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Sábado, 26 de Abril de 1997 I Série - Número 66

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

SESSÃO COMEMORATIVA DO 23.º ANIVERSÁRIO DO 25 DE ABRIL

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

Às 11 horas e 45 minutos entrou na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio), o Sr. Presidente dá Assembleia da República (Almeida Santos). o Sr. Primeiro-Ministro (António Guterres), os Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, os Secretários da Mesa, a Secretária-Geral da Assembleia da República, o Chefe e os Secretários do Protocolo do Estado.
No hemiciclo encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Ministros da República para os Açores e para a Madeira, o Procurador-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal Militar, o Vice-Presidente do Tribunal de Contas, o Provedor de Justiça, os Chefes dos Estados-Maiores da Armada e do Exército, o Vice-Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, um Conselheiro de Estado, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um Juiz do Tribunal Constitucional, o Governador Civil de Lisboa, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. o Presidente da Alta Autoridade para a Comunicação Social, o Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, o Presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiras, o Comandante Naval do Continente, o Comandante do Comando Operacional da Força Aérea, o Governador Militar de Lisboa e os Comandantes-Gerais da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública.
Encontravam-se ainda presentes nas tribunas e galerias os ex-Presidentes da República Ramalho Eanes e Mário Soares, o Marechal Francisco Costa Gomes, os anteriores Presidentes da Assembleia da República Oliveira Dias, Leonardo Ribeiro de Almeida. Fernando Amaral e Vítor Crespo, a Sr.ª Maria José Rita, as Dr.- Maria Margarida Almeida Santos e Maria de Jesus Barroso Soares, membros do Governo, membros do Corpo Diplomático e da Associação 25 de Abril e demais convidados.
Constituída à Mesa, na qual o Sr. Presidente da República tomou lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, postada nos Passos Perdidos. executou o Hino Nacional.
Seguiram-se os discursos dos Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), João Amaral (PCP), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP). Pacheco Pereira (PSD) e Medeiros Ferreira (PS). do Sr. Presidente da Assembleia da República e do Sr. Presidente da República, e no final foi de novo executado o Hino Nacional.
Eram 13 horas e 40 minutos quando a sessão foi encerrada.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro aberta esta sessão comemorativa do Movimento Libertador de 25 de Abril.

Eram 11 horas e 45 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou o Hino Nacional.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Caudal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Marfim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sã e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.

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Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Ex.mo Sr. Presidente da República, Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Foi num dia aparentemente igual a tantos outros que em 25 de Abril aconteceu, fazendo nascer um tempo historicamente novo.
Dize-lo hoje, 23 anos passados, é, em nome do direito à memória, lembrar que foram precisos muitos anos para lá chegar, ao dia feito de muitos dias. Dias arrastados, lentos, cansados de violência, de fome e de guerra. Dias de insubmissão, resistência e luta. Dias convergindo num outro dia, por mil caminhos cruzados e por tanta e tanta gente, ao longo de gerações, diversamente moldado.
Abril como o dia de que é preciso falar sem decepcionar as palavras, sem permitir que a espada vil da mentira lhes roube a pureza, a luz, a brancura e a alegria inicial. Dia em que a madrugada "revirou a noite, revelou o dia". Noite da ditadura a abrir-se em luz, em explosão de festa e de alegria. "Vencido o medo, dobrado o assombro".
No dia do sonho feito esperança, por intermédio daqueles a quem a história deu a missão libertadora de resgatar Portugal: os capitães de Abril, que, aqui presentes, hoje, vivamente, não quero nem posso deixar de saudar.

Aplausos de Os Verdes, do PS e do PCP.

Um Abril como o tempo que pôs fim à ditadura, ao tempo do pensamento vigiado e único, ao tempo do terror, do exílio, da censura, da guerra, "dos caminhos de ir lento, sem regresso".
Um Abril como o tempo do "nunca mais". Um Abril, em Abril, como o tempo do outro lado. O começo. O descobrimento. O futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É precisamente desse Abril, enquanto presente e sobretudo enquanto futuro, que hoje importa falar. Um Abril que nunca por nunca queremos ver transformado numa mera sessão comemorativa, num ritual evocativo esvaziado de conteúdo, em saudade como tristeza que fique em nós, porque aquilo de que gostámos se foi embora.
Um Abril que hoje, porventura mais do que nunca (quando inquietantes perigos o ameaçam), importa preservar e fazer quotidianamente viver, não só. através dos seus ritos mas, sobretudo, dos seus valores, da sua marca libertadora, do sonho que tem implícito, do direito à felicidade, que ousou reclamar, em nome de todos nós!

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Se o 25 de Abril é formalmente sinónimo de liberdade feita acção, na palavra conquistada, no modo de viver, em conjunto, no processo de construção colectiva, no sistema de pluralidades em que todos na sua diversidade são
necessários, na complexa teia de que a sociedade na sua
diversidade é feita;
Se o 25 de Abril é formalmente sinónimo de democracia que se baseia no conjunto de direitos e liberdades públicas e se legitima enquanto tal, como organização da sociedade e do Estado, na busca do bem-estar, da paz, do
desenvolvimento, como forma de assegurar a iodos uma igualdade de oportunidades e uma existência digna, através de uma responsabilidade partilhada;
A verdade é que o autêntico significado do 25 de Abril, enquanto liberdade, enquanto democracia, enquanto poder partilhado, só deixará de ser uma vulgar referência simbólica, um conceito cristalizado, uma meia verdade, uma
realidade por construir, quando se afirmar plenamente como espaço de exercício da liberdade, como destino, como escolha, como vivência individual e colectiva, como sentido da própria vida. Como diz Sophia de Mello Breyner: "Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda/ Mesmo aquela que é impopular neste dia que se invoca o povo/ Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio/ E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade".
"Meia verdade é como habitar meio quarto/ Ganhar meio salário/ Como só ter direito/ A metade da vida".
E é em nome da vida que o seu sentido tem de ser encontrado, quando a escola, em vez de se afunilar nas oportunidades e nas mentes, se alargar no acesso mas também no gosto pela experimentação, no estímulo pela crítica, no respeito pelo outro, na ligação à vida.
E é em nome da vida que o seu sentido se encontrará quando o trabalho, ao invés de se tornar um factor de alienação e um direito em vias de extinção, se entender como condição para a plena realização individual das pessoas e um instrumento do desenvolvimento e do equilíbrio social e ambiental.
E é em nome da vida que o seu sentido se encontrará, quando, à ortodoxia dos mercados e à sua implacável lógica desumanizadora, se contrapuser o primado das pessoas e dos seus direitos.
E é em nome da vida que o seu sentido se buscará, quando, ao egoísmo, à indiferença e ao silêncio acomodado, perante fenómenos como a exclusão e a intolerância, se contrapuser bem alto a solidariedade, a indignação e a responsabilidade partilhada.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Convidados, Srs. Deputados: Falar de Abril enquanto projecto, hoje, é falar de uma proposta para um tempo novo, um projecto inevitavelmente comprometido com o futuro, que tem de ser sinónimo de desenvolvimento e, obviamente, que implica também falar de ambiente e da sua revolução adiada.
É uma resposta que tarda, face a uma grave crise ecológica visível na desumanização das cidades, nos atentados à paisagem, na irracionalidade do desperdício e no absurdo da escassez, na especulação imobiliária, na pilhagem dos recursos, na contaminação das águas, na desertificação, no abandono dos campos, na destruição das espécies, na perda de diversidade, na eucaliptização indiscriminada, na poluição do olhar...
Trata-se de uma realidade incontornável que exige não frouxas nem lineares medidas que na paroquial lógica dos mercados nunca vão encontrar-se mas que nos propõe, isso sim, a rediscussão do próprio sentido da evolução da sociedade, num planeta onde a interdependência é cada vez maior e a revolução global que se coloca à humanidade é inseparável do próprio desenvolvimento, do conceito de solidariedade, da resolução das desigualdades entre povos e regiões, da própria democracia tal como tem sido concebida e do modo como os cidadãos participam desse processo.

Afinal, trata-se hoje de pôr em causa, num tempo historicamente novo, um modelo de sociedade durante décadas imposto como único, aceite como dogma. Um modelo que era suposto ser sinónimo de bem-estar, de equilíbrio, de riqueza, de uma nova geração de direitos e que, ao contrário, se revelou obsoleto, caduco, gerador de mais pobreza, mais desigualdade, mais poluição.
Uma questão que nos coloca hoje num momento em que a sociedade se interroga sobre o modo como vive, como produz, como consome, perante a necessidade de compreender que é urgente e forçoso encontrar, num tempo e num espaço em que nada nos pode ser indiferente ou distante e num tempo em que tudo nos é próximo e cada gesto não é mais um gesto isolado, a nova ética de responsabilidade, a compreensão de que há valores que não são passíveis de troca, uma informação partilhada, uma visão de prevenção e de longo prazo que não cede ao fascínio do imediatismo, um diferente código de conduta na relação dos homens com a natureza, na utilização dos recursos que garanta uma utilização sustentada mas também uma partilha socialmente justa.
Um tempo historicamente novo, com novos desafios, que reclama ele próprio um novo conceito de solidariedade, capaz de respeitar os direitos das gerações vindouras.

Um tempo de hoje, que em Abril se revê, como tempo de viragem, como tempo de sonho transformado em viagem.

Viva o 25 de Abril!

Aplausos de Os Verdes, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e Sr. Presidente do Tribunal Constitucional. Sr.ªs e Srs.- Convidados, Capitães de Abril, Sr.ªs e Srs. Deputados: Reúnem-se hoje, aqui, órgãos de soberania e as mais altas instâncias do Estado, nesta sede da "assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses", para celebrar o 23.º Aniversário do 25 de Abril. Somos aqui convocados pela vontade de um povo que ama a liberdade e a reconquistou, nessa jornada inesquecível, com a valorosa acção do Movimento das Forças Armadas, do MFA. No lugar de honra dos nossos corações estão os capitães desse Abril da liberdade, aqui representados na tribuna pela Associação 25 de Abril, que saúdo com emoção e com renovada fraternidade.

Aplausos do PCP, do PS, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.

Esta é uma Casa de liberdade, esta é a vossa casa também!

