Página 2231
Quinta-feira, 24 de Abril de 1997 I Série - Número 64
DIÁRIO Da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE ABRIL DE 1997
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.º 84 a 87/VII, da proposta de resolução n.º55/ VII e dos projectos de lei n.º 312 a 320/VII, da ratificação n.º29/ VII e do inquérito parlamentar n.º 6/VII. de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Foi anunciado o pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado do PCP José Soeiro, tendo, de seguida, sido aprovado o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, liberdades e Garantias relativo, à sua substituição.
A Câmara aprovou também aturo parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, autorizando um Deputado do PS a prestar depoimento em tribunal como testemunha.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Ferreira (CDS-PP) condenou a actuação política do Sr. Ministro das Finanças na .sequência do aval concedido pelo Estado à UGT, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Junqueiro (PS) e João Amaral (PCP).
O Sr. Deputado Francisco de Assis (PS) anunciou a entrega na Mesa do projecto de lei do 'PS relativo ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD e Nuno Abecasis (CDS-PP).
O Sr. Deputado Mendes Bota (PSD) deu conta de uma visita do Grupo Parlamentar do PSD ao Algarve, à qual se associou o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, tendo concentrado a sua atenção nos sectores da saúde, das pescas e da agricultura. No final, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Valente (PS).
Ordem do dia. - Mereceram aprovação os n.º 42 a 50 do Diário. Após ter sido apreciado o inquérito parlamentar n.º
6/VII - Constituição de uma comissão de inquérito parlamentar para apreciação da conformidade constitucional e legal do aval do Estado à UGT (PSD) e de terem usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Acácio Barreiras (PS), Marta José Nogueira Pinto (CDS-PP) e Octávio Teixeira (PCP), foi aprovado o projecto de resolução n.º
49/VII, apresentado pelo Sr. Presidente da AR.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade.. dos projectos de lei n.º 130/VII - Extensão aos maiores municípios da possibilidade de disporem de directores de serviços para coadjuvarem os eleitos na gestão municipal (PCP) e
239/VII - Criação do cargo de secretário-geral municipal (PSD). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Mastim Gracias (PS). Lucília Ferra (PSD), Manuel Jorge Goes (PS). Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Júlio Faria (PS) e Álvaro Amaro (PSD).
Foi também discutida, na generalidade, a proposta de lei n.º 71/ VII Aprova o regime disciplinar das federações desportivas, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Desportos (Miranda Calha), os Srs. Deputados Pedro Baptista (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP). Bernardino Soares (PCP). Castro Almeida e Marta Gonçalves (PSD). José Junqueiro (PS) e José Cesário (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 50 minutos.
Página 2232
2232 I SÉRIE - NÚMERO 64
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Anão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco, Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Página 2233
24 DE ABRIL DE 1997 2233
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira..
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai ler o expediente.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram aceites, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n.º 84/ VII - Estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto, que baixou à l.ª e
6.ª Comissões; 85/VII Autoriza o Governo a aprovar os novos estatutos da Câmara dos Despachantes Oficiais;
86/VII - Cria empresas públicas municipais e intermunicipais, que baixou à 4.ª Comissão; 87/VII - Define o estatuto das organizações não governamentais de ambiente (revoga a Lei n.º 10/87, de 4 de Abril), que baixou à 4.ª
Comissão; proposta de resolução n.º 55/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo sobre privilégios e imunidades, assinado entre o Governo da República Portuguesa e a Organização Internacional para as Migrações em Lisboa, assinado em 22 de Janeiro de 1997, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.º 312/VII - Constituição do corpo técnico nacional de voluntários para o desenvolvimento (CDS-PP), que baixou à 2.ª Comissão; 313/VII - Financiamento dos partidos políticos (PSD), que baixou à 1.ª Comissão; 314/ VII - Lei eleitoral da Assembleia Legislativa Regional da Madeira (Decreto-Lei n.º 318-13/76, de 30 de Abril) (PSD), que baixou à 1.ª Comissão; 315/VII - Lei eleitoral da Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de Maio) (PSD), que baixou à 1.º Comissão; 316/VII - Lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais (Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro) (PSD), que baixou à 1 e Comissão; 317/VII - Lei eleitoral do Parlamento Europeu (Lei n.º 14/87, de 29 de Abril) (PSD), que baixou à 1.ª Comissão; 318/VII - Lei eleitoral do Presidente da República (Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio) (PSD), que baixou à 1.ª Comissão; 319/VII Lei eleitoral da Assembleia Regional dos Açores (Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto) (PSD), que baixou à 1.º Comissão; 320/VII - Lei-Quadro das empresas municipais e intermunicipais (CDS-PP), que baixou à 1.º Comissão; ratificação
n.º 29/VII - Decreto-Lei n.º 62/97, de 26 de Março, que aprova a lei orgânica do Instituto Nacional do Desporto (PSD); inquérito parlamentar n.º 6/VII - Constituição de uma comissão eventual de inquérito parlamentar para apreciação da conformidade constitucional e legal do aval do Estado à UGT (PSD).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram. apresentados na Mesa, na reunião plenária de 16 de Abril, os seguintes requerimentos: ao Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado
Página 2234
2234 I SÉRIE - NÚMERO 64
Costa Pereira; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Pinto; aos Ministérios da Saúde e do Ambiente, formulados pelos Srs. Deputados Roleira Marinho, Jorge Roque Cunha e Macário Correia.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Mendes Bota, nas sessões de 12 de Dezembro e 8 de Janeiro; Jorge Ferreira, no dia 17 de Dezembro; Isabel Castro, Maria Carrilho e Filomena Bordalo, nas sessões de 20 de Dezembro e 6 de Fevereiro; Heloísa Apolónia, nas sessões de 10 de Janeiro e 26 de Fevereiro; Carlos Coelho e Sílvio Rui Cervan, na sessão de 15 de Janeiro e no dia 4 de Fevereiro; João Amaral, na sessão de 22 de Janeiro; Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 24 de Janeiro; Castro Almeida, na sessão de 12 de Fevereiro; Manuela Aguiar e Roleira Marinho, nas sessões de 7 e 20 de Fevereiro; António Filipe, na sessão de 1 6 de Março; António Rodrigues, na sessão de 4 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos regimentais, cumpre dar conhecimento da renúncia ao mandato do Sr. Deputado José Soeiro, que é feita ao abrigo é nos termos do artigo 7 º da Lei n.º 7193, de 1 de Março, e com efeitos a partir de 22 de Abril de 1997.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Assuntos Constitucionais; Direitos, Liberdades e Garantias, na sessão de 23 de Abril de 1997, elaborou um relatório em que são referidas a retoma de mandato, nos termos do artigo 6.º, n. os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados, pelo Sr. Deputado José Soeiro, do Grupo Parlamentar do PCP, círculo eleitoral de Beja, em 22 de Abril corrente, inclusive, cessando Rodeia Machado, e a substituição, nos termos do artigo 7.º do Estatuto dos Deputados, de José Soeiro, do Grupo Parlamentar do PCP, por Rodeia Machado, com início em 22 de Abril corrente, inclusive. Na mesma data, em consequência da renúncia do mandato do Deputado José Soeiro, assume o mandato em regime de efectividade o Deputado Rodeia Machado.
Igualmente, a referida comissão emitiu parecer no sentido de que a retoma de mandato e a substituição em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, emitiu parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nelson Baltazar a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo n.º 26/97 - 2 º Juízo Criminal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar inicio às declarações políticas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ocorreu ao Grupo Parlamentar do PP, nestes tempos conturbados de profunda instabilidade governativa, partilhar com a Câmara uma reflexão com base na citação que, com a vossa anuência, passo a reproduzir: "Há um preceito na Constituição da República Portuguesa em que merece a pena meditar um pouco. É o artigo 203 º, n.º 1, alínea 1) que diz o seguinte: Compete ao Conselho de Ministros deliberar sobre assuntos da competência do Governo que lhe sejam atribuídos por lei ou apresentados pelo Primeiro-Ministro ou por qualquer ministro.
Este preceito deve ser entendido no sentido de conferir ao Conselho de Ministros a possibilidade de tomar decisões de fundo sobre qualquer matéria da competência do Primeiro-Ministro ou de algum ministro, desde que o titular dessa competência leve o assunto a Conselho de Ministros e aí proponha, porque tem dúvidas sobre a orientação a seguir ou porque pretende obter cobertura política para uma decisão melindrosa, que seja o Conselho de Ministros a resolver? Será isto que a Constituição da República Portuguesa quer dizer quando permite ao Conselho de Ministros deliberar sobre assuntos que lhe sejam apresentados pelo Primeiro-Ministro ou por qualquer ministro?
Pela nossa parte, entendemos que não, porque isso seria uma subversão dos princípios gerais sobre competência do órgãos administrativos que o nosso direito público consagra e nada permite supor que a Constituição da República Portuguesa tenha querido operar tamanha transformação.
Costumam dizer as nossas leis que a competência é de ordem pública, pelo que não pode ser modificada salvo nos casos expressamente previstos na lei. Seria um alteração completa do ordenamento racional das competências que o Conselho de Ministros pudesse substituir-se ao Primeiro-Ministro ou a qualquer ministro para resolver assuntos da competência própria destes.
Assim, afigura-se-nos que o sentido da Constituição da República Portuguesa é outro. O Conselho de Ministros poderá deliberar sobre a matéria mas apenas para o efeito de dar uma orientação política ao ministro sobre o modo como ele deve decidir o caso e também, eventualmente. . para o efeito de lhe conferir adequada cobertura política para a decisão que vai tomar. Porém, a decisão, juridicamente, deverá ser tomada pelo ministro competente, isto é, pelo ministro que a lei considerar competente e não pelo Conselho de Ministros em sua substituição, mesmo que o próprio ministro o deseje ou consinta, pois a competência é de ordem pública e mão depende nem pode resultar da vontade dos órgãos da administração.
Acabei de citar a doutrina administrativa escrita pelo Professor Freitas do Amaral no seu Curso de Direito Administrativo. E convém lembrar que esta doutrina administrativa foi construída na base de jurisprudência produzida pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, desde 1938, jurisprudência essa que é clara, pois STA declarou, num acórdão de 19 de Julho de 1938, que são os ministros, singularmente considerados, que exercem as atribuições administrativas do Governo na parte que diga respeito à sua pasta.
Esta jurisprudência, que originou a doutrina administrativa portuguesa sobre esta matéria, é particularmente actual no que diz respeito ao assunto neste momento em discussão no País sobre o escandaloso caso das consequências da concessão do aval à UGT.
O Governo está totalmente desorientado. O Ministro das Finanças disse publicamente que se recusava a decidir e que transferia essa decisão para o Conselho de Ministros, quanto aos avales a conceder ao abrigo da "Lei Mateus". Sucede que todos nos lembramos que a mesma
Página 2235
24 DE ABRIL DE 1997 2235
"Lei Mateus", concretamente o Decreto-Lei n.º 127/96, no seu artigo 11.º, diz expressamente que compete ao Ministro das Finanças despachar os avales, ao abrigo das garantias do Estado, a conceder aos empréstimos bancários pelas instituições de crédito às empresas.
Neste momento de desnorte, em que o Ministro das Finanças diz uma coisa, o Ministro da Economia diz outra e o Primeiro-Ministro diz que está tudo bem, impõem-se algumas perguntas.
Está o Governo consciente do pandemónio jurídico-administrativo em que acaba de se meter com estas decisões políticas do Ministro das Finanças? Está o Primeiro-Ministro consciente de que o que ontem afirmou ao País contraria totalmente quer a doutrina, quer, mais grave ainda, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no que diz respeito à competência dos Ministros e ao exercício dessa competência? Acha o Governo que as empresas, já de si debilitadas, que recorrem ao Plano Mateus não serão pura e simplesmente destruídas, com a consequente perda de postos de trabalho, a partir do imbróglio gerado por este desnorte governamental e por eventuais decisões do Conselho de Ministros, que já vimos que não podem ocorrer e que, a ocorrer, são anuláveis ou declaráveis nulas pelo mesmo Supremo Tribunal Administrativo, com todas as consequências que daí advêm? Estará o Governo consciente dos problemas que está a criar com reacções absolutamente incompreensíveis face ao exercício da livre crítica política democrática às suas decisões?
Para nós, está no momento de recomendar ao Governo que tenha, por uma vez, maturidade política para suportar a crise e que, em função das críticas legítimas que democraticamente lhe são dirigidas, não abra, de cada vez que elas ocorram, sucessivas crises em catarata, que não se sabe onde é que vão parar. Mas isto, enquanto um problema do Governo, é o menos! O ponto é que isto já não é um problema apenas do Governo mas do País e de muitas empresas que necessitam de recorrer ao Plano Mateus e que, para citar um estranho porta-voz do Ministro das Finanças, só saberão se o Ministro das Finanças concede os avales quando ele, caso a caso, decidir se sim ou não.
Isto é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na opinião do grupo parlamentar do CDS-PP,
uma crise do Estado de direito dentro do Governo da Nação e não pode continuar! E, mais, não pode continuar quando apuramos que os administrativistas portugueses e, mais do que isso, os tribunais portugueses, há várias décadas, têm como claro que não é possível a um Ministro pedir ao Conselho de Ministros que decida em sua substituição.
Não resta, pois, alternativa ao Ministro das Finanças e ao Primeiro-Ministro, aconteça o que acontecer, nomeadamente àquele que esperamos que venha a ser um inquérito parlamentar à decisão do aval concedido pelo Ministro das Finanças à UGT, que não seja, ao primeiro, continuar a decidir, que é por isso que é Ministro, sujeitando-se à livre crítica democrática do jogo político do nosso país, e ao segundo - da próxima vez, antes de dizer que é normal que o Ministro das Finanças ou outro Ministro qualquer peça ao Conselho de Ministros para decidir em sua substituição - ler primeiro a jurisprudência administrativa, não contribuindo, com as suas afirmações perante todo o País, para aumentar a crise do seu próprio Governo.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Ferreira, gostaria de comentar esta sua intervenção, desde início bastante infeliz por aquilo que direi a_ seguir, para lhe lembrar que, em matéria de crise e em matéria de estabilidade, o PP não dá exemplos rigorosamente a ninguém.
Vozes do PS: - Bem lembrado! Muito bem!
O Orador: - Lembro a crise e a instabilidade de um passado recente, com os episódios Paulo Portas, Lobo Xavier e outros, e a crise do momento presente, que a comunicação social transporta, da dificuldade de entendimento entre a direcção do seu partido e a direcção da sua bancada parlamentar.
É, portanto, claro que, nesta matéria, não há legitimidade do PP para projectar no Governo uma crise que só existe no seu pequeno grupo parlamentar - tão pequeno que é difícil imaginar que fosse possível haver crises de tamanho tão significativo como este.
Por outro lado, não esperávamos que o PP pudesse subscrever aquilo que são as teses articuladas do PCP e também do PSD. Do PCP, porque tem um objectivo estratégico definido, que é a aniquilação, desde sempre, da UGT e, portanto, tudo o que possa contribuir para essa aniquilação é argumento válido para o PCP, e do PSD porque, desde o princípio, tem como objectivo fundamental tentar denegrir a imagem de um pilar importante deste Governo, que a opinião pública reconhece na sua honorabilidade e na sua competência, que é o Ministro Sousa Franco. Por isso, a convergência entre PCP e PSD compreende-se mas não se compreende que chegue a esse ponto a comunhão do CDS-PP nesta matéria.
Depois, é muito simples: aquilo que veio aqui dizer é que se o Governo dá o aval, é porque o dá e é favoritismo; se o Governo não dá o aval, é porque não o dá e é o atraso da economia; se, eventualmente, o Sr. Ministro das Finanças diz que essa é uma competência do Conselho do Ministros, é porque o Sr. Ministro das Finanças se demite das suas competências!... Quer dizer, o que o Sr. Deputado veio aqui contar é uma história estafada, antiga, isto é, a história do rapaz, do velho e do burro, que nós também não aceitamos.
Por último, gostaria de lhe lembrar o seguinte: o Sr. Deputado citou jurisprudência e legislação anterior ao 25 de Abril, altura em que não eram autorizados os sindicatos, e lamento que tenha sido com base nessa legislação que o senhor tenha, feito aqui a condenação do regime democrático, do movimento sindical e da própria UGT.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, estou espantado com aquilo que acabo de ouvir. E para não fazer como o Sr. Deputado Junqueiro, que fugiu ao essencial daquilo que resulta do que eu acabei de dizer, para não copiar esse mau exemplo de fugir ao essencial, vou tentar comentar todas as suas afirmações, já que não pediu nenhum esclarecimento e, portanto, não tenho que lhe responder.
Página 2236
2236 I SÉRIE - NÚMERO 64
Quero começar por lhe dizer uma coisa muito simples, Sr. Deputado: pode ficar descansado que ainda não é desta vez, e espero que não seja nunca, que o grupo parlamentar do PP, vai aprender com a instabilidade dos grupos parlamentares, porque não é desta vez (pode V. Ex.ª ficar absolutamente tranquilo!) que verá deste lado aquilo que nós já vimos desse lado, ou seja, não vamos precisar de substituir ninguém na direcção desta bancada! Está tudo em ordem!
VV. Ex.as lembrem-se do vosso passado antes de tentarem transferir para os outros aquilo que VV. Ex.as fazem todos os dias. Isto é para vos dizer que não fujo ao problema.
Em segundo lugar, queria dizer-lhe o seguinte: é muito mau os senhores persistirem em confundir a crítica política democrática com o pôr em causa da honestidade das pessoas. É uma táctica velha, mas é tão velha, tão velha, tão velha que caiu em desuso e até Fica mal que os senhores a usem em relação ao Ministro Sousa franco. Porque, de facto, a não ser os senhores, cada vez que dizem isso, ninguém pôs em causa a honestidade pessoal do Ministro das Finanças, o que se põe em causa são decisões políticas dos ministros, com todo o direito, como VV. Ex.as faziam com os Ministros do PSD. Estão esquecidos! Paciência! É problema vosso...
Mas, Sr. Deputado, essa afirmação de que se trata de legislação - aliás, não se trata de legislação mas de jurisprudência, o que é uma coisa diferente - de 1938 e não vale porque é anterior ao 25 de Abril, é uma crítica que V. Ex.ª fez ao Sr. Ministro das Finanças, porque ele anda a invocar a legislação de antes do 25 de Abril para justificar muitas das suas decisões políticas, desde logo a legislação de 1973 que VV. Ex.as, no que diz respeito às propinas, também repuseram em vigor.
Portanto, não vejo como é que pode haver legislação ou jurisprudência, neste caso, de antes do 25 de Abril que seja boa nuns casos e má noutros, quando vos convém. A sua argumentação, Sr. Deputado, não tem ponta por onde se pegue.
Gostaria ainda de comentar que V. Ex.ª não foi capaz de me contradizer quando disse que o Sr. Ministro das Finanças fez muito mal quando remeteu para o Conselho de Ministros as decisões que lhe compete, a ele, tomar e que não pode deixar de ser ele a tomar, e que o Primeiro-Ministro fez ainda pior, quando disse que isso era uma situação normal, quando não é, dado que é inconstitucional e é ilegal. Corrijam enquanto é tempo, porque o País não suporta muito tempo um governo assim!
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 50 alunos da Fundação CEBI de Alverca, um grupo de 30 alunos da Escola Secundária Rainha D. Amélia, de Lisboa, um grupo de 20 pessoas da Câmara Municipal de Loulé e um grupo de 45 alunos da Escola do Ensino Básico Damião de Góis, de Lisboa. Saudemo-los.
Aplausos gerais, de pé.
Ainda para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Ferreira, quando ouvi a bancada do PS a falar tanto da UGT julguei que iam assinalar a importância político-sindical da derrota da lista apoiada pelo Secretário-Geral do PS e pelo Secretário-Geral da UGT nas eleições para o Sindicato dos Bancários!
Risos do CDS-PP e do PCP.
Mas, pelos vistos, isso não é motivo para intervenção...
O Sr. António Braga (PS): - Outras eleições virão, Sr. Deputado João Amaral!
O Orador: - Sim, mas não são para já! Para já e durante algum tempo, são estas eleições que contam - e contam muito, Srs. Deputados. Espero que tirem a lição do que se passou!
Sr. Deputado Jorge Ferreira, pedi a palavra pelo seguinte: o Sr. Deputado invocou argumentação jurídica e jurisprudencial para concluir que é o Ministro das Finanças que deve conceder os avales nas situações concretas em que os particulares, os cidadãos, as empresas têm direito a esses avales, no quadro da legislação em vigor, no chamado Plano Mateus. O Sr. Deputado foi criticado por citar jurisprudência anterior ao 25 de Abril e não vou inserir-me nessa polémica, vou apenas citar legislação posterior ao 25 de Abril porque talvez sirva para clarificarmos as questões.
Sei que o Sr. Ministro das Finanças tem alguma crispação quando ouve falar em crimes e na possibilidade de os seus actos constituírem crime, mas como isto não é um órgão de imprensa, suponho que não vai pôr um processo-crime à Assembleia da República, como fez a A Capital, por eu aqui trazer uma questão que é relevante e é a seguinte: o Sr. Ministro das Finanças tem, como titular de um cargo político, o dever de cumprir o direito, de acordo com aquilo que aos cidadãos cabe. Tem esse dever porque, se não o cumprir, comete um crime, o qual consta de uma lei posterior ao 25 de Abril. Trata-se de um crime de responsabilidade política e consiste no crime que é cometido por um titular de cargo político no exercício das suas funções, se se negar a aplicar o direito.
Este é - irrite-se, se quiser. o Sr. Ministro das Finanças - um crime previsto
e .punido numa lei posterior ao 25 de Abril, aprovada em 1987 e que está plenamente em vigor.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado Jorge Ferreira se não pode compor a sua argumentação com a existência deste crime, como um processo que deve ser aplicado e tido em conta na actuação do Ministro das Finanças.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Deputado João Amaral, quero agradecer-lhe não o pedido de esclarecimento mas, sim, o contributo que deu à argumentação política do PP no que respeita a esta questão, a qual, sendo distinta da análise da legalidade ou ilegalidade do aval que o Governo concedeu à UGT, tem a ver com a recusa expressa de um membro do Governo em tomar as decisões que, segundo a lei, lhe competem e que mais ninguém pode tomar.
Portanto, quero agradecer-lhe esse contributo. Aliás, penso que ele serviu para descansar os Deputados mais anti-fascistas da bancada do PS,...
Página 2237
2237 24 DE ABRIL DE 1997
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Aqui somos todos anti-fascistas, não há misturas!
O Orador: - ... porque verificámos, afinal, que não há só jurisprudência de antes do 25 de Abril, há também legislação pós 25 de Abril, se bem que, em nome da verdade, os Deputados do PS estejam ultimamente mais especializados em invocar e recomendar a aplicação da legislação anterior ao 25 de Abril, pelo que não percebo esta súbita repulsa por essa legislação...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não conhece a Lei n.º 1/73!
O Orador: - Não sei se é uma nova paixão que terá substituído a da educação...
Risos do CDS-PP e do PSD.
Bom, talvez!... Nós já esperamos tudo dessa bancada!...
De facto, quero dizer ao Sr. Deputado que, da parte da nossa bancada, não temos qualquer tipo de dúvida de que todas as leis e toda a jurisprudência que sejam aplicáveis, seja ao Sr. Ministro das Finanças, ao Governo ou a qualquer outra autoridade político-administrativa, devem sê-lo, todas elas!
Na verdade, limitei-me a citar jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo não sobre os sindicatos mas, sim, sobre o direito administrativo, que foi uma coisa que o Sr. Deputado José Junqueiro não disse. Aliás, isto não tem nada a ver com a questão sindical mas, sim, com direito administrativo e seria bom que, de uma vez por todas, quer a bancada do PS quer o Governo, percebessem que o que está em causa é muito mais por culpa deles do que dos partidos da oposição, que criticaram a decisão de conceder um aval a uma central sindical, que foi, pela lei, comparada, porventura, a uma província ultramarina...
Bom, não sei se isso também decorre da nova mentalidade do PS e do seu Governo relativamente à atracção pelo que existia antes do 25 de Abril...
Aplausos do PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dando agora início ao período de antes da ordem do dia destinado a intervenções sobre assuntos de interesse político relevante, concedo a palavra ao Sr. Deputado Francisco de Assis.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS entregou hoje na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei relativo ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Visamos, desta forma, contribuir, serena e responsavelmente, para o correcto aperfeiçoamento da legislação existente sobre tal matéria, na senda, aliás, das várias iniciativas anteriormente promovidas e bem reveladoras do interesse que tais assuntos sempre suscitaram ao PS.
Mas a nossa ambição, neste domínio, não se esgota aqui. Pensamos que esta ocasião deve ser aproveitada para que no Parlamento, local de acolhimento por excelência deste tipo de debate, se encete uma discussão, ancorada em sólidos princípios de rigor e seriedade, sobre a questão, a todos os títulos relevante, do financiamento do sistema político português.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Tal matéria associa à indiscutível importância que a caracteriza uma especial sensibilidade que notoriamente a reveste e aconselha, por isso mesmo, a uma abordagem marcada por uma elevada exigência de ordem ética.
