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VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE MAIO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação das propostas de lei n.os 98 a 104/VII, dos projectos de lei n.os 364 a 366/VII, da ratificação n.º 31/VII, das propostas de resolução n.os 58 e 59/VII e de requerimentos.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias sobre a substituição de um Deputado do PSD.
O Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) manifestou a sua discordância e do seu partido quanto à eventual alteração do dispositivo constitucional relativo à extradição, no que foi secundado pelo Sr. Deputado António Filipe (PCP).
O Sr. Deputado João Poças Santos (PSD), começando por insurgir-se contra as declarações do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas sobre afoita de qualidade da fruta nacional, falou depois da necessidade de criação da universidade da Estremadura. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Henrique Neto (PS).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 83/VII - Define as bases do financiamento do ensino superior público - e dos projectos de lei n.os 210/VII - Financiamento do ensino superior (CDS-PP) - 268/VII - Lei-quadro do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público (PCP) - e 359/VII - Lei-quadro da acção social escolar do ensino superior (PCP). Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo) e do Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa (Guilherme d'Oliveira Martins), os Srs. Deputados Luís Marques Mendes (PSD), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), Ricardo Castanheiro (PS), Bernardino Soares (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Moreira da Silva (PSD), Luísa Mesquita (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD), José Calçada (PCP), Natalina Moura (PS), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), António Braga (PS), Carlos Coelho (PSD), Sérgio Sousa Pinto e Fernando de Sousa (PS).
Por último, a Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado do PSD a depor como testemunha em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José de Matos Leitão.
José Domingos de Ascensão Cabeças.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sônia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.

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Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugênio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas e dos requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.os 98/VII (ALRM) - Acréscimo do valor do subsídio de insularidade ao do rendimento mínimo garantido atribuído aos cidadãos da Região Autónoma da Madeira, que baixou à 8.ª Comissão; 99/VII (ALRM) - Valor mínimo das pensões regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de segurança social, que baixou à 8.ª Comissão; 100/VII (ALRM) - Acréscimo a título de correcção das desigualdades derivadas da insularidade nos valores das pensões e prestações pecuniárias nas regiões autónomas, que baixou à 8.ª Comissão; 101/VII - Autoriza o Governo a criar regimes especiais aplicáveis às expropriações necessárias à realização do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva, aos bens do domínio a afectar a este empreendimento e a acções específicas de execução deste projecto de investimento público; 102/VII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de acesso a exercício da actividade seguradora, o regime de endividamento das empresas de seguros e de resseguros e o regime sancionatório da actividade seguradora; 103/VII - Altera o regime jurídico aplicável ao pessoal das instituições de segurança social, que baixou à 8.ª Comissão; e 104/VII - Estabelece os

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princípios em que se baseia a verificação da morte, que baixou às 1.ª e 7.ª Comissões; os projectos de lei n.ºs 364/VII - Altera o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que aprova o Código Penal (CDS-PP), baixou à 1.ª Comissão; 365/VII - Elevação de São Romão e São Mamede do Coronado a vila do Coronado, no município de Santo Tirso (PS), baixou à 4.ª Comissão; e 366/VII - Criação da freguesia de Portela da Azóia (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; a ratificação n.º 31/VII - Ao Decreto-Lei n.º 88/97, de 18 de Abril, que «Altera os artigos 6.º, 19.º, 25.º, 27.º, 29.º do Decreto-Lei n.º 35/96, de 2 de Maio, que Aprova a Lei Orgânica do Ministério da Solidariedade e Segurança Social» (PSD); e as propostas de resolução n.ºs 58/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 138 da Organização Internacional do Trabalho sobre a idade mínima de admissão ao emprego, que baixou às 2ª e 8.ª Comissões; e 59/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa ao branqueamento, detecção, apreensão e perda dos produtos do crime, do Conselho da Europa, assinada por Portugal em 8 de Novembro de 1990, que baixou às 1.ª e 2.ª Comissões.
Foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: no dia 13 de Maio de 1997; aos Ministérios da Justiça e da Administração Interna e à Câmara Municipal de Oeiras, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; na reunião plenária de 14 de Maio de 1997; ao Ministério do Ambiente e à Secretaria de Estado da Habitação e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Antão Ramos; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Afonso Lobão e Manuel Moreira; ao Ministério das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa; aos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Saúde, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; e a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Castro Marim, formulados pelo Sr. Deputado Rodeia Machado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, falta apenas um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre a substituição do Sr. Deputado Fernando Santos Pereira, do PSD, a partir do dia 19 de Maio, inclusive, pelo Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, informo que está a assistir aos nossos trabalhos o Sr. Presidente do Conselho Federal da Alemanha e Ministro-Presidente do Landbadenwunderberg, à frente de uma importante delegação que se desloca a Portugal a convite do nosso Parlamento. É uma honra tê-lo connosco. Expressemos-lhe essa honra da maneira mais enfática possível.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, como não há inscrições para declarações políticas, vamos limitar a uma hora o período de antes da ordem do dia.
Para uma intervenção, no âmbito do eventual tratamento de assuntos de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recentemente recebi, tal como os restantes Deputados e grupos parlamentares desta Assembleia da República, uma mensagem de alerta da Amnistia Internacional, prevenindo-me da eventualidade de vir a alterar-se o artigo 33.º da nossa Constituição no que se refere à limitação à extradição de estrangeiros imposta pelo seu n.º 3.
Foi na sequência deste alerta que nos foi dirigido que entendi vir afirmar, publicamente, a minha discordância pessoal, e a do Partido Popular, de qualquer alteração que venha a desfigurar, a eliminar ou a atenuar o claro compromisso com o alto valor e a dignidade da vida humana que, em boa hora, os constituintes aí quiseram consagrar.
Está na melhor tradição portuguesa o respeito pela vida humana e Portugal, que foi um dos primeiros países no mundo a eliminar a pena de morte do seu ordenamento jurídico, não pode a título algum, e ainda menos por razões externas, inverter, neste final do século XX, o longo caminho que já percorreu em defesa da dignidade da pessoa humana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos como tem sido dolorosa e difícil esta caminhada na afirmação do respeito pela vida humana e qual o valor simbólico e motor que tem tido o exemplo dos países que há mais tempo o iniciaram. Todos sabemos a importância que sobre este aspecto teve a nossa Constituição de 1976 e de como nos orgulhámos da força que sempre lhe foi reconhecida no domínio dos direitos, liberdades e garantia dos cidadãos. Nós próprios, no CDS, que votámos contra a Constituição, nunca foi contra esta parte dela que nos manifestámos.
Este respeito pela dignidade e pela vida humana e este total repúdio pela barbárie da pena de morte e pela supressão definitiva da liberdade que na nossa Constituição se reflectem têm sido o nosso orgulho e um exemplo para tantos outros países, assim contribuindo para eliminar definitivamente tais flagelos da face da terra. Mas todo este efeito e todo este simbolismo serão apagados no dia em que aceitarmos devolver um só homem, ao abrigo da nossa lei fundamental, para que, qualquer que seja o motivo, sobre ele se abata uma pena que lhe suprima o dom primeiro que é a vida.
Portugal não pode ser um campeão dos direitos humanos - e precisa de sê-lo para, com legitimidade, continuar a lutar pelo direito à identidade, à dignidade e à auto-determinação do povo de Timor Leste - se aceitar imposições de ordens externas que o obriguem a inverter o caminho nobre que há tanto tempo tem vindo a percorrer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sou jurista nem perito nestas matérias, mas sou Deputado da Assembleia da República de Portugal e sei que podemos continuar a honrar as nossas obrigações internacionais continuando, contudo, a respeitar a nossa consciência nacional.
No século das comunicações e das videoconferências também é possível fazer videojulgamentos e não será a nossa intransigência no respeito pela vida humana que irá destruir o espaço jurídico que se pretende construir.
Temos defendido e lutado, com todo o vigor do que somos capazes, pela consolidação da segurança dos cidadãos em Portugal, na Europa e no Mundo, mas sabemos que sem um total e completo respeito pela dignidade e pela vida humana não há liberdade que subsista nem segurança que se conquiste.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Peco-vos que entendam também este apelo que vos lanço como um grito de alma

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do Deputado que de vós recebeu o encargo de seguir os caminhos da dignidade e da liberdade para os nossos irmãos timorenses.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, quero saudar a sua intervenção e dizer muito claramente, nesta Câmara, do nosso repúdio pelo texto do acordo de revisão constitucional entre o PS e o PSD no que se refere à alteração do artigo 33.º da nossa lei fundamental, relativo à matéria da extradição.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que, nesta matéria, aquilo que determina a Constituição, ou seja, que em caso algum será extraditado de Portugal um cidadão por crime a que corresponda pena de morte segundo o ordenamento jurídico do Estado requisitante, é fundamental, é intangível e não deve, em caso nenhum, ser modificado.
Daí o nosso repúdio pelo acordo, na medida em que admite que, em nome de algumas garantias diplomáticas indefinidas, Portugal possa abrir mão desta prerrogativa
constitucional.
A nossa posição nesta matéria é clara, foi expressa já na Comissão Eventual de Revisão Constitucional e será a todo o tempo reafirmada. Em nosso entender, em caso algum Portugal deve extraditar um cidadão por crime a que corresponda pena de morte segundo o ordenamento jurídico do Estado requisitante. Um país como o nosso, que eliminou a pena de morte em 1867, não pode admitir outra solução que não seja esta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, em boa verdade, nada tenho a responder, tenho apenas que agradecer a posição do Sr. Deputado António Filipe.
No entanto, não quero agradecer apenas a ele mas também a todos os Deputados desta Assembleia, incluindo aos Deputados que, talvez por inadvertência, aceitaram subscrever uma proposta de alteração à Constituição sobre esta matéria. É preciso alterar a Constituição em muitos pontos mas não é preciso nem podemos alterá-la num ponto que é legítimo orgulho de todos nós.
Todos sabemos, Srs. Deputados, que a conquista do direito à vida humana é um longo percurso, a que têm aderido, um a um, os vários países do mundo, mas, infelizmente, não todos até agora. Mas se um deles, principalmente se o que foi o primeiro a condenar a pena de morte na sua legislação, fraquejar e andar para trás, Srs. Deputados, podem ter a certeza de que isso terá as piores consequências em relação ao avanço dos Direitos do Homem no mundo que queremos construir.
Estou certo de que ouvirão o apelo que vos lancei, não por razões partidárias mas por razões de profunda convicção. Estou certo de que terei de agradecer a todos os Deputados desta Assembleia o terem ouvido o apelo que lhes fiz. E estou também certo de que daí não resultará qualquer mal para a nossa participação na Europa nem para a criação do espaço de segurança que todos queremos assegurar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo outro o assunto que me traz aqui hoje, não posso deixar passar em claro as palavras recentes do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, respeitantes aos produtores de fruta do nosso país, que afectaram de modo especial a honra e a dignidade profissional dos agricultores da zona Oeste, de Alcobaça, de Bombarral, de Caldas da Rainha, de Óbidos.
São agricultores que produzem da melhor fruta deste país - nomeadamente, pêra-rocha, pêssego e maçã -, que têm problemas de escoamento, têm frigoríficos cheios e vão ter, estamos esperançados, um bom ano agrícola. Ora, o Governo, através do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, veio desmoralizá-los, humilhá-los e desincentivar a modernização das suas explorações agrícolas, designadamente porque o Governo não apoia a criação de denominações de origem, não apoia novos circuitos de comercialização de produtos, não apoia
um novo marketing para os produtos agrícolas. Pelo contrário, vem, num momento como este, crucial, dar aos agricultores uma palavra que é um anti-estímulo, que é verdadeiramente um insulto aos lavradores portugueses, em particular aos fruticultores da zona Oeste do País.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como disse, é outro assunto que hoje aqui me traz. A criação da Universidade da Estremadura, com sede na cidade de Leiria e pólos de extensão em outros centros urbanos de região, é o desafio que, hoje, venho lançar à Assembleia da República e, de modo especial, aos Srs. Deputados que, como eu, foram eleitos pelo círculo de Leiria.
Com efeito, todos os partidos apresentaram, nos manifestos eleitorais distritais das eleições legislativas de 1995, a proposta da criação de uma universidade pública em Leiria. Em particular, o Partido Socialista referia ser uma prioridade a «criação em Leiria de uma universidade pública vocacionada para as áreas curriculares de interesse para o desenvolvimento do distrito».
Foi, assim, com alguma estranheza que verificámos nunca mais ter ouvido os Srs. Deputados socialistas eleitos pelo círculo de Leiria falar deste tema e muito menos tivemos notícia de qualquer iniciativa neste âmbito.
Foi ainda com perplexidade que registámos a negativa do Governo em responder a uma mera questão que tínhamos apresentado para uma sessão de perguntas ao Governo. Mas, apesar de preocupados, continuámos a querer acreditar que, em bom português, uma prioridade significa aquilo que está em primeiro lugar, a que se dá a primazia e que, embora um pouco mais tarde do que desejável, o Governo ou os Srs. Deputados da maioria relativa não deixariam de desenvolver, pelo menos, as diligências preliminares com vista à constituição da universidade em Leiria.
Qual não foi o nosso espanto, e até revolta, quando, em declarações a um jornal regional, em 7 de Fevereiro último, o Secretário de Estado do Ensino Superior negou categoricamente essa possibilidade, afirmando

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taxativamente que «não estão previstas novas universidades em Portugal».
Seria então de esperar dos Deputados socialistas um esboço de demarcação, uma tentativa, tímida que fosse, de ensaiar a defesa daquilo que tinham considerado como prioridade. Seria legítimo pensar que pedissem explicações ao Ministro de Educação ou ao Primeiro-Ministro. Mas não! Nem um voto, nem um projecto, nem uma audiência ou um simples requerimento. Nada!
À grandiloquência megalómana dos planos estratégicos, à sobranceria pesporrenta dos que atacavam os Deputados do PSD por, supostamente, não defenderem os interesses regionais, e às declarações do estilo «ou há mais investimento no distrito de Leiria ou vou-me embora» sucedeu o mais absoluto e cúmplice silêncio perante afirmações que, de uma penada, deitaram borda fora promessas e discursos, esperanças e ilusões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Estremadura, entendida aqui como realidade geográfica e não como hipotética região administrativa, é praticamente a única região natural de Portugal que ainda não dispõe de uma universidade pública ao serviço das suas populações.
A simples constatação deste facto é, a todos os títulos, eloquente. É-o, sobretudo, quando posta em contraste com a pujança económica geralmente apresentada pelo tecido empresarial da parcela do território nacional que tem como cabeça mais evidente, nomeadamente em termos demográficos, a cidade de Leiria.
A criação da Universidade da Estremadura traduz-se, portanto, na reparação de uma injustiça. A população do distrito de Leiria, uma das que mais fortemente contribui para as receitas fiscais arrecadadas pelo Estado, exige que o mesmo Estado reinvista aqui...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado deixe-me interrompê-lo, porque não há condições na sala para o Sr. Deputado se fazer ouvir.
Srs. Deputados, agradeço que deixem de falar dois a dois e que deixem de fazer ruído, porque não há condições mínimas para o Sr. Deputado João Poças Santos se fazer ouvir.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Dizia eu, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a população do distrito de Leiria, sendo uma das que mais fortemente contribui para as receitas fiscais arrecadadas pelo Estado, exige que o mesmo Estado reinvista aqui uma parte apreciável daquilo que cobra, sem prejuízo dos mecanismos de solidariedade nacional, que não devem ser postos em causa.
A criação de uma universidade pública, em Leiria é, indiscutivelmente, uma aspiração regional a que urge dar resposta e que tem vindo, em crescendo, a merecer o apoio firme de autarquias, empresários, associações cívicas e de
desenvolvimento regional e da comunicação social regional.
A existência de outros estabelecimentos de ensino superior na região não exclui, muito pelo contrário, a necessidade da universidade pública, cujas características institucionais determinam um peso acrescido no desenvolvimento regional, na consolidação da identidade cultural e na fixação de quadros científicos.
Aliás, preconizamos e incentivamos a colaboração da nova universidade com os estabelecimentos universitários e politécnicos já em actividade, tanto de carácter público como privado.
A não sobreposição de cursos idênticos e o eventual intercâmbio de elementos dos respectivos corpos docentes serão, naturalmente, privilegiados.
É evidente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não pretendemos a criação de uma universidade de forma avulsa e desinserida da rede nacional de ensino superior público universitário, sendo desejável que o Governo, como órgão do poder executivo, tomasse em suas mãos a iniciativa. No entanto, apesar das promessas eleitorais do partido que o apoia, até agora, nada foi feito. Pelo contrário, o responsável governamental pelo ensino superior negou terminantemente essa possibilidade.
Assim sendo, deve a Assembleia da República, como supremo órgão legislativo, tomar a iniciativa, o que, aliás, já fez em circunstâncias semelhantes, nomeadamente criando a Universidade do Algarve.
O PSD assume, aqui e agora, as suas responsabilidades: comprometemo-nos - e passo a citar o nosso manifesto eleitoral - a contribuir «para o estudo e debate da criação de uma universidade pública em Leiria, definindo os seus pressupostos e solidificando as bases para a sua criação em termos de qualidade».
Esse estudo e esse debate estão feitos. Sucessivamente, dois Congressos do distrito de Leiria e Alta Estremadura, promovidos por representativas entidades da sociedade civil regional, reclamam a universidade pública. A ADLEI, que desenvolveu uma acção meritória com este objectivo, refere mesmo num dos seus documentos que a não existência da mesma se deve apenas «à falta de vontade política». Os empresários da região, em sondagem publicada num jornal local, revelaram-se, em 95%, favoráveis à instituição do ensino superior universitário em Leiria.
A Câmara Municipal de Leiria deliberou reiteradamente apoiar todas as iniciativas neste domínio, nomeadamente disponibilizando instalações condignas para a universidade a criar.
A Assembleia Municipal de Leiria, a que tenho a honra de presidir, considerou, por unanimidade, que «o amplo consenso existente entre as forças políticas, sociais e económicas do concelho, face à ideia de criar em Leiria uma universidade pública, o entusiasmo com que os agentes culturais têm acolhido a ideia e a abertura demonstrada pelos responsáveis das instituições de ensino superior já instaladas constituem o suporte indispensável à legitimação cívica desta reivindicação».

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os esforços de investimento de carácter estruturante no domínio do ensino universitário são uma obrigação do Estado, que, além do mais, deve ter em conta a sua repartição harmónica e equitativa pelas diferentes parcelas do território português.
Ora, conforme procurámos evidenciar, Leiria entende não dever continuar a sofrer uma situação de subalternização relativamente a regiões que apresentam índices demográficos e económicos claramente inferiores aos seus, mas que já possuem universidades públicas. A Estremadura necessita, de modo vital, de uma instituição universitária que seja um elemento acrescido de progresso e desenvolvimento.
Por isso, entregarei de imediato na Mesa o projecto de lei para a criação da. Universidade da Estremadura, com sede em Leiria. Espero vir a contar, nesta Assembleia, com o apoio de todos os Deputados do círculo.
Há momentos em que vale a pena estarmos juntos.
Quero acreditar que este será um deles.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Henrique Neto para pedir esclarecimentos, informo que se encontram a assistir à sessão vários grupos de alunos da Associação Portuguesa de Frio, da Escola E. B. Conde de Castelo Melhor do Pombal, de escolas primárias do concelho de Bragança, do Colégio D. Luísa Sigea do Estoril, da Cooperativa de Ensino do Concelho de Alvito, do Centro de Formação Profissional da Venda Nova e da Universidade Moderna de Lisboa e aguardamos, às 17 horas e 30 minutos, um grupo de crianças da Câmara Municipal de Chaves.
Para eles, peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Agora, sim, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Poças Santos, V. Ex.ª trouxe-nos aqui hoje uma salada não só de fruta mas também educativa com a questão da universidade pública em Leiria.
Em primeiro lugar, chamo a sua atenção para o facto de o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, ao dizer o que disse - pelo menos, esta é a minha interpretação e penso não poder haver outra -, quis, com essas suas afirmações, colocar os empresários agrícolas portugueses perante uma realidade evidente: a de que a nossa fruta ainda não tem uma qualidade desejável. Há, no entanto, muitas regiões em que ela é boa, particularmente na nossa região e, em especial, em Alcobaça, onde, como costumo dizer, temos os melhores pêssegos do mundo. Mas, até por essa razão, a intervenção do Sr. Ministro teve a intenção de chamar a atenção dos agricultores portugueses para o facto de ainda haver muito a fazer e de ainda termos uma capacidade de produção insuficiente para as nossas necessidades, pelo que ela deve, ser aumentada. Penso que isto é evidente, ainda que compreenda que, havendo tão pouco para terem razão, o Sr. Deputado não perca esta pequena oportunidade para, sobre isso, fazer uma intervenção nesta Casa.
Mais importante, Sr. Deputado, é a questão da universidade pública em Leiria. E, a esse respeito, começo por perguntar a V. Ex.ª o que andou a fazer desde 1985.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que o Sr. Deputado foi eleito pelo círculo eleitoral de Leiria e teve uma enorme oportunidade para tratar disso durante 10 anos.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Assim, a minha primeira pergunta é a de saber por que não o fez.
Porém, não me limito a isto e pergunto-lhe também por que razão deixou que o Instituto Politécnico de Leiria, durante esses mesmos 10 anos, se deteriorasse e seja, hoje, considerado um simulacro de uma escola de ensino superior,...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso é grave!