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O 25 de Abril deve ser comemorado aqui, na sede da representação nacional, porque, sendo a matriz conformadora do regime democrático, ele tem de ser a primeira referência de todos os órgãos de soberania, de todas as instâncias do Estado e de toda a Administração Pública, sem excepção.
Também as Forças Armadas comemoram de forma especial a data da liberdade, porque, tendo delas emergido a acção militar de força que derrubou o regime fascista, o 25 de Abril deve ser para elas motivo de legítimo orgulho e de referência permanente do dever cumprido para com o povo português e para com Portugal.
Mas é com as comemorações populares que o 25 de Abril ganha todo o seu significado, Aquele povo que tomou no seu coração a Revolução, logo nas primeiras horas, ainda os tanques percorriam as ruas de Lisboa, comandados pelo saudoso e tão injustificado capitão Salgueiro Maia. Aquele povo que encheu as praças de todo o País no 1.º de Maio mais carregado de esperança e confiança de toda a nossa História.
Este ano, as comemorações populares vão ter um momento particularmente alto aqui, em Lisboa. Num dos seus sítios mais nobres e centrais, a cidade vai abrir à vista de todos um monumento ao 25 de Abril, a sua homenagem à Revolução. Era um sonho de muitos portugueses, e particularmente de muitos lisboetas, terem na capital do País uma evocação significativa da Revolução. Bem haja a Câmara Municipal de Lisboa, que deu corpo ao monumento que hoje à tarde é inaugurado.

Aplausos do PCP, do PS, de Os Verdes e dos Deputados do PSD Mota Amaral e Silva Marques.

Mas os portugueses que hoje comemoram os 23 anos da Revolução não vão limitar-se à festa. Vão olhar à sua volta e fazer o balanço da situação em que vivem e das perspectivas que se abrem para o seu futuro. Vão querer saber onde está a justiça social a que têm direito. Vão querer saber por que está adiado o desenvolvimento equilibrado do País, por que é que a riqueza está cada vez mais concentrada, por que razão o trabalho tem cada vez menos valor social, por que razão quem trabalha está cada vez mais desprotegido e sujeito à prepotência. Vão querer saber como é que um país pode ir desmantelando insensatamente a sua agricultura, as pescas, a indústria mineira, como é que um país pode progredir, deixando cada vez mais à sua sorte os sectores produtivos da economia. Vão querer saber como é que se defende a independência nacional, quando é cada vez maior a sujeição económica do País.
Foi o 25 de Abril que traçou os grandes desígnios nacionais, vertidos depois para a Constituição da República.
Grande desígnio nacional assumido com o 25 de Abril é a democracia, a liberdade e o pluralismo; é a justiça social; é a democracia económica, com a subordinação do poder económico ao poder político; é a democracia na empresa, com a garantia dos direitos dos trabalhadores; é a democracia cultural e a igualdade de oportunidades no acesso à educação e ensino; é a descentralização do Estado; é a garantia da unidade do Estado e da independência nacional.
Não faz parte dos desígnios nacionais ter um exército de dois milhões de trabalhadores em regime de trabalho precário ou manter no desemprego perto de meio milhão de portugueses. Também não faz parte dos desígnios nacionais deixar a indústria têxtil portuguesa à mercê de uma concorrência internacional mortífera, aceitando uma imposição pela Comissão Europeia no sentido do desarmamento alfandegário antes dos prazos acordados e definidos para a nossa indústria proceder à sua preparação e reestruturação.
Nem faz parte dos desígnios nacionais vender de forma sistemática o valioso património acumulado por gerações de empresas estatais ou com participação estatal, permitindo a reconstituição do desmesurado poder de um punhado de grupos económicos, onde avultam alguns dos grupos que foram o sustentáculo do regime fascista e, simultaneamente, abrindo o progressivo domínio de importantes sectores da economia portuguesa a empresas estrangeiras e multinacionais.
De igual modo, não faz parte dos desígnios nacionais a aceitação da imposição a Portugal pela União Europeia de acordos comerciais com terceiros países que conduzem ao enfraquecimento impiedoso de um sector industrial tão importante para o nosso País como o conserveiro e, simultaneamente, ao enfraquecimento do sector pesqueiro que serve essa indústria.
Os portugueses do Portugal de Abril não podem aceitar de braços cruzados a quebra de um compromisso como o da fixação do horário máximo das 40 horas, histórica aspiração do movimento sindical e dos trabalhadores portugueses, hoje a ser frustrada por um capcioso manobrismo na aplicação da lei pelas autoridades do Estado e pela aceitação de uma espécie de diktat neocorporativo feito por um patronato retrógrado e por quem se molda aos seus interesses. Desta tribuna aproveito para saudar os trabalhadores que há 20 semanas consecutivas lutam pelas 40 horas, usando os direitos que Abril consagrou!
Os portugueses não entendem também que um projecto nacional como o da regionalização, cujo edifício legislativo devia estar agora em conclusão, tendo em vista as eleições dos órgãos respectivos já na data das próximas eleições municipais, tenha sido mais uma vez adiado e metido numa monumental embrulhada cheia de alçapões que o podem comprometer.
De igual modo, também os jovens não podem aceitar que, perante um quadro de degradação do sistema de ensino e de crescentes dificuldades no acesso ao posto de trabalho, que só conseguem em inaceitáveis condições de precariedade, em vez de se travar com eles a batalha pela educação e pelo emprego, se afunile toda a política para a juventude na aplicação das injustas e inaceitáveis propinas.
Não é desígnio nacional que se compatibilize com os ideais de progresso e independência nacional do 25 de Abril sujeitar o desenvolvimento do País e o bem-estar dos cidadãos aos ditames espartilhantes do Tratado de Maastricht e a uma moeda única que não só vai retirar a Portugal instrumentos decisivos de política económica como vai subordinar o País às orientações e interesses dos poderosos países do centro da Europa.
Por que querem a todo o custo impedir que o País discuta com profundidade esta opção decisiva para o seu futuro? Por que impedem o debate aprofundado e a decisão soberana que só o referendo sobre a moeda única podem propiciar? A resposta é simples: porque sabem que o debate iria provar que a moeda única é uma opção contra o desenvolvimento do País, contra os interesses do nosso povo e contra a independência e soberania nacionais. Porque o debate iria provar que a moeda única pode ser um desígnio dos grandes grupos transnacionais e dos países poderosos, mas não é, a título algum, um desígnio nacional.

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Como o não é desfazer de supetão a ligação profunda que com o serviço militar unia o povo português e as suas Forças Armadas na defesa militar da República.
Como não o é fazer acordos partidários para descaracterizar a Constituição da República, em princípios tão essenciais como o da unidade do Estado e o da representação proporcional na constituição da Assembleia da República e dos órgãos de poder local.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É por tudo isto que esta comemoração do 25 de Abril não é nem pode ser a jornada do conformismo. Não vamos, nem vão os portugueses que hoje comemoram, o 25 de Abril, ficar a carpir o que não foi feito e as promessas não cumpridas, nem vamos ficar amarrados à tristeza profunda pelo que já foi destruído. O exemplo do 25 de Abril é o de espírito anticonformista, de rebeldia e de responsabilidade. Estamos aqui, PCP, a proclamar que vamos continuar a luta pelos ideais de democracia, progresso, solidariedade e independência nacional do 25 de Abril.
Estamos aqui a formular propostas:' uma nova política de desenvolvimento, sem espartilhos; a promoção dos direitos de quem trabalha; a regionalização; políticas de ensino, saúde, segurança social e habitação, em que o Estado assuma as suas responsabilidades; dar à juventude as oportunidades e as garantias que o nosso futuro colectivo reclama; proteger a terceira idade, com a dignidade que ela merece; defender a independência nacional. Estamos aqui, em suma, a dignificar a política, pondo-a onde deve estar, ou seja, ao serviço dos cidadãos.
Não somos dos que viram nos acontecimentos da última década a vitória sem retorno do capitalismo selvagem e das injustiças, nem somos dos que interpretam a mundialização das economias como o decretar da desregulamentação neoliberal e da liquidação das conquistas do movimento dos trabalhadores.
Por nossa parte, mantemos viva toda a esperança que o 25 de Abril trouxe a Portugal.
Apelamos a todos, homens e mulheres que connosco mantêm viva essa esperança, para que se afirme uma clara rejeição da resignação, urna renovada vontade de intervenção e uma firme determinação de fazer ouvir a sua voz. Afirmamos com clareza: é preciso uma viragem à esquerda, uma viragem para o lado dos ideais da Revolução que hoje comemoramos.
Viva o 25 de Abril.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Centro Democrático Social Partido Popular, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Srs. Convidados: Subo hoje a esta tribuna representando o CDS-PP, 23 anos depois do acontecimento que ficou na História e na memória como o " 25 de Abril".
Subo a esta tribuna em nome do futuro, de um futuro à medida de uma nação e um povo que fizeram, em rasgos de vontade, tantas vezes contra a natureza e a ordem das coisas, a sua História: iniciada pela teimosia do Rei Fundador e dos barões portucalenses, consolidada pelo Rei da Boa Memória e pelo Povo de Lisboa, prosseguida na aventura da navegação e conquista, nessas manhãs luminosas do princípio dos novos mundos, de África, da América e também do velho Oriente, a acabar tragicamente no rei menino desaparecido nas brumas de Alcácer-Quibir, com a perda da liberdade do Reino em 1580 e de novo reconquistada por vontade própria.
Depois, a perda relativa do poder das armas obrigou-nos a desenvolver a argúcia diplomática: na Restauração, com D. João V e Pombal, com D. João VI, levando a legitimidade da Coroa para o Brasil, com as expedições e campanhas dos "Africanos", de Serpa Pinto a Paiva Couceiro e Mouzinho, nos finais do século XIX.
Estas aventuras, viagens e conquistas significaram também três ciclos de fortunas: da índia, do Brasil, de África. Mas deixámo-las em parte onde as fizemos: nas pedras das fortalezas, dos templos e das cidades; nas armadas que patrulhavam e defendiam as rotas marítimas; mas sobretudo no sangue, na luta, no medo, na coragem de milhões de portugueses que, do século XV ao século XX, das praças de Marrocos aos rios de Moçambique, missionários no Japão, soldados na índia, bandeirantes no Brasil, comerciantes em África, deixaram ossos e filhos nos quatro cantos do mundo.
A nossa História, lida sem devoções acrílicas mas também sem o derrotismo demolidor dos desenraizados, mostra o equilíbrio entre o recurso ao poder militar e a ponderação do jogo diplomático dos Estados, na defesa dos interesses nacionais, e também a criação única de uma nova cultura, a luso-tropical, que racionaliza e consolida a fixação do europeu nos trópicos, misturando-se, dando e recebendo, fazendo seu o lugar a que chega, mas integrando-se nele, passando a ser outro.
Este passado que aqui convoco deve ser hoje lembrado, sobretudo, por aqueles que hoje, no final do milénio, são chamados a fazer a História, porque a História s6 é feita se houver a coragem de passar o testemunho.
As lições da História importam, não só como casuística de exemplos a repetir ou erros a evitar, mas, sobretudo, porque as coisas passadas e os factos vividos vão estruturando, para os povos como para as pessoas, a identidade e a personalidade, aquilo que os distingue entre outros povos e outras pessoas.
O século XX viu emergir no pós-guerra, como força nova, apoiada pelas potências americana e soviética, o movimento anticolonial. Os "ventos da História" sopraram com força, a partir da independência da índia e de Bandung; ingleses, franceses, holandeses, espanhóis e belgas foram cedendo, por conveniência ou por desgaste, os seus impérios.
Portugal, que tinha uma História diferente nessa relação, e, por isso, muito mais a perder, não quis reconhecer esses ventos da História ou, reconhecendo-os, não quis ceder-lhes, mas estes, na conjuntura agravada por um poder político que não acreditava em si próprio, foram mais fortes. .
O 25 de Abril abriu a porta a um processo de descolonização ideologicamente orientada, que não salvaguardou os legítimos interesses de ninguém: nem dos que tiveram de partir, nem dos que quiseram ficar.
Não pretendemos daqui fazer um processo de intenções da convicção de muitos que então assim procederam, res-

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peitamo-los, mas também exigimos hoje, nesta distância histórica, o respeito pelos que então procuraram mudar o sentido das coisas.
E tal como procedemos à descolonização rápida, do mesmo modo, em 11 de Março de 1975, se decretou a estatização forçada da economia nacional, declarando-se o País "a caminho do socialismo", 10 anos antes de este iniciar a sua queda final na União Soviética.
A luta contra este estado de coisas foi luta dos partidos - do PS, do PSD e do CDS -, dos militares moderados, mas, sobretudo, do povo português, que a partir do Norte deu o exemplo de resistência, tornando possível, no 25 de Novembro, parar a via totalitária da revolução.
Assim, o processo da conquista das liberdades públicas, aberto pelo 25 de Abril, foi complexo, conheceu retrocessos e só viria a concretizar-se a partir de 25 de Novembro.
Também a Constituição de 1976, ao consagrar, com a única oposição do CDS, um modelo absurdo de uma sociedade aberta a caminho do socialismo marxista, criou uma problemática legal complexa, para a solução da qual se consumiram anos de negociações e polémica institucional.
Do mesmo modo, a opção europeia, surgida inicialmente como um recurso das forças políticas democráticas contra os riscos da militarização do poder e das soluções revolucionárias e terceiro mundistas, assumiu uma urgência que impediu uma maior e melhor ponderação de outros factores, no estudo dos dossiers económicos e sociais.
Assim, os efeitos do período revolucionário consumiram grande parte do esforço político e institucional na polémica de remediar as suas sequelas, salvando-lhe os princípios e mudando-lhes as consequências, esforço que não pôde ser encaminhado, como devia, para a concepção e execução de um novo projecto nacional.
É por tudo isto que, 23 anos depois, é urgente que se alinhem sem pejo razões e desrazões, que se clarifiquem todos os combates e combatentes e todos sejam respeitados. Para que se crie, na reconciliação geracional e no lançar das pontes que são os elos dos ciclos históricos que a maioria dos aqui presentes e de quantos ficaram entre as duas margens viveram e protagonizaram, um novo projecto nacional capaz de congregar todos os portugueses, próprio, específico, na demarcação do novo espaço que nos cabe e de uma identidade renovada.
Por tudo isto e na perspectiva do futuro, convoco também a grande "tribo lusa" espalhada pelo mundo, unida ainda, e apesar de tanta indiferença de governantes e políticos, pelas raízes e destino comuns. Refiro-me aos emigrantes que, nas décadas da penúria, partiram em , busca de melhor sorte e sempre foram, ao longo dos anos e mesmo das gerações, enviando a alma e as remessas para esta terra.
E convoco também aqui, hoje, como não podia deixar de ser, as novas nações e povos irmãos negros, mestiços, crioulos e asiáticos, que estarão também, decerto, presentes nesse futuro. Um futuro onde um novo Portugal se cumprirá se formos capazes, com sentido nacional e lucidez política, de fazer o que falta, há muito adiado: conseguir para os mais novos, sobretudo para eles, o equilíbrio justo entre expectativas, esforço e oportunidades; reformar, em nome da solidariedade e equidade, os sistemas sociais; reforçar as famílias portuguesas e consolidar a classe média; tornar real, e não meramente programática, a igualdade de oportunidades; qualificar, num mundo massificado, o nosso factor humano; prevenir os efeitos dramáticos da coabitação em parte inultrapassável, com bolsas permanentes de desemprego; travar, racionalmente, um efectivo combate contra a droga e todas as formas de dependência; reintroduzir o sentido de responsabilidade nas relações entre cidadão e Estado; reforçar a cidadania em todas as suas expressões; iniciar corajosamente os grandes debates nacionais, dentro e fora dos centros de poder; tornar participadas, e portanto solidárias, as grandes decisões nacionais; e, sobretudo, manter a nação portuguesa unida, soberana e independente, condição sine qua non para que todos estes projectos se cumpram, no limiar do novo milénio.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Altos Dignitários do Estado, Srs. Convidados, Sr.- Deputadas, Srs. Deputados: Comemora-se hoje mais um aniversário do 25 de Abril, momento fundador da nossa democracia política. Comemoramos um 25 de Abril que não tem propriedade. Nem à esquerda, nem à direita. Não é propriedade de quem o fez e muito menos de quem o usa para efeitos de legitimação política, retirando-lhe assim o seu significado nacional. Porque só há duas alternativas: ou o 25 de Abril fundou a democracia e é pertença da cidadania de todos os portugueses ou transformou-se numa data sectária ou num instrumento de culpabilização histórica e política. Culpabilização que não deve ser feita para trás, para o 24 de Abril, nem para a frente, para o 26 de Abril.
Por nós falamos. O PSD é, na sua génese e na acção, um directo resultado desse acto de liberdade do povo e da nação e, em consequência, é, tanto quanto os outros partidos da democracia e tanto quanto a própria democracia, um sinal do 25 de Abril, parte indissociável do que comemoramos. Porque, comemorando o 25 de Abril, comemoramos as instituições que lhe dão corpo - a democracia parlamentar e representativa, consubstanciada no Parlamento e nos partidos políticos.
É por isso que a comemoração deve ter lugar essencialmente aqui, na instituição parlamentar que representa aquilo que é a essência da democracia: a liberdade de sermos diferentes que nasce do direito de sermos iguais. A nobreza do pluralismo democrático, o fundamental, claro, lídimo direito de cada um ter opinião, é aqui que se traduz. É que não temos a mesma opinião, a mesma visão da sociedade. Esta instituição, tantas vezes mal amada, não se baseia na unidade mas na pluralidade, não se baseia, fundamentalmente, no consenso.
E é exactamente porque o 25 de Abril é assim que só evitamos que esta comemoração seja um ritual sem sentido se a actualizarmos para as nossas preocupações do presente e se dissermos agora o que nos divide.
Três preocupações são para nós imperativas. Todas elas estão interligadas: primeira, a inconsciência face aos problemas que iremos defrontar no fim do século; segunda, o excessivo tacticismo da nossa vida política; terceira, a crise da autoridade do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se pode ser cego em relação aos problemas que Portugal vai defrontar no fim deste século. Nessa data, o País encerrará uma página