O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!
O Orador: - Estamos perante assuntos dotados de carácter estruturante em relação ao regime democrático e de relevo constitucional, que merecem um tratamento excepcional em ordem à promoção de um debate de onde se exilem preocupações eleitoralistas ou propósitos eivados de um populismo de todo em todo reprovável e inaceitável,
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nesta perspectiva, propomos agora a constituição de uma comissão eventual destinada a proceder à avaliação da aplicação prática dos diplomas actualmente em vigor, à discussão das várias propostas de alteração apresentadas, ou a apresentar, à audição das várias instituições que zelam pelo cumprimento da lei neste domínio e, ainda, à apreciação de todas as questões que se prendem com o financiamento do sistema político na sua globalidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O PS está particularmente habilitado a responder a este desafio, sem necessidade de rever as suas opções doutrinárias fundamentais ou adoptar atitude diversa daquela que o caracterizou no passado.
Aplausos do PS.
Sempre pugnámos pelo reforço da transparência e das condições de fiscalização do financiamento partidário e das campanhas eleitorais. Foi essa a nossa opção quando estávamos na oposição, é essa, reiteradamente, a nossa opção agora que detemos responsabilidades governativas.
O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!
O Orador: - Para nós, as convicções não são o subproduto da situação política em que nos possamos conjunturalmente encontrar e, como tal, nunca encarámos o tratamento deste assunto numa perspectiva meramente instrumental.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Declaramos, por isso, desde já, a nossa recusa em aceitar que este debate possa transforma-se num fútil pretexto de combate político-partidário normal. Esta é, claramente, uma questão de regime, por ela passa também a credibilidade das instituições democráticas.
Aplausos do PS.
Página 2238
2238 I SÉRIE - NÚMERO 64
Não desperdicemos este momento, caindo na tentação de seguir o caminho mais fácil, prossigamos antes por uma via de exigência, a única compatível com a plena assunção das nossas responsabilidades no que concerne a um esforço, que deve ser constante, de fortalecimento do regime democrático, pluralista e representativo.
Nesta perspectiva, o PS não se exime a dar o seu contributo, consubstanciado na apresentação de um projecto de lei de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, cujas linhas orientadoras de seguida enunciarei, não sem que antes não deixe de salientar a atitude de plena abertura de espírito que estará sempre subjacente à nossa participação neste debate.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -- O projecto de lei por nós apresentado teve em linha de conta, na sua elaboração, a informação fornecida pela experiência de soluções consagradas noutros regimes democráticos, por um lado, e um conjunto de questões suscitadas pela aplicação prática dos diplomas em vigor, cm particular as que estão contidas num Acórdão do Tribunal Constitucional relativo a este assunto, por outro.
O projecto de lei assenta numa opção de base que consiste na manutenção do modelo de financiamento misto, que nos parece o mais adequado, e visa garantir o aperfeiçoamento de tal modelo, reforçando e estimulando a transparência dos donativos privados, melhorando as garantias de transparência das finanças partidárias, diminuindo as despesas de campanha e melhorando e ampliando os mecanismos sancionatórios.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não ignoramos o facto de que o financiamento privado suscita reservas e provoca apreciações negativas por parte de alguns sectores políticos. Aqueles que o pretendem proibir alicerçam a sua posição no entendimento de que esta forma de financiamento estabelece laços de dependência dos partidos relativamente aos seus financiadores, limitando, deste modo, a sua liberdade de prossecução do interesse público, que o desempenho da função representativa exige. Em particular, no que respeita às sociedades comerciais, invoca-se o seu escopo lucrativo e considera-se ser o mesmo inconciliável com um processo de financiamento benévolo e desinteressado.
Não sustentamos tal posição, que, a nosso ver, se alicerça num preconceito de suspeição geral relativamente aos partidos e teria a consequência, decerto não desejada mas inevitável, de separar os partidos da sociedade, encerrando-os na órbita do Estado e não concorrendo para a participação dos cidadãos na vida democrática.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Estamos, de resto, absolutamente convencidos que a forma adequada de prevenir que o financiamento privado possa conduzir a comportamentos ilícitos não está na sua proibição mas, sim, no retorço da transparência do processo de decisão da Administração e no sancionamento de eventuais comportamentos desviantes.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Estabelecida esta opção nuclear por um modelo de financiamento misto, avançamos no sentido do seu aperfeiçoamento, integrando a informação proporcionada pela experiência dos últimos anos e seguindo as nossas opções doutrinárias relativamente a esta matéria.
São quatro, genericamente, os aspectos que achamos por bem realçar. O primeiro prende-se com a redução das despesas de campanha eleitoral, o que; aliás, hoje parece consensual no País. O estabelecimento de um novo limite das despesas de campanha deve contribuir para o reforço da garantia da igualdade de oportunidades entre candidaturas e deve, ainda, estimular um debate democrático mais assente no confronto racional dos projectos e das ideias e menos numa encenação folclórica que chega a atingir um carácter burlesco.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O segundo aspecto tem a ver com a necessidade de reforçar os mecanismos que asseguram maior transparência no sistema de financiamento, impondo, entre outras coisas, a obrigatoriedade de depósito bancário de todos os donativos, em conta própria e exclusiva para esse fim; a realização dos pagamentos por meio bancário que permita a identificação do montante e do destinatário do pagamento; a emissão de recibo, por cada donativo, em modelo próprio e a documentação da angariação de fundos. Impõe-se, ainda, a consolidação nacional das contas através do englobamento das receitas/despesas das estruturas descentralizadas e autónomas e nos períodos de campanha, mediante a institucionalização da figura dos mandatários financeiros, a quem caberá a aceitação de donativos, o depósito das receitas, a autorização e controlo das despesas e a apresentação de contas.
Um terceiro aspecto diz respeito ao controlo do financiamento privado e neste plano, entre outras coisas, consideramos importante a fixação também para as pessoas singulares de um limite máximo anual de donativos, clarificando que quer nesses limites quer nos que são fixados às pessoas colectivas se incluem também os donativos em espécie e os bens cedidos a título de empréstimo, avaliados pelo seu valor de mercado.
Parece-nos também acertada a permissão de dedução parcial dos donativos à matéria colectável, nos termos já permitidos para donativos a outras entidades.
Por fim e como quarto aspecto, consideramos importante o reforço das mecanismos sancionatórios, alargando o tipo de crime de corrupção, previsto na Lei dos Crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, de modo a abranger situações em que a vantagem patrimonial é obtida, não para o próprio nem para seu familiar, mas para um partido ou candidatura, alargando também o regime sancionatório aos doadores que violem as disposições que lhe são aplicáveis.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em suma, é esta a natureza da contribuição que apresentamos para um debate que deve ser expurgado de todas as inclinações demagógico-populistas, de modo a proporcionar a consagração de soluções dotadas de indiscutível pertinência e, por isso mesmo, susceptíveis de convocarem um vasto consenso nacional. É para esse debate e para esse consenso que nós estamos, como sempre estivemos, disponíveis.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Página 2239
24 DE ABRIL DE 1997 2239
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Francisco de Assis, gostaria de focar duas ou três questões mas, antes disso, começo por fazer um voto: quando a questão dos financiamentos dos partidos políticos vier a debater-se, que ela seja circunscrita à questão substantiva e substancial que é, à questão de regime, como o senhor referiu, não vindo a ser, na prática, uma arma de arremesso político-partidária de quem quer que seja.
É com toda a sinceridade que faço este voto porque seria mau que alguns afloramentos que houve relativos a esta matéria nos tempos mais recentes, em termos públicos, pudessem vir a ser prolongados na Assembleia da República.
O Sr. Deputado referiu, várias vezes, a defesa do modelo misto por parte do PS para o financiamento dos partidos políticos, dizendo, ou deixando subentendido, que haveria, pelo menos nesta Casa, quem não defendesse esse modelo misto.
Na verdade, julgo que vale a pena clarificar essa questão porque, relativamente ao financiamento privado, que eu conheça, ninguém nesta Casa alguma vez o recusou. Mas agora vamos ver o que é o financiamento privado.
Sobre o financiamento por parte de empresas, quer elas sejam privadas ou públicas, mantemos a nossa posição de sempre, isto é, somos contrários, mas esse facto não significa que não defendamos o modelo misto de financiamento. Aceitamo-lo, temo-lo defendido e, aliás, votámos favoravelmente o financiamento aos partidos por parte de pessoas individualizadas.
De facto, quando há possibilidade de financiamento por empresas privadas, há uma questão que surge sempre e que é a de descobrir a justificação para esses financiamentos.
Já tive oportunidade de, publicamente, fazer a afirmação de que o PSD era bem vindo à área dos que defendiam a anulação do financiamento por parte das empresas públicas e permito-me agora fazer idêntica afirmação ao PS, pois quando o Sr. Deputado Francisco de Assis disse que, no seu projecto de lei, o PS propõe uma redução admito eu - substantiva e substancial dos limites para as despesas eleitoras, permito-me lembrar-lhe que na altura em que colocámos a questão, se a memória não me trai, em 1993 ou 1995, o PS votou contra isso.
Julgo, pois, que é altura de alterarmos essa situação, porque é inaceitável e joga contra os partidos políticos e contra o sistema político que partidos que ao longo de um ano publicam as suas contas e dizem que têm receitas de apenas 500 ou 600 000 contos, depois, em eleições, possam angariar fundos da ordem dos 800 000 contos.
Portanto, Sr. Deputado, vale a pena clarificar isto, tornando tudo muito transparente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra ',o Sr. Deputado Francisco de Assis.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, quanto à parte inicial do seu pedido de esclarecimento, devo dizer que o senhor veio associar-se às preocupações que eu tive oportunidade de manifestar na intervenção que fiz da tribuna.
Na verdade, o PS entende - e ainda bem que é este também o vosso entendimento - que uma matéria desta natureza, pela sua relevância e porque constitui matéria estruturante do regime democrático, tem verdadeiro relevo no plano constitucional e, por isso, não deve transformar-se num tema de debate político banal e, sobretudo, não deve ser susceptível de aproveitamento por um discurso demagógico e populista.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E não estamos com isto a dizer que os outros partidos estão empenhados em fazer isso, estamos a enunciar a nossa posição e a estimular os outros grupos parlamentares e as outras forças partidárias a agirem em obediência aos mesmos princípios.
Esta é, de facto, uma matéria que deve ser tratada com uma seriedade absolutamente rigorosa, pois é uma matéria fundamental, estruturante, em relação a qual todos devemos dar, com a devida humildade, o nosso contributo.
Por isso, como tive oportunidade de dizer, este é o contributo do PS, não um contributo fechado mas, sim, aberto à participação e à possibilidade de acolhermos propostas, iniciativas, ideias e opiniões provenientes de outros grupos parlamentares.
Quanto à questão do modelo misto, tive o cuidado de colocar o assunto com grande preocupação de seriedade, porque não ignoro que a questão do financiamento misto e, mais especificamente, a sub-questão do financiamento por parte de empresas, tem suscitado polémica não apenas em .Portugal como também em vários países europeus e tem até levado à introdução de algumas alterações na ordem jurídica vigente nesses países, no que concerne a essa questão.
Tive também oportunidade de enunciar a nossa posição. Pensamos que a resposta a estes problemas, porque não ignoramos que esse perigo efectivamente existe, não passa pela introdução de mecanismos de proibição do financiamento dos partidos por parte das empresas mas, antes, pela criação de mecanismos de fiscalização e controlo da actividade partidária e dos actos levados a cabo pela administração, reforçando as condições de transparência na realização dos mesmos,- por forma a que eventuais situações em que se possa concluir pela. existência de, indevido favorecimento de qualquer interesse ou empresa, seja ela de que natureza for, sejam imediatamente sancionadas, sendo a sanção aplicada de uma forma absolutamente exemplar.
Em relação a isso, temos de facto uma divergência, mas ninguém parte para um debate desta natureza com a expectativa de que ele não venha a provocar algumas diferenças. É importante que se apurem as divergências, que se alcancem as convergências e, em minha opinião e na do Grupo Parlamentar do PS, é fundamental que se trave nesta Casa um debate aprofundado, sério e rigoroso sobre uma matéria que, pela sua importância, deve convocar a nossa atenção de uma forma especial.
Do nosso ponto de vista, essa forma especial deve traduzir-se na criação de uma comissão eventual, à qual será cometida, por um lado, a função de avaliar os efeitos práticos da aplicação da legislação hoje em vigor, que ainda é muito recente, por outro, a apreciação das diferentes propostas, quer das que já foram apresentadas, quer das que, em tempo útil, o poderão ser, e, por outro lado ainda, a discussão, de modo mais global e com grande abertura de espírito, da questão geral do financiamento do sistema político português.
Este é um debate central, que constitui um desafio à nossa maturidade democrática, mas todos estamos, hoje, em condições de o travar com a elevação que o tema seguramente requer.
Aplausos do PS.
Página 2240
2240 I SÉRIE - NÚMERO 64
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, começo por me congratular pelo facto de o PSD ter colocado na questão do financiamento dos partidos políticos e na necessidade da sua alteração uma urgência política relevante e também por o PS, depois de termos apresentado um conjunto de diplomas visando alterar as regras do financiamento aos partidos políticos e as campanhas eleitorais, ter correspondido a essa necessidade política e apresentado também, como o Sr. Deputado disse, o seu contributo para essa reflexão, que será, com certeza, uma reflexão serena e séria.
Teremos, por isso, oportunidade, e esperamos que ela surja brevemente, de discutir a substância da matéria. Para já, quero congratular-me com a resposta do PS a esta nossa iniciativa e colocar-lhe uma ou duas questões muito precisas.
Ouvi, quer na sua intervenção, quer na resposta ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, o seu entendimento de que esta era uma matéria para ser vista de uma forma alargada, porventura até beneficiando da criação de uma comissão eventual que fizesse, de algum modo, a leitura detalhada e correctora, para futuro, da nova lei, que data de 1993. Sem prejuízo de encararmos estas soluções, a primeira pergunta que lhe faço é: do ponto de vista da prioridade política, o que é que o Sr. Deputado e a sua bancada entendem ser a prioridade a dar ao tratamento da matéria respeitante ao financiamento dos
partidos?
A nosso ver, seria muito útil, tanto para o sistema político como para o futuro, que sobre esta matéria houvesse uma decisão tão breve quanto possível, de preferência, permitindo que até ao fim deste ano haja um novo quadro legal. Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se este é também o entendimento de prioridades do PS em relação a esta matéria.
Em segundo lugar, como sabe, o próprio Governo, através do Sr. Ministro da Presidência, solicitou-nos um pedido de cooperação muito particular, que o PS e o Governo não tinham buscado antes, mas ao qual, no que respeita ao PSD, não nos furtámos a corresponder. Tal significa que, em matéria de agendamentos na Assembleia da República, nos tempos mais próximos, estamos, como já o dissemos, mais do que disponíveis, interessados em promover o agendamento político rápido da maior parte das matérias que seja relevante a Assembleia da República tratar, nomeadamente as que têm origem no Governo.
Pergunto-lhe se, tendo em atenção esse factor e a disponibilidade do PSD para corresponder a essa cooperação, esta é uma matéria que pode conflituar com as 32 medidas prioritárias do Governo ou se a sua discussão e apreciação pode ser concatenada, sem prejuízo do necessário diálogo que, com certeza, o PS não prescindirá de fazer à volta desta matéria, nomeadamente com outros partidos, com as prioridades do Governo.
Para terminar, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que, independentemente das soluções que cada um dos projectos preconiza, temos, à partida, algo em comum: nenhum dos projectos é fechado. O PSD teve o cuidado de, no que respeita a financiamentos e a limites de despesa, não alterar os limites actualmente fixados na lei e que já vêm de trás. É um bom ponto de partida. Mas estamos abertos, Sr. Deputado, a todo o entendimento para levar mais fundo e mais longe as correcções que é preciso fazer, em matéria de transparência, ao financiamento dos partidos políticos.
Assim, gostaria de ter, mais uma vez, da sua bancada, a indicação de qual é a prioridade que o PS deseja imprimir a esta matéria, sem prejuízo das prioridades que o Governo tem.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, na primeira parte do seu pedido de esclarecimento, V. Ex.ª tentou convocar-me, ainda que ténue e timidamente, para um debate que eu não quero travar. Não porque tema travá-lo, mas porque entendo que não o devo fazer. Esse debate é, justamente, o de saber quem ganhou é quem perdeu, quem está à frente e quem está atrás, neste processo.
Quero lembrar-lhe que, nesta matéria, não mudámos rigorosamente nada. As nossas preocupações hoje, que somos um partido de sustentação do Governo, são idênticas às que tínhamos no passado, quando éramos o maior partido da oposição.
Aplausos do PS.
As nossas convicções mais profundas, nomeadamente nesta matéria, não são o resultado da avaliação que fazemos de vantagens e perdas no contexto de cada conjuntura política em que nos encontramos mas, sim, o resultado de posições firmes que temos acerca das questões com que somos confrontados. Creio que seria bom, útil e vantajoso que daqui para diante travássemos este debate nestes termos e com estas preocupações.
A lei ainda é muito recente e um dos aspectos que deve ser avaliado é justamente o dos efeitos práticos decorrentes da sua aplicação.
Bem sei que temos uma vantagem: a de não termos qualquer problema freudiano com o período cavaquista em Portugal...
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Não parece!
O Orador: - ... e, por isso, estamos particularmente à vontade para assegurar uma relação mais serena com aquilo que, na nossa opinião, de bom, menos bom, mau e menos mau foi produzido nesse período histórico recente da vida nacional.
Na segunda parte do seu pedido de esclarecimento, colocou-me uma questão sobre prazos. Julgo que a nossa vontade comum de contribuir para o aperfeiçoamento da legislação numa matéria tão importante como esta saberá superar eventuais divergências de prazos. Não será por uma questão de prazos, de a prioridade ser de mais mês ou menos mês, que vamos deixar de alcançar o tal consenso nacional em torno destas matérias.
Sr. Deputado, como é óbvio, o nosso grupo parlamentar atribui a esta matéria um certo grau de prioridade. Se não o tivesse atribuído, não teria hoje apresentado o projecto de lei. Mas a celeridade que queremos atribuir a esta discussão não deve contender com a promoção de um debate participado, aprofundado,...
Vozes do PS: - Exacto!
Página 2241
2241 24 DE ABRIL DE 1997
O Orador: - ... que se revele verdadeiramente útil. Como tal, creio que todos, em conjunto, teremos oportunidade, quando discutirmos a questão da criação da comissão eventual à qual será cometido o estudo de todos estes assuntos, de superar pequenas divergências de lana caprina em relação aos prazos. Todos concordamos em que deve ser atribuída alguma prioridade a este processo e saberemos encontrar uma base séria e sólida para um consenso que envolva todos os grupos parlamentares em torno deste assunto. Ninguém compreenderia, os portugueses não compreenderiam, seguramente, que alguém se excluísse do esforço da concretização deste consenso por uma mera questão de prazos.
Como tal, o que devo dizer-lhe, para responder cabalmente à sua questão, é que atribuímos grande prioridade, mas essa prioridade não deve conflituar com a necessidade de uma discussão séria e aprofundada. Por isso mesmo, vamos avançar com a proposta de criação de uma comissão eventual destinada a estudar estes assuntos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis. Como dispõe de muito pouco tempo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista cede-lhe dois minutos.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, o meu partido, que, como é público, também preparou um projecto de lei sobre esta matéria, viu com satisfação a sua declaração política e a simultânea apresentação do vosso projecto de lei. É público, aliás, que os outros partidos também têm preparado legislação sobre esta matéria e que há divergências entre todos eles sobre os caminhos a seguir, o que, penso, será uma forma de enriquecimento da futura decisão que a Assembleia tomar.
O nosso partido dará o voto favorável à constituição da comissão que o Sr. Deputado referiu. Penso que chegou a altura em que, nesta matéria como em outras, nomeadamente a das incompatibilidades, se torna urgente clarificar a vida política em Portugal. Não podemos continuar a querer ter uma democracia sólida e a viver permanentemente no meio de meias palavras, meias ilusões, meias mentiras, meias verdades. Desse modo, não vamos a sítio algum. .
É urgente que cada um traga as suas ideias. O facto de serem divergentes não tem mal algum, antes pelo contrário, como disse. Desde que o debate se faça de cara levantada, com cada um a defender as suas ideias e a aceitar as dos outros, daí só resultará bem para os partidos, para a sua acção política e também para a democracia em Portugal.
Não sei até que ponto a posição por nós defendida é partilhada pelos outros, mas pensamos que aqui há também uma missão didáctica quanto à posição dos cidadãos.
Tem-se falado, em Portugal, de mecenato sobre tudo e sobre nada. Cada vez que se quer resolver um problema, descobre-se que esse problema é vital e deve ser objecto dos benefícios do mecenato. Então, pergunto: porque não o mecenato também na acção política? Isto no caso de estarmos convencidos de que a acção política é, antes de mais, uma acção cívica.
É por isso que o nosso projecto de lei defende a ideia de que os cidadãos, muito mais do que o Estado, devem interessar-se pelo seu futuro, devem defender e pagar as suas ideias, correspondendo a um esforço não de nós, Deputados, mas de todas as pessoas que têm alguma ideia para defender.
Pelo nosso lado, daremos essa contribuição. Não sei qual será a aceitação que terá por parte da maioria deste Parlamento, mas fá-lo-emos com a convicção de que só é possível ter clareza quando se actua com clareza. É o que faremos e, por isso, iremos aprovar a criação dessa comissão.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.
O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, quero congratular-me com as palavras proferidas pelo Sr. Deputado, que vêm de absoluto ao encontro do espírito subjacente à intervenção que há pouco tive oportunidade de fazer, sendo até já possível detectar algumas convergências estruturais no que concerne à avaliação que os nossos dois grupos parlamentares fazem desta matéria.
Quero apenas realçar que o Sr. Deputado Nuno Abecasis, falando em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, foi o .único que respondeu cabalmente a uma das nossas propostas, que foi justamente a da constituição de uma comissão eventual. Respondeu de uma forma clara e afirmativa, o que suscita o nosso regozijo e augura que vamos certamente alcançar os consensos necessários para fazer uma avaliação séria e ponderada da legislação em vigor, uma confrontação serena das várias propostas em apreciação e uma avaliação rigorosa de questões que têm a ver com o financiamento do sistema político português na sua globalidade.
Creio que é mantendo esse espírito e em obediência a esses princípios que verdadeiramente conseguiremos estar à altura das expectativas que os portugueses também investem em nós em matérias desta importância e deste relevo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorreu no passado dia 7 de Abril, uma visita do Grupo Parlamentar do PSD ao Algarve, à qual se associou o líder do partido, Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Sendo certo que não é possível, no curto espaço de algumas horas, percorrer e discutir a geografia plena dos problemas algarvios, procurou esta visita concentrar nos sectores da saúde, das pescas e da agricultura a sua atenção, de cujas conclusões aqui fica o relato e o devido registo.
Comemorando-se, na oportunidade, o Dia Mundial da Saúde, foi absolutamente desprovidos de espírito sectário que iniciámos a visita pelo Hospital Distrital de Faro, uma unidade que continua à espera da sua reclassificação como hospital central, como indefinida continua toda uma política regional de saúde no Algarve, ainda agora a aguardar tardiamente a nomeação de uma comissão instaladora do Hospital Distrital do Barlavento Algarvio, que, segundo as palavras do próprio Secretário de Estado da Saúde nesta
Página 2242
2242 I SÉRIE - NÚMERO 63
Assembleia, irá acumular com a função de inventariar toda a estrutura de saúde do Algarve, diagnosticar os problemas existentes e propor soluções. Para quando, é meta que releva da indefinição governamental.
Ainda em Faro, seria impossível não encalhar na questão do Serviço de Urgência, onde se incluem as chamadas falsas urgências e a gritante necessidade de mais camas de rectaguarda - e, por isso, a pergunta fica no ar: por que se espera para ocupar o antigo Sanatório de São Brás de Alportel? - e de uma melhor articulação e triagem com os centros de saúde concelhios, sem cujo bom funcionamento não é possível melhorar a situação de sobrecarga à porta dos hospitais distritais.
O polémico encerramento da Unidade de Cuidados Intensivos Coronários mereceu igualmente a nossa atenção. E se a dificuldade em prover os lugares em aberto para os médicos especialistas requeridos pelo seu funcionamento é uma realidade, adensam-se muitas dúvidas sobre a concepção definitiva de que uma unidade de cuidados intensivos geral e polivalente será a solução ideal para uma área tão sensível e delicada.
Da visita ao Hospital Distrital do Barlavento Algarvio, pudemos constatar com satisfação o pleno andamento de uma obra que envolverá um investimento global de 9 milhões de contos, a concluir no prazo previsto de Agosto de 1998, e cujo planeamento e lançamento muito honra o Governo anterior, da responsabilidade do PSD, a que o actual Governo dá justo e cabal seguimento. Persiste, todavia, a interrogação sobre o destino que irão ter os actuais Hospitais Distritais de Lagos e Portimão, vértices de um triângulo de saúde muito importante, não só pela população residente envolvida como pela população flutuante.
