afonso Candal (PS): - Não tem nada de nada!

O Orador: - Quanto à interpretação, de duas uma: ou o projecto de lei do PSD é uma má cópia do nosso ou, se tem a pretensão de ser original, então, é um perfeito disparate político, Srs. Deputados. A interpretação que permite conferir alguma originalidade ao vosso diploma é a que resulta na própria extinção do actual sistema de recenseamento sem que se apresente qualquer alternativa.
De acordo com a redacção do artigo 21.º-A no vosso projecto de lei, cada jovem recenseia-se ou promove a sua pré-inscrição - a terminologia é vossa - quando faz 18 anos em qualquer mês do ano. Portanto, isto significa o fim do período normal de recenseamento no mês de Maio e a pura e simples implosão do actual sistema.
Ora, como é que os Srs. Deputados querem tornar exequível esta revolução legislativa em matéria de recenseamento? Pretendem criar 50 000 comissões de recenseamento a funcionarem nos 12 meses do ano? Ou, em al-

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ternativa, pretendem manter as 4400 comissões existentes conferindo-lhes um carácter personalizado? Se for esta a interpretação o PSD implode o sistema e não avança uma única ideia nova nem novas regras que dêem corpo a um novo sistema.
Os Srs. Deputados vieram hoje, aqui, fazer um «número» político para marcar a iniciativa política do PS. Apresentaram uma proposta vazia, demagógica, inexequível e sem qualquer sentido útil.
Repito: o vosso projecto de lei -é vazio. Assim, ou é vossa intenção enchê-lo de conteúdo em sede de comissão ou, então, tencionam deixar para regulamentação posterior pelo Governo o vosso projecto «semântico» e destituído de conteúdo. No caso desta última hipótese, isto é, se pretendem deixar para o Governo toda a tarefa de preencher de conteúdo inovatório e substantivo o vazio do vosso projecto de lei, arriscam-se a violar a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de legislação do recenseamento eleitoral.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Antonino Antunes ainda há mais , um pedido de esclarecimentos. Pretende responder já ou só no fim? .

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Respondo já, Sr.Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra para o efeito.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, admito que V. Ex.e não tenha tido tempo para ler o nosso projecto de lei, pois, caso contrário, não teria feito as considerações descabidas e, salvo o devido respeito, impertinentes que fez.
De qualquer forma, não me parece que tenha feito propriamente uma pergunta, antes teceu uma série de considerações: Assim, com as dificuldades próprias que daí resultam, vou procurar responder-lhe ponto a ponto, na medida do possível.
V. Ex º falou na originalidade do projecto de lei. Respondo que a originalidade do vosso projecto de lei esgotou-se efectivamente com a sua apresentação. Vocês mostraram qual é a vossa originalidade. Que o anterior projecto de lei era mau provou-o o PS quando, nesta versão, pôs completamente de lado a ideia do chamado recenseamento extraordinário de 1995. A ideia contida no outro diploma era má, portanto, não a retomou.
Naturalmente, o Partido Social-Democrata estava à espera de que o PS surgisse com um projecto de lei desta natureza.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Estava à espera porquê?

O Orador: - Ninguém.melhor do que o PS, que é o partido que sustenta o Governo, para apresentar um projecto de- lei numa altura em que a anunciada informatização deveria estar pronta, como era suposto estar em 1997.
Agora, chegámos à conclusão de que vocês apresentaram um projecto de lei que, não sendo igual ao anterior, porque esse era mau, no fundo, nada melhora e também é fraco. Aliás, basta a ver a ligeireza com que incluíram uma norma que é manifestamente inconstitucional. Na verdade, há um acórdão do Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade com obrigatoriedade geral e VV. Ex.ªs só agora se aperceberam disso. Igualmente é provável que, em sede de especialidade, venham a ter de «corrigir a mão» e emendar muitas outras coisas.
Mas, Sr. Deputado, o que é importante é que o Partido Socialista não deve afastar nem desviar as atenções. O que é importante neste debate - e esta é que é a mensagem que deve ficar realçada - é saber-se por que é que o PS pensa que os jovens apenas têm maioridade legal para votar e não a têm para serem eleitos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa é que é a questão!

O Orador: - Sr. Deputado, por que é que o PS, um partido que se diz da «nova maioria», tem medo do arejamento e da renovação das ideias? Será que isto não é o prenúncio de um envelhecimento precoce dessa tal «nova maioria»? Ou será que o PS já está muito preocupado que o número de candidatos próprios não «chegue para as encomendas» e por isso quer cercear o direito a outros jovens que possam vir a candidatar-se?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Afonso Candal tinha pedido a palavra para uma interpelação à Mesa, pelo que concedo-lha neste momento.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, relativamente a esta questão da pseudo- inconstitucionalidade, foi requerida a retirada do n.º 1 do artigo 19.º do nosso projecto de lei, ao abrigo do artigo 135.º do Regimento, porque o PSD alegava a respectiva inconstitucionalidade.
Ora, apesar de o sentido da nossa proposta não ser o mesmo da matéria decretada inconstitucional, pelo que não existia qualquer inconstitucionalidade, para não estarmos aqui a discutir a inconstitucionalidade ou não desta norma que propúnhamos mas, sim, a questão de fundo do projecto de lei, resolvemos retirá-la.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Com esta proposta está provada a inconstitucionalidade.

O Orador: - Mas não havia inconstitucionalidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não fez uma interpelação à Mesa mas antes uma prestação de um esclarecimento não solicitado.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Que o seja mesmo, Sr. Deputado.
Tem a palavra.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, será mesmo uma interpelação à Mesa.
Devo dizer que tenho uma dúvida pois, ao ouvir o Sr. Deputado tornar a aludir à questão da inconstitucionalidade, interrogo-me sobre se ele tem conhecimento de que deu entrada na Mesa um requerimento, assinado pelos autores do projecto de lei do PS, solicitando precisamente a retirada daquele número que é manifestamente inconstitucional. Eles reconheceram-no expressamente, «ajoelharam-se» e retiraram o referido número do projecto de lei.

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Portanto, não compreendo que Sr. Deputado Afonso Candal tenha alguma coisa a dizer acerca disto, sob pena de uma flagrante contradição.

O Sr. Presidente: - A sua também não foi uma interpelação à Mesa, Sr. Deputado; antes foi igualmente um esclarecimento não solicitado.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para pedir esclarecimentos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, é visível que os senhores elaboraram o vosso projecto de lei depois de terem conhecimento do Partido Socialista e das respectivas vulnerabilidades que já aqui foram referidas, tendo-o feito com a preocupação, que invocam, de resolver alguns dos grandes problemas. No entanto, lendo o vosso projecto de lei, verifica-se que também não os resolvem.
Assim, quero colocar uma questão muito concreta ao Sr. Deputado que é a da conjugação das capacidades eleitorais activa e passiva.
O problema é relevante, pois, de facto, não faz grande sentido atribuir capacidade eleitoral activa e não atribuir igualmente a capacidade eleitoral passiva. Mas como é que os Srs. Deputados resolvem o problema da candidatura de um cidadão que não tenha ainda 18 anos? Os senhores não resolvem isto! Na verdade, não vejo que, à face da Constituição Portuguesa, seja possível que um tribunal aceite uma candidatura, designadamente no caso das eleições legislativas, de um cidadão que não seja eleitor, isto é, que não tenha 18 anos. É evidente que este problema não é resolúvel, portanto, os senhores fazem essa proposta, mas não resolvem o problema que a mesma coloca. Assim, gostaria de saber o pensa o Sr. Deputado sobre isto.

O Sr! Presidente: - Sr. Deputado Antonino Antunes, tem a palavra para responder se o desejar, mas devo informá-lo de que ainda tem mais um pedido de esclarecimentos.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Então, prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para formular o seu pedido de esclarecimentos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, a Constituição diz que o recenseamento é oficioso, obrigatório, permanente e único. Ora, o problema que aqui se levanta é o de saber quando é que o recenseamento vai ser obrigatório para este cidadão. Em que dia? Em que altura?
Mas há ainda um outro problema que é o de saber quem recebe esta inscrição pois a comissão recenseadora apenas funciona no período legal que está estipulado. É que há que ter em atenção que não são as juntas de freguesia que fazem o recenseamento mas, sim, as comissões recenseadoras. Portanto, pergunto: em que dia é que o recenseamento é obrigatório? E que se é obrigatório antes de o cidadão perfazer 18 anos, então, qual é a constitucionalidade de uma tal norma? Antes dos 18 anos, o cidadão não é eleitor e, portanto, não pode ser obrigado a recensear-se.
Por outro lado, se é após os 18 anos, em que dia é que é feito o recenseamento? Como é que isso é controlado?

Sr. Deputado, estou a fazer-lhe estas perguntas não para criar-lhe dificuldades mas porque, de facto, penso que temos de resolver bem este problema por forma a encontrar-se uma solução que respeite uma questão que é decisiva no recenseamento e nos processos eleitorais, isto é, a da segurança e do rigor jurídico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, na resposta que vou procurar dar em conjunto aos dois pedidos de esclarecimentos que me foram dirigidos pelos Srs. Deputados do Partido Comunista, quero dizer muito concretamente que o artigo 1.º do nosso projecto de lei refere que os cidadãos inscritos que completem 18 anos de idade até à data marcada para a realização das eleições, inclusive, têm o direito de eleger e de ser eleitos.
Temos aqui datas precisas e não vamos entrar em discussões de pormenor como já vimos querer fazer, ou seja, saber se os 18 anos se consideram perfeitos na véspera ou no próprio dia, se se conta a véspera ou a data do dia em que o cidadão perfaz 18 anos. Estas são questões que, seguramente, terão de ser decididas em sede de especialidade.
Posto isto, o que quero sublinhar - e se não for assim, seria bom que o Partido Comunista clarificasse a questão - é que já observei alguma resistência por parte do PCP a estas inovações em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Custa-me crer que assim seja, designadamente, quando são feitas observações à redução da idade, de 18 para 17 anos, quando se põem reticências ao facto de um cidadão ainda com 17 anos poder ser candidato.
Assim, quero recordar que, há dois anos, Os Verdes disseram aqui expressamente que encaravam a possibilidade de propor alterações à Constituição no sentido de baixar a idade para os 16 anos. Quero também recordar-vos que não é só nalguns cantões suíços que a idade para se eleger e, consequentemente, para se ser eleito desceu para 16 anos. Em Cuba, país que, certamente, merece as vossas simpatias, também a idade eleitoral é de 16 anos...

O Sr. António Filipe (PCP): - O que é que isso tem a ver com o projecto de lei?

O Orador: - Portanto, penso que o Partido Comunista não pode e não deve ter medo do arejamento de ideias. Acima de tudo, enquanto o PS, timidamente, procura vir ao nosso encontro e diz que, afinal, propôs o que não propôs, muito estranharia se o Partido Comunista manifestasse oposição a esta nossa iniciativa. Aliás, verifico pela reacção do Sr. Deputado que não será essa a vossa posição e que estou a fazer uma interpretação que não corresponde ao vosso modo de pensar. Espero bem que assim seja.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente:.- Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, há que esclarecer esta questão, pelo que gostaria de utilizar a figura de defesa da honra da minha bancada.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, utilizo a figura de defesa da honra da bancada com um sentido real porque a Constituição tem mais de 20 anos e as leis eleitorais têm a mesma idade e esta é uma questão que tem permanecido no tempo, ao longo deste período.
Se há gente generosa que quer resolver o problema, ainda bem. Nós queremos participar de um consenso, de uma formulação, que atinja esse objectivo, mas, Sr. Deputado, não confunda "alhos com bugalhos". Se o debate
que pode fazer-se aqui é apenas para apurar se é ou não generosa e de aplaudir essa ideia, nós calamo-nos e sentamo-nos, porque se não podemos discutir os projectos, então não vale a pena! A ideia é generosa, é de aplaudir
e deve baixar à comissão.
Se é possível dizer alguma coisa, temos todo o direito de apontar as dúvidas em relação ao método seguido, porque há um método que é seguro: o de se encontrar um período excepcional de inscrição no recenseamento na altura em que são marcadas as eleições. Mas é claro que isso levanta problemas de prazos e, portanto; também ele tem de ser afinado.
Este método levanta, de facto, interrogações, e eu pergunto se o Sr. Deputado entende que eu devo pactuar com as dúvidas que eu próprio tenho acerca disso. Não o faço! Pelo contrário, colocamos aqui as dúvidas que nos suscita a questão, em todos os seus ângulos, sem prejuízo de considerarmos a ideia generosa. E generosa, mas mesmo as ideias generosas têm de ter rigor e segurança jurídica.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar. explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, _ registo com agrado que não se confirmam as apreensões que manifestei em relação à bancada do PCP. Quero dizer que não esperaria de si, Sr. Deputado João Amaral, outra resposta e, portanto, regozijo-me com isso.
Para além disso, apenas quero lembrar que a apresentação do nosso projecto de lei, na altura em que foi feita e nas circunstâncias em que o foi,...

O Sr. Afonso Candal (PS): - Ontem!

O Orador: - ... teve o mérito e a intenção de contribuir para que questões como as que aqui foram afloradas sejam, de facto, assentes, discutidas, ponderadas, analisadas e objecto de consenso na discussão que, seguramente, há-de ter lugar em sede de debate na especialidade.

