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Quinta-feira, 23 de Janeiro de 1997 1079

I Série - Número 29

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.A SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JANEIRO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
.Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 264 a 268/VII, bem como de requerimentos e da resposta a um outro.
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a substituição de um Deputado do PSD.
Em declaração política, o Sr. Deputado José Junqueiro (PS) falou sobre a forma como o PSD e o PS têm desempenhado as respectivas funções de oposição e de suporte do Governo, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP).
Também em declaração política a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) comentou a revisão constitucional em curso e a sua adequação às reformas de que o País carece. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Lacão (PS).
O Sr. Deputado Henrique Neto (PS) abordou a necessidade de urna nova perspectiva de planeamento para a resolução dos problemas que afectam o distrito de Leiria, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Poças Santos (PSD), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Deputado Carlos Marta (PSD) criticou a política do Governo para a área do desporto, nomeadamente no que respeita à formação, a apoios e ao desporto escolar.
O voto n.º 58/VII - De protesto pela passagem de um navio transportando carga de resíduos radioactivos de alta actividade na zona económica exclusiva portuguesa (Os Verdes) foi rejeitado. Produziram intervenções os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes). Paulo Neves (PS). Macário Correia (PSD). Nuno Correia da Silva (CDS-PP) e José Calçada (PCP). 

Ordem do dia. - Foi discutido, na generalidade, o projecto de lei n.º 65/VII - Criação do provedor municipal (PS). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Filipe Madeira (PS), Ferreira Ramos e Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP). Miguel Macedo, Artur Torres Pereira e Macário Correia (PSD), Luís Sá (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Manuel Moreira (PSD), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Depois de o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca (PCP) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros. Comunidades Portuguesas e Cooperação .sobre o projecto de lei n.º l8/VII - Prevenção da poluição provocada por navios que transportem substâncias poluentes ou perigosas nas águas da zona económica exclusiva portuguesa (Os Verdes) foi o mesmo discutido igualmente na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes). Natalina Moura e Paulo Neves (PS). Macário Correia (PSD) e José Calçada (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura. Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.- 264/VII - Elevação da vila de Sines à categoria de cidade (PCP), que baixou à 4.º Comissão, 265/VII - Alteração dos limites entre as freguesias de Santo António dos Cavaleiros e Póvoa de Santo Adrião (PCP), que baixou igualmente à 4.8 Comissão, 266/VII - Alteração à Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos eleitos locais) (PCP), que baixou às 1.ª e 12.ª Comissões, 267/VII - Elevação de S. Martinho de Mouros, no concelho de Resende, a vila (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, e 268/VII - Lei-quadro do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público (PCP), que baixou às 5.ª e 6.ª Comissões.
Entretanto, foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: na reunião plenária de 9 de Janeiro de 1997, à Secretaria de Estado dos Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira, ao Ministério do Ambiente e à Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, formulados pelos Srs. Deputados António Germano Sá e Abreu e Fernando Pedro Moutinho, ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira, ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, aos Ministérios da Educação e da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Castro de Almeida, António Barradas Leitão e Bernardino Soares; na reunião plenária de 10 de Janeiro de 1997, ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Soares Gomes, ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota, ao Ministro Adjunto e à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulados pelos Srs. Deputados Guilherme Silva e António Filipe, ao Ministério da Administração Interna, formulado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mota Amaral; nos dias 13 e 14 de Janeiro de 1997, ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Ferreira Ramos, ao Procurador-Geral da República,

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formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Coelho; na reunião plenária de 15 de Janeiro de 1997, aos Ministérios da Justiça e da Administração Interna, formulado pelo Sr Deputado António José Dias, ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Serrasqueiro, Roleira Marinho, Manuel Alves Oliveira e Bernardino Soares, aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Cruz Oliveira, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira, ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Macário Correia e Cabrita Neto, ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Barradas Leitão, ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulados pelo Sr. Deputado António Rodrigues, ao Ministério da Economia, formulados pelos Srs. Deputados Costa Pereira e Lino de Carvalho, a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado José Calçada, ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e à Secretaria de Estado da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado, ao Ministério do Ambiente, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, ao Ministro da Presidência, ao Ministério da Cultura e à Câmara Municipal do Porto, formulados pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, à Câmara Municipal de Oeiras, formulado peia Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Governo respondeu ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Afonso Candal, na sessão de 23 de Outubro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ainda dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados, que imporia votar.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Álvaro Barreto, do PSD, a partir do dia 17 de Janeiro corrente, inclusive, pelo Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, no dia 18 de Julho, realizou-se, na Assembleia da República, uma reunião conjunta das Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, para tratar das questões relacionadas com o Bairro da Quinta do Mocho. Sucede que essa reunião foi gravada, mas não há possibilidade de acedermos ao que lá se passou, e o grupo de trabalho está parado, porque não se consegue obter a transcrição da gravação das deliberações tomadas no final dessa reunião.
Peço, pois, os bons ofícios do Sr. Presidente e da Mesa, no sentido de que rapidamente se faça chegar essa transcrição ao grupo de trabalho da Quinta do Mocho, através da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, vou ver o que posso fazer, mas o bloqueamento dos trabalhos em matéria de descodificação das gravações é um facto, aliás, já foram tomadas providências no sentido de ultrapassar a situação, abrindo-se, inclusive, um concurso para recorrer a serviços privados. Penso que esta problemática será ultrapassada em breve, mas vou fazer o possível para que se resolva, desde já, o problema que suscitou.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, se me permite, sublinho que não precisaríamos da transcrição integral, bastaria a parte final da reunião, de onde constam as recomendações, para que os trabalhos tivessem seguimento.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr.ª Deputada, vou tentar.
Hoje, no período de antes da ordem do dia, haverá lugar a declarações políticas. Inscreveram-se, para esse efeito, o Sr. Deputado José Junqueiro e a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A promoção do desenvolvimento e do bem estar das pessoas depende, em democracia, daqueles que foram legitimados para governar e para ser oposição. A ambos se reconhece a nobreza dos seus papéis. Há, no entanto, os que, na oposição, pretendem inculcar na opinião pública a ideia de que só ao Governo está reservada uma função construtiva e de que a eles próprios apenas se exige um contraditório assente nas tentações da retórica, por pensarem, erradamente, que há pouco mais de um ano transitaram em julgado e que o passado nem é importante nem nunca existiu. Não pensamos assim! À oposição é exigido sentido de Estado e espírito construtivo. E é exactamente aqui que o PSD encontra os maiores obstáculos à sua recuperação política e equilíbrio programático. É que não pode haver oposição sem intérpretes, nem podem existir intérpretes credíveis sem valores e sem rumo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Também é conveniente que haja Governo!

O Orador: - Aqueles que pautam a sua conduta pelo cata-vento do acaso farão sempre o discurso do vazio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É a actual expressão do PSD, do mais deprimente "Inverno marcelista".

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Mas vamos à prova dos factos: é verdade que Portugal viu crescer o seu produto a um ritmo superior ao dos Quinze; é verdade que o saldo corrente é positivo - cumpre a "regra de ouro" das finanças públicas; é verdade que a inflação diminuiu; é verdade que os salários cresceram;...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Será que é verdade?!

O Orador: - ... é verdade que o investimento público cresceu, os impostos não aumentaram...

O Sr. Guilherme Silva (PSD):- Isso é que já não é verdade.

O Orador: -... e a execução fiscal e as privatizações ultrapassaram as expectativas.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso não é verdade! Fez esse discurso há 10 meses, no mínimo!

O Orador: - E o PSD? Enganou-se, quando disse que o crescimento do produto seria, na melhor das hipóteses, igual ao da média comunitária; enganou-se, quando disse que o nível das privatizações não seria conseguido por Governo algum; enganou-se, quando disse que a receita fiscal se baseia numa previsão de crescimento e de combate à evasão fiscal demasiado optimistas. Mas enganou-se genuinamente, de boa fé? Não! Enganou-se, querendo enganar os portugueses: foi a tentativa de descrédito do Orçamento do Estado; foi a estratégia para destruir a confiança dos agentes económicos; foi a afirmação de que era preferível o insucesso do Governo ao sucesso do País.

Vozes do PS: - É uma vergonha!

O Orador: - Pela primeira vez, em 1996, o desemprego diminuiu relativamente a 1995, passando, segundo o INE, no 4.º trimestre, de 7,3% para 7,2%. Não é o quantitativo da diminuição o que mais significa; o que realmente significa é o facto de se ter controlado o desemprego não como objectivo último mas como momento de viragem e de credibilização da política interdisciplinar prosseguida pelo Governo.
E o PSD? Enganou-se, quando disse que o desemprego aumentaria; enganou-se, quando disse que os funcionários públicos pagariam bem caro esta política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Era a tentativa para evitar a concertação social, para criar tensões de rua e para estimular a incerteza, mas sempre lembrando que não queria falar do passado. E porquê? Porque isso seria lembrar às pessoas que o PSD elevou sucessivamente o desemprego - de 4,5%, em 1992, para 6,2%, em 1993, para 7,1 %, em 1994, e para 7,3%, em 1995; porque, apesar do "oásis" dos milhares de milhões de contos que a Comunidade disponibilizou, o PSD aumentou dramaticamente o desemprego, por ausência de políticas, por incompetência. Não querem que se fale deste passado recente porque as pessoas lembrar-se-ão imediatamente de que quem, numa década, com milhares de milhões de contos à disposição, aumentou o desemprego e exige agora, num ano, outros resultados, não é certamente politicamente sério, nem tão pouco perdeu a arrogância, nem tão-pouco respeita a inteligência dos eleitores.
O Governo do PS cumpriu a Lei das Finanças Locais: aumentou em 40 milhões de contos - mais 20% - as transferencias para as autarquias,...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... aumentou em 19 milhões de contos - mais 51% - as transferências para as freguesias; produziu e continua a produzir legislação própria e está a concretizar uma nova lei das finanças locais.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Qual a seriedade com que um partido político que nunca cumpriu a Lei das Finanças Locais, que retirou, só no último ano de governo, mais de 8 milhões de contos ao FEF, que sempre negou a redignificação do poder local e que proibiu os seus autarcas de participarem na Associação Nacional de Municípios, tentando controlar as suas consciências, vem agora fazer propostas de aumentos ainda mais vastos para o poder local? Nenhuma credibilidade, como é evidente!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Desfaçatez!

O Orador: - O que este partido pretendia era que não se lhe recordasse o passado recente, que não se avivasse a memória de ninguém, pois, assim, poderia mais facilmente, também neste domínio, fragilizar o poder local, arrastar o Governo e os autarcas para uma querela pública e institucional, instabilizar a vida política e criar a ideia de conflitualidade com as expressões mais vivas da democracia: os autarcas e as autarquias.
O Governo do PS aumentou mais e melhor os reformados: aumentou mais quem tinha e tem menos e, mais importante do que isso, cumpriu a Lei de Bases da Segurança Social, transferindo do Orçamento do Estado o que a lei impõe, relançando a confiança entre os portugueses, cimentando a garantia de todos aqueles que, trabalhando e descontando durante uma vida, têm o direito inalienável à sua reforma. E para aqueles para quem a vida foi madrasta criou o Governo do PS, entre outras medidas, o rendimento mínimo garantido, como contributo para o combate interdisciplinar à exclusão social.
O PSD nunca cumpriu a Lei de Bases da Segurança Social, criou, entre os reformados, um ambiente de dúvida e tentou, para além dos limites da honestidade, fazer passar a falsa ideia de que, com o PS, não haveria mais reformas. Hoje todos sabem que o PSD mentiu e todos sabem que o fez de má fé, mas há uma coisa que nós lembraremos sempre às pessoas, sobretudo às que nada têm: é que foi o PSD a afirmar que o "(...) seu Orçamento não teria rendimento mínimo garantido".

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Exactamente!

O Orador: - É, pois, legítimo dizer que este benefício social, se o PSD fosse poder, seria retirado aos que já nada têm e que a sociedade portuguesa voltaria a conhecer as políticas de exclusão social.
O PS, na Assembleia da República, está a concretizar o processo de regionalização. O PS trouxe o PSD para este debate, pese embora a demora deste partido em se sentar à Mesa, na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, e fez um apelo à clareza das suas opções, para que, tal como os outros, pudesse dizer aos portugueses o que pensava sobre tão importante reforma. Esforços vãos!

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O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Ainda se dizem sociais-democratas!

O Orador: - Hoje, em todo o País, ainda ninguém, rigorosamente, sabe o que o PSD quer. Na prática, perdeu a oportunidade de apresentar um projecto próprio, teve medo de explicitar o que pensava. Compreende-se que, sobre esta matéria, não lhe seja fácil acordar de uma longuíssima noite gótica. É difícil exigir um referendo sobre a regionalização a quem, sem referendo, tinha abruptamente decidido que esta não se faria.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - O que já não se compreende é a inexistência de coragem para dizer, tal como o PP, por exemplo, que é claramente contra. Mas compreende-se que o projecto de poder pessoal de um líder desenhe estratégias que lhe permitam a reconciliação com o seu fantasma e com a corte do seu fantasma. E que o carisma, essa qualidade que distingue um indivíduo dos demais, é um dom, não se apanha junto aos morangos nem aspergindo-se com água na corrente do Tejo...
O Governo exigiu o controlo e a transparência dos investimentos da Expo 98. Fê-lo por vontade própria, por obrigação de Estado, por indeclinável dever de transparência e respeito na utilização dos dinheiros públicos. Fê-lo reafirmando sempre a confiança em quem, na administração da Expo, era o primus inter pares. Respondeu mesmo, com, paciente tolerância, a quem, com arrogância e displicência, decidiu exteriorizar incómodo com o dever inalienável de dar a conhecer ao Governo, com prontidão e normalidade, o que lhe era solicitado. Como em tudo na vida, ninguém é insubstituível. Os portugueses conhecerão melhor, com naturalidade, a aplicação dos dinheiros públicos, ao arrepio das práticas de má memória que foram próprias ao Centro Cultural de Belém, e ficarão com a certeza tranquila de que a Expo abrirá no tempo certo, assegurando o prestígio de Portugal.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - A instabilidade social, a intranquilidade pública, a descrença no futuro, o confusionismo nas pessoas, o drama inculcado na análise prospectiva, a veiculação de sentimentos de insegurança, os ataques às reformas na educação, na segurança interna, na justiça ou na saúde, pretendem criar sentimentos de imobilismo ou pretensas crises de autoridade, não para beneficiar o País, não para melhorar a qualidade de vida das pessoas, não para traçar horizontes de esperança mas apenas, e tão-só, para promover o regresso ao poder de um partido anquilosado, que ainda se não reencontrou e que ainda não aprendeu a viver sem os aveludados gabinetes, sem séquitos de servidores, sem o estatuto que deslumbrou um partido e empobreceu um país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PS nunca se intimidará perante estes desafios; tem compromissos com o eleitorado que continuará a cumprir com determinação e continuará a assumir as decisões que outros, por falta de coragem e sentido de Estado, não assumiram.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Prosseguirá o diálogo, como meio privilegiado de consenso e de aprofundamento para as melhores soluções, mas decidirá sempre, com tranquilidade e com transparência, de acordo com o seu próprio calendário. E, confiando na serenidade, tal como no tempo, como bom conselheiro, o PS exorta o PSD a assumir, com nobreza, o papel de oposição firme mas construtiva, divergente mas verdadeira, inconformada mas com o sentido do País, em detrimento do discurso amargurado e derrotista, tantas e tantas vezes falado junto ao chão.
É tempo de o PSD pensar em apresentar contributos para o desenvolvimento do País, em vez de ocupar o seu tempo com encenações para a notoriedade pública de quem não chegou a tempo à sede própria do debate político.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Junqueiro, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, achei extraordinário que V. Ex.ª, no dia de hoje, conseguisse fazer uma declaração política supostamente com importância e conteúdo, supostamente também dirigida a problemas políticos da actualidade e do País e tenha conseguido omitir uma referência que fosse ao problema da Expo 98. Recordo que, no início da tomada de posse deste Governo, existiu a dúvida sobre se o Governo do Partido Socialista reconduziria ou, pelo contrário, substituiria o Comissário Cardoso e Cunha à frente da Expo 98. O Governo do Partido Socialista optou por reconduzir o Engenheiro Cardoso e Cunha à frente da Expo 98 c, mais recentemente, o Sr. Primeiro-Ministro embrulhou publicamente essa recondução em papel de luxo, ao considerar o Engenheiro Cardoso e Cunha como o melhor Comissário para a Expo 98.
Não nos podemos esquecer de que outro ministro do Governo do PS surpreendeu o País há dois ou três meses, dizendo que a Expo 98 iria ser um "buraco" financeiro que o País iria pagar muito caro, criticando desta forma, por antecipação, as palavras do seu próprio Primeiro-Ministro, que considerava que o Engenheiro Cardoso e Cunha era o melhor gestor possível para a Expo 98.
Por outro lado, ficámos também a saber, há dias, que, pelas circunstâncias físicas do Sr. Ministro da Presidência, ele não estaria disponível para transportar "ao colo" uma estátua do Engenheiro Cardoso e Cunha, porque, aliás, já há muito tempo que o transportava ao colo - e disse isto até num tom galhofeiro, que nos parece um pouco desajustado com os problemas que o País tem na realização desta exposição e com a gravidade das situações que, também por culpa do Governo do PS, têm ocorrido no que diz respeito à Expo 98.
Evidentemente que mantemos as dúvidas que temos expressado sobre a viabilidade financeira da Expo 98, nos termos que foram prometidos ao País, de equilíbrio total entre as despesas e as receitas da exposição. Aliás, hoje, à hora do almoço, outro administrador da Expo 98, de quem, aliás, se fala como futuro comissário, deu uma entrevista a um canal de televisão, em que reconheceu que as receitas não vão equilibrar as despesas - e estou a falar do Dr. António Mega Ferreira.
Sr. Deputado, qual é a posição do Grupo Parlamentar do PS, desta vez, relativamente a este problema? Qual é o Ministro com que concorda: com o Primeiro-Ministro,

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que acha que o Comissário Cardoso e Cunha é o melhor para a Expo 98? Com o Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro, que é o Dr. Jorge Coelho, que diz que a Expo 98 vai ser um buraco financeiro? Ou com o Ministro da Presidência, que também funciona perto do Sr. Primeiro-Ministro, que não se sabe bem se queria ou não substituir o Comissário Cardoso e Cunha?

Entretanto, assumira a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, esgotou o seu tempo. Queira concluir de imediato.

O Orador: - A verdade é que existe muito nevoeiro à volta da viabilidade financeira da Exposição, nos termos em que ela foi prometida ao País, e é por essa razão que os Deputados do Partido Popular vão pedir ao Tribunal de Contas que desencadeie os mecanismos, que já hoje tem ao seu dispor, no sentido de proceder a uma auditoria às contas da Expo 98.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, agradeço a sua questão, porque dá oportunidade ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista a, mais uma vez, reafirmar, com toda a clareza, o que pensa sobre esta problemática. Não deixo, no entanto, de lamentar que não tenha a disposição de espírito para entender quão positiva foi a intervenção do Sr. Ministro da Presidência perante a gravidade das afirmações do Comissário da Expo 98.
Todavia, gostaria de dizer-lhe o seguinte: o País estava habituado a que todas as coisas corressem sem que houvesse sobre elas qualquer preocupação de rigor. Isso aconteceu em vários momentos da vida nacional. Talvez aqueles em que menos se notou e onde se gastou mais dinheiro fossem exactamente os que decorreram da política de obras públicas, onde a aceleração em função dos prazos eleitorais colocou a delapidação dos dinheiros públicos como algo de normal perante o Governo anterior. Mas é óbvio que o Centro Cultural de Belém foi o caso em que mais se falou, em que mais se disse, mas que, pedagogicamente, parece que não tinha contribuído para, rigorosamente, nada.
Devo ainda dizer-lhe que o Governo reafirmou sempre a confiança no Comissário, mesmo nas alturas em que o modo como ele assumia as questões era, de alguma forma, perante a opinião pública, uma atitude de algum desafio. Aliás, devo dizer-lhe que concordamos perfeitamente com o que disseram o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro Adjunto, porque, pela primeira vez, temos alguém que, de uma forma clara, interpreta os sentimentos das pessoas, ou seja, não desconfiando de ninguém, acha que é necessário trazer à opinião pública o conhecimento absolutamente rigoroso do que se passa num empreendimento tão grande, de tão grandes ambições, que pode, como é óbvio, prestigiar o País.
O Sr. Ministro da Presidência fez, sobre este conjunto de intervenções, uma consideração que foi dirigida à inteligência de todos nós e que colocou sob a capa do ridículo a afirmação de alguém que, sobre esta matéria, se julga digno daquilo que é, ao fim e ao cabo, ou deve ser, o simples cumprimento de uma obrigação.
Por isso, terminaria dizendo-lhe que estamos de acordo com a consequência e a coerência de todas estas intervenções. A nossa posição é a de que acreditamos claramente que, em matéria da EXPO, o Governo conseguirá que ela abra no tempo preciso, com a tranquilidade necessária, e de que, nesta matéria como nas outras, não há pessoas insubstituíveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, consta que se realizaram, recentemente, umas jornadas parlamentares do PPD-PSD e, certamente, a Assembleia teria todo o interesse em saber o que lá se passou.
O que lhe pergunto, Sr. Presidente, é se está alguém inscrito do PPD-PSD para intervir neste período das declarações políticas ou se, de facto, não se passou nada nessas jornadas...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, a Mesa não tem, até ao momento, qualquer inscrição de pedido de palavra por parte do PSD.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, para dizer que, satisfazendo a curiosidade e o interesse da bancada do Partido Socialista, o Grupo Parlamentar do PSD fará distribuir, por todas as bancadas, as conclusões das suas jornadas parlamentares.

Risos gerais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Fica registada a declaração do Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Está em curso nesta Assembleia da República a revisão constitucional. Assim, é possível saber o que os partidos propõem para melhorar ou adequar a lei fundamental ao País e ao futuro.
Compulsando a proposta do Partido Socialista relativamente a três artigos fundamentais - artigos 63.º (Segurança social), 64.º (Saúde) e 74.º (Ensino) - verificamos que, praticamente, tudo fica como está. A igualdade prevalece sobre a equidade. A gratuitidade prevalece sobre a selectividade. O Estado prestador prevalece sobre o Estado garante e regulamentador.
Mantém-se a ideia peregrina dos direitos sociais ilimitados, sem referência aos deveres de todos e cada um, nestas matérias.
Ora, se tais princípios continuarem fixados no texto constitucional, a sua letra e a sua substância vão constituir-se num obstáculo ao legislador corrente, ou seja, as reformas nestas áreas vão estar bloqueadas, e coerentemen-

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te, pela enunciação e consagração claras de princípios que permaneceram, embora ultrapassados.
Surge-nos aqui a primeira perplexidade.
É que o Governo, saído da maioria socialista, anunciou-se como um governo reformista. A educação - prioridade das prioridades - e, por razões diferentes, a saúde e a segurança social iriam ser objecto de profundas reformas.
Perplexos estamos porque, se bem se sabe, não poderá o Governo reformar sem que a Constituição, nestes três artigos, sofra a necessária revisão, abrindo a porta a dois importantes aspectos: primeiro, o da renovação dos conceitos; segundo, o da criação de novos instrumentos para modelar os sistemas. Isto é, se não houver, em sede de revisão constitucional, por parte do PS, esta concreta iniciativa política, não poderá o Governo reformar.
Veremos, então, o Governo atado de pés e mãos, sem conceitos alternativos nem instrumentos eficazes, rebolar ao longo da Legislatura numa aparente evolução reformista, apenas e tão-só verbal, perpetuando nos seus discursos um novo contrato social, constantemente negado pela realidade do quotidiano.
Devemos, então, perguntar: estará o Governo prisioneiro do PS? Ou não quererá, afinal, o Governo reformar?
Julgamos que o Governo quer reformar. Concedemos mesmo, e ainda, o benefício da dúvida de que o queira fazer pelas melhores razões, isto é, em nome das gerações futuras.
Mas se assim não for, ou seja, se o não quiser fazer pelas, melhores razões, sabemos que terá de reformar em nome do cumprimento dos critérios de convergência e do objectivo da Moeda única. De facto, a equação europeia vai exigir um novo compromisso social a que o Estado Providência não pode já responder.
As alterações macroeconómicas e demográficas, o desemprego, as novas formas de exclusão, obrigando a medidas de discriminação positiva, as novas doenças e o crescente endividamento público obrigam, face à necessidade de conter o déficit, a uma proeza de sabedoria e imaginação políticas, para conciliar o imperativo da produtividade e da coesão social, os princípios de uma sociedade aberta e o dever de solidariedade, eficácia e equidade.
É este, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o compromisso do ano 2000, nesta Europa que os Partidos Socialista e Social-Democrata transformaram no nosso único desígnio nacional.
Se para o Partido Popular estas reformas, no quadro nacional e face aos pressupostos objectivamente enunciados, se afiguram imprescindíveis para o Partido Socialista e para o Governo, elas têm a mais uma temporalidade que a meta da Moeda única já determinou.
E aqui surge a segunda grande perplexidade, qual seja a de verificarmos que, mesmo em cenários optimistas de crescimento económico e incremento de receitas fiscais e parafiscais, mantendo-se os valores do endividamento dentro dos limites estipulados, nos anos de 2000, 2005 e 2010, é insustentável o crescimento das despesas sociais à cadência de 1985-95.
Por aqui se conclui que não é possível qualquer conciliação entre um pecado de omissão reformista, por um lado, e o cumprimento dos critérios de convergência, por outro, mantendo a promessa de não aumentar a carga fiscal, pelo menos, para além dos limites do razoável.
Assim, se o Partido Socialista não abre, em sede de revisão constitucional, a porta às reformas, o Governo não reformará. Se o Governo não reformar, estes três sistemas, objecto quando muito de alguma arrumação não estrutural, persistirão no caminho do desperdício, da voragem da despesa e da ineficácia, gerando novas injustiças, e note-se - obviando à tal disciplina orçamental, objectivo essencial da política deste Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Lembrados que estamos da declaração política do Partido Socialista, pela voz do Sr. Deputado Francisco de Assis, ainda há bem pouco tempo, programando 1997 como ano decisivo ao cumprimento do objectivo da Moeda única e das grandes reformas; sabendo que não é possível, porque ilógico, considerar a União Económica e Monetária como um acto estratégico máximo, sem o considerar igualmente um instrumento de transformação da sociedade, obrigando a uma competição entre sistemas sócio-económicos; o Partido Popular, que, em nome das gerações futuras, considera as reformas dos três sistemas inadiáveis e tem tido, em nome da independência nacional quanto à questão europeia, a liberdade de espírito e a prudência de questionar objectivos, métodos e calendários, tem aqui hoje o dever de perguntar o seguinte: poderá o PS e o Governo obrigar os portugueses a somarem, à factura individual e colectiva dos custos deste desígnio, aquela outra factura que o Estado, por inércia, parece não querer pagar? E será lícito fazê-lo, sem mesmo os querer ouvir? Ou será por isso mesmo?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, ouvi com atenção a sua intervenção e, desde já, quero cumprimentá-la pela preocupação que nos trouxe.
Trazer-nos uma preocupação relativamente a matérias tão relevantes como as da segurança social, da saúde e do ensino revela, seguramente, uma atenção muito maior aos problemas mais reais e efectivos do País do que outras intervenções que, às vezes, aqui são produzidas, que tudo têm a ver com a "espuma" dos dias e nada com os problemas essenciais dos portugueses.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Devem ser do PS!