Esta nova unidade hospitalar irá ser dotada de tecnologia de ponta, de alto grau de sofisticação, e ninguém sabe ainda de onde virá o pessoal que com ela vai operar, sabendo-se que a formação específica não se faz de véspera.
Em Lagos foi a satisfação total de verificar um modelo de gestão exemplar de recursos escassos. Naquele Hospital não existe um metro quadrado desperdiçado, um leve sinal de negligência ou desmazelo que seja, tudo apontando para a necessidade de prever a construção de um novo, hospital, em melhor localização, e com funções complementares do Hospital do Barlavento Algarvio, porventura com especializações possíveis e necessárias ao Algarve, como um centro ortopédico, um centro de oftalmologia e uma unidade de internamento.
Mas, se o estado da saúde no Algarve, em geral, não é de molde a deixar-nos descansados, a saúde do sector das pescas caminha, a passos largos, para o estado. de coma.
Ouvimos da boca dos responsáveis da Associação dos Armadores de Pesca Artesanal do Barlavento e da Associação dos Viveiristas e Mariscadores da Ria Formosa (VIVMAR) relatos de situações que merecem uma reacção imediata dos poderes instituídos.
O envelhecimento da frota algarvia é uma evidência inegável, que pudemos constatar em visitas aos portos de Portimão e de Lagos. A média de idade dos barcos de pesca algarvios anda pelos 45 anos. O novo estaleiro do porto de Portimão ali ficou inacabado e os actuais estaleiros, quer em Portimão quer em Lagos, mais parecem velhos cemitérios de carcaças apodrecentes, causando poluição visual de áreas tão bonitas do Algarve.
Para os prejuízos causados pelo tornado que assolou a povoação piscatória de Ferragudo, do Governo, até agora, só vieram promessas. Só a autarquia de Lagoa acorreu em auxílio da população com os poucos meios de que dispunha.
Dificuldades na formação profissional, que condicionam a entrada de gente nova no sector piscatório, a ausência de regulação da actividade dos ditos pescadores "amadores", uma Ria Formosa em agonia, carregada de esgotos urbanos e industriais, a funcionar com uma só barra, que a de São Luís está e continua assoreada, uma depuradora de bivalves, que não funciona, tudo isto são problemas elencados, que poderão não ser de agora, nem de hoje, mas carecem de uma intervenção urgente.
Na pesca do Algarve, vivem-se momentos de desânimo, de desemprego e de fome.
Pela nossa parte, tomaremos, dentro de breves dias, a iniciativa de apresentar um projecto de lei, propondo a criação de um Programa Específico para a Modernização da Frota de Pesca do Algarve, a financiar pelo Instrumento Financeiro de Orientação da Pesca (FOP), pelas verbas nacionais do PROPESCA e pelo Programa PESCA, de iniciativa comunitária.
Foi com natural júbilo que acolhemos a informação de que, finalmente, a construção do porto de pesca de Quarteira irá arrancar. Se existe obra pela qual o PSD se bate há mais de duas décadas, esta é uma delas. Se existe obra mais justa e necessária para devolver aos pescadores de Quarteira um espaço próprio para a sua faina do mar esta é uma delas.
Não pode é ficar sem reparo o facto de, s6 faltando à data de Outubro de 1995, a assinatura do contrato de adjudicação, o actual Governo, então saído da maré de promessas, logo se tenha apressado a tudo suspender, assim se tendo perdido 19 longos meses de indecisões, de avanços, de recuos e contradições.
Foi preciso tanto tempo para concluir que o estudo de impacte ambiental, executado em 1995, afinal, tinha razão, tal como serviam a localização, o concurso e até o empreiteiro que ia fazer a obra.
Até parece que só o calendário não estava correcto. Em véspera de eleições, dá mais jeito lançar o primeiro pedregulho...
Em Silves, terra de agricultores, ouvimos a Associação de Regantes da Barragem do Arade queixar-se que a taxa de rega, de 50 000$/ha, é a mais cara do País, onde a média se situa à volta dos 27 000$/ha. De resto, a própria Barragem do Arade, construída em 1955, encontra-se envelhecida e a necessitar de obras de renovação.
Da Associação dos Agricultores da Zona do Algoz e Periferia, ouvimos o relato da dramática situação de muitos agricultores, a carecer da prometida linha de desendividamento, que, agora, acaba de ser anunciada, mas não explicitada...
O Sr. António Martinho (PS): - Aprovada!
O Orador: - ... aprovada em Conselho de Ministros, mas ainda não totalmente explicada aos agricultores e ao povo em geral, e sem a qual o custo do crédito contribui para o encarecimento insuportável dos custos de produção. A citricultura parece à mercê dos grandes consórcios comerciais espanhóis, o PAMAF parou há mais de um ano, os pagamentos da formação profissional de 1995 ainda estão por fazer, os técnicos do Estado parecem cada vez mais longe da terra e dos agricultores - eis todo um rosário de lamentos, para os quais o Ministério da Agricultura não revela capacidade de resposta.
Página 2243
24 DE ABRIL DE 1997 2243
Finalmente, em Sagres, no final da visita e do dia, a diversidade de opiniões sobre as obras no interior da Fortaleza não deixou de se fazer sentir no seio da nossa representação. E, se se torna difícil inverter o curso desta história recente, que um dia se publicará, não pode o Grupo Parlamentar do PSD deixar de se solidarizar com a tomada de posição unânime da assembleia municipal de Vila do Bispo, solicitando ao Ministério da Cultura que ponha termo imediato às intenções de instalar no seio da Fortaleza um enorme restaurante e self-service, estruturas que não faltam na vila de Sagres, mas que não se coadunam com a dignidade que deve ser preservada naquele monumento histórico. Poder-se-á argumentar que sempre esteve previsto. Mas os erros, quando detectados a tempo, devem ser evitados.
É para estas tomadas de posição que nós pensamos dever servir as visitas dos grupos parlamentares aos distritos, aos círculos eleitorais: para suscitar as questões, de modo a que os problemas se resolvam.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Valente.
O Sr. Jorge Valente (PS): - Sr. Presidente, gostaria, em primeiro lugar, de me regozijar pela conversão, ainda que tardia, do meu colega Mendes Bota aos fracassos do cavaquismo.
Aplausos do PS.
Ele acabou de nos trazer aqui um retrato da minha região, do Algarve, que, depreende-se das suas palavras, foi uma, região muito mal tratada nos últimos 10 anos. É que o retrato aqui traçado não pode ser fruto de 14 meses.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!
O Orador: - Gostaria, depois, de me congratular com a sua visita ao Hospital do Barlavento Algarvio e com o reconhecimento do investimento, aí feito, de 9 milhões de contos, da exclusiva responsabilidade deste Governo. É que os barlaventinos esperavam, há 10 anos, por esse hospital e o Governo do PSD não foi capaz de desbloqueá-lo esta é uma verdade insofismável e indesmentível.
Gostaria de me regozijar com a sua visita e com a constatação do desbloqueamento do problema por vós criado na Fortaleza de Sagres. De facto, esse problema não tinha solução à vista, mas este Governo já o desbloqueou.
Gostaria ainda de me regozijar com a sua constatação de que o porto de Quarteira vai finalmente ser construído, mas, além disso, quero dizer-lhe que o de Tavira também vai sê-lo imediatamente.
Gostaria também de me regozijar com os seus esquecimentos, isto é, com os quase 10 pavilhões desportivos que estão a ser construídos no Algarve, com as seis escolas C+S que estão a ser construídas no Algarve e com o facto de este Governo ter contemplado o Algarve de uma maneira justa, colocando-o em quarto lugar, em termos de distritos, no que se refere a investimentos do
PIDDAC de 1997.
Regozijo-me por isso e pergunto-lhe: não o preocupa que os governos do PSD não tenham tido, no passado e durante tanto tempo, uma atitude mais justa, mais equilibrada e mais à medida daquilo que o Algarve merece e precisa?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado e meu caro amigo Jorge Valente, nós não estamos ainda em campanha eleitoral e foi absolutamente desprovidos desse sentimento que fizemos a nossa visita ao Algarve e que fiz aqui dela o mesmo relato.
Quero dizer-lhe que a minha intervenção, longe de significar uma conversão aos fracassos do cavaquismo, está muito longe, infelizmente, de significar uma conversão ao sucesso do guterrismo no Algarve. Infelizmente, gostaria bastante de vir aqui congratular-me com uma definição urgente, rápida, mas absolutamente ao encontro dos verdadeiros interesses de conjugação ambiental, económica e social, por exemplo, da auto-estrada para o Algarve, em relação à qual o seu Governo, que daqui a pouco já está em funções há dois anos, continua a não ter uma definição.
Gostaria de vir aqui também regozijar-me com a construção da segunda fase da Via do Infante, em relação à qual, infelizmente, passado que foi este tempo, apenas temos o anúncio da adjudicação de meia dúzia de quilómetros para dois anos de obra, ou seja, no ano 2010 talvez a Via do Infante chegue à cidade de Lagos.
Sr. Deputado Jorge Valente, em termos intelectuais, não é honesto da sua parte dizer que me esqueci de tudo
o que o Governo tem feito. É que comecei por dizer não só que a visita do grupo parlamentar não podia, em poucas horas, ter uma abrangência sectorial que fosse ao encontro de todos os problemas do Algarve, como também que. numa curta intervenção desta natureza, não poderia aqui referir-me a tudo aquilo que os senhores têm feito e a tudo aquilo que não têm feito. Referi-me àqueles sectores onde nós efectivamente nos deslocámos. E, em relação ao porto de Quarteira, o que tem de ser enfatizado é que se deve ao Governo do PSD a execução do estudo de impacte ambiental e do projecto do porto de Quarteira, só faltando a assinatura do contrato de adjudicação, que os senhores imediatamente suspenderam para, agora, em ano eleitoral, irem fazer no mesmo local, com o mesmo empreiteiro e com o mesmo projecto uma obra que estava absolutamente à mercê de ser executada. Os senhores fazem-no com 19 meses de atraso e os pescadores de Quarteira sabem reconhecer as razões desse mesmo acaso.
Quero também dizer-lhe, Sr. Deputado Jorge Valente, que tive a hombridade de reconhecer aqui aquilo que os senhores fizeram bem e regozijei-me por verificar o pleno andamento de uma obra, que foi lançada - com terreno arranjado pelo Governo do PSD - em orçamento pelo Governo do PSD - e se o senhor consultar o PIDDAC dos anos de 1994 e 1995, verificará que já há verbas gastas para a obra do Hospital do Barlavento Algarvio, o que significa que ela vinha de trás. Mas isso faz parte da vida, Sr. Deputado Jorge Valente. Aqui, como nas autarquias, como em tudo na vida, nós começamos e os senhores acabam, os senhores começarão e nós iremos acabar brevemente. É esta a lei da vida política: uns começam, outros acabam; uns lançam as obras, outros cortam a fita. O que é preciso, Sr. Deputado, é que o povo, no fim, possa usufruir do benefício público.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, havia ainda duas inscrições para tratamento de assuntos de interesse políti-
Página 2244
2244 I SÉRIE - NÚMERO 64
co relevante. Porém, como já não tenho tempo para dar a palavra aos dois Srs. Deputados e não querendo dá-la apenas a um, até porque se trata de Deputados dos partidos que já intervieram, ficarão inscritos para um próximo momento. Além disso, temos pela frente uma agenda bastante carregada.
Assim, Srs. Deputados, dou aqui por encerrado o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 50 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 42 a 50 do Diário, respeitantes às sessões plenárias dos dias 20, 21, 26, 27 e 28 de Fevereiro e 5, 6, 7 e 12 de Março.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.
Srs. Deputados, passamos à discussão do inquérito parlamentar n.º 6/VII - Constituição de uma comissão de inquérito parlamentar para apreciação da conformidade constitucional e legal do aval do Estado à UGT (PSD).
Para introduzir o debate, tem a palavra, por 5 minutos, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando foi tornada pública a concessão de um aval do Estado à UGT e pelas legítimas dúvidas que imediatamente se instalaram, o PSD respondeu a essas dúvidas com o pedido de uma audição ao Sr. Ministro das Finanças numa comissão parlamentar desta Assembleia.
Nessa audição, que decorreu, em certos momentos, de forma pouco ortodoxa e claramente imprópria, relativamente ao respeito devido pelo Governo à Assembleia da República,...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... ressaltou a enorme incomodidade em que o Governo se encontra para justificar este acto. Ficaram ainda bem patentes duas coisas: por um lado, que a fundamentação utilizada pelo Governo no despacho que concedia o aval era meramente artificiosa, não correspondendo à verdadeira motivação do Governo; por outro lado, e confessadamente, que a concessão do aval se tratou de uma acto estritamente político, para assegurar a sobrevivência da central sindical democrática e evitar que
"a UGT fechasse as portas".
A gravidade dessas revelações, embora feitas sob emoção, levam a que, naturalmente, e no cumprimento das suas competências para vigiar os actos do Governo e da Administração face à conformidade que os mesmos devem ter com a Constituição e as leis, esta Assembleia decida instaurar um inquérito parlamentar para apurar quer a legalidade de todo este processo quer as responsabilidades e as circunstâncias políticas em que o Governo tomou esta decisão tão controversa.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Decisão que, para o PSD - e digo-o aqui com toda a frontalidade -, é ilegal, injusta e imoral.
Aplausos do PSD.
Acresce a este aspecto que, numa incompreensível atitude de fuga para a frente, o Sr. Ministro das Finanças decidiu determinar a um serviço público do Estado a apreciação de situações congéneres que tenham ocorrido entre 1985 e 1995. E evidente a parcialidade e o carácter politicamente dirigido desta iniciativa, factos que, de resto, foram por. nós amplamente denunciados explicitamente na audição a que o Sr. Ministro se submeteu na comissão parlamentar respectiva, tendo nós referido, nomeadamente, que a transparência não pode ser datada, facto, no entanto, que aí, na comissão, mereceu a oposição teimosa e obstinada quer da parte do Partido Socialista quer da parte do próprio Sr. Ministro das Finanças.
Não restou, pois, ao Partido Social Democrata outra solução que não a de incluir também no objecto deste inquérito o levantamento e a análise objectiva de todas as situações similares que possam ter ocorrido desde 1976, 'na vigência já do actual quadro legal aqui aplicável e no respeito pelas regras então instauradas de um Estado de Direito Democrático. Disso demos nota na ocasião na discussão em comissão parlamentar e, repito, foi a obstinação política dos senhores que a isso nos levou.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto a prazos e metodologias de trabalho, Sr. Presidente, desde já, quero aqui deixar claro, reafirmando, que estamos totalmente abertos à elaboração de relatórios separados, visando, num primeiro momento, apenas a matéria atinente, em termos legais e em termos políticos, ao aval à UGT, deixando para o relatório final toda a parte que diz respeito ao levantamento do passado. É esta a cindibilidade possível, do ponto de vista do PSD, da matéria aqui em análise.
Quanto a prazos, são nossas, como sempre foram, com coerência, infelizmente nem sempre compartilhada pelos socialistas, as preocupações de celeridade neste tipo de' processos de inquérito, por razões óbvias e não por qualquer chantagem de momento, como é o argumento descabelado da paralisia totalmente inaceitável da actividade governativa que alguns agora esgrimem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em consonância com isso mesmo, o PSD declara já, aqui, que deixa este aspecto dos prazos à decisão do Sr. Presidente e das outras bancadas, aceitando aquela que venha a ser entendida como a opção mais razoável e mais aceitável.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A criação de uma comissão de inquérito é um acto sério e importante, que corresponde ao pleno exercício das funções fiscalizadoras desta Assembleia, devendo contribuir para o reforço do seu prestígio e da sua autoridade política. Assim sendo, não é aceitável que uma tal iniciativa seja tomada de forma leviana e, muito menos, como um mero expediente de luta política.
Lamentavelmente, o PSD vem hoje propor uma comissão de inquérito, quando já tiraram previamente, em praça pública, as suas conclusões.
Página 2245
24 DE ABRIL DE 1997 2245
Esta proposta do PSD não é mais do que o prolongar de uma campanha que visa atingir a honorabilidade, o bom nome e a seriedade do Sr. Ministro das Finanças.
Para provar isto basta recordar que, na passada quinta-feira, o PSD veio a esta Assembleia anunciar a sua proposta da criação de uma comissão de inquérito e menos de duas horas depois desse anúncio já estava a votar o voto de condenação proposto por outra bancada da oposição.
O PS repudia esta campanha com a serenidade de quem confia no bom senso e na lucidez dos portugueses.
A verdade é que o PSD, os seus brilhantes economistas e o seu criativo líder há já ano e meio que não acertam uma única previsão económica. Repito: há ano e meio que não acertam uma única previsão económica.
Previram as maiores desgraças para Portugal sob o Governo socialista, e aí está a realidade a desmenti-los; juraram que a inflação ia crescer, e aí estão as previsões do Banco de Portugal e da Comissão Europeia de uma taxa de inflação ainda abaixo das próprias estimativas do Governo; garantiram que a dívida pública ia crescer, e ela diminuiu; juraram que o desemprego ia aumentar, e ele está a diminuir, sendo o próprio Banco de Portugal a prever que, ainda este ano. descerá abaixo da casa dos 7%.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Grande UGT!
O Orador: - Mas, mais do que isso, o PSD esteve 10 anos no Governo a garantir aos portugueses que não era possível fazer orçamentos de rigor, promovendo uma maior justiça social. Durante dez longos anos, em nome do rigor orçamental, invocando os critérios de convergência, o PSD disse que não era possível deixar de aumentar . os impostos,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E aumentaram!
O Orador: - ... que não era possível criar o rendimento mínimo garantido e aumentar os investimentos em
áreas decisivas, como a educação, a saúde e a solidariedade social.
O que hoje dói ao PSD, o que o faz lançar-se nesta campanha é uma realidade bem simples. Em ano e meio, o Governo do PS demonstrou que é possível fazer orçamentos de rigor com uma profunda preocupação social.
E perante os factos, perante as análises elogiosas de organismos nacionais e internacionais, o PSD, em vez de reconhecer o erro das suas previsões e o desastre da sua governação, resolveu fugir para a frente.
E pensaram, lá para eles: "se não somos capazes de atacar a política económica e financeira do Governo, vamos tentar atacar o bom nome e a seriedade do Ministro das Finanças".
O PS repudia essa campanha e aqui reafirma, com serenidade, mas também com toda a firmeza, a nossa solidariedade para com o Sr. Ministro das Finanças, Professor Sousa Franco.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - O PSD não conseguirá desviar a atenção dos portugueses daquilo que é essencial, ou seja, que há uma nova política económica onde as preocupações de justiça social ocupam um lugar cimeiro.
O facto de esta proposta do PSD surgir no quadro de uma campanha contra o Ministro das Finanças poderia levar o PS a votar contra. Mas a nossa determinação em não inviabilizar qualquer proposta de inquérito, ao contrário do que era prática da anterior maioria, justifica a nossa abstenção.
Pelo menos, vamos propor que não se esqueçam de incluir no inquérito o período entre 1985 e 1995, que, por acaso, coincide com os Governos do PSD.
Veremos se nessa comissão de inquérito o PSD quer inquirir alguma coisa ou apenas pretende continuar a afundar-se na campanha política em que está envolvido.
Pela nossa parte, os portugueses sabem bem que nesta comissão, tal como em todas as outras, nortearemos a nossa actividade pelo rigor, isenção e defesa do prestígio das instituições democrática, já que sempre foram esses os valores pelos quais o PS se norteou.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.` Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Quero dizer, em nome da minha bancada, que concordamos com o inquérito parlamentar proposto pelo PSD, que, aliás, vem na decorrência do voto de protesto apresentado pela minha bancada e, pensamos, também de algo que é bem mais importante, que é a perplexidade que este aval causou na opinião pública e no país.
Antes de mais, responderia a algumas coisas que o Sr. Deputado Acácio Barreiros disse, começando por contrariar um ponto que, penso, tem sido uma constante no discurso do PS e penso que é um erro. Ninguém quer atacar o Sr. Professor Sousa Franco. V. Ex.ª foi Deputado da UDP, o Sr. Professor Sousa Franco...
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Eu estava a falar para
A Oradora: - Não! O Sr. Deputado, quando fala, não fala para o PSD, fala para a Câmara, e eu estou aqui sentada!
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Quando o senhor era Deputado da UDP e o Sr. Professor Sousa Franco era Presidente do PSD, certamente que o criticou e não considerou, com certeza, que isso era um insulto à honorabilidade do Sr. Professor Sousa Franco.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Bem lembrado!
A Oradora: -- Portanto, temos de distinguir estas situações...
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Como é que sabe?!
A Oradora: - Ó Sr. Deputado, não me vai pedir para ir ler os Diários da Assembleia da República dessa época?!
A Oradora: - Certamente que houve algum momento, legítimo, em que o Sr. Deputado fez alguma crítica ao Presidente do PSD!
Mas o que lhe quero dizer é o seguinte: no momento em que considerarmos que qualquer critica política se
Página 2246
2246 I SÉRIE - NÚMERO 64
transforma numa crítica pessoal, estamos claramente a desmontar e a desmobilizar no pior sentido aquilo que é o exercício da democracia.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, quero, desde já, rejeitar esse argumento. Ele tem sido usado pela bancada do PS e foi agora usado por si.
É precisamente por o Professor Sousa Franco ser uma personalidade caracterizada por qualidades que não negamos aqui que a nossa perplexidade aumenta.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - E vou dizer-lhe porquê. Pensamos que é muito grave que o Professor Sousa Franco, actualmente Ministro das Finanças, portanto, com essa responsabilidade, mas também com a responsabilidade do seu passado, tenha feito uma confusão intencional e grosseira entre o aval concedido à UGT e os avales que vierem a ser concedidos no âmbito do Plano Mateus.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - É uma confusão grosseira, que não engana ninguém e que nos decepciona, vinda de quem vem. Ou seja, a nossa decepção é na medida da consideração que temos pelo Professor Sousa Franco. Não somos igualmente exigentes em relação a todos, achamos que podemos ser exigentes em relação ao Sr. Ministro das Finanças!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Mas há ainda outro aspecto muito importante que não pode ser escamoteado, acrescentando àquilo que já foi dito, e muito bem dito, pelo meu colega Deputado Jorge Ferreira, que é a enorme vulnerabilidade em que o Sr. Ministro se coloca e ao seu próprio Governo perante a oposição. Isto é, ficou claro para todos nós que sempre que alguma bancada da oposição queira levar o Sr. Ministro das Finanças a dizer qualquer coisa que não deve e que não é correcta, basta um voto de censura ou qualquer outra coisa. Portanto, o Sr. Ministro colocou-se numa vulnerabilidade que pensamos ser também muito desagradável para si e, sobretudo, para o Governo.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!
A Oradora: - Finalmente, desejo referir um outro aspecto que penso ser muito importante. Julgo que isto foi a gota de água, porque o Sr. Ministro já foi obrigado a fazer três actos de governo que são perfeitamente, contrários à sua maneira de ser e a tudo aquilo que disse: foi o totonegócio, o cinenegócio e agora é este. E, provavelmente, o Sr. Ministro...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sabe do que está a falar?
A Oradora: - Sei, sei!
O cinenegócio foi feito com a concordância do Sr. Ministro das Finanças porque não podia ser de outra maneira.
Vozes do CDS-PP: - Claro!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O cinenegócio foi alterado!
A Oradora: - Não! Foi proposto! E quando foi proposto foi-o com conhecimento do Sr. Ministro das Finanças, que é quem paga! O Sr. Ministro da Cultura veio apenas dizer umas coisas, o Sr. Ministro das Finanças é quem faz o resto. Sabemos como é que isso funciona.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Parece a Zita Seabra a falar! Isso nem parece seu!
A Oradora: - Se me deixar terminar, dir-lhe-ia o seguinte: possivelmente o Sr. Ministro das Finanças, nesses momentos, não teve o apoio que esperava ter do Governo e do Primeiro-Ministro e agora, quando ele se demite das suas atribuições e competências e se quer esvaziar do seu conteúdo funcional, quer sobretudo uma garantia do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro de que, desta vez, não lhe tiram o tapete debaixo dos pés.
Estes são os três aspectos que julgo serem importantes acentuar aqui. Por todas estas razões somos a favor do inquérito.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, sugiro-lhe que não trave batalhas que não tem de travar. De facto, falei para toda a Câmara, mas reconheço que não foi a Sr.ª Deputada nem foi da bancada do PP que insinuaram ou mesmo afirmaram que este aval era uma forma de comprar a UGT' e de comprar os acordos sociais, que puseram em causa a honestidade do Sr. Ministro das Finanças. Não foi a Sr.ª Deputada que fez isso, mas sabemos quem foi, por isso é que no meu discurso responsabilizei o PSD pela campanha que está a fazer e pelo sentido dessa mesma campanha.