O Sr. Presidente: - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei que hoje aqui apreciamos visam dar pleno corpo a um direito constitucional que assiste a todos os jovens maiores de 18 anos. Nessa medida, ambos os projectos merecem o acordo do Partido Popular, à parte a necessidade de verem melhorados os seus articulados e não obstante a rectificação, há última hora, do projecto do PS que apresentava uma solução já considerada inconstitucional pela competente instância.
Porém, um outro aspecto de não somenos importância está omisso no projecto de lei do PS e pouco esclarecido no do PSD e merecerá, por isso, especial atenção do Partido Popular em debate na especialidade. Trata-se de garantir a capacidade eleitoral passiva, ou seja, o direito de ser eleito. Não faz sentido algum não assegurar, isto é, não encontrar os mecanismos necessários à possibilidade de um jovem ser eleito, apesar de não ter completado os 18 anos até final do período normal de recenseamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seguramente, outras questões se levantam de bem maior importância do que os meros mecanismos técnicos e burocráticos previstos nestes projectos de lei; são questões que se dirigem ao Partido Socialista, como partido governamental.
Ao alargar a possibilidade do exercício do direito de voto, o PS está a assumir uma nova responsabilidade perante uma larga faixa da população exigente por natureza. A juventude portuguesa tem hoje poucas razões para acreditar no seu futuro: o sistema educativo atravessa a crise que conhecemos, não estimula os melhores, não atende às vocações, não forma para a vida e não abre acesso ao emprego; as leis laborais estão concebidas para quem tem emprego e não para quem dele necessita; o regime habitacional não promove a constituição de famílias, sendo que o crédito bonificado é um verdadeiro logro.
Estas são apenas algumas das questões que os novos eleitores querem ver respondidas por quem detém o poder. Não vemos que o estejam a ser e, em consequência, antevemos o crescimento do exército dos descrentes. Provavelmente, o PS está a abrir as portas à sua próxima derrota.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Que calculismo! É assim que se legisla?!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira, que para o efeito dispõe de dois minutos concedidos pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes.

O Sr.ª Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, começo por agradecer a gentileza do Partido Ecologista Os Verdes pela cedência do tempo.
Em primeiro lugar, constato a dificuldade ou, pelo menos, alguma incomodidade do Partido Popular em participar neste debate, na medida em que, à semelhança do que aconteceu na anterior legislatura, não apresentou qualquer projecto legislativo sobre a matéria. Mas se estranho por um lado, deixo de estranhar por outro. Aliás, ontem, na reunião da Comissão de Juventude, com a presença do Sr. Ministro da Defesa Nacional, já tivemos oportunidade de constatar que também as Gerações Populares, e o Partido Popular por consequência, não apresentaram qualquer proposta de alteração em sede de revisão constitucional para o serviço militar obrigatório.
Da parte de um partido que se diz jovem - olhando para a bancada do Partido Popular vejo que, de facto, é jovem, e honra seja feita ao Sr. Deputado Nuno Abecasis que se mantém -, era de esperar muito mais, designadamente um contributo positivo para este debate, isto é, que se juntasse ao PS e ao PSD - só o PSD falou, uma vez

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que a JSD manteve-se silenciada - para reformarmos, de facto, o sistema político, ainda que possam subsistir algumas dúvidas do ponto de vista técnico, no sentido de abrir a participação deste mesmo sistema aos jovens, realizando assim justiça, isto é, permitindo que uma faixa etária que até aqui não poderia ver contemplado o exercício de um direito fundamental e, simultaneamente, um dever cívico passasse a poder fazê-lo daqui em diante.
Assim, eu questionava o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa no seguinte sentido: o silêncio a que o PP se votou à semelhança, repito, na anterior legislatura, tem ou não valor declarativo. Isto é: trata-se de um apoio claro aos projectos de lei em apreço ou, não o sendo, significa tão-somente uma ausência de opinião clara do Partido Popular e das Gerações Populares nesta matéria?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria agradecer a gentileza de que fui alvo, particularmente vinda de um partido que tem os únicos Deputados mais velhos do que eu neste Parlamento.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, constato que o senhor apenas quis ocupar algum tempo e revelou uma grande desatenção, não só em relação ao que aqui foi dito como ao que o Partido Popular tem andado a fazer.
Em primeiro lugar, houve desatenção porque na minha intervenção deixei claro que votaremos favoravelmente os projectos de lei do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, com vista a podermos contribuir com as nossas ideias, em sede de comissão e debate na especialidade, para o melhoramento de ambos os projectos.
Portanto, aqui não faz sentido acusar o Partido Popular de qualquer silêncio, dificuldade ou ausência de ideias.
Em segundo lugar, vejo que o Sr. Deputado se pronuncia sobre o processo de revisão constitucional sem sequer conhecer, ao menos, o nosso projecto de revisão. É que - como não sabe, eu esclareço-o, por isso estou a . usar da palavra - o Partido Popular desconstitucionaliza o serviço militar obrigatório, portanto remete para a lei ordinária o seu regime; o Partido Popular, no processo de revisão constitucional, tem ideias claras sobre o serviço militar obrigatório, bem como sobre a questão que acabou de nos colocar de forma pouco atenta.

Vozes do CDS-PP: - Muito berra!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, porque penso que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não teve acesso ao projecto de revisão constitucional apresentado pelo Partido Popular, a interpelação que desejo fazer vai no sentido de solicitar à Mesa que o faculte, nomeadamente a proposta de alteração à redacção do artigo 275.º da Constituição. É que. ao contrário do que o Sr. Deputado Ricardo Castanheira pensa e do que ontem foi dito na Comissão de Juventude, quer pelo Sr. Ministro - infelizmente - quer pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a consagração do serviço militar obrigatório não está no artigo 276.º mas, sim, no artigo 275.º. Não tenho culpa que não saibam ler a Constituição, nem que não tenham lido a proposta de alteração que o Partido Popular entregou.
Nesse sentido, agradecia que o Sr. Presidente informasse o Grupo Parlamentar do PS sobre a proposta de alteração à Constituição apresentada pelo Partido Popular, porque o que aqui foi dito é uma mentira, mentira que importa ver reconhecida pelos Deputados da Juventude Socialista ou do Partido Socialista, como queiram entender, porque o Partido Popular e a JC-Gerações Populares não dizem urna coisa e fazem outra.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Antes são consequentes nas acções e nas promessas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não pode informar os Srs. Deputados de matéria que está publicada no Diário. Em todo o caso, está feita a chamada de atenção para o facto.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão do recenseamento eleitoral é, inegavelmente, uma questão relevante. Aliás, diria que entendemos que era positivo que esta Assembleia equacionasse seriamente não apenas este problema mas os vários problemas que se relacionam com o recenseamento eleitoral, para que fosse ponderada urna reforma profunda da situação existente a vários níveis.
Relativamente à questão que nos ocupa, em todos os actos eleitorais já realizados, vários milhares de jovens que completaram 18 anos não puderam exercer o seu direito de voto, nem puderam ser candidatos, ou porque não se recensearam, dado o carácter anual da actualização do recenseamento, ou porque não decorreu desde o respectivo recenseamento o lapso de tempo indispensável para assegurar a certeza do universo eleitoral e o decurso do período obrigatório de inalterabilidade absoluta dos cadernos eleitorais, indispensável para a segurança do sufrágio.
A situação com que estamos confrontados e que devemos, na medida do possível, tentar resolver tem subsistido apesar das numerosas revisões da Lei do Recenseamento Eleitoral realizadas nestes últimos 20 anos. E esta situação não resulta de qualquer intencionalidade do legislador de obstaculizar a aquisição de capacidade eleitoral por parte dos jovens com 18 anos; resulta, sim, de problemas reais, de ordem prática, mas que decorrem da necessidade de garantir a validade democrática das eleições.
O papel essencial que o recenseamento desempenha em relação a cada acto eleitoral implica exigências indeclináveis. De facto, é com base no recenseamento que se determina o universo eleitoral, não apenas para determinar quem pode votar mas, simultaneamente, quem se pode candidatar. É também com base no recenseamento eleitoral que se elabora o mapa de distribuição dos mandatos por cada circunscrição eleitoral.

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Daqui decorrem exigências óbvias: no momento da elaboração do mapa eleitoral, é imprescindível que as operações de recenseamento se encontrem concluídas e esteja determinado com exactidão o universo eleitoral. Por outro lado, razões de segurança quanto à idoneidade do sufrágio obrigam a um lapso de tempo de absoluta inalterabilidade dos cadernos eleitorais, precedendo a realização das eleições.
A questão que hoje está colocada é a de conciliar a salvaguarda destes aspectos, que não são meras exigências burocráticas mas antes garantias essenciais para a democraticidade das eleições, com outro princípio fundamental: o de que as capacidades eleitorais activa e passiva (exceptuando quanto a esta o caso das eleições presidenciais) se adquire aos 18 anos.
Os projectos de lei hoje em discussão assumem o objectivo, que todos consideramos louvável, de permitir o direito de voto de todos os jovens que tenham completado 18 anos até ao momento das eleições, mas não resolve os problemas que se colocam. É que a inscrição no recenseamento de todos os jovens que completassem 18 anos até ao dia do acto eleitoral, obrigaria à inscrição no recenseamento de jovens menores de 18 anos, isto é, sem capacidade eleitoral e, portanto, no momento em que se fixasse o mapa eleitoral, ou seriam considerados cidadãos sem capacidade, ou seria fixado um mapa sem correspondência com o universo eleitoral real reportado ao dia da eleição.
Nenhuma destas soluções se afigura curial. Não parece possível realizar umas eleições idóneas sem que o universo eleitoral esteja determinado com exactidão com um mínimo de antecedência.
Há ainda um outro problema que reside na indispensabilidade óbvia de fazer coincidir as capacidades eleitorais activa e passiva. Um jovem aos 18 anos adquire tanto o direito a votar como a ser candidato e estes direitos são indissociáveis. Os projectos de lei em apreciação adoptam soluções diversas, mas ambas inaceitáveis. O PS dissocia ambos os direitos - o jovem poderia votar, mas não poderia ser candidato - e o PSD propõe o absurdo de admitir a candidatura de cidadãos sem capacidade eleitoral.
Não estou com estas considerações a desvalorizar o debate que hoje realizamos, nem sequer a apontar para a recusa de tentar resolver o problema em discussão. Limitei-me apenas a equacionar alguns problemas a que não podemos fugir e que, portanto, temos de tomar em consideração nas soluções que encontrarmos.
Evidentemente, é desejável que o universo de eleitores recenseados abranja o maior número possível de jovens que tenham completado os 18 anos de idade e que esses jovens possam participar efectivamente nas eleições, adquirindo as capacidades eleitorais activa e passiva. Mas as soluções a adoptar não podem ser precipitadas e, desde logo, não podem conduzir a situações que ponham em causa a idoneidade democrática dos processos eleitorais, nem podem ser adoptadas sem a audição, designadamente do STAPE e da CNE, e sem uma ponderada avaliação de todas as consequências que decorreriam da sua aprovação.
Estamos disponíveis para ponderar soluções, mas não estamos dispostos a embarcar em demagogias insensatas que podem perturbar gravemente a segurança e a certeza que têm de caracterizar obrigatoriamente os processos eleitorais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre as iniciativas legislativas do PS e do PSD hoje em discussão, o Grupo Parlamentar de Os Verdes entende que, se por um lado é positivo e deve ser equacionado o problema e ultrapassada a questão de alargar e efectivar a possibilidade de os jovens com 18 anos - ou até antecipar essa data - participarem na vida política e cívica do seu país, pois ó nosso entendimento que os actos eleitorais são parte integrante dessa necessidade de enraizamento, de alargamento e de diversificação das formas e vias de participação dos jovens na vida cívica e política, por outro parece-nos que as soluções encontradas não conseguem ultrapassar os problemas técnicos que acabam por entravar o exercício destes direitos, uma vez que, tal como o Partido Socialista preconiza, ou não se garante aquilo que se procuraria efectivar, ou seja, o exercício das capacidades eleitorais activa e passiva, ou, então, não se resolve um conjunto de questões técnicas, que é o que acontece no projecto de lei do PSD. Com efeito, um e outro caminham em relação a uma questão que nos parece consensual em relação a qualquer um dos partidos aqui representados, mas que acaba por ter entraves que desvirtuam aquilo que é o seu objectivo.
Para nós, as soluções aqui encontradas, a discussão na Assembleia da República, órgão legislativo por excelência, constituem exercícios de forma em termos de ideias, porque aquilo de que se trata não é de fazer "abortos" jurídicos. E porque se trata de encontrar soluções e não de fazer exercícios de "faz de conta", parece-nos que esta ideia, que é pacífica e consensual em todas as bancadas, necessita, tal como outras, anteriormente, de ser aprofundada e contornada para solucionar os entraves que a obstaculizam e desvirtuam aquele que é o seu sentido. Donde, alargar os direitos de participação e antecipá-los é positivo, criar soluções aceleradas para que conste mas que acabam por desvirtuar e ir contra aquilo que se pretende - e julgo que todos o pretendem, trata-se de uma questão perfeitamente pacífica -, não me parece a forma adequada.
Assim, parece-me que estes projectos têm de ser trabalhados em sede de especialidade, para tentarmos contornar os obstáculos que existem e que a discussão evidenciou.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por terminado o debate destes dois projectos de lei, os quais serão votados na próxima quinta-feira.
Passamos agora à apreciação do projecto de lei n.º 12/VII - Define as grandes opções da política de segurança interna e adopta um conjunto de medidas imediatas para defesa da segurança dos cidadãos (PCP).
Não sei se o Sr. Deputado Relator quererá fazer um resumo do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo a este projecto de lei...

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, limito-me à intervenção.