O Orador: - Por isso, apraz-me que possamos dialogar sobre problemas essenciais.
A Sr.ª Deputada manifestou alguma preocupação pela circunstância de poder decorrer da revisão constitucional em curso alguma não revisão de artigos relativos à segurança social, à saúde e ao ensino, que, eventualmente, tivesse como consequência o bloquear ou o dificultar reformas significativas nestes domínios.
Sr.ª Deputada, teríamos, naturalmente, que procurar entendermo-nos sobre o alcance das reformas de que falamos. Como sabe, o Partido Socialista entende que estas são áreas onde a defesa e a garantia de uma sistema público na segurança social, na saúde, no ensino, são indispensáveis à perspectiva da igualdade de oportunidades e de justiça social, pela qual o PS, em permanência, se bate. Mas isso não impede que a existência e a defesa de sistemas públicos nestes domínios não nos motivem também à valorização da componente da iniciativa social nestes mesmos domínios e à possibilidade de compreender e até de incrementar essa iniciativa social como complementar ao esforço dos sistemas públicos.

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Por isso, Sr.ª Deputada, apraz-me recordar-lhe, por exemplo, que, muito recentemente, com a aprovação do Acordo de Concertação Estratégica, os parceiros que subscreveram esse acordo se reportaram, no domínio da segurança social, às orientações constantes do artigo 63.º da Constituição da República, não tendo essencialmente posto em causa os objectivos que, constitucionalmente, são prosseguidos nessa norma constitucional.
Por outro lado, o Governo celebrou também, muito recentemente, com as instituições particulares de segurança social aquilo que foi designado de Pacto de Solidariedade entre todos e que exprime também uma efectiva capacidade de diálogo e de compromisso entre o sector público e as instituições particulares, no mesmo objectivo de realizar os factores e os objectivos da segurança social e de solidariedade social no País.
A Sr.ª Deputada constatará, por isso, que não é por causa das normas constitucionais que estes objectivos não são alcançáveis; muito pelo contrário, elas estão a ser alcançáveis no quadro constitucional em vigor. Por outro lado, também no domínio do ensino, sabemos que, muito recentemente, o Governo anunciou propósitos firmes de continuar uma reforma, que tem alcance em matérias necessariamente controversas mas que devem ser encaradas, como a da revisão da Lei de Bases do Sistema de Ensino, designadamente o do financiamento do Ensino Superior, para os quais é desejável que haja possibilidades de acordos de regime, envolvendo não apenas o partido que apoia o Governo mas outros partidos com assento parlamentar.
Por isso, também me congratulo pela circunstância de a Sr.ª Deputada ter indiciado estas matérias como importantes para o diálogo entre o Governo e a oposição.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, no domínio da saúde, também existe essa preocupação de diálogo com os parceiros sociais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Jorge Lacão, queira concluir, uma vez que já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, de imediato, Sr. Presidente.
Na próxima semana, o Partido Socialista e, mais propriamente, o Grupo Parlamentar vão tomar a iniciativa de, ao abrigo das suas acções regulares, realizar aquilo que chamamos um "clube parlamentar" com a Sr.ª Ministra da Saúde, tendo como convidados especiais para o diálogo os Srs. Bastonários da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Farmacêuticos.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, considere-se convidada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, para nos dar a honra da sua presença nesse momento. Será com muito agrado que também dialogaremos abertamente com a sua bancada nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que acabei, de ouvir, da sua parte, na primeira fase da sua intervenção, uma interpretação dos artigos 63.º, 64.º e 74.º da Constituição. Mas sabe que essa é uma interpretação optimista, do ponto de vista das reformas. Isso, aliás, tem sido dito aqui por ministros do seu Governo, nomeadamente pela Sr.ª Ministra da Saúde que referiu já, neste Plenário, a impossibilidade de proceder a uma reforma de fundo sem uma alteração do artigo 64.º da Constituição. Lembro-lhe outro caso, também recente, que foi o da gratuitidade do pré-escolar que chocou exactamente com um conjunto de princípios que estão consagrados na Constituição e mantidos na proposta de revisão constitucional desses mesmos artigos por parte do PS - daí a nossa perplexidade.
Quando falo aqui de reformas, falo de qualquer coisa que está a ocorrer em todos os países no sentido de que o Estado-Providência, por muito respeito, consideração e apreço que tenhamos por este conceito, que consideramos mesmo cultural e eticamente fundamental, o que é certo é que ele sofreu e está a sofrer uma evolução em todos os países. E, quando se fala da substituição do princípio da igualdade pelo princípio da equidade, é exactamente neste sentido.
Eu diria, muito rapidamente, que é preciso trazer selectividade ao sistema, é preciso trazer novos financiamentos ao sistema e é preciso fazer, de facto, essa parceria com a sociedade civil. Para quê? Para podermos racionalizar sem racionar. Penso que esse é um objectivo comum a todas as bancadas - não racionar um sistema, que já é um sistema pobre, mas racionaliza-lo. Ora isso, do nosso ponto de vista, não está, neste momento, previsto em sede de revisão constitucional. Tivemos o caso da gratuitidade do pré-escolar, temos já declarações da Sr.ª Ministra da Saúde, que pensa que, neste quadro constitucional, não poderá avançar para a reforma. Portanto, as dúvidas que aqui levantei são de como é que o Governo pode reformar neste sentido de modernização da sociedade portuguesa e de compatibilização com os critérios de convergência - assunto que tanto preocupa o Governo e o PS - e não fazer essas reformas.
Essa foi, no fundo, a contradição que aqui quis trazer. Penso que não podemos continuar a ouvir apregoar objectivos, por um lado, e, por outro, numa sede que é tão fundamental ao cumprimento desses objectivos como é a sede parlamentar devido à revisão constitucional, as coisas não ocorrerem senão de uma forma muito incipiente - tanto assim é que basta comparar as alterações propostas pelo PS a estes três artigos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, apraz-me registar a presença nas galerias, assistindo aos nossos trabalhos, de alguns dos Srs. Deputados à Assembleia Legislativa Regional dos Açores, que compõem a delegação parlamentar hoje recebida em audiência pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Esta delegação foi presidida pelo Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, o Sr. Deputado Eurico de Sousa. Nas galerias, assistem aos nossos trabalhos membros da delegação oriundos do PSD, com o seu líder parlamentar, o Sr. Deputado Victor Cruz, e o Deputado do PP e Vice-Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, o Sr. Deputado Alvarinho Pinheiro. Com especial satisfação registo a sua presença, por razões de todos conhecidas.

Aplausos gerais, de pé.

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Para que não restem dúvidas, quero acrescentar que a delegação parlamentar é pluri-partidária - formada por todos os partidos com assento na Assembleia Regional.
Também assistem aos nossos trabalhos esta tarde um grupo de alunos da Escola Secundária do Restelo e um outro grupo, mais numeroso, de alunos da Escola Secundária Manuel Cargaleiro, do Seixal. Tive já ocasião de cumprimentar alguns deles esta manhã nos nossos Passos Perdidos.

Aplausos gerais, de pé.

Para tratamento de um assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o distrito de Leiria foi considerado há 15 anos como uma potencial terceira região do País, logo a seguir a Lisboa e ao Porto. Falou-se mesmo de uma terceira metrópole, bem no centro do território nacional. Infelizmente, esta visão não se realizou e a região do Oeste e da Alta Estremadura tem vivido apenas das iniciativas dos agentes económicos locais, que felizmente têm resistido às crises e à descrença. E se agora trago o tema a esta Câmara não é por meras razões paroquiais mas porque os problemas da região têm causas que se identificam com os métodos obsoletos do planeamento do Estado e com a ausência de uma estratégia de desenvolvimento regional, ou seja, problemáticas da agenda nacional, acrescentadas pela incompreensão reinante sobre a importância da tradição industrial e agrícola que a região possui para o processo de desenvolvimento do País.
Entretanto, é evidente que no distrito de Leiria têm sido feitas algumas, ainda que poucas, obras públicas. Só que são obras avulsas, sem qualquer lógica integradora; são usualmente um custo e não um factor, medível, da criação de riqueza. Com isso, o distrito de Leiria tem perdido, mas a perda maior é do País, que não tem aproveitado as potencialidades, o saber e os recursos das gentes da região, por falta de uma visão global sobre qual o papel do distrito de Leiria em Portugal, na Europa e no Mundo. E, porque o distrito, de Leiria é. um modelo em pequeno de Portugal, as desgraças de Leiria são semelhantes às da generalidade do País, que no seu conjunto sofre da ausência de métodos modernos de planeamento, que equilibrem e optimizem o nosso processo de desenvolvimento.
Apenas dois exemplos: a auto-estrada de Lisboa ao Porto foi um grande investimento que deveria ser bem aproveitado, até pelo seu elevado custo, para o desenvolvimento do distrito de Leiria, que esta via atravessa de ponta a ponta. Só que nenhum acesso foi construído em direcção a qualquer das sedes concelhias que constituem o distrito, da mesma forma que não dá, acesso a qualquer parque industrial, a qualquer porto de mar, a qualquer zona turística - se excluirmos Fátima e ao "mérito" que nisso teve Oliveira Salazar - ou a qualquer outra coisa que na região tenha significado económico. Isto é, a auto-estrada existe para ligar Lisboa ao Porto, ponto final. Que enorme desperdício! O segundo exemplo, entre muitos, é a Base Aérea de Monte Real, que há 20 anos é prevista para poder ser utilizada pela aviação civil ao serviço da economia da região, sem que isso tenha acontecido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, por este. pequeno resumo, é fácil de compreender que a principal reivindicação que aqui vos deixo passa pela existência de novos objectivos e de novos métodos de planeamento, servidos pela visão de um pensamento estrategicamente inovador. Foi neste sentido que apresentámos ao Ministro João Cravinho a sugestão de alguns projectos integrados de desenvolvimento, que o pouco tempo disponível apenas me permite salientar pequenos aspectos avulsos.
O eixo Marinha Grande-Leiria-Pombal-Alcobaça constitui a zona do País com maior tradição industrial, nomeadamente de pequena e média indústria, de iniciativa privada. É também, seguramente, a região do Pais com uma economia mais diversificada, com os vidros e a cerâmica, os moldes para plástico, a 'engenharia de produtos e a prototipagem rápida, a transformação de matérias plásticas, a cartonagem, a cutelaria, indústria alimentar, material eléctrico e electrónica, a madeira e o mobiliário, o vestuário e o calçado, além do desenvolvimento de software e de sistemas de automação, entre outros, mas é também a região do País que possui um capital humano moderno, em que os empresários, quadros, vendedores e trabalhadores especializados conhecem o mundo e sabem encontrar no exterior os recursos e as oportunidades necessárias aos seus negócios, atitude tão importante no mercado global em que estamos inseridos, região onde existe, de longe, a maior concentração nacional de meios informáticos e de automação industrial - só na Marinha Grande mais de 100 sistemas de Cad/Cam com centenas de profissionais habilitados e competentes.
Os produtos da região são valorizados e com elevado valor acrescentado, exportados para mais de 60 países diferentes e tendo como destino frequente as maiores e mais exigentes empresas europeias e mundiais. Realidade pouco conhecida: apenas se fala da empresa Manuel Pereira Roldão e das suas desgraças! Empresa esta que vendia menos de um milhão de contos, guando poucos sabem que apenas três empresas vidreiras - Santos Barosa, Gallos e Cive - vendem, em conjunto, 30 milhões de contos, sendo uma parte substancial exportada para Espanha, França, Chipre e Israel.
Por isso, não tenho dúvida de que nenhuma outra região de Portugal tem melhores condições para constituir um pólo europeu de excelência industrial que, aproveitando a capacidade instalada, cresça para o Norte, para o Sul e para o Interior, com incentivos adequados para a fixação de empresas. Para isso são essenciais os acessos à auto-estrada, no sentido de atrair o investimento de fora da região, nomeadamente estrangeiro; comunicações digitais modernas e a preços internacionalmente competitivos; transportes inovadores e baratos, nomeadamente ferroviários, além de um programa específico do ICEP para atrair o investimento estrangeiro para a região, em sectores de tecnologia avançada, com privilégio para o fabrico de produtos finais ou de sistemas valorizados como, por exemplo, para a indústria automóvel e para a aeronáutica; mas também na área dos electrodomésticos, informática, produtos médicos e de telecomunicações. Tenho hoje a profunda convicção de que os investidores estrangeiros, do tipo descrito, preferem fixar-se na Inglaterra, na Bélgica ou na Irlanda, não vindo para Portugal, porque não conhecem o nível tecnológico e a capacidade instalada nesta zona do País.
A seguir aos recursos humanos e às telecomunicações, os transportes constituem a terceira dimensão dos factores de competitividade do próximo milénio. E Peniche tem condições únicas, nomeadamente de baixo custo, para a construção de um porto de mar vocacionado como terminal de contentores - no sentido da especialização dos nossos portos (presentemente existem contentores um pou-

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co por todo o lado), mas numa óptica vincadamente económica e moderna, não na óptica das obras públicas isto é, um porto projectado para ser o mais barato terminal de contentores da Europa, por ser o mais automatizado e aquele em que os barcos permanecerão menos tempo. Com acessos modernos (IP6 e ferroviários), o mercado deste porto pode e deve estender-se pelo interior de Espanha, pelo menos até Madrid, além naturalmente de ser um elemento importante da competitividade da região e do escoamento competitivo dos produtos nacionais. Além de viabilizar a indústria de conservas local, nomeadamente a do atum.
Os concelhos de Alcobaça, Batalha, Porto de Mós, Óbidos e Bombarral produzem alguns dos melhores produtos vinícolas, hortícolas e frutícolas do País e da Europa. Alcobaça tem os melhores pêssegos do mundo, mas o que compramos nos nossos supermercados é de qualidade inferior e por isso nos devemos interrogar sobre se a qualidade dos produtos é ou não uma mais-valia, um valor acrescentado para a economia nacional, na sua competição com as outras partes do mundo. A resposta a esta questão é urgente e passa por um plano estratégico regional para a agricultura que trate de todos os aspectos desta problemática: incentivos para quantidades planeadas de produção, da embalagem, de marcas, redes de frio, sistemas de comercialização e de uma logística de transportes inovadora em direcção à Europa, mas passa também, com toda a probabilidade, pela concertação entre o Estado, os produtores e as suas associações, através de acordos planeados com as empresas detentoras das grandes superfícies comerciais.
O norte do distrito de Leiria tem sido abandonado por todos aqueles que conseguem sobreviver em qualquer outro lugar. Não há empregos e principalmente não havia qualquer esperança de que viessem a haver; o que existe é o desespero, sofredor e silencioso, como é próprio do povo do nosso interior. As soluções não são fáceis, mas no mínimo passam pelas vias de comunicação planeadas, nomeadamente o IC8; pela organização de um plano de limpeza, valorização e desenvolvimento da floresta e de medidas de planeamento da produção florestal em concertação com os grandes clientes existentes no território nacional; além de legislação própria, que contribua para fixar na região alguma parte da mais-valia resultante da riqueza florestal lá criada; plano especial de defesa das empresas industriais ali existentes, nomeadamente do sector têxtil, na base de soluções empresariais, mas com a compreensão clara de que estas empresas estão a cumprir objectivos sociais indesmentíveis; incentivar novas iniciativas do turismo rural e cultural, além da fixação na região de empresas industriais, nomeadamente através de deslocalizações resultantes do programa de excelência industrial anteriormente referido, criando para isso os incentivos adequados como, por exemplo, a isenção de IRC.
É urgente que o Governo defina uma nova política nacional de pescas, baseada no princípio de que o peixe de qualidade é um produto escasso, que deve ser pescado através de métodos selectivos, usando períodos de defeso, com novas embarcações mais económicas, rápidas e mais automatizadas. Esta nova política corresponde à visão que existe no distrito de Leiria para o sector, sendo lamentável que não tenhamos ainda conseguido demonstrar em Bruxelas que o problema da possível escassez de peixe só pode ser adequadamente resolvido através de métodos de pesca selectiva e da valorização qualitativa do peixe, como, produto escasso, e não através da redução arbitrária do número de embarcações. Por outro lado, uma nova política de pescas passa também por novos métodos de embalagem, marca e comercialização, além da sempre presente questão de uma nova logística de transportes em direcção à Europa, como já visto para os produtos da terra - e, já agora, esta reflexão é também válida para a indústria e para o turismo. Ou seja, a questão dos barcos rápidos e a questão do transporte por camião em plataformas ferroviárias para cobrir as grandes distâncias é uma necessidade estratégica da nossa economia, mais afastados que estamos do centro da Europa.
O distrito de Leiria, deste século, desenvolveu-se ao longo deste eixo essencial que passa pelo centro de quase todos os concelhos do distrito, autêntica rede vital, mas que se deixou morrer aos poucos até ao colapso actual refiro-me à Linha do Oeste. Pessoalmente, tenho a profunda convicção de que o caminho de ferro será o sistema de transportes do século XXI, com ou sem os supercondutores que permitirão velocidades superiores a 500 quilómetros por hora. Em qualquer caso, a Linha do Oeste é uma necessidade real, incontornável, fisicamente instalada no terreno e pronta para servir as pessoas e a economia da região. Esquecer a Linha do Oeste é esquecer um elemento essencial da modernidade do distrito de Leiria. Digo e repito, modernidade, porque não é moderno ter a possibilidade de ligar Lisboa a Leiria numa hora, com todo o conforto, e segurança, a ler o jornal ou a tomar o pequeno-almoço e preferir arriscar a vida na estrada, em que a mesma hora é gasta, apenas, nos engarrafamentos das zonas urbanas das duas cidades. Mas a Linha do Oeste é também parte do serviço de transportes da Lisboa do futuro, onde ir à praia, a S. Martinho ou à Nazaré, ou jantar em Óbidos, poderá levar menos de uma hora, a partir de qualquer ponto da zona metropolitana de Lisboa, além de poder servir o novo Aeroporto a construir.
Por tudo o que fica dito, não electrificar e não modernizar a Linha do Oeste, deixando-a morrer, seria uma falta de visão estratégica sobre o desenvolvimento da região Oeste e do distrito de Leiria que não teria perdão. Por isso, as populações do Oeste e da Alta Estremadura acreditam em soluções criativas de financiamento, nomeadamente privado, com possíveis concessionários da exploração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta é uma descrição necessariamente curta de como a região de Leiria pretende servir melhor o desenvolvimento do País, não na óptica tradicional das obras avulsas mas procurando definir alguns projectos que não são da região, porque são projectos que podem contribuir de forma significativa e exemplar (e refiro aqui a palavra exemplar com particular ênfase) para o desenvolvimento e a modernização de Portugal, projectos que, envolvendo naturalmente despesa, são essencialmente destinados a aumentar a produção e a criação de riqueza das empresas, do Estado e das populações, isto é, a acrescentar valor ao trabalho dos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Poças Santos, Gonçalo Ribeiro da Costa e Isabel Castro. Tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Henrique Neto, ao ouvi-lo, quase pensava ter voltado dois ou três anos atrás, quando

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ouvíamos então o empresário do nosso distrito falando em colóquios de empresários ou até, talvez, a versão regional no distrito de Leiria dos Estados Gerais!...
Julgo é que, no discurso que fez aqui, apontando carências importantes e até soluções que não posso deixar de subscrever, o que é lamentável e estranho é que, dois ou três anos depois de envergar essas vestes com que então o Sr. Deputado Henrique Neto se vestia, hoje esqueceu-se de que é o cabeça de lista do partido que apoia o Governo, do partido que tem a responsabilidade de resolver os problemas concretos, do partido que tem a responsabilidade de dar execução às muitas promessas que fez ao eleitorado por todo o País e também no distrito de Leiria. Essa é a principal crítica de fundo que tenho a fazer-lhe.
O Sr. Deputado Henrique Neto traçou planos, enquanto, na altura, membro do gabinete sombra do PS, que encantaram muita gente, apresentou promessas eleitorais num manifesto eleitoral do distrito que continha, praticamente, a resolução em poucos anos, dos principais problemas que nos afectam; e até o plano estratégico que apresentou no último Verão foi um renovar dessas promessas. Hoje, não nos trouxe novidade alguma - trouxe-nos apenas, mais uma vez, um novo rol de promessas. Eu pensava que o Sr. Deputado Henrique Neto vinha dizer que tinha conseguido, do Sr. Ministro João Cravinho, a resolução de alguns problemas, porque já sabíamos, no distrito, que tinha ido em audiência apresentar ao Sr. Ministro o seu plano estratégico - pensava que, pelo menos, trouxesse hoje aqui duas ou três questões resolvidas ou em vias de resolução. Vem falar-nos do conforto da linha do Oeste, de ir, em uma hora, de Leiria a Lisboa tomando o pequeno-almoço ou lendo o jornal. Mas, Sr. Deputado Henrique Neto, nada se fez nestes dois anos, nada se fez no PIDDAC de 1996 nem no de 1997 para resolver os problemas!
O Sr. Deputado Henrique Neto - estou lembrado disso - disse, numa intervenção no Conselho Empresarial da Região de Leiria, que não valia a pena o seu mandato se não conseguisse a resolução dos problemas concretos; eu não vou tão longe - devo dizer que a sua presença é sempre bem-vinda e folgo que esteja em funções como Deputado porque foi eleito pelo povo, e tem mais dois anos para mostrar a sua influência. Nós, em termos orçamentais, já esgotámos meia legislatura - só tem mais dois orçamentos para mostrar que, além das audiências ao Sr. Ministro João Cravinho, para além dos planos estratégicos, consegue, de facto, junto do poder socialista, algo mais do que o renovar de promessas. É evidente que o que V. Ex.ª disse em termos de rodovias é certo; o que disse em termos de promoção dos produtos regionais está certíssimo, mas, diga-me, em que é que se traduziu, desde a posse do actual governo, desde que o Sr. Deputado Henrique Neto tomou assento nesta Assembleia, essa vontade, esse desejo?
Sr. Deputado Henrique Neto, com toda a reverência, com todo o respeito e com toda a consideração que sabe tenho por si, porque é um empresário ilustre do distrito, julgo que, como Deputado, não conseguiu ter o sucesso que teve como empresário. Espero sinceramente que consiga esse sucesso no tempo que lhe falta. Estaremos cá para verificar se a sua presença nas listas de Deputados do Partido Socialista trouxe ou não algo de novo, se trouxe algo mais do que apontar as críticas que eram feitas aos Deputados Sociais-Democratas, que eram acusados de terem pouco influência, sendo certo que durante 10 anos conseguiram muitas obras para o distrito - conseguiram-se infra-estruturas na saúde, na educação e nas rodovias. Neste campo, o Partido Socialista teve apenas para apresentar os acessos à auto-estrada, que, aliás registo positivamente e nada mais!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Poças Santos, agradeço a sua pergunta, mas devo dizer-lhe que, por um lado, não se deve encurtar o tempo, não passaram dois anos desde que o Partido Socialista está no poder e não faltam só dois anos até terminar a Legislatura! Portanto, dê tempo ao tempo, não se excite.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Passaram dois orçamentos!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado não tem legitimidade para vir dizer que o Partido Socialista não fez tudo aquilo que prometeu porque os senhores estiveram 10 anos no poder e, resumindo a minha intervenção ao distrito de Leiria, V. Ex.ª sabe tão bem como eu a desgraça que é o distrito de Leiria, a desgraça que é o próprio concelho de Leiria, a desgraça que são algumas instituições em Leiria, como, por exemplo, o Politécnico e outras questões que V. Ex.ª conhece bem. Ou seja, dê tempo ao tempo em relação ao Partido Socialista, ao processo e à consciência que o Partido Socialista tem sobre as carências de Leiria. Tenho todas as razões para aqui dizer que o Governo está tão consciente como eu, e como o Sr. Deputado, das carências do distrito de Leiria.
Aliás, não quero deixar de referir a intervenção do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território no nosso distrito procurando formas criativas de financiamento de uma obra rodoviária essencial, que V. Ex.ª conhece bem, superando as debilidades do financiamento do Estado. E surpreende-me que VV. Ex.as, aqui e além, nomeadamente nas autarquias, tenham vindo a levantar alguns obstáculos, por enquanto meramente retóricos, relativamente a essa procura de criatividade para resolver um problema de acesso a Lisboa e ao Porto, que foi resolvido, e que é um exemplo do grande erro de planeamento que foi a execução da auto-estrada que não deu praticamente acesso a nenhum concelho do nosso distrito, apenas ligando Lisboa ao Porto. Esses grandes erros estratégicos de desenvolvimento foram feitos pelo Governo que V. Ex.ª apoiava.
Mas não quero terminar sem referir uma questão que me parece importante e a qual penso que todos devemos ponderar, nomeadamente, a sua bancada. Falei aqui num aspecto que V. Ex.ª não notou ou pelo menos não se lhe referiu e que é a necessidade de se alterarem alguns hábitos de planeamento do Estado, algumas resistências, até culturais, da nossa sociedade e que têm que ver com o privilégio, do meu ponto de vista, dos projectos integrados de desenvolvimento, seja no distrito de Leiria seja noutros pontos do país, vis-a-vis as obras avulsas de obras públicas.
Portugal tem uma tradição muito grande e muito antiga de obras públicas; os políticos e até os agentes económicos pensam sempre na reivindicação da obra pública mas a obra pública é, muitas vezes, muito mais um custo