O Orador: - ... tendo até permitido que um vosso militante fosse eleito como seu presidente, através de uma farsa eleitoral, que V. Ex.ª conhece bem e que levou a que esse instituto seja hoje um escândalo público, e colocando, assim, este Governo perante a dificuldade de não poder obviamente resolver esta questão, pois esse presidente foi eleito, ainda que, todos o sabemos, por via não só ilegal, em minha opinião, mas também e certamente não democrática.
Termino, Sr. Deputado, voltando a perguntar-lhe não só por que não tratou do problema da universidade pública, durante todo esse tempo, mas principalmente por que nos deixou essa «batata quente», que é o politécnico, uma questão intratável, devida à vossa actuação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Poças Santos.

O Sr. João Poças Santos (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Henrique Neto, agradeço-lhe a sua questão e lamento que não tenha tido a coragem de subscrever aquilo que estou a tentar fazer, que é ajudá-lo a cumprir a promessa eleitoral de criação da universidade pública.
No manifesto eleitoral que o Sr. Deputado subscreveu e fez acompanhar da sua fotografia e na campanha em que tive o gosto de travar batalhas eleitorais consigo, o Sr. Deputado Henrique Neto afirmava taxativamente a necessidade da criação da universidade pública em Leiria. O PSD era até mais pragmático e dizia «vamos estudar a fundo e debater a questão». Ora, esse estudo e esse debate foram feitos e as organizações da sociedade civil do distrito de Leiria defendem claramente a criação de uma universidade pública. Assim, do meu ponto de vista, o Sr. Deputado Henrique Neto perdeu uma oportunidade de seriamente dar aqui também o seu contributo e dizer que estava disposto a comigo ir ter com o Sr. Ministro da Educação defender intransigentemente a criação da universidade pública em Leiria. Não o fez - teve talvez receio, por estar aqui o Sr. Ministro da Educação -, mas podia tê-lo feito. Perdeu uma boa oportunidade, Sr. Deputado
Henrique Neto. Esperava muito mais coragem política da sua parte para, como é seu timbre, passar à prática e fazer algo de novo.
E quando me pergunta por que razão, durante 10 anos, a universidade não foi feita, respondo-lhe: Sr. Deputado, fizemos o politécnico! Com imperfeições, com certeza, mas lá está, com as suas escolas de ensino superior, uma realidade pujante, com milhares de alunos! E o Sr. Deputado Henrique Neto não pode «tomar a árvore pela floresta». O Instituto Politécnico de Leiria, de uma forma geral, é uma realidade pujante, da qual Leiria e o seu distrito se orgulham, mesmo que ainda haja aperfeiçoamentos a fazer.
Quanto ao problema, que coloquei inicialmente, sobre as declarações do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, lembro ao Sr. Deputado Henrique Neto e aos Srs. Deputados do Partido Socialista de Leiria que, no vosso manifesto, se podia ler isto: «Criação de um centro regional, em Leiria, de serviços de gestão e marketing e da qualidade agroalimentar; criação de circuitos mais eficazes para a comercialização e escoamento dos produtos agrícolas».
Ora, Sr. Deputado Henrique Neto, isto é uma flagrante contradição com as declarações do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas. Essas declarações estão a criar uma sensação de desmoralização nos agricultores do Oeste. Fale com os lavradores do nos-

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só distrito, nomeadamente de Alcobaça, do Bombarral, de Óbidos e de Caldas da Rainha, e pergunte-lhes se eles estão satisfeitos com estas declarações, que vão introduzir desconfiança e desmoralização nas associações de agricultores.
Sr. Deputado Henrique Neto, de uma vez por todas, deixe de fazer a defesa oficiosa permanente deste Governo, quando ela ofende gravemente os interesses do distrito de Leiria; seja capaz de ter um gesto de coragem e de defender esses interesses não só lá fora, nos seminários que promove e nos planos estratégicos que diz querer levar por diante, mas também aqui, na prática. E quando vê, da parte de um Deputado da oposição, como foi o meu caso aqui hoje, uma atitude que vem de encontro àquilo que são as vossas promessas, tenha a coragem de subscrevê-la. Era esse comportamento que esperávamos aqui da sua parte e dos demais Deputados do PS eleitos pelo círculo eleitoral de Leiria, mas que não vimos ser tomado.
No entanto, Sr. Deputado, também lhe digo: nós não vamos deixar cair esta bandeira. O Governo e os Deputados do PS têm de responder pelas promessas que fazem e não podem sistematicamente adiar e refugiar-se nas desculpas da governação passada do PSD, nada fazendo para dar satisfação aos anseios da população.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão conjunta da proposta de lei n.º 83/VII - Define as bases do financiamento do ensino superior e dos projectos de lei n.os 210/VII - Financiamento do ensino superior (CDS-PP), 268/VII - Lei-quadro do financiamento e da gestão orçamental do ensino superior público (PCP) e 359/VII - Lei-quadro da acção social escolar do ensino superior (PCP).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Estado moderno é chamado a assumir, com a sociedade, as suas responsabilidades na educação e na formação dos cidadãos. E as últimas décadas demonstraram, com muita clareza, existir uma falência das soluções neoliberais, que sustentavam o progressivo afastamento da iniciativa pública nos investimentos educativos. Se é verdade que o Estado hoje deve conceber as políticas públicas à luz de uma nova função reguladora e catalisadora, não é menos certo que, numa lógica de complementaridade de iniciativas, se torna indispensável planear estrategicamente o futuro, definir as prioridades de investimento e criar condições para uma adequada satisfação das necessidades educativas.
Sejamos, pois, muito claros: ao invés daqueles que hoje defendem pontos de vista antagónicos relativamente ao que sustentaram há bem pouco tempo, entendemos dever definir, com muita determinação, que a proposta de lei de financiamento do ensino superior se insere, antes do mais, numa linha de pensamento e acção que considera a educação de qualidade como um dever do Estado e da sociedade. Daí contrapormos a uma atitude de passividade e de fatalismo uma posição activa no sentido da cobertura das necessidades educativas do País e do prosseguimento
exigente de uma política em prol da qualidade e das oportunidades.

Pausa.

Nesta perspectiva, apresentamo-nos neste debate com a consciência tranquila da coerência. Sempre o Partido Socialista e o actual Governo expressaram a sua concordância com o princípio do pagamento de propinas e, quando discordámos das chamadas «leis das propinas», fizemo-lo afirmando, desde a primeira hora e também aqui neste Plenário, em Novembro de 1995, que a solução para o financiamento do ensino superior não passa pela actualização do valor da propina, mas, antes, por equacionar globalmente todos os mecanismos de financiamento do ensino superior bem como em abordar a questão central da Acção Social Escolar.
Nestes termos, aquando da apresentação do Programa do Governo, tive ocasião de, perante esta Câmara, explicitar os princípios a que deveria obedecer uma proposta de lei de financiamento do ensino superior. Todos estão por certo recordados do que então foi dito. E tanto é assim que, num ou noutro momento, houve vários Srs. Deputados a recordarem-me que não deveria esquecer-se o Governo desse compromisso.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro tem estado a fazer pausas indicativas de que não considera reunidas as condições mínimas para se fazer ouvir. Isto é verdadeiramente intolerável. Peco-vos que não me obriguem a estar constantemente a fazer-vos a mesma solicitação.
Vamos ouvir em silêncio não só o Sr. Ministro como os próximos oradores. Agradeço-vos esse pequeno esforço.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sempre disse, porém, que o executivo o cumpriria e por isso aqui estamos, seguros de que não alterámos nenhum dos princípios que enunciámos, em Novembro de 1995, no debate do Programa do Governo e no debate sobre a lei que suspendeu a aplicação das Leis das Propinas.
Mas, verdadeiramente, o que é que está em causa? Está em causa uma relação tripartida entre Estado, instituições de ensino superior e estudantes, a considerar globalmente nas suas diversas implicações; a definição clara dos instrumentos que enquadram a relação entre o Estado e as instituições; a introdução de novos conceitos e novos mecanismos na relação do Estado com os estudantes; e, finalmente, a existência de uma propina e a independência desta em relação aos custos reais dos cursos e o não recurso ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) como critério exclusivo para concessão de apoios sociais e para a determinação do seu valor.
Cumprimos, pois, com a orientação e com o prazo da iniciativa. E se não fomos mais rápidos perante esta Assembleia, tal deveu-se à circunstância de haver necessidade de reunir pareceres e de ouvir os parceiros sociais, num tema que, não sendo da competência exclusiva e indelegável do Parlamento, como no caso da lei de bases,

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exigia da parte do Governo um empenhamento especial de concertação. O tempo a mais sobre a previsão inicial do calendário de aprovação não foi, assim, tempo perdido, antes foi tempo que permitiu, por um lado, um debate mais aprofundado e, por outro, o aperfeiçoamento da proposta, pela intervenção do Conselho de Reitores, do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, das associações académicas, do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Nacional da Acção Social do Ensino Superior e do Conselho Consultivo para a Juventude.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante uma proposta de lei que visa a criação de um enquadramento jurídico global e a regulação do financiamento de todas as instituições de ensino superior - públicas e privadas.
As necessidades educativas são, assim, consideradas no seu conjunto, quer relativamente às instituições do sector público, quer no tocante às instituições dos sectores particular e cooperativo. Não há instituições de primeira e de
segunda, nem estudantes privilegiados e preteridos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E se, em determinado momento, o Estado se eximiu às suas responsabilidades no planeamento e no investimento estratégicos, por falta de vontade e de meios, a verdade é que hoje nos vemos confrontados com a necessidade de levar a efeito um esforço redobrado que visa compensar o que não foi feito em vários anos, compensando disparidades gritantes e injustiças evidentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A salvaguarda do princípio da igualdade de oportunidades obriga-nos a assumir, fundamentalmente, o princípio da «diferenciação positiva» entre estudantes carenciados e não carenciados. Não esquecemos, obviamente, os dispositivos constitucionais neste domínio, que aqui assumimos sem tergiversações. E são eles: a afirmação de que «todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar», de que «o ensino deve contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais» e de que incumbe ao Estado «garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino» e «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino».
Relemos, por isso, com especiais cuidados o Acórdão do Tribunal Constitucional relativamente às velhas leis das propinas. Respeitamos esse Acórdão e entendemos dever reforçar a ideia de que a progressividade se inicia no ensino básico obrigatório e na componente educativa da educação pré-escolar. São domínios nos quais o Governo tem procurado dar novos passos decididos, em consonância, aliás, com o que foi deliberado nesta Assembleia, no capítulo fundamental da educação pré-escolar, por nós colocado na ordem do dia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O financiamento do ensino superior insere-se, assim, no esforço global pela melhoria da educação, não podendo ser visto isoladamente. E com esta proposta de lei o Estado reassume o papel de principal responsável pelo investimento educativo e pelas perspectivas de desenvolvimento do ensino superior.
Pretendemos garantir o acesso a um ensino de qualidade para o maior número nas melhores condições. Partindo de níveis de qualificação muito baixos da população activa portuguesa, precisamos de fazer um esforço sério e concertado, que começa no ensino básico - a nossa primeira prioridade - que continua no novo ensino secundário - diversificado e com uma forte componente tecnológica e profissionalizante, que passa pela ligação e pela coordenação com a formação e a aprendizagem, no sentido de combater a exclusão e o abandono precoce e de dar resposta às necessidades económicas, sociais e culturais - e que chega ao ensino superior universitário e politécnico.
A presente proposta de lei é, deste modo, instrumental e estruturante, devendo ser posta ao serviço de uma política de valorização da educação, de investimento no ensino superior, que vise a expansão e o desenvolvimento com qualidade e a consolidação do que existe com provas dadas.
A definição da propina a pagar pelo estudante constitui apenas um dos aspectos do financiamento, o que concretiza o princípio da participação do estudante. Definiu-se, porém, um valor acessível e um critério de fixação que corresponde a uma garantia de estabilidade e permanência, em demarcação clara de uma tendência que pudesse vir a pôr em causa a orientação constitucional, que não permite, em nome da progressiva gratuitidade, um agravamento com uma aproximação aos custos reais do ensino.
Muito se tem dito, porém, sobre o valor único da propina e várias têm sido as críticas no sentido de considerar essa uniformidade contrária a uma justiça distributiva. Esclareça-se que «valor único» não significa tratamento uniforme. As situações diferentes devem ser tratadas diferentemente, de acordo com o princípio da igualdade.
Antes de mais, o Estado assume na rede pública e na rede particular e cooperativa a cobertura de encargos sociais. De facto, a acção social escolar passará a constituir o instrumento privilegiado para garantir que não deve haver
discriminados por razões económicas e sociais. Assim, a propina tem um valor único para a instituição, mas é diferenciada para o estudante, uma vez que o Estado vai prestar apoios de acordo com as carências detectadas. Estamos, nesta linha, empenhados na modernização da acção social, num processo agora iniciado e que terá de seguir um caminho de exigência e aperfeiçoamento. Gostaríamos de ir mais depressa, no entanto, o longo atraso verificado neste domínio em resultado das orientações dos últimos anos leva a que sejamos obrigados a um esforço excepcional de recuperação, com todas as inerentes consequências em razão do ponto muito baixo de que se parte.
Não haja, porém, dúvidas sobre a nossa determinação e sobre a nossa vontade de tomar a igualdade de oportunidades um princípio activo e eficaz.
Quanto aos empréstimos previstos na proposta de lei, são os mesmos instrumentos concebidos fora do quadro de acção social escolar. Se as bolsas de estudo, as residências e as cantinas constituem meios de acção social no ensino superior, os empréstimos são um modo de o Estado proporcionar aos estudantes melhores condições, visando a autonomia que lhes permita serem financeiramente responsáveis na condução da sua formação. Estamos perante um instrumento complementar, que, como tal, deve ser encarado e assumido. Não se trata, pois, de transferir para o sistema de crédito responsabilidades de investimento ou de apoio social directo e indirecto aos estudantes.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Por tudo quanto fica dito, na partilha de responsabilidades que defendemos, o Estado garante que a principal e decisiva parcela de aumento no investimento educativo no ensino superior cabe à iniciativa publica e não aos estudantes e às suas famílias. Daí o valor manifestamente acessível que é proposto para a propina, daí o empenhamento do Estado nas melhorias efectivas em acção social e no desenvolvimento estratégico
do ensino superior para o início do novo século.
Nesse sentido, são fundamentais os contratos-programa e os contratos de desenvolvimento, a celebrar pelo Estado com as instituições de ensino superior, uma vez que estamos perante instrumentos inovadores de «diferenciação positiva», de incentivo e estímulo para a qualidade e para a correcção de desigualdades e assimetrias sociais e regionais.
Por outro lado, o acompanhamento e a avaliação sistemática do funcionamento das instituições e a realização de auditorias externas especializadas assumirão uma importância acrescida. Se insistimos numa lógica positiva e incentivadora que garanta a racionalização na utilização dos recursos materiais e humanos e uma expansão planeada, fácil se torna compreender que só um sistema de financiamento, no qual as responsabilidades em presença estejam perfeitamente definidas, a começar nas do Estado, permitirá lançar as bases de um desenvolvimento sustentável do ensino superior.
Urge, por isso, consolidar a autonomia das instituições do ensino superior, com especial destaque para as universidades, em razão do respectivo regime jurídico, aprovado pelo Parlamento, na sequência do disposto na Constituição da República. Daí termos preparado uma regulamentação da Lei de Autonomia, que visa pôr em
prática, no domínio da flexibilização da gestão financeira, o que a autonomia e a responsabilização postulam.
Nos domínios da gestão de pessoal docente e não docente, de gestão orçamental, de transferência de saldos de gerência e da administração patrimonial, entendemos dever dar para as universidades os passos indispensáveis, a fim de garantir o reconhecimento do carácter específico de instituições, as quais não podem ser confundidas com meros fundos ou serviços autónomos.
Não se trata, pois, de abrir um precedente na flexibilização, mas de reconhecer a natureza especial da instituição universitária e da sua autonomia, com salvaguarda das opções orçamentais assumidas pela Assembleia da República e executadas pelo Governo. Trata-se do complemento natural de uma lei de financiamento do ensino superior, visando reforçar a autonomia e a responsabilidade e concedendo às instituições poderes que permitam realizar escolhas no momento adequado, sem constrangimentos burocráticos, na certeza, porém, de que, estando em causa o serviço da comunidade, a utilização de um bem público, como a educação, e a aplicação de dinheiros dos contribuintes, a responsabilização dos agentes tem de ser claramente assumida.
Por outro lado, e no sentido da modernização do ensino superior em Portugal e do reconhecimento da importância da mobilidade nos dias de hoje, tem o Governo, numa fase adiantada de elaboração, a alteração do actual regime de reconhecimento de doutoramentos obtidos no estrangeiro, no sentido da desburocratização e da distinção clara entre graus académicos obtidos e concursos para provimento na carreira docente do ensino superior.
Estes são os dados do problema. Insista-se: o Estado moderno é chamado a assumir, com a sociedade, as suas responsabilidades na educação e na formação dos seus cidadãos. Torna-se, assim, necessário fazer opções e definir um caminho que considere o gradualismo das prioridades. Sendo os recursos escassos, urge apostar numa melhor e mais eficaz gestão de recursos e meios, numa escolha firme de parâmetros de qualidade e rigor e, designadamente, na qualidade do ensino básico, na diversificação do ensino secundário e no investimento e melhoria da acção social no ensino superior, segundo uma estratégia de desenvolvimento sustentável e de expansão programada de acordo com as necessidades educativas.
Não se apagaram ainda os ecos de um texto célebre do início dos anos setenta dos Professores Adérito Sedas Nunes e João Pedro Miller Guerra, no qual os insignes professores exprimiam o seu cepticismo sobre a possibilidade da universidade portuguesa se auto reformar. Hoje, o ensino superior em Portugal está numa encruzilhada. O cepticismo pode ser salutar, mas o fatalismo não o será.
A Universidade procura os caminhos da internacionalização e da exigência decorrentes da mobilidade e da livre circulação das ideias e do conhecimento. O ensino politécnico dá os primeiros passos de uma idade madura, que a ordem jurídica não pode ignorar. Uma lei de financiamento do ensino superior abre as perspectivas e aponta os caminhos da expansão e do desenvolvimento. O desafio perante o qual nos encontramos é o do futuro do ensino superior e da sua capacidade de mudança. Todos são chamados a assumir o dever de participar nesse esforço comum, o que significa para nós que os estudantes, que são parte integrante das instituições que frequentam, têm de ser chamados a co-financiar o sistema, tornando-se, assim, co-responsáveis pela construção de um ensino superior de melhor qualidade e de maior relevância social.