Gostava também de lhe dizer outra coisa, Sr.ª Deputada. O que é normal em qualquer país é que os ministros das finanças sejam criticados quando as finanças vão mal ou a economia vai mal. Em Portugal temos uma situação particular em que a economia e as finanças vão bem não é apenas o Governo que o diz, são vários organismos nacionais e internacionais - e o Sr. Ministro das Finanças é ferozmente criticado. Não acha isto estranho?
Não estive a analisar as posições do PP, mas da parte do PSD há um problema, como eu disse. É que ele quer esconder esta realidade bem simples: a de que há uma nova política económica, a de que é possível, em Portugal, como o PS sempre disse, quando estava na oposição aos governos do PSD, fazer política económica de rigor, mas com consciência social,...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não fuja ao problema!
O Orador: - ... com rendimento mínimo garantido, sem aumentar os impostos. O PSD dizia que tal era impossível, garantiam que não éramos capazes de fazer um Orçamento do Estado, e é por isso que o querem atacar,
Página 2247
24 DE ABRIL DE 1997 2247
porque não são capazes de o criticar politicamente e, sobretudo, querem esconder uma coisa...
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, os senhores não acertam uma única previsão económica!
Aplausos do PS.
Penso mesmo que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite - deixe-me dizer-lhe, com toda a simpatia e consideração -, depois dos discursos que fez. de previsões económicas dos orçamentos do Governo, merecia um daqueles prémios de economia, como aquele que defendo que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa devia dar aos apostadores do Totobola que não acertam um resultado, o que é quase tão difícil como acertar todos. A Sr.` Deputada não acertou um e quer esconder isso atrás desses ataques!
Aplausos do PS.
Mas, Sr.ª Deputada, digo-lhe uma coisa também: não se iludam, os senhores são muito hábeis a levantar poeira, mas ela não fica sempre no ar e vai pousar. Fica a obra, que é a obra do Sr. Ministro Sousa Franco e deste Governo, do qual nos orgulhamos e que é a vossa maior derrota.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se acha que há lugar a elas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): Realmente, Sr. Presidente, penso que as explicações deviam ser dadas pelo PSD! Isto está um pouco cruzado!...
Sr. Deputado Acácio Barreiros, quero apenas dizer que exactamente nesse pressuposto de que o Sr. Ministro das Finanças é um grande Ministro das Finanças, não há direito que o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo lhe peçam estes fretes. Pense nisso! Se é um grande Ministro das Finanças, poupe-o! É consigo!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem! Olhe que não têm assim tantos tão bons!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iremos votar favoravelmente o inquérito parlamentar proposto pelo PSD. A justificação não é precisa dá-la, ela é conhecida, pelas razões que nos levaram a suscitar a necessidade da presença do Sr. Ministro das Finanças há cerca de uma semana atrás na Assembleia da República para prestar esclarecimentos
sobre este assunto.
Votando nós favoravelmente o inquérito parlamentar apresentado pelo PSD, gostaria de fazer algumas referências ao problema das alterações e de algumas questões que aqui são suscitadas.
Desde logo, a proposta do Partido Socialista de pretender substituir o período de análise dos avales concedidos, designadamente na componente anterior a 1976, é uma insensatez. E é uma insensatez porque o quadro político-revolucionário é completamente diferente daquele que. decorre, depois, com os governos constitucionais e com a aprovação da Constituição da República.
Mas, apesar de ser uma insensatez, e porque esta é uma questão que o Ministro das Finanças faz muita força para que o período de
1974/1976 também seja analisado, uma vez que já o fez na Comissão, não poremos objecções a isso, não nos oporemos, mantendo, no entanto, que se trata de uma insensatez neste quadro.
Em segundo lugar, a questão da separação dos prazos, ou melhor, da separação dos relatórios. O que é que isto quer significar? Há um problema nacional que imponha essa separação? Não há! Não há qualquer problema com os avales do Estado! O que há é um problema criado pelo Ministro das Finanças, que não quer conceder avales do Estado! Mas isso é um problema do Governo e não da Assembleia da República! É o Governo que o deve resolver! Se o Sr. Ministro não está em condições de os prestar, o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro que resolvam o problema da forma que melhor entenderem.
Por isso não nos parece que seja lógico e que seja natural que se faça esta separação. Porque se o problema não é nacional, então o que é? Quer dar-se um tratamento privilegiado ao actual Sr. Ministro das Finanças? Porque é que há-de ter um tratamento privilegiado? Porque é que há-de ter um tratamento privilegiado em relação ao inquéritos parlamentares em que estiveram em causa, por exemplo, o Ministro Miguel Cadilhe e a Ministra Leonor Beleza?
O Sr. João Amaral (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Porque é que há-de ter um tratamento privilegiado? É mais do que os outros ministros, enquanto ministro? Não é! Porque é que a Assembleia da República deve estar, então, a aceitar claramente uma coacção ilegítima do Ministro das Finanças e do Governo?
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não é nada disso!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma outra questão tem a ver com o problema das conclusões do inquérito, e, devo dizer, começo a ficar receoso, por várias razões. Primeiro, não sei se é possível a uma comissão de inquérito da Assembleia da República analisar a legalidade da prestação deste aval. Porquê? Porque o Sr. Ministro das Finanças, no passado dia 19, escreveu, num órgão de comunicação social, que, neste país, só há duas entidades que podem dizer se um aval é legal ou ilegal. A 'primeira entidade...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É ele!
O Orador: - ... é ele, Ministro Sousa Franco, e a segunda é o Supremo Tribunal Administrativo. E eu admito que ele possa vir a reduzir estas duas entidades a uma só, se, por mera hipótese, no futuro, o Supremo Tribunal Administrativo vier a dizer que é ilegal, e, então, passará a ser ele apenas a única entidade capaz de dizer se um aval é ou não legal. Esta é a minha primeira dúvida em relação às conclusões.
A segunda dúvida tem a ver com aquilo que me pareceu ser indiciado agora pela intervenção do PS em relação ao comportamento do PS na comissão de inquérito.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Já está a pronunciar-se...
Página 2248
2248 I SÉRIE - NÚMERO 64
O Orador: - O PS veio com a tese do oásis... Aliás, copia sempre os maus exemplos dados pelo PSD enquanto Governo.
Protestos do Deputado do PS Joel Hasse Ferreira.
O PS veio com a tese do oásis quando estávamos a discutir questões de avales e de comissões de inquérito. Veio com a questão do oásis económico tal como o Ministro das Finanças veio há pouco tempo atrás num artigo que escreveu para um órgão da comunicação social. Ora bem, o meu receio é que agora copiem também o Ministro das Finanças em relação ao tal artigo do passado dia 19, em que a tese do oásis passa para a tese das forças de bloqueio, porque, nesse artigo, o Ministro Sousa Franco já coloca o Procurador-Geral da República como uma força de bloqueio, Estes indícios daquilo que pode vir a suceder em termos da comissão começam a deixar-me algumas reservas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminado o debate do inquérito parlamentar n.º 6/VII, supondo que há consenso no sentido de se proceder de imediato à votação do projecto de resolução n.º 49/VII, que absorve o objecto do inquérito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de pedir a V. Ex.ª para, caso possa, esclarecer a Câmara face àquilo que o PSD já revelou quanto às...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu ia dizer isso a seguir, desde que concordassem em que se fizesse de imediato a votação.
Assim, votaríamos, em primeiro lugar, a proposta de eliminação do segmento final do ponto 3.º do projecto de resolução, apresentada pelo PS, e, em segundo lugar, as propostas de substituição pela ordem da apresentação, ou seja, primeiro, a de substituição do ponto 7.º do projecto de resolução, do PSD, depois, em relação ao ponto 3.º, a de substituição de "1976" por "1974", do PS, e, por último, a proposta de substituição de "1985" por "até à data da apresentação do presente inquérito", também do PS. Seria esta a sequência das votações, tal como prevê o Regimento.
Estamos de acordo?
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, tenho em minha posse um documento que diz "Distribua-se aos grupos parlamentares", mas eu não sei que carácter tem este documento. Não sei se é uma proposta de..., se é um aditamento... Não tem qualquer identificação...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, trata-se da proposta de substituição do ponto 7.º do projecto de resolução n.º 49/VII, que acabei de referir.
O Orador: - Então, é uma proposta de substituição do ponto 7.º original!
O Sr. Presidente: - Tinha acabado de dizer isso mesmo, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, fiz a pergunta porque não tem qualquer identificação...
O Sr. Presidente: - Eu sei!
O Orador: - Nem sequer está subscrita...
O Sr. Presidente: - Eu sei, mas eu tinha acabado de dizer isso.
O Orador: - Sim, Sr. Presidente, mas eu não a tinha formalmente em mão.
O Sr. Presidente: - Eu sei, Sr. Deputado. É a proposta de substituição do ponto 7.º do projecto de resolução n.º 49/VII.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa apenas para dizer que não abrimos aqui qualquer precedente.
Sr. Deputado António Braga, o documento não tem qualquer assinatura porque a iniciativa do inquérito parlamentar é do PSD. O Sr. Presidente da Assembleia da República fez o favor de, na sequência da troca de palavras que tivemos ontem na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, apresentar um projecto de resolução que absorve o objecto do pedido de inquérito do PSD e acrescenta duas questões: a composição, que foi analisada em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, e os prazos, dividindo em duas fases o relatório. Agora, trata-se também aqui de haver a concordância de quem teve a iniciativa, porque, em bom rigor, o que se vota é o inquérito inicial. Daí, para que não houvesse uma perversão do objecto do pedido de inquérito proposto inicialmente pelo PSD, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou uma minuta, que foi distribuída pelas bancadas por indicação da Mesa, sugerindo ao Sr. Presidente da Assembleia da República, apesar de concordar com a iniciativa do Sr. Presidente, que, se considerasse substituído o ponto 7.º do projecto de resolução n.º 49/VII, que V. Ex.ª tem à frente. Isto para que o texto do projecto de resolução não viesse prejudicar o objecto constante do inquérito parlamentar do PSD.
O Sr. Presidente: - Tenho a impressão de que isso terá sido consensualizado através do Sr. Secretário da Mesa, mas necessariamente não consensualizado em relação a todos os elementos das direcções das bancadas, talvez venha daí a falta de informação.
Vamos, em primeiro lugar, votar a proposta de eliminação, apresentada pelo PS, do seguinte segmento final do ponto 3.º do projecto de resolução: "(...) como forma de suprir a insuficiência e parcialidade da averiguação ordenada pelo Ministro das Finanças à Inspecção-Geral de Finanças".
Página 2249
24 DE ABRIL DE 1997 2249
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.
Srs. Deputados, vamos agora passar à votação da proposta do PS que substitui "1976" por "1974" no ponto 3.º do projecto de resolução, apresentada pelo PS.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e abstenções do PCP e de Os Verdes.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta, também do PS, que substitui " 1985" por "até à data da apresentação do presente inquérito", ainda em relação ao ponto 3.º do projecto de resolução.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de substituição do ponto 7.º do projecto de resolução, apresentada pelo PSD, que é do seguinte teor: "Fica a Comissão desde já autorizada a elaborar dois relatórios separados, a cada um dos quais corresponderá uma investigação parcelar, nos termos do n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março.
O primeiro relatório, para o qual a Comissão disporá do prazo de 30 dias a contar da sua posse, terá por objecto a apreciação de todos os pontos constantes do presente projecto de resolução com excepção do referido no ponto 3.º.
O segundo relatório, para o qual a Comissão disporá de um prazo de 90 dias a contar da sua posse, recairá sobre a matéria constante do ponto 3.º".
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PS.
Por fim, vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 49/VII - Constituição de uma comissão de inquérito parlamentar para apreciação da conformidade constitucional e legal do aval do Estado à UGT (Presidente da AR), com as alterações entretanto aprovadas.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PS.
Srs. Deputados, antes de darmos continuidade à nossa ordem de trabalhos, informo a Câmara de que o Governo, por razões que. desconheço, mas que poderá explicitar se julgarem necessário, propõe que se proceda de imediato à discussão da proposta de lei n.º 71/VII e que só depois se debatam os projectos de lei n. 130/VII (PCP) e 239/VII (PSD). Assim, pergunto se há consenso.
Pausa.
Como não há consenso nesse sentido, vamos dar início ao debate conjunto, na generalidade, mantendo a ordem de trabalhos estabelecida, dos projectos de lei
n.ºs 130/ VII - Extensão aos maiores municípios da possibilidade de disporem de directores de serviços para coadjuvarem os eleitos na gestão municipal (PCP) e
239VII - Criação do cargo de secretário-geral municipal (PSD).
Pará uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada, em nome do PCP.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o projecto de lei n.º 130/VII, que ora apresentamos, pretende o meu grupo parlamentar instituir a possibilidade da existência de directores municipais em todos os municípios com mais de 100 000 eleitores, com
o objectivo de coadjuvarem os eleitos na gestão municipal. Como se sabe, essa possibilidade limita-se hoje aos municípios de Lisboa e Porto - o que, dadas as novas realidades demográficas e o crescente volume de solicitações imposto à gestão municipal, não se coaduna com as necessidades operativas de um número significativo de municípios. Trata-se, afinal, de proporcionar a criação objectiva de condições tendentes ao aumento da eficácia na gestão, dos serviços municipais, com reflexos na diminuição dos prazos de resposta e na prontidão de atendimento das diversas solicitações que à gestão municipal se colocam. Esta é uma necessidade particularmente sentida naqueles municípios que, pela sua dimensão e densidade populacional, implicam um elevadíssimo volume de deliberações, actos e procedimentos administrativos e uma mais complexa estrutura de serviços.
A institucionalização dos directores municipais em todos os municípios com mais de 100 000 eleitores, como propõe o nosso projecto de lei, é, assim, uma resposta concreta a um problema concreto - e, também por essa via, contribui para a consolidação e para a dignificação do poder local democrático. "Poder local democrático", dizemos, e não apenas "poder local". Na verdade, é nossa profunda convicção que em caso algum se pode permitir, ou potenciar, que a existência de um alto cargo dirigente como coadjuvante do presidente de câmara na preparação das decisões e na execução de actos de gestão municipal possa induzir um corte entre a componente dita "política" e a componente dita "administrativa e de gestão" da função presidencial, como se estas componentes pudessem e devessem ser institucional e funcionalmente estanquizadas. Se assim sucedesse - o que, em absoluto, não subscrevemos -, estaria aberto o caminho para a menorização ou o apagamento dos presidentes de câmara, face à existência de um superfuncionário todo poderoso.
A experiência, ainda não muito longínqua, do nosso país nesse domínio, com os chefes de secretaria das câmaras antes do 25 de Abril de 1974, é bem ilustrativa do que, no limite, pretendemos significar - ressalvadas, evidentemente, as radicais diferenças de contexto entre o fascismo e o actual regime constitucional democrático.
Em outra vertente, de certo modo ainda mais gravosa do' que a anterior, porque inserida num quadro democrático - a tecnicidade dos problemas inerentes à gestão autárquica, mesmo quando justifica e exige a institucionalização de um alto funcionário municipal, não pode, por seu turno, servir de biombo ou de bode expiatório para a eventual irresponsabilidade dos presidentes de câmara.
Naturalmente que se coloca a questão da tecnicidade das decisões. Não o ignoramos. Por isso mesmo, os directores de departamento, o alargamento da possibilidade dos directores de serviço que propomos, as equipas de projecto que a lei permite, resolvem ou podem resolver esse problema. De qualquer modo, nada pode ser ou constituir-se em alternativa ao poder democrático dos autarcas eleitos; nada pode ser ou constituir-se em alternativa à responsabilidade e responsabilização democráticas dos autarcas eleitos. O poder e a responsabilidade - têm ambos a mesma raiz, e não podem ter outra!
Neste domínio, e para além da obrigatoriedade constitucional na sua consulta, a audição da ANMP, em sede
Página 2250
2250 I SÉRIE - NÚMERO 64
de especialidade, pode revelar-se fundamental. Aliás, e nessa sede, reconhecemos desde logo que o nosso projecto beneficiará com a introdução de correcções de lapsos técnicos, cuja necessidade já foi assinalada - e bem! No respectivo relatório da Comissão; e estamos abertos para um trabalho profícuo com vista à eventual melhoria das nossas propostas, em conjunto com todos os grupos parlamentares.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Martim Gracias e Lucília Ferra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Martim Gracias.
O Sr. Martim Gracias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, mau grado a bondade do vosso projecto de lei, que eu diria virtual - diria virtual porque enferma de algumas irregularidades e até de algumas dificuldades de interpretação de terminologia, pois apresentam a mesma terminologia para o mesmo cargo com terminologias diferentes -, estaríamos dispostos a votar favoravelmente este projecto de lei, desde que o PCP admitisse aqui que, em sede de comissão especializada, pudessem ser introduzidas genericamente algumas alterações, de modo a clarificar o teor e a fundamentação do vosso diploma.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim, o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Martim Gracias, como certamente esteve atento, e verifico que assim foi, à intervenção que fiz em nome do meu grupo parlamentar, devo dizer que nós próprios temos a consciência de que o nosso projecto de lei, em aspectos de natureza técnica, enferma de algumas incorrecções, mas provavelmente, para além dessas incorrecções, mesmo em termos de substância, certamente que estaremos abertos a que se possa encontrar o máximo consenso no sentido de dar uma resposta, que julgo que V.
Ex.ª também concordará ser necessária, à vontade dos autarcas, das autarquias e, em última análise, dos eleitores neste domínio.
É que seja o que for que possamos introduzir de melhorias no quadro do que acabámos de propor acaba por reverter a favor dos que confiam nos autarcas, lhes dão
o seu voto e assim os legitimam. Portanto, estamos a abertos a, em sede de especialidade, proceder às alterações que nos pareçam razoáveis.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, ouvi a sua intervenção com atenção e penso que poderei dizer com alguma segurança que existe uma convergência de preocupações relativamente às que o Partido Social Democrata expressa no seu próprio projecto de lei que vai ser apresentado em seguida.
De facto, o vosso diploma tem o mérito de entender que são necessários alguns instrumentos que dotem as autarquias locais de maior mobilidade e maior racionalidade na distribuição dos recursos, logo, que possam encontrar melhores soluções para as comunidades locais que dependem dos órgãos do poder local.
Posto isto, gostaria de fazer algumas considerações e pedir alguns esclarecimentos.
O primeiro é de ordem meramente formal e prende-se exactamente com a desadequação jurídica do vosso projecto de lei. Na verdade, o mesmo assenta na alteração de um artigo que se encontra expressamente revogado, pelo que a base legal que o sustenta será o artigo 2 º do Decreto-Lei n.º 198/91 e não o artigo 7.º da Lei n.º 116/84 que, repito, se encontra expressamente revogado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Por outro lado, queria levantar uma questão que se prende com o artigo 1.º do vosso diploma.
Em nosso entender, parece-nos que há uma aplicabilidade demasiado limitada deste projecto de lei. Ou seja, sendo um instrumento importante e fundamental para a prossecução das políticas autárquicas, entendemos que o leque de aplicação deve ser bastante mais abrangente e não ficar restrito a 14 câmaras como está previsto na actual redacção.
Por outro lado, parece-nos que, no artigo 3.º, verifica-se uma inexistência de efectivas competências, uma vez que todo o texto de mesmo fala em
"submeteu", em "propor", não se vislumbrando efectivas competências para a figura proposta.
Por outro lado ainda, quanto a nós, o artigo 2 º carece de uma definição clara e inequívoca das competências a delegar, uma vez que não consubstancia uma verdadeira lei habilitante.
Por fim, gostaria que nos desse alguns esclarecimentos relativamente à questão do recrutamento e integração do director de serviços no quadro pois parece-nos que não existem regras quanto a este aspecto. Ora, aparentemente, tal pode conduzir a um aumento de encargos para a autarquia.
Para terminar, reforço a circunstância de entendermos que o diploma tem preocupações similares ao nosso próprio, preocupações essas que devem ser contempladas por esta Câmara. No entanto, gostaríamos de ver discutidas e analisadas mais pormenorizadamente algumas das questões que aqui suscitei.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Lucília Ferra, nós próprios reconhecemos há pouco a existência de incorrecções e - posso mesmo dizê-lo - de lapsos de natureza técnica. Julgo que, em bom rigor, tal se deve não tanto à inadequação em função do problema a ser resolvido mas à existência, que, como sabe, ocorre por vezes, de alguma "dessincronia" entre o período de tempo que decorreu desde a elaboração do primeiro anteprojecto de projecto de lei e a efectiva apresentação deste. E que, entretanto, foi revogado algum normativo, donde, a existência desse lapso de natureza técnica relativamente ao qual, aliás, já tivemos o cuidado de dizer que, em sede de especialidade, estaremos em condições de suprir aquilo a que chamo "dessincronia" entre a elaboração e a apresentação do projecto de lei.
Quanto ao artigo que citou, reconheço que tem razão no que disse ao referir que o mesmo tinha sido revogado.
Página 2251
24 DE ABRIL DE 1997 2251
Passando agora a outras duas questões concretas que suscitou, uma é a de considerar que somos demasiado restritivos quando definimos o limite de municípios enquadrados em termos de 100 000 eleitores. É evidente que se trata de uma proposta e não passe o neologismo - de uma "imposta" e, como tal, é óbvio que também estamos abertos a, em sede de especialidade, verificarmos se se justifica ou não "baixar" ou "levantar" a "fasquia" - mas creio que o problema se colocaria em termos de "baixar" - dos 100 000 eleitores.
Quanto à questão da definição de competências deste alto funcionário que propomos, devo dizer que fomos muito cuidadosos neste domínio, como certamente depreendeu da intervenção que fiz há pouco. Fizemo-lo precisamente no sentido de, em nome da procura de uma solução para um problema, não potenciarmos o aparecimento de outros problemas, os quais, como tive ocasião de dizer, poderiam radicar na possível menorização do papel do presidente de câmara ou na possibilidade que poderia estar subjacente de, às tantas, estarmos perante a tomada de decisões em que começava a ser difícil distinguir entre a responsabilidade pragmática, imediatista, meramente de funcionalidade desse funcionário e, por outro lado, a responsabilidade política do presidente de câmara democraticamente eleito. Faço um parêntesis para realçar que esta última hipótese não está, nem digo que esteja, no espírito de ninguém que tenha apresentado nesta Câmara qualquer iniciativa legislativa com a natureza da nossa própria.
Ora, foi exactamente no sentido de não potenciarmos confusões naquele âmbito que, reconheço-o, fomos cuidadosos. Em sede de especialidade poderemos igualmente ver o que pode fazer-se nesse domínio.
Em síntese, posso dizer que, sem dúvida, entre nós, bancadas do PCP e do PSD, há uma convergência de preocupações mas, provavelmente, não tanto uma convergência no domínio das soluções, o que veremos mais tarde em sede especialidade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para proceder à apresentação do projecto de lei n.º 239/VII, tem a palavra a Sr' Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: 20 anos de poder local democrático permitem-nos afirmar com segurança e determinação que o seu exercício, nos diferentes órgãos, permitiu concretizar, com elevação, os objectivos mais nobres do 25 de Abril.
É no poder local que com maior propriedade e proximidade se auscultam as necessidades das populações e se promovem políticas capazes de lhes dar satisfação.
É no poder local que, deforma mais visível, a actuação política se transforma em obra, de homens para homens, de homens para a comunidade.
Aos eleitos locais, que dia a dia lutam contra espartilhos administrativos e burocráticos, contra a ausência de instrumentos técnicos, contra a insuficiência de recursos financeiros, reconhecemos com admiração a promoção empenhada de políticas de desenvolvimento e de bem-estar social.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Apoiado!
A Oradora: - Por acreditarmos nas potencialidades do poder local, na sua capacidade de ir ao encontro dos cidadãos, defendemos um conjunto de reformas que visam transferir mais atribuições e competências, acompanhadas dos correspondentes recursos financeiros, da administração central para a administração local.
Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: Torna-se hoje imperioso promover uma reforma célere da edificação jurídica em que assenta o poder local.
A revisão do actual regime jurídico das finanças locais que reconheça e ultrapasse a insuficiência de verbas do Orçamento do Estado atribuídas aos municípios e que repudie a insignificância percentual de impostos destinados às autarquias locais é, para nós, fundamental.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Afigura-se-nos igualmente importante dar continuidade à descentralização administrativa que tem vindo a ser prosseguida, ainda que de forma tímida e insuficiente.
Assim, é imperioso dotar o poder local de instrumentos de actuação que melhorem a eficácia da Administração e a racionalização na utilização de recursos, numa palavra, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que aproximem os eleitos dos eleitores.
É neste quadro, simultaneamente de reconhecimento e de preocupação, que se insere a presente iniciativa legislativa, à qual outras se seguirão.
Com a criação do cargo de secretário-geral municipal, pretende o PSD conferir maior mobilidade e flexibilidade à gestão autárquica, a par da devida dignificação das funções decisórias dos presidentes de câmara e respectivos executivos.
Com esta iniciativa legislativa, pretende-se libertar esses autarcas municipais para o exercício e promoção de políticas de satisfação das necessidades locais sem o constrangimento resultante do peso excessivo de tarefas burocráticas.