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que um factor de rendimento. Por isso, temos de, pouco a pouco, começar a pensar em termos de projectos de desenvolvimento que tenham conteúdo económico e que não sejam apenas um custo mas factores de criação de riqueza.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Essa, Sr. Deputado, é a essência daquilo que eu quis dizer aqui. Não é muito fácil fazer porque há resistências na sociedade, no aparelho de Estado, até na política nacional e nos políticos nacionais, mas isto é um factor essencial na modernização do País e esta é a mensagem essencial que aqui queria deixar hoje.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Neto, o senhor conseguiu a proeza de conciliar o estatuto de Deputado da oposição com ó estatuto de Deputado do partido no poder! Estatuto de Deputado da oposição porque fez um diagnóstico correcto das falhas e das necessidades de um distrito, tal como compete a qualquer Deputado da oposição e aí o Sr. Deputado cumpriu integralmente esse estatuto; estatuto de Deputado do poder porque se esqueceu, porque omitiu as referências a alguns dos principais problemas que hoje grassam no distrito de Leiria e dos quais refiro só um, que tem a ver com o facto de o distrito de Leiria estar hoje colocado em terceiro lugar na escala nacional dos distritos com maior pobreza, o que é um paradoxo face à situação de grande impulso e grande pujança económica que o distrito diz apresentar.
De facto e quanto a isso, o Sr. Deputado não disse nada, omitiu e, pior do que isso, ficámos sem saber o que é que o Governo, o Sr. Deputado e os Deputados do Partido Socialista pensam fazer para minorar essa situação de grave pobreza que grassa no distrito.
Uma outra questão que lhe quero colocar tem a ver com o facto de há cerca de um ano o Sr. Deputado ter confessado publicamente o seu desencanto face à governação socialista. Bem, hoje, passado um ano sobre essa confissão de desencanto, estou convencido que o seu desencanto é bem maior porque de todas as suas bandeiras, de todas as promessas eleitorais que o Partido Socialista apresentou durante a campanha eleitoral nada ou quase nada foi feito e, pior, nalguns casos andou-se para trás.
A linha do Oeste, que foi uma das suas bandeiras de campanha eleitoral, que até mereceu uma excursão de vários dias, de norte a sul do distrito, em comboio arcaico, está igual, pois o mesmo comboio continua lá, porventura mais arcaico.
Quanto à situação das pescas, que descreveu, não foi capaz de nos esclarecer sobre o que é que o Sr. Deputado e o seu Governo, que é do seu partido, os seus ministros, fizeram para convencer a União Europeia sobre a capacidade piscatória, sobre as potencialidades do País e, logo, da costa litoral do distrito de Leiria.
Quanto ao IP6, estamos há dois exercícios orçamentais à espera que a obra seja concluída. E, mais, resolveu o Partido Socialista tornar pagas as auto-estradas que eram gratuitas, o que, porventura, não estava na sua expectativa durante a campanha eleitoral.
Por último, o Sr. Deputado também nada referiu, porque nada tem a referir e compreendo-o, quanto à matéria de ambiente. A Lagoa de Óbidos, que até mereceu um fórum dos deputados socialistas só para tratar do assunto, continua exactamente na mesma e a Sr.ª Ministra do Ambiente, que está há vários meses para vir a esta Assembleia da República responder aos Deputados sobre essa matéria, só agora se dignou agendar essa sua deslocação.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo está esgotado.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir.
Também o plano de despoluição da bacia do Lis e do Leria se arrasta há anos e anos: O Sr. Deputado a nada disso se referiu e nessas matérias cumpriu também exemplarmente o estatuto de Deputado do partido no poder.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, agradeço as suas questões e queria dizer-lhe, antes de mais, nada não sou Deputado da oposição, sou um Deputado que apoia o Governo e faço-o com muito orgulho e muita convicção.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - E muito desencanto!

O Orador: - No entanto, não sou um Deputado sem opinião, não sou Deputado "faz de conta", tenho opiniões, que defendo aqui como defendo na sociedade, e não prescindo disso. Aliás, estou certo e até tenho provas indesmentíveis de que o Governo, nomeadamente alguns ministros e concretamente o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, apreciam isso. Já lá vai o tempo em que havia um chefe...

Vozes do PSD: - E agora não há?!

O Orador: e seguidores do chefe, venerandos e
obrigados.

Vozes do PSD: - Agora, não há chefe?!
Risos do PSD.

O Orador: - Hoje, temos um Governo de homens como os outros, pessoas que cumprem as suas funções e que são respeitadas como tal, cada um na sua função. Isto de chefes e de "venerandos e obrigados" já passou, felizmente, para bem da nossa democracia.
O Sr. Deputado disse que havia pobreza no distrito de Leiria e há, como há no País, infelizmente. Aliás, foi por isso que o Governo do Partido Socialista criou o rendimento mínimo garantido como uma primeira medida para tentar resolver os casos mais graves de pobreza. Mas a pobreza resolve-se com projectos de desenvolvimento, com ideias, com investimento, com soluções e foi isso que aqui procurei trazer hoje, dizendo, e repito, que não basta, muitas vezes, fazer obra pública, a qual é necessária, tem de haver uma visão integrada, que nunca existiu em Portugal durante os últimos 10 anos, que tem de contribuir

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para o desenvolvimento e chamar à participação os agentes privados, que são também parte desse desenvolvimento.
Nesse sentido, espero que o partido que V. Ex.ª representa aqui na Assembleia da República aprecie o facto deste Governo, pela primeira vez, ter vindo a criar formas de financiamento para projectos de desenvolvimento que não se limitam ao dinheiro do Estado, não se limitam aos recursos do Estado e procuram atrair a actividade privada como parte desse investimento.
Por outro lado, não mostrei nenhum desencanto na intervenção que referiu. Pelo contrário, o que disse - e estávamos perante empresários - foi que as pessoas, nomeadamente os agentes económicos, os empresários, não podiam passar a vida à espera que o Estado resolvesse todos os problemas. E também chamei a atenção para necessidade de os agentes económicos, os investidores, os empresários, serem parte na solução dos problemas, contrariando a tradição nacional que é esperar que o Estado seja a varinha milagrosa para a solução de todos os problemas de desenvolvimento. Foi isso o que disse.
Aliás, não estaria a fazer nada na Assembleia da República se não contribuísse para uma mudança da atitude, que é também cultural, dos agentes económicos, nomeadamente os da nossa região, para que assumam um papel no seu desenvolvimento, não se limitando a esperar que o Estado o faça. Espero que o partido que V. Ex.ª aqui representa concorde com isto; aliás, creio que concorda com esta atitude e com estas posições, porque está na sua filosofia política.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Concordámos antes do senhor concordar!

O Orador: - Finalmente e em relação às pescas, tenho consciência que este Governo tem feito muito para defender, na União Europeia, os interesses das pescas nacionais - o Sr. Ministro já aqui veio várias vezes demonstrar isso mesmo -, mas aquilo que disse aqui foi diverso. O que disse foi que temos de antecipar as alterações da sociedade e compreender que as políticas europeias de pesca não servem para o, futuro de Portugal ou da Europa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Seja bem vindo, Sr. Deputado!

O Orador: - Nesse aspecto, o que concretizei foi uma mudança de política que tem muito a ver com a cultura, com aspectos de mudança da estratégia de planeamento do Estado e de atitude do Estado e estou certo que o Governo não deixará de continuar a ouvir estas sugestões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Henrique Neto, ouvi a sua intervenção, toda ela cheia de referências àquilo que normalmente caracteriza estes discursos, ou seja, à modernidade, aos erros de desenvolvimento estratégico, à tecnologia de ponta, enfim, a todo um conjunto e um manancial que caracteriza o distrito em relação ao qual entendeu por bem falar, hoje.
No entanto, Sr. Deputado, se quiser considerar que a sua intervenção, para além de bem intencionada, não é só um amontoado de chavões e que tem algum significado, tenho dificuldade em encontrar, na prática, tradução para essa realidade tão moderna, tão avançada e de desenvolvimento que o senhor refere, porque, como sabe, ela não é compatível com qualquer tipo de desenvolvimento atraso estrutural como o existente em matéria de ambiente no seu distrito.
E, no momento em que o Partido Socialista já aprovou o seu segundo exercício orçamental, estou a falar de um distrito em que continuamos a ter prometida pela Sr.ª Ministra, do Ambiente uma intervenção global na Lagoa de Óbidos, ou seja, não se trata de desassorear mas também de ordenar as margens, intervir na poluição que lhe está a montante. No entanto, o que vemos desenhado para 1997 é rigorosamente nada, há empurrões, há atrasos... Nesta área, as câmaras do Partido Socialista, aliás, como as do PSD, mantêm a boa tradição e ocupam as dunas, mesmo primárias, com urbanizações perfeitamente aberrantes e que, a prazo, os portugueses irão pagar, devido aos danos que irão provocar.
A poluição. continua tal como anteriormente e, aliás, o próprio Estado dá o exemplo. Há pouco tempo, colocámos a questão, ,que se mantém um ano depois, em relação ao hospital das Caldas da Rainha, que descarrega os seus efluentes para a rede hídrica, que conflui na lagoa.
A despoluição do rio Lis, que era a prioridade das prioridades para o Partido Socialista, no seu programa eleitoral no distrito, continua emperrada. A candidatura tem um prazo limite de apresentação, que é Março deste ano, e, recentemente, o Ministério do Ambiente já adiou por duas vezes reuniões para tomar decisões sobre esta matéria.
Portanto, Sr. Deputado, vejo grande dificuldade em encontrar o traço de, modernidade, o rasgo de inteligência, a visão estratégica, a grande mudança que o senhor pretendeu provar aqui. A minha conclusão é esta: sendo que afirmou, com grande convicção - e respeito a sua afirmação -, que não é um Deputado do "faz-de-conta", creio que, para o PS, as promessas são do "faz-de-conta" e, ao contrário do que disse, a tradição não foi contrariada mas, sim; mantida.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto. Solicito-lhe que se restrinja aos três minutos regimentais.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, vou fazê-lo, pois compreendo a necessidade de ser rápido.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, não sou Ministro do Ambiente e, como compreenderá, não tenho conhecimento das diversas estruturas do ambiente para lhe dar uma resposta tão detalhada quanto a pergunta fez, mas posso desde já dizer-lhe que o que referi sobre modernidade não são chavões mas, sim, as necessidades do País. E é uma necessidade o facto de todos nós, nesta Câmara, no Governo e na sociedade, termos uma atitude positiva em relação aos problemas do País e não uma atitude miserabilista ou passiva, que é muitas vezes a que existe em muitos sectores dá nossa sociedade, esperando-se que os governos actuem, como se carregassem num botão e as questões se resolvessem miraculosamente.
Infelizmente, não é assim e em especial no que toca à questão do ambiente. Como compreende, este é tanto um problema cultural como político e de governo.
Em relação a muitos dos exemplos que referiu, nomeadamente ao da lagoa de Óbidos, a Sr.ª Deputada sabe

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muito bem que existem estudos contraditórios, pelo que tem havido grande dificuldade em encontrar certezas sobre a melhor solução a adoptar e isso foi herdado do governo anterior. Mesmo na actualidade, em que parece ter-se chegado finalmente a um consenso sobre o que há a fazer, acabou por se descobrir que não havia projecto sobre as obras concretas de construção civil. Como sabe, estavam a construir-se esporões e não havia qualquer projecto de construção civil para esses esporões. Ora, não é possível construi-los sem um projecto de construção civil e é isso que, tanto quanto conheço, está a ser feito.
Há outros aspectos complexos no nosso distrito de Leiria, como, por exemplo, a suinicultura, que cria gravíssimos problemas de ambiente, extremamente difíceis de resolver, como sabe, uma vez que durante mais de 10 anos se deixou que a situação se degradasse ao ponto de, agora, os investimentos necessários serem imensos.
Ou seja, Sr.ª Deputada, é sempre muito fácil, em relação às questões do ambiente, encontrar o "bandido", mas é muito difícil encontrar uma solução ou uma contribuição para melhorar a situação.
O que quis fazer hoje, aqui, em relação ao distrito de Leiria foi, por um lado, definir algumas ideias que, do ponto de vista estratégico do planeamento, são essenciais e, por outro, contribuir com algumas sugestões para a solução dos problemas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.

O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passado que é mais de um ano de governação socialista, gostaríamos, hoje e aqui, de felicitar o Governo, em particular o Ministro Jorge Coelho e o Secretário de Estado do Desporto, pelas medidas tomadas a favor do desporto nacional.
Era este o tempo, era a oportunidade. Infelizmente, não o podemos fazer. O ano que terminou, de governação virtual dos socialistas, liderada pelo Engenheiro António Guterres foi de desilusão, de adiamento de reformas prometidas mas não concretizadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi de completa confusão e de barafunda total.
A medida que pretendia ser a mais inovadora tornou-se no maior fracasso do actual Governo e, por via dele, instalou-se na sociedade desportiva portuguesa a maior das incertezas, saindo claramente prejudicado todo o desporto português.
É por isso que a primeira pergunta que deve ser colocada a todos é a de saber se há verdadeiramente uma nova política desportiva em Portugal.
É nossa convicção e de todos os agentes desportivos envolvidos que até ao momento não se notam, não se vêem, alterações significativas.
Nada há de novo, não há qualquer posição política de fundo alternativa que possa querer demonstrar uma nova política para o desporto português.
Antes das eleições legislativas de 1995, o então Deputado Miranda Calha dizia: "O desporto português vive momentos de alguma incerteza". Que bem ficam estas palavras no momento presente, passado que foi um ano de governação virtual dos socialistas.
Onde está a política integrada, coerente e exequível, que racionalize e transmita eficácia aos meios existentes? Onde estão as novidades, as grandes reformas anunciadas pelos socialistas? Estão na gaveta, esquecidas, à espera de melhor oportunidade.
Que frustração, Srs. Deputados do Partido Socialista! Mas não estamos sozinhos nestas críticas. Recentemente, em artigo de opinião publicado num jornal diário de âmbito nacional, o Dr. Jorge Olímpio Bento dizia: "Aquilo que mais precisamos é de ideias. Até para poder tirar partido das poucas ideias que temos". E mais dizia: "A riqueza ou pobreza das nossas ideias determina a amplitude do nosso relacionamento com o mundo, o grau de entendimento e grau de compreensão de nós próprios, da vida, dos seus fenómenos e acontecimentos. E também do desporto, naturalmente.
Importa, por isso, que empenhemos as energias e o discernimento ao serviço de uma política que corresponda ao interesse, às emoções e paixões, aos objectivos e esperanças que investem no desporto muitos milhões de portugueses. Uma política apostada em que o desporto adquira uma expressão qualitativa conforme no notório desenvolvimento de conhecimentos e competências registado nos últimos anos. Hoje sabe-se mais de desporto, temos universidades devotadas ao seu estudo, são melhores os quadros e os meios".
Afinal, os governos do PSD sempre fizeram alguma coisa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E mais adiante este ilustre académico e socialista do Norte continuava: "Mas também são outras a natureza e a complexidade dos problemas e é outro o nível de aspirações e exigências. Temos por isso bons resultados, mas não tão bons quanto seria lícito esperar. Persiste a dificuldade em determinar uma política à altura dessa evolução, uma política que configure, na doutrina e na prática, nas palavras e nos actos, as profundas e radicais mudanças ocorridas e em curso no cenário desportivo. Continuamos a ficar de fora a assistir, a percorrer a via do ocaso, perdidos nas areias movediças de um deserto em que não brota uma ideia".
Sr. Presidente e Srs. Deputados, as críticas continuam, e mais incisivas: "As dificuldades económicas e financeiras do desporto são enormes. Mas, afinal, parece tudo tão fácil de resolver: a conversão de clubes em sociedades desportivas emerge como panaceia milagrenta para debelar todos os males! O associativismo definha a olhos vistos, mas não se descortina um gesto de incómodo pelo seu depauperamento, nem se ouve uma palavra em defesa da necessidade da sua recuperação e do seu rejuvenescimento. Não se vêem estímulos nem medidas que atraiam os jovens para um terreno que carece de ser arado e semeado com novas mentalidades. O clube parece não merecer esforços de revitalização e preservação. É perfeitamente dispensável. O seu desaparecimento não suscita a mínima preocupação. Estamos muito magros de ideias".
Foi este ilustre socialista que, também muito recentemente, foi indigitado para Presidente do Conselho Superior do Desporto e depois afastado pelo Governo socialista. Segundo o próprio, a sua não confirmação como presidente do referido órgão deveu-se ao facto de ter escrito um artigo de opinião sobre os problemas entre o Norte e o Sul. Para nós, o Governo e o Secretário de Estado arrependeram-se, pois não podiam nomear uma personalidade que

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discorda tão clara e frontalmente da política desportiva seguida pelo actual Governo socialista.
Foram as críticas e são as opiniões de quem é socialista e participou activamente nos Estados Gerais. São estas as lamúrias, as queixas, de quem esteve para ser presidente do Conselho Superior do Desporto. As palavras falam por si: desilusão, desencanto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, por isso, à vontade para aqui apontar a incapacidade do Governo socialista, para definir claramente uma política desportiva para o País. Fazemo-lo suportados pelos factos, e contra estes não há argumentos.
Se não, vejamos. Quanto à política de infra-estruturas desportivas, não sabemos hoje quais as linhas orientadoras do Governo sobre esta matéria. É, pois, grave que numa área tão importante como esta, durante um ano, nada se tenha feito e nada se diga sobre as intenções e objectivos do Governo.
Quem vai definir a prioridade na construção, remodelação, ampliação ou reconstrução das infra-estruturas desportivas? O Secretário de Estado do Desporto ou o Sr. Ministro da Educação?
Será que vamos continuar a ter instalações que sirvam toda uma comunidade, em interligação com as escolas, as autarquias, o movimento associativo e a população em geral, tal como foi definido pelos governos do PSD, ou, pelo contrário, vamos assistir à duplicação de infra-estruturas com o Ministério da Educação a construir instalações, por um lado, e, por outro, o Secretário de Estado do Desporto, as autarquias e o movimento associativo?
E nossa ideia, de sempre, que deve competir às autarquias locais a definição de uma política de infra-estruturas desportivas na respectiva área de jurisdição, em articulação com as escolas, o movimento associativo e o Governo. São as autarquias locais que melhor conhecem as realidades e as necessidades locais, a população atingida, os meios existentes, as carências, o nível de prática desportiva e as acessibilidades, de forma a poderem concretizar uma política integrada, racionalizada e dimensionada para a comunidade e em diálogo com ela.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desta forma poderão rentabilizar em pleno as infra-estruturas existentes e a construir.
Por isso, pretendemos saber o que o Governo pensa sobre o assunto. Queremos saber se vão ou não continuar os investimentos realizados nos últimos anos na construção de instalações desportivas por todo o país, de forma a termos as condições ideais não só para a prática informal do desporto mas igualmente para dar resposta à alta competição.
O último ano foi de paragem. Não foram realizados novos investimentos. É tempo, pois, de o responsável pelo desporto dizer-nos, e também ao País, o que pretende fazer neste domínio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era igualmente uma aposta, a formação. Sabemos agora, passado um ano, que foi criada uma estrutura orgânica estatal para o efeito.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Mais uns boys!

O Orador: - Queremos aqui afirmar que estamos de acordo com o Governo quanto à necessidade de apostar nesta área, mas não com a criação de estruturas físicas - direcções-gerais -,que servem não para rentabilizar os meios existentes mas, pelo contrário, para aumentar os custos.
Estamos, assim, em desacordo completo com a solução encontrada pelo Governo. A sociedade civil, o movimento associativo - associações e federações - e as instituições superiores públicas e privadas foram capazes, nos últimos anos, de encontrar mecanismos para preparar, formar e documentar permanentemente os diferentes agentes desportivos. Será que o actual Governo quer substituir-se a essas entidades? Será que o actual Governo cria uma estrutura política estatal para formar os diferentes agentes desportivos? Será que o actual Governo quer terminar com o magnífico trabalho que está a ser desenvolvido nesta área, e com autonomia, pelas federações e associações desportivas?
Não queremos acreditar que assim seja. Esperamos para ver.
A aposta não deveria ser a de criar mais estruturas, para colocação de mais uns "boys", ansiosos de protagonismo e de lugares, mas, sim, a de criar condições para possibilitar mais meios financeiros e recursos e maior autonomia para quem com qualidade - devidamente reconhecida faça a formação adequada aos novos tempos do desporto.
O PS e o Governo pretendem politizar a formação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nos apoios ao movimento associativo não há novidades nem novos critérios. Está a ser tudo igual ao que já vinha do passado, e, dizemos nós, ainda bem.
Nomeadamente no que toca à preservação da autonomia do movimento associativo, uma aposta do PSD e dos seus Governos, bem conseguida e bem conquistada por eles, a que o Governo socialista tem obrigatoriamente de dar continuidade.
Foi essa aposta, essa política clara e coerente, que possibilitou nos últimos anos um conjunto de resultados de equipas e atletas que prestigiaram o desporto português. Os resultados entretanto obtidos colectiva e individualmente são o fruto do trabalho excelente que tem sido desenvolvido pelo movimento associativo - federações, associações, técnicos, atletas e médicos -, que soube conquistar a autonomia e os meios necessários à concretização dos seus objectivos. Esta foi a política seguida pelos Governos do PSD, para a qual o PS e o Governo não encontraram alternativa.
Esperámos ansiosamente por mudanças, por novas ideias, de quem, no passado, dizia que tudo estava mal, que não havia política desportiva.
Felizmente, para o movimento associativo, os socialistas não têm ideias nem novos projectos. Limitaram-se a dar continuidade ao que estava feito, bem delineado e bem pensado.
Recentemente, o Sr. Secretário de Estado do Desporto dizia: "A autonomia do movimento associativo é uma realidade indiscutível, fruto de uma política de apoios e estímulos por parte do Estado, de uma forma responsável e criteriosa, deixando ao movimento associativo a liberdade de promover e dinamizar as actividades.
Quero dizer que considero que a nossa presença em Atlanta foi globalmente positiva, não tanto pelo número de medalhas mas pelo conjunto de marcas obtidas. Creio que terá sido uma das melhores participações em termos de resultados".
Nós também pensamos o mesmo. Mas os resultados obtidos nada tiveram a ver com a governação socialista. Estas palavras são o reconhecimento tardio, da parte de quem fez tantas críticas no passado, de que havia em Portugal e com os Governos do PSD uma política desportiva coerente, que possibilitava a afirmação do movimento associativo.

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Estes resultados e marcas deveram-se ao trabalho desenvolvido pelos dirigentes, técnicos e atletas e pelo apoio inequívoco dado pelos Governos anteriores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desporto na escola era igualmente um objectivo prioritário do actual Governo.
Esperavam-se, por isso, medidas inovadoras, capazes de possibilitar a alteração profunda do sistema.
Para além da constituição do Gabinete Coordenador do Desporto Escolar e a sua passagem em definitivo para o âmbito do Ministério da Educação, mais nada foi concretizado. Pelo contrário, surgiram factos e decisões políticas que nos deixam apreensivos.
Um deles foi a desistência da organização do I Campeonato Europeu do Desporto Escolar, depois de o anterior governo ter assegurado a sua realização em Portugal, o que, para além de ser desprestigiante, nos coloca numa situação mais enfraquecida perante os centros de decisão internacionais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Carlos Marta, o tempo dedicado ao período de antes da ordem do dia aproxima-se do seu fim. Peço-lhe o favor de abreviar as suas considerações.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Houve também a ausência de representação no Campeonato do Mundo de Andebol Escolar, onde o nosso país ia defender o honroso lugar de vice-campeão no sector feminino.
Verificou-se também a paragem nos investimentos no domínio do parque desportivo escolar, nomeadamente na construção de pavilhões desportivos nos estabelecimentos de ensino que os não possuem e na recuperação das áreas desportivas ao ar livre.
Neste domínio e por iniciativa do anterior governo, foram construídos até ao final do ano lectivo transacto 106 pavilhões, dentro do projecto Desporto Escolar 2000. O actual Governo ignorou este projecto, não manifestando qualquer vontade de o continuar, conforme se pode constatar no Orçamento do Estado para 1997. É uma paragem clara e significativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados': Esperavam-se, pois, reformas e alterações profundas no sistema desportivo, eram as promessas dos socialistas.
Mais de um ano de governação, mais de um ano de indefinição!
Em 1995, o governo do PSD disponibilizou para o desporto 17 milhões de contos, ,mais 15,6 % do que no ano anterior. Em 1997, o Governo socialista terá à sua disposição igualmente 17 milhões de contos, ou seja, no domínio dos recursos financeiros afectos ao desporto, há uma clara diminuição, ou melhor, uma paragem significativa.
Não chega dizer-se que se quer apostar no desporto. É preciso dar-lhe os recursos e os meios necessários para a sua completa afirmação na sociedade portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a iniciar o ano de 1997, um ano que desejamos de revolução,para o desporto em Portugal. Isso mesmo, revolução! E a palavra exacta para dar resposta à instabilidade que se vive no sistema desportivo em Portugal.
Tudo está em mudança permanente e o desporto não pode ficar parado. Vai ser preciso inovação, determinação, acção, ajustamentos, mudanças e renovação nos métodos, nas estratégias, nos modelos, nas pessoas e, sobretudo, na imagem do desporto nacional.
Há novos desafios e novos interesses, há uma sociedade civil e desportiva mais exigente. É uma oportunidade que não pode, de modo algum, ser rejeitada, a menos que se pretenda correr o risco de perder o futuro e, assim, desencadear as forças conservadoras, sempre saudosas de modelos, organizações ou soluções desajustadas.
Deste modo, é necessário que haja, em primeiro lugar, da parte do actual Governo, coragem para tomar medidas que são essenciais à alteração do sistema; em segundo lugar, vontade e trabalho das instituições desportivas para participarem na alteração do actual estado de coisas e querer assumir em plano essa revolução, e também predisposição para perceberem que tudo tem de mudar; em terceiro lugar, aos agentes desportivos envolvidos exigese profissionalismo e qualidade nas tarefas que têm de executar e desenvolver.
Ano novo, vida nova. Com novas energias, com novos entusiasmos e com uma nova determinação, é possível termos um ano bom, um ano de esperança, de alegrias, de fé na mudança para o desporto nacional.
Como dizia Vítor Serpa "Todos os sectores da vida vão conhecendo afinal essas antivirtudes em nome da eficiência e de um progresso cego. Falta, sem dúvida, parar no tempo e tarda nos ciclos habituais que definem as épocas ímpares a coragem de impor a inteligência do homem contra o seu louco instinto de vencer e dominar".
O Governo socialista tem essa difícil tarefa. O desporto e o País continuam à espera.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, gostaria de assinalar a presença no Palácio de S. Bento de um grupo de cerca de 150 empresários que trabalham na área das agências de viagens nas comunidades portuguesas espalhadas por todo o mundo.
São concidadãos nossos, que mantêm, sob muitos pontos de vista, acesas as ligações dos nossos compatriotas com a mãe Pátria em todas as sete partidas do mundo.
Após o encontro que tivemos com eles no Salão Nobre, no qual participaram representantes de todos os grupos parlamentares, encontram-se neste momento a acompanhar os nossos trabalhos desta tarde. É com muita satisfação que, em nome de toda a Câmara, lhe dirijo uma palavra de boas vindas e votos das maiores felicidades.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, faz parte da ordem de trabalhos de hoje a apresentação e discussão do voto n.º 58/VII - De protesto pela passagem de um navio transportando carga de resíduos radioactivos de alta actividade na zona económica exclusiva portuguesa (Os Verdes).
A Mesa concede dois minutos a cada grupo parlamentar que sobre ele queira intervir.
Para a sua apresentação, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Telegraficamente, em relação ao voto de protesto que submetemos, hoje, a discussão e cuja apreciação, lamentavelmente, o PS não aceitou fazer na semana passada - aliás, foi o único grupo parlamentar -, gosta-

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ria de dizer que ele tem a ver com o facto, conhecido e do domínio público, de o nosso país estar na rota de um ,navio transportando resíduos radioactivos.
Esta questão foi suscitada pela passagem, na semana passada, de uma carga de 112t de resíduos radioactivos de alta actividade junto à nossa costa, concretamente dentro da nossa zona económica exclusiva.
Considerando este facto, que reputamos da maior gravidade, quer do ponto de vista ambiental quer do ponto de vista da segurança de pessoas e bens, particularmente se nos lembrarmos da zona económica exclusiva dos Açores e da Madeira, qualquer uma delas invariavelmente incluída nestas rotas; considerando o facto de este transporte não ter sido ocasional, na medida em que ele faz parte do programa nuclear japonês e vai processar-se, durante 10 a 15 anos, com regularidade, cerca de duas vezes por ano, pela nossa costa, e considerando o facto de o Governo português precisar de ter, na medida do possível, uma posição firme de recusa em relação à passagem destas cargas - posição essa, que, em minha opinião, será tanto mais forte quanto sustentada por uma posição política tomada pelos partidos políticos representados nesta Assembleia -, apresentamos este voto de protesto, numa perspectiva de futuro, porque, lamentavelmente, não tendo sido este um transporte ocasional mas que se vai processar com regularidade, ele pode ameaçar, e de modo irremediável, o nosso país, a sua zona económica exclusiva, as nossas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista não vai dar a sua anuência ao presente voto de protesto, como é obviamente conhecido do Partido Ecologista Os Verdes. É que a justificação, que acabámos de ouvir, deste voto de protesto parte de pressupostos equívocos.
Trata-se da zona económica exclusiva, trata-se de matéria prevista no direito internacional marítimo e é óbvio que, da parte do Estado português, nomeadamente das autoridades marítimas, houve todo o cuidado e empenhamento e foram tomadas todas as medidas para o acompanhamento, a fim de se minorar ao máximo os eventuais perigos que esta passagem pela zona económica exclusiva pudesse trazer, neste caso, ao Estado português.
Nesse sentido, inclusive, foram mantidos contactos com as diferentes entidades internacionais responsáveis pelo transporte em causa e com o próprio navio, para que fosse respeitada uma rota preferencial, indicada pelo Estado português, sendo, para o efeito, acompanhada por uma fragata da armada portuguesa.
Claramente, aceitamos e subscrevemos o ponto 2 do voto de protesto apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes, pois, evidentemente, também defendemos que a melhor maneira de acabar com o trânsito de matérias poluentes perigosas e de resíduos radioactivos é acabar com a produção desses resíduos e com a sua utilização. Assim, evitam-se os acidentes nos percursos e nas rotas, em termos de via marítima, e, obviamente, outros acidentes em terra, como já aconteceu no passado.
Porém, não podemos subscrever o teor dos pontos 1 e 3, porque ele vai claramente muito além das normas de direito interno e contra as convenções internacionais de que Portugal é subscritor.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São naturalmente de saudar as preocupações ecológicas manifestadas pela Câmara a este respeito. Todavia, alguns comentários são, neste momento, adequados, em função do texto e da forma como nos é apresentado.
Em primeiro lugar, estranho que seja distribuído um documento que tem impresso no seu canto superior direito a menção de "papel reciclado" quando não o é. E, uma vez que a Assembleia da República já aprovou vários documentos a esse respeito, é lamentável que isto aconteça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, estranho este voto vindo do Partido Ecologista Os Verdes quando, no passado, teve tantas razões para condenar as políticas nucleares do bloco socialista e, por eventual distracção, não o fez, acordando, agora, para estas matérias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, também é verdade que estranho o silêncio do Ministério do Ambiente. Quando há ameaças nas águas territoriais portuguesas, seja por estes navios que transportam cargas radioactivas seja por acções como as do Projecto COMBO, é estranho o silêncio por parte dos órgãos institucionais que têm a missão, constitucionalmente consagrada, da defesa desses valores. É estranho esse silêncio.
Por outro lado, é também preocupante, mas no sentido positivo - é uma preocupação que encaro com um sentido positivo -, a rápida mutação revelada no pensamento dos colegas do PCP, se é verdade que subscrevem o ponto 2 deste voto de protesto, ou seja, um apelo ao abandono dos programas nucleares. A minha preocupação é que tenham evoluído tão drasticamente em relação a posições recentes, em que países do bloco socialista fundavam as suas políticas energéticas em políticas nucleares altamente inseguras, consoante é visível aos olhos da opinião pública internacional.
São estes os sentimentos que gostaria de deixar aqui.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O. Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Isabel Castro, compreendo o voto de protesto e a preocupação que nele está vertida, uma preocupação naturalmente também partilhada pelo Partido Popular. A ameaça radioactiva, a utilização cada vez em maior escala de matéria radioactiva, seja para fins bélicos seja para fins industriais, fins pacíficos, é uma ameaça clara ao planeta e à qualidade de vida no nosso planeta.
Nunca devemos, sob prejuízo de abdicarmos da nossa condição de políticos, perder o idealismo e desejar que o amanhã seja diferente. Mas, objectivamente, também não devemos sonhar e, enquanto sonhamos, perder de vista a realidade que está debaixo dos nossos pés. Assim, confesso não entender o sentido do voto apresentado a esta

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Câmara, porque parece-me que a preocupação da Sr.ª Deputada, ou do grupo parlamentar do qual faz parte, é a passagem na nossa zona económica exclusiva desta carga radioactiva, que é efectivamente perigosa.
É verdade que os acidentes podem acontecer e, por muita que seja a segurança, não há segurança alguma que possa evitar um eventual acidente e uma eventual catástrofe quer para a nossa zona económica exclusiva quer para o próprio planeta. Só que a questão, Sr.ª Deputada, muito pragmaticamente, é esta: passem estes navios na nossa zona económica exclusiva ou, mais à frente, em águas internacionais, se o acidente ocorrer, o perigo e as consequências são absolutamente iguais e é nesta medida e neste pressuposto que o Partido Popular não entende o alcance do voto de protesto apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes.
Na certeza de que partilhamos todas as preocupações quanto à utilização da energia nuclear e de que estaremos ao lado daqueles que propuserem maiores cautelas e melhores condições para a fiscalização quer do transporte quer da utilização de energia nuclear, objectivamente aquilo que estamos hoje aqui a discutir é inoportuno e inconsequente. Por essa razão, o Partido Popular não pode subscrever este voto de protesto.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar associa-se ao voto apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes e permitimo-nos não fazer disto uma discussão de natureza mais ou menos burocrática.
Parece-nos que os objectivos que enformam o voto apresentado são de todo em todo meritórios. Tanto mais que se dá a circunstância de, hoje, daqui a pouco, ir ser discutido um projecto de lei, apresentado também por Os Verdes, exactamente sobre essa matéria.
Relativamente a esta questão, o pior que pode vir a acontecer é ficarmos todos nós insensíveis a este problema. Como alerta, o voto parece-nos importante e, nesse quadro, merece o nosso apoio. Além disso, não podemos deixar de referir que nos parece estranho, isso sim, o silêncio de alguns e parece-nos igualmente estranho que, com a cobertura desse silêncio, se venha depois afirmar que se fizeram todas as diligências no sentido de garantir a segurança do transporte. Porém, a verdade é que, com esse silêncio, todas as leituras são possíveis e nós, em nome desse silêncio, não podemos ficar calados.
É como alerta, porque não se pode ficar calado e para que, um dia, quando já for tarde demais, não se diga que ficámos calados, é em nome de tudo isso que o nosso grupo parlamentar se associa ao voto apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, agradecia que informasse todas as bancadas que o fornecimento de papel aos vários grupos parlamentares é feito pelos serviços. Lamentamos que o nosso projecto sobre esta questão tenha sido "chumbado" o passado e que o actual, aprovado tal como os outros, tenha o "veto da gaveta", ou seja, esteja esquecido na especialidade e lamentamos também que os outros grupos parlamentares não utilizem papel reciclado; nós usamo-lo mas não o fornecemos aos outros. Portanto, Sr. Deputado Macário Correia, fique com a sua tristeza, mas nós não fornecemos papel.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Macário Correia (PSD): - Registo!

O Sr. José Calçada (PCP): - É o fait divers habitual do Deputado Macário Correia!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A Mesa toma nota desta informação.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 58/VII - De protesto pela passagem de um navio transportando uma carga de resíduos radioactivos de alta actividade na zona económica exclusiva portuguesa (Os Verdes).

Submetido à votação, foi rejeitado, cone votos contra do PS, votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Era o seguinte:

Considerando que as águas da costa portuguesa estão uma vez mais na rota de transportes de resíduos radioactivos de alta actividade, com a passagem de uma carga de 112t de resíduos nucleares com destino ao Japão;
Considerando a extrema gravidade que reside neste facto, que não só ameaça mas pode, de modo irreversível, atentar contra o equilíbrio ecológico do nosso país e destruir os seus recursos naturais;
Considerando o carácter secretista que envolve sempre estas rotas e o injustificado perigo que a não recusa destas autorizações de passagem pelo Governo português na nossa zona económica exclusiva implica;
Considerando, por fim, a regularidade com que estes transportes estão previstos no âmbito do programa nuclear japonês e o facto de, entre as diversas rotas possíveis, a zona económica exclusiva do continente e a zona económica exclusiva da Região Autónoma da Madeira surgirem invariavelmente incluídas, A Assembleia da República Portuguesa delibera:
1 - Manifestar o seu protesto contra a circulação em águas da zona económica exclusiva portuguesa de navios que transportem resíduos radioactivos;
2 - Apelar, em nome da vida e da paz no planeta, aos países envolvidos, a abandonarem os seus programas nucleares;
3 - Recomendar ao Governo português para que, no futuro, recuse firmemente a passagem de cargas radioactivas nas nossas águas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão do projecto de lei n.º 65/VII - Criação do provedor municipal (PS).

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista apresentou um projecto de lei à Assembleia da República, que está agora a ser debatido no Plenário, sobre a criação do provedor municipal. Impõe-se, por isso, que se digam duas palavras de justificação.
A ideia do Provedor de Justiça, enquanto instituição constitucional, radica na necessidade de haver um órgão imparcial e com competências a que os cidadãos recorram, de uma forma não jurisdicional, para apreciar os actos do Estado e dos seus agentes que sejam julgados pelos cidadãos como violadores dos seus direitos, injustos ou desatempados. É uma ideia, que, aliás, radica em muitas democracias da Europa, e não só, que tem feito em Portugal caminho com êxito, mostrando-se eficaz e prestigiado no combate pela democracia, pela justiça social e pelo respeito dos direitos dos cidadãos e das entidades não públicas.
Já antes deste projecto de lei vários municípios criaram, por sua iniciativa, os provedores municipais, quer provedores municipais propriamente ditos quer, como é o caso de Lisboa, provedores do ambiente, com a sua competência circunscrita às questões ecológicas e ambientais.
Na campanha eleitoral de 1995, fez parte do programa eleitoral do Partido Socialista a criação pela Assembleia da República, por lei da República, da instituição provedor municipal. Daí que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, não só no cumprimento dessa sua obrigação formal mas também porque está convencido de que isso é bom para a democracia, tenha apresentado este projecto de lei.
Trata-se de um projecto de lei que está ainda em aberto, que pode ser objecto de discussão na especialidade e que, certamente, está receptivo aos contributos que quer o Grupo Parlamentar do PS quer os outros grupos parlamentares pensem que são convenientes para a sua melhoria em sede de especialidade.
Pela nossa parte, julgamos que se trata de uma iniciativa que visa não só aprofundar a democracia, pois leva muitas vezes a que os nossos cidadãos, quando não têm a quem recorrer ou tendo-o apenas de uma forma distante, possam ser resolvidas questões a nível municipal, no quadro das autarquias respectivas; facilita o objectivo constitucional do exercício aberto da Administração, uma vez que o cidadão pode recorrer a uma entidade estranha ao município, para as suas queixas e reclamações, sem ter de o fazer necessariamente num quadro jurisdicional; e estimula uma dimensão democrática particularmente importante, como seja, a dimensão participativa.
Na verdade, a nossa democracia continua a ser, naturalmente - o contrário é que seria de estranhar -, essencialmente representativa e esta figura do provedor municipal vem estimular a participação e o envolvimento directo do cidadão na vida da sua autarquia.
São estas as vantagens e as razões de fundo que, sem necessidade de maiores esclarecimentos por agora, o PS encontra para justificar, do ponto de vista constitucional, democrático e político, este projecto de lei, que esperamos venha a ter a aceitação e o contributo de beneficiação de todos os Deputados desta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, depois desta intervenção que, de alguma forma, deu abertura para a introdução de algumas melhorias, o que denota que, por parte do Partido Socialista, não há a certeza acerca da viabilidade do projecto de lei tal como foi apresentado, o que ficará para um momento posterior do debate, gostaria de dizer o seguinte: na tradição, o presidente de câmara era entendido até como provedor, desempenhando as funções de provedor de todos os munícipes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E alguns exemplos recentes da criação de provedores municipais existiram exactamente em situações onde, por esta ou por aquela razão, o presidente da câmara se afastou deste propósito.
Portanto, as questões que lhe queria colocar em duas vertentes eram as seguintes: a primeira tem a ver com os meios que este provedor teria, sabendo-se das dificuldades que as câmaras municipais, com os seus magros orçamentos, já têm e dos problemas que sofrem, tendo, assim, mais uma despesa; a segunda tem a ver com a Lei n.º 30/96, de 14 de Agosto, que veio exactamente reforçar os poderes do Provedor de Justiça na sua vertente municipal, ou seja, dando-lhe poderes para, quando o executivo camarário não cumprir as suas sugestões, poder haver "recurso" para a própria assembleia municipal.
Porém, o que eu pretendia saber era, basicamente, o seguinte: em primeiro lugar, porquê a necessidade da existência deste provedor municipal?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso também eles queriam saber!

O Orador: - E, em segundo lugar, porquê essa criação nesta altura, quando ainda recentemente houve a alteração que referi?
Sendo certo que não iríamos resumir - de qualquer forma, penso que não é essa a intenção da bancada do Partido Socialista - o provedor municipal a uma "linha verde" com tratamento especializado, ou seja, não se trataria meramente de dirimir questões processuais ou de informação, não é disso, certamente, que se trata, a bancada do CDS-PP tem dificuldade em perceber como é que é possível dar poderes ao provedor municipal para executar convenientemente as tarefas que, obviamente com boas intenções, lhe estão a ser cometidas neste projecto de lei, já que o seu texto não é, do nosso ponto de vista, totalmente esclarecedor a este respeito.
Por um lado, já discutimos nesta Câmara a criação de vários provedores, espartilhados pela sua localização, a maior parte dos quais não tem obtido provimento e, por outro, temos assistido à crescente importância da figura do Provedor de Justiça em casos específicos, que me abstenho aqui de relatar, o qual, na verdade, tem sabido assumir todos os poderes e executar todas as funções para que foi criado.
Por isso, pergunto se a disseminação deste cargo de provedoria a outros níveis não poria em causa esse relevo, essa força e esse desempenho do Provedor de Justiça, fundamental numa democracia, com todos os poderes que tem, e, eventualmente com o reforço deles, e se ele não responde já a todas as questões, evitando-se, assim, a criação de um novo provedor municipal.
Não acreditamos que seja uma tentativa de combate ao desemprego.

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O provedor municipal, por si só, diminuiria, obviamente, parte do desemprego, mas se estivéssemos a falar em assessores ou equipas de apoio técnico, isso?! que, obviamente, teria de ter, então, com dois assessores
ou qualquer coisa desse género...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço-lhe que termine, pois esgotou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Já terminou, portanto, tem de concluir.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira Ramos, naturalmente que nestes debates há quem esteja a favor e quem esteja contra!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Não vale a pena estarmos a encontrar subterfúgios!

Vozes do PSD: - É evidente!

O Orador: - Sr. Deputado Ferreira Ramos, V. Ex.ª disse que, da minha intervenção, lhe pareceu que no PS não há a certeza de que o projecto de lei seja bom.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Disso temos a certeza! O Sr. Deputado José Magalhães é que disse isso de manhã!

O Orador: - Pois não! Os dogmas estão desse lado! No nosso lado nunca há a certeza de termos connosco a verdade, porque ela resulta do debate, e estamos sempre abertos...
Em democracia; a verdade possível resulta do debate alargado entre todos aqueles que são portadores de verdades diversas e nunca pensamos que a nossa versão é a única possível! Nunca pensámos isso! Os Srs. Deputados, se calhar, ainda não perceberam isto, mas com mais uns tempos vão perceber!
Com certeza que este nosso projecto é susceptível de melhoramentos e estamos abertos à discussão para, de boa fé, recebermos os contributos que o melhorem. Não temos certezas nem pensamos que ele é o dogma, não subimos a qualquer monte Sinai, não recebemos qualquer Lei das Doze Tábuas e não vimos Jeová! Esteja descansado de que por aí está tudo certo.
Quanto ao provedor-presidente, devo dizer que é evidente que o presidente de câmara é um provedor. Todo o chefe, todo o líder que é decisor é um provedor, no sentido de que deve ser um provedor, só que, naturalmente - e escusava de dizer isto, porque, nesta Câmara, é quase ofensivo ter de lembrá-lo aos Srs. Deputados dessa bancada -, o presidente de câmara é eleito numa lista partidária. Esse simples facto, seja em que lista partidária for, afecta a sua imparcialidade, quando tem de julgar questões que têm a ver com outros.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, as decisões dos presidentes de câmara são sempre suspeitas!?

O Orador: - É evidente! É evidente! Ou não sabiam

Vozes do CDS-PP: - E o caso do Presidente da República?!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, o Governo também é suspeito?!

O Orador: - Não é, Sr. Deputado! O que quero dizer é que as decisões deles são sempre suspeitas. É o problema da suspeição, de ser parcial. É evidente! Não sabiam isto!?

Protestos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, têm de deixar o orador exprimir as suas opiniões, pois também já tiveram tempo para exprimir as vossas.

O Orador: - É evidente que as decisões do eleito numa lista partidária são sempre suspeitas de não serem imparciais! É por isso que há o Provedor de Justiça! Se não o Governo, a Assembleia da República e a maioria não precisavam do Provedor de Justiça, mas precisam porque ele fala em nome de uma independência que nós, aqui, não temos! Nós somos socialistas e, por muito justos que sejamos ou que tentemos sê-lo, é sempre suspeito se o seremos ou não.
Não é o vosso caso, porque, por natureza, são insuspeitos e justos por definição!

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem dito!

O Orador: - Vem na Bíblia: "O PP é insuspeito"! Vem lá, não sei se é no Eclesiastes mas deve ser...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, terminou o seu tempo.

O Orador: - Depois, vem...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Luís Filipe Madeira, o seu tempo terminou.

O Orador: - Sr. Presidente, aceito a decisão de V. Ex.ª mas, com o devido respeito, pareceu-me que o Sr. Deputado Ferreira Ramos usou mais um minuto do que eu.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem razão, por isso mesmo lhe chamei a atenção e lhe cortei a palavra quando ele ia continuar com as suas considerações.
Para defesa da honra da sua bancada, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, era apenas para dizer quão lamentáveis achámos as palavras do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em primeiro lugar, porque o Sr. Deputado cria uma suspeição partidária e é a primeira vez

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que oiço isso na minha vida. Então, nessa circunstância, temos de considerar sob suspeita o Sr. Engenheiro Guterres, porque não é do nosso partido!

Aplausos do CDS-PP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não! Quero dizer-lhe que não considero o Sr. Engenheiro Guterres sob suspeita!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Exactamente! Deve ser autocrítica!

A Oradora: - Acho bem é que a sua bancada reflicta naquilo que acabou de dizer!...
Depois, o Sr. Deputado, desculpe que lhe diga, fez uma referência muito infeliz quando, logo a seguir à intervenção do Sr. Deputado Ferreira Ramos, disse que não valia a pena, não valia a pena. Nesta Câmara vale tudo a pena e isso vale a pena,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - ... porque no dia em que nesta Câmara não valer a pena discutirmos as ideias e os projectos, ela fecha para balanço e vamos todos para casa!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, não percebia parte final da sua questão. Disse que não valia a pena?! Não me parece que eu tenha dito isso. Eu' disse que não seria normal ter de explicar aqui as razões que são óbvias.
E quando a Sr.ª Deputada diz que o Sr. Engenheiro Guterres não lhe é suspeito,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O Sr. Deputado é que disse!

O Orador: - ... está a referir-se a ele como pessoa desonesta. Isso ele não é! Nem ninguém, para mim! Nem a Sr.ª Deputada nem nenhum dos Srs. Deputados! Agora que, politicamente, os seus actos estão eivados de uma visão partidária, isso é óbvio, foi isso que quis dizer e é por isso que há o Provedor de Justiça nacional! O Provedor de Justiça é da República e existe exactamente para retirar a carga partidária que uma decisão de um órgão eleito tem. Não é que ele seja desonesto, só que as motivações da sua decisão são frequentemente - o que é normal - de raiz partidária, de raiz da filosofia política, da vontade política partidária de que ele é portador. Foi isto, Sr.ª Deputada, que quis dizer e não que sejam desonestos!
As decisões são legais e justas do ponto de vista do seu autor mas os seus destinatários podem entender que elas foram motivadas por razões partidárias, legítimas em democracia, que os prejudicaram, e apelam para um órgão que é suposto não estar enquadrado nas motivações dos partidos. E por isso que existe o Provedor de Justiça.
Qual é, então - perguntava-lhe eu, Sr.ª Deputada e, em geral, à bancada do PP -, a razão política da existência do Provedor de Justiça?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, deixe-me começar por dizer-lhe que, se V. Ex.ª, não queria defender este projecto de lei, o que, aliás, lhe ficava bem como jurista, não tinha de encetar uma discussão, que deve terminar por aqui, porque as consequências de algumas das afirmações que V. Ex.ª aqui proferiu são exactamente aquelas e mais algumas que a Sr.ª Deputada do PP teve já oportunidade de referir ao exercer o direito regimental de defesa da honra da sua bancada.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Em relação a esta matéria em concreto, quero dizer-lhe que o projecto de lei do Partido Socialista tem duas virtudes: uma, tem a ver com a bondade das intenções que VV. Ex.as revelam em termos políticos, e, outra, tem a ver com a inocência dos propósitos, porque em tudo o resto é praticamente intragável e está muito abaixo, impensavelmente abaixo, daquilo que é exigível a um grupo parlamentar como aquele a que V. Ex.ª pertence, que, apesar de ter ilustres juristas, consegue produzir um projecto de lei em que algumas das soluções consagradas são aberrantes em termos constitucionais e legais - digamos as coisas como elas são.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, devo dizer-lhe que, a nível pessoal, tenho simpatia pela ideia do provedor municipal e que, em campanha eleitoral, apresentei essa proposta, mas o único serviço que este projecto de lei presta em relação ao provedor municipal é estragar uma boa ideia com um mau projecto.
Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem de vir aqui dar quatro ou cinco explicações. Primeira: por que ë que o provedor municipal é, nos termos do vosso projecto de lei, um órgão municipal, ao arrepio daquilo que está consagrado na Constituição, que prevê taxativamente quais são os órgãos municipais, a saber, a assembleia municipal e a câmara municipal? Então, o provedor municipal é um órgão municipal?
Por outro lado, V. Ex.ª considera acertado, prudente e politicamente sensato consagrar, vinculativamente, a criação de provedores municipais nos 305 municípios do país, de forma instantânea, qualquer que seja a sua dimensão? Eu não acho isso prudente nem sensato.
Em terceiro lugar, V. Ex.ª tem a certeza, mais do que coma Deputado, na qualidade de jurista - e apelo a essa sua qualidade, aliás ilustre -, que estão inteiramente salvaguardadas as compatibilidades das competências dos provedores municipais, tal como as propõem, com aquilo que consta hoje da lei, designadamente em relação ao alargamento das competências do Provedor de Justiça feita na última reforma da lei do Estatuto do Provedor de Justiça? Eu entendo que não estão.
E, depois, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Miguel Macedo, o tempo de que dispunha terminou pelo que, se quiser usar da palavra, terá de inscrever-se de novo.

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O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar de seguida.
Finalmente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, considera que um provedor municipal pode apoiar graciosamente um cidadão nos processos que este tenha nos tribunais?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, quero agradecer-lhe as referências pessoais que fez, que são certamente imerecidas e fruto da sua boa vontade.
Disse V. Ex.ª que este projecto de lei tinha duas virtudes: boas intenções e inocência dos propósitos. Boas intenções há, com certeza, bem como inocência dos propósitos no sentido de que as propostas que contém são para bem, ou seja, não são dolosas nem visam fazer mal. Porém, quanto ao facto de estar abaixo do que é exigido, essa apreciação é subjectiva e dizer que se trata de uma boa ideia mas de um mau projecto confirma-o.
Contudo, na sequência do que já disse - e muito nos orgulhamos de não sermos portadores da verdade -, admitimos que, com o seu contributo e o da sua bancada bem como com o de outras bancadas, possam resultar melhorias substantivas para este projecto. Eu próprio, reflectindo bem sobre ele, poderei chegar à conclusão de que é susceptível de ser melhorado. Aliás, toda a obra humana é susceptível de ser melhorada porque ninguém faz uma obra final, acabada. Portanto, vamos a ser modestos e a admitir que na, discussão na especialidade, é possível trazer para este diploma alterações que melhorem e eliminem eventuais defeitos, que os terá, com certeza. Obra perfeita não sei fazer; com a sua ajuda farei melhor com certeza.
Por outro lado, é duvidoso saber se a Assembleia, em lei ordinária, poderá acrescentar um órgão não previsto na Constituição. Mas, como essa é uma discussão para a especialidade, é prematuro fazê-la na generalidade. Em sede de Comissão, teremos ocasião de proceder a essa análise com profundidade e de estudar o assunto com o tempo que hoje nos falta para o resolvermos da melhor forma possível.
Já quanto ao "vinculativamente", permitia-me discordar de V. Ex.ª porque em parte alguma do projecto de lei se refere ou podia fazer-se essa referência. Sr. Deputado, qualquer interpretação, mesmo suave, deste projecto de lei, resulta no contrário, porque não é possível "vinculativamente" obrigar qualquer assembleia municipal a chegar a acordo por dois terços pelo que fica sempre à disposição desse órgão chegar ou não a acordo. Vou dar-lhe um exemplo muito simples: há quatro anos, no meu concelho votou-se, por unanimidade, o regulamento de estatuto do provedor municipal e, até agora, ainda não se conseguiu elegê-lo porque ainda não houve dois terços para o fazer. As coisas continuarão a ser assim. Onde as assembleias municipais não quiserem instituir o provedor municipal, não sendo causa de dissolução do órgão nem qualquer forma de incumprimento, a instituição do provedor municipal ficará às ordens da assembleia municipal, que poderá não a levar a cabo.
O Sr. Deputado tem, na Assembleia da República, um exemplo gritante: há quanto tempo não há comissão de fiscalização do SIS?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas é obrigatória!

O Orador: - Mas não há. E qual é a sanção? Dissolvem a Assembleia da República?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Esse é um argumento a contrario.

O Orador: - Não é nada. Não é vinculativo.
O soberano nessa matéria será a assembleia municipal como aqui é a Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr: Deputado Luís Filipe Madeira, peço a sua compreensão pois esgotou o tempo de que dispunha.

O Orador: - O Sr. Presidente vai certamente dar-me o tal minuto de que há pouco prescindi.
Entre as competências do Provedor de Justiça e do provedor municipal não haverá choque. É preciso perceber as coisas: a imagem não é rigorosa mas, em termos aproximativos, o provedor municipal deverá ser uma primeira instância porque este, se tiver as qualidades que exigimos para o lugar, estará em melhores condições de apreciar qualquer reclamação do que o Provedor de Justiça, em Lisboa, dada a proximidade das situações e o facto de conhecer os enjeux da questão, o que lhe facultará uma possibilidade de julgamento muito mais rigorosa e aproximada da factualidade do que a do Sr. Provedor de Justiça. É só isso! Este aspecto nada retira à competência do Provedor de Justiça. Aliás, estima-se que haveria cooperação excelente entre as duas entidades após a sua criação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, sublinho-lhe que agora já estamos quites.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, em primeiro lugar, antes de pedir-lhe esclarecimentos sobre o projecto de lei em análise, não quero deixar de lavrar muito clara e inequivocamente o meu mais fundo protesto pelo facto de V. Ex.ª aqui ter feito uma declaração de intenção de suspeita sobre todos os autarcas portugueses ao dizer que, pelo facto de eles serem eleitos democraticamente pelo povo e sufragados em listas democraticamente constituídas e apresentadas, o povo enganou-se e não tem razão porque eles estão inquinados, à partida, de uma suspeita de parcialidade no exercício das suas funções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não aceito de forma alguma essas suas críticas e insinuações. O senhor tem ex-autarcas distintos na sua bancada e não quero acreditar que cometeria a deselegância e a indelicadeza de considerar que, no início das funções de qualquer autarca em Portugal desde 1976, esses cidadãos estivessem imbuídos de qualquer sentido de parcialidade no exercício das suas funções. Pergunte ao povo português se, nestes 20 anos de exercício de poder local, os autarcas portugueses merecem a acusação de que foram vítimas por parte de V. Ex.ª.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Em relação ao projecto de lei em causa, compreendo a delicadeza do tratamento deste tema, que, de resto, levou V. Ex.ª a apresentá-lo em quatro minutos, gerando as reacções e a perplexidade a que assistimos.
Tenho algumas dúvidas sobre a criação desta figura mas já não duvido de que, se perguntar àqueles que, indirectamente, vão ter de colaborar na prossecução deste nobre objectivo - que, no fundo, é o de dar possibilidade aos cidadãos de terem melhor acesso à Administração, que estará mais próxima deles (e estou a referir-me designadamente aos representantes das câmaras municipais em cada concelho) -, verificará que é difícil encontrar alguns que concordem com o sistema aqui proposto.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Nem os socialistas concordam!

O Orador: - Repito, será muito difícil encontrar quem esteja de acordo com o sistema proposto porque a maneira de resolvermos situações que, por vezes, parecem difíceis, não é criar novas figuras adicionais às que pré-existem.
Já temos câmaras municipais e assembleias municipais, já há a possibilidade de, em cada Ministério, poder tratar-se de assuntos com eles relacionados, já existe a figura do Provedor de Justiça; e não é criando mais níveis, mais cargos, mais funções na, Administração que simplificamos o acesso dos cidadãos à Administração, mas incitando os cidadãos à utilização das figuras que, em democracia, lhes são possíveis para terem acesso à tal Administração.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Artur Torres Pereira, esgotou o tempo de que dispunha pelo que vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Filipe Madeira para responder-lhe.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, e não abusando da sua generosidade, apenas peço democraticamente o mesmo, tratamento de que foram alvo os meus antecessores, com alguma benevolência da parte de V. Ex.a.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, aos seus antecessores foi-lhes cortada a palavra todas as vezes que excederam o tempo de que. dispunham, havendo apenas uma dúvida sobre o primeiro pedido de esclarecimento por parte do Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Orador: - Terminarei muito rapidamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem mais 30 segundos.

O Orador: - Muito obrigado.
Finalmente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, a questão fundamental é que, e certamente o Sr. Deputado já pensou nisso, atrás de uma figura destas viriam objectivamente mais duas ou três pessoas que lhe prestariam apoio e assessoria, o que implica custos e encargos. Na prática, isso equivalia a estar a criar mais 1000 cargos, que são onerados e pagos pelo erário municipal. Ora, esta matéria tem de ser encarada com muita seriedade porque está por provar que é possível e desejável que, em 305 municípios, se criem mais 1000 cargos.
De forma que, Sr. Deputado - agradecendo a benevolência do Sr. Presidente -,quero dizer-lhe que as boas iniciativas legislativas são aquelas que, em vez de criar mais problemas, ajudam a resolver os que já existem.

Vozes do PSD:,- Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, peço-vos que compreendam que a Mesa tem de gerir o tempo de debate conforme as regras estritas do Regimento e que todas as Sr.as e Srs. Deputados podem expender as suas razões desde que se inscrevam para intervir no debate.
Para responder, pelo mesmo tempo concedido aos demais Deputados, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, procurarei ser disciplinado como sempre tento ser.
O Sr. Deputado Artur Torres Pereira perdeu, lamentavelmente, um minuto inicial a tentar pôr na minha boca insinuações e afirmações que não fiz quando tive ocasião de, após um aproveitamento do mesmo género da bancada PP, esclarecer o que disse. Aliás, sou autarca também há mais de 20 anos, não pense que só o senhor o é. Sou um autarca muito mais modesto, claro, não de Sousel mas de Loulé. Mas, enfim, cada um tem a comarca que merece.
O Sr. Deputado tem dúvidas, mas dúvidas temos sempre todos. Quem só decide depois de estar tudo certo e assegurado não é o decisor... É outra coisa. A política e a decisão, até nos projectos de lei, têm de ter sempre uma componente de dúvida, mas importa sobretudo a convicção de que essas dúvidas serão ultrapassadas e que o resultado será positivo. É essa a nossa convicção. De boa fé pensamos que este é um bom projecto de lei.
Ora, o senhor foi presidente de uma câmara durante largos anos e tem mais experiência desse cargo do que eu próprio - não me refiro à experiência de autarca pois os membros da assembleia municipal e das juntas de freguesia também são autarcas. O que é grave é essa ideia de que o senhor foi porta-voz de uma certa "aristocracia" de autarcas enquanto os outros não contam. Essa é que é uma insinuação grave. A que fiz não era grave porque não foi nenhuma insinuação mas sim uma afirmação.
O senhor certamente recebeu milhares de munícipes que foram colocar-lhe milhares de questões, alguns dos quais não as viram resolvidas. Sabe também que alguns terão dito "ele não resolveu porque eu não sou do partido dele". É esta suspeição, certamente injusta, porque o senhor não seria capaz de tal - vê-se na sua cara que não era capaz! -, que sofreu. É esta mesma razão que levou à criação do Provedor de Justiça e leva agora à proposta de criação do provedor municipal. E nem deve falar-se em despesas pois não são despesas, são poupanças. É que se o provedor municipal conseguir poupar um dia por semana de atendimento público ao presidente da câmara, ou ao vereador que atende o público, ou aos assessores que têm de existir para fazer face àquela procura - porque se houver um provedor municipal já não haverá razão para o presidente da câmara atender o público...

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Essa agora!

O Orador: - Não há razão nenhuma! O presidente da câmara passará a receber o público pela via do requerimento e quem não for bem tratado queixa-se ao provedor! Para que há-de o presidente receber o público? Para lhe "meterem uma cunha"? Não! o munícipe vai para se

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queixar de um qualquer processo pendente que não foi resolvido ou foi mal resolvido. É isto que os munícipes vão fazer à câmara. Ou julga que vão lá levar bolos, galinhas e ovos ao presidente da câmara? Não! Vão é queixar-se de assuntos sobre os quais pensam que estão a ser vítimas de injustiça. Ora, esses assuntos passam a ser atendidos pelo provedor municipal e o presidente fica mais liberto para despachar os assuntos da câmara. Isto poupa-lhe tempo, poupa-lhe horas, dias, meses de trabalho por ano, o que permitirá uma grande poupança ao orçamento municipal. Ao contrário de uma despesa, é um investimento muito reprodutivo. É este o nosso entendimento e também é o seu, se o senhor reflectir sobre o que eu disse.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, esta é uma verdadeira, genuína e breve interpelação à Mesa no sentido de sugerir que peça à Câmara Municipal de Lisboa cópia do último relatório do provedor municipal, cargo que existe para as áreas do ambiente e qualidade de vida com uma interpretação ampla. Solicito ainda que, uma vez na posse desse relatório, a Mesa o faculte a todos os Deputados, mas em particular ao colega Luís Filipe Madeira.
Um outro documento que também pode ser útil para todos e para o Sr. Deputado em particular é o que contém as declarações do Presidente da Câmara de Lisboa, que existem no Gabinete de Comunicação Social, e que são fáceis de obter através de um simples ofício, em que ele exprime as suas opiniões sobre a provedoria existente na Câmara Municipal de Lisboa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, a Mesa toma nota do seu pedido e procurará dar-lhe seguimento. Basta que o Sr. Deputado Macário Correia apresente um requerimento à Mesa.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Artur Torres Pereira, igualmente para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, dirijo-me à Mesa no sentido de saber da forma de ser esclarecido quanto a este estranho conceito de democracia local que acabei de ouvir da boca do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
Trata-se de um conceito de democracia local pelo qual o presidente da câmara é convidado a isolar-se da população que o elegeu, a fechar-se num gabinete e a deixar a terceiros os encargos das relações com os seus munícipes. Estranho conceito de democracia local tem o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Agora é que percebo por que é que o senhor foi encarregue pela sua bancada de defender este projecto de lei.

Protestos do Deputado do PS Luís Filipe Madeira.

Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, ... .

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Artur Torres Pereira, está a fazer uma interpelação à Mesa. Portanto, deve dirigir-se à Mesa, que está em condições. de dar-lhe uma resposta imediata.

O Orador: - Sr. Presidente, V. Ex.ª foi presidente de um governo regional e sabe, tal como eu sei, que tanta dignidade tem o mais humilde autarca de uma assembleia de freguesia como qualquer outro autarca.
Se alguém falou aqui em aristocracia foi V. Ex.ª, Sr. Deputado, porque,...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Artur Torres Pereira, lembro-lhe uma vez mais que está a fazer uma interpelação à Mesa.

O Orador: - ... a nível autárquico, sempre existiu total democracia numa associação representativa dos municípios portugueses - não é dos autarcas, Sr. Deputado.
Mas, terminando como comecei, tomamos boa nota de um estranho conceito de democracia local que o Sr. Deputado apresentou e do convite que fez aos presidentes de câmara para se isolarem das populações que os elegeram, incitando-os a indicar terceiros para cumprirem as funções que o povo determinou que fossem eles a cumprir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Artur Tomes Pereira, a sua intervenção não foi uma interpelação à Mesa e preferiria que o tivesse sido, já que recorreu a essa figura regimental para usar da palavra. De resto, pode sempre intervir no debate e contrariar as opiniões do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira desde que se inscreva de acordo com as regras regimentais.
Para um pedido de esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, creio que é óbvio que não estão em causa, quer as boas intenções do PS quer as suas próprias nesta matéria. Creio também ser de sublinhar a posição de abertura à reflexão sobre esta questão com que se apresentou ao debate.
Independentemente deste facto, não podemos deixar de reflectir sobre um aspecto. É que, actualmente, o Provedor de Justiça é um provedor não apenas dos direitos, liberdades e garantias mas dos direitos fundamentais. Aliás, tendo em conta a inserção sistemática do artigo 23.º da Constituição, verifica-se que assim é. Portanto, aquele não é apenas um provedor das prisões, das polícias, da segurança, mas também da educação, da saúde, da habitação, do ambiente, da infância, da terceira idade, etc. Digo isto porque, como é sabido, terra havido a tendência de propor provedores para cada sector de intervenção da Administração Pública e, às vezes, para cada nível da Administração.
Portanto, quando se coloca o problema de quebrar a unidade da figura do Provedor de Justiça, a grande questão que surge imediatamente é: quebrar por onde? Isto é, por que sector, por que nível da Administração Pública? Ora, isto suscita uma questão que creio que é irrecusável: porquê quebrar exactamente pelos municípios?
que creio não haver dúvida nenhuma que os municípios são provavelmente a parte da Administração Pública que é sujeita permanentemente a inspecções, a inquéritos, a sindicâncias, que é sujeita à fiscalização e ao controle das assembleias municipais, que estão dependentes da tutela, que podem ser dissolvidas ou pode haver perda de mandato, que está dependente da fiscalização do Tribunal de Contas, com visto prévio, com fiscalização a posterio-

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ri. Os municípios estão mesmo sujeitos a fiscalização dentro das próprias câmaras que, felizmente, têm uma com posição plural.
Poderíamos mesmo aludir ao facto de o Partido Socialista ter adiantado propostas no sentido de reforçar o estatuto do Provedor de Justiça em relação aos próprios
municípios. Isto é, os municípios são mais suspeitos do que qualquer outro nível da Administração Pública ou de outras pessoas colectivas públicas que estão sujeitas à administração indirecta do Estado, à administração autónoma. Assim, para se propor um provedor municipal e não um provedor de um qualquer outro nível da Administração Pública, de uma qualquer outra actividade, porquê
quebrar a unidade da figura e fazê-lo exactamente ao nível dos municípios?
Mas há mais. Sabemos, por exemplo, que há 34 municípios do País com menos de 5000 eleitores. Já para não falar do Corvo, que tem 297 eleitores, podemos falar do círculo eleitoral do Sr. Deputado onde há três municípios com menos de 5000 eleitores. Para além daqueles 34, há muitos outros municípios que têm menos de 10 000 eleitores. Ao invés, há freguesias que têm eleitos a exercerem funções a tempo inteiro, que têm uma ampla delegação de competências. Aliás, espero que, um dia destes, há-de ser aprovada uma lei a reforçar as atribuições e competências das freguesias. Ora, verificamos que há freguesias, como a de Queluz, que tem 52 000 eleitores, a de Agualva-Cacém, que tem 50 000, a de Odivelas, que tem 45 000, a de Olivais, que tem 50 000, a de Campanhã,
que tem 45 000, a de Paranhos, que tem 45 000, etc.
Porquê os municípios? Porquê só os municípios? Qual é
a coerência global deste projecto de lei do Partido Socialista?
Todos sabemos, e o Sr. Deputado também, que grande parte dos municípios do País tem dificuldade em arranjar um jurista a tempo inteiro para os seus quadros, apesar dos problemas de emprego existentes no País. Assim, porquê criar o provedor municipal, que tem de ser um jurista, sabendo que, à partida, a grande maioria dos municípios não tem possibilidade de contratar um jurista, nem para provedor nem sequer para os quadros do próprio município?
Portanto, saúdo a abertura do Sr. Deputado, mas não há dúvida nenhuma de que tem de ser bem aprofundada a reflexão a propósito desta figura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, dividiu a sua intervenção em duas partes. À primeira vou tentar responder; quanto à segunda, penso que será melhor fazê-lo em sede de especialidade.
É evidente que é perfeitamente discutível se algumas soluções que apresentamos são as preferíveis. Poderá haver outras melhores. Eu próprio aceito que uma ou outra solução contida no projecto pode ser objecto de discussão e, eventualmente, vir a decidir-se que é melhor uma outra.
Quanto à discussão na generalidade, é evidente que me pôs questões pertinentes. Porquê um provedor municipal se já há um Provedor de Justiça? A mesma questão se põe quanto aos tribunais que também são instâncias de julgamento. No caso presente, dir-se-á que a decisão do provedor não é exequível, não vincula, o provedor não tem um poder decisório imperativo mas faz um julgamento. No caso dos tribunais, também há o Supremo Tribunal de Justiça, há os tribunais da relação e há os tribunais de comarca.
No fundo, o provedor municipal coincide, em regra, com o tribunal de comarca em termos de concelho. Ou seja, a nível do concelho onde há um poder político municipal, é no âmbito desse poder político que as coisas devem resolver-se em princípio. Se, depois, as coisas extravasarem, se forem além da mera questão local, então, é óbvio que se trata de uma questão que deve ser submetida ao Provedor de Justiça e o próprio provedor municipal deverá dar-lhe esse encaminhamento. No caso de se tratar de uma questão puramente local, tal como no que diz respeito às competências dos municípios, não vemos que haja "heresia" em isso se resolver assim. Esta é, portanto, uma solução via território.
Poderia ir via matéria, e digo-lhe que, em teoria, não consideraria nenhuma "heresia" que se criasse, por exemplo, o provedor fiscal, alguém que, simultaneamente, proteja o cidadão do fisco e ajude o fisco a colaborar com o cidadão. É uma teoria que daqui a alguns anos poderá vir a ser estudada. Actualmente, não se pensa nisto mas poderia pensar-se.
Até é possível pensar-se por matérias, só que - e tem toda a razão - o Provedor de Justiça tem competência plena. Mas isso não impede que não possa haver um provedor com competência limitada às matérias da sua autarquia. E não vejo que daí venha mal nenhum ao mundo. Pelo contrário, pensamos que iria ajudar.
Claro que há que distinguir o caso do grande município, que tem centenas de milhar de cidadãos, do  pequeno município, que tem poucos milhares. É também um problema a ter em conta, até porque penso que a norma proposta neste diploma não é vinculativa. Também poderia entrar por aí e fazer algumas distinções, embora eu pense que, de facto, é preciso retirar ao presidente da câmara a obrigação em que actualmente está investido de dispor de um dia para atendimento do público. Isto nada tem a ver com o que há pouco disse o Sr. Deputado Artur Torres Pereira quanto à necessidade de contactos com a população. Isso é outra coisa. A verdade é que, actualmente, o presidente da câmara tem de dispor de um dia para atender o público. Ora, há municípios - e todos os conhecemos - em que os munícipes vão para a porta da câmara às 5 horas da manhã para obterem uma senha de entrada que lhes permita falar com o presidente da câmara!
Sabemos que isso se passa na prática, e quem não o disser está a fazer demagogia. De facto, em certos municípios, às 5 horas da manhã, estão dezenas ou centenas de pessoas à porta da câmara municipal para serem os primeiros a entrar, a arrancar uma "folhinha" e a ter ordem de entrada!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Diga quais são, Sr. Deputado!

O Orador: - Digo, sim senhor, Sr. Deputado!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Diga quais!

O Orador: - Já digo, tenha calma! Digo quando eu quero... Olhe não digo, porque o senhor não me impõe que o diga!

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O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Não diz porque não sabe!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não podem entrar em diálogo.

O Orador: - O senhor não me intima, eu não sou seu súbdito. Se me pedir por favor, eu digo; se me intima, eu não digo, porque o senhor aqui não manda nada!
Manda em Sousel, mas aqui não.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, para Os Verdes esta não é uma questão fechada, que se resolva em termos de "sim" ou "não", e a sua abordagem pode ser interessante. De qualquer modo, o seu tratamento não deveria ser divorciado da eterna discussão sobre a fragmentação ou não fragmentação da figura do Provedor de Justiça.
O Partido Ecologista Os Verdes é partidário dessa fragmentação; aliás, quem está há mais tempo nesta Câmara sabe que, desde há muito, temos vindo a apresentar projectos de lei para a criação do provedor ecológico, pois entendemos que o dano ambiental e a mais-valia do que está em jogo, por um lado, a complexificação técnica das respostas e a própria realidade visível nos relatórios do Ministério da Justiça, por outro, justificavam que Portugal, à semelhança do que já acontece noutros países, tivesse um provedor ecológico.
Nesta matéria, o Partido Socialista sempre se mostrou fechado, quer em sede de revisão constitucional, onde  fomos autores de uma proposta neste sentido, quer em relação aos dois projectos de lei que apresentámos em duas anteriores legislaturas sobre esta matéria, uma vez que a sua posição oscilou entre a abstenção e o voto contra. Na altura, o pretexto invocado - do nosso ponto de vista, esta é uma perspectiva tão respeitável quanto qualquer outra - foi o da não banalização e o do não esvaziamento do conteúdo da função do Provedor de Justiça.
Ora, usando esse argumento como única justificação para a não criação do provedor ecológico, não deixa de ser bizarro que o Partido Socialista seja quem que mais se desdobra em apresentar propostas visando a criação de novos provedores: o provedor para a mulher, o provedor para o deficiente, o provedor para os idosos ou, ainda, o provedor para a criança, cargo para o qual até já teria sido convidado alguém, antecipando, portanto, a tomada de decisão deste Parlamento sobre essa matéria.
Tendo presente a opinião sustentada pelo Partido Socialista, neste momento, em sede de revisão constitucional, de não proliferação, pergunto como é que, de uma penada, o PS vem propor a criação de 304 provedores municipais, já que Lisboa tem o seu!
Em segundo lugar, para um Governo que tem tido a preocupação de ouvir os parceiros - o que não quer dizer ter em conta o que eles dizem, mas ouvir no sentido do acto em si de audição -, é de estranhar que não tenha ouvido nem a ANAFRE, nem a Associação Nacional dos Municípios Portugueses sobre esta matéria.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, começando pela questão final, quero dizer-lhe que esta é uma iniciativa da Assembleia da República e não do Governo, portanto este não tem de ouvir quaisquer parceiros! O projecto de lei é da iniciativa de cinco Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e estamos a ouvir aqui os parceiros principais: os Deputados da Assembleia da República, eleitos pelo povo português, sem prejuízo da realização de outras audições.
Em todo o caso, neste momento e nesta fase, não me perece que se deva avançar por aí. Mais tarde, se quer que lhe diga, já admiti que é possível imaginar que, para além desta competência por território, se possam criar provedores com competência em função das matérias. Mas o provedor que a Sr.ª Deputada Isabel Castro propõe, o do ambiente, só me parece interessante do ponto de vista nacional.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Claro!

O Orador: - Já o provedor que propomos deve ocupar-se dos assuntos de cada autarquia, é uma especialidade. De facto, para tratar dos assuntos do poder local, das autarquias - as freguesias e os municípios -, não vejo quem melhor do que um provedor municipal, inserido na realidade municipal, que possa julgar com isenção, com justiça e com aproximação à factualidade.
Noutras matérias poderá pensar-se em provedores de âmbito nacional. Teoricamente, a questão é possível de ser equacionada e de suscitar decisões várias, mas bem se sabe que há sempre resistência a quebrar o "monolitismo" das instituições. Por exemplo, quando a Constituição previu a criação do Tribunal Constitucional, houve quem reclamasse, porque já havia o Supremo Tribunal de Justiça, órgão que, tradicionalmente, declarava a inconstitucionalidade das leis. Mas o Tribunal Constitucional é um tribunal especializado e apesar de haver outro tribunal, tem funcionado e já provou que se justifica! Há tribunais administrativos, há tribunais aduaneiros, há tribunais militares...
Sempre que se entenda que uma matéria reúne especificidades e complexidades de tal monta que é conveniente atribuí-la a uma autoridade diferente da que é dotada de competência geral, isso faz-se! Não se trata de uma despesa, mas de um investimento na democracia, no aprofundamento e na justiça, e tudo o que for gasto nesse sentido, com racionalidade, é bem gasto, merece ser examinado com atenção e interesse e não apenas ser visto como uma mera despesa. De facto, tudo é despesa: esta Assembleia também é cara e os seus adversários queixam-se muito das despesas e dos custos que ela acarreta, mas se calhar ela é muito menos cara do que outras Assembleias que pareciam mais baratas!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República aprecia hoje o projecto de lei n.º 65/VII, da iniciativa do Partido Socialista, que tem por objecto consagrar legalmente, e no âmbito da administração local, a figura do provedor municipal.
Em bom rigor não se trata de uma iniciativa totalmente nova, uma vez que já na V e VI Legislaturas o PS apresentou, no âmbito de iniciativas legislativas mais la-

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tas, designadamente dos projectos de lei n.os 703/V e 7l/VI, que tinham por objecto o reforço das garantias e direitos dos cidadãos perante a administração a nível nacional, regional e local, a possibilidade de a assembleia municipal poder deliberar a existência de um provedor municipal. O processo legislativo destas iniciativas nunca chegou a ser concluído.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social Democrata sempre foi defensor de uma Administração democrática, aberta e humanizada. Diria que neste tempo novo de democracia no nosso país muito já se avançou nesse sentido, mas também temos de reconhecer que ainda há um longo caminho a percorrer para que o que defendemos com convicção seja uma realidade assumida e executada em pleno a todos os níveis da nossa Administração Pública.
A ideia de que a Administração deve ser aberta e transparente é hoje uma ideia consensual em democracia em qualquer latitude do mundo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tudo deve ser feito para que a Administração tome decisões legais, justas, úteis e oportunas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há que continuar a investir na modernização da Administração e no reforço das garantias e dos direitos dos cidadãos na sua participação na vida pública.
Recordo que temos consagrado constitucionalmente, há mais de 20 anos, a figura do Provedor de Justiça que tem como função principal a defesa e promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos.
O Partido Social Democrata apoiou com convicção, desde o primeiro momento, a criação da figura do Provedor de Justiça e tem acompanhado com todo o empenho e cuidado a evolução legislativa desta figura, designadamente aprovando nesta Câmara o seu novo estatuto, em 1991, e uma alteração ao mesmo já no decurso da actual legislatura, em 1996, com o objectivo de reforçar as suas competências e independência, aditando ao artigo 38.º do Estatuto exactamente algo muito importante em relação à administração local para fazer cumprir as suas recomendações, que passo a citar: "Se o órgão executivo da autarquia local não acatar as recomendações do Provedor, este pode dirigir-se à respectiva assembleia deliberativa".

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O quadro de competências e as prerrogativas do Provedor de Justiça em Portugal em nada fica a dever aos seus congéneres europeus.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O instituto do Provedor de Justiça tem tido um crescente prestigio e afirmação na defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos. As atribuições do Estatuto do Provedor de Justiça decorrem da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, designadamente dos artigos 3.º, 21.º e 29.º, e do aditamento feito ao artigo 38.º, através da Lei n.º 30/96, de 14 de Agosto, que prevê os meios de defesa dos interesses dos cidadãos perante os poderes da administração local.
Em face do que acabámos de afirmar, julgamos ser oportuno levantar um conjunto de questões que deveriam ser ponderadas e reflectidas na análise deste projecto de lei.
A institucionalização de uma figura de provedor municipal coloca, desde já, sérias dúvidas de compatibilização constitucional com o Provedor de Justiça. Como se vão articular estas duas figuras, o Provedor de Justiça e o provedor municipal, que não está suficientemente explicitada no projecto de lei em apreciação?

O Sr. Macário Correia (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Com a existência das duas figuras vai criar-se forçosamente uma duplicação, sobreposição e confusão de funções que é de todo indesejável e que serviria, em última análise, para enfraquecer a figura do Provedor de Justiça enquanto defensor dos direitos dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A criação da figura do provedor municipal pode, de facto, contribuir para a descaracterização e esvaziamento da figura do Provedor de Justiça, o que não é justo que venha a acontecer e deve ser evitado, sob pena de se incorrer em inconstitucional idades se, por essa via, e ainda que tal ocorra de forma tácita, forem retirados poderes e competências ao Provedor de Justiça.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para obstar a esta situação, o que poderia ser explorável era a adopção de um sistema' idêntico ao francês, com delegados do Provedor de Justiça distribuídos por todo o território nacional, para um mais racional tratamento dos processos e uma maior celeridade e eficácia na resolução dos problemas, solução que, a nosso ver, se coaduna melhor com a dimensão e estrutura político-administrativa portuguesa.
A questão que aí teríamos de debater era o custo/necessidade desses delegados.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos que não é necessário expressamente qualquer lei para os órgãos autárquicos municipais interessados poderem consagrar a figura do provedor municipal, como é o caso concreto do município de Lisboa, que nos últimos anos tem tido a funcionar um Provedor do Ambiente e da Qualidade de Vida Urbana,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De duvidosa vantagem!

O Orador: - ... sem grande visibilidade e eficácia, é certo, por falta de apoio e meios à sua acção, como o titular, Professor Costa Lobo, já publicamente se lamentou.

O Sr. Macário Correia (PSD): - E o Presidente da Câmara confirmou!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Portugal tem 305 municípios, muitos deles demasiado pequenos e com orçamentos bastante limitados. Fará por isso sentido aprovar uma lei da República, tornando imperativa a existência do provedor municipal, conforme propõe o PS no seu projecto de lei?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!

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O Orador: - A ser assim, é uma evolução, a nosso ver mal; da solução facultativa que adoptava nas suas duas anteriores iniciativas legislativas sobre o mesmo objecto.
Gostaríamos de saber as razões objectivas do PS para tal mudança de opinião.
É obrigação do legislador, que somos todos nós, Deputados, de legislar bem e para o País real que somos, e não para um país virtual. Daí que a legislação a aprovar por esta Assembleia deve sempre ter isso em consideração, devendo ser por isso suficientemente pragmática e flexível para corresponder às exigências do País e, neste caso concreto, aos legítimos interesses e necessidades da Administração e dos cidadãos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso que o PSD entende, desde já, que esta figura nunca deve ser imperativa, podendo eventualmente encarar-se numa perspectiva de opção, caso a caso, em cada município, a institucionalização do provedor municipal. De facto, compete à assembleia municipal deliberar a existência junto do respectivo município do provedor municipal, como órgão independente e imparcial que visará fundamentalmente uma melhor defesa dos direitos dos munícipes e, actuando mais próximo destes, lhes prestar respostas às suas queixas, reclamações e solicitações, de uma forma mais pronta, eficaz, mas sem poder decisório.
A existir o provedor municipal, este deverá constituir uma garantia do cumprimento da transparência administrativa e da defesa dos direitos dos cidadãos.
O provedor municipal, a existir, considera-se correcto que o mesmo deve ser preenchido por uma personalidade Presidente de reconhecido mérito e que a sua eleição se faça pela assembleia municipal, por uma maioria qualificada de 213
dos seus membros. Já nos parece discutível que o projecto de lei em apreço restrinja a juristas a possibilidade de aceder ao cargo.
Somos, no entanto, de opinião que a sua eleição se faça para um mandato de duração coincidente com o dos órgãos autárquicos, e não para um período de 4 anos conforme a formulação proposta no projecto de lei em apreço.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode haver quem não queira!

O Orador: - Não está no projecto de lei do PS devidamente assegurada, como se impõe, a independência e a imparcialidade do órgão provedor municipal, designadamente face à administração local, uma vez que, sendo as suas funções exercidas mediante um contrato de prestação de serviços com a câmara municipal, sujeita-o por conseguinte a determinados deveres de lealdade e colaboração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A concluir, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata considera que perante uma matéria desta relevância para o poder local e perante as questões e as dúvidas suscitadas, se justifica plenamente, por um lado, a consulta à Associação Nacional de Municípios Portugueses e ao Provedor de Justiça para que nos faça chegar o seu parecer ou opinião sobre
o projecto de lei n.º 65/VII que, estou certo, será para nós preciosa, e, por outro lado, iremos apresentar um requerimento de baixa do mesmo à 1.ª e 4.ª Comissões especializadas, sem votação, antes de qualquer comprometimento por parte dos partidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Gonçalo Ribeiro da Costa e Luís Filipe Madeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, a sua intervenção foi uma surpresa para o Partido Popular.
Em primeiro lugar, ajudou-nos a perceber que o Partido Social Democrata está de acordo com a existência do provedor municipal.

Vozes do PSD: - Percebeu mal!

O Orador: - Ficámos a saber que a única diferença reside no carácter facultativo ou imperativo da figura do provedor municipal. Esta será, porventura, uma solução para o desemprego que grassa no PSD, daí que compreenda a vossa posição.
Em segundo lugar, a sua intervenção foi esclarecedora porque ficámos a saber que, afinal, o PSD também defende a regionalização da Provedoria da Justiça. Só não esclareceu qual era o mapa para a regionalizar, que é o que queria perguntar-lhe.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Manuel Moreira, havendo mais um orador inscrito, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Respondo já, Sr.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, penso que entendeu mal a minha intervenção. De facto, levantei um conjunto de dúvidas, de questões...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Mas não a essência!

O Orador: - ... e, sobretudo, referenciei que o órgão Provedor de Justiça tem, exactamente, a missão nobre de procurar zelar pelos interesses e direitos legítimos dos cidadãos. Como tal, consideramos dispensável que exista uma lei própria a institucionalizar uma figura que, por si, pode ser criada se as autarquias locais assim o entenderem. O que não devemos é proibi-lo!
A legislação actual permite, naturalmente pelo seu próprio vazio, que, se for essa a vontade das câmaras e assembleias municipais, se criem provedores municipais, como já aconteceu no caso de Lisboa, infelizmente com maus resultados, na medida em que aparece como uma figura quase inócua, dado que não tem sequer meios, como já foi reconhecido publicamente - e, pelos vistos, o Presidente da Câmara também tem dúvidas acerca da sua utilidade.
Assim sendo, não pode depreender das minhas palavras, e muito menos da posição do Partido Social Democrata, que sejamos, desde já, favoráveis à criação da figura do provedor municipal. Muito pelo contrário, temos as maiores dúvidas e reservas acerca da sua verdadeira utilidade.

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No entanto, estamos numa Câmara aberta, democrática e, por isso, devemos reflectir,...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Isso não é nada!

O Orador: - ... em particular com aqueles que mais directamente representam as autarquias locais, designadamente os representantes dos municípios.
Nesse sentido, pretendemos ouvir a sua associação representativa, para que nos diga, claramente, o que pensa sobre a matéria, já que ainda não houve qualquer consulta formal à Associação Nacional de Municípios Portugueses, bem como ao Provedor de Justiça, uma vez que entendemos que a criação desta figura, a nível municipal, vai contribuir para o seu esvaziamento e descaracterização. O Provedor de Justiça deve, acima de tudo, ser apoiado e dotado de todas as condições que permitam o exercício pleno das suas funções.
Sr. Deputado, também não sou desde já a favor da regionalização da Provedoria de Justiça; sou, sim, a favor de que seja o Provedor de Justiça - por isso considero que seria desejável, para além da consulta formal, a realização de uma audição parlamentar, em sede da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente e da 1.ª Comissão, com a presença do Provedor de Justiça - a dizer se entende ou não como útil a existência desses delegados a nível regional, para o ajudarem na sua acção.
Coloquei apenas a hipótese e compete-nos a nós, depois de uma reflexão profunda, como é natural, aferir se essa solução é ou não válida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, as explicações agora dadas pelo Sr. Deputado Manuel Moreira suplementaram a sua intervenção e, de algum modo, já me esclareceram. É que, de facto, eu tinha ficado com a ideia, que parece estar confirmada, de que o PSD não diz não nem sim, diz que depende do que resultar da discussão. Com certeza, Sr. Deputado! Pensamos que a resposta ao nosso projecto deve ser "sim", mas se nos demonstrarem que é um erro, não nos "caem os parentes na lama" por desistir ou deixar cair este projecto (este ou qualquer outro). Dizer o contrário não é próprio da democracia.
Se os senhores entendem que é útil ouvir o Sr. Provedor de Justiça, com certeza que o faremos. Mal de nós se víssemos na opinião do Provedor de Justiça um perigo para a democracia! Pelo contrário, ela é bem-vinda. Mas é uma opinião.
Os senhores também entendem que é útil ouvir a opinião da Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Vozes do PSD: - É obrigatório, o que é diferente!

O Orador: - Muito bem, ouvimos a Associação Nacional de Municípios Portugueses, e o que' nos disserem os seus membros será, com certeza, ponderado pela Assembleia da República em termos úteis. Mas a democracia é isso mesmo!
O que não vejo é razão nenhuma - e é esse o único ponto da sua intervenção que peço que esclareça - para o senhor preferir os tais delegados do Provedor de Justiça em cada concelho aos provedores municipais. Da sua intervenção pareceu-me resultar que seria mais eficaz ter um delegado do Provedor de Justiça em cada concelho.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Tanto também não!

O Orador: - Se hão disse isso, então ouvi mal, mas, de qualquer modo, creio que constava do seu discurso algo desse género.
Portanto, pergunto: é certo que o PSD está de acordo em aceitar a discussão de peito aberto e de boa fé? Se é isso, ficamos satisfeitos, mas há pouco não foi isso que percebemos.

Vozes do PSD: - Peito aberto?!

O Orador: - Peito aberto às balas, Srs. Deputados!

Risos.

O Sr. Presidente(Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, julgo que a minha intervenção é um sinal claro de que o Partido Social Democrata está nesta discussão de uma forma séria, a debater algo que, naturalmente, nos compete a nós, em última instância, decidir.
Sobre esta matéria há muitas dúvidas - julgo que atravessam todas as bancadas, incluindo a sua - e, se assim é, nada melhor do que fazer baixar o projecto de lei n.º 65/VII às comissões especializadas, para fazermos uma reflexão sobre a iniciativa em si mesma, para ouvirmos as entidades que devemos ouvir, porque é efectivamente uma obrigação regimental, como é o caso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, e, por outro lado, o Provedor de Justiça. Mas, para nós, esta audição deve ter substância, ou seja, queremos realmente saber qual é a opinião que têm acerca da vossa iniciativa, qual é a opinião que têm acerca da utilidade da criação de uma figura como a do provedor municipal. Depois, então, poderemos fazer a aferição final sobre a posição que devemos tomar, em face desta matéria. Neste momento, a nossa posição é de profunda reserva, de profundas dúvidas, porque a figura do provedor municipal parece-nos, efectivamente, dispensável, mas nada melhor do que ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses e o Provedor de Justiça.
Além disso, em relação à hipótese académica que suscitei de o Provedor de Justiça ter delegados a nível de algumas regiões, espalhados pelo País, compete-lhe a ele dizer se sente ou não essa necessidade. Por isso, nessa audição, nessa consulta, com certeza, vai ter oportunidade de se pronunciar. Até agora, o Provedor não reivindicou essa ideia, talvez porque não sente necessidade, talvez porque sente que os actuais serviços da Provedoria de Justiça são suficientes para dar resposta ao caudal de solicitações que tem, da parte dos cidadãos deste país.
Sr. Deputado, julgo que o importante é que estejamos abertos para debater esta nova figura, com toda a franqueza mas com toda a lealdade, e ver se serve ou não os interesses do País e dos municípios e dos cidadãos, em parti-

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cular, porque é a eles que se dirige. No Final, quando o projecto de lei subir de novo a Plenário, tomaremos a nossa decisão.
Assim, convido o Sr. Deputado e o seu partido, porque julgo que isso também decorreu das suas palavras, a subscreverem a nossa proposta de baixa à comissão, sem votação, do projecto de lei n.º 65/VII, exactamente para se fazer esse debate, essa reflexão alargada e essa consulte. Até ao momento, já todos os partidos a subscreveram, falta apenas o Partido Socialista, pelo que lhe faço, desde já, o convite.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ainda vai a tempo!

O Sr. Macário Correia (PSD): - É um exemplo da nossa tolerância!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero apenas corrigir a afirmação do Sr. Deputado Manuel Moreira,. porque Os Verdes não subscreveram o pedido de baixa à comissão. Certamente, deve ter sido um lapso do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Fica registado, Sr.ª Deputada.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista apresenta-nos hoje um exemplo de inutilidade legislativa, de aberração legal e de nula praticabilidade.
De inutilidade, porque aquilo que nos é proposto já está compreendido, e bem, nas funções e competências do Provedor de Justiça, a quem cabe receber queixas por acções e omissões dos órgãos e serviços dos municípios, dirigindo a estes pedidos de informações, emitindo pareceres, recomendações e propostas aos órgãos municipais e aos seus titulares, exercendo, enfim, a sua actividade, com independência e imparcialidade, na defesa e garantia dos direitos dos munícipes, face aos actos dos órgãos destas autarquias.
No âmbito destas competências, devem os órgãos dos municípios prestar ao Provedor de Justiça toda a colaboração que lhes for solicitada.
Acresce à inutilidade, que os meios que o Partido Socialista quer atribuir a este novo provedor são infinitamente inferiores aos que cabem ao Provedor de Justiça. Não pode o provedor municipal requisitar documentos e processos para exame; não pode proceder a inspecções; não pode requisitar a presença de qualquer funcionário ou agente do município ou titular de um seu órgão e, se o fizer, a recusa do visado em comparecer não constitui crime de desobediência nem pode dar origem a procedimento disciplinar; não pode intervir junto dos serviços municipalizados e das empresas municipais, entidades juridicamente autónomas, em quem as câmaras hoje delegam grande parte das suas atribuições.
Tomemos o exemplo do provedor de Lisboa e ficamos esclarecidos sobre a bondade da ideia e a utilidade da Figura. Estamos, pois, perante um simulacro de provedor.
Vir agora criar uma nova figura que se apelida, simultaneamente, de órgão e de cargo é uma aberração jurídica de que não há lembrança e que ficará como de antologia.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, porque passaríamos a ter provedores sem regime remuneratório fixo, sem autonomia administrativa e financeira, sem capacidade para constituir o seu próprio quadro de funcionários de apoio, em rigor, sem garantias de inamovibilidade - quem o elege pode sempre destitui-lo, se o contrário não resultar da lei -,sem a consagração da irresponsabilidade civil e criminal pelas recomendações, reparos e opiniões que emita ou pelos actos que pratique no exercício das suas funções, enfim, um provedor obrigatoriamente "situacionista", desejavelmente não incómodo, preferencialmente obediente.
Aquilo que o Partido Socialista hoje nos traz é, porventura, o resultado de uma imaginação rica mas pouco elaborada, produtiva mas pouco amadurecida, desde logo, porque cria um órgão autárquico que a Constituição não consagra, depois, apelida-o de cargo e não prevê o empossamento, optando, por último, por o reduzir a um prestador de serviços, a quem cabe também prestar contas. Serão provedores a "recibo verde"!... Estamos, pois, perante um simulacro de provedor.
A seguir, o Partido Socialista atribui ao seu provedor municipal funções de advogado oficioso dos munícipes, concorrendo com as competências dos diversos gabinetes de consulta jurídica e com o regime de apoio judiciário, aliviando - pasme-se! -, em prejuízo das autarquias, as obrigações a cargo do poder central, sem, no entanto, prever a concomitante transferência de verbas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é de uma profusão de provedores que os portugueses necessitam, sobretudo se forem simulacros.
Aquilo que os cidadãos exigem, e o PS não responde, é que a Administração pública, central e local seja leve, eficaz, rápida e expedita, com espírito de serviço e atenta aos problemas dos administrados.
Aquilo que os cidadãos exigem, e o PS não acautela, é que a Administração Pública, central e local, seja célere e conclusiva nas suas respostas ao Provedor de Justiça e pronta no atendimento das suas recomendações.
Aquilo que os portugueses exigem, e o PS não é capaz de assegurar, é o aumento das garantias dos administrados face à Administração, protegendo-os sobretudo daquilo a que podemos chamar de "incerteza administrativamente criada".
Aquilo que os portugueses exigem, e o PS ainda não soube garantir, é o fim do caos na administração da justiça. Enfim, aquilo que os portugueses esperam dos Deputados é que dêem utilidade ao exercício do direito de petição, não arrastando durante anos as petições que lhe são presentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do PS já era suficientemente mau para merecer a nossa oposição, e as intervenções do Sr. Deputado Luís Filipe Madeira ajudaram a consolidar a nossa oposição. O que aqui ouvimos foi uma manifestação de descrédito nas instituições, nos autarcas e na essência da democracia, - o sufrágio directo - e a consequente fuga, não para a frente mas para o lado.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, a nossa preocupação com os direitos fundamentais é constante.
Entretanto, julgamos que aquilo que faz a capacidade de actuação do Provedor de Justiça na protecção dos direitos fundamentais é a unidade da figura. A unidade da figura em relação aos diferentes sectores de actividade da Administração Pública, em relação às diferentes camadas da população e em relação às diferentes pessoas colectivas públicas, o que significa que qualquer excepção nesta matéria tem de ser devidamente ponderada e justificada.
De resto, já aqui foi referido o facto de ter havido muitas propostas no passado: um provedor da criança, um provedor da juventude, um provedor da terceira idade e um provedor ou uma provedora das mulheres. Ouvimos ainda aqui, para além de todas as outras, a proposta de um provedor fiscal.
O problema é que, a partir do momento em que se quebrar a unidade da figura, haverá todas as razões para se multiplicarem os provedores, o que significa, naturalmente, que tenha de haver critérios muito claros para abrir seja que excepção for nesta matéria. E o tipo de justificações para abrir excepções, a nosso ver, pode ser, eventualmente, em duas direcções fundamentais. Uma, a da extrema complexidade dos problemas em causa, não apenas a importância, porque cada sector da população tenderá a entender que o problema que o motiva é o mais importante do País; daí, a complexidade, a natureza muito particular dos problemas em causa. Terá sido, de resto, para além da questão da importância, o problema da complexidade que justificou a proposta do provedor ecológico. Todos nós sabemos, por exemplo, que a avaliação do impacte ambiental é uma questão que, do ponto de vista técnico, é extremamente difícil e exige meios de grande complexidade técnica.
Seja como for, creio que, neste plano, tem de haver tudo menos leviandade.
O outro critério é o de se entender que, num determinado sector da Administração Pública, há uma situação tão complicada, uma complexidade de problemas tão grande e, sobretudo, que há problemas acumulados em matéria de desrespeito pelos direitos fundamentais, em matéria de corrupção, de desrespeito pelos princípios fundamentais do Estado democrático, que o obrigue a intervenções particularizadas.
Ora, ao olharmos para a administração municipal, temos dificuldade em entender que os problemas sejam, em primeiro lugar, de particular complexidade técnica. Porquê maior complexidade do que noutras pessoas colectivas públicas, noutras zonas da Administração Pública? De facto, temos dificuldade - e, aí, ainda mais! - em entender que estamos perante uma área que viola, mais do que as outras, os direitos fundamentais, em que existe mais corrupção do que noutros domínios e em que existe mais violações da legalidade democrática. Na verdade, nada permite apontar nesse sentido.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pelo contrário, creio que é evidente e incontestável - e já tive oportunidade de sublinhar este facto e vou repeti-lo - que é a área mais fiscalizada de toda a Administração Pública. Fiscalizada, desde logo, no seio do próprio município pela assembleia municipal e fiscalizada, no seio da própria câmara, que tem, actualmente, como é sabido, uma composição plural. Referi igualmente a Inspecção-Geral da Administração do Território, a Inspecção-Geral de Finanças, os poderes judiciais de tutela do Governo, que vão até à possibilidade de dissolução e de perda de mandato.
Referi municípios que, num mandato apenas, são sujeitos a várias inspecções, inquéritos e sindicâncias, municípios que já reservaram parcas instalações municipais, que lhes fazem falta, para estarem lá, a tempo integral, inspecções por parte do Governo.
Para além disto, referi também o Tribunal de Contas com vistos de fiscalização prévia e fiscalização posterior. A própria proximidade das populações faz com que os eleitos não tenham dificuldade de lidar com as populações; pelo contrário, respondem no dia-a-dia. Respondem eles, respondem os trabalhadores municipais, responde o Presidente da Câmara e todos os outros eleitos por aquilo que é feito e não é feito. Portanto, estamos perante uma área que, pelo contrário, provavelmente, é aquela que mais realizou na prática muitos direitos fundamentais, aquela que esteve mais perto das populações, aquela que mais fiscalizada foi, inclusive, pela fiscalização das fiscalizações, que é responder periodicamente perante os eleitores.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que temos dificuldade em encarar esta ruptura com a unidade da figura do provedor municipal a não ser num quadro de coerência, de repensar directamente o problema dos direitos dos cidadãos, de repensar o conjunto da figura do Provedor de Justiça.
Um problema particularmente sedutor é a possibilidade de o provedor municipal representar os munícipes nos tribunais. Creio que isto deve ser encarado como parte de um problema muito mais vasto, que é o grande défice que existe no nosso país em matéria de acesso ao direito, designadamente o acesso dos mais carecidos à justiça. Este não é um problema que se coloque perante os municípios mas perante toda a Administração Pública, sem excepção. Por isso mesmo, compreendemos que se afirme que se pretende fortalecer os direitos fundamentais - esta é uma preocupação que nos é extremamente cara.
Já disse que não estão em causa as boas intenções nesta matéria mas julgamos que se impõe uma reflexão mais profunda, impõe-se ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses e o Provedor de Justiça, impõe-se levar mais longe o debate nesta matéria, impõe-se, no fim de contas, caminharmos numa protecção efectiva dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos fundamentais simultaneamente, sem criar qualquer imagem pública de que há um sector na Administração portuguesa que tem de ser mais fiscalizado do que os outros porque é mais suspeito (não sei de quê?) do que os outros sectores da Administração.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, apoiámos, com espírito aberto, a baixa deste diploma à comissão respectiva, sem votação, para nova apreciação, com a ideia de que podem contar com a nossa colaboração para tudo aquilo que seja fortalecer o poder local e os direitos fundamentais.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de referir que o Partido Ecologista Os Verdes é favorável ao reforço das formas de participação dos cidadãos, mas temos dúvidas de que este projecto de lei represente um efectivo e rigoroso reforço dos meios de participação dos cidadãos.
Por outro lado, como a Sr.ª Deputada Isabel Castro já teve oportunidade de referir, é pena que não se conheça a posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses e também da ANAFRE relativamente àquilo que é proposto. Sendo certo que ainda é possível conhecer as suas posições, é pena que antecipadamente não se tenham consultado estas associações, no sentido de se conhecer a sua sensibilidade e a sua posição relativamente a esta matéria. Consideramos que era importante que tivessem sido já auscultadas.
O Partido Ecologista Os Verdes considera que a criação do provedor municipal não se pode fazer por decreto, não se pode fazer de um modo impositivo. Parece-nos que o PS não apresenta esta iniciativa com base em qualquer movimento de opinião formado relativamente a esta matéria. O que não se percebe, de facto - e no decurso do debate isso ficou perfeitamente visível, na nossa perspectiva -, é a lógica do PS em termos da criação destes provedores. E que nega uma proposta do Partido Ecologista Os Verdes relativamente à criação do provedor ecológico, mas aceita um provedor para outras áreas, como a da criança, e até já se falou num provedor fiscal, etc., etc., etc. Portanto, não se percebe qual é a lógica encontrada pelo PS para definir a criação dos provedores.
Gostaria ainda de saber - aliás, isto já foi aqui referido pelo Sr. Deputado Luís Sá - porquê a criação de um provedor municipal e não a de um provedor de freguesia. É porque eram muitos mais? Mas já existe, criado de uma forma perfeitamente voluntária e não impositiva, um Provedor na Junta de Freguesia do Sado no concelho de Setúbal, que tem tido uma actividade extremamente interessante. Cremos que é extremamente interessante que estas figuras surjam de uma forma voluntária. Gostaria de deixar isto bem vincado.
Por outro lado - e este é um outro receio que temos em relação ao diploma em apreço -, como já aqui foi referido, sendo este nível de poder mais fiscalizado, mais próximo dos cidadãos, mais facilmente controlado pelos cidadãos, receamos que haja alguma descredibilização, algum afastamento por parte dos cidadãos destes mesmos órgãos. Lembro, por exemplo, as reuniões das assembleias municipais dependerem naturalmente da realidade de cada concelho atas realizadas sempre de uma forma extremamente participada pela população e pelos cidadãos do respectivo concelho.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 65/VII, informo que deu entrada na Mesa um requerimento, subscrito pelo PSD,. CDS-PP e PCP, solicitando a baixa deste diploma às Comissões, de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente para nova apreciação, o qual será votado em momento oportuno.
Passamos à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 18/VII - Prevenção da poluição provocada por navios que transportem substâncias poluentes ou perigosas nas águas da zona económica exclusiva portuguesa (Os Verdes).
Para fazer a síntese do relatório da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresentou o projecto de lei n.º 18/VH, sobre prevenção da poluição provocado por navios que transportem substâncias poluentes ou perigosas nas águas da zona económica exclusiva portuguesa. A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação foi cometida a exigência de elaborar o respectivo relatório e parecer.
A iniciativa legislativa em apreciação visa, fundamentalmente, garantir melhores condições de aplicabilidade à legislação nacional e às convenções e acordos internacionais em vigor sobre a matéria.
A propósito deste projecto de lei, saliente-se que já existem instrumentos diplomáticos (convenções internacionais, protocolos e directivas comunitárias) que, a serem respeitados, podem minorar problemas, preservar o ambiente humano em geral e o meio marinho em particular.
Outras das preocupações dos países que adoptaram a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, celebrada em Londres, em Novembro de 1973, diz respeito à necessidade de se eliminar completamente a poluição intencional do meio marinho por hidrocarbonetos e outras substâncias prejudiciais, bem como a minimização dos prejuízos ocasionados por descargas acidentais.
As convenções são integradas por anexos, onde se determinam diversas regras a observar, bem como por apêndices com listas exaustivas de substâncias poluentes ou perigosas. Diversas alterações, aditamentos e protocolos têm sido desde então adaptados, o que por si só demonstra as preocupações que este grave problema causa a Governos e às populações. Nesse sentido destaca-se, ainda, a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, aprovada em 1974.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar destes exemplos, não faltam outros de acidentes verificados nos mares com consequências gravíssimas, nomeadamente originadas com navios petroleiros que têm poluído, por vezes de forma irreversível, longas áreas dos oceanos.
Ao mesmo tempo, assinalam-se situações nada conducentes com a necessidade de se preservar o ambiente marítimo, como acontece com a observância de continuadas violações a convenções e leis nacionais, a saber: explosões deliberadas ou acidentais de explosivos e de outro material de guerra, trânsito de navios nucleares e de transportes de detritos radioactivos ou de lavagem de tanques de hidrocarbonetos ou de outras substâncias junto às costas.
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes salienta a necessidade de se adoptarem medidas tendentes a prevenir ou minimizar os efeitos do crescente número de acidentes. Entendem ainda as Deputadas proponentes que, devido à elevada circulação de navios na zona económica exclusiva nacional, o nosso país deve assumir novas, responsabilidades na prevenção de acidentes, pelo que se devem aplicar outros "meios legais que complementem os acordos e convenções internacionais", tudo na defesa e no respeito pelo ambiente e pelos recur

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sos marinhos e também para garantir a segurança de pessoas e bens que correm riscos pela circulação, carga e descarga de navios que transportem substâncias poluentes ou perigosas.
A iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes tem também como objectivo "Garantir a prevenção da poluição no meio marinho através do conhecimento antecipado da circulação de navios que transportem substâncias poluentes ou perigosas nos espaços marítimos sob jurisdição portuguesa", "Precaver ou evitar qualquer tipo ou forma de descarga que em situação de prevenção possa ser evitável ou menorizados os seus efeitos" e, finalmente, "Proibir o transporte de substâncias poluentes ou perigosas nos espaços marítimos...", de acordo com os preceitos propostos no seu projecto de lei, ou seja, o seu artigo 3.º.
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, depois de apreciar o projecto de lei n.º 18/VII, entendeu que está em condições de ser debatido em Plenário, reservando os grupos parlamentares a sua posição política para o debate que se. vai seguir.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para apresentar o projecto de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Se, num planeta como o nosso, em que cerca de 70% da sua superfície corresponde a água dos mares, parece evidente não fazer muito sentido colocar-se a questão da sua quantidade ou escassez, evidente parece ser, contudo, o facto de que a ideia, erradamente instalada em muitos, de que os mares seriam uma fonte de recursos alimentares inesgotável e um imenso depósito para o qual, eterna e impunemente, todo o tipo de poluição e lixo poderia ser lançado não só foi desmentida pela realidade como precisa de encontrar mecanismos adequados que ponham cobro ao perigo que tal representa. Perigo traduzido em dezenas de espécies em risco de extinção, animais marinhos ameaçados, contaminação a entrar na cadeia alimentar e a afectar os nossos recurso e saúde pública, bancos de corais doentes, fenómenos de eutrofização, ecossistemas destruídos, toneladas de crude derramadas, descargas químicas, marés negras, de que ninguém se esquece.
Em Março de 1978, ao longo da Bretanha, um navio cisterna liberiano, o Amoco-Cadiz, encalhou: 230 000 toneladas de petróleo bruto derramadas. Um ecossistema arruinado. Durante anos, a paralisação total da actividade económica e turística. Em Março de 1989, - Exxon-Valdez, no Alasca, 38 000 toneladas de petróleo bruto derramados, 250 000 km2 de gelos árcticos afectados. O derrame que custou mais caro do mundo.
Oceanos, como importantes recursos para a segurança alimentar que são afectados durante anos e anos, e não raro, de modo irreversível. Oceanos como um valioso património da humanidade e uma insubstituível fonte de riqueza indispensável à defesa da vida e do equilíbrio ecológico do planeta em risco e que por isso importa proteger dos perigos de que é alvo. Perigo da poluição que de terra recebe através de fontes poluidoras múltiplas, nomeadamente, industriais e domésticas não tratadas. Perigos resultantes de catástrofes naturais, perigos de acidentes.
Mas perigos, sobretudo, que hoje, ao contrário de outrora, não é o mar a impor aos navios mas os navios a impor ao próprio mar, através do lixo dos seus cruzeiros, da bombagem de efluentes das suas máquinas, da poluição causada pelas suas cargas poluentes ou perigosas através da criminosa lavagem clandestina dos seus tanques. Práticas bem usuais, aliás, em navios com as chamadas "bandeiras de conveniência", normalmente associados aos derrames mais conhecidos e com os quais a lista negra do Memorando de Paris, que integram, se encontra familiarizada.
Poluição provocada por produtos petroquímicos diversos, dos hidrocarbonetos aos refinados, e por produtos químicos e solventes, das acetonas aos nitrilos, numa imensa lista sem fim. Poluição provocada por destilados, por óleos, por melaços, por produtos diversos, não esquecendo, obviamente, o perigo mortal dos nucleares.
É uma panóplia de cargas, muitas delas tóxicas e perigosas (já que o transporte de mais de metade destas se passou a fazer por via marítima), a cruzar, dia após dia, ano após ano, as nossas águas e a justificar plenamente, em nosso entendimento, a apresentação deste projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes.
É um projecto de lei que se quer seja um contributo para a discussão e o encontrar, no plano nacional, de uma solução para um problema global que aqui, de modo muito peculiar, incide com gravidade especial.
Exemplos não faltam nas nossas costas: em rotas que, por meras razões economicistas, atentam contra pessoas e bens, sistematicamente; nos barcos por vezes utilizados, que mais parecem velhas carcaças à espera da tragédia marítima; nas tripulações impreparadas; nos produtos que circulam, do nuclear às ramas petrolíferas, num imenso rol que de todo em todo nos escapa; e ainda no perigo que constituem as nossas fossas atlânticas, tornadas autênticos cemitérios clandestinos das mais diversas sucatas e resíduos, aliás, como os muitos S. Miguéis, que todos nós não esquecemos, que muitos conhecemos, mas, na maior parte dos casos, desconhecemos.
São águas assim transformadas em autênticos factores de risco, contra os quais este projecto de lei é apresentado, visando alterar a situação. Trata-se de um projecto de lei que não desconhece ser vasta a legislação existente nesta área, mas tem presente a sua comprovada pouca eficácia., Por isso se entende ser importante dar um contributo para a encontrar, através da busca, na legislação nacional, de maneiras de garantir melhores condições de aplicabilidade das convenções e acordos internacionais, designadamente a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) e seus anexos, a Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação (Convenção de Basileia) ou o designado Acordo de Lisboa, cuja ineficácia prevalece, por litígio entre Marrocos e Espanha.
É um projecto de lei que tem em conta,, desde logo, o facto de a legislação nacional em vigor se reportar ao controle à passagem de fronteira de poluição, pelo que procura deter-se no quadro específico e mais restrito da prevenção na zona económica exclusiva portuguesa. E esta é uma opção que se justifica, quanto a nós, pela própria natureza da nossa ZEE: dispersa pela zona continental e pelas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores; enorme, com uma dimensão que a torna uma das maiores da Europa; estratégica, pois cerca de três quartos do total do tráfico marítimo internacional passa pelas suas águas, metade do qual - é bom não esquecer - se reporta ao transporte de substância tóxicas e perigosas.
Na nossa costa, apenas o transporte de crude, segundo dados da IMO, estima-se superior a 450 milhões de toneladas/ano e a acostagem de navios, só em Sines, equivale a 18 milhões de toneladas/ano de crude.

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Estes factos, dada a probabilidade estimada de ocorrência de acidentes - cerca de dois em cada três anos, por razões várias, desde colisões a encalhes, passando por avarias, roturas e lavagens ilegais de tanques -, merecem, em nossa opinião, reflexão e resposta adequadas.
É necessária uma resposta para acidentes de variado tipo, que muitos de nós temos presentes, devido à sua natureza mediática: no Porto Santo, no Marão, onde foram derramadas mais de 6000 toneladas de crude; e mais recentemente em Leixões, na Costa da Caparica, na Figueira da Foz.
São desastres cujas marcas e custos prevalecem e que muitos pagaram. A eles importa juntar ainda a outra face, menos visível mas nem por isso menos perigosa, destas cargas: a que resulta das descargas de produtos químicos, minúsculas, muitas delas, mas suficientes para provocar dano grave, a justificar plenamente, na zona económica exclusiva, no mar territorial, nas áreas portuárias e na faixa de domínio público marítimo, medidas que permitam o respeito e cumprimento de um código de conduta que salvaguarde os nossos interesses, ou seja, que favoreça o respeito pelo ambiente e pelos recursos marinhos e garanta a segurança de pessoas e bens que correm riscos pela circulação, carga e descarga de navios que transportam substâncias poluentes ou perigosas.
É esse transporte que este projecto visa alterar, designadamente, ao precisar conceitos. Alargamos o conceito de descarga a qualquer forma de eliminação de substâncias através do seu lançamento voluntário ou involuntário no meio aquático, não restringindo-o à simples operação portuária, e com isso pretendemos evitar as descargas no mar. Alargamos o conceito de substância poluente, para que o objecto da prevenção que se pretende fazer passe a ser toda e qualquer substância poluente, independentemente da sua classificação e o modo como é transportada, a granel ou embalada, incluindo nela a própria embalagem ou recipiente utilizado no transporte dessas substâncias.
E propomos ainda a obrigatoriedade e o conhecimento prévio de toda e qualquer carga que transite nas águas sob jurisdição portuguesa, independentemente de ser ou não Portugal o porto de chegada ou saída; a fixação de condições mínimas de segurança; a obrigação da utilização de embalagens adequadas para a minimizar riscos de transporte; prevemos regras de identificação precisas extensíveis à documentação, que impeçam vulgares designações comerciais que tudo escondem; responsabilizamos o dono do navio pelo plano de carga, que distinga as várias etapas e métodos processuais, de acordo com a caracterização das cargas poluentes, e facilite a sua localização dentro do navio; fixamos regras de limitação de quantidade; exigimos a informação baseada no aviso prévio, seja antes da chegada, da partida ou da passagem de navios pelas nossas águas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é certo que as soluções propostas neste projecto de lei de Os Verdes não são acabadas e implicam, numa área do Direito tão complexa como esta, aperfeiçoamento e regulamentação complementar que lhes dêem melhor conteúdo, certo é também, e disso Os Verdes de há muito têm consciência e para isso vêm alertando, que o reforço de medidas eficazes tendentes a prevenir ou minimizar os efeitos da crescente poluição pelos danos que causa ao nosso país e à conservação e gestão dos nossos recursos naturais, à preservação dos leitos dos nossos mares e à protecção do nosso meio marinho não pode permanecer adiado.
Exigem-se soluções e uma intervenção articulada em múltiplos domínios, que passa desde logo pela existência e definição clara de uma autoridade marítima unificada, a quem deverá competir a nível nacional todas as acções para a prevenção, segurança e fiscalização dos nossos mares, actualmente inexistente; por um efectivo corpo de inspectores de navios, cuja complexificação de funções técnicas, para nós, Os Verdes, é mais compatível com a formação e o perfil de um capitão da marinha mercante do que com um efectivo da polícia marítima; por adequados meios técnicos de fiscalização que dêem às missões a eficácia e credibilidade que hoje, manifestamente, não tem e permitem que o crime nas nossas águas compense e os nossos mares continuem transformados em autênticos caixotes de lixo; por tripulações devidamente formadas e certificadas de acordo com a convenção internacional STCW; que exige a instalação de equipamentos de lavagem de navios, hoje inexistentes nos portos portugueses; que implica adequados meios de intervenção em caso de acidente, hoje manifestamente escassos, e planos de emergência entre nós ainda não pensados!
São medidas várias para um problema de extrema gravidade, mas que julgamos de interesse nacional, o qual, em nossa opinião, justifica a discussão rápida a ratificação por este Parlamento da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, há tanto adiada. É um interesse nacional em função do qual o nosso projecto se insere, não para que conste, não para que fique esquecido na gaveta, como tantos outros, mas para agir no sentido de uma mudança que também aqui se reclama, que não deve ficar adiada e na qual, em nosso entendimento, cada um dos grupos parlamentares tem a responsabilidade de participar!

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, o fundo dos mares e dos oceanos para fins exclusivamente pacíficos é considerado património comum da humanidade desde o século XIX e como tal foi abordado em 1958 pelo Presidente da l.ª Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
Porém, só em 1970 a Assembleia Geral das Nações Unidas, após longas negociações, adoptou a Resolução n.º 2749, em que se proclama que "o fundo dos mares e dos oceanos, assim como o seu subsolo, para além da jurisdição nacional e seus recursos, são património comum da humanidade" e não poderão "por qualquer meio ser objecto de apropriação de Estados ou de pessoas".
Portugal vem ainda transpondo para a legislação portuguesa directivas comunitárias relacionadas com a poluição causada por certas substâncias perigosas. Entre estas, figura a directiva EUROTOM, directamente relacionada com as transferências transfronteiriças de resíduos radioactivos. Importa ainda referir que inúmeras decisões comunitárias e acordos adicionais têm sido firmados no sentido da protecção da qualidade da água.
Salienta-se que Portugal aprovou e ratificou, entre outras, a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios e a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar. Esta última, de 1974, explicita as regras a que devem obedecer as vistorias de algum tipo de navios, assim como a atribuição de

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concessão de certificados após as respectivas vistorias. Portugal assinou ainda o Acordo de Cooperação para a Protecção das Costas e das Águas do Atlântico Nordeste Contra a Poluição.
A legislação nacional não descurou o trânsito de resíduos perigosos, nomeadamente através da publicação do Decreto-Lei n.º 121/90, de 9 de Abril, chamando a atenção para a necessidade de notificação.
Conscientes de que não poderemos voltar à lei do more clausum, segundo a qual o Estado português considerava presas 'de legítimo direito todas as cargas de especiarias transportadas sem "cartaz"; conscientes de que o mare liberum fez teoria, que foi posta em prática após a trégua firmada na Europa, a partir da qual os holandeses puderam edificar o seu império na Ásia; conscientes de que os problemas que põem em causa o meio ambiente dizem respeito a todos, como afirmou na sua intervenção, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostaria de colocar-lhe as seguintes questões: considera o Partido Ecologista Os Verdes que o projecto de lei que agora apresenta está ou não de acordo com as convenções internacionais ratificadas por Portugal e, ainda, com as directivas comunitárias até agora transpostas para o direito interno?
A zona económica exclusiva foi concebida a par com o direito de navegabilidade na mesma. Em vosso entender, seria possível dissociar estes dois aspectos?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Moura, muito rapidamente, porque julgo que a Sr.ª Deputada só fez uma pergunta no final da sua intervenção, quero dizer-lhe que a questão que coloca é de algum modo a de saber se, com o nosso projecto de lei, estamos a inverter o sentido de propriedade, ou seja, se somos nós que vamos fazer pilhagem aos outros, remontando um pouco àquilo que era o passado em que o domínio era uma forma de relação complicada nos mares, e se o nosso projecto é ou não compatível com as convenções internacionais que assinámos.
Ora, se a Sr.ª Deputada leu com atenção o nosso projecto de lei e ouviu bem a nossa intervenção, chegará à conclusão de que, em nosso entender, ele é compatível. E quando digo, no final, que, a meu ver, em sede de especialidade, porque falamos de direito do mar e de uma área extremamente complexa, ele deve ter ajustes em termos dessa articulação, isso significa que respeita completamente.
Agora, se me pergunta se julgamos que as convenções e o modo como estão a ser aplicadas têm dado eficácia, posso fornecer-lhe um grande dossier sobre os múltiplos derrames, sobre as descargas clandestinas, sobre tudo e mais alguma coisa que se faz nas nossas águas. Donde, penso que se, agora, há nova pirataria, ela é feita nas nossas águas, onde tudo é permitido, onde tudo se tem processado sem lei. Ora, é exactamente para obviar a tudo isso que elaborámos este projecto de lei, ou seja, para alterar uma situação gravíssima não só do ponto de vista ambiental como do ponto de vista social e do desenvolvimento económico. E julgo muito grave não ter isto em consideração não só pelo continente português mas também pelas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Aliás, seria interessante que os Srs. Deputados eleitos pelos círculos eleitorais dos Açores e da Madeira pudessem transmitir-nos a experiência que têm de ver os seus mares abusivamente utilizados por outros que nas suas águas tudo fazem.
É que se a Sr.ª Deputada se der ao trabalho de investigar, de fazer requerimentos e tiver a sorte de os ver respondidos, verificará como as inspecções a bordo são feitas. Verificará, por exemplo, que os livros de registo bilingue, que são livros numerados e sequenciais, que obrigatoriamente os barcos têm de trazer, com uma descrição extremamente minuciosa e detalhada de todas as operações no barco...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Já me dei ao trabalho de ver isso!

A Oradora: - Então, se já se deu ao trabalho de saber como, do ponto de vista processual, funciona, pergunte como esses registos são feitos e facilmente compreenderá que não é um cabo da marinha, que, enfim e sem desrespeito, com dificuldade domina a sua língua, que está em condições de entrar num navio e ter acesso a informação que manifestamente não existe.
Pergunto, Sr.ª Deputada, como pode haver alguma possibilidade de respeito de tudo isto, se, em Portugal, ao contrário do que acontece noutros sítios, um barco, quando entra nos nossos portos, não recebe, desde logo, um programa para a sua passagem no porto, portanto, com as várias orientações para os vários sítios onde processa cada uma das operações a que está obrigado. Por exemplo, se quiser fazer lavagem e depósito de alguns resíduos, não tem onde o fazer.
Portanto, é perante este quadro, e não qualquer outro que gostaríamos que existisse, e é sobre esta realidade que se quer ou não agir. Nós queremos!