Aplausos do PS.

Mas de uma coisa teremos que estar cientes: em Portugal e na situação actual, o Estado não pode deixar inequivocamente de estar na linha da frente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Educação, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Marques Mendes, Sílvio Rui Cervan, Ricardo Castanheira, Bernardino Soares, Luísa Mesquita, Jorge Moreira da Silva e Heloísa Apolónia.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, a proposta de lei em causa, cuja posição desenvolveremos ao longo do debate, tem, do nosso ponto de vista, naquilo que não é propinas, um conjunto de generalidades e ausência de soluções e, no tocante às propinas, como desenvolverei a seguir, uma solução que nos parece injusta.
Mas, sobretudo, a proposta de lei, e o debate em si, levanta três questões que queria aqui abordar: uma questão de seriedade política, uma questão de justiça social e uma questão de equilíbrio no conjunto deste lei.
Em primeiro lugar, seriedade política. Há ano e meio atrás este Governo suspendeu e, a seguir, revogou uma lei de propinas. Fê-lo, apesar da ideia estar certa, com o discurso de que primeiro era preciso construir o edifício...

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Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - ... e só depois colocar o telhado. O edifício, como o Governo dizia, era promover a eliminação gradual e a prazo do numeras clausus - está escrito -, promover um sistema efectivo de acção social escolar e, sobretudo, fazer a reforma fiscal. O Sr. Primeiro-Ministro chegou mesmo a dizer publicamente - está escrito e gravado - que um sistema de propinas, para ser uma medida séria,...

Vozes do PCP: - Mas esta não é uma medida séria!

O Orador: - ... não podia ser feita sem, previamente, ser realizada uma reforma fiscal. Em função disto, há um problema de seriedade, porque nenhuma destas reformas foi feita, nenhuma destas medidas foi tomada. Reforma fiscal? Zero! E nem sequer foi apresentada! A questão que para nós é clara é tão simples quanto isto: ou o Governo agia sem seriedade política há um ano e meio atrás e, antes disso, quando fazia estas declarações, ou actua sem seriedade política hoje, porque não fez o edifício e voltou a colocar o telhado, que antes destruiu.
Para nós isto é uma farsa, uma falsidade, uma brincadeira!

Aplausos do PSD.

A segunda questão é de justiça social. Sempre fomos a favor do princípio de propinas; sempre discordámos do princípio de uma propina igual para todos. Para nós, esta é uma questão de justiça social.

O Sr. António Braga (PS): - Não sabe do que é que está a falar!

O Orador: - Todos, ricos e remediados, famílias de altos rendimentos ou de baixos rendimentos, pagarem da
mesma maneira é uma solução injusta!

O Sr. António Braga (PS): - Não sabe do que é que está a falar!

O Orador: - E as duas questões que aqui se colocam são estas: como é que é possível o mesmo Governo, numa semana, aprovar, no Ministério da Solidariedade e Segurança Social, uma medida de subsídio familiar em função dos rendimentos diferenciados de cada português, de cada família, e, duas semanas depois, no Ministério da Educação, ter uma filosofia rigorosamente ao contrário!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estamos a falar de dois governos ou de vários dentro do mesmo Governo ou há alguma incoerência dentro deste Governo?....

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais do que isso! Para além da injustiça social, o Governo dizia que primeiro era preciso melhorar o sistema fiscal,...

Vozes do PS: - E melhorou! Melhorou!

O Orador: - Em nada melhorou o sistema fiscal!
Agora diz que o sistema fiscal não funciona, a montante, na definição da propina diferenciada, mas entra, a jusante, na concessão de bolsas. É o mesmo sistema fiscal que o Governo prometia reformar e que acabou por não reformar. O sistema fiscal antes era injusto a montante e agora é injusto a jusante e o Governo comporta-se rigorosamente sem coerência e sem razão.

Aplausos do PSD.

A terceira e última questão é de equilíbrio nesta lei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que termine.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Nesta lei, a única medida concreta é a propina - e bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Somos a favor do princípio da propina e não trocamos convicções em função de estarmos no governo ou na oposição.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E depois o Governo diz que vai compensar os carenciados pelo sistema de bolsas. E onde é que está definido na lei quem tem direito a bolsas? Não está!

O Sr. António Braga (PS): - O Sr. Deputado não sabe o que é uma lei de bases!

O Orador: - Onde é que na lei está definido quais são os rendimentos? Ou seja: primeiro paga-se e depois, na regulamentação, trata-se da justiça social, independente das opções financeiras do Orçamento do Estado, o que significa que, ano a ano, em função das disponibilidades, é que se vê quantas bolsas há a atribuir para compensar os carenciados, aqueles que não têm meios financeiros. A justiça social fica remetida para momento posterior, quando devia ficar na lei!
Esta lei, para nós, tem um vício de falta de seriedade política, está imbuída de um princípio que não é de justiça social, não é uma lei completa e não é uma lei equilibrada. Por isso viabilizaremos a ideia, mas apresentaremos, na especialidade, um conjunto de alterações, para consagrar não apenas o princípio das propinas mas o princípio das propinas escalonadas e diferenciadas, com razões proporcionais, para encontrarmos, de facto, uma lei que não tenha apenas uma boa ideia mas seja também uma boa lei para o País e não uma má solução, como esta, para Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fui informado de que o Sr. Ministro da Educação responde a grupos de quatro pedidos de esclarecimento.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, tenho sempre especial gosto em ouvi-lo e até concordo com muito do que diz, mas quase

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nunca concordo com os diplomas que aqui chegam para debatermos.
Sr. Ministro, a proposta de lei e o seu discurso não dizem a mesma coisa. Esforçou-se muito, nos últimos dias, para nos tentar mostrar que hoje aqui não discutíamos aquilo que vulgarmente é designado por lei das propinas, que vínhamos fazer uma discussão sobre o financiamento do ensino superior. Tenho sérias e fundadas dúvidas de que seja isto que está hoje em discussão.
O Sr. Ministro sempre nos disse que os princípios do seu Governo eram essencialmente dois e que todo o problema do financiamento se deveria nortear por justiça social e por igualdade de oportunidades.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Já perdeu!

O Orador: - Sr. Ministro, quanto à justiça social, concordo, mas pergunto: justiça social, como, quando todos pagam igual, mesmo aqueles que não têm igual possibilidade? Igualdade de oportunidades como se o 7.º ponto é o último da «Exposição de motivos» da vossa proposta de lei, é o último a falar-nos da extensão gradual aos estudantes do ensino superior particular e cooperativo? Gradual como, Sr. Ministro?! Quanto tempo vai demorar: três, cinco, 10 anos? Nunca! Nunca mais, Sr. Ministro, teremos efectivamente um sistema de concorrência de efectiva alternativa entre os subsistemas do público e do privado.
Sr. Ministro, indexar a propina ao salário mínimo é demagógico, é pouco rigoroso - penso até que o Sr. Ministro é capaz de concordar com isto.
Gostava de fazer-lhe uma última pergunta, porque, nos últimos dias, têm saído muitas notícias em relação a esta matéria: a propina única é uma questão fechada para o Governo do PS ou é passível de discussão na especialidade?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Fechada!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira, para pedir esclarecimentos, não resisto à tentação de chamar a vossa atenção, embora esteja a fazer os anúncios a prestações, o que não é normal, para o facto de se encontrar na galeria central um grupo de alunos do Curso de Direito da Universidade Moderna acompanhados por um dos seus professores, o meu querido amigo e assessor Embaixador Meneses Cordeiro. É desta massa que saem os futuros Deputados, saudemo-los por antecipação.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, esta Câmara não pode obviamente viver isolada do que se passa lá fora, por isso pensei que o Sr. Deputado Luís Marques Mendes viesse fazer aqui referência ao que se está neste momento a passar lá fora.
No entanto, uma vez que as expectativas sobre aquela manifestação eram efectivamente grandes, pude aperceber-me de que a fraca adesão paira de facto no ar. Neste sentido, temos de tirar ilações, até por uma questão de justiça para com o passado, já que relativamente ao PSD se tiraram ilações das grandes manifestações feitas à porta desta Câmara. E as ilações que tiro são as seguintes: efectivamente, o fraco número de estudantes que se encontra lá fora decorre de uma informação acrescida que neste momento o universo dos estudantes tem em relação a estas matérias,...

Vozes do PS: Muito bem!

O Orador: - ... decorre de um instrumento político que este Governo usa, que é o diálogo prévio com as associações de estudantes,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... decorre, no fundo, de uma aceitação clara que a comunidade estudantil tem em relação às grandes matérias no domínio associativo.

Aplausos do PS.

Mas não quero fazer grandes considerações sobre a proposta de lei, que, aliás, foi de facto apresentada com grande qualidade pelo Sr. Ministro.
O PSD hoje chega aqui e quer reduzir, de forma perfeitamente redutora e minimalista, a proposta de lei a uma mera e simples lei de propinas.
Ora, tenho aqui as Leis n.os 20/92 e 5/94, da responsabilidade do PSD, e verifica-se que: esta proposta de lei trata de um triângulo estratégico de desenvolvimento e financiamento do ensino superior, enquanto que as duas
leis existentes não tratam absolutamente nada disto; esta proposta de lei trata da acção social escolar, enquanto que as duas leis existentes não faziam uma única referência a bolsas;...

O Sr. José Calçada (PCP): - Já estamos mal!

O Orador: - ... esta proposta de lei trata de empréstimos aos estudantes, enquanto que as duas leis existentes não tratam absolutamente nada disto; esta proposta de lei trata de uma relação contratual com as universidades, enquanto que as duas leis existentes não tratam absolutamente nada disto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, é uma falácia reduzir esta questão da proposta de lei, de forma minimalista, a uma simples proposta de lei de propinas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas gostaria de colocar duas questões ao Sr. Ministro sobre uma questão fundamental. Vejo que ainda há, da parte da comunidade estudantil, algumas reservas e preocupações que têm directamente a ver com o conceito de estudante elegível.

Vozes do PCP: - Ah!...

O Orador: - E, assim sendo, penso que é necessário clarificar este conceito, obviamente à luz de uma filosofia de exigência e de responsabilização curricular dos próprios estudantes. No entanto, hoje não estão apenas virados para as nossas atenções os estudantes do ensino superior,

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penso que também há milhares de estudantes do ensino secundário com os olhos postos neste debate. E porquê?
Hoje de manhã, durante o Fórum da TSF, ouvi um dirigente associativo da faculdade de economia do Porto a aceitar que a média para completar o curso naquela faculdade era efectivamente de 8,5 anos, quando deveria ser
concluído em cinco anos. Pergunto: será que este conceito de estudante elegível pode de alguma forma, numa óptica ou numa filosofia de responsabilidade curricular, dar resposta a isto? Mais: coloco a mesma questão na decorrência deste mesmo conceito porque há uma preocupação, que é legítima, e o PS também a tem, em relação a sistemas de excepção, aos trabalhadores-estudantes e aos dirigentes associativos. Penso que um dos casos está desde já contemplado nesta proposta, mas a oposição, como tem vindo a ser hábito nestes últimos tempos, tem tendência a não ver, no passado era o autismo, hoje é um pouco de cegueira política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado, Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, penso que nesta matéria o Governo tem um objectivo claro, que é introduzir a propina no financiamento do ensino superior.

O Sr. José Calçada (PCP): - Ora, aí está!

O Orador: - Sobre isto não temos dúvida alguma.
Depois, o que há nesta proposta de lei, para além disto, são várias manobras de diversão, várias questões levantadas, ainda por cima, muitas delas más, para esconder a verdadeira intenção, que é a de introduzir a propina no
financiamento do ensino superior.

Vozes do PCP: - Claro!

O Orador: - E as manobras de diversão são tão más como a questão das prescrições indirectas, que violam a autonomia universitária, que deixa de parte as questões pedagógicas e as preocupações pedagógicas, que visa excluir administrativamente 40 000 estudantes do ensino superior e cortar verbas para o financiamento das instituições.
Fale-se, por exemplo, da acção social escolar que, ao contrário, da propina, que é claramente definida e directamente aplicável, vem definida de uma forma vaga e insuficiente.

O Sr. José Calçada (PCP): - Não vem definida!

O Orador: - Se calhar convinha que o Sr. Ministro nos dissesse quais são os valores, quais são os escalões que vão ser aplicados à acção social escolar,...

O Sr. José Calçada (PCP): - Não sabe!

O Orador: - ... nos dissesse que verbas vão ser investidas e se é verdade que, para se ter a bolsa máxima, é preciso que a família tenha um rendimento per capita de 6 000$.

O Sr. José Calçada (PCP): - O quê?!

O Orador: - Gostaríamos que o Sr. Ministro clarificasse esta situação, para já não falar dos conceitos de «estudante deslocado», da incógnita que será e como será aplicado, e de «curso elegível», que não sabemos bem qual irá ser o critério de base.

O Sr. José Calçada (PCP): - Isso é mau!

O Orador: - Bom, o que é fundamental nesta proposta é que a propina está desde logo expressa e garantida, quanto ao resto ou é vago ou é mau, e parte daquilo que é vago e ainda por cima mau.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro falou muito do diálogo e da consulta a uma série de entidades e instituições para a produção deste texto, mas deixe-me assinalar-lhe uma certa coincidência no timing escolhido por este Ministério com acções anteriores, com agendamentos anteriores de outros governos, que também sensivelmente por volta desta mesma altura do ano, com uma euforia, se calhar, primaveril,...

O Sr. José Calçada (PCP): - Mas nem assim se safaram!

O Orador: - ... vinham discutir esta questão para a Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acho muito bem que o Sr. Ministro se sinta mais inspirado na Primavera, mas gostaria que nos explicasse o porquê desta coincidência.
Segui com atenção a sua intervenção, e houve uma coisa que, logo no início, verdadeiramente me espantou e que, a meu ver, deve ser reconhecida como uma verdadeira pérola da ironia parlamentar, que é o dizer-se que este Governo rompe com as orientações neo-liberais que até agora têm sido aplicadas ao sistema educativo...!

Risos do PCP.

É uma verdadeira pérola parlamentar, e tem graça, Sr. Ministro. Tem de facto graça! O problema é que só como ironia isto pode ser entendido, só como ironia, porque o proposto pelo Governo nesta iniciativa é a desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino superior...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e não já, digo-lho sinceramente, a introdução da participação do estudante no custo do ensino superior, porque o estudante e a sua família já participam, numa grande fatia e que já é demasiada, nos custos do ensino superior, pelo que não se admite nenhuma outra, e mesmo essa tem de ser fortemente restringida.
Para terminar, Sr. Ministro, o que se verifica neste ano e meio de governação, em que muito foi prometido para o ensino superior e muitas vezes se disse que a propina seria só o fim da linha, é que a propina única é a medida única que este Governo soube apresentar-nos para a questão do ensino superior.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Para responder aos quatro pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação, que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, vou ser muito rápido.
Começo por responder, de forma muito sintética, ao Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan. Em primeiro lugar, a propina única é uma questão fechada. Esta lei assenta na lógica em que a propina única é uma questão fechada. Todos pagam igual porque não é no pagamento que se faz a justiça social; a justiça social faz-se na acção social escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este é o seu engano. Ou seja, quando colocamos todos os estudantes em pé de igualdade perante o Estado, sejam eles do público ou do privado - o Sr. Deputado tem de compreender que não é possível fazer um aumento tão significativo quanto aquele que gostaríamos, razão por que adoptamos o sistema do gradualismo, e, por isso, no ano passado gastámos 700 000 contos e este ano 2.2 milhões de contos com os estudantes do ensino particular e cooperativo - todos pagam o mesmo, a instituição recebe o mesmo de todos, mas o pagamento feito por cada estudante é diferenciado em função daquilo que o Estado lhe dá para o apoiar. É assim que se faz nos Estados modernos, porque é assim que se pode fazer o financiamento correcto das instituições, desta forma as instituições sabem com que contam no próprio financiamento, e não através de uma diferenciação artificial, que só de uma forma artificial faria a tal justiça social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Ricardo Castanheira colocou a questão do estudante elegível e devo dizer-lhe que o mais inaceitável é não haver estudante elegível. Diria mesmo, uma parte significativa da população portuguesa não sabe que não há prescrições. As prescrições têm de existir para que o sistema seja transparente e sobretudo para que o ensino superior não seja uma fortaleza onde os que estão lá dentro se defendem contra os que estão cá fora, porque por cada 10 anos que se passa na universidade, de um curso de cinco, é um outro estudante que não entra, pois há um lá dentro a tirar-lhe o lugar. É com isto que temos de acabar.

Aplausos do PS.

O Sr. José Calçada (PCP): - Os estudantes são uns malandros!

O Sr. António Filipe (PCP):- Pergunte-lhe se já acabou o curso!

O Orador: - O artigo 34.º introduz, em relação ao trabalhador-estudante, o conceito específico de estudante elegível.
Temos para nós que o regime proposto no projecto de lei do Deputado Sérgio Sousa Pinto corresponde inteiramente àquilo que pensamos que deve ser o Estatuto do Trabalhador-Estudante. E esse estudante, sim, tem a possibilidade de ter um estatuto especial, que ultrapassa a regra normal. Agora, sejamos claros, ou há exigência em relação aos estudantes ou este sistema nunca passará do estado em que se encontra hoje.
Sr. Deputado Luís Marques Mendes, permita-me que comece por dizer-lhe que o Governo a que V. Ex.ª pertenceu demorou sete anos para fazer uma lei de propinas e, tendo-se enganado, teve de fazer outra dois anos depois, enquanto nós demorámos um ano e meio e apresentamos aqui uma lei-quadro do financiamento.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Vamos ver se é aprovada!

O Orador: - O Sr. Deputado nunca me ouviu dizer, nem terá qualquer gravação, aquilo a que chamou a minha afirmação sobre a reforma fiscal.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Não era sua!

O Orador: - Não. O Sr. Deputado disse que era uma gravação minha.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Era do Primeiro-Ministro!

O Orador: - Não há qualquer gravação, porque nunca o disse. O que disse concretamente foi o seguinte, e repito-o: a propina é o fim da linha, e foi assim que sempre a apresentámos.
Se o Sr. Deputado apresentámos a nossa proposta de lei em Junho do ano passado, dissemos que a propina era definida em função de um indicador de carácter social e definimos todos os outros mecanismos, que depois aperfeiçoámos ao longo deste debate, o qual demorou cerca de um ano e no qual foram consultados diversos organismos e protagonistas. Nunca referi a reforma fiscal, mas, mesmo que o tivesse feito, este sistema é independente da reforma fiscal, e o que o Sr. Deputado está a querer dizer é que utilizamos o IRS a jusante em vez de o utilizarmos a montante, o que não é verdade.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - É!

O Orador: - O que estamos a utilizar, exclusivamente, é o mecanismo clássico, que neste momento já se aplica a todos os estudantes que concorrem a bolsa, que fazem uma declaração de honra, que tem a ver com o IRS mas não só, tem também a ver com outros indicadores.

Vozes do PSD: - Como vê, também tem a ver com o IRS!

O Orador: - E este ano funcionou de uma forma perfeita, podemos dizê-lo, pois não tivemos qualquer reclamação em relação a este modelo. Consequentemente, o Sr. Deputado não pode dizer que estamos a construir a casa a partir do telhado.
Se alguém cometeu aqui um acto a que, se me é permitido dizê-lo, um Deputado do seu grupo parlamentar chamou «um acordo absolutamente absurdo e vergonhoso, que nenhuma universidade poderia aceitar e nenhum governo referendar», foi V. Ex.ª quando era Ministro Adjunto, altura em que assinou o chamado protocolo de acordo entre o Governo e as federações e associações académicas, que é um documento que envergonha qualquer Governo.