O Sr. Presidente: - Muito bem! Nesse caso, para fazer uma intervenção de introdução da discussão do pro-

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jecto de lei n.º 12/VII, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por lamentar a ausência do Sr. Ministro da Administração Interna neste debate. É certo que o Governo não tem nenhuma proposta sua em debate e não está, por isso, "obrigado" a estar presente, mas o debate versa sobre a matéria da segurança interna, nos seus aspectos centrais e essenciais.
A Assembleia da República vai debruçar-se não sobre um qualquer aspecto particular da política de segurança interna mas precisamente sobre as suas grandes orientações. O debate realiza-se não só por iniciativa do PCP, que apresentou o projecto e requereu o seu agendamento, mas também por decisão unânime da conferência de líderes, que fez esse agendamento. No contexto actual, a presença do Governo significaria o seu empenho em participar, com a Assembleia da República, numa reflexão sobre uma matéria que hoje preocupa seriamente os portugueses e que acaba de atravessar uma crise assinalável, cujas sequelas não se apagaram.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente, a Assembleia da República realiza este debate com plena legitimidade, eficácia, empenhamento e qualidade, mas é ao Governo que, na base das grandes opções definidas, cabe estabelecer e executar a política de segurança interna. O Ministro falou de virar de página. É, no mínimo, mau sinal que, na primeira ocasião que tem de demonstrar ao Plenário o seu empenhamento concreto em reais mudanças de política, o Ministro perca a oportunidade e falte à convocatória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP submete à discussão da Assembleia da República um projecto com dois objectivos complementares: o primeiro é o de atribuir ao Parlamento a incumbência de ser ele a discutir e a aprovar o documento das grandes opções da política de segurança interna; o segundo objectivo é o de propor que a Assembleia realize, desde já, esse debate, para o que apresentamos um projecto concreto de grandes opções.
O primeiro objectivo corresponde ao primeiro capítulo do projecto de lei n.º 12NII, aos seus artigos 1.º e 2.º. Nas competências da Assembleia da República, que figuram na lei de segurança interna, a ser aceite a proposta do PCP, passaria a figurar uma nova alínea, com menção expressa da competência para "aprovar as grandes opções da política de segurança interna".
Pensamos que esta intervenção específica da Assembleia da República no processo de definição da política de segurança interna, realizada, obviamente, sem prejuízo da competência do Governo de ser ele a desenvolver e executar essa política, seria positiva a vários títulos. Desde logo, porque, pela sua natureza específica, envolvendo inclusivamente a possibilidade do uso de meios coercivos sobre cidadãos, a política de segurança interna deve ter o mais largo suporte institucional possível, como sucederá se a Assembleia intervier no processo pelo modo proposto.
Evidentemente, manifestamos desde já a nossa disponibilidade para fórmulas alternativas que conduzam ao mesmo resultado. Aliás, o Governo, através do Ministro da Administração Interna, já aqui anunciou a ideia de que a Assembleia deveria aprovar uma lei de orientação da política de segurança interna. O sentido parece ser o mesmo que aqui propomos e creio, assim, que não haverá dificuldades em encontrar a fórmula e o local adequados a garantir a intervenção da Assembleia nesta fase do processo de definição da política de segurança interna.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É,! principalmente, sobre as grandes opções, que constam do capítulo II do projecto de lei n.º 12NII, que pretendo chamar a vossa atenção.
A política de segurança interna foi dominada, nos últimos anos, por um processo de militarização e afastamento dos cidadãos. Os governos PSD, do Professor Cavaco Silva, particularmente na política de segurança interna, evidenciaram o autoritarismo e o vezo repressivo que caracterizou toda a sua política.
Mais do que nenhum outro, o Ministro Dias Loureiro deu rosto, com o Professor Cavaco Silva, a essa política. A política do PSD assumiu o rosto da brutalidade nas ordens governamentais em casos como as cargas sobre as estudantes, sobre os trabalhadores e a população da Marinha Grande e sobre os utentes da Ponte 25 de Abril.
Com o PSD no Governo, só os corpos especiais de repressão receberam apoio. As funções gerais de polícia foram descuradas, foram encerradas esquadras e postos, os orçamentos de funcionamento das polícias sofreram fortes restrições, a militarização acentuou-se, como o mostram vários diplomas legais publicados durante os governos PSD, as superesquadras, ou divisões concentradas, ficaram como símbolo de uma política que quer esvaziar a polícia da sua componente cívica e transformá-la numa máquina que não se reconhece nem se identifica com a vida colectiva dos portugueses.
O que o PCP traz a debate do Plenário da Assembleia é a alteração profunda desta política. O que o PCP propõe é uma ruptura com os métodos e a filosofia que o PSD usou no Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Era essa política que, há um ano, quando apresentámos este projecto, logo a seguir às eleições, no início desta legislatura, tinha acabado de ser sentenciada e condenada pelo povo português. Foi uma política que deixou sem combate o crime, que foi causa de um preocupante aumento do sentimento de insegurança e que privilegiou a repressão e o confronto com os cidadãos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A realidade, no entanto, é que, decorrido todo este ano, e apesar das promessas feitas e dos compromissos assumidos no seu programa, o Governo não efectivou as mudanças indispensáveis nas orientações da política de segurança interna e nas estruturas das forças policiais que a servem. Foi um ano perdido e, não só, foi um ano gasto em hesitações e ziguezagues. Depois de ter aprovado um decreto-lei a permitir que fosse um civil a comandar a PSP, que queria o Governo da nomeação de um militar para Comandante-Geral? Que queria o Governo, quando deixou sem resposta a ausência concertada e provocatória das chefias intermédias da PSP na cerimónia de tomada de posse do seu Comandante-Geral? Que queria o Governo, que não reagiu ao Comandante-Geral, quando este declarou publicamente que não tinha nada que

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cumprir as recomendações do Provedor de Justiça, feitas a propósito do caso de Santo Tirso? Que queria o Governo que mudasse, na política de segurança interna, quando manteve as superesquadras e a filosofia "loureirista" que lhes presidiu'?' Que queria o PS, quando, para encerrar os processos postos por Dias Loureiro aos dirigentes das associações sócio-profissionais da polícia, não deixou de fazer, entretanto, a concessão à hierarquia militar da PSP de, ainda assim, os punir, embora com penas pequenas?
Foram estas hesitações, esta manutenção dos traços fundamentais da política anterior, estas concessões a uma concepção militarizada da PSP que foram o "caldo de cultura" da crise que se viveu nos últimos dias.
A substituição de um comando militar por um não militar era um primeiro passo que deveria ter sido dado logo no início do mandato do Governo. Não há nenhum radicalismo numa posição como esta: é tão radical fazer essa substituição agora como teria sido fazê-la há um ano. Há um ano, aliás, talvez fosse menos radical, porque, então, toda a gente a esperava e muita gente a desejava!

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo fala em "cautelas e caldos de galinha" para justificar o atraso, mas é bom recordar aqui que outros aproveitaram o atraso para desenvolver oposições e lançar minas e armadilhas no percurso da modernização da PSP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não basta mudar de Comandante-Geral, passando de um militar para um profissional da casa.. Agora, o que é essencial é mudar efectivamente de política, com decisão. As grandes opções que o PCP propõe, no projecto de lei, correspondem a esse objectivo.
Não esquecemos, entretanto, que uma política de segurança e tranquilidade pública tem de passar também pela conjugação de dois outros vectores: por um lado, são necessárias políticas gerais, designadamente de emprego, educação, segurança social, habitação e urbanismo e outras, que combatam males sociais muito ligados às causas do crime.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isto não significa que baste a resolução de problemas como os do desemprego, da pobreza, da ocupação dos tempos livres ou da educação para, automaticamente, ter o País livre do crime, mas a inversa é verdadeira: sem a resolução desses problemas, não haverá solução duradoura para os problemas de segurança interna.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O segundo vector que assinalamos que deve concorrer para uma política de segurança e tranquilidade pública refere-se à justiça.
A justiça tem de ser mais célere, evidentemente, sem prejuízo dos limites e garantias dos arguidos. Não se trata, aqui e agora, de apurar causas e responsabilidades para essa falta de celeridade, mas não pode continuar a permitir-se que medeie um tempo enorme entre a descoberta e identificação de um presumível criminoso e o seu julgamento. Não há sistema penal que resista a esta dilação, que subverte a função da pena e a torna inútil ou, noutros casos, injusta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão fundamental, quanto à política de segurança interna propriamente dita, é a de sabermos como devem ser assegurados os seus objectivos, fixados na Lei n.º 20/87.
Pela nossa parte, entendemos que há três princípios enquadradores fundamentais: primeiro, o meio principal e privilegiado de assegurar a tranquilidade e a segurança dos cidadãos ë a prevenção do crime; segundo, se a responsabilidade orgânica pela política de segurança interna é do Governo e da polícia, entretanto, a função de segurança não deve ser alheia ao cidadão e à sociedade, que nela devem participar; terceiro, a polícia e a sociedade devem viver, não de costas voltadas mas em conjunto, os mesmos problemas, numa relação estreita de confiança.
Com estes pressupostos, o projecto do PCP apresenta propostas quanto ao modelo de esquadras e postos, quanto à sua distribuição, quanto ao modelo de distribuição das forças de segurança, quanto à distribuição de recursos
humanos, quanto à disponibilização de recursos financeiros, quanto à questão crucial da formação e das regras deontológicas.
Sublinho alguns traços fundamentais e caracterizadores das propostas do PCP.
Primeiro: defendemos uma polícia de proximidade, rejeitamos as superesquadras que levem ao encerramento das esquadras mais pequenas, de bairro, com as suas funções de base logística para o policiamento e local de apoio permanente à população. A polícia deve estar próxima dos cidadãos, deve ser conhecida na personalidade própria dos agentes que servem cada zona e deve estar em condições de conhecer, ela própria, pormenorizadamente, a zona respectiva de actuação. É, aliás, a polícia de proximidade que realiza com mais vantagem a função preventiva.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo ponto: a polícia deve, antes de tudo, "policiar". A sobrecarga com funções burocráticas que não cabem na função policial, como sucede com as notificações, retira. agentes preparados daquilo que devem fazer. É necessário resolver com urgência este problema, como também não é admissível a concentração de milhares de efectivos em corpos especiais de repressão, quando poderiam e deveriam estar afectos às funções normais de policiamento. Sei que alguma coisa já foi feita, mas, apesar de tudo, muito mais se pode fazer.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O País não merece tanta desconfiança, por parte de um poder político que assume continuar a viver obcecado em declarar guerra à sociedade!
Ainda neste campo da "recuperação" dos agentes policiais para funções de policiamento, quero aqui registar o nosso espanto e desagrado pelo verdadeiro boicote que tem sido feito à aplicação da legislação sobre serviços municipais de polícia, legislação, essa, aprovada aqui, na Assembleia, não há muito tempo. Uma das funções que poderia ser exercida pelos funcionários desses serviços municipais de polícia é a que se relaciona com aspectos do trânsito urbano, incluindo o estacionamento.
Com a lei hoje vigente em Portugal já é possível que não sejam polícias, que não sejam forças de segurança a regular o trânsito e a fiscalizar e passar multas no estacionamento ilegal. Isso libertaria muitos agentes, particularmente da PSP e nas grandes áreas metropolitanas, para as

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funções de segurança. Mas, desde a tomada de posse deste Governo, esse processo foi paralisado e hoje, por exemplo, em Lisboa, continuamos a ver a PSP atrás daqueles "homenzinhos de verde", que são funcionários da empresa municipal de estacionamento, e é ela que fiscaliza o estacionamento e tem de passar as multas.
Terceiro ponto: a questão da formação deve constituir uma efectiva prioridade, não se pode ficar por uma mera prioridade declarada. É necessário aprovar um novo código deontológico que tenha presentes as mais recentes resoluções e recomendações da ONU, do Conselho da Europa e de outras instituições que se debruçaram sobre o assunto.
Quarto ponto: a aprovação dos conselhos municipais de segurança dos cidadãos, aqui pendente há meses e meses, é uma prioridade.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os conselhos são uma forma privilegiada de fazer participar as instituições e a sociedade no equacionamento da problemática concreta, local, da segurança pública. Com a presença das autarquias, escolas, associações económicas e sociais, magistratura e forças policiais, estes conselhos dão à execução da política de segurança interna a dimensão participativa que lhe tem sido negada.
Quinto ponto: a dimensão cívica da PSP. Sem dar à PSP uma feição "civilista", não será possível nenhuma reforma séria e profunda da política de segurança interna.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Feição civilista significa pôr a polícia ao lado dos cidadãos, na procura de um resultado que interessa a todos, significa considerar que a segurança interna é serviço à comunidade, executado por cidadãos especializados para o efeito, mas, antes de tudo, cidadãos. Cidadãos com os seus direitos fundamentais devidamente respeitados, incluindo o direito à constituição de um sindicato,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... cidadãos que, por isso mesmo, porque são cidadãos de corpo inteiro, defendem os direitos, liberdades e garantias e encontram neles o fundamento e o limite para a sua acção como polícias.
Estas são linhas fundamentais da proposta que o PCP submete à apreciação da Assembleia da República. Fazêmo-lo com a firme convicção de, com ela, estarmos a contribuir para a defesa dos interesses e direitos dos cidadãos e da sociedade portuguesa.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, ouvi, com toda a atenção, a sua intervenção, até porque esperava ver qual era o conteúdo concreto de um diploma ou de um projecto de diploma tão abstracto, mas sobre essa matéria, com certeza, ainda teremos oportunidade de voltar a falar.
V. Ex.a, na sua intervenção, produziu, a meu ver, uma afirmação grave, quando fez radicar na substituição das chefias da polícia, designadamente na chefia do comando-geral, de um militar por um civil, a principal causa da crise que se vive neste momento na Polícia de Segurança Pública e na segurança interna do País. Desculpe que lhe diga, Sr. Deputado João Amaral, mas parece-me uma afirmação grave, em primeiro lugar, porque não é verdade, em segundo, porque representa uma ofensa gratuita às Forças Armadas e ainda porque representa uma efectiva desresponsabilização deste Governo em matéria de segurança pública.
Portanto, embora perceba onde o Sr. Deputado quer chegar, na sua orientação civilista da Polícia de Segurança Pública, não percebo, de facto, por que é que fez esta ofensa gratuita e colocou nessa questão concreta o problema da segurança e da polícia em Portugal.
Os militares são cidadãos como os outros e não há qualquer capitis diminutio, pelo facto de o serem, que os impeça de gerir melhor ou pior... Eles devem regular-se pelas suas qualidades e não pela sua condição militar à frente de qualquer organismo do Estado.
No entanto, V. Ex.ª, a propósito desta matéria concreta, criticou os militares mas, noutras, já vimos o PCP resguardar-se atrás dos militares e, como tal, gostava de saber por que é que há estes dois pesos e duas medidas, conforme as conveniências do Partido Comunista Português.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, tem ainda outro pedido de esclarecimento, da parte do Sr. Deputado Strecht Ribeiro. Pretende responder de imediato ou responde em conjunto?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, prefiro responder, desde já, ao Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, vou passar completamente em branco sobre essa sua última formulação, porque tem um tom de insulto, é provocatória e este debate não o merece. Não fiz qualquer insulto gratuito ou retribuído às Forças Armadas e lamento dizer-lhe que o Sr. Deputado não percebe uma coisa muito simples, que vou ter o cuidado de explicar: os militares, como cidadãos, são cidadãos como os outros e são gestores de empresas, podem ser colocados... Por exemplo, há um militar que é Director-Geral da Política de Defesa Nacional, etc. Mas não é isso que está em questão, Sr. Deputado, o que está em questão é que ele não está ali na qualidade de cidadão, ele está ali em comissão de serviço, como oficial do Exército.