Simples vistos, assinaturas e actos de carácter procedimental poderão, com propriedade, ser delegados num dirigente competente da autarquia que exercerá a função de secretário-geral municipal.
Assim, o nosso projecto de lei envolve a revisão das competências do quadro de pessoal dirigente da administração pública local, criando-se o cargo de secretário-geral municipal.
A criação do referido cargo, sendo de natureza facultativa, depende da deliberação camarária, impulsionada por proposta do presidente de câmara. Sem aumento de encargos para a autarquia e sem alteração no quantitativo global dos quadros do município, o preenchimento do cargo far-se-á por um dos seus dirigentes de topo. Excepcionalmente, o preenchimento desse cargo poderá ser feito por indivíduos exteriores à administração, mantendo-se o imperativo de não haver aumento de encargos nem alteração do quantitativo global dos quadros. Para efeitos de recrutamento excepcional, será exigível uma licenciatura adequada, nomeadamente em Gestão Autárquica.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Em qualquer das circunstâncias, o recrutamento far-se-á sempre para a categoria igual à do cargo de dirigente de topo existente no respectivo quadro municipal.
Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Com esta fórmula legal, o PSD pretende uma maior agilidade
Página 2252
2252 I SÉRIE - NÚMERO 64
cia na gestão autárquica, sem descurar a geometria variável na estruturação do quadro de pessoal autárquico, respeitando e adequando a reforma proposta à maior ou menor dimensão do município, sem que tal implique a criação de mais quadros, de mais lugares e, consequentemente, mais encargos para a administração local.
À semelhança do secretário-geral da administração central, entidade que supervisiona e coordena a actividade do ministério, ao secretário-geral municipal, coordenador da actividade global da câmara municipal, cabem competências próprias em diferentes áreas, assim como competências delegadas pelos membros do executivo camarário.
Assim e no âmbito das competências próprias, realçamos a possibilidade de intervenção em áreas diversas, como: acompanhamento da actividade dos órgãos autárquicos; administração geral de serviços; gestão de recursos humanos; gestão orçamental; gestão de equipamentos e instalações.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com o projecto de lei n.º 239/VII, pretende o Partido Social Democrata dotar os executivos camarários de modernos instrumentos de gestão que possibilitem maior celeridade de actuação e administração do património colectivo, maior racionalização de recursos com vista a uma melhor governação local.
Resta-nos exortar os diferentes grupos parlamentares a convergirem nesta nossa iniciativa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Lucília Ferra, há dois aspectos que não considero claros no que respeita ao projecto de lei do PSD.
Vozes do PS: - Só dois?!
O Orador: - Em primeiro lugar - e gostaria que fundamentasse a sua resposta no plano administrativo-político -, porquê a natureza facultativa do cargo que propõem? É que não se entende essa natureza facultativa, porque de duas uma: ou a função se impõe hoje em dia por força da realidade dos factos - e não temos dúvidas de que é assim -, isto é, no quadro presente, não faz sentido que este privilégio inclua apenas os municípios de Lisboa e Porto, ou a função não se impõe e por isso se entende que o cargo tem natureza facultativa.
Passando à segunda questão, para além das virtualidades que reconhecemos à iniciativa legislativa do PSD, é nosso entendimento que a sua principal fragilidade reside nas competências de algum modo difusas - permita-me a expressão - do cargo de secretário-geral municipal. Digo que são difusas no sentido em que, como já tive ocasião de dizer quando assinalei que no nosso próprio projecto de lei tentámos evitar esse escolho, potencia a confusão entre responsabilidade política e responsabilidade técnico-administrativa, permitindo que, em circunstâncias específicas, se diga sempre que "a culpa é do outro". Isto é, quando as coisas correm mal, técnica ou administrativamente, pode sempre dizer-se que a culpa é da falta de acção e controle político do presidente de câmara, enquanto que, quando a questão é de inépcia política, o presidente de câmara pode sempre dizer que a culpa é do secretário-geral.
Portanto, não nos parece que isto clarifique; pelo contrário, parece-nos que potencia alguma das perversidades que já há pouco tive ocasião de assinalar.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr' Deputada Lucilia Ferra, tem a palavra para responder, se o desejar, mas informo-a de que tem mais um pedido de esclarecimentos.
Faça favor.
A Sr.ª Lucilia Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, perguntou-me a razão por que propomos o cargo de secretário-geral municipal com natureza facultativa. Na verdade, fazemos questão de manter a natureza facultativa porque entendemos que o poder local já tem maturidade suficiente para poder decidir por si se quer ou não utilizar esta faculdade que lhe é criada por este dispositivo legal.
Temos por bom este instrumento, pois entendemos que ele vai viabilizar uma gestão mais ágil, mais próxima dos cidadãos e mais direccionada para o bem-estar das comunidades locais. Todavia, não queremos impor soluções ao poder local, porque entendemos que o mesmo tem dado variadas provas de maturidade para poder decidir se quer ou não utilizar esse instrumento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto às competências difusas, à semelhança do que foi dito pelo Sr. Deputado José Calçada relativamente ao projecto de lei do PCP, gostaria de referir que o nosso diploma também é um ponto de partida e não um ponto de chegada. Estamos disponíveis para, em sede de especialidade, introduzir todos os melhoramentos que enriqueçam este projecto de lei apresentado pelo PSD.
No entanto, não me parece que a criação desta figura potencie competências difusas, porque o presidente de câmara delega as competências que entender delegar e o secretário-geral exercerá aquelas que, por delegação, lhe forem atribuídas, depois de ponderados os prós e os contras da mesma. Aliás, aproveito para lembrar o Sr. Deputado que existe a figura do secretário-geral nos ministérios, que também exerce uma série de competências delegadas, sem que isso tenha retirado, alguma vez, a capacidade de intervenção dos ministros respectivos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é que é a verdade! ..
O Sr. José Calçada (PCP): - Também sabemos o que isso dá às vezes. Mas não vamos por aí!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Jorge Goes.
O Sr. Manuel Jorge Goes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Lucília Ferra, gostava de colocar-lhe algumas questões porque a matéria que estamos a discutir, sendo, aparentemente, instrumental, bem vistas as coisas, acaba por ter um sentido político claro, que vai muito para além daquele que resultaria de uma leitura rápida.
Começo por colocar-lhe uma questão de método. Tenho ouvido da parte da bancada do PSD e, em especial, da Sr.a
Página 2253
24 DE ABRIL DE 1997 2253
Deputada críticas, por vezes com algum cabimento, quanto à má técnica jurídica de se optar por iniciativas legislativas que são meros enxertos ou alterações pontuais de regimes jurídicos vigentes. Pergunto se não entende que esta iniciativa legislativa do PSD, e concretamente a criação deste novo cargo, não é mais do que uma mera alteração pontual ao regime jurídico em vigor em matéria de organização dos serviços municipais. Ou seja, os senhores estão exactamente a pecar pela crítica que costumam fazer!
A segunda questão é de ordem política ou, melhor, de prioridade política. Tendo em conta a necessidade de actualizar muitas das matérias e muito do travejamento jurídico relativo ao poder local - as grandes traves-mestras do regime jurídico do poder local são, ainda hoje, as estabelecidas em 1984 - e quando estão no centro da discussão política matérias tão relevantes como a da ampliação das atribuições e competências das autarquias ou a da revisão da Lei das Finanças Locais, é motivo de grande surpresa e perplexidade que o PSD, que até agora não tem apresentado iniciativas legislativas sérias nestas matérias, comece por elencar, como primeiro grande projecto, a criação da figura do secretário-geral municipal. Não é esta, certamente, a prioridade sentida pelos autarcas do PSD, no terreno e no dia-a-dia.
Por que razão começar por aqui? Não seria mais razoável, mais sensato rever as atribuições e competências das autarquias, rever os meios financeiros e, no fim desse percurso e em coerência com ele, só então proceder à reformulação do regime organizativo das autarquias locais?
Em terceiro lugar, será que a solução proposta, a da criação de um novo cargo, é racional e eficaz? Ponho esta questão à Sr" Deputada Lucília Ferra, embora sabendo que nunca foi presidente de câmara. É pena que os vários presidentes de câmara que estão na bancada do PSD não se pronunciem sobre esta matéria. Aliás, também há na sua bancada ex-governantes, pessoas que exerceram funções de ministro e de secretário de Estado. Será que alguns dos ex-secretários de Estado - e estão dois a rodear a Sr.ª Deputada -, que despachavam periodicamente com os directores-gerais dos seus ministérios, gostariam de ser substituídos nesse despacho pelo secretário-geral desse ministério, que tem, por natureza, funções puramente administrativas e financeiras?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!
O Orador: - A Sr.ª Deputada referiu-se ainda a objectivos com os quais comungamos: simplificar, descongestionar, maior celeridade ... .
O Sr. Presidente: - Agradeço que termine, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Todavia, não será possível atingir esses objectivos através de uma medida simples, mas que o Governo do PSD nunca admitiu, como a de permitir, pura e simplesmente, a delegação de competências dos membros do executivo municipal nos directores de departamento, sem necessidade de criação de um novo cargo? É que um novo cargo, quer queira quer não, Sr.ª Deputada implica necessariamente novos encargos financeiros. É um novo lugar e, como é óbvio, a figura do secretário-geral não é gratuita, logo tem custos financeiros.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não percebeu o texto!
O Orador: - Por último, Sr.ª Deputada, há uma questão política que não vou ter oportunidade de aprofundar, por exiguidade de tempo, mas que tem de ser devidamente meditada, que é esta: criar o cargo de secretário-geral municipal é, quer se queira quer não, tentar introduzir uma alteração qualitativa profunda no actual sistema de governo municipal. Aliás, se atendermos à história do municipalismo português, verificamos que há antecedentes dessa figura coerentes com o regime legal que, na altura, não era democrático.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Jorge Goes, V. Ex.ª colocou várias questões, algumas das quais pertinentes, outras que me levam a concluir que não ouviu com atenção a minha intervenção.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nem leu o texto!
A Oradora: - Relativamente à alteração do regime jurídico do poder local, devo dizer-lhe que, objectivamente, é isso que pretendemos. Aliás, já referi que, em nossa opinião, a edificação do poder local necessita de urgentes e rápidas reformas a vários níveis, designadamente a nível das atribuições e competências, do regime financeiro e da criação da figura do secretário-geral municipal. Além do mais, este projecto de lei do PSD já foi entregue em Novembro de 1996, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é de hoje!
A Oradora: - Não é um projecto recente, já deu entrada na Assembleia da República há cerca de um ano e meio.
Para além disso, como o Sr. Deputado também sabe, temos um projecto de lei sobre finanças locais e estamos a promover uma reforma acentuada no que diz respeito à edificação jurídica do poder local.
Com o tipo de argumentação que usou, sou levada a concluir que os Srs. Deputados do Partido Socialista estão a ficar preocupados e, se calhar, agora que estão no Governo, têm alguma relutância em aceitar a descentralização administrativa que se impõe!
Vozes do PSD: - Muito bem!
Risos do PS.
A Oradora: - Perguntou-me também se este projecto de lei previa uma solução querida e se os autarcas do meu partido se reviam nela. Posso responder-lhe que, pese embora a circunstância de ainda não ter sido ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses, nem a propósito do projecto de lei do PSD nem do PCP, por questões colaterais que não vêm agora à colação, antes de avançarmos com o nosso projecto de lei, ouvimos os nossos autarcas e devo dizer que esta medida vai ao encontro das preocupações por eles sentidas.
Promovemos um amplo debate interno - não é só o Partido Socialista que debate, nós também o fazemos, mas
Página 2254
2254 I SÉRIE - NÚMERO 64
com algum método! - e, por isso, podemos afirmar aqui, com convicção, que esta medida vai ao encontro das preocupações dos nossos autarcas.
Quanto aos encargos, já disse, clara e inequivocamente, na minha intervenção, e volto a repetir, que esta nova figura não vai implicar um aumento de encargos.
O Sr. José Junqueiro (PS): - É serviço cívico?!
A Oradora: - Em primeiro lugar, trata-se de uma medida facultativa. As câmaras só lançam mão dela se quiserem e, se o fizerem, o lugar de topo existente no município - como o Sr. Deputado sabe, nem todos os municípios têm o mesmo lugar de topo - será substituído por este. Portanto, não há duplicação de encargos, nem novos cargos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir dois projectos de lei, um do Partido Comunista Português e outro do Partido Social Democrata, sobre a criação dos cargos de director e de secretário-geral nas câmaras municipais. Ambos os projectos têm objectivos que podem ser considerados louváveis, uma vez que representam uma preocupação dos autarcas portugueses, designadamente dos presidentes de câmara e de todos aqueles que exercem funções executivas nas câmaras municipais, de se desfuncionalizarem, reservando para si competências essencialmente políticas e de gestão.
No entanto, se é certo que o projecto de lei do PCP anuncia, no seu preâmbulo, esta preocupação, depois, no seu articulado, entra por caminhos que, a nosso ver, não são os melhores nem os mais correctos. Desde logo, porque retira competências próprias ao presidente de câmara e dignidade aos restantes eleitos para a câmara municipal.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem observado!
O Orador: - Vejamos, então, porquê. Em primeiro lugar, retira competências ao presidente de câmara em matéria de gestão de pessoal. Podemos considerar que o projecto de lei do PCP revoga o artigo 53 º da Lei n.º 100/ 84, que atribui competências próprias ao presidente de câmara em matéria de gestão dos serviços de pessoal. Ora, se essa, passa a ser uma competência própria do director municipal, logo deve ser considerada tacitamente revogada a mesma competência que agora cabe na esfera do presidente de câmara municipal.
Em segundo lugar, inverte a função dos dirigentes de topo nas câmaras municipais. Devo dizer que a estes cabe preparar as decisões de que sejam incumbidos pelos eleitos locais e não propor decisões. Ora, de acordo com a previsão do diploma do PCP, um director municipal pode, inclusive, ultrapassar o vereador, que tem competências delegadas, de quem depende, propondo directamente ao presidente de câmara municipal a adopção de determinadas medidas. Ou seja, desta forma estaria a ultrapassar o eleito de quem funcionalmente depende, eventualmente por delegação de competências do próprio presidente de câmara!
Todavia, não é só nesta matéria que este projecto de lei retira dignidade aos eleitos locais. É que, ao atribuir competências próprias aos directores municipais, está a dar-lhes maior dignidade do que aos vereadores de câmara municipal, porque estes têm competências delegadas do presidente de câmara. Assim, o director municipal passaria a ser a única pessoa, para além do presidente de câmara, a ter competências próprias, uma vez que todos os outros dirigentes, designadamente directores de departamento, chefes de divisão, não as têm.
Em suma, estaríamos aqui a instituir uma figura com maior dignidade do que aquela que gere a câmara mediante o voto dos seus eleitores.
Por outro lado, no projecto de lei aqui apresentado pelo PSD, se bem que o seu preâmbulo - e é pena que o preâmbulo não seja lei! - elenca alguns objectivos louváveis, o certo é que o articulado entra em dissonância com o que é anunciado no preâmbulo. Desde logo, porque prevê que o recrutamento para o cargo de secretário-geral municipal possa ser feita por concurso ou por escolha directa.
Bem, antes de mais, isto entra em clara contradição com o que o PSD aqui veio defender, há algum tempo, em matéria de escolha dos dirigentes de topo da administração. central, em que, e muito bem - aliás, o PSD não foi pioneiro nessa sua posição, lembramos que o Partido Popular defendeu desde sempre essa posição -, defendia o critério do concurso para a nomeação de cargos de chefia na administração central.
Em segundo lugar, não excepciona a hipótese de escolha directa, ou seja, a escolha directa está em igualdade de circunstâncias com a escolha por concurso. É certo que necessita de ser fundamentada, mas não pode, ela própria, ser uma situação de excepção, é, logo de início, uma de entre duas regras.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Bem observado!
O Orador: - Por outro lado, as competências do secretário-geral propostas pelo PSD resumem-se basicamente ao seguinte: em primeiro lugar, quanto ao acompanhamento da actividade dos órgãos autárquicos, as suas competências são as de um vulgar chefe de gabinete, com a vantagem de este o fazer em exclusividade, coisa que o secretário-geral municipal não fará e, portanto, fá-lo-á pior; em segundo lugar, quanto à administração geral dos serviços, cria mais um patamar entre dirigentes e eleitos, sem a vantagem de aliviar aqueles dirigentes, porque aqueles dirigentes e, nomeadamente, os serviços deles dependentes continuam com o encargo de preparar todo o processo que será submetido ou levado ao secretário-geral municipal para depois este o levar ao vereador ou ao presidente de câmara, pelo que se trata de um patamar que só acrescenta burocracia e demora no processo decisório e não retira nem alivia os cargos de chefia da administração local; em terceiro lugar, quanto à gestão dos recursos humanos e orçamental, esvazia as competências dos dirigentes ou, em alternativa, duplica-as, porque, ao atribuir este tipo de competências ao secretário-geral municipal, retira competências, nomeadamente disciplinares, a quem, depois, na prática, tem de superintender funcionalmente sobre os próprios funcionários das câmaras municipais.
Em resumo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aquilo que o PSD, hoje, nos vem propor mais se afigura a um vice-presidente de câmara não efeito, com a agravante de que não tem aplicação nas Câmaras Municipais de Lisboa e Porto. Todo este conjunto de competências próprias e potencialmente delegáveis no secretário-geral municipal
Página 2255
2255 24 DE ABRIL DE 1997
necessitaria, se aplicadas a Lisboa e ao Porto, de dois "super-homens", um em Lisboa e outro no Porto, porque nenhum secretário-geral municipal
conseguiria exercê-las competente e eficazmente na Câmara Municipal de Lisboa e na Câmara Municipal do Porto.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, isto representa mais um emprego para uns quantos militantes do PSD, porventura aqueles que foram substituídos nas suas funções por militantes do Partido Socialista.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, a questão que lhe quero colocar foi suscitada não propriamente pelas considerações políticas que fez mas pelo facto de elas se basearem numa manifesta falta de consideração pelo quadro legal que está, neste momento, em vigor e a partir do qual o Grupo Parlamentar do PCP elaborou a sua proposta. Ou seja, neste momento está em vigor o Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Local, que define, no concreto, o conteúdo funcional da figura do director municipal. E este aspecto é importante.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Orador: - O Sr. Deputado formula um conjunto de observações que correspondem, no fim de contas, a uma lei que já está em vigor e cujo conteúdo fundamental não é alterado, porque o núcleo desta proposta é alargar uma figura que só é permitida nas Câmaras Municipais de Lisboa e Porto a mais um conjunto de municípios. E sobre isto o Deputado José Calçada já admitiu que estaríamos disponíveis para discutir se seria o valor de 100 000 eleitores, se seria um pouco mais, se, seria um pouco menos. Mas o problema fundamental é que não há alteração do conteúdo funcional da figura.
Por outro lado, também não é verdade que esta figura tenha de estar dependente do presidente de câmara; pelo contrário, é expressamente admitida, no projecto de lei, a possibilidade de estarem dependentes dos vereadores com pelouros e competências delegadas, como, aliás, acontece já hoje nas Câmaras Municipais de Lisboa e Porto.
Portanto, se o Sr. Deputado quer contestar alguma coisa nesta matéria, então, tem de contestar o diploma que regula já a figura do director municipal, ou seja, o Decreto-Lei n.º 198/91. É este o problema fundamental!
O conteúdo político do projecto do PCP é o seguinte: não há qualquer razão para que uma figura que existe nos municípios de Lisboa e Porto, não obstante a extrema importância de Lisboa e Porto, não seja extensiva a outros municípios, que, às vezes, têm o mesmo número de eleitores ou mais, ou estão em vias de o ter, como é sabido, que têm problemas desmedidos e precisam, por isso, de um apoio técnico altamente qualificado para resolver um conjunto de matérias.
É este problema que tem de ser equacionado neste contexto, tendo em conta a: importância dos grandes municípios, e não propriamente um conjunto de observações que o Sr. Deputado tem o direito de fazer não ao projecto do PCP mas à lei que está em vigor.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lucília Ferra.
A Sr.ª Lucília Ferra (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, muito rapidamente, diria que faço minhas as palavras do Sr. Deputado Luís Sá, porque aquilo que queria dizer já foi referido por ele, mas aproveito esta oportunidade para esclarecer apenas duas questões muito simples.
Em primeiro lugar, o Partido Social Democrata nunca defendeu que os directores-gerais deviam ser escolhidos por concurso, aliás, sempre entendemos que o seu recrutamento não deveria ser feito por concurso.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que esta figura, que o Sr. Deputado tanto contesta, já existe em Lisboa e Porto, como o Sr. Deputado Luís Sá acabou de referir, embora com outro nome, e, de facto, existem muitos outros municípios em que se justifica uma intervenção deste tipo.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.
O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, o senhor pode muito bem referir a legislação que prevê os conteúdos funcionais do cargo de director municipal, o que não pode é omitir que o seu projecto de lei atribui competências próprias a estes directores municipais, a estes dirigentes, a estes cargos de chefia da administração local, e, ao atribuir-lhes competências próprias - e foi isso que critiquei -, está a colocá-los a um nível de dignidade superior ao dos eleitos locais,...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não é verdade!
O Orador: - ... ou seja, está a colocar os funcionários acima dos democraticamente eleitos. Foi essa a crítica que dirigi ao projecto de lei do Partido Comunista e essa crítica é inegável, porque não há qualquer dúvida de que o artigo 3.º do vosso projecto atribui competências próprias que hoje não estão previstas em nenhum diploma legal.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso já está na lei!
O Orador: - Portanto, sobre isto nada mais há a dizer.
Vozes do PCP: - Já consta da lei actual!
O Orador: - E já nem refiro, obviamente, a falta de rigor na terminologia que utiliza, nomeadamente no artigo 1.º, onde mistura directores de serviços com directores municipais. Admito que essa confusão terminológica possa ser corrigida, e bem, aliás, deve ser, e será, com certeza, corrigida na especialidade, se o seu projecto for aprovado, mas a questão de fundo, essa, é inegável.
O Sr. José Calçada (PCP): - Estava na lei antes do 25 de Abril!
O Orador: - Quanto a "antes do 25 de Abril", o Sr. Deputado falará sobre isso melhor do que eu, porque nessa altura eu tinha 14 anos - portanto, reconheço a minha
Página 2256
2256 I SÉRIE - NÚMERO 64
incapacidade - e, além disso, o que sei é pelos livros de História, mas nem sequer pelos livros de História que usei no tempo do liceu, porque, nesses, a História estava alterada.
Relativamente ao pedido de esclarecimentos da Sr.ª Deputada Lucília Ferra, confesso que não percebi se se reportava às minhas críticas ao projecto do Partido Comunista ou às minhas críticas ao projecto do PSD. Julgo que misturou as duas situações e quer-me parecer que aquilo que o PSD propõe não é aquilo que o Partido Comunista propõe,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o objectivo é idêntico!
O Orador: - ... porque, se assim fosse, poderia a Sr Deputada ter subscrito o projecto do Partido Comunista ou vice-versa.
Portanto, repito, confesso que não compreendi o alcance do seu pedido de esclarecimentos e,
por isso, sinto-me inibido ou incapaz de lhe responder.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.
O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos perante duas iniciativas legislativas de âmbito diverso,- embora ambas dirigidas a alterações na carreira e nos cargos dirigentes da administração local.
O projecto de lei n.º 130/VII, do PCP, pretende estender aos maiores municípios do País, a possibilidade de disporem de directores municipais para coadjuvarem os eleitos na gestão municipal, enquanto que o projecto de lei n.º 239/VII, do PSD, prevê a possibilidade da criação do cargo de secretário-geral municipal.
Detenhamo-nos sobre o projecto de lei do PCP.
Segundo os seus autores, com esta iniciativa, pretende-se alargar a todos os municípios com mais de 100 000 eleitores a faculdade de disporem de directores municipais, como já hoje acontece nos municípios de Lisboa e Porto e demais serviços da Administração Pública.
Com esta possibilidade, diz o PCP, haverá um efectivo envolvimento do pessoal dirigente na coadjuvação do presidente de câmara ou de vereadores com competências delegadas, na preparação das decisões e na execução de todos os actos de gestão municipal.
No projecto de lei em apreço são fixadas as competências específicas dos directores municipais, de que se destacam: "dirigir todos os serviços compreendidos na respectiva direcção...", "... colaborar na elaboração do orçamento municipal, do plano anual de actividades e do relatório de gerência...", etc.
É ainda admitida a possibilidade de os directores municipais, com autorização do presidente de câmara, delegarem nos directores de departamento as competências que por aquele lhes tenham sido delegadas.
Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: Esta iniciativa legislativa do PCP dirige-se a situações muito concretas e limitadas, admite a possibilidade de, por esta via, se permitir aos eleitos em municípios que pela sua dimensão e natureza são de gestão significativamente mais complexa, o recurso a dirigentes com competências próprias e específicas, assegurando-lhes um apoio e coadjuvação cujo alcance não questionamos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Assim, daremos o nosso voto favorável a esta iniciativa, sem prejuízo de, em sede de especialidade, e caso o diploma seja aprovado na generalidade, se introduzirem correcções tendentes à uniformização de expressões e ao estabelecimento de uma harmonia entre este diploma e a demais legislação vigente para as autarquias locais.