Aplausos do PS.

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Estas palavras são do Dr. Vasco Pulido Valente, publicadas num escrito em O Independente.
Há mais um dado de que eu gostava de lhe dar conta: o Sr. Deputado sabe qual seria o valor da propina, hoje, de acordo com a lei que VV. Ex.as fizeram? Hoje, a propina mínima seria de 118 000$!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Essa era a máxima, não a mínima!

O Orador: - Ou seja, visto que VV. Ex.as vêm atacar esta proposta de lei pelo facto de ser injusta, gostaria que o Sr. Deputado se manifestasse sobre a matéria.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Não é capaz!

O Orador: - Relativamente à diferenciação positiva, expliquei na minha intervenção como é que funciona. Ora, o senhor, que é Deputado há muitos anos e que sabe como funcionam estes mecanismos, sabe que uma lei-quadro não é uma lei regulamentada. E sabe porque é que nesta lei o único aspecto que está regulamentado é a propina? É porque essa é a única forma de defender os estudantes do que vocês querem, que é transformar a propina num valor indexado ao valor real dos custos do ensino.
Nós entendemos que este não é o modelo. E sabe porquê? Porque, no país, menos de 6% da população com mais de 15 anos de idade tem ensino superior e entendemos que o Estado deve ser o primeiro, e grande, investidor no ensino superior.

Aplausos do PS.

Respondendo ao Sr. Deputado Bernardino Soares, digo-lhe que nesta proposta de lei não há a introdução da propina. A propina sempre existiu - e, hoje, VV. Ex.as também já não contradizem a existência da propina -, o que há é um movimento contra o aumento da propina. Isto é, os senhores concordam com uma propina de 1 200$, não concordam é com uma propina cujo valor seja acessível e que sirva verdadeiramente para alguma coisa.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Não é verdade!

O Orador: - Não há aqui nenhuma manobra de diversão, pelo que o Sr. Deputado certamente está a fazer confusão com outras manobras de diversão.
Não podemos manter no sistema os cábulas, aqueles que reprovam mais de três vezes,...

O Sr. António Filipe (PCP): - Demagogia! Pura demagogia!

O Orador: - ... por uma razão muito simples. E que, no ano passado, o Governo fez um decreto-lei que cometeu às universidades a responsabilidade e a competência para definir as prescrições. Algumas universidades
implementaram-no, isto é, há imensas faculdades que têm um sistema de prescrições e nós entendemos que o sinal que o Estado deve dar não é impondo as prescrições às universidades mas, sim, pegando no sistema de financiamento e dizendo: «nós impomos que ou vocês têm o regime.......

O Sr. José Calçada (PCP): - É apertando o garrote!

O Orador: - Estou a dizê-lo claramente! Não sou hipócrita! Estou a dizer que queremos que haja sistema de prescrições nas universidades, e por isso dizemos que deixamos de pagar por um estudante que reprove acima de x+2 anos e que, a partir daí, a própria universidade é que terá de assumir os encargos com esse mesmo estudante. Isto é ser transparente, claro, rigoroso e exigente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, não posso contestar algumas falsidades do que disse o Sr. Ministro por via da figura de interpelação à Mesa, o que será feito daqui a pouco por colegas meus. No entanto, no meu caso, há uma que não posso deixar passar em claro.
Quando faço citações sei o que digo,...

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Tenha cuidado, não se esqueça do caso da cassette.

O Orador: - ... pelo que, quando falei em reforma fiscal, o Sr. Ministro estaria desatento. Eu disse que o Sr. Primeiro-Ministro tinha dito - e passo a citar rigorosamente o que, em 1994, disse o Eng.º António Guterres que, hoje, é Primeiro-Ministro: «(...) a aplicação da lei das propinas, como qualquer reforma séria do Estado-providência, passa por uma reforma fiscal prévia (...)». Sr. Ministro, foram estas as palavras do Sr. Primeiro-Ministro. Se o senhor discorda, significa que aos argumentos que invoquei há pouco para dizer que todo este processo é de uma falta de seriedade política da vossa parte acresce a sua própria discordância face ao Primeiro-Ministro e acresce, ainda, falta de seriedade à ausência de seriedade política que já se verificava neste processo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado deve ter consciência de que não fez uma verdadeira interpelação. O Sr. Ministro está a exigir que a Mesa lhe dê o mesmo direito e não posso recusar-lho.
Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Educação: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, tive ocasião de dizer o que pensava sobre essa matéria, tendo afirmado que não fiz essa afirmação mas que se a tivesse feito tudo estaria exactamente na mesma. Por uma razão simples: é que o pagamento de um serviço pode ser feito em função de vários factores.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - E se for feito em função de um factor que se chama «rendimento», então teríamos de ter previamente uma reforma fiscal.
Como o Sr. Deputado sabe, o actual pagamento é independente do rendimento de cada um,...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - São só desculpas!

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O Orador; - ... antes é dependente da declaração e dos rendimentos que cada estudante ou família tem, o que não é mesma coisa que uma dependência directa do IRS, como existiria se fosse feito em função de uma reforma fiscal. V. Ex.ª compreenderá que este sistema é absolutamente independente da reforma fiscal. Repito: absolutamente independente da reforma fiscal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia para formular um pedido de esclarecimentos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, já várias vezes lhe dissemos nesta Câmara que está habituado a seleccionar os protagonistas da educação nas mais diversas matérias.
Certamente sabe que nesta Casa existem cinco grupos parlamentares. Pergunto-lhe: por que é que na primeira ronda de respostas não respondeu aos cinco grupos parlamentares, tendo agido de acordo com a sua já clara mania de selecção?
O Sr. Ministro conseguiu fazer uma intervenção de 17,5 minutos sem nunca ter referido o ensino superior como sendo um direito. Ora, essa é precisamente a base de toda esta discussão. É que uns entendem o ensino superior como
um direito, como a base de desenvolvimento do país. É desta forma que o Partido Ecologista Os Verdes o entende. Outros - e já várias vezes ouvimos dessa bancada afirmações do género - entendem que o ensino superior não é um direito mas, sim, um privilégio, um benefício individual de cada estudante, pelo que quem beneficia do mesmo tem de pagar. Em nossa perspectiva, esta é que é a grande questão e o grande problema: é que este Governo entende o ensino superior como um privilégio.
Antes de mais, o Sr. Ministro vai ter de esclarecer nesta Câmara quem são os «cábulas do sistema». Diga aqui, claramente, se conhece ou não quais as maiores causas de reprovação no nosso sistema. Porque é que elas acontecem da forma como acontecem? Diga lá, por favor, quais são essas causas e qual é a contribuição do actual sistema para a expressão «cábulas do sistema» que o Sr. Ministro insistiu em referir.
O Sr. Ministro disse coisas preocupantes na sua intervenção. Deixou bem claro que considera que o ensino superior com qualidade não é para todos, é para alguns.
Não pode chegar aqui e afirmar: «se querem ensino superior com qualidade paguem porque o Estado não está para isso!» Na sua qualidade de Ministro da Educação não pode fazer esta afirmação mas é o que demonstra esta proposta de lei. É que ninguém aceita a desresponsabilização do Estado nesta matéria nem o senhor tem a coragem de dizer directamente que o que está a fazer é a desresponsabilizar o Estado nesta matéria.
O Sr. Ministro não pode esquecer que os estudantes e as famílias já hoje pagam muito pela frequência do ensino superior: alimentação, transportes, material escolar, livros, fotocópias, etc.
O Sr. Ministro não pode ficar indiferente perante o facto de sermos o país da Europa com o menor número de estudantes no ensino superior.
Assim, face a estas questões, e especialmente pelas circunstâncias que acabei de referir, solicito-lhe que nos explique como é que este Governo vem defender o princípio do pagamento das propinas. Face a tudo o que referi, porquê o princípio de pagamento das propinas? Para quê?
Resumindo, porquê, Sr. Ministro, uma política de desresponsabilização e de elitização do ensino superior, que era o que aqueles senhores do PSD defendiam e perseguiam, que é o que este Governo, apesar de ter criado expectativas no sentido inverso, vem defender e vai prosseguir? Com outra denominação ou não, é o que este Governo está a fazer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Moreira da Silva.

O Sr. Jorge Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, relativamente ao que afirmou no sentido de que as lições da História devem aproveitar não só a quem perde eleições mas a quem ganha, notei que estava muito mais preocupado em perceber onde é que o PSD tinha errado do. que em definir qual o sistema educativo que pretende para Portugal ao nível do ensino superior.

Vozes do PSD; - Muito bem!

O Orador: - Admito que seja difícil governar, admito mesmo que seja muito complicado, mas não é preciso ser-se herói para assumir com responsabilidade e com verdade as promessas que se fazem. Por isso, e porque estou muito confuso e não percebi bem o que defendem quando fazem comparações com o passado,...

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Bem sei que a JS gostaria de tomar a mesma posição que nós próprios!...
Continuando, gostaria que o Sr. Ministro nos esclarecesse relativamente a algumas declarações que o PS fez, até porque assumiu que também pensava da mesma forma quando, há pouco, disse «nós». Ora, aproveito para recordar-lhe que, em 1992, a declaração de voto do Partido Socialista dizia, nomeadamente, que «o Grupo Parlamentar do PS considera que uma revisão do sistema de propinas não deveria ter lugar sem que, previamente, se tivessem verificado as seguintes condições: a eliminação a prazo do numeras clausus, a criação de um efectivo sistema de acção social escolar, com particular relevo para bolsas, aplicação de um conjunto de medidas de reforma fiscal». Aproveito para citar também um ex-Deputado do PS, que hoje é Secretário de Estado, que dizia em 1992:
«a revisão do sistema de propinas deve ter um carácter gradual e faseado no tempo, deve abranger significativas condições de isenção, tendo em conta o baixo rendimento médio das famílias portuguesas, deve envolver uma relação de correspondência entre o valor a pagar, o rendimento familiar e o número de filhos».
O Sr. Ministro da Educação suspendeu a lei das propinas com base no argumento de que era necessário uma nova acção social escolar, o fim do numerus clausus, a reforma do sistema fiscal, uma reforma global do sistema educativo e que só no fim teríamos a tal definição da propina. Ora, Sr. Ministro, a acção social escolar é a mesma, o numerus clausus é o mesmo, o sistema fiscal é o mesmo, o Estado-Providência é o mesmo, não se realizou nenhuma reforma educativa no ensino superior. Assim, é importante que nos esclareça quanto ao que mudou em Portugal a ponto de o Governo ter mudado de opinião tão rapidamente e tão bruscamente.

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Uma de duas cosias tem de ter acontecido, Sr. Ministro. Ou o Governo e o PS entendiam que só poderiam criar um sistema de propinas depois de realizadas aquelas condições prévias - e, nesse caso, pergunto-lhe por que é o Governo esteve parado um ano e meio no que toca ao ensino superior -, ou entendiam que só poderiam realizar reformas após terem actualizado o valor da propina - e, nesse caso, pergunto por que é que a suspenderam há um ano e meio.
Em declarações ao Público, em Maio de 1996, o Sr. Ministro falou também em «propinas no fim da linha», isto é, no fim da linha do tal processo de reforma global. Ora, estamos novamente no fim da linha, pelo que pergunto:
onde está o princípio da linha, onde está o meio da linha, onde está a linha, Sr. Ministro?

Protestos do PS.

Os Srs. Deputados da JS devem ter mais calma!
Sr. Ministro, uma omissão em política não é menos grave do que uma omissão na vida. Uma mentira em política não é menos grave do que uma mentira na vida!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita para um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, sugeria que V. Ex.ª pensasse no conhecido adágio popular que diz: «Feliz ao jogo, infeliz às paixões». Talvez assim possamos começar a conversar!

Risos.

O Sr. Ministro só pode ser feliz ao jogo, porque quanto às paixões a tragédia é total!

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

Risos.

A Oradora: - O Sr. Ministro não dá tréguas a ninguém: não dá tréguas aos estudantes, e eles precisam de trabalhar para os exames do 12.º ano; não dá tréguas aos professores, e eles precisam de fazer os exames e de cumprir os programas.
De norte a sul do país, os estudantes dizem não às provas globais, dizem não às propinas, dizem não às alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo! Os professores vieram agora dizer não aos contratados a prazo! E, Sr. Ministro, são só - imagine! - 40 000, ou seja, 1/3 dos professores existentes neste país, desde a educação pré-escolar ao ensino superior. É esta a qualidade em que o Sr. Ministro aposta.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Então e as propinas?

A Oradora: - Já lhe respondo, Sr.ª Deputada.
Sr. Ministro, hoje assistimos aqui ao quarto episódio da novela neoliberal que nos ensina como se transforma o ensino superior público em ensino superior supletivo do ensino superior privado.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas já estamos no quarto episódio!
Recordemos o primeiro episódio, o dos numerus clausus.
Diz o Sr. Ministro que este sistema tem uma lógica, e uma lógica quantitativa, que é a de que só entram no ensino superior público os candidatos que cabem - apertem-se! - e não os que o país precisa, não os que o desejam.
Até porque...país?! Aspirações pessoais dos jovens candidatos?! São letra morta que o Sr. Ministro não conhece, ou não fosse ele um homem das tragédias em matéria de paixão!

O Sr. José Calçada (PCP): - Exactamente!

Risos do PSD.

A Oradora: - Segundo episódio: esta semana, segunda quinzena de Maio de 1997, estão a chegar às escolas os programas. Quais? Os que vão testar os exames a realizar no próximo mês pelos candidatos ao ensino superior!

O Sr. José Calçada (PCP): - É muito a tempo!...

A Oradora: - Estamos a tempo...
Terceiro episódio: o acesso ao ensino superior foi alterado, e de que maneira! Agora estão previstas provas nacionais. Para quê?! Para garantir a igualdade de oportunidades dos candidatos? Para quê?! Não às provas nacionais, fim à desigualdade de oportunidades! Até as universidades não concordam consigo, Sr. Ministro!
Quarto episódio, o de hoje: discutimos a lei das propinas, não a do financiamento do ensino superior - ainda ninguém deu por ela! -, ou, sejamos mais claros, a lei da exclusão do ensino superior público. É assim que se chama esta lei, Srs. Deputados!

Vozes do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Lei da exclusão?!

A Oradora: - Explico melhor, para quem não percebeu: com esta lei não se dá dinheiro às universidades e convidam-se estas instituições a excluir os alunos. E o Sr. Ministro nem vai estar lá! Vai estar no gabinete da 5 de Outubro!

Vozes do PCP: - Se estiver!

A Orador: - Sim, se estiver. Esperemos que não!
Sr. Ministro, depois de tudo isto, se algum jovem conseguir passar de candidato a aluno do ensino do superior público, qual será o quinto episódio? Não nos quer dar já hoje algumas «dicas», Sr. Ministro?

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, torna-se verdadeiramente difícil para o país compreender o que este Governo quer em matéria de educação e, em particular, o que defende para o ensino superior.

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Recordo que a primeira grande medida ou a primeira promessa eleitoral cumprida, e que data de há cerca de ano e meio, foi a suspensão de todo o sistema de propinas no país. Uma de duas hipóteses se abria: ou este Governo considerava a lei que vigorava injusta e iria apresentar alguma coisa diversa - e são abundantes as citações, não de V. Ex.ª mas de gente proeminente no Governo, de que essa filosofia não era defensável sem uma reforma fiscal prévia no país. Todavia, de acordo com as afirmações do Sr. Ministro, o que é preciso fazer em matéria de propinas não carece de matéria fiscal prévia porque, verdadeiramente, o que se vai cobrar aos estudantes não tem que ver com os rendimentos das famílias, nem com o número de estudantes a frequentar o ensino superior, isso sugere-me duas conclusões: primeiro, ao encontrar esta solução ao fim de ano e meio, desconfio que o Sr. Ministro, por princípio, não defende esta solução e, segundo, talvez V. Ex.ª não acredite é na capacidade política deste Governo de fazer uma reforma fiscal em tempo que lhe permita introduzir alguma reforma no sistema educativo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seria bom ver o Governo admitir que não tem condições nem capacidade política para fazer uma reforma fiscal como o país precisa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero crer que seja esta a posição do Sr. Ministro porque recuso-me a acreditar que V. Ex.ª, por princípio, se limite a apresentar a esta Câmara, ao fim de um ano e meio, a solução do Dr. Oliveira Salazar com a reforma do Professor Marcelo Caetano.
O Sr. Ministro elucidou-nos - e esse foi, de facto, o único ponto político inteligível da sua intervenção - que o que se pretende, verdadeiramente, é procurar uma justa, do ponto de vista do Governo, actualização do valor que o Professor Salazar fixou como taxa única para o ensino superior, com uma promessa de actualização, tal como o Professor Marcelo Caetano fez, em matéria de justiça social. E quanto a promessas, Sr. Ministro, estamos todos
inteirados; já quanto à questão dos princípios, V. Ex.ª ainda tem muito que esclarecer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, se me é permitido, vou começar pelo fim, pelas questões colocadas pelo Deputado Pedro Passos Coelho.

Vozes do PCP: - Vai começar pelo «fim da linha»!

O Sr. José Calçada (PCP): - Finalmente vai «entrar na linha»!

O Orador: - Quando o PSD esteve no Ministério da Educação normalmente governou sem memória.

Vozes do PS: - É bom lembrar!

O Orador: - E agora não se lembra do que lá fez!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, o Sr. Deputado disse aqui uma coisa absolutamente extraordinária em relação à reforma fiscal. Certamente é um fiscalista, eu não sou.

Risos do PS.

O Sr. Ministro das Finanças já aqui explicou tudo o que tem a ver com a forma como se vai processar a reforma fiscal e o Sr. Deputado tem de perceber é que não é pelo Ministério da Educação que se faz a reforma fiscal. Eu tenho de trabalhar com os pressupostos que existem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A lei não é sua, é do Governo!

O Orador: - O Sr. Deputado está muito admirado com o facto de termos levado ano e meio a tomar esta iniciativa, e eu vou dizer-lhe por quê, com toda a franqueza. Ontem reunimos com o Conselho de Reitores e tivemos ocasião de fechar com um diploma, também discutido ontem, que introduz a flexibilização da gestão financeira patrimonial e de recursos humanos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Penso que o Sr. Deputado não estava ainda na Sala quando anunciei isto na minha intervenção.
Trata-se do segundo pilar desta lei de financiamento para o ensino superior, e só os ignorantes podem não perceber a importância do que se está a fazer.

O Sr. José Calçada (PCP): - Ora aí está!

O Sr. António Filipe (PCP): - Quem é ignorante levante o dedo!

O Orador: - Estou a referir-me ao mais importante conjunto legislativo sobre financiamento desde 1988, isto é, desde que se fez a reforma que introduziu a autonomia das universidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Apesar de tudo não foi isso que o trouxe à Assembleia da República!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que não interrompam o orador.

O Orador: - O Sr. Deputado Moreira da Silva colocou questões sobre a acção social escolar e eu vou apenas dar-lhe, para que não restem dúvidas, alguns elementos sobre o nosso investimento em acção social escolar.
De 1995 para 1996, o orçamento de funcionamento cresceu 23,9%, de 1996 para 1997 cresceu 19,2%. Temos hoje 27 600 bolseiros no ensino público e 4000 bolseiros no ensino privado, quando existiam zero! Neste momento estão a ser construídas residências com uma capacidade de 5500 camas, das quais 4280 estão já aprovadas, o que constitui um aumento de 63%, correspondente a 14 milhões de contos. Estão ainda em construção 9 cantinas autónomas, com um aumento de 16% no número de lugares.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - As pessoas não são números!

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O Orador: - Na área do desporto, estão a ser investidos 3,3 milhões de contos em 28 novas infra-estruturas, pavilhões, uma piscina para a cidade universitária e campos de jogos.
Em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, em primeiro lugar gostava de dizer...

O Sr. Presidente: - Luísa Mesquita, Sr. Ministro.