O Sr. Deputado diz que eu referi que isto causa mais males à polícia, mas digo-lhe mais: causa males ao Exército, porque as Forças Armadas, em Portugal, têm um estatuto que é apartidário, têm um estatuto de neutralidade política e um comandante de uma força de segurança é um subordinado de um governo e obedece às orientações políticas desse governo.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Mas tem de ser apartidário!

O Orador: - Por isso, exactamente por isso, é um erro crasso envolver as Forças Armadas em questões de

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segurança interna. As Forças Armadas devem ser salvaguardadas, no seu estatuto próprio, não se envolvendo em questões de segurança interna. O único momento e modo pelo qual as Forças Armadas se podem envolver em questões de segurança interna é através da declaração de estado de sítio, nos termos e pela forma constitucionalmente prevista. De outra forma não o podem fazer.
Na nossa opinião, a separação rigorosa entre a função de defesa nacional, que cabe às Forças Armadas e aos militares, e a função de segurança interna, que cabe ao Governo e às forças de segurança, designadamente através dos corpos de polícia, é democraticamente vantajosa para todas as partes, para o País, para a democracia portuguesa, para os cidadãos, para as, polícias e para as Forças Armadas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, deixe-me fazer uma breve consideração sobre o vosso projecto de lei.
Em primeiro lugar, os senhores dizem que competirá à Assembleia da República definir as grandes opções da política de segurança interna. Sabe bem que não era preciso dizê-lo, porque compete à Assembleia da República defini-las.
Em segundo lugar, enumeram uma séria de princípios genéricos, abstractos, que mais serviriam o enquadramento de uma autorização legislativa que o Governo propusesse ao Parlamento, a fim de legislar em matéria de competência relativa da Assembleia, é, talvez como único sentido útil, avançam com medidas que eu chamaria administrativas, medidas que, no vosso entendimento, deveriam caber ao Governo na execução das grandes opções legisladas por este Parlamento.
Daí que o vosso partido se tenha limitado a alterar dois artigos da Lei de Segurança Interna, nomeadamente para dizer que a Assembleia legislará as grandes opções e que o Governo se conformaria com elas, o que é evidente e é uma petição de princípio.
A pergunta, quanto à extemporaneidade da discussão deste projecto, é simples. Gostava que me respondesse que medidas imediatas, sugeridas pelo PCP, têm, ainda sentido prático neste momento. Conhece mais algum encerramento de alguma pequena esquadra depois da tomada de posse deste Governo? Conhece a instalação de alguma superesquadra depois da tomada de posse deste Governo?

Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - Conhece alguma retirada da polícia de alguma das localidades deste país depois da tomada de posse deste Governo?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Nem isso, nem o contrário!

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Deputado Luís Queiró, mas está enganado! Há abertura de algumas pequenas esquadras! Essa consonância táctica, de vez em quando, tem a sua graça.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP):Antes ter graça do que ,ser engraçado!

O Orador: - Tem graça mas não tem razão.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Mas se o Sr. Ministro estivesse aqui, nós podíamos sabê-lo!

O Orador: - O que o PCP e o PP não sabem é que o encerramento de algumas esquadras se fez com a demolição dos próprios edifícios onde elas estavam instaladas e, portanto, não é possível, como é evidente, reinstalá-las em edifícios que já não existem. Por isso, não tem razão, nem o senhor nem o Sr. Deputado João Amaral!
Quanto ao problema da redistribuição ou reafectação de agentes de segurança, mesmo de corpos especializados, para certas áreas, nomeadamente para as escolares, é evidente que houve reafectação de cerca de 20% desses corpos de polícias. Portanto, há também medidas positivas.
É evidente que este projecto de lei encerra uma simples "espicaçadela" ao PS, mas, a meu ver, extemporânea e sem conteúdo, a menos que o Sr. Deputado me responda ao que lhe perguntei, ou seja: quais as pequenas esquadras que foram encerradas? Quais as superesquadras instaladas? Quais as localidades de que foi retirada polícia? Em suma, quais as medidas administrativas que propõe que o Governo tome e que ainda não foram tomadas, daquelas que lhe concede no artigo 8.º, agora reformulado, da Lei de Segurança Interna?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr: Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para responder, se assim o entender.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Presidente deu-me a palavra para uma pequena, "espicaçadela"...

Risos gerais.

Então, iremos a ela!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estava aqui a pôr-se a questão de saber se o Sr. Deputado tem ou não direito ao crédito de cinco minutos por ter feito também a apresentação do projecto. É um problema que não está claro no Regimento e, portanto, não serei rigoroso na contabilidade do tempo enquanto não nos entendermos sobre isso. Há normas contraditórias no Regimento, já chamei a atenção para o facto, e isto não está claro.
Queira continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente,. Sr. Deputado Strecht Ribeiro, o nosso projecto continha medidas imediatas que tinham sentido na altura em que ele foi apresentado e nem sequer as referi, agora, aquando da apresentação do projecto. Dele constam três capítulos e o terceiro capítulo, decorrido este tempo, não tem o sentido que tinha na altura, tal como disse, e muito bem, o Sr. Deputado Luís Queiró, na tal confluência, "nem tem sentido dizer isto nem o contrário", porque não se passou nada em matéria de política de segurança interna.
Portanto, esse projecto de medidas imediatas não tem sentido. Porém, as outras duas partes têm sentido, nomeadamente aquela em que se propõe uma atribuição à Assembleia da República da incumbência de aprovar as opções de segurança interna por meio de lei, porque, de facto, a Lei de Segurança Interna contém um conjunto de normas que distribuem incumbências pela Assembleia, pelo

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Governo e pelas forças policiais e não só. Ora, esta alteração tem esse conteúdo. Não posso acrescentar-lhe mais nada! Tem o conteúdo de criar uma nova figura, que é uma lei das grandes opções da política de segurança interna, que não existe.
Assim, esta será a primeira vez; tal como há pouco tentámos fazer, pela primeira vez, o recenseamento aos jovens de 17 anos, agora, vamos fazer, também pela primeira vez, uma lei das grandes opções. É esse o sentido da norma e creio que ele é tão positivo que - mesmo que o Sr. Deputado Strecht Ribeiro não concorde - foi com o mesmo sentido que o Sr. Ministro disse que trazia à Assembleia uma lei de orientação.
Aliás, creio que o Sr. Ministro não será tão deselegante que vá dizer que a existência deste projecto não os fez lembrar disso. Mas o facto de isso ser inscrito na segurança interna é uma garantia.
Sei que VV. Ex.as governam muito bem e que farão, todos os anos e até todos os meses, leis de grandes opções. Mas talvez não sejam governo assim tantos anos como gostavam e, portanto, se isso ficar na lei, é uma boa garantia para outros governos, até para aquele em que nós participarmos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos.

O Orador: - Quanto ao conteúdo do projecto, já lhe disse que o Sr. Deputado foi para as medidas imediatas, mas o conteúdo do projecto está nas grandes opções. Ora, elas contêm linhas de orientação nos diferentes pontos, que são essenciais para o contexto exacto de segurança interna: o modelo das polícias, o tipo de equipamentos, de estrutura, de distribuição no terreno, etc., todas essas questões estão colocadas no projecto.
Aliás, tenho a certeza, juro, que, seguramente, o projecto das grandes orientações que o Governo, um dia, aqui apresentar, se o apresentar, há-de responder ao mesmo tipo de questões, porque são essas as questões da política de segurança interna e não podemos inventar outras, não podemos, por exemplo, definir regras de publicidade, nem dizer como é que se faz o "corredor verde" de Monsanto ao Parque Eduardo VII. É sobre política de segurança interna que o projecto versa e, portanto, é sobre isso que ele apresenta propostas.
Não tenha qualquer dúvida, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, de que são propostas pensadas, positivas, e, tendo um quadro geral não pormenorizado, porque é um quadro das grandes opções, poderiam dar, na nossa opinião, uma boa contribuição para a solução dos problemas de segurança interna e para a segurança e tranquilidade das populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró, para uma intervenção.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma intervenção muito breve sobre esta matéria, sobretudo para salientar que este debate se faz no momento em que, de facto, se revela a crise em que vive a política de segurança interna do País e, em concreto, a Polícia de Segurança Pública.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já estava agendado antes!

O Orador: - Na verdade, assistimos, nestes últimos tempos, a uma degradação da situação existente e, evoluindo mais do que o PCP evoluiu nesta matéria, na verdade depositámos nas mãos do Sr. Ministro da Administração Interna, em concreto, e no Governo, em geral, as causas da responsabilidade da situação a que chegámos.
Temos um Ministro da Administração Interna que anda completamente a reboque dos acontecimentos. Aliás, já ontem tive oportunidade de interrogar sobre se não se tivesse verificado a infeliz decisão de três infelizes larápios irem a Évora tentar assaltar uma loja de tecidos de ganga, se estaríamos hoje aqui a discutir estas matérias e se, na verdade, se estaria a verificar este "virar de página" que o Sr. Ministro tanto fala, nomeadamente o desenvolvimento de uma política estratégica, que ele tanto anuncia mas de que não se tinha dado conta até este momento.
A verdade é que se viu e verificou a existência de um Ministro da Administração Interna intranquilo e indeciso perante esta crise, querendo confundir essa indecisão com uma manifestação de autoridade tranquila, quando, na realidade, o que se verificou foi uma autoridade vazia e hesitante até este momento.
A verdade é que o Sr. Ministro da Administração Interna, em vez de resolver os problemas, arranjou querelas com o Comando da Polícia de Segurança Pública. O Ministro da Administração Interna resolveu, além de tudo o mais, vestir a veste do Estado/patrão perante um sindicato nascente na Polícia de Segurança Pública, que é inevitável, como, a prazo, veremos.
O Sr. Ministro da Administração Interna, que diz que gosta de apresentar reformas graduais, limita-se a dar respostas graduais às questões que lhe são postas e não é claro nas respostas que dá e que tem de dar a uma sociedade e a uma opinião pública que está intranquila e insegura. O Ministro tem posto em causa os princípios da coesão e da eficiência de um corpo policial que anda armado, que se deve reger por critérios de prontidão e eficiência e que, com esta crise e esta querela que estão instaladas, vê afectada essa confiança, prontidão e eficiência.
A verdade é que o Ministro da Administração Interna - é preciso dizê-lo aqui, ele não está mas fica a saber o que pensamos dele - revela uma grande inadaptação para o exercício do cargo que ocupa. E como um colega meu já salientava ontem ao Ministro da Administração Interna, ele existe politicamente, pelo menos, para que possamos aqui reclamar a sua demissão e a sua rápida substituição.
Falando agora concretamente no projecto do PCP, verificamos que se divide em duas partes: uma, em que pretende trazer para a área da competência da Assembleia da República a definição das grandes opções de segurança interna e, outra, onde explana um conjunto de afirmações genéricas com as quais é difícil não estar de acordo, na generalidade dos casos. Também nós queremos atribuir mais verba à justiça e às forças policiais; também o PP já defendeu mais meios operacionais e de policiamento efectivo; também, já nos anos transatos, defendemos a admissão de mais efectivos e o reequacionamento do modelo das superesquadras; também já defendemos muitas vezes que as tarefas burocrática e administrativas das polícias deviam ser exclusivamente executadas por pessoal civil; também já defendemos que, porventura, as tarefas do trânsito podiam ser delegadas em parte, por exemplo, em Lisboa, à Polícia Municipal.

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Também nós já defendemos isto muitas vezes e, portanto, é difícil estarmos contra aquilo que o PCP aqui veio propor. Todavia, temos dúvidas e acho que esta questão deve ser repensada, isto é, se na verdade deve competir à
Assembleia da República a definição destas grandes opções ou se é uma matéria governamental.
Já quanto às medidas concretas, aí é que o PCP, na verdade, não pode merecer o nosso acordo, concretamente, no capítulo III, no: que respeita às "Medidas imediatas", porque com a suspensão das acções de encerramento das esquadras, a reabertura de esquadras e a suspensão da retirada da PSP de qualquer localidade estamos a mexer num sistema que compete claramente ao Governo.
Ora, o que queremos é que o Governo aqui venha apresentar o resultado da sua política nesta matéria da localização das esquadras e do seu redimensionamento e venha aqui dizer, em face dos resultados concretos de um ano da sua política, como é que se deve proceder nesta matéria, ou seja, se se devem fechar, as superesquadras; se, por exemplo, nos bairros de grandes avenidas onde o escoamento se faz, sobretudo, através do tráfego rodoviário, deve haver divisões concentradas ou pequenas esquadras de bairro; se nos pequenos bairros devem existir superesquadras ou esquadras de bairro. São essas medidas que, até agora, ainda não vimos o Governo trazer aqui e explicar à Assembleia da República.
Também no que respeita às medidas concretas, há uma com a qual não podemos concordar: como é que nós, aqui, na Assembleia da República, sem qualquer tipo de informação, podemos defender a transferência de efectivos dos
copos de intervenção para o dispositivo territorial das forças de segurança e, designadamente, a sua transferência para missões de patrulhamento e outras desse tipo?
Como é que nós, aqui, podemos dizer que isso não afecta a operacionalidade desses corpos de intervenção especiais?
Se o Sr. Deputado pudesse esclarecer-nos, era bom. Por aqui também se vê a necessidade de, neste tipo de debates, o Governo estar presente e nem eu nem o meu grupo parlamentar podemos aceitar que, de um momento para o outro, sem essa informação, se diga, sem mais, que se deve proceder a essa transferência de efectivos.
São estas as razões que me levam, em síntese, a dizer que, quanto ao projecto do PCP, na parte em que faz a enunciação das grandes opções de política de segurança interna, em geral, não vemos como é que podemos estar contra. Porém, já temos dúvidas quanto à avocação dessa competência pela Assembleia da República e estamos manifestamente contra as medidas concretas que propôs.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, queria colocar uma questão breve ao Sr. Deputado, que resulta da sua intervenção e com a qual, aliás, em muitos pontos, estou de acordo.
Queria destacar, nessa intervenção, uma afirmação que V. Ex.ª fez e que tem a ver com o seguinte: V. Ex.ª disse aqui que está de acordo, assim como o seu grupo parlamentar, considerando-o até fundamental, com um acréscimo de recursos financeiros para as forças de segurança, para que estas possam responder melhor e, assim, corresponder melhor a alguns dos objectivos inseridos no projecto de lei agora em discussão, do PCP.
Ora, devo dizer que não posso deixar de ficar perplexo porque V. Ex.ª, o seu grupo parlamentar, há pouco mais de um mês, votou um Orçamento do Estado com o PS, o qual teve, neste domínio, como consequência reduzir, em relação àquilo que, em 1996, estava projectado gastar em 1997, 2,5 milhões de contos para instalações de torças de segurança. Projectavam mais de seis milhões de contos para 1997 e acabaram por inscrever 3,5 milhões de contos; inscreveu, para efeitos de sistemas de comunicação das forças de segurança, apenas metade da verba, que era superior a um milhão de contos e ficou em 600 000 contos e para sistemas de informatização das forças de segurança ficaram 300 mil contos, quando tinham projectado, no ano passado, gastar, em 1997, mais de 600 000 contos.
A questão que quero colocar aqui, que é a mesma que já temos colocado em concreto noutros debates, é esta: onde estão as magníficas intenções do PS, que eram expressas no ano passado no Orçamento do Estado para 1997 e em que é que é que se vai ficar, em termos concretos, reais, este ano, no orçamento na área da segurança interna - não desprezando o aumento que ele efectivamente tem - em relação àquilo que os senhores tinham projectado? Os Srs. Deputados do CDS-PP, quando aprovaram o Orçamento do Estado, esqueceram-se dessa grande prioridade que agora V. Ex.ª veio invocar? É esta a pergunta que queria fazer-lhe.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Queiró. tem mais um pedido de esclarecimento e só. dispõe de dois minutos para poder responder. Pretende responder agora ou no fim?