Debrucemo-nos, agora, sobre o diploma do PSD.
Admite a possibilidade da criação do cargo de secretário-geral municipal, com uma argumentação e sentido de oportunidade que, confessamos, não apreendemos.
Não queremos crer que esta iniciativa resulte de qualquer compromisso do Professor Rebelo de Sousa com associações representativas de trabalhadores e dirigentes deste sector da Administração Pública. Muito menos se nos afigura que a mesma resulte de reais problemas e dificuldades existentes a esse nível nos municípios portugueses e de que a Associação Nacional de Municípios Portugueses tenha sido mensageira.
Assim, só nos resta admitir que tal resultará da súbita e recente conversão do Professor Rebelo de Sousa ao municipalismo. É que, Sr. Presidente,
Sr.ªs e Srs. Deputados, o que os municípios portugueses pretendem, desejam e têm em adiantado estudo e negociações, através de um grupo de trabalho que integra diversos departamentos governamentais e que dialoga com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, é uma nova lei de competências e atribuições e uma nova lei das finanças locais.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Posteriormente se colocarão questões e situações, como a da remodelação orgânica dos serviços municipais. Então, sim, se deverão analisar e ter em conta estrangulamentos e outras situações a necessitarem de correcções e ajustamentos em toda a estrutura organizativa e funcional da administração local, que, incentivando e motivando dirigentes e demais trabalhadores do sector, se constitua numa mais-valia para os eleitos e sirva às populações que representam.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Do nosso ponto de vista, com esta iniciativa legislativa do PSD, se viesse a ser aprovada, vínhamos introduzir um factor de perturbação na administração municipal. Porquê? A realidade municipal, hoje, e não obstante entendermos, desejarmos e pugnarmos para que se possa ir mais além em termos de novas competências e atribuições, é bem diferente da de 1976 ou mesmo da década de 80.
Os serviços municipais cresceram, a estrutura orgânica apontou para a horizontalização de serviços cujas dependência e hierarquia é a dos eleitos, seja o presidente de câmara, sejam vereadores com competências delegadas.
Introduzir a figura do secretário-geral seria ir conflituar na esmagadora maioria dos serviços, seria cometer a uma pessoa - um dirigente - aquilo que hoje está distribuído por vários eleitos, e necessariamente dirigentes, com resultados práticos seguramente amargos para quem a tal se dispusesse.
Como acima se referiu, as nossas prioridades são outras, a saber: nova lei de competências e atribuições para as autarquias; nova lei das finanças locais; novo modelo de governação municipal e, então, sim, nova orgânica dos serviços municipais.
Pelo exposto, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, o nosso voto a esta iniciativa do PSD será, assim, desfavorável.
Aplausos do PS.
Página 2257
24 DE ABRIL DE 1997 2257
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro.
O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Júlio Faria, que haja razões, que, porventura, a razão do Partido Socialista, aqui expressa por V. Ex.ª, não conhece bem, para o voto desfavorável ao projecto, que, naturalmente, respeitamos, é uma coisa. Agora, que o Deputado Júlio Faria, com todo o respeito e estima pessoal que sabe que tenho por si e pelo seu passado autárquico, nos venha dizer que este projecto surge porque há conversão do Professor Marcelo Rebelo de Sousa ao municipalismo é uma injustiça tão grande quanto, e não sei bem se ainda antes do Sr. Deputado ou não - isso, não sei precisar -, já o Professor Marcelo Rebelo de Sousa foi candidato a uma câmara municipal e, mais tarde, a uma assembleia municipal e, por isso, autarca assumido, com honra, como várias vezes tenho dito.
Em segundo lugar, dizer-se que o nosso projecto de lei - e agora falo do nosso projecto e não do vosso, porque não se conhece, pelo menos eu não conheço, embora gostasse de conhecer as posições do Partido Socialista em sede de comissão, porque se trata de uma resposta às autarquias, ao tal robustecimento da capacidade técnica do poder local de que todos falamos, mas uns de nós fazem-no e outros, VV. Ex.as, não querem fazer serviria para entregar na mão de um dirigente aquilo que está hoje dividido pelos eleitos, com toda a sinceridade, à falta de melhores argumentos, é um argumento que não pode colher, mas utilizou-o V. Ex.ª no seu discurso.
Meu caro Deputado Júlio Faria, já foi dito e redito a Sr.ª Deputada Lucília Ferra já o disse e redisse e, mais, está escrito no projecto - que este é um instrumento de capacidade técnica que queremos colocar à disposição dos municípios, sem nenhum centralismo.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não sabe o que está a dizer!
O Orador: - Sr. Deputado Hasse Ferreira, pelo amor de Deus, deixe-me dissertar! Não tenho a música de cor! Deixe-me explicar! Como o senhor não percebe isto, deixe-me, ao menos, explicar!
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Percebo, percebo! Percebo onde quer chegar!
O Orador: - Como eu estava a dizer, este é um instrumento posto à disposição, que não tem a ver com o centralismo político mas com o reforço do municipalismo, porque, se o órgão não quiser, não usa este instrumento. Por outro lado, jamais põe em causa as competências do órgão enquanto tale dos respectivos vereadores, porque estas só são exercidas por delegação e, como o senhor sabe, quem delega, também pode avocar essa delegação. É por delegação de competência, não é para retirar aos eleitos e dar aos dirigentes - isso não teria qualquer sentido.
Sr. Deputado - e com isto vou terminar -, que o Partido Socialista tenha ficado preocupado pelo facto de, nesta Câmara, querermos discutir instrumentos em termos de competências, em termos financeiros (iremos fazê-lo, como sabem), mas também em termos de robustecimento de capacidade técnica,...
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Que não robustece nada! O vosso projecto não robustece nada!
O Orador: - ... que os Srs. Deputados do Partido Socialista queiram estar alheios a isso e deixar esta matéria para as calendas gregas, isso é uma opção política que, por ela, serão naturalmente julgados pelos autarcas.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isto é mais uma cabriola do Marcelo!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.
O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Amaro, tenho, naturalmente, pelo Sr. Prof. Marcelo Rebelo de Sousa a maior admiração e respeito mas, em termos de intervenção autárquica e devoção à causa do municipalismo, não tenho nada a aprender com ele. Tenho, no terreno, a experiência de muitos anos, seguramente mais do que aqueles que o Prof. Rebelo de Sousa, como membro de uma assembleia municipal, possa ter desempenhado e é justamente por isso que, da tribuna, tive ocasião de invocar a inoportunidade e a insuficiência deste vosso diploma.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!
O Orador: - É que, com efeito, aquilo que preocupa os autarcas, como tive ocasião de referir, não é esta questão. Não foi, seguramente, a pretensão da Associação Nacional de Municípios Portugueses que levou o PSD a apresentar este diploma. Não são questões colocadas no concreto por autarcas do PSD, que eu muito respeito e alguns estão nesta Sala, que levaram a que se considerasse que era urgente apresentar este diploma e fazer aprovar o cargo de secretário-geral municipal, porque essa matéria, tal como outras, tem de forçosamente acontecer no estudo da reorganização dos serviços municipais. Pensamos que há outras prioridades, que têm de começar, em primeiro lugar, pelas tais novas atribuições e competências das autarquias - e penso que, brevemente, vamos ter ocasião de nos debruçarmos sobre essa matéria uma vez que o Governo vai apresentar uma proposta de lei e não sei se os partidos vão apresentar projectos de lei -, por uma nova lei das finanças locais, por um novo modelo de governo municipal e, na sequência de todos esses diplomas, seguramente, há-de acontecer o momento oportuno para pensarmos não apenas, não necessariamente, não seguramente, na figura do secretário-geral municipal mas numa estrutura orgânica para os serviços que possa dar plena e satisfatória resposta aos autarcas. Mas isso não passa pela criação desta figura mas, sim (e também tive ocasião de o dizer da tribuna), por incentivar e motivar todos os trabalhadores e dirigentes da administração municipal, por permitir aos autarcas a possibilidade de organizarem os seus serviços e não estarem, como hoje, tão atidos a uma regulamentação que os espartilha e condiciona.
Sr. Deputado Álvaro Amaro, actualmente, os presidentes de câmara e os vereadores têm diversos departamentos que são autónomos, que respondem perante os eleitos. O que os senhores pretendem, com a introdução da figura do secretário-geral municipal, é introduzir na cúpula desses departamentos, em cuja apreciação política estão o presidente e vários vereadores, uma única figura para tentar coordenar aquilo que, manifestamente, está provado que não é possível.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
Página 2258
2258 I SÉRIE - NÚMERO 63
O Orador: - Daí que consideremos que não é essa a prioridade para os eleitos nem para as autarquias do País'.
Aplausos da PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.º1 130 e 239/ VII, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 7l/VII - Aprova o regime disciplinar das federações desportivas.
O Sr. Deputado Pedro Baptista, relator da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, informa-me que não pretender fazer a síntese do respectivo relatório.
Assim sendo, e dado que o Sr. Deputado Jorge Ferreira, relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias não se encontra presente para fazer a síntese do relatório, dou a palavra ao Sr. Deputado Pedro Baptista, para uma intervenção.
O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Desportos,
Sr.ªs e Srs. Deputados: O impacto social do desporto fala por si. Não é por acaso, nem por uma questão de moda. E que o desporto liberta e canaliza as energias humanas, mormente a agressividade, tanto do ponto de vista individual como colectivo, projecta simbolicamente no jogo as conflitualidades latentes coce os homens ou as comunidades, é um teatro em que se cultivam as performances do homem, ultrapassando os limites na expressão cada vez mais conseguida da eficiência e da beleza, tanto na exterioridade plástica como na interioridade psíquica.
No primeiro caso tem um papel equilibrador no homem. No segundo, ao transferir simbolicamente a guerra, defende a paz. No terceiro, é o motor da afirmação e evolução do homem. Em qualquer dos casos, o que define o desporto é o controlo dos plexos interiores do homem pelo cumprimento rigoroso das regras socialmente produzidas, negociadas e aceites. É por isso que ele, incidindo sobre as zonas mais perigosas do homem, é uma manifestação de sociabilidade, de fraternidade, de progresso e de paz.
Provavelmente, não foi o homo sapiens que seguiu imediatamente o homo faber, como reza a velha teoria. Provavelmente, ao faber seguiu-se o ludens, ou o ludens foi contemporâneo do sapiens ou, ainda mais provavelmente, o pomo fez-se sapiens por se ter feito ludens. Se a velha teoria disserta sobre o papel do trabalho na evolução do homem, outras opinam sobre o papel do jogo na chegada ao homem contemporâneo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O século XX é o século do desporto. Já ouvi um professor de Lovaina chamar-lhe o cristianismo do século XX: os estádios são as antigas catedrais do gótico; os jogadores, os semideuses de Atenas e de Espana; os slogans, os cânticos das polifonias do Norte ou dos cantochões do Sul; os equipamentos, os adereços clubísticos, o fervor e a fé são os paramentos e os ícones de todas as religiões, as emoções dos homens religiosos que todos nós, teístas, agnósticos ou ateus, acabamos por ser.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O desporto, enquanto jogo objectivo com regras comummente aceites, baseadas na equidade, é um instrumento poderoso para o cultivo da beleza, da fraternidade e da paz. Tem sido essencial para surribar barreiras entre os povos, para combater a xenofobia, para desmascarar o racismo. O futebol, em particular, é o idioma mais universal do nosso tempo, como diz um sociólogo inglês. E nós, portugueses, podemos observá-lo melhor do que ninguém, pois, com as vicissitudes dos últimos 30 anos, o desporto é a ligação mais vivida de Portugal que continua a existir nos países africanos de expressão oficial portuguesa.
Mas, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, no século XX e, em particular, nas três últimas décadas, o desporto, ao profissionalizar-se e tornar-se grande espectáculo público à mercê dos olhos não só de milhares de espectadores como de milhões de telespectadores, tornou-se uma indústria do lazer, entrando na economia de mercado e agregando com isso todas as consequências das lógicas da economia. O desporto profissional em geral, o basquetebol, o ténis, o golfe, o automobilismo e o futebol em particular, tornaram-se indústria. O que não tem drama nenhum. Só tem drama se a lógica de mercado pressionar de tal forma o jogo desportivo que ele não consiga manter as suas características intrínsecas essenciais, que passam não s6 pelo cumprimento como pelo aperfeiçoamento da ética desportiva. O desporto profissional, ao fazer-se indústria, não diminui o seu impacto social. Pelo contrário, aumenta os meios para o tornar ainda maior.
Assim sendo, a promoção do jogo limpo e do fair play, num desporto acossado por inúmeras pressões, torna-se ainda mais importante. É nesse sentido que o Governo tem vindo a legislar positivamente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E é em relação a uma indústria que, segundo o relatório Porter, tem as maiores potencialidades para o País, como gerador de riqueza, de empregos e de exportações, que continua a legislar, para que não se mate "a galinha dos ovos de oiro", nem o desporto soçobre às pressões exógenas que o tentam perverter.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É o que faz o Governo com a proposta de lei sobre que nos debruçamos: ampliando o âmbito do poder disciplinar sobre todos os agentes desportivos; definindo um regime penal de inabilitação e suspensão aos agentes envolvidos em actos de corrupção; definindo um regime de incompatibilidades de agentes desportivos em relação a certas actividades; impondo, nas competições de natureza profissional, um registo de interesses para os árbitros e dirigentes da arbitragem; definindo e escalonando as sanções a aplicar às infracções à ética desportiva.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, fero a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.
O Sr. Secretário de Estado dos Desportos (Miranda Calha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem vindo o Governo a desenvolver diversas iniciativas visando a modernização do enquadramento legislativo do desporto português. Esta actuação tem por objectivo eliminar encaves e lacunas existentes na legislação em vigor e também dotar o movimento associativo de condições mais adequadas para enfrentar os novos desafios que se apresentam.
Página 2259
24 DE ABRIL DE 1997 2259
Neste quadro de actuação insere-se a apresentação a esta Assembleia da proposta de lei relativa ao regime disciplinar a consagrar nos regulamentos das federações com vista à defesa da verdade desportiva.
O diploma desenvolve essa linha de mudanças que, por um lado, se destinam a clarificar a relação existente entre a actividade profissional e a restante actividade desportiva e, por outro lado, dão respostas a questões de interesse público que se colocam perante a evolução verificada na área desportiva.
Em Junho de 1996, por proposta do Governo, a Assembleia da República aprovou alterações à Lei de Bases do Sistema Desportivo. Por força dessa aprovação, deixou de haver uma gestão bicéfala da área profissional. Foi extinto
o organismo autónomo e a responsabilidade única passou para a Liga. Acentuou-se, deste modo, a responsabilização da componente profissional.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Seguiu-se um conjunto de outros passos na adequação do edifício legislativo aos desafios que o desporto português tem hoje de enfrentar.
Foi publicado o regime das sociedades desportivas, diploma que introduz importantes inovações ao abrir o sector desportivo profissional ao investimento privado, mas também ao lançar um modelo de gestão idêntico ao das sociedades comerciais. Os clubes passam a dispor de novas formas de financiamento em contrapartida de maior rigor exigido aos seus dirigentes.
As alterações ao regime jurídico das federações também foram aprovadas em Conselho de Ministros e aguardam a publicação para muito breve. As reformas efectuadas reforçam a democraticidade e transparência na eleição e funcionamento dos órgãos federativos e acentuam a presença da componente profissional e dos praticantes na assembleia geral das federações.
O Conselho de Ministros já aprovou, e em breve será apresentada aos Srs. Deputados, a proposta de lei que estabelece o quadro de actuação das medidas preventivas e repressivas relacionadas com manifestações de violência associadas ao desporto.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - A par destes desenvolvimentos já concretizados, afigura-se urgente a adopção de um conjunto de medidas que tenham por objectivo a defesa da ética desportiva e da transparência do fenómeno desportivo. Fazemo-lo num quadro que tem em consideração os interesses diversificados que confluem no desporto e que ultrapassam o do mero resultado desportivo ou o ambiente fortemente emotivo que envolve a competição. Todos nós sabemos que de um resultado pode dependera saúde financeira do clube ou mesmo a sua sobrevivência económica. Para já não falar dos valores muitos significativos que passaram a estar associados à maior parte dos grandes espectáculos desportivos.
Apresentamos, deste modo, um enquadramento legal que amplia e desenvolve o artigo 22.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, com o objectivo de permitir o reforço da actuação das federações nos domínios da prevenção e da repressão de situações que ponham em causa a verdade desportiva. Para nós, esta questão é de interesse público, pois o que está em causa são princípios essenciais para a defesa dos valores associados à prática desportiva e à verdade dos resultados desportivos.
É nosso entendimento que o regime disciplinar das federações deverá adoptar medidas de carácter preventivo, com vista à isenção dos agentes ligados à arbitragem; estabelecer penas disciplinares agravadas para árbitros ou dirigentes cujo comportamento possa pôr em causa a credibilidade da arbitragem; prever a comunicabilidade dos efeitos das penas de inabilitação a todas as federações desportivas e definir sanções mais graves, para agentes e clubes, no âmbito das competições profissionais.
Parece-nos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a transparência exigível a quem desempenha funções na arbitragem, em competições profissionais, aconselha a que sejam tomadas um conjunto de medidas preventivas, como o estabelecimento do princípio de que a tais agentes fica vedado o exercício de actividades ou de relações comerciais com clubes desportivos ou com os seus dirigentes.
Somos também de opinião de que é necessário constar, nos regulamentos disciplinares federativos, a proibição de prendas, empréstimos ou vantagens que possam pôr em causa a credibilidade da actuação dos agentes da arbitragem. E estabelecemos tão-só o princípio de que não é legitimo receber ou solicitar presentes ou vantagens, dado que tais benefícios são susceptíveis de, por si próprios, porem em causa a seriedade ou credibilidade das funções de quem exerce a arbitragem.
Assim, queremos combater suspeições e, sobretudo, pretendemos defender o bom nome dos principais visados, os árbitros. Para tal, consideramos útil a existência de um registo de interesses destes agentes que actuam nas competições de natureza profissional.
Ao introduzir este conjunto de disposições, vamos também ao encontro de uma tendência internacional que, ultimamente, tem reforçado as exigências em redor das equipas de arbitragens, ao mesmo tempo que lhes propicia um clima de defesa da sua tranquilidade de actuação.
Dentro desta linha de entendimento, prevemos penas disciplinares agravadas, variando entre 2 e 10 anos de inabilitação, para árbitros ou dirigentes que se coloquem à margem da ética desportiva, por comportamentos que ponham em causa a verdade da arbitragem. Para os clubes infractores estão previstas sanções que prevêem a perda de pontos, a descida de divisão ou mesmo a exclusão da competição, por um período de 5 anos. Tem de ser. No âmbito desportivo, há princípios a respeitar para que prevaleça a verdade desportiva.
A inabilitação de um agente desportivo também passa a ser extensível a toda a área federada. Quer isto dizer que quem vier a ser sancionado por atropelos à ética desportiva por uma federação, ficará impedido, enquanto durar a pena, de intervir em qualquer tipo de actividade federada. É óbvio e compreensível. O que aqui está em causa é uma questão de princípio. A ética desportiva é a mesma para qualquer modalidade.
O Governo, ao apresentar hoje este diploma, visa apenas um objectivo: clarificar actuações em defesa da verdade desportiva. As exigências que introduz nos regulamentos disciplinares correspondem à necessidade de o desporto português dotar as suas instituições de instrumentos capazes de responder, com acrescida eficácia, aos problemas que se levantam. As estruturas desportivas têm de prever situações e de acompanhar a evolução dos tempos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: -- Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs., Deputados Jorge Ferreira, Bernardino Soares e Castro de Almeida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Página 2260
2260 I SÉRIE - NÚMERO 64
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Desportos, penso que será comum a todas as bancadas e ao Governo o sentimento de que faz falta legislação no sentido de pôr cobro a um conjunto de situações que, infelizmente, têm ocorrido nos últimos tempos, não
generalizadamente mas numa modalidade desportiva, o futebol profissional. Penso que esse sentimento deve contribuir para que todos os grupos parlamentares e, desde logo, o próprio Governo, que apresenta esta proposta de lei, tenham um espírito de abertura ao aperfeiçoamento de um instrumento legislativo que nos parece de elementar interesse público e de defesa do próprio fenómeno desportivo.
Todavia, a proposta de lei, tal como o Governo a apresentou, nuns casos fica aquém do que deve, noutros vai além do que se devia esperar e deixa de fora várias situações que, estranhamente, na nossa opinião, não encontramos previstas no diploma em apreço.
Sr. Secretário de Estado, qual a razão por que "futebolizou", se assim me é permitido dizer, o segundo grupo de artigos da proposta de lei, nomeadamente a partir do 7.º, esquecendo, obviamente, que em Portugal há desporto profissional e não profissional? É que esta proposta, como eventual lei geral e abstracta, dever-se-á aplicar a todas as situações. Não considera errado que este regime se aplique indiscriminadamente ao desporto amador e ao desporto profissional?
Por outro lado, por que é que o Governo, preocupado com a verdade das arbitragens, como o Sr. Secretário de Estado acabou de dizer, não se lembrou que a verdade desportiva não depende só da verdade das arbitragens mas também da verdade do comportamento dos jogadores, dos dirigentes, dos treinadores? E por que é que, estranhamente, nesta proposta de lei apenas se pensa e se previnem situações que podem afectar a verdade da arbitragem? Por que não legislar preventivamente sobre outros fenómenos? A menos que queiramos que eles aconteçam para depois vir legislar à pressa quando constatamos o vazio legal, como normalmente acontece no sistema português! Quando se legisla, não se faz como deve ser, as situações acontecem e se um comentador descobre que há um vazio legal lamentamos todos esse vazio legal. Entretanto, as situações ficam impunes, o desporto profissional vai-se descredibilizando e passados alguns meses aparece outra proposta de lei! Penso que esta situação é de evitar a todo o custo e que este é
o momento privilegiado para tentarmos fazer uma boa lei.
Na nossa opinião, Sr. Secretário de Estado, esta não é uma boa proposta de lei e, por isso, além das questões que lhe coloquei e que nos preocupam sinceramente, pergunto-lhe também se da parte do Governo há abertura ao aperfeiçoamento, que na nossa opinião deve ser substancial, do articulado que o Governo apresenta. Obviamente, da sua resposta dependerá em grande parte o sentido de voto final que o Grupo Parlamentar do PP adoptará na votação da proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.
O Sr. Secretário de Estado dos Desportos: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, em relação à primeira questão, quero dizer-lhe que, evidentemente, há todo o espírito de abertura para aperfeiçoarmos o diploma.
Não temos, como é natural, a reivindicação de que tudo o que aqui está neste postulado tem a completa abordagem de todas as questões que se colocam na área desportiva, no caso concreto, em relação às áreas profissionais, mormente através de tudo aquilo que se tem passado nos últimos tempos e que todos nós reconhecemos que necessita de abordagens feitas com sensibilidade e ponderação em relação a toda a problemática que está em causa.
Em Portugal não se adoptou, como aconteceu noutros países, nomeadamente em Espanha e França, quando se criaram e foram aprovados os regimes jurídicos federativos, por agregar um modelo de regulamentação disciplinar.
Em Espanha, por exemplo, seguiu-se um processo desse tipo e fez-se, quase que minuciosamente, um diploma sobre toda a componente de regime disciplinar para as federações respectivas poderem adaptá-la aos seus estatutos internos; em França, seguiu-se uma situação idêntica; em Itália, por acaso, já não foi esse o caminho e até se fez legislação específica em relação às questões da ética e do combate à corrupção a nível do fenómeno desportivo.
Na verdade, houve abordagens diversas e em Portugal, tanto quanto foi aprovado no regime jurídico das federações, não se optou por esse caminho e deixou-se em aberto essa situação - aliás, gomo se sabe, há actualizações em termos de regulamentos disciplinares que estão por fazer, mormente na principal federação profissional que conhecemos, e há abordagens segundo temas, que o regime jurídico das federações aponta, nomeadamente as áreas da violência, do doping e da corrupção, porque toda esta matéria, no fundo, poderia estar contida em termos da própria capacidade de auto-regulamentação federativa ou num diploma completo sobre as questões do regime .disciplinar.
Não foi essa a situação e nesta matéria a nossa intervenção vai no sentido de apontar para as questões que, neste momento, estão mais claras e em aberto, embora isso também esteja considerado em termos globais. Aliás, já tive oportunidade de anunciar que, dentro em breve, chegará à Assembleia da República uma proposta de lei sobre o combate à violência e também já está a seguir o seu percurso normal e será, certamente, tratado em breve uma nova legislação sobre doping, fazendo-se a cobertura das questões essenciais que têm a. ver com esta matéria.
É este o ponto da situação. A propósito, devo dizer que o relatório, o que foi feito na Assembleia da República sobre esta matéria, contém algumas imprecisões quando fala da legislação espanhola, porque cita legislação diferente daquela que contempla o regime disciplinar das federações.