O Orador: - Peço desculpa, mas a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia também me pediu esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Ministro, julguei que já tinha respondido à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, e ela até se queixou disso!
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - O Sr. Ministro está cansado!

O Orador: - Não, não estou cansado, Sr.ª Deputada, quiseram-me foi enganar, dizendo que a Sr.ª Deputada Apolónia não tinha feito qualquer pergunta!

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Ainda bem! Está só a confundir...

O Orador: - Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, certamente não prestou muita atenção à minha intervenção, porque enumerei todos os preceitos constitucionais que consideram a educação como um direito e não como um privilégio, incluindo o acesso ao ensino superior.

O Sr. Presidente: - Agradeço que abrevie, Sr. Ministro.

O Orador: - Termino dentro de um minuto, Sr. Presidente.
Quanto à questão central que colocou, a dos estudantes que estão nas universidades durante um número excessivo de anos, não posso deixar de afirmar, de forma muito clara, que há uma multiplicidade de causas de reprovação.
Agora, esta é uma matéria central, pelo que não vale a pena encobrir a realidade com argumentos falsos que podem levar a que pensemos que o contribuinte e o dinheiro dos impostos pode ser utilizado, sistematicamente, para aqueles que, estando dentro das instituições, não fazem delas o uso devido.
Certamente, há causas inerentes ao processo pedagógico,...

O Sr. José Calçada (PCP): - Ah, sempre há!

O Orador: - ..., à forma como as universidades estão equipadas e aos professores que temos. Simplesmente, como pode imaginar, não se resolvem questões de fundo com medidas de «varinha mágica». São matérias que implicam um certo gradualismo, que têm de ser conduzidas com alguma serenidade e, sobretudo, com regimes de transição. Ninguém pensa aplicar o regime de prescrições de forma directa, sem ver qual é a história que está por trás.
Em relação às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, quero fazer apenas o seguinte comentário: V. Ex.ª conhece muito bem as questões relativas aos professores, mas gostava de esclarecer que não são 40 000 mas, sim, 23 000 professores.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - As pessoas também não sabem contar!

O Orador: - Em relação aos numeras clausus, a Sr.ª Deputada voltou a dizer aqui algo grave, que é um tique que tem relativamente às necessidades de planeamento e à planificação das necessidades de mão-de-obra. A planificação de necessidades de mão-de-obra fazia-se nos países de economia centralmente planificada, e fazia-se com um enorme insucesso! Eu fiz muita planificação de necessidade de mão-de-obra e sei como isso se faz.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Ó Sr. Ministro responda às questões!

O Orador: - Para terminar, gostava de dizer-lhe o seguinte: tudo aquilo que V. Ex.ª afirmou em relação à lei do financiamento está hoje, e com grande satisfação e interesse nosso pelo funcionamento das instituições, assumido pelo Conselho de Reitores como a mais importante reforma que se fez em Portugal em termos de financiamento e de gestão financeira das instituições de ensino superior, incluindo as universidades. Depois do estatuto de autonomia, é o mais importante instrumento jurídico!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto de lei n.º 268/VII - Lei-quadro do financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público (PCP), tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mal iríamos se, a julgar pelas aparências, fôssemos levados a concluir estarem hoje em apreciação e debate, na Assembleia da República, apenas as grandes questões do «financiamento e da gestão orçamental e financeira do ensino superior público», conforme projecto de lei apresentado pelo meu grupo parlamentar, ou das «bases de financiamento do ensino superior público», conforme proposta de lei apresentada pelo Governo. Sendo disso que se trata, é afinal de muito mais do que isso que se trata: as propostas apresentadas pelo meu grupo parlamentar e as apresentadas pelo Governo estão, umas relativamente às outras, enformadas por conceitos e realidades não apenas diferentes mas quase sempre antagónicas. Não é, certamente, por acaso que a proposta de lei do Governo, por detrás do seu nome oficial e tecnocrático, viu consagrada a alcunha de «lei das propinas» - esta, sim, popular e mediática.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O que, diga-se, não seria só por si significativo, se a alcunha não trouxesse à superfície o que na lei há de mais profundo e verdadeiro e que o Governo do PS se esforça por escamotear.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As propostas governamentais, sob a forma de «propinas» ou de «empréstimos», consagram ou, melhor, sacralizam dois grandes princípios: primeiro, o de que «(...) todos os estudantes deverão pagar (...)» a propina, e cito a exposição de motivos da proposta de lei do Governo; segundo, o do esmagamento incontornável de um

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outro princípio - constitucional, este - que estabelece a progressiva gratuitidade do ensino público.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quaisquer que sejam os termos de comparação utilizados, é dramático o fosso existente entre o nosso país e a média da União Europeia, no que respeita à frequência do ensino superior, tenhamos em atenção a respectiva taxa de escolarização da população jovem ou o peso da qualificação escolar na população activa portuguesa ou a percentagem de alunos no ensino superior em função do número de habitantes.
É claro para todos nós que, a não ser desenvolvida uma clara política de promoção do ensino superior, centralizada no ensino superior público, o nosso actual atraso tenderá a perpetuar-se ou mesmo a agravar-se. Trata-se de uma questão estratégica e não apenas de uma mera conjuntura ligada à absoluta necessidade de valorização dos nossos recursos humanos, académicos e profissionais, no âmbito da União Europeia. Mais do que isso, do que falamos é da afirmação da nossa identidade histórica, cultural e linguística, na qual um reforço brutal da frequência do ensino superior público constitui uma imposição inadiável.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Neste quadro, tudo o que possa constituir-se em obstáculo na consecução deste desígnio nacional - este, sim, um desígnio nacional - não pode deixar de ser inequivocamente apontado e denunciado, quaisquer que sejam as roupagens com que se apresente.
As propinas constituem, objectivamente, um desses obstáculos, e, no quadro sócio-económico português, certamente o mais poderoso. Nomeadamente se, por contraste, pensarmos no que significaria a existência de uma situação
alternativa, em que «o Estado assumisse plena responsabilidade pelo financiamento integral do subsistema de ensino superior público, concretizando a progressiva gratuitidade que a Constituição da República consagra, eliminando o sistema de restrições quantitativas globais no acesso, abrangendo a generalidade dos domínios do conhecimento, satisfazendo as necessidades sociais e as aspirações pessoais, e cobrindo equilibradamente o território nacional», tal como propomos e defendemos no projecto ora apresentado pelo meu grupo parlamentar.
Do mesmo modo, e de forma coerente, é nosso entendimento que «os estabelecimentos de ensino deverão ser dotados de orçamentos suficientes e estáveis, em base plurianual, assentes em critérios objectivos, que permitam
o desenvolvimento simultâneo e equilibrado de funções de ensino, investigação, extensão cultural e outras formas de formação». É para nós fundamental «objectividade de critérios e transparência no cálculo de custos e na distribuição de verbas pelas instituições de ensino. Rejeitamos critérios simplistas, baseados em reduzido número de indicadores economicistas, que excluem a qualidade do ensino e dos meios humanos e materiais que a suportam como primeiro critério da sua valorização, ou que pura e simplesmente se apoiam na transposição mecânica de experiências em contextos não comparáveis. É além disso inaceitável que, num sistema particularmente carenciado, como é o nosso, o Governo pretenda homogeneizar numa base minimalista os principais rácios. Torna-se, pois, imperativa a apreciação aberta e a procura de consenso no domínio do financiamento».
Eis o que também propomos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se no domínio das «propinas» ou dos «empréstimos» a proposta do Governo não apresenta, apesar de tudo, qualquer novidade, sendo que as primeiras constituem um velho amor socialista e os segundos constituíram eles mesmos, e muito a propósito, um «empréstimo» concedido pelos seus «pp» (quero dizer «parceiros preferidos»),...

Risos do PCP.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Dor de cotovelo!

O Orador: - ... já os conceitos de «curso elegível» e «estudante elegível» relevam de uma impertinente originalidade. E tão satisfeito ficou o Governo com estas suas descobertas que não esteve com meias medidas e avançou desde logo com a sua aplicação. Verdade seja dita: o conceito ainda não tinha passado o crivo da Assembleia da República e, assim, não tinha ainda assumido a legitimidade legal que permitisse a sua utilização, aliás, até este momento, ainda não assumiu essa legitimidade.
Mas que são estas pequenas coisas, quando confrontadas com a ânsia criadora de um Governo como o do Partido Socialista?
Enfim, uma coisa é certa: a aplicação do conceito governamental de «estudante elegível», no âmbito da adaptação da fórmula de financiamento, pode conduzir, já no próximo ano lectivo, à redução de cerca de 20% do orçamento dos estabelecimentos públicos do ensino superior e à exclusão administrativa, repito, administrativa, de cerca de 40 000 estudantes, ou seja, de 1/5 dos que actualmente frequentam o ensino superior público.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Saem 40 000 e entram 40 000!

O Orador: - Pode não ser bom para os estudantes, pode não ser bom para as instituições, pode não ser bom para o país - e certamente que o não é -, mas lá que é criativo, disso ninguém pode ter qualquer dúvida. E é tanto mais criativo quanto é verdade que, confundindo causas com consequências, penaliza duplamente aqueles mesmos, instituições ou estudantes, que são mais vítimas do que réus de condições objectivas conducentes a elevadas taxas de insucesso escolar,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... que mereceriam um outro «apoio», que não este, por parte do Ministério da Educação.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Tem o Sr. Ministro da Educação manifestado, por diversas formas e em circunstâncias diversas, a sua perplexidade pelo aparecimento cada vez mais frequente de resistências àquilo que entende ser a bondade da existência e agravamento das propinas no ensino superior público, para mais quando - diz o Sr. Ministro - o valor da propina não seria mais do que simbólico, ou seja, não constitui, diz ainda o Sr. Ministro, mais do que uma gota de água no gigantesco oceano do financiamento do ensino superior público. Mas, a ser verdade o que o Sr. Ministro diz - e já atrás expressámos a nos-

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sa opinião de fundo nesta matéria -, então, por que razões insistem o Sr. Ministro e o Governo nestas propinas? Não há aqui uma estranha contradição entre a brutalidade da causa e a fragilidade da consequência?

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Não há nada!

O Orador: - Ou - gato escondido com o rabo de fora - será que a importância destas propinas reside na sua própria existência?...
O valor da propina proposta por este Governo, esse, não é simbólico, e, certamente, connosco concordarão milhares e milhares de estudantes e de famílias que verão os seus orçamentos ainda mais sobrecarregados, como se já não tivessem de arcar com despesas de alojamento, livros e outro material escolar estimadas em cerca de 12 milhões de contos, um dos mais pesados contributos familiares no âmbito da União Europeia.
Simbólica, sim, é a própria existência da propina, para lembrar a todos que «quem quer educação, paga-a!» É esse o seu significado político e por isso tanto incómodo causa a sua denúncia ao Partido Socialista e ao Governo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, quando, há já muitos meses atrás, alertámos para a absoluta necessidade da revogação pura e simples da lei das propinas, e não para a sua simples suspensão, era porque sabíamos, de ciência certa, que, neste último caso, ela poderia ser ressuscitada em qualquer momento, tal como agora está a acontecer.
Mas, Sr. Ministro da Educação, nem a velha lei das propinas é a Bela Adormecida, nem V. Ex.ª é o «príncipe» que, com um beijo apaixonado, a reanimará.

Aplausos do PCP.

Saiba o Sr. Ministro que estamos a falar da luta de todos aqueles que, há gerações, se empenham na construção de um Portugal melhor, mais justo, mais fraterno, mais solidário.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - É o que estamos a fazer!

O Orador: - E agora, circunstancialmente, na luta contra o totalitarismo do «pensamento único», na luta contra a mercantilização da cultura, da educação, do ensino e dos saberes!

Aplausos do PCP.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - Sem qualquer arrogância,...

O Sr. António Braga (PS): - Nota-se!...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Que faria se tivesse!...

O Orador: - ... mas com o legítimo orgulho de humildemente nos assumirmos como herdeiros daquele cozinheiro que acompanhava Alexandre na conquista da Pérsia, lembro Brecht: «Alexandre conquistou a Pérsia/E nem levava um cozinheiro com ele?...». Podemos assegurar-lhe, Sr. Ministro, que da propina, um dia, nem tão-pouco se falará.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, o Programa do Governo deu prioridade à educação e à escola, como aposta na valorização da sociedade e das pessoas.
Repor a confiança na educação, garantir a qualidade educativa passa pela lei-quadro de financiamento do ensino superior público.

O Sr. João Amaral (PCP): - Pensei que tinha dado prioridade aos critérios de Maastricht!...

A Oradora: - O PCP, pela voz do Sr. Deputado António Filipe, em 16 de Março de 1995, insurgiu-se contra o projecto de lei das propinas de 1993,...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - E vocês também!

A Oradora: - ... por ter sido aplicado sem que a mesma tivesse sido acompanhada de melhoramentos na qualidade do ensino e no sistema de acção social.

Vozes do PCP: - E é o que está a acontecer agora!

A Oradora: - Pois bem! A lei apresentada pelo Governo do PS não descurou estes dois aspectos, mas, no entanto, o PCP não apoia, nem concorda com esta lei.
Sr. Deputado, o PCP não aceita esta lei nem qualquer outra que obrigue a um pagamento de propinas, ainda que simbólico, como é o caso!

Aplausos do PCP.

O Sr. José Calçada (PCP): - A minha avó diria «boca santa!»!

A Oradora; - Sr. Deputado, frequentar o ensino superior não significa tão-só um benefício individual, significa também um benefício para toda a sociedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Até aqui estamos de acordo!

A Oradora: - A sociedade paga, através do Orçamento do Estado, praticamente a totalidade deste ensino. Não entende, V. Ex.ª, que o beneficiado, aquele que frequenta o ensino superior, deve pagar igualmente uma parte, desde que o possa fazer?! Não será injusto que uma família, cujos filhos frequentam o ensino superior privado, paguem esse ensino e sejam obrigados a pagar o ensino dos que frequentam o ensino superior público, mesmo o dos alunos que o frequentam sem sucesso?!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Eram estas duas questões que queria colocar-lhe, mas quero ainda dizer-lhe, Sr. Deputado José

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Calçada, que não me intimida com os seus apartes. Ainda não nasceu o homem que me intimide!

Aplausos do PS.

Risos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não a intimida com os apartes, mas pode intimidá-la com outras coisas!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Moura, nunca pensei que isto resvalasse para uma questão sexista, mas, já que resvalou - e, como devem imaginar, agora, eu é que estou intimidado -,...

Risos.

... não posso deixar de dizer à minha amiga Natalina Moura, digna Deputada do Partido Socialista, que foi muito simpático, da sua parte, dizer o que disse quanto a não ser intimidada pelos homens. É um dado que tomarei em devida consideração em futuras aproximações de vária natureza.

Risos.

Quanto às questões de fundo que me colocou, quero dizer-lhe que a Sr.ª Deputada minimizou de tal modo a importância daquilo que se chama propina, aliás, na linha governamental e do seu grupo parlamentar, e, portanto, com total coerência, que a questão que se pode colocar é a mesma que coloquei, há pouco, na tribuna, ou seja, se é tão insignificante, se é tão simbólica em termos quantitativos, então, por que é que o Partido Socialista e o Governo insistem, apesar de tudo, na existência dessa coisa chamada propina?! Que diabo!.. É porque o simbolismo é outro! Não é um simbolismo no sentido de valor simbólico em termos quantitativos, é um simbolismo de natureza política, de natureza não liberal, ao contrário daquelas excelentes boas intenções, que irão, certamente, encher o Inferno e que o Sr. Ministro há pouco expressou.
A questão é muito simples: os americanos dizem, e bem, e têm razão - têm razão em muitas coisas, que diabo!... -, que não há almoços grátis! Portanto, os senhores querem transferir isto para outros campos e querem dizer que não há educação grátis. É preciso um sinal político, se aquilo se paga! É esse o significado profundo da existência da propina!
Sr.ª Deputada, se alguma habilidade - e é claro que estou a dizer isto sempre com alguma contenção, porque tenho muito receio das reacções da Sr.ª Deputada, tendo em conta o intróito que fez há pouco, mas, apesar de tudo, vou arriscar -,...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Arrisque!

O Orador: - ... se alguma virtude teve o Sr. Ministro no lançamento desta nova teoria e prática da propina e no referencial que adoptou, fazendo-a equivaler ao salário mínimo nacional, foi a seguinte: há uma dupla perversão, ou seja, qualquer dia os trabalhadores lutarão pelo aumento das propinas, por causa do seu salário mínimo, ou os estudantes lutarão pela diminuição do salário mínimo.

Risos do PS.

É uma situação que não tem qualquer saída! Isto mostra, de facto, e não estou a fazer humor, como a tentativa de ligação demagógica a um conceito minimalista de salário conduz a perversões e a leituras desta natureza.
Sr.ª Deputada Natalina Moura, as suas perguntas não têm a mínima razão de ser. Eu percebo, eu sei que não concorda com aquilo que disse,...

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - ... mas compreendo que, por vezes, há problemas de estrutura partidária que são difíceis de assumir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção de apresentação do projecto de lei n.º 210/VII - Financiamento do ensino superior (CDS-PP), tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Há um ano e meio atrás, quando o Governo propôs a esta Câmara a suspensão da lei das propinas, votei favoravelmente essa mesma proposta. Muitos foram, na altura, os que me acusaram de alinhar com a «política fácil», de pactuar com o facilitismo, de ser cúmplice da demagogia. A esses, o Partido Popular responde hoje com um projecto de lei que institui direitos mas também atribui deveres.
É aqui que, mais uma vez, marcamos a nossa diferença. Quando se trata de atribuir deveres, poucos são aqueles que ousam avançar. Quando se trata de exigir responsabilidades, poucos querem alinhar. Quando se trata de instituir exigências, poucos se atrevem a comparecer.
Seria mais fácil, para um partido da oposição, falar apenas de direitos, caminho que, aliás, alguns preferiram trilhar. Mas o sentido da responsabilidade, que tem de estar presente naqueles que estão na política para servir e não para serem servidos, exige uma postura diferente.
Não contem com o Partido Popular para alimentar a «cultura das facilidades». O fácil é inimigo do necessário e, em nome do «politicamente útil», o país tem sacrificado o «politicamente necessário».
O projecto de lei apresentado pelo Partido Popular constitui um corpo coerente que assenta em cinco princípios fundamentais: garantir a liberdade de opção; garantir a universalidade do acesso à acção social escolar; instituir a co-responsabilização financeira do estudante; instituir a responsabilização dos órgãos de gestão das instituições do ensino superior; garantir um financiamento mais justo e mais equitativo.
Garantir a liberdade de opção exige a autonomização financeira do estudante. O cheque de ensino que propomos permite ao estudante fazer uma opção, em função apenas e só das suas vocações e das suas aptidões, sem qualquer constrangimento financeiro, sem qualquer constrangimento económico.
Garantir a universalidade no acesso à acção social escolar significa olhar para o estudante em função da sua condição económica, ao invés de fazer depender um direito, que é de todos e a todos deve ser disponibilizado, da natureza jurídica da instituição que o aluno frequenta.
No conceito de solidariedade do Partido Popular não há alunos do ensino público e alunos do ensino privado, há alunos com carências económicas, que merecem igual tratamento e igual protecção.

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Instituir a co-responsabilização financeira do estudante é o primeiro passo para a construção de um modelo mais justo e equitativo. É verdade que o ensino superior produz externalidades positivas, é verdade que a melhor qualificação dos portugueses contribui para o desenvolvimento e para o progresso que todos podem e devem aproveitar, mas também é verdade que aqueles que frequentam o ensino superior recebem uma valorização pessoal e individual que lhes permitirá aceder a níveis mais elevados de rendimento.
Por isso, ou em função disso, devem contribuir directamente para o financiamento de um serviço que, sendo socialmente útil, é mais útil para uns do que para outros.
Instituir a responsabilização dos órgãos de gestão significa respeitar a autonomia universitária, significa aumentar a eficiência, significa aumentar a eficácia.
O maior inimigo da qualidade de ensino é o anonimato em que vivem os professores. É um sistema onde não há prémio nem castigo: tanto ganha o professor que cumpre como o professor que prevarica. O professor que investiga, que produz novos conhecimentos, que actualiza as sebentas, recebe recompensa igual àquele que se passeia de universidade em universidade.
Garantir um financiamento mais justo e equitativo exige uma propina diferenciada. Não podemos pagar por igual aquilo que manifestamente é diferente.
Há instituições boas, há instituições medianas e há instituições más. Há estudantes que têm cantinas, enquanto outros levam a merenda de casa. Há estudantes que têm residências, enquanto outros pagam dezenas de contos para partilhar um quarto. Há instituições com bons laboratórios, enquanto outras mendigam por um tubo de ensaio.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não há maior injustiça do que tratar por igual aquilo que, manifestamente, é diferente.
Nos últimos anos, aumentou exponencialmente o número de alunos e o número de instituições de ensino superior, mas diminuiu a exigência, diminuiu o rigor, diminuiu a qualidade.
O grande desafio que se coloca é, seguramente, o desafio da qualidade. Sem qualidade, o ensino é um dolo, é um desperdício de recursos, é um desperdício de tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa.
Srs. Deputados, há na Sala telemóveis ligados, pelo que agradeço, uma vez mais, a quem tem telemóveis ligados, que os desliguem, uma vez que estão a interferir no sistema sonoro. Não podemos, de forma nenhuma, passar a vida a dizer as mesmas coisas.
Peço aos Srs. Jornalistas e aos Srs. Deputados o favor de terem rigoroso cuidado com a ligação dos telemóveis.
Faça o favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Dizia eu que o grande desafio que se coloca é o desafio da qualidade. Sem qualidade, o ensino é um dolo, é um desperdício de recursos, é um desperdício de tempo. Mas a qualidade exige investimento! Não são as instituições que fazem as pessoas, são as pessoas que fazem as instituições. Só ganharemos em qualidade quando elevarmos o nível de formação do quadro docente. Só melhoraremos a qualidade do corpo docente quando aumentarmos o investimento.
A questão que se coloca, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não se resume, não se esgota, na instituição de propinas. A questão é muito mais vasta e a resposta que devemos saber dar tem de ter em conta dois objectivos fundamentais: maior eficácia e maior equidade na aplicação dos investimentos.
Maior eficácia por via de uma gestão mais responsabilizada por parte dos órgãos de gestão em cada instituição. A propina única proposta pelo Governo agrada aos reitores, porque os liberta do ónus de responder pelos serviços prestados. Com a propina única, a falta de eficácia ou de eficiência paga-se pelo Orçamento do Estado, ou seja, mais uma vez, pelos impostos pagos pelos portugueses.
A verdade é que a proposta do Governo dá um tiro de morte na autonomia universitária, um tiro de morte na responsabilidade, um tiro de morte na exigência e, seguramente e em consequência, um tiro de morte na qualidade.
Para o Partido Popular, o investimento deve obedecer a princípios de equidade. A equidade efectiva-se atribuindo mais investimento onde ele é mais necessário.
As novas instituições, as instituições criadas na última década, muitas vezes criadas para satisfazer interesses políticos, ao invés de responderem a efectivas necessidades de formação, têm um grande défice de qualidade. Por isso, julgamos imperioso que a dotação orçamental atribuída para investimentos privilegie as novas instituições.
Todavia, sabemos que o Orçamento não é elástico. Para aumentar a dotação orçamental das novas instituições, temos de reduzir os montantes atribuídos às instituições mais antigas. Mas, porque não queremos nivelar a qualidade «por baixo», nem queremos melhorar a qualidade de uns à custa da qualidade de outros, importa dotar as instituições de instrumentos compensatórios da quebra de dotação orçamental.
Afigura-se-nos justo que as instituições que hoje já apresentam qualidade possam exigir propinas mais elevadas, porque já prestam um serviço, seguramente, mais qualificado.
O valor acrescido que recebem por via das propinas permitirá compensar a perda de receitas por via orçamental, permitindo manter a qualidade e a dignidade do ensino ministrado. Alguns, pouco atentos, outros por manifesta má fé, apelidaram este projecto de lei, que contempla uma propina diferenciada, de elitista, dizendo que excluirá os estudantes mais carenciados das melhores universidades, na medida em que estas exigirão uma propina mais alta. A esses quero, desde já, responder, desafiando-os, em primeiro lugar, a lerem o nosso projecto de lei.
O Partido Popular, dentro dos mecanismos de acção social, prevê a atribuição de bolsas, para custear os custos de frequência, nomeadamente o pagamento de propinas. Por isso, ninguém ficará excluído de quaisquer instituições por falta de recursos financeiros. A acção social escolar proposta pelo Partido Popular corporiza a verdadeira efectivação da igualdade de oportunidades.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As fronteiras estão definidas. Enquanto uns propõem a mesma propina para serviços diferentes, nós propomos a propina diferenciada em função da qualidade; enquanto uns propõem alterações ao sistema, nós propomos mudar o sistema; enquanto uns apostam na quantidade, nós exigimos qualidade; enquanto uns dão cobertura à irresponsabilidade, nós instituímos a exigência. Não quero crer que aqueles que votaram contra a suspensão da lei das propinas, rejeitem hoje um projecto mais justo e mais ambicioso.
Acabo como comecei: o Partido Popular não rejeita responsabilidades quando se trata de instituir deveres. Espero que, pelo menos, haja a coragem de nos acompanharem, aqueles que não tiveram a coragem de ousar

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apresentar um projecto de lei, mas, se não o quiserem fazer, o Partido Popular avançará sozinho.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, finalmente percebi, com a explicação que nos deu, que, primeiro, pela iniciativa que tomaram, há um ou dois meses atrás, sobre a apresentação do cheque do ensino e, agora, com a filosofia que definiu, o que é para o PP quer a igualdade de oportunidades quer um tratamento equitativo de todos aqueles que vão frequentar o ensino superior. A conclusão que tiro é a de que o PP quer um ensino superior para ricos e outro, eventualmente, para pobres.
Ao pretender diferenciar a propina, de acordo com um preço que o PP determinará ou entende que deve ser diferenciado para cada curso, nomeadamente em função dos recursos, podemos ter, por exemplo, cursos de medicina com propinas eventualmente de 100 ou 150000$ por mês só para aqueles que podem pagá-la, porque, ao contrário do que o PP nos diz, não coloca no seu projecto de lei a questão da equidade. E quando pretende utilizar o cheque de ensino para atingir aquilo que diz ser uma igualdade social, pretende fazê-lo sem qualquer rebuço de olhar a nenhum critério. Ou seja, o que pretende é financiar as instituições particulares, porque ao atribuir o cheque de ensino a todos os alunos, sem diferença de critério, quer por razões económicas, quer sociais, quer de natureza do próprio curso, o PP acaba por ser contraditório, escolhendo ao mesmo tempo uma propina elevadíssima para cursos diferenciados, não só na forma da sua aprendizagem mas especialmente na caracterização de cada curso, pois, como bem sabe, há cursos que, pela natureza do seu desenvolvimento, são mais caros e outros mais baratos, mas, ao fazê-lo, discrimina claramente uma escola para os ricos e, eventualmente, cursos para aqueles que não têm recursos financeiros suficientes.
Sr. Deputado, já quando discutimos aqui o cheque de ensino declarámos, com todo o vigor - e demonstrámo-lo -, que a apresentação dessa medida era justamente uma situação de clara desigualdade no sistema de ensino e, mais, era um financiamento directo às universidades particulares. Nós não queremos isso, queremos a consagração da igualdade no acesso, igualdade que se faz pela acção social escolar, e a contribuição da família para a propina única é também um elemento estabilizador dessa igualdade plena, verificável no concreto e não apenas no enunciado e no emaranhado, bastante confuso, do projecto do PP, que, em síntese, não nos traz rigorosamente nada de novo em relação ao anunciado no projecto do cheque de ensino.
Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, por essa razão, votaremos contra o seu projecto de lei. No entanto, gostaria de lembrá-lo que a discussão que aqui veio fazer sobre a proposta de lei do Governo é desfocada do essencial. Quer a propina única quer a acção social escolar têm um rigor e um controlo que se verifica na harmonização de todo o sistema de financiamento e não apenas na definição de um preço e de um custo de qualquer curso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, de facto, dei conta que houve comentários publicamente feitos, que houve alguns Deputados que não leram com atenção o nosso projecto de lei, outros que eventualmente leram mas quiseram confundir e houve Deputados que também não leram devidamente a proposta de lei apresentada pelo Governo.
Não é verdade que a propina única seja uma propina cega à situação económica dos alunos, das famílias e dos estudantes do ensino superior - e não estou a defender o Governo, porque este, por via dos mecanismos da acção social escolar, permite um apoio diferenciado para o pagamento da propina em função da situação económica do aluno. De igual modo, Sr. Deputado, deve compreender que os mesmos mecanismos propostos pelo Governo são os propostos pelo Partido Popular para a propina diferenciada.
Portanto, o Sr. Deputado utiliza, para atacar o Partido Popular, os argumentos que o PSD, injustamente, utilizou para atacar o Governo. Como é que a nossa proposta pode ser elitista, Sr. Deputado, ...

O Sr. António Braga (PS): - É o cheque de ensino!

O Orador: - ... se propomos, nos mecanismos de acção social...

O Sr. António Braga (PS): - Não propõem, não!

O Orador: - Propomos, sim, Sr. Deputado! Propomos, nos mecanismos de acção social, o pagamento das propinas para os alunos que não tenham capacidade financeira para as custear.
Portanto, não se trata de discriminar os alunos em função dos seus rendimentos...

O Sr. António Braga (PS): - Propõem empréstimos!

O Orador: - Sr. Deputado, esteja atento, houve alterações...

O Sr. António Braga (PS): - Alterações?

O Orador: - Se quiser, posso fazer-lhe chegar o nosso projecto de lei. Devia ter-se informado devidamente.
Sr. Deputado, a questão fundamental - e foi daquela tribuna que lancei esse repto e, infelizmente, não foi por aí que o Sr. Deputado colocou a questão -, é aumentar a qualidade!
Há hoje instituições de elevado prestígio, e os alunos que passam por elas não precisam de andar à procura de emprego, são as empresas que vão junto da instituição pedir-lhes para trabalharem nessas mesmas empresas, pela dignidade que têm os cursos aí ministrados, pela qualidade do corpo docente. Agora, o que acontece, Sr. Deputado, é que outras instituições, nomeadamente as criadas e instituídas na última década, infelizmente, não têm esse prestígio, não têm essa qualidade de ensino. E o que entendo é que o investimento do Estado, nomeadamente o que é feito por via de dotação orçamental, deve privilegiar as universidades que precisam de qualificar o seu corpo docente, que precisam de investir no seu corpo docente.

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O Orçamento não é elástico, Sr. Deputado! Para dar mais a umas vai ter de tirar a outras, mas para não prejudicar a qualidade daquelas que hoje já a têm, tem de permitir a essas instituições que tenham mecanismos, nomeadamente por via da propina, para compensar a perda de receita orçamental. Esta é a questão fundamental. É que, com a propina única, seguramente não vai ter receita suficiente para aumentar a qualidade do ensino superior.
Aliás, o Sr. Deputado não me respondeu a uma questão fundamental, aquela que, do ponto de vista da justiça, fica em aberto na proposta de lei do Governo, a de que a taxa não é um imposto, é o pagamento de um serviço! As universidades prestam todas o mesmo serviço, Sr. Deputado? Acredita nisso? O Sr. Deputado sabe perfeitamente que há instituições que têm prestígio e há instituições que nem sequer são consideradas no mercado de trabalho. E todos pagam o mesmo por serviços completamente diversificados.
Por isso, Sr. Deputado, se queremos falar de justiça...

O Sr. António Braga (PS): - Solidariedade!

O Orador: - Não é uma questão de solidariedade que está aqui em causa. Solidariedade é aumentar a qualidade das instituições de ensino que não a têm. E para aumentar a qualidade temos de investir nelas, nomeadamente por via do Orçamento do Estado. Porém, para investir numas vai ter de tirar a outras, tem de arranjar mecanismos para que elas compensem, para que o nivelamento não seja feito por baixo. A questão é essa, Sr. Deputado!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começaria por um questão prévia. O Sr. Ministro, na sua intervenção, fez questão de sublinhar que para ele e para o Governo a taxa única é uma questão fechada. Disse-o e repetiu-o!
Sr. Ministro, o Governo socialista, de um partido que tantas vezes criticou a arrogância, devia aparecer nesta Assembleia com um registo diferente. O Governo cumpre a sua obrigação ao apresentar iniciativas legislativas e, a partir desse momento, cabe à Assembleia e aos Deputados cumprirem a sua obrigação, que é a de proceder à análise, quer em sede de generalidade quer em sede de especialidade. Não ajuda à serenidade do debate, nem num momento nem no outro, que o Governo, a priori, venha dizer que a sua proposta de lei ou partes dela deveriam constituir questões fechadas. Tudo está em aberto, quem fecha coisas nesta Assembleia é a própria Assembleia da República e não o Governo!

Aplausos do PSD.

O Orador: - Permitam-me que inicie com três citações claras sobre a proposta de lei que o Governo ora nos apresentou. Em primeiro lugar, a proposta de lei do Governo vem com uma lamentável e dispensável demora e em termos que deixam muito a desejar. Em segundo lugar, fica longe de satisfazer os três critérios que a justificam e a exigem: justiça na repartição dos encargos públicos; desigualdade entre os que têm acesso ao ensino público e os que são constrangidos a pagar as universidades privadas; principal instrumento de autofinanciamento das universidades. Em terceiro lugar, optou-se pela solução mais fácil e menos susceptível de criar resistências nos interessados. Não me parece que deva merecer aplauso a propina de montante único.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foi ninguém do PSD que produziu estas afirmações, foi um conhecido professor universitário que, até há poucas semanas, se sentava nesta Assembleia como Deputado do Partido Socialista. São críticas fortes e directas do Professor Vital Moreira, publicadas no jornal Público, de 8 de Abril de 1997.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas a opinião autorizada daquele que, até há pouco tempo, era o presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional não é caso único nem constitui voz isolada. Diversos outros dirigentes socialistas, professores e dirigentes estudantis, autarcas e sindicalistas, Deputados da bancada socialista e até membros do Governo têm vindo a criticar esta proposta de lei, a pôr em causa a propina única ou, simplesmente, a discordar de toda a estratégia que o Governo seguiu e da solução que encontrou.

O Sr. António Braga (PS): - Só lhe contaram a si!

O Orador: - Percebe-se que seja assim. Percebe-se que, sobretudo para os socialistas, esta proposta do Governo represente um sério amargo de boca, porque trai o discurso político essencial que sustentou a imagem do PS e porque contraria, grosseiramente, claros e explícitos compromissos eleitorais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Trai o essencial do discurso político do PS, caracterizador da sua postura eleitoral e do programa que submeteu aos portugueses, porque vai ao arrepio da proclamada sensibilidade social.

Aplausos do PSD.

O Engenheiro Guterres dizia solenemente que para ele e para o PS as pessoas não eram números e criticava, severamente, no PSD o que chamava de insensibilidade social.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - E dizia bem!

O Orador: - Vejamos o que diziam:
No dia 28 de Maio de 1992, nesta mesma tribuna, o então Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, hoje Secretário de Estado da Administração Educativa, afirmava: «A revisão do sistema de propinas (...) deve envolver uma relação de correspondência entre o valor a pagar, o rendimento familiar e o número de filhos, através da personalização e da protecção à família».

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Ou seja, a relação entre propinas e o rendimento económico das pessoas não era suficiente para assegurar a justiça social e a desejada equidade. Era necessário e repito a citação: «... uma relação de correspondência entre o valor a pagar, o rendimento familiar e o número de filhos...».
Alguns, hoje, desejariam atribuir ao excesso de retórica do então Deputado Guilherme d'Oliveira Martins as palavras imprudentes que aqui proferiu. Mas não podem. Não foi um discurso individual de um Deputado, marcou a postura de um partido e teve um sabor de compromisso, não só pelas funções que então desempenhava neste Parlamento como pelo facto significativo de os Deputados do PS, querendo deixar para a História esse registo de grande sensibilidade social, que o futuro viria a desmentir, terem corrido para a Mesa da Assembleia da República e depositado uma declaração de voto.
Nela se reproduzem as palavras que tínhamos ouvido a Guilherme d'Oliveira Martins e nela se repete a «relação de correspondência entre o valor das propinas a pagar, o rendimento familiar e o número de filhos».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A ligação das propinas à justiça social e até ao sistema fiscal foi, aliás, assumida ao mais alto nível no Partido Socialista. O, então, líder do PS e, hoje, Primeiro-Ministro declarou, em 6 de Abril de 1995, em Lisboa, num encontro com representantes das associações de estudantes de todo o País, explicando, no final, aos jornalistas o que passo a citar: «Não sou contra as propinas mas sustento que devem ser precedidas de uma reforma fiscal que garanta a sua justiça».
Alguns dias mais tarde, em 17 de Maio, no Algarve, o mesmo Engenheiro Guterres, declarando que um governo socialista ponderaria a questão das propinas em função da reforma do sistema fiscal, afirmava: «Para que o pagamento de propinas possa transformar-se num processo de justiça social, é necessário reformar o sistema fiscal».
Quinze dias mais tarde, no dia 30 de Maio, em Coimbra, garantiu que «suspenderia a lei das propinas até que seja feita uma reforma fiscal que permita maior rigor na avaliação dos rendimentos das famílias».

Vozes do PSD: - Muito bem! Têm a memória curta!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Conversa fiada!

O Orador: - Se acreditarmos nas promessas do Primeiro-Ministro, e estando perante esta proposta de lei, há que perguntar: onde está a reforma fiscal? E o que consta desta proposta de lei? Onde está a verdadeira e genuína solução socialista que marca a diferença relativamente à alegada insensibilidade social do PSD? O que nos propõem hoje? Mais diferenciação? Mais sensibilidade social? Não!

O Sr. António Braga (PS): - Sim, sim!

O Orador: - O que vemos é a propina igual para todos, o fim da miragem das «soluções personalizadas e da protecção à família», a insensibilidade mais gritante e mais grosseira.
É caso para dizer, Sr. Ministro da Educação, que depois da Revolução de Abril nos ter dado os três D's e o Ambiente nos convidar para os três R's, a proposta de lei que hoje discutimos é um exemplar notável dos três S's: a original «sensibilidade social socialista».