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, de facto, o problema é esse: há pouco mais de um mês, o seu partido aprovou o Orçamento do Estado, mas não só, aprovou também as Grandes Opções do Plano, nas quais há um conjunto muito vasto de medidas na área da segurança interna. Se o Sr. Deputado Luís Queiró tivesse estado com atenção, escusava de ter ouvido isto, que tenho de sublinhar a traço grosso, a "entrada" do Sr. Deputado Miguel Macedo: o CDS-PP não pode fazer o mal e a caramunha nestas coisas!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Os negócios foram separados!

O Orador: - Quanto às questões e à posição do PP em relação ao Sr. Ministro, o Sr. Ministro teve oportunidade de a ouvir ontem. Obviamente que o Sr. Ministro defende um modelo europeu de polícia.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Mas não há um modelo europeu! Por que é que está a falar de coisas que não sabe?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não há?!

O Orador: - Mas a verdade é que os senhores estão contra o modelo europeu e não só no que respeita à polí-

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cia. E, tal como está referido nas Grandes Opções do Plano...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Qual é?

O Orador: - Eu explicarei, se me der tempo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Qual é? É o espanhol?

O Orador: - Há o belga, o alemão, o francês, o espanhol... Agora, não é o modelo de 1935, Srs. Deputados do PP! O Sr. Ministro ontem deu-vos um afloramento que deviam ter em conta. Como sabem, a PSP vai fazer 130 anos, nasceu em 1867, é do tempo de D. Luís - para os monárquicos isso é importante - e era uma força civil, civilista, eram os cívicos! Só a partir de 1935, a partir de Oliveira Salazar, é que as coisas se alteraram. Este é que é o modelo do PP? Vamos ver! Eu creio que não, que o modelo do PP não pode ser este porque o PP aprovou, de facto, as Grandes Opções do Plano e aí estão um conjunto de medidas que os senhores ratificaram e que, no fundo, são consensuais com o que nós dizemos e com o que será objecto da lei de orientação que o Ministro da Administração Interna aqui apresentará brevemente.
Sr. Deputado Luís Queiró, há uma grande proximidade, em 95%, entre muitas das coisas que disse e aquilo que é a posição do PS e do Governo, expressa nas Grandes Opções do Plano, quanto às medidas de proximidade, mais polícias na rua, etc., que, certamente, vão constar nas linhas de orientação. Por isso lhe digo que não pode estabelecer com o PCP a diferença que estabelece porque algumas das medidas que o PCP preconiza são medidas que estão também nas Grandes Opções do Plano que o Governo apresentou.
A questão, Sr. Deputado Luís Queiró, é esta: parece ser a diferença do modelo mas, Sr. Deputado, não queira convencer-me que está de acordo em que um oficial possa avalizar e conformar-se com uma deposição de armas ou com uma manifestação de costas voltadas para um tribunal.
O Sr. Deputado Luís Queiró, seguramente, não está de acordo com isso e não creio que o Sr. Deputado Luís Queiró queira o regresso ao modelo do comando que foi instalado em 1935, no nosso país, e que vigorou durante muitos anos.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Isto é uma vergonha! Isto é uma vergonha, o que o Sr. Deputado está a dizer! É claramente ofensivo da dignidade democrática desta Assembleia! Isto é uma vergonha!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Monteiro, isso é mais do que um aparte!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não estabeleçam diálogos directos, por favor!

O Orador: - E tenho de lhe dizer que estou a falar de história!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não está a falar de história, está falar de um partido!

O Orador: - Em 1935, de facto, foi instalado um modelo policial que se manteve durante muitos anos e que só foi alterado em 1985. Reconheça isso! O que lhe pergunto, é se o seu partido...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Está a falar do meu partido?! É uma vergonha! Isto é atentatório da dignidade democrática!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Monteiro, peço desculpa, mas não pode interromper um orador. Não me leve a mal, pode fazer apartes, mas não pode interromper um orador.
Sr. Deputado Osvaldo de Castro, terminou o seu tempo.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró. Para o efeito, dispõe de mais dois minutos que a Mesa lhe concede.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vou responder aos pedidos de esclarecimento na parte em eles o foram efectivamente; naquilo que são imputações, suspeitas, tentativas de nos encostar a uma história que não é nossa, de facto, Sr. Deputado, já está respondido e não é esse o caminho pelo qual devemos ir.

O Sr. José Magalhães (PS): - Infelizmente, não se ouviu!

O Orador: - Relativamente ao Sr. Deputado Miguel Macedo, eu estava aqui a ouvi-lo e estava ver se me lembrava - porque, às vezes, não me lembro - do sentido de voto do seu partido no Orçamento do Estado. Qual foi, Sr. Deputado?

Vozes do PSD: - Abstenção!

O Orador: - Ah! Abstenção! Muito bem, Sr. Deputado! E qual foi o do PP? O do PP foi contra, na generalidade, e depois, perante uma realidade orçamental que estava aprovada pelos senhores, foi de melhoria do Orçamento e não de apresentação de. propostas irresponsáveis!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que interessa é o voto na especialidade!

O Orador: - Sr. Deputado, agradeço-lhe que, nas próximas vezes em que intervier nesta matéria, se lembre bem do que aconteceu há apenas um mês atrás, para não ter que ouvir este tipo de respostas!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas o que interessa é o voto na especialidade e não na generalidade!

O Orador: - Não, o que interessa é o debate na generalidade, exactamente, ou seja, as opções políticas e quem votou os critérios de convergência nominal...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão todos muito nervosos! Peço-vos que mantenham a serenidade e a calma para o Sr. Deputado Luís Queiró poder fazer-se ouvir.

O Orador: - Já agora, aproveito para dizer também ao Sr. Deputado que a nossa abstenção não foi gratuita, traduziu-se num 'conjunto de propostas concretas, enquanto que a vossa nem isso!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Podia lembrar-lhe aqui alguns casos concretos, como, por exemplo, a instalação da Polícia Judiciária em Aveiro, se deveu também ao esforço do PP na discussão, na especialidade, deste Orçamento do Estado.

Vozes do CDS-PP: - É verdade! Muito bem!

O Orador: - Também aproveito para lhe relembrar - e vamos ter de relembrar isso muito mais vezes, Sr. Deputado Miguel Macedo, porque, infelizmente, as coisas vão ser assim - que quem é adepto dos critérios da convergência nominal e da engenharia orçamental financeira pela própria engenharia orçamental financeira, são os senhores, não somos nós, que, em vez disso, advogamos uma aproximação das economias reais, como, infelizmente, veio lembrar o Ministro das Finanças holandês, ainda ontem, à opinião pública europeia.
Relativamente ao Sr. Deputado Osvaldo de Castro, já nem me recordo bem - para além do ano de 1935 que ainda, recorrentemente, lhe baila na cabeça - da questão que colocou. No entanto, julgo eu que, fazendo um pouco de história, ou, diria mais, refazendo um pouco a história, o senhor, que, aliás, se limitou a acompanhar o Sr. Ministro da Administração Interna, veio aqui dizer que, na I República, tínhamos uma polícia civilista. Mas olhe que eu estou informado de que, na I República, os comandantes da polícia eram militares! Veja bem...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Está mal informado! 

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Olhe o caso do Comandante Ferreira do Amaral!

O Orador: - Não estou, não! É rigorosamente assim e devo dizer-lhe o seguinte: na verdade, nós não estamos...

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente, se V. Ex.ª pudesse, num acto manifestamente civilista, manter a ordem...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já fiz uma advertência mas não foi muito feliz e, assim, volto a insistir na advertência que fiz aos Srs. Deputados.
Acho que este tema tem o mérito, ou o demérito, de excitar as pessoas, não só o Parlamento mas todas as pessoas, em geral. Peço que tenham a serenidade necessária para ouvirmos o Sr. Deputado.

O Orador: -. De qualquer modo, queria dizer que, como é obvio, da parte do Partido Popular, o senhor nunca verá o apoio a um comandante de um qualquer corpo policial, seja ele militar ou civil, que avalize actos de indisciplina partidária. Mas também não verá, Sr. Deputado

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Partidária?

O Orador: - De indisciplina policia! A indisciplina partidária também anda, de facto, muito na moda, nos vossos partidos, sobretudo!
Mas, Sr. Deputado, da parte do PP, também não verá nunca avalizar atitudes do Ministro da Administração Interna que se traduziram em receber as associações sócio-profissionais da polícia na véspera de uma vigília, que era uma acção de protesto, marcada para a frente do Ministério da Administração Interna e que consubstanciava também, neste sentido, um acto de indisciplina,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Estiveram lá dois sindicalistas democrata-cristãos!

O Orador: - ... que fez vários ultimatos públicos, relacionados com essa vigília que estava marcada, com esse acto de protesto colectivo de uma força policial frente ao Ministério da Administração Interna, tendo recebido, depois, as associações profissionais, designadamente a ASP, que saíram dessa reunião...

O Sr. José Magalhães (PS): - Três! São três associações!

O Orador: - Mas quem convocou foi a ASP.

De qualquer modo, as associações saíram dessa reunião a dizer que, de facto, já não havia razões para manter essa vigília. Portanto, queria aqui perguntar qual foi o grau de compromisso assumido nessa reunião, que esta Câmara devia saber e o povo português também.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra. a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Independentemente do entusiasmo que aparentemente tem envolvido esta discussão, julgo que é o tipo de discussão que importaria poder ser feita de forma reflectida e pausada e não como pretexto para revisões da forma como as pessoas votaram e justificações tardias em relação àquilo que se discute.
Parece-nos que a situação que se vive, do ponto de vista das forças de segurança, é uma situação grave, não é nova, ou seja, a crise vivida nos últimos meses não vem introduzir nada de particularmente novo, veio a acentuar traços extremamente negativos e de falência daquilo que foi uma forma de entender as forças de segurança. Uma forma de entender as forças de segurança que não preveniu os problemas, que não deu resposta à criminalidade, que é parte integrante de um problema social e só será resolvido quando esse problema social o for, quando houver um diferente olhar para a forma de organizar os espaços, uma diferente forma de organizar a sociedade, de entender o desporto, como parte integrante da ocupação dos jovens, uma diferente forma de entender o papel das famílias.
Mas, se este é um problema que tem de ser globalmente pensado, as respostas têm de ser, de algum modo, mais imediatas e, do ponto de vista da segurança, para Os Verdes a visão tradicional, musculada, de que o PSD foi partidário e de que o PS não mostrou ser frontalmente contrário, não resolveu, não preveniu, não deu resposta, não evitou os abusos policiais nas ruas e dentro das esquadras.
Em nossa opinião, é esta a questão que tem de ser equacionada, aliada àquilo que têm de ser, com grande clareza, os limites do uso da violência, àquilo que tem de ser, com grande clareza, o limite do limiar do uso das armas, àquilo que têm de ser, com grande clareza, as normas que não façam das esquadras, também elas, um lugar de insegurança.

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Este é um problema real, que não poder ser escamotado, este é um problema que, no nosso entendimento, é indissociável de uma outra forma de organização, de uma outra proximidade, de um outro conhecimento, de uma outra confiança; que tem de ser restabelecida, entre as forças de segurança e a comunidade em geral, de uma outra forma de pensar a segurança, mas mais, e ainda, de uma outra forma de a fiscalizar.
É nossa opinião que resolver problemas laborais e dar livre expressão à capacidade de organização das forças policiais é uma forma de as responsabilizar, de lhes dar o pendor que, em nosso entendimento, devem ter a PSP e a GNR.
Não é esse o entendimento do Partido Socialista, não foi essa a vontade expressa, ontem, pelo Sr. Ministro. Aliás, o Sr. Ministro foi muito claro: não vai estabelecer rupturas, vai suavizar a situação, e o nosso receio é que se continue a escamotear o que é essencial, pretendendo-se, tão só, operações de cosmética, que não vão resolver o problema.
Julgamos que criar grandes linhas orientadoras, códigos de conduta e formas de reciclar aquilo que são modos de agir dentro da PSP num número muito significativo de agentes que ela tem, não nos novos mas nos que estão e que têm que ter uma outra forma de entender a sua relação com os cidadãos, é um problema que tem de ser equacionado rapidamente, se não queremos mais violência, se não queremos mais milícias, se não queremos mais esquemas paralelos que mais não geram do que novas formas de ruptura, novas formas de exclusão.
Portanto, julgamos que este é um problema que não se resolve com operações de fachada; é qualquer coisa que obriga a olhar para além da fachada, para além do que está visível e isso tem de ser feito, doa ou não, sem recorrer, como tradicionalmente se tem feito, à cortina de silêncio.
Julgamos que era interessante que esta discussão não escamoteasse todos esses aspectos da organização das forças de segurança, das medidas que têm de lhe estar associadas e dos direitos dos cidadãos, considerados nesta óptica. É uma alteração cultural muito significativa, é grande, e julgamos que quanto mais depressa for enfrentada mais facilmente prevenirá que mais problemas se venham a avolumar, que novas tensões se venham a agudizar, porque aquilo que nós hoje vimos não é mais do que a ponta do iceberg.