O diploma aponta essencialmente para as matérias do âmbito das federações que se adquiriu serem profissionais e que têm a sua componente profissional perfeitamente clarificada, concretamente o futebol e o basquetebol.
É evidente que podemos dizer que se trata de um problema global, mas não há dúvida alguma de que todas as envolvências que se colocam à volta desta matéria, por tudo aquilo que implicam - mas não só económica e financeiramente, em relação à actividade desportiva nestas modalidades, especialmente na do futebol - levaram a que prioritariamente se apontasse para as que têm a componente profissional, deixando àquelas que são consideradas como amadoras a possibilidade de elas próprias procurarem o seu caminho em termos de auto-regulamentação.
São estes os princípios que estão no diploma e estamos perfeitamente abertos para que com o contributo de todos se possa fazer uma legislação melhor em relação a este assunto.
Página 2261
24 DE ABRIL DE 1997 2261
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Secretário de Estado, o Governo tem trazido à Assembleia matérias em que é nítida uma intenção, que, aliás, é prioritária na acção governativa, de resolver os problemas do desporto profissional, nomeadamente do futebol, em prejuízo de uma verdadeira política desportiva que é a que temos vindo a defender - e perdoe-me o Sr. Secretário de Estado por mais uma vez o criticar deste ponto de vista, que, apesar de tudo, continuamos a pensar ser o mais indicado e o que devia mobilizar o Governo na sua acção política.
Mais uma vez o Governo reincide naquilo que nós consideramos ser a violação do espaço próprio do associativismo desportivo, isto é, vem propor a regulamentação de matérias, algumas das quais demasiadamente específicas que deviam estar no âmbito da regulamentação pelas próprias federações, pelo próprio movimento associativo e o Governo mais uma vez imiscui-se neste domínio, desrespeitando aquilo que é uma valência própria do movimento associativo desportivo.
Em relação a esta proposta de lei em concreto, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado por que é que em relação ao regime jurídico das federações, que, como disse na sua intervenção foi aprovado em Conselho de Ministros, não foi pelo Governo adoptada a postura de envolver a Assembleia da República, havendo em relação ao regime disciplinar esta opção pela proposta de lei.
Nada temos contra isso, evidentemente - que consultem a Assembleia da República e que esta seja envolvida neste processo! -, mas gostaria de perceber por que razão é que apara o menos" o Governo opta por consultar a Assembleia e "para o mais" isto não acontece. Qual é a lógica desta diferença de tratamento?
Deixe-me também dizer-lhe que em relação a esta proposta de lei há uma série de conceitos e de propostas bastante confusas, mas penso que peca logo por se quer, a partir de uma norma geral, resolver casos concretos que são os do futebol profissional. Assim, pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado, se considera que as coimas previstas especificamente para as competições profissionais são adequadas aos montantes envolvidos no futebol profissional hoje em dia. Ou será que esta parte foi prevista apenas para se aplicar às competições de basquetebol profissional? Por que é que se tenta fazer uma norma geral para resolver um caso concreto e ainda por cima se encontram soluções que manifestamente não podem ser aplicadas em algumas situações?
Por outro lado, e para terminar pois já estou a exceder o meu tempo e o Sr. Presidente vai com certeza interromper-me em breve,...
O Sr. Presidente: - Lembrou bem, Sr. Deputado!
Risos gerais.
O Sr. José Calçada (PCP): - Isto é seriedade!
O Orador: - ... gostaria apenas de colocar-lhe uma última questão que é a de saber por que é que se regulamenta tão ao pormenor a questão da arbitragem, que é uma questão onde se têm de inserir mecanismos de seriedade, quando ainda por cima em todo o fenómeno do futebol profissional, pois é disso que se trata, os árbitros são os amadores, havendo outros intervenientes, alguns deles profissionais que se calhar também mereceriam atenção especial.
Gostaria, pois, que o Sr. Secretário de Estado explicasse esta particular atenção.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.
O Sr. Secretário de Estado dos Desportos: - Sr. Deputado Bernardino Soares, tal como noutra ocasião tivemos oportunidade de conversar sobre este assunto e na Assembleia da República, o Governo tem tido e vai procurar desenvolver uma política que faça alguma separação entre o que é e o que não é profissional e estamos a trabalhar nesse sentido. É porque a situação que se vive hoje em termos do desporto e aquilo que significa o peso da componente profissional a nível do desporto não pode evitar que se tomem decisões sobre essa matéria e que se tenha em linha de conta aquilo que são as suas implicações a nível da sociedade e a nível económico. Por isso, tivemos de fazer esta legislação dentro da prossecução desta política em que desejamos que sejam clarificadas as componentes profissional e não profissional, em que se possa avançar cada vez mais - e é esse o nosso sentido - na criação de melhores condições para o alargamento da actividade desportiva aos cidadãos em geral. E este o nosso objectivo.
As alterações que fizemos na Lei de Bases foram para clarificar essa sobreposição que existia entre Organismo Autónomo e Liga. Era um problema que criava perturbações no funcionamento da federação.
A segunda questão tem a ver com a existência de sociedades desportivas que não podiam sê-lo efectivamente, devido ao que constava da legislação. Agora demos sequência a essas matérias e estamos a prosseguir este tipo de objectivos. Como é evidente, não estamos nem pretendemos imiscuir-nos mais do que já aconteceu no movimento associativo.
Vozes do PCP: - Vê-se!
O Orador: - Não pretendemos fazer esse tipo de acção. No entanto, do que não há dúvida alguma é de que havia necessidade de ajudar o movimento associativo no sentido de criar de algumas regulamentações no âmbito disciplinar.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Isso é muito paternalista, Sr. Secretário de Estado!
O Orador: - Repare que eu disse que se poderia falar sobre a violência e o doping e dizer que também estas são intervenções no movimento associativo. Na verdade, foi necessário fazer face a estes problemas, porque tinham já uma implicação pública muito forte. A questão da corrupção e da luta contra ela acabou também por ter uma grande incidência e, naturalmente, é preciso uma actuação com meios adequados.
Como sabe, esta área já foi criminalizada em 1991 e nós considerámos, já nessa altura, que deveria ter havido a possibilidade de regulamentar ou ajudar a regulamentar, em termos federativos, aquilo que era preciso fazer no âmbito disciplinar.
Para finalizar, Sr. Deputado, nesta legislação não prevemos coimas mas, sim, multas.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.
Página 2262
2262 I SÉRIE - NÚMERO 64
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Desportos, se esta proposta de lei vier a ser aprovada, em Portugal, passam a ficar sujeitos ao regime do registo de interesses os Deputados, os membros do Governo e os árbitros - os dirigentes da arbitragem.
Risos do PSD.
A minha questão é esta: o que é que o Governo encontra de comum entre estas categorias de cidadãos: Deputados, membros do Governo e árbitros? Presumo que eles hão-de constituir um corpo fechado, com características comuns onde as três entidades cabem e onde mais nenhuma entidade ou nenhum corpo caiba. Por isso, era importante para nós perceber o que é que o Governo vê de comum entre Deputados, membros do Governo e árbitros.
Faço esta pergunta porque, Sr. Secretário de Estado, se esta proposta de lei for aprovada, porventura, em conversa com um colega espanhol, francês ou alemão, terei a maior dificuldade em explicar a equiparação de estatuto entre Deputados e árbitros.
Por outro lado, gostaria de colocar-lhe outra questão. Reparámos que as normas que constam desta proposta de lei não contemplam a respectiva sanção para o caso de incumprimento. Por exemplo, se as federações não cumprirem a obrigação que lhes está cometida no artigo 9.º, isto é, se não organizarem um registo de interesses, não é dito qual é a sanção que lhes é aplicada. Quer isto dizer que o Governo não está a pensar levar a sério esta obrigação que comete às federações e que, em caso de incumprimento, nenhum mal lhes acontecerá (às federações) e, portanto, tudo continuará na mesma? O Sr. Secretário de Estado vai, com certeza, clarificar esta matéria.
A minha terceira e última questão, Sr. Secretário de Estado, é a seguinte: não considera o Governo que, dado que legisla em matéria de disciplina no âmbito das federações desportivas, poderia esta lei aproveitar para esclarecer conflitos positivos de competências, que neste momento são visíveis entre a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga de Futebol? Não seria útil aproveitar para clarificar estes conflitos de competências, para que se saiba e o País entenda quem é competente para fazer o quê, no âmbito das delegações que o Estado dá às federações desportivas?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, têm a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.
O Sr. Secretário de Estado dos Desportos: - Sr. Presidente, é sempre muito interessante ouvir as intervenções do Sr. Deputado Castro Almeida, especialmente por tudo aquilo que ele significou a nível de ordenamento jurídico na matéria desportiva e que nós, neste momento, estamos a alterar sistematicamente.
Vozes do PSD: - E mal!
O Orador: - E começamos precisamente pela questão dos conflitos positivos de competências, segundo disse, clarificando-os. Aí está uma questão relevante. Como o Sr. Deputado sabe, há um regime jurídico das federações que foi elaborado por VV. Ex.ªs quando estavam no Governo. E se, porventura, há neste momento conflitualidades diversas neste âmbito, elas são oriundas daquilo que os senhores deixaram em matéria de regime jurídico das federações.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que anunciei que está já aprovado pelo Conselho de Ministros um novo regime jurídico das federações. Espero que em breve esteja publicado e estará ao alcance do Sr. Deputado, para se lembrar do que poderia ter
feito enquanto esteve no Governo e não fez, porque as confusões todas foram originadas por V. Ex.ª, quando estavam na missão em que estavam.
A segunda questão tem a ver com a maneira simpática e irónica como V. Ex.ª se referiu ao registo de interesses. O Sr. Deputado tem dificuldade em explicar a compatibilidade entre Deputado, Ministro e árbitro. Eu diria que, como é evidente, a opção que aqui tomámos é ou pode ser questionável. Fizemo-lo em defesa do bom nome da arbitragem, porque ela está sempre no cerne de toda esta problemática. Agora, o que digo ao Sr. Deputado é que talvez seja muito mais difícil a V. Ex.ª explicar aos seus colegas espanhóis por que razão deixou a legislação que deixou no País e que estamos, neste momento, a alterar sistematicamente.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta.
O Sr. Carlos Marta (PSD): - Sr. Presidente, Srs . Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que agora nos é apresentada para discussão nesta Câmara tem como objectivo principal fixar um conjunto de princípios a que deve obedecer o regime disciplinar federativo e, do mesmo modo, procurar estabelecer sanções adequadas para as mais graves violações das normas básicas da convivência desportiva, principalmente as que visam assegurar o espírito desportivo, a ética desportiva, o fairplay e o jogo limpo.
Nada temos a opor a esta pretensão e a este objectivo do Governo que deve ser igualmente de todos nós.
Mas será que havia necessidade de legislar deste modo para preservar e garantir a ética desportiva e o jogo limpo nas competições desportivas? Será que o problema é da falta de leis ou da verificação do seu cumprimento?
Esta proposta de lei não pode ser dissociada do ambiente de profundo descrédito e crise em que se encontra o desporto português, em particular o futebol. Seria bom que o Governo tivesse separado as águas. O desporto português não é s6 o futebol.
Dizemos mais: esta iniciativa destina-se apenas a responder ao mundo do futebol e em particular à arbitragem, face às denúncias, acusações e suspeições por que tem passado nos últimos tempos. O Governo socialista, passa dos que são mais de 600 dias de governação, não foi capaz de, na prática, ajudar e contribuir para que as instituições desportivas se dignificassem e se alterasse a imagem do futebol português:
Queremos, por isso e desde já, dizer ao Sr. Secretário de Estado do Desporto e ao Governo que esta iniciativa não tem qualquer sentido normativo útil e que apenas tem como objectivo transmitir à opinião pública desportiva e
Página 2263
24 DE ABRIL DE 1997 2263
não desportiva a ideia de que estão a tomar medidas no domínio do regime disciplinar das federações desportivas, em particular naquelas em que, no seu seio, se disputam competições de natureza profissional. Em suma, colocam-se em bicos de pés, dizendo que estão a fazer algo, de forma a iludir a opinião pública.
Esta proposta de lei é, assim, um remendo, feito à pressa, para mostrar trabalho e serviço.
O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade!
O Orador: - No despacho de admissão desta proposta de lei, S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República dizia: "Admito a presente proposta de lei. Anoto, porém, que a deficiente técnica legislativa que se revela, nomeadamente, no recurso a expressões de conteúdo vago e indeterminado e na imprecisão e falta de rigor conceptual, em normas que prevêem restrições ao exercício dos direitos civis e profissionais, poderá levantar problemas de natureza jurídico-constitucional. Será, porventura, o caso da utilização indiscriminada das expressões `agente desportivo', 'exercício de funções desportivas', `titulares de órgãos de associação de classe' e da confusão entre incompatibilidade, interdição e suspensão do exercício de determinados direitos, actividades, funções e, até, profissões."
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos nós já percebemos que faltam ideias inovadoras ao Governo socialista. Como dizia o distinto' socialista do Norte, Prof. Jorge Olímpio Bento, indigitado para Presidente 'do Conselho Superior do Desporto e depois afastado - aliás, era bom saber quando vai ser nomeado o próximo -, "estamos muito magros de ideias" - referia-se, naturalmente, à acção do Governo socialista na área do desporto.
Enfim, tal como temos vindo a dizer nesta Casa, o Governo liderado pelo Eng. º António Guterres não tem uma política desportiva, integrada e coerente, que mobilize os meios humanos e técnicos, racionalize e transmita eficácia aos recursos existentes e que, sobretudo, seja capaz 'de estimular o movimento associativo.
O actual Governo tem-se limitado a gerir o dia-a-dia e, de uma forma periódica, o Sr. Secretário de Estado dos Desportos concede entrevistas aos órgãos de comunicação social, para não se esquecerem dele, para dizer que está vivo, anunciando medidas que tardam em ser concretizadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Contudo, fazemos-lhe justiça pela coerência das suas posições. No passado, na oposição, era um grande defensor do desporto escolar. Na semana transacta, todos tivemos conhecimento das divergências com a Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação, Dr.ª Ana Benavente. Segundo esta, o Dr. Miranda Calha recusou conceder as verbas necessárias ao desenvolvimento do desporto escolar, colocando em perigo a continuidade das actividades desportivas nas escolas portuguesas. Dois membros do Governo, liderado pelo Eng.º António Guterres, não se entendem numa matéria que deveria merecer uma atenção especial e um grande consenso nacional, para além de naturalmente trazerem para a praça pública as suas divergências desportivas e políticas.
Que triste espectáculo deram estes dois membros do Governo! Foi necessária a ameaça de demissão de todos, os coordenadores regionais e a intervenção de dois ministros para que o assunto ficasse parcialmente resolvido.
O Sr. Secretário de Estado já deve estar arrependido do que, então, na oposição, dizia dos Governos do PSD...
Mas nem tudo são espinhos, existem algumas rosas para distribuir... O Sr. Secretário de Estado conseguiu, finalmente, concretizar o seu sonho: a aprovação das novas leis' orgânicas das estruturas desportivas estatais responsáveis pelo desporto em Portugal.
Terminou, assim, o INDESP e, da sua reestruturação, nasceram três novas direcções-gerais. Imaginamos a frustração do Sr. Secretário de Estado, ao longo dos últimos tempos, despachando apenas com o ex-presidente do INDESP. Era pouco para quem tem tanta ambição. A partir de agora, pode dividir para reinar, dividir poderes e responsabilidades pelos novos boys entretanto nomeados para os jobs agora criados. Em vez de se diminuir o peso do Estado, aumentam-se as estruturas estatais, com o falso argumento de operacionalidade.
Protestos do PS.
Tudo isto feito e realizado muito depressa, não para serviço do desporto ou para disponibilizar mais meios ou recursos para o movimento associativo, mas com receio dos concursos públicos. E a pressa era tanta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que acabaram de nomear - apenas como exemplo - para a direcção do Complexo Desportivo de Lamego um licenciado em História, sem experiência profissional ou currículo desportivo visível,...
Risos do PSD.
... que, decerto, no final do seu mandato, nos legará um documento original sobre a história do Complexo Desportivo de Lamego,...
O Sr. António Braga (PS): - Lamego, outra vez?!
O Orador: - ... em simbiose, aliás, com o novo director-geral do complexo de apoio às actividades desportivas, cuja experiência desportiva adquirida em Macau lhe permite acompanhar a programada instalação de torres de iluminação no Estádio Nacional...
Mais do que rosas, estamos a viver um tempo de luzes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As federações desportivas dotadas do .estatuto de utilidade pública desportiva dispõem de regulamentos disciplinares, com vista a sancionar a violação das regras de jogo ou de competição, bem como as demais regras, nomeadamente as relativas à ética desportiva. Esta obrigatoriedade é acompanhada por uma segunda: as federações desportivas deverão adaptar os respectivos regulamentos disciplinares às normas constantes da proposta de lei, no prazo de 90 dias. Registe-se, desde já, a reafirmação de quase todos os princípios gerais já vigentes no actual quadro legal, o Regime Jurídico das Federações Desportivas, ou, melhor, no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril. Estabelece-se igualmente a previsão da tipificação das sanções como leves, graves e muito graves, a sujeição aos princípios da igualdade e proporcionalidade da aplicação das sanções, a exclusão de penas de irradiação ou de duração indeterminada, garantia de recurso, etc.
Não há, por isso, grandes novidades ou alterações significativas nos primeiros seis artigos desta proposta de lei.
As surpresas começam a partir do momento em que se deixam os princípios gerais e se dedica atenção a pre-
Página 2264
2264 I SÉRIE - NÚMERO 64
ver (tipificar) algumas condutas que considera - e deveria dizê-lo - infracções muito graves. A atenção recai, sobretudo, nos árbitros e juízes, nos membros dos conselhos ou comissões de arbitragem e nos titulares dos órgãos das respectivas associações de classe.
Sempre a arbitragem, como se fosse a causa de todos os problemas!
O Governo parece aqueles treinadores que acusam sempre os árbitros pela derrota das suas equipas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Regime Jurídico das Federações. Desportivas consagra a natureza jurídica das federações e considera-as, inequivocamente, como pessoas colectivas de direito privado.
Se bem que institucionalize o conceito de utilidade pública desportiva, e aqui exercem poderes públicos, que, no entanto, têm que ser entendidos em termos de igualdade e proporcionalidade, a presente proposta de lei exorbita deste plano é afecta claramente um dos tipos de agente desportivo - o árbitro - de uma qualquer modalidade desportiva e, depois, atinge duramente os árbitros ou juízes das competições profissionais, que, como certo o legislador sabe, não são profissionais. Falta um artigo, para o legislador ser coerente, consagrando por via legal a profissionalização dos árbitros às competições profissionais, o que se traduziria numa originalidade do sistema desportivo português.
A partir, depois, do artigo 7.º da presente proposta de lei agora em discussão, pensamos tratar-se de matérias que não cabem na dignidade da sede da discussão parlamentar e da função legislativa que lhe está atribuída; são, isso sim, - e permitam-se a ousadia -, normas para análise e discussão aberta em assembleias gerais federativas, bem prolongadas e suficientemente mediatizadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema é que nem tudo o que é original é bom, como também nem tudo
o que é bom é original. E foi, decerto, ao ler esta originalidade que S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República nos facultou também originariamente um despacho de admissão, que mais não é do que um despacho cheio de dúvidas quanto à efectiva admissão.
Por nós, partilhamos as "dúvidas" do Sr. Presidente da Assembleia da República e permitimo-nos sugerir ao Governo que reformule a presente proposta de lei e nos conceda o privilégio de discutir proximamente uma proposta de lei original mas boa, ou seja, uma proposta que sirva a disciplina desportiva e não uma proposta que discrimine disciplinarmente agentes desportivos.
E que o desporto é também igualdade e não pode ser só oportunismo normativo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, lamento que o Sr. Secretário de Estado não tenha respondido a questões muito concretas que coloquei, nomeadamente o porquê da diferença de atitude em relação ao regime jurídico das federações, aprovado em Conselho de Ministros, e esta proposta de lei que é submetida à apreciação da Assembleia da República, a saber se considera que as soluções encontradas têm carácter geral e se são aplicáveis às diversas situações que este diploma pretende atingir.
Feita esta nota, gostaria ainda de deixar uma coisa bem clara: é tradicional que o Sr. Secretário de Estado, nas respostas às perguntas do PCP, venha falar da necessidade de disciplinarmos a actividade profissional desportiva, no sentido de que o PCP está sempre contra essa actividade e que, portanto, levanta sempre questões quando
o Governo apresenta propostas nessa matéria.
O Sr. Secretário de Estado dos Desportos: - Eu não disse isso.
O Orador: - Quero deixar aqui bem claro que fazemos muito bem a distinção entre o desporto profissional e o desporto não profissional e consideramos que a prioridade deve ser dada ao desporto não profissional e à sua maior abrangência e maior acesso por parte dos portugueses. E julgamos que, nesta matéria, o Governo tem tido uma actuação muito escassa e muito aquém do que seria exigível.
Por outro lado, no que diz respeito ao desporto profissional, é evidente que é preciso regulamentar e encontrar os mecanismos mais apropriados. O Governo tem-se preocupado muito com esta área, mas, devo dizer-lhe, nem sempre bem, antes pelo contrário.
Feitos estes reparos, devo dizer-lhe que de um Governo se espera, no que ao desporto diz respeito, que crie as condições necessárias para que cada vez mais portugueses tenham acesso à prática desportiva.
O Sr. José Calçada (PCP): - Esse é que é o problema!
O Orador: - E a prática deste Governo em matéria desportiva, a avaliar até pelas propostas que tem feito à Assembleia da República, é uma prática em que facilmente se percebe que o Governo tem como principal preocupação intervir nas questões do futebol profissional e não, por exemplo, no reforço do desporto escolar ou noutras matérias, que têm muito mais importância do que essa.
O Sr. José Calçada (PCP): - É verdade!
O Orador: - Mas é legítimo que o Governo tenha esta prioridade, pode fazê-lo. Deve, no entanto, ter a coragem de reconhecer que são esses o seu principal objectivo e a sua principal vocação. Contudo, o que o Governo faz é fingir estar preocupado em intervir em todo o sector desportivo e, ainda por cima, atirar para a Assembleia da República aquilo que são matérias que têm quase só a ver com o desporto profissional.
Quando se analisa esta proposta de lei, vemos que ela tem um ,antecedente muito directo - aliás, referido na parca "Exposição de motivos" que acompanha o articulado -, o Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas com estatuto de utilidade pública e em que, desde logo, houve alguma ingerência naquilo que poderia e deveria ser a auto-regulação do movimento associativo desportivo também nesta matéria.
E a primeira parte da proposta de lei do Governo é a transcrição de um artigo já estipulado neste diploma e que deveria ser aplicado pelas diversas federações, na elaboração dos regimes disciplinares.
Página 2265
24 DE ABRIL DE 1997 2265
Só que o Governo resolveu, mais uma vez, substituir-se às federações, em matéria da sua competência exercida no âmbito das orientações gerais definidas, e avança no caminho de uma regulamentação que não lhe caberia.
Na verdade, já estamos habituados a que o Governo se imiscua no que é a esfera do movimento associativo e que, na nossa opinião, deveria ser respeitada. Já o fez, aliás, com a conivência de todos os partidos, excepto o PCP, na alteração à Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Mas, como é por demais evidente para todos neste processo, o que o Governo quer, em primeiro lugar, é ser protagonista do futebol profissional. O Conselho de Ministros constituiu-se em verdadeira Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol e delibera apresentar propostas de carácter geral, mas com destinatários concretos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - No caso em presença, há ainda outro aspecto a salientar: o que o Governo faz com esta proposta de lei, embora usurpando competências que pertencem às federações e ao movimento associativo, é uma verdadeira regulamentação do Decreto-Lei n.º 144/93.
O Governo propõe à Assembleia da República que, também ela, interfira nas matérias que dizem apenas respeito ao associativismo.
O que se pretende, afinal, é que também o Plenário da Assembleia da República se constitua como assembleia geral federativa e, muito especialmente, que seja a Assembleia da República a arcar com o ónus da ingerência no associativismo desportivo.
O Sr. José Calçada (PCP): - O Governo quer cúmplices!
O Orador: - É uma verdadeira instrumentalização da Assembleia da República para os objectivos, também eles instrumentais, que o Governo se propõe atingir.
Esta proposta de lei visa, segundo o Governo, prevenir e punir os fenómenos anti-desportivos, que, tantas vezes, surgem associados ao desporto. É um objectivo com o qual concordamos, simplesmente a concretização deste propósito não foi muito feliz, desde logo, pelo processo utilizado, mas também pela confusão reinante no texto que nos chegou. Para além da utilização profusa de conceitos imprecisos e juridicamente vagos, chegados ao fim do articulado, ficamos sem saber se, afinal de contas, este regime ,`e aplica às competições de carácter profissional.