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no seu processo de integração .na Europa, e encerrá-la-á, esperamos todos, com sucesso. Mas defrontará novos problemas, alguns dos quais inéditos na nossa História dos últimos 200 anos, e não é líquido que nos estejamos a preparar para os defrontar.
Uma economia que sempre viveu protegida, uma sociedade em mutação rápida, sujeita a tensões consideráveis, uma vida política que está muito vezes presa aos esquemas e aos problemas do passado, tudo isto constituirão fontes de dificuldade acrescida.
Existe hoje um divórcio entre os problemas e a sua percepção pública, um divórcio entre o que precisávamos de estar a fazer e aquilo que fazemos. Esse divórcio alarga-se porque, sendo este o tempo de políticas difíceis, está a tornar-se o tempo em que a facilidade se torna comum.
Ora, este divórcio é ou deveria ser, pela sua própria natureza, o primeiro factor de preocupação da política democrática e dos políticos.
São por isso preocupantes os sinais de que, em vésperas de uma mutação qualitativa na vida de Portugal, com a plena integração na União Europeia, fazendo novos desafios e grandes exigências, muito da nossa vida política permaneça dominada por preocupações de puro tacticismo, subordinado mais à imediaticidade mediática do que a uma visão estratégica dos problemas nacionais. A redução da acção política apenas à garantia de que se ocupa espaço no jornal do dia seguinte, a política esvaziada de conteúdo de cartas abertas, as voltas e reviravoltas tácticas destinadas a gerar "novidade" - logo, noticias estão intimamente associadas a uma profunda falta de consistência na acção política e à consolidação da ideia de que a política em democracia é um mero jogo que não depende de ideias, princípios, valores e convicções.
Este carácter superficial da vida política é gerado e agravado essencialmente pelo vazio do poder, pela incapacidade de decidir, pelo medo de assumir as responsabilidades, gerando uma apatia social difusa, que parece uma acalmia, mas é apenas o prenúncio de tempestade.
É o caso gravíssimo da clara quebra da autoridade do Estado.
Há uma frase lapidar de um grande poeta português, Mário Cesariny de Vasconcelos, escrita contra a censura e o regime autoritário do Estado Novo. Foi uma frase inserida num documento político escrito por um poeta, que, num assomo de rara lucidez, os censores compreenderam na sua perigosidade, e censuraram. Essa frase é simples: "Todo o homem é teatro de uma inexpugnável autoridade".
Há nesta frase uma dupla subversão: a da afirmação da individualidade e a da afirmação da liberdade. Mas o que há nela de poderoso é que Cesariny utilizou uma palavra estranha, de má fama entre os que têm da liberdade uma ideia superficial - apalavra "autoridade". Alias, a mesma que era uma palavra-chave do discurso do regime autoritário de Salazar.
Mas é esta "autoridade" do poema que materializa a liberdade. Não há liberdade sem autoridade, sem autoridade sobre nós próprios, para sermos livres face à coacção, sem autoridade sobre o que é nosso pelo amor, pela amizade, pela solidariedade e pela posse do nosso espaço e das nossas coisas. A autoridade numa democracia é penhor de que a minha casa é protegida, de que meu nome me pertence, de que a minha palavra e o meu voto são livres, de que possa escolher a parte que me cabe do nosso destino colectivo, segundo o que penso e desejo.
Mas não há liberdade individual se essa autoridade não se estender naturalmente à sociedade e ao Estado, se também no Estado não houver uma parte desta "inexpugnável autoridade", que nos defende essencialmente do medo.
A preocupação, com aquilo que consideramos ser a autoridade do Estado, ou seja, a capacidade de no Estado democrático se respeitar a ordem e a segurança de todos, vem de que a existência desta autoridade é uma das fontes da própria legitimação do Estado em democracia.
Por isso, a farda de um polícia numa rua protege-nos, mas a farda de um polícia numa manifestação ilegal ameaça-nos.
Mas mais. Mais do que a afronta a um Estado e a uma ordem que devia ser respeitada como emanação da democracia, mais me ameaça o silêncio e a complacência face à violação da lei por quem é o seu garante, o que é um acto de completa perversão da legitimidade de quem governa. No Estado e na democracia não há meia ordem, ou há ordem ou não há, e não houve. É assim que em democracia se perde a razão e é assim que se pode perder a democracia.
A democracia representativa assenta numa delegação de autoridade, de todos nós a quem nos representa e governa, e nessa delegação de autoridade está inclusa uma obrigação de a exercer. E isto por uma razão muito simples: para que o voto popular seja eficaz e ninguém mande mais, por interesse próprio - nem grupos, nem corporações, nem sindicatos, nem poder económico - do que o povo que a todos nós ordena.
A crise de autoridade do Estado põe em causa o primado da política e da soberania popular, torna o Estado menos democrático e a representação mais fraca, favorece os grupos de pressão e a demagogia, põe em causa a democracia e põe em causa o 25 de Abril.
Viva a democracia!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.ªs e Srs. Convidados, Caros Colegas Deputados: Começo esta intervenção por saudar os militares que derrubaram a ditadura e promoveram as condições para o estabelecimento de um regime democrático constitucional em Portugal e o fizeram enfrentando todos os riscos, até o de prejudicarem as suas próprias carreiras militares.

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.

Bem hajam também por terem cumprido a promessa de regresso a quartéis e de o terem feito voluntariamente!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando escrevi na comunicação enviada ao reprimido Congresso da Oposição Democrática reunida em Aveiro em 1973 que "a actual situação de Portugal aponta três ordens de soluções que convém trilhar

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simultaneamente: trata-se de descolonizar, de socializar e de desenvolver. Tais metas devem ser alcançadas através de uma profunda democratização da sociedade portuguesa", não imaginava que o futuro Movimento das Forças Armadas iria sintetizar o seu programa na conhecida fórmula dos três D's: Democratizar, Descolonizar e Desenvolver. Mas já referia nessa mesma "tese" (como se dizia na altura) que "numa época em que se aproxima a reestruturação do espaço europeu com possibilidades combinatórias várias, desde a manutenção dos Estados nacionais a uma intensa regionalização ligada a poderes transnacionais, até à coexistência de Estados nacionais com poderes regionais mais avançados, a existência de um Exército forte (...) será um factor importantíssimo para que Portugal se faça respeitar e seja considerado como um Estado soberano". Estávamos em 1973.
A luta pela liberdade e pela democracia política pluralista e representativa, travada antes e logo depois do 25 de Abril, não é uma luta do passado. Muito pelo contrário, ela é mais necessária do que nunca.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os inimigos da liberdade possuem hoje instrumentos de acção muito mais poderosos e sofisticados do que no tempo dá ditadura. Não há comparação possível entre algumas campanhas de descrédito lançadas sobre o actual regime democrático constitucional, com os toscos panfletos difamatórios da antiga Legião Portuguesa ou com as óbvias Notas do Dia da Emissora Nacional, do Diário da Manhã ou da TV a preto e branco, emitidas contra os valores da liberdade e da democracia.
Só o profundo consenso nacional estabelecido à volta das liberdades políticas e do regime democrático impede que muitas atitudes cínicas tomadas contra a actividade política, em geral, e contra as instituições constitucionais, em particular, tenham efeitos ainda mais nefastos sobre os órgãos de soberania - e agora falo dos eleitos e fiscalizados.

Aplausos do PS e do Deputado do PSD Mota Amaral.

Mas o regime democrático representativo saído do 25 de Abril e da Constituição de 1976 revista não pode continuar na defensiva como que alheado dos perigos que o espreitam.
A robustez de que o regime democrático dá provas não nos deve convidar ao repouso.
Estão perigosamente iludidos os que consideram ser irreversível o regime democrático e impensável um regresso a regimes autoritários. Não é este o quadro para ensaiar qualquer digressão histórica sobre as características do regime ditatorial ou sobre as formas de opressão e de repressão utilizadas contra os seus adversários durante dezenas de anos. Para além das prisões, das condenações no político Tribunal Plenário, das medidas de segurança, talvez valha a pena recordar que as informações da PIDE obstaram à entrada de muitos quadros democráticos na função pública, nas Universidades, nas Forças Armadas e noutros corpos do Estado. E ainda hoje esses efeitos se fazem sentir.

Aplausos do PS.

Mas passemos à frente.
Ontem, foi inaugurada uma exposição sobre "O Arquivo da PIDE/DGS na Torre do Tombo" onde, segundo o relato feito pelo jornal Expresso do último sábado: "Após a entrada simbólica na sede da PIDE, desenrola-se o primeiro núcleo da exposição, que incide sobre as organizações policiais da 1.B República (...) É uma documentação vastíssima sobre as actividades dos principais adversários e inimigos da República: os bolchevistas, os anarquistas, os monárquicos".
Queremos aqui tornar claro que não haverá qualquer hipótese de relativismo histórico que nos impeça de condenar absolutamente a acção da polícia política da ditadura derrubada na data que hoje se comemora!

Aplausos do PS, do PCP e de alguns Deputados do PSD.

Ao que parece, essa exposição procura mostrar "as actividades de vigilância que a lei permitia, e as que a lei não permitia", no dizer da responsável da exposição.
Também aqui será necessário comentar que essas leis nunca foram aceites pelos combatentes da liberdade durante a ditadura. A repressão legal numa ditadura é mais um escárnio lançado sobre os cidadãos livres!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, não há comparação possível entre leis sobre segurança elaboradas por um regime democrático - no qual vigora um código geral de direitos, liberdades e garantias - e a acção neste domínio por parte de um regime político ditatorial ou policial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Seria o mesmo que as medidas agora tomadas para a criação de um espaço judicial comum na União Europeia acabassem por ser utilizadas por regimes autoritários que substituíssem os actuais. Seria uma verdadeira armadilha para os defensores dos direitos humanos, que somos todos nós.
Nesse caso, o espírito democrático criador de um espaço de liberdade, de circulação e de segurança seria substituído por uma nova forma de Santa Aliança repressiva. Não há um só defensor da União Europeia que tal queira!
Talvez que o regime democrático português esteja hoje demasiado confiante na segurança que lhe empresta a sua participação na União Europeia, e estou particularmente à vontade para falar nesse domínio. A fortaleza do regime democrático encontra-se no querer do povo português. O regime democrático não foi induzido do exterior e é internamente que se defende.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O regime democrático português necessita de se revigorar mediante uma panóplia de políticas que abrangem, sobretudo, os domínios sociais, culturais, educacionais, assim como os da justiça, da saúde, da segurança e do emprego. Muito se tem feito ultimamente no campo económico e financeiro, no combate à exclusão social e ao desemprego, mas muito ainda há que fazer para resolver estes e outros problemas, como os derivados da insegurança, do racismo e da xenofobia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O bom governo é tão importante como as boas leis e o Partido Socialista está em condições para

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agir nestes dois campos. O que é certo é viver Portugal um bom momento económico e financeiro, conforme certificam todos os organismos internacionais pertinentes.
Esta Assembleia encontra-se em laboriosos trabalhos de parto para mais uma revisão constitucional. Gostaríamos de garantir que esta revisão será a última por largos anos e que dará resposta às necessidades de flexibilização e de adaptação da Lei Fundamental aos novos tempos. Mas não podemos passar a vida a rever a Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Temos consciência das dificuldades práticas para emprestar ao regime democrático representativo uma maior dimensão participativa. A igualdade perante a lei não deve ser confinada à sua aplicação, mas, antes, deve subir até às esferas da própria elaboração e aprovação desta.
A auscultação da vontade popular deve ser promovida - para além das eleições gerais que sempre hão-de constituir os alicerces da democracia e a fonte de legitimidade dos órgãos de soberania - através de formas mais instantâneas sobre assuntos mais concretos, permitidas agora pelos avanços tecnológicos e que podem ajudar a tomar decisões mais próximas dos interesses das populações, nomeadamente nas questões municipais e regionais.
O recurso ao referendo deve ser pautado pela necessidade de emprestar clareza e fundamento às grandes opções políticas e aos temas de sociedade, sem que o seu uso sirva para arruinar as traves-mestras da democracia representativa e sem obrigar esta a derivar para os chamados "governos de assembleia" que foram sempre governos de radicalismo e sectarismo político e social.
A regionalização, pelo seu lado, não pode ser encarada como uma fragmentação do País e um processo pelo qual as regiões mais ricas cativariam os próprios recursos fiscais e financeiros, impedindo a sua criteriosa redistribuição por todo o território nacional. Não podemos pretender a solidariedade europeia através do fundo de coesão e dos fundos estruturais e depois negar internamente esse mesmo esforço de coesão inter-regional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Somos contra o egoísmo regionalista e a arrogância centralista.
Pelo contrário, a regionalização deve ser encarada como uma reforma do Estado tendente não só a uma maior descentralização administrativa como também a facilitar um desenvolvimento mais harmonioso de todo o território nacional. E não se pode dissociar o processo de regionalização do papel integrador dos partidos políticos a nível nacional - será um novo papel para esses partidos. Pelo seu lado, o Partido Socialista assume resolutamente esse papel nacional na regionalização administrativa do continente, como já o faz em relação às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. O Partido Socialista defenderá sempre o interesse geral e a coesão nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é só o Estado que se deve adaptar às novas realidades, os partidos políticos de dimensão nacional também. Seria positivo que todos os partidos estivessem preparados para as novas funções integradoras decorrentes da regionalização.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr.ªs e Srs. Convidados, Caros Colegas Deputados: Vou concluir, voltando à origem do regime democrático que aqui nos reúne.
O 25 de Abril de 1974 iniciou o processo que iria levar ao fim os regimes ditatoriais europeus e exerceu certamente influência na democratização da América Latina e na libertação de muitos países africanos. Saudamos especialmente a República de Moçambique e a República de Angola por terem conseguido dar lugar à paz e sentimo-nos solidários. com o seu desenvolvimento e progresso, assim como nos sentimos solidários com as Repúblicas de Cabo Verde, Guiné e S. Tomé. E não desistiremos de promover a causa da liberdade para o povo de Timor.

Aplausos gerais.

Como disse a 22 de Setembro de 1976, num governo presidido por Mário Soares, quando era Presidente da República o General Ramalho Eanes, quando Portugal aderiu ao Conselho da Europa graças ao 25 de Abril e à Constituição: < Estamos aqui, para afirmar a toda a Europa democrática aqui representada: vale a pena travar o bom combate. A Liberdade, tal como nós a concebemos, é incontestavelmente a grande ideia que conduz a humanidade na rota da perfeição".
Viva a democracia. Viva o 25 de Abril.

Aplausos do PS, de pé, do Deputado do PSD Mota Amaral e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Sr. Presidente do Conselho Nacional da República Eslovaca, Srs. Representantes do Corpo Diplomático, Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Sr. Presidente da República, quis V. Ex.ª, urna vez mais, manter a tradição da presença dos Presidentes da República nas sessões parlamentares comemorativas do Movimento Libertador de 25 de Abril de 1974.
Por feliz coincidência, todos os Presidentes da República posteriores àquela data memorável foram homens de Abril, no sentido de terem ajudado a preparar ou a detonar a alvorada libertadora que uma vez mais evocamos.
Como militares ou como resistentes, tem sido essa uma constante que ilustra o significado que o povo português, hoje como no referendo sem votação do l.º de Maio de 1974, continua a emprestar ao acto de ruptura constitucional com a longa noite da ditadura e da opressão. Decerto em obediência a um raciocínio simples: os melhores guardiões da pureza do espírito de Abril são os que o tornaram possível.
Ilustres Autoridades e Srs. Convidados: Quero agradecer também a vossa presença e o brilho que emprestam a esta cerimónia.
E parto já para uma saudação muito carinhosa aos valorosos Capitães de Abril, aqui ilustremente representados, que, sem saberem que dificuldades iam deparar-se-lhes - e que eram presumíveis -, enfrentaram o "Minotauro" semi-secular que nos oprimia, dispostos a morrer para que pudéssemos ser livres. Quem arrisca a vida pela liberdade dedica a esta a maior prova de amor.

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.

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Viria a ser mais fácil do que imaginavam. O medo, em 25 de Abril, funcionou ao invés. De guardador da vinha, passou a guardar, contra o usurpador, o dono dela.
Porquê assim, depois de tanta tentativa frustrada? Exactamente porque, durante o longo cativeiro, quase tão longo como o filipino, a alma portuguesa resistiu. Foram muitos os humilhados e perseguidos. Muitos os que padeceram nas masmorras da PIDE, ou pagaram com a vida a teima em serem livres.
Visitei há pouco, uma vez mais, o campo de extermínio do Tarrafal. A expressão mais aguda de crueldade gratuita, da orla da insanidade mental, que a pirâmide constituída pelo ditador, os ditadorzinhos e os ditadorzecos, se julgou autorizada a infligir a simples cidadãos, muitos deles jovens sonhadores, armados só com a "bazuca" dos seus ideais, com o propósito selvagem de que as condições naturais e prisionais se encarregassem de convertê-los ou matá-los.
Registam as crónicas que raros foram os que abjuraram mas muitos os que morreram. E quem visita as câmaras de tortura, onde a absoluta escuridão provocava a cegueira e a exiguidade do espaço, o calor tórrido e a humidade atabafante conduziam a extremos de desidratação e até à loucura, acaba por concluir que as fogueiras da Inquisição, também chamadas a castigar heresias, eram afinal menos desumanas porque mais expeditas.
A pergunta que salta é esta: porquê a crueldade desnecessária? Não bastavam os sólidos muros de betão, com os seus fossos, o seu arame farpado, e o mar imenso a rodear a ilha, para isolar de toda a contaminação ideológica os pobres encurralados neles?
A resposta é só uma: os monstros frios que nos governavam, quais deuses irados, tinham sede de sofrimento e de dor. A explicação da função preventiva, pelo medo, não basta. É que, longe de publicitarem o espólio macabro do seu delírio, ocultavam-no cuidadosamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em pleno Tarrafal, interroguei-me sobre como tem sido possível que portugueses de recta intenção - quero crer - passem ao lado de tanta crueldade na tentativa de branquearem os responsáveis por ela.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

A verdade é que começa a ser frequente a evocação do maior culpado como governante sério e homem de bem. Talvez porque beneficie da insondável contradição que há em, apesar disso, presumir de piedoso e temente a Deus. Que contas daria ele ao Pai do Céu?
Devemos ser tolerantes. Democracia é tolerância. Mas não temos, necessariamente, de ser passa-culpas nem parvos. Efemérides como a que hoje celebramos servem precisamente para delimitar a fronteira onde a tolerância acaba e a conivência começa.

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado do PSD Mota Amaral.

Mais de duas décadas volvidas, que significado tem hoje comemorar o 25 de Abril? Não se tratará de mais um acesso de saudosismo piegas?
Seguramente não! Se o 25 de Abril foi o nosso reencontro com a liberdade por longo tempo recusada, recordá-lo há-de ser um acto de balanço do que fizemos dessa preciosa conquista. Estivemos à altura da sua preservação? Do seu aprofundamento?
Se a resposta é sim, felicitemo-nos! Se é não, teremos então de preocupar-nos!
Há-de reconhecer-se que os caminhos da liberdade, após Abril, não foram lineares. Esquecidos de que o excesso de liberdade pode matar a liberdade, não conseguimos travar os impulsos da longa espera em sermos livres. Vivemos essa nova condição com a embriaguez de uma aurora. E quando nos demos conta de que tínhamos ido longe demais, estávamos à beira da mais perigosa anarquia, que é a que precede as guerras entre irmãos.
Houve, para isso, razões conhecidas. Alguns mitos confortáveis do passado - nomeadamente os relacionados com a situação colonial - prolongaram por cerca de três meses, no espírito de alguns responsáveis, a esperança em soluções que a história havia condenado, por igual período adiando a paz.
A resistência a este facto, potenciada pela ansiedade com que os nossos soldados aguardavam o fim da guerra - que de antemão se sabia não conduzir a nada -, provocou um clima generalizado de indisciplina e até insubordinação, que num ápice contaminou a opinião pública civil. Sabemos ao que isso conduziu.
Corrigido o erro, e admitida a negociação directa com .os movimentos que nos guerreavam, sobreveio naturalmente a paz.
Mas tinha ficado entre nós a semente da discórdia. Foi preciso canalizá-la primeiro e neutralizá-la depois. Através de incidentes de percurso que são conhecidos, acabámos por lançar as bases do moderno Estado de direito que hoje somos. Não foi fácil. Mas, precisamente por isso, foi exultante.
Porque evoco eu a fase tormentosa desse processo? Precisamente porque entendo que, o ter sido difícil o parto, tornou mais precioso o resultado dele. A liberdade não nos caiu do céu. Foi forjada na terra, por homens que cometeram erros e aprenderam com eles. Que aprenderam, desde logo, que a liberdade tem de acautelar-se de si mesma. Já alguém disse que "no limite, a liberdade faz do homem livre um fora de lei".
Por isso, neste dia da liberdade, é oportuna uma reflexão sobre ela. Porque foi, no passado, tão difícil? Porque é, no presente, tão vulnerável?
São muitas as explicações. Desde logo a de que, muitas vezes, como lembrou Tocqueville, "é o progresso que gera as revoltas". A capacidade de rebeldia pressupõe, com efeito, as formas de emancipação que traz o progresso. Ou já esquecemos que, mais de milénio e meio depois de Cristo, ainda se incluía a pobreza na ordem natural das coisas, sem reacção contra ela? Sabedor disso, Salazar disse um dia que "um povo que tenha a coragem de ser pobre, é invencível". Pelas forças do progresso, queria ele dizer, porque foi sempre o progresso o seu principal inimigo.
Por outro lado, semeámos e exaltámos tanto, e durante tanto tempo, o espírito de desobediência contra o autoritarismo - pudera não! - que não pode espantar-nos a extensão desse espírito até aos domínios da autoridade legítima.
É também sabido que, com o acentuar da liberdade cultural e com a horizontazação dos conhecimentos, tornada possível pelas auto-estradas da informação, as mais elementares revelações da autoridade do Estado passaram a ficar à mercê da contestação da sociedade civil, cada vez mais reivindicativa e mais brigona, e com os cidadãos cada

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vez mais ansiosos por participarem politicamente, por agora ao nível das decisões que lhes dizem mais directamente respeito.
Para além disso, fica o ramalhete das crises de desadequação das respostas do passado às vertiginosas mutações operadas no tecido político, económico, ético e social do presente.
Assim como não deve aplicar-se remendo novo em pano velho, também não devem dar-se respostas velhas a problemas novos. Desta contra face do seu bem conhecido aviso esqueceram-se, lamentavelmente, as Escrituras.
Mas a nova situação é iniludível. De repente, damo-nos conta de que as instituições, as práticas e os valores envelheceram. E de que categorias e referências que tínhamos por axiomáticas e até sagradas entraram em processo de obsolescência e banalização. O Estado - todos os Estados democráticos, sem excepção -, enquanto garante da liberdade dos cidadãos, viram posta em causa a sua autoridade. A lei, que começou por ser a expressão da vontade de deuses, vê-se crescentemente dessacralizada e desobedecido. E já fomos lembrados de que "entre o forte e o fraco é a liberdade que oprime e a lei que liberta". A ordem dissolve-se em insegurança. O emprego escasseia às mãos das novas tecnologias. O liberalismo económico produz discriminando, indiferente às clamorosas injustiças da distribuição. Cresce, globalmente, o número de marginalizados e excluídos. Um vertiginoso processo de globalização deixa em desequilíbrio e em processo de apagamento as unidades políticas tradicionais. Regressam os fantasmas do racismo e da xenofobia. A demografia explode. Os equilíbrios naturais claudicam. Os próprios valores, em geral, perdem respeitabilidade e altura ética. E este "tornado" é indiferente a eventuais equilíbrios em pequenos espaços.
Acontece até que o nosso País, que seria ridículo qualificar de oásis (embora já o tenha sido!), está longe, felizmente, do alto da desgraça. Os mais insuspeitos indicadores dão a economia a crescer acima da média europeia, a inflação a descer confortavelmente, o desemprego a estacionar, a criminalidade relativamente controlada, a moeda estável, ó Estado de direito firme nos seus pergaminhos e o rendimento mínimo garantido é, desde já, o mais decisivo e eficaz combate contra a pobreza e a exclusão social na história de todos os governos portugueses, pelo reflexo contra a criminalidade, a insegurança e o flagelo da droga.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas nem por isso é menos perigoso alimentar ilusões. Num mundo em que tudo imparavelmente interdepende e se globaliza, deixou de haver excepções e refúgios duradouros. Todos - continentes, países, regiões e cidadãos - somos prisioneiros dos traumas da nossa própria civilização. E, pior do que isso, da generalizada inconsciência da gravidade de que se revestem.
Mas a que vem este aviso premonitório a propósito do dia da liberdade?
Vem como chamada de atenção para o facto de que são hoje outros, e diferentes do que eram à data da revolução de Abril, os inimigos da liberdade. Tão outros e tão diferentes que, aplicar aos de hoje as receitas de então, equivaleria a tentar curar um cancro com papas de linhaça.
Em 25 de Abril de 1974, pôde um punhado de bravos militares devolver-nos a liberdade, que é o supremo bem. Mas fê-lo no quadro de uma ordem militar que, já nesse então, de algum modo, pertencia 'ao passado. A sua bravura foi, na oportunidade, o antídoto adequado ao derrube do regime policial. Hoje, perante os novos inimigos da liberdade, a sua bravura seria pouco menos do que inútil. Contra eles, seria reforçativa, ou pouco menos, uma sublevação armada.
É claro que o problema não se põe. Os capitães de Abril foram a resposta adequada porque a velha ordem militar sufragava - contrariada e não -, havia décadas, o poder despótico. Hoje, as Forças Armadas Portuguesas garantem o novo regime democrático e o novo Estado de direito, suportes institucionais das liberdades que a Constituição consagra. É esta, hoje, a sua principal missão, a sua honra e a sua glória!
Os inimigos só não serão outros na exacta medida em que deixámos de substituir as perversões autoritárias que nos empenhámos em destruir. Esquecidos, afinal, de que "só destruímos aquilo que substituímos".
Nesta linha de precaução, destruir sem substituir é encomendar a prazo o que julgávamos ter destruído.
Penso concretamente no autoritarismo que destruímos, sem a imediata preocupação de o substituirmos pela autoridade legitimada democraticamente. Viemos a corrigir essa falta. Põe-se agora a questão de saber se lográmos fazê-lo a tempo e na dose bastante. Isto é: se não deixamos ir até longe demais a não preservação da autoridade legítima e se, assim procedendo, não soltámos perigosamente os demónios da desobediência e da rebelião civil, com risco de, pondo em causa a ordem, pormos de novo em causa a liberdade.
Quais são, então, os novos inimigos da liberdade? Já implicitamente o disse. São, para tudo dizer numa frase redonda, as injustiças sociais e os sentimentos de desobediência e rebelião civil que despertam.
Os novos inimigos, contra os quais temos de direccionar estratégias inovadoras, são a pobreza, a exclusão social, a ignorância, o desemprego, a droga, os conflitos étnicos, a desumanização das cidades, a desertificação do mundo rural, a angústia ecológica, o amoralismo dos comportamentos, enfim, a insegurança como ponto de encontro de tudo isso.
São estes os inimigos da democracia - porque a fragilizam - e da liberdade - porque lhe contrapõem, espero que sem êxito, o valor ordem. Tenho-o dito muitas vezes: no dia em que a ordem for colectivamente mais valiosa e desejada do que a liberdade, os mesmos que se bateram por esta reclamarão aquela. Confundirão, é claro, ordem com compulsão. Mas foi esta, não esqueçamos isso, a mais frequente via de acesso dos ditadores aos cadeirais do poder.
Já vamos nos cortes de estrada; na ocupação de lugares; na bravata reivindicativa; nas milícias privadas; em assomos de perseguição étnica; em actos de crueldade que, nem por serem pontuais, deixam de ser preocupantes; no vale tudo de uma sociedade em que a competição sem regras resiste ao freio dos valores. Ou travamos os, factores causais de tudo isso ou, à aceleração das causas, corresponderá fatalmente a explosão dos efeitos.
Perante este exacerbado exercício de poderes de facto, o Estado português, em decorrência de fenómenos civilizacionais, que não domina, e de constrangimentos de integração europeia, que se não empenha em dominar, vai perdendo capacidade de intervenção. As alavancas da economia cada vez mais lhe escapam; em breve lhe escapará a regularão monetária e cambial; fatias de poder libertam-se ao nível da cúpula, pela via da integração, e ao nível

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da base, pela via autonómica e descentralizadora; áreas suculentas do seu sistema jurídico têm novo dono; a lei, como instrumento da sua vontade, perde esplendor e acatamento; os suportes tradicionais dos valores que impregnavam o próprio direito entraram em quebra ou em recuo. Governar é hoje, em todas as democracias, um exercício difícil. Quase um número de circo. Exige-se dos governantes o que não está muitas vezes ao seu alcance. Exige-se deles, por vezes, uma coisa e a sua contrária: a liberdade até ao abuso e a ordem até à posição de sentido; a igualdade social e a liberdade de competir; a autoridade legitimada pelo voto e a autoridade religitimada pela opinião.
São, pois, estes os novos inimigos contra os quais são irrecuperáveis a ordem militar, a velha ordem económica, a velha ordem política, a velha ordem social, a ordem cultural e a ordem ética do passado. Do que se precisa é de um novo pacto social global abençoado pelo fantasma de Rousseau.
Sei até que ponto isto cheira a utopia. E não desconheço que o pensamento utópico chega até nós maculado de insucesso. Mas nunca a utopia de um Mundo Novo e de um Homem-Outro foi tentada sob o acicate da ameaça de alternativas catastróficas. Entre a retoma do sonho e a psico-dependência do optimismo e da ambiguidade, recusemos os custos desta dependência. Recusemos o prêt a penser. Rebelemo-nos contra os titãs da informação global que nos impingem formas acríticas de pensar o mundo.
Pôr tudo em causa. Repensar tudo como se nunca o tivéssemos feito. E sobretudo recusar os narcóticos informativos e discursivos que preenchem o nosso quotidiano, como se os verdadeiros problemas do País e do mundo fossem a crise dos árbitros, o montante das propinas, as tricas dos partidos ou a cor das gravatas de um ilustre magistrado.
Nada está, em definitivo, perdido. Todas as grandes mutações civilizacionais - se fizeram com dor. E nunca o homem dispôs de meios - técnicos e outros - tão aptos a revolucionar o statu quo. O homem já foi capaz de uma Renascença. Por que não de outra?

Emerge uma sociedade civil ávida de intervenção e de poder? Responsabilizemo-la, em vez de desconhecê-la e muito menos de amordaçá-la.

Está visto que a competição, só por si, não é capaz de dirigir o planeta? Reinventemos um novo modelo económico que produza sem destruir e distribua sem marginalizar.
Está aí, sob os nossos olhos, uma nova civilização global? Instituamos centros de decisão planetária para os problemas que deixaram de ter respostas nacionais.
A soberania clássica adapta-se mal à liberalização das trocas, à abolição das fronteiras, à internacionalização das decisões, à mundialização dos fenómenos? Retiremos desse facto as consequências que comporta. Não temos, necessariamente, de viver com o passado às costas!
Novas formas de cidadania são exigência indeclinável da vida moderna? Construamo-las contra o racismo, os conflitos étnicos, a exclusão social, o fundamentalismo religioso, o isolamento do indivíduo, a degradação da pessoa humana.
O egoísmo alastra como nova peste? Enraizemos no ser humano um novo sentido de partilha de um património e um destino comuns, ultrapassando a lógica da sobrevivência e da agressividade.
A liberdade não assegura, s6 por si, o mínimo de igualdade sem o qual a própria liberdade perde significado e sentido? Reequilibremos esses dois valores por apelo a novas formas de regulação político-social, com o Estado (não há outro remédio!) em posição de arbitragem.
Os valores patriarcais entraram em decadência? Enraizemos no ser humano, desde a educação pré-escolar, os novos valores do civismo, dos direitos e dos deveres universais.
A democracia tecnicizou-se? Reconduzamo-la à sua matriz cívica e ética.
Há leis a mais? Revoguem-se!
Há autoridade a menos? Reforce-se!
A informação anarquiza? Reconheçamos-lhe um estatuto de poder responsável.
A esperança é possível. Mas é preciso fazer por ela. A celebração do dia da liberdade é um bom dia para balanço. Do que já fizemos. Do que deixámos de fazer. Do que é preciso que se faça.
Viva o 25 de Abril! Viva a Liberdade! Viva Portugal!