Aplausos de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - A palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

Pausa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, há certamente algum lapso no registo das inscrições porque o Sr. Deputado Strecht Ribeiro estava inscrito em último lugar. Em primeiro lugar estava o Sr. Deputado Calvão da Silva.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é esse o registo da Mesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é esse o registo da Mesa?

O Sr. Presidente: - Não, não.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não há nenhum problema, o Sr. Deputado usará da palavra.

O Sr. Presidente: - Sei que sim. Tem a palavra, Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Tenho a tarefa facilitada, embora não tenha ouvido ainda o PSD, porque, quanto às medidas propostas pelo Partido Comunista Português, este reconhece que estão esgotadas e, portanto, o projecto é extemporâneo, dado que era para uma data que já passou.

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso é uma palhaçada!

O Orador: - Não é! Espere aí, esteja tranquilo. É verdade o que estou a dizer, é objectivamente verdade!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É mentira! Isso é uma palhaçada!

O Orador: - É verdade!

Protestos do Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É mentira!

O Orador: - Esteja calmo que já lhe explico o que é verdade!
Aliás, foi reconhecido pelo seu colega de bancada que quando o projecto foi proposto havia oportunidade nas medidas avançadas e reconhece que delas, nenhuma, neste momento, tem aplicação, porque não me respondeu...

O Sr. João Amaral (PCP):- Continua a palhaçada!

O Orador: - Palhaçada é essa interrupção vossa pois não me respondeu se, entretanto, tinha sido encerrada mais alguma esquadra, se tinha sido aberta mais alguma superesquadra. Portanto, o que estou a dizer é verdade objectiva.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- É mentira! Isso é uma palhaçada! É melhor ir para o circo!

O Orador: - Palhaçada é o que o Sr. Deputado está a dizer.

O Sr. João Amaral (PCP): - Isto não pode ser! Se não tem nada para dizer, dê a palavra a outro Deputado da sua bancada!

O Orador: - A vossa intervenção é uma intervenção mal educada, como é evidente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O senhor é um palhaço!

O Orador: - Palhaço é o senhor!

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Dê-me licença, Sr. Deputado, mas, tenha paciência, nem o senhor pode usar a expressão que usou nem da bancada do Partido Comunista Português podem usar a expressão que usaram.

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Mas, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, também lhe digo que quem sobe a esta tribuna é para discursar e não para dialogar, pelo que agradeço que não aceite ser interrompido

O Orador: - Sr. Presidente, desculpe mas a interrupção inicial não foi minha!

Risas do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se se deixa interromper em cada minuto, dá uma instabilidade que não posso consentir. Portanto, não se deixe interromper, nem entre em diálogo, exerça o seu direito de proferir o seu discurso.

O Orador: - Sr. Presidente, agradeço que a Mesa discipline e não deixe que certas intervenções se façam, porque serei obrigado a responder.

O Sr. Presidente: - Peço contenção aos dois lados, Sr. Deputado. Faça favor de continuar.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mantenho o que disse porque não vejo que qualquer das medidas avançadas não tenha já sido executada e, portanto, mantenho o que disse nesse aspecto: essa parte do projecto é extemporânea e está cumprida. Mantenho o que disse!
Quanto à aprovação, seja porque houve abstenção na especialidade, seja porque tenha havido abstenção na generalidade, é verdade que as medidas contidas nas Gravides Opções do Plano foram aprovadas' na Assembleia da República e mereceram a concordância do PSD e do PP.

Vozes do CDS-PP: - Não mereceram!

O Orador: - Mereceram, porque não mereceram a sua condenação e, portanto, concluo que, no essencial, as medidas avançadas são medidas que têm um largo consenso nesta Câmara.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto;

O Orador: - Ainda que o PP tenha dito que está contra as medidas concretas, o facto é que na altura própria não se pronunciou sobre isso.
Finalmente e quanto à questão essencial do projecto de lei aqui em discussão, ou seja, as grandes linhas de orientação ou de enquadramento de uma política de segurança interna, é facto que a lei da Assembleia da República que poderá resolver esse problema não foi ainda proposta e é evidente também que os grandes princípios enunciados no projecto de lei em análise merecem, no essencial, o acordo do Partido Socialista, aliás, à semelhança do que o Deputado Luís Queiró também já avançou. Ou seja, são medidas que, no essencial, correspondem a uma política de segurança interna que, pelos vistos, também merece largo consenso nesta Câmara.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Portanto, penso sinceramente que a única discussão que aqui se poderá travar com alguma utilidade, depois do que disse, será a discussão sobre a filosofia que. pode enformar, no essencial, a política de segurança interna. Isto é, basicamente, se alguma discussão aqui tem utilidade ou tem sentido será a que poderá incidir sobre qual a efectiva filosofia que deverá presidir a uma política interna. E sobre isso o Partido Socialista não tem qualquer equívoco.
O Partido Socialista defende inequivocamente uma reforma da Polícia de Segurança Pública no sentido civilista, nó sentido de ser um serviço, é evidente que com a componente de prevenção criminal e é evidente também que sem pôr em causa a coesão desse corpo de polícia, mas claramente um serviço. Ou seja, a actividade da Polícia tem de se conformar inequivocamente, na sua actuação, aos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, isto é, não é tolerável e o PS não aceita, qualquer abuso do direito, qualquer abuso da intervenção policial e, por isso, entende ser indispensável proceder à reforma da polícia.
Enfim, a discordância essencial que pode haver entre o Partido Socialista, o Governo e a bancada do Partido Comunista Português é quanto ao faseamento das reformas.
O Partido Socialista considera que a herança do corpo de polícia que o País recebeu - e não é só pós-Dias Loureiro é também anterior, pois não houve nenhuma reforma depois de 1974 que tenha, no essencial, transformado o corpo de polícia, tendo havido uma efectiva involução a partir de 1994, com o Ministro Dias Loureiro -, sendo esse em concreto aquele que ternos, exige de quem governa uma aplicação gradual de medidas tendentes a essa reforma civilista, de forma a evitar o risco da sua fragilização, pois é um importante corpo de prevenção criminal.
Portanto, este lado da prevenção criminal não pode ser prejudicado por uma aceleração de reformas que ponha em causa esse aspecto e só por isso e só neste domínio, há uma diferença entre o Partido Socialista, o Governo e a bancada do Partido Comunista Português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dirijo-me à bancada do Partido Socialista, defendendo a consideração da minha bancada, para explicar o seguinte: o projecto de lei que o PCP apresenta tem conteúdo real e útil, no seu capítulo primeiro, quando adopta uma solução jurídica que hoje não existe, a de haver uma lei de grandes opções, que hoje não existe, repito, sendo essa lei da competência da Assembleia da República.
O projecto de lei do PCP propõe medidas imediatas que tinham todo o sentido quando o diploma foi apresentado há um ano.
Neste momento, consideramos essencial a discussão do Capítulo 11 (Grandes Opções), mas também queremos dizer à bancada do PS que, no tocante aos pontos contidos no Capítulo 111 (Medidas imediatas), não foram reabertas todas as esquadras encerradas desde 1 de Janeiro de 1992 pelo Ministro Dias Loureiro - aliás, só foi reaberta uma, a de Moscavide -, não foi promovida com dimensão suficiente a transferência de parte dos efectivos afectos aos corpos de intervenção para funções de policiamento, e não foram, e continuam a não ser (e este é o n.º 5 destas medidas), reforçadas as teias judiciais, tendo em vista a realização das diligências que vêm sendo efectivadas por

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agentes das forças de segurança. Todas estas medidas, e outras, têm, pois, todo o sentido neste momento.
Finalmente, gostaria de dizer que no que toca ao conteúdo das Grandes Opções o projecto de lei apresenta com seriedade - e dirijo-me concretamente à bancada do PS - propostas concretas para resolver aquilo que entendemos dever ser uma política de segurança à altura dos desafios do momento presente.
Dirigindo-me agora ao Sr. Deputado Strecht Ribeiro gostaria de lhe dizer que a sua intervenção lembrou-me um velho ditado: "quem desdenha quer comprar"!
Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que os seus apartes à minha intervenção, bem como os do Deputado Octávio Teixeira, foram manifestamente extemporâneos, porque disse e mantenho - aliás, o senhor acabou de me dar razão...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não acabei, não! Eu estou a dizer-lhe que não tem!

O Orador: - Deixe-me acabar! Por que é que o senhor está tão excitado e não ouve as pessoas até ao fim?
Ó Sr. Deputado, oiça as pessoas até ao fim!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, tenha paciência e deixe ouvir o orador, por favor.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, oiça as pessoas; se não as ouve, o que quer que lhe faça?

O Sr. João Amaral (PCP): - Posso sair um bocado...

O Orador: - Pode, se quiser sair pode, mas é evidente que se quiser também pode ouvir!
Quando eu disse - e mantenho - que o senhor estava de acordo era neste sentido: as medidas concretas estavam no essencial esgotadas...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não estão!

O Orador: - Deixe-me acabar que depois posso explicar-lhe por que razão acho que estão!
Aliás, se o senhor ouviu até ao fim a minha intervenção poderá ter reparado que eu não disse que as opções e os chamados princípios de enquadramento não mereciam o acordo da bancada do PS. Eu disse exactamente o contrário, ou seja, que mereciam o acordo da bancada do PS. E mais: disse-lhe que, para nós, era evidente que essa era uma competência da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Portanto, não vejo razão alguma para esse abespinhamento. Sinceramente não vejo, mas se quiser estar abespinhado não posso fazer nada contra isso!
Quanto ao problema das medidas concretas perguntei - e mantenho a pergunta - se houve mais algum encerramento, se houve em mais alguma localidade a retirada de alguma...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não foram recolocadas...

O Orador: - Espere! Calma! Eu vou responder a isso!
Continuando, perguntei se houve a abertura de alguma superesquadra.
Agora, para lhe responder à questão de saber se houve ou não retoma das esquadras enceradas dir-lhe-ei que houve a retoma não de todas, como é evidente - aliás, em alguns casos nem podia haver, porque nem havia prédios para as reinstalar. Portanto, foi isto que eu lhe disse, mas o senhor não quis ouvir e isso não é comigo.
Quanto à reafectação de alguns corpos de polícia especializada a funções de patrulhamento eu disse-lhe que havia uma percentagem de reafectação, não lhe disse que havia toda.
Como compreenderá, e relativamente a isto também lhe disse que a única discordância essencial entre o PS, o Governo e a sua bancada residia, precisamente, na forma e no tempo das reformas e não escamoteei que aí havia um desacordo, mas só aí.
Portanto, não percebo a razão de ser do seu abespinhamento, porque - no mínimo, poderá concordar comigo - é natural que haja dissonância, nomeadamente do Governo, no que toca à forma como se executa uma grande opção, mesmo que essa grande opção seja partilhada por mais do que um partido, no caso concreto pelo meu e pelo seu.
Portanto, sinceramente, não vejo razão para se sentir ofendido.
A explicação que tenho para lhe dar é, pois, esta: não há nem poderia haver ofensa à sua bancada e lamento a forma inusitada como fez a sua intervenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Strecht Ribeiro, este debate tem mostrado, no conjunto de incidentes que se têm desenhado entre a bancada do PS e as restantes, a incomodidade com que aquela bancada aborda as questões de segurança por razões que são sobejamente conhecidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Verifica-se que VV. Ex.as resolvem ou tendem resolver as questões fundamentais da vida política nacional e as questões de Estado através de negócios: negociaram com o PP o Orçamento; negociaram com a ASP os problemas que surgem no seio da PSP e, por vezes, vê-se que esses negócios são contraditórios e geram as situações a que aqui assistimos.
VV. Ex.as têm perante o PCP esta postura: "nós já vos demos o principal, o sindicato, e vêm agora os senhores com mais um projecto de lei?!... Nós damos-lhes a mão e vocês querem também o braço?".

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assumam isso claramente e, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, não venha dizer de forma sofistica

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da: "para nós, Partido Socialista, o que consta deste projecto de lei já está tudo cumprido, já está tudo executado".
Sr. Deputado, já se extinguiram as superesquadras? Já se recriaram todas as esquadras que foram extintas no anterior Governo? Já se fez isso tudo? V. Ex e está de acordo com os conselhos municipais de segurança? V. Ex.ª está de acordo com a extinção dos corpos especiais de intervenção, que resulta, directa ou indirectamente, deste diploma? Está de acordo com isso tudo?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não devia estar.

O Orador: - Tudo isso já está executado?
Era a estas perguntas que V. Ex.ª devia ter respondido, era sobre estas questões que V. Ex.ª devia, assumidamente, ter revelado qual era a posição do seu grupo parlamentar, ali, na tribuna, e não o fez.
Mas há mais coisas que a sua intervenção e a do seu partido revelam. VV. Ex.as insistem que o problema da acentuação da componente civilística da PSP passa, necessariamente, pelo afastamento de oficiais generais do comando da força. Eu acho isto uma coisa perfeitamente inadmissível! A ideia de "civilização" ou de acentuação da componente civilística arrasta-nos, necessariamente, para o afastamento. O problema tem a 'ver com manter ou não uma regulamentação da situação mais castrense ou menos castrense, mas é uma ofensa que se faz aos oficiais generais e aos militares em geral, que são identificados com os princípios e os valores da democracia e que podem fazer o protagonismo necessário na acentuação da componente civilística da PSP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta dicotomia é uma ofensa às Forças Armadas. Nós não aceitamos essa vossa posição e consideramo-la uma ofensa às Forças Armadas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso são dicotomias que existem na sua cabeça.

O Orador: - Ficámos também a saber, pela intervenção do Sr. Deputado Osvaldo Castro, que o modelo proposto pelo Ministro Alberto Costa para a PSP é o modelo de 1867.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, quero esclarecê-lo que, na cidade de Lisboa, ocorreu a abertura da esquadra da Rua Ferreira Borges...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não é esquadra, é posto de atendimento.