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já ouvimos e ouviremos ainda mais vezes o PS e o Governo tentarem diminuir e desvalorizar as contradições em que caíram refugiando-se na acção social escolar. Trata-se de uma desculpa esfarrapada e de uma ilusão enganadora. Uma coisa não tem a ver com a outra, mas, sobretudo, uma está - preto no branco - prevista na proposta de lei e a outra dependente de regulamentação e provisões orçamentais.
Os estudantes que olhem para a proposta do Governo têm por certo que vão pagar propinas e sabem o seu valor, mas, relativamente a tudo o que tem a ver com a acção social escolar, nada podem dar por assegurado. Não se sabem valores, critérios, formas de pagamento, processos de fiscalização. A propina é certa, a bolsa é incerta. É a sensibilidade social socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A sensibilidade que se manifesta também num pormenor curioso: na indexação do valor da propina ao salário mínimo nacional. Percebe-se o alcance mediático da medida. Trata-se de um processo de «fazer passar» melhor o valor fixado. É uma solução jornalística. Mas fique registado que é por via dos socialistas que se cria a inovação de uma indexação de valor social negativo. Até agora, o legislador hábil tinha criado indexação chamadas «simpáticas», contribuindo para uma pressão de subida do salário mínimo superior à inflação como forma de redução das assimetrias sociais. Anteriormente e no legítimo jogo das forças sociais, apenas as confederações patronais resistiam ao aumento superior do salário mínimo. Com esta indexação, o Governo associa-lhes erradamente o interesse dos estudantes e das famílias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma derradeira nota sobre a sensibilidade social socialista numa questão de princípio quando se fala de propinas. O texto da proposta de lei que o Governo nos apresenta é rico em divagações programáticas e parco de rigor normativo, com excepção do que se refere às propinas em concreto. Os 10 primeiros artigos são de princípios e definições gerais. As epígrafes dos primeiros cinco artigos são uma delícia semântica: «Âmbito»; «Objecto»; «Conceitos»; «Orientações dominantes». A precisão e o carácter objectivo do texto que nos é proposto é simplesmente notável. E tem mesmo um artigo de «Princípios gerais» onde se elencam os princípios de responsabilização financeira do Estado, de democraticidade, de universalidade, de justiça, de equidade e até de complementaridade. Significativo que falte aí - preto no branco - o principal princípio geral que o Governo da sensibilidade social devia colocar antes de todos os outros. O princípio que falta e que o PSD, em sede de especialidade, não deixará de propor. O princípio da «não exclusão» segundo o qual ninguém, nenhum estudante, nenhum português, será excluído da frequência do ensino superior por razões de insuficiência económica.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a discutir hoje uma proposta de lei que o Sr. Ministro da Educação, nesta própria Assembleia, na sequência de uma pergunta in-

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teressante do Sr. Deputado António Braga, havia prometido ao País apresentar até Junho de 1996. Dirão alguns socialistas: questão de calendário, problema menor, são só 11 meses! Seja, Srs. Deputados. Mas não deixa de ser significativo da dificuldade de decisão deste Governo e não deixa de fragilizar a sua posição. É claro que o Governo não é capaz sequer de cumprir os prazos que a si próprio impõe. E claro que uma coisa é o que o Governo diz e outra, bem diferente, é o que faz.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - O PSD, ao contrário de outros, não dá o dito por não dito. Antes das eleições, quando éramos Governo, defendíamos as propinas. Hoje, na oposição, continuamos a defender o princípio das propinas no ensino superior. Há lugar ao financiamento do Estado porque há indiscutivelmente uma componente de interesse público no ensino superior. Não há país moderno e desenvolvido que não invista num ensino superior diversificado e de qualidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas há que reconhecer que há uma mais-valia pessoal para quem beneficia desse grau de ensino que deve corresponder, quando as condições económicas o permitem, a um esforço de co-financiamento. O ensino superior não é, para nós, o ensino básico universal e gratuito. Reconduzi-lo à gratuitidade, mesmo para os que podem contribuir para o seu financiamento, é prolongar injustiças que combatemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o PSD nunca poderia, votando contra, contribuir para a manutenção de uma situação que, primeiro que quaisquer outros, criticámos e procurámos corrigir. Mas o PSD não pode também dar o seu voto favorável a uma proposta que, como vimos, além de constituir uma má solução e de aumentar as injustiças sociais, contraria clara e grosseiramente o que o PS prometeu aos portugueses. Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD vai-se abster na votação na generalidade e contribuirá, em sede de especialidade, para corrigir o que consideramos mais condenável na proposta do Governo. Porque não trocamos convicções por conveniências ou sequer por facilidades. Porque para nós, sociais-democratas, não nos chega a solução mais fácil. Interessa-nos a mais justa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, o Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa e o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, ouvi com muita atenção a sua intervenção e o novíssimo discurso do PSD em matéria de financiamento do ensino superior mas não vou deixar passar em claro - e faço questão de lembrar - o curriculum político do seu partido em matéria de financiamento do ensino superior em Portugal.
Passemo-lo rapidamente em revista: deixaram-nos uma lei envolta em considerações sociais demagógicas, em nome das quais se estabeleciam propinas progressivas que eram verdadeiros impostos disfarçados e que só serviram para trazer injustiça fiscal para dentro do sistema educativo e reproduzir a desigualdade na sociedade portuguesa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é cassette!

O Orador: - A reforma fiscal do PSD, de 1989, e a lei do financiamento do ensino superior permanecem como monumentos à desigualdade e à injustiça na sociedade portuguesa, legados pelo PSD. Com esta nova lei, banimos, finalmente, a declaração de IRS do financiamento do ensino superior. A reforma fiscal, Sr. Deputado, interessa hoje, sobretudo, aos trabalhadores por conta de outrem, mas já não, felizmente, aos estudantes do ensino superior. Os estudantes do ensino superior, com esta lei, que hoje estamos aqui a discutir, foram retirados do universo das vítimas da reforma fiscal que os senhores fizeram em 1989.
Sr. Deputado, pergunto-lhe o seguinte: já que, agora, o PSD se angustiou subitamente com a injustiça fiscal, qual o efeito útil de uma reforma fiscal no domínio educativo face à aplicação desta lei do financiamento, em concreto, que estamos a discutir hoje? Qual é o efeito útil, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Está a enterrar-se! Quanto mais fala, mais se enterra!

O Orador: - Segundo grande contributo do PSD: trataram o Ministério da Educação como uma direcção-geral da Secretaria de Estado do Orçamento; inventaram as propinas não para reformar o Estado-Providência, não para promover a igualdade de oportunidades, não para investir na qualidade do ensino, não para investir no alargamento da rede mas, sim, pura e simplesmente, para poupar «uns trocos» no orçamento para a educação, para desresponsabilizar o Estado naquilo que veio a revelar-se uma pura transferência de encargos do Orçamento do Estado para os estudantes e para as famílias; fixaram um montante incomportável para as propinas que, nos termos da Lei n.º 20/92, seriam hoje qualquer coisa entre 175 a 300 contos por ano, ou seja. representariam 20% a 50% do custo médio de um curso superior; tentaram instrumentalizar os estudantes...

Protestos do Deputado do PSD Carlos Coelho.

Sr. Deputado, tenha calma. Depois, poderá dizer de sua justiça!
Como eu estava a dizer, tentaram instrumentalizar os estudantes através de um patético acordo social celebrado com as associações académicas colonizadas pela JSD e acabaram em glória, dispersando manifestações à bastonada!

Protestos do PSD.

Repito, acabaram em glória, dispersando manifestações à bastonada.

Protestos do PSD.

A concluir, direi o seguinte: por mais ruidosas que sejam as reacções inspiradas por motivações mais ou me-

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nos corporativas, por mais que o PCP vote contra, o PCP, que se considera dono da esquerda, saiba que esta é uma lei justa, é uma lei que serve a justiça, serve a igualdade de oportunidades, serve a solidariedade e honra os compromissos fundamentais de um partido que se diz socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. José Calçada (PCP): - É assim mesmo! Não é verdade, mas está bem dito!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, pretende responder já ou depois dos outros pedidos de esclarecimento?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Respondo depois, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, o senhor não leu tudo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Que faria se tivesse lido!

O Orador: - E digo que não leu tudo, uma vez que se há documento, se há tomada de posição que eu assumo hoje por inteiro é justamente a intervenção que fiz quando aqui se discutiu a velha lei das propinas. O certo é que, Sr. Deputado Carlos Coelho, fui eu quem, nesse momento, disse que não era correcto, não era adequado equacionar esta questão senão através do problema do financiamento e da acção social escolar, citando o Livro Branco que, mais tarde, o Sr. Deputado citou citando-me, uma vez que entendia que essa era a questão fundamental.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Coelho, propina única e diferenciação positiva, uma vez que propina única não pode ser vista desligadamente da questão da acção social escolar e da intervenção pela acção social escolar na realização do princípio da igualdade de oportunidades.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Isso achávamos nós!

O Orador: - E mais, Sr. Deputado: não leu tudo. Não leu, designadamente, a entrevista que tive oportunidade de dar ao Sr. Jornalista Gonçalo Bordalo Pinheiro, no Diário Económico, onde, ponto a ponto, antes das eleições, defendi exactamente aquilo que está aqui a ser defendido pelo Sr. Ministro e pelo Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, nós já estamos habituados a conhecer o que o PSD não pensa, ficamos é sem saber o que o PSD pensa! Nesta questão concreta das propinas, gostava de saber, objectivamente, o que é que o PSD entende sobre o modelo de propinas. Defende propinas diferenciadas ou defende propina única?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Diferenciadas!

O Orador: - Diferenciadas em função de quê? Como é que podemos aumentar a melhoria da qualidade do ensino? As propinas devem financiar o investimento ou as despesas correntes? O Orçamento do Estado deve privilegiar ou não as instituições mais novas e, naturalmente, mais carenciadas de investimento, sobretudo na qualificação do seu corpo docente? Nestas questões, objectivas e concretas, é que eu gostava de conhecer o pensamento do PSD. É que, tendo já sido assumido pelo Governo, numa interpelação directa, feita pelo PSD, que vai ser intransigente quanto à propina única, eu não entendo como é que o PSD, que diz que é contra a propina única, se vai abster, dizendo o Governo que não irá permitir qualquer alteração em sede de especialidade!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Já vai perceber!

O Orador: - Não estou a compreender. Há aqui uma incoerência que eu gostava de ver esclarecida, Sr. Deputado.
Gostava também que me elucidasse sobre quais os princípios que o PSD sustenta para que seja instituída a propina. Conheci aqueles que estavam vertidos na Lei n.º 20/92 e aqueles que foram vertidos na Lei n.º 5/94, não concordava com eles e penso que o PSD hoje também já não concorda com eles, pelo que gostava de saber com que princípios concorda hoje e se, com base nesses princípios, em coerência, pode abster-se em relação à proposta do Governo, quando este já disse que não vai transigir quanto à propina única.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, vou começar pelo fim, pela pergunta do Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, pedindo-lhe imensa desculpa uma vez que eu pensava que tinha sido claro. A posição do PSD sobre as propinas é clara: somos a favor da existência de propinas. Éramos antes, continuamos a ser agora e sê-lo-emos no futuro! Ou seja, aqueles que estariam à espera que o PSD trocasse as suas convicções pela circunstância de, hoje, já não ser governo que se desenganem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD não troca o seu discurso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em questões de princípio, não trocamos as nossas convicções e, portanto, somos a favor das propinas!

Aplausos do PSD.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Estou esclarecido!

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O Orador: - Mas somos contra a propina única, Sr. Deputado. Penso que fui claro quando disse que somos contra a propina única. Não pense que, se, amanhã, a propina única sair desta Assembleia, será com o voto do PSD, porque não será, seguramente. Não será com o voto do PSD que amanhã sairá desta Assembleia uma lei com a propina única! Somos a favor da propina diferenciada, pelas razões que tive ocasião de expender profusamente da tribuna.
O que nos espanta, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, é que outros que nos criticavam pela insensibilidade social, outros que diziam que nós éramos pouco audazes nessa procura da justiça social, outros que nos acusavam por sermos uns dirigentes parlamentares ou governativos empedernidos, agora, traiam tudo aquilo que disseram antes! Isso é que nos custa!

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Isso é demagogia!

O Orador: - Custa-nos perceber que aqueles que queriam ir mais longe, hoje, fiquem atrás. Ou seja, que, manifestamente, fiquem numa posição de trair tudo o que foi o essencial do seu discurso eleitoral!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso é que nos custa!
Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, assisti à pergunta que me fez - aliás, que leu - e felicito-o pelo cuidado de ter preparado previamente uma pergunta. Mas, Sr. Deputado, é nestas coisas que os problemas acontecem: V. Ex.ª tinha preparado uma pergunta sobre o efeito útil da reforma fiscal e questiona-me, com o ar contundente que costuma pôr nas suas intervenções, «Sr. Deputado Carlos Coelho, diga lá qual é o efeito útil da reforma fiscal para esta questão da educação?».

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Diga lá! É a sua oportunidade!

O Orador: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, pergunte ao Sr. Primeiro-Ministro!

Risos e aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Chamem-no cá!

O Orador: - Ele é que garantiu isso, na campanha eleitoral - e, seguramente, algumas vezes com o Sr. Deputado ao lado, porque V. Ex.ª era, e ainda é, Secretário Geral da JS e grande parte dessas reuniões eram com dirigentes associativos -, e que a imprensa relatou profusamente, várias vezes! Não foi um lapso de circunstância! Foi uma questão de princípio, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto!

Risos do PSD.

Foi o Primeiro-Ministro quem disse que, antes de qualquer apresentação pelo Governo, pelo seu Governo, pelo Governo socialista, de uma proposta de propinas, procederia à reforma fiscal. Portanto, pergunte a ele!
Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa, agradeço a cortesia da sua pergunta e registo que foi, talvez, a primeira vez que ouvi o Sr. Secretário de Estado, o então Deputado Oliveira Martins, com um discurso tão defensivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado, em homenagem à seriedade que todos lhe reconhecemos, não nega ter produzido as declarações que li e que constam do Diário, além do mais. Disse o Sr. Secretário de Estado que eu não li tudo, mas é evidente que eu não podia reproduzir o discurso de V. Ex.ª, como é bom de ver. No entanto, o que é claro, Sr. Secretário de Estado, é que V. Ex.ª, brandindo o discurso da sensibilidade social, nos acusava de insensibilidade e dizia «não basta, não chega e até fazia críticas concretas à forma como se estabelecia a relação com o IRS: «Não, o PSD não está bem, não defende a justiça e a equidade social quando faz uma associação entre as propinas e o rendimento das famílias porque tem que ir mais além, tem que ser as propinas, tem que ser o rendimento, tem que ser até o número de filhos». O Sr. Secretário de Estado ia mais além! E defendia mais, como tive ocasião de dizer: defendia soluções personalizadas e de apoio à família. A expressão é sua não é minha.
Sr. Secretário de Estado, onde é que nesta lei, da propina única, da taxa única, do igual para todos, estão essas soluções, que o senhor defendia, mais personalizadas e de apoio à família. É essa contradição que eu não entendo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pela proposta de lei hoje apresentada em Plenário, o Governo concretiza um desígnio há muito tempo traçado pelo Partido Socialista, qual é o da definição clara de uma estratégia de financiamento para o ensino superior, dando-lhe, finalmente, um rumo bem definido, para assim terminar com as omissões, indefinições e oscilações intermináveis que marcaram a última década e mesmo os últimos 20 anos.

O Sr. José Junqueiro (PS): - É verdade!

O Orador: - Como verificámos com essas amargas experiências, não basta anunciar boas intenções para melhorar e qualificar o ensino superior, outrossim, torna-se necessário estabelecer políticas concretas quanto à viabilização prática desse grande objectivo e apresentar, objectivamente, no âmbito das políticas para o ensino superior, as bases para um adequado financiamento, que garanta, seguramente, a realização das mesmas.
A presente proposta de lei de financiamento do ensino superior público (ainda não é a lei do financiamento do ensino superior) concretiza isso mesmo: por um lado, é fruto de uma longa reflexão; por outro lado, propõe medidas e alterações concretas que traduzem indesmentivelmente a vontade política de reestruturação do financiamento do ensino superior e, assim, de empreender uma reforma fundamental para a educação em Portugal.
Esta perspectiva inovadora colocou ao Governo e ao PS um desafio difícil mas estimulante, a exigir um esforço financeiro global que contemple o ensino superior público no seu conjunto e os estudantes em particular.
O Partido Socialista há muito que se batia pela concretização de uma estratégia de financiamento global,

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razão pela qual criticou, desde o primeiro momento, a lei das propinas do PSD, que visava unicamente um aspecto pontual e manifestamente insuficiente deste complexo poliedro. O PS, já em debate na anterior legislatura, defendia, nesta mesma Câmara, a ideia de se entender o financiamento do ensino superior, não apenas no sentido do pagamento das propinas, mas também, e simultaneamente, tendo em consideração o reforço da acção social escolar, com particular relevo para as bolsas e sistemas complementares de apoio que assegurassem não só o acesso ao ensino superior mas também as condições adequadas para a sua frequência, mecanismos inovadores de crédito bonificado para os estudantes, a necessidade de um programa plurianual de investimentos e a criação de instrumentos rigorosos de avaliação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, tudo isto está agora previsto ou subjacente a esta proposta do Governo. Portanto, quem reduz o actual diploma de financiamento a uma lei das propinas revela uma atitude demagógica, simplista ou de má fé.
Por outras palavras, esta proposta de lei do Governo tem uma fundamentação sólida, que resultou não só de uma reflexão e de um debate prévio mas também de uma definição clara das políticas para o ensino superior, expressas no documento do Ministério da Educação, intitulado «Autonomia e Qualidade», recentemente publicado, e no qual o financiamento constitui um dos vértices do triângulo estratégico do ensino superior, juntamente com a autonomia e a avaliação. E aí está a razão da «demora» desta proposta de lei. É que, Srs. Deputados, as propinas só podem ser entendidas no âmbito do financiamento, como o financiamento só pode ser visto à luz da política global delineada pelo Ministro da Educação para o ensino superior. Foi isto que o PSD nunca fez. É isto que nós fizemos.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Os objectivos da proposta de lei sobre o financiamento do ensino superior são como o explica, desde logo, a exposição de motivos, «consolidar e racionalizar uma estratégia de crescimento gradual do sistema superior público», tentando-se «proceder a um investimento que incentive o mérito e a qualidade das instituições e dos cursos nela ministrados». Esse investimento é, para nós, uma área prioritária de intervenção política no que diz respeito à educação. Já o Programa do Governo consagrava a intenção de se obter um melhor ensino superior para o maior número de jovens, uma maior responsabilização das instituições na aplicação dos recursos, mais responsabilidade e autonomia e maior apoio social para os estudantes, o que conduzirá, obrigatoriamente, ao acréscimo da qualidade de ensino.
Estamos, assim, perante uma aposta no desenvolvimento do ensino superior quer a nível quantitativo, quer a nível qualitativo, tendo a noção de que esse desenvolvimento exige necessariamente um esforço de investimento - e mais importante ainda -, que exige o repensar e o reorganizar de todo o investimento. Essa reflexão e reorganização espelha-se essencialmente em seis princípios que marcam as grandes linhas de orientação de toda a proposta. Falo do princípio da responsabilidade financeira do Estado, do princípio da democraticidade, da universalidade, da justiça, da equidade e do princípio da complementaridade.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário do que, por vezes, se afirma, o sistema de financiamento do ensino superior subordina-se à ideia fundamental da «indeclinável responsabilidade financeira do Estado, entendida não só no sentido de assegurar os encargos exigíveis aos entes públicos na efectivação do direito ao ensino, como no de maximizar as capacidades existentes e expandir gradualmente o sistema de ensino superior».
Refere o documento em causa muito explicitamente que «o Estado tem o dever de suportar os custos do funcionamento das instituições, de assegurar a criação de condições físicas e materiais compatíveis com as exigências das actividades de ensino, investigação e prestação de serviços e de proporcionar estímulos ao incremento da qualidade dos serviços prestados e das funções desempenhadas». Estes investimentos estão, no entanto, sujeitos a padrões e indicadores de qualidades e a um contínuo processo de avaliação.
O segundo aspecto diz respeito à relação entre os estudantes e as instituições, devendo os primeiros comparticipar nos encargos decorrentes do imperativo de assegurar um ensino e condições de ensino qualitativamente exigente através do pagamento de uma taxa acessível. Note-se que a propina de valor único existe já há décadas. Contudo, o valor irrisório de 1200$ pouco sentido faz hoje. Não favorece quem merece. Não incentiva a igualdade de oportunidades. Não compensa o esforço, nem a qualidade.
Daí a necessidade da sua actualização. Trata-se, apesar do aumento, de um valor anual que continua a ser simbólico para os estudantes - menos de 5000$ mensais, 1/7 do que pagam, por mês, os estudantes do ensino superior privado. Contudo - e quero-o deixar muito claro -, não haverá qualquer redução orçamental (por parte do Estado) na área da educação por causa das propinas. A soma das propinas entra directamente no orçamento das instituições, podendo ser aplicado consoante as prioridades definidas pelas mesmas.
A participação do estudante representa a sua co-responsabilização no seu próprio percurso académico. Quem paga poderá desenvolver outra atitude perante os estudos e, simultaneamente, exigir à instituição a que pertence mais qualidade. É evidente que a actualização das propinas é inevitavelmente acompanhada pelo alargamento e reforço da acção social escolar.
É justamente aqui que começa a competência e a intervenção do Estado, garantindo a igualdade de oportunidades e reforçando a equidade (pelo princípio da discriminação positiva), através do reforço e da expansão da acção social escolar e da introdução de um sistema de empréstimos aos estudantes para os apoiar no seu processo de autonomização e responsabilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para além disso, cria-se o conceito de «estudante elegível», uma ideia que tem por objectivo considerar e estimular o estudante em condições de concluir o respectivo curso até ao final do segundo ano após o termo da sua duração normal.
Em princípio, toma-se necessário penalizar quem prolonga desnecessariamente a frequência no ensino superior,