Tudo indicaria esse sentido, até porque os instrumentos jurídicos propostos terão especial relevância no âmbito das competições profissionais, onde geralmente se verificarão os fenómenos que o Governo diz querer combater. Mas o artigo
1 1.º da proposta de lei vem dizer que as federações terão sempre competência nas matérias do artigo 7.º, mesmo nos casos de competições profissionais. Então e nas restantes disposições? Ou quererá isto dizer que o estatuto disciplinar das federações desportivas só pode ser exercido pelas federações, nos casos do artigo 7.º?
Surgem também na proposta de lei diversas normas que se aplicam apenas à classe dos árbitros, que, aliás, merece atenção privilegiada do Governo. Ora, sendo os árbitros de competições profissionais amadores e apenas um dos intervenientes no processo, algumas das medidas propostas mereceriam maior justificação e melhor enquadramento.
A confusão, como se vê, é total. Tão delicado assunto mereceria uma atenção mais cuidada e não uma intervenção desajeitada e, ainda por cima, envergonhada, já que o Governo se exime de assumir a responsabilidade total nesta matéria.
Bom seria que o Governo se empenhasse, de facto, em que o povo português pudesse praticar desporto e deixasse para o movimento associativo o que legitimamente lhe cabe. A não ser assim, não tardará muito a constar da agenda do Conselho de Ministros a convocatória para o próximo jogo da selecção nacional de futebol ou a nomeação dos árbitros para a jornada seguinte do campeonato da 1.ª divisão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Desportos, Srs. Deputados: A opinião do Grupo Parlamentar do PP é a de que, de facto, esta proposta de lei precisa de ser profundamente reformulada, uma vez que padece de alguns erros, de alguns defeitos e de alguma diferenciação inexplicável no tratamento de vários dos fenómenos que pretende regular.
Quero deixar claro que, para nós, tudo o que vise clarificar a situação que existe actualmente à volta do fenómeno desportivo português é positivo. Agora, o que para nós é negativo é que o legislador contribua para aumentar a confusão e a indeterminação.
Por isso, é necessário, desde logo, ter em atenção as observações do Sr. Presidente da Assembleia da República relativamente à indeterminação dos conceitos que constam do texto do articulado da proposta de lei, que podem, como foi bem observado, suscitar eventuais problemas de constitucionalidade de uma futura lei deste tipo.
Ora, essa precisão de conceitos é o primeiro passo para nos podermos todos entender à volta desta matéria. Não nos basta registar que há uma predisposição de abertura por parte do Governo relativamente ao aperfeiçoamento da lei; é preciso saber também para que é que o Governo tem abertura ou o que é que o Governo entende por aperfeiçoamento da lei, porque, se não, eventualmente, não valerá a pena...
Por outro lado, é preciso saber também se o entendimento de aperfeiçoamento do Governo é o mesmo entendimento de aperfeiçoamento do Grupo Parlamentar do PS, porque, se aqui houver divergência sobre o que é o aperfeiçoamento desta proposta de lei, se calhar, também não nos vamos entender e mais vale recomeçar tudo do zero e não alimentar este processo.
Gostaria de deixar claro que, na nossa opinião, não faz qualquer sentido uma lei deste tipo não definir o que são infracções graves e menos graves. Não faz qualquer sentido! Se há matéria por excelência da competência da Assembleia da República essa matéria é a definição do que são infracções graves, do que são infracções médias, do que são infracções menos graves e do que são infracções ligeiras. Porém, a proposta de lei não exprime estes conceitos.
Também não faz sentido para o Grupo Parlamentar do PP a proposta de lei não tratar por igual todos os intervenientes no fenómeno desportivo. Não faz sentido continuar a estigmatizar os árbitros, quando se fala de problemas de suspeição ou de eventual corrupção no fenómeno
des-
Página 2266
2266 I SÉRIE - NÚMERO 64
portivo. E muito menos sentido faz que uma lei da República trate apenas uma categoria de cidadãos envolvidos neste fenómeno, esquecendo, omitindo ou não regulando a intervenção dos demais agentes.
Quando fiz o meu pedido de esclarecimento, o Sr. Secretário de Estado dos Desportos, porventura por esquecimento, não respondeu a esta pergunta: por que razão constam os árbitros vastamente no texto da proposta de lei e há um silêncio total sobre os demais intervenientes no fenómeno desportivo?, não para que o Governo se lhes refira na proposta de lei pelo conceito vago e impreciso de agentes desportivos mas, sim, para concretizar - treinadores, jogadores, dirigentes, etc.
Em terceiro lugar, quer parecer-nos que, havendo apenas, neste momento, em Portugal, duas modalidades estruturadas em termos de desporto profissional, como, aliás, já foi bem observado por outro Sr. Deputado, que os limites mínimo e máximo das multas previstas na proposta de lei, serão, porventura, muito adequadas à realidade do basquetebol profissional, mas serão totalmente risíveis, na nossa opinião, quando pensamos no futebol profissional.
Para nós, um dos aspectos essenciais da credibilidade, no caso concreto, do futebol profissional é o de que os regimes legais correspondam aos sinais exteriores da modalidade e quando, todos os dias, vemos milhões e milhões de contos a voar de cá para lá e de todos os sítios para todos os sítios e, depois, verificamos que, eventualmente, as multas aplicáveis por infracções praticadas no seio do futebol profissional vão dos miseráveis 500 000$ aos, para alguns clubes, também miseráveis 5 000 000$, é caso para perguntar se é este o conceito de profissionalismo que se pretende dar ao futebol. É curto, é pouco e, na nossa opinião, não ajuda à credibilização pública do futebol profissional!
Depois, não faz sentido que, nas modalidades onde haja desporto profissional, todos os árbitros da modalidade fiquem sujeitos ao mesmo regime. Não faz sentido, por exemplo, que, num encontro de futebol amador, se exija ao árbitro desse jogo o mesmo regime legal de salvaguarda das suspeições e de punição de actos e comportamentos que, eventualmente, indiciem suspeições que se exige aos árbitros que intervêm em jogos profissionais, que todos nós sabemos que envolvem muito dinheiro, muitos interesses e que são, por norma,
só esses, as fontes verdadeiras de corrupção, suspeição e de descredibilização.
Por último, como também já foi observado por outro Sr. Deputado, não faz para nós sentido que uma lei da República obrigue determinada entidade a um comportamento e não preveja sanção para o incumprimento.
Portanto, Sr. Secretário de Estado dos Desportos, sob a forma de intervenção, reincido no pedido de esclarecimento que fiz sobre a questão da igualdade de tratamento de todos os intervenientes no fenómeno desportivo, acrescento-lhe mais algumas preocupações que temos sobre o conteúdo desta lei e, no fundo, interpelo-o novamente sobre isto: é neste sentido que o Governo tem abertura para reformular a proposta de lei ou não? Porque - repito novamente - é do sentido dessa abertura que depende, afinal, a posição final do Grupo Parlamentar do PP sobre a viabilização ou não desta proposta de lei.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é, de facto, uma intervenção muito curta que me foi suscitada e não poderia deixar aqui passar em claro.
Sr. Secretário de Estado dos Desportos, o perfil daqueles que, na Administração Pública, vêm desempenhar funções e assumir responsabilidades é, de facto, exigente. E, nessa matéria, estou em crer que as exigências do Governo do PS são bem diferentes das exigências do passado.
A propósito de um episódio recente e de afirmações sobre uma nomeação - creio que se falou aqui no Complexo Desportivo de Lamego -, gostaria de dizer o seguinte: foi celebrado um contrato-programa em Viseu, processo esse que foi acompanhado pelo INDESP, relativo à construção de quatro courts de ténis. Essa construção foi acompanhada pelo responsável, nomeado pelo Governo da altura, que tinha perfil próprio para essa função, e a verdade é que as coisas se concretizaram e vieram mesmo para a administração central com as fotografias dos quatro courts de ténis. Qual não foi o nosso espanto e o do novo responsável quando, ao procurar os courts de ténis, não os encontrou. Mas, de facto, o dinheiro tinha sido recebido.
Concluiria, dizendo o seguinte: é melhor que alguém que é monitor de voleibol credenciado pela própria federação e que é licenciado e mestre em História tenha estas habilitações no curriculum do que, no curriculum, ter tristes histórias como esta.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.
O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com muita atenção este debate, pois tive a oportunidade, ao longo dos últimos anos, de seguir atentamente o desenvolvimento da política desportiva no nosso país. E surpresa das surpresas, o que venho aqui ouvir hoje? Venho ouvir a bancada do PS, não preocupada em esclarecer as dúvidas que aqui foram colocadas sobre matérias extremamente sérias, como a questão da culpabilização dos árbitros e das suas associações representativas, perante o fenómeno da corrupção e da indisciplina desportiva, do registo de interesses e das sanções, isto é, do tipo de sanção a aplicar e da sua adaptabilidade ao tipo de modalidades desportivas... Perante isto nada é aqui esclarecido nem pelo Governo nem pela bancada do PS.
Aquilo que preocupa os Deputados socialistas, aquilo que preocupa o responsável pelo PS - parece sê-lo neste debate, o Sr. Deputado José Junqueiro, é ,questão suscitada pelo meu colega Carlos Marta respeitante a uma nomeação em Lamego. E vem-se com uma desculpa para uma situação perfeitamente anómala, porque aquilo que ele veio aqui confirmar foi que, de facto, quem vai ser nomeado para um lugar de responsabilidade no plano desportivo, como é o de responsável pelo Complexo Desportivo de Lamego, é um licenciado em História. É esta a qualificação "especial" para o exercício deste tipo de funções.
Meus caros Srs. Deputados, francamente, este é o debate dos equívocos, porque, depois de ouvir o Sr. Deputado José Junqueiro e o Sr. Secretário de Estado dos Desportos, Miranda Calha, devo dizer que fiquei com algumas saudades de outros tempos,...
Vozes do PS: - Exactamente!
O Orador: - ... em que, então, não ouvíamos aqui a voz do Dr. Miranda Calha, então Deputado Miranda Ca-
Página 2267
24 DE ABRIL DE 1997 2267
lha, verberar com tanta veemência a política dos governos PSD. Nessa altura, não ouvíamos a voz do PS a apresentar projectos sustentados alternativos às políticas desenvolvidas pelo Governo. Onde é que está a proposta de lei de bases do sistema desportivo alternativa àquela que aqui foi apresentada pelo Governo do PSD?
Vozes do PS: - O seu problema é a saudade!
O Orador: - Nessa altura, o Sr. Deputado Miranda Calha fechou-se naturalmente na incapacidade de formular alternativas e vem hoje criticar quem desenvolveu, porventura com polémica, mas quem o fez efectivamente, o quadro legislativo a nível desportivo.
Srs. Deputados, este é de facto um debate de equívocos, e penso que quem tem de arrepiar caminho em primeiro lugar são o Governo e o Partido Socialista, porque aquilo que cumpre fazer com precisão é esclarecer, em primeiro lugar e cabalmente, tudo o que está em causa com esta proposta de lei, que, de uma forma declarada, vem constituir, ou procurar constituir aqui, como culpados de um determinado fenómeno aqueles que o não são de facto: os árbitros de futebol.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Desportos.
O Sr. Secretário de Estado dos Desportos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, segundo me parece, no final deste debate, e, como é natural foram trazidas aqui, além da problemática que estamos a tratar, questões relacionadas com a política desportiva. É sempre bom falarmos dessas problemáticas, e o que temos feito neste curto espaço de tempo, porque, no final, é um ano e meio, foi precisamente tomar um conjunto de iniciativas, visando alterar o estado de coisas que herdámos do passado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O passado deixou-nos aquilo que muitas vezes se diz e é verdade, uma pesada herança. Pesada herança visível nos mais diversos sectores, e neste caso, no que toca à área do desporto, vemos as crises sistemáticas que têm vindo a acontecer, mas tudo isto tem uma origem, que é precisamente a maneira como foi tratada esta matéria.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - A culpa é do anterior Governo!
O Orador: - A lei de bases foi aprovada em 1990; em 1991 ou um pouco mais tarde, foram tomadas algumas iniciativas, mas só em 1993 é que saiu o Regime Jurídico das Federações. A federação, por sinala Federação Portuguesa de Futebol, s6 em finais de 1995 é que conseguiu culminar o processo de adaptação dos estatutos.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - A culpa é do anterior Governo!
O Orador: - Há até uma coisa curiosa: por despachos do então Primeiro-Ministro, porventura por estarmos em vésperas de eleições, concedeu-se rapidamente a "utilidade pública desportiva" à Federação Portuguesa de Futebol, sem contemplar, para além dos estatutos, os seus regulamentos disciplinares, como está explícito em todos os outros despachos anteriores - e tenho-os aqui para os mostrar a VV. Ex.ªs. Ou seja, houve um atraso, em termos de legislação para esta área, sistemático.
O Sr. Carlos Marta (PSD): - Vamos ver como é agora!
O Orador: - Depois, os senhores, no último ano, à pressa, como era óbvio, pois estávamos em véspera de eleições, fizeram as sociedades desportivas, que ninguém utilizou, porque não servem para nada! Vão ser, ou já foram, revogadas, pura e simplesmente.
Por outro lado, não deram atenção ao facto de, pela questão de não existir a regulamentação disciplinar, a própria Federação Portuguesa de Futebol estar sem regime disciplinar desde dos anos 80, por não ter tido possibilidade, por qualquer motivo, de fazer a respectiva actualização em relação ao regime jurídico que VV. Ex.ªs fizeram aprovar. Finalmente, nem sequer deram atenção ao facto que se passava sobre as decisões do Tribunal de Justiça de Haia em relação ao caso Bosman, o que os levou, também aqui à pressa, a fazer uma legislação sobre o praticante desportivo profissional, que obviamente tem de ser alterada imediatamente, por já estar desadequada em relação àquilo que se passa na Europa sobre a livre circulação dos jogadores.
O Sr. José Cenário (PSD): - E agora, à pressa, vocês apresentaram-nos isto!
O Orador: - VV. Ex.ªs, portanto, fizeram uma conjunto de entorses em termos daquilo que era preciso fazer em matéria desportiva. E, de facto, o que acontece é que neste espaço de tempo, e também neste caso com toda a colaboração da Assembleia, fizemos as alterações da lei de bases que eram precisas fazer.
Vamos clarificar as questões que têm a ver com o regime jurídico das federações. Já fizemos aprovar as sociedades desportivas; já aprovámos uma nova actualização da legislação da violência e também do doping, e neste momento também temos aqui uma intervenção, que propomos à Assembleia, sobre matéria de ética e transparência a nível desportivo.
O Sr. José Cenário (PSD): - São de facto muito profundas!
O Orador: - De facto, em muito pouco tempo, conseguimos fazer aquilo que VV. Ex.as não conseguiram em 10 anos, ou, então, fizeram, mas mal. Fizeram mal, tem de ser tudo mudado!
De entre as questões que aqui foram colocadas, refiro a posição construtiva do Sr. Deputado Jorge Ferreira em relação a esta matéria, porque temos a percepção do que é a sensibilidade em relação a este ponto. Nós, como diz o Sr. Deputado Bernardino Soares, estamos virados para a componente profissional, mas a verdade é que a incidência que existe dessa área em todo o fenómeno desportivo não pode obviamente, nem é despiciendo, ser colocado de lado. Temos de fazer algumas regulamentações e modernizações que são necessárias para também se poder criar condições para que haja uma evolução desportiva diferenciada em termos daquilo que desejamos e que é a
Página 2268
2268 I SÉRIE - NÚMERO 64
expansão da actividade desportiva a todos os cidadãos. Mas esta parte tem uma repercussão na sociedade muito forte - a incidência económica da componente profissional quase se sobrepõe em termos de toda a área desportiva, pelo que tem de se regulamentar, não podemos ficar atrasados no que toca a essa matéria. As sociedades desportivas aconteceram noutros países há 10 anos atrás, não houve em Portugal qualquer sensibilidade em relação a esta matéria nos últimos anos por parte do Governo anterior. Portanto, não houve actualização, não houve percepção. Têm de se tomar essas medidas e elas estão a ser tomadas, mas na óptica de que é o desporto em geral que pretendemos que seja desenvolvido e não só, evidentemente, o futebol ou o basquetebol, mas todo um conjunto de vastas actividades e modalidades desportivas que queremos que tenham evolução positiva em termos de sociedade.
O Sr. Deputado Jorge Ferreira colocou três ou quatro questões muito concretas relativamente às infracções graves e muito graves. Estamos dispostos, como é evidente, a trabalhar sobre essa matéria e porventura a pormenorizar aspectos que tenham a ver com estes pontos.
Na questão do tratamento por igual, é certo que há aqui uma componente que se fixa evidentemente nos árbitros. É real. E tínhamos também a percepção dos riscos que se corriam em relação a esta matéria, mas do que não há dúvida alguma é que pensámos que era fundamental que esta legislação contemplasse esta área, também na óptica, digamos, da defesa daqueles que têm o papel da arbitragem. É certo que a tendência é no sentido de os árbitros também serem profissionais. Não vejo problema algum sobre essa matéria, e penso até que terá de ser esta a evolução. Mas, enquanto não é, pensamos que é preciso criar algumas bases para também termos a defesa e o apoio quanto àquele que tem a responsabilidade de dirigir os espectáculos profissionais. E estamos dispostos a encontrar bases para alargar o âmbito das medidas que preconizamos em todos aqueles que têm a participação, é evidente que apontámos para aquilo que é a parte profissional. Podemos pensar e alargar em termos mais vastos para outras áreas, mas não podemos esquecer o peso que tem essa componente profissional, que é bastante diferenciada em relação a outras áreas. E isto tem a ver, portanto, com a questão das multas de que falou e que até considerou baixas.
Podemos, como é óbvio, trabalhar no sentido de proceder a alterações neste campo, tendo em conta os tais sinais exteriores a que o Sr. Deputado se referiu e que são relevantes para apontar aquilo que é preciso nesta área.
Portanto, quanto à questão das sanções por incumprimento, podemos considerar isso, é matéria de trabalho, e as modalidades onde estamos a actuar são evidentemente aquelas que têm já corporizado a Liga. É este o caminho que tem sido prosseguido também por essa Europa fora, mas sobre este ponto também podemos pensar em sentido aberto.
Há, no entanto, uma questão essencial que é preciso dizer: fazemos a apresentação, não fizemos do decreto do regime jurídico das federações, porque também eram alterações, em relação a um decreto-lei, e portanto foi por essa razão, e tão-só, que não o trouxemos à Assembleia. Podia ter vindo... Não... Esta legislação veio também, em determinada altura, quando foi feita na Assembleia da República a criminalização para os actos contra a ética e a corrupção. E, portanto, foi também na sequência dessa legislação que considerámos ser fundamental não só a Criminalização mas também actuar, em termos da capacidade de regulamentação, a nível interno das federações. Preferiríamos que fosse assim, o que é facto é que não tem sido assim. Há, por exemplo, federações que têm os seus regimes disciplinares profundamente atrasados.
O Governo está disposto a colaborar, se for caso disso, na elaboração de um regime disciplinar completo para procedermos à sua adaptação ao que é necessário e requerido a nível das federações. Portanto, há disponibilidade para trabalhar nesse sentido.
Quanto a esta matéria, devo dizer que são questões que têm a ver com a sociedade em geral e que nós não poderíamos ignorar. Evidentemente que contamos com a colaboração da Assembleia para podermos objectivar o que é necessário para a nossa actividade desportiva.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado beneficiou de mais dois minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do PS.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida, para uma intervenção.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já que estamos no final do debate desta proposta de lei, quero fazer um pouco a história desta matéria numa curtíssima intervenção.
Em tempos, houve incidentes que levaram a opinião pública a ficar preocupada com fenómenos de corrupção. O Governo entendeu que tinha de intervir e resolveu fazê-lo preparando uma proposta de lei. "Encomendada" a mesma - o Secretário de Estado da tutela não é jurista nem revela ter grande sensibilidade nesta matéria -, é apresentada na Assembleia da República e, 'depois, o Governo é confrontado com um despacho sobre a admissibilidade da proposta de lei dado pelo Sr. Presidente da Assembleia da, República que envergonha o Governo ao escrever que aquela enferma de deficiente técnica legislativa, que poderá levantar problemas de natureza jurídico-constitucional, etc. Depois, o Governo é confrontado com o relatório da l.ª Comissão que sugere uma profunda reformulação da proposta de lei.
Perante isto, o Sr. Secretário de Estado dos Desportos, não podendo retirar a proposta por estar impedido de fazê-lo, entendeu que não fazia mal, que viria ao debate e que não falaria da proposta de lei mas atacaria o governo anterior. É sempre um bom expediente: quando não se quer sustentar as posições que se trazem à Assembleia, não se fala da iniciativa legislativa que está em debate, ataca-se antes o governo anterior. Desta forma, gastam-se os tempos, podendo-se mesmo excedê-los, sempre com uma causa que já é conhecida.
Sr. Secretário de Estado, o que fica registado é que V. Ex.ª não conseguiu, não quis defender a proposta de lei que apresentou à Assembleia. Não nos esclareceu quanto à razão por que submete os árbitros a um regime que só está previsto para Deputados e membros do Governo o regime do registo de interesses -, não conseguiu esclarecer a Assembleia quanto às razões por que não estabelece uma sanção a ser aplicada às federações que não cumpram as normas a que ficarão vinculadas se esta proposta de lei for aprovada e não conseguiu esclarecer a Assembleia, nem sequer tentou fazê-lo, quanto às razões por que não se prevê um mecanismo que aclare os conflitos que estão a surgir entre a Liga e a Federação em matéria disciplinar.
Sr. Secretário de Estado, tenho de recordar-lhe que se não tivesse sido aprovada a alteração à Lei de Bases, por
Página 2269
24 DE ABRIL DE 1997 2269
proposta de V. Ex.ª, não teria havido lugar ao conflito actual entre o Conselho de Disciplina da Liga de Clubes e a Federação Portuguesa de Futebol. O Sr. Secretário de Estado há-de fazer o favor de estudar melhor esta matéria, há-de ver os acórdãos de um e do outro órgão e chegará à conclusão de que o conflito existe por causa da alteração introduzida à Lei de Bases que foi proposta por VV. Ex.as...
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E em que o PSD votou a favor!
O Orador: - O Sr. Secretário de Estado dar-me-á razão quando estudar o assunto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista, para uma intervenção.
O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realmente, o problema dos Deputados do PSD é um problema de "saudade", como muito bem disse o Sr. Deputado José Cesário. A saudade é um sentimento que assenta fundamentalmente no "cotovelo". Podemos, pois, dizer que o problema dos Srs. Deputados do PSD é um "problema de cotovelo".
Vozes do PS: - Muito bem!
Risos do PSD.
O Orador: - É que, em boa verdade, é preciso desfaçatez, Srs. Deputados, para assumirem a postura que estão a assumir aqui: tentam escamotear o facto de que o desporto profissional está a passar pela actual fase de transição, de que todos estes problemas que têm sido citados são significativos da fase de transição que agora vivemos. E sabem por que é que vivemos a actual fase de transição? Sabem porquê? Sabem-no, mas vou dizer-vos o que VV. Ex.as já sabem: é porque durante 10 anos VV. Ex.ªs manietaram o desporto profissional,...
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - ... durante 10 anos os senhores impediram que o desporto profissional progredisse em Portugal e se colocasse ao lado do de todos os países europeus. Os senhores fizeram de Portugal um "oásis de miséria" em relação à indústria desportiva de toda a Europa.
Protestos do PSD.
Sabem porquê, Srs. Deputados? Porque os senhores nunca perceberam nada de desporto profissional. Os senhores detestaram sempre os homens do desporto profissional. O senhor e os outros Deputados foram sempre hostis e ainda hoje são...
Protestos do PSD.
Os senhores odeiam...
Protestos da Deputada do PSD Manuela Ferreira Leite.
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite odeia o desporto profissional...
Protestos do PSD.
Assim, VV. Ex.as vêm aqui tentar enganar a opinião pública como "lobos vestindo a pele dos cordeirinhos". Mas o problema de VV. Ex.as é que não só têm saudades da má governação que fizeram como não querem deixar que haja um governo bom.
Risos do PSD.
Mas o Governo do Partido Socialista, com os portugueses, está a legislar positivamente, como se demonstrou neste debate em que, de um lado, apareceu a razão, apareceram propostas concretas e, de outro, apareceu, única e simplesmente, a mentira e a demagogia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate e chegámos ao fim dos trabalhos.
A próxima sessão terá lugar amanhã, pelas 15 horas, e dela constará o debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República.
Está encerrada a sessão. .
Eram 19 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Partido Social Democrata (PSD):
António Joaquim Correia Vairinhos.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
João Álvaro Poças Santos.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Partido Comunista Português (PCP):
Bernardino José Torrão Soares.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Bento da Silva Galamba.
Carlos Manuel Luís.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Página 2270
2270 I SÉRIE - NÚMERO ó4
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Partido Social Democrata (PSD):
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Francisco Antunes da Silva.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Lino António Marques de Carvalho.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E.P.
1 - Preço de página para venda avulso, 9$50 (IVA incluído)
2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.
3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República
PREÇO DESTE NÚMERO 342$00 (IVA INCLUÍDO 5%)
Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e assinaturas do "Diário da República" e do "Diário da Assembleia da República", deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex.