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1714 7 DE MARÇO DE 1997

recolhi numa peça do Teatro Barraca: «É menina, paciência!» Frase desconsolada na altura do nascimento.
A violência contra o sexo feminino é ainda uma das características das sociedades, mesmo daquelas que se orgulham de ter consagrado em lei a pena igualdade dos sexos.
Um recente estudo da Universidade Nova descobre a ponta do iceberg da violência que se abate sobre as mulheres portuguesas, e a realidade é brutal: 52,2% das mulheres inquiridas foram alvo de um ou de mais actos de violência, exercida com actos de discriminação sócio-cultural - discriminação face ao homem quanto ao salário e ao acesso ao emprego, nomeadamente quando as mulheres são mães ou estão grávidas -, com actos de violência psicológica e física e com actos de violência sexual. E desta violência são vítimas mulheres de todos, tias de todos, os estratos sociais: operárias; quadros superiores e profissionais liberais; empregadas de serviços; estudantes; reformadas e desempregadas; pequenas e médias proprietárias; quadros médios e domésticas.
É mesmo de salientar, e o estudo revela isso, que na discriminação sócio-cultural, a que tem a ver com o acesso ao emprego e com os níveis de remuneração, são as profissionais liberais, os quadros superiores, as empregadas de escritório e serviços as classes percentualmente mais representadas na vitimização (as primeiras com uma percentagem de 28,3% e as segundas de 27,6%), a demonstrar que não basta às mulheres competirem com os homens no nível de escolaridade. Aliás, segundo o mesmo estudo da Universidade Nova, é mesmo nas mulheres de níveis de instrução mais elevados que se verifica uma maior incidência da violência globalmente considerada, enquanto, no que toca à violência física, são as mulheres de níveis de instrução mais baixos que representam um maior peso na taxa de vitimização.
Este iceberg, que de vez em quando desponta para logo submergir, porque se trata de problemas de mulheres filhas de um deus menor -, exige que se tomem algumas medidas urgentes.
O País dispôs de uma lei, aprovada por unanimidade por esta Assembleia em 1991, que nunca foi regulamentada.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem lembrado!

A Oradora: - Nunca foram dadas explicações para este facto insólito, mas não custa a acreditar que tal tenha acontecido porque implicava despesas orçamentais. Consagrar a igualdade na lei é importante, mas não nos podemos quedar pelo bonitinho. O actual Governo diz que não a vai regulamentar por ser preciso modernizar o diploma. Veremos! A verdade é que algumas medidas anunciadas já se encontram na lei, designadamente as respeitantes às casas - abrigo ou à linha SOS.
Mas, se medidas urgentes são necessárias (e nós esperamos pelo cumprimento das leis de apoio à maternidade relembrando que foi rejeitada a nossa proposta de dispensa de aplicação da lei da flexibilidade às mulheres grávidas), se medidas céleres se impõem, a verdade é que temos também de concluir que a sociedade que violentamente fervilha contra o sexo feminino recolhe do próprio Estado as sementes de violência.
Quando o Estado não respeita a dignidade da pessoa humana por ela ser do sexo feminino, quando o Estado teima em não abrir mão de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes que se abatem sobre as mulheres - e todos compreenderão do que estou a falar - constitui-se em factor de violência e é isso que temos de modificar por tratar-se de uma questão de democracia.
As mulheres e as suas organizações, cujos direitos queremos ver reforçados conforme consta de um projecto de lei que hoje vai ser votado, lutam pela democracia.

Aplausos gerais.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é dia de falar de mulheres, o que é sempre embaraçoso por ter o travo amargo não de um direito exercido mas de uma concessão. Efectivamente, esse é o grande equívoco: não estamos a usar nenhuma benesse mas a assumir a herança de gerações e gerações de luta de mulheres que intervieram com teimosia e inconformismo e que, dessa forma, conquistaram o ,seu espaço, o que é hoje assinalado aqui.
As flores oferecidas são belas mas não devem servir para aliviar consciências nem para prosseguir um ritual sem sentido ou marcar um encontro que se quer num único dia com hora e local determinados.
Falar de mulheres é, para Os Verdes, falar daquilo que é natural, que faz parte da vida e integra a natureza. Falar de mulheres é falar de uma democracia amputada, de uma participação que não existe em pleno, da necessidade urgente de redefinir a própria democracia e seus conceitos.
Num momento em que mulheres e homens se questionam sobre a forma como vivem, produzem e consomem importa dizer que, enquanto 50% da Humanidade continua alheada da tomada de decisão e detém 1 % do rendimento planetário, 45% das mulheres deste planeta continuam a ser analfabetas, o que significa que as lutas do passado de outras gerações de mulheres, as lutas das nossas avós e tias e de muitas mulheres que respeitamos, foram importantes mas não bastaram.
Este não é apenas um problema cultural ou de luta de sexos, pelo que importa questionar o sentido do desenvolvimento, da democracia e da participação numa sociedade que continua a cercear e a excluir uma parte de si própria.
Julgo que é esta a questão, a interrogação, o paradigma, o desafio, que interessa hoje colocar. Não se trata de alcançar igualdades numéricas nem de atingir o velho patamar da assunção formal de direitos mas de perceber que, mais do que consagrar direitos, há que criar condições para que esses direitos sejam vividos. Este é o percurso que importa fazer e esta é a transformação que só pode ser feita se mulheres e homens compreenderem que esta questão tem a ver consigo próprios e que, não sendo de outrora, não está arrumada nem passou de moda. Esta é uma questão de hoje se se pretende que, amanhã, a sociedade que queremos construir seja diferentemente pautada por outros valores e valias. Isso é o que nós, Os Verdes, queremos.
Este dia tem importância na medida exacta em que for parte integrante de muitos outros dias construídos diferentemente neste Parlamento onde as flores se oferecem e é bom que sejam oferecidas (tias também é bom que o deixem de ser) a uma minoria eleita por um país maioritariamente feito de mulheres.

Aplausos gerais.

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