O Orador: - Espere aí, oiça ....
Deu-se início às obras de adaptação do espaço destinado aos postos de atendimento dos bairros da Horta Nova, do Padre Cruz, de Chelas e da Boavista, e neste último bairro a conclusão da obra está prevista para meados de Fevereiro. Também a nova esquadra do Estorial está em fase de acabamento, podendo ser inaugurada em Março.
Quanto ao problema do conselho municipal, os senhores estão fartos de saber que, mesmo antes da lei, já havia um conselho municipal no Porto constituído por um município cuja câmara é maioritariamente socialista.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas é ilegal.

O Orador: - Ilegal?...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Então não é verdade!

O Orador: - Não tem razão nenhuma.
Quando lhe digo que no tocante ao que já está a ser feito não há uma discordância essencial, é verdade. E é verdade por aquilo que disse da tribuna e que não vou agora repetir.
Quanto ao problema dos militares, os senhores sabem muito bem que a questão não é dos oficiais generais ou dos não oficiais generais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É assim que os senhores têm posto o problema!...

O Orador: - Não é, os senhores sabem que não é essa a questão. Os senhores sabem que a questão reside na fisionomia do corpo de polícia, em qual é a estrutura do corpo de polícia e em qual é o regimento do corpo de polícia. E, mais, os senhores sabem que, fosse este comandante da polícia um general ou um civil, um comandante de polícia que arrasta atrás de si uma insubordinação da polícia teria de ser forçosamente demitido.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E o Ministro?

O Orador: - Fosse ele militar ou civil. Não há ofensa nenhuma aos militares. O facto de o senhor que era comandante da polícia ser general não tem nada a ver com o assunto. Ofensa aos militares democratas de Abril fizeram-na os senhores, quando negaram a Salgueiro Maia o que concederam aos agentes da PIDE.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Nós?!...

O Orador: - Sim. Isto é que é uma ofensa. Os senhores criticarem um Ministro porque ele entendeu que este comandante, general ou não general, comandou uma insubordinação da própria polícia e deve ser demitido, não tem nada a ver com os militares, não confundam. Trata-se de um cidadão que, por acaso, é militar. Essa conclusão é deliberada, é capciosa, não é razoável, é demagógica, é populista e é perigosa porque tenta instrumentalizar os militares. E, como é evidente, não acredito que os militares se deixem instrumentalizar pelos vossos cânticos de sereia.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que a nossa bancada está tranquila,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não faz nada!

O Orador: - ...não tem qualquer problema com esta questão. E este Governo, ao contrário do que já foi dito, veio ao Parlamento. O Sr. Ministro da Administração Interna, como sabe, esteve ontem na 1 .ª Comissão...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E devia estar aqui.

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O Orador: - Não vejo porquê!
Dizia eu que o Ministro da Administração Interna foi ouvido na 1.ª Comissão, respondeu às perguntas que lhe foram colocadas e os senhores sabem muito bem o que respondeu. Estamos firmemente convencidos de que vai cumprir e levar à prática as reformas que avançou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a. palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em minha opinião, este debate incide sobre um tema de tal maneira importante, independentemente de qual seja o partido da iniciativa, que só por si merece que deva ser elevado e não entremos em certas chicanas.
Não importa aqui saber se o modelo do Partido Socialista é de 1867 ou se o do CDS-PP é de 1935.

Vozes do CDS-PP: - Não é!

O Orador: - O que interessa é saber que modelo queremos para o futuro. O que está em causa é, com efeito, percebermos, a partir desta iniciativa do PCP, o que quer o PCP claramente com este projecto e o que pensam o PS, o PSD e o PP acerca dele. Ora, é isto que não está a resultar desta discussão, mas, pela parte do PSD, vai resultar com clareza.
No fundo, o que quer o PCP? Este é o grande equívoco deste debate, por parte da bancada do PS. Ou seja, a bancada do PS ainda não percebeu o que é que o PCP quer. E vou dizer-lhe porque penso assim.
Em primeiro lugar, de entre os vários artigos deste projecto de lei, há um que é fundamental, a não ser que o PS entenda que já o deu de barato e nem precisava desta lei. Só que não é assim. Repare: a definição da política de segurança interna não é reserva da Assembleia da República. E, na revisão constitucional em curso, nenhum partido propôs que viesse a ser reserva, nem sequer relativa, da Assembleia da República. E o que pretende o PCP? Pretende que, doravante, se for aprovado este projecto, esta matéria passe a ser da reserva da Assembleia da República. Consta logo do artigo 1.º - só quem não quer ler é que não entende - que "As Grandes Opções da Política de Segurança Interna são aprovadas pela Assembleia da República (...)". Depois, para que não restem dúvidas, propõe uma alteração ao artigo 7 º da actual Lei de Segurança Interna, aditando-se um novo n.º 2, onde se diz: "Compete em especial à Assembleia da República aprovar, por meio de lei, as Grandes Opções da Política de Segurança Interna".
O resto, Srs. Deputados do PS, o PCP, que sabe muito bem o que quer, isso sempre soube e quer continuar a saber, até dá de barato, até pode concordar consigo em que, quando elaborou este projecto de lei, há um ano, tinha em mente desmantelar uma política de segurança interna e gostaria que a tal mudança, a verificar-se, fosse neste sentido. Mas, se não tiver de ser assim, até dá isso de barato. Dêem-lhe estes dois artigos e estou convencido de que o PCP aceita tudo o mais.
Por isso, é a nível do Estado que vamos pôr o problema.

O Orador: - Não é inventona, Sr. Deputado. No fim, conversamos a esse respeito.
Srs. Deputados, o que está aqui em causa, a nível da arquitectura do Estado, na minha opinião e na da minha bancada, é o seguinte: deve ou não a política de segurança interna constituir um núcleo de reserva do Governo? Esta, para mim, é a grande questão.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Deputado é um civilista manifesto!

O Orador: - É ou não um núcleo de reserva do Governo a definição da política de segurança interna? Assim o pensaram os constitucionalistas, os constituintes: não faz parte da competência da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é um absurdo!

O Orador: - É esta alteração substantiva que o PCP quer, no seu entendimento final, e que eu entendo, mesmo que não queira explicitar. Vinda, da bancada do PCP, até entendo. E, nesta matéria, compete à Assembleia da República fiscalizar. Numa linguagem para constitucionalistas, Sr. Deputado José Magalhães, o que está em causa e o que o PCP quer é uma lei de bases sobre política de segurança interna, ou seja, uma lei de valor reforçado, que levará, como depois também é explicitado, a que a competência do Governo seja tão-somente a de desenvolver as grandes opções da política de segurança interna, ou seja, passa a elaborar meros decretos de desenvolvimento da política definida pela Assembleia.
Srs. Deputados do PS, o 'que o PCP quer, no seu entendimento, é um governo da Assembleia. E contra isso, numa questão tão sensível como a política de segurança interna, o PSD diz claramente: "não, somos contra esta lei por esta razão fundamental". Está aqui em causa um plano daquilo que podemos chamar de um governo da Assembleia, por forma a que no futuro, tal como aconteceu agora, em que rolou a cabeça de um general, que foi o que foi e cumpriu como cumpriu, por o partido do Governo e, sobretudo, o Ministro da tutela terem dito que toda a crise era da responsabilidade desse general, em qualquer crise grave que aconteça, o Governo, não tendo agilidade para actuar oportunamente, porque há uma lei, que, no fundo, é uma peia, nas circunstâncias de uma grande crise que possa haver, num problema de autoridade do Estado, num problema de criminalidade grave, como pode acontecer - e tem acontecido às vezes, aqui e além, e não só no nosso país -, num problema desses, diga: "Não actuei, porque a política de segurança interna é definida pela Assembleia da República nas suas linhas básicas, porque a lei existente não me permitia actuar".
Estamos contra isso. Entendemos que a política de segurança interna é da responsabilidade do Governo e deve constituir um núcleo duro da sua reserva. Por isso, no futuro, 8sta lei seria para qualquer governo uma lei "passa-culpas", para dizer que não. actuou porque a lei o não permitia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Pura inventona!

O Orador: - E porque assim pensamos, nesta estrutura de arquitectura do Estado, deixamos, então, algumas outras notas.

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Este projecto de lei merece, em segundo lugar, o nosso voto contra, porque consubstancia uma lei apenas pela negativa, porque visa tão-somente desmantelar uma política de segurança interna, que, boa ou má, existiu no passado. Este projecto de lei não prevê qualquer política de segurança interna; tenta criar peias, tenta, no fundo, criar uma cidadela para impedir o espaço da governação de qualquer governo legitimamente eleito.
Em terceiro lugar, este projecto de lei merece o nosso voto contra porque cria uma grande instabilidade jurídica. De facto, a partir do momento em que gera uma lei de valor reforçado e, consequentemente, decretos meramente de desenvolvimento, um dia que o Governo fizesse esses decretos, viria o PCP, viriam muitos outros e até, porventura, alguns Deputados do PS dizer que esse decreto-lei do Governo era inconstitucional. Criava-se, assim, aqui um problema de inconstitucionalidade, ou não, consoante os grandes debates teóricos que estão lançados acerca das leis de bases, e, no mínimo, pelo menos, um problema de ilegalidade e do recurso da ilegalidade para o Tribunal Constitucional.
Ora, no domínio da segurança interna, entendemos que deve haver clareza, que as leis devem ser precisas e muito concisas. E, nessa medida, para que não haja igualmente insegurança jurídica, porque queremos segurança e tranquilidade para os cidadãos, também somos contra.
Um outro argumento ainda pelo qual também somos contra é o seguinte: este projecto de lei visa tão-somente desarmar o próprio Estado, desarmá-lo no seu núcleo essencial, perante situações de grave crise que possam existir. Quando pretende que uma Polícia de Segurança Pública, que as forças de segurança não tenham corpos especiais de intervenção, que devem estar treinados para as grandes e delicadas ocasiões, e quer acabar com eles, o que é que o PCP há-de querer? Coerentemente com a velha filosofia marxista, nós compreendemo-lo, mas não o aceitamos e estamos contra.

O Sr. João Amaral (PCP): - É falso o que disse!

O Orador: - Por isso mesmo, também somos contra este projecto de lei porque, no fundo, pretende, de acordo com o seu artigo 6.º, acabar com os corpos especiais de intervenção. Onde está o Estado, Srs. Deputados do PCP, no dia em que houver uma grande ameaça?
E, sobretudo, Srs. Deputados do PS, este é um diploma que se percebe vindo de um partido que espera nunca chegar ao poder e que sabe que nunca lá chegará pela via democrática; não é, com certeza, uma lei que mereça o apoio de um partido que esteja no Governo, que tenha estado no Governo e que espere voltar ao Governo. Pela nossa parte, não contem connosco, nós estamos contra. A nível do Estado, esta é uma lei que não serve o País, não serve a autoridade, a segurança e a tranquilidade dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A democracia é o Estado de Direito democrático nos seus grandes pilares e, por isso, dizemos claramente: não estamos aqui a discutir outros problemas de fundo, não é este o local para discutir isso - sê-lo-á mais tarde, se alguém trouxer aqui um diploma sobre isso. Espero que o Governo tenha a coragem e a responsabilidade de assumir aquilo que hoje lhe compete: definir as linhas da política de segurança interna. Efectivamente, "compete ao Conselho de Ministros definir as linhas gerais da política governamental de segurança interna (...)" e grande é especialmente a competência do Primeiro-Ministro.
A crise dos últimos dias, do fim do ano transacto e do princípio deste ano, revelou que este Governo não tem grande sensibilidade, tem até pouca, para o problema.
Não queiram, Srs. Deputados, destruir um dos grandes pilares do Estado. Hoje, vivemos como vivemos. Esperamos não haver circunstâncias que justifiquem que o Estado tenha de ser reconstruído, porque nós queremos ainda salvá-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães, para exercer o direito de defesa da honra da bancada, e João Amaral, para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, esta sua intervenção é sobremaneira estranha. E, se defendo a bancada, é, porventura, mais no sentido de lhe permitir que clarifique aquilo que nos pareceu, a todos, ser uma enorme sucessão de equívocos e um alarme fantasticamente incompreensível.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Calvão da Silva, fique tranquilo! Este debate é normal! O PSI) marca debates no Plenário sobre segurança interna, e nós consideramos isso positivo. Viabilizámos projectos de lei do PSI) sobre segurança interna, que estão na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Isso é normal! É positivo! E viabilizaremos debates de outros partidos políticos, sem qualquer discriminação. Não há tempestades na família democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, sobretudo não vai haver votação, porque, como se tornou patente, o Governo vai apresentar uma proposta de lei de orientação da política de segurança interna e seria, no mínimo, grave descortesia forçar uma votação de um projecto de lei, que contribui para a definição de uma política e de um modelo nessa matéria, sem aguardar que se complete a colocação de pontos de vista.
Portanto, aguardamos que o Governo apresente o seu ponto de vista e - devo dizer-lhe -, a partir de agora, aguardamos, com redobrada curiosidade, que o PSD, através do Sr. Deputado ou de alguém que domine a matéria, apresente também uma contribuição qualificada neste domínio.
A segunda coisa equívoca é o Sr. Deputado vir dizer-nos - V. Ex.ª é um jurista respeitável, sem dúvida, mas é um ilustre civilista e não um constitucional ista: anão perceberam o que o projecto de lei do PCP propõe". Isso é, francamente, um atestado de ignorância, que nós não aceitamos, porque se revelou o contrário.
O Sr. Deputado veio dizer que, em matéria de política de segurança interna, há uma reserva do Governo na definição dessa política e que a Assembleia está impedida de intervir na definição de grandes opções da política de segurança interna?!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É grave!

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O Orador: - Ó Sr. Deputado Calvão da Silva, isso é verdadeiramente anormal! E uma "abóbora do Entroncamento"!