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como, por outro lado, se torna necessário atribuir bolsas de estudo a estudantes com aproveitamento excepcional, para assim se reconhecer o esforço e o mérito dos estudantes universitários.
Os vários pareceres recebidos e as entidades até agora ouvidas expressaram, na sua generalidade, a concordância com a proposta de lei, tendo-nos dado algumas sugestões valiosas para o seu trabalho de aperfeiçoamento. Esta tendência tem-se repercutido de igual modo na imprensa, onde as opiniões favoráveis nos dão a ideia de que estamos no caminho certo ao propormos uma estratégia de financiamento global, gizada a partir de uma visão de conjunto do ensino superior.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Agora é tempo de acertar e de concretizar as medidas previstas na proposta de lei. E neste contexto deve dizer-se que haverá naturalmente regulamentações posteriores a fazer, que, logicamente, não cabem no
corpus da proposta de lei, mas que o Governo, informado pelo princípio da democracia participativa, na qual o PS sempre se empenhou, não deixará, em breve, em consonância com os princípios assumidos, de produzir.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei do financiamento deve ser discutida com toda a paixão, mas também com todo o rigor e dignidade. Façamo-lo tendo sempre em atenção que a igualdade de oportunidades e a justiça social no ensino superior só serão atingidas quando todos os alunos, do público e do privado, pagarem as mesmas propinas, quando os alunos do público e do privado tiverem acesso às mesmas modalidades de acção social escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É em nome da igualdade de oportunidades, da justiça social e da solidariedade, valores tão caros a este Governo, que defendemos a aprovação, pela Assembleia da República, desta proposta de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, sabemos a opinião do Governo sobre esta matéria, mas, para ficarmos completamente esclarecidos e para termos a certeza de que não há nenhuma dissonância, gostávamos também de ouvir a opinião do Partido Socialista.
Sr. Deputado, diga-nos aqui que o Partido Socialista acha um bom critério, um critério rígido e rigoroso, indexar a propina ao valor do salário mínimo nacional, e não me refiro a uma percentagem do custo do aluno no ensino
superior.
É um valor simbólico, disse o Sr. Deputado. É, efectivamente, um valor simbólico para quem pode pagar, só que não resolve o problema. Mas é também um valor excessivo para quem não pode pagar e, portanto, também não resolve o problema.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Há a acção social escolar!

O Orador: - Quanto à acção social escolar, estamos tratados porque, em relação ao ensino superior privado, voltou a não ser resolvido o problema da paridade.
Sr. Deputado Fernando de Sousa, mais uma pergunta concreta. É tudo muito justo e é tudo muito rigoroso, mas um aluno que reprova dois anos, num curso de quatro, é tratado de igual forma como um aluno que reprova dois anos num curso de seis anos! Acha que um aluno que reprova em 50% dos anos ou um aluno que reprova em 33% dos anos devem ter igual tratamento em cursos completamente diferentes? Parece-lhe muito justo? Parece-lhe muito rigoroso?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, a palavra ao Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, julguei que me ia explicar, através de uma pergunta, a razão por que o PP vai votar contra.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso é complicado!

O Orador: - Porque repare: a propina tem um valor simbólico.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Não é simbólico. É político!

O Orador: - Continuo a dizer que o aumento da propina continua a ser um valor simbólico. Não tem grande significado para o estudante, mas tem significado para as instituições que as vão receber.

O Sr. Nuno Ribeiro da Silva (CDS-PP): - Essa é boa!

O Orador: - Porque quem a puder pagar, irá pagá-la; quem não a puder pagar, vai ser paga pela acção social escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas qual é a posição simbólica do PP neste debate e nesta votação? A posição simbólica é esta: se não vão votar esta propina, que está indexada ao salário mínimo, o que é que vão votar indirectamente? Vão votar que a propina continue simbólica, no valor de 1200$!
Gostava que me explicasse isso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo propõe hoje que se dê mais um passo na aplicação da sua cartilha que, infelizmente, nada tem de maternal. É a cartilha única da moeda europeia e do neoliberalismo que impõe fortes restrições nas áreas sociais. Desde a suspensão (imposta pela contestação social e estudantil) das leis

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das propinas do PSD, que nos sótãos conspirativos do Governo e do PS todos tentaram encontrar a melhor estratégia para reintroduzir o aumento das propinas. Deixaram para trás promessas várias, como a resolução dos graves problemas do ensino superior ou a garantia de que não se aplicariam as propinas sem que se fizesse a reforma fiscal.
Eis que surge a grande reforma que o Governo nos propõe para o sistema de ensino superior. Não é a expansão do ensino superior público, não é a melhoria da sua qualidade, não e a extinção do numerus clausus, mas, sim, a "propinização" do sistema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A diferença fundamental entre o que o Governo defende e o que o País realmente precisa é que o Governo encara a educação como uma despesa, quando devia tê-la como um investimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que caminha para a desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino superior negando o direito ao ensino e hipotecando o futuro do País. É disso que se trata aqui hoje. Por isso, o Governo e b PS, como antes o PSD, partem do princípio "quem quer educação, paga-a!". Partindo daqui, tenta mascarar este objectivo com o discurso do investimento na acção social escolar, que continua a ser ridiculamente insuficiente. Talvez por isso o Governo não concretiza, por exemplo, como serão os escalões para atribuição de bolsas de estudo. Ignora também os elevadíssimos custos indirectos da frequência do ensino superior, suportados na totalidade pelos estudantes e suas famílias. Na proposta do Governo, enquanto, por um lado, a propina está pronta a ser aplicada, a acção social escolar é um mar de indefinições e conceitos vagos, sem nenhuma garantia para os estudantes.
O PCP defende que a acção social escolar deve encarar os estudantes como trabalhadores intelectuais responsáveis e dar-lhes condições para que possam frequentar o ensino superior. É por isso que defendemos que a todos os estudantes sejam prestados apoios gerais nos domínios da alimentação, da assistência médica e medicamentosa, do apoio para transportes, dos elementos de estudo e material escolar e da informação e procuradoria.
Para além destes apoios gerais, devem, na nossa opinião, existir discriminações positivas para todos os que não disponham dos recursos económicos necessários, nomeadamente através de bolsas de estudo e apoio no alojamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ponto fundamental da nossa proposta é a participação obrigatória dos estudantes em todos os níveis de análise e decisão sobre a acção social escolar como forma de garantir a sua aplicação justa e alargada.
Outra proposta é a equiparação dos estudantes do ensino superior particular e cooperativo aos do ensino superior público para efeitos de acesso a todos os mecanismos de acção social escolar previstos.
Os anteriores governos, tal como este, mantêm o numerus clausus, enquanto restrição qualitativa global do acesso ao ensino superior público e é neste sentido que falamos de numerus clausus. Empurram todos os anos para o ensino privado muitos milhares de alunos, tantos deles não tendo as condições económicas necessárias para a frequência do ensino. É por isso justo que possam ter acesso aos mecanismos de acção social escolar.
Mas há uma diferença grande entre o que defendemos e o discurso normalmente dirigido por outros partidos aos estudantes do privado. É que o PCP defende este regime, enquanto se mantiver o numerus clausus e na perspectiva de lhe pôr fim, enquanto os outros partidos e o Governo não querem pôr fim ao numerus clausus e visam com a acção social escolar para o privado, mais do que apoiar os alunos, financiar indirectamente as instituições do ensino privado.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Será possível alcançar estes vários objectivos? Certamente que sim! Para isso, é preciso pôr fim ao subfinanciamento do ensino superior público e dos serviços de acção social escolar, à falta de investimento em
infra-estruturas e à política de desresponsabilização do Estado nesta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que não aceitamos é que continue a, cada vez maior, mercantilização dos saberes e a venda a retalho de um direito - a educação - que é de todos e de cada um.
Em matéria de financiamento do ensino superior, o Governo não se empenha: ilude, disfarça e até copia o frenesim "propineiro" que os anteriores governos também tinham.
É, portanto, um Governo cábula e em matéria de investimento do ensino superior público já prescreveu.

Aplausos do PCP.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, a fronteira entre aquilo que é a proposta da esquerda e a da direita corporizada no projecto de lei apresentado pelo PP, vai ficando cada vez mais clara - aliás, fiquei ainda sem saber, mas espero que o PSD esteja deste lado e não desse...!
De facto, mais uma vez, a esquerda confunde igualdade com equidade, porque não podemos, em nome da igualdade, tratar de forma igual aquilo que é diferente! Não podemos exigir aos alunos que paguem a mesma propina quando recebem serviços absolutamente distintos.

O Sr. Deputado colocou uma questão que é para o PCP, mas também para todos os portugueses e para todos os Deputados nesta Câmara, um objectivo: o de acabar com o numerus clausus. Porém, o que o senhor não explicou - e que eu gostava de ver esclarecido por parte do PCP - é como é que acabamos com o numerus clausus.

O Sr. António Filipe (PCP): - É fácil!

O Orador: - Objectivamente, é necessário mais investimento. Não é verdade, Sr. Deputado? Ora, se é necessário mais investimento, então de onde provém esse investimento?

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Do Orçamento do Estado!

O Orador: - Aumentamos os impostos? Retiramos aos outros subsistemas sociais? À segurança social? Será difícil!... Retiramos à saúde? Também será difícil, seguramente!... Então, qual o modelo de financiamento que o PCP propõe para que haja mais investimento e, por via desse aumento, haja, efectivamente, maior oferta e através desta se acabem com o numeras clausus?
Quanto à acção social escolar, há uma grande contradição entre aquilo que o PCP gosta de apregoar, afirmando-se como o grande paladino da defesa dos interesses dos trabalhadores, por isso gostaria de dizer-lhe que a realidade, hoje, tem sido escamoteada e distorcida junto da opinião pública.
A verdade é que, hoje em dia, ao ensino superior público têm acesso os estudantes que provêm das famílias com recursos económicos mais abastados, enquanto que frequentam o ensino superior privado os alunos que provêm de famílias mais humildes com maiores dificuldades económicas.
Ora, assim sendo, não compreendo como é que o Sr. Deputado não concorda com um sistema de acção social que olhe para o aluno apenas e só em função da sua condição económica, independentemente de ele estar numa instituição privada ou pública.
Não se trata de financiar nem de encontrar instrumentos camuflados, como o senhor disse na sua intervenção, para financiar o ensino privado. Não é isso que está em causa. O que está em causa - e penso que isso é uma questão fundamental - é garantir a liberdade de opção, porque só haverá qualidade de ensino quando forem as universidades a procurar os estudantes, em vez de serem estes a bater às portas das universidades. Esta, sim, é a grande questão! Quando as universidades tiverem de competir, entre elas, pela dignidade, pela qualidade do ensino ministrado, então, aí sim, seguramente, será feita a destrinça entre o trigo e o joio. Por isso não compreendo a sua intervenção, nomeadamente o reparo que fez quanto à proposta de a acção social escolar ser alargada aos estudantes do ensino particular e cooperativo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Deputado, acho incrível que o senhor diga que o PCP defende que se trate de forma igual o que é diferente.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Se ninguém paga...!

O Orador: - É precisamente o contrário, Sr. Deputado! O que nós propomos é que se trate de forma diferente aqueles que têm necessidade de apoio da acção social escolar e que, portanto, não têm recursos económicos suficientes.
Aconselho o Sr. Deputado a ler o nosso projecto de lei,...

O Sr. José Calçada (PCP): - Ler ao pormenor!

O Orador: - ... onde vem explicado esta elaboração de princípios e como se aplica esta questão às situações concretas.
Portanto, é verdade que temos de tratar de forma diferente aquilo que é diferente, discriminando positivamente todos os que têm maiores necessidades e que não têm os recursos económicos necessários. Agora, não percebo como
é que o senhor defende esse princípio e está de acordo com a existência de propinas.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Mas de onde vem o dinheiro?

O Orador: - Porque essa discriminação positiva faz-se na acção social escolar, garantidas que estejam todas as condições para que quem quiser possa frequentar o ensino superior público.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes ): - Muito bem!

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Mas de onde vem o dinheiro?

O Orador: - Quanto a saber como acabar com o numeras clausus e de onde vêm os recursos, o que o povo costuma dizer, Sr. Deputado, é o seguinte: dinheiro há, está é mal distribuído!...

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes ): - Exactamente!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Provavelmente, é aí que discordamos!
Provavelmente, ao contrário do que afirmam, muitas vezes aos gritos e eloquentemente, os Srs. Deputados do PP não se mostram assim tão em oposição à moeda única e aos critérios de convergência,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... porque se estivessem encontravam aí uma solução mais do que suficiente para poder canalizar mais investimento e recursos para a educação. Sejam coerentes nesse aspecto, Srs. Deputados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, fiquei muito contente por me ter feito este pedido de esclarecimento, porque esperava, sinceramente, que o senhor, após ter analisado o nosso projecto de lei e ouvido as intervenções que aqui fizemos, viesse dizer que concordava com as nossas propostas, pelo menos no que respeitam à acção social escolar.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - O senhor é que não concorda connosco! Há cinco anos que o dizemos!

O Orador: - De facto, apoiar também os estudantes do ensino privado é uma questão importante, mas não pode ser utilizada da forma demagógica, como, por vezes, acontece. É que a justificação para que se apoiem os estudantes do ensino privado é, por um lado, a existência de um sistema de numerus clausus, que os empurra para esse subsistema de ensino, e, por outro, o facto de muitos deles não terem condições económicas suficientes para frequentar o ensino superior, seja público ou privado. E é neste pressuposto que se propõe este apoio.

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O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - E a liberdade de opção?

O Orador: - O que, por vezes, se vislumbra nas propostas do seu partido e nas de outros - justiça lhe seja feita - é que não apoiam, verdadeiramente, os estudantes mas, sim, através do apoio dos estudantes, financiam o ensino privado, quando, tantas vezes, se invoca a falta de recursos para um verdadeiro financiamento do ensino superior público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: E com isto manifestamente não estamos de acordo!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, agradecer ao PP ter-me cedido 2 minutos para poder fazer esta intervenção final.
Gostaria de saudar a forma elevada e serena como este debate decorreu, como todos nós actuámos, e registar a posição assumida pelo PSD na intervenção que produziu o Deputado Carlos Coelho.
A questão para mim não é a de ganhar ou perder. A questão para mim, neste debate, é a de saber se conseguimos encontrar as soluções que permitam ao ensino superior ser financiado de forma eficaz.
O debate mostrou que a proposta de lei apresentada é uma proposta global que contém todos os mecanismos que devem existir - e aqui não foi enumerado qualquer mecanismo que devesse ser introduzido na lei e que não o fosse previamente -, a solução encontrada é simples, toda a gente a entendeu, é justa...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Justa não é!

O Orador: - ... não apenas em relação às propinas mas, sim, ao papel do Estado e é, sobretudo, exequível.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É fácil, mas não é justa!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Coelho, o senhor hoje teve aqui, se me é permitido, um ameaço de autismo, porque escreveu o seu discurso antes de ter ouvido o meu...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Claro!

O Orador: - ... e, por isso há duas correcções que tenho de fazer-lhe: a primeira tem a ver com o facto de ter criticado a rigidez da definição de "propina". É propositado, porque é a única forma que temos de manter o
carácter da propina...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Eu ouvi! Mas é uma má solução!

O Orador: - Se o Sr. Deputado Carlos Coelho tiver ocasião de ler o Relatório Webber do Conselho da Europa, verificará que esta é a solução assumida consensualmente no Conselho da Europa, em Setembro último, depois de quatro anos de reflexão sobre esta matéria.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas é uma má solução!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - É uma solução importada!...

O Orador: - Gostava, ainda, de dizer-lhe o seguinte: em relação à questão das famílias, que é uma questão importante, nós tratámo-la através de um acordo que assinámos com a CONFAP em que o apoio à família é feita por via do desconto no IRS das despesas com a educação.
Como sabe, é uma questão que foi negociada aqui, em termos de lei do Orçamento do Estado, e foi por esta via que conseguimos fazer a compensação das famílias, pois não é em sede de propinas que se faz a correcção das assimetrias dos rendimentos familiares.
Segundo, gostaria de deixar aqui uma última nota relativamente à posição assumida pelo Sr. Deputado Carlos Coelho. Nós não chegámos a saber o que é que, verdadeiramente, o PSD pensa, porque não propõe nada.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Ó Sr. Ministro...!

O Orador: - O que é que propõe o PSD desde que há um ano e meio eu aqui venho? O PSD propôs duas coisas: a chamada lei das vagas adicionais, mais tarde, pelo Sr. Deputado consideradas "vagas loucas", mais tarde vagas inconstitucionais e, mais tarde ainda, vagas inúteis, porque ninguém se queixou...

Risos do PS.

Mas, finalmente, fez um projecto de lei que, hélas, nos dava a devolução dos pagamentos das propinas que o Governo do PSD tinha estabelecido. Ora, eu isto percebo, e não estou a criticá-los por isso, porque os mecanismos constitucionais funcionam. Contudo, esperava - e isso era bom para a educação - que o PSD começasse a estudar os problemas para poder fazer propostas, porque é muito difícil, para nós, poder ter em sede...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Nós estamos a atacar as propostas do Governo e o senhor tem é de defender a sua proposta! Isso é surrealista!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho e Sr. Ministro, não entrem em diálogo, por favor. Aliás, o Sr. Ministro já esgotou o seu tempo, pelo que lhe agradeço que termine.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Nós estamos a atacar as propostas do Governo e o senhor tem é de defender a sua proposta!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, por favor!...

O Orador: - Para terminar, gostaria apenas de dizer, se me é permitido, que o debate, tal como foi conduzido por todas as bancadas, com a coerência que cada um dos grupos parlamentares manteve ao longo do debate, foi para

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nós um bom debate que mostra que este tema é central da política educativa.
Porém, não esgota a questão do financiamento e o que eu disse no meu discurso, e repito-o, é que a Câmara terá ocasião de chamar, se assim o entender, para ratificação o diploma que vamos aprovar relativo à flexibilização da
gestão, diploma esse que tem sido, por algumas pessoas menos conhecedoras do que é a gestão universitária, considerado como um diploma de segunda ordem, mas que é um diploma de primeiríssima grandeza. Eu diria, como já afirmei a um jornal, que é um diploma que tem tanta ou mais importância quanto esta proposta de lei sobre o financiamento do ensino superior público.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate.

O Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo, 2.ª Secção, dos Juízos Criminais de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Hugo Velosa (PSD) a depor, como testemunha, em audiência de julgamento, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião realiza-se amanhã, pelas 15 horas, com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia, no qual procederemos à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.os 79 e 80/VII. Haverá ainda lugar a votações à hora regimental.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Adérito Joaquim Ferro Pires.

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
José Manuel Costa Pereira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José da Conceição Saraiva.
Mário Manuel Videira Lopes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Mendes Bota.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.

Partido Comunista Português (PCP):

Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO
da Assembleia da Republica

Depósito legal n.º 8818/85

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