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio): Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. PrimeiroMinistro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Ilustres Convidados, Autoridades Civis e Militares, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Portugueses: Festejamos a Liberdade no dia que tem o seu nome e no lugar onde ela se expressa e exerce diariamente, constituindo o seu grande símbolo institucional - a Assembleia da República.
Neste dia, lembramos aquele outro dia de há 23 anos, quando Portugal reassumiu o seu destino e o povo voltou a ser sujeito da soberania nacional. Essa foi a data fundadora do novo regime democrático português, que nos orgulhamos de servir e que queremos aperfeiçoar.
Saúdo, em testemunho de homenagem e gratidão, os que tornaram possível e fizeram a Revolução - os militares de Abril, heróis da Liberdade, e todos aqueles que, durante décadas, resistiram e lutaram pela democracia, não aceitando a ditadura como inevitável ou invencível.

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.

As grandes datas da História contêm uma energia simbólica que se actualiza e renova quando as celebramos. O 25 de Abril é portador de uma extraordinária memória de emoção colectiva e representa um daqueles momentos raros em que a História se dá a conhecer, sintetizando-se num acontecimento, que marca, no tempo, o antes e o depois. Lembremos esse dia, não apenas como passado, mas como um dia que continua presente, porque soube antecipar e influenciar o futuro.
É esse 25 de Abril de renovação, de dinamismo e de abertura à modernidade que queremos e devemos celebrar, dirigindo à juventude, sobretudo àqueles que já nasceram depois de 1974, a sua mensagem criadora de liberdade, de rebeldia e de esperança.
Por isso mesmo, gostaria de sugerir que, daqui a 2 anos, quando o 25 de Abril fizer 25 anos, em 1999. na passagem para o novo século, tivéssemos imaginação para assinalar a data com um programa virado para o futuro, no qual seria posto em evidência o que a instauração da

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democracia representou para a modernização do País, a sua abertura ao mundo, a sua transformação cultural e a criação de uma mentalidade contemporânea, inovadora, criativa e capaz de iniciativa.
Na sua concepção e realização, este programa poderá juntar os jovens, os artistas, os cientistas, os professores, as Escolas, as Universidades e envolver as associações da sociedade civil, os centros de novas tecnologias e de criação cultural. Tomar-se-ia, assim, numa manifestação de confiança na nossa capacidade para enfrentar o século XXI, num testemunho do poder realizador da liberdade individual e colectiva, numa afirmação, afinal, dos valores universais da democracia.
Neste tempo que é o nosso, caracterizado como nunca pela consciência que temos da complexidade de tudo, da aceleração da vida, da instabilidade dos modelos e da incerteza, precisamos saber agir, simultaneamente, com flexibilidade e com firmeza. Isto é, com expectativa e abertura à novidade e à mudança, mas também com fidelidade a princípios fundamentais e determinação na sua defesa. O fim das certezas definitivas não significa que não tenhamos convicções, nem que renunciemos a lutar por elas. A política não pode confundir-se com uma mera táctica de conquista ou de conservação do poder. Precisa, mais do que nunca, de ideias e de causas claramente assumidas, de ideais e de objectivos, mesmo que saibamos que são contingentes, como tudo o que pertence à vida dos homens e ao que eles concebem e realizam.
As mudanças tão radicais dos últimos anos transformaram a sociedade e a cultura, a economia e a política. Hoje, o mundo é outro. A própria imagem que tínhamos de nós foi alterada. É preciso responder com novas ideias, novos valores e novas formas de acção a novíssimas questões. Não devemos ter receio de mostrar que não sabemos nem podemos tudo e que não temos respostas feitas e fáceis. Procuremos, pois, com a vontade de encontrar e encontremos com o desejo de procurar ainda. Não tenhamos a tentação de substituir a busca que é feita com consciência. imaginação, competência e rigor pelo pensamento pronto-a-usar, que pode provocar alguns efeitos sensacionalistas, mas pouco serve para o que verdadeiramente conta no futuro.
O regime democrático que nasceu com o 25 de Abril, nos 23 anos em que se consolidou e desenvolveu, teve de responder a muitos problemas complexos, alguns específicos e próprios da situação portuguesa, outros enfrentados por todos os países. Tivemos de vencer dificuldades e contradições, tornear obstáculos, afastar riscos.
Essa experiência histórica representa um património muito valioso. O código genético da nossa democracia tem as marcas da adaptabilidade e do auto-aperfeiçoamento, mas é também portador de referências e valores sólidos que são fundamentais. Os primeiros desses valores são, naturalmente, a liberdade e á tolerância. As referências capitais são o impulso solidário e a vontade modernizadora e de abertura.
Neste dia, é bom que lembremos os nossos direitos democráticos, mas também os nossos deveres para com a democracia, a nossa responsabilidade na sua vitalidade e aperfeiçoamento. É necessário lutar contra as rotinas que geram o imobilismo e contra as formas de instalação que provocam o comodismo, a passividade ou a indiferença. Sabemos que a democracia tem de ser praticada e participada, com uma atitude activa. Mas é preciso, num tempo em que tudo mudou, inventar novas formas de participação, de intervenção e de mobilização, pelas quais a cidadania se exerce, vencendo a tentação do egoísmo que fecha os indivíduos e os grupos nos seus interesses imediatos.
Por isso, é fundamental que encontremos novos meios de aproximação da política aos cidadãos e de abertura à sociedade e aos movimentos que a percorrem e lhe dão dinamismo. Esta procura cabe, em primeira linha, aos partidos políticos, que têm de ser prestigiados e tidos como os grandes instrumentos de intervenção política na vida colectiva.
Todos sabemos que não é fácil, nas condições de hoje, desempenhar esta função. A própria natureza do poder e do seu exercício alterou-se completamente. O poder está, actualmente, multiplicado, despersonalizado, disperso, mundializado, mediatizado e os seus efeitos produzem-se a partir de dispositivos móveis e mutáveis, cuja substância, em tantos casos, conhecemos mal e não controlamos. Vivemos num mundo de signos, de objectos de consumo, de fluxos de informação, de técnicas, de imagens, em que os laços sociais tradicionais se fragmentaram e fragilizaram, no qual o conceito de realidade se alterou e em que culturas ancestrais se desagregaram. À razão una e universal, sucedeu uma pluralidade de nacionalidades diferenciadas, específicas e locais. Nas nossas sociedades desenvolvidas, a produção e a difusão de informações e de imagens ocupam o lugar que, no passado recente, era o dos bens materiais.
Face a esta situação tão complexa, desconhecida e incerta, os partidos políticos podem ter a tentação de se fecharem sobre si mesmos. Mas esse risco corre-o também a própria sociedade e os indivíduos, como, infelizmente, se tem visto com a emergência de fenómenos de racismo, xenofobia, nacionalismo agressivo, populismo e com o recurso a formas violentas de afirmação identitária e a meios ilegais de autoprotecção c autodefesa.
Temos de prevenir esses perigos, de que, também entre nós, têm aparecido alguns preocupantes sinais. A exclusão tem de ser combatida, decididamente, nas suas causas, que são culturais, económicas e sociais, mas também nos seus efeitos.
Devemos ter consciência de que a identidade individual ou colectiva se afirma, não no medo que paralisa e gera a intolerância, mas no reconhecimento praticado de que a nossa dignidade é inseparável da dignidade daqueles que são nossos semelhantes, quaisquer que sejam as diferenças em relação a nós, às quais, aliás, têm pleno direito.
As grandes áreas urbanas, por exemplo, são, actualmente, universos complexíssimos, submetidos a tensões permanentes e a rupturas bruscas e nas quais tantas vezes a falta de raízes, a erosão dos valores, a crise das referências, a solidão interior e as condições duríssimas de vida são marcas dramáticas que criam uma espécie de anonimato moral e afectivo.
Fenómenos como a droga e a criminalidade, que lhe está associada, não podem ser combatidos eficazmente sem serem analisados deste ponto de vista.
Por isso mesmo, é comum dizer-se que o futuro das nossas sociedades se decidirá, em larga medida, na capacidade que demonstrarmos na luta contra estes flagelos e na necessária re-humanização da vida nos grandes aglomerados urbanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia é o regime em que os princípios e os valores se afirmam e em nome dos quais se age e reage com legalidade, razoabilidade e eficácia. A democracia, porque é aberta, antidog-

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mática e plural, é o regime que está mais apto a acolher o desconhecido, a mudança, a novidade, a diferença.
É preciso dar à política - às ideias, às, propostas, ao debate - o lugar que nenhuma técnica de imagem ou de marketing pode ocupar. É preciso que a acção política seja rigorosa nos seus critérios e transparente na sua ética. Problemas como os do financiamento da vida política não podem ser iludidos nem adiados por mais tempo. Têm de ser assumidos mediante o estabelecimento de regras claras, que evitem a suspeita ou a desconfiança, pois, como sabemos, as regras que existem têm graves lacunas, são ineficazes e estão inadequadas à situação actual. Isto é fundamental para a saúde da democracia e constitui, como sabem, uma antiga e constante preocupação minha. Ao voltar a referi-la de novo, hoje, aqui, gostaria que os Srs. Deputados, a quem cumpre legislar sobre esta matéria, a tomassem como um apelo que vos faço.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É necessário que o Estado exerça a sua autoridade democrática, legitimada pelo voto livre dos eleitores. É necessário que se reforce a relação de confiança entre o Estado e a sociedade dos cidadãos, entre os eleitores e os eleitos. É necessário que os direitos sejam respeitados e os deveres cumpridos. A democracia é o regime de tolerância mas não da permissividade ou do demissionismo. É o regime da liberdade mas não da insegurança. É o regime da negociação, do diálogo, da concertação e, se possível, do consenso, mas também - não o esqueçamos - da decisão, da iniciativa, das reformas, da autoridade democrática.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do PS.

É o regime da descentralização mas também o da coesão nacional. É o regime da justiça em que a justiça deve funcionar com prontidão e eficácia. É o regime da lei e não o do arbítrio ou do abuso. Não há autoridade democrática sem lei, nem lei sem autoridade democrática.
É imperioso, face às transformações tão profundas ocorridas nos últimos anos, que o Estado esteja apto a desempenhar as novas funções a que é chamado, mas, sobretudo, que conceba e organize de forma nova e mais eficaz as suas funções de sempre. Seria injusto não reconhecer o trabalho de modernização que, em muitos sectores de Administração, se tem vindo a fazer, nas últimas duas décadas, com dedicação e competência. Mas não seria lúcido ficarmos por esse reconhecimento. Importa também dizer que é preciso fazer mais, melhor e, sobretudo, com maior rapidez.
Entenda-se - é bom lembra-lo - que a lógica primeira do Estado é a defesa do interesse geral e do bem comum e não a da satisfação de corporativismos ou a da cedência a grupos de pressão particulares, que contradigam essa lógica geral.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a comemorar os 20 anos das primeiras eleições autárquicas que instauraram o poder local democrático. Trata-se de uma grande conquista do 25 de Abril, que mudou Portugal para melhor. Ao assinalar a data, quero, desta tribuna, prestar homenagem aos autarcas de todos os partidos e de todos os concelhos e freguesias do País.