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Porque a Lei de Segurança Interna que aprovámos no Parlamento diz claramente, no seu artigo 7.º, no Capítulo "Política de segurança interna e coordenação da sua execução", sob a epígrafe "Competência da Assembleia da República", que "A Assembleia da República contribui, pelo exercício da sua competência política, legislativa e também financeira, para enquadrar a política de segurança interna e para fiscalizar a sua execução". E até permite aos partidos da oposição determinados direitos. Isto é bom! Isto é positivo! E sobre isto deve haver um consenso absoluto!
Sr. Deputado, não sé arme hoje em defensor do Governo à custa dos poderes da Assembleia, o que seria um prolongamento do cavaquismo,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... que asfixiava a Assembleia para majorar o Governo, porque isso nós não deixamos!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O terceiro equívoco, Sr. Deputado, é pôr na proposta aquilo que lá não vimos e que ninguém lá pode ver, que é a extinção dos corpos especiais de segurança. Sr. Deputado, não só não resulta como, ainda que resultasse - faça-nos. um pouco de confiança -, nenhuma votação na especialidade viabilizaria uma tal solução. Artigo 115.º!
Agora, lamentamos ver o PSI) numa deriva demagógica, que levou o Sr. Deputado Guilherme Silva, há pouco, a dizer coisas verdadeiramente insensatas, do tipo ler! "abaixo a negociação política". Ó Sr. Deputado, estamos a negociar honradamente! Não nos envergonhamos de estar sentados com o PSI) e com outros partidos a discutir questões de Estado, como a revisão constitucional!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não têm alternativa!

O Orador: - Se o PSD umas vezes tem vergonha e outras não, nós não, só temos urna cara, um rosto, uma política, uma feição. Chama-se a isso coerência.
Sr. Deputado, não nos dê aulas nessa matéria, porque não as aceitamos!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, se há alguém que não gosta de fazer demagogia sou eu. E não fiz demagogia alguma.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é talvez quando fala em latim!

O Orador: - Quando falo em latim é porque sei, Sr. Deputado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Também nós!

O Orador: - Mas, se tiver dificuldade, para a próxima vez, eu traduzo-lhe!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, o que aqui está em causa é exactamente não fazer demagogia e perceber que o povo, em qualquer lado, e nomeadamente o povo português, tem um grande princípio: "dividir para reinar".

O Sr. José Magalhães (PS): - O povo?!

O Orador: - Sim, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Os intriguistas!

O Orador: - Sr. Deputado, deixe-me explicar-lhe, porque a sua ignorância é grande!

Protestos do PS.

"Dividir para reinar" significa - se não sabe isso, vá ler os manuais, porque todos dizem o mesmo - princípio da divisão de poderes; significa que há órgãos de soberania e que, nessa medida, cada um tem a sua competência e tem a...

O Sr. José Magalhães (PS): - Leia a Constituição!

O Orador: - Leio. É exactamente isso que acabo de

O Sr. José Magalhães (PS) - Interdependência e separação!

O Orador: - "Dividir para reinar" significa divisão de poderes; significa que há uma Assembleia da República que tem os seus poderes; significa que tem uma competência; e significa que, onde não há reserva de competência nem do Governo nem da Assembleia, há competência concorrente, competência comum. E, nessa medida, há matérias de competência comum. E esta é uma delas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Tem de rever o seu Direito Constitucional!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, por favor, deixe-me falar até ao fim! Como vê, não estou com demagogia, estou até a falar a nível do Direito Constitucional.
E o que o Parido Comunista quer alterar é que deixe de ser uma matéria de competência comum, da competência concorrente da Assembleia e do Governo, para passar a ser uma lei de bases, que significa lei de valor reforçado, em que o Governo, no futuro, só terá competência para desenvolver, logo subordinadamente.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, se não é assim, depois verão os problemas que vão ter!

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isto não é uma questão de contratos! O problema é esse!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, estou a falar-lhe a nível do direito...

O Sr. José Magalhães (PS): - Posso interrompê-lo?

O Orador: - Não, não pode! Eu ouvi-o com toda a atenção até ao fim, agradeço que também me oiça!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta lei seria, na prática, ao contrário do que afirma, uma delegação de poderes do Governo na Assembleia da República! Exactamente ao contrário do que está previsto na Constituição!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não entendi! É ridículo!

O Orador: - Se não entende, o problema é seu!
A partir daqui, Sr. Deputado, o que está em causa é que entende que o Governo, no futuro, percebi eu, vai trazer aqui uma coisa semelhante à que o Partido Comunista trouxe agora. E, por isso, Sr. Deputado, o que está aqui em causa é que, no ,fundo, o Partido Socialista vem agora dizer...

O Sr. José Magalhães (PS): - Só viu agora?!

O Orador: - Eu só vi agora!
Estava eu a dizer que o Partido Socialista vem agora dizer que é bom que este diploma baixe à 1.ª Comissão sem votação!

O Sr. José Magalhães (PS): - E explica porquê! Leia o resto!

O Orador: - Claro!

O Sr. José Magalhães (PS): - Leia tudo!

O Orador: - É que o PCP não quer agora aqui dizer claramente se é a favor ou contra esta lei. Diga se é a favor, com vista a propiciar a apresentação de...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Ó Srs. Deputados, já estou cansado de pedir para que não entrem em diálogo, porque acaba por não se ouvir a voz de uns nem a voz de outros. Podem fazer apartes, porque estes estão previstos, mas agradeço que não entrem em diálogo directo com quem está no uso da palavra. Peço que não o façam porque, além de não estar previsto, não é razoável que se admita. Não posso admiti-lo.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Nessa medida, e para terminar, o que o PSD reafirma com clareza é` isto: dentro do principio da separação de poderes, cada um assume as suas responsabilidades. O Governo do PS, pelos vistos, como não sabe governar e tem demonstrado que em matéria de segurança interna não tem política, quer que seja a Assembleia a assumir essa política. Isto é um problema. Porém, nós entendemos que a Assembleia tem as suas competências e que esta matéria não é um núcleo de reserva da sua competência.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Ai Jesus!

O Orador: - Por isso, a nossa responsabilidade fica aqui assumida: somos claramente contra o projecto de lei apresentado pelo PCP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Convém lê-lo!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, eu não podia pedir a palavra para defender a honra porque o senhor fez à nossa bancada um elogio tal que não cabemos dentro de nós. Somos tão maquiavélicos, tão maquiavélicos, que nem tínhamos percebido bem.

Risos.

Portanto, tenho mesmo de fazer um pedido de esclarecimento, que é para se perceber exactamente até onde é vai o nosso maquiavelismo, que deve ser uma coisa...

Risos do PCP.

A questão é esta, Sr. Deputado: o projecto de lei diz, a abrir, e com uma simplicidade horrível - até sem graça, como ontem dizíamos, sem diplomacia -, de uma maneira clara, que a Assembleia aprova grandes opções. Não diz outra coisa, não está nada escondido, não há um truque. Não! Diz que aprova grandes opções, e grandes opções são grandes opções, não passa disso.
Sr. Deputado Calvão da Silva, acha que, ao pensar que é ao Governo que compete a administração militar e a política de defesa, "cai o Carmo e a Trindade" por a Assembleia da República discutir as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, que é a matriz de toda a política?

O Sr. José Magalhães (PS): - Cai, cai! Para ele cai!

O Orador: - Cai?! Não lhe caia agora o sorriso, segure-o! Está um pouco aflito, eu sei!

Risos do PCP.

Portanto, não há maquiavelismo algum, a solução está posta com muita clareza, são grandes opções e o exemplo das grandes opções está aí, são linhas decisivas de orientação. O Governo tem a competência de definir e executar a política de segurança interna e nisso está subordinado a muita coisa. E vou indicar-lhe algumas das coisas a que está subordinado: está subordinado à Constituição, à Lei de Segurança Interna, ao Programa do Governo,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao Código do Processo Penal!

O Orador: - ... ao Plano Anual, ao Orçamento do Estado. Está na execução e definição dessa política su-

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bordinado a muita coisa, e se a Assembleia quiser alterar uma política qualquer, seja a da segurança interna ou seja outra, basta, para isso, alterar o respectivo capítulo do Orçamento. Aliás, há propostas vossas, propostas horríveis, relativas ao Orçamento do Estado que alteravam completamente políticas que são da completa competência do Governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - E alteravam-nas como? Alterando as dotações respectivas. Quer ver que VV. Ex.as são quase tão maquiavélicos como nós!? Querem ver uma coisa dessas!?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Em matérias diferentes!

O Orador: - Finalmente, vem a parte anedótica, quando diz que querermos acabar com os corpos de intervenção. No nosso diploma está escrito, com clareza, que será promovida a transferência "de" efectivos" e não "dos" efectivos. E está " de efectivos" porque como não é a nós que compete, a nível de proposta, executar uma política como essa e definir o seu conteúdo concreto, não podemos saber se são muitos ou poucos os efectivos que é possível transferir dos corpos de intervenção para as missões de policiamento. O que pensamos - ai isso pensamos! - é que V. Ex.ª, o seu partido, o honrado Ministro Dias Loureiro, que já não se senta aí, e o Professor Cavaco Silva, que também não se senta aí, e não se deve dizer mal dos ausentes, se combinaram para, realmente, encher a polícia de corpos de intervenção em prejuízo das funções de policiamento. Nós achamos isso e achamos que é preciso alterar essa política! Veja V. Ex.ª o nosso maquiavelismo: queremos alterar as políticas do Professor Cavaco Silva!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, até acho muito interessante o que acaba de dizer. É a confirmação do que eu disse! Como é que não havia de achar interessante?!

Vozes do PS: - Essa é boa!

O Orador: - Ó Sr. Deputado João Amaral, de facto, a actual lei - para que todos entendamos, Sr. Deputado, e não saiamos daqui com alguns equívocos, porque só se equivoca quem quer -, que é aprovada pela Assembleia, diz, no seu artigo 8.º, n.º 2, alínea a), que "compete ao Conselho de Ministros definir as linhas gerais da política governamental de segurança interna,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Governamental!

O Orador: - ... bem como a sua execução".

Protestos do PS.
Quando o Partido Comunista agora propõe uma nova redacção para este artigo, sabe o que é que diz, Sr. Deputado João Amaral? Sabe o que é que diz? Vou lembrá-lo, porque o Sr. Deputado agora já não se lembra, está já numa fase de cansaço, estamos no fim do debate...

O Sr. José Magalhães (PS): - Diz "desenvolver as grandes opções"!

O Orador: - Diz que passa a ser competência do Governo desenvolver as grandes opções da política de segurança interna.

O Sr. José Magalhães (PS): - Desenvolver não é definir!

O Orador: - E como o Sr. Deputado até sabe muito disto, sabe bem que uma lei de bases é uma lei de valor reforçado e que os decretos de mero desenvolvimento são de valor subordinado, compreende obviamente o grande alcance e a grande inovação que está em causa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Aí eu já tinha chegado, e o Sr. Deputado confirmou-o e, nessa medida, não é nada maquiavélico, pelo contrário, até é muito claro. Trata-se de alguma ingenuidade de quem não sabe ler - pelos vistos, ainda estamos nessa fase -, que de algum modo o Partido Comunista agora tentou adocicar a ver se passa e não amedronta o Partido Socialista, o que também entendemos.
Pela nossa parte, quanto aos corpos superiores, não temos dúvidas do que lá está dito; quanto aos corpos de intervenção, não temos qualquer dúvida do seu alcance e também entendemos bem o seu pensamento e o do seu partido quanto a dizer-se que "será promovida a transferência de efectivos afectos aos corpos de intervenção". Deve ser, com certeza, para enriquecê-los e não para os esvaziar ou acabar com eles.
Sr. Deputado, estamos entendidos. O seu sorriso e o meu são a melhor maneira de terminarmos com um grande cumprimento. Sei bem o que querem, não vou por aí.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, está pendente na Mesa, para votação, o requerimento a que aludi há pouco.

O Sr. Presidente: - Esse requerimento será votado na próxima quinta-feira antes das votações já agendadas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas, Sr. Presidente, tal não é verdadeiramente preciso porque suponho não haver dissenso sobre a baixa deste diploma à respectiva comissão.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, se houver consenso quanto à sua votação de imediato, proceder-se-á em conformidade. '

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não nos opomos à votação e até à discussão imediata do requerimento.

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O Sr. Presidente: - Mas não temos as bancadas suficientemente recheadas para procedermos a essa discussão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, um requerimento não tem, por definição, discussão ... . ,

O Sr. Presidente: - Claro.

O Orador: - ... ou, então, seria outro instrumento que não propusemos. Se se entende que a matéria não é suficientemente consensual, o requerimento será votado na altura própria, ou seja, na próxima semana.

O Sr. Presidente: - Consensual é, o problema é que não me parece que possa dispensar-se a votação. Pode fazer-se já, se ninguém se opõe. ,

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, fica remetida para a próxima reunião onde haverá condições de votação.

Arnaldo Augusto Homem Rebelo. Carlos Manuel Luís. Joaquim Moreira Raposo. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. José Carlos das Dores Zorrinho. Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.

Partido Social Democrata (PSD):

Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira. António Germano Fernandes de Sá e Abreu. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. Joaquim Manuel Cabrita Neto. Joaquim Martins Ferreira do Amaral. José Luís de Rezende Moreira da Silva. José Mário de Lemos Damião. Lucilia Maria Samoreno Ferra. Manuel Maria Moreira. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Pedro Manuel Cruz Roseta.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Há condições de votação se ninguém levantar o problema do quórum.

Vamos, então, proceder à votação do requerimento de baixa à 1.ª Comissão, sem votação, do projecto de lei n.º 12/VII - Define as grandes opções da política de segurança interna e adopta um conjunto de medidas imediatas para defesa da segurança dos cidadãos (PCP), apresentado pelo PS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP.

É o seguinte:

Os' Deputados signatários, tendo em conta o conteúdo do debate realizado em Plenário do projecto de lei n.º 12/VII, do PCP, requerem que o mesmo baixe à 1.º Comissão, sem votação, com vista a propiciar a apresentação de
iniciativas com objecto similar por parte do Governo e Deputados de outras bancadas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido

Fernando José de Moura e Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

CarIos,Alberto do Vale domes Carvalhas. João António Gonçalves do Amaral. , Lino António Marques de Carvalho. Luís Manuel da Silva Viana de Sá. Maria Odete dós Santos.

Faltaram à sessão os 'seguintes Srs., Deputados:

Partido Socialista (PS):

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Mário Manuel Videira Lopes. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Antônio Fernando da Cruz Oliveira.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reu- Jorge Paulo de Seabra Roque dá Cunha.

nião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas. Trata-se de Pedro Augusto Cunha Pinto.

uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputa-,
dos:
Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rolando Lima Lalanda Gonçalves.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP): '

António Afonso de Pinto Gaivão Lucas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIVISUAL.

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