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Neves.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes entendeu agendar o seu projecto de lei, visando a prevenção do meio marinho da poluição provocada por navios que transportem matérias nocivas ao ambiente e ao homem e que circulem nas águas da denominada zona económica exclusiva portuguesa. Matéria actualíssima a que damos a maior atenção e importância, participando num debate que julgamos sempre útil para a salvaguarda e segurança das populações que aqui representamos.
Interessa, por isso, discutir com a maior serenidade, visando o esclarecimento e para que possamos colaborar nesse objectivo, de que todos comungamos. No entanto, não podemos deixar de ter sempre em vista as convenções e acordos internacionais que norteiam matéria tão importante, a que o Estado português se vinculou e que quis transferir para o seu direito interno.
Não queremos, desde já, transferir responsabilidades, imputando-as às normas das convenções, de que, afinal, somos parte. Mas, por maioria de razão, neste caso, importa compreender que Portugal só verá os seus interesses acautelados e defendidos, se, em matéria tão complexa como é a do direito do mar, cumprir e obrigar ao cumprimento dessas normas, a que todos os Estados anuíram, havendo, a contrario, prejuízo quanto à eficácia de outras normas que quiséssemos impor para protecção dos nossos

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interesses, para a salvaguarda do ambiente e da vida humana, que é o que afinal está em causa.
Portugal é subscritor de todas as convenções e acordos internacionais relevantes sobre esta matéria e qualquer iniciativa legislativa desta Assembleia ou do Governo que vise aumentar a sua eficácia e aplicação é bem-vinda, se pretender regulamentar o que tiver de ser regulamentado, assim como a definição e execução de todas as acções de Fiscalização e empenhamento para salvaguarda do interesse de todos.
Infelizmente, não é o que acontece, em nossa opinião, com esta iniciativa legislativa em apreço.
Sr. Presidente, Sr,- e Srs. Deputados: Especialmente, dirijo-me às Sr.º5 Deputadas do Partido Ecologista Os Verdes subscritoras do projecto de lei n.º 18/VII, aqui em análise.
O Partido Socialista participará sinceramente em todos os debates que VV. Ex.as entendam estar na ordem do dia, mas, quando se trata de analisar iniciativas legislativas que pretendam resolver ou minorar questões tão importantes como a presente, deveremos fazê-lo através de uma apreciação crítica e ficarmos, por isso, também sujeitos à crítica.
O presente projecto de lei, em nosso entendimento, peca, antes de mais, por repetir rigorosamente normas já estabelecidas e aceites no direito português, pelo menos desde 1987 - veja-se, por exemplo, o n.º 3 do artigo 1º, todo o artigo 2.º, o n.º 2 do artigo 4.º e o artigo 5.º, os artigos 6.º, 7 º, 8 º, 9 º,10.º e l 1 º, l6.º e 18.º, num conjunto de 20 artigos no total, em comparação com os textos da Convenção de Londres de 1978, designada abreviadamente de MARPOL, e da Convenção SOLAS, em vigor desde 1992 -, não constituindo, nesta matéria, qualquer inovação legislativa ou mesmo regulamentação a esses preceitos.
Nos três artigos em que não se repetem estes textos, restringe-se a aplicação de normas que são contrárias ao direito internacional marítimo vigente, sendo, nessa perspectiva, de constitucionalidade muito duvidosa e de nula eficácia, em relação às normas a que já aderimos nessas convenções internacionais.
Com a pressa de aproveitar a oportunidade política de agendar este tema em coincidência com ,a passagem do navio Pacif Teal, na semana passada, os subscritores não conseguiram ainda actualizar o presente projecto de lei, que já foi discutido nesta Assembleia, em 1992, com as directivas e regulamentos comunitários que, entretanto, foram aprovados e que são pertinentes sobre esta matéria, nomeadamente sobre os resíduos radioactivos.
Ficou assim um projecto de lei ultrapassado pelo tempo e pelas acções. entretanto lançadas, que lhe retiraram qualquer inovação ou interesse legislativo.
Mas, partindo do princípio, provável, de que, afinal, o Partido Ecologista Os Verdes não pretende a aprovação do presente projecto de lei mas, sim, aproveitar a oportunidade para um debate político sobre o assunto, gostaríamos de saber, em termos concretos, quais são as críticas e as sugestões que o Partido Ecologista Os Verdes tem a apresentar em termos de prevenção da poluição do meio marinho que estejam deficientemente previstas no Plano Mar Limpo e nos programas de emergência para o combate à poluição de águas marinhas e nos portos em execução pelas autoridades marítimas e pelo Governo de protecção à nossa costa e aos nossos recursos ou em relação ao convénio assinado com os Reinos de Marrocos e de Espanha e a República Francesa para a cooperação de meios e sistemas, assim como de ajuda internacional para a prevenção e combate a eventuais incidentes nesta área.
Compreendemos as preocupações avançadas, mas estamos convencidos de que não existe alternativa ao cumprimento das normas a que aderimos no plano internacional e são essas que, afinal, nos protegem e ao planeta. A única alternativa possível e desejável é que todas as matérias poluentes e perigosas que são transportadas por via marítima nem sequer fossem produzidas nem utilizadas, mas a verdade das tecnologias do mundo em que vivemos e a história são mesmo diferentes dos nossos desejos e temos de usar o direito e a técnica para nos protegermos pelas formas mais eficientes a esse propósito.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Temos de cumprir e de fazer cumprir a Convenção de Basileia, impedindo a exportação de resíduos para os países em vias de desenvolvimento - e isso também é protecção do nosso planeta e do nosso país; temos que fazer cumprir a directiva comunitária sobre o trânsito transfronteiriço de matérias radioactivas, já aceite e transposta pelo Governo do PS, bem como a directiva sobre as condições de entrada nos portos marítimos com cargas dessa natureza; e temos de participar e aperfeiçoar as medidas de empenhamento e de fiscalização, através das nossas autoridades competentes.
Afinal, temos, antes de mais, de cumprir a lei e o direito e não começar por a desrespeitar, como seria o caso da aprovação da presente iniciativa legislativa.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Subscrevemos, no entanto, o voto do Partido Ecologista Os Verdes para que, na evolução das disposições das convenções internacionais, em que os representantes de Portugal participam, se promovam as propostas a incluir no direito internacional que defendam crescentemente a zona económica exclusiva, porque esta é a única forma de conseguir, com eficácia, garantir os nossos objectivos, enquanto nação ligada ao mar, a que nos liga a nossa história e o nosso futuro colectivo.
Antes de terminar, não poderia deixar de saudar, entre outras entidades, a acção da Armada portuguesa, que sempre desempenhou com excelência as missões que, nesta e noutras vastas áreas, lhe foram atribuídas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, naturalmente, de saudar que o Parlamento discuta esta preocupação relevante relativamente à poluição marítima, em especial nas águas de soberania portuguesa. Todavia, pela maneira como o assunto nos é presente, através do projecto de lei em causa, parece que não está ainda suficientemente amadurecida pelos autores esta matéria ou que não terão estudado e não conhecem suficientemente o assunto.
A solução para este tipo de problemas reside, naturalmente, no seio das conferências relativas às convenções internacionais e aos acordos de que Portugal é parte e não tanto na legislação interna avulsa, que, ainda que meritória, dificilmente produz qualquer efeito prático, na medida em que as questões da navegação e do direito marítimo internacional carecem, obviamente, de acordos e de compromissos com outras partes que não apenas o Estado português de per si.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Convém que se saiba que, ainda que soberanos sobre as nossas águas, há, obviamente, matérias sobre as quais temos de obter o compromisso de outros, e esta é claramente uma destas situações.
O projecto de lei que aqui está a ser discutido é imperfeito, tendo disposições que não são razoáveis e incorrecções de forma e incorrecções grades de carácter jurídico. Seguidamente, irei demonstrar, uma a uma, quais são, no sentido construtivo de dar a minha modesta ajuda aos autores e a todos aqueles que se ocupam destas matérias,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Modéstia é uma coisa que você tem!...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não tanta como V. Ex.ª!

O Orador: - ... para poderem aperfeiçoar aquilo que não sabem a esse respeito.
Quero, naturalmente, assinalar que, logo no preâmbulo do diploma, os autores omitem algumas referências que são importantes e que têm a ver com a Convenção para a Prevenção da Poluição Marinha por Operações de Imersão de Detritos e Outros Produtos, conhecida vulgarmente pelos entendidos como a Convenção de Londres de 1972, e que Portugal aprovou e ratificou por legislação de 1978.
Depois, quando referenciam as "alterações de 1988", aquilo a que deveriam referir-se era às "Emendas de 1988", porque quem conhece os meandros diplomáticos e as questões de direito aplicáveis a esta matéria sabe que as palavras têm um peso e um conteúdo adequados. Por isso deveriam referir-se à Convenção SOLAS, normalmente designada por Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar.
Designam-se Emendas e não alterações e constam de umas primeiras Emendas aprovadas em Londres pela IMO, que quer dizer International Maritime Organization, em Abril de 1988.
Também devem ser tidas em conta as Emendas ao Capítulo II-1 dessa Convenção,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Chama a isso modéstia! O que seria se não fosse!?

O Orador: - ... que trata da construção, compartimentação e estabilidade nas máquinas e instalações eléctricas desses navios.
Há ainda umas segundas Emendas, aprovadas também em Londres, pela IMO, isto é, pela Organização Marítima Internacional, também em Outubro de 1988. Essa Emendas têm um conjunto de referências que se aplicam sobretudo ao que resulta do acidente do navio Herald of Free Enterprise e aplicadas aos ferries em geral.
Sabe-se que, nestas convenções, sempre que há um grande acidente há, uma reunião dos subscritores da Convenção e, normalmente, as soluções adoptadas pós-acidente têm a ver com a reflexão e avaliação do mesmo e introduzem-se emendas às convenções, por forma a banir esse tipo de acidentes no futuro. É assim que as coisas acontecem.
E há ainda umas terceiras Emendas, também aprovadas em Londres, que têm dois objectivos principais: o primeiro é a introdução de um Sistema Mundial de Socorro e Segurança Marítima à Escala do Globo, que Portugal aprovou por um decreto de 1992, na altura em que o PSD era Governo, que fez esta e outras coisas boas, como, certamente, reconhecem, em matéria de ambiente; o segundo é a introdução de um Sistema Harmonizado de Inspecção e Certificação de Navios, que Portugal ainda não aprovou.
Era, por isso, bem-vinda da parte de Os Verdes, do PS ou de qualquer outro partido uma iniciativa legislativa que colmatasse este vazio jurídico, que, naturalmente, temos de colmatar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Então, por que é que você não a fez?

O Orador: - Não é isso que está aqui em causa, mas naturalmente que os Deputados que aqui têm preocupações legítimas com esta causa não deixarão de colmatar essa lacuna e outras em tempo oportuno.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado Macário Correia é que é o especialista!

O Orador: - Apesar da perturbação do Sr. Deputado Lino de Carvalho, ninguém lhe reconhece, nem eu próprio, qualquer legitimidade nem qualquer currículo em matéria de ambiente. Está apenas a falar por falar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Viu-se, viu-se! Quantos projectos já apresentou?!

O Orador: - Quero dizer que não baixo a minha intervenção ao nível daquilo que acabei de ouvir agora e conto, certamente, com o contributo da Mesa para esse efeito.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não se distraia!

O Orador: - Posso continuar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tenha a bondade! O Sr. Deputado está no uso da palavra!

O Orador: - Por outro lado, quero dizer que a terceira linha do n.º 3 do artigo 1.º tem uma inserção descabida. A expressão "previamente usados", devia ser substituída por "anteriormente usados", porque o legislador pretende referenciar que esses meios de transportar mercadorias foram utilizados na viagem anterior. Podia explicar isto detalhadamente, porque se trata de coisas distintas, mas, na altura oportuna, em sede de comissão, falaremos, se a benevolência dos demais partidos e a compreensão dos proponentes a tanto chegar. Se não quiserem que o projecto de lei chegue à Comissão, haverá outras maneiras democráticas de resolver o problema.
Por outro lado, no n.º 4 do artigo 2.º a definição de navio deverá ser complementada com aquilo que, hoje em dia, é corrente na linguagem técnica do sector que é o conceito de estruturas flutuantes e plataformas fixas ou também flutuantes.
A seguir, o n.º 2 do artigo 4.º devia ter uma redacção diferente, passando a dizer claramente: "É proibida a imersão de substâncias poluentes ou perigosas (...)".
Depois, poderia dar-vos um conjunto de informações adequadas sobre embalagem, marcação e etiquetagem e documentação, matéria respeitante aos artigos 6.º, 7.º e 8.º, dizendo que hoje em dia devem obedecer às normas do Código Internacional para o Transporte Marítimo das

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Mercadorias Perigosas, o qual não é referido, pelo que estes aspectos e outros deveriam ser aí contemplados.
No artigo 10.º há outras matérias igualmente importantes que têm a ver com as limitações de quantidades.
Em particular, queria referir-vos questões relevantes do artigo 12.º, já que o n.º 3 não tem razão para existir porque, de acordo com as normas regulamentadas nas convenções internacionais, as comunicações obrigatórias são sempre feitas às autoridades do porto em questão. Por outro lado, devem ser os organismos interessados a solicitar essas informações. Se as autoridades ficarem obrigadas a informar os organismos indicados de todas as informações recebidas, não só iria criar-se uma enorme burocracia de informação como desobrigar esses organismos à solicitação das informações e conhecimento das leis em vigor.
Ora, os trabalhadores portuários devem conhecer as leis que regulam o embarque e desembarque das mercadorias perigosas e são eles que devem informar as autoridades quando manusearem mercadorias que circulam nos portos sem dar cumprimento às leis em vigor. Em caso de dúvida, devem sempre solicitar informações às autoridades. Aliás, este é um procedimento semelhante ao que se processa quando as mercadorias perigosas circulam por terra antes de chegarem aos portos para embarcar, pois dessa movimentação são informadas apenas as autoridades e não todos os organismos por onde vão passando.
Quanto às associações de defesa do ambiente, a Directiva n.º 90/313/CEE é bem clara ao dizer que "garante a toda e qualquer pessoa singular ou colectiva a liberdade de acesso à informação detida pelas autoridades públicas".
Há ainda um conjunto de outras matérias no capítulo das ligações radiotelefónicas e, em particular, as Emendas à Convenção de 1988, as quais estão vertidas no artigo 13.º e que carecem de correcção.
Outras há que também devem sofrer uma clara correcção no que toca ao artigo l4.º, cuja epígrafe é " Imposições". A imposição de um piloto a bordo não tem justificação, por um lado, se o navio não entrar em porto nacional; por outro, não é praticável em todas as condições climatéricas introduzir pilotos a bordo dos navios; por outro ainda, não aumenta a segurança do navio ao longo da sua rota se este for vigiado por terra, como se espera com a instalação das VTS, ou seja, das estações de controlo de tráfego, ou por forças aéreas e navais, caso a carga perigosa o justifique. Neste caso, há uma lacuna na legislação portuguesa, que não é clarificada pelo texto do projecto de lei. Finalmente, tal não é praticável com os pilotos actualmente existentes em Portugal e atendendo ao número elevado de navios que, com mercadorias perigosas, circula ao longo das nossas costas. E, é bom que se saiba que, instantaneamente, nas águas territoriais portuguesas, estão potencialmente 200 navios, agora, daqui a bocado e amanhã outra vez, susceptíveis de serem vigiados. Importa referir que circulam diariamente 2000 ou mais navios nos mares de todo o mundo transportando mercadorias susceptíveis deste tipo de fiscalização.
Poderia citar um conjunto de outras matérias delicadas mas apenas deixo a seguinte questão para reflexão: como seria se, para este universo que refiro, Portugal tivesse de impor pilotos a bordo em todos os navios de passagem nas nossas águas com tais mercadorias? É uma pergunta a que aqueles que têm a responsabilidade de zelar pelo cumprimento do Orçamento do Estado encontrarão boa resposta na sua consciência.
Quanto à matéria que se prende com a sinalização deve ser tida em conta a informação patente nas convenções internacionais.
No caso do artigo 19.º - "Navios de passageiros" aquilo que o diploma em apreço poderia clarificar, à luz das convenções de que somos parte, é a precisão do que é um navio de passageiros, já que há um entendimento segundo o qual é de passageiros o navio que transporta mais de 12 passageiros.
Não entremos em mais detalhes. Queria apenas demonstrar, através deste e de outros exemplos, as imperfeições, as incorrecções, as insuficiências de uma boa intenção. A boa intenção vale como tal, e nisso reside o mérito dos subscritores do diploma, mas qualquer boa intenção carece de maior precisão e profundidade e, como estamos a tratar de matérias relacionadas com direito interno e direito internacional, uma boa intenção, só por si, não é suficiente.
É importante fazer notar aos subscritores do projecto de lei que os diplomas que têm por objectivo prevenir a poluição marinha devem ser acompanhados de legislação que regule a fiscalização das nossas águas. Os que estão dentro destes assuntos conhecem o que é feito a partir da base aérea de Sintra com a esquadra 414 e os aviocars existentes, apesar das insuficiências, dos escassos meios operacionais e das dificuldades orçamentais sentidas.
Outro ponto interessante para a legislação portuguesa poder evoluir prende-se com a legislação penal e com a maneira como, no nosso direito interno, penalizamos ou não aqueles que prevaricam em território sob a nossa soberania.
Em conclusão; tudo aquilo que disse não retira o mérito nem a boa vontade de discutir aqui, a esta hora do dia, estes assuntos. Gostaria igualmente de enaltecer a paciência dos colegas presentes, que suponho estarem a ouvir este debate, o que naturalmente atesta o interesse desta matéria. Aliás, sobre a matéria de vigilância e de penalização dos infractores podemos dar alguns contributos legislativos.
O projecto de lei apresentado não reúne as condições técnicas nem políticas necessárias para ser aprovado devido à forma como algumas das suas disposições estão redigidas. Todavia, porque somos tolerantes e temos sentido construtivo, somos capazes de, face a tudo aquilo que aqui dissemos, dar horas do nosso esforço em trabalho de comissão para aperfeiçoar as lacunas, que são muitas, desta boa intenção, para que ela possa vir a ser aprovada e vertida no direito interno. Se os seus subscritores assim o quiserem, contam com o nosso esforço; se o não quiserem, o destino está traçado!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Parece-nos de particular pertinência o projecto de lei n.º 18/VII, apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes, sobre a prevenção da poluição provocada por navios que transportam substâncias poluentes ou perigosas nas águas da zona económica exclusiva portuguesa.

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É verdade que o Estado português tem vindo a subscrever - e, desse modo, a transpor para o direito interno - uma já longa série de convenções, protocolos e acordos internacionais sobre a matéria, nomeadamente a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, o Protocolo relativo à Convenção Internacional para a Prevenção sobre Navios, bem como as Emendas aos anexos do Protocolo da mesma Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios ou, ainda, o Acordo de Cooperação das Costas e das Águas do Atlântico Nordeste contra a Poluição. Neste quadro, o presente projecto de lei pretende constituir-se num contributo para a garantia de melhores condições de aplicabilidade, quer das convenções e acordos internacionais quer da própria legislação nacional nesta matéria, dada a particular responsabilidade de Portugal neste domínio, tendo em conta o gigantismo da nossa zona económica exclusiva e o facto de esta ser continuamente atravessada por milhares de navios, muitos deles transportando substâncias poluentes ou perigosas.
O transporte destas substâncias por via marítima tem vindo a sofrer um enorme incremento de há alguns anos para cá, aumentando desse modo consideravelmente o risco potencial de acidentes, com graves prejuízos para as nossas gentes, para o nosso mar e para as nossas contas. É assim que, não pondo em causa a liberdade de navegação nem os acordos internacionais subscritos pelo nosso país - bem pelo contrário -, são bem-vindas todas as iniciativas legislativas que, como a presente, se não submetam à filosofia, inútil, do velho refrão "casa roubada, trancas à porta"! Aliás, da importância que atribuímos a estas iniciativas e da simpatia com que as encaramos, é bem uma prova o facto de o meu grupo parlamentar haver apresentado em anteriores legislaturas projectos de lei sobre esta matéria.
Trata-se, esta, de uma questão que a todos deve permanentemente preocupar, não numa preocupação enformadora de visões apocalípticas sobre o nosso futuro colectivo mas, antes, exactamente na perspectiva da construção de um mundo melhor e mais seguro para os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A circunstância da passagem recente pela nossa zona económica exclusiva de um navio, o Pacific Teal - peço desculpa por não ter aquele sotaque inglês do Sr. Deputado Macário Correia, mas faço um esforço,...

Risos do PCP.

... carregado com resíduos nucleares com destino ao Japão, ilustra dramaticamente tudo o que acabamos de dizer. O Governo português, diga-se, excedeu-se no silêncio, talvez possuído daquele mágico tabu segundo o qual dá azar falarmos das coisas que não controlamos, seja dos deuses, das trovoadas ou dos resíduos nucleares...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Os deuses devem estar loucos!

Risos do PS.

O Orador: - Talvez!
Mas a verdade é que, em matéria de azar, o adágio popular também nos avisa que «o cântaro tantas vezes vai à fonte que um dia lá fica». Temos de estar preparados para tal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, para uma intervenção.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que está claramente dado o tom da discussão deste projecto de lei.
Em relação ao Partido Socialista, ficou claro que entende, de forma conformista, que o simples facto de haver convenções internacionais, que, pelos vistos, não percebe que são quadros orientadores e grandes princípios, não precisa de ter transposição em termos da legislação nacional. Se calhar, é essa a .razão pela qual há tantas directivas comunitárias que o Governo se limita a traduzir, e mal - de facto, alguém já lembrou que as traduções não são famosas. Mas, mais do que isso, não só as directivas apenas são traduzidas como são aplicadas mecanicamente sem ter em conta a realidade. Donde, a lotai ausência de ligação à realidade que era suposto servirem e a sua ineficácia.
Portanto, não se trata apenas de haver convenções, trata-se de adequá-las, a uma realidade determinada, se queremos dar-lhes conteúdo. Se é para que conste, então, sim, podemos ratificar uma grande quantidade.
Para todos os efeitos, chamo a atenção do Sr. Deputado para que, independentemente do facto de ter dito que ratificámos todas, a convenção designada por Acordo de Lisboa não está em funcionamento devido a litígio entre o Reino de Marrocos e Espanha, pelo que não vale a pena referi-la. Lembraria ainda que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar há 10 anos que aguarda ratificação. Aliás, foi objecto de uma mensagem do anterior Presidente da República antes de ter deixado o cargo, donde foi lamentável que, quer o Partido Social Democrata quer o Partido Socialista, que estiveram no Governo, juntos e em separado, não tivessem optado por acelerar aquele processo.

O Sr. Paulo Neves (PS): - Foi aceite em Conselho de Ministros, a 12 de Janeiro!

A Oradora: - Eu sei!
Há uma outra informação que gostaria de dar ao Sr. Deputado, que porventura a desconhece, porque se fosse como julga significaria que tínhamos um Regimento muito favorável aos pequenos partidos. De facto, não temos um Regimento favorável aos pequenos partidos e este nosso agendamento só, por acaso coincide com a passagem deste navio pela ZEE.
Na verdade, este nosso projecto de lei foi apresentado em 18 de Novembro e veja como foi preciso esperar tanto tempo para ser agendado. Calhou nesta semana mas, se tem dúvidas, certamente o seu colega Jorge Lacão não terá qualquer problema em explicar-lhe como e que isto funciona e em confirmar o que estou a dizer.
Quanto ao Sr. Deputado Macário Correia, fez um conjunto de chamadas de atenção relativamente às imprecisões no nosso projecto de lei. Devo dizer-lhe que tivemos consciência disso e quando tivemos já era tarde, razão pela qual, tendo chegado á essa conclusão, enviámos uma carta ao Sr. Presidente da Assembleia da República sublinhando essas mesmas imprecisões - e tenho comigo a cópia dessa carta. Só que considerámos que a referida carro não tinha efeito prático porque os anteriores relatores não tinham elaborado o relatório cuja feitura acabou por ser atribuída a outros Srs. Deputados. Refiro-me concretamente à 4.ª Comissão, já que

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este relatório esteve muito tempo em mãos de uma Sr.ª Deputada do Partido Socialista, tendo acabado por ser transferido para um outro Sr. Deputado.
Mas desde já lhe digo, Sr. Deputado Macário Correia, que foi um desperdício não ter aproveitado tanto conhecimento com maior eficácia na sua passagem pelo Governo para fazer uma obra mais visível.

O Sr. José Calçada (PCP): - O que se perdeu!

A Oradora: - Foi, de facto, um desperdício, e é lamentável que assim seja!
Para concluir, também lhe digo que não é o Sr. Deputado, nem qualquer outro Deputado desta Câmara, que tem de dizer aos demais o que devem fazer.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Claro!

A Oradora: - Cada um de nós responde perante quem nos elegeu. E, Sr. Deputado, presumo que o seu dever não é só dar conselhos ou ser conselheiro e orientador, é um pouco mais do que isso! Gostarmos muito que o faça nas matérias que melhor domina, pois não temos qualquer problema em partilhar conhecimento e em aprender com os outros,...

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - ... mas quem tem tanto conhecimento pode dar-lhe alguma forma útil. Era bom que o Sr. Deputado tivesse mais iniciativa aqui e fizesse um pouco mais do que, de vez em quando, aparecer vagamente pelas comissões, dando, de forma sobranceira, umas orientações aos outros que, coitados!, nada sabem e limitam-se a entreter.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a matéria em causa tem importância suficiente para justificar uma outra atitude por parte deste Parlamento, que não o distanciamento e a desvalorização. O conjunto de convénios que subscrevemos e a sua aplicação prática não parou na data que o Sr. Deputado referiu. Posteriormente, saiu imensa legislação, que se traduziu numa tentativa de adequar o direito interno a esses acordos e convenções. Aliás, sobre isso não temos ilusões: não há eficácia, se não se mexer em muitas outras coisas.
Não atentei nem desrespeitei a Marinha, mas entendo que estamos a falar de um conjunto de questões que deveria ter um carácter diferente e ser assegurado por pessoas com outra formação técnica e científica. Sem menosprezo para ninguém, entendemos que cada um está de acordo com a função que tem.
Do nosso ponto de vista, o domínio e a defesa dos nossos mares, a sua inspecção e fiscalização deviam ser centralizadas e não repartidas em não sei quantas competências, ou incompetências, que não servem para nada. Também a esse nível, há que introduzir modificações e nós falámos delas -, pois esta legislação só é válida se for regulamentada, e essa regulamentação não cabe ao Parlamento mas, sim, ao Governo.
Mais do que isso, este diploma só fará sentido se forem criadas condições complementares, daí que tenha enunciado um outro conjunto de questões que estão articuladas com esta matéria. Queremos que este não seja mais um diploma a juntar a muitos outros mas, sim, um diploma com eficácia, porque as iniciativas não valem pela soma do que se apresentou mas pelo efeito prático conseguido.
O projecto de lei não é um fim em si mesmo mas um meio de alterar. É esse o nosso entendimento.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, raramente peço a palavra para interpelar a Mesa quando não se trata mesmo de uma interpelação e nunca terei exercido o direito regimental de defesa da honra sem ter motivos para isso. Aliás, durante os anos que aqui estou, cerca de meia dúzia, não sei se alguma vez o fiz.
Porém, desta vez, apesar de considerar que este debate estava a terminar bem c, ao que tudo indica, o projecto de lei vai baixar à comissão respectiva para aí ser tratado com um sentido construtivo e colaborante, a Sr.ª Deputada Isabel Castro utilizou uma expressão que interpretei como a manifestação de um certo desdém, como um juízo de demérito acerca da minha conduta e da forma ética como conduzo as minhas funções nesta Casa. Julgo que o que disse em relação à minha pessoa e às funções que aqui desempenho foi pouco bonito e menos digno. A divergência de ideias, a divergência política no sentido construtivo é natural, mas não fica bem a nenhum Deputado tecer aqui, de forma pública e em acta, considerações menos elogiosas acerca da maneira como um qualquer colega orienta a sua vida nesta Casa.
Ao dizer que eu faço muito pouco e que passo vagamente por algumas comissões, a Sr.ª Deputada teve uma frase menos feliz, que só aceito, compreendo e sou tolerante a esta hora do dia, devido ao cansaço.
Por isso, se a minha colega, prezada e estimada Deputada Isabel Castro, pedir desculpa, fico satisfeito e ficamos todos bem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, para usar da palavra, teria de o fazer de forma retroactiva, ou seja, reportar-me a outras defesas de honra, que, muitas vezes, considero e reputo de grosserias da parte do Sr. Deputado Macário Correia. Nunca o fiz, portanto não vou agora responder às suas afirmações. Prescindo da palavra. Sr. Presidente.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. e Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrada a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 18/VII.
Resta-me informar que a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, a partir das 15 horas, e terá como ordem do dia o debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República. Haverá ainda votações às 18 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

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1120 I SÉRIE - NÚMERO 29

Rectificação ao n.º 21, de 20 de Dezembro

Na capa (pág. 799), onde se lê "REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE DEZEMBRO DE 1996" deve ler-se "REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE DEZEMBRO 1996".

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Albino Gonçalves da Costa.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Raimundo Pedro Narciso.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Fernando Alberto Pereira de Sousa.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José Maria Teixeira Dias.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Luís Filipe Menezes Lopes.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Nuno Kruz Abecasis.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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