Aplausos gerais.

O trabalho realizado ao serviço das populações honra o nosso regime democrático. As próximas eleições constituirão, estou certo, uma reafirmação da vitalidade do nosso poder local e da sua capacidade de renovação.
Neste final de século e com a experiência que acumulámos nas últimas décadas, país aberto e plural que partilha com os seus parceiros europeus problemas e expectativas comuns, a democracia portuguesa encontrará, com o contributo de todos, os caminhos da modernização e do seu aperfeiçoamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Reencontrada a liberdade em 25 de Abril de 1974, fechado o ciclo do Império, institucionalizada a democracia, a integração de Portugal na Europa representou a grande opção de fundo e a decisão de maiores consequências para o nosso futuro colectivo. Sabemos, hoje, que foi feita na hora certa.
Estamos na Europa não apenas porque somos europeus, pela geografia, pela história e pela cultura. Estamos na Europa porque temos uma ideia de Europa, um projecto europeu pelo qual nos batemos e ao qual estamos associados.
O momento actual é determinante para o futuro desse projecto. Nos próximos meses, decidir-se-ão as questões essenciais que condicionarão o processo de unificação da Europa e que têm a ver com a moeda única, a revisão do Tratado da União Europeia, os critérios de alargamento da União. Num tempo seguinte, terão de ser concebidas e definidas as Perspectivas Financeiras pós-1999, as reformas das políticas comuns e a redefinição das estruturas institucionais no âmbito da Defesa e da Segurança europeias. Nenhum destes objectivos é politicamente dissociável dos restantes e, em conjunto, representam um autêntico programa de refundação da Europa comunitária.
Os membros actuais da União Europeia subscreveram um contrato que traduziu uma certa concepção e foi fruto de determinadas circunstâncias, as quais, entretanto, se têm vindo a alterar. Não conhecemos, ainda, qual será com toda a exactidão a Europa do futuro, mesmo do futuro mais próximo. Sabemos, todavia, que ela será muito diferente do que tem sido até agora.
A construção dessa Europa, Portugal tem o direito e o dever de prestar o seu contributo próprio e até original. Temos, neste momento, uma oportunidade, talvez irrepetível, de ocupar uma posição no núcleo central dessa construção e desse projecto.
Não podemos malbaratar essa oportunidade. Ela é decisiva para superar atrasos acumulados, durante décadas, e para vencer duradouramente alguns riscos de isolamento e de marginalização, que a nossa posição no extremo ocidental do continente poderia criar.
O nosso principal desafio é, pois, o desafio europeu e muitos dos outros que temos estão ligados a ele. Em conjunto com os nossos parceiros, temos de saber estar à altura da nova situação decorrente do fim da guerra fria e que permite unificar as democracias europeias num espaço de prosperidade e de paz. Sem concessões quanto aos nossos interesses vitais, estamos empenhados nessa tarefa comum de consolidação das novas democracias, de garantir a segurança regional, de contribuir para a paz no mundo.
Essa Europa, qualquer que seja o modelo em que vier a configurar-se, não poderá construir-se contra uma parte dela. O projecto europeu terá de, ser, mais do que tem sido, um grande projecto político, social e cultural, fundado em valores e em princípios, com um dinamismo e uma ousadia capazes de mobilizar os cidadãos europeus. Para isso, terá de assentar na solidariedade e na coesão entre os seus membros.

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Os temas de solidariedade na Europa e em cada país que a constitui estão indissoluvelmente ligados e são as grandes questões que temos de enfrentar e que se vêm arrastando há demasiado tempo.
Só a resposta da solidariedade e a luta contra as várias formas de exclusão são meios eficazes de combater o dualismo social que ameaça as nossas sociedades e que, a prazo, poria em causa o nosso próprio desenvolvimento.
Depois da experiência dos últimos anos, sabemos hoje que o crescimento económico só é verdadeiramente sustentado se for acompanhado pela luta firme contra as desigualdades sociais, quer as que se perpetuam, quer as que surgiram de novo.

Aplausos do PS.

Sem a defesa e o desenvolvimento dos direitos sociais não há Europa do futuro.
Os direitos sociais não têm, por isso, lugar num segundo tempo, depois dos direitos políticos. Uns e outros condicionam-se reciprocamente, uns dependem dos outros. Não podemos cair num erro simétrico daquele que dava o primado aos direitos sociais sobre os direitos políticos e cujas consequências conhecemos. Nem substituamos o antigo determinismo histórico por um novo determinismo económico.
Não há automatismos sociais nem determinismos económicos e tecnológicos que resolvam, por si, os, problemas da exclusão, do desemprego, da precariedade. Eles são problemas políticos e têm de ser encarados como tal, pois a sua superação depende da nossa vontade de lhes fazer frente, mesmo, como todos realisticamente sabemos, se as soluções não são fáceis de encontrar.
por isso que as questões da regulação do mercado de trabalho e as reformas dos sistemas de protecção social constituem desafios centrais dos nossos dias. Essas questões exigem decisões de fundo que, embora feitas com a participação dos parceiros sociais, só podem ser assumidas por aqueles que dispõem de autoridade institucional e legitimidade política, as quais, nas sociedades democráticas, são concedidas pelo sufrágio universal e só por ele.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

A igualdade de oportunidades, que é e deve continuar a ser, também, um dos temas fundamentais das nossas sociedades, só pode ser assegurada pelo acesso à escola e à formação ao longo da vida. A aposta na educação, na investigação científica e na cultura é uma exigência capital e do seu sucesso depende, em larga medida, o nosso futuro como país e a vitalidade da nossa democracia, que também se mede pela capacidade de responder aos anseios das pessoas, encontrando soluções para os seus problemas, as suas angústias, as suas expectativas.
Se sabemos, porém, que ninguém fará por nós o que não fizermos a tempo, temos ainda consciência de que esses nossos grandes desafios são também grandes desafios da Europa. E nela e com ela que podem ser enfrentados com êxito.
Minhas Senhoras e Meus Senhores: País europeu, Portugal integra também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O nosso lugar na Europa só sai reforçado, aliás, com a institucionalização da comunidade lusófona e os países irmãos que falam o português esperam muito do nosso papel na União Europeia. Ainda recentemente, tive oportunidade de confirmar isso mesmo, em Luanda, onde estive presente na cerimónia de posse do novo Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional, para transmitir ao povo martirizado de Angola a mensagem fraterna e os votos de paz do povo português.
No mundo actual, os países, se valem pela sua dimensão e pelo seu peso económico, valem, também, pelas causas que defendem na cena internacional, pelas iniciativas de política externa que tomam, pela determinação que revelam, pelas propostas que fazem, pela participação que asseguram nas organizações internacionais, pelos conjuntos que integram, pela presença e pela acção que exercem nos teatros em que a paz se joga. A eleição de Portugal para o Conselho de Segurança das Nações Unidas mostra isso mesmo. A sensibilização crescente da opinião internacional para a questão de Timor Leste, com a atribuição dos Prémios Nobel da Paz a D. Ximenes Belo e Ramos Horta, é também prova disso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nos planos internacional, europeu e nacional, Portugal precisa de Forças Armadas prestigiadas, eficazes, disciplinadas e modernas.

Aplausos do PSD.

A presença militar portuguesa na Bósnia e em Angola é, desse ponto de vista, demonstrativa. Os assuntos que às Forças Armadas respeitam, não podem, assim, ser considerados de tipo corporativo ou apenas do seu foro interno. São assuntos que têm a ver com a soberania da nação, com os seus interesses estratégicos, com o seu lugar na Europa e no mundo, com a paz e a segurança. Interessam a todos os portugueses e devem ser, encarados como tal pela sociedade civil.
As novas e tão importantes missões que, interna e externamente, as Forças Armadas são chamadas a desempenhar exigem a sua evolução. O quadro estratégico que a determina não está completamente definido, tanto mais que, como sabemos, a incerteza domina o actual sistema de relações internacionais e que a perspectiva europeia de segurança e defesa está longe de ter estabilizado.
Não é, por isso, fácil traçar o sentido e os parâmetros dessa evolução, que ocorre forçosamente numa situação instável de mudança. Só o empenhamento de todos - Estado, sociedade civil e instituição militar - permitirá às Forças Armadas Portuguesas fazerem as reformas e as adaptações necessárias, de modo a que possam desempenhar o papel insubstituível que a nação espera e necessita.
As Forças Armadas Portuguesas, que tão patrioticamente e com tanto valor têm desempenhado missões que prestigiam o País, têm direito ao nosso reconhecimento e louvor.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados do PCP.

É com muita honra que, como seu Comandante Supremo, lhos testemunho, neste dia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses: Os desafios que temos pela frente não são fáceis. Exigem dedicação, trabalho, persistência. De cada um de nós e de todos em conjunto, depende que os ganhemos, para bem dos portugueses, sem que ninguém seja excluído.
A liberdade que, há 23 anos, encheu as ruas de alegria dá-nos forças para inventar um futuro melhor, cumprindo os ideais generosos do 25 de Abril.

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Não temos direito de recuar perante os desafios nem de desanimar face às dificuldades. Os cravos que usamos, neste dia, em homenagem e evocação do primeiro dia em que os usámos, são o símbolo da esperança que se renova e acrescenta porque, afinal, vivemos em Liberdade. Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 40 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional.

Realizou-se, então, o corvejo de saída, composto pelas mesmas individualidades do da entrada, tendo o Sr. Presidente da República saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passar diante da respectiva tribuna.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Enrico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Alberto Cardoso Marques.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
António de Carvalho Martins.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Mendes Bota. Luís Carlos David Nobre.
Manuel Acácio Martins Roque.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Gaivão Lucas.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

Página 2322

2322 I SÉRIE - NÚMERO 66

DIÁRIO da Assembleia da República

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